Tecnologia Assistiva Na Avaliacao Das Ha

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Ana Grasielle Dionísio Corrêa

Bruno da Silva Rodrigues


Cibelle Albuquerque de la Higuera Amato
Valéria Farinazzo Martins
(Organizadores)

Tecnologias Aplicadas

em Educação e Saúde

São Paulo, 2021


© 2021 Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana
Mackenzie

ISBN 978-65-87672-17-5

REVISADO POR PARES

Supervisão editorial: SILVANA SANTOS


Projeto gráfico e capa: CATARINA RICCI
Revisão: SILVIA CRISTINA ROSAS

Todos os direitos de publicação reservados por


Memnon Edições Científicas Ltda.
Rua França Pinto 941 – 04016-034 – São Paulo – SP
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Este livro foi produzido com recursos financeiros do Programa de Excelên-
cia Acadêmica (Proex), Processo número 1133/2019, da Coordenação de Aper-
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES), Código de Financia-
mento 001.

As pesquisas apresentadas nos capítulos deste livro foram apoiadas por di-
ferentes agências de financiamento como: Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e Fundo Mackenzie de Pesquisa (MackPesquisa) da Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie.
Sumário

Pareceristas (9)
Organizadores (14)
Autores (15)
Apresentação (26)

SEÇÃO 1. Ferramentas tecnológicas voltadas para tecnologias assistivas, acessi-


bilidade e avaliação

Capítulo 1
Tecnologias assistivas no ensino-aprendizagem: transtorno específico da aprendiza-
gem e deficiência intelectual (32)
Ivone Félix de Sousa, Glauce Karine Conti de Freitas Elage, Emily Félix de Spindola, Juliana Ba-
tista Araújo dos Santos, Alessandra Gotuzo Seabra
Capítulo 2
O Uso da tecnologia para intervenções em crianças e adolescentes com transtorno do
deficit de atençãoe hiperatividade (TDAH) (50)
Juliana Dalla Martha Rodriguez, Nadia Maria Giaretta Ranalli, Lara Caldas Medeiros de Sá Zan-
doná D´Almeida, Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira
Capítulo 3
Design instrucional com acessibilidade: estudo de caso da plataforma SELI (63)
Cibele Cesario da Silva Spigel, Cibelle A de la Higuera Amato, Maria Amélia Eliseo, Ismar Fran-
go Silveira, Valéria Farinazzo Martins
Capítulo 4
Tecnologia assistiva na avaliação das habilidades receptivas de vocabulário de pessoa
com surdez (80)
Damião Michael Rodrigues de Lima, Juliana Dalla Martha Rodriguez, Janaína Aparecida de Oli-
veira Augusto, Lara Caldas Medeiros de Sá Zandoná D´Almeida, Nadia Maria Giaretta Ranalli,
Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira
Capítulo 5
A utilização de app como recurso de Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) em
grupos sociocomunicativos de crianças e jovens não falantes com autismo e suas famí-
lias (95)
Jessica Mayara, Fernanda Orsati
Capítulo 6
A elaboração de uma ferramenta tecnológica a serviço da avaliação e da estimulação
em linguagem (106)
Gerson Obede Estevão Muitana, Daniela Regina Molini-Avejonas, Ana Cláudia Rossi, Valéria
Farinazzo Martins, Cibelle Albuquerque de la Higuera Amato
Capítulo 7
A tecnologia como ferramenta de intervenção na linguagem (120)
Valeria F Martins, Maria Amelia Eliseo, Daniela Regina Molini-Avejonas, Vitoria L Sarlanis, Ci-
belle A de la Higuera Amato
Capítulo 8
Desempenho no Teste Informatizado de Avaliação das Funções Executivas (TAFE) por
crianças com transtorno do espectro do autismo (134)
Glauce Karine Conti de Freitas Elage, Ivone Félix de Sousa, Piera Sampaio Antunes Lima, Ales-
sandra Gotuzo Seabra
Capítulo 9
Árvore de decisão como modelo de análise em processos diagnósticos: discussão da
sua aplicação em um estudo sobre desatenção e hiperatividade (150)
Mayara Miyahara Moraes Silva, Luiz Renato Rodrigues Carreiro, Maria Cristina Triguero Veloz
Teixeira, Leandro Augusto da Silva, Anderson Martins Silva
Capítulo 10
Tecnologia assistiva em teleatendimento colaborativo: reflexões sobre desafios e pos-
sibilidades do trabalho em equipe a favor da autonomia (162)
Karina Rizzardo Sella, Marisa Hirata Fabri, Tarsila Pandeló de Oliveira

SEÇÃO 2. Jogos eletrônicos e jogos sérios como recurso tecnológico para auxiliar
na educação e saúde

Capítulo 11
Jogos sérios em saúde: conceitos e aplicações (180)
Tiago França Melo de Lima, Gilda Aparecida de Assis, Ana Grasielle Dionísio Correa, Alexandre
Fonseca Brandão
Capítulo 12
Intervenção neuropsicológica com o uso de jogos sérios em disfunção executiva em
crianças com transtornos do desenvolvimento (197)
Fabiana Coimbra Noronha, Janaína Aparecida de Oliveira Augusto, Cibelle Albuquerque de la
Higuera Amato
Capítulo 13
Terapia domiciliar com uso de videogames para desenvolvimento e aprimoramento da
funcionalidade em pacientes neurológicos (210)
Natalia Regina Kintschner, Ana Grasielle Dionísio Corrêa, Silvana Maria Blascovi-Assis
Capítulo 14
O uso de jogos eletrônicos na educação para crianças com transtorno do espectro do
autismo: uma revisão narrativa (223)
Leni Porto Costa Siqueira, Nadia Giaretta-Ranalli, Sebastião Gonçalves de Barros Neto
Capítulo 15
Jogos digitais aplicados no ensino de Biologia (doenças virais) para crianças e adoles-
centes no processo de aprendizagem (239)
Alice Couto Bagdzius, Silvana Maria Blascovi-Assis, Ana Grasielle Dionísio Corrêa

SEÇÃO 3. Tecnologias e técnicas não invasivas e suas aplicações em saúde e edu-


cação

Capítulo 16
Potencialidades da espectroscopia funcional por infravermelho próximo (fNIRS) para
o estudo do cérebro em desenvolvimento na primeira infância (258)
Vera Mateus, Júlia Scarano de Mendonça, Helga Oliveira Miguel, Sara Cruz, Adriana Sampaio,
Rickson C. Mesquita, Ana Alexandra Caldas Osório
Capítulo 17
O uso da espectroscopia funcional por infravermelho próximo (fNIRS) como técnica de
neuroimagem em pesquisas sobre o transtorno do déficit de atenção / hiperatividade
(TDAH) a partir de uma perspectiva dimensional e de heterogeneidade (274)
Armando dos Santos Afonso Junior, Izabella Trinta Paes, Vera Lúcia Esteves Mateus, Ana Ale-
xandra Caldas Osório, Walter Machado Pinheiro, Luiz Renato Rodrigues Carreiro
Capítulo 18
Espectroscopia funcional de infravermelho próximo (fNIRS): aplicações em pesquisas
na área educacional (290)
Waldir M. Sampaio, Fernanda N. Pantaleão, Carolina Gudin, Marília Lira, Paulo S. Boggio
Capítulo 19
Eletroencefalografia: como a técnica eletrofisiológica pode auxiliar a compreensão de
processos cognitivos na aprendizagem e na saúde (306)
Ana Luísa Freitas, Beatriz Bezerra de Souza, Gabriel Gaudêncio do Rêgo, Ruth Lyra Romero,
Stella Andrade Bassetto, Paulo Sérgio Boggio
Capítulo 20
Fisiologia e educação: como estudos com eletrocardiografia e medidas de condutância
da pele podem contribuir para a construção de um ambiente propício para a aprendi-
zagem (325)
Letícia Yumi Nakao Morello, Patrícia Moraes Cabral, Beatriz de Oliveira Ribeiro, Paulo Sérgio
Boggio
Capítulo 21
Estimulações cerebrais não invasivas: as aplicações de Estimulação Transcraniana por
Corrente Contínua (ETCC) e Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) na aprendi-
zagem e na clínica (340)
Marília Lira S. Coêlho, Patrícia Moraes Cabral, Letícia Yumi N. Morello, Gabriel Gaudêncio do
Rêgo, Paulo Sérgio Boggio

SEÇÃO 4. Tecnologias de processamento de imagens como ferramentas para au-


xiliar nos processos de avaliação cognitiva e de reabilitação

Capítulo 22
Métodos de rastreio de movimento ocular aplicados à saúde e à educação (363)
Paulo Guirro Laurence, Matheus Sant’Ana Michelino, Júlia Benvenutti Gerotto, Gabriel Gaudên-
cio do Rêgo, Elizeu Coutinho de Macedo
Capítulo 23
Uso de sistemas de eye-tracking para avaliação de pessoas com autismo e síndrome de
Rett (380)
Jucineide Silva Xavier, Lourenço Kefalás Barbosa, José Salomão Schwartzman
Capítulo 24
Relação entre estresse e mães de indivíduos com autismo: um estudo usando FaceRe-
ader (393)
Aline Helen Corrêa Garcia, Lucas Murrins Marques, Paulo Sérgio Boggio, Décio Brunoni
Capítulo 25
FISIOBEM – Software para auxílio no tratamento da paralisia facial (408)
Grégory Fernandes Ramires, Matheus Gois de Lima Silva, Adriana Cristina D’Arco Rodrigues,
Bruno da Silva Rodrigues, Daniela Vieira Cunha
SEÇÃO 5. Desafios dos sistemas de informação em educação e saúde

