Os Meios de Combate Ao Planeamento Fiscal Abusivo A Actualidade e o Futuro
Os Meios de Combate Ao Planeamento Fiscal Abusivo A Actualidade e o Futuro
Os Meios de Combate Ao Planeamento Fiscal Abusivo A Actualidade e o Futuro
Julho 2015
DIANA SOFIA DIAMANTINO ALMEIDA
Coimbra
2015
Índice
Lista de Abreviaturas......................................................................................... iii
Resumo .............................................................................................................. iv
Abstract ............................................................................................................. iv
Bibliografia ....................................................................................................... 69
Anexos .............................................................................................................. 76
ii
Lista de Abreviaturas
CC – Código Civil
UE – União Europeia
iii
Resumo
Abstract
iv
Afterwards, the analysis will focus on the international movements that soon will
improve the Countries’ balance on the fight against tax avoidance and aggressive tax
planning.
v
CAPÍTULO I - Introdução
1
conceito a mesma designação, bem como identificar autores de referência que partilhem da
mesma preferência terminológica e sustentem o seu emprego. Assim, afigura-se primordial
definir alguns conceitos.
De acordo com Saldanha Sanches, “planeamento fiscal consiste numa técnica de
redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por
este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são
proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão
do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais”1.
Por outro lado, o “planeamento fiscal agressivo consiste em tirar partido dos
aspetos técnicos de um sistema fiscal ou das assimetrias existentes entre dois ou vários
sistemas fiscais”2, decorrendo, nomeadamente, duplas deduções e situações de dupla não
tributação. Os comportamentos abusivos de planeamento fiscal aproveitam-se das várias
lacunas e assimetrias quer sejam estas legais, administrativas ou de fiscalização. No limite,
o planeamento fiscal abusivo pode servir-se de comportamentos fraudulentos que
constituam um facto típico, ilícito, doloso e punível.
Vantagem fiscal é considerada como “qualquer situação pela qual, em virtude da
prática de determinados actos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao
contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos actos normais e de efeito
económico equivalente, sujeitos a tributação”3.
Igualmente importante é o conceito de contribuinte que, de acordo com Casalta
Nabais, “é a pessoa relativamente à qual se verifica o facto tributário, o pressuposto de
facto ou o facto gerador do imposto, isto é, o titular da manifestação de capacidade
contributiva que a lei tem em vista atingir e que, por conseguinte, deve suportar a ablação
ou desfalque patrimonial que o imposto acarreta”4. De realçar que o conceito de
contribuinte compreende quer “o contribuinte directo, em relação ao qual o referido
desfalque patrimonial ocorre directamente na sua esfera seja ele ou não o devedor do
imposto” quer “o contribuinte indirecto, em relação ao qual o mencionado desfalque
patrimonial ocorre na sua esfera através do fenómeno económico da repercussão do
1
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 21
2
Recomendação da Comissão de 6 de Dezembro de 2012 relativa ao planeamento fiscal agressivo
(2012/772/UE), JO L 338 de 6.12.2012, p.41
3
COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos
para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 172
4
NABAIS, José Casalta, Estudos de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2005, p. 259
2
imposto”5. Cumpre ainda realçar que o planeamento fiscal abusivo pode ainda ser levado a
efeito pelo sujeito passivo lato sensu, “toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a
quem a lei imponha o dever de efectuar uma prestação tributária, seja a prestação de
imposto, sejam as prestações correspondentes às múltiplas e diversificadas obrigações
acessórias” ou pelo devedor do imposto, “sujeito passivo (stricto sensu) que deve satisfazer
perante o credor fiscal a obrigação do imposto, isto é, a prestação ou prestações em que o
imposto se concretiza”6.
5
NABAIS, José Casalta, Estudos de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2005, p. 259
6
NABAIS, José Casalta, Estudos de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2005, p. 260 e 261
7
Atente-se designadamente à força jurídica dos Regulamentos e das Directivas europeias no
ordenamento jurídico nacional.
3
CAPÌTULO II – Escolha fiscal e planeamento fiscal
“Na vida, só existem duas coisas certas: os impostos e a morte”. A célebre frase de
Benjamin Franklin alude à inevitabilidade do pagamento de impostos, que se vislumbra
como uma das obrigações mais intricadas e omnipresentes das sociedades actuais8.
De facto, o financiamento dos Estados actuais reside, essencialmente, em impostos,
tributos unilaterais, pelo que, na sua maioria, os mesmos configuram um Estado fiscal9.
Neste contexto, “os impostos são o que pagamos por uma sociedade civilizada”10
porquanto serão afectos às carências e necessidades de um Estado, de uma sociedade.
Casalta Nabais defende que ao contribuinte impende um verdadeiro dever em cooperar
para com a comunidade que lhe garante liberdade. De acordo com o seu entendimento, a
cidadania comporta duas dimensões, uma dimensão política que consiste no direito e no
dever de “participar na vida pública”, e uma dimensão financeira à qual incumbe o dever
de “suportar financeiramente o Estado”11.
Não obstante, o contribuinte apesar de ter o dever em prestar a sua contribuição,
tem igualmente o direito em planear e dispor dos vários mecanismos legalmente previstos,
por forma a reduzir o mais possível a onerosidade da sua contribuição. Ao contribuinte
interessa pagar o mínimo possível (e exigível) de impostos12.
Assim, a importância do imposto pode ser aferida quer da perspectiva do Estado,
enquanto receita, quer do cidadão, contribuinte, enquanto despesa.
8
Não obstante, a preocupação do contribuinte em procurar formas de reduzir a sua carga fiscal
esteve sempre presente ao longo da história como denota ADAMS, Charles, For good and evil : the impact of
taxes on the course of civilization, 2ª edição, Madison Books, New York, 1993, p. 395
9
Enquanto um Estado que permite a liberdade económica dos indivíduos e, nessa medida, uma
economia de mercado, por contraposição com a ideia de Estado Patrimonial. Num Estado fiscal o
financiamento não é efectuado, pelo menos de forma predominante, através da actuação económica do
Estado, porquanto estaria a subtrair espaço de actuação privada. Ao Estado Fiscal resta assim financiar-se
através do seu poder impositivo tributário, o qual deverá ser limitado de modo a que se salvaguarde o
princípio da liberdade económica. Neste sentido, NABAIS, José Casalta, O Dever Fundamental de Pagar
Impostos, Almedina, Coimbra, 1998, p. 191 e ss.
10
Olivier Wendell Holmes in NABAIS, José Casalta, Estudos de Direito Fiscal, Almedina,
Coimbra, 2005, p. 42
11
NABAIS, José Casalta, Direito Fiscal, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 462 e 463
12
SILVA DIAS, Augusto, «O novo Direito Penal Fiscal Não Aduaneiro (Decreto-Lei n.º 20-A/90,
de 15 de Janeiro). Considerações Dogmáticas e Político-Criminais», IDPEE/FDUC, Direito Penal
Económico e Europeu: Textos Doutrinários, vol. II – Problemas Especiais, Coimbra Editora, Coimbra, 1999,
p. 243 e ainda CORTES ROSA, Manuel, «Natureza jurídica das penas fiscais», IDPEE/FDUC, Direito Penal
Económico e Europeu: Textos Doutrinários, vol. II – Problemas Especiais, Coimbra Editora, Coimbra, 1999,
p.14 no sentido em que “não pode impor-se ao contribuinte o dever de revestir os seus actos da forma mais
favorável ao fisco – e é exactamente como escolha de uma forma menos favorável ao fisco que a evasão
fiscal se substancia”.
4
Um breve exercício de reflexão denota a relevância fiscal que a conduta de um
cidadão no desempenho das tarefas mais rotineiras e tipicamente quotidianas assume. As
suas escolhas são fiscalmente relevantes por determinarem a carga fiscal que o mesmo
suportará. Pelo exposto, as escolhas efectuadas pelos contribuintes não são despicientes se
se considerar o fim que as mesmas visam. De facto, procurar maximizar o rendimento
através da antecipação e planificação de custos é uma preocupação cada vez mais
recorrente. Os impostos, directos e indirectos, são um custo certo, presumível e, em grosso
modo, quantificável, pelo que o contribuinte pode antever e procurar planificar a sua
actuação tendo em vista a obtenção de uma poupança fiscal, dimensão especialmente
relevante no que respeita a pessoas colectivas13.
13
“Num sistema fiscal onde cabe ao sujeito passivo a interpretação e aplicação da lei para a
determinação e quantificação das suas obrigações tributárias, bem como a sua exacta quantificação, o
planeamento fiscal tem um papel indispensável.
Primeiro, porque a gestão do risco fiscal, como parte da sua gestão económica, implica para o
sujeito passivo a previsão antecipada da carga fiscal a que vai estar sujeito.”
SANCHES, J. L. Saldanha, «As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso»,
Planeamento e Evasão Fiscal – Jornadas de Contabilidade e Fiscalidade, Vida Económica, 2010, p. 109
14
FRANCO, António L. de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, 4.ª
edição, Almedina, 2007, p. 55
5
de uma política de maior intervencionismo do Estado determinada por acontecimentos
marcantes como a primeira e segunda guerra mundial e a crise de 192915.
Mais recentemente, Casalta Nabais refere que o princípio da neutralidade fiscal
“tem expressão no art.º 81.º, al. e) [sic], da Constituição em que se dispõe que incumbe
prioritariamente ao Estado assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a
garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de
organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas
lesivas do interesse geral”16.
Em suma, o referido princípio visa “garantir que as suas escolhas não são
influenciadas pela carga tributária, constituindo-se como uma espécie de princípio de não
ingerência do sistema fiscal na economia”17. Por outras palavras, o princípio da
neutralidade fiscal encontra-se presente “quando permite ao sujeito passivo a escolha da
solução óptima, conseguindo, independentemente da sua escolha económica, o mesmo
resultado fiscal”18.
Todavia, actualmente não se pode afirmar que o princípio na neutralidade se
verifica no sistema fiscal português na sua plenitude19, porquanto a falta de neutralidade é
usada como forma de moldar comportamentos e até de prosseguir políticas extrafiscais20,
desde que tal não prejudique o funcionamento do mercado interno21, i.e. respeite
15
FRANCO, António L. de Sousa, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, 4.ª
edição, Almedina, 2007, p. 52 e ss.
16
NABAIS, José Casalta, Direito Fiscal, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 160
17
AREIAS, David L. V. Fidalgo, Planeamento fiscal e gestão do risco empresarial, Dissertação
de mestrado em Finanças e Fiscalidade, Faculdade de Economia, Universidade do Porto, 2010, p. 15
18
FERNANDES, Filipe Saraiva, A decisão fiscal planificadora: uma abordagem à sua dimensão
teórica e prática, Dissertação de mestrado em Direito Tributário e Fiscal, Escola de Direito, Universidade do
Minho, 2012, p. 37
19
Vejamos, “na realidade, o sistema fiscal não é neutro e tem um impacto significativo e
permanente sobre as decisões dos agentes económicos. Sendo a fiscalidade um instrumento de política e de
governação, ela é utilizada precisamente como meio de induzir e de evitar determinados comportamentos.”
Conforme, AREIAS, David L. V. Fidalgo, Planeamento fiscal e gestão do risco empresarial, Dissertação de
mestrado em Finanças e Fiscalidade, Faculdade de Economia, Universidade do Porto, 2010, p. 16
No mesmo sentido, “a extrafiscalidade constitui um fenómeno com o qual o mundo dos impostos
passou a conviver, podendo o Estado, no quadro dos seus poderes de intervenção económica e social, utilizar
a via fiscal para penalizar, beneficiar ou incentivar comportamentos económicos e sociais”. Conforme,
Nabais, José Casalta, Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, e-
book, capítulo 7.2. O princípio da neutralidade fiscal
20
Designadamente, e de grande actualidade, a introdução da contribuição sobre sacos de plástico
leves pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro (“Reforma da Fiscalidade Verde”).
21
De acordo com Casalta Nabais, “conquanto que essas intervenções não ponham em causa o
funcionamento do mercado, materializando-se em distorções à equilibrada concorrência entre as empresas”.
Conforme, Nabais, José Casalta, Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, 2ª edição, Almedina, Coimbra,
2015, e-book, capítulo 7.2. O princípio da neutralidade fiscal
6
minimamente a expressão do princípio na neutralidade fiscal expresso no artigo 81.º alínea
f) da CRP. De facto, o princípio da neutralidade fiscal encontra-se presente em vários
domínios da nossa fiscalidade22, em particular no âmbito do IVA, mas tal facto não obsta
que haja domínios relativamente aos quais a sua não verificação permita que a escolha
fiscal efectuada conduza a uma consequência fiscal mais vantajosa (poupança fiscal).
Aliás, o próprio conceito de planeamento fiscal tem já em si subjacente a falta de
neutralidade do sistema fiscal pois só assim faz sentido que uma diferente escolha fiscal
(que conduz a um diferente resultado fiscal) seja preferida relativamente a outra.
Pelo exposto, discutir a relevância fiscal de uma escolha de entre as várias opções
que se apresentam perante o contribuinte é pertinente e actual, especialmente no mundo
empresarial. A falha do princípio da neutralidade do sistema fiscal é assim tida como um
pressuposto23 pelo que o processo de decisão considerará, entre outros factores, o impacto
fiscal quer quanto ao resultado quer quanto ao impacto no cash flow24.
22
Sobre as concretizações do princípio vide Nabais, José Casalta, Introdução ao Direito Fiscal das
Empresas, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, e-book, capítulo 7.2. O princípio da neutralidade fiscal
23
Continuando a citação da nota de rodapé 12 supra, página 5, sobre a origem do planeamento
fiscal. “Segundo, porque os limites da neutralidade da lei fiscal – com um sistema que atingisse uma total
neutralidade as escolhas seriam desnecessárias – fazem com que as opções sobre a estrutura empresarial ou
sobre as vias negociais escolhidas pelo sujeito passivo, tenham consequências diversas, mais onerosas ou
menos onerosas, do ponto de vista fiscal”. Conforme, SANCHES, J. L. Saldanha, «As duas constituições –
nos dez anos da cláusula geral antiabuso», Planeamento e Evasão Fiscal – Jornadas de Contabilidade e
Fiscalidade, Vida Económica, 2010, p. 109
24
No mesmo sentido, “Ao afectar de forma decisiva os cash-flows gerados pela empresa, a
fiscalidade influencia as suas decisões de financiamento e de investimento (…),[pelo que] a fiscalidade deve
ser incorporada no processo de decisão empresarial. Assim, da inexistência de neutralidade do sistema fiscal,
surge a questão do planeamento fiscal”. AREIAS, David L. V. Fidalgo, Planeamento fiscal e gestão do risco
empresarial, Dissertação de mestrado em Finanças e Fiscalidade, Faculdade de Economia, Universidade do
Porto, 2010, p. 16
7
iniciativa privada (artigo 61.º), a liberdade de iniciativa e de organização empresarial
(artigo 80.º alínea c)) e o incentivo à actividade empresarial (artigo 86.º)25.
De facto, não se pode olvidar que o contribuinte é um agente económico, livre e
com interesses próprios ao qual não incumbe qualquer dever de subordinar a sua actuação
a critérios financeiros estatais26. Como ilustra António Martins27, a lei tributária dirige-se
aos contribuintes pelos factos ou com vista a factos possíveis e previsíveis só os tomando
em consideração se eles ocorrerem, quando ocorrerem, e como ocorrerem, pelo que a
receita tributária é uma consequência e não um fim ou condição de acção do contribuinte.
Ademais, o princípio da subsidiariedade da acção económica do Estado perante o
princípio da livre disponibilidade económica dos contribuintes “implica o reconhecimento
da livre conformação fiscal dos indivíduos, traduzida na liberdade destes para planificarem
a sua vida económica sem consideração das necessidades financeiras da respectiva
comunidade estadual e para actuarem de molde a obter o melhor planeamento fiscal”28.
Cumpre agora analisar o tipo de escolhas com que nos deparamos quando nos
referimos ao planeamento fiscal. Acolhendo a terminologia empregue por Susana Aires de
Sousa, a escolha fiscal pode ser de três tipos: intra legem, extra legem e contra legem29.
25
FURLAN, Anderson, «Planeamento fiscal em Portugal», Estudos em Memória do Prof. Doutor
J.L. Saldanha Sanches, Volume III, Coimbra Editora, 2011, p. 19
26
Apesar de ser um verdadeiro dever, o de contribuir para o sistema fiscal, e consequentemente,
para a sociedade, não se pode menosprezar o carácter humano e o individualismo do contribuinte, pelo que o
comportamento que melhor visa os objectivos deste pode não confluir ou até ser contrário aos objectivos da
sociedade em que se insere. Essa consciência geral por vezes verifica-se no pagamento de impostos, em
especial por a carga fiscal parecer, do ponto de vista do contribuinte, desproporcional em relação aos
benefícios que usufrui enquanto cidadão.
