Inventio e Invenção Na Sátira Atribuída A Gregório de Matos: o Caso Retórico e o Caso Augusto de Campos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 22

DOI: 10.12957/palimpsesto.2024.

79618

Inventio e invenção na sátira atribuída a


Gregório de Matos: o caso retórico e o caso
Augusto de Campos

Inventio and invention in the satire attributed to Gregório de


Matos: the rhetorical case and the Augusto de Campos case

Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
[email protected]
https://orcid.org/0009-0002-9386-1151

RESUMO
A partir da consideração da importância da obra cômico-satírica atribuída a Gregório de
Matos para a poesia de Augusto de Campos, mormente enquanto constituinte extrínseco
de seu projeto verbivocovisual, nosso artigo estabelece uma comparação crítica de dois
modos de leitura, duas figurações possíveis da persona de Gregório de Matos. A primeira,
aquela que contempla a entidade “barroca” por uma ótica adequada às contingências e
condições de seu tempo, sob o regime da aemulatio ibérica e contrarreformista; a segunda,
a que se detém sobre a permanência canônica da sátira gregoriana na obra de um autor
contemporâneo de relevo. Trata-se de diálogo diacrônico despoletado pelo concretista e
em última instância consubstanciado em performance poética.

Palavras-chave: Augusto de Campos; Gregório de Matos; retórica; barroco; poesia


verbivocovisual.

ABSTRACT
Bearing in mind the importance of the comical and satirical works attributed to Gregorio
de Matos for Augusto de Campos's poetry, especially as an extrinsic constituent of his
verbivocovisual project, our article institutes a critical comparison between two possible
figurations of Gregorio de Matos's persona. The first contemplates the “baroque” entity
through a perspective suited to the contingencies and conditions of its historical time,
under the regime of Iberian counter-reformist aemulatio; the second focuses on the
canonical permanence of Gregorian satire in the work of a prominent contemporary
brazilian author. This is ultimately a diachronic dialogue initiated by the concretist poet
and embodied by his poetic performance.

Keywords: Augusto de Campos; Gregório de Matos; rhetoric; baroque; verbivocovisual


poetry.

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 456
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

INTRODUÇÃO

Quando examinamos a sério o passado e as práticas de antanho, no âmbito de uma


disciplina teórica, crítica ou historiográfica, é imperioso cuidar para que a perspectivação
projetada de um tempo outro não configure uma completa deformação da historicidade e
da materialidade de práticas extemporâneas, a fim de, justamente, torná-las mais
familiares e palatáveis. Um corpus antigo responde a outros sistemas, demandas e
costumes, definidos por uma realidade particular adstrita a um recorte espaço-temporal
particular, cuja decifração não se pauta pela aparente autossuficiência de fórmulas
transistóricas. Endossamos Pécora (1994, p. 43) e a necessidade de “evitar a cada passo
a tentadora substituição do enigma histórico pela originalidade anacrônica com que se o
resolve”.
Por outro lado, já adiantando outra importante posição, não confundamos a
necessidade de adequação e precisão histórico-conceituais com normativismo
metodológico ou acomodatícia univocidade de leituras. É absolutamente natural, em
verdade necessário, contrapor perspectivas (contanto que fundamentadas e honestas) com
vistas à síntese de uma contribuição ao debate crítico. A premência destas recomendações,
que deveriam fundamentar a ética tácita da atuação acadêmica em nosso campo
(aproveito para frisar que o presente trabalho se inscreve na grande área dos estudos
literários), é elevada à máxima potência quando a examinação proposta recai sobre a obra
de uma autoridade poética maior e de substantiva iconicidade cultural.
Este é o caso da poesia seiscentista atribuída a Gregório de Matos e Guerra, baiana
“etiqueta” ou “rubrica” – termos adotados por João Adolfo Hansen (1989, p. 14-15) e Ana
Lúcia de Oliveira (2009, p. 18) para descrever o caráter elusivo dessa autoridade emanada
de impreciso(s) sujeito(s) empírico(s) – que enfeixa muitos dos poemas mais
referenciados e reverenciados do século XVII (para garantir a economia de nosso artigo
e da discussão aqui proposta, sem falsear a real dimensão do corpus gregoriano,
anunciamos nossa concentração em sua faceta cômico-satírica). Justamente por ser uma
entidade poética do afastado Seiscentos, uma entidade sem textos autógrafos, marcada
por levantamentos biográficos pouco confiáveis e unificada apenas a posteriori sob uma
designação funcional, sua incorporação interessada por parte das mais heterogêneas
linhas de força nos séculos subsequentes encontrou poucos obstáculos, excetuando-se a

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 457
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

contrapartida de estudos sérios dedicados ao período denominado (rubricado ou


etiquetado, poderíamos dizer) “barroco”, focados ou não na produção gregoriana, que
tentaram e tentam dar conta da materialidade dos discursos seiscentistas atravessando
seus verdadeiros paradigmas estéticos e político-institucionais. Segue uma importante
crítica hanseniana naquele que talvez seja o mais influente destes estudos:

Categorias como “pessimismo”, “ressentimento”, “plágio”, “imoralidade”,


“realismo”, “oposição nativista crítica”, “antropofagia”, “libertinagem”,
“revolução”, que vêm sendo aplicadas por várias críticas desde o século XIX
aos poemas ditos da autoria de Gregório de Matos, podem ter algum valor
metafórico de descrição de um efeito particular de sentido na recepção. Não
dão conta historicamente, contudo, do seu funcionamento como prática
discursiva de uma época que o século XX constitui como “barroca”: como
categorias analíticas, são apropriadas antes para o desejo e o interesse do lugar
institucional da interpretação que propriamente para o objeto dela. (Hansen,
1989, p. 16, grifo nosso).

