Cezar MarianaDosSantos D
Cezar MarianaDosSantos D
Cezar MarianaDosSantos D
CAMPINAS
2022
MARIANA DOS SANTOS CEZAR
CAMPINAS
2022
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Física Gleb Wataghin
Lucimeire de Oliveira Silva da Rocha - CRB 8/9174
Comissão Examinadora
Data: 25/02/2022
2.1 Aspectos gerais em pesquisas sobre Educação Matemática Crítica nos anos iniciais
do Ensino Fundamental...................................................................................................... 27
2.2 Processos de desenvolvimento e sentidos atribuídos ao empoderamento no âmbito
da produção acadêmica ...................................................................................................... 41
2.2.1 O que discutem no Brasil? ....................................................................................... 43
2.2.2 O que discutem em outros países? ........................................................................... 45
2.2.3 Discussões e resultados em diferentes contextos de ensino ..................................... 47
8.1 Diálogos na fase exploratória: “quem dialoga, dialoga com alguém sobre alguma
coisa” .................................................................................................................................. 149
8.1.1 Relatos da fase exploratória................................................................................... 151
8.2 Saberes em relações dialógicas: “não há saber mais ou saber menos, há saberes
diferentes” .......................................................................................................................... 158
8.2.1 Dialogando sobre diferentes saberes ...................................................................... 159
8.3 Dialogando sobre diferentes olhares ......................................................................... 165
8.3.1 Diferentes olhares sobre uma imagem ................................................................... 166
8.3.2 Diferentes olhares sobre uma situação do contexto matemático............................ 168
8.4 Dialogando sobre respeito aos diferentes saberes no contexto de sala de aula ..... 172
8.5 Diálogos a respeito da democracia ............................................................................ 178
8.6 Diálogos em Educação Matemática Crítica: “uma conversação com certas
qualidades” ......................................................................................................................... 186
8.6.1 Diálogos sobre o material didático ......................................................................... 186
8.6.2 Dialogando sobre cenários para investigação ........................................................ 188
8.7 De exercícios a cenários para investigação: o que podemos ensinar e aprender com
o tangram ........................................................................................................................... 194
8.8 A burocratização do sistema escolar em ação .......................................................... 200
8.9 O que podemos ensinar e aprender com folhetos .................................................... 201
A educação foi e tem sido libertadora. O conhecimento e a percepção crítica que hoje
temos da realidade são frutos de uma Educação Libertadora, Dialógica e Problematizadora
(FREIRE, 2018), que nos fez emergir2 da situação vivenciada para superar obstáculos, viver
em constante busca de ser mais3 e agir em prol da transformação da realidade. Nesse contexto,
o sentimento de libertação que aflora em nós, inquieta-nos, inspira-nos, empodera-nos, faz-nos
seguir em busca de uma formação docente que dialogue com aqueles e aquelas que se sentem
imersos em uma realidade que acreditam não ser possível transformar. Assim, por acreditar no
poder de transformação que a Educação Libertadora tem, apresentamos, nesta tese, o trabalho
de ação de formação realizado com cinco professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental
de uma escola estadual de São Paulo.
Por um período de nove meses, realizamos quinze encontros de formação continuada
que foram construídos coletivamente com as participantes. Os temas discutidos que
compuseram o conteúdo programático dos encontros foram escolhidos a partir do que as
docentes revelaram a respeito de seus saberes de experiência e de suas relações com o contexto
escolar. Assim, por meio da ação de formação, pautada em uma prática educativa libertadora,
construímos coletivamente um espaço dialógico e formativo no ambiente escolar, que visou
compreender o desenvolvimento do processo de empoderamento docente por intermédio de um
processo educativo de conscientização4 e discutir o ensino da matemática sob uma perspectiva
crítica5 com as professoras participantes.
Os caminhos percorridos para se chegar a essa ação, a escolha do tema empoderamento
docente, o problema de pesquisa, os contextos formativos, o que objetivamos com a
investigação que dá origem a esta tese, a caracterização da pesquisa bem como a estrutura da
1
Esta referência diz respeito à obra Pedagogia do Oprimido, que foi publicada pela primeira vez no Brasil na
década de 1970.
2
Na concepção freireana, a emersão se dá pela passagem de uma consciência ingênua para uma consciência crítica.
Nessa perspectiva, a emersão representa a busca de mulheres e de homens na construção de sua própria história.
3
Na concepção freireana, a busca do ser mais é a vocação ontológica do ser humano, por meio da qual busca
conhecer a si mesmo e ao mundo e luta pela conquista de sua liberdade (ZITKOSKI, 2019).
4
Segundo os princípios filosóficos, políticos e educacionais de Freire (1967, 2016, 2018, 2019a).
5
Tendo como base teórica e prática a Educação Matemática Crítica apresentada por Skovsmose (1994, 2001, 2007,
2008, 2014).
17
tese são elementos que serão descritos, respectivamente, nas seções seguintes. Nessa
oportunidade, convidamos o leitor e a leitora a conhecer os caminhos que trilhamos até o
presente momento.
Como as próximas linhas apresentam informações de cunho pessoal da pesquisadora,
optamos por descrevê-las na primeira pessoa do singular, contudo, ao adentrarmos nas linhas
subsequentes relacionadas a aspectos referentes à pesquisa, que apresentamos nesta tese,
optamos por descrevê-las na primeira pessoa do plural, pois entendemos que uma pesquisa não
se realiza apenas com as ideias do pesquisador ou da pesquisadora, mas que só se torna possível
graças a todos os agentes que colaboram, contribuem e fundamentam essa realização.
6
O paradigma do exercício, segundo Skovsmose (2008), é uma prática de ensino adotada em aulas tradicionais de
matemática. Os professores imersos na prática de ensino que é o paradigma do exercício tendem a ministrar aulas
expositivas nas quais um dos focos é a resolução e a correção de exercícios.
19
ao processo de emersão daquele mundo em que eu me encontrava e no qual inseria meus alunos
e minhas alunas. Foi aí que comecei a entender a educação como um ato de amor, como um
ato de coragem (FREIRE, 2019a)7. Foi aí que dei início ao meu processo de empoderamento
docente8.
Esse novo olhar a respeito da prática docente e do ensino da matemática me abriu portas.
Em 2008, enquanto atuava como professora dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino
Médio em Nova Venécia, fui convidada pela Secretária de Educação desse município para atuar
como formadora no âmbito de cursos de formação continuada para professores dos anos iniciais
do Ensino Fundamental e para professores de Matemática da Educação Básica. Foi nesse
momento que meu diálogo com a formação de professores se iniciou. Eu sabia que atuar como
formadora não seria uma tarefa fácil, pois estaria mediando cursos de formação em que parte
dos cursistas já haviam sido meus/minhas colegas de trabalho. Ao mesmo tempo, eu sabia que
essa era uma oportunidade de apresentar aos docentes participantes o meu olhar a respeito do
ensino da matemática e de compreender o olhar deles e delas também sobre o ensino dessa
disciplina. Na verdade, a formação se constituiu como um espaço de diálogo onde juntos,
formadora e cursistas, buscamos emergir do contexto matemático que a formação inicial tinha
nos proporcionado e, assim, produzir novos conhecimentos acerca de um ensino mais crítico e
menos mecanicista.
Foram três anos trabalhando com formação continuada de professores e, ao longo desse
tempo, também fui me aprimorando por meio de cursos complementares. Mas isso não era
suficiente e eu sentia a necessidade de dar continuidade ao processo de emersão, carecia de uma
formação que discutisse a Educação Matemática. Em outros termos, eu me sentia inconclusa,
inacabada9. Foi então por estar consciente do meu inacabamento, que entrei na constante busca
de ser mais.
Em 2010 ingressei como estudante no programa de Pós-graduação Lato Sensu em
Ensino na Educação Básica, área de concentração Matemática, da Ufes. Nesse momento, o
diálogo com a formação de professores se intensificou, pois optei pela linha de pesquisa
7
Esta referência diz respeito à obra Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, que teve
sua primeira edição publicada no Brasil em 1996.
8
O processo de empoderamento, nesta perspectiva, diz respeito a um processo de conscientização, que requer uma
tomada de consciência da realidade, para que as situações vivenciadas sejam compreendidas como possibilidades
de ser mais e para que o ser incida sobre essas situações com ações, que lhe permitirão a transformação da
realidade.
9
Utilizamos os termos inconclusa e inacabada na perspectiva freireana. Para Freire (2018), todos os seres são
inconclusos, pois estão em constante evolução; e são inacabados porque são imperfeitos, mas é a consciência que
temos dessa inconclusão e desse inacabamento, que nos faz ser seres de busca, seres de transformação.
20
10
Para a obtenção do título de mestre pelo programa Educimat é necessária a escrita de uma dissertação (como no
mestrado acadêmico) e a produção de um produto educativo.
21
Emergir dessa situação equivaleria a retornar para a sala de aula, exercer a profissão
para a qual fui formada, vivenciar o cotidiano escolar dentro do espaço da sala de aula, local
onde eu me sentia livre e autônoma para ensinar e aprender. Foi então que, em 2015, prestei
concurso público para a vaga de professora da Educação Básica, Técnica e Tecnológica do Ifes
no campus de Nova Venécia. Aprovada no concurso retornei efetivamente à sala de aula no
início de 2016, lecionando para turmas do Ensino Médio, Técnico e Superior.
No mesmo ano, recebi uma solicitação de professores da região para retomar o trabalho
com a formação continuada. Assim, implementamos nos anos de 2016 e 2017, um curso de
extensão para professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental
(Proemef), ofertado pelo Ifes, com o intuito de refletir e de discutir sobre as temáticas das
tendências em Educação Matemática.
Por meio desse curso, identifiquei que algumas temáticas a respeito das tendências, em
especial, a Educação Matemática Crítica, eram desconhecidas entre as cursistas. Além disso, as
insatisfações relatadas pelas cursistas em relação à escassez de espaços de formação continuada,
que proporcionassem momentos de reflexão sobre a prática e que estimulassem o pensar crítico
(FREIRE, 2019a), me fizeram entender que a formação continuada precisa oportunizar o
exercício de repensar a prática pedagógica, utilizando as potencialidades do próprio profissional
para tal reflexão.
Por meio da experiência que tive no Proemef, me coloquei na posição de repensar a
minha própria prática enquanto mediadora de processos formativos. Isso porque compreendi
que utilizar as potencialidades dos professores para refletir sobre a prática é respeitar seus
saberes de experiência e utilizá-los como ponto de partida do processo de formação. Mas, para
que isso ocorra, é essencial conhecê-los, é fundamental escutar ativamente os professores, é
preciso estabelecer uma relação dialógica entre os sujeitos, por meio da qual o conteúdo
programático da formação vai se constituindo. Compreendi também que o meu papel como
mediadora não é falar a minha visão ou tentar impô-la aos docentes, mas dialogar com eles e
elas sobre a sua e a minha (FREIRE, 2018). Tal postura é condição indispensável para que o
diálogo se estabeleça e para que o espaço de formação se torne um espaço democrático.
Com a experiência no Proemef, ampliei meu diálogo com a formação de professores
dos anos iniciais do Ensino Fundamental e percebi que precisava conhecer mais o contexto
educacional e a realidade docente nesse nível de escolaridade. Assim, consciente do meu
inacabamento e na busca de ser mais, em 2018 iniciei o doutorado em Ensino de Ciências e
Matemática, adotando como linha de pesquisa a formação de professores.
22
Assim, a pesquisa de doutorado, que aqui vos apresento, foi motivada pelas experiências
vivenciadas ao longo de minha carreira profissional como mediadora de cursos de formação,
em especial, a última experiência, no Proemef, que me fez optar por pesquisar sobre a formação
de professores nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
11
O uso do verbo na primeira pessoa do plural iniciou neste parágrafo, pois a partir desse trecho tratamos de
aspectos que se referem mais diretamente à pesquisa.
23
12
O mapeamento e as análises serão apresentados no capítulo dois desta tese.
13
Contextos formativos, nesta tese, representam todos os espaços do âmbito educacional que promoveram a
formação: os espaços de encontros coletivos, de prática em sala de aula, de planejamento de aulas de Matemática
e de reflexão sobre a prática.
14
Para Vieira Pinto (1960), as situações-limite representam a fronteira entre o ser e o ser mais, pois conforme
explica Freire (2018), essas situações não devem ser tomadas como obstáculos à libertação do ser humano, mas
como barreiras a serem superadas para que essa libertação ocorra.
24
Segundo Freire (2018, p. 126, grifo do autor), os atos-limite “[...] implicam uma postura decisória frente ao
15
possibilite interpretar a realidade e agir sobre ela para transformá-la; e o papel sociopolítico de
empoderar os indivíduos.
O tema Empoderamento tem sido estudado e discutido em diferentes esferas da
sociedade e no âmbito educacional. As pesquisas do âmbito educacional que serão apresentadas
objetivaram com a temática discutir o empoderamento no sentido de emancipar, de libertar, de
fortalecer e de promover a justiça social. Além disso, objetivaram discutir a Educação e a
Educação Matemática como um instrumento de empoderamento ou de desempoderamento, sob
a perspectiva de uma Teoria Crítica de ensino.
Na busca a dissertações e teses utilizamos, como principais acervos, o Catálogo de Teses
e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), para
identificarmos pesquisas que foram desenvolvidas no Brasil, e o Google Scholar, para
identificarmos pesquisas que foram desenvolvidas em outros países. Já para a busca a artigos,
utilizamos a base de dados da Biblioteca Eletrônica Scientific Eletronic Library Online
(SciELO) e o Google Scholar. Essas análises contribuíram para a escolha de teorias,
procedimentos metodológicos, instrumentos de produção de dados, levantamento de hipóteses
e, principalmente, para a consolidação do problema de pesquisa.
A seguir, descrevemos aspectos relevantes provenientes de nossa análise. Os trabalhos
são apresentados em duas seções. A primeira seção16 contempla aspectos gerais da Educação
Matemática Crítica em contextos de sala de aula, com estudantes dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, e apresentará discussões sobre essa temática em processos formativos de
professores. A segunda seção apresenta as pesquisas que discutiram o desenvolvimento de
processos de empoderamento com estudantes e professores e/ou abordaram discussões teóricas
sobre essa temática.
2.1 Aspectos gerais em pesquisas sobre Educação Matemática Crítica nos anos iniciais do
Ensino Fundamental
O primeiro contato que tivemos com o tema empoderamento, no âmbito educacional,
procedeu das leituras realizadas das obras de Ole Skovsmose. O teórico descreve o tema
refletindo o seu potencial no ensino da matemática, explicitando que a matemática, dependendo
da forma e do objetivo para o qual é ensinada, pode empower ou disempower um indivíduo. Os
termos empower e disempower são utilizados por Skovsmose (2008) para indicar que a
16
Essa primeira seção também se encontra em formato de artigo, que pode ser acessado por meio do link
https://revistas.pucsp.br/index.php/emp/article/view/50543. Acesso em 10 jan. de 2021.
28
Quadro 1: Classificação de dissertações e teses do acervo Capes identificadas pelo descritor “Educação
Matemática Crítica” no período17 de 2002 a 2019
17
Esse período foi apresentado pelo portal Capes. Os trabalhos antecedentes à 2013 registrados na plataforma não
apresentavam arquivos. Esses foram pesquisados na plataforma Google Scholar ou no repositório Institucional.
29
18
Se compararmos aos números dos outros níveis de escolaridade: anos finais do Ensino Fundamental, Ensino
Médio e Ensino Superior.
30
identificarmos que, das 15 pesquisas com foco no Ensino Superior (F10), apenas uma19 discutiu
a temática na Graduação em Pedagogia, e, das 26 pesquisas apresentadas de F12 a F14, 21
foram desenvolvidas com professores de Matemática (F12).
Amplamente, portanto, podemos observar que discussões sobre Educação Matemática
Crítica têm conquistado espaço na Educação Básica. Isso, pois, ao considerarmos os números
de F1 a F9, sem nos adentrarmos no fato de que os demais focos também continham algum
envolvimento na Educação Básica, temos uma representatividade de cerca de 49% das
pesquisas desenvolvidas. No entanto, consideramos que ainda é preciso avançar com tal
abordagem na Educação Básica, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, que
teve como representatividade apenas 5% das pesquisas (F1, F2 e F13).
Apesar da visível preocupação com a formação crítica e reflexiva do indivíduo,
identificada no fato da maior parte das pesquisas serem realizadas com estudantes, salientamos
a necessidade de ampliar discussões em processos formativos de professores para que eles/elas
possam atuar como formadores críticos e dar continuidade ao trabalho que, em alguns casos, é
desenvolvido apenas pelo pesquisador ou pesquisadora20.
Em continuidade, apresentamos, no quadro 2, a classificação dos trabalhos encontrados
no acervo SciELO. Eles foram classificados e quantificados quanto ao público-alvo ou foco da
pesquisa e ao país de desenvolvimento.
Quadro 2: Classificação de artigos do acervo SciELO identificados pelo descritor “Educação Matemática
Crítica” no período21 de 2010 a 2019
19
Esse dado foi omitido no quadro, mas encontra-se em nossos registros.
20
Apesar de não identificarmos ou quantificarmos, neste texto, essas pesquisas, tal fato poderá ser observado nas
descrições dos trabalhos selecionados para a revisão bibliográfica.
21
Esse período foi apresentado pelo acervo SciELO.
31
22
A respeito de ideologia da certeza e de poder formatador ver em Borba e Skovsmose (2001).
34
Amaral (2012) realizou o levantamento bibliográfico na base de dados Capes. Para tal,
utilizou o descritor “Educação Matemática Crítica” e obteve como resultado 90 dissertações e
27 teses, no período de 2007 a 2010. Após a leitura dos resumos, escolheu 3 trabalhos para a
meta-análise (BIOTTO FILHO, 2008; LIPP, 2009; BORGES, 2009), por meio dos critérios:
trabalhos que apresentaram como quadro teórico a Educação Matemática Crítica e que trataram
dos conteúdos da Aritmética nos anos iniciais.
As pesquisas analisadas por Amaral (2012) objetivaram: investigar as possibilidades de
trabalhar com projetos que proporcionassem reflexões sociais e políticas e entender como a
matemática se fez presente nesse processo de reflexão; compreender o processo de
desenvolvimento da criticidade dos estudantes por meio das atividades de uma unidade de
aprendizagem de matemática sobre o uso de álcool na adolescência; e compreender as atitudes,
motivações e valores de adolescentes em aulas de Matemática, em suas relações com a dinâmica
escolar e com o universo cultural. A primeira pesquisa foi realizada fora do contexto escolar
com um grupo de jovens e as duas últimas foram desenvolvidas com estudantes em sala de aula.
A pesquisadora não informou o nível de escolaridade dos estudantes, então realizamos uma
busca aos trabalhos analisados e identificamos que os estudantes participantes não tinham faixa
etária para cursarem os anos iniciais do Ensino Fundamental. Dos dois trabalhos encontrados,
Biotto Filho (2008) e Lipp (2009), o primeiro foi realizado com um grupo de estudantes com
idades de 13 a 26 anos que cursavam desde os anos finais do Ensino Fundamental, Ensino
Médio e até Cursos Técnicos, e o segundo, com estudantes dos anos finais do Ensino
Fundamental. Diante dessa constatação, não compreendemos em que momento foi discutida a
temática conteúdos da Aritmética nos anos iniciais, e o porquê de tal nível de escolaridade ter
sido mencionado por Amaral (2012) como critério de seleção.
Dando continuidade à nossa análise, nos resultados da meta-análise, a pesquisadora
identificou preocupações com aspectos teóricos da Educação Matemática Crítica, nos trabalhos
analisados, são eles: matemacia, exercício, cenários para investigação e modelo de cooperação
investigativa. Em sua análise, Amaral (2012) observou que as pesquisas tiveram como intuito
motivar os estudantes e educá-los para a atuação consciente. No entanto, concluiu que as
pesquisas “[...] não deram a devida importância aos assuntos matemáticos”23, pois “[...] não
explicitam o tratamento da aritmética que emergem em aulas de Matemática, seguindo os
propósitos da Educação Matemática Crítica [...]”24, uma vez que, para a pesquisadora, “[o]
23
AMARAL, 2012, p. 56.
24
Ibid., p. 57.
35
25
Ibid., p. 57.
26
A respeito de cidadania crítica-planetária ver em: GADOTTI, M. Cidadania Planetária: pontos para a reflexão.
Conferência Continental das Américas. Cuiabá- MT: [s.n.], 1998.
36
27
Segundo Penteado e Skovsmose (2008), a zona de risco é uma zona em que a situação educativa em sala de aula
possui um certo grau de imprevisibilidade tanto para estudantes quanto para professores, o que indica que o ensino
e a aprendizagem podem apresentar novas possibilidades e novos desafios. Essa zona, para os autores, se contrapõe
à zona de conforto, que possui muita previsibilidade e controle da situação educativa – elementos característicos
das aulas tradicionais.
37
que oportunizou aos estudantes novas possibilidades de refletir e agir criticamente a matemática
em contextos de educação financeira. Tais resultados, mostram a importância de se propor
espaços formativos que possibilitem aos professores dos anos iniciais conhecer novos
paradigmas de ensino, novas metodologias e novas possibilidades, que visem o ensino da
matemática sob uma perspectiva crítica.
Silva (2018) analisou como professores colocam em prática atividades de Educação
Financeira propostas em livros didáticos. O pesquisador identificou que os docentes reduziam
o significado de Educação Financeira ao trabalho com sistema monetário e que o material
didático era pouco utilizado. No entanto, em algumas práticas em sala de aula, Silva (2018)
observou evidências de abordagens voltadas à criação de cenários para investigação e de
situações dialógicas que proporcionaram a saída da zona de conforto. Por fim, o pesquisador
indicou a necessidade e a importância de serem desenvolvidas ações de formação continuada
com essa temática para professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Oliveira (2017) analisou como o trabalho com Educação Financeira vinha sendo
abordado nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para tal, analisou livros didáticos,
acompanhou aulas e realizou entrevistas com as professoras participantes. Como resultados,
observou que os materiais didáticos usados para o ensino propagavam uma Educação
Financeira limitada às finanças pessoais em um viés de consumo, de poupar hoje para comprar
amanhã. No entanto, os temas – consumo consciente de energia elétrica; compreensão do querer
versus o precisar, ao trabalhar o respeito ao sonho do outro; e lucro e prejuízo – discutidos pelas
professoras nas aulas de Matemática, em complemento ao material didático, romperam com o
paradigma do exercício, no qual se encontravam as atividades postas nos livros didáticos,
adentrando, assim, em cenários para investigação, a partir da condução adotada pelas
professoras participantes.
Oliveira (2017), assim como Chiarello (2014) e Silva (2018), defendeu que a temática
deve ser proposta e discutida em espaços de formação continuada e que as atividades
desenvolvidas ocorram em uma perspectiva crítica, transpondo o entendimento limitado da
Educação Financeira como processos de compra e venda.
Ainda sobre Educação Financeira nos anos iniciais, com o olhar voltado para os
estudantes, Silva, R. M. (2016) averiguou como a criação de cenários para investigação dessa
temática influenciam a aprendizagem, apoiam o desenvolvimento da cidadania e promovem a
reflexão, o diálogo e a descoberta. Como resultados, o pesquisador verificou que as atividades
desenvolvidas ofereceram elementos que estimularam o diálogo, dando mais visibilidade aos
38
estudantes por meio de suas experiências vividas em seus grupos socioculturais, possibilitando
o desenvolvimento de uma formação crítica.
A discussão sobre o diálogo tem sido recorrente nos trabalhos aqui levantados e
discutidos. O diálogo vem sendo indicado como um processo colaborativo, indispensável para
a abertura de discussões, para a exploração de perspectivas dos participantes, para o
desenvolvimento de reflexões críticas e para a construção de novas perspectivas.
Sobre esse tema, Faustino (2018) investigou como professoras do 3º e do 5º ano em
interação com os estudantes colocam o diálogo em ação nas aulas de Matemática dos anos
iniciais do Ensino Fundamental. A pesquisadora preocupou-se em analisar a atuação das
professoras nos processos dialógicos com os estudantes, pois, segundo Faustino (2018), um
processo de ensino e de aprendizagem associado à aprendizagem crítica da matemática tem de
buscar alternativas de comunicação, e o diálogo se concretizou como uma alternativa a essa
perspectiva. Para tal finalidade, a pesquisadora propôs a realização de um projeto intitulado
Meio Ambiente e Matemática e, em parceria com as professoras das turmas, planejaram
coletivamente as ações a serem desenvolvidas. Durante os encontros de elaboração do projeto,
foram discutidos os conceitos de cenários para investigação e de diálogo na perspectiva da
Educação Matemática Crítica. Por um semestre, a pesquisadora acompanhou o
desenvolvimento do projeto estando presente nas aulas como observadora participante.
Os resultados da pesquisa de Faustino (2018) mostraram que a comunicação
estabelecida entre estudantes e professores pode ser caracterizada como dialógica por envolver
investigações, manter a igualdade, apresentar argumentos e por se adentrar na zona de risco.
Segundo a pesquisadora, o diálogo abriu espaço para que os estudantes se compreendessem
como seres produtores de cultura e conhecimento, compartilhassem diferentes expectativas e
cooperassem entre si durante a aprendizagem matemática.
As relações dialógicas também estiveram presentes na pesquisa de Ronchetti (2018). O
pesquisador analisou a aprendizagem das grandezas massa e comprimento, por meio dos atos
dialógicos e das representações semióticas dos objetos matemáticos, em uma atividade de
Modelagem Matemática na perspectiva sociocrítica28, de estudantes dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Para tal finalidade, optou por trabalhar com Modelagem Matemática com base
em situações-problema da realidade dos estudantes.
28
A respeito de Modelagem Matemática na perspectiva sociocrítica ver em: BARBOSA, J. C. Integrando
Modelagem Matemática nas práticas Pedagógicas. Educação Matemática em Revista, SBEM, São Paulo, Ano
14, n. 26, p. 17 - 25, 2009.
39
sujeito com o meio; Carrijo (2014), porque, nas pesquisas que analisou, as ações de tomada de
consciência, de inserção na realidade, de desenvolvimento da autonomia e emancipação foram
implementadas em prol de uma dita cidadania; Silva, R. M. (2016), por propor cenários para
investigação como um caminho para o desenvolvimento daquilo que denominou cidadania. Já
no trabalho de Amaral (2012, p. 57) atentamos para a afirmação “[o] tratamento rico e rigoroso
dos assuntos matemáticos é fundamental para o exercício da cidadania e para a intervenção na
realidade [...]”, não ser entendida como uma forma tradicional da Matemática de preparar os
indivíduos para atenderem às necessidades da sociedade liberal capitalista, caminho este oposto
ao proposto pela Educação Matemática Crítica no que diz respeito àquilo que designou por
cidadania crítica.
Por fim, destacamos a presença do conceito de autonomia nas pesquisas de Carrijo
(2014), Teres (2014) e Ronchetti (2018). Em Carrijo (2014), a autonomia é identificada como
uma condição inerente à cidadania. Em Teres (2014) e Ronchetti (2018) o termo é abordado
como consequência do trabalho com atividades de cunho investigativo, por meio da Modelagem
Matemática. Na Educação Matemática Crítica, a autonomia é uma das características
desenvolvidas no processo dialógico, o que ratifica seu desenvolvimento nos trabalhos
mencionados.
Os conceitos de diálogo, autonomia e cidadania assumiram um lugar de relevo nessa
discussão por entendermos que, no desenvolvimento do processo de empoderamento, o diálogo
é o ponto de partida, a autonomia é uma característica a desenvolver pelo indivíduo e a
preparação para a cidadania crítica é uma das premissas do processo. Dessa forma, as discussões
a respeito da Educação Matemática Crítica mostraram que o ensino da matemática sob uma
perspectiva crítica pode contribuir para o desenvolvimento de características29 no processo de
empoderamento como tomada de consciência, autonomia, liberdade, comprometimento,
apreensão da realidade, curiosidade epistemológica, entre outras, e para a construção de uma
consciência crítica, que seja capaz de refletir e agir para a transformação da realidade.
29
O aprofundamento das discussões a respeito das características que podem ser desenvolvidas no processo de
empoderamento será realizado no capítulo três desta tese.
42
das relações sociais, culturais, políticas e econômicas, a temática tem conquistado espaço no
campo da Educação e da Educação Matemática em diferentes níveis de ensino.
Com vistas a compreender como o processo de empoderamento tem sido tratado nesses
campos, realizamos uma busca a pesquisas que desenvolveram ações empoderadoras ou que
abordaram discussões teóricas acerca do tema. Para tal finalidade, adotamos os descritores:
Empoderamento, Educação Matemática Crítica, Professores dos anos iniciais e Matemática. Os
descritores foram combinados para afinar a busca e identificar discussões mais próximas da
nossa proposta de pesquisa. Para os acervos Capes e SciELO utilizamos a combinação:
Empoderamento AND Matemática e Empowerment AND Mathematics, respectivamente. Para
a base de dados Google Scholar, utilizamos a combinação: Empowerment AND “Primary
Teachers” AND “Critical mathematics education”.
As combinações se distinguem pela quantidade de trabalhos que apresentaram, por
exemplo: quando usamos a combinação Empowerment AND Mathematics na base de dados
Google Scholar, foram-nos apresentados 13.600 resultados. Ao afinar a busca para
Empowerment AND “Critical mathematics education”, encontramos 1.070 resultados. Como a
nossa pretensão era identificar pesquisas que discutissem o tema em processos formativos de
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, optamos por afinar a busca ainda mais
com a combinação Empowerment AND “Primary Teachers” AND “Critical mathematics
education”, o que nos resultou em 26 trabalhos, entre artigos, dissertações, teses e 16 trabalhos
entre capítulos de livros e livros.
No caso dos acervos Capes e SciELO, a dimensão de trabalhos foi diferenciada, pois ao
usarmos a combinação Empoderamento AND Matemática foram-nos apresentados 32 trabalhos
na Capes e ao utilizarmos Empowerment AND Mathematics no SciELO foram-nos
apresentados 6 trabalhos. Como consideramos este um número reduzido, optamos por não
afinar mais a busca, uma vez que limitaríamos as possibilidades de discussão.
Dos 80 trabalhos analisamos – por meio de seus resumos, palavras-chave e, em alguns
casos, também por suas metodologias – classificamos 64 trabalhos30, entre artigos, dissertações
e teses. Após essa análise e classificação, foram selecionados 12 trabalhos de países e regiões
variadas para compor mais detalhadamente a revisão bibliográfica. A escolha desses trabalhos
se baseou no critério: trabalhos que discutiram o empoderamento no campo da Educação e da
Educação Matemática.
30
Optamos por analisar e classificar artigos, dissertações e teses, não analisando e classificando capítulos de livros
e livros pela multiplicidade de capítulos e pela falta de acesso livre, em sua maioria.
43
Quadro 4: Classificação de dissertações e teses do acervo Capes identificadas pela combinação Empoderamento
AND Matemática no período de 2013 a 2019
31
Esse período foi apresentado pelo portal Capes.
44
O interesse por esse público também foi identificado no levantamento das pesquisas com o
descritor Educação Matemática Crítica, como já mencionado anteriormente.
Diante desses dados, levantamos a hipótese de que o tema empoderamento é recente em
termos de discussão e desenvolvimento no âmbito educacional e que, em contextos e grupos
sociais, esse tema se manifesta com mais representatividade. Outra hipótese possível
encontrada nas discussões, que Berth (2020) realiza sobre o tema, é que o fato do termo
empoderamento ser utilizado em contextos em que não há uma criticidade sobre a temática, faz
com que ele seja criticado e incompreendido, portanto, sua utilização pode ser evitada em
alguns contextos, como o contexto educacional. Por outro lado, o fato de não termos, conforme
ressalta Baquero (2012), uma tradução genuína para a palavra empowerment na língua
portuguesa, faz com que o neologismo empoderamento seja substituído por termos32 como
emancipação, fortalecimento, libertação, potencialização, entre outros, que assumem sentido
semelhante ao termo empoderamento.
Dessa forma, salientamos a necessidade de compreendermos a criticidade do termo
empoderamento para a construção de uma consciência crítica e a importância de sua utilização
em contextos educacionais. Para que isso aconteça, é preciso promovermos discussões e ações
que possibilitem o desenvolvimento do empoderamento de estudantes e de professores, em
especial nos iniciais do Ensino Fundamental33, bem como ampliarmos pesquisas que descrevam
como o empoderamento se desenvolve no âmbito coletivo, e qual o papel da Educação e da
Educação Matemática nesse processo.
Por fim, com uma análise mais aprofundada por meio da leitura da metodologia e da
localização da palavra empoderamento ao longo de todo o texto dos 32 trabalhos, identificamos
que, em alguns casos34, o tema foi citado como elemento constituinte da fundamentação teórica,
mas não utilizado no processo de desenvolvimento da pesquisa.
32
Optamos por não utilizar esses outros termos como descritores, pois ampliariam o campo de pesquisas a serem
consultadas, assim como o número de trabalhos a serem analisados, o que ocasionaria o direcionamento de nosso
olhar para outros âmbitos que não constituem foco de nossa análise.
33
Enfatizamos a necessidade de promovermos discussões e ações nos anos iniciais do Ensino Fundamental, por
entendermos que esse nível de escolaridade é uma das etapas em que os estudantes iniciam, no âmbito escolar, a
produção de conhecimentos. Portanto, é necessária a formação de indivíduos críticos e refletivos desde os anos
iniciais, assim como de pensarmos em uma formação docente que possibilite o empoderamento da classe que
atuará nessa base de ensino.
34
Esses casos serão apresentados na subseção Discussões e resultados em diferentes contextos de ensino, deste
capítulo.
45
Quadro 5: Classificação de artigos do acervo SciELO identificados pela combinação Empowerment AND
Mathematics no período de 2013 a 2018
35
Esse período foi apresentado pelo acervo SciELO.
36
Esse período foi apresentado pelo acervo Google Scholar.
46
Quadro 6: Classificação de trabalhos do acervo Google Scholar identificados pela combinação Empowerment
AND “Primary Teachers” AND “Critical mathematics education” no período de 1996 a 2020
Estados Unidos 01
Professores de Biologia Quênia 01
Professores do Ensino Superior Grã-Bretanha e Brasil 01
Holanda 01
Austrália 01
Estados Unidos 01
Estudo Teórico
Austrália, Nova Zelândia e Nova 01
Guiné
Inglaterra 01
Estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental Itália 01
Noruega e Suécia 01
Estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e 01
Israel
do Ensino Médio
Austrália 02
África do Sul 02
Estudantes do Ensino Superior Namíbia 01
Estados Unidos 02
Indonésia 01
Estudantes e professores dos anos iniciais do Ensino 01
Países do Pacífico
Fundamental
Estudantes e Professores dos anos finais do Ensino 01
Namíbia
Fundamental
Currículo Estados Unidos 01
Revisão Bibliográfica Espanha 01
Análise de material didático Alemanha 01
Turquia 01
Total 26
Fonte: Google Scholar com autoria própria.
de tradução genuína para o termo na língua portuguesa – não se sustentam nas pesquisas
realizadas em outros países, uma vez que os trabalhos não relatam essa problemática. O que
sustentamos é a necessidade de ampliarmos as discussões sobre a temática no contexto de
formação e prática docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois também observamos
que em outros países esse público não é foco das pesquisas. Além disso, ratificamos que, assim
como no Brasil, é preciso ampliarmos em outros países pesquisas que descrevam como o
empoderamento se desenvolve no âmbito coletivo, e qual o papel da Educação e da Educação
Matemática nesse processo.
relevant advanced
mathematics knowledge
Fonte: SciELO e Google Scholar com autoria própria.
orientado pela e
Educação Matemática Matemática
Crítica: reflexões
acerca do crescimento
urbano do município de
Colatina
Exploring the HAIMBODI, Doutorado Namíbia Google 2019 Estudantes e
incorporation of mental Frans em Filosofia Scholar professores dos
arithmetic into primary Ndemupondaka anos finais do
School mathematics: a Ensino
case of Oshana region, Fundamental
Namibia
Fonte: Capes e Google Scholar com autoria própria.
Iniciamos nossa análise com o estudo teórico de Stinson e Walshaw (2017) que
apresentaram uma introdução às tradições teóricas que estão sendo usadas para desafiar o status
quo – promovido pelo ensino tradicional – tradições que fornecem novas formas de
entendimento e que se baseiam nas teorias existentes, mas que também as alteram. O estudo,
dividido em seções – esboço teórico sobre mudanças no âmbito da Educação Matemática ao
longo de 50 anos e mapeamento dos principais momentos na pesquisa em Educação Matemática
à medida que evoluiu para um domínio de pesquisa em si mesmo – abriu espaço para discussões
e buscou provocar reflexões sobre diferentes possibilidades para a pesquisa em Educação
Matemática e para o ensino e a aprendizagem da matemática. Das tradições teóricas
apresentadas interessou-nos as que dizem respeito à Teoria Crítica.
Em um panorama geral de seu surgimento, os pesquisadores evidenciaram que as
aplicações da Teoria Crítica na Matemática e na Educação Matemática começaram a destacar-
se na literatura na década de 1980, com os trabalhos de Frankenstein (1983)37 e Skovsmose
(1985)38. Com sua origem associada à Escola de Frankfurt, por volta da década de 1920, a
Teoria Crítica possuía uma perspectiva marxista que, no entanto, estendeu-se para além das
críticas ao capitalismo, ao materialismo, ao positivismo, entre outros, ao ir contra a ideia de
abordagens unificadoras à crítica social e política.
Stinson e Walshaw (2017) relataram que, no contexto educacional, as investigações
baseadas na Teoria Crítica atuaram ou atuam para despertar uma percepção das injustiças
sociais que, por sua vez, motivam o empoderamento e a transformação social. Mas, para além
das pesquisas sobre as injustiças incorporadas, inclusive, nas estruturas escolares, o contributo
37
FRANKENSTEIN, M. Critical mathematics education: An application of Paulo Freire’s epistemology. Journal
of Teacher Education, v. 165, n. 4, p. 315 - 339, 1983.
38
SKOVSMOSE, O. Mathematical education versus critical education. Educational Studies in Mathematics, v.
16, p. 337 - 354, 1985.
50
teórico da Teoria Crítica tem sido o desenvolvimento de uma Pedagogia Crítica. Essa pedagogia
valoriza e baseia-se nos saberes, culturas e experiências individuais e coletivas de estudantes e
professores.
