História Da Matemática Na Pre História - Vol 1 - Paleolítico PDF
História Da Matemática Na Pre História - Vol 1 - Paleolítico PDF
História Da Matemática Na Pre História - Vol 1 - Paleolítico PDF
com
ISBN 978-85-60124-10-7
Manoel de Campos Almeida nos brinda com uma segunda edição de seu livro
Origens da Matemática, publicado em 1.988. Fui honrado pelo seu convite para
escrever um Prefácio para esta nova edição. Conheço-o há muito tempo, mas somente
há cerca de 20 anos, ao ler seu livro, soube de seu interesse específico pela história dos
primeiros desenvolvimentos da Matemática. A História da Matemática costuma partir
da análise das fontes tradicionais, principalmente escritas. Enfoques mais ousados
analisam monumentos e práticas religiosas. Mas são poucos aqueles que enveredam
pela pré-história. O autor enfrentou o desafio de entender como a matemática vai
tomando forma desde os primórdios da evolução da espécie. Tal pesquisa, de natureza
holística, depende do apoio de disciplinas tradicionais, entre outras a filosofia, a
genética, a arqueologia, a antropologia, a lingüística, a paleologia, o que levou o autor a
adotar um enfoque transdisciplinar e transcultural.
Escrever este Prefácio foi para mim muito prazeroso. Não só por atender ao
honroso convite do amigo, mas pela oportunidade de refletir sobre um tema ao qual
venho me dedicando há muito tempo, que é a emergência de uma forma de fazer/saber
que identificamos como matemática. O que sabemos da espécie humana? Nossa espécie
é, de acordo com fontes científicas conceituadas, uma evolução de mamíferos primatas,
e nossos primeiros ancestrais, os australopitecos, cujos fósseis foram encontrados na
África Central, desenvolveram bipedismo, um cérebro evoluído, um sistema sofisticado
de comunicação, que é a linguagem, e a capacidade de fabricação e utilização de
instrumentos, como o fogo, utensílios de pedra lascada e a lança.
Ubiratan D’Ambrosio
A MATEMÁTICA
“As perspectivas do meu livro não são decerto muito belas. Com
efeito, é claro que ele não agradará àqueles matemáticos que,
logo que encontram qualquer expressão lógica como “conceito”,
“relação”, “juízo”, pensam de imediato: “Methaphisica sunt, non
leguntur!”, nem àqueles filósofos que, vendo uma fórmula,
exclamam: “Mathematica sunt, non leguntur!”. E são muito
poucos aqueles que não pensam assim”.
Gottlob Frege
Questões arquetípicas
• O que é a Matemática?
• Qual a sua natureza?
• Quando surgiu a Matemática?
• Onde surgiu a Matemática?
• Por que a Matemática surgiu?
• Como surgiu?
• Quais suas primeiras manifestações?
• Quem foi responsável por elas?
Portanto, existe um mundo das idéias / formas, objetos atemporais, logo eternos,
independentes do pensamento e definidos, diferente do mundo da percepção temporal.
Porém, a afirmativa de que o mundo material se torna compreensível através da hipótese
das idéias/formas deixa em suspenso um problema fundamental: como podemos
conhecer essas realidades, invisíveis e incorpóreas? Os sentidos só podem conhecer o
que é corpóreo, e a simples admissão de que existe um mundo das idéias não é
suficiente. É preciso que se admita um conhecimento das idéias incorpóreas que
antecede o conhecimento fornecido pelos sentidos.
Fig.1.1
De que forma o menino escravo tem conhecimento disso? Sócrates argumenta que
o menino não aprendeu tal coisa durante sua vida mortal, de modo que o seu
conhecimento deve ser uma recordação da vida antes de seu nascimento.
3. Deste modo, deve existir um reino de verdade absoluta, imutável, a fonte e base
do nosso conhecimento do bem (no caso o mundo das idéias matemáticas).
Segundo o platonismo, os objetos matemáticos são reais. Por isso, essa corrente
também é conhecida como realismo. Sua existência é um fato concreto, independente do
nosso conhecimento sobre eles. Conjuntos infinitos, curvas que preenchem o espaço,
hiperesferas, variedades de dimensão infinita, fractais - todos os membros do zoológico
matemático, para empregar uma expressão de David & Hersch, são objetos definidos,
com propriedades definidas, que existem fora do espaço e do tempo da experiência
física.
“São imutáveis - não foram criados, nem mudarão ou desaparecerão. Qualquer resposta
significativa sobre um objeto matemático tem resposta definida, quer sejamos capaz ou não de determiná-
la. Segundo o platonismo, um matemático é um cientista empírico, como um geólogo; não pode inventar
nada, pois tudo já existe, o que pode fazer é descobrir coisas” (Davis & Hersch, 1.985, p. 359).
“Platão não considerava a matemática como uma idealização, feita pelos matemáticos, de certos
aspectos do mundo empírico, mas a descrição de uma parte da realidade” (Körner, 1.985, p. 20).
Platão frisou que o raciocínio usado na geometria não se refere às figuras, esboços
ou desenhos visíveis, mas às idéias absolutas que elas representam.
Vamos analisar algumas das críticas. Identificar números com numerais é uma
idéia ingênua, pois existem números infinitamente grandes, infinitamente maiores que o
número total de todas as partículas do universo. Mesmo associando a menor partícula
elementar a um número, mesmo assim existem infinitamente mais números que
partículas. É impossível encontrar objetos que correspondam a toda a série de números
possíveis.
Por conseguinte, o nominalismo, entendido como teoria que nega o valor ideal e
autônomo da matemática, reduzindo-a a interpretação ou tradução mental de realidades
e relações concretamente existentes, é incapaz de justificar a natureza e a extensão desta
disciplina.
Este embaraço ainda nos acompanha, pois temos a tendência de esquecer que o
ponto de vista científico moderno ganhou supremacia somente no século XIX, para o
que positivismo de Augusto Comte contribuiu de maneira significativa.
O ponto importante é a tese kantiana de que “sem a intuição sensível não nos
seria dado nenhum conceito”, isto é, a intuição dos sentidos pressupõe a intuição pura:
nossos sentidos não podem fazer o seu trabalho sem ordenar as suas percepções na
estrutura de espaço e tempo. Desse modo o espaço e o tempo são anteriores a todas as
intuições dos sentidos, e as teorias do espaço e tempo, ou seja, a geometria e a
aritmética, são válidas a priori. A fonte de sua validade a priori é a faculdade humana
de intuição pura, que se limita estritamente a este campo e que é estritamente distinta
do modo intelectual ou discursivo de pensar.
Por volta de 1900 o céu logicista começou a apresentar nuvens negras, com a
descoberta de numerosos paradoxos (ou antinomias) na teoria dos conjuntos.
Há conjuntos que podem pertencer a si mesmo; por exemplo, o conjunto de todos
os conjuntos, que, por ser um conjunto, pertence a si mesmo. Mas existem conjuntos
que não pertencem a si mesmos; é o caso do conjunto de todos os homens, que, por não
ser um homem, não pertence a si mesmo. Consideremos, agora, o conjunto A formado
por todos os conjuntos que não pertencem a si mesmos. Pelo princípio do terceiro
excluído, A pertence ou não pertence a A. Suponhamos que A pertence a A; então, como
A é o conjunto de todos os conjuntos que não pertencem a si mesmos, A não pode
pertencer a A. Admitamos, então, que A não pertença a A; logo, de acordo com a
definição de A, este conjunto deve pertencer a si mesmo. Há, por conseguinte, uma
contradição.
Este paradoxo e outros mostraram que a lógica intuitiva estava longe de ser mais
segura que a matemática clássica, pois podia conduzir a contradições que não ocorriam
na aritmética ou geometria.
Os paradoxos, afirma Russel, têm origem em uma espécie de círculo vicioso, que
surge quando se supõe que uma coleção de objetos pode conter membros definíveis
somente por meio da coleção como um todo. As totalidades ilegítimas seriam
eliminadas, segundo Russel, pela aplicação do princípio do círculo vicioso: “tudo o que
envolve uma coleção não pode ser membro dessa coleção”. Quando se define um ente
matemático qualquer violando o princípio do círculo vicioso, diz-se que a definição
correspondente é impredicativa.
Para aplicar efetivamente este princípio, Russel edificou a teoria dos tipos
lógicos, introduzindo uma hierarquia na teoria dos conjuntos. As diversas entidades de
que trata a lógica, a saber: elementos, conjuntos, proposições, propriedades, etc., são
dispostas numa hierarquia de tipos distintos. Para os conjuntos, por exemplo, têm-se,
primeiro, os elementos: (tipo zero); depois, conjuntos de (elementos = conjunto do tipo
zero): (tipo 1); em seguida conjuntos de (conjuntos de elementos = conjunto do tipo 1):
(tipo 2); e assim por diante. Por essa hierarquia verifica-se que nenhum conjunto pode
conter a si próprio como elemento, mas apenas conjuntos do tipo inferior, eliminando
assim os paradoxos.
Além disso, a teoria dos tipos não permite as definições impredicativas em geral,
o que sacrifica capítulos importantes da matemática clássica (como a teoria dos números
reais de Dedekind). Para evitar esse sacrifício, Russel foi forçado a formular o axioma
da redutibilidade, para contornar os obstáculos surgidos.
Esse axioma afirma que, dada qualquer propriedade (ou conjunto) de ordem maior
do que zero, existe uma propriedade (ou conjunto) da ordem zero que lhe é equivalente.
Além do axioma da redutibilidade, Russel teve que assumir mais dois axiomas1, o do
1
Como são muito técnicos, não vamos apresentá-los aqui, sugerimos a leitura de, por exemplo, Costa (1980, p.14-
17).
infinito e o da escolha, também conhecido como axioma de Zermelo, sem os quais teria
que renunciar a importantes segmentos da matemática.
Estes axiomas são apresentados como hipóteses plausíveis sobre o mundo real,
não têm, portanto, caráter lógico estrito, dado que as leis da lógica deveriam ser
independentes deste ou daquele fato relativo ao mundo real. Do ponto de vista da lógica,
nada impede que se possa dar justamente o oposto ao enunciado nestes axiomas. A
lógica, por si só, mostra-se impotente para fundamentar esses axiomas.
“Eu queria certeza da mesma maneira que as pessoas querem fé religiosa. Eu pensava que a
certeza é mais provável de ser encontrada na matemática do que em qualquer outra coisa. Mas descobri
que muitas demonstrações matemáticas, que os meus professores esperavam que eu aceitasse, estavam
cheias de falácias, e que, se a certeza pudesse ser realmente descoberta na matemática, seria em um novo
campo da matemática, com fundamentos mais sólidos do que os que tinham até então sido considerados
seguros. Mas enquanto o trabalho prosseguia, eu me lembrava constantemente da fábula sobre o elefante
e a tartaruga. Tendo construído um elefante sobre o qual poderia repousar o mundo matemático, vi que o
elefante cambaleava, e passei a construir uma tartaruga [sobre a qual se apoiava], para evitar que ele
caísse. Mas a tartaruga não estava mais segura que o elefante, e após uns vinte anos de trabalho muito
árduo, cheguei à conclusão de que não havia mais nada que eu pudesse fazer a fim de tornar o
conhecimento matemático indubitável” (Russel, apud D&H, 1.985, p. 375).
Hoje em dia sabe-se que não existe uma única lógica, mas sim várias. Pode-se
afirmar que para cada categoria de pensamento racional existe uma lógica subjacente.
Reconhece-se que as categorias racionais de pensamento e as suas lógicas subjacentes
evoluem, se modificam no transcorrer da história, o que nos autoriza a falar em
historicidade da razão2; isso, porém, não invalida que alguns princípios lógicos
manifestam-se como invariantes do decurso do tempo. Há, portanto, um núcleo de
racionalidade invariável, que vai se formando ao longo da história.
2
Costa, 1.980, p.41.
Costa (1.980) distingue três princípios, que denomina de princípios pragmáticos
da razão: a) o princípio da sistematização: a razão sempre se expressa por meio de uma
lógica; b) o princípio da unicidade: em um dado contexto, a lógica subjacente é única; c)
princípio da adequação: a lógica subjacente a um dado contexto deve ser a que melhor
se adapte a ele.
O método alcançou seu estado quase definitivo com a obra do analista alemão
David Hilbert, “Grundlagen der Geometrie” (Fundamentos da Geometria), publicada
em 1.899.
As idéias racionais são expressas por meio de palavras, logo, sem uma linguagem
processos racionais não podem ser transmitidos. O estudo da origem das línguas está,
portanto, intimamente ligado ao estudo da origem do pensamento racional,
conseqüentemente da Matemática. Inicialmente processos racionais eram comunicados
discursivamente. Somente em um estágio posterior, com a descoberta do pensamento
simbólico, é que essa comunicação passou a se efetuar de uma forma não verbal. Isso
implica igualmente em que a análise das origens do pensamento simbólico é
fundamental para quem deseja compreender as origens da Matemática.
“Popper afirmou que as teorias científicas não são deduzidas indutivamente dos
fatos; ao contrário, são inventadas como hipóteses, até mesmo adivinhações, e são então
submetidas a testes experimentais com os quais os críticos tentam refutá-las. Uma
teoria tem o direito de ser considerada científica, disse Popper, somente se é, em
princípio, capaz de ser observada e arriscar-se a ser refutada. Uma vez que uma teoria
tenha sobrevivido a tais testes, adquire certo grau de credibilidade, e pode ser
considerada experimentalmente estabelecida; mas nunca é demonstrada. Uma teoria
científica pode ser objetivamente verdadeira, mas nunca poderemos saber isto com
certeza.”(D&H, op.cit., p.387).
Carl G. Hempel em seu artigo “On the Nature of Mathematical Truth” (in
Newman, 1.956, p. 1.619 ss.), discorda da corrente que afirma que as verdades
matemáticas são “auto-evidentes”.
“Eu argumentei que a validade da matemática repousa não em seu alegado caráter
auto-evidente, nem em qualquer base empírica, mas sim deriva de estipulações as quais
determinam o significado dos conceitos matemáticos, e que as proposições da
matemática são assim essencialmente “verdadeiras por definição”(Hempel, in Newman,
1.956, p.1.622). Estipulações, para Hempel, são os axiomas e as definições de uma
teoria axiomática.
Assevera Hempel: “... o inteiro sistema da matemática pode ser dito ser
verdadeiro em virtude de meras definições (dos termos matemáticos não primitivos)
desde que os cinco postulados de Peano sejam verdadeiros” (op.cit., p. 1.626).
WEYL, já em 1.944, notava que matematizar pode bem ser uma atividade
criativa do homem, como linguagem ou música; uma atividade do seu pensamento,
melhor apreciada historicamente (KLINE, 1.980, p. 318).
3
Cf. Gerdes, in POWELL & FRANKENSTEIN, 1.997, p. 337.
saber/fazer e de predizer (artes divinatórias) o futuro. Todas aparecem mescladas e
indistinguíveis como formas de conhecimento, num primeiro estágio da história da humanidade e
na vida pessoal de cada um de nós” (D’AMBROSIO, 2.002, p. 60 e s.).
“... a ciência é uma história, não um problema lógico (p.111). (...) “Não há um [único] senso
comum, mas vários (...). Tampouco há somente uma [única] forma de conhecimento – ciência -,
mas muitas e (antes de serem destruídas pela Civilização Ocidental) elas eram eficazes no
sentido de que mantinham as pessoas vivas e tornavam compreensíveis suas existências “
(p.151).
Qualquer ser humano que utilize, de modo consciente e racional, entes, conceitos
e processos matemáticos estará, portanto, matematizando, ou seja, praticando uma
atividade matemática. Passemos agora a analisar as correntes filosóficas mais modernas
sobre a natureza a matemática.
Lembramos que nas teorias materialistas o mental não é distinto do físico, ou seja,
todos os estados mentais (incluindo aqui os objetos matemáticos) são idênticos a
4
Para detalhes consultar KÖRNER (1.985) e também COSTA (1.980).
estados físicos. Como elas procuram reduzir o nível mental ao físico, são também
cognominadas de teorias reducionistas. Entre essas destacamos a neuronalista,
impulsionada a partir de 1.980 principalmente por Jean Pierre Changeux e Stanilas
Dehaene.
“O objeto mental é identificado com o estado físico criado pela entrada em ação (elétrica e
química), correlacionada e transitória, de uma grande população ou “reunião” de neurônios
distribuídos por diversas áreas corticais bem definidas. Este conjunto, que matematicamente se
descreve por um grafo (mapa), é “descontínuo”, fechado e autônomo, mas não homogêneo. É
constituído por neurônios que apresentam diferentes peculiaridades adquiridas durante o
desenvolvimento embrionário e pós-natal. O bilhete de identidade da representação é inicialmente
determinado pelo “mosaico” (grafo) de peculiaridades e pelo estado de atividade (número,
freqüência dos impulsos que o atravessam)” (Changeux, 1.985, p; 144).
5
Cf. De Cruz, Lakoff, Nunez.
Isso parece ser uma limitação inerente ao gênero homo, tal como sua
impossibilidade de visualizar integralmente objetos pertencentes a espaços com
dimensões superiores a três.
Uma crítica a essa corrente é que não distingue entre fatos ou objetos matemáticos
e o nosso conhecimento desses fatos. Um fato matemático seria, por exemplo, que a
função x2 é uma função par. A comunidade matemática não pode alterar esse fato, não é,
portanto, uma realidade histórico-social-cultural. É o conhecimento desse fato que é um
construto histórico-social-cultural. De certa forma, esta crítica retoma as idéias do
platonismo acerca de objetos matemáticos enquanto ideais, contrapondo-os ao seu
conhecimento.
Deixamos propositalmente esta corrente para o final. Porém, isto não significa que
a atitude pragmática só recentemente começou a se desenvolver. Pelo contrário, está
presente há muito tempo no comportamento dos matemáticos.
Para ele, dado um problema o que importa é sua solução. Qual a escola que deve
adotar? O logicismo, o intuicionismo ou o formalismo? “Qualquer coisa serve”, nas
palavras da conhecida sentença de Feyerabend:
“Não existe regra única, por mais plausível que seja e por mais alicerçada que esteja na
epistemologia, que não possa ser violada de um momento para outro. Tais violações não são eventos
acidentais ... Pelo contrário, são necessárias ao progresso... Só existe um princípio que pode ser defendido
em todas as circunstâncias, e em todos os estágios do desenvolvimento humano. É o princípio: Qualquer
coisa serve [desde que produza resultados]” (Feyerabend, apud Kneller, 1.980, p.79).
Para ele, o problema das ciências matemáticas puras resume-se assim: dado um
conjunto de axiomas e convenções metalingüísticas (sintáticas, semânticas e
pragmáticas), que definam uma linguagem objeto ideal, procurar as conseqüências de
tais suposições.
RENN (id.) levanta diversos pontos que podem ser aplicados a uma avaliação de
determinado episódio da história da ciência sob a ótica da epistemologia histórica, entre os
quais:
2.) Um único modelo mental pode servir para diferentes teorias científicas. Às vezes a
História da Ciência tradicional tende a negligenciar a importância dessas profundas
estruturas de conhecimento que, por se enraizarem em modelos mentais do dia-a-dia,
tendem a ser menosprezadas, o que pode acarretar limitações em explicações históricas.
3.) Embora o conhecimento prático dos cientistas (ou engenheiros) da antigüidade não
fosse cabalmente embasado em teorias cientificas (a mecânica, p.ex.), ele não era
completamente vazio de estruturas cognitivas, tais como as que governam o pensamento
cotidiano. Se essas estruturas puderem ser descritas e analisadas como modelos mentais,
elas podem ser sistematicamente comparadas com aquelas que compõem o substrato dos
trabalhos científicos contemporâneos. Os processos de pensamento dos construtos teóricos
das ciências são saturados de conhecimentos empíricos, que não podem, na maioria das
vezes, ser constatados ou deduzidos de fontes históricas.
4.) Existe uma interação dos desenvolvimentos científicos localizados, concentrados,
ou no tempo ou no espaço, ou socialmente ou culturalmente, e o desenvolvimento global
da ciência. É uma interação estrutural sutil, que somente estudos de amplo escopo talvez
possam revelar.
A Epistemologia Histórica de RENN, a nosso ver, propugna para as ciências o
mesmo que o movimento Etnomatemática de D`AMBROSIO propõe para a matemática,
ou seja, o estudo da disciplina dentro do seu contexto histórico sócio-cultural, e este é o
direcionamento que adotaremos para nossos estudos.
CAPÍTULO II
HISTÓRIA E PRÉ-HISTÓRIA
O. Neugebauer
Por exemplo, se definirmos como 3.000 a.C. essa fronteira no tempo, válida em
todo o globo, fatos ocorridos antes desta data seriam pré-históricos; depois históricos.
Essa data mais ou menos coincide com a invenção da escrita pela humanidade. Como
essa divisória não existe na realidade, embora vivamos hoje em plena era da
informatização, das missões espaciais, dos engenhos nucleares, portanto na era
histórica, coexistimos com povos pré-históricos, como os silvícolas da floresta
amazônica, os aborígines da Austrália e Nova-Zelândia, entre outros. Logo, história e
pré-história, nesta acepção, podem ser contemporâneas.
Essa visão somente começou a se alterar quando Sir Charles Lyell (1.797-
1.875), professor de geologia do King´s College, em Londres, publicou seu
imensamente importante “Principles of Geology” em 1.830, onde afirmava que as
camadas das rochas sedimentares e os fósseis que elas continham indicavam uma
antiguidade da terra até então insuspeitada. Essas opiniões incomodaram cristãos
fundamentalistas e alguns geólogos, que insistiam que os fósseis eram os remanescentes
de um período antediluviano, desse modo constituíam-se em testemunhos confirmativos
da história bíblica do dilúvio e da arca de Noé.
Esse mecanismo, a evolução, foi proposto por Charles Robert Darwin (1.809-
1.882), em seu livro “On the Origin of Species by Means of Natural Selection”,
publicado em 1.859. A frase “a sobrevivência dos mais aptos”, que resume essa teoria,
foi cunhada pelo filósofo inglês Herbert Spencer, em 1.865, o que foi reconhecido por
Darwin em sua edição de 1.869 da Origin of Species.
Em 1.865, Sir John Lubbock, Lord Avebury, publicou o seu imensamente popular
livro “Prehistoric Times”, onde subdividiu a Idade da Pedra em duas, cunhando assim
os termos Paleolítico e Neolítico.
