A Musica e A Psique

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Elvis Dei Ricardi Barcellos Farias

A MÚSICA E A PSIQUÉ: um estudo sobre a relação entre a música e aspectos


do psiquismo humano

Santa Rosa, novembro de 2016.

1
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

DHE – Departamento de Humanidades e Educação

Curso de Psicologia

A MÚSICA E A PSIQUÉ: um estudo sobre a relação entre a música e aspectos


do psiquismo humano

Elvis Dei Ricardi Barcellos Farias

ORIENTADOR: Simoni Antunes Fernandes

Trabalho de conclusão de curso apresentado


como requisito parcial para a conclusão do
curso de Psicologia da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
Unijuí para a obtenção do grau de psicólogo.

Santa Rosa, novembro de 2016.

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Elvis Dei Ricardi Barcellos Farias

A MÚSICA E A PSIQUÉ: um estudo sobre a relação entre a música e aspectos


do psiquismo humano

BANCA EXAMINADORA:

__________________________

Simoni Antunes Fernandes - Professora do curso de Psicologia do departamento de


humanidades e educação – DHE (Unijuí).

__________________________

Lála Catarina Lenzi Nodari - Professora do curso de Psicologia do departamento de


humanidades e educação – DHE (Unijuí).

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A MÚSICA E A PSIQUÉ: um estudo sobre a relação entre a música e aspectos
do psiquismo humano

Elvis Dei Ricardi Barcellos Farias

Simoni Antunes Fernandes

RESUMO

Esta monografia apresenta em um estudo que propõe um olhar sobre a relação


existente entre a produção musical artística e aspectos constitutivos do psiquismo
humano. O texto contextualiza a música dentro de um aspecto histórico e temporal,
enfatizando os momentos que representaram as mais importantes e marcantes
evoluções em termos de criações musicais, e também reforça o valor social e
cultural da música para a humanidade. A proposta principal deste estudo é mostrar
que a música pode ser considerada como uma via de expressão do inconsciente
humano. Esta proposição é feita através de um apanhado de conceitos
psicanalíticos fundamentais retirados das obras de Sigmund Freud e Jacques Lacan,
os quais são utilizados para embasar e exemplificar a intrínseca relação existente
entre a música e o psiquismo humano. Estuda-se esta relação, com base na
aproximação de teorizações e conceitos de Freud (o estudo da psicologia de grupos,
a teoria das pulsões e da libido, a sublimação etc.) e de Jacques Lacan (a teoria do
significante, a premissa do inconsciente estruturado como linguagem etc.) com a
questão do valor psíquico, que tanto a produção quanto a prática de ouvir música
representam para o homem. E também, este trabalho mostra como a música pode
consistir em uma maneira de ouvir o sujeito através de uma voz que fala sobre suas
questões de caráter inconsciente.

Palavras-chave: Música; Psiquismo; Inconsciente; Psiqué; Pulsão; Sublimação.

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ABSTRACT

This paper presents a study that proposes a look regarding the existing relation
between artistic musical production and constitutive aspects of the human psiquism.
The text contextualizes music in a historical and in a temporal aspect, emphasizing
the moments which represented the most important and marking evolutions in terms
of musical creations, and also reinforces the social and cultural value of music to
mankind. The main proposal of this study is to show that music can be considered as
an expression path for the human unconscious. This proposition is made trough a
gathering of fundamental pshychoanalytic concepts taken from the works of Sigmund
Freud and Jacques Lacan, which ared used to base and to exemplify the exsting
intrinsic relation between music and the human psiquism. This relation is studied
based on the approach of theorizations and concepts by Sigmund Freud (the study of
group psychology, the theory of drive and the libido theory, the sublimation etc.) and
Jacques Lacan (the theory of the significant, the premise of the unconscious
structured as a language etc.) with the matter of the psychic value, which both
production and the pratice of listening to music representes to men. And also, this
work shows how music can consist in a way of hearing the subject trough a voice
that speaks about his matters of unconscious character.

Keywords: Music; Psiquism; Unconscious; Psyche; Drive; Sublimation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................07

A MÚSICA NA HISTÓRIA E NOS GRUPOS............................................................09

A MÚSICA E A SUBLIMAÇÃO.................................................................................25

A MÚSICA COMO VIA LINGUÍSTICA DE EXPRESSÂO PSÍQUICA......................43

CONCLUSÃO............................................................................................................56

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................60

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INTRODUÇÃO

A Música é uma criação única e específica da espécie humana, seu valor vai
muito além do entretenimento e da aplicação artística. Quando falamos de música
estamos falando de um mecanismo de comunicação complexo que envolve não só
quesitos técnicos, pois a música representa uma expressão de questões próprias do
sujeito, a música da voz, a subjetividade. A música consiste em uma das principais
formas de arte e de expressão humana. Sua riqueza e seu alcance se estendem por
todo o mundo, seu poder de “tocar a alma” é algo incrivelmente intrigante, e este foi
o principal motivo que me levou a optar por este tema, minha proximidade e apreço
por esta forma de arte me motivaram a ir em busca da pequena centelha de
curiosidade que deu início a este estudo e me motivou a aprofundar a relação da
música com os aspectos do psiquismo humano.

O tema desta monografia se faz com base em um campo de estudo que


pouco foi explorado até então, ainda não se encontram grandes estudos
aprofundados sobre a relação que existe entre música e psiquismo. É nisso que
consiste a importância do estudo deste tema, o qual explora uma questão cuja
difusão pode trazer novos entendimentos de notável relevância acadêmica sobre o
que há de implícito e de latente na relação arte-sujeito, mais especificamente
música-sujeito, e contribuir para que se produzam novas visões e entendimentos
sobre o valor e o papel da música para o homem e sua conexão com o psiquismo.

Esse estudo pretende então, mostrar o quanto a relação da música com o


psiquismo humano pode contribuir para a Psicologia enquanto campo de estudo e
meio de se ter uma ferramenta que pode contribuir para ampliar o modo de entender
o sujeito. Esse trabalho mostra, através de um embasamento teórico psicanalítico, a
relação da música com aspectos constitutivos fundamentais do psiquismo humano.
A ideia principal é enfatizar que a música representa mais do que simplesmente uma
forma de contar histórias cantadas em uma melodia, a proposta é falar sobre a
música como uma das maneiras que o inconsciente humano consegue se
expressar, e dar vazão aos seus conteúdos latentes que muitas vezes não
aparecem na fala do sujeito. Com base nesses objetivos o trabalho levanta algumas

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questões, como por exemplo: É possível pensar a música como um fenômeno
organizador social? Aonde podemos encontrar indicativos de que a música consiste
em uma ferramenta de transmissão das questões que estão latentes no sujeito? É
possível pensar na música como sendo uma via linguística de expressão do
inconsciente?

O primeiro capítulo do trabalho apresenta um apanhado histórico sobre a


música, desde sua criação, e levando em consideração os principais marcos na
história e do desenvolvimento da música ocidental, abordo também a relevância da
música a nível cultural para o homem. Ainda no capítulo I, trago a questão da
música a partir de uma visão com base no estudo de Freud sobre a psicologia de
grupos, com o objetivo de mostrar a relação entre a música e as questões implícitas
que estão na dinâmica de funcionamento dos grupos.

O segundo capítulo dessa monografia traz a questão da Teoria das Pulsões


trazida por Sigmund Freud, com o objetivo de fornecer a base teórica necessária
para explicar a relação pulsional com a música. Este apanhado teórico sobre as
pulsões serve como entrada para a outra questão que abordo nesse capítulo, que é
a teoria da Sublimação Freudiana, a qual configura-se como um mecanismo
inconsciente que serve como base para o estudo, que visa explicar a origem das
criações artísticas musicais e também para relacionar o ato de ouvir música com
este conceito freudiano.

No terceiro e último capítulo é abordada a questão trazida por Jacques Lacan,


de que o inconsciente é “estruturado a partir da linguagem”. Esta premissa serve de
base para estudar a questão da música e seu papel para o psiquismo, pois a música
consiste em um mecanismo de linguagem autêntico e o objetivo é mostrar a relação
desta com as vias psíquicas de comunicação na dinâmica inconsciente-consciente.
Também é abordado nesse capítulo, a teoria lacaniana do Significante com o
objetivo de exemplificar o valor simbólico que a música representa para o
inconsciente humano. E outro ponto também abordado é uma proposta que propõe
que a música como uma via de valor simbólico que proporciona uma expressão
psíquica de conteúdos latentes e pode ser utilizada para contribuir no processo de
escuta e de entendimento das questões da subjetividade do sujeito.

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CAPÍTULO I: A MÚSICA NA HISTÓRIA E NOS GRUPOS

Quando falamos em música, o que nos vem à cabeça? Um conjunto de sons,


os quais nada mais são que vibrações de ondas invisíveis que se propagam pelo ar
e pela matéria em geral as quais são captadas por nosso aparelho auditivo e são
interpretadas pelo nosso cérebro? Um grupo de ruídos harmônicos que quando
reproduzidos e organizados em uma ordem específica produzem uma sensação
agradável ou desagradável em seu ouvinte? Sem dúvida, dentro de determinado
ponto de vista essas descrições não podem ser consideradas erradas, porém o que
pretendo abordar neste capítulo é uma concepção da música enquanto uma
ferramenta linguística de criação única e especificamente humana, uma produção
que carrega imensa riqueza de significado, e, através de um estudo histórico, uma
reflexão cultural e da intrínseca relação entre Sujeito-Grupo-Música, expor como
essa criação humana representa muito mais do que apenas um conjunto de sons
reproduzidos em uma ordem específica.

A Música na História

Segundo a etimologia, a palavra música possui origem Grega, é derivada de


Musiké techné, cuja tradução significa “A Arte das Musas”. Segundo a mitologia
Grega, estas musas eram as nove filhas de Zeus (o pai de todos os deuses na
mitologia Grega) e Mnemosine (a deusa que representava a personificação da
memória na mitologia Grega), as quais eram entidades míticas que ensinavam aos
homens sobre os deuses e demais divindades através de encenações e
apresentações artísticas acompanhadas de teatro, dança, poemas e cantos líricos.

De acordo com estudos históricos com base na obra de Candé (2001), a


habilidade de compor música, ou por assim dizer, a capacidade que o homem tem
de reproduzir, organizar e manipular sons distintos através do uso de ferramentas
(instrumentos) em uma ordem específica surgiu por volta de um período histórico
chamado de Paleolítico Médio, que data a partir de 70.000 a 50.000 anos atrás.
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Esse período é marcado pela ascensão do conhecido Homo Sapiens, que nesta
época já possuía habilidades motoras consideráveis no manejo de ferramentas, um
nível de desenvolvimento cognitivo consideravelmente elevado e notável capacidade
de controlar a altura, a intensidade e o timbre vocal, dados estes que levam os
estudiosos e historiadores a crerem que a capacidade criativa necessária para se
produzir música tenha se desenvolvido paralelamente a este passo evolutivo da
humanidade, levando a crer então que, devido a estas estimativas do nível de
desenvolvimento em que o homem se encontrava nesta época, foi aproximadamente
neste período histórico que ocorreu o surgimento da música.

Conforme a obra de Grout e Palisca (1988) farei um pequeno apanhado


histórico, situando a evolução e o papel da música paralelamente com determinados
períodos da evolução e épocas que a humanidade viveu até os dias atuais. Na pré-
história a música como conhecemos atualmente ainda não existia, o que se produzia
em termos “musicais” naquela época primitiva consistia na tentativa do homem em
reproduzir os sons que provinham da natureza que o cercava, e isso era feito
através do uso do próprio corpo, e de ferramentas e instrumentos rudimentares.
Mais adiante as produções musicais foram se solidificando dentro das culturas
primitivas e a prática de reproduções sonoras adquiriu uma função ritualística,
servindo como um mecanismo criado pelo homem primitivo para servir como via de
comunicação com divindades provenientes de suas crenças, e também para
simbolizar e referenciar momentos significativos: caças, batalhas, fenômenos da
natureza entre outros.

Na antiguidade, período que foi marcado pela ascensão de grandes


civilizações (Suméria, Egito, Grécia, China, Índia etc.) detentoras de enorme
importância histórica, as quais construíram vastos impérios, conquistaram e
delimitaram espaços geográficos que ainda hoje perduram, cujas culturas se
desenvolveram e se solidificaram de tal maneira que seus legados permanecem
vivos e influenciam os sujeitos até os dias atuais. Naquele período histórico da
antiguidade a música, enquanto função ritualística, já consistia em um costume
presente em praticamente todas as culturas conhecidas, nesta época foram
inventados diversos instrumentos musicais, instrumentos de cordas, de percussão,
de sopro entre outros, o que fez com que as criações musicais adquirissem maior

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complexidade. Um ponto em comum da música naquele período que se manteve
desde o princípio, foi que ela continuou sendo um meio de comunicação ritualístico e
de caráter célebre em todas as culturas, pois a música era tida como uma espécie
de “linguagem dos deuses”, que fora ensinada por eles aos humanos, e o ato de
reproduzi-la era considerado em diversas culturas como um rito simbólico e sagrado,
um meio pelo qual os homens poderiam “falar a língua dos deuses”.

Para seguir adiante neste apanhado histórico é válido citar que dou ênfase
para o estudo da música dentro do ponto de vista histórico ocidental, que representa
a principal influência da cultura musical que possuímos atualmente. Não há como
falar da música na antiguidade sem citar a civilização que mais influenciou a cultura
ocidental neste quesito, a civilização grega. Na Grécia antiga a música era tida como
um mecanismo de entrar em contato, em sintonia com os deuses da antiga
mitologia, de tal modo que os gregos possuíam figuras míticas para representar
especificamente esta conexão divina entre o homem e os deuses que se dava
através da música, como é o caso do deus grego Apolo e seu filho Orfeu, ambos
possuidores de habilidades musicais mágicas e encantadoras citadas na mitologia.

Na Grécia antiga a música adquiriu algumas características novas, as quais


fizeram dela o que hoje conhecemos como música em si, que é o caso da criação da
palavra “música”, que é de origem Grega e cujo significado já foi explicitado
anteriormente. Também foi na Grécia antiga que a música deixou de possuir a
característica exclusivamente ritualística e adquiriu um caráter que podemos chamar
de artístico, de modo que era utilizada como acompanhamento nas famosas
apresentações dos teatros Gregos, nas declamações de poemas e representações
de histórias míticas. Outro marco importante para a música que surgiu na civilização
Grega foi a criação de conceitos referentes a notas, escalas, gêneros e tons
musicais, que eram representadas graficamente por letras do alfabeto, e o trecho a
seguir, retirado da obra de D.J. Grout e C.V. Palisca (1988) nos ajudará a elucidar
melhor no que consistia esta teoria musical grega.

