A Musica e A Psique
A Musica e A Psique
A Musica e A Psique
1
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Curso de Psicologia
2
Elvis Dei Ricardi Barcellos Farias
BANCA EXAMINADORA:
__________________________
__________________________
3
A MÚSICA E A PSIQUÉ: um estudo sobre a relação entre a música e aspectos
do psiquismo humano
RESUMO
4
ABSTRACT
This paper presents a study that proposes a look regarding the existing relation
between artistic musical production and constitutive aspects of the human psiquism.
The text contextualizes music in a historical and in a temporal aspect, emphasizing
the moments which represented the most important and marking evolutions in terms
of musical creations, and also reinforces the social and cultural value of music to
mankind. The main proposal of this study is to show that music can be considered as
an expression path for the human unconscious. This proposition is made trough a
gathering of fundamental pshychoanalytic concepts taken from the works of Sigmund
Freud and Jacques Lacan, which ared used to base and to exemplify the exsting
intrinsic relation between music and the human psiquism. This relation is studied
based on the approach of theorizations and concepts by Sigmund Freud (the study of
group psychology, the theory of drive and the libido theory, the sublimation etc.) and
Jacques Lacan (the theory of the significant, the premise of the unconscious
structured as a language etc.) with the matter of the psychic value, which both
production and the pratice of listening to music representes to men. And also, this
work shows how music can consist in a way of hearing the subject trough a voice
that speaks about his matters of unconscious character.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................07
A MÚSICA E A SUBLIMAÇÃO.................................................................................25
CONCLUSÃO............................................................................................................56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................60
6
INTRODUÇÃO
A Música é uma criação única e específica da espécie humana, seu valor vai
muito além do entretenimento e da aplicação artística. Quando falamos de música
estamos falando de um mecanismo de comunicação complexo que envolve não só
quesitos técnicos, pois a música representa uma expressão de questões próprias do
sujeito, a música da voz, a subjetividade. A música consiste em uma das principais
formas de arte e de expressão humana. Sua riqueza e seu alcance se estendem por
todo o mundo, seu poder de “tocar a alma” é algo incrivelmente intrigante, e este foi
o principal motivo que me levou a optar por este tema, minha proximidade e apreço
por esta forma de arte me motivaram a ir em busca da pequena centelha de
curiosidade que deu início a este estudo e me motivou a aprofundar a relação da
música com os aspectos do psiquismo humano.
7
questões, como por exemplo: É possível pensar a música como um fenômeno
organizador social? Aonde podemos encontrar indicativos de que a música consiste
em uma ferramenta de transmissão das questões que estão latentes no sujeito? É
possível pensar na música como sendo uma via linguística de expressão do
inconsciente?
8
CAPÍTULO I: A MÚSICA NA HISTÓRIA E NOS GRUPOS
A Música na História
10
complexidade. Um ponto em comum da música naquele período que se manteve
desde o princípio, foi que ela continuou sendo um meio de comunicação ritualístico e
de caráter célebre em todas as culturas, pois a música era tida como uma espécie
de “linguagem dos deuses”, que fora ensinada por eles aos humanos, e o ato de
reproduzi-la era considerado em diversas culturas como um rito simbólico e sagrado,
um meio pelo qual os homens poderiam “falar a língua dos deuses”.
Para seguir adiante neste apanhado histórico é válido citar que dou ênfase
para o estudo da música dentro do ponto de vista histórico ocidental, que representa
a principal influência da cultura musical que possuímos atualmente. Não há como
falar da música na antiguidade sem citar a civilização que mais influenciou a cultura
ocidental neste quesito, a civilização grega. Na Grécia antiga a música era tida como
um mecanismo de entrar em contato, em sintonia com os deuses da antiga
mitologia, de tal modo que os gregos possuíam figuras míticas para representar
especificamente esta conexão divina entre o homem e os deuses que se dava
através da música, como é o caso do deus grego Apolo e seu filho Orfeu, ambos
possuidores de habilidades musicais mágicas e encantadoras citadas na mitologia.
11
da teoria aristoxeniana; o próprio Aristóxeno, nos seus Elementos de
Harmonia (c. 330 a. C.), discute demoradamente cada um dos tópicos, mas
ordenando-os de forma diferente. Os conceitos de nota e de intervalo
dependem de uma distinção entre dois tipos de movimento da voz humana:
o contínuo, em que a voz muda de altura num deslizar constante,
ascendente ou descendente, sem se fixar numa nota, e o diastemático, em
que as notas são mantidas, tornando perceptíveis as distâncias nítidas entre
elas, denominadas <<intervalos>>. Os intervalos, como os tons, os meios-
tons e os dítonos (terceira), combinavam-se em sistemas ou escalas. O
bloco fundamental a partir do qual se construíam as escalas de uma ou
duas oitavas era o tetracorde, formado por quatro notas, abarcando um
diatessarão, ou intervalo de quarta. (p. 22.)
14
objetivo de servir para momentos específicos, normalmente ligados a questões de
realeza, para momentos célebres, cerimônias funerais, militares etc.
15
Na época do Classicismo, foram inventados dois instrumentos bastante
importantes para o cenário musical, como o Piano e o Clarinete. Também ocorreu
neste período a criação da chamada Orquestra Sinfônica, que consiste em diversos
tipos de instrumentos sendo reproduzidos em conjunto mediante a regência de um
condutor. Os principais gêneros musicais que prosperaram no Classicismo foram a
Sonata, a Sinfonia, o Concerto Solo, e a Ópera. Neste período temos o surgimento
de Wolfgang Amadeus Mozart, um dos maiores e mais aclamados compositores de
todos os tempos.
Agora falarei sobre a música no século XX, que consiste no período mais
repleto de avanços, acontecimentos e mudanças históricas que influenciaram toda a
cultura mundial e logo a produção musical no mundo todo. O século XX foi um
período marcado por uma expansão progressiva da globalização, o mercado e o
comércio se expandiram a nível mundial, assim como os meios de transporte e de
comunicação evoluíram e se tornaram mais dinâmicos e abrangentes, o que permitiu
uma troca de experiências entre as culturas, uma miscigenação de diversas etnias
propiciando a interação entre os mais variados tipos de pessoas. No século em
questão, também tivemos a ascensão da industrialização a nível global, que até hoje
consiste em um fator importante para a economia das nações, também neste
período o mundo passou por dois conflitos armados mundiais, as duas grandes
guerras mundiais, as quais paralelamente motivaram a expansão de recursos
tecnológicos e científicos no mundo. O século XX marcou a ascensão da tecnologia
e das ciências, período no qual foram feitas diversas descobertas e invenções da
medicina e da ciência, que se tornaram essenciais para melhorar a qualidade de
vida no mundo todo. Também houve avanços tecnológicos muito importantes como
o advento da era digital entrou em vigor e mudou a maneira como a humanidade lida
com comunicação, entretenimento, ciência e nas demais áreas do conhecimento.