Segundo os pesquisadores, na Educação, um dos principais representantes da Pedagogia
Crítica é Paulo Freire. Oposto ao ensino “bancário”, Freire (2018) defende uma pedagogia
problematizadora na qual estudantes e professores desenvolvem a percepção crítica da forma
como existem no mundo. Na Educação Matemática, a Pedagogia Crítica tem-se manifestado
no desenvolvimento da Educação Matemática Crítica e no ensino da matemática para a justiça
social. Stinson e Walshaw (2017) destacaram Skovsmose (1994), Gutiérrez (2002) e Gutstein
(2006) como principais representantes da Educação Matemática Crítica. Para Skovsmose
(1994) a Educação Matemática Crítica é caracterizada por identificar problemas sociais e
soluções plausíveis, e por reagir às injustiças sociais. Na visão de Gutiérrez (2002) a Educação
Matemática Crítica reconhece estudantes e professores como membros de uma sociedade rica
em poder hegemônico, permeada de cultura, onde o fazer matemático precisa abordar questões
sociais e políticas. Em complemento, Gutstein (2006) discorre a respeito de ler e escrever o
mundo com matemática. Ler para entender as relações de poder, as desigualdades, a
discriminação explícita ou implícita baseadas na raça, classe, língua, gênero e outras. Escrever
para reescrever, ou seja, para mudar o mundo na e por meio da matemática, visto que os
conhecimentos matemáticos são necessários para sobreviver e para prosperar na cultura
dominante.
Diante disso, Stinson e Walshaw (2017) veem nas pesquisas desenvolvidas pelos
autores citados um caminho para transformar a matemática num instrumento de
empoderamento para todos.
A Teoria Crítica descrita por Stinson e Walshaw (2017) encontrou espaço na prática,
nos trabalhos de Naukushu (2016) e Haimbodi (2019). Ambos desenvolveram suas pesquisas
na região da Namíbia localizada no Sul da África. Naukushu (2016) realizou um estudo com
professores de Matemática secundária39, em formação inicial, na Universidade de Namíbia.
Com o objetivo de verificar a eficácia de uma intervenção com fundamentos na Teoria Crítica,
o pesquisador propôs e avaliou novas abordagens para a compreensão do sentido de número.
O que nos chamou a atenção para esse trabalho foi a discussão teórica a respeito da
Teoria Crítica, empoderamento e a relação estabelecida entre esses conceitos e o grupo de
39
Esses professores lecionam da 8ª a 12ª séries, de acordo com a forma que é organizada o ensino na região da
Namíbia.
51
professores participantes. Desenvolvida em uma região atingida pelo Apartheid – sistema que
considerava os negros inferiores aos brancos, inclusive, em aprendizagens matemáticas – onde
os recursos para os sistemas educacionais de escolas de pessoas de raça negra eram inferiores
aos destinados às escolas de raça branca, o pesquisador identificou que o complexo de
superioridade, implantado pelo Apartheid, foi uma das causas do subdesenvolvimento de
conhecimentos matemáticos de diversos estudantes namibianos. Assim, vislumbrou na Teoria
Crítica uma possibilidade de libertação dos professores participantes – provenientes, em sua
maioria, da região de Namíbia – das marcas deixadas pelos poderes hegemônicos da era do
Apartheid a que o sistema educacional foi submetido.
Entre os teóricos que fundamentaram a pesquisa de Naukushu (2016), Paulo Freire é
citado como um representante da Teoria Crítica, uma vez que encarava a aprendizagem e a
alfabetização como projetos políticos, e entendia que a pobreza e o analfabetismo estavam
relacionados às estruturas sociais opressivas e aos poderes dominantes na sociedade. Além
disso, o pesquisador destacou o poder que a Educação Matemática tem de empoderar ou
desempoderar, pois a aprendizagem efetiva da matemática pode resultar em empoderamento e
participação democrática, assim como também em marginalização e exclusão, fato que pode
ser comprovado no período do sistema do Apartheid.
Os resultados apresentados por Naukushu (2016) mostraram que o estudo com base na
Teoria Crítica realizado em Namíbia contribuiu para a formação de indivíduos capazes de
questionar e promover transformações progressivas do status quo – predominante sobre suas
comunidades de origem –, uma vez que, ao compreender as circunstâncias socioculturais e as
respectivas histórias dos professores participantes, tendo como foco discussões sobre o sentido
de número, possibilitou refletir a respeito das formas de opressão na qual o povo namibiano foi
submetido no passado, e que deixaram suas marcas no presente.
Haimbodi (2019) analisou como estava a Educação Matemática em turmas de 7º ano de
Oshana, região norte de Namíbia, observando as estratégias mentais adotadas por estudantes e
professores em cálculos aritméticos nas aulas de Matemática.
O estudo foi dividido em duas fases. Na primeira, o pesquisador realizou observações
em sala de aula, entrevistas com os professores e testes com os estudantes. Na segunda, realizou
workshops para a formação dos docentes em estratégias de cálculos aritméticos. Em seu aporte
teórico, trouxe discussões a respeito da Educação Matemática Crítica e da Teoria Crítica, sendo
os principais representantes Ole Skovsmose e Paulo Freire.
52
professores, isto é, como eles/elas usavam seus conceitos, de forma eficaz ou ineficaz, em suas
salas de aula, e quais eram as barreiras que as impediam de ser implementadas.
Os trabalhos que discutiram o empoderamento de estudantes e professores abordaram a
temática como consequência de ações desenvolvidas em processos de ensino. Tais ações, como
participação democrática em reinvindicações de direitos, análise crítica da sociedade,
compreensão da complexidade das múltiplas culturas da sociedade, participação ativa em aulas
como membros de um grupo, incentivo a atuarem como investigadores empenhados em
transformar o seu ambiente para melhorar a aprendizagem e a vida, entre outros, permitiram
que estudantes e professores se vissem como protagonistas em seus contextos de vida.
Por fim, as reflexões advindas das questões críticas realizadas por Dogan (2012)
mostraram que o discurso embutido nos documentos orientava os estudantes a usarem seus
conhecimentos matemáticos em benefício de corporações privadas, em vez de bem-estar
público, substituindo, em problemas matemáticos, a vida real pela vida das classes média e alta.
Outrossim, tal discurso promovia, também, tanto o nacionalismo, por ignorar a existência de
grupos étnicos e não muçulmanos vivendo na Turquia, quanto o uso de expressões sexistas.
Sendo assim, esses mesmos dizeres foram entendidos como precursores de processos
promotores de desempoderamento de estudantes e professores por meio do ensino da
matemática.
As discussões a respeito da matemática como instrumento de empoderamento ou
desempoderamento de estudantes e professores também foram foco nos trabalhos de Reyes-
Gasperini e Cantoral (2014) e Valero (2017).
Reyes-Gasperini e Cantoral (2014) descreveram o empoderamento como um processo
que atende à profissionalização docente do ponto de vista socioepistemológico40 por meio da
problematização do saber matemático escolar. Para tal, os pesquisadores construíram uma
unidade de análise socioepistêmica com base nas dimensões social, epistemológica, cognitiva
e didática, em matemática, e utilizaram-na para identificar mudanças na prática docente de um
professor dos anos finais do Ensino Fundamental de uma escola mexicana.
Para os pesquisadores é primordial que se questione e problematize os saberes
matemáticos com o intuito de construir uma unidade que permita a problematização do saber
matemático escolar para, assim, estabelecer uma discussão com o docente sobre a essência dos
40
É entendida pelos pesquisadores mencionados como uma teoria que estabelece uma análise do conhecimento
social, histórico e culturalmente existentes, tratando os fenômenos de produção e difusão do conhecimento. Essa
teoria considera que é no discurso da matemática escolar que residem os maiores conflitos do ensino e da
aprendizagem matemática.
54
saberes escolares. Dessa forma, segundo a narrativa dos pesquisadores, o docente começará a
viver um processo de empoderamento cuja problematização lhe permitirá construir sua própria
prática.
Com a finalidade de caracterizar o empoderamento docente como um fenômeno de
caráter social, Reyes-Gasperini e Cantoral (2014) utilizaram diversos enfoques, dentre eles, o
educativo e o docente, com os trabalhos de Home e Stubbs (1998)41 e Stolk et al (2011)42. Tais
projetos objetivaram promover o empoderamento docente, fornecendo ferramentas para os
professores realizarem novas práticas em sala de aula e desenvolverem uma atitude de
liderança, confiança e melhoria em suas ações, detendo a liberdade de direcionar seu próprio
crescimento.
Como resultados dessa investigação, os pesquisadores consideraram que a construção
de uma unidade socioepistêmica baseada na problematização do saber matemático, a partir de
um estudo socioepistemológico, é capaz de permitir a avaliação e a incorporação em um
processo de empoderamento docente tendo como ponto de partida a problematização do saber
matemático. Por fim, nessa pesquisa, o empoderamento docente pode ser visto como um
mecanismo para abordar o fenômeno da exclusão social e para redefinir o discurso matemático
escolar – meio pelo qual a exclusão se estabelece – em prol da democratização.
Valero (2017), por sua vez, realizou uma revisão da literatura com a intenção de mostrar
como o crescente desejo de que todos tenham acesso à matemática caminha lado a lado com os
processos classificatórios que impedem o acesso a ela. Em sua análise metodológica, a
pesquisadora caracterizou diferentes posturas a respeito de como a Educação Matemática é
política e, portanto, pode ou não pode se relacionar com a democratização, com a justiça social
e a equidade. Uma delas é a apropriação que o Estado faz sobre a educação como um importante
elemento de governo e, portanto, de controle. Para a pesquisadora, a educação se tornou um
assunto político e de política pública para a formação dos indivíduos desejados pelo Estado, e
a Matemática entra como componente importante do currículo e como parte central da educação
obrigatória para todos, sendo tais conhecimentos, vistos pelo Estado, como promissores para o
desenvolvimento de capacidades mentais e de comportamento para a estruturação do novo
indivíduo. Essas concepções, vistas como assunto de bem-estar social e de democracia, geram,
41
HOWE, A. C.; STUBBS, H. S. Empowering Science Teachers: A Model for Professional Development. Science
Teacher Education, New Jersey, v. 8, n. 3, p. 167 – 182, Aug. 1998.
42
STOLK, M. J.; et al. Exploring a Framework for Professional Development in Curriculum Innovation:
Empowering Teachers for Designing Context-Based Chemistry Education. Research in Science Education,
Grenoble, v. 41, n. 3, p. 369 – 388, 2011.
55
segundo Valero (2017), uma classificação e uma exclusão cada vez mais brutal das pessoas de
acordo com seus conhecimentos matemáticos.
Nesse aspecto, Valero (2017) ressalta que a ideia de que a matemática empodera quem
a aprende deve ser discutida, uma vez que a visão de empoderamento tem, no entanto, diferentes
sentidos, especialmente na forma como o empoderamento e a aprendizagem matemática se
relacionam com a justiça social e a equidade. Na descrição desses sentidos, a pesquisadora
identificou três tipos de empoderamento: o empoderamento intrínseco43, o empoderamento de
usos e aplicações e o empoderamento crítico44. Na perspectiva de Valero (2017), o primeiro
entende que, se a aprendizagem da matemática empodera, é porque tem algo essencial do
conhecimento matemático que é “transferido” para aqueles que conseguem se apropriar dela; o
segundo, não se fundamenta no que um conhecimento matemático fornece ao indivíduo, mas
sim, na capacidade do indivíduo de usá-lo na abordagem de problemas; o terceiro, considera
que o empoderamento não está no conhecimento matemático e nem na capacidade de uso da
matemática, mas na possiblidade de reconhecer não apenas a contribuição da matemática na
construção do bem-estar e do progresso, como também reconhecer sua contribuição na geração
de destruição e riscos para os seres humanos e para a sociedade.
Diante dessas três concepções, observamos que o empoderamento tanto pode incluir, se
pensarmos na perspectiva do empoderamento crítico, como excluir, se pensarmos na
perspectiva do empoderamento intrínseco e de usos e aplicações. Nesse sentido, Valero (2017)
alerta para não adotarmos a narrativa de que as capacidades matemáticas dão características
morais e éticas às pessoas, a ponto de serem utilizadas para a política pública, como forma de
justiça social, integridade e inclusão. Tal adoção pode nos colocar em um espaço onde a lógica
de exclusão é difícil de alterar.
Pelinson (2015), Boone (2018) e Crisan (2020) trazem discussões a respeito do
empoderamento em contextos de relações sociais, para tomada de decisões e para compreender
conceitos e aprender metodologias.
Pelinson (2015) desenvolveu uma pesquisa que teve por objetivo identificar as
contribuições da Educação Financeira para o empoderamento dos jovens campesinos, ao
pensarem seu projeto profissional de vida, no final do Ensino Médio. Esse trabalho de campo
43
Uma discussão mais detalhada sobre essa visão pode ser encontrada em Skovsmose e Valero (2012).
SKOVSMOSE, O; VALERO, P. Rompimiento de la neutralidad política: el compromiso crítico de la educación
matemática con la democracia. Educación matemática crítica: Una visión socio-política del aprendizaje y
enseñanza de las matemáticas. Bogotá: Ediciones Uniandes, p. 25 – 61, 2012.
44
O trabalho de Skovsmose (1999) é exemplo dessa perspectiva.
SKOVSMOSE, O. Hacia una filosofía de la educación matemática crítica. Bogotá: Una Empresa Docente,
1999.
56
foi planejado em três etapas: etapa exploratória, pesquisa de campo e análise de documentos.
A produção de dados foi realizada por meio de gravações dos encontros, observação, caderno
de anotações e questionários que foram aplicados durante todos os encontros. Para esta
descrição, vamos nos ater à segunda etapa. A etapa pesquisa de campo foi dividida em
encontros presenciais nos quais se propuseram estudos, debates e avaliações das atividades
desenvolvidas pelos jovens. O estudo discutiu o gerenciamento de propriedades, a realização
de bons negócios, a redução de gastos e o como poupar. Para dar significado ao empoderamento
neste contexto, Pelinson (2015) trouxe à tona o background, o foreground45 e as expectativas
de cada jovem para o desenvolvimento de seu projeto com visão de futuro. Como resultado, a
pesquisadora destacou que o projeto contribuiu para o empoderamento dos jovens na tomada
de suas decisões, uma vez que pensaram em novas possibilidades para suas vidas, num
movimento de refletir o passado, repensar o presente e planejar o futuro.
Boone (2018) buscou compreender o desenvolvimento do processo de empoderamento
no contexto das relações sociais em sala de aula com estudantes de 7º ano do Ensino
Fundamental. Para tal, desenvolveu uma prática pedagógica cuja temática foi o crescimento
urbano do município de Colatina – ES. Durante o desenvolvimento da prática os dados foram
produzidos por meio de questionário, entrevistas, gravações em áudio, portfólios de atividades
realizadas pelos estudantes e diário de bordo da professora pesquisadora. Ao longo da atividade,
os estudantes identificaram aspectos e problemas da realidade que antes não eram observados,
e analisaram as representações teóricas propostas e efetivadas pelo poder público. Com isso,
apreenderam a realidade que estavam inseridos de forma reflexiva e crítica, passando a
questioná-la, e propuseram intervenções para modificá-la, o que evidenciou, segundo Boone
(2018), o desenvolvimento do empoderamento.
O empoderamento também pode ser entendido no sentido de possibilitar a produção de
determinado conhecimento. No estudo de Crisan (2020) esse sentido foi utilizado. A
pesquisadora investigou de que forma relacionar conhecimento matemático avançado ao
conhecimento de matemática escolar, empoderando os professores conceitualmente e
metodologicamente. Os resultados mostraram que, mesmo quando os professores possuem um
conhecimento matemático avançado, eles/elas não estão necessariamente conscientes das
manifestações desse conhecimento no currículo que atende a matemática escolar, portanto
precisam de direcionamento para desenvolverem essa consciência e torná-la explícita. Nesse
45
Para Skovsmose (2014, p. 35), “[o] background da pessoa refere-se a tudo o que ela já viveu, enquanto que o
seu foreground refere-se a tudo que pode vir a acontecer com ela”. Além disso, o foreground diz respeito às
oportunidades que as condições sociais, políticas, econômicas e culturais proporcionam ao indivíduo.
57
A pesquisa com abordagem qualitativa caracterizada como estudo de caso traz, em sua
análise de dados, trechos de entrevistas realizadas com docentes participantes do Programa
Meninas Digitais, projeto que tem como objetivo aproximar meninas do contexto da
programação de computadores e da área de CTEM. Nos trechos, a pesquisadora identificou e
classificou as ações de empoderamento feminino que versam sobre diálogo, transformação na
sociedade, percepção crítica da realidade, libertação como ato social e educação
problematizadora. Por fim, os resultados dessa investigação levantaram a hipótese de que a
causa da iniquidade de gênero na área de CTEM está diretamente articulada com as relações de
gênero configuradas sob o olhar androcêntrico presente nos ambientes acadêmicos e do
mercado de trabalho de desenvolvedores de tecnologia.
Sousa (2017) desenvolveu um estudo de natureza qualitativa interpretativista, que teve
por objetivo analisar indícios de conhecimento para a prática pedagógica docente
interdisciplinar. Na sua investigação, a ação desenvolvida foi um curso de formação continuada
intitulado “Letramento em Práticas Interdisciplinares de Ensino” denominado projeto de
letramento, destinado a professores de Ciências e Matemática. O objetivo do curso, segundo a
pesquisadora, foi promover reflexões e vivências a respeito da elaboração, implementação e
avaliação de projetos de letramento para o ensino e a aprendizagem de temas referentes ao
desenvolvimento sustentável, e que fossem de interesse da comunidade.
Apesar de o estudo de Sousa (2017) não discutir explicitamente o desenvolvimento do
empoderamento, ele aponta discussões relevantes sobre o tema. Ao trabalhar na perspectiva
metodológica dos projetos de letramento, a pesquisadora buscou uma formação colaborativa e
crítica, capaz de empoderar os professores como agentes de letramento para favorecer sua
emancipação e a de seus estudantes. Esse empoderamento, segundo a pesquisadora, ocorre
porque os estudos do letramento46 utilizados na pesquisa são pautados na teoria da ação social,
descrita por Marques (2016)47. Nessa perspectiva, o estudo de Sousa (2017) indicou o
empoderamento dos professores participantes como agentes de letramento, numa demonstração
46
O letramento envolve formas de ser, ouvir, falar, escrever, agir, compreender, entres outras. Nesse sentido, a
prática escolar possibilita a inserção dos estudantes nas práticas de letramento do mundo do trabalho e nas demais
práticas cidadãs. Assim, fornece aos educandos recursos que lhes permitam refletir criticamente sobre fatos e
problemas sociais. “Essa perspectiva de letramento adquire sentido crítico, contribuindo para o empoderamento
de alunos das classes sociais menos favorecidas” (MARQUES; KLEIMAN, 2017, p. 12).
47
MARQUES, I. B. A. S. A formação de professores de língua portuguesa: projetos de letramento, agência e
empoderamento. In: KLEIMAN, A. B.; ASSIS, J. A. Significados e ressignificações do letramento:
desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a escrita. Campinas: Mercado de Letras, p. 111 – 142,
2016.
59
Segundo essa lógica, para os opressores seria fundamental manter o controle sobre a
mente dos oprimidos, pois transformar a mentalidade dos oprimidos no lugar de sua situação
oprimida é essencial à manutenção da dominação. É contra essa educação bancária que Freire
(2018) luta por uma Educação Libertadora, que busca por meio da reflexão e da ação,
transformar a condição de dependência e de opressão das classes oprimidas em independência.
Essa concepção de educação possui caráter reflexivo, portanto, busca elucidar a realidade por
meio da emersão das consciências. Tal ato não é dado nem depositado nos indivíduos, mas
dialogado com eles/elas.
Quando falamos a respeito de dialogar, não estamos falando de qualquer forma de
comunicação, estamos falando da essência de um ato reflexivo que, para Freire (1967), não se
resume a uma simples conversação, nem tampouco a um comunicado, mas a uma relação
horizontal e amistosa entre sujeitos, que se intercomunicam. Nesse viés, o diálogo é o caminho
por meio do qual mulheres e homens refletem e agem no mundo em busca de sua transformação.
Sob essa perspectiva, o diálogo ocorre com os outros e não sobre os outros. Dialogar
com os outros é possibilidade de construção, de mudança e, portanto, de luta. Um suposto
“dialogar” sobre os outros é comunicado, portanto, não é diálogo. Só há diálogo se há escuta e
pronúncia do mundo. Por isso, Freire (2018, p. 109) afirma que:
O diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o
refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e
humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro,
nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos
permutantes.
diferenciam conforme a maneira que esses seres captam, interpretam e transformam o mundo.
Diferentemente do animal, que se constitui como um ser fechado em si e, portanto, incapaz de
afastar-se epistemologicamente de sua atividade para exercer um ato reflexivo, o ser humano,
enquanto ser histórico, capaz de repensar o ontem, viver o hoje e refletir o amanhã, tem
consciência de sua atividade e, por isso, pode refletir e transformar sua condição no mundo.
Segundo Freire (2019b, p. 107, grifos do autor)48:
Somente homens e mulheres, como seres “abertos”, são capazes de realizar a
complexa operação de, simultaneamente, transformando o mundo através de sua ação,
captar a realidade e expressá-la por meio de sua linguagem criadora. E é enquanto são
capazes de tal operação, que implica “tomar distância” do mundo, objetivando-o, que
homens e mulheres se fazem seres com o mundo.
Isso ocorre porque mulheres e homens são seres de relações, não apenas de contato,
podem integrar-se ao mundo e modificá-lo e não simplesmente adaptar-se a ele, pois estão com
o mundo e não apenas no mundo. Estar com o mundo, na perspectiva freireana, é captar os
desafios advindos da sua relação com ele.
Para Freire (1967), uma das formas de captação dos desafios se dá na descoberta da
temporalidade, quando o ser humano percebe a dimensionalidade do tempo. Mulheres e homens
existem no tempo, incorporam-no, modificam-no e, por não estarem presos a um hoje imutável,
emergem no tempo, diferentemente do animal que não tem historicidade, estando, portanto,
imerso num tempo unidimensional, num hoje constate. Por esse motivo, o ser humano pode
transcender a dimensão natural – relacionada ao aspecto biológico que faz dele um ser de
adaptação, incapaz de alterar a realidade, mas capaz de alterar-se para adaptar-se – e
desenvolver a dimensão histórico-cultural, que, pelo seu poder criador, faz dele um ser de
integração, capaz de transformar a realidade. Dessa forma, a possibilidade que os seres humanos
têm de transformar a realidade constata a criticidade que há nas relações entre eles e o mundo.
Dotados de consciência de si e do mundo, os seres humanos “[...] vivem uma relação
dialética entre os condicionantes e sua liberdade” (FREIRE, 2018, p. 125). São capazes de
afastar-se epistemologicamente de sua atividade para exercer um ato reflexivo e, ao separarem
sua atividade de si mesmos, ultrapassam as situações-limite.
Ao longo da vida, encontramos situações que representam barreiras, obstáculos a serem
superados, as situações-limite. Essas situações, para Vieira Pinto (1960, p. 284, grifos do autor):
[...] não são a fronteira entre o “ser” e o “nada”, mas a fronteira entre o “ser” e o “mais
ser”. Não são a abertura para a transcendência metafísica ou religiosa [...], mas a
abertura para a transcendência histórica. Não são o contorno infranqueável onde
48
Esta referência diz respeito à obra Ação Cultural para a liberdade e outros escritos, que foi publicada pela
primeira vez no Brasil na década de 1970.
64
terminam todas as possibilidades, mas a margem real de onde começam as mais ricas
possibilidades.
Nessa perspectiva, o limite não é o contorno entre o que é possível e o que não é possível,
o limite é a margem das possibilidades, é a fronteira entre o ser que se é e o ser que se busca
ser. Em outras palavras, as situações representam nossos desafios e o limite representa a
fronteira das possibilidades de superar esses desafios.
Freire (2018), ao abordar as situações-limite, sob a concepção de Vieira Pinto (1960),
destaca que tais situações não devem ser tomadas como barreiras intransponíveis, como se além
delas nada existisse, mas, pelo contrário, devem ser entendidas como dimensões desafiadoras
sobre as quais mulheres e homens devem agir por meio dos atos-limite – que se configuram
como atos que buscam a superação das situações-limite e, por meio de “[...] ações de
substituição, fundam-se na negação do dado, no não querê-lo, e dirigem-se à criação do inédito
inexistente” (VIEIRA PINTO, 1960, p. 283). Nesse contexto, criar o inédito inexistente ou
inédito viável – conforme denomina Freire (2018) – é exteriorizar-se à situação e agir para
transformá-la. Quando mulheres e homens refletem e agem para superar as situações-limite, o
inédito viável se torna a concretização, a realização do que antes era considerado inviável.
É importante destacar que as situações-limite são constituídas por contradições que
podem produzir no indivíduo uma aceitação passiva dos fatos. Isso pois, na medida em que
mulheres e homens analisam as situações de forma acrítica, compreendem-nas como barreiras
à sua liberdade e condicionam-se à situação existente, conformando-se com a impossibilidade
de mudá-la. Além disso, reforçam os discursos fatalistas neoliberais que, para encobrir as
mazelas causadas pelo capitalismo, justificam que “[...] as coisas se dão assim porque não
podem dar-se de outra maneira” (FREIRE, 2019c, p. 122)49.
Freire (2018), ao discorrer sobre a situação concreta de opressão dos oprimidos, enfatiza
que os oprimidos, em sua dualidade existencial50, hospedam os opressores de tal forma que
refletem a estrutura de dominação. Desse modo, assumem atitudes fatalistas mediante a situação
em que se encontram, acreditando que tal situação advém do destino, da sina e até mesmo da
vontade de Deus. Contudo, esse fatalismo, segundo o autor, é fruto de uma situação histórica,
social e não uma condição essencial da maneira de ser do povo.
Analisando essa condição oprimida sob o viés da consciência, pode ser mencionado que
o discurso fatalista neoliberal busca manter sua “superioridade” introjetando, no povo oprimido,
49
Esta referência diz respeito à obra À Sombra desta mangueira, que foi publicada pela primeira vez no Brasil em
1995.
50
São oprimidos, mas internalizam o opressor.
65
falácias produtoras de uma consciência ingênua que os mantêm na condição de oprimidos. Por
isso, conforme enfatiza Freire (2018, p. 101, grifo do autor), é tão necessário para os opressores
a conservação de uma educação bancária que “[...] insiste em manter ocultas certas razões que
explicam a maneira como estão sendo os homens no mundo e, para isto, mistifica a realidade”.
A educação bancária, a serviço da dominação e da manutenção do status quo de uma sociedade
opressora, inibe a criatividade, domestica a consciência, inviabiliza o diálogo e nega às
mulheres e aos homens a sua vocação ontológica de ser mais, isto é, a vocação de criar, de
transformar o mundo enquanto sujeito ativo da própria história.
O caminho do ser para o ser mais é a possibilidade de apreender as situações-limite
como situações a ser superadas. Na medida em que mulheres e homens apreendem essas
situações como barreiras a serem rompidas, se recusam a aceitá-las e agem para mudá-las.
Nesse caso, a situação-limite “[é] o estado da consciência coletiva que não quer mais ser o que
é, não aceita mais continuar a existir nas circunstâncias habituais e exprime a nova compreensão
do seu ser sob forma de veemente protesto contra a realidade” (VIEIRA PINTO,1960, p. 284).
Quando nos conscientizamos a esse ponto, a realidade que nos cerca torna-se uma situação-
limite a ser superada.
É sob esse aspecto que a Educação Libertadora atua, desvelando a realidade por meio
da qual mulheres e homens vão depreendendo, criticamente, suas condições de existência.
Perceber essas condições de maneira crítica é comprometer-se na práxis com a sua
transformação. Na medida em que mulheres e homens transformam a realidade opressora,
superam as situações-limite e se engajam em constantes processos de libertação. Assim, em vez
de compreenderem as situações-limite como barreiras intransponíveis, incidem sobre elas com
atos-limite, que são as ações próprias da consciência crítica.
identificamos, por meio dos trabalhos acima descritos, que a concepção de Educação
Libertadora, defendida por Paulo Freire, é o que buscávamos para subsidiar o processo de
empoderamento docente. Dessa forma, descrevemos, nesta seção, como compreendemos o
processo de empoderamento docente e suas relações com a Educação Libertadora.
1960 nos Estados Unidos. Essas lutas fizeram com que o termo empoderamento fosse utilizado
como sinônimo de emancipação social. Assim, o empoderamento pode ter suas origens na
Reforma Protestante, mas na contemporaneidade se expressa nos movimentos sociais contra os
sistemas de opressão e nas lutas pelos direitos civis de uma significativa parcela da população
que busca emancipação política e direito à cidadania.
Na década de 1970, esse conceito foi influenciado pelos movimentos de autoajuda. Na
década de 1980, pela psicologia comunitária e, nos anos 1990, por movimentos que buscaram
reforçar o direito da cidadania sobre diferentes âmbitos da vida social (BAQUERO, 2012). Na
atualidade, o empoderamento também se expressa nos movimentos sociais, como os
movimentos feministas, antirracistas, homossexuais, entre outros, que lutam por
reconhecimento, por respeito, por dignidade, por valorização, ou seja, por direitos. No entanto,
como destaca Berth (2020), atualmente o termo empoderamento é muito criticado e
incompreendido, não por seu significado, mas pela falta de criticidade ao se debater o tema.
Além disso, o conceito de empoderamento tem sido incorporado por agências
internacionais, como o Banco Mundial, e por governos, como instrumentos de legitimação para
a manutenção de uma ordem e/ou para a manutenção de práticas assistencialistas que visam
exercer controle social sobre grupos oprimidos (BERTH, 2020). E ainda, conforme explicam
Horochovski e Meirelles (2007), o empoderamento também tem sido usado nos discursos
neoliberais em defesa de um desenvolvimento alternativo que, visando o crescimento
econômico, não logrou acabar com a exclusão social, mas a promoveu, na medida em que
deixou em segundo plano as preocupações com o aumento das desigualdades sociais oriundas
da precarização do trabalho, do elevado índice de desemprego e da marginalização.
Desse modo, falar em empoderamento é estar diante de um conceito complexo, com
múltiplas possibilidades e sentidos. Por esta razão, é preciso cuidado ao expor ideias e
entendimentos sobre o tema, pois é preciso ter cautela e doses generosas de reflexão crítica.
derivada de outra já existente – empowerment. Esse fato tem sido motivo para que o uso de sua
tradução para o nosso idioma seja evitado. Por consequência, teóricos como Freire e Shor
(1986) e Skovsmose (2008, 2014) optam, em suas obras, por manter a escrita dessa palavra no
original, em inglês.
Freire e Shor (1986) explicam que, devido à riqueza da palavra empowerment – que
pode significar: dar poder a; ativar a potencialidade criativa; desenvolver a potencialidade
criativa do sujeito ou dinamizar a potencialidade do sujeito –, utilizam, em seus diálogos, o
termo sem traduzi-lo para o nosso idioma. Consoante a essa perspectiva, Skovsmose (2008,
2014) também mantém o termo em sua língua original, mas adota traduções próximas, como
“potencialização” e “libertação”, embora reconheça as limitações dessas traduções.
Baquero (2006), ao discutir a respeito do empoderamento a partir de diferentes pontos
de vista, ratifica que o termo empowerment não existe na língua portuguesa e a diversidade de
sentidos que lhe são atribuídos em textos no idioma em português – colocando-o como
sinônimo de “empoderamento”, “apoderamento” ou “emancipação” – revelam a dificuldade de
realizar uma tradução genuína de empowerment para o nosso idioma.
Diante disso, qual o significado de empoderamento em sua língua original? Segundo o
dicionário online da Universidade de Cambridge – Dictionary Cambridge – empowerment
significa “dar a alguém autoridade oficial ou a liberdade de fazer algo, conferir poder a”
(EMPOWERMENT, 2020, s. p., tradução nossa). Já no dicionário online de português, embora
esse termo não possua uma tradução fidedigna para o nosso idioma, empoderamento significa
“[a] ação de se tornar poderoso, de passar a possuir poder, autoridade, domínio sobre: processo
de empoderamento das classes desfavorecidas” (EMPODERAMENTO, 2020, s. p.).
No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de
Lisboa, conforme menciona Baquero (2012), o neologismo empoderamento encontra-se
consignado e registrado na Base de Dados Morfológica do Português como um anglicismo, que
significa obtenção, alargamento ou reforço do poder.
Sumariamente, a partir da descrição dessa variedade de significados, conforme ressalta
Berth (2020), o neologismo empoderamento significa “dar poder”. Mas, a que poder esta
investigação se refere? O poder pode ser entendido a partir de diferentes concepções. Por
exemplo, na concepção de Foucault (2010, 2019), existe uma microfísica do poder que perpassa
o nível estatal – não se reduzindo a esse nível – e se perpetua por toda a sociedade. O poder,
nesse viés, se exerce em rede e deve ser analisado como algo que funciona em cadeia, pois
circula entre os indivíduos, de modo que estão em posição de ser submetidos a ele e de exercê-
69
lo. Em outras palavras, o poder se configura como uma prática social historicamente situada,
de tal modo que as relações de poder ultrapassam o nível estatal e se estabelecem no âmbito
das diferentes instituições da sociedade (escolas, prisões etc.).
Na perspectiva de Arendt (2021), o poder é inerente a qualquer comunidade política e
corresponde à habilidade humana de agir em conjunto. Dessa forma, o poder parte de uma ação
coletiva e se mantém enquanto o grupo permanecer unido. Para a autora, o declínio do poder
pela falta de ação conjunta é um convite à violência.
Na concepção freireana, conforme explica Gadotti (2019), existe uma relação de poder,
a relação entre opressor-oprimido – relação de mando e de subordinação. Nessa relação, o poder
é centralizado nos opressores e gera os despossuídos de poder – os oprimidos. Para que haja
uma descentralização desse poder, Freire (2018) defende a necessidade de democratizar as
relações, e isso só é possível com a libertação dos oprimidos. Para tal fim, é preciso fortalecer
os laços entre os oprimidos e reinventar o poder para que todas as pessoas possam exercê-lo.
Assim, adquirir poder é libertar-se da condição de oprimido, libertando, também, o opressor.
Nessas primeiras linhas, apresentamos o trajeto de construção acerca do entendimento
do termo empoderamento. Assim, se sumariamente empoderamento significa “dar poder” e o
poder pode ser entendido a partir de diferentes concepções, adotamos a concepção freireana de
poder. Portanto, empoderamento com base nessa concepção de poder, significa libertação.
Além dos significados da palavra empoderamento, Labonte (1994) e Baquero (2012)
assinalam outro fator: a utilização do termo como verbo transitivo ou intransitivo. Como
transitivo, segundo os autores mencionados, empoderar significa dar poder a outro e envolve
um sujeito que age sobre um objeto. Esse sujeito é visto como agente de empoderamento, como
sendo o ator controlador, que define os termos da interação entre os empoderados e os
desempoderados. O objeto é um indivíduo ou um grupo relativamente desempoderado, que
recebe a ação externa, numa atitude passiva. Dessa forma, o empoderamento como verbo
transitivo pode condicionar o indivíduo desempoderado a uma condição de opressão, devido ao
fato de este ser visto como objeto e não como sujeito do processo.
Como verbo intransitivo, o empoderamento envolve a ação do próprio sujeito, é um
processo por meio do qual as pessoas adquirem controle sobre suas vidas, tornando-se, portanto,
empoderadas. Para Baquero (2012), essa compreensão envolve tornar os outros capazes ou
auxiliá-los a desenvolver habilidades para obterem poder por meio de seus próprios esforços.
Cabe salientar que, a utilização do termo empoderamento precisa ser refletida tanto em
relação ao seu uso como verbo transitivo quanto como verbo intransitivo. Nos dois sentidos,
70
Por esse ângulo, o empoderamento é mais do que uma descoberta individual, ele emerge
de um processo de ação coletiva que se dá na interação entre indivíduos que buscam uma
transformação social. Refletindo a esse respeito, com a atenção voltada para o contexto
71
51
Esta referência diz respeito à obra Educação e Mudança, que foi publicada pela primeira vez no Brasil em 1979.
52
Esta referência diz respeito à obra Conscientização, que foi publicada pela primeira vez no Brasil em 1979.
73
para que haja a conscientização, é preciso atuar sobre a realidade para transformá-la, é preciso
o ato de ação-reflexão (práxis).
É possível relacionar a tomada de consciência com a apreensão das situações-limite,
assim como é possível compreender o desenvolvimento crítico da tomada de consciência no
exercício dos atos-limite, pois na medida em que o indivíduo toma consciência da realidade,
vai percebendo que existem situações-limite a ser superadas. No momento em que a percepção
crítica se instaura, o indivíduo exerce atos-limite que visam à transformação da realidade. Nesse
processo, a prática do desvelamento da realidade associa-se à prática da transformação da
realidade e, portanto, à tomada de consciência, autêntica a conscientização.
No processo de conscientização, Freire (1967, 2020) apresenta três estados distintos da
consciência: a consciência intransitiva, a transitiva ingênua (consciência ingênua) e a
transitiva crítica (consciência crítica).
A consciência intransitiva “[...] resulta de um estreitamento no poder de captação da
consciência [da realidade]. É uma escuridão a ver ou ouvir os desafios que estão mais além da
órbita vegetativa do homem” (FREIRE, 2020, p. 51). Nesse estado de consciência, os
indivíduos centram seus interesses em formas mais vegetativas de existência. Suas
preocupações restringem-se ao que é necessário para a manutenção da vida e sua esfera de
captação da realidade e apreensão dos problemas é limitada. Esses indivíduos, nesse estado de
consciência, têm a tendência de acreditar que a condição oprimida na qual podem se encontrar
é sina, é vontade de Deus.
Segundo Freire (1967), mulheres e homens são capazes de captar os dados da realidade,
com seus problemas, seus fenômenos, mas, também, de captar seus vínculos causais. Ao
apreender essa causalidade, compreendem-na criticamente. Por outro lado, quando essa
causalidade não é compreendida em profundidade, o indivíduo tem uma percepção mágica ou
supersticiosa da realidade, pois está imerso na realidade que lhe é posta.
Quando mulheres e homens são provocados a refletir sobre as questões que lhes são
postas, inicia-se o processo de emersão da realidade (FREIRE, 1967). Nesse processo, ampliam
seu poder de captação de seu entorno, logo a consciência intransitiva se promove em transitiva
ingênua (consciência ingênua). Contudo, essa nova consciência, ainda é mágica e, portanto,
ingênua, pois
[...] se caracteriza, entre outros aspectos, pela simplicidade na interpretação dos
problemas. Pela tendência a julgar que o tempo melhor foi o tempo passado. Pela
subestimação do homem comum. Por uma forte inclinação ao gregarismo,
característico da massificação. Pela impermeabilidade à investigação, a que
corresponde um gosto acentuado pelas explicações fabulosas. Pela fragilidade na
74
Esse estado de consciência, apesar de ainda permanecer mágica, leva o indivíduo a uma
busca pelo compromisso com a existência, que não é característico da consciência intransitiva.
