Apelação 40343357020198240000

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Agravo de Instrumento n. 4034335-70.2019.8.24.

0000, de Lages
Relator: Desembargador Torres Marques

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO


JUDICIAL. DAÇÃO EM PAGAMENTO DE BENS IMÓVEIS.
DECISÃO QUE NÃO CONHECEU DA PRETENSÃO, POR
ENTENDER QUE A DELIBERAÇÃO COMPETIA AOS
CREDORES, REUNIDOS EM ASSEMBLEIA.
IRRESIGNAÇÃO DA RECUPERANDA. DÉBITOS
TRIBUTÁRIOS FEDERAIS. DÍVIDA DE R$ 36.565.482,00
(TRINTA E SEIS MILHÕES QUINHENTOS E SESSENTA E
CINCO MIL QUATROCENTOS E OITENTA E DOIS REAIS).
AGRAVANTE QUE ALMEJA EFETUAR A DAÇÃO EM
PAGAMENTO DE 9 (NOVE) IMÓVEIS, OS QUAIS
TOTALIZAM APROXIMADAMENTE R$ 9.000.000,00 (NOVE
MILHÕES DE REAIS). MODALIDADE NÃO PREVISTA
COMO MEIO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REALIDADE
QUE CONFIGURA EVIDENTE MODIFICAÇÃO DO PLANO
E, POR ISSO, NECESSITA DA DELIBERAÇÃO DOS
CREDORES. PRONUNCIAMENTO DESTE ÓRGÃO
FRACIONÁRIO NO MESMO SENTIDO EM RECURSO
ANTERIOR. DECISÃO MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento


n. 4034335-70.2019.8.24.0000, da comarca de Lages (3ª Vara Cível), em que é
Agravante Polpa de Madeiras Ltda. – em Recuperação Judicial.

A Quarta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação


unânime, negar provimento ao recurso. Custas de lei.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Des.
Sérgio Izidoro Heil e José Carlos Carstens Köhler.
Florianópolis, 11 de agosto de 2020.

Des. Torres Marques


PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO

Polpa de Madeiras Ltda. – em Recuperação Judicial interpôs agravo


de instrumento em face da decisão interlocutória proferida nos autos da
recuperação judicial n. 0301172-50.2014.8.24.0039, a qual não conheceu “do
pedido de autorização para dação de imóveis em pagamento para quitação de
débitos fiscais, eis que a competência para o deferimento é da assembleia de
credores, art. 35, I, 'f', da Lei 11.101/05”.
Alega a agravante, em síntese, que: a) o plano de recuperação
judicial aprovado “vem sendo cumprido fielmente"; b) em levantamento do seu
patrimônio, apurou 9 imóveis avaliados em aproximadamente R$ 9.000.000,00, e
a dação em pagamento desses bens, em razão de seu “patrimônio expressivo”
(R$ 51.000.000,00), não prejudicaria a continuidade das atividades,
essencialmente porque seu passivo junto à União já alcança a importância de R$
36.565.482,00; c) o plano aprovado permite a realização de ativos (venda de
ativo imobilizado) para pagamento de credores; d) com a aprovação do plano, a
autorização pretendida pode ser concedida unicamente pelo juízo, sem
necessidade de manifestação dos credores; e) a dação em pagamento não
importará na modificação do plano, especialmente porque contribuirá com a
recuperação da devedora; e, f) o pleito não encontra óbice ao deferimento.
Requereu, diante disso, a concessão de medida liminar e, no
mérito, a reforma da decisão e o consequente provimento do recurso para que
lhe seja autorizada “a dação em pagamento dos imóveis de matrículas n. 5.722,
n. 7.634, n. 3.492, n. 3.491, n. 15.028, n. 15.645, n. 2.968, n. 2.969 e n. 13.352,
para fins de parcelamento e/ou quitação dos tributos junto à União” (fls. 1/152).
Indeferida a liminar (fls. 158/160) e transcorrido in albis o prazo para
apresentar contrarrazões, foram os autos remetidos ao representante do
Ministério Público, o qual lavrou parecer tão somente para conferir “caráter
meramente formal à intervenção” (fls. 169/171).
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Gab. Des. Torres Marques


VOTO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Polpa de Madeiras


Ltda. – em Recuperação Judicial em face da decisão interlocutória que não
conheceu do seu pedido de autorização para dação de imóveis em pagamento
de tributos junto à União, por considerar que somente aos credores competia
deliberar acerca do assunto.
Almeja a agravante, em síntese, oferecer nove imóveis (registrados
em diversos Ofícios de Registro de Imóveis comarcas de Clevelândia/PR, Bom
Retiro/SC, Santa Cecília/SC, Xanxerê/SC, Lages/SC e Itaiópolis/SC), avaliados
em aproximadamente R$ 9.000.000,00, para quitação parcial de débito fiscal
federal de R$ 36.565.482,00.
Embora o pedido de dação em pagamento tenha sido formulado de
maneira adequada na origem, com pronunciamento jurisdicional certo e
determinado, fato que permite a análise da questão por este Colegiado, a dação
em pagamento já foi indeferida em ocasião pretérita, uma vez que o julgador, sob
o mesmo entendimento, descreveu que competia à recuperanda promover a
retificação do plano de recuperação judicial, para posterior deliberação dos
credores.
Na espécie, a devedora igualmente interpôs agravo de instrumento,
que foi assim decidido por este Órgão Fracionário:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DAÇÃO EM