A teoria musical grega, ou harmonia, compunha-se tradicionalmente de sete


tópicos: notas, intervalos, gêneros, sistemas de escalas, tons, modulação e
composição melódica. Estes pontos são enumerados por esta ordem por
Cleónides (autor de data incerta, talvez do século II d. C.) num compêndio

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da teoria aristoxeniana; o próprio Aristóxeno, nos seus Elementos de
Harmonia (c. 330 a. C.), discute demoradamente cada um dos tópicos, mas
ordenando-os de forma diferente. Os conceitos de nota e de intervalo
dependem de uma distinção entre dois tipos de movimento da voz humana:
o contínuo, em que a voz muda de altura num deslizar constante,
ascendente ou descendente, sem se fixar numa nota, e o diastemático, em
que as notas são mantidas, tornando perceptíveis as distâncias nítidas entre
elas, denominadas <<intervalos>>. Os intervalos, como os tons, os meios-
tons e os dítonos (terceira), combinavam-se em sistemas ou escalas. O
bloco fundamental a partir do qual se construíam as escalas de uma ou
duas oitavas era o tetracorde, formado por quatro notas, abarcando um
diatessarão, ou intervalo de quarta. (p. 22.)

Dando sequência no apanhado histórico da música em nossa sociedade,


abordarei agora o período da idade média, que se deu do século VII até o século
XV. O período da idade média, também conhecido como “Idade das Trevas”, foi
marcado pela queda do império Romano. Naquele momento da história o sistema
econômico do Feudalismo foi adotado e prosperou na Europa, também aquela
época foi marcada pela ascensão da hegemonia da igreja Católica e por uma
estagnação significativa dos avanços científicos e tecnológicos da humanidade.

Em termos de produção musical, a idade média foi um período no qual a


influência religiosa vigente da igreja Católica contribuiu muito para delimitar o que foi
produzido neste período histórico. Naquela época a música em geral estava
associada principalmente ao caráter ritualístico religioso, porém já providas de
detalhes estruturais mais evoluídos, as produções musicais eram voltadas para
servir de acompanhamento aos ritos e celebrações Católicas, e existiam também as
produções musicais chamadas de “profanas” que diziam respeito às produções que
não eram aceitas ou aprovadas pela Igreja. Neste período o principal gênero musical
foi o Canto Gregoriano, que era um tipo de música vocal monofônica, no qual
basicamente uma ou mais vozes executando melodias à capela, o Canto gregoriano
era interpretado juntamente com demais cantos característicos, como
acompanhamento para momentos significativos em celebrações religiosas, servia
como método de evocar orações e salmos em latim.

Mais adiante ocorreu a criação do Órgão, instrumento que passou a servir


como acompanhamento instrumental para os cantos e liturgias religiosas nas
celebrações, e trouxe um caráter polifônico para as composições musicais da época
e contribuiu para a criação de outros estilos musicais religiosos, como a Clausula, o
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Conductus, o Moteto, e a técnica Ars Nova, que consistia em uma maneira mais
complexa de se criar música, utilizando acompanhamentos instrumentais mais
elaborados e com interação de diferentes melodias o que exigia o auxílio de um
condutor.

Falarei um pouco agora sobre o período do século XIV seguindo com o


estudo embasado na obra de Grout e Palisca (1988), período este marcado pela
ascensão e consolidação do sistema econômico capitalista, assim como do regime
político democrático. Naquele momento da história a ciência passou a se tornar a
base para o conhecimento, deixando de lado a visão religiosa e se distanciando da
filosofia. Este também foi um momento da história marcado por conflitos mercantis e
comerciais na Europa e pela criação e desenvolvimento de correntes artísticas,
literárias e visuais como o Romantismo, o Realismo/Naturalismo, Parnasianismo,
Simbolismo entre outras.

A música no século XIV foi nomeada e atribuída ao estilo literário do


Romantismo, pois esta era uma das principais modalidades artísticas da época, que
implicava em uma expressão artística exótica, com apreciação pela natureza e um
saudosismo medieval. A música dentro do Romantismo adquiriu novas
características que foram somadas às bases do Classicismo, como acordes
diferenciados, ciclos de melodias, tons às vezes indefinidos. Novos tipos de
andamentos começam a ser explorados, através do avanço da ciência começam a
ocorrer melhoramentos nos instrumentos já existentes e ocorre a criação de novos
instrumentos como a Tuba e o Saxofone.

Neste período histórico criam-se os eventos voltados exclusivamente para


apreciação de música, como concertos, óperas, recitais promovidos pelas então
sociedades musicais. Outro ponto importante nesta época é o surgimento da
especialização musical, de modo que passaram a existir artistas voltados para
funções específicas na música, como compositores de sinfonias, instrumentistas
entre outros. O nível técnico da música se elevou neste período histórico, ocorreu
também a criação do metrônomo (uma ferramenta utilizada para a marcação do
tempo e compasso musical). No século XIV surgiram diversos nomes exponenciais
da música como Johannes Brahms, Niccolò Paganini, Fréderic Chopin, Ludwig Van
Beethoven entre outros.
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Com o término da época medieval, temos a época do Renascentismo ou
Renascimento, época essa que foi marcada pela ascensão da ciência e da
tecnologia, ocorreu a dessacralização do corpo, permitindo avanços significativos
nos estudos da medicina em geral, naquele período se iniciou uma nova modalidade
de pensamento, na qual começaram aparecer as críticas à religião, e o pensamento
filosófico e racional começaram a serem difundidos. Neste período também o
sistema econômico europeu começou a mudar, o capitalismo começou a entrar em
vigência, o que propiciou a abertura do mercado entre as nações, iniciando o
processo de abertura e de interação entre nações e culturas, ao qual hoje
denominamos “globalização”, também nesta época ocorreu o início da abertura do
pensamento religioso, que se iniciou com os Protestantes que divergiam do
pensamento Católico, também ocorreu a criação dos primeiros bancos e
universidades, e a liberdade de escolha religiosa também passou a existir neste
período.

Quanto à produção musical na época do Renascimento, não se notou uma


grande mudança na maneira de compor música quando comparado ao período
medieval, porém neste período as composições se tornaram cada vez mais
complexas e experimentais. Ocorreu uma perda do vínculo exclusivo religioso que
antes era vigente, iniciou-se uma aposta na complexidade instrumental e na
abundância de notas e tons musicais, juntamente com o surgimento de novos
instrumentos, como a Flauta Doce, o Cromorne, a Viola da Gamba, o Alaúde a
Vihuela entre outros.

Com base na obra de Grout e Palisca (1988), no renascimento a música foi


adquirindo novos gêneros e vertentes como a Frótola, Villancico, Chanson e o
Madrigal. Também neste período começou a se explorar de maneira mais séria a
música instrumental, que se tornou cada vez mais complexa e técnica, o que
culminou com a criação do gênero musical denominado Música Erudita que consistia
em composições técnicas e complexas que buscavam explorar ao máximo as
combinações sonoras e a perfeição da execução. Outros estilos também surgiram
como a música de Dança, que servia como animação para ambientes festivos como
tavernas e eventos reais. Também a música Utilitária surgiu nesta época, com

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objetivo de servir para momentos específicos, normalmente ligados a questões de
realeza, para momentos célebres, cerimônias funerais, militares etc.

Após o Renascimento, temos o período histórico denominado de Barroco, que


foi do final do século XVI a meados do século XVIII. Este é um período marcado por
guerras marítimas europeias, assim como disputas religiosas, também foi um
período de continuidade dos estudos científicos e filosóficos e uma difusão das artes
mais variadas. Neste período histórico difundiu-se as composições de estilos
musicais dançantes, também passaram a utilizar ornamentos musicais para
incrementar as melodias dos instrumentos já existentes. Um ponto interessante
deste período foi a criação da chamada “Teoria dos Afetos” que consistia em uma
modalidade de compor baseada nos sentimentos, na contemplação da beleza da
natureza, atitudes humanas, histórias etc.

No período Barroco, iniciou-se a criação das orquestras musicais,


responsáveis pelas execuções das primeiras Óperas, que consistem em obras
musicais complexas e temáticas, acompanhadas de encenações e caracterização
artística. As Igrejas vigentes da época proibiram a execução e composição de
óperas em seus domínios, o que fez com surgir um estilo diferenciado de
composição, o Oratório, o qual não diferia muito da estrutura da ópera, porém era
voltado a uma temática religiosa. Outros estilos musicais foram criados nesta época,
como a Cantata, o Concerto Grosso, Trio Sonata, Suíte, Fuga entre outros. Este
período histórico foi marcado por nomes como Antonio Vivaldi e Johann Sebastian
Bach, que até hoje são aclamados compositores cujas obras são lembradas e
executadas.

Em sequência ao período barroco iniciou-se o período do Classicismo, o qual


se deu de meados do século XVIII até o início do século XIX. Este período foi
marcado pelo início da revolução industrial e por um pensamento artístico voltado ao
perfeccionismo, à valorização da beleza, do balanço e equilíbrio. Neste momento
histórico, a música adquiriu uma maior complexidade e riqueza nas composições
harmônicas, mais escalas tonais foram implementadas, começou a se explorar mais
diversidade de contrastes tônicos e de andamentos musicais, as composições
adquiriam um caráter mais abstrato em sua generalidade.

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Na época do Classicismo, foram inventados dois instrumentos bastante
importantes para o cenário musical, como o Piano e o Clarinete. Também ocorreu
neste período a criação da chamada Orquestra Sinfônica, que consiste em diversos
tipos de instrumentos sendo reproduzidos em conjunto mediante a regência de um
condutor. Os principais gêneros musicais que prosperaram no Classicismo foram a
Sonata, a Sinfonia, o Concerto Solo, e a Ópera. Neste período temos o surgimento
de Wolfgang Amadeus Mozart, um dos maiores e mais aclamados compositores de
todos os tempos.

Agora falarei sobre a música no século XX, que consiste no período mais
repleto de avanços, acontecimentos e mudanças históricas que influenciaram toda a
cultura mundial e logo a produção musical no mundo todo. O século XX foi um
período marcado por uma expansão progressiva da globalização, o mercado e o
comércio se expandiram a nível mundial, assim como os meios de transporte e de
comunicação evoluíram e se tornaram mais dinâmicos e abrangentes, o que permitiu
uma troca de experiências entre as culturas, uma miscigenação de diversas etnias
propiciando a interação entre os mais variados tipos de pessoas. No século em
questão, também tivemos a ascensão da industrialização a nível global, que até hoje
consiste em um fator importante para a economia das nações, também neste
período o mundo passou por dois conflitos armados mundiais, as duas grandes
guerras mundiais, as quais paralelamente motivaram a expansão de recursos
tecnológicos e científicos no mundo. O século XX marcou a ascensão da tecnologia
e das ciências, período no qual foram feitas diversas descobertas e invenções da
medicina e da ciência, que se tornaram essenciais para melhorar a qualidade de
vida no mundo todo. Também houve avanços tecnológicos muito importantes como
o advento da era digital entrou em vigor e mudou a maneira como a humanidade lida
com comunicação, entretenimento, ciência e nas demais áreas do conhecimento.

Com relação ao que se produziu musicalmente no século XX é importante


citar que este período histórico foi o responsável pela maior quantidade de
mudanças, de evolução de gêneros e experimentações criativas que se viu na
história da humanidade: a música se expandiu de maneira bastante significativa,
diversos gêneros musicais surgiram, instrumentos muito significativos foram
inventados como a Guitarra elétrica, o contrabaixo elétrico, o sintetizador, entre

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outros. Um fator muito importante foi que neste momento histórico a música se
tornou uma prática artística presente em todos os lugares da cultura. Também no
séc. XX ocorreu a invenção dos mecanismos de gravação, possibilitando com que a
música pudesse ser eternizada, comercializada e colocada de certo modo no plano
físico, com os discos de Vinil, as fitas K7 e os CDs.

A música no séc. XX adquiriu um caráter que vai além de uma simples arte e
entretenimento, ela se tornou um meio de expressão social, uma ferramenta
linguística de vários grupos sociais com o objetivo de divulgar a voz do homem, suas
ideologias e pensamentos. Um exemplo disso foram os movimentos sociais do Rock
and Roll, o movimento Punk, o movimento Hippie entre outros, neste período
histórico a música adquiriu um caráter de transmissão cultural a nível mundial oque
foi facilitado e propiciado pelo advento da criação e popularização de meios de
comunicação cruciais na história humana como o Rádio e a Televisão.

Quanto ao século XXI, pode-se dizer que não houve grandes mudanças na
maneira de se produzir música em geral, pois ainda estamos no início deste século e
o que se produz hoje consiste em uma continuação daquilo que se iniciou no séc.
XX. Neste século ocorreu a popularização da produção de músicas eletrônicas e
produzidas digitalmente, a maneira de se registrar a música também se tornou
completamente digital, hoje possuímos mecanismos de armazenamento digital como
o Pen Drive e plataformas digitais de armazenamento musical, que fizeram com que
os métodos anteriores de armazenamento se tornassem menos usados.

Através deste apanhado histórico com base na obra de Grout e Palisca


(1988), vimos que a música sempre foi uma ferramenta importante na história
humana, a qual surgiu e evoluiu paralelamente com os avanços da humanidade e
está presente em todos os lugares do mundo. O ponto principal que quero levar em
consideração aqui é que a música ao longo de toda sua evolução manteve sempre
uma característica básica que nunca se alterou, a de que esta consiste em um
mecanismo de linguagem, uma ferramenta que o homem criou com o objetivo de se
expressar, de falar sobre aquilo que é seu, que é próprio de sua espécie e suas mais
variadas culturas.

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A Música e os Grupos

As relações de um indivíduo com os pais, com os irmãos e irmãs, com o


objeto de seu amor e com seu médico, na realidade, todas as relações que
até o presente constituíram o principal tema da pesquisa psicanalítica,
podem reivindicar serem consideradas como fenômenos sociais, e, com
respeito a isso, podem ser postas em contraste com certos outros
processos, por nós descritos como “narcisistas”, nos quais a satisfação dos
instintos é parcial ou totalmente retirada da influência de outras pessoas. O
contraste entre atos mentais sociais e narcisistas — Bleuler [1912] talvez os
chamasse de “autísticos” — incide assim inteiramente dentro do domínio da
psicologia individual, não sendo adequado para diferençá-la de uma
psicologia social ou de grupo. (FREUD, p. 81)

A partir desse trecho retirado da obra de Sigmund Freud Psicologia de


Grupos e Análise do Ego (1921), introduzo que meu objetivo é mostrar como (devido
ao fato de que o sujeito consiste em um ser, cujas características pessoais e
psíquicas são construídas e se desenvolvem a partir de sua interação com outros
sujeitos dentro de grupos sociais) a música pode adquirir o valor de “ponto
organizador” de grupos, e também pode ser utilizada para exemplificar e entender
como se dá a dinâmica de determinados processos psíquicos inconscientes que são
produzidos através desta interação do indivíduo com os diferentes grupos, nos quais
se insere ao longo de sua vida. Este estudo será feito através de um apanhado
teórico sobre questões referentes à psicologia dos grupos, a partir dos estudos feitos
por Freud em sua obra citada acima.

A psicologia de grupo interessa-se assim pelo indivíduo como membro de


uma raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de uma
instituição, ou como parte componente de uma multidão de pessoas que se
organizaram em grupo, numa ocasião determinada, para um intuito definido.
(FREUD, p. 84)

O trecho citado nos fala sobre o objeto de estudo da psicologia de grupo, e


nos mostra que a questão central dos grupos é justamente a união de determinados
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indivíduos em função de um ponto em comum, seja ele qual for. Freud inicia seus
estudos utilizando-se de algumas ideias retiradas da obra de Le Bon (1855), que,
segundo Freud, Le Bon propõe o conceito de “grupo psicológico”, no qual os
indivíduos que dele fazem parte, desconsiderando suas particularidades e
diferenças pessoais, desenvolvem uma característica em comum chamada por ele
de “mente coletiva” ou “mente grupal”.