Por outro lado, há um risco de a consciência ingênua, que não se promove à consciência crítica,
distorcer-se em consciência fanática pela tendência a aceitar formas massificadas de
comportamento. Nesse caso, conforme ressalta Freire (1967, p. 62):
A possibilidade de diálogo se suprime ou diminui intensamente e o homem fica
vencido e dominado sem sabê-lo, ainda que se possa crer livre. Teme a liberdade,
mesmo que fale dela. Seu gosto agora é o das fórmulas gerais, das prescrições, que
ele segue como se fossem opções suas. É um conduzido. Não se conduz a si mesmo.
Perde a direção do amor. Prejudica seu poder criador. É objeto e não sujeito.
Isso ocorre porque a consciência fanática possui aspecto mítico, que implica numa
predominância de irracionalidade, num descompromisso com a existência, que retrocede o
poder de captar a realidade. Para a superação do fanatismo e, portanto, da massificação, de
acordo com Freire (1967), é preciso um ato de reflexão sobre a própria condição de massificado.
A respeito das mudanças de estado de consciência, Freire (2020) explica que a passagem
da consciência intransitiva para a consciência ingênua se dá naturalmente, a partir de alguma
mudança econômica, por exemplo, que pode ocorrer no grupo ou na comunidade. Em
contrapartida, a passagem da consciência ingênua para a consciência crítica, conforme o autor,
se dá por meio de um processo educativo de conscientização, que requer um trabalho de
desvelamento da realidade e de critização53.
Então como se caracteriza o estado de consciência crítica?
[...] se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição
de explicações mágicas por princípios causais. Por procurar testar os “achados” e se
dispor sempre a revisões. Por despir-se ao máximo de preconceitos na análise dos
problemas e, na sua apreensão, esforçar-se por evitar deformações. Por negar a
transferência da responsabilidade. Pela recusa a posições quietistas. Por segurança na
argumentação. Pela prática do diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo,
não apenas porque novo e pela não-recusa ao velho, só porque velho, mas pela
aceitação de ambos, enquanto válidos. Por se inclinar sempre a arguições (FREIRE,
1967, p. 60, grifo do autor).
53
A critização em termos freireanos está relacionada com a ação. Não basta apenas analisar a realidade de forma
crítica, é preciso agir para transformá-la. Por isso, a crítica com a ação – critização.
75
Por isso, a escolha dos temas não deve partir apenas dos mediadores do processo
formativo, nem somente das necessidades dos participantes, mas, principalmente, das
situações-limite que o grupo vivencia, que, quando compreendidas como barreiras
instransponíveis, impossibilitam o agir do grupo. Assim, nos momentos do processo de
conscientização, os temas devem ser propostos como problemas que, por sua vez, desafiam e
exigem do grupo respostas, no nível intelectual e no nível da ação (FREIRE, 2018).
Na tematização, que caminha simultaneamente com a investigação, analisa-se o diálogo
e constituem-se os temas com base nas situações-limite apresentadas pelos participantes. A
partir da investigação e da constituição dos temas, é possível construir coletivamente formas de
(re)agir, de contrapor e de transformar as situações vivenciadas. Para tal, nos adentramos em
um processo de problematização das situações-limite.
Conforme explica Mühl (2019, p. 383), “[a] problematização compreende o momento
do desenvolvimento de uma consciência crítica sobre os temas em debate pela identificação de
situações desafiadoras ou de problemas concretos que envolvam a vida dos alfabetizandos”. Na
(re)leitura que efetuamos nesta tese, pensando na formação de professores, a problematização
é o momento em que as situações-limite são apresentadas em forma de temas a ser dialogados
com o grupo. O diálogo acerca dessas situações, segundo Freire (2018), é o momento da
descodificação, ou seja, da análise crítica da situação codificada. Assim, na perspectiva do
autor, a codificação de uma situação é a representação da situação em interação com seus
elementos constitutivos, e a descodificação é o momento em que a realidade é desvelada e
busca-se o desenvolvimento crítico da tomada de consciência sobre as situações.
Em vista disso, a conscientização se dá no âmbito do desenvolvimento crítico da tomada
de consciência da realidade e do ato de ação-reflexão – práxis (FREIRE, 2020). A tomada de
consciência, que pode iniciar desde a investigação – quando os docentes começam a dialogar a
respeito das situações vivenciadas –, se desenvolve com a problematização. Em consonância,
o processo de conscientização, que se inicia desde a investigação, se concretiza a partir da
práxis. Em outras palavras, a conscientização se desenvolve quando refletimos a respeito das
situações-limite e buscamos, por meio de atos-limite, superá-las.
Os momentos do processo de conscientização apresentados descrevem como podemos
pensar esse processo em contextos formativos, e representam possibilidades de se construir um
processo formativo de professores que vise uma prática educativa libertadora.
77
material didático, livro de ponto ou ponto eletrônico dos servidores, normas pedagógicas, entre
outros meios, que atuam vigiando ou punindo os indivíduos.
Para Foucault (1987, p. 143, grifo do autor), “[a] disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a
técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como
instrumentos de seu exercício”. De forma modesta, a disciplina ocupa seu espaço no sistema
educacional e, por meio de normas e hierarquias, impõe seus processos.
Os professores, enquanto agentes de reprodução social, também são, conforme salienta
Tragtenberg (2012), agentes de contestação e de crítica. Por essa razão, enquanto classe social,
podem se organizar e lutar contra os desmandos do sistema educacional. Tal ação requer
conscientização e, portanto, empoderamento da classe. Nas palavras do autor mencionado,
[a] educação necessita muito menos de intelectuais agentes do poder, e muito mais de
intelectuais críticos e organizadores, isto é, dos que resistem à “cooptação” por
qualquer estrutura de mando a serviço da reprodução do capital e da dominação sobre
a maioria (TRAGTENBERG, 2012, p. 95, grifo do autor).
Dessa forma, o próprio espaço escolar, o local de trabalho dos professores, pode se
constituir como um local legítimo de lutas. É na sala de aula que se inicia o processo de auto-
organização e crítica dos professores, pois “[...] qualquer organização legítima só pode ser
fundada na auto-organização da sua categoria, partindo da base, partindo de cada escola, e, em
cada escola, da sala de aula” (TRAGTENBERG, 2012, p. 103).
Os professores, enquanto agentes da contestação, precisam reconhecer-se como agentes
transformadores da realidade, que atuam no mundo para transformá-lo, mesmo que esse mundo
se resuma ao seu contexto educacional, à sua sala de aula. Mas, como mencionado acima, tal
ação requer conscientização e empoderamento de classe. Portanto, o processo de
empoderamento docente em espaços, cuja prática escolar se encontra burocratizada, pode se
dar, conforme já descrito, por meio de um processo educativo conscientizador visando uma
formação crítica que possibilite aos professores se reconhecerem como seres da práxis. Em
outros termos, como agentes transformadores em seus locais legítimos de lutas.
Vale destacar que dialogar também é saber escutar. É na escuta que aprendemos a falar
com os outros, pois “[...] somente quem escuta pacientemente e criticamente o outro, fala com
ele, mesmo que, em certas condições, precise falar a ele” (FREIRE, 2019a, p. 111, grifos do
autor).
Saber escutar e dialogar é instaurar a curiosidade epistemológica. Quando o ser dialoga
e escuta, ele se inclina ao desvelamento de algo, ao esclarecimento e mais crítico se torna,
portanto, mais curioso epistemologicamente. Quanto mais curiosos nos tornamos, mais temos
81
A Educação Matemática Crítica tem aparição nesta pesquisa como uma temática a ser
discutida nos encontros de ação de formação. Isso porque identificamos, nos aspectos teóricos
e práticos dessa tendência, possibilidades de refletir o ensino e a aprendizagem da matemática,
com responsabilidade social e política. Além disso, essa tendência tem, em sua base teórica e
prática, concepções da Educação Libertadora de Paulo Freire. Com tal base, a Educação
Matemática Crítica adquire o importante papel de contribuir para que os professores e,
consequentemente, os estudantes (re)conheçam como a matemática se manifesta no mundo.
Desse modo, apresentamos, neste capítulo, o referencial teórico utilizado para dialogar
a respeito dessa tendência e de seus preceitos. Na primeira seção, tratamos da concepção da
Educação Matemática Crítica sob o viés de Ole Skovsmose e, na segunda seção, apresentamos
reflexões e exemplos de como a Educação Matemática pode ser pensada para o
empoderamento.
A experiência vivenciada por Skovsmose (2007), da janela do carro, fez com que o autor
refletisse acerca de exemplos do contexto dinamarquês, com os quais estava habituado, que não
84
lhe pareciam tão relevantes para aquele novo contexto. Com tal fato, a perspectiva de Educação
Matemática Crítica do autor era reinventada em um novo contexto.
Além das experiências que o autor vivenciou, seu olhar a respeito da Educação
Matemática Crítica também se constituiu a partir de teóricos como Theodor Adorno. No artigo
Educação depois de Auschwitz, Adorno (1995) afirma que a primeira exigência para a educação
deve ser a de que Auschwitz nunca mais se repita. Para o autor, é crucial contrapor-se à ausência
de consciência daqueles que promoveram tamanha barbárie nos campos de concentração. É
preciso, nesse contexto, impossibilitar que as pessoas disseminem seu ódio pelo outro sem
refletir sobre si próprias. Mediante tal impasse, é preciso que a educação, enquanto espaço de
autorreflexão, seja crítica e atue com esse propósito.
As reflexões advindas de Adorno (1995), segundo Skovsmose (2007), nos faz refletir a
respeito da necessidade de haver uma educação que desempenhe um papel transformador no
desenvolvimento social. Nos termos de Skovsmose (2007, p. 19), trata-se de uma educação
crítica, que não represente apenas “[...] uma adaptação às prioridades políticas e econômicas
(quaisquer que sejam); a educação deve engajar-se no processo político, incluindo uma
preocupação com a democracia”.
Outrossim, engajar-se no processo político é lutar contra toda forma de desumanização
e preconceito. Nesse sentido, a educação tem um desafio crítico: “[...] qualquer educação deve
prevenir a ocorrência de um novo Auschwitz” [e] “qualquer educação deve evitar a ocorrência
de um novo apartheid”54 (SKOVSMOSE, 2007, p. 19). Esse desafio traz uma nova dimensão
à Educação Matemática Crítica.
Diante do exposto, buscamos compreender o que representa a Educação Matemática
Crítica. Skovsmose (2014) explica que essa tendência não se reduz a uma subárea da Educação
Matemática, tampouco representa um conjunto de métodos ou técnicas a serem seguidos, mas
é a expressão de preocupações a respeito da Educação Matemática. Isso porque, na perspectiva
do autor, a Educação Matemática pode acontecer dos modos mais variados e atender aos mais
diversos propósitos nos campos social, político, econômico e cultural. Tal descrição viabiliza
que seja pensado a respeito do ensino e da aprendizagem nos diferentes contextos em que eles
acontecem, seja na escola ou fora dela.
Outra questão relevante para se compreender o que representa a Educação Matemática
Crítica é entender qual a noção que o autor tem a respeito da palavra crítica. No texto Crisis,
54
Skovsmose (2007) amplia a reflexão crítica de Adorno (1995) acerca de Auschwitz para o Apartheid ocorrido
na África do Sul, local em que esteve, no pós-Apartheid, e pode presenciar os efeitos degradantes e duradouros de
atos como este, conforme descrito acima.
85
Critique and Mathematics, Skovsmose (2019) relaciona a noção de crítica com crises. Segundo
o autor, ambas se originam do grego KritiKós, Kritikê e Kritikón, que se referem à capacidade
de analisar e de decidir. Portanto, se pensarmos em um sujeito crítico com essa concepção de
crítica, por exemplo, estamos pensando em um sujeito que reflete e age e não em um sujeito
que critica.
Essa relação que Skovsmose (2019) estabelece entre crítica e crise pode levar à noção
de situação crítica. Conforme explica o autor, pode-se pensar em uma situação crítica a partir
do seguinte exemplo: quando um paciente em um hospital se encontra em uma situação crítica,
isso significa que a situação pode caminhar para dois sentidos, o quadro de saúde do paciente
pode melhorar ou ele pode piorar. Tal exemplo indica que estamos diante de uma situação que
apresenta desafios e incertezas. Agora, estabelecendo uma analogia da Educação Matemática
com a situação crítica, isso significa que ela pode ser pensada como algo que potencializa ou
despotencializa estudantes e professores, pois, como uma situação crítica, ela apresenta desafios
e incertezas. Nesse sentido, toda situação crítica precisa de uma abordagem crítica.
Em vista disso, a Educação Matemática Crítica vem dialogar com uma abordagem
crítica de responsabilidade social e política, de pensar a respeito do ensino e da aprendizagem
nos diversos contextos – social, político, econômico e cultural – da sociedade.
condições éticas relativas à igualdade; os outros dois serão abordados, em momento oportuno,
ao longo das discussões. Quando nos referimos à oferta justa de serviços sociais e bens para
toda a sociedade, estamos pensando no acesso à escola e à aprendizagem de forma igualitária
para todos. Mas, é importante assinalar, que não basta garantir o acesso se as condições de
permanência não são oferecidas, se não há justiça social e se não há equidade.
A esse respeito, Skovsmose (2001, p. 70) relata que “[...] crianças e adolescentes
parecem receber tipos muito diferentes de educação, até mesmo na mesma sociedade e em
sociedades supostamente democráticas”. Exemplos dessa situação foram apresentados por
Naukushu (2016) e Haimbodi (2019). Conforme já mencionado na revisão bibliográfica desta
tese, os dois pesquisadores desenvolveram pesquisas em uma região atingida pelo Apartheid,
na Namíbia. Ambos evidenciaram o quão impactante foi o processo de segregação racial para
a educação de crianças, de adolescentes e de jovens negros, mesmo no pós-Apartheid. Isso
ocorreu devido ao fato de que o complexo de superioridade, implantado pelo sistema, conforme
destaca Naukushu (2016), foi uma das causas do subdesenvolvimento de aprendizagens de
diversos estudantes. Mesmo após o término do Apartheid, as marcas do sistema ainda podem
ser identificadas nos espaços escolares, pois, segundo Haimbodi (2019), as formas de exclusão
e de desempoderamento estão presentes nas aulas.
Ao relacionar a democracia às condições éticas relativas à igualdade, Skovsmose
(2001, p. 69) defende que “[...] não podem existir diferenças de oportunidades baseadas em
diferenças de posição social, sexo ou raça”. Mas essas diferenças existem, mesmo em
sociedades democráticas, como a nossa. A pesquisa realizada por Silva, J. R. (2016) é um
exemplo disso. A pesquisadora identificou a existência de iniquidade de gênero em diversos
cursos das áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (CTEM). A causa para a
iniquidade, segundo Silva, J. R. (2016), está diretamente articulada com as relações de gênero,
configuradas sob o olhar androcêntrico presente nos ambientes acadêmicos e no mercado de
trabalho de desenvolvedores de tecnologia. Tal fato não significa que o ensino nessas áreas seja
diferente para mulheres e homens, mas que, conforme concluiu a pesquisadora, a cultura
androcêntrica hierarquiza e limita o acesso de mulheres a espaços acadêmicos e de mercado de
trabalho nas áreas de CTEM. Dessa forma, mesmo estando mulheres e homens em espaços que
se dizem democráticos, a cultura do patriarcado tem contribuído para a falta de incentivo à
participação de mulheres nas áreas descritas.
Valero (2017) amplia a discussão sobre as condições éticas relativas à igualdade para
o contexto da Educação Matemática. A pesquisadora destaca que a Educação Matemática é
87
política e, por isso, se relaciona com a democratização. Segundo Valero (2017), um dos fatores
que caracteriza essa condição política da Educação Matemática é a apropriação que o Estado
faz sobre a educação como um importante elemento de governo. A Matemática, nesse caso,
entra como componente importante do currículo e como parte central da educação obrigatória
para todos, sendo tais conhecimentos vistos como promissores para o desenvolvimento de
capacidades mentais e de comportamento para a estruturação do novo sujeito. Essas
perspectivas, para a pesquisadora, geram uma classificação e uma exclusão dos indivíduos de
acordo com suas capacidades matemáticas. Dessa forma, pensar o ensino da matemática sob
esse viés é restringir as oportunidades a um grupo de indivíduos (os que desenvolvem certas
capacidades matemáticas) e não prover oportunidades iguais, direitos e deveres para todos.
A respeito da relação entre Educação Matemática e democracia, Skovsmose (2007)
expressa preocupação. Para o autor, a Educação Matemática pode desempenhar um papel
relevante para o desenvolvimento da cidadania crítica. Mas, por outro lado, a matemática não
tem a necessidade de agir objetivando o desenvolvimento dessa cidadania, o que pode
ocasionar, segundo Skovsmose (2007), o aprofundamento das desigualdades sociais.
Vale destacar que a Educação Matemática pode ser compreendida no âmbito do
fortalecimento da democracia tornando-se possível, desse modo, pensar em uma alfabetização
matemática (matemacia) que esteja “[...] enraizada em um espírito de crítica e em um projeto
de possibilidades que habilite pessoas a participarem no entendimento e na transformação de
sua sociedade” (SKOVSMOSE, 2001, p. 95). Essa concepção de alfabetização tem relação com
a concepção de alfabetização crítica (literacia), discutida por Gutstein (2006), Freire e Macedo
(2013)55 e Freire (2019a). Para Freire e Macedo (2013), a alfabetização crítica não é meramente
uma habilidade técnica por meio da qual se adquirem as competências de ler e de escrever, pois
se trata de um projeto político no qual os indivíduos interpretam a realidade e agem sobre ela
para transformá-la. Nesse viés, Alrø e Skovsmose (2010, p. 19) ressaltam que “[a] matemacia
é de grande relevância para a democracia e para o desenvolvimento da cidadania da mesma
forma que a literacia”.
Nesse caso, pensar a Educação Matemática para o fortalecimento da democracia é
pensar em uma Educação Matemática sob uma perspectiva crítica, pois a Educação Matemática
Crítica “[...] inclui o interesse pelo desenvolvimento da educação matemática como suporte da
democracia, implicando que as microssociedades de salas de aulas de matemática devem
55
Esta referência diz respeito à obra Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra, que foi publicada pela
primeira vez no Brasil em 1987.
88
uma democracia deve dar lugar para a cidadania crítica, a qual constitui o verdadeiro
desempenho de uma competência crítica56”.
A questão agora é refletir, no âmbito da Educação Matemática, em que medida o ensino
da matemática pode desenvolver uma competência crítica em estudantes e professores e pode
preparar os indivíduos para a cidadania crítica. Trata-se de refletir em que medida a Educação
Matemática, sob a perspectiva crítica, pode propiciar o empoderamento.
56
Para Skovsmose (2001, p. 38), “[...] o conceito de competência crítica enfatiza que estudantes devem estar
envolvidos no controle do processo educacional”. Se a educação pretende desenvolver essa competência, em
estudantes e em professores, os saberes da experiência devem ser tomados como ponto de partida do processo
educacional, ou seja, a competência deve, segundo o autor, “[...] ser desenvolvida com base na capacidade já
existente” (SKOVSMOSE, 2001, p. 18). Nesse contexto, é por meio das relações dialógicas que essas capacidades
são identificadas e compreendidas.
57
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=245kJbsO4tE.
58
Para o autor, a palavra que seja mais som que significação, “[...] se esvazia da dimensão concreta que devia ter
ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante” (FREIRE, 2018, p. 80).
91
2011a). Para isso, o entrevistado salienta que é preciso despertar nos estudantes o potencial de
pensar criticamente, de observar as manifestações matemáticas no mundo e de refletir sobre as
possibilidades que a matemática apresenta. Quando a naturalidade da matemática é tratada
como condição de estar no mundo, democratiza-se essa naturalidade. Para Freire (2011a), isso
é cidadania.
Freire (2011a), mesmo não tratando diretamente da matemática em suas obras,
apresentou, nessa entrevista, uma reflexão do que poderia ser a Educação Matemática como
caminho para o empoderamento: primeiro, por relacionar o conteúdo matemático, simbolizado
em sua fala sobre a multiplicação, com a forma matemática de estar no mundo; segundo, por
perceber a necessidade de mostrar a naturalidade do exercício matemático; terceiro, por
entender que tais condições são necessárias para que essa naturalidade seja democratizada. As
percepções do entrevistado visam romper com a ideia de que a matemática é um conjunto de
técnicas que devem ser transmitidas aos estudantes, ou seja, Freire (2011a) enfatiza a influência
que a matemática exerce em nossa interpretação e percepção de mundo. Todos nós
experienciamos uma forma matemática de estar no mundo, seja nas atividades mais simples
(calcular o tempo que levo para chegar ao trabalho), como nas mais elaboradas (calcular qual
terá que ser a velocidade do veículo para se chegar ao trabalho sem atraso). Em qualquer uma
dessas situações o saber matemático experienciado pelos estudantes em seu mundo pode tornar-
se o ponto de partida para novas aprendizagens assim como, conforme destaca Skovsmose
(2008, p. 92), “[em] qualquer situação em que usamos matemática, testemunhamos uma
transposição que proporciona uma nova forma de ver e de atuar no mundo”.
É por tais percepções que Freire (2011a) defende a necessidade de democratizar a
naturalidade do exercício matemático e tornar possível não só o acesso à aprendizagem de
conceitos e regras matemáticas, mas possibilitar a apreensão desses conceitos e regras como
formas de compreensão do mundo e de como estar no mundo. Nesse sentido, lançamos nosso
primeiro olhar sobre a Educação Matemática para o empoderamento.
A esse respeito, Skovsmose (2001) assinala que é possível conectar a noção de
empoderamento com a Educação Matemática de modo que possibilite ao indivíduo refletir
sobre o uso da matemática na sociedade. O empoderamento, nessa perspectiva, não se restringe
à habilidade de efetuar operações matemáticas, mas está relacionado à importância de entender
como a matemática é usada e aplicada numa situação social e política.
Skovsmose (2008, p. 103) também destaca que “[a] educação matemática pode
significar empowerment, mas também submissão”, pois, em sua função sociopolítica, a
92
Educação Matemática pode produzir nos indivíduos uma aceitação passiva em relação à ordem
social (WALKERDINE, 1988), pode servir como um dispositivo disciplinador
(SKOVSMOSE; PENTEADO, 2015), assim como ela pode amparar o desenvolvimento de uma
ideologia da certeza, que contribui para o controle político e a submissão, quando a matemática
é entendida “[...] como um sistema perfeito, como pura, como uma ferramenta infalível se bem
usada” (BORBA; SKOVSMOSE, 2001, p. 129), ou, ainda, pode atuar causando
desempoderamento ao legitimar formas de discriminação e exclusão, conforme relataram
Dogan (2012), Reyes-Gasperini e Cantoral (2014), Naukushu (2016), Valero (2017) e
Haimbodi (2019). Por outro lado, a Educação Matemática pode empoderar os indivíduos, pois
pode contribuir para a formação de uma cidadania crítica ao estar articulada a questões de
justiça social e de emancipação (GUTSTEIN, 2006; SKOVSMOSE, 2008; SILVA, 2013;
CARRIJO, 2014; SILVA, R. M., 2016), ao compreender o mundo como um espaço a ser
transformado (FRANKEISTEIN, 1998; GUTSTEIN, 2006; SKOVSMOSE, 2008).
Gutstein (2006), na obra Reading and Writing the world with mathematics: toward a
pedagogy for social justice, apresenta contribuições por meio das quais podemos pensar a
Educação Matemática para o empoderamento. Orientado na concepção de Educação
Libertadora, desenvolvida por Freire ([1974] 2018), o autor ressalta que a Educação Matemática
pode contribuir para que estudantes e professores leiam e escrevam o mundo e, assim,
promovam a transformação da realidade. Apoiado na concepção de leitura e escrita do mundo,
apresentada por Freire ([1981] 2011b)59, Gutstein (2006) explica que ler o mundo é
compreender as condições sociopolíticas, culturais e históricas da nossa vida, comunidade e
sociedade como um todo e escrever o mundo é fazer mudança nele.
A partir de tais concepções, Gutstein (2006) desenvolveu um trabalho, ensinando
matemática para estudantes do sétimo ano do Ensino Fundamental, em uma escola pública de
Chicago – Estados Unidos da América (EUA), localizada numa comunidade de imigrantes
mexicanos. O autor descreve uma de suas aulas, na qual o diálogo com os estudantes se constitui
o ponto de partida de seu trabalho. Na ocasião, completava-se um ano do ataque ao World Trade
Center, e o diretor da escola, na qual Gutstein (2006) lecionava, anunciou o fato por um alto-
falante e toda a escola pôs-se em silêncio por um período. Passados esse período, o
autor/professor pediu aos estudantes para que fechassem o livro de Matemática e iniciou o
diálogo com eles perguntando o que gostariam de saber ou falar sobre o assunto.
59
Esta referência diz respeito à obra A importância do ato de ler em rês artigos que se completam, que foi publicada
no Brasil pela primeira vez em 1981.
93
menos desfavorecida, ao mesmo tempo em que o governo do EUA investe milhares de dólares,
oriundos de impostos, para construir aeroportos para que aviões privados não aterrissem em
aeroportos comerciais. Nesse tipo de situação, a Educação Matemática Crítica, de acordo com
a autora, pode desafiar tanto professores quanto estudantes a questionarem essas ideologias
usando, por exemplo, a estatística para revelar contradições existentes nesses investimentos.
Nessa perspectiva, a Educação Matemática atua com o potencial de empoderar os indivíduos,
fazendo com que eles/elas desenvolvam percepção crítica da realidade e reforçando ideais de
lutas em prol da transformação da sociedade.
Diante do descrito, observamos que trabalhar a matemática sob a perspectiva da
Educação Matemática Crítica é uma tarefa que exige que os docentes tenham uma formação
crítica. Quando falamos em formação crítica estamos nos referindo a uma formação que vise
discutir a naturalidade do exercício matemático e a democratização dessa naturalidade
(FREIRE, 2011a), que possibilita aos docentes compreender como se dá a leitura e escrita do
mundo com a matemática (GUTSTEIN, 2006) e que contribui para que os professores
conheçam e reconheçam a diversidade de condições nas quais a matemática se manifesta no
mundo (SKOVSMOSE, 2008). Estamos falando de uma formação crítica que possibilite ao
professor entender que:
[...] ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente
feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é
possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de
educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e
persistentes (FREIRE, 2019a, p. 28, grifo do autor).
Além disso, essas condições exigem que o paradigma de prática de ensino adotado pelos
educadores privilegie ambientes de aprendizagem que possibilitem aos educandos
desenvolverem-se como investigadores, questionadores, criadores e críticos. Nessa perspectiva,
os processos de ensino e de aprendizagem da matemática podem romper com a consciência
ingênua e produzir uma consciência crítica, tanto em estudantes quanto em professores, pois na
medida em que estudantes e professores são instigados a serem criadores, investigadores e
críticos se tornam sujeitos do processo educativo. Com isso, rompem com a prática tradicional
de sala de aula, que os mantêm em uma “zona de conforto”, para se adentrarem em uma zona
de possibilidades que viabiliza a busca do ser mais.
que elas podem representar nos processos de ensino e de aprendizagem da matemática. O autor
amplia discussões acerca das referências e dos paradigmas que constituem os diferentes
ambientes de aprendizagem bem como busca caminhos para discutir o que seria uma concepção
de educação mais significativa e alinhada com os propósitos da Educação Matemática Crítica.
Skovsmose (2008) defende a existência de diferentes ambientes de aprendizagem sobre
os quais as atividades dos processos de ensino e de aprendizagem acontecem. Existem
ambientes nos quais as atividades são estruturadas para serem desenvolvidas sob a perspectiva
do paradigma do exercício. Esse tipo de ambiente, mais característico de salas de aulas
tradicionais60, baseia o ensino em uma bateria de exercícios em que os estudantes devem
responder, e que serão em seguida corrigidos pelos professores. A base da aula está pautada no
ensino de conceitos, exemplos, exercícios com respostas únicas e correção, na qual se
privilegiam os erros e os acertos. Por outro lado, existem ambientes em que os estudantes são
convidados a fazer investigações. Nesses ambientes, as tarefas são propostas de forma que os
discentes formulem questões e procurem explicações, e opta-se pelo trabalho com tarefas
investigativas que permitem formular novas conjecturas, testá-las e validá-las. Além disso, os
estudantes são orientados pelo professor a desenvolver suas próprias ideias na exploração ou
investigação de tarefas abertas61, diferentemente do ambiente cuja prática de ensino é o
paradigma do exercício, que tende a propor tarefas fechadas62 e padronizadas.
Segundo Skovsmose (2008) o tipo de ambiente que dá suporte a um trabalho de
investigação tem como prática de ensino o paradigma – cenários para investigação. Contudo,
para saber se um cenário possibilita ou não um trabalho de investigação torna-se necessária a
realização de uma análise empírica acerca da prática dos professores e dos estudantes
envolvidos. Isso porque propor cenários é convidar os estudantes a atuarem como
investigadores. Assim, nesse tipo de ambiente, os estudantes são responsáveis pelo processo.
Logo, para o autor, só há cenários para investigação se os estudantes aceitam o convite.
Nessa discussão, Skovsmose (2008) apresenta dois paradigmas de prática de ensino: o
paradigma do exercício e cenários para investigação. O paradigma do exercício, como já
mencionado, diz respeito a um tipo de prática que geralmente é concebida em aulas com
características tradicionais, nas quais o professor tem o controle da situação e seu planejamento
60
Segundo Alrø e Skovsmose (2010, p. 16), o ambiente com aulas tradicionais é “[...] o ambiente escolar em que
os livros-textos ocupam papel central, onde o professor atua trazendo novos conteúdos, onde aos alunos cabe
resolver exercícios e onde o ato de corrigir e encontrar erros caracteriza a estrutura geral da aula”.
61
Segundo Ponte (2017, p. 113), “[...] uma tarefa aberta é a que comporta um grau de indeterminação significativo
no que é dado, no que é pedido, ou em ambas as coisas”.
62
“Uma tarefa fechada é aquela onde é claramente dito o que é dado e o que é pedido” (PONTE, 2017, p. 113).
96
prevê todas as etapas a serem seguidas. Em contrapartida, o paradigma dos cenários para
investigação é um tipo de prática que desafia o docente a se adentrar em uma zona de risco, na
qual ele/ela não possui o controle do que pode ser questionado pelos estudantes, assim como o
planejamento pode ou não seguir todas as etapas conforme previstas. Em síntese:
Qualquer cenário para investigação coloca desafios para o professor. A solução não é
voltar para a zona de conforto do paradigma do exercício, mas ser hábil para atuar no
novo ambiente. A tarefa é tornar possível que alunos e professor sejam capazes de
intervir em cooperação dentro da zona de risco, fazendo dessa uma atividade
produtiva e não uma experiência ameaçadora (SKOVSMOSE, 2008, p. 37).
63
O sentido atribuído por Skovsmose (2008) à produção de significados é o compreendido a partir de Lins e
Gimenez (1997). Produzir significados é falar a respeito de um objeto. Desse modo, os significados representam
o conjunto de coisas que são ditas acerca esse objeto.
97
O ambiente (1) é dominado por exercícios com referência à matemática pura, no qual
as tarefas são propostas para que o estudante aplique o conhecimento já adquirido. No ambiente
(2), apesar de fazer referência também à matemática pura, o estudante é instigado a ser
questionador e criador de diferentes estratégias de resolução. O ambiente (3) é construído por
tarefas com referência à semirrealidade, ou seja, a uma realidade construída, que possui dados
a ser utilizados e resposta única. No ambiente (4), as tarefas permitem uma exploração por parte
do estudante. O ambiente (5), apesar de se referir à realidade, o estudante não é convidado a
investigar ou explorar a tarefa proposta. Por outro lado, o ambiente (6) torna possível a
investigação, a exploração e a produção de diferentes significados para a tarefa proposta.
Os ambientes (2), (4) e (6), referentes ao paradigma de ensino cenários para
investigação, são ambientes que estimulam a interação entre estudantes e professor, pois
utilizam o diálogo como forma de comunicação. O diálogo, nesse caso, é baseado no princípio
da equidade, cuja relação entre estudantes e professores é respeitosa. Assim, participar de um
diálogo nesses ambientes é cooperar e agir de forma respeitosa com o outro em um processo de
investigação.
64
Alrø e Skovsmose (2010, p. 26) qualificam o absolutismo em sala de aula como um “[...] absolutismo
burocrático, que estabelece em termos absolutos o que é certo e o que é errado sem explicitar os critérios que
orientam tais decisões”.
100
A maneira pela qual esses saberes são constituídos faz com que os professores ocupem
uma posição socialmente desvalorizada entre aqueles que atuam no campo dos saberes
(TARDIF, 2014). Isso ocorre porque os saberes da formação profissional, os saberes
disciplinares e os saberes curriculares “[...] se incorporam efetivamente à prática docente, sem
serem, porém, produzidos ou legitimados por ela” (TARDIF, 2014, p. 40). Dessa forma, os
professores mantêm com esses tipos de saberes uma relação de portadores e de disseminadores
de tais saberes. Nessa condição, ficam impossibilitados de produzir esses saberes, ação que
poderia legitimar a própria prática.
A relação de portar e de disseminar os saberes, que os professores ocupam no campo
dos saberes, relatada por Tardif (2014), pode condicionar o educador a uma prática educativa
sem autonomia, sem liberdade e/ou sem crítica. Em outras palavras, pode levar a uma prática
bancária onde “[...] em lugar comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem” (FREIRE,
2018, p. 80, grifo do autor). Se pensarmos na educação apenas sob o ponto de vista da relação
entre a ciência e a técnica, conforme refletiu Larrosa (2002), os professores seriam, então,
reduzidos à condição de técnicos executores de saberes pensados por outros, portanto, possíveis
reprodutores de uma educação bancária.
Não há dúvida que o professor, em sua prática pedagógica, precisa construir
conhecimentos sobre os conteúdos que serão ministrados e que compõem as Ciências da
Educação e da ideologia pedagógica, precisa organizar e planejar o conteúdo programático,
precisa desenvolver metodologias que contribuam para os processos de ensino e de
aprendizagem etc., pois tais elementos estão relacionados à questão da responsabilidade ética
da atuação docente.
O que se defende aqui é a necessidade de se pensar o ensino e a formação docente de
forma democrática, com a participação daqueles e daquelas (educadores e educandos) que estão
ativamente inseridos no processo. Trata-se, portanto, de considerar a necessidade de um ensino
que possibilite a formação de educadores e educandos “[...] criadores, instigadores, inquietos,
rigorosamente curiosos, humildes e persistentes” (FREIRE, 2019a, p. 28), um ensino e uma
formação que valorize os saberes da experiência.
Os saberes cuja constituição o professor participa ativamente são os experienciais. Esses
saberes, de acordo com Tardif (2014), emergem da experiência docente, são baseados no
trabalho cotidiano e no conhecimento que o professor tem de seu meio. “Eles incorporam-se à
experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de
104
saber-ser” (TARDIF, 2014, p. 39). Esses saberes se desenvolvem ao longo de uma vida
profissional na qual fazem parte as dimensões identitárias e de socialização profissional.
Portanto, se entendemos a construção do saber como um processo contínuo, que não se esgota
e que não é linear, reconhecemos o inevitável caráter de incompletude humana inerente à
formação docente.
Enquanto seres históricos e inconclusos, estamos em constante processo de
aprendizagem, estamos sempre produzindo e aprimorando saberes. Pela concepção freireana, a
construção do saber também se dá na relação dialógica entre educadores e educandos, na qual
“[...] quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2019a, p.
25), e o reconhecimento da construção do saber nessa relação dialógica possibilita ao professor
reconhecer-se como ser inacabado e tomar consciência de seu inacabamento.
Esse processo de construção de saberes na prática educativa, destacado por Freire
(2019a), tem relação com a constituição dos saberes descrita por Tardif (2014). Tal relação
pode ser observada quando Tardif (2014) descreve que os saberes são temporais (estão em
constante construção), são constituídos socialmente (porque o professor trabalha com
indivíduos) e formam uma identidade docente (o professor estabelece uma relação, acerca do
que é, faz, pensa e diz nos espaços de trabalho).
No entanto, quando Freire (2018) aborda a construção do saber por meio de uma relação
dialógica entre educadores e educandos, ele está enfatizando que esse processo de construção
também se dá no ato de ensinar, que também se caracteriza como ato de aprender. Em outras
palavras, o autor aborda a construção dos saberes como um processo de construção mútua em
que educadores e educandos são sujeitos desse processo. Apesar de o educador possuir os
saberes adquiridos na formação e na prática docente, há uma constante construção de saberes
na relação com o outro, que não se esgota e que é compartilhada com os educandos. Por isso, a
importância de o docente reconhecer-se como ser inacabado, um indivíduo em construção e
mudança.
Enquanto seres inacabados, somos inconclusos, e essa inconclusão implica a inserção
do ser num constante processo social de busca.
É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo
permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se
reconheceram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres e homens educáveis,
mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na
inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento
permanente de procura que se alicerça a esperança (FREIRE, 2019a, p. 57).
105
Nesse movimento, o ser inacabado tem consciência de sua inconclusão, fato que o faz
abrir-se ao mundo e aos outros e o faz mover-se em permanente busca do conhecer. A
inconclusão assumida é, portanto, um saber precursor na formação docente e na prática
educativa.
Para Freire (2019a), na experiência educativa, o educador-educando que se abre ao
mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica. Nessa relação, os sujeitos
dialógicos aprendem e se desenvolvem respeitando as diferenças. Assim, a consciência de que
se possui um saber que está em permanente construção faz com que, educadores e educandos,
juntos, inacabados e conscientes do inacabamento, busquem cada vez mais ensinar e aprender.
O estudante, ao chegar à escola, está dotado de saberes construídos ao longo da vida, de
experiências, de saberes que devem ser respeitados e integrados aos processos de ensino e de
aprendizagem. Dessa forma, professor e escola têm, segundo Freire (2019a, p. 31):
[...] o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das
classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática
comunitária –, mas também [...], discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses
saberes em relação com o ensino dos conteúdos.
Nesse sentido, estabelecer uma relação entre os saberes curriculares, fundamentais aos
estudantes, e a experiência de vida que eles/elas têm como indivíduos é reconhecer e respeitar
a identidade e a autonomia do aluno e da aluna. O professor que possui essa postura ou busca
desenvolvê-la sabe que ensinar não é transferir, depositar, doar conhecimento, mas “[...]
desafiar o educando com quem se comunica, a quem comunica, a produzir sua compreensão do
que vem sendo comunicado” (FREIRE, 2019a, p. 39). Essa postura tem a ver com o pensar
certo, que na perspectiva freireana corresponde a uma postura dialógica, libertadora e crítica,
da qual compactuamos.
O professor, que em sua prática pedagógica pensa certo, demonstra aos estudantes que,
como seres históricos, somos capazes de intervir no mundo e, portanto, conhecer o mundo. Ao
produzirmos conhecimento, o conhecimento anterior que agora se tornou velho dá espaço para
o novo conhecimento que no futuro também pode vir a se tornar obsoleto. Por isso, para Freire
(2019a), é fundamental conhecer tanto o conhecimento existente quanto o saber ao qual nos
tornamos receptivos em relação à produção de novos conhecimentos.