16
outros. Um fator muito importante foi que neste momento histórico a música se
tornou uma prática artística presente em todos os lugares da cultura. Também no
séc. XX ocorreu a invenção dos mecanismos de gravação, possibilitando com que a
música pudesse ser eternizada, comercializada e colocada de certo modo no plano
físico, com os discos de Vinil, as fitas K7 e os CDs.
A música no séc. XX adquiriu um caráter que vai além de uma simples arte e
entretenimento, ela se tornou um meio de expressão social, uma ferramenta
linguística de vários grupos sociais com o objetivo de divulgar a voz do homem, suas
ideologias e pensamentos. Um exemplo disso foram os movimentos sociais do Rock
and Roll, o movimento Punk, o movimento Hippie entre outros, neste período
histórico a música adquiriu um caráter de transmissão cultural a nível mundial oque
foi facilitado e propiciado pelo advento da criação e popularização de meios de
comunicação cruciais na história humana como o Rádio e a Televisão.
Quanto ao século XXI, pode-se dizer que não houve grandes mudanças na
maneira de se produzir música em geral, pois ainda estamos no início deste século e
o que se produz hoje consiste em uma continuação daquilo que se iniciou no séc.
XX. Neste século ocorreu a popularização da produção de músicas eletrônicas e
produzidas digitalmente, a maneira de se registrar a música também se tornou
completamente digital, hoje possuímos mecanismos de armazenamento digital como
o Pen Drive e plataformas digitais de armazenamento musical, que fizeram com que
os métodos anteriores de armazenamento se tornassem menos usados.
17
A Música e os Grupos
Segundo Le Bon (1855), essa mente coletiva faz com que o indivíduo adquira
características mentais e comportamentais distintas e incoerentes quando
comparadas às que este normalmente apresentaria se observado de maneira
individual. Porém em sua análise da obra de Le Bon, Freud aponta o fato de que o
autor teria deixado de lado uma questão essencial para a compreensão da dinâmica
da formação dos grupos, que consiste no fato de que para um grupo ser formado é
necessário que por mais diferentes que sejam as características pessoais dos
integrantes que formam o grupo, estes precisam possuir um ponto em comum que
os una enquanto tal.
A partir de leituras sobre a obra de McDougall (1920), Freud nos fala que um
grupo em si não pode existir dentro desta denominação, consiste em algo que pode
ser chamado de “multidão”. Esta concepção refere-se ao fato da premissa de não
haver uma organização básica para legitimar a construção de um grupo, o qual
consistiria em outro tipo de configuração estrutural, não podendo ser nomeada como
tal (grupo).
Porém, Freud afirma mais adiante que para que possa haver uma
aglomeração de indivíduos de tal forma, é preciso que haja certo grau de
organização, que exista em algum nível determinado tipo e vínculo entre os
mesmos, algo que gire em torno de um objeto comum, ou também certo grau de
vínculo emocional. Esta ideia nos diz também, que é necessário que exista um nível
de reciprocidade entre os sujeitos, ou seja, uma inclinação emocional, como Freud
nos diz (1921 p. 53): “Quanto mais alto o grau dessa “homogeneidade mental”, mais
prontamente os indivíduos constituem um grupo psicológico e mais notáveis são as
manifestações da mente grupal.”
19
Por fim, o objetivo de Freud com o estudo das obras de Le Bon e McDougall é
mostrar uma visão que define como é como funciona a estrutura da organização de
um grupo. Sendo assim, pode-se pensar que é fundamental a existência de certos
vínculos intrínsecos para que um grupo seja legitimado como tal, e para que isso
ocorra é necessário que forças e influências de uma ordem até então “encobertas”,
pertencentes a uma dinâmica de interação sutil que existe entre os indivíduos
possibilitem a formação deste vínculo.
Para concluir esta parte do estudo e para iniciar a próxima etapa do mesmo,
citarei um trecho da obra de Freud (1921) que nos ajudará a entender que o foco do
estudo a seguir está voltado ao entendimento da dinâmica que organizam os laços
existentes entre os membros de um grupo.
Nosso interesse nos conduz agora à premente questão de saber qual possa
ser a natureza desses laços que existem nos grupos. No estudo
psicanalítico das neuroses, ocupamo-nos, até aqui, quase exclusivamente
com os laços com objetos feitos pelos instintos amorosos que ainda
21
perseguem objetivos diretamente sexuais. Nos grupos, evidentemente, não
se pode falar de objetivos dessas espécies. Preocupamo-nos aqui com os
instintos amorosos que foram desviados de seus objetivos originais, embora
não atuem com menor energia devido a isso. Ora, no âmbito das habituais
catexias sexuais de objeto, já observamos fenômenos que representam um
desvio do instinto de seu objetivo sexual. Descrevemos esse fenômeno
como gradações do estado de estar amando e reconhecemos que elas
envolvem certa usurpação do ego. Voltaremos agora mais de perto nossa
atenção para esses fenômenos de estar enamorado ou amando, na firme
expectativa de neles encontrar condições que possam ser transferidas para
os laços existentes nos grupos (FREUD, p. 65).
22
se vestir, um modelo de comportamento, ideias, ideologias, entre outros aspectos
que são transmitidos e personificados pela figura do artista para o indivíduo através
de suas composições e interpretações musicais.
23
com os outros a partir do vínculo comum que existe para com este líder. Para
facilitar o entendimento deste processo, citarei um trecho da obra de Freud (p. 90).
