Artigo - Desejo Culpa e Frustração em Leitura Freudiana
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Artigo - Desejo Culpa e Frustração em Leitura Freudiana
FATAP
VITÓRIA
2021
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VITÓRIA
2021
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RESUMO
Este artigo tem como proposta tecer algumas considerações sobre o texto Os
Arruinados pelo Êxito, de Sigmund Freud, que traz a questão da frustração diante de
expressão de desejo. Para Freud, é uma questão que se faz por forças
inconscientes, onde o sujeito não vivencia a experiência no âmbito da realidade. São
casos que se apresentam em sessões de pacientes de Freud, como também
detectados por ele em textos literários. Resguardadas as suas peculiaridades,
apresentam entre si o sintoma da culpa que os impede de passar do princípio do
prazer para o princípio de realidade, e isso remete ao Complexo de Édipo, segundo
Freud.
INTRODUÇÃO
O termo objeto designa, nesse contexto, tudo que é externo ao sujeito. Então,
abrange algo concreto ou abstrato que se encontra na realidade. Logo, se diante da
iminência em obter ou conseguir algo, surge a negação ou desistência do indivíduo
em vivenciar ou desfrutar desse ganho, tendo, portanto, que se investigar. A
observação de Freud se dá tanto nas sessões de análise de seus pacientes, no
consultório, dos quais, ele apresenta dois casos, como também em textos ficcionais.
Aqui, ele recorre a duas obras da dramaturgia para ilustrar a questão proposta. São
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SOBRE O DESEJO
Não objetivamos nos ater a essa questão, mas consideramos pertinente questionar:
quais aspectos se relacionam ao desejo ao longo de séculos? Como sociedades
antigas lidavam com esse sentimento? Em Freud, faz-se bem demarcada a questão
das histéricas em seus Estudos sobre a histeria (1893-1895). Por certo, muitos
filósofos já se ocupavam em pensar sobre o desejo. Mas é Freud, junto aos seus
pares, quem se detém aos estudos da mente e os sintomas do corpo.
Logo, inerente ao ser humano, o desejo está sempre buscando algo externo, na
realidade, e se defrontando com obstáculos advindos das mais diversas fontes. Ou,
como mostram estudos na área da psicopatologia, esses impedimentos podem advir
de razões inconscientes, desconhecidas do ser desejante e, por muitas vezes,
negada por ele. Diante de impossibilidades de fruição, o desejo é sublimado e
deslocado para atividades aceitas pelas leis do superego, porém, atreladas às leis
da sociedade.
Desse modo, para a psicanálise, esse é um meio eficaz de dirigir a energia libidinal
para algo útil, construtivo e benéfico. Na sublimação de um desejo, o inconsciente
lida com as aspirações do ID, sem se contrapor ao Superego.
SOBRE A CULPA
Ou seja, ao lado dos fatores internos, tem-se a culpa gerada por dogmas, normas,
religiosidade, entre outras fontes. Nos neuróticos, a culpa pode ser alimentada,
mantida sem que se efetue a ab-reação, isto é, a diluição desse afeto. As
consequências da retenção desse estado culposo podem ser variadas, desde
angústia, ansiedade, medo, ou outros sintomas que incomodam. Ou seja, diluir a
questão tentando uma retratação com aquele que foi alvo do ato gerador desse
sentimento seria ideal.
Desde antigos relatos, entre eles o mito de Édipo, a culpa tem sido objeto de
análise. Em suas conferências introdutórias, no capítulo 21, com o título
“Desenvolvimento da libido e as organizações sexuais”, Freud aponta:
É indubitável que podemos ver no Complexo de Édipo uma das fontes mais
importantes da consciência culpada que tanto atormenta os neuróticos. E
digo mais: em um estudo sobre os primórdios da religião e da moralidade
humanas, que publiquei em 1913, com o título de Totem e Tabu, aventei a
hipótese de que talvez a humanidade como um todo tenha adquirido sua
consciência de culpa- fonte última da religião e da moralidade- , no princípio
de sua história, com o complexo de Édipo. (FREUD, 2014, p.441).
SOBRE A FRUSTRAÇÃO
Estar sujeitado a demandas e ser contrariado nos seus desejos força a busca da
tolerância à exposição desses eventos. A maneira como o sujeito é afetado por eles
é fator determinante para a sua saúde mental. Abdicar de seu gozo é submeter-se à
castração, esse dispositivo que inscreve os limites do humano, de sua finitude. A
perda, sob certo ângulo, dependendo do objeto perdido, aproxima-se da morte ou
apagamento. É um fenômeno dinâmico no sentido de que está sujeito a variantes
dos ambientes em diferentes épocas.
