64937-Texto Do Artigo-344511-1-10-20221108
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91 ISSN: 0101-9562
ISSN ELETRÔNICO: 2177-7055
SEQÜÊNCIA Estudos
jurídicos
Publicação do e políticos
Programa de Pós-Graduação
em Direito da UFSC
1
SEQUÊNCIA – ESTUDOS JURÍDICOS E POLÍTICOS é uma publicação temática e de
periodicidade quadrimestral, editada pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
SEQUÊNCIA – ESTUDOS JURÍDICOS E POLÍTICOS is a thematic publication, printed every
four months, edited by the Program in law of the Federal University of Santa Catarina – UFSC.
Versão eletrônica: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia
Editora-Chefe: Norma Sueli Padilha
Editor Associado: José Sérgio da Silva Cristóvam
Editores Adjuntos: Priscilla Camargo Santos, Thanderson Pereira de Sousa
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Ficha catalográfica
Publicação contínua
Resumo em português e inglês
Versão impressa ISSN 0101-9562
Versão on-line ISSN 2177-7055
1. Ciência jurídica. 2. Teoria política. 3. Filosoia do direito. 4. Periódicos. I. Universida-
de Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Direito
CDU 34(05)
SEQÜÊNCIA
Estudos
PUBLICAÇÃO
jurídicos
91
e políticos
O caráter performático
da linguagem judicial
The performative character of judicial language
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O CARÁTER PERFORMÁTICO DA LINGUAGEM JUDICIAL
the fragility of theories of judicial decision that support the hypothesis that it is
possible to find normatively correct answers in judicial decisions.
Keywords: Judicial decision. Narrativity. Performativity of language. Seduction.
1 INTRODUÇÃO
2 PERFORMATIVIDADE DA LINGUAGEM:
UMA LIÇÃO SOFISTA PARA A DECISÃO JUDICIAL
1
“O sofista era uma espécie de advogado que podia fazer trocadilhos sobre os diversos
sentidos das palavras e dos conceitos se isso servisse à sua tese, quer fosse justa ou não.
Longe de assentar o caráter moral do orador, a sofística podia vender-se a todas as causas
e foi apresentada antes de mais como o discurso dos incompetentes, daqueles que só
veem fogo e só fazem vento.” (MEYER, 2007. p. 18).
2
Nesse sentido, cabe lembrar parte da reflexão de Leonardo Boff no prefácio do livro
Manual dos Inquisidores. Isso porque Boff destaca o viés doentio de todo o tipo de ideologia/
postura baseada em verdades de caráter absoluto. No item 1, “Toda verdade absoluta leva
à intolerância”, Boff demonstra como o discurso monoteísta do cristianismo católico
medieval foi o propulsor dos assassinatos em massa ocorridos no período da Inquisição.
Conforme BOFF, Leonardo. Prefácio. In: EYMERICH, 1998. p. 11.
3
Consultar PLATÃO. Diálogos: O Banquete, Fédon, Sofista, Político. Seleção de textos de
José Américo Motta Pessanha; tradução e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat
e João Cruz Costa. 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. E também, ABRÃO, Bernadette
Siqueira. História da Filosofia. 6. ed. São Paulo: Nova Cultural, 2004. p. 41-52.
4
GUTHRIE, W. C. K. Os Sofistas. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus,
1995. p. 182, lembra o famoso adágio de Protágoras que diz: “o que parece a mim é
para mim”. Ver também CASSIN, 2005.
5
Conforme GUTHRIE, W. C. K. (1995, p. 51-52/181), que ainda menciona que “o
ensino retórico não se restringia à forma e ao estilo, mas lidava também com a substância
do que se dizia”.
6
Na tradição platônica, “a ambiguidade, o sentido plural, a abertura à multiplicidade
das opiniões, não passam de palavras-chave do incompetente que se esforça por falar de
tudo para dar a impressão que sabe do que fala. A dialética, segundo Platão, é mesmo um
jogo de questões e respostas, mas é sobretudo a expressão dessa verdade única e unívoca que
deve emergir da discussão, porque é sempre pressuposta por ela. (MEYER, 2007, p. 18).
7
Conforme Machado, 2009, p. 213-214, “devir, linha de fuga ou desterritorialização são
termos que podem ser tomados como sinônimos [...] assim, o devir é pensando sempre
em contraposição à imitação, à reprodução, à identificação ou à semelhança”.
Tal cisão pode ser encontrada, com fundura e detalhamento, em PLATÃO, 2000.