27
MARTINS, António Carvalho, Simulação na lei geral tributária e pressuposto do tributo: em
contexto de fraude, evasão e planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 31 e ss.
28
NABAIS, José Casalta, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Coimbra, 1998, p.
205
29
SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 43 e ss.
8
prudent et avisé du droit comptable, le contribuable éclairé doit gérer la fiscalité au mieux
de ses interêts”30.
As escolhas fiscalmente relevantes ao dispor do contribuinte podem ser opções
legais e positivadas pelo legislador, o qual deixa à discricionariedade do contribuinte a
avaliação do custo fiscal de cada uma e a sua livre escolha. Nestes casos, em que as opções
estão expressamente previstas e positivadas no ordenamento jurídico, estamos perante uma
“escolha fiscal intra legem”31.
A atractividade de uma opção positivada perante outras igualmente expressas no
ordenamento jurídico pode mesmo ser uma forma de o legislador fiscal orientar
comportamentos tendo em vista “a prossecução de finalidades económicas e sociais, que os
privados previsivelmente não perseguiriam sem aquele incentivo fiscal”32.
Este espaço de actuação não preenche a ideia de abuso e lesão de interesses estatais
fiscais ainda hoje associado ao planeamento fiscal. Essa ideia ainda bastante presente na
sociedade actual, assim como a de que o planeamento fiscal é uma prática somente
acessível a um conjunto restrito de contribuintes são, de acordo com Amândio Fernandes
Silva, redutoras relativamente à realidade e ao significado do planeamento fiscal. A visão
do planeamento fiscal como um jogo do “gato e do rato”33 entre a administração fiscal e
um conjunto restrito de contribuintes é, na perspectiva deste autor, completamente
desajustada da realidade.
De facto, e de acordo com Francisco Vaz Antunes, estamos perante um verdadeiro
direito do contribuinte “de agir desta forma, para o seu próprio bem, porque é um
imperativo de racionalidade económica e de boa gestão comercial, financeira e fiscal”34
fazendo jus ao princípio da autonomia privada e à liberdade de actuação do contribuinte,
bem como, ao princípio constitucional da liberdade de iniciativa económica.
30
M. Cozian (1984:22) apud NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em
sede fiscal – art. 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal»,
Fiscalidade, n.º 3, Julho 2000, pp. 42
31
SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 42
32
SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 43
33
SILVA, Amândio Fernandes, “O direito dos contribuintes ao planeamento fiscal”, Revista da
Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, Ano IX, Novembro de 2008, Nº104, p. 42
34
ANTUNES, Francisco Vaz, “A evasão fiscal e o crime de fraude fiscal no sistema legal
português”, in Verbo Jurídico, 2005, p. 17
9
A título de exemplo, podemos considerar como escolha fiscal intra legem o
comportamento que permite gozar dos benefícios fiscais concedidos pela criação líquida de
emprego ou pela reabilitação de um imóvel localizado numa área de reabilitação urbana.
35
SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 42
36
SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 42
37
NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º, n.º
2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade, n.º 3, Julho
2000, p. 43
38
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 21
39
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 22
40
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 22
10
realçando que a falta de equidade, igualdade fiscal e justiça fiscal prejudicam bastante o
cumprimento41.
O combate a esquemas que se sirvam deste espaço de actuação é efectuado através
da própria construção e interpretação das normas fiscais, presunções legais de rendimentos
e utilização de métodos indirectos, CGAA (prevista entre nós no artigo 38.º, n.º 2, da
LGT), normas especiais antiabuso e através do dever de comunicação e troca de
informações42.
41
NUNES, Gonçalo Avelãs, “O planeamento fiscal, a elisão fiscal e a evasão fiscal – a liberdade
das pessoas, da gestão das empresas e o combate à evasão fiscal – um difícil e nem sempre linear caminho
percorrido e a percorrer”, in Conferência A Evasão Fiscal em Portugal: das causas às consequências, da
prevenção à punição, Aveiro, 12 de Abril de 2013
42
No mesmo sentido, NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede
fiscal – art. 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal»,
Fiscalidade, n.º 3, Julho 2000, p. 45-46
43
Cf. NABAIS, José Casalta, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, 1998, p. 573-
575
44
Por sistema fiscal deverá entender-se o conjunto de tributos que são considerados jurídico-
constitucionalmente impostos, não se devendo confundir com sistema tributário que corresponde ao conjunto
de tributos que engloba impostos e taxas.
11
103.º, n.º 1, da CRP, duas finalidades: i) uma financeira em que visa suportar as
necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas, e ii) outra extrafiscal ou
social que consiste numa função de redistribuição de riqueza.
Assim, atendendo a que o sistema fiscal é o suporte financeiro do Estado tem-se
legitimado, como alerta Casalta Nabais, um aumento da carga tributária para fazer face à
multiplicação da despesa com as funções sociais do Estado45. Neste contexto, o aumento
da tributação46 será através da mobilização do princípio da capacidade contributiva47 que é
em si uma expressão do princípio constitucional de igualdade.
Pelo exposto, é visível na própria concepção de sistema fiscal manifestações do
princípio do Estado social pela sua concretização através de outros princípios como o
princípio de igualdade fiscal e de justiça fiscal. Atenta a dialéctica exposta, e o princípio da
coerência do sistema, compreende-se que, não obstante a liberdade e autodeterminação do
indivíduo terem igual dignidade constitucional, não se pode permitir a absolutização destes
princípios sob pena de comprometer a função social do Estado.
Ainda que se defenda que o princípio da redistribuição de riqueza operado através
do princípio da capacidade contributiva é insuficiente para justificar o dever de contribuir e
a sua medida, atente-se que o dever de contribuir é um pressuposto do sistema fiscal
constitucionalmente plasmado e, como tal, “decorrente da natureza social das pessoas
humanas que se constituem em sociedade política para a realização integral da
colectividade e das pessoas por que ela se forma”48.
Em última instância a absolutização do direito e liberdade de actuação económica
do contribuinte49 “resultaria em benefício dos interesses pessoais destes últimos contra
desígnios de muito maior interesse”50.
45
NABAIS, José Casalta, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, 1998, p. 575-576
46
Sobre o surgimento da pressão para que o Estado diminua este espaço de actuação em Portugal
vd. CAMPOS, Diogo Leite de, «Evasão fiscal, fraude fiscal e prevenção fiscal», Problemas Fundamentais do
Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, p. 195-196 e 203-205
47
Sobre a capacidade contributiva enquanto pressuposto constitucional de incidência de imposto
vd. MARTINS, António Carvalho, Simulação na lei geral tributária e pressuposto do tributo: em contexto
de fraude, evasão e planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 19-20
48
MARTINS, António Carvalho, Simulação na lei geral tributária e pressuposto do tributo: em
contexto de fraude, evasão e planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 47
49
Sobre a inadmissibilidade da Autoridade Tributária limitar a liberdade de actuação económica
do contribuinte, em especial, da pessoa colectiva vd. CAMPOS, Diogo Leite de, «Evasão fiscal, fraude fiscal
e prevenção fiscal», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, p. 201 e ss.
50
CAMPOS, Diogo Leite de, «Evasão fiscal, fraude fiscal e prevenção fiscal», Problemas
Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, p. 195
12
Todavia, na nossa perspectiva o ponto fulcral da discussão não é a legitimidade de
limitar escolhas fiscais extra legem, pois parece claro que determinadas escolhas podem
ferir o equilíbrio entre os princípios constitucionais supra expostos. A grande questão é
como, quando, em que medida e proporção. De facto, se são escolhas extra legem, não se
encontram devidamente tipificadas para que o homem médio tenha conhecimento de que o
seu comportamento pode de algum modo ser considerado abusivo. Neste sentido, a
limitação das escolhas deste espaço deve ser efectuada com um procedimento que respeite
ao máximo os direitos constitucionalmente plasmados do contribuinte, com a abertura e
diálogo e sem qualquer intenção persecutória.
A escolha realizada pelo contribuinte aquando da sua actuação pode ainda ser
contrária à lei, isto é, os meios utilizados sejam ilícitos, considerando-se nestes casos que
se está perante uma “escolha fiscal contra legem”51. A fraude fiscal de que Saldanha
Sanches se serve aquando da explicitação das condutas que, no seu entender,
consubstanciam planeamento fiscal ilegítimo, refere-se a comportamentos violadores do
dever de cooperação, ao qual, no seu entender, “corresponde uma sanção penal ou
contraordenacional”52. Essas condutas consubstanciam escolhas fiscais contra legem, pois
está-se perante a violação directa de uma norma que compreende um dever do contribuinte
relativamente à administração fiscal.
No âmbito do planeamento fiscal agressivo enquanto violador frontal de normas
jurídicas, José de Campos Amorim considera ainda as sanções não criminais como juros
compensatórios e execuções fiscais pois, em seu entender, está-se perante “atos fiscais
ilícitos, destinados à prática de evasão ou fraude fiscal”53. Gonçalo Avelãs Nunes integra
51
SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 44
52
SANCHES, J.L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 22
53
AMORIM, José de Campos, «Responsabilidade dos promotores do planeamento fiscal»,
Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, Planeamento e Evasão Fiscal – Jornadas de
Contabilidade e Fiscalidade, Vida Económica, 2010, p. 223
13
ainda, como sanção não criminal (evasão fiscal não penal, nas palavras do autor), a
simulação fiscal prevista no artigo 39.º da LGT54.
54
NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º, n.º
2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade, n.º 3, Julho
2000, p. 43
14
CAPÍTULO III – Meios e instrumentos nacionais
55
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 21
56
Recomendação da Comissão de 6 de Dezembro de 2012 relativa ao planeamento fiscal agressivo
(2012/772/UE), JO L 338 de 6.12.2012, p.41
57
NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º, n.º
2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade, n.º 3, Julho
2000, p. 44
15
fiscais, a contemplação de conceitos económicos na construção das mesmas, bem como, o
dever de comunicação. Numa outra perspectiva, mas em que questões de admissibilidade
se levantam, apontam-se como meios de limitação as presunções legais de rendimentos e a
utilização de métodos indirectos e indiciários58.
Por último, restam-nos a simulação de negócio jurídico e as normas antiabuso, as
quais “atingem uma zona delicada – a limitação à liberdade de escolha do sujeito passivo
das operações que pode efectuar – e que, devendo respeitar a autonomia privada do
contribuinte na escolha e modulação dos instrumentos que utiliza, devem também impedir
a ilegítima relevância da sua vontade na formação ou quantificação da obrigação
tributária”59.
No que respeita aos comportamentos contra legem, integrantes de práticas de
planeamento fiscal abusivo mais graves, encontramos como meio idóneo de persecução a
figura do crime de fraude fiscal.
58
Cf. NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º,
n.º 2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade,
n.º 3, Julho 2000, p. 45-46
59
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 27
16
equilíbrio na presente dialéctica para que não comprometa nem o princípio da segurança
jurídica do contribuinte nem a igualdade material.
Respeitando a dialéctica entre os princípios constitucionais, como supra
mencionado, um dos métodos de combate ou de prevenção do planeamento fiscal abusivo
consiste na construção das normas fiscais em que o legislador pode servir-se “da
configuração económica dos pressupostos de facto dos impostos” e assim proceder à
“construção de tipos legais que apelem mais a conceitos económicos ou aos efeitos
económicos dos actos independentemente da forma jurídica que assumam”60.
Todavia, a interpretação das normas fiscais deve ser efectuada, prima facie, de
acordo com “as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”61, nos
termos do artigo 11.º, n.º 1, da LGT, bem como, deve respeitar o sentido e interpretação de
conceitos de outros ramos de direito sempre que se verifique o seu emprego, de harmonia
com o n.º 2 do mencionado preceito legal.
De acordo com Lima Guerreiro, o n.º 2 do artigo 11.º da LGT é uma manifestação
do não acolhimento, no nosso ordenamento jurídico-fiscal, do princípio da prevalência da
substância económica sobre a substância jurídica62, porquanto a desconsideração do
sentido e alcance dos conceitos de outros ramos de direito em favor da substância
económica só pode operar se expressamente prevista na lei63.
Neste sentido, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 3, da LGT “Persistindo
a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância
económica dos factos tributários”. Ora, como resulta da expressão “Persistindo a dúvida”
este número é apenas de aplicação sucessiva em relação ao preceituado no n.º 2 do referido
60
NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º, n.º
2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade, n.º 3, Julho
2000, p. 45
Todavia, a doutrina da perspectiva económica não é imune a críticas, designadamente SANCHES,
J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito fiscal português, comunitário
e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 58 e ss
61
A questão da interpretação das normas jurídicas fiscais acolhe a mesma problemática que a
interpretação de quaisquer outras normas, com a particularidade que neste caso a interpretação analógica
encontra-se expressamente proibida pelo n.º 4 do artigo 11.º da LGT.
62
De acordo com Fernandes Oliveira, o referido princípio “assenta nas seguintes premissas: olha
para a transacção ou conjunto de transacções e procura saber se há outras transacções ou conjunto de
transacções equivalentes em termos económicos ou de resultados finais (económicos) pretendidos, de tal
maneira que se possa dizer que essas várias opções equacionadas são “substituíveis” entre si”, dando como
exemplo a adopção de regras contabilísticas para assegurar a neutralidade fiscal nas operações de locação
financeira. OLIVEIRA, António Fernandes de, A legitimidade do planeamento fiscal, as cláusulas gerais
anti-abuso e os conflitos de interesse, Coimbra Editora, 2009, p.101
63
GUERREIRO, António Lima, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, p. 84 e ss.
17
artigo e a sua leitura deve ser conjugada. Pelo exposto, a substância económica do negócio
surge como “último recurso na averiguação da vontade efectiva do legislador fiscal”64.
De facto, é compreensível a existência de dúvidas quanto ao sentido e alcance de
conceitos jurídicos quando: i) os mesmos são transversais a vários ramos de direito e, em
cada um deles adquire um sentido diverso; ii) a sua concepção é doutrinalmente
controversa, ou; iii) o seu emprego usual não é coincidente.
A interpretação das normas fiscais atendendo à substância económica65 pode ser
um meio de combate ao planeamento fiscal abusivo pela possibilidade de mobilização
“como elemento correctivo da tributação em caso de violação do princípio da igualdade,
por manifestações idênticas de capacidade contributiva poderem ser tratadas
discriminatoriamente pela lei fiscal”66.
64
GUERREIRO, António Lima, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, p. 86
65
Quanto à rejeição de uma interpretação económica das normas fiscais vd. CAMPOS, Diogo
Leite de, «Interpretação das normas fiscais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores,
1999, p. 21-24
66
GUERREIRO, António Lima, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, p. 86
67
MARTINS, António Carvalho, Simulação na lei geral tributária e pressuposto do tributo: em
contexto de fraude, evasão e planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 32 e ss.
18
permite à Autoridade Tributária, de acordo com o artigo 87.º, n.º 1, tributar através de uma
avaliação indirecta em caso de:
“a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos
elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de
qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais
de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da
que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base
técnico-científica referidos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente
para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente
possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo
nos termos do artigo 89.º-A;
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados
tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos
casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do
terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.
f) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de
valor superior a (euro) 100 000, verificados simultaneamente com a falta de
declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação,
de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.”
68
De acordo com o artigo 88.º “A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e
exacta da matéria tributável (…), pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem
o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de
escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não
supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a
sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
19
3.3 Cláusula geral antiabuso
A CGAA surge, a par com as presunções legais (já por nós analisadas) e com o
regime da simulação, como meio de prevenção do negócio jurídico indirecto quando este
constitua uma prática de fraude à lei69.
Vejamos, o negócio jurídico indirecto assume relevo no direito fiscal quando as
partes utilizam um negócio análogo ao normalmente utilizado, elemento objectivo, tendo
em vista esquivarem-se da aplicação de um regime fiscal mais oneroso, elemento
subjectivo.
De acordo com António Martins, existem várias modalidades neste âmbito,
designadamente: i) o negócio jurídico indirecto de exclusão que abrange os casos em que o
negócio normal ou usual encontra-se previsto numa norma tributária enquanto o negócio
indirecto não encontra previsão legal em qualquer norma tributária; ii) o negócio indirecto
impeditivo, cujo negócio indirecto cai na estatuição de uma norma de isenção; iii) o
negócio indirecto impeditivo, o qual apenas se limita a diminuir a oneração fiscal quer
através de um negócio indirecto com menor oneração fiscal por lhe ser aplicável outro tipo
legal, substituição de pressupostos, quer porque não obstante ser aplicável o mesmo tipo
legal, os efeitos do negócio indirecto são menos onerosos, substituição dos elementos da
estatuição70.