Um desses elos foi encontrado onze anos após a morte de Darwin, por Eugène
Dubois. Escavando em um velho leito do Rio Solo, em Java, onde nativos tinham
achado “restos de gigantes”, encontrou ossos de uma criatura semelhante a um macaco,
mas que caminhava ereto, à qual denominou de Pithecanthropus erectus, o homem
macaco ereto. Cognominado de Homem de Java, presentemente foi renomeado como
Homo erectus e incluído na escala evolutiva humana, longe do macaco. Esse achado
provocou tal onda de furor, alimentada principalmente pela Igreja, que Dubois trancou
os ossos em um cofre na Holanda, onde permaneceram ocultos e não estudados até o
século vinte.
8.000
11.000
13.000
Protomagdaleniano ou Badeguliano)
15.000
Solutreano
18.000
Proto-Solutreano
20.000
Gravetiano
27.000
Aurignaciano
30.000
Chatelperroniano
35.000
45.000
Em 1.879, Don Marcelino Sanz de Santuola, com sua filha Maria, começou a
explorar uma caverna na sua propriedade em Altamira, na costa norte da Espanha,
procurando peças de art mobílier, com os olhos fixos no chão. Maria, olhando para
cima, descobriu os hoje famosos bisões pintados no teto da caverna, que se constituem
nos primeiros exemplos reconhecidos da arte parietal,ou seja, de pinturas, desenhos ou
esculturas executadas nas paredes, tetos ou recônditos de cavernas ou abrigos.
Inicialmente essas pinturas foram consideradas uma fraude, somente foram aceitas
como verdadeiras quando o Abade Henri Breuil, então conhecido como o “papa da pré-
história”, as certificou como legítimas obras de arte pré-históricas.
Técnicas de Datações
Conhecendo estes fatos, Libby divisou duas hipóteses: primeiro, admitiu que a
meia-vida do C-14 é de 5.568 anos; segundo, que a razão entre o C-14 e o C-12
existente na atmosfera se tem mantido constante, desde os remotos tempos pré-
históricos até a explosão da primeira bomba atômica. Admitindo-se essas hipóteses
como verdadeiras, pode-se, medindo-se a sua radioatividade, estimar a idade de
qualquer material orgânico encontrado em escavação.
A datação por traços de fissão é outra técnica da datação radioativa que pode ser
empregada para determinar a idade de artefatos com minerais contendo urânio. O urânio
neles contido pode eventualmente se fissionar e as partículas resultantes gravam
pequenos traços nesses minerais. Esses traços de fissão são criados a uma razão
constante através do tempo, de modo que se se determinar a quantidade de traços
presentes é possível conhecer o tempo decorrido desde que a acumulação começou.
Assim, essa técnica particular é útil na determinação de idades entre vinte e um milhão
de anos. È adequada para vidros naturais e manufaturados, pedras empregadas em
fogueiras usadas para aquecimento ou cocção de alimentos, bem como qualquer
cerâmica queimada, como potes ou tijolos.
A antigüidade do saber
A tese principal desta doutrina era edificada sobre teorias mirabolantes acerca da
"antiquíssima idade" da astronomia caldaica, combinada com pretensa "visão do
mundo" (Weltanschauung) babilônica baseada em paralelismo entre o "microcosmo e o
macrocosmo". Todos os fenômenos na cosmogonia, na religião e na literatura clássicas
eram rastreados até as suas "origens" nesta filosofia cósmica hipotética dos babilônios.
Franz Xavier Kugler (1.862-1.929), grande erudito jesuíta, foi um dos poucos
sábios na Alemanha que não sucumbiu aos apelos dessa visão pãbabilonística. Ele e
outros defendiam que as similaridades entre astro-mitologias, que os pãbabilonistas
citavam como exemplos de difusão da ciência babilônica, podiam ser explicadas
facilmente pelo fato de que todas as raças testemunhavam os mesmos eventos sob os
mesmos céus. Além disso, em pequeno livro intitulado "Im Bannkreis Babels", mostrou
dramaticamente os absurdos que os métodos pãbabilonísticos originavam. Kugler
começou sua carreira como professor de química e, quando o Padre Joseph Epping
morreu, em 1.894, continuou a sua obra na decifração da matemática e astronomia
cuneiforme.
O ponto em comum entre esses três modelos, como bem observa Pettinato6 é a
intolerância recíproca. Não admitem que possa ter havido intercomunicação ou
colaboração mútua entre os diversos povos ou culturas.
Que os gregos deviam grande parte de seu conhecimento aos “bárbaros” é fato
reconhecido desde a antiguidade, porém convenientemente esquecido durante bastante
tempo, mormente devido à Filosofia Escolástica imperante na idade média a qual, com
o ditatorial suporte da Igreja, propugnava o predomínio da filosofia grega. Isso ocorria
porque sua doutrina se apoderou de considerável parcela do conhecimento grego,
adequadamente transmutada pelos pais da Igreja, notadamente Agostinho e Tomás de
Aquino, em doutrina cristã.
6
1.998, p.335.
Monogênese ou Poligênese
Talvez estejamos fadados a nunca termos uma resposta cabal a esta questão, o
que, contudo, não nos impede de analisá-la, ao contrário, atiça ainda mais nossa
curiosidade sobre ela.
Van der Waerden (1.983) afirma que três descobertas recentes alteraram
substancialmente o saber acadêmico tradicional sobre as origens da Matemática.
A segunda descoberta foi feita por Bartel Leenert van der Waerden e publicada
em 1.983, no seu livro Geometria e Álgebra nas Antigas Civilizações. Comparou a
antiga coleção chinesa de problemas Nove capítulos da Arte Aritmética com coleções de
problemas matemáticos babilônios, encontrando tantos pontos em comum que a
conclusão de que provinham de uma mesma fonte pré-babilônica lhe pareceu inevitável.
Do mesmo modo, nesta fonte o teorema de Pitágoras também desempenha papel
central.
7
Para maiores explicações sobre estas triplas, consultar as notas ao final do capítulo.
8
Com uma pitada de cautela.
Similaridades entre civilizações neolíticas antigas
como regras para operações com frações m/n (no Egito somente 2/3, 3/4
e 1/n ).
5. Na Grécia e na China:
• astronomia de horizonte.
• o teorema de Pitágoras.
8. No Ocidente, na Grécia, na Babilônia, na Índia e na China:
• triplas pitagóricas.
• arquitetura megalítica.
finalidade ritual.
Para Van der Waerden somente uma origem comum neolítica para a matemática
e para a astronomia dessas civilizações antigas pode explicar as suas interconexões e
similaridades.
A transmissão da tradição
Pode-se identificar, acredita Van der Waerden, duas linhas principais de
transmissão dos conhecimentos dessa fonte neolítica única. Nos textos chineses e
babilônios, bem como nos papiros egípcios encontramos conjuntos de problemas com
soluções. De outro lado identificam-se traços de uma tradição oral de construções
geométricas, tradição que já existia na Europa Ocidental, no neolítico, entre os
construtores megalíticos, a qual teve seqüência entre os estiradores de corda egípcios e
os ritualistas hindus. Nas duas tradições o teorema de Pitágoras desempenha papel
primordial. Do mesmo modo, o cálculo de triplas pitagóricas era parte integrante de
ambas.
Como já tivemos oportunidade de ver, existem boas razões para Van der
Waerden afirmar que essas triplas não eram encontradas empiricamente, mas calculadas
mediante regras sistemáticas9 baseadas no teorema de Pitágoras.
O desenvolvimento das duas tradições deve ter sido, para este autor, o seguinte,
de maneira esquemática:
Tradições Tradições
Hindus Gregas
9
Ver Notas I, II.
1. do lado direito temos a tradição oral dos estiradores de corda, que eram
especialistas em construções geométricas com aplicações rituais. Foram ativos no Egito,
nas construções megalíticas, em particular nas das Ilhas Britânicas e na Índia. De sua
atividade no Egito pouco se sabe, o mais importante testemunho é o de Demócrito, que
diz que os estiradores de corda eram especialistas em "construir linhas com provas"
(demonstrações).
Ponto primordial para observar é a vastíssima extensão geográfica que tal povo
deveria ter atingido (ou influenciado), o que, por si só, reduz significativamente nosso
universo de hipóteses. Em segundo lugar, devemos ter consciência de que esse povo,
além de estar no lugar certo, também necessitaria existir no tempo correto para que essa
cadeia de conexões se pudesse produzir; portanto a seqüência temporal desses eventos é
sumamente importante, e a eleição dos candidatos deve levar isso em consideração.
Para alguns críticos dessa hipótese, o fato do teorema de Pitágoras e das triplas
pitagóricas aparecerem em várias civilizações não implica em que necessariamente
tiveram uma origem única. Podem ter se originado de observações da vida cotidiana,
perfeitamente explicáveis, em culturas diferentes, pois as necessidades práticas que lhe
dão origem são as mesmas em qualquer parte do mundo.
Quanto à hipótese de que os indo-europeus são os responsáveis pela disseminação
dessa corrente neolítica, outros críticos argúem que tanto os chineses como os egípcios
não são indo-europeus. Observam, igualmente, que a língua dos construtores
megalíticos da Europa ocidental ainda é desconhecida, e não se pode afirmar com
certeza que pertença a este ramo lingüístico.
I
Triplas Pitagóricas:
Triângulo retângulo é o triângulo no qual um dos seus ângulos é reto (= 90o). Triângulo pitagórico é o
triângulo retângulo cujos três lados são proporcionais a números inteiros x, y e z.
De acordo com o teorema de Pitágoras, talvez o único teorema de que todos se recordam dos bancos
escolares, os números inteiros devem satisfazer a equação:
1.1 x 2 + y 2 = z2
Tripla pitagórica é a tripla de números inteiros (x,y,z) que satisfazem a equação 1.1, por exemplo
(3,4,5), pois
32 + 4 2 = 52
Uma tripla pitagórica é chamada primitiva se os três números inteiros x, y e z não têm fator comum. A
tripla (3,4,5) é primitiva, já as triplas (6,8,10) e (15,20,25) não o são, pois são obtidas a partir da multiplicação de
(3,4,5) por 2 e 5, que são os fatores comuns.
Na tripla pitagórica primitiva, um dos números x ou y deve ser par e o outro ímpar. Se ambos os
números x e y forem pares, a tripla não é primitiva; se ambos forem ímpares, a soma x 2 + y 2 não pode ser um
quadrado (ver Nota III).
II
Construção de triplas pitagóricas:
1.2 z 2 − y 2 = (x − y )(x + y )
A partir daí podemos começar com qualquer inteiro x e resolver a equação 1.2 para obtermos y e z .
Este é problema indeterminado, pois temos duas incógnitas e uma única equação, que se pode resolver por
tentativas. Vamos admitir que começamos com um número ímpar x = s.t (que, portanto, não é quadrado
perfeito). Temos então :
( z − y)( z + y) = s 2 t 2
Façamos:
1 2
(z − y) = s 2 z= (s + t 2 )
2
(z + y ) = t 2 1 2 2
y=
2
(
s −t )
1 2
z=
2
(5 + 32 ) = 12 ( 25 + 9) = 12 ( 34) = 17
1 1 1
y = (52 − 3 2 ) = ( 25 − 9) = (16) = 8
2 2 2
com o que se obtém, finalmente, a tripla primitiva (15,8,17). Este é essencialmente o método empregado pelos
chineses, figurando em texto do período Han (200 A.C. - 220 D.C.).
Se começarmos com inteiro par da forma x = 2.p.q (que, portanto, também não é quadrado perfeito),
teremos :
Fazendo:
z − y = 2 p2 z = q2 + p2
1.4
obtemos
2
z + y = 2q y = q2 − p2
y = q 2 − p 2 = 4 2 − 12 = 16 − 1 = 15
z = q 2 + p 2 = 4 2 + 12 = 16 + 1 = 17
que é a mesma tripla anterior, desde que intercambiemos x por y. Este é o método grego de construção de triplas,
empregado por Diofante. É possível mostrar que todas as triplas pitagóricas podem ser obtidas a partir de 1.3. Do
mesmo modo, podemos mostrar que todas as triplas pitagóricas podem ser obtidas a partir de 1.4 .
De fato, 1.3 e 1.4 são equivalentes (ver Nota IV), pois 1.4 pode ser obtida a partir de 1.3 mediante
mudança de variável:
s=q+p
t=q-p e trocando x e y .
Isso significa que ambos os métodos, o chinês e o grego, na realidade são o mesmo método.
III
Se x e y forem pares, seus quadrados x2 e y2 também o serão, bem como sua soma x2 + y2. Logo z2 deve ser
par, o que implica que z é par e então a tripla não é primitiva .
2 2
Se x e y forem ímpares, seus quadrados também o serão. Logo, se x e y são da forma 2n + 1, então a
2 2
sua soma x + y é da forma 4n + 2 , ou seja 2(2n +1), um produto de um número par por um ímpar, que não pode
ser quadrado perfeito .
IV
De fato, se fizermos s = q + p e t = q - p teremos
2
z + y = s2 z + y = (q + p ) = q 2 + 2pq + p 2
2 2
z−y= t donde vem z - y = (q - p ) = q 2 − 2pq + p 2
x = st x = (q + p )(q − p ) = q 2 − p 2
HOMO SAPIENS
Mark Twain
A Evolução do Homem
Existem três teorias principais sobre a origem dos primatas. A primeira, a mais
antiga, é a teoria arbórea, a segunda a teoria da predação visual e a última, a mais
recente, a teoria da irradiação das angiospermas. A teoria arbórea foi a teoria
predominante no século XX, até que questionamentos sobre alguns de seus elementos
foram levantados, o que determinou o surgimento das teorias alternativas.
Outra teoria que procura explicar as origens dos primatas é a da predação visual.
Esta teoria propõe a noção que a convergência orbital, a preensão das mãos e pés, e
garras (unhas) reduzidas são uma adaptação para o forrageio noturno de frutas e insetos
em galhos terminais de arbustos nas florestas. É a teoria mais aceita na atualidade.
Nas proximidades do Lago Vitória, na África, Louis Leakey e sua esposa Mary
descobriram os restos de um primata fóssil que foi denominado de Proconsul, em
homenagem ao chimpanzé Cônsul do Zoológico de Londres. Entre as espécies do
gênero Proconsul, todas provenientes do Mioceno, aproximadamente há 15 Ma, a maior
era pouco superior a um chimpanzé moderno. Provavelmente movia-se apoiado nas
quatro patas, somente podia assumir a posição ereta com grande dificuldade. Também
do Mioceno, algo entre 9 a 12 Ma, um tanto posteriores aos Proconsul, encontramos a
família dos Dryopithecus, que chegavam a atingir uma massa corporal de 35 kg e
moviam-se sobre as quatro patas, também assumindo a posição semi-ereta com
dificuldade. Há cerca de 15 Ma surgiu a família dos Ramapithecus, algo menores que
um humano moderno, com cerca de 1,1 m. A análise das proteínas dos fósseis do
Ramapithecus levou à conclusão que este gênero era mais aparentado com os atuais
orangotangos que com o homem, chimpanzé ou qualquer outro primata moderno.
Inicialmente pensava-se serem antepassados do homem, porém hoje se acredita estarem
mais próximos do orangotango.
Não poucas vezes a evolução envereda por becos sem saída. Von Koenigswald,
nos fins da década de 1930, descobriu nas boticas chinesas que comercializavam
“dentes de dragão”10 remanescentes de um antigo primata gigantesco, que denominou
de Gigantopithecus. Muito maior que um gorila atual, podia atingir 3,5 m, talvez o
maior primata conhecido, porém se extinguiu durante o Pleistoceno.
10
Ossos, dentes e restos fósseis que eram pulverizados para a confecção de remédios populares tradicionais na China.
que os restantes grandes símios. Estas análises revelam um grau de semelhança muito
grande entre os patrimônios genéticos desses gêneros.
Em um estudo recente Gilad (et alii, 2006) tabulam o número de genes que
expressam as diferenças evolutivas entre humanos, chimpanzés, orangotangos e
macacos rhesus. A menor diferença ocorre entre os humanos e os chimpanzés,
indicando assim a proximidade entre estas espécies.
O Ardipithecus ramidus foi descoberto por Tim White, Berhane Asfaw e Gen
Suwa (1.994) em 1.992 e 1.993, em Aramis, na Etiopia. Sua idade estimada é de 4,4
milhões de anos. O Kenyanthropus platyops foi descoberto por
Justus Erus em 1.999, em Lomekwi, no Kenya, e tem sua idade estimada em 3,5
milhões de anos. A sua capacidade craniana é similar à dos australopitecos.
Várias teorias têm sido propostas para explicar o andar bípede. Algumas
propõem que o corpo passou a adotar uma postura ereta para melhor se adaptar a uma
mudança de habitat, o que ocorreu quando os hominídeos desceram das árvores para
viverem em áreas mais planas, as savanas. Isso também lhes permitiria um melhor uso
de armas e ferramentas. Mais recentemente, Michael Sockol, da Universidade da
Califórnia, propôs que os ancestrais dos humanos começaram a andar eretos para
economizar oxigênio, conseqüentemente energia. Defende que caminhar em postura
bípede consome apenas um quarto do oxigênio, portanto da energia, do que o andar
sobre quatro patas. Gastando menos energia, precisavam comer menos, bem como
dedicar um tempo menor na procura de alimentos.
O Homo erectus existiu entre 1,8 milhões e 100.000 anos atrás. Como o habilis,
sua face tinha mandíbulas protuberantes com grandes molares, espessas arcadas
superciliares, um crânio longo e baixo, com uma capacidade que variava entre 750 e
1.225 cc. Os espécimens mais antigos tinham uma média de 900 cc, enquanto que os
posteriores cerca de 1.100 cc. Seu esqueleto é mais robusto que o dos humanos
modernos, implicando em maior força. Suas proporções corporais variavam, o menino
de Turkana, exemplar fóssil da espécie, era alto e magro, porém ainda muito forte,
enquanto o homem de Pequim era mais compacto, possante. O estudo do esqueleto do
menino de Turkana indica que o H. erectus pode ter sido mais eficiente no caminhar que
os humanos modernos, cujos esqueletos tiveram que se adaptar para o parto de crianças
com cérebros maiores. O Homo habilis e todos os australopitecos são encontrados
apenas na África, porém o H. erectus foi encontrado também na Ásia e na Europa. Há
evidências que o erectus provavelmente empregou o fogo, e suas ferramentas de pedra
eram mais sofisticadas que as do H. habilis. O uso do fogo permitiu que os alimentos
ficassem mais macios, o que conduziu a uma diminuição dos músculos mastigatórios.
Os cientistas classificam algumas espécies africanas do H. erectus como uma espécie
diversa, o Homo ergaster, que difere dos fósseis asiáticos em alguns detalhes do crânio.
O sob a denominação de Homo erectus hoje se classificam vários outros homens
fósseis, como o Homem de Pequim, o Homem de Java e mesmo o Pithecantropus
robustus. Há evidências que o Homo habilis e o Homo erectus podem ter coexistido por
certo tempo.
Nesse ponto vale a pena notar que escavações realizadas no Brasil, no município
piauiense de São Raimundo Nonato, pela arqueóloga Niède Guidon, vêm revelando
restos de assentamentos humanos com pelo menos 40.000 anos, o que vem forçando
uma revisão das datas admitidas para a colonização do novo mundo. Muita controvérsia
há sobre as descobertas em Pedra Furada, pois, dada sua antiguidade, não são
integralmente aceitas pela arqueologia acadêmica, a qual contrapõe que muitos dos
vestígios encontrados podem provir de causas naturais.
Genética
Nos últimos anos, novo processo do estudo das distâncias genéticas foi
desenvolvido, principalmente pelo falecido Allan C. Wilson e colegas da Universidade
da Califórnia, em Berkeley. É baseado no relativamente pequeno número de genes
codificado no DNA das mitocôndrias, organelas celulares que metabolizam energia. Os
genes mitocondriais diferem dos do núcleo de maneira fundamental. Os genes nucleares
originam-se de iguais contribuições dos genes do pai e da mãe, mas os genes do
mitocôndria são passados para a prole quase exclusivamente pela mãe. Têm também
taxa de mutação mais alta que a dos genes nucleares e, nesse processo, a distância
genética é calculada não a partir da freqüência desses genes, mais sim a partir da
freqüência das suas mutações. Desta forma, o relógio mitocondrial é baseado no número
de mutações que se acumularam, ao invés de ser fundamentado nas mudanças das
freqüências dos genes.
Convém recordar que nem todo o DNA humano foi seqüenciado, pois sua maior
parte parece não conter instruções para a formação de proteínas, e existe provavelmente
por razões estruturais. Muito pouco dessa maior parcela do material genético tem sua
seqüência conhecida.
O motivo disso foi descoberto por Joseph Greenberg, na década de 1.950, com
base em argumentos lingüísticos. Concluiu que as línguas Bantu são descendentes de
língua ou de família de dialetos intimamente relacionados, falados por um grupo de
agricultores da Nigéria oriental e de Camarões, há pelo menos 3.000 anos, quando
começaram a se dispersar pela África central e do sul.
Essas línguas divergiram ao longo do tempo, mas não tanto que sua origem fosse
obscurecida. Como esta explicação se aplica também aos genes dessas populações, o
cognome Bantu - originalmente uma categoria lingüística - hoje designa grupo de
populações com as mesmas raízes genéticas e lingüísticas. O estudo dos dados genéticos
dessas populações confirmou as suspeitas de Greenberg.
Adão e Eva
Uma das suas conclusões mais surpreendentes é que podemos rastrear os genes
mitocondriais do todos os homens hoje existentes até os de uma única mulher, que deve
ter vivido na África, há cerca de 170-200.000 anos. Rebecca Cann e seus colegas da
Universidade da Califórnia, em 1.987, foram os responsáveis por esta hipótese, que
recebeu memorável divulgação pela imprensa, sendo a mulher cognominada de "Eva", a
antepassada bíblica de toda a humanidade.
Por que essa diferença entre 60.000 e 170.000 anos atrás, será que Adão e Eva
nunca se encontraram? Esse intervalo temporal entre linhagens é atribuído ao
comportamento sexual primitivo. Em sociedades primitivas existiam, acredita-se, os
machos dominantes, os líderes, os senhores da guerra, que eram responsáveis pela
maioria da prole. Este fenômeno é conhecido como variância no sucesso reprodutivo.
