Cap. 1 - Introdução À TCC (Beck, 2022)
Cap. 1 - Introdução À TCC (Beck, 2022)
Cap. 1 - Introdução À TCC (Beck, 2022)
Introdução à
terapia cognitivo-
-comportamental
O que é TCC?
Qual é a teoria por trás da TCC?
O que as pesquisas nos dizem sobre sua eficácia?
Como ela foi desenvolvida?
O que é CT-R?
Como é uma intervenção cognitiva típica?
Como você pode se tornar um terapeuta cognitivo-comportamental eficaz?
Qual é a melhor maneira de usar este livro?
nossa área. Beck concebeu uma psicoterapia para depressão estruturada, de curta
duração e voltada para o presente (Beck, 1964). Desde aquela época, ele e outros
autores no mundo inteiro tiveram sucesso na adaptação dessa terapia a popula-
ções surpreendentemente diversas e com uma ampla abrangência de transtornos
e problemas, em muitos contextos e formatos. Essas adaptações alteraram o foco,
as técnicas e a duração do tratamento, porém os pressupostos teóricos em si perma-
neceram constantes.
Em todas as formas de TCC derivadas do modelo de Beck, o tratamento está
baseado em uma formulação cognitiva: as crenças mal-adaptativas, as estratégias
comportamentais e a manutenção dos fatores que caracterizam um transtorno espe-
cífico (Alford & Beck, 1997). Você também irá basear o tratamento na sua conceitua-
lização, ou compreensão, de cada cliente e de suas crenças subjacentes específicas
e padrões de comportamento. Uma das crenças subjacentes negativas de Abe era
“Eu sou um fracasso”, e ele se engajava em evitação emocional para que sua incom-
petência (percebida), ou falha, não ficasse aparente. Mas sua evitação ironicamente
reforçava sua crença de fracasso.
Originalmente treinado como psicanalista, Beck lançou mão de inúmeras fontes
quando desenvolveu essa forma de psicoterapia, incluindo os primeiros filósofos,
como Epicteto, e teóricos como Karen Horney, Alfred Adler, George Kelly, Albert
Ellis, Richard Lazarus, Albert Bandura e muitos outros. O trabalho de Beck, por sua
vez, foi ampliado por inúmeros pesquisadores e teóricos dos Estados Unidos e do
exterior, numerosos demais para serem aqui mencionados. O panorama histórico
da área apresenta uma descrição rica de como se originaram e se desenvolveram as
diferentes correntes da TCC (Arnkoff & Glass, 1992; Beck, 2005; Dobson & Dozois,
2009; Thoma et al., 2015).
Algumas formas de TCC compartilham características da terapia de Beck, mas
suas formulações e ênfases no tratamento variam um tanto. Elas incluem a terapia
racional-emotiva comportamental (Ellis, 1962), a terapia comportamental dialé-
tica (Linehan, 1993), a terapia de solução de problemas (D’Zurilla & Nezu, 2006),
a terapia de aceitação e compromisso (Hayes et al., 1999), a terapia de exposição
(Foa & Rothbaum, 1998), a terapia de processamento cognitivo (Resick & Schnicke,
1993), o sistema de psicoterapia de análise cognitivo-comportamental (McCullou-
gh, 1999), a ativação comportamental (Lewinsohn et al., 1980; Martell et al., 2001),
a modificação cognitivo-comportamental (Meichenbaum, 1977) e outras. A forma
de TCC derivada do modelo de Beck frequentemente incorpora técnicas de todas es-
sas e outras psicoterapias baseadas em evidências, dentro de uma estrutura cogniti-
va. Com o tempo, será útil que você aprenda mais sobre outras intervenções basea-
das em evidências, mas seria uma sobrecarga fazer isso em profundidade enquanto
ainda está aprendendo TCC. Sugiro que primeiro você domine os aspectos básicos
da TCC e depois aprenda técnicas adicionais para implantar na estrutura de uma
conceitualização cognitiva.