Segundo Le Bon (1855), essa mente coletiva faz com que o indivíduo adquira
características mentais e comportamentais distintas e incoerentes quando
comparadas às que este normalmente apresentaria se observado de maneira
individual. Porém em sua análise da obra de Le Bon, Freud aponta o fato de que o
autor teria deixado de lado uma questão essencial para a compreensão da dinâmica
da formação dos grupos, que consiste no fato de que para um grupo ser formado é
necessário que por mais diferentes que sejam as características pessoais dos
integrantes que formam o grupo, estes precisam possuir um ponto em comum que
os una enquanto tal.

A partir de leituras sobre a obra de McDougall (1920), Freud nos fala que um
grupo em si não pode existir dentro desta denominação, consiste em algo que pode
ser chamado de “multidão”. Esta concepção refere-se ao fato da premissa de não
haver uma organização básica para legitimar a construção de um grupo, o qual
consistiria em outro tipo de configuração estrutural, não podendo ser nomeada como
tal (grupo).

Porém, Freud afirma mais adiante que para que possa haver uma
aglomeração de indivíduos de tal forma, é preciso que haja certo grau de
organização, que exista em algum nível determinado tipo e vínculo entre os
mesmos, algo que gire em torno de um objeto comum, ou também certo grau de
vínculo emocional. Esta ideia nos diz também, que é necessário que exista um nível
de reciprocidade entre os sujeitos, ou seja, uma inclinação emocional, como Freud
nos diz (1921 p. 53): “Quanto mais alto o grau dessa “homogeneidade mental”, mais
prontamente os indivíduos constituem um grupo psicológico e mais notáveis são as
manifestações da mente grupal.”

19
Por fim, o objetivo de Freud com o estudo das obras de Le Bon e McDougall é
mostrar uma visão que define como é como funciona a estrutura da organização de
um grupo. Sendo assim, pode-se pensar que é fundamental a existência de certos
vínculos intrínsecos para que um grupo seja legitimado como tal, e para que isso
ocorra é necessário que forças e influências de uma ordem até então “encobertas”,
pertencentes a uma dinâmica de interação sutil que existe entre os indivíduos
possibilitem a formação deste vínculo.

Outro fator a ser levado em consideração é que, segundo Freud o que


movimenta ou organiza os vínculos entre os indivíduos de um grupo refere-se a uma
força de contágio mútuo que ele chama de “Sugestão” ou “indução” de emoções.
Porém, Freud ao citar estas concepções sugere uma outra maneira de explicar este
fenômeno, através da teoria da libido e o trecho a seguir nos ajuda a entender de
forma mais clara estas questões:

Libido é expressão extraída da teoria das emoções. Damos esse nome à


energia, considerada como uma magnitude quantitativa (embora na
realidade não seja presentemente mensurável), daqueles instintos que têm
a ver com tudo o que pode ser abrangido sob a palavra “amor”. O núcleo do
que queremos significar por amor consiste naturalmente (e é isso que
comumente é chamado de amor e que os poetas cantam) no amor sexual,
com a união sexual como objetivo. (FREUD, 1921 p. 57).

Seguindo a linha de pensamento de Freud existem diferentes tipos de grupos


os homogêneos e os heterogêneos, artificiais e naturais, os primitivos e os
organizados. Ainda dentro destes modelos de grupos citados existem os grupos que
possuem um líder e os que não o possuem, esses fatores são a base que nos serve
para entender a estrutura de funcionamento, e a organização de um grupo. Para
exemplificar tais estruturas grupais, Freud (1921) utiliza dois tipos de grupos
existentes em nossa sociedade, sendo os tais a Igreja e o Exército. Porém o objetivo
deste estudo é exemplificar essas mesmas estruturas descritas pelo autor em
questão a partir de exemplos relacionados a música. Podemos utilizar como base de
exemplo para este estudo um grupo organizado de maneira homogênea, artificial e
primitiva, como é o caso das “tribos musicais”.

Uma tribo musical, consiste em um grupo formado por indivíduos que


possuem uma determinada preferência por ouvir um estilo musical específico em
comum, por exemplo o Rock and Roll, o qual serve como ponto organizador, que
20
movimenta a união de diversos indivíduos desde os primórdios de sua criação: É
visto que historicamente (como já citado anteriormente neste estudo) este estilo
musical vem movimentando a criação de grupos sociais com o cunho musical, tais
como os chamados Rockers, Headbangers, Punks, Hippies, entre outras
nomenclaturas e tribos, as quais expressam ideologias e modos de pensar através
de uma linguagem artística e expressiva, musical. A partir do exemplo citado,
podemos entender a definição utilizada por Freud para definir uma organização
grupal artificial, no sentido de que o fator unificante fundamental deste grupo, ou
seja, o estilo musical em questão consiste em uma espécie de “líder abstrato”, que
organiza o investimento libidinal comum entre os seus membros através de um “laço
emocional” comum.

Outra estrutura de organização grupal que citarei são os conjuntos musicais


ou bandas, que consistem em grupos organizados a partir de ideais e ideologias de
pensamento expressadas artística e musicalmente por indivíduos unidos através de
um líder personificado, um ser humano que serve como organizador deste grupo,
como é o caso de bandas de rock, as quais possuem uma característica artística
específica, que faz com que suas composições musicais tenham uma característica
em comum que não se altera, caso contrário levaria à dissolução deste. Esta
característica consiste em tudo que se pode produzir dentro do estilo musical em
questão, e que por mais que haja certa heterogeneidade específica entre os
membros, o ponto organizador (a música) possibilita uma redução dos impedimentos
narcísicos que por outras vias impediriam a existência do vínculo entre os tais, ou
seja, através da linguagem expressiva musical estes indivíduos se conectam através
de um laço de origem libidinal que perpassa sutilmente os impasses de ordem
heterogênea.

Para concluir esta parte do estudo e para iniciar a próxima etapa do mesmo,
citarei um trecho da obra de Freud (1921) que nos ajudará a entender que o foco do
estudo a seguir está voltado ao entendimento da dinâmica que organizam os laços
existentes entre os membros de um grupo.

Nosso interesse nos conduz agora à premente questão de saber qual possa
ser a natureza desses laços que existem nos grupos. No estudo
psicanalítico das neuroses, ocupamo-nos, até aqui, quase exclusivamente
com os laços com objetos feitos pelos instintos amorosos que ainda

21
perseguem objetivos diretamente sexuais. Nos grupos, evidentemente, não
se pode falar de objetivos dessas espécies. Preocupamo-nos aqui com os
instintos amorosos que foram desviados de seus objetivos originais, embora
não atuem com menor energia devido a isso. Ora, no âmbito das habituais
catexias sexuais de objeto, já observamos fenômenos que representam um
desvio do instinto de seu objetivo sexual. Descrevemos esse fenômeno
como gradações do estado de estar amando e reconhecemos que elas
envolvem certa usurpação do ego. Voltaremos agora mais de perto nossa
atenção para esses fenômenos de estar enamorado ou amando, na firme
expectativa de neles encontrar condições que possam ser transferidas para
os laços existentes nos grupos (FREUD, p. 65).

Antes de passar ao estudo específico das relações emocionais dentro dos


grupos, a partir das catexias libidinais de objeto, cujos fins sexuais não podem ser
plenamente satisfeitos, será levado em consideração o estudo de outro mecanismo
que atua nas relações emocionais dentro de um grupo, ao qual Freud chamou de
Identificação. Segundo este autor o mecanismo da Identificação consiste em um tipo
de laço emocional, ou vínculo, bastante primitivo que atua na constituição psíquica
do sujeito, e que possui um papel fundamental dentro da dinâmica edípica.

Freud inicia sua explicação do funcionamento do mecanismo de Identificação


trazendo um exemplo no qual, dentro da conflitiva edípica o menino toma o pai como
um objeto ideal, ou idealizado. Isto faz com que este ideal sirva como base para
orientar uma escolha objetal posterior que consiste no desenvolvimento de uma
catexia libidinal direcionada a mãe, fazendo então com que atuem simultaneamente
dois laços emocionais diferentes, um deles sendo o laço identificatório de
idealização com o pai e o outro uma catexia de ordem objetal sexual direta com a
mãe. Além disso, o autor complementa que estes dois laços emocionais, com o
desenrolar de sua interação coexistente no psiquismo do sujeito posteriormente
tendem a convergir em uma conflitiva, dando origem ao denominado Complexo de
Édipo.

A partir destas ideias citadas acima, é possível visualizar a questão da


dinâmica do processo identificatório do sujeito através de um exemplo de ordem
musical. Verifica-se que uma pessoa pode desenvolver um vínculo emocional de
ordem identificatória parcial com um determinado artista, seja ele um cantor solo, ou
então, um membro específico de um conjunto musical, ou banda. Por exemplo, um
determinado indivíduo coloca certo artista musical em uma posição de objeto ideal,
utilizando-se deste como modelo para questões de ordem pessoal, como o estilo de

22
se vestir, um modelo de comportamento, ideias, ideologias, entre outros aspectos
que são transmitidos e personificados pela figura do artista para o indivíduo através
de suas composições e interpretações musicais.

Existe também outro meio particular de formação de vínculos emocionais com


base no processo de identificação, o qual se constrói com base em uma
identificação que se faz a partir da possibilidade de colocar-se em uma mesma
situação, ou como nas próprias palavras de Freud (1921, p. 67): “Um determinado
ego percebeu uma analogia significante com outro sobre certo ponto”. A partir deste
modelo identificatório, pode-se utilizar de exemplos musicais para contribuir com o
entendimento deste pensamento de Freud: Um determinado indivíduo cria um
vínculo emocional com outra pessoa a partir de uma ideologia proposta pelas obras
musicais de determinado artista, isto também ocorre em relação ao vínculo
estabelecido entre duas pessoas que se originou a partir de preferência por um
estilo musical.

[...] a identificação constitui a forma original de laço emocional com um


objeto; segundo, de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma
vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por meio de introjeção do
objeto no ego; e, terceiro, pode surgir como qualquer nova percepção de
uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é
objeto de instinto sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é,
mais bem-sucedida pode tornar-se essa identificação parcial, podendo
representar assim o início de um novo laço (FREUD, p. 67).

A partir destes exemplos e da citação acima, podemos visualizar que,


segundo Freud este processo de identificação seria o que organiza o laço existente
entre os membros de determinado grupo com base em uma emoção em comum,
que estaria vinculada com o líder deste grupo, e ainda o autor especula sobre a
origem a chamada Empatia, que seria de certo modo a força motriz que possibilita a
congruência entre os membros do grupo.

Mais adiante, Freud procura explicar como ocorre o estabelecimento do


vínculo entre um indivíduo e o líder do grupo, para isto ele explica que esta relação é
construída a partir de uma espécie de “enamoramento hipnótico” que se dá por parte
do indivíduo para com este líder e sucessivamente os indivíduos se identificam uns

23
com os outros a partir do vínculo comum que existe para com este líder. Para
facilitar o entendimento deste processo, citarei um trecho da obra de Freud (p. 90).

Estar Amando baseia-se na presença simultânea de impulsos diretamente


sexuais e impulsos sexuais inibidos em seus objetivos, enquanto o objeto
arrasta uma parte da libido do ego narcisista do sujeito para si próprio.
Trata-se de uma condição em que há lugar apenas para o ego e o objeto. A
Hipnose assemelha-se ao estado de estar amando por limitar-se a essas
duas pessoas, mas baseia-se inteiramente em impulsos sexuais inibidos em
seus objetos e coloca o objeto em um lugar de ideal do ego. O grupo
multiplica esse processo; concorda com a hipnose da natureza dos instintos
que o mantém unido e na substituição do ideal do ego pelo objeto, mas
acrescenta a identificação com outros indivíduos, oque foi talvez,
originalmente, tornando possível por terem eles a mesma relação com o
objeto (FREUD, 1921).

Diante destas teorizações podemos observar e entender a razão pela qual um


determinado indivíduo idolatra, reverencia e venera um determinado artista musical
ou conjunto, e diante disto acaba por estabelecer vínculos com demais indivíduos
que também o fazem, dando origem aos Fã-Clubes e demais grupos referentes à
idolatria a artistas relacionados a música. É possível concluir então, com base de
todos estes estudos feitos com base na obra de Freud, que é possível visualizar e
exemplificar como a música pode ser utilizada para entendermos como se
organizam os grupos e como se dá a relação entre os vínculos que o constituem
estes grupos, de modo que a música serve como este ponto organizador que une os
indivíduos, este líder que faz com que os indivíduos se identifiquem uns com os
outros diante deste objeto em comum.

24
CAPÍTULO II: A MÚSICA E A SUBLIMAÇÃO

Falei sobre a música de acordo com o seu aspecto histórico e de seu valor
como um ponto em comum organizador de grupos, o qual serve de base para que
se criem produções psíquicas de ordem identificatória que regem as relações entre
estes sujeitos nesses grupos. Agora iniciarei um estudo que tem como objetivo
observar a música enquanto uma produção humana artística e expressiva que
possui uma conexão direta com o psiquismo do sujeito, e esta conexão, a qual pode
ser entendida como uma relação dialética entre música e inconsciente pode ser
constatada a partir da análise de um conceito psicanalítico trazido por Sigmund
Freud, a Sublimação.

Este capítulo tem como objetivo, a partir do estudo de teorizações


provenientes de obras de Sigmund Freud, mostrar o que são as pulsões, que são as
fontes que movem e direcionam questões derivadas do psiquismo humano,
introduzir e trabalhar o conceito de libido e da sublimação mostrando como o ser
humano faz o uso da música enquanto arte, como uma ferramenta que possui a
capacidade de adquirir o valor de mecanismo sublimatório tanto no sentido de
produção quanto de apreciação artística. E também exemplificar, através de um
estudo com base em obras musicais de compositores do cenário musical
internacional, como podemos visualizar a dinâmica do processo da sublimação e de
como este se relaciona com a música.

Sobre as Pulsões e a Libido

Por “pulsão” podemos entender, a princípio, apenas o representante


psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui
continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por
excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da
delimitação entre o anímico e o físico (FREUD, 1905, p. 103).

O trecho acima consiste em um fragmento do texto retirado da quarta edição


da obra de Freud (1905), Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade. Através

25
deste fragmento do texto, é possível perceber que Freud nos aponta o conceito da
pulsão como sendo uma espécie de força motriz que funciona como um ponto
unificante, e isto seria o resultado da interação entre estímulos provenientes do
mundo externo e o funcionamento psíquico do sujeito, de modo que a interação
desses dois hemisférios resulta em uma espécie de “impulso instintual” que é então
chamado por Freud de Pulsão. Este consiste em um dos conceitos fundamentais
para se entender a origem e a complexa dinâmica da sexualidade humana.