Enquanto as mulheres têm uma melhor chance de passarem o seu DNA mitocondrial
para a próxima geração, isso não acontece com os homens, desde que nem todos os
homens transmitirão seu Y. Isso significa que, com o tempo, as linhagens Y são mais
susceptíveis de serem perdidas que as do DNA mitocondrial, e as únicas que hoje
restaram datam ao redor de 60.000 anos. Isso significa que humanos modernos ainda
habitavam a áfrica há cerca de 60.000 anos atrás, somente após esta data é que começou
a dispersão global do Homo sapiens sapiens, bem como a geração de todas as raças e
povos hoje existentes.
A dispersão do Homo sapiens
Porém, cabe lembrar, esses não eram os primeiros humanos na região, foram
encontrados esqueletos e crânios do Homo sapiens primitivo nas cavernas de Qafzeh e
Skhul, em Israel, datando de 100.000 anos atrás, mas este parece ter desaparecido há
cerca de 30.000 anos.
Fig. 3. 4 Dispersão dos humanos modernos pelo
sudeste da Ásia e Austrália
Parece que a imigração dos humanos modernos da África ocorreu não em uma
única, mas em várias ondas. Em uma dessas ondas um grupo de hominídeos deixou a
África há cerca de 45.000-50.000 anos atrás e entrou no Oriente Médio. Sua rota exata é
desconhecida. Esse grupo é caracterizado pelo marcador M89 do cromossomo Y e pelo
haplogrupo N do DNA mitocondrial. Esse grupo se espalhou rapidamente pelo
continente asiático, e parece ter levado menos de 10.000 anos para colonizar a terra
abaixo do Ártico. Inclusive penetraram as regiões ao sul e sudestes, colonizadas
anteriormente pelo haplogrupo M130.
Fig. 3.5 Dispersão das linhagens masculina (cromossomoY) e
feminina (DNA mitocondrial) para a colonização do globo
(adaptado de Wells, 2006).
È altamente provável que a pele dos nossos mais antigos ancestrais tenha sido
escura. A melanina, o pigmento que torna a pele escura, é um protetor solar natural, que
diminui as queimaduras por exposição solar. O gene responsável pela coloração mais
escura da pele é caracterizado pelo marcador MC1R (melanocortin recaptor). Quando
os humanos emigraram dos trópicos, encontraram regiões com muito menor exposição à
luz ultravioleta (UV). Alguma luz UV tem de penetrar a pele para que haja a produção
da vitamina D, caso contrário ocorre uma deficiência vitamínica denominada de
raquitismo. Se crianças de pele escura mantivessem sua cor longe dos trópicos, cairiam
doentes. Isso ocasionou uma pressão evolutiva sobre o gene MC1R, que produziu
mutações, dando origem a uma pele mais clara. Logo, a pele mais clara dos europeus é
devida a uma forte seleção natural ocorrida nos últimos 50-60.000 anos, quando o homo
se distanciou de sua África natal.
Colonização da Europa
Sete grandes grupos são responsáveis pela maioria da diversidade genética hoje
encontrada na Europa, ou seja, os haplogrupos do cromossomo Y: R1a1, R1b, I1a, I1b,
J2, N e E3b. Juntos respondem por mais de 95 % dos haplogrupos encontrados em
populações européias. Cada um se originou de um único homem no passado, e juntos
foram realmente os pais fundadores da Europa.
A imagem simétrica do
haplogrupo R1b é a apresentada pelo
R1a1. É muito comum na Europa
Oriental, onde inclui mais da metade
dos russos e dos tchecos, mas é muito
raro na Europa Ocidental.
Curiosamente, também o encontramos
Fig. 3. 7 Haplogrupo R1a1.
com uma freqüência alta na Índia e na
Ásia Central, o que caracteriza uma ampla imigração dos descendentes do homem que
primeiro possuiu o marcador que caracteriza este haplogrupo (SRY1083.2).
As próximas linhagens importantes são o I1a e o I1b. Eles são formados por
descendentes de povos paleolíticos que se refugiaram na Península Ibérica (I1a) e nos
Bálcãs (I1b) durante a era glacial. Quando o máximo glacial passou e a Europa
começou a se aquecer, deixaram seus abrigos e principiaram a repopular a Europa.
AS LÍNGUAS
Carl Jung
Introdução
Qual foi a língua original e de que forma esta se difundiu, originando as línguas
faladas no presente pelos vários povos, são questões que sempre intrigaram a
humanidade.
11
Visão de mundo.
discussões. Qual a língua original da humanidade nos parece, no momento, uma questão
cuja resposta está além do nosso alcance, se é que algum dia possa ser respondida.
Mergulhando no passado, podemos tentar reconstruir, a partir das línguas atuais, as suas
matrizes e o seu processo de difusão.
É óbvio que a difusão das línguas está ligada à expansão da raça humana, desde
o seu habitat original. Outro ponto importante que cumpre salientar são as diferenças
anatômicas entre o homem moderno e os seus antepassados fósseis. Essas diferenças
importantes no aparelho fonador não permitiriam aos nossos antepassados enunciar
todas as vogais e consoantes das línguas modernas; portanto, se falavam alguma língua
primitiva, esta certamente não soaria aos nossos ouvidos como moderna. É o trato vocal
supra-laringeal que permite ao homem a sua capacidade de emitir sons, ou seja, de falar.
É a forma não usual do trato vocal que torna os homens os únicos mamíferos incapazes
de beber e respirar ao mesmo tempo.
Quem primeiro associou a evolução das línguas com a biologia foi Charles
Darwin. No seu livro "A Descendência do Homem", escrito em 1871, afirmou: ”A
formação das diferentes línguas e das diferentes espécies, e as provas de que ambas
devem ter-se desenvolvido mediante processo gradual, são curiosamente paralelas".
O problema do trato vocal do Homo erectus ainda está sendo estudado, pois a
parte inferior dos crânios remanescentes destes encontra-se, em geral, muito danificada,
dificultando o seu estudo. Além disso, os vários espécimens diferem consideravelmente,
alguns apresentando determinadas características, outros não.
A linguagem articulada é a maior invenção humana, se realmente for invenção.
Noam Chomsky, do Massachusetts Institut of Technology pensa que não é. Acredita
que a linguagem é tão inata para um bebê como voar é para um filhote de passarinho, e
que crianças não somente aprendem a linguagem, como a desenvolvem em resposta a
um estímulo.
Como teria evoluído muito antes do aparecimento da sintaxe, traços dela talvez
possam ser encontrados na gesticulação dos macacos, aos quais se ensinou os elementos
da linguagem dos gestos. As crianças-feras, que foram mantidas isoladas nos anos
cruciais antes que a sintaxe normalmente se desenvolva, também podem fornecer pistas
de como seria essa linguagem primitiva. As "crianças-lobos", encontradas na Índia nos
princípios do século, podiam aprender muitas coisas, mas nunca superaram a habilidade
verbal da criança normal de dois anos.
Neste ponto, cabe notar que a genética moderna nos propiciou uma pista
importantíssima sobre as origens das línguas. Já mencionamos que povos caçadores-
coletores africanos, como os San do deserto do Kalahari, entre os quais os !Kung e
G/wi, e dos Hadzabe, da Tanzânia, figuram entre as mais antigas linhagens genéticas
desse continente. Esses povos compartilham algo em comum: todos são falantes da
denominada língua dos cliques (click language). Os símbolos ! e / representam
determinados cliques, estalidos ou sons percussivos emitidos pelos seus falantes.
Algumas das linguagens dessa família, denominada de Khoisan, têm mais de 100 sons
diferentes, enquanto que a maioria das línguas européias tem em torno de 30. Acredita-
se que os falantes dessas línguas habitavam a África oriental, sendo forçados a se
deslocarem para seus locais atuais pela expansão das outras famílias lingüísticas
africanas, especialmente a Bantu.
Línguas não fossilizam, mas se línguas dos cliques eram faladas pelos ancestrais
dos San e dos Hadzabe, estas línguas podem estar entre as mais antigas línguas faladas,
senão as mais antigas de todas, verdadeiros fósseis lingüísticos. Empregando técnicas de
estimação da separação temporal das linhagens do cromossomo Y e do DNA
mitocondrial chega-se à conclusão que esses povos, bem como suas línguas, podem ter
mais de 50.000 anos de idade. Isso pode nos fornecer pistas sobre como nossos
ancestrais se pareciam, bem como sobre seu modo de vida.
A reserva de alimentos no acampamento poucas vezes dura mais que três dias, o
que implica em que durante o ano todo é mantido um ritmo constante de trabalho e
lazer. Um aspecto importante do lazer são as chamadas danças-extase, produzidas por
estados alterados de consciência, que estudaremos adiante. Com um suprimento de
alimentos à mão, os !Kung mantém-se com boa saúde, apesar de habitarem em um dos
lugares mais inóspitos e escaldantes do globo. Cerca de 10 % dos !Kung têm mais de 60
anos de vida, índice próximo de muitas sociedades civilizadas. Os velhos são
respeitados por sua sabedoria acumulado, bem como por seu conhecimento sobre
rituais. Os jovens não contribuem para a alimentação coletiva até que se casem, o que
ocorre por volta dos 23 anos para os homens e 18 anos para as mulheres. São, portanto,
os indivíduos entre 20 e 60 anos que caçam e colhem, e representam cerca de 60 % do
grupo. Têm, desse modo, uma infância feliz, uma idade adulta tranqüila e uma velhice
bastante segura.
A definição de sociedade afluente, proposta por Sahlins, aquela “na qual todos
os desejos das pessoas são facilmente satisfeitos”, parece mais talhada para os !Kung do
que para a sociedade moderna. O way of life atual multiplicou exponencialmente os
objetos de desejo das pessoas, implantando um padrão consumista cada vez mais voraz,
mais por imitação ou modismo do que por real necessidade.
O primeiro grande grupo de línguas a ser estudado de modo científico foi o das
línguas indo-européias. Abriremos, agora, um parênteses para apresentar sua história,
que se entretece com o estudo comparativo das línguas.
"O sânscrito, sem levar em conta a sua antigüidade, possui uma estrutura maravilhosa: é mais
perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais extraordinariamente refinado que ambos. Mantém,
todavia, com estas duas línguas tão grande afinidade, tanto nas raízes verbais como nas formas
gramaticais, que não é possível tratar-se de produto do acaso. É tão forte esta afinidade que qualquer
filólogo que examine o sânscrito, o grego e o latim não pode deixar de acreditar que os três provieram de
uma fonte comum, que talvez não mais exista. Razão idêntica, embora menos evidente, há para supor que
o gótico e o celta tiveram a mesma origem que o sânscrito; poderíamos ajuntar a esta família o velho
persa, se tivéssemos lugar aqui para debater as antigüidades persas". (Robins, Pequena História da
Lingüística, p. 107)
Friedrich von Schlegel, em 1808, publicou uma obra intitulada Über die
Sprache und Weisheit der Indier (Sobre a língua e sabedoria das Índias), na qual
despertou a atenção do mundo erudito para o fato de que o estudo das "estruturas
internas" (isto é, da morfologia) das línguas poderia prestar valiosos esclarecimentos
sobre o relacionamento lingüístico genético. Procurou, reconstruindo a história
lingüística de cada uma, recuperar as mais antigas formas das palavras indo-européias.
Difundiu a idéia, hoje superada, de que as línguas européias descendiam do sânscrito.
Uma das mais intrigantes questões acerca dos indo-europeus é onde se situava o
seu habitat original, o Urheimat dos sábios alemães. Na segunda metade do século
passado, notadamente com Adolphe Pictet, o estudo de palavras aparentadas de nomes
de árvores, de animais (como o boi, a vaca, o cavalo, a cabra) entre as línguas indo-
européias dá origem à tese de que o seu habitat original era mais fundado no
pastoralismo do que na agricultura.
Esses argumentos originam a proposição de uma série de pátrias possíveis para
os indo-europeus, com predileção para o norte da Europa e a Ásia Central. O povo indo-
europeu primitivo é conhecido como o Urvolk, designação dada pelos adeptos da escola
alemã.
"Além disso, que os primeiros arianos foram os nórdicos tem a sua própria importância. São as
qualidades físicas desta raça que lhe permitiam, graças a sua força física superior, conquistar e anexar
os mais evoluídos povos e impor assim a sua língua, mesmo em regiões onde este tipo físico havia quase
desaparecido. O panegírico dos germanistas repousa sobre esta verdade: a superioridade física dos
nórdicos os tornava aptos a serem os veículos de uma língua superior".
Esta pretensa primazia racial foi avidamente abraçada pelos nazistas, servindo
para dar fundamentação pseudocientífica à superioridade dos povos nórdicos sobre as
outras raças. Originou a antropologia racial alemã, a Rassenkunde, de triste memória. É
melancólico exemplo de como teorias científicas podem ser distorcidas para atender às
pretensões megalômanas de certos indivíduos, propiciando pseudo-argumentos para a
perseguição e extermínio de minorias étnicas. Além disso, a simples lembrança desses
argumentos, após a Segunda Guerra, tornava tabu a discussão do problema indo-
europeu, o qual só recentemente vem recebendo a importância devida.
A solução arqueológica mais recente, e sem dúvida uma das mais influentes, é
devida a Marija Gimbutas, da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Desde 1970
vem publicando uma série de artigos procurando provar que as estepes da Rússia
meridional, as terras ao norte do Mar Negro, são o habitat original dos indo-europeus
primitivos. É a mesma opção de Childe, mas Gimbutas dispõe de abundante material
arqueológico recente para fundamentar as suas argumentações.
O modelo de Renfrew
Podemos classificar este evento como um dos mais importantes, senão o mais
importante, da história da humanidade. Pela primeira vez o homem passa de predador a
produtor. De passivo, se contentando com coleta e caça, passa a ativo, produzindo a sua
própria alimentação (frutas, grãos, carne). Ocasiona reviravolta na economia e nos
destinos do homem que até hoje não foi devidamente aquilatada.
O que realmente deve ter acontecido foi uma mistura desses dois modelos. Os
recém-chegados podem ter introduzido a agricultura na Grécia, daí para os Balcãs,
Europa central e sul da Itália. Em outras regiões, a agricultura pode ter sido adotada
pelas populações locais, o que explicaria a persistência anômala de diversas línguas não
indo-européias, como o basco. Outras línguas desse caráter seriam o etrusco, falado
ainda nos tempos romanos; o ibérico, língua primitiva da Espanha; o picto, língua pré-
céltica da Escócia.
A hipótese tradicional, defendida por Childe-Gimbutas, afirma que a primeira
onda de invasões dos guerreiros-Kurgan, em torno de 3.500 a.C., trouxe a estes das
estepes da Rússia para a Grécia, de onde se espalharam para o norte e para o sul. Esta
nova visão, que tem Renfrew por paladino, mostra os primeiros indo-europeus não
como guerreiros invasores oriundos das estepes, mas como camponeses agricultores
provindos da Anatólia, que no curso da sua vida inteira se moveram talvez apenas
alguns quilômetros. Tal teoria implica, igualmente, recuar em vários milênios a data da
chegada destes à Europa. Teria ocorrido por volta de 6.500 a.C., e não em torno de
3.500 a.C., como assumido no modelo tradicional.
Segundo tal ponto de vista, a pré-história da Europa seria moldada por uma série
de transformações e adaptações evolucionárias sobre substrato proto-indo-europeu
comum, acrescido de poucas sobrevivências não indo-européias. Não teriam ocorrido
coisas como uma série de imigrações de fora, mas um conjunto de interações complexas
dentro de uma Europa que já era economicamente agrícola e indo-européia na
linguagem. Embora esse raciocínio, até agora, se tenha concentrado sobre o continente
europeu, a hipótese de que a disseminação das línguas esteja correlacionada com a
difusão da agricultura acarreta implicações fora dele.
A Anatólia não foi a única região, onde a domesticação das espécies selvagens
ocorreu, como mostra o registro arqueológico. A região onde se originou a agricultura
tem três lóbulos, um dos quais é a Anatólia; outro é o Levante, faixa de mais ou menos
50 a 100 quilômetros de largura na costa do mediterrâneo, região do que se chama hoje
Israel, Jordânia, Síria e Líbano; o terceiro, o Zagros, região do Iraque e do Irã. Cada um
desses três lóbulos pode ter dado origem a uma grande família de línguas, por difusão.
O lóbulo anatólico, que contém Çatal Hüyük, pode ter sido o berço das línguas indo-
européias, o Urheimat dos indo-europeus.
Quanto ao terceiro lóbulo, que contém o sítio de Ali Kosh, a agricultura poderia
ter partido deste para o sul do Irã e para o Paquistão. Em tais condições, pode ter sido a
fonte do grupo de línguas da Índia e do Paquistão que depois foi substituído por línguas
do grupo indo-europeu.
O lingüista David MacAlpin, da Universidade de Londres, mostrou que o
elamita, língua falada no antigo reino da Elam (agora parte do Khuzistão, no sudoeste
do Irã), é aparentado das linguagens dravídicas da Índia. O elamita foi, logo depois do
sumeriano, uma das primeiras línguas registradas por escrito, porém, até hoje,
permanece na sua maior parte incompreendido e indecifrado. É possível que a onda de
avanço do sudeste tenha carregado os antecedentes do dravídico e do elamita através da
Índia e do Paquistão.
É óbvio que as mudanças introduzidas por meios pacíficos tendem a ser mais
facilmente aceitas que as dos processos violentos, e também mais duradouras. Além
disso, tornam o processo histórico mais contínuo, eliminando a necessidade de
explicações do tipo "invasões de hordas bárbaras". É evidente que tais eventos
ocorreram ao longo da história, que tiveram as suas conseqüências, mas elas
normalmente ou não foram duradouras ou não foram tão abrangentes. Esse modelo de
onda de avanço ampliado tem como conseqüência que as antecedentes das línguas dos
grupos indo-europeu, afro-asiático e dravídico estavam agrupadas no Oriente Médio, em
torno de 10.000 anos atrás.
Contribuições lingüísticas
O estudo de línguas mortas, que nunca foram escritas, somente pode ser feito
comparando-se as suas descendentes e procurando reconstruir a sua antecedente mais
próxima, em penoso trabalho de trás para frente, seguindo as leis que governam as
mudanças fonéticas. Fonética, estudo dos sons das palavras, é de importância
primordial, pois os sons das palavras, ao longo do tempo, são mais estáveis que seus
significados. A articulação das consoantes não se faz do mesmo modo que a das vogais,
com a passagem livre da corrente do ar através da cavidade bucal. Na sua pronúncia, a
corrente espiratória encontra sempre algum obstáculo, em alguma parte da boca: ou
obstáculo total, que a interrompe momentaneamente (oclusivas), ou obstáculo parcial,
que a comprime sem, contudo, interceptá-la (constritivas).
Essa lei explica por que certas consoantes duras, como, por exemplo, em
alemão, persistiram, apesar da tendência universal de serem substituídas por outras mais
macias. O conjunto de consoantes macias, sonoras (acompanhadas pela vibração
momentânea das cordas vocais): "b","d","g" , propostas pelos lingüistas clássicos como
características na sua reconstrução do proto-indo-europeu, originaram aparentemente o
conjunto de consoantes duras: "p","t","k".
MODELO CLÁSSICO
(b) Bh p
d Dh t
g Gh k
MODELO DE GAMKRELIDZE-IVANOV
t’ d/dh t/th
k’ g/gh k/kh
Isto também vem reforçar o modelo de Renfrew, que coloca as origens do indo-
europeu na mesma região geográfica, embora o objeto da hipótese do Nostrático trate de
segmento temporal anterior àquele por ele estudado. O nostrático tem muitas palavras
para plantas, mas nenhuma para variedades cultivadas ou para técnicas de cultivo. Do
mesmo modo, tem palavras para animais, mas não diferencia entre animais selvagens e
domésticos. Isto leva a pensar que era falado antes da emergência da agricultura e da
domesticação dos animais. O povo que o falava seria, portanto, caçador-coletor.
Greenberg também definiu uma macrofamília semelhante ao nostrático, a eurasiática,
que difere dele pela exclusão do dravídico e do afro-asiático e pela inclusão do
esquimó-aleuta e do chukchi-kamchatkana .
As línguas indo-européias
Línguas Kentum
1 heis, mia, hén unus, -a, -um oin ains sas, sam
3 hiru ci es san
5 bost mach la wu
6 sei sa as liu
Alertamos o leitor para se preocupar apenas com os sons das palavras para
número, não com sua transliteração, pois esta varia de autor para autor, conforme o
alfabeto fonético que empregue, ou os sinais diacríticos que utilize. Por motivos
gráficos, fomos obrigados a omitir a maioria dos sinais diacríticos, o que não irá
ocasionar maiores transtornos para o leitor, pois não é nosso objetivo nos
aprofundarmos em estudos lingüísticos.
E quanto aos nomes de número em português? Qual seria sua origem? E a sua
evolução? Encontramos as etimologias desses nomes no Dicionário de Etimologias da
Língua Portuguesa, do saudoso R.F. Mansur Guérios, as quais foram agrupadas no
quadro a seguir. Ressalvamos, novamente, que transcrições do indo-europeu podem
divergir de autor para autor, em parte pelas razões já assinaladas, mas mormente porque
os entendidos ainda discordam em alguns pontos.
Dois Do latim dúos > *doos, e com diferenciação dous; mais tarde
dois por dissimilação da labial u na palatal i. Do proto-indo-
europeu *du(w)-ó, provavelmente "esse" (Trombetti).
Um "aqui este"
Dois "esse"
Os nomes para um, dois e três indicam noção de posição, a saber : este, esse,
aquele, e provavelmente são algumas das mais antigas palavras indo-européias, no
mínimo remontando aos tempos em que esses povos começavam a contar. As palavras
para quatro, seis e sete são compostas, indicando operações (somas) com os números
anteriores. Cinco e dez indicam possivelmente uma e duas mãos, mostrando o emprego
das mãos e dedos para a contagem, se a reconstrução for correta. Nas palavras para oito
e nove podemos identificar um princípio subtrativo: "(dez menos) estes (dois)", "este
(um) faltante para dez" (dez menos um; falta um para dez).
