DISSERTAÇÃO Leandro Ferreira Aguiar

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

LEANDRO FERREIRA AGUIAR

FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE: as tendências


ideopolítico-pedagógicas nos programas de residência
multiprofissional em Recife/PE

RECIFE
2020
LEANDRO FERREIRA AGUIAR

FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE: as tendências


ideopolítico-pedagógicas nos programas de residência
multiprofissional em Recife/PE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social do Centro de
Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Federal de Pernambuco, para obtenção de grau de
Mestre em Serviço Social.

Orientação: Professora Doutora Valdilene Pereira


Viana Schmaller.

RECIFE
2020
Catalogação na Fonte
Bibliotecária Ângela de Fátima Correia Simões, CRB4-773

A282f Aguiar, Leandro Ferreira


Formação Profissional em Saúde: as tendências ideopolítico-
pedagógicas nos programas de residências multiprofissionais em Recife/PE/
Leandro Ferreira Aguiar. - 2020.
131 folhas: il. 30 cm.

Orientadora: Prof.ª Dra. Valdilene Pereira Viana Schmaller.


Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de
Pernambuco, CCSA, 2020.
Inclui referências.

1. Estado. 2. Política de saúde. 3. Residências multiprofissionais. I.


Schmaller, Valdilene Pereira Viana (Orientadora). II. Título.

361 CDD (22. ed.) UFPE (CSA 2020 – 100)


Leandro Ferreira Aguiar
“FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE: as tendências ideopolítico-
pedagógicas nos programas de residências multiprofissionais em Recife/PE.”

Dissertação apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Serviço Social da
Universidade Federal de Pernambuco –
PPGSS/UFPE para a obtenção do título
de Mestre em Serviço Social.
Linha de Pesquisa: Estado, políticas
sociais e ação do Serviço Social.
Área de concentração: Serviço
Social, Movimentos Sociais e Direitos
Sociais.

Aprovada em 10/08/2020 pela banca examinadora constituída pelas seguintes


professoras:

Participação via Videoconferência


Prof.ª Dra. Valdilene Pereira Viana Schmaller (Orientadora e Examinadora
Interna)
Universidade Federal de Pernambuco

Participação via Videoconferência


Prof.ª Dr.ª Mônica Rodrigues Costa (Examinadora Interna)
Universidade Federal de Pernambuco

Participação via Videoconferência


Prof.ª Dr.ª Delâine Cavalcanti Santana de Melo (Examinadora Externa)
Universidade Federal de Pernambuco

Recife, 10 de agosto de 2020.


AGRADECIMENTOS

A caminhada que percorri durante o período de realização do mestrado, assim


como da maturação, pesquisa e escrita do presente estudo, foi vivenciada por um
conjunto de acontecimentos sociais, políticos e sanitários que irão marcar a todos/as
nós, nacional e internacionalmente. E são nesses momentos que nós percebemos o
quão importante são as pessoas que estão ao nosso lado, construindo nosso cotidiano
e fazendo possível suportar esses dias tão difíceis que tem sido viver no planeta Terra.

O ano de 2018 iniciou para mim com a felicidade de uma nova etapa profissional
e acadêmica. A aprovação do mestrado foi um triunfo pessoal na busca por aprimorar
meus conhecimentos teóricos/acadêmicos. Percorri tantas dificuldades até chegar
aqui, tantos momentos difíceis e lutas – muitas vezes protagonizadas por mim mesmo
e minha autoestima/saúde mental. Inicio meus agradecimentos ao ser que habita em
mim. Gratidão a mim por ter tido a força de enfrentar, junto aos meus pares, as
dificuldades impostas pela vida em sociedade.

Nesse período tive o prazer de conhecer pessoas ímpares (que se tornaram


pares) com as suas vivências e singularidades, pessoas que marcaram minha vida
pessoal, acadêmica e profissional. Agradeço a minha turma de mestrado por ter me
acolhido e dividido tantos momentos maravilhosos e angustiantes desse período. À
Amanda Menezes, Ana Virgínia, Ana Emmanuela, Ana Caroline, Aline Souto, Kellyane
de Santana, Jonathan Faria e, em especial, Geiziane Cotrim, Lohana Lemos, Rebeca
Gomes e Renata Alves, dedico minha gratidão por tudo que me proporcionaram.

Agradeço a todas as professoras do Departamento de Serviço Social da


Universidade Federal de Pernambuco, por tanta dedicação na nossa formação
educativa e humana. Vocês são fonte de inspiração para nós alunos/as. Agradeço em
especial as professoras e professor que estiveram à frente das disciplinas do
mestrado e que foram ricas para o meu amadurecimento pessoal e acadêmico: Ana
Arcoverde, Ana Vieira, Alexandra Mustafá, Helena Chaves, Juliane Peruzzo e Marco
Mondaine.

Agradeço imensamente a professora Valdilene Viana, minha orientadora, pelo


acolhimento, paciência e por ter dividido comigo seu conhecimento. Gratidão por ter
ajudado meu desenvolvimento acadêmico e por todo conhecimento que você me
proporcionou. O presente trabalho só foi possível devido a sua majestosa
contribuição.

À professora Delâine de Melo, agradeço por ter me acolhido no Estágio de


Docência e ter possibilitado a aproximação à sala de aula. Conjuntamente a
professora Maria das Graças, agradeço-as pelas grandes contribuições a este
trabalho no período de qualificação – os avanços que obtive foram graças a vocês.
Agradeço também à Luciana Fauber, minha revisora, por proporcionar contribuições
importantes para a melhor coesão e coerência do trabalho desde a qualificação.
Gratidão a vocês.

Aos meus pais, Ledjane Ferreira e Luciano Aguiar, dedico este trabalho. A minha
formação e trajetória profissional só foi possível por vocês terem me dado o privilégio
do estudo. Vocês foram os primeiros que sonharam junto comigo esse momento,
mesmo diante das dificuldades impostas pela vida para vocês. Gratidão por tudo.

Às/aos Assistentes Sociais do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP),


colegas de trabalho cotidiano, gratidão por todo o aprendizado e trocas de
conhecimento. Em especial esse agradecimento vai a coordenadora do Serviço Social
do IMIP, Leila Benício, por toda a dedicação com o nosso projeto ético-político e por
nos auxiliar sempre quando precisamos. Gratidão!

Agradeço imensamente minhas amigas e amigos pela força que me deram


durante esse período, sem vocês não sei se conseguiria toda a conquista que tive até
o momento. Especialmente a quem esteve mais junto nessa jornada: Danúbia Borba,
Thâmara Morais, Paula Ferreira, Rafaela Saraiva, Laura Rodrigues, Eduardo Fidelis,
Wilton Leal, Ingrid Beserra, Laís Regina, Artur Amorim, Nicolas Santos e Lethícia
Ferreira, minha gratidão por tudo. Agradeço imensamente também a Guilherme Luna
por toda a paciência, dedicação e por ter me proporcionado os melhores momentos –
sou privilegiado de ser teu companheiro.

Às/aos (ex-)residentes multiprofissionais, agradeço pela luta diária –


principalmente nesses tempos tão nebulosos de pandemia que vivemos.

Por fim, agradeço a todas/os que possibilitaram a Saúde Pública brasileira e aos
idealizadores da Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde. Este trabalho é
dedicado a vocês.
(...) em determinado momento de nossa existência, perdemos o
controle de nossas vidas e ela passa a ser governada pelo
destino. Esta é a maior mentira do mundo. (Paulo Coelho)
RESUMO

No atual cenário de avanço da contrarreforma do Estado Brasileiro, operado pelos


ideais neoliberais, evidencia-se tendências à intensificação da mercantilização,
flexibilização e desmonte das políticas sociais – em particular as políticas de educação
e saúde. A contrarreforma tem diversas expressões, concretizada através do uso do
fundo público para financiamento das Organizações Sociais e entidades filantrópicas
na execução de serviços; do financiamento de dívidas do setor privado, a exemplo
dos planos privados de saúde; dos novos modelos de gestão de serviços de saúde e
educação pautados na lógica da produtividade; do crescimento dos cursos para
formação no setor privado; da precarização da classe trabalhadora na intensificação,
flexibilização e polivalência do trabalho; da individualização e tecnicismo no
desenvolvimento de ações e serviços; dentre outros. A formação de recursos
humanos capacitados a atender às necessidades de saúde da população passa a ter
novas (velhas) configurações, através da lógica da racionalização, da produtividade e
individualização do processo saúde-doença. Nessa conjuntura política de
contrarreforma, foram criados os cursos de Residências Multiprofissionais em Saúde,
através da Lei n° 11.129 de 2005, de 30 de junho, que envolvem as catorze profissões
de nível superior de saúde. As Residências Multiprofissionais, criadas para
especializar equipes multiprofissionais conforme os princípios do SUS, vivenciam
rebatimentos desse processo de contrarreforma do Estado idealizado pelo
direcionamento político neoliberal. O presente estudo tem por objetivo geral analisar
as tendências ideopolítica-pedagógicas no processo de formação profissional nos
Programas de Residência Multiprofissional em Saúde da cidade do Recife/PE. Para
atingir o objetivo central, a pesquisa envolve a abordagem qualitativa, pesquisa
documental (coleta de dados primários) e a técnica de análise de conteúdo. Foram
analisados 7 (sete) programas de residências que incluem as áreas de saúde da
atenção básica, hospitalar e saúde coletiva. O estudo possibilitou compreender as
tendências e direcionamentos presentes no Projeto Político-Pedagógico (PPP) na
formação das Residências Multiprofissionais diante do cenário de contrarreforma do
Estado brasileiro. Evidenciou-se no decorrer do estudo tendências e expressões da
restruturação produtiva na política de saúde e seus rebatimentos na formação de
profissionais. O estudo traz conclusões sobre as potencialidades dos programas de
Residência Multiprofissionais para a formação dos Recursos Humanos do SUS, assim
como as dificuldades diante da atual realidade ultraconservadora e ultraneoliberal do
Estado Brasileiro, traçando-se desafios para a sociedade e movimentos sociais.

Palavras-chave: Estado. Política de Saúde. Formação em Saúde. Residências


Multiprofissionais.
ABSTRACT

The current advancing scenario of Brazilian State counter-reform, operated by


neoliberals ideals, highlights tendencies to intensification of mercantilization,
flexibilization and dismantle of social politics - particularly education and health politics.
The counter-reform has diverse expressions, accomplished through the use of public
funds to finance the Social Organizations and philanthropic entities on the execution
of services; the financing of private sector debts, as an example the private health
plans; the new health and education services management models based on the
productivity logic; the growth of training courses in the private sector; the working class
precariousness due to work intensification,flexibilization and polyvalence; the
individualization and technicality on the development of actions and services; among
others. The formation of human resources capable of attending the population health
necessities begins to have new (old) configurations, through the rationalization logic,
the productivity and individualization of the health-disease process. In this political
counter-reform conjuncture, were created the courses of Multiprofessional Health
Residencies, through the Law n° 11.129 from 2005, July 30th, that involve the fourteen
professions of higher level health. The Multiprofessional Residencies, created to
specialize multiprofessional teams according to the SUS principes, experience
rebuttals from this State counter reform process, idealized by the neoliberal political
direction. The present study has the general objective to analyse the ideological
political-pedagogic tendencies in the professional formation process on the
Multiprofessional Health Residencies Programs in the city of Recife/PE. To achieve
the central objective, the research involves a qualitative approach, documental
research (primal data collection) and the content analysis technique. There were
analysed 7 (seven) residencies programs that include the areas of basic health care,
hospitalar and collective health. The study made possible to comprehend the
tendencies and current directions on the Political-Pedagogical Project (PPP) on
forming the Multiprofessional Residencies facing Brazilian State counter-reform
scenario. Were highlighted along the study, tendencies and expressions of productive
restructuring in the health politics and it’s rebuttals on professionals formation. The
study brings conclusions about the potentialities of the Multiprofessional Residencies
programs for the formation of the SUS Human Resources, as well as the difficulties
facing the current ultraconservatorial and ultraneoliberal Brazilian State reality, tracing
challenges to the society and the social movements.

Keywords: State. Health Politic. Health Formation. Multiprofessional Residencies.


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Residências Multiprofissionais em Saúde, por tipo de 77


programa, instituições de ensino superior, perfil, serviço,
profissão em formação, segundo editais 2018. Recife, PE
– Brasil.

Quadro 2 – Programas de Residência Multiprofissionais aptos 81


segundo critérios de inclusão. Recife/PE – Brasil

Quadro 3 – Programas de Residência Multiprofissionais, responderam 82


a carta de anuência. Recife/PE – Brasil

Quadro 4 – Denúncias apresentadas, entre 2014 a 2018, nas 84


plenárias da CNRMS/ Mec. Brasil.

Quadro 5 – Programas de Residência Multiprofissionais participantes 91


da pesquisa, por ano de criação, Recife/PE, 2020.

Quadro 6 – Programa de Residência Multiprofissional em Saúde, 111


segundo as Finalidades e Perfil do Egressos, Recife/PE.
2020.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CNRMS Comissão Nacional de Residência Multiprofissional de


Saúde
EC Emenda Constitucional
EaD Educação a Distância
EIP Educação Interprofissional
EP Educação Permanente
EPS Educação Permanente em Saúde
ERIP-SUS Estágio Regional Interprofissional
ESF Estratégia Saúde da Família
FMI Fundo Monetário Internacional
HUOC Hospital Universitário Oswaldo Cruz
IMIP Instituto Materno Infantil de Pernambuco
NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG Organização Não-governamental
OPAS Organização Pan-Americana de Saúde
OS Organização Social
PBS Programa Brasil Sorridente
PNEPS Política Nacional de Educação Permanente em Saúde
PPRIS Programas de Pós-graduação em Residência Integrada
em Saúde
PRÓ-SAÚDE Programa Nacional de Reorientação da Formação
Profissional em Saúde
PET-SAÚDE Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde
PET-Conexões de Programa de Educação Tutorial Conexões de Saberes
Saberes
PPP Projeto Político-pedagógico
PRMS Programa de Residência Multiprofissional em Saúde
PRIS Programas de Residência Integrada em Saúde.
PSL Partido Social Liberal
PT Partido dos Trabalhadores
RMSF Residência Multiprofissional em Saúde da Família
RMSM Residência Multiprofissional em Saúde Mental
RMSC Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva
RMUET - HGV Residência Multiprofissional em Urgência, Emergência e
Trauma do Hospital Getúlio Vargas
SUS Sistema Único de Saúde
SGETS Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na
Saúde
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UPE Universidade Estadual de Pernambuco
VER-SUS Vivências-Estágio na Realidade do SUS
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO E TRABALHO EM SAÚDE: UMA ANÁLISE SOBRE AS


BASES IDEOPOLÍTICAS E PEDAGÓGICAS NA SOCIABILIDADE CAPITALISTA
.................................................................................................................................. 26

1.1 Considerações Históricas sobre a Relação Trabalho e Educação ........................................ 26


1.2 Restruturação Produtiva, Neoliberalismo e seus Impactos na Relação Trabalho e Educação .... 35
1.3 Trabalho e Formação em Saúde na Sociabilidade Capitalista........................................43

CAPÍTULO 2 – TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO E TRABALHO PARA A POLÍTICA


DE SAÚDE NO BRASIL E AS PARTICULARIDADES DA FORMAÇÃO NOS
PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL ....................................... 51

2.1 Saúde Pública e as Particularidades na Formação do Estado Brasileiro: das raízes à contrarreforma
do setor saúde............................................................................................................... 51
2.2 Sistema Único de Saúde do Brasil: as tendências ideopolíticas na relação educação, trabalho e
saúde .......................................................................................................................... 61
2.3 Formação Profissional em Saúde no Brasil: o processo de construção dos Programas de Residência
Multiprofissional ............................................................................................................. 71

CAPITÚLO 3 – TENDÊNCIAS IDEOPOLÍTICO-PEDAGÓGICAS DA FORMAÇÃO


PROFISSIONAL EM SAÚDE DO RECIFE/PE ......................................................... 77

3.1 Caminhos Metodológicos ............................................................................................ 77


3.2 Resultado e Discussão ............................................................................................... 83
3.2.1 A Formação Profissional e a Residência Multiprofissional em Saúde ................................. 83
3.2.2 Tendências Ideopolíticas e Pedagógicas dos Programas de Residência Multiprofissional do
Recife/PE ..................................................................................................................... 93
3.2.2.1 Projetos Societários nos Programas de Residência Multiprofissionais ............................. 95
3.2.2.2 Tendências da Concepção de Saúde, Trabalho e Educação nos Programas de Residência
Multiprofissionais ........................................................................................................... 99
3.2.2.3 Tendências da Gestão dos Projetos Político-pedagógicos .......................................... 108
3.2.2.4 Perfil do Egresso nos Programas de Residência Multiprofissional ................................. 111
3.2.2.5 As tendências para a formação nos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde do
Recife/PE ................................................................................................................... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 116

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 121
13

INTRODUÇÃO

A atual conjuntura política, econômica e social do Brasil é marcada pela


regressão ao que se esperava há 30 anos com a promulgação da Constituição Federal
“cidadã”. Entende-se que em 1988 o país alcançou formalmente conquistas para
construção do Estado Democrático de Direito, principalmente ao se instituir direitos
sociais que buscam atender às diversas necessidades sociais da população nacional,
mesmo dentro da esfera da sociabilidade capitalista. Contudo, a concretização desses
direitos sociais na realidade foi inviabilizada diante das medidas neoliberais
implantadas para manutenção da acumulação do capital a partir da década de 1990.
Das políticas sociais implantadas com a Constituição Federal de 1988, destaca-
se o tripé da seguridade social, o qual se constitui pela assistência social, previdência
e saúde. A política pública de saúde nasce no território de disputas da classe
trabalhadora versus o capital, a partir da organização da luta em defesa da Reforma
Sanitária Brasileira1 (RSB) cujo projeto era a universalidade e integralidade do acesso
aos serviços de saúde por toda a população nacional.

Originalmente uma ideia e um ideário de um grupo de intelectuais, a proposta


se desenvolveu na transição democrática, congregando entidades
representativas dos gestores, profissionais de saúde e movimentos sociais
que, articulados na Plenária Nacional de Entidades de Saúde, conseguiu
influenciar o processo constituinte e plasmar a Constituição Brasileira de 1988
(CF/88) o texto aprovado na 8a. Conferência Nacional de Saúde que garante
que ‘Saúde é um Direito de Todos e um Dever do Estado’. Em outras
palavras, a saúde passou a fazer parte dos direitos sociais da cidadania
(PAIM, 2008, p. 154).

A política de saúde brasileira, a partir de 1988, passa a ser caracterizada


enquanto direito universal, direito de todos e dever do Estado. Contudo, com a
ascensão neoliberal logo após a sua conquista, em 1990, vivencia ameaças para a
sua consolidação. São algumas das características dessas ameaças neoliberais: a
ausência de repasse financeiro suficiente para a ampliação dos serviços e da
consolidação da própria política de saúde (atualmente expresso pela Emenda
Constitucional 95/2016, que congela os gastos públicos por vinte anos); o
sucateamento dos serviços e a precarização do trabalho (caracterizado pela falta de

1 Cf. Para conhecer a história da Reforma Sanitária Brasileira (PAIM, 2008).


14

materiais, equipamentos, estruturas e insumos); ausência de investimento nos


recursos humanos do Sistema Único de Saúde (SUS) para a demanda populacional
(principalmente na atenção básica); superlotação dos serviços; repasse do fundo
público2 da saúde para fundações públicas de direito privado – Organizações Sociais
da Saúde (OSS)3, e para as demais entidades filantrópicas, a fim de administrar os
serviços públicos de saúde — reforçando o caráter da ajuda em detrimento do direito.
A diretriz ideopolítica neoliberal se espraia em todos os espaços. Neste estudo,
entendemos que o neoliberalismo busca dinamizar a acumulação do capital através
do desenvolvimento de capacidades que mobilizem e impulsionem o mercado e a
acumulação capitalista. Esse projeto de desmonte, balizado pela restruturação
produtiva e acumulação flexível, exige novas formas de apropriação da força de
trabalho através de instrumentos que moldem o trabalhador às novas exigências do
mercado. Tecnicismo, aprofundamento da fragmentação do saber, reducionismo,
polivalência e flexibilidade são algumas das principais características ideopolíticas da
racionalidade formal-abstrata 4 proposta para formação do/a trabalhador/a em
detrimento de uma formação para trabalho que busque a emancipação humana.
Todavia, há correlações de forças que contrariam a lógica do neoliberalismo,
disputando os espaços pela hegemonia. Historicamente, é no bojo dos movimentos
sociais da classe trabalhadora que se realiza o confronto ao desenvolvimento desigual
e às mazelas instauradas pela dinâmica da sociedade capitalista. Os movimentos da
classe trabalhadora, com toda a sua diversidade, baseiam-se em princípios da
igualdade, equidade, progresso democrático-popular e coletivo, buscando a
implementação de direitos sociais que possibilitem o desenvolvimento das
necessidades e potencialidades individuais e coletivas — por uma emancipação
política e humana.
As correlações de forças que disputam a política de saúde brasileira se
fundamentam por três principais projetos ideopolíticos: a perspectiva privatista,
baseada, atualmente, nos princípios neoliberais; a perspectiva coletiva da Reforma

2 Cf.: SALVADOR (2012).


3 Cf.: BRAVO et al. (2015); MORAIS et al. (2018); XIMENES; SCHMALLER; BEZERRA (2018).
4 Conforme Beserra (2016, p. 29), “consideramos que o sistema que direciona o desenvolvimento das

relações econômicas e sociais na sociedade moderna, o capitalismo, ideologiza um conjunto de


inversões, mecanismos de regulação social que passam a ser instituídos. Inserida nessas inversões,
encontra-se a racionalidade formal-abstrata que se materializa no processo de trabalho da ordem
burguesa, operando a mercantilização das relações sociais e coisificando todas as esferas da vida
humana”.
15

Sanitária, na qual a saúde é um direito universal e deve ser prestado pelo Estado de
forma universal à população, com base nos movimentos sanitaristas e populares; e a
perspectiva do SUS possível, sendo uma tentativa de conciliar os dois projetos,
advindo de uma perspectiva de conciliação de classes.
O Sistema Único de Saúde, enquanto conquista do projeto de Reforma Sanitária,
conseguiu trazer uma nova perspectiva de atenção e assistência à saúde da
população. Entre seus avanços, pode-se elencar a Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde (PNEPS), instituída em 2004 pela Portaria nº 198, como
estratégia do SUS para fortalecer o desenvolvimento profissional e a formação em
saúde (BRASIL, 2004).
A partir do surgimento da PNEPS, ascende no país um cenário mais progressista
para a formação pelo SUS, com base nos princípios defendidos pela Reforma
Sanitária. Surgem nesse cenário os Programas de Residência Multiprofissional em
Saúde, enquanto formação estratégica para capacitar profissionais para atender às
necessidades de saúde da população usuária brasileira. Foram instituídas pela Lei
11.129 de 30 de junho de 20055, acrescida pela Portaria 45/20076, em que se cria a
Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), que
estabeleceu sua composição e atribuições para organizar o funcionamento dos
Programas de Residência em Área Profissional da Saúde.
Os cursos de Residências Multiprofissionais podem ser compostos pelas 14
(catorze) profissões de nível superior da saúde, definidas conforme Resolução CNS
nº 287/1998 7 , sendo elas: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física,
Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição,
Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional.
Apesar desses avanços para a formação para e pelo SUS, principalmente a partir
da capacitação dos seus profissionais para uma nova perspectiva de assistência,
percebe-se nos últimos anos o direcionando para tendências contrárias aos princípios
da universalidade, integralidade, igualdade e participação social que compõem o SUS.
Assim, a Política de Saúde Brasileira passa a ser atingida cada vez mais pela

5 Cf. Portaria conjunta entre o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Saúde (MS) (BRASIL,
2005).
6 Cf. PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 45, DE 12 DE JANEIRO DE 2007. Dispõe sobre a Residência

Multiprofissional em Saúde e a Residência em Área Profissional da Saúde e institui a Comissão


Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (BRASIL, 2007).
7 Cf. Resolução nº 287 de 08 de Outubro de 1998 (BRASIL, 1998).
16

perspectiva neoliberal, rebatendo no trabalho e na formação proposta para e pelo


SUS.
Diante dessas reflexões, observou-se a necessidade de aprofundar estudos que
evidenciem as atuais tendências da política social de saúde brasileira diante dos
ataques e desmontes proporcionados pelo projeto neoliberal — suas formas de se
apropriar da política e os impactos para a população e para a classe trabalhadora.
Faz-se importante refletir sobre as facetas pelas quais a restruturação produtiva
contemporânea do capital vem se apresentando na política de saúde e no trabalho
cotidiano nessa área.
O presente estudo tem como ponto de partida a minha vivência no Programa de
Residência Multiprofissional em Cuidados Paliativos em Saúde, realizado no Hospital
Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (HUOC/UPE), no
período de 2015 a 2017.
Os Programas de Residências8 Multiprofissionais em Saúde são um formato de
especialização do trabalho de nível Lato Sensu, que tem como premissa o ensino
realizado inserido nos serviços da área da saúde. A formação na Residência
Multiprofissional não deve favorecer determinada área profissional em detrimento de
outra, todos atuam a partir da sua área de conhecimento baseado no trabalho em
equipe com a perspectiva de estimular trocas de saberes e práticas que possibilitem
a compreensão sobre o processo saúde-doenças, as determinações sociais de saúde
e a criação de estratégias para a intervenção na realidade de saúde da população.
Dito isto, lembramos que as Residências, “[...] não são e não se apresentam
justificativas para que sejam uma continuidade óbvia ou natural da graduação. Não
formam e não deveriam formar para atingir um objetivo que é o da graduação; também
não podem ser a formação superespecialista sem que se tenha suficiente clareza
sobre esta demanda” (DELLEGRAVE; CECCIM, 2018, p. 878). As residências foram
criadas, conforme argumentam os pesquisadores Dellegrave e Ceccim, “[...] para que
nos afastemos do ‘ponto final’ da profissionalização, representado pela graduação,
sem que se exponham os recém-graduados simplesmente ao emprego. Também para
que nos afastemos do ‘ponto de exclamação’ da profissão, obtido com o título (já é
profissional e basta para o trabalho)” (2018, p. 878).

8As Residências em Saúde podem se configurar em três formatos: Uniprofissionais, Multiprofissionais


e Médica. Esta pesquisa se deteve na formação de caráter multiprofissional.
17

Na trajetória de vivência na formação em Residência Multiprofissional,


observamos várias ações desfavoráveis à consolidação do sistema público de saúde
advindas da contrarreforma do setor, tais como o avanço da terceirização e da
precarização do trabalho em saúde.
A nossa vivência de ensino-serviço ainda nos possibilitou experienciar a luta dos
movimentos sociais do setor saúde contra os avanços da contrarreforma, a partir da
atuação da Frente Nacional contra a privatização da Saúde9. Além disso, durante a
especialização também foi possível identificar vários entraves quanto à estabilização
do sistema em decorrência do processo de flexibilização, precarização do trabalho,
investida contra os direitos trabalhistas e criação das Organizações Sociais, como o
novo modelo de gerenciamento dos serviços.
Nos dois anos de residência, observou-se várias contradições e conflitos
diretamente relacionados à formação profissional na residência, a saber:
1. A dificuldade de estabelecimento de diálogo entre as áreas
multiprofissionais do conhecimento;
2. O avanço da perspectiva tecnicista na formação, sobrepondo-se a prática
ao desenvolvimento teórico;
3. O ecletismo teórico, espraiando-se na prática interventiva;
4. O não entendimento das atribuições específicas das profissões pelos
residentes, tutores e preceptores;
5. A sobrecarga de trabalho dos preceptores/tutores que não recebem
dispensação de carga horária, nem renumeração para realizar o
acompanhamento teórico-prático dos residentes ou a devida preparação
teórico-metodológica;
6. A sobrecarga do trabalho de residentes, confusão de papéis entre ser
estudante e profissional, atribuição de serviços aos estudantes que
deveriam ser executados por profissionais contratados/efetivos da
instituição;
7. A inexistência, por vezes, de preceptores de campo que possuem a
mesma formação da profissão de base do residente;
8. Limitações por parte de profissionais preceptores no que se refere a
implementar o projeto político-pedagógico;
9. A ausência de participação e de conhecimento dos residentes quanto às
propostas político-pedagógicas do Programa;
10. Limites dos residentes quanto à compreensão sobre questões
macroestruturais e relacionadas aos determinantes de saúde do país, seja
com relação às práticas técnico-operativas multiprofissionais; dentre
outras expressões.

9 Atualmente se caracteriza enquanto a união de diversos Fóruns em nível nacional, que defende os
princípios trazidos na gênese do Movimento de Reforma Sanitária.
18

Ao passo em que se apreendia essas contradições na materialização da


formação, deparamo-nos com um paradoxo do discurso estatal. Pois, se por um lado
o Estado, que defende a formação para o SUS, financia as Residências
Multiprofissionais em Saúde (mesmo que o cenário aponte para a manutenção do
números de vagas nos editais das Residências e sem aumento no valor mensal das
bolsas), por outro lado os residentes em formação, os tutores nas instituições de
ensino e os preceptores nos serviços de saúde vivenciam nos locais de trabalho o
agravamento da questão social, repercutindo no agir e na formação profissional.
Ao mesmo tempo em que observávamos essas contradições, também
constatamos a ampliação dos números de cursos de Residência em Saúde10. Tal
fenômeno gerou algumas reflexões quanto à efetividade das Residências enquanto
formação profissional para o SUS. Junto a essa ponderação, numa conjuntura de
desmonte das políticas sociais e de luta na defesa dos direitos sociais, nos induziu a
questionar: quais as atuais tendências ideopolíticas constantes nos projetos de
formação profissional das Residências Multiprofissionais em Saúde?
Essa indagação tornou-se central para dar direcionamento teórico-metodológico
ao processo investigativo deste estudo. O nosso ponto de partida foi buscar apreender
os fundamentos teórico-metodológicos que compõem o arcabouço dos Projetos
Políticos-Pedagógicos (PPPs) e se materializam nas tendências ideopolíticas que
determinam o perfil do egresso.
No Brasil, percebe-se a coexistência de duas principais concepções de
educação que direcionam a formação profissional em saúde. Primeiro, há a
perspectiva emancipadora da educação, proporcionando ao profissional de saúde
uma concepção ampla, histórica e crítica das determinações do processo saúde-
doença, com base na Clínica Ampliada e pelo projeto instaurado pelo Movimento de
Reforma Sanitária. A segunda é a perspectiva neoliberal de formação, primando pela
manutenção dos interesses da sociabilidade capitalista através de uma proposta de
formação tecnicista, focalista, polivalente e flexibilizada, voltada para o

10
Em levantamento realizado pela pesquisa do Grupo de Estudos e Pesquisas dos Fundamentos do
Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (GEPEFSS – FSS/UFJF), foram totalizados no
Brasil, em 2018, 232 (duzentos e trinta e dois) programas de Residência Multiprofissionais com oferta
de vagas para o Serviço Social, sendo, apenas para essa profissão, destinadas 496 (quatrocentas e
noventa e seis) vagas.
19

desenvolvimento de habilidades técnicas para o mercado, com base no projeto


privatista da saúde.
Essas concepções de educação 11 estão alinhadas a determinada teoria
pedagógica12, que influencia os sujeitos políticos na construção de um determinado
projeto de sociedade. Por sua vez, essas concepções de Educação analíticas
respondem a uma proposta emancipatória e coletiva ou a manutenção da ordem
societária capitalista. Assim, a teoria pedagógica está voltada para uma prática a-
histórica ou uma práxis baseada na produção do conhecimento crítico e reflexivo,
como instrumento contra-hegemônico ao capital.
Conforme os argumentos de Saviani (2008, p. 12),
[...] se toda teoria pedagógica é teoria da educação nem toda teoria da
educação é teoria pedagógica. Isso porque o conceito de pedagogia se
reporta a uma teoria que se estrutura a partir e em função da prática
educativa, buscando orientar o processo de ensino e aprendizagem. Há,
porém, teorias que analisam a educação pelo aspecto de sua relação com a
sociedade, não tendo como objetivo formular diretrizes que orientem a
atividade educativa. São, sem dúvida, teorias da educação. Mas não são
teorias pedagógicas.

As Residências em Saúde resultam de constructos políticos e ideológicos que


devem estar contidos no PPP, orientados por arcabouço teórico que articulam a
direção política e a práxis pedagógica13, com base em três concepções fundantes —
educação, trabalho e saúde. Além disso, é importante aqui destacar que:

As residências não possuem diretrizes curriculares fortemente estabelecidas,


existem indicações aos seus projetos pedagógico-curriculares emanadas da
Comissão Nacional de Residências em Saúde – CNRMS, bem como não há
uma definição de como devem se dar as aprendizagens e limites ou extensão
de cenários de prática (DELLEGRAVE; CECCIM, 2018, p. 878).

