Educação Ambiental e Ecossocialismo
Educação Ambiental e Ecossocialismo
Educação Ambiental e Ecossocialismo
Luiz Rufino1
Daniel Renaud Camargo2
Celso Sánchez3
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões teóricas para pensar a educação
ambiental a partir de uma perspectiva biocósmica, tendo como bases o caminho das pedagogias de
encruzilhadas e uma discussão crítica sobre o desenvolvimento sustentável, para aportar em uma
educação ambiental contextualizada às realidades do Sul global. Introduzimos a ideia da
terrexistência como um imperativo para o re-encantamento da educação ambiental e,
consequentemente, a produção de uma vertente Desde El Sur. Defendemos, portanto, a possibilidade
do re-encantamento como política da vida, para a produção de abordagens capazes de enfrentar a
batalha da descolonização das propostas de educação ambiental.
Palavras-chave: Descolonização. Educação Ambiental. Encantamento.
Abstract
This article aims to present some theoretical reflections to think about environmental education from
a biocosmic perspective, based on the path of crossroads pedagogies and a critical discussion on
sustainable development, to contribute to an environmental education contextualized to the realities
of the South global. We introduced the idea of terrexistence as an imperative for the re-enchantment
of environmental education and, consequently, the production of a strand desde El Sur. We therefore
defend the possibility of re-enchantment as a policy of life, for the production of capable approaches
to face the battle of decolonization of environmental education proposals.
Key-words: Decolonization. Environmental education. Enchantment.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo presentar algunas reflexiones teóricas para pensar la educación
ambiental desde una perspectiva biocósmica, basada en el camino de las pedagogías de encrucijada
y una discusión crítica sobre el desarrollo sostenible, para contribuir a una educación ambiental
contextualizada a las realidades del Sur. global. Introdujimos la idea de la terrexistencia como
imperativo para el reencantamiento de la educación ambiental y, en consecuencia, la producción de
una hebra Desde El Sur. Defendemos, por tanto, la posibilidad del reencantamiento como política de
vida, para la producción de enfoques capaces. para afrontar la batalla de la descolonización de las
propuestas de educación ambiental.
Palabras-clave: Descolonización. Educación ambiental. Encantamiento.
Introdução
Nessa proposta debateremos como o acontecimento colonial alicerça a Modernidade
em contratualidades raciais, antropocenas (em particular plantationcenas , por conta do
1
Universidade Estadual do Rio de Janeiro-FEBF.
2 Universidade Federal do Rio de Janeiro-EICOS.
3 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
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(...) desde sua origem, o território nasce com uma dupla conotação, material
e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium
quanto de terreoterritor (terror, terrorizar), ou seja, tem a ver com dominação
(jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo –
especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra,
ou no “territorium” são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por outro
lado, podemos dizer que, para aqueles que têm o privilégio de plenamente
usufruí-lo, o território pode inspirar a identificação (positiva) e a
efetiva“apropriação” (HAESBAERT, 2007, p. 20).
4
A invenção da modernidade caminha de mãos dadas com o que o filósofo argentino Enrique Dussel
chamou de “o Encobrimento do Outro”.
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Porém, a vida ao longo de mais de cinco séculos tem sido afetada pelos desejos da
empreitada ficcional e empresarial do colonialismo que, como ressaltou Fanon (1968), é
antes de qualquer coisa violência em estado bruto. Ao contrário do que o Ocidente-europeu
difundiu em suas cruzadas de dominação, a colonização não ergue bases de civilidade, mas
de subordinação e humilhação. Qualquer investimento que queira debruçar-se sobre o
debate da vida na relação com o que chamamos de natureza e humano terá de considerar o
colonialismo não como um mero marco, mas como um constructo de terror que continua a
assombrar.
