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CONEXÕES: EDUCAÇÃO, PSICOLOGIA E TECNOLOGIA


VOLUME II

Aldemar Costa
Cleber Lopes
Sonia Haracemiv
(organizadores)

1
2
NOTA: Dado o caráter interdisciplinar desta coletânea, os textos publicados respei-
tam as normas e técnicas bibliográficas utilizadas por cada autor. A responsabilidade
pelo conteúdo dos textos desta obra é dos respectivos autores e autoras, não signifi-
cando a concordância dos organizadores e da editora com as ideias publicadas.
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial,
por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos,
fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou
a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em
qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às
características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos é punível
como crime (art.184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa,
busca e apreensão e indenizações diversas (art. 101 a 110 da Lei 9.610, de
19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

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Aldemar Costa
Cleber Lopes
Sonia Haracemiv
(organizadores)

CONEXÕES: EDUCAÇÃO, PSICOLOGIA E TECNOLOGIA


VOLUME II

Chapecó-SC
Livrologia
2021

4
CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL E NACIONAL

Ivo Dickmann - Unochapecó


Ivanio Dickmann - UCS
Jorge Alejandro Santos - Argentina Viviane Bagiotto Botton – UERJ
Francisco Javier de León Ramírez – México Fernanda dos Santos Paulo – UNOESC
Carelia Hidalgo López – Venezuela Cesar Ferreira da Silva – Unicamp
Marta Teixeira – Canadá Tiago Ingrassia Pereira – UFFS
Maria de Nazare Moura Björk – Suécia Carmem Regina Giongo – Feevale
Macarena Esteban Ibáñez – Espanha Sebastião Monteiro Oliveira – UFRR
Quecoi Sani – Guiné-Bissau Adan Renê Pereira da Silva – UFAM
Inara Cavalcanti – UNIFAP
Ionara Cristina Albani - IFRS

Esse livro passou pelo processo de revisão por pares


dentro das regras do Qualis livros da CAPES

FICHA CATALOGRÁFICA

© 2021

Permitida a reprodução deste livro, sem fins comerciais,


desde que citada a fonte.

Impresso no Brasil.

5
SUMÁRIO

PREFÁCIO .............................................................................................. 10
Sara Dias-Trindade

APRESENTAÇÃO .................................................................................. 13
Aldemar Costa
Cleber Lopes
Sonia Haracemiv

APRENDIZAGEM DE PESSOAS IDOSAS AO LONGO DA VIDA:


CONTRIBUIÇÕES PARA PENSAR A TEMÁTICA .............................. 19
Cristiane da Silva Dall‘Agnol Benvenutti
Elizandra Jackiw
Sonia Maria Chaves Haracemiv

ESTÁGIO DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA EM QUÍMICA:


PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E AVALIAÇÃO .............. 42
Liane Maria Vargas Barboza
Neusa Nogueira Fialho
Sonia Maria Chaves Haracemiv

O VÍDEO NA SALA DE AULA A PARTIR DA PRÁTICA DE


―FILMAR, ASSISTIR E PROBLEMATIZAR‖ JOGOS MATEMÁTICOS60
Mariangela Jocelita Frigo de Campos
Neila Tonin Agranionih

TROCA DE EXPERIÊNCIAS: PILAR DE SUSTENTAÇÃO PARA A


FORMAÇÃO DO EDUCADOR E DA EDUCADORA DA E NA EJAI 83
Rodrigo Sanches-Rosa
Caroline Silva Borba
Araci Asinelli-Luz
Eduardo Fofonca

6
FENÔMENOS NATURAIS E A FÍSICA: UMA ABORDAGEM
ALTERNATIVA PARA O ENSINO DE FÍSICA NO ENSINO MÉDIO 98
Caroline Fernandes de Oliveira Grinberg
Gabriela Kaiana Ferreira
Virnei Silva Moreira

CAUSALIDADE ESTÉTICA: UM ESTADO MENTAL ....................... 121


Aderlan Silverio

O LETRAMENTO NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO: O CASO


DE UMA ESCOLA MUNICIPAL DE CURITIBA ................................ 135
Sandra Guimarães Sagatio
Camile Cavalheiro
Sâmara Mirela S. de Paula

FORMAÇÃO DO EDUCADOR DA EJA: POSSIBILIDADE DE


ARTICULAÇÃO ENTRE MATEMÁTICA E CULTURA VISUAL POR
MEIO DA GAMIFICAÇÃO .................................................................. 156
Marcia Ferreira Brandão
Roberta Kelly Santos Zimermann
Ettiène Guérios
Rossano Silva

A PESQUISA PARTICIPANTE E A FORMAÇÃO DOCENTE EM


TEMPOS DE PANDEMIA COVID-19 .................................................. 169
Maurício Fagundes
Elizangela Sarraff
Tanice Patrício Massuchetto
Hector Paulo Burnagui

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EJA: UM OLHAR PARA A


TEORIA DO COTIDIANO .................................................................... 185
Márcia de Oliveira Menezes
Tânia Regina Dantas

7
CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ACERCA DAS
PARTICULARIDADES DIDÁTICAS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS .............................................................................................. 203
Daniel Godinho Berger
Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin

O ―NOVO‖ CAPITALISMO DO ENDIVIDAMENTO E DAS


SOLUÇÕES MÍSTICAS E INDIVIDUAIS: REFLEXÕES SOBRE AS
POLÍTICAS EDUCACIONAIS .............................................................. 231
Luís Távora Furtado Ribeiro
Jackline Rabelo
José Antonio Gabriel Neto
Samara Mendes Araújo Silva

APRENDIZAGEM COLABORATIVA NO ENSINO REMOTO


EMERGENCIAL: GOOGLE DOCS E GOOGLE DRIVE .................... 248
Humberto Costa
Tania Stoltz

ALFABETIZAÇÃO E INCLUSÃO: UMA EXPERIÊNCIA POSSÍVEL


DE LETRAMENTO EM TEMPOS DE PANDEMIA ............................ 272
Josiane Barbosa Gonçalves
Jimmy Schlettz Fernandes
Aldemar Balbino da Costa
Carine de Campos Moraes Barros

A PESQUISA FENOMENOLÓGICA EM EDUCAÇÃO ...................... 292


Carlos Roberto Caron
Sonia Maria Chaves Haracemiv
Maria Augusta Bossanello

8
FORMAÇÃO DO EDUCADOR DE EJA NA DIVERSIDADE DE
ESPAÇOS ESCOLARES E SOCIAIS ..................................................... 312
Chavelli Dominique Luiz Machado
Cleber Lopes
Sandra Maria Ferreira Jeremias
Simone Schermak das Neves

ANALISANDO O USO DE MATERIAIS AUTÊNTICOS DE


AMBIENTES DIGITAIS NO ENSINO DE IDIOMAS DE PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA ............................................................................. 330
William Gonçalves Sueiro
Fabielle Rocha Cruz

A HISTÓRIA E O ENSINO SOBRE A ADAPTAÇÃO DO ‗NOVO‘ EM


MOMENTOS DE ALTERAÇÕES SOCIAIS: EDUCAÇÃO E O USO DA
TECNOLOGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA ................................... 342
Conceição Solange Bution Perin
Airton José Vinholi Júnior

SOBRE OS AUTORES E AUTORAS .................................................... 359

ÍNDICE REMISSIVO ............................................................................. 365

9
PREFÁCIO

Desafios Formativos para a Docência em Rede

Aprender em rede, fazer conexões entre a escola e a sociedade, tem


ganho um novo significado nos últimos tempos. Quando uma pandemia
obrigou o mundo a fechar as portas físicas, quando a educação precisou
continuar através de espaços digitais, a rede tornou-se a forma de ligação e
interação entre as pessoas e, sobretudo, a maneira de tentar dar continuidade
às atividades escolares.
De facto, estes momentos que por todo o mundo temos vivido, tanto
tempo fechados nas nossas casas, tornaram mais ainda relevantes as cone-
xões que podem ser feitas através do sinal digital, ao mesmo tempo que mos-
travam a exclusão a que ficavam votados todos aqueles que não conseguiam
ter acesso a esse mesmo sinal.
Nas sociedades atuais, a importância da aprendizagem em rede tem
vindo a acentuar-se por via do desenvolvimento no domínio tecnológico e da
sua cada vez maior presença no quotidiano social, com impactos na forma
como a interação e a comunicação ocorrem. Os avanços das tecnologias
digitais têm estimulado de forma decisiva a aprendizagem para além das
estruturas educativas formais. Com efeito, hoje essa mesma aprendizagem
em espaços informais na web constitui um desafio para a sociedade em rede,
na medida em que estes ambientes reúnem experiências de vida e aprendiza-
gens autênticas, as quais constituem o núcleo das experiências em contexto e
que alimentam a rede de conhecimento. Nesse sentido, é necessário que a
educação se aproprie dos recursos que tem ao seu dispor, nomeadamente os
digitais, para promover aprendizagens humanistas e que permitam uma
profícua conexão entre o humano e a máquina, entre o analógico e o digital,
entre o online e o offline. Afinal, educação é ―uma intervenção na vida de
alguém; uma intervenção motivada pela ideia de que tornará essa vida, de
certo modo, melhor: mais completa, mais harmoniosa, mais perfeita – e
talvez mais humana‖ (BIESTA, 2013, p. 16). A melhor forma de humanizar
o processo educativo é criando e desenvolvendo ambientes fluidos, adaptá-

10
veis e sempre em construção, onde o estudante se sinta vivo e peça funda-
mental para a existência do sistema de aprendizagem em que se insere.
essa existência em rede ao processo educativo, será uma das formas
de potenciar a experiência de aprendizagem, uma vez que os estudantes vão
poder ―desenvolver novos
tipos de competências, muito mais ativas e construtivistas, nomea-
damente ao nível da capacidade de processar, filtrar, avaliar e validar a nova
informação a que vão acedendo‖ (DIAS-TRINDADE, 2018, p. 39).
Preparados para atuar neste ―novo mundo‖, professores e estudantes
trabalham entre si, constroem novos cenários e, juntos, conseguem assim
criar verdadeiras ecologias de aprendizagem, numa educação que se quer
também ela humanista, porque se ―age em conjunto‖, como nos lembra
Hannah Arendt, mesmo que numa espécie de ―educação distraída‖ (CRI-
TELLI, 2006), mas que faz uso de tudo aquilo que nos rodeia, na escola ou
fora dela, para criar, desenvolver e ser cada vez mais capaz e consciente de
tudo o que tem validade para nos formar enquanto seres humanos.
Assim, são, pois, importantes todos os trabalhos que integram esta
obra e que procuram criar conexões entre o ensino e a aprendizagem, entre
novas práticas e antigas e profícuas pedagogias, entre as ciências da educa-
ção, a psicologia e as tecnologias. Neste contexto, de conexões entre psicolo-
gia, educação e tecnologia, todos exemplificam como pode interagir a tecno-
logia com a educação e a psicologia, e mais concretamente como essas cone-
xões potenciam os processos, as metodologias e, sobretudo, os resultados.
Fazendo uma leitura de conjunto, aliando os conhecimentos de cada um dos
trabalhos, pode-se compreender a interação entre diferentes elementos que
podem e devem trabalhar em prol de uma educação conectada e que, conse-
quentemente, devem procurar adaptar-se e evoluir sempre em função das
necessidades, quer presentes, quer futuras. Uma educação se está presente na
juventude, mas em muitos outros momentos da vida, que acontece em espa-
ços escolares e sociais, e que utilizam diferentes recursos digitais enquanto
estratégia para potenciar ensino e aprendizagem.
Foi para mim uma grata satisfação ler todos estes textos em primeira
mão, podendo analisar como cerca de 50 autores conseguiram conectar-se e,
entre si, produzir este conjunto de textos que mostra o importante papel da
educação, dos espaços escolares, do digital, da arte, das ciências... numa
educação total, desde os mais jovens aos adultos, em tempos que hoje tanto

11
recordamos como ―normais‖ e em tempos de pandemia. São textos que
merecem o seu espaço na Educação de hoje e de amanhã.
Para os leitores, este livro será com certeza, uma hipótese de conhe-
cer algumas experiências que na verdade devem sempre reger uma educação
de qualidade, mas, sobretudo, perspetivar uma forma de encarar o processo
educativo como um processo verdadeiramente humanista e em rede: uma
formação completa e capaz de capacitar e potenciar o conhecimento para
formar cidadãos plenos, ativos e verdadeiramente em conexão com o mundo
que os rodeia.
Boas leituras!

Coimbra, 20 de dezembro de 2021


Sara Dias-Trindade

Referências:
BIESTA, G. Para além da aprendizagem: educação democrática para um
futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
CRITELLI, D. A condição humana como valor e princípio para a educação.
Cadernos CENPEC, n. 2, p. 43-48, 2006.
DIAS-TRINDADE, S. Ambientes digitais de aprendizagem, comunidades
de prática e dispositivos móveis. In: MILL, D.; SANTIAGO, G.; SANTOS,
M.; PINO, D. (org.). Educação e Tecnologias: reflexões e contribuições
teórico-práticas. São Carlos: EdUFSCar, 2018.

12
APRESENTAÇÃO

Ao escrever as primeiras palavras do Volume II da obra Conexão


gostaríamos de convidar os autores e leitores a uma reflexão socrática, uma
vez que a capa dessa coleção é a cabeça do filósofo, que com a sua maiêuti-
ca, induzia o parto das ideias, de forma a justificar e argumentar a palavra.
Com esse pretexto queremos apresentar os trabalhos produzidos pe-
los pesquisadores. Ao escrever sobre as suas pesquisas realizadas ou em de-
senvolvimento, os autores a partir de suas ideias, foram sistematizando-as
com argumentações, sentidos e interlocuções de saberes, apresentando-os
aos pares acadêmicos de modo validá-los.
Essa obra coletiva expressa a ideia de que a pesquisa se faz coexten-
sivamente em todas as áreas do conhecimento, no caso desta, Educação,
Tecnologia e Psicologia, aprofundando os temas, alargando perspectivas, as
quais exigem de todos os educadores viver intensamente a contradição de
que só a mudança é constante.
O trabalho intitulado Aprendizagem de Pessoas Idosas ao Longo da Vida:
Contribuições para Pensar a Temática, autoria de Benvenutti, Jackiw e Harace-
miv (2021) traz o desafio de repensar a aprendizagem de pessoas idosas ao
logo da vida. Repensar a educação para essa população constitui-se como
(res) significar o papel social do idoso e o direito à educação diante a um
cenário de crescimento populacional deste contingente em nossa sociedade.
Segundo Barboza, Fialho e Haracemiv (2021) formar e formar-se é
um processo contínuo centrado no tripé ação-reflexão-ação, na vivência do
espaço escolar, sendo o que trata o trabalho intitulado Estágio de Formação
Pedagógica em Química: Planejamento, Desenvolvimento e Avaliação. O desenvol-
vimento da pesquisa apresenta a construção dos conhecimentos dessa ciên-
cia, construída no cotidiano pedagógico pela articulação dos saberes docente
e os saberes dos educandos.
A pesquisa de Agranionih e Campos (2021) aborda o tema O Vídeo
na Sala de Aula a partir da Prática de “Filmar, Assistir e Problematizar‖ Jogos Ma-
temáticos evidenciou que essa prática permitiu aos alunos significassem as
experiências vividas no jogo de modo a construírem estratégias mais apro-
priadas e ampliarem conhecimentos sobre a matemática envolvida, bem

13
como, a relevância das contribuições possibilitadas pelo uso de vídeos em
sala de aula nos processos de ensino e de aprendizagem.
Troca de Experiências: Pilar de Sustentação para a Formação do Educador e
da Educadora da e na EJAI, é objetivo do texto de Asinelli-Luz, Borba e San-
ches-Rosa (2021) dialogar sobre princípios/eixos: diversidade, diálogo, au-
tonomia e tecnologias, aspectos que os autores consideram essenciais sobre a
modalidade EJAI, contribuindo para a formação de educandos e educandas,
com vistas a trocar algumas das reflexões enquanto profissionais e estudantes
da Educação de Jovens e Adultos.
O ensino de Física e de Ciências abordado por Ferreira, Grinberg e
Moreira (2021), no trabalho Projeto Temático – Fenômenos naturais e a Física:
uma abordagem alternativa para o ensino de Física no Ensino Médio evidencia que
o ensino das ciências vem se tornando cada vez mais desafiador, frente à
rápida e significativa mudança no perfil dos estudantes nos últimos anos, que
apresentam interesse e tempo de atenção reduzida nas aulas, também consi-
derando questões sociais, que se relacionam com o momento político e eco-
nômico atual, e suas consequências na educação. A partir dessa concepção
foi elaborado um projeto temático que possibilitasse a aplicação de conceitos
aprendidos no Ensino Médio ao estudo dos Fenômenos Naturais, contem-
plando os Três Momentos Pedagógicos de Delizoicov e Angotti (1994) e os
Princípios Básicos do Ensino de Libâneo (2013). O projeto foi dividido em
dez partes, conforme os Fenômenos Naturais a serem estudados: Terremo-
tos, Vulcões, Precipitação, Raios, Furacão, Cores do Céu, Radiação Solar,
Aurora Boreal, Cometa Halley e Marés, sendo que a cada um deles foi asso-
ciado um conteúdo de física geral. Foi possível concluir que o uso de proje-
tos temáticos é viável em sala de aula, sendo em turmas regulares ou em
atividades de contraturno, sendo a abordagem temática uma ferramenta
valiosa disponível ao professor.
O objetivo principal de Silvério (2021) com a pesquisa Causalidade
Estético: um Estado Mental é o de analisar o fenômeno da causalidade, a partir
da perspectiva apresentada por Immanuel Kant na Crítica da Faculdade de
Julgar. A originalidade do trabalho consiste em apresentar uma abordagem
crítica e comparativa, ou seja, interacionista, entre as análises de Hume,
Kant e Schopenhauer, em relação às implicações da relação de causalidade
em estados mentais.
O estudo sobre letramento no processo de alfabetização: elementos para
formação de professores/as de Cavalheiro, Paula e Sagatio (2021) tem por obje-

14
tivo apresentar as compreensões conceituais e abordagens práticas de associ-
ação dos processos de Alfabetização, como a aprendizagem inicial da língua
escrita e letramento e o uso prático e social da escrita. A pesquisa iniciou-se,
a partir de uma revisão de literatura embasada, sobretudo, nas contribuições
teóricas dos autores Soares (2016), Ferreiro e Teberosky (1999) e Morais
(2012). No âmbito da pesquisa realizada registra-se o destaque sobre a for-
mação de professores/as dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental para a
compreensão sobre a indissociabilidade entre o processo de alfabetização e
letramento, tanto para formação inicial quanto para a formação continuada.
A reflexão de Brandão, Guérios, Silva e Zimermann (2021), realiza-
da no estudo intitulado Formação do Educador da EJA: possibilidade interdisci-
plinar entre Matemática e Cultura Visual por meio da Gamificação, tem como
objetivo deste é apresentar um estudo acerca da possibilidade de articular
cultura visual com matemática de modo interdisciplinar como conhecimen-
to, para subsidiar a formação de educadores em EJA, tendo como estratégia
a gamificação. A Cultura Visual, segundo Tourinho (2011), é baseada no
princípio de que as práticas do ver são construídas social e culturalmente,
visando um olhar crítico e investigativo em relação as imagens, tendo a ga-
mificação como recurso condutor formativo, com vista a promoção, motiva-
ção e o engajamento dos educadores, no fazer docente para além da apropri-
ação dos saberes pertinentes à prática, o diálogo, a autonomia e a diversida-
de, característicos da Educação de Jovens Adultos.
A pesquisa participante e a formação docente em tempos de pandemia Covid-
19 um estudo de Burnagui, Fagundes, Massuchetto e Sarraff (2021) buscou
problematizar o processo de pesquisa participante, no período pandêmico,
bem como as suas implicações na formação docente. A pesquisa qualitativa,
com estudo autobiográfico, sendo as fontes dos dados decorrentes das vivên-
cias narradas de quatro pesquisadores/as, acerca de seus processos de pes-
quisa com professores da Educação Básica e Ensino Superior. Foram três
investigações nacionais e uma internacional. Os resultados das pesquisas
nacionais revelam a falta de processos formativos que habilitassem os/as
professores/as a trabalhar com aparatos tecnológicos, que não eram de suas
rotinas. No âmbito internacional ficou evidente que o processo pandêmico,
possibilitou a implementação de uma investigação com uma universidade da
Argentina.
O trabalho de Dantas e Meneses (2021) intitulado A formação de pro-
fessores na EJA: um olhar para teoria do cotidiano é uma pesquisa em andamento

15
no doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação e Contempora-
neidade – PPGEduC (UNEB), em convênio com a UESB, que busca com-
preender os processos de formação de professores da Educação de Jovens e
Adultos do Ensino Médio durante o exercício da docência e como se poten-
cializa a transformação da docência a partir do aprendizado com a própria
prática. Até o momento, o trabalho está na fase de interação e construção do
texto com os teóricos dos campos de estudos que se constituem em prática
docente, aprendizagem na docência e na teoria do cotidiano, os quais são os
eixos que integram o texto da/na formação de professores.
Berger e Laffin (2021) tratam do reconhecimento da Educação de
Jovens e Adultos como modalidade da Educação Básica, considerando as
resoluções que definem Diretrizes Curriculares e Normas operacionais, o
estatuto da criança e do adolescente, outros estatutos, como o da mulher, do
idoso e da juventude, os que tratam dos direitos dos sujeitos e dedicam aten-
ção também ao direito à educação, despertou a pesquisa. O estudo intitula-
do Convergências e divergências acerca das particularidades didáticas da Educação de
Jovens e Adultos se propõem a investigar as demandas didáticas que emergem
da legislação e das normas que afetam a EJA e problematizar os desafios
para o alcance do modelo pedagógico próprio prescrito pela resolução que
estabelece as diretrizes curriculares nacionais para a modalidade.
O capítulo é parte da pesquisa intitulada Novo Capitalismo do En-
dividamento e suas implicações na Educação, de autoria de Gabriel Neto,
Mendes, Rabelo e Ribeiro (2021), faz análises sobre os países endividados, as
empresas e as famílias, consumidores, num contexto que Chul Han (2021).
Apresenta o excesso de tecnologia e hiperconsumo, do qual já não se pode
viver desconectado. O estudo intitulado Novo Capitalismo do Endividamento e
das soluções Místicas e Individuais, trata de uma cultura de consumo desenfrea-
do que entram em colapso com a queda das taxas de emprego, a precariza-
ção do trabalho, cortes de salários e aposentadorias, e a crise no crédito, que
como explica Baumann (2112) vai constituir uma legião de endividados.
Segundo Ribeiro (2019) a busca de integração, a sociedade do dinheiro, da
tecnologia e das compras, não questionam, e ainda apresentam a descrença
no Estado e nas políticas públicas, substituindo-as pela busca de soluções
sobrenaturais.
O capítulo intitulado Google Docs®: Como auxiliar na aprendizagem co-
laborativa via Ensino Remoto? autoria de Costa e Stoltz (2021) apresentam uma
pesquisa acerca da utilização da ferramenta Google Docs® no ensino remo-

16
to. Tal ferramenta se refere a um pacote de aplicativos que funcionam de
forma síncrona e assíncrona. Na pesquisa, foram envolvidos alunos de um
Curso Superior na área de saúde e que estavam em regime de aulas remotas.
O estudo aponta que a ferramenta Google Docs® tem capacidade para ser
largamente utilizada no Ensino Superior, especialmente por ser uma ferra-
menta gratuita, fácil de ser utilizada e por permitir o trabalho em grupo,
estimulando a colaboração entre os alunos.
O relato do estudo Alfabetização e Inclusão - Uma Experiência Possível de
Letramento em Tempos de Pandemia, de Barros, Costa, Fernandes, Gonçalves e
Lopes (2021) é fruto da observação da ação ocorrida em uma instituição
escolar do município de Piraquara-PR, buscou contemplar a complexidade
que constituiu esta vivência e seus condicionantes. A compreensão do pro-
cesso de aprendizagem da língua escrita é condição necessária e base para
processo de escolarização, a análise dedica-se a relatar uma experiência do-
cente de alfabetização e letramento em turmas do primeiro Ciclo do Ensino
Fundamental abordando elementos da prática pedagógica fortemente mar-
cada pela pandemia do Covid 19, de um estudante, em inclusão escolar, com
perda auditiva bilateral moderada a severa. A relevância da tecnologia e sua
relação com o Sistema de Escrita Alfabética como elemento da cultura hu-
mana envolve a relação entre os sujeitos pertencentes a este contexto e a
apropriação do instrumento que permite a compreensão deste amplamente
observada.
O estudo de Bossanello, Caron e Haracemiv (2021) aborda a Pesqui-
sa Fenomenológica em Educação, partiu da revisão dos principais conceitos
relacionados a fenomenologia transcendental husserliana, demonstrar as
principais metodologias que dela derivam e que possibilitam a análise dos
diferentes fenômenos pertinentes ao complexo ato de ensinar e apreender. As
diferentes abordagens qualitativas de pesquisa em educação, a fenomenolo-
gia se destaca por ser aquele que pretende, pelo rigor do método, atingir a
verdade que subjaz nas experiências individuais dos investigados.
O estudo intitulado Formação do Educador de EJA na Diversidade de
Espaços Escolares e Sociais, de Lopes, Jeremias, Neves e Machado (2021) tra-
tam da temática de formação inicial e continuada de professores da Educa-
ção de Jovens e Adultos considerando de extrema relevância no contexto
educacional. A atuação do professor da EJA implica em se defrontar com a
diversidade de sujeitos que compõem esta modalidade de ensino e na especi-
ficidade da atuação do profissional que atua ou pretende atuar com este

17
público, exigindo a formação continuada para o desenvolvimento de sua
prática nesta modalidade de ensino e apresentar aos educadores os Objetivos
Digitais de Aprendizagem (ODA). A adoção das ferramentas tecnológicas,
indispensável no equilíbrio entre a inovação e a tradição, e considerando que
não é só aderir a mudança na maneira de ensinar, mas também saber utilizá-
las, refletindo a partir das experiências pessoais e coletivas das práticas.
Analisando o uso de materiais autênticos de ambientes digitais no ensino de
idiomas de pessoas com deficiência, estudo de Sueiro, Cruz e Oliveira (2021) tem
como objetivo de analisar o uso de materiais autênticos provenientes de am-
bientes digitais, podendo ser considerado inclusivo diante do ensino de idi-
omas de pessoas com deficiência. Os profissionais da educação realizam
revoluções nos ambientes educacionais com o intuito de acompanhar os
avanços tecnológicos resultantes de sociedades cada vez mais conectadas e
voltadas para o mundo digital. Diante desta realidade observa-se o aumento
do uso de diversas tecnologias, tanto nas salas de aula ―físicas‖ quanto nos
Ambientes Virtuais de Aprendizagem.
Com a leitura dos trabalhos aqui apresentados almejamos dar inicio
a ideia de que pela palavra escrita, novas tecnologias e linguagens venham
oportunizar muitas reflexões, e que possam levar a outras ideias, que ve-
nham contribuir com as relações educativas, de modo que, as mesmas sejam
igualmente mudadas.

Boas leituras
Os Organizadores

18
APRENDIZAGEM DE PESSOAS IDOSAS AO
LONGO DA VIDA: CONTRIBUIÇÕES PARA
PENSAR A TEMÁTICA

Cristiane da Silva Dall‘Agnol Benvenutti


Elizandra Jackiw
Sonia Maria Chaves Haracemiv

1 Introdução

Diante do cenário mundial da pandemia do Coronavírus-COVID-


19, os olhares se voltaram, ainda mais, para as pessoas idosas, população
que permanece à margem da sociedade. Para o Brasil, pode-se atribuir maior
preocupação por apresentar um avanço significativo de idosos, pois segundo
estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconô-
micos (Dieese), quase 1/5 da população brasileira é composta por pessoas
com idade de 60 anos ou mais. O estudo tem como base dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e constatou que dos 210 milhões
de habitantes do Brasil, 37,7 milhões de brasileiros correspondem a esta faixa
etária. (DIEESE, 2021).
Por isso, o objetivo central do estudo é repensar a educação ao longo
da vida e (res)significar o papel social da pessoa idosa e o direito à educação
diante de um cenário de crescimento populacional em nossa sociedade. A
partir do embasamento teórico que contempla os autores Freire (1979),
(1980), (1992), e (2005), Oliveira (1999), (2007) e (2011), Pinto (1994) e
(1989) e Delors (2001), a escrita deste capítulo caracteriza-se por ser de cu-
nho bibliográfico, pois se constitui no aprofundamento de leitura, fichamen-
tos e levantamentos de informações apresentados em livros, artigos científi-
cos sobre o tema. Isto permite ao pesquisador se debruçar sobre a bibliografia
existente, colocá-lo em contato direto com o que foi escrito, dito ou filmado.
(LAKATOS & MARCONI, 2001, p. 183).
Neste contexto, a educação ao longo da vida, um direito da pessoa
idosa, perpassa a compreensão de três aspectos, o idoso, o envelhecimento e
a velhice. Estes três aspectos abarcam âmbitos econômicos, familiares e soci-
ais, pois evidenciam condições preocupantes como discriminação, opressão,

19
marginalização e preconceitos presentes na etapa de vida desta população.
Destas questões, discriminação e opressão são as mais sofridas pelos idosos,
além do olhar de uma sociedade que os considera improdutivos, incapazes
de aprender, um gasto social, bem como, pessoas que externalizam conhe-
cimentos e experiências ultrapassadas para os tempos atuais.
Cabe ressaltar dos escritos de Freire (2005) que, é uma violência o
homem como ser histórico e inserido num movimento de busca por conhe-
cimentos, entre outros homens, não ser o sujeito de seu próprio movimento e
processo de socialização e educação.
Por isso, uma educação ao longo da vida possibilita tornar a pessoa
idosa consciente de suas ações de forma crítica e participativa no contexto
em que está inserida, com o intuito de desmistificar a visão distorcida da
sociedade, que vê a figura do idoso como pessoa não ativa, traz prejuízos ao
país e, necessita apenas de atividades recreativas para ocupar o seu tempo.
Na perspectiva de Pinto (1994, p. 35), a educação não é uma conquista da
pessoa, ela é uma função da sociedade, [...] onde há sociedade, há educação
e esta é uma obrigação do Estado e um direito da pessoa idosa.
Em conformidade com o Estatuto do Idoso, Artigo 10 é preciso ―as-
segurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa
humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais. [...] incluí-
do educação‖ (BRASIL, 2013, p.10). Para isso, é fundamental que a pessoa
idosa esteja inserida num processo de educação e que este processo permita a
aquisição de novos conhecimentos e formação contínua com vistas para a
constituição do ser social diante de novas aprendizagens.
Desta forma, é necessária uma educação acessível para todos, pois
cumprirá o caráter político e social, potencializará espaços de discussão e
problematização sobre a realidade. Uma educação consciente com ações
para que as pessoas idosas se coloquem como protagonistas de sua vida,
participantes de situações expostas nos diferentes cenários em que vivem,
pois somente quando os oprimidos descobrem o opressor e se engajam na
luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superan-
do a sua convivência com o regime opressor. (FREIRE, 2005, p. 58-59).
É relevante compreender que o ato de aprender está intrínseco na
educação a partir do momento que o ser humano compreende o seu papel
social, pois no contexto de suas vivências, nas relações pessoais que o permi-
te conhecer novas realidades de mundo.

20
De acordo com Oliveira (2007), é imprescindível a perspectiva de
uma educação ao longo da vida como direito da pessoa idosa de forma a
garantir uma nova concepção de vida humana. É um ato de apreender a
viver de forma digna.
A educação ao longo da vida possibilita pensar num desenvolvimen-
to integral da pessoa idosa para a superação de sua marginalização social,
pautada numa formação contínua elementar à prática social em espaços
escolarizados ou não. Uma educação humanizada e viva que, ―se coloca a
partir de uma pedagogia da esperança para além dos muros formais, pois a
desesperança imobiliza e faz sucumbir no fatalismo onde não há possibilida-
de de juntar forças indispensáveis ao embate (re)criador de mundo.‖ (FREI-
RE, 1992 p.10).
Por isso, é preciso um olhar mais atento sobre o que constitui o pro-
cesso do direito a educação durante o envelhecer, direito tão necessário para
que se oportunizem atividades práticas voltadas ao caráter de uma educação
ao longo da vida, frente a uma nova realidade sobre os idosos e a terceira
idade.
Portanto, uma educação ao longo da vida é evidenciar uma educa-
ção permanente, uma aprendizagem que contempla sentidos e significados
de uma existência por meio de diversos espaços educativos, além dos muros
das instituições formais. É possibilitar uma aprendizagem mais ampla sobre
a vivência e as experiências, a partir do contexto social real que se apresenta
na voz da pessoa idosa.
Mas, qual seria o fio condutor para repensar a aprendizagem, os
conceitos, sentidos e significados do direito da educação ao longo da vida
para a pessoa idosa?

2 A legalidade do Direito à educação para a pessoa idosa

A velhice e o envelhecimento no Brasil demonstram pontos contras-


tantes e significativos na organização da sociedade atual. Por um lado, ob-
serva-se que os dados de censos demográficos indicam acentuada quantidade
de idosos e a perspectiva de uma população idosa que vive cada vez mais.
De outro, há um olhar, movido pelo capitalismo que continua a ver o idoso
como símbolo de gastos públicos e orçamentários para a previdência. Porém,
tão fundamental quanto a cidadania,

21
[...]é o direito pela educação, pois não se alcançará a cidadania sem que haja
conhecimento pleno deste direito. Logo, pensar a educação para a terceira ida-
de é pensar mais que uma ocupação para o idoso, é permitir uma ação intensi-
va e intencional para que este sujeito se perceba, entenda seu entorno social,
político e econômico, como também não seja ludibriado ou tenha seus direitos
negligenciados. (OLIVEIRA, SCORTEGAGNA e OLIVEIRA, 2011, p. 90).

Na luta por seus direitos, é necessário que o idoso os compreenda, se


coloque como partícipe na sociedade em que está inserido, direitos que lhe
são garantidos por meio de políticas presentes na Constituição Federal 1988,
no Estatuto do Idoso e na Política Nacional do Idoso (PNI/1994).
Com isto, emerge uma forma de educação para além dos muros das
instituições de ensino formal com base nos princípios de uma educação ao
longo da vida e educação permanente de um processo formativo do direito
de voz de seus partícipes.
Requejo Osório (2003, p. 280) ressalta que depois da metade da vi-
da, aproximadamente a partir dos 50 anos, o adulto ainda apresenta capaci-
dade para aprender, têm competências para dirigir a sua vida, contribuir e
intervir na sua comunidade, mas é preciso traçar caminhos para que a popu-
lação idosa amplie os seus conhecimentos. Isto se torna um imperativo para
os profissionais de educação que necessitam estudos para elaborar métodos e
técnicas para o desenvolvimento de atividades que potencializem sensibili-
dades e valores diante dos processos de aprendizagem ao longo da vida du-
rante as fases do envelhecimento.
Corroborando com o exposto Gonçalves (2015, p.1230) enfatiza que
é grande e determinante o processo de educação e dever das Universidades a
formação integral e continuada de pessoas, pois a Universidade tem como
responsabilidade uma educação que envolve interação dialógica, interdisci-
plinar e interprofissional com compromisso de formação humana, transfor-
mação social que decorrem da história e se apresentam na conjuntura atual.
A Universidade é um campo e conjuga diferentes habitus que impri-
mem marcas históricas no processo de educação e aprendizagem de forma
material e imaterial correlacionados às práticas individuais e coletivas. Bour-
dieu (2004, p. 21) descreve campo como ―espaço físico em que ocorrem as
relações sociais, e que nele cada pessoa participa ao mesmo tempo ou em
tempos distintos de vários campos que estão relacionados e imersos por ou-
tros campos maiores. Ao desenvolverem as práticas nos campos, as pessoas

22
se associam com seu habitus que emergem pela educação e aprendizagens
adquiridas pela experiência. [...]aos habitus acrescenta-se crenças e valores
vividos pelas pessoas ao longo da vida.
Embora a educação se coloque como direito estabelecido e funda-
mental, nem sempre ela está acessível aos idosos, justamente por não se esta-
belecer uma legislação específica para este público e que contemple clara-
mente a educação ao longo da vida.
Nos documentos das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação de Jovens e Adultos (Parecer CEB 11/2000), não se apresenta especi-
ficidades de aprendizagem, conteúdos, metodologias e linguagem para a
pessoa idosa. Há somente uma descrição das diretrizes no contexto amplo
de uma educação para jovens e adultos.
O Documento Nacional Preparatório à VI Conferência Internacio-
nal de Educação de Adultos (VI CONFINTEA), ao destacar o compromisso
político do Estado brasileiro, descreve uma tentativa de incluir a pessoa ido-
sa na garantia do direito à educação de jovens e adultos (EJA) ao considerar
que as crescentes pressões de coletivos populares e da diversidade de movi-
mentos sociais para políticas públicas atendam a especificidade de comuni-
dades indígenas, quilombolas, negras, do campo, de periferias urbanas, de
idosos e de pessoas privadas de liberdade que lutam por direitos coletivos e
por políticas diferenciadas que revertam a negação histórica de seus direitos
como coletivos. (BRASIL, 2009, p.10).
O documento, também, infere uma tentativa de aproximar a pessoa
idosa ao contexto educacional, configurar políticas públicas para a valoriza-
ção de saberes e experiências de idosos, pois estes contribuem com a produ-
ção cultural, material e imaterial do país de forma digna. Uma significativa
expressão é descrita na Política Nacional do Idoso (PNI/1994), Inciso VII
que prevê, o ―estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação
de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do
envelhecimento.‖ (BRASIL, 1994, p.7).
A PNI traz informações no Artigo 8º, Parágrafo Único, com o intui-
to de evidenciar debates na sociedade sobre o processo de envelhecimento,
pontualmente nos ―ministérios das áreas de saúde, educação, trabalho, pre-
vidência social, cultura, esporte e lazer que devem elaborar proposta orça-
mentária, no âmbito de suas competências, visando ao financiamento de
programas nacionais compatíveis com a política nacional do idoso.‖ (BRA-
SIL, 1994, p.9).

23
O documento em seu Artigo 10 destaca que a implementação de
uma política nacional para o idoso dispõem como competências dos órgãos e
entidades públicos e ao processo educativo na área de educação a necessida-
de de:

a) adequar currículos, metodologias e material didático aos programas educa-


cionais destinados ao idoso; inserir nos currículos mínimos, nos diversos níveis
do ensino formal, conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de
forma a eliminar preconceitos e a produzir conhecimentos sobre o assunto;
b) incluir a Gerontologia e a Geriatria como disciplinas curriculares nos cur-
sos superiores;
c) desenvolver programas educativos, especialmente nos meios de comunica-
ção, a fim de informar a população sobre o processo de envelhecimento;
d) desenvolver programas que adotem modalidades de ensino à distância,
adequados às condições do idoso;
e) apoiar a criação de universidade aberta para a terceira idade, como meio de
universalizar o acesso às diferentes formas do saber. (BRASIL, 1994, p.11-12).

Ao considerar o Estatuto do Idoso (2003) sobre a Educação, Cultu-


ra, Esporte e Lazer, no Artigo 21, observa-se a expressividade de adaptação
curricular, metodológica e de recursos didáticos para a população de idosos.
E, ainda em seu Parágrafo § 1.º dos cursos especiais para idosos ―incluirão
conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais avan-
ços tecnológicos, para sua integração à vida moderna.‖ (BRASIL, 2013,
p.17).

Nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal serão inseridos
conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização
do idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos sobre a
matéria. (BRASIL, 2013, p. 17).

O documento, também, apresenta o direito à educação no Artigo 3º


que ―deve ser prioridade e assegurada à pessoa idosa por meio da família,
comunidade, sociedade e do Poder Público.‖ Neste mesmo documento nos
Artigos 22 e 24, se reforça a criação de estratégias para a divulgação de in-
formações sobre o processo de envelhecimento, assim como previsto no
documento da Política Nacional do Idoso (BRASIL,1994).
Além do citado anteriormente, este documento no Capítulo V des-
creve especificidades à educação, contempla a cultura, o esporte e o lazer,
mas nos Artigos 20 e 25, muito próximo do que traz na Lei 8.842/94, tem-se

24
uma expressividade sobre a educação e, considera que,

Art. 20. O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espe-
táculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade.
Art. 25. O Poder Público apoiará a criação de universidade aberta para as pes-
soas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e pa-
drão editorial adequados ao idoso, que facilitem a leitura, considerada a natural
redução da capacidade visual. (BRASIL, 2003, p.16).

Anterior ao Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), cabe ressaltar que o


discurso sobre o envelhecimento ganhou forças pelas vias das políticas inter-
nacionais, em virtude de resultados significativos nas Assembleias Mundiais
de 1982 e 2002, temática expressiva nos Planos de Viena e de Madri.
O Plano de Viena considera o processo educativo para o idoso, com
bases em ações permanentes, contínuas, para a adaptação da pessoa idosa ao
contexto real e de transformação da sociedade. No Plano, um dos aponta-
mentos é a necessidade de um ensino e uma educação para o idoso que
compreenda e respeite o seu processo de envelhecimento, o seu ritmo de vida
e que possa ser inserida diferentes formas de aprendizagem para esta popula-
ção. (ONU, 1982).
Para contribuir com este exposto sobre o Plano de Viena, em leitura
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), consta-
tou-se que não há descrição específica para a pessoa idosa que continua a ser
incorporada à modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Com isto, é perceptível a necessária de diálogos e políticas claras e
objetivas direcionados à pessoa idosa no contexto educacional de espaços
formais e informais com perspectivas de uma educação e aprendizagem ao
longo da vida, pois a educação

não pode ser entendida de maneira fragmentada ou como uma abstração válida
para qualquer pessoa, para qualquer tempo e lugar, mas como uma prática soci-
al situada historicamente em uma realidade total, que envolve aspectos cultu-
rais, políticos e econômicos, os quais permeiam a vida do homem concreto e,
para este, a educação diz respeito. (OLIVEIRA, 1999, p. 232).

Para isto, o fio condutor para repensar educação e aprendizagem,


seus conceitos, sentidos e significados do direito a uma educação ao longo
da vida e fases do envelhecimento, perpassa pelo processo educativo das
Universidades, pois a educação

25
é um ato político e pedagógico que irá desvelar contradições existentes, eviden-
ciá-las com vistas à sua superação. [...] criar espaços para se refletir e agir sobre
contradições e conflitos [..] na perspectiva de tira as pessoas da inconsciência,
passa a ser essencialmente conscientizar. Conscientizar sobre a realidade social
e individual do educando. Formar a consciência crítica de si mesmo e da socie-
dade. (GADOTTI,1989, p. 70).

Neste sentido, a educação compreendida como elemento fundamen-


tal para a aquisição e apropriação de conhecimentos, se constitui caminho de
aprendizagem, entendimento e ação sobre a realidade de mundo. Ambas,
educação e aprendizagem potencializam a emancipação da pessoa, a sua
leitura e olhar sobre o vivido, sua história e relação consigo, o outro e a sua
existência humana.

3 A Universidade como fio condutor da aprendizagem e do direito a edu-


cação ao longo da vida

―Nenhuma ação educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e


de uma análise sobre suas condições culturais. Não há educação fora das socie-
dades humanas e não há homens isolados.‖ (FREIRE, 1979, p.61).

Ao longo do século XX com o aumento da população idosa em pra-


ticamente todo o mundo, o surgimento de novas formas de enfrentar o enve-
lhecimento refletiu a necessidade de estudos sobre a expectativa e uma me-
lhor qualidade de vida para as pessoas numa perspectiva de longevidade.
Paralelo a este cenário, se faz urgente prospectar estudos, pesquisas
e discussões relacionadas a importância de uma educação ao longo da vida,
para uma aprendizagem que segundo Cachioni (2003) não é um fim em si
mesma, mas uma forma de possibilitar crescimento e continuidade de co-
nhecimento.
Neste contexto de inúmeras mudanças nas áreas da comunicação,
informação e tecnologia um novo paradigma é estabelecido, o de fomentar
uma educação e uma aprendizagem ao longo da vida. Baltes, Lindenberger e
Staudinger (1998) propõem como que um anúncio sobre o envelhecimento,
fase que não deve permanecer com diálogos somente pautados em doenças e
no distanciamento da pessoa idosa de atividades sociais e educacionais. Esta
é uma visão que enfatiza a educação como instrumento para promover um

26
envelhecimento bem-sucedido e de qualidade na vida afetiva, biológica,
psicológica e social do idoso.
Desta forma, as atividades educacionais são consideradas importan-
tes, pois envolvem aspectos cognitivos e de socialização da pessoa idosa que
agregam contatos sociais, trocas de experiências e conhecimentos possibili-
tam o retorno dessa população à sociedade e o seu engajamento com a co-
munidade em que vivem.
Cachioni (2003) contribuiu com o exposto quando traz a Universi-
dade como espaço de desenvolvimento dessas atividades desenvolvidas por
intermédio de programas voltados para a educação permanente de adultos
maduros e idosos.
No espaço da Universidade, segundo Clavijo (1999), para qualquer
atividade desenvolvida num programa universitário para idosos são funda-
mentais três aspectos conforme Figura 1.

FIGURA 01 - FUNDAMENTOS DIDÁTICOS PARA PROGRAMAS


UNIVERSITÁRIOS COM IDOSOS

Aprendizagem
Atividades Significativa
Participantes
momento de
relação
encontro, prática/experiên
educativa,
interação social,
democrática, cia/ vivência/
intercâmbio de
pluralista e necessidade e
experiências e
participativa. interesse
conhecimentos.

Fonte: Clavijo (1999)

A Universidade e seus programas para os idosos têm a oportunidade


anunciar a expansão de relacionamentos que esta população necessita em
contato com pessoas da sua faixa etária, presentes em um local que não ca-
racteriza-se como espaço para criança e/ou adolescente, é totalmente volta-

27
do para o idoso, para que compartilhe, dialogue sobre os mesmos problemas
e situações e, faça uso da linguagem que lhe é própria da idade.
Os programas ofertados pelas Universidades potencializam aprendi-
zagem que proporcionam a reconstrução e a identidade da concepção de
velhice e envelhecimento, fortalece as relações sociais, contribui para a ma-
nutenção e funcionalidade da autonomia da pessoa idosa, pois eleva a sua
autoestima.
Neste sentido, no contexto da Unesco, a educação ao longo da vida
recebe uma ‗valoração‘, pois possibilita à pessoa idosa o desenvolvimento de
sua autonomia e o exercício no entendimento de sua participação nos dife-
rentes segmentos da sociedade.
Nos estudos de Pinto (1994, p.29) a educação é uma prática política,
permanente, presente em diferentes espaços que por meio dela os participan-
tes do processo podem ser emancipados ou reproduzirem seus conhecimen-
tos e suas ações em função de seus próprios interesses.
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) indica especificidades voltadas
aos espaços educativos para pessoas idosas e atribui às Universidades o de-
senvolvimento de programas alternativos no que concerne o atendimento,
atividades e aprendizagens para este público. Estas atividades irão refletir em
valorização, conscientização e respeito da sociedade sobre o envelhecimento
humano.
Com isto, a intencionalidade de programas para a terceira idade a-
bertos pelas Universidades não devem contemplar traços de assistencialismo
e/ou uma educação que priorize o lazer e atribua atividades que infantilizam
a pessoa idosa, mas privilegie uma aprendizagem que rompa com o precon-
ceito e a ideia de pessoas ociosas, sem função social que carregam um co-
nhecimento ultrapassado e distante do tempo atual.
No processo de educação ao longo da vida, a aprendizagem com-
preende aspectos de uma educação permanente no sentido de autonomia,
liberdade de expressão, participação e capacidade de criticidade, sem que
uma classe social se sinta excluída, pormenorizada e/ou sofra marginaliza-
ção. Este processo deve permitir o retorno da identidade social e o desenvol-
vimento cultural, intelectual, social e político, pois a educação permanente
deve ser repensada e ampliada a partir de:

28
[..] uma construção contínua da pessoa humana, dos seus saberes e aptidões, da
sua capacidade de discernir e agir. Deve levar cada um a tomar consciência de
si próprio e do meio ambiente que o rodeia, e a desempenhar o papel social que
lhe cabe enquanto trabalhador e cidadão. (DELORS,2001, p.32).

Para a expansão de uma educação permanente, as Universidades


têm como objetivo possibilitar aprendizagens atendendo as necessidades de
inserção e continuidade dos saberes de todas as pessoas. (TEODORO, 2016,
p.214).
Em conformidade com Pinto (1989) e Teodoro (2016), os Pilares da
Educação pela Unesco conjugam de saberes que perpassam a configuração e
as estruturas de uma aprendizagem da educação permanente para a pessoa
idosa, conforme apresenta-se na Figura 2.

FIGURA 02 – OS QUATRO PILARES DA EDUCAÇÃO

Aprender a
SER

Aprender a Idosos Aprender a


CONVIVER e FAZER
Universidade

Aprender a
CONHECER

Fonte: (Delors, 2001)

Ao contextualizar os pilares, Delors (2001) traz a educação ao longo


da vida na perspectiva de continuidade dos saberes, das aptidões, da capaci-
dade e ação do ser humano em ampliar o seu papel no contexto em que está
inserido, contexto este da sociedade, da comunidade, além da tomada de
consciência sobre si mesmo.

29
Os saberes se constituem em quatro grandes aspectos que estão in-
terligados com

[...] experiência vivida no quotidiano, e assinalada por momentos de intenção


esforço de compreensão de dados e de fatos complexos a educação ao longo de
toda a vida é o produto de uma dialética com várias dimensões; o conhecimen-
to não-formal ao conhecimento formal; o desenvolvimento de aptidões inatas à
aquisição de novas competências que implica em esforço, mas traz também a
alegria da descoberta; experiência singular de cada pessoa, a mais complexa
das relações sociais, dado que se inscreve ao mesmo tempo no campo cultural,
no laboral e no da cidadania. (DELORS, 2001, p.107).

Para o campo da Universidade, os saberes são construídos no coti-


diano, eles estão vinculados ao conhecimento e a experiência do saber peda-
gógico, ambos estão consolidados na/pela ação da prática que se coloca
como objeto de reflexão e (res) significação. (PIMENTA, 2012).
Os saberes além de se estabelecerem no contexto dos idosos ao lon-
go das atividades que desenvolvem junto à Universidade, os envolvidos nos
programas para a terceira idade também são constituídos de saberes, que
Tardif (2013, p.36) destaca como sendo ―[...] um saber plural, formado pelo
amálgama de saberes que são oriundos da formação profissional, curricula-
res, disciplinares e experienciais.‖ Saberes estes que não estão limitados à
sala de aula, pois são oriundos dos contextos que envolvem a família, a for-
mação inicial, o trabalho e as interações com os outros.
Os saberes na perspectiva de Tardif (2013) não podem estar limita-
dos aos conteúdos circulares e/ou aos conhecimentos teóricos. Os saberes
das pessoas que desenvolvem as atividades para os idosos e, que muitas das
vezes são pelas mãos de docentes, devem ser ponto de partida para a educa-
ção e aprendizagem ao longo da vida. Por isso, é relevante expor o proposto
por Tardif (2013) que classifica e identifica os saberes que se apresentam no
Quadro 1.

30
QUADRO 1 – OS SABERES DOCENTES

Fonte: Tardif (2013, p. 63).

No espaço da Universidade, estes saberes dão suporte ao trabalho


docente que contempla o seu olhar e sua prática com pessoas de diferentes
idades, inclusive a pessoa adulta/idosa, que retorna ao espaço universitário
para dividir com os outros suas histórias, memórias, trajetórias, expectativas
e experiências singulares, além de aprender sobre o novo.
Aqui abre-se um parêntese para o papel da Andragogia, a qual se
constituiu nos estudos sobre o adulto e sua aprendizagem centrada na inde-
pendência e autogestão. Na obra Conscientização: teoria e prática de liberta-
ção (FREIRE, 1979), a andragogia é considerada como interlocutora no
processo educativo do adulto e pode ser compreendida quando o aprendiz
faz uso da aprendizagem que se coloca em direção a consciência crítica e
reconhece o seu papel como sujeito participante ativo de tudo o que aconte-
ce.
A aprendizagem para Requejo Osorio (2003) está relacionada com a
necessidade que a pessoa tem em confrontar o que ela aprendeu e como
aprendeu durante uma determinada situação de sua vida. Moscovici (1985,
p. 20) considera a aprendizagem do adulto a partir da experiência e da matu-
ridade de vida. Knowles (1988) complementa que os adultos apresentam
suas experiências de vida e que são mais numerosas e diversificadas quando
participam de atividades em grupos, estão no coletivo, pois fazem de manei-
ra mais heterogênea ampliam os conhecimentos, descobrem necessidades,
interesses e objetivos de vida.

31
A aprendizagem se constitui num processo transformador e de ex-
periência presentes no decorrer da vida, deste processo ocorre a construção
dos saberes. As fases dessa aprendizagem se configuram por meio de experi-
ência concreta, observação reflexiva, conceitualização e experimentação
ativa e, que para Alarcão (2003), estão intrinsecamente interligadas.
Sendo assim, a educação ao longo da vida deve acontecer a partir de
situações do cotidiano da pessoa que, segundo Requejo Osorio (2003), é no
conflito das situações que o adulto aprende novos conceitos e conhecimen-
tos, se apropria de referenciais que estão nos reservatórios de suas experiên-
cias e memória.
O pesquisador norte-americano David Paul Ausubel (1918-2008) a
partir de seus estudos destaca que quanto mais uma pessoa sabe, mais ela
aumenta a capacidade de aprender e assim o objetivo maior do processo de
aprendizagem se torna significativo. O fator relevante que tem influência
sobre a aprendizagem é aquilo que a pessoa já conhece sobre o objeto e/ou
situação. Portanto, é preciso antes de tudo, descobrir o que a pessoa adulta
ou idosa sabe e inicie as atividades, os projetos, os seus ensinamentos (AU-
SUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980).
Os estudos de Ausubel consideram que tudo o que a pessoa aprende
necessita fazer sentido para ela. Isso acontece quando surge uma nova a-
prendizagem e esta se torna relevante ao que já existia na vida e nas estrutu-
ras cognitivas da pessoa. Na aprendizagem significativa de Ausubel et al.
(1980), considera-se o que o aprendente já sabe para que o novo conheci-
mento tenha onde se ancorar.
É relevante destacar que todo lugar pode gerar aprendizagem e ser
educativo como na família, na escola, na igreja, na comunidade ou na socie-
dade e conhecer estes espaços de vivência da pessoa idosa, não se limita em
estabelecer rigidez de um método de aprendizagem, mas uma fluidez e flexi-
bilidade para a partir do conhecido estabelecer atividades sobre o que é es-
sencial.
O ato de aprender e o ato educativo ultrapassam uma forma de o-
brigatoriedade fixa estabelecidas em espaços formais, mas se colocam como
alternativas para a emancipação, mesmo que política e de sociabilidade da
pessoa idosa no contexto existente.
A aprendizagem pela educação permanente abrange todo percurso
de vida, ela é essencial para a democratização do saber e está presente no
cotidiano das pessoas.

32
4 A aprendizagem pela Educação Permanente

A educação permanente se constituiu a partir da terminologia edu-


cação contínua ou ininterrupta e life-long education. Furter (1975) fundamenta
a educação permanente como um processo que se prolonga durante todo
percurso de vida de uma pessoa durante as suas fases de desenvolvimento.
Este processo que é contínuo tem por objetivo permitir que a pessoa continue
a realizar atividades que envolvem formas de educação e aprendizagem con-
siderando as suas próprias necessidades, situações que são vivenciadas por
ela. Para Furter (1975, p. 114) ―Educação Permanente é um princípio de
organização formal de um sistema global de formação, que exerce uma ação
renovadora sobre todos os organismos que se ocupam de formação: procurar
tornar o sistema escolar um conjunto mais flexível e mais amplo.‖
A educação permanente é norteadora de propostas pedagógicas nos
programas para idosos, pois faz uso de uma metodologia participativa, pro-
blematizadora como sugerem Palma (2000). Segundo esta autora, numa
proposta pedagógica de educação permanente, que pode ser aplicada para
todas as idades, os participantes se configuram como investigador-educador
e educando-ator num processo de indagação e reflexão sobre a sua própria
realidade. A proposta tem por objetivo gerar conhecimento de mundo e das
ações quando os participantes a descrevem e explicam.
Por isto, a educação permanente está correlacionada ao desenvol-
vimento de ações e atividades práticas para atender às demandas e necessi-
dades educativas e socioculturais do público idoso. As ações e atividades
práticas compreendem a elaboração de um método dialógico, interativo,
horizontal e participativo que possibilita aos participantes/atores do processo
autotransformação e a transformação sobre o que há no seu entorno.
Para Palma e Cachioni (2006) o processo de educação permanente
é de ajuste de significados, interação e intersubjetividade dos sujeitos envol-
vidos que perpassa algo que para Paulo Freire (1921-1997) é inevitável entre
as pessoas, a comunicação, um(a) elemento/termo/característica fundamen-
tal no processo.
Ao revisitar as obras de Paulo Freire na perspectiva de uma prática
para a aprendizagem e educação permanente para idosos, destaca-se o Círcu-
lo de Cultura. Inicialmente voltado para a alfabetização de jovens e adultos
e como um ato político, o Círculo de Cultura possibilita o diálogo, o registro
narrativo da compreensão crítica da pessoa individual e/ou coletivamente e

33
culmina na construção de novos conhecimentos, valores, afetos, mundo e a
si mesma.

[...] é um espaço comunitário, onde homens e mulheres tornam-se terapeutas


de si, [...] as escutas são enaltecidas com história e narrações das experiências
de vida e sabedorias partilhadas de forma horizontal e circular pelos participan-
tes. (BARRETO, 2005, p.35).

Desta forma, espera-se a possibilidade de tornar os acontecimentos,


fatos, situações de vida em um processo de educação permanente e formação
humana continuamente, em que a pessoa toma consciência de suas possibi-
lidades, participação como ator/criador/produtor de cultura. Por esse moti-
vo, refletir sobre a dimensão de educação permanente para a população ido-
sa é imprescindível para que uma nova dimensão ética e cultural se constitu-
ía pela educação.
Nos estudos de Furter (1975) a partir da educação permanente para
uma nova forma de educação, abre perspectivas da correlação que existe
entre o desenvolvimento geral e o desenvolvimento individual da pessoa. A
educação não se limita a transmissão de uma cultura mínima, mas no con-
junto de ações e atividades que possibilite aos participantes a criação de con-
dições de como aprender, participar e a contribuir para a construção de sua
própria constituição de ser humano.
A educação deve ser uma ação libertadora que permite leitura crítica
de mundo e isso acontece pelos movimentos de ação realizados pela aproxi-
mação das pessoas que vivenciam situações reais semelhantes e ou distintas
como, por exemplo, durante o Círculo de Cultura onde determinados grupos
de pessoas ao se encontrarem dialogam sobre a sua realidade.
Nas experiencias externalizadas no Círculo de Cultura, as pessoas
aprendem e ensinam novas leituras de mundo, de forma solidária e coletiva,
novos modos de pensar e agir, criticamente, sobre as situações vividas a
partir de temas geradores, estes extraídos de uma escuta atenta das vozes dos
idosos que mobilizam os diálogos, as discussões, as relações entre os grupos
de pessoas e o processo de aprendizagem que resultam em ricas narrativas.
As narrativas permitem que a pessoa faça e refaça o caminho do fa-
zer a sua história, pois são eles os fazedores do processo de aprender sobre o
mundo e,

34
[...] ter no sonho também um motor da história. (...)sem sonho não há mudan-
ça como não há sonho sem esperança. (...)Não se pode entender os homens e
as mulheres, a não ser mais do que simplesmente vivendo, histórica, cultural e
socialmente, existindo como seres fazedores de seu caminho que, ao fazê-lo, se
expõem ou se entregam ao caminho que estão fazendo e que assim os refaz
também. (FREIRE, 1992, p.91 e 97)

No desenvolvimento do Círculo de Cultura, há um pronunciamento


de uma aprendizagem pela tessitura entre o diálogo e as narrativas das pes-
soas idosas que se complementam por meio do encontro do Eu com o Outro
e consigo mesmo. Isto evidencia sentidos e significados afetivos, pessoais,
familiares e sociais de uma aprendizagem coletiva que enaltece à medida que
nos Círculos de Cultura a pessoa idosa sente-se parte do contexto vivido.
No diálogo que enaltece a narrativa da pessoa idosa, a arte de narrar
se constitui como uma faculdade de intercambiar experiências transmitidas
de boca em boca como, por exemplo, das narrativas de um viajante que car-
rega na sua bagagem, diferentes aprendizagens e histórias de um saber sobre
a sua geração. Buber (2011, p. 54) destaca que ―cada um dos participantes
tem de fato, em mente, o outro ou os outros na sua presença e no seu modo
de ser; [...] a eles se volta a intenção de estabelecer entre ele e si próprio uma
reciprocidade viva [...] intencionalidade em ouvir o outro e não apenas em
falar‖. [...] ―começar consigo, mas não terminar consigo; partir de si, mas
não ter a si mesmo como fim‖ (BUBER, 2011, p. 38).
A aprendizagem que é estabelecida fortalece a educação ao longo da
vida e não permite o silenciamento de conhecimentos e saberes que passam
de uma geração para outra, ou a compreensão das gerações sobre a origem
da existência de uma cultura imaterial que evoca a memória individual e de
um coletivo, dá voz aos idosos e seus relatos de histórias de vida para além
de um envelhecimento.
Ao longo da história, a educação se configurou no ato de educar ou
educar-se centrada em modelos formativos para infância e adolescência.
Porém, Cunha (1976) adverte que a essência de uma educação permanente
inclui todo o indivíduo como ser ainda em transformação e reformulação,
parte integrante de uma sociedade em constante mudança, da qual ele é fator
e produto. Por isso, as formas de educação devem ser consideradas, também,
na fase adulta e de envelhecimento de cada indivíduo.
A educação permanente passa a ser entendida como caminho para o
desenvolvimento de novas aprendizagens contínuas em diferentes fases da

35
vida em atendimento às necessidades de interação e aprimoramento de sabe-
res.
Portanto, as atividades desenvolvidas para a pessoa idosa a partir da
educação permanente considera um currículo flexibilizado, organizado para
atender os interesses e necessidades, oferecer oportunidades de participação
de todas as pessoas em diferentes momentos, sem a exigência de pré-
requisitos e a ênfase em certificados de participação da pessoa idosa nas
atividades como forma de manter a sua permanência.
Na ótica da educação permanente, os organizadores (professores,
coordenadores, administrativos, técnicos) e as pessoas idosas estão em pro-
cesso de aprendizagens constantes e na relação que se estabelece entre os
envolvidos, ―não deve existir uma educação permanente com ramificações
para um setor ou campo específico da educação; [...]educação permanente
nada mais é que a modificação completa, a reestruturação de todo o sistema
educacional. (FURTER, 1975, p.140). Uma educação para a população
idosa tem na/pela aprendizagem a troca de experiências entre todos os en-
volvidos que possibilita relações construtivas.
A educação permanente, educação ao logo da vida, é a educação do
futuro e tem seu lugar, também, fora do espaço formal de educação, currícu-
los, metodologias e didática que promovem oportunidades para esta popula-
ção de ser ouvida, observada e se expresse de tal forma que possa obter co-
nhecimento, informação e criar soluções para as suas dificuldades e seus
problemas.
Desse modo, a construção de um conhecimento político-social tam-
bém se estabelece de forma libertadora, pois problematiza e estrutura no
diálogo ético a aprendizagem e a educação permanente dos envolvido no
processo educacional com idosos para a sua dignidade humana
A educação permanente para a terceira idade considera não somente
os saberes elaborados, mas os momentos de sua construção, a memória e o
resgate das histórias de vida que foram sendo construídas junto com outras
gerações, a partir da realidade é que ―constroem e descontroem velhos e
novos saberes, reordenam antigos conhecimentos e ressignificam as aprendi-
zagens.‖ (CUNHA, 1976).
Portanto, a educação é permanente porque as pessoas amadurecem,
mas não acabam ao entrar na fase adulta e no envelhecimento, elas estão
prontas para novas aprendizagens. E, com isso, as Universidades se voltam à
educação permanente para a pessoa idosa. Oferecendo oportunidade de um

36
espaço que levam a democratização, a transformação e sua inserção em
novas formas de educação e aprendizagens sobre a vida contemporânea.

5 Considerações finais

À guisa de conclusão deste capítulo, das leituras do referencial para


repensar a aprendizagem, os conceitos, sentidos e significados do direito da
educação ao longo da vida para a pessoa idosa, é fundamental pensar que, as
Universidades são o fio condutor do desenvolvimento de ações que possibili-
tam uma aprendizagem em espaços de dialogicidade para evidenciar a voz
das pessoas idosas e possibilitar a construção de sua identidade, inclusão e
participação social.
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) ressalta que, as instituições de
ensino superior e podem ofertar projetos, destinados aos idosos para o de-
senvolvimento dessa aprendizagem por meio da condução e organização de
atividades práticas. Estas atividades perpassam pelas estruturas da educação
permanente se fortalece e rompe com a indiferença e o preconceito sobre
idoso ocioso e sem capacidade de aprendizagem.
Contudo, para que o direito à aprendizagem e educação para a pes-
soa idosa se estabeleça, é preciso firmar políticas para esta população de
forma clara, com especificidades, orientações dirigidas ao desenvolvimento
de ações e atividades que corroboram para uma educação permanente com
segmentos educacionais, econômicos, políticos e sociais para o envelheci-
mento.
Os estudos e leitura demonstraram que o ato de aprender é um direi-
to da pessoa idosa, pois a aprendizagem se configura como um processo de
educação contínua e interminável, sendo uma necessidade. Deste modo, a
ênfase de programas universitários que desenvolvam a potencialidade de
uma aprendizagem para esta população ao longo da vida é urgente.
A relação existente entre aprendizagem e conhecimento da pessoa
idosa ainda apresenta estereótipos na sociedade e até mesmo entre os profis-
sionais que estão próximos às pessoas idosas e, nesse sentido, a educação
tem papel transformador e central nos projetos universitários que enfatizam a
mudança de paradigma sobre a velhice.
Para isso, é necessário promover uma educação ao longo de toda a
vida para todas as pessoas e que esta educação adentre todos os espaços da
sociedade, pois este segmento da população tem refletido significativa visibi-

37
lidade por meio da divulgação de dados demográficos e como um novo mer-
cado de trabalho que necessita de atendimento específico. Porém com base
nos saberes que foram apresentados neste capítulo, evidencia-se lacunas, não
somente em cursos de formação inicial para educadores, mas na formação
continuada de áreas como de Educação, Ciências e Saúde.
Com isso, não se pode mais ignorar a urgência de uma formação pa-
ra os profissionais universitários que desenvolvem práticas educacionais com
idosos. O envelhecimento é um fenômeno que está presente todos os dias,
nas mais diversas organizações sociais e, propor formação específica para
todos os profissionais que atuam com pessoas idosas impulsiona e abre no-
vas discussões para a implementação de outras políticas que podem respal-
dar a educação ao longo da vida no documento da PNI (1994).
Uma futura discussão sobre a temática do direito da pessoa idosa à
educação, perpassará a construção de estratégias que impulsionem conheci-
mentos sobre o envelhecimento e de uma formação inicial e continuada que
contemple a expansão de aprendizagem e educação permanente ao longo da
vida de todas as pessoas.

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41
ESTÁGIO DE FORMAÇÃO PEDAGÓGICA
EM QUÍMICA: PLANEJAMENTO,
DESENVOLVIMENTO E AVALIAÇÃO

Liane Maria Vargas Barboza


Neusa Nogueira Fialho
Sonia Maria Chaves Haracemiv

INTRODUÇÃO

O estágio de formação pedagógica é um componente curricular da


formação inicial de professores de Química. O estágio possibilita que o li-
cenciando(a) vivencie o espaço escolar, articule os conhecimentos teóricos e
práticos na construção de sua identidade como futuro(a) professor(a).
Segundo Pimenta e Lima (2009, p. 45) ―o estágio curricular é ati-
vidade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na
realidade, esta, sim, objeto da práxis‖. Nos espaços formais de ensino e a-
prendizagem, especificamente na sala de aula e no laboratório de Química é
que a práxis se realiza.
De acordo com as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Quí-
mica (BRASIL, 2001, p. 7) ―o licenciado em Química deve saber trabalhar
em laboratório e saber usar a experimentação em Química como recurso
didático‖. Além disso, o licenciado em Química precisa ter capacidade críti-
ca para analisar os seus próprios conhecimentos e, ao adquirir novos conhe-
cimentos sejam eles científicos ou educacionais, refletir eticamente sobre o
que a sociedade espera de sua atuação (BRASIL, 2001, p. 6).
Nesta perspectiva, o professor em formação inicial deve saber pla-
nejar e desenvolver suas aulas pensando nos métodos de ensino, utilizando
experimentos químicos no laboratório ou na própria sala de aula, e refletindo
sobre sua prática pedagógica. Para tanto, será necessário o domínio dos co-
nhecimentos específicos, pedagógicos e das técnicas de laboratório.
A práxis de Química se constrói no dia a dia da sala de aula e nas
aulas de laboratório, por meio das reflexões críticas da prática pedagógica,
do desenvolvimento das ações educativas planejadas, das interações, dos

42
saberes dos professores, das relações sociais estabelecidas no cotidiano esco-
lar e com a comunidade.
O conhecimento do espaço escolar, da gestão escolar, dos docu-
mentos curriculares, do perfil dos estudantes e do professor em exercício
possibilita o planejamento, o desenvolvimento da práxis pedagógica e a cons-
trução da identidade dos futuros professores e dos professores regentes.
O presente trabalho tem por objetivo apresentar e discutir a forma-
ção docente no Curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal
do Paraná (UFPR), levando em consideração o estágio supervisionado e
com destaque no planejamento, desenvolvimento e avaliação.

A PRÁTICA DOCENTE E A FORMAÇÃO INICIAL DOS


PROFESSORES DE QUÍMICA

É no estágio que o licenciando em formação inicial começa a vi-


venciar a identidade profissional de tornar-se professor, sendo assim, é preci-
so valorizar a construção da história de vida dos futuros professores.
As interações entre o professor em exercício e estudantes e gestores
escolares, de forma reflexiva e crítica, contribuirão na formação docente. O
conhecimento dos documentos curriculares, dos planos de ensino, planos
das aulas e recursos didáticos possibilitarão o desenvolvimento de ações
didático-pedagógicas para a aprendizagem significativa em Química. Assim
como, a leitura de obras de pesquisadores educacionais, que têm como obje-
tos de pesquisa a formação docente e o estágio curricular, subsidiam a cons-
trução da identidade do futuro professor.
De acordo com Buriola (1999, p. 10) ―o estágio é o lócus onde a
identidade profissional é gerada, construída e referida; volta-se para o desen-
volvimento de uma ação vivenciada, reflexiva e crítica e, por isso, deve ser
planejada gradativa e sistematicamente com essa finalidade‖. Esse planeja-
mento é essencial para que o estágio aconteça de modo organizado, contex-
tualizado, com a elaboração de aulas que tenham significado para os estu-
dantes. Ademais, todo esse planejamento segue normas e orientações de
documentos legais.
As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Licenciatura em
Química (BRASIL, 2001, p.7) estabelecem as competências e habilidades
para os licenciados em Química. Dentre as competências destaca-se: ―identi-

43
ficar no contexto da realidade escolar os fatores determinantes no processo
educativo, tais como o contexto socioeconômico, política educacional, ad-
ministração escolar e fatores específicos do processo de ensino-aprendizagem
de Química‖.
Neste contexto, a realização do diagnóstico do perfil socioeconô-
mico dos estudantes, o conhecimento das políticas educacionais vigentes, o
reconhecimento da administração escolar e dos fatores específicos do proces-
so de ensino e aprendizagem em Química orientam o planejamento e a or-
ganização da prática pedagógica do professor.
O estágio supervisionado é o momento em que o licenciando tem a
oportunidade de vivenciar a sala de aula. Mesmo que seja por pouco tempo,
o estágio precisa ser bem planejado e desenvolvido com coerência, colabora-
ção e determinação tanto para os professores orientadores da universidade,
licenciandos e professores supervisores dos colégios. O estágio pode ser grati-
ficante e significativo para o licenciando, mas também pode trazer descon-
forto e descontentamento. Por isso, é fundamental que haja um trabalho de
parceria, de partilha, de entusiasmo, para que todos os envolvidos saiam
desse processo com novos conhecimentos e perspectivas positivas. A Lei
11.788, de 25 de setembro de 2008, define no Art. 1º que:

Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de


trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que es-
tejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de
educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais
do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e
adultos (BRASIL, 2008).

O estágio supervisionado é um componente curricular nos cursos


de licenciatura para a formação de docentes e necessita, de fato, priorizar a
preparação desse licenciando para o trabalho docente profissional. Para
complementar citamos a fala de Pimenta e Lima (2009, p. 43): ―o estágio nos
cursos de formação de professores, compete possibilitar que os futuros pro-
fessores compreendam a complexidade das práticas institucionais como
alternativa no preparo para sua inserção profissional‖. Esta complexidade é
que leva o licenciando a refletir, pensar e repensar sua forma de ensinar, suas
estratégias e métodos de ensino.
Neste cenário, é importante que os licenciandos observem, regis-
trem e analisem criticamente as práticas pedagógicas institucionalizadas,

44
visando contribuir com o processo de ensino e aprendizagem. Pimenta e
Lima (2009, p. 43) afirmam que:

[...] o papel das teorias é iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para aná-
lise e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as
ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em questionamen-
to, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realidade.

As teorias têm papel fundamental na elaboração de instrumentos


de investigação e na análise dos resultados. É por meio da leitura reflexiva e
analítica que se deve relatar os dados da investigação para compreender a
realidade.
Destacamos que o estágio deve propiciar a vivência no espaço es-
colar e com a comunidade, pois são nas relações que se constroem com a
comunidade escolar, que podemos compreender o perfil da mesma e, a partir
daí, planejar as ações pedagógicas.
A Prática de Ensino, conforme explica Kulcsar (2007, p. 71 - 72) é
a disciplina que proporciona aos alunos o contato com a prática social e cria
condições para a percepção dos problemas inerentes à atividade docente,
para a proposição de alternativas de solução a esses problemas, analisando-
as criticamente, fazendo a aplicação de uma proposta dentro de um processo
orientado de Estágio Supervisionado.
A resolução n. 35/17 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
da Universidade Federal do Paraná (2017) define que:

Estágio de Formação Pedagógica é um conjunto de estudos e atividades desen-


volvidas fundamentalmente no âmbito da educação básica, sob a forma de
―práticas de docência‖ e ―práticas pedagógicas de organização do trabalho es-
colar‖, envolvendo a orientação direta docente em ações que vão desde a in-
termediação no acordo de colaboração entre a UFPR e os estabelecimentos de
ensino, até o acompanhamento sistemático e processual do planejamento, exe-
cução e da avaliação das atividades desenvolvidas pelos licenciandos, o que re-
quer o contato contínuo e presencial direto do professor nos diferentes campos
de estágio e consequentemente a limitação de alunos por turma.

O desenvolvimento dos estágios na Educação Básica são firmados


por meio de convênio com a Universidade Federal do Paraná e Secretaria de
Estado da Educação e do Esporte, e as disciplinas de estágio têm como ênfa-
se a prática de docência como ação formativa.

45
Na Universidade Federal do Paraná os estágios de formação de
professores são realizados nas disciplinas de Prática de Docência em Quími-
ca I e Prática de Docência em Química II para o Curso de Licenciatura em
Química do período noturno e Prática de Ensino e Estágio Supervisionado
em Química I e Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Química II,
para o Curso de Licenciatura em Química do período diurno.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia de pesquisa deste trabalho é de natureza qualitati-


va, exploratório-descritiva, do tipo pesquisa-ação. A pesquisa é exploratório-
descritiva, cabendo ao(à) pesquisador(a) a ―descrição acerca de toda a pro-
blematização, a interpretação e a reflexão, e por fim uma contribuição teóri-
ca acerca do tema pesquisado ou apontar a capacidade da pesquisa em pro-
vocar mudanças‖ (CRESWELL, 2014, p. 50).
A metodologia classifica-se como exploratório-descritiva, pois foi
descrito o planejamento das disciplinas de estágio e as fases do desenvolvi-
mento dos estágios nos colégios. A pesquisa-ação é um tipo de investigação-
ação qual se aprimora:

[...] a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e inves-
tigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma
mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do proces-
so, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação (TRIPP, 2005, p.
445-446).

A pesquisa classifica-se como pesquisa-ação, pois a partir da ob-


servação do espaço escolar, da consulta do Projeto Político Pedagógico -
PPP, do perfil dos estudantes, da sala de aula, do currículo e das dificuldades
dos estudantes para compreender os conteúdos de química de forma signifi-
cativa foram planejadas e desenvolvidas as aulas de intervenção pedagógica
com a abordagem de temas geradores, para contemplar os conteúdos solici-
tados pelos professores regentes.
Participaram da pesquisa três professoras que atuaram nas disci-
plinas de Prática de Docência em Química I, Prática de Ensino e Estágio
Supervisionado em Química I, Prática de Docência em Química II e Prática
de Ensino e Estágio Supervisionado em Química II, e os estudantes que

46
frequentaram essas disciplinas no 1º semestre de 2019 e 2º semestre de 2019.
Ao todo foram 42 licenciandos realizando as disciplinas de estágio obrigató-
rio, desenvolvendo suas atividades na Educação Básica, Ensino Médio, Cur-
sos Técnicos e Educação de Jovens e Adultos, em diversas escolas da Rede
Estadual de Educação do Estado do Paraná.
As cargas horárias das disciplinas de estágio Prática de Docência
em Química I e Prática de Docência em Química II eram de 90 horas, sendo
60 horas de estágio desenvolvidas nos colégios da rede estadual de ensino de
Curitiba e 30 horas de estudos e orientações na UFPR.
As disciplinas de estágio Prática de Ensino e Estágio Supervisio-
nado de Química I e Prática de Ensino e Estágio Supervisionado de Química
II tinham carga horária de 60 horas, sendo realizadas 24 horas de estudos e
orientações na UFPR e 36 horas de estágio.
Cada turma teve uma organização de estágio que ocorreu durante
a semana, contendo atividades na UFPR e na escola. Na universidade, os
estagiários receberam diversas orientações, além de estudo de textos voltados
para a formação docente, os saberes docentes e a prática pedagógica. Nestes
encontros, os licenciandos participavam de rodas de conversa e tinham um
espaço para relatar e discutir sua vivência no colégio até o momento com
base nos referenciais teóricos.
Ainda na universidade, os licenciandos receberam orientações so-
bre a parte documental exigida nos estágios supervisionados da UFPR. Vá-
rios formulários foram entregues aos licenciandos para facilitar os trabalhos
durante o estágio, a saber: ficha de identificação do estagiário; cronograma
da disciplina; nomes das escolas que permitiam estágio; carta de apresenta-
ção solicitando a acolhida dos estagiários no colégio; modelo de diário de
campo; instrumento de avaliação para os alunos do colégio e para o profes-
sor regente; sumário do relatório e template para apresentação no seminário.
A organização das disciplinas foi realizada com base no documen-
to norteador intitulado ―Observação, Diagnóstico e Registro no Diário de
Campo‖ de autoria de Haracemiv e Branco (2014, p. 15) e em artigos cientí-
ficos e livros sobre: estágios, formação docente e planejamento. Todas as
observações das aulas do(a) professor(a) regente, da estrutura e funciona-
mento dos colégios, das relações dos professores e estudantes, estudantes e
estudantes, professores em formação inicial e professores regentes, dos pro-
fessores regentes, professores em formação inicial e estudantes, bem como o
planejamento das aulas e desenvolvimento das aulas no Ensino Médio foram

47
registradas no Diário de Campo. O diário de campo é uma fonte de pesquisa
importante na formação dos professores de Química. É por meio do registro
no diário de campo da vivência escolar, que é possível também avaliar o
desenvolvimento do estágio em um processo contínuo.
As organizações das turmas foram determinadas conforme a carga
horária de cada disciplina, mas de modo geral, as disciplinas seguiam uma
estrutura padronizada, com diferenciação nos textos de estudo e no sumário
do relatório, já que os licenciandos de estágio nível I estavam no início da
vivência, enquanto os de nível II já tinham alguma experiência por terem
passado pelo nível I. A Figura 1 apresenta a estrutura e organização das
disciplinas.

FIGURA 1 - ORGANIZAÇÃO GERAL DAS DISCIPLINAS DE


ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA UFPR

FONTE: As autoras (2019).

Os(as) licenciandos(as) tinham que entregar como produto final da


disciplina um relatório contendo os seguintes itens: caracterização do está-
gio, justificativa e objetivos do estágio, projeto desenvolvido na prática de
ensino, revisão de literatura sobre o Pedagogia de Projetos e revisão do tema,
plano de ação pedagógica, atividades didáticas desenvolvidas, estratégias

48
utilizadas, recursos didáticos, avaliação do trabalho pedagógico. No item
resultados e discussões foram apresentados os resultados da coleta de dados
referente ao perfil do(a) professor(a) regente, perfil dos estudantes, a análise e
discussão da prática pedagógica do professor de Química da escola, o impac-
to educacional do estágio no colégio na ótica do(a) licenciando(a), avaliação
do(a) estagiário(a) pelo(a) professor(a) regente, considerações finais, referên-
cias, anexos e apêndices.
Além do relatório, as duas turmas, divididas em equipes, tinham
que preparar uma apresentação de quinze a vinte minutos contendo os dados
exigidos no relatório destacando suas vivências, anseios, perspectivas, refle-
xões.
O planejamento das disciplinas em questão foi organizado de for-
ma reflexiva com base em documentos curriculares para o ensino de Quími-
ca e da formação inicial dos(as) licenciandos(as) de química. A organização
de cada disciplina foi registrada na Plataforma Moodle, sob gestão da Coor-
denadoria de Integração de Educação a Distância (CIPEAD - UFPR). A
avaliação foi realizada durante todo o processo formativo.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As primeiras fases, no desenvolvimento dos estágios, foram a ob-


servação e o diagnóstico, onde os licenciandos foram orientados a olhar a
integração universidade e escola. Nesse início do desenvolvimento, os obje-
tivos foram conhecer e refletir:

[...] a localização do colégio e seu entorno, histórico dos colégios, levando em


conta as demandas sociais e educacionais que determinaram sua estrutura e
funcionamento; perfil socioeconômico e cultural; nível de escolaridade, profis-
são, naturalidade (procedência) dos educandos e condições de moradia; de-
mandas de espaços de lazer e cultura e bens de serviços sociais: educação, saú-
de e segurança; ação da escola como um todo, direção, coordenação e secreta-
ria no conhecimento; ação do professor em sala de aula (relacionamento pro-
fessor/aluno) levando em conta as condições culturais e os problemas aprendi-
zagem que os alunos trazem frente a organização dos tempos e espaços peda-
gógicos; contextualização dos conteúdos selecionados e nas atividades pedagó-
gicas a serem desenvolvidas, levando em conta o perfil do aluno, da comunida-
de e o desempenho escolar e as atividades que possibilitem e enriqueçam a vi-
são de mundo da comunidade escolar (HARACEMIV; BRANCO, 2014, p.
15).

49
A observação dos espaços escolares, da estrutura e funcionamento,
do perfil socioeconômico dos estudantes e das aulas ministradas pelo profes-
sor regente, possibilitou o planejamento de ações pedagógicas adequadas ao
nível de ensino e aprendizagem dos estudantes.
Percebemos que esta fase foi muito importante para os licencian-
dos, tendo em vista os planos de aulas elaborados por eles, os quais que ti-
vemos a oportunidade de ver, discutir, orientar e, inclusive, sugerir estraté-
gias de ensino dinâmicas, direcionadas a cada público observado, para o
qual estariam ministrando suas aulas.
Outra fase do estágio foi a consulta ao Projeto Político Pedagógico
- PPP do Colégio para identificar:

a) a missão da escola descrita na Proposta Política Pedagógica – PPP e a coe-


rência com a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDBEN
9394/96 e os Parâmetros Curriculares Nacionais para Ensino Médio; b) Diag-
nóstico da escola apresentado na PPP e o ano de sua elaboração; c) Participan-
tes da elaboração da PPP, nominados na mesma, frente ao corpo docente atu-
almente efetivo da escola; d) Padrão de qualidade do ensino e de aprendizagem
corresponde ao prescrito na PPP; e) Fins educativos presididos na escola frente
aos prescritos na PPP; f) Organização curricular de Química pela qual a escola
optou: Ensino Médio Contínuo, Regular, EJA, Pós-Médio, Profissionalizante,
ou outro; g) Base Comum, Parte Diversificada, Carga Horária da Base Nacio-
nal e Diversificada garantidas na PPP; Conceito de avaliação; critérios de pro-
moção adotados pela escola (HARACEMIV; BRANCO, 2014, p. 15).

Com base na consulta ao documento PPP os licenciandos pude-


ram identificar a organização curricular de Química estabelecida pelo colé-
gio e também comparar com o currículo de Química desenvolvido pelo pro-
fessor regente nas aulas.
Para o processo formativo e planejamento das atividades didático-
pedagógicas os licenciandos cursando as disciplinas de Prática de Docência
em Química I e Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Química I
foram orientados a realizarem leituras de artigos científicos sobre a formação
de professores de Química (GAUCHE et. al., 2008), estágio como espaço
formativo, saberes docentes (CUNHA, 2003; TARDIFF, 2014) e o planeja-
mento de matriz curricular (LIMA JÚNIOR; GAUCHE, 2010) e os orien-
tandos das disciplinas de Prática de Docência em Química II e Prática de
Ensino e Estágio Supervisionado em Química II realizaram leituras sobre a

50
formação docente (FREITAS; PACÍFICO, 2015) e o educar pela pesquisa
(GALIAZZI; MORAES; RAMOS, 2003).
A leitura visou subsidiar o desenvolvimento das ações pedagógicas
e a formação dos mesmos. A articulação teoria e prática também foi discuti-
da nos encontros dentro da universidade, pois é fundamental para compre-
ender e transformar a realidade. Para tanto, é necessário que o licenciando
assuma uma postura reflexiva e crítica frente a realidade vivenciada. Em
todos os encontros as professoras enfatizavam a necessidade de trabalhar a
química sempre conectando teoria e prática de forma problematizada, con-
textualizada e interdisciplinar. Esse ponto ficou evidente nos planejamentos
das aulas e na apresentação das vivências durante o seminário.
Pimenta e Lima (2009, p. 49) afirmam que o papel da teoria é ―o-
ferecer aos professores perspectivas de análise para compreender os contex-
tos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profis-
sionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles intervir, transfor-
mando-os‖. Entretanto, teoria e prática precisam andar de mãos juntas. Sen-
do assim, a articulação da teoria com a prática vivenciada pelos estagiários
contribuiu para que eles refletissem sobre: o contexto socioeconômico e cul-
tural dos estudantes, os objetivos educacionais e os saberes docentes necessá-
rios para a profissão. Com base na articulação da teoria e da prática, os li-
cenciandos puderam observar as práticas pedagógicas com uma postura
reflexiva. E isso ficou claro na apresentação ao final da disciplina, uma das
formas de avaliar o estágio.
Na sequência, os licenciandos foram orientados a acompanharem
o professor de Química em todas as aulas do período do estágio. Esse mo-
mento foi essencial, visto que os estagiários tiveram oportunidade de contri-
buir com o professor da escola, uns disseram que o professor os deixou auxi-
liarem os alunos nas dúvidas, outros puderam ensinar alguns pontos no qua-
dro, e outros até fizeram sugestões que foram acatadas pelos professores.
Claramente, é nesse espaço que o estagiário tem a chance de refletir critica-
mente sobre sua participação e futura profissão. O próprio Freire (2006) diz
que ―a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movi-
mento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer‖. Nesse
sentido, é preciso diagnosticar o perfil dos estudantes, conhecer os recursos
disponíveis e a estrutura da escola, identificar as dificuldades dos estudantes,
ter domínio dos conteúdos a serem ensinados e dos temas as serem discuti-

51
dos e, também, dos métodos e estratégias de ensino, para planejar, refletir,
replanejar e desenvolver as ações pedagógicas reflexivas.
As ações pedagógicas do professor na sala de aula como: a organi-
zação da sala, a interação entre os estudantes e o professor, o desenvolvi-
mento da aula e a avaliação precisam ser observadas e analisadas de forma
reflexiva e crítica, para que possam planejar e intervir de forma significativa
na sala de aula. Com essas ações, os estagiários puderam ter uma noção do
trabalho do professor em termos de planejamento e organização, seja do
espaço físico da sala de aula, laboratórios de Química ou do planejamento de
suas aulas.
A observação das aulas foi realizada de acordo com um roteiro,
tomando por base os estudos de Haracemiv e Branco (2014, p. 15). Para
essas autoras:

Conhecer o mundo diversificado onde atua o professor e as formas de produ-


ção do conhecimento, é ponto de partida para refletir, compreender e buscar
soluções para melhoria do ensino. Para tanto, se faz necessário conhecer a roti-
na escolar que o professor vive, onde está incluído: organização curricular, pla-
nejamento de aula, a seleção de conteúdos, as estratégias e recursos de ensino.