Na obra em questão, Freud nos fala sobre a pulsão sob o ponto de vista
sexual, abordando essa como sendo uma espécie de fonte de excitação proveniente
de estímulos que gera uma força psíquica pulsante contínua, a qual possui um alvo
se relaciona com um objeto e precisa ser saciada através da satisfação parcial, e
para referenciar a isto Freud nos fala sobre uma espécie de energia psíquica a qual
movimenta esta busca pela satisfação pulsional, Freud chama esta energia de
Libido.

Para entender a origem destas “pulsões sexuais parciais” precisamos


entender um conceito fundamental trazido ainda nesta obra, que serve para
entender como se originam as pulsões parciais de ordem sexual, é o conceito de
“zona erógena”. O trecho a seguir retirado da obra de Freud Três Ensaios Sobre a
Teoria da Sexualidade (1905) fornecerá uma introdução para se entender melhor
este conceito.

Outra hipótese provisória de que não podemos furtar-nos na teoria das


pulsões afirma que os órgãos do corpo fornecem dois tipos de excitação,
baseados em diferenças de natureza química. A uma dessas classes de
excitação designamos como a que é especificamente sexual, e referimo-nos
ao órgão em causa como a “zona erógena” da pulsão parcial que parte dele.
(FREUD, p. 104).

A partir do conceito de zona erógena Freud nos fala sobre essas áreas do
corpo as quais são responsáveis por serem estimuladas e produzirem excitação de
ordem sexual que então originam o impulso psíquico pulsional, e estas não somente
são as áreas especificamente genitais, estas podem ser quaisquer áreas corporais.
Freud nos exemplifica como zonas erógenas, áreas de superfície de mucosa, como
a zona bucal e anal que são mais usualmente excitadas a nível erógeno no ser
humano. Para entender melhor ainda, pode-se afirmar que as zonas erógenas são

26
áreas do corpo que são estimuladas a nível de excitação genital ou sexual, e estas
áreas servirão como pontos de onde se produzem vias de descarga libidinal com o
objetivo de produzir uma satisfação pulsional parcial.

Para esclarecer por que Freud conceituou como parciais as pulsões sexuais,
é necessário entender que segundo o autor as pulsões sexuais são impulsos
originados da relação do psiquismo com estímulos que provém de áreas específicas
e diferentes do corpo, de modo que assim não há como se obter uma satisfação
plena pulsional, pois a força da pulsão em si é algo inerente, constante e somente é
possível obter satisfação de ordem parcial através da relação destas áreas do corpo
com as quais a pulsão se relaciona. Deste modo, o que ocorre é uma experiência de
satisfação primária, que erogeniza e instaura um ponto de partida para uma busca
por uma satisfação com o objetivo de reviver esta experiência de satisfação primária
plena que não pode ser atingida.

Antes de seguir adiante no estudo das pulsões, é necessário fazer uma


explanação sobre o conceito de libido e seu dinamismo inicial, o qual Freud (1905)
utiliza para explicar a origem dos investimentos de ordem objetal que se fazem nos
processos pulsionais. Freud nos fala da libido como sendo uma força quantitativa e
também qualitativa que direciona as designações de objeto de alvo satisfatório-
sexual, porém a qual não está somente atrelada às áreas sexuais genitais em
específico, e sim a libido consegue promover satisfação sexual proveniente de todo
o corpo. Devido a esta característica Freud (1905) criou inicialmente uma
denominação chamada de libido do ego que seria uma espécie de depositário o qual
teria a finalidade de direcionar esta força psíquica para as determinadas áreas
erógenas específicas que visam a satisfação pulsional.

Esta libido do ego, segundo Freud (1905) pode ser direcionada a outros
objetos e outros destinos, o que inaugura outra ordem libidinal, por ele chamada de
libido do objeto, a qual seria responsável por direcionar as escolhas objetais sexuais
do indivíduo ao longo de sua vida. O trecho a seguir, retirado dos Três Ensaios
Sobre a Teoria da Sexualidade do mesmo autor ajudará entender um pouco melhor
esta dinâmica libidinal.

27
Podemos ainda inteirar-nos, no tocante aos destinos da libido, de que ela é
retirada dos objetos, mantém-se em suspenso em estados particulares de
tensão e, por fim, é trazida de volta para o interior do ego, assim se
reconvertendo em libido do ego. Em contraste com a libido do objeto,
também chamamos a libido do ego de libido narcísica. Do ponto de
observação da psicanálise podemos contemplar, como que por sobre uma
fronteira cuja ultrapassagem não nos é permitida, a movimentação da libido
narcísica, formando assim uma idéia da relação entre ela e a libido objetal.
A libido narcísica ou do ego parece-nos ser o grande reservatório de onde
partem as catexias de objeto e no qual elas voltam a ser recolhidas, e a
catexia libidinosa narcísica do ego se nos afigura como o estado originário
realizado na primeira infância, que é apenas encoberto pelas emissões
posteriores de libido, mas no fundo se conserva por trás delas (FREUD,
1905, p. 134).

No que concerne ao trecho destacado, pode-se entender que para Freud, a


princípio havia uma dualidade da libido, na qual esta reside inicialmente no ego,
devido ao período inicial de constituição psíquica, o qual gira em torno do
autoerotismo e todo o seu investimento é feito com incidência no próprio ego,
buscando a satisfação própria, e isto é a base para entender o que Freud
denominou de Narcisismo. E assim como esta energia libidinal tem como alvo o
próprio ego ela também pode deslizar ou ser investida em outros objetos externos,
os quais sejam de uma ordem de catexias que consigam promover a satisfação
pulsional que o ego busca, ou seja, a libido pode ser investida em objetos externos
de modo que através destes objetos externos ela pode retornar ao ego e aliviar a
tensão pulsional, produzir uma satisfação parcial.

Após esta ressalva sobre a teoria da libido, voltarei agora a abordar a questão
das pulsões. Até então abordei a questão pulsional referente ao período inicial dos
estudos de Freud, os quais falam sobre as pulsões sexuais. Porém ao decorrer de
suas obras, Freud nos exemplificou uma nova visão sobre as pulsões, de modo que
assim ele passou a identificar pulsões não só de ordem sexual, mas também ele
passou a teorizar sobre as pulsões de “autopreservação”. Esta concepção instaurou
uma ideia de dualismo pulsional, a qual iniciou após o estudo sobre a teoria da
sexualidade, e foi proposta por ele inicialmente na obra intitulada: Formulações
sobre os dois princípios do funcionamento psíquico (1911) na qual Freud passou a
nos falar sobre duas ordens de pulsões, as pulsões sexuais e as pulsões de
“autopreservação” ou pulsões do eu.

Por pulsões sexuais Freud (1905) nos exemplificou a classe de “instintos” que
busca satisfazer as tensões sexuais, não importando o seu objeto e sua via de
28
satisfação, esta categoria pulsional, possui um único objetivo que está conectado
com a via da fantasia e cuja única finalidade é direcionar o sujeito em uma busca
norteada pelo que o autor chamou de Princípio do Prazer. No que diz respeito às
pulsões de autopreservação ou do eu, Freud (1911) nos fala de “instintos” que visam
procurar proteger o eu contra quaisquer que sejam as ameaças impostas, inclusive
aos riscos que as pulsões sexuais impõem ao ego. Deste modo as pulsões do ego
seriam de uma ordem conservadora do próprio ego do sujeito, buscando não
suprimir totalmente a satisfação, mas sim regular as vias de satisfação para obter
apenas resultados positivos e seguros. O trecho a seguir retirado da obra em
questão fornece uma explicação bastante clara sobre esta questão citada.

Tal como o ego-prazer nada pode fazer a não ser querer, trabalhar para
produzir prazer e evitar o desprazer, assim o ego-realidade nada necessita
fazer a não ser lutar pelo que é útil e resguardar-se contra danos. Na
realidade, a substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade
não implica a deposição daquele, mas apenas sua proteção. Um prazer
momentâneo, incerto quanto a seus resultados, é abandonado, mas apenas
a fim de ganhar mais tarde, ao longo do novo caminho, um prazer seguro.
(FREUD, 1911, p. 138).

Farei agora um breve apanhado com base na obra de Freud: Os instintos e


suas Vissicitudes (1915), com o objetivo de retomar a questão do conceito de pulsão
que é reestruturado por Freud nesta obra e para pontuar a questão das
características das pulsões e dos destinos que o autor aponta para as tais. O termo
“pulsão” não é utilizado nesta obra por questões de tradução do termo em específico
(no caso do texto é utilizada a palavra “instinto”), então minhas referencias à obra
acompanharão a grafia do texto original com ressalvas ao termo mais usual e já
usado anteriormente “pulsão”.

Na obra em questão, Freud traz uma nova roupagem para o conceito de


pulsão, de modo que este inicia fazendo uma explanação sobre a distinção existente
entre os “instintos” (pulsões) e os “estímulos”. O autor procura explicitar que a
principal diferença entre um estímulo e um “instinto” seria a de que um estímulo
consiste em uma força que provém do meio externo, ou seja, de fora para dentro, ao
passo de que um “instinto” (pulsão) seria uma força que age de dentro para fora no
sujeito. De modo que então um “estímulo externo” seria algo que produz o que
poderia ser chamado de “movimento momentâneo” cuja tendência é se extinguir

29
após um período relativo de tempo, e no caso de um instinto, este produz então um
“movimento constante”, que não cessa.

Para falar sobre a definição de pulsão que é dada na obra em questão,


recorro às palavras de Freud (1915) que diz: “O melhor termo para caracterizar um
estímulo instintual seria ‘necessidade’. O que elimina uma necessidade é a
‘satisfação’. Isso pode ser alcançado apenas por uma alteração apropriada
(‘adequada’) da fonte interna de estimulação”. Assim então a ideia de pulsão em
Freud seria de uma “força instintual” que ordem psíquica (interna) que exerce uma
pressão constante, da qual não há como fugir à regra, inerente a qualquer tipo de ou
fuga que se possa tentar exercer em função dela. Para dar sequência a este estudo,
agora irei citar e descrever o que Freud delimitou como sendo as quatro
características básicas que compõem um “instinto” (pulsão) Sendo elas: “pressão”;
“finalidade”; “objeto” e “fonte”.

Por “pressão” pode-se entender que seria a força que a pulsão exerce no
psiquismo, a intensidade da tensão que ela é capaz de criar, ou a quantidade de
demanda de trabalho psíquico que ela exerce no sujeito. Segundo Freud a pressão
é uma característica padrão em todos os instintos, de modo que sua própria
essência, sua única finalidade seria exercer uma demanda de trabalho psíquico, seja
ela qual for.

Por “finalidade” entende-se que consiste no fato da pulsão buscar sempre a


satisfação, a finalidade desta é aliviar a tensão implicada ao psiquismo, satisfazer a
excitação que se produz na fonte do “instinto”. A finalidade primordial de uma pulsão
possui um valor imutável, porém a pulsão pode possuir outras maneiras variadas,
para se chegar na sua finalidade primordial, o que implica que uma pulsão pode ter
outras finalidades secundárias que se misturam. Freud fala também que a finalidade
da pulsão pode ser desviada ou inibida de seu caminho, para possibilitar a
satisfação, assumindo o caráter de pulsão inibida ou desviada, o que produz a
satisfação parcial.

O “objeto” de uma pulsão consiste em qualquer coisa que sirva como um


meio através do qual a pulsão consiga alcançar a sua finalidade (a satisfação). O
objeto pode ser qualquer coisa, sua principal característica é a variabilidade, de

30
modo que esse não tem qualquer relação direta com a pulsão, ele só faz sentido
para a pulsão quando esta à priori de servir como meio de satisfação. O objeto pode
variar de acordo com as vicissitudes da pulsão, assim como um mesmo objeto pode
servir para atingir a finalidade de mais de uma pulsão ao mesmo tempo, e é possível
também ocorrer uma fixação da pulsão a um objeto em um nível inicial de
elaboração desta pulsão.

A “fonte” de uma pulsão consiste no estímulo interno que a produz, segundo


Freud (1915) seria: “o processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo, e
cujo estímulo é representado na vida mental por um instinto”. Segundo o autor a
fonte de uma pulsão está para além da compreensão da psicologia, pois é de uma
origem somática, que parte de uma parte do corpo, de um órgão ou de origem
química ou então mecânica. Freud nos fala que o estudo da fonte das pulsões é algo
que possui uma limitação em função desta incerteza quanto a sua origem, e na
psicologia nos interessa o estudo da pulsão enquanto sua finalidade e objetivo.

Após esta exposição das características que constituem as pulsões, irei


abordar outros fatores, os quais Freud chamou de as “Vicissitudes” possíveis das
pulsões, este termo “Vicissitude” pode ser entendido como sendo um “destino” que a
pulsão pode ter no seu processo dinâmico de busca pela satisfação das tensões
(necessidades). No que diz respeito a estas vicissitudes, é visto que segundo Freud
(1915) existem quatro possíveis vicissitudes para as pulsões, são elas: Reversão a
seu oposto; Retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo; Repressão e
Sublimação. Quanto à vicissitude da sublimação, é visto que Freud não chega a
abordá-la e desenvolvê-la nesta obra, suas contribuições para essa questão
encontram-se espalhadas ao longo de suas obras, com base nisso então, este tema
será abordado posteriormente com a devida ênfase.

No que diz respeito a “Reversão a seu oposto”, esta questão consiste em um


processo de caráter dual, o qual segundo Freud, cada um dos elementos desse
processo deve ser trabalhado de maneira separada, os processos consistem em
uma “mudança da atividade para a passividade” e uma “reversão de seu conteúdo”.
O autor exemplifica o primeiro processo com os pares: sadismo-masoquismo e
escopofilia-exibicionismo. Quanto à reversão, essa consiste em um processo que
afeta a finalidade da pulsão (a maneira como essa encontra para se satisfazer).
31
Quanto ao “Retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo”, este é um
processo no qual o investimento libidinal feito pelo sujeito retorna ao próprio ego
mediante uma alteração no objeto pulsional, e mantendo a sua finalidade. Freud
(1915) exemplifica este processo através da relação de oposição entre sadismo e
masoquismo, de modo que neste processo ocorre simultaneamente a reversão da
atividade para a passividade, o que está em jogo aí é a mudança de objeto
pulsional, que se retira do outro e retorna ao ego do indivíduo, mudando então não
só o objeto, mas também a finalidade da pulsão.

Para falar sobre o processo de repressão, recorrerei a um artigo publicado por


Freud denominado Repressão de 1915. Freud não chegou a abordar e desenvolver
o tema da repressão em sua obra anterior (O Instinto e suas Vicissitudes) em vista
de ser um tema que segundo ele exige uma atenção especial. Este artigo em
questão tem o objetivo de trabalhar e desenvolver o processo de repressão
detalhadamente e me utilizarei dele para abordar este tema. Segundo Freud (1915):
“Uma das vicissitudes que um impulso instintual pode sofrer é encontrar resistências
que procuram torná-lo inoperante”. Esta é a premissa básica para se entender o
processo de repressão, este consiste em um mecanismo de suprimir a atividade
pulsional em um determinado caso específico que cause controversamente um
desprazer. Freud exemplifica que não há como escapar da pulsão, logo o ego
procura um meio alternativo de conseguir articular e dar conta deste processo (a
repressão).