9
10
De destacar-se o alerta feito por Calvo quando afirma que a declaração de que
determinados fatos foram provados em um determinado processo judicial, não pode
significar que a comprovação os qualifica ou os conceitua como fatos jurídicos, uma
vez que tal operação adiantaria a decisão, ou seja, pré-julgaria. (CALVO, 1998, p. 16).
11
A nova visibilidade dos fatos é pouco crítica com a perspectiva hegemônica da quaestio in
iure, que continua absorvendo a quaestio in facto. O panorama dos fatos se limita, neste caso,
a uma perspectiva do ponto de vista da quaestio iuris. Consultar Calvo (2010, p. 238-239).
3 NARRATIVIDADE A SERVIÇO DA
PERFORMATIVIDADE NA JURISDIÇÃO
12
Segundo Liiceanu (2014. p. 11): “Em primeiro lugar, seduce, ‘levar à parte’ […] Me seducit
foras narratque…, diz Terêncio, ‘leva-me para fora e me conta’. Daqui se generaliza de
maneira natural o sentido de separar, divorciar: cum mors anima seduxerit artus, ‘quando
a morte separar o corpo e a alma’ (Virgílio)”.
Para Meyer (2007, p. 22), a retórica, como arte de bem falar, além de objetivar a
13
não pode submeter senão à medida que é mais livre do que o que
se lhe submete”.
Nesse sentido, pode-se dizer que a retórica envolvida no pro-
cesso compõe-se tanto de uma lógica predatória quanto de uma
lógica de sedução. Isso porque a retórica, segundo Meyer (2007,
p. 135-136), é um “espaço onde a identidade se torna diferença e
a diferença identidade, sempre num jogo sutil de aproximações e
afastamentos, de comunhão e de exclusão”. À medida que as partes,
ao mesmo tempo que devem fazer com que suas narrativas conven-
çam o julgador, também precisam que, a partir delas, elimine-se a
perspectiva narrativa do oponente. Nesse caso, há uma lógica voltada
para seduzir e incluir o julgador à sua perspectiva, e outra destinada
a combater, superar e predar a narrativa alheia: “a lógica do predador
é excluir o terceiro, ao passo que a lógica da sedução é a de incluir”
(Meyer, 2007, p. 135-136).
Pode-se não apenas utilizar a lógica da sedução para eliminar
a narrativa de oposição, mas também para trazer, ante a impossibili-
dade de acesso aos pormenores fáticos, a sinalização do passado que
se torna presente pela narração. As impressões menos vívidas podem
reintegrar-se ao presente mediante o ato de (re)contar. Tomando
forma e constituindo-se como verdades frágeis, mas potencialmente
sedutoras, tatuam na estrutura narrativa a capacidade de convencer.
A sedução potencial do discurso pretende o encantamento do outro
que, no registro interno do narrado, tranquiliza-se na medida em
que deixa o sentido aprisioná-lo, afastando-se da agonia da dúvida.
Assim é que os narradores em litígio, no momento de suas tessituras
narrativo-argumentativas, buscam exercer sobre o outro-juiz o poder
de seduzir, desviando as atenções deste para as cenas agora vivazes dos
fatos mediante imaginação (imaginar-a-ação). É desse modo que a
dinâmica narrativa delineia os contornos presentes na escrita e na fala
dos personagens do processo, fazendo com que o ocorrido desdobre-se
e reinvente-se no tempo, como um evento que revive mesmo depois
de já ter passado.
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Consultar ROSA, Alexandre Morais da. Guia Compacto do Processo Penal conforme
a Teoria dos Jogos. 3. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
Normatividade: O quê o Nazismo nos ensina? Revista Prima Facie, v. 13, n. 24. João
Pessoa/PB, 2014, p. 8-9, “a centralidade do Poder Judiciário hoje é inegável. Pode-se
dizer que, na mudança paradigmática proporcionada pelo Estado democrático de Direito
a partir de 1949, ocorreu um deslocamento do polo de tensão dos demais Poderes em
direção à Justiça Constitucional. A judicatura entrou, definitivamente, no dia-a-dia da
vida administrativo-política brasileira, interagindo, interferindo ou condicionando tanto
a efetivação de direitos fundamentais das três gerações, quanto a definição de quais as
políticas públicas para o atingimento desses fins pelo Estado”.