Os PPPs dos programas de residência são “[...] frutos de uma produção coletiva,
com o objetivo de nortear e conduzir o processo de formação, buscando superar
desafios políticos e pedagógicos” (NETO et al., 2015, p. 587), portanto, expressam no
seu interior uma concepção de sociedade e de visão de mundo, por conseguinte,

11 Cf.:SAVIANI (2011); GENTILI (2009); FRIGOTTO (2015)


12 Cf.:SAVIANI (2007; 2017)
13 Fundamentada pelas “categorias ‘contradição’, “determinação’, ‘reprodução’, ‘mudança’, ‘trabalho’,

‘práxis’, ‘necessidade’, ‘possibilidade’ aparecem frequentemente na literatura, sinalizando já uma


perspectiva da educação, a perspectiva da pedagogia da práxis. Essas categorias tornaram-se
clássicas na explicação do fenômeno da educação, principalmente a partir de Hegel e de Marx. A
dialética constitui-se, até hoje, no paradigma mais consistente para analisar o fenômeno da educação”
(GADOTTI, 2000, p. 10).
20

manifestam determinadas teorias da educação que dão aporte às mais diversas


tendências presentes na prática pedagógica14.
Os PPPs possuem uma dinâmica comum, apesar de estarem inseridos em
instituições distintas, em que apontam o direcionamento e posicionamento
ideopolítico-pedagógico para a formação dos trabalhadores de saúde. É um
documento normativo, contudo, democrático e flexível. A sua importância se dá tanto
pela sua conformação quanto pelas informações que devem conter dos processos de
ensino e aprendizagem, por exemplo, devem conter minimamente as seguintes
informações: concepções teóricas, filosóficas e ético-políticas que dão direção ao
programa; definir o perfil do tutor (docente), preceptor (profissional do serviço) e
egresso (residente); fundamentar as teorias pedagógicas que orientam as práticas
educativas; organização didático-pedagógica do acompanhamento tutorial e da
preceptoria; estabelecer os mecanismos de interface entre ensino-serviço (inserção
na comunidade, extensão, pesquisa, comunicação); criar o organograma; estrutura de
funcionamento da coordenação e secretaria do curso; apresentar organização da
grade curricular e o planejamento da carga horária teórica e prática; entre outros.
Sendo assim, pode ser avaliado, alterado e estudado sempre que for preciso,
orientando os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem, seja embasada pela
pedagogia tradicional 15 ou por uma pedagogia baseada na tendência histórico-
crítica16. Ou seja, os PPPs analisados dão visibilidade às mudanças que ocorrem na

14 Saviani (2009), em sua obra Escola e Democracia, classifica que na educação existem várias teorias
que fundamentam teórico-metodologicamente as tendências da pedagogia, quais sejam: 1) teorias não
críticas (Pedagogia Tradicional; Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista); 2) teorias crítico-
produtivistas (Teoria do Sistema de Ensino como Violência Simbólica; Teoria da Escola como Aparelho
Ideológico de Estado e Teoria da Escola Dualista; 3) teoria crítica (Tendência Histórico-Crítica).
15 Saviani diz “Chamo essa corrente de crítico-reprodutivista porque não se pode negar seu caráter

crítico, se entendermos por concepção crítica aquela que leva em conta os determinantes sociais da
educação, em contraposição às teorias não críticas, que acreditam ter a educação o poder de
determinar as relações sociais, gozando de uma autonomia plena em relação à estrutura social (nesse
sentido nós poderíamos dizer que a pedagogia tradicional, assim como a pedagogia nova e a
pedagogia tecnicista, são não críticas). Mas, além de críticas, as teorias em questão são
reprodutivistas, no sentido de que chegam invariavelmente à conclusão de que a educação tem a
função de reproduzir as relações sociais vigentes. Sendo assim, essa concepção não apresenta
proposta pedagógica, além de combater qualquer uma que se apresente. Assim, dada uma sociedade
capitalista, sua educação reproduz os interesses do capital” (SAVIANI, 2011, p. 78).
16 “A fundamentação teórica da pedagogia histórico-crítica nos aspectos filosóficos, históricos,

econômicos e político-sociais se propõe explicitamente a seguir as trilhas abertas pelas agudas


investigações desenvolvidas por Marx sobre as condições históricas de produção da existência humana
que resultaram na forma da sociedade atual dominada pelo capital. É, pois, no espírito de suas
investigações que essa proposta pedagógica se inspira. Frise-se: é de inspiração que se trata e não de
extrair dos clássicos do marxismo uma teoria pedagógica. Pois, como se sabe, nem Marx, nem Engels,
Lênin ou Gramsci desenvolveram teoria pedagógica em sentido próprio. Assim, quando esses autores
21

realidade social e que permeiam as instituições envolvidas no processo de formação


profissional em serviço.
O presente estudo tem por objetivo principal analisar as tendências ideopolíticas-
pedagógicas no processo de formação profissional nos Programas de Residência
Multiprofissional em Saúde (RMPS) da cidade do Recife/PE. Especificamente: 1)
compreender a práxis pedagógica na relação ensino-serviço nos programas de
Residência Multiprofissionais em Saúde; 2) identificar os cenários de práticas nos
programas de Residência Multiprofissionais em Saúde do Recife/PE; 3) analisar o
direcionamento ideopolítico dos projetos político-pedagógicos dos Programas de
Residência Multiprofissional em Saúde em Recife/PE;
Nos aspectos metodológicos, para se atingir os objetivos deste estudo, optamos
pela abordagem exploratória, qualitativa e a pesquisa documental. A coleta de dados
de fontes primárias são documentos de domínio público (atas, relatórios, outros). A
análise dos dados seguiu da técnica de Bardin (2009) de Análise de Conteúdo, bem
como os procedimentos metodológicos de análise que estão organizados três etapas:
1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e
interpretação17 (BARDIN, 2009).
Destarte, a partir de aproximações sucessivas aos aportes teóricos do objeto de
estudo, definimos 04 eixos, que nortearam a elaboração do roteiro de análise,
composto por categorias pertinentes à temática investigada, a saber: 1) projetos
societários – emancipatório e coletivo (contra-hegemônico) ou a serviço de
reprodução do capital (hegemônico) que conformam as tendências ideopolítico-
pedagógicas dos programas de Residência Multiprofissionais; 2) concepções de
saúde (projeto de Reforma Sanitária Brasileira, privatista ou SUS possível), educação
(tradicional, conservadora ou histórica-crítica) e trabalho (tecnicista/alienante ou
emancipatório) adotadas no arcabouço dos projetos pedagógicos vinculados ou não
a um determinado projeto societário; 3) tendências ideopolíticas – conservadoras ou

são citados o que está em causa não é a transposição de seus textos para a pedagogia e, nem mesmo,
a aplicação de suas análises ao contexto pedagógico”(SAVIANI, 2008, p. 25),
17 Resumindo, a pré-análise é o primeiro contato do pesquisador com os documentos coletados. Nessa
etapa realizamos leituras flutuantes dos documentos para conhecer e definir sua inclusão ou não na
análise. A exploração do material nos guia para definir as categorias de análise, tendo como base as
leituras aprofundadas do quadro referencial teórico pertinente ao objeto de estudo e novas concepções
que dela derivaram. Em seguida, o tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Esse último
alia diversas categorias existentes em cada documento bem como as concepções semelhantes
identificadas.
22

de resistência e luta; 4) perfil dos egressos – um especialista com uma qualificação


técnica voltada para o mercado ou um profissional comprometido com a emancipação
humana.
Consideramos ainda como recorte de análise as contradições presentes no
arcabouço metodológico do PPP. Além disso, consideramos no modelo de gestão
proposto a participação de todos os sujeitos envolvidos. Nessa análise podemos
evidenciar uma proposta de gestão pedagógica conservadora (racionalidade
tecnicista, restrita, hierárquica e burocrática) ou uma gestão participativa e
democrática (inclusiva, crítica, reflexiva).
Esta investigação contou com três etapas. Na primeira, realizamos um
levantamento bibliográfico sobre o tema em revistas de periódicos eletrônicos,
trabalhos de conclusão de curso, teses e dissertações, artigos em livros, relatórios e
documentos técnicos públicos do MS e do MEC disponibilizados on-line em seus sites.
Na segunda, realizamos um levantamento das atas de reunião da Comissão
Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), entre os anos de 2014
e 2018. A leitura prévia das atas nos aproximou das dificuldades dos programas, bem
como demonstrou similaridade entre as denúncias referentes ao processo de trabalho,
relação entre as instituições de ensino e os campos de práticas.
Na terceira etapa foi definido o universo da pesquisa18. Incialmente foram todos
os Programas de Residência Multiprofissionais do Recife, capital de Pernambuco. A
escolha se baseou, para além da aproximação do pesquisador com o local, no fato do
município contar com a maior concentração de programas de Residências em todo o
estado de Pernambuco. Portanto, este possui uma quantidade maior de vagas e um
número maior de especializações em diferentes níveis de atenção à saúde. Além
disso, o município de Recife/PE tem influente representação em âmbito regional e
nacional em aspectos econômicos, políticos e sociais19.

18 Durante a elaboração deste estudo vivenciamos o agravamento das condições de saúde da


população devido ao início da pandemia do COVID-19, em março de 2020, em Recife e,
posteriormente, em todas regiões do estado de Pernambuco.
19 Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Recife/PE tem uma

população estimada de 1.645.727 pessoas (IBGE, 2019), sendo a terceira cidade mais populosa do
Nordeste e a nona entre as capitais brasileiras. Conforme último levantamento disponível no IBGE
(2010), Recife possui o maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) dentre as nove
capitais do nordeste – escala IDHM em 0,772 (de 0 a 1). Contudo, em contramão aos dados de
desenvolvimento humano, o Índice de Gini do município demonstrou, no mesmo período da pesquisa
realizada pelo IBGE (2010), numa escala de 0 a 1, o coeficiente de 0,68 (aumento de um décimo
comparado ao ano de 2000, que totalizou 0,67) (BDE, 2010). Conforme os dados do Índice de Gini,
23

A cidade de Recife também se apresenta enquanto referência na área da saúde.


Conforme levantamento realizado pelo IBGE (2009), a cidade tinha 274
estabelecimentos de saúde SUS, ficando apenas atrás de Salvador/BA (que possui
367 estabelecimentos de saúde SUS20). Grande parte dos hospitais de referência do
estado de Pernambuco para o tratamento de diversas doenças crônicas se
concentram na capital.
O Plano Municipal de Saúde de 2018-2021 do Recife demonstra que a rede
hospitalar é composta “[...] por 73 hospitais, sendo 32 Hospitais Especializados, 40
Hospitais Gerais e 1 Hospital Dia. Esses hospitais são de gestão pública (municipal,
estadual e federal), privada e filantrópica” (2018, p. 58). Para a descentralização dos
serviços de saúde, o município atualmente é dividido em oito Distritos Sanitários em
Saúde, além de ter uma Rede de Apoio Psicossocial ampla com serviços de Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), leitos psiquiátricos específicos em hospitais
conveniados, além das Equipes de Consultório de Rua e Equipes de Consultório na
Rua.
Para compor o corpus da pesquisa enviamos carta de anuência para os
programas solicitando os Projetos Políticos-Pedagógicos para serem incluídos na
pesquisa documental. Apenas 07 (sete) de um total de 14 (catorze) responderam com
aceite e enviaram os dados solicitados.
Este estudo foi desenvolvido em três capítulos, os quais apresentamos ao leitor.
No primeiro refletimos o nosso objeto de estudo, a relação entre educação, trabalho e
saúde – que se estabelecem na sociabilidade capitalista. Tendo como ponto de partida
as múltiplas dimensões que estruturam a relação trabalho e educação, buscamos
apreender, a partir da perspectiva da totalidade, as particularidades dessa relação no
campo da saúde, bem como as tendências presentes na formação profissional em
saúde.
No segundo capítulo realizamos uma análise do movimento e da dinâmica dos
Programas de Residência Multiprofissionais em Saúde – PRMS, sua estrutura e
fundamentos que compõem a formação multiprofissional em saúde. Refletimos sobre
o processo de construção da relação educação, trabalho e saúde a partir da criação

Recife se encontra enquanto o município com maior índice de desigualdade de renda do país,
demonstrando uma realidade de desigualdade social e econômica significativa.
20 Dados referentes ao período do levantamento de dados da pesquisa.
24

da Política de Educação Permanente21 em Saúde – EPS, criado pelo Ministério da


Saúde brasileiro para consolidar o Sistema Único de Saúde (SUS). Discorremos
também sobre os impactos do movimento de contrarreforma do Estado Brasileiro para
o trabalho e a formação em saúde em seu âmbito internacional e nacional, analisando
também, consequentemente, os rebatimentos nos PRMS.
No terceiro capítulo, parte em que se expressam os resultados da pesquisa
documental dos Projetos Político-pedagógicos dos Programas de Residência
Multiprofissionais do Recife/PE, foi possível compreender as propostas diretivas para
a formação dos recursos humanos profissionais da Saúde para o SUS, sendo
analisadas as tendências ideopolítico-pedagógicas desses programas. Nas
aproximações conclusivas, refletiu-se sobre as potencialidades, limites e
possibilidades da formação nesse formato de especialização, sendo levantada uma
breve análise de conjuntura das Residências diante do cenário de pandemia do novo
coronavírus (COVID-19).
Este estudo nos levou a diversas provocações teóricas na tentativa de
responder à nossa questão central de pesquisa, sobretudo, devido à conjuntura de
retrocessos no campo das políticas sociais — educação, trabalho e saúde. Espera-se
contribuir com as análises sobre o processo de construção da formação profissional
em serviço, uma vez que consideramos que a conjunta descrita acima nos exige (além
da resistência): a reflexão sobre a direção da formação de profissionais para atuarem
em resposta às demandas reais; na ideação de práticas vinculadas aos legítimos
interesses e necessidades de saúde dos/as usuários/as; na consolidação da
participação popular e do exercício do controle social; na realização de ações
interdisciplinares que apontem para a superação do tecnicismo e do modelo de saúde
médico-centrado; na produção da pesquisa como mecanismo de resposta aos
problemas da gestão e à produção de conhecimento do processo saúde/doença.

21 Segundo Batista (2013, p. 110), “Há quatro outras portarias do Ministério da Saúde sobre a PNEPS:
uma que arranja sobre suas diretrizes de implementação em 2007 e as três seguintes que tratam sobre
seus recursos financeiros. A Portaria GM/MS nº 1.996 (...), além de reconhecer as diretrizes
curriculares, dentre outros artigos e resoluções anteriores, reafirma a EP como conceito pedagógico
referendado na dimensão do trabalho e na aprendizagem significativa, reforçando, desse modo, a
reorientação das práticas de educação em saúde, dos profissionais e da organização do trabalho. A
portaria centra-se, ainda, na elaboração de Planos Regionais de Educação Permanente em Saúde, em
parceria com diversos órgãos governamentais, instâncias interinstitucionais e atores, e, principalmente,
instaura as Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES)”.
25

Por fim, esperamos que este estudo possa contribuir com futuras análises
relacionadas ao processo de construção da formação profissional em saúde
emancipadora, pois esta é uma tendência ainda a ser consolidada no âmbito do SUS.
26

Capítulo 1 – EDUCAÇÃO E TRABALHO EM SAÚDE: uma análise sobre as bases


ideopolíticas e pedagógicas na sociabilidade capitalista

Para analisar das tendências ideopolíticas e pedagógicas na formação em


Residências Multiprofissionais em Saúde, ponto de partida deste estudo, requer
compreensão acerca das múltiplas dimensões que estruturam a especialização do
trabalho para a política de saúde brasileira. Além disso, também é necessário
compreender as particularidades da relação trabalho, educação e saúde, bem como
as tendências presentes na formação para o Sistema Único de Saúde.
Portanto, para início da nossa discussão neste estudo, optamos por trazer
neste primeiro capítulo a reflexão sobre a formação na área da saúde a partir da
relação trabalho e educação na perspectiva histórico-ontológica, mediadas pelas
bases ideopolíticas e pedagógicas que estruturaram essa relação na sociabilidade
capitalista.
Logo após, buscamos discorrer sobre a relação trabalho e educação no setor
saúde, no qual se apreenderá as diferentes perspectivas ideológicas que embasam o
desenvolvimento histórico do trabalho na saúde nos sistemas de saúde,
principalmente baseados pelos órgãos internacionais de saúde – a exemplo a
Organização Mundial de Saúde.

1.1 Considerações Históricas sobre a Relação Trabalho e Educação

Para entendermos a relação trabalho e educação em sua totalidade, faz-se


importante realizar o resgate histórico dessas categorias de análise. Entendemos a
categoria trabalho enquanto essência do ser social, constituinte do seu processo
histórico, a qual Marx define como “um processo entre o homem e a natureza,
processo este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu
metabolismo com a natureza” (2017, p. 255). O que diferencia o gênero humano dos
animais é a capacidade da racionalidade através do trabalho, podendo transformar a
natureza a adaptar-se a si para o atendimento de suas necessidades.
Concordamos com Saviani (2007) quando argumenta que o trabalho e a
educação são partes constitutivas da formação humana, ou seja, uma relação
histórico-ontológica do ser social. A educação vem nesse processo histórico como
27

elemento constitutivo da formação do gênero humano, sendo a origem da educação


a própria origem do ser social através de sua essência: o trabalho.

[...] o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce
sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem,
precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do
homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo
educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem
mesmo (SAVIANI, 2007, p. 154).

Deste modo, entendemos que a relação entre trabalho e educação, na origem


do ser social, é parte do processo histórico-ontológico da sua identidade. De tal modo,
as necessidades humanas eram satisfeitas pelo produto do trabalho social, comum
aos seres humanos que se formavam em comunidades.
A relação direta da educação com o trabalho era reproduzida nas trocas de
aprendizagens, pela comunicação que se desenvolvia e com a educação transmitida
de gerações para gerações com vistas a subsistência da espécie. Segundo Saviani,
a humanidade aprendia a se reproduzir a partir do próprio ato de produção do seu
trabalho. Ainda, conforme assevera o autor, “eles aprendiam a trabalhar trabalhando”
(2007, p. 154).
As gerações eram educadas para a permanência da existência da espécie a
partir dos conteúdos exitosos do processo de experiência do trabalho no qual, “a
produção da existência implica o desenvolvimento de formas e conteúdos cuja
validade é estabelecida pela experiência, o que configura um verdadeiro processo de
aprendizagem” (SAVIANI, 2007, p. 154).
Ainda, segundo o autor, as experiências do trabalho não exitosas eram
eliminadas, permanecendo aquelas que possibilitassem o melhor desenvolvimento da
comunidade, pois “necessitam ser preservados e transmitidos às novas gerações no
interesse da continuidade da espécie” (SAVIANI, 2007, p. 154). Com isso, torna-se
nítida a relação entre trabalho e educação enquanto componentes formadores do ser
social.
A relação trabalho-educação tem sua metamorfose no movimento histórico de
mudanças nas formas de sociabilidade. O advento da propriedade privada foi
momento expressivo para mudanças estruturais nessa relação que passa a ter outras
determinações.
Saviani reflete que nesse momento histórico surge a divisão social por classes:
a classe dos proprietários e dos não-proprietários. Essa divisão social de classes se
28

espraia na relação trabalho-educação através do seu desmembramento,


expressando-se na cisão da unidade da educação, antes enquanto constitutiva ao
processo de trabalho.

A partir do escravismo antigo passaremos a ter duas modalidades distintas e


separadas de educação: uma para a classe proprietária, identificada como a
educação dos homens livres, e outra para a classe não-proprietária,
identificada como a educação dos escravos e serviçais. A primeira, centrada
nas atividades intelectuais, na arte da palavra e nos exercícios físicos de
caráter lúdico ou militar. E a segunda, assimilada ao próprio processo de
trabalho (SAVIANI, 2007, p. 155).

Nos princípios da divisão da sociedade em classes, o trabalho e a educação


passam a ter sua divisão em uma dupla identidade: entre o trabalho manual —
referente à classe dos não-proprietários (constituída principalmente pelos escravos e
serviçais), no qual a educação é dada pelo próprio processo de produção — e o
trabalho intelectual — dado restritamente à classe dos proprietários (os homens
livres), sendo a educação institucionalizada e acessada pelas escolas. Esse formato
de relação perdurou por séculos no lastro histórico da humanidade, sofrendo
modificações a partir das mudanças organizativas do processo de trabalho e produção
da sociedade.
Saviani assinala que a transição da sociedade feudal para o modo de produção
capitalista demarca o surgimento de uma nova determinação da relação trabalho-
educação. Ao analisar esse processo histórico de transição, o autor afirma:
Nessa nova forma social, inversamente ao que ocorria na sociedade feudal,
é a troca que determina o consumo. Por isso esse tipo de sociedade é
também chamado de sociedade de mercado. Nela, o eixo do processo
produtivo desloca-se do campo para a cidade e da agricultura para a
indústria, que converte o saber de potência intelectual em potência material.
E a estrutura da sociedade deixa de fundar-se em laços naturais para pautar-
se por laços propriamente sociais, isto é, produzidos pelos próprios homens.
Trata-se da sociedade contratual, cuja base é o direito positivo e não mais o
direito natural ou consuetudinário. Com isso, o domínio de uma cultura
intelectual, cujo componente mais elementar é o alfabeto, impõe-se como
exigência generalizada a todos os membros da sociedade. E a escola, sendo
o instrumento por excelência para viabilizar o acesso a esse tipo de cultura,
é erigida na forma principal, dominante e generalizada de educação. Esse
processo assume contornos mais nítidos com a consolidação da nova ordem
social propiciada pela indústria moderna no contexto da Revolução Industrial
(SAVIANI, 2007, p. 158).

A ascensão do modo de produção capitalista trouxe modificações estruturais


no processo de trabalho, antes entendida enquanto geradora de valor de uso, agora
29

também geradora de valor de troca e de mais-valia 22 . A relação de trabalho no


capitalismo se expressa não mais no trabalho servil/escravo (explicitamente), mas
pela relação de compra e venda da força de trabalho. A classe proprietária, agora
constituída pela burguesia — detentores dos meios de produção —, realizam a
compra da força de trabalho da classe trabalhadora.
Marx (2017, p. 262) em seus escritos elucida a forma como se manifesta a nova
forma de realização do trabalho no modo de produção capitalista:

Como processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, o processo


de trabalho revela dois fenômenos característicos. [1] O trabalhador labora
sob o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho. O capitalista
cuida para que o trabalho seja realizado corretamente e que os meios de
produção sejam utilizados de modo apropriado, a fim de que a matéria-prima
não seja desperdiçada e o meio de trabalho seja conservado, isto é, destruído
apenas na medida necessária à consecução do trabalho. [2] Em segundo
lugar, porém, o produto é propriedade do capitalista, não do produtor direto,
do trabalhador. O capitalista paga, por exemplo, o valor da força de trabalho
por um dia. Portanto, sua utilização, como a de qualquer outra mercadoria –
por exemplo, um cavalo – que ele aluga por um dia, pertence-lhe por esse
dia. [...] O processo de trabalho se realiza entre coisas que o capitalista
comprou, entre coisas que lhe pertencem.

Entende-se que a divisão social de classe se intensifica e se complexifica ao


longo da história da sociabilidade do capital. A força de trabalho da classe
trabalhadora passa a se subordinar cada vez mais à lógica do modo de produção
capitalista, no qual tenta usurpar ao máximo o excedente produzido pelo/a
trabalhador/a — a mais-valia, principal fonte geradora de capital. A partir dos estudos
realizados por Marx (2017), passamos a apreender também que o produto do trabalho
produzido a partir do uso da força da classe trabalhadora deixa de pertencer-lhe,
sendo propriedade da classe burguesa.
Concorda-se com Saviani (2007) quando afirma que o modo de produção
capitalista transforma a potência intelectual em potência material, ou seja, a ciência
se transforma em meio para a criação de novas formas de potencializar o processo
produtivo — através da criação e renovação de maquinarias e meios de produção —
, assim como na criação de meios para a ampliação das formas de extração da mais-
valia do trabalhador. Ao passo que se complexifica o processo de trabalho, maior
estranhamento o trabalhador tem do produto de seu trabalho.

22
Para aprofundamento sobre a relação entre trabalho e capital, indica-se O capital (livro 1) de Karl
Marx.
30

Antunes e Pinto (2017, p. 13) asseveram que “o/a trabalhador/a que não se
reconhece no produto do seu trabalho e dele não se apropria é um/a trabalhador/a
que não se reconhece no próprio processo laborativo que realiza. Ele/a não se realiza,
mas se aliena, se estranha e se fetichiza no próprio processo de trabalho”.
Antunes argumenta que refletir sobre o trabalho no modo de produção
capitalista requer:

[...] considerar o trabalho como um momento fundante da vida humana, ponto


de partida no processo de humanização, por outro lado, a sociedade
capitalista o transformou em trabalho assalariado, alienado, fetichizado. O
que era uma finalidade central do ser social converte-se em meio de
subsistência. A força de trabalho torna-se uma mercadoria, ainda que
especial, cuja finalidade é criar novas mercadorias e valorizar o capital.
Converte-se em meio e não primeira necessidade de realização humana
(ANTUNES, 2009, p. 232).

A relação trabalho e educação, com o advento da Revolução Industrial


possibilitada pelo avanço produtivo do modo de produção capitalista, passa a sofrer
novas determinações, pois, como visto, essa relação está intrinsicamente relacionada
às formas de organização da sociedade. Observe que nesse período histórico, exige-
se um mínimo acesso da classe trabalhadora à educação intelectual para o manuseio,
manutenção e conservação das máquinas.
Essa forma de acesso à educação institucionalizada se dava restrita às
necessidades de manutenção do processo de trabalho fabril, ou seja, era moldada
aos interesses do desenvolvimento capitalista através da regulação do trabalho (e
posteriormente da vida) da classe trabalhadora. Esse foi o cenário histórico de
surgimento da formação formal mínima da força de trabalho, com a criação das
escolas de formação geral e profissionalizantes, com a finalidade de atender às
necessidades produtivas da indústria para o crescimento do processo de acumulação
do capital (SAVIANI, 2007).

A universalização da escola primária promoveu a socialização dos indivíduos


nas formas de convivência próprias da sociedade moderna. Familiarizando-
os com os códigos formais, capacitou-os a integrar o processo produtivo. A
introdução da maquinaria eliminou a exigência de qualificação específica,
mas impôs um patamar mínimo de qualificação geral, equacionado no
currículo da escola elementar. Preenchido esse requisito, os trabalhadores
estavam em condições de conviver com as máquinas, operando-as sem
maiores dificuldades (SAVIANI, 2007, p. 159).
31

O modo de produção capitalista possibilitou o avanço produtivo, contudo,


baseado no aprofundamento da divisão social (e desigual) de classe. Com o processo
de exploração do trabalho, a relação capital e trabalho não se deu harmoniosamente
— assim como nenhuma relação entre classes se deu ao longo da história humana (a
exemplo da luta de negros e negras escravizados/as contra as formas de apropriação
de suas vidas pela classe proprietária).
Na sociabilidade capitalista, as formas de intensificação, precarização e
pauperização do trabalho, ocorridas nas fábricas e nas demais formas de
subordinação do trabalho com vistas ao máximo acúmulo de capital pela classe
burguesa, suscitaram nas lutas da classe trabalhadora por melhores condições de
trabalho e de vida.
A organização da classe trabalhadora eclodiu nas diversas formas de
manifestação (paralisações, diminuição proposital da produtividade, depredação de
máquinas, entre outras). Essa organização da classe trabalhadora refletiu na
conquista de direitos sociais, como estratégia da classe dominante para amenizar os
impactos gerados para o processo de acumulação de capital.
Assim, a relação trabalho-educação passa a ser instrumento para o
desenvolvimento produtivo e reprodutivo da sociabilidade do capital, tornando-se meio
para possibilitar a conformação da classe trabalhadora aos seus interesses. É
importante aqui lembrar que essa relação se apresenta mediada pela educação
institucionalizada

[...] especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito
de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina
produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e
transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como
se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na
forma ‘internalizada’ (isto é, pelos indivíduos devidamente ‘educados’ e
aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação
hierárquica e implacavelmente impostas (MÉSZÁROS, 2008, p. 35).

Nesse cenário, com o desenvolvimento das diversas áreas científicas, busca-


se investir em conhecimentos que potencializassem o modo de produção e de
acumulação de capital. A ideologia burguesa, desde seus primórdios, baseada na
corrente ideológica do liberalismo, passa a ter seu desenvolvimento expresso em
teorias, como os teóricos economistas do século XVIII Adam Smith, David Ricardo e
Stuart Mill. As teorias econômicas que se gestam no capitalismo buscaram consolidar
a hegemonia da sua ordem societária, além de desenvolvê-la e preservá-la.
32

Pereira e Ramos ressaltam a importância da apropriação da ciência e do


conhecimento pelo capital para a manutenção da sua ordem:

[...] se a sociedade capitalista é baseada na propriedade privada dos meios


de produção, se o conhecimento científico é um meio de produção, uma força
produtiva, ela deveria ser propriedade privada da classe dominante. Sabe-se
que os trabalhadores não podem ser expropriados de forma absoluta dos
conhecimentos, porque sem conhecimentos eles não podem produzir e, por
consequência, não acrescentam valor ao capital. Por causa disso o capital
cria mecanismos através dos quais procura expropriar o conhecimento dos
trabalhadores e sistematizar, elaborar esses conhecimentos e os desenvolver
na forma parcelada. O taylorismo é a expressão mais típica do que foi
assinalado (PEREIRA; RAMOS, 2006, p. 17).

Frederick Taylor foi um dos teóricos da gestão do trabalho no final do século


XIX e início do século XX, que expressou mudanças significativas na formação dos/as
trabalhadores/as. Taylor buscou pensar na melhor forma de adaptar o/a trabalhador/a
ao modo de produção capitalista através de uma administração “científica”. A partir da
ótica da classe dos proprietários dos meios de produção, Taylor compactuava com a
perspectiva ideológica da divisão entre o trabalho predominantemente manual e o
trabalho intelectual, sendo o primeiro necessário para a produção e o segundo para
dar “assistência” ao processo de produção, otimizando-a (ANTUNES; PINTO, 2017).
Em meio à luta de classes, Taylor buscou com seus métodos dissolver as
possibilidades de organização da classe trabalhadora.
Antunes e Pinto (2017, p. 24) asseveram que o objetivo dos métodos de Taylor
era “a extração do conhecimento da classe trabalhadora a fim de liquidar seu poder
de barganha em face dos/as compradores/as de força de trabalho”. Os autores
assinalam ainda que o método proposto por Taylor, a partir da gerência da força de
trabalho, visou a otimizar a produção e o uso do trabalho através de uma gerência do
capital ativa — mesmo essa gerência sendo realizada de forma assalariada — “na
incumbência de prestar ‘assistência’ aos/às trabalhadores/as na imposição de
métodos ditos ‘científicos’ ” (ANTUNES; PINTO, 2017, p. 24).
Ainda para os autores, Taylor afirma que há trabalhos “improdutivos” relevantes
à produção de valor, necessários para a gestão do processo de trabalho — geralmente
sendo esse trabalho predominantemente intelectual. Para expressar seus objetivos
gerenciais, fazia-se necessário um “empreendimento ‘pedagógico’ que permita verter
tais imposições da gerência aos níveis operacionais” (ANTUNES; PINTO, 2017, p.
31).
33

Eis, pois, o objetivo central do taylorismo: reverter a dependência dos


proprietários dos meios de produção para com a classe trabalhadora, não
apenas quanto à compra da força de trabalho no mercado e seu adequado
consumo na produção, mas também no que tange à própria reprodução da
força de trabalho para além dessas esferas. O resultado não poderia ser outro
senão a ampliação das fraturas sociais em uma sociedade já fragmentada
entre proprietários dos meios de produção e trabalhadores/as
despossuídos/as. Afinal, uma fração dos/as próprios/as assalariados/as é
destinada à usurpação do conhecimento historicamente elaborado pela sua
própria classe, a fim de distorcê-lo visando otimizar o consumo da força de
trabalho junto aos meios e objetos de trabalho pertencentes ao capital. Por
outro lado, uma fração imensa dos/as trabalhadores/as somente executa o
seu trabalho mediante ordenamento estritos, supostamente ‘científicos’
(ANTUNES; PINTO, 2017, p. 32).

No início do século XX, com o desenvolvimento acelerado da grande indústria


fabril e do setor automotivo nos países de capitalismo central e com a incorporação
do taylorismo como modo de organização do trabalho, ocorre uma mudança estrutural
no processo de trabalho advinda pela sistematização realizadas por Henry Ford.
Ford, assim como o Taylor, buscou trazer mudanças na organização do
trabalho com fins a melhor adaptação do trabalhador ao modo de produção capitalista.
Contudo, para além do modo de produção, Ford realiza um grande salto ao intervir
não só na organização do trabalho e na produção direta, mas também na forma de
consumo e circulação do produto no mercado.

[...] É evidente que a implantação desse sistema levou à especialização das


atividades de trabalho a um nível de limitação e simplificação tão extremos
que, embora no âmbito coletivo, do trabalho cooperado, o resultado fosse
uma enorme produtividade, ao nível dos postos individuais, a linha fordista
convertia os/as trabalhadores/as em ‘apêndices’ da maquinaria (ANTUNES;
PINTO, p. 41).

O pensamento de Ford teve grande disseminação durante a crise da década


de 1930, como estratégia importante para a restruturação do modo de produção
capitalista e busca pelo retorno ao processo de acumulação de capital. O fordismo
tinha na produção de massa e no consumo de massa sua chave para “um novo
sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência
do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de
sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista” (HARVEY, 2006, p.
121).
O fordismo adentrou no modo de produção através da introdução de uma linha
de montagem em que o/a trabalhador/a se especializa em uma determinada função,
repetitiva e com pouca exigência intelectual, transformando o/a trabalhadora/a em um
“apêndice” da maquinaria. O sistema fordista também adentrou no modo de
34

reprodução da sociedade, conduzindo uma ideologia de vida que possibilitasse ao/à


trabalhador/a “um novo complexo de valores, hábitos e normas de conduta”
produzindo “uma nova forma de pensar e agir, uma nova sociabilidade” (ANTUNES;
PINTO, 2017, p. 60).
Em seus estudos, Antunes e Pinto elucidam que o binômio taylorismo-fordismo
deu bases para uma restruturação produtiva que possibilitou pensar em um novo
modo de produção fabril e em um novo tipo de classe trabalhadora. Em relação à
educação nessa fase do capitalismo, os autores trazem que imperou a “pragmática
da especialização fragmentada”, na qual a escola passa a ser funcional ao
aprofundamento da divisão entre teoria e prática, empobrecida de reflexões sobre a
realidade, moldando a classe trabalhadora às qualificações técnicas “nos limites da
coisificação e da fragmentação imposta pelo processo de trabalho capitalista”
(ANTUNES; PINTO, 2017, p. 79).
A educação fordista promovia a obediência do/a trabalhador/a ao mercado de
trabalho e sua adaptação ao novo processo de trabalho fragmentado, hierarquizado e
especializado. Os autores resumem que a escola no modelo fordista “enaltece muito
mais a prática, a aplicação e a experimentação em detrimento do conceito, da teoria
e da reflexão. Razão instrumental, de um lado; trabalho parcelar, fragmentado e
coisificado, de outro” (ANTUNES; PINTO, 2017, p. 79).
Tonet (2012, p. 13) analisa que a educação no modelo fordista “deveria
preparar os indivíduos para o exercício de uma determinada profissão que, assim se
esperava, seria exercida até o tempo da sua aposentadoria”, pois havia a perspectiva
do pleno emprego, estável e acobertado por direitos sociais a partir do Estado. O autor
complementa que essa educação “teria, necessariamente, um caráter
predominantemente informativo e limitado, pois o conteúdo de que o trabalhador
necessitava não exigia um pensamento crítico e capacidade inventiva” (TONET, 2012,
p. 13).
Na metade do século XX, a nova fábrica — baseada no taylorismo-fordismo,
na produção e no consumo de massa — possibilitou um rearranjo no modo de
acumulação de capital. Esse novo modo de produção e reprodução da sociedade
capitalista necessitava ter pelo Estado a criação de estratégias para a adaptação da
classe trabalhadora ao novo sistema gestado nesse período.
Conforme Harvey (2006, p. 129):
35

O Estado, por sua vez, assumia uma variedade de obrigações. Na medida


que a produção de massa, que envolvia pesados investimentos em capital
fixo, requeria condições de demanda relativamente estáveis para ser
lucrativa, o Estado se esforçava por controlar ciclos econômicos com uma
combinação apropriada de políticas fiscais e monetárias no período pós-
guerra. Essas políticas eram dirigidas para as áreas de investimento público
— em setores como o transporte, os equipamentos públicos, etc. — vitais
para o crescimento da produção e do consumo de massa e que também
garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também buscavam
fornecer um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade
social, assistência médica, educação, habitação, etc. Além disso, o poder
estatal era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os
direitos dos trabalhadores na produção.

Gentili (1998) corrobora que a educação no período taylorista-fordista,


principalmente na segunda metade do século XX pós-guerra (principalmente nos
países de capitalismo central), tinha como perspectiva a preparação da classe
trabalhadora ao mercado de trabalho, que se encontrava em expansão pela promessa
do pleno emprego, ou seja, caracterizava-se enquanto uma formação ao emprego.
Ainda, conforme assinala o autor, a escola era a instituição fundamental para
essa atividade de formação do “capital humano”, pois ela possibilitava a “integração
econômica da sociedade, formando o contingente (sempre em aumento) da força de
trabalho que se incorporaria gradualmente ao mercado” (GENTILI, 1998, p. 80). O
autor também destaca o papel do Estado para a formação da força de trabalho para
o mercado, no qual tinha “desempenho decisivo na captação dos recursos financeiros
e na atribuição e distribuição de verba destinadas ao sistema educacional” (ibidem, p.
80).
O esgotamento do modelo taylorista-fordista ocorre com a eclosão da crise de
acumulação do capital dos anos 1970, acarretando novas configurações no processo
de produção e reprodução capitalista. Consequentemente, a relação trabalho e
educação também se reconfigura para atender às perspectivas do projeto ascendente
do neoliberalismo e da sua restruturação produtiva.