O professor que pensa certo, nos processos de ensino e de aprendizagem, respeita os
saberes advindos do senso comum, ao mesmo tempo em que reconhece a necessária superação
desses saberes, estimulando a capacidade criadora do estudante, por meio de iniciativas nas
quais busca promover a curiosidade ingênua (senso comum) à curiosidade epistemológica
106
65
Saberes de vida, construídos no meio social e cultural dos estudantes. Saberes que são frutos de suas relações
sociais, de seu construto cultural, de sua vivência em comunidade.
107
Dos saberes apresentados por Tardif (2014), os tipificados como saberes experienciais
são os únicos que os docentes possuem autonomia para constituí-los, pois são construídos ao
longo da trajetória profissional e incorporados à prática docente, personalizando o saber-fazer
e o saber-ser da experiência.
Outro direcionamento acerca da constituição dos saberes que aqui abordamos tem o viés
freireano. Freire (2019a), ao discorrer sobre a questão da formação docente, apresenta uma
reflexão a respeito dos saberes necessários à prática educativa, seja ela progressista ou
conservadora. Para o autor, ensinar exige, entre outros saberes, reconhecer-se como ser
inacabado que está sempre apto a aprender; o exercício do respeito aos saberes dos educandos
e educandas, à sua identidade, à sua dignidade; criticidade e o ato de pensar certo. Todos esses
saberes constituem o primeiro passo da transição de uma consciência ingênua para uma
consciência crítica, mas não constituem a totalidade do que é necessário, pois, como já
afirmamos antes, é preciso assumir uma posição de reconhecimento da incompletude fundante
da docência. Isso porque esse processo de transição não se dá naturalmente, mas por meio de
um processo educativo de conscientização. Por isso, é tão importante que a formação docente
seja pensada no âmbito de uma prática educativa libertadora.
66
SCHÖN, 2000, p. 32, grifo do autor.
67
Segundo Schön (2000, p. 31), o ato de conhecer-na-ação refere-se “[...] aos tipos de conhecimento que revelamos
em nossas ações inteligentes”.
68
Ibid., p. 32.
110
Os professores precisam assumir o papel de produtores de sua prática, mas sabemos que
essa tarefa não é simples. Apesar do fato de que, conforme ressalta Ponte (2017), o
desenvolvimento profissional ser de responsabilidade de cada professor, também é preciso que
exista uma transformação das instituições de ensino em que atuam, porque é ponderoso que o
desenvolvimento profissional dos professores esteja alinhado com os projetos da escola. Isso
não significa que só haverá desenvolvimento profissional se houver mudanças nas instituições,
mas que o próprio desenvolvimento profissional pode promover essas mudanças.
Nessa perspectiva, qual o papel da formação continuada no processo de
desenvolvimento profissional? Ponte (2017) salienta que a formação pode ser pensada de modo
a favorecer o desenvolvimento profissional do professor quando é perspectivada para ser
desenvolvida de múltiplas formas (cursos, projetos, trocas de experiência, reflexões etc.);
quando se potencializa o conhecimento do professor; quando se valoriza seus saberes da
experiência, seus aspectos afetivos e relacionais; e quando se relaciona a teoria com a prática
educativa. Assim, se a formação continuada visa estimular o desenvolvimento profissional, ela
deve possibilitar o desenvolvimento de saberes, que constituirão o arcabouço teórico e prático
111
apresentar relatos de experiências, levantar discussões sobre temas a serem estudados, produzir
tarefas, desenvolver tarefas, entre outras atividades. O que não pode ocorrer nessas relações é
uma hierarquia (relações de poder) entres os componentes do grupo e incoerências quanto aos
objetivos que se pretende alcançar.
Vale destacar que algumas literaturas que se referem a processos de colaboração
(CHRISTIANSEN et al, 1997; GOULET, AUBICHON, 1997; CHRISTIANSEN, 1999;
BOAVIDA, PONTE, 2002) discutem diferentes temas, que entendem ser indispensáveis em
contextos colaborativos.
Três temas foram relevantes para esta pesquisa: a necessidade de confiança, o diálogo e
a negociação. Para Goulet e Aubichon (1997), a confiança é o ponto de partida da colaboração.
Ela está associada à necessidade de ouvir, de valorizar as contribuições e de se sentir
pertencente ao grupo. Em complemento a essa compreensão, Boavida e Ponte (2002, p. 49)
afirmam que “[a] confiança é fundamental para que os participantes se sintam à vontade em
questionar abertamente as ideias, valores e ações uns dos outros, respeitando-os e sabendo,
igualmente, que o seu trabalho e os seus valores são respeitados”. Nesta pesquisa, estabelecer
uma relação de confiança com as participantes permitiu-nos conhecer seus contextos de vida
pessoal, acadêmica e profissional, assim como permitiu-nos conhecer suas perspectivas e
expectativas acerca do processo formativo. Essa confiança foi se desenvolvendo ao longo da
formação, por meio das relações dialógicas que estabelecemos com as docentes.
É preciso mencionar que o diálogo no contexto colaborativo, como destaca Christiansen
(1999), permite a construção de novas compreensões. É esse tipo de diálogo que possibilita o
aprofundamento de ideias, o pensar coletivamente, a tomada de consciência acerca da
problemática vivenciada pelo grupo e a construção coletiva de soluções para os problemas que
emergem do grupo. Por isso, o diálogo, conforme já destacado nesta tese, é o nosso ponto de
partida no âmbito do processo de empoderamento docente.
O processo dialógico nos permite realizar negociações. A negociação, conforme salienta
Christiansen et al (1997), é a chave para o sucesso do contexto colaborativo. É preciso negociar
objetivos, organização e planejamento do trabalho e modos de relacionamento. Nesta pesquisa,
no espaço formativo, negociamos, com as participantes, os temas discutidos, a organização da
formação (tempo de duração, dias e horários), as tarefas analisadas, as aulas observadas, o
conteúdo matemático estudado, entre outros elementos que compuseram o processo formativo.
No trabalho em colaboração, cada participante do grupo possui suas próprias perspectivas, seus
próprios ideais e seus objetivos, mas o processo dialógico, a confiança e a negociação
113
permitirão que cada um compartilhe suas concepções e aprenda a partir do que foi
compartilhado pelo outro. Nas palavras de Boavida e Ponte (2002, p. 8), “[...] um trabalho em
colaboração não envolve apenas uma aprendizagem relativamente ao problema em questão.
Envolve, também, uma autoaprendizagem e uma aprendizagem acerca das relações humanas”.
Diante do exposto, entendemos que a formação continuada de professores deve
privilegiar o trabalho colaborativo como elemento essencial para a reflexão na e sobre a ação,
para o pensar coletivo sobre a práxis profissional, para o estabelecimento de relações dialógicas,
para o protagonismo docente na própria formação e prática e para a sensibilização e a
mobilização do grupo em prol do empoderamento da classe. É uma formação que não está
centrada na individualidade, mas na coletividade do grupo, pois é por meio da coletividade que
as situações-limite que o grupo enfrenta podem ser superadas e a busca de ser mais pode fazer
parte do compromisso do professor com seu próprio desenvolvimento profissional. Nesse
sentido, consideramos que a ação de formação proposta nesta pesquisa se caracteriza como
uma formação continuada que visa favorecer o desenvolvimento profissional. Essa formação
foi construída coletivamente por um grupo que, ao longo do processo, adquiriu características
de grupo colaborativo.
6 PERCURSOS METODOLÓGICOS
69
Com o intuito de preservar as identidades das participantes, substituímos seus nomes por pseudônimos, que
foram escolhidos pelas próprias participantes.
70
Apresentaremos mais detalhes sobre a ATPC e o Emai no capítulo 7 desta tese.
71
Ver autorização da Diretora no Anexo A.
116
instrumentos: duas entrevistas – uma inicial e uma final – (Apêndices A e B); um questionário
(Apêndice C), para obter informações de cunho pessoal, acadêmico e profissional; registros de
campo das professoras, registros de campo da pesquisadora; e gravação em áudio e vídeo. As
gravações foram transcritas pela pesquisadora com o auxílio do software NVivo72 e foi
realizada a textualização das transcrições, com o intuito de corrigir possíveis erros que
cometemos na linguagem oral.
Cabe salientar que, esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa em
Ciências Humanas e Sociais da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), e aprovada com número de parecer 3.235.088 e Certificado de Apresentação para
Apreciação Ética (CAAE): 09503319.3.0000.8142, conforme consta no Anexo B.
A seguir, apresentamos informações a respeito da abordagem metodológica que
caracteriza esta investigação e acerca da modalidade de pesquisa que substanciou esse caminhar
metodológico.
72
É um programa utilizado como suporte para a análise de dados qualitativos. Por meio dele, é possível realizar
transcrições de áudio e de vídeo, criar categorias de análise, nuvens de palavras, diagramas, entre outros elementos,
que compõem a análise de dados.
117
de futuro das participantes. Para isso, precisávamos, em primeiro lugar, tomar consciência do
problema que emergia naquele grupo para, depois, definirmos os caminhos a serem percorridos
em busca de soluções e de melhorias para a situação apresentada. Como essa busca incidiria
em uma ação, a pesquisadora atuaria como mediadora do processo e os objetivos seriam
definidos em comunhão com as participantes. Assim, os rumos da ação seriam “[...] definidos
em quadro de partilha entre pesquisadores e sujeitos” (TEIXEIRA; MEGID NETO, 2017, p.
1068).
Com tal grau de cooperação e envolvimento das participantes e pelo fato de o problema
emergir do próprio grupo, decidimos nos enveredar pelos caminhos da pesquisa-ação.
A pesquisa-ação:
É um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no
qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema
estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2011, p. 20).
ativos da situação”73. A fase exploratória, segundo o autor, “[...] consiste em descobrir o campo
de pesquisa, os interessados e suas expectativas e estabelecer um primeiro levantamento (ou
‘diagnóstico’) da situação, dos problemas prioritários e de eventuais ações”74. Quando
iniciamos a fase exploratória tínhamos em mente a possibilidade de trabalhar com tendências
em Educação Matemática, mas não sabíamos ao certo qual adotar, pois precisávamos conhecer
a realidade e as necessidades daquele grupo. No decorrer da exploração evidenciamos que a
estrutura escolar estava alicerçada na burocratização do sistema, fato decisório para a escolha
da tendência Educação Matemática Crítica.
Diante do exposto, podemos dizer que a pesquisa-ação serviu como ferramenta
metodológica para a abordagem qualitativa, uma vez que, na investigação qualitativa, o
processo de condução “[...] reflete uma espécie de diálogo entre os investigadores e os
respectivos sujeitos, dado estes não serem abordados por aqueles de uma forma neutra”
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 51). Essa dialogicidade entre pesquisadores e participantes,
indispensável à pesquisa-ação, permitiu à investigadora aproximar-se do mundo das
participantes, conhecer sua realidade e, a partir dela, construir um processo interativo,
participativo e cooperativo entre os sujeitos.
A abordagem metodológica qualitativa substanciou a pesquisadora na construção de
estratégias e procedimentos para compreender a forma como as participantes interpretam suas
experiências e a maneira como elas agem diante das situações que vivenciam no espaço escolar.
Essas estratégias e procedimentos compõem as fases da investigação que serão descritas na
próxima seção.
73
THIOLLENT, 2011, p. 60.
74
Ibid., p. 56, grifo do autor.
121
Os detalhes a respeito dos encontros, bem como as análises dos dados produzidos, serão
realizados utilizando-se episódios e/ou citações das participantes. Esse detalhamento será
apresentado nos capítulos 8 e 9 desta tese.
A observação em sala de aula pela pesquisadora transcorreu por um período de três
meses, numa média de duas aulas semanais. Os propósitos desse acompanhamento foram
conhecer o ambiente de prática das docentes, compreender o desenvolvimento do processo de
empoderamento docente no contexto de prática pedagógica em sala de aula e convidar as
docentes a atuarem como investigadoras da própria prática. Não pretendíamos analisar “erros”
ou “acertos”, mas identificarmos situações-limite, atos-limite e características do processo de
empoderamento nas práticas de ensino. O foco da observação estava nas práticas das docentes
e na forma como elas desenvolviam suas aulas. O acompanhamento em sala foi realizado nas
turmas de 1º e 5º ano, das professoras Clara e Carol. Nas demais turmas, as participantes
optaram por apresentar relatos de experiências de suas práticas nos encontros coletivos.
Depois das observações em sala, nos reunimos com as docentes Clara e Carol e
realizamos um feedback do que foi observado. Após o desenvolvimento das tarefas produzidas
pelo grupo, realizamos um novo feedback. Na medida em que as participantes desenvolviam as
tarefas em sala de aula, elas compartilhavam suas experiências nos encontros coletivos. Tal
compartilhamento fomentou reflexões a respeito da prática e análises de como o ensino da
matemática, sob a perspectiva da Educação Matemática Crítica, pode contribuir para a
124
75
Realizamos esse contato por meio de um grupo que criamos no WhatsApp. Como duas das docentes não
possuíam WhatsApp, o contato com elas foi realizado por meio de ligação telefônica.
125
p. 49). Mas, para que isso seja possível, os dados devem ser registrados de forma detalhada. Por
isso, a escolha das técnicas de produção de dados é parte fundamental da investigação e deve
estar integrada ao planejamento da pesquisa.
Ao planejarmos esta pesquisa, analisamos quais técnicas de produção de dados nos
permitiriam efetuar um registro mais minucioso dos dados. Isso, pois, pretendíamos utilizar os
enunciados das participantes e realizar, a posteriori, uma análise do diálogo estabelecido no
espaço de formação. Com tal perspectiva, utilizamos diferentes técnicas, são elas: observação
participante, duas entrevistas (inicial e final), um questionário para obter informações de cunho
pessoal, acadêmico e profissional, registro de campo das participantes, registro de campo da
pesquisadora e gravação em áudio e vídeo.
Segundo Gil (2006, p. 113), “[a] observação participante, ou observação ativa, consiste
na participação real do conhecimento na vida da comunidade, do grupo ou de uma situação
determinada”. Nesse caso, o pesquisador se integra ao grupo investigado para conhecer aquela
realidade no interior do próprio grupo. Nesta pesquisa, inicialmente, a pesquisadora adentrou
ao grupo e participou de momentos de ATPC para conhecer: o campo de observação, as
participantes, as expectativas do grupo acerca da ação de formação e as situações-limite
vivenciadas pelas docentes. Essa aproximação inicial possibilitou que a pesquisadora fosse
aceita pelo grupo.
A função da pesquisadora nesta pesquisa não se restringiu à observação, principalmente
porque assumiu a responsabilidade de propor uma ação de formação, na qual atuou como
mediadora e investigadora. Nesse caso, a pesquisadora fez parte do contexto de investigação ao
qual se inseriu. Por tal fato, a investigação teve que combinar a observação participante com
outras técnicas de produção de dados, cujos registros realizados compuseram o corpus de
análise dessa pesquisa.
Outra técnica utilizada foi a entrevista. A respeito desse instrumento, Bogdan e Biklen
(1994, p. 134) destacam que ela “[...] é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem
do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a
maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo”.
Nesta investigação foram realizadas duas entrevistas. A entrevista inicial buscou
conhecer características da vida pessoal, acadêmica e profissional que poderiam ser utilizadas
para a constituição de temas do conteúdo programático da ação de formação, assim como para
substanciar e fundamentar a análise dos enunciados das participantes. A entrevista final
objetivou analisar a ação de formação sob o ponto de vista das participantes, bem como
126
76
Como data de nascimento, e-mail, telefone, formação acadêmica, tempo de serviço, entre outras, que nos
possibilitariam entrar em contato com essas docentes fora da escola e que permitiriam uma análise acerca dos
saberes docentes e sua relação com o tempo de docência e de formação acadêmica.
127
77
Nesta tese apresentamos duas concepções de diálogo: o diálogo da concepção freireana e o diálogo da concepção
do círculo de Bakhtin. Na concepção freireana, o diálogo é uma relação amistosa entre interlocutores que dialogam
uns com os outros para intercomunicar-se em uma relação de horizontalidade. Além disso, para Freire (2018), o
diálogo é o caminho pelo qual mulheres e homens refletem e agem no mundo em busca de sua transformação. Na
concepção bakhtiniana, o diálogo pode ser compreendido como algo mais amplo, não apenas como a comunicação
entre pessoas que se encontram face a face, mas como todo tipo de comunicação verbal. O diálogo em Bakhtin
(1997) envolve os interlocutores da mensagem e outrem, que incorporado ao diálogo se constitui sujeito-emissor.
Nesse sentido, as palavras do eu também são constituídas a partir das palavras dos outros, que equivale a dizer que
os enunciados estão mergulhados de valores e são constituídos por múltiplas vozes ao seu redor. Apesar das
compreensões distintas acerca do diálogo que esses autores apresentam, as duas concepções se complementam
nesta tese. Em Freire (2018), encontramos o diálogo como exigência existencial, como um fenômeno humano e,
em Bakhtin (1997), o diálogo se estabelece como uma forma de compreender essa condição humana. Portanto, o
diálogo da concepção freireana entra como o ponto de partida do desenvolvimento do processo de empoderamento
docente e o diálogo da concepção bakhtiniana é o meio pelo qual buscamos dialogar com os discursos das
participantes para compreendermos como se dá o desenvolvimento do processo de empoderamento em contextos
formativos.
78
O Círculo foi constituído por um grupo de intelectuais com formações distintas, que se reuniam para debater
ideias sobre Filosofia, Linguagem, entre outras, no de período de 1929 - 1939 (FARACO, 2009). Segundo Faraco
(2009) e Fiorin (2011), Viatcheslav Ivanov afirmou que alguns textos de Bakhtin foram publicados em nome de
outros autores. Tal fato teria ocorrido na época por razões políticas. A obra Marxismo e Filosofia da Linguagem,
por exemplo, foi publicada inicialmente com autoria de Volóchinov, mas segundo Ivanov a autoria é de Bakhtin.
Por não existir um consenso a esse respeito, os estudiosos da obra bakhtiniana dividem-se em três posições: i)
consideram Bakhtin autor de todas as obras; ii) os que acreditam que Bakhtin deva ser autor apenas das obras
publicadas em seu nome; e iii) os que atribuem a autoria das obras aos dois autores. Os autores que analisam as
obras de Bakhtin que foram descritos neste texto adotam posições distintas. Por não existir uma posição comum,
optamos por adotar a autoria que está indicada na edição dos livros que utilizamos.
128
Para tal discussão, os autores utilizam como exemplo a seguinte situação: duas pessoas
estão em uma sala, ambas estão em silêncio. Uma delas ao olhar para a janela enuncia a palavra
“bem” e a outra permanece em silêncio. Para as pessoas que estão fora daquele contexto (a
sala), essa conversação é incompreensível. A palavra “bem”, do ponto de vista semântico, é
vazia, no entanto, ao ser enunciada com entoação79 expressiva, essa palavra se torna um
enunciado repleto de sentido e pleno de significação.
Segundo os autores, para compreendermos o sentido e o significado de um discurso
verbal e, portanto, do enunciado “bem” devemos analisar o contexto extraverbal do enunciado,
que compreende três fatores: i) o horizonte espacial comum dos dois interlocutores (a unidade
visível, neste caso, a sala, a janela etc.); ii) o conhecimento e a compreensão comum da situação
por parte dos interlocutores; e iii) sua avaliação comum dessa situação.
A análise do contexto extraverbal, na perspectiva de Bakhtin e Voloshinov (1976),
ocorre da seguinte forma, no exemplo em análise: quando a pessoa enunciou a palavra “bem”,
ambos os interlocutores olhavam para a janela e viam que estava nevando. Além disso, sabiam
que na época do ano em que se encontravam a primavera estava por chegar. Logo, estavam
cansados com o inverno que se prolongava e desapontados com a neve. Assim, no exemplo em
análise, o horizonte espacial diz respeito ao que é visto (os flocos de neve), a compreensão
comum está relacionada ao que é conhecido (época do ano) e a avaliação comum ao que é
avaliado pelos interlocutores (cansados do inverno, desejo pela primavera). Todos esses
elementos estão presumidos na palavra “bem”, enunciada nesse contexto, em tais situações de
produção enunciativa.
Ao percebemos o que está presumido na palavra “bem”, ou seja, ao conhecermos o
contexto extraverbal compartilhado pelos interlocutores e a entoação na qual a palavra foi
enunciada, compreendemos o sentido do enunciado. No caso da situação exemplificada, o
discurso verbal não reflete o contexto extraverbal, ele o analisa, produzindo uma conclusão
avaliativa.
O contexto extraverbal, conforme explicam Bakhtin e Voloshinov (1976, p. 8), não age
sobre o enunciado de fora, ele “[...] se integra ao enunciado como uma parte constitutiva
79
“As entoações são valores atribuídos e/ou agregados àquilo dito pelo locutor” (STELLA, 2020, p. 178). Assim,
a palavra pode ser expressa em tom de indignação, aprovação, desaprovação etc.
129
essencial da estrutura de sua significação”. Assim, o enunciado concreto, qualquer que seja a
espécie (escrito, falado etc.),
[...] sempre une os participantes da situação comum como [coparticipantes] que
conhecem, entendem e avaliam a situação de maneira igual. O enunciado,
consequentemente, depende de seu complemento real, material, para um e o mesmo
segmento da existência e dá a este material expressão ideológica e posterior
desenvolvimento ideológico comuns (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1976, p. 8, grifos
dos autores).
atos, dos nossos enunciados. Assim, quando analisamos um discurso, relacionamos: o contexto
extraverbal do enunciado, os discursos que circundam esse enunciado, a entoação e os
diferentes quadros axiológicos que determinam a base do enunciado. Cabe ressaltar que a
entoação, conforme destacam Bakhtin e Voloshinov (1976, p. 13), está orientada em duas
direções: a seu interlocutor (ouvinte) e ao objeto do enunciado (um terceiro participante), “[...]
a quem a entoação repreende ou agrada, denigre ou engrandece”.
Bakhtin (1997) ressalta que um enunciado tem vários sentidos por dialogar com
diferentes discursos, e dentro de um discurso manifestam-se diferentes vozes. Por exemplo, o
enunciado “Ela é feminista”, ao ser dito com entoação de depreciação pode revelar um discurso
preconceituoso que está por trás dessa entoação. Esse discurso é constituído por diferentes
vozes, o eu e o outro da enunciação e o eu e os outros dos enunciados, que resgatam quantos eu
(s) e quantos outros quiser de outros enunciados. Por outro lado, o enunciado pode ser
compreendido de uma forma, ao ser lido ou ouvido por uma pessoa que se considera
conservadora, e de outra forma, ao ser lido ou ouvido por uma pessoa que se considera
progressista. Há aí uma variedade de sentidos que se constituem pela atitude valorativa. Por
esse modo, Bakhtin (1997) enfatiza que não há enunciados neutros, pois, eles emergem num
contexto cultural permeado de valores e se constituem como uma tomada de posição nesse
contexto. Além disso, toda enunciação (o dizer), falada ou escrita, é fruto da interação social de
três participantes: o locutor, o interlocutor (ouvinte) e o herói80 (ocorrência ou circunstância da
vida).
Faraco (2009, p. 47), em uma análise aos textos do Círculo de Bakhtin, relata que, para
o Círculo, “[...] a significação dos enunciados tem sempre uma dimensão avaliativa, expressa
sempre um posicionamento social valorativo”. Dessa forma, o enunciado é sempre ideológico
em dois sentidos:
[...] qualquer enunciado se dá na esfera de uma das ideologias (i. e., no interior de uma
das áreas da atividade intelectual humana) e expressa sempre uma posição avaliativa
(i. e., não há enunciado neutro; a própria retórica da neutralidade é também uma
posição axiológica) (FARACO, 2009, p. 47).
80
No exemplo do “bem” o herói pode ser interpretado como aquele “culpado” por ainda ter neve, para quem se
dirige a indignação, a reprovação. Como se existisse um terceiro participante no processo de comunicação.
131
enunciar que o ensino deve se centrar no treinamento técnico e não se preocupar com a
discussão e o desvelamento de verdades (FREIRE, 2019c). Sendo assim, tal ideologia apagaria
o fato de que o ensino se reduziria “[...] à mera transferência de conteúdos aos educandos a
quem não se exige que os apreendam para que os aprendam” (FREIRE, 2019c, p. 54). Portanto,
a perspectiva neoliberal não expressa apenas uma ideia, mas uma tomada de posição
determinada. A própria “neutralidade” que a perspectiva neoliberal tenta apresentar em seus
discursos já expressa uma “não neutralidade” da posição ideológica que assume.
Volóchinov (2018) introduz seu entendimento a respeito da ideologia ao tratar sobre
produto ideológico. Para o autor, um produto ideológico além de fazer parte de uma realidade
natural e social, como um corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo,
também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Assim, “[...] tudo que é
ideológico possui uma significação: ele representa e substitui algo encontrado fora dele, ou seja,
ele é um signo” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 91, grifo do autor).
O signo, na concepção do Círculo de Bakhtin, não é apenas um objeto, um instrumento
ou um produto, mas a significação que atribuímos a eles. O signo representa o revestimento
ideológico que atribuímos às coisas. Se pensarmos, por exemplo, no pão e no vinho sendo
utilizados como símbolos religiosos da eucaristia cristã, eles estão revestidos ideologicamente.
“Onde há signo há também ideologia” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 93, grifo do autor) e
tudo que é ideológico reflete e refrata uma outra realidade, então os signos “[...] refletem e
refratam o mundo” (FARACO, 2009, p. 50, grifo do autor). Refletem, pois constituem-se como
parte material dessa realidade e indicam para uma realidade exterior a essa, e refratam, pois não
somente descrevemos o mundo, mas construímos diversas interpretações acerca desse mundo.
A esse respeito, Faraco (2009, p. 51, grifo do autor) enfatiza que:
[...] não é possível significar sem refratar. Isso porque as significações não estão
dadas no signo em si, nem estão garantidas por um sistema semântico abstrato, único
e atemporal, nem pela referência a um mundo dado uniforme e transparentemente,
mas são construídas na dinâmica da história e estão marcadas pela diversidade de
experiências dos grupos humanos, com suas inúmeras contradições e confrontos de
valorações e interesses sociais.
Nesse sentido, nossa relação com o mundo é sempre permeada de valores, uma vez que
a significação do signo sempre envolve uma relação axiológica, da qual resultam “[...] as
inúmeras semânticas, as várias verdades, os inúmeros discursos, as inúmeras línguas ou vozes
sociais [...] com [as quais] atribuímos sentido ao mundo” (FARACO, 2009, p. 52).
Um exemplo de signo ideológico é a palavra. Para Volóchinov (2018), a existência do
signo é a materialização da comunicação social e a palavra é o fenômeno ideológico pelo qual
132
se revelam as formas básicas da comunicação semiótica. Se uma pessoa diz “sou conservadora”
ela não está expressando apenas um dado, ela está indicando, por meio do signo
“conservadora”, a relação axiológica que a significação desse signo envolve. Em outros termos,
a palavra “conservadora” indica uma realidade externa ao signo (ela reflete) e permite que
diversas interpretações permeadas de valores sejam construídas acerca dessa realidade (ela
refrata). Por isso, a palavra, para o Círculo de Bakhtin, é um signo neutro, pois “[...] ela pode
assumir qualquer função ideológica: científica, estética, moral, religiosa” (VOLÓCHINOV,
2018, p. 99, grifo do autor).
Stella (2020), em seu texto intitulado Palavra, descreve seu entendimento a respeito do
sentido da palavra na concepção bakhtiniana e esclarece que, nessa concepção, a palavra:
[...] é produto ideológico vivo, funcionando em qualquer situação social (leia-se aqui
ideológica), tornando-se signo ideológico porque acumula as entoações do diálogo
vivo dos interlocutores com os valores sociais, concentrando em seu bojo as lentas
modificações ocorridas na base da sociedade e, ao mesmo tempo, pressionando uma
mudança nas estruturas sociais estabelecidas (STELLA, 2020, p. 178, grifo do autor).
a compreensão responsiva ativa81 do que foi ouvido, pode permanecer muda por um período,
mas “[...] cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará um eco no
discurso ou no comportamento subsequente do ouvinte” (BAKHTIN, 1997, p. 292). Essa
compreensão é entendida pelo autor como uma atitude responsiva de ação retardada. O locutor,
por sua vez, no ato de produção do discurso, espera do interlocutor uma resposta, que concorde
ou discorde, que adapta, que complementa, que execute etc., mas que não seja necessariamente
uma compreensão passiva que apenas reflete seu discurso.
Na concepção bakhtiniana, todo discurso dialoga com outros discursos e, por isso, a
constituição de enunciados, no processo de comunicação, é dialógica e a compreensão do
“todo” do enunciado 82
também é dialógica. Mas, cabe indagar, como essa compreensão
dialógica acontece do ponto de vista do pesquisador? Bakhtin (1997) explica que o pesquisador
que pratica um ato de compreensão passa a ser participante do diálogo. Isso ocorre quando sua
observação constitui parte integrante do objeto observado, ou seja, o investigador se situa dentro
do espaço, do contexto observado.
Compreender, para Bakhtin (1997, p. 356 – 357, grifos do autor) é:
[...] necessariamente tornar-se o terceiro num diálogo (não no sentido literal,
aritmético, pois os participantes do diálogo, além do terceiro, podem ser em número
ilimitado), mas a posição dialógica deste terceiro é uma posição muito específica. O
enunciado sempre tem um destinatário (com características variáveis, ele pode ser
mais ou menos próximo, concreto, percebido com maior ou menor consciência) de
quem o autor da produção verbal espera e presume uma compreensão responsiva. Este
destinatário é o segundo (mais uma vez, não no sentido aritmético). Porém, afora esse
destinatário (o segundo), o autor do enunciado, de modo mais ou menos consciente,
pressupõe um superdestinatário superior (o terceiro), cuja compreensão responsiva
absolutamente exata é pressuposta seja num espaço metafísico, seja num tempo
histórico afastado.
81
Para Bakhtin (1997, p. 292), “a compreensão responsiva nada mais é senão a fase inicial e preparatória para uma
resposta (seja qual for a forma de sua realização)”.
82
O “todo” do enunciado, nesse contexto, é a parte verbal e a parte presumida, sabendo que, devido à relação entre
enunciados numa cadeia enunciativa de relações, a completude, esse todo, é impossível de ser apreendida.
134
83
A palavra, nesse caso, pode ser entendida como uma palavra ou um conjunto de palavras (frase) que constitui o
enunciado.
135
84
A realidade vivenciada pelas participantes nesse bairro é diferente da realidade vivenciada por nós em nossa
prática docente atual. Tal fato incentivou-nos a realizar a leitura de mundo das participantes. Além disso, o intuito
da ação política desta pesquisa é trabalhar com as massas populares, com aqueles que são postos como
marginalizados na sociedade.
85
Fator que beneficiou o desenvolvimento de um trabalho coletivo na ação de formação, tendo em vista que todas
as docentes participam da ATPC no mesmo horário.
137
Diante dos dados apresentados no quadro 12, consideramos relevante tecer algumas
observações. Os dados mostram que quatro docentes possuem experiência na área educacional,
ministrando aulas por mais de 20 anos. Com esse tempo de atuação no magistério, cada
participante já construiu sua identidade docente. Segundo Tardif (2014), essa identidade carrega
as marcas de sua própria atividade, com sua cultura (conjunto de tradições, crenças, costumes
etc.), suas ideias, suas funções, seus interesses, entre outros hábitos e capacidades que,
adquiridos ao longo da experiência docente, constituíram os saberes necessários à realização do
trabalho. Nessa fase da profissão, o professor, já considerado experiente, possui conhecimentos,
habilidades, competências, talentos e formas de saber-fazer que são mobilizados e empregados
na prática cotidiana e que permitem um domínio maior do trabalho.
Ainda sobre o tempo de serviço das professoras, os dados também mostram que uma
docente possui 7 anos de experiência em sala de aula. Nessa fase, caracterizada por Tardif
(2014) como fase de estabilização e consolidação, o professor possuirá uma maior confiança
em si mesmo e domínio dos diversos aspectos do trabalho (planejamento de ensino, gestão da
sala de aula, conhecimento dos programas etc.), que segundo o autor, se manifesta por meio de
um melhor equilíbrio profissional, e de um maior interesse pelos problemas de aprendizagem
dos estudantes. Entretanto, é preciso considerar que a professora em questão é contratada
temporariamente, ou seja, não possui uma estabilidade em sua carreira. Nesse caso, o autor
destaca que é difícil pensar na consolidação de competências pedagógicas enquanto o professor
não adquirir um mínimo de estabilidade. O docente nessa situação leva mais tempo para
dominar condições particulares inerentes ao trabalho em sala de aula, pois com frequência muda
de escola, turma e ano que leciona, e a cada ano defronta-se com novos desafios que exigem
outras competências pedagógicas.
No que diz respeito à formação profissional, observamos que todas as docentes possuem
um curso superior com formação específica para o nível de ensino que lecionam. Além disso,
as docentes fizeram outros cursos, complementando ou aprimorando sua formação acadêmica,
em áreas como Matemática, Tecnologia, Alfabetização e Letramento. Esse dado permite-nos
enfatizar a importância que as docentes atribuem à formação continuada.
Na busca por conhecer os reais motivos que levaram as docentes a participarem de
cursos de formação continuada, realizamos, na entrevista inicial (Apêndice A), a seguinte
138
Quadro 13: Enunciados das participantes referentes a pergunta: Você participa ou participou de cursos ou
estudos de formação continuada na área de Matemática ou em outras áreas? Se sim, qual ou quais cursos? Por
quê?
o tempo de docência, uma vez que a Carol está se adentrando na fase de estabilização e
consolidação.
A professora Agnes, por sua vez, mesmo sendo considerada experiente pelo tempo de
carreira, segundo a literatura utilizada (TARDIF, 2014), ainda expressa uma certa insegurança
ao exercer sua profissão. Esse fato pode ser identificado quando Agnes manifesta sua
preocupação em adquirir mais conhecimento para que se sinta mais tranquila e segura em sua
prática.
Também é ponderoso destacar mais dois pontos nos enunciados de Vandi. O
reconhecimento que a produção de conhecimento é constante, logo, está sempre em mudança e
a preocupação com os desafios do contexto atual com a chegada da tecnologia. Tais fatos
indicam que, a respeito da formação, Vandi reconhece que a realidade é mutável e, portanto,
aceita as novas mudanças na medida em que são válidas, sem repudiar o que aprendeu no
passado. Essa postura é característica, conforme destaca Freire (2020), de uma consciência
crítica.
De modo geral, identificamos nos enunciados das participantes uma característica
comum no que diz respeito ao empoderamento docente – a consciência do inacabamento. As
docentes, ao descreverem os motivos pelos quais participam de cursos de formação continuada,
expressam uma constante busca, seja ela para produzir mais conhecimentos, para dar uma boa
aula e/ou para acompanhar as mudanças do contexto atual. Dessa forma, se encontram num
constante processo social de busca de ser mais (FREIRE, 2019a).
Outro ponto que nos chamou a atenção sobre os dados do quadro 12 diz respeito à
situação funcional das participantes. Conforme as informações, Mariinha e Vandi, mesmo
sendo aposentadas, optaram por continuar exercendo a profissão. Ao perguntamos o porquê de
terem retornado à ativa, elas justificaram:
Porque ainda tenho vigor, amo o que faço e espero ainda poder ajudar bastante as
crianças (MARIINHA).
Não consegui me adaptar longe da sala de aula e comecei a achar a minha vida inútil.
Tentei outras atividades, mas não me realizei (VANDI).
(Questionário)
Como pode ser observado, Mariinha explicou que ainda se encontra em condições de
atuar na área e ajudar os estudantes. Além disso, relatou seu amor pela profissão. Vandi
destacou a importância que a docência tem em sua vida ao dizer que não conseguiu se adaptar
longe da sala de aula. Nos dois casos, tendo em vista os anos de experiência das docentes,
conforme apresentado no quadro 12, Tardif (2014, p. 56) explica que “[...] se uma pessoa ensina
durante trinta anos, ela não faz simplesmente alguma coisa, ela faz também alguma coisa de si
140
mesma [...]”. Nesse sentido, as docentes veem sua atuação profissional como parte de sua vida
cotidiana, como algo que constitui sua identidade, portanto, parte de sua existência é
caracterizada por sua vida profissional.
Outro dado a ser observado diz respeito à realização de cursos de Pós-Graduação.
Conforme apresentado no quadro 12, apenas Vandi e Carol possuem curso de Pós-Graduação.
À critério de entendimento, julgamos prudente perguntar86 às docentes que não fizeram esse
tipo de curso se existia algum motivo que as impossibilitou. As docentes responderam:
Não fiz Pós por conta da acomodação. Acho que já comecei a ficar meio velha
(MARIINHA).
Quando me formei no magistério já estava com uma certa idade e mais tarde resolvi
fazer Pedagogia. Depois disso fique mais velha, me acomodei e acabei não fazendo
Pós (CLARA).
Comecei a trabalhar na área e acabei não fazendo (AGNES).
Essas respostas nos fizeram refletir sobre o quanto as docentes consideram os saberes
de sua experiência na profissão como essenciais para o desenvolvimento de seu trabalho. A esse
respeito, Tardif (2014, p. 61) nos fala que “[...] para os professores de profissão, a experiência
de trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar”. Nesse sentido, é possível que
os anos de experiência e a consolidação na profissão possam ter influenciado nessa
acomodação.
Além das características acadêmicas e profissionais, consideramos relevante apresentar
o perfil das participantes em âmbito mais pessoal. Realizamos um breve resumo da história de
vida das docentes, bem como de sua relação com a matemática. Os dados que serão aqui
descritos foram adquiridos por meio da entrevista inicial e do questionário (Apêndices A e C).
86
Essa pergunta foi realizada após o término da pesquisa em campo, assim que iniciamos a análise dos dados. O
contato com as docentes foi feito por meio de mensagem do WhatsApp e por meio de ligação telefônica.
141
Desde o tempo que estudava, como aluna da Educação Básica, sempre foi apaixonada
por matemática e sempre teve mais facilidade nessa disciplina. Segundo Clara, esse gostar torna
as aulas que leciona mais agradáveis e facilita o despertar do interesse dos estudantes. Para ela,
isso é importante, mas não de todo suficiente, pois os estudantes têm dificuldades para
interpretar as questões e ainda não possuem autonomia para leitura e entendimento do que está
sendo solicitado. Isso, pois, leciona para o 1º ano. Para Clara, ver seus estudantes aprenderem
é o que a deixa feliz. Ao longo dos encontros de formação, a participante sempre expressou o
amor e carinho pelos estudantes.
Na escola que leciona atualmente, já está há 10 anos. É uma escola situada em um bairro
próximo ao seu e, por ser uma escola relativamente pequena, se sente mais próxima das pessoas
e mais acolhida.