É visto que segundo o autor, a pulsão, ao exercer sua finalidade, pode acabar
causando não somente a satisfação e o prazer em si, pois o ego possui premissas
de regulamentações, como por exemplo: princípios morais, preferências, e certas
reivindicações, as quais podem entrar em conflito com a satisfação causada pelo
alívio de tensão pulsional, ocasionando com que o ego opte por dar ênfase no
desprazer que a pulsão causa no sujeito levando a repressão desta satisfação do
“instinto”. Freud (1915) fala que: “a essência da repressão consiste simplesmente
em afastar determinada coisa do consciente, mantendo-a à distância.” O autor
também fala sobre duas características da repressão que ajudam a entender melhor
como esta funciona, as quais são duas fases: a repressão primária, e a repressão
propriamente dita. Por repressão pode-se entender como o período inicial, no qual a

32
representação psíquica da pulsão é negada, impedida de vir até a consciência, e no
caso da repressão propriamente dita, o que ocorre é uma supressão posterior das
significações que derivam do representante psíquico originalmente reprimido.

Dando sequência, irei agora abordar a questão da atualização da dualidade


pulsional que foi proposta por Freud. Até o presente momento do estudo da obra de
Freud, tem-se uma distinção dual entre os “instintos de autopreservação” e os
“instintos sexuais”. Porém esta visão foi deixada de lado pelo autor, em sua obra
Além do Princípio do Prazer (1920) Freud propôs uma nova dualidade pulsional, na
qual ele diferencia os “instintos de vida” e os “instintos de morte”. Esta nova
dualidade pulsional se tornou a maneira vigente adotada por Freud para se trabalhar
as questões pulsionais e não teve mais nenhuma alteração em sua essência ao
longo de seus trabalhos sucessores. Para compreender de uma maneira mais clara
e explicar esta questão da dualidade pulsional: “instintos de vida-instintos de morte”,
recorro agora a um trecho da obra O Ego e o Id (1923).

[...] temos de distinguir duas classes de instintos, uma das quais, os


instintos sexuais ou Eros, é, de longe, a mais conspícua e acessível ao
estudo. Ela abrange não apenas o instinto sexual desinibido propriamente
dito e os impulsos instintuais de natureza inibida quanto ao objetivo ou
sublimada que dele derivam, mas também o instinto autopreservativo, que
deve ser atribuído ao ego e que, no início de nosso trabalho analítico,
tínhamos boas razões para contrastar com os instintos objetais sexuais. A
segunda classe de instintos não foi tão fácil de indicar; ao final, viemos a
reconhecer o sadismo como seu representante. Com base em
considerações teóricas, apoiadas pela biologia, apresentamos a hipótese de
um instinto de morte, cuja tarefa é conduzir a vida orgânica de volta ao
estado inanimado; por outro lado, imaginamos que Eros, por ocasionar uma
combinação de conseqüências cada vez mais amplas das partículas em
que a substância viva se acha dispersa, visa a complicar a vida e, ao
mesmo tempo, naturalmente, a preservá-la. Agindo dessa maneira, ambos
os instintos seriam conservadores no sentido mais estrito da palavra, visto
que ambos estariam se esforçando para restabelecer um estado de coisas
que foi perturbado pelo surgimento da vida. O surgimento da vida seria,
então, a causa da continuação da vida e também, ao mesmo tempo, do
esforço no sentido da morte. E a própria vida seria um conflito e uma
conciliação entre essas duas tendências. (FREUD, p. 24-25.)

A partir desta nova dualidade de pulsões proposta por Freud, instaura-se uma
nova maneira de se observar a relação do sujeito com as forças motrizes do
psiquismo. Deste modo vemos que existem forças pulsionais destinadas puramente
para a satisfação e outras que procuram conservar a integridade do ego mediante

33
um regramento e inclusive uma descarga de agressividade para com os objetos
externos em alguns casos, tudo funcionando em função da preservação da
existência e ao mesmo tempo em direção a um estado de plenitude, onde não há
inquietudes e nada que possa abalar a integridade psíquica, estado este que Freud
associou ao conceito da morte.

O estudo feito até aqui, teve como base dar um subsídio teórico sobre os
conceitos de pulsão e libido, sua origem, e como são articulados dentro da teoria
presente na obra freudiana. O principal objetivo foi de abordar e articular o tema da
pulsão, pois este conceito serve como uma das principais bases para se entender o
psiquismo humano, dentro do estudo da pulsão, meu estudo teve como finalidade
chegar ao ponto referente aos possíveis destinos (vicissitudes) das pulsões
propostos por Freud. Partindo deste ponto, é justamente com base em um destes
destinos que seguirei adiante neste estudo e construirei o próximo tópico deste
capítulo, a tópica será destinada para o estudo e a elaboração teórica da terceira
possível vicissitude da pulsão que foi proposta por Freud, a sublimação.

A Sublimação, a Arte e a Música

Como vimos, nós humanos, somos seres que se estruturam a partir de uma
interpelação entre determinados estímulos externos e uma força psíquica inata, esta
interpelação produz uma espécie de força motriz, a qual Freud chamou de Pulsão.
Segundo Freud, as pulsões são forças pulsantes de ordem inconsciente que não
cessam, uma espécie de necessidade inerente a qualquer outra atividade do
psiquismo e do aspecto biológico humano, a qual sempre está em movimento e
direcionando o ser humano em vista de sua finalidade, a satisfação. Freud também
nos fala que estas pulsões são responsáveis por movimentar e determinar as
inclinações psíquicas, escolhas objetais e a economia direcional de libido feita pelo
ego.

O estudo feito até aqui proporcionou entender que a pulsão é uma força
psíquica constante e incapaz de ser parada, com a qual o ego precisa lidar, como
Freud mesmo afirmou em uma das obras anteriormente abordadas, a pulsão é uma
necessidade da qual não se pode fugir, não há como escapar da incidência desta
34
força. Diante disto, é visto que a pulsão é uma necessidade que tem como única
finalidade ser satisfeita, e isto implica com que o ego necessite fazer uma espécie de
“manejo” desta força, pois nem sempre a via de satisfação pulsional proporciona
prazer ao ego. Muitas vezes a descarga de tensão pode causar um efeito de
desprazer ao ego e isto faz com que este precise encontras uma maneira de dar
vazão a esta energia sem que esta produza esta “reação negativa”. Então a partir
disto fica a questão: Como é possível lidar com uma força inata e constante da qual
não se pode escapar e que precisa ser satisfeita a qualquer custo?

Para responder a esta questão recorro a uma linha conceitual proposta por
Freud a qual trabalhei no tópico anterior, que diz respeito às “vicissitudes” ou os
possíveis destinos que as pulsões podem ter. Utilizarei uma destas vicissitudes
especificamente para trabalhar esta questão e poder entender como se dá esta
articulação que o ego faz para lidar com a demanda pulsional, esta vicissitude foi
nomeada por Freud (1915) de Sublimação.

Segundo o dicionário de psicanálise escrito por Elizabeth Roudinesco e


Michel Plon (1999) por sublimação podemos entender: “Termo derivado das belas-
artes (sublime), da química (sublimar) e da psicologia (subliminar), para designar ora
uma elevação do senso estético, ora uma passagem do estado sólido para o estado
gasoso, ora, ainda, um mais-além da consciência”. Esta descrição proporciona uma
ideia do que Freud quis exemplificar através da escolha do termo, que pode ser
entendido como um mecanismo para elevar algo de ordem “inferior” a um nível
“superior”, sublime, cujas características finais são de ordem mais “nobre” do que as
de início.

Mas sobre o que exatamente Freud está se referindo ao utilizar este termo?
Como podemos entender o funcionamento deste mecanismo psíquico? A resposta
para entender isso é possível ser visualizada através das obras de Freud, que como
dito anteriormente não chegou a publicar nem um tipo de obra dedicada
especialmente para a questão da Sublimação, o que se tem do autor sobre o tema
consiste em passagens, trechos e partes de outras publicações que trazem breves
descrições e abordagens mais sucintas desta. O autor falou pela primeira vez sobre
a Sublimação em sua obra citada anteriormente Três Ensaios Sobre a Teoria da
Sexualidade (1905), na qual ele nos fala sobre um processo psíquico que atua na
35
dinâmica pulsional, o qual ele descreve como sendo uma espécie de desvio que
ocorre na “meta sexual” da pulsão, fazendo com que esta possa ser satisfeita
através de um fim não sexual.

Este processo citado consiste na base da definição dada pelo autor sobre o
que consiste o processo da sublimação, cuja concepção de funcionamento manteve-
se ao longo de suas publicações posteriores que vieram a dar mais luz sobre o
processo. Em vista da época em que Freud publicou esta obra, é visto que a
concepção de sublimação ainda encontrava-se sob um aspecto conceitual bastante
inicial dentro de sua obra, de modo que conceitos foram sendo renovados e
atualizados na medida em que o autor foi publicando novas obras.

Para entender melhor sobre a sublimação, é necessário ter em mente o


estudo feito anteriormente, e entender que a sublimação consiste em um destino ou
uma “Vicissitude” da pulsão específica, que depende do funcionamento do ego e de
questões envolvendo a dinâmica pulsional e libidinal propostas por Freud. Na obra
Além do Princípio do Prazer (1920) o autor fala que: “A vicissitude mais importante
que um instinto pode experimentar parece ser a sublimação; aqui, tanto o objeto
quanto o objetivo são modificados; assim, o que originalmente era um instinto sexual
encontra satisfação em alguma realização que não é mais sexual, mas de uma
valoração social ou ética superior”. Ao se referir ao “objetivo” da pulsão, Freud
remete à característica da “Finalidade” da pulsão, que consiste em satisfazer a
tensão sobre qualquer custo.

Tendo em mente o fato de que a sublimação consiste em um processo de


desvio da finalidade de uma “pulsão sexual” é importante acrescentar outro conceito
trazido por Freud em sua obra O Ego e o ID (1923) que ajuda na compreensão
deste processo, este conceito é o da Dessexualização. Este conceito está atrelado
ao conceito de libido e sua dinâmica relação dialética com as pulsões sob a
mediação do ego e para exemplifica-lo utilizarei um trecho retirado da obra citada
acima.

A transformação da libido do objeto em libido narcísica, que assim se


efetua, obviamente implica um abandono de objetivos sexuais, uma
dessexualização - uma espécie de sublimação, portanto. Em verdade, surge

36
a questão, que merece consideração cuidadosa, de saber se este não será
o caminho universal à sublimação, se toda sublimação não se efetua
através da mediação do ego, que começa por transformar a libido objetal
sexual em narcísica e, depois, talvez, passa a fornecer-lhe outro objetivo.
(FREUD, 1923, p. 19).

Deste modo, resumidamente é possível concluir que, com base nas ideias de
Freud, a sublimação consiste em um mecanismo, um recurso do ego, que ao retirar
o aspecto sexual da libido redireciona a pulsão para fins diferenciados que não
sejam ligados a questões de caráter sexual. É com base nesta premissa, neste
“princípio ativo” do processo sublimatório que Freud faz o uso do termo, de modo
que assim é possível entender em que consiste este ato de “transformar” algo de
ordem inferior em algo que possua características mais nobres. O ego não consegue
lidar diretamente com a dualidade prazer/desprazer que as pulsões exercem sobre
si e por isso cria este mecanismo para poder amenizar as tensões psíquicas.

Ao analisar o mecanismo de funcionamento da sublimação, é interessante


ressaltar que a principal fonte por trás de sua atuação no psiquismo humano se dá
por que existem determinados fatores que servem como base/causa para a que esta
possa ocorrer. O ego é o responsável por fazer o “julgamento” pulsional e a
economia libidinal em nosso psiquismo, e uma vez que estamos em uma sociedade
que possui determinadas características culturais as quais possuem um regramento
e estereótipos comportamentais, de conduta e de moral que partem de uma
premissa onde a principal característica é a idealização, o ego precisa se adaptar a
estas características para que o psiquismo não “sofra” com a incongruência e a
discordância perante o social que seria causada pelo princípio do prazer.

Segundo o que abordei até aqui a partir das ideias de Freud, sublimar seria
então dessexualizar a libido que é depositada nos objetos de modo a direcionar a
finalidade das pulsões sexuais para fins sociais mais elevados. Porém considero
importante fazer uma ressalva aqui, visto que quando se trata da ordem das pulsões
citadas por Freud para descrever a sublimação o autor referencia somente a
questão da sublimação de “pulsões sexuais”. É importante pensar que quando o
autor se referiu ao mecanismo da sublimação, sua concepção sobre a dinâmica
pulsional ainda não encontrava-se em um estágio tão avançado. Posteriormente
(1915) trouxe uma nova visão a respeito do aspecto das pulsões, sobre a qual já
falei anteriormente, que se trata de uma dualidade pulsional na qual o conceito de
37
pulsão sexual já não tem mais o mesmo significado que possuía anteriormente.
Tendo isto em mente convoco o leitor a pensar a questão da sublimação sob um
viés onde não somente as pulsões “sexuais” estão em jogo e sim que esta questão
engloba toda a dualidade, das pulsões vida e das de morte e é com base nesta
premissa que prosseguirei o estudo.

Freud nos fala que o ato de sublimar, é redirecionar o aspecto sexual das
pulsões a outros fins sociais, porém oque seriam estes outros fins de aspecto mais
nobre e social? Juntamente com a definição da sublimação, o autor exemplifica que
a sublimação consiste em um dos principais mecanismos motivadores e inspiradores
para as criações artísticas, sendo esta uma das principais vias de redirecionamento
da libido dessexualizada, Freud nos diz que a sublimação possibilita que muita
energia libidinal seja convertida em energia criativa e isto leva a produção de obras
de arte de diversos gêneros. O trecho a seguir retirado da obra Formulações Sobre
os Dois Princípios do Funcionamento Mental (1911) ajuda ilustrar um pouco melhor
esta ideia.

A arte ocasiona uma reconciliação entre os dois princípios, de maneira


peculiar. Um artista é originalmente um homem que se afasta da realidade,
porque não pode concordar com a renúncia à satisfação instintual que ela a
princípio exige, e que concede a seus desejos eróticos e ambiciosos
completa liberdade na vida de fantasia. Todavia, encontra o caminho de
volta deste mundo de fantasia para a realidade, fazendo uso de dons
especiais que transformam suas fantasias em verdades de um novo tipo,
que são valorizadas pelos homens como reflexos preciosos da realidade
(FREUD, p. 139).

Através do trecho citado pode-se ver como Freud fala indiretamente sobre isto
que se trata o ato de sublimar, ao dizer que o artista, ao criar uma obra afasta-se da
realidade para não precisar renunciar à satisfação instintual é nítido o entendimento
e a relação com o mecanismo principal da sublimação. Faz-se necessário afirmar
que não somente através da criação artística se fazem possíveis as vias
sublimatórias, existem outros modos, outras práticas socias que também possibilitam
a sublimação, mas neste estudo irei abordar somente a questão específica da arte.
Pode-se afirmar que as criações artísticas possibilitam que, através da imersão na
fantasia, o indivíduo consiga produzir um espaço ausente do princípio da realidade,
no qual é possível depositar a energia dessexualizada que é retirada da finalidade

38
da pulsão e isto é transformado através da produção de obras que são feitas pelo
artista.