1.2 Restruturação Produtiva, Neoliberalismo e seus Impactos na Relação


Trabalho e Educação

A aceleração do investimento no desenvolvimento das forças produtivas,


impulsionado principalmente pela busca da superação da crise de acumulação de
capital, acarretou a ascensão de tecnologias mais sofisticadas que possibilitaram a
substituição da força de trabalho pelas máquinas autônomas. Esse fenômeno exigiu
36

do capital uma nova restruturação produtiva que garantisse a eficácia e eficiência do


modo de produção e reprodução do capital.
Entende-se assim que as restruturações produtivas advêm enquanto respostas
para um cenário de crise estrutural da acumulação do capital, desdobrando-se na
complexificação dos meios de produção e reprodução da sociedade.
Apreende-se, por conseguinte, que a lógica da restruturação produtiva ocorrida
no final do século XX modificou profundamente os processos de trabalho e as formas
de reprodução da sociabilidade do capital. Além disso, apreende-se também que
nesse momento ocorreu uma maior fragmentação e heterogeneidade da classe
trabalhadora, a qual encontra barreiras para seu entendimento orgânico de classe e
suas possibilidades de enfrentamento aos ataques impostos pelos aparelhos de
hegemonia do capital.
Conforme Alves (2005), a partir da crise de 1970 de superprodução e
estagnação da acumulação de capital, surge a necessidade de reestruturar o modelo
fordista para atender a novas exigências para retorno do processo de lucro.
Nesse momento, o modelo toyotista ganha destaque, caracterizando-se não
apenas como novo modelo de regulação do capitalismo, ao introduzir novas práticas
gerenciais e de racionalização da força de trabalho, mas também como modelo que
possibilita a captura da subjetividade da classe trabalhadora pela lógica do capital.
Assim, fordismo ainda era, de certo modo, uma ‘racionalização inconclusa’,
pois, apesar de instaurar uma sociedade racionalizada, não conseguiu
incorporar as variáveis psicológicas do comportamento operário, que o
toyotismo procura desenvolver através dos mecanismos de
comprometimento operário que aprimoram o controle da dimensão subjetiva
pelo capital (ALVES, 2005, p. 415).

O toyotismo abre as portas para uma nova lógica do modo de produção


capitalista: a acumulação flexível. Essa nova lógica traz uma intensificação e
precarização da força de trabalho, expressa com a introdução da lógica de trabalho
flexível, polivalente e desconstituída da consciência de classe pela cooptação da
classe trabalhadora aos interesses da ordem capitalista, caracterizada pela
subsunção real do trabalho ao capital.
De acordo com Dal Rosso (2008, p. 23), isso ocorre pois “[…] as mudanças
tecnológicas que acontecem de tempos em tempos, além de substituir trabalho, que
é sua implicação primeira, também contribuem para aumentar o grau de intensidade”.
O autor, ao discutir sobre a intensidade do trabalho, demonstra que o modelo toyotista
é marcado pela necessidade de maior esforço das dimensões amplas do trabalhador
37

(física, intelectual, emocional e relacional), principalmente do seu intelecto. O trabalho


perde seu caráter de desenvolvimento da autonomia e liberdade humana.
O que se observa a partir de 1970 é a eclosão de uma nova diretriz ideopolítica
que norteará a nova ordem do capital. O neoliberalismo, como foi nomeado, através
dos órgãos econômicos internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional, busca a expansão do controle do mercado mundial — encabeçado
pelos países de capitalismo central — no direcionamento dos Estados em nível global,
baseado pelas diretrizes da acumulação flexível. Busca ao mesmo tempo internalizar
nas relações sociais o ideário do individualismo, competitividade, mercantilismo e
demais formas que conformam a sociedade à racionalidade instrumental. Assim, o
neoliberalismo torna integral a mercantilização das formas de produção e reprodução
da sociedade.
Com o desenvolvimento tecnológico, crescimento da autonomia das máquinas
e com base no modelo da acumulação flexível de produção e reprodução da
sociedade, percebe-se o crescimento exponencial das taxas de desemprego e
migração do setor de indústria ao setor de serviços.
Muitos trabalhos do setor de indústria se extinguem ou passam a ter a
necessidade de menor número de força de trabalho humana envolvida diretamente.
Além disso, a força autônoma da máquina gerou a expulsão de um grande contingente
de trabalhadores da grande indústria que passam a adentrar no setor de serviços.
Desta forma, entende-se que com a ascensão do modelo toyotista, o trabalho passa
a se constituir de novas morfologias.
Antunes argumenta sobre o trabalho na contemporaneidade, expondo que “a
classe trabalhadora hoje não se restringe somente aos trabalhadores manuais diretos,
mas incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo que
vende sua força de trabalho como mercadoria em troca de salário” (ANTUNES, 2018,
p. 88). O autor ainda assinala que a classe trabalhadora passa a se constituir pelos
trabalhadores considerados improdutivos, ou seja, “aqueles cujas formas de trabalho
são utilizadas como serviços, seja para uso público, como os serviços públicos
tradicionais, seja para uso capitalista” (ANTUNES, 2018, p. 89).
O fenômeno do toyotismo e da direção ideopolítica neoliberal expandiu
mundialmente os índices de desemprego, da crescente informalidade, de vínculos de
trabalho precários e de escassos direitos sociais. Entendemos que esse fenômeno
gesta um alto contingente do exército industrial de reserva que necessita estar cada
38

vez mais qualificada e apta à polivalência para sua inserção no mercado formal de
trabalho23.

A acumulação perpétua a uma taxa composta depende da disponibilidade


permanente de reservas suficientes de acesso à força de trabalho. O que
Marx chama de ‘exército industrial de reserva’ é, portanto, uma condição
necessária para a reprodução e expansão do capital. Esse exército de
reserva deve ser acessível, socializado e disciplinado, além de ter as
qualidades necessárias (isto é, ser flexível, dócil, manipulável e qualificado
quando preciso). Se essas condições não forem satisfeitas, então o capital
enfrenta um sério obstáculo à acumulação contínua (HARVEY, 2011, p. 55).

Na atualidade, entender a relação trabalho e educação requer estabelecer


mediações com a restruturação produtiva, iniciada pelo toyotismo, adotada pela
ideologia neoliberal. Sob a perspectiva liberal, a educação, na lógica da formação da
classe trabalhadora, é mais um instrumento a serviço da acumulação do capital.
No neoliberalismo, a educação e a formação da classe trabalhadora buscam
formas de adestramento e conformação do trabalhador ao processo produtivo em
vigência. Assim como no processo de trabalho, a educação precisa corresponder à
lógica flexível, tecnicista, pragmática e fragmentada, “desenhada segundo a lógica de
razão instrumental” (ANTUNES; PINTO, 2017, p. 101).
Colidente à consolidação da educação integradora, que visava a capacitação
da força de trabalho ao emprego, agora, na lógica da acumulação flexível, temos o
crescimento de uma perspectiva de formação que busca ajustar-se a um cenário de
subemprego, flexibilidade, informalidade e aumento da taxa do desemprego. A
educação do/a trabalhador/a é voltada ao empreendimento individual — de si para si.
Antunes e Pinto (2017) e Gentili (2008) trazem que nesse contexto se
desenvolve a “teoria do capital humano”, idealizada por Theodore Schult, em que
apercebe a força de trabalho meramente enquanto “capital”. A teoria do capital
humano “forja uma concepção de si como ‘empreendedor/a’, nesse sentido, e dispor-
se a gerenciar a própria vida analogamente à gestão de uma empresa, como um/a
empreendedor/a capitalista” (ANTUNES; PINTO, 2017, p. 102).

23 Diversos/as autores/as, a exemplo de Antunes e Pinto (2017); Harvey (2011); e Mészáros (2008),
realizam densamente essa discussão sobre as novas formas de subordinação do trabalho pelo capital
a partir da restruturação produtiva desencadeada desde a crise de acumulação do capital de 1970 (se
intensificando com a crise do capital financeiro de 2008), no qual se recomenda a leitura para maior
apreensão sobre a relação capital e trabalho na contemporaneidade.
39

Gentili (2008) aborda que a acumulação flexível trouxe novas perspectivas


diante dos fenômenos que eclodem a partir da crise do capital de 1970. O autor afirma
que:
A desintegração da promessa integradora implicou a construção de uma nova
esperança, só que desta vez muito mais arriscada para os indivíduos e com
um custo social cuja evidência não expressava outra coisa senão a natureza
estruturalmente excludente dos novos tempos: a empregabilidade. Mais do
que pensar a integração dos trabalhadores ao mercado de trabalho, o
desenho das políticas educacionais deveria orientar-se para garantir a
transmissão diferenciada de competências flexíveis que habilitem os
indivíduos a lutar nos exigentes mercados laborais pelos poucos empregos
disponíveis. A garantia do emprego enquanto direito social [...] desmanchou-
se diante da nova promessa de empregabilidade como capacidade individual
para disputar as limitadas possibilidades de inserção que o mercado oferece
(GENTILI, 2008, p. 89).

Tonet (2012) analisa que as mudanças significativas ocorridas pelo novo


modelo produtivo da acumulação flexível introduzem cada vez mais a ciência e
tecnologia aos processos produtivos, sendo exigido um novo modelo de formação
para a força de trabalho, principalmente pelo domínio dessas novas ciências e
tecnologias. Faz-se necessário também ao/à trabalhador/a “aprender a pensar, a
resolver problemas novos e imprevistos; precisa ter uma formação polivalente, ou
seja, uma formação que lhe permita realizar tarefas diversas”, sendo necessário
também adquirir competências para “transitar com mais facilidade de um emprego a
outro, pois a estabilidade já não faz parte desta nova forma de produção” (TONET,
2012, p. 13).
O debate realizado por diversos autores — por exemplo de Silva (2015a);
Frigotto (2015); Enguita (2015); Gentili (2015) — no que se refere ao neoliberalismo,
a qualidade total e a educação aponta que a atual tendência da relação trabalho e
educação é a busca pela produção de identidade e conformação da classe
trabalhadora ao projeto societário imposto pelo imperativo neoliberal, ou seja, a sua
cooptação aos interesses da acumulação flexível.
Nessa lógica, a educação adota a ideologia mercantil, assumindo “a fisionomia
de uma nova retórica conservadora funcional e coerente com o feroz ataque que hoje
sofrem os espaços públicos (democráticos ou potencialmente democráticos)”
(GENTILI, 2015, p. 115).
A ideologia neoliberal com base na perspectiva de mercado (livre mercado e
livre iniciativa), busca, para a ampliação das formas de acumulação de capital, o
menor custo para o máximo resultado, sendo necessária a qualidade total durante
40

todo o processo produtivo. Com a aceleração tecnológica, como visto, demanda-se


menor número de trabalhadores aos diversos processos de trabalho, elevando-se a
competitividade com a ampliação do “exército industrial de reserva”.
Eguitta (2015) analisa que a retórica adotada pela restruturação produtiva a
partir da década de 1980, ancorada pela descrença ao Estado na possibilidade de
geração do pleno emprego, implanta a mensagem para a sociedade de que “o
fenômeno do desemprego é culpa dos indivíduos, os quais não souberam adquirir a
educação adequada ou dos poderes públicos que não souberam oferecê-la” (p. 103),
afastando a compreensão de que a culpa seria do campo empresarial/industrial, pois
“[...] essas que tomam a decisão sobre investimentos e emprego e que organizam os
processos de trabalho” (ENQUITA, 2015, p. 103).
Para ter acesso ao competitivo mercado, o/a trabalhador/a é “educado” a se
entender enquanto um empreendimento individual (capital humano) que necessita ter
qualidade suficiente na sua formação para ser parte do ciclo de qualidade total da
atual lógica do modo de produção (e reprodução) do capital.
Com a acelerada privatização, focalização e fragmentação das políticas sociais,
nos ditames do neoliberalismo, o acesso aos bens e serviços se contrapõem à lógica
socialmente democrática, pois passam a ser restritos. Tudo se torna mercadoria e
fonte de empreendimento aos olhos do neoliberalismo, não sendo a educação
passível desse processo de mercantilização.
A educação no contexto neoliberal traz consigo propostas pedagógicas que
estimulam a competitividade, o individualismo, o empreendedorismo, a polivalência e
as múltiplas formas de adaptar e integrar o/a trabalhador/a à nova lógica de
acumulação flexível do capital.
Frigotto (2015) entende que a nova retórica do capital tem em seu discurso a
“globalização, integração, flexibilidade, competitividade, qualidade total, participação,
pedagogia da qualidade e a defesa da educação geral, formação polivalente e
‘valorização do trabalhador’ ”(p. 41), sendo essas, ainda conforme o autor, “uma
imposição das novas formas de sociabilidade capitalista tanto para estabelecer um
novo padrão de acumulação quanto para definir as formas concretas de integração
dentro da nova reorganização da economia mundial” (FRIGOTTO, 2015, p. 41).
Silva (2015a), em seus estudos, nos proporciona uma síntese dos impactos
dessa ideologia neoliberal para a sociedade em sua totalidade, ao tratar que:
41

O discurso da qualidade total, das excelências da livre iniciativa, da


‘modernização’, dos males da administração pública reprime e desloca o
discurso da igualdade/desigualdade, da justiça/injustiça, da participação
política numa esfera púbica de discussão e decisão, tornando quase
impossível pensar numa sociedade e numa comunidade que transcendam os
imperativos do mercado e do capital. Ao redefinir o significado de termos
como ‘direitos’, ‘cidadania’, ‘democracia’, o neoliberalismo em geral e o
neoliberalismo educacional, em particular, estreitam e restringem o campo do
social e do político, obrigando-nos a viver num ambiente habitado por
competitividade, individualismo e darwinismo social (SILVA, 2015a, p. 22).

Conforme argumenta Saviani (2008, p. 12), “[...] as teorias pedagógicas se


dividem, de modo geral, em dois grandes grupos: aquelas que procuram orientar a
educação no sentido da conservação da sociedade em que se insere, mantendo a
ordem existente. E aquelas que buscam orientar a educação tendo em vista a
transformação da sociedade, posicionando-se contra a ordem existente”.
Antagônico ao direcionamento da racionalidade instrumental neoconservadora
traçado pelas propostas neoliberais à educação, há na sociedade movimentos que se
baseiam na perspectiva da emancipação humana, na ideologia social crítica. Nessa
perspectiva, a formação da sociedade como um todo deve se dar por via da
racionalidade crítica, a partir de uma perspectiva de democracia social igualitária,
universal e progressista.
Arroyo (1998, p. 143) traz a necessidade de uma outra lógica da relação
educação-trabalho na seguinte reflexão:

Quando voltamos nossa reflexão para o trabalho como princípio educativo,


terminamos nos aproximando de uma teoria social sobre como se forma o ser
humano, como se produz o conhecimento, os valores, as identidades, como
se dá o processo de individuação, de constituir-nos sujeitos sociais e
culturais, livre e autônomos, e como constituir uma sociedade de indivíduos
livres, em relações sociais regidas por princípios éticos, onde o trabalho, a
técnica produtiva, seja objetivo e ponto de referência para a liberdade pessoal
e coletiva.

Apreende-se que para o pensamento ideopolítico crítico social, com base na


racionalidade crítica, o processo de educação “nada mais é do que humanizar,
caminhar para a emancipação, a autonomia responsável, a subjetividade moral, ética”
(ARROYO, 1998, p. 144).
Pereira e Ramos (2006, p. 15) afirmam que “[...] o conceito marxiano de
qualificação pode ser entendido como uma articulação entre as condições físicas e
mentais que compõem a força de trabalho, utilizadas em atividades voltadas para
valores de uso”. As autoras complementam que a qualificação profissional como
processo educativo faz parte do processo de formação humana.
42

Ainda para as autoras, na sociabilidade do capital, a educação deve ser


instrumento contra-hegemônico da ordem burguesa, contra a mercantilização da
educação e pelo retorno do processo educativo enquanto parte da formação humana
para o desenvolvimento de sua plena emancipação.

A formação profissional é uma expressão recente, criada para designar


processos históricos que digam respeito à capacitação para e no trabalho,
portanto, à relação permanente entre o trabalhador e o processo de trabalho
na ótica dos trabalhadores. Ela assume um caráter associado às ideias de
autonomia e de autovalorização. Essa perspectiva contesta o sentido de
educação ou da formação para o trabalho, bem como a política de integração
do trabalhador nos projetos empresariais. Abre, ao mesmo tempo, um leque
mais amplo de discussão, compreendido em temas como ‘trabalho como
princípio educativo’ e ‘formação politécnica’ (PEREIRA; RAMOS, 2006, p. 14-
15).

Tonet (2012) entende que a sociabilidade capitalista restringe as possibilidades


de emancipação humana plena, sendo os princípios de liberdade, democracia,
igualdade e justiça restritos apenas ao segmento dominante do capital.

[…] apesar de a liberdade também existir na sociedade capitalista, ali ela


jamais poderá deixar de ter um caráter formal, uma vez que, em última
análise, quem é livre é o capital e não o homem. Em consequência, ainda que
os homens sejam sujeitos da história, eles o são de modo extremamente
limitado, pois são constrangidos por forças que escapam o seu domínio.
Eliminado o capital com todos os seus corolários, emerge a possibilidade de
os homens serem efetivamente livres, quer dizer, de, consciente e
coletivamente, conduzirem o seu processo de autoconstrução (TONET, 2012,
p. 22).

A compreensão desse processo desencadeado pelo modo de produção


capitalista se faz importante para entendermos mais profundamente a relação trabalho
e educação na atual ordem societária. Mais ainda, é também no movimento do modo
de produção do capital que se expressam as formas ideopolíticas e pedagógicas de
formação para a classe trabalhadora.
Diante das disputas antagônicas ao projeto de sociabilidade e,
respectivamente, aos processos educacionais e de trabalho discutidos no decorrer
deste tópico, opta-se pela perspectiva contra-hegemônica de relações sociais,
entendendo que a educação e o trabalho necessitam se basear na plena emancipação
humana, socialmente democrática e livre de qualquer forma de subordinação de
classe.
43

1.3 Trabalho e Formação em Saúde na Sociabilidade Capitalista

No advento do capitalismo industrial, a necessidade da divisão social e técnica


do trabalho se expande tanto nos processos de produção quanto na reprodução do
capital. A criação de novas atividades laborais, para o atendimento de especificidades
determinadas pelo avanço produtivo e, consequentemente, para os novos processos
de trabalho, exige a especialização/profissionalização da força de trabalho.
O capitalismo industrial também trouxe alterações nas condições de saúde,
principalmente no meio urbano onde surgem diversas epidemias decorrentes da
ausência de saneamento, insalubridade e da precarização do trabalho e da vida. A
luta da classe operária por proteção social e os altos índices de mortalidade e
enfermidades traçadas nesse período histórico corroboraram para transformações
significativas no setor saúde, essencialmente no desenvolvimento científico e
tecnológico da área.
Bravo (2013, p. 59) resume que nos séculos XVIII e XIX, principalmente nos
países de capitalismo central, a atenção à saúde era realizada a partir da ênfase “na
prevenção e em medidas de saúde pública”. Tais medidas ocorrem devido a pressões
no campo da luta de classes, demandando medidas interventivas do Estado, pois,
conforme afirma a autora, “tornava-se imperioso criar, nas condições urbano-
industriais, um novo estilo de vida que combinasse pobreza e higiene” (BRAVO, 2013,
p. 34).
A formação na saúde era centrada na medicina, a qual nesse período tinha
características de controle da vida social. A partir das descobertas científicas nas
ciências naturais e no campo da bacteriologia ocorridas no século XX, possibilitou-se
a cura de diversas doenças epidêmicas.
Ao analisar as modificações ocorridas na saúde com a ascensão do capitalismo
monopolista, a autora demarca as posições teórico-filosóficas que norteiam as bases
ideopolíticas na formação em saúde nesse processo: desde o positivismo que surge
na metade do século XIX ao seu desdobramento no funcionalismo e na fenomenologia
no decorrer do século seguinte, assim como o materialismo histórico e dialético. Sobre
essas principais correntes teórico-filosóficas, a autora afirma que a ideologia burguesa
rechaçava qualquer tradição progressista que possibilitasse a percepção crítica das
contradições entre capital e trabalho.
44

O materialismo histórico e dialético se traduz enquanto expressão científica da


classe operária/trabalhadora como forma de análise da dinâmica da sociedade do
capital, sendo possível a instrumentalização dessa classe enquanto teoria
revolucionária (BRAVO, 2013).
Como visto no tópico anterior, no modo de produção capitalista, a formação de
trabalhadores é motivada para potencializar as formas de extração de mais-valia e
possibilitar a manutenção e a expansão da acumulação de capital, apoiado nas
correntes teóricas que buscam a conservação de sua ordem.
Pereira e Ramos (2006) explicam que o entendimento das protoformas da
profissão de enfermagem é fundamental para entendermos como se manifestava a
divisão técnica do trabalho na saúde enquanto determinação de uma divisão social.
As autoras afirmam que na divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, a
enfermagem se expressava na divisão social e técnica do trabalho enquanto uma
atividade meramente prática a partir de um processo de aprendizagem copiativo24.

[...] as atividades desenvolvidas por estes profissionais careciam de


conhecimento teórico. Sendo suas atividades puramente manuais. As
instituições femininas e religiosas tiveram papel significativo nos cuidados dos
doentes. A enfermagem apresentava-se como atividade prática, onde a
caridade era o atributo moral e religioso das ações desenvolvidas (PEREIRA;
RAMOS, 2006, p. 23).

Quanto ao processo histórico de transformação na concepção de saúde, Bravo


(2013) destaca o enfoque biológico e individual que predominou nas práticas
científicas e médicas, demarcado pelo Relatório Flexner de 1910 (considerado
documento científico marco da medicina moderna).
O movimento flexneriano ocorre em um período no qual a maior parte das
doenças eram determinadas socialmente, sendo expressão da ascensão do
capitalismo industrial que trouxe a predominância das doenças infecciosas, como já
visto. O flexnerianismo se coloca na contramão do entendimento das determinações
sociais ao indicar a causa individual das enfermidades e o enfoque terapêutico
orientado para o indivíduo, havendo o crescimento da atenção voltada aos centros
hospitalares.

24 Refere-se ao trabalho restritamente técnico apreendido a partir da observação e da simples


reprodução dos comandos, sem a realização de mediações para a efetivação do trabalho (PEREIRA;
RAMOS, 2006).
45

A concepção centrada no biológico/individual passa a sofrer transformações na


década de 1940, período em que surge uma ampliação na compreensão da saúde,
principalmente ao estender a compreensão dos aspectos sociais. Exemplifica-se a
concepção de saúde da “causalidade múltipla”, buscando compreender os fatores
biológicos e sociais. Contudo, os fatores sociais tinham uma ênfase nos fatores
ambientais, diga-se ecológicos, e não da dinâmica da sociabilidade vigente (BRAVO,
2013).
Esse período também demarca uma nova etapa do capitalismo monopolista,
caracterizado pelo desenvolvimento técnico-científico. No campo da ciência, “houve o
advento de ideologias tecnicistas e apolíticas, advogando para as profissões uma
suposta neutralidade ético-científica” (BRAVO, 2013, p. 66).
Marca também pelo surgimento de estratégias internacionais organizadas para
a união dos Estados internacionais na busca por melhores condições de saúde das
nações. Resultado desse momento, funda-se em 1948, com a representação de 61
(sessenta e um) Estados, incluindo o Brasil, a Organização Mundial da Saúde
(OMS)25, com a finalidade de alcançar os graus mais altos de saúde para toda a
população mundial. Modificações significativas a partir de 1950 ocorrem nas ações
em saúde26, com a ascensão do mercado de medicamentos e equipamentos médicos.
Intensifica-se a concentração da atenção em nível hospitalar.
Conforme Mourão et al. (2006, p. 360), a formação médica de pós-graduação
ganha a modalidade das Residências, a qual “se constitui como uma forma de

25 A partir da criação da OMS, a saúde passa a ser entendida de forma ainda mais ampla, não apenas
no seu aspecto biológico e individual (quanto à presença ou ausência de doenças), conforme a OMS
“La salud es un estado de completo bienestar físico, mental y social, y no solamente la ausencia de
afecciones o enfermidades” (OMS, 2014, p. 1). Modificações significativas a partir de 1950 ocorrem nas
ações em saúde, com a ascensão do mercado de medicamentos e equipamentos médicos. Intensifica-
se a concentração da atenção em nível hospitalar.
26 Com a criação dos órgãos internacionais de apoio à saúde, a exemplo da Organização Pan-

Americana da Saúde (OPAS), os sistemas de saúde passam a possuir bases para a articulação,
planejamento e execução de suas ações a partir das determinações direcionadas por esses órgãos. A
OPAS tem importância e impacto internacional pelo grande número de países participantes de sua
constituição. Desde sua fundação, a OMS e a OPAS buscaram formular projetos para apoiar os
gestores dos sistemas de saúde internacionais, propondo realizar pesquisas, relatórios técnicos,
classificação internacional de doenças, dentre outras atribuições e competências especializadas em
saúde. Assim sendo, “La OMS colabora con las instancias normativas, los asociados para la salud
mundial, la sociedad civil, las instituciones académicas y el sector privado para ayudar a los países a
elaborar y aplicar planes sanitarios nacionales consistentes, así como a hacer un seguimiento de ellos.
Además, ayuda a los países a velar por que sus ciudadanos dispongan de servicios de salud integrados
y centrados en la persona, equitativos y a un precio asequible; a facilitar el acceso a tecnologías
sanitarias asequibles, eficaces y seguras, y a fortalecer los sistemas de información sanitaria y la
formulación de políticas basadas en datos científicos” (OMS, 2019).
46

educação continuada na área de formação dos recursos humanos em saúde [...] como
treinamento pós-graduado”. Contudo, ressalta-se que essa modalidade de
especialização ficou restrita à categoria médica até o final dos anos 1970, havendo
modificações em seu formato a partir da Residência em Medicina Comunitária,
considerada a primeira Residência Multiprofissional do país, criada em 1978. As
Instituições de Ensino Superior – IES, na década de 1980, “[...] implantaram
programas de Residências Multiprofissionais incorporadas à Residência Médica como
Enfermagem, Nutrição e Serviço Social. Esses programas foram logo encerrados
quando o MEC definiu o financiamento somente para a Residência Médica”
(MOURÃO, et al., 2007, p. 361).
Ceccim (2017) sintetiza o movimento histórico pelo qual a formação profissional
em saúde perpassou ao longo dos 100 (cem) anos após o movimento flexneriano.
Demarca a existência de três gerações formativas, sendo elas: a baseada na ciência;
a baseada em problemas; e a baseada em sistemas.
A primeira geração advém dos princípios do movimento flexneriano, o qual,
conforme o referido autor, “se põe pela primeira vez as bases para um aprendizado
moderno, embasado nas descobertas científicas” (CECCIM, 2017, p. 56).
Em meados da década de 1960, o autor pontua uma “nova modalidade de
ensino embasada na discussão de problemas, centrada no estudante e com
metodologia de aprendizado ativas em pequenos grupos” (CECCIM, 2017, p. 56). O
autor afiança ainda que a última base formativa se propõe a ser “a formação dos
profissionais do novo milênio”, no qual “se embasa em uma forte interdependência
entre o contexto local e global, e entre sistemas formativos e sistema de saúde, graças
à geração de conhecimentos especificamente gerados pelo contexto local” (CECCIM,
2017, p. 56).
No final da década de 1970, com a eclosão da crise do capital e declínio do
Estado de Bem-estar nos países de capitalismo central, as políticas sociais são
atingidas mundialmente por medidas adotadas pelo projeto neoliberal. Ou seja, a
partir da ascensão da lógica da acumulação flexível como resposta à crise do capital,
incidem diretamente nas políticas sociais brasileiras, a exemplo da saúde pública e a
educação, que passam a sofrer modificações estruturais.
Frigotto (2015), ao analisar esse momento histórico, adverte que se busca na
saúde pública a adesão ao projeto mercantil, com a adoção de seu discurso baseado
na racionalidade instrumental.
47

A investida para se implantar os critérios empresariais de eficiência, de


‘qualidade total’, de competitividade em áreas incompatíveis com os mesmos,
como educação e saúde, desenvolve-se hoje dentro do setor ‘público’. O que
é, sem dúvida, profundamente problemática é a pressão da perspectiva
neoconservadora para que a escola pública e a universidade em particular e
a área da saúde se estruturem e sejam avaliadas dentro dos parâmetros da
produtividade e eficiência empresarial. Mais preocupante ainda quando os
próprios dirigentes das universidades públicas aderem às ideias da ‘qualidade
total’, sem qualificar esta qualidade (FRIGOTTO, 2015, p. 49-50).

A formação em saúde nesse período, nos países de capitalismo central e


dependentes, passam a ter por base as expressões da restruturação produtiva. Assim,
adentram nos sistemas de saúde as prerrogativas da acumulação flexível, com
destaque na racionalização dos serviços, na flexibilidade e na polivalência dos
processos de trabalho, com o foco restrito na resolução pontual de questões
individuais, além de outras expressões, como veremos mais adiante.
Ao entender de forma global as necessidades de saúde e identificar um
problema mundial na fragmentação da atenção à saúde — além das dificuldades para
o gerenciamento das necessidades de saúde não atendidas —, a OMS passa a
compreender que a principal estratégia para superar essa situação deve ser realizada
por via do trabalho de equipes interprofissionais. Para isso, a organização tem
investido no desenvolvimento e direcionamento da formação e educação em saúde
ao longo dos anos.
Conforme Peduzzi (2017, p. 40), a OMS elabora seu primeiro documento sobre
a Educação Interprofissional (EIP)27 em 1988 “década em que foi criado, na Inglaterra,
o centro de aperfeiçoamento da educação interprofissional (Centre of Advancement
of Interprofessional Education – CAIPE) vinculado ao sistema de saúde inglês”. Nesse
período, a organização buscou dar suporte aos programas internacionais de
formação, principalmente através da perspectiva da EIP. No Brasil, a
multiprofissionalidade já é experienciada, mas pouco se conhece sobre o conceito da
interprofissionalidade, bem como a formação interdisciplinar para integrar os
currículos dos cursos de graduação da área da saúde.
Conceitualmente, a diferença entre a EIP e multiprofissional está em que no
primeiro caso os alunos aprendem de forma interativa sobre papéis,
conhecimentos e competências dos demais profissionais. No segundo, as
atividades educativas ocorrem entre estudantes de duas ou mais profissões

27No Brasil, temos três propostas de Educação Interprofissional – EIP, a Residência Multiprofissional
em Saúde (2005), Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde – Pró-
Saúde (2005) e o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET Saúde (2008) do
Ministério da Saúde.
48

conjuntamente, no entanto, de forma paralela, sem haver necessariamente


interação entre eles (PEDUZZI et.al., 2013, p. 979)

A OMS 28 , em 2010, avança na perspectiva sobre a EIP, sendo criado o


documento para direcionar a educação e o trabalho interprofissional em Saúde — o
Marco para Ação em Educação Interprofissional e Prática Colaborativa. A partir desse
documento, a OMS entende a necessidade de restruturação das bases de formação
em saúde.
Conforme este documento, a EIP “ocorre quando estudantes de duas ou mais
profissões aprendem sobre os outros, com os outros e entre si para possibilitar a
colaboração eficaz e melhorar os resultados na saúde” (OMS, 2010, p. 7). Sobre a
formação proporcionada pela educação interprofissional29, a OMS destaca um grupo
de domínios proporcionados por essa aprendizagem:

1. Trabalho em equipe:
– Capacidade de atuar como líder e membro da equipe
– Conhecimento dos obstáculos para o trabalho em equipe
2. Funções e responsabilidades:
– Compreensão das próprias funções, responsabilidades e aptidões, bem
como os de outros tipos de profissionais de saúde
3. Comunicação:
– Expressão apropriada de opiniões aos colegas
– Saber ouvir os membros da equipe
4. Aprendizado e reflexão crítica:
– Reflexão crítica sobre a própria relação em uma equipe
– Transferência do aprendizado interprofissional para o ambiente de trabalho
5. Relação com o paciente e identificação de suas necessidades:
– Trabalho colaborativo com foco na melhor assistência ao paciente
– Envolvimento com pacientes, famílias, cuidadores e comunidades como
parceiros no gerenciamento do cuidado
6. Prática ética:
– Compreensão das visões estereotipadas próprias e de terceiros sobre
outros profissionais de saúde
– Reconhecimento de que os pontos de vista de cada profissional de saúde
são igualmente válidos e importantes (OMS, 2010, p. 26)

28 Organização Mundial da Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática


colaborativa. Genebra: OMS; 2010.
29 OMS observa que para o atendimento as complexas necessidades de saúde, a partir da educação

em saúde na perspectiva interprofissional, necessitaria ter como foco o conceito da prática colaborativa.
Explica ainda no seu documento base que a prática colaborativa ocorre “quando profissionais de saúde
de diferentes áreas prestam serviços com base na integralidade da saúde, envolvendo os pacientes e
suas famílias, cuidadores e comunidades” (OMS, 2010, p. 13) corroborando para a “saúde da mais alta
qualidade em todos os níveis da rede de serviços” (idem, p. 13). Com a educação interprofissional
sendo direcionada para a execução de uma prática colaborativa, conforme a OMS, os sistemas de
saúde atingiriam altos graus de excelência, desdobrando e melhoria na qualidade dos serviços de
saúde e na saúde da população como um todo.
49

Conforme o documento da OMS, o principal objetivo da educação


interprofissional é a formação de força de trabalho potencializadora do atendimento
das necessidades de saúde. Contudo, através da análise do documento, percebe-se
algumas tendências à pactuação às perspectivas da flexibilidade do trabalho e
racionalização dos serviços. Percebe-se em diversos momentos do documento a
inserção da necessidade do trabalho flexível na saúde.
O documento também indica que a implementação da prática colaborativa
interprofissional “ajudará os Estados-Membros da OMS a formar forças de trabalho
de saúde mais flexíveis, que permitam suprir as necessidades de saúde locais,
maximizando em paralelo os recursos limitados” (OMS, 2010, p. 13). Mais adiante, ao
analisar sobre diversas formas de agravos à saúde como as epidemias, os desastres
naturais e o envelhecimento populacional, complementa que “uma força de trabalho
de saúde colaborativa, forte e flexível é uma das melhores formas de enfrentar esses
desafios de saúde, altamente complexos” (idem, p. 14).
Todavia, apreende-se que a lógica do trabalho flexível abre caminhos para as
diversas formas de expressão da precarização do trabalho, como exemplos: a
flexibilização dos direitos trabalhistas; a exigência de maior produtividade (intensidade
do trabalho); a polivalência dos trabalhadores ao adquirirem novas funções que não
os atribuem; a racionalização dos serviços e das equipes de saúde; dentre outras
expressões.
Não obstante, é imperativo apreender que os órgãos internacionais como a
OMS condescendem com o movimento global do sistema capitalista, sendo parte de
sua estrutura, havendo contradições em suas iniciativas — avanços importantes, mas
com a conservação de preceitos da lógica do capital.
Ao se constatar as fontes de financiamento da OMS, podemos perceber que as
principais contribuições recebidas pela organização advêm de países e instituições
que compõem as principais potências econômicas mundiais, centrais para o
desenvolvimento da atual lógica de acumulação flexível do sistema capitalista.
Ressaltamos que os principais contribuintes da OMS para a realização das atividades
do biênio 2016-2017 foram países e instituições que determinaram as diretrizes
50

neoliberais. Destaca-se, dentre eles, o Banco Mundial. O investimentos giraram em


torno de US$ 3719 milhões30.
Entende-se que a prática multi/interprofissional é uma proposta importante para
o atendimento das complexas necessidades de saúde, pois possibilita o trabalho
articulado e a quebra com a perspectiva fragmentada e positivista de atendimento à
saúde. Apreende-se ainda que a prática colaborativa, a partir de seu conceito
enquanto prática para a integralidade do atendimento à saúde, corrobora para a
melhoria dos serviços de atendimento à saúde da população.
É reconhecido que para a melhor o atendimento global, faz-se necessária a
prática se basear pelo trabalho interprofissional (ou multiprofissional articulado). Aliás,
não concordamos com a utilização de tais perspectivas para o auxílio à racionalização
dos serviços, à flexibilização e polivalência do trabalho, dentre outras expressões
advindas da nova fase de acumulação flexível do capital.
Assim sendo, neste estudo defende-se a perspectiva do direito universal, do
investimento integral nas necessidades de saúde, a ampliação das equipes e serviços
de atendimento e a integração dos serviços, buscando-se o desenvolvimento das
potencialidades humanas e emancipação plena.