Clara é viúva, possui dois filhos que já são independentes. Seus filhos também
estudaram em escolas públicas. A participante diz pertencer à classe social de nível médio,
assim como seu pai e sua mãe pertenciam na época que ainda residia com eles.
Mariinha hoje é casada e possui um filho e duas filhas. Seus filhos estudaram em escolas
públicas. As duas filhas pretendem seguir a profissão da mãe, estão cursando Pedagogia e o
filho concluiu o Ensino Médio.
eram de classe social média alta e ela se considera de classe social média. A docente afirma ser
de base ideológica conservadora.
tanto em escolas públicas quanto em escolas privadas. Carol diz ser de classe média, assim
como seus pais.
Carol diz gostar de matemática, porque na Educação Básica teve bons professores que
sempre a ajudaram. No entanto, possui dificuldades com alguns conteúdos, como por exemplo,
sólidos geométricos. Para sanar essas dificuldades, busca estudar, participa de cursos e gosta de
fazer pesquisas em livros e sites para aprimorar seus conhecimentos.
Com o perfil de Carol, finalizamos essa seção que apresentou o perfil das participantes
para que o leitor e a leitora conheçam características das docentes sujeitas desta investigação.
Além disso, as informações aqui relatadas contribuirão para a análise dialógica que será
realizada nos dois capítulos seguintes.
87
Essa citação foi retirada do registro de campo da docente Agnes onde descreveu sua visão da escola.
146
com as docentes, os estudantes são carentes, precisam de atenção e cuidados. Mesmo com todas
essas situações, Clara destaca que “os estudantes são aplicados e têm vontade de aprender”88.
Os familiares responsáveis não são assíduos na escola. A maioria frequenta o espaço
quando são convidados a participar de reuniões ou quando são chamados por algo que tenha
ocorrido com seus filhos. Nas palavras de Vandi “as famílias são ausentes. Ainda não
descobrimos um mecanismo que os façam compreender as necessidades de estarem na escola
apoiando os filhos”89. As docentes também observaram que a maioria desses familiares não
acompanham seus filhos nas atividades em casa, o que dificulta um caminhar na aprendizagem.
As características aqui apresentadas tiveram o intuito de traçar um perfil da escola e da
comunidade escolar do ponto de vista das participantes e da pesquisadora. As informações
descritas contribuirão para a interpretação dos dados da pesquisa nos capítulos seguintes.
7.2.2 Projeto Educação Matemática nos Anos Iniciais e Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo
O material didático utilizado pelas participantes para planejar e ministrar aulas de
Matemática é o proposto pelo Projeto Emai. O projeto90 é desenvolvido pela Secretaria de
Estado de São Paulo que, por meio da Escola de Profissionais da Educação Paulo Renato Costa
Souza, fornece uma formação continuada a professores que ensinam matemática nas escolas
estaduais. Na formação são trabalhados conceitos e procedimentos para serem ensinados aos
estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para o ensino em sala de aula é
disponibilizado um material didático do próprio projeto, nas versões professor e estudante.
O material está organizado em trajetórias hipotéticas de aprendizagem91 compostas por
um plano de atividades de ensino estruturado a partir de objetivos e hipóteses sobre o processo
de aprendizagem dos estudantes. O plano de atividades docentes é dividido em sequências
temáticas que trazem os objetivos (expectativas de aprendizagem), uma conversa inicial sobre
o tema a ser estudado (direcionando o que o docente deve falar na introdução da temática), a
problematização, o que deve ser observado e a intervenção que o docente deve fazer ao longo
do desenvolvimento da atividade. O plano de atividades discente é dividido em sequências
temáticas e apresenta as atividades a serem realizadas pelo estudante. O uso do material é
obrigatório nesta escola, podendo as professoras utilizarem o livro didático como material de
apoio. No entanto, as docentes relatam que, como precisam seguir todas as sequências da forma
88
Essa citação foi retirada do registro de campo da docente Clara onde descreveu sua visão da escola.
89
Essa citação foi retirada do registro de campo da docente Vandi onde descreveu sua visão da escola.
90
Informações disponibilizadas no site http://escoladeformacao.sp.gov.br/portais/Default.aspx?tabid=8788.
Acesso em 14 jul. 2020.
91
Essa trajetória tem como base o ciclo de ensino proposto por Simon (1995).
147
como estão propostas no material do Emai, “quase não sobra tempo para a utilização de outros
materiais” (CAROL – Fase exploratória)92.
Outra ação que o projeto Emai propõe é um estudo coletivo sobre Educação Matemática,
a ser realizado no espaço de ATPC93 das escolas. Esse espaço denominado Aula de Trabalho
Pedagógico Coletivo é um espaço de formação continuada destinado a atividades pedagógicas
extraclasse, que visam discutir, acompanhar e avaliar a proposta pedagógica da escola e o
desempenho dos estudantes. A ATPC, que inicialmente denominava-se HTPC (Horas de
Trabalho Pedagógico Coletivo), é regulamentada pela Lei Complementar nº 836, de 30 de
dezembro de 1997 do Estado de São Paulo. Essa Lei garante que sejam destinadas horas da
carga horária94 docente a atividades de formação e planejamento. A ATPC é realizada
semanalmente, assim como o planejamento das aulas, e são destinadas, em média, duas horas
semanais para cada uma dessas atividades.
Na escola, campo de observação desta pesquisa, o estudo proposto pelo projeto Emai
era mediado pela Diretora da escola que se embasava em orientações advindas da Diretoria de
Ensino. É importante ressaltar que a ATPC também era destinada a reuniões e a outras
atividades pedagógicas, além do projeto Emai. Por vezes, essas reuniões ocupavam boa parte
da ATPC comprometendo, assim, o estudo do projeto.
No que diz respeito ao planejamento das aulas de Matemática, eles eram realizados uma
vez por semana. As professoras se reuniam no contraturno de suas aulas, mas o planejamento
não se realizava de forma coletiva, tendo em vista que cada docente lecionava para uma turma
distinta. Em algumas situações, as docentes recorriam umas às outras para esclarecer dúvidas
sobre alguma tarefa. Mas, de forma geral, os planejamentos eram realizados individualmente.
O material de apoio para os planejamentos era o material do Emai. Conforme já
mencionado, esse material traz as sequências de tarefas que devem ser aplicadas ao longo da
semana e as respectivas orientações ao professor de como a tarefa deve ser introduzida e
desenvolvida em sala de aula. Tais orientações, segundo Vandi, “são limitadas e não permitem
que o professor vá além” (Fase exploratória).
Mais detalhes acerca do material do Emai e as percepções e experiências que as docentes
tiveram com a utilização desse material serão relatadas no capítulo seguinte.
92
Essa citação foi retirada do diálogo que realizamos na fase exploratória.
93
Para mais informações acessar:
http://www.escoladeformacao.sp.gov.br/portais/Portals/84/docs/pdf/Documento%20Orientador%20do%20Progr
ama%20de%20Forma%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em 14 de jul. 2020.
94
Conforme o Artigo 10 da Lei Complementar nº 836/97: no caso dos docentes que possuem jornada básica de
trabalho de 30 (trinta) horas: 25 (vinte e cinco) horas são destinadas a atividades com os estudantes e 5 (cinco)
horas são destinadas a trabalho pedagógico.
148
Neste capítulo, apresentamos a análise dialógica dos discursos, elaborada a partir dos
dados produzidos na ação de formação. Para tanto, realizamos uma leitura sistemática das
transcrições das gravações em áudio dos quinze encontros de formação, das entrevistas, do
questionário, dos registros de campo e selecionamos trechos dos enunciados das participantes
que serão descritos em episódios que narram diálogos entre elas – e descritos como citações –,
para compor o conjunto de dados a ser analisados. A escolha dos trechos dos enunciados teve
como base os objetivos e o problema de pesquisa deste trabalho.
No quadro 14, a seguir, enumeramos os episódios escolhidos, com seus respectivos
temas e encontros dos quais foram selecionados.
Quadro 14: Temas dos encontros e episódios selecionados para a análise dialógica
Temas dos Encontros Encontros Código Episódios Código
dos dos
Encontros Episódios
Encontro 01 EN01 -------------- ------
Encontro 02 EN02 -------------- ------
Diálogos na fase exploratória Encontro 03 EN03 Episódio 01 EP01
Episódio 02 EP02
Episódio 03 EP03
Dialogando sobre diferentes Encontro 04 EN04 Episódio 04 EP04
saberes Episódio 05 EP05
Dialogando sobre diferentes Encontro 05 EN05 Episódio 06 EP06
olhares Episódio 07 EP07
Episódio 08 EP08
Dialogando sobre respeito aos Encontro 06 EN06 Episódio 09 EP09
diferentes saberes no contexto Episódio 10 EP10
de sala de aula Episódio 11 EP11
Episódio 12 EP12
Episódio 13 EP13
Diálogos a respeito da Encontro 07 EN07 Episódio 14 EP14
democracia Episódio 15 EP15
Episódio 16 EP16
Episódio 17 EP17
Diálogos em Educação Encontro 08 EN08 Episódio 18 EP18
Matemática Crítica Episódio 19 EP19
Episódio 20 EP20
Episódio 21 EP21
Episódio 22 EP22
De exercícios a cenários para Encontro 09 EN09 Episódio 23 EP23
investigação: o que podemos Encontro 10 EN10 Episódio 24 EP24
ensinar e aprender com o Episódio 25 EP25
tangram
149
8.1 Diálogos na fase exploratória: “quem dialoga, dialoga com alguém sobre alguma coisa”
Freire (1967, p. 108), ao afirmar que “[...] quem dialoga, dialoga com alguém sobre
alguma coisa”, expressa a importância de se ter uma pedagogia de comunicação, por meio da
qual o ato de ensinar se completa no ato de aprender, e ambos se tornam possíveis quando o
pensamento crítico dos educadores não reprime a capacidade de pensar criticamente dos
educandos. Quem dialoga, dialoga com alguém, e isso diz respeito a uma relação dialógica que
não se resume a uma simples conversa face a face ou a um comunicado de um indivíduo para
o outro, mas a uma relação amistosa entre sujeitos que, em busca de algo, comunicam-se uns
com os outros.
Ao dialogar com alguém sobre alguma coisa, essa “alguma coisa”, no âmbito da
formação continuada de professores, pode corresponder aos conteúdos programáticos que
integram o processo de formação. Assim, a escolha do conteúdo programático precisa levar em
consideração os saberes de experiência dos professores e das professoras para, a partir deles,
dialogarmos sobre a situação presente que desafia e que exige um ato de ação-reflexão
transformador.
A busca por estabelecer uma relação dialógica com as docentes participantes desta
pesquisa deu origem à fase exploratória. A nosso ver, a constituição do conteúdo programático
da ação de formação deveria ser elaborada a partir das finalidades das docentes, dos seus
anseios, das suas dúvidas, de seus temores, e não algo programado por nós, pois, se buscávamos
uma relação dialógica, seria incoerente impor a elas temáticas de estudo pré-planejadas. Se
pretendíamos dialogar com elas sobre alguma coisa, o ponto de partida desse diálogo deveria
ser seus saberes de experiência.
150
95
A compreensão responsiva, para Bakhtin (1997, p. 292), “[...] nada mais é senão a fase inicial e preparatória
para uma resposta (seja qual for a forma de sua realização)”.
96
Dizer a palavra no contexto formativo, em termos freireanos, é contemplar duas dimensões: a ação e a reflexão,
portanto, a práxis. Por outro lado, mas não indissociável a essa concepção, a palavra, em termos bakhtinianos, no
contexto da análise dos dados desta tese, se torna um enunciado repleto de sentido e pleno de significação. Dessa
151
encontravam (segundo relatos das docentes). Não podíamos agir como os negadores da palavra,
pois, se assim o fosse, estaríamos dificultando a transformação daquela realidade, e
corroborando para o desempoderamento da classe.
Nossa função, enquanto mediadores do processo, não era “depositar” nas participantes
a crença de que o empoderamento docente só é possível por meio de uma conscientização
crítica, mas dialogar com elas. Estávamos convencidos de que a necessária luta das docentes
em busca de seu empoderamento não era algo transmitido por nós, mas resultado de sua
conscientização. O diálogo, sob este prisma, representaria nosso ponto de partida, o caminho
pelo qual as docentes se transformariam e ganhariam significado enquanto sujeitas do processo.
forma, as concepções se complementam, a palavra usada enquanto luta, enquanto transformação da realidade no
contexto formativo é repleta de sentido e constitui produto ideológico vivo, pois conforme destaca Stella (2020, p.
178), “[o] falante, ao dar vida à palavra com sua entoação, dialoga diretamente com os valores da sociedade,
expressando seu ponto de visa em relação a esses valores”.
152
97
Ressaltamos que tínhamos a expectativa que as docentes relatassem as situações: falta de tempo para planejar
aulas e dificuldades em trabalhar os conteúdos matemáticos por não possuírem formação na área. Isso pois, na
nossa experiência com formação continuada, essas situações eram comuns nos relatos das docentes. Mas, esse
grupo docente apresentou outras situações, conforme destacamos nos itens de (i) a (viii).
153
num dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que eles não podem ultrapassar”
(FREIRE, 2018, p. 126).
Nesse sentido, precisávamos de uma ação de formação que fosse capaz de promover o
aprofundamento da tomada de consciência das situações e desenvolver um clima de confiança
nas docentes para que se empenhassem na superação das situações-limite, por meio dos atos-
limite que, para Freire (2018, p. 126, grifo do autor), “[...] implicam uma postura decisória
frente ao mundo, do qual o ser se ‘separa’, e, objetivando-o, o transforma com sua ação”.
Esse diálogo inicial que tivemos com as participantes permitiu-nos detectar que essas
situações, advindas da burocratização do sistema escolar, “impossibilitavam”, por meio das
relações de poder, o desenvolvimento de ações promotoras do empoderamento docente. Por
outro lado, essa percepção de “impossibilidade” foi gerada por um clima de desesperança
instaurado no grupo, que não permitia às docentes agir sobre a realidade em prol de seu
empoderamento. Esse clima de desesperança, fruto de uma consciência ingênua, foi observado
nas diversas vozes alheias que compunham os discursos das participantes. Tais vozes que,
segundo Bakhtin (1990, p. 148), “[...] lutam pela sua influência sobre a consciência do indivíduo
(da mesma maneira que lutam na realidade social ambiente)”, advindas das relações de poder
que atuavam utilizando normas naquele espaço escolar, ao serem interiorizadas pelas
participantes, foram transformadas em suas próprias palavras, ou seja, elas não apenas as
ecoavam, mas as assumiam.
As situações-limite identificadas nos discursos das docentes foram temáticas discutidas
e aprofundadas no segundo encontro da fase exploratória. Tais situações caracterizam o que
Tragtenberg (2012), apoiado nas concepções de Marx Weber, chama de democracia negativa.
Essa democracia negativa é instaurada no contexto educacional98, por meio das relações de
poder que agem com políticas de disciplinamento (instrumentos de dominação e controle),
limitando, proibindo ou obrigando estudantes e professores (FOUCAULT, 1987).
Um dos instrumentos de dominação e de controle identificado nos discursos das
docentes é a avaliação (prova ou exame). Nela, os estudantes são submetidos ao sistema de
provas que busca aferir seu rendimento escolar. No estado de São Paulo, por exemplo, os
estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental são submetidos a diversos exames
aplicados pela Secretaria de Educação do Estado e pelo Ministério da Educação (MEC), que,
98
Não queremos dizer, com tal afirmação, que o contexto educacional que foi campo de investigação desta
pesquisa é antidemocrático. Pretendemos destacar que as ações promovidas nesse contexto, como o cumprimento
de normas e a organização de programas que não foram previamente discutidos com os maiores interessados
(estudantes e professores), denotam hierarquização e autoritarismo no âmbito escolar (TRAGTENBERG, 2012).
154
segundo a própria Secretaria de Educação do Estado99, tem por objetivo verificar o nível de
aprendizado dos estudantes e as dificuldades apresentadas por eles/elas. No ano de 2019, o
exame Avaliação de Aprendizagem em Processo (AAP) foi aplicado duas vezes a estudantes
de 2º ao 5º ano; o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
(Saresp) aplicou uma prova a estudantes de 3º e 5º ano; e a Prova Brasil, que compõe o Sistema
de Avaliação da Educação Básica (Saeb), promovida pelo MEC, foi aplicada a estudantes do
5º ano. Todos os exames avaliaram o nível de aprendizagem discente nas disciplinas de
Matemática e de Língua Portuguesa. Num mesmo ano, os estudantes do 5º ano das Escolas
Estaduais do Estado de São Paulo foram submetidos a quatro exames, além dos realizados em
sala de aula em cada disciplina.
Conforme a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, os resultados das APP são
usados para identificar o nível de aprendizagem dos estudantes e, a partir deles, a Educação
produz orientações direcionando os docentes à aplicação de atividades em sala de aula que
visam auxiliar os estudantes em suas dificuldades. O Saresp, por sua vez, tem por finalidade
diagnosticar a situação da escolaridade básica paulista, visando orientar os gestores
educacionais no desenvolvimento de ações para a melhoria da qualidade de ensino. Já o Saeb
tem por objetivo realizar um diagnóstico da Educação Básica do Brasil.
Acerca das informações descritas, observamos que os sistemas de avaliação buscam,
com os resultados, promover ações que visam à melhoria da qualidade do ensino. No entanto,
na descrição apresentada pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, o contexto social
em que as escolas estão inseridas bem como as condições de trabalho as quais os professores
são submetidos não são considerados. Desse modo, a burocratização do sistema escolar
contribui para a caracterização negativa da escola e para sua exclusão ao classificar as escolas
conforme os resultados dos exames, realizando comparativos entre escolas com baixo índice de
estudantes em vulnerabilidade social e escolas com alto índice de estudantes em vulnerabilidade
social, escassez de recursos e estrutura escolar precária. Nessas condições, os estudantes das
escolas com baixo rendimento podem ser vistos como “ruins”, “fracos” e o ensino ser
compreendido como de “pouca qualidade”.
Outro ponto que merece destaque diz respeito às ações a ser realizadas a partir dos
resultados dos exames. No caso das APP, essas ações não são pensadas pela equipe escolar,
mas indicadas pela Diretoria de Ensino de cada região do estado, que orienta os professores em
relação ao tipo de atividades que devem trabalhar com os estudantes para sanar as dificuldades
99
Para mais informações, acessar: https://www.educacao.sp.gov.br/avaliacoes. Acesso em: 23 de jul. 2020.
155
de aprendizagem. Tal fato, de acordo com as docentes, priva-as de sua autonomia de planejar
as aulas e revela uma possível falta de confiança e de valorização dos saberes que elas possuem.
Outro ponto que também merece destaque diz respeito aos conteúdos que os estudantes
precisam dominar para resolver as questões propostas nos exames. Segundo as docentes, os
conteúdos “cobrados” não condizem com a ordem que é proposta pelo material do Emai, ou
seja, “cobram” conteúdos que ainda não foram ensinados, conforme relata Agnes: “A prova já
deu tudo sobre multiplicação, divisão, tudo com dois números, sem que tivéssemos chegado
nesse conteúdo no Emai” (Fase exploratória – EN02). A maior crítica das docentes em relação
aos exames, em especial o de AAP, é que não há um consenso entre o que pedem para ensinar
e o que “cobram” nas provas, mesmo considerando o fato de que o exame mencionado tem
como base o conteúdo do Currículo Oficial do estado de São Paulo.
Os efeitos da burocratização do sistema escolar fazem com que seja necessário destacar
o quanto esse sistema é movido por uma base ideológica dominante e que tem suas raízes no
sistema capitalista. “O capitalismo no seu processo de desenvolvimento separou da vida
produtiva a criação e a transmissão da cultura [...], cuja origem é social, em instituições privadas
ou estatais [...]. O exercício e o controle desse monopólio acadêmico é [sic] entregue ao Estado”
(TRAGTENBERG, 2012, p. 178).
Nesse viés, a escola assume o papel de aparelho ideológico que impõe, por meio do que
é ensinado e de sua estrutura interna, modos de sentir, pensar e agir da classe dominante como
os essenciais para a vida em sociedade. A própria estrutura do sistema escolar – caracterizada
por elementos como a relação entre professor e estudante, o currículo escolar, o material
didático, as provas, os horários e a estrutura de funcionamento – perpetua essa ideia.
O material didático, por exemplo, também pode ser entendido como um instrumento do
aparelho ideológico, que cumpre seu papel de controle. Na escola investigada, conforme
destacado anteriormente, o livro usado como base para o ensino da matemática é o Emai. As
docentes relataram que ensinar matemática não é um problema para elas, mas também pontuam
que o material Emai é muito limitado em conteúdos e atividades. Além disso, não há uma
sequência nas atividades, que são propostas de forma fragmentada. Conforme destacam as
participantes:
Aqui nós usamos o Emai. É um material disponibilizado pelo estado de São Paulo
[...]. Para cada aula de Matemática da semana ele traz uma sequência de atividade e
nós temos que seguir essa sequência conforme orienta o material. Em cada sequência
ele traz o que deve ser falado pelo professor. Não é que seja um material de todo ruim,
mas as orientações não oportunizam o professor a ser mais crítico (VANDI).
E outra coisa que acho desse Emai, eles dão um volume, mas não dão um volume já
preenchido para a gente, sabe. Às vezes temos dúvidas de uma atividade, mas de onde
vai tirar a dúvida? Ele inicia com uma atividade, como esta [a docente mostra a
156
atividade] e depois já vai para outra, com outro assunto. Aqui já vai para geometria,
olha [ela mostra outra atividade] (AGNES).
O Emai não tem conteúdo, só orientações (MARIINHA).
Ele tem poucas atividades. Eu pego atividades do livro didático e mando para casa,
para eles fazerem. Se não for assim, não dá conta de eles aprenderem (CAROL).
(Fase exploratória – EN02)
eles fazem a crítica, “mas isso é verdadeiro ou é real”, as coisas que eles logo me
perguntam, “esse dado é verdadeiro?”.
Agnes: Os alunos sabem as coisas lá de fora, eles têm conhecimento de mundo.
Carol: Meus alunos sabem mexer com dinheiro, eles entendem, eles sabem quando é
caro. E eles não são bobos. Temos que ajudá-los a pensar criticamente sobre isso.
Vandi: Hoje estudando gráficos eles me perguntaram se o dado era verdadeiro, eu
falei “vamos ver a fonte, olha o que está falando é da internet”. Então eu peguei meu
celular e mostrei para eles que tinha sido tirado da internet aquele dado, e expliquei:
“quando escrever a palavra fictício”, eu expliquei o que era ficção e olhamos no
dicionário o significado da palavra, eles queriam que eu olhasse no google que vai
mais rápido, mas falei vamos olhar no dicionário. Eu espero que seja para esse lado,
esse olhar político que esteja lançando essa matemática crítica que você vai falar.
(Fase exploratória – EP02 – EN03)
É possível constatar, nos enunciados das docentes, que a compreensão responsiva ativa
do que foi ouvido realizou-se com um ato de resposta e adesão ao que foi proposto – o estudo
da tendência Educação Matemática Crítica.
8.2 Saberes em relações dialógicas: “não há saber mais ou saber menos, há saberes
diferentes”
Paulo Freire, em sua obra Pedagogia do Oprimido, ao dizer que não há saber mais ou
saber menos, há saberes diferentes, nos convida a refletir sobre nossa postura enquanto
educadores diante dos saberes de experiência e dos saberes socialmente construídos nas
relações culturais e históricas dos educandos. Ao mesmo tempo, o autor nos chama à
159
responsabilidade de não só respeitar, mas de discutir com os educandos a razão de ser desses
saberes em relação ao conteúdo programático.
Pautados nessa concepção e conhecendo a situação-limite (ii) possível falta de
confiança e de valorização dos saberes que as docentes possuem, apresentada pelas
participantes, objetivamos, neste quarto encontro de ação de formação, refletir sobre a
possibilidade de dialogar com o outro na busca pelo respeito aos diferentes saberes e sobre a
possibilidade de conscientização das educadoras de que é necessário (re)conhecer e respeitar
os saberes dos educandos e tomá-los como parte do conteúdo dialógico nos processos de ensino
e de aprendizagem. Nessa perspectiva, apresentamos, na subseção seguinte100, como
dialogamos com as docentes na busca pelo respeito aos diferentes saberes.
Essa leitura teve por objetivo refletir e fomentar discussões sobre os diferentes saberes
que constituem a formação e prática docente, que se manifestam nos espaços escolares em
processos de ensino e de aprendizagem de educadores e educandos. Essa reflexão buscou não
hierarquizar os saberes, mas colocá-los em pé de igualdade, de modo que as docentes relatassem
como reconhecem os saberes dos estudantes.
100
Essa subseção também se encontra em formato de artigo, que pode ser acessado por meio do link
https://periodicos.ufjf.br/index.php/RPDE/article/view/31509. Acesso em 03 jan. de 2021.
101
Alguns sites dizem que o texto “A Canoa” é de autoria de Paulo Freire, porém não encontramos a referência.
Portanto, optamos por não especificar o(a) autor(a) do texto.
160
Na descrição de Carol “na hora que a gente pega aquelas crianças e pede para elas
explicarem como chegaram naquele resultado”, observamos um reconhecimento acerca de
formas como os estudantes resolvem diferentes tarefas, assim como uma curiosidade em saber
como os estudantes chegaram àquele resultado, exercendo uma postura de escuta. A
curiosidade e a postura de escuta constituem, segundo Freire (2019a), saberes necessários à
prática docente. Para o autor, o professor deve saber que, sem a curiosidade que o move, que o
inquieta, que o insere na busca, ele não aprende nem ensina. A produção do conhecimento do
objeto – tomado aqui como a forma que o estudante resolve uma tarefa – implica o exercício
da curiosidade, sua capacidade crítica de distanciar-se epistemologicamente do objeto, de
observá-lo e de fazer conjecturas sobre a razão de ser daquele objeto. Nesse movimento,
educador e educando, por meio de posturas dialógicas, se assumem epistemologicamente
curiosos102.
Em outro trecho do diálogo, Carol destaca que “a matemática de hoje não é a gente
seguir só regras, têm maneiras diferentes de cada um aprender e de cada um passar isso para
o outro”. Nesse trecho, a docente reconhece que o processo de aprendizagem possui suas
particularidades, que se manifestam nas diferentes formas de aprender, e que o processo de
ensino possui diferentes caminhos que perpassam o frequentemente caracterizado ensino
tradicional – quando a matemática se resume a regras. A esse respeito, Skovsmose (2008)
enfatiza que a matemática não é somente um assunto a ser ensinado e aprendido, a matemática,
em si, é um assunto sobre o qual é preciso refletir. Nesse sentido, Carol transparece que a sua
visão a respeito da matemática vai além do ensino tradicional, o que representa disponibilidade
e abertura a novos meios de se discutir e ensinar a referida disciplina.
102
Na medida em que exercitamos nossa curiosidade esta vai se tornando mais crítica e rigorosa, portanto,
epistemológica.
161
Ao analisarmos o discurso de Carol, observamos que ele possui vários sentidos, por
dialogar com diferentes discursos, que manifestam diferentes vozes (BAKHTIN, 1997). No
trecho do enunciado “a matemática de hoje não é a gente seguir só regras”, por exemplo,
identificamos que Carol dialoga, se contrapondo aos discursos que adotam o ensino da
matemática de forma tradicional como prática de ensino. Ela também dialoga, conforme
presumimos, se contrapondo com os discursos que compuseram seu contexto de formação, ou
seja, aos discursos da época, que não é hoje, quando se acreditava que a matemática era só
regras. Ao mesmo tempo, dialoga, em concordância com o discurso da Educação Matemática
Crítica que defende o ensino da matemática numa perspectiva crítica e reflexiva, de tal modo
que a matemática não pode se resumir a regras.
O discurso de Carol se alinha aos discursos do último encontro da fase exploratória, em
que iniciamos os diálogos a respeito da Educação Matemática Crítica. Nos termos de Bakhtin
(1997), entendemos que o que foi ouvido e compreendido no encontro anterior encontrou eco
no discurso da docente.
A próxima docente a refletir sobre o texto e a enunciar suas compreensões foi Vandi:
Não é que é dispensável saber ler e escrever, saber leis, isso não é dispensável na
nossa vida, faz falta. Mas, a gente não deve ignorar a pessoa totalmente como se ela
nada soubesse. E olha que na realidade mesmo, às vezes, nós nos surpreendemos com
alguma situação que a gente pensa que não, né.
(VANDI – EN04)
Vandi ao destacar “não é que é dispensável saber ler e escrever, saber leis [...]. Mas, a
gente não deve ignorar a pessoa totalmente como se ela nada soubesse” reconhece a
importância dos diferentes saberes, quando esses constituem o arcabouço de conhecimento dos
outros e quando são necessários para a constituição dos nossos saberes.
Em seguida, o diálogo continua:
Carol: Às vezes você pensa que a pessoa não entendeu, que a criança não entendeu e
ela chega com aquilo resolvidinho na tua frente e você fica olhando e fala “mas como
é que você chegou nisso”, e ela vai e te explica, e te explica na lousa, monta um
esquema que ela fez e não é que ela chega ao resultado.
Vandi: Então, assim a gente não pode ignorar a pessoa totalmente, no saber dela, no
saber dela.
Mariinha: Há saberes diferentes.
(EP04 – EN04)
um diálogo que possibilita à criança explicar suas ideias e, então, verifica que o processo
percorrido pelo estudante está correto.
É ponderoso situar que a concepção de diálogo que atribuímos a esse trecho não se
resume a uma conversação entre a docente e a criança, mas a “[...] um elemento fundamental
para a liberdade de aprender” (ALRØ; SKOVSMOSE, 2010, p. 13). Além disso, o diálogo é
uma característica essencial do empoderamento, pois dialogar é algo existencial, que não pode
existir sem respeito pelo mundo e pelos indivíduos, e não pode existir em relações de dominação
(FREIRE, 2019a).
Vandi enfatiza que não podemos ignorar o saber da outra pessoa. A esse respeito, Freire
(2019a) destaca que ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, mas que também é
necessário discutir com os estudantes a razão de ser desses saberes em relação aos conteúdos
ensinados. Assim, além de não ignorar o saber da outra pessoa, devemos tomá-los como
elementos constituintes dos processos de ensino e de aprendizagem.
Em compreensão responsiva ativa ao discurso de Vandi, Mariinha afirma “há saberes
diferentes”, reconhecendo a existência de diferentes saberes, mas também não descreve se
valoriza esses saberes nos contextos de ensino em sala de aula.
Em continuidade ao diálogo, Vandi, Mariinha e Carol apresentam exemplos da presença
de diferentes saberes em situações que vivenciaram com trabalhadores de áreas distintas fora
do contexto escolar.
Vandi: Às vezes a gente, por exemplo, contrata para a casa da gente um pedreiro [...],
e aquele pedreiro às vezes mal saber ler, mas ele tem a técnica, ele tem o saber dele
naquilo que ele está fazendo. Eu jamais faria aquilo. Era a hora de ele falar, “a senhora
corre muito [risos]?” “Não, eu estou de salto”. Então a senhora perdeu a vida porque
a parede vai cair na sua cabeça [risos coletivos].
Agnes: E, também, segundo Paulo Freire, a pessoa pode ser analfabeta, mas ela é
doutora na leitura do mundo, né!
Mariinha: Meu marido tem pouca leitura, ele é quase analfabeto, mas ele fabrica
móveis, sabe toda a medida, que eu não chego nem perto. Milímetro, não sei o que,
minuciosamente.
Carol: Mariinha, eu tive uma experiência no sábado, fantástica. Tem um senhor que
faz dança comigo, e fizemos uma reunião em casa com o pessoal para comemorar [...],
e as minhas cachorras comeram meus móveis, morderam todos os cantos e os pés da
mesa [risos coletivos], e ele chegou lá em casa e eu mostrei [...]. Então, ele falou assim
para mim: “deixa que no sábado eu vou lá”. Ele chegou lá com uma lixinha, coisa que
eu nunca ia imaginar na minha vida, catou o raio da maquininha com a lixinha e com
meia hora ficou perfeito, como se não estivesse acontecido nada. E é uma pessoa que
não sabe ler, que não sabe escrever, e é marceneiro. Eu fiquei boba de ver o
desprendimento dele.
Vandi: Não só o desprendimento, mas a habilidade dele.
Carol: Nossa, o que é isso, eu não ia fazer isso nunca na minha vida e nem pagando
eu estava achando quem fizesse. Então, eu acho que não deixa de ser o que vocês
estão comentando aqui. É uma pessoa simples, humilde, mas o ofício dele ele faz
muito bem.
Clara: É o saber dele.
163
Carol: Talvez nem ache pessoas que ainda tenham esse tipo de habilidade. Acho que
o aprendizado seria na linha do aprender, em cima disso aí.
(EP05 – EN04)
Desse modo, Vandi, Mariinha e Carol apresentaram seus relatos mostrando exemplos
de diferentes saberes que foram construídos na prática, no exercício das profissões de
marceneiro e de pedreiro e que, assim como outros ofícios, são importantes e devem ser
valorizados. Além disso, reconhecem que se trata de saberes que elas não possuem, mas que
são essenciais para resolver problemas em seus contextos de vida.
Vandi, ao finalizar seu relato, realiza uma analogia com o desfecho da história contada
no texto “A Canoa”, e mostra o quanto seu discurso dialoga com o discurso do texto. Vandi
destaca que, por não possuir os saberes que o pedreiro possui, poderia “perder a vida” por não
saber que a parede estava caindo e por não conseguir correr. Assim, se reconhece como ser
inacabado, inconcluso, que sabe que seu saber, apesar de ser importante, não é suficiente em
todas as situações. Corroborando Vandi, Agnes se apropria das concepções freireanas para
reconhecer que a leitura de mundo precede a leitura da palavra (FREIRE, 2011b). Por meio de
sua enunciação, nos convida à reflexão sobre o significado de alfabetizar-se, na concepção
freireana. Alfabetizar-se é, antes de tudo, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto,
numa relação dinâmica que conecta linguagem e realidade. No contexto escolar, respeitar a
leitura de mundo do educando, segundo Freire (2019a, p. 120, grifos do autor), “[é] a maneira
correta que tem o educador de, com o educando e não sobre ele, tentar a superação de uma
maneira mais ingênua por outra mais crítica de inteligir o mundo”.
Os educadores que respeitam a leitura de mundo dos educandos, respeitam o
conhecimento de vida deles e delas, valoriza-os ao tomá-los como elemento primordial na
prática educativa.
Mariinha, em seu relato, nesse caso, advindo de uma experiência de vida, reconhece que
a leitura de mundo é tão importante quanto a leitura da palavra. Seu marido, pode não possuir
os saberes que ela possui, no que diz respeito à leitura, à escrita ou à interpretação de textos,
mas, via leitura de mundo, exerce com exatidão as atividades que sua profissão exige (fabricar
móveis), mobilizando saberes que Mariinha afirma não possuir.
Carol também apresenta um relato, advindo de uma experiência vivenciada com um
amigo, que a docente descobriu ser marceneiro. Em sua descrição, destaca o fato de que o amigo
não possui a leitura da palavra (saber ler e escrever), mas reconhece a leitura de mundo de forma
até surpreendente. Na busca de compreender o porquê dessa surpresa, perguntamos à docente,
que nos respondeu que, devido ao fato de se tratar de um trabalho minucioso, por não estar
164
conseguindo ninguém para fazê-lo, não imaginou que, com apenas uma lixa e uma máquina,
seria possível resolver. Além disso, ela enfatizou a habilidade do marceneiro, habilidade essa
também reconhecida pela Vandi, em sua enunciação na sequência do diálogo.
Clara, por sua vez, reconhece que cada pessoa possui seu saber. Ao perguntamos o que
ela quis dizer com a afirmação “é o saber dele”, Clara respondeu que todos nós temos saberes,
alguns são aprendidos na escola e outros no ofício da profissão. Por fim, Carol, assim como
Vandi e Mariinha, também se reconhece um ser inacabado e, consciente desse inacabamento,
enuncia sua limitação, no que tange aos saberes necessários à prática de marcenaria.
A temática discutida Dialogando sobre diferentes saberes tendo como ponto de partida
o texto “A Canoa” fomentou discussões e reflexões sobre como reconhecemos e valorizamos
os diferentes saberes, sobre a importância que cada saber tem, ao ser mobilizado para resolver
tarefas em sala de aula ou para a prática de profissões.
Ao propor a leitura do texto, buscamos promover uma relação dialógica, pois
acreditamos, assim como Alrø e Skovsmose (2010), que a construção do saber, apesar de ser
uma experiência pessoal, se dá em contextos sociais repletos de relações interpessoais. Isso
porque a qualidade do contato nas relações interpessoais e o contexto no qual ocorre a
comunicação interferem na aprendizagem dos sujeitos envolvidos no processo.
A princípio, a preocupação estava pautada em como dialogar com as docentes na busca
pelo respeito aos diferentes saberes, tarefa que acreditávamos ser de difícil execução, mas não
foi, pois o contexto em que a comunicação se deu e a liberdade que as docentes tiveram de
expressar suas ideias e de relatar as situações vivenciadas, seja no âmbito escolar ou em seus
contextos de vida pessoal, tornou esse diálogo possível. Em seguida, a preocupação foi
estabelecer um diálogo com certo tipo de humildade, no mesmo nível de igualdade –
pesquisadora e participantes – sem hierarquizar posições ou saberes, pois era preciso acreditar
umas nas outras e estar abertas a todas, com a finalidade de estabelecer uma relação de
fidelidade.
Também tínhamos como preocupação pensar em como promover a conscientização nas
educadoras de que é necessário reconhecer os saberes dos educandos e tomá-los como ponto de
partida nos processos de ensino e de aprendizagem. Preocupava-nos esclarecer que tomar os
saberes de experiência dos estudantes como ponto de partida não significa permanecer neles,
nem necessariamente iniciar por eles, mas reconhecê-los e, a partir desse reconhecimento, por
meio de uma relação dialógica, juntos, educadores e educandos, ir além.
165
103
Os diálogos e as análises relativos a esse tema também se encontram em formato de artigo, que pode ser
acessado por meio do link http://revista.unespar.edu.br/index.php/rpem/article/view/911. Acesso em 30 set. de
2021.
104
Na perspectiva freireana, segundo Boufleuer (2019, p. 87), ato cognoscente “[...] só poderia ser expressão de
um processo de autopercepção do sujeito no mundo em que se encontra”. Em outros termos, um aperceber-se
como indivíduo que consciente de seu inacabamento se insere em uma permanente busca de ser mais.
105
O objeto cognoscível é o elemento mediatizador dos sujeitos cognoscentes (FREIRE, 2018). Nessa perspectiva,
a realidade se dá como objeto cognoscível sobre a qual os sujeitos incidem sua reflexão crítica.
166
O foco da apresentação da imagem não estava em quem poderiam ser as pessoas, mas o
que as docentes visualizavam. Nessa perspectiva, iniciamos o diálogo perguntando: O que
visualizamos nesta imagem?