Ora, como já exposto, o ordenamento jurídico tributário não é indiferente a
algumas destas práticas do contribuinte, pelo que numa tentativa de as limitar,
designadamente por abuso de forma de actos ou negócios jurídicos empregues na sua
20
estrutura, o legislador estabeleceu, à semelhança do que sucede noutros ordenamentos
jurídicos71, uma CGAA, a qual passamos a analisar.
71
Sobre a CGAA em diversos ordenamentos jurídicos vd. SOUSA, Susana Aires de, Os crimes
fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora,
2009, p. 47 nota 75
72
Cf. SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 48 e NUNES, Gonçalo Avelãs, «A
cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária – à luz dos
princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade, n.º 3, Julho 2000, p. 47 e ss.
73
Do princípio da tipicidade enquanto corolário do princípio da legalidade vd. NABAIS, José
Casalta, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Coimbra, 1998, p. 351 e ss e MARTINS,
Alexandra Coelho, A Admissibilidade de uma Cláusula Geral Anti-Abuso em Sede de IVA, Almedina, 2007,
p. 33 e ss.
74
Sobre a admissibilidade de uma tipicidade aberta vd. MARTINS, Alexandra Coelho, A
Admissibilidade de uma Cláusula Geral Anti-Abuso em Sede de IVA, Almedina, 2007, p. 34-35
21
existência de autores que procuraram autonomizar esta faceta do princípio da tipicidade
designando-a como princípio da determinabilidade75.
Pelo exposto, é a interpretação do princípio da tipicidade na sua vertente aberta
que permite a inclusão de uma CGAA no nosso ordenamento jurídico sem comprometer
outros princípios constitucionais, em particular o princípio da segurança jurídica.
O mencionado princípio decorre do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição, enquanto
fundamento para a declaração de inconstitucionalidade de uma norma pelo Tribunal
Constitucional, e é uma manifestação do princípio do Estado de direito democrático. Este
princípio traduz a ideia de protecção da confiança e da estabilidade das normas jurídicas. O
princípio da segurança jurídica desdobra-se, à semelhança do princípio da tipicidade, em
duas vertentes: uma objectiva, compreendido enquanto garante da estabilidade jurídica,
permanência e durabilidade das normas no ordenamento jurídico nacional, e uma vertente
subjectiva, entendida como a previsibilidade e durabilidade dos efeitos jurídicos no âmbito
de uma relação jurídica76.
Ora, a criação de uma CGAA77 em sede de direito fiscal por consistir numa
desconsideração, a posteriori, dos efeitos fiscais de actos e/ou negócios jurídicos válidos e
lícitos numa perspectiva civilística, efectuados pelo contribuinte no espaço de actuação
extra legem, conflitua com os princípios constitucionais supra expostos. A limitação aos
princípios constitucionais da tipicidade e segurança jurídica explica-se atendendo a outros
princípios com igual dignidade constitucional, princípio da igualdade e princípio da
capacidade contributiva.
O princípio da igualdade fiscal decorre do princípio geral da igualdade previsto no
artigo 13.º da CRP, o qual consiste na igualdade de tratamento perante a lei, igualdade
formal, bem como, no tratamento descriminado de situação desiguais por forma a alcançar
uma igualdade material78. No âmbito do direito fiscal este princípio significa o dever
transversal dos contribuintes pagarem impostos e a sua contribuição depender da
75
NABAIS, José Casalta, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Coimbra, 1998, p.
354-355
76
Cf. MARTINS, Alexandra Coelho, A Admissibilidade de uma Cláusula Geral Anti-Abuso em
Sede de IVA, Almedina, 2007, p. 35-36 e NABAIS, José Casalta, O Dever Fundamental de Pagar Impostos,
Almedina, Coimbra, 1998, p. 395-396
77
Sobre a inadequação do artigo 334.º do Código Civil em sede de direito fiscal vd, COURINHA,
Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão,
Almedina, 2004, p. 125 e ss.
78
Cf. NABAIS, José Casalta, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Coimbra,
1998, p. 435-436
22
correspondente capacidade contributiva. Assim, verifica-se a igualdade formal através do
dever universal em contribuir e a igualdade material através da contribuição de acordo com
as possibilidades do contribuinte, sendo este o único critério discriminador admissível79.
Neste sentido, contribuintes com a mesma capacidade contribuem na mesma medida e
contribuintes com diferentes capacidades contributivas contribuem na proporção da
mesma.
Assim, compreende-se que a perseguição do abuso de formas jurídicas se encontre
justificado por princípios constitucionais, princípio da igualdade fiscal e da capacidade
contributiva, porquanto a desoneração fiscal visada pela fraude à lei fiscal consubstancia
uma violação desses princípios. Deste modo, compreende-se a limitação aos princípios da
tipicidade e da segurança jurídica como salvaguarda de outros princípios constitucionais
como o da igualdade e da capacidade contributiva.
Pelo exposto, defendemos que o legislador na construção normativa fiscal, em
particular na criação de uma CGAA proceda a uma compreensão dialéctica dos princípios
supra explanados, princípio da tipicidade enquanto expressão do princípio da legalidade,
princípio da segurança jurídica, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva80.
Por último, cumpre assinalar que a consagração de uma CGAA entre nós não
constitui uma violação do princípio de liberdade de actuação enquanto direito
constitucionalmente consagrado do contribuinte81, mas uma limitação imposta por outros
princípios constitucionais, em particular, os princípios de igualdade e de justiça. De facto,
e à semelhança do entendimento já exposto anteriormente82, os princípios constitucionais
devem ser compreendidos de uma forma dialéctica e sem proceder à sua absolutização.
79
NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º, n.º
2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade, n.º 3, Julho
2000, p. 50
80
“As tentativas fundamentalistas de absolutização ou exacerbação de alguns princípios da
chamada Constituição Fiscal são de afastar. Essencial à coexistência dos diversos princípios nela vertidos é,
em face da previsão da sua simultaneidade e natureza frequentemente antitética, a cedência optimizada em
ordem à construção de um sistema coerente. Propugna-se, portanto, a respectiva concatenação.” MARTINS,
Alexandra Coelho, A Admissibilidade de uma Cláusula Geral Anti-Abuso em Sede de IVA, Almedina, 2007,
p. 30
81
Sobre a inadmissibilidade de uma CGAA por violação da constituição fiscal e da liberdade de
actuação do contribuinte vd. GUERREIRO, António Lima, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros,
2000, p. 185
82
Supra 2.2.2.1 Da legitimidade de limitação das escolhas extra legem
23
3.3.2 Análise do n.º 2 do artigo 38.º da LGT
83
Cf. NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º,
n.º 2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade, n.º 3, Julho
2000, p. 56 e ss., SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 47-48, SANCHES, J. L. Saldanha, Os
limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito fiscal português, comunitário e internacional,
Coimbra Editora, 2006, p. 172 e CAMPOS, Diogo Leite de, «Evasão fiscal, fraude fiscal e prevenção fiscal»,
Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, p. 216 e ss.
84
COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos
para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 165 e ss.
85
“Numa primeira manifestação, a escolha de um negócio jurídico ou mesmo de factos ou actos
jurídicos fiscalmente relevantes, como forma jurídica de atingir certo objectivo com menor oneração jurídica,
implica a opção por determinados caminhos para a obtenção de certos objectivos finais numa lógica
alternativa: seguiu-se o caminho B em lugar do caminho A, para atingir o mesmo objectivo, X.
Na outra das suas principais manifestações, podemos ter um conjunto de operações em que não há
alternatividade (a escolha alternativa seria a ausência de negócio jurídico), o que acontece quando, por
exemplo, se faz operações com o único objectivo de obter um custo dedutível para a redução do lucro
24
das formas jurídicas” para obter uma vantagem fiscal sem contudo comprometer o fim
económico pretendido.86 O meio é considerado fraudulento, não pela sua natureza de per
se, mas pelo seu emprego ser levado a efeito em detrimento de um outro meio usual, pela
sua simples atractividade fiscal87.
O referido comportamento abusivo pode ser composto por actos jurídicos,
negócios jurídicos ou uma combinação de ambos que, em todo o caso, “deverão formar
uma unidade lógica, sequencial e indivisível”88. A unidade lógica que compõe o esquema
deverá demonstrar a ligação existente sobre o conjunto de actos e/ou negócios jurídicos a
partir do momento em que o primeiro dos actos é praticado89, sob pena de a Autoridade
Tributária não conseguir provar o carácter pré-planeado e unitário.
De notar que os actos e negócios jurídicos de que o esquema se serve são, de um
ponto de vista civilistíco, válidos. A produção dos seus efeitos civis não é prejudicada pela
aplicação da CGAA, porquanto a mesma só operará no âmbito da eficácia fiscal da norma.
No que respeita à aferição do artifício e abuso do meio empregue é insuficiente a
demonstração de que as operações praticadas não são o negócio usual em sentido
económico e que o esquema possui um carácter unitário. De facto, importa atender ao
elemento intelectual para que se possa afirmar que esses actos são “essencial ou
principalmente dirigidos”. Assim, a aplicação da norma carece da verificação, in casu, do
tributável” SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito fiscal
português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 172
86
O legislador inspirou-se no § 42 da Abgabenordnung, mas distinguiu-se da mesma ao não
colocar o enfoque no resultado da conduta, vd. SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal:
substância e forma no direito fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 166
87
A este propósito atente-se aos critérios traçados pelo TJCE no acórdão Cadbury-Schweppes,
processo C-196/04, prolatado a 12 de Setembro de 2006 e realçados por Catarina Amorim. A autora
prossegue afirmando que “o resultado obtido tem de consistir numa demonstração clara do desvio ou
contorno da lei fiscal. Para tal, é necessário comprovar que uma dada forma jurídica, com determinadas
características jurídicas e comerciais, nunca seria utilizada pelo contribuinte não fosse a sua finalidade
principal ou essencial de minimização da carga fiscal ou a obtenção de um benefício fiscal.”. Não obstante,
“um contribuinte que não preencha uma das condições supra descritas e não obedeça a um determinado
padrão comercial ou jurídico no âmbito da sua atividade pode, ainda assim, ter razões extra fiscais válidas
que justifiquem a utilização de uma forma jurídica inusual que, ao mesmo tempo, potencie a obtenção de
vantagens fiscais” AMORIM, Catarina Ferreira, «Cláusula geral anti-abuso – Reflexões e aplicação à
realidade empresarial», Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, n.º 64, Janeiro_Março 2014, p.
44
88
COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos
para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 166-167
89
Step-by-step doctrine a que alude COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso
no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 167
25
elemento meio, supra enunciado, do elemento resultado, obtenção de uma vantagem
fiscal90, bem como do elemento intelectual.
A aplicação da CGAA está depende de prova, pela Autoridade Tributária, da
verificação destes elementos, não podendo a mesma apenas apresentar o elemento meio e o
elemento resultado. Impende sobre si, o dever91 de demonstrar a intenção do contribuinte
em abusar de formas jurídicas para se subtrair (ou adicionar, caso se trate de uma vantagem
fiscal) ao âmbito de aplicação de uma norma fiscal, elemento normativo92. Pelo exposto,
compreende-se a sua escassa aplicação. De facto, é “extremamente difícil provar os
motivos fiscais que levaram o contribuinte a adotar um modelo negocial que em condições
normais não adotaria”93.
Saldanha Sanches menciona, a este propósito, o business purpose test, definindo-o
como “uma razão comercial legítima tal como pode vir a ser demonstrada pelo sujeito
passivo, em particular no caso de este ter adoptado uma via pouco habitual”94. O business
purpose test deverá ser efectuado pela Autoridade Tributária a qual deverá demonstrar que
o conjunto de actos e/ou negócios jurídicos não usuais para os efeitos jurídicos ora
pretendidos foram efectuados com a intenção única95 de reduzir a carga fiscal do sujeito
passivo e não por outras razões de que a fiscalidade é alheia.
90
A redacção inicial da norma sancionava apenas a opção efectuada com o intuito de “redução ou
eliminação dos impostos”, não compreendendo assim, aquele comportamento em que não existe uma
alternatividade mas cuja realização se deveu, em exclusivo, à obtenção de uma vantagem fiscal, vd.
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito fiscal português,
comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 172-173
91
Dever de fundamentação plasmado no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, no artigo 124.º do CPA e do
regime geral da fundamentação dos actos tributários, cf. SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do
planeamento fiscal: substância e forma no direito fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra
Editora, 2006, p. 173 e ss.
92
A este propósito vd. NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede
fiscal – art. 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal»,
Fiscalidade, n.º 3, Julho 2000, p. 56 “a interpretação das normas legais aplicáveis, para o efeito de se
concluir se houve ou não uso abusivo delas, deve ser feita à luz dos princípios da igualdade fiscal, da
capacidade contributiva e do Estado social, elementos fundamentais para se conseguir a interpretação e a
aplicação daquelas normas em conformidade com a constituição”
93
AMORIM, Catarina Ferreira, «Cláusula geral anti-abuso – Reflexões e aplicação à realidade
empresarial», Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, n.º 64, Janeiro_Março 2014, p. 47
94
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 176
“The business purpose doctrine provides that a tax statute will not be applied to a transaction
unless the transaction serves some business purpose other than tax avoidance” Noël B. Cunningham &
James R. Repetti apud OLIVEIRA, António Fernandes de, A legitimidade do planeamento fiscal, as
cláusulas gerais anti-abuso e os conflitos de interesse, Coimbra Editora, 2009, p. 108
95
A este propósito Lopes de Sousa refere que não é essencial para aplicação da CGAA que o acto
e/ou negócio jurídico tenha sido efectuado com o objectivo único de obter uma vantagem fiscal mas tão-
somente que “esse objectivo seja essencial ou o principal”. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de
26
3.3.3 Artigo 63.º do CPPT e o dever de fundamentação da Autoridade
Tributária
Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, p.
581
96
Vd. SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 195-196 quanto às falhas do
procedimento estabelecido pelo artigo 63.º do CPPT, designadamente quanto ao problema da ausência de
negócio-sombra.
97
O n.º 5 do artigo ora em análise prevê um prazo especial para o direito de audição, 30 dias,
afastando as regras gerais para o exercício deste direito plasmadas nos n.º s 4 e 6 do artigo 60.º da LGT.
27
essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de
impostos que seriam devidos em caso de negócio ou acto com idêntico fim económico, ou à
obtenção de vantagens fiscais”, estabelecendo no ordenamento jurídico português uma
perspectiva objectiva98 de verificação do elemento intelectual. De facto, o legislador ao
estabelecer o aferimento do elemento intelectual “essencial ou principalmente dirigida”
com referência ao “negócio ou acto com idêntico fim económico” permite que se mobilize
elementos objectivos por forma a provar o elemento intelectual99.
Deste modo, a “prova da motivação fiscal nestas Cláusulas Gerais é feita (…) com
recurso a factos ou elementos de prova que permitam ao intérprete (v.g. julgador) extrair,
com razoável segurança e segundo critérios de razoabilidade e normalidade, a conclusão de
que o contribuinte atribuiu às formas adoptadas um preponderante fim fiscal”100.
De notar que, de acordo com o n.º 7 do artigo ora em análise a aplicação da
CGAA “é prévia e obrigatoriamente autorizada”, uma vez cumprido o direito de audição,
“pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa
competência”, pelo que, nas palavras de Lima Guerreiro, pretendeu-se “a garantia de uma
eficaz ponderação da aplicação das disposições anti-abuso, sem a qual ficaria
comprometida a segurança jurídica, e, também, a uniformidade da sua aplicação pela
administração tributária”101.
A aplicação da CGAA e do procedimento supra exposto culmina com a
desconsideração dos efeitos fiscais do meio empregue de forma abusiva. Neste contexto, a
Autoridade Tributária procede à aplicação das normas fiscais subjacentes ao meio usual,
comum (que serviu de termo de comparação aquando da análise do elemento meio).
Andersen Furlan entende a este propósito que não se trata da aplicação analógica da norma
tributária a que o sujeito passivo se tentou subtrair, “mas da criação de uma ficção pela
98
Por oposição a uma perspectiva subjectiva de probatio diabolica porquanto consiste na prova da
motivação psicológica do contribuinte apenas com elementos subjectivos, vd. COURINHA, Gustavo Lopes,
A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2004,
p. 181
99
COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos
para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 181 e ss.