Em um caso, uma mulher bem nascida abandona a família para viver uma vida mais
livre, mais mundana. Ao conhecer um pintor, une-se a ele, mas mantém um
conturbado relacionamento com a família do artista. Após alguns anos de
relacionamento, finalmente, é aceita por eles. Nesse período de aparente calma, a
mulher passa a descuidar de si e da casa, prejudica a profissão do pintor e, com
crises de ciúmes, arruína o relacionamento. Ao final, sucumbe a uma doença
mental.
Voltando-se para a arte, Freud recorre, então, aos dois textos de gênero dramático.
Sabe-se que, ao longo de toda a sua obra, o teórico valoriza os textos mitológicos e
escritos de pensadores contemporâneos e de outras gerações. Entre estes está
Shakespeare, considerado um grande intérprete da alma humana.
Macbeth é uma peça teatral de cinco atos, um texto impactante em que o tempo do
drama é de uma semana e localizada na Escócia, no século XI. No primeiro ato, ao
retornar de uma batalha, Macbeth é abordado por três bruxas que profetizam que
ele será rei da Escócia. Contudo, elas dizem também que o trono seria herdado
pelos filhos de Banquo, um súdito que acompanhava Macbeth. As bruxas partem do
campo sem esclarecer a profecia, deixando-os confusos, pois também predizem que
só será rei aquele que não tenha nascido do ventre de uma mulher. Macbeth,
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enfurecido, volta ao castelo, desejando lutar para ocupar o trono do soberano que
chegará em visita ao castelo onde ele e a mulher vivem.
No segundo ato, cena 2, conforme planejado pelo casal, o rei é assassinado por
Macbeth que, inicialmente, mostrava-se inseguro para cometer o crime, mas é
encorajado por sua esposa. A mulher ordena que ele seja forte, lave as mãos sujas
de sangue e guarde a espada usada no ato. Ela diz:
- Quem gritava por esse modo? Ora, meu digno thane, relaxais vossas
nobres energia considerando as coisas por maneira tão doentia. Arranjai um
pouco de água para das mãos tirardes todas essas testemunhas
manchadas. Por que causa trouxestes os punhais de onde se achavam?
Precisam ficar lá. Tomai a pô-los em seus lugares e sujai de sangue os
criados que ainda dormem. (SHAKESPEARE, 2002 p.38).
Para atingir seus objetivos, outros crimes são cometidos. Apesar do remorso,
Macbeth não tem como recuar, uma vez que já havia ido longe demais. Se esteve
apoiado pela esposa em sua fraqueza, agora é ela quem sucumbe. Da mulher forte,
altiva e mordaz, surge uma Lady absorta em culpa, como se vê no quinto ato, cena I,
onde a consorte perambula pela noite, demonstrando ‘grande perturbação em sua
natureza’, segundo um médico chamado ao castelo por Macbeth: em uma cena
marcante da peça (quinto ato, cena 1) ela diz: “- Aqui ainda há odor de sangue. Todo
o perfume da Arábia não conseguiria deixar cheirosa esta mãozinha. Oh!Oh!Oh!”
(SHAKESPEARE, 2002, p. 99). Nas cenas seguintes, a esposa comete suicídio e, após
alguns episódios, Macbeth é derrotado e morto por seu antigo servo, Macduff, que
não nascera do ventre de uma mulher, conforme profetizado pelas três bruxas no
início da peça.
O embate de Freud com esse texto é significativo, conforme relata Peter Gay:
E agora nos perguntamos: o que foi que quebrantou esse caráter que
parecia ter sido forjado do metal mais rijo? Terá sido somente a desilusão—
o aspecto diferente revelado pelo fato consumado --, e devemos inferir que,
mesmo em Lady Macbeth, uma natureza originalmente dócil e feminina foi
levada a um ponto de concentração e de alta tensão que não pôde suportar
por muito tempo, ou devemos procurar indícios de uma motivação mais
profunda, que tornará essa derrocada mais humanamente inteligível para
nós? (FREUD,1914-1917, p.193)
O remorso pelos atos cometidos é marcante na peça, agravado pelo regicídio. Com
a proposta de estender esta pesquisa sobre o tema, busca-se em Totem e Tabu
(1913-1914), no capítulo intitulado “O tabu relativo aos governantes”: “Se o seu rei é
seu Deus, ele é, ou deveria ser também o seu protetor”. [FREUD, 1974, p.56].