Nesse sentido, é necessário que o licenciando acompanhe o traba-


lho pedagógico do professor, em sala de aula, no laboratório e nas horas
atividades. Este acompanhamento deve ser realizado com diálogo, apresen-
tando os objetivos do estágio e participando ativamente das discussões dos
planejamentos do professor, para que o mesmo possa contribuir no processo
de ensino e aprendizagem de Química.
Segundo Haracemiv e Branco (2014, p. 15) um diagnóstico bem
feito,

[...] baseado em informações seguras significa ter um ponto de partida, que é a


identificação dos elementos constituintes da realidade escolar, importante para
estabelecer relações entre a situação observada (como ela se manifesta hoje) e a
situação adequada (como ela deveria ser) para subsidiar as decisões do plane-
jamento.

Os licenciandos realizaram pesquisa para traçar o perfil dos estu-


dantes do ensino médio e dos professores regentes. A partir do perfil dos
estudantes, da realidade escolar vivenciada e do currículo desenvolvido, os
licenciandos foram orientados a elaborarem o planejamento das aulas a par-

52
tir de temas geradores. Este planejamento foi realizado pelos licenciandos,
juntamente com o professor regente e as professoras orientadoras de estágio.
Com base nos temas geradores foi solicitado que eles elaborassem
os planos das aulas contemplando três momentos pedagógicos, sendo o pri-
meiro momento para levantar os conhecimentos prévios a respeito do tema,
por meio de uma pergunta problematizadora, o segundo momento da aula
foi orientado para descrever como seriam explicados os conteúdos e concei-
tos, articulando com a temática da aula e no terceiro momento da aula eles
tinham que desenvolver das atividades individuais ou em grupo, visando
aplicar os conhecimentos e também para avaliar as aulas (DELIZOICOV;
ANGOTTI, 1990).
Observou-se que a organização dos planos das aulas por temáticas,
possibilitou a contextualização, a problematização e a sistematização dos
conteúdos e das atividades que foram desenvolvidas. O planejamento norte-
ou o desenvolvimento das aulas e possibilitou que os licenciandos compre-
endessem a importância de planejar e replanejar reflexivamente as práticas
pedagógicas.
Os licenciandos relataram que os estudantes participaram ativa-
mente das aulas e realizaram perguntas diferentes das que os estagiários
levaram para problematizar a aula. Os estudantes conseguiram relacionar os
conteúdos trabalhados reconhecendo a química no cotidiano e isso é funda-
mental, pois a química está relacionada com a evolução da sociedade e com
tudo que os estudantes conhecem. Portanto, relacionar a química ao cotidia-
no é perceber que essa ciência, bem utilizada, pode transformar o mundo e
trazer benefícios ao ambiente e ao ser humano.
A contextualização dos conteúdos possibilitou abordar questões
sociais, econômicas e ambientais. De acordo com as Orientações Curricula-
res Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002,
p. 87) ―o ensino da Química deve estar adequado a contextualização, que dê
significado aos conteúdos e que facilite o estabelecimento de ligações com
outros campos de conhecimento‖.
A observação, o planejamento, a execução e a avaliação das ativi-
dades desenvolvidas pelos licenciandos foram registradas nos diários de
campo e relatórios de estágio. Os diários de campo compreendem uma fonte
riquíssima de registro. As vivências são ali registradas ao mesmo tempo em
que o estagiário reflete as ações do professor regente para que possa melho-
rar cada vez mais seu modo de ensinar. Por isso, as professoras das discipli-

53
nas solicitavam que esses diários fossem detalhados contendo aula a aula as
atitudes de estudantes e professores, a postura, as estratégias didáticas, o
modo de avaliar, entre tantas situações decorrentes do trabalho em sala de
aula.
A avaliação dos licenciandos foi contínua e processual. As intera-
ções, as atividades desenvolvidas, os relatórios de estágio e a supervisão dos
estágios, permitiram avaliar o processo de ensino e aprendizagem. Segundo
Vasconcellos (2007, p. 71) a avaliação deve ser contínua para que possa:

[...] cumprir sua função de auxílio ao processo de ensino-aprendizagem. A ava-


liação que importa é aquela que é feita no processo, quando o professor pode
estar acompanhando a construção do conhecimento pelo educando; avaliar na
hora que precisa ser avaliado, para ajudar o aluno a construir o seu conheci-
mento, verificando os vários estágios do desenvolvimento dos alunos e não jul-
gando-os apenas num determinado momento. Avaliar o processo e não apenas
o produto, ou melhor avaliar o produto no processo.

Neste contexto, a avaliação precisa ser realizada em todas as fases


do processo de ensino-aprendizagem. A avaliação contínua permite identifi-
car os problemas de aprendizagem e repensar reflexivamente no e sobre o
processo de ensino, possibilitando transformar a prática pedagógica para que
o estudante apreenda os conhecimentos.
A auto e hétero avaliação das disciplinas expressadas pelos aca-
dêmicos, nos relatórios, e pelos professores das disciplinas revelaram a im-
portância da articulação dos saberes docentes, dos saberes escolares e dos
saberes discentes na construção dos conhecimentos em Química. Para Vas-
concellos (2007, p. 86) ―a auto-avaliação deve ser feita sem vínculo com a
nota, de forma que possa constituir-se efetivamente num importante instru-
mento de formação do educando‖. Desse modo, na auto-avaliação os licen-
ciandos foram orientados a refletir e escrever sobre o impacto educacional no
estágio. Os relatos da importância da disciplina de Prática de Docência em
Química para a formação docente inicial e formação docente contínua foram
descritos nos relatórios de estágios, assim como, as aprendizagens, principais
dificuldades, as contribuições para o processo de ensino de aprendizagens
dos estudantes das turmas do Ensino Médio e as abordagens significativas do
trabalho regente no ensino da Química.
Enfatizamos que todas as atividades desenvolvidas foram registra-
das na Plataforma Moodle da UFPR. A Plataforma Moodle – UFPR foi

54
reconhecida pelas professoras das disciplinas e pelos licenciandos como um
ambiente virtual de aprendizagem (AVA) eficiente, que permite a organiza-
ção das disciplinas, a interação e a autonomia.
Os relatórios de estágio foram apresentados nos seminários, onde
foi possível avaliar a postura didático-pedagógica, a organização da apresen-
tação do relatório e o processo formativo como um todo.
Ficou evidente para as professoras da universidade que, o seminá-
rio também é um método de avaliação valioso, pois pudemos sentir a em-
polgação de alguns estagiários, devido às colocações positivas sobre o está-
gio: recepção no colégio, professor regente dinâmico e colaborativo, tranqui-
lidade na hora de ministrar as aulas exigidas na disciplina, desenvolvimento
de materiais didático-pedagógicos, correção de exercícios, análise de avalia-
ções, entre outros. Em contrapartida, também pudemos observar nos relatos
de outros a frustração seja pela acolhida, pela indiferença do professor regen-
te, e até mesmo pela falta de um laboratório para realização de experimen-
tos.
No seminário foi possível analisar o progresso dos licenciandos em
todo o processo do estágio supervisionado. As aulas elaboradas por eles
foram relevantes e condizentes com as discussões e sugestões dos(as) profes-
sores(as) regentes e professoras orientadoras na universidade. No seminário
foram relatados alguns pontos, que os estagiários precisavam rever como: as
práticas pedagógicas, os recursos pedagógicos, a reflexão sobre o espaço
escolar, visando o aprimoramento de novas práticas significativas e da for-
mação do professor. Essas revisões foram consideráveis e contribuíram mui-
to na finalização do produto final, que era o relatório.
Os relatórios foram entregues por todos os estagiários, a grande
maioria em duplas, mas podemos dizer que houve grande aprendizado por
parte de todos. Cada relatório foi revisado e retornado para novas correções.
O importante é que tudo foi muito planejado e inclusive discutido com os
licenciandos. Ao final podemos afirmar que houve muito aprendizado de
ambos os lados, pois quem ensina também aprende.
Temos a clareza de que o estágio é fundamental na vida do futuro
professor e que a universidade ainda que se esforce deixa muitas lacunas a
serem preenchidas, o que nos remete a novas reflexões sobre o ensinar, o
aprender, o contexto educacional e a formação inicial do professor de Quí-
mica.

55
A escola precisa acolher os(as) licenciandos(as) de Química com
responsabilidade, para que possam compreender a realidade da escola, do
Ensino Médio, dos processos educativos, do papel do professor na formação
e educação crítica e autônoma dos cidadãos e cidadãs. A articulação da
universidade e escola precisa ser fortalecida para o desenvolvimento dos
estágios formativos.
Cabe ao licenciando o enfrentamento e a disposição para se firmar
nessa profissão tão necessária para a humanidade e ao mesmo tempo gratifi-
cante por tudo que representa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que os planejamentos das disciplinas contemplaram os


documentos curriculares e a vivência no espaço escolar. As orientações reali-
zadas pelas professoras possibilitaram o desenvolvimento do estágio de for-
ma reflexiva, crítica com articulação da teoria e da prática. As interações, as
atividades desenvolvidas, os relatórios de estágio e a supervisão dos estágios
permitiram avaliar o processo de ensino e aprendizagem.
O planejamento é a base de todo processo educativo e as aulas mi-
nistradas precisam ser pensadas e elaboradas com antecedência, visando à
organização e preparação para situações adversas. O professor preparado
para ministrar suas aulas consegue trazer a Química para a realidade dos
estudantes e do mundo atual, além de encontrar menos dificuldades em sala
de aula. Esse preparo, que requer pesquisa e inovação, contribui para uma
ação docente mais bem elaborada, contextualizada e dinâmica.
A auto e hétero avaliação das disciplinas expressadas pelos aca-
dêmicos nos relatórios, e pelos professores das disciplinas revelaram a impor-
tância da articulação dos saberes docentes, dos saberes escolares e dos sabe-
res discentes na construção dos conhecimentos em Química. O formar e o
formar-se compreende um processo contínuo centrado no tripé ação-
reflexão-ação.
Desse modo, o estágio de formação pedagógica em Química cor-
robora com a formação do licenciando de modo a propiciar preparação para
enfrentar uma sala de aula, conhecer o processo de ensino e aprendizagem e
as ações necessárias para o exercício da docência. Entretanto, temos clareza
de que é apenas o início, pois o licenciando precisar buscar formação conti-

56
nuamente e atualização constante, além de partilhar conhecimentos com
outros colegas priorizando a parceira e a troca de saberes tão importante
para novas práticas pedagógicas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 11788 de 25 de setembro de 2008. Dispõe sobre o estágio de


estudantes; altera a redação do art. 428 da Consolidação das Leis do Traba-
lho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a
Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996; revoga as Leis n os 6.494, de 7 de
dezembro de 1977, e 8.859, de 23 de março de 1994, o parágrafo único do
art. 82 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e o art. 6o da Medida
Provisória no 2.164-41, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.
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2010/2008/lei/l11788.htm>. Acesso em: 22/10/2021.

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58
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PESQUISA E EXTENSÃO. Resolução n. 35/17 altera o art. 9º da Resolu-
ção 30/90 – CEPE que estabelece normas básicas para a implementação,
reformulação ou ajuste curricular dos cursos de graduação, bem como para a
aprovação de elencos de disciplinas dos departamentos. Disponível em:
<http://www.soc.ufpr.br/portal/wp-
content/uploads/2017/12/cepe3517assinada.pdf>. Acesso em: 20 out.
2021.

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do processo de avaliação escolar. 17. ed. São Paulo: Libertad, 2007. (Ca-
dernos Pedagógicos do Libertad; v. 3).

59
O VÍDEO NA SALA DE AULA A PARTIR
DA PRÁTICA DE “FILMAR, ASSISTIR E
PROBLEMATIZAR” JOGOS MATEMÁTICOS

Mariangela Jocelita Frigo de Campos


Neila Tonin Agranionih

INTRODUÇÃO
A tecnologia, de uma maneira ou de outra, está inserida na vida das
pessoas, e com o passar dos anos percebemos as mudanças que ocorrem
diariamente em nossa sociedade devido ao seu uso. Na educação, não pode-
ria ser diferente.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº
9.394/96 atualizada em 2018, no artigo 32, inciso II, trata da obrigatorieda-
de da tecnologia na educação enquanto formação básica do cidadão. Essa lei
define direitos e objetivos de aprendizagem para os diferentes níveis de ensi-
no, por meio das tecnologias. Além disso, há a preocupação da integração
das áreas do conhecimento de Linguagens, Matemática e Ciências da Natu-
reza, com o uso das tecnologias, conforme diretrizes do Conselho Nacional
de Educação. A preocupação maior é promover o uso de tecnologias como
possibilidade de garantir o desenvolvimento de estudantes, não apenas como
usuários, mas também como produtores e desenvolvedores de novos produ-
tos tecnológicos.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normati-
vo que se propõe a definir o conjunto de aprendizagens essenciais que todos
os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educa-
ção Básica, contempla 10 competências. A 5ª competência aborda especifi-
camente a tecnologia na educação:

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação


de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (in-
cluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
na vida pessoal e coletiva (BNCC, 2017, p. 11).

60
Sendo assim, entende-se que a presença e o uso de tecnologias nas
escolas podem colaborar com a formação de pessoas aptas ao exercício da
cidadania, como instrumento potencializador de aprendizagens.
Dentre os recursos tecnológicos que contribuem nesse sentido, cita-
se a filmadora, capaz de capturar imagens em tempo real, registrar movi-
mentos e expressões e produzir memórias de ações vivenciadas na forma de
vídeos. Tais memórias, por sua vez, podem contribuir para desencadear
processos reflexivos, tornando-se um recurso didático interessante ao proces-
so de ensino e aprendizagem.
É nessa perspectiva que a prática de ―filmar, assistir e problemati-
zar‖, tema deste artigo, insere-se. Tal prática é desenvolvida pela primeira
autora, professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental, durante o traba-
lho com jogos matemáticos em sala de aula. Após um momento de planeja-
mento, onde são realizadas análises sobre o que os alunos conhecem a res-
peito do conteúdo matemático envolvido, definição de objetivos de aprendi-
zagem e tomada de decisão em relação ao jogo matemático com potencial
para o alcance dos objetivos propostos, o jogar acontece na sala de aula.
É realizada a apresentação do jogo e das regras e a organização da
turma para o jogo. A partir de então é iniciada a filmagem dos alunos en-
quanto jogam. Quando os jogos são realizados em grupos, cada um é filma-
do por um período, buscando inserir todos os grupos no vídeo a ser produzi-
do.
Após o jogo, a professora assiste às filmagens e analisa as jogadas
com atenção às estratégias e aos processos de cálculos envolvidos no jogo e
produz um vídeo com as cenas que considerou mais interessantes. A seguir o
vídeo é apresentado aos alunos e toda a turma assiste juntamente com o
professor, que promove discussões e reflexões a respeito das estratégias utili-
zadas nas jogadas, das regras do jogo, dos cálculos realizados, na forma de
problematizações.
O jogo é proposto à turma novamente em um outro dia e o processo
de filmar, assistir e problematizar é realizado mais uma vez. Também são
promovidas reflexões sobre como jogavam antes e após assistirem ao vídeo e
discussões a respeito do jogo e das formas de jogar. Em algumas situações é
solicitado aos alunos que representem suas jogadas e apresentem algumas
estratégias e/ou processos de cálculo realizados aos colegas, sendo este tam-
bém um momento de reflexão sobre o jogo.

61
Neste texto, temos como objetivo analisar processos reflexivos frente
ao jogo e ao jogar desencadeados pela prática de ―filmar, assistir e problema-
tizar‖ desenvolvida em uma turma de 3º ano do Ensino Fundamental de
uma escola municipal de Curitiba a partir da realização de um jogo matemá-
tico denominado ―Jogo da Colmeia‖.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Geralmente consideramos como tecnologias aparelhos eletrônicos,
celulares, televisores, tablets, computadores, máquinas de maneira geral, o
que não deixa de ser uma ideia correta. Porém o conceito de tecnologia vai
muito além. Para Kenski (2012, p. 22), tecnologias não envolvem somente
―máquinas‖, mas também a totalidade das coisas desde sua criação, formas
de uso e aplicações. Sendo assim, podemos considerar tecnologias, por
exemplo, lápis, cadernos, giz, livros, talheres e muitos outros utensílios, bem
como produtos, equipamentos e processos que foram planejados e construí-
dos para que possamos ler, escrever, nos informar e tantas outras coisas que
deixam a vida mais prática. Consideramos aqui, por tecnologia, a definição
de Kenski (2012, p. 24): ―conjunto de conhecimentos e princípios científicos
que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipa-
mento em um determinado tipo de atividade‖. Ou seja, aquilo que ―os ho-
mens precisam pesquisar, planejar e criar o produto, o serviço, o processo‖
(KENSKI, 2012, p. 24).
Em relação ao uso de tecnologias em ambiente escolar, Ponte (2000)
considera duas condições fundamentais: amplo acesso e protagonismo dos
professores. O autor diz que as TICs (Tecnologias da Informação e Comuni-
cação) podem ser usadas nas escolas como uma ferramenta de trabalho, com
programas específicos para o ensino, que permitem uma utilização de cunho
exploratório e investigativo. Desse modo, ―[...] o uso das novas tecnologias
como ferramenta conduz ao seu domínio instrumental, mas ficam a sombra
os propósitos e as condições fundamentais da sua plena integração na ativi-
dade humana (PONTE, 2000, p. 74).
A decisão de usar tecnologias em sala de aula requer planejamento.
Para Oliveira, Gonçalves e Marquetti (2015), há que planejar como serão as
atividades nesse novo cenário e definir quais as mudanças serão efetivas a
partir da definição de uma estratégia que considere sua presença, pois os
ambientes informatizados podem ser utilizados de diferentes formas em
favor do conhecimento. ―Ao preparar sua estratégia didática com o uso de

62
tecnologias digitais, o professor agrega a dimensão transformadora da inter-
venção dos alunos, que experimentam, trocam e modificam as representa-
ções dos objetos de estudo em uma configuração integrada em relação às
mídias de referência‖ (OLIVEIRA; GONÇALVES; MARQUETTI, 2015, p.
487).
O uso de tecnologias em sala de aula pode contribuir como instru-
mento potencializador da aprendizagem. Nesse sentido, o vídeo possui po-
tencial significativo tanto no processo de ensino, como um aliado ao traba-
lho do professor, quanto na aprendizagem, como aliado ao processo do alu-
no. No caso da metodologia ―filmar, assistir e problematizar‖, o ato de assis-
tir várias vezes a uma determinada cena pode afirmar uma hipótese, auxiliar
na interpretação dos dados, permitir a percepção do erro e construir estraté-
gias mais elaboradas por parte dos estudantes.
A câmera de vídeo é um dispositivo dotado de mecanismos que cap-
turam imagens em tempo real. Diferentemente da câmera fotográfica, a câ-
mera de vídeo é capaz de registrar movimentos, trazendo assim uma maior
dinâmica ao resultado da produção. Desde então, essa tecnologia vem sendo
utilizada em diferentes áreas do conhecimento, com os mais variados objeti-
vos. Na educação não é diferente, as filmagens são aplicadas por alguns
professores, também com objetivos distintos. Utilizam como recurso meto-
dológico para encaminhamentos que podem favorecer a construção de linhas
de ações, outros como recurso didático, compreendido como componentes
do ambiente educacional que estimulam os educandos, facilitando e enrique-
cendo o processo de ensino e aprendizagem, e ainda existem os que utilizam
a filmagem das salas de aula para fins de pesquisas. Masats e Dooly (2011, p.
1) consideram que o uso de vídeos para fins educacionais ―ajuda a trazer
novas perspectivas criativas para qualquer assunto, uma vez que engloba a
mistura sistemática e criativa de produto e tecnologias‖.
Filmagens em vídeo também têm sido usadas no meio educacional
com outras finalidades, dentre elas como recurso de ensino, de formação de
professores e de pesquisas. Moran (1995) e Ferrés (1996) defendem a rele-
vância e o potencial do vídeo como recurso de ensino. Ferrés (1996) sinaliza
seis modalidades de utilização de vídeos: videolição, equivalente a uma aula
expositiva; videoapoio, com imagens isoladas em movimento; videoproces-
so, com o vídeo nas mãos do próprio aluno; programa motivador, no forma-
to de um programa audiovisual feito em vídeo; programa monoconceitual,

63
programa breve, mudo e com tema específico; vídeo interativo, encontro das
duas tecnologias: vídeo e informática.
O uso de filmagens de aulas para a formação de professores também
é defendido por Nacarato e Grando (2015). Os autores relatam a importân-
cia do uso de aulas videogravadas por meio das quais os professores obser-
vam e refletem suas práticas pedagógicas nas salas de aula, aprimorando a
qualidade assertiva das intervenções docentes nas aulas de matemática. Na
visão das autoras, a análise do vídeo possibilita recontar a história do que
aconteceu na sala de aula do ponto de vista que sustenta as ideias dos alu-
nos, que aparecem nas suas estratégias de resolução.
Na mesma direção, Arcavi (2016) indica que o uso de classes filma-
das na formação de professores é uma prática já observada em atividades de
―microteaching‖, em que episódios curtos e planejados de um docente ensi-
nando algum conteúdo são filmados para, posteriormente, refletir sobre as
cenas, avaliar o seu desempenho, desenvolver e aperfeiçoar técnicas específi-
cas da sua prática. O autor apresenta o projeto VIDEO LM, centrado no
docente, que tem como objetivo fomentar, desenvolver e sustentar capacida-
de de análise e reflexão sobre questões subjacentes à sala de aula. Em tal
projeto, tem sido desenvolvido um marco de análise destinado a guiar a
observação de vídeos gravados em aulas e originar discussões sobre eles.
Em relação ao uso de filmagens tendo a pesquisa como finalidade,
Powell, Francisco e Maher (2004) apresentam um modelo de análise de da-
dos no contexto de investigação sobre o trabalho matemático e o desenvol-
vimento do pensamento de estudantes. Tal modelo foi construído com base
em filmagens de situações de sala de aula e serve como apoio para a análise
de dados em estudos e pesquisas desenvolvidos na área da Educação Mate-
mática. Nessa perspectiva, os vídeos constituem-se em recursos férteis por
trazer evidências das formas de pensar dos estudantes, embora não isento de
limitações.
Powell (2015) defende o uso do vídeo na Educação Matemática a
partir dos mais variados objetivos: desde interrogar práticas de ensino até
entender os pormenores do ensino. Suas contribuições vão da compreensão
dos pensamentos matemáticos dos alunos até a formação de professores,
possibilitando reflexões sobre a prática de ensino.
O tema vídeo na Educação Matemática tem sido objeto de pesquisas
de revisão sistemática. Rodrigues, Rodrigues Ciryno e Oliveira (2014) reali-
zam um levantamento de dissertações e teses no período de 2000 a 2014 no

64
Banco de Teses da CAPES, categorizando as pesquisas encontradas em qua-
tro abordagens: vídeo relacionado às mídias televisivas; vídeo de tópicos
matemáticos como material didático no campo das Tecnologias de Informa-
ção e Comunicação; videoconferência para formação de professores que
ensinam matemática; e videoaula como instrumento de comunicação mate-
mática. Verificaram que, no contexto nacional, a videoconferência é a mais
recorrente nas investigações analisadas e que há poucos trabalhos cujo foco
seja a mídia vídeo e a formação de professores que ensinam matemática,
focalizando, em particular, o uso do vídeo como recurso para professores
repensarem suas práticas. Os autores consideram esse um campo fértil de
pesquisa.
Borba e Oechsler (2018) apresentam uma revisão de literatura reali-
zada por Oechsler (2015), no Banco de Dissertações e Teses da Capes, no
período de janeiro de 2004 a dezembro de 2015. Tal revisão delimitou três
vertentes para o uso do vídeo em sala de aula: o vídeo como recurso para
gravação de aulas, o vídeo como recurso didático, e a produção de vídeos.
No que tange ao uso do vídeo em sala de aula como recurso para a gravação
de aulas, duas vertentes foram identificadas: a gravação como meio para
analisar a prática do professor e levá-lo a refletir sobre sua prática e a grava-
ção das aulas para análise da dinâmica que ocorre em sala de aula, verifi-
cando as interações com e entre os alunos e o processo de aprendizagem dos
estudantes, entre outros.
Também há registros de pesquisas de Powell e Quintaneiro (2005),
com objetivos de observar a sala de aula para o ensino de matemática, numa
perspectiva qualitativa, com foco em produção de dados. Os autores reco-
nhecem que as tecnologias de vídeo proporcionam modos de recolher, com-
partilhar, estudar, apresentar e arquivar casos detalhados de práticas para
apoiar o ensino, o aprendizado e o estudo intensivo e prolongado dessas
práticas. Sobre os dados, consideram que: ―[...] os dados não são como flo-
res, à espera de serem coletados, pois cabe ao pesquisador selecionar e criar
um recorte para analisar tais dados‖ (POWELL; QUINTANEIRO, 2005, p.
7). Com a possibilidade de gerar grandes volumes de dados por meio do uso
do vídeo em sala de aula, os autores ressaltam a importância de refletir me-
todologicamente a respeito do tratamento dos dados, e ainda sobre ―como‖ e
―por quê‖ usar filmagens em pesquisas.
No contexto da prática de ―filmar, assistir e problematizar‖, o vídeo
é entendido como recurso de ensino uma vez que possibilita ao professor

65
promover discussões e reflexões em sala de aula em relação ao vivenciado
pelos alunos.

A PESQUISA
A pesquisa foi realizada em uma escola da rede pública de ensino do
município de Curitiba, Paraná, com 32 estudantes do 3º ano do Ensino Fun-
damental, com idades entre 7 e 9 anos. Desses, 16 estudantes foram escolhi-
dos por sorteio para serem filmados durante o jogo. Todos os 32 estudantes
participaram dos momentos de reflexão realizados com a turma. A pesquisa
foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFPR1.
Para a coleta de dados, foram utilizados os seguintes recursos tecno-
lógicos: aparelho celular, tablete – ambos com recursos de gravar áudio e
vídeo – e televisão. Todos os momentos do jogo e da reflexão pós-jogo foram
filmados e transcritos para análise. A pesquisa foi realizada em três etapas:
jogo, reflexão coletiva do jogo e jogo após reflexão.
Foi realizado um sorteio com os 32 estudantes para saber quais seri-
am os 16 que iriam compor os grupos que seriam filmados durante o jogo.
Definido isso, os estudantes foram divididos em quatro grupos, denomina-
dos G1, G2, G3 e G4. Cada grupo foi formado por duas duplas, ou seja,
quatro alunos. As duplas foram identificadas pelos números 1 e 2. Atenden-
do ao compromisso de preservar a identidade dos alunos, foi atribuída uma
letra a cada um preservando a ordem alfabética, seguida de uma numeração
que corresponde à dupla. Por exemplo: G1A1, G1B1 são estudantes do
Grupo 1 que formam a dupla 1; G1C2 e G1D2 são alunos do Grupo 1 que
formam a dupla 2. Para referir à fala da pesquisadora, tanto nos diálogos,
como nas problematizações, foi utilizada a letra P; para indicar a fala da
professora regente, a letra R; e para indicar a fala de todos os estudantes de
uma maneira geral, a letra T. Os demais 16 participantes pertencentes à tur-
ma pesquisada, mas que não compuseram os grupos de filmagem, foram
codificados por P1 para participante 1, P2 para participante 2, e assim suces-
sivamente.
Os estudantes foram informados sobre o planejamento das ativida-
des a serem realizadas durante a pesquisa para que tivessem conhecimento
da proposta como um todo. Foi esclarecido que durante a filmagem dos
grupos, algumas intervenções seriam feitas pela pesquisadora, caso fosse

1
Número do Parecer: 2.675.170 CAAE: 87170318.3.0000.0102, em 25 de maio de 2018.

66
necessário esclarecer alguma dúvida. Tais intervenções poderiam contribuir
para ampliar as discussões e possibilidades de estratégias que pudessem ser
utilizadas posteriormente.
A professora regente da turma em que a pesquisa foi realizada rece-
beu as mesmas orientações para realizar as mediações junto aos estudantes,
de acordo com o planejamento prévio entre ambas, para que assim todos os
grupos fossem orientados e problematizados de modo semelhante durante
situações como: esclarecimentos de dúvidas, interpretação das regras do
jogo, incertezas quanto aos conhecimentos matemáticos, certificação de um
resultado de um cálculo ou de uma possível estratégia para o jogo.
A mediação é um processo que ocorre naturalmente durante as au-
las, e a função do professor é intervir no sentido de mediar uma ação peda-
gógica, quando necessário. Essa mediação deve ser dotada de sensibilidade
do professor e acontecer quando o professor considerar necessário, cuidando
para não interromper o processo de construção de estratégias e cálculos du-
rante o jogo. A pesquisadora também orientou a professora regente para que,
sempre que possível, não interrompesse o raciocínio do estudante com res-
postas prontas, e, no caso de dúvida, que essas fossem problematizadas no
sentido de ancorar a busca por soluções.

Primeira etapa da pesquisa – Jogo da Colmeia


O primeiro momento da coleta de dados aconteceu em três dias. No
primeiro dia, foi realizado o sorteio dos quatro primeiros jogadores que
compuseram o Grupo 1, e esses se deslocaram para uma sala adequada a fim
de jogar e a fim de que fosse realizada a filmagem do jogo, junto à pesquisa-
dora. No dia seguinte, os Grupos 2 e 3 jogaram, um de cada vez, e foram
filmados. O Grupo 4 jogou e foi filmado no terceiro dia. No quarto dia, to-
dos os 36 estudantes jogaram o Jogo da Colmeia (QUADRO 1) para que
conhecessem o jogo e pudessem participar do segundo momento, quando
seriam realizadas as reflexões coletivas a partir de episódios filmados.
Não é possível mediar todos os momentos do jogo, por isso a dinâ-
mica da filmagem é eficiente no sentido de rever algumas situações que pas-
saram despercebidas, porém são importantes no processo de aprendizagem e
podem ser retomadas no momento da reflexão pós-jogo.

67
Segunda etapa da pesquisa – reflexão coletiva do jogo
Após a primeira etapa, a pesquisadora avaliou os vídeos e selecio-
nou as cenas que julgou relevantes para serem assistidas e problematizadas
junto aos estudantes, realizando a edição daquelas que oportunizariam dis-
cussões em relação às regras, estratégias e cálculos matemáticos. Também
foram formuladas problematizações que seriam propostas durante a reflexão
coletiva. Isso foi feito analisando os dados coletados nas filmagens dos jogos
e registros escritos feitos durante as gravações.

QUADRO 1 – JOGO DA COLMEIA


JOGO DA COLMEIA

Objetivo do jogo: formar uma linha contínua (com a ideia de pequenos segmentos de reta) ou
uma coluna de uma única cor, ligando um lado qualquer ao lado oposto do tabuleiro,
contendo 4 hexágonos contínuos.
Material: tabuleiro; 3 dados comuns (numerados de 1 a 6); dois lápis de cor, de cores
diferentes, para colorir os hexágonos.
Número de participantes: 2 a 4.

Regras do jogo:
- Cada jogador, na sua vez, lança os três dados simultaneamente.
- Relacionar os três números que saíram nos dados com uma ou duas operações aritméticas
(adição, subtração, multiplicação ou divisão).
- Calcular o resultado, cobrindo-o com uma de suas fichas no tabuleiro (ou colorindo o
hexágono). Por exemplo: se saírem os números: 2, 3 e 5, o jogador pode cobrir o número 10 (2
+ 3 + 5); o número zero (3 + 2 – 5); o número 13 (2 x 5 + 3) etc.
- Jogar alternadamente (um turno por jogador), podendo cobrir qualquer número aberto, desde
que os três números dos dados sejam usados apenas uma vez cada. Se isto não for possível,
passa a vez para o próximo jogador.
Obs.: O jogador escolhe quais operações quer utilizar após cada lançamento dos dados.
- Vence, o jogador que primeiro formar uma linha ou uma coluna contendo os quatro
hexágonos contínuos, atravessando de um lado do seu tabuleiro ao lado oposto.
Fonte: Adaptado de Kamii (1997).

68
A segunda etapa aconteceu com todos os 32 estudantes da turma.
Foi o momento oportunizado aos estudantes para pensarem sobre o jogo,
sobre as estratégias utilizadas ao jogar, sobre os cálculos realizados e sobre as
atitudes de todos durante o jogo. Ou seja, o momento de questionarem, ar-
gumentarem e refletirem sobre o que aconteceu durante o jogo.
Para essa etapa, foi necessária uma organização específica da turma.
A regra foi clara e objetiva: levantar a mão e esperar a pesquisadora chamar
pelo nome do estudante para poder comentar sobre o vídeo. Acordadas as
regras com a turma para a organização deste momento, deu-se o início da
apresentação dos episódios do jogo do Grupo 1. A filmagem foi transmitida
na ordem da captação de imagens durante a gravação dos grupos. Os alunos
puderam levantar a mão sempre que desejaram para fazer as inferências
necessárias quanto aos seus entendimentos, ou comentários que consideras-
sem importantes e relevantes a partir de seus próprios critérios. Os momen-
tos em que os estudantes opinavam, relatavam e descreviam oralmente o que
percebiam na filmagem dos grupos foram registrados por meio de nova fil-
magem. Em conjunto com a professora regente, a pesquisadora interveio
com problematizações que geraram interrogações aos estudantes e que os
fizeram pensar em estratégias para resolverem uma situação que nem sempre
esteve presente no jogo, mas que poderia estar. Por exemplo:

P- Caiu no dado os números: 5, 3 e 3. O jogador pode escolher


qual sinal ele quer usar. Qual operação quer usar.
T- Mais, menos, multiplicação e aquele que divide.
P- Então, com esses três números dos dados podemos chegar a
qual resultado?
T- 11. (rapidamente um aluno responde 11).
P- Por quê?
T- Porque 5+3+3 é igual a 11.
P- Muito bem!
P- Podemos chegar a outro resultado com essa mesma jogada?

As questões colocadas estimularam os estudantes a pensarem em


como resolver tais situações, o que os leva a criar estratégias de resolução aos
problemas. Outras questões também foram problematizadas pela pesquisa-
dora: – Se tivessem saídos os números 5, 6 e 3 nos dados, quais seriam os

69
números que poderiam resultar? Ou: – Que outras estratégias podem ser
utilizadas para chegar neste mesmo resultado?
As problematizações foram propostas com o objetivo de ampliar as
possibilidades de estratégias dos jogadores, com perguntas que faziam o
estudante pensar sobre o jogo, como, por exemplo: – Que números caíram
nos dados? Poderiam ser feitos outros cálculos utilizando esses mesmos nú-
meros? – E se fosse feito o cálculo a partir da subtração? – Com esses núme-
ros é possível chegar ao resultado 10? – Quais seriam as outras possibilidades
de cálculos (conta)? – Qual seria a melhor estratégia (como resolveu) neste
caso? Por quê?
Problematizações como essas têm como objetivo gerar dúvidas e
respostas distintas, bem como promover novas maneiras de pensar sobre o
jogo e possíveis estratégias que não foram pensadas anteriormente. Em ou-
tras palavras, fazer pensar em como poderiam realizar cálculos que permiti-
riam chegar ao melhor resultado no tabuleiro para vencer o jogo. Para
Behrens (2006), os estudantes podem ser despertados para produção do co-
nhecimento e esta foi a intenção deste momento da pesquisa. Desse modo,
os alunos foram estimulados a pensar em estratégias, como: cálculos diferen-
tes para chegar a resultados diferentes e caminhos diferentes para chegar ao
mesmo resultado.
Normalmente, nas aulas de matemática, o professor propõe o cálcu-
lo e o aluno procura o resultado. Neste jogo, o resultado está no tabuleiro,
ou seja, o aluno tem o resultado e precisa decidir quais cálculos deve fazer
com os números que caíram nos dados para obter o resultado que quer mar-
car no tabuleiro. Essas estratégias podem ser assimiladas a partir das refle-
xões coletivas, por meio das quais o conhecimento de um colega pode con-
tribuir para que o estudante construa novas possibilidades de resolução.
Assim como as problematizações feitas pela pesquisadora, outras si-
tuações destacaram-se durante a reflexão coletiva do jogo. O recurso do uso
do vídeo para pausar cenas do jogo durante a reflexão apresentou-se como
interessante subsídio de investigação para a pesquisadora e para os alunos.
Para McLuhan, o Instant Replay é uma importante invenção para as comu-
nicações (apud FERRÉS, 1996, p. 57). O Instant Replay significa repetição
instantânea. Esse recurso foi eficiente para esclarecer dúvidas em determina-
das jogadas. Nessa situação, o aluno solicita o Instant Replay ao pedir para
voltar (repetir) o vídeo para esclarecer uma dúvida. Por exemplo:

70
P- Prestem atenção nos dados, não tirem os olhos dos dados.
P- A primeira vez que ela (G1A1) disse que deu 8.
P- Olhem o braço dela passando em cima dos dados G3L2- ela
mexeu e virou.
P- Será que na hora do jogo alguém percebeu isso?
G1B1- Prof.ª, volta um pouquinho o filme que daí dá pra ver.
P- Boa ideia!
T- Eu vi!
P14- Tava o 3 ali (no dado).
P- Nesse momento ela virou 2 dados.
G1B1- É o amarelo e o vermelho?
P- Quanto que tava marcando no amarelo?
T- 3 P- E o vermelho tinha 2.
P- E o verde? P- 3+2+5 deu 8, estava certa.
P2- Eu percebi que ela roubou pra o time dela fazer ponto.
P- Será que ela roubou?
T- Não G1D2- Foi sem querer.
G1A1- Isso foi só um engano.
P- A colega explica isso na hora do jogo, ela não estava trapa-
ceando.

A repetição de uma cena durante a reflexão do jogo pode ser decisi-


va para esclarecimento de uma jogada. Os alunos ficam atentos à filmagem
para não errar no julgamento de uma ação. Quando constatam alguma opi-
nião contraditória, querem logo rever a cena para tirar a dúvida. Por isso a
importância do Replay, que já é muito usado nas partidas de outros tipos de
jogos, como futebol e voleibol.

Terceira etapa da pesquisa – jogo após reflexão


Na terceira e última etapa, os 16 jogadores que haviam participado
da primeira etapa foram convidados a jogar novamente, repetindo as duplas
e o jogo, para que fosse possível observar mudanças nas estratégias de jogo e
de cálculos derivadas do ato de refletir a própria prática.
Foram mantidos os grupos e os seus integrantes, sendo filmado um
grupo de cada vez. Na conclusão da partida, o grupo filmado retornava à
sala de aula e outro grupo se dirigia ao local da filmagem, de modo consecu-
tivo. O objetivo específico dessa etapa foi analisar se houve ou não mudan-

71
ças nas estratégias, nas atitudes e nas tomadas de decisão do jogo após as
reflexões coletivas.
A partir das filmagens realizadas durante os jogos, com todo o mate-
rial coletado, deu-se o início do processo de transcrição dos dados. Os vídeos
foram assistidos pela pesquisadora mais de uma vez. Os vídeos originais
foram armazenados para futuras análises, caso necessário.
A organização e análise dos dados foi realizada a partir de categori-
as prévias. A categoria ―mudanças de atitudes frente ao jogo e ao jogar‖,
apresentada neste artigo, diz respeito às mudanças de atitudes frente ao jogo
e ao jogar desencadeadas pela prática de ―filmar, assistir e problematizar‖ a
partir da realização do ―Jogo da Colmeia‖ .

PROCESSOS REFLEXIVOS SOBRE O JOGO E O JOGAR


A análise dos dados possibilitou verificar processos reflexivos por
parte dos estudantes sobre o jogo e o jogar. Dentre eles, obtiveram destaque
reflexões em relação a diferentes possibilidades de iniciar as partidas, diferen-
tes formas de decidir de quem seria a vez de jogar, diferentes estratégias de
cálculos, diferentes atitudes durante o jogo, em relação à importância de
observar o tabuleiro antes de realizar os cálculos.
Observaram-se diferentes jeitos de iniciar o jogo. Um exemplo disso
é a fala do estudante G2E1: – Eu li a regra e não dizia como que era para começar
esse jogo. Um momento de reflexão foi percebido quando questionado se os
estudantes observaram que cada grupo iniciou a partida de uma maneira
diferente e se algum deles saberia dizer qual era a maneira correta de iniciar
o jogo.
Com o objetivo de problematizar o início da partida, foram apresen-
tados os questionamentos: – Afinal, como os jogadores decidiram quem
iniciaria a partida? Deveriam decidir por conta própria ou deveriam acordar
entre os jogadores sobre quem iria iniciar o jogo? Problematizações análogas
a essas foram consideradas importantes durante o decorrer da pesquisa como
potenciais para promover as reflexões coletivas. Os estudantes refletiram
sobre a importância de seguir as regras do jogo. No entanto, no Jogo da
Colmeia, não existe uma regra específica para dar início à partida. Isso os
deixou livres para escolher como começariam o jogo, ou seja, eles acabaram
usando o conhecimento existente de outros jogos.
A partir da observação das cenas, quando o andamento do jogo fi-
cou confuso porque todos queriam jogar ao mesmo tempo, a situação foi

72
problematizada junto aos estudantes. A intervenção da pesquisadora, no
sentido de promover reflexões sobre a regra do jogo que definia uma jogada
para cada jogador alternadamente, foi necessária, uma vez que alguns estu-
dantes demonstraram dúvidas em relação a quem seria o próximo a jogar.
Chegavam a lançar rapidamente os dados e com tamanha agilidade que o
adversário não tinha tempo para pensar de quem seria a vez de jogar. Quan-
do questionados pelos colegas, reagiam como se não estivessem entendendo
a pergunta. Por vezes, foi necessário que os colegas tomassem em mãos os
dados que já haviam sido lançados e parassem o jogo para serem ouvidos.
Para chegar a um consenso em relação à organização das jogadas, foram
retomadas as regras do jogo em relação ao item que mais gerou dúvidas:
―Jogar alternadamente (um turno por jogador), podendo cobrir qualquer
número aberto, desde que os três números dos dados sejam usados apenas
uma vez cada. Se isto não for possível, passa a vez para o próximo jogador‖.
No decorrer do vídeo, foram realizadas algumas paradas programa-
das em cenas que permitiam observar estratégias de cálculos. Após a obser-
vação das cenas, os estudantes foram questionados sobre quais outras estra-
tégias poderiam ser realizadas na resolução dos cálculos. Esses momentos
permitiram a constatação de que existem muitas possibilidades a partir do
lançamento de três dados. Por exemplo: os dados foram lançados, caíram os
números 6, 1 e 2. Inicialmente, a estratégia de cálculo escolhida pela dupla
foi a de fazer uma única operação, a adição. No momento da reflexão, ou-
tras possibilidades foram apresentadas, como 6 vezes 1 mais 2, que resultaria
8; 6 vezes 2 mais 1, que resultaria 13; 6 dividido por 2 mais 1, que resultaria
4; 6 dividido por 2 menos 1, que resultaria 2; 6 vezes 2 menos 1, que daria
11; 6 vezes 1 menos 2, que daria 4. Diante dessas diferentes possibilidades,
os estudantes puderam perceber que era possível chegar a outros resultados,
o que os deixou aguçados para encontrar novas possibilidades de cálculos.
Quando questionados sobre fazer um cálculo diferente em relação
ao que um outro jogador havia feito, surgiam várias possibilidades, inclusive
o próprio grupo que estava jogando, e que durante o jogo não havia percebi-
do tais possibilidades, passou a considerá-las. Aos poucos, foram perceben-
do, após uma sugestão e outra, que muitos cálculos ainda eram possíveis.

P- Na segunda jogada, caíram nos dados os números 5, 5 e 6. A


jogadora disse que se fosse de mais (adição) seria 16. Vocês
acham que existe outra maneira de fazer esse cálculo?

73
T- Sim.
P- Como?
G4H2- Dá pra fazer de vezes e mais.
P- Como?
G4H2- 5 vezes 5 mais 6.
P- E quanto daria? 5 vezes 5 […].
P- É 25.
P- E 25 mais o número que caiu no outro dado?
T- 31.
P- Além dessa possibilidade que G4H2 sugeriu, existe outra
possibilidade?
T- Sim.
G3I1- De mais, uma de mais e uma de menos.
P- 5 mais 5.
T- 10.
P- 10 menos 6.
T- 4.

Durante todo o processo reflexivo, momentos considerados signifi-


cativos para a aprendizagem matemática e sugestões para que encontrassem
alternativas diferentes de cálculos foram realizadas. Segue um exemplo de
problematização do uso da subtração, operação ainda em processo de
aprendizagem pela turma:

P- Existe mais alguma maneira de resolver essa conta com sub-


tração?
T- Sim.
P9- 5 vezes 5 mais 6.
P- E assim estaremos usando a subtração? Notamos que esse
cálculo já havia sido discutido nessa mesma problematização.
T- Não!
G4O2- 5 dividido por 5 menos 6.
P- Será que dá?
G1D2- Não dá, dá número negativo.
P- Isso mesmo.
P14- 5 dividido por 5 mais 6.
G1D2- E a subtração, você não está usando a subtração!

74
G4Q2- 5 vezes 5 menos 6.
P- 5 vezes 5?
T- 25.
P- 25 menos 6?
T- Hãããã… 19.
Reparamos que apenas 3 estudantes da turma responderam a
esse cálculo de 25 menos 6.
P- Muito bem! Achamos mais uma possibilidade.
G1D2- 6 vezes 5 menos 5.
P- 6 vezes 5?
T- 30.
P- 30 menos 5.
T- É 25.
P2- Eu sei outra profe, 5 vezes 5 mais 6.
P- Você está usando a subtração?
T- Não!
P10- 5 vezes 5 mais 5.
P- E a subtração?
P- Quero que pensem em uma estratégia para usar a subtração.
G2F1- 5 menos 5 mais 6.
P- Muito bem, mas essa maneira já está no quadro. Quero ver
uma possibilidade que não foi descoberta ainda.
G2E1- 5 dividido por 6.
P8- Não dá porque 5 é menor que 6.
G3l2- Só se fosse 6 dividido por 5, porque 5 é menor do que 6.
G4N1- 5 vezes 5 menos 6.
P- Essa já está no quadro também.
G4M1- 6 menos 5 mais 5.
P- 6 menos 5.
T- Dá 1.
P- E 1 mais 5.
T- 6.

Além de explorar essas estratégias de cálculos em diversos momen-


tos do vídeo, com o objetivo de ampliar possibilidades de cálculo, foram
consideradas outras situações decorrentes do jogo. A estimativa foi uma
delas: – Se eu somar os três dados 5 mais 5 mais 6 o total será 16. Se usar a

75
subtração junto à adição, o resultado deve ser menor que 16? A estimativa é
um aspecto de sentido de número utilizado quando se busca compreender a
relação entre o contexto do problema e o cálculo necessário para resolvê-lo
(MCINTOSH; REYS; REYS, 1992). Realizar, assim, cálculos por estimativa
revela destreza com números e operações e tal habilidade assume significati-
va importância no desenvolvimento de conceitos matemáticos.
Diante da constatação de erros nos cálculos, durante a análise das
filmagens, foram selecionadas cenas envolvendo erros a serem apresentadas
e problematizadas junto aos estudantes. Esses erros ocorriam na hora de
calcular a partir dos valores que caiam nos dados. Na cena abaixo, é possível
observar um exemplo de erro de cálculo ao jogar.

A estudante G1A1 jogou os dados, caiu 6, 6 e 1 e ficou pensando. G1C2, da


outra equipe, disse que 6+6 dá 12. A jogadora G1A1 vibrou e disse 13, visuali-
zando a possibilidade de bloquear a equipe 2 no tabuleiro. O estudante G1B1
pediu para ela esperar que ele faria outro cálculo; chegou à resposta 12.

Na análise, é possível inferir o raciocínio do jogador G1B1: ―se a


soma dos dados é treze, treze menos 1, que era o valor do último dado, dá
12‖. Ninguém o questionou. Apenas a equipe 1 vibrou com a possibilidade
do colega G1B1 ter encontrado a resposta 12. Marcaram no tabuleiro. Já a
equipe 2 não percebeu o erro do colega G1B1. Depois de notado e explorado
esse aspecto junto com a turma, no momento de reflexão pós-jogo, houve
uma notável diminuição nos erros de cálculo e de estratégia. Conforme Spi-
nillo, Pacheco, Gomes e Cavalcante (2014, p. 4), ―Os erros, assim como os
acertos, são formas de raciocinar que revelam os limites e as possibilidades
do pensamento frente a um dado objeto de conhecimento, no caso, os con-
ceitos matemáticos‖. Nesse sentido, os autores concluem que os erros preci-
sam ser sistematicamente explorados, uma vez que têm um papel construtivo
na aquisição do conhecimento matemático, sendo importante incluir no
leque de competências de ensino os conhecimentos de como lidar com eles.
Isso requer saber mais sobre análise de erros.
Os estudantes jogavam os dados, faziam os cálculos e, depois, pro-
curavam no tabuleiro o resultado. O movimento contrário, de primeiro olhar
o tabuleiro e depois fazer o cálculo, poderia ajudá-los a atingir o objetivo
mais rapidamente, ou seja, completar a coluna ou a linha do tabuleiro por
primeiro e vencer o jogo, aspecto esse problematizado nas discussões. No
Jogo da Colmeia, os estudantes precisam pensar no resultado para saber

76
quais os cálculos devem realizar. Foi questionado o fato de primeiramente
realizarem o cálculo e somente depois olharem o tabuleiro, bem como a
necessidade de inicialmente verificar o tabuleiro para, depois, pensar em
uma maneira de calcular e chegar ao resultado desejado. A problematização
dessas questões possibilitou aos estudantes direcionarem os cálculos ao resul-
tado desejado no tabuleiro, o que tornou o jogo mais objetivo e atrativo.
Em uma das cenas, um dos jogadores havia mexido os dados. Essa
cena foi selecionada para análise da turma a fim de problematizar a necessi-
dade de manter a atenção durante o jogo e da necessidade de seguir as regras
estabelecidas. A situação foi problematizada: Essa atitude, de mexer os da-
dos, foi proposital ou um descuido do jogador? Também foi levantada a
questão de ninguém ter percebido que os dados haviam sido modificados.
Aqui temos um exemplo prático, sugerido pelo estudante, do uso do replay
durante a aplicação da metodologia de filmar, assistir e problematizar:
G1B1- Profe, volta um pouquinho o filme que daí dá pra ver. Nesse momento, esse
recurso auxiliou na repetição da cena e no esclarecimento do que aconteceu
na hora da jogada dos dados.
Antes da reflexão, os jogadores estavam muito preocupados com
seus cálculos e suas jogadas, e, por esse motivo, alguns erros de cálculo da
equipe adversária passavam despercebidos. Na reflexão coletiva, esse assun-
to foi problematizado para que os estudantes percebessem a importância de
conferir todos os cálculos antes de finalizar a jogada. Após a reflexão coleti-
va, ocorreu uma mudança de atitude, inclusive entre os pares, um ajudando
o outro a conferir os resultados, o que acabou envolvendo mais os integran-
tes no jogo, motivando e estimulando a calcularem para que a equipe adver-
sária não ganhasse o jogo por erro de cálculo.
O termo ―roubo‖ apareceu durante as jogadas. A partir da cena, a
linguagem verbal usual em jogos foi contextualizada e discutida com os es-
tudantes.

P2- Eu percebi que ela ―roubou‖ pra o time dela fazer ponto.
P- Será que ela roubou?
T- Não!
G1D2- Foi sem querer.

77
G1A1- Isso foi só um engano.

A colega explicou que ela não estava trapaceando, apenas aconte-


ceu um possível descuido com os dados. Os termos usados pelos estudantes
remetem a hábitos com a prática de jogos, uma vez que usam palavras que
fazem parte culturalmente do ato de jogar. Como, por exemplo: ―roubo‖, no
sentido de estar prejudicando propositalmente a outra dupla; ―trapacear‖, no
sentido de enganar; ―trancar‖, no sentido de impedir que a outra equipe não
complete a coluna ou linha do tabuleiro; e, finalmente, ―revanche‖, para se
referir à tentativa de ganhar o jogo numa próxima partida. Outros termos
também foram explorados com o objetivo de ampliar o vocabulário dos es-
tudantes.
Antes do momento de reflexão sobre o jogo, os estudantes expressa-
vam verbalmente um cálculo após o lançamento dos dados; porém, na hora
de registrar esse cálculo, o substituíam por outro. Por exemplo, num lança-
mento dos dados caíram os números 6, 3 e 1. O estudante falava 6 mais 3
menos 1 dá 8. Ao invés de colorir a colmeia no favo 8, ele optava por escre-
ver no papel rascunho a conta 6 + 3 + 1 = 10. Aí sim, tomava a atitude de
colorir o favo de número 10. Possivelmente esse modo de agir esteja relacio-
nado à insegurança quanto aos cálculos realizados mentalmente.
Antes da reflexão, esse aspecto apareceu, com destaque, em várias
jogadas. Os estudantes também consideravam inválida a resposta obtida pelo
cálculo mental. Em várias jogadas, o cálculo mental era realizado, porém era
descartado em seguida para que fossem realizados cálculos escritos; esses,
sim, julgados válidos pelos jogadores. Esse também foi um assunto abordado
nas problematizações da reflexão coletiva e não esteve mais presente nas
demais partidas. Parra e Saiz (2001, p. 199) já observavam que, para que os
alunos possam confiar em seus procedimentos, devem ter oportunidades de
articulá-los com as situações de trabalhos que lhe são propostas; ao mesmo
tempo, para que avancem na construção de seus conhecimentos, devem
participar de sessões de análise e reflexão, nas quais sejam alcançadas novas
produções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa realizada, tinha-se como objetivo relatar a prá-
tica de ―filmar, assistir e problematizar‖ um jogo matemático e analisar pro-
cessos reflexivos realizados a partir de tal prática por estudantes da turma de

78
3º ano do Ensino Fundamental. A análise dos dados coletados na pesquisa
possibilitou conhecer processos reflexivos gerados a partir das problematiza-
ções das cenas dos jogos projetadas aos estudantes. Tais processos voltaram-
se para o jogo e ao modo de jogar, às possibilidades de resolução de cálculos,
à compreensão das regras do jogo, ao erro e à postura quanto à conferência
dos resultados dos cálculos.
A prática de ―filmar, assistir e problematizar‖ proporcionou aos es-
tudantes significar as experiências vividas no jogo de modo a construírem
estratégias mais apropriadas e ampliarem conhecimentos sobre a matemática
envolvida, mais especificamente em relação aos cálculos. Também evidenci-
ou a relevância das contribuições possibilitadas pelo uso de vídeos em sala
de aula nos processos de ensino e de aprendizagem.
Ao desenvolver a prática de ―filmar, assistir e problematizar‖, é pos-
sível proporcionar ao estudante oportunidades de se manifestar e se expres-
sar, sendo ele o personagem central do processo de construção das suas
aprendizagens. O momento da reflexão coletiva é importante porque o estu-
dante tem um momento dedicado a socializar conhecimentos e dúvidas,
questionar, esclarecer e sugerir novas práticas que possam contribuir e am-
pliar a linguagem matemática atrelada a outros acontecimentos. Os estudan-
tes compreenderam a importância da interação entre os pares e buscaram
compartilhar e elaborar estratégias mais refinadas durante o jogo. Embora
em determinados momentos alguns coloquem em evidência a individualida-
de, no momento da reflexão coletiva tal atitude é analisada para dar lugar à
valorização do processo de trocas com os colegas.
Assim, a reflexão coletiva, dentro da prática de ―filmar, assistir e
problematizar‖, é uma etapa importante para a aprendizagem. Foi possível
observar que os estudantes se envolveram mais com o jogo após este mo-
mento, possivelmente pelo fato de perceberem as diversas estratégias possí-
veis para chegar ao resultado desejado. Ao se posicionarem como jogadores,
assumiram a responsabilidade da dupla em busca da vitória do jogo, envol-
vendo-se, coletiva ou individualmente, na elaboração de estratégias resoluti-
vas, apresentando uma postura ativa na construção do conhecimento.

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82
TROCA DE EXPERIÊNCIAS: PILAR DE
SUSTENTAÇÃO PARA A FORMAÇÃO DO
EDUCADOR E DA EDUCADORA DA E NA EJAI2

Rodrigo Sanches-Rosa
Caroline Silva Borba
Araci Asinelli-Luz
Eduardo Fofonca

1 Introdução

Em Educação, grande parte de nossos problemas e desafios vem de


longa data, principalmente na área da Educação de Jovens, Adultos e Idosos
- EJAI3, sua diversidade e as tecnologias são alguns dos exemplos, portanto,
não devemos desprezar a necessidade de formularmos novas perguntas para
um novo ensinar. O cenário em que vivemos na escola demonstra ‗a falên-
cia‘ de certo modelo de ensino e de instituição escolar, como a socioeduca-
ção. Se antes já não era tão fácil considerar as representações com as reais
identidades de educadores/as e educandos/as, imagine se nos tempos atuais,
em que as representações e imaginários de educandos/as, socioeducan-
dos/as e educadores/as passam por aceleradas e radicais transformações
afetivas, simbólicas, psicológicas, enfim, culturais.
Na EJAI, isso é ainda mais pertinente, uma vez que estamos frente a
um grupo de educandos/as que não só está afastado há muito tempo da
escola, como dela traz experiências, em muitos casos, frustrantes. Estamos
frente a uma escola que perde seu significado por não se dar conta de que os
sujeitos, as gentes, que a ela estão chegando são outros e outras. Sem dúvida
nenhuma, o maior desafio enquanto educadores/as é fazer com que esses/as
estudantes se sintam inseridos na comunidade escolar.

2 A gênese do texto foi atender a atividade final da disciplina: EDTP - 7024 - TÓPICOS ESPE-
CIAIS III - Formação do Educador de Jovens e Adultos, Prof.ª Drª Sonia Maria Chaves Hara-
cemiv, 2021, 1° semestre, do programa em Mestrado Profissional (UFPR). Por ser oportuno ao
contexto de pandemia, COVID-19, o advento das tecnologias e a necessidade formativa dos/das
profissionais da EJAI, por isso, transformado em capítulo de livro e publicizado.
3 Termo que inclui idosos. Não menos importante, sujeitos/gentes da EJAI.

83
As circunstâncias que os/as levaram a não frequentar o ensino regu-
lar no tempo/idade corretos não devem ser consideradas como um proble-
ma. E para isso, o papel do/da professor/a é de suma importância, visto que
são referência para eles e elas. Saber a história de vida de cada um/a, seus
anseios e expectativas diante da vida, do mercado de trabalho é o mínimo
que um/a professor/a desse segmento precisa: a troca de experiências entre
todos os tipos de relações interpessoais.
As atividades propostas e os conceitos construídos devem trazer sig-
nificados para os/as educandos/as, socioeducandos/as e por meio do diálo-
go e da confiança, passados pelo/a professor/a, o caminho para a aprendi-
zagem começa a ser construído e fazer sentido na vida de cada um/a. Dessa
maneira, o/a estudante adquire autonomia e independência, buscando fora
da escola novas leituras, novas possibilidades de aprender, uma nova espe-
rança de futuro que um dia não lhe era certo. Tudo à sua volta começa a
ganhar um sentido novo e o verdadeiro propósito de ensinar/aprender torna-
se uma digna realidade.
Enquanto estudantes do programa de Pós-Graduação, mestrado em
Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e profissionais da
Educação e Socioeducação, fizemos questão de realizar uma disciplina em
Educação de Jovens, Adultos e Idosos - EJAI, voltada para formação
dos/das educadores/as, ―EDTP - 7024 - TÓPICOS ESPECIAIS III - For-
mação do Educador de Jovens e Adultos‖ (UFPR, 2021). Sob a luz da frase
de Paulo Freire, ―aprender precedeu ensinar‖ (2017, p. 26), pensamos que é
uma área que necessita conhecimentos prévios antes de iniciar a jornada
laboral. Diante a máxima de Freire, ―quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado‖ (2017, p. 25),
nós nos alicerçamos enquanto profissionais e sujeitos/gentes em constantes
aprendizagens.
Compreendemos que esta modalidade EJAI ainda tem muitos es-
tigmas que precisam ser ‗combatidos‘. Sim, combater, pois os profissionais
que atuam na EJAI estão diariamente em uma ‗luta‘ contra os desvalores
sociais e históricos que precisam ser ressignificados. E, enquanto ‗combaten-
tes‘ em transformação/desenvolvimento achamos indispensável esta forma-
ção. Moura alerta, "sem a devida qualificação, os professores passam a de-
senvolver a prática pedagógica ignorando as especificidades e peculiaridades
dos sujeitos em processo de escolarização.‖ (2009, p. 46), principalmente na
socioeducação onde seus sujeitos são carregados de estigmas e muitos e mui-

84
tas invisíveis e estão à mercê das mazelas sociais, onde direitos fundamen-
tais, como educação de qualidade, são negligenciados em vários aspectos.
Bueno e Asinelli-Luz (2018) definem como abandono.
É relatado no texto, ―Formação de professores da educação de jo-
vens e adultos: diversidade, diálogo, autonomia‖, escrito pelas autoras Var-
gas e Fantinato de que há ―escassa oferta de cursos de Pedagogia que ofere-
cem a oportunidade de aprofundamento nessa modalidade de educação‖
(2011, p. 918), fato que pode ser facilmente constatado ao observar os currí-
culos dos cursos de pedagogia pelo Brasil. Mesmo, nós, em programa de
Pós-Graduação em Educação, sendo muitos/as graduados/as na referida
área, não estamos longe da realidade de que a EJAI é de fato negligenciada,
omitida, desconsiderada, uma vez que não estão presentes em muitos currí-
culos de formação, mesmo sendo uma modalidade de importância inigualá-
vel. Sua expressão social é aquém, uma vez que é perceptível que ela devolve
a dignidade para quem ali está em formação/desenvolvimento (integral)
pessoal. Essas são algumas percepções de quem trabalha ou trabalhou nesta
modalidade: nós.
A impressão que causa sobre a EJAI é que sabemos da sua existên-
cia, é ofertada em algumas instituições, entretanto, não recebe o valor mere-
cido. Quando em algumas graduações é nítida a sua inexpressividade e/ou
insuficiência para uma boa preparação, se tal adjetivo for a definição. Estar
dialogando sobre a EJAI, no sentido de troca, acreditamos ser uma das ma-
neiras de difundi-la. Da experiência da coautoria lembramos que foi propos-
to ao Conselho Estadual da Educação do Paraná (CEE), na década de 80
(Século passado), que o Curso de Formação do Magistério Noturno fosse
direcionado para a formação de professores da EJAI, dada sua especificidade
(alunas/alunos trabalhadores com possibilidade de estudar e fazer seu está-
gio de docência somente no turno noturno). Ainda ecoa em nossos ouvidos
o termo usado para justificar a negativa da proposta pela então presidente do
CEE; jamais aprovaria tendo em vista a EJA (na ocasião ainda não se inseria
o segmento idoso) ser a ‗excrecência‘ da educação brasileira.
No texto de Vargas e Fantinato (2011) informam que o diálogo é
um dos princípios da modalidade, porém o diálogo precisa ter um propósito.
O objetivo deste texto, é dialogar sobre aspectos que consideramos essenciais
sobre a modalidade e trocar algumas das nossas reflexões que obtivemos ao
longo desse semestre (1º, 2021). Divulgar e compartilhar (trocar) os conhe-

85
cimentos adquiridos durante o processo sistematizado de ensino-
aprendizagem é outra contribuição para a sua expansão.

2 Princípios/Eixos

Para compreender e atuar na EJAI se faz necessário refletir e expla-


nar sobre alguns princípios e/ou eixos que acreditamos (QUADRO 1) serem
indispensáveis aos profissionais, sejam eles e elas: educadores/educadoras,
administrativo, gestor/gestora, bibliotecário/bibliotecária, pedago-
go/pedagoga, serviços gerais. A EJAI é feita por diversas subjetividades, por
isso todos/todas precisam de formação, ou seja, ―um processo continuum que
vai se constituindo ao longo dos percursos de histórias de vida pessoal e
profissional‖ (MOURA, 2009, p. 49). Freire em sua obra, Pedagogia da
Autonomia, afirma que a formação deve ser permanente, pois, somos ―seres
históricos e inacabados‖ (2017, p. 25). Ter consciência da função docente é
algo que se deve ter sobre quem somos na educação e sobre os sujei-
tos/gentes/pessoas que fazem parte dela.
A EJAI não se resume somente a alguns princípios e/ou eixos, suas
dimensões demonstram ser ainda mais complexa que as outras modalidades
e ou especificidades da educação, uma vez que a maioria de seus educan-
dos/as, socioeducandos/as tiveram seu direito à educação negado em algum
momento de suas vidas, e alguns outros/as experiências negativas na escola,
resultando em abandono dos espaços educacionais. Necessidades econômi-
cas também é um outro grande fator. É comum ouvir falar de evasão esco-
lar, quando na realidade foram impelidos a não ficarem na escola porque
esta não estava preparada para atendê-los/atendê-las.
Não é a proposta do texto dimensionar melhor ou pior, ou graus de
importâncias entre as modalidades educacionais brasileiras, e sim evidenciar
que a EJAI é uma modalidade que atende diferentes segmentos populacio-
nais. Ela tem suas particularidades que não se encontram em outras, para
exemplificar, o Programa de Educação nas Unidades Socioeducativas -
PROEDUSE - do Estado do Paraná. Este programa é uma ―escolarização na
Socioeducação e está vinculada ao Departamento de Educação de Jovens e
Adultos da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (DEJA/SEED-PR)
em parceria com o Departamento de Atendimento Socioeducativo
(DEASE/SEJU).‖ (PARANÁ, 2021). Ele acontece dentro das unidades de

86
privação de liberdade, nos Centros Socioeducativos – CENSE, e de acordo
com o portal Dia a Dia Educação, ―visa proporcionar a Educação Básica
aos/às adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa de inter-
namento.‖ (PARANÁ, 2021).
Diante ao exposto no parágrafo anterior, é uma educação formal
por meio da modalidade da EJAI, nos espaços físicos de uma unidade socio-
educativa que ocorre uma Ação Pedagógica Descentralizada - APED, afir-
mada em parceria por um programa: PROEDUSE. Cabe-nos aqui uma pri-
meira questão: adolescentes em conflito com a lei estão preparados para
aprenderem do mesmo modo que outros jovens, adultos e idosos? Adaptar a
EJAI para atender este público faz desta modalidade o modelo adequado
para a proposta da socioeducação? Os/As profissionais: professo-
res/professoras, pedagogos/pedagogas, administrativos, são de uma secreta-
ria prestando serviço para outra. Nestes espaços, CENSEs, há especificida-
des que envolvem além do ensino-aprendizagem a segurança e todo um
contexto histórico de negação, abandono, negligência, disfuncionalidades.
Socialmente, adolescentes são vistos/vistas por muitos como sujeitos ‗bandi-
dos e bandidas‘, com isso, não são considerados/as ‗gentes‘. Desafios para
os profissionais da e na EJAI.
Muitos/as profissionais se identificam com a modalidade de ensino,
pois em seu passado (trabalhador/a estudante) e/ou membro familiar (sem
estudos), flertou e ou é/foi um desses ‗mazelados‘ sociais. Talvez, suas atua-
ções sejam uma retratação com esse passado ou até mesmo uma contribui-
ção para que outros, como seus familiares, não sejam considerados/as exclu-
ídos à margem na sociedade letrada.
Sequelas na sociedade são evidentes, por sermos profissionais atuan-
tes da educação e em nossa área de estudo, sempre 'enxergarmos' as cicatri-
zes. Pensamos que quando o/a professor/a está bem-informado/a, instruí-
do/a, preparado/a, adquire a capacidade semelhante à de ‗cirurgiões‘ para
amenização dessas sequelas e/ou cicatrizes, uma espécie de cirurgia plástica;
a superfície pode ser apagada, mas internamente fica a lembrança.
A EJAI não se limita e nem se esgota, ela se reencontra, redireciona,
reafirma, ressignifica, resimboliza. Ela é ‗Re‘ em várias outras dimensões.
Aqui está o nosso papel, construir conhecimento para que se transformem
em saberes que vão direcionar a vida presente e futura, indo mais além do
convencional, criar e implementar maneiras para restaurar as internas; ao

87
menos tentar. Por isso a modalidade se diferencia das outras uma vez que
possui diversas particularidades.

QUADRO 1: Princípios/eixos dialogados no trabalho

Diversidade

Diálogo

Autonomia

Tecnologias

Fonte: Sanches-Rosa, Borba, Asinelli-Luz e Fofonca, 2021.

O QUADRO 1, mostra alguns dos princípios ou eixos que julgamos


ser interessantes para o diálogo neste trabalho, uma vez que eles nos fizeram
refletir sobre nossas ações na EJAI, e consideramos ser a ‗coluna vertebral‘
para a execução do trabalho nesta modalidade. Não há uma ordem de im-
portância, somente uma organização textual.
Diversidade, diálogo, autonomia e tecnologias são alguns dos prin-
cípios ou eixos. Eles são complementares e sistêmicos no sentido que nada
funciona sozinho, como ninguém faz nada sozinho, se ajudam. Temos cons-
ciência que existem outros princípios ou eixo, porém, decidimos focar os do
QUADRO 1 e dialogar e refletir neste trabalho, inspirados por Vargas e
Fantinato (2011), as quais explanaram sobre diversidade, diálogo e autono-
mia; acrescentamos as tecnologias.

2.1 Diversidade
Um dos seus princípios/eixo é a diversidade. Esta deve ou deveria
ser a primeira clareza nos espaços educacionais, uma vez que os sujei-

88
tos/gentes/pessoas são únicos e cheios de particularidades, especificidades,
são subjetivos. Não há espaço para questionamentos e julgamentos, as pes-
soas/indivíduos/sujeitos/seres/gentes somente SÃO o que SÃO. E os espa-
ços de EJAI, são lugares de diversidades.
Acreditamos que a diversidade inicia logo em seu corpo profissional,
as diversas formações, as idades, os gêneros, as sexualidades, as etnias, as
crenças religiosas, a social, a cultural, entre outras. Se não é fácil identificar
todas as ―gentes‖ no corpo profissional, imagina na composição dos/das
estudantes e entre os/as socioeducandos, pois são diversas as origens. Ter
essa compreensão, da pluralidade, é o primeiro passo para qualquer relação
da e na EJAI, ou seja, segundo Vargas e Fantinato, ―sensibilizando-a para a
diversidade cultural ali presente.‖ (2011, p. 921). Para a concretude da atua-
ção das nossas formações enquanto profissionais da educação, é necessário
ter minimamente essa compreensão dos diversos sujeitos/gentes e sermos
sensíveis às suas realidades e particularidades/subjetividades/necessidades.
O trabalho na EJAI precisa ser pautado nas experiências (trocas en-
tre elas) e com muita humanização. Experiências estas que necessitam ser
repassadas para os pares, pois, são por meio delas que o trabalho pedagógico
na modalidade deve ser fundamentado, tanto na sua execução do cotidiano
quanto nas formações iniciais e continuadas; além, base para as futuras polí-
ticas públicas.
De acordo com Vargas e Fantinato, ―A experiência de trabalho com
grupos de alunos fortemente diversificados tem se constituído como um dos
grandes desafios encontrados pelos professores.‖ (2011, p. 922). É desafiante
devido à falta de política específica, das insuficientes formações e consequen-
temente informações, sendo assim, distanciando e dificultando uma realida-
de e reforçando estigmas sociais, culturais e escolares.
Além da diversidade de sujeitos, na EJAI é importante também a
diversidade das formas de relações interpessoais e das formas de ensinar.
Devido a pluralidades das ‗gentes‘ as tratativas ao modo de se relacionar
com o outro é um aspecto de grande relevância para se estabelecer um bom
relacionamento, pois, ele está diretamente ligado ao ensino-aprendizado, se
não criar/estabelecer um bom relacionamento todo o trabalho pode ser em
vão. As diversas maneiras de ensinar se fazem intrínsecas a estas relações
devem ser experienciadas.
A diversidade não deve ser tratada como um desafio, ela precisa ser
vista e entendida como oportunidades. A troca é o espírito para as oportuni-

89
dades pedagógicas na EJAI. E como profissionais da modalidade superar os
desafios com informações, aprendizagens e companheirismos é algo primor-
dial.
A diversidade em EJAI, além dos/das profissionais que ali atuam,
volta-se à diversidade de público que atende: desde a alfabetização (voltada
às pessoas que tiverem seu direito à educação violado na infância), o Ensino
Fundamental e Médio regular (seriado, para aqueles e aquelas que trabalham
e estudam e mantém um equilíbrio entre idade e série), na modalidade suple-
tiva (corrigir a defasagem idade e série, bem como oportunizar a escolariza-
ção para quem não pode desenvolvê-la em etapas anteriores da vida), para o
sistema penitenciário, no sistema aberto, semiaberto e em restrição de liber-
dade. Além da escolarização (construção do conhecimento), na socioeduca-
ção e no sistema penal, a EJAI está imbuída da ressocialização, e da restau-
ração da dignidade humana pelo viés da educação. Nestes sentidos, os prin-
cípios e eixos aqui apresentados são essenciais para alcançar os objetivos.

2.2 Diálogo

Outro dos princípios/eixos é o diálogo, e é um dos que mais precisa


ser praticado. No diálogo subentendemos o falar e o ouvir, a horizontaliza-
ção na comunicação. O espaço na disciplina nos proporcionou reflexões ao
dialogarmos, e relatamos nossas experiências e anseios sobre a EJAI, grande
lugar de e para as trocas de vivências. Para além, nos preparan-
do/construindo/desconstruindo para uma futura atuação, na modalidade
por meio das falas e ouvir, e para quem atua, uma oportunidade de mudança
em suas ações, como diz Barcelos, ―diálogo como forma de aprendizagem
com o outro‖ (2010, p. 112).
O interessante deste princípio é que o termo utilizado foi o diálogo,
o seu sentido é a fala entre indivíduos (HOUAISS, 2011), normalmente o
termo mais comum a ser encontrado é outro: discussão. E para esta palavra
remete-se o sentido de debate entre pessoas (HOUAISS, 2011). Para que
haja horizontalidade entre os sujeitos/gentes da EJAI o diálogo é essencial
para estabelecer uma relação de confiança e assim ―ouvi-los, também trans-
formá-los em ouvintes de seus próprios desabafos‖ (VARGAS; FANTINA-
TO, 2011, p. 921) ou um processo de ―construção e da reconstrução‖
(VARGAS; FANTINATO, 2011, p. 927), neste caso entre todos e todas. Se
não há horizontalidade, não há diálogo.

90
Para Freire (2011), o diálogo nutre-se de amor, de humanidade, de
esperança, de fé e de confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. E
quando os dois polos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança,
com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma
relação de ―empatia‖ entre ambos. Só ali há comunicação. Para Freire
(2017) pensar certo é dialógico.
Outro aspecto importante do diálogo está relacionado no quesito da
troca de conhecimentos, o/a professor precisa ter consciência que não é o/a
detentor/a de todos os saberes, pois, ―não há docência sem discência‖
(FREIRE, 2017, p. 25). Todos os/as indivíduos adquirem conhecimento ao
longo de suas vidas: vivências, experiências, oralidade geracionais. Paulo
Freire instrui, ―Saber com os educandos, enquanto estes soubessem como
ele, seria sua tarefa.‖ (2016, p. 86). Pode parecer redundante, mas o/a pro-
fessor/a ensina, aprende e apreende, assim como entre pares também se
aprende, apreende e ensina. Ninguém é um saco vazio, o diferencial dos
sujeitos/gentes é a sua carga ou recheio: histórico.
Os textos, os artigos, os capítulos de livros, dentre outros, são espa-
ços de diálogos, pois, neles podemos ouvir diversas vozes. Nosso trabalho
tem como intenção dialogar com você, caro leitor ou leitora. E se tem algo a
falar, não se cale, encontre a melhor maneira, ao seu entender e condições,
para dialogar com suas experiências, angústias, anseios. Somos calados de
diversas maneiras, e nem por isso devemos suprimir nossas falas. Há mo-
mentos e contextos sociais que a fala (ação) se torna necessária. Convidamos
você a dialogar, a falar, a trocar, queremos lhe ouvir.

2.3 Autonomia

A transformação integral do indivíduo está diretamente ligada a


autonomia, segundo um dos dicionários da língua portuguesa brasileira é a
―1 capacidade de governar a si próprio [...] 3 liberdade, independência moral
e intelectual‖ (HOUAISS, 2011, p. 99). O patrono da educação brasileira,
Paulo Freire, diz ―ir além de seus condicionantes‖ (2017, p. 27), e completa
ao elucidar que ―somos seres condicionados mas não determinados‖ (2017,
p. 20). Linkando ao ser inacabado que somos, autonomia no sentido de
sempre aprendermos ao longo das nossas vidas, sem 'cabrestos'.
Este princípio não é algo isolado e ou independente, uma vez que
ele, ao nosso entender, é o resultado dos entendimentos e compreensões da

91
diversidade e sobre a importância do diálogo (ouvir e falar = trocar). Esta
liberdade informada no dicionário é de pertencimento social, de sentir inse-
rido/a em uma sociedade letrada, de poder ‗gritar‘ ao mundo que não exis-
tem seres superiores ou seres inferiores, e sim livres e donos e donas de suas
ações e vidas.
A disciplina da UFPR (2021), formação de educandos e educandas
da e ‗na‘ (acréscimos nossos) EJA4, nos elevou para outra dimensão da au-
tonomia: o da capacitação por meio do diálogo/falas/trocas das e nas expe-
riências, e assim nos tornando mais confiantes dentro da nossa prática edu-
cativa. Na nossa interpretação, a primeira dimensão (parágrafo anterior) de
autonomia está relacionada ao desenvolvimento pessoal e humano, e a se-
gunda no de capacitação profissional, porém ambos estão voltados na busca
de saberes.
Vargas e Fantinato dizem:
Compreendemos que a conquista da autonomia do pensar e agir pedagógi-
cos não se assemelha à ausência total de uma proposta pedagógica, mas que
esta necessita estar concebida em uma perspectiva dinâmica dialogal entre os
saberes de todos os atores envolvidos no processo. (2011, p. 925-926).
Diversidade, diálogo e autonomia são princípios específicos, porém
não estão isolados e ou separados, são saberes interligados e fundantes para
o processo pedagógico quando se fala em Educação de Jovens, Adultos e
Idosos. Uma formação que valorize todas as etapas e ou modalidades da
educação precisa ter como garantia a sua integralidade. A especialização
precisa ser entendida como um aprofundamento. Se as instituições diversifi-
carem mais as suas escolhas, as inseguranças e os desafios na EJAI prova-
velmente seriam minimizados, promovendo autonomia dos e das profissio-
nais.
A autonomia se estende para seus educandos/as e socioeducan-
dos/as, uma vez que eles e elas são seres sociais, gentes, em desenvolvimen-
to integral ao longo de toda as suas vidas. Com isso, não há momento para
parar, pois, a educação é intrínseca em todos os aspectos da vida, ela está
desde um simples bom dia com vizinho aos mais elevados contextos de sua
necessidade, ou seja, ela é formal, não-formal e informal.

4 Termo original: EDTP - 7024 - TÓPICOS ESPECIAIS III - Formação do Educador de Jovens
e Adultos (UFPR, 2021).

92
2.4 Tecnologias

Neste princípio não será dialogado sobre as diversas tecnologias e


suas funcionalidades, e sim sobre sua contribuição, da tecnologia na modali-
dade EJAI, refletindo sobre a sua inserção e inferência. Para isso, demanda-
ria de outro estudo específico. Em meio a uma das maiores pandemias mun-
diais deste século, COVID-19, as tecnologias reafirmaram a sua importância
ao meio social e diante desse cenário revelou-se que há um abismo. Não
precisa de grandes estudos para observar-se que nem todos e todas os/as
estudantes têm acesso aos meios tecnológicos que disponibilizam e acessam
a internet, principalmente aos educandos e educandas da EJAI, que em sua
maioria não compreendem e nem dominam as tecnologias atuais e/ou avan-
çadas, como: os smartphones, os tablets, os computadores. Isso para muitos e
muitas é algo além do seu tempo e/ou inacessível. A acessibilidade é um
fator excludente. Muitos dos/das profissionais (mesmo com Ensino Superi-
or) também apresentam certas dificuldades, foram e são um desafio, sem
contar a sobrecarga de trabalho que o momento proporcionou e proporciona.
Este último princípio ou eixo que destacamos e refletimos neste tra-
balho, reafirmou sua necessidade para as formações humanas: o uso das
tecnologias, atuais, e a sua inserção e inferências no cotidiano das pessoas.
Antes era necessário, hoje indispensável para a aquisição dos saberes e das
relações, principalmente as de uso que aproximam as pessoas.
Lembramos que tecnologias são criadas e utilizadas desde o tempo
dos homens das cavernas com as pinturas rupestres, uso das armas em pedra
e lanças para caça. As que nos referimos são as virtuais e seus aparelhos
contemporâneos, mas para a reflexão não desconsideramos o uso de outras
para benefícios da e na EJAI.
Práticas pedagógicas envolvendo as tecnologias contemporâneas,
precisam ser (re)pensadas, desenvolvidas e inseridas para o uso e manipula-
ção na EJAI por seus diversos sujeitos ―gentes‖. O letramento, a alfabetiza-
ção, o ensino, a aprendizagem, precisam ser coparticipativas, no sentido de
que inovações tecnológicas necessitam ser implementadas sem desconsiderar
o que foi historicamente construído e conquistado.
Nessa busca da consolidação da concepção de multiletramentos são constitu-
ídas novas possibilidades para as práticas de letramentos atuais, as quais
partem da simples ―potencialidade‖ de leitura e imersão em múltiplas textua-
lidades para uma potencialidade de que todo interlocutor se torna um poten-

93
cial construtor colaborador de criações conjugadas nesta era das estéticas
tecnológicas. (FOFONCA, 2015, p.58).
A escola atual deve mais do que nunca procurar um paradigma ino-
vador abrindo caminhos viáveis para a participação ativa e crítica dos seus
estudantes, quebrando com uma prática que apenas alfabetiza e observa o
conhecimento de linguagens e do letramento como algo estratificado que
não oportuniza um fazer pedagógico dinâmico. Nesse contexto, o papel
do/a educador/a é mais do que nunca contribuir para a construção de co-
nhecimentos e conceitos oportunizando aos seus educandos e educandas
essa nova forma de prática educativa. E é nesse panorama que a Pedagogia
dos Multiletramentos pode e muito contribuir para um ensino construtivo e
dinâmico, vindo ao encontro da nossa realidade.
O uso das tecnologias na socioeducação está praticamente pautado
no manual, nos livros, no impresso, fato observado por um profissional da
área em atuação. Analisando que outros espaços educacionais fazem usos de
computadores, tablets, projeções em tempos reais, e outros meios permanen-
tes em sala, instrumentos e equipamentos com tecnologias atuais, pode se
dizer que a socioeducação ainda é ‗rudimentar‘ quando comparada a outros
contextos educacionais, porém, é totalmente justificável que as questões de
segurança reduzem e controlam a quantidade de insumos e/ou instrumentos
na sala de aula. Quando necessários, equipamentos tecnológicos, os/as pro-
fissionais providenciam perante autorização.
Observa-se uma ampliação das tecnologias atuais nas unidades so-
cioeducativas, ao menos as paranaenses, devido ao contexto de pandemia,
COVID-19, pois, providências emergências foram realizadas para evitar o
contato humano e ao mesmo tempo aproximá-los de entes queridos e da
realidade social, torna-se um paradoxo proporcionado pela pandemia ou
uma dicotomia? Os dois, pois medidas precisaram ser tomadas para o bem
de todos/as. Exemplificando essa realidade, os encontros, capacitações,
formações, via plataformas virtuais como: meet, teams, zoom, whatsapp, youtu-
be. Seriam esses os primeiros passos ou uma porta aberta para implementa-
ção de outras tecnologias? Outro avanço em meio a pandemia foi a criação
dos laboratórios de informáticas nas unidades de privação de liberdade no
Estado do Paraná.