24
CAPÍTULO II: A MÚSICA E A SUBLIMAÇÃO
Falei sobre a música de acordo com o seu aspecto histórico e de seu valor
como um ponto em comum organizador de grupos, o qual serve de base para que
se criem produções psíquicas de ordem identificatória que regem as relações entre
estes sujeitos nesses grupos. Agora iniciarei um estudo que tem como objetivo
observar a música enquanto uma produção humana artística e expressiva que
possui uma conexão direta com o psiquismo do sujeito, e esta conexão, a qual pode
ser entendida como uma relação dialética entre música e inconsciente pode ser
constatada a partir da análise de um conceito psicanalítico trazido por Sigmund
Freud, a Sublimação.
25
deste fragmento do texto, é possível perceber que Freud nos aponta o conceito da
pulsão como sendo uma espécie de força motriz que funciona como um ponto
unificante, e isto seria o resultado da interação entre estímulos provenientes do
mundo externo e o funcionamento psíquico do sujeito, de modo que a interação
desses dois hemisférios resulta em uma espécie de “impulso instintual” que é então
chamado por Freud de Pulsão. Este consiste em um dos conceitos fundamentais
para se entender a origem e a complexa dinâmica da sexualidade humana.
Na obra em questão, Freud nos fala sobre a pulsão sob o ponto de vista
sexual, abordando essa como sendo uma espécie de fonte de excitação proveniente
de estímulos que gera uma força psíquica pulsante contínua, a qual possui um alvo
se relaciona com um objeto e precisa ser saciada através da satisfação parcial, e
para referenciar a isto Freud nos fala sobre uma espécie de energia psíquica a qual
movimenta esta busca pela satisfação pulsional, Freud chama esta energia de
Libido.
A partir do conceito de zona erógena Freud nos fala sobre essas áreas do
corpo as quais são responsáveis por serem estimuladas e produzirem excitação de
ordem sexual que então originam o impulso psíquico pulsional, e estas não somente
são as áreas especificamente genitais, estas podem ser quaisquer áreas corporais.
Freud nos exemplifica como zonas erógenas, áreas de superfície de mucosa, como
a zona bucal e anal que são mais usualmente excitadas a nível erógeno no ser
humano. Para entender melhor ainda, pode-se afirmar que as zonas erógenas são
26
áreas do corpo que são estimuladas a nível de excitação genital ou sexual, e estas
áreas servirão como pontos de onde se produzem vias de descarga libidinal com o
objetivo de produzir uma satisfação pulsional parcial.
Para esclarecer por que Freud conceituou como parciais as pulsões sexuais,
é necessário entender que segundo o autor as pulsões sexuais são impulsos
originados da relação do psiquismo com estímulos que provém de áreas específicas
e diferentes do corpo, de modo que assim não há como se obter uma satisfação
plena pulsional, pois a força da pulsão em si é algo inerente, constante e somente é
possível obter satisfação de ordem parcial através da relação destas áreas do corpo
com as quais a pulsão se relaciona. Deste modo, o que ocorre é uma experiência de
satisfação primária, que erogeniza e instaura um ponto de partida para uma busca
por uma satisfação com o objetivo de reviver esta experiência de satisfação primária
plena que não pode ser atingida.
Esta libido do ego, segundo Freud (1905) pode ser direcionada a outros
objetos e outros destinos, o que inaugura outra ordem libidinal, por ele chamada de
libido do objeto, a qual seria responsável por direcionar as escolhas objetais sexuais
do indivíduo ao longo de sua vida. O trecho a seguir, retirado dos Três Ensaios
Sobre a Teoria da Sexualidade do mesmo autor ajudará entender um pouco melhor
esta dinâmica libidinal.
27
Podemos ainda inteirar-nos, no tocante aos destinos da libido, de que ela é
retirada dos objetos, mantém-se em suspenso em estados particulares de
tensão e, por fim, é trazida de volta para o interior do ego, assim se
reconvertendo em libido do ego. Em contraste com a libido do objeto,
também chamamos a libido do ego de libido narcísica. Do ponto de
observação da psicanálise podemos contemplar, como que por sobre uma
fronteira cuja ultrapassagem não nos é permitida, a movimentação da libido
narcísica, formando assim uma idéia da relação entre ela e a libido objetal.
A libido narcísica ou do ego parece-nos ser o grande reservatório de onde
partem as catexias de objeto e no qual elas voltam a ser recolhidas, e a
catexia libidinosa narcísica do ego se nos afigura como o estado originário
realizado na primeira infância, que é apenas encoberto pelas emissões
posteriores de libido, mas no fundo se conserva por trás delas (FREUD,
1905, p. 134).
Após esta ressalva sobre a teoria da libido, voltarei agora a abordar a questão
das pulsões. Até então abordei a questão pulsional referente ao período inicial dos
estudos de Freud, os quais falam sobre as pulsões sexuais. Porém ao decorrer de
suas obras, Freud nos exemplificou uma nova visão sobre as pulsões, de modo que
assim ele passou a identificar pulsões não só de ordem sexual, mas também ele
passou a teorizar sobre as pulsões de “autopreservação”. Esta concepção instaurou
uma ideia de dualismo pulsional, a qual iniciou após o estudo sobre a teoria da
sexualidade, e foi proposta por ele inicialmente na obra intitulada: Formulações
sobre os dois princípios do funcionamento psíquico (1911) na qual Freud passou a
nos falar sobre duas ordens de pulsões, as pulsões sexuais e as pulsões de
“autopreservação” ou pulsões do eu.
Por pulsões sexuais Freud (1905) nos exemplificou a classe de “instintos” que
busca satisfazer as tensões sexuais, não importando o seu objeto e sua via de
28
satisfação, esta categoria pulsional, possui um único objetivo que está conectado
com a via da fantasia e cuja única finalidade é direcionar o sujeito em uma busca
norteada pelo que o autor chamou de Princípio do Prazer. No que diz respeito às
pulsões de autopreservação ou do eu, Freud (1911) nos fala de “instintos” que visam
procurar proteger o eu contra quaisquer que sejam as ameaças impostas, inclusive
aos riscos que as pulsões sexuais impõem ao ego. Deste modo as pulsões do ego
seriam de uma ordem conservadora do próprio ego do sujeito, buscando não
suprimir totalmente a satisfação, mas sim regular as vias de satisfação para obter
apenas resultados positivos e seguros. O trecho a seguir retirado da obra em
questão fornece uma explicação bastante clara sobre esta questão citada.