O seu maior feito ocorreu nas chamadas Grutas dos Mil Budas (Ch'ien-fo-tung),
na vila-oásis de Tonghua. Essas grutas serviam de abrigo para uma colônia de
religiosos, fundada aparentemente pelos budistas em c. 366. Na época de sua primeira
visita, em 1907, era uma vila próspera em que havia pequena comunidade budista, com
um punhado de sacerdotes e monges que mantinham as Grutas. Em 1900, um sacerdote
taoísta de nome Wang-Tao-Shih, ao retocar uma fissura de afresco pintado em uma das
paredes de uma gruta, descobriu uma câmara secreta, que em tempos tinha sido murada,
que continha uma biblioteca inteira. Intimidado com a amplitude da sua descoberta,
tratou logo de emparedá-la novamente. Stein o convenceu a reabri-la, adquirindo certo
número de documentos, entre os quais textos budistas do século V, parcialmente
redigidos em chinês, manuscritos tibetanos e trabalhos diversos em várias línguas e
escritas, a maioria dos séculos VII e VIII da nossa era.
Outra parte dos textos foi adquirida por P.Pelliot para a Biblioteca Nacional, em
Paris, e quase todo o restante foi transferido para Pequim. Documentos escritos que
empregam quase sempre um alfabeto do norte da Índia, do tipo Brahmi, chamaram a
atenção, pois eram redigidos em duas línguas aparentadas até então desconhecidas.
A última língua a que nos reportaremos é a falada pelos antigos gregos. A mais
remota evidência dela é encontrada nos mais de 3.000 tabletes de argila descobertos em
Knossos, em Creta e em Micenas e Pilos, na Grécia continental. A maioria desses
tabletes, que geralmente contêm registros contábeis de economias palacianas das
civilizações micênica e minóica antiga, são redigidas em escrita silábica conhecida
como linear B. Datam de cerca do século XII antes da nossa era, sendo escritos em
forma primitiva de grego, freqüentemente denominada de micênico.
Com o colapso da civilização micênica em torno do século XII a.C., por razões
não inteiramente esclarecidas, o grego escrito desaparece até a introdução do alfabeto
entre 825 e 750 a.C. Dessa data em diante surgem inscrições e compilações de grandes
poemas épicos gregos transmitidos oralmente, como a Ilíada e a Odisséia, de Homero, a
Teogonia, de Hesíodo, de permeio com outras obras. Entre os séculos XII e IX-VIII
a.C. a história grega passa por um período de trevas, pouco conhecido.
MATEMÁTICA PRÉ-HISTÓRICA
Blaise Pascal
A Matemática Paleolítica
12
Humilha-te, razão impotente!
armazenamento, preparo de novas sementes. A criação envolve captura de espécies,
seleção, domesticação, construção de cercados, controle de doenças, alimentação,
seleção de matrizes, partos. Enquanto que o modo de vida do caçador-coletor requer
somente um mínimo de conhecimento de matemática, o oposto, o modo de vida do
agricultor-criador, com seu alto grau de alteração do meio-ambiente e divisão de
trabalho entre especialistas, acarreta uma necessária sofisticação de seu conhecimento
de matemática.
Este alto grau de contextualização somente pode ser atingido se estas culturas
mantiverem o hábito generalizado de tratar a informação em seu contexto do que em
isolamento. Este estilo inclusivo de pensamento é característica da matemática das
sociedades caçador-coletoras, enquanto o estilo de isolar a variável de seu contexto é
predominante na matemática das sociedades industriais.
Esses princípios hoje não seriam considerados científicos, mas, nos tempos
primitivos, a pressuposição de tais intervenções era tentativa de racionalização, era
busca de teoria aceitável para explicar os diversos fenômenos experimentados pelo
homem. Nas sociedades pré-históricas a ciência era uma fusão de explicações naturais e
espirituais. O mago-sacerdote tinha aspecto científico para o seu conhecimento: por um
lado, ele tinha o conhecimento da natureza; por outro, contava com o acesso aos deuses
e às forças elementares.
Sir James George Frazer (1.856-1.941) enfatizou que o que distingue a religião
da magia não é nem a bondade de uma nem a maldade da outra, mas sim o estado
mental do crente e seus conseqüentes modos de comportamento. Em uma atitude mental
religiosa o homem reconhece a superioridade dos poderes sobrenaturais, dos quais
depende o seu bem-estar; suas atitudes são, principalmente, de submissão e reverência.
Sua conduta se manifesta através de súplicas, petições e apaziguamento, mediante
orações, oferendas e sacrifícios.
Aritmética Paleolítica
Humanos possuem uma aptidão inata para lidar com numerosidades: o senso
numérico, que compartilham com outras espécies. Possivelmente também têm outra
competência inata capaz de lidar com relações espaciais, o senso geométrico. Nos
deteremos um pouco nas pesquisas recentes sobre a neurofisiologia destes sensos.
Números e formas (tais como linhas retas, curvas, superfícies, volumes, esferas,
cubos, etc.) são denominados de entes ou objetos matemáticos: o problema de sua
natureza, se existem de modo independente do cérebro do homem, que então os
descobre, ou se são apenas produto de sua atividade neuronal, que conseqüentemente os
constrói, é tema central de investigação, desde a antiguidade grega, tanto da matemática
como da ciência em geral.
Senso Numérico
Dantzig narra no seu livro uma história interessante, que ilustra um senso de
número mais consciente. Certo castelão desejava apanhar um corvo (não é o corvo
brasileiro, mas a espécie do hemisfério norte), o qual tinha feito um ninho em uma torre
da sua propriedade. Como o corvo abandonava o ninho sempre que alguém se
aproximava da torre e não retornava até que ele a deixasse, o castelão tentou um ardil:
dois homens entraram na torre, um permaneceu enquanto o outro se afastou.
O pássaro não caiu na armadilha: manteve-se afastado até que o outro homem
saísse da torre. Repetiu a experiência nos dias seguintes, com dois, três e quatro
homens, sem sucesso. Somente quando cinco homens entraram na torre, quatro saíram e
um permaneceu, foi que o corvo caiu na armadilha. Incapaz de distinguir entre quatro e
cinco, retornou ao ninho e foi apanhado.
O corvo, além de não dispor de palavras para números e não ter idéia do
processo de contagem, não podia, por exemplo, fazer incisões em um pedaço de
madeira nem separar um seixo para cada homem, ou utilizar qualquer outro recurso
material de contagem. Por algum meio, dependendo apenas da sua visão direta, era
capaz de distinguir entre dois e três homens, e entre três e quatro homens. Qualquer
senso numérico possuído por animais e pássaros deve depender apenas da visão direta e
ser independente de palavras e símbolos. Os membros do conjunto devem ser
semelhantes, não necessitando serem exatamente iguais, porém um membro não deve
ter características tão marcantes que permitam distingui-lo imediatamente dos outros,
por exemplo, um lobo em conjunto de carneiros.
É interessante observar que Piaget faz uma distinção entre números e números
perceptuais. Números perceptuais, para Piaget, são números pequenos, até quatro ou
cinco, que podem ser distinguidos pela percepção, sem requererem estruturação lógico-
matemática. Esses números podem ser compreendidos intuitivamente pelas crianças em
termos da sua relação parte-todo, embora ainda sem disporem de uma compreensão
operacional de número. Aos números maiores que quatro ou cinco denomina de
números elementares.
Somente nos últimos trinta anos a competência numérica dos bebês recém-
nascidos humanos tem sido examinada empiricamente. Até recentemente a visão
construtivista de Piaget, elaborada há uns sessenta anos, dominava esse campo. Ela
afirmava que as habilidades matemáticas e lógicas são progressivamente construídas nas
mentes dos bebês, pela observação, internação e abstração de regularidades do mundo
exterior. Ao nascer o seu cérebro é uma página em branco, vazia de qualquer
conhecimento conceitual. O conceito de número, para Piaget, deveria ser construído no
curso de suas interações sensoriomotoras com o ambiente. Crianças nasceriam, então,
sem qualquer idéia preconcebida sobre a aritmética.
As primeiras experiências que mostraram que bebês com seis meses de idade já
mostravam competência para empregar certos aspectos do conceito de número, muito
antes que tivessem qualquer oportunidade de abstraí-lo do ambiente, contrariando assim
Piaget, foram realizadas em 1980 na Universidade da Pensilvânia, por Starkey e
Cooper. Mostraram que bebês entre 16 e 30 semanas de vida são capazes de discriminar
numerosidades 2 e 3. Posteriormente, Antell e Keating, da Universidade de Maryland,
evidenciaram que mesmo recém-nascidos podem discriminar números 2 e 3 poucos dias
após o seu parto. Em 1992 Karen Wynn publicou na revista Nature um artigo sobre
adições e subtrações simples realizadas por bebês com quatro e cinco meses de idade.
Demonstrou que bebês sabem que 1+1 perfaz não 1 ou 3, mas exatamente 2.
Essas habilidades podem ser classificadas como matemáticas, pois são basilares
ao raciocínio matemático. Desse modo, pode-se afirmar que talvez a principal
competência cognitiva que distingue o homem dos demais animais que não a possuem
seja sua capacidade de pensar matematicamente. A Matemática, portanto, é básica às
estruturas cognitivas de pensamento que classificamos como pensamento puramente
humano. A Matemática é, portanto, estruturante do pensamento humano.
Essa é, hoje, a melhor indicação que a ciência possui para o locus da numerosidade.
Os estudos neurofisiológicos mais recentes confirmam, portanto, que humanos e
macacos possuem mecanismos similares no processamento de números.
Senso Geométrico
Presentemente essa teoria está superada, pois várias pesquisas mais recentes
demonstraram que o processamento visual é muito mais complicado do que se supunha.
O processo todo é ainda desconhecido, embora se conheçam algumas pistas sobre o
mesmo. A realidade é muito mais complexa que nossas certezas.
O olho humano capta a forma dos objetos e imprime na retina uma imagem
bidimensional (2D) dos mesmos, registrando basicamente seus contornos. O mecanismo
neural de como o cérebro reconstrói uma realidade tridimensional (3D) a partir dessa
imagem 2D tem fascinado os cientistas. Muita pesquisa tem se focado na estereopse,
onde se procura inferir a sensação de profundidade com base em pequenas disparidades
de imagem entre os olhos direito e esquerdo.
Um mito, conforme o ponto de vista de Lord Raglan, nada mais é que o conjunto
de palavras associado a um ritual. Mito e ritual são complementares; ritual é o drama
mágico para qual o mito é o seu livro de palavras, que não raro sobrevivem muito
depois de ter cessado o desempenho do drama propriamente dito. Elevadas "contas"
poderiam assim ser produzidas, a partir de grandes procissões de participantes. A base
utilizada corresponderia ao número de pessoas no ritual fundamental; a necessidade de
números elevados proviria da contínua repetição desse ritual fundamental.
O problema de contagem para uma criança surge quando a série dos numerais é
aplicada a um conjunto qualquer de objetos, pois a criança deve ter em conta que a
ordenação desses objetos é imposta pela série de palavras para números: um, dois, três,
quatro, ... e não por qualquer propriedade intrínseca dos próprios objetos, como por
exemplo tamanho; portanto o processo de contar requer ponderável grau de abstração
para a criança, mesmo para perceber que a ordem dos objetos não influi no resultado do
processo. Segundo Piaget, a criança domina os números em etapas independentes,
começando com os números de 1 a 7, continuando, em etapas posteriores, com o
domínio dos que vão de 8 a 15, do 16 a 30, até que finalmente adquire controle efetivo
sobre todo o sistema.
Toda a sua atividade matemática está ligada a situações concretas; desse modo,
os números cardinais são ou precedidos pelo substantivo que eles enumeram (conchas-
cinco) ou conectados a um pronome (cinco-dessas, p.ex.). Podem efetuar adições e
subtrações simples com o uso de pedras, nas quais são acurados somente até um
horizonte de trinta ou quarenta. Parecem não ter uma operação como a multiplicação.
Divisão é obtida pelo uso de pedras, divididas em pilhas, tantas quantas o divisor.
À primeira vista, parece inconcebível que possa existir ser humano incapaz de
contar para além de 2, mas esse parece ser o caso, pois existem algumas poucas línguas
destituídas de palavras numerais puras. Os Chiquitos da Bolívia não têm quaisquer
numerais, mas expressam a idéia para "um" pela palavra etama, que significa só,
sozinho. Os Tacanas, também da Bolívia, não têm palavras para números, exceto
aquelas emprestadas do espanhol, ou do Aymara e Peno, línguas com as quais estiveram
longo tempo em contato. Os falantes da língua canela, do grupo lingüístico jê, do
Brasil, não têm termos numéricos específicos, limitam-se a expressões gerais como
“só”, “um par”, ”alguns” e “muitos”. Umas poucas outras línguas sul-americanas são
igualmente quase destituídas de palavras para números.
Mesmo nessas línguas, o senso de número não falta de todo, alguma expressão,
ou alguma forma de circunlocução indicam o conceito da diferença entre um e dois, ou,
pelo menos, entre um e muitos. Essa distinção entre singular e plural parece ocorrer em
estágio muito primitivo de qualquer língua.
Quanto ao uso de outras bases, certa tribo da Terra do Fogo tem os seus primeiros
nomes para números baseados em 3, e algumas tribos sul-americanas usam 4. A base 5,
como seria de se esperar, parece ter sido a primeira base amplamente disseminada. Por
exemplo, entre os Galibi do Brasil: atoneigne oietonai - uma mão : 5; oia batoue - a
outra mão : 10; poupou patoret oupoume - pés e mãos : 20. Embora ao longo da
história o uso de contar pelos dedos, isto é, empregando bases 5 e 10, pareça ter surgido
mais tarde do que contar por dois ou três, os sistemas quinário e decimal quase
invariavelmente ganharam do binário e do ternário.
A base 20, pelo fato de corresponder ao número de dedos das mãos e pés, foi
muito usada. O mais conhecido sistema vigesimal é o maia, embora traços de sistema
céltico de base 20 possam ser encontrados no francês quatre-vingts ao invés de huitante
e quatre-vingt-dix ao invés de nonante.
Os sumérios introduziram a base 60, posteriormente adotada pelos demais povos
da Mesopotâmia. Ainda hoje a empregamos para medidas de tempo e de ângulo.
Bases mistas são raras, como por exemplo entre os Yukaghirs da Sibéria, que
contam: um, dois, três, três e um, cinco, dois três, um mais, dois quatros, dez faltando
um, dez. É importante observar que, se uma sociedade possui extenso sistema verbal de
números, somente este fato não nos capacita para afirmar que possui conceito
operacional de número.
As pesquisas mais recentes comprovam que seres humanos, tendo ou não uma
lista de nomes de números à sua disposição, compartilham com animais não
verbalmente articulados uma representação de número limitada, o que já era conhecido.
Retomou-se novamente a discussão sobre o papel da linguagem na origem dos
conceitos numéricos. Analisaremos brevemente as hipóteses que vêm sido apresentadas.
inventados pelos sumérios, que também foram os inventores da escrita. Eles são
adequados a povos com escrita, o que não é o caso dos coletor-caçadores. Essas
sociedades fazem uso de processos cognitivos de contagem que não necessariamente
são idênticos aos dos povos letrados. Nesses povos o importante é a construção
lingüística dos termos numéricos que empregam, os quais estão vinculados aos
processos cognitivos de contagem de cada sociedade. Vejamos alguns exemplos.
No povo kampa (aruak) o processo cognitivo mental de contagem emprega a
correspondência um-a-um. Uma mãe kampa de quatro filhos não pensa, por exemplo,
“vou cozinhar quatro ovos para meus quatro filhos”, mas sim“ vou cozinhar um ovo
para um dos meus filhos”. Com este tipo de cômputo cognitivo mental biunívoco não
são necessários muitos termos numéricos, realmente a língua kampa possui apenas três:
aparo, apite e mava (um, dois, três). Embora estas três palavras para números pareçam
indicar o emprego de um sistema de base três isso não é verdade, os processos
cognitivos de contagem devem ser levados em consideração, pois seu sistema de
contagem não é posicional. Várias outras línguas, como a kulina (aruá), tenharim (tupi-
guarani), nadeh (maku), sanuma (yanomani), pirahã, entre outras, também fazem uso
dessas construções lingüísticas de termos numéricos baseadas neste processo cognitivo
de contagem.
Todos os nomes para números da língua arara, do grupo karib, são combinações
do numeral um, anane e do numeral dois, adak, respectivamente termos denotativos de
par de ímpar. Três é adak anane; quatro, adak adak; cinco, adak adak anane; seis, adak
adak adak; sete, adak adak adak anane; oito, adak adak adak adak; dez, omiat omiat,
“mão mão”; quinze, omiat omiat pugu ¿o jedun-ne, “mão mão pé lado-só”; vinte, omiat
omiat pugu ¿o pugu ¿o, “mão mão pé pé”. Observe-se o número quinze, que sublinha
lado só, não a totalidade dos dois pés, pois o termo ímpar indica uma unidade
incompleta, parcial.
Talvez uma das primeiras noções matemáticas a ser empregada pela humanidade
relaciona-se à noção de ordem, de ordenação, fundamental para o estabelecimento de
classificações. Implica no reconhecimento de classes de objetos: objetos curtos ou
compridos, leves ou pesados, de pedra ou de madeira, de pele ou de chifre, redondos ou
lineares, e assim por diante. Perante uma diversidade de objetos, a noção de ordem
permite ao homem primitivo dividi-los em classes, estabelecendo assim uma taxonomia:
objetos de pedra, de madeira, armas, ferramentas. etc. A noção de classificação é
anterior, portanto, à contagem. Contamos geralmente objetos de uma mesma classe.
A partir do nono milênio antes da nossa era, povos do Oriente Médio começaram
a empregar pequenos objetos de argila, moldados na forma de discos, ovóides, cones,
esferas, etc., como contadores. Cada configuração correspondia a uma categoria de
coisa a ser contada: uma ovelha correspondia a um disco, duas ovelhas a dois discos, e
assim por diante. Jarros de óleo eram contados com contadores ovóides. Esses
contadores eram colocados dentro de bolas de barro, denominadas de bullae, que eram
secas ao sol ou cozidas. Posteriormente, eram impressos na superfície das bullae. A
forma desses contadores parece ter dado origem aos primeiros sinais da escrita
sumeriana primitiva, que figuram nos denominados textos protoliteratos, pois, por
exemplo, seus sinais para óleo e ovelha assemelham-se a um ovóide e a um disco. Esses
povos, por conseguinte, empregaram contagem concreta até os primórdios da escrita.
Afirmou que uma criança não adquire unicamente as noções de número e outros
conceitos matemáticos por meio do ensino, mas que estas noções em grande parte se
desenvolvem espontaneamente.
Descobriu que uma criança com cinco ou seis anos pode aprender os nomes dos
números e, se dez objetos são colocados em linha ela pode chamá-los por estes nomes,
mas se o arranjo linear é subvertido, a criança perde a certeza quanto ao total. Ela
aprendeu os nomes dos números, mas não entendeu a idéia essencial do número, que a
quantidade total de objetos permanece a mesma também quando eles são misturados.
Porém, meio ano ou mais posteriormente, aos seis e meio ou sete anos, ela formou a
idéia de número mesmo que não lhe tenha sido ensinado a contar. Nesta idade, sendo-
lhe apresentados dois grupos de igual número de objetos, um de objetos azuis e outro de
vermelhos, e perguntada qual grupo tem “mais”, ela irá descobrir que os dois grupos
têm o mesmo número de objetos colocando os azuis em correspondência com os
vermelhos. A noção de correspondência um-a-um, básica na técnica dos entalhes, surge,
portanto, nessa idade.
Aos três anos uma criança pode distinguir certas figuras, como um círculo ou
uma cruz, e dizer se são abertas ou fechadas. Não consegue, ainda, desenhar um
retângulo ou um triângulo. Se solicitarmos a uma criança de quatro anos que coloque
palitos verticais completando uma linha reta entre dois palitos distantes mais ou menos
40 centímetros, ela irá formar uma linha tortuosa. Ela ainda não adquiriu o conceito de
linha reta. Depois dos quatro anos ela irá formar uma linha reta com os palitos
alinhando-os com, por exemplo, o lado da mesa em que estiverem situados. Aos sete
anos ela poderá construir uma cerca reta com os palitos fechando um olho e verificando
seu alinhamento com o outro. Nesta fase adquiriu o conceito de ângulo de visão,
inclusive percebendo como outra pessoa olha para o mesmo objeto de outro ponto de
vista. Este é o princípio cognitivo fundamental para a cooperação grupal no tempo e no
espaço, indispensável, por exemplo, para a caça coletiva.
Escrita Egípcia
provavelmente ancestrais de
símbolos semelhantes da escrita do Indo.
Como pertencem à recentemente
identificada fase Ravi, datada de c. 3.300-
2.800 a.C, inscrevem a civilização do
vale do Indo na disputa pela prioridade da Fig. 5.5 Numerais da escrita do Indo
invenção da escrita. A civilização do vale do Indo floresceu entre 2.800 e 1.800 a.C,
quando se dissolveu em culturas regionais. Sua escrita tem cerca de 400 sinais e é
principalmente pictográfica. Provavelmente essa escrita representa uma língua
dravídica. Conhecem-se cerca de 3.700 inscrições, provenientes de 40 sítios da cultura
de Harapa e de vinte outros sítios. Ainda não está completamente decodificada, apesar
dos esforços de Asko Parpola e de Iravatham Mahadevan, seus principais decifradores.
Proto-Escrita da Cultura Vinča
Escrita Chinesa
O desenvolvimento da escrita
chinesa na antiguidade se deu em três
estágios:1) inscrições em artefatos
cerâmicos; 2) inscrições oraculares em
ossos e conchas; 3) inscrições em bronzes.
Michel Renaud
a b c
Com o fim da segunda guerra mundial, a vila perdeu sua conotação alemã, toda
a sua população foi expelida, e forçada a se mudar para a Áustria e a Alemanha.
Unterwinternitz se tornou a tcheca Dolní Vĕstonice, e o controle dos sítios
arqueológicos novamente voltou às mãos tchecas. Em 1.948 a Tchecoslováquia
sucumbiu integralmente ao domínio da União Soviética; tudo escrito ou descoberto em
Dolní Vĕstonice, no período pós-guerra de 1.945 a 1.950, permaneceu impublicado ou
desapareceu. Parte reapareceu após 1.950, porém substancialmente alterada, para
atender às exigências ideológicas do novo regime, onde a arqueologia teve de se adaptar
à necessidade de uma rígida interpretação marxista. Materialismo e meios de produção
foram combinados, resultando daí o foco que a arqueologia tchecoeslovaca manteve até
praticamente a queda do muro de Berlim e o conseqüente esfacelamento da União
Soviética (1.989): o estudo tipológico das ferramentas de pedra.