PAGAMENTO DE BENS IMÓVEIS. DECISÃO QUE DETERMINOU A EMENDA
DO PLEITO PARA QUE SE ADEQUE À APRESENTAÇÃO DE MODIFICAÇÃO
DO PLANO. IRRESIGNAÇÃO DA RECUPERANDA.
DÉBITOS TRIBUTÁRIOS FEDERAIS. DÍVIDA DE APROXIMADAMENTE
R$ 34.000.000,00 (TRINTA E QUATRO MILHÕES DE REAIS). AGRAVANTE
QUE ALMEJA EFETUAR A DAÇÃO EM PAGAMENTO DE 9 (NOVE) IMÓVEIS,
OS QUAIS TOTALIZAM R$ 10.000.000,00 (DEZ MILHÕES DE REAIS).
QUANTIA A SER DISPONIBILIZADA QUE SUPERA R$ 6.000.000,00 (SEIS
MILHÕES DE REAIS) O MONTANTE DESCRITO PELA RECORRENTE COMO
SALDO FINAL PARA QUITAÇÃO DOS CREDORES. MODALIDADE,
ADEMAIS, NÃO PREVISTA COMO MEIO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
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Gab. Des. Torres Marques


REALIDADE QUE CONFIGURA MODIFICAÇÃO DO PLANO. DECISÃO
MANTIDA.
RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento n.
4026812-57.2018.8.24.0900, de Lages, desta Relatoria, j. 4/2/2020).

E do corpo do voto:

A propósito, dos meios de recuperação a serem utilizados pela agravante


(previsto no plano), tem-se:
Para obter os recursos necessários a continuar operando e também
honrar as obrigações vencidas e vincendas declaradas no plano em tela, a
recuperanda oferece conjuntamente os seguintes meios, todos abrangidos
pelo art. 50 da Nova Lei de Recuperação Judicial:
1. Dilação de prazos das obrigações devidas, com redução linear,
negocial, de valores devidos, meio imprescindível, pela absoluta falta de
capital para disponibilização imediata para pagamento dos créditos,
conforme previsto no art. 50, inc. I, da Lei n. 11.101/2005;
2. Equalização de encargos financeiros relativos a financiamentos,
transação desses valores, conforme se vê no art. 50, incs. IX e XII, da Lei n.
11.101/2005;
3. Arrendamento de unidades produtivas para a obtenção de caixa livre
afim de pagar os credores da recuperação judicial;
4. Depuração técnica contábil para expurgar do quadro final de credores
débitos construídos de maneira ilícita e que são portanto indevidos.
5. A venda, mediante autorização, de ativos não operacionais ou que
deixem de ser operacionais, destinando o recurso ao pagamento dos
credores (fls. 80/81).
Quanto à fixação de premissas básicas para todos os credores, restou
incluído no pacto a previsão de que "o plano poderá ser alterado,
independentemente de seu cumprimento, a qualquer tempo, por assembleia
que pode ser convocada para essa finalidade, observando os critérios previstos
nos arts. 48 e 58 da LRF. O não cumprimento do plano não culminará em
falência imediata da empresa, devendo no caso, ser convocada assembleia de
credores para deliberação sobre alterações ao plano, ou eventual falência"
(premissa 6, fl. 82, com aprovação do plano à fl. 118 e homologado à fl. 130).
In casu, o togado singular não indeferiu o pedido de dação de imóveis em
pagamento de dívida tributária, porém ordenou que a agravante adequasse seu
pleito nos seguintes termos:
No que concerne a o pedido de dação em pagamento de imóveis, o
mesmo, na forma efetivada, não pode ser sequer conhecido.
Afirma a Lei 11.101/05: "art. 66. Após a distribuição do pedido de
recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos
de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz,
depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados
no plano de recuperação judicial".
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Gab. Des. Torres Marques