30 Os principais financiadores do período (2016-2017) foram: “ Estados Unidos de América, Fundación


Bill y Melinda Gates, Reino Unido de Gran Bretaña e Irlanda del Norte, Alianza Gavi para las Vacunas,
Japón, Alemania, Banco Mundial, Comisión Europea, Asociación Rotaria Internacional, National
Philanthropic Trust, Canadá, Australia, China, Francia, Fondo Central para la Acción en Casos de
Emergencia de las Naciones Unidas, Suecia, Oficina de las Naciones Unidas de Coordinación de
Asuntos Humanitarios, República de Corea. Países Bajos. (OMS. Informe sobre los resultados de la
OMS: presupuesto por programas 2016-2017. Disponível em:
<https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA71/A71_28-sp.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2020.
51

CAPÍTULO 2 – TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO E TRABALHO PARA A POLÍTICA


DE SAÚDE NO BRASIL E AS PARTICULARIDADES DA FORMAÇÃO NOS
PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL

Neste capítulo aborda-se a relação educação e trabalho na saúde mediada por


suas expressões e particularidades na realidade brasileira. Partimos da compreensão
da formação histórica da política de saúde brasileira na perspectiva de evidenciarmos
a concepção das propostas de formação profissional para o SUS, e,
consequentemente, a criação das residências multiprofissionais.
Não obstante, para apreendermos o arcabouço teórico-político dos
fundamentos que instituíram as Residências de Saúde, foi necessário situá-las na
totalidade da implementação e consolidação da política de saúde brasileira. A partir
dessa perspectiva procuramos — na atual conjuntura de contrarreforma do Estado
Brasileiro — analisar o desenvolvimento das relações entre educação, trabalho e
saúde, mediado pelo projeto ideopolítico neoliberal e pelo avanço dos movimentos
sociais contra a privatização e luta em defesa do SUS.

2.1 Saúde Pública e as Particularidades na Formação do Estado Brasileiro: das


raízes à contrarreforma do setor saúde

Nossa análise partiu do marco da ascensão da sociabilidade capitalista no país,


pois o período do Brasil colonial não traz ações sanitárias afirmativas à saúde da
população, pelo contrário, marca um período de dizimação populacional por doenças
e agravos à saúde no geral — principalmente aos povos originários.

Um país colonizado, basicamente por degredados e aventureiros desde o


descobrimento até a instalação do império, não dispunha de nenhum modelo
de atenção à saúde da população e nem mesmo o interesse, por parte do
governo colonizador (Portugal), em criá-lo. Deste modo, a atenção à saúde
limitava-se aos próprios recursos da terra (plantas, ervas) e, àqueles que, por
conhecimentos empíricos (curandeiros), desenvolviam as suas habilidades
na arte de curar (POLIGNANO, 2001, p. 3).

Sobre a formação da sociabilidade capitalista no Brasil, com base na análise


de Fernandes (2006) e Coutinho (2003), entendemos que no país houve a inexistência
de uma revolução “democrático-burguesa” como ocorreu nos países de capitalismo
central — encabeçado por um movimento de massas liderado pela burguesia, a
52

exemplo da Inglaterra, França e Estados Unidos. Ao contrário, no país o


desenvolvimento da sociabilidade capitalista ocorre a partir de uma “revolução
passiva”, realizada “pelo alto” e dependente dos países de capitalismo central.
Preserva-se o que Fernandes (2006) caracteriza enquanto uma dupla articulação: o
desenvolvimento desigual interno e dominação imperialista externa.
Coutinho (2003, p. 196) explica que as transformações do capitalismo no país
ocorrem “graças ao acordo entre as frações das classes economicamente
dominantes, com a exclusão das forças populares e a utilização permanente dos
aparelhos repressivos e de intervenção econômica do Estado”.
O Estado se torna instrumento para a conservação e concretização dos
interesses da classe dominante, com o objetivo de controlar e reprimir os interesses
da classe subalterna. Suas ações são dirigidas por via do poder burguês para a
mediação da luta de classe, que se aprofundam com a ascensão do capitalismo
industrial. Fernandes (2006, p. 346), ao analisar o poder burguês brasileiro, afirma que
este “[...] se impõe sem rebuços de cima para baixo, recorrendo a quaisquer meios
para prevalecer”.
A proteção social no Brasil, como a saúde, desdobra-se de acordo com os
movimentos políticos, econômicos e sociais do capitalismo de caráter dependente.
Entende-se as políticas sociais enquanto “desdobramentos e até mesmo respostas e
formas de enfrentamento [...] às expressões multifacetadas da questão social no
capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre
o trabalho” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 51). No país, as ações por intermédio
do Estado têm suas raízes na transição entre o século XIX e XX. Contudo, muitas das
expressões da questão social eram tratadas enquanto “caso de polícia”.
No campo da saúde, em meados do século XVIII, a assistência ocorria por via
do trabalho liberal da medicina e por meio da filantropia, a exemplo dos hospitais das
Santas Casas. A atuação médica era “baseada em conhecimentos tradicionais, não
científicos” (BRAVO, 2013, p. 111). À massa da população que não tinha possibilidade
de acesso aos hospitais filantrópicos e ao atendimento médico, restava o
desenvolvimento das antigas práticas culturalmente repassadas pelo conhecimento
popular.
Esse cenário permanece até meados do século XIX, quando a situação da
saúde “apresentava-se péssima, com mortalidade elevada e presença de diversas
doenças, destacando-se a hepatite, lepra, bouba, febre amarela e escorbuto. [...] as
53

condições de saneamento eram lastimáveis [...]” (BRAVO, 2013, p. 113). Conforme


Bravo (2013), ações voltadas para a saúde pública têm suas raízes na década de
1850, com estratégias para a vigilância profissional e campanhas sanitárias limitadas.
Pereira e Ramos (2006, p. 27) elucidam que a formação para o trabalho nesse
período, baseado na divisão social e técnica do trabalho — na dicotomia manual e
intelectual —, tinha influência dos padres salesianos que disseminavam “a ideologia
do ensino profissional como contraponto ao pecado”.
Com a classe trabalhadora em ascensão no país, a proteção ao trabalho se
torna principal pauta dos movimentos de resistência, incluindo a assistência à saúde.
Os direitos trabalhistas são garantidos na década de 1930, momento de
desenvolvimento industrial interno ocorrido na instauração do “Estado Novo” com as
medidas do governo Vargas. O período da década de 30 também marca o
reconhecimento da questão social pelo Estado, sendo desenvolvidas políticas sociais
para a mediação do antagonismo gestado na relação capital-trabalho.
Nesse cenário, a saúde passa a ser organizada a partir dos setores de saúde
pública (que criam as condições sanitárias mínimas para o meio urbano e,
restritamente, para o campo) e de medicina previdenciária (pautada na perspectiva do
trabalhismo por vias do seguro social).
Pereira e Ramos (2006) trazem que, nesse momento histórico do Brasil, houve
significativas modificações na relação trabalho, educação e saúde, principalmente
com a criação do Ministério da Educação e da Saúde. A educação tem nesse
momento o decreto de leis orgânicas para a sua regulamentação, sendo utilizada
como “instrumento de propagação da ideologia” do Estado Novo.
Em análise sobre o período de 1930 no Brasil, Ianni (1975) define as medidas
adotadas no getulismo, como a combinação do atendimento dos interesses do
mercado interno com a política de massas pelo dirigismo estatal, sendo este último,
em sua análise, o elemento crucial.
O período de desenvolvimento interno mediado pelas ações interventivas do
Estado sofre modificações no decorrer dos anos de 1946-64, marcado principalmente
pela disputa de projetos antagônicos de classe. Diante do crescimento dos
movimentos populares (como a organização e tomada de consciência da classe
trabalhadora urbana e das tensões ocorridas no campo), com fins de conservar e
ampliar os interesses do capital, instaura-se no Brasil o Golpe Militar de 1964,
caracterizado como modernização conservadora, esse período marca o estágio
54

monopolista do capitalismo nacional dependente. Nesse cenário, a questão social


passa a ser enfrentada com a perspectiva de articulação entre a repressão e a
assistência (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
O período do Golpe de 64 para a saúde se caracteriza pela expansão do setor
previdenciário em detrimento do setor da saúde pública. A ditadura militar também
demarca a expansão da tecnificação e ascensão dos programas de pós-graduação
no país.
No Brasil, entre os anos de 1967 e 1974, foi um período de modificações para
a política de saúde, sendo considerado um período de “incentivo à formação
profissional de nível superior, expansão dos empregos privados, incremento da
contratação de médicos e atendentes de enfermagem, reforçando a bipolaridade
médico/atendente; incentivo à hospitalização/especialização” (MACHADO; NETO,
2018, p. 1978).
Esse período também se caracteriza pelas mudanças na política de previdência
social (como a criação do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS) e, no final
da década de 70, a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social – INAMPS, no qual se caracterizou pela cobertura dos trabalhadores segurados
quanto ao atendimento e pela cobertura no adoecimento. Para os não contribuintes
da previdência social, as expressões da questão social no processo saúde-doença
permaneciam sendo tratadas a partir dos hospitais filantrópicos, iniciativas solidárias
e práticas populares.
Ianni (1975, p. 136-137), em análise sobre os golpes de Estado no país, afirma,

Os golpes de Estado foram sempre apoiados ampla e ostensivamente por


forças militares. Os golpes de Estado de 1937, 1945, 1955, 1961 e 1964 estão
todos ligados ao nome de vários militares. Em cada caso, o acontecimento
tem uma significação particular. Em todos, no entanto, evidencia-se a
fragilidade dos partidos políticos e a fraqueza da opinião pública e da
consciência democrática. Em realidade, os golpes de Estado são formas
correntes de sucessão no poder, numa sociedade em que a política de
massas e as oligarquias preponderam sobre os partidos políticos. Sob certos
aspectos, o golpe militar é um evento crucial, através do qual se revela toda
fraqueza do modelo liberal adotado no Brasil e em outras nações
dependentes.

Entende-se que o momento de declínio da ditadura militar, na transição entre


as décadas de 1970-1980, possibilitou transformações significativas para a sociedade
brasileira. Movimentos sociais de diversos segmentos lutaram pela redemocratização
do país, pela ampliação dos direitos sociais — diante das expressivas desigualdades
55

e injustiças sociais — e pelo Estado Democrático de Direito. Com o esgotamento da


ditadura militar em 1985, em meio à crise estrutural do capital, projetos societários
antagônicos passam a disputar o cenário político brasileiro, havendo grandes
movimentos de expressão popular.
Machado e Neto (2018, p. 1978) apontam que, no setor saúde, entre os anos
de 1975 e 1986, houve o “aumento da participação do setor público na oferta de
serviços ambulatoriais e hospitalares e a formação de pessoal técnico e sua
incorporação nas equipes de saúde”. Desse desenvolvimento das iniciativas de
saúde, possibilitou-se a ascensão do movimento nacional pela Reforma Sanitária
brasileira31.
A década de 1980, conforme Mourão et al. (2006), marca-se pela
particularidade na concepção de saúde pública advindo pelo Movimento de Reforma
Sanitária, em que entende a saúde enquanto direito de todos (universal) e dever do
Estado de cumprir com as necessidades para o seu acesso.
Com os desdobramentos decorrentes das pressões dos movimentos sociais
populares na década de 1980, como o Movimento de Reforma Sanitária, demarca-se
a instauração da constituinte que concretizou a Constituição Federal brasileira de
1988. Conhecida popularmente como “Constituição Cidadã” pela implantação de
direitos civis e, principalmente, sociais, torna-se marco do nascimento da Seguridade
Social do país, com base nas políticas de saúde, previdência e assistência social.
Nesse marco histórico, ocorre no Brasil a legitimação da saúde pública
universal (através dos artigos 196 a 200 da referida Constituição Federal), assim como
na elaboração de leis que criaram o Sistema Descentralizado de Saúde (SUDS) e,
posteriormente, o Sistema Único de Saúde (SUS), no final dos anos 1980. São
implementados nos princípios e diretrizes do SUS os ideais e princípios trazidos pelo
Movimento de Reforma Sanitária.

Esses ideais foram transformados, na Carta Magna, em direito à saúde, o que


significa que cada um e todos os brasileiros devem construir e usufruir de
políticas públicas — econômicas e sociais — que reduzam riscos e agravos
à saúde. Esse direito significa, igualmente, o acesso universal (para todos) e
equânime (com justa igualdade) a serviços e ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde (atendimento integral) (BRASIL, 1996).

31“A preocupação central da proposta é assegurar que o Estado atue em função da sociedade,
pautando-se na concepção de Estado Democrático de Direito, responsável pelas políticas sociais e,
por conseguinte, pela saúde” (BRAVO, 2011, p. 14). Em sua construção, participam do Movimento de
Reforma Sanitária brasileira, principalmente, profissionais e trabalhadores da saúde, sanitaristas e
parcela dos movimentos sociais.
56

A Constituição Federal de 1988 define que a saúde é “um direito fundamental


do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício”, a sua regulamentação ocorreu com a elaboração das Leis Orgânicas
8.080, de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990a) e 8.142, de 28 de dezembro de
1990 (BRASIL, 1990b), que dão legitimidade ao direito aos serviços de saúde a toda
a população em território nacional, independente de contribuições, salvaguardando a
participação popular no processo de construção da saúde pública.
[...] a organização social e econômica do País, tendo a saúde como
determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o
saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a
atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais (BRASIL, 1990a).

A Reforma Sanitária brasileira trouxe também novos pilares para a formação


profissional em saúde e Castro (2013) demarca cinco deles:

[…] o pensamento crítico e produtivo, o ensino em consonância com o


serviço, a conscientização do aluno frente à realidade da população, a
autonomia individual e coletiva, o aprendizado baseado nos problemas da
população assistida, de modo que o profissional atue como sujeito
transformador da realidade (CASTRO, 2013, p. 4).

Entretanto, na década de 1990 ocorre uma reviravolta frente às recém


conquistas sociais. A partir das recomendações contidas no Consenso de Washington
de 1989, pautadas pelos principais órgãos financeiros mundiais, como o Fundo
Monetário Internacional, o Banco Mundial, dentre outros, pressionava-se os países de
capitalismo dependente a adotar novas medidas para a manutenção da acumulação
do capital com o discurso de enfrentamento à crise mundial. Ascende no Brasil um
novo reordenamento do Estado, através da política neoliberal, aqui denominada de
contrarreforma.
O Estado concebeu na nova etapa de acumulação capitalista “[...]
contrarreformas no sentido de privatizar o fundo público de diferentes e criativas
formas [...]” (ALENCAR; GRANEMANN, 2009, p. 165), a saber:

a) Entrega do parque estatal lucrativo (produtivo e de serviços) aos negócios


privados;
b) Redução da proteção à força de trabalho ocupada e excedente pela
diminuição de direitos trabalhistas e sociais de que são exemplos
característicos as contrarreformas previdenciárias, trabalhista e sindical;
c) Redefinição do campo de atuação das políticas sociais como atividades
não exclusivas do Estado de modo a torná-las serviços privados, esferas
passíveis de comercialização, de criação de novos negócios e de
57

intensificação dos já existentes (por exemplo a saúde, a previdência e o


ensino privado) com subsídios do fundo público;
d) Canalização de parte mínima dos recursos do fundo público que financia
as políticas sociais de responsabilidade do Estado para a fração da classe
trabalhadora mais pauperizada (programas de transferência de
renda/assistenciais, curiosamente cognominados “bolsas”), a enorme fração
excedentária da força de trabalho, pela via de operação monetarizada, com
dinheiro plástico, operado por bancos, de modo a tornar o recurso
público também recursos monetários manipulados por instituições bancário-
financeiras, no interesse do grande capital portador de juros;
e) Imputação à força de trabalho empregada pelo Estado da
responsabilidade pela ineficiência dos serviços públicos para impor similares
condições de trabalho e de vida, de contrato rebaixado, de instabilidade no
trabalho e de redução de direitos trabalhistas e sociais às praticadas nas
empresas capitalistas contra a força de trabalho. Para a consecução destas
medidas é indispensável alterar em profundidade o aparelho estatal e criar
novos entes jurídicos ‘estatais’. Tais entes em geral carregam do público
apenas a denominação porque sua natureza é essencial e profundamente
privada. Tais ‘instituições’ viabilizam as parcerias público-privadas e se
metamorfoseiam em distintas formas, conforme os embates de classes em
cada espaço e local, das quais as mais comuns são as ‘fundações estatais
de direito privado’, as ‘organizações sociais (OS)’, as ‘organizações da
sociedade civil de interesse público (OSCIP)’ e as ‘fundações de apoio’, etc.
(ALENCAR; GRANEMANN, 2009, p. 165).

Nessa conjuntura de contrarreforma do Estado, a Política de Saúde Pública no


Brasil, recém-conquistada, encontra-se diante de diversos impactos, principalmente
para a consolidação do SUS.
Apesar das conquistas para os direitos sociais alcançados na Constituição
Federal de 1988, conforme Löwy (2016) e Pauline (2016), houve respostas
consonantes ao processo global de contrarreforma, iniciado pelo governo Collor,
concretizado no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), a partir da reforma
gerencial do Estado proposto por Bresser-Pereira.
De acordo com Correia (2007), em meio ao cenário de contrarreforma do
Estado, o que se observa neste contexto é a pressão de órgãos internacionais de
capital financeiro para a adoção dessas políticas de “liberalização,
desregulamentação e privatização, impondo reformas políticas, econômicas e sócio-
culturais” (CORREIA, 2007, p. 4), o que impacta diretamente as políticas que
envolvem a Seguridade Social, principalmente a Saúde, por ser de âmbito universal.
Nesse contexto, vivencia-se a focalização, setorialização, fragmentação e
minimalização dos direitos sociais.
Coutinho (2012) observa que a conjuntura neoliberal, no marco conceitual,
trata-se enquanto momento de contrarreforma, divergente a uma revolução passiva.
Conforme o autor,
58

Não temos assim, na época em que estamos vivendo, o acolhimento de ‘uma


certa parte das exigências que vêm de baixo’, que Gramsci considerava [...]
uma característica essencial das revoluções passivas. Na época neoliberal,
não há espaço para o aprofundamento dos direitos sociais ainda que
limitados, mas estamos diante da tentativa aberta — infelizmente em grande
parte bem sucedida — de eliminar tais direitos, de desconstruir e negar as
reformas já conquistadas pelas classes subalternas durante a época de
revolução passiva iniciada com o americanismo e levada a cabo no Welfare.
As chamadas ‘reformas’ da previdência social, das leis de proteção ao
trabalho, a privatização das empresas públicas, etc. — ‘reformas’ que estão
atualmente presentes na agenda política tanto dos países capitalistas
centrais quanto dos periféricos (hoje elegantemente rebatizados como
‘emergentes’) — têm por objetivo a pura e simples restauração das condições
próprias de um capitalismo ‘selvagem’, no qual devem vigorar sem freios as
leis do mercado (COUTINHO, 2012, p. 123).

No cenário de disputas de classe, coexistem projetos políticos antagônicos que


operam os caminhos da saúde pública brasileira. O projeto privatista, que entende a
saúde enquanto um campo de interesse e investimento privado, agora traçado pelas
premissas neoliberais; o projeto da reforma sanitária que entende a saúde enquanto
campo coletivo, sendo um direito social operado enquanto política social pública
universal; e o projeto do SUS possível, o qual busca atender aos dois projetos
antagônicos (com tendências a ampliar o projeto privatista).
No decorrer do governo FHC, imperou na política de saúde o sucateamento do
SUS em detrimento do investimento nas propostas privatistas e a filantropização do
setor. As medidas estabelecidas nesse período da contrarreforma vão na contramão
do projeto de reforma sanitária, impactando diretamente a construção do recém-
conquistado SUS.

A 'Reforma do Estado' empreendida na década de 90 para torná-lo 'gerencial',


regulador, fora da produção econômica e da prestação de serviços é distinta
de uma Reforma Democrática do Estado para torná-lo efetivamente público.
Esta passa pela radicalização da democracia e da Reforma Sanitária
Brasileira, implantação da Seguridade Social e desenvolvimento do SUS, e
pela formulação e condução de políticas contra-hegemônicas (PAIM;
TEIXEIRA, 2007, p. 1828).

Paim (2008) nos seus estudos nos alerta que “ao se excluir da RSB [Reforma
Sanitária Brasileira] seu ‘núcleo subversivo’ (determinação social do processo saúde-
doença e da organização das práticas) tende-se a identificar o seu processo,
parcialmente, com as políticas de proteção social” (PAIM, 2008, p. 307).
No início dos anos 2000, com a vitória do Partido dos Trabalhadores (PT),
criaram-se expectativas da retomada do processo de reformas do Estado em prol da
classe trabalhadora. Durante o período do governo petista, foram alcançados muitos
59

avanços no campo das políticas sociais, principalmente a estruturação de marcos


importantes para a política de saúde e assistência social.
Contudo, também ocorreram nesse período alianças governamentais que
buscaram a permeabilidade do governo, atendendo às necessidades da classe
burguesa e trabalhadora, sendo caracterizado enquanto período de
neodesenvolvimentismo32, consonante aos demais países da américa latina.
Na política de saúde, frente à disputa dos projetos citados em disputa, percebe-
se no decorrer do governo petista o atendimento a ambos os projetos, ou seja, o SUS
possível, contudo, com maior abertura ao fortalecimento do sistema privado.
O campo ideopolítico perpassa por permanente disputa de projetos societários.
Na saúde, o projeto de Reforma Sanitária se fortalece em meio aos movimentos
sociais, em novas frentes que ascendem no país. De acordo com Bravo e Correia
(2012),

Com o objetivo de defender o SUS universal, público, estatal, sob a


administração direta do Estado, e lutar contra a privatização da saúde e pela
Reforma Sanitária formulada nos anos de 1980, surge, em 2010, a Frente
Nacional contra a Privatização da Saúde composta por diversas entidades,
movimentos sociais, fóruns de saúde, centrais sindicais, sindicatos, partidos
políticos e projetos universitários. As lutas em torno da saúde potencialmente
podem articular a pequena política à grande política, ao considerar a
determinação econômica, social e política do processo saúde e doença,
entendido como resultado das relações sociais numa sociedade de classes.
As lutas na saúde passam a remeter às lutas por um novo projeto societário,
por uma nova hegemonia (BRAVO; CORREIA, 2012, p. 139).

Além disso, segundo as autoras,

os fóruns da saúde existentes em diversos estados e municípios e a Frente


Nacional contra a Privatização da Saúde têm se constituído em espaços de
controle democrático na perspectiva das classes subalternas, na medida em
que tem apontado como desafio estratégico resistir aos interesses do capital
dentro do SUS, ou seja, a saúde como fonte de lucro, ‘coração do
capitalismo’, e denunciado os interesses do capital que sabotam o SUS, em
nome da defesa do SUS. Têm se constituído em espaços que congrega
setores da esquerda para fortalecer estratégias anticapitalistas ao enfrentar
a privatização da saúde pública (BRAVO; CORREIA, 2012, p. 140).

No que concerne ao debate da contemporaneidade da política de saúde


brasileira, diante dos avanços e retrocessos da política neodesenvolvimentista, ocorre
no país em 2016 um novo golpe de Estado, dessa vez liderado pelos setores da direita
política parlamentar, pelo setor jurídico e midiático, que retira o Governo Petista do

32 Cf.: BRANCO (2009) e MOTA et al. (2012).


60

poder político nacional, através de um processo denominado por Löwy (2016, p. 64)
como “farsa” para a obtenção do poder por parte da burguesia nacional, por entender
que
[...] a oligarquia de direito divino no Brasil — a elite capitalista financeira,
industrial e agrícola — não se contentou com concessões: ela quer o poder
todo. Não quer mais negociar, mas sim governar diretamente, com seus
homens de confiança, e anular as poucas conquistas sociais dos últimos
anos.

Em meio ao golpe de Estado vivenciado através da “farsa” política, o governo


do presidente interino Michel Temer trouxe um retorno aos princípios neoliberais, com
um projeto que “busca principalmente destruir a Constituição de 1988 e os direitos
sociais que ela garante” (PAULANI, 2016, p. 74). E os impactos desse projeto são
direcionados às políticas sociais públicas, pois “o programa de Temer fala claramente
em acabar com a obrigatoriedade constitucional dos gastos com educação e saúde”
(PAULANI, 2016, p. 74). O autor afirma ainda que, para a política de saúde significa
“a impossibilidade de terminar e aprimorar a construção do SUS” (ibidem, p. 74).
Em 2018, no decorrer da disputa eleitoral, cresce no Brasil um movimento de
extrema-direita como alternativa ao possível comando do Partido dos Trabalhadores
(PT), ou mesmo, de qualquer partido de esquerda, que cunhasse se orientar pela
defesa da classe trabalhadora. Essa ascensão ocorreu por via do discurso moralista
de defesa dos princípios da família tradicionalista, contra o que denominam por
“ideologia de gênero”, “socialismo” e “marxismo cultural”, baseado no projeto de
manutenção da ordem capitalista. Com a vitória das eleições do Partido Social Liberal
(PSL), o atendimento às expectativas do neoliberalismo tende a se aprofundar, unido
ao discurso de eliminação do viés ideológico da política — leia-se de qualquer vertente
baseada em propostas progressistas da esquerda nacional. No Plano de Governo de
Jair Bolsonaro, coloca-se evidente o “expurgo”33 de qualquer tendência que contrarie
a ordem burguesa.
Diante a este panorama, apreendemos que no Brasil vivencia-se um
aprofundamento do projeto conservador neoliberal, com forte tendência à privatização
das estatais, à mercantilização das políticas de educação e saúde — ou seja, de uma

33 Conforme o plano de governo, “na Educação também precisamos revisar e modernizar o conteúdo.
Isso inclui a alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), impedindo a aprovação automática e a própria questão de disciplina dentro das
escolas”. Disponível em: <http:// https://www.nsctotal.com.br/noticias/eleicoes-2018-confira-as-
promessas-de-jair-bolsonaro-para-a-educacao>. Acesso em: 07 jan. 2019.
61

formação que possibilita a capacitação meramente tecnicista, impactando o setor


saúde no atendimento pontual às determinações sociais do processo saúde-doença.
Além disso, nesse governo prevê-se, a médio e longo prazos, a manutenção da
ordem do capital, a redução das ações de proteção das reservas naturais da floresta
Amazônica e terras indígenas, recriminação à cultura e à arte, contrariedade à
liberdade de imprensa, liberação de posse de arma, perseguição política a sujeitos
políticos e a movimentos sociais de resistência.
Neste cenário, observa-se o desdobramento de tendências na relação
educação e trabalho, principalmente, nas políticas e programas desenvolvidos pelo
governo petista para a formação dos recursos humanos para SUS, a exemplo dos
Programas de Pós-graduação em Residência Integradas em Saúde e a criação e
consolidação dos Programas de Residência Multiprofissionais em Saúde.

2.2 Sistema Único de Saúde do Brasil: as tendências ideopolíticas na relação


educação, trabalho e saúde

A evolução da consolidação da política pública de saúde brasileira está


intrinsicamente relacionada às transformações na gestão do trabalho e na formação
dos trabalhadores e profissionais de saúde para atuar no SUS34. Conforme afirmam
Ceccim e Feuerwerker (2004, p. 50)

[...] transformar a formação e a gestão do trabalho em saúde não podem ser


consideradas questões simplesmente técnicas, já que envolvem mudança
nas relações, nos processos, nos atos de saúde e, principalmente, nas
pessoas. São questões tecnopolíticas e implicam a articulação de ações para
dentro e para fora das instituições de saúde, na perspectiva de ampliação da
qualidade da gestão, do aperfeiçoamento da atenção integral, do domínio do
conceito ampliado de saúde e do fortalecimento do controle social no sistema.

Com a conquista do Sistema Único de Saúde (SUS), o Estado brasileiro passa


a ter o dever da gestão e assistência à saúde da população em seu território,
principalmente no desenvolvimento de políticas para a sua promoção, proteção e

34 Faz-se necessário compreender que há uma diferença entre conceitual em trabalhador(a) da saúde,
trabalhador(a) do SUS e profissional da saúde. Conforme Machado e Neto (2018, p. 1972), “Dada a
complexidade deste mercado, é importante conceituar: profissionais da saúde sendo os que, estando
ou não ocupados no setor, têm formação ou qualificação profissional específica para o desempenho
de atividades ligadas ao cuidado ou às ações de saúde; trabalhadores da saúde são os que se inserem
direta ou indiretamente na atenção à saúde no setor saúde, podendo ter ou não formação específica
para as funções atinentes; trabalhadores do SUS são os que se enquadram tanto como profissionais
ou trabalhadores da saúde, inseridos na atenção à saúde nas instituições no âmbito do SUS”.
62

recuperação. Assim, para atender as novas perspectivas trazidas pelos princípios e


diretrizes do SUS, a formação em saúde se torna eixo fundamental para a
reformulação e restruturação das práticas profissionais na política. Consolida-se
nesse momento uma nova etapa para a formação dos recursos humanos da saúde.
Os sujeitos políticos que conformam o Movimento de Reforma Sanitária
apreendem a importância da educação como instrumento para promover as
transformações necessárias para as novas práticas profissionais que atendessem às
determinações sociais de saúde. Assim, a formação de recursos humanos instituída
na política pública de saúde ordenada no artigo 200, inciso III da Constituição Federal,
é regulamentada na Lei 8.0880/1990, “organização de um sistema de formação de
recursos humanos em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além
da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoa” (BRASIL,
1990).
Fernandes (2016) aponta que, para se alcançar os objetivos de formação de
recursos humanos para e pelo SUS, a forma estratégica adotada foi por via da
Educação Permanente (EP) ou Educação Permanente em Saúde (EPS)35. A autora
traz que essa proposta advém dos acúmulos de experiências “impulsionado e sob
coordenação do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos da
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)” (2016, p. 97), a partir de 1984.
Sobre o conceito de Educação Permanente, Fernandes (2016, p. 25) traz a
seguinte reflexão “a educação é permanente não porque certa linha ideológica ou
certa posição política ou, ainda, algum interesse econômico o exija, mas, sim, porque
é própria da condição do humano”, enquanto processo de aprendizagem. A autora
continua afirmando que “a formação e a educação são permanentes na razão, de um
lado, da finitude do ser humano e, de outro, da consciência que este tem da sua
finitude” (ibidem, p. 25).
Conforme Bravo (2013), durante esse contexto de profundas mudanças
trazidas a partir da década de 1980 na proposta de reformulação da formação
profissional, destacou-se a proposta da Integração Docente-Assistencial (IDA), a qual
“visava ao planejamento mais adequado e racional dos recursos humanos para o setor
saúde, proporcionando maior dinamismo, eficiência e projeção” (BRAVO, 2013, p. 82).

35A Educação Permanente em Saúde é uma definição trazida a partir das colaborações de Ceccim
(2005), sendo dado esse nome por se tratar de uma estratégia pedagógica instituída enquanto uma
política pública da saúde (FERNANDES, 2016).
63

A autora ainda argumenta que essa proposta “manifesta-se como uma das
vertentes estratégicas dos planos de extensão de cobertura, atenção primária e
regionalização dos serviços de saúde” (BRAVO, 2013, p. 82). Para a sua
concretização, houve a necessidade da reformulação acadêmica de nível superior e
técnicos profissionais diversos, pois a formação em saúde deveria estar articulada
com a prestação de serviços.
Ceccim (2017) afirma que o movimento de Reforma Sanitária transformou a
noção de saúde, sendo possível, a partir das conquistas políticas do direito à saúde
pública e pela institucionalização do SUS, o desenvolvimento de “conceitos e práticas
inovadores ao trabalho e à formação em saúde” (CECCIM, 2017, p. 50). A partir dessa
conquista, a luta pelo combate às intervenções médico-centradas, positivistas e
fragmentadas fizeram parte da agenda de formulação da formação dos novos
recursos humanos da saúde pública brasileira.

No Brasil, a Educação Superior em Saúde registra uma particular história dos


movimentos de mudança na graduação, com iniciativas provenientes de
programas internacionais de incentivo, mobilização de entidades de ensino e
pesquisa na saúde, ações governamentais dos Ministérios da Saúde, da
Educação ou ambos em estratégias interministeriais, além de movimentos
gerados entre os estudantes e suas entidades organizativas e no âmbito da
educação popular em saúde. No Brasil, a história dos movimentos de
mudança na graduação se fez aliada à reforma sanitária brasileira e aos
movimentos de mudança das práticas de atenção em direção à integralidade
e humanização (CECCIM, 2017, p. 57).

Nesse período foram diversas as iniciativas para a restruturação da formação


profissional dos trabalhadores do SUS — a exemplo do Projeto Larga Escala, a
criação das escolas técnicas e os centros formadores do SUS, como a Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz
(EPSJV/FIOCRUZ), dentre outras iniciativas36. Uma das iniciativas importantes foi a
regulamentação das profissões de saúde 37 , o que possibilitou o surgimento de
estratégias específicas para a qualificação desses recursos humanos como uma

36Cf.: Pereira e Ramos (2006).


37O Conselho Nacional de Saúde, em 1997, entendendo a importância da inserção das diversas
profissões na área de saúde e de ações interdisciplinares, reconheceu como profissionais de saúde de
nível superior, através da Resolução n.º 218, de 06 de março, treze profissões, sendo elas: Assistentes
Sociais, Biólogos, Profissionais de Educação Física, Enfermeiros, Farmacêuticos, Fisioterapeutas,
Fonoaudiólogos, Médicos, Médicos Veterinários, Nutricionistas, Odontólogos, Psicólogos e Terapeutas
Ocupacionais. Passam a ser 14 profissões em 1998, com a Resolução CNS nº 287, de 08 de outubro,
acrescentando apenas os profissionais Biomédicos.
64

[...] ação estratégica para transformar a organização dos serviços e dos


processos formativos, as práticas de saúde e as práticas pedagógicas
implicaria trabalho articulado entre o sistema de saúde (em suas várias
esferas de gestão) e as instituições formadoras. Colocaria em evidência a
formação para a área da saúde como construção da educação em serviço/
educação permanente em saúde: agregação entre desenvolvimento
individual e institucional, entre serviços e gestão setorial e entre atenção à
saúde e controle social (CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p. 45).

Nos anos 2000, a partir da direção política do governo do Partido dos


Trabalhadores (2003-2016), houve grandes avanços na construção de estratégias
para a formação dos recursos humanos da saúde. Como marco para essas iniciativas,
entende-se que a consolidação da política de Gestão do Trabalho e Educação,
principalmente com a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na
Saúde (SGETS) pelo Ministério da Saúde, em 2003, tornou possível a ampliação,
organização e qualificação dos recursos humanos do SUS. Essa conquista, apesar
das contradições e resistências de algumas categorias profissionais, a exemplo do
movimento ato médico38, possibilitou o desenvolvimento da formação em saúde para
SUS, com a prerrogativa do reforço aos seus princípios e diretrizes.
Ao realizar estudo sobre a trajetória da Educação Permanente no SUS,
Fernandes (2016) afirma que a criação da SGETS e da Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde (PNEPS, 2009b 39 ), sendo este último em 2004, foram os
principais propulsores para uma nova perspectiva de formação para e pelo SUS. A
partir desses dois marcos para a área da formação dos recursos humanos na saúde,
foi possível realizar mudanças no projeto pedagógico e nos currículos dos cursos de
graduação e pós-graduação.
Castro (2013) destaca nesse período a criação de três programas importantes
para a qualificação das ações em saúde: Programa Nacional de Reorientação da
Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde); Programa de Educação pelo Trabalho
para a Saúde (PET-Saúde) e Programa de Residência Multiprofissional em Saúde
(PRMS). Com a criação desses programas, a autora afirma que se buscou “a
construção de uma nova consciência sanitária e pedagógica e a adesão dos

38 O Ato Médico é o nome dado ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 268/2002 e ao Projeto de Lei (PL)
7703/2006.
39 A criação da PNEPS surge como estratégia do SUS “para a formação e o desenvolvimento dos seus

profissionais e trabalhadores, buscando articular a integração entre ensino, serviço e comunidade, além
de assumir a regionalização da gestão do SUS, como base para o desenvolvimento de iniciativas
qualificadas ao enfrentamento das necessidades e dificuldades do sistema” (BRASIL, 2009b).
65

profissionais a um novo projeto que se refaz na crítica aos procedimentos realizados


e na busca da formação do trabalho coletivo com base na interdisciplinaridade”
(CASTRO, 2013, p. 4).
Ceccim (2017) traz uma síntese das diversas iniciativas importantes na
trajetória da formação dos recursos humanos possibilitado pelo SUS. Ele acrescenta
que essas iniciativas são exemplos da educação interprofissional brasileira. Destaca
entre essas inciativas: o Projeto IDA; a criação das Escolas de Saúde Pública em
diversos estados federativos; a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde;
a criação das Vivências-Estágio na Realidade do SUS (VER-SUS); o Estágio Regional
Interprofissional (ERIP-SUS); o Pró-Saúde; os Programas de Educação Tutorial
Conexões de Saberes (PET – Conexões de Saberes); o PET Saúde; e os Programas
de Residência Integrada em Saúde (PRIS).
Na Figura 1 abaixo, pode-se observar a trajetória histórica da relação
educação, trabalho e saúde, uma síntese de sua expressão na política nacional de
reorientação da formação profissional em saúde.