Uma das características desse processo de expropriação, violência e desumanização
tem no desterro dos sujeitos um elemento importante de sua empresa. O desterro é a
expropriação do sujeito não apenas de sua terra e de seu lugar, mas de seu território e de
suas conexões com o mesmo, ou seja, de suas territorialidades, o que atravessa identidades
e produções de si, enfim, sua condição existencial. Dessa forma o programa de aniquilação
passa pela desvinculação de todas as condições de produção da vida, incluindo a condição
ecológica que constitui o Ser em sua condição ecossistêmica e suas biodinâmicas. Em outras
palavras, o colonialismo também significou o rompimento da condição eco-ontológica dos
sujeitos que são sociedades com a natureza. Com isso, assumimos a expressão eco-
ontologia como provocação para pensar os limites e as políticas que credibilizaram o
humano com uma presença distinta e superior em relação aos outros viventes.
Assim, os seres e suas relações ecológicas, ecossistêmicas, biodinâmicas e ecossociais
- características de sociedades com a natureza -, ao serem submetidos ao terror colonial
entram em uma disputa contra o desencanto. Consideramos o colonialismo como um
contínuo que ergue como obra e efeito uma constante perda de potência gerada por uma
espécie de carrego colonial (RUFINO; SIMAS, 2019). Assim, não se trata apenas da perda da
terra e do território, mas também da destituição da condição eco-ontológica dos sujeitos -
ou seja, a perda daquilo que podemos chamar de terrexistência.
A terrexistência seria, portanto, a condição constitutiva ecológico-existencial, dos
viventes capazes de compor sociedades com a natureza. Em outras palavras, uma
característica de sociedades cuja biodinâmica e ecossistêmica estabelecem experiências
societais ecologicamente harmônicas m relação ao tempo ecológico e ecossistêmico, assim
bioritmos e frequências então radicalmente afinados entre seus sujeitos, comunidades e o
tempo da natureza. Consideramos que uma das características do desvio da condição de
terrexistência é marcada pelo desencantamento. Assim, o desencantamento não é
necessariamente a morte biológica, mas o enclausuramento e desvio existencial, o
aquebrantar do corpo, o desmantelo cognitivo e o esquecimento e quebra dos ciclos
ancestrais.
Podemos falar que terrexistir, como um devir mais que humano, configura uma
dimensão responsiva e responsável em termos biocósmicos que se inscreve como uma das
tarefas da descolonização. Essa, que por sua vez, tem entre seus muitos desafios se levantar
diante desse processo secular de opressão e assumir o curso da história alinhavando
diferentes experiências, memórias, narrativas e tecnologias que reposicionem as existências
subalternizadas pela edificação de um mundo monológico. A descolonização não é um
porvir, ela acontece agora e integra múltiplas presenças vivas, pois, a guerra ainda está em
vigor. Esquivar, driblar, rasurar, insurgir e confrontar a lógica totalizante é parte da
resistência de diferentes modos de sentir, fazer, brincar, cismar e inventar mundos. Esses
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modos, no caso do Brasil, fazem com que a guerra colonial seja enfrentada com a força da
diversidade e da confluência (SANTOS, 2019) da vida inscrita nas gramáticas de tantos
chãos, rios, plantas, praias, bichos e pessoas.
Nos cabe dizer que entendemos a colonização como um contínuo e não como evento
datado. A colonização entendida no duplo ficção/empresa marca as invasões europeias nas
margens de cá do Atlântico como a instalação das bases dos crimes, da raça e do racismo,
bem como das ideias do humanismo antropoceno que sustentam a modernidade-ocidental.
Dessa forma, esse entendimento cruza a elaboração feita por nomes latino-americanos que
sustentam a afirmativa de que a colonialidade precede a modernidade.
Na condição de batalhadores brasileiros trabalharemos com o termo colonialismo e
descolonização defendendo que esses compreendem desde uma guerra inacabada, assim
como a emergência de uma diversidade de formas de batalha que confluem e saltam como
políticas e tecnologias ancestrais em defesa da vida. A adesão por esses termos não
estabelece nenhuma contradição com as contribuições advindas da esteira dos estudos pós-
coloniais ou as do grupo modernidade-colonialidade-decolonialidade. As contribuições
desse grupo se integram as de pensadores da chamada crítica ao colonialismo, como Césaire
(2008) e Fanon (1968), bem como de autoras e autores brasileiros como Beatriz do
Nascimento, Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Ailton Krenak e Antonio Bispo dos
Santos.