Agnes: Duas pessoas.
Carol: Várias pessoas.
Agnes: Várias?
Carol: Várias.
Clara: Um passarinho.
Carol: Umas quatro.
Vandi: O próprio galho da árvore, os troncos.
Carol: A gente consegue ver em primeiro plano a árvore com galhos e a raiz. Em
segundo plano, você vê as imagens que são formadas por ela, são retratos de pessoas,
de animais, eu acho. Na verdade, eles formam um conjunto, como se um estivesse
ajudando o outro.
Agnes: Nossa, eu tenho que mudar de lugar, eu só vi duas.
106
Disponível em: https://observador.pt/2016/01/04/ilusao-otica-quantos-rostos-estao-nesta-arvore/. Acesso em:
20 de maio de 2019.
167
No diálogo, observamos que as docentes tiveram como atitude responsiva ativa o ato de
observar a imagem e relatar o que visualizavam. Com este ato, identificamos diferentes olhares:
Agnes se concentra na imagem das pessoas; Carol observa que a imagem é constituída por
pessoas, mas também visualiza a existência de um conjunto de árvore, galhos, raiz, pessoas e
animais que, juntos, compõem a imagem; Clara relata ter visualizado um pássaro; Vandi, de
imediato, observa a árvore e, em seguida, as pessoas; e Mariinha visualiza as dez pessoas. O
que há de relevante nessas observações são as diferentes formas de interpretar a imagem, que
dizem respeito à leitura de mundo das docentes.
As docentes, enquanto interlocutoras, no ato do estabelecimento da compreensão
responsiva ativa do discurso, representado por meio da imagem, se tornam locutoras ao revelar
suas próprias leituras daquilo que visualizam. Outrossim, por meio de um exercício de escuta
(FREIRE, 2019a), buscam compreender a leitura de mundo uma da outra, pois se dispõem a
visualizar o que a outra visualiza, como é o caso da Agnes que, ao saber que existem várias
pessoas na imagem, busca visualizá-las e até troca de lugar para que isso seja possível. Assim,
Agnes se predispõe ao desvelamento daquela realidade, se inquieta, se insere na busca e exerce
sua curiosidade.
Os diferentes olhares aqui descritos não constituem uma condição específica da leitura
de uma imagem, mas, possivelmente, uma retratação de como lemos o mundo ao nosso redor.
Cada indivíduo incide seu ato cognoscente sobre o objeto cognoscível a partir de sua
experiência, de sua leitura de mundo. Isso ocorre, pois a forma como visualiza o mundo, reflete
a sua situação no mundo, que se manifesta em suas ações.
O indivíduo, ao ler o mundo, o faz a partir da compreensão que tem da realidade, e,
conforme destaca Faustino (2018, p. 13), “[...] essa forma singular com que cada um lê o mundo
está intimamente ligada ao background, às experiências que cada um vivenciou, e ao
foreground, horizontes futuros de cada um”. Em termos de análise discursiva, essa leitura
expressa uma dimensão avaliativa, um posicionamento social valorativo (FARACO, 2009),
uma tomada de posição determinada (MIOTELLO, 2020).
Em continuidade ao diálogo, fizemos outra pergunta: O que podemos dizer sobre a
nossa reação ao visualizarmos a imagem?
168
107
O Pró-Letramento de Matemática foi um programa de formação continuada, destinado a professores dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, que visou à melhoria da qualidade de aprendizagem da matemática (BRASIL,
2007).
169
Nas enunciações das docentes constatamos diferentes olhares acerca de como explicar
a escrita correta do número 21 para a aluna Juliana. A nosso ver, por conhecermos o contexto
extraverbal dos enunciados, acreditamos que as visões das docentes a respeito da situação estão
relacionadas com seu contexto de formação e de prática pedagógica. Tais instâncias dizem
respeito aos diferentes saberes que a elas servem de base para o exercício da profissão
(TARDIF, 2014).
170
Além disso, o saber-fazer de Carol e Mariinha pode ter sido influenciado pelos discursos
da Diretoria de Ensino. Isso ocorre porque, segundo relatos das docentes, o quadro numérico é
um dos materiais didáticos obrigatórios para o ensino da matemática nesta rede de ensino, e o
mesmo deve ser fixado nas paredes de todas as salas de aula e utilizado nas aulas de Matemática.
É possível que a opção de uso do quadro para esclarecer a situação proposta possa ser uma
escolha advinda do saber experiencial que as docentes possuem, mas essa escolha também
revela uma atitude responsiva ativa acerca do que a Diretoria de Ensino solicita às docentes.
Essa atitude, que parece ser de concordância, pode influenciar de forma não positiva no
desenvolvimento da autonomia docente.
No decorrer do diálogo, Carol e Mariinha relatam outra forma de tratar a situação. Carol,
ao pensar em utilizar materiais concretos, e Mariinha, ao pensar em utilizar outro material
didático, apresentam exemplos do cotidiano e de trabalhar com operações. Tal fato pode revelar
a busca de um saber-fazer constituído pela liberdade e autonomia que as docentes
desenvolveram no ato de ação-reflexão, na práxis (FREIRE, 2018).
No enunciado de Carol algo nos chama a atenção. Ao pensar a situação de forma
diferente da situação relatada inicialmente, Carol se contrapõe ao próprio discurso – “eu só sei
fazer assim” –, e, como atitude responsiva ativa a ele, demonstra que sabe fazer de outra forma.
Ao analisarmos o enunciado “eu só sei fazer assim, se alguém souber diferente que me ajude”,
observamos que Carol se reconhece inacabada, inconclusa ao enunciar que só sabe fazer assim.
Além disso, a docente pensa certo (crítico) ao demonstrar que o outro pode contribuir para a
sua produção de conhecimentos por conhecer outras formas de saber-fazer. Assim, Carol se
insere em um processo de busca e se coloca em uma postura de escuta ao solicitar ajuda.
A respeito dos enunciados de Vandi, Clara e Agnes, observamos diferentes formas de
saber-fazer. Vandi opta por trabalhar com a reta numérica, Clara com a concepção de família e
Agnes com a linguagem. Nesses casos, não podemos afirmar que as formas de saber-fazer
utilizadas pelas docentes são influenciadas pelos discursos da Diretoria de Ensino, pois não nos
foi relatado por elas a obrigatoriedade de uso dessas formas, assim como foi relatado o caso do
quadro numérico. Chamou-nos atenção no enunciado de Vandi o fato que a docente se desloca
epistemologicamente da criança para compreender e explicar seu raciocínio. Com isso, exerce
sua curiosidade, se compromete com o desvelamento de algo e se coloca em uma posição de
escuta (ALRØ; SKOVSMOSE, 2010; FREIRE, 2019a), ao questionar como sua aluna faz o 20.
No enunciado de Clara identificamos outra forma de pensar e de relacionar o contexto
matemático com outros contextos. Na relação família e números o discurso da docente se
171
aproxima do discurso que aborda o conceito de família. Esse outro discurso para Clara faz
sentido, pois ela entende a família como sendo a união de pessoas. Com isso, transpõe seu
entendimento para a situação proposta, compreendendo que, ao usarmos mais de um algarismo
para formar um número, estamos realizando uma união desses algarismos.
Finalizando o episódio, Agnes revela que sua compreensão aborda outro discurso, o que
relaciona linguagem matemática e significado. A palavra dez, para a docente, se relaciona com
a palavra dezena, portanto, para ela, dez pode significar dezena. Se pensarmos na mesma
relação para a palavra vinte e duas dezenas, o significado não parece o mesmo, no entanto, a
ideia é pensar no vinte como a junção de duas dezenas, conforme ela explicou posteriormente.
Nesse sentido, o discurso de Agnes é constituído a partir dos discursos que constituem a base
do sistema de numeração decimal que utilizamos.
Como retrata o episódio apresentado, diferentes olhares foram compartilhados a respeito
de uma situação em que a matemática estava envolvida. Cada docente enunciou formas de tratar
a situação. Ideias e experiências foram compartilhadas, ouvidas e aceitas, o que pode ser
constatado pelas atitudes responsivas de concordância de Vandi (“É mesmo”) e de Carol
(“Verdade”). O compartilhamento de ideias, de diferentes visões de mundo acerca de uma
situação do contexto matemático só foi possível porque o grupo se inseriu no processo
dialógico. O diálogo, nesse caso, foi uma forma respeitosa de cooperar com o outro numa
relação amistosa. Nesse contexto, o exercício da escuta, da concordância, da curiosidade foram
os elementos indispensáveis para o diálogo.
Entendemos que conhecer os diferentes olhares em um contexto educacional é
compartilhar visões de mundo que só é possível quando estudantes e professores estabelecem
uma relação dialógica. Nessa relação, apresentam suas percepções e argumentam a favor delas,
exercitam a escuta ouvindo a argumentação dos outros e exercem uma atitude responsiva ativa
ao modificarem ou confirmarem suas percepções iniciais. No contexto de ensino da matemática,
conhecer os diferentes olhares dos estudantes contribuem para entendermos que a
aprendizagem não ocorre de forma uniforme para todos, que assim como existem diferentes
formas de saber-fazer, também existem diferentes maneiras de aprender.
Portanto, dialogar sobre diferentes olhares utilizando uma imagem e uma situação do
contexto de ensino da matemática foi uma forma de refletirmos que, no nosso cotidiano em sala
de aula, também dialogamos com diferentes olhares, que devem ser conhecidos e respeitados.
Isso ocorre, pois, de acordo com a concepção bakhtiniana, o eu e o outro constituem um
universo de valores que “[...] originam um juízo de valor real, e esse juízo, ou, mais exatamente,
172
a ótica axiológica da consciência, manifesta-se não só pelo ato, mas também pela menor
vivência, pela mais simples sensação” (BAKHTIN, 1997, p. 202 – 203). Viver, nessa
perspectiva, é alicerçar-se axiologicamente, é ocupar uma posição de valor em cada momento
da vida. Essa posição de valor determina a forma como o indivíduo lê o mundo e age sobre ele.
8.4 Dialogando sobre respeito aos diferentes saberes no contexto de sala de aula
A partir da análise do nosso comportamento em sala de aula, como professoras, diante
da situação do contexto matemático, ocorrida no encontro anterior, decidimos com as docentes
que o encontro seis daria continuidade às análises de situações ocorridas no contexto de sala de
aula. Sob esse prisma, emergiu o tema a ser discutido neste encontro – Dialogando sobre
respeito aos diferentes saberes no contexto de sala de aula108.
Cabe salientar, que quando falamos em respeitar e valorizar os saberes da experiência
não estamos dizendo que o ensino deve se resumir a esses saberes, mas que esse respeito deve
ocorrer ao mesmo tempo em que se promove a capacidade criadora dos estudantes em busca da
produção de novos saberes.
Assim sendo, planejamos para o encontro seis a leitura dos quatro primeiros capítulos
do livro O menino do dedo verde, do autor Maurice Druon. O menino do dedo verde é uma
história fictícia de um menino chamado Tistu, que nasceu em família rica e mesmo com todos
os privilégios que uma família com tal condição possui, não obteve sucesso na escola. Tistu
iniciou seus estudos em casa com sua mãe. Com ela, ele aprende a ler, a escrever e a realizar
cálculos. Quando Tistu completou oito anos, sua mãe considerou que era necessário que ele
fosse para uma escola e continuasse os estudos com um professor. Mas o desfecho não foi como
o esperado, conforme retrata o trecho do livro, a seguir:
[...] A escola produziu em Tistu um resultado imprevisível e lamentável.
Quando começava o lento desfile das letras que caminham a passo pelo quadro-negro,
quando começava a se desenrolar a monótona corrente dos três-vezes-três, dos cinco-
vezes-cinco, dos sete-vezes-sete, Tistu sentia uma coceira no olho esquerdo e logo
caía no mais profundo sono.
Não é que ele fosse burro ou preguiçoso, nem que estivesse cansado. Estava cheio da
maior boa vontade.
"Eu não quero dormir, eu não quero dormir", repetia Tistu consigo mesmo.
Pregava os olhos no quadro e colava os ouvidos à voz do professor. Mas sentia que a
coceirinha estava chegando... Tentava, por todos os meios, lutar contra o sono.
Cantava bem baixinho uma bela canção que inventara:
Um quarto de andorinha...
Será a sua pata
ou será uma asinha?
108
Os diálogos e as análises relativos a esse tema também se encontram em formato de artigo, que pode ser
acessado por meio do link https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/62062. Acesso
em 21 nov. de 2021.
173
Após a leitura, propusemos às docentes que refletissem sobre a situação de Tistu e, para
tal, solicitamos que elas respondessem às perguntas: O que você observa do comportamento do
professor? Como você agiria nessa situação?
[...]
Agnes: Igual aqui na escola, chegam muitos alunos novos.
Vandi: Sabe o que arrebenta com a gente é a rotatividade de alunos. Aí eles têm que
fazer a AAP [Avaliação de Aprendizagem e Processo] e o resultado vem ruim, porque
um menino puxa todo o resultado para trás [...].
Clara: Eu dou calendário para eles preencherem. Chegou uma aluna que não sabia
nem que dia que era para preencher, então fui falando para ela como preencher. Foram
quatro aulas e ela não conseguiu preencher do 1º de agosto ao 19. Estou ficando
assustada.
Pesquisadora: Pode ser que ela não preenchia calendário na outra escola... Como
você explicou para ela como preencher?
Clara: Eu peguei a tabelinha de números de 1 a 100 e falei "vou chegar até o 19 e
você vai colocando nos quadradinhos e eu vou te explicando". Ela não conseguiu nem
olhando a tabelinha.
Pesquisadora: Você pensou em outra estratégia?
Clara: Vou ensinar ela a trabalhar com o quadro numérico e depois vou para o
calendário.
(EP09 – EN06)
No episódio acima, Agnes, Vandi e Clara transpõem suas reflexões acerca do texto lido
para seus contextos de sala de aula. Elas dialogam com a história de Druon (1992) ao
apresentarem exemplos de situações-limite vivenciadas por elas com a chegada de novos
estudantes ao longo do ano letivo. No enunciado de Vandi “aí eles têm que fazer a AAP e o
resultado vem ruim, porque um menino puxa todo o resultado para trás”, ela ressalta sua
preocupação acerca do instrumento de avaliação (AAP) proposto no estado de São Paulo, que
avalia os estudantes independentemente se eles ou elas estavam na escola desde o início do ano
letivo ou se acabaram de ingressar. Tal fato, segundo Vandi, pode ter como consequência um
174
resultado negativo para a turma, uma vez que a docente precisa focar no rendimento da turma
e não no rendimento individual dos discentes. Essa situação, como já destacado, é fruto da
burocratização do sistema escolar (TRAGTENBERG, 2012).
Clara, por sua vez relata a situação que vivenciou com uma aluna nova: “Eu dou
calendário para eles preencherem. Chegou uma aluna que não sabia nem que dia que era para
preencher, então fui falando para ela como preencher”. No enunciado de Clara, notamos que
a docente age de forma distinta do professor de Tistu, pois se preocupa em explicar para a aluna
como ela deve fazer. Além disso, quando perguntamos à Clara se ela teria outra estratégia, a
docente apresenta como ato-limite a ação de ensinar a aluna a trabalhar com o quadro numérico.
Com isso, presumimos a partir do enunciado de Clara “vou ensinar ela a trabalhar com o
quadro numérico e depois vou para o calendário”, que para a docente a aluna não conhece o
quadro numérico, logo, de nada adianta tentar ensinar o calendário utilizando este recurso se a
aluna não aprendeu a usá-lo.
Em continuidade ao diálogo:
Agnes: Eu, por exemplo, já tenho alunos que toda AAP não acerta nada, porque não
sabe, não consegue nada. E agora chegaram mais três de outra região, que aumentaram
a estatística.
Pesquisadora: O que você faz nessas situações?
Agnes: Tento ensinar o que eles não sabem.
Pesquisadora: E você tem bons resultados?
Agnes: É difícil, mas tenho. Mas quando eles começam a aprender mudam de escola
novamente.
(EP10 – EN06)
Agnes, assim como Vandi no trecho do diálogo anterior, mostra sua preocupação sobre
o sistema de avaliação de aprendizagem proposto pelo estado de São Paulo. Pode ser notado
que o sistema disciplinador que se instaurou na escola, que tem a avaliação como um de seus
instrumentos reguladores (FOUCAULT, 1987), condiciona as práticas das docentes de tal modo
que, por vezes, parece-nos que elas estão mais preocupadas com os resultados das avaliações
do que com a aprendizagem dos estudantes. Não obstante, tal percepção parece não proceder,
pois, quando perguntamos a Agnes o que ela faz diante dessa situação, ela responde que tenta
ensinar os estudantes. Portanto, o discurso de “tentar ensinar” se contrapõe à nossa
compreensão inicial de que a preocupação da docente estava pautada somente nos resultados.
Em continuidade ao diálogo, reforçamos a pergunta inicial: O que vocês observam do
comportamento do professor?
Agnes: O professor percebia que o menino estava a cochilar, pois ele não entendia as
lições... Então o professor gritava e pedia para ele repetir tudo, e ele se sentia ainda
mais fora daquela realidade. E, no final, o professor devolveu o menino.
175
Clara: Na minha opinião, o professor deveria ter mais paciência com Tistu e era muito
cedo para devolvê-lo aos pais. Eles tinham que dar uma sondada nesse menino.
Agnes: Tinha que ensinar ele lá [na escola], porque as coisas que aprendeu com a mãe
não eram as mesmas ensinadas na escola.
Mariinha: O professor ficou irritado com Tistu, porque ele se mostrava muito sem
interesse e muito apático. Ele ficava às vezes com vergonha ou com medo, porque
aprendeu com a mãe. Talvez de modo diferente, de modo tradicional e o professor
talvez estivesse ensinando de outro modo, e Tistu ficou perdido. Aí o professor já foi
ficando irritado com aquela situação.
Vandi: Eu entendi a pergunta por um outro prisma. Eu observei o comportamento do
professor. Ele ignorou completamente os conhecimentos prévios do aluno e seu
conhecimento de mundo [...]. Esse professor teve essa questão conflituosa, ele ignorou
totalmente o que o menino sabia. O menino dividia até andorinha, a perna, a asa, 1/4,
ele já sabia até fração, ele estava na frente. Então, quando ele chegou na escola, a
escola estava totalmente fora da realidade dele, não era nem uma despreparação, a
escola estava preparada, mas não para a realidade do menino.
(EP11 – EN06)
109
Agnes altera um pouco a voz, ela fala mais alto que de costume e expressa indignação.
176
reconhece que, apesar de a escola estar preparada para o ensino, ela não está preparada para
todas as realidades. Essa percepção mostra que a escola, enquanto sistema de educação, também
é um “ser” inconcluso, uma vez que é constituída por seres inacabados.
Em continuidade ao diálogo, reforçamos a segunda pergunta que fizemos inicialmente:
E nessa situação, como vocês agiriam?
Agnes: Eu procuraria acolher o menino, não gritaria com ele, procuraria alavancar
ele, pegar o conhecimento do mundo e inseri-lo lá.
Clara: Eu ia ver o que Tistu já sabia e depois chamaria os pais para ter uma conversa
e não já ir devolvendo o pobrezinho.
Mariinha: Com certeza, tentaria chamar a atenção dessa criança, talvez conversando
com ele para saber se ele já estudou em outra escola, tentando fazer com que ele se
socializasse interagisse com as demais crianças e com o professor.
Vandi: Mesmo eu sendo uma professora que leva uma carga de conservadorismo bem
forte com relação ao ensino e à aprendizagem, não me sinto confortável ao perceber
uma atitude de indiferença de um aluno quando estou ensinando. Nessa situação,
conversaria com o aluno investigando o motivo do desinteresse. Em conversas francas
e bem pensadas nós professores conseguimos descobrir a origem de tamanha apatia e
desinteresse.
(EP12 – EN06)
A pergunta teve como intuito trazer à tona a reflexão de que situações semelhantes à de
Tistu podem ocorrer no contexto de sala de aula que as docentes estão inseridas. Portanto,
refletir sobre a ação (SCHÖN, 2000), mesmo diante de uma situação fictícia, possibilita a
compreensão e a reconstrução da prática (GÓMEZ, 1995).
Dando continuidade ao diálogo com os discursos, observamos, no enunciado de Agnes
“eu procuraria acolher o menino, não gritaria com ele, procuraria alavancar ele”, que a
docente expressa uma preocupação em acolher e incentivar o aluno. Agnes revela uma postura
de educadora que pensa certo. Para Freire (2019a, p. 36), “[...] faz parte do pensar certo o gosto
da generosidade que, não negando a quem o tem o direito à raiva, a distingue da raivosidade
irrefreada”. Nesse viés, acolher e incentivar são atitudes de quem tem gosto pela generosidade
e o ato de gritar se caracteriza como raivosidade irrefreada.
Outra característica de educadores que pensam certo é a abertura ao diálogo e a busca
para conhecer a leitura de mundo dos estudantes. Observamos, nos enunciados de Clara e de
Mariinha, que as docentes se encontram abertas ao diálogo e que buscam conhecer a leitura
de mundo dos estudantes: Clara ao enunciar “eu ia ver o que Tistu já sabia e depois chamaria
os pais para ter uma conversa” e Mariinha ao enunciar “tentaria chamar a atenção dessa
criança, talvez conversando com ele para saber se ele já estudou em outra escola [...]”.
A respeito do discurso de Vandi, observamos que a docente inicia seu enunciado
utilizando como signo ideológico a palavra conservadorismo, e que ao enunciar “mesmo eu
sendo uma professora que leva uma carga de conservadorismo bem forte com relação ao
177
ensino e à aprendizagem”, estabelece uma relação dialógica entre os valores sociais que a
orientam e os valores sociais que a contrapõem (VOLÓCHINOV, 2018). Essa relação se
estabelece, pois, por não se sentir “confortável ao perceber uma atitude de indiferença de um
aluno” quando está ensinando, ela denota uma abertura ao diálogo e uma busca para conhecer
a leitura de mundo do estudante ao enunciar “conversaria com o aluno investigando o motivo
do desinteresse”, mesmo levando uma carga de conservadorismo bem forte. Nesse sentido, a
nosso ver, o diálogo, para Vandi, representa o exercício de um ato-limite.
Finalizando o diálogo:
Agnes: As nossas mães lá no sítio, na área rural, ensinavam quantos pés de café,
quantas canas, quantas laranjas, quantos milhos tinham.
Clara: A gente aprendia né.
Vandi: Minha mãe semianalfabeta conseguiu alfabetizar todos os filhos e olha que eu
aprendi mais cedo. Com 6 anos de idade eu já lia, porque ela estava ensinando a minha
irmã mais velha e eu ficava por perto e aprendia. É igual a Agnes falou, eu me lembro
de contar caroço de milho. Então, conta a gente sabia, porque já tinha aquele
conhecimento e quando chegava na escola a gente já sabia e sabia bem. Hoje em dia
não é esse o conhecimento de mundo que a criança traz.
Pesquisadora: Mas, vejam, estamos em outro momento, temos outros recursos... O
que utilizamos no passado é importante para o processo de construção histórica, mas
também precisamos nos mover enquanto tempo presente. Nesse tempo presente qual
o conhecimento de mundo que a criança traz?
Agnes: Agora eles sabem melhor do que a gente a mexer no computador.
Pesquisadora: E esse conhecimento de mundo é aproveitado pela escola?
Mariinha: Às vezes, quando trazemos eles para a sala de vídeo que tem os
computadores. Aí eles mexem, pesquisam, sabem mais do que a gente.
Pesquisadora: O que seria necessário para que o “às vezes” fosse algo mais
frequente?
Agnes: Mais recursos. Computadores com internet boa e funcionando. O que temos
aí foi doado, senão nem teríamos.
Pesquisadora: E o recurso financeiro que é destinado para a escola não daria para
atender a essas necessidades?
Clara: É muito pouco.
[...]
(EP13 – EN06)
Consideramos relevante apresentar este último trecho do diálogo, pois ele mostra, em
seu início, com os discursos de Agnes, Clara e Vandi, característica da consciência que Freire
(2020) denomina de consciência ingênua. Isso ocorre pois nos discursos há uma tendência em
considerar que os ensinamentos do passado proporcionavam uma aprendizagem que os
ensinamentos de hoje não proporcionam. No enunciado de Clara “a gente aprendia né”, por
exemplo, o discurso da docente possibilita a compreensão de que no passado as crianças
aprendiam e hoje não aprendem.
A perspectiva de recorrer ao passado não leva em consideração que estamos em outro
momento da história, onde os recursos disponíveis diferem dos recursos disponíveis na época
que as docentes estudaram e, por isso, trouxemos a discussão para o momento atual. Ao
178
perguntamos qual o conhecimento de mundo que a criança traz, Agnes sinaliza compreender o
nosso discurso sob a perspectiva que queríamos e enuncia “agora eles sabem melhor do que a
gente a mexer no computador”.
A reflexão que trouxemos em pensar o presente sem desconsiderar a importância do
passado colaborou para que as docentes refletissem sobre a bagagem de conhecimentos que os
estudantes de hoje possuem. Além disso, fez com que Agnes expressasse sua condição de ser
inacabado, que se reconhece como tal ao enunciar que os estudantes sabem melhor do que a
gente a mexer no computador. Com isso, a reflexão oportunizou às docentes o ato de pensar
nas situações-limite que a escola vivencia pela falta de recursos didáticos e financeiros.
Podemos observar que todo o diálogo se alicerça nas experiências vivenciadas no
contexto de sala de aula. A situação fictícia apresentada na obra de Druon (1992) foi só o ponto
de partida para fomentar reflexões sobre como podemos agir em diferentes situações-limite que
enfrentamos cotidianamente. Esse pensar coletivo, mesmo que ocorra pelo pensar individual de
cada componente do grupo, viabiliza o compartilhamento de ideias e de formas de saber-fazer.
Dessarte, os episódios apresentados exemplificam como buscamos, por meio do diálogo
com as docentes, construir uma visão crítica acerca de uma situação em que a sala de aula se
torna um espaço antidialógico, no qual o saber do estudante não é valorizado.
Ao perguntarmos o que elas fariam nessa situação, buscamos produzir atos-limite, ou
seja, pensar em ações que poderiam ser executadas em sala de aula caso situações como esta
aconteça. Com isso, almejamos viabilizar o ato de ação-reflexão do processo de
conscientização.
Diante disso, para dialogarmos sobre o tema, não apresentamos conceitos ou aspectos
democráticos às docentes, pois objetivamos, com o diálogo, construir coletivamente ideias a
respeito da democracia no contexto escolar. Se pretendíamos dialogar sobre democracia, o
primeiro passo deveria ser democratizar o espaço de formação e estabelecer com as
participantes uma relação de horizontalidade.
Em vista disso, mediamos o diálogo com perguntas que exigiram uma tomada de
consciência acerca das relações democráticas que eram estabelecidas naquele contexto
educacional.
Para dar início às reflexões e pensando na possibilidade de construirmos juntas,
pesquisadora e participantes, ideias a respeito da democracia no contexto educacional,
buscamos conhecer os discursos das docentes a esse respeito, em outros termos, seus saberes
de experiência, suas ideias e visões. Para tal, perguntamos: O que entendemos por democracia?
Mariinha: [risos] dizem que democracia é quando eu tenho o meu direito, você tem
o seu e todos respeitam, mas nem sempre isso acontece.
Vandi: A democracia tem que ter um conceito específico. Estou concluindo isso
empiricamente, vendo o que está acontecendo, porque não se sabe mais o que é
democracia. O que a Mariinha acabou de falar aqui, mas quando está colocando na
base legal o direito de alguém, eu estou entendendo que eles estão se achando no
direito de me desrespeitar naquilo que eu sempre fui.
Pesquisadora: Quem são eles e por que te desrespeitam?
Vandi: Porque, por exemplo: eu me considero uma pessoa altamente conservadora,
com a minha vivência, se você chegar e falar “agora é assim”, eu não jogo tudo o que
meus meninos aprenderam até ontem para dizer “agora é isso”, eu acho que o
professor faz isso, o médico não faz isso, o professor faz. Porque por causa da baixa
autoestima dele [do professor], para ele não ficar diferente, perder [...], ele acaba
fazendo isso. Mas, então, eu penso assim, que a democracia precisa ter um conceito
específico porque o ser humano é muito dado a...
Clara: A mudanças né.
Vandi: Você libera uma coisa, ele quer mais, mais... Ele não pensa que o outro
também tem o espaço dele, tem que viver junto, ele começa a achar que o outro tem
que ser igual a ele.
Pesquisadora: Ser igual a ele em que sentido?
Vandi: Eu não acho que as pessoas brigam querendo que eu seja igual a elas. As
feministas, por exemplo, elas não brigam querendo que eu seja igual a elas, mas elas
não toleram o que eu sou, entendeu?
(EP14 – EN07)
No enunciado de Vandi “mas quando está colocando na base legal o direito de alguém,
eu estou entendendo que eles estão se achando no direito de me desrespeitar naquilo que eu
sempre fui”, identificamos que seu discurso expressa um posicionamento social valorativo e
ideológico (FARACO, 2009), em virtude de a docente enunciar que a garantia do direito do
outro a afeta, a desrespeita naquilo que ela é.
Ao longo do diálogo, outros enunciados de Vandi também nos chamam atenção.
O primeiro, “se você chegar e falar ‘agora é assim’, eu não jogo tudo o que meus
meninos aprenderam até ontem para dizer ‘agora é isso’, eu acho que professor faz isso [...],
se aproxima do discurso de Tragtenberg (2012), que afirma que os personagens que constituem
o espaço escolar reproduzem a rede de relações de poder que existe na sociedade. Portanto, no
discurso de Vandi, o professor é subordinado ao controle da sociedade e das autoridades
superiores, que dizem o que fazer e como fazer. Além disso, conforme destaca Larrosa (2002),
se pensarmos na educação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica, os docentes
são vistos apenas como os executores das tecnologias pedagógicas produzidas pelos
“especialistas”.
O segundo enunciado, “você libera uma coisa, ele quer mais, mais. Ele não pensa que
o outro também tem o espaço dele, tem que viver junto, ele começa a achar que o outro tem
que ser igual a ele”, se aproxima da concepção de liberdade discutida por Freire (2018), acerca
da qual Sung (2019, p. 289) explica “[...] liberdade não se opõe à liberdade alheia, como na
vontade despótica, nem termina onde começa a liberdade do outro, mas ela se realiza quando
se encontra com outras pessoas na luta pela própria liberdade e pela das outras”. Nessa
perspectiva, a liberdade de um não deve sobrepor ou impedir a liberdade do outro, assim como
não deve condicionar o outro ao que ele ou ela pensa que deve ser, mas deve respeitar as
diferenças, pois é no confronto com outras liberdades que amadurecemos a nossa liberdade.
No terceiro, “eu me considero uma pessoa altamente conservadora”, o foco de nossa
análise será a palavra conservadora. Tal palavra, enunciada por Vandi, reflete e refrata um
posicionamento social valorativo e, dessa forma, se constitui um produto ideológico vivo, pois
“[...] acumula as entoações do diálogo vivo dos interlocutores com os valores sociais”
(STELLA, 2020, p. 178). O sentido atribuído à palavra conservadora no enunciado mostra que,
enquanto pessoa conservadora, Vandi não aceita o que lhe é imposto e não muda, pelo menos
de imediato, a compreensão que tem das coisas só porque alguém disse que deveria ser de outra
forma.
Em conexão ao enunciado anterior, no enunciado seguinte Vandi usa como exemplo o
181
movimento feminista para refletir se as pessoas querem ou não que ela seja igual a elas: “As
feministas, por exemplo, elas não brigam querendo que eu seja igual a elas, mas elas não
toleram o que eu sou, entendeu?”. Vandi, com uma atitude responsiva ativa de discordância ao
discurso feminista, conforme ela relata, revela sua compreensão acerca desse discurso.
Notamos que o discurso de Vandi se constitui a partir de outras vozes, as vozes do
conservadorismo e as vozes do movimento feminista – mesmo em contraposição a ele.
Em continuidade ao diálogo, perguntamos: O espaço escolar é democrático?
Vandi: Não, acho que não.
Pesquisadora: Pode nos dar um exemplo de que o espaço escolar não é democrático?
Vandi: Ele não é democrático porque não consegue ser, porque está lidando com o
ser humano. A escola tem umas nuances que outros órgãos não vivem. No banco, se
você abre a conta bancária, você tem e ponto final. O médico você também não dá
[opinião], porque não entende e quando dá, ele fala “o profissional sou eu” [...]. Agora
o professor não, ele está aqui todo mundo chega e dá opinião [...]. O nosso espaço não
consegue ser democrático por conta disso, por causa de muitas pessoas que são ligadas
indiretamente ao nosso trabalho.
Pesquisadora: Mas compartilhar ideias não é tornar o espaço democrático?
Vandi: O governo [por exemplo], a Clara está vendo que o negócio não está
funcionando para o menino, ela não pode pegar um outro recurso que ela tem lá [...].
Tem menino que o saber não entra pelo ouvido, mas entra quando eu mostro o
palitinho para ele e falo “3 x 3”, “ah tia entendi, é o 3 mais o 3 mais o 3”, então 3 x 3.
Aí que ele ouve, mas, antes, né, Clara, é pelo olho. Você não tem essa liberdade, você
não tem autonomia. A escola não é um espaço democrático porque você não tem
autonomia.
Clara: Porque nós não participamos.
Pesquisadora: Do que não participam?
Mariinha: Das decisões.
[...]
Vandi: Eu gostaria de viver um desafio de eu construir o próprio saber da escola onde
eu estou, sabe. Assim, a equipe de professores.
Pesquisadora: Só para refletirmos: esse desafio pode ser vivido no contexto de sala
de aula? Pensem em como vocês poderiam construir este saber com os estudantes em
sala. Pensem no que seria possível fazer, tendo em vista que este espaço é
compartilhado apenas com os estudantes. Pensem na liberdade e autonomia que a sala
de aula proporciona. A sala não poderia ser um espaço para construímos com os
estudantes o próprio saber da escola? A sala não poderia ser um espaço para
desenvolvermos nossa autonomia e liberdade?
Vandi: Nossa, mas tem muito que se pensar e que fazer.
(EP15 – EN07)
Nesse trecho do diálogo, escolhemos, a princípio, duas questões a ser analisadas. Uma
delas é fruto do enunciado de Vandi, quando destaca que o espaço escolar não consegue ser
democrático, pois diversas pessoas dizem o que o professor deve fazer, diferentemente de outras
profissões. A outra advém dos enunciados de Clara e Mariinha, que relatam que não participam
das decisões no âmbito escolar.
O discurso de Vandi pode estar relacionado ao discurso de existência de um professor
autoritário, que não aceita outras opiniões. No entanto, por conhecermos o contexto extraverbal,
e o que está presumido no enunciado da docente, compreendemos que ela revela, em seu
182
discurso, uma indignação de como sua profissão é desvalorizada e desrespeitada pela sociedade
e pelos órgãos que a governa. Vandi também destaca no enunciado “você não tem essa
liberdade, você não tem autonomia” a situação-limite que vivencia com a falta de liberdade e
de autonomia para escolher os recursos que serão utilizados nos processos de ensino e de
aprendizagem. Respeitar a autonomia do professor é compreender a prática docente como
dimensão social da formação humana. Nos termos de Freire (2019a, p. 58), “[o] respeito à
autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não
conceder uns aos outros”. Para Vandi essa ética não constituiu os valores do sistema escolar do
qual faz parte.
Outra compreensão que temos acerca do discurso de Vandi é que a docente acredita que
a liberdade e a autonomia podem ser doadas por aqueles e aquelas que estão em uma esfera das
relações de poder superior a qual as docentes se encontram como, por exemplo, os que estão no
governo. Presumimos tal compreensão quando Vandi cita o governo e no final de seu enunciado
destaca: “Você não tem essa liberdade, você não tem autonomia”.
Conforme explica Freire (2018), só se chega à liberdade pela práxis de sua busca, pela
luta, pela conscientização. Dessa forma, ambas, liberdade e autonomia não são dadas, pois
provêm de um processo de busca.
Clara, ao enunciar “porque nós não participamos”, toma consciência da situação-limite
que vivencia, que se caracteriza como a não participação nas decisões que são tomadas na
escola, conforme destaca Mariinha. No entanto, o ato de reflexão sem ação não constituiu a
práxis, indispensável para a transformação da realidade.
É ponderoso destacar, que no episódio apresentado não descrevemos um trecho do
diálogo, pois Mariinha não se sentiu confortável em divulgar as decisões que não participavam.
Isso ocorre, devido a cultura do silêncio denunciada por Freire (2019b), que faz com que os que
se encontram em uma posição de oprimido não denunciem as situações-limite vivenciadas para
defender-se e preservar-se. Nesse caso, assim como no caso de Vandi, é necessário, segundo
Guareschi (2019), a pergunta que liberta, que empodera. Nesse viés, fechamos essa parte do
diálogo, convidando as docentes a refletir sobre as possibilidades que o espaço de sala de aula
pode fornecer.
Em continuidade ao diálogo, perguntamos: Considerando tudo o que foi discutido,
podemos dizer que vivemos em um espaço democrático?
Mariinha: Não.
Clara: Não.
Vandi: Não. A competência para se viver a democracia foi o que faltou em nós. Na
sociedade como um todo. Agora a escola é um órgão preso, eu estou aqui obedecendo
183
Vandi: Eu sou muito preocupada com meus alunos que recebem bolsa família, porque
quando você começa a conversar você ouve cada história [...]. Então, temos crianças
na sala que não têm expectativa de vida nenhuma. Eu gosto de fazer os olhinhos deles
brilharem: filho eu não tinha esse tênis, mochila, eu conto como foi minha vida. Então,
eu falo com eles que eu vi que o conhecimento é que ia fazer eu sair de lá [...]. Então,
eu gosto de despertar isso neles. Falar que ele é capaz, que é inteligente, mas eu falo
porque ele acredita na minha palavra, para colocar vontade neles.
(EP17 – EN07)
uma postura de escuta e de disponibilidade ao diálogo ao enunciar “eu sou muito preocupada
com meus alunos que recebem bolsa família, porque quando você começa a conversar, você
ouve cada história [...]”. Além disso, Vandi apreende a realidade, ou seja, compreende com
profundidade a situação vivenciada por seus estudantes para, em seguida, construir com
eles/elas perspectivas de futuro, como observado no enunciado: “Então, eu falo com eles que
eu vi que o conhecimento é que ia fazer eu sair de lá”. Ainda, no mesmo trecho do diálogo,
observamos que Vandi contrapõe o próprio discurso fatalista emitido anteriormente, pois, ao
enunciar “falar que ele é capaz, que é inteligente, mas eu falo porque ele acredita na minha
palavra, para colocar vontade neles”, ela não aceita a realidade posta (a condição de vida
precária de seus estudantes) – recusa ao fatalismo –, uma vez que apresenta a eles/elas
possibilidades de mudança.