A partir disto então é possível entender que a arte consiste em uma via de
expressão inconsciente, uma ferramenta de linguagem, através da qual o indivíduo
fala sobre questões que dizem respeito a si mesmo, mas que, no entanto
encontram-se latentes a sua própria consciência. Para dar sequência a este estudo,
gostaria de adentrar agora na questão a qual motivou a criação e que consiste no
objetivo principal deste capítulo, que é mostrar e exemplificar a existência da relação
entre a sublimação e a música.

Como foi visto até aqui, a criação artística é uma via de produção que
possibilita a sublimação, logo, então poderíamos simplesmente dizer o seguinte: A
música também sendo considerada mundialmente uma prática artística é do mesmo
modo uma via de expressão que possibilita a sublimação. Esta afirmação não
estaria errada, porém sua simplicidade e objetividade não estão de acordo com o
objetivo deste estudo, o que quero aqui, é falar sobre a importância e o valor que
possui uma composição musical, pois é nos implícitos existentes na relação artista-
obra que se encontra o ato de sublimar.

Afirmo que utilizarei o conceito da música contemporânea como base para


dar suporte aos exemplos que darei daqui para frente. Uma composição musical é
um processo, é uma obra completa, na qual o autor precisa decidir as notas
musicais e a escala musical em que a melodia será criada, é necessário pensar um
andamento para a melodia, decidir o compasso a ser utilizado. Além disso, é feita a
composição de um conjunto lírico baseado ou não em rimas, a letra, que acompanha
a melodia e o tempo/compasso da música através do mecanismo da métrica, a qual
pode ser dividida em estrofes, prelúdios, pontes e refrão. Ainda existem
determinados elementos específicos que entram em certos tipos de composição
como o solo, que consiste em um momento da música dedicado especificamente a
um instrumento ou até mesmo aos vocais. Estas são basicamente as características
principais que compõem a estrutura musical contemporânea e que estamos
acostumados a ouvir atualmente.

39
Ao compor uma obra musical o artista não está apenas escolhendo
aleatoriamente uma sequência de sons e ritmos, não está apenas colocando
qualquer frase ou rima que lhe venha no pensamento, ao compor uma música o
artista está se expressando através de uma via inconsciente indireta. As questões
que movem sua escolha e sua inspiração dizem respeito a peculiaridades subjetivas
e a conteúdos latentes que derivam da energia libidinal “dessexualizada” ou
“desviada”, a qual é subliminarmente transformada na criatividade e isto possibilita e
impulsiona a criação, em outras palavras, compor música é entrar em contato
indireto com o inconsciente, é dar lugar, uma direção às finalidades da pulsão
através da via do imaginário e da fantasia.

Outro aspecto é o fato de que não somente o ato de compor uma obra
musical pode ser considerado uma via de sublimação, e com isso, proponho um
pensamento com base no ato de ouvir, de contemplar a obra feita pelo artista. Em
sua obra Escritores Criativos e Devaneios (1907), Freud nos fala que ao criar uma
obra o artista está colocando questões suas nesta obra, mas que estas questões
não só dizem respeito exclusivamente a suas questões pessoais, o autor nos diz
que ao compor uma obra o artista inclui características as quais possibilitam que
esta obra sirva como base para que outros indivíduos consigam contemplar suas
próprias questões subjetivas e latentes, e através deste ato de contemplar a obra o
indivíduo também consegue “aliviar suas próprias tensões emocionais”. O trecho a
seguir retirado da obra citada acima ajuda a entender melhor esta questão.

O escritor suaviza o caráter de seus devaneios egoístas por meio de


alterações e disfarces, e nos suborna com o prazer puramente formal, isto
é, estético, que nos oferece na apresentação de suas fantasias.
Denominamos de prêmio de estímulo ou de prazer preliminar ao prazer
desse gênero, que nos é oferecido para possibilitar a liberação de um
prazer ainda maior, proveniente de fontes psíquicas mais profundas. Em
minha opinião, todo prazer estético que o escritor criativo nos proporciona é
da mesma natureza desse prazer preliminar, e a verdadeira satisfação que
usufruímos de uma obra literária procede de uma libertação de tensões em
nossas mentes. Talvez até grande parte desse efeito seja devida à
possibilidade que o escritor nos oferece de, dali em diante, nos deleitarmos
com nossos próprios devaneios, sem auto-acusações ou vergonha. Isso nos
leva ao limiar de novas e complexas investigações, mas também, pelo
menos no momento, ao fim deste exame. (FREUD, p. 85).

40
Utilizarei agora exemplos retirados de trechos da letra de determinadas obras
criadas por artistas da música internacional para mostrar como o conteúdo das
composições diz respeito às questões subjetivas latentes que são transformadas em
criatividade e expressas através das criações musicais. Na música “(I Can’t Get No)
Satisfaction” (“Eu não consigo ter satisfação”), da banda americana de Classic Rock
“The Rolling Stones”, o cantor diz: “I can't get no satisfaction,/ I can't get no
satisfaction,/ 'Cause I try, and I try, and I try, and I try.” (“Eu não consigo ter
satisfação x2,/ Por que eu tento, e eu tento, e eu tento, e eu tento”). Nesta
passagem da letra da música é possível visualizar que o autor fala da questão
primordial que movimenta o ser humano, a inerência da força pulsional, esta força
que sempre está pulsando e nunca para, e que não pode ser satisfeita por completo,
pois sempre a satisfação que se tem é parcial.

Analisarei agora um trecho pertencente à letra da música “Go Get Some” (“Vá
arrumar algum”), da banda grega de Stoner Rock “Nightstalker” na qual canta-se: “I
took a trip to the darkest side,/ The darkest side of the moon,/ I tried to kill myself
again,/ But then I felt it was so soon,/ I took a trip to the edge of hell,/ But there was
nothing I could find,/ I dragged myself out again,/ Cause there is no place I can hide.”
(“Eu fiz um viagem para o lado mais sombrio,/ O lado mais sombrio da lua,/ Eu tentei
me matar de novo,/ Mas aí eu senti que era muito cedo,/ Eu fiz uma viagem para a
beira do inferno,/ Mas não houve nada que eu pudesse encontrar,/ Eu me arrastei
para fora novamente,/ Pois não há lugar onde eu possa me esconder”).

Neste trecho é possível ver como o autor acaba falando sobre a questão que
Freud nos explica sobre a dualidade pulsional que movimenta o indivíduo, a “pulsão
de vida” e a “de morte”, as quais estão em uma constante dialética no psiquismo
humano. Ao dizer que: “fez uma viagem ao lado mais sóbrio da lua”, “tentou se
matar de novo, mas sentiu que ainda era cedo”, o autor da música nos fala sobre
esta dualidade pulsional inconsciente que atua simultaneamente em nosso
psiquismo na qual segundo Freud as pulsões descritas como “de morte”, por um
lado tendem a buscar um estado de satisfação que leva a um estado primitivo da
existência, que pode ser associado à morte. Porém, ao mesmo tempo as pulsões
descritas como “de vida” estão em constante esforço para preservar a existência do
indivíduo, esta dualidade de forças está sempre em jogo atuando no inconsciente.

41
Outro fator visível também no trecho da música acima é que ao dizer: “eu me
arrastei para fora novamente, por que não há lugar em que eu possa me esconder”,
o autor nos remete a questão da inerência pulsional, na qual segundo Freud não há
como escapar da pulsão, pois esta é uma força constante e inerente a qualquer tipo
de fuga.

Para a próxima e última análise musical, escolhi um trecho da música “St.


Anger” (“Santa Raiva”), da banda americana de Heavy Metal “Metallica” tem-se os
versos: “And I want my anger to be healthy,/ And I want my anger just for me,/ And I
need my anger not to control,/ And I want my anger to be me,/ And I need to set my
anger free.” (E eu quero que minha raiva seja saudável,/ E eu quero minha raiva só
para mim,/ E eu preciso que a minha raiva não se controle,/ E eu quero que a minha
raiva seja eu,/ E eu preciso libertar a minha raiva”). Com este trecho é possível ver
que aqui oque está sendo trazido pelo artista é a possibilidade de dar vazão aos
“instintos destrutivos” que o ser humano possui, e através desta composição o autor
consegue criar um lugar imaginário de fantasia onde a execução da música permite
um alívio de tensão pulsional destrutiva que socialmente não é aceita, deste modo
então, a obra em questão possibilita essa via de desvio da finalidade pulsional, que
se satisfaz em meio ao contexto de uma sonoridade rápida, pesada e agressiva que
consegue transparecer nitidamente a questão latente da qual a música trata.

As questões que abordei aqui neste capítulo, foram destinadas ao objetivo de


trazer um pouco de luz sobre a interessante relação da música com inconsciente
humano, mais particularmente sobre a relação do mecanismo da sublimação e todo
seu funcionamento com o aspecto artístico da criação e da contemplação de obras
musicais, pois esta relação é algo constatável, que merece ser analisada de perto, e
seu estudo nos mostra uma dimensão muito profunda e ampla do psiquismo
humano que ainda pode e há de ser explorada mais pelos estudos dos campos da
Psicologia.

42
CAPÍTULO III: A MÚSICA COMO VIA LINGUÍSTICA DE EXPRESSÂO PSÍQUICA

Neste capítulo, meu estudo parte de um aspecto conceitual fundamental na


psicanálise, o de que o Inconsciente é estruturado com base na linguagem. A partir
desta premissa darei sequência ao meu estudo, procurando explanar sobre a
conexão da música com este aspecto do psiquismo, abordarei a questão do
simbolismo inconsciente com o objetivo de levar o tema do significante Lacaniano
como acompanhante para situar a música como um mecanismo simbólico de ordem
linguística que se expressa através da subjetividade do sujeito. Pretendo também
propor a ideia de que a música consiste em uma ferramenta que pode complementar
e servir como facilitadora no processo da escuta de um sujeito.

A Linguagem e o Inconsciente

O que pode-se entender pelo termo linguagem? Alguns dicionários


conceituam a linguagem como sendo “Capacidade humana de se comunicar por
meio de palavras, imagens, sons, cores, gestos ou expressões faciais”. Este é um
conceito simples e geral do que seria considerado como linguagem, porém, quero
dar ênfase aqui justamente na questão de que o conceito de linguagem como tal, só
se faz possível dentro das características humanas, pois esta consiste em uma via
expressiva que possui detalhes e peculiaridades somente partilhadas pela raça
humana, como a capacidade de expor ideias, pensamentos, abstrações, trazer à
palavra os sentimentos, as dores, os amores, a linguagem humana é um conceito
que vai mais além da capacidade de comunicação, pois isto as demais espécies de
animais também possuem. O que torna a linguagem um conceito complexo e
especial é o fator humano que a constrói enquanto tal.

A linguagem é o mecanismo de expressão fundamental, a qual serve como


base para o estabelecimento de toda e qualquer interação humana, assim como
também a linguagem é o mecanismo através do qual todo ser humano se comunica,
aprende e é capaz de formular e expressar pensamentos e poder entrar em contato
43
com os demais de sua espécie. Porém o que mais chama a atenção é o fato de que
a linguagem humana não se resume só a características básicas funcionais de
comunicação, pois o homem utiliza a linguagem como um meio de expressar sua
criatividade, como um meio de mostrar seu lugar no mundo, de expressar o mundo
interno das ideias, a linguagem é o meio pelo qual o homem pode constatar o fato
de possuir uma singularidade, uma subjetividade, de saber que possui
características únicas enquanto espécie e enquanto indivíduo.

A partir disto então é visto que a linguagem consiste no mecanismo que serve
como meio de comunicação entre os seres humanos, porém a linguagem vai além
da comunicação específica entre os indivíduos, a linguagem também é a ferramenta
que possibilita a comunicação do próprio sujeito com o seu mundo interno. Somente
através da linguagem se faz possível a articulação de pensamentos e ideias, e mais
especificamente, a linguagem é o que possibilita a comunicação entre o campo do
inconsciente e o campo do consciente em um sujeito. É com base nesta ideia que
darei sequência a este estudo, dando ênfase na relação da linguagem com a
psicanálise e como esta é fundamental para entender o meio pelo qual o
inconsciente humano se expressa.

Na introdução deste capítulo citei a ideia que servirá como base para o estudo
que aqui farei: “O Inconsciente é estruturado com base na linguagem”, esta
premissa consiste em um aspecto conceitual que foi trazido por Jacques Lacan
(1953) e consiste na linha de raciocínio que é necessário se ter em mente para este
estudo. Antes de abordar os temas relacionados à obra de Lacan é importante
lembrar que a gênese da relação entre linguagem e o inconsciente da psicanálise se
deu quando Freud publicou sua obra A interpretação dos Sonhos (1900), na qual o
autor, mesmo sem fazer um estudo dirigido específico sobre o assunto, nos fala
sobre uma característica primordial e fundamental do inconsciente, a capacidade
que este tem de articular a linguagem ao expressar e manifestar seu conteúdo na
dialética com o campo consciente. Freud faz menção a dois mecanismos de
linguagem, a condensação e o deslocamento, a estes mecanismos o autor associou
as figuras de linguagem metáfora e metonímia. Os estudos de Freud apontam para
a relação que existe entre o inconsciente e a linguagem, de modo que a obra deste
autor exemplifica como ocorrem certos aspectos desta dialética e mesmo sem

44
propor, Freud já nos proporciona uma teorização a qual serve como base para
entender a ideia de que o inconsciente humano depende da linguagem para atuar.

A linguagem é o mecanismo primordial que permeia todo tipo de comunicação


entre os seres humanos, esta inclusive fornece a base para que se construa os
esquemas de fala, escrita, e pensamentos, pois para pensar nossa mente formula
frases, que consistem em associação de palavras, as quais são compostas por
letras, e para que seja possível formular frases é preciso que se atribua significado
às letras e palavras. Somente através da noção de significado das palavras que é
internalizado por nossas mentes é que conseguimos formular pensamentos e ideias,
e estes significados são construídos por um todo, são concepções compartilhadas
pelos demais seres humanos, culturalmente. Esta é a base para se entender o fato
de que a nível psíquico não é diferente, a linguagem é o mecanismo que possibilita
que o inconsciente possa formular as imagens, as palavras, os sonhos, a via de
conexão com o campo do consciente, e esta dialética do psiquismo depende e se
estrutura com base nas criações linguísticas que se produzem e são aprendidas e
internalizadas pelo sujeito em seu processo de desenvolvimento e constituição
psíquica.

É com base nesta ideia, de que a linguagem é o mecanismo responsável por


dar condição para a estruturação dos processos psíquicos recorro à obra de Joël
Dor, Introdução à Leitura de Lacan – O Inconsciente Estruturado como Linguagem
(1989), para retirar algumas ideias de modo a prosseguir neste assunto. Segundo o
autor, é visto que Lacan ao inaugurar sua teorização sobre a estruturação psíquica
do sujeito utilizou-se da noção da linguagem como mecanismo primordial para as
construções psíquicas, de modo que assim Lacan buscou nas teorizações sobre
linguística a base para construir sua teorização. F. de Saussure foi um autor do
campo da linguística primordial, que teorizou sobre um modelo estrutural de
linguagem, o qual possui um modo de funcionamento cujos elementos serviram
como base para Lacan formular sua teoria sobre o inconsciente estruturado a partir
da linguagem, e o trecho a seguir, retirado da obra citada acima fornece um pouco
mais de entendimento sobre a questão.