Capítulo 26
Sistemas de informação em saúde no atendimento clínico (425)
José Muniz Junior, Cristiano da Silva Benites
Capítulo 27
Gestação de risco e prematuridade: aplicativos móveis disponíveis na web para o sis-
tema Android (444)
Ligia Maria da Costa Canellas Tropiano, Gisela Rosa Franco Salerno, Silvana Blascovi-Assis,
Ana Grasielle Dionísio Corrêa
Capítulo 28
Desafios da COVID-19 na educação: o cuidado e educação (456)
Alessandra Ferreira de Brito, Cláudio Aparecido Sant’Ana

Índice remissivo (473)


10

Pareceristas

Profa. Dra. Adriana Nathalie Klein


Escola Politécnica, Universidade de São Paulo (USP)

Prof. Dr. Alcides Teixeira Barboza Junior


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Alessandra Gotuzo Seabra


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Alexandre Cardoso


Faculdade de Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Prof. Dr. Alexandre Fonseca Brandão


Instituto Brasileiro de Neurociência e de Neurotecnologia - BRAINN, Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP)

Prof. Dra. Ana Alexandra Caldas Osório


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Profa. Me. Ana Rita Avelino Amorim


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Prof. Me. André Brasiliano da Silva


Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica e de Computação, Universidade Presbite-
riana Mackenzie (UPM)

Prof. Me. André Kishimoto


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. André Luiz Satoshi Kawamoto


Ciência da Computação, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)

Profa. Dra. Beatriz de Almeida Pacheco


Arquitetura e Urbanismo, Universidade Paulista (UNIP)

Prof. Dr. Charles Boulhosa Rodamilans


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Daniela Marques


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP)
11

Profa. Dra. Daniela Regina Molini Avejonas


Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP)

Profa. Dra. Daniela Vieira Cunha


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Decio Brunoni


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Prof. Me. Elisângela Botelho Gracias


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Profa. Me. Eugênia L. S. Rodrigues Pires


Centro Universitário Lusíada (UNILUS)

Prof. Dr. Eurico Luiz Prospero Ruivo


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Fátima de Lourdes dos Santos Nunes Marques


Escola de Artes,. Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo (USP)

Profa. Dra. Fernanda Dreux Miranda Fernandes


Departamento de Fisioterapia Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Universidade de São Pau-
lo (USP)

Profa. Dra. Gilda Aparecida de Assis


Departamento de Computação e Sistemas, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)

Profa. Dra. Graziela Santos de Araújo


Faculdade de Computação, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Me. Guido Augusto Faria Pereira


Escola Politécnica, Universidade de São Paulo (USP)

Profa. Me. Heline Machado


Centro Universitário Lusíada (UNILUS)

Prof. Me. Hugo Bittencourt


Centro Universitário CESMAC

Prof. Dr. Ismar Silveira Frango


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. João Soares de Oliveira Neto


Centro de Exatas e Tecnológicas, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
12

Prof. Me. Joaquim Pessôa Filho


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. José Salomão Schwartzman


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Juliana Cristina Braga


Universidade Federal do ABC (UFABC)

Profa. Dra. Kamila Santos Ressurreição


Fisioterapia, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Leandro Pupo Natale


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Dra. Leila Cristina Carneiro Bergamasco


Centro Universitário FEI

Prof. Dr. Leonardo Souza Silva


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Profa. Me. Ligia Maria da Costa Canellas


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Luiz Renato Rodrigues Carreiro


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Marcelo de Paiva Guimarães


Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Profa. Dra. Maria Amélia Eliseo


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Maria Eloísa Famá D'Antino


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Marina Monzani da Rocha


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Mario Olímpio de Meneses


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
13

Profa. Dra. Natália Becker


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Me. Natália Regina Kintschner


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Orlando Bisacchi Coelho


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Paulo Nazareno Maia Sampaio


Universidade Salvador (UNIFACS)

Prof. Dr. Pedro Henrique Cacique Braga


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Pollyana C. S. Notargiacomo


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Profa. Me. Priscila Lanzillotta


Fundação Lusíada (UNILUS)

Profa. Dra. Renata Mendes de Araujo


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Profa. Me. Renata Sampaio Rodrigues Soutinho


Centro Universitário CESMAC

Profa. Me. Rita de Cássia Caramez Saraiva Santo


Centro Universitário Lusíadas

Profa Dra. Roberta Monterazzo Cysneiros


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Silvana Maria Blascovi de Assis


Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana
Mackenzie (UPM)

Profa. Dra. Susi Mary de Souza Fernandes


Fisioterapia, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Me. Tiago França Melo de Lima


Departamento de Ciências Exatas e Aplicadas, Universidade Federal de Ouro Preto (UFPO)

Prof. Dr. Arnaldo R. de Aguiar Vallim Filho


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
14

Profa. Dra. Valéria Farinazzo Martins


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Vera Lúcia Esteves Mateus


Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Prof. Dr. Vivaldo José Breternitz


Faculdade de Computação e Informática, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)

Profa. Me. Zodja Graciani


Fisioterapia, Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
15

Organizadores

Ana Grasielle Dionísio Corrêa


Bacharel em Engenharia de Computação pela Universidade Católica Dom Bosco
(UCDB), Mestre e Doutora em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universi-
dade de São Paulo (USP). Docente da Faculdade de Computação e Informática (FCI) e
do Programa de Pós-graduação em Computação Aplicada (PPGCA), Colaboradora do
Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento (PPG-DD) da Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

Bruno da Silva Rodrigues


Bacharel em Engenharia da Computação, Mestre e Doutora em Engenharia Elétrica
pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Doutorado no Instituto de
Eletrônica e Telecomunicações de Rennes (IETR) pela Universidade de Rennes 1
(França). Docente da Faculdade de Computação e Informática (FCI) da Universidade
Presbiteriana Mackenzie (UPM).

Cibelle Albuquerque de la Higuera Amato


Fonoaudióloga, Mestre em Fisiopatologia Experimental pela Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP), Doutora em Linguística Geral pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Docente do Programa de Pós-graduação
em Distúrbios do Desenvolvimento (PPG-DD) da Universidade Presbiteriana Macken-
zie (UPM).

Valéria Farinazzo Martins


Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp),
Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de São Carlos (UNIFESP),
Doutora em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
(USP), com Pós-doutorado na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). Docente da
Faculdade de Computação e Informática (FCI) e do Programa de Pós-graduação em
Computação Aplicada (PPGCA), Colaboradora no Programa de Pós-graduação em Dis-
túrbios do Desenvolvimento (PPG-DD) da Universidade Presbiteriana Mackenzie
(UPM).
16

Autores

Adriana Cristina D’Arco Rodrigues


Fisioterapeuta, com Residência em Neurologia na AACD, Especialização em Interven-
ção em Neuropediatria pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e em Acu-
puntura e Eletroacupuntura pela ABACO-CBA.
Adriana Sampaio
Psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidade do Minho, Concluiu o Curso de Me-
dicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – Universidade do Porto. Vi-
ce-Presidente da Escola de Psicologia e Presidente da Direção da Associação de Psico-
logia da Universidade do Minho. Diretora do Laboratório de Neurociência Psicológica.
Alessandra Ferreira de Brito
Licenciada em Pedagogia, Mestre em Educação, Doutora em Distúrbios do Desenvolvi-
mento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Professora de Ensino Médio
/ Técnico e Orientadora Educacional pelo Centro Paula Souza, nas unidades de ensino
Etec de Artes e Etec Getúlio Vargas.
Alessandra Gotuzo Seabra
Psicóloga, Mestre, Doutora e com Pós-doutorado em Psicologia pela Universidade de
São Paulo (USP). Professora do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desen-
volvimento da UPM.
Alexandre Fonseca Brandão
Doutor em Biotecnologia pelo Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia na UFSCar e
Especialista em Informática em Saúde pela UNIFESP. Atualmente é Pesquisador Asso-
ciado no Instituto Brasileiro de Neurociência e de Neurotecnologia - BRAINN (CEPID
FAPESP) e no Instituto de Física Gleb Wataghin - UNICAMP, com estágio Pós-doutoral
no Instituto de Bioengenharia da Catalunha - IBEC.
Alice Couto Bagdzius
Licenciada em Ciências Biológicas, Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela
UPM, com bolsa CAPES. Professora de Ciências para o Ensino Fundamental II. Desen-
volve projetos de pesquisa na área de Jogos Sérios, TDAH e Funções Executivas.
Aline Helen Corrêa Garcia
Bióloga, Mestre e Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM. Professora de
Ciências Biológicas nas redes pública e privada, Produtora de material didático para o
Sistema Piaget de Ensino e Sistema Mackenzie de Ensino.
17

Ana Alexandra Caldas Osório


Psicóloga e Doutora em Psicologia pela Universidade do Minho (Portugal; Bolsista-
sanduíche na Durham University - Reino Unido), com Pós-doutorado no Laboratório de
Neuropsicofisiologia da mesma universidade. Coordenadora do Programa de Pós-
graduação em Distúrbios do Desenvolvimento na UPM. Editora Associada da Revista
Psicologia: Teoria e Prática.
Ana Claudia Rossi
Bacharel em Ciência da Computação e Mestre em Engenharia Elétrica pela USP, Douto-
ra em Engenharia de Computação – Engenharia Elétrica pela USP. Professor Assistente
Associado da UPM.
Ana Grasielle Dionisio Corrêa
Engenheira de Computação, Doutora em Engenharia Elétrica pela Poli-USP. Docente dos
Cursos de Ciência da Computação e Sistemas de Informação da Faculdade de Computação
e Informática, atua no mestrado profissional em Computação Aplicada e como Colabora-
dora do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da UPM.
Ana Luísa Freitas
Licenciada em Letras e Especialista em Linguística Aplicada a Práticas Discursivas pela
FAFIRE, Especialista em Neurociência e Psicologia Aplicada pela UPM, Mestre em Lin-
guística e Língua Portuguesa pela PUC-MG, Doutoranda em Distúrbios do Desenvolvi-
mento na UPM. Professora Convidada no curso de Pós-graduação Lato Sensu em Neu-
rociência e Psicologia Aplicada da UPM.
Anderson Martins Silva
Mestre em Engenharia Elétrica e de Computação pela UPM, Graduação em Estatística
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tendo em ambos bolsa de estudos fi-
nanciada por programa governamental.
Armando dos Santos Afonso Junior
Psicólogo pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Neuropsicolo-
gia pelo Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Ciências Cognitivas (IBNeuro), Mes-
tre em Neurociências pela UFF, Doutorando em Distúrbios do Desenvolvimento da
UPM.
Beatriz Bezerra de Souza
Graduanda em Psicologia pela UPM. Membro do Laboratório de Neurociência Cognitiva
e Social. Bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq.
Beatriz de Oliveira Ribeiro
Psicóloga, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM, com bolsa FAPESP.
Membro do Laboratório de Neurociências Cognitivo e Social da UPM.
18