Figura 1 – Modificações na formação dos profissionais de saúde no Brasil

Fonte: CECCIM, 2017, p. 58.

O autor também demarca que o Brasil teve nesse curso, a partir do SUS,
experiências importantes de trabalho multiprofissional e interdisciplinar, “promovidos
66

pelo bojo da reforma sanitária brasileira e no bojo das pesquisas sobre trabalho em
saúde no interior dos estudos em saúde coletiva” (CECCIM, 2017, p. 59). Essas
experiências também são consideradas pelo autor enquanto exemplos de práticas
interprofissionais.
Conforme o autor, são avanços importantes as seguintes propostas:
• Acolhimento: ‘dar guarida a todas as pessoas que procuram os serviços de
saúde, garantindo a acessibilidade universal; reorganização do processo de
trabalho, deslocando o eixo central da atenção, do atendimento médico para
a equipe multiprofissional, que deve se encarregar da escuta do usuário,
comprometendo-se a resolver seu problema de saúde; qualificação da
relação trabalhador-usuário, que deve se dar por parâmetros humanitários,
de solidariedade e cidadania, assim como de interação na construção de
projetos de vida)’ (CECCIM, 2017, p. 59);
• Equipes de referência e apoio especializado matricial: ‘uma
reorganização do trabalho em saúde, construindo o vínculo cuidador, a
elevada responsabilidade com a terapêutica, práticas de suporte e retaguarda
técnica e pedagógica e a continuidade do cuidado’ (CECCIM, 2017, p. 59);
• Campo e Núcleo de Conhecimentos e Práticas: ‘[...] uma noção em
combate ao positivismo, estruturalismo e posição de transcendência que
marcam a disciplinarização e a sociologia das profissões, pois o ‘núcleo’
demarca área de conhecimentos e de práticas profissionais, enquanto o
‘campo’, um espaço de limites imprecisos onde cada disciplina e profissão
buscam em outras o apoio para cumprir suas tarefas teóricas e práticas’
(CECCIM, 2017, p. 59).

O autor ainda traz enquanto propostas importantes a criação de proposta de


Apoio Institucional, Supervisão Clínico-Institucional, Projeto Terapêutico Singular e a
Gestão da Clínica, sendo todos esses exemplos de ações interprofissionais.
A interdisciplinaridade e as práticas interprofissionais 40 , para o autor, são
elementos importantes para a gestão e a assistência do SUS, pois são práticas que
potencializam o atendimento às necessidades locorregionais de saúde da população,
quebrando as barreiras da fragmentação do conhecimento e o combate ao
positivismo, verticalismo e disciplinarização, tão presentes nas práticas em saúde
médico-centradas.
Ceccim (2017, p. 62) em seus estudos argumenta que “para lidar com objetos
de conhecimento complexos, que pertencem a diferentes níveis de realidade e que
apresentam contradições, paradoxos e conflitos, melhor será aceitar fronteiras
flexíveis e permeáveis como a melhor orientação”. Discordamos da premissa do autor
por entendermos que as ações flexibilizáveis, em meio à sociabilidade capitalista,

40 A interdisciplinaridade “representa a elaboração de um conhecimento de síntese, já a


interprofissionalidade apresenta a construção de uma prática colaborativa horizontal” (CECCIM, 2017,
p. 62).
67

abrem portas para o trabalho flexível e polivalente, marcado pela intensificação do


trabalho, racionalização dos serviços e perpetuação da lógica trazida pela
restruturação produtiva, atualmente tão presente na Política de Saúde brasileira
(como veremos mais adiante).
Após 30 anos do surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), observa-se
disparidades entre o acordo formalizado em 1988 e a realidade de atendimento às
necessidades de saúde nacionais. São muitos avanços ao longo desses 30 anos,
como a criação da cobertura em território possibilitada pela consolidação da atenção
básica, a ampliação dos serviços ambulatoriais e hospitalares, a contratação de
recursos humanos e a capacitação profissional para atendimento de qualidade à
população, o fornecimento gratuito de medicamentos para doenças como a
hipertensão, diabetes, HIV/AIDS, câncer dos vários tipos, as campanhas de
imunização que são referências mundiais, dentre outros.
Paim (2018), ao analisar o percurso de desenvolvimento da política de saúde
no país (entre progressos e desmontes), afirma que houve a implantação do SUS,
contudo, este não se encontra consolidado. Demonstra que a política neoliberal,
instituída logo após a conquista e processo de implementação do SUS, ocasionou
obstáculos para o seu desenvolvimento.
Expande-se a lógica privatista da saúde em detrimento do sucateamento da
política de saúde pública. Ao longo desse período houve o predomínio do atendimento
por parte do Estado aos interesses privados, reforçando a ideologia da privatização,
no qual prevalece “boicote passivo através do subfinanciamento público e ganha força
um boicote ativo, quando o Estado premia, reconhece e privilegia o setor privado com
subsídios, desonerações e sub-regulação” (PAIM, 2018, p. 1725).
O autor aponta ainda que o principal desafio para concretização do SUS é de
caráter político, no qual “há que se reconhecer a necessidade de atuação na
sociedade política, ou seja, no Estado e nos seus aparelhos e instituições. Isso
significa a possibilidade de atuar junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
bem como nos aparelhos de hegemonia” (ibidem, p. 1726).
A racionalização, a fragmentação e a focalização são características da
contrarreforma do Estado nas políticas sociais que trazem impactos diretos à política
de saúde pública. Medidas advindas do “alto”, do poder político, retiram da população
usuária do SUS o acesso universal, integral e igualitário.
68

A dinâmica de racionalização do setor público, em detrimento da


mercantilização das políticas sociais, impossibilita o acesso às necessidades que
permeiam as determinações de saúde, conforme legislação do SUS: alimentação,
transporte, habitação, lazer, trabalho, renda, entre outros acessos a bens e serviços.

Apesar de a Constituição proclamar a saúde como direito de todos e dever


do Estado, o Estado brasileiro através dos poderes executivo, legislativo e
judiciário, não tem assegurado as condições objetivas para a sustentabilidade
econômica e científico-tecnológica do SUS. Problemas de gestão como a
falta de profissionalização, o uso clientelista e partidário dos
estabelecimentos públicos, número excessivo de cargos de confiança,
burocratização das decisões e descontinuidade administrativa, têm sido
destacados, embora as alternativas acionadas impliquem a desvalorização
dos trabalhadores de saúde, através das terceirizações e da precarização do
trabalho (PAIM, 2018, p. 1725).

Peduzzi (2017, p. 41) corrobora com a compreensão sobre os impactos do


direcionamento ideopolítico neoliberal ao afirmar que:

Essa nova dinâmica de trabalho atinge todos os setores de produção e


também o setor saúde, onde os trabalhadores estão expostos, de um lado, à
organização do trabalho regida pela reatividade à demanda, ou seja, o
aumento do número de usuários com seu fluxo, em grande parte imprevisível,
para uma quantidade insuficiente de trabalhadores [...], e de outro, a
necessidade crescente de fazer frente à fragmentação das ações, na qual se
encontra a proposta de trabalho em equipe e prática colaborativa.

A autora também nos possibilita entender a bilateralidade da restruturação da


formação profissional em saúde, principalmente com os conceitos de trabalho em
equipes multiprofissionais/interprofissionais. Em seus estudos, a autora argumenta
que “o trabalho em equipe tanto responde ao novo modelo de racionalidade do
trabalho pós-fordista acima referido, como constitui uma tendência na organização do
trabalho em saúde para responder aos novos desafios colocados pelas mudanças em
curso” (PEDUZZI, 2017, p. 41).
Entendemos que, em meio aos ataques ideopolíticos neoliberais, a política de
saúde, o agir profissional crítico e comprometido com a consolidação do SUS pelas
equipes multiprofissionais da saúde, por vezes, é direcionado ao aligeiramento e
produtividade na atuação profissional devido à realidade objetiva imposta, portanto,
tende a pactuar com modelo adotado pela sociabilidade do capital.
Transformações e avanços importantes ocorreram na gestão da educação e do
trabalho em saúde nos últimos trinta anos do desenvolvimento no SUS, dentre outros,
citamos:
• a ampliação dos trabalhadores do SUS (o estudo demonstra que
atualmente existem mais de 3,5 milhões de trabalhadores);
69

• o crescimento exorbitante da oferta de cursos em graduação nas 14


profissões consideradas da área de saúde, no qual se observa um
crescimento de 506% entre os anos de 1995 e 2015 (passando
respectivamente de 1.032 para 5.222);
• a expansão dos serviços de saúde, alcançando mais de 200 mil
estabelecimentos (antes do SUS, conforme o estudo, o setor contava com
aproximadamente 18.489 estabelecimentos na década de 80); dentre outros.
(MACHADO; NETO, 2018, p. 1972).

No entanto, Machado e Neto (2018) afirmam que muitos são os desafios que
apontam para a concretização do SUS: a grave expansão dos cursos de graduação
pelo ensino da Educação a Distância (EaD), “o que põe em risco a qualidade do
atendimento” (MACHADO; NETO, 2018, p. 1974).; a privatização do ensino,
principalmente na graduação, mercantilizando o direito à educação; a precarização do
trabalho, principalmente gestado pelas medidas neoliberais aos direitos trabalhistas e
à política de desmonte dos recursos humanos na área de saúde; o momento atual de
ameaça aos direitos essenciais, retomando a intensificação do neoliberalismo dos
anos de 1990 (MACHADO; NETO, 2018).
Neste cenário, a autora e autor nos alertam para os desafios na formação41,
como a manutenção do modelo flexneriano nas bases curriculares dos cursos da
saúde, a partir de uma perspectiva centrada na clínica hospitalar e no “paradigma
hegemônico da cura” (ibidem, p. 1975); ausência da atuação na atenção primária à
saúde, “o que dificulta a compreensão, o planejamento e a organização do processo
de trabalho e a efetivação de projetos terapêuticos humanizados” (ibidem, p. 1975);
docentes sem a vivência do SUS e da promoção à saúde, consolidando a perspectiva
dos consultórios; e “a manutenção da iniquidade regional brasileira na oferta de vagas
de graduação, o que afeta diretamente a disponibilidade e distribuição dos
profissionais da saúde, nos espaços de prática” (ibidem, p. 1975).
Soares (2018, p. 24) demarca que a atual conjuntura de golpe institucional de
Estado, ocorrido em 2016, conforme discutido no tópico anterior, traduz-se enquanto
“a maior ofensiva da história deste país contra o conjunto das conquistas civilizatórias

41Observe que “a implantação de políticas e programas setoriais da saúde acabou por influenciar a
abertura de inúmeros cursos na área da saúde, em função de novos postos de trabalho demandado
por: Enfermagem e Medicina – Estratégia Saúde da Família (ESF); Odontologia – Programa Brasil
Sorridente e nos Centro de Especialidades Odontológicas (CEO); Núcleo de Apoio à Saúde da Família
(NASF), com inserção de fisioterapeutas, assistentes sociais, educadores físicos, dentre outros”
(MACHADO; NETO, 2018, p. 1973-74).
70

de nosso Estado”, sendo para o SUS o maior ataque contra a reforma sanitária
brasileira.
A autora analisa que “nessa fase da contrarreforma, evidencia-se não só o
abandono por completo da concepção de reforma sanitária, mas o abandono do
próprio SUS, anunciando-se sua inviabilidade e a necessidade de sua reformulação”
(SOARES, 2018, p. 30). Argumenta que a política adotada por esse golpe institucional
tem a tendência a acabar com os princípios da política de saúde brasileira,
principalmente a três: à universalidade do acesso à saúde; à publicidade do direito à
saúde (destruindo-se a concepção de direito público à saúde); e a participação social
através dos órgãos de controle social (SOARES, 2018).
Além disso, nos alerta para o favorecimento do desmonte do SUS com a
aprovação de medidas como a aprovação do congelamento dos gastos públicos
primários pela Emenda Constitucional (EC) n° 95/2016, “impondo sobre o orçamento
da saúde uma restrição que pode chegar a 640 bilhões” (SOARES, 2018, p. 26); e a
alteração das políticas de saúde mental e atenção básica, retrocedendo os princípios
defendidos pela proposta da reforma psiquiátrica e sanitária.
Castro (2013, p. 6) afirma que, ao trabalhador de saúde, no modo de produção
capitalista neoliberal, além de vivenciar a perda dos direitos trabalhistas, intensificação
e precarização do trabalho e intervenção direta as expressões da questão social, “tem
sua formação, muitas vezes, em escolas que priorizam a técnica ou uso de tecnologias
pesadas, preservando a visão mercadológica e a supremacia de uma profissão sobre
a outra”.
Nesse sentido, entendemos que o fortalecimento da educação permanente em
saúde, a partir de uma proposta crítica, é estratégico para a luta contra o movimento
de barbárie do atual contexto de ataques aos direitos sociais trazidos pelas propostas
neoliberais ao SUS.
Concordamos com Fernandes (2016, p. 104) ao asseverar que “as
transformações nos sistemas curriculares e as reformas educativas para formação
dos profissionais que atuam na saúde serão necessárias para a defesa e preservação
da saúde pública no século XXI”. Para o atendimento a essa perspectiva, cabe às
instituições de ensino, com maior ênfase nas instituições de ensino superior, o
comprometimento em fortalecer as reformas educacionais para e pelo SUS,
principalmente através dos programas de Educação Permanente em Saúde
71

existentes, levando para as comunidades os princípios e diretrizes do SUS e


integrando a luta pelos princípios da Reforma Sanitária Brasileira.

Sabe-se que a formação dos profissionais que atuam na saúde é fundamental


e é exatamente no espaço-tempo da universidade que se tem como desafio
formar profissionais comprometidos ética e politicamente com uma sociedade
justa e humanitária. Tal direção social pressupõe a universalização dos
direitos e, por isso, na busca intransigente da consolidação do SUS através
da atuação responsável e com capacidade de reflexão crítica sobre o seu
modo de fazer saúde (FERNANDES, 2016, p. 104).

Entendemos que as tendências neoliberais apontadas para a política pública


de saúde trazem desafios para os movimentos sociais que defendem o projeto de
reforma sanitária e para toda a sociedade enquanto usuária do SUS. Concordamos
com os argumentos de Paim (2018, p. 1728), ao afirmar que:

Cumpre incidir sobre a correlação de forças, altamente desfavorável no


presente, e acumular novas energias para tempos mais propícios, sem
desprezar a atuação aqui e agora, com novas formas organizativas. É esta
prática política que requer o melhor da militância e convoca para a ação em
defesa do direito à saúde e do SUS. Se o Estado sabota o SUS, resta à
sociedade civil lutar pela RSB [Reforma Sanitária Brasileira] e por um sistema
de saúde universal, público, de qualidade e efetivo, cabendo ao movimento
sanitário contribuir para imprimir um caráter mais progressista à revolução
passiva brasileira.

A análise das tendências aqui apresentadas, até o momento, é necessária para


compreendermos as estruturas que estão interligadas aos aspectos ideopolíticos e
pedagógicos que permeiam a formação nos Programas de Residência
Multiprofissionais em Saúde. Avançaremos agora para a análise das particularidades
dos programas diante desse contexto nacional.

2.3 Formação Profissional em Saúde no Brasil: o processo de construção dos


Programas de Residência Multiprofissional

No Brasil, os Programas de Pós-graduação em Residência na Saúde surgem


a partir da concepção ampliada da saúde, propõe transformações dos processos
formativos na educação permanente em saúde visando a consolidação do SUS.
O primeiro programa surge voltado para a formação médica, em 1976, pela
Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (ESP/RS), com ênfase na Medicina
Comunitária. No ano de 2006, conforme o Ministério da Saúde, a proposta deste
programa “incluía formar profissionais com uma visão integrada entre saúde clínica,
saúde mental e saúde pública, com perfil humanista e crítico, com competência para
72

uma boa resolubilidade das necessidades de saúde da comunidade” (BRASIL, 2006,


p. 5). Em 2008, o mesmo programa expande-se para a formação multiprofissional.
Silva (2018, p. 201) aponta que a formação no programa multiprofissional era
realizada pelo Centro de Saúde Escola Murialdo, em Porto Alegre/RS, e complementa
que “a então nova modalidade de formação em saúde era desenvolvida na atenção
básica, chamava-se Residência Integrada em Saúde Coletiva e contemplava a
formação integrada de assistentes sociais, enfermeiras, médicas e médicas
veterinárias”.
A legitimação da formação em especializações no formato de Residência
apenas ocorre para os programas voltados para a formação médica. Em 1977, a partir
do Decreto n° 80.281 de 5 de setembro, é instituído as especializações em Programas
de Residência Médica, no qual no artigo 1° define essa modalidade enquanto ensino
de pós-graduação, lato sensu, “caracterizada por treinamento em serviço, em regime
de dedicação exclusiva, funcionando em Instituições de saúde, universitárias ou não,
sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”
(BRASIL, 1977, p. 01).
É definida enquanto “padrão ouro” de especialização para a medicina. O
Decreto também traz a criação da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM),
“responsável pelo estabelecimento dos princípios e normas de funcionamento,
credenciamento e avaliação das condições de oferta dos programas de residência
médica” (BRASIL, 2006, p. 5). As especialidades que são instituídas para a formação
médica são voltadas para o interesse do movimento político, econômico e social
daquele momento histórico — são especializações para a Clínica Médica, Cirurgia
Geral, Pediatria, Obstetrícia e Ginecologia e Medicina Preventiva ou Social42.
O período de surgimento dos Programas de Residência é marcado por uma
luta antagônica pela direção da saúde, principalmente com o declínio das opressões
trazidas pelo Regime Militar de 1964. Como visto nas análises dos tópicos anteriores,
no bojo desse período surge o Movimento de Reforma Sanitária “como resistência ao
poderoso complexo médico industrial, financiado principalmente com dinheiro público
do Ministério da Previdência e Assistência Social, e resistência também ao modelo de

42 A perspectiva trazida por esses programas tem como pano de fundo o movimento de transformação
na concepção de saúde mundial e, principalmente, na América-Latina, embasado pelas propostas
trazidas pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e pela Organização Mundial da Saúde
(OMS).
73

formação, baseado na especialização e fragmentação do conhecimento” (BRASIL,


2006, p. 5). O Movimento de Reforma Sanitária também buscou romper com “a visão
da doença como fenômeno estritamente biológico” (ibid.).
Com a conquista da política pública de saúde universal na Constituição Federal
de 1988, muitos dos princípios e doutrinas do movimento foram adotados pela
instituição do SUS. Com isso, foram dadas as possibilidades para o desenvolvimento
da inserção e reconhecimento da importância do trabalho multiprofissional na saúde.
A formação em Programas de Residência Multiprofissionais demorou para ser
implantada enquanto parte da política de formação para os recursos humanos do
SUS, muito devido aos interesses políticos e econômicos que atravessaram a
construção da política de saúde pública brasileira, como bem já pontuamos no
primeiro tópico deste capítulo. Mesmo com a regulamentação das profissões de saúde
em 1997 e 1998, a implantação dos programas de residências que englobassem
essas profissões demorou a ser adotada.
No Brasil, os Programas de Residência Multiprofissional em Saúde43 apenas
foram instituídos em 2005, regulamentados pela Lei n° 11.129, de 30 de junho, que
cria a Residência em Área profissional de Saúde e institui a Comissão Nacional de
Residência Multiprofissional de Saúde (CNRMS), posteriormente foram configurados
no nível Lato Sensu nas instituições de ensino credenciadas ao MEC e MS.
Criados enquanto espaços formativos de recursos humanos, os Programas de
Residência Multiprofissional visam a uma nova lógica de formação profissional para o
Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas a viabilizar qualidade ao atendimento das
necessidades de saúde da população, levando-se em consideração as determinações
sociais do processo saúde-doença. Ou seja, os programas de residência permitem “o
preparo de profissionais qualificados para a assistência à saúde da população
brasileira e para a reorganização dos processos de trabalho em saúde na direção dos
princípios e diretrizes constitucionais do SUS” (CASTRO, 2013, p. 4).
A proposta de Clínica Ampliada 44 , introduzida no processo formativo de
residentes em saúde, advém do reconhecimento da necessidade da integração das

43 Os programas devem se basear pelos princípios e diretrizes contidos nas normativas que instituem
a Política de Saúde no Brasil (a exemplo do que consta na Constituição Federal de 1988 dos artigos n°
196 a 200) e que regulamentam o Sistema Único de Saúde [a exemplo Lei n° 8.080, de 19 de setembro
de 1990, e da Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990]. (BRASIL, 1990a).
44 Segundo o Ministério da Saúde, “ferramenta de articulação e inclusão dos diferentes enfoques e

disciplinas. A Clínica Ampliada reconhece que, em um dado momento e situação singular, pode existir
74

diversas áreas de conhecimento para o cuidado em saúde, visando ultrapassar o


modelo Flexneriano45 de “especialização e fragmentação do conhecimento” e a “visão
da doença como fenômeno estritamente biológico” (BRASIL, 2006, p. 5). Ou seja, a
partir da perspectiva multiprofissional46, busca-se romper com o modelo Flexneriano
e introduzir na formação dos profissionais de saúde a interdisciplinaridade47.
Esse marco histórico de criação dos programas de Residência
Multiprofissionais vem através da consolidação da Política de Gestão do Trabalho e
Educação, estabelecida no governo petista (principalmente com a criação da
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde pelo Ministério da Saúde,
em 2003), tornando possível a ampliação, organização e qualificação dos recursos
humanos do SUS. Essa conquista possibilitou o desenvolvimento da formação em
saúde para e pelo SUS, com o privilégio do reforço aos seus princípios e diretrizes.
As Residências Multiprofissionais se propõem qualificar 14 (catorze) profissões
de nível superior que compõem a área saúde para o atendimento em serviço no SUS.
Os programas de residência se caracterizam enquanto ensino em serviço, conforme
a Resolução da CNRMS n° 2, de 13 de abril de 2012, e deve ter a carga horária
semanal de 60 horas, com duração mínima de dois anos em regime de dedicação
exclusiva, dividida entre aprendizado teórico, teórico-prático e prático. Conforme a
Resolução CNRMS n° 3, de 04 de maio de 2010, os programas de Residência
Multiprofissional necessitam ter carga horária mínima total de 5.760 (cinco mil,

uma predominância, uma escolha, ou a emergência de um enfoque ou de um tema, sem que isso
signifique a negação de outros enfoques e possibilidades de ação” (BRASIL, 2009b, p. 10).
45 Conforme Bravo (2013), o enfoque biológico e individual predominou nas práticas científicas e

médicas no início do século XX, demarcado pelo Relatório Flexner de 1910 (considerado documento
marco da medicina moderna). O movimento flexneriano ocorre em um período no qual a maior parte
das doenças eram determinadas socialmente, sendo expressão da ascensão do capitalismo industrial
que trouxe a predominância das doenças infecciosas. O flexnerianismo se coloca na contramão do
entendimento das determinações sociais ao indicar a causa individual das enfermidades e o enfoque
terapêutico orientado para o indivíduo, havendo o crescimento da atenção voltada aos centros
hospitalares.
46 Multidisciplinaridade é um “conjunto de disciplinas que simultaneamente tratam de uma dada

questão, problema ou assunto, sem que os profissionais implicados estabeleçam entre si efetivas
relações no campo técnico ou científico; é um sistema que funciona através da justaposição de
disciplinas em um único nível, estando ausente uma cooperação sistemática entre os diversos campos
disciplinares” (ALMEIDA FILHO, 2000, p. 16).
47 Conforme afirma Almeida Filho (2000, p. 17), a “interdisciplinaridade — para além da
disciplinaridade, a noção de interdisciplinaridade implica uma axiomática comum a um grupo de
disciplinas científicas conexas, cujas relações são definidas a partir de um nível hierárquico superior,
ocupado por uma delas; esta última, geralmente determinada por referência à sua proximidade a uma
temática unificada, atua não somente como integradora e mediadora da circulação dos discursos
disciplinares, mas principalmente como coordenadora do campo disciplinar”.
75

setecentos e sessenta) horas, sendo 80% realizado em carga horária prática e 20%
em atividades teóricas ou teórico-práticas.
Além dos residentes, os programas são desenvolvidos conjuntamente aos
preceptores e tutores de núcleo e de campo48. As residências multiprofissionais são
remuneradas por bolsa com valor padronizado ao da residência médica, atualmente
no valor de R$3.330,43 (Três mil, trezentos e trinta reais e quarenta e três centavos)49,
com dedução de alíquota de contribuição previdenciária, contudo, sem o caráter de
vínculo empregatício, ausentando-se dos demais direitos trabalhistas, como a licença
médica.
Para a existência dos programas de residências, faz-se necessária sua
submissão ao Ministério da Educação para aprovação. Dentre os dados solicitados,
há a exigência do Projeto Político-Pedagógico, documento basilar para o
direcionamento da formação/especialização do/a profissional.
Fernandes (2016) destaca que a implementação da formação em programas
de residência multiprofissionais possibilita a integração dos saberes multiprofissionais,
sendo rico espaço para a construção crítica de intervenções profissionais. A autora
aponta que são programas que têm bases na interdisciplinaridade e na humanização
da atenção.

Nessas experiências é possível observar também a produção inovadora de


ensino em serviço entre profissionais de diversas formações, e isso pode
contribuir com a superação de saberes identitários rígidos, fechados, na
medida em que possibilita abertura aos diversos campos de conhecimento
(FERNANDES, 2016, p. 105).

As residências multiprofissionais também têm potencialidade para o


desenvolvimento das práticas interprofissionais, principalmente por necessitar ter uma
base mínima de três profissões para se realizar essa modalidade de formação.
De acordo com Ceccim “a ‘prática interprofissional’ ocorre quando há
articulação e integração das ações de saúde, tendo em vista aumentar a

48 Conforme Resolução da CNRMS n° 2, de 13 de Abril de 2012, caracteriza-se enquanto preceptor, de


acordo com o Art° 13, aquele responsável “por supervisão direta das atividades práticas realizadas
pelos residentes nos serviços de saúde onde se desenvolve o programa, exercida por profissional
vinculado à instituição formadora ou executora, com formação mínima de especialista”. Já a tutoria, de
acordo com Art. 11, caracteriza-se como aquele que realizará “atividade de orientação acadêmica de
preceptores e residentes, estruturada preferencialmente nas modalidades de tutoria de núcleo e tutoria
de campo, exercida por profissional com formação mínima de mestre e experiência profissional de, no
mínimo, 03 (três) anos”.
49 Valor referente ao ano de 2020, período da nossa pesquisa.
76

resolubilidade dos serviços e a qualidade da atenção à saúde”. O pesquisador ainda


argumenta que “para ser ‘interprofissional’ há necessidade do intercurso das
aprendizagens e das práticas colaborativas, ambas orientadas para o trabalho,
envolvendo no mínimo duas profissões” (CECCIM, 2017, p. 56).
Silva (2018, p. 202) afiança que “os programas de residência são cooperações
intersetoriais que visam favorecer a inserção qualificada de jovens profissionais da
saúde no mercado de trabalho, particularmente em áreas prioritárias do SUS”. O autor
argumenta ainda que “o escopo da RMS [Residência Multiprofissional em Saúde]
aponta a interdisciplinaridade como uma proposta de metodologia de trabalho que se
opõe à lógica da especialidade técnica isolada posta historicamente no campo da
saúde” (SILVA, 2018, p. 206), sendo essa modalidade de formação original e com
potencialidades para qualificar o atendimento, de forma crítica, às necessidades
sociais de saúde.
Contudo, diante do cenário de contrarreforma e de seu espraiamento na política
de saúde, contraditoriamente, percebe-se tendências que se contrapõem à formação
crítica nos programas de residências em saúde. Aqui nos referimos a uma formação
política ideológica fundamentada na perspectiva crítica histórica as “[...]
determinações estruturais da ordem social do capital” vigente (MÉSZÁROS, 2008, p.
86).
77

CAPITÚLO 3 – TENDÊNCIAS IDEOPOLÍTICO-PEDAGÓGICAS DA FORMAÇÃO


PROFISSIONAL EM SAÚDE DO RECIFE/PE

O presente capítulo discorre sobre os resultados obtidos pela pesquisa. Tem


como objeto de estudo as tendências ideopolítico-pedagógicas na formação
profissional para o SUS. Buscar-se-á apreender as contradições na relação trabalho,
educação e saúde presentes, mediadas pela racionalidade da contrarreforma da
saúde, a partir da análise dos Projetos Políticos-Pedagógicos (PPP) elaborados pelas
instituições de ensino da cidade do Recife/PE.

3.1 Caminhos Metodológicos

No percurso metodológico para a análise das tendências ideopolítico-


pedagógicas dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) das Residências
Multiprofissionais em saúde da cidade do Recife/PE, primeiramente realizamos o
levantamento dos editais de vagas para os programas de residências destinados ao
município no ano de 2018, nos quais identificamos um total de 20 (vinte) Programas
de Residência Multiprofissionais em Saúde com campo de prática no município.
Os programas de residência analisados são voltados para diversos campos de
atuação, desde a atenção básica à alta complexidade50, conforme é possível observar
no Quadro 1, abaixo.

Quadro 1 – Residências Multiprofissionais em Saúde, por tipo de programa,


instituições de ensino superior, perfil, serviço, profissão em formação, segundo
editais 2018. Recife, PE – Brasil.
PROGRAMA IES PERFIL SERVIÇO PROFISSÕES EM FORMAÇÃO
Hospital Serviço Social, Enfermagem,
Residência
Universitário Fisioterapia, Fonoaudiologia, Farmácia,
Multiprofissional em UPE Hospitalar
Osvaldo Cruz Nutrição, Odontologia, Psicologia e
Cuidados Paliativos
/HUOC Terapia Ocupacional
Residência
Multiprofissional em Hospital Getúlio Biomedicina, Fisioterapia, Psicologia,
UPE Hospitalar
Urgência, Emergência e Vargas Enfermagem e Serviço Social.
Trauma

50Atenção básica: saúde da família e da comunidade, saúde mental, saúde coletiva. Alta
Complexidade: área hospitalar.
78

Núcleo de Saúde Serviço Social, Enfermagem,


Residência
Atenção da Família /NASF Fisioterapia, Fonoaudiologia, Farmácia,
Multiprofissional em UPE
Básica Secretaria de Nutrição, Odontologia, Psicologia e
Saúde da Família
Saúde de Recife Terapia Ocupacional.
Centro de
Residência Enfermagem, Psicologia, Educação
Atenção Atenção
Multiprofissional em UPE Física, Farmácia, Serviço Social e
Básica Psicossocial/
Saúde Mental (Recife) Terapia Ocupacional.
CAPS
Hospital
Residência
Universitário Enfermagem, Psicologia e Terapia
Multiprofissional em UPE Hospitalar
Osvaldo Ocupacional.
Cardiologia
Cruz/HUOC
Residência Núcleo de Saúde
Multiprofissional em Saúde da Família /NASF
UPE Ampla Concorrência
Saúde Coletiva Secretaria de
Coletiva Saúde de Recife
Educação Física, Enfermagem,
Residência Instituto
Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia,
Multiprofissional em IMIP Hospitalar Fernando
Nutrição, Odontologia, Psicologia,
Saúde do Idoso Figueira
Serviço Social e Terapia Ocupacional.
Educação Física, Enfermagem,
Residência Instituto
Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia,
Multiprofissional em IMIP Hospitalar Fernando
Nutrição, Odontologia, Psicologia,
Cuidados Paliativos Figueira
Serviço Social e Terapia Ocupacional.
Residência Hospital do Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição,
Multiprofissional em IMIP Hospitalar Câncer de Farmácia, Psicologia, Fonoaudiologia e
Oncologia Pernambuco Serviço Social.
Núcleo de Saúde
Serviço Social, Enfermagem,
Programa de Residência da Família /
Atenção Fisioterapia, Fonoaudiologia, Farmácia,
Multiprofissional em IMIP NASF Secretaria
Básica Nutrição, Odontologia, Psicologia e
Saúde da Família de Saúde de
Terapia Ocupacional.
Recife
Residência Instituto Enfermagem; Odontologia; Fisioterapia;
Atenção
Multiprofissional em IMIP Fernando Fonoaudiologia; Nutrição; Serviço Social;
Básica
Saúde da Família Figueira Psicologia.
Centro de
Residência Educação Física, Enfermagem,
Atenção Atenção
Multiprofissional em IMIP Psicologia, Serviço Social e Terapia
Básica Psicossocial /
Saúde Mental Ocupacional.
CAPS
Centro de
Atenção
Residência Enfermagem, Educação Física,
Atenção Psicossocial
Multiprofissional na Rede IMIP Psicologia, Terapia Ocupacional e
Básica /CAPS Secretaria
de Atenção Psicossocial Serviço Social.
de Saúde de
Recife
Ciências Biológicas, Educação Física,
Residência
Saúde Secretaria de Biomedicina, Medicina Veterinária,
Multiprofissional em IMIP
Coletiva Saúde de Recife Serviço Social, Enfermagem,
Saúde Coletiva
Fisioterapia, Fonoaudiologia, Farmácia,
79

Nutrição, Odontologia, Psicologia e


Terapia Ocupacional.
Residência Secretaria Enfermagem, Nutrição, Ciências
Saúde
Multiprofissional em IMIP Municipal do Biológicas, Medicina Veterinária e Saúde
Coletiva
Vigilância em Saúde Recife Coletiva.
Ciências Biológicas, Medicina
Residência
Saúde Veterinária, Enfermagem, Fisioterapia,
Multiprofissional em IMIP Atenção Básica
Coletiva Fonoaudiologia, Nutrição, Odontologia e
Saúde Coletiva
Psicologia.
Residência Instituto
Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia,
Multiprofissional em IMIP Hospitalar Fernando
Psicólogia, Fisioterapia.
Reabilitação Física Figueira
Serviço Social, Educação Física, Saúde
Residência Núcleo de Saúde Coletiva, Enfermagem, Fisioterapia,
Atenção
Multiprofissional em UFPE da Família / Fonoaudiologia, Farmácia, Nutrição,
Básica
Saúde da Família NASF Odontologia, Psicologia e Terapia
Ocupacional.
Residência Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,
Hospital das
Multiprofissional Integrada UFPE Hospitalar Nutrição, Psicologia e Terapia
Clínicas da UFPE
em Saúde Ocupacional
Fiocruz
Residência Núcleo de Saúde
Instituto Saúde Ampla concorrência
Multiprofissional em da Família /
Aggeu Coletiva
Saúde Coletiva NASF
Magalhães

Fonte: O autor (2020).