É uma obviedade apontar que este enxerto, além de enfatizar a ética da adequação
histórico-pragmática que também receitamos, arrola vários dos neokantismos aplicados à
leitura de Gregório de Matos e da poesia satírica do século XVII. Certamente mais
importante do que esta constatação, para a proposta de nosso trabalho, é o nosso grifo
solitário: “antropofagia” é o termo que reporta à leitura não-ortodoxa (não em termos de
senso comum ou crítica leiga, mas em relação ao entendimento mais firmado e estável
dos estudos sérios sobre letras coloniais) que nos interessa. Referimo-nos, sem surpresas,
às análises de Gregório de Matos feitas pelas vanguardas do século XX, especialmente
pelos concretistas Haroldo e Augusto de Campos.
O crítico, tradutor e poeta Haroldo de Campos não é nome infenso aos debates
sobre o XVII. Seu contraponto aos critérios de Antonio Candido para a marginalização
historiográfica das práticas retórico-poéticas seiscentistas, reduzidas a “manifestações
literárias” em Formação da literatura brasileira (1959), é um dos performativos críticos
mais importantes de revaloração do “barroco” – discutida a natureza problemática do
rótulo “barroco”, adotemo-no por conveniência, seguindo o modus operandi de
especialistas (Oliveira, 2003, p. 20), e doravante dispensemos sua colocação entre aspas
– em nossa tradição literária.
Com a combatividade que lhe era de praxe, Haroldo de Campos também publica
na Folha de São Paulo, em outubro de 1996, o artigo A questão gregoriana, em que,
priorizando a “leitura sincrônica do passado de cultura à luz das necessidades do presente

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 458
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

de criação” (Campos, 2011, p. 119), confronta a metodologia hanseniana e a rejeição de


categorias como “originalidade” e “autoria” aplicadas ao barroco. O argumento fulcral
desta invectiva é a circunscrição de Hansen “ao contexto recepcional histórico da época,
ou seja, da sua primeira leitura regida pelas convenções do tempo” (Campos, 2011, p.
122), à qual se oporia, por meio da teorização de Jauss, “o modo ‘dinâmico’ de leitura
preconizado por Auerbach, animado pelos cortes sincrônicos e pelas variações no tempo
da curva recepcional, capaz de dar conta das ‘múltiplas rupturas epocais na relação
escritor/público’” (Campos, 2011, p. 119). Em outros termos, a acusação principal de
Haroldo de Campos é a de que Hansen ficaria confinado, “deterministicamente”, às
condições contextuais da produção e da primeira recepção da poesia gregoriana. Para
ilustrarmos o contraste de posições, remetamos à crítica do professor e intelectual
cosmopolense aos procedimentos dos poetas-críticos de vanguarda:

Quando a recepção concretista os relê [os poemas de Gregório de Matos] e


deles isola os procedimentos técnicos autonomizando-os apologeticamente em
função de sua “poética sincrônica” ou “presente de produção”, a operação se
valida heuristicamente. Os mesmos procedimentos, deglutidos
oswaldianamente, via interpretação da Antropofagia cultural e do
Tropicalismo, em que se entifica Gregório de Matos como “precursor”,
contudo, embora possam ter algum valor de analogia na descrição do
experimental com a agudeza barroca, que aproxima e funde conceitos
distantes, ou de argumentação na luta da vanguarda perene contra o não menos
stalinismo do realismo socialista, são evidentemente a-históricos, não podendo
ter a mínima pretensão analítica (Hansen, 1989, p. 16-17).

Para não nos estendermos em um impasse metodológico e em


“encimadomurismos” fáceis, criando uma ilusão aporística, subscrevemos abertamente a
orientação hanseniana, suas assunções defendidas já no primeiro parágrafo deste artigo,
sem desqualificar completamente a posição haroldiana e nem chegar ao extremo de
decretar a impossibilidade de sua “mínima pretensão analítica”. Em um sentido
estritamente crítico, pelo menos.
Isto posto, pensando tanto o câmbio estético quanto crítico (o que não é estranho
ao próprio Haroldo, naturalmente), inserimos em nosso corpus o outro Campos, o
Augusto, para enriquecer e complicar as nossas questões. É ele quem afirma, em seu
ensaio em versos Arte-final para Gregório, publicado em 1974 na Antiantologia da
poesia baiana e posteriormente reeditado, em 1978, na coletânea de tradução e crítica O
anticrítico, que “[...]gregório aparece/como o primeiro poeta brasileiro/dotado de um

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 459
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

amplo domínio da linguagem/ele é verbivocovisual/fanomelogopaico/ou o primeiro


antropófago experimental/da nossa poesia” (2020, p. 90). Aplicando as categorias
poundianas e a própria ideia concretista de verbivocovisualidade, desdobrada daquelas (e
adaptada de outro modernista, James Joyce), à produção gregoriana, e relacionando-a ao
conceito oswaldiano de antropofagia, Augusto de Campos plasma uma leitura muito
particular de Gregório de Matos, concentrando-se, evidentemente, em seus aspectos mais
formais e autossuficientes em tese. A barca da relação de Augusto com Gregório singra
para além da afeição crítica: eventualmente vira produtiva e explícita intertextualidade
em sua própria prática poética, o que, no caso do preceituário concretista, significa
incorporação sob a máxima do make it new.
Gregório de Matos está tão vivo no projeto estético de Augusto de Campos que
em seu último CD-livro, Entredados (2022), parte do seu repertório é constituído por
sátiras ou trechos de sátiras do maior representante brasileiro e barroco do gênero. Parece-
nos relevante, considerando a atualidade e a envergadura das empresas vocoperformáticas
de Augusto de Campos, pensar o lugar que a persona satírica ocupa neste repertório
poético, e também como esta “ocupação” mobiliza uma imagem talvez “anacrônica” de
Gregório, mas em conotação menos pejorativa (se for concebível), pois caucionada pela
qualidade de um repertório com poucos paralelos (não é precipitado dizer que Augusto
dialoga com Gregório de dentro do cânone) e por um ideal de sublimação estética que,
sem o vício de leituras históricas mal-intencionadas, justifica apropriações que de outra
maneira soariam não-ortodoxas e equivocadas.
Com isto em vista, procedamos a uma comparação menos agonística do que
dialética de uma entidade propositalmente rachada pela entabulação de dois sentidos
diacronicamente dicotômicos de um mesmo termo: um Gregório de Matos da “invenção”
retórica, adequado ao seu tempo, isto é, à escolástica contrarreformista e ao sistema
patriarcal e escravista da colônia, ao uso autorizado e tipificado dos lugares-comuns
retórico-poéticos e às várias preceptivas plasmadas a partir de autoridades greco-romanas
como Aristóteles e Quintiliano; e um Gregório de Matos projetado na “invenção”
vanguardista de Augusto de Campos, sob o ordenamento estético de um poeta concretista
em sua fase madura, isto é, aquela em que uma mallarmaica “desaparição elocutória do
eu” dá lugar a uma “reaparição espectral do eu” (Aguilar, 2004, p. 48). Um Augusto que
conscientemente conversa, arriscaríamos acrescentar, com os derridianos fantasmas da

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 460
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

tradição, dentre os quais este espírito sem corpo, mas ainda ou até por isso espírito de seu
tempo, chamado Gregório de Matos e Guerra.