Os anos de 1.949-1.956 foram particularmente severos, pontilhados por
julgamentos simulados, farsas montadas para atender os interesses do estado, campos de
trabalho e prisão de inocentes sob a acusação de serem “inimigos da república”. Karel
Absolon foi destituído de sua posição de pesquisa, e forçado à uma insignificância
profissional até sua morte, em 1.960, ocasião em que foi negada a seu filho, então
morando nos Estados Unidos, a oportunidade de comparecer ao funeral de seu pai.
Absolon foi o primeiro a afirmar que alguns sinais gráficos paleolíticos, no caso
entalhes, eram verdadeiras notações numéricas, pois até então eram classificados ou
como arte ou vagamente sob a denominação de “estilo geométrico”. Registre-se que
Absolon aparentemente sempre procedeu com lisura e dignidade em seus trabalhos
científicos, evitando abordar conotações racistas ou étnicas; o seu patriotismo de um
lado, e o seu regionalismo de outro, permearam todos seus escritos. Seu principal
objetivo parece ter sido colocar o sítio Morávio no mapa, bem como provar a
coexistência de mamutes e humanos.
Em uma determinada ocasião, quando o autor dessas linhas estava preparando uma
palestra sobre a Matemática na Pré-História, na qual empregaria recursos multimídia,
necessitou de uma cópia digital da foto publicada pelo London News (Fig. 6.2).
Brincando com o zoom do computador, notou que as incisões nele gravadas
aparentemente não estavam agrupadas em conjuntos de cinco, como os livros texto de
História da Matemática unanimente afirmavam, mas sim em duas séries contínuas: a
primeira, de baixo para cima, com suas incisões numeradas na foto de 1 a 25,
terminando por uma incisão maior; e a segunda, com suas incisões rotuladas de 1 a 30,
sendo a primeira incisão dessa série a de maior largura. Portanto, duas incisões mais
largas separam as duas séries. Isso parecia colidir com a evidência aludida de um
emprego de base 5.
O homem paleolítico empregou uma série de arranjos de incisões, cortes ou traços,
aparentemente para registrar correspondências um-a-um entre eles e os elementos de um
dado conjunto de objetos. A Fig. 6.4 mostra um apanhado desses arranjos.
Talhas numéricas
Logo que o homem começou a contar surgiu a necessidade de se anotar os números
resultantes deste processo. Se utilizasse, por exemplo, dos dedos da mão para contar um
conjunto de peles, ao término da contagem não restaria um registro material do
resultado obtido.
Essa técnica primitiva, de entalhar em bastões de madeira uma marca para cada
unidade computada, chegou até nossos dias. Exemplos dela encontramos no ás da
aviação, que para cada inimigo abatido faz pintar uma marca em sua aeronave; também
no assassino profissional que, para cada vítima, acrescenta uma incisão na coronha da
sua arma; ou, mesmo hoje, quando desejamos contar um dado conjunto de coisas,
riscamos um traço para cada seu elemento. A técnica do entalhe é, portanto, muito
antiga, de uso amplamente difundido.
Fig.6.6 a) b) c) d)
Nela encontramos: em a) o nome-símbolo do Imperador Justiniano, em b) o de
Oto, o Grande. Em c) a assinatura de Pepino, o Breve, sendo que a cruz era desenhada
pelo escriba, o Imperador adicionava então somente os pontos e, finalmente, em d) a do
todo poderoso Imperador Carlos Magno que, como era iletrado, só desenhava o losango
do centro, o resto era completado pelo escriba.
Fig. 6.8 – ideograma seu eixo longitudinal até quase a sua extremidade. A parte
chinês maior era a “matriz”(stock), e a menor o “encaixe”(inset).
significando contrato.
Muito mais raras eram as triplas, formadas por três partes.
A talha dupla era um excelente
Encaixe (inset) Matriz (stock)
instrumento de registro, que podia ser
empregado em vários tipos de transações.
Por exemplo, quando um pagamento era
Registros numéricos Marcas de feito ou recebido, o devedor coloca o seu
propriedade
“encaixe” na “matriz”, que o credor
Fig. 6.9 - Talha dupla
geralmente mantinha consigo, sendo que o
ajuste devia ser perfeito, e marcas são cortadas, de diferentes profundidades, larguras e
intervalos entre elas, por meio de facas ou serras, ou removidas, de ambas as peças ao
mesmo tempo. Cada parte envolvida na transação retinha a metade da talha com a
marca de propriedade da outra parte interessada. Esse sistema maravilhosamente
simples de dupla entrada torna a trapaça praticamente impossível.
Este poema tem por objeto a lenda de Tristão e Isolda (Iseut). Retornando do
exílio, Tristão esconde-se na floresta perto de Tintagel, onde sabe que a rainha Isolda
deverá passar. Para atrair sua atenção, corta um ramo de aveleira, apara-o, e divide-o ao
meio; escreve seu nome em uma das partes, que coloca estrategicamente para que a
rainha a veja quando passar. Como esse expediente já funcionou anteriormente, procura
utilizá-lo como meio de comunicação.
Em 1995, BUBSY deu uma nova interpretação desse episódio. Como a dupla
Tristão e Isolda, a talha consiste de duas partes que se pertencem, se completam; sua
evocação gera uma extraordinária imagem poética no poema. Como as duas peças da
talha estão legalmente unidas uma à outra, assim Tristão e Isolda estão ligados em uma
aliança, ou contrato, amoroso. Juntos formam a summa, soma, da transação, talvez
mesmo a summe de l’escrit, um casal que até hoje preenche a imaginação dos
enamorados.
O primeiro, o cânon hebraico, posterior à era cristã, é fruto de uma série de disputas
que se prolongaram pelo menos até o século II D.C. Os doutores hebraicos para
estabelecer esse cânon se basearam em dois critérios, ao que parece: se o livro fora
escrito na Terra Santa (Palestina) e na língua sagrada (hebraico).
O livro de Tobias narra uma história de família, tratando de dois grandes temas: o
justo submetido à provação e a prece atendida. Tobit, que residia em Nínive, na Assíria,
era um exilado da tribo de Nefertali. De caráter piedoso, caridoso, observante das leis
hebraicas, fica cego prematuramente. Seu parente, Ragüel, que mora em Ecbátana, tem
uma filha, Sara. Sara viu morrer sucessivamente sete noivos, mortos pelo demônio
Asmodeus nas suas respectivas noites de núpcias. Tanto Tobit quanto Sara pedem em
prece a Deus que os livre dessa vida. Deus então envia seu anjo Rafael para conduzir
Tobias, filho de Tobit, à casa de Ragüel, onde casa com Sara e recebe o remédio que irá
curar seu pai da cegueira.
O livro de Tobias parece ter sido composto no século III a.C., talvez por volta de
200 a.C., provavelmente em aramaico ou hebraico. Apresenta pontos de contacto com
uma obra apócrifa, denominada de Sabedoria de Aicar, cujo tema remonta pelo menos o
século V a.C. Pode ser considerado como um escrito didático de fundo histórico.
Inspira-se em modelos bíblicos, sobretudo nos relatos patriarcais do Gênesis, e
literariamente é enquadrado entre Jó e Ester, e entre Zacarias e Daniel. Enquadra a
13
Recensão: cotejamento do texto de uma edição com o original manuscrito.
narração nos séculos VIII-VI a.C., mas descreve-a empregando algumas vezes idéias,
costumes e práticas posteriores, dos séculos IV-III a.C.
O autor não prima pela precisão dos dados, tanto históricos como geográficos ou
topográficos. Por exemplo, em Tb 1,4 o velho Tobit presenciou em sua juventude a
divisão do reino de Israel após a morte de Salomão, o que ocorreu em 931 a.C. Foi
deportado, com a tribo de Neftali e seu filho Tobias, para Nínive, capital da Assíria, o
que ocorreu em 734 A.C. (Tb 1,5-10). Seu filho Tobias só veio a morrer após a ruína de
Nínive, sucedida em 612 a.C. (Tb 14,15). Existiria um intervalo de aproximadamente
trezentos anos entre a juventude do pai e o falecimento do filho, se o relato fosse
inteiramente fiável; porém é provável que o autor apenas quisesse realçar que as vidas
de Tobit e de seu filho foram extremamente longas, sendo essa a forma encontrada para
tal.
Em Tb 5,6 afirma que entre Rages (atual Rai, perto de Teerã) e Ecbátana (hoje
Hamadã) não haveria mais de dois dias de viagem, embora as duas cidades estejam a
uma distância de trezentos quilômetros uma da outra. Inverte a altitude relativa das duas
cidades, ao afirmar que Rages (que se encontra a 1132 m acima do mar) está acima de
Ecabátana (que se encontra a 2010 m de altura).
O episódio do depósito
Em Tb 4, 20 o velho Tobit conta ao seu filho, Tobias, acerca do depósito que fizera
para uma eventualidade: “Também quero dizer-te, meu filho, que deixei em depósito
com Gabael, filho de Gabri, em Rages, na Média, dez talentos de prata. Não te
preocupes, meu filho, se ficarmos pobres”.
“Ele me deu seu documento, e eu lhe dei o meu: eu o dividi em dois para que
cada um ficasse com a metade. Tomei uma e deixei a outra com o dinheiro”.
Tobit efetuou o depósito de certa quantia em prata junto a Gabael. Vejamos como a
legislação assírio-babilônica, vigente na região em pauta, prescrevia este ato jurídico. O
parágrafo 122 do Código de Hammurabi tem a seguinte redação: “Se um awilum
[homem livre, de posse de todos os seus direitos] quer dar em custódia a um (outro)
awilum prata, ouro ou qualquer outro bem, mostrará a testemunhas tudo o que
entregar, redigirá um contrato e (então) dará em custódia”( BOUZON, 1980, p. 59).
14
O naptarum era provavelmente uma pessoa da alta sociedade, um depositário profissional, gozando de
direitos especiais e imunidade diante dos funcionários reais e dos administradores locais; cuja casa era,
por isso, ideal para a custódia de bens.
7
em dobro. Se o ladrão não for achado, então o dono da casa será levado diante de
Deus para testemunhar que não se apossou do bem alheio”(Ex. 22, 6-7).
Têm sido feitas comparações das leis de Israel com outros códigos da região,
particularmente o Código de Hammurabi, e muitas semelhanças foram identificadas, o
que mostra que Israel pertencia à cultura do Mediterrâneo Oriental e compartilhava um
direito consuetudinário comum ao Oriente Próximo, um dos produtos da mescla de
povos e culturas que caracteriza o II milênio a.C.
Excluímos a pedra, pois não poderia ser dividida em dois, de acordo com o texto “...
eu o dividi em dois para que cada um ficasse com a metade”. A divisão de um contrato
escrito em pedra em dois, além de nada prática quase com certeza danificaria o texto.
O papiro, devido a seu baixo custo em comparação com o couro (pergaminho), era
comumente empregado no Antigo Egito, sendo exportado para a Fenícia tão cedo
quanto o século XI antes da nossa era. Os mais antigos papiros datam da V dinastia
egípcia, c. 2750-2625 a.C., porém os papiros judeu-aramaicos de Elefantina, do século
V a.C., estão entre os mais famosos. A palavra para “papiro” é pela primeira vez
mencionada na mesopotâmia em um texto do rei assírio Sargão II (721-705 a.C.),
enquanto que a palavra para “couro” não é aparentemente encontrada antes do período
persa, e “escrita em pergaminho” não ocorre certamente antes do período seleucida
(311-95 a.C)( DRIVER, p.16-17).
A argila, usada em tabletes como suporte para escrita de contratos era, de longe, o
meio material mais comum empregado na região e no período em pauta. Milhares de
exemplos desses contratos foram conservados. Cacos de cerâmica também foram
empregados como suporte da escrita, embora geralmente seu uso fosse restrito à redação
de comunicações menos formais.
Somente um pequeno número de indivíduos podia ler e escrever a escrita
cuneiforme. A maioria da população tinha de recorrer a escribas profissionais, quando
necessitavam de um documento legal. Muitas vezes os escribas adicionavam o próprio
nome após o das testemunhas nos documentos que produziam. As partes contratantes
não assinavam o seu nome, mas simplesmente “selavam”o tablete, enquanto a argila
estava úmida, com o seu selo pessoal. O selo, no qual habitualmente estava gravado o
nome do proprietário, servia não apenas como assinatura, mas também indicava sua
concordância com os termos do contrato. Caso a parte não dispusesse de um selo,
pressionava na argila úmida a unha, geralmente de seu polegar, ou a barra ou o canto de
sua vestimenta, de modo que deixasse uma marca permanente de seu assentimento aos
termos do contrato. É claro que antes do surgimento da ciência das impressões digitais,
nem a marca da unha nem a da barra da vestimenta serviam para identificar a pessoa
iletrada, essas marcas apenas asseguravam que ela estava no local e concordava com os
termos do contrato, o que era garantido pelas testemunhas presentes ao ato.
Os conteúdos dos recipientes, sacos, caixas ou recintos que tinham sido lacrados
com esses fechos de argila, eram certificados como sendo de responsabilidade da pessoa
ou autoridade que tinha deixado seu selo no fecho.
Tobit, de acordo com Tb 1, 12, era procurador do rei Salmanasar V (726-722 a.C.) e
administrava seus negócios. Era, portanto, um homem de posses, um agente comercial
do rei, acostumado aos procedimentos legais vigentes. Gabael também certamente era
uma pessoa acostumada a tais práticas, dedicando-se aos negócios, pois aceita em
depósito uma quantia significativa; talvez um depositário profissional ou proprietário de
uma casa comercial.
Prossegue o versículo: “Eu o dividi [o contrato] em dois para que cada um ficasse
com a metade. Tomei uma e deixei a outra com o dinheiro”. Nesse ponto surge uma
dificuldade aparentemente inexplicável. O texto afirma que Tobit tomou o contrato (o
que implica em que o documento era único) e o dividiu em dois, ficando ele com uma
metade e Gabael com a outra. Mas como seria possível dividir um tablete de argila
endurecida em dois? O tablete provavelmente desfazer-se-ia ao longo da fratura, com
provável perda de texto. Pelo mesmo motivo pode-se descartar o emprego de cacos de
cerâmica (ostracos, do grego óstrakon). Além disso, como ficariam as impressões
necessárias dos selos? Desconhece-se o emprego deste procedimento na mesopotâmia.
Retornando ao texto: “Pai, farei tudo quanto me ordenaste. 2Mas como poderei
recuperar esse dinheiro? Ele não me conhece e nem eu a ele. Que sinal lhe darei para
que ele me reconheça, creia em mim e me entregue o dinheiro?”. O sinal a que Tobias
se refere deveria estar contido na parte do contrato em mãos de Tobit. O texto do
versículo também implica em que apenas esta metade do contrato, de posse de Tobit,
permitiria a Gabael reconhecer que o seu portador (Tobias, que depois delegou a missão
a Azarias) era representante legítimo e autorizado de Tobit.
Este documento era com certeza a metade do contrato de posse de Tobit. Porém,
como conciliar esses acontecimentos com o fato de que o contrato não podia estar
registrado em um tablete de argila, de acordo com as práticas históricas documentadas,
pois então não poderia ser dividido em dois, como o texto bíblico exige?
No texto bíblico: Ele me deu seu documento, e eu lhe dei o meu, neste contexto o
termo documento faria, portanto, menção às marcas de propriedade de Tobit e Gabael,
que seriam registradas nas respectivas metades da talha. Na seqüência: eu o dividi [o
contrato] em dois para que cada um ficasse com a metade, a interpretação seria que a
talha representativa do contrato seria dividia em duas metades, uma entregue para Tobit
e a outra para Gabael.
Isto nos permite sugerir que esse documento era funcionalmente similar a uma talha
dupla, ou realmente fosse uma.
Mas teria sido este documento gravado em madeira? DRIVER (1954, p.16) nos
ensina que os mesopotâmicos também empregaram tabletes de madeira, embora
nenhum tenha ainda sido recuperado em escavações, o que não é de se admirar, dada
sua perecibilidade.
15
O termo técnico, em inglês, (notched) tally stick, será traduzido como talha numérica, com o sentido de
pequena vara ou bastão, em que se marca a contagem por meio de entalhes.
finalidade é desconhecida, seria rapidamente esquecido, sepultado em algum escaninho
de um porão de museu.
Exemplo disso temos nos tokens de argila, pequenos cones, esferas, cilindros, etc.
de argila, que foram os primeiros contadores empregados na contabilidade arcaica da
mesopotâmia. Quando foram encontrados, achou-se que não passavam de peças de
jogos, brinquedos de criança, ou objetos com finalidade desconhecida, e foram
esquecidos nos desvãos dos museus. Somente quando Denise Schmandt-Besserat
descobriu sua finalidade é que foram desenterrados e estudados.
Relevos assírios mostram tabletes duplos, com a aparência de serem unidos por
dobradiças, o que os impede de ser de argila, nas mãos de escribas, semelhantes ao
diptychon romano, que era formado por duas tábuas de madeira, unidas por uma espécie
de dobradiça, cobertas com cera, e empregados para anotações temporárias.
Provavelmente o ábaco sumeriano era de madeira, e empregava como contadores
varinhas de madeira (IFRAH, 2000). Portanto, é de se supor que o uso da madeira em
registros não era desconhecido pelos comerciantes da época estudada na mesopotâmia.
Poderia também, com menor probabilidade, como mostramos, ter sido escrito em
papiro ou pergaminho, funcionando então como uma cartae partitae.
Desse modo, é provável que Tb 5, 1-3 registre um dos mais antigos, senão o mais
antigo, testemunho textual escrito existente do emprego de talha dupla. Além disso, a
interpretação proposta permite esclarecer dúvidas levantadas pelo texto bíblico,
ajudando assim a mostrar que seu autor provavelmente anotou com fidelidade práticas
comerciais usuais na época dos acontecimentos por ele relatados.
9
Ele lhe disse: “procura-me uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um cordeiro de
três anos, uma rola e um pombinho.”10Ele lhe trouxe todos esses animais, partiu-os [dividiu-os]
pelo meio e colocou cada metade em face da outra; entretanto, não partiu as aves. 11As aves de
rapina desceram sobre os cadáveres, mas Abrão as expulsou. ... “17Quando o sol se pôs
estenderam-se as trevas, eis que uma fogueira fumegante e uma tocha de fogo passaram entre os
18
animais divididos. Naquele dia Iahweh estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos : “À
tua posteridade darei esta terra, do Rio do Egito até o Grande Rio, o rio Eufrates, 19os quenitas,
os cenezeus, os cadmoneus, 20
os heteus, os ferezeus, os rafaim, os amorreus, os
O antigo ritual da aliança está descrito em Gen 15, 9-11;17. Esta é a versão javista
do episódio da aliança, na qual talvez estejam incorporados os primeiros traços da
tradição eloísta.
16
Antigo nome divino da época patriarcal ( Gen 28,3; 35,11; 43,14; 48,3; 49,23) mantido especialmente
pela tradição sacerdotal (cf. Ex 6,3), raro fora do Pentateuco, salvo em Jó. A tradução comum “Deus
Todo Poderoso” é inexata. O sentido é incerto; propô-se “deus da Montanha”, segundo o acádico
multiplicarei extremamente”.3E Abrão caiu com a face por terra. Deus lhe falou assim: 4”Quanto
a mim, eis minha aliança contigo: serás pai de uma multidão de nações. 5E não mais se chamará
Abrão, mas teu nome será Abraão 17, pois eu te faço pai de uma multidão de nações. 6Eu te
tornarei extremamente fecundo, de ti farei nações, e reis sairão de ti, de geração em geração, uma
aliança perpétua, para ser o teu Deus e o de tua raça depois de ti. 8À ti, e à tua raça depois de ti,
darei a terra em que habitais , toda a terra de Canaã, em possessão perpétua, e serei vosso Deus.
9
Deus disse a Abraão: “Quanto a ti, observarás a minha aliança, tu e tua raça depois de ti, de
geração em geração. 10E eis minha aliança, que será observada ente mim e vós, isto é, tua raça
depois de ti: todos os vossos machos sejam circuncidados. 11Fareis circuncidar a carne de vosso
prepúcio, e este será o sinal da aliança entre mim e vós. 12Quando completarem oito dias, todos
os vossos machos serão circuncidados, de geração em geração. Tanto o estrangeiro como o
comprado por dinheiro a algum estrangeiro que não é de tua raça, 13deverá ser circuncidado o
nascido em casa e o que for comprado por dinheiro. Minha aliança estará marcada na vossa carne
como uma aliança perpétua.
A aliança referida em Gen 17, 10-13 é conhecida como b erit milah, a aliança da
circuncisão, cujo sinal é corte da carne do prepúcio dos homens, e é fundamental para o
shadû; seria preferível entender “Deus da estepe”, segundo o hebraico sadeh e um outro sentido da
palavra acádica. Seria um nome divino trazido da Alta Mesopotâmia pelos ancestrais (BJ).
17
A doutrina do nome: o nome de um ser não apenas o designa, mas determina a sua natureza. Uma
mudança de nome marca, pois, uma mudança de destino (cf. Gen 17,15 e 35,10).
judaísmo, que a considera prioritária mesmo entre outros preceitos do Torah, tais como
a observação do Sabbath.
A explicação geralmente aceita para isso é que para sancionar a aliança uma
vítima era sacrificada e depois cortada, dividida ao meio. Podemos, todavia, propor uma
outra interpretação para este ritual, baseados no simbolismo da expressão kārat b erit,
talhar, cortar, a aliança.
O Cômputo do Tempo
O ciclo das estações ao redor do ano se reflete no modo de vida desses povos, há
épocas de prosperidade e abundância, e épocas de agruras e necessidades. O inverno,
particularmente rigoroso nas regiões mais setentrionais, requer um planejamento prévio
para ser sobrevivido: abrigos devem ser aparatados, víveres armazenados, roupas
agasalhadoras confeccionadas. Nas regiões tropicais a estação das secas, com seu sol
abrasador e conseqüente carência de água e alimentos, também deve ter seu início
previsto e sua duração controlada, sob pena de morte certa.
Essa estruturação é que fornece uma orientação tanto para a vida dos indivíduos
como para a coletividade, organizando um esquema contínuo e coerente de eventos
periodicamente repetitivos ou de eventos especiais, que determinam o decorrer da vida
da comunidade.