O Edital para preenchimento de vagas para as Residências Multiprofissionais


referente ao ano de 2018, ofertadas pelo Estado de Pernambuco51, destina-se às 14
(catorze) profissões da área da saúde. São ofertadas vagas para uma diversidade de
programas de especialização na área da saúde ligadas a instituições de ensino que
possuem a Comissão de Residências Multiprofissionais – COREMU 52 . Esses
programas também estão de acordo com normas e resoluções da Comissão Nacional
de Residência Multiprofissional e Área Profissional da Saúde – CNRMS/MEC e da
Secretaria Estadual de Saúde/PE.
Em Pernambuco, as vagas nos programas de Residência Multiprofissionais
possuem quatro áreas de atuação e perfis de especialização: hospitalar, atenção

51 Em 05/10/2017, a Secretaria Estadual de Saúde/PE torna público o edital do “Processo Seletivo para
os Programas de Residência em Área Profissional de Saúde vinculados às COREMUs da Escola de
Governo em Saúde Pública de Pernambuco, COREMU da Universidade de Pernambuco, COREMU da
Universidade Federal de Pernambuco e COREMU do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando
Figueira, COREMU da Secretaria Municipal de Saúde do Município de Jaboatão dos Guararapes e
desenvolvidos nas Instituições de Saúde, para o ano de 2018 [...]”. O edital pode ser acessado no site:
<http://www.upenet.com.br/>
52 A COREMU é uma instância deliberativa institucional do conjunto de programas de Residência

Uniprofissionais e Multiprofissionais, devendo ser vinculada a uma Instituição de Ensino.


80

básica, saúde coletiva e saúde coletiva ampla concorrência. Nos últimos anos as
provas são executadas pelo Instituto de Apoio à Universidade de Pernambuco –
IAUPE, e cada programa possui a seguinte definição para cada perfil:

1) Estão incluídos no Perfil Hospitalar os programas de residência cujas


atividades são desenvolvidas predominantemente no âmbito hospitalar
(assistência e ou gestão), seja na modalidade uniprofissional ou
multiprofissional.
2) No Perfil Atenção Básica estão incluídos os programas cujas atividades
são desenvolvidas predominantemente nos serviços municipais de Atenção
Primária à Saúde (Estratégia Saúde da Família, Núcleo de Apoio à Saúde da
Família, Centros de Atenção Psicossocial, Programa Academia da Saúde e
outros).
3) No perfil Saúde Coletiva encontram-se os programas cujas atividades são
desenvolvidas predominantemente no âmbito da gestão de serviços e
sistemas de saúde, seja na modalidade uniprofissional ou multiprofissional,
onde as vagas estão distribuídas de acordo com a Categoria Profissional.
4) No perfil Saúde Coletiva Ampla Concorrência encontram-se os programas
cujas atividades são desenvolvidas predominantemente no âmbito da gestão
de serviços e sistemas de saúde, na modalidade multiprofissional. Os
programas deste Perfil são de caráter ‘entrada livre e ampla concorrência’, ou
seja, todas as profissões de saúde constantes no quadro de vagas do edital
concorrem entre si (concorrência geral). É classificado neste programa o
candidato com melhor pontuação independente da categoria profissional,
obedecendo a ordem de escolhas (IAUPE, 2018, p. 5).

Após o levantamento inicial, delimitamos o universo da pesquisa, com vistas ao


aprofundamento da coleta de dados, sendo optado pela definição de um perfil da
amostra do estudo. Os critérios de inclusão na pesquisa foram: 1) todos os Programas
de Residência Multiprofissionais realizados na cidade do Recife/PE, vinculados à
Comissão de Residência Multiprofissional (COREMU) de determinadas instituições de
ensino; 2) os programas com maior número de vagas para diferentes profissões
subdivididos por COREMU e por perfil: hospitalar; atenção básica; saúde coletiva;
saúde coletiva ampla concorrência; 3) todos os programas que responderam à
solicitação de anuência de participação na pesquisa. Os critérios de exclusão foram:
1) todos os programas que não responderam à solicitação de anuência de
participação na pesquisa.
A solicitação dos PPPs ocorreu através do envio de e-mail para as
coordenações, assim como contato telefônico, dentro do período de agosto a
dezembro de 2019. A não anuência ocorreu ou pela falta de resposta por parte da
coordenação, ou por solicitações burocráticas por parte da instituição, como
passagem por comitê de ética institucional, o que demandaria mais tempo para a
pesquisa, acarretando o descumprimento de prazos relativos ao decurso deste
estudo. Os PPPs se enquadram como documentos de domínio público. Contudo,
81

partimos da premissa da inclusão participativa dos programas, por isso respeitamos


aqueles que não responderam à carta de anuência, não sendo inclusos no estudo.
Do total de 20 (vinte) programas identificados no levantamento inicial dos
Programas de Residência Multiprofissionais do Recife/PE, 14 (quatorze) responderam
aos critérios de inclusão definidos pela pesquisa, descritos no Quadro 2, abaixo.

Quadro 2 – Programas de Residência Multiprofissionais aptos segundo critérios de


inclusão. Recife/PE -Brasil

Nº PROGRAMA* IES PERFIL CAMPO DE PRÁTICA


1. RMUET UPE Hospitalar HGV – UPE 53
2. RMSF UPE Atenção Básica NASF – Sec. Saúde 54
3. RMSM UPE Atenção Básica CAPS – Sec. Saúde 55
4. RMSF IMIP Atenção Básica NASF – Sec. Saúde 56
5. RMSC IMIP Saúde Coletiva Sec. de Saúde 57
6. RMSF UFPE Atenção Básica NASF – Sec. Saúde 58
7. RMSC FIOCRUZ/PE Saúde Coletiva NASF – Sec. Saúde 59
8. RMCP UPE Hospitalar HOUC – UPE 60
9. RMSC UPE Saúde Coletiva NASF – Sec. Saúde 61
10. RMSI IMIP Hospitalar IMIP 62
11. RMCP IMIP Hospitalar IMIP 63
12. RMSF IMIP Atenção Básica NASF – Sec. Saúde 64
13. RMSC IMIP Saúde Coletiva Sec. Saúde 65
14. RMIS UFPE Hospitalar HC 66

Fonte: O autor (2020).

53 RMUET – Residência Multiprofissional em Urgência, Emergência e Trauma. UPE – Universidade de Pernambuco. HGV – Hospital Getúlio Vargas.
54 RMSF – Residência Multiprofissional em Saúde da Família. NASF – Núcleo de Saúde da Família. Sec. Saúde – Secretaria de Saúde de Recife.
55 RMSM – Residência Multiprofissional em Saúde Mental (Recife). UPE – Universidade de Pernambuco. CAPS – Centro de Atenção Psicossocial. Sec.
Saúde – Secretaria de Saúde do Recife.
56 RMSF – Residência Multiprofissional em Saúde da Família. IMIP – Instituto Fernando Figueira. NASF – Núcleo de Saúde da Família. Sec. Saúde –
Secretaria de Saúde do Recife.
57 RMSC – Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva. Sec. de Saúde – Secretaria de Saúde de Recife. IMIP – Instituto Fernando Figueira.
58 RMSF – Residência Multiprofissional em Saúde da Família – RMSF. UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. Sec. de Saúde. NASF – Núcleo de
Saúde da Família. Sec. Saúde – Secretaria de Saúde de Recife.
59 RMSC- Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva. FIOCRUZ – Fundação Oswaldo CRUXZ. IAgM – Instituto Aggeu Magalhães. NASF – Núcleo de
Saúde da Família. Sec. Saúde – Secretaria de Saúde de Recife.
60 RMCP – Residência Multiprofissional em Cuidados Paliativos – RMCP. UPE – Universidade de Pernambuco. HUOC – Hospital Universitário Osvaldo
Cruz.
61 RMSC – Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva. UPE. Universidade de Pernambuco. NASF – Núcleo de Saúde da Família. Sec. Saúde –
Secretaria de Saúde de Recife.
62 RMSI – Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso. IMIP – Instituto Fernando Figueira.
63 RMCP – Residência Multiprofissional em Cuidados Paliativos. IMIP – Instituto Fernando Figueira.
64 RMSF – Residência Multiprofissional em Saúde da Família. IMIP – Instituto Fernando Figueira. Sec. Saúde – Secretaria de Saúde do Recife.
65 RMSC – Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva. IMIP – Instituto Fernando Figueira. Sec. Saúde – Secretaria de Saúde do Recife.
66 RMIS – Residência Multiprofissional Integrada em Saúde. UFPE – Universidade Federal de Pernambuco. HC – Hospital das Clínicas da UFPE.
82

Entretanto, destes 14 (quatorze), apenas sete programas responderam à carta


de anuência e aceitaram participar da pesquisa, a saber: 04 (quatro) são do perfil
atenção básica – sendo 03 (três) de saúde da família (da UPE, UFPE e Secretaria
Municipal de Saúde do Recife – SESAU Recife/PE) e 01 (um) de saúde mental (da
UPE) –; 01 (um) do perfil hospitalar (do Hospital Getúlio Vargas – HGV, sendo
ofertado pela UPE); e 02 (dois) do perfil saúde coletiva (da FIOCRUZ/PE e SESAU
Recife/PE), segundo apresentado no Quadro 3, abaixo.

Quadro 3 – Programas de Residência Multiprofissionais que aceitaram participar do


estudo. Recife/PE -Brasil

Nº PROGRAMA* IES PERFIL CAMPO DE PRÁTICA


1. RMUET UPE Hospitalar HGV – UPE
2. RMSF UPE Atenção Básica NASF – Sec. Saúde
3. RMSM UPE Atenção Básica CAPS – Sec. Saúde
4. RMSF IMIP Atenção Básica NASF – Sec. Saúde
5. RMSC IMIP Saúde Coletiva Sec. de Saúde
6. RMSF UFPE Atenção Básica NASF – Sec. Saúde
7. RMSC IAgM/PE Saúde Coletiva NASF – Sec. Saúde

Fonte: O autor (2020).

Os dados coletados na pesquisa documental foram analisados através da


Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2009), a partir de um roteiro direcionado
para a pré-análise, leitura flutuante inicial e exploração do material. O tratamento dos
dados realizado mediante aproximações sucessivas e aprofundadas mediante
elaboração de eixos indicadores com concepções teóricas para interpretar o material
coletado, seguindo as indicações do autor: Exaustividade, Representatividade,
Homogeneidade, Pertinência (BARDIN, 2009).
Entendemos que a apreensão do real a partir da sua essência torna-se
fundamental ao pesquisador, pois esse movimento nos permitirá extrapolar a análise
com base apenas na aparência dos fenômenos, ou seja, “o conhecimento teórico é o
conhecimento do objeto — de sua estrutura e dinâmica — tal como ele é em si mesmo,
na sua existência real e efetiva, independentemente dos desejos, das aspirações e
das representações do pesquisador” (NETTO, 2011, p. 20).
83

3.2 Resultado e Discussão

3.2.1 A Formação Profissional e a Residência Multiprofissional em Saúde

A implementação regulada dos Programas de Residência Multiprofissionais no


formato de especialização no Brasil é bastante recente. Contudo, vem se
consolidando enquanto fundamental via de formação para a inserção dos profissionais
na política de saúde. Considera-se que é um avanço enquanto modelo pedagógico de
formação para uma política social pública, principalmente por possibilitar a
participação do profissional no processo articulado teórico-prático na realidade. A
especialização no formato de residência multiprofissional também possibilita, para
políticas como a saúde, o seu fortalecimento, formando-se condizente às
particularidades das necessidades sociais regionais.
No contexto de desemprego estrutural e exigência de qualificação/experiência
profissional, em que impera a premissa do desenvolvimento empreendedor de si e o
conceito de “capital humano”, para jovens recém-formados em profissões da saúde e
para os que encontram barreiras para se inserir (ou retornar) ao mercado de trabalho,
programas de residência multiprofissionais se tornam atrativos principalmente pela
remuneração da bolsa (salienta-se que seu valor ultrapassa as bolsas fornecidas em
programas de pós-graduação de nível stricto sensu, como mestrado e doutorado),
assim como a possibilidade de desenvolvimento de suas potencialidades no campo
do conhecimento na área da saúde.
Mesmo diante da extensiva carga-horária semanal, espera-se que a residência
possibilite a realização de uma práxis formativa que aprofunde ou preencha lacunas
existentes na formação em nível de graduação (ou dos demais formatos de pós-
graduação).
Não obstante, ao se analisar os interesses em disputa nas políticas sociais na
contemporaneidade, assim como seus desdobramentos na política de saúde,
identificamos contradições que assumem outras lógicas para além do objetivo de
formar profissionais para e pelo sistema público de saúde.
Ante ao contexto de desmonte da saúde e educação em que se inserem os
programas de Residência, as contradições mais proeminentes estão em efetivar uma
proposta de formação alicerçada nos fundamentos ideopolíticos do projeto de
Reforma Sanitária Brasileira, uma formação na perspectiva da totalidade social que
possibilite formar profissionais para um agir crítico, reflexivo e propositivo com
84

conhecimento das reais necessidades de saúde da população. Uma formação que os


leve a apreender a essência das contradições presentes no interior do Estado e da
sociedade, que os possibilite ampliar o conhecimento acerca das disputas políticas,
das dinâmicas do poder e das alianças presentes na ossatura material das
instituições.
Entendemos que a relação entre educação, trabalho e saúde é permeada por
conflitos desde a sua fundação sócio-histórica. Assim sendo,

Ao pensar a educação na perspectiva da luta emancipatória, não poderia


senão restabelecer os vínculos — tão esquecidos — entre educação e
trabalho, como que afirmando: digam-me onde está o trabalho em um tipo de
sociedade e eu te direi onde está a educação. Em uma sociedade do capital,
a educação e o trabalho se subordinam a essa dinâmica [...] (SADER, 2008,
p. 17).

Ao lermos as atas de plenária da Comissão Nacional de Residências


Multiprofissionais em Saúde (CNRMS), pode-se observar que as contradições
emergem conformadas em denúncias. Essas denúncias são recorrentes e passam a
evidenciar os principais entraves vivenciados pelos/as residentes e pelos Programas
de Residência. As denúncias se enraízam no cotidiano do trabalho no SUS e,
paulatinamente, vão se transformando em obstáculos ao longo do processo formativo,
apresentados no Quadro 4.

Quadro 4 – Denúncias apresentadas, entre 2014 a 2018, nas plenárias da CNRMS/


Mec. Brasil.

ANO N° DA ATA DA DENÚNCIA


PLENÁRIA/MÊS

2014 1° PLENÁRIA DA “[...]denúncia recebida [...] cita a falta de corpo docente, carga horária excessiva de 60 horas
CNRMS semanais e falta de direitos trabalhistas” (BRASIL, 2014, p. 2).

MAIO

3° PLENÁRIA DA Em discussão sobre a carga horária da residência em área profissional: “Os residentes adoecem
CNRMS/AGOSTO pelo excesso de trabalho e ainda têm que repor os afastamentos por atestado médico”.

A decisão desta discussão foi “residentes devem trazer algo consubstancial para discussão em
plenária” e encaminhamento a consulta ao MEC e MS (BRASIL, 2014, p. 3).

5° PLENÁRIA DA “A denúncia consistia em preceptores sem a graduação mínima exigida, sem graduação na área
CNRMS/OUTUBRO profissional do residente com carga horária que não contemplava as atividades desenvolvidas;
ausência de tutores, ausência de tutoria de núcleo e de campo, preceptores e tutores sem
capacidade técnica para orientação do TCC, falta de organização das atividades teóricas do
programa, falta de qualificação e estruturação do eixo específico de cada área profissional,
programa não organizado em linhas de cuidado e dentro das redes de atenção à saúde,
85

ausência de fornecimento de alimentação […], inexistência de NDAE e frágil vinculação com a


IES”. Em visita da equipe técnica foi verificada a veracidade dos fatos apresentados: “chegaram
à conclusão que […] configura apenas formalmente como IES não exercendo atividade docente
assistencial junto aos programas, deficiência de tutoria nos programas, fragilidade da
preceptoria – falta de clareza do papel do preceptor, no momento estão em uma tentativa de
qualificação de preceptores através de cursos a distância. Foi identificado também ausência de
projeto pedagógico em quase todos os programas. Além disso, a inserção dos residentes nos
cenários de prática não permite a formação e o trabalho em equipe multiprofissional. Quanto à
COREMU – tutores não participam das reuniões, participação mínima de preceptores e
coordenadores” (BRASIL, 2014, p. 2).

Diante da denúncia, foi firmado protocolo de compromisso de ações para sanar as dificuldades
encontradas.

2015 3° PLENÁRIA DA “Na planilha de partos realizados por residentes com médico obstetra […] embora os residentes
CNRMS/JULHO constem como executantes, não consta que há enfermeira obstétrica supervisora (preceptoria).
Ressalta-se, que o número de partos realizados por residentes é 2,3 vezes maior que os
assistidos por enfermeira obstétrica” (BRASIL, 2015, p. 3-4)

6° PLENÁRIA DA “Trata-se de denúncia sobre falta de estruturação, de preceptoria, projeto pedagógico, formação
CNRMS/DEZEMBRO da COREMU, residentes alocados em regiões de alta periculosidade [...]” (BRASIL, 2015, p. 4).

2016 2° PLENÁRIA DA “Carta dos residentes [...] que estão sem receber a bolsa, referem que há falta de local adequado
CNRMS/ABRIL para atendimento de pacientes e estudos, falta de material e de aparelhos de diagnósticos e
pedem intervenção da Comissão Nacional” (BRASIL, 2016, p. 3-4).

Referente ao despacho sobre as horas de almoço:

“[…] chegaram denúncias para o fórum que após a publicação do despacho orientador
residentes tiveram que cumprir mais horas de programa” (BRASIL, 2016, p. 5).

2018 8ª PLENÁRIA DA “A Coordenação Geral de Residências em Saúde – CGRS recebe denúncia de supostas
CNRMS/JULHO irregularidades concernentes a "atrasos de 3 meses de pagamentos de bolsas, residentes
sendo obrigados a cumprirem carga horária superior a 60h/sem., ausência de preceptoria [...]".
Foi feita visita in loco por membros da CNRMS” (BRASIL, 2018, p. 3).

Fonte: O autor (2020).

A análise das atas demonstrou que as denúncias dos representantes das


coordenações e residentes das instituições de ensino expostas a CNRMS revelam as
contradições presentes no contexto da formação para o trabalho no SUS, em que
conformam as Residências em saúde.
A análise dos dados revelou a precarização do trabalho, apontou distorções na
relação ensino-serviço, excessiva carga, supervisão pedagógica deficiente tanto dos
tutores quanto dos preceptores, dentre outros. As denúncias trazem, em síntese, as
expressões da precarização do trabalho e da educação:
• Na carga horária de trabalho do residente (seja manual ou intelectual) em
extensas jornadas, a exemplo do cumprimento integral ou superior às 60h
semanais no âmbito da prática profissional;
86

• Na exploração do trabalho, principalmente na substituição do residente por


profissional do serviço, a exemplo do que foi claramente explicitado na
denúncia constante na ata da 3° plenária da CNRMS de julho de 2015;
• Na lógica da produtividade em face da qualidade do atendimento;
• Na falta da estrutura adequada nos serviços;
• Na ausência de tutoria e preceptoria de campo e de núcleo, até mesmo de
orientação para o trabalho de conclusão do curso, o que descumpre com a
proposta pedagógica das residências, sendo transferido aos/às residentes o
papel de executores dos serviços, como já visto;
• Na ausência ou descumprimento às normativas legais que dão base às
atividades de um programa de residência;
• Nas limitações quanto ao trabalho pedagógico por parte de profissionais
preceptores, no qual possibilite ao residente a compreensão sobre questões
macroestruturais e regionais relacionadas às determinações do processo
saúde-doença do país, visa, por vezes, a prática restritamente técnico-
operativa;
• No adoecimento relacionado ao trabalho.
• Dentre outras67.

Essas contradições também estão presentes nos resultados dos estudos da


pesquisa de Rodrigues (2016, p. 78) ao demostrar que nos programas de residência
analisados “o peso maior centra-se no trabalho e não na formação”. Ressalta-se com
essa afirmativa que os programas de Residência apenas garantem a cobertura dos
direitos previdenciários, contudo, não integram outros direitos trabalhistas, como o
regime vigente da jornada máxima de trabalho semanal, direito ao afastamento por
questões de saúde sem a necessidade de reposição da carga horária, dentre outros.
Note-se ainda que, por vezes, a inserção e conclusão da residência não garante que
o egresso qualificado se insira no SUS.
A formação em residências multiprofissionais, nessa ótica, impossibilita uma
educação voltada integralmente para os interesses de uma política de saúde pública,
conforme os moldes do projeto de reforma sanitária. De tal modo, acaba por atender
aos interesses da ordem do capital, pois se torna uma formação para o mercado,
muitas vezes, privado da saúde. Além disso, concordamos com os argumentos de
Soares (2018), quando afirma que, no atual contexto de racionalização e
enxugamento do Estado, a possibilidade de inserção dos profissionais no serviço
público no quadro permanente, via concurso público, se torna cada vez mais limitada.

67Ressaltamos que boa parte das denúncias analisadas ocorreram em programas de residência
voltados para a atenção hospitalar, portanto, necessita ser aprofundado em estudos posteriores.
87

Do mesmo modo, conforme os estudos de Silva (2018), a formação nos


programas de Residência está sendo materializada numa

[...] conjuntura de desmonte das políticas sociais, especialmente a política


de saúde na sua dimensão de recursos humanos. É a característica central
da RMS — ser ensino em serviço — que a torna, de um lado, uma
possibilidade de formação interdisciplinar conectada com o cotidiano
concreto das necessidades de saúde e, de outro, tão vulnerável à sua
apreensão como trabalho precário. É justamente por sua característica
central que os parâmetros postos na regulamentação dessa formação são
indicativos dos sentidos que a RMS vem assumindo no SUS (SILVA, 2018,
p. 207).

Silva (2018, p. 204) nos apresenta uma análise com críticas importantes sobre
a situação dos programas de Residência que reforçam os nossos argumentos.
Segundo a autora apesar da

[...] impossibilidade de apresentar um referencial teórico específico acerca


dos impactos do prolongamento da jornada de trabalho no trabalho em saúde
e a questão da residência, destaca-se que o trabalho em saúde e a
prolongada jornada de trabalho do residente inscrevem-se nos marcos da
exploração do trabalho pelo capital. Ou seja, ainda que haja particularidades
no trabalho do residente, estas particularidades não alteram sua condição de
trabalhador (ainda que temporário) no modo de produção capitalista. Nesses
marcos, as 60 (sessenta) horas semanais são uma forma de intensificação
da exploração do trabalho e são incompatíveis com as propostas de formação
inscritas na RMS.

Os resultados da pesquisa de Silva (2018) tecem críticas importantes e


complementares sobre a situação dos programas de residência nesse contexto. A
autora elucida que mesmo com as particularidades do residente enquanto estando em
processo de formação em serviço, sua condição enquanto trabalhador (mesmo que
temporária) permanece pertencente ao modo de produção capitalista. Alerta que as
60h (sessenta horas) semanais de carga horária do residente têm se demonstrado
enquanto uma expressão da intensificação da exploração do trabalho. Complementa
que, no modo de produção capitalista, o usufruto dos programas de residência pode
atender a uma nova modalidade de substituição de mão de obra precária ao se
incorporar o trabalho de residentes na substituição dos profissionais de saúde nos
serviços e, “nesse sentido, certos espaços de residência poderiam estar mais voltados
à precarização do trabalho em saúde do que a uma experiência de formação para o
SUS” (SILVA, 2018, p. 204).
88

[...] há na legislação da residência uma contradição explícita que, de um lado,


afirma uma formação com foco na integralidade e interdisciplinaridade e, de
outro, cria as condições práticas para a precarização e exploração intensa da
força de trabalho do residente que atuará por dois anos com uma carga
horária semanal de 60h. A constituição e implementação do SUS trouxe em
seu bojo a possibilidade e a necessidade de novas modalidades e estratégias
de formação; e a proposta original da RMS, em termos de ideia, atende aos
princípios do SUS. Entretanto, partindo do pressuposto da existência de
disputas no interior do SUS e nos direitos sociais em geral, a legislação que
regulamenta a RMS cria as condições para o esvaziamento da proposta de
formação e caminha no sentido de que a presença do residente se estabeleça
como possibilidade de mão de obra barata e precária nos serviços de saúde
(SILVA, 2018, p. 207).

Uma pesquisa no Instituto de Atenção à Saúde, que pertence à Universidade


Federal do Rio de Janeiro (HESFA/UFRJ), com os preceptores de três áreas de
conhecimento — Enfermagem, Psicologia e Serviço Social —, realizada por Silva
(2015b), constatou que a
[...] natureza dos programas de residência multiprofissional (que defendemos
ser mais voltada para a formação em serviços) estes devem prezar por
espaços mais criativos, de trocas e articulação dos serviços em rede, na
perspectiva da prestação com qualidade aos usuários do SUS. Sessenta
horas semanais implica a intensificação do trabalho dos residentes e segue
contrária à luta mais geral dos trabalhadores da saúde quanto à redução da
carga horária semanal. Consideramos esta discussão necessária nos
espaços organizativos e instâncias legais dos Programas de Residência para
a construção de outros marcos legais que avancem na perspectiva de revisão
desta carga horária que consideramos extensa e cansativa. Diante do
exposto, observamos que a RMS expõe problemáticas referentes ao trabalho
na saúde interrelacionado aos impasses referentes à educação em saúde,
tendo em vista que é articulada à perspectiva da formação nos serviços.
(SILVA, 2015b, p. 227).

O estudo nos apresenta um amplo panorama dos avanços e entraves da


Residência, evidencia a importância de articular a formação à perspectiva da
totalidade social para apreender, numa conjuntura de desmonte dos direitos sociais,
as transformações que ocorrem no interior das políticas de saúde e educação, e,
consequentemente, os rebatimentos na formação de residentes.
Outro estudo, publicado por Silva e Brotto (2016), revela que um dos grandes
desafios colocados para os sujeitos políticos envolvidos na relação ensino-serviço é
combater os efeitos perversos e desestruturantes do neoliberalismo — privatização,
aligeiramento, fragmentação do trabalho, profissional acrítico — que expõe os
residentes e
[...] submete os profissionais, já inseridos no SUS, à dinâmica contrária aos
princípios sanitários do sistema de Saúde. Isso ocorre tendo em vista a
fragmentação da seguridade social, a real precarização de implementações
dos cursos de residência pelo país e a falta de integralidade dos serviços, o
que compromete a realização de um trabalho multiprofissional e intersetorial.
89

Agregada a essas questões está a crescente privatização dos equipamentos


e da gestão do trabalho em Saúde (SILVA; BROTTO, 2016, p. 138).

As residências, diante dos cenários evidenciados, perdem seu objetivo-fim, que


é a qualificação e formação para e pelo Sistema Único de Saúde. Passam a carregar
elementos da lógica da restruturação produtiva, sendo atendida a busca pela
racionalização, polivalência e flexibilização da relação de trabalho. Um espaço de
formação profissional que é apropriado pela lógica do capital para fazer parte do
processo de exploração do trabalho.
As Residências Multiprofissionais surgem com a proposta de reorientar/renovar
as intervenções profissionais a fim de superar o modelo médico-centrado, tecnicista e
biologista da saúde, buscando desenvolver práticas que atendam às necessidades
coletivas de saúde da população.

A Residência Multiprofissional constitui-se numa modalidade de formação


pós-graduada lato sensu, desenvolvida em serviços dos SUS, sob supervisão
técnica profissional. Sua potencialidade reside em estar orientada para a
apreensão e o atendimento ampliado às necessidades de saúde da
população, para a qualificação do cuidado em saúde frente ao processo
saúde-doença em suas dimensões individuais e coletivas. Para tal, esta
formação ocorre através da integração dos eixos ensino-serviço-comunidade,
do trabalho em equipe interdisciplinar e da permanente interlocução entre os
núcleos de saberes e práticas das profissões envolvidas na formação
(CLOSS, 2013, p. 58).

O Projeto Político-pedagógico (PPP), documento que orienta o colegiado nas


decisões a serem tomadas por todos os sujeitos políticos envolvidos no processo de
construção da formação multiprofissional em profissional em saúde, enquanto unidade
menor do processo de planificação, necessita ser um documento objetivo. Contudo,
deve trazer consigo elementos que possibilitem direcionar os programas para sua
proposta-fim. Devido à sua dimensão política, o PPP “[...] não deve ser usado
meramente com vistas à organização de processos burocráticos. Ele deve considerar,
em especial, a sua dimensão social, ou seja, deve expressar as visões de mundo, de
sociedade e de ser humano que a escola pretende. Portanto, tem que considerar a
realidade (imediata e mediata) em que a escola está inserida” (GARCIA et al., 2018,
p. 298).
A Portaria Interministerial do Ministério da Educação e Ministério da Saúde de
12 de Novembro de 2009 (BRASIL, 2009c) dispõe sobre como se estrutura a formação
nas Residências Multiprofissionais, e em seu artigo 2° estabelece que esse formato
de especialização se orienta pelos princípios e diretrizes do SUS, com base nas
90

necessidades e realidades locais e regionais, havendo 11 (onze) eixos norteadores


para essa formação68.
A partir dos eixos norteadores da formação das Residências Multiprofissionais,
percebe-se que o esforço maior é para a consolidação e expansão do SUS a partir de
uma reestruturação na concepção de saúde, trabalho e educação. Ou seja, os PPPs
dos programas precisam ter o direcionamento da reestruturação profissional,
consolidação e expansão do SUS e, também, o compromisso com a transformação
social, pois as propostas norteadoras pensadas para as Residências
Multiprofissionais exigem modificações estruturais significativas no modelo de
sociedade vigente. Portanto, entende-se que para esse processo de reestruturação,
faz-se necessário profundas transformações societárias — já norteadas pelo
Movimento de Reforma Sanitária.
Para tanto, os PPPs das Residências Multiprofissionais, enquanto unidade de
estruturação do curso de formação em serviço, precisam ter expresso um
direcionamento social estratégico em saúde, possibilitando uma formação profissional
crítica-reflexiva, pois estes são os propulsores de um agir em saúde que trarão
mudanças na realidade de saúde da população.

A questão da mudança de paradigmas deve vir à tona no exercício do


planejamento estratégico, para que o processo de transformação do real que
se deseja deflagrar afirme-se como uma consciente fuga dos modelos
mecanicistas e adaptativos (TEIXEIRA, 2009, p. 570).

68 Os eixos formadores, segundo o Ministério da Educação e da Saúde, são “I - Cenários de educação


em serviço representativos da realidade socioepidemiológica do País; II - Concepção ampliada de
saúde que respeite a diversidade, considere o sujeito enquanto ator social responsável por seu
processo de vida, inserido num ambiente social, político e cultural; III - política nacional de gestão da
educação na saúde para o SUS; IV - Abordagem pedagógica que considere os atores envolvidos como
sujeitos do processo de ensino-aprendizagem-trabalho e protagonistas sociais; V - Estratégias
pedagógicas capazes de utilizar e promover cenários de aprendizagem configurados em itinerário de
linhas de cuidado, de modo a garantir a formação integral e interdisciplinar; VI - Integração ensino-
serviço-comunidade, por intermédio de parcerias dos programas com os gestores, trabalhadores e
usuários; VII - integração de saberes e práticas que permitam construir competências compartilhadas
para a consolidação da educação permanente, tendo em vista a necessidade de mudanças nos
processos de formação, de trabalho e de gestão na saúde; VIII - integração dos Programas de
Residência Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde com a educação profissional, a
graduação e a pós-graduação na área da saúde; IX - Articulação da Residência Multiprofissional e em
Área Profissional da Saúde com a Residência Médica; X - Descentralização e regionalização,
contemplando as necessidades locais, regionais e nacionais de saúde; XI - estabelecimento de sistema
de avaliação formativa, com a participação dos diferentes atores envolvidos, visando o
desenvolvimento de atitude crítica e reflexiva do profissional, com vistas à sua contribuição ao
aperfeiçoamento do SUS; XII - integralidade que contemple todos os níveis da Atenção à Saúde e a
Gestão do Sistema” (BRASIL, 2009, p. 1-2).
91

Durante os últimos 30 anos de materialização do SUS, observamos avanços e


retrocessos no atendimento das necessidades de saúde da população. O SUS só foi
possível a partir da busca por transformações estruturais na sociedade, encabeçado
pelo Movimento de Reforma Sanitária brasileiro. Com o seu advento, as lutas pela
consolidação do SUS permitiram a ampliação da cobertura da população,
principalmente com o desenvolvimento da Rede de Atenção à Saúde (RAS).
Os Programas de Residência Multiprofissional são parte das conquistas pela
transformação do SUS, como pode ser visto a partir das origens dessa formação na
cidade do Recife/PE. A maioria dos Programas de Residência Multiprofissional
participantes deste estudo foram criados (e regulamentados pelo Ministério da Saúde)
a partir de 2010, com exceção a apenas um programa, conforme o Quadro 5.

Quadro 5 – Programas de Residência Multiprofissionais participantes da pesquisa,


por ano de criação regulamentada, Recife/PE, 2020.

PROGRAMA ANO DE CRIAÇÃO


Residência Multiprofissional em Saúde da Família - UPE 2008
Residência Multiprofissional em Saúde da Família - UFPE 2010
Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva – IAM – FIOCRUZ/PE 2013
Residência Multiprofissional em Saúde Mental – UPE 2013
Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva SESAU – RECIFE (COREMU IMIP) 2014

Residência Multiprofissional em Urgência, Emergência e Trauma Hospital Getúlio Vargas –


2014
HGV/UPE
Residência Multiprofissional em Saúde da Família – SESAU/RECIFE (COREMU IMIP) 2016

Fonte: O autor (2020).

Em Recife/PE, os Programas de Residência Multiprofissionais têm suas raízes


em 1990, com o programa pioneiro de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva
da FIOCRUZ/PE (PRMSC FIOCRUZ/PE), incorporando a formação de treze áreas
profissionais da saúde (mesmo ainda não existindo a lei que regulamenta as
profissões de nível superior na saúde). Conforme a justificativa do PPP do programa,
“O PRMSC da Fiocruz – PE foi iniciado em 1990 e devido à grande procura e boa
inserção dos egressos no sistema, a SES – PE vem ampliando a oferta de vagas tanto
na Fiocruz como na UPE [Universidade de Pernambuco]” (FIOCRUZ, 2013, p. 15).
Como visto, os Programas de Residência Multiprofissionais apenas são
regulamentados em 2005, recebendo, a partir desse momento, investimentos federais
e estaduais para a realização dessas formações.
92

A partir da análise do PPP do programa de Residência Multiprofissional em


Saúde da Família da UPE (2010), percebe-se que a Prefeitura da Cidade do Recife
(PCR), desde 1990, buscou a parceria com as universidades públicas para o
aprimoramento dos seus serviços de saúde. O documento assinala ainda que a UPE
possui articulação e compromisso com a formação transformadora dos serviços de
saúde locorregionais do Recife/PE desde esse período. Destaca também que com a
expansão do Programa de Saúde da Família (PSF) no Recife, em 2001, ocorreu a
necessidade de um maior número de profissionais da saúde capacitados para
atuarem no PSF. Ou seja, a formação dos profissionais que já atuavam nos seis
Distritos Sanitários de Saúde do município, além de novos. Para tal, foi estabelecido
parceria entre Prefeitura da Cidade do Recife, Universidade de Pernambuco (UPE) e
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para a construção do processo
formativo.
Entre 2003 e 2006, a UPE seria responsável pelos cursos de pós-graduação
em saúde da família de 250 (duzentos e cinquenta) profissionais da medicina,
enfermagem e odontologia que compunham as Equipes de Saúde da Família (EsF)
dos Distritos Sanitários69 de Saúde I, II e III, estando os distritos IV, V e VI sob a
responsabilidade da UFPE.
A partir da implementação dos cursos de especialização nos serviços de saúde
do Recife, foi organizado, em 2007, o Programa de Residência de Medicina de Família
e Comunidade, apenas voltado para os profissionais da medicina — pois as
Residências Médicas já eram reconhecidas enquanto formação “padrão ouro” para a
especialização profissional. Em 2008, a UPE cria o Programa de Residência em
Saúde da Família no formato multiprofissional, com subsídio e apoio logístico da
Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco.