Tal como o ego-prazer nada pode fazer a não ser querer, trabalhar para
produzir prazer e evitar o desprazer, assim o ego-realidade nada necessita
fazer a não ser lutar pelo que é útil e resguardar-se contra danos. Na
realidade, a substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade
não implica a deposição daquele, mas apenas sua proteção. Um prazer
momentâneo, incerto quanto a seus resultados, é abandonado, mas apenas
a fim de ganhar mais tarde, ao longo do novo caminho, um prazer seguro.
(FREUD, 1911, p. 138).
29
após um período relativo de tempo, e no caso de um instinto, este produz então um
“movimento constante”, que não cessa.
Por “pressão” pode-se entender que seria a força que a pulsão exerce no
psiquismo, a intensidade da tensão que ela é capaz de criar, ou a quantidade de
demanda de trabalho psíquico que ela exerce no sujeito. Segundo Freud a pressão
é uma característica padrão em todos os instintos, de modo que sua própria
essência, sua única finalidade seria exercer uma demanda de trabalho psíquico, seja
ela qual for.
30
modo que esse não tem qualquer relação direta com a pulsão, ele só faz sentido
para a pulsão quando esta à priori de servir como meio de satisfação. O objeto pode
variar de acordo com as vicissitudes da pulsão, assim como um mesmo objeto pode
servir para atingir a finalidade de mais de uma pulsão ao mesmo tempo, e é possível
também ocorrer uma fixação da pulsão a um objeto em um nível inicial de
elaboração desta pulsão.
É visto que segundo o autor, a pulsão, ao exercer sua finalidade, pode acabar
causando não somente a satisfação e o prazer em si, pois o ego possui premissas
de regulamentações, como por exemplo: princípios morais, preferências, e certas
reivindicações, as quais podem entrar em conflito com a satisfação causada pelo
alívio de tensão pulsional, ocasionando com que o ego opte por dar ênfase no
desprazer que a pulsão causa no sujeito levando a repressão desta satisfação do
“instinto”. Freud (1915) fala que: “a essência da repressão consiste simplesmente
em afastar determinada coisa do consciente, mantendo-a à distância.” O autor
também fala sobre duas características da repressão que ajudam a entender melhor
como esta funciona, as quais são duas fases: a repressão primária, e a repressão
propriamente dita. Por repressão pode-se entender como o período inicial, no qual a
32
representação psíquica da pulsão é negada, impedida de vir até a consciência, e no
caso da repressão propriamente dita, o que ocorre é uma supressão posterior das
significações que derivam do representante psíquico originalmente reprimido.
A partir desta nova dualidade de pulsões proposta por Freud, instaura-se uma
nova maneira de se observar a relação do sujeito com as forças motrizes do
psiquismo. Deste modo vemos que existem forças pulsionais destinadas puramente
para a satisfação e outras que procuram conservar a integridade do ego mediante
33
um regramento e inclusive uma descarga de agressividade para com os objetos
externos em alguns casos, tudo funcionando em função da preservação da
existência e ao mesmo tempo em direção a um estado de plenitude, onde não há
inquietudes e nada que possa abalar a integridade psíquica, estado este que Freud
associou ao conceito da morte.
O estudo feito até aqui, teve como base dar um subsídio teórico sobre os
conceitos de pulsão e libido, sua origem, e como são articulados dentro da teoria
presente na obra freudiana. O principal objetivo foi de abordar e articular o tema da
pulsão, pois este conceito serve como uma das principais bases para se entender o
psiquismo humano, dentro do estudo da pulsão, meu estudo teve como finalidade
chegar ao ponto referente aos possíveis destinos (vicissitudes) das pulsões
propostos por Freud. Partindo deste ponto, é justamente com base em um destes
destinos que seguirei adiante neste estudo e construirei o próximo tópico deste
capítulo, a tópica será destinada para o estudo e a elaboração teórica da terceira
possível vicissitude da pulsão que foi proposta por Freud, a sublimação.
Como vimos, nós humanos, somos seres que se estruturam a partir de uma
interpelação entre determinados estímulos externos e uma força psíquica inata, esta
interpelação produz uma espécie de força motriz, a qual Freud chamou de Pulsão.
Segundo Freud, as pulsões são forças pulsantes de ordem inconsciente que não
cessam, uma espécie de necessidade inerente a qualquer outra atividade do
psiquismo e do aspecto biológico humano, a qual sempre está em movimento e
direcionando o ser humano em vista de sua finalidade, a satisfação. Freud também
nos fala que estas pulsões são responsáveis por movimentar e determinar as
inclinações psíquicas, escolhas objetais e a economia direcional de libido feita pelo
ego.
O estudo feito até aqui proporcionou entender que a pulsão é uma força
psíquica constante e incapaz de ser parada, com a qual o ego precisa lidar, como
Freud mesmo afirmou em uma das obras anteriormente abordadas, a pulsão é uma
necessidade da qual não se pode fugir, não há como escapar da incidência desta
34
força. Diante disto, é visto que a pulsão é uma necessidade que tem como única
finalidade ser satisfeita, e isto implica com que o ego necessite fazer uma espécie de
“manejo” desta força, pois nem sempre a via de satisfação pulsional proporciona
prazer ao ego. Muitas vezes a descarga de tensão pode causar um efeito de
desprazer ao ego e isto faz com que este precise encontras uma maneira de dar
vazão a esta energia sem que esta produza esta “reação negativa”. Então a partir
disto fica a questão: Como é possível lidar com uma força inata e constante da qual
não se pode escapar e que precisa ser satisfeita a qualquer custo?
Para responder a esta questão recorro a uma linha conceitual proposta por
Freud a qual trabalhei no tópico anterior, que diz respeito às “vicissitudes” ou os
possíveis destinos que as pulsões podem ter. Utilizarei uma destas vicissitudes
especificamente para trabalhar esta questão e poder entender como se dá esta
articulação que o ego faz para lidar com a demanda pulsional, esta vicissitude foi
nomeada por Freud (1915) de Sublimação.
Mas sobre o que exatamente Freud está se referindo ao utilizar este termo?
