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Brazilian Journal of Development 54101

ISSN: 2525-8761

Literatura em sala de aula: representatividade para a construção da


identidade de crianças e adolescentes negros

Literature in the classroom: representativeness for the construction of


identity for black children and adolescents
DOI:10.34117/bjdv7n6-012

Recebimento dos originais: 07/05/2021


Aceitação para publicação: 01/06/2021

Eliete de Nazaré Barbosa Santos


Mestranda do Mestrado Profissional em Letras – Profletras – Universidade Estadual do
Piauí (UESPI).
Professora de Língua Portuguesa da rede pública municipal de ensino de São José de
Ribamar/MA.
Endereço: Rua Bento Urbano, nº 06, Bairro Cohab Anil I, CEP: 65050-410
E-mail: [email protected]

Stela Maria Viana Lima Brito


Doutora em Linguística, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Professora Permanente do PROFLESTRAS – Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
Endereço: Rua João Cabral, s/nº, Bairro Pirajá, CEP: 64.002-150
E-mail: [email protected]

RESUMO
Princesas com pele branca, cabelos lisos e predominantemente loiras; negros ocupando
majoritariamente posições de subserviência e marginalidade social. A maioria das
narrativas a que os alunos têm acesso apresentam as personagens dessa forma, seja no
meio cinematográfico, televisivo ou literário e isso em um país onde mais da metade da
população é constituída por negros e, ainda assim, precisa de leis que estabelecem a
obrigatoriedade do estudo de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena. Este
estudo de campo, bibliográfico, aplicado, de caráter descritivo e quali-quantitativo tem
como objetivo geral verificar como a falta de representatividade influencia sobre crianças
e adolescentes negras na formação de suas personalidades. Para alcançá-lo, foram
traçados os seguintes objetivos específicos: realizar levantamento da autodefinição racial
dos alunos; verificar como os alunos descrevem as personagens das narrativas lidas em
sala de aula; promover debates, discussões e reflexões sobre as influências da ausência
de representatividade negra na forma como os alunos descreveram os personagens; e
aplicar uma sequência de atividades interventivas que privilegie a representatividade em
sua composição. O estudo foi desenvolvido em uma escola da rede pública de ensino de
São José de Ribamar – MA, o estado que apresenta o segundo maior percentual de
população negra do Brasil. Como resultado do estudo e da sequência interventiva, tem-
se uma coletânea de narrativas escritas e ilustradas pelos alunos participantes. O aporte
teórico adotado é constituído por: Amâncio (2008), Cavalleiro (2001), Barbosa (2006),
Dalcastagnè (2016) e Yoshi (2016).

Palavras-chave: Representatividade. Sala de aula. Leitura.

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ABSTRACT
Princesses with white skin, straight hair and predominantly blond; black people
occupying mostly positions of subservience and social marginality. Most of the narratives
to which students have access present the characters in this way, whether in the
cinematographic, television, or literary medium, and this in a country where more than
half of the population is black and yet needs laws that establish the mandatory study of
African, Afro-Brazilian, and indigenous history and culture. This field, bibliographical,
applied, descriptive, and qualitative-quantitative study has as its general objective to
verify how the lack of representation influences black children and adolescents in the
formation of their personalities. To achieve this, the following specific objectives were
outlined: conduct a survey of the students' racial self-definition; verify how the students
describe the characters of the narratives read in class; promote debates, discussions, and
reflections on the influences of the lack of black representativity in the way the students
described the characters; and apply a sequence of interventional activities that privilege
representativity in their composition. The study was developed in a public school in São
José de Ribamar - MA, the state with the second highest percentage of black population
in Brazil. As a result of the study and the interventional sequence, we have a collection
of narratives written and illustrated by the participating students. The theoretical
framework adopted is constituted by: Amâncio (2008), Cavalleiro (2001), Barbosa
(2006), Dalcastagnè (2016) and Yoshi (2016).

Keywords: Representativeness. Classroom. Reading.