GREGÓRIO DE MATOS SOB A INVENTIO RETÓRICA

Para reconstituir de forma sumária o gérmen histórico da codificação do barroco


luso-brasileiro no Seiscentos, destacamos a apropriação escolástica ibérica de uma
tradição retórica romana e secular, no seio da qual já se encaminhava, desde Horácio e
Quintiliano, um processo de “retorização da poesia” e “poetização da retórica” (Carvalho,
2013, p. 126), e sua adaptação aos fins de conversão e persuasão de massas católicas. Isto
implica, naturalmente, nas práticas sermonísticas jesuíticas e na formação de um orador
modelado em Cícero (Oliveira, 2003, p. 43), mas cristianizado e impossibilitado de
descurar dos consensos emitidos pelo Concílio de Trento. Repaginação contrarreformista
do que se lê no De Oratore ciceroniano, em que o grande orador e retor romano determina
a prudência como exigência da eloquência, regulando seu imenso poder, e alerta que “se
confiarmos a riqueza oratória a homens desprovidos de tais virtudes, não estaremos
produzindo um orador, mas dando certas armas a loucos” (Cic. De or. 3.55). Em
conformidade com o imaginário católico, troque-se prudência por decoro e louco por
herege.
Este imperativo de decoro regrado pela ordem teológico-política instituída
estende-se, naturalmente, a todas as práticas letradas do XVI e do XVII na catolicíssima
Península Ibérica e suas colônias. Desenvolvamos: o decoro (ou decorum) é codificado
como adequação ao gênero, a um modelo textual previsto e autorizado (decoro interno) e
como adequação ao contexto situacional e ao público a que se deve dirigir (decoro
externo). O poeta ou orador “discreto”, i.e., aquele que é agudo na fala e na ação,
instruído, capaz de reconhecer e aplicar o decoro, adapta seu discurso à recepção de
“discretos” e/ou “vulgares” (duas categorias opostas). Assim, não surpreende que os
excessos da poesia seiscentista sejam previstos e sua inverossimilhança avulte verossímil,
conforme sua adequação decorosa ao público (Hansen, 1989, p. 257).
A sátira não contradiz ou rebela-se contra este regime representacional: muito
antes de Fernando Pessoa, o poeta já era um “fingidor”. Hansen (2019, p. 113), referindo-
se à sátira atribuída a Gregório de Matos, coteja a clareza programática que se faz

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 461
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

inteligível para “néscios” vulgares e o hermetismo da fórmula aguda que prevê um


público douto e discreto, e conclui: “a ‘musa Praguejadora’ produz obscenidades que,
sendo vulgares e claríssimas, são também adequadas para a recepção e o entendimento
de ‘boçais’, sem que o autor seja vulgar, pois seu fingimento é discreto”. Além disso, “é
suficientemente inclusiva para ser entendida também como paródia por discretos que
conhecem as mesmas referências letradas da persona” (Hansen, 1989, p. 69). Decorre
daqui que, longe de configurar-se como instituição desviante, a sátira é arquetípica do
barroco enquanto “arte das massas”, para reciclar a expressão de Maravall (Costa Lima,
1995, p. 117).
Dentre os alvos prediletos da acidez de Gregório de Matos, destacam-se as figuras
dos “nobres vulgares”. Isto é, personagens como juízes, clérigos e cortesãos que não
agiriam em consonância com o bem, o juízo e o decoro, segundo o entendimento pós-
tridentino destas ideias. Um exemplo é este soneto (em decassílabos heroicos, salvo o
sáfico de fechamento, exemplo métrico de contrafação parodística do “alto” lírico pelo
“baixo” satírico) dedicado a um “padre Frisão”, onde a desqualificação intelectual e moral
do tipo é feroz:

Este Padre Frisão, este sandeu


Tudo o demo lhe deu, e lhe outorgou,
Não sabe musa musae, que estudou,
Mas sabe as ciências, que nunca aprendeu.

Entre catervas de asnos se meteu,


E entre corjas de bestas se aclamou,
Naquela Salamanca o doutorou,
E nesta salacega floresceu.

Que é um grande alquimista, isso não nego,


Que alquimistas do esterco tiram ouro,
Se cremos seus apógrafos conselhos.

E o Frisão as Irmãs pondo ao pespego,


Era força tirar grande tesouro,
Pois soube em ouro converter pentelhos.
(Matos, 2010, p. 144)

Por se tratar sempre de um tipo, de uma convenção, é pouco produtivo o empenho


investigativo de determinar a relação histórica entre a figura satirizada e o sujeito
empírico que a inspira. Note-se, igualmente, que este poema não deve ser lido como sinal
de insubordinação ou desrespeito à instituição católica. Desancar um membro insigne da

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 462
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

igreja, um padre, imaginando-o um alquimista inepto, luxurioso e pactuado com o


demônio, é procedimento autorizável pela correção moral proposta em contra-exemplos,
“ferindo para curar”. O soneto acima prescreve, em verdade, a conduta contrária àquela
do satirizado e não transgride o entendimento teológico-moral vigente.
Não tem cabimento, tampouco, uma teratologia anacrônica do tipo “a sátira é
democrática”, pois o ideário que a subordina é monárquico, misógino e escravista; e as
convenções estratificadas do “discreto” e do “vulgar”, embora possam ser entendidas
como categorias intelectuais e morais (e portanto aplicáveis a falsos discretos como o
padre Frisão), também são definidas por critérios sociais e étnicos: o indígena e os
estereótipos a ele identificados, por exemplo, são imanentemente vulgares para a
mentalidade portuguesa da época, servindo como referencial analógico da ignomínia
epidítica. Não se perca de vista que a sátira seiscentista é, com o perdão da platitude
redundante, uma convenção do seu tempo.
Poder-se-ia dizer, para alargar esta questão (que nos interessa), que a sátira é
essencialmente convencional. Mesmo a incongruência e as deformações da vituperação
satírica já estão previstas em topoi e loci provenientes de uma tradição antiga. Observe-
se a figuração monstruosa e herética tão cara a Gregório de Matos:

A vós, merda dos fidalgos,


a vós, escória dos Godos,
filho do Espírito Santo,
e bisneto de um caboclo:

