Patrimônio Cultural - A Percepção Da Natureza Como Um Bem Não Renovável

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PATRIMÔNIO CULTURAL: A PERCEPÇÃO DA NATUREZA COMO UM BEM

NÃO RENOVÁVEL
Palavras-chave: patrimônio, natureza, cultura, ordem mundial.

• Tópico 1: Definição
Antes apenas se referia aos grandes monumentos artísticos do passado,
interpretados como fatos destacados de uma civilização. Já hoje, se avançou
para uma concepção do patrimônio entendido como o conjunto dos bens
culturais, referente às identidades coletivas.
Desta maneira, múltiplas paisagens, arquiteturas, tradições, gastronomias,
expressões de arte, documentos e sítios arqueológicos passaram a ser
reconhecidos e valorizados pelas comunidades e organismos governamentais
na esfera local, estadual, nacional ou internacional.
Os bens materiais e imateriais, tangíveis e intangíveis que compreendem o
patrimônio cultural são considerados “manifestações ou testemunho significativo
da cultura humana”, tidos como imprescindíveis para a formação cultural de um
povo.
Essas mudanças no entendimento do conceito incitam a refletir acerca dos
caminhos trilhados nesse processo, estabelecendo relações entre as
transformações a respeito do que se entende por cultura e as modificações na
categoria patrimônio.
Procura-se mostrar a aplicabilidade do conceito nas regulações produzidas em
escala internacional, em especial pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura — Unesco, e pelo Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente, no que diz respeito às políticas de proteção do que se
convencionou como patrimônio cultural.

• Tópico 2 - O patrimônio cultural


A preocupação com a definição de políticas para a salvaguarda dos bens que
conformam o patrimônio cultural de um povo remonta ao final do século XVIII,
mais particularmente à Revolução Francesa, quando se desenvolveu uma
sensibilidade em relação aos monumentos destinados a invocar a memória e a
impedir o esquecimento dos feitos do passado. Sentimento esse que se
espalhou, posteriormente, a outras partes do mundo ocidental, buscando
mostrar as etapas evolutivas do pensamento humano. Esse sentimento vai de
encontro ao entendimento da história centrada em mostrar a evolução e o
progresso humano.
A aceleração da urbanização no decorrer do século XX fez que a cidade
passasse a ser compreendida como um tecido vivo, composto por edificações e
por pessoas, congregando ambientes do passado que podem ser conservados
e, ao mesmo tempo, integrados à dinâmica urbana.
Tornou-se um nível específico da prática social na qual vêem um lugar não
homogêneo e articulado, mas um mosaico muitas vezes sobreposto, que
expressa tempos e modos diferenciados de viver. Implicando na valorização dos
aspectos nos quais se plasma a cultura de um povo, que passaram a ser vistos
como referências culturais dos grupos humanos que definem as culturas e que
necessitavam salvaguarda.
Os entendimentos sobre patrimônio que se adquiriram com o passar da história
fizeram com que seu conceito fosse reformulado. Assim, todo o valor ligado à
cultura foi incorporado na definição de patrimônio cultural.

• Tópico 3 - A internacionalização do patrimônio cultural


Para proteger bens históricos e culturais em escala internacional foi preciso
promover diversos eventos no século XX.
Ao mesmo tempo em que a industrialização avançou e produziu cidades
complexas e renovadas, surgia também inquietação com relação à conservação
das formas urbanas do passado.
A internacionalização da preocupação com os bens patrimoniais e o
reconhecimento de que a salvaguarda destes era um assunto que extrapolava
as fronteiras nacionais acarretou a criação da Comissão Internacional de
Cooperação Intelectual, dentro da Sociedade das Nações, com o objetivo de
potencializar as relações culturais entre os países.