Ao longo do diálogo, diante das enunciações das docentes, discutimos a respeito da
matemacia (alfabetização matemática) que, segundo Skovsmose (2008, p. 16), “[...] não se
refere apenas a habilidades matemáticas, mas também à competência de interpretar e agir numa
situação social e política estruturada pela matemática”. Nesse sentido, a matemacia constitui
um caminho para o fortalecimento da democracia nos processos de ensino e de aprendizagem
da matemática. A partir dessas discussões, definimos que, no encontro seguinte,
aprofundaríamos os diálogos sobre Educação Matemática Crítica.
Para finalizar o encontro propusemos às docentes algumas reflexões: (1) Como
poderíamos tornar o ambiente escolar, em especial, o espaço de sala de aula mais
democrático? (2) Como não reproduzir em nossa sala de aula relações antidemocráticas que,
por vezes, vivenciamos no ambiente escolar? Para refletirmos a respeito dessas questões,
utilizamos as obras de Skovsmose (2001, 2008) e Freire (2018) como referenciais teóricos.
A respeito da questão (1), com base em Skovsmose (2001, 2008) e Freire (2018),
compreendemos que o diálogo é um primeiro passo para tornar o espaço de sala de aula mais
democrático. Isso pois, a democratização do espaço de sala de aula só é possível se há
disponibilidade para o diálogo, pois não há democratização se os indivíduos são impedidos de
dizer a palavra. E, ao refletirmos sobre a questão (2), a partir dos referenciais adotados,
entendemos que é preciso que os estudantes participem do processo educativo como sujeitos da
própria aprendizagem e, como tal, possam participar das tomadas de decisão e da reflexão
crítica acerca dessas decisões.
Dessa forma, dialogar a respeito da democracia é um caminho para compreender que o
significado atribuído à democracia depende do quanto vivenciamos e de como percebemos a
186
8.6 Diálogos em Educação Matemática Crítica: “uma conversação com certas qualidades”
Alrø e Skovsmose (2010), ao conceituarem o diálogo como uma conversação com certas
qualidades esclarecem que o diálogo não é uma simples conversa entre indivíduos, mas
representa formas de interação essenciais para os processos de aprendizagem. Para os autores,
o diálogo é uma forma de comunicação característico de ambientes de aprendizagem nos quais
a educação é entendida como uma prática da liberdade. É sob essa perspectiva que dialogamos
a respeito da Educação Matemática Crítica.
A ideia de dialogar a respeito dessa tendência, apesar de ser uma proposta que tínhamos
desde o início da ação de formação, vem ao encontro dos princípios teóricos e práticos da
Educação Libertadora no que diz respeito ao ato de ação-reflexão em busca de transformações.
Assim, a Educação Matemática Crítica constitui, nesse processo formativo, um caminho pelo
qual as docentes buscaram transformar suas aulas de Matemática, visando uma prática
educativa libertadora.
110
Os termos em destaque são os que foram utilizados pelas docentes.
187
1987), contribuem para que estudantes e professores desenvolvam uma postura de obediência
ao sistema educacional e à ideologia dominante que, com suas formas de opressão, desqualifica,
desvaloriza, desempodera e dificulta que os indivíduos submetidos a essa dominação
desenvolvam uma consciência crítica.
A prevalência da burocratização da prática docente na escola foi tão significativa que as
docentes não viam outro caminho a não ser cumprir todas as determinações. Por outro lado,
existia ali um desejo de mudança. Elas tinham consciência que o material didático indicado não
atendia às necessidades educacionais que os processos de ensino e de aprendizagem exigiam.
Também sabiam que o tipo de tarefa e o tempo destinado para o trabalho com cada uma delas
não considerava o tempo de aprendizagem dos estudantes.
Diante do que foi exposto, perguntamos às docentes: Vocês utilizam outros materiais
em sala de aula além dos indicados pelo sistema educacional?
Eu uso o material dourado. Só que o material dourado se você falar com alguém que
deu curso para você na DE [Diretoria de Ensino], se você falar do material dourado,
eles mandam você para o [...]. Então, eu sei que funciona, entendeu, eu vou ter que
fazer isso com meus alunos, mas quer dizer, é de forma clandestina, é horrível.
(VANDI)
O Emai é limitado, eu uso para casa o livro didático. (CAROL)
econômicos bastante definidos”. Além disso, os autores enfatizam que esses materiais sempre
são ideologicamente construídos e apresentam formas de saber-fazer prontas para professores
e estudantes. Tal fato pode ser constatado nos respectivos enunciados de Vandi e Carol: “[...]
ele não oportuniza o professor a pensar em nada, o professor é uma coisa engessada e vai”;
“Um robozinho”.
Diante do exposto, observamos que os processos de ensino e de aprendizagem se
encontravam engessados pela burocratização do sistema escolar, que dificultava que as
docentes colocassem em prática outros modos de saber-fazer. Era preciso transpor o ensino para
outro patamar e, para tal, três desafios precisavam ser superados: a tomada de consciência do
problema que, pelos diálogos descritos, já estava em curso; a necessidade de conscientização
de que era preciso lutar pelo direito à liberdade na prática docente, ou seja, pelo empoderamento
da classe; a mudança de perspectiva de que o ensino da matemática está pautado na resolução
e correção de exercícios. As professoras precisavam tornar-se protagonistas de suas salas de
aula e já tinham consciência disso, e os estudantes precisavam se sentir parte do processo e
protagonistas da própria aprendizagem. Vislumbramos tal possibilidade no trabalho com
cenários para investigação.
111
Descrevemos esses tipos de ambientes de aprendizagem no capítulo quatro desta tese.
189
análise foram: identificar tarefas que fazem referência à matemática pura, à semirrealidade e à
realidade e verificar qual a referência predominante nas tarefas do Emai.
A seguir, descrevemos trechos dos diálogos.
Pesquisadora: Vocês identificaram alguma tarefa que faz referência à matemática
pura?
Carol: A do probleminha que é só continha, resolva.
Agnes: Ela também é pura.
Vandi: Eu achei que a matemática pura é a número 1, que não serve para nada
socialmente, pois resolve sem se preocupar onde será aplicada. É só colocar o número
e ver o que combina e ponto final. Ela não tem outra validade. Pelo menos a gente
pensou que matemática pura seria isso.
Pesquisadora: Mas isso é o que a tarefa propõe ou a forma como ensinamos que os
estudantes devem resolver? Essa ação de colocar o número e ver o que combina diz
respeito somente à referência ou tem relação com a prática de sala de aula?
Vandi: Os dois. O tipo de referência e a forma como ensinamos. Eu gostei do
Skovsmose, porque ele fala que pode trabalhar as atividades ditas tradicionais e de
matemática pura, mas depende de como o professor vai abordar isso aí.
Pesquisadora: E como podemos abordar?
Carol: Eu dei um exercício para fazer em casa, uma conta de multiplicar tradicional,
mas faltou o número que é a incógnita. Então, eu expliquei que para eles resolverem
tinham que pensar em algum número que colocasse ali e daria o resultado que, em
cima desse, ele fosse somar o outro para dar o outro resultado. São vários espaços em
branco para completarem no meio da conta. Eles olharam e falaram "mas faltam
pedaços", eu falei “não faltam, vocês que vão achar o que falta, vão pensar”. Eu
montei um [exemplo] na lousa e fui explicando para eles. Ela deixa de ser a
matemática pura?
Pesquisadora: Ela continua sendo matemática pura o que muda é como você trabalha,
como exercício ou como cenário [...].
Carol: Então seria exercício [paradigma do exercício] como eu fiz na sala de aula.
Mas é errado fazer desse jeito?
Pesquisadora: Não. O que discutimos é a importância de se trabalhar com diferentes
tipos de ambientes de aprendizagem [...].
(EP20 – EN08)
Nesse trecho do episódio, o enunciado de Vandi, “que não serve para nada socialmente,
pois resolve sem se preocupar onde será aplicada [...]” relaciona a tarefa que faz referência à
matemática pura ao ensino da matemática com um viés mais tradicional. No entanto, o ato de
não se preocupar onde será aplicada a tarefa e a visão de que a tarefa não serve para nada
socialmente são concepções de paradigma de prática de ensino, que são adotadas pelo educador
e não uma responsabilidade exclusiva da tarefa em si. No enunciado, após refletirmos a respeito
190
da fala de Vandi e sua relação com a prática de ensino, podemos notar que ela reconhece que o
dito no enunciado anterior também tem relação com a forma como ensinamos. Ao enunciar “os
dois”, Vandi mostra que nosso discurso encontrou eco em suas reflexões (BAKHTIN, 1997).
Em continuidade ao diálogo, Vandi, ao enunciar “eu gostei do Skovsmose, porque ele
fala que pode trabalhar as atividades ditas tradicionais e de matemática pura, mas depende de
como o professor vai abordar isso aí”, expressa sua compreensão responsiva ativa de
concordância a respeito de parte dos preceitos teóricos e práticos dos ambientes de
aprendizagem apresentados por Skovsmose (2008), que foram discutidos na ação de formação.
Não obstante, Vandi, ao enunciar “pode trabalhar as atividades ditas tradicionais e de
matemática pura” pode ter tomado como foco a parte da discussão que menciona o trabalho no
ambiente de aprendizagem (1), que diz respeito à prática de ensino baseada no paradigma do
exercício onde as tarefas fazem referência à matemática pura.
Por outro lado, ao enunciar “depende de como o professor vai abordar isso aí”, Vandi
reconhece a possibilidade de se trabalhar com outro paradigma de prática de ensino que não
seja o paradigma do exercício, podendo em seu enunciado estar fazendo menção ao ambiente
de aprendizagem (2), que diz respeito à prática de ensino baseada em cenários para investigação
onde as tarefas fazem referência à matemática pura.
Ainda, nesse trecho do episódio, quando perguntamos como podemos abordar, fazendo
menção ao enunciado anterior de Vandi, Carol responde apresentando um exemplo acerca de
como havia explicado uma tarefa para os estudantes. O discurso da docente é constituído pelos
discursos da concepção de matemática tradicional, que se baseia, entre outras coisas, na
resolução de exemplos para que os estudantes reproduzam nas tarefas propostas.
Em outros momentos de diálogo, na ação de formação, a docente já afirmou que esta
foi a forma como lhe ensinaram matemática. Tal fato indica que o discurso de Carol pode ter
sido constituído a partir dos discursos que antecederam sua formação acadêmica, com aqueles
que constituem o arcabouço de saberes docente que, segundo Tardif (2014), são provenientes
da formação escolar (Educação Básica). Além disso, seu discurso também pode ter se
constituído a partir dos discursos provenientes de outros saberes docentes, descritos por Tardif
(2014) como sendo os saberes da formação profissional, os saberes disciplinares, os saberes
curriculares e até os saberes experienciais que compuseram a formação acadêmica e que
influenciam a prática docente. Isso ocorre não necessariamente devido ao fato de Carol
concordar com eles, mas, possivelmente, por não ter tido outras possibilidades de formação que
lhe apresentasse outros discursos acerca do ensino da matemática.
191
Nesse trecho do diálogo, Agnes fica em dúvida se a tarefa 2 faz ou não referência à
semirrealidade. Como atitude responsiva ativa à pergunta de Agnes “a 2 também é
semirrealidade?”, optamos por não a responder de imediato para que ela pudesse refletir e
apresentar sua própria compreensão.
A respeito da tarefa 26.1, Vandi, em seu enunciado “pois, apesar de relatar histórias e
brincadeiras conhecidas, as crianças não vivenciam isso todos os dias”, demonstra que o que
foi discutido anteriormente a respeito dos tipos de referência que as tarefas fazem, encontrou
eco em seu discurso subsequente. Isso porque as tarefas que fazem referência à semirrealidade,
como as tarefas 26.1 e 18.2, se referem a uma realidade construída, que não representa uma
realidade de fato (SKOVSMOSE, 2008). Em contrapartida, Carol, ao enunciar “eu coloquei
192
que era realidade porque os alunos estavam acostumados a fazer aquele tipo de tabela”,
referindo-se à tarefa 18.2, demonstra que, na análise dessa tarefa, a concepção de semirrealidade
e de realidade, de acordo com a perspectiva de Skovsmose (2008), não é tão clara. Isso ocorre
porque todo enunciado depende do que está presumido para ser compreendido (BAKHTIN;
VOLOSHINOV, 1976). Para Carol, o que está presumido na concepção de realidade é o fato
de que preencher tabelas seja uma tarefa exercida pelos estudantes com mais frequência, o que,
para ela, é um indicativo de que a tarefa faz referência à realidade.
Na tentativa de refletir com Carol o que está presumido, considerando a concepção de
realidade apresentada por Skovsmose (2008), perguntamos se são os estudantes que fazem a
ação112. Carol, mais uma vez, presume o fato de a tarefa apresentar elementos que diz respeito
a algo que os estudantes podem praticar, como o jogo, mesmo que a ação de jogar não seja o
que a tarefa solicita, é suficiente para que ela faça referência à realidade. Por fim, quando
destacamos que a tarefa não propõe o jogo, Carol, com entoação reflexiva, enuncia: “Eu não
tinha pensado sob esse ponto de vista”.
Em continuidade ao diálogo:
Agnes: A 2 não é semirrealidade.
Pesquisadora: Por quê?
Agnes: Os alunos estão desenvolvendo, é uma realidade.
Carol: Eu pus semirrealidade.
Vandi: Semirrealidade.
Pesquisadora: Essa tarefa proposta foi executada pela professora e seus estudantes e
compõe parte do projeto intitulado “Ambiente, o que posso fazer para preservá-lo?”.
Ela faz referência à semirrealidade ou à realidade?
Vandi: Quando eu vi essa eu fiquei pensando que é uma coisa tão falada em todo
lugar. Na nossa indecisão, nós achamos incomum para as crianças, embora se fale
muito da necessidade de reciclagem e a proposta de pesquisa que oportuniza o aluno
a participar.
Pesquisadora: É incomum trabalhar educação ambiental na escola?
Vandi: Então, ao mesmo tempo em que vi algo distante do menino, eu vi a professora
tentando chegar para perto da criança essa questão do meio ambiente [...]. Mas,
mesmo assim, não achei que estivesse muito na realidade, mas, como você falou, vi
que oportuniza a pesquisa e tudo mais.
(EP22 – EN08)
Nessa parte do diálogo, Agnes expressa sua compreensão responsiva ativa a respeito da
tarefa 2. Ao enunciar que “a 2 não é semirrealidade” [porque] “os alunos estão desenvolvendo,
é uma realidade”, seu discurso concorda com a concepção de realidade e de cenários para
investigação descritos por Skovsmose (2008), uma vez que a tarefa 2 diz respeito a um projeto
desenvolvido em uma escola e os estudantes dessa escola são os que executam as ações.
112
A tarefa descreve uma situação em que crianças jogam videogame, no entanto, a ação de jogar videogame não
é proposta para os estudantes que resolverão a tarefa.
193
de trabalho que já tinham para executar. Entendemos que existem momentos em que é preciso
se render à burocratização da prática docente para que o trabalho seja preservado. Mas, vale
destacar: tal fato não inviabiliza a luta pela transformação da realidade.
Em contrapartida, vimos possibilidades de produzir tarefas para se trabalhar nos
ambientes (4) e (6) mesmo que, naquele momento, o trabalho com o ambiente (6) não fosse
possível. Para tal finalidade, analisamos os temas e os conteúdos que estavam previstos nos
planejamentos das docentes a fim de escolher um ou mais temas que contemplassem o trabalho
em todas as turmas. Carol sugeriu discutirmos sobre o tangram e sua utilização para o ensino
de conteúdos matemáticos uma vez que o tangram, conforme proposto pelo material do Emai,
teria que ser trabalhado em todas as turmas. O tema proposto compôs o conteúdo programático
dos encontros nove e dez da ação de formação.
8.7 De exercícios a cenários para investigação: o que podemos ensinar e aprender com o
tangram
Conforme sugerido por Carol no encontro anterior, houve um planejamento para discutir
a respeito do tangram e sua utilização para o ensino de conteúdos matemáticos. Para tal
finalidade, acompanhamos as docentes em seus horários de planejamento de aulas de
Matemática com o intuito de conhecer como o material do Emai aborda o tangram para
atividades realizadas com turmas do 1º ao 5º ano.
A partir das discussões a respeito do material do Emai, pensamos em como produzir
tarefas e possibilitar que os estudantes adentrem um cenário para investigação. Nessa
perspectiva, refletimos a respeito das possibilidades que o tangram apresenta e consideramos
que, em um processo de ensino e de aprendizagem que visa o trabalho com cenários para
investigação, não pode faltar: a apresentação do material – o que é o tangram, como ele é
constituído, a história de como ele foi criado –, o manuseio das peças, o reconhecimento das
formas geométricas, a exploração do material para o ensino de conteúdos matemáticos, entre
outras possibilidades, que foram pensadas com as docentes.
No Apêndice E encontra-se o material construído na formação. Esse material não
representa um modelo de planejamento de aula, pois ele apenas apresenta ideias construídas
com as docentes ao longo dos diálogos. Assim, a partir dessas ideias, as docentes produziram o
próprio planejamento, levando em consideração o ano de escolaridade no qual atuam e outras
necessidades, de acordo com a realidade e o contexto escolar em que estão inseridas.
195
O referido material está dividido em seis partes, que propõem questões reflexivas que
podem ser adaptadas para ser desenvolvidas do 1º ao 5º ano. Nesse interim, as ideias para a
construção das partes I e II foram pensadas com as docentes no momento do planejamento de
aulas de Matemática e construídas a partir dos diálogos nos encontros da ação de formação na
ATPC. As demais partes foram pensadas e construídas na ação de formação.
Com o intuito de mostrar como foram construídas as tarefas a partir dos diálogos,
selecionamos um episódio do encontro nove e dois episódios do encontro dez.
A seguir, encontra-se o episódio selecionado do encontro nove:
Pesquisadora: Que forma geométrica é esta? [a pesquisadora mostra o quadrado].
Carol, Clara e Vandi: Quadrado.
Pesquisadora: Por que vocês chamam de quadrado?
Vandi: Porque tem quatro lados e os quatro lados são iguais.
[neste momento o grupo discute as propriedades do quadrado]
[...]
Pesquisadora: Existe outra forma geométrica no tangram igual a esta?
Carol: Não tem, mas eu posso formar.
Pesquisadora: Quais peças do tangram eu posso utilizar para formar um quadrado
igual a este?
Carol: Triângulos de tamanhos iguais.
Vandi: Dois triângulos, isso mesmo.
Pesquisadora: Isso, dois triângulos de tamanhos iguais. Quantos quadrados eu
consigo formar usando dois triângulos de tamanhos iguais do tangram?
Clara e Carol: Três.
Vandi: Não. Dois.
Clara: São dois.
Pesquisadora: Este menor, eu posso dizer que é igual a este? [a pesquisadora mostra
o triângulo menor].
Vandi: Sim.
Pesquisadora: Por que eu posso dizer?
Carol: Porque são do mesmo tamanho.
Clara: São do mesmo tamanho.
Pesquisadora: E como vocês observaram isso?
Carol: Colocando um sobre o outro.
Vandi: Colocando um por cima do outro. Assim eu medi.
(EP23 – EN09)
Nesse trecho do diálogo, discutimos com as docentes três pontos que haviam chamado
atenção: as propriedades de um quadrado, no que diz respeito aos lados e aos ângulos internos;
a ideia de tamanho, ou seja, o que significa esse tamanho quando são comparadas formas
geométricas e a utilização da peça do tangram como uma unidade de medida.
Além disso, também foram realizadas discussões acerca de outros conteúdos
matemáticos, que foram identificados ao longo dos diálogos, como, por exemplo: as diferentes
formas geométricas planas que são representadas nas peças do tangram, os lados, os vértices,
os ângulos e as diagonais dessas formas, a classificação dos triângulos quanto aos lados e aos
ângulos, também foram estudados os segmentos de reta e como representá-los. Assim,
196
Agnes: Se eu juntar este triângulo com este, forma um quadrado inteiro. [Agnes
mostra os dois triângulos grandes]
Pesquisadora: Então, cada triângulo desse em relação ao quadrado que é o inteiro
representa...?
Clara: Ele representa a metade.
Pesquisadora: E como podemos representar essa metade numericamente?
Carol: Com um sobre dois.
Pesquisadora: Tem outra forma?
Vandi: Tem 0,5.
[...]
1
Pesquisadora: Então representamos assim: ; 0,5; que representa metade.
2
Poderíamos representar de outra forma?
Agnes: Com a figura?
Pesquisadora: Mas, numericamente?
Carol: Porcentagem?
Agnes: Ah, porcentagem.
Vandi: Seria 50%.
(EP24 – EN10)
Alguns pontos precisam ser considerados. Primeiro, por que o tema do encontro foi
nomeado de A burocratização do sistema escolar em ação? Porque o ocorrido foi fruto da
burocratização do sistema escolar que, conforme mencionado anteriormente, impossibilitou, no
encontro, a continuidade de ações promotoras do processo de empoderamento docente. Não se
está afirmando que essa foi a intenção da gestão, mas que discutir questões advindas da
Diretoria de Ensino foi, a nosso ver, prioridade naquele momento. Segundo, por que não houve
comunicação com antecedência acerca do fato que a ATPC seria utilizada naquele dia para
outras discussões? Tal abordagem tem relação com o que Tragtenberg (2012) denominou de
201
ficaram divididas em dois grupos – Grupo 1 (G01): Clara e Mariinha; e Grupo 02 (G02)113:
Vandi e Carol –, pois Clara e Mariinha faziam o planejamento no turno matutino e Vandi e
Carol no turno vespertino.
É ponderoso destacar que esse material apresenta uma estrutura básica do que foi
pensado com as docentes no encontro de ação de formação e que, posteriormente, nos
momentos de planejamento de aulas, ele foi repensando, aprimorado e adaptado pelas docentes
que o utilizaram (Clara e Carol) de acordo com os níveis de escolaridade nos quais elas
lecionavam. Sendo assim, esse material não constitui um modelo estático de planejamento ou
projeto, mas, pelo contrário, representa uma estrutura dinâmica oriunda de relações dialógicas,
que podem ser estabelecidas em outros espaços formativos e que podem ser constituídas a partir
da realidade de cada contexto educacional e para além dela.
O referido material está dividido em duas partes e, em cada parte, apresenta questões
refletivas, que podem ser adaptadas para ser desenvolvidas do 1º ao 5º ano. Com o intuito de
apresentar como as ideias para a construção dessas partes emergiram, selecionamos um
episódio do encontro doze e um episódio do encontro treze.
A seguir, apresentamos o episódio selecionado do encontro doze:
Pesquisadora: Hoje nós vamos trabalhar com folhetos de supermercado. Essa ideia
foi inspirada no trabalho que a Clara realiza com o projeto mercadinho [...]. A proposta
é construirmos um projeto que potencialize não só a produção de conhecimentos
matemáticos, mas também, que valorize temáticas que possibilitem aos estudantes
pensar a matemática com responsabilidade social [...]. Então, o intuito é trabalhar a
matemática sob uma perspectiva crítica, de modo a promover com os estudantes
possibilidades de inclusão social e de potencializá-los para que possam tomar decisões
diante de situações que envolvam a matemática [...]. Podemos iniciar nossa reflexão
pensando a respeito de: como promover a inclusão social por meio da matemática?
[Por um momento as docentes ficam em silêncio]
Mariinha: Procurar atividades que façam com que o aluno reflita sobre a matemática
no seu dia a dia, em seu contexto familiar. Que ele tenha condições de entender o que
é, por exemplo, o dinheiro que ele gastou, que ele recebeu de troco, se ele sabe dessa
situação ou se o que ele tem em mãos dá para ele comprar o que estava pensando, o
que precisa comprar [...]. Acho que é isso.
Clara: Também acho que é isso, as crianças saberem como se faz compra, por que se
usa dinheiro e quando não tem dinheiro para comprar.
Pesquisadora: E como podemos relacionar o que vocês disseram com a inclusão
social?
Clara: Incluir é igualdade para todos. Agora com a matemática ...?
[Nesse momento, as docentes ficam em silêncio]
(EP27 – EN12 – G1)
Carol: Eu acho que em tudo, porque a matemática faz parte do dia a dia deles. Para
fazer uma compra no mercado, saber o que está mais caro e mais barato, o produto é
melhor e tem mais e esse tem menos. É o uso da matemática, andar de ônibus, esse
ônibus vai para qual bairro, se eu for nesse eu ando mais, esse para mais perto. Tudo
113
A professora Agnes pertencia ao grupo 02, mas por motivos particulares, Agnes não conseguiu participar dos
quatro últimos encontros da ação de formação.
203
está incluso no dia a dia da criança, a gente que está para o lado de fora que não
percebe isso.
Pesquisadora: Mas como promover isso para nossos alunos?
Carol: Discussão com eles em sala, o que eles fizeram, aonde foram, se compraram
alguma coisa, receita de bolo, quantidade de carne, comida, venda de produto, acho
que tudo isso é incluir com matemática. Nem sempre o número tem que estar presente,
mas o que constrói aquilo traz que é matemática, é que a gente não pensa nisso.
Vandi: Então eu penso que, na matemática, se a criança não tiver um olhar crítico
voltado para as questões da vida em si, um leque, ela não vai se enxergar. Então, por
exemplo, eu estava trabalhando com meus meninos estimativa, aí falei "vamos supor
que você vai comprar um sofá e na propaganda você viu que pode pagar em 5 vezes.
Então, você vai para saber qual que é a mensalidade para pagar e pensa que bom posso
pagar mais de 300 reais [...]”. Na hora que a moça falar assim "esse sofá custa 1000
reais”, aí você fala “pode pagar em 5 vezes?” “Pode”. Antes da moça pegar a
calculadora você tem que pensar aproximado, então 5 vezes de 300, é 300, 600, 900,
opa, posso comprar esse sofá [...]. Então, eu considero que, para o menino fazer a
estimativa, ele tem que ter um olhar crítico sobre as coisas, é a matemática invisível
que você falou, do vai ser mais ou menos. Então, para mim, essa matemática é
importantíssima, e não tem como você incluir a criança se ela não aprender a
matemática fixa, ela saber que 3x3 é 9, que 3x5 é o cinco 3 vezes, esse conhecimento
elaborado [...]. Esse conhecimento elaborado, a criança tem que apropriar dele para
que ela possa ser incluída [...]. E outras questões também, por que o computador você
digita e aparece isso? [...] Então essa é a matemática invisível, que em algum momento
eles terão que se apropriarem dela. Eu penso que o jeito de eu promover a inclusão da
criança, é isso.
(EP27 – EN12 – G2)
elementos foram presumidos após Mariinha ser indagada acerca do que ela quis dizer com
entender o que é o dinheiro que ele gastou e se o que ele tem dá para comprar.
A respeito da leitura e da escrita do mundo por meio da matemática, identificamos que
Carol e Vandi tratam essa questão observando a necessidade de trabalhar o que Freire (2011a)
caracteriza como a naturalidade do exercício matemático. Carol, ao enunciar “é o uso da
matemática, andar de ônibus, esse ônibus vai para qual bairro, se eu for nesse eu ando mais,
esse para mais perto”, destaca como pode ser experienciada uma forma matemática de estar no
mundo em meio a atividades cotidianas. Já Vandi, ao enunciar “na hora que a moça falar assim
‘esse sofá custa 1000 reais’, aí você fala ‘pode pagar em 5 vezes?’ [...]. Antes da moça pegar
a calculadora você tem que pensar aproximado [...], opa, posso comprar esse sofá [...]”, realiza
o que Skovsmose (2008) denomina de transposição matemática, ou seja, quando se utiliza a
matemática se está testemunhando novas formas de ver e de atuar no mundo.
Essas novas formas de ver e de atuar no mundo representam o que Freire (2011a)
defende como sendo a necessidade de democratizar a naturalidade do exercício matemático,
que é possibilitar a compreensão de conceitos e de regras matemáticas como formas de entender
e de atuar no mundo. Alinhada a essa perspectiva, identificamos que Carol enfatiza essa
importância ao expressar que “nem sempre o número tem que estar presente, mas o que constrói
aquilo traz que é matemática, é que a gente não pensa nisso”.
Em outro momento do diálogo, Vandi, ao enunciar “então eu penso que, na matemática,
se a criança não tiver um olhar crítico voltado para as questões da vida em si, um leque, ela
não vai se enxergar”, corrobora Freire (2019a), no sentido de que ensinar não se esgota no
trabalho com o conteúdo, pois, nesse processo, são desenvolvidas as condições para aprender
criticamente. Além disso, Vandi, ao enunciar “ela não vai se enxergar”, ressalta a importância
de a criança desenvolver um olhar crítico para que ela possa reconhecer-se como sujeito da
própria história.
Ao abordar o tema inclusão social, buscamos, por meio dos relatos de experiência das
docentes, refletir com elas a respeito de como podemos criar possibilidades para promover o
empoderamento de professores e de estudantes no âmbito da Educação Matemática. Vale
destacar que inúmeros exemplos, como aqueles já citados nos trabalhos desenvolvidos por
Frankenstein (1998) e Gutstein (2006), que demostram que incluir socialmente por meio da
matemática é oferecer a professores e a estudantes oportunidades equitativas de conhecer e de
reconhecer a variedade de condições nas quais a matemática se expressa no mundo,
compuseram as temáticas discutidas no encontro.
205
Assim, os enunciados das docentes foram o ponto de partida para que fosse iniciada a
produção do projeto, pois, ao refletir sobre a matemática no dia a dia, no contexto familiar, na
falta de dinheiro para realizar a compra e no desenvolvimento de um olhar crítico, pensamos na
possibilidade de dialogar com os estudantes a respeito de consumo consciente, de alimentação
saudável e de justiça social. Com isso, foi construída a parte I (tarefas 1 e 2) do projeto, que se
encontra no Apêndice F.
As temáticas consumo consciente, alimentação saudável e justiça social foram o ponto
de partida para o diálogo no encontro treze. A seguir, apresentamos o episódio selecionado:
Pesquisadora: Vocês já trabalharam com folhetos tendo como foco discussões sobre
consumo consciente?
Clara: Eu trabalho com o mercadinho. Eu faço na sala mesmo. Eu falo para eles
pensarem antes de comprar, mas essas outras reflexões ainda não.
Mariinha: Acho que uma vez o livro do Emai trouxe uma atividade para trabalhar
com os meninos, mas diferente.
(EP28 – EN13 – G1)
Vandi: Veio no Emai uma situação para eu trabalhar com panfletos de supermercado.
Estou lembrando aqui o que eles colocaram, o que o professor deveria estar falando.
Eu é que falei com eles [estudantes] assim: "vocês conhecem os folhetos?" [...]. Mas
no livro estava para comprar produtos [com valores] menos de 3 reais, de 5 reais,
menos de 10. Achei legal, mas essa introdução de onde encontramos, quais os
produtos que estamos vendo, o que é oferta, e tudo, foi uma exploração minha, porque
a orientação que vinha no Emai era chochinha e ceguinha. Eu acho que a gente era
mais crítico [...]. Hoje eles saem comprando picolé para ela, para ela, para ela, e passa
o cartão. Não sabe nem o valor da unidade daquilo que comprou. O consumo, o
endividamento, porque a pessoa não para e analisa quanto que tem [...] falta de crítica
no que a gente está consumindo atualmente.
Carol: As crianças têm que ser críticas...
Vandi: O consumidor crítico. Se fôssemos estariam explorando a gente menos. Com
o cartão tiraram a oportunidade até da gente negociar [...]. A conta deu 37,21, não tem
jeito de falar que vai pagar 37 redondos. Se fosse no dinheiro a gente faria isso, mas
como é no cartão ela passa aquilo daquele jeito mesmo e pronto. E o argumento deles
é para induzir a dívida, porque na hora que vou escolher uma peça, a moça fala [...]
“dá tanto, você pode dividir em 3".
Carol: E a história de leve 3 e pague 2, se você fizer os cálculos você está pagando
pela terceira.
(EP28 – EN13 – G2)
A respeito dos enunciados, Carol e Vandi chamam a atenção para um fator importante
no que diz respeito ao consumo consciente, a questão do consumidor crítico. Nos enunciados
“o consumo, o endividamento, porque a pessoa não para e analisa quanto que tem [...] falta de
crítica no que a gente está consumindo atualmente” e “o consumidor crítico. Se fôssemos
estariam explorando a gente menos” (VANDI); “as crianças têm que ser críticas” e “a história
de leve 3 e pague 2, se você fizer os cálculos você está pagando pela terceira” (CAROL), Vandi
e Carol tomam consciência de como ocorre estímulo frequente para que todos façam dívidas,
exemplificando como é emergente trabalhar consumo consciente em sala de aula.
206
Por fim, baseados na pergunta efetuada, observamos que a discussão acerca de consumo
consciente, quando existe em sala de aula, se origina das experiências cotidianas das docentes,
pois o material didático utilizado por elas, segundo Mariinha e Vandi, não aborda a temática.
Diante disso, dialogamos com as docentes o tema consumo consciente, tendo como base os
trabalhos de Chaves (2004), Oliveira (2017) e Silva (2018); o tema justiça social, sob a
perspectiva de Gutstein (2006); e para o tema alimentação saudável foi proposto que elas
consultassem o material didático de Ciências que utilizavam na escola, pois, segundo as
docentes, esse material aborda tal temática. Com isso, foram elaboradas a parte I (tarefa 3) e a
parte II (tarefas 1, 2 e 3) do projeto (Apêndice F). Ao produzir essas tarefas, visamos o trabalho
com o ambiente (6) proposto por Skovsmose (2008), pois este relaciona tarefas que fazem
referência à realidade e o ensino é pautado nos cenários para investigação.
Com a análise do episódio do encontro treze, finalizamos o capítulo oito. O percurso
traçado neste capítulo destaca um compromisso com o leitor e com a leitora de mostrar a
trajetória percorrida pela pesquisadora e pelas docentes participantes na ação de formação.
Trata-se de uma formação construída de forma coletiva que se desenvolveu com a colaboração
das protagonistas desta investigação, as docentes.
Nessa formação, buscamos conhecer e valorizar os saberes de experiência das
participantes, suas leituras de mundo, para constituir o conteúdo programático da formação.
Isso, pois acreditamos que o conteúdo não deve ser uma imposição da pesquisadora/mediadora
às participantes/educadoras, mas uma devolução sistematizada e problematizada da realidade
das docentes. Afinal, tal empenho estava relacionado ao objetivo de que as docentes tomassem
consciência de que as situações-limite vivenciadas não representavam barreiras ao
empoderamento da classe, mas possibilidades de ser mais.
Por outro lado, é importante esclarecer que valorizar os saberes de experiência das
participantes não significa permanecer neles, mas conhecer e reconhecer seus valores e suas
limitações e, a partir disso, por meio de uma relação dialógica, juntas, pesquisadora e
participantes, ir além. Por isso, o conteúdo não se resumiu apenas aos saberes das docentes,
visando à mudança da realidade da prática pedagógica, refletimos a respeito de outras
possibilidades, como o trabalho com cenários para investigação.
No entanto, muitos desafios foram encontrados, assim como muitas possibilidades. Em
um primeiro momento, esses desafios foram enfrentados por nós. Como pesquisadora, que se
propõe a realizar uma (re)leitura da epistemologia freireana em uma formação continuada, o
primeiro desafio foi despir da imagem de pesquisadora para revestir da postura de mediadora.
207
O segundo desafio foi colocar-se em uma posição de escuta ativa e, assim, estar aberta ao
mundo e aos outros. O terceiro desafio foi dialogar com as docentes e não fazer comunicados
para elas. Esses desafios foram se transformando em possibilidades na medida em que passei a
compreender que mediar um processo formativo é fazer parte dele, é se constituir também como
sujeito da aprendizagem, e entender que como ser inacabado me encontro em um permanente
processo de transformação. Essa tomada de consciência inseriu-me no processo de
empoderamento com as participantes, uma vez que a busca pela libertação se desenvolve com
a coletividade.
Em um segundo momento, analisando os desafios sob o ponto de vista do coletivo, como
já relatado, a escola se encontrava submetida a uma burocratização do sistema escolar, que
submetia as docentes participantes a normas e hierarquias que provocavam, na percepção delas,
situações-limite que, a princípio, não poderiam ser superadas. Assim, um desafio no processo
de empoderamento foi romper com essa perspectiva de barreira, e isso foi se dando ao longo
do processo de conscientização, na medida em que as situações-limite eram problematizadas,
ou seja, em que a realidade era desvelada e entendida como problemas, que desafiam e exigem
respostas no nível intelectual e no nível da ação. Esse desafio transformou-se em possibilidade
na medida em que as docentes tomaram consciência que as situações vivenciadas poderiam ser
superadas por meio do desenvolvimento de uma prática educativa mais autônoma e crítica.
Cabe ressaltar, que existem situações-limite que perpassam o contexto escolar, como,
por exemplo, o mecanismo de avaliação (provas e exames) em que os estudantes são
submetidos, proposto pelo estado de São Paulo. Romper com esse tipo de situação requer o
desenvolvimento de atos-limite dos profissionais da educação da sociedade como um todo, o
que não é possível quando se trata de uma microssociedade, que é a escola – campo empírico
desta investigação. Além disso, existem situações-limite que perpassam o contexto de
formação, como é o caso de Agnes que, por motivos particulares, não conseguiu participar da
ação de formação até a sua finalização.
Outro desafio encontrado pelo grupo foi a necessidade de desenvolver outro paradigma
de prática de ensino, que não fosse o paradigma do exercício – tão presente na prática das
docentes. Em vista disso, vislumbramos, nos cenários para investigação, uma possibilidade de
romper com o paradigma do exercício para promover uma prática educativa libertadora.
Nessa busca, encontramos novos desafios, pois a falta de abertura das docentes para o
trabalho com cenários para investigação no contexto de sala de aula, devido à carga de trabalho
que elas já tinham acabou por inviabilizar o trabalho com o ambiente de aprendizagem (6) em
208
todas as turmas. Esse desafio, também ocasionado pela burocratização do sistema escolar,
transformou-se em possibilidade quando as docentes mostraram interesse em produzir tarefas
para se trabalhar nos ambientes (4) e (6) – (SKOVSMOSE, 2008). Ao longo da produção dessas
tarefas, Clara, Mariinha, Vandi, Agnes e Carol se propuseram a desenvolver em suas salas de
aula as tarefas relativas ao ambiente (4) e Clara e Carol as tarefas relativas ao ambiente (6).
Além disso, durante a ação de formação, as docentes buscaram colocar em prática em sala de
aula o trabalho com cenários para investigação, ao trabalhar até mesmo com tarefas propostas
pelo material do Emai.