A vós, fanchono beato,


sodomita com bioco,
e finíssimo rabi
sem nasceres cristão-novo:

A vós, cabra dos colchões,


que estoqueando-lhe os lombos,
sois fisgador de lombrigas
nas alagoas do olho: (Matos, 2010, p. 120-121)

Trata-se não de estrutura com pretensões de originalidade e transgressão, mas de


modulação do lugar-comum do habitus corporis taxonomizado em retores como
Quintiliano. Seu verdadeiro aspecto diferencial residirá na adequação ao crivo de uma
mentalidade específica (neste caso, a da monarquia católica portuguesa, que rebaixa o
judeu, o africano e o indígena ao paradigma de heresia e monstruosidade) e à “discrição”
do orador em sua manipulação do lugar-comum, produzindo deformações agudas (no

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 463
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

sentido barroco do termo, ou seja, concebendo metáforas imprevistas e maravilhosas, por


conseguinte potentes, a partir da aproximação de ideias e substâncias opostas).
Ora, a maledicência e a agressividade inerentes ao gênero também são modelares,
remontando à categorização aristotélica das emoções e de sua manipulação retórica.
Leiamos o que diz o estagirita acerca da ira: “é evidente que o orador deve dispor, por
meio do discurso, os seus ouvintes de maneira que se sintam na disposição de se
converterem à ira” (Arist., Rh, 1380a). Isto é, a emoção no discurso é artifício de
dissimulação, manipulável e previamente categorizado, cujo intuito é operar
determinados efeitos sobre seus destinatários. A sátira segue à risca este expediente.
Explicitado o convencionalismo do gênero, o que quer dizer, neste contexto,
depararmo-nos com o conceito de “invenção”? Certamente não o mesmo que teóricos das
vanguardas novecentistas visualizam, pois “invenção”, pelo menos até o fim do século
XVIII, equivale a uma das cinco partes do discurso previstas em tratados retóricos desde
Aristóteles:

Na instituição retórica, inventio, em latim, do verbo inveniere, achar,


encontrar, e heuresis, em grego, do verbo heurein, inventar, achar,
significavam encontrar alguma coisa (um topos, um locus) já conhecida para
usá-la quando se ia fazer um novo discurso. Retoricamente, a invenção
corresponde ao ato em que se acham coisas verdadeiras ou semelhantes ao
verdadeiro que tornam provável a causa que é tratada no discurso; a disposição
distribui essas coisas pensadas e imaginadas numa ordem particular; a
elocução as põe em palavras adequadas; a memória armazena as coisas e as
palavras; a pronunciação ou ação dramatizam as coisas e palavras para uma
audiência (Hansen, 2019, p. 175).

A ideia de invenção como manipulação eficiente de lugares-comuns (cuja


centralidade já cristalizamos em parágrafos anteriores), tendo por meta o docere, movere
e delectare horacianos, afasta inteiramente quaisquer nuances de descontinuidade e
ruptura associadas ao termo no século XXI. Sob a jurisprudência da aemulatio, conceito-
chave também para a compreensão do Renascimento quinhentista, a diferença que
assegura o valor da imitação dá-se pelo refinamento da adaptação/adequação ao texto dos
modelos e topoi consolidados, preceituando-se a melhor (i.e. a mais discreta) emulação
para que não se descambe para o plágio servil.
O século XVII exibe também uma característica que singulariza a sua inventio em
relação aos períodos pregressos: a hipervalorização da metáfora e a influência da
hermenêutica neoescolástica da obra de Aristóteles sobre as preceptísticas seiscentistas

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 464
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

levam ao “deslocamento da fundação tradicionalmente atribuída à inventio, a invenção, e


aos lugares comuns dos gêneros memorizados e achados pelos autores”, os quais “passam
a ser definidos e analisados dialeticamente como gêneros, espécies, indivíduos e
acidentes” (Hansen, 2013, p. 351-352). Juntando-se a perspicácia dialética, que permite
ao poeta-orador encontrar engenhosamente as figurações apropriadas para um assunto
convencional, à versatilidade retórica, que os dispõe de forma aguda na ornamentação do
discurso, explorando aproximações imprevistas entre conceitos opostos, produz-se o
“ornato dialético” (Hansen, 2013, p. 352), fundamento e ideal discursivo da textualidade
seiscentista.
Em termos práticos, a fim de ilustrar como isto é verificável no corpus gregoriano,
consideremos uma vez mais (de forma simplificada, sem nos perdermos em digressões
minuciosas sobre as dez categorias aristotélicas do ser e as variegadas espécies de
metáfora ou na formalização de um glossário terminológico de extensão e complexidade
inadequadas aos nossos propósitos) o soneto ao padre Frisão, enxertado em linhas
anteriores deste trabalho. No poema, lugares-comuns estabelecidos em Quintiliano
(Hansen, 2013, p. 418) como o da educatio et disciplina, usado na sátira para a
vituperação do tipo “néscio”, e o do sexus, arrogando conotações disformes e blasfemas
das práticas sexuais para a “musa praguejadora”, são misturados e servidos como
manancial para a sarcástica, mas rica, elocução gregoriana. Verbi gratia, veja-se como é
explorada a polissemia do termo “bestas”, com uma acepção ligada à incompetência
intelectual e outra ao demoníaco; ou o trocadilho que opõe “Salamanca”, referência à
alma-mater do pseudo-erudito, a “salacega”, sinônimo de devassidão que visibiliza a
verdadeira natureza do padre; ou, ainda, a figuração degenerescente do alquimista,
símbolo medieval de ciência e sabedoria, deformado em tipo “asnal”, estúpido e sórdido.
Como se poderia também depreender do que já expusemos acerca das categorias do
“discreto” e do “vulgar”, a mentalidade da época reconhece a ignorância, o vício
intelectual, como um tipo de deformidade moral em que a melhor parte da alma está
ausente (Tesauro, 1992, p. 35). Gregório de Matos, agudo e maledicente, faz o mesmo
juízo e reputa ao satirizado as piores máculas de caráter, pintando, baseado nos lugares-
comuns em que escora as antíteses e comparações injuriosas, as facetas coerentemente
hórridas (ou harmonicamente desarmônicas) do clérigo imoral.