A eclosão da Segunda Guerra Mundial e a instituição da Organização das


Nações Unidas em 1945 mostrou a emergência de estabelecer os direitos e os
deveres dos habitantes do planeta. Passo seguinte foi a criação da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura — Unesco, em
novembro de 1946, para intervir, em escala mundial, nos campos da educação,
da ciência e da cultura. As prerrogativas da Unesco ganharam especial sentido
após a emissão da Declaração Universal dos Direitos Humanos em dezembro
de 1948, que estabeleceu o direito à educação e à cultura como
prerrogativas mundiais.
A Unesco se propôs a formular diretrizes, definir critérios e prioridades para a
proteção do patrimônio cultural. Outro entendimento de bem cultural passou a
ser empregado nos foros internacionais ainda na década de 1950, quando a
Convenção de Haia, em 1954, convocada sob os auspícios da Unesco, definiu
que o patrimônio cultural compreendia os monumentos arquitetônicos, os
sítios arqueológicos, e os objetos e estruturas herdados do passado,
dotados de valores históricos, culturais e artísticos; bens que
representavam as fontes culturais de uma sociedade ou de um grupo
social.
Esses bens podiam ser abrigados em três categorias:
1. Bens móveis ou imóveis que apresentassem uma grande importância para o
patrimônio cultural dos povos.
2. Dos edifícios cujo destino principal e efetivo fosse o de conservar ou expor os
bens culturais móveis.
3. Centros monumentais que compreendessem um número considerável de
bens culturais.
• Tópico 4 - O Patrimônio Natural
O conceito nasceu no âmbito do debate entre ambientalistas norte-americanos
no final do século XIX.
Há duas vertentes no debate da do conceito do patrimônio natural:
1. Os conservacionistas: A conservação ambiental representa manter uma
área protegida, porém, utilizá-la sem colocar em risco sua dinâmica natural e
atributos físicos.
2. Os preservacionistas: São radicais, entendem que áreas naturais protegidas
devem ficar sem a presença humana para que apenas processos naturais
influenciem sua dinâmica.
O debate entre essas duas correntes permanece até hoje e divide tanto
ambientalistas quanto técnicos e acadêmicos.
O patrimônio natural pode ser definido como uma área natural apresentando
características singulares que registram eventos do passado e a ocorrência de
espécies endêmicas, sendo relevante por permitir o reconhecimento da história
natural e, também, para que se possa analisar as consequências que o estilo de
vida hegemônico pode causar na dinâmica natural do planeta.

• Tópico 5 – A internacionalização do patrimônio natural


A associação do patrimônio cultural com a natureza na escala internacional
iniciou-se em 1956, quando a Unesco, por meio do Iccrom — Centro
Internacional de Estudos para a Conservação e Restauração dos Bens
Culturais, uma organização intergovernamental, dedicou-se ao tema.

Na Conferência de Washington em 1965, criou-se a Fundação do Patrimônio


Mundial para estimular a cooperação internacional a proteger “as zonas naturais
e paisagísticas maravilhosas do mundo e os sítios históricos para o presente e
o futuro de toda a humanidade”.
Em 1968, a União Internacional para a Conservação da Natureza e seus
Recursos, organização não governamental internacional criada em 1948,
elaborou propostas similares para seus membros, que foram depois
apresentadas na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, organizada em Estocolmo em 1972. Os debates que ocorreram
naquela ocasião indicaram a viabilidade da associação entre natureza e cultura
no que se refere aos bens patrimoniais.
A Comissão Franceschini, comissão italiana encarregada de realizar estudos
para a tutela e valorização do patrimônio histórico e artístico italiano, definiu um
bem cultural como “todo bem que constitua um testemunho material dotado de
valor de civilização” e reuniu um elenco das categorias de objetos integrantes
dos bens culturais, a saber:
1. Bens arqueológicos;
2. Artísticos e históricos;
3. Ambientais;

4. Arquivísticos;
5. Bibliográficos.
Os bens ambientais surgiam como “as zonas corográficas que constituem
paisagens naturais ou transformadas pela ação do homem e as zonas
delimitadas que constituam estruturas de assentamentos urbanos ou não
urbanos, que apresentem particular valor de civilização”.
Os bens ambientais podiam ser paisagísticos ou urbanísticos:
1. Os paisagísticos: Eram aqueles especificamente naturais, como as zonas
territoriais em estado de natureza que tivessem caráter geográfico ou ecológico
unitário e de relevante interesse para a história natural.