100
COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos
para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 182-183
101
GUERREIRO, António Lima, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, p. 189
28
cláusula geral antielisiva no sentido de se considerar realizados os atos e negócios não
praticados pelo contribuinte”102.
Por último, importa realçar que existe uma tendência de fuga para o direito
clássico103, para domínios mais tradicionais e melhor trabalhados, por estes se mostrarem
mais aptos a sancionar determinados comportamentos, designadamente em situações de
evasão fiscal. De acordo com Marciano Seabra de Gondoi, em Espanha e no Brasil,
verifica-se essa tendência, essa fuga para o direito clássico, pelo que, não raras vezes, a
CGAA é suplantada por outras figuras do direito clássico, tais como a norma respeitante à
simulação ou à qualificação do comportamento como fraude 104.
102
FURLAN, Anderson, «Planeamento fiscal em Portugal», Estudos em Memória do Prof. Doutor
J.L. Saldanha Sanches, Volume III, Coimbra Editora, 2011, p. 47
103
No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, processo n.º 0166/14 é
possível observar a fuga da Autoridade Tributária à aplicação da CGAA. O referido acórdão nega provimento
ao recurso porquanto a sentença do tribunal a quo não mereceu censura. A fuga da Autoridade Tributária
levou a que a mesma corrigisse a matéria colectável com fundamento diverso do da aplicação da CGAA,
quando deveria ter procurado a sua aplicação na situação em apreço e observado o correspondente
procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT.
104
GONDOI, Marciano Seabra de, “Planeamento Fiscal Abusivo em Espanha e no Brasil”, in
Seminário no âmbito da disciplina de Direito Fiscal, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 6 de
Dezembro de 2011
105
Contrariamente ao explicitado supra para a CGAA, ponto 3.3.3 Artigo 63.º do CPPT e o dever
de fundamentação da Autoridade Tributária, a aplicabilidade de uma norma especial antiabuso por parte da
Autoridade Tributária não exige a observância do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT conforme
acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Maio de 2015, processo 0770/14. Alias, a redacção
actual do artigo 63.º do CPPT é clara quanto à sua exclusiva aplicação à CGAA prevista no artigo 38.º, n.º 2,
da LGT.
106
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 202-203
107
Sobre a inadmissibilidade das presunções inilidíveis em direito fiscal e em particular nas
normas especiais antiabuso vd. SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e
forma no direito fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 226 e ss. e
29
circunscritos e delineados pelo potencial e comprovado risco de evasão fiscal. Em suma, o
legislador após a identificação de uma situação susceptível de abuso “tipifica aquelas
situações, sujeitando-as a tributação ou excluindo a incidência dos benefícios fiscais” 108, o
que caracteriza as normas especiais antiabuso como normas anti-sistemáticas109.
Estas normas encontram-se espalhadas pela legislação fiscal e é possível encontra-
las nos mais variados impostos. Todavia merece particular destaque as normas referentes a
preços transferência, subcapitalização e CFC110. As mencionadas áreas são frequentemente
manipuladas como objectivo de transferir resultados entre empresas, daí a sua importância
no mundo empresarial actual111. A sua relevância deriva primordialmente do facto de
através das mesmas se poder localizar a tributação num outro ordenamento jurídico, o que
justifica o enfoque actualmente dado internacionalmente112.
A este propósito atente-se ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de
17 de Setembro de 2013, processo n.º 01510/06. O mencionado acórdão trata da aplicação
do artigo 57.º, n.º 1, do Código do IRC, actual artigo 63.º. De acordo com o mesmo, a
correcção do lucro tributável efectuada pela Autoridade Tributária ao abrigo desta norma
COURINHA, Gustavo Lopes, «O artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, a Constituição e o regime de preços
transferência das convenções sobre dupla tributação», Reestruturação de empresas e limites do planeamento
fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 146 e ss.
108
SILVA, João Calvão da, «Elisão fiscal e cláusula geral anti-abuso», Revista da Ordem dos
Advogados, Ano 66 (2006), ponto 3. d) Cláusulas especiais anti-abuso
109
De acordo com Saldanha Sanches “constituem excepções e derrogações dos princípios
estruturantes do ordenamento jurídico tributário destinadas a corrigir um ponto fraco do sistema geralmente
criado pela não aplicação a certas áreas de princípios de natureza sistemática”. SANCHES, J. L. Saldanha,
Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito fiscal português, comunitário e
internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 206-207
110
Respectivamente, artigos 63.º, 67.º e 66.º do Código do IRC.
O artigo 63.º visa corrigir o lucro tributável de forma a repor a situação de normalidade, neste
sentido as operações intra-grupo, ou entre empresas relacionadas, deve ser efectuada nas mesmas condições e
circunstâncias aplicáveis na ausência dessa relação, o que mais das vezes significa a determinação e
aplicação de uma arm’s length margin.
Por outro lado, o artigo 67.º visa a limitação da dedutibilidade dos gastos de financiamento. De
facto, a dedutibilidade dos encargos incorridos com financiamento é frequentemente utilizada por técnicas de
planeamento fiscal. Neste sentido, não raras vezes, grandes grupos empresariais utilizam o financiamento e a
dedutibilidade dos encargos relativos aos mesmos, entre empresas relacionadas, para transferir o resultado
tributável para uma jurisdição mais favorável, para maximizar a dedutibilidade dos encargos incorridos, em
suma, para no final das contas a tributação no seu todo ser consideravelmente reduzida.
Finalmente, o artigo 66.º visa a consideração para efeitos de IRC dos resultados fiscais de
entidades não residentes mas controladas por sujeitos passivos de IRC por as mesmas se encontrarem sujeitas
a um regime privilegiado. O objectivo é obstar que a entidade não residente e localizada num regime fiscal
mais favorável seja utilizada para a não tributação (ou baixa tributação) de rendimentos.
111
Quando surge um projecto de reestruturação ou de estruturação de operações de financiamento
procede-se (quase sempre) à análise da (não) existência destas normas especiais antiabuso nas potenciais
jurisdições intervenientes e do seu (potencial) impacto. Não raras vezes chega a ser um ponto de comparação,
sobre a atractividade da jurisdição, ainda que em termos abstractos.
112
Infra Capítulo IV
30
impõe “um dever acrescido de fundamentação”, designadamente quanto à “existência de
relações especiais”, ao “estabelecimento de condições diferentes das que seriam
normalmente acordadas entre pessoas independentes que realizem operações da mesma
natureza e colocadas nas mesmas circunstâncias”, que “tais relações especiais sejam causa
adequada das ditas condições” e do “apuramento, em face da contabilidade, de lucro
diverso do que se apuraria na ausência de tais relações especiais”. Pelo exposto, ainda que
não persista o especial dever de fundamentação previsto no artigo 63.º do CPPT tal não
significa que atendendo à norma especial antiabuso a aplicar não existam um particular
dever de fundamentação.
113
Cf. NUNES, Gonçalo Avelãs, «A cláusula geral anti-abuso de direito em sede fiscal – art. 38.º,
n.º 2, da Lei Geral Tributária – à luz dos princípios constitucionais do direito fiscal», Fiscalidade, n.º 3, Julho
2000, p. 46-47
Adicionalmente, sobre as dificuldades de redacção “The draftsman of specific anti-avoidance
provisions faces a number of problems. If he is too narrow in his aim he may leave (or even create) other
loopholes through which taxpayers can wriggle. On the other hand, if he spreads his net over a wide area he
might well jeopardise commercial transactions implemented with no thought of tax avoidance… When he
tries to cover every conceivable abuse we end up with long and complicated provisions which obscure rather
than clarify the intention of Parliament”, vd. “Should a General Anti-Avoidance Provision be introduced in
the United Kingdom”, in Tax Avoidance and the Law – Sham, Fraud or Mitigation?, edited by Adrian
Shipwright, Key Heaven Publications, London, 1997, p. 132 apud COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula
Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 97
114
COURINHA, Gustavo Lopes, «O artigo 23.º, n.º 7, do CIRC, a Constituição e o regime de
preços transferência das convenções sobre dupla tributação», Reestruturação de empresas e limites do
planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 138
31
elevado grau de segurança jurídica, pode igualmente levar a uma lesão do princípio da
igualdade fiscal se a sua interpretação for estritamente literal e não considerar os princípios
estruturantes da norma fiscal115.
Às limitações supra descritas, Manuela Duro Teixeira acrescenta que a “aplicação
de algumas das cláusulas antiabuso específicas (…) levanta inúmeras dificuldades, que têm
a sua origem sobretudo na falta de um adequado enquadramento sistemático e na falta de
precisão da linguagem utilizada pelo legislador”116. De facto, de acordo com o seu
entendimento, partilhado por nós, os “exemplos de dificuldade na interligação entre as
diferentes normas a este nível podem multiplicar-se e complicar-se”117.
115
SANCHES, J. L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 208 e ss.
116
TEIXEIRA, Manuela Duro, «Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal –
Algumas notas», Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 261
117
TEIXEIRA, Manuela Duro, «Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal –
Algumas notas», Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 261
118
Artigo 1º Decreto-Lei n.º 29/2008 de 25 de Fevereiro
119
Fernandes de Oliveira, 2009 apud SILVA, Suzana Tavares da, Novas Fronteiras do Estado
Fiscal, Coimbra, 2012
120
O referido diploma, no seu artigo 5.º, define promotor enquanto “qualquer entidade com ou sem
personalidade jurídica, residente ou estabelecida em qualquer circunscrição do território nacional, que, no
exercício da sua actividade económica, preste, a qualquer título, com ou sem remuneração, serviços de apoio,
assessoria, aconselhamento, consultoria ou análogos no domínio tributário, relativos à determinação da
situação tributária ou ao cumprimento de obrigações tributárias de clientes ou de terceiros”.
Não obstante, legítimas dúvidas surgem quanto ao alcance desta noção. Sobre este assunto vd.
TEIXEIRA, Manuela Duro, «Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal – Algumas notas»,
Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 273 e ss.
32
utilizador no caso de não haver promotor ou este não se encontrar estabelecido no território
português121.
A obrigatoriedade de comunicação encontra-se assim abrangida a uma
multiplicidade de prestadores de serviços, designadamente instituições de crédito e
financeiras, revisores oficiais de contas, sociedades de revisores oficiais de contas e
técnicos de contas.
De acordo com o seu artigo 4.º estão sujeitos a comunicação os esquemas ou
actuações que: “a) Impliquem a participação de entidade sujeita a um regime fiscal
privilegiado, (…); b) Impliquem a participação de entidade total ou parcialmente isenta;
c) Envolvam operações financeiras ou sobre seguros que sejam susceptíveis de determinar
a requalificação do rendimento ou a alteração do beneficiário (…); d) Impliquem a
utilização de prejuízos fiscais” bem como todos aqueles que “sejam propostos com
cláusula de exclusão ou de limitação da responsabilidade em benefício do respectivo
promotor”122.
Neste âmbito, importa atender não só às componentes dos esquemas apontados
pelo diploma como, de igual modo, ao intuito fiscal por detrás do mesmo. De facto, e como
aponta Catarina Amorim, “consideramos que se torna quase impossível avaliar esquemas
como estes sem analisar o intuito fiscal (ou extra-fiscal) do contribuinte, isto porque, a
julgar apenas pelo elemento objetivo, todos os esquemas que se enquadrassem numa das
situações previstas no artigo 4.º do Decreto-Lei poderiam ser alvo de comunicação.
Acresce ainda que, para além da aferição da motivação fiscal, é imperativo aplicar os
critérios enumerados pelo TJCE para aferição da artificialidade do esquema ou atuação
uma vez que poderão haver razões económicas válidas que justifiquem a utilização desse
esquema “aparentemente” abusivo”123.
121
A comunicação dos esquemas alegadamente não põe em causa os deveres de sigilo por parte
das entidades promotores, uma vez que, o dever de comunicação não abrange a identificação dos seus
clientes.
122
De notar que a limitação de responsabilidade em serviços de consultoria fiscal é uma
procedimento standard de todos os prestadores de serviços nesta área.
Sobre a (falta) razoabilidade do dever de comunicação sempre que haja a dita cláusula de limitação
de responsabilidade OLIVEIRA, António Fernandes de, A legitimidade do planeamento fiscal, as cláusulas
gerais anti-abuso e os conflitos de interesse, Coimbra Editora, 2009, p.184 e ss.
123
AMORIM, Catarina Ferreira, «Cláusula geral anti-abuso – Reflexões e aplicação à realidade
empresarial», Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, n.º 64, Janeiro_Março 2014, p. 46
referindo-se aos critérios traçados pelo TJCE no acórdão Cadbury-Schweppes, processo C-196/04, prolatado
a 12 de Setembro de 2006.
33
Neste sentido, António Fernandes de Oliveira entende que o diploma deveria prever
comportamentos objectivos sem necessidade de nenhum juízo ou avaliação, sob pena de
estar a pedir aos sujeitos, um juízo valorativo do comportamento que pode subsumir-se à
aplicação de uma cláusula antiabuso124. Esta opinião vai de encontro à crítica de Saldanha
Sanches “de esta norma não procurar qualquer articulação com a cláusula geral antiabuso e
não utilizar sequer o conceito de concepção do negócio jurídico artificioso ou fraudulento
como limite para o planeamento”125.
A este propósito Vasco Branco Guimarães126 alerta para duas situações: que o
critério que se tende a utilizar é o montante perdido; e para o esvaziamento do dever de
comunicação uma vez que as entidades obrigadas a tal deixaram de fazer essa consulta,
documentando-se bem no sentido em que aquele esquema ou actuação nem sequer foi visto
como possivelmente abusivo127.
O artigo 15.º do Decreto-Lei estabelece igualmente a divulgação de uma lista com
esquemas e actuações128 que, abstractamente são tidas como abusivas e que, neste sentido,
podem ser perseguidas pela cláusula geral antiabuso (prevista entre nós no artigo 38.º,
n.º 2, da LGT) ou por outra norma de carácter específico.
O incumprimento do dever de comunicação, informação e esclarecimento previsto
no Decreto-Lei consubstancia um ilícito de mera ordenação social129, o que segundo a
124
OLIVEIRA, António Fernandes de, A legitimidade do planeamento fiscal, as cláusulas gerais
anti-abuso e os conflitos de interesse, Coimbra Editora, 2009, p.187 e ss.
125
SANCHES, J. L. Saldanha, «As duas constituições – nos dez anos da cláusula geral antiabuso»,
Planeamento e Evasão Fiscal – Jornadas de Contabilidade e Fiscalidade, Vida Económica, 2010, p.113 e
114
126
GUIMARÃES, Vasco Branco, “Planeamento Fiscal: as obrigações de comunicação”, in
Conferência A Evasão Fiscal em Portugal: das causas às consequências, da prevenção à punição, Aveiro,
12 de Abril de 2013
127
“Quer isto dizer que em caso de dúvida razoável sobre se uma determinada actuação preenche
ou não os pressupostos da previsão normativa, o potencial destinatário da norma deverá poder considerar que
a mesma, designadamente as pesadas sanções associadas ao incumprimento da sua estatuição, não se aplica.
E os Administradores do sistema deverão, verificada que esteja a razoabilidade da dúvida, ser os primeiros a
reconhecer a legitimidade desta decisão (com isso devolvendo ao órgão legislativo a responsabilidade de
esclarecer se existe ou não, na situação ("caso difícil") em causa, obrigação de comunicação, cujo
incumprimento deva ser punido com a coima legalmente prevista).” OLIVEIRA, António Fernandes de, A
legitimidade do planeamento fiscal, as cláusulas gerais anti-abuso e os conflitos de interesse, Coimbra
Editora, 2009, p.184
128
No portal das finanças, vd. < http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/BC481FC3-
FD05-4960-BB58-D7D2D96790DC/0/DivulgacaoDL_2908PFA.pdf>
129
Todavia, a eficácia do esquema não é afectada pela sua não divulgação. De acordo com a
OCDE “Non-monetary penalties can also be applied. For instance, a failure to disclose suspends the efficacy
of the scheme and taxpayers can be denied any tax benefit arising from the scheme in Canada. On the other
hand, non-disclosure itself does not affect the efficacy of a scheme in the US, the UK, Portugal, Ireland and
South Africa.” OCDE, BEPS ACTION 12: Mandatory Disclosure Rules, Public Discussion Draft, 2015, p. 50
34
divisão de Saldanha Sanches anteriormente aludida constitui fraude fiscal. Contudo, apesar
da observância, ou não, desse dever de comunicação quando se está perante um esquema
ou actuação não permitido, que nomeadamente esteja na lista divulgada ao abrigo do artigo
15.º, a reacção já não será no âmbito contraordenacional e penal, mas sim de âmbito
administrativo, pois a norma a aplicar será a cláusula antiabuso, seja esta de carácter geral
ou especial.