Outro desafio a ser destacado é a visão de autodesvalia das docentes. Na perspectiva das
participantes, as formas de saber-fazer que o material do Emai e que a Diretoria de Ensino
propunha não poderiam ser contestadas ou aprimoradas, por acreditarem que aquelas pessoas –
escritores do material didático e formadores da Diretoria de Ensino – por estarem naquela
função possuíam mais conhecimento que elas e por isso não poderiam questionar, mesmo não
concordando. Esse desafio se transformou em possibilidade quando as docentes tomaram
consciência que a autonomia de planejar e de ministrar as aulas deveria ser desenvolvida por
elas, e que a busca por mudanças no paradigma de prática de ensino poderia ser um caminho
para se tornarem sujeitos da própria prática pedagógica.
Diante dos desafios e das possibilidades apresentados, ressaltamos que dialogar com os
discursos das docentes foi um modo que encontramos de compreender o desenvolvimento do
processo de empoderamento no contexto de formação continuada. Ao longo da análise
dialógica discursiva, aguçamos nosso olhar para enxergar significados implícitos nos
enunciados das participantes, na busca de enriquecimento de uma análise mais fundamentada.
Nesse contexto, selecionar e analisar os enunciados escritos e falados e até os não
enunciados, os que foram presumidos, bem como as entoações dos discursos, permitiu a
identificação de elementos que se constituem como situações-limites, atos-limite e que são
classificados como características do processo de empoderamento docente.
209
Neste capítulo, apresentamos uma análise dialógica dos discursos, elaborada a partir dos
dados produzidos no contexto de sala de aula das docentes. Para tal finalidade, descrevemos
episódios114 de uma aula em que Carol desenvolve tarefas com seus estudantes utilizando o
tangram. Ao longo da descrição, mostramos como Carol busca trabalhar com cenários para
investigação, utilizando o tangram como tarefa que compõe o ambiente (4) – descrito por
Skovsmose (2008) – por fazer referência à semirrealidade e por permitir uma exploração por
parte dos estudantes. Além disso, em alguns episódios, destacamos o feedback realizado com
Carol após o acompanhamento da aula.
Por fim, apresentamos os relatos de experiência que Carol, Clara, Vandi e Mariinha
realizam nos encontros quatorze e quinze (EN14, EN15)115, após trabalharem com esse material
em suas aulas.
No quadro 15, a seguir, enumeramos os episódios selecionados.
114
É preciso mencionar que a escola possui autorização dos responsáveis legais para utilizar gravações de vídeo
dos estudantes, conforme destaca a Diretora da escola no documento do Anexo E. Para preservar o anonimato
desses estudantes, foram utilizados nomes fictícios e optamos por não produzir imagens que os/as identificassem.
As transcrições foram textualizadas para corrigir possíveis erros oriundos na linguagem oral.
115
Salientamos que, nestes encontros, foram realizados outros relatos a respeito do trabalho com cenários para
investigação com outras tarefas – trabalhando com folhetos, ensinando divisão, ensinando subtração e trabalhando
com porcentagem –, mas optamos por apresentar neste capítulo os relatos referentes ao trabalho com o tangram,
que foi uma das propostas construídas com o coletivo.
210
As reações foram diversas. Uns quiseram tocar, pediram para manusear as peças, outros
perguntaram o que são aquelas peças e para que seriam utilizadas. Mas, em meio a tal contexto,
foi a reação de uma aluna que destacamos. A aluna Érica mostrou descontentamento ao ver que
se tratava de um tangram e, diante disso, expressou-se da seguinte maneira:
Érica: Tangram? Eu não gosto de tangram.
Carol: Érica, ainda vou explicar.
Érica: Eu não vou fazer isso.
Carol: Mas você nem sabe o que é para fazer. Vamos fazer alguns combinados.
Érica: Não vou fazer.
(Sala de aula – EP29)
que o tipo de conversação se resumiu a perguntas e respostas. Por meio de tal ação, objetivamos
que Carol se sentisse instigada a se inserir em um processo de investigação sobre a própria
prática, pois, segundo Freire (2019a), é próprio da prática docente investigar, refletir, constatar,
indagar e intervir, para que os professores eduquem e se eduquem.
Analisando o episódio sob outra perspectiva, observamos que Carol se apropriou dos
discursos emitidos pelo grupo no momento do planejamento dessa aula. No planejamento da
aula, o ponto de partida foi possibilitar que os estudantes explorassem as formas geométricas,
de tal maneira que pudessem fazer comparativos, analisando número de lados, “tamanho” da
forma e outras características. A proposta consistiu em permitir que os estudantes investigassem
o material e descobrissem propriedades relativas às formas geométricas. Diante disso, a docente
foi propondo aos estudantes algumas questões para fomentar essas investigações, conforme
mostra a primeira parte do episódio acima.
Em outro momento, pode ser notado o diálogo que está exposto abaixo:
Carol: Vocês disseram que esses triângulos têm o mesmo tamanho [a docente mostra
os triângulos], isso significa que eles têm a mesma área [a docente explica para os
estudantes o que é área] [...]. Agora nós vamos fazer construções com as peças do
tangram. É possível construir um quadrado usando 2 peças do tangram?
[os estudantes manipulam as peças e tentam formar um quadrado]
Paulo: Com dois triângulos, assim [o aluno mostra como ficou usando os triângulos
maiores].
Érica: Com os triângulos menores também dá.
[Carol caminha pela sala e os estudantes mostram como fizeram]
[...]
Beatriz: Olha o que eu formei.
Carol: Que forma geométrica é essa?
Beatriz: O paralelo..., aquele [a aluna tem dificuldade em falar a palavra].
Érica: Paralelogramo.
Carol: Então é possível fazer outras formas?
Estudantes: Sim.
[...]
(Sala de aula – EP31)
A cada nova forma geométrica construída, Carol dialogava com os estudantes, propondo
reflexões a respeito do formato, quantidade de lados, caracterização a respeito dos lados e dos
ângulos, por exemplo. Além disso, a docente estabeleceu problematizações abordando outros
conteúdos matemáticos, como área, fração, representação numérica etc., conforme demonstra
o episódio abaixo:
Carol: Vocês usaram quantas peças para formar o quadrado?
Pedro: Duas.
Estudantes: Duas.
Beatriz: Eu usei três.
Carol: Quem usou duas, usou quais?
Estudantes: Triângulos.
Carol: E quem usou três?
Beatriz: Dois triângulos menores e o médio.
Carol: Vamos pensar no quadrado formado por duas. Pensando no quadrado como o
todo o que cada triângulo representa.
[Carol explica para os estudantes o que é todo. Os estudantes pensam por um tempo
e olham as formas]
Larissa: Que cabem dois em um quadrado.
Carol: O que seria caber dois em um quadrado?
Cínthia: Eles são iguais.
Carol: São, porque possuem a mesma área. Mas, em relação ao quadrado, o que
podemos dizer sobre cada triângulo?
[os estudantes ficam em silêncio por um momento]
Fernanda: Ele é metade...
Carol: O que é metade?
Paulo: Corta ao meio.
Carol: Qual conta podemos fazer para cortar ao meio?
[os estudantes pensam por um tempo]
Fernanda: De dividir.
(Sala de aula – EP32)
Na parte final da aula, Carol propôs aos estudantes um desafio. Esse desafio carecia de
trabalho coletivo, ou seja, que cada componente da dupla trabalhasse com seu colega em
colaboração. Carol explicou que cada dupla receberia uma imagem, conforme mostra a figura
7, e que teriam que reproduzir a montagem em questão, usando, para isso, as peças do tangram.
214
A ideia consistiu em observar qual dupla seria mais colaborativa, pois tal caracterização
se daria em relação à dupla que conseguisse terminar de montar todas as imagens sorteadas
primeiro e que ajudasse outras duplas. Vale assinalar que o objetivo de Carol não foi estimular
a rivalidade ou a competição, mas, sabendo que os estudantes gostam de efetuar tarefas dessa
maneira, buscou fazer com que a competição tivesse um tom de colaboração.
A figura 8, a seguir, apresenta algumas imagens das construções realizadas pelas duplas.
claro que uma aula que vise o trabalho com cenários para investigação pode precisar de mais
tempo para ser desenvolvida, mas a aprendizagem produzida pode proporcionar “ganho de
tempo”. Isso foi observado por Carol nas aulas seguintes, pois, segundo a docente, as tarefas
que envolviam conteúdos que foram discutidos na aula do tangram foram desenvolvidas e
compreendidas pelos estudantes em tempo muito menor do que o planejado.
Outra situação-limite superada por Carol, na aula, se deu em relação à autonomia e à
liberdade, que ela afirmava ser insuficientes para planejar e ministrar suas aulas. Com a aula do
tangram, Carol teve consciência de que a autonomia e a liberdade não são algo dado por outras
pessoas, mas algo desenvolvido por cada um. Mesmo com todas as preocupações em não
“atrasar” seu planejamento, ela se propôs a modificar o planejamento e a ministrar aulas
buscando desenvolver outro paradigma de prática de ensino. Dessa forma, aceitou correr riscos
ao enveredar-se pelos caminhos dos cenários para investigação e, com isso, desenvolveu, para
aquele momento, a autonomia e a liberdade que acreditava não possuir.
Outra situação-limite que Carol buscou superar foi sua insegurança ao ministrar as
aulas, devido ao fato de possuir pouco domínio de alguns conteúdos matemáticos, conforme
relatou na fase exploratória. Para superar essa barreira, consciente de seu inacabamento,
realizou pesquisas, estudou os conteúdos matemáticos que poderiam ser trabalhados com o uso
do tangram e tirou dúvidas com o grupo de professoras nos momentos de planejamento.
Após o desenvolvimento da aula, Carol compartilhou com o grupo de ação de formação
sua experiência:
A atividade que nós escolhemos para fazer foi em cima do tangram. Antes, os alunos
olhavam para a atividade do livro e falava "nossa isso de novo, mas para que serve
isso?" [Carol se refere ao livro do Emai]. Uma das minhas melhores alunas falou "eu
não vou fazer isso" [Carol se refere a Érica]. Então, após aquele planejamento que
fizemos aqui, a aula, para mim, ficou fantástica, os alunos pularam para o lado
investigativo, todo mundo fazendo perguntas, todo mundo respondendo à pergunta do
outro. Para mim, foi um momento de realização, eu via o trabalho fluindo.
Trabalhamos ângulos, formas geométricas, formação de figuras com o jogo de
desafio, olha, fantástico [...]. As avaliações que vieram do governo, logo em seguida,
que caiu sobre aqueles temas, ninguém errou [...]. Pegaram certinho aquilo lá, tudo
com pecinha de tangram. Eu sempre mexi com tangram, mas não desse jeito [...].
Acho que se a gente conseguisse pegar outros temas em cima disso aí para tocar para
frente fica uma sala bem investigativa, porque eles gostam da matemática.
(Relato de experiência – EN14)
Desse modo, observamos que a busca pela superação das situações-limite fez com que
Carol, por meio de atos-limite, refletisse e agisse para transformar a realidade de seu contexto
de sala de aula. Nesse âmbito, é importante destacar que, pela perspectiva freireana, a
transformação da realidade, exige uma emersão dessa realidade e a volta sobre ela. Por isso
que, para Freire (2018), se transforma a realidade por meio da reflexão e da ação das mulheres
217
e dos homens sobre o mundo. É nesse sentido que Carol, ao emergir da situação de ter que
ministrar aulas utilizando apenas o material proposto pela Diretoria de Ensino, por meio de um
ato reflexivo, adquiriu consciência da necessidade de transformação de suas aulas, viu que essa
transformação era possível e agiu para que ela acontecesse.
Além do relato de Carol, Clara e Vandi também relataram suas experiências do trabalho
realizado com o tangram em suas turmas.
Foi bem proveitoso. Gostei muito. Ainda não tinha trabalhado em grupo nas aulas de
Matemática. Foi muito bom, pois começaram [os estudantes] a investigar, a responder
as perguntas e a explicar como haviam feito [...]. Eles buscaram outras formas de
resolver o que foi proposto.
(CLARA – Relato de experiência – EN 14)
[...] inicialmente tiveram muita dificuldade, chegaram [os estudantes] até dizer que
era impossível, mas depois da minha intervenção eles conseguiram fazer [Vandi se
refere a tarefa da parte II – Apêndice E]. Ficaram surpresos, conseguiram
imediatamente visualizar outras formas, que conseguiam cobrir outras maiores [...].
Durante a realização do trabalho, embora a proposta em dupla, observei que alguma
dupla saía pela sala, auxiliando os outros [...]. Quando terminamos o último
quadrilátero, que na verdade era o tangram, apresentei as figuras de pássaro, barco
etc. Eles vibraram e disseram que sabiam construir mais objetos do que aqueles que
eu estava mostrando e disseram que nunca tinham feito figuras geométricas com
aquelas peças. Percebi que grande parte ou todos os alunos já conheciam o tangram,
mas um trabalho efetivo com formas geométricas, percebi que foi a primeira vez.
Pretendemos expor os trabalhos no mural da escola.
(VANDI – Relato de experiência – EN 14)
Nos relatos de Clara e de Vandi, destacamos um fato que faz parte do contexto
extraverbal dos enunciados das docentes, o trabalho em grupo. Quando iniciamos o estudo
sobre ambientes de aprendizagem, as discussões a respeito do trabalho com diferentes
ambientes foram bem acolhidas, mas a possibilidade de desenvolver tarefas, estando os
estudantes em grupos, se tornou uma preocupação, principalmente para Carol, Vandi e
Mariinha.
As docentes, na época, destacaram que os estudantes não ficariam quietos, conversariam
muito e que poderiam “colar” um do outro, ao invés de resolverem juntos. Tais fatos, para elas,
naquele momento, representavam situações-limite, que só poderiam ser superadas se
estivessem dispostas a correr riscos. Diante das falas das docentes, dialogamos com elas que
toda mudança gera preocupações e que esse tipo de trabalho é uma possibilidade de sair de
nossa zona de conforto e de construir outras formas de saber-fazer. Além disso, destacamos que
a ideia era oportunizar aos estudantes que atuassem como sujeitos da própria aprendizagem, e
que isso não era possível no silêncio. Os estudantes precisavam investigar, questionar, dialogar
uns com os outros, pensar em estratégias juntos e, para tal, era preciso dizer a palavra, ou seja,
conversar e não ficar quietos.
218
A respeito das possíveis dificuldades de trabalhar com cenários para investigação, Carol,
Clara e Mariinha relatam que:
No início deu vontade de desistir. Eles conversavam muito e não aguentavam ficar
muito tempo em grupo. Era a primeira vez que eles trabalhavam daquela forma, lado
investigativo. Mas, depois que nós analisamos os problemas da aula, fomos ajustando
aqui, ali, o tempo, os combinados, ... olha, o trabalho foi fluindo, as aulas ficaram
fantásticas (CAROL – Relato de experiência – EN14).
A dificuldade foi a mesma que de outras aulas, só o trabalho com cenários que foi
diferente, exige que a gente ouça mais os alunos, fique mais próximo deles (CLARA
– Relato de experiência – EN15).
Após os relatos das docentes, enfatizamos que o trabalho com cenários não é realizado
apenas em grupo, pois os estudantes podem tornar-se sujeitos da própria aprendizagem, estando
ou não em grupo. No entanto, a aprendizagem ocorre em contextos sociais, como a sala de aula,
e, portanto, depende das relações e da comunicação entre professores e estudantes. Nesse
sentido, o diálogo é um elemento essencial para o desenvolvimento de uma prática docente e
de uma aprendizagem discente libertadoras.
Cabe ressaltar que, no contexto de sala de aula, muitos desafios foram encontrados por
nós e pelas participantes. Primeiro, por nós, pois o fato de as docentes já terem suas aulas
acompanhadas e analisadas, algumas vezes, por profissionais da Diretoria de Ensino, conforme
relataram na fase exploratória, o nosso acompanhamento poderia ser entendido por elas como
um momento de avaliação de suas aulas. Para amenizar essa percepção, as docentes foram
convidadas a investigar a própria prática, a se analisarem. Para tal, foi explicado a elas que esse
acompanhamento seria para conhecermos o contexto da sala de aula, para realizarmos
colaborativamente momentos de feedback. Após o diálogo, esse desafio transformou-se em
possibilidade quando Clara e Carol se dispuseram a nos receber em suas aulas de Matemática.
Outro desafio foi romper com a percepção que elas tinham de que trabalhar com cenários
para investigação é ter que produzir tarefas diferentes e não poder utilizar as tarefas do material
didático. Esse desafio transformou-se em possibilidade quando as docentes buscaram trabalhar
com cenários utilizando as tarefas propostas no material do Emai. Com isso, observamos que
cenários para investigação podem ser pensados como um paradigma de prática de ensino, e não
uma condição da tarefa em si.
Por fim, a respeito dos desafios enfrentados pelas docentes no contexto de sala aula, em
especial, com o trabalho com cenários para investigação, identificamos que elas tinham
219
dificuldades em exercer a escuta ativa e em dialogar com os estudantes. Isso porque pela prática
de ensino das docentes ser mais próxima do paradigma do exercício, realizava-se mais
comunicados do que diálogos. Esses desafios foram se transformando em possibilidades na
medida em que as participantes foram rompendo com a perspectiva de que o silêncio – que
proíbe de dizer a palavra –, é o que mantém a sala de aula organizada e o que proporciona
aprendizagem. Essa perspectiva foi se modificando a partir do momento em que, na ação de
formação, ao produzir tarefas, as docentes observaram que foi dialogando umas com as outras
que produziram conhecimentos. Dessa forma, mesmo com algumas resistências, já descritas
acima, elas se mostraram abertas ao diálogo e ao trabalho com cenários para investigação.
220
CONSIDERAÇÕES FINAIS
possibilidades que encontramos foi (re)criar interpretações desse legado epistemológico na/para
uma formação de professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Portanto, nesta pesquisa, para a (re)leitura que realizamos, a epistemologia freireana
contribuiu para a construção de um processo de formação continuada desde o planejamento até
o desenvolvimento da ação formativa, tendo como base os momentos do processo de
conscientização e o trabalho desenvolvido nos círculos de cultura. No planejamento, conforme
já descrito nesta tese, os temas a ser dialogados nos encontros de formação emergiram a partir
das situações-limite vivenciadas e apresentadas pelas participantes. No desenvolvimento da
formação, buscamos problematizar essas situações-limite por meio dos temas constituídos.
Outra contribuição que a epistemologia freireana proporcionou para essa formação foi
a tomada de consciência das condições nas quais as professoras se encontravam em seu contexto
escolar, tanto no que diz respeito aos seus relatos na fase exploratória, quanto em relação às
enunciações emitidas ao longo de toda a ação de formação.
Assim, consideramos que construir uma formação continuada, com base nos
pressupostos da epistemologia freireana, possibilitou a tomada de consciência da realidade, o
rompimento da visão acrítica acerca das situações-limite vivenciadas no contexto escolar e o
desenvolvimento de atos-limite para a superação dessas situações e para a construção de uma
consciência crítica.
Outrossim, o desenvolvimento de atos-limite foi constituído tendo como base a
Educação Libertadora e a Educação Matemática Crítica. Relacionar essas duas concepções
possibilitou que o ensino da matemática fosse discutido sob uma perspectiva crítica de
responsabilidade social e política. Nessa perspectiva, pensar o ensino e a aprendizagem
matemática é pensar nos diferentes contextos em que ele acontece, dentro e fora da escola.
Além disso, trata-se de pensar em uma formação docente que privilegie uma prática educativa
dialógica e libertadora.
Buscamos, com essa investigação, destacar, também, como é possível relacionar a
Educação Libertadora e a Educação Matemática Crítica no âmbito da formação docente. Assim,
a Educação Libertadora entrou em cena por meio das relações dialógicas e do ato de ação-
reflexão em busca de transformações. Nesse escopo, a Educação Matemática Crítica constitui,
nesse processo formativo, um caminho por meio do qual as docentes buscaram transformar suas
aulas de Matemática, visando uma prática educativa libertadora.
Agora, já quase finalizando essa trajetória, nos deparamos com um novo desafio, nos
sentimos instigados e esperançamos realizar futuramente novas (re)leituras da epistemologia
225
116
Os sonhos descritos pelas docentes foram registrados na entrevista final quando perguntamos: Como seria a
escola dos seus sonhos?
226
REFERÊNCIAS
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_________. Pedagogia do oprimido. 66ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.
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230
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428.
235
APÊNDICES
A: Escolha da profissão
1) Por que resolveu ser professora?
2) Se fosse possível, escolheria outra profissão? Por quê?
B: Planejamento de aulas
3) Em sua opinião, o que um professor precisa saber para elaborar e desenvolver suas aulas?
4) O que considera ser essencial para o planejamento de suas aulas?
5) Qual (ais) fonte (s) você utiliza para orientar o planejamento de suas aulas?
6) Por que utiliza essas fontes?
7) Você realiza seus planejamentos individualmente ou coletivamente (com colegas de
profissão, supervisor pedagógico, diretor etc.)? Por quê?
8) Você considera necessário consultar pesquisas da área de educação no desenvolvimento dos
planejamentos? Por quê?
9) Você possui o hábito de realizar essas consultas no planejamento de suas aulas? Por quê?
C: Formação Docente
10) As disciplinas específicas da Licenciatura possibilitaram que fossem construídos os saberes
necessários para a prática do professor? Comente.
11) Você participa ou participou de cursos ou estudos de formação continuada na área de
matemática ou em outras áreas? Se sim, qual(is) curso(s)? Por quê?
- Se não participou, por quê?
12) A participação nesse(s) curso(s) possibilitou a construção de saberes para a sua prática
docente? Comente.
17) Quando você está ministrando uma aula de matemática, na interação com os estudantes,
podem ocorrer uma infinidade de situações ricas em possibilidades para a
aprendizagem e a sua realização profissional, assim como, podem ocorrer situações que são
preocupantes, que podem limitar seu trabalho ou a aprendizagem dos estudantes de alguma
forma.
a) Qual(ais) situação(ões) você vivenciou em suas aulas, que citaria como rica em
possibilidades para o desenvolvimento de um bom processo de aprendizagem em matemática?
Por quê?
A: Informações Pessoais
1) Nome: _________________________________________________________________
2) E-mail: ________________________________________________
3) Telefone: __________________________
4) Data de nascimento: _______________
5) Estado civil: ____________________
6) Você tem filhos? ( ) Não ( ) Sim, quantos? ________
7) (Somente para quem tem filho)
Em que tipo de escola seu/sua filho (a) estuda ou estudou? (caso tenha mais de um filho fale
sobre todos):
( ) Pública ( ) Privada ( ) Outras
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
8) Na sua família, além de você, há alguém que se dedique ou que tenha se dedicado à prática
docente?
( ) Sim, quem? __________________________________________________
( ) Não
9) Os responsáveis por sua criação estudaram até qual nível de escolaridade?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
10) Os responsáveis por sua criação estudaram em qual tipo de escola? (Especificar cada
responsável, caso o tipo não seja o mesmo).
( ) Pública ( ) Privada ( ) Outras
( ) Pública ( ) Privada ( ) Outras
11) A maior parte de sua educação fundamental e média foi feita em escolas:
( ) Públicas ( ) Privadas ( ) Outras
12) Os responsáveis por sua criação pertenciam (enquanto você ainda morava com eles) a
qual classe social?
( ) Alta ( ) Média Alta ( ) Média ( ) Média baixa ( ) Baixa
13) Você se identifica com qual classe social?
239
B: Informações Acadêmicas
14) Possui curso Superior?
Sim ( ) Qual (is)?__________________________________________________________
Não ( )
15) Está cursando algum curso superior? Qual? __________________________________
16) Em que ano se formou ou formará? ___________________________
17) Durante o curso superior você participou de algum estágio? Onde? Por quantas horas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
18) Em qual tipo de estabelecimento cursou? (Em caso de ter cursado mais de um curso em
estabelecimentos de tipos diferentes identifique cada um deles)
( ) Público ( ) Privado
_________________________________________________________________________
( ) Público ( ) Privado
_________________________________________________________________________
19) Possui curso de Pós-Graduação?
Sim ( ) Qual (is)?_________________________________________________________
_________________________________________________________________________
Não ( )
20) Em qual tipo de estabelecimento cursou a Pós-Graduação? (Em caso de ter cursado mais
de uma, em estabelecimentos de tipos diferentes, identifique cada uma delas)
( ) Público ( ) Privado______________________________________________________
( ) Público ( ) Privado______________________________________________________
C: Informações Profissionais
21) Em qual tipo de escola você iniciou sua carreira como professora?
( ) Púbica ( ) Privada ( ) Outras ______________________________
22) Em que ano (data) começou a lecionar? ________________________
23) Em qual ano/série leciona atualmente? ___________
240
Obrigada!
241
Você está sendo convidado para participar de uma pesquisa. Este documento, chamado
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa assegurar seus direitos como participante da
pesquisa e foi elaborado em duas vias, que serão assinadas e rubricadas pela pesquisadora e
pelo participante, sendo que uma via deverá ficar com você e a outra com a pesquisadora.
Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer as dúvidas que tiver.
Se houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com a
pesquisadora. Se preferir, pode levar este Termo para casa e consultar seus familiares ou outras
pessoas antes de decidir participar. É importante situar que não haverá nenhum tipo de
penalização ou prejuízo se você não aceitar participar ou retirar sua autorização em qualquer
momento.
Justificativa e objetivos:
Esta pesquisa emergiu da experiência da pesquisadora com cursos de formação
continuada, destinados a professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. No
desenvolvimento desses cursos, a pesquisadora observou que a temática Educação Matemática
Crítica era pouco discutida e, por vezes, desconhecidas por esses profissionais. Considerando
o fato de que é um desafio construir uma educação matemática, que seja crítica e que opere em
favor da justiça social em diferentes contextos educacionais, esta pesquisa tem como objetivo
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx .
Procedimentos:
Participando da pesquisa você está sendo convidado a participar de uma ação de
formação continuada que visa discutir o ensino da matemática por meio de uma Educação
Matemática que seja crítica. Essa ação possibilitará uma coleta de dados que será realizada por
meio dos instrumentos: entrevista inicial e final, questionários, por meio dos quais serão
solicitadas informações de cunho pessoal, acadêmico e profissional e gravações de áudio e
vídeo.
A estimativa de tempo necessário para preenchimento dos questionários é de 20
minutos. Assim, as gravações serão realizadas durante os encontros, por um período de duas
horas em cada encontro. Também serão realizadas gravações de acompanhamentos em sala de
aula, que durará de acordo com o seu planejamento de aula (caso autorize esse
acompanhamento).
Informo que as gravações não serão divulgadas, e somente os pesquisadores e os
professores participantes terão acesso. Os dados serão utilizados exclusivamente para análises
nessa pesquisa e não serão usados para outro fim.
A pesquisa será realizada em seu local de trabalho, na Escola xxxxxxxxxxx localizada
na cidade xxxxxxxxxxxxx – SP, xxxxxxxxx das xxxx às xxxx, horário em que você já se
encontra na escola para a Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo – ATPC, prevista pela
Legislação do Estado de São Paulo, não sendo necessário qualquer deslocamento específico
para a pesquisa.
242
Por um período de xxxxxx meses serão realizados xxxx encontros com duração de
xxxxxxx horas cada. Também serão realizados acompanhamentos em sala de aula, que
dependerão do seu planejamento e da sua autorização. Os dados coletados serão armazenados
por um período de cinco anos e ficarão em posse da pesquisadora.
Rubrica do pesquisador:______________ Rubrica do participante:______________
Desconfortos e riscos:
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa, você poderá relembrar episódios de sua vida
escolar enquanto aluno (a) ou professor (a) ou referentes ao enfrentamento de dificuldades para
produzir as atividades e desenvolvê-las. Na hipótese de não serem boas lembranças, ou na
presença de tais dificuldades, a situação poderá gerar algum desconforto. Informo que tais
dificuldades são comuns em processos de aprendizagem. Como estaremos em um grupo
colaborativo de ação conjunta, todos contribuirão para que as dificuldades sejam superadas.
Além disso, para minimizar esse desconforto, você poderá optar por não participar das
discussões, da produção e do desenvolvimento das atividades.
Benefícios:
Ao participar da pesquisa você terá a oportunidade de refletir coletivamente sobre o
ensino da Matemática, trocar experiências, discutir sobre a construção de uma Matemática que
possibilite desenvolver uma reflexão crítica nos pilares histórico, social, cultural e político. Sua
participação será de grande valor, podendo contribuir para a construção de propostas
metodológicas para o ensino da Matemática e para a implementação de cursos de extensão no
âmbito da formação continuada de professores.
Acompanhamento e assistência:
A qualquer momento, antes, durante ou até o término da pesquisa, os participantes
poderão entrar em contato com os pesquisadores para esclarecimentos e para solicitar
assistência sobre qualquer aspecto da pesquisa em danos decorrentes desta investigação.
Sigilo e privacidade:
Você tem a garantia de que sua identidade será mantida em sigilo e nenhuma informação
será repassada a outras pessoas que não façam parte da equipe de pesquisadores. Na divulgação
dos resultados desse estudo, seu nome não será citado. Além disso, o nome da escola não será
divulgado nos resultados da pesquisa, o que impossibilitará qualquer identificação por parte de
pessoas que não participaram da pesquisa.
Ressarcimento e Indenização:
A pesquisa será realizada em seu ambiente de trabalho em horário já destinado para
reuniões de professores, conforme previsto pela Legislação do Estado de São Paulo. Todo o
material necessário para a pesquisa será fornecido pela pesquisadora; assim, você não terá
nenhum gasto e nem receberá nenhum pagamento referente à participação nesta pesquisa. Além
disso, você terá a garantia ao direito à indenização diante de eventuais danos decorrentes da
pesquisa.
Autorização para acompanhamento em sala de aula
Com o objetivo de xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, convido você professor (a) a
receber a pesquisadora em sua sala de aula, nos momentos de aplicação de atividades que foram
formuladas nos encontros de formação. Esse acompanhamento será gravado em áudio e em
243
vídeo e o foco será você, professor (a). Os dados coletados serão analisados para a pesquisa e,
quando divulgados, sua identidade e a de identidade de seus alunos serão mantidas em sigilo.
( ) ACEITO acompanhamento em minha sala de aula.
( ) NÃO ACEITO acompanhamento em minha sala de aula.
Orientador(a): xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Endereço profissional: xxxxxxxxxxxxxxxx
Tel: xxxxxxxxxxxxxxx
E-mail: xxxxxxxxxxxx
Responsabilidade do Pesquisador:
Asseguro ter cumprido as exigências da resolução 466/2012 CNS/MS e complementares
na elaboração do protocolo e na obtenção deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Asseguro, também, ter explicado e fornecido uma via deste documento ao participante da
pesquisa. Informo que o estudo foi aprovado pelo CEP. Comprometo-me a utilizar o material e
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os dados obtidos nesta pesquisa exclusivamente para as finalidades previstas neste documento
ou conforme o consentimento dado pelo participante da pesquisa.
______________________________________________________Data: ____/_____/______.
(Assinatura do pesquisador)
Rubrica do pesquisador:______________ Rubrica do participante:_________
245
O Discípulo e o Mestre:
Um jovem chinês despedia-se do seu mestre para fazer uma grande viagem pelo mundo.
Nessa ocasião, o mestre entregou-lhe um espelho de forma quadrada e disse:
– Com esse espelho, registrarás tudo o que vires para me mostrares na volta.
O discípulo, surpreso, indagou:
– Mas mestre, como poderei mostrar-lhe, com um simples espelho, tudo o que encontrar
durante a viagem? No momento em que fazia essa pergunta, o espelho caiu-lhe das
mãos e quebrou-se em sete peças. Então o mestre disse:
– Agora poderás, com essas sete peças, construir figuras para ilustrar o que viste
durante a viagem.
117
Disponível em: <<https://www.geniol.com.br/raciocinio/tangram/>> Acesso em 19 ago. 2019.
118
Disponível em: << https://leiturinha.com.br/blog/conheca-a-historia-do-tangram-e-confira-9-imagens-para-
montar/>> Acesso em 19 ago. 2019.
246
Assim, a atividade vai sendo desenvolvida até que se chegue a todas as outras formas e, a
partir do reconhecimento delas, até a análise final: 2 triângulos grandes, 1 triângulo médio, 2
triângulos pequenos, 1 quadrado e 1 paralelogramo.
Que tal formular questões que vão requerer um trabalho atento de exploração e de
investigação, que promovam o desenvolvimento de novos conceitos, de novas
representações e de procedimentos matemáticos? Nesse âmbito, podem ser pensadas as
seguintes questões:
[...]
Vamos trabalhar com divisão e frações? O que acham de iniciarmos pelas questões
apresentadas a seguir?
O trabalho com porcentagem pode emergir do diálogo realizado por meio do trabalho com
frações. Ao falar a respeito de partes e todo, introduza a ideia de porcentagem, tomando o
todo como sendo os 100% e as formas geométricas que representam partes desse todo como
sendo as porcentagens específicas.
Aproveite o momento, caso ainda não tenha feito, para introduzir o conceito de porcentagem
e o que isso significa.
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Observação: Aproveite o momento para discutir o que é área e o que são as unidades de
medida.
Observação: As ideias descritas neste material podem servir de base para o planejamento
de aulas de Matemática nas quais se pretende usar o tangram.
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Objetivos:
• Discutir o ensino e a aprendizagem da matemática com responsabilidade social e
política;
• Promover a formação crítica e a inclusão social;
• Viabilizar a realização de leituras de mundo e possibilitar tomadas de decisão;
• Fomentar discussões a respeito do consumo consciente, da alimentação saudável e da
justiça social;
• Compreender e resolver problemas que envolvam as quatro operações e porcentagem.
Observações:
- É preciso ressaltar que este projeto foi construído para atender ao contexto escolar das
docentes participantes. Para a utilização em outros contextos escolares, orientamos que seja
efetuada uma (re) leitura do projeto e que as questões sejam adaptadas, de acordo com o ano
de escolaridade dos estudantes.
- Ressalta-se, também, que esse material não representa um modelo de planejamento. Nele,
são apresentadas ideias de como pode ser realizado o trabalho com folhetos e, a partir dessas
e de outras ideias, pode-se realizar um planejamento de aulas ou de projeto.
PARTE I
Existem outros locais de vendas que você conheça que disponibilizam folhetos para os
clientes?
Você já analisou um folheto?
Já observou se sua família tem o hábito de comprar produtos que estão
apresentados nos folhetos?
Você sabe o que é promoção?
Você ou sua família já comprou algum produto que estivesse em
promoção?
Você compra um produto porque está na promoção ou porque necessita daquele produto?
[...]
- Organize a turma em grupos. Entregue aos grupos os folhetos de pelo menos dois
supermercados. Solicite aos grupos que façam a leitura dos folhetos, ou seja, observem os
produtos que cada um mostra, se tem produtos em comum e quais produtos estão na
promoção.
Nessa etapa da tarefa, pode-se trabalhar quais alimentos são considerados indispensáveis para
uma alimentação saudável (proteínas, carboidrato, frutas, verduras, hortaliças etc.).
- Solicitar aos grupos que identifiquem nos folhetos os produtos que eles consideram
saudáveis e dialogar com eles a respeito da escolha.
Para fomentar a discussão a respeito de justiça social, distribua para os grupos quantias
distintas. Por exemplo: um grupo recebe R$ 60,00, outro grupo recebe R$ 80,00, outro recebe
R$ 500,00 etc. Perceba se os estudantes observam que foram distribuídas as quantias
distintas. Caso eles/elas percebam essa diferença, busque dialogar com os grupos, com o
intuito de discutir o que seria justo, abordando questões como: O que seria justo? Por que
algumas pessoas possuem mais dinheiro que outras? [...]
Se possível, também fale sobre os impostos, mencione que no supermercado todos pagam o
mesmo imposto, independente da quantia que possui (outras reflexões também podem ser
levantadas). Mas não se esqueça de explicar o que é imposto, por que pagamos imposto e que
os impostos deveriam retornar em forma de serviços: saúde, educação, segurança,
saneamento básico etc.
PARTE II
Tarefa 1:
Agora que os alunos já sabem quais alimentos são indispensáveis para uma boa alimentação,
como realizar compras de maneira consciente e já possuem uma ideia de justiça social, vamos
às compras.
Mas, antes, entre em acordo com os estudantes para que, em conjunto, façam uma
redistribuição de renda, ou seja, os grupos que possuem mais dinheiro dividam a quantia com
os grupos que possuem menos dinheiro. A ideia é que, no final da divisão, todos fiquem com
a mesma quantia.
Com os R$ ----------------- realizem as compras. A compra deve ser feita em grupo, ou seja,
todos do grupo devem participar do processo.
- Escolha os produtos, podendo comparar os valores dos dois folhetos e analisar se é viável
realizar a compra em apenas um supermercado ou em mais de um. Lembre-se de considerar
o deslocamento da sua casa até os supermercados.
- Após a escolha dos produtos responda:
a) Existem produtos iguais nos dois folhetos? Quais produtos são esses? Qual o valor desses
produtos em cada folheto?
b) A compra foi realizada em apenas um supermercado ou nos dois supermercados? Por quê?
c) Liste os produtos a ser comprados com seus respectivos preços.
d) Qual o valor total da compra?
e) O dinheiro é suficiente para pagar?
f) Sobrará troco? Se sim, quanto?
g) Suponha que, em um dia específico no qual as compras foram efetuadas, o supermercado
estava dando 10% de desconto nas compras à vista. Quanto pagará pela compra com o
desconto? De quanto será o troco?
h) E se o desconto fosse de 5%, quanto você pagaria pela compra? De quanto será o troco?
i) Após realizar a compra e efetuar o pagamento você observou que a atendente do caixa deu
troco a mais. Diante dessa situação, o que você faria? (trabalhar a questão de “se colocar
no lugar do outro”)
j) Após realizar a compra e efetuar o pagamento, você observou que a atendente do caixa deu
troco a menos. Diante dessa situação, o que você faria?
[...]
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Suponha que a compra que realizou será paga com cartão de crédito e que será parcelada.
a) Qual o valor de cada parcela se a compra for dividida em duas vezes?
b) Qual o valor de cada parcela se a compra for dividida em três vezes?
c) Qual o valor de cada parcela se a compra for dividida em quatro vezes?
d) A compra também pode ser dividida em dez vezes, porém é cobrado juros. Se os juros
for de 2% em cima do valor da compra, quanto você pagará no total?
[...]
Tarefa de casa
Observação.: Nesta tarefa, nós exploramos folhetos de supermercado, mas o trabalho pode
ser com qualquer outro tipo de folheto, principalmente para discutir o parcelamento de
compras, a questão dos descontos e dos juros. Optamos por acrescentar essas discussões nesta
tarefa para também atender ao conteúdo de porcentagem, que estava sendo ministrado pela
professora do 5º ano naquele momento.
Que tal levarmos essas discussões até as famílias? Que tal falarmos de alimentação saudável
e de consumo consciente com os familiares dos estudantes?
Proponha, na escola, uma palestra com essas temáticas e convide os familiares para
participar. Aproveite esse momento para levar informação até as famílias e contribuir para a
inclusão social dessas pessoas.
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ANEXOS