A TCC tem sido adaptada a clientes com diferentes níveis de educação e renda,
bem como a uma variedade de culturas e idades, desde crianças pequenas até adul-
tos com idade mais avançada. É usada atualmente em hospitais e clínicas, escolas,
programas vocacionais e prisões, entre outros contextos. É utilizada nos formatos
de grupo, casal e família. Embora o tratamento descrito neste livro esteja focado nas
sessões individuais de 45 a 50 minutos com clientes ambulatoriais, as interações te-
rapêuticas podem ser mais curtas. Sessões completas são inapropriadas para alguns
clientes, como os que estão hospitalizados para tratamento de esquizofrenia gra-
ve. E muitos profissionais da saúde e associados usam técnicas de TCC sem realizar
sessões terapêuticas completas, seja durante consultas clínicas breves ou de reabi-
litação ou em revisões da medicação. Paraprofissionais e seus pares especialistas
também utilizam técnicas de TCC adaptadas apropriadamente.
haja melhora duradoura no humor e no comportamento dos clientes, você vai tra-
balhar em todos os três níveis. A modificação dos pensamentos automáticos e das
crenças disfuncionais subjacentes produz mudança duradoura.
Por exemplo, se você continuamente subestima suas habilidades, pode ser que te-
nha uma crença nuclear de incompetência. A modificação dessa crença geral (i.e., ver
a si mesmo de forma mais realista) pode alterar a sua percepção de situações especí-
ficas com que se defronta todos os dias. Você não terá mais tantos pensamentos com
o tema da incompetência. Em vez disso, em situações específicas em que cometer
erros, provavelmente pensará: “Eu não sou bom nisto [tarefa específica]”. Além disso,
é importante em uma orientação para a recuperação cultivar realisticamente pensa-
mentos automáticos positivos (p. ex., “Eu posso fazer bem muitas coisas”) e cren-
ças intermediárias e nucleares positivas (p. ex., “Se eu perseverar, seguramente vou
aprender o que preciso” e “Eu tenho pontos fortes e fracos como todas as pessoas”).
PESQUISAS DA TERAPIA
COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
A TCC tem sido amplamente testada desde que foram publicados os primeiros estudos
científicos em 1977 (Rush et al., 1977). Até o momento, mais de 2.000 estudos cientí-
ficos demonstraram a eficácia da TCC para uma ampla gama de transtornos psiquiá-
tricos, problemas psicológicos e problemas médicos com componentes psicológicos.
Muitos estudos também mostraram que a TCC ajuda a prevenir ou reduzir a severi-
dade de episódios futuros. Um estudo de von Brachel e colaboradores (2019), por
exemplo, mostrou que clientes ambulatoriais com uma gama de transtornos psiquiá-
tricos que foram tratados com TCC em cuidados de rotina continuaram a melhorar
entre 5 e 20 anos após o encerramento da terapia, mais do que aqueles que recebe-
ram tratamento médico. (Para metanálises e revisões da TCC, ver Butler et al., 2006;
Carpenter et al., 2018; Chambless & Ollendick, 2001; Dobson et al., 2008; Dutra et al.,
2008; Fairburn et al., 2015; Hanrahan et al., 2013; Hofmann et al., 2012; Hollon
et al., 2014; Linardon et al., 2017; Magill & Ray, 2009; Matusiewicz et al., 2010; Mayo-
-Wilson et al., 2014; Öst et al., 2015; e Wuthrich & Rapee, 2013. Para listas de condições
para as quais a TCC se mostrou efetiva, ver www.div12.org/psychological-treatments/treat-
ments e www.nice.org.uk/about/what-we-do/our-programmes/nice-guidance/nice-guidelines.
Para pesquisas em CT-R, ver Beck et al., no prelo; Grant et al., 2012, 2017.)
O DESENVOLVIMENTO DA TERAPIA
COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DE BECK
No fim da década de 1950, o Dr. Beck era um psicanalista certificado; seus clientes
faziam associações livres em um divã enquanto ele as interpretava. Beck identificou
JUDITH: OK, você queria começar falando sobre seu objetivo de conseguir um em-
prego?