A opção por colonização e descolonização, que em certos momentos pode aparecer
também como contracolonização (SANTOS, 2019), se fideliza principalmente ao
entendimento de Fanon (1968), Ailton Krenak (2020) e Sandra Benites e colaboradores
(2018) que afirmam que vivemos em uma guerra. Dessa maneira, entendemos que da
mesma forma que o colonialismo se instaura como um contínuo que opera em inúmeras
dimensões, a descolonização é uma frente de luta que implica ações, ou seja, se revela como
uma problemática pedagógica. Assim, o que Fanon (1968) chamou de um plano de
desordem absoluta para se contrapor a dominação, entendemos que é parte de uma política
e de ações educativas que demandam pedagogias próprias.
Nesse sentido, nos cabe marcar o que destacamos como o caráter duplo dessa
empreitada de dominação que tem como característica suas dimensões de ficção e empresa.
No primeiro aspecto a colonização se instaura no investimento de regimes de verdade, que
violentam outros princípios explicativos de mundo, cosmologias, e estabelece o monopólio
discursivo via a efetividade da guerra como prática de conversão e subordinação da
linguagem e aniquilação existencial. A ficção colonial instituí noções como a dicotomia
humano e natureza e a radicalização dos seres como forma de produção de desvios. Essa
política na linguagem pauta intensa produção de discurso, subjetividades, classificação e
hierarquização entre os viventes.
Percebam que noções como humano, natureza e raça são condizentes apenas com
determinadas percepções de mundo. Assim, existem inúmeras experiências vivenciais,
inclusive milenares, que não operam com essas bases e não as utilizam para estabelecer
contratualidades sociais. A narrativa admitida e investida pelo projeto do ocidente europeu
fratura arranjos biocósmicos e estabelece via justificativa teológico-política e brutalidade
militar, ações extremamente predatórias e a autorização do ser racializado (homem branco)
como padrão de poder. Dessa forma, a contratualidade antropocena, racial e
heteropatriarcal utiliza essas bases como parâmetro para elaborar uma política em que os
não brancos não são humanos, enquanto as outras espécies viventes são meros recursos a
serem usados, dominados, alterados e esgotados, e o feminino é destituído de sua força e
integração biocósmica, subalternizado e subordinado a esse padrão de poder humano,
masculino, branco, judaico-cristão e militarizado.
Escassos de percepções de mundo que vibrem na diversidade de formas de sentir,
fazer e imaginar nos tornamos frágeis às mentiras coloniais que se fincam como alicerce de
seu plano empresarial. A monocultura do ser, saber e tempo-linear como nos ensina Santos
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(2008), faz com que a vida se reduza ao que Ailton Krenak (2019) chama de utilitarismo em
prol do lucro e do desenvolvimento. Nesse tom, Antonio Bispo (SANTOS, 2019) nos lembra
que ao nos “des-envolvermos” também deixamos de estarmos envolvidos e integrados ao
cosmo e aos demais viventes, noção que se alinha ao que pensamos como as quebras dos
vínculos de terrexistir. A empresa colonial que imbrica plantation, quartéis e igrejas opera
ao longo de séculos o cultivo de narrativas totalizantes, que na medida em que produzem
esquecimento de outras formas avançam no desencantamento do mundo. A fornalha
colonial tem fome de fogo, incinera os viventes e as histórias que aludem sobre outra
percepção de habitarmos e interagirmos com o planeta.