Como podemos entender o funcionamento deste mecanismo psíquico? A resposta
para entender isso é possível ser visualizada através das obras de Freud, que como
dito anteriormente não chegou a publicar nem um tipo de obra dedicada
especialmente para a questão da Sublimação, o que se tem do autor sobre o tema
consiste em passagens, trechos e partes de outras publicações que trazem breves
descrições e abordagens mais sucintas desta. O autor falou pela primeira vez sobre
a Sublimação em sua obra citada anteriormente Três Ensaios Sobre a Teoria da
Sexualidade (1905), na qual ele nos fala sobre um processo psíquico que atua na
35
dinâmica pulsional, o qual ele descreve como sendo uma espécie de desvio que
ocorre na “meta sexual” da pulsão, fazendo com que esta possa ser satisfeita
através de um fim não sexual.
Este processo citado consiste na base da definição dada pelo autor sobre o
que consiste o processo da sublimação, cuja concepção de funcionamento manteve-
se ao longo de suas publicações posteriores que vieram a dar mais luz sobre o
processo. Em vista da época em que Freud publicou esta obra, é visto que a
concepção de sublimação ainda encontrava-se sob um aspecto conceitual bastante
inicial dentro de sua obra, de modo que conceitos foram sendo renovados e
atualizados na medida em que o autor foi publicando novas obras.
36
a questão, que merece consideração cuidadosa, de saber se este não será
o caminho universal à sublimação, se toda sublimação não se efetua
através da mediação do ego, que começa por transformar a libido objetal
sexual em narcísica e, depois, talvez, passa a fornecer-lhe outro objetivo.
(FREUD, 1923, p. 19).
Deste modo, resumidamente é possível concluir que, com base nas ideias de
Freud, a sublimação consiste em um mecanismo, um recurso do ego, que ao retirar
o aspecto sexual da libido redireciona a pulsão para fins diferenciados que não
sejam ligados a questões de caráter sexual. É com base nesta premissa, neste
“princípio ativo” do processo sublimatório que Freud faz o uso do termo, de modo
que assim é possível entender em que consiste este ato de “transformar” algo de
ordem inferior em algo que possua características mais nobres. O ego não consegue
lidar diretamente com a dualidade prazer/desprazer que as pulsões exercem sobre
si e por isso cria este mecanismo para poder amenizar as tensões psíquicas.
Segundo o que abordei até aqui a partir das ideias de Freud, sublimar seria
então dessexualizar a libido que é depositada nos objetos de modo a direcionar a
finalidade das pulsões sexuais para fins sociais mais elevados. Porém considero
importante fazer uma ressalva aqui, visto que quando se trata da ordem das pulsões
citadas por Freud para descrever a sublimação o autor referencia somente a
questão da sublimação de “pulsões sexuais”. É importante pensar que quando o
autor se referiu ao mecanismo da sublimação, sua concepção sobre a dinâmica
pulsional ainda não encontrava-se em um estágio tão avançado. Posteriormente
(1915) trouxe uma nova visão a respeito do aspecto das pulsões, sobre a qual já
falei anteriormente, que se trata de uma dualidade pulsional na qual o conceito de
37
pulsão sexual já não tem mais o mesmo significado que possuía anteriormente.
Tendo isto em mente convoco o leitor a pensar a questão da sublimação sob um
viés onde não somente as pulsões “sexuais” estão em jogo e sim que esta questão
engloba toda a dualidade, das pulsões vida e das de morte e é com base nesta
premissa que prosseguirei o estudo.
Freud nos fala que o ato de sublimar, é redirecionar o aspecto sexual das
pulsões a outros fins sociais, porém oque seriam estes outros fins de aspecto mais
nobre e social? Juntamente com a definição da sublimação, o autor exemplifica que
a sublimação consiste em um dos principais mecanismos motivadores e inspiradores
para as criações artísticas, sendo esta uma das principais vias de redirecionamento
da libido dessexualizada, Freud nos diz que a sublimação possibilita que muita
energia libidinal seja convertida em energia criativa e isto leva a produção de obras
de arte de diversos gêneros. O trecho a seguir retirado da obra Formulações Sobre
os Dois Princípios do Funcionamento Mental (1911) ajuda ilustrar um pouco melhor
esta ideia.
Através do trecho citado pode-se ver como Freud fala indiretamente sobre isto
que se trata o ato de sublimar, ao dizer que o artista, ao criar uma obra afasta-se da
realidade para não precisar renunciar à satisfação instintual é nítido o entendimento
e a relação com o mecanismo principal da sublimação. Faz-se necessário afirmar
que não somente através da criação artística se fazem possíveis as vias
sublimatórias, existem outros modos, outras práticas socias que também possibilitam
a sublimação, mas neste estudo irei abordar somente a questão específica da arte.
Pode-se afirmar que as criações artísticas possibilitam que, através da imersão na
fantasia, o indivíduo consiga produzir um espaço ausente do princípio da realidade,
no qual é possível depositar a energia dessexualizada que é retirada da finalidade
38
da pulsão e isto é transformado através da produção de obras que são feitas pelo
artista.
A partir disto então é possível entender que a arte consiste em uma via de
expressão inconsciente, uma ferramenta de linguagem, através da qual o indivíduo
fala sobre questões que dizem respeito a si mesmo, mas que, no entanto
encontram-se latentes a sua própria consciência. Para dar sequência a este estudo,
gostaria de adentrar agora na questão a qual motivou a criação e que consiste no
objetivo principal deste capítulo, que é mostrar e exemplificar a existência da relação
entre a sublimação e a música.
Como foi visto até aqui, a criação artística é uma via de produção que
possibilita a sublimação, logo, então poderíamos simplesmente dizer o seguinte: A
música também sendo considerada mundialmente uma prática artística é do mesmo
modo uma via de expressão que possibilita a sublimação. Esta afirmação não
estaria errada, porém sua simplicidade e objetividade não estão de acordo com o
objetivo deste estudo, o que quero aqui, é falar sobre a importância e o valor que
possui uma composição musical, pois é nos implícitos existentes na relação artista-
obra que se encontra o ato de sublimar.
39
Ao compor uma obra musical o artista não está apenas escolhendo
aleatoriamente uma sequência de sons e ritmos, não está apenas colocando
qualquer frase ou rima que lhe venha no pensamento, ao compor uma música o
artista está se expressando através de uma via inconsciente indireta. As questões
que movem sua escolha e sua inspiração dizem respeito a peculiaridades subjetivas
e a conteúdos latentes que derivam da energia libidinal “dessexualizada” ou
“desviada”, a qual é subliminarmente transformada na criatividade e isto possibilita e
impulsiona a criação, em outras palavras, compor música é entrar em contato
indireto com o inconsciente, é dar lugar, uma direção às finalidades da pulsão
através da via do imaginário e da fantasia.