94
3 Considerações finais

Os desafios ainda são muitos, entretanto, sempre haverá alguém a


―esperançar‖ em prol da EJAI com qualidade para todos e todas, e é assim
que desejamos. A autonomia encontra barreiras, e mais uma vez, historica-
mente e socialmente, os sujeitos/gentes da EJAI são marginalizados e negli-
genciados. Não dá mais para sermos os últimos na ‗fila do pão‘. Compreen-
demos que a Educação precisa ser abraçada uniformemente em todas as suas
subáreas e especialidades.
O diálogo é algo que infelizmente e felizmente precisa ser ensinado,
pois, falar e ouvir é um exercício que carece dessa dualidade. Só falar soa
autoritarismo, e somente ouvir uma certa submissão, muitas vezes cheia de
inquietações, angústia e ansiedade. Por isso é um desafio educacional e soci-
al. O diálogo é o meio pelo qual a educação se dá e a EJAI proporciona o
reconhecimento de si como sujeitos de direitos, com autonomia para apren-
der e ensinar.
As salas de aula em EJAI, em especial na socioeducação precisam
ser reestruturadas e repensadas para que os socioeducandos/as sejam, tam-
bém, socioeducandos/as em acordo com as tecnologias contemporâ-
neas/atuais. Trata-se de uma mudança paradigmática, o que pode evitar
novos possíveis atrasos ou até mesmo retrocessos.
A socioeducação tem o caráter educacional para a reinserção social
e não punitiva, como se pensava em tempos passados. As práticas educacio-
nais, incluindo a EJAI, devem ser libertárias para remodelar suas ações pas-
sadas e serem capazes de refletir sobre seus futuros. Uma oportunidade de
mudança e transformação (no bom sentido das palavras) é o que se espera da
prática educativa.
Os educadores e as educadoras de EJAI, atuantes nas unidades so-
cioeducativas, demandam de mais preparos devido aos seus educandos/as
(socioeducandos/as) estarem restritos e privados de liberdades em unidades
socioeducativas. Estudos específicos para essa particularidade serão desen-
volvidos, uma vez que demandam de outros aprofundamentos.
Pensamos que as tecnologias devem contribuir com o desenvolvi-
mento social como um todo, seja cognitivo, físico, os equipamentos, elas não
devem ou não deveriam aumentar ainda mais as disparidades. Se a sua exis-
tência não justifica o seu uso, ela pode ser segregadora e reafirmar para aque-

95
les/as, que ainda não a dominam, suas ausências nos campos educacionais e
adotem como justificativas para pseudos ‗incapacidades‘.
As trocas, sejam elas quais forem, tendem a diversificar, consequen-
temente o enriquecimento daquela particularidade. Trocar os conhecimen-
tos, ou seja, difundi-los, contribui para que outros ou outras possam aprimo-
rar seus conhecimentos individuais.
Não se deve achar que se ‗sabe‘ tudo, sempre há uma contribuição
para a expansão pessoal e profissional, e muitas vezes complementar e/ou
ligar um conhecimento ao outro. Como Freire disse: ―compreensão do ho-
mem e da mulher como seres históricos inacabados‖ (2017, p. 25), a afirma-
ção é clara, sempre estamos ―se e‖, a si e ao meio, transformando, alterando,
modificando, expandindo, enriquecendo, dentre outros adjetivos. Ter com-
preensão de que não existe fim no ‗aprender e apreender‘ é necessário para
qualquer educador e educadora poder exercer seus papéis sociais na educa-
ção. Aprender ao longo da vida, pelas vidas, com as vidas e para as vidas.
Empatia, humildade, afeto, esperança, generosidade, otimismo,
complacência, curiosidade, confiança, são alguns dos sentimentos que de-
vem ser desenvolvidos e nutridos para constituir-se um educador ou educa-
dora na e da EJAI; comunicação, proatividade, pensamento crítico, criativi-
dade, flexibilidade, inteligência emocional, são algumas das habilidades e
alinhada a elas as capacitações, estudos, formações, aprofundamentos…
TROCAS. Esse é o intuito, cabe a nós, enquanto educadores/educadoras,
fazermos e construirmos a diferença.

REFERÊNCIAS

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gicas. Petrópolis: Vozes, 2010.
BUENO, R. E.; ASINELLI-LUZ, A. Capitães da areia de ontem e hoje: a
lei em conflito com o des(envolvimento) do adolescente. São Paulo: Dialo-
gar, 2018.
Dicionário Houaiss Conciso / Instituto Antônio Houaiss. Org. VILLAR,
M. de S. São Paulo: Moderna, 2011.
FOFONCA, E. A cultura digital e seus multiletramentos: repercussões na
educação contemporânea. Curitiba: Appris, 2019. v. 2.

96
FREIRE, P. Educação e mudança. 44 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educati-
va. 55 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 62 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz
e Terra, 2016.
MOURA, T. M. de M. Formação de educadores de jovens e adultos: reali-
dade, desafios e perspectivas atuais. Práxis Educacional: Vitória da Con-
quista. v. 5, n. 7. p. 45-72. jul./dez. 2009.
PARANÁ. Secretaria da Educação - SEED. Dia a Dia Educação. Programa
de Educação nas Unidades Socioeducativas - PROEDUSE, 2021. Disponí-
vel em:
http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.p
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UFPR. EDTP - 7024 - TÓPICOS ESPECIAIS III - [R] Formação do Edu-
cador de Jovens e Adultos. Programa em Mestrado Profissional. UFPR:
2021. (1° semestre).
VARGAS, S. M. de; FANTINATO, M. C. de C. B. Formação de professo-
res da educação de jovens e adultos: diversidade, diálogo, autonomia. Revis-
ta Diálogo Educacional, Curitiba, v. 11, n. 34, p. 915-931, set./dez. 2011.
Disponível em:
https://periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/article/view/45
19. Acesso em 29 jul. 2021.

97
FENÔMENOS NATURAIS E A FÍSICA: UMA
ABORDAGEM ALTERNATIVA PARA O ENSINO
DE FÍSICA NO ENSINO MÉDIO

Caroline Fernandes de Oliveira Grinberg


Gabriela Kaiana Ferreira
Virnei Silva Moreira

Ensinar Física nos dias de hoje

Não é difícil encontrar alunos que acreditam que a física é limitada a


fórmulas, contas, e modelos irreais, sendo uma das disciplinas mais temidas
e até mesmo odiadas pelos alunos. O que não fica claro para muitos deles é
que a física está em tudo, que a física descreve o mundo real e as situações
que eles passam todos os dias, como por exemplo, o fato de não se precisar
pedalar em uma descida para que a bicicleta se movimente, ou como é pos-
sível que o céu mude de cor em diferentes horários do dia.
Antes de se apresentar definições e fórmulas é necessário estabelecer
relações entre os conceitos teóricos que serão apresentados e a física do coti-
diano dos alunos. Aproximar os alunos da física do mundo real, do contexto
em que vivem, pode ser visto como o primeiro passo para um processo de
ensino-aprendizagem mais proveitoso. É importante fazer com que o aluno
perceba que conhece muitos fenômenos físicos, mesmo que a partir de con-
cepções alternativas, e que o professor aproveite esses conhecimentos prévios
de modo que um conhecimento mais formal possa ser construído a partir
deles.
Nesse contexto, a investigação das concepções alternativas que os
alunos trazem sobre o tema a ser abordado é um momento valioso da aula. É
o melhor momento para motivar os alunos a se interessarem pela aula e
mostrar que os seus conhecimentos prévios são importantes (mesmo que não
estejam totalmente de acordo com a ciência formal), e que qualquer um é
capaz de entender física. É também o melhor momento para estimular a
curiosidade dos alunos, de modo a incentivá-los a desenvolver a curiosidade

98
epistemológica, aquela que foge do senso comum e que Freire (1996) valori-
za:

A curiosidade ingênua que, ―desarmada‖, está associada ao saber do senso co-


mum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma
cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosi-
dade epistemológica. (FREIRE, 1996, p. 17).

Considerando que o objetivo do ensino de física na escola não é


formar cientistas, mas sim permitir aos indivíduos um maior entendimento
do mundo em que vivem (PIETROCOLA, 1999), não tem sentido algum
que o professor direcione a sua prática à tendência tradicional de ensino,
caracterizada pela resolução mecânica de exercícios descontextualizados e a
memorização de conceitos isolados. O aluno não pode ser visto como um
cientista em miniatura (ALVES FILHO et al, 2010), e nem o papel do pro-
fessor é o mesmo que o de um cientista. De acordo com Saviani (2013, p.
65), ―Enquanto o cientista está interessado em fazer avançar a sua área de
conhecimento, em fazer progredir a ciência, o professor está mais interessado
em fazer progredir o aluno.‖
Dessa maneira, o conhecimento científico precisa passar por um
conjunto de transformações, em um processo chamado de transposição didá-
tica, que permitam que tal conhecimento se torne mais adequado para ser
ensinado aos alunos, ocorrendo a transformação de um saber sábio para um
saber ensinável (CHEVALLARD, 1991). Sobre a transposição didática,
Saviani (2013) pontua:

Essa transformação é o processo por meio do qual se selecionam, do conjunto


do saber sistematizado, os elementos relevantes para o crescimento intelectual
dos alunos e organizam-se esses elementos numa forma, numa sequência tal
que possibilite a sua assimilação. (SAVIANI, 2013, p. 65).

Nesta perspectiva, surge a necessidade de se buscar estratégias de


ensino que valorizem os conhecimentos prévios dos alunos, utilizando-os
como base para a construção de um raciocínio mais formal, lógico e crítico,
frente a problemas físicos reais, incentivando a criatividade e respeitando as
especificidades de aprendizagem de cada um. Pozo e Gómez Crespo (2009)
refletem sobre a necessidade de se superar o ensino tradicional:

99
Em uma sociedade que, cada vez mais, exige dos alunos e futuros cidadãos que
usem seus conhecimentos de modo flexível diante de tarefas e demandas novas,
que interpretem novos problemas a partir dos conhecimentos adquiridos e que
vinculem seus conhecimentos escolares com a sociedade da informação na qual
estão imersos, não basta encher a cabeça dos alunos: é preciso ensiná-los a en-
frentar os problemas de um modo mais ativo e autônomo, o que requer não só
novas atitudes, contrárias às geradas por esse modelo tradicional, baseado em
um saber externo e autoritário, mas sobretudo, destrezas e estratégias para ati-
var adequadamente os conhecimentos. (POZO E GÓMEZ CRESPO, 2009, p.
251).

Com o objetivo de apresentar aos alunos uma alternativa ao ensino


de física tradicional, foi elaborado um projeto temático, chamado ―Fenôme-
nos Naturais e a Física‖, onde se esperava criar uma ponte entre o conheci-
mento formal e a vivência dos alunos, apresentando conceitos físicos relaci-
onados a fenômenos naturais que os estudantes geralmente conhecem e que
possam despertar a curiosidade e interesse.
O ensino a partir de temas vai além das concepções tradicionais,
quase sempre direcionadas a transmissão e reprodução pouco crítica de
equações e conceitos, bem como a atribuição burocrática de notas como
forma de avaliação. A abordagem temática leva em consideração o que o
aluno já sabe e aquilo que o aluno quer saber, de modo que o tema escolhido
venha a despertar o interesse dos estudantes.
Nesse sentido, o projeto temático proposto buscava que, ao final, o
aluno fosse capaz de compreender fenômenos e processos naturais e suas
consequências no mundo onde vivemos, de modo que seja levado a se per-
guntar por que determinado fenômeno ocorre, a elaborar explicações e a
superar suas concepções alternativas, a partir da apropriação crítica dos con-
teúdos.
Para que isso fosse possível, buscou-se contemplar os Três Momen-
tos Pedagógicos de Delizoicov e Angotti (1994) e os Princípios Básicos do
Ensino de Libâneo (2013) na elaboração de cada aula do projeto.

A raiz do problema

O ensino de Física e de Ciências em geral vem se tornando cada vez


mais desafiador, seja considerando a rápida e significativa mudança no perfil
dos estudantes desde que a internet passou a ser tão acessível, reduzindo o
interesse e o tempo de atenção dos alunos nas aulas, como também conside-

100
rando questões sociais que se relacionam com o momento político e econô-
mico atual, e suas consequências na educação.
As dificuldades dos alunos nas disciplinas das ciências exatas são re-
fletidas todos os dias na sala de aula, e até mesmo em levantamentos dos
resultados e desempenho dos estudantes em avaliações regionais e nacionais.
Segundo um levantamento realizado pelo Sistema Poliedro de Ensino, as
questões de matemática, química e física apresentaram um menor índice de
acertos no vestibular da FUVEST em 20165. Mesmo alunos que conseguem
se sair bem nas provas e chegam na graduação, principalmente nos cursos de
ciências exatas e engenharias, acabam tendo muita dificuldade nas discipli-
nas de Cálculo, Álgebra e Física aplicada, pois não aprenderam a aprender, e
sim a memorizar e reproduzir. As disciplinas de Matemática, Física e Quí-
mica frequentemente são consideradas vilãs dos alunos, que cada vez mais
apresentam desinteresse e falta de motivação para estudar os conteúdos rela-
cionados a tais disciplinas.
Desse modo, planejar uma aula que desenvolva uma aprendizagem
satisfatória nos alunos exige cada vez mais empenho, dedicação e inovação
por parte dos professores. A disciplina de Física por si só é temida por gran-
de parte dos estudantes, que frequentemente sustentam visões ingênuas sobre
a ciência, e crenças limitantes sobre a disciplina, sobre sua aprendizagem, e
sobre si mesmos (FERREIRA, 2012). Como por exemplo, acreditam que o
ensino e a aprendizagem de Física está limitada a leis, equações e conceitos
muito difíceis para serem compreendidos.
Como consequência, muitas vezes a situação que se percebe nas au-
las de Física é que os conteúdos ensinados pelo professor são memorizados
pelos estudantes de maneira mecânica e reproduzidos de maneira fiel e não
crítica no dia da prova, com o intuito de se obter uma nota satisfatória, ca-
racterizando um estilo de educação bancária, conforme descrita e criticada
por Freire (1987). Realizar provas sob pressão de acertar/errar, preocupado
com notas e em reproduzir padrões não estimula a compreensão dos fenô-
menos, não incentiva a busca pelo conhecimento e a emancipação científica,
e tampouco cumprem com o seu objetivo vazio que é a reprodução. Em
alguns casos, alunos que tem acesso a esse tipo de ensino chegam a conside-
rar que odeiam física (MOREIRA, 2018).

5
Estadão. Educação. Confira dicas para se sair bem nas exatas da FUVEST. Disponível em:
<https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,dicas-para-se-sair-bem-nas-exatas-da-
fuvest,10000089568> Acesso em 11 de dezembro de 2019.

101
Considerando esse cenário problemático em que o ensino e a apren-
dizagem de física se encontram, o projeto temático proposto surgiu como
uma alternativa ao ensino tradicional e descontextualizado, onde o aluno é
levado a compreender conceitos e teorias de física a partir de fenômenos que
ele conhece ou já ouviu falar, e que possam despertar a sua curiosidade.

O papel do professor

Não se pode dizer que existe uma forma ou uma receita pronta de
aula que o professor possa utilizar com a garantia de que seus alunos vão
alcançar uma aprendizagem totalmente significativa. Isso se deve ao fato de
que também não se pode garantir que uma aula que teve um resultado satis-
fatório e positivo em um determinada turma, com alunos específicos, em
uma determinada região, inserida em um determinado contexto social e
econômico, em um determinado período da história (SAVIANI, 2013), etc.,
dará certo também em uma outra turma, cujas especificidades, são diferen-
tes.
Com base neste simples pensamento é possível ter uma ideia de por-
que o ensino tradicional – fechado, mecanicista, descontextualizado, autori-
tário – assim como as pedagogias acríticas em geral, se constituem em práti-
cas tão pobres e ineficazes em sala de aula: porque desconsideram que a
educação deve considerar um conjunto de especificidades.
Tal prática está alicerçada na memorização de conceitos e equações,
de maneira descontextualizada e visando a reprodução exata daquilo que foi
abordado pelo professor em aula, e essa reprodução está geralmente acom-
panhada de ansiedade e tensão de acertar/errar e fracassar. O resultado disso
é que os alunos não adquirem aprendizado significativo, de modo que o
aluno não tem ideia de como aplicar o conteúdo trabalhado, pois essa prática
não favorece o uso dinâmico do saber fora da sala de aula (POZO E GÓ-
MEZ CRESPO, 2009). Além disso, a memorização dura somente o necessá-
rio para realizar a prova, isso quando não acontece de o aluno ter um ―bran-
co‖, justamente porque não aprendeu de fato os conteúdos, mas decorou
inúmeros macetes e regras, muitas vezes sem entender do que se trata. Sobre
tal prática, Vigotski (2009) reflete:

Não menos que a investigação teórica, a experiência pedagógica nos ensina que
o ensino direto de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente
estéril. O professor que envereda por esse caminho costuma não conseguir se-

102
não uma assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que es-
timula e imita a existência dos respectivos conceitos na criança mas, na prática,
esconde o vazio. Em tais casos, a criança não assimila o conceito mas a pala-
vra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de
qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado. No
fundo, esse método de ensino de conceitos é a falha principal do rejeitado mé-
todo puramente escolástico de ensino, que substitui a apreensão do conheci-
mento vivo pela apreensão de esquemas verbais mortos e vazios. (VIGOTSKI,
2009, p. 247).

Em oposição a isto, a Pedagogia Histórico-Crítica de Saviani (2013)


propõe que se trate o aluno como um ser histórico, que traz uma bagagem de
saberes e experiências de vida, cuja cultura é valorizada, e crítico, pois é
capaz de transformar a sociedade ao seu redor (GASPARIN E PETENUC-
CI, 2008). Além da Pedagogia Histórico-Crítica, destaca-se a Pedagogia
Libertadora de Freire (1987), que considera a educação um ato político,
capaz de libertar e transformar os indivíduos oprimidos em indivíduos críti-
cos, por meio uma educação humana.
Uma alternativa às abordagens tradicionais do conteúdo consiste na
abordagem temática. Trata-se de uma proposta de ensino baseada em temas,
que são os objetos de estudo do processo educativo (DELIZOICOV et al,
2018). A abordagem temática pode ser utilizada em atividades extracurricu-
lares, na forma de projeto temático, que segundo Ignacio et al (2009), se
constitui em uma alternativa às práticas tradicionais de ensino, capaz de
fazer uma aproximação entre os conteúdos físicos e situações conhecidas
pelos alunos, sem que seja necessário seguir uma sequência tradicional de
abordagem destes conteúdos. Entretanto, Delizoicov et al (2018) incentiva o
uso dessa abordagem não somente em atividades extracurriculares:

[...] Defende-se aqui justamente o contrário, que os professores precisam con-


duzir os estudos dos assuntos mais ausentes dos livros e das aulas tradicionais,
os quais contarão sempre com a contribuição e o interesse dos alunos, ao passo
que os tópicos tradicionais, ditos ―paradigmáticos‖, deveriam ser eventualmen-
te remetidos para o estudo extraclasse! Os envolvidos podem estender a lista,
seja por seus interesses, pelas demandas regionais, seja pela evolução científico-
tecnológica e suas relações com a sociedade. (DELIZOICOV et al, 2018, p.
269).

A proposta de projetos temáticos já foi utilizada por muitos profes-


sores, das mais variadas disciplinas. Destaca-se o trabalho de Ignacio et al

103
(2009), que elaboram o projeto temático ―A Física dos Esportes Radicais‖ e
concluiu que após a aplicação do projeto os seus alunos puderam compreen-
der os conceitos físicos trabalhados e que eles ―conseguem ver a física com
outros olhos‖. Vale destacar ainda o trabalho de Freitas e Halmenschlager
(2014), que aplicou o projeto ―A Pressão e o Corpo Humano‖ e utilizou a
Pedagogia dos Três Momentos Pedagógicos de Delizoicov e Angotti (1994)
em sua prática, e concluem que seu projeto ajudou seus alunos a compreen-
derem os conteúdos de física abordados, entender o seu significado e o fun-
cionamento do próprio corpo.
Com base nesta análise, acredita-se que, embora não se possa obter
uma receita de aula perfeitamente satisfatória, é possível filtrar quais práticas
estão associadas a valorização do aluno, de sua história, de sua curiosidade,
de suas especificidades e limites individuais. Tais práticas buscam oferecer
meios para tornar a aprendizagem mais significativa, buscam ensinar a pen-
sar e aprender e incentivam a busca pelo conhecimento. Assim, favorecem a
formação de indivíduos conscientes não somente na esfera científica, mas
também social, ambiental, econômica, política, etc.

Colocando a mão na massa

O projeto temático proposto tem o objetivo de aplicar conceitos de


Física estudados no Ensino Médio no estudo de Fenômenos Naturais, a fim
de se estabelecer relações entre uma física do mundo real e uma física ideali-
zada e teórica. É importante que os alunos compreendam que grande parte
dos conhecimentos de física surgiu a partir de observações de fenômenos e
processos que ocorrem na natureza, e que, portanto, não são restritos a cria-
ções isoladas de ―gênios‖ em laboratórios.
Buscou-se utilizar abordagem temática como uma alternativa para o
ensino, de modo que cada fenômeno natural foi considerado um objeto de
estudo, sendo possível, a partir destes, a discussão dos conceitos de física que
estão envolvidos na explicação dos fenômenos. Buscou-se também possibili-
tar momentos de reflexão sobre a importância do estudo dos conceitos físicos
relacionados aos fenômenos e a relação desses fenômenos com a população
e o meio ambiente.
O projeto buscou também esclarecer dúvidas e curiosidades dos alu-
nos, visto que o desenvolvimento da curiosidade científica é uma etapa mui-
to importante na vida de todo estudante. Atender aos questionamentos dos

104
alunos é uma forma de aproximá-los e de fazê-los se interessar cada vez mais
por ciências e por adquirir conhecimentos científicos, e por consequência,
contribuir com um melhor rendimento escolar.
Ao final de ―Fenômenos Naturais e a Física‖ esperava-se que alunos
fossem capazes de relacionar grandezas, equações, leis e conceitos físicos
com situações do cotidiano, não somente com aquelas apresentadas durante
os encontros, mas com diversas outras, como resultado de que os estudantes
tenham compreendido que há física em todo lugar que se olhe e que todos
têm capacidade e possibilidade de entendê-la.
Para tanto, o projeto temático é composto por dez aulas/encontros,
com temas e objetivos definidos. Os temas e conceitos abordados são apre-
sentados no Quadro 1.

Quadro 1 – Temas e conceitos abordados no projeto temático


Aula/Encontro Conceitos
Ondas, tipos e propriedades de ondas, ondas
Terremotos e as Ondas Mecânicas
sísmicas, velocidade de ondas sísmicas
Reflexão e refração de ondas sísmicas, visco-
Vulcões e a Viscosidade de Fluídos
sidade de fluidos, Lei de Stokes
Estados físicos da matéria, temperatura,
Precipitação e as Mudanças de Estado Físico energia cinética e de interação das partículas,
pontos de fusão e ebulição
Plasma, eletrização por contato, indução e
Raios e o Plasma
atrito, blindagem eletrostática
Pressão atmosférica, efeito e força de Coriolis,
Furacões e a Pressão
velocidade do vento
Ondas eletromagnéticas, espectro eletromag-
nético, comprimento de onda, reflexão e
Cores do Céu e as Ondas Eletromagnéticas
refração, luz, dispersão, espalhamento de
Rayleigh
Ondas eletromagnéticas, radiação infraverme-
Radiação Solar e o Efeito Fotoelétrico lha, ultravioleta e luz visível, fóton, equação
do efeito fotoelétrico
Vetor campo magnético, teoria do dínamo,
Aurora Boreal e o Campo Magnético
classificação magnéticas dos materiais, plasma
Corpos celestes, geocentrismo, heliocentris-
Cometa Halley e as Leis de Kepler
mo, primeira, segunda e terceira leis de Kepler
Movimentos de rotação, translação e revolu-
Marés e a Gravitação ção, atração gravitacional, lei da gravitação
universal

105
Natureza do projeto

O projeto temático ―Fenômenos Naturais e a Física‖ baseia-se na


perspectiva curricular de abordagem temática, onde os conceitos físicos a
serem estudados foram relacionados a um tema principal (Fenômenos Natu-
rais) e associados a temas específicos (cada um dos fenômenos), tratados
como objetos de estudo. Na escolha do tema principal e dos temas específi-
cos levou-se em consideração:

 A familiaridade dos alunos com os temas, seja por presenciarem os fe-


nômenos ou por acompanharem sua ocorrência na TV ou internet;
 A curiosidade natural do ser humano em saber os porquês associados
aos aspectos naturais do planeta Terra;
 A possibilidade de se elaborar explicações sobre o comportamento dos
fenômenos naturais utilizando conceitos de física presentes no currículo
do Ensino Médio;
 A possibilidade de se realizar discussões e reflexões que inserem a física
diretamente no cotidiano dos alunos;

A partir da escolha dos temas específicos foram elaborados encon-


tros que relacionassem um fenômeno natural a um conteúdo geral de física,
que por sua vez, incluía o estudo de diversas variáveis. Durante os encon-
tros, o trabalho pedagógico visou contemplar os Três Momentos Pedagógi-
cos de Delizoicov e Angotti (1994), os quais, de maneira bastante sucinta,
são:

 Problematização Inicial: momento em que o professor apresenta o te-


ma que será abordado, explora as concepções e ideias prévias dos alu-
nos sobre, desperta a sua curiosidade e o motiva a aprender sobre aque-
le assunto.
 Organização do Conhecimento: momento em que o professor sistema-
tiza e discute o conteúdo, apresentando conceitos formais, que estão re-
lacionados à problematização inicial.
 Aplicação do Conhecimento: momento em que o professor desenvolve
atividades, avaliativas ou não, de forma que os alunos possam aplicar o
conhecimento científico discutidos durante a organização do conheci-
mento, à novas situações.

106
Além disso, buscou-se a constante valorização dos conhecimentos
prévios trazidos pelos alunos, utilizados como base para a formalização e
sistematização dos conceitos físicos abordados dentro dos temas específicos.
O aluno era estimulado a superar eventuais concepções alternativas por meio
da apropriação dos novos conhecimentos.
Buscou-se ainda cumprir os Princípios Básicos do Ensino caracteri-
zados por Libâneo (2013), os quais, novamente apresentados de maneira
sucinta, são:

 Ter caráter científico e sistemático: os conteúdos são organizados de


maneira lógica, de acordo com conhecimentos atuais e que estimulem o
desenvolvimento intelectual dos alunos, respeitando suas especificida-
des.
 Ser compreensível e possível de ser assimilado: os conteúdos aborda-
dos são compatíveis com as possibilidades do aluno de assimilá-los, de
maneira que o professor deve criar condições para o aluno poder domi-
nar os novos conhecimentos.
 Assegurar a relação conhecimento-prática: o professor oferece a garan-
tia de que o aluno tenha condições de aplicar os conteúdos assimilados
na vida real, em situações que vão além das que foram apresentadas.
 Assentar-se na unidade ensino-aprendizagem: o professor oferece a
garantia de que o aluno desenvolva autonomia, iniciativa e criatividade,
de modo que seja capaz de elaborar e defender seu ponto de vista após a
assimilação do conhecimento.
 Garantir a solidez dos conhecimentos: os conhecimentos assimilados
pelo aluno são demonstrados de maneira sólida em um espaço de tem-
po significativo e não esquecidos após a realização de uma prova.
 Levar à vinculação trabalho coletivo/particularidades individuais: o
professor direciona a sua prática ao conjunto de todos os alunos, entre-
tanto, está atento as especificidades de cada aluno.

Quanto a classificação dos métodos de ensino de Libâneo (2013),


buscou-se combinar o Método de Exposição pelo Professor (MEP) e o Mé-
todo de Trabalho Independente dos Alunos (MTIA). No MEP, os conheci-
mentos são apresentados aos alunos por meio de formas de exposição: expo-
sição verbal, demonstração, ilustração e exemplificação. No MTIA, os alu-

107
nos realizam atividades orientadas pelo professor, utilizando os conhecimen-
tos adquiridos.
Vale ressaltar que, embora o sujeito do MEP seja o professor, duran-
te todos os encontros os alunos foram encorajados a questionar, comentar e
elaborar novas dúvidas, participando ativamente do processo de exposição
dos conhecimentos (LIBÂNEO, 2013).

Execução do projeto

Houveram duas realizações do projeto temático ―Fenômenos Natu-


rais e a Física‖ com a participação de alunos de Ensino Médio do Colégio
Estadual Gabriel de Lara, localizado no centro do município de Matinhos,
no litoral do Paraná. Na primeira realização, o projeto foi desenvolvido com
alunos da segunda série, aqui denominada ―Turma A‖, e na segunda reali-
zação participaram alunos da primeira série, aqui denominada ―Turma B‖.
Todos os alunos que participaram do projeto foram previamente au-
torizados por escrito pelos seus responsáveis. Os alunos também receberam
um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que trazia infor-
mações sobre a natureza do projeto desenvolvido e o papel dos alunos du-
rante a realização.

E como avaliar?

Para cada um dos encontros foram elaborados instrumentos de ava-


liação do processo de ensino-aprendizagem, que em nenhum momento tive-
ram caráter classificatório ou de atribuição de notas. As atividades realizadas
tinham o objetivo de indicar o tipo e o grau de reflexão que os alunos reali-
zaram sobre determinado conhecimento, além de indicar onde estão as suas
dificuldades, para que seja possível o refinamento de estratégias e metodolo-
gias utilizadas no decorrer das aulas.
Buscou-se a elaboração de atividades de avaliação que não exigis-
sem que o aluno reproduzisse o que tinha acabado de ser discutido durante o
encontro, mas sim que o fizessem refletir sobre quais variáveis estão associa-
das aquele conhecimento. Libâneo (2013) sintetiza as características relevan-
tes da avaliação, as quais foram levadas em consideração na elaboração das
atividades:

108
 Reflete a unidade objetivos-conteúdos-métodos: o aluno demonstra na
avaliação que alcançou os objetivos da aula, ou seja, que os conteúdos
foram assimilados e que o método utilizado funcionou.
 Possibilita a revisão do plano de ensino: o professor pode adequar o
seu plano de ensino de acordo com as necessidades da turma, com base
na resposta do aluno à sua avaliação.
 Ajuda a desenvolver capacidades e habilidades: a avaliação faz parte
do processo de ensino-aprendizagem e possibilita ao professor um diag-
nóstico de como a sua aula está colaborando com o desenvolvimento
intelectual, social e moral de cada aluno, de modo que ele pode intervir
se achar necessário.
 Voltar-se para a atividade dos alunos: os alunos estão sempre prati-
cando e desenvolvendo as suas capacidades, e não apenas realizando
uma prova no final do bimestre, por exemplo.
 Ser objetiva: a avaliação é clara quantos aos seus objetivos e busca re-
fletir os conteúdos que foram realmente assimilados pelos alunos.
 Ajuda na auto percepção do professor: o professor pode usar a avalia-
ção como um termômetro de sua própria prática, capaz de indicar se
suas estratégias didáticas e se os seus métodos são adequados, se os re-
cursos oferecidos são suficientes, se o conteúdo foi exposto de forma
clara, etc.

Pensando nestas características, foram elaboradas perguntas desti-


nadas ao final de cada encontro, que possibilitassem uma reflexão dos con-
teúdos abordados. Buscou-se ainda classificar o caráter da atividade proposta
em cada encontro em Problematização, Organização e Aplicação do conhe-
cimento, relacionando o processo de avaliação também com a Pedagogia
dos Três Momentos de Delizoicov e Angotti (1994).

O feedback dos estudantes

Ao final de cada encontro os alunos eram convidados a pensar sobre


uma série de fatores e variáveis envolvidas no estudo dos fenômenos. Para
cada atividade proposta foram listados pontos específicos que se esperava
que os alunos reconhecessem e relacionassem, e quais realmente foram.
Um total de 34 alunos participaram e concluíram o projeto, obtendo
pelo menos 75% de frequência nos encontros, sendo que 13 alunos corres-

109
pondem a Turma A e 21 alunos correspondem a Turma B. Destes, 9 alunos
da Turma A (69,23%) e 9 alunos da Turma B (42,85%) realizaram pelo me-
nos uma das atividades propostas.
Vale destacar que, como as atividades não ―valiam nota‖ ou ne-
nhuma outra moeda de troca, a maior dificuldade encontrada durante a
execução do projeto foi justamente conscientizar os alunos da importância
de se realizar as atividades propostas. Tal fato é compreensível, já que o que
se percebe na escola é que os alunos estão acostumados a atribuir a resolução
de exercícios, leituras, pesquisas, debates, entre outras atividades, somente
como meios de se ganhar nota. Foi preciso, então, insistir aula por aula para
que se dedicassem a realizar as atividades propostas no projeto, e mesmo
assim, nem todos as realizaram.
Os alunos cujos dados fazem parte desta discussão são aqueles que
concordaram com o seu uso nesta pesquisa, e como se tratam de participan-
tes menores de 18 anos, também foram autorizados pelos seus responsáveis,
através do TCLE. Também de acordo com o TCLE, a identidade desses
alunos será preservada, de modo que serão diferenciados uns dos outros
pelas notações:

 A1, A2, A3, ... os alunos da Turma A; e


 B1, B2, B3, ... os alunos da Turma B.

Apresentaremos aqui a análise da atividade da aula ―Terremotos e


as Ondas Mecânicas‖. A atividade proposta nesse encontro consistiu na
seguinte:

Suponha que ocorreram sismos nestas 3 localidades: Peru, Indonésia e Islân-


dia. Em qual delas acontecerá um terremoto mais devastador? Em qual localidade
haverá mais danos? Que tipo de informações você precisa para responder a essas per-
guntas?

Essa atividade foi classificada como uma Problematização, pois exi-


ge que o aluno reflita não só sobre variáveis físicas, mas também sobre fato-
res geográficos, socioeconômicos e históricos da região.
Esperava-se que os alunos levassem em consideração os seguintes
pontos na elaboração de respostas satisfatórias à atividade:
1. Magnitude dos sismos;

110
2. Proximidade com limites de placas tectônicas;
3. Tipo de movimento das placas tectônicas;
4. Proximidade com o oceano;
5. Densidade populacional e economia;
6. Outros terremotos que ocorreram na região;
Após leitura e análise das respostas individuais dos estudantes, bus-
cou-se identificar respostas que atendessem e/ou superassem as expectativas
listadas.
No Quadro 2 são resumidas as respostas obtidas na atividade, de
maneira que foram assinalados com um X os pontos que cada aluno consi-
derou e com um N os alunos que não realizaram essa atividade:

Quadro 2 - Resumo das respostas da atividade da aula ―Terremotos e as


Ondas Mecânicas‖

Fonte: Oliveira et al (2019)

Além disso, alguns alunos pontuaram outras informações que não


eram esperadas previamente, mas que também são relevantes na reflexão:

 Tamanho do território do país;


 Solo vulcânico nas proximidades;
 Existência de usinas hidrelétricas nas proximidades;

Destaca-se ainda que a maioria dos alunos que realizou esta ativida-
de reconheceu que a proximidade da região com limites entre placas tectôni-
cas e que os dados socioeconômicos da população são fatores determinantes
no grau de devastação de um terremoto, e não somente a sua magnitude em
si. Portanto, foi possível perceber que houve apropriação do conhecimento
científico de forma contextualizada, o que vem de encontro com os pressu-

111
postos de Saviani (2013), que defende uma aliança entre a sistematização
lógica dos conteúdos e a aprendizagem crítica.
Análises análogas foram realizadas para cada uma das atividades
das aulas dos demais temas. Estas atividades e análises podem ser consulta-
das em Oliveira et al (2019).
Além disso, os estudantes responderam um questionário ao final da
aplicação do projeto, com o objetivo de que os pesquisadores compreendes-
sem quais foram as impressões gerais que os alunos tiveram do projeto, o
que agradou e o que desagradou, e o que poderia ser alterado com vistas a
aperfeiçoar aplicações futuras.
O questionário final foi aplicado aos alunos no último encontro da
Turma A e da Turma B. Tal questionário possui perguntas simples e diretas,
com o objetivo de entender como foi a recepção dos alunos ao projeto. É
importante conhecer quais foram as impressões dos alunos, pois elas tam-
bém indicam se os nossos objetivos foram alcançados.
O questionário era composto por 8 perguntas direcionadas analisa-
das no tópico a), e 3 perguntas livres, analisadas no tópico b).

a) Perguntas direcionadas:
As perguntas direcionadas buscavam contemplar os interesses, mo-
tivações, crenças e opiniões dos estudantes a aspectos gerais do projeto, co-
mo tema, recursos, conteúdo, etc. Para cada pergunta havia um espaço para
que os alunos assinalassem as respostas Sim/Um pouco/Não.
1. Você gostou de estudar física a partir de um tema (neste caso, fe-
nômenos naturais)?
2. Você acha que associar os conceitos de física aos fenômenos natu-
rais ajudou na compreensão deles?
3. De alguma forma, o projeto fez você se interessar um pouco mais
por física?
4. Você se sentiu à vontade para fazer perguntas e participar das au-
las?
5. Você gosta de aulas por slides?
6. Você acha que a ministrante demonstrou domínio e clareza sobre
os conteúdos trabalhados?
7. Você acha que seus conhecimentos de física aumentaram depois
do projeto?

112
8. Você acha importante participar de projetos no contra turno das
suas aulas?

As respostas dos alunos são apresentadas no gráfico a seguir:

Gráfico 1 – Feedback dos estudantes em relação à execução do projeto (res-


postas às perguntas 1 a 8)

Fonte: Oliveira et al (2019)

A partir destes dados pode-se perceber que, de maneira geral, os


alunos da Turma A e da Turma B aceitaram bem o projeto e a maneira com
que ele foi executado. Também se nota que a maioria deles mostrou interesse
pelos temas e pela física em si, o que evidencia que é possível e de grande
valor desenvolver aulas alternativas às tradicionais, em que se tem um gran-
de desafio em despertar o interesse dos alunos.

b) Perguntas livres:
O objetivo das perguntas livres é indicar o que mais despertou inte-
resse, o que agradou ou o que desagradou no projeto, de modo que ele sem-
pre possa ser aprimorado, de acordo com a recepção dos alunos. Portanto, os
alunos responderam as seguintes questões:

113
9. Qual fenômeno natural mais chamou a sua atenção? Por quê?
10. O que você mais gostou no projeto?
11. O que te desagradou? O que você mudaria?

A Tabela 1 apresenta a quantidade de alunos que destacou cada um


dos fenômenos como aquele que chamou mais a sua atenção, de acordo com
a pergunta 9. Alguns alunos responderam mais de um fenômeno, mas foi
considerada na tabela a primeira resposta de cada um.

Tabela 1 – Fenômeno que despertou mais interesse (respostas à pergunta 9).

Fonte: Oliveira et al (2019)

Destaca-se o fenômeno Aurora Boreal, que foi o mais escolhido pe-


los alunos das duas turmas. Este fenômeno encanta pela beleza e pelo quan-
to sua explicação se torna simples quando se conhece as variáveis envolvidas
ao seu comportamento. A explicação das Cores do Céu também fez muito
sucesso entre os alunos, já que estava associada a uma das perguntas mais
comuns dos seres humanos: ―Por que o céu é azul?‖, de modo que os alunos
estavam sempre fazendo perguntas e comentários sobre o assunto.
Foram selecionadas algumas justificativas que os alunos deram
quanto a escolha do fenômeno que mais chamou a atenção:
A2 – “Arco-íris, pois é um assunto interessante e foi explicado de uma forma fácil e
divertida.”
A4 – “Auroras e cor do céu pois são coisas muito lindas e descobrir como ocorrem foi
bom demais.”

114
A10 – “Gaiola de Faraday, pois achei muito interessante a aula sobre os raios e ener-
gia que tenho muita curiosidade”
B1 – “Cometa Halley, pelo fato de passar perto do Sol e depois de anos o mesmo pas-
sar novamente.”
B10 – “Precipitação, porque eu agora aprendi a observar mais as nuvens.”
B11 – ―Raios e Plasma porque eu achei mais complexo.‖
Tais respostas indicam não somente porque os alunos acharam o fe-
nômeno mais interessante, mas também quais fatores, no geral, despertam o
seu interesse (curiosidade, beleza, complexidade, etc.). Acredita-se que con-
siderar esses fatores é determinante na elaboração de uma aula alternativa
àquela em que conceitos sejam abordados de forma mais tradicional, desco-
lados dos fenômenos e dos contextos reais.
Finalmente, as perguntas 10 e 11 tratavam de pontos específicos que
agradaram e desagradaram os alunos no decorrer das aulas. As Tabelas 2 e 3
apresentam a quantidade de alunos que destacou cada um dos pontos, que
mais agradaram e desagradaram.

Tabela 2 (esquerda) e 3 (direita) - O que mais agradou e o que mais desagra-


dou

Fonte: Oliveira et al (2019)

115
Foram selecionadas algumas justificativas que os alunos deram
quanto ao aspecto do projeto que mais agradou:
A1 – “Da professora (ela explica muito bem), do assunto, dos experimentos, do ambi-
ente, do certificado. Tudo.”
A11 – “A abordagem de temas simples mas que não conseguimos explicar, como
porque o céu é azul.”
A12 – “O jeito pelo qual foi ensinado os fenômenos naturais, com atividades no fim
de cada aula.”
B8 – “O jeito com que a professora explica, gostei da professora estar sempre procu-
rando respostas pra nos ajudar.”
B12 – “Dos conteúdos que nos foram apresentados, nos faz compreender que tudo tem
física (cálculos em geral).”
B13 – “A explicação simples e as aulas não eram cansativas e maçantes.”

Por fim, destacam-se algumas sugestões que os alunos deram quan-


do perguntados sobre o que mudariam no projeto, que é uma complementa-
ção da pergunta 11.
A7 – “Absolutamente nada. Por mim podia durar mais tempo.”
A 12 – “Nada me desagradou. Coloraria alguns experimentos para a explicação.”
B1 – “Os outros alunos conversando durante as aulas.”
B8 – “O pouco tempo de aula, daria umas 5 horas para o projeto.”
B14 – “Nada me desagradou, mas eu acho quanto a professora, ela fala muito tudo
junto, emendando uma coisa na outra (sem pausa pra respirar) o que dificulta um
pouco na hora de entender.”

Todos os pontos apresentados pelos alunos, positivos e negativos,


são considerados relevantes e servem como um termômetro da prática peda-
gógica e da execução do projeto temático. Esses pontos auxiliam o professor
a refinar e aperfeiçoar o seu trabalho, em busca de melhoras no processo de
ensino-aprendizagem dos alunos.
Após análise dos resultados obtidos, acredita-se que a abordagem
temática é uma estratégia de ensino valiosa, pois permite que se aproveite a
curiosidade dos alunos por determinado tema, o que se torna uma motivação
a mais para que eles se interessem em estudar os conceitos físicos presentes
no currículo do Ensino Médio. Além disso a abordagem temática permite
interação com os alunos, facilita a interdisciplinaridade e promove a eman-

116
cipação científica, que está distante de ser um resultado do ensino tradicio-
nal.

Projetos Temáticos são viáveis

De modo geral, o desenvolvimento do projeto temático ―Fenômenos


Naturais e a Física‖ foi considerado satisfatório, uma vez que cumpriu com
seus objetivos gerais de aproximar a física do cotidiano dos alunos a partir
dos fenômenos naturais, fazer associações entre variáveis e conceitos, des-
pertar a curiosidade e interesse dos estudantes por física, e utilizar uma abor-
dagem alternativa às práticas tradicionais de ensino. Também cumpriu com
seus objetivos específicos, no que se referem aos conceitos específicos que
foram estudados em cada encontro, a partir da contextualização e aplicação
destes a cada fenômeno.
Com base na análise dos dados das atividades propostas aos alunos,
nas quais era esperado que eles destacassem uma série de pontos específicos
para cada tema, foi possível observar que alguns foram destacados e outros
não. Mas tal fato não indica a falta de sucesso do projeto, considerando que
foram realizadas várias aulas, que abordavam diversos assuntos, em um
espaço de tempo relativamente curto, onde a memorização não era encora-
jada. É natural que os alunos precisem de mais tempo, de mais contato com
o conteúdo, de revisões, etc. para se apropriarem de determinados conceitos,
tendo em vista que cada estudante apresenta um ritmo e um tempo de
aprendizagem subjetivo, que não coincide com o tempo de ensino, e, portan-
to, inviabiliza um tempo didático único (CHEVALLARD, 1991). Ainda
com relação as atividades propostas, notou-se qual seria a maior dificuldade
do projeto: convencer os alunos a realizarem as atividades. A esse respeito,
concluiu-se que, para eventuais realizações futuras do projeto, será necessá-
rio pensar em diferentes tipos de atividades, que motivem mais os alunos a
desenvolvê-las.
Com base nas observações do decorrer dos encontros, verificou-se
que, de maneira geral, todos os fenômenos chamaram a atenção dos alunos,
mas que em alguns foi evidente a maior empolgação e curiosidade. O encon-
tro sobre raios foi o que mais gerou discussão, dúvidas e comentários, assim
como o da aurora boreal foi o que mais causou fascínio. Ficou claro que os
alunos se interessam a partir de diferentes motivações.

117
Com base na avaliação das respostas do questionário final pode-se
observar que o projeto foi bem aceito e bem visto pelos alunos, sendo que a
maioria deles afirmou que gostou de estudar física a partir de um tema e
considerou que seus conhecimentos ou interesse por física aumentaram. Tal
retorno é muito importante para que o professor tenha uma ideia de quais
práticas estão sendo proveitosas com os alunos e quais não estão, e como
podem ser realizadas melhorias em sua prática.
Foi possível concluir ainda que o uso de um projeto temático é to-
talmente viável na escola, sendo em turmas regulares ou em atividades fora
do horário de aula. A partir da realização deste projeto conclui-se que a
abordagem temática é uma ferramenta valiosa disponível ao professor que
deseja inovar a sua prática.
Não há dúvidas de que a cada dia fica mais difícil atrair a atenção,
despertar o interesse dos alunos, e competir com distrações como celulares
ou computadores. Entretanto, com base nos resultados obtidos por este pro-
jeto, ficou evidente que a maior dificuldade não está em fazer um aluno se
interessar pelo comportamento de um arco-íris, um fenômeno puramente
natural e totalmente explicado pela física, mas sim em fazer esse aluno rela-
cionar a física vista como chata e cheia de cálculos, com o mundo real, com
algo que lhe motive a querer saber mais.
Nessa perspectiva, cabe ao professor direcionar suas estratégias para
um ensino que promova a emancipação científica e a uma aprendizagem
mais significativa, sendo a abordagem temática uma ótima maneira de al-
cançar tal objetivo.

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120
CAUSALIDADE ESTÉTICA:
UM ESTADO MENTAL

Aderlan Silverio

Introdução: risco e recompensa

O primeiro passo para escrever um texto filosófico 6, que pode ser


consciente ou não, é escolher a perspectiva através da qual se vai representar
o passado. Podemos ser condescendentes com o período histórico em que
um texto foi escrito, cercando-nos de cuidados para evitar interpretações
anacrônicas, ou então, como Bachelard 7, podemos adotar uma postura anis-
tórica, julgando os erros passados com o espírito do presente.
Essa necessidade de escolha, em relação à perspectiva histórica utili-
zada em um texto filosófico, se origina no fato de que filósofos e filósofas
dispõem de autonomia para executar grandes saltos interpretativos no tem-
po, sem recorrerem a escalas, ou mediações interpretativas. Trata-se tanto de
um privilégio, quanto de um risco, que pode se converter em erro, ou em
rigor, conforme a habilidade do analista.
Ao caminhar sobre essa linha tênue, que separa o erro do rigor, na
tarefa de interpretar o conceito de causalidade, a partir da teoria estética de
Kant 8, procuro auxílio na crítica 9 elaborada pelo filósofo prussiano Schope-
nhauer 10, que se considerava o sucessor mais próximo da empreitada filosó-
fica iniciada no século XVIII, em Königsberg.

6 Na ausência de definição, qualquer termo utilizado neste texto deve ser entendido literal-
mente e conforme ao disposto no primeiro significado de cada verbete do dicionário Michaelis –
online. <Filosofia>, por exemplo, refere-se ao ―Amor à sabedoria e ao conhecimento, através
da procura permanente da verdade‖. <Verdade>, por sua vez, é entendida como ―O que está de
acordo com os fatos ou a realidade‖. Editora Melhoramentos, ―Michaelis - Português‖, s.v.
filosofia; verdade.
7 Bachelard, A Formação do Espírito Científico.
8 Kant, Crítica da faculdade de julgar.
9 Refiro-me ao substantivo originado no verbo <criticar> como: ―Analisar verbalmente ou
através da escrita, de forma racional e detalhada, as características de qualquer obra científica,
artística ou literária‖. Editora Melhoramentos, ―Michaelis - Português‖, s.v. criticar..
10 Schopenhauer, La cuadruple raiz del principio de razon suficiente.

121
Foi no embate franco entre Schopenhauer, Kant e Hume 11, nos sé-
culos XVIII e XIX, que o estilo de pensamento 12 chamado de criticismo teve
sua gênese e desenvolvimento, o que nos leva a considerar o uso da perspec-
tiva crítica nesta pesquisa como uma forma de reviver tais autores, em pro-
veito da cultura e da educação contemporâneas.
Os problemas aqui abordados dizem respeito à relação de causa e
efeito em Kant, sobre como este fenômeno é tratado por Hume e Schope-
nhauer, e acerca do papel da causalidade estética. A partir deste viés inter-
pretativo, invocamos uma atmosfera comparativa e anistórica, com a finali-
dade de extrair os melhores aspectos de cada filosofia. A análise crítica com-
parativa visa harmonizar simultaneamente diversos coletivos e estilos de
pensamento. Ela se insere em uma tradição sócio-histórica de análise da
ciência que pode ser definida como interacionismo13.
Espera-se, como contribuições para a pesquisa em Filosofia da Men-
te, Estética, e Psicologia da Educação, uma melhor compreensão da causali-
dade e de suas implicações enquanto fenômeno mental.

Problema
A questão da causalidade é considerada central para o entendimento
de Hume, o predecessor de Kant 14. Tal problema pode ser encontrada tam-
bém no limiar do acordo entre Kant e Schopenhauer 15, de forma que a re-
corrência desta querela filosófica pode ser traçada desde os princípios do
empirismo inglês até o auge do idealismo alemão.
Segundo Barra16, o problema da causalidade se origina no Tratado
da Natureza Humana, e pode ser expresso pela pergunta: ―...por que razão
declaramos necessário que algo cuja existência tenha se iniciado deveria ter
uma causa?‖
Dito de outra forma: nada implica, logicamente, que um fenômeno
que precede o outro seja sua causa, assim como nenhuma outra relação em-

11 Hume, Tratado da natureza humana.


12 Fleck, Gênese e Desenvolvimento de um Fato Científico: introdução à doutrina do estilo de pensamen-
to e do coletivo de pensamento.
13 Cf. Delizoicov et al, ―Sociogênese do conhecimento e pesquisa em ensino‖. Silverio, ―Epis-
temologia comparativa‖.
14 Cf. Figueiredo, Kant e a Critica da razão pura, 7; 15; 16..
15 Cf. Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, III parte. Critica da filosofia Kantiana.
Parerga e paralipomena, 138–47..
16 Cf. Barra, ―As duas respostas de Kant ao problema de Hume‖, 146, apud HUME, [1739],
seç iii..

122
pírica é suficiente para estabelecer a conexão necessária entre causa e efeito.
O exemplo de Hume é a pergunta: o Sol vai nascer amanhã?
Somos tão acostumados a observar a chegada de um novo dia, e de
outro, e de outro… , que não consideramos a possibilidade de que um dia
isso não ocorra, tão pouco de que esse dia venha a ser amanhã.
A solução oferecida por Hume atribui à imaginação, a partir da ―re-
gularidade apresentada pela natureza‖, a tarefa de compor a relação entre
causa e efeito, entendida como ―um sentimento gerado pelo hábito‖ 17. Em
outras palavras, é a observação da ―conjunção constante‖ entre fenômenos
diversos que induz à crença na necessidade da conexão entre causa e efeito
18
.
Kant, por sua vez, mostra deferência ao filósofo escocês, ao antago-
nizá-lo, em relação à atribuição de subjetividade a um fenômeno considera-
do por aquele como objetivo, a causalidade, ao passo que Schopenhauer
concorda com Kant que a causalidade é uma síntese a priori, fundamental
para a faculdade de conhecer, ou seja, tal fenômeno independeria da experi-
ência para estes filósofos, diferentemente da posição defendida originalmente
por Hume.
Esse pode ser considerado um ponto de inflexão fundamental entre
o empirismo e o idealismo, visto que na decisão sobre o princípio de causali-
dade assentam consequências epistemológicas que separam em definitivo
tais tradições filosóficas. Ao decidir em favor da produção da causalidade a
partir de conexões habituais, ou seja, pela experiência, o conhecimento que
se segue pode ser entendido como produto da relação empírica entre o sujei-
to e o mundo.
Por outro lado, ao decidir por uma síntese a priori na produção do
princípio, ou lei da causalidade, como defendem Kant e Schopenhauer, o
estilo de pensamento idealista pode abstrair a experiência para analisar pro-
cessos mentais que não se relacionam com o mundo. Para estes dois filóso-
fos, não há acesso imediato à coisa-em-si, ou à ―vontade‖, considerada como
―objetividade imediata‖ 19, que está fora do domínio de conhecimento do

17 Figueiredo, Kant e a Critica da razão pura, 15.


18 Barra, ―As duas respostas de Kant ao problema de Hume‖, 149.
19 Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, III parte. Critica da filosofia Kantiana.
Parerga e paralipomena, seç. §30.

123
sujeito. A ―objetivação da vontade‖ 20 pode ser percebida apenas de forma
mediada, por meio de representações. Estas são comparadas, por analogia, a
um espelho da vontade, ou da coisa-em-si, na perspectiva de Schopenhauer.

Resposta de Kant ao problema da causalidade


A base da argumentação de Kant contra Hume 21 pode ser encontra-
da a partir da ―Segunda analogia‖22 da experiência, disposta na Crítica da
Razão Pura, que anuncia a norma segundo a qual ―todas as modificações
acontecem segundo a lei da conexão de causa e efeito‖23. A ―prova‖ de Kant
para esta lei pode ser entendida a partir do seguinte argumento:
… Eu apenas sou consciente, portanto, de que minha imaginação
coloca um antes [estado antecedente] e o outro depois; e não que um estado
anteceda o outro no objeto; ou, por outras palavras, a relação objetiva dos
fenômenos que se seguem uns aos outros permanece indeterminada através
da mera percepção. Para, pois, que essa relação possa ser conhecida como
determinada, a relação entre os dois estados tem de ser pensada de tal modo
que por meio dela se determine de maneira necessária qual tem de ser
colocado antes, qual depois, e não inversamente. O conceito, porém, que traz
consigo uma necessidade da unidade sintética, só pode ser um conceito puro
do entendimento, o qual não se localiza na percepção; e aqui ele é o conceito
da relação de causa e efeito, pelo qual o primeiro determina o último como
consequência … (KANT, 2013, p. 207, CRP B234).
A partir de tais definições, podemos entender a causalidade como
consequência necessária de uma síntese a priori, dada no entendimento. Ou
seja, para Kant a causalidade é uma função, ou faculdade ontológica da
mente, de forma que se apresenta como uma condição necessária para con-
secução do pensar, independente da experiência.
A empreitada crítica de Kant é um sistema doutrinal, dividido em
várias faculdades, sintetizadas nas tábuas da razão, que foram articuladas a
partir de princípios e consequências lógicas, dentre os quais se destacam as
leis da natureza, a liberdade e a vontade. Para o autor, a justificação das

20 Schopenhauer, La cuadruple raiz del principio de razon suficiente, seç. §71.: aquilo ―que chama-
mos de ser e cuja negação o termo nada expressa em seu sentido mais geral, é precisamente o
mundo da representação, que demonstrei como a objetivação da vontade...‖
21 Cf. Figueiredo, Kant e a Critica da razão pura, 7, os extremos de Hume chegariam, na visão
de Kant, a uma ―eutanásia da razão‖, por restringir o conhecimento à indução e à observação.
22 Cf. Barra, As duas respostas de Kant ao problema de Hume, 153.
23 Cf. Kant, Crítica da razão pura, 206, CRP B232.

124
relações propostas na categorização do sistema crítico de pensamento é jus-
tamente a causalidade, enquanto condição necessária para a articulação
entre os juízos e faculdades da mente.
O conceito de mente [Gemüts, ou Gemuete] em Kant pode ser associ-
ado à instância na qual os objetos, relações, regras e faculdades se dão 24. Ele
pode ser contado entre os fundamentos utilizados no desenvolvimento da
teoria crítica, visto que se apresenta já no segundo período do primeiro pará-
grafo da Estética Transcendental, capítulo fundador da empreitada crítica.
Desafortunadamente, a tradução canônica no Brasil, de Costa Mattos, inter-
preta o termo como ―espírito‖, dando margem a confusões inúmeras. A-
companhamos, por isso, a tradução proposta por Santos e Morujão. 25
Na noção kantiana, a mente é considerada como uma instância na
qual a lógica pode se entreter em sua forma pura, independente da relação
com representações, ou intuições empíricas. Na mente se integram as catego-
rias da razão, dentre as quais o entendimento, ou seja, a faculdade de conhe-
cer, bem como as de desejar, de pensar e de julgar, nas quais se subordinam
os princípios da razão e suas consequências lógicas e reflexionantes. A ma-
triz que relaciona as faculdades superiores da mente, na visão kantiana, pode
ser traduzida, a partir da parte IX da segunda introdução da Crítica da Fa-
culdade de Julgar, da seguinte forma:

Quadro 1 – Tábua das faculdades da mente.


Todas as faculdades Faculdades de conhe- Princípios a priori Aplicação
da mente [Gemüts] cimento

Faculdade de Entendimento Legalidade Natureza


conhecimento

Sentimento de prazer Faculdade de julgar Finalidade Arte


ou desprazer

Faculdade de desejar Razão Fim derradeiro Liberdade


Fonte: Kant (2016, p. 98; 1922, p. 36).

Em tais categorias, a causalidade é entendida como um princípio a


priori, ou um conceito puro do entendimento, encarregado de ordenar a su-
cessão na determinação da sequência entre causa e efeito, ou seja a ―finalida-

24 Kant, Kritik der reinen Vernunft (2nd Edition), 7; Kant, Kritik der Urteilskraft, 36.
25 Kant, Kritik der reinen Vernunft (2nd Edition), 32; Kant, Crítica da Razão Pura, pt. B33.

125
de‖, entendida como ―forma finalis‖ na relação do ―conceito‖ com o ―objeto‖26.
Trata-se, portanto, de uma atividade da mente que orienta a relação hierár-
quica na faculdade de conhecimento, quando aplicada à natureza.

Refutação de Schopenhauer à causalidade kantiana


Outros dois princípios a priori, presentes na teoria kantiana, são o
tempo e o espaço, considerados formas puras da razão, que funcionam como
condições de percepção do mundo, ou seja, das representações da realidade.
Não obstante, as noções de tempo, espaço e até de Geometria, com
o passar dos séculos, tornaram-se incongruentes com a teoria kantiana, uma
vez que, à luz do conhecimento atual, tais conceitos precisam ser considera-
dos em função da percepção empírica, como consequência da revolução
relativística, ao contrário do que propagou Kant.
Conforme os conceitos de tempo e espaço aceitos na física contem-
porânea, tanto a velocidade, quanto a massa são capazes de distorcer o espa-
ço e o tempo 27, de forma que nosso conhecimento sobre as mesmas não é
dado a priori, como defendia Kant, mas sim em consequência das variáveis
físicas envolvidas no contexto do fenômeno. Da mesma forma, a emergência
de novas lógicas e de geometrias não euclidianas refutam em definitivo os
pressupostos kantianos, em relação à perenidade da lógica e à certeza geo-
métrica, defendidas na Crítica da Razão Pura.
Tais considerações, associadas ao conjunto de críticas apontadas por
Schopenhauer 28, permitem defender que restaria da tábua da razão ao me-
nos uma síntese que não depende de intuições empíricas: a causalidade.
Schopenhauer apontava diversos erros formais atribuídos a Kant na
sua Crítica da Filosofia Kantiana, dentre os quais se destaca a separação
incompleta entre o ―conhecimento intuitivo‖ e o ―abstrato‖, que conduziria
a uma mistura conceitual confusa e à noção de ―objeto da experiência‖,
proposto por Kant 29. Tal conceito é problemático porque se coloca em um
ponto indefinido, entre a coisa-em-si, exorcizada pela metafísica kantiana, e
a representação. Não obstante, dentre os erros apontados por Schopenhauer,

26 Kant, Kritik der Urteilskraft; Kant, Crítica da faculdade de julgar, 116.


27 ―A teoria da relatividade restrita nos ensina que um observador em movimento uniforme
(velocidade constante) descreverá o espaço e o tempo de forma que, ao longo da direção de sua
velocidade, o espaço medido por suas réguas se contraia e o tempo medido por seus relógios se
dilate…‖ Falciano, ―Geometria, espaço-tempo e gravitação‖.
28 Schopenhauer, O mundo como vontade e representacao, III parte. Critica da filosofia Kantiana.
Parerga e paralipomena, 171.
29 Schopenhauer, 137.

126
em 1813, salta à vista a refutação à prova de Kant para a causalidade, a qual
foi considerada falaciosa (non sequitur), visto que adota como premissa a
sucessão no tempo.
Schopenhauer 30 argumenta que ―os fenômenos podem sucederem-
se uns aos outros sem resultar uns dos outros, ou seja, sem estarem unidos
pela lei da causalidade...‖, de forma que a defesa da causalidade prática pela
via kantiana, ou seja, fundamentada na sucessão temporal, se mostra lógica e
metafisicamente insustentável.
Na visão de Schopenhauer, a lei da causalidade parte da intuição de
ideias, não do pensamento. Trata-se de uma percepção imediata, como um
pressentimento, que leva à razão. Desta forma, o conhecimento sobre a lei
da causalidade seria dado independentemente da experiência, tornando-se,
por isto, transcendente e relativo a toda experiência possível. Ela é conside-
rada como uma lei necessária, que autoriza a formulação de juízos hipotéti-
cos e a própria noção de necessidade, formulada em termos de razão sufici-
ente.
A sucessão do efeito à causa, ainda que exigível ontologicamente,
pode simplesmente escapar à percepção, não produzindo efeitos epistemoló-
gicos, de forma que o critério temporal não se apresenta como suficiente
para o conhecimento e identificação da causa em relação ao seu efeito. Por
outro lado, o conhecimento prévio do nexo causal implica em sucessão ne-
cessária, ainda que a sucessão empírica não possa ser percebida.
Naturalmente, longos circunlóquios poderiam sinuosamente levan-
tar cláusulas ad hoc para salvar a teoria kantiana, no que tange à utilização da
sucessão temporal como fundamento para a causalidade prática 31. Como
pretendemos nos afastar de tais recursos, vamos admitir como dada, na his-
tória da filosofia, a refutação da teoria da causalidade prática em Kant, posto
que a sucessão no tempo não implica em causa, e a própria noção de tempo
em Kant é incongruente 32 para com os conceitos geométricos e físicos atu-
almente defensáveis. Por exemplo, analisemos a sucessão necessária, como

30 Schopenhauer, La cuadruple raiz del principio de razon suficiente, 172.


31 Kant, Crítica da faculdade de julgar, 17. ―… todas as proposições práticas que derivam do
arbítrio, como causa, aquilo que a natureza pode conter, pertencem em conjunto à filosofia
teórica, como conhecimento da natureza; apenas as que dão a lei à liberdade são especificamen-
te diferentes daquelas quanto ao conteúdo. Pode-se dizer das primeiras que elas constituem a
parte prática de uma filosofia da natureza, mas somente as últimas fundam uma filosofia prática
particular.‖
32 Silverio, ―Epistemologia comparativa‖.

127
requer Kant, entre as intuições sensíveis de <nascer do Sol> e de <dia>, no
que tange à manifestação da relação de causa e efeito.
Nesse processo, podemos argumentar a fortiori, que a causa do dia é
a luz do Sol, ou a posição relativa da Terra, sua velocidade, as relações gravi-
tacionais envolvidas, etc… Enfim, uma quantidade imensurável de intuições
sensíveis, ou não, podem ser consideradas como necessárias e suficientes
para explicar as origens do fenômeno <dia>, ainda que o <dia-em-si> per-
maneça inacessível ao entendimento.
A presença de uma grande quantidade de fenômenos, representa-
ções empíricas. intuições e conceitos abstratos, que se mostram necessários
para explicar a causalidade no caso do fenômeno <dia>, nos permite defen-
der, por indução, a hipótese de que a causalidade prática é um fenômeno
altamente complexo, visto que não pode ser decomposto apenas em formas
simples (puras) do entendimento.
Outrossim, a relação de causalidade, nesse caso, depende de intui-
ções empíricas ligadas a conceitos, tais como <nascer>, por exemplo. Por-
tanto, não se trata de uma síntese a priori do entendimento, como propõe
Kant. Defendemos, desta forma, que a causalidade é um fenômeno mental,
resultante de relações complexas entre intuições sensíveis, reflexões intelec-
tuais, conceitos, percepções, etc...

A causalidade estética
No campo estético33 da análise kantiana, ou seja, na crítica da facul-
dade de julgar o sentimento de prazer ou desprazer, a causalidade estética se
apresenta como um fenômeno mental diverso do anteriormente criticado,
visto que não envolve conceitos, mas a pura relação subjetiva da pessoa com
a sua vontade de manter a relação de prazer, ou afastar o desprazer, intuído
a partir da percepção do objeto.
As representações estéticas se diferenciam, na Crítica da Faculdade
de Julgar kantiana, por se constituírem exclusivamente na imaginação do
sujeito, tendo como causa e determinação das mesmas o ―sentimento de
prazer‖, que não constitui ou fornece ―qualquer conhecimento‖. Essa dife-
renciação permite separar os artefatos técnicos, que possuem uma causalida-
de prática, ou seja, ligada pelo ―diverso‖ 34, das obras de arte, as quais são

33 ―Parte da filosofia que trata do belo e do fenômeno artístico‖. Editora Melhoramentos,


―Michaelis - Português‖, s.v. estética..
34 Cf. Kant, Crítica da faculdade de julgar, 26; 35.

128
concebidas e consideradas de maneira livre, ou seja, sem um fim específico,
a não ser a vontade subjetiva de reter na consciência reflexiva o sentimento
de prazer.
Na visão de Kant, a causalidade prática, oriunda da multiplicidade
das representações, em função do tempo, quando pensada como forma pura
do entendimento, leva à noção de sucessão entre causa e efeito, como neces-
sária para a apreensão do fenômeno. Não obstante, conforme Schopenhauer,
a representação de sucessão é contingente, visto que é uma objetivação da
vontade, que se dá na percepção das sucessivas representações, permitindo
atribuir-se, por hipótese, tal frequência ao mundo, ou seja, no que não é
representação. Esta noção induz à consideração de causa sobre aquilo que de
fato é um efeito da percepção do tempo como experiência sensível.
Kant, por sua vez, deixa claro que a causalidade do múltiplo (práti-
ca), associada à noção de totalidade, não tem ―o mínimo que ver com o
sentimento de prazer e desprazer‖35, visto que aquela envolve sempre um
conceito, ainda que seja meramente formal, ou potencial, enquanto finalida-
de. O juízo teleológico, da mesma forma, não envolve qualquer referência ao
sentimento de prazer no estilo de pensamento kantiano.
A finalidade, para Kant, é um ―conceito da razão‖ que atribui o
―fundamento de possibilidade de um objeto‖36. Não obstante, colocar tal
possibilidade além da representação, enquanto <coisa>, implica em uma
contradição da razão consigo mesma37, visto que apenas poderíamos perce-
bê-la, a <coisa>, se mediada pela intuição sensível, a qual imediatamente se
manifesta em representações. Essas sim, se oferecem ao entendimento como
objetos de conhecimento e das demais faculdades da mente.
A causalidade estética, entretanto, foi utilizada como referência para
a produção da analogia da causalidade prática em Kant, e se origina em um
princípio da ―faculdade de julgar meramente reflexionante‖ 38, de modo que
sua finalidade é ―não intencional‖, diferentemente dos juízos determinantes,
aqueles que orientam a causalidade prática.
Nesses termos, a causalidade estética, enquanto conteúdo da imagi-
nação, pode ser entendida como um estado mental, ou seja, uma atribuição

35 Idem, p. 43.
36 Cf. Kant, Crítica da faculdade de julgar, 49.
37 Figueiredo, em Kant e a Critica da razão pura, identifica a defesa de tal contradição como o
aspecto fundamental da filosofia dogmática, da qual a atitude reflexiva (crítica) de Kant se
afasta.
38 Kant, Crítica da faculdade de julgar, 65.

129
de valor que a faculdade do juízo reflexivo manifesta em processos mentais
imagéticos. Em outras palavras, trata-se da ―apreensão cognitiva da realida-
de‖39, a partir das diversas representações que compõem a percepção media-
da do mundo.
Tal apreensão pode, ou não, produzir conceitos, de modo que na
ausência deles temos o sentimento de prazer, ou desprazer, causado pela
representação estética do belo, ou da sua ausência, a qual nos leva a buscar a
retenção, ou afastamento da representação em apreço. Sobre o estado mental
do juízo de gosto, Kant propõe que

… é a comunicabilidade universal do estado mental na representação dada que,


como condição subjetiva do juízo de gosto, tem de servir a este como
fundamento e ter como consequência o prazer com o objeto. Mas nada pode
ser comunicado universalmente a não ser o conhecimento – e a representação
enquanto pertencente ao conhecimento. 40.

Na investigação acerca da causalidade do juízo de gosto, entretan-


to, a questão da sucessão entre as representações de causa e efeito no tempo
se coloca novamente, visto que o filósofo busca investigar se há sucessão, ou
precedência do sentimento de prazer, em relação ao julgamento sobre o obje-
to. Tal questão é considerada como fundamental para elucidação da crítica
do gosto. O prazer que vem antes do julgamento é entendido como uma
mera sensação privada, uma vez que a precedência do julgamento de gosto é
necessária como fundamento para a comunicabilidade universal, exigida
acerca do belo, que se manifesta como objeto de prazer.
A causalidade, nesse caso, não se mostra apenas como uma necessi-
dade de sucessão temporal, mas também como a relação entre a condição
fundamental, o juízo, e sua consequência, o objeto de prazer.
A relação de causalidade estética, que se dá entre o juízo reflexio-
nante e a vontade de manter, ou afastar o objeto da sensação de prazer, se
manifesta, portanto, como um estado mental que determina a pretensão de
universalidade sobre aquilo que julgamos belo. Por exemplo: quando sinto o
<dia> como belo, estou em posse de uma representação privada subjetiva
(sem conceito). A partir de então, quando percebo a sensação de prazer co-
mo efeito de um juízo reflexionante (imagético), o qual decide a partir da
finalidade relativa ao sujeito, diante da representação do objeto de prazer, aí

39 ―Michaelis - Português‖, s.v. mente.


40 Kant, Crítica da faculdade de julgar, 113.

130
se manifesta a pretensão de universalidade, a qual exige assentimento de que
<o dia está belo>.
A disposição da relação de causalidade, enquanto estado mental, na
formação do juízo de gosto, nos leva a conjecturar sobre a necessidade e
consequências desse estado para a formulação do pensamento, visto que
trata-se de um momento de reflexão completamente subjetiva, já que inde-
pende de conceitos, ou de finalidade e se manifesta como pretensão de vali-
dade universal.
As demais formas de juízo, que envolvem algum tipo de conceitua-
lização prévia, estão naturalmente mediadas pela razão, memória, estados
mentais consolidados pelo hábito, preconceitos e demais afecções psicológi-
cas.
O juízo de gosto e os processos causais nele envolvidos, entretanto,
são especialmente livres de outras determinações que não a mera receptivi-
dade, ou rejeição ao objeto representado, de forma que podemos identificar
esse momento de apreciação do belo como um estado psicologicamente
privilegiado para o entendimento da mente e de suas funções, no processo de
apreensão e produção do conhecimento. Em outras palavras, trata-se de um
fenômeno mental chave, em relação ao processo de aprendizado.
A ausência de conceito, necessária para formulação do julgamento
de gosto, pode ser entendida justamente como a semente do processo de
produção do conceito, ou seja, o estado mental que corresponde à formula-
ção ativa do entendimento e o germe de todo o processo cognoscitivo. Nesta
perspectiva, é na ausência de conceito e na presença da relação de causalida-
de estética, em busca da formulação de um juízo de gosto, que os conceitos
podem ser originalmente formados, independentemente de conhecimentos
prévios sobre os objetos.
Ora, a formulação de conceitos é a origem para os processos opera-
tórios cognoscitivos, os quais permitem desde a aquisição de um léxico, até a
resolução de problemas complexos. Do ponto de vista da Psicologia da Edu-
cação, por exemplo, caberia analisar com cuidado as implicações empíricas
da ativação de relações causais estéticas na capacidade de processamento e
aquisição de habilidades operacionais em aprendizes, a fim de validar, ou
refutar a associação entre a sensação de prazer e o processo de ensino e a-
prendizagem, associado à formação do conceito.
Supondo, por hipótese, que procedimentos didáticos prazerosos de-
tém um potencial diferenciado de ensino, já que estariam ligados à gênese do

131
conceito na formulação do juízo estético, somos levados a inferir a possibili-
dade de novas tecnologias de ensino esteticamente orientadas. Não obstante,
quais seriam os efeitos do juízo de gosto na aprendizagem, e quais os estados
mentais mais oportunos para o ensino, em docentes e discentes?
Essas são questões para novas pesquisas, as quais podem esclarecer
os caminhos a serem trilhados em busca de novos conhecimentos e avanços
tecnológicos na Filosofia e Psicologia da Educação.

Conclusão
A comunicabilidade universal do juízo reflexionante, pretendida pe-
la relação de precedência na imaginação do sujeito, entre juízo de gosto e
objetivação por meio da produção de conceitos, estabelece um estado mental
que pode ser chamado de causalidade estética. Ela se origina na percepção
do juízo acerca do prazer, ou desprazer, decorrente da reflexão individual
desinteressada, que tem como consequência uma sensação de universalidade
subjetiva comunicável.
Podemos defender, a partir de tais pressupostos, que ainda que a
causalidade prática, como proposta por Kant, possa ter sido refutada pela
argumentação de Schopenhauer, ou pelos desenvolvimentos da Física con-
temporânea, aquele tipo de causalidade foi apenas uma analogia 41, retirada
da intuição original da causalidade estética, que não dependente apenas da
sucessão temporal, mas principalmente das relações de fundamentação do
juízo de gosto, em relação à imaginação, entendidas como estados mentais
do sujeito, determinados por relações causais complexas que viabilizam a
pretensão de universalidade subjetiva e a formulação de conceitos.
Essa pretensão, própria do juízo de gosto, para que se converta em
conhecimento e comunicação, carece da conversão de juízos particulares em
conceitos universais, de forma que se manifesta como oportunidade de refle-
xão criativa e livre, um estado mental privilegiado, no qual o aprendizado e
o ensino se manifestam como potencialidade e que oferecem inúmeras ques-
tões e oportunidades, principalmente no campo da Filosofia e da Psicologia
da Educação.

41 Idem, p. 65.

132
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134
O LETRAMENTO NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO: O CASO DE UMA ESCOLA
MUNICIPAL DE CURITIBA

Sandra Guimarães Sagatio


Camile Cavalheiro
Sâmara Mirela S. de Paula

1 INTRODUÇÃO
Considerando que as práticas de escrita e leitura são imprescindíveis
para o exercício pleno de cidadania na sociedade e que estão presentes du-
rante todo o percurso escolar e acadêmico de um indivíduo, a análise das
relações entre os processos de ensino e aprendizagem inicial da língua escri-
ta, que denominamos como processo de Alfabetização, em associação à
prática social da língua escrita, denominada por Soares (2016) de letramento,
torna-se pertinente à classe docente, principalmente para a atuação de alfabe-
tizadores, visto que ambos influem na formação de indivíduos letrados.
Por esta lógica, considera-se um indivíduo letrado aquele que faz
uso da escrita com autonomia e entendimento, pois a utiliza como ferramen-
ta de comunicação social nos mais variados contextos em que possa estar
inserido, uma vez que foi alfabetizado em contexto de letramento. Logo, ele
compreende o que lê e faz-se compreender nos textos que escreve.
Entretanto, a atual realidade escolar brasileira apresenta um número
significativo de analfabetos funcionais, assim constatado por meio da reali-
zação frequente de avaliações nacionais e internacionais de Alfabetização
em escolas públicas, como o Programa Internacional de Avaliação de Alu-
nos (PISA) e a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), além de estu-
dos direcionados por Organizações não Governamentais (ONG´s) como o
Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF).
Dentro desta perspectiva, analfabetos funcionais são aqueles que
não foram capacitados, entre outros aspectos, para a interpretação de texto,
isto é, são capazes de realizar a leitura, enquanto decodificação da escrita,
mas não compreendem o conteúdo lido. Nesses casos, a oralidade e a escrita
deixam de exercer sua funcionalidade como ferramentas na prática cotidia-
na, principalmente para quem não as domina.

135
Estes indivíduos não capacitados a fazer o uso da escrita com clare-
za e entendimento, impossibilitados de assimilar os significados contidos nas
junções de palavras e de elaborar sentenças que façam sentido, frequentaram
a escola, passaram pelo processo de Alfabetização e conviveram ativamente
com a escrita durante todo o percurso acadêmico, mas não obtiveram êxito
na aprendizagem deste conhecimento e, ao concluir sua trajetória escolar,
ainda enfrentam dificuldades de leitura e compreensão de textos. Neste sen-
tido,

[...] o fracasso na década inicial do século XXI é denunciado por avaliações ex-
ternas à escola – avaliações estaduais, nacionais e até internacionais –, e já não
se concentra na série inicial da escolarização, mas espraia-se ao longo de todo o
ensino fundamental, chegando mesmo ao ensino médio, traduzido em altos ín-
dices de precário ou nulo domínio da língua escrita, evidenciando grandes con-
tingentes de alunos não alfabetizados ou semialfabetizados depois de quatro,
seis, oito anos de escolarização (SOARES, 2016, p. 23).

Conforme as compreensões de Soares (2016), é possível dizer que a


incidência do analfabetismo funcional é decorrente da não vinculação dos
processos de Alfabetização e letramento nas abordagens docentes de profes-
sores alfabetizadores, visto que o ensino e a aprendizagem do sistema de
escrita alfabética – Alfabetização –, dissociado de sua utilização prática e
social – letramento –, acarreta no não desenvolvimento da compreensão de
escrita em seus diferentes gêneros, empregos e finalidades, ou seja, de seu
uso real nas relações cotidianas em que estes indivíduos podem estar inseri-
dos
À vista disso, podemos perceber quão importante e necessária é a
associação dos processos de Alfabetização e letramento para a formação de
um indivíduo letrado, apto a utilizar a escrita em todos os contextos sociais,
com domínio de sua inteireza. Sendo assim, a seguir aprofundaremos o es-
tudo da perspectiva alfabetizar letrando – Alfabetização associada ao letra-
mento –, visando compreender os principais aspectos dessa vinculação para
o exercício da atuação docente.

2 REVISÃO DE LITERATURA
Inicialmente, para aprofundarmos o estudo dos conceitos de Alfabe-
tização e letramento, refletindo em suas relações com as práticas de ensino e

136
aprendizagem da língua escrita, é preciso diferenciá-los em suas especificida-
des para, posteriormente, associá-los em suas complementaridades.
Sendo assim, ao começar pelo conceito de Alfabetização, por defini-
ção:

[...] a aprendizagem de um sistema que converte a fala em representação gráfi-


ca, transformando a língua sonora – do falar e do ouvir – em língua visível – do
escrever e do ler: a aprendizagem do sistema alfabético. Assim, a alfabetização,
atualmente, é entendida como a aprendizagem de um sistema de representação
da cadeia sonora da fala pela forma gráfica da escrita – o sistema alfabético – e
das normas que regem seu emprego (CEALE, 2014, não paginado).

Nas práticas escolares, conforme dito acima, a aprendizagem do


processo de Alfabetização ocorre pelo ensino sistematizado das convenções
de escrita e do sistema alfabético, compreendendo a escrita como a conver-
são dos sons da fala em letras e vice-versa (SOARES, 2016).
Nisto, é pertinente explicitar que, segundo Soares (2016), a escrita
alfabética é considerada um sistema de representação, ao mesmo tempo em
que é um sistema notacional. A definição de sistema, neste caso, consiste no
conjunto de elementos da escrita, formado pelos signos alfabéticos, as letras,
que podem estar dispostos em diferentes arranjos, que representam um signi-
ficado da escrita.
Tratando-se de sua classificação como um sistema de representação,
a autora destaca a especificidade da escrita sobre o desenvolvimento da
compreensão dos significados que ela representa quando são interpretados
por alguém, no ato de ler e escrever. Para se apropriar dos significados do
sistema alfabético, ―[...] a criança de certa forma ―reconstrói‖ o processo de
invenção da escrita como representação, [...]‖ (SOARES, 2016, p. 48), pois
ela precisa compreender a construção da língua desde sua origem e, só as-
sim, pode fazer uso dos elementos que a ela constituem com clareza e enten-
dimento.
Quanto à atribuição de sistema notacional, Soares (2016, p. 49) ex-
plica que a escrita alfabética é caracterizada como uma notação e não como
um código, visto que as letras não são meras substituições dos sons por gra-
femas, mas são parte de um sistema pré-estabelecido, como elementos de
tracejo e nomes específicos, dotados de significados a depender de sua posi-
ção no conjunto das possíveis combinações que podem formar.

137
Cabe aqui também mencionar que a escrita, enquanto ferramenta de
comunicação e registro, é uma recente invenção cultural concebida pela
humanidade, dotada de características específicas que a diferem da fala, visto
que a fala é uma habilidade biologicamente inata e a escrita, por outro lado,
é empiricamente desenvolvida, pois:

[...] a aprendizagem da escrita não é um processo natural, como é a aquisição


da fala: a fala é inata, é um instinto, sendo inata, instintiva, é naturalmente ad-
quirida, bastando para isso que a criança esteja imersa em ambiente em que
ouve e fala a língua materna. A escrita, ao contrário é uma invenção cultural, a
construção de uma visualização dos sons da fala, não um instinto (SOARES,
2016, p. 45).

Ao ponderarmos estes aspectos particulares do processo de Alfabeti-


zação como base para o desenvolvimento da escrita e da leitura, presume-se
que ele seja um dos pilares fundamentais de aprendizagem para que as crian-
ças possam dar continuidade plena e com autonomia de entendimento aos
outros conhecimentos que lhe serão ensinados.
Levando em consideração que o amplo acesso à Educação Básica
no Brasil, de certa forma, é recente, segundo Soares (2017), ao ser proposto,
o conceito de Alfabetização bastava para o momento, pois o que se pretendia
era alfabetizar, ou seja, ensinar a ler e escrever, visando amenizar o proble-
ma do alto índice de analfabetismo no país.
Contudo, depois da inserção em massa da população na escola, ob-
servou-se ainda outro problema social derivado no processo de Alfabetiza-
ção, agora não mais sobre o acesso ao ensino, mas ao teor do conhecimento
ensinado, em virtude de que muitos dos alunos, de diferentes escolas, sabiam
ler e escrever, mas não haviam sido capacitados para utilizar a leitura e a
escrita como ferramenta de comunicação.
Dessa maneira, tornava-se necessária a ampliação do foco da apren-
dizagem no processo de Alfabetização para além do ensino sistematizado
das convenções de escrita e do sistema alfabético, atrelando este conheci-
mento curricular ao seu papel na sociedade. Surge assim a utilização do
termo letramento que, segundo o Centro de alfabetização, leitura e escrita
(CEALE) (2014, não paginado), é o:

Desenvolvimento das habilidades que possibilitam ler e escrever de forma ade-


quada e eficiente, nas diversas situações pessoais, sociais e escolares em que
precisamos ou queremos ler ou escrever diferentes gêneros e tipos de textos, em

138
diferentes suportes, para diferentes objetivos, em interação com diferentes inter-
locutores, para diferentes funções.

Por meio do letramento, o uso social da escrita, em sua ampla gama


de possibilidades, é apresentado às crianças de maneira intrínseca à realidade
cotidiana escolar dos alunos, tanto coletiva quanto individual, considerando
sua função comunicativa como ferramenta de utilização diária, contemplan-
do os diferentes gêneros textuais que fazem parte de uma cultura letrada.
Neste sentido, podemos

[...] estabelecer a distinção entre o que mais propriamente se denomina letra-


mento, de que são muitas as facetas - imersão das crianças na cultura escrita,
participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e
interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito - e o que é propria-
mente a alfabetização, de que também são muitas as facetas - consciência fono-
lógica e fonêmica, identificação das relações fonema-grafema, habilidade de
codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e reconhecimento
dos processos de tradução da forma sonora da fala para forma gráfica da escrita
(SOARES, 2018, p. 46).

Após o surgimento do conceito de letramento e sua vasta preconiza-


ção no meio escolar, erroneamente a Alfabetização, como ensino sistemati-
zado da língua escrita, aos poucos passava a ser substituída pelo entendimen-
to de que bastava a imersão da criança em um ambiente alfabetizador para
que ela se apropriasse deste conhecimento.
Isto ocasionou problemas de interpretação acerca do processo de en-
sino e aprendizagem da escrita e da leitura e, durante muitos anos, acarretou
em discussões sobre qual seria a melhor forma de ensiná-las. Por essa razão,
até hoje muitos professores acabam por misturar as várias propostas que já
foram apresentadas ou priorizar umas em detrimento de outras.

No Brasil a discussão do letramento surge sempre enraizada no conceito de al-


fabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação sempre proposta na
produção acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois proces-
sos, com prevalência do conceito de letramento [...] o que tem conduzido a um
certo apagamento da alfabetização que, talvez com algum exagero, denomino
desinvenção da alfabetização (SOARES, 2018, p. 36).

Grande parte destas propostas de abordagem pedagógica seleciona-


das no âmbito docente alfabetizador são oriundas dos antigos e tradicionais

139
métodos de Alfabetização, que inicialmente surgiram como tentativa de
sanar as dificuldades de ensinar a língua escrita e atender a necessidade de
propiciar o domínio da leitura e da escrita a diferentes crianças de uma
mesma turma, ainda que substancialmente. Os métodos de Alfabetização,
segundo Soares (2016, p.16), são ―[...] um conjunto de procedimentos que,
fundamentados em teorias e princípios, orientem a aprendizagem inicial da
leitura e da escrita, [...]‖.
Soares (2016, p. 23) afirma que, ―[...] via-se no método a solução
para o fracasso na alfabetização‖, pois mediante a indicação dos procedi-
mentos a serem seguidos, norteando as estratégias e abordagens pedagógicas
dos docentes, os métodos serviriam supostamente como recurso prático e
eficaz, similar a uma receita para alfabetizar. Desde então, diferentes méto-
dos já foram propostos, alternando constantemente entre os ditos tradicio-
nais com os chamados inovadores. Desses, os de maior repercussão são ca-
tegorizados entre os métodos sintéticos, analíticos e ecléticos.
Considerando as especificidades dos três métodos mencionados,
pode-se apontar que a diferenciação entre os métodos sintéticos, analíticos
ou mistos/ecléticos, consiste no elemento, seja ele a letra, sílaba, fonema,
palavra, sentença ou texto, do conhecimento a que se pretende fundamentar
o ensino alfabetizador, o sistema alfabético-ortográfico. Entretanto, todos
estes métodos se assemelham ao defenderem o mesmo objetivo de ensino: a
aprendizagem do sistema alfabético-ortográfico da escrita como base para o
desenvolvimento da Alfabetização.
Em suma, esses métodos partilham do princípio sequencial, justifi-
cando que primeiro a criança deva se apropriar do sistema de escrita alfabé-
tica para depois se relacionar com textos e escritas reais, desconsiderando
que ela já se relacione com a leitura e a escrita em seu cotidiano desde muito
cedo, antes mesmo do processo de Alfabetização escolar.
Devido à esta concepção e utilização pedagógica dos diferentes mé-
todos dissociados da utilização prática e social da língua escrita, isto é, da
Alfabetização não vinculada ao letramento, sobretudo quando se opta pelo
uso de um único método, estas propostas não se mostram eficientes para
alfabetizar uma criança de forma a torná-la letrada e, desde sua implementa-
ção, mantiveram os problemas de ensino e aprendizagem da língua escrita
anteriormente existentes nas salas de aula.
Levando em consideração o dualismo desses conceitos, Soares
(2016) explica que o cerne dos problemas que incidem no fracasso do proces-

140
so de Alfabetização não consiste em privilegiar a Alfabetização em detrimen-
to do letramento e vice-versa, mas na falta da associação de ambos, isto é,
em considerá-los complementares um do outro. Assim,

[...] a aprendizagem inicial da língua escrita, embora entendida e tratada como


um fenômeno multifacetado, deve ser desenvolvida em sua inteireza, como um
todo, porque essa é a natureza real dos atos de ler e escrever, em que a comple-
xa interação entre as práticas sociais da língua escrita e aquele que lê ou escreve
pressupõe o exercício simultâneo de muitas e diferenciadas competências. É o
que se tem denominado alfabetizar letrando (SOARES, 2016, p. 35).