No entender de Saldanha Sanches a intenção do legislador não era a de criar a
obrigação de comunicação de uma forma tão ampla como a prevista. Segundo a actual
redacção ou se entende que a palavra “esquema” tem já por si só uma conotação negativa,
delimitando por isso o planeamento fiscal legítimo do abusivo, ou cabem no conceito de
planeamento fiscal abusivo actuações das mais diversas e variadas, sendo exigível somente
“que determine, ou se espere que determine, de modo exclusivo ou predominante, a
obtenção de uma vantagem fiscal por sujeito passivo de imposto”130. De acordo com o
referido autor, a administração fiscal deveria delimitar este conceito de forma mais
rigorosa não esquecendo que o alvo do Decreto-Lei n.º 29/2008, de acordo com o seu
preâmbulo, são os esquemas prefabricados que as entidades oferecem aos seus clientes.
130
Artigo 3º Decreto-Lei n.º 29/2008 de 25 de Fevereiro
Igualmente sobre as legítimas dúvidas quanto à interpretação da palavra “esquema” neste contexto
vd. TEIXEIRA, Manuela Duro, «Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal – Algumas
notas», Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 275
131
ANDRADE, Manuel A. Domingues, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, Almedina,
1974, p. 169
132
TORRES, Manuel Anselmo, «A Simulação Fiscal na Lei Geral Tributária», Separata da
Revista da Banca, n.º 47, Janeiro/Junho 1999, p. 75
35
O negócio simulado opera pela intencional divergência entre a vontade e a
declaração proveniente de um conluio entre as partes com o intuito de enganar, simulação
inocente, e/ou prejudicar, simulação fraudulenta133, um terceiro.
No âmbito do planeamento fiscal abusivo, na utilização de um esquema que
consubstancie uma simulação de negócio é o Estado, “na qualidade de sujeito activo da
relação tributária”134, o terceiro enganado, pelo que o legislador introduziu no nosso
ordenamento jurídico o artigo 39.º da LGT, o qual dispõe no seu n.º 1 que “Em caso de
simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não
sobre o negócio jurídico simulado”135.
A norma em apreço visa legitimar a tributação do negócio oculto136, na
terminologia de Manuel Andrade, em detrimento do negócio simulado, quando se verifique
a simulação de negócio, nos termos do artigo 240.º, n.º 1, do CC, cuja consequência é a
nulidade do negócio simulado, prevista no n.º 2 do mesmo preceito137. Nos casos de
simulação relativa, o artigo 241.º, n.º 1, do CC prevê ainda a aplicação ao negócio oculto
ou real “o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo
a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”. Pelo exposto, dá-se a
133
Sobre os elementos e as formas de simulação, em especial sobre a sua admissibilidade nos
negócios jurídicos unilaterais, vd. ANDRADE, Manuel A. Domingues, Teoria Geral da Relação Jurídica,
Volume II, Almedina, 1974, p. 169 e ss. e TORRES, Manuel Anselmo, «A Simulação Fiscal na Lei Geral
Tributária», Separata da Revista da Banca, n.º 47, Janeiro/Junho 1999, p. 76 e ss.
134
COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos
para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 83
135
Repare-se que o n.º 2 da referida norma estatuía que “Sem prejuízo dos poderes de correcção
da matéria tributável legalmente atribuídos à administração tributária, a tributação do negócio jurídico real
constante de documento autêntico depende de decisão judicial que declare a sua nulidade”. Este preceito foi
revogado pela Lei de Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, pondo fim a
largas críticas efectuadas pela doutrina, designadamente MARTINS, António Carvalho, Simulação na lei
geral tributária e pressuposto do tributo: em contexto de fraude, evasão e planeamento fiscal, Coimbra
Editora, 2006, p. 76 e ss., TORRES, Manuel Anselmo, «A Simulação Fiscal na Lei Geral Tributária»,
Separata da Revista da Banca, n.º 47, Janeiro/Junho 1999, p. 84 e ss., entre outros.
136
Atenta à redacção da norma, a simulação em apreço é a simulação relativa porquanto “os
simuladores apenas fingem um negócio jurídico diverso do que na verdade querem concluir”. Pelo exposto,
exclui-se do âmbito desta norma, atenta a sua redacção, a simulação absoluta de acordo com a qual “os
simuladores fingem realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não querem realizar negócio
jurídico algum” cf. ANDRADE, Manuel A. Domingues, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II,
Almedina, 1974, p. 174.
De facto, é inaplicável o artigo 39.º, n.º 1, da LGT aos casos de simulação absoluta “recaíndo a
tributação sobre as situações ou os actos e negócios jurídicos que não seriam tributados se não fosse
considerado nulo” GUERREIRO, António Lima, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, p. 194
137
O artigo 240.º do CC sob a epígrafe Simulação estatui que:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver
divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo.”
36
conversão do negócio jurídico simulado no negócio oculto, a qual se encontra prevista em
termos gerais no artigo 293.º do CC.
O artigo 39.º, n.º 1, da LGT surge, deste modo, como um meio importante da
Autoridade Tributária no combate ao planeamento fiscal abusivo porquanto permite a
desconsideração fiscal do negócio simulado e a tributação do negócio oculto quando, com
a referida aparência, se pretendeu esquivar ou diminuir o imposto de outra forma devido,
eliminando deste modo a vantagem fiscal pretendida pelas partes. De facto, e de acordo
com o disposto no artigo 38.º, n.º1, da LGT, “a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta
à tributação” desde que no momento da mesma “já se tenham produzido os efeitos
económicos pretendidos pelas partes”138. A citada disposição aplica-se quer à figura da
simulação, quer à figura da CGAA já por nós analisada.
A este propósito, cumpre ainda distinguir a simulação de negócio da CGAA,
dadas as semelhanças que as duas figuras partilham e que, não raras vezes, induzem a sua
confusão139. Em termos procedimentais a distinção é clara, pois enquanto à simulação não
é imputado um procedimento especial podendo ser arguida a todo o tempo, dentro do prazo
geral de caducidade previsto no artigo 45.º da LGT, a aplicação da CGAA exige um
procedimento especial previsto no artigo 63.º do CPPT, o qual prevê um especial dever de
fundamentação, um prazo alargado para o exercício do direito de audição prévia do
contribuinte, bem como a autorização prévia pelo dirigente máximo do serviço.
No que respeita aos elementos das duas figuras vislumbra-se uma possível
coincidência quanto à motivação do negócio, obtenção de uma vantagem fiscal, porquanto
em ambas as situações o comportamento do contribuinte visou a diminuição da sua carga
fiscal. Não obstante, as duas figuras diferenciam-se quanto ao elemento meio pois, como
supra exposto, a simulação opera pela dissimulação da real vontade do contribuinte
permitindo o artigo 39.º, n.º1, a sua relevância em termos fiscais, enquanto na CGAA não
existe uma vontade oculta do contribuinte mas um abuso do meio empregue que levará à
sua desconsideração fiscal e à relevância da forma usual para os mesmos fins económicos.
138
A este propósito, Manuel Torres realça que o princípio geral de incidência sobre os efeitos do
negócio jurídico real contém um alcance reduzido, porquanto a sua aplicação não se basta com a divergência
entre a vontade e a declaração nem com o pacto simulatório, exigindo ainda que a intenção ou o intuito de
enganar se encontre igualmente verificado. TORRES, Manuel Anselmo, «A Simulação Fiscal na Lei Geral
Tributária», Separata da Revista da Banca, n.º 47, Janeiro/Junho 1999, p. 85
139
Sobre a confusão entre o regime da simulação e a CGAA vd. COURINHA, Gustavo Lopes, A
Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2004, p.
85 e ss.
37
Em suma, e nas palavras de Gustavo Lopes Courinha “o regime da simulação
pretende atingir a realidade que se esconde por detrás da aparência, enquanto a CGAA visa
analisar a própria realidade, uma vez verificados certos pressupostos”140, sendo possível,
segundo o seu entendimento, a aplicação simultânea dos dois regimes quando o negócio
oculto preencha o âmbito de aplicação da CGAA.
140
COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário: Contributos
para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 85
141
Sobre a atribulada evolução histórica da infracção fiscal no direito português vide SOUSA,
Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso
Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 51 e ss. e SILVA, Isabel Marques da, Regime Geral das
Infracções Tributárias, 3ª edição, Almedina, 2010, p. 17 e ss.
Quanto à redacção da norma referente à fraude fiscal vide SILVA, Isabel Marques da, Regime
Geral das Infracções Tributárias, 3ª edição, Almedina, 2010, nota 588.
142
SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 67
143
1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as
condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da
prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens
patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar
por:
38
As condutas criminalizadas pela presente norma consubstanciam uma violação,
por parte do sujeito passivo, dos seus deveres de cooperação específica144. O sujeito
passivo da relação jurídica tributária encontra-se obrigado a título principal ao pagamento
da dívida tributária, bem como, a uma série de obrigações acessórias. De facto, de acordo
com o artigo 31.º, n.º 2, da LGT incumbe ao sujeito passivo proceder aos actos necessários
que permitam o apuramento da obrigação de imposto. Pelo exposto, o sujeito passivo
deve, designadamente, proceder à apresentação de declarações, à exibição de documentos
fiscalmente relevantes e a prestar informações quando se revele necessário145.
O preenchimento da conduta criminalmente relevante pode ser efectuada por
acção, através da violação dos ditos deveres de cooperação específica146 – alteração dos
factos ou valores nos moldes supra descritos –, celebração de negócio simulado bem como
através da simples omissão (alínea a) e b) do n.º 1 da norma em análise). O crime de fraude
fiscal pode ainda consubstanciar um crime por omissão se no caso concreto a conduta
consistir na ocultação de factos ou valores. Em ambas as situações, a conduta adquire
relevância criminal se a vantagem patrimonial obtida através da mesma for superior a
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou
escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal
especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração
tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por
interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial
ilegítima for inferior a (euro) 15000.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos
termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
144
Sobre o cidadão-contribuinte e o dever de cooperação com a Autoridade Tributária vide
MARTINS, António Carvalho, Simulação na lei geral tributária e pressuposto do tributo: em contexto de
fraude, evasão e planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 27 e ss.
145
De notar que apesar de se ter assistido a uma diminuição nas horas necessárias para o
cumprimento de obrigações fiscais tais como preparação de declarações e pagamento impostos (de 328 horas
em 2005 para 275 horas em 2015) de acordo com o World Bank, Portugal ainda se encontra entre os países
com maior carga horária no cumprimento das referidas obrigações. De facto, de acordo com o relatório do
World Bank Portugal encontra-se no 64.º lugar no que respeita ao pagamento de impostos, o que contribui
para a sua pouca atractividade no que respeita ao indicador “ease of doing business” no qual se encontra
abaixo da média da OCDE. WORLD BANK, Doing Business 2015: Going Beyond Efficiency, 2014,
Washington, 2014
146
Por deveres de cooperação específica, em concreto as obrigações acessórias, referimo-nos
àqueles que são aptos a diminuir as receitas fiscais do Estado, porquanto os restantes não serão capazes de
produzir uma diminuição da receita fiscal e, concomitantemente, uma vantagem fiscal na esfera do sujeito
passivo, um dos elementos constitutivos do crime de fraude fiscal. Conforme, SILVA, Isabel Marques da,
Regime Geral das Infracções Tributárias, 3ª edição, Almedina, 2010, p. 207 e SOUSA, Susana Aires de, Os
crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra
Editora, 2009, p. 76-77
39
15.000€, conforme n.º 2 da norma em análise. Se a vantagem patrimonial obtida for
inferior ao montante referido a conduta consubstanciará apenas contra-ordenação147.
Ademais, estamos perante um crime de execução vinculada148 dado que o
legislador concretizou os meios da sua realização, não se considerando para o
cumprimento do tipo outras condutas que não as descritas. Todavia, as referidas condutas
têm igualmente de ser aptas a produzir a dita vantagem fiscal, pelo que devem ser
desconsideradas as condutas referidas quando a verdade seja reposta através de declaração
de substituição dentro do prazo legal para entrega da mesma149. Questão controvertida é a
admissibilidade de tal saneamento após o prazo legal. Poderá o contribuinte/sujeito passivo
ainda demonstrar a sua boa fé e a ausência de dolo após a extinção do prazo legal?
De facto, a intenção como elemento específico estava prevista na antiga redacção
do crime de fraude fiscal, versão originária do RJIFNA. Contudo, a nova versão recaí
sobre a tónica da conduta ilegítima, o que suscitou divergências doutrinais150 sobre o seu
alcance. Ainda que partilhemos da opinião de que a intenção faz parte do elemento do tipo,
difícil se revela a prova que não existiu qualquer intenção em obter a vantagem patrimonial
in casu.
147
O limite quantitativo mínimo estabelecido no n.º 2 do artigo 103.º do RGIT pode ser entendido
como elemento constitutivo do crime de fraude fiscal ou condição de punibilidade. Sobre este assunto vd.
SILVA, Isabel Marques da, Regime Geral das Infracções Tributárias, 3ª edição, Almedina, 2010, p. 203 e
ss., SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do
Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 90-91 e SANTOS, André Teixeira dos, O Crime de
Fraude Fiscal: Um contributo para a configuração do tipo objectivo de ilícito a partir do bem jurídico,
Coimbra Editora, 2009, p. 87 e 229 e ss..
Ademais, a leitura desta norma é complexa, tanto no que respeita ao modo de determinação da
vantagem patrimonial ilegítima, como à sua aptidão e concretização, surgindo legítimas dúvidas na sua
interpretação. Sobre este assunto vd. SILVA, Isabel Marques da, Regime Geral das Infracções Tributárias, 3ª
edição, Almedina, 2010, p. 204-205 e SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e
Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 87
148
SILVA, Isabel Marques da, Regime Geral das Infracções Tributárias, 3ª edição, Almedina,
2010, p. 206, SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 86 e SANTOS, André Teixeira dos, O
Crime de Fraude Fiscal: Um contributo para a configuração do tipo objectivo de ilícito a partir do bem
jurídico, Coimbra Editora, 2009, p. 75 e ss.
149
SILVA, Isabel Marques da, Regime Geral das Infracções Tributárias, 3ª edição, Almedina,
2010, p. 208-209
150
Sobre se a intenção específica de obtenção de vantagem patrimonial indevida integra ou não o
elemento do tipo vd. SILVA, Isabel Marques da, Regime Geral das Infracções Tributárias, 3ª edição,
Almedina, 2010, p. 208, SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 93 e ss. e SANTOS, André Teixeira
dos, O Crime de Fraude Fiscal: Um contributo para a configuração do tipo objectivo de ilícito a partir do
bem jurídico, Coimbra Editora, 2009, p. 131 e ss.
40
No que respeita ao momento da consumação do crime de fraude fiscal a mesma
apenas se verifica aquando da liquidação definitiva151. De facto, incumbe ao sujeito
passivo a responsabilidade de proceder à liquidação, fixação de colecta e, designadamente
no caso do IVA, à própria auto-liquidação do imposto. Pelo que, será aquando da
validação, tomada de conhecimento pela Autoridade Tributária, o momento da
concretização da conduta. Pelo exposto, o presente crime é reconhecido pela doutrina
como um crime de resultado.
O crime de fraude fiscal supra analisado pode ainda ser executado na sua forma
qualificada, de acordo com o artigo 104.º do RGIT152.
O legislador pretendeu com a presente norma proteger o bem jurídico, máxime o
património do Estado153, contra condutas especialmente gravosas. Todavia, o critério para
151
SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 84
De facto, incumbe ao cidadão-contribuinte, nas palavras de António Martins, conduzir uma série
procedimentos que culminarão na liquidação ou auto-liquidação do imposto, conforme MARTINS, António
Carvalho, Simulação na lei geral tributária e pressuposto do tributo: em contexto de fraude, evasão e
planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 27 e ss.
152
1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as
pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação
de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para
efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas
funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou
apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos
probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os
falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do
território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações
especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando:
a) A fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por
operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades
diversas das da operação subjacente; ou
b) A vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 50 000.
3 - Se a vantagem patrimonial for de valor superior a (euro) 200 000, a pena é a de prisão de 2 a
8 anos para as pessoas singulares e a de multa de 480 a 1920 dias para as pessoas colectivas.
4 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1
do artigo 103.º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.