Segundo ato: a educação ambiental desde el sur frente a dominação colonial e os revides da
descolonização
A colonização (pensamos a colonização como fenômeno de longa duração,
que está até hoje aí lançando seus venenos), gera “sobras viventes”, seres
descartáveis, que não se enquadram na lógica hipermercantilizada e
normativa do sistema, onde o consumo e a escassez atuam como irmãos
siameses; um depende do outro. Algumas “sobras viventes” conseguem virar
sobreviventes. Outras, nem isso. Os sobreviventes podem virar
“supraviventes”: aqueles capazes de driblar a condição de exclusão, deixar de
ser apenas reativos ao outro e ir além, armando a vida como uma política de
construção de conexões entre ser e mundo, humano e natureza, corporeidade
e espiritualidade, ancestralidade e futuro, temporalidade e permanência. Uma
disputa operada apenas no campo da política e da economia pode gerar
ganhos efetivos, é claro. Mas o salto crucial entre a sobrevivência e a
supravivência demanda um conjunto de estratégias e táticas para que
saibamos atuar nas batalhas árduas e constantes da guerra pelo
encantamento do mundo (RUFINO; SIMAS, 2020, p.6-7).
Considerações Finais
Acredito que seja essa estreita relação dos povos de lógica cosmovisiva
politeísta com os elementos da natureza, é dizer, a sua relação respeitosa,
orgânica e biointerativa com todos os elementos vitais, uma das principais
chaves para compreensão de questões que interessam a todas e a todos. Pois
sem a terra, a água o ar e o fogo não haverá condições sequer para pensarmos
em outros meios. (SANTOS, 2019, p.48)
Abrimos caminhos com Antonio Bispo dos Santos e seguimos a caminhada com a
provocação de Ailton Krenak: recurso natural para quem? Desenvolvimento sustentável para
quê? O que é preciso sustentar? (2019, p.12). Em outro passo ele nos desloca: mito da
sustentabilidade, inventado pelas corporações para justificar o assalto que fazem à nossa
5
Lemos essas dimensões na categoria de viventes. Sobre viventes, sobras viventes e supra-viventes
ver Simas e Rufino (2018).
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ideia de natureza (KRENAK, 2019, p.9). No rastro da história única, que apaga histórias
Krenak nos lembra que:
A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo numa
abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a
pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos. Oferece o mesmo
cardápio, o mesmo figurino e, se possível, a mesma língua para todo mundo.
(KRENAK, 2019, p.12)
O rio Doce, que nós, os Krenak, chamamos de Watu, nosso avô, é uma pessoa,
não um recurso, como dizem os economistas. Ele não é algo de que alguém
possa se apropriar; é uma parte da nossa construção como coletivo que habita
um lugar específico, onde fomos gradualmente confinados pelo governo para
podermos viver e reproduzir as nossas formas de organização (com toda essa
pressão externa). (KRENAK, 2019, p.21).
Nesse curso são emergenciais as ações que rumem em prol da descolonização dos
viventes e de suas gramáticas submetidas ao terror colonial. Considerando a defesa dos
direitos biocósmicos dos que se constituíram confrontando os efeitos do contínuo colonial,
percebemos que esses tecem biointerações, confluências (SANTOS, 2019) e cruzos (RUFINO,
2019) com outras possibilidades de constituição do que podemos chamar eco-ontológicas
ou terrexistenciais. Trata-se de uma educação ambiental em ato de descolonização e para
tal, porosa e permeável à outras escritas, temporalidades, biorritmicas, biodinâmicas,
expressividades e potencialidades e terrexistências. Uma educação ambiental situada na
radicalidade da defesa da vida e do direito de existir, seja com qual carapuça essa vida se
expresse. Essa é a defesa política, epistemológica e ética de uma educação ambiental que
caminha pelas trilhas do encantamento, que entende a vida de forma ecológica e em
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biointeração; e que parta de uma denúncia das mazelas e cicatrizes dessa máquina de
desencantamento que foi produzida pelos processos de colonização. É a partir desse ponto
que pontuamos a emergência de uma Educação Ambiental Desde El Sur.
Referências
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Luiz Rufino
Professor da FEBF (Faculdade de Educação da Baixada Fluminense) da UERJ (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro) e do PPGECC (Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e
Comunicação em Periferias Urbanas). Email: [email protected]. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-0206-254X.
Celso Sánchez
Poeta biólogo mestre em psicossociologia de comunidades e ecologia social, doutor em educação
Professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO, coordenador do grupo de
Estudos em Educação Ambiental desde El Sur GEASur. E-mail: [email protected]. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5634-023X.