De acordo com a citação acima, é interessante destacar que a autora


menciona a identidade multifacetada do processo de ensino e aprendizagem
da leitura e da escrita, considerando sua complexidade ao abranger dois
diferentes processos que se correlacionam – alfabetizar e letrar.
Para tanto, é preciso esclarecer que este conceito multifacetado en-
volve três facetas, sendo elas a faceta linguística, a faceta interativa e a faceta
sociocultural. Cada uma delas diz respeito a determinados objetos de conhe-
cimento da língua e demandam abordagens e estratégias específicas para o
desenvolvimento da aprendizagem concernente a cada um desses objetos.
Porém, mesmo atreladas a objetos diferentes, elas devem ser somadas e ensi-
nadas em relação harmoniosa para compor um todo, obtendo como produto
os processos de Alfabetização e letramento.
Ao analisar as particularidades de cada faceta, Soares (2016) expli-
ca que a faceta linguística, cujo objeto é a apropriação do sistema alfabético-
ortográfico, está ligada diretamente ao processo de Alfabetização, como
representação visual da fala, desenvolvendo a compreensão dos elementos
da escrita.
A faceta interativa, por sua vez, cujo objeto de conhecimento condiz
com as habilidades de compreensão e produção de textos, é atribuída ao
processo de letramento, pois esta competência utiliza da língua escrita como
veículo de interação para desenvolver a comunicação.
Por fim, a faceta sociocultural, cujo objeto de conhecimento são os
eventos sociais e culturais que envolvem a escrita, também é componente do
processo de letramento, visto que insere o indivíduo na cultura do escrito,
isto é, em contextos socioculturais, por meio do uso, das funções e dos valo-
res da escrita. Em suma, as facetas interativa e sociocultural são responsáveis

141
por garantir o avanço da criança no mundo letrado, bem como o acesso a
outros contatos com o mundo da leitura e da escrita.
Logo, entendemos que é de extrema importância o desenvolvimento
do aluno tanto nas habilidades vinculadas ao letramento, quanto nas relaci-
onadas à Alfabetização, decorrentes do conceito de alfabetizar letrando, ou o
alfabetizar em contexto de letramento, garantindo à criança a aprendizagem
e o desenvolvimento das habilidades necessárias para utilizar com autono-
mia o sistema de escrita alfabética em seu cotidiano, dentro e fora da escola,
ainda que estas abordagens envolvam ―[...] conhecimentos, habilidades e
competências específicas que implicam formas de aprendizagem diferencia-
das e, consequentemente, procedimento diferenciado de ensino‖ (SOARES,
2018, p. 45).
Por esse motivo, a Alfabetização precisa ser ensinada de forma con-
sistente para a criança, a fim de que ela possa desenvolver a aprendizagem
sobre os aspectos conceituais e convencionais do sistema de escrita, mas em
constante relação com o letramento, considerando o uso real e social deste
processo. Sendo assim,

O início do processo de alfabetização de uma pessoa também não pode ser pre-
cisado, pois a aquisição da linguagem escrita pela criança inicia antes mesmo
de sua vida escolar. Um cidadão está alfabetizado, portanto, e em processo de
letramento, quando tem domínio de práticas sociais da escrita e da leitura e é
capaz de utilizá-las como meios para fazer análises da realidade e nela intervir
(CURITIBA, 2006b, p. 204).

Buscando entender de que forma a criança aprende este conheci-


mento, isto é, como ocorre o processo de aquisição da língua escrita, as auto-
ras Ferreiro e Teberosky (1999) realizaram uma pesquisa com base na teoria
construtivista, divulgada no livro ―Psicogênese da Língua escrita‖ de 1999,
observando as tentativas de escrita das crianças.
Com isso, surge uma nova concepção de Alfabetização que desloca
o foco educativo do professor para o aluno, atribuindo ao alfabetizador à
incumbência de proporcionar oportunidades para que criança possa aprender
a linguagem por ela mesma, construindo o conhecimento do sistema de es-
crita associado às práticas de leitura e escrita, por meio de sua interação com
textos reais no ambiente alfabetizador.
Deste modo, para Ferreiro e Teberosky (1999), ao invés de entender
a criança como sujeito passivo do conhecimento, que se mantém à espera de

142
informações ensinadas expositivamente por outrem, ―[...] aparece uma cri-
ança que reconstrói por si mesma a linguagem, tomando seletivamente a
informação que lhe provê o meio.‖ (1999, p. 24). Assim, ativamente a crian-
ça procura compreender a linguagem falada à sua volta e, por meio dela,
―[...] formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova suas antecipa-
ções e cria sua própria gramática [...].‖ (1999, p. 24).
Em uma de suas obras, Ferreiro (2011) esclarece que foram criados
três grandes períodos da evolução psicogenética da escrita, baseados em
construções próprias das crianças. Dentre estes períodos, o primeiro diz res-
peito à distinção entre os elementos icônicos e os não icônicos, como o dese-
nho ou grafismo que representam a forma dos objetos, e os não icônicos, que
são identificados no uso de letras que possuem formas abstratas em relação
ao objeto, ou seja, diferindo o desenho das letras.
O segundo é acerca do controle sobre o eixo qualitativo e quantitati-
vo, ou seja, a variedade de letras e a quantidade mínima usada na escrita,
considerando que a criança cogita a necessidade de se ter no mínimo três
letras para ler e escrever uma palavra. Por fim, o terceiro se trata da fonetiza-
ção da escrita, momento em que a criança se dá conta que a escrita represen-
ta uma pauta sonora.
Dentro desses períodos as autoras passaram a analisar as hipóteses
de escrita das crianças e desenvolveram os níveis de escrita, que são baseados
na construção do princípio alfabético por elas mesmas, sendo categorizados
como pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. Ao falarmos de
níveis, não estamos trabalhando com níveis pré-estabelecidos, pois a criança
pode evoluir e evolui todos os dias na leitura e na escrita, não tendo relação
direta com a idade.
Sabendo que a fonetização da escrita – compreensão de que a escrita
representa uma pauta sonora –, é uma etapa de extrema importância no
processo Alfabetização, faz-se necessária a discussão sobre a importância da
consciência fonológica, que foi deixada de lado por algum tempo, devido a
confusão na interpretação de que ela estaria ligada aos métodos tradicionais
de alfabetização - sintético, analítico e global.
No entanto, segundo Morais (2012, p. 84), a ―[...] consciência fono-
lógica é na realidade um grande conjunto ou uma constelação de habilidades
de refletir sobre os segmentos sonoros das palavras‖, posto que ela requer
uma reflexão metalinguística, isto é, refletir mentalmente sobre a palavra,
seus sons e as formas de manipulá-los.

143
Morais (2012) também afirma que para a criança avançar nos níveis
de escrita é necessário que ela desenvolva dentro da consciência fonológica a
consciência silábica – habilidade de reconhecimento e manipulação das pa-
lavras em sílabas –, a consciência de rimas e aliterações – capacidade de
perceber semelhanças sonoras entre segmentos das palavras, identificando
palavras que rimam ou palavras que começam com a mesma sílaba ou fo-
nema –, como também a consciência fonêmica, que diz respeito a manipula-
ção dos fonemas. Esta última, por sua vez, é considerada por Morais (2012)
e Soares (2016) como a mais difícil de ser adquirida, posto que os fonemas
são ―[...] representações abstratas, segmentos não pronunciáveis [...]‖ (SO-
ARES, 2016, p. 194), principalmente quando se tratam das consoantes, visto
que se apoiam nas vogais.
Para a atuação docente alfabetizadora, é imprescindível compreen-
der tais questões e desenvolver abordagens e práticas que contemplem todos
os aspectos da língua escrita, assegurando que, estando inseridos em uma
cultura letrada, nossos alunos tenham a oportunidade de interagir com dife-
rentes textos, de diferentes gêneros, para aprender a fazer uso da escrita em
contextos reais de utilização desta ferramenta. Nisso, entendemos que a
criança deve se alfabetizar letrando.
Embora associados, a Alfabetização e o letramento possuem defini-
ções e facetas de identidades distintas que, quando unidas, fazem-no ser
completo e coeso, à medida que são contempladas as especificidades de am-
bos. Isto porque eles se somam, como partes de um todo, obtendo como
resultado a criança ―[...] alfabetizada e letrada‖ (SOARES, 2016, p. 346).
Logo, estes processos não são processos antagônicos, sendo razoável
compreendermos que as facetas linguística, interativa e sociocultural, ―[...]
devem ser desenvolvidas de forma integrada e simultânea.‖ (SOARES, 2016,
p. 333), por serem imprescindíveis para o pleno desenvolvimento do aluno
alfabetizado.
Segundo Soares (2016), a integração das facetas constitui o alfabeti-
zar letrando no processo de aprendizagem inicial da língua escrita, posto que
o aluno aprende a codificar e decodificar ao mesmo tempo que aprende a
interpretar textos, fazer tentativas de escrita inventada, tendo acesso a textos
reais, e então aos poucos aprende a escrever diferentes gêneros, com uma
aprendizagem contextualizada, compreendendo o uso social e cultural da
leitura e da escrita.

144
Tal articulação entre as práticas de Alfabetização e letramento re-
quer a mediação docente ao longo de todo o processo, sobretudo nas situa-
ções de aprendizagem em que o aluno ainda não domina o sistema alfabéti-
co de escrita. Aliás, a leitura e a produção de textos não devem ser oportuni-
zadas somente após a obtenção de domínio do sistema de escrita, mas devem
ser continuamente utilizadas na apropriação desse conhecimento e objetiva-
das por finalidades explícitas aos alunos durante a realização destas ativida-
des.
Com base em todo o exposto, concluímos que a concepção de alfa-
betizar letrando não se trata apenas de uma mera proposição ou utopia des-
vinculada da realidade escolar, mas é formada por práticas concretas que
contemplem a singularidade de cada faceta deste conhecimento, isto é, de
todos os aspectos que compõem a aprendizagem inicial da língua escrita,
abrangendo a totalidade desse conhecimento tão primordial para a sociedade
e para os sujeitos. Assim, é possível associar a Alfabetização ao letramento,
ainda que ambos sejam distintos e demandem práticas particulares.

3 METODOLOGIA
A elaboração deste estudo foi baseada no encaminhamento metodo-
lógico de caráter qualitativo, sendo realizada uma análise bibliográfica, por
meio da revisão de literatura dos estudos de Soares (2016), Ferreiro e Tebe-
rosky (1999) e Morais (2012), como também outros autores do campo da
Alfabetização que abordam esta temática, e um levamento de dados, medi-
ante a aplicação de um questionário com 11 questões para duas professoras
alfabetizadoras de uma mesma escola municipal de Curitiba.
Segundo Chaer et al. (2012, p. 257), o método qualitativo ―[...] pro-
porciona melhor visão e compreensão do contexto do problema‖, visto que
aproxima o pesquisador da amostra estudada, como também ―[...] auxiliam
na construção do objeto estudado‖. (2012, p. 258).
Somada a revisão teórica dos autores mencionados, também foram
analisados artigos selecionados por um levantamento de trabalhos acadêmi-
cos que abordam sobre Alfabetização e letramento nas escolas públicas de
Curitiba no período de 2015 a 2019, além de alguns dos referenciais curricu-
lares de Curitiba, com a finalidade de investigar a realidade atual do proces-
so de Alfabetização no município.

145
Feitas estas considerações, a seguir apresentaremos os principais fa-
tores apontados na análise das respostas obtidas por meio da aplicação do
questionário, realizada com base na teoria defendida pelos autores mencio-
nados e nas diretrizes apresentadas pelos referenciais curriculares de Curiti-
ba.

4 RESULTADOS
Os dados descritivos desta pesquisa foram obtidos por meio da apli-
cação de um questionário, com 11 questões dissertativas, visando indagar as
concepções das participantes sobre a perspectiva de alfabetizar letrando, isto
é, acerca da associação da Alfabetização ao letramento e suas implicações
nas abordagens e atividades realizadas em sala de aula. Porém, as perguntas
não foram direcionadas apenas à análise da atuação docente, mas também
ao desenvolvimento da aprendizagem dos alunos, entendendo que os proces-
sos de ensino e aprendizagem são indissociáveis.
É interessante mencionar que o caráter participativo das duas pro-
fessoras se mostrou diferente, ainda que com respostas parecidas, visto que a
professora um deu respostas concisas e objetivas, enquanto a professora dois
apresentou respostas mais completas.
Os principais aspectos apresentados pelas devolutivas das questões,
aqui expostos de maneira resumida, foram semelhantes ao esperado, uma
vez que as duas professoras indicaram concordância em suas respostas, posto
que não só afirmaram ser importante alfabetizar os alunos em contexto de
letramento, como também disseram o fazer. Ao serem indagadas sobre a
associação de ambos os processos, a professora dois afirmou categoricamen-
te que a Alfabetização e o letramento são complementares um do outro,
logo, devem ser trabalhados em conjunto. Este entendimento vai de encon-
tro ao que esclarece Soares (2018, p. 44-45), quando diz que:

[...] a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita


ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema
convencional de escrita - a alfabetização - e desenvolvimento de habilidades de
uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que en-
volvam a língua escrita - o letramento. Não são processos independentes, mas
interdependentes e indissociáveis.

Outro importante fator mencionado nas respostas de ambas as parti-


cipantes foi sobre o desenvolvimento de atividades que contemplam elemen-

146
tos tanto da Alfabetização, quanto do letramento, trabalhando com o siste-
ma de escrita alfabético e a função da escrita em textos. A esse respeito, Soa-
res (2016, p. 350) afirma que:

A integração das facetas permite que, ao mesmo tempo que vai aprendendo a
codificar e decodificar, a criança vá também aprendendo a compreender e in-
terpretar textos [...]. Em outras palavras, a criança se insere no mundo da escri-
ta tal como ele é: aprende a ler palavras com base em textos reais que lhe foram
lidos, que compreenderam e interpretaram [...].

Nesse mesmo entendimento, ao serem questionadas sobre a maneira


como o letramento contribui para o processo de Alfabetização, a professora
dois apresentou em sua resposta elementos vistos em Soares (2016), pois fala
sobre a importância do uso de diferentes métodos para contemplar todas as
crianças, conforme a pertinência de sua utilização, bem como sobre a impor-
tância das experiências para um aprendizado efetivo, sempre considerando a
vinculação da Alfabetização ao letramento.

Assim, os métodos [...] são, de certa forma, proposições decorrentes de teorias,


alteram-se na prática do(a) alfabetizador(a) - afinal, quem alfabetiza não são os
métodos, mas o(a) alfabetizador(a), sendo ele/ela quem é, com o uso específico
que faz dos métodos e com tudo que acrescenta a eles, e sendo os alfabetizan-
dos aqueles que são, ocorrendo o processo nos contextos e nas condições em
que ocorre (SOARES, 2016, p. 52).

Tratando-se dos processos de avaliação, indispensáveis para acom-


panhar e mediar o desenvolvimento das crianças de forma individualizada e
adequada às necessidades de cada uma, as professoras disseram realizar uma
avaliação contínua e processual de seus alunos, utilizando-se de diversas
formas para buscar entender as suas dificuldades.
Outro importante fator respondido pelas participantes foi o de que
ambas realizam atividades de escrita espontânea com seus alunos, em certa
frequência, sendo que uma delas demonstrou preocupação com a elaboração
de diversas propostas e com os níveis de desenvolvimento das crianças.
Além disso, as professoras disseram trabalhar com diferentes aspectos do
gênero textual, leitura, escrita, interpretação, comparação e produção.
Já no término do questionário, em sua resposta a professora dois
apresentou a importância do trabalho com a consciência fonológica no ciclo

147
de alfabetização, relacionada à necessidade de serem desenvolvidas aborda-
gens que contemplem a consciência silábica e a consciência fonêmica. Sobre
isso, Soares (2016, p. 188) nos aponta a importância do trabalho com essas
consciências:

[...] para alcançar o princípio alfabético, a criança precisa tornar-se consciente


da segmentação da palavra em sílabas, representá-las com letras, inicialmente
usando quaisquer letras, mas em número correspondente à quantidade de síla-
bas da palavra, em seguida usando para cada sílaba uma letra (ou grafema) que
corresponda a um dos fonemas da sílaba, adquirindo finalmente condições para
tornar-se sensível a fonemas e então escrever alfabeticamente.

Finalmente, ao serem indagadas sobre os desafios existentes na atu-


ação docente voltada à Alfabetização, as respostas de ambas abordam dife-
rentes desafios vivenciados na sala de aula, mas que normalmente são coe-
xistentes, à medida que podem estar presentes simultaneamente em um
mesmo ambiente escolar, visto que a professora um relatou que a maior
dificuldade é a compreensão do sistema de escrita alfabética, enquanto a
professora dois abre um leque maior, abrangendo as questões sociais envol-
vidas e a falta de apoio para que as crianças possam se desenvolver.
Tendo em vista estes e outros desafios cotidianos existentes na reali-
dade escolar, sobretudo nas salas de aula do ciclo de Alfabetização, onde
estão inseridos estudantes em diferentes níveis de desenvolvimento e estímu-
lo familiar, muitos deles afetados pelo escasso contato com a língua escrita
nos ambientes fora da escola, a vinculação do letramento ao ensino do sis-
tema de escrita alfabética é imprescindível para que as crianças possam dar
início a uma aprendizagem significativa e de qualidade para a capacitação de
uso social desta ferramenta.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base em todo o exposto, é possível perceber que no contexto
histórico de construção do processo de Alfabetização, tal como é atualmente,
muitas das práticas antigas propostas neste âmbito, sobretudo no que dizem
respeito aos métodos, ainda hoje estão presentes nas concepções e aborda-
gens de docentes alfabetizadores. Não que isto represente algo negativo, ou
que todas as práticas antigas devem ser esquecidas e substituídas, afinal mui-

148
tas delas são úteis e eficazes em determinadas situações da realidade con-
temporânea.
No entanto, assim como afirma Soares (2016), entendemos que no
alfabetizar letrando a atuação docente deve primar pela coesão entre suas
práticas pedagógicas e o processo de desenvolvimento dos seus alunos, com
o objetivo da construção do conhecimento. Para isso, as formas de aborda-
gem no ensino devem ser selecionadas e utilizadas adequadamente, de acor-
do com a necessidade de cada criança ou da turma como um todo.
Isto é válido ao consideramos a utilização dos métodos de alfabeti-
zação enquanto aliados para a construção deste conhecimento, tal qual fer-
ramentas para alfabetizar, pois Soares (2016) explicita que no alfabetizar
letrando o uso do termo ―método de Alfabetização‖ passa a ser caracteriza-
do como ―alfabetizar com método‖, uma vez que não consiste na predomi-
nância de apenas um método em anulação a outros, ou da negação de uso
dos mesmos, mas trata-se da seleção e aplicação correspondente à particula-
ridade de aprendizagem dos alunos.
Ao compreender que o professor alfabetizador deve protagonizar
suas práticas, visto que não há receita para alfabetizar, sua atuação docente
deve possibilitar a construção significativa do conhecimento pelos seus alu-
nos, por meio da elaboração crítica e autônoma de suas práticas pedagógi-
cas, com foco na superação das dificuldades de aprendizagem das crianças.
Assim, para a construção ativa do conhecimento e o enfrentamento
das dificuldades presentes na Alfabetização, é importante que sejam obser-
vadas e analisadas as etapas de desenvolvimento de cada criança, sendo estas
as elaboradas por Ferreiro e Teberosky (1999) quando propuseram o traba-
lho intitulado: Psicogênese da língua escrita, considerando que a criança
aprende por meio da interação com a leitura e escrita reais, desenvolvendo
tentativas e hipóteses de escrita. Logo, o conhecimento é construído progres-
sivamente e, dessa forma, o aluno passa a ser mais protagonista de sua
aprendizagem, enquanto o alfabetizador é o mediador e orientador desse
processo.
De modo que possa estar ainda mais preparado para esta mediação,
acreditamos ser importante aos professores alfabetizadores a formação con-
tinuada, tendo em vista o aprimoramento e capacitação docente, ao enrique-
cer sua aprendizagem empírica do cotidiano escolar e fortalecer a atuação
profissional especializada, nos âmbitos conceituais, metodológicos e práti-
cos. Assim, o alfabetizador estará munido de amplos conhecimentos que o

149
possibilitarão planejar e selecionar suas abordagens pedagógicas de forma
didática-pedagógica para os seus alunos.
Por fim, entendemos que, da mesma forma como defendido por So-
ares (2016) e Morais (2012), no decorrer do processo de ensino e aprendiza-
gem devem ser assegurados o equilíbrio entre a Alfabetização e o letramento,
isto é, entre o ensino sistematizado do sistema de escrita com as práticas de
seu uso real, inserindo as crianças no mundo letrado. Esse equilíbrio se con-
cretiza quando este conhecimento é ensinado a partir de abordagens pedagó-
gicas que contemplem as três facetas mencionadas anteriormente, sendo elas
a faceta linguística, interativa e sociocultural.
Estas, por sua vez, devem estar presentes na sala de aula por meio
das práticas de leitura e escrita de textos em diferentes gêneros, conforme a
realidade e interesse dos alunos, para que possam atribuir sentido ao que
leem e escrevem, sem banalizar o domínio do sistema alfabético de escrita.
Isto é o que podemos chamar de alfabetizar letrando.

REFERÊNCIAS

CEALE. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG).


Faculdade de Educação (FaE). Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
(Ceale). Glossário Ceale: termos de alfabetização, leitura e escrita para edu-
cadores. Belo Horizonte, 2014.

CHAER, Galdino; DINIZ, Rafael Rosa Pereira; RIBEIRO, Elisa Antônia.


A técnica do questionário na pesquisa educacional. Revista Evidência, v. 7,
n. 7, 2012.

CURITIBA. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal da Educação. Dire-


trizes curriculares para a educação municipal de Curitiba. Volume 3. Curi-
tiba: SME, Curitiba, 2006b. Disponível em:
http://www.cidadedoconhecimento.org.br/cidadedoconhecimento/downlo
ads/arquivos/3009/download3009.pdf. Acesso: 05 jun. 2020.

FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. 26.ed. São Paulo: Cor-


tez, 2011.

150
FERREIRO, Emilia, TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita.
Porto Alegre: Artmed, 1999.

MORAIS, Artur Gomes. Sistema de escrita alfabética. Melhoramentos,


2009.

SOARES. Magda. Alfabetização: a questão dos métodos.1. ed,. 2ª reim-


pressão. São Paulo: Contexto, 2016.

_____. ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO. 7.ed, são Paulo: Editora


Contexto, 2018.

_____. LETRAMENTO: UM TEMA EM TRÊS GÊNEROS. 3.ed, Belo


Horizonte: Autêntica editora, 2017.

APÊNDICE

APÊNDICE 1: QUESTIONÁRIO
RESPOSTAS PROFESSORA UM

1. QUAL A SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA?


Pedagoga

2. A QUANTOS ANOS É PROFESSORA?


18 anos

3. A QUANTOS ANOS ATUA NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO?


15

4. COM BASE EM SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA, QUAL É O


CONCEITO DE ALFABETIZAÇÃO EM ASSOCIAÇÃO COM O
LETRAMENTO?
Alfabetizar para ler o mundo

151
5. VOCÊ REALIZA ATIVIDADES NAS QUAIS AS HABILIDADES
DE LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO SÃO DESENVOLVI-
DAS? DE QUE FORMA?
Sim. A partir do trabalho com o texto e princípios do SEA.

6. PARA VOCÊ, DE QUE FORMA O LETRAMENTO CONTRIBUI


PARA O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO?
Essencial.

7. DE QUE FORMA VOCÊ TESTA OU AVALIA OS CONHECI-


MENTOS SOBRE O SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA DE
SEUS ALUNOS?
Diariamente, durante todo o processo, todas as atividades da rotina
do dia.

8. COM QUE FREQUÊNCIA AS CRIANÇAS REALIZAM ESCRI-


TAS ESPONTÂNEAS COM AUTONOMIA?
Diariamente preferencialmente
9. AS CRIANÇAS REALIZAM ATIVIDADES QUE EXPLORAM
DIFERENTES GÊNEROS TEXTUAIS?
Sim. A partir da leitura e exploração de estrutura, finalidade

10. DE QUE FORMA É TRABALHADA A CONSCIÊNCIA FONO-


LÓGICA?
Jogos, exploração oral

11. QUAIS AS MAIORES DIFICULDADES NO PROCESSO DE AL-


FABETIZAÇÃO?
Compreensão dos princípios do SEA
* GOSTARIA DE ACRESCENTAR ALGO?
Não

RESPOSTAS PROFESSORA DOIS

1. QUAL A SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA?

152
Pós graduação

2. A QUANTOS ANOS É PROFESSORA?


17 anos

3. A QUANTOS ANOS ATUA NO CICLO DE ALFABETIZAÇÃO?


8

4. COM BASE EM SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA, QUAL É O


CONCEITO DE ALFABETIZAÇÃO EM ASSOCIAÇÃO COM O
LETRAMENTO?
Andam juntas e estão interligadas, uma não acontece sem a ou-
tra! Qdo temos as duas ocorrendo em sintonia o processo de alfabetiza-
ção ocorre mais facilmente, principalmente se forem associadas ao mo-
vimento corporal, às vivências coletivas e respeitando-se as experiências
das crianças!

5. VOCÊ REALIZA ATIVIDADES NAS QUAIS AS HABILIDADES


DE LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO SÃO DESENVOLVI-
DAS? DE QUE FORMA?
Sim. A leitura e a interpretação de tudo, em cada oportunida-
de! Compreender o que se está lendo e escrevendo é fundamental! Saber
a importância desse processo, despertar nas crianças esse conceito e sua
função social, possibilita desperta-los para um mundo que se abre a par-
tir disso.

6. PARA VOCÊ, DE QUE FORMA O LETRAMENTO CONTRIBUI


PARA O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO?
O aprendizado da criança é efetivado a partir das experiências
que ela vivência ou tem contato. Eu acredito que um processo de ensi-
no-aprendizagem efetivo ocorre respeitando o tempo da criança versos
a oferta de possibilidades variadas! Estímulos variados até que se che-
gue nesse estudante. Vejo hoje que os processos e métodos se comple-
mentam, é importante utilizarmos o método mais adequado em cada
circunstância e para cada criança existem um universo de possibilida-
des!!!!! Mas sim, o letramento é parte importante desse processo!

153
7. DE QUE FORMA VOCÊ TESTA OU AVALIA OS CONHECI-
MENTOS SOBRE O SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA DE
SEUS ALUNOS?
Diária e constantemente! De diversas formas, avaliação escrita,
oral e diagnostica.

8. COM QUE FREQUÊNCIA AS CRIANÇAS REALIZAM ESCRI-


TAS ESPONTÂNEAS COM AUTONOMIA?
É oportunizado em diferentes momentos da semana, em dife-
rentes atividades propostas e interdisciplinarmente, e de acordo com o
nível de desenvolvimento de cada criança

9. AS CRIANÇAS REALIZAM ATIVIDADES QUE EXPLORAM


DIFERENTES GÊNEROS TEXTUAIS?
Sim. Existe um currículo na RME que dispõe sobre quais gêne-
ros devem ser trabalhados em cada ano de ensino, ao longo desse, nas
varias formas de leitura, escrita e interpretação. São apresentados e ex-
plorados de muitas maneiras, além da leitura e interpretação, compara-
ção entre gêneros diferentes dentro de um mesmo tema, finalizando
com uma produção do gênero apresentado.

10. DE QUE FORMA É TRABALHADA A CONSCIÊNCIA FONO-


LÓGICA?
O tempo todo, na leitura de casa palavras /frase/texto, na
apresentação de palavras novas; no início do ciclo de alfabetização está
mais presente e constantemente trabalhado, com banco de palavras com
sílabas semelhantes, sons semelhantes com escritas distintas, buscando
sempre comparar referenciais e apresentar novos. Contextualizando e
dando uma finalidade.

11. QUAIS AS MAIORES DIFICULDADES NO PROCESSO DE AL-


FABETIZAÇÃO?
Quantidade de alunos por turma na RME por professora! Ní-
veis diferentes de alfabetização numa mesma turma com casos de inclu-
são social sem o devido apoio no mesmo ambiente!
* GOSTARIA DE ACRESCENTAR ALGO?

154
Toda criança aprende, se respeitarmos o seu tempo e oferecer-
mos oportunidades variadas, criando um bom vínculo afetivo entre cri-
ança/família/ professor/ambiente escolar, e com o apoio da família, os
avanços são maiores!

155
FORMAÇÃO DO EDUCADOR DA EJA:
POSSIBILIDADE DE ARTICULAÇÃO ENTRE
MATEMÁTICA E CULTURA VISUAL
POR MEIO DA GAMIFICAÇÃO

Marcia Ferreira Brandão


Roberta Kelly Santos Zimermann
Ettiène Guérios
Rossano Silva

INTRODUÇÃO
Em artigos de referência no ensino na EJA, de autores como Tânia
Maria de Melo Moura (2020), Sônia Maria de Vargas e Maria Cecília
Fantinato (2017), e outros, é possível perceber alguns entraves nessa
modalidade de ensino. Dentre eles, destacam-se, a falta de normativas
específicas, os critérios de escolha dos profissionais à modalidade, a
diversidade encontrada em sala de aula e a formação específica desses
educadores na Educação de Jovens e Adultos.
Na década de 1990 ocorreram movimentos em prol dessa
modalidade de ensino. A Associação Nacional de Formação de Professores
(ANFOP) redigiu um documento que delineia o perfil dos professores no
Brasil em todas as modalidades, mostrando o perfil dos profissionais da EJA
e propondo que os cursos ofertem formação específica. Em maio de 2021,
muito recentemente, saíram as primeiras normativas da modalidade, as
Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos
relativos ao seu alinhamento à Política Nacional de Alfabetização (PNA) e à
Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Normativas essas que orientam,
mas deixam muitas lacunas. Uma delas é a formação adequada dos
profissionais de ensino, que não são especificadas nesses documentos, e
devem levar em consideração a realidade dos jovens e adultos e o mercado
de trabalho.

156
A ausência de reflexão, nas licenciaturas, sobre as características de
uma educação que privilegie a diversidade, a autonomia e o diálogo foi
sinalizada pelos professores como um entrave para a adoção de uma postura
que leve em conta os saberes e os processos de construção de conhecimentos
próprios dos educandos, compatível com uma prática docente crítica e
transformadora na EJA.
O processo de se tornar professor da educação de jovens e adultos
parece gerar, também, o que chamamos em estudo anterior de ―a
identificação com os alunos da EJA‖ (FANTINATO; GARCIA, 2010), ou
seja, o trabalho docente com educandos adultos propicia uma aproximação
entre professores e alunos. Essa aproximação pode ser motivada por vários
fatores, dentre eles a proximidade de faixa etária entre professores e alunos,
permitindo abordar, na sala de aula, assuntos que estariam distantes de um
currículo para crianças. No desenvolvimento do trabalho com os adultos,
pode-se estabelecer um clima de maior transparência, ou mesmo abordar o
que uma professora chama de temas sociais. (VARGAS, S. M. de;
FANTINATO, M. C. de C. B. 2011, p.920).
A educação escolar e o meio social exercem ação recíproca e
permanente um sobre o outro, lembrando que ao trabalhar com os
estudantes da EJA, devemos considerar suas diferentes realidades para a
prática docente. O educador Fernando Hernández (2007) diz que nosso
aluno ―não pode se limitar a saber a matéria‖, pois está inserido em uma
realidade complexa, que exige de nós professores ―maneiras alternativas de
explorar as atuais disciplinas escolares‖.
A partir do levantamento bibliográfico de pesquisas sobre o tema, o
presente artigo tem como objetivo apresentar reflexões acerca da relação dos
conceitos de cultura visual e gamificação, para subsidiar a formação de
educadores em EJA, relacionando de maneira articulada, as disciplinas de
arte e matemática.
Na busca por uma perspectiva crítica e criativa para o ensino de Matemática,
encontramos [...] abordagens que podem propiciar a transformação do
ensino tradicional e da realidade por meio da sensibilização e do
desenvolvimento da criticidade e da criatividade que se dá na
contextualização, analogias, novas e diferentes visualidades e interlocução
com mídias e tecnologia. Desejamos inspirar professores e pesquisadores na
difusão dessas práticas educativas que mobilizam a interface Arte e

157
Matemática, considerando também as discussões provocadas. (SANTOS,
GONÇALVES, 2020, p.1166).
Deste modo, o educador pode observar sua ação de forma
panorâmica, articulada com disciplinas e a relação com os educandos da
EJA, para além da compreensão reducionista de uso da tecnologia como
recurso didático.
O governo do Estado do Paraná lançou em 2006 as Diretrizes
Curriculares da Educação de Jovens e Adultos com objetivo de
horizontalizar todas as escolas e núcleos regionais de educação visando
nortear o trabalho do educador e garantir a apropriação do conhecimento
pelos estudantes da rede pública. Segundo as diretrizes:
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), como modalidade educacional que
atende a educandos trabalhadores, tem como finalidades e objetivos o
compromisso com a formação humana e com o acesso à cultura geral, de
modo que os educandos aprimorem sua consciência crítica, e adotem
atitudes éticas e compromisso político, para o desenvolvimento da sua
autonomia intelectual. (DCE, 2006, p. 27).
No município de Curitiba, as Diretrizes Curriculares para EJA são
rasas nas descrições acerca da formação, pois não descreve prazos e qualquer
orientação de como se daria o processo formativo, como parte de uma breve
descrição traz:
Para a viabilização da Proposta de Formação dos Profissionais que atuam na
Educação de Jovens e Adultos cabe à Secretaria Municipal de Educação
ofertar assessoramentos pedagógicos, discussões e análises das questões
referentes ao encaminhamento metodológico, dificuldades de aprendizagem,
sugestões de ações para a efetivação da prática pedagógica, atendimentos
individualizados e momentos de formação para utilização do material
pedagógico.(2012. P.34).
Ao analisarmos os objetivos e compromissos das Diretrizes da EJA
do Paraná e de Curitiba, percebemos a necessidade de diálogo entre as
práticas pedagógicas e a realidade dos alunos, bem como a necessidade de
formação adequada para desenvolver tal tarefa.

1. ARTE E CULTURA VISUAL


As Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Arte do Estado do
Paraná (DCE-Arte) é um documento decorrente da lei maior (LDB), e têm o

158
objetivo de especificar as ações necessárias para o cumprimento das
determinações legais nas escolas do Paraná.
A metodologia citada nas DCE de arte é baseada na abordagem
triangular da Dra. Ana Mae Barbosa (2010) (tendo como referência a
Discipline Based Art Education– DBAE, desenvolvido pela Getty Foundation
nos EUA), em que utiliza uma representação triangular cujos eixos são:
contextualização, leitura de obras de arte e o fazer artístico. As obras
conceituais são a base das aulas de artes visuais.
Além das obras de artes conceituais, devemos nos atentar às
imagens que estão ao nosso redor, como por exemplo, as publicitárias e da
mídia, pois essas imagens são produtos da nossa cultura e amplamente
consumidas por nós. Mas que imagens são essas? Como elas nos chegam? O
que elas querem comunicar?
As imagens nos constroem como sujeitos num labirinto de teias de
significados que se interconectam nas dimensões sociais e simbólicas da
cultura. O conhecimento, assim como a cultura, é construído a partir de
múltiplas vozes, sentidos e perspectivas que refletem influências políticas,
econômicas, religiosas e sociais. (MARTINS, 2015, p.31)
O estudo dessas imagens se dá através da Cultura Visual, que
segundo Hernández ―em um mundo dominado por dispositivos visuais e
tecnologias da representação (as artes visuais atuam com tais) nossa
finalidade educativa deveria ser a de facilitar experiências reflexivas e
críticas‖. (HERNÁNDEZ, 2007, p. 25). O estudo de diferentes culturas está
presente também nas diretrizes da EJA:
O universo da EJA contempla diferentes culturas que devem ser priorizadas
na construção das diretrizes educacionais. Conforme Soares (1986), o
educando passa a ser visto como sujeito sócio histórico-cultural, com
conhecimentos e experiências acumuladas. Cada sujeito possui um tempo
próprio de formação, apropriando-se de saberes locais e universais, a partir
de uma perspectiva de ressignificação da concepção de mundo e de si
mesmo. Tendo em vista a diversidade desses educandos, com situações
socialmente diferenciadas, é preciso que a Educação de Jovens e Adultos
proporcione seu atendimento por meio de outras formas de socialização dos
conhecimentos e culturas. (DCE, 2006, p.27)
A cultura visual, segundo Irene Tourinho (2011), é baseada no
princípio de que as práticas são construídas social e culturalmente, visando
um olhar crítico e investigativo em relação às imagens. Hernández (2011,

159
p.35) afirma que ―a contribuição principal da perspectiva da cultura visual é
propor (argumentando seu sentido) uma mudança de foco do olhar e do
lugar de quem vê‖. Portanto é necessário um olhar especial do professor em
relação a alfabetização visual na escola. Da mesma maneira que o aluno
aprende a ler e interpretar textos, deve aprender a ler e interpretar imagens.
Considerando-se a multiplicidade constitutiva da realidade da EJA, a cultura
visual colabora para que os alunos possam trazer para sala de aula aspectos
próprios de suas realidades.

2. POSSIBILIDADES DE ARTICULAÇÃO METODOLÓGICA NA


FORMAÇÃO DO EDUCADOR DA EJA
Para colaborar com o desenvolvimento de cidadãos com consciência
crítica, é relevante pensar a formação de professores que atentem para as
necessidades singulares da EJA, promovendo um cenário em que o educador
se proponha a inovar a partir de articulações entre as diversas disciplinas
escolares, de modo que tais conhecimentos tenham significado para o
estudante. A proposta específica desse artigo é a possibilidade de trabalhar
arte e matemática. Neste processo formativo o educador da EJA precisa
considerar:
trazer a Matemática da vida para o contexto escolar de EJA configura o
aluno adulto de EJA como aquele ―possuidor de um aspecto cultural‖ que
deve ser considerado, a perspectiva pela qual se considera o tal aspecto
cultural, no entanto, posiciona o aluno como aquele que terá dificuldades em
conciliar, ou ao menos relacionar, a sua cultura com os conteúdos mais
sofisticados (mais escolares) da escola. (SCHNEIDER, FONSECA, 2014.
p.1299).
Precisa também considerar que para o aluno da EJA, a percepção de
distanciamento entre a matemática do cotidiano e a matemática da escola
pode representar outro desafio para o educador, e que também necessita ser
considerado pelas ações formativas. Compreende-se que, assim como o
planeta, a escola está em constante modificação, inclusive, em relação a
presença da tecnologia, que já é parte do nosso cotidiano, como por
exemplo, no uso dos smartphones, com múltiplas funções e a gamificação, tão
presentes na vida dos mais jovens. Devemos pensar nessas mecânicas como
instrumentos de ensino aprendizagem.
Entre os desafios para a formação, há possibilidades que podem se
apresentar potencialmente relevantes, naturalmente não como solução

160
definitiva, mas como alternativa de equilíbrio. Um exemplo é a gamificação:
o uso de mecânicas, estéticas e pensamentos dos games para engajar pessoas,
motivar a ação, promover a aprendizagem e resolver problemas (KAAP,
2012 Apud FARDO 2013). A gamificação, possibilita trazer para a formação
continuada dos educadores, a ação de promover aprendizagem de forma
prazerosa, não estando limitada apenas para as aprendizagens dos
estudantes, mas também para os educadores, mantendo o cuidado para que
o conceito de diversão seja pedagógico, conforme a firma a pesquisa de
Pimentel, Nunes e Júnior:
Do ponto de vista dos estudos realizados pelo grupo de pesquisa que estamos
inseridos, o conceito da diversão ou da animação tem provocado uma série
de interrogações, principalmente quando se perde o foco da aprendizagem e
são utilizadas as técnicas, metodologias ou os jogos digitais somente para a
diversão do aluno, esquecendo-se que nesses momentos ocorre
aprendizagem, inclusive numa perspectiva tangencial. Não se trata de
eliminar a questão da diversão na educação, muito menos de banalizar tal
conceito, mas de refletir que é necessário cada vez mais unir (ou redescobrir)
o lúdico e a aprendizagem.(2020.p. 9).
Gamificar aulas tem sido tema recorrente de pesquisas, bem como o
desenvolvimento de diferentes estratégias didáticas pelos educadores.
Planejada de modo adequado, a gamificação pode ser pensada como
estratégia didática para a sala de aula e para além dela, permeando outros
espaços formativos. Por exemplo, na formação continuada dos professores
que atuam na EJA especialmente em contexto remoto emergencial, devido à
pandemia provocada pela COVID-19. Observe-se que:
A Gamificação surge como uma proposta educacional de abordagem
multimodal que visa fortalecer o processo de aprendizagem, pretendendo
despertar o interesse, a curiosidade e a participação nos indivíduos, e ainda
utilizar elementos modernos e prazerosos para a realização de tarefas e a
conquista de objetivos. Deverá ser precedida de planejamento, capacitação,
pesquisa e acompanhamento para que seja iniciativa consistente, agregadora
e resulte enriquecedora nos diversos segmentos da realidade contemporânea,
na educação, promovendo a motivação, o engajamento e a participação dos
usuários no processo, observados seus perfis e aspectos culturais, o contexto
onde estão inseridos e os objetivos do processo. (ORLANDI, DUQUE,
MORI, ORLANDI, 2018.p.23).

161
A gamificação, em especial os videogames são artefatos culturais
que devido o interesse dos alunos e a presença em seu cotidiano, podem e
devem ser abordados em sala de aula.
No artigo de Tavares e Sérvio (2015) ―Videogames em sala de aula:
aproximações entre cultura visual contemporânea e ensino de artes visuais‖,
os autores atentam aos interesses das novas gerações ligadas as culturas
digitais. Segundo dados apontados na pesquisa no ano de 2014, o Museu do
Videogame Itinerante exposto em um Shopping de Campo Grande, MT
recebeu cerca de 10,8 mil visitantes ao dia, enquanto Obsessão Infinita, de
Yayoi Kusama, em São Paulo, SP recebeu 8,7 mil visitantes e a Bienal de
São Paulo 5,2 mil visitantes.
Esses números reiteram a estimados nativos digitais pelos videogames em
detrimento das artes ―tradicionais‖ e, consequentemente, a necessidade de
professores e pesquisadores pensarem a relação entre esse artefato visual e o
universo da arte hoje. (TAVARES, SÉRVIO, 2015)
O jogo Manifold Garden, de William Chris se inspira nos desenhos do
artista M.C. Escher em que os desafios são baseados na matemática e física,
o jogador precisa resolver quebra-cabeças variados para evoluir. O jogo A
Mansão de Queléra é uma aventura investigativa, em que o jogador entra em
contato com artistas e obras de artes clássicas para desvendar os mistérios
propostos, o jogo foi recomendado pelo MEC como ferramenta de
tecnologia educacional.
É importante a aproximação do educador as preferências de seus
alunos, e em uma percepção geral, percebemos a preferência deles por
atividades que se relacionam com tecnologia, como os jogos. Devemos,
portanto, ofertar possibilidades que sejam educativas, que trabalhem com
outros mundos, diferentes das propostas pela indústria dos jogos eletrônicos.
Sem adequada formação, alguns professores desenvolvem a prática
pedagógica desconhecendo as especificidades e peculiaridades dos sujeitos
em processo de escolarização:
Utilizam metodologias (técnicas, recursos e atividades) sem significado para
os alunos trabalhadores, desconsiderando o contexto e a historicidade desses
sujeitos. Na maioria das vezes, os professores utilizam o mecanismo da
reprodução do seu processo de escolarização para determinar a metodologia
de trabalho nas salas de EJA. Não possui os fundamentos que lhes permitam
incluir referenciais teórico-metodológicos próprios à área. (MOURA,
2009.p.46-47).

162
Não criam situações de aprendizagem que possibilitem relação entre
diferentes áreas de conhecimento, assim como, entre estas e os contextos
cotidianos que permitam engajamento, mobilização e participação no
processo de aprendizagem de modo a minimizar a dicotomia entre
matemática escolar e matemática do cotidiano do aluno trabalhador da EJA.
Entre as diferentes áreas do conhecimento, focalizamos a matemática na
perspectiva do campo cognitivo e a arte na do campo formativo,
promovendo a articulação, mediadas pela gamificação. Para tanto, as
formações para os educadores da EJA, precisam provocar a reflexão não
apenas sobre a necessidade, mas especialmente sobre como fazê-la acontecer
na prática docente, ou seja, um encontro formativo em que os educadores da
EJA possam ter experiência de aprendizagem gamificada para que se sintam
inspirados a utilizá-los em sala com seus alunos.
Uma sugestão para ilustrar essa proposição, seria de promover um
encontro formativo no qual os educadores da EJA fossem convidados a
realizar uma prática artística, partindo da observação de uma imagem
retirada de um jogo de videogame (pesquisar previamente o nome de alguns
jogos) que provocassem explanações sobre suas percepções a cerca dos
elementos visuais e contextualização. Dividir os professores em grupos e,
partindo da imagem bidimensional, fazer a releitura de maneira
tridimensional, em formato de maquetes, explorando a criatividade em
diferentes composições e relações com a matemática, como quantidades,
figuras geométricas, escalas, etc, Os recursos podem ser adaptados de acordo
com o momento, variando da diversidade de materiais num encontro
presencial, para diferentes Objetos Virtuais de Aprendizagem (OVA), em um
encontro on-line. Depois das apresentações de suas releituras artísticas
relacionadas ao conteúdo curricular da Arte e da Matemática, os grupos de
educadores participariam de um Quiz, realizado como revisão da abordagem
do encontro e avaliação do mesmo, seria dinamizado com o uso do
aplicativo Kahoot! Plataforma gratuita, em português com a necessidade de
conectividade via internet, na qual participantes acessam a página de
perguntas, definida pelo formador, a partir de um PIN (código de acesso
gerado na hora).
Os educadores participantes da formação respondem às perguntas
dentro do tempo definido pelo questionário, gerando ao final uma pontuação
por participante e por equipe, ou seja, seria identificada a equipe com melhor
resultado no Quiz e para finalizar, cada participante expressaria em uma

163
palavra seu olhar sobre a formação, tais contribuições seriam utilizadas na
nuvem de palavras que resumiria a formação. Com essa experiência, os
educadores teriam conhecimento teórico e prático que poderia inspirar o uso
da gamificação como mediação na articulação das disciplinas.
A formação pode valer-se de estratégias como a gamificação, ou
ainda articulá-la a outras possibilidades pedagógicas como a partir do campo
de estudo da cultura visual. Hernández (2007) apresenta questões para
compor um caminho norteador que possibilita a autonomia dos educadores
na organização de uma abordagem educativa com horizonte interdisciplinar
que contemple arte e matemática. Tais questões devem ser debatidas e
adaptadas a cada contexto escolar. São elas:

1. De que critérios necessitamos para dialogar de maneira crítica com as


manifestações públicas e particulares relacionadas com a cultura visual? 2.
Como podemos desenvolver atitudes e procedimentos criativos que nos
permitam comunicar nossa maneira de nos relacionarmos com o mundo, com
os outros e conosco mesmos? 3. Que projetos de investigação podemos
desenvolver sobre problemáticas que requeiram integração de saberes? 4. Como
tornar público o que vamos aprendendo e como vinculá-lo a propostas de
intervenção social? 5. Como, mediante a compreensão crítica e performativa da
cultura visual, podemos favorecer o autoconhecimento dos jovens e o
reconhecimento de que podem aprender com os outros? 6. Como favorecer
posicionamentos alternativos vinculados à cultura visual que não estejam
atreladas ao prazer? (HERNÁNDEZ, 2007, p. 56)

Outra possibilidade pedagógica seriam os Projetos de Trabalhos,


propostos por Hernández, que ―significa enfrentar o planejamento e a
solução de problemas reais e oferece a possibilidade de investigar um tema
partindo de um enfoque relacional que vincula ideias-chave e metodologias
de diferentes disciplinas‖ (HERNÁNDEZ, 1998, p. 89). Em 9 pontos ele
descreve o que pode ser um projeto de trabalho (HERNÁNDEZ, 1998, p.
82):

1. Percurso por tema-problema que favorece análise, a interpretação e a crítica


(como contraste de pontos de vista).2. Onde predomina a atitude de
cooperação, e o professor é um aprendiz, e não um especialista (pois ajuda a
aprender sobre temas que irá estudar com os alunos). 3. Um percurso que
procura estabelecer conexões e questiona a ideia de uma versão única da
realidade. 4. Cada percurso é singular, e se trabalha com diferentes tipos de
informação. 5. O decente ensina, do que os outros dizem, também podemos
aprender. 6. Há diferentes formas de aprender aquilo que queremos ensinar (e

164
não sabemos se aprenderão isso ou outras coisas). 7. Uma aproximação
atualizada aos problemas das disciplinas e dos saberes. 8. Uma forma de
aprendizagem na qual se leva em conta que todos os alunos podem aprender,
se encontrarem o lugar para isso. 8. Por isso, não se esqueça que aprendizagem
vinculado ao fazer, à atividade manual e a intuição também é uma forma de
aprendizagem.
Dessa forma, com planejamento, os Projetos de trabalhos também
podem ser desenvolvidos como estratégias pedagógicas.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Educação de Jovens e Adultos, não raro fica à margem das
prioridades em relação à educação, de modo que os professores que atuam
nesta modalidade de ensino identifiquem com clareza as lacunas formativas
para atender as peculiaridades da EJA em seu cotidiano de trabalho.
Sabendo da necessidade de aproximar à realidade das práticas pedagógicas, é
necessário, segundo Sônia Maria Haracemiv, Ana Soek e Emanuelle Milek:
uma formação de educadores que consiga ultrapassar a ideia simplória de
transposição didática, entre os conteúdos escolares e os aspectos pessoais,
locais e relevantes para a vida, estabelecendo assim novos sentidos na educa-
ção dessas pessoas que já possuem bagagem cultural e de conhecimentos
adquiridos em outras instâncias, mas que a escola precisa reconhecer e saber
validar frente às exigências curriculares e de organização pedagógica escolar.
(HARACEMIV, SOEK, MILEK, 2019, p. 162).
Pensando na formação docente e no uso das tecnologias, cada dia
mais presente em nossa realidade, apontamos possibilidades pedagógicas,
sugerindo a gamificação como estratégia didática, bem como as imagens
presentes nesse universo digital. Os projetos de trabalhos se apresentam
como caminho a ser seguido, não sendo uma metodologia, e sim um
percurso que busca a aprendizagem através da problematização.
Considera-se que os desafios da formação dos educadores da EJA,
aliados aos desafios de articulação dos conteúdos curriculares das disciplinas
de Arte e Matemática, são significativos, contudo não são impeditivos para a
contínua busca de articulá-los, seja, pela gamificação como sugerimos, ou
ainda outras tantas estratégias criativas de promoção da aprendizagem que
professores e educadores buscam se apropriar.
Mas fica a dúvida e a necessidade de pesquisas sobre a questão de
como realizá-las, visto que para isso, retorna-se à questão acerca das lacunas
na formação destes educadores, que trazem em si, algumas singularidades.

165
Desse modo, as reflexões aqui descritas, se apresentam como um convite
para persistir e configuram-se como possibilidade para promoção da
motivação e do engajamento para os educadores, impulsionando o fazer
docente para além da apropriação dos saberes pertinentes à prática, o
diálogo, a autonomia e a diversidade, característicos da Educação de Jovens
Adultos.

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168
A PESQUISA PARTICIPANTE E A
FORMAÇÃO DOCENTE EM TEMPOS
DE PANDEMIA COVID-19

Maurício Fagundes
Elizangela Sarraff
Tanice Patrício Massuchetto
Hector Paulo Burnagui

Introdução
A pandemia Covid-19, desde o início do mês de março do ano de
2020, atropelou os formatos presenciais, já consagrados nos processos de
ensino, pesquisa e extensão nos diferentes níveis da educação.
A pandemia em um primeiro momento causou a paralisia do siste-
ma de educação e em um segundo momento, a assunção da alternativa vir-
tual como caminho para dar prosseguimento às atividades inerentes ao ensi-
nar, aprender e pesquisar.
Apresentamos neste artigo o relato de quatro experiências, sendo
três delas ligadas ao desenvolvimento de pesquisas na pós-graduação e uma
relacionada a um grupo de pesquisa que durante a pandemia ousou na cons-
trução de um projeto de pesquisa internacional, juntamente com uma Uni-
versidade da Argentina.
Este artigo tem por objetivo problematizar os processos de pesquisa
desenvolvidos na pós-graduação e em um grupo de pesquisa, durante a pan-
demia Covid-19. O desafio que se apresentava era o de desenvolver pesqui-
sas do tipo participante, bem como as suas implicações na formação docente
por meio de ambientes virtuais.
A metodologia que orienta este artigo é de natureza qualitativa e de-
senvolvida por meio de relatos das experiências. As fontes dos dados que
dão corpo a estes escritos são decorrentes das vivências narradas pelos qua-
tro pesquisadores/as, acerca de seus processos de pesquisa com professores
da Educação Básica e Ensino Superior.
Organizamos o artigo cinco partes. A primeira relata uma pesquisa
participante com professores da educação básica e superior, focando na pos-

169
sibilidade da formação do professor por meio da práxis. A segunda experiên-
cia relata os movimentos e desafios de um mestrando pesquisador, que inicia
sua jornada já em plena pandemia. A terceira experiência remete o leitor ao
universo de uma pesquisa com professores e estudantes da educação funda-
mental, que buscam aproximar a cultura popular aos saberes escolares. A
quarta e última experiência, relata a construção de um projeto de investiga-
ção internacional, descobrindo possibilidades em meio aos muitos limites
impostos pela pandemia e pela ausência de compromisso governamental
com a educação e com a ciência. Por último, concluímos com as considera-
ções, sempre provisórias.

Primeira experiência: as possibilidades e as limitações impostas pela pan-


demia da Covid-19 à Pesquisa Participante e processo formativo de pro-
fessores(as)

Esta é uma pequena síntese sobre a experiência que vivenciei com


a Pesquisa Participante e a formação docente em tempos de pandemia da
Covid-19, durante a execução de meu mestrado em educação. Tal experiên-
cia é resultante da pesquisa intitulada O potencial de formação e trans-formação
do(a) professor(a) por via da práxis, realizada no período de 2019 a 2021, mo-
mento este em que as dificuldades geradas pelo distanciamento social culmi-
naram na revelação de diferentes ferramentas tecnológicas no contexto esco-
lar.
Esta pesquisa buscou evidenciar as limitações e possibilidades do
processo de formação permanente e transformação do(a) professor(a) da
educação pública (da Educação Básica ao Ensino Superior) por via da prá-
xis42, de modo a refletir em sua prática docente, encontrando em Paulo Frei-
re seu principal aporte teórico. Alicerçou-se na metodologia da Pesquisa
Participante, que privilegia a relação e convivência com o outro, os sujeitos da
pesquisa.
Tal participação se daria, a princípio, por meio de encontros for-
mativos presenciais, os Círculos de Diálogos de Formação Docente, inspirados
nos círculos de cultura freireanos43.

42
Freire define práxis como o processo de reflexão e ação do ser humano sobre o mundo, de
forma que, a partir de então, seja possível transformá-lo (FREIRE, 2019).
43
Os Círculos de Cultura de Paulo Freire foram responsáveis pela edificação de um conjunto de
procedimentos que direcionavam os integrantes de uma pesquisa ao lugar de sujeitos e co-

170
No entanto, em março de 2020, os governantes de Curitiba decidi-
ram pelo fechamento das escolas e universidades. Recordo-me que as aulas
da Universidade Federal do Paraná foram canceladas, sem previsão de re-
torno. Conforme os meses seguiam e a pandemia não dava sinal de melhora,
algumas disciplinas do Programa passaram a ser ofertadas em formato on-
line. Neste momento, tive consciência de que minha pesquisa também seria
impactada pela pandemia.
Me vi diante de um cenário desconhecido e duvidoso, do qual emer-
giram incertezas em relação às possibilidades da Pesquisa Participante: Co-
mo me relacionaria com o outro sem estar com o outro? Como concretizaria
uma prática de presença na ausência?
Na Pesquisa Participante, os(as) participantes não são apenas sujei-
tos passivos, mas parte da investigação e, conforme com ela se envolvem,
mais compreendem sobre a realidade que os(as) cerca. Estes(as), junto ao(à)
pesquisador(a), tornam-se investigadores(as) de suas realidades e verticali-
zam seu vínculo, superando a relação sujeito-objeto e consolidando a relação
sujeito-sujeito (BRANDÃO; BORGES, 2007).
Ao encontro a este pensamento, Freire (1985) anuncia que o povo
necessita interagir com a pesquisa como investigador, não como objeto.
Consciente disto, defini persistir e adaptar a experiência da Pesquisa Partici-
pante e dos Círculos de Diálogos de Formação Docente ao formato remoto.
Tomada a decisão, os convites para os encontros formativos foram
veiculados por meio das redes sociais, como Facebook, Instagram e What-
sApp. De início, quinze participantes se inscreveram e todas as vagas dispo-
níveis se preencheram. No entanto, esbarrei com uma primeira dificuldade:
sem o contato e o aconchego da presença nos encontros, o vínculo com o
outro demorou a ser consolidado e desistências ocorreram antes disso, per-
manecendo nove professores(as) no grupo.
Dez encontros formativos aconteceram por meio da plataforma de
videoconferência da Universidade Federal do Paraná – além de entrevistas
semiestruturadas realizadas individualmente, de modo complementar aos
Círculos. A plataforma foi uma ferramenta de extrema importância, que
permitiu, dentro das possibilidades dadas, com que os diálogos aconteces-
sem. Nesta dinâmica formativa, os(as) participantes foram encorajados a

participantes, estabelecendo-se como a primeira experiência em que homens e mulheres ocupa-


ram seu lugar de fala – antes somente ocupado pelo pesquisador –, sendo a palavra entendida
aqui como participação e responsabilização (FREIRE, 2019).

171
dizer a sua palavra44, já que é um direito humano expressar-se no mundo
(FREIRE, 2019); a superar o penso, já que o sujeito pensante não pensa só
(FREIRE, 1983), e a construir o pensamos, desconstruindo o fazer científico
solitário, tecendo uma pesquisa solidária, feita a várias mãos (BRANDÃO,
2003) e vozes.
Sendo o diálogo algo tão valoroso, como acredita o educador Paulo
Freire (2019), qualquer formação deveria acontecer por meio dele. Não foi
possível ocupar o chão da escola ou da universidade para promove-lo, nem
sentarmos em uma grande roda, para dialogar olhando uns para os outros.
Entretanto, a plataforma fez-se um lugar de encontro, um veículo de voz na e
para a pesquisa. Foi possível, também, por seu intermédio, que o acesso à
formação se desse não somente aos(às) professores(as) de Curitiba, propici-
ando o intercâmbio de participantes imersos em cidades e estados com reali-
dades educativas distintas.
Deparei-me, além disso, com outra dificuldade. Muitas pessoas pre-
feriam deixar as câmeras desligadas. Não havia o olho no olho e esta invisibi-
lidade, esta quase ausência, me fazia sentir desconfortável e sozinha.
Convivi com professores(as) exaustos, imersos em rotinas de traba-
lho antes desconhecidas. Ao aconselhar leituras prévias ao grupo, para que
disparassem as discussões no grupo, prontamente identifiquei que estas não
eram realizadas em decorrência do tempo escasso destes(as) profissionais.
Então, novamente nos readaptamos e optamos por leituras coletivas, feitas
ao longo dos encontros.
Conforme os Círculos aconteciam, os(as) participantes sentiam-se
mais à vontade. Tivemos récitas de cordéis, apresentação de flauta doce,
relatos de experiências emocionantes sobre a Educação Popular, choros e
gargalhadas. À medida que a vida era narrada, emergiam as revoltas sobre o
sistema de ensino, sobre as infinitas burocracias que sobrecarregam o(a)
professor(a), sobre a falta de tempo e disposição para as formações que mui-
tas vezes não correspondiam às suas expectativas. A realidade docente vinha
à tona, mesmo à distância. As trocas aconteciam, dentro de suas limitações,
afinal, como proclama Freire (2019), o ser humano é um ser de relações e
aprendi, com esta experiência, que ele as buscará, independente do contexto.

44
Dizer a sua palavra, de acordo com Freire (2019b) significa ter a oportunidade de desenvolver
a consciência sobre sua condição de sujeito de sua história, significa existir como sujeito do
mundo.

172
Chegado o último Círculo, já fazíamos planos de nos encontrarmos
presencialmente, ao final da pandemia, de nos conhecermos. Entendi, então,
que por maior sucesso que tivéssemos alcançado na pesquisa, que nossas
noites tivessem nos despertado tantas inquietações e aprendizados, a carên-
cia da presença real estava dentro de cada um de nós. Freire (2019) costuma
dizer que o ser humano é um ser de relações e aprendi, com esta experiência,
que ele as buscará, independente do contexto.
Apesar de adotar uma estratégia de formação mediada pelas tecno-
logias, ainda assim foi possível vivenciar os princípios da Pesquisa Partici-
pante. Por meio dela, problematizou-se a formação docente na unidade dia-
lética da teoria e prática. A partir das temáticas surgidas no grupo, buscou-se
aprofundamento teórico na obra de Freire. Os Círculos possibilitaram a-
os(às) participantes a emersão de reflexões sobre suas ações docentes e pro-
blematizações acerca da realidade circundante, edificando um processo for-
mativo permeado pela autonomia dos educadores e educadoras e promissor
à construção da práxis.
No entanto, afirmo que as adversidades foram muitas. Até mesmo
para ações simples, como assinar um termo de consentimento e de participa-
ção na pesquisa. Enfrentou-se o tempo de tela excessivo, que não favorecia
que os finais dos encontros tivessem a mesma qualidade dos momentos ini-
ciais; muitos participantes desistiram de participar por preferirem outras
atividades a estar por mais horas do dia fazendo uso da tecnologia; a timi-
dez, acanhamento ou a necessidade de realizar outras atividades, contribuiu
para que algumas câmeras se mantivessem desligadas. Por fim, os vínculos
laços e emoções poderiam ter sido experienciados com maior vivacidade no
contato próximo e presencial.
As inteligências artificiais continuarão a evoluir, mas a necessidade
da presença(a) do professor(a) sempre será indispensável. Lembremos que a
tecnologia é uma produção do ser humano e, por conseguinte, faz parte de
sua cultura, não podendo ser negada (SOFFBER, 2013). Os docentes preci-
sam acompanhar esta etapa da evolução humana, de modo proveitoso, que
possa contribuir com o desenvolvimento da autonomia dos(as) estudantes.
Serão os(a) professores(as) os grandes mediadores deste processo (MORIN,
1995). Indo além, a eles(as) caberá a essencial tarefa de ensinar a humanizar o
ser humano, presencialmente, por meio do diálogo e das relações, já que ―nin-
guém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam
entre si, mediatizados pelo mundo‖ (FREIRE, 2019, p. 39). Educandos(as)

173
precisam aprender a enxergarem-se como gente, gente que luta por sua eman-
cipação, conscientes de sua posição na sociedade, atingindo a verdadeira
práxis, como Freire (2019) defende fortemente. Isso de forma nenhuma se dá
com gente virtual, mas com gente de verdade.

Segunda experiência: um mestrando em tempos de pandemia - do acesso


as jornadas acadêmicas

Os caminhos trilhados na construção do conhecimento e formação


teórica de um estudante de pós graduação são árduos: um misto de suor,
lágrimas e horas de dedicação a leitura e a escrita. Essa premissa é válida em
tempos de normalidade, mas e quando o acesso se dá no epicentro de uma
pandemia mundial?
Da entrevista para acesso ao curso de Mestrado Profissional em E-
ducação até cursar as disciplinas obrigatórias e eletivas, tudo acontecendo
por meios digitais. Síncrono e assíncrono agora são verbetes recorrentes na
linguagem cotidiana. Horas intermináveis em frente de telas várias e novos
conhecimentos, até há pouco tempo, considerados fúteis passaram a ganhar
características essenciais para a escrita e desenvolvimento da pesquisa que se
pretende construir.
WhtatsApp, Isntagram, GoogleMeet, Zoom, Microsoft Teams entre outras
ferramentas, ganharam status de sala de aula e tudo o que ocorria de corpo
presente nas salas convencionais dos bancos universitários, passaram a ser
reproduzidos na velocidade da banda larga escolhida para as residências,
tornando o contato humano, pele a pele, pó de giz, no frio contato das telas,
câmeras hora abertas hora fechadas. Vídeos chamadas e todos, querendo ou
não, precisaram adaptar-se. Afinal o conhecimento é construído de diversas
maneiras e, em meio as incertezas deste momento histórico, precisamos nos
reinventar.
Mas, como formar senso de comunidade, de grupo e construir as
pontes necessários para a construção do conhecimento no processo de escrita
de pesquisas, no campo da educação, onde essencialmente as relações são
pautadas pela afetividade e contatos humanos?
A turma de 2020 do Programa de Pós-Graduação Educação: Teoria
e Prática De Ensino - Mestrado Profissional – a qual este interlocutor perten-
ce vem buscando caminhos para responder essa questão. O sentimento inici-
al coletivo era que seria um grande desafio a ser trilhado, com muito ceticis-

174
mo quanto as possibilidades, entretanto após um ano de caminhada entre
salas on-line e debates pelas redes socias, as conclusões não são tão adversas
quanto no início da caminhada.
Como todo modelo de ensino as experiências realizadas por meios
digitais trouxeram em seu bojo muitas dificuldades. Na nossa experiência de
mestrando, a ausência da troca efetiva e na construção dos debates acerca da
construção do conhecimento científico e diretrizes para superação do senso
comum do conceito pesquisa foi o fato mais relevante.
A adaptação a um modelo de aulas expositivas com debate delimi-
tado a uma intervenção por vez, dada as características da tecnologia atual,
para professoras e professores acostumados com o chão de escola foi, sem
sombra de dúvidas, o primeiro conhecimento construído e consolidado no
Mestrado.
Entretanto barreiras que seriam impeditivos e, até mesmo fadariam
a desistência de alguns estudantes, como o deslocamento de cidades distan-
tes para a capital, horários conflitantes com o trabalho presencial entre ou-
tros foram superados nesta possibilidade de trabalho em home office aliados a
formação em salas virtuais.
Neste sentido frisamos a nossa capacidade de aprendizagem e re-
formulação do conhecimento quando somos colocados em situações adver-
sas, quando da necessidade de usarmos a criatividade e compreendermos a
história como possibilidade, assim como Paulo Freire nos lembra:
O homem e a mulher fazem a história a partir de uma dada circunstância
concreta, de uma estrutura que já existe quando a gente chega ao mundo.
Mas esse tempo e esse espaço têm que ser um tempo-espaço de possibilidade,
e não um tempo-espaço que nos determina mecanicamente. O que eu quero
dizer com isso é que, no momento em que entendo a história como possibili-
dade, também entendo sua impossibilidade. O futuro não é um pré-dado.
Quando uma geração chega ao mundo, seu futuro não está predeterminado,
preestabelecido. Por outro lado, o futuro não é também, por exemplo, a pura
repetição de um presente de insatisfações. O futuro é algo que se vai dando, e
esse ―se vai dando‖ significa que o futuro existe na medida em que eu ou nós
mudamos o presente. E é mudando o presente que a gente fabrica o futuro;
por isso, então a história é possibilidade e não determinação. (FREIRE,
2005, p. 90)
Nesta perspectiva ao fabricarmos nosso futuro como pesquisadores
formados em tempos de pandemia fabricamos, consequente e concomitan-

175
temente, novas formas de relações humanas, mais frias do que conhecemos
na realidade não virtual, porém não menos afetivas e engajadas.
Neste último aspecto, as barreiras impostas pelo modelo síncro-
no/assíncrono virtual, também nos impuseram um senso de comunidade
incomum, um grupo de pesquisadores em formação que para além de supe-
rar as dificuldades inerentes a esta etapa de ensino construíram relações de
solidariedade e afetividade com pessoas que não se conhecem e, provavel-
mente, não se conhecerão pessoalmente. A cada passo dado como grupo nos
fortalecemos como pesquisadores e, essa experiência, com certeza, será úni-
ca.
Por último, esse pesquisador, considera importante ponderar que as
ferramentas virtuais nos são de grande valia em tempos onde a incerteza é a
certeza, mas que estas não substituem as relações humanas pautadas pelo
toque, pela presencialidade e pelos debates que nos fazem avaliar e reaviar os
processos. Encerramos reforçando a citação de Freire: ―O futuro é algo que
se vai dando, e esse ―se vai dando‖ significa que o futuro existe na medida
em que eu ou nós mudamos o presente.‖

Terceira experiência: a pesquisa participante na escola em tempos de pan-


demia de covid-19: desafios e descobertas

Nesta minha experiência, apresento uma breve explanação reflexiva


sobre o papel das ferramentas tecnológicas na desafiante vivência em proces-
so de pesquisa participante na educação escolar. Trata-se de uma pesquisa de
mestrado, ocorrida entre 2019 e 2021, período em que sucedeu e ainda suce-
de a pandemia de corona vírus – Covid-19. Tal investigação, buscou com-
preender como se manifestam, os saberes e fazeres populares da cultura popu-
lar caiçara, com os saberes escolares, em uma escola localizada na comuni-
dade da Ilha dos Valadares da cidade de Paranaguá – Paraná. Para tanto,
realizou-se, com a participação de um grupo de seis docentes e dez estudan-
tes45 de uma escola estadual, por meio de um espaço formativo que deu-se
através da sistematização dos círculos dialógicos.

45
Os/As docentes participantes da pesquisa foram convidados através dos canais de comunica-
ção como e-mail e grupos de WhatsApp da escola. A investigação contou também com a parti-
cipação de um grupo de jovens estudantes que atuam num grupo de fandango caiçara juvenil na
comunidade. A escolha por essas participações se deu pelo fato destes/as possuírem um enga-
jamento em atividades cunho cultural na comunidade.

176
O estabelecimento do diálogo com os/as participantes se estabeleceu
com a intenção de identificar os elementos que compõem os saberes da cul-
tura caiçara. A partir do reconhecimento das práticas culturais da comuni-
dade, iniciou-se um processo de problematização sobre as relações da escola
com tais saberes, a fim de refletir sobre os desafios e possibilidades para a
concretização de ações pedagógicas que possibilitem a inter-relação dos co-
nhecimentos apreendidos na escola com os saberes da comunidade.
A cultura popular, de identidade caiçara do litoral do Paraná, se
manifesta através das práticas dos saberes resultantes dos fazeres relacionados
ao trabalho (das atividades ligadas ao mar e aos sítios nas Ilhas do entorno
da cidade de Paranaguá e Guaraqueçaba) e ao divertimento (expresso prin-
cipalmente através das festas de fandango). Desde de meados da década de
70, essa população, devido às dificuldades de permanência em seus locais de
origem, desloca-se em um processo migratório para a comunidade da Ilha
dos Valadares. (MARTINS, 2016). Verifica-se que, mesmo com as interfe-
rências nos modos de vida dessa população e à adaptação ao ―novo lugar‖, a
cultura resultante dos modos de vida desses sujeitos se sustenta em atuações
de coletivos que desenvolvem ações de salvaguarda cultural, principalmente
as manifestações de resguardo do fandango caiçara.
Considerando a importância desse movimento de resistência cultu-
ral na comunidade, indagou-se, através da investigação, o papel da escola no
processo de manutenção desses saberes populares. Após os estudos sobre
educação libertadora, sustentada pelas bases da pedagogia freireana foi pos-
sível vislumbrar – através dos conceitos de cultura popular, identidade cultu-
ral, educação escolar – os caminhos que direcionam para a educação popu-
lar, que privilegia a integração da cultura na ação pedagógica (BRANDÃO,
2017).
Da mesma forma, a metodologia de pesquisa participante, permitiu
sistematizar o estudo apontando para a concepção de educação dialógica,
pois este conceito nos convoca pensar a pesquisa educacional sob um olhar
crítico, possibilitando ponderar os meios de promover a aproximação dos
saberes da escola com os saberes da cultura. Freire (1999) defende que, a
comunicação dialógica, na prática educativa é também um exercício do
falar, do escutar e do refletir criticamente. Essa postura dialógica na escola
possibilita despontar para a interação dos saberes, sobretudo àqueles que se
manifestam das realidades concretas dos sujeitos da sociedade.

177
O diálogo é capaz de promover um processo de conscientização,
criando um movimento dialético que torna o/a educador/a capaz de identi-
ficar as potencialidades existentes nos saberes culturais recorrentes nas práti-
cas sociais dos/as estudantes, saberes estes que muitas vezes são invisibiliza-
dos pela escola. Nessa dinâmica, é possível desmistificar a prática da educa-
ção bancária (FREIRE, 1999) que ainda é tida como um paradigma ideal na
maioria das práticas educativas das escolas públicas brasileiras. Nesse senti-
do, a pesquisa participante, através dos círculos dialógicos, pode promover
um processo formativo pautado na prática educativa crítica (FREIRE, 2002),
permitindo que os sujeitos se transformem enquanto se formam.
É importante frisar que, a princípio, os círculos de diálogos foram
sistematizados para que acontecessem no espaço escolar de forma presencial.
Mas a pandemia de Covid-19, que assolou o planeta nos últimos dois anos,
interferiu significativamente nas relações de convívio escolar. Em conse-
quência disso, as práticas pedagógicas converteram-se em atividades remotas
através do uso das tecnologias, trazendo uma nova realidade e, consequen-
temente, novos desafios aos processos de ensino-aprendizagem escolar.
Essa nova conjuntura, conduziu a pesquisa para um novo desafio:
como realizar uma pesquisa formação, que estimule a participação ativa dos
sujeitos que movem as aprendizagens escolares, sendo que, nessa nova reali-
dade, os/as docentes e estudantes não se encontram no espaço físico escolar?
As reflexões sobre esse problema foram aos poucos se tornando so-
luções objetivas, e na medida em que a escola ia se moldando a essa realida-
de as possibilidades de adaptações metodológicas ficaram evidentes. Desta
forma, buscamos formas de realizar o processo formativo da pesquisa de
maneira que não descaracterizassem os objetivos metodológicos essenciais
para a realização de uma pesquisa participante, principalmente no que se
refere à qualidade das participações.
Já nos primeiros meses após a interrupção das atividades pedagógi-
cas presenciais das escolas estaduais do Paraná, os/as docentes atravessaram
adversidades adaptativas. Essa a realidade pandêmica trouxe consigo uma
realidade que até então apresentava-se distante para as práticas pedagógicas:
a dependência do uso integral das ferramentas tecnológicas para o desenvol-
vimento das aulas. Essas, que até então despontavam como recursos optati-
vos, tornaram-se essenciais para a realidade educacional. As ferramentas
tecnológicas educativas foram apresentadas aos/as profissionais da educação
com um caráter de urgência, da mesma forma as adaptações ao uso destas

178
foram aceleradas e com poucas instruções. Esse fato causou uma série de
dúvidas, desconfortos e situações estressantes. Ao mesmo tempo, evidenciou
a coletividade desses/as profissionais que se mobilizaram em um processo
coletivo de trocas de experiências e aprendizagens coletivas.
Nesse movimento de ajustamento das práticas educativas às tecno-
logias, a pesquisa iniciou-se. Ponderou-se o tempo necessário para que, tanto
os/as docentes quanto os/as estudantes se sentissem familiarizados com o
uso da tecnologia – especialmente da ferramenta de vídeo conferência usada
nas aulas – tornando-se possível promover os encontros de formação dos
círculos de diálogos, que foram empreendidos em dez encontros ao longo
dos meses de maio e junho de 2021.
Por fim, descobrimos que os diálogos estabelecidos dos círculos dia-
lógicos virtuais possibilitaram que a pesquisa fosse conduzida e que os obje-
tivos fossem alcançados. Os encontros virtuais, mesmo que não substituam
os encontros pessoais, amenizaram as dificuldades encontradas durante o
processo de pesquisa e os resultados que despontaram desses movimentos
renderam importantes problematizações e reflexões sobre educação e cultura
popular.

Quarta experiência: a construção de um projeto de pesquisa internacional


com professores do Ensino Superior ente Brasil e Argentina

Nesta experiência apresentamos o percurso da construção de um


projeto de pesquisa, bem como as descobertas e as possibilidades geradas
pelo contexto da Covid-19.
A Covid-19 não fez anúncios à educação ou a qualquer outro ramo
de atividade, simplesmente se instalou e em poucos meses se transformou
em pandemia.
Na Universidade Federal do Paraná, onde atuo como docente, após
a segunda semana de aula no formato presencial, em março de 2020, tive-
mos as atividades suspensas e, a partir de então, passamos a ministrar as
aulas virtualmente. Ou melhor, passamos a tatear nas muitas plataformas
online, para aos poucos tentar estabelecer um pouco de intimidade. Fomos
aos poucos estudando, conhecendo novos caminhos, criando novas formas
de nos comunicarmos e estabelecendo novas rotinas.
Nosso grupo de pesquisa, Universidade Escola, que se reunia pre-
sencialmente, passou a se reunir por meio virtual. Tivemos que reaprender

179
metodologias, nos desafiarmos a enfrentar a doença, nos solidarizarmos e ao
mesmo tempo continuarmos com nossas atividades.
A metodologia que trabalhamos está assentada na pesquisa partici-
pante, logo, o diálogo freireano e a presencialidade são essenciais, ao menos
era como entendíamos. Porém, a situação da pandemia somente avançava e
como não dava trégua, tivemos que nos reinventar.
Esse exercício nos foi mostrando outros caminhos, que se instituíam
como alternativos ao presencial. A pesquisa internacional, era um desejo do
grupo, que já vinha sendo acalentada a algum tempo.
As experiências da realização das aulas na forma online, tanto na
graduação quanto na pós-graduação, a realização de nossas reuniões do
grupo de pesquisa e das outras tantas reuniões que temos na Universidade,
foram nos encorajando avançar na direção da pesquisa internacional. Bus-
camos a parceria da Universidade Nacional de Avellaneda - UNDAV – Ar-
gentina, convidando-os para enfrentar juntos esse desafio e de pronto foi
aceito.
Paradoxalmente, a Covid-19 que nos afastava dos encontros presen-
ciais, acabou possibilitando a criação de condições de nos aproximar com
quem estava mais distante.
Em tempos sem pandemia, dificilmente, aceitaríamos iniciar um
processo de pesquisa totalmente online, porém, as experiências e aprendiza-
gens forçadas pela Covid-19, impôs a virtualidade como procedimento acei-
tável e, por vezes e por muitos, naturalizando-a. Na educação, principalmen-
te, devemos problematizar essa opção virtual como a grande solução para os
processos de pesquisa, ensino e extensão. Pois, sabemos que essa tendência
não surge com a Covid-19, mas já vinha há algum tempo sendo imposta pelo
mercado, como forma de barateamento e controle da educação, porém, sen-
do vendida sob o rótulo de inovação e modernização.
Dentro de uma metodologia participativa, iniciamos em março deste
ano de 2021 a construção de um projeto de pesquisa entre a UNDAV – Ar-
gentina, o nosso grupo de pesquisa da UFPR – Litoral e a Universidade do
Estado do Paraná – UNESPAR – Paranaguá, Brasil.
Desde então, nos reunimos mensalmente, por meio de uma plata-
forma, e estamos com o projeto em fase final de construção. Da UNDAV,
participam 4 professoras, da UFPR participam 8 professores/as, três mes-
trandos/as, três doutorandos/as e duas bolsistas de iniciação científica, e da
UNESPAR duas professoras e duas graduandas.

180
Queremos investigar as concepções epistemológicas e didáticas sub-
jacentes às práticas pedagógicas e à sua mediação tecnológica, dos professo-
res de Educação Universitária, que "fomentam o interesse pelos conteúdos e
pela aprendizagem dos estudantes, no Brasil e na Argentina, respectivamen-
te, durante a pandemia de Covid 19 (2020-2021).
Evidentemente, que essa definição não se deu de pronto, mas com
muitas discussões, onde desde o mês de março de 2021, fomos construindo
consensos entre as três Instituições.
A metodologia eleita foi de uma pesquisa comparada de natureza
qualitativa. A pesquisa elegerá por meio da avaliação dos estudantes, dois
docentes de cada Instituição. Os estudantes e os docentes serão de duas á-
reas: Ciências humanas e Ciências exatas. Os estudantes serão provocados a
apontar, por meio de um questionário virtual, aqueles professores que, neste
período pandêmico, lhes fomentam o interesse, estimulam a participação e
desenvolvem práticas de conhecimento e aprendizagem. Os docentes serão
ouvidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, de forma online.
O marco teórico inicial abarcará as concepções de ensino e prática
pedagógica, as concepções de educação bancária e educação emancipatória,
e, a concepção de mediação tecnológica.
No momento em que realizamos este relato, o projeto de pesquisa
entra em um momento de finalização, juntamente com e dos trâmites insti-
tucionais. Neste atual contexto, novembro de 2021, acreditamos que estamos
adentrando em um momento de trânsito para o retorno a presencialidade, o
que exigirá de nós o repensar da execução do projeto.
Por fim, a Covid-19 por seus impedimentos das ações presenciais, de
alguma forma, nos provocou a encontrar alternativas para continuar com as
atividades acadêmicas. Porém, cabe destacar que o impedimento de ações
presenciais em outros espaços geográficos, que demandam de deslocamento,
já nos eram impedidos pela falta de financiamento para a pesquisa, uma vez
que orçamento da União vem reduzindo drasticamente os investimentos
nesta área. Portanto, esta situação vinha desde antes da pandemia Covid-19,
que embora com todas as restrições e contingenciamentos, sempre ficava
uma esperança do retorno dos editais de financiamento. Porém, a pandemia,
nos mostrou que a virtualidade seria a única alternativa para sua realização.
Evidentemente, que não pretendemos que a virtualidade substitua os encon-
tros presenciais, pois não abriremos mão de continuar a reivindicar o neces-
sário financiamento para a realização das nossas pesquisas.

181
Considerações provisórias

Ao relatarmos as quatro experiências de pesquisa participante e os


processos de formação docente por elas desencadeadas, durante o contexto
da pandemia Covid-19, ficou latente a presença de muitas incertezas e desa-
fios, como por exemplo a consistência e validade de estabelecer um processo
dialógico de perspectiva freireana, sem a presencialidade física das pessoas.
Quando sabemos que o corpo fala e tem uma linguagem que somente o con-
vívio presencial nos permite penetrar nesse universo.
Os desafios continuaram, à medida que as conexões não eram
muito boas e em alguns casos bem ruins, somadas pelo acúmulo de ativida-
des, tanto de pesquisadores quanto dos pesquisados/pesquisadores. O traba-
lho virtual invadiu todos os espaços privados.
Por outro lado, a tragédia da pandemia Covid-19, mostrou que os
participantes das pesquisas encontraram nos círculos de diálogos um espaço
de acolhimento, solidariedade e afetividade, que acabou proporcionando,
também, o senso de comunidade entre os participantes das pesquisas, que
naquele momento de crise viviam e, atualmente, ainda vivem, embora em
menor escala, o risco iminente de vida, tanto suas como de seus familiares.
A pandemia Covid-19, como contexto da pesquisa e da formação
docente, evidenciou ainda mais a falta de investimento na educação e na
pesquisa. Contraditoriamente a falta, mais uma vez, educadores e pesquisa-
dores buscaram alternativas para dar continuidade aos seus afazeres docen-
tes ou ainda para instituir novos fazeres, como foi o caso da pesquisa inter-
nacional. O que antes sabia-se acerca do não investimento em financiamen-
tos para as pesquisas, como um saber não oficial, dado que a todo momento
nutríamos a esperança de um edital ou de uma mudança no orçamento da
União, com o decorrer da pandemia vimos a oficialização desse não inves-
timento, tanto pelo orçamento governamental, como pela postura de nega-
ção da ciência. Essa clareza da posição política governamental, somado as
aprendizagens durante a pandemia, nos ajudaram a construir experiências e
bagagem no mundo virtual, que possibilitou a construção de um projeto de
investigação internacional.
Por fim, é possível inferir que, mesmo com a frustação da impossi-
bilidade de realizar a investigação na escola e na universidade; mesmo com a
distância física dos/as participantes; mesmo com o cansaço desestimulante

182
pelas horas dedicadas na frente da tela do computador, tanto os/as docentes
quanto os/as estudantes, possibilitaram valorosas trocas e construções de
aprendizagens que poderão converter-se, num futuro próximo, em ações
educativas críticas que objetivem romper com as barreiras epistemológicas,
que persistem em nosso sistema educativo, nos mantendo submissos e inertes
frente aos descompromissos de quem nos governa.

REFERÊNCIAS

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trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003.

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http://www.seer.ufu.br/index.php/reveducpop/article/view/19988/10662.
Acesso em: 10 ago. 2021.

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FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Tradução de Rosisca Darcy de


Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1983.

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Paz e terra, 2002.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 71º ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz


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FREIRE, Paulo; GADOTTI, Moacir; GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia:


diálogo e conflito. São Paulo: Cortez – Autores Associados, 2005.

183
MARTINS, P. Um divertimento trabalhado: prestígios e rivalidades no
fazer fandango. Dissertação (mestrado em antropologia social) - Universida-
de Federal do Paraná, p. 134. 2006. Disponível em:
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MORIN, J. M. Novas tecnologias e o re-encantamento do mundo. Revista


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184
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EJA:
UM OLHAR PARA A TEORIA DO COTIDIANO

Márcia de Oliveira Menezes


Tânia Regina Dantas

PALAVRAS INICIAIS

A inserção de um professor em processos formativos sempre acres-


centa na sua formação como docente e como pessoa humana e estar no dou-
torado no Programa de Educação e Contemporaneidade (PPGEduC) possi-
bilitou muitos encontros.
Trazer para esse texto alguns desses encontros ajuda a pensar nos
caminhos percorridos até aqui. É nesse contexto que as palavras são umede-
cidas e germinadas.
A tese que se encontra em construção apresenta aspectos teóricos
para a formação de professores que norteiam a prática docente, a teoria do
cotidiano e a Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Ensino Médio (EM).
No que se refere às questões metodológicas é uma pesquisa qualita-
tiva com base na fenomenologia que utiliza as conversas como instrumento
para obter as informações dos professores do ensino médio que atuam na
EJA, utiliza a metáfora do rizoma para escrever esses aspectos. Essa métafo-
ra de Deleuze e Guatarri (1995) é utilizada como um conceito para represen-
tar a metáfora na estrutura do conhecimento a partir de princípios por eles
estudados para relacioná-los à educação.
Compreendemos a formação de professores como algo constante e
contínuo que nas palavras Dantas (2012, p. 148) ―a formação de professores
como um processo contextualizado que se constrói nas trajetórias de escola-
rização, nas vivências, nas trocas de experiências ao longo da vida que nos
torna um constante aprendiz, em permanente transformação e em constru-
ção da nossa identidade e subjetividade‖.
Nessas trajetórias, está a prática docente como instâncias de
interação humana no sentido de ―integrar pensamento, sentimento, educa-
ção, aprendizagem e vida, dando o devido destaque aos saberes decorrentes

185
das experiências vividas, lembrando que cada indivíduo traz consigo a singu-
laridade de suas experiências, de suas histórias vividas‖ (MORAES e AL-
MEIDA, 2012, p.31).
Assim, a escola como instituição de educação formal agrega
diferentes pessoas que aprendem e ensinam continuamente e reciprocamen-
te, mesmo que às vezes não se veem no processo. Nesse contexto, a teoria do
cotidiano muito contribui na compreensão de vários aspectos, inclusive na
formação e prática docente.
Nessa linha de raciocínio, Certeau (2005, p. 41) alude que ―[...]
essas ‗maneiras de fazer‘ constituem as mil práticas pelas quais usuários se
(re)apropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultu-
ral‖, alterando o seu funcionamento. Com base no argumento de Certeau
(2005), Silva, Lyrio e Martins (2011) remete ao homem ordinário que é aque-
le que vai criando, inventando o cotidiano, escapando silenciosamente do
lugar que lhe é atribuído e associa esse homem ordinário à ideia de sujeitos
praticantes, pessoas comuns. Para os autores, nos espaçostempos escolares,
professores e alunos fazem da escola um lugar praticado.
Dessa forma, esse texto busca demonstrar uma pesquisa em
construção intitulada: a formação cotidiana do professor da EJA no ensino médio
na perspectiva rizomática. A pesquisa que está sendo realizada pretende anali-
sar a formação de professores da EJA do Ensino Médio no cotidiano da
prática docente, norteada pela questão de pesquisa: Como os professores que
lecionam na Educação de Jovens e Adultos no Ensino Médio se constituem
professores da EJA?