ABE: Sim, eu realmente preciso de dinheiro.
JUDITH: Qual é o passo que você gostaria de dar na próxima semana?
ABE: (Suspira.) Acho que eu deveria atualizar meu currículo.
JUDITH: Isso é importante. [começando a solução de problemas] Como você vai
proceder para fazer isso?
ABE: Não sei. Não o reviso há anos.
JUDITH: Você sabe onde ele está?
ABE: Sim, mas não tenho certeza do que colocar nele.
JUDITH: De que maneira poderia descobrir isso?
ABE: Acho que eu poderia fazer uma consulta na internet. Mas a minha concentra-
ção não anda muito boa ultimamente.
JUDITH: Não seria melhor conversar com alguém que sabe mais sobre currículos do
que você?
ABE: Sim. (Pensa.) Eu poderia falar com o meu filho.
JUDITH: O que acha de ligar para ele hoje? Alguma coisa poderia atrapalhar?
ABE: Não sei. Eu deveria ser capaz de descobrir por mim mesmo o que fazer, sem
incomodá-lo.
JUDITH: Esta é uma ideia interessante – a de que você deveria ser capaz de desco-
brir. Você já teve muitas experiências de examinar o currículo de outras pessoas?
ABE: Não, não sei se alguma vez já vi o currículo de outra pessoa.
JUDITH: O quanto você acha que isso seria incômodo para seu filho?
ABE: Não muito, eu acho.
JUDITH: Então, o que seria bom que você lembrasse antes de ligar para ele?
ABE: Que ele tem muito mais experiência recente com currículos do que eu já tive.
Que ele provavelmente não teria problemas em me ajudar.
JUDITH: (Elogiando Abe.) Excelente! Você poderia ligar para ele hoje?
ABE: Hoje à noite seria melhor.
Caso você se sinta ansioso quanto a começar a utilizar a TCC com os clientes,
faça para si mesmo um “cartão de enfrentamento”, um cartão físico ou virtual no
qual estejam escritas afirmações importantes de serem lembradas. Você irá usar car-
tões de enfrentamento ou seus equivalentes com seus clientes (porque garantimos
que tudo o que queremos que os clientes se lembrem esteja anotado). Meus residen-
tes de psiquiatria com frequência têm pensamentos inúteis antes de atenderem seus
primeiros clientes. Depois de uma discussão, eles criam um cartão que aborde esses
pensamentos. O cartão é individualizado, mas de modo geral diz algo como:
Meu objetivo não é curar este cliente hoje. Ninguém espera que eu faça isso.
Meu objetivo é estabelecer uma boa relação, inspirar esperança, identificar
o que é realmente importante para o cliente e talvez descobrir um passo
que ele possa dar esta semana em direção aos seus objetivos.
A leitura de um cartão como este pode ajudá-lo a reduzir sua ansiedade para que
você consiga focar em seus clientes e ser mais eficaz.
Para o observador não treinado, a TCC algumas vezes dá a falsa impressão de
ser muito simples. O modelo cognitivo – a proposição de que nossos pensamentos
influenciam nossas emoções e comportamentos (e algumas vezes a fisiologia) –
é muito simples. No entanto, terapeutas experientes em TCC realizam muitas ta-
refas ao mesmo tempo: desenvolvem o rapport, familiarizam e orientam o clien-
te, coletam dados, conceitualizam o caso, trabalham na direção dos objetivos dos
clientes e superam obstáculos, ensinam habilidades, fazem resumos periódicos e
obtêm feedback. Enquanto estão realizando essas tarefas, eles parecem quase co-
loquiais.