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Segue texto integral da decisão: “Segundo a Unesco um texto de 49 páginas ou mais
é um livro. Esta petição inicial é, pois, um livro. O notório excesso de trabalho desta
Vara não permite ler livros inteiros durante o expediente. Ademais, tudo o que fora dito
cabe num vigésimo ou menos das páginas que o autor escreveu. Não é possível assegurar
a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII CF)
sem a indispensável colaboração dos advogados (CF, art. 133). O tempo que o juiz gasta
lendo páginas inúteis é roubado à tramitação de outros processos. Portanto, a prolixidade
da inicial desrespeita entre outras coisas:
a) a diretriz constitucional da celeridade (CF art. 5º LXXVII e art. 125 do CPC);
b) o princípio da lealdade (art. 14, II, do CPC), porque prejudica desnecessariamente a
produtividade do Poder Judiciário, e
c) o dever de não praticar atos desnecessários à defesa do direito (art. 14, IV, do CPC).
Ademais, forçar o adversário a ler dezenas, quiçá centenas, de páginas supérfluas é uma
estratégia desleal para encurtar o prazo de defesa. Há claro abuso do direito de petição
por parte do autor, ato ilícito (art. 187 do CC/02), que o juiz está obrigado a inibir (art.
125, I e III, e art. 129 do CPC). Enfim a prolixidade do autor contradiz a alegação de
necessidade de urgência da tutela, afinal de contas, quem tem pressa não tem tempo
de escrever dezenas de laudas numa petição, cujo objeto poderia ser reduzido a pelo
Canoas/RS, vem uma decisão que confirma a ânsia pelas short stories
no Direito brasileiro atual. Na primeira decisão18 da Reclamatória Tra-
balhista n.º 00202012-20.2016.5.04.0204, a juíza Aline Veiga Borges,
da 4a Vara do Trabalho daquela comarca, extinguiu o processo sem
resolução de mérito e, tornando prevento seu Juízo, determinou que
a nova propositura deveria ser realizada com uma petição inicial de,
no máximo, quinze páginas (Rio Grande do Sul, [2015]).
Importante ressaltar que essa última ação referia-se à Reclama-
ção Trabalhista de uma Gerente Geral do Banco do Brasil S/A, com
contrato de trabalho de 32 anos, com inúmeras ilegalidades, e mais de
vinte e cinco pedidos, dentre os quais horas extraordinárias, intervalos
não usufruídos, assédio moral, doença ocupacional, auxílio-alimenta-
ção não pago, utilização de carro próprio sem indenização etc. Ora,
ainda que fosse possível, e até necessário, sintetizar, impossível cum-
prir a determinação de redução a quinze páginas de uma reclamação
altamente complexa. Reduzida, aproximadamente, a trinta páginas,
a juíza novamente extinguiu a ação e determinou o prosseguimento
do feito apenas com relação ao pedido de doença ocupacional, visto
que este, sozinho, adequava-se à determinação quantitativa em relação
ao número de páginas.19
menos 20% do total escrito. Isto posto, concedo à parte autora 10 dias para emendar a
inicial, reduzindo-a a uma versão objetiva com a extensão estritamente necessária, sob
pena de indeferimento da inicial.”
Segue trecho da decisão: “Pela ordem, registro que apenas nesta oportunidade tenho
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contato com a petição inicial. Inadmissível uma petição inicial em reclamatória trabalhista
com 80 laudas, o que é manifestamente incompatível com a simplicidade do processo do
trabalho, não atende aos requisitos do art. 840, parágrafo 1o da CLT, e tampouco se coaduna
com o princípio constitucional que visa a celeridade processual. Nestes termos, extingo
o processo sem resolução do mérito, devendo a parte autora ajuizar sua reclamatória em
atenção aos princípios do processo do trabalho, com no máximo 15 laudas, declarando-se
desde já este Juízo prevento para o novo ajuizamento. A parte autora protesta”.
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Segue trecho da decisão: “Inicialmente, verifico que, embora não atendida a determinação
de adequação da petição inicial em apenas 15 laudas, a reclamante formula, dentre vários
outros, pedidos relacionados a pretensa doença profissional. A matéria envolvendo
acidentes de trabalho/doença ocupacional vem merecendo atenção especial das
Sem que aqui se pretenda tecer uma crítica aos aspectos de (i)le-
galidade das decisões de Patu/RN e Canoas/RS, algo que demandaria
extrapolar os limites da investigação proposta, cabe mencionar que as
determinações de síntese, sem dúvida, comprometem a possibilidade
de que se possa narrar, com os detalhes que as boas histórias requerem,
a complexidade das situações fáticas envolvidas, encurralando cada vez
mais a prestação jurisdicional à tecnicidade tanto das histórias quanto
também de decisões, geralmente pasteurizadas.
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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