ASCENSÃO À ESCRITA

A palavra encontro faz parte da vida de todas as pessoas e carrega


consigo momentos de alegria, tristeza, comemorações, realizações, frustra-
ções, enfim, muitos acontecimentos que são vivenciados conosco mesmo e
no encontro com outras pessoas, coisas e lugares.
É nesse contexto que descrevemos os encontros que nos levaram e
levam à escrita continuamente. E por fim, a universidade que nos leva a
escrever textos denominados resumos expandidos e muitas vezes descrição
sobre temas indicados.
Todos esses momentos proporcionam o tornar-se professora, mas a
ascensão à escrita acontece mesmo com o mestrado profissional na Pontifí-

186
cia Universidade Católica (PUC/MG) que desencadeou um caderno de
apoio aos professores do ensino fundamental sobre o trabalho com a sexua-
lidade no espaço escolar. Entretanto, a ascensão do ponto de vista de elevar-
se como pesquisadora se deu nas aulas do doutorado e nos encontros de
orientação, contando com a participação em grupos de pesquisas.
Além disso, os encontros foram essenciais porque nos deixava livres
para caminhar e encontrar na temática proposta desde o início, a formação
de professores. Um caminhar que entre idas e vindas foram entrelaçando a
formação de professores, a prática docente e a teoria do cotidiano no contex-
to da EJA do Ensino Médio que constituem esse texto.

ENTRELAÇANDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS, A FORMAÇÃO DE


PROFESSORES E A PRÁTICA DOCENTE

A formação de professores é um importante campo de estudos e


pesquisas de grande complexidade e dimensão resultante no crescimento das
investigações que envolvem essa temática, respaldada por grupos de pesquisa
no Brasil e no mundo, cujo pesquisas vão se fortalecendo em diversos áreas
possíveis nessa temática.
Geralmente, a formação de professores está relacionada com a me-
lhoria na qualidade de ensino, principalmente em nosso país que vive o mai-
or retrocesso da história em diversos setores, inclusive na educação.
Esses retrocessos estão presentes na educação de forma geral, na
formação de professores e na escola. Na educação, é percebido na redução
de verbas, negação da ciência, desvalorização do professor, realização de
exames avaliativos, nos currículos, por exemplo. Na formação de professo-
res, podemos citar o acesso ainda reduzido às universidades e carente da
atuação em modalidades ou cursos que exigem formação em áreas específi-
cas, bem como a desvalorização profissional com salários baixos que não é
atrativo para muitos jovens. Por fim, a escola que teve sua história associada
ao progresso e que infelizmente pouco tem avançado (NÓVOA, 1998).
Assim, a necessidade de políticas públicas que regulamentam e dire-
cionam a formação de professores sempre foi uma importante temática
mundial. Dominicé (1995, p. 13), afirma que ―a formação vai e vem, avança
e recua, construindo-se num processo de relação ao saber e ao conhecimento
que se encontra no cerne da identidade pessoal‖, remete também aos princí-

187
pios da política neoliberal, em que o Estado brasileiro tem-se erguido como
avaliador e controlador.
Em análise realizada por Cardoso, Silva e Santos (2018, p. 3), a res-
peito dos desafios na contemporaneidade sobre a formação docente, as auto-
ras afirmam que ―o estado brasileiro assume o modelo de gestão gerencial,
com vistas na produtividade pautado na correlação de forças entre as classes
antagônicas do sistema capitalista‖.
O campo de disputa que a formação de professores está inserida,
principalmente na contemporaneidade, revela concepções, lócus, relação
entre as áreas, dentre outros aspectos presentes nas políticas públicas e na
legislação brasileira que regulamenta esse importante campo para a educa-
ção.
A definição da autora estreita a relação com os rizomas presentes na
formação de professores, uma vez que ao recorrer a teóricos, pesquisadores
da educação vamos percebendo que muitos defendem uma formação mais
libertadora para educadores e educandos, no sentido de entendermos a com-
plexidade e importância dessa atividade, principalmente na atualidade em
que a nossa profissão está sendo atacada de várias formas e em diversas nu-
ances.
A educação básica esteve por muito tempo, voltada para formação
tecnicista, na qual se exigia apenas um raciocínio mecânico e operacional,
baseado num ensino rígido e inflexível, enquanto as universidades eram
politizadas e viviam um período de grande efervescência político-intelectual
na década de 80, uma das marcas desse momento. Então, a atuação do pro-
fessor refletia exatamente aquele momento histórico e nos encontrávamos,
aprendendo a alfabetizar com os métodos repetitivos, por meio de receitas e
de um ensino em que a prática docente estava direcionada a ditado de palavras
soltas e enormes contas que envolviam as quatro operações matemáticas. Aqui
acontecia a formação inicial do rizoma em nossas vidas de professoras.
Tais aspectos perpassam a nossa vida de estudante e de professor em
formação. Como estudantes, constantemente perguntamos para que servirá
isso nas nossas vidas? E enquanto professores, indagamos como aplicarei isso na
sala de aula? Penso que, em ambas as situações, o que queríamos mesmo, em
momentos distintos, eram receitas, uma mais simples para aprender; outra
mais consistente para ensinar.
As transformações que vem passando o professor, para além da
LDB, que apresentava basicamente a exigência de uma formação inicial para

188
atuação na educação básica, a formação de professores conta, nos dias atu-
ais, com pesquisas diversas, em âmbitos nacionais e internacionais. Essas
transformações foram e são ampliadas por meio da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) com a consolidação de
diversos grupos de pesquisas que discutem a educação, especificamente a-
queles da/sobre a formação de professores que constituem o Grupo de Tra-
balho (GT), o GT 08.
Tais pesquisas vão consolidando os rizomas, dando conta de outros
elementos presentes nas universidades e no chão da escola pública, que per-
meiam a compreensão e o fomento de uma formação de professores mais
holística e sólida.
Nesse contexto, a formação de professores na legislação, iniciado na
LDB é fortalecido, posteriormente com a Resolução CNE/CP nº 2/2015,
que Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação
inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagó-
gica para graduandos e cursos de segunda licenciatura) e para formação
continuada. Nomeada por Dourado (2015) como as ―Novas Diretrizes‖
afirma que as DCN para a formação de professores está em sintonia com o
documento final do CONAE (2014), com os princípios da Política Nacional
de Formação de Profissionais da Educação Básica por meio do artigo 2º do
Decreto nº 6.755/2009 que basicamente estabelecem as Diretrizes: a organi-
zação curricular das instituições de formação; a formação de professores que
atuarão nas diferentes etapas e modalidades da educação básica; a constru-
ção do Projeto Pedagógico dos cursos de formação dos docentes; os conteú-
dos da matriz curricular para formação de professores.
Apesar das manifestações da ANFOPE, ANPED e FORUMDIR
para a manutenção da Resolução CNE/CP nº. 2/2015, tendo em vista os
avanços presentes na proposta de um documento que pensa, discute e propõe
a formação de professores de modo orgânico e a necessidade de se avaliar os
efeitos das diretrizes junto às Instituições Formadoras, ainda assim, a Reso-
lução CNE/CP nº 02/2019 foi mantida e revogada a anterior.
Na análise de Gonçalves, Mota e Anadon (2020, p. 360) sobre a
BNC-Formação, destacam que tais mudanças ―evidenciam o alinhamento
das atuais diretrizes com a Base Nacional Comum Curricular; a assunção da
noção de competências para a construção dos currículos das licenciaturas; o
silenciamento com relação às discussões da formação continuada e da valo-
rização profissional‖.

189
Reafirma o estudo de Gatti, André e Barreto (2011), as políticas para
a formação docente ainda são pensadas apenas no limite dos resultados pro-
fissionais docentes, no entanto, os resultados não se determinam apenas no
docente qualificado, mas nas condições do cotidiano da prática docente,
tanto nos recursos materiais, humanos e no que é concernente à consciência
das famílias, que também compõem o quadro da complexidade do ser e
existir da escola.
A formação nas palavras de Elias, Zoppo e Gilz (2020, p. 32) ―é
permeada de complexidades‖ e, por isso, não se reduz a algo que se ―tem‖
ou que se ―recebe‖. Os autores associam que ―toda formação diz respeito a
um processo educativo, cujos pressupostos implicam em interações, práticas,
troca de ideias, pesquisas, aportes teóricos, debates, aprendizagens situadas
em tempos e espaços delimitados e práticas‖.
Nesse contexto, é possível inferir que a formação do professor é a
propria prática docente que vai se consolidando no dia dia do ser professor.

O COTIDIANO DA PRÁTICA DOCENTE

Pensamos na nossa prática docente cheia de reflexões e ações que ao


constituirmo-nos como professoras leva-nos a caminhos de vivências escola-
res que até aqui havia sido despertado como pensar o cotidiano da prática
docente a partir da proposta do Estado da Bahia, implantada em 2018. Nesse
contexto, consideramos imprescindíveis as práticas de pesquisa com os coti-
dianos como uma atitude política de investigação e de aproximação com
esses espaço-tempos.
Essa abordagem teórico-metodológica de pesquisa atravessa as dis-
cussões que necessitamos fazer, buscando compreender o conhecimento
tecido em cada ação cotidiana com professores e professoras que estão na
Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Ensino Médio. Assim, buscamos
apoio nas palavras de Sampaio (2021, p. 221) ao destacar que:
apostamos em ações de formação e investigação comprometidas com o
diálogo entre a universidade e a escola básica. Para nós a circulação entre
―práticateoriaprática‖ potencializa processos de construção de conhecimen-
tos articulados aos saberes e experiências de professores e estudantes, sejam
adultos, jovens e/ ou crianças.
Nóvoa (2001) afirma que a escola precisa mudar institucionalmente
e que o desenvolvimento pessoal e profissional depende muito do contexto

190
em que exercemos nossa atividade. Assim, para todo lado que observamos,
os pesquisadores vêm desenvolvendo diversas pesquisas que agregam termos
como partilha, compartilhamento, coletividade, integração, cooperação,
religação, dentre outros.
É nesse contexto que nos apropriamos da definição de cotidiano
como:

Aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos
pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo
dia, pela manhã aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a difi-
culdade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição com esta fadiga, com
esse desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do inte-
rior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às ve-
zes velada. Não se deve esquecer este ‗mundo memória‘, segundo a expressão
de Péguy. É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, me-
mória dos lugares da infância, memórias do corpo, dos gestos da infância, dos
prazeres. Talvez não seja inútil sublinhar a importância do domínio desta his-
tória ‗irracional‘, ou desta ‗não-história‘, como diz ainda A. Dupront. O que in-
teressa ao histotiador do cotidiano é o Invisível [...] (LEUILLIOT, apud CER-
TEAU; GIARD; MAYOL, 2003, p. 31.

Buscar no cotidiano elementos que ajudem a compreender fatos de


avanço e retrocesso na educação e examinar essas práticas cotidianas na
formação de professores, não implica em regresso aos indivíduos vistos co-
mo unidade elementar, mas mostrar qual relação social motiva seus termos e
que ―cada individualidade é o lugar onde atua uma pluralidade incoerente e
contraditória de suas determinações relacionais‖ (SILVA, LYRIO, MAR-
TINS, 2011, p. 66).
Nessa linha de raciocínio, Certeau (2005, p. 41) salienta que ―[...]
essas ‗maneiras de fazer‘ constituem as mil práticas pelas quais usuários se
(re)apropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultu-
ral‖, alterando o seu funcionamento. Com base no argumento de Certeau
(2005), Silva, Lyrio e Martins (2011) remetem ao homem ordinário que é
aquele que vai criando, inventando o cotidiano, escapando silenciosamente
do lugar que lhe é atribuído e associa esse homem ordinário à ideia de sujei-
tos praticantes, pessoas comuns. Para os autores, nos espaçostempos escolares,
professores e alunos fazem da escola um lugar praticado.
Considerando espaço como lugar praticado, Certeau (2005, p. 201-
203) o caracteriza como ―um lugar é a ordem (seja qual for), segundo a qual

191
se distribuem elementos nas relações de coexistência[...]. E complementa
que

[...] um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica


uma indicação de estabilidade. Existe espaço sempre que se tomam em conta
os vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo. O espaço é
um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos mo-
vimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que
o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em uni-
dade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais.
(CERTEAU, 2005, p. 201-203).

Considerando que a escola é um espaço que não evolui na socieda-


de, nem em termos físicos muito menos éticos, essa racionalidade aberta
proposta pelas autoras, de certa forma e em outras palavras também é desta-
cada por Rios (2017, p. 58), ‗pensar a educação e formação docente remete a
pensar na questão da função social da escola na contemporaneidade: a cons-
trução de identidades abertas à diversidade cultural, o combate a descrimina-
lização dos grupos culturais marginalizados na sociedade [...]‖.
Nesse contexto e considerando que Freire (2014) nos ensinou que a
pesquisa e a formação é compreendida como ―práticas de gente‖, ressalta-
mos a importância da escola formada por ―gente‖, educador e estudantes
que participam de um contexto social, dentro e fora da escola, retomo a
Moraes e Almeida (2012, p. 31), ―é preciso integrar pensamento, sentimento,
educação, aprendizagem e vida, dando o devido destaque aos saberes decor-
rentes das experiências vividas, lembrando que cada indivíduo traz consigo a
singularidade de suas experiências, de suas histórias vividas‖.
Assim, o cotidiano da escola agrega muitas histórias de pessoas que
fazem a educação acontecer porque é também o lugar que se aprende e se
ensina reciprocamente e ao mesmo tempo, mesmo que muitas vezes esse
aprender e ensinar não é percebido pelos envolvidos, embora o processo que
envolve o ensinar e aprender é constante na vida das pessoas. Nesse contex-
to, Carvalho (2012, p. 103) ao mencionar que ―é preciso agir, e rápido, para
repensar o mundo, restaurar a dignidade, recuperar o tempo. Pôr em prática
uma estratégia que convença amplos setores da sociedade civil de que é ne-
cessário mudar, que a realidade é, ao mesmo tempo, unidade e diversidade,
particular e universal.

192
BREVE CAMINHAR DA EJA

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem comprovando o direito


à educação para todos, no amparo de uma educação permanente para além
do ensino supletivo, de exames pontuais, de alfabetização para todos, da
educação do trabalho, temas presentes na história de luta e resistência que
tenta reverter esse cenário e pensar aprendizagem ao longo da vida.
É neste contexto que a EJA está inserida e de acordo com Ribeiro
(1999) se constitui em um campo pedagógico próprio, inserido no âmbito da
política de formação de profissionais da educação básica e exigindo investi-
mento em formação inicial e continuada.
Assim, Ribeiro ainda acrescenta que as transformações necessárias
nesse campo de atuação necessita de uma ―profissionalização do pessoal
dedicado a essa área‖. Essa dedicação é percebida na ampliação de eventos
que discutem e socializam pesquisas nos diversos aspectos pertinentes à EJA,
os quais podemos destacar: os Seminários Internacionais: universidade e
educação popular (4 edições); as Conferências Internacionais da Educação
de Adultos- CONFINTEA (6 edições) e, os Encontros Nacionais de Educa-
ção e Jovens e Adultos (15 edições) que dentre outros encontros e seminários
internacionais, nacionais, estaduais e regionais muito contribuem para o
fortalecimento das pesquisas que constituem esse importante campo de in-
vestigação, a EJA.
Esses e outros eventos corroboraram para o fortalecimento da EJA
como políticas públicas e concomitantemente com a criação do Grupo de
Trabalho de Educação e Jovens e Adultos, na Associação Nacional de Pós
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) reforçado nas palavras de
Soares (2019, p.126) como ―evidência do crescimento do campo da EJA‖.
Outro destaque dado pelo autor diz respeito ―às intervenções, parti-
cipação dos fóruns na discussão e proposição das audiências públicas convo-
cadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)‖ (SOARES, 2019, p.120-
121) que resultou na aprovação em maio/2000 e julho/2000, respectivamen-
te, do Parecer 11/2000 e Resolução 1/2000 estabelecendo as Diretrizes Cur-
riculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (DCNEJA).
(BRASIL, 2000). Embora a aprovação dessas diretrizes foi recebida como
grande avanço no campo da EJA, Soares (2019, p. 121) infere ―críticas fo-
ram feitas no sentido de que, do modo como a EJA tem sido tratada nas
diretrizes, parece cumprir uma função regularizadora que poderia inibir a

193
sua dimensão emancipadora, tendo em vista que sua origem está associada à
educação popular‖. (SOARES, 2002; 2019); (ARROYO, 2001).
Por outro lado, seminários, encontros, conferências que resultaram
na EJA como modalidade de ensino, legislação específica, expansão de gru-
pos de pesquisa, dentre outros, reforçaram também a continuidade de impor-
tantes pesquisadores que já se encontravam inseridos nesse campo de inves-
tigação que muito contribuem para expansão dessas pesquisas. Dentre eles,
destacamos algumas importantes pesquisas e seus referidos pesquisadores.

- Trabalho para potencializar uma pesquisa do tipo estado do conhecimento


para analisar investigações realizadas no contexto dos cursos de mestrado e
doutorado no campo da EJA no Estado da Bahia. (LAFFIN e DANTAS,
2015);
- Um trabalho que concentrou na análise em Programas de Pós-Graduação na
Região Sudeste que também destacam dados da Região Nordeste comprovan-
do o incremento da produção científica desta região. (LOPES, 2015);
- Publicação de Dossiê Temático sobre Educação de Jovens e Adultos: forma-
ção e prática pedagógica em diferentes contextos. (DANTAS; OLIVEIRA;
OLIVEIRA, 2018);
- A contribuição de Paulo Freire para a Educação de Jovens e Adultos na Amé-
rica Latina. (OLIVEIRA; SANTOS, 2018);
- A EJA e o desafio da formação docente nas licenciaturas. (VENTURA,
2013);
- A Produção do conhecimento dos grupos de pesquisa em educação do nor-
deste ligados ao campo de estudos do GT da Educação de Jovens e Adultos.
(DANTAS, 2018);
- Publicação de um Dossiê Temático sobre Pesquisa (Auto)Biográfica e Educa-
ção de Jovens e Adultos: algumas reflexões. (SOUZA, 2018).

Contudo, ao mencionar timidamente as pesquisas acima citadas não


temos interesse de fazer um estudo do conhecimento sobre a EJA, apenas
demonstrar um pouco do crescimento desse campo e principalmente aden-
trar na EJA no Estado da Bahia na tentativa de traçar algumas reflexões
sobre a formação de professores e a escola.
Considerando que ―a temática sobre formação do educador, tanto
do educador em geral quanto e principalmente do educador de adultos está
no cenário atual, partindo da premissa básica de que para uma educação de
qualidade é necessário a valorização e o resgate do professor‖ segundo Dan-
tas (2012, p.148), descreve um pouco do seu vasto caminho na EJA como
aprendiz, docente e pesquisadora que ―serviram para ampliar, atualizar os

194
conhecimentos, reforçando a predisposição para continuar os estudos e in-
vestigação na EJA e na formação de professores‖.
É nesse contexto que ressaltamos a importância do Fórum EJA na
Bahia que desde o período de 2006 ―debate temas a respeito da conjuntura
nacional e estadual das políticas de formação de professores em EJA, como
também para socializar e divulgar experiências que estavam sendo realizadas
em diversos municípios baianos‖, como destaca Dantas (2012). Além disso,
essa autora menciona aspectos de interesse federal e estadual e da legislação
em vigor no sentido de oferecer uma formação adequada aos professores
para atuar na EJA.
As contribuições desta autora permeiam estudos, investigações e a-
tuação docente quando implantou um curso de especialização em educação
básica em jovens e adultos, no ano de 1998, pela Universidade Estadual da
Bahia (UNEB), o qual potencializou a formação de centenas de profissionais
para atuar nas classes de EJA. Posteriormente, o Programa de Pós-
Graduação em Educação de Jovens e Adultos (MPEJA, criado no ano de
2012, reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), no qual teve seu primeiro processo seletivo no ano
seguinte. (DANTAS, 2019).
Nesse contexto, ressaltamos a importância de fortalecer nossas áreas
de conhecimento, especialmente na formação de professores, que para atuar
na EJA ainda está a passos lentos, mas com iniciativas que ousem romper a
ordem vigente do nosso país, no sentido de assumir uma formação de profes-
sores em uma perspectiva de inclusão é um grande desafio a ser enfrentado
por qualquer instituição coletiva. Em se tratando de professores que atuam
na educação de jovens e adultos, o desafio é redobrado considerando-se as
nuances deficitárias, as dificuldades, a discriminação, os problemas sociais
que circundam este segmento educacional (DANTAS, 2019, p. 34).
Sobre isso, em estudo realizado por Dantas (2019, p. 4) na investiga-
ção Formação docente em EJA: o que dizem os/as autores/as de artigos, deixa claro
ainda ser ―precária as pesquisas envolvendo a EJA, tanto em termos quanti-
tativos, quanto qualitativos e observa-se que poucos estudantes da pós gra-
duação estão pesquisando sobre a formação de professores na EJA, além da
pouca representatividade de trabalhos sobre a formação inicial‖.
Nesse contexto e referindo-se à proposta da EJA para a rede estadu-
al de ensino é importante destacar que as bases teóricas e epistemológicas
pertinentes no documento, é datado de 2009, nomeado como Educação de

195
Jovens e Adultos (EJA) – Aprendizagem ao longo da vida. O documento apresen-
ta-se como base aos princípios teóricos metodológicos destacando que estão,
em consonância com a concepção construída para a EJA na Rede Estadual,
os princípios teórico-metodológicos que orientam o trabalho na estrutura
curricular dos Tempos Formativos direcionam o nosso fazer para a valoriza-
ção dos saberes construídos, fora do espaço escolar, pelos educandos da
EJA. Também direciona ao trabalho coletivo e ao respeito às especificidades
da vida dos coletivos de jovens e adultos. Assim, o currículo é organizado de
forma a possibilitar práticas dialógicas e emancipatórias. (BAHIA, 2009, p.
15).
Para essa organização, ressaltamos alguns princípios para orientar a
prática pedagógica da EJA. Dentre esses destacamos:

-reconhecimento dos coletivos de educandos(as) e educadores(as) como prota-


gonistas do processo de formação e desenvolvimento humano;
-reconhecimento e valorização do amplo repertório de vida dos sujeitos da E-
JA: saberes, culturas, valores, memórias, identidades, como ponto de partida e
elemento estruturador de todo o estudo das áreas de conhecimento;
-processos pedagógicos que acompanhem a formação humana na especificida-
de do processo de aprendizagem dos sujeitos jovens e adultos;
-metodologia adequada às condições de vida dos jovens e adultos e relacionada
ao mundo do trabalho, devendo, portanto, possibilitar a problematização da
realidade existencial e favorecer o aprender a conhecer e o fazer fazendo e ma-
terial didático adequado a este tempo de educação, objetivando o desenvolvi-
mento da pluralidade de dimensões da formação humana (BAHIA, 2009).

Apesar dos princípios apresentarem questões do aprender e ensinar


na perspectiva do professor e dos sujeitos da EJA, a proposta propriamente
dita, baseada em tempos formativos, elaborada em 2017 pelo Estado da
Bahia, não apresenta características teóricos metodológicas. Esses tempos
formativos estão organizados em 2 Eixos. Eixo VI que agrega as áreas do
conhecimento de linguagens, ciências humanas, artes e atividades laborais e
o Eixo VII, ciências da natureza, matemática, artes e atividades laborais.
Essas áreas de conhecimento e seus respectivos eixos constituem o ensino
médio com o tempo de dois anos, respectivamente para conclusão dos mes-
mos.
Nessa direção, a proposta oferece formulários para o preenchimento
dos professores com as orientações gerais para o uso de cadernos de registros
que não destacam os critérios para o acompanhamento do percurso; horário

196
e cronograma das aulas;resultado do processo de ensino e aprendizagem;
registro das aulas e um espaço destinado para os registros de aprendizagem.
Especificamente para os critérios de acompanhamento do percurso,
destaca a seguinte introdução:

Considerando que a Educação de Jovens e Adultos deve levar em conta as es-


pecificidades dos tempos humanos e as diversas formas de organizar a vida, o
trabalho e a sobrevivência dos coletivos populares, faz-se necessário encon-
trarmos respostas sobre quais referenciais deverão orientar o acompanhamento
da aprendizagem dos(as) educandos(as), como os educadores e educandos po-
derão (re)orientar o trabalho educativo, quem são os(as) educandos(as), que sa-
beres trazem, como eles aprendem, quais os seus desejos, expectativas e neces-
sidades de aprendizagem.(BAHIA, 2009, p. 3).

Para atender às questões introdutórias, destacam diversos aspectos


que o professor deve considerar desde referendar o acompanhamento do
percurso de aprendizagem à luz da concepção de educação dos princípios e
dos pressupostos teórico-metodológicos que sustentam o Projeto, pautada no
diálogo como mediação entre educando(a) e educador(a), para favorecer o
acompanhamento do percurso da aprendizagem de forma mais participativa
e democrática, passando pelo ato de aprender do educadndo e do educador.
Em relação ao perfil e formação do educador da EJA, a proposta
apresenta que os coletivos de educadores serão formados a partir de uma
seleção interna. Para tanto, esses devem optar por participar do coletivo e
assumir algumas construções necessárias ao fazer da EJA. Nesse sentido,
anunciam características necessárias à construção do educador da EJA. São
elas:

-ter formação acadêmica ou em serviço com os tempos da juventude e vida a-


dulta;
-conhecer a comunidade em que atua e sua formação: como vivem e trabalham
os jovens e adultos;
-participar, conhecer, entender os movimentos que se organizam em torno da
luta por conquista de direitos para os populares;
-comungar com os ideários e exercitar os princípios da educação popular;
-cooperar, de forma crítica e competente, com a elaboração do Projeto Político,
Pedagógico da escola, assegurando direitos para a EJA;
-construir uma prática diaalógica nos espaços, tempos e processos da EJA, con-
siderando os saberes da vida como conteúdos fundantes do processo pedagógi-
co;

197
-entender e respeitar, de maneira positiva, a diversidade de território, idade, gê-
nero, sexo, raça/etnia, crenças e valores, assumindo-a como elemento pedagó-
gico;
-apresentar projeto de trabalho solidário para intervenção na realidade sóciopo-
lítica e cultural dos educandos da EJA.(BAHIA, 2009, p. 16).

Para que esse perfil de educador da EJA seja construído, a Secretaria


de Educação da Bahia (SEC) afirma que investirá na formação em exercício
dos docentes que queiram fazer carreira atuando nesta modalidade. Além
disso, destaca que o processo de formação inicial e continuada dos educado-
res da Educação de Jovens e Adultos deve ser construído no contexto da
nova política de EJA, assumida pelo Estado e que considere: os principios e
eixos da educação na Bahia; os tempos humanos de aprendizagem; a con-
cepção de EJA construída na (e em) rede; o caratér circular da estrutura
curricular: tempos de aprendizagem – eixos temáticos – temas geradores –
áreas de conhecimento (BAHIA, 2009, p. 16). É nesse contexto que a EJA e
a formação docente para atuar nesta modalidade estão estruturadas no Proje-
to de EJA na Bahia.

REFLEXÕES RIZOMÁTICAS

Partindo do princípio de utilizar uma metáfora na pesquisa e escrita


de uma tese recorremos as palavras de Almeida (2012) que cita Jorge Luis
Borges (2001) ao afirmar que ―a história do universo é a história de algumas
metáforas‖. Nesse sentido, a autora apresenta alguns exemplos da utilização
de metáforas desde 1923, quando o mito de Dédalo foi utilizado por um
biólogo inglês para afirmar que ―o progresso da ciência se destina a trazer
enormes confusões e misérias ao ser humano, a menos que seja acompanha-
do do progresso na ética‖. O físico Dyson no livro Mundos imaginados e o
antropólogo Balandier, no livro O Dédalo, fazem uso dessa narrativa mítica
para tratar da dominação tecnológica e do dificil trânsito no labirinto da
sociedade contemporânea. Para representar a história da ciência a partir do
século 17 duas metáforas tornaram-se recorrentes, o relógio e o motor térmi-
co.Além de referir ao artigo de Max Milner que trata da metáfora da ótica
como artificio capaz de elucidar a relação do pensamento com a realidade.
Para Milner, o aparelho óptico funciona como um verdadeiro operador de
desrealização, de antecipação do real, um análago para a compreensão dos
fenômenos no mundo. (ALMEIDA, 2012, p.39-40).

198
Não temos a pretensão de trilhar os caminhos e reconhecimento de
autores citados por Almeida (2012) na utilização da metáfora, mas recorre-
mos à métafora do rizoma para demonstrar a continuidade presente na for-
mação de professores, especialmente na prática docente. Deleuze e Guatarri
(2000) desenvolvem o conceito de rizoma para representar a metáfora da
estrutura do conhecimento por eles compreendidos.
De forma geral, apresentamos os principios que os autores apresen-
tam. Os principios de conexão e heterogeneidade que dizem que os pontos de um
rizoma podem e devem se conectar a quaisquer outros pontos, promovendo
a heterogeneidade. Ou seja, tudo, relaciona com tudo. O principio da multipli-
cidade para demontrar que o rizoma não admite sujeito nem objeto, mas
somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem
que mude de natureza. O princípio de ruptura assignificante que quebra com
processos rígidos de significação. E por fim, os principios de cartografia e
decalcomania que mostram que os rizomas não podem ser modelados, se-
guindo estruturas ou assumindo pontos específicos que orientam o conheci-
mento. Eles são sempre esboços incompletos.
Assim, apresentamos a métafora do rizoma, para a partir dos seus
princípios estabelecer relação com a discussão com os professores que são os
sujeitosparticipantes desse estudo.

Diferente das árvores ou de suas raízes, o rizoma interliga um ponto qualquer


com outro ponto qualquer. [...] Ele não é feito de unidades, mas de dimensões,
ou antes, de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre
um meio pelo qual ele cresce e transborda. Ele constitui multiplicidades linea-
res e não dimensões. Sem sujeito nem objeto, exibíveis num plano de consciên-
cia e do qual o Uno é sempre subtraído (n-1). Uma tal multiplicidade não varia
suas dimensões sem mudar de natureza nela mesma e se metamorfosear. Opos-
to a uma estrutura, que se define por um conjunto de pontos e posições, por
correlações binárias entre esses pontos e relações biunívocas entre estas posi-
ções, o rizoma é feito somente de linhas: linhas de segmentaridade. De estrati-
ficação, como dimensões, mas também linhas de fuga ou de desterritorialização
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.32).

Do ponto de vista da botânica rizoma é um tipo de caule subterrâneo ou


aéreo, geralmente com formato cilíndrico. Apesar de ser parecido com uma
raiz, o rizoma apresenta gemas, por isso é classificado como caule. Este tipo
de caule cresce paralelo ao solo, formando raízes adventícias a partir dos
nós. Raízes adventícias são aquelas que se originam de outras estruturas da

199
planta que não da própria raiz. O rizoma não possui clorofila e pode ser ou
não ramificado. As folhas que estão presentes no rizoma são escamiformes e
recobrem as gemas, por isso são consideradas catafilos. É a partir dessas
gemas laterais que se desenvolvem os brotos aéreos. O rizoma pode ser del-
gado ou espesso, sendo considerado um importante órgão de reserva de nu-
trientes para diversas plantas. Este caule também está envolvido na reprodu-
ção assexuada das plantas. Ele está presente em vários grupos de plantas,
incluindo samambaias, bambus, bananas, orquídeas, bromélias, gengibre,
dentre outros. (CARVALHO, 2012).
Assim, consideramos palavras necessárias à manutenção da vida do
rizoma relacionando-as a sobrevivência, adaptação, oxigenação, evolução e nutri-
ção. Essas palavras estão relacionadas à formação de professores que aconte-
cem no cotidiano da prática docente e que esperamos que elas surjam nas
conversas interativas provocativas, constituíndo como categorias a posterio-
ri. Uma vez que o rizoma precisa de oxigênio para sobreviver. A sobrevivên-
cia (os professores) por sua vez necessita de estratégias e essas estratégias são
as adaptações que vão desenvolvendo no cotidano da prática e nesse contex-
to, buscaremos a ecologia dos saberes de Morin (2011) para contribuir com
essa discussão.

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versitária, Belém: Imprensa Oficial do Estado do Pará, 2001.

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202
CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ACERCA
DAS PARTICULARIDADES DIDÁTICAS DA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Daniel Godinho Berger


Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin

Alguns olhares teóricos para o campo da EJA


Para o desenvolvimento deste estudo, nos identificamos com pres-
supostos teóricos que situam a Educação de Jovens e Adultos (EJA) como
uma modalidade que tem suas especificidades nos sujeitos ao qual ela se
destina (BRASIL, 2000). Considerando as particularidades que delineiam os
estudantes da EJA pela condição de classe social e de suas múltiplas identi-
dades, concordamos com autores que abordam o caráter emancipatório da
modalidade (ARROYO, 2005; ASUN & FINGER, 2003); e a existência de
particularidades didáticas que trazem desdobramentos para as práticas peda-
gógicas e para a formação de professores.
Arroyo (2005) destaca os desafios para que a EJA seja reconhecida
na perspectiva do direito e como responsabilidade do Estado e aponta tensi-
onamentos importantes que acompanham a entrada dos processos escolares
na educação de jovens e adultos na tensão com a educação popular no sis-
tema público de ensino. Destaca o perfil dos sujeitos da EJA, marcado prin-
cipalmente pelas desigualdades sociais, as experiências de vida na pobreza, a
luta dos jovens e adultos frente às dificuldades enfrentadas, mas evidencia o
desafio de enxergar esses coletivos de jovens e adultos pobres, a partir de
suas potencialidades, sobretudo o protagonismo da juventude, criticando a
tendência que há em enxergá-los na perspectiva do modelo de escolarização
de crianças e jovens, marcadas por percursos trilhados que não reconhecem
as particularidades das pessoas jovens, adultas e idosas e, portanto não per-
mitem outros modelos formativos.
Ao analisar a entrada da EJA no sistema público de ensino, pondera
que vivemos avanços se levarmos em consideração as políticas de suplência,
no entanto, lamenta o fato de que os sujeitos da EJA continuam sendo vistos
na perspectiva de suas carências e lacunas da vida escolar (ARROYO, 2005,

203
p. 23) e reforça o desafio de enxergá-los em seus contextos reais de vida, pois
esses jovens e adultos se revelam como

[...] protagonistas pela sua presença positiva em áreas como a cultura, pela
pressão por outra sociedade e outro projeto de campo, pelas lutas por seus di-
reitos. Trata-se de captar que, nessa negatividade e positividade de suas trajetó-
rias humanas, passam por vivências de jovens-adultos onde fazem percursos de
socialização e sociabilidade, de interrogação e busca de saberes, de tentativas
de escolhas e formação de valores. As trajetórias sociais e escolares truncadas
não significam sua paralisação nos tensos processos de sua formação mental,
ética, identitária, cultural, social e política. Quando voltam à escola, carregam
esse acúmulo de formação e aprendizagens. (ARROYO, 2011. p. 45).

No que tange às políticas públicas, Arroyo (2005) questiona o fato


de que a educação desses jovens, adultos e idosos seja percebida somente a
partir da faixa etária situada nos parâmetros de escolarização obrigatória,
remetendo à reflexão sobre o desafio de buscar na história da EJA as contri-
buições advindas da Educação Popular e pondera que a ―história mostra que
o direito à educação somente é reconhecido na medida em que vão aconte-
cendo avanços sociais e políticos na legitimação da totalidade dos direitos
humanos. A reconfiguração da EJA estará atrelada a essa legitimação.‖
(ARROYO, 2005, p. 28). Nessa perspectiva, a luta pelo direito à educação é
também a luta por outros direitos sociais, ideia que traz implicações para a
reflexão sobre a modalidade

Criar alguns espaços para a continuidade de estudos dos jovens e adultos popu-
lares, nada ou pouco fazendo por mudar as estruturas que os excluem do traba-
lho, da vida, da moradia, de sua memória, cultura e identidade coletiva não
configurará a EJA no campo dos direitos. As experiências mais determinantes
na história de EJA foram aquelas vinculadas aos movimentos sociais tão de-
terminantes do avanço da legitimidade dos direitos. (ARROYO, 2005, p. 29).

Para tanto, é necessário que sujeitos da EJA sejam compreendidos


para além da história individual de cada um, particularmente, mas inseridos
em coletivos que historicamente são alijados de seus direitos e, entre eles, da
educação.
Ao buscar na trajetória da EJA elementos que caracterizam a sua
vinculação com um projeto diferenciado de sociedade, Arroyo (2005) questi-
ona a centralidade atribuída ao ensino na educação básica e alerta para o
fato de que a EJA teria sido sempre um campo menos de ―[...] ensino e mais

204
de formação-educação, esteve sempre mais aberta a inovações vindas da
renovação das teorias da formação, socialização, aculturação, politização,
conscientização‖ (ARROYO, 2005, p. 31).
Nesse contexto de ingresso da EJA na formalidade que delineia a
escolarização básica, Arroyo (2005) avalia a existência de dois caminhos
possíveis. Uma primeira possibilidade seria a sua diluição nas modalidades
escolarizadas. Outro caminho seria a configuração da EJA como um ―[...]
campo específico do direito à escolarização por parte de coletivos sociais
jovens-adultos populares‖ (ARROYO, 2005, p. 34).
Essa centralidade atribuída a coletivos de jovens e adultos pobres
como baliza para configuração da modalidade traz implicações para a refle-
xão sobre currículo e a didática na EJA. Sobre esse aspecto, Arroyo (2005)
indica a importância de buscar na história da EJA elementos para a configu-
ração desse campo e destaca traços que podem ser considerados dessa histó-
ria.
O primeiro traço diz respeito ao desafio de reconhecer os sujeitos a
partir de suas histórias concretas de vida e não a partir de idealizações esco-
larizadas como alunos.
O segundo traço aprendido na história da EJA na Educação Popular
está relacionado ao diálogo, que é possível em função das aprendizagens que
esses sujeitos trazem dos seus percursos de vida, fato que abre a possibilidade
de construção de uma pedagogia pautada no diálogo entre os saberes escola-
res e os saberes sociais, o que exigirá a sistematização desses saberes e signi-
ficados para, a partir daí, acessar os ―[...] saberes, conhecimentos, significa-
dos e a cultura acumulados pela sociedade‖ (ARROYO, 2005, p. 25).
O terceiro traço identificado por Arroyo (2011) está relacionado às
indagações que os estudantes com suas trajetórias não compreendidas reali-
zam à pedagogia e a docência, promovendo questionamentos às práticas
escolarizadas pautadas em idealizações que buscam reconhecer a todos a
partir de uma linearidade que não cabe a esses sujeitos. Esse cenário possibi-
litou à EJA o desenvolvimento de sensibilidades que, atualmente, vêm sendo
consideradas pelas teorias da aprendizagem, por exemplo, ―[...] a centralida-
de das vivências, da cultura, do universo de valores, dos sistemas simbólicos
dos educandos e dos educadores nos processos de aprendizagem; (ARRO-
YO, 2005, p. 37).
O quarto traço apresentado por Arroyo (2005) está relacionado ao
debate acerca da valorização da Educação na EJA em um sentido abrangen-

205
te que evidencia as aprendizagens dos jovens e adultos adquiridas em suas
trajetórias de vida e, por outro lado, questiona o ensino.

Não é por acaso que a letra E de EJA não é de ensino, mas de educação de jo-
vens e adultos. Ainda bem que a LDB manteve Educação de Jovens e Adultos,
talvez porque, nessas idades e nessas trajetórias populares, as grandes interro-
gações vinham do campo dos valores, do sentido do bem e do mal, das possibi-
lidades e limites da humanização que tão profundamente marcam suas trajetó-
rias. (ARROYO, 2005, p. 38).

Diante dessa afirmação, questiona-se o quanto seria possível reto-


marmos o debate buscando outras formas de pensar a relação professor e
estudante na EJA, em uma perspectiva que entenda a especificidade da mo-
dalidade marcada pela educação popular e encontre outros sentidos para o
ensinar, que extrapolem a hierarquização de conhecimentos e estabeleçam
outras relações pedagógicas pautadas na dialogicidade.
O quinto traço a ser buscado na história da EJA está relacionado aos
conhecimentos escolares. Com perguntas que nascem nas suas trajetórias de
vida e os seus percursos de escolarização, sujeitos da EJA trazem questio-
namentos em relação aos conhecimentos escolares, por meio de experiências
de vida que requerem outros conhecimentos, outros métodos. Portanto,

[...] quando coletivos de adultos-professores se abrem a essa rica e tensa reali-


dade dos educandos e a levam a sério, novos conteúdos, métodos, tempos, re-
lações humanas e pedagógicas se instalam. Por aí a EJA instiga os saberes esco-
lares, as disciplinas e os currículos. Essa é a história mais rica da EJA (ARRO-
YO, 2005, p. 40).

O sexto traço está relacionado à radicalidade política da EJA que se


desdobra da própria trajetória desses coletivos constituídos por sujeitos que
desde crianças já buscavam compreender ―[...] os significados políticos da
miséria, da fome, da dor, da morte, da luta pela terra, pela identidade e pela
sua cultura, pela vida e dignidade. Trajetórias de idas e voltas, de caídas e
recaídas. De escolhas sem horizontes e luminosidades para escolher‖ (AR-
ROYO, 2005, p. 21)
A partir destas ideias sobre a compreensão e EJA na sequência bus-
camos pensá-la como uma política pública: A Educação de Jovens e Adultos
como Educação Básica.

206
A Educação de Jovens e Adultos no contexto da Educação Básica: algu-
mas reflexões sobre os documentos legais
A educação de jovens e adultos é um direito garantido a todas pes-
soas que por motivos diversos não cursaram ou não concluíram os ensinos
fundamental ou médio na idade compreendida pela escolarização obrigató-
ria. Trata-se de um direito subjetivo regulamentado pela lei de diretrizes e
bases da educação nacional (BRASIL, 1988) que reconhece a EJA como
uma modalidade da Educação Básica que deve ser ofertada a partir de um
modelo pedagógico próprio reconhecendo as especificidades dos sujeitos,
suas condições de vida e seus interesses, valorizando os conhecimentos ad-
quiridos em outras esferas da vida em diferentes práticas sociais.
Embora a EJA tenha hoje um enquadramento legal no escopo da
escolarização formal, a educação de pessoas jovens e adultas ultrapassa os
limites da escolarização e abarca experiências educativas que se desenvol-
vem em diferentes contextos da educação informal e não formal, como os
processos educativos que se desenvolvem em instituições religiosas, comuni-
tária e nos movimentos sociais (HADDAD & PIERRO, 2000).
Ao longo da trajetória da Educação de Adultos no Brasil destaca-
mos as experiências desenvolvidas por Paulo Freire na década de 60 como
importante herança epistemológica da educação popular que aproxima a
Educação de Adultos do desafio de emancipação política do povo brasileiro
pobre, não escolarizado e alijado de outros direitos sociais (HADDAD,
2000).
Do ponto de vista da escolarização, identificamos como herança que
ainda permeia as práticas e a organização da oferta da EJA pensada na lógi-
ca do ensino supletivo, implementado no Brasil por meio da Lei de Educa-
ção e bases da educação - LDB 5692/1971 (BRASIL, 1971). Trata-se de uma
lei e práticas que situam a EJA como uma política compensatória que deve-
ria oferecer como um suplemento, a escolarização não realizada na idade
considerada obrigatória. É nesse momento histórico que a Educação de A-
dultos é situada como forma de recuperação do tempo perdido e tem como
foco apenas o ensino.
A partir de 1996, com a aprovação da LDB 9394 (BRA-
SIL,1996anteriormente citada, é instituída a EJA como política de estado e a
ideia de suplência é substituída pelo paradigma da Educação ao Longo da
Vida que teve como um dos marcos a resolução da Conferência Internacio-
nal de Adultos que prevê uma compreensão alargada do direito à educação.

207
Diferente da LDB anterior o termo Educação de Jovens e Adultos reconhece
os sujeitos que a constitui.
Embora possa ser considerada um avanço em relação aos limites da
legislação que tinha como foco o ensino em uma perspectiva compensatória
que na prática se constituía na oferta de resumos do que se entendia por
conhecimentos formativos para a educação básica, o paradigma da educação
ao longo da vida, se desenvolveu em meio a disputas discursivas e os seus
sentidos deslizam entre a compreensão do direito a aprender ao longo de
toda a vida, derivado da Educação Permanente ao entendimento da educa-
ção para adequar as pessoas às necessidades do mercado, tal como preconi-
zado pelo banco mundial.
Ao falarmos de Educação de Jovens e Adultos, compreendemos que
além de tratarmos de uma expressão marcada pela polissemia das palavras
que a compõe, estamos nos referindo a um conjunto de práticas educativas
com finalidades diversas, que têm em comum, o fato de serem direcionadas
junto ao público jovem e adulto, em situações de educação não formal, in-
formal e formal.
Este artigo tem como foco a educação de jovens e adultos oferecida
como política de elevação da escolaridade da população com idade acima
daquela considerada adequada pela legislação para conclusão da escolariza-
ção. Além da definição do direito e da demarcação da idade mínima, a legis-
lação e os atos normativos vigentes identificam a EJA como uma modalida-
de da Educação Básica que tem por objetivos a escolarização nos níveis fun-
damental e médio. O mesmo marco jurídico, identifica a necessidade de
reconhecimento das especificidades desta modalidade nos sujeitos ao qual
ela se destina.
Para além de faixas etárias que implicam olhar as situações de con-
vivência intergeracional que ocorrem nas turmas de estudantes, há uma di-
mensão coletiva que situa, como já afirmado anteriormente, os sujeitos da
EJA no contexto da pobreza, da desigualdade social, das diferenças culturais
(ARROYO, 2005), que remetem à modalidade a necessidade de reconheci-
mento de tais especificidades no processo pedagógico, com vistas ao cum-
primento de suas funções específicas46, quais sejam: a função reparadora,
qualificadora e equalizadora.

46
As funções da EJA são apresenta nas Diretrizes Curriculares Nacionais de EJA (BRASIL,
2000), são elas: a função reparadora está relacionada à reparação de um direito negado. A
função equalizadora está relacionada à necessidade de reconhecimento das especificidades dos

208
Nesse contexto a oferta deve se dar por meio da constituição de uma
identidade pedagógica própria que reconheça os saberes prévios e interesses
dos sujeitos, as particularidades das comunidades educativas, as suas condi-
ções sociais e necessidades específicas. Deve romper a simetria com o ensino
considerado regular, constituindo uma identidade pedagógica própria
(BRASIL, 1996).
Apesar das contradições que permeiam o reconhecimento legal da
EJA na Educação Básica a partir da LDB 9394/96, seus desdobramentos
normativos trazem importante contribuição para a compreensão de uma
modalidade educativa que tem como foco os sujeitos ao qual a ela se destina,
em cujas particularidades devem ser extraídos os elementos que deverão
compor o currículo da modalidade nos ensinos fundamental e médio.
Na esteira da redemocratização que ocorreu no Brasil a partir da dé-
cada de 80, que culminou com a aprovação da nova constituição e da lei
de diretrizes e bases da educação nacional que são publicadas as diretrizes
curriculares nacionais para a EJA que define as funções da modalidade e
apresenta uma compreensão de currículo que tem como foco os sujeitos,
foram aprovadas também outras leis que tratam de direitos dos sujeitos como
o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), o Estatuto do Idoso (2003) e
o Estatuto da Juventude (2013) que junto com a legislação especificamente
educacional, criam demandas didáticas para a Educação de Jovens e Adul-
tos que avançam na compreensão do modelo pedagógico próprio.

Um olhar para o debate sobre as demandas didáticas


Já no chão da escola, a diversidade dos sujeitos é marcada ainda, pe-
la chegada de estudantes jovens, cujas presenças colocam às práticas peda-
gógicas o desafio de os mobilizá-los para o engajamento nas atividades pro-
postas. Os educadores são desafiados a tecer o currículo, por meio da obser-
vação, da escuta e da problematização junto aos coletivos de estudantes,
buscando: formas de dialogar com os saberes prévios dos sujeitos; práticas
adequadas de acolhimento das singularidades que se constituem nessa diver-
sidade; temáticas, conteúdos e problematizações que dialoguem com univer-
so social e cultural desses sujeitos e contribuam para que ocorra a produção

sujeitos da EJA. A função qualificadora está relacionada ao direito à educação durante toda a
vida.

209
de conhecimento que possibilitem a ação dos sujeitos (DURAND & BER-
GER, 2010).
No dia a dia de suas jornadas, os professores que em sua maioria
nunca tiveram formação para esta atuação específica vivem a angústia de ter
que desenvolver formas de organização do trabalho pedagógico para situa-
ções bastante particulares: as diferentes formas de aprender que os estudantes
manifestam; a variedade de faixas etárias nas turmas e consequentemente a
apresentação de expectativas diversas em relação à escolarização de jovens,
adultos e, entre esses, os idosos e; a própria forma como os sujeitos se relaci-
onam com o currículo escolar e impulsionam mudanças.
Essas demandas são situadas por diversos professores em momentos
de formação em que atuamos e trazemos algumas de suas falas:

Matemática eu sei, eu quero é saber como ensinar senhoras que estão fora da
escola há 40 anos, juntos com jovens que não conseguem se concentrar. (P1)
Ensinar química eu sei. O que eu não sei é como seguro na sala de aula, estu-
dantes que estão lá na EJA por conta de medida judicial. (P2)
Como falar sobre cidadania em uma turma em que eu estou separado dos alu-
nos por uma grade. (P3)

Emergem das falas de professores as necessidades de apreender uma


didática que os ajudassem nas situações de interação com estudantes, como
atrair a atenção; como tornar a aula em um encontro agradável que ajude os
estudantes a esquecer as dores do cansaço, as preocupações; como ensinar
conteúdos inerentes aos anos finais para estudantes de mais de 15 anos que
conseguem ler:

Eu não sei ensinar a ler e a escrever! (P4)


Aquela aluna só copia, ela não consegue ler! (P5)
Tem uma senhora que está no primeiro segmento há anos e não aprendeu a ler
e a outra estudante já sabe ler e escrever muito bem, mas ela não quer ir para o
segundo segmento. (P6)

Frente ao desejo de entender se haveria uma didática que tem se


constituído por meio da produção de conhecimentos que emergem no fazer
pedagógico (nesse contexto de diversidade demarcada pelas questões etárias
e sociais da EJA), optamos metodologicamente por buscar junto aos artigos
do banco de periódicos da Capes, compreender as demandas que têm sido
anunciadas pelos docentes.

210
As diretrizes curriculares abarcam funções para a modalidade que
extrapolam a dimensão do ensino, identificando essa modalidade na pers-
pectiva da Educação de Jovens e Adultos e não do Ensino para Jovens e
Adultos. No entanto, a mesma resolução afirma que o currículo da EJA tem
por especificidade os sujeitos ao qual ela se destina. Isto posto, entendemos
com Laffin (2011) que esse modelo pedagógico próprio se constitui no reco-
nhecimento do acolhimento aos sujeitos em suas diversidades e singularida-
des, como dimensão inerente à organização do trabalho pedagógico. Nesse
sentido apontado pela autora, as ações que visam o acolhimento dos sujeitos
em si situam na dimensão do cuidar e são inerentes ao ensinar e ao aprender.
Portanto, o fazer pedagógico dos professores é permeado pelo aco-
lhimento e do ensino, em um processo que se produzem conhecimentos que
formam o educador e tecem o currículo. Nesse movimento, os professores
fazem escolhas na tomada de decisões pedagógicas e buscam alternativas
teóricas que os possibilitem formular sentidos para o ensino no contexto de
suas áreas específicas; assim como, procuram alternativas metodológicas que
possibilitem maior aproximação com os sujeitos e aprimorem as práticas do
ensinar e do aprender. Dessa forma, se o ensino é o objeto da didática, como
pensar esse objeto na Educação de Jovens e Adultos?
A aposta que nos guia é a ideia de que há conhecimentos que vem se
constituindo no fazer pedagógico da EJA e que necessitam ser mapeados a
partir das próprias pegadas dos professores no terreno das práticas educati-
vas. Ou seja, acreditamos que precisamos registrar os passos dos professores
para constituirmos um mapeamento desses conhecimentos. Nessa busca,
ensaiamos os primeiros traços a partir do olhar aqui sobre a legislação.
Ao trazermos a discussão sobre a noção de demandas didáticas, temos
a compreensão de que a didática está relacionada aos conhecimentos que
permeiam as relações desenvolvidas em torno do que ensinar, para que ensi-
nar e como ensinar e são produzidos pelos professores e demais profissionais
envolvidos nas tarefas educativas que caracterizam a ação docente. Eviden-
ciamos aqui a importância de afirmar que não se tratam de conhecimentos
prescritivos, que cumpririam a orientação de uma racionalidade técnica, mas
de conhecimentos produzidos em situações limites em que os professores se
encontram diante de dilemas que necessitam ser resolvidos a partir da busca
por alternativas que o possibilitem o desenvolvimento do trabalho pedagógi-
co, tal como vem ocorrendo em todo o país no contexto da pandemia que
tem oportunizado a reflexão sobre os sentidos da escolarização, sobre o que

211
de fato são conteúdos significativos, assim como sobre as bases tecnológicas
que irão possibilitar a comunicação e os processos de mediação necessários
para a apropriação do conhecimento.
Compreendemos que as demandas didáticas decorrentes da legisla-
ção são amalgamadas em contextos de disputas discursivas que se constitu-
em em um emaranhado de textos, muitas vezes marcados por uma polisse-
mia que remete ao professor a dilemas que permeiam e as decisões que preci-
sam ser tomadas no desenvolvimento da prática docente. Destacamos o
entendimento de que isso, somente faz sentido se reconhecermos o currículo
como um campo de possibilidades, com um vazio normativo (LOPES, 2017)
em que o próprio significado de currículo não seja estabilizado, a ponto de
possibilitar a autoria do professor.
Com essa perspectiva, compreendemos que apesar da polissemia
que permeia os documentos legislativos e normativos, é possível identificar
convergências a respeito dos sentidos atribuídos ao currículo da EJA entre as
Diretrizes curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
(BRASIL, 2000) e as Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e
Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para
ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA;
e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Dis-
tância (BRASIL, 2010) que destoam com o caráter homogeneizador da base
nacional comum curricular - BNCC (BRASIL, 2018). Por outro lado, a
BNCC opera de forma divergente ao modelo pedagógico próprio.
Há a pressuposição de ser possível um consenso curricular produzido fora da
disputa política curricular contextual. Todo debate e deliberação política são
situados como anteriores à produção da base. Uma vez estabelecidas, por
meio da BNCC, as metas de aprendizagem, opera-se, como se fosse possível
cessar a política e a tradução que constitui o currículo (LOPES, 2017).
Ainda com essa perspectiva do currículo que se constitui em um
processo político de significação, Macedo (2013) e desenvolveu a concepção
de atos de currículo e formação O autor critica o entendimento de currículo
que predomina nas escolas, como resultado de conhecimentos dito formati-
vos e se questiona: a quem cabe definir quais são quais são os conhecimentos
formativos? Com quais critérios? Com quais intenções? Em suas elaborações,
não só os organismos internacionais e o Ministério da Educação são atores
curriculantes, mas, todas as pessoas que, de alguma forma, defendem senti-

212
dos de currículo. A mãe, que questiona na escola o que o filho está apren-
dendo, é uma atriz curriculante.
Considerando essa linha de raciocínio, compreendemos que diante
de uma ideia de currículo que tem o sujeito como foco do processo pedagó-
gico e a vida como potencializadora de conteúdos e experiências significati-
vas, é fundamental para a formação do professor o conhecimento dos sujei-
tos e a reflexão sobre as suas especificidades que implicam na constituição
do currículo, como situamos anteriormente nas falas de docentes da EJA.
A partir de nossa intenção em compreender as particularidades didá-
ticas que se desdobram das especificidades da modalidade EJA, nossa inten-
ção foi a de realizar aproximações com objeto de pesquisa. Nesse ínterim,
entre o momento em que realizamos o levantamento das produções e a escri-
ta deste texto, avançamos em nossas elaborações, trazendo para nossa refle-
xão, as noções de demandas didáticas e de dilemas didáticos.
A noção de demandas didáticas está relacionada também à compreen-
são de que a legislação educacional remete responsabilidades aos professores
e gestores de EJA nos processos de planejamento de ensino. Nesse sentido,
independentemente das escolhas que uma escola de EJA venham a realizar
no processo de elaboração do seu projeto político pedagógico, há imperati-
vos que devem ser resguardados pois possuem força de lei. Um deles por
exemplo está relacionado à necessidade de reconhecimento dos saberes pré-
vios dos estudantes, os seus contextos de vida, as especificidades geracionais.
Por dilemas didáticos, compreendemos as situações em que há a ne-
cessidade de tomar decisões para atender a diferentes demandas, mas que,
seja qual for a escolha, sempre o resultado será marcado pela incompletude,
pela falta. Como é de praxe em documentos legais, os textos sintetizam dis-
putas de sentidos e, quando chegam nas mãos dos professores os colocam
em situações que entendemos como dilemas didáticos que não são resolvidos
no plano da legislação. É nesse espaço dos dilemas que os professores criam
alternativas para a organização do trabalho pedagógico mobilizados por
questões: Como ensinar? O que ensinar? Para quê ensinar?
É a partir dessa perspectiva que buscamos analisar artigos acadêmi-
cos no banco de periódicos da Capes, com a intenção de compreender em
que medida se aproximam das demandas decorrentes da legislação e das
normas que afetam a EJA, assim como dos dilemas que perpassam uma
modalidade que necessita se constituir por meio de um modelo pedagógico
próprio.

213
Didática e EJA no Banco de Periódico da Capes
A elaboração do levantamento para a formulação do estado do co-
nhecimento (ROMANOWSKI, 2006) ocorreu em 2018 a partir de uma de-
manda do processo de qualificação do projeto da tese em que buscávamos
discutir as particularidades didáticas da EJA. Na primeira etapa do estado do
conhecimento47, tivemos como foco, os trabalhos disponíveis na Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) que apresentamos no Encon-
tro Internacional Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos. Para essa
segunda etapa, que é objeto deste texto tivemos como alvo de estudo as pu-
blicações disponíveis no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiço-
amento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Considerando nossos objetivos vinculados ao projeto de tese, reali-
zamos a busca no Banco de Periódicos da Capes por meio das seguintes
palavras-chave: didática AND EJA. Não houve recorte temporal apontado,
pois queríamos localizar a produção disponível nesse repositório, mas o
resultado demonstrou a existência de 37 publicações48 que apresentam refle-
xões derivadas de pesquisas acadêmicas e relatos de experiências, distribuí-
das entre 2009 e 2019, conforme segue:

Tabela 1: Distribuição temporal dos artigos analisados.


Distribuição temporal das 37 publicações
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Total
1 2 1 3 6 5 5 5 4 2 3 37
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Na apreciação dos dados de distribuição dos trabalhos no período de


11 anos, destacamos um crescimento no número de produções entre 2013 e
2017. Ao nos debruçarmos na leitura dos artigos selecionados percebemos
que uma importante vinculação temática dos estudos é a disciplina ou área
do conhecimento de origem do pesquisador ou foco de pesquisa. No quadro

47
Para Romanowski ―estado do conhecimento‖ refere-se a estudo que tem como abrangência
um setor de publicações (como no caso deste artigo que compreende os artigos disponíveis no
banco de periódico da Capes) diferenciando-se, portanto, de pesquisas do tipo ―estado da arte‖.
(ROMANOWSKI, 2006, p. 40).
48
Referências ao final do artigo.

214
a seguir representamos a distribuição dos trabalhos com abordagem discipli-
nar.

Quadro 1: Distribuição dos artigos por disciplina, área do conhecimento ou


temática
Áreas do conhecimento Número de artigos
Matemática 10
Língua Portuguesa 06
Língua Estrangeira 01
Artes 01
Geografia 02
História 01
Física 02
Química 01
Interdisciplinar 03
Total de artigos com abordagem disciplinar 27
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Há estudos em que o autor apresentou a sua área de origem, mas as


elaborações ultrapassam o limite da disciplina ou área do conhecimento.
Nesses casos não foram considerados junto às disciplinas e os representamos
no quadro a seguir:

Quadro 2: Artigos situados para além das disciplinas ou áreas do conheci-


mento.
Eixos temáticos dos estudos Número de artigos
Abordagens teóricas e metodológicas 05
Tecnologias digitais de informação e comunicação 01
Educação Sexual 01
Docência 01
Material Didático 01
Total de artigos com abordagem não disciplinar 09
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Perante o quadro 2, na análise de um total de 09 artigos o objeto


central dos estudos transita pelas dimensões didáticas no âmbito da EJA e,
em 05 deles, a sua maioria focalizam as abordagens teórico-metodológicas
das práticas pedagógicas.

215
Especificidades da modalidade EJA que se expressam nos trabalhos anali-
sados
Na leitura dos artigos é possível a percepção do quanto cada autor
foi mobilizado a responder às circunstâncias que emergem das especificida-
des da EJA, buscando aportes teóricos em pesquisadores do campo de suas
disciplinas de origem e com eles tecendo possibilidades de formular alterna-
tivas para tratar das problemáticas. Em outras situações, como nos relatos é
possível identificar a aplicação das abordagens. No quadro a seguir, repre-
sentamos as abordagens teórica e metodológicas presentes nos artigos.

Quadro 3: Categorização das abordagens teóricas e metodológicas.


Categorias evidenciadas Autores que fundamentam os estudos
Contextualização matemática Cunha (2018); Pires (2015); Pompeu (2013)
Estudos de caso em química Hygino et al (2013)
Baltar & Costa (2010); Cavalcanti & Alcântara (2009);
Lima & Molina (2014); Lima & Soares (2019); Medra-
Gêneros textuais e discursivos
do @ Aguiar (2014); Moreira & Shuartz (2016); Santos
(2012); Santos (2018)
Gomes et al (2015); Ledur & Ledur (2016); Lima &
Interdisciplinaridade Molina (2014); Moreira & Shuartz (2016); Vilella
(2015);
Cunha e Dickman (2018); Baltar & Costa (2010); Hygi-
Sequência Didática no et al (2013); Lima & Molina (2014); Lima & Soares
(2019).
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Com o reconhecimento das particularidades dos sujeitos e da importân-


cia de valorizar a experiência educativa na EJA, encontramos artigos que
tem com força motriz a busca por alternativas para que o ensino seja alcan-
çado em sua plenitude e para que ocorram aprendizagens significativas por
parte dos estudantes em conteúdos específicos, como por exemplo, história
da ciência, (HYGINO et al,2013), o ensino de ótica (CUNHA e DICK-
MAN, 2018); a aprendizagem da leitura (SANTOS, 2018); análise combina-
tória (Lima & Borba, 2019) e os princípios aditivos e multiplicativos (TOLIO
e BOSIGNIN, 2017).
A preocupação em desenvolver práticas que articulem o trabalho
pedagógico com a leitura de mundo, promover situações em que o estudante
compreenda na prática os conteúdos desenvolvidos ou que as aprendizagens
promovam a emancipação dos estudantes é presente em artigos com origem

216
em diferentes componentes curriculares como Verges (2013); Bandeira e
Corazza (2014); Santos (2012); Schneider e Fonseca (2014); Costa e Eche-
verria (2013).
No ensino da língua portuguesa destacamos um artigo que trata da
importância dos gêneros discursivos como formas enunciação de agência do
próprio sujeito, em uma perspectiva de letramento cívico. Do ensino de ma-
temática identificamos um artigo que trata sobre as compreensões correntes
do que vem a ser a contextualização matemática. Da geografia localizamos
um artigo que apresenta uma proposta para o trabalho do conteúdo migra-
ções que busca desenvolver a criticidade e autonomia dos estudantes em
relação ao processo de produção do espaço brasileiro.
Embora sejam ausentes trabalhos que tenham como foco os sujeitos
da EJA na perspectiva da diversidade (jovens, idosos negros, por exemplo),
há um interesse em alguns artigos em conhecer o sujeito que aprende, assim
como há um esforço de mobilização dos conteúdos para reconhecer as parti-
cularidades da vida desses sujeitos. Nesse aspecto destacamos um artigo que
busca compreender os tipos de atividades realizadas em sala de aula de geo-
grafia que são preferidos pelos estudantes e podem contribuir para a perma-
nência (SILVA e NETTO, 2009) assim como o estudo que visa compreender
a percepção da aprendizagem por parte dos estudantes nas aulas de matemá-
tica com um fator que também pode contribuir para a permanência dos estu-
dantes (XAVIER e FREITAS, 2019)
Outra especificidade da EJA está na sua estreita relação com o
mundo do trabalho e nessa perspectiva, encontramos o artigo que problema-
tiza a forma como o estudante é reconhecido, ora como trabalhador que
estuda, ora como estudante que trabalha nas aulas de matemática
(SCHNEIDER e FONSECA, 2014)
Não identificamos trabalhos com a abordagem da formação inicial
ou continuada para a EJA, mas entre os trabalhos selecionados, a formação
é destacada nas intersecções com o estudo dos materiais didáticos, de abor-
dagens teóricas e metodológicas, das práticas pedagógicas, em aproximações
com a interdisciplinaridade ou docência compartilhada. Nesse aspecto,
destacamos as contribuições de Medrado e Aguiar (2014) que analisam a
estreia do professor na experiência com sequência didática.
As problematizações formuladas nos artigos analisados, a sua maio-
ria tem como ponto partida o olhar disciplinar e a experiência dos autores
em situações de ensino, estágio supervisionado ou pesquisa. São mobilizadas

217
abordagens teóricas e metodológica com tradição de uso em um ou outro
componente curricular. Nessa perspectiva, a matemática contribuí com o
debate sobre a contextualização; a Geografia com os dados estatísticos; a
língua portuguesa com os gêneros textuais; a física com a metodologia do
estudo de caso. Há no conjunto de artigos que lemos, a confiança dos auto-
res em relação às contribuições de cada componente curricular e das inova-
ções percebidas para o trabalho com esses componentes.

A contextualização da modalidade EJA nos trabalhos e algumas interlocu-


ções teóricas
Embora os 36 artigos selecionados para leitura tenham como foco
experiências realizadas na Educação de Jovens e Adultos, muito pouco há
de interlocução das reflexões e contribuições dos componentes curriculares
ou das áreas do conhecimento com textos que abordam as especificidades da
EJA.
Quanto à interlocução com textos que possuem caráter normativo,
raros são os artigos que citam a Lei de Diretrizes e Bases e raríssimos os que
citam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA. Ainda entre os pou-
cos que citam documentos de orientação curricular, predomina a referência
aos parâmetros curriculares em documentos de 1997 e 1998, embora os arti-
gos tenham data de publicação a partir de 2010. Destacam-se os trabalhos
que têm sua origem em experiência em Proeja, apresentam interlocuções
com as especificidades da educação profissional e citam o decreto de criação
do Proeja e/ou o documento orientador (COSTA e ECHEVERRÍA, 2013;
HYGINO et al, 2013; Cavalcanti e Alcântara, 2009; Moreira e Shuartz
(2016); Silva e Neto (2010).
Há por o outro lado, a presença nas referências de autores que discu-
tem a EJA dentro de campos pertinentes aos seus componentes curriculares.
Em algumas situações, os próprios autores citam trabalhos anteriores sobre a
EJA.
Não há nas referências dos artigos, autores que discutam as especifi-
cidades geracionais na EJA, como a juventudes, a adultez e o envelhecimen-
to, assim como essas especificidades não são objeto de estudo, embora, este-
jam presentes preocupações em compreender como o estudante aprende.
Os dados analisados demonstraram que apesar existirem demandas
didáticas específicas decorrentes do desafio à constituição do modelo peda-
gógico próprio, marcado pelas particularidades dos sujeitos da modalidade,

218
os trabalhos lidos demonstraram a preocupação dos autores predominante-
mente para o ensino de conteúdos específicos dos componentes curriculares
da educação básica.
Há, predominantemente a busca por uma didática instrumental que
contribua para que os estudantes aprendam os conteúdos, assim como há a
preocupação com as referências teóricas e metodológicas que são importan-
tes para a compreensão de como se dá a aprendizagem, seja de conteúdos
específicos ou não.

Entre dilemas e demandas didáticas: é possível desjogar com a BNCC?


Apesar do reconhecimento da EJA como modalidade da educação
básica e o acúmulo teórico-prático advindo das experiências de educação
popular de onde emergiu a educação de adultos, o avanço nas pesquisas que
tratam especificidades dos sujeitos, há ainda no Brasil um longo percurso a
ser percorrido na constituição de um modelo pedagógico próprio que tenha
como foco os sujeitos da modalidade.
A trajetória da EJA desde a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL,
1996) é marcada por uma disputa de sentidos que expressa por um lado a
projeção de um sonho de construção de uma modalidade educativa que tem
a função de contribuir para a reparação de uma dívida social com todas as
pessoas pobres que em decorrência dos lugares sociais que ocupam não tive-
ram oportunidades de usufruir do direito à educação e consequentemente
foram alijadas de outros direitos. São pessoas que vivem distante dos confor-
tos que o desenvolvimento das forças produtivas pode proporcionar e tem na
luta pela sobrevivência o seu desafio diário: trabalhar para comer, para pagar
contas, para morar, para cuidar da saúde. São essas as pessoas que têm nos
tempos de pandemia não têm tiveram a possibilidade do isolamento, assim
como do emprego e da comida. Ao procurarem empregos, são as pessoas
que perdem oportunidades por que não possuírem nem mesmo o ensino
fundamental completo.
Para além da condição de trabalhador ou jovens filhos da classe tra-
balhadora, as trajetórias pessoais de jovens, adultos e idosos não escolariza-
dos são marcadas por questões que se desdobram das desigualdades de gêne-
ro, em que o homem é incentivado aos estudos por ser o provedor do lar e a
mãe é responsabilizada pelos cuidados da família, por questões de orientação
sexual que devido ao preconceito, a homofobia, bifobia e transfobia em al-
gum momento da vida foi fator de desistência dos estudos; por questões

219
relacionadas ao racismo estrutural que oferece oportunidades desiguais às
pessoas, conforme o seu pertencimento étnico racial.
Fora da escola, negros, negras, gays, travestis, mulheres, pessoas
idosas, jovens do campo, quilombolas, privados de liberdade, entre tantos
que compreendem em carne e osso as estatísticas de um país que tem mais
da metade da população acima de 25 anos sem educação básica, aprendem
na vida, no trabalho ou na ausência deles. Vivem e convivem em um mundo
permeado por práticas de letramento, vivenciam oportunidades e educação
informal na cidade. Na fome, no frio, na ausência de liberdade, na opressão,
na lutar por tratar seus problemas de saúde, aprendem.
Assim como produzem conhecimentos na lida da vida, formulam
perguntas sobre mundo, criam pontos de vista, discutem com seus pares. São
sujeitos na vida. E na escola? Estudos apontam a dificuldade da escola e
dialogar com o mundo das pessoas, de olhar para os estudantes como sujei-
tos de direito, como pessoas que chegam às escolas carregados de histórias,
sofrimentos, sonhos, assim como, com poucas experiências positivas de
escolarização (CARRANO, 2007)
Nas salas de aula de EJA, toda essa diversidade e multiplicidade de
experiências se agrupam e colocam professores e professoras diante do desa-
fio de aprender o seu ofício junto com pessoas idosas há tantos anos foram
das escolas, com pessoas que mal conseguem se concentrar diante de tantas
aflições da vida, de jovens que migram do ensino regular diariamente para a
EJA. É nesse processo dialógico de conhecer o outro e com o outro aprender
em relações de ensino marcadas por uma expectativa que nasce ali, das de-
mandas que o outro traz é que se constitui o modelo pedagógico próprio.
Mas isso, deve ser alcançado com o rompimento da simetria com a
tradição do ensino para crianças e adolescentes da chamada idade própria,
mas ser reconhecida como modalidade da Educação Básica a partir de ou-
tros ―modus‖ de organização curricular e temporal. No entanto, esse proces-
so só pode ser alcançado se o professor se autorizar a se lançar em uma rela-
ção de conhecimento do outro e vir a ser a educador na descoberta do outro
e com o desenvolvimento de didáticas que não digam como ensinar, mas
didáticas que o aprender a ensinar se dá no movimento com os estudantes
que o ensinam a apreender esses processos.
Considerando todas as especificidades da EJA que se desdobram
das particularidades das pessoas não escolarizadas, mas que se constituem
como sujeitos no mundo em diferentes contextos, é que devemos perguntar

220
qual o compromisso da Base Curricular Nacional (BNCC) para com o currí-
culo que o direito público e subjetivo que os sujeitos têm e a realidade dessas
pessoas demandam?
Neste momento histórico em que a EJA é convocada ao alinhamen-
to com a BNCC é necessário recorrermos à memória de um processo quem
em nenhum momento considerou as especificidades da modalidade, assim
como não reconheceu a legitimidade da participação popular por meio dos
fóruns de EJA que vinham desde antes do golpe de 2016 49 reivindicando a
abertura de um diálogo propositivo junto ao Ministério da Educação no
sentido de contribuir com a construção de um documento que respeitasse as
especificidades da modalidade.
O alinhamento proposto pela resolução que apresenta normas ope-
racionais para a EJA tem como principal característica a artificialidade de
inclusão da educação de jovens e adultos em uma política curricular que não
considerou a existência da modalidade em seu processo de construção, mas
colocá-la na lógica do gerencialismo e de instituições privadas.
Diante dessa situação criada por uma política que estabelece um do-
cumento curricular que prescreve normas operacionais que não considera as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
(BRASIL, 2000) e o modelo pedagógico próprio já previsto em legislação
anterior, compreendemos a necessidade de reafirmação do direito ao debate
político que não pode ser encerrado por força de lei.
Nesse aspecto reafirmamos o lema da etnometodologia, segundo o
qual, os atores sociais não são idiotas culturais, muito pelo contrário, tem na
negatricidade, a possibilidade de desjogar o jogo do outro, alterando os cená-
rios políticos (MACEDO, 2013).
Entende-se a negatricidade como ―[...] a capacidade que o outro
possui sempre de poder desmantelar com suas próprias contra-estratégias
aquelas das quais se sente objeto‖ (ARDOINO, BARBIER & GIUST-
DESPRAIRIES, 1998, p. 68). Desjogar é colocar em ação suas contra-
estratégias, é usar criticamente a leitura dos ―novos‖, mas tão novos assim
no movimento neoliberal, e produzir novos sentidos a esses documentos, é
reverter o jogo buscando garantir os pressupostos que possam garantir as
particularidades da EJA. Compreendemos, portanto, necessidade de valori-

49
Trata-se da crise política manipulada e gerada por setores da direita no Brasil que culminou na
dinâmica do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff no ano de 2016.

221
zação de espaços autônomos de crítica e de produção curricular que conside-
rem a possibilidade de autoria dos sujeitos envolvidos.

Considerações Finais
Neste artigo buscamos problematizar o desafio de constituição de
um modelo pedagógico próprio estabelecido pelas diretrizes curriculares
nacionais para a educação de jovens e adultos como desdobramento conver-
gente do direito a uma educação que dialogue com as especificidades do
sujeito conforme previsto na legislação vigente.
Destacamos a necessidade de superação do modelo educacional ba-
seado no ensino supletivo que, do ponto de vista legal foi superado pelo
paradigma da educação ao longo da vida que, em contraponto à centralidade
de currículos prescritos, prevê a necessidade de processos educativos que se
desenvolvam no reconhecimento das especificidades dos sujeitos ao qual a
modalidade se destina.
Frente às demandas didáticas que se desdobram da legislação e
normas que orientam a oferta da modalidade EJA, compreendemos com
base no estado do conhecimento ao qual nos dedicamos, a prevalência de
uma cultura escolar fundada no estudo de conteúdos disciplinares definidos
a priori como objetos de ensino em detrimento de uma política curricular
que tem como pressuposto o olhar investigativo que busca na realidade dos
sujeitos e na interação com eles a construção curricular, sem abrir mão do
conhecimento.
Identificamos no estudo das publicações a busca pela resolução dos
dilemas que permeiam as reflexões sobre o quê ensinar, como ensinar e para
quê ensinar na EJA, por meio de abordagens teóricas e metodológicas que
buscam alternativas no acúmulo teórico de cada campo disciplinar que, ape-
sar de suas possíveis potencialidades não têm sido articuladas no campo das
especificidades da EJA, haja vista a ausência das diretrizes curriculares e de
teóricos da EJA nos trabalhos citados.
Diante desse contexto, reafirmamos a importância de constituição
de espaços e tempos de construção da resistência à política homogeneizadora
da BNCC, como alternativa capaz de alterar os cenários políticos hegemôni-
cos e valorizar a docência como experiência de produção de conhecimentos
e de autoria.

222
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Acesso em: 5 nov. 2021.

230
O “NOVO” CAPITALISMO DO ENDIVIDAMENTO
E DAS SOLUÇÕES MÍSTICAS E INDIVIDUAIS:
REFLEXÕES SOBRE AS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS

Luís Távora Furtado Ribeiro


Jackline Rabelo
José Antonio Gabriel Neto
Samara Mendes Araújo Silva

Introdução
Este ensaio é continuidade de uma pesquisa com novas análises do
que se chama capitalismo de endividamento e suas consequências para a
educação. Nele, estão endividados os países, as empresas e as famílias - con-
sumidores. Num contexto que Han (2021) apresenta como de excesso de
tecnologia e hiperconsumo, em que, como explica Baumann (2012) já não
podemos viver desconectados. Produtos com muita tecnologia e substituí-
veis, cada vez mais caros e uma cultura de consumo desenfreado entram em
colapso com a queda das taxas de emprego, a precarização do trabalho, cor-
tes de salários e aposentadorias e a crise no crédito, o que vai constituir uma
legião de endividados.
A impossibilidade de se saciar desejos consumistas cria uma legião
de frustrados que se revelam melancólicos ou violentos, com o surgimento
de setores das classes médias ressentidas e raivosas ou na proliferação de
grupos religiosos ultraconservadores. Uma novidade é a procura por solu-
ções individuais, com a saída para os problemas atuais sendo buscada em
soluções místicas e religiosas. Com a busca de integração, desconsidera-se as
raízes dos problemas mediante o questionamento da sociedade do capital, do
dinheiro, da mercadoria, da tecnologia e das compras. Ribeiro (2019).
Nesse contexto, apresenta-se a descrença no Estado e políticas pú-
blicas, com a coletividade e a política substituída pela busca de soluções
sobrenaturais. Partindo do pressuposto de que a educação faz parte do con-
trato social e, dessa forma, está presente no dia a dia de grande parte das

231
famílias brasileiras, entende-se que as políticas educacionais atuais se refe-
rem excessivamente a uma chamada formação para o mercado, deixando de
lado a proposição de uma formação cientifica e crítica.
Para exemplificar podemos citar o estado atual da educação brasilei-
ra sem deixar de recorrer, obviamente, a alguns aspectos históricos que mar-
cam as políticas educacionais nas últimas duas décadas.
Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar o cenário educa-
cional brasileiro a partir de algumas dessas políticas dentro do contexto de
endividamento, do aumento galopante da inflação e da tragédia social e
sanitária provocada pela Pandemia de Covid-19 e da expansão da tecnologia
como meio predominante para a realização da educação e do ensino.

O templo profano do “capitalismo do endividamento” e a redução de


políticas públicas e sociais
Esse novo capitalismo que denominamos ―capitalismo do endivi-
damento‖ une em extremos opostos, mas que se combinam numa totalidade
complexa, uma enorme concentração de algumas centenas de bilionários,
numa convivência distante com milhões de empobrecidos. Essa riqueza pode
ser ilustrada em novembro de 2021, quando o primeiro capitalista acumulou
a fortuna pessoal de U$$ 300 bilhões de dólares. Numa volatilidade impres-
sionante, esses bilionários podem ganhar ou perder bilhões de dólares num
só dia, dependendo de notícias e informações, em movimentos especulativos
em comércio de papéis das dívidas de países, em moedas artificiais ou nas
bolsas de valores.
Nesse contexto, estão endividados, as empresas, os países e os con-
sumidores- as famílias. Tudo agravado pelo elevado desemprego e pela cres-
cente precarização do trabalho com sensíveis perdas dos níveis salariais e da
quantidade de riqueza nas mãos das classes trabalhadoras. Isso se agrava
com a redução de políticas públicas compensatórias como o seguro desem-
prego e as reformas na previdência social pública com a redução das aposen-
tadorias. O contexto de desfecho insustentável e imprevisível agrava-se com
o que Han (2021) denomina de cultura do hiperconsumo, onde a idolatria
das compras une, a um só tempo, as três maravilhas de nosso tempo: a tec-
nologia, o dinheiro e as compras.
O templo profano dessa nova religião pagã são as lojas de departa-
mento e os shopping centers, lugares físicos consagrados ao comércio incessan-
te, agora ampliados com o crescimento das chamadas lojas virtuais. Assim,

232
podem -se escolher, comprar, pagar e receber produtos sem sequer sair de
casa. Esse modelo combinado de redução salarial e de cortes nas políticas
sociais com excesso de consumo, foi sustentado e turbinado pela expansão
do crédito, contexto que se satura desde a crise de 2008, reduzindo espaços
para o financiamento e ampliando de forma estratosférica o endividamento
global. Num folheto de Literatura de Cordel sobre Economia, Ribeiro (2021,
p. 15) sintetiza esse momento em versos: ―Hoje empresas e países/ Estão
bem endividadas./ Famílias, consumidores,/ Também estão apertadas./
Dívida social e externa,/ Tem outra que é interna. /Igrejas estão lotadas‖.
Em tal contexto que cresce como uma onda gigantesca há três dívi-
das sociais que se acumulam nos países: A dívida interna, a dívida externa e
a dívida social; todas agravadas pelo crescimento de um novo passivo: a
dívida ambiental, provocada pela destruição de ecossistemas e da vida sobre
a terra com o acelerado aquecimento global e mudanças climáticas. Esse é
uma síntese do que denominamos: novo capitalismo do endividamento.
Mészáros (2011) nos falava dessa sociedade como a ―economia do cartão de
crédito‖ e que nos levaria, às famílias e consumidores a um colossal endivi-
damento.
No caso brasileiro, esse desespero provoca uma tensão social per-
manente. Para acalmá-la, multidões de deserdados lotam inúmeras igrejas
que proliferam e se instalam a cada rua ou a cada esquina. Nelas, conforme
enfatiza Ribeiro (2019), esses milhões de consumidores frustrados, impedi-
dos de entrar no sistema, buscam o bilhete de entrada para esse maravilhoso
mundo das compras. O autor menciona que nas reuniões religiosas eles bus-
cam basicamente três coisas: emprego, saúde e família: ―Emprego para po-
der comprar, saúde para usufruir e família unida para proteger. ‖ (Ribeiro,
2019, p. 31). Na realidade, não ocorre contestação do modelo econômico e
político vigente, ao contrário, as maiorias procuram uma maneira de integra-
rem-se a ele. Em outras palavras, a tentativa de conseguir o bilhete de entra-
da da festa do dinheiro, da tecnologia e suas maravilhas do mundo das com-
pras. Nesse modelo, Han afirma que: A economia capitalista absolutiza a
sobrevivência. Ela se nutre da ilusão de que mais capital gera mais vida, que
origina mais capacidade para viver. A preocupação por uma boa vida dá
lugar à preocupação pela sobrevivência.‖ Han (2020, p.107). E que, ainda
lembra o autor coreano: ―No regime neo liberal tem lugar não mais como
alienação e auto desrealização [...]Aqui não entra o outro como explorador,

233
que me obriga a trabalhar e me explora. Ao contrário, eu exploro a mim
mesmo. ‖(Idem, p. 116)
Em tal contexto, uma característica é a falta de esperanças nas polí-
ticas sociais - de emprego, saúde, previdência -, e na ação do Estado e dos
governos. Conforme afirma Ribeiro (2019, p. 37), ―com os empregos que
estão se reduzindo a ocupações precárias, temporárias com salário reduzido.
É como se alguém visse ser jogado no lixo seu bilhete sorteado de loteria
milionária e perdesse tudo, sem ter sequer recebido o prêmio‖. As soluções e
saídas para a crise deixam de serem políticas e tornam-se expectativas de
ajudas divinas, sobrenaturais. Isso acalma tensões sociais e retira pressões
sobre os governos, e seguem adiando crises que não se resolvem. Não se
pode prever até onde vai essa calma e anestesia social, cujas tensões não
resolvidas que vão se tornando potencialmente explosivas. O que importa,
no momento, é uma relativa paz e o sossego das multidões, encantadas em
suas esperas divinas e pelas soluções de problemas terrenos. Em resumo, a
descrença no Estado e nas políticas públicas é resolvido, com o refúgio na
busca de soluções celestiais.
Outro aspecto dessas crises adiadas e nunca resolvidas, apenas adia-
das, é que as soluções buscadas são meramente individuais. Perdendo a di-
mensão essencial da boa política como ação e luta social coletiva, entre gru-
pos sociais de interesse divergentes na divisão da riqueza. Ao contrário, cada
um realiza um encontro pessoal com Deus, numa espécie de privatização do
sagrado, no interesse de saídas tão milagrosas e solitárias. Quando se pensa
ou observa algum grupo mais amplo, ele se restringe a orações e à procura de
conversões no restrito grupo do núcleo familiar. Família compreendida aqui
como grupo consanguíneo próximo, perdendo – se aí toda a dimensão de
grande família humana, presente em suas origens em todas as religiões mun-
diais. Num livro sobre esses tempos interessantes, Hobsbawm definia esse
envolvimento como originário de vigorosas experiências individuais, como
em suas próprias palavras: ―Recriação de comunidades baseadas no reco-
nhecimento coletivo de ―renascimento‖ através de experiências poderosas e
individuais, e de rituais emocionalmente satisfatórios. [...] A cura e a prote-
ção contra o mal são essenciais em sua visão‖. Hobsbawm (2012, p. 254). E
que ele localizava em cultos pentecostais norte-americanos, mas que também
podemos localizar em outros recantos mundiais como em regiões da África,
do México ou do Brasil.