Bruno da Silva Rodrigues


Graduado em Engenharia da Computação, Mestre e Doutor em Engenharia Elétrica com
ênfase em microeletrônica pela Escola Politécnica da USP, e Doutorado no Instituto de
Eletrônica e Telecomunicações de Rennes (IETR) pela Universidade de Rennes 1
(França). Professor Assistente Doutor I da UPM.
Carolina Gudin
Psicóloga pela UPM, Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento na UPM. Pesquisa-
dora no Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social, da UPM.
Cibele Cesario da Silva Spigel
Graduada em Letras pela USP, Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela
UPM, Especialista em Gestão Estratégica em EAD pelo Senac, Especialista em Design
Instrucional pelo Senac, Especialista em Língua portuguesa pela Pontifícia Universida-
de Católica (PUC). Designer Educacional da UPM.
Cibelle A. de la Higuera Amato
Fonoaudióloga, Mestre em Fisiopatologia Experimental pela Faculdade de Medicina da
USP, Doutora em Semiótica e Linguística Geral pela Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP. Docente do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do
Desenvolvimento da UPM, Pesquisadora do Laboratório de Investigação Fonoaudioló-
gica nos Distúrbios do Espectro do Autismo do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade
de Medicina da USP.
Claudio Aparecido Sant Ana
Músico, Professor de Artes, Pedagogo, com especialização em Direito Educacional. Atua
como Diretor de Escola Técnica da Etec de Artes do Centro Paula Souza.
Cristiano da Silva Benites
Analista de Sistemas e Professor Universitário. Mestre em Engenharia Elétrica e da
Computação pela UPM, com bolsa pela CAPES. Doutorando em Engenharia Elétrica e da
Computação pela UPM, com bolsa de isenção integral pela própria instituição.
Damião Michael Rodrigues de Lima
Licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em
Letras / Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Especialista em
Ciências Ambientais pelas Faculdades Integradas de Patos e em Educação Especial In-
clusiva pela Faculdade Montenegro, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela
UPM, Doutorando em Educação pela Universidade Tiradentes (UNIT). Professor de
Libras do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Campus
Iguatu.
19

Daniela Regina Molini-Avejonas


Fonoaudióloga, Mestre e Doutora em Fisiopatologia Experimental pela FMUSP. Docente
do Curso de Fonoaudiologia e Coordenadora do Laboratório de Investigação Fonoaudi-
ológica em Atenção Primária à Saúde da FMUSP. Vice-coordenadora do Programa de
Aprimoramento em Fonoaudiologia em Psiquiatria Infantil do Hospital das Clínicas da
FMUSP.
Daniela Vieira Cunha
Graduada em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
Mestre em Engenharia Elétrica pela UFU, Doutora em Engenharia Elétrica pela USP,
iniciado na University of Maryland (College Park - EUA). Professora da UPM.
Decio Brunoni
Médico com Título de Especialista em Genética Médica, Mestrado, Doutorado e Livre
Docência em Genética Humana e Médica. Professor Titular do Programa de Pós-
graduação da UPM, Pesquisador do Laboratório TEA-MACK do Centro de Ciências Bio-
lógicas e da Saúde da UPM.
Elizeu Coutinho de Macedo
Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Experimental pela USP. Professor Adjunto do
Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da UPM, Membro da
Academia Paulista de Psicologia (cadeira 32), Bolsista de Produtividade em Pesquisa
1B – CNPq, Pesquisador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social.
Emily Félix de Spindola
Estudante de Psicologia e de Iniciação Científica da PUC - Goiás.
Fabiana Coimbra Noronha
Psicóloga, Especialista em Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica, Mestranda em
Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM.
Fernanda Naomi Pantaleão
Graduanda em Psicologia pela UPM, Pesquisadora Membro do Laboratório de Neuroci-
ência Cognitiva e Social da UPM, Bolsista de Iniciação Científica pela Fundação de Am-
paro à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Fernanda T. Orsati
Psicóloga, Doutora em Educação Especial e Inclusiva pela Syracuse University. Atua
como psicóloga clínica, consultora em suportes psicoeducativos e inclusivos, princi-
palmente comunicação alternativa.
20

Gabriel Gaudencio do Rêgo


Psicólogo, Especialista em neuropsicologia pelo Instituto de Neurologia de São Paulo
(INESP), Mestre, Doutor e Pós-doutorando no Programa de Pós-graduação em Distúr-
bios do Desenvolvimento da UPM. Professor convidado na Pós-graduação Lato Sensu
em Neurociência e Psicologia Aplicada na UPM.
Gerson O. E. Muitana
Psicólogo com enfoque Escolar e Necessidades Educativas Especiais pela Universidade
Eduardo Mondlane (Moçambique), Mestre e Doutorando em Distúrbios do Desenvol-
vimento pela UPM, com bolsa do Programa ProAfri.
Gilda Aparecida de Assis
Cientista da Computação, Doutora em Ciências pela Poli-USP, Docente dos Cursos de
Engenharia de Computação e Sistemas de Informação do Instituto de Ciências Exatas e
Aplicadas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Gisela Rosa Franco Salerno
Fisioterapeuta pela Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), Especialista em Urogine-
cologia pela UNIFESP, Mestre em Ciências da Saúde pela UNIFESP, Doutora em Gineco-
logia pela UNIFESP. Professora da UPM nas disciplinas de Fisioterapia aplicada a Gine-
cologia e Obstetrícia e Dermatologia.
Glauce Karine Conti de Freitas Elage
Psicóloga pela PUC - Goiás, Mestre e Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM.
Grégory Fernandes Ramires
Bacharel em Ciência da Computação pela UPM.
Helga O. Miguel
Terapeuta Ocupacional, Doutora em Psicologia Básica pela Universidade do Minho
(Portugal), Investigadora Associada nos Institutos Nacionais de Saúde, Estados Unidos
da América.
Ismar Frango Silveira
Bacharel em Matemática-Informática pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
Mestre em Computação pelo ITA, Doutor em Engenharia Elétrica pela USP. Professor
da UPM, em graduações na área de Informática e no Programa de Pós-graduação em
Engenharia Elétrica e Computação. Representante Internacional da Faculdade de Com-
putação e Informática.
Ivone Félix de Sousa
Psicóloga, Mestre em Psicologia pela PUC Goiás, Doutoranda em Distúrbios do Desen-
volvimento pela UPM. Professora e Pesquisadora da PUC Goiás.
21

Izabella Trinta Paes


Psicóloga, Mestre e Doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM, Especia-
lista em Psicologia de Envelhecimento pelo Centro de Estudos Psico-Cirúrgicos – CEP-
SIC, Divisão de Psicologia e Serviço de Geriatria do Instituto Central do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – ICHC-FMUSP.
Janaína Aparecida de Oliveira Augusto
Psicóloga pela Universidade São Francisco, Especialista em Neuropsicologia Aplicada à
Neurologia Infantil pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Mestranda
em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM.
Jessica Mayara
Psicóloga pela Universidade Paulista, Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento
pela UPM, Especializanda em Intervenção ABA, autismo e deficiência intelectual. Atua
como psicóloga clínica.
José Muniz Junior
Médico Psiquiatra com área de atuação em Psiquiatria da Infância e da Adolescência,
Especialista em Informática em Saúde pela UNIFESP, Mestrando em Distúrbios do De-
senvolvimento pela UPM.
José Salomão Schwartzman
Médico pela UNIFESP, Doutor em Medicina (Neurologia) pela UNIFESP. Professor Titu-
lar no Curso de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da UPM, Coordena-
dor do Laboratório TEA-MACK.
Jucineide Silva Xavier
Psicóloga pela UPM, Especialista em Neuropsicologia, Mestre em Distúrbios do Desen-
volvimento pela UPM. Realizou atualização profissional em Neuropsicologia pela UNI-
FESP.
Júlia Benvenutti Gerotto
Psicóloga pela UPM.
Júlia Scarano de Mendonça
Fonoaudióloga, Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Doutora em
Psicologia do Desenvolvimento Humano pela Université du Québec à Montréal (Cana-
dá) (Doutorado no exterior CNPq), e reconhecido pela USP. Estágio de pesquisa na
Westfälische Wilhelms Universitat Münster, na Alemanha, durante seis meses (Pro-
grama BEPE/FAPESP). Desenvolveu pesquisa de Pós-doutorado no Departamento de
Psicologia Experimental da USP (bolsa FAPESP) e no Programa de Pós-graduação em
Distúrbios do Desenvolvimento da UPM (bolsa CAPES PrInt). Docente no Programa de
Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Ibirapuera (São Paulo).
22