Outro aspecto é o fato de que não somente o ato de compor uma obra
musical pode ser considerado uma via de sublimação, e com isso, proponho um
pensamento com base no ato de ouvir, de contemplar a obra feita pelo artista. Em
sua obra Escritores Criativos e Devaneios (1907), Freud nos fala que ao criar uma
obra o artista está colocando questões suas nesta obra, mas que estas questões
não só dizem respeito exclusivamente a suas questões pessoais, o autor nos diz
que ao compor uma obra o artista inclui características as quais possibilitam que
esta obra sirva como base para que outros indivíduos consigam contemplar suas
próprias questões subjetivas e latentes, e através deste ato de contemplar a obra o
indivíduo também consegue “aliviar suas próprias tensões emocionais”. O trecho a
seguir retirado da obra citada acima ajuda a entender melhor esta questão.
40
Utilizarei agora exemplos retirados de trechos da letra de determinadas obras
criadas por artistas da música internacional para mostrar como o conteúdo das
composições diz respeito às questões subjetivas latentes que são transformadas em
criatividade e expressas através das criações musicais. Na música “(I Can’t Get No)
Satisfaction” (“Eu não consigo ter satisfação”), da banda americana de Classic Rock
“The Rolling Stones”, o cantor diz: “I can't get no satisfaction,/ I can't get no
satisfaction,/ 'Cause I try, and I try, and I try, and I try.” (“Eu não consigo ter
satisfação x2,/ Por que eu tento, e eu tento, e eu tento, e eu tento”). Nesta
passagem da letra da música é possível visualizar que o autor fala da questão
primordial que movimenta o ser humano, a inerência da força pulsional, esta força
que sempre está pulsando e nunca para, e que não pode ser satisfeita por completo,
pois sempre a satisfação que se tem é parcial.
Analisarei agora um trecho pertencente à letra da música “Go Get Some” (“Vá
arrumar algum”), da banda grega de Stoner Rock “Nightstalker” na qual canta-se: “I
took a trip to the darkest side,/ The darkest side of the moon,/ I tried to kill myself
again,/ But then I felt it was so soon,/ I took a trip to the edge of hell,/ But there was
nothing I could find,/ I dragged myself out again,/ Cause there is no place I can hide.”
(“Eu fiz um viagem para o lado mais sombrio,/ O lado mais sombrio da lua,/ Eu tentei
me matar de novo,/ Mas aí eu senti que era muito cedo,/ Eu fiz uma viagem para a
beira do inferno,/ Mas não houve nada que eu pudesse encontrar,/ Eu me arrastei
para fora novamente,/ Pois não há lugar onde eu possa me esconder”).
Neste trecho é possível ver como o autor acaba falando sobre a questão que
Freud nos explica sobre a dualidade pulsional que movimenta o indivíduo, a “pulsão
de vida” e a “de morte”, as quais estão em uma constante dialética no psiquismo
humano. Ao dizer que: “fez uma viagem ao lado mais sóbrio da lua”, “tentou se
matar de novo, mas sentiu que ainda era cedo”, o autor da música nos fala sobre
esta dualidade pulsional inconsciente que atua simultaneamente em nosso
psiquismo na qual segundo Freud as pulsões descritas como “de morte”, por um
lado tendem a buscar um estado de satisfação que leva a um estado primitivo da
existência, que pode ser associado à morte. Porém, ao mesmo tempo as pulsões
descritas como “de vida” estão em constante esforço para preservar a existência do
indivíduo, esta dualidade de forças está sempre em jogo atuando no inconsciente.
41
Outro fator visível também no trecho da música acima é que ao dizer: “eu me
arrastei para fora novamente, por que não há lugar em que eu possa me esconder”,
o autor nos remete a questão da inerência pulsional, na qual segundo Freud não há
como escapar da pulsão, pois esta é uma força constante e inerente a qualquer tipo
de fuga.
42
CAPÍTULO III: A MÚSICA COMO VIA LINGUÍSTICA DE EXPRESSÂO PSÍQUICA
A Linguagem e o Inconsciente
A partir disto então é visto que a linguagem consiste no mecanismo que serve
como meio de comunicação entre os seres humanos, porém a linguagem vai além
da comunicação específica entre os indivíduos, a linguagem também é a ferramenta
que possibilita a comunicação do próprio sujeito com o seu mundo interno. Somente
através da linguagem se faz possível a articulação de pensamentos e ideias, e mais
especificamente, a linguagem é o que possibilita a comunicação entre o campo do
inconsciente e o campo do consciente em um sujeito. É com base nesta ideia que
darei sequência a este estudo, dando ênfase na relação da linguagem com a
psicanálise e como esta é fundamental para entender o meio pelo qual o
inconsciente humano se expressa.
Na introdução deste capítulo citei a ideia que servirá como base para o estudo
que aqui farei: “O Inconsciente é estruturado com base na linguagem”, esta
premissa consiste em um aspecto conceitual que foi trazido por Jacques Lacan
(1953) e consiste na linha de raciocínio que é necessário se ter em mente para este
estudo. Antes de abordar os temas relacionados à obra de Lacan é importante
lembrar que a gênese da relação entre linguagem e o inconsciente da psicanálise se
deu quando Freud publicou sua obra A interpretação dos Sonhos (1900), na qual o
autor, mesmo sem fazer um estudo dirigido específico sobre o assunto, nos fala
sobre uma característica primordial e fundamental do inconsciente, a capacidade
que este tem de articular a linguagem ao expressar e manifestar seu conteúdo na
dialética com o campo consciente. Freud faz menção a dois mecanismos de
linguagem, a condensação e o deslocamento, a estes mecanismos o autor associou
as figuras de linguagem metáfora e metonímia. Os estudos de Freud apontam para
a relação que existe entre o inconsciente e a linguagem, de modo que a obra deste
autor exemplifica como ocorrem certos aspectos desta dialética e mesmo sem
44
propor, Freud já nos proporciona uma teorização a qual serve como base para
entender a ideia de que o inconsciente humano depende da linguagem para atuar.