45
Eis por que esta analogia estrutural entre certos processos da linguagem e
o dinamismo inconsciente exige uma incursão prévia no campo da
lingüística. De fato, a noção de estrutura só e central na obra de Lacan na
medida em que ela é constantemente referenciada à estrutura da
linguagem. Em primeiro lugar, na medida em que esta estrutura é colocada
por Lacan como a estrutura à qual o inconsciente deve ser relacionado. Em
segundo lugar, porque e o próprio ato da linguagem que faz advir o
inconsciente e o lugar onde ele se exprime. E principalmente em torno de
dois dos princípios mais fundamentais destacados por F. Saussure que esta
analogia pode ser o mais seguramente evidenciada: por um lado, a
distinção radical entre significante e significado; por outro lado, a
discriminação dos dois eixos da linguagem (DOR, 1989, p. 27-28).

Antes de seguir com a teorização da obra de Jacques Lacan, faz-se


necessário abordar os conceitos da linguística trazidos por F. de Saussure e
elucidados através da obra de Jöel Dor (1989), pois estes conceitos fornecem a
base sobre a qual Lacan construiu suas teorizações sobre o tema do significante e
toda sua esquematização. O primeiro conceito que irei abordar é o de signo
linguístico, o qual foi trazido por F. de Saussure, este consiste em um algoritmo
estrutural da linguagem que tem como base a noção dual de associar uma “coisa” a
um “termo”. O trecho a seguir fornece uma explicação mais clara sobre a dinâmica
do conceito de signo linguístico.

O signo lingüístico, com efeito, não une uma coisa a um nome, mas um
conceito a uma imagem acústica. Mas, de imediato, o termo "imagem
acústica" exige uma precisão: "O signo lingüístico une, não uma coisa e um
nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta ultima não é o som
material, coisa puramente física, mas a marca física desse som, a
representação que nos e dada por nossos sentidos; ela é sensorial, e Se
nos ocorre chamá-la "material", é apenas neste sentido e por oposição ao
outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato” (DOR,
1989, p. 28).

O conceito de signo linguístico então pode ser entendido como um termo


associativo constituído de dois elementos primordiais, os quais estão relacionados
entre si, esta relação segundo Saussure pode parecer algo fixo dentro da língua,
porém é passivo de sofrer mutações ao nível do campo total da linguagem.
Saussure ao estabelecer o algoritmo do signo linguístico substitui o termo conceito
por significado e o termo imagem acústica por significante, fazendo com que o signo
seja entendido então como a relação de significado a um significante, a qual não
consiste em uma relação fixa e conectada, de modo que os elementos possuem
uma característica independente entre si. O signo linguístico possuir determinadas
46
características (O arbitrário do signo; a imutabilidade do signo; a alteração do signo;
o caráter linear do significante) as quais acredito serem fundamentais para o
entendimento do conceito como um todo e irei citá-las aqui a partir da obra de Jöel
Dor com base nas ideias de F. de Saussure.

O conceito de arbitrário do signo tem como base o fato de que o signo não
representa uma ligação necessária entre uma imagem acústica e um conceito, pois
quando se analisa a diferença ente as línguas, verifica-se que pode ocorrer uma
alteração nesta da imagem acústica para com o conceito ou significado em questão,
de modo que assim o caráter que define o arbitrário é o de que o significante não
deriva do significado, não é delimitado naturalmente por ele, sendo definido por um
conjunto específico linguístico, ao qual o autor chama de “comunidade linguística”. O
autor ainda nos fala que o arbitrário do signo pode adquirir uma característica de
aleatoriedade quando levado em consideração as construções subjetivas e as
associações do sujeito, esta aleatoriedade explica-se pelo fato de que um
significante pode estar associado a vários outros significados e vice-versa.

A respeito do conceito de imutabilidade do signo Jöel Dor (1989) traz que


segundo F. de Saussure, a imutabilidade do signo se dá na arbitrariedade do signo,
pelo fato de que um significante é atribuído a um significado, a uma representação
da ideia e assim este é delimitado dentro da comunidade linguística. Este ato de
delimitá-lo o torna imutável perante a língua, e isto ocorre de maneira coletiva, de
modo que o significante é atribuído a nível da língua e assim permanece como base
para os sujeitos, os quais adaptam-se ao que foi atribuído e é regulamentado pela
língua, isto faz sob este aspecto com que o signo de certo modo perca a
característica da aleatoriedade.

Com relação ao conceito de alteração do signo o autor em questão nos diz: “A


alteração do signo é o resultado da prática social da língua ao longo do tempo. Se é
por ser imutável que o signo lingüístico pode perdurar, é também por perdurar no
tempo que ele pode alterar-se. Estamos, portanto, diante de uma relação de
reciprocidade contraditória entre imutabilidade e mutabilidade” (1989 p. 32). A
alteração em questão ocorre sobre o significante e o significado, no caso do
significante a alteração se dá na fonética empregada, e com relação ao significado a

47
alteração se dá no conceito em si da coisa, de modo que o que ocorre é uma
modificação da compreensão e da extensão do conceito da coisa.

Para falar sobre o conceito de linearidade do significante recorro a um trecho


da obra de Jöel Dor em questão.

Se a alteração do signo está diretamente ligada a prática da língua no


tempo, a influência do fator tempo é intrinsecamente dependente da
natureza do significante. O significante por si só já é uma sequência
fonemática que se desdobra no tempo. A fala, a articulação não é outra
coisa senão o ato mesmo que presentifica este desenrolar temporal do
significante. Esta extensão "temporal" do significante da origem a uma
propriedade fundamental da língua. Com efeito, a língua desdobra-se numa
direção orientada que chamamos de o eixo das oposições ou eixo
sintagmático (DOR, 1989, p. 33).

É possível ver então, o caráter linear do significante a partir desta concepção


de que este instaura um lugar no tempo, constrói um caminho pelo qual a língua
passa a percorrer dentro do tempo e serve como base para a internalização desta
“propriedade fundamental” por parte dos indivíduos que se estruturam na linguagem
desta família linguística. Por instaurar este lugar linear no tempo, o significante
inaugura uma espécie de sistema de leis, as quais ordenam os signos linguísticos e
os complementam dando o caráter de sistema de estrutura para a língua. Segundo o
texto de Dor (1989 p. 33): “Com a cadeia significante veem-se colocados, com
efeito, dois problemas específicos: por um lado, o problema das concatenações
significativas; por outro lado, a questão das substituições suscetíveis de intervir nos
elementos significativos”. Estes problemas então são parte da língua, e são
solucionados por um conjunto de leis que dizem respeito aos dois problemas em
questão (concatenação e substituição).

Mais adiante no texto, tem-se a questão trazida pelo autor de que o ato da
fala precede de duas atividades simultâneas que fazem, uma delas é selecionar
certos elementos léxicos (signos) e a outra é combinar estes elementos linguísticos,
o que faz com que a linguagem possua duas direções. O ato de selecionar os
termos linguísticos possibilita que sejam feitas substituições de determinados
termos, enquanto o ato de combinar exige que seja feita uma articulação destes
termos, fato esse que implica a necessidade de haver uma ordem nesse processo, o
48
qual diz respeito à concatenação de elementos linguísticos. F. de Saussure fala que
a língua e a fala podem ser analisadas distintamente, e o trecho a seguir fornece
uma explicação clara sobre esta questão.

Deparamo-nos então, imediatamente, com a distinção sobre a qual insiste


F. de Saussure entre a língua e a fala. Na medida em que as duas
dimensões participam da linguagem, cada uma opera segundo um dos dois
eixos. O eixo das seleções diz respeito ao sistema da língua enquanto
escolha lexical; o eixo das combinações está ligado à fala enquanto
utilização dos termos lexicais escolhidos. (DOR, 1989, p. 34).

Esta noção de signo linguístico e as duas vias da linguagem são a base para
entender as formulações lacanianas sobre a questão do ponto de estofo, assim
como da metáfora e da metonímia, as quais irão fornecer as premissas para
entender a uma questão fundamental na obra de Lacan, a supremacia do
significante, juntamente com as consequências trazidas por isto para as chamadas
formações do inconsciente. Adiante no texto de Dor (1989), há a ideia de que
segundo F. de Saussure, a entidade linguística só se faz como o tal a partir da
atuação dual da delimitação, que consiste em associar um significante a um
significado. Estes dois não necessariamente vão possuir uma ligação fixa, de modo
que a partir de um significante pode-se ter uma associação de significado variada,
possibilitando que uma imagem acústica possa estar, por exemplo, ligada ao mesmo
tempo a dois signos linguísticos de caráteres distintos.

Segundo F. de Saussure um signo linguístico só existe quando é atribuído ao


que ele chama de valor do signo, que é o fato de um signo só se fazer legítimo com
base em sua diferença para com os demais, de modo que este valor possibilita a
concretização de um fragmento acústico específico dando o caráter de delimitação
que irá torná-lo um elemento linguístico.

Os signos linguísticos não são somente significativos por seu conteúdo,


mas também, e sobretudo, pelas relações de oposição que mantém entre si
na cadeia falada. E, pois, em última instância, o sistema que lhes da uma
identidade significativa. A linguagem aparece como uma série de divisões
simultaneamente introduzidas num fluxo de pensamentos e num fluxo
fônico. De modo que se "a língua elabora suas unidades ao constituir-se
entre duas massas amorfas", o signo linguístico corresponde a uma

49
articulação dessas duas massas amorfas entre si: uma ideia se fixa num
som, ao mesmo tempo que uma sequência fônica se constitui como
significante de uma ideia (DOR, 1989, p. 38).

Mais adiante, é visto que Lacan faz algumas modificações ao tomar os


conceitos Saussurianos, para ele: “Por um lado, o fluxo dos pensamentos e o fluxo
dos sons serão, de imediato, interpelados como fluxo de significados e fluxo de
significantes. Por outro lado, o esquema do signo linguístico será invertido na escrita
lacaniana” (1989 p. 38). Segundo Dor, para Lacan não há o dito “corte” que une o
significante ao significado, para ele, o ponto que os une e os delimita é o que
chamou de ponto-de-estofo. Segundo o autor, a relação existente entre o
significante e o significado está constantemente sob o risco de se desfazer, é
“volátil”. Segundo Lacan então, o que define o ponto-de-estofo em si é uma espécie
de “amarra” que conecta o significante a um significado específico dentro do
discurso do sujeito. Ao contrário do que afirma F. de Saussure, Lacan afirma que o
signo linguístico só faz sentido se analisado de maneira retroativa, de modo que a
significação de uma mensagem feita com base no significante é posterior à
articulação desta.

Conforme Marco A.C. Jorge, em sua obra Fundamentos da Psicanálise – de


Freud a Lacan – V.1. (2000), no momento o que entra em vigor é o conceito do
significante lacaniano e sua função dentro do psiquismo humano, é visto que Lacan
faz uma adaptação do algoritmo Saussuriano que representa a ligação entre
significante-significado, de modo que ele inverte a posição dos elementos,
colocando o significante na posição superior e significado na inferior, representando
o significante graficamente com letra maiúscula “S” e o significado com a letra
minúscula e em itálico s. O objetivo de Lacan com esta mudança é de conceituar
aquilo que ele chamou de Primazia do Significante, que tem como base conceitual o
fato de que o significante é um elemento primordial do psiquismo, de modo que este
consiste na instauração primeira de significado, o ponto a partir do qual partirão as
demais significações e atribuições de significados.

Para Lacan, o significante consiste em uma instauração simbólica, a qual é a


base para tudo que se produz linguisticamente a nível de inconsciente, é só é
possível acessá-lo através da experiência analítica. Segundo o autor, o significante
50
passa a designar tudo aquilo que se produz e se articula a nível linguístico, não
somente palavras, mas tudo o que é estruturado com base no significante
linguístico, e isso levou Lacan a introduzir a ideia de que o significante produz ou
representa um sujeito para outro significante, esta ideia diz desta função “fundante”
que o significante possui, que inaugura o conceito lacaniano de “sujeito do
inconsciente”. Segundo C. Jorge, Lacan ainda afirma que o significante possui um
caráter “binário” de modo que sempre refere-se a outro significante, e não tem a
função de dar significação, pois é a significação (o signo) que é assimilada
posteriormente ao significante instaurado. Como diz C. Jorge (2000 p. 82) em sua
obra: “[...] o signo refere-se a um sentido já dado, que prescinde do sujeito para
advir, ao passo que o significante é produtor de sentido novo que depende
precisamente da inserção subjetiva”.

Com base nesta ideia da Primazia do Significante, Lacan introduz o conceito


de certas letras que representam certos termos e funções na estruturação
inconsciente, irei conceituar três delas: “S1”, “S2”, e “$” (o “S” cortado/barrado). O S1
(Significante-mestre), consiste em um número de significantes que são a base das
significações posteriores, estes são particulares ao sujeito, não podem ser
decifrados por completo, este significante primordial só pode ser atribuído de
significado, pois está em sempre uma relação referencial com o S2. Por S2 (o saber
do Outro), pode-se entender como o conjunto de todos os significantes que não
possuem valor fundante para o sujeito, o conjunto de “significantes faltosos”. O $
(sujeito), consiste no que Lacan chama de “sujeito barrado”, devido ao fato de que
segundo ele, nenhuma ordem de significantes é capaz de fornecer uma
representação completa do sujeito, este está sempre representado num espaço
entre dois significantes, deslizando entre as cadeias significantes.

Seguindo com base na obra de C. Jorge, é visto que Lacan ainda articula o
conceito do significante para falar sobre dois mecanismos da linguagem que
ocorrem na vida onírica, a metáfora e a metonímia, as quais possuem uma relação
direta com a função do significante de modo que ele afirma que estes mecanismos
linguísticos “seguem as leis do significante”, o trecho a seguir, retirado da obra de C.
Jorge (2000) fornece uma explicação sobre o funcionamento destes aspectos.

51
Lacan redimensiona essas noções a partir de sua teoria do significante,
para demonstrar que “o trabalho do sonho segue as leis do significante”. A
condensação é entendida como um processo metafórico no qual trata-se
da substituição de vários significantes por outro significante num processo
de superposição: “A Verdichtung, condensação, é a estrutura de
superposição dos significantes em que ganha campo a metáfora, e cujo
nome, por condensar em si mesmo a Dichtung, indica a conaturalidade
desse mecanismo com a poesia, a ponto de envolver a função propriamente
tradicional desta.” O deslocamento é visto como um processo puramente
metonímico, no qual não há substituição de um significante por outro, mas
sim um remetimento a outro significante: “A Verschiebung ou
deslocamento... é o transporte da significação que a metonímia demonstra e
que, desde seu aparecimento em Freud, é apresentado como o meio mais
adequado do inconsciente para despistar a censura” (C. JORGE, p. 89).