Juliana Batista Araújo dos Santos


Estudante de Psicologia e de Iniciação Científica da PUC Goiás.
Juliana Dalla Martha Rodriguez
Psicóloga pela UPM, Especialista em Psicologia da Infância pela UNIFESP e em Gestão
Escolar pela Universidade Cidade de São Paulo, Mestre em Saúde Coletiva pela Univer-
sidade Federal do Maranhão (UFMA), Doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento
pela UPM. Atualmente é Consultora Pedagógica do Senac São Paulo.
Karina Rizzardo Sella
Fonoaudióloga, Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM, com bolsa
CAPES. Desenvolve projeto de pesquisa na área de Tecnologia Assistiva e informações
em plataforma digital a professores de alunos com necessidades específicas de apren-
dizagem.
Lara Caldas Medeiros de Sá Zandoná D´Almeida
Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Doutoranda do Programa de Dis-
túrbios do Desenvolvimento pela UPM. Psicóloga Clínica, atuando em Saúde Pública e
Privada.
Leandro Augusto da Silva
Graduado em Engenharia da Computação, Mestre e Doutor pela Escola Politécnica da
USP. Professor na Faculdade de Computação e Informática e Professor da Pós-
graduação Strictu-Sensu dos Programas da Engenharia Elétrica e Computação e Apli-
cada da UPM. Autor principal do livro didático sobre Mineração de Dados pela editora
Gen. Lidera o Laboratório e Grupo de Pesquisa Big MAAp - Big Data e Métodos Analíti-
cos Aplicados.
Leni Porto Costa Siqueira
Pedagoga, Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM. Psicopedagoga do
Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Professora da Fundação Municipal de Educação de
Niterói (RJ).
Letícia Yumi Nakao Morello
Psicóloga, Mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM, com bolsa FAPESP.
Membro do Laboratório de Neurociências Cognitivo e Social da UPM desde 2016.
Ligia Maria da Costa Canellas Tropiano
Fisioterapeuta pela Universidade do Sagrado Coração, Mestre em Distúrbios do Desen-
volvimento pela UPM. Professora em período parcial (30h) do Curso de Fisioterapia da
UPM, Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento
da UPM.
23

Lourenço Kefalás Barbosa


Psicólogo em formação pela UPM, Administrador de Empresas pela PUC-SP, Pós-
graduado em Certificate in Business Administration (CBA) pelo Insper. Pesquisador no
Laboratório de Transtornos do Espectro do Autismo (TEA-MACK) da UPM.
Lucas Murrins Marques
Psicólogo pela UPM, Mestre em Psicologia Básica pela Universidade do Minho, Mestre e
Doutor em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM, Pós-doutorando em Neurofisio-
logia no Instituto de Medicina Física e Reabilitação (IMREA) da FMUSP. Bolsista da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo
2021/05897-5,
Luiz Renato Rodrigues Carreiro
Psicólogo, Especialista em Neurobiologia pela UFF, Mestre e Doutor em Ciências – Fisi-
ologia Humana pela USP. Professor Adjunto do Programa de Pós-graduação em Distúr-
bios do Desenvolvimento e do curso de Psicologia da UPM, Bolsista de Produtividade
em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) – Nível 1D.
Maria Amelia Eliseo
Arquiteta pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Mestre em Educação,
Arte e História da Cultura pela UPM, Doutora em Ciências pelo Instituto Tecnológico de
Aeronáutica). Docente na área de Computação e no Mestrado Profissional em Compu-
tação Aplicada da UPM.
Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira
Psicóloga pela Universidade de Havana (Cuba), Especialista em Análise do Comporta-
mento, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Dou-
tora em Saúde pela UFSC. Professora do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do
Desenvolvimento e do Curso de Psicologia do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
da mesma instituição, Pesquisador e Membro da Equipe Gestora do Centro Mackenzie
de Pesquisa sobre Infância e Adolescência, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do
CNPq - Nível 1D.
Marília Lira da Silveira Coêlho
Fisioterapeuta pelo Centro Universitário da Bahia, Especialista em Reabilitação Neuro-
funcional pela Faculdade Social da Bahia, Mestre em Medicina e Saúde pela Universi-
dade Federal da Bahia (UFBA), Doutora em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM.
Professora do Curso de Fisioterapia da UPM, Membro do Laboratório de Neurociência
Social e Cognitiva da UPM.
24

Marisa Hirata Fabri


Terapeuta Ocupacional, Especialista em Tecnologia Assistiva. Membro da ISAAC Brasil
– International Society of Alternative and Augmentative Communication / Capítulo
Brasileiro.
Matheus Gois de Lima Silva
Bacharel em Ciência da Computação pela UPM, atuando em um laboratório da Faculda-
de, em desenvolvimento de software, o MackLeaps.
Matheus Sant’Ana Michelino
Psicólogo e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM, com bolsa da Funda-
ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Pesquisador do Laborató-
rio de Neurociência Cognitiva e Social da UPM. Docente dos cursos de pós-graduação
Lato Sensu em Psicopedagogia e no curso de Neurociência Aplicada à Educação e
Aprendizagem (modalidades presencial e EAD), ambos da UPM.
Mayara Miyahara Silva
Psicóloga pela UPM, Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Distúrbios
do Desenvolvimento da UPM, com Bolsa CAPES/PROEX Modalidade I. Acompanha e
participa ativamente do Protocolo de Pesquisa sobre Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade (TDAH) e do Laboratório de Transtorno do Espectro do Autismo
TEA-MACK, ligados ao PPG em Distúrbios do Desenvolvimento da UPM.
Nadia Maria Giaretta Ranalli
Pedagoga, Mestre e Doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM, Psico-
pedagoga pela UNICAMP, Especialista, Pós-graduada em Educação Especial com Língua
Brasileira de Sinais - LIBRAS.
Natalia Regina Kintschner
Fisioterapeuta pela PUC- Campinas, Mestre e Doutoranda em Distúrbios do Desenvol-
vimento pela UPM, com bolsa CAPES. Desenvolve projetos de pesquisa na área de Rea-
lidade Virtual e pessoas com Paralisia Cerebral.
Patrícia Moraes Cabral
Psicóloga pela UPM, Membro do Laboratório de Neurociências Cognitivo e Social da
Universidade desde 2016. Atualmente desenvolve pesquisa acerca dos diferentes as-
pectos inseridos na violência de gênero.
Paulo Guirro Laurence
Licenciatura e bacharelado em Ciências Biológicas pela UPM, Mestre e Doutorando em
Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM. Atualmente é Professor Convidado do Lato
Sensu em Neurociência Aplicada à Educação e Aprendizagem na UPM.
25

Paulo S. Boggio
Psicólogo, Especialista em Neuropsicologia, Mestre em Psicologia Experimental e Doutor
em Neurociências e Comportamento pela USP. Docente do Programa de Pós-graduação em
Distúrbios do Desenvolvimento da UPM. Pesquisador Produtividade em Pesquisa 1C do
CNPq, Coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da UPM.
Piera Sampaio Antunes Lima
Psicóloga pela Universidade Paulista - Campus Brasília (DF), Mestranda pela Universi-
dade Federal de Goiás.
Rickson Coelho Mesquita
Físico, Doutor em Ciências pelo Instituto de Física “Gleb Wataghin” da UNICAMP. Pro-
fessor Associado do Instituto de Física da UNICAMP.
Ruth Lyra Romero
Psicóloga, Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM. Professora Convidada
na Pós-graduação Lato Sensu em Neurociência e Psicologia Aplicada na UPM.
Sara Cruz
Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade do Minho (Braga, Portugal).
Professora Auxiliar na Graduação e Pós-graduação na Universidade Lusíada – Norte, Porto.
Responsável pelos cursos de Neuropsicologia e Avaliação e Intervenção Psicológica.
Sebastião Gonçalves de Barros Neto
Farmacêutico, Doutorando em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM.
Silvana Maria Blascovi-Assis
Fisioterapeuta, Doutora em Educação Física pela UNICAMP, Docente do Curso de Fisio-
terapia e do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da UPM.
Stella Andrade Bassetto
Graduanda em Psicologia pela UPM. Membro do Laboratório de Neurociência Cognitiva
e Social e do Laboratório de Distúrbios do Desenvolvimento. Bolsista de Iniciação Cien-
tífica pelo CNPq.
Tarsila Pandeló de Oliveira
Terapeuta Ocupacional, Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Terapia
Ocupacional pela USP. Desenvolve projeto de pesquisa na área de educação inclusiva.
Tiago França Melo de Lima
Bacharel em Ciências da Computação pela UFOP, Mestre em Análise e Modelagem de
Sistemas Ambientais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do
Departamento de Computação e Sistemas (DECSI) da UFOP.
26

Valeria F. Martins
Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Estadual Paulista, Mestre em
Ciência da Computação pela UFSCar, Doutora em Engenharia Elétrica pela Escola Poli-
técnica USP, com Pós-doutorado na Universidade Federal de Itajubá. Docente na área
de Computação, atua no Mestrado Profissional em Computação Aplicada, Colaboradora
no Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da UPM.
Vera Lúcia Esteves Mateus
Graduada e Doutorada em Psicologia Básica pela Universidade do Minho (Portugal),
Pós-doutoranda no Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da
UPM, com bolsa CAPES Print.
Vitoria L Sarlanis
Fonoaudióloga pela Universidade Tuiuti do Paraná, Especialista em Psicopedagogia
pela PUC Paraná.
Waldir M. Sampaio
Bacharel em Psicologia pela Universidade Federal da Grande Dourados, Mestre em Psi-
cologia pela UFSCar, Doutorando em Distúrbios do Desenvolvimento pela UPM, com
bolsa da FAPESP. Pesquisador no Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da
UPM.
Walter Machado-Pinheiro
Graduação em Medicina pela UFF, Mestre em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutor em Ciências (Fisiologia Humana)
pela USP, com Pós-doutorado pela Facultad de Psicología da Universidad de Granada
(Espanha). Professor Titular da UFF, onde ministra as disciplinas de Neuroanatomia e
Neurociências para o curso de Psicologia. Está vinculado ao Programa de Pós-
graduação em Neurologia/Neurociências da UFF.
27