Os cursos de especialização em saúde da família marcaram um momento em


que a formação em massa era necessária para garantir a implantação do
modelo. Entende-se hoje, que é preciso investir na qualidade da atenção e
na formação de formadores tanto para a graduação como para a pós-
graduação, e que para isso, a modalidade Residência se constitui no formato
privilegiado. A modalidade residência tem se consolidado como uma das
melhores, senão a melhor forma de especialização dos profissionais de
saúde, considerando que a necessidade de um treinamento intensivo
supervisionado é fundamental para o amadurecimento profissional (UPE,
2010, p. 6).

69Em 2020, Recife possui 08 (oito) distritos sanitários de saúde que abrangem os 94 (noventa e quatro)
bairros da cidade.
93

Em Recife, o boom da criação de novos programas ocorre principalmente a


partir do ano de 2010, quando há a implementação de mais incentivos financeiros do
Ministérios da Saúde e Educação para criação de cursos de formação
multiprofissional, principalmente por se haver um “reconhecimento social de que essa
educação tem destacada qualidade para a formação para o trabalho” (DALLEGRAVE;
CECCIM, 2018, p. 878).
Com a Portaria Interministerial nº 45/2007, em que criou a Comissão Nacional
da Residências Multiprofissionais em Saúde (CNRMS) 70, os cursos são incluídos nas
Pró-Reitorias de Pesquisa das universidades parceiras no formato Lato Sensu,
justificando também o incentivo para o crescimento dos programas de Residência
Multiprofissionais no país.

A portaria nº 45 também institui como eixos norteadores para os programas


de residência: cenários de educação em serviço representativos da realidade
socioepidemiológica; concepção ampliada de saúde; política nacional de
educação e desenvolvimento no SUS; atores envolvidos como sujeitos do
processo de ensino-aprendizagem-trabalho e protagonistas sociais;
articulação com a Residência Médica; descentralização e regionalização;
integralidade que contemple todos os níveis da Atenção à Saúde e à Gestão
do Sistema expressando o compromisso deste modelo de formação em
saúde com o Sistema Único de Saúde (CFESS, 2017, p. 27).

A partir da análise das justificativas dos programas, objetivos, proposta de


gestão, cenários de práticas, parcerias e propostas para os fundamentos da formação
presentes no PPP, foi possível ao presente estudo evidenciar as tendências propostas
para a formação nos Programas de Residência Multiprofissionais do Recife/PE.

3.2.2 Tendências Ideopolíticas e Pedagógicas dos Programas de Residência


Multiprofissional do Recife/PE

Na atualidade, os direcionamentos ideopolíticos que orientam os Projetos


Político-pedagógicos (PPP) vão desde a pedagogia contra-hegemônica — histórico
crítica (SAVIANI, 2008); ao conservadorismo (BOSCHETTI, 2015) e suas vertentes —
tecnicismo, teoricismo acrítico, aligeiramento, pragmatismo, voluntarismo,
contentamento com o possibilismo. Lembramos que “[...] uma das funções principais
da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou

70 Atualizada pela portaria interministerial nº1.077/09 (BRASIL, 2009c).


94

‘consenso’ quanto for capaz, a partir de dentro e por meios de seus próprios limites
institucionalizados e legalmente sancionados” (MESZAROS, 2008, p. 45).
Dito isto, nessa investigação entendemos que as tendências ideopolíticas
presentes nas práticas dos profissionais perpassam a disputa de projetos societários
e suas contradições. Entende-se que, “em sociedades como a nossa, os projetos
societários são, necessária e simultaneamente, projetos de classe, ainda que refratem
mais ou menos fortemente determinações de outra natureza (culturais, de gênero,
étnicas, etc.) [...]” (NETTO, 2007, p. 143).
Deste modo, para compreendermos a dinâmica e estrutura proposta para os
Programas de Residência Multiprofissionais e apontar as tendências ideopolítico-
pedagógicas constantes em seu Projeto Político-pedagógico, escolhemos quatro
eixos de análise, a saber: 1) projetos societários — vinculação do programa aos
projetos emancipatórios e coletivos (contra-hegemônico) ou a serviço da reprodução
do capital (hegemônico); 2) concepções de saúde (projeto de Reforma Sanitária
Brasileira, projeto privatista ou SUS possível), educação (tradicional, conservadora ou
histórica-crítica) e trabalho (alienação e emancipação) adotadas no arcabouço dos
projetos pedagógicos vinculados ou não a um determinado projeto societário; 3)
gestão do programa — participativa/democrática ou conservadora; 4) perfil dos
egressos — um especialista com uma qualificação técnica voltada para o mercado ou
um profissional comprometido com a emancipatória humana. Com esses eixos,
buscamos compreender as contradições das especializações multiprofissionais em
saúde, apreendendo as tendências ideopolíticas presentes no PPPs dos Programas
de Residência Multiprofissionais do Recife/PE.
Ressalta-se que dadas as limitações encontradas no formato reduzido do PPP
apresentado pelos programas de Residência Multiprofissionais do Recife/PE, levou o
pesquisador a uma experimentação investigativa singular, sendo requisitada a análise
dos significados da dimensão ideopolítica estruturante da proposta pedagógica com
outro olhar as concepções que orientam a formação dos profissionais, mas tal fato
ampliou a possibilidade de dialogarmos as tendências nem sempre claras e aparentes
que estruturam os programas de residência.
95

3.2.2.1 Projetos Societários nos Programas de Residência


Multiprofissionais

Os Projetos Político-pedagógicos (PPP) dos Programas de Residência


Multiprofissional são fundamentados por várias concepções teóricas que, por vezes,
os aproximam a determinado projeto societário. Netto (2007, p. 143) afirma que os
projetos societários são constituídos por projetos coletivos, ou seja, “[...] trata-se
daqueles projetos que apresentam uma imagem de sociedade a ser construída, que
reclamam determinados valores para justificá-la e que privilegiam certos meios
(materiais e culturais) para concretizá-la”. Ainda para o autor

[...] nos projetos societários (como, aliás, em qualquer projeto coletivo) há


necessariamente uma dimensão política, que envolve relações de poder. É
claro que esta dimensão não pode ser diretamente identificada com
posicionamentos partidários, ainda que se considere que os partidos políticos
sejam instituições indispensáveis e insubstituíveis para a organização
democrática da vida social no capitalismo contemporâneo (NETTO, 2007, p.
143).

Entendemos que na análise das tendências da dimensão política “[...] das


instituições formadoras é explicitada e pode ser debatida, sendo lugar de disputa dos
projetos de saúde e sociedade postos em pauta pelos sujeitos do processo educativo”
(LOBATO et al., 2012, p. 1274).
É necessário lembrar que para analisar as tendências ideopolíticas nos PPPs foi
fundamental apreender em qual projeto societário estão vinculados, por
considerarmos que cada PPP pode ter o seu alicerce num determinado projeto
societário. Vale lembrar, conforme Netto (2007, p. 143),
a experiência histórica demonstra que, tendo sempre em seu núcleo a marca
classe social a cujos interessem sociais respondem, os projetos societários
constituem estruturas flexíveis e cambiantes: incorporam novas demandas e
aspirações, transformam-se e se renovam conforme as conjunturas históricas
e políticas.

Todos os 07 (sete) programas definidos pela amostra se posicionam na defesa


da consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), dos seus princípios e diretrizes e
por reestruturações no campo da assistência à saúde. Alguns programas indicam
articulação com os movimentos sociais e outros a um projeto societário coletivo, como
veremos adiante.
A partir da análise dos programas relacionados ao perfil atenção básica,
identifica-se que dos três programas de Residência Multiprofissional em Saúde da
Família (RMSF), apenas um (01) coloca explicitamente a defesa da saúde a partir da
96

vinculação ao projeto da Reforma Sanitária Brasileira, a movimentos sociais e com o


compromisso para a transformação social. Aborda, ainda, as mudanças na concepção
de saúde e traz a clínica ampliada como horizonte para a formação dos/as residentes.
O PPP da RMSF da UFPE apresenta nos seus fundamentos aproximações
com a perspectiva crítica ao propor uma formação profissional que busque apreender
a totalidade da realidade social e as reais necessidades da população. Uma formação
crítica – reflexiva que busque consolidar a concepção de saúde defendida pelo projeto
de Reforma Sanitária.
Conforme exposto no PPP do programa, a adoção de uma formação crítica-
reflexiva busca romper com a lógica hospitalocêntrica fortemente presente nos centros
formadores de profissionais da saúde.

[...] a formação na saúde que conhecemos hoje é essencialmente acadêmica,


reprodutora de valores corporativistas, distante da realidade do nosso país e
pouco comprometida com a transformação social. Essa lógica de formação
profissional na área da saúde tem perpetuado um modelo de atenção
reducionista, ineficiente, tecnicista, médico centrado e hospitalocêntrico,
comprometendo, assim, a consolidação do SUS (UFPE, 2010, p. 18).

A análise dos PPPs dos programas de RMSF da UPE e da Secretaria de Saúde


do Recife (Prefeitura da Cidade do Recife71) nos demonstrou que não há uma relação
intrínseca com o Projeto de Reforma Sanitária. Porém, a análise revelou que os PPPs
fazem referência ao desenvolvimento de habilidades e competências a partir de
elementos centrais da atenção à saúde, como clínica ampliada, integralidade,
intersetorialidade, gestão democrática, dentre outros. Esses dados nos levaram a
considerar que estes programas inserem nos seus PPPs uma perspectiva crítica que
envolve mudança de paradigmas. Contudo, não expõem objetivamente a defesa de
um projeto societário coletivo e alianças aos movimentos sociais que imprimem
direcionamento societário.
Ainda dentro do perfil de atenção básica, o programa de Residência
Multiprofissional em Saúde Mental (RMSM) da UPE tem no seu projeto pedagógico a
perspectiva de transformação societária com base nos fundamentos da Reforma
Psiquiátrica e a relação com os movimentos sociais. A Reforma Psiquiátrica72 nasce

71 Salienta-se que a Prefeitura da Cidade do Recife não possui COREMU própria. Por esse motivo,
encontram-se ancorados a COREMU IMIP. Contudo, as deliberações acerca do programa são de
responsabilidade da Secretaria de Saúde do Recife/PE.
72 “Embora contemporâneo da Reforma Sanitária, o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira tem

uma história própria, inscrita num contexto internacional de mudanças pela superação da violência
97

mundialmente do questionamento ao tratamento dado às pessoas que vivenciam os


diversos tipos e níveis de transtorno mental — historicamente oprimidas e
marginalizadas pela sociedade, sendo alvo dos diversos tipos de violências e
violações de direitos humanos —, sendo consolidada a partir da criação de marcos
legais para a defesa dos direitos desse segmento. Propõe também um novo modelo
de assistência, contrariando a lógica manicomial e médico-centrada hegemônica no
campo da saúde.
O programa de RMSM da UPE reflete em seu projeto sobre o marco da
Reforma Psiquiátrica brasileira, sobre a exigência das mudanças assistenciais nos
serviços, apontando as modificações ocorridas na área da saúde mental e discorrendo
sobre a necessidade de mudanças na formação e de educação permanente dos
profissionais na saúde para consolidar a Reforma Psiquiátrica.

A Reforma Psiquiátrica é entendida como processo social complexo, que


envolve a mudança na assistência de acordo com os novos pressupostos
técnicos e éticos e a incorporação cultural desses valores. A partir da
educação permanente, é possível pensar que tal processo requer o desafio
de olhar tanto para a implementação e estruturação de serviços substitutivos,
como para ressignificação da formação e das práticas profissionais. Tais
práticas são estratégicas para a construção da linha de cuidado em saúde
mental, desde a atenção primária, seguindo em níveis de cuidado e de
atenção de acordo com a complexidade dos territórios e dos sujeitos. [...] o
presente projeto pode ser percebido como resultado desse momento de
efervescência do movimento de desinstitucionalização no estado de
Pernambuco, que reacendeu os princípios da Reforma Psiquiátrica e nos
convida cotidianamente a construir estratégias para consolidação da mesma
(UPE, 2013, p. 5 e 9).

Na análise do programa de Residência Multiprofissional em Urgência,


Emergência e Trauma Hospital Getúlio Vargas (RMUET HGV/UPE), única de perfil
hospitalar no estudo, constata-se que este não apresenta explicitamente no PPP um
projeto societário coletivo, aproximação aos movimentos sociais e não relaciona uma

asilar. Fundado, ao final dos anos 70, na crise do modelo de assistência centrado no hospital
psiquiátrico, por um lado, e na eclosão, por outro, dos esforços dos movimentos sociais pelos direitos
dos pacientes psiquiátricos, o processo da Reforma Psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção de
novas leis e normas e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos
serviços de saúde. A Reforma Psiquiátrica é processo político e social complexo, composto de atores,
instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal,
estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos
profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos
movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como
um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida
das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica
avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios” (BRASIL, 2005, p. 6).
98

conexão clara ao Projeto de Reforma Sanitária. Menciona um posicionamento político


de manutenção dos princípios e diretrizes do SUS. Esse posicionamento pode refletir
uma tendência ideopolítica ao possibilismo/pragmatismo para a política de saúde,
traço do projeto do SUS possível, flexível e híbrido (a exemplo do público-privado),
como também pode ser um traço de defesa ao SUS e à Política Pública de Saúde.
Atente aqui que no processo de contrarreforma da saúde a “racionalidade
hegemônica no SUS” (SOARES, 2010) manifesta em dois projetos (privatista e o SUS
possível) que tencionam, ao afirmar que os maiores problemas do SUS são gerenciais
e administrativos, para justificar a criação e financiamento de Organizações Sociais,
mediante transferências de recursos do fundo público ao setor privado da saúde. Esse
tipo de projeto “[...] ilude quanto à solução (reforma parcial), convivendo com
iniquidades sociais e um Estado colonizado por interesses capitalistas,
patrimonialistas e corporativos” (PAIM, 2008, p. 324).
O perfil dos dois programas de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva
(RMSC) analisados demonstraram diferenças na defesa de um determinado projeto
societário.
A RMSC da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)/PE, ancorado ao PPP do
ensino, pesquisa e extensão coletivo da instituição nacional FIOCRUZ, afirma que:

[...] as experiências de formação enriqueceram-se com a ampliação da


presença nacional da FIOCRUZ, tendo a pesquisa e o ensino articulados ao
seu compromisso social com as lutas pela nova ordem democrática e ao
movimento da Reforma Sanitária Brasileira (FIOCRUZ, 2016, p. 6).

Essa afirmação demonstra um comprometimento institucional com as


mudanças sociais progressistas e com o Movimento de Reforma Sanitária, o que
evidencia a tendência ideopolítica ligada à proposta contra-hegemônica societária.
O programa de RMSC da Secretaria de Saúde do Recife/PE não traz explícito
a defesa do Projeto de Reforma Sanitária e nem dos movimentos sociais. Refere-se
à clínica ampliada e se direciona pelo trabalho em saúde na perspectiva de
manutenção dos princípios e diretrizes do SUS, semelhante ao projeto apresentado
pela RMUET do HGV/UPE.
As análises dos PPPs demonstraram que a defesa de projetos societários ainda
se manifestam pouco evidentes no arcabouço da proposta de formação das
Residências Multiprofissionais. Expressam a defesa da consolidação dos princípios e
diretrizes do SUS, mas não a luta pela sua expansão e construção de uma nova ordem
99

societária. Além disso, observamos que em alguns PPPs não há uma justificativa
explícita para não incluir uma aliança das instituições executoras com os movimentos
sociais que atuam em defesa da saúde. Essa lacuna evidencia uma contradição na
construção dos fundamentos teóricos e eixos de práticas dos PPPs, por entendermos
que para consolidar os princípios e as diretrizes do SUS, frente ao cenário de ataques
da contrarreforma neoliberal, torna-se imperativo construir apoios de grupos políticos
que fortaleçam o campo de luta para frear os retrocessos anunciados com a
contrarreforma do setor saúde e educação.

3.2.2.2 Tendências da Concepção de Saúde, Trabalho e Educação nos


Programas de Residência Multiprofissionais

A partir da discussão realizada no primeiro capítulo deste estudo, entende-se


que a relação trabalho, educação e saúde tem perspectivas e concepções que são
apropriadas de diferentes formas a partir das transformações sócio-históricas. Na
sociabilidade capitalista, há uma apropriação dessas três categorias com fins para os
interesses de acumulação e manutenção da ordem capitalista. No ideário neoliberal a
tendência é o trabalho flexibilizado, polivalente, intensificado e precarizado. Na
perspectiva da contrarreforma, essa lógica permeia as políticas sociais73 de educação
e saúde que aderem à mercantilização, flexibilização, precarização, fragmentação e
demais formas que se caracterizam enquanto desmonte aos direitos socialmente
conquistados.
Cabe-nos aqui ressaltar que “nas práticas educativas, a abordagem pedagógica
está permeada de intencionalidade. Não sendo neutros, os diversos tipos de atos
pedagógicos na formação dos trabalhadores da saúde — mesmo que não conscientes
— manifestam-se em defesa de projetos distintos de saúde e de sociedade”
(LOBATO; MELCHIOR; BADUY, 2012, p. 1278- 1279).
Ressaltamos que o projeto de Reforma Sanitária Brasileira está ancorado,
segundo Paim (2008), nas teorias de Heller da Teoria das Necessidades em Marx, e
no conceito de revolução passiva de Gramsci74. Uma concepção de saúde construída

73 No neoliberalismo as políticas sociais não têm natureza redistributiva, mas compensatória. A lógica
é reduzir a desigualdade social mantendo a histórica desigualdade econômica.
74 “O conceito gramsciano de ‘revolução passiva’ é utilizado para interpretar e compreender o processo

da Reforma Sanitária Brasileira, falando do quanto conquistou relativamente à sua proposta original,
pois a revolução passiva é aquela mudança em que uma parte das transformações no modo social de
100

a partir do “[...] entendimento de que a saúde e a doença na coletividade não podem


ser explicadas exclusivamente pelas dimensões biológica e ecológica [...]” e que
aproximações sucessivas da realidade nos possibilitam apreendê-la ao ampliarmos
“[...] os horizontes de análise e de intervenção sobre a realidade” (PAIM, 2008, p. 165).
Para tanto, requere-se que a proposta ideopolítica que norteia o processo de formação
multiprofissional na saúde seja baseada pela proposta de definição da saúde-doença
como fenômenos determinados social e historicamente, portanto, elementos dos
processos de reprodução social.
Na análise dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP), evidenciamos que os
programas de Residência Multiprofissionais no Recife/PE se filiam a concepções de
saúde, trabalho e educação que tendem, em sua maioria, a ir em contramão à lógica
posta pela restruturação produtiva e pelo ordenamento neoliberal.
Acerca da concepção de saúde adotada pelos programas, majoritariamente,
articulam-se com a proposta de Clínica Ampliada baseada pela Política Nacional de
Humanização (PNH), perspectiva essa que busca romper com os modelos médico-
centrados, flexnerianos e biologicistas.
A proposta da Clínica Ampliada é parte fundante da Política Nacional de
Humanização do Ministério da Saúde. Em seu eixo de compreensão ampliada do
processo saúde-doença,

[...] busca evitar uma abordagem que privilegie excessivamente algum


conhecimento específico. Cada teoria faz um recorte parcialmente arbitrário
da realidade. Na mesma situação, pode-se ‘enxergar’ vários aspectos
diferentes: patologias orgânicas, correlações de forças na sociedade
(econômicas, culturais, étnicas), a situação afetiva etc., e cada uma delas
poderá ser mais ou menos relevante em cada momento. A Clínica Ampliada
busca construir sínteses singulares tensionando os limites de cada matriz
disciplinar. Ela coloca em primeiro plano a situação real do trabalho em
saúde, vivida a cada instante por sujeitos reais. Este eixo traduz-se ao mesmo
tempo em um modo diferente de fazer a clínica, numa ampliação do objeto
de trabalho e na busca de resultados eficientes, com necessária inclusão de
novos instrumentos (BRASIL, 2009a, p. 56).

A análise dos quatro PPPs dos programas de Residência Multiprofissional do


perfil atenção básica (Saúde da Família e Saúde Mental) demonstrou que se
encontram embasados na perspectiva da Clínica Ampliada da PNH (2009a) do
Ministério da Saúde.

vida é perdida, em consequência às disputas internas de distintos projetos de mudança no processo


transformador” (PAIM, 2008, p. 13).
101

Dos projetos relacionados a formação em Saúde da Família, dois trazem


detalhadamente o seu posicionamento quanto ao modelo de saúde adotado, definido
como uma estratégia para superação do padrão biologicista-médico-centrado.

O NASF promove a criação de espaços para a produção de novos saberes e


ampliação da clínica através do referencial teórico-metodológico do Apoio
Matricial, tendo como diretrizes orientadoras a territorialização e
responsabilidade sanitária, trabalho em equipe, integralidade, autonomia dos
indivíduos e coletivos. Por sua vez, o Apoio Matricial se desdobra em duas
dimensões: clínico-assistencial, a qual consiste na ação clínica direta com os
usuários e dimensão técnico-pedagógica, cuja ação é de apoio educativo com
e para as equipes. Essas atividades do NASF podem ser realizadas tanto na
unidade de saúde como em outros espaços do território (RECIFE, 2016, p.
9).

[...] As diretrizes pedagógicas que norteiam a formação profissional são


fundamentadas nos princípios e diretrizes do SUS e atentam para uma visão
crítico-educativa, voltada para a reorientação dos modelos de gestão e
atenção à saúde, historicamente centrados na doença (RECIFE, 2016, p. 12).

[...] pode-se pensar que essa atuação profissional no sistema de saúde deve
ultrapassar a excelência da técnica com parâmetros do modelo biomédico,
incluindo também aspectos éticos, técnicos e políticos, com compromisso de
resultados, efetividade e respeito aos usuários (UFPE, 2010, p. 18).

Já na análise do PPP do programa de Residência Multiprofissional em Saúde


Mental (RMSM) da UPE, evidenciamos posicionamento explícito de defesa da
Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica na perspectiva da redução de danos à
população usuária do SUS75. Assim, entendemos que “há, portanto, escolhas feitas
por quem elabora os projetos dos cursos, mas, sobretudo, por quem os coordena e
conduz, além das pessoas que vivenciam os processos educativos, materializando
suas escolhas, no cotidiano dos espaços micropolíticos das instituições” (LOBATO;
MELCHIOR; BADUY, 2012, p. 1278- 1279).
Na análise quanto à formação do PPP da Residência Multiprofissional em
Urgência, Emergência e Trauma Hospital (RMUET) da UPE, evidenciou-se que este
programa traz elementos de uma formação fundamentada na concepção da Clínica
Ampliada, sendo explicitado no projeto se basear numa perspectiva ético-humanista,
visando a construção de uma “consciência sanitária crítica, individual e coletiva” (UPE,
2014, p. 27).

75 “A RD [Redução de Danos] não pressupõe que deva haver imediata e obrigatória extinção do uso
de drogas — no âmbito da sociedade ou no caso de cada sujeito —, seu foco incide na formulação de
práticas, direcionadas aos usuários de drogas e aos grupos sociais com os quais eles convivem, que
têm por objetivo a diminuição dos danos causados pelo uso de drogas” (BRASIL, 2016, p. 3).
102

De todos os projetos de Residência Multiprofissional, apenas a de Saúde


Coletiva da FIOCRUZ/PE, no projeto do programa de residência, não traz a
concepção de Clínica Ampliada. Traça em seu PPP institucional (FIOCRUZ, 2016) a
defesa pela Reforma Sanitária e por uma concepção de saúde que se articule ao seu
projeto. O projeto também se apresenta articulado com a perspectiva de Educação
Permanente em Saúde do Mistério da Saúde, ao afirmar que o “desenvolvimento de
competências necessárias ao enfrentamento e acompanhamento de constantes
mudanças no mundo do trabalho decorrentes de inovações técnico-científicas,
culturais e da gestão na sociedade contemporânea” (FIOCRUZ, 2016, p. 23).
Sobre a concepção de trabalho, a análise dos documentos pode demonstrar que
os programas analisados entendem haver uma fragmentação dos processos de
trabalho (mesmo não sendo de forma explícita nos documentos), no qual expressam
a necessidade de uma reorientação/transformação nos processos de trabalho. Os
programas de Residências se propõem nos seus PPPs a buscar
reorientar/transformar o processo de trabalho através de estratégias como a
interdisciplinaridade76 e a intersetorialidade na atenção à saúde.
Observou-se em 06 (seis) projetos a defesa da interdisciplinaridade na formação
como possibilidade para a superação à fragmentação presente na formação
profissional. Verifica-se essa enquanto estratégia importante, uma vez que

Em tempos de aprofundamento da hegemonia do projeto privatista, os


serviços de saúde são organizados com base no modelo gerencial e
assistencial, procedimento centrado, curativo, individual e hospitalocêntrico,
marcados por diversas formas de privatização, expressos na generalizada
terceirização e mercantilização da saúde (GUERRA; COSTA, 2017, p. 445).

Entende-se que a formação crítica interdisciplinar é um instrumento contra-


hegemônico necessário não para superar os projetos privatista e do SUS possível,
mas para ultrapassar a fragmentação existente no processo de trabalho. Para a
efetivação do SUS e do projeto de Reforma Sanitária, na construção de um projeto
pedagógico, os atores devem ter clareza sobre quais meios de resistência aos
ataques à consolidação da política pública de saúde serão necessários para articulá-
los no processo de formação, com vistas à defesa e consolidação do projeto de

76“O trabalho em equipe com vistas à interdisciplinaridade parte da perspectiva de que cada trabalho
de qualidade particular se insere em um processo de trabalho coletivo, no qual a articulação dos
diversos saberes que os conformam visa ampliar a resolutividade das ações em saúde desenvolvidas”
(CLOSS, 2012, p. 41)
103

Reforma Sanitária. A interdisciplinaridade pode ser um instrumento potencial para o


processo de trabalho na saúde, possibilitando a articulação profissional e ações
interligadas, contudo necessita superar a lógica posta pelo ideário neoliberal da
polivalência, flexibilização e racionalização.
Na análise realizada aos programas no perfil de Atenção Básica, observa-se
que tanto as Residências Multiprofissionais em Saúde da Família (RMSF) quanto a
RMSM entendem a necessidade da reorientação/transformação do processo de
trabalho, sendo a interdisciplinaridade estratégia de formação para a superação de
uma atuação fragmentada do processo de trabalho em saúde. Propõem um agir com
bases na integralidade77 e intersetorialidade, duas linhas de atuação embasadas nas
diretrizes da PNH do MS.

A integralidade na formação em RMS se expressa no processo de formação


em equipe diretamente nos serviços de saúde. Dessa forma, as experiências
formativas na RMS precisam ter como eixo a integração de saberes e práticas
entre os trabalhadores da saúde, de modo que sejam construídas
competências compartilhadas na formação em equipe, voltada para a
interdisciplinaridade (CLOSS, 2013, p. 41).

A RMSF da UFPE assinala no seu projeto sobre as transformações do mundo


do trabalho e, como as demais, afirma a necessidade de via da reorientação
profissional, para intervir num modelo de gestão da saúde que vise consolidar a
Política de Atenção Básica, conforme pode-se apreender no PPP:

A formação em saúde ainda é marcada pela fragmentação dos saberes em


campos profissionais promovendo a divisão social do trabalho e a dificuldade
do trabalhador de saúde em compreender seu papel de protagonista na
relação entre os serviços, seu processo de trabalho e as necessidades de
saúde da população, o que ameaça a integralidade do cuidado (UFPE, 2010,
p. 15).
[...] Demanda-se trabalhadores aptos a propor e intervir na assistência e na
gestão para que mudanças no campo da saúde consolidem o fortalecimento
da estratégia saúde da família (UFPE, 2010, p. 15).
[...] A proposta da RMSF / UFPE é convergente com os princípios da
reorientação da formação de profissionais e diretrizes do SUS e de
consolidação da Atenção Básica, promovendo não só o contato entre o
mundo do trabalho e a instituição de ensino, mas possibilitando mudanças no
modelo técnico-assistencial-educacional (UFPE, 2010, p. 16).

O programa de RMUET da UPE, perfil hospitalar, não traz reflexões


aprofundadas sobre a categoria trabalho. A perspectiva sobre o trabalho se apresenta

77A integralidade ancora-se na perspectiva de necessidades em saúde como conceito-chave para a


análise da materialização da Política de Saúde, em suas diferentes dimensões, de modo a efetivar o
conceito ampliado de saúde no cotidiano do SUS (CLOSS, 2012, p. 41).
104

apenas ao se expor as contribuições do programa, a qual visa “uma atuação


multiprofissional de forma interdisciplinar” (UPE, 2014, p. 7).
No perfil de Saúde Coletiva, a RMSC da Secretaria de Saúde do Município do
Recife/PE é a única que se diferencia dos demais programas ao não apresentar em
seu projeto a interdisciplinaridade. O programa se baseia na perspectiva do trabalho
multiprofissional, sendo desenvolvido a partir da educação permanente e pela troca
de saberes.
Diante das análises sobre a abordagem da concepção de trabalho nos
programas, entende-se que é fundamental estar explícito no PPP a compreensão
sobre o trabalho, pois, por ser tratada enquanto uma formação de trabalhadores/as
profissionais da saúde, deve-se posicionar de que tipo de trabalho o projeto se trata,
o seu significado e como ele pretende se efetivar. É primordial aqui explicar que

[...] os trabalhadores precisam conhecer a particularidade de cada trabalho,


reconhecendo o seu valor de uso em cada situação demandada pela
população. [...] trata-se, assim, de apreender as requisições que o processo
de qualificação do SUS coloca para o trabalho coletivo em saúde — em
especial na ênfase em dadas áreas do sistema, conforme a área de
concentração do programa — e também para o trabalho de cada profissão
(CLOSS, 2012, p. 41-42).

A concepção de educação nos PPP, como eixo de análise, aparece na relação


ensino-aprendizagem-serviço como um processo formativo e

[...] não ocorre em papel e nem em sala de aula; os pacientes não são
quadros fisiológicos ou patológicos do laboratório de aprendizagem ou
dispositivo de simulação; os serviços não são uma figura de abstração e nem
de contato esporádico como nas vivências e estágios da graduação. Se é
docente e se é aluno nas cenas da atenção, da gestão e da participação com
trabalhadores e usuários em: vivências de aflições, sensações, tomadas de
decisão, exercício de condutas e procedimentos, acolhimento ou não de
reações, detecção ou não de necessidades particulares e originais
(DALLEGRAVE, CECCIM, 2018, p. 879-880).

Dos sete programas analisados, seis apresentam a perspectiva da Educação


Permanente ou Educação Permanente em Saúde enquanto base da sua formação,
transversal a interdisciplinaridade. Seis programas também se fundamentam pela
perspectiva da educação popular, como veremos adiante.
No perfil Saúde Coletiva, apenas a RMSC da FIOCRUZ/PE não expressa a
perspectiva da Educação Permanente em Saúde no seu projeto. Mas, através do PPP
institucional da FIOCRUZ propõe uma educação baseada pela teoria de Paulo
105

Freire78. Esta pedagogia também é referência para a Educação Popular em Saúde 79


(EPS).

Os processos educativos da Fiocruz buscam construir e apoiar espaços de


emergência de sujeitos, comprometidos com as transformações no campo da
saúde coletiva, pela produção de reflexão crítica e de práticas desenvolvidas
nas diversas esferas da vida social e acadêmica. As metodologias
emancipadoras propostas por Paulo Freire tomam como ponto de partida o
saber e a experiência cultural do aprendiz — por meio de processos
dialógicos entre educador e educando — para a busca de conhecimentos que
lhe possibilitem comparar, criticar, superar e construir visões de mundo dos
projetos sociais e de uma saúde de natureza pública (FIOCRUZ, p. 23-24).

Os três programas de RMSF abordam a educação a partir da concepção de


Educação Permanente em Saúde, conforme a Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde80 (PNEPS-SUS), por via do trabalho interdisciplinar. Abordam
também base na perspectiva da Educação Popular em Saúde.
As Residências Multiprofissionais em Saúde da Família da UPE e da SESSAU
Recife/PE colocam, de forma distinta, a flexibilidade enquanto parte do processo
formativo. A RMSF da UPE apresenta que:

a proposta da RMISF é de trabalhar um currículo centrado na necessidade


do residente, mantendo-se dessa forma a flexibilidade da composição das
atividades práticas e possibilitando um melhor aproveitamento do tempo de
estágio e da formação das competências específicas de cada profissão na
atenção primária (UPE, 2010, p. 16).

A proposta da RMSF UPE se modifica de acordo com as necessidades de


formação do residente, havendo mudanças nos campos de prática de acordo com as
suas necessidades. Essa proposta de flexibilizar o campo de prática da formação não
demonstra se apresentar enquanto uma pactuação à perspectiva flexibilização do
trabalho, mas sim que parte da perspectiva de atender às ausências na formação do

78 Cf. FREIRE (2005). Para o educador Paulo Freire, toda educação é política. Não existe neutralidade.
79 A Educação Popular em Saúde faz parte das propostas educativas da Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde, sendo considerada uma “prática voltada para a promoção, a proteção e a
recuperação da saúde a partir do diálogo entre a diversidade de saberes, valorizando os saberes
populares, a ancestralidade, a produção de conhecimentos e a inserção destes no SUS.[...] As práticas
e as metodologias da Educação Popular em Saúde (EPS) possibilitam o encontro entre trabalhadores
e usuários, entre as equipes de saúde e os espaços das práticas populares de cuidado, entre o
cotidiano dos conselhos e dos movimentos populares, ressignificando saberes e práticas” (BRASIL,
2009b, p. 01).
80 Segundo Fernandes (2016, p. 99), “Entre outras providências, essa política considera o caráter

orgânico entre “ensino e as ações e serviços”, a ‘docência e a atenção à saúde’ nas relações que
ocorrem entre a formação e a gestão social; e a agregação entre aprendizado e reflexão crítica sobre
o trabalho e resolutividade das ações em saúde se colocam como condições para a instituição da
educação permanente no SUS”.
106

residente de determinada profissão, modificando a formação em residência para


superar as dificuldades práticas profissionais.
Contrariamente a essa perspectiva adotada pela RMSF UPE, a RMSF da
Secretaria de Saúde do Recife/PE apresenta a flexibilidade enquanto necessidade
advinda do mundo contemporâneo.

A residência contempla a perspectiva de mudança de paradigmas. Este


contexto requer flexibilidade, subjetividade e diversidade. A educação deve
ser voltada para o relacionamento entre pessoas como condição e garantia
da solidariedade intelectual e moral da humanidade, ao mesmo tempo em
que, vincula-se ao grupo, respeita-se a peculiaridade de cada aluno/indivíduo
e suas diferenças, e com isso estimula-se a reflexão e a autonomia do
pensamento e da prática (RECIFE, 2016, p. 12).