234
A combinação desses elementos é complexa. Grupos familiares e
empresas endividados, governos em permanente crise fiscal, com o peso da
dívida superando o produto interno bruto e com seu pagamento, do principal
e dos juros consumindo nada menos do que a metade ou mais de seus orça-
mentos anuais. Combinados, desemprego e corte de políticas públicas e pre-
videnciárias com a idolatria do hiperconsumo e endividamento colossal,
aparece como tudo sendo resolvido com a crença em providenciais interven-
ções do sagrado para a solução de problemas individuais e do núcleo famili-
ar.
Dentre esses grupos religiosos, podemos apresenta-los e caracteriza-
dos em três grandes grupos por suas características gerais, conforme uma
tipologia ou tipo ideal sob a influência de Max Weber: os pentecostais, os
neopentecostais e os pós-pentecostais, cuja convivência e coexistência, mui-
tas vezes se confunde, os une e os separa, ora com predominância de uns e
de outros, em diferentes momentos da história e em décadas recentes. Os
pentecostais se caracterizariam pela crença no batismo do espírito santo,
num novo pentecostes, com um novo batismo no espírito, na sequência de
uma vida virtuosa com o centro da fé localizado na prática da oração. Como
prêmio, o crente recebe os dons do espírito Santo, inclusiva a possibilidade
de orar em línguas. Em resposta aos críticos que as definem como sons es-
tranhos originários de manifestação do inconsciente, os pentecostais argu-
mentam que se trata de uma expressão viva do contato com o espírito de
Deus que superaria o entendimento humano.
Quando aos grupos denominados de pós-pentecostais, esses se ca-
racterizam na cura de males físicos e espirituais. Tratando-se de uma prática
que consola e conforta pessoas doentes, muito fragilizadas, com o perigo da
substituição do Estado, dos governos e políticas públicas de saúde por inicia-
tivas de recursos ao sobrenatural. Assim, o batismo do espírito é substituído
ou fica em lugar secundário ante um Jesus médico e salvador. Assim, o mal
deixa de ter origem física ou psíquica, muito menos ter influência de fatores
e contextos sociais. Conforme afirma Ribeiro: ―O neopentecostalismo pode
ser caracterizado por algumas características gerais. Como uma delas, a pre-
sença difundida do milagre é interpretada como uma intervenção divina para
a superação de problemas diários ou para a realização de anseios do cotidia-
no‖. (RIBEIRO, 2019, p. 153). Essa busca do milagre vale para todas essas
experiências de novos modelos de cristianismo para a busca de saídas para
problemas pessoais concretos.

235
Quanto aos grupos religiosos denominados pós pentecostais, o ba-
tismo no Espírito Santo e uma vida nova e o Jesus que cura são substituídos
de maneira pragmática, por um Jesus vencedor e que conduz o crente à vitó-
ria. Esse modelo faz surgirem igrejas como a denominadas por títulos que
têm como ênfase e complemento: Vitória em Cristo! Esse modelo segue de
modo meio inconsciente por alguns ou mal disfarçado por outros os novos
valores do empreendedorismo capitalista atual, onde ocorre uma luta de
todos contra todos no mercado pela conquista individual de recursos escas-
sos ou pelas riquezas que estão disponíveis aos mais aptos e mais fortes.
Vale ressaltar, que o modelo de batismo, cura e, principalmente, o
da vitória em Cristo, garante conquistas pessoais, individuais, no máximo
com o benefício da família nuclear. Anseios por saúde e vitórias coletivas
com riquezas partilhadas não são sequer tematizadas em muitos desses gru-
pos. Quanto aos crentes, em sua boa-fé, buscam saídas possíveis para os
males insondáveis desse mundo hostil, onde sem a ajuda de poderes celesti-
ais jamais poderiam ser enfrentados e bem-sucedidos, em que jamais seria
possível a cura dos males físicos e doenças, nem a vitória num mercado cada
vez mais competitivo e excludente.
Numa palavra, esses grupos não manifestam qualquer iniciativa de
ruptura com o modelo capitalista atual, ou mesmo compreensão de que ele
possa estar por trás de seus males e dramas pessoais. Ao contrário, ao invés
de buscarem romper com ele e questionar seus fundamentos, desejam uma
maneira viável de se integrarem a ele. Vale ressaltar que, enquanto buscam
soluções individuais e sobrenaturais, as coisas se mantêm como sempre fo-
ram e têm se agravado cada vez mais com mais empobrecimento e exclusão
social. Falando dessa nova modernidade indivíduos vinculados a si mesmos,
Baumann afirma: ―É a desregulamentação e a privatização das tarefas e
deveres modernizantes. O que costumava ser uma tarefa para a razão huma-
na, vista como propriedade coletiva da espécie humana, foi fragmentado
(―individualizado‖), atribuído às vísceras e energias individuais.‖ Baumann
(2001, p. 41). As relações com os poderes terrenos se tornam cada vez mais
reguladas e distantes, órfãos das soluções para seus problemas insolúveis, só
nos resta o contato direto com Deus.
Quanto aos sinceros participantes desses movimentos religiosos, o-
corre também uma fuga e uma ruptura com o modelo burocrático moderno,
onde não existe acesso ou quaisquer formas de comunicação e ajuda por
parte de governos e políticas cada vez mais distantes e inacessíveis. Ocorre

236
assim uma superação e uma elevação, desiludidos ante os impedimentos de
acesso aos poderes dessa terra, e é como se efetivamente se realizasse um
contato íntimo, direto e pessoal com a maior autoridade do céu, o próprio
Deus ou seu filho Jesus. Agora a comunicação se realiza e todas as necessi-
dades e desejos podem ser ouvidos e atendidos. Longe dos governos terrenos
inacessíveis, torna – se uma possibilidade concreta a conquista de ajuda de
uma grande autoridade totalmente acessível, certamente a maior de todas as
autoridades. E se estabelece uma relação íntima no contato direto Eu - Deus,
numa espécie de privatização do sagrado, que se torna acessível a qualquer
tempo e lugar.
Ainda nesse contexto de se superar os obstáculos terrenos, a buro-
cratização da vida moderna, é possível que o crente leia, compreenda e ex-
plique os textos antes enigmáticos das sagradas escrituras. Longe da necessi-
dade de longos cursos universitários de teologia ou qualquer outro, uma
leitura pessoal da bíblia, para uma pessoa com fé, possibilita a compreensão
das mensagens sagradas mais profundas. Muitos desses crentes, como num
passe de mágica, tornam-se líderes associados ou mesmo fundadores de igre-
jas, tornando- se pastores, numa melhora significativa de imagem e com
novo status de liderança social.
Esse fenômeno religioso de massas no Brasil parece sem precedentes
no mundo contando com eficientes redes de comunicação, originalmente
pelo rádio, depois pela posse ou aluguel pelas maiores congregações de horá-
rios, emissoras ou mesmo de redes de televisão. Com um poder missionário
impressionante e eficaz, o número de fiéis atendidos é enorme, enquanto a
multidão de convertidos cresce a olhos vistos cada dia mais. Além de rádio e
da TV, parques gráficos e editoras, que cuidam da produção e distribuição de
livros, jornais e informativos. Gravadoras musicais complementam e fecham
o ciclo com a gravação de discos e CDs, tornando seus cantores, músicos e
intérpretes verdadeiras celebridades nacionais. Junto a isso, empreendimen-
tos de construção civil são mobilizados para a construção de médios ou de
grandiosos templos, muitas vezes localizados em valorizadas regiões das
cidades. Todos com espaços generosos para as reuniões de numerosos fiéis
com infraestrutura bem planejada para transmissões das celebrações e até de
gigantescos e funcionais estacionamentos.
As estruturas mencionadas antes convivem e coexistem com lugares
muito menores e mais simples, bastando apenas juntar algumas cadeiras de
plástico ou madeira e um rudimentar sistema de som, um púlpito simples

237
numa sala ou pequena casa alugada ou num galpão. Essa agilidade e poder
de adaptação geram uma enorme capilaridade que se espalha e se expande
em toda a periferia das cidades, entrando nas casas pelas poderosas e efica-
zes ondas de rádio ou da TV. Todo esse modelo tem alguma similaridade
com a proliferação das chamadas igrejas eletrônicas com seus pastores midi-
áticos, excelentes oradores e lideranças carismáticas que se multiplicaram
pelos Estados Unidos, especialmente nas décadas de 1960 a 1990, com pú-
blico cativo pela televisão. Um tempo de crise social, muito desemprego e
problemas urbanos naquele país. Nisso, há aproximações e distanciamentos
com a nossa realidade atual.
Essa reflexão anterior é fruto de pesquisas anteriores e publicações e
se inserem nesse artigo em virtude da elevada importância e peso social des-
sas agremiações religiosas, com suas implicações indispensáveis para se a-
proximar da compreensão de aspectos significativos da sociedade brasileira
atual. Nesse caso, no aspecto que se relaciona à busca de multidões agrega-
das em animadas celebrações na procura por respostas individuais e integra-
ção num tempo hostil, onde se poderia talvez denominar uma multidão de
pessoas isoladas.
No contexto apresentado anteriormente, de hiperconsumo, desem-
prego elevado, trabalhos temporários, perdas de direitos sociais, e queda dos
salários individuais e da massa salarial, que se combina a um crescente e
impagável endividamento, surgindo uma esperança na descrença generaliza-
da no Estado, governos e nas políticas públicas, o recurso à soluções divinas
de origem sobrenatural. Tudo contribuindo para as soluções de problemas
individuais num contato direto com Deus quase sem interferências, tendo
como único intermediário e com a única mediação através da figura confiá-
vel de seu padre ou pastor. Nesses casos, aliviam se as pressões sociais sobre
governos e lideranças políticas que todos consideram acessíveis apenas nas
poucas semanas que antecedem as eleições. Ante a burocratização que im-
põe dificuldades aos contatos e reivindicações políticas nesse mundo, apare-
ce a verdadeira relação com o próprio Deus, a qualquer hora e local, quase
sem intermediários.
As consequências políticas desse refúgio religioso são sensíveis. Elas
provocam uma redução significativa nas pressões sobre os governos, políti-
cos e partidos, com uma propagada calma e perceptível diminuição nas ten-
sões sociais apenas adiando demandas que ficam represadas e jamais se re-
solvem.

238
Assim, não se espera nada desse mundo, muito menos se pensa em
reivindicações e soluções coletivas, quando o refúgio e as saídas confiáveis
são procurados por indivíduos necessitados, mas confiantes em um nível
superior na esfera considerada infalível do mundo sagrado. Mas não são
coisas intangíveis e superiores que se esperam, ao contrário, trata-se de subir
aos céus para retornar imediatamente à terra, ao mundo sedutor do crédito,
das lojas físicas ou virtuais e das compras irresistíveis. Nesse movimento de
ascensão e descida, nos braços confiáveis de deuses das vitórias que tardam,
demoram e nunca chegam.

Reflexões sobre as políticas educacionais e a formação para o mercado


O Brasil é marcado por uma chamada rede de políticas educacionais
que, no plano de proposições, visa dar unidade ao sistema educacional naci-
onal, ao mesmo tempo em que propaga o respeito as enormes discrepâncias
em um país geograficamente muito vasto com uma riquíssima herança cultu-
ral. É valido destacar, que essa suposta unidade, vai se assemelhando a uma
padronização bem vinculada aos interesses econômicos de grupos influentes,
a exemplo das grandes empresas com suas fundações educacionais.
No atual contexto, observa-se que o mundo passa mudanças signifi-
cativas no campo da comunicação e da informação, estando mais integrado
a partir do fenômeno da velocidade de informação que é instantânea e exces-
sivamente aligeirada e superficial. Nas últimas duas décadas, com a expan-
são da tecnologia, em que os smartphones se colocam como pequenos compu-
tadores que dominam as interações entre as pessoas, associada ao advento
das redes sociais, tornou-se um desafio o trabalho dos educadores brasileiros.
No entanto, devemos compreender que para a classe trabalhadora e as popu-
lações mais vulneráveis, o acesso às redes de internet e à própria tecnologia é
bem limitado e precário e, muitas vezes, inexistente. Além disso, o excesso
de vídeo que se repetem e sua velocidade, mesmo nas comunicações inter-
pessoais, dificultam e até impedem, qualquer tipo de reflexão crítica em dire-
ção ao que denominamos ―ideologia das máquinas‖. Os conteúdos apresen-
tados, servem, na maioria das vezes, para propaganda subliminar e venda de
produtos, inclusive, interferindo em eleições e escolhas políticas em diferen-
tes países, favorecendo, principalmente, grupos de extrema direita e conser-
vadores.
A educação, como parte da vida cotidiana de milhões de brasileiros,
seja com seus filhos nas escolas ou com limitado acesso às universidades, faz

239
parte desse modelo sendo, dessa forma, expressão importante da formação
do indivíduo para as demandas sociais que porventura venham a ocorrer,
especialmente para empregos inexistentes.
Assim, as políticas educacionais que vem ocorrendo desde os anos
2000 estão presentes em diversos aspectos da educação. A partir dos anos
1990, em que o processo educacional tornou-se, pelo menos nos documentos
oficiais, mais liberal, visando atender demandas e monitoramento de órgãos
como Banco Mundial e aos interesses privados para a formação da popula-
ção, isso fica mais evidente.
Dessa forma, o Banco Mundial, representante maior das grandes
economias do mundo, assume a direção no processo de formulações e orga-
nização das políticas públicas dos países pobres e da periferia do capitalismo.
Conforme Mendes Segundo e Jimenez ―[...] as políticas educacionais no
Brasil, particularmente nos anos de 1990, configuram-se como uma irrestrita
submissão às recomendações de organismos internacionais de educação,
especialmente aquelas formuladas pela Unesco e pelo Banco Mundial‖ (JI-
MENEZ; MENDES SEGUNDO, 2015 p. 47).
O Plano Nacional de Educação do governo Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002), abrangeu o período entre 2001 e 2010, sendo a culmi-
nância de uma política educacional dentro de um projeto de país com foco
nas privatizações e supressão dos bens públicos. Apesar disso, havia do dis-
curso de uma propagada universalização na oferta do ensino público e na
melhoria da qualidade da escola pública associada à redução das desigual-
dades sociais no tocante à permanência da população na educação (BRA-
SIL, 2001). Essa universalização não se concretizou, com a reforma sendo
restrita à privatização do ensino superior e ao financiamento insuficiente de
apenas oito anos do ensino fundamental, mediante a criação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério - FUNDEF, instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de
setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do
mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997 50. Apesar disso, exa-
minando esse contexto, Aguiar afirma que (2010, p. 723-24)
A análise das ações realizadas nos quase 10 anos de vigência do
PNE mostra que ocorreram avanços em relação às metas e objetivos que
foram fixados no início da década de 2000, como também equívocos em

50
Disponível em: http://mecsrv04.mec.gov.br/sef/fundef/funf.shtm. Acesso em 14.10.2021

240
relação a algumas metas que não correspondem aos anseios e reivindicações
de setores organizados da sociedade.
Com a eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silca em 2003, o
Brasil assume, a partir das políticas já consolidadas até então, onde houve
um aumento maciço de investimento em educação bem como o advento de
novas políticas que mudaram a forma educacional nacional. O financiamen-
to para a educação pública foi ampliado incluindo a educação infantil e o
ensino com O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Bási-
ca e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, formado por
recursos das três esferas de governo: Federal, Estadual e Municipal, instituí-
do pela Lei 11.494, de junho de 2007 enquanto instrumento permanente de
financiamento da educação pública por meio da Emenda Constitucional n°
108, de 27 de agosto de 2020, e encontra-se regulamentado pela Lei nº
14.113, de 25 de dezembro de 202051. No entanto, nas políticas governa-
mentais desde esse período, registra-se a permanência e o incentivo ao acesso
ao ensino superior em instituições privadas, a exemplo do Programa Uni-
versidade para Todos – PROUNI52, instituído pela Lei nº 11.096, de 13 de
janeiro de 2005, que oferece bolsas de estudos a estudantes brasileiros sem
diploma de nível superior em instituições particulares de educação superior,
em cursos de graduação e sequenciais de formação específica; e o Fundo de
Financiamento Estudantil - FIES53, designado pela Lei nº 10.260, de 12 de
julho de 2001, com o intuito de conceder financiamento a estudantes em
cursos superiores não gratuitos e em Universidades Privadas. Em 2007, a
partir da lei 11.502, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) passou a ser responsável pelo fomento à formação de
professores em todo o território brasileiro. Essa mudança passou a demarcar
boa parte da política educacional que viria a ser colocada em prática no final
desta década e na seguinte, os anos 2010. Nada disso modificou substanci-
almente a crescente precarização do trabalho docente, concretizada por sele-
ções para contratos temporários em todo o país, que visam contribuir com as
reformas fiscais de cortes sociais, disfarçados pela redução das despesas per-
manentes com docentes, seja em pagamentos de proventos e salários e/ou

51
Disponível em: http://fundeb.sme.fortaleza.ce.gov.br/index.php/o-
fundeb/intitucional/fundeb. Acesso em 14.10.2021
52
Disponível em; http://prouniportal.mec.gov.br/tire-suas-duvidas-pesquisa/o-prouni. Acesso
em 16.10.2021
53
Disponível em: http://portalfies.mec.gov.br/. Acesso em: 16.10.2021

241
direitos trabalhistas como férias; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –
FGTS; 13º. Salário e aposentadoria, com sérios para a carreira docente e
impedindo que jovens se interessem pelo ofício de ser professor.
Com a mudança para a CAPES, o Brasil viu novos programas nas-
cerem como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID), que oferta bolsas a estudantes de licenciatura com vistas à valoriza-
ção docente e da escola; o Programa Nacional de Formação de professores
da Educação Básica (PARFOR), Programa de Consolidação das Licenciatu-
ras (PRODOCÊNCIA), entre outros. Essa mudança demonstra uma clara
intenção da ampliação da oferta e preenchimento de licenciaturas que classi-
camente contam com menos estudantes, como física ou matemática, sendo
depois ampliada a todos os cursos.
Nesse sentido, entende-se que o governo à época pretendia cumprir,
pelo menos em parte, as metas do Plano Nacional de Educação – PNE54,
instituído pela Lei n° 13.005/2014. com vigência por 10 (dez) anos (2014-
2024), direcionado ao atendimento das diretrizes, objetivo e metas que a lei
impunha. Porém não apenas, uma vez que essa expansão se dava em con-
junto a outras ações como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais - REUNI55, que foi um programa de
reestruturação das Universidades Federais e outros programas que ajudaram
sobremaneira a educação superior privada, como os supracitados ProUni e
FIES, embora o financiamento estudantil seja mais antigo, remetendo aos
dias da ditadura civil-militar brasileira.
A expansão do sistema federal de educação superior bem como dos
institutos federais é claramente uma ação para expansão da formação para
atender demandas do mercado de trabalho, ávido por profissionais suposta-
mente mais qualificados e também por um esforço de renovação das forças
produtivas para gerar uma nova classe economicamente ativa no país. Para
ilustrar esse projeto, basta que olhemos para o processo de interiorização da
educação superior federal, com várias universidades criadas no interior do
Brasil, a exemplo das Universidades Federal de Alfenas (UNIFAL), Federal
do Oeste da Bahia (UFOB), Federal de Grande Dourados (UFGD), entre
várias outras instituições.

54
Disponível em: http://pne.mec.gov.br/. Acesso em: 16.10.2021
55
Conforme afirma o próprio MEC: ―O Reuni foi instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de
abril de 2007, e é uma das ações que integram o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE)‖. Disponível em: http://reuni.mec.gov.br/o-que-e-o-reuni. Acesso em: 16.10.2021

242
Essa interiorização tem por objetivo dinamizar a economia do inte-
rior do país e possibilitar o acesso à educação superior pública, assim como
atrair talentos, especialmente doutores, para atuação nesses locais. Desse-
modo, a universidade atrai bons professores e principalmente alunos, oriun-
dos tanto do local como do entorno, facilitando a migração pendular e au-
mentando a circulação e dando giro ao capital gerado pela população daque-
la região.
Assim, com o encerramento do PNE em fins do ano de 2009 foi ini-
ciada a discussão sobre o próximo Plano. Aprovado em 2014 e estando em
vigência atualmente (2021), o PNE atual tem 20 metas (BRASIL, 2014), que
podem ser divididas em 3 (três) grupos:
 Metas para a Educação Básica
 Metas para a Educação Superior
 Metas para a Gestão e Políticas em Educação
O atual PNE, tem em suas metas os objetivos para a melhoria da e-
ducação. Há, porém, um desmonte a partir de 2016 com o processo de im-
peachment da presidenta Dilma Rousseff. A Base Nacional Comum Curri-
cular (BNCC)56, que aponta na direção de uma formação de mão de obra
menos especializada para atender demandas de uma sociedade em descons-
trução industrial por conta de uma teia de acontecimentos que vem devas-
tando o país, onde atualmente se vê uma inflação galopante, poder de com-
pra reduzido das famílias e aumento substancial da miséria e da fome. Todos
esses aspectos estão marcados dentro de um plano de país mais desigual em
que o grande capital lucra excessivamente, enquanto a maioria da população
tem sua renda reduzida ou mesmo nula.
De acordo com Lopes (2018), a própria ideia de uma Base com cur-
rículo comum fere a ideia de uma escola plural e baseada nos problemas
locais de cada comunidade. A autora ainda destaca como nos últimos 30
anos o Brasil tem elaborado uma série de documentos e orientações curricu-

56
De acordo com o texto do documento: ―A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) [...]
define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. [...] Conforme definido na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), a Base deve nortear
os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as propos-
tas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamen-
tal e Ensino Médio, em todo o Brasil‖. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 18.10.2021

243
lares em âmbitos municipal e estadual, fortalecendo o vínculo do currículo
com as escolas e problemas locais.
A BNCC vem, portanto, na contramão de uma política inclusiva e
plural, ilustrando, novamente, a ideia de um só Brasil quando, em realidade,
existem dezenas ou centenas de Brasis. A BNCC prioriza disciplinas que
estejam ligadas aos exames (avaliações) em larga escala e diminui o poten-
cial das ciências humanas, prejudicando a formação humanística dos edu-
candos no país.
Dessa forma, entende-se que as políticas educacionais das últimas
duas décadas apontaram, como estratégia discursiva e manipulatória, para
uma direção de país forte economicamente. Nos últimos anos, presenciamos
a redução significativa em termos de aporte de recursos bem como desmonte
de políticas anteriores por supostamente atenderem a critérios ―ideológicos‖,
tentando criar assim uma despolitização da educação.
O desmonte da educação é revelado por algumas decisões e ações
tomadas no âmbito do MEC nos últimos anos, como a não confecção de um
Plano Nacional de Pós-graduação, sendo que o último vigorou até 2020; o
esvaziamento nas discussões sobre as políticas atuais, como a própria
BNCC, aprovada somente na terceira versão e sem a chancela de sujeitos
importantes, eivada de lógica de uma aprendizagem baseada em competên-
cias e uma estrutura curricular engessada.
Nesse sentido, é válido aqui considerar o que Mészáros (2005) apon-
ta ao analisar que a educação, em sua forma institucionalizada, atua forte-
mente ao lado dos interesses do sistema capitalista, assumindo a tarefa de
formas os indivíduos em concordata com as demandas do mercado capitalis-
ta, predominantemente associadas à reprodução do sistema vigente.
A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos,
serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o
pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital,
como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os inte-
resses dominantes, como se não pudesse haver nenhum tipo de alternativa à
gestão da sociedade, seja na forma ‗internacionalizada‘ (isto é, pelos indiví-
duos devidamente ‗educados‘ e aceitos) ou através de uma dominação estru-
tural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente imposta
(MÉSZÁROS, 2005, p. 35).

244
Considerações Finais
Recentemente, uma megaempresa chinesa e seu proprietário, atuan-
tes na área de construção civil, revelaram enormes dificuldades em pagar e
rolar suas dívidas nos seus vencimentos diários. Relativamente pequenos
débitos diários deixaram de ser honrados, gerando desconfiança, quedas de
ações nas bolsas de valores, com redução da riqueza mundial, dos países e
empresas. Perguntava-se: como um capitalista poderia dar fim a uma fortuna
pessoal anterior de algo como uns U$$ 42 bilhões de dólares. Isso indica que
toda essa acumulação financeira de capitalistas pelo mundo é meio artificial
e que parece ter a solidez de um enorme, belo e frágil castelo de cartas. E que
uma crise de confiança pode levar à ruína somas e biografias de bilionários
em questão de segundos. Revelando ainda mais, o que aqui denominamos
de um cada vez mais frágil ―novo capitalismo do endividamento‖, atingindo
empresas, consumidores, famílias e países e que uma espécie de calote geral
poderia implodir todo o sistema.
Enquanto isso, segue firme e contínua a idolatria pagã do hipercon-
sumo, cada vez mais prejudicada pelo desemprego, cortes de políticas sociais
e previdenciárias e com a crise no crédito. Esta última, agravada com os
déficits fiscais norte americanos com os custos da guerra contra o terrorismo
nas invasões ao Afeganistão e Iraque, cujo financiamento fez implodir o
crédito e as dívidas mundiais desde a crise nos mercados imobiliários de
2008.
Nesse artigo, uma reflexão sobre essa euforia consumista e frustra-
ção permanente das massas sociais sem políticas e sem rumo, buscando,
como única possibilidade as soluções individuais e sobrenaturais. Todo esse
contexto, desdobra-se na questão educacional, quando, inclusive nas privati-
zações de políticas educacionais, recorrendo-se ao expediente das reformas
nas políticas sociais, para aprofundar a redução de direitos e garantias dos
trabalhadores com consequências severas na carreira docente. Este espectro
ronda, bem de perto e de forma avassaladora, os programas de formação de
professores e se assenta em processos de precarização das condições de tra-
balho e vida dos professores e demais trabalhadores da educação.
É preciso resistir a todo esse projeto liberal e ultraconservador de so-
ciedade e de educação e organizarmos coletivamente um novo jeito de fazer
a educação que aponte para uma sociedade para além do capital, superando,
nesse processo, as perspectivas atuais mistificadoras e religiosas, em que a

245
solução encontrada deixa de ser política e coletiva, apelando para a ideia de
que só os deuses podem nos socorrer.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Márcia Ângela da S. Avaliação do Plano Nacional de Educação


2001-2009: questões para reflexão. Educação e Sociedade, v. 31, n. 112. p.
707-727, Campinas, jul-set. 2010.

BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

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Aprova o plano nacional de educação e dá outras providências. Brasília:
2001.

BRASIL, Presidência da República. Lei 13.005, de 26 de junho de 2014.


Aprova o plano nacional de educação - PNE e dá outras providências.
Brasília: 2001.

HAN, Chul Byung. Sociedade do Cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

HOBSBAWM, Eric. Tempos Fraturados, Cultura e Sociedade no Século


XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

LOPES, Alice Casimiro. Apostando na produção contextual do currículo.


IN: AGUIAR, Márcia Ângela da S. e DOURADO, Luiz Fernandes. A
BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife:
ANPAE, 2018.

MÉSZÁROS, István. Para além do Capital. Rumo a uma teoria da transi-


ção. Tradução Paulo Cezar Castanheira; Sergio Lessa. São Paulo : Boitem-
po, 2011.

MÉSZÁROS, István. A educação para Além do Capital. São Paulo : Boi-


tempo, 2005.

246
MENDES SEGUNDO, Maria das Dores; JIMENEZ, Susana. O papel do
banco mundial na reestruturação do capital: estratégias e inserção na política
educacional brasileira: In: RABELO, Jackline; JIMENEZ, Susana; MEN-
DES SEGUNDO, Maria das Dores. (Organizadoras). O movimento de
Educação para Todos e a crítica marxista. Fortaleza: Imprensa Universitá-
ria, 2015.

RIBEIRO, Luís Távora Furtado. A Interdição do Futuro no Mundo em


Pedaços: Curitiba: Editora Appris, 2019.

RIBEIRO, Luís Távora Furtado. Economia do Mundo em Cordel. Fortale-


za: Cordelaria Flor da Serra, 2021

247
APRENDIZAGEM COLABORATIVA NO ENSINO
REMOTO EMERGENCIAL: GOOGLE DOCS E
GOOGLE DRIVE

Humberto Costa
Tania Stoltz

INTRODUÇÃO

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia causada pelo SARS-


CoV-2 e pelas consequentes alterações dramáticas que ocorreram em diver-
sos setores. Dentre os setores mais afetados está o educacional. Frente ao
alto grau de contaminação e a facilidade de disseminação do SARS-CoV-2,
as escolas, como espaço em que há grandes trocas e mobilidades de pessoas,
foram fechadas (XIAO; LI, 2020) e, no mundo inteiro, as aulas presenciais
foram suspensas (ARRUDA, 2020).
As instituições de ensino tiveram de tomar decisões sobre como con-
tinuar funcionando enquanto mantinham seus professores, colaboradores e
alunos seguros e protegidos de uma pandemia. Para enfrentar o problema
educacional, o ensino remoto emergencial (ERE) foi a solução adotada em
inúmeros países. Professores e alunos tiveram de se adaptar rapidamente a
um novo formato de educação que está permeado pelas Tecnologias de In-
formação e Comunicação (TIC): o ensino on-line (MARTINS, 2020). Mui-
tas instituições de ensino implementaram o ERE, face as exigências e tempo
demandado para a implantação da Educação a distância (EaD). No decorrer
de 2020, as aulas foram transmitidas em tempo instantâneo (síncrono), va-
lendo-se, majoritariamente, de sistemas de webconferência (lives), o que pos-
sibilitou aos docentes e discentes, condições de realizar interações e de orga-
nizarem seus tempos de ensino/aprendizagem da forma mais próxima pos-
sível à educação presencial (ARRUDA, 2020).
O ERE se assemelha à EaD, mas apresenta diferenças consideráveis.
A EaD é uma modalidade educacional que possui um modo de funciona-
mento e uma concepção didático-pedagógica particular e que é totalmente
planejada desde o início (BEHAR, 2020). Já o ERE é uma mudança tempo-

248
rária para um modo de ensino alternativo devido a circunstâncias de crise
(HODGES et al. 2020) e envolve o uso de soluções de ensino totalmente
remotas sem o prévio planejamento.
Diante das dificuldades apresentadas por professores e alunos que
estavam imersos em um novo formato de ensino, começamos a nos questio-
nar acerca de ferramentas que pudessem ser utilizadas como auxiliares no
processo, durante o período em que o ERE estivesse em vigor. Facilidade de
uso, disponibilidade e baixo ou nenhum investimento necessário foram os
critérios que as ferramentas deveriam atender. Sabíamos que o tempo era
escasso para se treinar alunos e professores para utilizarem ferramentas sofis-
ticadas. A disponibilidade foi um critério importante, pois os alunos teriam
que poder usar as ferramentas em seus locais, de forma remota. A questão do
investimento também foi importante, pois geralmente softwares dessa natu-
reza costumam demandar alto investimento para a sua compra e sabemos
que há disponibilidade de ferramentas gratuitas.
Entendemos que naquele contexto era urgente atender às demandas
institucionais para garantir a continuidade do processo educativo e, ao mes-
mo tempo, auxiliar o corpo docente e discente a desenvolver habilidades
para aprender e para ensinar em um ambiente on-line (HODGES et al.,
2020), conservando a qualidade do ensino, a motivação e o engajamento.
Após a consulta à literatura, vimos que uma das habilidades apontadas como
imprescindíveis é a aprendizagem colaborativa (MEANS; BAKIA; MUR-
PHY, 2014).
A colaboração está muito presente no ambiente virtual. Verifica-se
isso nos inúmeros tutoriais que são elaborados e publicados para auxiliar as
outras pessoas, nos mais diferentes assuntos. Nas redes sociais abundam
exemplos de colaboração. No âmbito da educação, os aplicativos de mensa-
gens instantâneas, e-mails e fóruns estão entre as ferramentas mais comuns
no que tange à colaboração e a aprendizagem colaborativa.
O que entendemos por aprendizagem colaborativa é uma concepção
de aprendizagem na qual o aluno é constantemente estimulado a engajar-se
ativamente no processo de aprender, estando atento, focado e disposto a
colaborar com o professor e com os colegas, visando a desenvolver compe-
tências que atinjam os níveis mais altos dos objetivos cognitivos de aprendi-
zagem. Neste contexto, o professor atua como um mediador da troca de
conhecimentos, atuando em um processo de aprendizagem que é interativa e
colaborativa.

249
Temos diferentes softwares e plataformas que viabilizam a aprendi-
zagem colaborativa. O Google Docs® e o Google Drive® são interessantes,
pois são ferramentas gratuitas, fáceis de serem utilizadas, estão disponíveis
para serem acessadas por diferentes sistemas operacionais, além permitirem
o trabalho de forma síncrona ou assíncrona. Assim, o objetivo desta pesquisa
é o de analisar a utilização do Google Docs® e do Google Drive® como
auxiliares na aprendizagem colaborativa no ERE.

ENSINO REMOTO EMERGENCIAL, APRENDIZAGEM COLABO-


RATIVA, GOOGLE DOCS® E GOOGLE DRIVE®

Para o embasamento da pesquisa, foi realizado um levantamento


bibliográfico não sistemático, buscando artigos disponíveis em bases de da-
dos. Para pesquisar os artigos, as seguintes palavras-chave foram utilizadas:
google Drive®, ferramentas google, aprendizagem colaborativa, ensino re-
moto, ensino remoto emergencial, collaborative learning e google tools. Visan-
do obter dados mais recentes, somente artigos publicados entre 2010 e 2021
foram considerados. Os artigos selecionados para a leitura foram aqueles que
se enquadram na temática da pesquisa e para a seleção dos materiais, o títu-
lo, as palavras-chave e o resumo dos artigos foram consultados. Ao final do
refinamento, 41 artigos foram considerados relevantes para embasar a pre-
sente pesquisa. Também, alguns livros consonantes com a temática foram
considerados, pois eles são utilizados em várias pesquisas como suporte
teórico.
A revisão da literatura apontou que ainda há carência de pesquisas
no que tange ao ensino remoto emergencial (ERE). Isso é compreensível,
pois não se tem notícias da implantação dessa forma de ensino antes da pan-
demia. A literatura é rica em dados sobre a Educação a distância (EaD) e
bastante satisfatória no que tange ao ensino híbrido e a aprendizagem cola-
borativa. Também há pesquisas que tratam da questão das novas tecnologias
voltadas para a educação e os métodos ativos. Todavia, há lacunas a serem
preenchidas. Há carência de pesquisas que abordem a aprendizagem colabo-
rativa no ambiente virtual, que tratem da questão do feedback na aprendiza-
gem colaborativa e que abordem o tema da afetividade no ambiente virtual,
por exemplo.
Embora pareçam similares, especialmente por utilizarem massiva-
mente as TICs no processo de ensino e aprendizagem, a EaD e o ERE são

250
distintos (ARRUDA, 2020, BABER, 2020, HODGES et al. 2020). A EaD é
uma modalidade educacional que possui um modo de funcionamento e uma
concepção didático-pedagógica particular (BEHAR, 2020). A EaD ―(...)
abrange conteúdos, atividades e todo um design adequado às características
das áreas dos conhecimentos gerais e específicos, contemplando o processo
avaliativo discente.‖ (BEHAR, 2020, s/p). Segundo Moran e Valente (2015),
a EaD está caracterizada pela flexibilidade da educação no que concerne ao
modo e ao formato de aplicação. Ainda, há os benefícios e as facilidades que
a EaD oferece, tais como: acesso assíncrono aos conteúdos, distância geográ-
fica ilimitada, diversidade de cursos, formato de difusão do conhecimento,
flexibilidade de horários, maior acesso ao ensino etc.
Segundo Arruda (2020), no ERE, há maior interação entre discentes
e docentes e quase sempre ambos fazem uso de plataformas on-line (Google
Meet®, Google Classroom®, Microsoft Teams® etc.) e estão disponíveis
simultaneamente. Há também a possibilidade de serem disponibilizados
materiais (videoaulas, textos, vídeos etc.) aos discentes. Behar (2020) é mais
específica no que se refere a esse novo tipo de ensino/aprendizagem, já que
o ―remoto‖ diz respeito a distância geográfica entre os professores e os
alunos e ―emergencial‖ se refere às condições em que foi estabelecido, modi-
ficando profundamente todo o planejamento das aulas.
Diferentemente das experiências que são planejadas desde o início e
projetadas para o ambiente on-line, o ERE é uma mudança temporária para
um modo de ensino alternativo devido a circunstâncias de crise causada pela
pandemia (HODGES et al. 2020). O ERE envolve o uso de soluções de en-
sino totalmente remotas para o ensino que, de outra forma, seriam ministra-
das presencialmente ou combinados, tal como ocorre no ensino híbrido.
Ainda, o propósito do ERE não é estruturar um ecossistema educacional
robusto, mas possibilitar acesso temporário aos conteúdos curriculares que
seriam desenvolvidos presencialmente (HODGES et al. 2020). Então, ―(...)
em decorrência da pandemia, o ensino remoto emergencial tornou-se a prin-
cipal alternativa de instituições educacionais de todos os níveis de ensino,
caracterizando-se como uma mudança temporária em circunstâncias de
crise.‖ (RONDINI; PEDRO; DUARTE, 2020, p.43).
Segundo Means, Bakia e Murphy (2014), há nove dimensões no en-
sino on-line (EaD e ERE estão inclusos nesta categoria) e em cada uma delas
há sub-dimensões conforme a complexidade do projeto. As nove dimensões
são: modalidade, ritmo, proporção aluno-instrutor, pedagogia, função do

251
instrutor on-line, função do aluno on-line, sincronia da comunicação on-line,
avaliações e feedback (MEANS; BAKIA; MURPHY, 2014). Dentre as nove
dimensões apresentadas e considerando o ERE, acreditamos que a aprendi-
zagem colaborativa ocupa um importante espaço, uma vez que é possível
melhorar a forma com que se ensina e a forma com que se aprende, além de
melhorar a interação entre professores e alunos

Aprendizagem Colaborativa

A aprendizagem colaborativa é uma abordagem utilizada por pro-


fessores, com o propósito de facilitar a aprendizagem e de melhorar o de-
sempenho dos alunos (FAKOMOGBON; BOLAJI, 2017). Por definição, a
aprendizagem colaborativa diz respeito a uma situação em que duas ou mais
pessoas aprendem ou tentam aprender algo juntas (CHATTI; HAMDAN;
SCHAPER, 2012). Nessa dinâmica, estão envolvidas tarefas que comungam
esforços intelectuais ativos entre os membros de um grupo e em conjunto
com objetivos de aprendizagem compartilhados (ADEDOYIN et al., 2018;
WEBB et al., 2018). Ainda, podemos dizer que se trata de uma abordagem
educacional que enfatiza os esforços ativos e coletivos de participação e inte-
ração por parte dos alunos e do professor, especialmente mediada pelas TICs
(REZAGHOLILALANI; IBRAHIM, 2017). Isso é particularmente interes-
sante, uma vez que é possível fomentar novas descobertas e novos conheci-
mentos a partir das trocas que são realizadas entre os docentes e o(s) discen-
te(s). Essa dinâmica colaborativa aperfeiçoa as práticas de aprendizagem,
pois a base está na aprendizagem interativa e centrada no aluno, tendo em
vista que os trabalhos são normalmente feitos em grupos aonde os membros
interagem e se ajudam para atingir um objetivo comum (CARNEIRO;
GARCIA; BARBOSA, 2021). A interação social que subjaz a aprendizagem
colaborativa, ―[...] além de fonte para o compartilhamento de informações,
torna-se fonte de colaboração de conhecimento, ocorrendo desta forma,
conflitos intelectuais.‖ (CARNEIRO; BARBOSA, 2018, p.52).
Há três elementos principais que são inerentes à aprendizagem cola-
borativa: escalas de participação, contexto de aprendizagem e métodos de
colaboração (CHATTI; HAMDAN; SCHAPER, 2012). A escala de partici-
pação diz respeito ao número de participantes (que pode ser em um par, um
pequeno grupo, uma classe ou uma sociedade) e o intervalo de tempo de
colaboração. O contexto de aprendizagem envolve um contexto formal (co-

252
mo compartilhar o material do curso) ou através da resolução conjunta de
problemas, sendo a aprendizagem um efeito colateral mensurado pelo me-
lhor desempenho na resolução de um problema ou pelos conhecimentos
adquiridos. No que diz respeito aos métodos de colaboração, estes podem
variar de comunicação assíncrona a colaboração síncrona ou de co-
localização (área física comum).
É certo que o agrupamento de alunos para a aprendizagem colabo-
rativa possibilita que eles compartilhem suas ideias e experiências de apren-
dizagem, além de promover o desempenho de aprendizagem do grupo, bem
como dos indivíduos (HUANG, WU; CHEN, 2012; WANG e HWANG,
2012).
Atualmente, temos diferentes maneiras de implementar a aprendi-
zagem colaborativa, seja ela presencial ou a distância. No ambiente virtual,
inúmeras plataformas e aplicativos tornam possível a aprendizagem colabo-
rativa a distância e neste ponto, uma das plataformas mais interessantes,
especialmente por ser de fácil acesso, de fácil manuseio e gratuita, é o ecos-
sistema disponibilizado pelo Google®, mais exatamente, o Google Docs® e
o Google Drive®.

Google Docs® e Google Drive®

O Google Docs® nasceu da compra do Writely, um aplicativo para


processamento de texto baseado na web, em fevereiro de 2006, pela Google
Inc®. Mais exatamente, o

[...] Google Docs originou-se de dois produtos separados, adquiridos e modifi-


cados pelo Google: o Writely, um processador de textos colaborativo que pode
rodar a partir da web, e o Google Labs Spreadsheets, uma planilha de cálculos
também colaborativa e que pode rodar a partir da web. Assim começava a nas-
cer o Google Docs, em 2006. Posteriormente foram incluídos um gerador de
apresentações de slides e, mais recentemente ainda, a possibilidade de armaze-
nar e compartilhar todo tipo de arquivo em 15 Gb de espaço de armazenamen-
to gratuito (ANTONIO, 2010, p.12).

Podemos dizer que o Google Docs® (ou Google documentos®) é


um pacote de aplicativos que operam de forma on-line e off-line e que pode
ser utilizado em desktops, notebooks, tablet e smartphones. Tal pacote de
aplicativos permite a criação e edição de textos, planilhas, apresentações e

253
formulários, os quais podem ser compartilhados e/ou utilizados de forma
compartilhada entre duas ou mais pessoas.
As principais vantagens da utilização do Google Docs® são: a) pos-
sibilidade de acesso ao documento a qualquer momento e em qualquer lugar,
desde que conectado à internet; b) os aplicativos funcionam na maioria dos
navegadores e em diferentes sistemas operacionais (Windows, Linux, Ma-
cOS etc.); c) suporte a formatos populares de arquivos, tais como: .doc,
.docx, .xls, .xlsx, .ppt, .pptx e .pdf; d) compatibilidade com outros aplicati-
vos, tais como: Open Office / Br.Office, K.Office e Microsoft Office; e)
facilidade no carregamento e compartilhamento de arquivos; f) backup on-
line e g) controles de acessos seguros.
Diferentes pesquisas (MOSHINSKI, et al., 2021; LIN et al., 2016;
YIM; WARSCHAUER; ZHENG, 2016, por exemplo) apontam que os re-
cursos disponibilizados pelo Google Docs® devem ser aproveitados em con-
texto educativo, pois as ferramentas disponíveis auxiliam na aprendizagem
colaborativa, além de oportunizar o trabalho coletivo, contribuindo para um
aprendizado dinâmico, coletivo e participativo e resultando em uma cons-
trução colaborativa de conhecimentos. Por exemplo, o editor de texto do
Google Docs® também pode ser usado de forma individual ou colaborativa
na construção de um texto ou na elaboração de trabalhos textuais (resenhas
críticas, monografias, trabalhos acadêmicos etc.). Também há a possibilida-
de de várias pessoas editarem um mesmo texto simultaneamente e esse do-
cumento pode ser compartilhado com outras pessoas. O aplicativo Planilhas
possibilita a criação e edição de planilhas eletrônicas, as quais podem ser
editadas simultaneamente e podem ser compartilhadas. Os professores po-
dem disponibilizar atividades que possam ser realizadas com o uso de plani-
lhas eletrônicas e isso é interessante para as disciplinas de matemática, física,
química e de geografia, por exemplo. O aplicativo Apresentações é interes-
sante como ferramenta de apresentação de conteúdos, informações e esque-
mas com um visual bem elaborado, produção e apresentação de trabalhos
pelos alunos etc. Ademais, além de permitir o trabalho colaborativo, as apre-
sentações também podem ser compartilhadas.
Os professores também podem tirar muito proveito dessas ferramen-
tas, utilizando-as para produzir conteúdo didático, usar planilhas como ban-
co de dados (questões de exercício, questões de provas, registrar a frequência
dos alunos, lançamento de notas etc.), produção de textos colaborativos,
criação de glossários dinâmicos, dente outras possibilidades. Outro ponto

254
interessante é que os professores podem oferecer feedbacks em forma de
comentários nos diferentes formatos de trabalhos e tal possibilidade pode ser
um motivador e gerador de aprendizados junto aos alunos.
De acordo com informações extraídas do site
https://support.google.com, o Google Drive é um serviço de disco virtual
lançado em 2004, gratuito para seus usuários, que permite o gerenciamento,
armazenamento e sincronização de arquivos e pastas na nuvem do Google®
e a escolha de usuários no compartilhamento de arquivos e pastas
por meio permissão de acesso. Todos os arquivos no Google Drive® estão
armazenados em segurança, uma vez que estão protegidos por criptografia
Secure Sockets Layer (SSL).
Após a criação de uma conta, o Google Drive disponibiliza 15GB
de espaço e é possível armazenar documentos, imagens, vídeos, gravações,
dentre outros. Ainda, é possível acessar o Google Drive® por meio de smar-
tphones, tablets ou computadores. Arquivos e pastas armazenados no Goo-
gle Drive® podem ser compartilhados e acessados mediante uma conexão
com a internet (SANTOS; COELHO e SANTOS, 2014). Vale ressaltar ou-
tro recurso interessante do Google Drive® diz respeito ao fato de que a pes-
soa que criou o arquivo pode visualizar os registros de todas as alterações,
assim como quem as realizou.
Há pesquisas (COSTA, 2012; HODGES et al., 2021) que apontam
que a utilização do Google Drive® também é capaz de auxiliar satisfatoria-
mente no que concerne a aprendizagem colaborativa, pois permite a troca de
diferentes formatos de arquivos. Em conjunto com o Google Docs®, há a
possibilidade de construção coletiva de conhecimentos e tal atividade refina
a estrutura cognitiva, eleva a autoestima e estimula novas produções de co-
nhecimentos por parte dos alunos. Em outras palavras, as ―[...] comunica-
ções e interações permitem construir e reconstruir os saberes, ressignificar as
informações e produzir conhecimentos de forma autônoma, responsável e
colaborativa.‖ (MARTINS; GOUVEIA, 2019, p.193). De forma conjunta, o
Google Docs® e o Google Drive® promovem a integração dos usuários, o
compartilhamento do conhecimento produzido de forma coletiva, bem como
a sua socialização. É importante ressaltar que ambas as ferramentas podem
ser utilizadas pelos professores para ampliar a capacidade dos alunos em
elaborar textos, planilhas e apresentações, bem como compartilhar os resul-
tados com a comunidade de forma rápida e fácil.

255
Métodos e Materiais

A pesquisa de campo foi realizada junto a 88 alunos do curso de ba-


charelado em Farmácia, de uma universidade privada. Os alunos tiveram de
passar para o regime de aulas remotas por conta das restrições sanitárias
causadas pela pandemia de Covid-19. O curso foi selecionado por conveni-
ência e os alunos foram convidados a participar da pesquisa de forma volun-
tária. 42 dos respondentes eram do sexo feminino e 46 do sexo masculino e a
faixa etária está na média dos 21,8 anos (considerando todos os 88 respon-
dentes). A pesquisa foi iniciada em junho de 2020 e se estendeu até o final do
segundo semestre do mesmo ano.
Em decorrência das sanções sanitárias que foram impostas, a insti-
tuição teve de implantar o ERE com grande urgência, sem nenhum planeja-
mento, pois o tempo e as condições não permitiram. Devemos ressaltar que
em tal instituição não havia um ambiente virtual de aprendizagem (AVA)
disponível para ser usado de forma adequada e que desse conta do volume
de alunos. Os professores foram instruídos a ministrarem suas aulas através
da plataforma Microsoft Teams® e depois de um período, as aulas passaram
a ser ministradas por meio da plataforma Google Meet®. O professor de
cada disciplina ficou encarregado de viabilizar suas aulas que eram ministra-
das de suas residências, sem nenhum apoio da instituição de ensino. Isso
quer dizer que todo o aparato tecnológico envolvido ficou por conta do pro-
fessor.
Inicialmente, aplicou-se um questionário on-line para averiguar o
nível de experiência dos alunos com as ferramentas colaborativas do Google.
Para tanto, foi utilizada a ferramenta Google Forms®. A vantagem de se
usar os questionários on-line é que eles permitem economizar tempo, obter
grande número de dados, atingir maior número de pessoas simultaneamente
e com menor risco de vieses pela não influência do pesquisador (GRAY,
2012).
O primeiro questionário aplicado, visando ter um panorama acerca
da utilização de software de edição de textos, planilhas, apresentações, ma-
nipulação de e-mails e navegação na internet, contou com 6 questões fecha-
das, as quais são:

256
1. Com relação ao uso de softwares como Word® (textos), Excel® (planilhas) e
Powerpoint® (apresentação), você se considera?
2. Com relação ao uso da internet, especialmente no que tange a e-mails e na-
vegação em páginas Web, você se considera?
3. Com relação ao uso de aplicativos on-line para edição de textos, planilhas e
construção de apresentações (Google Docs®, por exemplo), você se conside-
ra?
4. Qual equipamento você mais utiliza para navegar na internet e para enviar e
receber e-mails?
5. Para fazer os trabalhos da faculdade, qual equipamento você utiliza?
6. Com referência ao Google Docs® e ao Google Drive®, você se considera?

Todas as questões acima eram fechadas e permitiam apenas a sele-


ção de uma opção. Para as questões 1, 2, 3 e 6, os respondentes podiam esco-
lher uma dentre as opções: iniciante, intermediário ou avançado. Já para as
questões 4 e 5, os respondentes poderiam escolher uma dentre as opções: PC
/ Desktop, Notebook/Laptop ou Smartphone/ Tablet.
Na sequência, um treinamento virtual utilizando a plataforma Te-
ams® foi oferecido aos alunos. Tal treinamento teve a duração de 4 horas,
sendo dividido em duas partes. Na primeira parte foram apresentadas as
ferramentas do Google Docs®, envolvendo a criação de documentos de
texto, planilhas eletrônicas e apresentação. A segunda parte objetivou a ca-
pacitar os alunos a organizar documentos em pastas utilizando o Google
Drive®. Ao final do treinamento, os alunos responderam a um questionário
on-line, composto pelas seguintes questões:

1. Como você considera o uso dos aplicativos Google Docs®?


2. Como você considera o uso do Google Drive®?
3. O quão diferente você considera o Documentos, Planilhas e Apresentações
do Word®, Excel® e Powerpoint®?
4. Você compreendeu como é possível trabalhar de forma colaborativa no Goo-
gle Docs® / Google Drive®?
5. Você pretende utilizar o Google Docs®/Google Drive® durante o período
em que o Ensino Remoto Emergencial estiver em vigor?
6. Após o treinamento, como você se considera em relação ao Google Docs® e
Google Drive®?
7. Qual a sua avaliação sobre o treinamento recebido sobre o Google Docs® /
Google Drive®?

Assim como no questionário anterior, todas as questões acima eram


fechadas e permitiam apenas a seleção de uma opção. Para a questão 1, os
respondentes podiam escolher entre as opções: fáceis, nem fáceis / nem difí-

257
ceis ou difíceis. Para a questão 2, as opções eram: fácil, nem fácil/nem difícil
ou difícil. Para a questão 3 estavam disponíveis as opções: pouco, médio ou
muito. Para as questões 4 e 5 as opções de resposta eram sim ou não. Para a
questão 6, os respondentes podiam escolher como resposta as opções: inici-
ante, intermediário ou avançado. Para a questão 7, as opções de resposta
eram: aprovado ou desaprovado.
Ao final do semestre, os alunos responderam a um questionário on-
line e relataram quais foram as contribuições, positivas e negativas, acerca do
uso das ferramentas on-line voltadas para a aprendizagem colaborativa. Esse
questionário era composto pelas seguintes questões:

1. Você acredita que o trabalho colaborativo te ajudou a melhorar nos estudos?


2. Você acredita que a utilização do Google Docs® / Google Drive® facilita o
processo de aprendizagem?
3. Você acredita que suas habilidades de trabalho colaborativo foram melhora-
das após utilizar os aplicativos Google Docs® e Google Drive®?
4. Como você classifica a sua participação nos trabalhos que foram realizados
de forma colaborativa?

Novamente, todas as questões acima eram fechadas e permitiam a-


penas a seleção de uma opção como resposta. Para as questões 1 e 2, os res-
pondentes podiam escolher entre as opções: sim, não ou talvez. Na questão
3, as seguintes opções de resposta estavam presentes: sim ou não. Para a
questão 4 estavam disponíveis as opções: participarei ativamente, participa-
rei de forma mediana, participarei pouco ou não participarei.
Todos os questionários aplicados aos alunos foram construídos e ge-
renciados por meio do aplicativo Google Formulários que compõe o Google
Docs®.

Resultados e Discussão

Com base no primeiro questionário aplicado, pudemos constatar


que a maioria dos alunos são fluentes no que diz respeito ao uso de softwares
para a construção e edição de textos, planilhas e apresentações. Tais softwa-
res, com a evolução, tornaram-se cada vez mais fáceis e intuitivos de serem
manipulados. Ademais, as pessoas estão familiarizadas em buscar tutoriais
em vídeos na internet que as ensinem a utilizar determinado recurso. Tam-
bém constatamos que os alunos costumam se ajudar quando têm de fazer

258
algum trabalho. Via de regra, os alunos que sabem manipular bem os softwa-
res ajudam aqueles que tem maiores dificuldades.
Também constatamos que os alunos são fluentes no uso de software
para e-mails e para navegar na internet. Apenas 2% dos respondentes se
classificaram como iniciantes, enquanto 68% se classificaram como perten-
cente ao nível intermediário e 30% ao nível avançado. Esse resultado não é
nenhuma novidade quando consideramos a média da faixa etária dos res-
pondentes, uma vez que são pessoas que utilizam massivamente esse tipo de
software (AGÊNCIA BRASIL, 2019).
Com relação ao uso de aplicativos on-line para a construção e edi-
ção de textos, planilhas e apresentações, constatamos uma diferença, já que
cerca de 69% dos respondentes se classificaram como iniciantes. Infere-se,
com base nesse resultado, que grande parte dos alunos utilizam softwares
que ficam instalados em seus equipamentos, tais como o pacote Microsoft
Office®. Há que se registrar que os softwares on-line voltados para edição de
textos, planilhas e apresentações são, na maioria, gratuitos e dependem ape-
nas de uma conexão com internet para funcionarem. Também chamou a
atenção o número de respondentes que se classificaram como intermediário
(19%) e avançado (12%). Para podermos analisar essa questão, deveríamos
ter questionado os alunos se eles conheciam esses aplicativos on-line.
Para acessar a internet, 87% dos alunos disseram que utilizam o
smartphone ou o tablet. Novamente, essa resposta não é surpreendente, pois
com a disponibilidade de smartphones relativamente potentes e repletos de
recursos e o relativo barateamento dos pacotes de internet que são disponibi-
lizados pelas operadoras de telefonia celular, cada vez mais as pessoas têm
optado por usar mais o smatphones para acessarem a internet. Esse resultado
apurado vai ao encontro do resultado levantado pela pesquisa ―TIC Domicí-
lios 2019‖, em que podemos verificar que a maioria das pessoas acessam a
internet usando smartphones ou outros aparelhos móveis (AGÊNCIA BRA-
SIL, 2020).
Quando os alunos foram questionados acerca da experiência que
têm na utilização do Google Docs® e do Google Drive®, a maioria se con-
siderou iniciante (62%), enquanto 20% se classificaram como intermediários.
Apenas 5% dos alunos se classificaram como avançados. Tal resultado está
consonante com os resultados obtidos quando os alunos foram questionados
acerca do uso de aplicativos on-line para construção e edição de textos, pla-
nilhas e apresentações, mas destoa dos resultados acerca da utilização de

259
aplicativos que têm a mesma função e são os mais populares (Word®, Ex-
cel® e Powerpoint®, por exemplo). O gráfico 01 ilustra os achados que for-
ma relatados.

GRÁFICO 01 – Dados referentes ao primeiro questionário aplicado junto


aos alunos respondentes.

01 2% 02
5%
33% Iniciante 30% Iniciante

Intermediá 68% Intermediá


62% rio rio

03 04
12% Iniciante 6% PC/Desktop
7%

19% Notebook/La
Intermediá ptop
69% rio 87%
Smartphone/
Avançado Tablet

05 06
16% PC/Desktop Iniciante
6%
29% Notebook/La 23% Intermediá
ptop rio
55% 71%
Smartphone/
Avançado
Tablet

Os gráficos apresentam os dados obtidos com as questões presentes no pri-


meiro questionário que foi aplicado. Fonte: os autores (2021).

260
Depois que o primeiro questionário foi aplicado e diante dos resul-
tados obtidos com as questões 3 e 6, ou seja, uma vez que a maioria dos
estudantes se intitularam iniciantes com relação ao uso de aplicativos desti-
nados a edição de textos, planilhas e apresentações, aplicamos um treina-
mento virtual objetivo e bem dirigido. O propósito desse treinamento foi o de
apresentar o Google Docs® e o Google Drive®, capacitar os alunos a utili-
zarem os aplicativos Documentos, Planilhas e Apresentações e aperfeiçoar
suas habilidades no que concerne ao gerenciamento de pastas e arquivos
armazenados em nuvem.
Na última semana do mês de julho do ano de 2020 realizamos o
treinamento por meio da plataforma Teams®, dividido em dois encontros
(quarta e sexta-feira) com duas horas de duração cada. No primeiro encon-
tro, os alunos receberam treinamento acerca dos aplicativos do Google
Docs® e foi enfatizada a forma colaborativa de trabalho. No segundo encon-
tro foi falado acerca de como é possível carregar, armazenar, mover e excluir
arquivos, criar pastas e subpastas para organizar os arquivos e compartilhar
os arquivos no Google Drive®. Ao final, os alunos responderam ao segundo
questionário, com vistas a averiguar seu desempenho, falhas e pontos de
melhoria.
Os dados obtidos com o segundo questionário apontaram que 67%
dos respondentes consideram o Google Docs® fácil de ser usado. 29% con-
sideram que não é nem fácil e nem difícil utilizá-lo. 4% dos alunos conside-
ram difícil a utilização do Google Docs®. Tais resultados estão consonantes
com os resultados obtidos com o primeiro questionário, que mostrou que os
alunos são fluentes no uso de computadores, no uso de e-mail, navegação na
internet e no uso aplicativos para edição de textos, planilhas e apresentações.
Quando questionados acerca do uso do Google Drive®, 54% dos
respondentes o consideraram fácil, 35% o consideraram nem fácil, nem difí-
cil e 11% o consideraram difícil. Há de se ter em vista que a operação com o
Google Drive® exige maior atenção, pois estamos lidando com arquivos e
pastas, bem como o gerenciamento destes elementos. Alguns alunos relata-
ram dificuldades em entender como os arquivos são organizados em pastas e
como eles podem ser compartilhados. Todavia, quando foram instruídos que
o funcionamento do Google Drive® é, em certos aspectos e guardadas as
devidas proporções, similar ao gerenciamento de pastas e arquivos presentes
nos smartphones, os alunos se sentiram mais seguros. Ainda, partimos do
pressuposto de que as habilidades dos alunos em gerenciar o Google Drive®

261
iria melhorar com o tempo de uso. Ademais, os alunos mais experientes
teriam a oportunidade de ajudar aqueles que tivessem dificuldade na opera-
cionalização do aplicativo.
Ao serem questionados, 85% dos respondentes não viram diferenças
entre os aplicativos do Google Docs® e os aplicativos Word®, Excel® e
Powerpoint®. Muitos alunos apontaram, durante o treinamento, a grande
semelhança entre os aplicativos e como isso facilitava o manuseio. Apenas
2% dos respondentes viram muitas diferenças entre os aplicativos compara-
dos e 13% viram diferenças medianas. É importante ressaltar que os aplicati-
vos comparados são muito similares no manuseio. Há diferenças mais ex-
pressivas no que tange ao leiaute da tela de trabalho e entre alguns comandos
e atalhos. Por exemplo, ao se trabalhar no Word, as barras de ferramentas
são muito mais ricas em recursos e estão disponíveis na tela. Alguns alunos
ressaltaram a questão do salvamento automático que os aplicativos do Goo-
gle Docs® oferecem e a possibilidade de consultar as versões dos arquivos
criados. Outros alunos apontaram a inexistência de atalhos de comandos
quando estão trabalhando, por exemplo, no Documentos (Google Docs®)
em comparação com Word®. Vale ressaltar que a utilização de atalhos de
comandos é particularidade inerente a usuários com grande experiência no
uso do Word®.
Com relação a forma de trabalho colaborativa, 92% dos alunos jul-
garam ter compreendido como é possível trabalhar nesse formato, utilizando
o Google Docs® e o Google Drive®. Apenas 8% disseram não ter compre-
endido tal especificidade. Esse ponto foi bastante enfatizado durante os trei-
namentos, uma vez que era a questão central a ser compreendida. Para facili-
tar o entendimento por parte dos alunos, exercícios práticos foram propostos
durante o treinamento. Os alunos que tiveram dificuldades foram aconselha-
dos a tirar suas dúvidas junto ao Apoio Pedagógico da instituição de ensino,
junto aos professores e junto aos colegas.
Quando questionados se pretendiam utilizar o Google
Docs®/Google Drive® durante o período em que o Ensino Remoto Emer-
gencial estivesse em vigor, 97% dos respondentes disseram que sim e apenas
3% disseram que não. Durante o treinamento, os alunos ressaltaram a facili-
dade de acesso aos trabalhos criados no Google Docs®, assim como eviden-
ciaram a possibilidade de se trabalhar em conjunto. Alguns alunos disseram
que, por conhecer bem o Word®, por exemplo, prefeririam fazer seus traba-
lhos utilizando esse aplicativo e, depois, disponibilizar o arquivo no Google

262
Drive®. A vantagem de poder acessar os arquivos de qualquer lugar e usan-
do diferentes equipamentos, bem como a possibilidade de compartilhamento
de arquivos e pastas também foi ressaltada por vários alunos. Isso nos levou
a crer que os alunos estavam cada vez mais cientes das possibilidades que o
Google Docs® e o Google Drive® apresentam.
Para 71% dos alunos, o treinamento ajudou a melhorar suas habili-
dades no manuseio dos aplicativos do Google Docs®. Se comparado com a
questão 6 do primeiro questionário, podemos perceber que os alunos tiveram
uma melhora expressiva. Por exemplo, antes do treinamento, 62% dos res-
pondentes se classificaram como iniciantes no Google Docs® e após o trei-
namento, este número caiu para 7%. Também verificamos um aumento
expressivo no número de alunos que se classificaram com intermediários
(20% para 71%). Infere-se que a primeira classificação apontada pelos alunos
era decorrente do fato de não estarem familiarizados com o uso do Google
Docs®. Ao perceberem que tais aplicativos são muito similares aos outros
aplicativos mais utilizados (Word®, Excel® e Powerpoint®, por exemplo),
os alunos se sentiram mais seguros para melhorarem a sua avaliação. Para
nós, ficou claro que em muitos casos, um treinamento bem direcionado e
objetivo tem a capacidade de dirimir dúvidas, amainar resistências e afastar
preconceitos frente ao novo.
Por fim, quando questionados acerca do treinamento recebido, 98%
dos alunos o aprovaram e apenas 2% dos alunos desaprovaram. Infere-se que
o tempo do treinamento pode ser sido pequeno, mas como a maioria dos
alunos disseram ter experiência com o uso de aplicativos para edição de
textos, planilhas e apresentações, resolvemos nos concentrar, durante o trei-
namento, na questão do trabalho colaborativo e não nas especificidades das
ferramentas. Conforme dito, o treinamento foi direcionado e objetivo e con-
sideramos que os alunos teriam tempo para aperfeiçoar suas habilidades no
uso do Google Docs® e do Google Drive® durante o semestre.
O gráfico a seguir ilustra os achados colhidos com o questionário 2,
considerando as questões de 1 a 6.

263
GRÁFICO 02 – Dados referentes ao segundo questionário aplicado junto
aos alunos respondentes.

01 02
4% Fácil 11% Fácil

29% Nem fácil, Nem fácil,


nem difícil 35% 54% nem difícil
67%
Difícil Difícil

03 04
13% 2% 8%
Pouco
Sim
Medio
85% 92% Não
Muito

05 06
3% 7% Iniciante

Sim 22%
Intermediár
97% Não 71% io
Avançado

Os gráficos apresentam os dados obtidos com as questões de 1 a 6, presentes


no segundo questionário aplicado junto aos respondentes. Fonte: os autores
(2021).

264
Ao iniciarem o segundo semestre letivo de 2020, os alunos foram
instigados a trabalharem de forma colaborativa, mediante a aplicação de
trabalhos em grupo. Diferentes professores de diferentes disciplinas aplica-
ram algumas atividades que exigiam o trabalho em grupo, tais como: 1)
elaboração de resenhas após leitura de artigos científicos, 2) criação de tabe-
las interativas usando planilha eletrônica, 3) criação de gráficos a partir da
leitura de dados numéricos presentes em artigos científicos, 4) apresentação
de trabalhos em formato de slides etc.
Na última semana do mês de novembro de 2020 foi realizado um
encontro virtual via plataforma Google Meet® para conversar com os alunos
sobre a utilização do Google Docs® e do Google Drive®. Apenas 46 alunos
estavam presentes nesse encontro (aproximadamente 53% dos alunos envol-
vidos).
Tendo em conta os aspectos que tangem à utilização dos aplicativos
mencionados, a maioria dos presentes no encontro virtual ressaltaram que
tiveram algumas dificuldades para a elaboração dos trabalhos no início, mas
elas foram rapidamente sanadas, pois foi criada uma rede de ajuda entre eles.
Nos momentos de dificuldades, muitos alunos recorriam aos seus colegas
utilizando aplicativos de mensagens instantâneas (WhatsApp®), visando
uma comunicação rápida para resolver seus problemas. Os alunos também
ressaltaram a facilidade de acesso às informações das aulas, especialmente às
aulas que eram disponibilizadas pelos professores via plataforma Youtube®.
Acerca da realização dos trabalhos, os alunos ressaltaram a facilidade na
interação e na colaboração on-line dos membros dos grupos. As interações
podiam acontecer de forma síncrona (vários membros do grupo interagindo
ao mesmo tempo) ou assíncronas (membros que contribuíam em horários
diferentes). Muitos alunos relataram ter se sentido útil e disseram que apren-
deram algo novo ao ajudar seus colegas. Também disseram que tudo isso os
instigava a se envolverem ativamente na elaboração dos trabalhos e que isso
podia ser feito a qualquer momento.
Também foi ressaltada a vantagem de se trabalhar em grupo, mas
sem a necessidade de reunião em um determinado local. Muitos alunos a-
charam essa a maior vantagem de se trabalhar utilizando uma plataforma
colaborativa via internet. Também foi apontado o fato de que o professor
podia visualizar as contribuições de cada membro do grupo na construção
do trabalho. Isso é possível, pois todos os acessos e alterações ficam registra-
das na plataforma, ou seja, o professor pode ter acesso a data, ao horário e a

265
quais foram as contribuições realizadas por cada membro da equipe. No
geral, os alunos foram unânimes em dizer que é muito mais fácil e prazeroso
trabalhar colaborativamente na elaboração de um trabalho via internet que
presencialmente.
Os alunos ressaltaram, também, a grande limitação do Google
Docs® e Google Drive®: a dependência de uma conexão com a internet. O
trabalho colaborativo síncrono só é possível se os membros estiverem conec-
tados. Alguns alunos relataram, por exemplo, que houve atraso na entrega
de trabalhos por conta de problemas de conexão. Alguns alunos utilizavam
internet 3G para (celular) para se conectarem à internet e eram justamente
estes que tinham maiores problemas (conexão instável, falta de sinal etc.). Os
alunos que contavam com uma conexão cabeada (oferecida por empresas
como Oi®, Claro/Net® e Copel Telecom®, por exemplo) disseram que
praticamente não enfrentaram problemas.
Na primeira semana do mês de dezembro de 2020, os alunos foram
convidados a responder o terceiro e último questionário. Os dados mostra-
ram que 86% dos respondentes acreditam que o trabalho colaborativo os
ajudou a melhorar nos estudos. Apenas 2% disseram que não e 12% disse-
ram que talvez. É interessante ressaltar que muitos alunos disseram se sentir
instigados a participar ativamente dos trabalhos, especialmente pelo fato de
poderem fazer isso quando estavam dispostos. Essa é uma das vantagens de
se poder trabalhar em horários diversificados, não tendo de cumprir uma
agenda rígida ou respeitar horário previamente marcados. Outro ponto inte-
ressante é que muitos alunos se sentiram úteis ao poder compartilhar seus
conhecimentos e ajudar os colegas com dificuldades. Esse é o espírito que
permeia o trabalho colaborativo. Não podemos perder de vista que a apren-
dizagem colaborativa está consonante com a teoria sociocultural Vygotskya-
na (1998), que postula que o homem é um ser social e que é por meio da
interação que ele aprende com as outras pessoas. Essa interação social é
fundamental para o desenvolvimento e para a evolução cognitiva das pesso-
as, pois é mediadora no processo de aprendizado.
Quando questionados se o Google Docs® / Google Drive® facilita-
va o processo de aprendizagem, 89% dos respondentes disseram que sim e
apenas 1% disse que não. Para 10%, a resposta foi talvez. Acreditamos que
ao trabalhar de forma colaborativa, os alunos com mais experiência ajuda-
vam os alunos com dificuldades. Essa troca colaborativa de conhecimentos é
essencial para o desenvolvimento cognitivo dos membros envolvidos. Sabe-

266
se que se aprende quando se ensina, ao mesmo tempo em que se consolida o
que foi aprendido. Ainda, temos de considerar que ao trabalhar colaborati-
vamente e de forma remota, os alunos mais tímidos encontram um ambiente
propício para se posicionarem em relação ao que está sendo construído e
expor suas ideias. De outro lado, aqueles alunos com maior domínio sobre o
tema também encontram um ambiente propício para compartilhar seus co-
nhecimentos e isso tudo possibilita que todos os membros do grupo tenham
tempo para pensar e para refletir sobre as ideias que estão sendo construídas.
Ao serem questionados se as habilidades de trabalho colaborativo
foram melhoradas após utilizar os aplicativos Google Docs® e Google Dri-
ve®, 96% dos respondentes disseram que sim e apenas 4% disseram que não.
É certo que há a necessidade de uma investigação mais profunda para com-
preender os verdadeiros elementos que respaldaram essas respostas. Infere-se
que os alunos, além da vontade, também têm a pressão para trabalhar. Pres-
são esta que pode ser exercida pelos demais colegas e/ou pelo professor, já
que este tem acesso a data, ao horário e às contribuições que foram realiza-
das por cada membro da equipe.
Com relação à participação nos trabalhos, 96% dos alunos disseram
que participaram ativamente, 3% disseram que participaram de forma medi-
ana e 1% disse que participou pouco. De uma forma ou de outra, todos os
alunos tiveram que se envolver com os trabalhos, seja pelo prazer, seja pela
obrigação. O fato dessa participação poder ocorrer no momento mais opor-
tuno, certamente é um motivador para o alto engajamento dos alunos no que
tange a sua participação nos trabalhos.

CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve por objetivo demonstrar a utilização do


Google Docs® e do Google Drive® como auxiliares na aprendizagem cola-
borativa no ensino remoto emergencial, a partir do desenvolvimento de tra-
balhos em grupo pelos alunos. Concluímos que o Google Docs® e o Google
Drive® têm potencial para contribuir decisivamente na construção de traba-
lhos e de atividades acadêmicas realizadas em grupo e de forma colaborati-
va, ainda que os membros não estejam em um mesmo espaço comum.
Amparados pela literatura especializada e pelos resultados obtidos,
podemos concluir, também, que a aprendizagem colaborativa mediada pela
internet cria uma oportunidade para os alunos aprenderem a qualquer mo-

267
mento e em qualquer lugar. A aprendizagem colaborativa possibilita o com-
partilhamento de conhecimento, a atribuição de tarefas e as discussões em
grupo, bem como outras formas de ganho de conhecimento. Ora, a aprendi-
zagem colaborativa tem a capacidade de despertar, motivar, aumentar e
manter o engajamento dos alunos no que diz respeito ao conteúdo estudado,
bem como na possibilidade de ajudar ao próximo. O professor também tem
um papel especial e diferenciado, já que ele atua como o mediador do pro-
cesso e nesse ínterim, além de ensinar, motivar, promover o engajamento
dos alunos, ele também aprende. Então, o que está na base da aprendizagem
colaborativa é a construção e o compartilhamento de conhecimentos entre
todos os envolvidos no processo.
Esta pesquisa também nos deixa perceber que o uso da ferramenta
Google Docs® e Google Drive®, em conjunto com a abordagem colaborati-
va, traz inúmeros benefícios para o aprendizado dos alunos, encorajando-os
a participar de forma mais ativa, a ajudarem os colegas, a tocarem experiên-
cias e tudo isso melhora o desempenho da turma como um todo. Com esse
aprendizado, os estudantes estão refinando uma habilidade que é muito
importante, além de ser muito valorizada no mercado de trabalho.
Acreditamos que os resultados apresentados são forte indicativo de
que a abordagem colaborativa pode favorecer positivamente a aprendizagem
dos alunos. A ressalva fica por conta de que não foi possível, através deste
estudo, dizer se os resultados majoritariamente positivos foram decorrentes,
exclusivamente, da abordagem aplicada. É certo que há outros fatores envol-
vidos e que não puderam ser mensurados pelo estudo, ou que não puderam
ser observados, pois não faziam parte do escopo da pesquisa. Por exemplo,
não foi mensurado o engajamento dos professores, nem da instituição de
ensino e estes são dois pontos que merecem pesquisas mais aprofundadas no
que diz respeito à aprendizagem colaborativa.

268
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271
ALFABETIZAÇÃO E INCLUSÃO: UMA
EXPERIÊNCIA POSSÍVEL DE LETRAMENTO
EM TEMPOS DE PANDEMIA

Josiane Barbosa Gonçalves


Jimmy Schlettz Fernandes
Aldemar Balbino da Costa
Carine de Campos Moraes Barros

Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, soci-
ais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras
de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei
também que os obstáculos não se eternizam (Paulo Freire).

Iniciar este relato de experiência com palavras de Freire (1996), fa-


zendo alusão aos desafios presentes na tarefa histórica de transformar o
mundo, tem por objetivo sensibilizar o leitor para as alterações das ativida-
des escolares vivenciadas no contexto da pandemia mundial causada pela
covid-19, a fim de evidenciar, nesse caso, o processo de alfabetização e le-
tramento e seus desdobramentos quanto às transformações ocorridas nas
relações de ensino e aprendizagem.
Nesse sentido, Galvão (2005), em seu texto Narrativas em Educação,
contempla reflexões importantes no que se refere aos conceitos desta meto-
dologia, argumentando que as narrativas, sejam orais, sejam escrita, podem
―constituir um método poderoso de investigação em educação‖ (GALVÃO,
2005, p. 1). Para a autora, esse modelo de estrutura ―constrói uma história a
partir de uma experiência primária e interpreta o significado dos aconteci-
mentos, revelando a avaliação que está implícita‖ (GALVÃO, 2005, p. 7).
Em consonância com esses princípios, Freire (1994), em seu legado,
possui passagens escritas que são reveladoras quanto à importância dada à
condição do professor-pesquisador e da reflexão crítica sobre a prática. Con-
forme se observa em:

272
[...] não escrevo somente porque me dá prazer escrever, mas também porque
me sinto politicamente comprometido, porque gostaria de convencer outras
pessoas, sem a elas mentir, do que o sonho ou sonhos de que falo, sobre que es-
crevo e porque luto, valem a pena ser tentados (FREIRE, 1994, p. 15).

Nessa perspectiva de sonhos que valem a pena ser tentados, o relato


desta experiência trará reflexões quanto a ações desenvolvidas numa institui-
ção escolar de Piraquara-PR. Buscou-se contemplar a complexidade que
constituiu esta vivência e seus condicionantes, ou seja, a abrangência do
processo de alfabetização e letramento 57 numa turma de 1º ano do primeiro
ciclo do Ensino Fundamental, com 28 estudantes.
Assim, considerando a importância de compartilhar experiências
exitosas e significativas, ressalta-se que o trabalho desenvolvido foi sociali-
zado pela docente da turma, tanto no município, através do eventos deno-
minado: Webinário ―Possibilidades Pedagógicas em tempos de ensino remo-
to: Socialização de Práticas‖, bem como encontra-se publicado nos Anais do
II Congresso Online Nacional de Pedagogia 58.
Considerando os desafios históricos quando se trata de temáticas
que envolvem os processos de alfabetização, este relato apresenta elementos
da prática pedagógica fortemente marcada pela pandemia da covid-1959, com
enfoque a uma estudante, em processo de inclusão escolar, com síndrome de
Pendred60, a qual ocasionou a perda auditiva bilateral moderada a severa.
Assim, Soares (2020, p. 9), uma das mais importantes especialistas
em alfabetização e letramento do país, traz que ―toda criança pode aprender
a ler e escrever‖ em consonância com o que expressa a Declaração de Sala-
manca, quanto aos princípios, política e prática para as necessidades educa-
tivas especiais. Nesse sentido, aborda que:

57
A opção de usar os termos alfabetização e letramento associados tem sua fundamentação em
Soares (2020), que defende que ambos os processos são indissociáveis, complexos e que devem
ocorrer simultaneamente. Assim a autora entende que ALFABETIZAÇÃO está relacionada à
aprendizagem, por meio da qual o indivíduo desenvolve a competência de ler e escrever, en-
quanto o LETRAMENTO se ocupa da função social dessa leitura e dessa escrita.
58
Congresso Online Nacional de Pedagogia, 2ª edição, de 20/09/2021 a 22/09/2021 ISBN dos
Anais: 978-65-89908-89-0.
59
―Doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro
clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves‖ (BRASIL, 2020).
60
A síndrome de Pendred, também chamada de doença de Pendred, consiste em uma desordem
genética caracterizada pela perda auditiva neurossensorial bilateral, bócio e, ocasionalmente,
hipotireoidismo.

273
[...] as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à es-
cola regular que deveria acomodá-las dentro de uma Pedagogia centrada na
criança, capaz de satisfazer tais necessidades (SOARES, 1994, item 2, p. 1).

Para Soares (2020, p. 9), a aprendizagem da língua escrita é condi-


ção necessária para a continuidade do processo de escolarização em todas as
áreas e níveis de ensino, portanto entende-se que esses conhecimentos são
necessários também para o pleno exercício da cidadania, um direito que
deve ser garantido por meio de práticas educativas baseadas em conceitos de
uma escola inclusiva pautada na premissa do exercício da linguagem
em uso.
Nessa perspectiva, é importante constatar ainda que os processos de
alfabetização e letramento são elementos culturais e, sendo assim, envolvem
a relação entre os sujeitos e a apropriação do instrumento cultural que permi-
te a compreensão do sistema de escrita alfabética.
Assim, quando o sujeito se apropria do instrumento cultural que
permite a aquisição da linguagem escrita, torna-o seu. De um modo singular,
ele se apropria de algo que é coletivo e internaliza como algo próprio. Ao
fazer isso, transforma-o e utiliza-o para sua comunicação. Sobre isso, Mar-
cuschi ressalta que:

Tomo a língua como um sistema de práticas cognitivas abertas, flexíveis, criati-


vas e indeterminadas quanto à informação ou estrutura. De outro ponto de vis-
ta, pode-se dizer que a língua é um sistema de práticas sociais e histórica sensí-
veis à realidade sobre a qual atua, sendo-lhe parcialmente prévio e parcialmente
dependente esse contexto em que se situa. Em suma, a língua é um sistema de
práticas com o qual os falantes/ouvintes (escritores/leitores) agem e expressam
suas intenções com ações adequadas aos objetivos de cada circunstâncias, mas
não construindo tudo como se fosse uma pressão externa pura e simples
(MARCUSCHI, 2008, p. 61).

História e cultura fazem parte do processo de alfabetização, assim a


interação com o outro é fundamental. Sozinho o sujeito não consegue parti-
cipar desse processo; e como elemento cultural, esse saber não é óbvio, não é
imediato e, portanto, ele precisa ser explicitado e ensinado.
Devido ao início da pandemia em 2020, houve a interrupção das au-
las presenciais até o final do referido ano. No início de 2021, acreditava-se
que as escolas retomariam a sua rotina, porém esta previsão não se confir-
mou.

274
Sendo assim, o distanciamento social imposto por essa doença inter-
feriu nas questões de socialização, comunicação e, principalmente, mediação
necessária para o processo de ensino-aprendizado. Evidencia-se que a lin-
guagem escrita como produção humana requer atenção, compreensão, me-
mória, percepção, imaginação e conhecimento. Na medida em que o sujeito
pensa sobre a escrita alfabética, ele se apropria desse conhecimento.
Em meio a todas essas dificuldades do contexto de pandemia e da
complexidade do processo de alfabetização, a docente percebeu um desafio
maior na sua turma, pois identificou que havia uma estudante com deficiên-
cia auditiva.
Assim, ao refletir sobre a função que a escola possui no desenvolvi-
mento do ser humano e ao constatar as dificuldades e barreiras impostas ao
campo educacional devido à pandemia, o contexto difícil e desafiador tor-
nou-se provocativo tanto quanto à busca sobre a especificidade da síndrome,
bem como quanto ao aprofundamento dos conhecimentos relacionados ao
processo de alfabetização de uma criança com perda auditiva.
Não se pode ignorar que, na busca por estratégias que amenizassem
os impactos causados pelo isolamento imposto, as tecnologias digitais tive-
ram um papel relevante. Mesmo com a escola sem oferecer atendimento
presencial à comunidade escolar, foi possível estreitar a comunicação e os
vínculos com a família, também foi realizado o estudo de caso, junto à equi-
pe da Educação Especial, e posterior inserção da estudante no trabalho pe-
dagógico desenvolvido na Sala de Recursos Multifuncional61. Nesse sentido,
Morán (2015) enfatiza que as tecnologias digitais possibilitam a superação de
barreiras impostas pelo espaço e pelo tempo. Para ele, educandos e educado-
res podem construir aprendizagens em parceria, apesar de não estarem no
mesmo local e no mesmo horário.
Essas ações adotadas serviram de suporte para o trabalho pedagógi-
co desenvolvido pela professora regente, tanto para a estudante, como para
os demais alunos da turma. Ressalta-se que foram ativida-
des envolvendo o ensino da língua sob o paradigma do ―uso-reflexão-uso‖,
ou seja, as diferentes funções sociais da língua escrita no contexto da socie-
dade. Tais práticas partem do princípio de considerar os diferentes gêneros

61
As salas de recursos multifuncionais permitem que o estudante, além de frequentar as aulas
nas turmas regulares, seja atendido no contraturno, a fim de reforçar o aprendizado de acordo
com as especificidades de cada estudante.

275
textuais e, a partir deles, refletir sobre as unidades menores contidas nesses
gêneros.
Dessa forma, destaca-se que para que a alfabetização se consolide é
necessário refletir e fazer o uso a língua, assim como organizá-la de diferen-
tes formas. Sendo assim, quanto maior for a oportunidade que a estudante
tenha para escrever e refletir sobre o que escreveu, maior será a aprendiza-
gem da escrita.
Porém, devido ao distanciamento social, sistematizar o ensino do
sistema de escrita alfabética ficou complexo, apesar da possibilidade de reali-
zar as aulas por meio de plataformas digitais de comunicação. Desse modo,
a sistematização das práticas metodológicas puderam ser realizadas utilizan-
do recursos tecnológicos, como, por exemplo: plataformas de comunicação,
uso do Wordwall62, Jamboard63 , entre outros.
Esses momentos contaram com o apoio da família, pois ela, no seu
tempo e organização, auxiliava na mediação do que a estudante precisava
realizar, ajudando quanto ao uso de aplicativos e plataformas, além de reali-
zar a mediação que outrora a professora repassava rotineiramente. Assim
para Morán (2015), o uso das tecnologias digitais possibilita que o processo
de ensino-aprendizagem seja flexível, sendo que o educando não precisa
mais considerar que sua aprendizagem só terá como referência o texto e as
atividades que o professor passou em sala de aula.
O diálogo com a família foi fundamental para pontos importantes
do desenvolvimento da estudante, pois, além de atenção e vínculos estabele-
cidos entre escola e família, a amorosidade e a paciência trocadas ao lidar
com a complexidade dos trâmites desses processos envolveram e fortalece-
ram as relações, trazendo diferentes aprendizagens aos envolvidos.
Nesse sentido, Freire (2009), em suas teorias, destaca a necessidade
urgente de superação da educação bancária, aquela considerada ―tradicio-
nal‖, avançando para uma transformação que dê ênfase à aprendizagem
baseada no educando, de forma a envolver, dialogar e motivar diver-
sos saberes.

62
O Wordwall pode ser usado para criar atividades interativas e imprimíveis. A maioria dos
nossos modelos está disponível numa versão interativa e imprimível.
63
O Google Jamboard é um quadro branco inteligente que se conecta ao ecossistema do busca-
dor, em especial o G Suite, a suíte de soluções corporativas do Google. No Jamboard, por
exemplo, pode-se fazer reuniões, rabiscar no quadro e exibir apresentações.

276
Entre as diversas aprendizagens conquistadas pelos diferentes sujei-
tos que fizeram parte desse processo, reitera-se a relevância no que se refere
aos processos de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, pois são sabe-
res que possuem implicações decisivas no desenvolvimento humano, tendo a
função de inserir o sujeito na cultura do grupo com o qual convive, como,
por exemplo, na sociedade letrada. Assim a aquisição da língua padrão está
diretamente relacionada ao ―fazer humano‖, o qual é produzido nas relações
sociais construídas historicamente.
De acordo com Soares (2010, p. 22):

O sistema de escrita e as convenções para seu uso constituem uma tecnologia


inventada e aperfeiçoada pela humanidade ao longo de milênios: desde os de-
senhos e símbolos usados inicialmente até a extraordinária descoberta de que,
em vez de desenhar ou simbolizar aquilo de que se fala, podiam ser representa-
dos os sons da fala por sinais gráficos, criando-se assim o sistema alfabético;
desde a escrita em tabletes de barro, em pedra, em papiro, em pergaminho, até
a também extraordinária invenção do papel; desde o uso de estiletes e pincéis
como instrumentos de escrita até a invenção do lápis, da caneta... a entrada no
país ou mundo da escrita exige passaporte, mas essa exigência tem uma peculi-
aridade: são necessários dois passaportes, não apenas um. Um passaporte é a
aquisição de uma tecnologia – o sistema de escrita alfabético e ortográfico, e as
convenções para seu uso; o outro passaporte é o desenvolvimento de compe-
tências para o uso dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a língua
escrita (SOARES, 2010, p. 22).