Apresentação

A literatura aponta a emergente necessidade de utilizar novas tecnologias com


vista a aprimorar a Saúde e a Educação e proporcionar melhor qualidade de vida à po-
pulação. Além de possibilitar o gerenciamento de informações de forma mais eficiente,
as tecnologias podem, também, surgir como ferramentas de apoio ao processo de en-
sino-aprendizagem, a partir da concepção e avaliação de recursos e tecnologias que
promovam a inclusão e minimizem as barreiras físicas, cognitivas, sensoriais e sinesté-
sicas.
Na área da Saúde, as tecnologias podem trazer benefícios tanto para os profissio-
nais especializados e pacientes como também para apoiar a gestão das instituições. As
soluções elucidadas para resolver os problemas que surgem na área da Saúde contem-
plam desde o diagnóstico, prevenção, tratamento e cuidado do paciente/cliente até os
procedimentos e suporte para assistência médica, clínica, hospitalar e domiciliar.
Nos últimos dois anos, a pandemia do COVID-19 testou os conhecimentos da po-
pulação acerca das novas tecnologias. Esse cenário único e desafiador fez com que os
educadores e alunos se reinventassem na área da Educação, com uso de recursos tec-
nológicos que antes não eram notados. Do mesmo modo, os profissionais de Saúde
passaram a reconhecer e a valorizar a importância das tecnologias e dos sistemas de
informação aplicados à pesquisa científica.
Tais cenários de uso das novas tecnologias são temas centrais deste livro, que não
são apenas resultados deste momento vivenciado, e sim do compromisso que a Uni-
versidade Presbiteriana Mackenzie sempre teve com o ensino, a pesquisa e a inovação.
Portanto, a presente obra traz características de seriedade e de compromisso com a
divulgação da ciência a todos os recantos que ela puder alcançar. Educação, medicina,
fisioterapia, fonoaudiologia, farmácia, biologia, áreas da psicologia e tecnologia se
mesclam no contexto da interdisciplinaridade, dando um colorido próprio a esta pro-
dução conjunta dos professores e pesquisadores do Programa de Pós-graduação em
Distúrbios do Desenvolvimento (PPG-DD), da Faculdade de Computação e Informática
(FCI) e da Escola de Engenharia (EE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
e de muitos professores e pesquisadores convidados de diversos centros de excelência
no ensino e na pesquisa no contexto nacional e internacional, tais como Associação de
Psicologia da Universidade do Minho (APsi-UMinho), Etec de Artes do Centro Paula
Souza, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Fundação Muni-
cipal de Educação de Niterói/RJ, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Ceará (IFCE), Instituto Brasileiro de Neurociência e de Neurotecnologia – BRAINN,
Instituto de Física Gleb Wataghin da UNICAMP, Instituto de Medicina Física e Reabili-
28

tação (IMREA) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Insti-


tuto de Física da UNICAMP, Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos da América, ISAAC
Brasil – International Society of Alternative and Augmentative Communication, Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC-SP), Pontifícia Universidade Católica de
Goiás (PUC Goiás), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Ibirapuera
(UNIB), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP) e Universidade Lusíada.

CONSTRIBUIÇÕES DA OBRA

Os capítulos apresentados vêm contribuir com relatos de experiência, revisões bi-


bliográficas e/ou apontamentos de como essas tecnologias podem melhorar a Saúde e
o processo de ensino-aprendizagem das pessoas atualmente e no futuro.
A abrangência da obra é ampla, abordando desde o desenvolvimento, aplicação e
validação de tecnologias para apoiar a Saúde, avaliação e reabilitação de pessoas com
deficiência ou com distúrbios de desenvolvimento, nas diversas fases da vida, quanto a
acessibilidade e inclusão de pessoas que apresentem alguma condição específica de
aprendizagem.
A primeira sessão do livro é formada por 10 capítulos que discutem o uso de fer-
ramentas tecnológicas voltadas para tecnologias assistivas, acessibilidade e avaliação.
O uso dessas tecnologias podem contribuir com o processo de ensino-aprendizagem
de indivíduos com deficiência intelectual (DI) e com Transtorno Específico de Apren-
dizagem (TEAp) (Capítulo 1), favorecer o desenvolvimento de novas estratégias peda-
gógicas para o processo de aprendizagem de indivíduos com Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH) (Capítulo 2) e como o ecossistema SELI permite au-
xiliar no design instrucional, auxiliando professores e criadores de conteúdo na elabo-
ração de materiais e cursos acessíveis (Capítulo 3).
No que tange comunicação e estimulação da linguagem, o uso de tecnologias pode
auxiliar na avaliação das habilidades receptivas de vocabulário de pessoa com surdez
(Capítulo 4) e no processo de aprendizagem da linguagem por meio da Comunicação
Aumentativa e Alternativa (Capítulo 5). As tecnologias também podem ser um forte
aliado no acompanhamento do desenvolvimento da fala e linguagem de crianças, com
objetivo de rastrear de maneira precoce indícios e alterações de linguagem durante o
seu desenvolvimento (Capítulo 6), oferecer ferramentas que auxiliem os terapeutas
em sessões de fonoaudiologia com essas crianças em período de pré-alfabetização,
assim como auxiliar crianças com TEA no treino de sua capacidade de compreensão
29

das palavras ditas por pessoas usando máscara de proteção facial no cenário da pan-
demia de COVID-19 (Capítulo 7).
Também foi abordado, na primeira sessão do livro, o uso da tecnologia para criar
aplicativos de celulares para auxiliar na avaliação das funções executivas (TAFE) como
memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva de crianças com
Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) sem deficiência intelectual (Capítulo 8) e o
uso de inteligência artificial e árvore de decisão como modelo de análise em processos
diagnósticos e avaliações de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperati-
vidade (TDAH) (Capítulo 9).
Completando a primeira sessão, são apresentadas reflexões sobre os desafios e
possibilidades do trabalho em equipe a favor da autonomia por meio de teleatendi-
mento de uma equipe multidisciplinar (Capítulo 10).
A segunda sessão do livro aborda como jogos digitais ou jogos sérios podem auxi-
liar tanto no ensino quanto prover melhora na saúde de indivíduos de maneira lúdica.
Quando apresentamos o tema jogos digitais na perspectiva da Saúde, essa sessão apre-
senta ao leitor diversos desafios, assim como inúmeras oportunidades para a utiliza-
ção dos jogos sérios para prover melhora na qualidade de vida bem como visualizar a
possibilidade da integração dos jogos com tecnologias de realidade virtual, realidade
aumentada, dispositivos vestíveis (wearable devices) (Capítulo 11). Versando o tema
de maneira mais específica, o uso de jogos sérios pode auxiliar na reabilitação neu-
ropsicológica de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH) e com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) com disfunção executiva
(Capítulo 12) e, assim, apoiar sessões de reabilitação motora em domicílio (Capítulo
13). O Capítulo 14 apresenta uma revisão sobre tecnologias de jogos desenvolvidos
especificamente para indivíduos com diagnóstico de TEA, e o Capítulo 15 discorre so-
bre o uso de jogos no ensino de Biologia (Doenças Virais) para crianças e adolescentes
com Transtornos do Desenvolvimento.
A terceira sessão do livro irá abordar tecnologias e técnicas não invasivas e suas
aplicações em Saúde e Educação. São discutidas técnicas como espectroscopia funcio-
nal por infravermelho próximo (fNIRS) para o estudo do cérebro em desenvolvimento
na primeira infância, apresentando as vantagens e desvantagens da técnica, bem como
suas aplicações na avaliação do desenvolvimento infantil (Capítulo 16) e, a partir de
uma perspectiva dimensional e de heterogeneidade no TDAH, buscar biomarcadores
para déficits específicos e progredir para um sistema diagnóstico (Capítulo 17).
A mesma técnica pode ser usada em pesquisas em Educação e pode fundamentar
estratégias pedagógicas, assim como possibilitar a realização de experimentos de
hyperscanning para estudo da atividade cerebral durante processos de interação social
entre alunos ou entre aluno(s) e professor (Capítulo 18).
30

Nessa sessão também são discutidas contribuições de técnicas eletrofisiológicas.


Como a eletroencefalografia (EEG) pode auxiliar a compreensão de processos cogniti-
vos na aprendizagem e na Saúde (Capítulo 19), e como os estudos com medidas perifé-
ricas, como eletrocardiografia e condutância da pele e fenômenos cognitivos, podem
contribuir para a construção de um ambiente escolar e social propício para a aprendi-
zagem (Capítulo 20).
Por fim, a terceira sessão apresenta como estimulações cerebrais não invasivas
como Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (ETCC) e Estimulação Magné-
tica Transcraniana (EMT) podem auxiliar na aprendizagem e na clínica (Capítulo 21).
A quarta sessão do livro apresenta tecnologias relacionadas à área de processa-
mento de imagens. A primeira tecnologia abordada nessa sessão é a de rastreio de Mo-
vimento Ocular como eye-tracking, técnica que pode contribuir para a compreensão das
estratégias cognitivas em testes de inteligência, para auxiliar no processo de avaliação
da habilidade de leitura, assim como contribuir para o entendimento do esforço cogniti-
vo, formação de memórias e aprendizado (Capítulo 22). A técnica de eye-tracking é ca-
paz de ajudar a expandir a compreensão da cognição e do comportamento em distúrbios
neurológicos, como pessoas com autismo e Síndrome de Rett (Capítulo 23).
Além do uso das ferramentas de eye-tracking, essa sessão apresentará a ferramen-
ta FaceReader aplicada à análise das expressões faciais de mães de indivíduos com
TEA (Capítulo 24). O Capítulo 25 mostra a aplicação mobile FisioBem, que tem como
objetivo auxiliar terapeutas na reabilitação e avaliação de pacientes com Paralisia Fa-
cial, bem como auxiliar o paciente a executar a rotina de exercícios sugerida pelo tera-
peuta de maneira correta e segura (Capítulo 25).
Na última sessão do livro serão apresentados desafios dos sistemas de informação
em Educação e Saúde. Na Saúde, um dos maiores desafios é a criação de um Sistema de
Informação em Saúde (SIS) para integrar dados de diferentes locais gerados por mem-
bros com especialidades distintas e equipe multidisciplinar; todavia a tendência é in-
tegrar e disponibilizar essas informações em um sistema mais específico e integrado,
denominado Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) (Capítulo 26). Outro desafio é o
desenvolvimento de aplicativos móveis que forneçam informações confiáveis sobre
temas relacionados a Saúde. Outra contribuição do livro é uma revisão quantitativa e
qualitativa de literatura, assim como uma avaliação dos aplicativos disponíveis para
download sobre aplicativos desenvolvidos para mulheres com gestação de risco e
prematuridade (Capítulo 27). E, por fim, o contexto de pandemia da COVID-19 impôs
desafios na área de Educação, sendo que as tecnologias podem ser tornar um meio de
correlacionar as necessidades da comunidade escolar, no sentido de formação, Educa-
ção e de interface para promover a equidade de oportunidades de inserção e perma-
nência na escola, em especial no atual contexto social de isolamento social (Capítulo
28).
31