A adoção dessa perspectiva de flexibilidade enquanto requisito da sociedade


(capitalista) evidencia a tendência à pactuação a essa requisição contemporânea ao
trabalhador, sendo, assim, a perspectiva educativa do programa contendo traços que
possibilitam o atendimento às requisições contemporâneas do capital à política de
saúde.
Na análise do campo da Saúde Mental, a RMSM UPE apresenta a concepção
de educação enquanto fortalecimento do processo de trabalho voltada à população
específica dessa formação e para a transformação necessária para a consolidação de
práticas que superem as antigas práticas do modelo psiquiátrico-manicomial.
Na análise do perfil hospitalar, a RMUET HGV/UPE (2014) traz a perspectiva
de educação centrada no desenvolvimento do profissional através de uma “práxis da
aprendizagem, objetivando, desse modo, diminuir as distâncias estabelecidas entre
os processos de aprendizagem teóricos e práticos na relação com os sujeitos” (UPE,
2014, p. 28). Entende-se que essa concepção de educação pouco explicita sobre a
sua abordagem, pode tanto atender à formação exigida pela sociabilidade do capital,
através do desenvolvimento de competências para o trabalho dentro dos padrões da
restruturação produtiva, assim como pode atender à perspectiva do trabalho que visa
ao desenvolvimento crítico-reflexivo que possibilite instrumentalizar o trabalhador a se
aliar a outras abordagens e perspectivas que busquem ultrapassar o modelo
hegemônico.
Na análise dos Projetos Político-pedagógicos, salienta-se que apenas o projeto
pedagógico da RMSC da Secretaria de Saúde do Recife/PE apresenta a proposta de
uso da Educação a Distância (EAD), em caráter complementar enquanto estratégia
pedagógica, com vistas a “potencializar ações já existentes na Secretaria de Saúde
107

do Recife, como a articulação do Telessaúde Recife para desenvolvimento de


atividades de educação a distância” (RECIFE, 2014, p.07). Entende-se que o ensino
EAD, enquanto parte da busca pela flexibilização da educação, precisa ser pensado
de forma crítica, pois esta modalidade, parte da estratégia de mercantilização da
educação, tem tendências precárias para a formação profissional81.
A análise entre as concepções de saúde, trabalho e educação dos PPPs
demonstrou que há uma tendência conjunta de defesa de transformar o aprendizado
médico-centrado de atenção à saúde (em seus diversos níveis) para uma práxis
centrada nas necessidades reais da população e no trabalho multi e interdisciplinar
pela defesa do SUS.
Paradoxalmente, ainda se percebe raras alusões à pedagogia histórico-crítica,
o que
Envolve a necessidade de se compreender a educação no seu
desenvolvimento histórico-objetivo e, por consequência, a possibilidade de se
articular uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo
compromisso, seja a transformação da sociedade e não sua manutenção, a
sua perpetuação. Esse é o sentido básico da expressão pedagogia histórico-
crítica. Seus pressupostos, portanto, são os da concepção dialética da
história (SAVIANI, 2011, p. 80).

Vale aqui ressaltar que Boschetti (2015, p. 648) afirma que “a teoria é o real
captado pelo pensamento (o concreto pensado), que busca explicar os fenômenos da
realidade em uma perspectiva de totalidade. A teoria pode subsidiar a ação
profissional e/ou política na transformação do real, por isso é uma mediação para a
ação [...]”. Entendemos que para romper com as práticas conservadoras presentes na
relação trabalho-educação-saúde é fundamental

[...] recusar a formação aligeirada, acrítica e tecnicista e defender a formação


na perspectiva de totalidade sem nenhuma concessão ao possibilismo e ao
reformismo. Exige recusar os modismos tecnicistas e pragmáticos na
formação e no trabalho profissional e defender firmemente o trabalho como
espaço de fortalecimento dos direitos da classe trabalhadora, direitos
entendidos como mediação para acumular forças, para fortalecer as lutas
universais pela libertação das relações mercantis (BOSCHETTI, 2015, p. 649-
650).

81Indica-se a leitura da coletânea Educação a Distância (EaD) — Reflexões críticas e Práticas de


Pereira, Morais e Teruya (org.) (2017). Disponível em:
<https://www.ead.unb.br/arquivos/livros/ead_reflexoes_critica_praticas.pdf>. Acesso em: 12 de Maio
de 2020.
108

Ao não aprofundarmos criticamente a concepção de trabalho, educação e


saúde instituída pelo capital, ficamos passíveis de não entendemos os impactos
ocorridos no mundo do trabalho mediante o avanço do projeto neoliberal — podendo
até corroborar para a sua manutenção.

3.2.2.3 Tendências da Gestão dos Projetos Político-pedagógicos

A análise dos sete projetos evidencia distintas formas de conceber gestão da


formação nas Residências Multiprofissionais. A partir dessas análises, percebemos
que há duas tendências norteando a gestão dos programas de Residência
Multiprofissionais: a gestão participativa e democrática (baseada na educação contra-
hegemônica) e a gestão hierárquica (que pode expressar um conservadorismo
acadêmico que corrobora para um modelo de educação hegemônica).
Pontua-se que os programas de Residência Multiprofissional, no decorrer do
seu Projeto Político-Pedagógico (PPP), trata sobre a gestão a partir dessas duas
tendências de três formas:
• Gestão participativa (explícito no projeto): três programas demonstram
explicitamente a participação de todos os envolvidos na formação;
• Gestão participativa (não explícito no projeto): os dois projetos de Saúde
Coletiva trazem elementos que demonstram uma gestão democrática
(“democratização” e “diálogo aberto”);
• Gestão Hierárquica: dois programas não mencionam uma gestão
participativa, mencionando apenas coordenadores, tutores, preceptores e
corpo docente no espaço deliberativo do programa (Núcleo Docente-
Assistencial Estruturante), sendo um de saúde da família e um de perfil
hospitalar.
Dos programas relacionados ao perfil Atenção Básica, apenas a RMSF da
Secretaria de Saúde do Recife não traz em seu projeto a participação dos/as
residentes na construção e gestão do PPP, sendo constituído por representantes da
coordenação, preceptoria, tutoria e corpo docente, o que compromete o caráter
democrático da formação. Ao não trazer o/a residente como parte do processo de
construção do programa, traz elementos de uma Gestão Hierárquica, indo na
contramão a participação social.
109

A Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF) da UPE trouxe


uma gestão participativa com todos os atores diretos da formação no programa de
residência (coordenadores, tutores, preceptores e residentes), e renova ao
implementar a construção de um Conselho Gestor que reúne representações de
diversos segmentos para a política de saúde.

O Conselho Gestor reúne-se mensalmente e é composto por representações


das coordenações, dos preceptores, dos tutores, dos residentes e da gestão
municipal, através das Diretorias de Gestão do Trabalho, de Atenção à Saúde
e dos Distritos Sanitários II e III. Para o ano de 2010, sugere-se a inclusão de
um representante do Conselho Municipal de Saúde (UPE, 2010, p. 9).

O programa de RMSF da UFPE, baseado no trabalho interdisciplinar, traz um


colegiado amplo, sendo:

[...] composto por nove membros natos e indicados pelos seus


representantes, para a vaga de titular e suplente, discriminados: 1-
Coordenador(a); 1- Gestão da rede (PCR); 1- Residente R1; 1- Residente R2;
1- Preceptoria R1; 1- preceptoria R2; 1- Docente da Comissão Pedagógica;
1 - Docente da Comissão Cientifica; 1- Docente da Comissão de Integração
Ensino-serviço (UFPE, 2010, p. 29).

O programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental da UPE aponta


que sua constituição abrange uma ampla participação de especialidades da área da
saúde e seu projeto “prevê a integração das mesmas em seu projeto político-
pedagógico, seja nos momentos de construção dos conhecimentos teóricos, seja nos
momentos de vivência nos serviços” (UPE, 2013, p. 6), demonstrando uma gestão
participativa dos envolvidos no processo de formação e dos residentes em formação.
Os programas do perfil de Saúde Coletiva adotam a participação ampla dos
envolvidos na formação. O projeto do programa de Residência Multiprofissional em
Saúde Coletiva da FIOCRUZ/PE referencia o Núcleo Docente-Assistencial
Estruturante apenas com a participação de tutores, preceptores e coordenadores, não
havendo especificação sobre a participação do Residente. Contudo, no PPP
institucional da FIOCRUZ, em seus princípios filosóficos e metodológicos, que dão
base as suas práticas educacionais, apresenta:

[...] Participação, democratização, colaboração, interdisciplinaridade,


disseminação de conhecimentos enquanto conceitos ancorados na pesquisa
produtora de conhecimentos, na cooperação e na absorção de novas
tecnologias em parcerias, redes e outras práticas colaborativas e
renovadoras, que possibilitam a capilarização e ampliação da oferta e dos
resultados, ao tempo em que integram diferentes culturas de formação e
formatação de programas com horizontalidade e alcance nacional e
internacional (p. 21).
110

A Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva da Secretaria de Saúde do


Recife também não faz referência à participação de residentes, apenas do corpo
docente, preceptores, tutores e coordenadores. Contudo, em sua construção, traz
alguns elementos que podem trazer a participação do residente e de outros atores no
processo de planificação.

[...] essa Residência foi concebida na tentativa de manter um diálogo aberto


entre ensino, serviços e comunidade, propiciar ao profissional de saúde
(residente) o desenvolvimento de reflexões sobre o fazer em saúde a partir
de seus diferentes lugares de inserção, sejam nos espaços de formação
acadêmica, espaços de gestão, especialmente, no interior dos serviços de
saúde, e produzir ressonâncias junto a profissionais de outras equipes de
saúde, especialmente vinculadas à AB, para que se aproximem da
construção coletiva de um fazer implicado (p. 5). Ainda, considerando o
momento atual do SUS no município, marcado pela retomada da estratégia
de construção e organização do SUS por meio de distritos sanitários,
compreendidos como a menor unidade de território ou de população, a ser
apropriada para o processo de planejamento e gestão [...] (RECIFE, 2014, p.
6).

Em relação ao perfil hospitalar, o programa de Residência Multiprofissional em


Urgência, Emergência e Trauma da UPE foi o único a não explicitar a forma de sua
gestão no projeto a partir do Núcleo Docente-Assistencial Estruturante ou de outra
forma de gestão. Contudo, afirmam no decorrer do documento que “este Programa de
Residência busca proporcionar uma educação profissional que integre os campos da
gestão e da assistência, considerando a rede de atenção à saúde articulada a uma
reflexão ético-humanística” (UPE, 2014, p. 7), no qual pode-se entender a participação
no processo de gestão do programa.
Os PPPs dos programas, baseados pela perspectiva da Reforma Sanitária
brasileira, precisam deixar explícito o fortalecimento de práticas democráticas e
populares. Ou seja, os programas de Residência Multiprofissionais precisam
incorporar a participação de todos que fazem parte da formação, desde residentes
aos preceptores de campo e de núcleo, tutores, coordenadores, serviços dos campos
de prática, abrindo espaço também para a participação da população a ser assistida.
Uma gestão hierárquica, sem a participação democrática de todos esses agentes,
torna-se burocrática e tecnicista, apenas reforçando um modelo de formação
ultrapassado e conservador.
111

3.2.2.4 Perfil do Egresso nos Programas de Residência Multiprofissional

Como discutido no segundo capítulo deste estudo, sabe-se que as Residências


Multiprofissionais em Saúde têm como objetivo principal a reorientação da intervenção
de profissionais de saúde no SUS, baseado nos princípios e diretrizes que o norteiam,
com fins a uma intervenção qualificada para as necessidades da população. Também
deve buscar a superação com a hegemonia médico-centrada, tecnicista e
fragmentada. A finalidade dos egressos de cada programa proposto deve ter como
base, além da reorientação do trabalhador, a particularidade em que estão inscritos.
Dos perfis de egressos dos Programas de Residência Multiprofissional em
Saúde analisados nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP), cada especialização
delineia suas finalidades de acordo com as necessidades em saúde locorregional,
conforme exposto no Quadro 6.

Quadro 6 – Programa de Residência Multiprofissional em Saúde, segundo a


Finalidade e Perfil do Egresso, Recife/PE. 2020.

FINALIDADE E PERFIL DO EGRESSO DOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL – 2020


O perfil do profissional a ser formado foi definido inicialmente em oficina conjunta entre
secretaria de saúde e universidade, porém está em contínuo processo de construção, sendo
desenhado à medida que são desenvolvidos protocolos de ações para cada profissão e para o
RESIDÊNCIA
funcionamento dos NASF. A articulação de profissionais das especialidades médicas, de
MULTIPROFISSIONAL
enfermagem, odontologia e das demais profissões é um desafio permanente, superando uma
EM SAÚDE DA FAMÍLIA
possível hegemonia da saúde coletiva presente nos primeiros cursos de especialização em
– UPE
saúde da família, na perspectiva de construir uma abordagem integral do paciente, da família e
da comunidade, referenciado na clínica ampliada, no apoio matricial e na integralidade (UPE,
2010, p. 8).
Espera-se que o profissional egresso deste programa apresente competências para atuar no
âmbito da Atenção Básica, seja ele componente da equipe na Estratégia de Saúde da Família
(Cirurgião Dentista e Enfermeiro) ou do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Assistente Social,
Farmacêutico, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Nutricionista, Profissional de Educação Física,
Psicólogo, Sanitarista e Terapeuta Ocupacional). As atividades de reflexão teórica e de vivência
RESIDÊNCIA
prática facilitarão no profissional egresso da RMSF / UFPE competência para: Trabalhar em
MULTIPROFISSIONAL
equipes na perspectiva da interdisciplinaridade e da ética; Planejar e intervir nos problemas de
EM SAÚDE DA FAMÍLIA
saúde, com uma visão da clínica ampliada e das necessidades dos usuários, compreendidas e
– UFPE
situadas no território em que vivem; Articular a atenção em rede transitando entre os níveis de
cuidado e gerenciais de modo que a integralidade, resolutividade e eficiência beneficiem e
estejam a serviço da população; Sistematizar, produzir e compartilhar conhecimentos a partir
do mundo do trabalho e da investigação científica, resultando em atualização profissional,
qualidade de serviços e na circulação do saber (UFPE, 2010, p. 17).
RESIDÊNCIA [...] a proposta de realização deste processo de formação, na modalidade Residência
MULTIPROFISSIONAL Multiprofissional, foi resultado das iniciativas da Coordenação da referida política, no Recife,
EM SAÚDE DA FAMÍLIA junto à Gerência da Atenção Básica (NASF/GAB/SESAU), mediante o reconhecimento da
112

– SESAU Recife/PE necessidade de produzir, cada vez mais, processos formativos e espaços de educação
(COREMU IMIP) permanente em saúde que possibilitem a formação e qualificação profissional, tendo como
horizonte a melhoria das práticas de cuidado junto aos usuários, familiares e comunidades. A
ideia de implantar esse curso, então, surge da necessidade de contribuir com as produções
cotidianas de diferentes atores/atrizes envolvidos/as na Atenção Básica, na tentativa de manter
um diálogo aberto entre ensino, serviços e comunidade, além de propiciar ao profissional de
saúde (residente) o desenvolvimento de reflexões sobre o fazer em saúde a partir de seus
diferentes lugares de inserção, sejam nos espaços de formação acadêmica, sejam nos espaços
de gestão, e, especialmente, no interior dos serviços de saúde (RECIFE, 2016, p. 10).
[...] As atividades de reflexão teórica e de vivência prática promoverão ao profissional egresso
da RMSF competências e habilidades para: a) Atuar de maneira humanizada, com capacidade
crítica-reflexiva, norteada pelos princípios éticos e legais; b) avaliar, planejar e intervir,
considerando o processo saúde-doença e seus respectivos condicionantes e determinantes; c)
identificar as necessidades de saúde da família e de seus componentes nas diversas fases de
seu ciclo vital, além de compreender as singularidades de cada sujeito; d) realizar escuta
qualificada das necessidades dos usuários em todos os âmbitos, proporcionando atendimento
humanizado e a construção do vínculo; e) realizar o trabalho em equipes multiprofissionais na
perspectiva da interdisciplinaridade e intersetorialidade, identificando e mobilizando parceiros
no território adscrito; f) compreender os princípios básicos da gestão em saúde: planejamento,
monitoramento e avaliação; g) desenvolver pesquisas e produzir conhecimento, com ética e
responsabilidade social, dentre outras (RECIFE, 2016, p. 18)
Acreditamos que a ousadia desse Programa pode provocar impacto nos serviços, com o
fortalecimento advindo de reflexões que, certamente, serão disparadas no cotidiano, bem como
na instituição formadora envolvida, provocando aproximação e também reflexões, à medida que
as atividades serão propostas de forma integrada (RMSM UPE, 2013, p. 6); [...] desde o final
de 2009, é notória a tomada de decisão política de enfrentar tal paradoxo e efetivamente
RESIDÊNCIA assumir o compromisso com o fortalecimento da rede de serviços substitutivos à referência
MULTIPROFISSIONAL manicomial (RMSM UPE, 2013, p. 9) [...] Tal movimento aponta para a necessidade de mobilizar
EM SAÚDE MENTAL – os municípios para construção e consolidação das redes de saúde mental municipais, tanto
UPE para o acolhimento dos usuários que estão sendo desinstitucionalizados como para interromper
o processo de novas institucionalizações (UPE, 2013, p. 9). [...] o presente projeto pode ser
percebido como resultado desse momento de efervescência do movimento de
desinstitucionalização no estado de Pernambuco, que reacendeu os princípios da Reforma
Psiquiátrica e nos convida cotidianamente a construir estratégias para consolidação da mesma
(UPE, 2013, p. 9).
A proposta da residência visa garantir uma formação humanista do profissional residente
RESIDÊNCIA
considerando o amplo contexto do processo saúde-doença-intervenção em que o sujeito se
MULTIPROFISSIONAL
apresenta (UPE, 2014, p. 8). [...] A Residência Multiprofissional em Urgência, Emergência e
EM URGÊNCIA,
Trauma propõe formar profissionais de saúde, por meio da educação em serviço, para atuar em
EMERGÊNCIA E
equipe interdisciplinar na assistência hospitalar em diferentes níveis de atenção e gestão do
TRAUMA DO HGV/UPE
SUS, de acordo com os princípios e diretrizes propostos pelo SUS. (UPE, 2014, p. 7)
RESIDÊNCIA Profissional crítico e reflexivo, com comprometimento ético, político e social, e conhecimento
MULTIPROFISSIONAL técnico-científico, capaz de atuar na gestão do Sistema Único de Saúde, formulação e análise
EM SAÚDE COLETIVA – de políticas públicas e de programas em saúde, na Vigilância à Saúde, Promoção da Saúde e
FIOCRUZ/PE na articulação intersetorial (FIOCRUZ, 2013, p. 48)
RESIDÊNCIA
O programa de residência se implantará num momento propício ao aprendizado, mas também
MULTIPROFISSIONAL
como um mecanismo de fortalecimento dos distritos sanitários, no que diz respeito à
EM SAÚDE COLETIVA –
implementação das ações de educação permanente para a qualificação dos profissionais da
SESAU Recife/PE
rede enquanto preceptores e tutores (RECIFE, 2014, p. 6);
(COREMU IMIP)
113

[...] O profissional egresso da Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva da SESAU-Recife


é um especialista em saúde coletiva com formação generalista, humanista, crítica, reflexiva e
ética, com as seguintes competências: Desempenhar em equipe atividades do campo da saúde
coletiva em todos os níveis de gestão e atenção à saúde; Dominar conhecimentos técnicos
voltados para ações de prevenção de doenças, proteção, recuperação e promoção da saúde,
bem como de ferramentas tecnológicas que deem agilidade ao serviço; Contribuir em equipe
para a definição de agendas prioritárias, e o planejamento, formulação, implementação,
monitoramento e avaliação de intervenções em saúde. (RECIFE, 2014, p. 67)

Fonte: O autor (2020).

Conforme pode ser observado no Quadro 6, os programas demonstram


diversas finalidades de acordo com seus perfis e especificidade de sua formação.
Contudo, compreende-se que tais finalidades buscam sempre trazer o
desenvolvimento de práticas e competências que estimulem o desenvolvimento de
pesquisas nos serviços e trabalho em equipe, reafirmando seus princípios e diretrizes
do SUS.
A análise dos PPPs demonstrou que os cursos de formação defendem um
egresso qualificado para atuar em uma abordagem integral de atenção à saúde do
usuário mediado pela família e comunidade; desenvolvimento de competências que
favoreçam o trabalho multiprofissional e interdisciplinar, a intersetorialidade e o
trabalho em rede; e a qualificação dos serviços ofertados à população.
O programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental da UPE, além
de trazer as finalidades parecidas aos dos programas de Saúde da Família, busca
impactar os serviços no intuito de consolidar os princípios da Reforma Psiquiátrica.
Busca também a integração entre formação e serviço, o fortalecimento da rede de
serviços de saúde mental antimanicomial e o estímulo a estratégias para sua
consolidação.
Sobre o perfil hospitalar, a Residência Multiprofissional em Urgência,
Emergência e Trauma da UPE apresenta uma finalidade mais generalista, com vista
a garantir uma proposta de formação humanista, interdisciplinar e de manutenção dos
princípios e diretrizes do SUS. Contudo, não detalha as bases dessa formação
humanista.
As duas Residências em Saúde Coletiva analisadas se assemelham ao ter
como finalidade uma formação crítica/reflexiva nos processos de gestão de políticas
públicas, o fortalecimento dos serviços de saúde e o estímulo à educação permanente
dos profissionais da rede e o trabalho intersetorial. Trazem uma série de competências
114

a serem adquiridas a partir da sua formação, defendendo a consolidação do Sistema


Único de Saúde.
Na análise dos programas de Residência Multiprofissionais do Recife/PE,
percebe-se que suas finalidades têm em comum o objetivo de reorientar/transformar
a assistência e os serviços que compõem a Rede de Atenção à Saúde. Evidencia-se
também uma tendência à consolidação e defesa do Sistema Único de Saúde, por
novas práticas que possibilitem o seu desenvolvimento e que atendam às
necessidades sociais em saúde.

3.2.2.5 As tendências para a formação nos Programas de Residência


Multiprofissional em Saúde do Recife/PE

A partir dos eixos analíticos, conseguimos observar que as Residências


Multiprofissionais em Saúde no Recife/PE têm apontado para uma formação
progressista, pautada na defesa do Sistema Único de Saúde e na qualificação dos
profissionais de nível superior que o compõe.
Contudo, a análise também possibilita apontar contradições que se contrapõem
a proposta de formação baseada pela Reforma Sanitária brasileira e pelos princípios
e diretrizes do SUS. Destacamos, resumidamente, algumas dessas tendências que
se encontram nos Projetos Político-Pedagógicos, o qual são consideradas
contrafluxos a proposta progressista de qualificação para o SUS:
• pouca evidência quanto a defesa de um determinado projeto societário que
aponte para um direcionamento social estratégico em saúde;
• poucas alusões das bases teórico-metodológicas na construção do projeto, o
que impede compreender as bases pedagógicas que darão seguimento a
formação dos profissionais;
• frágil entendimento sobre as relações de conflito entre capital e trabalho e ao
processo de intensificação da exploração do trabalho;
• a falta explícita da gestão democrática e participativa – estando de forma
evidente apenas em dois dos sete programas.
As bases de criação dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde
estão ancoradas a proposta ideopolítica neodesenvolvimentista do período do
governo Petista (2002-2016), baseada na conciliação de classes, sendo no campo da
saúde a criação do projeto do SUS possível que visou tanto atender a demandas da
115

população brasileira e ao desenvolvimento de ações que compactuavam com a


Reforma Sanitária, quanto também a beneficiar a privatização da saúde e da parceria
público-privado.
Percebe-se na análise dos eixos que os programas de Residência
Multiprofissional em Saúde do Recife/PE estão mais voltados para a concepção do
projeto do SUS possível, sendo poucos os programas que de fato atendem ao projeto
ideopolítico da reforma sanitária.
No atual contexto de intensificação da contrarreforma na saúde, faz-se urgente
apreendemos que “na nossa sociedade capitalista, desigual, injusta e iníqua, para
pensar saúde e doença, têm-se que assumir as contradições geradas pelas
desigualdades econômicas, políticas, sociais e ideológicas, que se expressam nas
concepções e práticas de saúde e doença” (MINAYO, 1997, p. 34). Assim, nessa
sociedade contraditória, a defesa dos princípios e diretrizes do SUS deve buscar
ampliar a luta pela materialização de novas diretrizes políticas que de fato atendam
as reais necessidades sociais de saúde, que reduzam as iniquidades em saúde
(desigualdades em saúde evitáveis, injustas e desnecessárias), que aumentem a
participação da população usuária e o controle social.
As Residências Multiprofissionais são uma potência para quebrar com a lógica
médico centrada e para remodelar as ações e intervenções no SUS. Contudo, faz-se
urgente colocar evidente a proposta ideopolítica de luta contra as formas de
privatização da saúde e pelos ideais progressistas de uma saúde pública, coletiva,
gratuita e de qualidade. Para tanto, as propostas pedagógicas da formação devem
estar alinhadas ao campo da racionalidade social crítica e do materialismo histórico-
dialético, apreendendo o real através da compreensão das múltiplas contradições
inerentes da sociabilidade capitalista, quebrando com a corrente da racionalidade
técnico-burocrática e biologista da saúde.
116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo nos propusemos a investigar os Projetos Políticos-Pedagógicos


dos Programas de Residência Multiprofissional em Saúde, cujo formato de curso Lato
Sensu foi instituído em 2005. A partir da análise dos projetos das Residências
Multiprofissionais do Recife/PE, demonstrou-se uma tendência a ampla defesa do
SUS e busca pela consolidação dos seus princípios e diretrizes. Contudo, também
demonstrou contrassensos que necessitam ser repensados no decorrer da
consolidação dos cursos.
A proposta de especialização profissional no modelo de Residência
Multiprofissional tem a potencialidade de qualificar profissionais capacitados/as a
intervir na realidade social brasileira no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS),
pois viabiliza uma práxis formativa que dialoga com a particularidade da realidade
regional, intermediada pela reflexão crítica das determinações sociais do processo
saúde-doença e por uma intervenção guiada para a modificação dessa realidade.
Apesar das suas potencialidades, o estudo corroborou para compreender as
contradições existentes na proposta formativa dos Programas de Residência
Multiprofissional. Aponta-se, principalmente a partir das denúncias realizadas por
residentes, o não reconhecimento dos direitos trabalhistas, sendo apenas garantidos
aqueles referentes aos direitos previdenciários (auxílio doença e maternidade), o que
pode acarretar ao trabalhador da saúde, que está em processo formativo, as mais
diversas formas de exploração do trabalho existentes na sociedade capitalista.
Ilustramos, a título de exemplo, a impossibilidade ao abono da carga horária prática
por motivo de adoecimento, mesmo atestado por profissional médico ou cirurgião-
odontólogo, o que deve repor integralmente na carga horária prática; a extensa carga
horária semanal de 60 (sessenta) horas, em que por vezes é realizada integralmente
imerso no campo prático; a falta de participação do/a residente na construção do
Projeto Político-Pedagógico e na gestão do programa de Residência, o que pode
acarretar no apassivamento do trabalhador na instituição de saúde — naturalizando a
sua não participação nas decisões institucionais e no campo do controle social.
O estudo corroborou para compreendermos as tendências intrínsecas a essa
proposta formativa, principalmente no âmbito ideopolítico-pedagógico. A partir das
análises realizadas, compreende-se que os programas de Residência
Multiprofissionais do Recife/PE, em seus projetos, contrapõem-se ao modelo privatista
117

da saúde. Contudo, percebe-se que alguns dos programas tendem ao reforço do


projeto do SUS possível ao não se quebrar as barreiras institucionais, ao não
problematizar o cenário de desmonte do SUS e ao não se posicionarem pelo
desenvolvimento e luta pela Reforma Sanitária e a busca pela superação da ordem
vigente.
É necessário e urgente pensar uma formação em saúde para além da
institucionalidade do sistema de saúde. Uma formação embasada numa concepção
de saúde como democracia, defendida pelo sanitarista Sergio Arouca em seu discurso
de abertura na 8ª Conferência Nacional de Saúde (8ª CNS).
Os projetos dos Programas de Residência também devem buscar ultrapassar
a lógica de exploração do trabalho de residentes para seguir uma concepção
pedagógica contra-hegemônica que coloca a Educação a serviço da construção da
emancipação humana, que apreenda a determinações sociais do processo saúde-
doença e a racionalidade crítica.
A interlocução entre os saberes possibilita um conhecimento coletivo em saúde
e uma melhor prestação de atenção à saúde da população. Notamos, tanto na análise
dos dados quanto na vivência nos programas de Residências, a necessidade da
ampliação (ou até mesmo criação) de espaços de diálogo entre as diversas
especialidades dos programas de residências — uni, multiprofissionais e médicas —,
com a finalidade de permitir a desfragmentação dos saberes, promovendo uma
interlocução entre as áreas de conhecimento em processo de especialização e
promovendo o fortalecimento das equipes multiprofissionais em saúde. As
Residências necessitam reforçar e promover esses espaços coletivos — que podem
ser caracterizados como espaços de pesquisas, círculos de estudos, clínica ampliada,
entre outros — que possibilitem uma formação em saúde horizontal, interdisciplinar,
participativa e democrática, buscando suprimir a exclusividade de uma categoria
profissional, um campo do saber individualizado e hierarquizado bem como um
monopólio na produção do conhecimento.
Frente ao atual contexto de ultra desmonte das políticas sociais, iniciado nas
medidas políticas implementadas no golpe de Estado encabeçado pelo governo do
presidente Michel Temer, desde 2016, aponta-se tendências de aprofundamento dos
ataques ao Estado Democrático de Direito, principalmente a partir do governo de
extrema-direita de Jair Bolsonaro (sem partido), trazendo ameaças diretas para a
consolidação do SUS e de possibilidades emancipatórias para a sociedade.
118

Os Programas de Residência Multiprofissionais precisam se articular aos


movimentos sociais, à luta pelas mudanças sociais e ao princípio da participação
social. A gestão dos programas precisa incentivar a participação ampla dos/as
residentes e demais sujeitos políticos nos espaços de controle social, como proposto
pela Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade de
Pernambuco, no Fórum Nacional de Residentes — espaço representativo da
categoria —, no Fórum Nacional contra a Privatização da Saúde e nos demais
movimentos coletivos de luta em defesa da saúde.
Precisa-se colocar em pauta a luta pela defesa da formação no sistema público
de saúde (combatendo as formas de mercantilização dessa formação nos setores
privados) e defesa da ampliação das equipes de saúde, construindo coletivamente
formas de inserir os profissionais qualificados nos serviços de saúde pública,
priorizando-os para a ocupação de vagas em concursos e seleções públicas.
No momento em que este estudo se conclui, o mundo passa por um momento
histórico marcado pela pandemia do vírus COVID-19, popularmente conhecido como
novo Corona vírus, uma pandemia que se alastra e vivencia-se um cenário de
catástrofe sem precedentes na história da saúde pública internacional.
O isolamento social foi a medida mais eficaz para a diminuição das tendências
de alastramento do vírus, enquanto cientificamente ainda se busca a cura para essa
doença e melhores formas de tratamento. Os países de capitalismo central, diante da
calamidade pública ocasionada pela manifestação do vírus, começam a seguir as
recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Instaura-se mundialmente
uma crise sanitária com desdobramento para uma crise econômica.
No Brasil, os governantes dos entes federativos vêm colaborando com as
medidas de isolamento social. Contudo, enfrenta-se o discurso ultraconservador do
Presidente da República, Jair Bolsonaro, na contramão de todos os órgãos mundiais
de saúde, que solicitam o isolamento social para frear o aumento do número de casos
do vírus. Com o discurso de desdém à doença e às mortes que ocorrem em todo o
país, o isolamento social se torna um desafio aos Governos Estaduais que decretam
a permeabilidade da medida de isolamento social, contudo, pelos discursos
contraditórios do Presidente da República, acarretam na relativização de parte da
população quanto à ameaça trazida pelo vírus.
O relaxamento e descumprimento das medidas de isolamento social vêm
acarretando o progressivo colapso dos serviços dos sistemas locais de saúde, os
119

quais não conseguem atender à população em sua totalidade, já havendo protocolos


para elegibilidade de quem vai ter acesso aos equipamentos de respiradores —
principal arma para a manutenção da vida diante do agravamento da Síndrome
Respiratória Aguda Grave acarretada pelo COVID-19, que comprovou a necessidade
urgentemente de ampliar e melhor equipar os serviços do SUS.
Observa-se nesse período no país a criação de diversos hospitais de
campanha, ampliação de leitos, compra de materiais em larga escala e a contratação
em massa de profissionais de saúde — o que pode ainda não ser suficiente diante da
demanda de casos que ascendem rapidamente no país (principalmente pelo
arrefecimento do isolamento social provocado pelos discursos do atual Presidente da
República).
O investimento que tem sido feito para a área da saúde tem demonstrado que
há recursos para investirmos na saúde pública brasileira. Há possibilidades de realizar
o atendimento às necessidades sociais no campo da saúde. Contudo, o grande
repasse dos recursos públicos para as instituições privadas, enquanto parte da lógica
dada ao Estado neoliberal de acumulação flexível do capital, acarreta o desmonte das
políticas e direitos sociais.
Nesse interim, os Programas de Residência (aqui me refiro a todos)
permanecem com seus estudantes-profissionais inseridos no “campo de batalha”
(como tem se referido muitos jornais de âmbito nacional), intervindo conjuntamente
aos demais trabalhadores de saúde que estão na “linha de frente”.
Reflete-se que nesse momento delicado de extrema necessidade de todos os
profissionais de saúde, trata-se os/as residentes enquanto parte desses profissionais
que necessitam estar imersos no combate à pandemia do COVID-19 e às demais
demandas e necessidades de saúde da população. Salienta-se que em 27 de março
de 2020 foi criado pela Portaria n° 580 do Ministério da Saúde o incentivo para os/as
residentes que estiverem fazendo parte dessa “linha de frente”, no qual “O Ministério
da Saúde pagará diretamente aos profissionais de saúde residentes, a título de
bonificação, o valor mensal de R$ 667,00 (seiscentos e sessenta e sete reais), pelo
prazo de seis meses” (BRASIL, 2020).
Acompanhando residentes em suas rotinas nesse período, observamos que
muitos têm adoecido com diagnóstico positivo para Covid-19, sendo colocada pelas
coordenações a possibilidade de recomposição de carga-horária. Isso demonstra que
as residências também são inseridas nos espaços de trabalho como parte dos
120

recursos humanos que compõem os serviços de saúde — sendo uma via precária de
trabalho.
Faz-se importante a luta pelo reconhecimento dos direitos integrais relativos ao
trabalho dos/das residentes, sem perder o caráter formativo do processo de
especialização no trabalho. O reconhecimento dos direitos trabalhistas não indicaria
que os/as residentes poderiam substituir os recursos humanos dos estabelecimentos
de saúde. Pelo contrário, faria parte do processo crítico-reflexivo quanto a sua
condição de trabalhador em formação. A não reflexão sobre o âmbito do trabalho
indica uma perpetuação da lógica de precarização do trabalho dos/as residentes,
assim como um apassivamento do trabalhador em formação diante das formas de
intensificação e precarização do trabalho contemporâneos, como bem refletido neste
estudo.
Entende-se que as Residências Multiprofissionais têm a potencialidade de
promover uma formação crítico-reflexiva sobre a política de saúde (e as demais com
as quais ela dialoga), transformando os/as profissionais de saúde enquanto agentes
críticos e qualificados para refletir, problematizar e intervir sob as demandas sociais
em saúde — conforme foi idealizado pelo Movimento de Reforma Sanitária em sua
gênese. Um formato de especialização que deveria ser seguido pelas demais políticas
públicas sociais (Assistência, Educação, Previdência, Segurança Pública, dentre
outras).
Todavia, enquanto espaço que está inserido nas disputas por hegemonia, faz-
se importante não apenas defender a ampliação e a qualificação crítico-reflexiva
desse e de outros formatos de pós-graduação. Precisa-se pautar a luta por um projeto
societário que atenda às necessidades sociais e que se guie por uma proposta
ideopolítica que vise a plena emancipação da humanidade.
Assim, a luta por reais mudanças no âmbito da relação entre educação,
trabalho e saúde, vão para além dos espaços institucionais. Necessita-se construir,
lutar e defender um projeto societário contra-hegemônico que possibilite ações
estratégicas coletivas para o enfrentamento da ordem do capital, disputando os
espaços e aparelhos de hegemonia e o retorno pela construção do Estado
Democrático de Direito, incluindo na pauta a consolidação do direito universal à saúde
e ao caráter emancipatório da educação pública, gratuita e socialmente referenciada.
121

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