Esse sentimento ambivalente, que já existia entre os selvagens (ou súditos) para
com o seu rei, é bem semelhante à relação entre a criança e o pai, onde há, ao
mesmo tempo, grande admiração e grande cobrança ou frustração, quando ele não
atende as suas necessidades.
A representação da figura paterna pelo rei Duncan pode estar presente na peça
quando Lady Macbeth esboça, no segundo ato, cena 2, a fraqueza de não haver
cometido ela mesma o assassinato: “... Se não fosse parecer-se no sono com meu
pai, eu própria o realizara.- Meu marido!” (SHAKESPEARE, 2002, p.36).
Os atos que trazem culpa e perturbam Macbeth e a Lady, provocando visões dos
fantasmas do rei e de outros personagens à luz da ancestralidade e crenças que as
envolvem, encontram embasamento neste escrito de Freud, em Totem e Tabu:
Temos medo dos vivos e dos mortos. Dos subterrâneos infernais de onde
sobem espectros rondando a festa imerecida. ‘Macbeth: Por certo, homem
sou que ousa encarar sem pavor o que ao demônio empalideceria. Lady
Macbeth: ... Imagens vãs que vosso medo cria [...]. Ó estes desvarios,
senhor, estes vossos temores, diante do medo real nada são, meros
impostores [...]. Macbeth: Olhai, vos peço. Vede ali. Olá? Que dizes? Hein?
Ora! que importa a mim? Se é que tua cabeça podes mover, também podes
falar. Principia. Se covas e sepulcros uma devolução deve fazer dos que lá
deixamos, então será nosso túmulo o papo do milhano? Macbeth: Eu o vi,
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tão certo como estou aqui senhora...Tudo o que o homem pode ousar,
ouso. E te enfrento...Toma um corpo qualquer, menos o humano e meus
nervos fiéis não temerão, decerto. Quando não, volta à vida e à espada e,
no deserto, convida-me a lutar. Se vires que medroso no palácio me
escondo, então podes dizer que sou fantoche das crianças. Fora! Fora!
Sombra horrenda! Visão Irreal!... (CHAUÍ, 1987, p. 38-39).
Sobre a frustração, Freud nos diz que pode ser de origem interna ou externa. O
conflito se dá quando a frustração externa encontra um ego debilitado, isto é,
internamente enfraquecido. Se o princípio do prazer predominar na psique, esta
sofrerá, pois necessita se defrontar com o princípio de realidade. A neurose, o
sofrimento com sinais de culpa ou inaptidão para realização do desejo, apossa-se do
indivíduo. Esse desejo, na verdade, era só fantasia e não é aceito como realizável.
Uma das consequências desses conflitos é a autossabotagem. “Eu desejo, mas não
mereço” é o pensamento que vem do inconsciente. Para melhor entendimento do
processo:
O motivo obscuro que a impede de assumir a relação íntima com Rosmer, segundo
Freud, tem sua origem no Complexo de Édipo, resultando na culpa.
Não se trata de uma versão enfeitada das coisas, mas de uma descrição
autêntica. Tudo que lhe aconteceu em Rosmersholm, sua paixão por
Rosmer e sua hostilidade para com a esposa dele, foi, desde o começo,
uma consequência do complexo de Édipo- uma réplica inevitável de suas
relações com sua mãe e com Dr. West. (ibidem, p.200).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste sentido, para que esse fenômeno aconteça, é necessário que forças externas
encontrem um ego enfraquecido que não se considera merecedor de tal ganho.
Aqui, algumas pontuações foram feitas sobre a primazia da arte, em especial a
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literatura, nos postulados freudianos. Além dos casos apresentados, dois textos da
dramaturgia foram tomados como estudo por Freud, em seu texto Arruinados pelo
êxito, que possibilitou a confecção deste artigo.
Além dos casos e das obras expostas por Freud, podemos observar exemplos
extraídos do cotidiano. Desde pequenos, acidentes e até sintomas físicos que
debilitam a pessoa a ponto de interferir, isto é, de impedir a obtenção de um cargo
em um trabalho ou participar de uma festa que foi planejada. Sem gravidade, em
alguns casos, mas com importante significado para os indivíduos.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Obras Completas. Edição Standard brasileira. Vol. XIV. Rio de
Janeiro, 1996.
-------- Totem e tabu e outros trabalhos. Vol. XIII. Imago Editora, Rio de janeiro,
1974.
GAY, Peter. Freud uma vida para o nosso tempo. Companhia das Letras. São
Paulo, 2012.