Dessa forma, são apresentados aos leitores os 28 capítulos que resultam de recen-
te trajetória de pesquisas nas áreas de aplicação das tecnologias em Educação e Saúde,
acreditando que o maior objetivo desta produção seja o de poder oferecer, ao público
em geral, conhecimentos produzidos intramuros da Universidade. Eles foram escritos
por cerca de 84 colaboradores, sendo que a grande parte da produção foi realizada por
alunos do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento e da Facul-
dade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM ,
mas ainda por pesquisadores de outras unidades acadêmicas da UPM.
Poder, nesse momento, apresentar aos leitores uma obra construída coletivamen-
te por todos nós pesquisadores e muitos de nossos alunos, além de pesquisadores de
outras instituições, é motivo de muito orgulho e alegrias por continuarmos presentes e
atuantes nesse Projeto desde sua concepção e implantação.

Professora Doutora Ana Grasielle Dionísio Corrêa


Professor Doutor Bruno da Silva Rodrigues
Professora Doutora Cibelle Albuquerque de la Higuera Amato
Professora Doutora Valéria Farinazzo Martins
32

SEÇÃO 1

Ferramentas tecnológicas
voltadas para tecnologias
assistivas, acessibilidade e
avaliação
33

Tecnologias assistivas no

ensino-aprendizagem: transtorno

específico da aprendizagem e

deficiência intelectual

Ivone Félix de Sousa

Glauce Karine Conti de Freitas Elage

Emily Félix de Spindola

Juliana Batista Araújo dos Santos

Alessandra Gotuzo Seabra


34

INTRODUÇÃO

Atualmente, com tantas demandas tecnológicas em diversas facetas da vida, inclu-


indo a educação, as Tecnologias Assistivas (TA) têm se destacado como recurso para
melhorar o aprendizado das pessoas, principalmente daquelas que apresentam algu-
ma dificuldade ou deficiência. Entende-se por TA aqueles recursos apresentados com
diferentes formas, digitais ou não, direcionados às pessoas com diferentes deficiências,
incapacidades e dificuldades ou transtorno de aprendizagem, que abrangem áreas in-
terdisciplinares e cujo foco é promover autonomia, independência, qualidade de vida e
inclusão. As TA possibilitam ampliar a comunicação e desenvolver habilidades de
aprendizado, de relações sociais, entre outros, atuando diretamente no aspecto funci-
onal da pessoa (17).
Partindo do princípio de que as TA podem auxiliar em diferentes tipos de dificul-
dades de aprendizagem, neste capítulo o foco está nas TA digitais, que apresentam di-
ferentes ferramentas (software, jogos, sistemas de treinamento, entre outros) como
recursos para melhorar a aprendizagem. Em termos de população-alvo, o capítulo está
focado nas pessoas com Deficiência intelectual (DI) e com Transtorno Específico de
Aprendizagem (TEAp), quadros inclusos nos Transtornos do Neurodesenvolvimento
descritos no DSM-5 (2). A motivação pela escolha do TEAp e da DI foi a escassez de
materiais encontrados na literatura sobre as TA para esses grupos; esses quadros são
descritos a seguir.
De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5) (2), a DI é definida
como uma condição com prejuízos nas áreas intelectual, social e adaptativa, que se
apresenta desde o início do desenvolvimento humano. São déficits gerais na capacida-
de cognitiva, com dificuldades em raciocínio, planejamento, soluções de problemas,
abstração, julgamento, aprendizagem acadêmica e por experiência. Já o TEAp está re-
lacionado a déficits específicos na capacidade individual em perceber ou processar
informações com precisão e eficiência, com dificuldades específicas para aprendizado
e uso de leitura, escrita e/ou matemática (2). É um transtorno que se manifesta nos
anos escolares iniciais e pode acarretar problemas, inclusive, na vida adulta. Leva a
prejuízos duradouros nas atividades que dependem das habilidades acadêmicas bási-
cas, de forma que a aprendizagem dessas habilidades requer um esforço extraordiná-
rio para o aprendizado, fato que não é compensado pela inteligência inata ou por es-
tratégias de acomodação (2). Segundo Ohlweiler (18), esse transtorno não é adquirido
por falta de estimulação adequada ou em decorrência de traumatismo ou doença cere-
bral. Esses dois transtornos do neurodesenvolvimento, DI e TEAp, trazem prejuízos ao
aprendizado (2).
Estudos apontam que, por meio de métodos ativos de aprendizado, os alunos po-
dem desenvolver competências que melhoram o interesse e as habilidades necessárias
35

para a aprendizagem (12). Nesse sentido, as TA podem ser inseridas como procedi-
mentos legítimos de mediação que asseguram a formação humana fornecendo ferra-
mentas que auxiliam os professores e os alunos (11). Boot et al. (5) afirmam que,
mesmo havendo comprovação da relevância em desenvolver pesquisas e práticas vol-
tadas para produtos de TA utilizadas por pessoas com baixo rendimento escolar, essa
área ainda tem sido negligenciada.
Diante do exposto, propõe-se, neste estudo, avaliar se as TA podem auxiliar no
processo ensino-aprendizagem de pessoas com transtorno do neurodesenvolvimento,
especificamente em relação à DI e TEAp, por meio de uma revisão de escopo da litera-
tura.

MÉTODO

Esta pesquisa é uma revisão de escopo (22) que seguiu as seguintes etapas: elabo-
ração da pergunta norteadora, busca da amostragem na literatura, coleta de dados no
Portal CAPES, análise crítica dos estudos incluídos com base em evidências, resultados
e apresentação da síntese integrativa. Assim, a pergunta que norteou este estudo foi:
“Quais são as contribuições científicas publicadas em periódicos no portal CAPES so-
bre TA utilizadas para auxiliar o professor / cuidador no aprendizado de pessoas com
TEAp e DI?”.
A busca da amostragem na literatura foi realizada na Plataforma CAPES, via site
institucional da PUC Goiás, e inserida no Rayyan Systematic Reviews (20) para análise
entre pares dos critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão foram: artigos
retirados da Plataforma CAPES, avaliados por pares, cujos descritores (DeCS) e boole-
anos foram (“Specific Learning Disability" AND “Assistive Technology”) e (“Intellectual
Disability” AND “Assistive Technology"), revisados por pares, publicados entre 2011 e
2021. Os critérios de exclusão foram: artigos duplicados e que fugissem ao objetivo
proposto para este estudo.
Os artigos que compõem a amostra foram retirados de 10 periódicos (Tabela 1).
Em relação à identificação, foram incluídos inicialmente 153 artigos, conforme os des-
critores. Desses, quatro foram eliminados por duplicação. Em seguida, com base na
leitura do título, foram eliminados 117 artigos, e quatro, pela leitura do resumo. Foram
selecionados por elegibilidade 28 artigos para leitura completa e, desses, foram excluí-
dos nove artigos por não considerar as TA e quatro por não se tratar de DI ou TEAp. Ao
final, 15 artigos foram incluídos neste estudo (Figura 1).
A fim de realizar a extração dos dados dos artigos, foi criado um questionário con-
tendo: autor(es) do artigo / ano de publicação, objetivo e contribuições (ou seja, resul-
tados e evidências sobre o uso de TA). Na fase de análise crítica dos artigos foram con-
36

siderados os tipos de evidências científicas: 1. Revisão sistemática; 2. Ensaio clínico


randomizado; 3. Coorte; 4. Caso controle; 5. Série de casos; 6. Opinião de especialistas;
7. Estudos pré-clínicos (animais / in vitro) (21). No entanto, neste capítulo não foram
consideradas as opiniões de especialistas, assim como não foram incluídos estudos
desenvolvidos com animais.

Tabela 1. Estratégias de busca no Portal de Periódico Capes.

Periódicos Termos de pesquisa (Descritores com Booleanos) Total

Front Public Health “Intellectual Disability” And “Assistive Technology” 1


Frontiers In
“Intellectual Disability” And “Assistive Technology” 1
Psychology
Pubmed “Intellectual Disability” And “Assistive Technology” 2

Sage Pub "Intellectual Disability” And “Assistive Technology” 2

Scorpus "Intellectual Disability” And “Assistive Technology” 1


Taylor & Francis
"Intellectual Disability” And “Assistive Technology” 2
Online
Wiley Online Library "Intellectual Disability” And “Assistive Technology” 1

Gale Academic File “Specific Learning Disability” And “Assistive Technology” 2


Taylor & Francis
“Specific Learning Disability” And “Assistive Technology” 1
Online
Sage Pub “Specific Learning Disability” And “Assistive Technology” 2

Total 15
37

Figura 1. Fluxograma dos estudos retirados da Plataforma CAPES.