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 465
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

Respeitada a historicidade analítica, a consideração da ambiência particular do


século XVII, deduzimos, então, que “invenção” na sátira atribuída a Gregório de Matos
não diz tanto a respeito de uma originalidade feroz e sui generis de um poeta maldito e
romanticamente “inventor” quanto do domínio magistral dos inventários e expedientes
retórico-poéticos adequados a seu gênero, entre os quais a inventio é posicionada como
baliza inaugural no ato de criação formal.

GREGÓRIO DE MATOS SOB A INVENÇÃO VANGUARDISTA

Pode-se dizer que a leitura dos concretistas sobre Gregório de Matos e o barroco,
conquanto enseje um revelante contraponto crítico ao entendimento consolidado nos
estudos literários – lembrando, novamente, a centralidade da contribuição de Haroldo de
Campos para a revaloração das poéticas barrocas e de sua pertinência na historiografia
literária –, afasta-se quase inteiramente de quaisquer metas de reconstituição fidedigna
das condições de produção e dos sistemas subordinantes.
Não obstante, é inegável que a poesia atribuída a Gregório, desde o século XVII
de sua origem, encontrou poucos divulgadores e defensores de semelhante tenacidade.
Para Augusto de Campos (2015, p. 121), trata-se de obra que “não pode ser dispensada
sob nenhum pretexto”. O mesmo Augusto, no ensaio Da América que Existe: Gregório
de Matos, publicado originalmente em 1977, em resposta a uma crítica de José Miguel
Wisnik às vanguardas, indaga:

É, no mínimo, estranho esse piparote nas vanguardas, em águas gregorianas.


Seria antes de perguntar, indo ao lado adverso – o da crítica universitária ou
outra, já nem digo acadêmica, porque seria redundância –, onde andavam as
“retaguardas” quando as maltratadas vanguardas postulavam a reavaliação de
Gregório e promoviam as de Oswald, Sousândrade, Kilkerry e outros
“marginais” literários (Campos, 2015, p. 115).

Em mais de um sentido, não se pode negar respeitabilidade às incursões


concretistas no campo dos estudos seiscentistas, não só por sua projeção, mas também
por sua honestidade, sob o risco de incorrermos em grande injustiça. Para citar exemplos
imediatamente reconhecíveis, o critério sincrônico-funcional referido por Haroldo é
esmiuçado com excelência e rigor em seu O sequestro do Barroco; já em uma das leituras
mais proeminentes de Augusto, a aproximação entre Oswald de Andrade e Gregório se

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 466
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

dá por meio de uma análise formal que ressalta interposições de significado e riqueza
semântico-lexical, muito atenta e interessante, a despeito de ser debatível a relação
estipulada entre a agudeza gracianesca e expedientes “moderníssimos” (Campos, 2015,
p. 114-131). Em suma, os Campos não são coadjuvantes de uma fortuna crítica, mas
proponentes de relevo.
Enquanto ativos poetas-críticos-tradutores, que pensam o elo entre poesia, crítica
e tradução como complementaridade essencial, como característica irmã do isomorfismo
original (i.e. adequação inconsútil entre forma e conteúdo), os concretistas são capazes
de gestos que efetivamente ultrapassam os limites materiais do ensaio acadêmico. Não
surpreendentemente, uma idiossincrasia comum a ampla parte de seu repertório de
traduções e adaptações é a forma com que enfatizam aspectos particulares do objeto,
lançando mão de recursos de iconicidade verbivocovisual. Fora os termos “tradução-arte”
e “transcrição”, amiúde optados por Augusto (2022, p. 10), um conceito que descreveria
rigorosamente o processo e o seu resultado é o de intradução:

A intradução consiste na aplicação de critérios intersemióticos que, mediante


manipulações visuais, acentuam valores icônicos do texto. Os procedimentos
básicos das intraduções são: o recorte de unidades arbitrárias (não-
determinadas pelo marco original), o uso de critérios visuais, a interpretação
mediante tipografias, a atribuição de novo título e o pastiche (Aguilar, 2005,
p. 282).

Considerando o caso particular do Augusto de Campos leitor de Gregório de


Matos, interpretar a entidade colonial como “poeta verbivocovisual e fanomelogopaico”
implica provar a sentença com o uso de dispositivos peculiares ao modelo poemático
associado aos conceitos citados. Por se tratar de poema da mesma língua, é seguro que
Augusto de Campos realiza uma modalidade de intradução, conquanto apenas
recentemente elaborada terminologicamente, em conversa com o projeto do poemário
Outro (2015): a outradução ou extradução, cuja inspiração morfológica de caráter
ambíguo-bilíngue liga-se aos campos da música e da performance. Na prática, trata-se da
aplicação dos mesmos princípios da intradução a um material vernáculo ou da remixagem
do original sem a proposição do equivalente em português.

Achei curioso e ao mesmo tempo estranho o uso dessa palavra [outro] em


discos americanos e custei a me dar conta de que se tratava de um termo
musical, uma palavra-valise que sai do “in” para o “out”, revertendo o sentido

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 467
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

de INTRO. E que indica diferente performance de uma faixa anterior ou algum


outro bônus – um extro. Outro outro. Outradução, extradução? (Campos, 2015,
p. 11).

Na adaptação verbivocovisual de uma quadra da gregoriana sátira a


“Marinícolas”, abertura de Arte-final para Gregório (2020, p. 86) reincorporada
recentemente em Entredados (2022, p. 66), a “empreitada outradutória” revela uma verve
quase pedagógica (ou introdutória, perdoando-se o trocadilho).

Arte-final para Gregório (1974), de Augusto de Campos (a partir de Gregório de Matos).

Fonte: CAMPOS, Augusto de. O anticrítico. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

O artefato em questão repete duas vezes o dístico inicial da quadra eleita pelo
paulistano como exemplum magnum das qualidades atribuídas à poesia de Gregório. Na
primeira ocorrência, destaca-se a “constelação sônica/de fonemas oclusivos” (Campos,
2020, p. 91), o procedimento aliterativo que perfaz musicalidade com os ruídos
consonantais. Este é o aspecto melódico caro à melopeia. Observe-se como as repetições
das bilabiais, dentais e velares são assinaladas por escolhas tipográficas que as indiquem
iconicamente. Na segunda ocorrência, pensando agora a fanopeia, a tipografia torna-se
ícone da natureza monstruosa da imagem perfazida pelas metáforas gregorianas.
Não é uma liberdade excessiva de Campos: Quintiliano (Inst., VI, 2, 32) já
receitava a enargeia (ou illustratio, ou evidentia), a necessidade de fazer ver/mostrar,
como crucial qualidade retórica – pressuposto que seria incorporado, sabidamente, pelos
oradores e poetas contrarreformistas. No sistema semiótico proposto por Campos, por sua