A unidade de tempo mais facilmente percebida é o dia. É um ciclo de luz-
escuridão, ocasionado pelas diferentes quantidades de luz recebidas na superfície da
terra devido à sua rotação em torno de seu eixo. Exceto nas regiões situadas em latitudes
extremas, polares, normalmente desabitadas, onde o dia ou a noite pode durar até seis
meses, esse ciclo é bem discernido pelas diversas culturas. Os seres humanos podem
contar o número desses ciclos, desde que haja um ponto arbitrário de fim de um ciclo e
início de outro; podem também manter um registro material desse número, empregando,
por exemplo, a técnica dos entalhes. Podem subdividir esses ciclos (manhã-tarde,
horas), ou agrupá-los arbitrariamente.
Uma lunação, ou seja, o período entre uma lua cheia ou nova e outra consecutiva
corresponde a 29,531 dias solares médios, ou 29 dias, 12 horas e 44 minutos. Um ano
tropical é composto de 365,2422 dias (365 dias, 5 horas, 48 minutos e 28 segundos), e é
equivalente a 12,368 lunações.
O osso de Ishango apresenta três faces com incisões feitas por 39 pontas
diferentes, encontrando-se hoje no Museu de História Natural de Bruxelas. Sua idade é
estimada em cerca de 8.500 anos.
Se observarmos o céu cada noite e contarmos os dias transcorridos entre uma lua
cheia e outra, ou entre uma lua nova e outra, encontraremos entre 29 ou 30 dias. Não se
pode contar o astronomicamente preciso período de 29,5 dias. No caso da lua nova,
pode ocorrer um período de invisibilidade de um, dois ou até três dias sem uma lua
visível, sendo que podemos considerar dois dias como uma média. Um observador
desse mês lunar poderia registrar esse período como de 28 a 31 dias. Porém, se ele
estiver errado em um dia aqui ou um dia ali na sua notação, ele estará sempre correto se
continuar registrando as próximas fases lunares, ou seja, com um registro acumulado de
vários meses lunares. Esse método é, portanto, autocorretivo se o registro abranger um
período de vários meses lunares.
Se, por exemplo, se computam 16 dias da invisibilidade para o dia da lua cheia,
não pode haver 16 dias para a próxima invisibilidade, mas sim 13, 14 ou 15. Essas
variações são ajustadas ou corrigidas nas próximas fases.
Os San (Bushman) da África do Sul comemoram a lua cheia com danças por três
noites. Estas noites correspondem a um período onde a lua está cheia, forte, saudável,
pois, na seqüência, a lua começa a morrer, pois a carne de seu corpo é cortada pelo
grande caçador, o sol. Essa é a interpretação que dão para a lua minguante. Deste
período até a lua nova, a invisibilidade, transcorrem cerca de 13 dias. Como não usam
números, esses 13 dias são acompanhados pela observação de seu decorrer. Poderiam,
na pré-história, serem registrados por incisões. Na lua nova, invisível, de acordo com a
narrativa Bushmen, está quase morta. Contudo ela nunca morre, renasce, qual fênix
renata das suas cinzas, cresce novamente, até atingir sua plenitude, em um ciclo
infindável.
Fig. 6.12 Interpretação de Marschak de uma face do osso de Ishango.
Marschak,
após o sucesso com
o osso de Ishango,
empreendeu um
périplo por museus
ao redor do mundo,
examinado todos os
ossos com incisões
Fig.6.14 Placa de osso de Blanchard
Fig.6.13 Osso de Kulna;
que estavam ao seu
Osso de Gontzi (abaixo) alcance. Em um fragmento de osso proveniente de um sítio
de caçadores de mamute em Kulna, Tchecoslováquia, com três grupos de 15-16-15
incisões, reconheceu o registro de um mês e meio lunar. Já um marfim de mamute
proveniente de Gontzi, na Ucrânia, delicadamente entalhado com uma série de
minúsculas incisões, parecia registrar um período de quatro lunações.
Uma pequena placa óssea (c. 11 cm) foi descoberta no sítio de Abri Blanchard,
na região da Dordonha, na França, provavelmente confeccionada por um artesão Cro-
Magnon, pois foi encontrada em depósitos Aurignacianos. Uma das faces contém 69
marcas incisas serpentinamente, que parecem registrar dois e meio meses lunares,
havendo um total de aproximadamente 172 entalhes no osso. Curiosamente, o formato
de algumas das marcas se assemelha às fases da lua, porém, isso deve ser analisado com
cuidado, pois podem apenas resultar do feitio das pontas empregadas nas incisões, bem
como do seu ângulo de contacto. O que parece importar é o seu número e sua
distribuição.
9–7=5–3=2
7 – 3 = 9 – 5 = ( 9 + 5) – (7 + 3) = 4
3 + 9 = 5 + 7 = 12
Fig. 6.23 Artefato de Brassempouy
NOTAS AO CAPÍTULO VI
1. Descrição do Rádio
• Grupos de pedras são demasiado efêmeros para conservar informação: por isso o homem pré-
histórico às vezes registrava um número fazendo marcas em um bastão ou pedaço de osso.
Poucos desses registros existem hoje, mas na Tchecoslováquia foi achado um osso de lobo com
profundas incisões, em número de cinqüenta e cinco; estavam dispostas em duas séries, com
vinte e cinco numa e trinta na outra, com os riscos em cada série dispostos em grupos de cinco.
Tais descobertas arqueológicas fornecem provas de que a idéia de número é muito mais antiga
do que progressos tecnológicos como o uso de metal ou de veículos com rodas. Precede a
civilização e a escrita, no sentido usual da palavra, pois artefatos com significado numérico, tais
como o osso acima descrito, vêm de um período de cerca de trinta mil anos atrás (BOYER;
1968, 1974, p.3).
• ...Cinqüenta e cinco incisões, em grupos de cinco, foram cortadas no osso. As primeiras 25 são
separadas das incisões remanescentes por uma de comprimento dobrado. ... Nós podemos
reconhecer neste registro pré-histórico versões rudimentares de dois importantes conceitos
matemáticos. Um é a idéia de uma correspondência um-a-um entre os elementos de dois
diferentes conjuntos de objetos, neste caso entre o conjunto de incisões e o conjunto do que
for que seja que o homem pré-histórico estivesse contando. O outro é a idéia de base de um
sistema de numeração. O arranjo das incisões em grupos de 5 e de 25 indica um compreensão
rudimentar de um sistema de numeração de base 5 (BUNT, JONES, BEDIENT; 1976, 1988, p.2,3).
• ... De cerca de cinco mil anos depois [30.000 anos atrás] nós temos uma tíbia [sic] de um jovem
lobo, encontrada na Tchecoslováquia, a qual contém 57 [sic] incisões profundamente cortadas
e agrupadas por cincos. ...Tais artefatos representam um avanço distinto, um primeiro passo
para a construção de um sistema de numeração, onde a contagem de objetos em grupos é
suplementada por registros permanentes dessas contas (JOSEPH; 1991, 2000, p.24).
• As mais antigas evidências arqueológicas datam da assim chamada era Aurignaciana (35.000-
20.000 a.C.) e portanto aproximadamente contemporâneos do homem de Cro-Magnon.
Consistem de diversos ossos, cada qual ostentando marcas regularmente espaçadas, os quais
foram principalmente encontrados na Europa Ocidental. Entre esses há um rádio de um lobo,
marcado com 55 incisões em duas séries de grupos de cinco. Foi descoberto por arqueólogos
em 1937, em Dolní Vĕstonice na Tchecoslováquia, em sedimentos datados de
aproximadamente 30.000 anos de idade. O propósito dessas incisões permanece misterioso,
mas esse osso (cujas marcas são sistemáticas, e não artísticas) é um dos mais antigos
documentos aritméticos que chegaram até nós. Claramente demonstra que naquele tempo
seres humanos eram não somente capazes de conceber número em um sentido abstrato, mas
também de representar número em relação a uma base. Senão, pois, porque as incisões teriam
sido agrupadas em uma forma tão regular [em grupos de cinco], em vez de uma simples série
contínua? (IFRAH; 1994, 2000, p. 62)
NOTAS DE AGRADECIMENTOS
I. Agradecemos ao Dr. Jiri Svoboda por suas úteis indicações, que nortearam o caminho a
percorrer. Agradecemos em especial ao Dr. Martin Oliva, do Instituto Anthropus, por seu
valioso auxílio, sem o qual não seria possível a execução do estudo sobre o rádio de Dolní
Vĕstonice incluído neste capítulo.
II. Não podemos deixar de registrar nossos mais sinceros agradecimentos ao Dr. Antonio
Quirino de Oliveira, Frei Eduardo, por ter nos chamado a atenção para os simbolismos da
expressão kārat berit e do antigo ritual da aliança, bem como ao seu singular paralelismo com as
funções das talhas numéricas. Frei Eduardo é um notável lingüista, que domina o latim, o grego,
o hebraico, o francês, inglês e o espanhol, além de ter estudado aramaico e escrita cuneiforme.
Participou da Tradução Ecumênica da Bíblia, traduzindo Juízes e Daniel. Estudou arqueologia,
tendo participado de escavações em Israel (Siquém e Quifer), pelo American School of Oriental
Research e Hebrew Union College.
CAPÍTULO VII
I. TUDO É NÚMERO
A escola que criou era permeada por uma mescla de ciência e religião, e
alternava espírito científico com misticismo. Seu código de ética pregava o segredo de
sua doutrina, talvez para valorizar seus ensinamentos perante a comunidade. Essa aura
de mistério, que caracteriza a figura de Pitágoras, originou-se na antigüidade,
prevalecendo até o presente.
18
Com um grão de sal, isto é, com uma pitada de cautela.
Pitágoras nasceu em torno de 570 a.C.. O pai, Mnesarco, era gravador de gemas,
mercador proveniente de Tiro; a mãe, Pitais, era nativa de Samos. Pouco se sabe sobre a
sua educação, exceto que foi aluno de Ferecides. Quando tinha entre 18 e 20 anos
visitou Tales, então de idade avançada, em Mileto. Anaximandro, aluno de Tales,
lecionava nesta cidade, tendo Pitágoras presenciado suas preleções. Tanto Tales quanto
Anaximandro contribuíram para desenvolver o seu interesse em matemática e
astronomia.
Cambises II, rei da Pérsia, invadiu o Egito em 525 a.C.. Polícrates desistiu de
sua aliança com os faraós e enviou 40 navios para reforçar a armada persa. Os persas
venceram a batalha de Pelésio, no delta do Nilo, e capturaram Menfis e Heliópolis,
derrotando as forças egípcias. Pitágoras foi feito prisioneiro e levado para a Babilônia. É
possível que nesta ocasião tenha tido conhecimento do teorema que leva o seu nome, o
qual já era conhecido dos babilônios mais de mil anos antes.
Em cerca de 520 a.C. Pitágoras retornou a Samos. Logo após fez uma viagem a
Creta, para estudar seu sistema de leis. De volta a Samos, estabeleceu uma escola, que
denominou Semicírculo. Aproximadamente em 518 a.C. viajou para o sul da Itália, onde
fundou uma sociedade filosófica e religiosa em Crotona.
Neste período havia muitos ritos cercados de mistério, boa parte com origem no
oriente, que prometiam aos seus seguidores vida eterna. Para citar alguns, lembramos os
profetas órficos, que circulavam entre a Itália e a Grécia; o culto de Dionísio, onde
homens e mulheres mergulhavam em êxtases selvagens. Um modo mais pacato de se
obter a eternidade era por meio da iniciação nos mistérios de Demeter e Perséfone, em
Eleusis.
Todos esses cultos começavam com purificações rituais, para liberar a alma dos
eflúvios terrenos, para então aspirar à unidade com o divino. Havia então um
renascimento na divindade, e assim ganhava-se a vida eterna.
Em 513 a.C. Pitágoras retornou a Delos, pois fora informado de que seu antigo
professor, o sírio Ferecides, estava agonizando. Ali permaneceu por alguns meses, até o
sepultamento do mestre.
Por volta de 510 a.C. irrompeu uma guerra entre Crotona e uma poderosa cidade
vizinha, Sibaris. Pitágoras parece ter-se envolvido, de alguma forma, na disputa. Sibaris
foi derrotada e seu território incorporado ao Estado crotonense.
Durante os séculos III e II a.C. os pitagóricos levaram uma vida ascética, errante.
No século I antes da nossa era, quando os romanos já tinham conquistado quase todos
os territórios helenísticos, o pitagorismo mais uma vez se tornou uma força expressiva
no florescente Império Romano.
Esses sábios, juntamente com outros, como Moderato, Teon, Crônio e Trásilo,
deram novo ímpeto ao pitagorismo, originando o movimento renovador hoje conhecido
como neopitagórico. Gorman (1979) argumenta, com razão, que é difícil discernir se
são neopitagóricos ou neoplatônicos, em virtude das similitudes e complementaridades
dessas concepções filosóficas.
Quando os cristãos assumiram, no século IV d.C. o controle do estado romano,
os pitagóricos tornaram-se uma minoria perseguida, porém suas idéias continuaram a
ser disseminadas na antiga escola de Platão, a Academia de Atenas, e em Alexandria.
Essa situação perdurou até o século VI, quando Justiniano, o Imperador do Oriente,
fechou a Academia e proibiu o ensino de filosofias e doutrinas pagãs.
Nominação
Doutrina do Nome
Bíblia
Este salmo faz parte da coleção atribuída ao rei David (c.1010-970 A.C.),
embora não se tenha certeza acerca da data de sua composição.
Talvez a mais notável expressão do poder criador da palavra apareça no
Evangelho de São João, versículo 1,1:
Paralelo direto encontramos entre as tradições dos índios Uitoto: “No princípio, a
Palavra deu ao Pai sua origem” (PREUSS, apud CASSIRER, 1953, p.45). Do mesmo
modo, encontramos na Índia a exaltação do poder da Palavra mesmo acima do poder
dos deuses: “Da Palavra falada todos os deuses dependem, [e] todos os animais e
homens; na Palavra vivem todas as criaturas...; a Palavra é o Imperecível, o
primogênito da lei eterna, a mãe dos Vedas, o umbigo do mundo divino” (Taittirya
Brahm., 2,8,8,4; apud CASSIRER, 1953, p.48).
Mesopotâmia
O Gênesis conta a história de Abraão, nascido em "Ur dos caldeus"
(Gên.:11,28). Sabe-se hoje que Ur era cidade da Suméria. Os ancestrais de Abraão eram
nômades semitas que habitavam a Mesopotâmia. Gên.12,1 narra que Deus ordenou a
Abraão sair da Mesopotâmia para a terra que lhe mostraria. É geralmente aceito que
Abraão passou a viver em Canaã por volta de 1850 a.C., o que nos permite afirmar que
os relatos da criação descritos no Gênesis provêm de tradições que remontam, no
mínimo, ao final do terceiro milênio antes da nossa era, e que podem ter sido
influenciadas por narrativas similares sumérias.
Muito da literatura suméria foi escrito por falantes de acádio, quando o sumério
já era língua extinta. Os acadianos falavam uma língua semítica, podendo ter estado
presentes na Mesopotâmia desde o tempo em que os sumérios chegaram, ou se
haverem difundido pela região logo após. As suas culturas se mesclaram e devem ter
vivido conjuntamente de forma pacífica, gradualmente tornando-se parte integral da
cultura suméria. Sobre tabletes sumérios de argila, encontrados em Fara, datados de
2900-2800 a.C., nomes semíticos (acádicos) são atestados pela primeira vez. Pode-se
conjecturar, por conseguinte, que os antepassados de Abraão mantinham relações com
eles.
Isto mostra que para os sumérios as coisas (o céu, a terra), só passavam a existir após
receberem um nome: é o poder criador da palavra. Os acadianos tinham uma
expressão para designar uma coisa qualquer: "Tudo isto (aqui) que porta um nome"
(CONTENAU, p.167).
HEIDEL (1963) considera que o poema que ilustra esse mito, na forma como o
conhecemos, foi composto provavelmente durante a primeira dinastia babilônica (1894-
1595 A.C.), afirmando, porém, que o mito está indubitavelmente baseado na
cosmologia suméria.
Nomes e números
No mês de Abu, o mês do descenso do deus fogo, destruidor da vegetação [cultivada] crescente,
quando [se] assenta a plataforma de fundação para a cidade e a casa. Eu assentei a muralha de
fundação, eu construí o seu trabalho de tijolos. Templos substanciais, construídos firmes como as
fundações da eternidade, eu construí neste ponto para Ea, Sin, Nergal, Adad, Shamash, Urta.
Palácios de marfim, amoreiras, cedros, juníperos,e madeira de pistache eu construí ao seu
comando divino para minha moradia real. Um bit-hillani [?], uma cópia de um palácio hitita
[sírio], eu construí em frente de suas portas. Vigas de cedro e cipreste eu assentei para os
telhados. De 16.283 cúbitos, o número de meu nome, eu fiz a medida de sua muralha,
estabelecendo a plataforma de fundação sobre o leito de rochas da alta montanha (FOUTS,
1994).
A interpretação desta inscrição permanece em debate. Não parece uma hipérbole
literária com números, ou seja, o embelezamento intencional de um número com o
propósito de glorificar determinado monarca. Isto era um recurso literário relativamente
comum na Mesopotâmia daqueles tempos. Por exemplo, podemos citar as inscrições de
Rimush e de seu pai, Sargão I (c. 2.350 a.C.). Na de Rimush o número de convidados
para festejar (54.016) é convenientemente cerca de dez vezes o número de convidados
de seu pai. Um fenômeno similar pode-se constatar durante os reinos de Shalmanasar I
(c. 1.275-1.245 a.C.) e de seu sucessor Tukulti-Ninurta I (c.1.245-1.208). A inscrição
do primeiro cita a captura de 14.400 prisioneiros, enquanto o segundo afirma que
capturou 28.000, convenientemente o dobro do antecessor.
Trezentos dez-milhares.
Embora seja difícil identificar o propósito para o qual esses textos numérico-
silábicos foram compilados, bem como o seu uso na prática cotidiana do escriba, eles
certamente contribuíram para a preservação e manutenção da tradição de ensino dos
escribas, especialmente nos princípios do primeiro milênio em geral, e no período
Seleucida em particular. A cópia fiel de textos tradicionais era parte integrante da
formação do escriba.
Como a escrita grega era alfabética, herança dos fenícios, e não silábica, como a
babilônica, o passo natural era associar cada letra a um número, como já os babilônios o
tinham feito, associando cada sílaba a um número. O passo cognitivo é o mesmo:
associar cada signo da sua escrita a um número.
Sir E. A. Wallis Budge nos ensina que o mito da criação egípcio, escrito no
papiro de Nesi-Amsu, relata que, antes de que o mundo e tudo o que nele se contém
começasse a existir, só havia o grande deus Neb-er-tcher, pois ainda nem mesmo os
deuses tinham nascido. Chegado o tempo em que ao deus caberia criar todas as coisa,
disse: "Produzi (i.e., criei) a minha boca, pronunciei o meu próprio nome como palavra
de poder e, assim, me expandi sob as evoluções do deus Quépera (=Neb-er-tcher), e
desenvolvi-me a partir da matéria primeva, que produzira multidões de evoluções desde
o princípio do tempo"(BUDGE I, p.104). Para os egípcios, portanto, a criação resultaria
da pronunciação do nome do deus Neb-er-tcher, ou Quépera, por ele mesmo, notável
caso de autogeração. Em outra versão este deus se confunde com Osíris.
Outras civilizações
Em outras tribos da Austrália Central, além de seu nome próprio, usual, todo
homem, mulher ou criança possuem outro, secreto, conferido pelos anciões. Este só é
conhecido dos membros já iniciados do grupo, e enunciado apenas em ocasiões solenes.
Fora disso, apenas é pronunciado após muitas precauções, para não ser ouvido por
pessoas estranhas ao convívio.
Entre as tribos que acreditam que revelar o nome aos estrangeiros lhes concede
poder sobrenatural sobre os seus membros, encontram-se os seguintes: os Araucanos, do
Chile; selvagens da Güiana inglesa; Guamis, do Panamá; Apaches, do Novo México,
Arizona e Texas; Sicsicas ou Blackfeet, da família algonquina.
Considerações finais
Como mostramos, a doutrina do nome, de que uma coisa passa a existir quando
recebe um nome, constituía concepção muito difundida entre os povos da antigüidade,
especialmente entre os mesopotâmios. Também estes desenvolveram o conceito de que
nome = número. A doutrina do nome pode ser reformulada assim: uma coisa passa a
existir quando recebe um número = nome. Logo, todas as coisas que existem têm
número. Ora, isso nada mais é do que a doutrina da escola pitagórica: "Tudo (todas as
coisas que existem) é número".
Dificilmente se pode negar a influência mesopotâmica nessa doutrina da escola
pitagórica. Embora a vida de Pitágoras seja pouco conhecida, obscura, envolta em
lendas, relatos tradicionais afirmam que ele estudou no Egito e na Babilônia. Mesmo o
conhecimento do teorema, ao qual o nome de Pitágoras ainda está ligado, de que em um
triângulo retângulo a soma do quadrado da sua hipotenusa é igual à soma dos quadrados
dos seus catetos, provavelmente provém dos babilônios.
Embora minúscula, uma pista dessa influência pode ter sobrevivido. Jâmblico,
um comentarista tardio (c.250-c.325), escreveu uma "Vida de Pitágoras", onde
menciona que entre os pitagóricos havia duas formas de filosofia, praticadas por dois
grupos, os ouvintes ou akousmatikoi e os estudantes ou mathematikoi. A filosofia dos
Ouvintes consistia em palestras, nas quais, segundo Jâmblico, não eram empregadas
demonstrações ou raciocínios lógicos, mas apenas emitidas orientações sobre como as
coisas deveriam serem feitas, ou sobre quais comportamentos deveriam ser adotados.
Eram-lhes apresentados dogmas divinos inquestionáveis que, sob juramento, não
deveriam ser revelados. As palestras eram de três tipos: no primeiro apenas se dissertava
sobre certos fatos; noutro, elucidavam-se estes fatos; no terceiro, prescrevia-se o que
deveria ou não ser feito acerca deles. As palestras subjetivas estudavam a natureza
especial de um determinado objeto, como o exemplo registrado por Jâmblico:
Número. A próxima coisa mais sábia é o poder de dar nome19." (grifo nosso -
GUTHRIE, 1988, p. 77).