38

RESULTADOS

Ao todo, este estudo contou com a coleta de 15 artigos, 10 relacionados à DI e cin-


co ao TEAp. Dos artigos coletados sobre DI, sete foram estudos empíricos e três de re-
visão bibliográfica. Todos os artigos relacionados ao TEAp foram empíricos. A fim de
apresentar uma estrutura de resultados mais didática, primeiramente serão apresen-
tados os dados dos artigos empíricos para DI (Tabela 2), os de pesquisa bibliográfica
para DI (Tabela 3) e, por fim, estudos empíricos para TEAp (Tabela 4).

Tabela 2. Sumários dos artigos empíricos sobre uso de TA na DI.


Contribuições científicas das TA
Autores / ano Objetivo para o aprendizado de pessoas com
DI
O'Neill e Smeaton / Analisar as experiências de pais, cui- Tecnologias móveis de TA, como ta-
2019 (19) dadores, tutores, amigos e profissio- blets e dispositivos smartphones, são
nais de indivíduos com DI ou TEA formas poderosas de tecnologia que
podem ser usadas para aprimorar o
desenvolvimento das habilidades de
agendamento, planejamento e comu-
nicação. Combinadas à terapia, essas
intervenções de baixo custo e indivi-
dualizadas podem ajudar a apoiar os
indivíduos.
Schlosser et al. / Fornecer suportes visuais JIT (Just In Esse estudo apresentou evidências
2017 (24) Time) no formulário de dicas de cena preliminares de que as dicas de cena
(fotos representativas ou videoclipes) podem ser fornecidas com sucesso, ou
para aumentar o entendimento de seja, JIT por meio da Apple Watch®,
crianças com diagnóstico duplo de DI quando as diretivas faladas não são
e autismo. Explorar se a cena forneci- compreendidas.
da pelo JIT permite que as crianças
implementem diretivas que não foram
capazes de completar apenas com a
fala. Testar a viabilidade de fornecer
dicas de cena no Apple Watch®.
Alja'am et al. / Apresentar uma solução tecnológica O sistema envolveu: criação do corpus
2017 (1) para melhorar a compreensão e as baseado em domínio; classificação e
funções cognitivas de crianças com DI. seleção de sentenças; reconhecimento
de padrões; e algoritmos de filtragem
e recuperação de imagens. Foram
usados três domínios com 50 histórias
de estrutura simples e as palavras
comuns foram determinadas com sua
importância em cada domínio. O sis-
tema se apresentou efetivo para a
aprendizagem de crianças com DI.
39

Tabela 2. Sumários dos artigos empíricos sobre uso de TA na DI.


Contribuições científicas das TA
Autores / ano Objetivo para o aprendizado de pessoas com
DI
Bunning et al. / Desenvolver e explorar as maneiras Os resultados dessa pesquisa mostra-
2014 (7) que o software de reconhecimento de ram que o sistema poderia fornecer
símbolos, livremente disponível em uma plataforma para o engajamento e
computadores, pode beneficiar pesso- aprendizado de indivíduos com DI
as com DI. Desenvolver um símbolo profunda e múltipla (além da DI, com
protótipo para acessar e controlar um outro tipo de deficiência). Os resulta-
computador e testar seu uso por pes- dos apontam que houve potencial para
soas com DI múltiplas. generalizar o uso para outras ativida-
des e para dar suporte e compreensão
aos auxiliares sobre como trabalhar
com indivíduos com DI múltipla.
Boot et al. / 2021 Explorar os fatores que influenciam o O estudo concluiu que indivíduos com
(6) acesso e o uso continuado de TA por DI no ambiente escolar / acadêmico
pessoas que viviam na província de enfrentaram muitos desafios ao tentar
Western Cape da África do Sul. Sugerir acessar as TA. Os fatores importantes
implicações potenciais dessas desco- que influenciaram o acesso e o uso de
bertas e as ações necessárias para TA para pessoas com DI foram: atitu-
promover o acesso a TA. des da comunidade; conhecimento e
consciência para identificar a necessi-
dade de TA; treinamento e instruções
de TA para apoiar o usuário e a rede de
atendimento.
Fage et al. / 2018 Apresentar um pacote de aplicativos Crianças com DI utilizando tablet exi-
(14) móveis (mobile app) que fornece assis- biram melhoras na performance dos
tência e reabilitação cognitiva a fim de testes ao final das intervenções. A
apoiar a inclusão das crianças com TEA abordagem sistemática foi baseada no
e DI no ambiente escolar. local de assistência e com treinamento
cognitivo dos processos sociocogniti-
vos em intervenção. A abordagem
permitiu que os participantes apresen-
tassem melhor participação social.
Cankaya e Kuzu / Investigar a eficácia de um software Os resultados sugerem que as ativida-
2018 (8) móvel para desenvolver habilidade de des realizadas pelos pais com o uso do
ensino para uso dos pais de crianças software foram consideradas eficazes.
com DI.

A seguir são discutidos os principais aspectos dos artigos anteriormente descritos


na Tabela 2. O'Neill e Smeaton. (19) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar e
analisar a eficácia das TA como apoio em experiências, atuais e passadas, de pais, cui-
dadores, tutores, amigos e profissionais de pessoas com DI ou autismo. Participaram
96 pessoas residentes na Irlanda ou no Reino Unido, cuidadores de pessoas com diag-
nóstico de DI ou autismo que responderam um questionário on-line. Dos 87% entrevis-
tados que responderam a questão sobre utilização de recursos de TA: 30% utilizavam
40

TA em mais de um aparelho tecnológico; 32% acessavam TA por meio de tablets; 9%


usavam computador; 8% usavam smartphone; 4% usavam dispositivo de comunicação
aumentativo; 2% usavam wearable; e 2% selecionaram “outro”. Em relação à função
para a qual as TA foram utilizadas: 31% utilizaram para função educacional; 25% utili-
zaram para comunicação; 16% utilizaram para comportamentos desafiadores; 15%,
para planejamento e organização; 10%, para habilidades sociais; 2 % utilizaram para
memorização; As experiências com as TA foram classificadas em: muito boa (38%);
boa (43%); justa (14%); e ruim (5%). Em relação a sugestões: 22% sugeriram pro-
gramação e planejamento; 19%, comunicação; 17%, maior acessibilidade; 11%, trei-
namento de habilidades; 14% falaram que se sentem inseguros; 8% sugeriram perso-
nalização; e 8%, habilidades sociais. A gestão de dinheiro, a partir da fala e linguagem,
foi identificada como desejável para TA. Constatou-se, nesse estudo, que tecnologias
móveis se apresentaram como efetivas para o processo de aprendizagem.
Schlosser et al. (24), em um estudo qualitativo e descritivo, forneceram suportes
visuais JIT (Just In Time) no formulário de dicas de cena (fotos representativas ou vi-
deoclipes) para aumentar a capacidade de resposta à instrução falada recebida por
crianças com diagnóstico duplo de DI e autismo. Exploraram se a cena fornecida pelo
JIT permite que as crianças implementem diretivas que não foram capazes de comple-
tar apenas com a fala e testaram a viabilidade de fornecer dicas de cena no Apple
Watch®. Essa tecnologia foi aplicada em cinco crianças com diagnóstico duplo de DI e
autismo. Para isso foram utilizados: Ipad, Apple Watch®; objetos e fotografias para a
tarefa de triagem; cinco falas diretivas e suas pistas de cena correspondentes para a
tarefa de triagem; objetos e estatuetas; 10 diretivas faladas envolvendo frases preposi-
cionais ou frases de ação e suas correspondentes estáticas e dinâmicas (dicas de cena).
Esse estudo apresentou evidências preliminares de que as dicas de cena podem ser
fornecidas com sucesso. Mostrou também que essas crianças podem utilizar informa-
ções visuais importantes, apesar do tamanho pequeno da tela do Apple Watch®, o que
sugere que é uma tecnologia potencialmente viável para suportes visuais JIT das crian-
ças com DI e autismo.
Alja'am et al. (1) apresentaram um sistema tecnológico inovador para crianças
com DI a fim de melhorar sua compreensão e funções cognitivas, por meio de multimí-
dias. Participaram do estudo dois usuários de sistemas. O sistema é composto por três
componentes principais: o primeiro, um corpus que agrupa histórias para crianças e
palavras com seus “pesos” que podem ser usados para mostrar sua importância no
domínio do discurso (animais, alimentos e árvores); o segundo é formado por vários
algoritmos, os quais foram usados para classificar as frases da história e selecionar as
mais representativas; o terceiro consistiu em traduzir as frases para multimídia (ima-
gens e clipes). O sistema é dinâmico e os instrutores solicitam elementos adicionais de
multimídia por meio de acesso ao Google sempre que necessário. Foram usados três
domínios com 50 histórias de estrutura simples e as palavras comuns foram determi-
41