A petição não traça uma linha acerca utilidades desta dação, sendo
evidente que não cabe ao juiz tentar achar esta justificativa.
Porém, a dação em pagamento de imóveis pleiteada, que não são
poucos, representa verdadeira alteração do plano de recuperação judicial e
não pode ser efetivada mediante simples petição ao Juiz, pela gravidade,
sendo necessário que siga o rito de aprovação do plano de recuperação
judicial, prevista no art. 53 da mencionada Lei, com publicação de edital (art.
55) e possibilidade de objeção dos credores.
Havendo objeções, será avaliada a necessidade de convocação de
assembleia para alteração do plano, observado o contido no art. 45.
Assim, quando ao pedido de dação em pagamento dos imóveis,
determino a emenda ao pedido, adequando a forma acima disposta (fls.
135/136).
A razão principal utilizada pela recorrente para obter êxito em seu intento
foi a existência do procedimento de dação em pagamento de imóveis (Portaria
n. 32/2018), e, "vislumbrando tal possibilidade, a empresa recuperanda verificou
que possuí em seu ativo imobilizado os referidos bens [...] os quais possibilitam
a referida dação, para extinção de parte do seu débito tributário federal" (fl.
132).
Muito embora a dívida tributária federal alcance o valor aproximado de R$
34.000.000,00 (valor descrito pela própria recorrente, fls. 10 e 202), e os bens
valham algo em torno de R$ 10.000.000,00 (quantia igualmente descrita pela
agravante à fl. 11), ainda assim a quitação parcial (não vedada pelo art. 2º da
Portaria n. 32/2018-PGFN, como pretende fazer crer o Banco Safra S/A à fl.
647), encontra óbice na legislação de regência.
Primeiramente, a premissa 5 ventilada pela recorrente (a venda, mediante
autorização, de ativos não operacionais ou que deixem de ser operacionais,
destinando o recurso ao pagamento dos credores) refere-se aos credores
submetidos ao plano de recuperação judicial (consoante dicção do art. 59 da Lei
n. 11.101/2005), mas não se confunde com dação em pagamento.
Além disso, o referido instituto pretendido para adimplemento de
obrigações não constou no plano de recuperação judicial homologado em juízo,
fato que reclama a aplicação do art. 66 da Lei n. 11.101/2005 e, portanto, a
alienação dos bens deve ser autorizada pelo juiz mediante o reconhecimento da
utilidade da medida, "depois de ouvido o comitê".
Isso porque "a utilidade do ato é presumida em termos absolutos se
previsto no plano de recuperação judicial aprovado em juízo. [...] mas se não
constarem do plano de recuperação homologado ou aprovado pelo juiz, a
utilidade do ato para a recuperação judicial deve ser apreciada pelos órgãos
desta" (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação
de empresas. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 214).
Ademais, a pretensão inclui a dação em pagamento de 9 (nove) imóveis,
avaliados segundo a agravante em R$ 10.000.000,00, fato que corrobora a
necessidade de modificação do plano de recuperação judicial, porquanto
embora apresentado este em momento anterior à publicação da dita portaria, a
modalidade de adimplemento da obrigação já estava prevista na legislação
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Gab. Des. Torres Marques


como "meios de recuperação judicial" (art. 50, IX, da Lei n. 11.101/2005).
Ainda, o valor dos bens arrolado pela agravante supera em
aproximadamente R$ 6.000.000,00 a quantia que falta para "a quitação total do
plano" (fl. 14), cuja magnitude da pretensão não pode ser encarada como mera
alienação de imóvel e submissão da utilidade da medida ao juiz.
Sabe-se que "o devedor pode propor, quando antever dificuldades no
cumprimento do plano de recuperação, alterações em suas cláusulas, as quais
serão submetidas ao crivo dos credores". (REsp n. 1.700.487/MT, Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze,
Terceira Turma, j. 2/4/2019).
Diante disso, a pretensão da agravante deve ser precedida de: a)
publicação de edital para aviso aos credores; b) concessão de prazo para
manifestação; c) homologação judicial caso transcorrido in albis o interstício
oferecido; ou d) convocação de nova assembleia geral de credores para
deliberação (arts. 35, I, 'a' e 'f', 53, parágrafo único, e 55, da Lei n.
11.101/2005).
Em arremate, verifica-se que a recuperanda novamente solicitou na
origem a dação em pagamento dos imóveis (fls. 6.293/6.299, SAJ/PG), e o
julgador (com parecer favorável do representante do Ministério Público, fls.
6.610/6.613), considerou necessária a convocação de assembleia geral de
credores para deliberação (fls. 6.637/6.638).
Logo, fica mantida a decisão recorrida

Denota-se, portanto, que o comando recorrido nada mais fez do


que aplicar o posicionamento adotado por este Colegiado, ainda que o acórdão
tenha sido proferido posteriormente, fato que evidencia, sobretudo, a sintonia da
jurisdição ante a impossibilidade de dação em pagamento sem a oitiva dos
credores no caso concreto.
Serve, portanto, para solução da controvérsia suscitada, as
mesmas razões já decididas por esta Corte, acima citadas, em especial diante da
aplicação das regras de hermenêutica jurídica segundo as quais ubi eadem ratio
ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito)
e ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão de ser,
deve prevalecer a mesma razão de decidir).
Por fim, registre-se que embora a decisão tenha sido publicada na
vigência do Código de Processo Civil de 2015, a ausência de arbitramento de
honorários na origem, em razão da natureza do comando objurgado, obsta a
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Gab. Des. Torres Marques


fixação da verba em sede recursal.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

Gab. Des. Torres Marques

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