19
the naming power.
A influência dos “bárbaros” (egípcios, caldeus, hindus, etc.) sobre as idéias
gregas já era amplamente admitida na antiguidade. Por exemplo, Clemente de
Alexandria (séc. II d.C.- morreu em 215), no seu livro Stromatei (Miscelâneas), em seu
Capítulo XV, cujo título muito sugestivo é “A filosofia grega em grande parte originada
dos bárbaros”, então escrevia:
E é bem sabido que Platão estava perpetuamente celebrando os bárbaros, relembrando que
ambos, ele e Pitágoras, aprenderam a maioria e os mais nobres de seus dogmas entre eles. ...E
refere-se que Pitágoras foi discípulo de Sonches, o arquiprofeta Egípcio; e Platão, de Sechnuphis
de Heliópolis; e Eudoxo, de Cnidius de Konuphis, que também era Egípcio. ...Alexandre, em seu
livro Sobre os símbolos pitagóricos, relata que Pitágoras foi um aluno de Nazaratus, o
Assírio...Assim a filosofia, uma coisa da mais alta utilidade, floresceu na antiguidade ente os
bárbaros, lançando suas luzes sobre as nações. Posteriormente veio para a Grécia. Em suas
primeiras filas estavam os profetas do Egito, e os Caldeus entre os Assírios, e os Druidas entre os
Gauleses; e os Samaneanos entre os Báctrios; e os filósofos dos Celtas; e os Magos da Pérsia,
que anteviram o nascimento do Senhor, e vieram para a terra da Judéia guiados por uma estrela.
Os gimnosofistas hindus estão também nesse número, e outros filósofos bárbaros....
Quanto à criação pela palavra, ATWELL (2000, p. 465) resume bem a opinião
atual sobre a questão:
A criação pela palavra divina era um conceito comum, disseminado no antigo Oriente Próximo.
Não era expressão tardia e refinada da atividade divina na criação; mas já era um conceito vivo
na antiga Suméria. Sua origem parece penetrar profundamente na crença primitiva no poder do
nome e na magia associada às palavras. Assim como uma imagem pode repartir a essência da
coisa que representa, também a palavra pronunciada tem o potencial da coisa que significa. Está
intimamente relacionada com a crença que um ato ritual evoca verdadeiramente a realidade que
ele representa.
O interesse por esse número é compartilhado não apenas pelos matemáticos mas
também por sua ciência, a matemática. Nas últimas duas décadas houve um
recrudescimento no interesse no mesmo dentro da matemática, talvez incentivado pela
chegada do novo milênio. Vejamos alguns desses desenvolvimentos recentes (α)20 .
Dentro da teoria dos números, notou-se que o número da besta além de ser igual
a soma dos quadrados dos primeiros sete números primos:
O número (10 666 )! é denominado número leviatã, onde 666 é o número da besta
e ! denota o fatorial de um número.
20
Quando algum fato ou documento mencionado no texto do presente trabalho puder ser localizado em
um site específico da Internet, este site será referenciado por letras gregas minúsculas, sendo a data da
consulta e seu endereço indicado nas referências bibliográficas.
literatura marginal ao assunto, ela é, em sua quase totalidade, fantasiosa, especulativa,
sensacionalista e esotérica, vazia de conteúdo científico.
Origens
Como a escrita grega era alfabética, herança dos fenícios, e não silábica, como a
babilônica, o passo natural era associar cada letra a um número, como já os babilônios o
tinham feito, associando cada sílaba a um número. O passo cognitivo é o mesmo:
associar cada signo de sua escrita a um número.
A doutrina do nome, que prega o poder criador da palavra, de que uma coisa
passa a existir somente quando recebe um nome, constituía concepção muito difundida
entre os povos da antigüidade, especialmente entre os mesopotâmios. Também estes
desenvolveram o conceito de que nome = número. Podemos reformular a doutrina do
nome assim: uma coisa passa a existir quando recebe um número = nome. Logo, todas
as coisas que existem têm um número. Ora, isso nada mais é do que a doutrina da escola
pitagórica: "Tudo [todas as coisas que existem] é [tem um] número". Provavelmente
essa é a origem do misticismo numérico desenvolvido pela escola pitagórica, o qual
influenciou profundamente o simbolismo numérico posterior, inclusive a numerologia
moderna.
A gematria grega que nos é familiar requer 27 letras para representar três
eneadas (nônuplas) numéricas (1-9, 10-90, 100-900), empregando o sistema alfabético.
Porém, cumpre observar que três letras arcaicas (Digamma-6, Coph-90, Sanpi-900) se
tornaram obsoletas no meio literário e caíram em desuso, mas foram mantidas nos
cômputos numéricos e na gematria grega, pois do contrário não se disporiam das 27
letras necessárias para completar as três eneadas.
Os neopitagóricos e os neoplatônicos
A Cabala
O ar (ou espírito) produziu a água primal, a qual, por sua vez, foi condensada no
fogo. A água se condensava em neve, e esta em terra. Essa concepção de água primal é
uma concepção Semítica bastante antiga, a do oceano primal, conhecido como Apsu
pelos babilônios. A doutrina dos elementos primais provavelmente é de origem
semítica, sendo posteriormente adaptada e adotada pelos gregos. A teoria dos quatro
elementos (água, ar, terra e fogo) de Empédocles (c.495-435 a.C.) foi a que maior
influência exerceu na história da ciência, resistindo como hipótese de trabalho até o
início do século XVII da nossa era.
Assim como os números de dois a dez são oriundos do número um, os Dez
Sefirot também são oriundos do um, o espírito de Deus. Isso evidencia a influência
pitagórica nessa doutrina, sendo que os dez Sefirot representam a tectractys sagrada. As
vinte e duas letras do alfabeto hebreu produziram o mundo material, são a fundação e a
origem de todas as coisas, bem como os poderes criadores de toda existência e
desenvolvimento. A relação entre as letras e os Dez Sefirot não é claramente definida no
Yezirah. Porém, elas, pelo seu “peso” (valor intrínseco), sua combinação e seu
intercâmbio produziram toda a criação. As letras são os instrumentos pelos quais o
mundo real, que consiste em essência e forma, foi produzido a partir dos Sefirot, os
quais são meramente essências sem formas. Enquanto os três elementos primais
constituem a essência das coisas, as vinte e duas letras do alfabeto hebreu constituem a
forma.
Gnosticismo
Até a descoberta recente dos códices de Nag Hamadi, de treze textos gnósticos
encerrados em um vaso de argila encontrado perto de Nag Hamadi, no Egito, em
dezembro de 1945, as únicas informações relativamente detalhadas sobre as seitas
gnósticas provinha dos escritos dos Pais da Igreja Católica. Durante o acalorado debate
21
Disciplina do segredo, como os ensinamentos dos primeiros cristãos eram considerados durante as
épocas de perseguições.
com os gnósticos no segundo e terceiro séculos, Irineu, Hipólito, Tertuliano, Clemente e
Orígenes apresentaram refutações contra os ensinamentos que consideravam heréticos,
definindo no processo pela primeira vez muito do que hoje é considerado doutrina
cristã.
Irineu (125-203 d.C.), que foi bispo em Lyons no século segundo, escreveu um
tratado em cinco volumes “Contra as Heresias” (β), no qual nos fornece um relato
sobre a teologia do gnóstico Marcus. Marcus considerava as letras do alfabeto grego
conectadas aos aeons; sua interpretação mística do papel do alfabeto grego na criação
do universo é intrigantemente similar à do Sefer Yezirah, onde o alfabeto hebraico
desempenha igual papel. Ele também dividiu o alfabeto em oito grupos gramaticais: sete
vogais (Η,Ω,Α,Ι,Υ,Ε,Ο), oito semi-vogais (Ζ,Λ,Μ,Ν,Ξ,Ρ,Σ,Ψ) e nove consoantes mudas
(Β,Γ,∆,Θ,Κ,Π,Τ,Φ,Χ).
Outro gramático gnóstico, Marsanes, considerava que as letras do alfabeto grego
são “a nomenclatura dos deuses e dos anjos”, e que quando mudavam elas se
submetiam [invocavam] a deuses ocultos “por meio de batidas e tons e silêncios
[pausas] e impulsos” (BARRY, p.112-117). Esse conceito é central na magia
helenistica, como podemos constatar através dos papiros mágicos gregos, onde figuram
longas listas de nomes enigmáticos (voces magicae), combinações de vogais e
permutações de letras. Vários amuletos, pedras gravadas (glíptica), grafites contendo
exemplos dessa magia grega sobreviveram.
Muitos dos mais antigos cristãos, incluindo o apóstolo Paulo, não parecem ter
conhecimento dessa doutrina. Por isso as duas citações do Novo Testamento, a primeira
(Mateus 28,19) referente a uma tríade (Pai, Filho e Espírito Santo) e a outra (I João 5,7)
referente à trindade (o espírito, a água e o sangue), são suspeitas de serem interpolações,
especialmente a última. Referências à Trindade somente se tornaram comuns após o
século terceiro, sendo que essa doutrina somente recebeu a aprovação oficial da Igreja
no Concílio de Constantinopla (381 d.C.).
Graças a Hipólito (op.cit., IV,14) temos uma descrição de uma técnica usada na
numerologia gnóstica, conhecida como pythmenes (tronos, ou raízes). Ë equivalente à
regra tradicionalmente conhecida como “regra dos noves”, ou “noves fora”. Quando um
número é dividido por nove, o resto é o mesmo daquele obtido se a soma dos dígitos do
número original é divisível por nove. Os cabalistas hebreus empregavam o pythmenes
sob o nome de aiq beker, também conhecido como Cabala das Nove Câmaras. Hipólito
também menciona a aplicação do pythmenes em um sistema numerológico empregado
pelos egípcios: “...eles calcularam a palavra “Deidade” e encontraram que ela reverte
em uma quíntupla com uma nônupla subtraída” (op.cit., IV,44). A palavra para
divindade em grego e copta é theos, ΘΕΟΣ = 9+5+70+200 = 284, mas
284=2+8+4=14=5+9, ou, de outra maneira, 284 dividido por 9 é 31, com um resto 5.
Oráculos e Invocações
Um dos mais antigos exemplos de isopsefia conhecidos é descrito pelo pseudo-
Calístenes, que escreveu uma biografia (Vida de Alexandre) no século III a.C. Relata
que um deus apareceu em um sonho a Alexandre, declarando-se seu protetor, e seu
nome seria reconhecido da seguinte forma : “Tome duzentos e some um; então cento e
um, e quatro vezes vinte, e dez; e tome o primeiro número e faça ele o último; e conheça
para sempre que deus eu sou” (BARRY, p.90). É dito que Alexandre interpretou o
sonho como: 200+1+100+1+(4x20)+10+200=592, número que corresponde ao das
letras do deus Grego-egípcio SARAPIS: Σ Α Ρ Α Π Ι Σ =200+1+100+1+80+10+200
=592. O nome Sarapis, ou Serapis, provavelmente é a composição dos nomes de dois
deuses egípcios, Osiris e Apis. O culto de Serapis foi introduzido em Alexandria por
Ptolomeu, o general sucessor de Alexandre no Egito.
Outros exemplos de isopsefia como método pelo qual os deuses podem revelar
segredos à humanidade, podem ser encontrados nos denominados Oráculos Sibilinos.
Na forma em que hoje os possuímos, compõem-se de quinze livros compilados por
judeus ou cristãos entre os séculos II e IV da nossa era. As Sibilas eram profetisas com
uma longa história no mundo grego-romano, já figuravam, por exemplo, nos escritos do
comediante grego Aristófanes (c.447-380 a.C.) e nos do poeta romano Virgílio (70-19
a.C.). Há citações de Pausanias, Plutarco, Lívio e outros afirmando que livros contendo
essas profecias eram mantidas em Roma, e só eram consultados em tempos de perigo ou
de acontecimentos anormais. Porém o capitólio romano, onde esses livros eram
mantidos, foi destruído pelo fogo no tempo de Sulla (84 a.C.) e novamente no tempo de
Vespasiano (60 d.C.).
O Livro V, que provavelmente foi escrito por um judeu egípcio nos fins do I
século da nossa era, aproximadamente contemporâneo, ou mesmo antecessor, do
Apocalipse de João, do qual alguns acreditam que pode ter sido o protótipo, é notável
pelas passagens apocalípticas ali contidas. Suas primeiras linhas descrevem, de uma
maneira pseudo-profética, mas obviamente retrospectiva, os imperadores romanos até
Marco Aurélio, seguindo curiosamente a ordem sugerida por Suetônio, o historiador
romano.
“Depois dos bebês que a loba tomou como crias, virá um rei [imperador] o primeiro e todos, a
primeira letra de cujo nome irá somar duas vezes dez; ele será vitorioso na guerra; e por seu
primeiro sinal ele terá o número dez; então após ele reinará um que terá a primeira letra como
sua inicial; perante ele a Trácia irá encolher-se, depois a Sicília, então Mênfis, Mênfis se
humilhou por falha de seus líderes, e de uma mulher arrojada, que caiu na onda (sic). Ele dará
leis ao povo e trará todos em sujeição, e depois de um longo tempo seu reinado reverterá para um
que terá o número trezentos como sua primeira letra, e o nome bem conhecido de um rio, cujo
domínio irá alcançar os persas e a babilônia: ele os medas com a lança. Então reinará um cujo
nome-letra é o número três; então um cuja inicial é vinte: ele alcançará a maior distância da maré
do oceano, rapidamente viajando com sua companhia Ausoniana. Então um com a letra
cinqüenta irá ser rei, um dragão caído exalará atroz guerra, que levantará a sua mão contra seu
próprio povo para matá-lo, e então espalhará confusão, representando o atleta, auriga, assassino,
um homem de muitas ações doentias; ele cortará através da montanha entre dois mares e os
manchará de sangue; ainda ele se desvanecerá até a destruição; então ele irá retornar, fazendo a
si próprio igual a Deus; assim Deus revelará sua insignificância. Depois dele três reis perecerão
cada um na mão do outro; então virá um grande destruidor de divindades, cujo número setenta
cabalmente mostra. Seu filho, revelado pelo número trezentos, tomará o poder. Após ele virá um
tirano devorador, marcado pela letra quatro, e então um homem venerável, pelo número
cinqüenta, mas após ele um que leva o signo inicial de trezentos, um celta, ....”(apud BARRY,
p.91-92).
Outra forma comum de misticismo numérico grego, além da isopsefia, era o uso
de acrósticos, ou notarichon, no qual as letras iniciais de uma frase ou de uma
passagem formam uma palavra. Talvez o acróstico mais famoso da história seja o que
ocorre no Livro VIII, no qual as letras iniciais dos versos formam: ΙΗΣΟΥΣ ΧΡΙΣΤOΣ
ΘΕΟΥ ΥΙΟΣ ΣΟTΗP (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador). Agostinho de Hipona
(354-430 d.C.) ressalta que as letras iniciais desse acróstico formam a palavra grega
ΙΧΘΥΣ, que significa peixe, a qual sugeriu aos antigos cristãos o uso do peixe como
emblema da cristandade.
22
Autor dos livros da Bíblia.
J. Wellhausen (1844-1918) incorpora essa teoria no estudo da história da religião em
Israel.
I.R. de Vaux é o autor atual que melhor integrou as conclusões da crítica literária
com a crença tradicional de ser Moisés o autor do Pentateuco. O núcleo central do
Pentateuco refere-se à época de formação do povo de Israel, onde, indubitavelmente,
Moisés teve um papel relevante, sendo o líder organizador do povo no campo religioso
e nacional. A crítica literária revela no Pentateuco a presença de várias tradições, ou
documentos, as quais conservadas e transmitidas junto aos vários santuários,
cristalizaram-se paulatinamente em ciclos literários, sob a pressão do ambiente e do
influxo de alguma personalidade importante, como assevera a hipótese da história das
formas.
Vaux reconhece quatro tradições, a saber: 1.) a Javista (J), fixada por escrito no
sul da Palestina, no tempo de Salomão (c.972-933 a.C.); 2.) a Eloísta, ao norte, pouco
posterior à Javista; 3.) a Sacerdotal (P, do alemão Priestercodex = código sacerdotal), do
clero de Jerusalém, durante o exílio babilônico (séc. VI a.C.); essas três primeiras deram
origem aos quatro primeiros livros do Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico e Números;
4.) a Deuteronomista (D), responsável pelo quinto livro, o Deuteronômio, a qual teve
sua origem no norte, sendo depois levada para Jerusalém (após 722 a.C.), sendo
encontrada no Templo na época de Josias (640-609 a.C.). O estudo comparativo das
literaturas do Oriente antigo nos mostra que essas quatro tradições espelham o ambiente
histórico não da época em que foram registradas por escrito, mas sim do tempo ao qual
se referem, ou seja, das origens de Israel.
Outro ponto que devemos esclarecer é quanto à falácia que apresenta o hebreu
como uma língua sagrada, divina, empregada por Deus quando “escreveu” os livros da
Bíblia. Para isso, necessitamos recapitular alguns pontos sobre o uso histórico do
hebreu. O hebreu foi comumente falado na Palestina até c. 300 a.C. De 300 a.C. até 70
d.C., não era mais habitualmente empregado, tendo sido substituído pelo aramaico, a
língua de Cristo e dos apóstolos, todavia permanecia importante porque era a língua do
Pentateuco e a do Templo de Jerusalém. O terceiro estágio começa com a destruição do
Templo pelos romanos (c.70 d.C.) e se estende até após a cristianização do império
romano, no séc. IV. Nesse período, o hebreu teve uma importância marginal, pois
embora o templo e a Torah retivessem sua centralidade simbólica, perderam muito de
sua influência política.
“E o Senhor Deus disse para mim [o anjo]: “Abra as orelhas e a boca [de Abrão] para que ele
possa ouvir e falar com sua boca na língua que é revelada porque ela cessou [de ser falada] da boca de
todos os filhos dos homens desde o dia da queda [de Babel ?]”. E eu abri sua boca e suas orelhas e seus
lábios e eu comecei a falar com ele em hebreu, na língua da criação. E ele tomou os livros de seus pais –
e eles eram escritos em hebreu – e copiou-os. E começou a estudá-los. E eu permiti que ele soubesse tudo
que ele era incapaz de compreender.
Isso influenciou alguns escritos rabínicos posteriores, bem como o Sefer Yezirah,
onde o conhecimento de que o universo foi criado por meio da escrita e da língua
hebraica conduziu a complexas especulações sobre as relações entre suas letras, suas
palavras e a realidade física.
Várias obras (cf. Apocalipse Abraão (15:7, β,ι); Apocalipse Zephaniah (8, λ); 2
Corintios 12:4)) mencionam que os anjos falavam em uma linguagem ininteligível pelos
homens; o Livro dos Jubileus afirma que essa língua era o hebreu, e que ele será o
idioma dos Fins dos Dias.
A Literatura Apocalíptica
O período que vai de 200 A.C a 100 d.C. foi um dos mais atribulados em toda a
história dos judeus. A voz dos profetas se exaurira há tempos e, ao invés da idade de
ouro que predisseram, sobreveio a derrota, a ocupação e uma violenta perseguição
religiosa. Esses ingredientes propiciaram o surgimento de um novo gênero literário, o
que não seria de se admirar em semelhante período de tensões: a literatura
apocalíptica.
Essas visões não têm valor por si mesmas, mas sim pelo simbolismo que
encerram. Em um apocalipse quase tudo tem um valor simbólico: os números, as coisas,
as partes do corpo e até mesmo as personagens que entram em cena. Um símbolo é a
representação visível de um objeto ou de uma idéia. No judaísmo primitivo, era
denotado não apenas por um signo, mas também por qualquer característica da relação
mística entre Deus e o homem. Simbolismo pode, para nossos propósitos, ser
considerado como o ato de dotar coisas ou ações externas com um significado interior,
notadamente para a expressão de idéias religiosas.
Na sua descrição da visão, o vidente traduz em símbolos as idéias que lhe foram
sugeridas por Deus, registrando assim coisas, cores, personagens, números simbólicos,
sem se preocupar com a incoerência do todo. Para entendê-lo, seria necessário aprender
sua técnica e retraduzir em idéias os símbolos que ele propõe, senão seus escritos não
passariam de uma algaravia desconexa e ininteligível.
Muitas vezes os autores dos apocalipses, para valorizar sua mensagem, escrevem
sob o pseudônimo de alguma eminente personagem veterotestamentária, colocando-se
em um ponto de vista passado, tornando-se assim capazes de “predizer” eventos que
acontecem no presente. Os livros assim escritos recebem a denominação de
pseudoepígrafos.
Os apocalipses são fundamentalmente escatológicos. A escatologia é a doutrina
que trata das últimas coisas (ta eschata - em grego), da consumação dos tempos e da
história.
23
Os livros da Escrituras são denominados canônicos, isto é, pertencem a um cânon, ou registro,
catálogo, e constituem um conjunto de textos inspirados por Deus, que determinam a regra da fé cristã,
e tal é o sentido de kanon: cana para medir, régua, logo regra.
em Hat-Torah (A Lei); Nebiim (Os Profetas) e wa-Kéthubim (Os Escritos). Os doutores
hebraicos para estabelecer esse cânon se basearam em dois critérios, ao que parece: se o
livro fora escrito na Terra Santa (Palestina) e na língua sagrada (hebraico).
24
Como muitos dos documentos a seguir figuram em mais de um site, indicaremos ao menos um endereço
para consulta, embora os outros sites indicados possam também ser compulsados. Caso pairem dúvidas
sobre informações extraídas de websites, pode-se compulsar uma versão impressa da maioria dos textos
referenciados a sites no presente trabalho nas seguintes obras: WISE (1999) e ROBINSON (1990).
Eslavônico; escrito em hebreu provavelmente na primeira metade do séc.I d.C.)(λ); 4. O
Apocalipse de Baruch (preservado inteiro somente em siríaco, escrito provavelmente no
início do séc. II d.C.)(λ); 5. O Apocalipse de Abraão (séc. I-II d.C.)(Testamento de
Abrão;β,ι); 6. Esdras (II ou 4 Ezra, semítico, aparentemente hebreu, composto
aproximadamente no ano 90 d.C.)(β,δ,κ,λ); 7.Os Oráculos Sibilinos (op.cit.)(λ,η); 8.) Os
Testamentos dos Doze Patriarcas (provavelmente um escrito do século I da nossa era,
escrito em hebreu)(λ); 9. a Ascensão de Isaias (séc. II d.C.)(θ); 10.O Apocalipse de
Elias (Elijah, séc. I-IV? d.C.)(λ); 11. O Apocalipse de Sofonias (Zephaniah; séc. I a.C.-
II d.C.)(λ); 12. O Apocalipse de Moisés ou A Vida de Adão e Eva (provavelmente
escrito em hebreu, data incerta)(δ); 13.O Apocalipse de Sedrach (séc. II-V? d.C.)(λ); 14.