Essa construção histórico-social desse fazer humano contou com


adequações constantes quanto a diferentes metodologias. Ao utilizar recur-
sos diversos baseados nas tecnologias digitais e atividades com cunho mais
visual, foi possível propor uma análise linguística de textos, bem como a
reflexão na construção de palavras (jogos com rimas, jogos com aliterações,
jogos envolvendo troca, supressão e inserção de letras no interior das pala-
vras etc.).
Ações dessa natureza evidenciam a importância de práticas inclusi-
vas e acolhedoras que não encaram o déficit parcial ou total da audição co-
mo um fator limitador à aprendizagem e à alfabetização, e sim uma oportu-
nidade de compreender o ser humano nas suas necessidades.
Diante desses encaminhamentos, em questões direcionadas à docen-
te, foi possível observar que o acolhimento da estudante exigiu comprome-
timento por parte da escola e também pela família. Foi possível identificar
isso no relato da professora, quando diz que:

277
No que se trata o processo de mediação, o estabelecimento de vínculos é fun-
damental, porém com a estudante foi um processo mais demorado, pois a estu-
dante apoiava a sua comunicação no auxílio da genitora, dificultando assim
um diálogo mais próximo que favorecesse o estabelecimento de vínculos. Foi
necessário, também, apoiar-me na genitora como facilitadora deste diálogo e,
consequentemente, auxiliadora no estabelecimento de vínculos (professora re-
gente 1º ano B).

O vínculo afetivo é um fator primordial à aquisição do conhecimen-


to, principalmente quando se trata de uma criança em desenvolvimento.
Portanto, a afetividade surge como um componente fundamental no alcance
de uma boa interação e, consequentemente, de um ensino de qualidade.
Sobre isso, Sarmento expõe que:

[...] a sala de aula precisa ser espaço de formação, de harmonização, onde a


afetividade em suas diferentes manifestações possa ser usada em favor da
aprendizagem, pois o afetivo e o intelectual são faces de uma mesma realidade,
o desenvolvimento do ser humano (SARMENTO, 2010, p. 14).

Quanto ao processo avaliativo, a professora também relata que ―a


avaliação da estudante foi um fator de desafio, pois se por um lado havia a
fragilidade nos registros, por outro lado havia a insegurança pela inexperiên-
cia de alfabetizar uma criança com deficiência auditiva‖.
A docente relata que foi necessário recorrer a profissionais especia-
listas em educação especial. Com isso, a conversa com uma professora surda
ajudou na identificação de possíveis caminhos para facilitar o aprendizado.
A professora procurou referenciais teóricos para compreender um pouco
mais sobre o assunto. Essa declaração sobre a preocupação da docente em
preparar-se para atuar junto à estudante pode ser respaldada em:

Embora a criança participe do seu processo de aprendizagem, ela depende


igualmente da participação ativa do adulto, principalmente no que se refere à
aquisição de determinados conhecimentos, como sistemas simbólicos, conceito
de várias áreas do conhecimento, metodologias de estudo, de pesquisa, ativida-
des de organização das informações. Sendo assim, a aprendizagem da escrita,
sistema simbólico complexo eu é, está subordinado a um trabalho intencional,
claro, organizado e contínuo do educador. E esse trabalho deve levar em con-
sideração a estrutura da língua (SOUZA LIMA, 2010, p. 13).

278
Ao relatar o êxito de uma experiência de alfabetização e letramento
de uma criança com surdez, em período de pandemia mundial, não pode-
mos ignorar que as mudanças e as transformações ocorridas neste período
deixarão marcas que levarão décadas para serem amenizadas ou corrigidas.
O estudo realizado pelo UNICEF 64 em parceria com o Cenpec, de-
nominado ―Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – um alerta sobre os im-
pactos da pandemia da Covid-19 na Educação‖, traz um panorama assusta-
dor, com dados alarmantes que evidenciam tanto desafios e fragilidades
antigos da realidade nacional, bem como problemas que haviam sido supe-
rados antes da pandemia. Como exemplo, pode-se citar a seguinte situação:

A maior incidência de crianças e adolescentes fora da escola ou sem atividades


escolares ao final do ano letivo de 2020 encontra-se entre aquelas(es) de 6 a 10
anos, faixa etária que em 2019 apresentou o menor percentual de crianças nes-
sa condição (UNICEF, 2021, p. 45).

É preciso considerar que esse documento traz reflexões pertinentes


quanto ao cenário fortemente marcado pela pandemia, alertando que ―o país
corre o risco de regredir mais de duas décadas no acesso de meninas e meni-
nos à educação‖ (2020, p. 5). Evidencia, ainda, que a exclusão escolar não
está isolada e tem suas origens nos diferentes contextos socioeconômicos e
culturais, sendo as desigualdades reproduzidas nas diversas instituições esco-
lares do país.
Entretanto também é preciso considerar que, além das drásticas
transformações e questões negativas vivenciadas nesse período, de acordo
com Fraiman et al. (2020, p. 14), ―é preciso educar os olhos para enxergar
para além das dificuldades e dores de cada tempo histórico‖. Nesse viés, o
autor argumenta ainda que não se trata de ―mera coincidência que períodos
de guerra sejam seguidos por revoluções tecnológicas, fabris e científicas‖.
De acordo com as reflexões da obra O efeito Covid-19 e a transformação
da comunidade escolar‖, publicada em 2020, os autores abordam situações
sociais ocorridas durante a pandemia, a qual vem afetando os diferentes
contextos, incluindo o ambiente escolar, e as relações estabelecidas entre os
sujeitos que compõem a comunidade escolar, visto que ―a pandemia da

64
Criado pela Organização das Nações Unidas, em 1946, o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF) promove os direitos e o bem-estar de crianças e adolescentes em 190 países
e territórios. Está presente no Brasil desde 1950.

279
COVID-19 acelerou exponencialmente uma série de mudanças que já esta-
vam acontecendo em diversos setores‖ (FRAIMAN et al., 2020, p. 15).
Assim, parafraseando Fraiman (2020, p. 15), é preciso reconhecer
que essas transformações exigem dos membros que compõem os coletivos
escolares novas competências e habilidades, ou seja, se antes a ideia de traba-
lhar em casa era rechaçada por diversos gestores, a nova realidade forçou
uma adaptação no sentido de aprendizagens relacionadas aos atos de dele-
gar, confiar, manter laços e, acima de tudo, aprender a usar as tecnologias
que viriam contribuir para tais ações, afinal após os primeiros períodos de
adaptação:

Não foram poucas as pessoas que perceberam que há também vantagens em


trabalhar em casa, desde a possibilidade de ter uma alimentação mais saudável
até o ganho do tempo que antes era necessário para o deslocamento até o traba-
lho. Nesse modelo, a convivência com a família também se intensificou, tra-
zendo em alguns casos estresses, mas também alegria, carinho, conforto e per-
tencimento, que não raro andavam deixados de lado na vida acelerada, intensa,
competitiva e exigente que todos viviam até então (FRAIMAN, 2020, p. 15).

Assim, tratando-se de desafios, não há como ignorar que o processo


de alfabetização e letramento já era desafiante no cotidiano das escolas pú-
blicas sem esses atenuantes. De acordo com Soares (2020, p. 9), os números
de referência das taxas de escolarização de pessoas de 6 a 14 anos atingiu
98,6% em 2015; porém, ao comparar com resultados da Avaliação Nacional
de Alfabetização (ANA), realizada em 2016, encontramos dados preocupan-
tes, pois mais da metade das crianças (54,7%) encontram-se no ―nível insufi-
ciente‖, apesar de terem esses estudantes um mínimo de três anos de escola-
rização.
Assim, ao discorrer sobre o processo de alfabetização e letramento
de uma criança com perda auditiva, considerando os desafios trazidos pelo
contexto da pandemia e os processos de formação dos coletivos escolares,
permite-se a percepção das mudanças e transformações instauradas nesse
novo fazer pedagógico, evidenciando alternativas e possibilidades que mere-
cem a socialização. A experiência em questão retrata o envolvimento dos
mais diversos segmentos que compõem a comunidade escolar, num clima de
comprometimento com a aprendizagem desta criança, apoiando-se em rela-
ções que primam pela confiança na capacidade de aprender demonstrada por
ela desde o início do processo.

280
Essa experiência traz elementos que corroboram para reflexões per-
tinentes sobre a importância de espaços de formação e aprendizagens desti-
nados aos diferentes segmentos da comunidade escolar, de forma que con-
templem os desafios cotidianos respaldados por ações que abordem observa-
ções, registros, leituras, reflexões, trocas e discussões, ou seja, um movimen-
to de desacomodar os sujeitos de práticas enraizadas na cultura escolar a fim
de promover avanços quanto à real necessidade dos educandos.
Nos espaços de formação, a escola contou com encontros formati-
vos, que abordavam temáticas referentes aos desafios de alfabetizar e letrar
em tempos de pandemia. Esses movimentos foram destinados a diferentes
segmentos da comunidade escolar, zelando por aspectos teóricos e metodo-
lógicos desse novo fazer pedagógico.
Assim como o atendimento às crianças ocorreu de forma síncrona e
assíncrona, os espaços formativos também tiveram essas características,
ocorrendo principalmente por meio de plataformas digitais de comunicação.
Desse modo, além de aprofundamentos teórico metodológico, os encontros
ofereciam espaço de diálogo a comunidade, para que as diferentes vozes
fossem acolhidas quanto às angústias, receios, trocas significativas e maior
união entre escola e família nesse período de situações nunca antes vivencia-
das.
No que diz respeito às relações estabelecidas entre família e escola,
cabe ressaltar que esta é uma temática que impõe desafios, mesmo em perío-
dos em que não existem situações extremas como uma pandemia, pois sabe-
se que, embora leis e normas estabeleçam o modelo de gestão como partici-
pativa e democrática, as escolas ainda encontram certa dificuldade nesse
sentido quando o objetivo é uma participação mais abrangente.
Como o período de pandemia intensificou desigualdades e fragilida-
des anteriores, o desafio posto se referia a formas de estreitar laços, visto que
a família teve de prestar mais apoio quanto à mediação das atividades e pro-
postas direcionadas às crianças nesse período.
No caso da estudante em questão, a professora regente em suas des-
crições revela que o que contribuiu para estreitar os laços com a responsável
foi ações de diálogo frequentes, elogios e orientações sobre os encaminha-
mentos a serem adotados no momento da realização das atividades com a
criança, por meio de mensagens privadas, chamadas virtuais, entre outros.
A professora conta ainda que os vínculos estabelecidos se fortalece-
ram à medida que a mãe foi ganhando confiança nas orientações emanadas

281
pela professora/escola por meio da atenção destinada à aprendizagem da
criança, principalmente de forma on-line.
Assim, nos depoimentos, tanto da professora como da genitora, é
comum atribuírem êxito e avanços da criança nas questões relacionadas à
parceria estabelecida; para isso, foram essenciais as aprendizagens e buscas
da docente por elementos que trouxessem compreensão sobre a condição da
criança a fim de atendê-la em suas especificidades.
Desse modo, pode-se dizer que a experiência de inclusão no período
de pandemia e de distanciamento social contou com importantes movimen-
tos de formação, busca, parcerias que devem perdurar para além desse perí-
odo, visto que no ambiente escolar todos ganharam, pois os membros da
comunidade escolar tiveram suas vivências e práticas enriquecidas pela expe-
riência socializada entre todos, tanto internamente, como externamente.
Outro fator importante de evidenciar nessa experiência é que, embo-
ra os membros da escola e da família estivessem distantes fisicamente, o
contato frequente, seja por encontros virtuais, seja por devolutivas assíncro-
nas, permitiu uma relação saudável onde se tinha clareza dos papéis desem-
penhados, quanto aos objetivos relacionados ao desenvolvimento da estu-
dante.
Num trecho de relatório de aprendizagem da referida discente é pos-
sível perceber essa relação saudável entre escola e família, conforme segue:

Percebeu-se que o preenchimento dos cadernos pedagógicos foi realizado pela


estudante, pois a escrita demonstra alguém que está no início do processo de al-
fabetização. Isto também foi possível de verificar por fotos e vídeos onde obser-
vei que esta criança possui uma rotina de estudo e que, com ajuda da mãe, rea-
liza as atividades orientadas via MEET. Num dos momentos de chamadas in-
dividuais, a estudante, ao tentar realizar a escrita da palavra GATO, represen-
tou a palavra com letras aleatórias, porém ao ser questionada se já havia con-
cluído a escrita da palavra, ela disse ―lembrei, tem mais uma‖ a criança voltou
ao início da linha e acrescentou a letra G. Em outro momento, ao registrar a
palavra macaco, logo relacionou a letra inicial desta palavra, com a letra do
nome de seu coleguinha Mateus. Tal situação demonstra certa percepção quan-
to a algumas propriedades do Sistema de Escrita Alfabética (Trecho de Relató-
rio de aprendizagem da estudante – 1º semestre/2021).

282
HISTÓRICO DA ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO E AS
TRANSFORMAÇÕES PARA SUA REALIZAÇÃO EM TEMPOS DE
PANDEMIA
Experiências como esta apresentada no presente trabalho exige en-
volvimento de diferentes dimensões, sejam aquelas institucionalizadas, se-
jam ainda as de caráter familiar. Contudo, o papel da professora ou do pro-
fessor é primordial para a condução exitosa do processo de alfabetização e
letramento dos estudantes.
Para um ensino que tenha como consequência a aprendizagem, é
importante um embasamento teórico sobre os processos de como uma crian-
ça aprende, a fim de que se superem as práticas pedagógicas de senso co-
mum já enraizadas na escola, concebidas muitas vezes como parte da cultura
escolar.
As práticas que continuamente se reproduzem, no interior das salas
de aula, quase que de forma autônoma ou ainda como reflexo do processo
de escolarização do próprio professor só podem ser superadas pelo viés da
formação docente.
Ao compreender este como um dos vieses para melhoria da quali-
dade do ensino, a formação como alicerce da prática do professor vem ga-
nhando notoriedade e se revela como um campo de investigação que ganha
destaque nos anos de 1980 com pesquisas acadêmicas na área (DINIZ-
PEREIRA, 2013).
Diferentes motivos impulsionaram este campo, entre eles podemos
destacar alguns como propulsores. Barros (2020) faz uma síntese de alguns
desses eventos que marcaram a profissão docente; para esta autora,

O papel do professor foi se constituindo a partir de diferentes contextos e reali-


dades sociais, econômicas e políticas. De sacerdote a seguidor de orientações
de manuais, da atuação totalmente masculina à entrada da mulher no magisté-
rio, a partir dos anos de 1940, de um profissional que desfrutava de prestígio e
status à desvalorização social (BARROS, 2020, p. 1-2).

Nesse movimento de transformação histórica, social e política da


educação e do papel do professor, governantes juntamente com as agências
internacionais (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional) delibera-
ram investimentos para a educação no Brasil; como reflexo surgiram uma
série de pactuações, projetos e programas de formação de professores que
desencadearam políticas voltadas à educação, marcadas por duas vertentes:

283
a) Os resultados insatisfatórios das avaliações em larga escala sobre o nível
de alfabetização no Brasil e nos dados censitários (IBGE, 1991); e b) As
exigências do mundo do trabalho regido pela recuperação global da econo-
mia, no discurso da necessidade de uma sociedade pós-moderna, a educação
foi concebida como instrumento para este fim.
Diante disso, a tríade – agências internacionais, Constituição Fede-
ral (1988) e Lei de Diretrizes e Bases (1996) – fortaleceu a necessidade de
investimentos na formação docente para aperfeiçoamento e fortalecimento
de ações que viessem ao encontro com os problemas que emanavam na edu-
cação, dando destaque à formação do professor que trabalhava com alfabeti-
zação.
Assim, o Quadro 1 pretende, mesmo que brevemente, apresentar os
programas de formação de professores brasileiros pós-Constituição Federal
(1988) a fim de ilustrar o percurso construído historicamente sobre o concei-
to de ―alfabetizar letrando‖ presente na prática da docente citada neste relato
de experiência e dos professores alfabetizadores da contempo-raneidade.

QUADRO 1 – PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS NO BRASIL PÓS-CONSTITUIÇÃO


FEDERAL DE 1988 QUE EVIDENCIAM A ALFABETIZAÇÃO NAS DISCUSSÕES E
REFLEXÕES

284
PROGRAMA DE INFORMAÇÕES GERAIS
FORMAÇÃO
Criado em 1999, com a intenção de implementar os Parâmetros
PCN em Ação Curriculares Nacionais – PCN de forma articulada aos estados e
municípios, o projeto PCN em Ação, que foi um programa que envolvia
um conjunto de ações aos diferentes segmentos da comunidade
educacional, tinha como ação inicial impulsionar o desenvolvimento
profissional dos professores de todo o Ensino Fundamental, incluindo
educação indígena, infantil e de jovens e adultos. Destinou um módulo
específico aos professores alfabetizadores de crianças e adultos. Até o
momento não havia publicações do Ministério da Educação elaboradas
especificamente para o trabalho de formação de alfabetizadores.
GESTAR I Lançado em 2000 pelo Ministério da Educação – MEC, foi um conjunto
de ações articuladas a serem desenvolvidas junto a professores habilitados
para atuar nos quatro anos iniciais do Ensino Fundamental, que
estivessem em exercício nas escolas públicas vinculadas ao Programa de
Desenvolvimento da Escola (PDE) e localizadas nas Zonas de
Atendimento Prioritário (ZAP) das regiões Norte, Nordeste e Centro-
Oeste do Brasil.
Tinha como princípio norteador da formação o desenvolvimento da
linguagem escrita e da linguagem matemática.
PROFA Lançado pelo governo federal em 2001, estabeleceu bases de parceria por
(Programa de meio de um Termo de Cooperação Técnica entre o MEC e as secretarias
Formação de de educação, universidades, escolas de magistério ou organizações não
Professores governamentais destinado a professores e formadores, que se orienta pelo
Alfabetizadores) objetivo de desenvolver as competências profissionais necessárias a todo
professor que ensina a ler e escrever.
Teve por objetivo oferecer aos professores brasileiros o conhecimento
didático de alfabetização que vem sendo construído nos últimos vinte
anos na modalidade presencial.
PRALER Lançado em 2003, o programa de Apoio a Leitura e Escrita (PRALER),
(Programa de em consonância com as políticas educacionais de investimento no
apoio a Leitura e processo de alfabetização no início da escolarização, teve como objetivo
Escrita) oferecer um curso de formação continuada para professores das séries
iniciais complementar às ações já em desenvolvimento pelas secretarias de
educação. A finalidade do programa é dinamizar o processo educacional
relativo à aquisição e aprendizagem da leitura e escrita da língua materna
(BRASIL, 2007, p. 5).
PRÓ- O Pró-Letramento – Mobilização pela Qualidade da Educação – era um
LETRAMENTO programa de formação continuada, direcionado aos professores em
2005 exercício os anos iniciais do Ensino Fundamental das escolas públicas,
tendo foco nas áreas de Língua Portuguesa/Alfabetização e
Matemática.
Os professores participantes eram aqueles dos anos iniciais do Ensino
Fundamental de regiões e municípios com baixo índice de
aproveitamento em Língua Portuguesa e Matemática.
FONTE: Elaborado a partir de Viédes e Brito (2015).

Os programas apresentados no Quadro 1 merecem destaque, pois


iniciaram formalmente as discussões sobre a prática de alfabetizar a partir de

285
textos para uma aprendizagem que fizesse referência e sentido com o mundo
real.
Os PCNs, Parâmetros em Ação, Gestar I e PROFA tinham em suas
bases os estudos da teoria da Psicogênese da língua escrita, de Emília Ferreiro e
Ana Teberosky (1999). Eles podem ser considerados desencadeadores de
discussões mais aprofundadas que o Pró-Letramento e o Pacto Nacional
para Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) trouxeram posteriormente.
Morais (2012) diz que a Teoria da Psicogênese trouxe grandes con-
tribuições e, junto a ela, grandes desafios, provocando lacunas ao desbancar
os métodos tradicionais, embarcando na ―ditadura do texto, como se fosse
proibido fazer atividades de reflexão sobre palavras e sobre suas unidades
menores, orais e escritas‖ (MORAIS, 2012, p. 123).
A partir desses compassos e descompassos, o PNAIC surge para for-
talecer as ações dos programas anteriores, principalmente para aprofundar as
discussões sobre alfabetizar letrando, como processos que, segundo Magda
Soares, devem ser ―simultâneos e interdependentes‖ (SOARES, 2011, p. 27).
Assim sendo, o Caderno de Apresentação do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa

[...] propõe a realização de um programa coerente com a perspectiva de forma-


ção docente crítica, reflexiva, problematizadora. Tais princípios envolvem um
profundo respeito aos profissionais da educação e uma busca incessante pelo
saber, que conduza a uma escola cada vez mais inclusiva, articulada com as
comunidades onde se inserem. Compartilhar é nossa principal meta. O traba-
lho conjunto, participativo, integrador, é o que se espera nesta jornada (BRA-
SIL, 2012, p. 37).

Os excertos deste subtítulo apresentaram, ainda que brevemente, a


construção do conceito de alfabetizar letrando como um processo contínuo
dos últimos trinta anos, a fim de evidenciar e fomentar a importância da
formação docente.
Contudo, entre 2016 e 2019, a educação vem experimentando cortes
financeiros; entre diversas ações, destaca-se a criação de uma nova Política
de Alfabetização (PNA). As palavras de Frade (2019, p. 125) resumem a
ruptura dessa nova política, segunda a autora, a PNA ―apresenta reducio-
nismos e apagamentos de diversas ordens: semântico, conceitual, pedagógi-
co, epistemológico e, sobretudo, de práticas e pesquisas que são desenvolvi-
das no Brasil e no exterior sobre a alfabetização‖.

286
Essa política se contrapõe à perspectiva da alfabetização e letramen-
to, e traduz de forma simplista a aquisição da língua escrita pelo estudante,
elegendo às ações de decodificar e codificar a alfabetização, ignorando que
ler e escrever são processos também sociais e culturais.
Nesse ponto, não há como falar da apropriação da cultura sem rela-
cioná-la à prática docente, afinal o professor não é aquele que não transmite
conhecimento, mas sim aquele que oportuniza a produção e construção do
conhecimento por parte dos educandos (FREIRE, 1996).
Assim, não se pode deixar de fazer relação da criação da PNA com
as Diretrizes Curriculares Nacionais e Bases para Formação Inicial e Conti-
nuada de Professores da Educação Básica, também criada em 2019, sob os
mesmos moldes antidialógicos e autoritários, além de responsabilizar os
professores pelos baixos resultados nas avaliações em larga escala da educa-
ção, sem levar em consideração as grandes desigualdades sociais existentes
no Brasil.
Atrelados a essas rupturas e retrocessos, agrava-se, além disso, a
pandemia ocasionada pela covid-19, que forçou o refazer docente do dia
para a noite, precisando os professores se adequarem, em tempo recorde,
para atender às novas demandas de um ensino remoto, regido por tecnologi-
as até então pouco ou nada conhecidas pelos docentes.
Assim, revela-se a importância da formação dos professores; em
concordância com as reflexões sobre os Novos desafios da docência no século
XXI: a necessidade de uma nova formação docente, Imbernón (2015, p. 72) diz
que ―formar-se professor também passou a assumir ainda mais grandes cotas
de exigência‖, principalmente aquelas voltadas ao uso das tecnologias.
Em síntese, conclui-se que a experiência relatada é rica quanto a
questões antagônicas, pois se por um lado a pandemia e seus desdobramen-
tos trouxeram dificuldades em todas as áreas sociais e prejuízos ao campo da
educação, que levarão décadas para serem amenizados, por outro não há
como negar que este cenário de distanciamento imposto à sociedade impul-
sionou o uso das tecnologias digitais.
Há de se destacar também a relevância da tecnologia e sua relação
com o Sistema de Escrita Alfabética como elemento da cultura humana no
qual envolve a relação entre os sujeitos pertencentes a este contexto e a apro-
priação do instrumento que permite a compreensão deste contexto observa-
do. Ou seja, o cenário do isolamento social gerou aprendizagens diversas aos
diferentes segmentos, trazendo ganhos a todos os envolvidos, porém foram

287
necessárias diversas adequações na prática pedagógica para atender à especi-
ficidade de cada discente.
Ressalta-se também a importância dos momentos de formação e tro-
cas, mesmo que de forma remota, dos professores. Imbernón (2015) destaca
em suas reflexões sobre os Novos desafios da docência no século XXI: a necessidade
de uma nova formação docente, o autor diz que ―formar-se professor também
passou a assumir, ainda mais grandes cotas de exigência‖ (IMBERNÓN,
2015, p. 72), principalmente aquelas voltadas a uso das tecnologias.
Por fim, as reflexões aqui apresentadas corroboram com urgência
para emergir no cenário educacional escolas mais acolhedoras e inclusivas,
que atendam às necessidades dos educandos nos mais diferentes contextos.

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291
A PESQUISA FENOMENOLÓGICA
EM EDUCAÇÃO

Carlos Roberto Caron


Sonia Maria Chaves Haracemiv
Maria Augusta Bossanello

A fenomenologia nasceu no inicio do seculo XX com a obra Inves-


tigacoes ogicas, de Edmund Husserl (1859 – 1938), para quem a fenomenolo-
gia era uma forma totalmente nova de fazer filosofia, deixando de lado espe-
culacoes metafisicas para entar em contato com as "proprias coisas‖, dando
ênfase a experiencia vivida (MOREIRA, 2004, p. 7).
Conforme mencionado por Coelho (1999, p.56), a fenomenologia,
como método filosófico, foi elaborada por Husserl objetivando a crítica ao
empirismo e a sua principal vertente, o psicologismo, pois ambas são ideias
que, na concepção husserliana, dificultam atingir a essência do fenômeno
para que se possa chegar ao conhecimento verdadeiro.
Muitos outros filósofos elaboraram os seus sistemas a partir das
ideias originais de Husserl, com o desenvolvimento de interpretações
variadas da fenomenologia, tal como Scheler, Heidegger, Merleau-Ponty e
Sartre (DARTIGUES, 2013).
Desta forma, utilizando-se das palavras de Merleau-Ponty (1994,
p. 1), podemos definir a fenomenologia como sendo ―[...] o estudo das es-
sências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essên-
cias‖. A fenomenologia é, portanto, uma ciência das essências, voltada à
análise e descrição delas. A este respeito, como afirma Moreira (2004, p. 7),
a fenomenologia ―[...] vai contra a tendência natural da consciência de
dirigir-se às coisas ao invés dos seus processos‖.
Ao discorrer sobre a etimologia do termo fenomenologia, Bicudo
(1999, p. 14), explica que este é um nome composto, sendo que ―fenômeno‖
deriva do verbo grego phainestai, significando ―o que se manifesta, se mostra,
aparece‖ e a palavra logos pode ser entendida como ―o que reúne, unifica,
raciocínio, discurso, união‖, de tal sorte que fenomenologia significa o estu-
do que reúne os diferentes modos de aparecer do fenômeno. Efetivamente, o

292
que surge no palco da consciência humana são os fenômenos, que podem ser
entendidos como os blocos de construção da ciência e o fundamento de todo
o conhecimento.
Conforme afirma Moustakas (1994, p. 25), que foi um dos mais
importantes pesquisadores do método fenomenológico, Husserl desenvolveu
um novo sistema onde o conhecimento, baseado na intuição e na essência do
objeto do conhecimento, precede o conhecimento empírico, tendo sido por
isso denominado Fenomenologia Transcendental. Entende-se, a partir deste
ponto de vista, que ao se desvelar a essência de um determinado fenômeno, é
possível vislumbrar uma realidade única, que transcende o empirismo e atin-
ge um patamar onde o conhecimento não depende mais da experiência.
Para Moustakas (1994, p. 45), ―[...] a abordagem de Husserl é
denominada ―fenomenologia‖ porque ela se utiliza somente dos dados
disponíveis à consciência; ela é considerada ―transcendental‖ porque se
fundamenta no que pode ser descoberto pela reflexão sobre os atos subjetivos
e seus correlatos objetivos‖.
Neste contexto, Husserl apresenta a sua fenomenologia como uma
abordagem investigativa rigorosa que procura apreender o fenômeno da
forma o mais exata possível, descrevendo como as coisas efetivamente se
apresentam à consciência, com o objetivo de obter conhecimentos
apodíticos, ou seja, conhecimentos que correspondem a verdade
propriamente dita (ABBAGNANO, 2007). O filósofo deve, portanto, captar
a essência daquilo que se manifesta na consciência, utilizando-se inclusive da
intuição para, assim, ir de encontro às coisas mesmas, voltando ao fenômeno
puro, tal como ele se apresenta e se mostra à consciência.
Entende-se que a fenomenologia, como ciência dos fenômenos,
filosoficamente não se vincula aos objetos puros dissociados da
subjetividade, tal como se observa nas ciências positivas, mas sim aos objetos
intencionais, ou seja, como as coisas se manifestam através dos órgãos dos
sentidos à consciência.
Como lembra Moreira (2004, p. 13), Husserl nunca se propôs a
elaborar um método de pesquisa empírica, tendo fundamentalmente
trabalhado com o desenvolvimento filosófico de uma nova teoria do
conhecimento. Este filósofo, entretanto, descreveu em seu vasto trabalho,
inúmeros elementos que, após adaptações, viriam a constituir uma efetiva
abordagem investigativa empírica, tendo esta tarefa sido levada a cabo por

293
diferentes autores, tais como van Kaam (1959), Colaizzi (1978), Giorgi
(1985) e Moustakas (1994), entre outros.
Bicudo (2000, p. 73) menciona que Husserl propõem alguns ele-
mentos metodológicos como recurso para pesquisar o que existe, tais como a
descrição exaustiva do fenômeno e dos invariantes detectados nas diferentes
descrições sobre este mesmo fenômeno, possibilitando assim que a reflexão
sobre os invariantes conduza à essência do fenômeno investigado, desvelan-
do o que existe pelo modo como existe.
Efetivamente, segundo Bicudo (2000, p. 71), ―[...] a fenomenologia
tem por meta ir-à-coisa-mesma tal como ela se manifesta, prescindindo de
pressupostos teóricos e de um método de investigação que, por si, conduza a
verdade‖. Os conceitos ou ideias relacionadas ao fenômeno abordado de-
vem, portanto, ser deixados de lado, sendo necessário procurar o sujeito para
questioná-lo sobre o que realmente faz sentido para ele, para assim relatar e
descrever o que foi efetivamente percebido.
A pesquisa fenomenológica transcendental é fundamentalmente
descritiva. Como afirmam Sampieri, Collado e Lucio (2013, p. 102), os estu-
do descritivos ―[...] são úteis para mostrar com precisão os ângulos ou di-
mensões de um fenômeno, acontecimento, comunidade, contexto ou situa-
ção‖, ou seja, o estudo qualitativo pode possibilitar a descrição de uma
determinada realidade fenomenológica, vivenciada pelos sujeitos da pesquisa
em toda a sua amplitude.
Na concepção de Bicudo (2000, p. 75), a descrição fenomenológi-
ca ―[...] é um protocolo que se limita a descrever o visto, o sentido, a experi-
ência como vivida pelo sujeito. Ela não admite julgamentos e avaliações.
Apenas descreve‖. Esta visão concorda com a de Yin (2016, p. 15), para
quem a fenomenologia ―[...] estuda eventos humanos enquanto são imedia-
tamente vivenciados em ambientes reais, evitando categorias e conceitos
prévios que poderiam distorcer a base experiencial para compreender os
eventos‖. A este respeito, conforme Bicudo (2000, p. 74), ―a investigação
fenomenológica trabalha sempre com o qualitativo, com o que faz sentido
para o sujeito, com o fenômeno posto em suspensão, como percebido e ma-
nifesto pela linguagem; e trabalha também com o que se apresenta como
significativo ou relevante no contexto no qual a percepção e a manifestação
ocorrem‖.
Sampieri, Collado e Lucio (2013, p. 520) entendem que nos deli-
neamentos fenomenológicos ―[...] o foco são as experiências individuais

294
subjetivas dos participantes‖, com o objetivo de ―[...] reconhecer as
percepções das pessoas e o significado de um fenômeno ou experiência‖.
Conforme Moustakas (1994), as evidências da pesquisa
fenomenológica derivam fundamentalmente dos relatos de experiência de
vida daqueles que vivenciaram um determinado fenômeno sendo que, de
acordo com os princípios fenomenológicos, a investigação científica é válida
quando o conhecimento almejado é obtido através de descrições que tornam
possível o entendimento dos significados e das essências da experiência. Nas
palavras de Giorgi e Sousa (2010, p. 75), a ―[...] fenomenologia propõem que
cada investigador possa analisar aquilo que surge à consciência, tal como
surge a esta‖.
Concordando com Moustakas (1994), Creswell (2014) afirma que
o estudo fenomenológico tem por objetivo descrever o significado comum
das experiências de um mesmo conceito ou fenômeno vivenciado por
diferentes indivíduos e, para tanto, deve focar na descrição do que todos os
participantes apresentam em comum quando experienciam o referido
fenômeno, objetivando descrever a essência da experiência para todos os que
participam da pesquisa.
Em síntese, observa-se que as diferentes visões e conceituações
sobre o que seja a fenomenologia são de alguma forma convergentes,
afirmando que para se realizar uma pesquisa em educação de alta precisão é
necessária a abordagem descritiva da essência do fenômeno a ser pesquisado,
sem que haja influência de elementos conceituais, ou pré-conceituais, que
obscureçam o conhecimento oculto por detrás das aparências.
Tendo aqui sido caracterizado os principais aspectos filosóficos e
metodológicos da fenomenologia, serão a seguir discutido os diferentes ele-
mentos e características da pesquisa fenomenológica propriamente dita,
facilitando desta forma a sua aplicação nos estudos em educação.

Elementos gerais da pesquisa fenomenológica husserliana

Como menciona Giorgi e Sousa (2010), ao se utilizar a


fenomenologia baseada nos pressupostos filosóficos de Husserl como
método de investigação, torna-se necessário fazer a distinção entre a
fenomenologia filosófica e a aplicada.
A fenomenologia filosófica fundamenta-se na intencionalidade da
consciência e permite ao investigador efetivar o processo das diferentes

295
reduções, quais sejam a eidética, a fenomenológica e a transcendental, para
assim alcançar a essência de um determinado fenômeno descrevendo-o
minuciosamente, sempre em busca dos conhecimentos apodíticos.
O método fenomenológico de investigação nas ciências humanas,
e consequentemente na educação, também se fundamenta no conceito de
intencionalidade, porém a ordem das diferentes etapas é diferente daquela
utilizada no método filosófico. Aqui o investigador inicia o estudo com a
descrição das experiências vividas por outros sujeitos para então proceder à
redução fenomenológica, por meio da suspensão da atitude natural com o
uso da epoché descrevendo, por fim, a essência do fenômeno em estudo,
através da variação imaginativa.
Moustakas (1994), objetivando facilitar a compreensão da
fenomenologia aplicada, destaca alguns elementos comuns aos diferentes
métodos de pesquisa em fenomenologia, caracterizados pela inten-
cionalidade, noema e noésis, epoché, redução fenomenológica e variação
imaginativa e a síntese dos significados e essências, os quais serão discutidos
a seguir.

Intencionalidade

Segundo Sokolowski (2014, p. 17), a doutrina nuclear da fenome-


nologia é o reconhecimento de que todos os atos da consciência e todas as
experiências são intencionais, sendo desta forma uma ―consciência de‖ ou
uma ―experiência de‖ algo ou de outrem.
Ressalte-se que o termo intencionalidade, tal como empregado na
fenomenologia husserliana, não deve ser confundido com ―intenção‖ no
sentido de um propósito que direciona uma ação, sendo este termo aplicado
à teoria do conhecimento e não à teoria da ação humana. Em
fenomenologia, ―intenção‖ significa a relação de consciência que se
estabelece com um determinado objeto (SOKOLOWSKI, 2014, p. 18).
A intencionalidade, conforme Sokolowski (2014, p. 21), desfaz a
noção tão arraigada na filosofia do assim denominado ―predicamento
egocêntrico‖, onde se considera a existência de um ―mundo intramental‖ e
um ―mundo extramental‖, separados em verdadeiros compartimentos
estanques, pois a mente e o mundo são correlatos entre sí, o que implica em
um sentido público do pensamento, do raciocínio e da percepção. Desta

296
forma, a fenomenologia demonstra que a mente é uma coisa pública, que
atua e se manifesta publicamente, não ficando restrita aos seus limites.
Husserl (1983, p. 198), ao comentar a questão da intencionalidade,
menciona ser ela ―[...] uma peculiaridade essencial da esfera dos processos
mentais [...]‖ e ―[...] caracteriza a consciência em seu sentido mais amplo e,
ao mesmo tempo, justifica designar a totalidade dos processos mentais como
a totalidade da consciência e como a unidade de uma consciência‖.
Ainda segundo Husserl (1983, p. 200), intencionalidade implica
em se estar consciente de alguma coisa, explicitando assim o cogito, pois ―[...]
a percepção é a percepção de alguma coisa, talvez algo físico; um julgamento
é o julgamento de um complexo predicativo, é o valorizar de um complexo
predicativo, é o desejar de um complexo predicativo, e assim por diante.‖
Para Husserl, portanto, a intencionalidade, ou a visada de um ob-
jeto, é a marca fundamental da consciência, constituindo-a e determinando
como se dá a relação entre o sujeito e objeto.
Como menciona Dartigues (2013, p 23), a partir das ideias de
Husserl, consciência e objeto não são duas entidades separadas, pois estão
correlacionadas, podendo se dizer que a consciência é sempre ―objeto para a
consciência‖, de tal sorte que fora desta correlação não haveria nem
consciência nem objeto. Efetivamente, a consciência é sempre consciência de
alguma coisa, que não existe senão a partir da própria consciência. A
fenomenologia procura, portanto, elucidar a essência da correlação existente
entre a consciência e o mundo.
A intencionalidade, desta forma, é o elemento central da fenome-
nologia, manifesta sob a forma da consciência e caracterizando o ato de
estar-se atento a alguma coisa ou direcionar-se para algo.
Dartigues (2013, p. 22) ressalta que um determinado objeto somen-
te possui o seu sentido como objeto para uma determinada consciência,
sendo que a sua essência é sempre uma visada de significação, sem a qual
não se pode falar do objeto e tampouco da sua essência. Dito de outra forma,
as coisas aparecem ao homem através da maneira como o homem toma
consciência delas.
As essências, desta forma, não possuem existência alguma fora do
ato da consciência, que é o que lhes dá sentido. O objeto, que é sempre
objeto-para-uma-consciência, desta forma, é sempre um objeto-percebido ou
objeto-pensado, rememorado ou imaginado, não sendo jamais um objeto em
sí.

297
Conforme menciona Bicudo (2000, p. 72), ―[...] a pedra angular da
fenomenologia é a intencionalidade, e a atitude dela decorrente não é mais a
natural, porém a fenomenológica‖. Esta autora esclarece que a atitude dita
natural concebe as coisas como conteúdos distintos dos fenômenos e mani-
festações sendo, portanto, norteada pelo positivismo.
Para Moustakas (1994, p. 68), a intencionalidade no sentido hus-
serliano se refere a experiência interna de se estar consciente de alguma coi-
sa, o que faz com que o ato da consciência e o objeto da consciência estejam
intencionalmente relacionados, de tal sorte que o sí-mesmo e o mundo são
componentes inseparáveis da significação. A intencionalidade possibilita ao
fenômeno, desta forma, manifestar-se na consciência para dela fazer parte.
A intencionalidade, porém, não é uma estrutura única. Sokolowski
(2014) menciona a existência de diferentes intencionalidades para diferentes
objetos, sendo ela portanto altamente diferenciada e específica.
Em síntese, a intencionalidade em Husserl pode, de uma forma
mais ampla, ser entendida como a experiência interna de se tornar conscien-
te de alguma coisa.

Noema e Noésis

A intencionalidade depende de outros dois conceitos


fenomenológicos basilares desenvolvidos por Husserl e que estabelecem uma
correlação entre consciência e objeto, a saber: noema e noésis.
Sokolowski (2014, p. 69), menciona que os termos ―[...] noésis e
noema foram ambos cunhados na fenomenologia, e que têm a mesma raiz
grega, o verbo noein, que significa pensar, considerar, perceber. O termo
grego noésis significa um ato de pensamento e o termo noema significa aquilo
que é pensado. Em grego o sufixo -ma acrescentado a um verbo significa
reter o resultado ou o efeito da ação expressa no verbo‖, de tal forma que
―[...] o termo noema, então, compreende a coisa sendo pensada ou a coisa de
que estamos conscientes‖.
Toda a intenção é composta de noema e noésis. Segundo Moustakas
(1994, p. 68), a intencionalidade dirige a consciência em direção a alguma
coisa, seja ela real ou imaginária, sendo a sua fundamentação constituída
por noema e noésis.
O sentido filosófico de noema na terminologia husserliana, con-
forme Abbagnano (2007, p. 713), se refere ao ―[...] aspecto objetivo da

298
vivência, ou seja, o objeto considerado pela reflexão em seus diversos modos
de ser dado, como por exemplo o percebido, o recordado, o imaginado‖.
Para Sokolowski (2014, p. 68), ―[...] noema se refere aos correlatos
objetivos da intencionalidade; refere-se a tudo o que é intencionado pelas
intenções de nossa atitude natural: um objeto material, um retrato, uma
palavra, uma entidade matemática, outra pessoa‖.
O Noema, portanto, é distinto do próprio objeto, que é a coisa, cor-
respondendo ao objeto visado pela consciência, atribuindo um significado a
ele, sendo o que efetivamente se percebe de um determinado objeto. É o
aspecto objetivo, porém elaborado a partir dos dados dos sentidos, da
experiência vivida. Dito de outra forma noema, ao perceber, é a percepção do
significado ou do que é percebido como tal; ao se lembrar, a lembrança co-
mo tal; ao julgar, o julgamento como tal (MOUSTAKAS, 1994, p. 69).
Um exemplo ilustrativo sobre noema: o objeto de percepção de
uma árvore é a árvore, mas o noema desta percepção é o conjunto dos
atributos e dos modos como a experiência com a árvore ocorre, tais como
árvore velha, verde, lembrada, percebida, entre outras possibilidades.
Segundo Missaggia (2015, p. 128), ―[...] noema é o objeto colocado
entre parênteses, pela redução fenomenológica, ao qual corresponde ao obje-
to efetivo do mundo, mas enquanto intencionado na consciência transcen-
dental‖, de tal sorte que ―[...] noema e o objeto no mundo são uma e a mes-
ma entidade, com a diferença que noema é uma entidade abstrata‖.
Noésis, na terminologia de Husserl, segundo Abbagnano, (2007, p.
713), é o ―[...] aspecto subjetivo da vivência, constituído por todos os atos de
compreensão que visam a apreender o objeto, tais como perceber, lembrar,
imaginar, entre outros‖. Todas estas ações estão impregnadas de significa-
dos, os quais se mantêm ocultos à consciência e, portanto, devem ser desve-
lados pelo processo de redução.
Sokolowski (2014, p. 69), considera noésis ―[...] relacionada aos a-
tos intencionais por meio dos quais intencionamos as coisas: as percepções,
os atos significantes, as intenções vazias, as intenções cheias, os juízos, as
recordações‖.
Noésis é, efetivamente, a atividade da consciência, o ato de perce-
ber e se conscientizar de um determinado objeto, pois traz a consciência de
alguma coisa para dentro do ser que observa, tal como as características de
cor, formato, tamanho, odor, temperatura, entre outras.

299
Em termos de intencionalidade, pode-se dizer que o objeto conhe-
cido é noema, e a consciência deste conhecimento é noésis.
Em síntese, como explica Moustakas (1994, p. 29), noema é o que
―se percebe como tal‖, explicando e desvelando o que se apresenta à consci-
ência, enquanto a ―perfeita autoevidência‖ é noésis, onde ocorre a explicação
dos processos intencionais propriamente ditos, sendo que a relação entre
ambos constitui a intencionalidade da consciência, de tal sorte que para cada
noema existe uma noésis e para cada noésis existe uma noema.

Epoché

Para Creswell (2014, p. 75), epoché significa o ato do investigador co-


locar de lado as suas experiências, para que assim seja possível assumir uma
nova perspectiva do fenômeno que se almeja estudar. Como diz Peoples
(2020, p. 30), aplicar a epoché é como ser um estranho em uma terra estranha:
tudo é novo, tudo é inédito.
Conforme afirma Sokolowski (2014, p. 58), o termo epoché ―[...] foi
tomado do ceticismo grego, em que significa a retenção que o cético dizia
que deveríamos ter com respeito aos nossos juízos sobre as coisas; eles
diziam que deveríamos reter o juízo até que a evidência fosse clara‖. Ainda
segundo este autor, a implicação cética de epoché, na fenomenologia, não é
preservada, pois a epoché fenomenológica é ―[...] simplesmente a
neutralização das intenções naturais que deve ocorrer quando contemplamos
estas intenções‖.
Epoché foi empregado por Husserl (1983, p. 61) para indicar a capa-
cidade de manter o investigador livre de eventuais suposições em relação ao
objeto de estudo, de tal sorte que o exercício da epoché fenomenológica pro-
cura eliminar qualquer possibilidade de se exercer um julgamento ou de se
elaborar um juízo prévio em relação ao ser factual espaço-temporal. Desta
forma, é possível obter uma precisão investigativa muito maior, pois atinge-
se a essência do fenômeno.
Husserl (1983, p. 60) propõem que tal estado de abstenção, caracte-
rizado pela epoché, seja atingido com o mundo sendo colocado ―entre parên-
tesis‖, possibilitando assim que este mesmo mundo seja posto fora de ação,
sendo expurgado de pensamentos ordinários para que assim possa ser obser-
vado pela consciência purificada como um fenômeno do qual se possa abs-
trair o conhecimento, sem interferências ou contaminações.

300
Considerando a característica única da fenomenologia em isolar o
fenômeno dos elementos que possam obscurecer a sua essência, evitando
assim as influências das atitudes ditas naturais ou do senso comum, preconi-
za-se o uso da epoché. Bicudo (1999, p. 22) afirma que ―[...] a fenomenologia
não é uma ciência como a natural e humana, que procede de modo ingênuo
com respeito ao seu ponto de partida e à aceitação das suas afirmações justi-
ficadas no empiricamente comprovado‖. A respeito do mundo natural e da
atitude natural, Moreira (2004) traz os seguintes esclarecimentos:
Sintetizando as ideias de Husserl, Moustakas (1994, p. 73) explica
que a epoché implica na capacidade em evitar pré-julgamentos, vieses ou
ideias pré-concebidas a respeito das coisas, podendo assim se atingir um
estado de maior pureza de percepção do fenômeno em análise.
A partir do conceito da epoché fenomenológica, entende-se melhor o
porquê desta fenomenologia ser chamada de transcendental, pois como a-
firma Moustakas (1994, p. 33) isto significa que ―[...] tudo passa a ser perce-
bido como algo novo, como se fosse uma primeira vez [...]‖. Epoché é,
portanto, transcender as limitações restritivas impostas por um mundo de
ideias pré-concebidas, objetivando assim atingir um patamar de conhecimen-
to que está além das aparências ilusórias impostas pelo pensamento humano
e que se caracteriza pela própria essência das coisas.
Enfim, epoché implica em se livrar das pesadas amarras dos conhe-
cimentos pretéritos, possibilitando ao inquiridor um novo olhar, desvincula-
do de conceitos ou preconceitos sobre o fenômeno de interesse, permitindo
assim manter um maior rigor científico.

Redução Fenomenológica

O que a fenomenologia busca é a análise rigorosa de todas as afir-


mações para que possam ser adequadamente justificadas, utilizando-se para
isto da redução fenomenológica, ou seja, a redução dos dados empíricos a
um nível fenomenológico, o que é propiciado pela utilização da epoché. Con-
forme menciona Dartigues (2013, p .24), ―[...] a análise intencional conduz à
redução fenomenológica ou colocação entre parênteses da realidade tal
como a concebe o senso comum, isto é, como existindo em sí,
independentemente de todo ato da consciência‖.
Conforme Marconi e Lakatos (2017, p. 312), ―[...] na redução
fenomenológica, restringe-se o conhecimento ao fenômeno da experiência de

301
consciência e, nesse caso, o mundo real é posto entre parênteses, pois que
tudo o que é objeto de nossa experiência sensorial é mudado em experiência
de consciência. A realidade passa a ser experiência de consciência‖.
A respeito da origem do termo redução, Sokolowski (2014, p. 58),
menciona que esta palavra, ―[...] com a raiz latina re-ducere, é um conduzir
de volta, uma retenção ou um retraimento. Quando entramos neste novo
ponto de vista, suspendemos as intencionalidades que agora contemplamos.
Esta suspensão, esta neutralização de nossas modalidades dóxicas, e também
chamada epoché [...].
O método sobre o qual se assenta a redução fenomenológica é
referido por Moustakas (1994, p. 77) como sendo ―[...] a tarefa de descrever
em linguagem textual o que alguém observa, não somente do ponto de vista
do objeto externo mas também os atos da consciência em relação a este
objeto, a experiência em sí, o ritmo e a relação entre o fenômeno e o self. As
qualidades da experiência passam, assim, a se tornarem o foco da atenção.‖
Dito de outra forma, é uma reflexão do pesquisador sobre o ato em sí mes-
mo, em vez de uma reflexão sobre o objeto, pois o próprio objeto foi posto
entre parênteses pela epoché.
Ainda caracterizando o método para redução dos dados empíricos
em fenomenológicos, Moustakas (1994, p. 77) afirma que ―[...] a redução
fenomenológica é transcendental porque ela desvela o ego, para o qual tudo
possui um significado; é fenomenológica porque o mundo é transformado
em meros fenômenos; é reducional porque nos conduz de volta a nossa pró-
pria experiência sobre como as coisas de fato são‖.
Giorgi e Sousa (2010, p. 76) lembra que, apesar de Husserl enfati-
zar a aplicação radical da redução transcendental no sentido filosófico em
busca de uma consciência pura, tal abordagem está fora de consideração na
fenomenologia aplicada devendo, entretanto, a redução ser aplicada da
melhor forma possível pelo investigador.
Cabe mencionar que o uso obrigatório da epoché e da redução no
processo de investigação fenomenológica não é um consenso. Zahavi (2019)
considera, a partir da análise das ideias de Husserl, que a epoché e a redução
são essenciais para a prática filosófica da fenomenologia transcendental,
sendo porém questionável a sua relevância na fenomenologia aplicada ou
não filosófica. Ainda assim, para autores tais como Colaizzi (1978),
Moustakas (1994) e Giorgi e Sousa (2010), o processo de redução e epoché

302
são fundamentais dentro do processo de análise fenomenológica, não sendo
recomendável prescindir dos mesmos.

Variação Imaginativa ou Redução Eidética

Segundo Marconi e Lakatos (2017, p. 312), ―[...] pela redução


eidética temos uma redução do objeto da percepção à ideia, o que leva a
abstração dos acidentes e à intuição das essências‖. Desta forma, como
afirma Sokolowski (2014, p. 189), é possível intuir a essência das coisas a
partir das ideias ou formas abstratas, porque se refere a posse de um eidos ou
de uma forma, o que é denominado intuição eidética. Esta intuição é um
tipo especial de intencionalidade com uma estrutura que lhe é própria e,
como ocorre com todas as intencionalidades, a intuição eidética é uma
síntese de identidade, permitindo reconhecê-la dentro da multiplicidade de
manifestações. Para que a redução eidética possa se efetivar.
Para Moustakas (1994, p. 97), a variação livre ou imaginativa
procura possíveis significados através do uso da imaginação por meio da
mudança dos contextos de referência, empregando polaridades e inversões
para assim aproximar-se do fenômeno por meio de perspectivas divergentes e
de posições, papeis ou funções diferentes, objetivando assim chegar a uma
descrição estrutural da experiência a partir dos fatores responsáveis pelo que
está sendo experienciado, ou seja, tenta-se esclarecer como a experiência do
fenômeno veio a se tornar o que ela é. Segundo este autor, descrever as
estruturas essenciais do fenômeno é a principal tarefa da variação
imaginativa.
Conforme afirmam Giorgi e Sousa (2010, p. 77), o que se faz na
variação imaginativa é ―[...] procurar a essência do fenômeno, ou seja, a
estrutura de significado psicológico, a síntese do sentido da experiência
vivida pelos vários sujeitos que participaram na investigação [...]‖, sendo que
―[...] o que conta para a generalização dos resultados finais da investigação é
o número de vezes que o fenômeno, o objeto de estudo da pesquisa, se repete
ao longo dos protocolos da investigação, não o número de sujeitos que
participaram na mesma‖.
Desta forma, pensando em termos da fenomenologia aplicada, a
análise eidética ou da essência das coisas, também denominada variação
imaginativa, procura atingir a essência do fenômeno utilizando-se do livre

303
recurso imaginativo para intuir os aspectos essenciais contidos nas falas dos
sujeitos.

Síntese dos Significados e Essências

Segundo Giorgi e Sousa (2010, p. 77), ―[...] após assumir a atitude


de redução fenomenológica, o investigador centra-se no objeto de estudo
cuja essência, a síntese de significado psicológico, deve ser determinada‖.
Para isso, o que conta para a generalização dos resultados finais da
investigação é o número de vezes que o fenômeno se repete ao longo das
falas registradas nos protocolos.
Conforme Moustakas (1994, p. 100), na derradeira etapa da síntese
dos significados e essências, é feita a integração intuitiva das descrições
estruturais e textuais fundamentais, objetivando demonstrar a essência das
experiências comuns aos diferentes participantes da pesquisa.
Marconi e Lakatos (2017, p. 312), lembram que a fenomenologia
faz o resgate dos significados que os sujeitos atribuem a um determinado
fenômeno, tendo por objetivo descrever e entender o fenômeno com base no
ponto de vista de cada participante e da perspectiva que se constrói
coletivamente, caracterizando uma síntese de significados.
Esta etapa final da pesquisa elimina a possibilidade da fenomeno-
logia ser entendida e criticada como a prática de um subjetivismo pleno, pois
como afirma Bicudo (2000, p. 73), ―[...] o modo pelo qual entendemos a
percepção e as modalidades de explicitação que a manifestam nos conduzem
ao conhecimento intersubjetivo e a uma objetividade possível, os quais são
tramados por uma rede de compreensão e de manifestações expressas por
meio da linguagem‖.
Nesta etapa do estudo fenomenológico, o pesquisador deve
vislumbrar, nas palavras de Polkinghorne (1989, p. 46), ―[...] uma acurada,
clara e articulada descrição de uma experiência. O leitor da pesquisa deve ter
o seguinte sentimento: Eu entendo melhor como é para alguém experimentar
isso‖.
Existem diversas e diferentes metodologias de investigação feno-
menológica aplicáveis à educação, todas compartilhando elementos comuns
entre sí em sua estrutura investigativa. Destacamos e apresentamos aqui,
pela sua clareza e objetividade na aplicação, três metodologias, quais sejam a

304
de van Kaam adaptada por Moustakas (1994), Colaizzi (1978) e a de Giorgi
(1985).

Metodologia de van Kaam (1959), conforme adaptada por Moustakas


(1994)

Esta metodologia deve ser aplicada individualmente a cada um


dos participantes da pesquisa até a sua 7ª etapa, procurando sempre manter a
integridade da voz de cada um dos participantes, sendo que a 8ª e última
etapa consiste no amálgama das experiências comuns a todos os participan-
tes. Esta abordagem fenomenológica, em decorrência da profundidade do
envolvimento entre o pesquisador e as experiências descritas, possibilita uma
verdadeira imersão metacognitiva nas falas transcritas, possibilitando meta-
cognitivamente olhar através dos olhos de quem relata as vivências. As eta-
pas desta metodologia são as seguintes:
1ª) Horizontalização. A partir da transcrição ipsis litteris de cada um
dos discursos e permanecendo absolutamente fiel às falas dos participantes, é
feita a leitura exaustiva de cada um dos discursos transcritos. Nesta etapa, o
pesquisador procura atribuir o mesmo valor à todas as experiências vividas e
descritas pelos participantes. É feita uma lista com todas as expressões
relevantes do fenômeno vivenciado pelo participante, ou horizontes, o que é
denominado horizontalização.
2ª) Redução e eliminação. Procura-se determinar os constituintes
invariantes ou horizontes, que podem ser entendidos como os elementos que
mais fidedignamente refletem a experiência individual em relação ao fenô-
meno estudado, indicando as qualidades únicas da experiência que se so-
bressaem. Para cada participante, é feita a leitura repetitiva da sua transcri-
ção e a eliminação das sentenças que não respondem à questão guia,
possibilitando a redução. Nesta etapa, é necessário testar cada expressão
significativa respondendo a duas questões: A expressão selecionada contém
um aspecto da experiência que é um constituinte necessário e suficiente para
entendê-la? É possível abstrair e rotular esta experiência, reduzindo ela ao
seu significado latente? Caso as respostas sejam afirmativas, trata-se de um
horizonte da experiência, sendo que as expressões que não se enquadram
nesta exigência devem ser eliminadas. Expressões sobrepostas, repetitivas e
vagas também devem ser eliminadas ou apresentadas em termos descritivos
mais exatos. Os horizontes que permanecem são as unidades de significado

305
da experiência, também denominados de constituintes invariantes da
experiência.
3ª) Agrupamento e tematização dos constituintes invariantes. Os consti-
tuintes invariantes relacionados a um determinado rótulo temático do parti-
cipante são agrupados, constituindo os núcleos temáticos da experiência.
4ª) Validação. Esta etapa objetiva garantir que os temas sejam re-
presentativos da experiência dos participantes. É realizada a análise dos
temas em relação aos dados coletados, sendo feita a identificação final dos
constituintes invariantes e dos temas. Para garantir a exatidão da pesquisa,
procura-se responder às seguintes questões: As invariantes constituintes são
clara e inequivocamente expressas na transcrição completa da fala do
participante da pesquisa? As invariantes constituintes, caso não sejam clara-
mente expressas, são compatíveis? Se as invariantes constituintes não são
explícitas nem compatíveis, elas não são relevantes para a experiência do
participante da pesquisa e devem ser eliminadas.
5ª) Descrição textual individual. Nesta etapa, usando os invariantes
constituintes relevantes e validadas, bem como os seus temas, constrói-se
para cada um dos participantes da pesquisa uma descrição textual individual
sobre como é percebida a experiência em questão, incluindo exemplos
literais da transcrição da entrevista, pois como refere Moustakas (1994), é
recomendável que as próprias palavras do participante sejam utilizadas, para
assim melhor transmitir a percepção sobre o fenômeno investigado. Neste
momento do estudo fenomenológico transcendental interessa descrever ―o
que” está sendo vivenciado, ou seja, é a busca do noema.
6º) Descrição estrutural individual. A descrição estrutural individual,
feita nesta etapa, promove um relato vívido da dinâmica que subsidia a expe-
riência, bem como dos temas e qualidades que explicam como os sentimen-
tos e pensamentos do participante justificam a sua vivência do fenômeno em
questão. As estruturas são descritas através da variação imaginativa, da re-
flexão e da análise, procurando ir além das aparências em busca dos signifi-
cados reais e essências da experiência. Nesta etapa, a ênfase é descrever “co-
mo‖ os participantes tiveram as suas vivências, considerando as situações,
condições e contexto em que estão imersos. É a busca da noésis.
7ª) Descrição textual-estrutural individual. Nesta etapa, para cada um
dos participantes, é construída uma descrição estrutural-textual dos
significados e essências da experiência, incorporando os constituintes
invariantes e os temas individuais.

306
8ª) Descrição composta dos significados e essências do grupo. Na etapa fi-
nal é realizada um amálgama das descrições textuais – estruturais individu-
ais, promovendo a síntese dos significados e essências da experiência a partir
dos aspectos do fenômeno que são universais a todos os participantes de-
monstrando a essência, ou estrutura essencial invariante, do fenômeno em
estudo. A essência deve demonstrar que a estrutura subjacente a todas as
experiências individuais é a mesma. Nesta última etapa o pesquisador deve
vislumbrar, nas palavras de Polkinghorne (1989, p. 46), ―[...] uma acurada,
clara e articulada descrição de uma experiência. O leitor da pesquisa deve ter
o seguinte sentimento: Eu entendo melhor como é para alguém experimentar
isso‖.

Metodologia de Colaizzi (1978)

Colaizzi, que foi largamente influenciado pela fenomenologia des-


critiva de Husserl (WIHIRANA, 2018), desenvolveu uma metodologia fe-
nomenológica investigativa composta por sete etapas para a análise dos da-
dos, objetivando descobrir as estruturas fundamentais da experiência. Dife-
rentemente das outras metodologias de análise fenomenológica, Colaizzi
sugere que ao final da pesquisa os dados sejam apresentados aos participan-
tes, para que desta forma seja possível validar os resultados obtidos, aumen-
tando assim a sua acurácia e credibilidade. As etapas do método são:
1ª) Familiarização. O pesquisador deverá ler e reler as transcrições,
para adquirir o sentido do discurso dos participantes, podendo assim se fami-
liarizar com os dados através da leitura repetitiva de todas as transcrições.
2ª) Identificação das declarações significativas. O pesquisador irá extra-
ir, a partir dos discursos transcritos, todas as declarações que se demonstrem
significativas por estarem relacionadas ao fenômeno em estudo.
3ª) Formulação dos significados. A partir das declarações significati-
vas o pesquisador irá identificar os significados relevantes ao fenômeno após
uma cuidados análise das declarações significativas, fazendo largamente
para isto o uso da epoché.
4ª) Agrupamento dos temas. O pesquisador irá agregar os significados
identificados em temas comuns a todas as declarações e estas, por sua vez,
serão agregadas em temas emergentes. Novamente, o pesquisador deverá
usar a epoché para evitar a influência de qualquer teoria existente sobre o
assunto.

307
5ª) Desenvolvimento de uma descrição exaustiva. Nesta etapa é realiza-
da uma descrição exaustiva do fenômeno investigado, incorporando todos os
temas produzidos na etapa 4.
6ª) Elaboração da estrutura fundamental. O pesquisador deverá con-
densar a descrição exaustiva em um texto mais denso e curto onde sejam
alocados os aspectos essenciais à estruturo do fenômeno em estudo.
7ª) Validação da estrutura fundamental. Os achados do estudo devem
ser validados através do feedback dos participantes, apresentando a eles os
resultados obtidos. O que se pretende nesta etapa é saber se os resultados
capturam efetivamente a experiência dos que dela participaram. Eventual-
mente etapas pregressas podem ser modificadas em seu processo de análise,
na dependência deste feedback.

Metodologia de Giorgi (1985)

O método de análise fenomenológica desenvolvido por Giorgi, por


sua vez, apresenta quatro etapas. Devido a sua simplicidade e objetividade, é
muito utilizada nas pesquisas fenomenológicos em educação e na psicologia.
As etapas desta metodologia são as seguintes:
1ª) Estabelecer o sentido geral. Estando o pesquisador em atitude de
redução fenomenológica, é feita a leitura repetitiva das falas transcritas ver-
batim, objetivando a familiaridade do pesquisador com os discursos dos
participantes, para que se possa obter o sentido do todo.
2ª) Divisão das unidades de significado. Depois de apreendido o senti-
do geral dos diferentes discursos dos participantes da pesquisa, o pesquisador
retoma a leitura de cada uma das transcrições, com o objetivo de dividi-las
em partes menores que correspondem às unidades de significado, diretamen-
te relacionadas ao fenômeno pesquisado.
3ª) Transformação das unidades de significado. Nesta etapa, é realizada
a transformação das expressões cotidianas do participante, contidas nas uni-
dades de significado. Para isto, é feita a transformação das expressões em
linguagem cotidiana do sujeito, contidas nas unidades de significado, para a
linguagem do fenômeno pesquisado. Como as descrições dos participantes
podem expressar difusamente múltiplas realidades, a transformação das
expressões significativas, fazendo uso do português formal, é importante,
pois as torna mais precisas e iluminadas pela perspectiva fenomenológica em
relação ao fenômeno em estudo (FRANÇA, 1989, p. 41).

308
4ª) Determinação da estrutura geral dos significados. Com o uso exten-
sivo da variação imaginativa, as unidades de significado são sintetizadas e
transformadas em uma estrutura descritiva geral sobre o fenômeno em estu-
do.

Conclusão

Os diferentes métodos de pesquisa fenomenológica desenvolvidos


a partir das ideias originais de Husserl possuem muitos elementos comuns
entre sí, mas todos pretendem atingir a um mesmo objetivo: descrever a
essência das vivências subjacente aos fenômenos que se propõem analisar. O
elemento investigativo central da análise fenomenológica é o reconhecimen-
to das unidades de significado presentes nos discursos transcritos. Apesar da
sua acurácia descritiva, é importante que o pesquisador considere sempre as
limitações inerentes à pesquisa fenomenológica.
Como adverte Graças (2000, p. 32), o método fenomenológico, ao
analisar um discurso, está lidando com um momento existencial específico, o
que não impede que outras evidências venham a surgir, pois a sua totalidade
é inesgotável. Ainda assim, no contexto das pesquisas descritivas, notada-
mente àquelas aplicadas à educação, o emprego correto da fenomenologia
empírica assegura precisão e qualidade nas análises realizadas, possibilitando
o desvelar das essências pertinentes aos fenômenos relacionados aos proces-
sos de ensino e aprendizagem.

309
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311
FORMAÇÃO DO EDUCADOR DE EJA NA
DIVERSIDADE DE ESPAÇOS ESCOLARES
E SOCIAIS

Chavelli Dominique Luiz Machado


Cleber Lopes
Sandra Maria Ferreira Jeremias
Simone Schermak das Neves

Introdução
A temática de formação inicial e continuada de professores da Edu-
cação de Jovens e Adultos (EJA) é de extrema relevância no contexto educa-
cional. A atuação do professor da EJA implica se defrontar com a diversida-
de de sujeitos que compõem essa modalidade de ensino e na especificidade
da atuação do profissional que irá atuar com esse público.
A oferta de formação inicial de professores para atuar na EJA ainda
apresenta fragilidades, além da pouca oferta e procura. Para atuar nessa
modalidade de ensino, o professor precisa de uma especificidade para se

312
relacionar com os educandos-trabalhadores, sendo necessária uma escuta
ativa e sensível, e um olhar atento às realidades dos sujeitos que ali estão,
para que tais realidades sejam incorporadas nos currículos e conteúdos, a fim
de tornarem a Educação de Jovens e Adultos significativa e de pertencimen-
to aos sujeitos que nela estão inseridos.
A formação docente ocorre ao longo de toda a prática do professor e
vai além da formação inicial ofertada na universidade. O professor atuante
da EJA precisa estar em constante qualificação, desenvolvendo sua prática
pedagógica, atendendo às especificidades e peculiaridades que essa modali-
dade de ensino requer pois a prática docente necessita de adequações e estra-
tégias de aproximação com os educandos, com vista a estimulá-los a conti-
nuar em seu processo de escolarização. Freire (2011) afirma que (...), nos
tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais
complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar
a ela. (FREIRE, 2011, p. 75).
As relações entre os sujeitos da Educação nesse nível de ensino deve
ser pautada, principalmente, no diálogo que permita a aproximação desses
sujeitos, o conhecimento das realidades e necessidades que trazem, permi-
tindo acolhimento aos educandos. Desse modo o professor deve ter disponi-
bilidade às mudanças e às novas possibilidades, desenvolvendo sua prática
pedagógica de forma dialógica, crítica e transformadora.
Os percursos que os professores da EJA trilham durante o desenvol-
vimento de sua prática docente, os constituem. A formação e a aprendiza-
gem devem ser para toda a vida, pois, enquanto atuamos, estamos em mo-
vimento e o movimento requer desacomodação e transformação. Os cami-
nhos que cada docente trilha durante sua formação compõem sua identida-
de, dão sentido à sua prática, suas ideologias, seus saberes e suas competên-
cias e habilidades.
A educação é um processo permanente, que exige comprometimen-
to e busca constante do conhecimento, e ensinar na EJA requer desse profis-
sional a qualificação específica de sua prática pedagógica para atender aos
sujeitos em seus aspectos históricos, sociais e culturais, inserindo na prática
questões da realidade e do cotidiano dos educandos.
A formação inicial e continuada não pode ser pontual, pois a Edu-
cação de Jovens e Adultos deve ser contemplada nos currículos das universi-
dades, não apenas através de estágios obrigatórios, mas também como uma

313
modalidade de ensino necessária e importante, que ajude a formar profissio-
nais que atendam às demandas que o nível de ensino requer.
A formação de professores é um processo contínuo e ocorre através
das relações que vão se constituindo durante a vida pessoal e profissional e
as interações estabelecidas. Segundo Moura (2009),

[...] faz-se necessário, nesse percurso formativo, a intervenção de mediações


competentes e institucionais de profissionais que possam sistematizar os conhe-
cimentos, as habilidades e as experiências acumulados historicamente pela
humanidade, de forma a que os jovens e adultos alunos trabalhadores possam
se apropriar e fazer uso dos saberes sistematizados em suas práticas de letra-
mentos cotidianas. (MOURA, 2009, p.49).

Sob essa perspectiva o objetivo deste estudo consiste em discutir a


profissionalização dos docentes que atuam na Educação de Jovens e Adul-
tos, estimulando a buscar formação continuada para o desenvolvimento de
sua prática nessa modalidade de ensino e apresentar aos educadores os Obje-
tivos Digitais de Aprendizagem (ODA), que foram utilizados durante os
encontros da disciplina.

Metodologia da pesquisa

A metodologia utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa tem


natureza qualitativa e bibliográfica, além da revisão de literatura dentro da
temática, utilizando-se do software Sobek, com vista a sistematizar os concei-
tos abordados pelos autores dos textos, utilizados na disciplina de Formação
do educador em EJA, como premissa para ampliar a discussão sobre a ne-
cessidade formativa desse profissional . A cada leitura foram identificados
conceitos indicados pelos autores, o que permitiu a reflexão acerca da reali-
dade vivida pelas participantes.
No quadro a seguir estão apresentados os autores dos textos abor-
dados na disciplina, os quais contribuíram para a discussão teórica acerca do
tema proposto.

314
QUADRO I – CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DOS AUTORES DOS
TEXTOS LIDOS AO LONGO DA DISCIPLINA FORMAÇÃO DO
EDUCADOR DE JOVENS E ADULTOS

AUTOR CONTRIBUIÇÕES

Arroyo (2017) Dever político profissional; hegemonia dos direitos humanos incontestáveis;
pensamento social e político; reconhecer a educação enquanto direito.

Barcelos Dívida social; desigualdade educacional na formação do trabalhador e a


(2010) educação geral; crítica à forma que o currículo da EJA está posto, dissociado
da prática; confrontos interculturais; falta de diálogos e muitas disputas (p.
26); lacunas na formação inicial de professores e professoras para atuarem na
EJA; afetividade.

Freire (1997) Autonomia pedagógica resultante da construção a partir do diálogo; não


ensinar apenas o conteúdo, mas também a pensar certo; sujeito histórico com
vida e inacabamento; ensinar não é transferir conhecimento; respeito aos
saberes dos educandos; processo de mudança possível.

Freire (1979) Responsabilidade histórica; sujeito inacabado, mas em construção; reprodu-


ção dos papéis; desalienação; libertar-se da neutralidade; desenvolver a critici-
dade.

Freire (1997) Educação problematizadora que induz ao diálogo e à reflexão sobre a prática;
conscientização e politização de estudantes e professores na abordagem dos
conteúdos curriculares concepção bancária; estímulo à liberdade de expressão
e opinião; refletir sobre a sociedade opressora; educação libertadora ocorre por
meio da dialogicidade.

Moura, (2009) Política de formação de professores da EJA, desenvolvidas através de profes-


sores improvisados, temporários e selecionados através de injunções políticas
paternalistas e eleitoreiras; omissão das universidades em relação a cursos de
formação na área da EJA; cursos aligeirados oferecidos a professores que não
suprem a necessidade de formação, que embasa a EJA dentro da LDBEN
9394/96.

Paiva (2012) Professores como protagonistas refletem sobre a noção de redes e a forma
epistêmica e metodológica de produzirem conhecimento ao longo da vida,
explicando como acontece tal fenômeno; educador popular.

Vargas e Ausência de reflexão, nas licenciaturas, em relação à formação docente crítica


Fantinato, na EJA; necessidade de atualização constante do conhecimento dos profissi-
(2011) onais; preocupação com a formação aligeirada, voluntariada ou idealista;
diálogo entre os diversos atores envolvidos, sejam estes gestores, educadores
ou educandos.

315
Vieira (2006) Compreensão dos legados da educação popular através das experiências
profissionais, analisando suas trajetórias profissionais por meio das narrativas
de educadores, suas histórias, vivências e trajetórias marcadas por militância
política e pedagógica; memória individual e coletiva (como elemento que
constitui a identidade docente); dicotomização corpo e mente, teoria e prática,
em um processo de reeducação; a Educação de Jovens e Adultos e a supera-
ção de discriminações e exclusões; o legado de Freire; a ação educativa pauta-
da no diálogo, respeito ao saber popular e o direito a todos os sujeitos à uma
educação de qualidade.

Fonte: JEREMIAS et al (2021).

Ao analisar o texto de Arroyo (2017), intitulado ―Identidades edu-


cadoras reinventadas", discute-se que, diante das tensões sociais, a identida-
de docente também se reinventa. O autor destaca, com base em Freire (a-
no?), a importância de se trabalhar com palavras geradoras que tenham sig-
nificação aos estudantes da Educação de Jovens Adultos, ressaltando o dever
político profissional de educadores (as) no reconhecimento da educação,
enquanto direito social de todos.
Barcelos (2010), na obra ―Educação de Jovens e Adultos - Currículo
e Práticas Pedagógicas‖, ressalta sobre a dívida social para com os educan-
dos da EJA que trazem históricos que denunciam a desigualdade educacio-
nal entre a formação do trabalhador e a geral, criticando a forma que o currí-
culo da daquele está posto, dissociado da prática, apontando lacunas na
formação inicial de professores e professoras para atuarem nessa modalida-
de.
Os dois livros discutidos na disciplina, Conscientização: teoria e prática
da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire (1979) e Pedagogia do
Oprimido (1997), ambos de Freire, reforçam a necessidade de se estabelecer
diálogos na horizontalidade, respeitando os saberes que os educandos trazem
e sua historicidade.
As obras conduzem ao entendimento de que somos seres inacaba-
dos, que precisam buscar constantemente a formação, remetendo à ideia de
que ensinar não é transferir conhecimento. Freire (ano?) aponta que os pro-
cessos de mudança são possíveis quando se desenvolve a criticidade a partir
de uma educação libertadora, advinda de problematização, diálogo e refle-
xão sobre a prática, afirmando, por fim, que a educação como prática pro-
blematizadora e, ao mesmo tempo, libertadora, conduz à autonomia.
Moura (2009), em seu estudo intitulado ―Formação de Educadores
de Jovens e Adultos: realidade, desafios e perspectivas atuais‖, discute sobre

316
a prática pedagógica nessa modalidade de ensino e estabelece uma reflexão
crítica sobre a condição de ignorar as peculiaridades dos sujeitos nesse pro-
cesso, chamando a atenção para a ausência de formação inicial e continua-
da.
Paiva (2012) reflete sobre o papel dos professores enquanto protago-
nistas de sua ação, ao produzirem conhecimento ao longo da vida no papel
de educador popular, em ―Formação Docente para a Educação de Jovens e
Adultos: o Papel das Redes no Aprendizado ao Longo da Vida‖. A autora
reforça a importância de uma educação política que exceda o desenvolvi-
mento do aprendizado e aperfeiçoamento profissional, discute também sobre
os movimentos sociais, a participação política, refletindo acerca das formas
de existência, ressaltando o papel político da educação e não de sua forma
escolar.
Vargas e Fantinato (2011), em ―Formação de professores da educa-
ção de jovens e adultos: diversidade, diálogo, autonomia‖, discutem a au-
sência de reflexão nas licenciaturas em relação à uma formação docente
crítica na EJA, evidenciando a necessidade da atualização constante do co-
nhecimento dos profissionais. As autoras demonstram preocupação com a
formação aligeirada, voluntariada ou idealista e fortalecem a necessidade de
praticar o diálogo entre os diversos atores envolvidos, sejam eles gestores,
educadores ou educandos.
Vieira (2006), em sua tese de doutoramento intitulada Memória,
história e experiência: trajetórias de educadores e educadoras de jovens e adultos no
Brasil, apresenta experiências profissionais através das narrativas de educa-
dores e educandos, com base nas memórias individuais e coletivas acerca de
suas vivências, enquanto elementos constitutivos da identidade.
A autora destaca as relações que se estabelecem entre formação aca-
dêmica, memórias e experiências docentes que deixaram marcas e contribui-
ções na educação popular e constituição da EJA. Salienta ainda que os itine-
rários de vida desses profissionais influenciam na escolha em atuar nessa
modalidade de ensino e que esta precisa superar a discriminação e exclusão
que sofre em sociedade. Por fim, destaca que os engajamentos sociais, as
militâncias e a resistência desses educadores se refletem na tentativa de uma
educação com mais humanidade.

317
Teoria & Prática: dialogando com as tecnologias educacionais
Apresenta-se no quadro a seguir exemplo da organização didática
da disciplina, que contempla as atividades desenvolvidas pelas(os) mestran-
das(os) com base na leitura e discussão dos textos.

QUADRO 2 - ORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS


DURANTE A DISCIPLINA FORMAÇÃO DO EDUCADOR DE
JOVENS E ADULTOS
TEXTO DE ATIVIDADES DIDÁTICAS DESENVOLVIDAS PELOS GRU-
LEITURA POS UTILIZANDO OBJETOS DIGITAIS
DE APRENDIZAGEM – ODA

Formação Docente Após realizar a leitura, o grupo I apresentou sua reflexão utilizando a
para a EJA: O Papel ferramenta Padlet65.
das Redes no Aprendi-
zado ao Longo da
O grupo II apresentou as sínteses dos princípios discutidos no texto,
Vida
utilizando o Infográfico como ODA.
Autora: Jane Paiva

Memória, história e O trabalho realizado pelo grupo I foi apresentado a partir da utiliza-
experiência: trajetórias ção de Mapa Mental com base no diagrama Coggle66.
de educadores e edu-
cadoras de jovens e
adultos no Brasil O grupo II fez a apresentação do estudo utilizando uma nuvem de
Autora: Maria Clarisse palavras como ferramenta.
Vieira

O grupo I elaborou uma proposta de oficina destinada a educadores


da EJA utilizando palavras geradoras e estabelecendo relação com o
Leitura do capítulo do filme Capitães de Areia (ano?). A apresentação foi desenvolvida por
livro: Identidades meio de slides, sendo explicada cada etapa de desenvolvimento do
educadoras reinventa- trabalho.
das. p. 7-19
Autor: Miguel Arroyo O segundo grupo produziu um vídeo67 com frases de conceitos extra-
ídos da obra ―Passageiros da Noite‖, estabelecendo conexão com a
letra da música ―Nada será como antes'' do cantor Milton Nascimen-
to.

Fonte: JEREMIAS et al (2021)

65
https://padlet.com/pesquisacadh/70559uljx2roqv5j,
66
https://coggle.it/diagram/YJqWyUnesgX-G5jf/t/hist%C3%B3ria%2C-mem%C3%B3ria-e-
experi%C3%AAncia- constituvos-da-investiga%C3%A7%C3%A3o
67
https://www.youtube.com/watch?v=xACgoOAoY8A

318
A formação continuada de professores da EJA e o uso de ferramentas tec-
nológicas

a) Padlet – Essa ferramenta permite a criação de quadros virtuais de diversos


modelos e cronogramas, que podem ser compartilhados com demais usuá-
rios ao mesmo tempo, e que permite a visualização de tarefas em equipes de
trabalho e em instituições de ensino de forma coletiva e integrada.
b) Infográfico - Ferramenta visual de leitura dinâmica e organizada que traz
informações através de pequenos textos com ilustrações, que podem ser fo-
tografias, gráficos, ilustrações et; proporciona aos leitores uma forma rápida
e atrativa de leitura.
c) Coggle – É um diagrama que possibilita construir mapas mentais de forma
on-line permitindo aos participantes, que tenham acesso à internet, interagi-
rem em tempo real alimentando a plataforma. É uma ferramenta simples e
gratuita que auxilia na construção de ideias a partir de ícones disponíveis.
d) Nuvem de Palavras ou Nuvem de Tags e textos – é uma representação visual
que mostra frases ou palavras que foram respondidas com maior frequência
através de questões abertas. Como o próprio nome indica, as palavras-chave
que tiveram mais respostas são exibidas em forma de nuvem, com destaque
de fonte em tamanho maior para a palavra que obteve frequência de respos-
tas.
A proposta da disciplina possibilitou a exploração dos Objetos Digi-
tais de Aprendizagem (ODA) como aliados importantes e potencializadores
da prática pedagógica, utilizando ferramentas de Tecnologias Digitais da
Informação e Comunicação (TDICs). O uso de ferramentas tecnológicas
decorre da presença da cibercultura, compreendida por (LEMOS, 2003, p.11)
como ―a cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais, que se
expressa segundo o autor através da ―reconfiguração de práticas‖ e ―novas
formas de relacionamento social‖, atreladas à ideia da lei da ―conectividade‖,
que remete ao contato direto entre homens e homens, homens e máquinas, e
também máquinas e máquinas, que passam a trocar informação de forma
autônoma e independente (LEMOS, 2003, p.13).
Inserir tais recursos na prática docente da EJA se apresenta como
um potencializador de aprendizagem, viabilizando a educadores e educan-
dos interagir com as tecnologias que incorporadas na vida de muitas pessoas.
Nesse sentido, Machado et al (2021) afirmam:

319
O uso das tecnologias na educação é uma realidade e também uma necessida-
de. A escola, por meio de seus atores, não pode se isolar, precisa se adequar ao
momento presente e aos desafios atuais, bem como à contemporaneidade e aos
avanços tecnológicos. Ao mesmo tempo, precisa assumir o desafio de trazer
para os estudantes as tecnologias que realmente possam contribuir para a for-
mação de um cidadão mais capacitado, autônomo, solidário e apto a viver em
sociedade de forma harmoniosa e produtiva (MACHADO et al, 2021, p. 6).

Vale destacar que o conhecimento dos educandos nessa modalidade


não consiste apenas em saberes escolares, que estão no currículo, mas sim,
nos constituídos durante sua trajetória de vida. Dessa forma, a partir da ex-
periência dos sujeitos é que se busca interferir em sua realidade, seja através
da relação homem-homem, homem-mundo seja nas relações de trabalho,
para que, assim, se entendam seres no mundo e com o mundo, em uma rela-
ção de pertencimento.
Isso posto, é preciso que os currículos formais contemplem espaços
para a inserção das realidades dos educandos da EJA. Valdo (2010, p.112)
propõe possibilidades de reflexão e intervenção nas questões curriculares e
práticas pedagógicas, tendo como ponto de partida o cotidiano vivido e a
aposta no diálogo como forma de aprendizagem com o outro. Dessa forma,
entende-se que os espaços de aprendizagem não se limitam apenas aos espa-
ços formais, mas está presente também nas vivências e experiências cotidia-
nas.
Refletir sobre a formação dos professores que atuam na EJA tam-
bém é repensar o olhar que se tem para com esses sujeitos. Arroyo (2008, p.
13) reforça isso ao expor que os processos injustos de desumanização não
lhes permitem ficar distantes das experiências sociais que os educandos e os
próprios educadores carregam.
Um aspecto que precisamos perceber é que estamos em tempos de
ameaça aos direitos que sempre lutamos enquanto educadores, em que o
Estado vem querendo mercantilizar saúde, educação e trabalho, tendo em
vista que, quando os direitos individuais são ameaçados, toda uma sociedade
fica comprometida.
Freire (1997, p. 71) afirma que ―o trabalho de construção de auto-
nomia é o trabalho do professor com educandos, e não do professor consigo
mesmo‖ e esse é um processo de tomada de decisão humana, isto é, apren-
der a lidar e reconhecer a liberdade e autoridade, bem como a construção

320
dos sujeitos significa que, como educadores, não podemos ser displicentes.
No entanto, a reflexão e as inquietações de diversos autores giram em torno
de como vem sendo realizada a formação continuada e inicial dos professo-
res. Uma tensão que aflora e traz insegurança diante desse cenário é a con-
cepção dicotômica entre teoria e prática, entre os que produzem conheci-
mentos, os que estão continuamente se atualizando e os agentes sociais res-
ponsáveis pela socialização desses conhecimentos (CANDAU, 1996).
Voigt et al. (2021) expõem que os desafios das propostas curriculares
e da formação, consequentemente também ao desenvolvimento profissional
docente, estão vinculados aos contextos regulatórios, à adequação às mu-
danças contemporâneas, à inclusão digital, às novas metodologias e identi-
dades profissionais. Por isso, as autoras sustentam a necessidade de descons-
trução de formas hegemônicas e homogeneizantes da prática curricular,
reconstruindo possibilidades de relacionar os avanços, iniciativa que exige a
ação de constituição da identidade profissional e construção da autonomia
curricular docente: ―A ideia é possibilitar, de forma urgente, que os docentes
ocupem seus lugares, tomando consciência de sua identidade, para alargar
suas fronteiras profissionais de forma autônoma, plural e coletiva‖ (VOIGT
et al., 2021, p. 856).
As diferenças sociais são bem evidentes na EJA e a diversidade que
encontramos nessa modalidade necessita de um professor ativo e atento às
experiências trazidas pelos estudantes. O saber docente e a formação de
professores não são vistos com a responsabilidade necessária, tampouco são
adotads estratégias sérias à face de pensar em professores pesquisadores, em
que prática e teoria façam essa conexão. Prática essa que podemos relacionar
com Tardif (2002, p. 53), ao dizer que os professores (re)traduzem sua for-
mação e adaptam sua profissão, pois ajuda a construir sua formação desde o
início dos estudos, e, além disso, também se constitui no interior de grupos
sociais.
Ao ouvir relatos de professores acerca do tempo de atuação, é per-
ceptível que muitos se sensibilizam com a história de vida dos estudantes,
memorizando sua própria trajetória estudantil e de vida. Arroyo (2008, p.
13) afirma que, ao entenderem os jovens e adultos trabalhadores na educa-
ção, suas relações sociais, de gênero, raça e trabalho, de onde chegam e para
onde voltam, esses professores acabam por perceber a importância de seu
papel no interesse pela aprendizagem e na permanência desses educandos no

321
contexto escolar, ou seja, o trabalho docente com adultos propicia uma a-
proximação maior entre eles.
Ao se envolver com a história de vida desses sujeitos, o professor
desenvolve um olhar sensível que respeita as lutas e exclusões, analisando o
potencial dos educandos na vida social, que não são fracassados pelo fato de
não terem tido oportunidades de concluir o ensino formal muito menos in-
cultos. Vargas e Fantinato (2011) argumentam que a aproximação entre
professor e educando pode ser motivada por vários fatores, dentre eles a
proximidade de faixa etária, permitindo abordar, na sala de aula, assuntos
que estariam distantes de um currículo voltado a crianças. Pelo contrário,
deve-se desenvolver um trabalho que não seja infantilizado, pois, além de
ouvi-los, é necessário transformá-los em ouvintes de sua própria história e
através delas adotar uma nova perspectiva, deixando de enxergar de forma
ingênua e participar como sujeito ativo e crítico.
Estudos de especial interesse na perspectiva do reconhecimento da
importância de desenvolver no âmbito educativo vêm sendo explorados por
vários autores, com enfoque em questões relativas à diversidade cultural,
étnica e de gênero, contudo essa temática é hoje ignorada na formação con-
tinuada de professores (CANDAU, 1996). Levar os sujeitos a pensar no
mundo do trabalho seria uma visão que engloba o coletivo e, dessa forma,
alia a experiência do trabalho dos educandos mais experientes, utilizando os
conhecimentos tecnológicos que trazem em sua bagagem de vida, possibili-
tando a inclusão da diversidade tão relevante na EJA, rompendo com o en-
sino em ―caixinhas‖, desconexo e sem sentido. Desse modo, valorizar o
conhecimento desses sujeitos seria o ponto de partida para o conhecimento
científico, filosófico, sociológico, entre outros.
O cotidiano dos estudantes da EJA é bastante rico, por isso suas tra-
jetórias e experiências podem abrir o diálogo para sua formação como cida-
dãos ativos na sociedade. Parafraseando Freire (1997), se a educação não é
libertadora, o sonho do oprimido será o de se tornar opressor, portanto, en-
quanto educadores, devemos considerar essa reflexão, pois precisamos for-
mar sujeitos livres para entender seu lugar no mundo, bem como seu perten-
cimento.
Os docentes devem refletir sobre sua prática na formação desses su-
jeitos, sobretudo na aplicação de conteúdos que não façam sentido e não
tenham significado, exercendo a prática de uma educação bancária, em que
não há diálogo entre docente e educando, na afirmativa de que os estudantes

322
que frequentam a EJA não trazem consigo memórias e histórias de vida, de
exclusão, falta de oportunidades e invisibilidade social, pois, como pontua
Arroyo (2017), é necessário resistir à forma de pensá-los, tratá-los, de forma
subalterna, como seres sem valor e sem cultura.
Outra fragilidade evidenciada na formação de professores da EJA é
a ideia do voluntariado sem a necessidade de formação específica, desuma-
nizando a carreira dos profissionais, bem como o direito à educação desses
sujeitos. Guiar-se pelo princípio da justiça é refletir que não nascemos iguais;
tornamo-nos iguais como membros de um grupo, em virtude de nossa deci-
são de nos garantirmos mutuamente direitos iguais (ARENDT, 2002). En-
tende-se que as oportunidades levam às justiças e as desigualdades sociais
desumanizam e coisificam, sendo necessária a resistência, libertação e criti-
cidade na formação dos educadores.
O fracasso escolar vem de um passado de dificuldades financeiras,
gravidez na adolescência, desestrutura familiar e emocional, que acabam
gerando desmotivação. Assim, as motivações encontradas no percurso das
experiências profissionais esbarram nas dificuldades para reconhecerem os
saberes não escolares dos educandos e conseguirem dialogar com eles para a
efetivação de uma proposta curricular significativa e de qualidade (MOREI-
RA; CANDAU, 2008). Por esse motivo urge a elaboração de um currículo
que contemple as especificidades do processo de ensino e aprendizagem dos
adultos e leve em consideração os saberes construídos nas práticas sociais.