1 INTRODUÇÃO
A escola ainda é, mesmo diante das inúmeras tecnologias inerentes à sociedade
moderna, o principal ambiente de ocorrência de leitura. Quando se trata de leitura
literária, a escola é cenário quase exclusivo de acesso a este tipo de texto.
Conhecer a si, o outro e o ambiente em que se vive são algumas das possibilidades
do uso da literatura em sala de aula. Torna-se então necessário analisar como o uso do
texto literário e a forma como as personagens são descritas, apresentadas e o papel social
que desempenham nas narrativas pode dialogar com a construção da identidade e
formação do leitor.
O presente estudo surge das seguintes questões norteadoras: (i) como a leitura
literária em sala de aula pode auxiliar na construção do senso crítico, capacidade de
refletir, na humanização do jovem cidadão e suas relações com o meio social, com o outro
e na construção da identidade dos leitores em formação? (ii) de que forma a leitura de
textos de literatura africana e afro-brasileira (em conformidade com a lei nº 10.639/03,
alterada pela lei 11.645/08) em sala de aula pode auxiliar na construção da autoestima,
identidade dos jovens leitores? (iii) como a leitura de textos de literatura africana e afro-
brasileira na sala de aula pode contribuir efetivamente para o desenvolvimento do que é

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preconizado pela BNCC no que se refere às práticas de linguagem, no campo artístico-


literário, dos anos finais do Ensino Fundamental ((re)conhecer diferentes maneiras de ser,
pensar, (re)agir, desenvolver uma atitude de valorização e de respeito pela diversidade)?
Da reflexão sobre as questões norteadoras que deram origem ao estudo, surgiram
as seguintes hipóteses: (i) a leitura de textos literários no contexto de sala de aula, para
além da prática tradicionalista – uso da leitura literária como pretexto para atividades ou
exposição gramatical – pode ativar estratégias diversas de compreensão pelo leitor, bem
como compor meio de sensibilização, construção de identidade e percepção de aspectos
relacionados à cultura, estrutura social e criticidade; (ii) conhecer a literatura africana e
afro-brasileira no contexto de sala de aula, provê o cumprimento da legislação específica
supracitada e o desenvolvimento da capacidade de agir, perceber a si e ao outro e respeitar
a diversidade inerente à condição humana, o que vai ao encontro das competências
propostas na BNCC.
O objetivo geral deste estudo é verificar como a falta de representatividade
influencia na formação das personalidades de crianças e adolescentes negras por meio
da leitura crítica realizada por alunos do 8º ano do ensino fundamental. Para alcança-lo,
foram traçados os seguintes específicos: (i) realizar levantamento da autodefinição
racial dos alunos; (ii) verificar como os alunos descrevem os personagens das narrativas
lidas em sala de aula; (iii) promover debates, discussões e reflexões sobre as influências
da ausência de representatividade negra na forma como os alunos descreveram os
personagens; e (iv) aplicar uma sequência de atividades interventiva que privilegie a
representatividade em sua composição.
A seleção do tema aconteceu em decorrência da necessidade de se refletir sobre o
uso do texto literário em sala de aula, sua relação com a construção da identidade,
autoestima e reconhecimento das variedades existentes no meio social, próprias da
constituição da população brasileira e sua historicidade.
A escolha do gênero conto ocorreu em conformidade com o planejamento prévio
da rotina escolar, além do acompanhamento do livro didático e a temática se justifica pela
conformidade com a legislação já especificada anteriormente que determina a
importância e obrigatoriedade de se trabalhar a literatura africana, afro-brasileira e
indígena em sala de aula,
Desta forma, o estudo se justifica por apresentar dupla relevância: a pedagógica,
direcionada para o desenvolvimento de leitura literária significativa no contexto escolar;

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e a social que se fundamenta em objetivos que contemplam a valorização e construção da


autoestima e identidade dos discentes.
Para esse fim, realizou-se uma pesquisa sobre leitura de textos literários e
representatividade, adotando como base os estudos de autores como: Amâncio; Gomes
(2008), Cavalleiro (2001), Barbosa (2006), Dalcastagnè (2016) e Yoshi (2016).