Se você é iniciante na área, precisará ser mais cuidadoso e estruturado, concen-
trando-se em menos elementos por vez. Embora o objetivo final seja entrelaçar esses
elementos e conduzir a terapia da forma mais efetiva e eficiente possível, você pre-
cisa primeiro aprender a habilidade de desenvolvimento de uma relação terapêuti-
alterações quando elas são expressas de modo positivo, para o bem do cliente. Quan-
do os clientes hesitam, você pode sugerir uma alteração (como, por exemplo, definir
uma pauta) como um “experimento”, em vez de um compromisso, para motivá-los
a tentar.
sessão com um cliente. Isso permite que você as individualize quando necessário,
com maiores chances de evitar uma reação negativa dos clientes que não gostam das
folhas de exercícios formais.
Seu crescimento como terapeuta cognitivo-comportamental será aprimorado
se começar a aplicar em si mesmo o que aprender. Certifique-se de realizar todos os
exercícios práticos. Por exemplo, no exercício prático no final deste capítulo, você será
direcionado a identificar seus pensamentos automáticos enquanto lê este livro. Você
pode observá-los e voltar o foco para a sua leitura. Ou, depois de identificá-los, pode
usar as perguntas na página seguinte para criar um cartão de enfrentamento para si
mesmo. Ao colocar o foco em seu próprio pensamento, você pode reforçar suas habili-
dades em TCC, modificar seus pensamentos disfuncionais e influenciar positivamente
seu humor (e comportamento), tornando-se mais receptivo à aprendizagem.
Outros exercícios práticos pedem que você dramatize com um colega, um amigo
ou um membro da família. Se não conseguir encontrar um parceiro para a drama-
tização, você pode escrever a transcrição de um diálogo com um cliente imaginário.
Ou pode fazer as duas coisas. Quanto mais praticar o vocabulário e os conceitos da
TCC, melhor será seu tratamento.
Ensinar as habilidades básicas da TCC usando a si mesmo como sujeito irá apri-
morar sua capacidade de ensinar as mesmas habilidades aos seus clientes. Como um
bônus adicional, quando utilizar habilidades que são úteis, você poderá fazer uma
autoexposição relevante – que poderá encorajá-los a também praticar a habilidade.
Um curso on-line também lhe oferece muitas oportunidades de praticar o uso das
habilidades da TCC em si mesmo; essa é uma das melhores maneiras de realmente
entender e praticar este tipo de terapia.
Também é importante que você saiba o que este livro não abrange. Seu foco é a
depressão, e variações importantes são necessárias para tratar outros transtornos.
Ele não inclui como adaptar o tratamento a jovens ou idosos. E não aborda os impor-
tantes tópicos de automutilação, uso de substâncias, suicidalidade ou homicidalida-
de. Você precisará complementar sua aprendizagem para ser efetivo com indivíduos
que diferem substancialmente do seu principal exemplo de cliente, Abe.
RESUMO
A TCC foi desenvolvida pelo Dr. Aaron Beck nas décadas de 1960 e 1970 e desde en-
tão tem se mostrado efetiva em mais de 2.000 pesquisas publicadas. Atualmente,
ela é considerada o “padrão-ouro” de psicoterapia (David et al., 2018). Está baseada na
teoria de que o pensamento das pessoas influencia suas emoções e comportamento.
Ao ajudar seus clientes a avaliarem e mudarem um pensamento disfuncional ou inútil,
os terapeutas cognitivo-comportamentais podem provocar mudanças duradouras no
humor e no comportamento. Os terapeutas cognitivo-comportamentais empregam
técnicas de muitas modalidades psicoterápicas diferentes, aplicadas dentro do con-
EXERCÍCIO PRÁTICO
A partir de agora, comece a observar quando
Pergunte-se que emoção você está experimentando, bem como a pergunta fundamental
da terapia cognitiva:
É assim que você vai ensinar a si mesmo a identificar seus próprios pensamentos
automáticos. Preste especial atenção aos pensamentos automáticos que impedem que você
atinja seus objetivos, especialmente aqueles que interferem na leitura deste livro e na experi-
mentação de técnicas com os clientes. Você pode reconhecer pensamentos como estes:
Terapeutas experientes, cuja orientação primária não é a TCC, devem estar atentos a um
conjunto de pensamentos automáticos diferentes: