II o Que É Psicoterapia
II o Que É Psicoterapia
II o Que É Psicoterapia
Originalmente chamada de cura pela fala, a psicoterapia tem suas origens na medicina
antiga, na religião, na filosofia, na cura pela fé e no hipnotismo. Foi, entretanto, no final
do século XIX que ela passou a ser usada como método de tratamento dos transtornos
mentais, com um referencial teórico, uma técnica ou um método aplicado por um
terapeuta treinado e adepto de um modelo definido. Com base no modelo médico e nas
teorias e nos métodos de tratamento desenvolvidos por Freud, as terapias de orientação
analítica e, em especial, a psicanálise floreceram sobretudo na primeira metade do
século passado. Além de obterem ampla aceitação, disseminaram-se por todo o
ocidente. Suas dificuldades, entretanto, eram a longa duração do tratamento e o alto
custo, aspectos que as tornavam inacessíveis para o grande público. Um obstáculo
adicional foi o fato de que muitos de seus construtores teóricos eram difíceis de
operacionalizar e comprovar por meio de pesquisas.
Por esses motivos e, principalmente, pelo fato de revelarem ineficazes para muitos
transtornos mentais, no pós-guerra e, sobretudo, na segunda metade do século, houve
um grande esforço para o desenvolvimento de novos métodos que, ao mesmo tempo,
fossem mais efetivos, de duração menor, de custo mais baixo, e que, com isso,
proporcionassem acesso a muito mais pessoas. Com esses objetivos, surgiram as
terapias comportamentais, as terapias breves dinâmicas, as terapias cognitivas e
cognitivo-comportamentais, as terapias interpessoais e, mais recentemente, as terapias
contextuais ou comportamentais contextuais, como terapia dialética, mindfulness,
aceitação e compromisso, entre outras. Também mostraram grande desenvolvimento as
terapias de grupo, de casal e de família, ampliando em muito os transtornos ou
problemas de vida abordados. Com resultado desses esforços, há, hoje, uma grande
variedade de psicoterapias que integram protocolos de tratamento da maioria dos
transtornos mentais. Para muitas condições, configuram-se como primeira escolha,
enquanto, para outras tantas, são utilizadas associadas a medicamentos.
Em todas as sociedades humanas, sempre existiram indivíduos que procuravam dar
conforto psicológico as seus semelhantes, especialmente em situações em que as
pessoas se sentiam ameaçadas por doenças, por condições naturais, como terremotos ou
outras situações, que dizimavam grande parte das populações, ou mesmo diante de
problemas pessoais. Movidos pela compaixão, sacerdotes, médiuns, pais e mães de
santos, curandeiros e xamãs, por meio de orações, rituais religiosos, como a imposição
de mãos e a invocação de espíritos ou santos, procuravam oferecer ajuda, consolar e dar
apoio aos que sofriam. Entre os que ofereciam conforto psicológico, encontravam-se os
médicos que, diante dos poucos recursos que dispunham para curar boa parte das
doenças, desde a mais remota antiguidade e, muitas vezes, sem o saber, como diria
Freud, exerciam a psicoterapia. Em todos esses exemplos, há um efeito psicoterápico
de ações humanas que ocorrem também no desabafo com um amigo em um culto
religioso ou no efeito catártico buscado nas encenações das tragédias gregas, e não da
psicoterapia entendida hoje como uma atividade profissional. Então, o que é a
psicoterapia propriamente dita?
A psicoterapia como profissão teve início no final do século XIX e no início do século
XX. Em seus primórdios, era chamada de terapia pela conversa, destacando-se o
aspecto da comunicação verbal como sua principal característica. Como profissão, ela
teria começado depois de uma famosa conferência de Freud em 1909, na Clark
University, em que divulgou, pela primeira vez na América, suas teorias sobre a mente
humana, sobre as origens das “neuroses” e seu método para trata-las. Essa conferencia
teve grande repercussão nos Estados Unidos, e, em pouco tempo, a psicanálise passou
a ser o método de psicoterapia predominante, conquistando também a simpatia do
publico americano. Desde então, passou a ser uma atividade praticada por profissionais
com formação mais ou menos prolongada, com uma variedade de enfoques teóricos e
de técnicas. Sociedades se formaram para divulgar os métodos da psicoterapia por meio
de publicações e congressos e para proporcionar a formação de novos terapeutas.
Independentemente dos métodos (técnicas) que propõem, as psicoterapias apresentam
em comum algumas características.
Em uma definição geral, é possível dizer que a psicoterapia é um método de tratamento
que utiliza meios psicológicos, em especial a comunicação verbal, mediante os quais
um profissional treinado – o terapeuta – busca deliberadamente influenciar um cliente
ou paciente, que o procura com a finalidade de obter alívio para um sofrimento de
natureza psíquica.
O termo “paciente” está relacionado ao modelo médico, no qual a psicoterapia tem uma
de suas raízes. Tal modelo é o mais comumente utilizado, sobretudo em serviços de
saúde. Também é empregado o termo “cliente” para designar a pessoa que busca o
atendimento. Na verdade, a psicoterapia distingue-se de outras modalidades de
tratamento por ser muito mais uma atividade colaborativa entre o paciente e o terapeuta
do que uma ação, predominantemente unilateral, exercida por alguém sobre outra
pessoa, como ocorre com outros tratamentos médicos (p. ex., a cirurgia).
A psicoterapia também tem-se preocupado com objetivos que extrapolam o âmbito da
psicopatologia e do sofrimento psíquico propriamente ditos ao procurar estimular o
desenvolvimento pessoal e o melhor aproveitamento das capacidades pessoais do
individuo, em especial no âmbito das relações humanas, com o objetivo de atingir um
grau maior de aprimoramento e de satisfação pessoal.
As psicoterapias distinguem-se quanto a seus objetivos, fundamentos teóricos,
frequência das sessões, tempo de duração, treinamento exigido dos terapeutas e
condições pessoais que cada método exige de seus eventuais candidatos. O termo
abrange desde as psicoterapias breves de apoio ou intervenções em crises, destinadas a
auxiliar o paciente a superar dificuldades momentâneas, até formas mais complexas,
como a psicanálise ou a terapia de orientação analítica, que se propõe a modificar
aspectos mais ou menos amplos da personalidade. Embora todos utilizem a
comunicação verbal no contexto de uma relação interpessoal, os diferentes modelos
divergem quanto ao racional ou à explicação que propõe para justificar a ocorrência dos
sintomas e as mudanças que almejam obter em seus pacientes por meio de seus
métodos específicos. Por exemplo, para as terapias psicodinâmicas, o insight é
considerado o principal ingrediente terapêutico; para as terapias comportamentais, as
novas aprendizagens; para as terapias cognitivas, a correção de pensamentos ou crenças
disfuncionais; para as terapias familiares, a mudança de fatores ambientais ou
sistêmicos; e, para as terapias de grupos, o uso de fatores grupais.
Para a psicoterapia ser efetiva, ela depende, além do uso de técnicas específicas, de
fatores que são considerados comuns a todas as terapias. Ela exige do terapeuta
capacidade de empatia, autenticidade, calor humano, traços positivos de caráter
(honestidade, interesse genuíno pelo paciente, facilidade de comunicação e de
relacionar-se com outras pessoas), além de competência e conhecimento técnico sobre
o problema ou transtorno a ser abordado. Por parte do paciente, requer a capacidade de
estabelecer uma relação terapêutica, de se vincular efetivamente e de se comunicar de
forma honesta com o terapeuta, bem como de ter confiança e desejo sincero de fazer
mudanças. Essas condições são necessárias para todos os modelos de terapia.