41
aferir da especial gravidade da conduta não consiste somente na obtenção uma vantagem
patrimonial indevida mais elevada. De facto, a verificação de duas ou mais circunstâncias
elencadas no n.º 1 da norma levam à aplicação da norma ainda que não se verifique um
incremento no montante da vantagem patrimonial indevida.
Importa relevar, no âmbito da nossa análise, a circunstância elencada na alínea f),
porquanto a utilização de regimes fiscais mais favoráveis154 encontra-se comummente
associada a práticas de planeamento fiscal abusivo. De facto, a criação de estruturas de
“optimização fiscal” é uma prática comum entre grandes grupos. Na análise destas
estruturas, que não raras vezes detêm entidades em um ou mais regimes fiscais claramente
mais favoráveis, as linhas esbatem-se e tudo parece mais cinzento. Distinguir a
racionalidade fiscal da racionalidade de poupança fiscal é mais difícil e não tão poucas,
praticamente impossível.
Ademais, raras serão as estruturas em que haja uma interposição directa de um
regime claramente mais favorável e Portugal, maioria dos casos, outras jurisdições estarão
entre as primeiras e a nossa jurisdição, pelo que a relevância desta circunstância na
aplicação do crime de fraude fiscal qualificada será limitada. Acresce ainda a dificuldade
em identificar tais regimes no seio das estruturas155.
153
Não teceremos aqui comentários quanto à complexa questão da identificação do bem jurídico
nos crimes e infracções fiscais. Deixamos apenas a nota que, atendendo a que “o interesse protegido pelas
normas penais fiscais não é um prius, que sirva ao legislador de instrumento crítico da matéria a regular e do
modo de regulação, mas um posterius… construído a partir da opção por um dos vários figurinos dogmáticos
e político-criminais que o legislador tem à disposição”, no caso em apreço entendemos que pela redacção e
análise da norma estamos perante o bem jurídico erário público. SILVA DIAS, Augusto, «O novo Direito
Penal Fiscal Não Aduaneiro (Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro). Considerações Dogmáticas e
Político-Criminais», IDPEE/FDUC, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, vol. II –
Problemas Especiais, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 263.
Quanto à discussão sobre o bem jurídico presente no crime de fraude fiscal (e, por maioria de
razão, o crime de fraude fiscal qualificada) vd. SANTOS, André Teixeira dos, O Crime de Fraude Fiscal:
Um contributo para a configuração do tipo objectivo de ilícito a partir do bem jurídico, Coimbra Editora,
2009, p. 89 e ss. e SOUSA, Susana Aires de, Os crimes fiscais: Análise Dogmática e Reflexão sobre a
Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra Editora, 2009, p. 67 e ss.
154
Os regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis são definidos no
ordenamento jurídico português por meio de lista taxativa, conforme Portaria 150/2004, de 13 de Fevereiro
alterada pela Portaria 292/2011, de 8 de Novembro, não existindo uma qualquer definição conceitual.
155
Esta dificuldade deverá ceder quando as medidas da OCDE e da UE no que respeita ao BEPS –
Capítulo IV infra – forem implantadas, com particular destaque para a troca automática de informações e o
country-by-country report.
42
CAPÍTULO IV – As acções transnacionais
43
recentemente impulsionada pelos escândalos lux leaks I e II e swiss leaks. Cresceu o
sentimento nos cidadãos de que uma parte dos contribuintes não contribui segundo o
princípio de igualdade material, concretizado pelo princípio da capacidade contributiva.
É neste contexto que surge o Plano de acção para o combate à erosão da base
tributária e à transferência de lucros da OCDE e o Plano de Acção Europeu para reforçar
a luta contra a fraude e a evasão fiscais. Os referidos planos propõem medidas, que uma
vez implementadas, podem equilibrar o balanço nesta luta160. Neste sentido, propomos
analisar as medidas já implementadas e a implementar, bem como reflectir sobre o seu
potencial impacto e adequação.
Uma coisa é certa, os players da consultoria fiscal estão a acompanhar todas as
medidas a par e passo, a antever potenciais riscos, a trabalhar em estruturas alternativas e a
antecipar todos os movimentos161. O mundo da consultoria está a reinventar-se.
4.1 OCDE
160
O receio da OCDE é que a perda de receitas fiscais por parte de alguns Estados leve a que os
mesmos adoptem medidas unilaterais, proteccionistas, que por conseguinte criem de novo situações de dupla
tributação e de insegurança jurídica internacional. Conforme, OCDE (2014), Plano de ação para o combate à
erosão da base tributária e à transferência de lucros, OECD Publishing, p. 11
161
Neste sentido, “Announcements of future legislative changes can affect corporate taxpayer
behaviours even before specific legislative measures have been enacted. Some corporations are already
changing their international tax structures due to the progress of the BEPS Project and expected changes by
governments”. OCDE, BEPS ACTION 11: Improving the Analysis of BEPS, Public Discussion Draft, 2015,
p. 70
162
Na terminologia anglo-saxónica podemos estar perante duas diferentes situações: elisão fiscal,
tax avoidance, ou evasão fiscal, tax evasion. De acordo com Alberto Xavier os referidos termos referem-se a
realidades diferentes porquanto na primeira não existe necessariamente um acto ilícito ou uma violação por
parte do contribuinte das suas obrigações no âmbito da relação jurídico-tributária, mas tão-somente na
“prática de actos (em princípio) lícitos, praticados no âmbito da esfera de liberdade de organização mais
racional dos interesses do contribuinte, face a uma pluralidade de regimes fiscais de ordenamentos distintos.
Trata-se em suma de evitar a aplicação de certa norma ou conjuntos de normas que visem impedir a
ocorrência do facto gerador da obrigação tributária em certa ordem jurídica (menos favorável) ou produzam a
ocorrência desse facto noutra ordem jurídica (mais favorável)”. Conforme XAVIER, Alberto, Direito
Tributário Internacional, Almedina, 1993, p. 292
44
these problems and committed to take steps to change our rules to tackle tax avoidance,
harmful practices, and aggressive tax planning.”163
A pressão política para que todos paguem a sua justa parte levou a que os
ministros das finanças do G20 pedissem à OCDE para desenvolver um plano de acção que
vise “dotar os países de instrumentos domésticos e internacionais para uma melhor
harmonização dos poderes de imposição tributária com as atividades económicas”164.
Neste contexto, a OCDE procedeu à elaboração do Plano de acção para o combate à
erosão da base tributária e à transferência de lucros, o qual “(i) identifica ações
necessárias para enfrentar a erosão da base tributária e a transferência de lucros; (ii)
estabelece prazos para a implementação dessas ações; e (iii) identifica os recursos
necessários e a metodologia adequada para implementar as ações”165.
Portugal poderá beneficiar destas medidas, ainda que as mesmas apenas se
destinem aos particulares problemas das pessoas colectivas, atendendo a que é um dos
países lesados no seu orçamento nacional pela concorrência fiscal internacional, mormente
pelas lacunas, dificuldades de articulação de jurisdições e pelos atractivos regimes fiscais
claramente mais favoráveis.
163
Declaração dos líderes do G20, Cimeira em São Petersburgo apud KPMG International,
“frontiers in tax”, 2014, disponível em <www.kpmg.com/Global/en/IssuesAndInsights/ArticlesPublications
/frontiers-in-tax/Documents/fit-september-2014-v2.pdf>
164
OCDE (2014), Plano de ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de
lucros, OECD Publishing, p. 11
165
OCDE (2014), Plano de ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de
lucros, OECD Publishing, p. 11
166
De referir que de acordo com a OCDE “BEPS relates chiefly to instances where the interaction
of different tax rules leads to double non-taxation or less than single taxation. It also relates to arrangements
that achieve no or low taxation by shifting profits away from the jurisdictions where the activities creating
those profits take place. No or low taxation is not per se a cause of concern, but it becomes so when it is
associated with practices that artificiality segregate taxable income from the activities that generate it. In
other words what create tax policy concerns is that, due to gaps in the interaction of different tax systems,
and in some cases because of the application of bilateral tax treaties, income from cross-border activities
may go untaxed anywhere, or be only unduly lowly taxed,” Pelo que a sua preocupação é apenas
international tax avoidance que explora as diferenças entre os sistemas fiscais de cada país, e não tax
evasion. OCDE, BEPS ACTION 11: Improving the Analysis of BEPS, Public Discussion Draft, 2015, p. 57 e
58
45
conceitos nos ordenamentos nacionais, revisão de Directivas, bem como pela troca
automática de informações. Dado o âmbito da presente dissertação não nos cabe analisar
todas as medidas, ainda que as mesmas possam vir a ser introduzidas no nosso
ordenamento jurídico, mas tão-somente aquelas que terão impacto nos mecanismos e
instrumentos por nós já analisados.
Cumpre realçar que as medidas sugeridas no âmbito de uma das áreas encontram-
se interligadas com as restantes pelo que espera-se que o seu escopo contribua em mais que
uma área de actuação. Ademais, é igualmente de notar que este é um trabalho ainda em
progresso. Algumas das áreas de actuação já contém medidas específicas e amplamente
discutidas, enquanto outras ainda permanecem em discussão pública, em especial sobre a
sua neutralidade, eficiência, segurança jurídica, simplicidade, praticabilidade, equidade,
flexibilidade, sustentabilidade e proporcionalidade.
Pelo exposto, e atendendo que a nossa análise se centra tão-somente em medidas
concretas que poderão ajudar a Autoridade Tributária na luta contra o planeamento fiscal
abusivo, apenas analisaremos as medidas concretas e específicas propostas que afectarão
os instrumentos e mecanismos por nós já analisados no Capítulo III da presente dissertação
e a sua utilidade e impacto no nosso ordenamento jurídico.
Ora, o Plano da OCDE tem 15 áreas de actuação, designadamente: acção 1 –
abordar os desafios fiscais da economia digital; acção 2 – neutralizar os efeitos dos
instrumentos híbridos; acção 3 – reforçar as normas CFC; acção 4 – limitar a erosão da
base tributária através da dedução de juros e outras compensações financeiras; acção 5 –
combater de modo eficaz as práticas tributárias prejudiciais, tendo em conta a
transparência e a substância; acção 6 – prevenir a utilização abusiva de convenções e
acordos; acção 7 – prevenir que o estatuto de estabelecimento estável seja evitado de forma
artificial; acção 8 – garantir que os resultados dos preços de transferência estão alinhados
com a criação de valor: activos intangíveis; acção 9 – garantir que os resultados dos preços
de transferência estão alinhados com a criação de valor: riscos e capital; acção 10 –
garantir que os resultados dos preços de transferência estão alinhados com a criação de
valor: outras transacções de alto risco; acção 11 – estabelecer metodologias para colectar e
analisar os dados sobre os fenómenos económicos do BEPS e as acções a adoptar; acção
12 – exigir que os contribuintes revelem os seus esquemas de planeamento tributário
abusivo; acção 13 – reexaminar a documentação de preços de transferência; acção 14 –
46
tornar mais efectivos os instrumentos de resolução de disputas; e, acção 15 – desenvolver
um instrumento multilateral.
167
Especialmente no que respeita às orientações desenvolvidas no âmbito dos preços transferência,
i.e. Acção 8 – Garantir que os resultados dos preços de transferência estão alinhados com a criação de
valor: activos intangíveis, Acção 9 – Garantir que os resultados dos preços de transferência estão alinhados
com a criação de valor: riscos e capital e Acção 10 – Garantir que os resultados dos preços de transferência
estão alinhados com a criação de valor: outras transacções de alto risco. Tal como se pode confirmar nos
seguintes relatórios da OCDE, – BEPS ACTION 8, 9 and 10: Discussion Draft on Revisions to Chapter I of
the Transfer Pricing Guidelines (Including Risk, Recharacterisation, and Special Measures), Public
Discussion Draft, 2014; – BEPS ACTION 10: Discussion Draft on the Use of Profit Splits in the Context of
Global Value Chains, Public Discussion Draft, 2014; e, – Guidance on Transfer Pricing Aspects of
Intangibles, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014
168
OCDE, Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, OECD/G20 Base Erosion and
Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 144
169
A interpretação segundo o princípio da substância sobre a forma é igualmente realçada nos
trabalhos efectuados quanto às novas orientações no âmbito dos preços transferência. OCDE, BEPS ACTION
8, 9 and 10: Discussion Draft on Revisions to Chapter I of the Transfer Pricing Guidelines (Including Risk,
Recharacterisation, and Special Measures), Public Discussion Draft, 2014, p. 24 e 25
170
OCDE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances,
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 19
47
analisado no Capitulo III, o referido princípio é apenas acolhido como meio subsidiário de
interpretação. Atendendo ao facto de que a realidade consegue sempre ultrapassar a
imaginação do legislador, não deverá haver uma reflexão sobre o seu acolhimento a título
subsidiário no nosso ordenamento jurídico? O acolhimento de tal posição conflituaria de
forma inadmissível com os princípios constitucionais fiscais por nós acolhidos171,
atendendo a que a própria CGAA é em si uma expressão do princípio da prevalência da
substância sobre a forma172?
Ora, mais uma vez a situação resume-se a um balanço dos princípios
constitucionais, princípio da segurança jurídica, princípio da legalidade e princípio da
tipicidade de um lado e o de igualdade material e o da capacidade contributiva do outro.
Considerando a tensão dos princípios constitucionais, somos da opinião que a dialéctica
prosseguida com o acolhimento a título subsidiário do princípio da substância sobre a
forma para a interpretação de normas fiscais constitui um ponto de comprometimento
aceitável.
171
Sobre a inadmissibilidade do princípio da substância sobre a forma enquanto princípio de
aplicação da lei fiscal vide OLIVEIRA, António Fernandes de, A legitimidade do planeamento fiscal, as
cláusulas gerais anti-abuso e os conflitos de interesse, Coimbra Editora, 2009, p. 102 e ss. e LEIRIÃO,
Patrícia Meneses, A cláusula geral antiabuso e o seu procedimento de aplicação, Vida Económica, 2012, p.
52 e ss.
172
Sobre a CGAA constituir um corolário do referido princípio vide LEIRIÃO, Patrícia Meneses,
A cláusula geral antiabuso e o seu procedimento de aplicação, Vida Económica, 2012, p. 52
48
benefit in these circumstances would be in accordance with the object and purpose of the
relevant provisions of this Convention.”173
A OCDE refere-se a esta norma como principal purpose test174. O objectivo é que
a referida norma complemente as normas nacionais, designadamente as sugeridas pela
OCDE no âmbito deste plano, e assegure que as convenções e acordos não permitam o
abuso das normas nacionais dos Estados contratantes nem das normas constantes nos
mesmos.
Esta norma antiabuso é designada pela OCDE como uma norma específica
antiabuso mas de carácter mais geral175. De facto, a redacção da norma supra citada é geral
e similar à CGAA do nosso ordenamento jurídico, pelo que podemos questionar como se
processará a sua articulação. Se a Autoridade Tributária quiser mobilizar uma norma deste
tipo, que entretanto tenha sido adicionada a uma convenção para evitar a dupla tributação
celebrada por Portugal, deverá obedecer ao mesmo procedimento estabelecido para a
CGAA no nosso ordenamento jurídico? Se sim, em princípio sofrerá das mesmas
limitações e ónus de prova. Se não, será criado um procedimento específico?
A própria OCDE reconhece que poderá haver problemas de articulação e admite
mesmo que se um país possuir uma CGAA que assegure um mínimo de protecção, poderá
não ser necessário a adopção das normas sugeridas176. Mas como vimos, a nossa CGAA
sofre de sérias limitações que não são facilmente ultrapassáveis. Limitações que poderão
ser igualmente apontadas a norma antiabuso recomendada. Não obstante, acredito que o
desenvolvimento decorrente da prática jurídica pode ultrapassar algumas dessas limitações
através do desenvolvimento de metodologias e da cimentação de conceitos que permitiram
173
OCDE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances,
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 12
174
OCDE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances,
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 11 e ss.
175
A OCDE chega mesmo a designa-la como uma CGAA em OCDE, BEPS ACTION 7:
Preventing the Artificial Avoidance of PE Status, Public Discussion Draft, 2014, p. 7
176
OCDE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances,
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 19 e 20
A OCDE admite ainda que poderá haver problemas de articulação não só com CGAA nacionais,
mas também com normas especiais antiabuso. Neste caso, devido ao pacta sunt servanda as normas
constantes em convenções e acordos deveriam prevalecer sobre as normas nacionais. Pelo exposto,
compreende-se a importância de incluir nas referidas convenções e acordos the principal purpose test, bem
como normas que permitam a aplicação das normas nacionais antiabuso. Conforme, OCDE, Preventing the
Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting
Project, OECD Publishing, 2014, p.88 e ss.