O Apocalipse de Pedro (grego, contemporâneo do Apocalipse de João, c.130 d.C.)(β, δ);
15. O Apocalipse de Paulo (c.380 d.C.?)(δ); 16. O Apocalipse de Maria Madalena
(grego, séc. II d.C.)(ε, ζ); 17. O Apocalipse de Bartolomeu (séc. III-V d.C.)(grego) (η);
18. O Apocalipse de Adão (séc.I-II d.C.) (δ, ε, λ); 19. O Apocalipse de James (séc. II-III
d.C.)(ε, δ, η); 20. Apocalipse de Maria (da Virgem; séc.IX d.C.?)(β).
A influência de suas idéias pode ser detectada ainda nos dias de hoje como, por
exemplo, na concepção da história de Augusto Comte, com suas três fases sucessivas: a
fase teológica, a fase metafísica e a fase científica. Também na dialética marxista
reconhecemos sua influência, notadamente nas três etapas de sua consecução: o
comunismo primitivo, a sociedade de classes e um comunismo final, que deveria ser o
reino da liberdade e no qual o Estado terá desaparecido. Igualmente a expressão “O
Terceiro Reich”, de triste memória, e que foi cunhada em 1.923 pelo publicitário
Moeller Van den Bruck para designar “a nova ordem”, a qual deveria durar um milênio,
ecoa as idéias de Fiore.
O Apocalipse de João
25
Pessoa que pratica a exegese; exegese é minuciosa interpretação de um texto ou palavra, especialmente
da Bíblia.
O versículo 13:16-17 reza: “[a segunda besta] Faz também com que todos,
...recebam uma marca na mão direita ou na fronte, para que ninguém possa comprar
ou vender se não tiver a marca, o nome da Besta ou o número do seu nome”. Essa
marca com que todos são assinalados é a imagem (ícone) do imperador, notadamente
nas moedas do reino. Esse parece ser o significado dessa passagem, de que todas as
transações comerciais, sejam compras ou vendas, seriam impossíveis para aqueles que
não tivessem a marca da besta, ou seja, moedas com a efígie do imperador ou com o seu
nome. Contra essa interpretação argüi-se que os judeus no tempo de Cristo não tinham
escrúpulos em manusearem moedas com a efígie de César: “Dai, pois, a César o que é
de César, e a Deus, o que é de Deus” (Mateus 22:15-22). Porém cabe lembrar que o
horror dos judeus por imagens de imperadores era devido principalmente à sua repulsa à
idolatria que Calígula tinha adrede anteriormente adotado: o culto ao César Imperador
como divindade. Ele confiscara diversas sinagogas, transformando-as em templos
pagãos nos quais sua estátua era venerada e, absurdo dos absurdos, em 40 d.C.
entronizara uma imagem sua no sacrossantíssimo Templo de Jerusalém! Não à toa
Calígula sempre foi forte candidato à Besta do Apocalipse.
Analisemos agora o versículo 17: 9-11: “[as sete cabeças] São também sete reis,
dos quais cinco já caíram, um existe e o outro ainda não veio, mas quando vier deverá
permanecer pouco tempo. A Besta que existia e não existe mais é ela própria o oitavo e
também um dos sete, mas caminha para a perdição”. As sete cabeças da Besta são sete
imperadores; cinco deles, diz João, já caíram: Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio e
Nero. “Um existe”, diz o autor, ou seja: Vespasiano (70-79 d.C., época aproximada da
redação da primeira parte do apocalipse), constituindo-se assim no sexto imperador. O
sétimo “ainda não veio, mas quando vier deverá permanecer pouco tempo”
provavelmente é Tito, que reinou apenas por dois anos (79-81).
Alguns poucos documentos muito antigos consignam 616 ao invés de 666. Duas
explicações são propostas para esse fenômeno: a primeira, já aventada por Irineu
(Adversus Haereses,V, 30), afirma que a letra medial xi (csi, 60: Ξ,ξ) foi copiada
erroneamente como iota (10: Ι, ι), tratando-se, portanto, de um erro do copista. É a
mais aceita, tendo-se em vista que a maioria dos documentos registra 666. A segunda
explicação será apresentada mais adiante.
A batota aqui é que o valor do número 3 no ASCII é dado por 51 e não 3. Mas é
interessante a escolha do ASCII como um alfabeto em gematria.
26
Jesus: (grego) ΙΗΣΟΥΣ = 10+8+200+70+400+200= 888.
27
Com uma pitada de cautela.
cujo valor nesse alfabeto é 118+105+101+107+121+114 = 666. Aqui há dois engodos:
o primeiro, a escolha do alfabeto; o segundo, a opção pouco convincente pela pronúncia
fonética do sobrenome.
Numerologia Moderna
Os pitagóricos, como mostramos, com sua idéia de que tudo era número, podem
ser considerados como os precursores do misticismo numérico. Os seus sucessores, os
néo-pitagóricos, mais de meio milênio depois, ampliaram e aprofundaram as
propriedades místicas atribuídas aos números inteiros. No transcorrer da idade média, o
misticismo e o simbolismo numérico fervilhavam na Europa, embora idéias inovadoras
sobre o assunto não surgissem.
DUDLEY (1997) atribui essa idéia à Josephine Balliet, de Atlantic City, New
Jersey, que considera como a fundadora da numerologia moderna, embora admita que
ela possa ter tido predecessores.
Sobre a vinda do Anticristo e de seus sinais, à guisa de conclusão, o melhor
conselho a seguir é o dado por Irineu de Lyon no século II, ainda surpreendentemente
válido e atual, que endossamos: “É assim mais acertado, e menos perigoso, aguardar o
cumprimento da profecia do que fazer conjecturas e previsões acerca de qualquer nome
que se possa aventar, visto que muitos nomes podem ser encontrados que possuem o
número mencionado [666]; e esta questão irá, apesar de tudo, permanecer insolúvel”
(Adversus Haereses, V, 30, β).
Nota 1. Dentro dessa corrente destacaremos apenas duas obras: O Nome da Rosa (Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1983), de Humberto Eco, e o Código Da Vinci (New York, Doubleday, 2004), de Don Brown.
O pano de fundo da primeira obra é perpassado pela influência das diversas heresias milenaristas no
vulgo da época em que se passa a ação, bem como não aceitação da propriedade de bens materiais por
parte dos primeiros franciscanos, que pregavam a humildade e a pobreza, o que ocasionou sérios embates
com a cultura materialista então vigente na Igreja. Para melhor compreensão desse background
recomendamos a leitura de COHN (1980). Já na segunda obra, o pano de fundo envolve tanto alguns
conceitos (Fibonacci, criptografia, número de ouro, etc.) verdadeiros, como entidades, algumas reais
(Opus Dei, Templários), outras imaginárias (Priorado), e alguns artefatos pseudo-históricos, como o
“criptex” atribuído à Leonardo, na verdade inexistente. Mistura, portanto, elementos históricos reais com
inventados; embora no início da obra o autor afirme que é um obra de ficção, mencionando que se baseou
em fatos reais, listando uns poucos, no seu desenrolar a ficção e a realidade estão entretecidas. O perigo
reside no fato de que a maioria do seu público leitor não possui um conhecimento da história sólido e é
incapaz, portanto, de separar o joio do trigo, sendo induzida a acreditar que todos os elementos do enredo
são reais. Essas obras, como afirmamos, valem pelo entretenimento que proporcionam.
Nota 2. Como exemplo dessa corrente selecionamos o best seller O Código da Bíblia (São Paulo, Cultrix,
2002), de Michael Drosnin. Nessa obra o autor constrói uma teia de conjecturas baseada em um pseudo-
código que “descobriu” nos livros da Bíblia hebraica. Considera, pois, o hebraico a língua sagrada.
Afirma que “Moisés recebeu de Deus a Bíblia” (p.25), que as letras hebraicas de seus livros contém um
“código secreto”, que pode ser descoberto se selecionarmos em um dado trecho uma letra, pulando na
seqüência um número fixo de letras, então uma outra, e assim por diante, mediante um programa de
computador. Essas letras reunidas formam palavras, nomes, profecias escondidas no “código da Bíblia”.
O autor demonstra um total desconhecimento, provavelmente intencional, de como os livros históricos da
Bíblia foram realmente compilados, de como o hagiógrafo reuniu, por vezes, várias fontes, acrescentou
interpolações, redigindo a forma final segundo seu estilo. O hebreu, particularmente no Torah, como
vimos, nunca foi considerado uma língua sagrada. Além disso, em qualquer trecho escrito, em qualquer
língua, de qualquer autor, podemos descobrir “significados ocultos” se empregarmos seu “método”,
bastando escolhermos o trecho, o inicio da mensagem, e o salto por que optarmos de forma
intencionalmente enviesada. Desaconselhamos a leitura desse tipo de obra.
γ) (/07/jan/05): http://www.webcom.com/hermit/page/sefer.htm
δ)(10/jan./05): http://wesley.nnu.edu/biblical_studies/noncanon/index.htm
http://www.gnosis.org/naghamm/nhlcodex.html
ζ) (/12/jan/05): http://www.thenazareneway.com/the_gospel_of_mary_magdalene.htm
η) (/15/jan./05) : http://www.comparative-religion.com/christianity/apocrypha/
θ) (/12/jan./05): http://www.piney.com/Testament-Moses.html
ι) (jan./05): http://www.oxleigh.freeserve.co.uk/pt01c.htm
ξ) (09/fev/05): http://www.ccel.org/c/charles/otpseudepig/jubilee/
CAPÍTULO VIII
GEOMETRIA PALEOLÍTICA
Karl Jung
Em 1.865, Sir Edward Tylor (1.832-1.917) já pressentia uma afinidade entre arte
pré-histórica e magia. Salomon Reinach (1.858-1.932), elaborando esta tese, propôs em
1.903 que o único modo que podemos entender a arte paleolítica é examinando o modo
de vida de povos “primitivos” existentes no presente, ou seja, estudando as culturas dos
povos caçador-coletores. Levantou, na ocasião, uma questão para a qual ainda não
temos resposta: é possível compreender a arte paleolítica sem recorrer às analogias?
Empregando-as não estaremos simplesmente recriando o passado com uma imagem do
presente?
Max Raphael, seguidor de Saussure, adepto das teorias marxistas, afirmou que a
arte do paleolítico superior não explicita nada sobre os instrumentos de produção destes
povos, o sobre suas técnicas de caça, ou mesmo sobre suas habitações, isto é, sobre os
componentes materiais de sua infra-estrutura. O que ela narra, por meio de um código
estruturado, é sobre a luta social. Como no totemismo, os grupos sociais eram
representados por meio de animais; animais em combate representavam lutas de clãs.
Para ele, essa arte era a expressão das idéias do homem paleolítico concernentes
à organização natural e sobrenatural do seu mundo, uma verdadeira weltanschauung
(visão de mundo), e o mitograma era um veículo que poderia carregar uma carga ampla
de significados.
Por exemplo, a indústria lítica associada aos Neandertais, menos elaborada, com
peças mais cruas, é denominada de Chatelperroniana, com sua fase precedente a
Mousteriana, enquanto a que é correlacionada aos Cro-Magnon, representantes do
Homo sapiens moderno, mais complexa, é denominada Aurignaciana. Essas culturas
são conhecidas na atualidade como tecnocomplexos.
Xamanismo
Fig. 8.3 Esq.: “feiticeiro” de Trois Fréres (Breuil); centro: xamã siberiano,
Witsen, 1705; dir.: dança xamãnica tupinambá, Lery,1706.
Simbolismo em Matemática
Multiplicar ou dividir dois números grandes de memória não é tarefa fácil, sendo
praticamente impossível se são realmente grandes. Em compensação, se escrevemo-los
em um papel, uma memória artificial permanente, executar essas operações é
relativamente fácil. Mas o trabalho com mídias simbólicas externas não se limita apenas
ao armazenamento em memórias artificiais, ele também muitas vezes constitui, por si
só, um ato epistêmico, pois algumas ações necessárias para resolver problemas podem
ser executadas mais fácil e seguramente com o seu emprego do que apenas recorrendo à
memória. Hoje em dia, o uso de mídias externas torna factíveis soluções
computacionais que nunca alcançaríamos sem elas. O emprego do computador é
imprescindível atualmente na demonstração de certos teoremas, como, por exemplo, seu
uso na recente demonstração da conjectura de Kepler.
Em 1.980-81 foi escavada em Berekhat Ram, nas colinas de Golã, em Israel, uma
pequena figura com 35 mm de altura, 25 mm de largura
e 21 mm de espessura, feita de material vulcânico,
aparentando representar uma figura feminina. Foi
encontrada entre dois fluxos de cinza e sua idade é
estimada em mais de 230.000 anos. Hominídeos
começaram a imigrar da África tão cedo quanto 1,8
milhões de anos atrás; grupos posteriores entraram no
Levante carregando tradições Acheulianas com
Fig.8. 4 Proto-figurinha tecnologias Levaloisianas. Essa figurinha aprece ter
de Berekhat Ram
sido feita aparentemente pelo homo erectus,
empregando ferramentas de pedra dessa tecnologia. Análises microscópicas parecem
demonstrar ter sido realmente feita por mãos humanas.
Talvez os mais antigos objetos com perfurações feitas por hominídeos seja dois
pendentes de Repolusthöhle, na Áustria, com cerca de 300.000 anos. O primeiro é um
incisivo e lobo, com uma perfuração junto à raiz muito bem executada. O segundo é
uma ponta de osso quebrada, aproximadamente triangular, com um furo perto de um
canto.
Os resultados desses estudos mostram que as incisões nesse fragmento foram feitas
intencionalmente, o que é sugerido pelo número, orientação, perfil sinuoso e localização
anatômica dos entalhes, e pelo uso de uma ponta em vez de um perfil cortante, tal como
um raspador.
29
Fragmento
Fig.8.24 de osso,
Osso gravado segundo
com linhas GERDES
paralelas. La (1992, p.18), ou de pedra, conforme MARSHACK (1972,
Ferrassie. Musteriense
p.349).
em La Ferrassie, na Dordonha, França, junto aos restos de uma criança Neandertal,
atribuído ao período musteriense, do Paleolítico Médio, com uma idade de cerca de
50.000 anos, está gravado com uma série de finos traços paralelos.
Mesmo as concepções tradicionais sobre sua extinção, as quais admitem ter ocorrido
por obra dos Cro-Magnon, ancestrais dos humanos modernos, por volta de 30.000 anos
atrás, não deixando legado, vêm mudando. A Península Ibérica parece ter sido o último
refúgio dos Neandertais. Em 1.999 JOÃO ZILHÃO, diretor do Instituto Português de
Arqueologia, descobriu no Vale do Lapedo, situado a cerca de 140 quilômetros de
Lisboa, o esqueleto de uma criança, o qual apresenta tanto traços de Neandertais como
de Cro-Magnons (KUNZIG, 1.999). Esse esqueleto híbrido vem sendo considerado
como testemunho do cruzamento entre essas raças. Desse modo a concepção vigente
que os Neandertais foram substituídos por imigrantes modernos começa a perder o
sentido. Uma emigração da África parece ter ocorrido, mas esses emigrantes foram
cruzando, em graus variáveis, com as populações arcaicas que encontravam pelo
caminho.
Ocres vermelhos, que são óxidos de ferro (Fe2O3), provêm de hematitas (palavra de
origem grega, significando “como sangue”) e de outras rochas ricas em ferro
(especularita, limonita, etc.); são relativamente comuns em muitas formações geológicas
e em solos. Nenhum outro pigmento mineral compete com a habilidade do ocre de
penetrar os poros dos arenitos, onde um motivo pintado com hematita se torna quase
indestrutível. Outros pigmentos, mas não o ocre, podem mudar suas cores com a idade.
A antiguidade de seu uso é uma questão controversa, pois geralmente está conectada
com os primórdios do comportamento cerimonial e simbólico, bem como com o debate
sobre as origens dos homens anatomicamente modernos. Na África, o primeiro registro
arqueológico de ocre parece ser sua ocorrência em um sítio de Olduvai George
(c.500.000 anos idade, ERLANDSON, 1.999); os ocres encontrados em Twin Rivers,
associados à indústria lítica Lupemban Inferior, da antiga Idade da Pedra Média da
África, têm uma idade superior a 400.000 anos (BARHAM, 2.002). Na Europa, ocres
foram identificados em sítios de Ambrona, do Acheuliano Antigo, com uma idade entre
400.000 e 230.000 anos (ERLANDSON, 1999). Parcela desses sítios mais antigos,
inicialmente correlacionados com o Homo Erectus, é hoje atribuída ao Homo Sapiens
arcaico.
Outra indagação susceptível de ser feita é se esse ocre seria um exemplo de arte ou
de atividade matemática paleolítica. Como D’AMBROSIO justamente observou, nesse
estágio primitivo da evolução do conhecimento, no alvorecer do comportamento
humano moderno, as suas formas, tais como a Matemática e a Arte, surgem inicialmente
mescladas e indiferenciadas. Além disso, a Arte não deixa de ser uma forma de
matemática inconsciente.
No tocante a fundamental questão, já levantada por GERDES para o artefato de
La Ferrasie aqui transportada para o ocre de Blombos, de qual o simbolismo contido nos
traços gravados, lembramos que todo o símbolo é, por definição, arbitrário,
necessitando de uma convenção para sua aceitação. Qual a convenção aceita para a
interpretação desses símbolos nos é obscura, passível apenas de especulações, talvez
definitivamente sepultada nas fímbrias do tempo. Se o ocre de Blombos era um objeto
ritual, o seu conteúdo simbólico está, portanto, fora do nosso alcance, podemos apenas
conjecturar sobre seu possível significado, baseados em exemplos análogos
emprestados da etnografia.
Natureza
Karl Von Steinem, visitando o Brasil no século XIX, notou que padrões
ornamentais, que para nós civilizados parecem puramente formais, para os índios
brasileiros representavam peixes, besouros, cobras, abelhas, vespas e outros animais. A
similaridade de formas entre o puramente convencional e o realístico lhe permitiu intuir
que provavelmente o primeiro se desenvolveu a partir do último.
a b
Ornamentação corporal
Pintura corporal
exemplo o ocre, como de origem orgânica, tais como o suco de jenipapo, o carvão
vegetal e o urucum, que desaparecem ao fim de um certo tempo, devido à higiene
corporal ou ao atrito. Essa é uma vantagem, pois os padrões pintados podem ser
substituídos por outros, de acordo com as necessidades da ocasião.
Tatuagens
Adornos diversos
Podem também ostentar uma linguagem simbólica complexa, do mesmo modo
que as pinturas, as tatuagens e as escarificações corporais. Não raro se constituem em
objetos rituais, prezados e valiosos entre os povos que os cultuam. Além disso,
muitas vezes seu apelo estético também os torna bastante requisitados.
São feitos dos mais diversos materiais, desde que disponíveis, tais como: ossos,
dentes, conchas, madeira, sementes, contas, pedras, semi-preciosas ou não, couro,
chifres, marfim, unhas, plumas, etc.. Assumem variadas formas: pendentes, colares,
tiaras, diademas, braceletes, braçadeiras, pingentes, cilindros labiais e auriculares
(botoques), bastões, anéis e outras. Penteados elaborados também constituem
adornos corporais.
É interessante notar que se atarmos uma tira a um rebordo duas vezes mais largo,
com um ângulo de incidência de 60o, obtém-se um padrão semelhante ao do ocre de
Blombos (ver Fig. 8.25), onde parece figurar um padrão hexagonal. Se o desenho desse
ocre foi inspirado na arte de entrançar, ou em algum padrão geométrico da natureza, é
impossível decidir; sob a perspectiva dos milênios transcorridos, pode-se apenas
conjecturar.
Cerâmica
Com o advento das primeiras vilas e cidades, no neolítico, como Jericó (c. 8.000
a.C.) e Çatal Huyuk (c.7.000 a.C.), as habitações começaram a ter suas paredes
decoradas. Surgem, então, os primeiros painéis murais pintados, muitas FigÇatal
Huyuk, que mostra uma erupção vulcânica ameaçando uma cidade.
Recentemente, em 2.007, no norte da Síria, em Jaadet Al-Maghara, arqueólogos
descobriram o que parece ser o mais antigo painel pintado conhecido, coberto com
motivos geométricos, com uma idade de 11.000 anos.
Fig. 8.30 Jaadet Al Maghar Pintura mural em vermelho, preto,
branco.
Mapas
Muitas sociedades primitivas possuem termos para leste, oeste, norte e sul, os
pontos cardeais, conforme nos ensina a etnografia. Tal terminologia pode sugerir que é
normal entre primitivos conceber noções espaciais por meio de um sistema de
coordenadas euclidiano, quase da maneira que nós fazemos. Já vimos que filósofos
como Kant propuseram que a geometria euclidiana expressa uma das classes de idéias
inatas ao homem, os a priori sintéticos.
Considerações Finais
AGRADECIMENTO
Agradecemos sinceramente ao ilustre Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio, por nos ter
chamado a atenção para os achados da Caverna Blombos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Origens dos Numerais. In: In: IV Seminário de História da Matemática – Anais. S.P: SBHMat,
2001. p. 119-130.
Platão Redimido – A Teoria dos Números Figurados na Ciência Antiga & Moderna. Curitiba:
Editora Champagnat, 2003, 220p.
Uma interpretação de um episódio bíblico (Tb5, 1-3) sob a ótica da História da Matemática. In:
Revista Educação em Movimento. Vol. II. nº5 – Maio-Agosto 2003. Curitiba, Champagnat,
2002-3. p. 43-52.
Sensos Numérico & Geométrico. In: 1º Seminário Paulista de História e Educação Matemática –
SPHEM – Possibilidades de Diálogos – Anais. S.P.: IME-USP, 2005. p.361-367.
BARNES, Jonathan. Early Greek Philosophy. England: Penguin Books, 1987. 318p.
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