A metáfora e a metonímia são os dois principais mecanismos linguísticos


abordados na obra de Lacan, estes já são abordados na obra de Freud, porém sob o
viés da condensação e do deslocamento, Lacan faz um estudo específico sobre
estes dois processos, deixando claro sua importância para se entender como o
inconsciente se comunica e expressa seu conteúdo através do sonho, no que é
chamado de “vida onírica”. Estes mecanismos linguísticos servem para dar
sustentação e corroboram a premissa que sustenta toda a teorização lacaniana com
base na obra de Freud.

A Música como a voz do inconsciente

Até agora falei sobre a relação entre a linguagem e seus mecanismos de


funcionamento e estruturação, cujo objetivo foi de mostrar como nosso psiquismo,
mais especificamente o campo do inconsciente, é, como diz Lacan, “estruturado a
partir da linguagem”. Espero ter conseguido, através do estudo feito até aqui, deixar
clara legitimidade da natureza desta relação, pois é a partir desta premissa pretendo
seguir adiante. Como Lacan (1953) nos diz em sua obra, o nosso inconsciente só
pode existir da maneira como existe, nos apresentar seu conteúdo, e ainda mais, só
é possível por nós sujeitos acessar, interpretar e compreender as informações do
conteúdo do inconsciente através da estruturação com base nos mecanismos da
linguagem.

Com base nessa premissa então, trago questão da música, de modo a


mostrar como esta relaciona-se com estas questões abordadas até então. Se
52
analisarmos a música, é possível constatar que esta consiste em um mecanismo da
nossa linguagem, a música consiste em um conjunto organizado de sons
acompanhado por um conjunto escrito lírico, os quais possuem a função de
transmitir uma ideia, contar uma história expor um determinado ponto de vista,
expressar sentimentos, carregar um grito de liberdade, propor um viés ideológico.
Enfim não importa o conteúdo, a música consiste em uma ferramenta de linguagem
composta, tanto a nível da fala (o som) quanto a nível da palavra (a escrita) a qual
movimenta a capacidade criativa e expressiva do sujeito, que precisa recolher os
conteúdos, processá-los e colocá-los dentro do contexto musical.

Mas se a música, como vimos, é uma ferramenta de ordem linguística, é


sensato afirmar que esta possui as características básicas de estrutura da
linguagem? Para falar disso recorrerei ao estudo feito anteriormente sobre a
linguística Saussuriana, de modo que é visto que na música se aplicam os mesmos
mecanismos que se usam para compreender a estrutura de formação linguística.
Assim como na linguagem, a música depende dos sentidos atribuídos aos signos
linguísticos para fazer sentido, uma música é composta de palavras e frases, que
por si só não possuem sentido algum, somente a partir da relação entre o
significante (a imagem mental falada) e do significado (o conceito da coisa) é que o
conteúdo da música fará sentido.

Assim como da maneira como Saussure fala sobre o fato de que a língua é
algo específico, na qual a linguagem serve como um modo de criar um meio único
de comunicação, uma “família linguística”, do mesmo modo pode-se entender a
questão da música, sendo que as composições musicais específicas de uma cultura
em um determinado local do mundo possuem elementos linguísticos que somente
fazem sentido, e somente dizem respeito à estrutura linguística desta determinada
cultura e provavelmente não farão sentido aos ouvidos de outro povo de outra
determinada cultura, cujos termos e signos linguísticos utilizados em sua língua não
darão conta de produzir o sentido necessário para o entendimento do conteúdo
presente na composição em questão.

Em suma, o que afirmo aqui neste ponto é que a música, sendo um elemento
da linguagem necessita da aplicação dos mesmos elementos linguísticos estruturais
para fazer sentido. A partir desta conclusão, parto para a aproximação desta ideia
53
com a questão trazida por Lacan, de modo que se a música é uma ferramenta da
linguagem, e se o inconsciente é à priori dependente da linguagem para se
estruturar, é possível afirmar que existe uma relação entre a música e o
inconsciente? Pra responder a esta questão, eu gostaria de iniciar pelo fato de que a
primeira evidência da legitimidade dessa relação se encontra no fato de que,
segundo a psicanálise e os estudos que fiz neste trabalho até então, a música
consiste em uma construção criativa e singular do homem, de modo que assim toda
e qualquer criação humana é dependente dos mecanismos estruturais que este
possui, assim é visto que a música é uma produção linguística expressiva cujos
conteúdos que motivam sua criação provém do inconsciente e da subjetividade
humana.

Lacan nos fala sobre a “primazia do significante”, de modo que nosso


inconsciente é estruturado através de nossa linguagem, internalizamos significados,
que dizem respeito somente a nós mesmos, significados únicos e particulares que
nem mesmo o próprio sujeito tem acesso, nossa experiência de estruturação
psíquica é marcada pela inscrição de marcas subjetivas, que instauram pontos de
significação primordiais, chamados por Lacan de “S1”, os quais serão a base para
que se criem “cadeias significantes” de outras significações derivadas destas
primeiras, chamadas de S2. A partir disto, nosso psiquismo é orientado por estas
significações que se articulam, e são a base para dar sentido e inserir o sujeito no
mundo subjetivo, o campo simbólico é o que irá construir os alicerces para a
estruturação do sujeito psíquico.

Além disso, há também a questão da ação dos mecanismos do inconsciente


que Lacan trabalha a partir de Freud, a metáfora e a metonímia os quais atuam em
construir sentido e articular o material onírico dos conteúdos manifestos que temos
acesso através de sonhos, chistes e outras formações do inconsciente. E é
justamente aqui que proponho a interpelação da música, pois a música é uma
construção que depende dos conteúdos retirados da relação do sujeito com seu
inconsciente, e na música o sujeito aplica as mesmas ferramentas de estrutura
linguística que estruturam o nosso inconsciente. Ao compor uma música, um
compositor está fazendo uso de signos que são ligados a significantes, os quais
possuem um significado particular para si, ao compor, o autor está falando sobre

54
seus significantes, a música é um meio pelo qual o “sujeito do inconsciente” se faz
vivo, pois este se faz enquanto tal na medida em que está sempre como Lacan diz:
“entre dois significantes”, na música o sujeito do inconsciente ganha vida, é colocado
para fora do psiquismo e se transforma em melodia e versos cantados.

Com base nisso, é possível afirmar que a música possui uma relação direta
com o inconsciente, as produções musicais, possuem o valor de significante,
representam elementos que remetem a subjetividade, às cadeias associativas de
significações que um sujeito possui e está exercitando para construir o conteúdo
para a produção musical. E isto pode ser visto nitidamente nas obras de diversos
artistas, eles nos falam em suas canções através de metáforas, e através da
metonímia sobre conteúdos particulares que fazem sentido a sua própria
subjetividade, da mesma forma que o inconsciente transmite seus conteúdos ao
sujeito, conteúdos estes que são particulares de cada um.

Ao ouvir música estamos entrando em contato com uma produção linguística


que carrega elementos os quais dizem respeito ao conteúdo de significantes que
provém de uma cadeia associativa de signos que representam um conteúdo
simbólico inconsciente produzido por algum outro sujeito. A música é então, um
meio de expressar conteúdos subjetivos através da linguagem falada e escrita na
qual o autor faz uso de signos linguísticos que são internalizados e articulados
através das cadeias significantes em seu psiquismo pelo seu inconsciente, o qual é
à priori estruturado pela e dentro da linguagem, portanto é possível afirma que a
música pode ser considerada como uma espécie de “voz do inconsciente”.

Em suma, é possível concluir que a música consiste em uma ferramenta de


expressão dos conteúdos inconscientes, sua relação com o sujeito se faz por um
laço que vai além do ato artístico em si, é uma relação de valor simbólico, que
remete ao que constitui e estrutura o próprio inconsciente, a linguagem, a música
tem o papel de ser a voz que fala o que não está presente no discurso, de referir-se
muitas vezes por vias indiretas, através de metáforas e signos linguísticos que
possuem valor particular para o sujeito, ao conteúdo “obscuro” que reside nas
profundezas do inconsciente humano.

55
CONCLUSÂO

Chega o momento de concluir este estudo, e com ele eu gostaria de trazer


algumas afirmações que foram o produto deste trabalho como um todo. O primeiro
ponto que se pode concluir com este estudo é o de que a música não se trata
simplesmente de uma criação aleatória, casual, desprovida de significado e
puramente de caráter prático. A história aponta que a música pode ser vista como
uma criação linguística de expressão humana que acompanha o ser humano desde
os primórdios das civilizações, esta evoluiu no mesmo ritmo em que a capacidade
do homem se expressar evoluiu, sempre acompanhando o desenvolvimento
humano, sempre servindo como uma ferramenta de expressividade especial, de
caráter célebre e sublime, até se transformar no que é hoje.

Para falar sobre a música não há como não falar nas questões psíquicas do
sujeito, pois ela está profundamente conectada com as produções subjetivas do
homem. Com base no estudo que fiz no primeiro capítulo, a respeito da relação da
música com os aspectos da psicologia de grupo, foi possível concluir que a música é
mais do que uma prática artística que permeia o discurso alheio, a música ocupa um
lugar no discurso social, a música instaura um ponto de unidade, ela serve como o
ponto organizador com base no qual os sujeitos se organizam e constroem grupos.
A música é um organizador grupal na medida em que adquire o valor de “ponto de
instituição”, a qual movimenta os sujeitos em torno de uma característica em comum,
o qual serve como um modelo, e com base neste modelo os sujeitos se identificam
com os diferentes aspectos pertencentes a este ponto uno (o artista, a melodia, a
letra da canção, a ideologia, a atitude).

Através da abordagem feita no segundo capítulo, que concerne ao estudo das


pulsões e da relação da música com a sublimação em Freud, pude concluir que, ao
analisar o fato de que o ser humano é um ser movido por forças inconscientes que
direcionam o investimento libidinal deste, é possível perceber que estas mesmas
forças (pulsões), são responsáveis por movimentar e direcionar as forças criativas
do ser humano no que diz respeito à produção musical, as pulsões direcionam o
investimento de libido que o sujeito faz no ato de compor uma música, assim como

56
também no ato de ouvir determinada música e comtemplar suas próprias questões
na obra. Com a análise destas questões é notável a relação da música com o
mecanismo de sublimação descrito por Freud, de modo que, o mesmo mecanismo
responsável por desviar a finalidade das pulsões de vida e de morte que o sujeito
produz para fins sociais, é o que alimenta a fantasia e as forças criativas do sujeito,
dando a este um lugar onde a produção artística musical entra como uma via criativa
cuja fonte provém das forças pulsionais inconscientes do sujeito, e automaticamente
este lugar instaura um ponto com base no qual outros sujeitos conseguem
contemplar suas próprias questões latentes de origem pulsional.

Com base nos estudos feitos no terceiro capítulo, é possível concluir que
devido ao fato de que segundo Lacan, o nosso inconsciente se estrutura com base
na linguagem, é possível constatar que a relação existente entre a música e o
inconsciente é de ordem muito próxima, pois a música nada mais é do que um
mecanismo de linguagem, logo é visto que através da música o inconsciente
encontra meios de se expressar, trazendo à tona pela via da arte as questões
subjetivas latentes do sujeito. Isto ocorre do mesmo modo como ocorre a produção
de significado a nível simbólico no inconsciente, pois o mecanismo que internaliza os
signos linguísticos que estruturam nosso inconsciente enquanto linguagem é o
mesmo que organiza as palavras e frases que fazem sentido ao compositor de uma
canção, a música implica o inconsciente em uma produção linguística que evoca
significantes os quais dizem respeito ao que é próprio do sujeito. É possível notar,
com base no estudo feito sobre a teoria do significante lacaniano, que a música se
vale dos mesmos princípios linguísticos que o sujeito precisa internalizar para fazer
sentido. A música é uma produção que possibilita com que se faça presente o que
Lacan chama de “sujeito do inconsciente”. Entre a cadeia de significantes, em meio
aos sentidos e significados que são o valor psíquico para as palavras e frases que
formam a canção encontra-se o sujeito.

Para finalizar, proponho que a música pode consistir em uma ferramenta de


utilidade dentro do processo de escuta clínica, faço esta afirmação, pois é visto que
através da música, seja na composição de obras ou no ato de ouvir composições
que agradem ao ouvinte, o sujeito está trazendo algo que é de ordem subjetiva,
como já foi dito anteriormente. Através da música os seres humanos expressam

57
suas emoções, desejos, pensamentos, ideologias e ainda mais, a música permite
que o sujeito fale sobre questões que estão latentes para ele mesmo, o “não dito”
muitas vezes aparece através na relação do sujeito com a música. Se há o
investimento libidinal na produção de obras musicais, ou no ato de ouvir, como diz
Freud, o sujeito está falando sobre algo que “nem ele mesmo lembra que sabe” ou
“nem mesmo tem ciência que o sabe”.

A música contribui no processo de escuta, pois serve como uma via de


expressão da voz do inconsciente, um mecanismo que o sujeito encontra de falar
daquilo que em seu discurso não aparece, de modo que assim o “sujeito do
discurso” irá falar através da cadeia significante que se encontra nas linhas dos
versos das canções. Um trecho retirado da obra de Freud, Recordar, Repetir e
Elaborar (1914), fala um pouco sobre este processo de reminiscência que pode
ocorrer através da fantasia, logo através da música do mesmo modo.

O outro grupo de processos psíquicos - fantasias, processos de referência,


impulsos emocionais, vinculações de pensamento - que, como atos
puramente internos, não podem ser contrastados com impressões e
experiências, deve, em sua relação com o esquecer e o recordar, ser
considerado separadamente. Nestes processos, acontece com
extraordinária freqüência ser ‘recordado’ algo que nunca poderia ter sido
‘esquecido’, porque nunca foi, em ocasião alguma, notado - nunca foi
consciente. Com referência ao curso tomado pelos eventos psíquicos,
parece não fazer nenhuma diferença se determinada ‘vinculação de
pensamento’ foi consciente e depois esquecida ou se nunca, de modo
algum, conseguiu tornar-se consciente (FREUD, p. 92).

A partir dos estudos feitos, meu objetivo não é afirmar que a música seja um
“método” de escuta clínica, e sim em propor que a música seja uma via, um
mecanismo que pode contribuir em um tratamento psicológico, de modo a facilitar ou
providenciar uma via de expressão por parte do sujeito, que permita que este
consiga associar, e trazer suas questões a partir da via musical, pois a música é
uma via expressiva que permite a sublimação das pulsões inconscientes, possibilita
a fala do sujeito do discurso, é uma voz que fala por metáforas, que diz de um saber
que é próprio e único do ser humano, e que traz à tona os mistérios e os devaneios
do mundo do inconsciente. Após tudo que foi abordado, ainda restam questões que
coloco aqui, de modo que há que se levar em consideração a possibilidade de após

58
toda esta análise argumentar que: A música, por ser uma via artística de expressão
do psiquismo, pode adquirir o valor de ato constituinte do psiquismo humano? E
sendo uma via de transmissão linguística repleta de valor simbólico pode-se afirmar
que a música consiste em uma das ferramentas estruturantes do sujeito? Com toda
certeza estas são questões que provocam inquietude e despertam curiosidade, e
suas respostas não se encontram fora de alcance, basta olhar mais de perto para o
modo como o homem se relaciona com a música, pois a música é a voz do sujeito
que nunca se cala, a música canta os versos, canta os implícitos do sujeito, pois
música é o sujeito.

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60

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