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 468
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

vez, em termos mais contemporâneos, trata-se de enxergar a superposição no eixo


paradigmático de significantes e significados, formas e imagens, completando-se a sua
incidência sobre o eixo sintagmático (2020, p. 92-93). Como arremate, o dístico final da
quadra promove a recolha conceitual e o jogo de ideias quiasmático: a riqueza do aspecto
mental, semântico ou logopaico do texto.
Malgrado instigante e mobilizadora de argúcia e competência estilística, poder-
se-ia acusar certa falta de convencimento à proposição de Augusto de Campos. Uma
crítica natural à outradução ou intradução, neste contexto: a insuficiência do recurso a
um dispositivo somente “verbovisual”, com robusta ênfase no visual, para dar conta
integralmente de uma verbivocovisualidade. Importa notar: justamente o tipo de crítica
que poderia ser direcionada à obra “puramente autoral” do concretista.
Esta fragilidade, entretanto, é facilmente dirimível pela concretização real do
objeto, quando o olhar despe sua sonoridade e revela seu fòlego. Quando, como coloca o
especialista Kenneth David Jackson (2004, p. 19), o olho “exige uma performance, isto
é, uma leitura preparada, de viva voz, representando o voco do verbivocovisual”. É
preciso pignatariamente “ouver”. Ou seja, a abordagem verbivocovisual só se cristaliza
de modo cabal quando reconhecemos indispensável o acompanhamento da performance
vocal do próprio Augusto de Campos, em versão musicada por Cid Campos, disponível
como faixa do CD integrado a Entredados.
A vocoperformance (ou a poemúsica, em termos concretistas) abre com a
justaposição da leitura de Augusto de trechos capitais do próprio poema-ensaio (“é o
primeiro poeta brasileiro dotado de amplo domínio da linguagem/ele é
verbivocovisual/fanomelogopaico/o primeiro antropófago experimental da nossa
poesia”) e a de sua voz, possivelmente imiscuída à de Cid, repetindo sílabas da quadra de
“Marinícolas” a fim de pontuar enfaticamente as oclusivas bilabiais e velares desvozeadas
(“pés, puas, -pes, -pós, cabelos de cabra”). Em segundo plano, a voz empírica faz a voz
satírica de Gregório de Matos ecoar, ainda imprecisa, como uma ressonância linguística
“disforme”. A musa praguejadora introjeta-se no discurso relativamente plano e
monocórdico acerca de sua própria natureza. Augusto de Campos, reconhecendo o poder
desestabilizador da sátira, fá-la cumprir esta função também aqui, em contexto
imprevisto.

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 469
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

Na etapa consecutiva da performance, o silêncio interrompe a sobreposição de


vozes para que o poeta nonagenário declame a quadra linearmente. A suspensão dos
ruídos, momento em que finalmente se materializam, inteligíveis, os versos gregorianos,
ocorre apenas quando a dimensão logopaica se impõe, quando a plenitude semântica
ordena a “constelação fônica”.
Finalmente, outra sobreposição instaura-se intempestiva no palco,
consubstanciando o clímax sonoro: a declamação do poema passa a disputar espaço de
inteligibilidade com a retomada das reiterações silábicas, enquanto um fundo
instrumental dissonante, provido por Cid Campos, toma parte do terreno. É também o
momento supinamente verbivocovisual da performance: os diferentes planos, não sendo
ignorada a ineludível leitura da outradução, fundem-se e assomam à vista, aos ouvidos e
ao pensamento logicamente organizado. Só assim o argumento camposiano acerca da
verbivocovisualidade de Gregório se torna realmente convincente.
E há mais a ser dito e musicado. A sátira seiscentista ocupa lugar de relevo neste
projeto recente: Entredados dispõe em seu arsenal de mais três vocalizações de poemas
atribuídos a Gregório de Matos, embora não outraduzidos, inclusive um dos seus sonetos
mais famosos:

Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:


Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:


Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;


Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,


E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa (Matos, 2010. p. 46).

O mais estimulante nesta leitura específica de Augusto de Campos é o seu


crescendo entoativo até a culminância da emissão forte do onomatopeico “upa”, término
paroxístico da recolha virulenta, quase como se Augusto fosse se transmutando em um
ciceroniano “orador inflamado”. Colocado de outra forma, como se o poeta concretista

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 470
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

encarnasse o espírito da sátira pulverizadora: a voz da autoridade, que emana do passado,


amalgamando-se à voz autoral do poeta que lê e respira vivo, no presente. O que se tem
aí, por meio da seleção de poemas e da manipulação sonora em cada uma das
vocalizações, é um sofisticado jogo de ausências e presenças espectrais em que um
projeto estético contemporâneo incorpora e particulariza o repertório de tempos remotos,
ao qual, de outro modo, a tentativa de ordenação enquanto “projeto”, ainda mais
“estético”, seria inteiramente descabida.
Esta espectralidade não é gratuitamente trazida à baila. Cremos seguro julgar que
raramente a figura furtiva de Gregório de Matos, esta “etiqueta”, esta “época”, esta
entidade, é tão espectral ou fantasmagórica quanto nas instâncias em que se reencenam
performaticamente, ainda que sob um paradigma conceitual inteiramente outro de
“performance”, os seus versos satíricos. Versos estes que, estruturalmente abertos e
teatralmente funcionais, poderíamos presumir os de seu corpus poético mais
evidentemente voltados para a boca e os ouvidos murmurantes do povo, para o câmbio
oral, apesar de todas as incógnitas a respeito das condições materiais de sua circulação
(Hansen, 1989, p. 40; Oliveira, 2009, p. 19-20).
Em Augusto de Campos, interessa perceber que a subjetividade de sua voz institui-
se na e pela linguagem como próprio esvanecimento de si: em sua fase mais madura, o
sujeito não é ponto de retorno ou partida, o que nunca foi, mas o “espectro que o prisma
da palavra poética pode compor” (Aguilar, 2005, p. 306). É cabível assim que este
espectro, esta “reaparição” substituta ao batido mote da “desaparição elocutória do eu”,
passe a ser prismado também por alteridades poéticas que animem sua própria
constituição fantasmática. Isto é, a voz coletivizada e anônima dos corpos satíricos
enfeixados pela autoridade intitulada Gregório de Matos é absorvida pela voz polipoética
de Augusto de Campos, é outraduzida (mas também intraduzida como internalização) ou
atualizada como constituinte de um vasto corpus poético, crítico, teórico, tradutório,
performático. O paideuma eleito torna-se paidEUuma, ousaríamos grafar em recurso
paródico da iconicidade sígnica concretista. Flora Süssekind percebera isto na virada do
século, ao glosar os elementos de dialogização e o “desdobramento poético-perspectivo”
na obra do paulistano:

A essas formas de dialogização se acrescentariam, ainda, no trabalho de


Augusto de Campos, processos como o das variações cromático-timbrísticas,

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 471
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

formando agrupamentos vocais diversos a cada texto, em Poetamenos; o dos


profilogramas, nos quais a sobreposição figural de perfis de artistas diversos
realça afinidades e contrastes eletivos entre eles; e o das intraduções, versões
que buscam, segundo definição do próprio poeta, uma “apropriação
duchampiana”, “um diálogo-limite”, pois, nelas, se permite “tratar o original
como um poema escrito hoje por mim” (Süssekind, 2002, p. 41).

Reconhecido que ex nihilo nihil fit, algo duplamente constatável em Matos e


Campos, cabe desemaranhar o nó górdio de nosso trabalho: em que sentido a “invenção”,
a invenção das vanguardas, a invenção que serviu de título e parâmetro curador da revista
Invenção (1962-1967), editada pelo grupo Noigandres, pode se referir sem grosseira
torção epistemológica ao Gregório de Matos presente na obra de Augusto de Campos?
Invenção, neste universo, não é inventio. Não é achamento de modelos, topoi,
argumentos. Para os concretistas, invenção refere-se primariamente à definição feita por
Ezra Pound (2006, p. 42) da classe dos “inventores” literários: “homens que descobriram
um novo processo ou cuja obra nos dá o primeiro exemplo conhecido de um processo”.
Aqueles que combinaram e utilizaram com perfeição estes processos, aprimorando-os,
seriam os mestres; aqueles que não tiveram sucesso, os diluidores. O modernista
estadunidense modaliza o primado da originalidade, evidenciando a “maestria” como
condição parelha ou, em alguns casos, superior à invenção, mas é adequado dizer que seu
modelo ainda assim tem maior afinidade com o paradigma romântico do que com
conceituações retóricas clássicas.
Esta definição de “inventor” também lastreia o olhar “sincrônico-retrospectivo”
que poetas como os do trio Noigandres, vastamente influenciados por Pound, são capazes
de lançar para as práticas poéticas de antanho. Sua ética de trabalho não é a
desconsideração ou a destituição para legitimar o novo modelo; pelo contrário, é o
resgate, a revaloração e, principalmente, a incorporação e a metamorfose prospectivas.
Isto está explícito mesmo na comparação entre “escritor” e “historiador da literatura”
proposta por Haroldo de Campos, uma fundamentação mais coerente para sua objeção
parcial à historiografia literária:

A urgência em se outorgar uma “tradição viável” [...]solicita antes o escritor


que o historiador da literatura. O primeiro pensa, primacialmente, numa
presentificação produtiva do passado; o segundo, ainda que profundamente
sensível à perspectiva sincrônica e às novas questões propostas pelo presente
(como é o caso de Jauss), não pode deixar de atribuir, aos vários passados
sucessivos, pacientemente reconsiderados, o índice específico de cada um no

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 472
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

céu só aparentemente simultâneo da sincronia: deste modo é que faz tarefa de


historiador (Campos, 1997, p. 252, grifos nossos).

Por outro viés de comparação, eis como, em passagem de estudo influente de


Marjorie Perloff sobre as novas conformações da categoria “originalidade” na poesia
contemporânea, é sintetizado o que separaria o concretismo de outras vanguardas,
elegendo-se o surrealismo como contraponto: “enquanto os surrealistas estavam
preocupados com um ‘novo’ conteúdo artístico – o sonho, a fantasia, o inconsciente
político, a revolução política –, o movimento concretista sempre enfatizou a
transformação da própria materialidade” (Perloff, 2013, p. 120-121).
Não se trata de instaurar um novo governo da imitatio e da aemulatio, todavia.
Além disto engrossar o coro do anacronismo abstruso, desta feita em sentido inverso, a
manipulação material em jogo está inscrita em sistemas estéticos e semióticos que não
podem ser contrabandeados para períodos precedentes, infensos à sua historicidade, às
suas contingências culturais e aos seus liames genológicos. Em resumo, a “invenção” do
nosso século (e do anterior) presume uma teleologia da inovação, mesmo que alimentada
por procedimentos característicos do “gênio não original” perloffiano. A singularidade
dos meios e o incansável rearranjo de modelos de linguagem na obra verbivocovisual de
Augusto de Campos são sustentáculos evidentes desta atitude criativa e crítica: é o que o
eleva de mestre a inventor.
Se por prudência crítica não seremos persuadidos a conferir a Gregório de Matos
(mais persona do que pessoa, por sinal) o epíteto de “inventor”, não seria desonestidade
pleitear a aplicação do referido estatuto, em sua acepção atualizada, à voz convencional
satírica que fala por trás da voz poética e performática de Augusto de Campos. A pobreza
de fontes primárias que impossibilita asserções categóricas a respeito de muitos aspectos
da poesia e “pessoa” gregorianas não dá “motivo de rir” ao sátiro conjurado por Campos
de dentro do seu próprio domínio verbivocovisual. A sátira atribuída a Gregório de Matos,
em seu século XVII de origem, é treva que corta a luz, mais deformadora do que
aclaradora, mas aqui, “made new” em um processo de composição exógeno, é luz de
ribalta diferenciada pelo corpo que ilumina e responde ao seu luzir.

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 473
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não buscamos reativar antigas querelas, ressuscitando debates mortos como se


isso constituísse material vivo (ou morto-vivo) para investigações que se pretendam
novas. Contudo, reconhecemos a inevitabilidade de confrontar certos fantasmas, e o
correlato risco de reacender faíscas sobre madeira queimada, como consequências da
decisão de debater Gregório de Matos sob duas perspectivas que pareceriam antagônicas.
Isto é, pensamos Gregório de Matos enquanto evento logicamente adequado às
condições de seu tempo, o que neste caso equivale a posicioná-lo sob o regime da
aemulatio em sua iteração ibérica e contrarreformista, ordenada por diretrizes retórico-
poéticas herdadas de uma longa tradição clássica; e enquanto permanência canônica
examinada a partir de um ponto de vista modernizante, que traduz esta permanência não
só como lugar fixo quanto à autoridade do texto, mas igualmente como monumento
movente, atualizável a partir da recepção criativa, em função de câmbios estéticos e
críticos que afiançam e adensam a mesma permanência.
O reconhecimento da conciliação possível entre as abordagens é exatamente a
vereda por onde nosso trabalho procurou deixar sua principal contribuição.