Não há dúvida de que as psicoterapias são eficazes, visto que elas compartilham o
mesmo status de evidência de muitas intervenções para outras condições em saúde,
entre as quais medicamentos e procedimentos intervencionistas. Uma revisão
sistemática que avaliou o tamanho de efeito das diversas modalidades de psicoterapia
foi publicada por Huhn e colaboradores e encontrou valores estatisticamente
significativos entre 0,17 (tamanho de efeito pequeno) para a terapia cognitivo-
comportamental (TCC) para abuso de álcool e 1,37 (efeito grande) para a TCC para
transtorno obsessivo-compulsivo. Desse modelo, fica evidente que a resposta ao
tratamento é muito variável de acordo com as técnicas e situação avaliadas.
Entretanto, vale ressaltar que, apesar de a psicoterapia ter uma intervenção com riscos
mínimos que visa ao bem-estar e a qualidade de vida do paciente, a avaliação das
evidências mostra que muitas críticas feitas à indústria farmacêutica por conflitos de
interesses, também cabem aos pesquisadores em psicoterapia. Além disso, na
publicação de resultados das psicoterapias, pode haver um viés (tendência na
publicação somente de resultados positivos ou que corroborem determinado modelo ao
qual o autor se afilia, em detrimento de resultados nulos), o que pode aumentar a
artificialmente a eficácia da psicoterapia para um desfecho específico (p. ex., depressão
maior). Assim, embora já esteja estabelecido que as psicoterapias são tratamentos
eficazes, ainda é um assunto com grande espaço para novos estudos e melhor
compreensão dos fatores que influenciam os resultados.
A psicoterapia pode ser definida como uma intervenção para modificar problemas de
natureza emocional, cognitiva e comportamental. Dessa forma, a psicoterapia como um
campo de estudo assume que o homem é passível de modificação e transformação.
Ainda assim, quais transformações biológicas no corpo podem explicar as mudanças
nos estados mentais e que fatores do ambiente podem modificar os estados mentais?
Essa pergunta sempre intrigou a humanidade.
Na Grécia antiga, Hipócrates proclamava que o cérebro era a sede dos prazeres, das
alegrias e das risadas, bem como das dores, dos lutos e das lágrimas. Filósofos
posteriores a ele, como Aristóteles, atribuíram ao coração a função de gerar nossos
estados mentais. A sugestão da importância do cérebro nos estados mentais voltou a ser
aceita na modernidade. Com o advento da psicoterapia, vários autores propuseram
modelos pelos quais a experiência com o mundo exterior e a psicoterapia
influenciariam o funcionamento cerebral e o ser humano. Um desses autores foi Freud,
que quis explicar os conceitos psicoterapêuticos em termos biológicos, mais foi
limitado pelos conhecimentos neurocientíficos restritos da época.
Com o desenvolvimento desse conhecimento, vários princípios biológicos foram
propostos como explicação para as formas pelas quais a psicoterapia poderia modificar
o funcionamento cerebral. Para o entendimento de tais explanações, é necessário
compreender a relação entre o cérebro e a mente. Por isso, neste texto os conceitos
relacionados a essa questão são abordados. Em seguida, vamos discutir a capacidade
que o cérebro tem de se modificar e se adaptar a partir de sucessivas interações com o
ambiente. Também é proposto que, assim como vivências na infância e no decorrer da
vida influenciam o funcionamento cerebral, a psicoterapia também pode interferir no
cérebro.
A influência que a psicoterapia exerce sobre o cérebro tem sido amplamente estudada
por métodos psicológicos e sociais, como, por exemplo, por meio da variação de
sintomas ou da análise de funcionamento social. Entretanto, atualmente, é possível
investigar a atuação da psicoterapia também por meio de técnicas de neuroimagem. A
revisão de estudos de neuroimagem sobre esse assunto está presente adiante no texto,
com o objetivo de investigar as evidências da ação da psicoterapia no funcionamento
cerebral.