45
Eis por que esta analogia estrutural entre certos processos da linguagem e
o dinamismo inconsciente exige uma incursão prévia no campo da
lingüística. De fato, a noção de estrutura só e central na obra de Lacan na
medida em que ela é constantemente referenciada à estrutura da
linguagem. Em primeiro lugar, na medida em que esta estrutura é colocada
por Lacan como a estrutura à qual o inconsciente deve ser relacionado. Em
segundo lugar, porque e o próprio ato da linguagem que faz advir o
inconsciente e o lugar onde ele se exprime. E principalmente em torno de
dois dos princípios mais fundamentais destacados por F. Saussure que esta
analogia pode ser o mais seguramente evidenciada: por um lado, a
distinção radical entre significante e significado; por outro lado, a
discriminação dos dois eixos da linguagem (DOR, 1989, p. 27-28).
O signo lingüístico, com efeito, não une uma coisa a um nome, mas um
conceito a uma imagem acústica. Mas, de imediato, o termo "imagem
acústica" exige uma precisão: "O signo lingüístico une, não uma coisa e um
nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta ultima não é o som
material, coisa puramente física, mas a marca física desse som, a
representação que nos e dada por nossos sentidos; ela é sensorial, e Se
nos ocorre chamá-la "material", é apenas neste sentido e por oposição ao
outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato” (DOR,
1989, p. 28).
O conceito de arbitrário do signo tem como base o fato de que o signo não
representa uma ligação necessária entre uma imagem acústica e um conceito, pois
quando se analisa a diferença ente as línguas, verifica-se que pode ocorrer uma
alteração nesta da imagem acústica para com o conceito ou significado em questão,
de modo que assim o caráter que define o arbitrário é o de que o significante não
deriva do significado, não é delimitado naturalmente por ele, sendo definido por um
conjunto específico linguístico, ao qual o autor chama de “comunidade linguística”. O
autor ainda nos fala que o arbitrário do signo pode adquirir uma característica de
aleatoriedade quando levado em consideração as construções subjetivas e as
associações do sujeito, esta aleatoriedade explica-se pelo fato de que um
significante pode estar associado a vários outros significados e vice-versa.
47
alteração se dá no conceito em si da coisa, de modo que o que ocorre é uma
modificação da compreensão e da extensão do conceito da coisa.
Mais adiante no texto, tem-se a questão trazida pelo autor de que o ato da
fala precede de duas atividades simultâneas que fazem, uma delas é selecionar
certos elementos léxicos (signos) e a outra é combinar estes elementos linguísticos,
o que faz com que a linguagem possua duas direções. O ato de selecionar os
termos linguísticos possibilita que sejam feitas substituições de determinados
termos, enquanto o ato de combinar exige que seja feita uma articulação destes
termos, fato esse que implica a necessidade de haver uma ordem nesse processo, o
48
qual diz respeito à concatenação de elementos linguísticos. F. de Saussure fala que
a língua e a fala podem ser analisadas distintamente, e o trecho a seguir fornece
uma explicação clara sobre esta questão.
Esta noção de signo linguístico e as duas vias da linguagem são a base para
entender as formulações lacanianas sobre a questão do ponto de estofo, assim
como da metáfora e da metonímia, as quais irão fornecer as premissas para
entender a uma questão fundamental na obra de Lacan, a supremacia do
significante, juntamente com as consequências trazidas por isto para as chamadas
formações do inconsciente. Adiante no texto de Dor (1989), há a ideia de que
segundo F. de Saussure, a entidade linguística só se faz como o tal a partir da
atuação dual da delimitação, que consiste em associar um significante a um
significado. Estes dois não necessariamente vão possuir uma ligação fixa, de modo
que a partir de um significante pode-se ter uma associação de significado variada,
possibilitando que uma imagem acústica possa estar, por exemplo, ligada ao mesmo
tempo a dois signos linguísticos de caráteres distintos.
49
articulação dessas duas massas amorfas entre si: uma ideia se fixa num
som, ao mesmo tempo que uma sequência fônica se constitui como
significante de uma ideia (DOR, 1989, p. 38).
Seguindo com base na obra de C. Jorge, é visto que Lacan ainda articula o
conceito do significante para falar sobre dois mecanismos da linguagem que
ocorrem na vida onírica, a metáfora e a metonímia, as quais possuem uma relação
direta com a função do significante de modo que ele afirma que estes mecanismos
linguísticos “seguem as leis do significante”, o trecho a seguir, retirado da obra de C.
Jorge (2000) fornece uma explicação sobre o funcionamento destes aspectos.
51
Lacan redimensiona essas noções a partir de sua teoria do significante,
para demonstrar que “o trabalho do sonho segue as leis do significante”. A
condensação é entendida como um processo metafórico no qual trata-se
da substituição de vários significantes por outro significante num processo
de superposição: “A Verdichtung, condensação, é a estrutura de
superposição dos significantes em que ganha campo a metáfora, e cujo
nome, por condensar em si mesmo a Dichtung, indica a conaturalidade
desse mecanismo com a poesia, a ponto de envolver a função propriamente
tradicional desta.” O deslocamento é visto como um processo puramente
metonímico, no qual não há substituição de um significante por outro, mas
sim um remetimento a outro significante: “A Verschiebung ou
deslocamento... é o transporte da significação que a metonímia demonstra e
que, desde seu aparecimento em Freud, é apresentado como o meio mais
adequado do inconsciente para despistar a censura” (C. JORGE, p. 89).
Assim como da maneira como Saussure fala sobre o fato de que a língua é
algo específico, na qual a linguagem serve como um modo de criar um meio único
de comunicação, uma “família linguística”, do mesmo modo pode-se entender a
questão da música, sendo que as composições musicais específicas de uma cultura
em um determinado local do mundo possuem elementos linguísticos que somente
fazem sentido, e somente dizem respeito à estrutura linguística desta determinada
cultura e provavelmente não farão sentido aos ouvidos de outro povo de outra
determinada cultura, cujos termos e signos linguísticos utilizados em sua língua não
darão conta de produzir o sentido necessário para o entendimento do conteúdo
presente na composição em questão.