REFERÊNCIAS

AGUILAR, Gonzalo. O olhar excedido. In: SÜSSEKIND, Flora; GUIMARÃES, Júlio


Castañon (orgs.). Sobre Augusto de Campos. Rio de Janeiro: 7Letras; Fundação Casa de
Rui Barbosa, 2004.

AGUILAR, Gonzalo; CÁMARA, Mario. A máquina performática: a literatura no campo


experimental. Tradução de Gênese Andrade. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.

AGUILAR, Gonzalo. Poesia concreta brasileira: as vanguardas na encruzilhada


modernista. São Paulo: Edusp, 2005.

ARISTÓTELES. Retórica. Tradução de Manuel Alexandre Júnior. In: Obras completas


de Aristóteles (org. Antonio Pedro Mesquita), vol. III, tomo I. Lisboa: Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, 2005.

CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Cid (orgs.). Entredados. São Paulo: Laranja Original,
2022.

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 474
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

CAMPOS, Augusto de. Invenção: de Arnaut e Raimbaut a Dante e Cavalcanti. São


Paulo: ARX, 2003

CAMPOS, Augusto de. Poesia antipoesia antropofagia & cia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015.

CAMPOS, Augusto de. O anticrítico. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

CAMPOS, Augusto de. Outro. São Paulo: Perspectiva, 2015.

CAMPOS, Augusto de; PIGNATARI, Décio; CAMPOS, Haroldo de. Teoria da poesia
concreta: textos críticos e manifestos: 1950-1960. 5. ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2014.

CAMPOS, Haroldo de. A questão gregoriana. In: CAMPOS, Haroldo de. O sequestro do
Barroco na Formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos. São Paulo:
Iluminuras, 2011.

CAMPOS, Haroldo de. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

CARVALHO, Maria do Socorro Fernandes de. Introdução ao caráter misto dos gêneros
poéticos e retóricos. In: Matraga - Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da
UERJ, [S.l.], v. 20, n. 33, dez. 2013. ISSN 2446-6905. Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/19775/14259>. Acesso em: 01 jul.
2023.

CÍCERO. Do orador. Tradução de Adriano Scatolin. In: SCATOLIN, Adriano. A


invenção no Do orador de Cícero: um estudo à luz de Ad Familiares I, 9, 3. Tese de
doutorado da USP, 2009. Disponível na rede:
<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8143/tde-19022010-
165443/publico/ADRIANO_SCATOLIN.pdf>. Acesso em: 04 jul. 2023.

COSTA LIMA, Luiz. Vida e mimesis. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

DERRIDA, Jacques. A farmácia de Platão. Tradução de Rogério da Costa. São Paulo:


Iluminuras, 2005.

FLORES, Guilherme Gontijo; GONÇALVES, Rodrigo Tadeu. Algo infiel corpo


performance tradução. Florianópolis: Cultura e Barbárie; São Paulo: n-1 edições, 2017.

GRACIÁN, Baltasar. Agudeza y arte de ingenio. In: Obras completas. Madrid: Aguilar,
1967.

HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século


XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

HANSEN, João Adolfo. Agudezas seiscentistas e outros ensaios. São Paulo: Edusp, 2019.

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 475
Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos

HANSEN, João Adolfo. Para que todos entendais: poesia atribuída a Gregório de Matos
e Guerra: Letrados, manuscritura, retórica, autoria, obra e público na Bahia dos séculos
XVII e XVIII. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. v. 5.

JACKSON, Kenneth David. Augusto de Campos e o trompe-L’oeil da poesia concreta.


In: SÜSSEKIND, Flora; GUIMARÃES, Júlio Castañon (orgs.). Sobre Augusto de
Campos. Rio de Janeiro: 7Letras; Fundação Casa de Rui Barbosa, 2004.

MATOS, Claudia Neiva de. Vanguardas poéticas e tecnologias sonoras: poesia é risco.
In: Revista Matraga, Rio de Janeiro, v.17, n.27, jul./dez. 2010.

MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos (org. José Miguel Wisnik). São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.

OLIVEIRA, Ana Lúcia de. Configurações da persona satírica na “Musa Praguejadora”


atribuída a Gregório de Matos. In: MACHADO, L.; SODRÉ, P. R.; SALGUEIRO, W.
(org). Pessoa, persona, personagem. Vitória: PPGL/Letras, 2009.

OLIVEIRA, Ana Lúcia de. Por quem os signos dobram: uma abordagem das letras
jesuíticas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003.

PÉCORA, Alcir. Teatro do sacramento: a unidade teológico-retórico-política dos


sermões de Antônio Vieira. São Paulo: Edusp; Campinas: Editora da Unicamp, 1994.

PERLOFF, Marjorie. O gênio não original: poesia por outros meios no novo século.
Tradução de Adriano Scandolara. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.

POUND, Ezra. ABC da Literatura. Tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes.
São Paulo: Cultrix, 2006.

QUINTILIANO, Marco Fábio. Instituição oratória. Tradução de Bruno Fregni Basseto.


Campinas: Editora da Unicamp, 2015.

SÜSSEKIND, Flora. Coro a um: notas sobre a “cançãonoturnadabaleia”. In: Revista


Gragoatá, n. 12, 1. sem. 2002.

TESAURO, Emanuel. Tratado dos ridículos. Tradução de Claudia De Luca Nathan.


Campinas: IEL-CEDAE-Unicamp, 1992.

Recebido em: 17/10/2023


Aceito em: 11/12/2023

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 476
Inventio e invenção na sátira atribuída a Gregório de Matos: o caso retórico e o caso Augusto de Campos

Gabriel Costa Resende Pinto Bastos dos Santos: Mestrando em Literatura Brasileira
pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
e graduado em Letras Português-Japonês pela mesma universidade. É bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).

Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 23, n. 44, p. 456 – 477, jan. – abr. 2024 477

Você também pode gostar