49
à Autoridade Tributária, e ao julgador em momento posterior, agilizar a sua mobilização e
aplicação.
177
Conforme, OCDE, BEPS ACTION 3: Strengthening CFC rule,s Public Discussion Draft, 2015
178
No âmbito desta área de actuação é sugerida a introdução de uma norma especial antiabuso em
acordos e convenções em matéria fiscal por forma a evitar treaty shopping situations. Conforme, OCDE,
Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances, OECD/G20 Base Erosion and
Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 11
179
OCDE, BEPS ACTION 4: Interest Deductions and Other Financial Payments, Public
Discussion Draft, 2014, p. 24 e 49
50
OCDE que o referido ratio pode não constituir uma medida efectiva na prevenção da
erosão da base tributária180.
Resta saber se a recomendação efectuada pela OCDE após a discussão pública
levará Portugal a alterar a redacção das suas normas especiais antiabuso, em particular a
norma referida, ou mesmo a eliminar as actuais e proceder à sua substituição por outras, de
acordo com as recomendações efectuadas.
180
De facto, de acordo com o estudo feito pela PricewaterhouseCoopers em Março de 2014 e
citado pela OCDE, a maioria das empresas situa-se abaixo do ratio de 20%. Pelo que a OCDE afirma que
“anecdotal evidence from a number of sources, including companies and advisers, indicates that those
benchmark ratios may be too high to be effective in preventing base erosion and profit shifting”, conforme
OCDE, BEPS ACTION 4: Interest Deductions and Other Financial Payments, Public Discussion Draft,
2014, p. 49 e ss.
181
OCDE, Countering Harmful Tax Practices More Effectively, Taking into Account
Transparency and Substance, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014,
p. 9
182
A OCDE adopta a este propósito a seguinte noção de ruling “any advice, information or
undertaking provided by a tax authority to a specific taxpayer or group of taxpayers concerning their tax
situation and on which they are entitled to rely”. OCDE, Consolidated Application Note: Guidance in
Applying the 1998 Report to Preferential Tax Regimes, OECD, 2004 apud OCDE, Countering Harmful Tax
Practices More Effectively, Taking into Account Transparency and Substance, OECD/G20 Base Erosion and
Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 41
A concepção de decisão administrativa adoptada pela OCDE é ampla, englobando todo o processo
administrativo ou legislativo no âmbito do qual resulte uma decisão em que o contribuinte possa confiar,
englobando de igual modo Advance Tax Rulings e Advance Pricing Arrangements. No entanto, a troca
automática refere-se apenas a decisões que digam respeito a um contribuinte em particular, encontrando-se
fora do escopo deste mecanismo as decisões emitidas de carácter geral. Conforme, OCDE, Countering
51
mecanismo previsto no artigo 68.º da LGT. O objectivo deste instrumento é possibilitar às
autoridades tributárias verificar se, in casu, uma decisão administrativa emitida por outra
jurisdição tem alguma consequência, impacto ou efeito no tratamento fiscal do contribuinte
no seu país.
De facto, e apesar deste tipo de instrumentos oferecer amplas vantagens no que
respeita à segurança jurídica com que um contribuinte pode conduzir a sua actuação, em
algumas jurisdições tem havido uma usurpação dos mesmos como forma de atrair capital
concedendo decisões que validam enquadramentos jurídico-tributários duvidosos. O
regime de emissão de rulings aliado à falta de substância económica e à falta de
transparência, em particular no que respeita ao segredo bancário, serão os factores a ter em
conta na aferição dos regimes preferenciais sujeitos à obrigação da troca automática
espontânea.
Pelo exposto, a referida obrigação apenas caberá aos regimes preferenciais, tal
como definido no Relatório da OCDE de 1998183, e às jurisdições que utilizem de forma
abusiva184 o seu procedimento de emissão de rulings. Adicionalmente, e por forma a evitar
uma sobrecarga administrativa e burocrática, existem vários filtros para limitar as decisões
sujeitas à troca automática espontânea, em particular as decisões têm que se referir à
tributação de um regime preferencial aplicável ao rendimento proveniente de actividades
geograficamente móveis, tal como as actividades financeiras, ainda que não tenha sido
considerado como prejudicial185.
O mecanismo da troca automática e espontânea de rulings tem como virtudes: (i)
o facto de um país sobre o qual recaia a referida obrigação dever proceder ao seu
Harmful Tax Practices More Effectively, Taking into Account Transparency and Substance, OECD/G20
Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 36 e 37
183
O Relatório da OCDE aponta 4 características chave na determinação de um regime
preferencial: (i) o regime não tributa ou tributa a taxas reduzidas o rendimento proveniente de actividades
financeiras com mobilidade geográfica e outras actividades; (ii) é isolado da economia doméstica; (iii) não é
transparente; e, (iv) não existe efectiva troca de informação a seu respeito. O referido Relatório refere
igualmente 8 outras características que podem auxiliar na determinação: (i) definição artificial da matéria
colectável; (ii) não aplicação dos princípios de preços transferência definidos internacionalmente; (iii)
isenção do rendimento estrangeiro no país de residência; (iv) taxa de tributação ou matéria colectável
negociável; (v) existência de provisões ocultas; (vi) acesso a uma larga rede de tratados e acordos; (vii) o
regime é proposto como uma forma de minimizar a tributação; e (viii) o regime estimula operações e
transacções com intuitos puramente fiscais e sem substância. OCDE, Harmful Tax Competition: An
Emerging Global Issue, OECD Publishing, 1998 apud OCDE, Countering Harmful Tax Practices More
Effectively, Taking into Account Transparency and Substance, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting
Project, OECD Publishing, 2014, p. 22 e 23
184
À luz do fair play internacional.
185
Em anexo ao presente trabalho encontra-se um fluxograma que explica como se afere da
necessidade da troca automática espontânea de rulings.
52
cumprimento o mais rápido possível e no máximo até 3 meses após a sua emissão; e, (ii) a
falta de reciprocidade não poder ser invocada como justificação para o seu não
cumprimento.
De notar que apesar de este mecanismo ainda se encontrar em construção já levou
a que alguns países revessem as suas posições e repensassem a sua estratégia económica.
186
OCDE, BEPS ACTION 12: Mandatory Disclosure Rules, Public Discussion Draft, 2015, p. 6
187
OCDE, BEPS ACTION 12: Mandatory Disclosure Rules, Public Discussion Draft, 2015, p. 13,
20 e 22
188
Supra 3.5 O dever de comunicação previsto no Decreto-Lei n.º 29/2008
189
“Mandatory disclosure rules should be drafted as clearly as possible to provide taxpayers with
certainty about what is required by the regime. Lack of clarity and certainty can lead to failure to disclose
(and the imposition of penalties), which may increase resistance to such rules from the business community.
Additionally, a lack of clarity could result in a tax administration receiving poor quality or irrelevant
information.” Conforme OCDE, BEPS ACTION 12: Mandatory Disclosure Rules, Public Discussion Draft,
2015, p. 14
53
Todavia, não parece tarefa fácil delinear regras claras e certas quando se espera
que a definição de esquema a reportar seja de tal modo ampla que comporte: i) a definição
de comportamento abusivo delineada na CGAA; e ii) a definição de transacções que
podem ser consideradas agressivas ou de elevado risco numa perspectiva de planeamento
fiscal190.
4.1.1.6 Outras medidas que poderão ter impacto nos instrumentos nacionais
190
Neste sentido, “the definition of a “reportable scheme” for disclosure purposes will generally
be broader than the definition of tax avoidance schemes covered by a GAAR and should also cover
transactions that are perceived to be aggressive or high-risk from a tax planning perspective.” OCDE, BEPS
ACTION 12: Mandatory Disclosure Rules, Public Discussion Draft, 2015, p. 18
Para consultar o modelo da presente obrigação declarativa veja Anexo 2: Elaboração de relatório
por país.
191
OCDE, Guidance on Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting,
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 9
O modelo da referida obrigação declarativa sugerida pela OCDE encontra-se no Anexo 2 do
presente trabalho.
192
OCDE, Guidance on Transfer Pricing Documentation and Country-by-Country Reporting,
OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, OECD Publishing, 2014, p. 9
54
4.2 União Europeia
193
Sobre as vantagens comparativas na Europa dos doze vd. AFONSO, Virgílio T, «As
oportunidades do planeamento fiscal», Fisco, Ano 3, N.º 31, Maio, 1991, p. 13
55
Ademais, o planeamento pode ainda servir-se das quatro liberdades europeias,
liberdade de circulação de bens, serviços, pessoas e capitais, aproveitando os mecanismos
e instrumentos que as garantem, para maximizar a sua estrutura corporativa. De facto, e
continuemos com o exemplo dado, um grupo empresarial sediado num país terceiro que
pretenda investir ou alargar a sua actividade no território europeu, ao faze-lo pode optar
por uma jurisdição europeia com quem o seu país possua uma convenção para evitar dupla
tributação, a qual pode oferecer as enunciadas vantagens comparativas. Posteriormente, o
mesmo grupo empresarial pode aproveitar os mecanismos intracomunitários, como as
Directivas europeias relativas a juros e royalties e às sociedades-mães e sociedades
afiliadas para organizar a sua estrutura tendo em vista a minimização da carga fiscal e a
optimização de cash flows.
Pelo exposto, compreende-se que a UE, e seus Estados-Membros, não estão
(suficientemente) preparados para os esquemas empresariais que a globalização, a
economia digital, a concepção de espaço económico europeu e as vantagens comparativas
permitiram. Recentemente denotou-se uma preocupação crescente da UE em ajustar os
sistemas nacionais dos seus Estados-Membros a esses desafios. De facto, e como realça
Casalta Nabais, a estratégia não deve ser definida por um Estado isoladamente, mas sim
por bloco de integração económica e política sob pena de se tornar insustentável a
manutenção do Estado Social194. E nem outra solução se pode propugnar dada a perda
parcial da soberania dos Estados no domínio da tributação e a cada vez maior concorrência
fiscal levada a efeito com o objectivo de atrair empresas e investimentos estrangeiros.
A tarefa não se vislumbra fácil. Cabe à UE articular o respeito pela soberania
fiscal de cada Estado-Membro com a liberdade de circulação de bens, serviços, pessoas e
capitais195. Elaborar uma estratégia europeia que respeite as ditas dimensões e que procure
proteger os orçamentos nacionais de todos os Estados-Membros e o seu exigirá pontos de
comprometimento entre as dimensões aqui em tensão.
194
Nabais, José Casalta, «Reflexões Sobre Quem Paga a Conta do Estado Social», Ciência e
Técnica Fiscal, N.º 421, Janeiro-Junho, 2008, p. 31
195
Em particular se atendermos que uma das atribuições da UE consiste na efectiva salvaguarda
das liberdades supra enunciadas às pessoas singulares e colectivas nacionais de um Estado-Membro através
das suas instituições, designadamente do Tribunal de Justiça.
56
4.2.1 Plano de Acção Europeu para reforçar a luta contra a fraude e a evasão
fiscais
196
COM (2012) 363 final, de 11.07.2012, p.3
197
Este Plano de acção vem no seguimento da Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu
e ao Conselho sobre os meios concretos para reforçar a luta contra a fraude fiscal e a evasão fiscal, incluindo
em relação a países terceiros, COM (2012) 351 final de 27.6.2012.
198
COM (2012) 722 final, de 6.12.2012, p. 6 apud Comunicação sobre responsabilidade social das
empresas: uma nova estratégia da UE para o período de 2011-2014 - COM(2011) 681 final de 25.10.2011.
199
A Directiva 2003/49/CE relativa a um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos de juros
e royalties efectuados entre sociedades associadas de Estados-Membros diferentes, a Directiva 2011/96/UE
relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membros
diferentes e a Directiva 2009/133/CE relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões foram excluídas do
âmbito da Recomendação da Comissão de 6 de Dezembro de 2012 relativa ao planeamento fiscal agressivo
(2012/772/UE), para não colocar em causa o seu funcionamento. Contudo, na Comunicação é revelado o
interesse em rever estas directivas por forma a aplicar os princípios que a recomendação para o planeamento
fiscal agressivo contém.
57
4.2.1.1 Da construção e interpretação das normas fiscais
200
COM (2012) 722 final, de 6.12.2012, p.7
201
Introduzidas pela Directiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro (que altera a Directiva
2006/112/CE), que foi transposta para o ordenamento jurídico nacional através do Decreto-Lei n.º 158/2014,
de 24 de Outubro.
202
De facto, de acordo com as notícias locais, o Luxemburgo espera perder cerca de “70 por cento
das receitas do IVA, um valor que pode ir de 660 milhões de euros a mais de mil milhões de euros por ano”,
conforme Wort, “Novas regras de IVA fazem Luxemburgo perder mil milhões de euros”, 1 de Janeiro de
2015, página consultada a 4 de Maio de 2015 e disponível em <http://www.wort.lu/pt/luxemburgo/comercio-
electr-nico-novas-regras-de-iva-fazem-luxemburgo-perder-mil-milh-es-de-euros-a-1-de-janeiro-
54a442c50c88b46a8ce4e0b6?TB_iframe=true&height=500&width=900>
58
regras de localização dos serviços em vigor até 2015 também não pretendiam ter este
efeito.
A introdução das novas regras põe termo a esta escolha extra legem (a nível
transnacional) e permite ao Estado português arrecadar receitas que até então se
encontravam frustradas (porquanto o IVA correspondente a serviços e bens electrónicos
“consumidos” em Portugal eram liquidados noutro Estado)203.
203
A introdução das novas regras levou a Apple a aumentar o preço final das aplicações vendidas a
consumidores portugueses conforme Sapo: Exame informática, “IVA das apps da Apple aumenta mais de
50% em Portugal”, de 9 de Janeiro de 2015 e consultada a 20 de Junho de 2015, disponível em <
http://exameinformatica.sapo.pt/noticias/mercados/2015-01-09-IVA-das-apps-da-Apple-aumenta-mais-de-
50-em-Portugal>
204
Recomendação da Comissão de 6 de Dezembro de 2012 relativa ao planeamento fiscal
agressivo (2012/772/UE), JO L 338 de 6 de Dezembro de 2012
205
Recomendação da Comissão de 6 de Dezembro de 2012 relativa ao planeamento fiscal
agressivo (2012/772/UE), JO L 338 de 6 de Dezembro de 2012, p.42
206
Recomendação da Comissão de 6 de Dezembro de 2012 relativa ao planeamento fiscal
agressivo (2012/772/UE), JO L 338 de 6 de Dezembro de 2012, p.43
59
momento ser contraproducente atendendo à crítica efectuada supra207 de que o poder
judicial tem a tendência para fugir para o direito clássico e para os domínios mais
trabalhados. Neste contexto, a adopção de uma nova redacção levaria à perda de todo o
trabalho de densificação já efectuado (na aplicação da CGAA actual) que teria que
começar de novo dada a remissão da redacção da CGAA proposta para o objectivo das
normas fiscais evadidas e para a intenção do legislador.
207
Supra 3.3.3 Artigo 63.º do CPPT e o dever de fundamentação da Autoridade Tributária - último
parágrafo.
208
“Sempre que, em convenções de dupla tributação que tenham celebrado entre si ou com países
terceiros, os Estados-Membros se comprometerem a não tributar um determinado elemento do rendimento,
os Estados-Membros devem garantir que esse compromisso só se aplica quando o referido elemento for
tributado pela outra parte nessa convenção.” Conforme, Recomendação da Comissão de 6 de Dezembro de
2012 relativa ao planeamento fiscal agressivo (2012/772/UE), JO L 338 de 6 de Dezembro de 2012, p.42
209
Supra 4.1.1.3 Norma antiabuso a inserir em tratados e acordos
60
4.2.1.4 Troca automática de informações
210
A Directiva 2011/16/UE surge no âmbito da cooperação administrativa no
domínio da fiscalidade revogando a já obsoleta Directiva 77/799/CEE e foi aclamada na
Comunicação como uma das medidas mais importantes no combate à fraude e evasão
fiscal. Todavia, as suas fragilidades foram rapidamente expostas211 e o início dos trabalhos
no âmbito da FATCA e da OCDE212 rapidamente fomentaram a consciência de que a
referida troca automática de informações seria extremamente útil se o seu âmbito fosse
alargado. Ademais, a celebração paralela de acordos pelos Estados-Membros poderia
conduzir a distorções que poderiam colocar em causa o bom funcionamento do mercado
interno, pelo que “o alargamento da troca automática de informações com base num
instrumento legislativo a nível da União eliminará a necessidade de os Estados-Membros
invocarem essa disposição para celebrarem acordos bilaterais ou multilaterais”213.