2 LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS E REPRESENTATIVIDADE


Leitura é um processo de interação entre leitor e autor por meio da palavra. Nesse
processo, o leitor deve compartilhar de um repertório de conhecimentos que dialogam
com o texto para a construção do sentido. Ler, nessa perspectiva, não é uma atividade
solitária, mas social.
A concepção de leitura adotada neste estudo a define como um processo tanto
cognitivo quanto social, pois envolve condições e processos individuais que auxiliam na
compreensão e também condições externas, como contextos de produção (LEFFA, 1999).
Compreende-se ainda que a leitura é direcionada por intenções e objetivos que
determinam as estratégias utilizadas e conhecimentos prévios acionados. Cada tipo de
texto requer um comportamento do leitor, assim como um mesmo texto pode ser lido de
formas diferentes para atingir fins diversos (KLEIMAN, 2013).
A leitura do texto literário também pode ser modificada de acordo com o objetivo
do leitor, podendo ficar restrita a captação de aspectos da estrutura (personagens, cenário,
enredo...) ou se estender a reflexões sobre papéis sociais das personagens, preconceitos
reforçados ou questionados no enredo e outras inúmeras questões filosóficas.
A leitura do texto literário pode auxiliar o leitor na construção de compreensões
sobre as formas individuais e peculiares de existir, sociedades e suas estruturas e os modos
de se relacionar com tudo isso. Segundo Cosson (2019, p.23):

o texto literário serve, assim, tanto para ser declamado em um sarau realizado
no cemitério quanto como estilema definidor da identidade e comportamento
social do indivíduo e do grupo – entre um e outro uso, a literatura deixa de ser
uma manifestação cultural, entre outras, para ser, à semelhança de uma obra
religiosa, uma fonte de ordenamento e sentido para o viver.

Comportamentos, padrões e preconceitos já enraizados na sociedade podem ser


contestados em textos literários e a leitura desses textos pode conduzir leitores a uma
reflexão mais cuidadosa e sensível sobre as formas de ver o outro, diminuindo a
ocorrência de discriminações de origens variadas.

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Não é função da literatura instruir, mas a sua capacidade de proporcionar ao leitor


ser outros imaginários, vestir suas peles, experienciar suas sensações, pode sensibilizar,
humanizar e ensinar muito sobre empatia e identidade.
A leitura do texto literário pode modificar a forma de ver o mundo, se relacionar
com regras e imposições sociais, além de contribuir para a formação da identidade, mas
só quando os leitores conseguem se enxergar nos enredos, nas personagens, no mundo
imaginário contido por trás das letras, essa identificação é representatividade. Todas
essas reflexões são possíveis porque “A leitura literária conduz a indagações sobre o que
somos e o que queremos viver, de tal forma que o diálogo com a literatura traz sempre a
possibilidade de avaliação dos valores postos em uma sociedade” (COSSON, 2019, p.
50).
Quando a criança/adolescente lê histórias em que as personagens não são todas
brancas e que as negras não ocupam apenas posição marginalizada, há a possibilidade de
reflexões sobre estruturas sociais que são resultado de práticas racistas e preconceituosas
que fizeram parte da história do país e devem ser combatidas.

Buscar, nas representações da cidade, aquilo que não se quer ali – aqueles que
habitam seus desvios, que ameaçavam seus muros, os que foram jogados,
desde sempre para o lado de fora. É preciso um esforço considerável para se
encontrar, em meio a uma literatura tão marcadamente de classe média, branca
e masculina como a brasileira, uma construção diferente sobre a experiência
urbana contemporânea. (DALCASTAGNÈ, 2015, p.41).

É necessário oferecer perspectivas que demonstrem ao aluno que o negro não cabe
apenas na favela, na periferia, em ambientes onde o saneamento básico não chega, a
pobreza é extrema e a criminalidade é comum. Desfazer essa imagem estereotipada da
personagem negra é um desafio, pois na literatura brasileira a figura predominante ainda
é a personagem branca.
Ao selecionar textos desse tipo para serem lidos em sala de aula, a escola ajuda a
diminuir as chances de ideias racistas se perpetuarem na sociedade, pois segundo
Munanga (2012, p. 15), “para ser racista, coloca-se como postulado fundamental a crença
na existência de raças hierarquizadas dentro da espécie humana.”
Com vistas a promover uma reorientação das práticas pedagógicas para
proporcionar um ambiente escolar e condições para que os alunos negros se sintam
valorizados, valorizem seus traços, sua história e sua ancestralidade e construam sua
identidade é que a Lei 10.639/03 foi elaborada. No entanto, a simples existência da lei
não significa que a realidade das escolas será modificada. É necessário que os professores

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sejam capacitados para aplicar a lei, reavaliar suas metodologias e modificar práticas
tradicionais para formar indivíduos mais conscientes da diversidade, tolerantes e avessos
a qualquer tipo de preconceito e discriminação racial.

Desde a elaboração da Lei 10.639/03, houve uma série de ofertas de cursos de


aperfeiçoamento e de especialização a respeito da História da África e da
cultura afro-brasileira nos mais diversos estados brasileiros. No entanto, ainda
não foram mapeados os resultados obtidos por estas experiências,
principalmente o impacto sobre os egressos (AMÂNCIO; GOMES, 2008,
p.20)

A aplicação dessa lei beneficia alunos, professores e melhora a convivência no


ambiente escolar, pois diminui a incidência de casos de racismo e conflitos em sala de
aula, pois os alunos não brancos são educados a respeitar e os alunos negros se sentem
valorizados, modificando a realidade da escola no Brasil, que tem se configurado como
um ambiente hostil para os estudantes negros há séculos, reproduzindo em seu cotidiano
uma padronização que exclui a imagem da criança negra, que tem sua autoestima
diminuída diariamente. A esse respeito, Cavaleiro (2001, p. 145) afirma que:

um olhar superficial sobre o cotidiano escolar dá margem à compreensão de


uma relação harmoniosa entre adultos e crianças; negros, brancos. Entretanto,
esse aspecto positivo torna-se contraditório à medida que não são encontrados
no espaço de convivência das crianças cartazes, fotos ou livros infantis que
expressem a existência de crianças não brancas na sociedade brasileira.

O modelo educacional que privilegia a cultura europeia e exclui as outras etnias


que fazem parte da formação da história do Brasil, e são a maior parte da população, dá
margem a várias práticas discriminatórias comuns na sociedade e que devem ser
combatidas. Barbosa (2006, p.14) diz que “a unicultura passa a ser a única cultura
possível, ao se atribuir uma centralidade, ela avança para ler-se como exclusividade,
negando finalmente o direito a existência das outras culturas”.
A leitura de textos da literatura africana e afro-brasileira oportunizam ao aluno a
construção de uma imagem da personagem negra que rompe com preconceitos e
estereótipos comuns na sociedade. O depoimento de Yoshi (2016. S/N) revela a
importância dessa representatividade:

Temos voz, sabemos falar por nós e acredite, só nós podemos responder por
nós. Só quem sofre o racismo velado na pele diariamente é quem pode reclamar
das mazelas que é ser negro num país de maioria negra, mas que age como
branco, porque assim nos foi imposto. É tão triste saber que se declarar negro
é motivo de discriminação, de chacota, de redução.

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Essa nova perspectiva contribui para a formação da identidade e aumento da


autoestima de crianças e adolescentes negros que pode se enxergar como indivíduos
respeitados e valorizados em sua historicidade e ancestralidade.
A próxima seção versará sobre a metodologia adotada para a coleta e análise dos
dados que constituíram o corpus da pesquisa.

3 METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS
As duas turmas de 8º ano selecionadas para a realização do estudo são da
modalidade regular e funcionam no turno matutino. A seleção aconteceu sob a
justificativa de a pesquisadora ser também professora regente de língua portuguesa de
ambas as classes. Os alunos informantes são matriculados e frequentes nas turmas
selecionadas e são oriundos da zona urbana de São José de Ribamar e da zona rural de
Paço do Lumiar, cidade limítrofe.
A pesquisa foi dividida em cinco etapas para facilitar a coleta, análise e registro
dos dados. As etapas do estudo aconteceram em dias letivos regulares e em conformidade
com o conteúdo planejado para as aulas, a fim de não alterar a rotina escolar e não causar
prejuízos pedagógicos às turmas.
A primeira etapa consistiu na abordagem inicial dos alunos com a leitura de três
contos da literatura oral africana. Posteriormente, foi solicitado que os alunos
registrassem em seus cadernos breves descrições físicas das personagens que apareciam
nos textos lidos. É importante ressaltar que as narrativas lidas não deixam nenhuma pista
sobre os traços físicos das personagens.
Na segunda etapa, foi solicitado que os alunos escrevessem uma autodescrição
física e comparassem com a descrição das personagens. Isso ocorreu com o objetivo de
despertar nos alunos a curiosidade sobre as semelhanças ou diferenças entre eles e as
personagens descritas na etapa anterior.
Na terceira etapa procedeu-se com a quantificação e qualificação dos dados
coletados para compreensão das informações e reflexões sobre o objeto de estudo e
posterior organização do presente material.
Na quarta etapa, foram realizadas rodas de conversas e produções textuais sobre
as percepções dos alunos sobre as informações das etapas anteriores. Foram feitos debates
sobre representatividade e uma análise das narrativas presentes no livro didático da turma
em busca de personagens protagonista negras e a conclusão desta etapa resultou na
realização da próxima etapa.

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Na quinta etapa, os alunos escreveram e ilustraram textos narrativos com


personagens negras em posição de protagonismo. Esses textos foram organizados em uma
coletânea que foi publicada e distribuída nas escolas da rede de ensino municipal de São
José de Ribamar.

Com base nessas informações, dá-se prosseguimento à análise dos dados


coletados.

4 ANÁLISE DAS DESCRIÇÕES DAS PERSONAGENS


Os alunos leram os contos populares moçambicanos “As duas irmãs”, “As duas
mulheres” e “A menina que não falava”, que fazem parte da cultura oral e sem autoria
comprovada. Após a leitura e interpretação de cada texto, a professora solicitou que
fizessem a descrição física das personagens que aparecem em cada uma das narrativas,
conforme eles as tinham imaginado, pois os textos não oferecem pistas sobre suas
características físicas. Vinte e dois alunos participaram da atividade.

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O primeiro texto lido, As duas irmãs, narra a história de duas irmãs que foram
sequestradas. Uma é comprada por um homem que se casa com ela e lhe dá uma vida boa
e feliz; a outra é escravizada e sofre muito.
Ao descrever as personagens desse texto, oito alunos descreveram as duas irmãs
como mulheres brancas; quatro descreveram a primeira como uma mulher branca e a
segunda como uma mulher parda; nove descreveram a primeira como uma mulher branca
e a segunda como uma mulher negra e apenas um aluno descreveu as duas irmãs como
pessoas negras.
Já o segundo texto, As duas mulheres, conta a história de duas amigas com vidas
opostas. Uma é pobre e tem muitos filhos e a outra é rica e estéril.
Treze alunos descreveram a primeira mulher como uma pessoa parda e a segunda
como uma pessoa branca; seis descreveram a primeira como uma mulher negra e a
segunda como uma mulher branca e três descreveram as duas personagens como mulheres
brancas.
O terceiro fala de uma menina em idade de casar que não falava. Os pais só dariam
a mão da jovem em casamento ao homem que conseguisse fazê-la falar. Aparece um
homem descrito no texto como sujo, pobre e insignificante para tentar vencer o desafio.
Onze alunos caracterizaram a jovem como branca e o homem como pardo; oito
descreveram a menina como branca e o homem como negro; e três descreveram a jovem
e o homem como pessoas brancas.
No primeiro texto, vinte e um alunos descreveram a primeira irmã (casada e feliz)
como uma pessoa de pele branca, treze alunos descreveram a segunda (escravizada) como
parda ou negra.
No segundo texto, vinte e dois alunos descreveram a primeira mulher (rica e
estéril) como branca e dezenove descreveram a segunda mulher (pobre e com muitos
filhos) como negra ou parda.
No terceiro texto, todos os vinte e dois alunos participantes descreveram a menina
(que mora com os pais e é desejada por vários pretendentes) como branca e dezenove
caracterizaram o homem (sujo, pobre e insignificante) como pardo ou negro.
Esses dados reafirmam duas informações: os leitores tendem a imaginar as
personagens como pessoas brancas e os papéis sociais desenvolvidos por essas
personagens nos textos exercem influência sobre a forma como os leitores as descrevem.
Os alunos desconsideraram o fato de as duas irmãs personagens do primeiro texto
terem sido igualmente vendidas no início da narrativa e associaram a ideia de escravidão

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à pele negra e a de ascensão social à pela branca, por isso a irmã que casou e foi feliz foi
descrita como uma mulher branca e a que foi escravizada, como uma mulher negra. São
reflexos claros da escravização e suas profundas raízes na história da sociedade brasileira.
Já no segundo texto, os alunos associaram a pobreza e aparente falta de
planejamento familiar da personagem à pele negra. Isso ocorre porque grande parte da
população pobre é composta por negros e serviços de saúde e assistencialismo social
básico são acessados com maior dificuldade.
O terceiro texto pode fazer lembrar dos contos de fadas com uma moça em perigo
esperando um cavalheiro corajoso para salvá-la. A diferença está no jovem que é
caracterizado de forma negativa pelos termos sujo, pobre e insignificante. Isso bastou
para os alunos descreverem a menina como uma típica princesa em apuros e o rapaz como
uma pessoa negra, pois o perfil apresentado não condiz com aquele já canonizado de um
príncipe encantado.
As associações realizadas pelos alunos na composição das características físicas
das personagens encontram justificativa na história do país que desde a colonização
colocou os negros em posição inferior e, mesmo após a abolição da escravatura, a
condição não mudou. Isso porque “os negros deixaram de ser escravos, porém assumiram,
em grande parte, a condição de pobres e de indigentes. A eles se juntou uma parcela da
população branca para compor a base da nossa pirâmide social.” (GORENDER, 2009. p.
88)
Após leitura, compreensão dos contos e descrições das personagens, a
pesquisadora solicitou dos alunos que fizessem uma autodescrição. A próxima seção
apresenta e analisa os dados das autodescrições.

5 ANÁLISE DAS AUTODESCRIÇÕES DOS ALUNOS


Nesta etapa, a pesquisadora levou um espelho de 1,50m de altura para que os
alunos fossem um de cada vez observar seu reflexo e escrever uma autodescrição. O
objetivo era despertar nos alunos participantes a sensibilidade do olhar sobre si mesmo,
para depois comparar com o olhar dado ao outro, mesmo que fictício, e verificar as
diferenças e semelhanças entre as características dos leitores e as das personagens
descritas por eles. Trinta alunos participaram desta atividade.
Os alunos escreveram breves autodescrições que a professora coletou para analisar
as informações. Os resultados foram: apenas cinco alunos se autodeclararam brancos,
dezesseis se veem como pardos e nove se descreveram como negros.

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De posse desses dados, a pesquisadora solicitou dos alunos que fizessem uma
comparação entre suas características físicas e as que eles escolheram para descrever as
personagens dos contos. O objetivo era promover uma reflexão sobre as possíveis razões
para haver tanta diferença entre os leitores e a forma como eles imaginaram as
personagens presentes nos textos.
As descrições das personagens associadas às autodescrições feitas pelos alunos
confirmaram a hipótese inicial de que a falta de representatividade interfere na formação
da identidade de crianças e adolescentes negras. Isso porque, apesar de grande parte dos
alunos se autodeclararem pardos ou negros, eles não conseguem imaginar que as
personagens das histórias que leem podem ter as suas mesmas características físicas,
exceto quando se tratar daquelas que ocupam posição desprestigiada no enredo.
Após a coleta e análise dos dados, a professora convidou os alunos a folhearem o
livro didático em busca de narrativas cujas personagens fossem negras e não as
encontraram. Com base nessas informações, a docente seguiu com a promoção de
debates, rodas de conversa e produções escritas em que os alunos poderiam expressar
suas opiniões sobre a importância de ler textos em que as personagens se parecem com
eles e não tenham sempre as mesmas características arianas.
A próxima seção apresenta a atividade interventiva que surgiu como resultado
dessas discussões e debates.

6 ATIVIDADE INTERVENTIVA
A descrição feita pelos alunos revela como a ausência de representatividade na
literatura influencia na forma como os leitores e pessoas em formação enxergam as
personagens dos textos que leem e a si mesmos. Diante dessa confirmação, a professora
propôs um desafio às turmas que se transformou numa atividade interventiva. A proposta
foi elaborada em conformidade com a BNCC e visou a desenvolver a Competência Geral
da Educação Básica de nº 9:

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,


fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos,
com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos
sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos
de qualquer natureza. (BRASIL, 2017, p. 10).

Os alunos já haviam percebido a ausência de textos com personagens negras em


seu material didático e em seu repertório de leitura fora do ambiente escolar. Caberia a

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eles refletir sobre como tentar solucionar ou diminuir o problema da falta de


representatividade evidenciada nas etapas anteriores.
Após as discussões e reflexões surgiu a proposta de produzir narrativas com
personagens que se parecessem com seus autores, uma forma de promover a
representatividade, a valorização da identidade e elevar a autoestima dos alunos. A
atividade interventiva aconteceu em três etapas: produção, revisão e socialização dos
textos.
Na etapa de produção, cada aluno escreveu seu texto e entregou uma via para a
professora que procedeu com a leitura para devolutiva através de uma ficha de dicas de
revisão.
Na etapa de revisão, os alunos receberam as suas produções para a reescrita dos
textos com as correções e modificações que julgassem necessárias com o apoio das fichas
de dicas de revisão entregues pela professora. Ao final dessa etapa, os alunos entregaram
a primeira versão e o texto já revisado para a professora.
Na etapa de socialização, os alunos participaram de rodas de leitura na própria
escola e depois em outras escolas da rede de ensino. Por fim, os textos foram organizados
em um livreto e distribuído nas escolas da rede de ensino para cumprir o objetivo de
oferecer textos com personagens semelhantes aos seus autores e leitores.
A figura abaixo traz uma das produções contidas no livro escrito pelos alunos cujo
título é “Espelho, Espelho meu, existe alguma personagem com os mesmos traços que
eu?”.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura literária consegue por meio da ficcionalidade sensibilizar o leitor sobre
a forma como enxerga e se relaciona consigo mesmo, com o outro e com o ambiente. A
literatura não tem o dever de instruir, mas pode fazê-lo sem perder seu caráter lúdico e
cultural. Sua utilização em sala de aula pode ajudar o professor a promover reflexões
sobre temas diversos, a representatividade, objeto desta pesquisa, é um desses temas.
O estudo confirmou que, ainda que o indivíduo se autodescreva como negro,
existe uma dificuldade em imaginar as personagens dos textos que lê como portadores
dos seus mesmos traços físicos. A falta de representatividade foi verificada como uma
causa importante desse problema, pois se a criança/adolescente em formação não vê
pessoas com suas mesmas características nos textos que lê, nos filmes a que assiste ou
outros produtos culturais a que tem acesso, não conseguirá se identificar ou imaginar que

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alguém parecido com sua imagem pessoal ocupe posições de prestígio nas narrativas que
lê ou na sociedade em que vive.
É necessário que ideias equivocadas e cruéis que colocam o negro geralmente na
posição de empregado, motorista, bandido e marginalizado socialmente e o branco como
patrão, príncipe e rico não sejam transmitidas às crianças/adolescentes.
A literatura africana e afro-brasileira pode ser utilizada em sala de aula com essa
finalidade, auxiliando a desenvolver competências como empatia nos alunos e diminuir
preconceitos e discriminações raciais porque todos os alunos poderão perceber que as
pessoas podem ocupar posições sociais diversas independentemente da cor da pele. Isso
se confirmou com o êxito da atividade interventiva produto deste estudo, pois os alunos
participantes refletiram, expuseram ideias e por fim contribuíram para a solução do
problema detectado.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54101-54115 jun. 2021


Brazilian Journal of Development 54115
ISSN: 2525-8761

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