2. Os bens urbanísticos: Eram aqueles “construídos por estruturas de


assentamentos de particular valor, enquanto testemunhos vivos da civilização
nas várias manifestações da história urbana”. Ex: centros históricos.
Durante as discussões dos representantes dos Estados Partes da Unesco por
ocasião da Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural,
convocada por essa Organização em 1972, o patrimônio cultural englobava os
monumentos, o grupo de edifícios e lugares que tivessem valor histórico,
estético, arqueológico, científico, etnológico ou antropológico.
Essa Convenção definiu ainda que bens dotados de valor cultural ou natural
poderiam ser inscritos como patrimônio universal. A proteção destes caberia à
comunidade internacional.
A Convenção buscava definir o patrimônio pelo duplo aspecto cultural e natural,
por entender que o homem interage com a natureza e se faz necessário
preservar o equilíbrio entre ambos.
Consoante o documento emitido pela Secretaria da Convenção, as noções de
natureza e cultura, “tanto tempo consideradas como diferentes e inclusive
antagônicas”, deveriam ser modificadas. A natureza e a cultura, como constava
no documento, são complementares.
A Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais, ocorrida no México
definiu que “o patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus
artistas assim como as criações anônimas surgidas da alma popular”. Assim, as
obras modestas que adquiriram com o tempo uma significação cultural,
passaram a ser incorporadas ao rol de bens culturais.
A Carta de Nara, de 1994, reformulou a compreensão sobre o valor dos bens
quando reconheceu a existência de culturas distintas, assim como valores
diversos para a consideração de um bem.
O entendimento a respeito da natureza e da cultura alargava-se e com isso o
patrimônio cultural convertia-se no “conjunto de elementos naturais ou culturais,
materiais ou imateriais, herdados do passado ou criados no presente no qual um
determinado grupo de indivíduos reconhece sinais de sua identidade”.
Na década de 1980, o tema da sustentabilidade surgiu com grande evidência
por meio do relatório “Nosso futuro comum”, obra da Comissão Mundial de Meio
Ambiente. Conciliar o desenvolvimento econômico e minimizar os impactos
ambientais passaram a ser imperativos perseguidos em diversas reuniões
internacionais.
Logo no início da década ocorreu a Conferência das Nações Unidas para o
Desenvolvimento e o Meio Ambiente, a Conferência do Rio em 1992, que
teve o objetivo de regular a ação humana em relação à emissão de gases que
afetam o efeito estufa e a informação genética - nela foram celebradas as
Convenções sobre Mudanças Climáticas e sobre Diversidade Biológica e
assinados documentos que continham um conjunto de princípios a respeito dos
recursos genéticos e da soberania de cada país sobre o patrimônio existente em
seu território.
Foi nesse contexto que emergiu uma outra compreensão do patrimônio
natural, com o reconhecimento da importância dos conhecimentos tradicionais
para a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica.

Verifica-se outra concepção de cultura, que tem um papel decisivo na


realização de uma nova leitura do território, entendido como patrimônio e como
recurso que necessita ser preservado.

• Tópico 6 – Finalização
Relacionar patrimônio cultural e patrimônio natural é resultado do
amadurecimento do conceito de patrimônio.

O patrimônio imaterial passou a ser objeto de análise, mesmo com as


dificuldades encontradas em sua manutenção e conservação. Diálogos, ritos e
práticas religiosas passaram a incorporar as obras da humanidade para a
Unesco.
Já o patrimônio natural é conservado à luz da ciência, ou seja, a conservação
de áreas naturais ainda obedece à visão utilitarista, que predomina na sociedade
capitalista. Ao mesmo tempo, possibilita reconhecer nesses verdadeiros refúgios
aos processos produtivos e de urbanização o foco de alternativas à reprodução
da vida.

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