Neste contexto, surgiu a Directiva 2014/107/UE, de 9 de Dezembro, que altera a
Directiva 2011/16/UE no que respeita à troca automática de informações obrigatória no
domínio da fiscalidade, e que alinha a troca de informações a nível europeu com a recente
evolução a nível internacional. Assim, o artigo 8.º da Directiva 2011/16/UE foi alargado
através do aditamento do n.º 3-A, o qual passa a incluir as mesmas informações que o
Modelo de Acordo entre Autoridades Competentes e que a Norma Comum de
Comunicação da OCDE214.
Em suma, a Directiva 2011/16/UE com as alterações introduzidas pela Directiva
2014/107/UE permite agora a troca automática de informações sobre contas financeiras
para efeitos fiscais.
210
Directiva transposta para o ordenamento nacional através do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de
Maio
211
A Directiva estabeleceu a troca automática de informações obrigatória a partir de 1 Janeiro de
2014. No entanto, o seu âmbito circunscreve-se apenas aos rendimentos de trabalho, honorários de
administradores, produtos de seguros de vida não abrangidos por outro diploma, pensões, propriedades e
rendimentos de bens imóveis e os prazos máximos estabelecidos (que podem chegar aos 6 meses) prejudica o
efeito útil do mecanismo.
212
Referimo-nos não só aos trabalhos no âmbito do Plano de acção para o combate à erosão da
base tributária e à transferência de lucros mas também aos efectuados no âmbito da troca automática de
informações e reporte financeiro.
213
Preâmbulo da Directiva 2014/107/UE, de 9 de Dezembro de 2014.
214
Para mais detalhes ver OCDE, Standard for Automatic Exchange of Financial Account
Information: Common in Tax Matters, OECD Publishing, 2014
61
Mais recentemente, e ainda no âmbito deste plano, a Comissão sugeriu uma
proposta de alteração à Directiva 2011/16/UE215 por forma a utilizar o mecanismo já em
vigor, troca automática de informações obrigatória no domínio da fiscalidade, e extender o
seu âmbito à troca automática de advance cross-border rulings e advance pricing
arrangements, entre nós, pedidos de informação vinculativa e acordos prévios sobre preços
de transferência (previsto no artigo 138.º do Código do IRC).
Mais uma vez, reiteramos aqui as considerações supra efectuadas aquando da
análise do Plano da OCDE216.
A Directiva permite ainda analisar esquemas e actuações que poderão ser
considerados como comportamentos abusivos e, por isso sujeitos à CGAA ou a uma
cláusula específica, se aplicável, como se pode considerar que nesse esquema ou actuação
há uma verdadeira situação de fraude. Saldanha Sanches elucida que, nalguns casos, a
avaliação sobre se está perante uma ou outra conduta não permite uma separação rigorosa.
Exemplifica com os preços transferência, quando duas empresas estão sob direcção comum
em que um preço mal definido pode permitir a transferência de lucro entre as mesmas.
Contudo, o autor alerta que quando os esquemas se tornam demasiado complexos “a
fronteira entre a mera construção artificiosa e a fraude esbate-se obrigatoriamente”217.
Ademais, José de Campos Amorim indica como medida dissuasiva a troca de
informações, demonstrando a dupla utilidade dos mecanismos previstos na Directiva supra
mencionada, pois, como Saldanha Sanches refere a adopção de um comportamento
fraudulento “tem como base o baixo grau de probabilidade da detecção administrativa”218.
Considerando isto, os pontos 18 e 19 da Comunicação adquirem relevância pois visam
reforçar a cooperação entre organismos, a cooperação administrativa quanto à utilização de
controlos simultâneos e a presença de funcionários estrangeiros aquando das auditorias,
medidas essas apresentadas supra.
215
De acordo com a proposta “the exchange of information on rulings that potentially affect the
tax bases of more than one Member State requires a common and compulsory approach”. COM (2015) 135
final, de 18 de Março de 2015, Proposal for a Council Directive amending Directive 2011/16/EU as regards
mandatory automatic exchange of information in the field of taxation.
216
Supra 4.1.1.4 Troca automática de informações
217
SANCHES, J.L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 26
218
SANCHES, J.L. Saldanha, Os limites do planeamento fiscal: substância e forma no direito
fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra Editora, 2006, p. 26
62
4.2.1.4 Outras medidas que poderão ter impacto nos instrumentos nacionais
219
Recomendação da Comissão de 6 de Dezembro de 2012 relativa às medidas destinadas a
incentivar os países terceiros a aplicar normas mínimas de boa governação em questões fiscais
(2012/771/UE), JO L 338 de 12.12.2012.
220
COM (2012) 722 final, de 6.12.2012, p.6
O Parlamento Europeu na Resolução (2013/2060 (INI)) sobre a luta contra a fraude fiscal, a
evasão fiscal e os paraísos fiscais, de 21 de Maio, reiterou nos pontos 64 e seguintes a adopção por parte da
Comissão de critérios de identificação de paraísos fiscais, bem como a elaboração de uma lista negra pública
até ao final do ano 2014. Todavia, até ao presente ainda tal não se verificou sendo que o último documento
disponível sobre os trabalhos da plataforma para a boa governação fiscal na sua preparação data de Outubro
de 2014, Discussion paper on criteria applied by EU Member States to establish lists of non-cooperative
jurisdictions, disponível em <http://ec.europa.eu/taxation_customs/resources/documents/taxation/gen_info/
good_governance_matters/platform/meeting_20141219/discussion_paper_criteria_lists.pdf>.
A criação de uma “plataforma para a boa governação fiscal” foi uma das propostas da
Comunicação da Comissão aquando da apresentação do Plano em análise, a qual foi implementada em 23 de
Abril de 2013 e tem como objectivo garantir uma acção eficaz por parte dos Estados-Membros no que
respeita ao combate ao planeamento fiscal abusivo.
63
Neste contexto, espera-se que a lista negra a ser elaborada não sofra das mesmas
críticas que a lista negra da OCDE. No entender de António Carlos de Santos o critério
utilizado pela OCDE foi parcial o que levou a exclusão de territórios que, no seu entender
deveriam constar, como é o caso da City de Londres, assim como fracassou no seu
objectivo político “após sucessivos emagrecimentos da lista”221. Podendo-se questionar a
viabilidade política de uma medida desta natureza.
Outra medida relevante e proposta pela Comissão na Comunicação é a
continuação do trabalho do Grupo de Código de Conduta222 e a ultrapassagem dos
obstáculos que levaram à sua estagnação, demonstrando o seu empenho em coordenar
medidas e estratégias concertadas de modo a conceder eficácia ao código de conduta no
domínio da fiscalidade das empresas. Em alternativa, e caso as disparidades assim o
exijam, Comunicação sugere que se ponderem “propostas de medidas legislativas”223,
designadamente a alteração de directivas que potenciem o planeamento fiscal agressivo ou
prejudiquem medidas de combate à dupla não tributação, máxime a Directiva 2011/96/UE,
relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de
Estados-Membros diferentes, e a Directiva 2003/49/CE, relativa a um regime fiscal comum
aplicável aos pagamentos de juros e royalties efectuados entre sociedades associadas de
Estados-Membros diferentes. Todavia, até ao momento, apenas se revelou necessário
proceder à alteração da Directiva 2011/96/UE, o que sucedeu através da Directiva
2014/86/UE, de 8 de Julho, e da Directiva 2015/121/UE, de 27 de Janeiro.
Um dos mecanismos sugeridos pela Comunicação foi a criação de um número
fiscal europeu. Inicialmente esta era uma acção a desenvolver até 2014224, todavia, após a
221
SANTOS, António Carlos dos, «Térmites fiscais e centros financeiros offshore & onshore: a
leste dos paraísos?», Planeamento e Evasão Fiscal – Jornadas de Contabilidade e Fiscalidade, Vida
Económica, 2010, p. 20
222
O que se tem verificado recentemente como se pode ver pelos documentos publicados e que se
podem encontrar no seguinte link: <http://www.consilium.europa.eu/register/en/content/out/?
typ=SET&i=ADV&RESULTSET=1&DOC_ID=&DOS_INTERINST=&DOC_TITLE=Code+Conduct+Bus
iness+Taxation+Report&CONTENTS=&DOC_SUBJECT=&DOC_DATE=&document_date_single_compa
rator=&document_date_single_date=&document_date_from_date=&document_date_to_date=&MEET_DA
TE=&meeting_date_single_comparator=&meeting_date_single_date=&meeting_date_from_date=&meeting
_date_to_date=&DOC_LANCD=EN&ROWSPP=25&NRROWS=500&ORDERBY=DOC_DATE+DESC>
223
Conclusões do Conselho ECOFIN de 1 de Dezembro de 1997 em matéria de política fiscal
(98/C 2/01)
224
COM (2012) 722 final, de 6 de Dezembro de 2012, p.12
64
consulta pública efectuada em 2013225 e a publicação do relatório com as conclusões em
Setembro de 2014226, não se registou qualquer outro desenvolvimento.
Por último, a Comunicação sugeriu ainda “harmonizar a definição de
determinados tipos de infrações fiscais, incluindo sanções administrativas e penais para
todos os tipos de impostos”227, e no seu âmbito procedeu ao levantamento das sanções em
caso de fraude nas diversas legislações nacionais, com o objectivo de “reduzir os riscos de
práticas divergentes” o que “permitiria assegurar uma interpretação uniforme e uma forma
homogénea de responder a todos os requisitos de ação penal”228. Ainda neste contexto, foi
apresentada a Proposta de Directiva relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses
financeiros da União através do direito penal229.
Apesar de compreender a importância de uma abordagem comum e um plano
concertado a nível internacional, porquanto “a proteção global das receitas fiscais dos
Estados-Membros, regra geral, tem apenas a mesma eficácia que a proteção do Estado-
Membro cujas disposições são menos rigorosas”230, estas propostas suscitam oportunas
questões de competência da UE, principalmente no que respeita à harmonização de
definições e sanções administrativas e penais das infracções fiscais nos Estados-Membros.
Pelo que a sua prossecução deveria ser procedida por uma revisão da competência da
União, razão que talvez esteja por trás da ausência de qualquer desenvolvimento nesta
matéria até ao presente.
225
Disponível na seguinte página web <http://ec.europa.eu/taxation_customs/common/
consultations/tax/2013_eutin_en.htm>, a qual foi consultada pela última vez a 20 de Junho de 2015
226
TAXUD.D.2 (2014) 3179327, de 3 de Setembro de 2014, Relatório de Síntese dos Contributos
Recebidos na Consulta Pública Sobre: Utilização de um Número de Identificação Fiscal (NIF) da UE.
227
COM (2012) 722 final, de 6 de Dezembro de 2012, p.15
228
COM (2012) 363 final, de 11 de Julho de 2012, p.3
229
COM (2012) 363/2, de 11 de Julho de 2012
230
COM (2012) 722 final, de 6 de Dezembro de 2012, p. 6
65
CAPÍTULO V – Conclusões
231
Referimo-nos a este propósito aos nossos comentários tecidos supra 4.1.1.1 Da construção e
interpretação das normas fiscais e 4.2.1.1 Da construção e interpretação das normas fiscais
66
Parliament”232. Pelo que, a adopção das referidas propostas levará a uma multiplicidade
das mesmas que suscitará questões de complexa articulação a acrescer às já existentes233. A
concepção e reacção não podem ser apenas pensadas em termos teóricos, nem estanques
(só relativamente a determinado comportamento em concreto), é necessário considerar
igualmente a sua praticabilidade e actuação no seio da normatividade jurídica como um
todo.
Os mecanismos mais aguardados e com maior eco são os relativos à troca de
informação. De facto, a troca de rulings e o country-by-country report têm em si um efeito
dissuasor, ainda que se possa questionar a capacidade da Autoridade Tributária e das
restantes administrações fiscais no tratamento da informação recebida, quer pelo que a
divulgação dos esquemas praticados pode fazer à imagem comercial de determinado grupo
empresarial, quer pelo potencial risco de detecção de práticas fiscais questionáveis. O
efeito dissuasor234 também se vislumbra noutras medidas e mecanismos de cooperação já
analisados235 e no alargamento do EUROFISC236 a outras áreas da fiscalidade directa.
Pelo exposto, e atendendo ao princípio da liberdade de actuação, aos princípios e
garantias concedidas ao contribuinte no âmbito da relação jurídico-tributária, à
complexidade do sistema fiscal237 e dos comportamentos e esquemas de que o planeamento
fiscal se serve, a sua limitação e combate quando o mesmo é considerado abusivo não se
vislumbra fácil.
232
“Should a General Anti-Avoidance Provision be introduced in the United Kingdom”, in Tax
Avoidance and the Law – Sham, Fraud or Mitigation?, edited by Adrian Shipwright, Key Heaven
Publications, London, 1997, p. 132 apud COURINHA, Gustavo Lopes, A Cláusula Geral Anti-Abuso no
Direito Tributário: Contributos para a sua compreensão, Almedina, 2004, p. 97
233
“Num apuramento pouco rigoroso e pouco científico em que foram consideradas as normas que
denotam preocupações antiabuso, foram identificadas trinta e três em Imposto sobre o Rendimento das
Pessoas Colectivas (IRC), treze em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), três em
Imposto de Selo, quatro em Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), cinco em Imposto Municipal sobre a
Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) e duas em IVA.” TEIXEIRA, Manuela Duro, «Reestruturação de
empresas e limites do planeamento fiscal – Algumas notas», Reestruturação de empresas e limites do
planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 247-250
234
“Announcements of future legislative changes can affect corporate taxpayer behaviours even
before specific legislative measures have been enacted. Some corporations are already changing their
international tax structures due to the progress of the BEPS Project and expected changes by governments”.
OCDE, BEPS ACTION 11: Improving the Analysis of BEPS, Public Discussion Draft, 2015, p. 70
235
Referimo-nos em particular ao dever de comunicação, ao country-by-country report e a troca de
informação sobre contas financeiras.
236
EUROFISC é uma plataforma que serve para troca de informações sobre fraudes em matéria de
IVA.
237
Sobre a actual e especial complexidade dos meios de limitação e combate ao planeamento fiscal
abusivo, em especial no que respeita à articulação das normas especiais antiabuso vd. TEIXEIRA, Manuela
Duro, «Reestruturação de empresas e limites do planeamento fiscal – Algumas notas», Reestruturação de
empresas e limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2009, p. 261-262
67
Neste sentido, não nos parece que as estratégias delineadas internacionalmente
irão tornar essa luta mais fácil, em especial se considerarmos o crescimento expectável da
complexidade do sistema fiscal e a necessária capacidade da Autoridade Tributária para
tratar os dados que poderá vir a receber.
Não obstante, e apesar destas debilidades, a luta contra o planeamento fiscal
abusivo tem que passar por uma estratégia transnacional baseada numa coordenada
cooperação238. O mundo económico é global, quer quanto ao sujeito passivo pessoa
singular, quer quanto à pessoa colectiva, pelo que a falta de uma estratégia global e a
prossecução do combate ao planeamento fiscal abusivo poderia vir a culminar ora numa
dupla tributação (destruindo a mobilidade económica e a globalização como a conhecemos
hoje)239 ora num completo fracasso.
Pelo exposto, as medidas apresentadas quer pela OCDE, quer pela UE, mas com
maior enfoque para a primeira dada a sua maior abrangência territorial, são de louvar ainda
que padeçam das críticas apresentadas ao longo da presente dissertação. Neste sentido,
esperamos que a continuação dos trabalhos já iniciados forneçam às administrações fiscais,
e em particular à nossa Autoridade Tributária, os restantes meios que permitam repor o
principio da igualdade material, através do pagamento da justa parte conforme a correcta
exteriorização do princípio da capacidade contributiva.
238
“if one country were to adopt tough BEPS countermeasures, then MNEs could move their
activities to continue BEPS behaviours elsewhere. Most individual countries would be expected to raise more
revenue from BEPS countermeasures with internationally-coordinated rules than with unilateral country
measures.” OCDE, BEPS ACTION 11: Improving the Analysis of BEPS, Public Discussion Draft, 2015, p. 58
e 59
239
“A falta de ação nesta área provavelmente resultaria na perda de arrecadação dos impostos
sobre pessoas jurídicas, por parte de alguns governos, no surgimento de padrões internacionais concorrentes e
na substituição do atual quadro consensual por medidas unilaterais, o que poderia também levar a uma
anarquia fiscal generalizada marcada pelo regresso massivo da dupla tributação” OCDE (2014), Plano de
ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros, OECD Publishing, p. 11
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75
Anexos
76
Anexo 2: Country-by-country report
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