Movimentos dialéticos entre os sujeitos da EJA

As diversidade é evidente no público da EJA, composto por adoles-


centes, jovens, adultos e idosos, por isso é oportuno lembrar as subjetivida-
des dos estudantes que apresentam especificidades próprias de aprendiza-
gem. Vargas e Fantinato, (2011) explicam que tal diversidade cultural dificul-
ta a percepção dos professores em relação à formação da identidade indivi-
dual e coletiva da turma.
Tais apontamentos reforçam a complexidade diferencial dessa mo-
dalidade de ensino e sinaliza para a necessidade do estabelecimento do diá-
logo entre os diversos atores envolvidos, entre gestores, educadores e edu-
candos, exigindo o estabelecimento de um ―diálogo que passa pela compre-
ensão do outro em sua amplitude e complexidade, procurando superar pre-

323
conceitos e discriminações que aderem àqueles que não tiveram acesso ao
mundo letrado‖ (VARGAS; FANTINATO, 2011, p. 924).
A autora nos faz refletir sobre o preconceito e a discriminação vi-
venciados por educandos da EJA que, por motivos diversos, tiveram o per-
curso escolar interrompido, enfatizando a importância da valorização de
seus saberes, apoiados no diálogo para a construção da cidadania (VAR-
GAS; FANTINATO, 2011). Diálogo este que precisa envolver educadores
de forma interdisciplinar para pensar em ações coletivas de intervenção pe-
dagógica, articuladas à equipe de coordenação pedagógica e Projeto Político
Pedagógico (PPP) da instituição escolar.
Vale ressaltar que tais ações precisam estar ancoradas num Plano de
Ação da Escola, apresentando várias frentes de atuação, com objetivos pré-
definidos com vistas a alcançar os de aprendizagem, num processo de dialo-
gicidade com todos os nele envolvidos.
As questões discutidas e apresentadas, ao longo do texto, remetem à
necessidade emergente de se pensar em práticas pedagógicas que atendam à
modalidade da EJA, visto que ―a prática docente crítica, implicante do pen-
sar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético entre o fazer e o pensar
sobre o fazer‖. (FREIRE, 2004, p. 38). O autor reforça ainda que ―a postura
dos educadores e dos educandos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e
não apassivada‖, ou seja, tanto enquanto fala ou enquanto ouve existe uma
―troca epistemológica constante‖ entre professores e educandos (FREIRE,
2011, p. 28).
Essa construção da aprendizagem é concebida por meio da troca en-
tre professores e estudantes, na perspectiva de que ―ensinar não é transferir
conteúdo a ninguém, assim como aprender não é memorizar o perfil do
conteúdo transferido no discurso vertical do professor‖ (FREIRE, 2011, p.
68), pois o diálogo se dá na horizontalidade, ou seja, na mesma forma que o
professor ensina, também aprende com os educandos.

Desafios da Profissão Docente

Vargas e Fantinato (2011) afirmam existirem lacunas na construção


da identidade profissional de docentes atuantes na EJA, chamando a atenção
sobre a ausência de reflexão nas licenciaturas, em relação à formação inicial,
fator que contribui para o enfraquecimento da prática docente crítica e trans-
formadora na EJA. As autoras advertem sobre a importância de atualização

324
constante do conhecimento envolvendo os profissionais da educação, tendo
em vista a necessidade de desenvolver competências.
No entanto, é oportuno relembrar que a profissão docente enfrenta
vários desafios e um deles é a falta de incentivo, na atualidade, em decorrên-
cia do processo de ―desprofissionalização‖, definido por Nóvoa (2017, p.
1007), que se revela por meio dos ―níveis salariais baixos e difíceis condições
nas escolas, bem como processos de intensificação do trabalho docente por
via de lógicas de burocratização e de controle‖ o que contribui, segundo o
autor, para o ―desprestígio da profissão‖, ressaltando a importância da for-
mação continuada, abrindo espaços para os educadores fazerem afluir, dis-
cutir e analisar seus dilemas pedagógicos.
As barreiras e obstáculos que os educadores da EJA encontram, di-
ante do exercício de sua prática docente, como a oferta de política pública,
formação inicial e continuada que contemple as diversidades de sujeitos que
compõem a educação de jovens e adultos, são determinantes para o desem-
penho de sua atuação docente.
Ao ensinar na EJA, deve-se ter consciência que o diálogo para exis-
tir precisa acontecer através da leitura de mundo de educador e educando, e
aquele precisa possibilitar uma educação problematizadora, excluindo os
conteúdos que não tenham significados e inserindo temas do universo destes.
Dentre os desafios discutidos ao longo do estudo, foi apontada a falta de
oferta da formação continuada inicial, destinada aos educadores, o que re-
força a necessidade da atualização contínua do conhecimento. Nóvoa (2017)
corrobora com tal pensamento, explicando que o ritmo acelerado, frente às
transformações tecnológicas vivenciadas na atualidade, torna-se um dos
desafios da profissão docente no século XXI.

Considerações necessárias

Embora se compreenda como necessária a adoção das ferramentas


tecnológicas, é indispensável o equilíbrio entre a inovação e a tradição, pois
não é só aderir à mudança na maneira de ensinar, mas também saber utilizá-
la, refletindo a partir das experiências pessoais e coletivas das práticas. Tais
recursos, portanto, não são conteúdos, mas sim, instrumentos que deve ser
explorado segundo encaminhamento metodológico devidamente planejado e
executado.

325
No intuito de destacar as principais palavras apresentadas no
decorrer deste estudo, utilizou-se a ferramenta Sobek68. A utilização desse
software possibilitou a construção do Grafo I. A partir dela, foi possível tam-
bém realizar a mineração de palavras-chaves encontradas nos textos traba-
lhados, por meio de uma técnica da Ciência da Computação que permite a
análise e identificação de informações relevantes dos textos a ele submetidos.
Por tratar-se de uma ferramenta que permite realizar conexões por meio do
texto produzido, forma identificados termos relevantes, demonstrando grafi-
camente a partir da imagem relacionada aos vocábulos.

GRÁFICO I: PALAVRAS-CHAVE DE MAIORES INCIDÊNCIAS,


MINERADAS NOS TEXTOS DA DISCIPLINA

Fonte: JEREMIAS et al (2021)

O resultado da análise do texto deste capítulo gerou o Gráfico I,


que no aplicativo Sobek é conhecido como GRAFO. Os termos relevantes
foram identificados graficamente na mineração deste texto e destacados
através de nodos, que representam quais termos foram utilizados com maior

68 A ferramenta Sobek foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), Brasil. Ela tem sido usada em vários contextos educativos, dando suporte a aplicações pedagógicas no Ensino Fundamental, Ensino Médio,
Ensino Superior e EAD.

326
frequência. De modo que as conexões entre as palavras demonstraram as
relações que foram estabelecidas entre elas. No grafo I observa-se o destaque
às palavras: EJA, Educação, sujeitos, docente e prática, colocando a primei-
ra como centralizadora das discussões e reflexões deste capítulo.
Na disciplina ―Formação de Educadores na EJA‖ foram evidencia-
das exigências como a de uma nova formação pedagógica, políticas públicas
que atendam essa modalidade de ensino, especialmente no que diz respeito a
diversidades dos educandos. As leituras, discussões, reflexões e apresenta-
ções dos trabalhos pedagógicos, durante os encontros da disciplina, após
leitura, fichamento e produção de material didático, reverberaram no movi-
mento de que o educador da EJA tem especificidades em sua formação ini-
cial e continuada, o que reflete na importância de seu papel diante dos pro-
cessos de escolarização dos sujeitos envolvidos na aprendizagem.

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329
ANALISANDO O USO DE MATERIAIS
AUTÊNTICOS DE AMBIENTES DIGITAIS
NO ENSINO DE IDIOMAS DE PESSOAS
COM DEFICIÊNCIA

William Gonçalves Sueiro


Fabielle Rocha Cruz

Introdução
O uso de tecnologias digitais (computadores, tablets, ambientes vir-
tuais de aprendizagem, etc.) tem se tornado cada vez mais presente na área
da Educação. Através destas tecnologias, é possível acessar a internet e, com
ela, ter acesso a inúmeros conteúdos que podem facilitar o processo de ensi-
no-aprendizagem, tanto na modalidade de ensino presencial, quanto na de
ensino remoto. Desta forma, muitos alunos e professores podem se benefici-
ar nas salas físicas e virtuais, com aulas que se tornam mais dinâmicas, inte-
rativas e – por que não? – bem mais divertidas e modernas.
Dentre as diversas disciplinas que compõem o currículo escolar, en-
contram-se aquelas relacionadas ao ensino de idiomas e, da mesma forma
que os professores de todas as outras áreas, os responsáveis por estas disci-
plinas também utilizam as tecnologias digitais na busca dos chamados ―ma-
teriais autênticos‖ que podem ser utilizados no preparo e na aplicação de
suas aulas, enriquecendo, assim, tanto suas metodologias de ensino, quanto
os conteúdos que apresentarão para seus alunos em salas de aula.
Por outro lado, embora pareça até um tanto quanto ―paradoxal‖, di-
ante dos diferentes contextos escolares brasileiros, que tentam a todo custo se
adequar às normativas e legislações em vigor no país visando atingir uma
maior inclusão dos alunos com deficiência, muitas vezes, as mesmas tecno-
logias utilizadas para promover uma maior interação entre os grupos predo-
minantes de estudantes nos ambientes de ensino, também podem se tornar
fatores de segregação e exclusão entre alguns grupos de alunos, em especial,
entre os grupos de alunos com deficiência. É pensando principalmente neste
último público, que os autores do presente estudo estabeleceram como prin-

330
cipal objetivo analisar se os ―materiais autênticos‖ provenientes de ambien-
tes digitais podem ser considerados ―acessíveis‖ no ensino de idiomas de
pessoas com deficiência.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, do tipo explorató-
ria e bibliográfica, recorrendo-se a documentos nacionais e internacionais
que estabelecem normativas para o desenvolvimento de conteúdos digitais
acessíveis e a autores com publicações nas temáticas de educação, tecnologia
e inclusão.
Contudo, a fim de facilitar a compreensão dos dados aqui apresen-
tados, faz-se necessária a conceituação dos termos ―material autêntico‖,
―pessoa com deficiência‖ e ―Tecnologia Assistiva‖, bem como uma exempli-
ficação das ―barreiras de acessibilidade‖ encontradas nos ambientes digitais e
dos principais ―recursos e estratégias‖ utilizados por pessoas com deficiência
para acessar tais conteúdos.

O que é material autêntico?


Antes de pensar na significação do termo ―autêntico‖, é necessário
observar o que são ―materiais‖. Dentro da educação, todo e qualquer objeto
pode ser um material com finalidades diferentes: o quadro e o giz, por exem-
plo, são materiais de exposição e exploração de conteúdo por parte do pro-
fessor, enquanto, para o aluno, são materiais que podem ser utilizados para
sua aprendizagem ou para que o próprio aluno aplique seu conhecimento.
Basta pensar que o uso é direcionado à quem possui o material: se o profes-
sor pede que o aluno vá ao quadro e apresente suas ideias, este material se
volta para o uso que o aluno faz dele.
Assim, é possível pensar em ―material‖ não como algo concreto,
como é comum associar, mas como um ―recurso‖ aplicável, moldável, adap-
tável. O material didático, atualmente, já não é apenas um livro. Muitas
vezes, é um conjunto de diferentes componentes – como livro, caderno de
atividades, atividades lúdicas, recortes – que tem ―didático‖ como seu pro-
pósito.
Isso cabe para qualquer recurso. Na alfabetização, por exemplo, é
comum que professores utilizem materiais com finalidades pedagógicas,
como alfabeto de material emborrachado, mas também revistas e jornais
para recorte. Assim, são materiais diferentes com o mesmo propósito.
A partir dessa reflexão, é que vale o pensamento do que é ―autênti-
co‖. De acordo com o Dicionário Oxford Languages, é um adjetivo que se

331
refere ―de origem (época, fabricação, localidade) comprovada‖ ou ―cuja
autoria é atestada‖.
Transpondo isso para a educação, ao pensar em um material didáti-
co pela sua definição clássica – o bom e velho livro didático feito com finali-
dades pedagógicas – ele apresenta uma sequência de atividades pré-
estabelecidas, textos adaptados ou originais na sua composição, e assim por
diante.
Neste caso, o livro didático clássico não é um material autêntico.
Mesmo sendo de autoria e origem comprovada, a ideia da autenticidade,
neste caso, é algo que é mencionado na Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) e na Matriz de Referência do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM).

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o


mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, con-
tinuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, de-
mocrática e inclusiva. (...)
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de co-
nhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias
do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao
seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabi-
lidade. (BRASIL, 2018)

Este trecho das competências gerais da BNCC, não sendo de ne-


nhuma disciplina em específico, permite a interpretação de que a educação
deve ser, como um todo, voltada para a realidade, o contexto do aluno. Da
mesma forma, o desenvolvido na Matriz de Referência do ENEM compre-
ende este trabalho, como visto na Competência 6 de Linguagens e na Com-
petência 2 de Matemática.

Competência de área 6 - Compreender e usar os sistemas simbólicos das dife-


rentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela cons-
tituição de significados, expressão, comunicação e informação.
H18 - Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para
a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
H19 - Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações
específicas de interlocução.
H20 - Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação
da memória e da identidade nacional. (...)
Competência de área 2 - Utilizar o conhecimento geométrico para realizar a lei-
tura e a representação da realidade e agir sobre ela. (...) (BRASIL, 2015)

332
Como mostrado pelos excertos, entende-se então que ―autêntico‖
tem a ver com o uso de uma produção sem finalidades pedagógicas, mas que
seja produzia em contextos reais, por pessoas reais. Por exemplo, o uso de
um texto retirado de um blog ou de uma mídia impressa é uma forma de
material autêntico, desde que o professor também explore o que há por trás.
Mauro (2013, p. 19), ao retomar que o termo ―material autêntico‖ é comum
ao âmbito do ensino de línguas (mas que pode ser expandido para quaisquer
disciplinas, como já apresentado), lembra que

o uso do livro didático, muitas vezes, mostrava o quão limitada eram as ativi-
dades e os exercícios [...] deve-se à preocupação de professores e pesquisadores
de ensino/aprendizagem de língua estrangeira com a artificialidade no ambien-
te de sala de aula, que advém da utilização de materiais fabricados exclusiva-
mente para o ensino de uma língua estrangeira [...]

Mauro (2013) concorda com as postulações de Breen (1985), ao in-


dicar que são quatro fatores que colaboram para a autenticidade do material,
sendo elas:

I) A autenticidade dos textos incorporados à aula ou ao material de aula;


II) A autenticidade da interpretação dos alunos, a partir da ativação de conhe-
cimentos prévios e de sua visão de mundo;
III) A autenticidade das tarefas que são elaboradas pelo professor, seja com ba-
se no conhecimento dos alunos ou nos textos utilizados; e
IV) A autenticidade das situações em sala de aula, sendo focadas na socializa-
ção e na exposição cultural dos participantes.

Neste ponto, então, vale retomar um ponto bem reconhecido e dis-


seminado dentro da Pedagogia, pautado nos estudos e nas publicações de
Paulo Freire: de nada adianta educar um aluno com termos e situações que
ele não vai usar ou que ele nunca viu. O uso de material autêntico, por e-
xemplo, deve ser em consonância com a sua realidade e propiciar o encontro
do aluno do ensino fundamental, por exemplo, com eventos, contextos e
realidades que são próximas ou são exatamente a sua.
Portanto, a educação com material autêntico deve transcender a me-
ra educação de línguas, seja a língua mãe ou a língua estrangeira. Todas as
disciplinas podem (e devem, de acordo com os documentos que regem a

333
educação nacional, como a BNCC) incluir materiais que sejam parte da
realidade do aluno.
Como disposto no Caderno de Educação em Direitos Humanos, ―a
educação deve afirmar valores e estimular ações que contribuam para a
transformação da sociedade, tornando-a mais humana, socialmente justa e,
também, voltada para a preservação da natureza‖ (BRASIL, 2013).

Quem são as pessoas com deficiência?


No Brasil, são consideradas pessoas com deficiência, todas as pesso-
as que possuem algum ―impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais bar-
reiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igual-
dade de condições com as demais pessoas‖ (BRASIL, Lei N° 13.146 de 6 de
Julho de 2015) e, através da leitura do Decreto 5.296 de 2 de Dezembro de
2004, é possível compreender que essas deficiências podem ser de ordem
―física‖, ―auditiva‖, ―visual‖, ―intelectual/mental‖ ou ―múltipla‖, sendo o
presente estudo focado principalmente nos grupos de alunos com essas defi-
ciências.
É interessante enfatizar que, além de estabelecer quem são as ―pes-
soas com deficiência‖, a legislação brasileira também define quem são as
―pessoas com mobilidade reduzida‖, sendo essas últimas todas as pessoas
que possuem, ―por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, perma-
nente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilida-
de, da coordenação motora ou da percepção‖. Nesta definição incluem-se
―idosos, gestantes, lactantes, pessoas com criança de colo e obesos‖ (BRA-
SIL, Lei N° 13.146 de 6 de Julho de 2015).

Quais são as principais barreiras de acessibilidade presentes nos ambientes


digitais?
Todos os dias as pessoas com deficiência se deparam com diversas
barreiras de acessibilidade. Estas barreiras estão presentes em ambientes
físicos – como, por exemplo, barreiras arquitetônicas – e também em ambi-
entes virtuais (Escola Nacional de Administração Pública - ENAP, 2016).
Desta forma, tanto o ambiente escolar, como os ambientes virtuais de apren-
dizagem, podem apresentar barreiras aos alunos com deficiência, sendo que
as dificuldades para transpô-las variam conforme as necessidades específicas
de cada aluno.

334
De acordo com o material didático do curso do ―eMAG‖ (Modelo
de Acessibilidade de Governo Eletrônico) em seu módulo de ―Desenvolve-
dor‖, disponibilizado pela ENAP (2016), as principais barreiras de acessibi-
lidade que as pessoas com deficiência encontram nos ambientes virtuais
podem se dividir da seguinte forma:

● Pessoas com deficiência visual (incluindo cegueira, baixa visão e


daltonismo) (ENAP, 2016):
I) Imagens sem descrição;
II) Vídeos sem alternativa textual ou sonora;
III) Funções que não funcionam pelo teclado;
IV) Links mal descritos;
V) Tabelas que não fazem sentido quando lidas linearmente;
VI) Formulários sem sequência lógica;
VII) Campos de formulário sem descrição adequada;
VIII) Arquivos pouco acessíveis.
IX) Contraste de cores ruim;
X) Fonte de letra com serifa (pequenos traços e prolongamentos que
ocorrem no fim das hastes das letras) ou decorada;
XI) Conteúdos que perdem sua funcionalidade quando ampliados.
XII) Cor utilizada como único recurso para enfatizar o texto;
XIII) Contraste inadequado entre cores de fonte e fundo.

● Pessoas com deficiência intelectual (deficiência mental) (ENAP,


2016):
XIV) Falta de clareza e consistência na organização das páginas;
XV) Utilização de linguagem complexa sem necessidade;
XVI) Parágrafos muito extensos;
XVII) Abreviaturas e palavras incomuns sem uma explicação;
XVIII) Imagens complexas sem explicação textual;
XIX) Uso de imagens "piscantes‖ ou áudio em frequência que cause
desconforto.

● Pessoas com problemas de concentração, memória ou percepção


e idosos (ENAP, 2016):
XX) Falta de consistência na organização das páginas;
XXI) Falta de coerência na organização do conteúdo;

335
XXII) Utilização de linguagem complexa sem necessidade;
XXIII) Parágrafos muito extensos;
XXIV) Utilização de fontes com serifa ou decoradas;
XXV) Falta de clareza no conteúdo ou de exemplos que facilitem a
compreensão;
XXVI) Uso de imagens "piscantes‖ ou conteúdo que possa desviar a
atenção do usuário;
XXVII) Texto justificado.

● Pessoas com deficiência auditiva (ENAP, 2016):


XXVIII) Vídeo sem legendas ou alternativa em Libras;
XXIX) Áudio sem transcrição em texto;
XXX) Conteúdo sem uma linguagem clara e simples.

● Pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida (ENAP,


2016):
XXXI) Atividades com limite de tempo;
XXXII) Abertura de várias janelas simultaneamente;
XXXIII) Funções que não funcionam pelo teclado.

O que são Tecnologias Assistivas?


As pessoas com deficiência frequentemente necessitam de adapta-
ções e recursos tecnológicos que as auxiliem a superar as barreiras de acessi-
bilidade, tanto nos ambientes físicos como nos virtuais, dentre os quais en-
contram-se as chamadas Tecnologias Assistivas.
O Comitê de Ajudas Técnicas (2007, apud BERSCH, 2013, p. 4) de-
fine Tecnologia Assistiva como:

Uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba pro-


dutos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam
promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas
com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autono-
mia, independência, qualidade de vida e inclusão social (Brasil - Comitê de A-
judas Técnicas, 2007, apud BERSCH, 2013, p. 4).

336
Quais são os recursos e estratégias utilizados pelas pessoas com deficiên-
cia para acessar a internet?
De acordo com Zúnica (1999, apud KADE, et al. 2013, p. 314), ―a
acessibilidade na internet pode envolver três grandes áreas‖, conforme defi-
nidas e exemplificadas a seguir:
● Acessibilidade ao computador, área que ―envolve ferramentas, equipamen-
tos ou técnicas que facilitam a navegação na web. Nesse grupo, encon-
tram-se softwares (por exemplo, softwares falantes) e hardwares (por e-
xemplo, mouses adaptados)‖ (Zúnica, 1999, apud KADE, et al. 2013, p.
314).

Alguns exemplos:
I) Hardwares: Acionadores (ou Comutadores); Hardwares de
baixo custo; Lupas eletrônicas; Máscaras (ou Colméias) para
teclados; Mouses adaptados; Terminais braille (linhas braille)
e; Teclados adaptados.
II) Softwares: Ampliadores de tela; Ferramentas para criação de e-
mails através da voz; Interfaces especializadas; Leitores de
Tela; Simuladores de Mouse; Simuladores de teclado e; Sof-
twares de comandos de voz.
III) Outros recursos que podem contribuir com a acessibilidade
ao computador (que não se enquadram nos subitens anterio-
res): Abdutores de polegar com ponteira para digitação; A-
pontadores bucais; Estabilizadores de punho; Ponteiras de
cabeça e; Órteses.

● Acessibilidade do navegador, ou seja, a área que

trata exclusivamente do software utilizado para apresentar o conteúdo de pági-


nas web, isto é, o browser ou navegador. Esses softwares podem ser genéricos,
como o Mozilla Firefox, ou ainda, específicos, que oferecem facilidades de a-
cesso a determinados grupos de usuários, como é o caso do navegador Linux
para usuários cegos (Zúnica, 1999, apud KADE, et al. 2013, p. 314).

Alguns exemplos: Navegadores acessíveis e Extensões para navegadores

● Acessibilidade no desenvolvimento de páginas web, área em que

337
são estudadas regras e técnicas que devem ser seguidas para a construção de
páginas acessíveis. Essas regras determinam como o conteúdo deve ser apresen-
tado em uma página web. Elas também determinam como a navegação entre
as páginas deve ser realizada, ou seja, como as páginas devem estar ligadas
dentro de um site, de forma que facilitem a navegação de todas as pessoas (Zú-
nica, 1999, apud KADE, et al. 2013, p. 314).

Alguns exemplos: as recomendações de acessibilidade para o desenvolvi-


mentos de websites contidas nos documentos denominados ―Web Content
Accessibility Guidelines – WCAG” [Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo
Web] (a nível internacional), sendo este documento elaborado pelo World
Wide Web Consortium (Consórcio W3C), por meio da W.A.I. [Iniciativa de
Acessibilidade na Web] e ―Modelo de Acessibilidade de Governo Eletrônico
– eMAG‖ (a nível nacional), sendo este último baseado nos mesmos padrões
de acessibilidade para conteúdo web estabelecidos internacionalmente pelas
WCAG, citadas anteriormente.

Como validar/realizar a análise de acessibilidade dos materiais autênticos


encontrados nos ambientes digitais?
Segundo Kade, et al. (2013), existem duas maneiras de se validar
conteúdos digitais: a ―validação automática‖ e a ―validação manual‖.
A validação automática é realizada através de um ―validador online
(conectado à internet). Um validador online é um software que detecta o
código HTML de uma página web e analisa seu conteúdo, normalmente
baseado nas diretrizes da WCAG‖ (KADE, et al. 2013).
Já a validação manual constitui uma outra etapa muito importante
da análise de acessibilidade dos conteúdos digitais, pois a ―avaliação huma-
na pode ajudar a garantir a clareza da linguagem e a facilidade de navega-
ção‖ (DIAS, 2013, apud KADE, et al. 2013, p. 351). Para isso, podem ser
utilizados alguns checklists desenvolvidos especificamente para realizar tal
validação.
O W3C (1999, apud Kade, et al. 2013) recomenda que, de um modo
geral, a validação de uma interface web deve seguir os seguintes passos:

● Utilizar uma ferramenta de acessibilidade automatizada e uma ferramenta de


validação de navegadores;
● Validar a sintaxe do código, utilizando validadores automáticos de sintaxe,
disponibilizados pelo W3C;
● Validar as Folhas de Estilo, utilizando o validador de CSS do W3C;

338
● Utilizar um navegador textual ou emulador. Dessa forma, tem-se uma noção
de como seria o acesso à página por usuários que não utilizam navegadores
gráficos;
● Utilizar vários navegadores gráficos com as seguintes variações: sons e gráficos
ativos, gráficos desativados, som desativado, sem utilizar o mouse, sem carre-
gar frames, folhas de estilo ou applets;
● Acessar o site utilizando navegadores antigos e recentes;
● Acessar o site em conjunto com recursos de tecnologia assistiva, como leitores
ou amplificadores de tela, tela com dimensões menores que as atuais, dentre
outras;
● Utilizar corretores ortográficos e gramaticais. A eliminação de problemas desse
tipo aumenta o grau de compreensão, especialmente aos usuários de leitores de
tela;
● Rever o documento, primando sempre pela clareza e simplicidade do mesmo;
● Validar a página com usuários reais. Solicitar a algumas pessoas com necessi-
dades especiais que revejam o site, pois essas, com experiência ou não, são po-
tenciais fontes de informação sobre o estado real do documento no que diz res-
peito aos aspectos de acessibilidade e facilidade de utilização.

Seguindo todas essas etapas, é possível realizar a análise de acessibi-


lidade de diversos conteúdos dos ambientes digitais, incluindo os materiais
autênticos produzidos originalmente em outros idiomas e/ou provenientes
de outros países.

Considerações finais
O presente trabalho, inicialmente, apresentou como principal pro-
posta verificar se os materiais autênticos provenientes de ambientes digitais
poderiam ser considerados ―acessíveis‖ no ensino de idiomas de pessoas
com deficiência. Desta forma, após expor conceitos e exemplos sobre as
temáticas abordadas, também foram apresentadas as duas maneiras utiliza-
das para se realizar a análise de acessibilidade de conteúdos digitais, seguidas
do passo-a-passo necessário para se concluir essa validação.
Entretanto, mediante aos inúmeros paradigmas atuais presentes em
um sistema educacional que tenta caminhar rumo à inclusão, também torna-
se de extrema importância enfatizar que todos os conteúdos (digitais ou não)
que serão utilizados em salas de aula (físicas ou virtuais), devem ser cuidado-
samente analisados e planejados de acordo com as necessidades específicas
de cada um dos alunos com deficiência presentes nas turmas, com o intuito
de amenizar quaisquer dificuldades que os mesmos possam apresentar e,
principalmente, com a intenção de explorar, enfatizar e valorizar as verda-
deiras potencialidades destes alunos. Sendo assim, no momento, torna-se um

339
tanto quanto ―delicado‖ para os autores afirmarem, mesmo que de uma
forma ―generalista‖, se um determinado material disponível em ambiente
digital é ou deixa de ser ―acessível‖, pois tudo acaba dependendo da análise
de inúmeros fatores (material autêntico que será utilizado, o tipo de deficiên-
cia, as barreiras de acessibilidade encontradas, as tecnologias assistivas à
disposição do aluno, o contexto e o tipo de sala de aula, entre outros fatores).
E embora, infelizmente, ainda não tenha sido possível encontrar
uma resposta definitiva para a pergunta que motivou a realização deste tra-
balho, os autores esperam ter demonstrado aos leitores a importância de se
realizar as análises de acessibilidade dos conteúdos disponíveis nos meios
digitais, afinal, em uma época onde as tecnologias da informação e assistivas
caminham e evoluem lado-a-lado, se um material utilizado em sala de aula
ainda não é acessado com facilidade por todos os envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem, já está mais do que na hora de transformá-lo em um
conteúdo acessível, pois somente assim um dia as escolas se tornarão ambi-
entes inclusivos de fato. E, esse ―sonho‖ não é tão difícil de ser alcançado. O
primeiro passo é muito simples: deixar o preconceito de lado e permitir que
esse espaço vago seja gradualmente preenchido com um pouco mais de em-
patia.

REFERÊNCIAS

BERSCH, Rita de Cássia Reckziegel. Introdução à Tecnologia Assistiva.


Porto Alegre, 2013.

BRASIL. Decreto 5.296 de 2 de Dezembro de 2004. Regulamenta as Leis


Nºs 10.048/00, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica,
e 10.098/00, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promo-
ção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobili-
dade reduzida, e dá outras providências. DOU 3.12.2004.

BRASIL. Lei N° 13.146, de 6 de Julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de


Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
DOU 07.07.2015.

BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.


Caderno de Educação em Direitos Humanos. Educação em Direitos Hu-

340
manos: Diretrizes Nacionais. Brasília: Coordenação Geral de Educação em
SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa
dos Direitos Humanos, 2013.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Bra-
sília, 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais Anísio Teixeira. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,
2015.

ENAP - Escola Nacional de Administração Pública. eMAG Desenvolve-


dor: Módulos 1: Introdução e 2: Web Acessível. Diretoria de Comunicação
e Pesquisa. Brasília, 2016.

KADE, Adrovane; et al. Acessibilidade Virtual. In: SONZA, Andréa Poletto;


et al. Acessibilidade e Tecnologia Assistiva: pensando a inclusão sociodigi-
tal das pessoas com necessidades especiais. Bento Gonçalves: BBB, 2013, p.
313-367.

MAURO, Luciana Rita. Material autêntico e tarefas no ensinoaprendiza-


gem do italiano como língua estrangeira: entre teoria e prática didática.
2013. Dissertação de Mestrado em Língua e Literatura Italiana) - Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2014. DOI: 10.11606/D.8.2014.tde-29042014-123941. Acesso em:
2022-01-30.

341
A HISTÓRIA E O ENSINO SOBRE A
ADAPTAÇÃO DO „NOVO‟ EM MOMENTOS DE
ALTERAÇÕES SOCIAIS: EDUCAÇÃO E O USO
DA TECNOLOGIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Conceição Solange Bution Perin


Airton José Vinholi Júnior

1. Introdução

O estudo trata sobre algumas questões que foram consideradas es-


senciais para a continuidade da educação em momentos de isolamento social
e da necessidade de inovar com a tecnologia para atender as prioridades
educacionais dos alunos da rede básica de ensino. Inesperadamente, no iní-
cio do ano de 2020, o mundo se deparou com dificuldades de convivência e
de aproximações sociais, devido à transmissão de um vírus iniciada na cida-
de de Wuhan (China). A contaminação pelo novo coronavírus, rapidamente,
se tornou uma epidemia que foi transformada em pandemia, causada pela
COVID-19 (nome oficial da doença). No momento, final do segundo semes-
tre de 2021, temos no mundo mais de 5.064.000 de mortes e mais de
250.847.000 de infectados. No Brasil, até novembro de 2021, superamos o
número de 609.750 mortes e 21.897.000 infectados69.
Em março de 2020 a situação sanitária, particularmente no Brasil,
enfrentou o início do processo de infecções pela COVID-19 e os primeiros
passos do isolamento social. O encerramento das atividades, de modo geral,
parecia ser de poucos dias, entretanto, as preocupações e os contágios se
manifestavam de forma assustadora e letal, fazendo com que o distancia-
mento e as devidas precauções prolongassem o período de fechamento de
vários setores públicos e privados.

69
(news.google.com – acesso: 10.11.2021)

342
A educação, nesse contexto, por alguns meses foi mantida pela espe-
rança do retorno presencial, porém, com o aumento da doença e das mortes
provocadas pela COVID-19, a indicação recebida pelos setores diretivos-
educacionais brasileiros foi da realização de aulas online – por meio do Ensi-
no Remoto Emergencial (ERE). Desse modo, os professores iniciaram um
novo encaminhamento de rotina e planejamentos, com dificuldades e impre-
vistos, como: a adaptação dos professores com as ferramentas tecnológicas
(meios digitais) que os possibilitavam trabalhar com os alunos virtualmente;
adaptação dos próprios alunos com o ensino por distanciamento e, também,
o fato de muitos alunos não terem acesso à internet (WIFI) e aparelhos
(computadores ou celulares) com capacidade de atendimento virtual.
Com isso, a instabilidade educacional estava posta. Os planejamen-
tos indicados pelos departamentos responsáveis pela educação dos estados e
municípios se confundiam em contextos presencial e virtual, causando inse-
guranças e trabalhos precários. Foram meses de estudos, planejamentos e
meios para adaptação, interação e mediação virtual entre professores e alu-
nos, para alcançar uma possível aproximação do ensino remoto qualitativo.
Vejamos essas questões com mais detalhes no item a seguir.

2. Infraestrutura material e pessoal inadequado

Não diferente de países com significativas diferenças sociais, no Bra-


sil as políticas educacionais adotadas pelo Ministério da Educação se depa-
raram com situações contraditórias que norteavam a perspectiva de estudo
remoto. Parte dos alunos da Rede Pública de Ensino, adultos e crianças, não
tinham pleno acesso aos aparelhos tecnológicos e à infraestrutura que viabi-
lizassem as aulas em suas casas. Outro ponto que impossibilitou um engaja-
mento imediato com o - EREERE foi o despreparo dos professores em rela-
ção aos desafios tecnológicos com o ensino à distância. De acordo com um
levantamento realizado pelo Instituto Península (p. 52), os maiores desafios
enfrentados pelos professores, em ordem decrescente, foram:

343
Falta de infraestrutura e conectividade dos alunos 79%
Dificuldade de manter o engajamento dos alunos 64%
Distanciamento e perda de vínculos com alunos 54%
Falta de formação para lidar com desafios do ensino 49%
remoto
Falta de conhecimento das ferramentas virtuais 46%
Falta de um ambiente adequado para trabalhar em 45%
casa
Lidar com pais, familiares e cuidadores 38%
O lado emocional tem atrapalhado meu trabalho 34%
Falta de conhecimento de recursos de acessibilidade 26%
comunicacional
http://www.institutopeninsula.org.br/ Acesso 11.07.2021

Diante dos dados acima, representando algumas das dificuldades


enfrentadas pelos professores para atenderem às demandas de exigência
educacional no momento de pandemia, consideramos que o país está des-
preparado para atender as prioridades estipuladas como elementos indispen-
sáveis para o futuro: o uso da tecnologia no segmento que atinge a organiza-
ção de civilidade e de estabilidade da sociedade - a educação.
De acordo com a pesquisa do IBGE (instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística) de 2019, referente ao uso da internet nas diferentes regiões
brasileiras, ―a internet chega a oito em cada dez domicílios brasileiros‖. En-
tretanto, o uso da internet para fins emancipatórios, no sentido de liberdade
de pensamento e de reflexões para estudo e investigação formativos, é des-
proporcional quando referenciado à comparação do uso como passatempo
de senso comum e de agressividades,

Brasil é um dos países mais agressivos na Internet. Em um ranking internaci-


onal sobre civilidade na internet, elaborado a partir de entrevistas em 32 países,
41% avaliam que os ataques e a disseminação de desinformação aumentaram
durante a pandemia, 26% acham que o ambiente melhorou. Dados do Índice
de Civilidade Digital, elaborado pela Microsoft. Com base em 14 mil entrevis-
tas em 32 países, o Brasil aparece em 25º, com ICD 72, numa escala de zero a
100. Isso deixa o Brasil empatado com o Vietnã, e um pouco menos agressivo
que Hungria (73), Peru e Suécia (74), México e Indonésia (76), Rússia (80) e
África do Sul (81). Mas longe dos Países Baixos (51), Reino Unido (55) e EUA
(56) [...] O índice é baseado em pesquisa de maio de 2020 para medir as atitu-

344
des e percepções de adolescentes (13-17 anos) e adultos (18-74 anos) sobre o a-
tual estado da civilidade digital. Quanto mais baixo o índice na escala, menor a
exposição ao risco e maior a percepção de gentileza online entre as pessoas no
país (https://www.avellareduarte.com.br/internet-no-brasil-2020estatisticas/)
Acesso: 14.10.2021

A perda de tempo com o mau uso da internet sem a devida instru-


ção e o investimento para o desenvolvimento da educação revela, principal-
mente em momentos de instabilidade social, a falta de civilidade e o des-
compromisso do singular com o coletivo. Existe a preocupação com o parti-
cular, a necessidade de apresentar a exposição do ‗eu‘, muitas vezes um ‗eu‘
não verdadeiro. A importância de ser um ‗eu‘ melhor do que o outro implica
na dissonância do significado de sociedade, visto que, o resultado da socie-
dade, de modo geral, explicita as relações que cada um exerce nesse meio.
De acordo com IMD World Competitiveness Center, a posição de 51º ocupada
pelo Brasil, de 64 países, expõe a proporção do investimento atribuído à
educação, haja vista que a competitividade mundial está interligada, essenci-
almente, às pesquisas científicas, às ciências exatas e à inovação investigativa
e tecnológica.
Essa posição apresentada pelo IMD World Competitiveness Center justi-
fica a classificação do Brasil no ranking mundial de educação: 57º lugar em
leitura, 70º lugar em Matemática e 66º em Ciências (IBGE, PISA, 2018).
Houve um atraso significativo na educação brasileira que a equipara com
alguns países muito menos desenvolvidos, como Brunel, Catar e Albânia. As
pesquisas comparativas entre os países do mundo revelam que a educação é
o meio pelo qual os demais setores sociais podem ou poderão se desenvolver.
Contudo, esse planejamento para o futuro, no que diz respeito ao Brasil,
parece estar mal dimensionado e sem um propósito empírico para a melhoria
da educação.
Um ponto considerado relevante para esse aspecto é o de analfabe-
tismo no Brasil que, segundo a estatística datada de 2019 do Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresenta percentual preocupante.
Além de preocupante, consideramos que o analfabetismo e o semianalfabe-
tismo interferem no enfrentamento da crise sanitária, bem como na perma-
nência na escola. Acreditamos que devido ao fato de o número de analfabe-
tos ser considerável até o ano de 2019, no pós-pandemia teremos um percen-
tual maior de evasão escolar, principalmente pelos jovens do ensino médio –

345
período escolar que não é exigido como obrigatório. Vejamos os dados pu-
blicados pelo IBGE em 06 de maio de 2020.

Compreendemos que as regiões Norte e Nordeste, respectivamente,


são as mais afetadas com o número de adolescentes que abandonam a escola
por diversas razões. Considerando que essas regiões são mais desfavorecidas
e com sérios problemas relacionados à economia regional, política, estrutura
sanitária, espaçamento geográfico e formativa, os estímulos para a educação
são repreendidos para priorizar as necessidades de sobrevivência familiar.
Pensar na crise educacional do momento requer algumas compreen-
sões que dimensionam e especificam o país e, no caso do Brasil, devido à sua
extensão geográfica (8.514.876 Km2), as suas regiões se diversificam em
diferentes aspectos. As regiões Sul e Sudeste, por exemplo, por terem índices
percentuais menores de analfabetos indicam proporções inferiores de desis-
tências e problemas enfrentados pelos professores, alunos e pais de alunos.
Os dados comprovam que o acesso à comunicação tecnológica, com
bom uso e propriedade, requer a relação da formação educacional como
suporte de acolhimento do ‗novo‘ para suprir as exigências sociais. Ou seja, é
necessária a compreensão de que a mudança, muitas vezes, se torna essenci-
al para compor e transpor um cenário que exige o aprendizado imediato e a
superação da zona de conforto.

346
A formação dos professores é um ponto preocupante no que diz res-
peito à adaptação e atendimento aos requisitos do ERE, visto que muitos se
consideraram despreparados para tais atividades. Devemos avaliar que o
esforço físico e mental que se referem à alteração das atividades presenciais
(nas devidas instituições) para as remotas (home office), de forma imediata,
requerem dedicação individual mais expressiva. Segundo José Carlos Souza
Araújo (2012) ―[...] as técnicas de ensino e as tecnologias educativas se cons-
tituem em instrumentos de intervenção para construir o futuro da humani-
dade (p. 118)‖. Ainda, o autor entende que ―A técnica e a tecnologia são
mediações a intervir sobre os sujeitos humanos – alunos -, através de sujeitos
humanos – os professores - que visam a construção do próprio ser humano.
Aqui está o fulcro da educação, a intersubjetividade (p.118)‖.
Perante essas inquietações que presenciamos no nosso cotidiano dos
quase dois anos de pandemia, buscamos na história algumas reflexões para a
aprendizagem do novo, isto é, daquilo que está sendo veiculado na socieda-
de e torna-se aceitável e admissível quando as possibilidades de rejeição se
esgotam.
Ao repensarmos a história, compreendemos que a novidade sempre
se deparou com algumas angústias e despreparos para o enfrentamento e
aceitação do ‗novo‘. Entretanto, o que chamamos de novo, na verdade não é
novo. As mudanças não acontecem do dia para a noite, muitas vezes elas já
estão presentes na sociedade há anos ou décadas e estão adaptadas em al-
guns setores, mas só nos damos conta da sua necessidade quando essas alte-
rações se tornam prioritárias no dia a dia.
Erasmo de Roterdã (1466-1536) escreveu um texto sobre educação
denominado De Pueris. Faremos referências à essa obra para exemplificar a
necessidade de reflexões nos diferentes âmbitos da sociedade, sejam eles:
econômico, educacional, político, familiar ou religioso. A preocupação do
autor, para o seu período, era com a educação das crianças, a partir do com-
portamento dos pais e dos pedagogos que iam diretamente trabalhar com a
formação humana da criança.
A novidade do seu tempo não é a educação da criança, pois o pro-
cesso educacional sempre foi abordado por autores da Antiguidade, Medie-
validade e Modernidade, mas o que Erasmo quer apresentar é a mudança na
educação da criança para a sua época. No capítulo V da obra De Pueris, inti-
tulado A antipedagogia do castigo, Erasmo afirma que o tempo já não é mais o
mesmo de outrora, é preciso ensinar a criança de outra maneira que não seja

347
a do castigo. Ele diz ―Ninguém flagela de maneira mais cruel a criança do
que o professor que nada tem a ensinar. Que outra coisa sabem fazer no
magistério tais indivíduos senão matar o tempo com cenas de espancamento
e vociferação (s/d, p.71)‖.
Erasmo não estava propondo algo que não fosse comum ao seu pe-
ríodo e que acontecia somente no passado. Ele mesmo relata sobre os casti-
gos que sofreu. Porém, o que analisa é a mudança que a sociedade sofreu e a
necessidade de que os homens que compusessem as relações futuras tivessem
o desenvolvimento intelectual por meio de uma metodologia diferente da-
quela que, até então, era considerada como correta.
No início do século XVI, momento em que a obra de Erasmo foi
escrita, a comercialização era retratada pelas atividades que precisavam de
conhecimentos específicos para as negociações. O ensinar e o aprender deve-
riam fazer parte desse modo de vida que vinha se apresentando há séculos e
que, no período de Erasmo, tinha ganhado estabilidade e representava pros-
peridade social.
Montaigne (1533-1592), nascido um pouco antes do falecimento de
Erasmo, filho de comerciantes, pôde presenciar e participar de forma mais
clara das relações comerciais. Ensinar as crianças, segundo Montaigne, en-
quanto o comércio era o futuro dos homens ―Nessa escola do comércio dos
homens [...] Educar-se-á o menino a mostrar-se parcimonioso do seu saber,
quando o tiver adquirido; a não se formalizar com tolices e mentiras que se
digam em sua presença (s/d, p.154)‖.
O autor retrata que o mundo mudou, ou estava mudando, e a preo-
cupação com o social, aos poucos, perdia autonomia. Os homens se centra-
vam mais no particular, no valor do negócio e da mercadoria. Por isso, o
autor repreende a falta da filosofia para ensinar o homem a mensurar o ne-
cessário da superfluidade ―[...] o ofício da filosofia é serenar as tempestades
da alma e ensinar a rir da fome e da febre, não mediante um epiciclo imagi-
nário qualquer, mas por meio de razões naturais e sólidas (s/d, p.160)‖.
São momentos de reflexões que podem ser considerados essenciais
para entender os movimentos históricos de aceitação e adaptação daquilo
que está posto socialmente como forma de superação. O período de Erasmo
e Montaigne, por exemplo, já não acolhia a imposição de conhecimentos
que não tivessem relação com a formação do homem do século XVI. Eras-
mo, no capítulo 17 – intitulado Riqueza não dispensa instrução, afirma que:

348
―Terá sim‖, como soem falar, ―de onde se sustentar‖, mas lhe faltará de onde
tirar a retidão do bem viver. Por via de regra, quanto mais rico o pai menor o
empenho com a educação dos filhos. ―Para que filosofia?‖ – contestam – ―Eles
já estão bafejados pela fortuna!‖. A verdade é bem outra. Quando mais locuple-
tados tanto maior a necessidade de valerem-se dos préstimos da filosofia.
Quanto maior o navio e mais carga transporta tanto mais urge a presença de pi-
loto experimentado (pp. 29-30).

O autor questiona a necessidade de instrução adequada ao desen-


volvimento que ele presencia na sua época. Se os pais e pedagogos continu-
assem a pensar na educação das crianças como outrora, as dificuldades futu-
ras seriam cruciais para o coletivo, visto que, segundo ele ―É inquestionável.
Homens sem instrução em filosofia ou em outras disciplinas não passam de
criaturas inferiores, em certos aspectos, aos animais‖ (pp.31-32).
A mudança do modo de ensinar para atender às prioridades da épo-
ca foram questionadas e tratadas por diversos autores. A nosso ver, a questão
principal, não fazendo comparações ou anacronismos, é entender que os
períodos se diferenciam historicamente e exigem alterações nas diferentes
áreas que totalizam as vidas cotidianas. A educação permeia e sustenta as
relações sociais nas suas diferentes vertentes, sejam elas econômicas, sanitá-
rias, políticas, religiosas etc.
Montaigne dizia que ―[...] acontece na agricultura: o que precede à
semeadura é certo e fácil; e também plantar. Mas depois de brotar o que se
plantou, difíceis e variadas são as maneiras de tratá-lo‖ (p. 150). Há na sua
análise a comparação da educação do homem com a natureza e a preocupa-
ção com a dedicação que os pais e professores devem ter com a formação da
criança. Não é coisa pouca, é simplesmente o futuro social que está sendo
ensinado ―Assim, os homens: pouco custa semeá-los, mas depois de nasci-
dos, educa-los e instruí-los é tarefa complexa, trabalhosa e temível‖ (p.150).
Ele apresenta aos homens a importância de aprender a ter consciên-
cia sobre a sociedade que deveria ser instruída para o futuro. Erasmo e Mon-
taigne já pensavam que educar era preparar para as mudanças, era ensinar a
refletir sobre o planejamento e a dedicação para acompanhar o desenvolvi-
mento social.
Para nós, hoje, em 2021, é considerada como a atual necessidade,
trabalhar com a tecnologia para ensinar os alunos em home office, por meio
do uso de plataformas, e realizar encontros, eventos e reuniões regionais,
nacionais e internacionais ao vivo, vendo as pessoas e conversando com elas,
cada qual na sua casa, no seu ambiente de trabalho e no seu respectivo esta-

349
do ou país. No século XVI, a necessidade era de navegar, desbravar os ma-
res, ultrapassar o medo e seguir os astros para encontrar outros povos, en-
tender diferentes línguas, resolver os cálculos matemáticos para negociar e
transitar entre culturas que ensinavam e aprendiam com o ‗novo‘.
A nosso ver, analisar o passado alivia as angústias do presente, pois
entendemos que as novidades ou alterações fazem parte do movimento hu-
mano, isto é, do que os homens criam e estabelecem como necessário.
No caso da pandemia e do isolamento social, acreditamos que não
foi um movimento criado. Esse não é o momento para essa discussão que,
nos últimos vinte meses, ainda é debate científico e político. O que podemos
afirmar é que a tecnologia já estava ao nosso alcance e que, por extrema
necessidade, ela se tornou parte do cotidiano escolar. A mudança social
exigiu que o ensino fosse modificado. A adaptação não veio de forma suave
e preparada. Tivemos que suprir o que não tinha outro meio de ser suprido.
O ensino deveria continuar, mesmo em meio a óbitos diários de amigos,
colegas, professores, alunos, parentes e outros que a mídia anunciava diari-
amente.
Após vinte meses, presenciamos um momento de impossibilidade e
de incertezas, entretanto, de esperança, no sentido de tentarmos voltar ao
que antes chamávamos de normalidade, apesar de compreendermos que será
difícil ou quase impossível conseguirmos continuar da mesma forma que
estávamos antes da pandemia.
A metodologia educacional se modificou em decorrência das alte-
rações que foram presenciadas no seu devido contexto e, consequentemente,
ocorreram mudanças também no comportamento individual/social.
O comportamento, ao acompanhar a exigência da época e vincula-
do ao conhecimento, precisa apresentar a consciência para a ação coletiva. O
agir deve estar sincronizado com o bem comum, apesar disso, o que deve
prevalecer é o todo na sua integridade e com a justa relação do singular inse-
rido no plural.
Entretanto, na comunicação foi gerada uma lacuna entre o presen-
cial e virtual. Essa lacuna foi suprida temporariamente pelos meios midiáti-
cos com uso de plataformas que, apesar de distanciar os debates dos locuto-
res, ao mesmo tempo favoreceu a aproximação referente ao distanciamento
geográfico por meio da comunicação virtual. Nesse contexto, o comporta-
mento se alterou, pois o pessoal se tornou formal. Quando antes o contato
era presencial/pessoal em aulas, reuniões, eventos etc., tivemos a necessida-

350
de de formalizar a fala que quase sempre estava sendo gravada e a imagem
fotografada.
Foi e ainda é uma maneira nova de pensar, se comportar e se comu-
nicar. Esses pontos, de início, foram muito difíceis de serem adaptados e
realizados. Tivemos muitas reuniões, instruções e tentativas de melhorar e
aperfeiçoar o ensino e a aprendizagem de forma síncrona. Desse modo, a-
presentaremos alguns dados sobre a Pesquisa Resposta Educacional à Pandemia
da Covid-19 realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-
cionais Anísio Teixeira – Inep.

3. Inep - Pesquisa Resposta Educacional à Pandemia da Covid-19

Ante as questões já tratadas, faremos nesse item a apresentação so-


bre a pesquisa que foi realizada pelo Inep sobre as mudanças e adaptações
educacionais no país. Foi aplicado um questionário no início de 2021 nas
instituições públicas e privadas com o objetivo de analisar o rendimento do
aluno e o desenvolvimento do ano letivo de 2020. ―Ao todo, 168.739 escolas
responderam ao questionário aplicado pelo Inep por meio do Censo Escolar
2020. O percentual corresponde a 97,2% (134.606) e 83,2% (34.133) das
redes pública e privada, respectivamente‖
(Inep: https://www.gov.br/inep/pt-br).

(Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-


atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar>: acesso em
12.11.2021)

351
O quadro nos revela que as escolas, quase na sua totalidade, aderi-
ram ao ensino remoto e que os dias letivos foram trabalhados com o devido
distanciamento exigido na média de mais de três bimestres no ano de 2020.
Para esclarecer melhor, abaixo temos um gráfico do percentual de escolas
que não retomaram as atividades presenciais em 2020.

(Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-


atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar>: acesso em
12.11.2021)

Vemos que o percentual de escolas que não realizaram suas ativida-


des presenciais chega à média de aproximadamente 90%. Os 10% de varia-
ção, pelo nosso entendimento, são escolas que se posicionaram a voltar ao
presencial, assumindo os devidos riscos de contaminação, em momentos em
que os respectivos estados apresentaram números decrescentes de contami-
nação e óbito.
Acreditamos ser importante apresentar também os dados referentes
a alguns outros países, sobre os dias letivos sem o ensino presencial.

352
(Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-
atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar>: acesso em
12.11.2021)

O que podemos observar, pelos dados acima, é que o Brasil ultra-


passou a Índia com dias sem aulas presenciais, posto que, sem respaldo no
momento, para uma análise crítica política, as condições brasileiras perante
educação/pandemia foram extremas e inadequadas para dar sequência ao
ensino/aprendizagem em momento de instabilidade social.
O mapa do Brasil, abaixo, nos permite fazer uma síntese das dificul-
dades que determinadas regiões enfrentam, enfrentaram e, possivelmente,
enfrentarão em relação à educação e à possibilidade de qualificar o ensino e
entendê-lo como responsável por parte do desenvolvimento social futuro.

353
(Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-
atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar>: acesso em
12.11.2021)

Quando mencionamos acima o IMD World Competitiveness Center, re-


velando informações sobre a educação mundial e necessidade de valorização
do ensino para os países serem competitivos em desenvolvimento e com
incentivos para igualizar alguns fatores discrepantes, compreendemos que no
espaço regional brasileiro passamos por discrepâncias significativas relacio-
nadas com diversos e diferentes setores da sociedade, sejam eles: educação,
saúde, infraestrutura, alimentação, desigualdade, pobreza, desenvolvimento
econômico centrado na população do estado, dentre inúmeros outros que
poderiam ser citados.
Com a crise sanitária, ocorrida pela Covid-19, talvez essa questão
tenha ficado mais explícita e negativa mundialmente. Ficamos situados entre
os países menos desenvolvidos e com poucas condições de prestar estratégias
que funcionassem de acordo com as prioridades e necessidades de cada esta-
do/município.
As plataformas e aparatos midiáticos que foram incentivados e utili-
zados, conforme veremos abaixo, não alcançaram a população de modo
geral e, coadunado com isso, a analisamos que a precariedade é centrada nos
municípios das regiões que mesmo sem a pandemia, já eram extremamente
vulneráveis.

354
(Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-
atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar>: acesso em
12.11.2021)

O percentual nos apresenta que o máximo, principalmente nos mu-


nicípios, não foi atingido e que a base da educação, considerada como a
educação infantil e o ensino fundamental, não alcançou o uso das ferramen-
tas com os alunos. Nesse sentido, 2020 foi um ano em que as crianças fica-
ram estagnadas na educação. Pelos dados disponibilizados, conclui-se que
não foi possível os alunos aprenderem os conteúdos básicos que os possibili-
tam dar sequência ao ano subsequente do ensino escolar, ao menos nos esta-
dos mais desfavorecidos.
Para finalizar essa questão apresentamos os dados referentes ao per-
centual de escolas que criaram estratégias para finalizar o ano letivo de 2020.
As estratégias foram complementação curricular, ampliação das jornadas,
reforço e aulas concomitantes (presencias e não presenciais). No início de
flexibilização das relações sociais de maneira semipresencial, apesar de as
escolas, gestores e professores, terem se empenhado para não deixarem lacu-
nas profundas no ensino e na aprendizagem, o resultado desse esforço será
presenciado em um futuro próximo, no qual teremos esses alunos prestando
as provas de avaliação do sistema básico de ensino e seus comportamentos
participativos na sociedade.

355
(Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-
atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar>: acesso em
12.11.2021)

Investigamos esses dados objetivando destacar a necessidade do


compromisso que é assumido pelos educadores e as metodologias aplicadas
no ensino-aprendizagem. As dificuldades, principalmente nos momentos de
grandes instabilidades na sociedade, como vimos historicamente, geram a
necessidade de mudar e ajustar alguns pontos que favoreçam o pensar refle-
xivo de cada época.
São tratados que exigem o entendimento de que para a virtude da
responsabilidade e do respeito pessoal e profissional é essencial que a com-
preensão do micro esteja inserida e incorporada no macro, portanto, ―A
distinção passado/presente que aqui nos ocupa é a que existe na consciência
coletiva, em especial na consciência histórica‖ (LE GOFF, 1990, p. 2

4. Considerações Finais

Este trabalho teve como objetivo abordar o uso da tecnologia como


instrumento de ensino, transitando em uma relação entre passado e presente,
com enfoque no contexto pandêmico estabelecido nos anos de 2020 e 2021.
Reconhecer os desafios atuais para a educação carece de profundas
reflexões sobre as mudanças na sociedade, impostas à adaptação ao ‗novo‘,

356
de forma a colocar em prática as prioridades presentes no seu devido contex-
to social e educacional.
A partir do caminho metodológico proposto, nos propusemos a dis-
correr sobre a infraestrutura material e tecnológica do país, bem como o
panorama nacional em questões de investimento atribuído à educação e a
avaliação de seus estudantes perante o cenário mundial. Por meio dessa
análise, foi possível tecer considerações sobre essas triangulações supracita-
das, inclusive no que diz respeito ao processo de ensino e aprendizagem e à
formação docente.
No tocante a aprendizagem, ela não diz respeito somente aos co-
nhecimentos científicos, mas também à forma que o aprendizado dos conhe-
cimentos científicos favorece as relações de mudança e de organização da
sociedade.
Compreendemos que essa é a questão que devemos nos ater, bem
como justificar a importância principal da educação para a formação huma-
na. A formação para a civilidade exige que haja aprofundamento das ações
perante o(s) outro(s).
Quando Erasmo e Montaigne se dispõem a tratar a educação da cri-
ança no século XVI e afirmam que é preciso a mudança dos adultos (pais e
profissionais) que educam a criança desde o nascimento, eles se referem à
formação completa e pertinente às alterações que eles sofriam e compreendi-
am no seu meio social.
Analisar o passado se configura como um mecanismo para atenuar
as apreensões do presente, uma vez que inovações ou mutações impostas
permeiam no movimento humano, isto é, do que os homens criam e as esta-
belecem como necessário. Essa reflexão é elementar e necessária no contexto
educacional atual, em que a Pandemia trouxe alterações muito significativas
à dinâmica da vida.
No presente vivemos as incertezas do porvir: Como será a fase pós-
pandemia? Como serão as relações pessoais presenciais? Usaremos as mes-
mas metodologias nas escolas para ensinar os alunos? Continuaremos com
as reuniões e eventos por meio de plataformas? São questões que não conse-
guiremos responder com toda certeza do que ocorrerá e como será, mas
sabemos que muita coisa mudou no particular e no coletivo. Ambos estão
vinculados, portanto, se nós mudamos o nosso modo de agir perante algu-
mas situações particulares, devemos entender que no coletivo tudo também
mudou e como profissionais educadores, devemos apreciar, entender e inse-

357
rir o conhecimento com o social para formar o aluno qualificado e interativo
das mudanças que presenciará e participará para a organização da sociedade.

REFERÊNCIAS

ARAUJO. José Carlos Souza. Educação brasileira: O futuro e o passado


perspectivados pelo presente. In: Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.45,
p. 115-127, mar2012.

ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2016.


IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
https://www.avellareduarte.com.br/internet-no-brasil-2020estatisticas/
Acesso em: 14.10.2021

INEP. Instituto Nacional de Estudos Educacionais Anísio Teixeira.


https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-
indicadores/censo-escolar>: acesso em 12.11.2021

INSTITUTO PENÍNSULA. http://www.institutopeninsula.org.br/ Acesso


11.07.2021.
IMD World Competitiveness Center: https://www.imd.org/centers/world-
competitiveness-center/about-wcc/ Acesso em: 14.10.2021

LE GOFF, História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.

MONTAIGNE, Michel. Da Educação da Criança. In: Os Pensadores. São


Paulo: Nova cultural, 2000.

ROTERDÃ, Erasmo. De Pueris (Dos meninos). São Paulo: Ed. Escala, s/d.

358
SOBRE OS AUTORES E AUTORAS

Aderlan Silverio: Doutorando em Filosofia, mestre em Educação em


Ciências e em Matemática, filósofo especialista em Ensino de Filosofia no
Ensino Médio (UFPR).

Airton José Vinholi Júnior: Professor efetivo do IFMS e do PPG em Ensi-


no de Ciências da UFMS. Mestre em Ensino e Doutor em Educação pela
UFMS. Pesquisador de pós-doutorado pela Fiocruz/IOC. Vice-líder do
Grupo de Pesquisa – NUPAT e integrante do Grupo de Pesquisa em Ensino
da Fiocruz/IOC.

Aldemar Balbino da Costa: Doutorando e Mestre em Educação pela UFPR,


Especialista em: Psicologia Clínica, Psicologia Junguiana, Educação Especi-
al com ênfase em Libras, Ciências Neurológicas e Surdo-cegueira. Habilita-
ção em Magistério Superior, Bacharel em Psicologia pela PUC-PR, Tradutor
e Intérprete de Libras, Guia-intérprete. Contato: [email protected]

Araci Asinelli-Luz: Graduada em História Natural. Mestre e Doutora em


Educação. Atualmente é professora aposentada atuando nos programas de
pós-graduação em Educação do Setor de Educação da UFPR. Integrante do
Núcleo de Estudos de Pedagogia Social (NEPS); Grupo de Pesquisa Cogni-
ção, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano e Comunidade de Prática
de Pesquisa Educação Preventiva Integral – CPP. E-mail: araciasinel-
[email protected]

Carine de Campos Moraes Barros: Mestranda do PPGE-UFPR pela linha


de pesquisa: Cultura, Escola e Processos Formativos em Educação. Membro
da equipe da Secretaria Municipal de Educação de Piraquara, na coordena-
ção de formação continuada. Graduada em Pedagogia e especialista em
Gestão do Trabalho Pedagógico e Neuropedagogia. carinebar-
[email protected]

Carlos Roberto Caron: Doutor e Mestre em Educação pela UFPR, gradua-


do em Medicina pela FEMPAR, professor de Neurologia e Semiologia Mé-
dica da FEMPAR. E-mail: [email protected]

Caroline Fernandes de Oliveira Grinberg: Mestranda em Física e Astro-


nomia na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Licencia-

359
da em Ciências Exatas - Física pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). E-mail: [email protected]

Caroline Silva Borba: Graduada em Letras-Português e suas respectivas


literaturas (UNESPAR) e Pedagogia (UNESPAR), pós-graduada em Psico-
pedagogia Institucional (ISULPAR) e mestranda em Educação
(PPGE/UFPR). Professora de Língua Portuguesa e Literatura (PR). E-mail:
[email protected]

Chavelli Dominique Luiz Machado: Graduada em Pedagogia (UCB), espe-


cialista em Educação a Distância com ênfase em formação de tutores, mes-
tranda em Educação pelo PPGE/UFPR e Pedagoga da Rede Municipal de
Pinhais-PR. E-mail: [email protected]

Cleber Lopes: Graduado em História, especialista em Docência do Ensino


Superior e EaD, mestrando em Educação pelo PPGE/UFPR e Diretor da
Costa & Lopes Psicologia e Educação – Curitiba – PR. E-mail: professorde-
[email protected]

Conceição Solange Bution Perin: Professora efetiva da Unespar e dos PPGs


em Ensino - PPIFOR/Unespar e em Educação - PPE/UEM. Mestrado,
Doutorado e Pós-Doutorado em Educação pela UEM e Estágio na Univer-
sidade de Salamanca. Líder do Grupo de Pesquisa – GPEMC e integrante do
Grupo de Pesquisa GTSEAM e do Núcleo – NICE.

Daniel Godinho Berger: Doutorando e mestre em Educação na Universi-


dade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciado em Geografia (UFSC).
Especialista em EJA na modalidade Proeja (CEFET). Membro da Coorde-
nação do FEJA SC. Pesquisador vinculado ao do Grupo de Estudos e Pes-
quisas em Educação de Jovens e Adultos (EPEJA/UFSC). Professor da
RME de Florianópolis. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8868-2362 E-
mail: [email protected]

Eduardo Fofonca: Doutor em Educação, Arte e História da Cultura (UPM),


com pós-doutorado em Educação (UFSC) e em Didática (UNESP). Profes-
sor do Programa de Mestrado em Educação: teoria e prática de Ensino
(UFPR) e do Programa de Pós-graduação em Educação (UNILO-
GOS/EUA). E-mail: [email protected]

Elizangela Sarraff: Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação


Teoria e Prática da UFPR. Docente e pesquisadora da Secretaria Estadual de

360
Educação do Estado do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa – CNPq -
Universidade Escola.

Ettiène Guérios: Doutorado em Educação Matemática pela UNICAMP,


Mestre em Educação pela UFPR, Licenciada em Matemática e em
Pedagogia pela UFPR, docente nos Programas de Pós-Graduação em
Educação (Acadêmico) e em Educação: Teoria e Prática de Ensino
(Profissional). E-mail: [email protected] . ORCID: http://orcid.org/0000-
0001-5451-9957

Fabielle Rocha Cruz: Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Edu-


cação na Universidade Federal do Paraná, especialista em Educação Bilín-
gue e em Games e Gamificação na Educação, licenciada em Letras Portu-
guês/Inglês, membro do Grupo de Estudos Multiletramento, Multimodali-
dade e Formação de Professores de Língua Estrangeira. Professora tutora do
Centro Universitário Internacional UNINTER.

Gabriela Kaiana Ferreira: Doutora e Mestre em Educação Científica e Tec-


nológica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Licenciada
em Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), atual-
mente professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-
mail: [email protected]

Hector Paulo Burnagui: Mestrando do Programa de Pós-graduação em


Educação Teoria e Prática da UFPR. Docente e pesquisadora da Rede mu-
nicipal de Educação do município de Araucária. Membro do Grupo de Pes-
quisa – CNPq - Universidade Escola.

Humberto Costa: Pós-doutorando em Educação pela Universidade Federal


do Paraná (UFPR). Pós-doutor em Engenharia e Gestão Industrial (UPorto).
Doutor em Design (UFPR) e Doutor em Educação (UFPR). Especialista em
Design Instrucional, professor e produtor de conteúdo para EaD.

Jackline Rabelo: Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal


do Ceará – UFC. Com pós-doutorado na École des Hautes Études en
Sciences Sociales – EHESS de Paris/França. Professora Titular da Faculda-
de de Educação da Universidade Federal do Ceará – UFC. E-mail: jackline-
[email protected]

Jimmy Schlettz Fernandes: Mestranda do PPGE- UFPR pela linha de pes-


quisa: Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano. Membro da
equipe da Secretaria Municipal de Educação do município de Piraquara,

361
graduada em Pedagogia e especialista em literatura infanto-juvenil e psico-
pedagogia. [email protected]

José Antonio Gabriel Neto: Licenciado e bacharel em História pela Univer-


sidade Federal do Ceará, doutor em Educação pela Universidade Federal do
Ceará. Professor do curso de Pedagogia da UniAteneu. Trabalha com os
seguintes temas: História da Educação, Educação Superior, Políticas em
Educação e Formação de professores. E-mail:
[email protected]

Josiane Barbosa Gonçalves: Professora da Rede Municipal de Piraquara.


Graduada em Pedagogia e Especialista em Gerenciamento do Ambiente
Escolar: Supervisão e Orientação. E-mail: [email protected]

Luís Távora Furtado Ribeiro: Mestre em Educação e Doutor em Sociologia


pela Universidade Federal do Ceará – UFC com Pós-doutorado na École des
Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS de Paris/França. Professor
Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará –
UFC. E-mail: [email protected]

Márcia de Oliveira Menezes: Doutoranda do Programa de Pós-Graduação


em Educação e Contemporaneidade (PPGEDUC) – DINTER/ Convênio
UNEB/UESB. Professora Assistente da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (UESB). E-mail: [email protected]

Marcia Ferreira Brandão: Mestranda em Educação pelo PPGE:TPen


UFPR, Especialista em Educação Transformadora pela Faculdade
Vicentina, Licenciada em Pedagogia pela UFPR. Membro dos grupos de
pesquisa Tessitura - UFPR e GPEACM - UFPR. Docente da Secretaria
Municipal de Educação de Curitiba. E-mail: [email protected]

Maria Augusta Bolsanello: Pós-Doutorado em Psicologia pela Universidade


de Murcia, Espanha (2006); Doutorado em Psicologia Escolar e do Desen-
volvimento Humano pela USP (1998); Mestrado em Educação pela UFPR
(1991).

Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin: Pós-doutora em Educação e Con-


temporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia. Doutora em Educa-
ção Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestra em Educação pela Universidade
Estadual de Campinas. Professora do PPGE da UFSC e Coordenadora do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (EPE-

362
JA/UFSC) e da Pesquisa interinstitucional ―Fundamentos e Autores Recor-
rentes do Campo da Educação de Jovens e Adultos no Brasil‖ (CNPq). Or-
cid: https://orcid.org/0000-0002-4562-308X E-mail: herminialaf-
[email protected]

Mariangela Jocelita Frigo de Campos: Mestrado em Educação. Professora


da Rede Municipal de Ensino de Curitiba-PR.

Maurício Fagundes: Doutor em Educação. Prof. Associado da UFPR. Do-


cente do Programa de Pós-graduação em Educação e Teoria e Prática; do
Programa de Pós-graduação PROFICIAMB e docente de graduação no
Setor Litoral da UFPR. Coordenador do Grupo de Pesquisa – CNPq - Uni-
versidade Escola e membro da Rede freireana de pesquisadores.

Neila Tonin Agranionih: Doutorado em Educação. Professora da Universi-


dade Federal do Paraná – Setor de Educação.

Roberta Kelly Santos Zimermann: Mestranda em Educação: Teoria e


Prática de Ensino pela UFPR, Especialista em Arte, História e Cultura pela
UEPG, Licenciada em Artes Visuais pela EMBAP. Docente da Secretaria de
Estado da Cultura. E-mail: [email protected]

Rodrigo Sanches-Rosa: Graduado em História (UNIPAR) e Pedagogia


(UFPR), especialista em História e Humanidades (UEM) e mestrando em
Educação (PPGE/UFPR). Agente de Segurança Socioeducativo (PR). Gru-
po de Pesquisa Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano e
Comunidade de Prática de Pesquisa Educação Preventiva Integral – CPP. E-
mail: [email protected]

Rossano Silva: Doutor e mestre em Educação pela UFPR, graduado em


Desenho pela Embap, Professor do Programa de Pós-graduação em
Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação: Teoria e Prática
de Ensino da UFPR. E-mail: [email protected]. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-1591-860X

Samara Mendes Araújo Silva: Graduada em História pela Universidade


Federal do Piauí, doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará.
Atualmente é professora da Universidade Federal do Paraná, atuando no
curso de Pedagogia e no programa de pós-graduação em educação. Atua na
área de história da educação e das instituições escolares. E-mail: samara-
[email protected]

363
Sandra Maria Ferreira Jeremias: Graduada em Pedagogia (PUC/PR), es-
pecialista em Coordenação Pedagógica (UFPR), mestranda em Educação
(PPGPE:TPEn/UFPR). Pedagoga (SEED/PR).
E-mail: [email protected]

Simone Schermak das Neves: Graduada em Pedagogia, (Unioeste) especia-


lista em Educação Especial, Psicopedagogia e Direito Educacional, mestre
em Ensino de Ciências e Matemática pela UTFPR. Pedagoga (SEED/PR) e
SEMED. E-mail: [email protected]

Sonia Maria Chaves Haracemiv: Pós-Doutorado em Avaliação e Currículo


na UNIRIO; Doutorado em História e Filosofia da Educação pela PUC-SP;
Mestrado em Educação e Ciências pela UFSC-SC. Professora do Programa
de Pós-Graduação em Educação da UFPR.

Tânia Regina Dantas: Doutora em Educação pela Universidad Autonóma


de Barcelona (UAB)- Espanha. Especialista em Educação de Jovens e Adul-
tos. Líder do Grupo de Pesquisa Formação de Professores, Autobiografia e Políticas
Públicas. Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação e
Contemporaneidade (PPGEDUC) e do Programa de Pós-Graduação em Educação
de Jovens e Adultos (MPEJA) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail:
[email protected]

Tania Stoltz: Pós-doutora pelos Arquivos Jean Piaget (Suíça) e pós-doutora


pela Alanus Hochschule (Alemanha). Bolsista Produtividade do CNPq. Profes-
sora titular com dedicação exclusiva na Universidade Federal do Paraná
(UFPR).

Tanice Patrício Massuchetto: Mestranda do Programa de Pós-graduação


em Educação Teoria e Prática da UFPR. Docente e pesquisadora da Rede
privada de educação do Estado do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa –
CNPq - Universidade Escola.

Virnei Silva Moreira: Doutor, Mestre e Licenciado em Física pela Univer-


sidade Federal de Santa Maria (UFSM), atualmente professor na Universi-
dade Federal do Paraná (UFPR) – Campus Pontal do Paraná - CEM. E-
mail: [email protected]

William Gonçalves Sueiro: Bacharel em Terapia Ocupacional, especialista


em Tecnologia Assistiva e em Preceptoria em Saúde, Membro permanente
do Grupo de Pesquisa Multiprofissional em Atenção Domiciliar, Empregado
Público Federal da Empresa Brasileira de Serviço Hospitalares.

364
ÍNDICE REMISSIVO

abordagem14, 46, 100, 103, 104, 106, 116, 117, 118, 119, 120, 139, 149, 159,
161, 163, 164, 166, 190, 215, 217, 252, 268, 293, 295, 302, 305, 315
Alfabetização
alfabetização14, 15, 17, 33, 90, 93, 137, 138, 139, 140, 142, 143, 146, 148,
149, 150, 153, 154, 160, 193, 331
alternativa14, 44, 100, 102, 103, 104, 115, 117, 120, 161, 169, 181, 183, 222,
244, 251, 335, 336
ambientes digitais18, 331, 334, 338, 339
aprendizagem10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 21, 22, 23, 25, 26, 28, 29, 30, 31,
32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 42, 43, 44, 45, 50, 52, 54, 55, 56, 57, 84, 86, 87,
90, 93, 98, 99, 101, 102, 104, 107, 108, 109, 112, 116, 117, 118, 120, 131,
132, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 145, 146, 148, 149, 150,
153, 158, 160, 161, 163, 165, 168, 175, 178, 181, 185, 192, 193, 196, 197,
198, 200, 205, 212, 216, 217, 219, 229, 230, 244, 248, 249, 250, 251, 252,
253, 254, 255, 256, 258, 266, 267, 268, 269, 270, 309, 313, 319, 320, 321,
323, 324, 327, 330, 331, 333, 334, 340, 347, 351, 353, 355, 356, 357
Aprendizagem13, 18, 163, 196, 227, 252, 314, 319, 359, 361, 363
avaliação43, 45, 47, 49, 50, 52, 53, 54, 55, 56, 58, 59, 100, 108, 109, 118,
147, 154, 163, 181, 229, 246, 257, 263, 338, 355, 357
capitalismo21, 201, 231, 232, 233, 240, 245
Causalidade ............................. 14
colaborativa16, 249, 250, 252, 253, 254, 255, 257, 258, 261, 262, 265, 266,
267, 268, 269, 270
covid-19
COVID-19 ................. 176, 271
cultura visual15, 157, 159, 162, 164, 168
desenvolvimento10, 13, 18, 21, 22, 27, 28, 30, 33, 34, 35, 37, 39, 42, 43, 46,
48, 49, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 84, 85, 92, 95, 104, 107, 109, 117, 122, 125,
136, 137, 138, 140, 141, 142, 144, 146, 147, 148, 149, 154, 157, 158, 160,

365
161, 169, 173, 174, 178, 190, 196, 203, 205, 211, 212, 219, 220, 229, 266,
267, 292, 293, 313, 314, 317, 318, 321, 331, 337, 345, 348, 349, 351, 353,
354
didática16, 49, 54, 109, 119, 161, 181, 203, 209, 211, 212, 213, 214, 215, 218,
219, 220, 222
diversidade14, 15, 17, 23, 83, 85, 88, 89, 90, 92, 97, 156, 157, 159, 163, 166,
168, 192, 198, 209, 210, 217, 220, 251, 312, 317, 321, 322, 323, 327, 328,
332
docente13, 15, 16, 17, 31, 43, 44, 45, 47, 50, 51, 54, 56, 58, 86, 135, 136, 139,
144, 145, 146, 148, 149, 157, 163, 165, 166, 169, 170, 172, 173, 179, 182,
185, 186, 187, 188, 190, 192, 194, 195, 198, 199, 200, 201, 202, 211, 212,
241, 242, 245, 249, 271, 313, 315, 316, 317, 319, 321, 322, 324, 325, 327,
328, 329, 357, 361, 363
educação
Educação10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27,
28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 41, 44, 45, 49, 56, 85, 86, 87, 89,
90, 91, 92, 95, 96, 97, 101, 102, 103, 122, 150, 157, 158, 161, 165, 166,
167, 168, 169, 170, 174, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184,
185, 186, 187, 188, 189, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 202,
203, 204, 205, 206, 207, 208, 209, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 224,
225, 226, 229, 231, 232, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 248,
249, 250, 251, 269, 295, 296, 304, 308, 309, 310, 313, 315, 316, 317,
320, 321, 322, 323, 325, 328, 331, 332, 333, 334, 342, 343, 344, 345,
346, 347, 349, 353, 354, 355, 356, 357, 363, 364, 369
educação de jovens e adultos23, 44, 85, 97, 157, 166, 168, 195, 203, 206,
207, 208, 221, 222, 223, 224, 225, 229, 317, 325, 328
educador33, 94, 96, 157, 158, 160, 162, 172, 178, 183, 192, 194, 197, 198,
211, 220, 314, 315, 317, 325, 327
educadora ................................ 96
EJA15, 16, 17, 23, 25, 50, 85, 92, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163,
165, 168, 185, 186, 187, 190, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 201, 202, 203,
204, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 216, 217, 218,
219, 220, 221, 222, 223, 224, 226, 227, 228, 229, 230, 312, 313, 314, 315,
316, 317, 318, 319, 320, 321, 322, 323, 324, 325, 327, 328, 360
EJAI14, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 92, 93, 95, 96
ensino11, 14, 16, 17, 18, 22, 24, 25, 37, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 52, 53, 54,
56, 57, 58, 83, 84, 86, 87, 89, 93, 94, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 107,

366
108, 109, 116, 117, 118, 119, 120, 122, 131, 132, 133, 135, 136, 137, 138,
139, 140, 141, 142, 146, 148, 149, 150, 153, 154, 156, 157, 160, 162, 165,
166, 168, 169, 172, 175, 176, 178, 180, 181, 185, 186, 187, 188, 193, 194,
195, 196, 197, 203, 204, 206, 207, 208, 209, 211, 213, 216, 217, 219, 220,
222, 226, 228, 229, 230, 232, 240, 241, 243, 248, 249, 250, 251, 256, 262,
267, 268, 269, 309, 312, 313, 314, 317, 319, 322, 323, 327, 330, 333, 339,
340, 342, 343, 344, 345, 347, 350, 351, 352, 353, 354, 355, 356, 357
ensino de idiomas18, 330, 331, 339
ensino médio44, 53, 119, 120, 136, 185, 186, 196, 345
ensino remoto17, 248, 250, 251, 267, 330, 343, 344, 352
espaços escolares ................ 11, 50
estado mental .. 129, 130, 131, 132
Estágio
estágio13, 44, 45, 46, 47, 50, 51, 58, 360
estética121, 122, 128, 129, 130, 131, 132
experiência11, 17, 23, 30, 31, 32, 48, 85, 89, 102, 119, 123, 124, 126, 127,
129, 163, 164, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 179, 183, 201, 216, 217,
218, 222, 256, 259, 262, 263, 266, 293, 294, 295, 296, 298, 299, 301, 302,
303, 304, 305, 306, 307, 308, 317, 318,320, 322, 329, 339
fenomenológica294, 295, 296, 298, 299, 300, 301, 302, 304, 305, 307, 308,
309, 310
fenômenos naturais100, 106, 112, 116, 117
Física
física14, 98, 99, 100, 101, 102, 104, 105, 106, 112, 113, 116, 117, 118, 119,
120, 126, 162, 182, 218, 227, 235, 242, 253, 254, 334, 336
formação12, 14, 15, 17, 20, 21, 22, 30, 33, 34, 38, 42, 43, 44, 46, 47, 49, 50,
51, 54, 55, 56, 84, 85, 86, 92, 104, 131, 135, 136, 149, 156, 157, 158, 159,
160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 169, 170, 172, 173, 174, 175, 176, 178,
179, 182, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197,
198, 199, 200, 201, 202, 203, 204, 205, 210, 212, 213, 217, 229, 230, 232,
239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 312, 313, 314, 315, 316, 317, 319, 320,
321, 322, 323, 324, 325, 327, 329, 344, 346, 347, 348, 349, 357, 359, 360
gamificação15, 157, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 167

367
Google16, 250, 251, 253, 254, 255, 256, 257, 258, 259, 261, 262, 263, 265,
266, 267, 268, 269, 270, 271
história
História22, 26, 34, 35, 43, 84, 102, 104, 127, 172, 175, 187, 191, 193, 198,
204, 205, 206, 216, 227, 235, 317, 318, 321, 322, 329, 347, 363
inclusão3, 17, 37, 154, 195, 221, 321, 322, 330, 331, 336, 339, 341
letramento14, 17, 93, 94, 135, 136, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 145, 146,
147, 148, 150, 153, 168, 217, 220, 225, 229
matemática13, 15, 101, 157, 160, 162, 163, 164, 196, 216, 217, 218, 229, 230,
242, 254, 299
pandemia10, 12, 15, 17, 19, 83, 94, 161, 169, 170, 171, 173, 174, 175, 176,
178, 179, 180, 181, 182, 211, 219, 248, 250, 251, 256, 328, 342, 344, 345,
347, 350, 353, 354, 357
pesquisa13, 14, 15, 16, 17, 43, 46, 47, 48, 51, 53, 56, 57, 58, 110, 122, 133,
142, 146, 150, 161, 162, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176,
177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 185, 186, 187, 190, 192, 194, 198, 202,
213, 214, 217, 225, 226, 227, 231,241, 250, 256, 259, 267, 268, 269, 293,
294, 295, 296, 303, 304, 305, 306, 307, 308, 309, 310, 311, 314, 331, 344,
351, 359, 361, 362, 370
pesquisa participante15, 169, 176, 177, 178, 180, 182, 183
pessoas com deficiência18, 331, 334, 335, 336, 337, 339
pessoas idosas13, 19, 20, 25, 28, 35, 36, 37, 38, 220
planejamento43, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 52, 53, 56, 58, 161, 164, 165, 213,
249, 251, 256, 345, 349
professores/as .............14, 15, 180
Projeto
projeto14, 46, 50, 120, 189, 197, 198, 201, 324, 369
Química
química46, 49, 51, 53, 101, 210, 216, 254
sala de aula14, 30, 42, 44, 46, 49, 52, 54, 56, 57, 94, 101, 102, 146, 148, 150,
156, 157, 160, 161, 162, 168, 174, 188, 210, 217, 229, 322, 333, 340
tecnologia11, 16, 17, 26, 93, 157, 158, 160, 162, 173, 175, 179, 231, 232, 233,
239, 331, 339, 342, 344, 347, 349, 350, 356, 369

368
teoria do cotidiano15, 185, 186, 187
vida10, 11, 13, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35,
36, 37, 38, 43, 55, 84, 86, 87, 90, 92, 96, 103, 104, 107, 142, 160, 165, 172,
177, 182, 185, 186, 188, 191, 192, 193, 196, 197, 200, 203, 204, 205, 206,
207, 208, 209, 213, 217, 219, 220, 222, 223, 225, 233, 235, 236, 237, 239,
245, 295, 313, 314, 315, 317, 319, 320, 321, 322, 323, 327, 332, 336, 348,
357
vídeo............... 179, 239, 318, 371

369
Editora Livrologia
www.livrologia.com.br

Título Conexões: educação, psicologia e


tecnologia - volume II

Organizadores Aldemar Costa, Cleber Lopes,


Sonia Haracemiv

Coleção Conexões
Assistente Editorial Ivo Dickmann
Bibliotecária Karina Ramos
Projeto Gráfico Ivo Dickmann
Ivanio Dickmann
Arte da Capa Elisandro Lima

Diagramação Ivo Dickmann

Formato 15,5cm x 22,5


Tipologia Calisto, entre 8 e 10 pontos
Papel Capa: Supremo 280 g/m2
Miolo: Polen Soft 80 g/m2
Número de Páginas 375
Publicação 2021

370
ARTE DA CAPA

O artista plástico Elisandro Lima é


nascido na cidade de Canoas, na região
metropolitana de Porto Alegre-RS.
Artista autodidata, conhecido por suas
ilustrações e pinturas internacionalmen-
te. Com obras no exterior e no Brasil.
Utiliza técnicas desenvolvidas no con-
ceito da arte religiosa, figurativo e Pop
Art.

Siga no Instagram: @elisandrolima08

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