Em suma, o que afirmo aqui neste ponto é que a música, sendo um elemento
da linguagem necessita da aplicação dos mesmos elementos linguísticos estruturais
para fazer sentido. A partir desta conclusão, parto para a aproximação desta ideia
53
com a questão trazida por Lacan, de modo que se a música é uma ferramenta da
linguagem, e se o inconsciente é à priori dependente da linguagem para se
estruturar, é possível afirmar que existe uma relação entre a música e o
inconsciente? Pra responder a esta questão, eu gostaria de iniciar pelo fato de que a
primeira evidência da legitimidade dessa relação se encontra no fato de que,
segundo a psicanálise e os estudos que fiz neste trabalho até então, a música
consiste em uma construção criativa e singular do homem, de modo que assim toda
e qualquer criação humana é dependente dos mecanismos estruturais que este
possui, assim é visto que a música é uma produção linguística expressiva cujos
conteúdos que motivam sua criação provém do inconsciente e da subjetividade
humana.
54
seus significantes, a música é um meio pelo qual o “sujeito do inconsciente” se faz
vivo, pois este se faz enquanto tal na medida em que está sempre como Lacan diz:
“entre dois significantes”, na música o sujeito do inconsciente ganha vida, é colocado
para fora do psiquismo e se transforma em melodia e versos cantados.
Com base nisso, é possível afirmar que a música possui uma relação direta
com o inconsciente, as produções musicais, possuem o valor de significante,
representam elementos que remetem a subjetividade, às cadeias associativas de
significações que um sujeito possui e está exercitando para construir o conteúdo
para a produção musical. E isto pode ser visto nitidamente nas obras de diversos
artistas, eles nos falam em suas canções através de metáforas, e através da
metonímia sobre conteúdos particulares que fazem sentido a sua própria
subjetividade, da mesma forma que o inconsciente transmite seus conteúdos ao
sujeito, conteúdos estes que são particulares de cada um.
55
CONCLUSÂO
Para falar sobre a música não há como não falar nas questões psíquicas do
sujeito, pois ela está profundamente conectada com as produções subjetivas do
homem. Com base no estudo que fiz no primeiro capítulo, a respeito da relação da
música com os aspectos da psicologia de grupo, foi possível concluir que a música é
mais do que uma prática artística que permeia o discurso alheio, a música ocupa um
lugar no discurso social, a música instaura um ponto de unidade, ela serve como o
ponto organizador com base no qual os sujeitos se organizam e constroem grupos.
A música é um organizador grupal na medida em que adquire o valor de “ponto de
instituição”, a qual movimenta os sujeitos em torno de uma característica em comum,
o qual serve como um modelo, e com base neste modelo os sujeitos se identificam
com os diferentes aspectos pertencentes a este ponto uno (o artista, a melodia, a
letra da canção, a ideologia, a atitude).
56
também no ato de ouvir determinada música e comtemplar suas próprias questões
na obra. Com a análise destas questões é notável a relação da música com o
mecanismo de sublimação descrito por Freud, de modo que, o mesmo mecanismo
responsável por desviar a finalidade das pulsões de vida e de morte que o sujeito
produz para fins sociais, é o que alimenta a fantasia e as forças criativas do sujeito,
dando a este um lugar onde a produção artística musical entra como uma via criativa
cuja fonte provém das forças pulsionais inconscientes do sujeito, e automaticamente
este lugar instaura um ponto com base no qual outros sujeitos conseguem
contemplar suas próprias questões latentes de origem pulsional.
Com base nos estudos feitos no terceiro capítulo, é possível concluir que
devido ao fato de que segundo Lacan, o nosso inconsciente se estrutura com base
na linguagem, é possível constatar que a relação existente entre a música e o
inconsciente é de ordem muito próxima, pois a música nada mais é do que um
mecanismo de linguagem, logo é visto que através da música o inconsciente
encontra meios de se expressar, trazendo à tona pela via da arte as questões
subjetivas latentes do sujeito. Isto ocorre do mesmo modo como ocorre a produção
de significado a nível simbólico no inconsciente, pois o mecanismo que internaliza os
signos linguísticos que estruturam nosso inconsciente enquanto linguagem é o
mesmo que organiza as palavras e frases que fazem sentido ao compositor de uma
canção, a música implica o inconsciente em uma produção linguística que evoca
significantes os quais dizem respeito ao que é próprio do sujeito. É possível notar,
com base no estudo feito sobre a teoria do significante lacaniano, que a música se
vale dos mesmos princípios linguísticos que o sujeito precisa internalizar para fazer
sentido. A música é uma produção que possibilita com que se faça presente o que
Lacan chama de “sujeito do inconsciente”. Entre a cadeia de significantes, em meio
aos sentidos e significados que são o valor psíquico para as palavras e frases que
formam a canção encontra-se o sujeito.
57
suas emoções, desejos, pensamentos, ideologias e ainda mais, a música permite
que o sujeito fale sobre questões que estão latentes para ele mesmo, o “não dito”
muitas vezes aparece através na relação do sujeito com a música. Se há o
investimento libidinal na produção de obras musicais, ou no ato de ouvir, como diz
Freud, o sujeito está falando sobre algo que “nem ele mesmo lembra que sabe” ou
“nem mesmo tem ciência que o sabe”.
A partir dos estudos feitos, meu objetivo não é afirmar que a música seja um
“método” de escuta clínica, e sim em propor que a música seja uma via, um
mecanismo que pode contribuir em um tratamento psicológico, de modo a facilitar ou
providenciar uma via de expressão por parte do sujeito, que permita que este
consiga associar, e trazer suas questões a partir da via musical, pois a música é
uma via expressiva que permite a sublimação das pulsões inconscientes, possibilita
a fala do sujeito do discurso, é uma voz que fala por metáforas, que diz de um saber
que é próprio e único do ser humano, e que traz à tona os mistérios e os devaneios
do mundo do inconsciente. Após tudo que foi abordado, ainda restam questões que
coloco aqui, de modo que há que se levar em consideração a possibilidade de após
58
toda esta análise argumentar que: A música, por ser uma via artística de expressão
do psiquismo, pode adquirir o valor de ato constituinte do psiquismo humano? E
sendo uma via de transmissão linguística repleta de valor simbólico pode-se afirmar
que a música consiste em uma das ferramentas estruturantes do sujeito? Com toda
certeza estas são questões que provocam inquietude e despertam curiosidade, e
suas respostas não se encontram fora de alcance, basta olhar mais de perto para o
modo como o homem se relaciona com a música, pois a música é a voz do sujeito
que nunca se cala, a música canta os versos, canta os implícitos do sujeito, pois
música é o sujeito.
59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS