Mises Seis Licoes Capitalismo

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22/04/2017 Instituto Ludwig von Mises Brasil

Instituto Ludwig von Mises Brasil


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As seis lições
1. Primeira Lição ­ O Capitalismo

Certas expressões usadas pelo povo são, muitas vezes, inteiramente equivocadas. Assim, atribuem­se a
capitães de indústria e a grandes empresários de nossos dias epítetos como "o rei do chocolate", "o rei do
algodão" ou "o rei do automóvel". Ao usar essas expressões, o povo demonstra não ver praticamente
nenhuma diferença entre os industriais de hoje e os reis, duques ou lordes de outrora. Mas, na realidade, a
diferença é enorme, pois um rei do chocolate absolutamente não rege, ele serve. Não reina sobre um
território conquistado, independente do mercado, independente de seus compradores. O rei do chocolate ­ ou
do aço, ou do automóvel, ou qualquer outro rei da indústria contemporânea ­ depende da indústria que
administra e dos clientes a quem presta serviços. Esse "rei" precisa se conservar nas boas graças dos seus
súditos, os consumidores: perderá seu "reino" assim que já não tiver condições de prestar aos seus clientes
um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido por seus concorrentes.

Duzentos anos atrás, antes do advento do capitalismo, o status social de um homem permanecia inalterado
do princípio ao fim de sua existência: era herdado dos seus ancestrais e nunca mudava. Se nascesse pobre,
pobre seria para sempre; se rico ­ lorde ou duque ­, manteria seu ducado, e a propriedade que o
acompanhava, pelo resto dos seus dias.

No tocante à manufatura, as primitivas indústrias de beneficiamento da época existiam quase exclusivamente


em proveito dos ricos. A grande maioria do povo (90% ou mais da população europeia) trabalhava na terra e
não tinha contato com as indústrias de beneficiamento, voltadas para a cidade. Esse rígido sistema da
sociedade feudal imperou, por muitos séculos, nas mais desenvolvidas regiões da Europa.

Contudo, a população rural se expandiu e passou a haver um excesso de gente no campo. Os membros dessa
população excedente, sem terras herdadas ou bens, careciam de ocupação. Também não lhes era possível
trabalhar nas indústrias de beneficiamento, cujo acesso lhes era vedado pelos reis das cidades. O número
desses "párias" crescia incessantemente, sem que todavia ninguém soubesse o que fazer com eles. Eram, no
pleno sentido da palavra, "proletários", e ao governo só restava interná­los em asilos ou casas de correção.
Em algumas regiões da Europa, sobretudo nos Países Baixos e na Inglaterra, essa população tornou­se tão
numerosa que, no século XVIII, constituía uma verdadeira ameaça à preservação do sistema social vigente.

Hoje, ao discutir questões análogas em lugares como a Índia ou outros países em desenvolvimento, não
devemos esquecer que, na Inglaterra do século XVIII, as condições eram muito piores. Naquele tempo, a
Inglaterra tinha uma população de seis ou sete milhões de habitantes, dos quais mais de um milhão ­
provavelmente dois ­ não passavam de indigentes a quem o sistema social em vigor nada proporcionava. As
medidas a tomar com relação a esses deserdados constituíam um dos maiores problemas da Inglaterra.

Outro sério problema era a falta de matérias­primas. Os ingleses eram obrigados a enfrentar a seguinte
questão: que faremos, no futuro, quando nossas florestas já não nos derem a madeira de que necessitamos
para nossas indústrias e para aquecer nossas casas? Para as classes governantes, era uma situação
desesperadora. Os estadistas não sabiam o que fazer e as autoridades em geral não tinham qualquer ideia
sobre como melhorar as condições.

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Foi dessa grave situação social que emergiram os começos do capitalismo moderno. Dentre aqueles párias,
aqueles miseráveis, surgiram pessoas que tentaram organizar grupos para estabelecer pequenos negócios,
capazes de produzir alguma coisa. Foi uma inovação. Esses inovadores não produziam artigos caros,
acessíveis apenas às classes mais altas: produziam bens mais baratos, que pudessem satisfazer as
necessidades de todos. E foi essa a origem do capitalismo tal como hoje funciona. Foi o começo da
produção em massa ­ princípio básico da indústria capitalista. Enquanto as antigas indústrias de
beneficiamento funcionavam a serviço da gente abastada das cidades, existindo quase que exclusivamente
para corresponder às demandas dessas classes privilegiadas, as novas indústrias capitalistas começaram a
produzir artigos acessíveis a toda a população. Era a produção em massa, para satisfazer às necessidades das
massas.

Este é o principio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos os países onde há um sistema de
produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos mais fanáticos
ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase exclusivamente para suprir a carência das
massas. As empresas dedicadas à fabricação de artigos de luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm
condições de alcançar a magnitude das grandes empresas. E, hoje, os empregados das grandes fábricas são,
eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se fabricam. Esta é a diferença básica entre
os princípios capitalistas de produção e os princípios feudalistas de épocas anteriores.

Quando se pressupõe ou se afirma a existência de uma diferença entre os produtores e os consumidores dos
produtos da grande empresa, incorre­se em grave erro. Nas grandes lojas dos Estados Unidos, ouvimos o
slogan: "O cliente tem sempre razão." E esse cliente é o mesmo homem que produz, na fábrica, os artigos à
venda naqueles estabelecimentos. Os que pensam que a grande empresa detém um enorme poder também se
equivocam, uma vez que a empresa de grande porte é inteiramente dependente da preferência dos que lhes
compram os produtos; a mais poderosa empresa perderia seu poder e sua influência se perdesse seus clientes.

Há cinquenta ou sessenta anos, era voz corrente em quase todos os países capitalistas que as companhias de
estradas de ferro eram por demais grandes e poderosas: sendo monopolistas, tornavam impossível a
concorrência. Alegava­se que, na área dos transportes, o capitalismo já havia atingido um estágio no qual se
destruira a si mesmo, pois que eliminara a concorrência. O que se descurava era o fato de que o poder das
ferrovias dependia de sua capacidade de oferecer à população um meio de transporte melhor que qualquer
outro. Evidentemente teria sido absurdo concorrer com uma dessas grandes estradas de ferro, através da
implantação de uma nova ferrovia paralela à anterior, porquanto a primeira era suficiente para atender às
necessidades do momento. Mas outros concorrentes não tardaram a aparecer. A livre concorrência não
significa que se possa prosperar pela simples imitação ou cópia exata do que já foi feito por alguém. A
liberdade de imprensa não significa o direito de copiar o que outra pessoa escreveu, e assim alcançar o
sucesso a que o verdadeiro autor fez jus por suas obras. Significa o direito de escrever outra coisa. A
liberdade de concorrência no tocante às ferrovias, por exemplo, significa liberdade para inventar alguma
coisa, para fazer alguma coisa que desafie as ferrovias já existentes e as coloque em situação muito precária
de competitividade.

Nos Estados Unidos, a concorrência que se estabeleceu através dos ônibus, automóveis, caminhões e aviões
impôs às estradas de ferro grandes perdas e uma derrota quase absoluta no que diz respeito ao transporte de
passageiros.

O desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de servir melhor e/ou mais
barato o seu cliente. E, num tempo relativamente curto, esse método, esse princípio, transformou a face do
mundo, possibilitando um crescimento sem precedentes da população mundial.

Na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões de pessoas, num baixíssimo
padrão de vida. Hoje, mais de cinquenta milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão de vida que chega a
ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. E o padrão de vida na Inglaterra de hoje seria
provavelmente mais alto ainda, não tivessem os ingleses dissipado boa parte de sua energia no que, sob
diversos pontos de vista, não foram mais que "aventuras" políticas e militares evitáveis.

Estes são os fatos acerca do capitalismo. Assim, se um inglês ­ ou, no tocante a esta questão, qualquer
homem de qualquer país do mundo ­ afirmar hoje aos amigos ser contrário ao capitalismo, há uma
esplêndida contestação a lhe fazer: "Sabe que a população deste planeta é hoje dez vezes maior que nos

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períodos precedentes ao capitalismo? Sabe que todos os homens usufruem hoje um padrão de vida mais
elevado que o de seus ancestrais antes do advento do capitalismo? E como você pode ter certeza de que, se
não fosse o capitalismo, você estaria integrando a décima parte da população sobrevivente? Sua mera
existência é uma prova do êxito do capitalismo, seja qual for o valor que você atribua à própria vida."

Não obstante todos os seus benefícios, o capitalismo foi furiosamente atacado e criticado. É preciso
compreender a origem dessa aversão. É fato que o ódio ao capitalismo nasceu não entre o povo, não entre os
próprios trabalhadores, mas em meio à aristocracia fundiária ­ a pequena nobreza da Inglaterra e da Europa
continental. Culpavam o capitalismo por algo que não lhes era muito agradável: no início do século XIX, os
salários mais altos pagos pelas indústrias aos seus trabalhadores forçaram a aristocracia agrária a pagar
salários igualmente altos aos seus trabalhadores agrícolas. A aristocracia atacava a indústria criticando o
padrão de vida das massas trabalhadoras.

Obviamente, do nosso ponto de vista, o padrão de vida dos trabalhadores era extremamente baixo. Mas, se
as condições de vida nos primórdios do capitalismo eram absolutamente escandalosas, não era porque as
recém­criadas indústrias capitalistas estivessem prejudicando os trabalhadores: as pessoas contratadas pelas
fábricas já subsistiam antes em condições praticamente subumanas.

A velha história, repetida centenas de vezes, de que as fábricas empregavam mulheres e crianças que, antes
de trabalharem nessas fábricas, viviam em condições satisfatórias, é um dos maiores embustes da história.
As mães que trabalhavam nas fábricas não tinham o que cozinhar: não abandonavam seus lares e suas
cozinhas para se dirigir às fábricas ­ corriam a elas porque não tinham cozinhas e, ainda que as tivessem, não
tinham comida para nelas cozinharem. E as crianças não provinham de um ambiente confortável: estavam
famintas, estavam morrendo. E todo o tão falado e indescritível horror do capitalismo primitivo pode ser
refutado por uma única estatística: precisamente nesses anos de expansão do capitalismo na Inglaterra, no
chamado período da Revolução Industrial inglesa, entre 1760 e 1830, a população do país dobrou, o que
significa que centenas de milhares de crianças ­ que em outros tempos teriam morrido ­ sobreviveram e
cresceram, tornando­se homens e mulheres.

Não há dúvida de que as condições gerais de vida em épocas anteriores eram muito insatisfatórias. Foi o
comércio capitalista que as melhorou. Foram justamente aquelas primeiras fábricas que passaram a suprir,
direta ou indiretamente, as necessidades de seus trabalhadores, através da exportação de manufaturados e da
importação de alimentos e matérias­primas de outros países. Mais uma vez, os primeiros historiadores do
capitalismo falsearam ­ é difícil usar uma palavra mais branda ­ a história.

Há uma anedota ­ provavelmente inventada ­ que se costuma contar a respeito de Benjamin Franklin: em
visita a um cotonifício na Inglaterra, Benjamin Franklin ouviu do proprietário cheio de orgulho: "Veja, temos
aqui tecidos de algodão para a Hungria." Olhando à sua volta e constatando que os trabalhadores estavam em
andrajos, Franklin perguntou: "E por que não produz também para os seus empregados?"

Mas as exportações de que falava o dono do cotonifício realmente significavam que ele de fato produzia para
os próprios empregados, visto que a Inglaterra tinha de importar toda a sua matéria­prima. Não possuía
nenhum algodão, como também ocorria com a Europa continental. A Inglaterra atravessava uma fase de
escassez de alimentos: era necessária sua importação da Polônia, da Rússia, da Hungria. Assim, as
exportações ­ como as de tecidos ­ se constituíam no pagamento de importações de alimentos necessários à
sobrevivência da população inglesa. Muitos exemplos da história dessa época revelarão a atitude da pequena
nobreza e da aristocracia com relação aos trabalhadores. Quero citar apenas dois. Um é o famoso sistema
inglês do seed and land. Por tal sistema, o governo inglês pagava a todos os trabalhadores que não
chegavam a receber um salário mínimo (oficialmente fixado) a diferença entre o que recebiam e esse
mínimo. Isso poupava à aristocracia fundiária o dissabor de pagar salários mais altos. A pequena nobreza
continuaria pagando o tradicionalmente baixo salário agrícola, suplementado pelo governo. Evitava­se,
assim, que os trabalhadores abandonassem as atividades rurais em busca de emprego nas fábricas urbanas.

Oitenta anos depois, após a expansão do capitalismo da Inglaterra para a Europa continental, mais uma vez
verificou­se a reação da aristocracia rural contra o novo sistema de produção. Na Alemanha, os aristocratas
prussianos ­ tendo perdido muitos trabalhadores para as indústrias capitalistas, que ofereciam melhor
remuneração ­ cunharam uma expressão especial para designar o problema: "fuga do campo" ­ Landflucht.
Discutiu­se, então, no parlamento alemão, que tipo de medida se poderia tomar contra aquele mal ­ e tratava­

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se indiscutivelmente de um mal, do ponto de vista da aristocracia rural. O príncipe Bismarck, o famoso


chanceler do Reich alemão, disse um dia num discurso: "Encontrei em Berlim um homem que havia
trabalhado em minhas terras. Perguntei­lhe: 'Por que deixou minhas terras? Por que deixou o campo? Por
que vive agora em Berlim?'"

E, segundo Bismarck, o homem respondeu: "Na aldeia não se tem, como aqui em Berlim, um Biergarten tão
lindo, onde nos podemos sentar; tomar cerveja e ouvir música." Esta é, sem dúvida, uma estória contada do
ponto de vista do príncipe Bismarck, o empregador. Não seria o ponto de vista de todos os seus
empregados. Estes acorriam à indústria porque ela lhes pagava salários mais altos e elevava seu padrão de
vida a níveis sem precedentes.

Hoje, nos países capitalistas, há relativamente pouca diferença entre a vida básica das chamadas classes mais
altas e a das mais baixas: ambas têm alimento, roupas e abrigo. Mas no século XVIII, e nos que o
precederam, o que distinguia o homem da classe média do da classe baixa era o fato de o primeiro ter
sapatos, e o segundo, não. Hoje, nos Estados Unidos, a diferença entre um rico e um pobre reduz­se muitas
vezes à diferença entre um Cadillac e um Chevrolet. O Chevrolet pode ser de segunda mão, mas presta a seu
dono basicamente os mesmos serviços que o Cadillac poderia prestar, uma vez que também está apto a se
deslocar de um local a outro. Mais de 50% da população dos Estados Unidos vivem em casas e
apartamentos próprios.

As investidas contra o capitalismo ­ especialmente no que se refere aos padrões salariais mais altos ­ tiveram
por origem a falsa suposição de que os salários são, em última análise, pagos por pessoas diferentes daquelas
que trabalham nas fábricas. Certamente, nada impede que economistas e estudantes de teorias econômicas
tracem uma distinção entre trabalhador e consumidor. Mas o fato é que todo consumidor tem de ganhar, de
uma maneira ou de outra, o dinheiro que gasta, e a imensa maioria dos consumidores é constituída
precisamente por aquelas mesmas pessoas que trabalham como empregados nas empresas produtoras dos
bens que consomem.

No capitalismo, os padrões salariais não são estipulados por pessoas diferentes das que ganham os salários:
são essas mesmas pessoas que os manipulam. Não é a companhia cinematográfica de Hollywood que paga
os salários de um astro das telas, quem os paga é o público que compra ingresso nas bilheterias dos cinemas.
E não é o empresário de uma luta de boxe que cobre as enormes exigências de lutadores laureados, mas sim
a plateia, que compra entradas para a luta. A partir da distinção entre empregado e empregador, traça­se, no
plano da teoria econômica, uma distinção que não existe na vida real. Nesta, empregador e empregado são,
em última análise, uma só e a mesma pessoa.

Em muitos países há quem considere injusto que um homem obrigado a sustentar uma família numerosa
receba o mesmo salário que outro, responsável apenas pela própria manutenção. No entanto, o problema é
não questionar se é ao empresário ou não que cabe assumir a responsabilidade pelo tamanho da família de
um trabalhador.

A pergunta que deve ser feita neste caso é: você, como indivíduo, se disporia a pagar mais por alguma coisa,
digamos, um pão, se for informado de que o homem que o fabricou tem seis filhos? Uma pessoa honesta por
certo responderia negativamente, dizendo: "Em principio, sim. Nas na prática tenderia a comprar o pão feito
por um homem sem filho nenhum." O fato é que o empregador a quem os compradores não pagam o
suficiente para que ele possa pagar seus empregados se vê na impossibilidade de levar adiante seus negócios.

O "capitalismo" foi assim batizado não por um simpatizante do sistema, mas por alguém que o tinha na conta
do pior de todos os sistemas históricos, da mais grave calamidade que jamais se abatera sobre a humanidade.
Esse homem foi Karl Marx. Não há razão, contudo, para rejeitar a designação proposta por Marx, uma vez
que ela indica claramente a origem dos grandes progressos sociais ocasionados pelo capitalismo. Esses
progressos são fruto da acumulação do capital; baseiam­se no fato de que as pessoas, por via de regra, não
consomem tudo o que produzem e no fato de que elas poupam ­ e investem ­ parte desse montante.

Reina um grande equívoco em torno desse problema. Ao longo destas seis palestras, terei oportunidade de
abordar os principaís mal­entendidos em voga, relacionados com a acumulação do capital, com o uso do
capital e com os benefícios universais auferidos a partir desse uso. Tratarei do capitalismo particularmente
em minhas palestras dedicadas ao investimento externo e a esse problema extremamente crítico da política
atual que é a inflação. Todos sabem, é claro, que a inflação não existe só neste país. Constitui hoje um
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problema em todas as partes do mundo. O que muitas vezes não se compreende a respeito do capitalismo é o
seguinte: poupança significa benefícios para todos os que desejam produzir ou receber salários.

Quando alguém acumula certa quantidade de dinheiro ­ mil dólares, digamos ­ e confia esses dólares, em
vez de gastá­los, a uma empresa de poupança ou a uma companhia de seguros, transfere esse dinheiro para
um empresário, um homem de negócios, o que vai permitir que esse empresário possa expandir suas
atividades e investir num projeto, que na véspera ainda era inviável, por falta do capital necessário. Que fará
então o empresário com o capital recém­obtido? Certamente a primeira coisa que fará, o primeiro uso que
dará a esse capital suplementar será a contratação de trabalhadores e a compra de matérias­primas ­ o que
promoverá, por sua vez, o surgimento de uma demanda adicional de trabalhadores e matérias­primas, bem
como uma tendência à elevação dos salários e dos preços dessas matérias­primas. Muito antes que o
poupador ou o empresário tenham obtido algum lucro em tudo isso, o trabalhador desempregado, o produtor
de matérias­primas, o agricultor e o assalariado já estarão participando dos benefícios das poupanças
adicionais.

O que o empresário virá ou não a ganhar com o projeto depende das condições futuras do mercado e de seu
talento para prevê­las corretamente. Mas os trabalhadores, assim como os produtores de matéria­prima,
auferem as vantagens de imediato. Muito se falou, trinta ou quarenta anos atrás, sobre a "política salarial" ­
como a denominavam ­ de Henry Ford. Uma das maiores façanhas do Sr. Ford consistia em pagar salários
mais altos que os oferecidos pelas demais industrias ou fábricas. Sua política salarial foi descrita como uma
"invenção". Não se pode, no entanto, dizer que essa nova política "inventada" seja simplesmente um fruto da
liberalidade do Sr. Ford. Um novo ramo industrial ­ ou uma nova fábrica num ramo já existente ­ precisa
atrair trabalhadores de outros empregos, de outras regiões do país e até de outros países. E não há outra
maneira de fazê­lo senão através do pagamento de salários mais altos aos trabalhadores. Foi o que ocorreu
nos primórdios do capitalismo, e é o que ocorre até hoje.

Na Grã­Bretanha, quando os fabricantes começaram a produzir artigos de algodão, eles passaram a pagar aos
seus trabalhadores mais do que estes ganhavam antes. Ê verdade que grande porcentagem desses novos
trabalhadores jamais ganhara coisa alguma antes. Estavam, então, dispostos a aceitar qualquer quantia que
lhes fosse oferecida. Mas, pouco tempo depois, com a crescente acumulação do capital e a implantação de
um número cada vez maior de novas empresas, os salários se elevaram, e como consequência houve aquele
aumento sem precedentes da população inglesa, ao qual já me referi. A reiterada caracterização depreciativa
do capitalismo como um sistema destinado a tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres é equivocada
do começo ao fim. A tese de Marx concernente ao advento do capitalismo baseou­se no pressuposto de que
os trabalhadores estavam ficando mais pobres, de que o povo estava ficando mais miserável, o que
finalmente redundaria na concentração de toda a riqueza de um país em umas poucas mãos, ou mesmo nas de
um homem só. Como consequência, as massas trabalhadoras empobrecidas se rebelariam e expropriariam os
bens dos opulentos proprietários.

Segundo essa doutrina de Marx, é impossível, no sistema capitalista, qualquer oportunidade, qualquer
possibilidade de melhoria das condições dos trabalhadores. Em 1865, falando perante a Associação
Internacional dos Trabalhadores, na Inglaterra, Marx afirmou que a crença de que os sindicatos poderiam
promover melhores condições para a população trabalhadora era "absolutamente errônea". Qualificou a
política sindical voltada para a reivindicação de melhores salários e menor número de horas de trabalho de
conservadora ­ era este, evidentemente, o termo mais desabonador a que Marx podia recorrer. Sugeriu que
os sindicatos adotassem uma nova meta revolucionária: a "completa abolição do sistema de salários", e a
substituição do sistema de propriedade privada pelo "socialismo" ­ a posse dos meios de produção pelo
governo.

Se consideramos a história do mundo ­ e em especial a história da Inglaterra a partir de 1865 ­ verificaremos


que Marx estava errado sob todos os aspectos. Não há um só país capitalista em que as condições do povo
não tenham melhorado de maneira inédita. Todos esses progressos ocorridos nos últimos oitenta ou noventa
anos produziram­se a despeito dos prognósticos de Karl Marx: os socialistas de orientação marxista
acreditavam que as condições dos trabalhadores jamais poderiam melhorar. Adotavam uma falsa teoria, a
famosa "lei de ferro dos salários". Segundo esta lei, no capitalismo, os salários de um trabalhador não
excederiam a soma que lhe fosse estritamente necessária para manter­se vivo a serviço da empresa.

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Os marxistas enunciaram sua teoria da seguinte forma: se os padrões salariais dos trabalhadores sobem, com
a elevação dos salários, a um nível superior ao necessário para a subsistência, eles terão mais filhos. Esses
filhos, ao ingressarem na força de trabalho, engrossarão o número de trabalhadores até o ponto em que os
padrões salariais cairão, rebaixando novamente os salários dos trabalhadores a um nível mínimo necessário
para a subsistência ­ àquele nível mínimo de sustento, apenas suficiente para impedir a extinção da
população trabalhadora.

Mas essa ideia de Marx, e de muitos outros socialistas, envolve um conceito de trabalhador idêntico ao
adotado ­ justificadamente ­ pelos biólogos que estudam a vida dos animais. Dos camundongos, por
exemplo. Se colocarmos maior quantidade de alimento à disposição de organismos animais, ou de
micróbios, maior número deles sobreviverá. Se a restringirmos, restringiremos o número dos sobreviventes.
Mas com o homem é diferente. Mesmo o trabalhador ­ ainda que os marxistas não o admitam ­ tem
carências humanas outras que as de alimento e de reprodução de sua espécie. Um aumento dos salários reais
resulta não só num aumento da população; resulta também, e antes de tudo, numa melhoria do padrão de
vida média. É por isso que temos hoje, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, um padrão de vida
superior ao das nações em desenvolvimento, às da África, por exemplo. Devemos compreender, contudo,
que esse padrão de vida mais elevado fundamenta­se na disponibilidade de capital. Isso explica a diferença
entre as condições reinantes nos Estados Unidos e as que encontramos na Índia. Neste país foram
introduzidos ­ ao menos em certa medida ­ modernos métodos de combate a doenças contagiosas, cujo efeito
foi um aumento inaudito da população. No entanto, como esse crescimento populacional não foi
acompanhado de um aumento correspondente do montante de capital investido no país, o resultado foi um
agravamento da miséria. Quanto mais se eleva o capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o
país.

Mas é preciso lembrar que nas políticas econômicas não ocorrem milagres. Todos leram artigos de jornal e
discursos sobre o chamado milagre econômico alemão ­ a recuperação da Alemanha depois de sua derrota e
destruição na Segunda Guerra Mundial. Mas não houve milagre. Houve tão­somente a aplicação dos
princípios da economia do livre mercado, dos métodos do capitalismo, embora essa aplicação não tenha sido
completa em todos os pontos. Todo país pode experimentar o mesmo "milagre" de recuperação econômica,
embora eu deva insistir em que esta não é fruto de milagre: é fruto da adoção de políticas econômicas
sólidas, pois que é delas que resulta.

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