nadas com sua importância em cada domínio. Observou-se que o sistema contribui
para a reintegração das crianças com DI na sociedade e para quebrar a sua marginali-
zação e isolamento.
Bunning et al. (7) desenvolveram e exploraram de que maneiras um software de
reconhecimento de símbolos de acesso livre, disponível nos computadores, pode bene-
ficiar pessoas com DI. A pesquisa foi realizada com cinco pessoas com DI profunda e
múltipla, com idade entre 15 e 28 anos. Os símbolos foram introduzidos durante as
atividades realizadas no computador, em quatro tentativas e com intervalos mensais.
Cada tentativa foi gravada em vídeo. Aspectos vocais e não vocais relacionados ao
computador das filmagens foram transcritos para a ortografia padrão. Uma estrutura
de codificação baseada em linguística estrutural foi usada para codificar os movimen-
tos de ação. As transcrições foram revisadas e comparadas com o vídeo. As anotações
de código foram aplicadas às transcrições. A pesquisa mostrou que o sistema poderia
fornecer uma plataforma para o engajamento e aprendizado de indivíduos com DI
múltipla. Entretanto, o estudo levantou dois fatores a serem analisados com cuidado:
quem seria o maior beneficiado; e qual o papel do sujeito facilitador. A aplicação da
linguística estrutural-funcional para esse tipo de atividade possibilitou a análise de
desempenho do usuário no contexto em que houver a mediação humana. Os autores
mostraram que existe potencial para generalizar o uso para outras atividades e para
dar suporte e compreensão aos auxiliares sobre como trabalhar com indivíduos com
DI múltipla.
Boot et al. (6) exploraram os fatores que influenciam o acesso e o uso contínuo a
TA em 20 adultos com DI e com registro geral na província de Western Cape da África
do Sul. Foram realizadas entrevistas presenciais e 17 provedores de TA foram analisa-
dos tematicamente. Buscou-se sugerir as implicações potenciais dessas descobertas e as
ações necessárias para promover o acesso a TA. Os autores concluíram, a partir dos da-
dos, que indivíduos com DI no ambiente escolar / acadêmico enfrentaram muitos desa-
fios ao tentar acessar TA. Para aqueles que conseguiram adquirir as ferramentas de TA,
o uso contínuo foi influenciado tanto por variáveis pessoais do usuário quanto por fato-
res ambientais. Os fatores que influenciaram o acesso e o uso de TA foram: atitudes da
comunidade, conhecimento e consciência para identificar a necessidade de TA, treina-
mento e instruções de TA para apoiar o usuário, e a rede de atendimento. Os autores
apontaram que mais pesquisas são necessárias e, particularmente, pesquisas que po-
nham em primeiro plano as visões e experiências das próprias pessoas com DI, bem co-
mo dos prestadores de serviços.
Fage et al. (14) apresentaram um pacote de aplicativos móveis que fornece assis-
tência e reabilitação cognitiva, a fim de apoiar a inclusão das crianças com DI e autismo
no ambiente escolar. Participaram desse estudo 20 crianças com DI e 30 crianças com
autismo. A coleta de dados foi realizada durante o período de três meses, nas residên-
cias dos sujeitos e no ambiente escolar. As crianças com DI que utilizam o tablet exibi-
42

ram melhoras na performance dos testes ao final das intervenções. A abordagem sis-
temática, tanto no local assistência como no treinamento cognitivo dos processos soci-
ocognitivos, com intervenção de três meses, com base em aplicações “Escola +”, permi-
tiu a inclusão dos participantes nas salas de aula regulares, com melhor participação
social. Esses resultados são promissores e apoiam a inclusão de “Intervenções basea-
das em tecnologia móvel”, em intervenções ecológicas terapêuticas e compensatórias
para crianças com DI.
Cankaya e Kuzu (8) investigaram a eficácia de um software de ensino móvel de-
senvolvido para uso de pais de crianças com DI. Participaram do estudo quatro mães
de pessoas com DI. Esse software móvel de ensino de habilidades foi desenvolvido pa-
ra benefício de pais com filhos com DI. Avaliou-se se a pessoa com DI cumpria os está-
gios de habilidades relevantes de forma independente, com pista verbal, modelagem,
ou com o auxílio físico. No processo de coleta de dados, foram realizadas 32 atividades
de ensino e 20 práticas de coleta de dados relacionadas às fases de linha de base e
acompanhamento. Os 52 vídeos gravados nesse estudo foram vistos por um especialis-
ta em educação especial, e os desempenhos dos indivíduos com DI foram determina-
dos (a porcentagem de estágios de habilidade realizados de forma independente). Os
dados sugerem que as atividades realizadas pelos pais com o uso do software foram
eficazes.
A seguir, destacam-se os principais pontos dos artigos de revisão listados na Tabe-
la 3, que sumariza os artigos sobre uso de TA na DI.
Cannella-Malone et al. (9) forneceram aos professores ferramentas tecnológicas
que poderiam ser usadas a fim de ensinar a expressão escrita para alunos em idade
escolar com diagnóstico de DI. Conhecidas como TA, essas ferramentas podem apoiar a
expressão escrita em alunos com DI nas modalidades conhecidas como: de baixa tec-
nologia assistiva, que fornece suporte físico para os alunos enquanto escrevem (pu-
nhos de lápis, placas inclinadas etc.); teclado alternativo, que pode ser personalizado
para atender às necessidades individuais de cada aluno (por ex.: Intellikeys); programa
de escrita baseada em seleção, que fornece uma série de palavras ou imagens que po-
dem ser escritas e que os alunos podem se expressar circulando os requisitos da lin-
guagem (por ex.: Clicker 6, sentenças de Clicker, Pixwriter); leitores de tela, que leem
texto contido na tela em voz alta (por ex.: JAWS, Job Acces With Speech); software de
voz para texto, que permite que um aluno fale o que quer escrever e, assim, o texto é
gerado em um programa de computador (Dragon Naturally Speaking, Siri); software de
previsão de palavras (coescritor), que prevê o resto de uma palavra depois de iniciada
pelo aluno; software de organização gráfica (Kidspiration, Draftbuilder), que fornece
modelos a partir dos quais os alunos conseguem organizar gráficos ao preenchê-los
com texto e imagem. Observou-se que os professores podem escolher entre uma vari-
edade de acomodações e TA para apoiar a instrução dada aos alunos com DI.
43

Tabela 3. Sumários dos artigos de revisão sobre uso de TA na DI.

Contribuições científicas das TA para


Autor(es) (ano) Objetivo
o aprendizado de pessoas com DI

Cannella-Malone Fornecer aos professores ferramentas Elencaram-se como as ferramentas de


et al. (2015) (9) que possam usar para ensinar a expres- TA apoiam a expressão escrita em alu-
são escrita a crianças em idade escolar nos com DI, incluindo: baixa TA; teclado
diagnosticadas com DI. alternativo; programa de escrita basea-
da em seleção; software de voz para
texto; software de previsão de palavras;
software de organização gráfica. Esses
suportes podem ajudar alunos a evitar
obstáculos comuns para desenvolver
produtos escritos coesos.
Ayres et al. Examinar as tecnologias, especifica- Para integrar com sucesso a tecnologia
(2013) (3) mente as tecnologias móveis, que po- em qualquer programa educacional, os
dem ser usadas para apoiar e ensinar os profissionais precisam entender como
alunos com DI e autismo a serem mais funciona a tecnologia disponível. Esse
independentes. aplicativo de tecnologias móveis para
alunos com DI e autismo oferece a
oportunidade para o psicólogo escolar
deixar de fornecer suporte direto.
Collins e Collet- Examinar amplamente a utilidade do Após extensa revisão de todos os estu-
Klingenberg PEAT como ferramenta de apoio às dos, evidências convergentes apoiam a
(2013) (10) pessoas com DI ao concluir tarefas rela- eficácia da tecnologia portátil usada
cionadas ao trabalho em uma revisão como mecanismo para ajudar os indiví-
sistemática da literatura. duos com DI ao concluir tarefas relaci-
onadas ao trabalho

Ayres et al. (3) examinaram as tecnologias móveis que podem ser usadas para
apoiar e ensinar alunos com DI e autismo a serem mais independentes. Para integrar
com sucesso a tecnologia em qualquer programa educacional, os profissionais preci-
sam ter consciência da tecnologia disponível, compreender como ela pode ajudar na
instrução, conhecer as maneiras de apoiar as atividades no dia a dia e, finalmente, a
capacidade de ensinar os alunos. Tais oportunidades estão relacionadas à prática e
incluem melhores métodos para personalizar a instrução fornecendo suporte just-in-
time, minimizando a necessidade de ter a presença constante de um adulto.
Collins e Collet-Klingenberg (10) realizaram uma revisão sistemática da literatura
empírica, realizada entre 2000 e 2015, que envolveu o uso de tecnologia portátil espe-
cífica para apoiar pessoas com DI na realização de trabalhos relacionados a tarefas.
Primeiramente, foi realizada uma busca eletrônica completa nos bancos de dados do
Centro de Informações de Recursos Educacionais, Academic Search Premier e PsycIN-
FO de 2000 a 2015, com as palavras-chave “DI, deficiência intelectual ou retardo men-
44

tal”, combinadas com as palavras “computador portátil, PDA, assistente digital pessoal,
portátil reprodutor de mídia, palmtop, computador portátil de bolso (PC), dispositivo
eletrônico portátil, MP3, iPhone, iPad ou iPod”. Em seguida, uma pesquisa manual foi
realizada nos seguintes periódicos, cobrindo o período de 2000 até 2013: JABA, JSET e
ETADD. Dezenove estudos foram identificados para revisão, com ênfase na identifica-
ção: das características dos participantes e configurações, dos tipos de tecnologia por-
tátil e formatos de solicitação usados, dos projetos de pesquisa utilizados, das variá-
veis independente e dependente, das medidas de confiabilidade e validade, e da eficá-
cia geral das intervenções. O objetivo dessa pesquisa foi examinar amplamente a utili-
dade de TA portátil como ferramenta de apoio às pessoas com DI ao concluírem tare-
fas relacionadas ao trabalho. Após uma extensa revisão de todos os estudos, evidências
convergentes apoiam a eficácia de TA portáteis usadas como mecanismo para ajudar
os indivíduos com DI a concluir tarefas relacionadas ao trabalho.
A Tabela 4 sumariza os artigos empíricos sobre uso de TA no TEAp. Detalhes mais
relevantes dos artigos são descritos na sequência.
Damiano et al. (13) investigaram a legibilidade de sites para usuários com dislexia
e leitores neurotípicos. Avaliaram se, e como, poderia ser melhorada a acessibilidade
de usuários com dislexia às páginas da web, além de determinar quais outros requisi-
tos de acessibilidade, presentes nas diretrizes WCAG (para acessibilidade da Web),
poderiam ser adicionados aos atuais. O teste consistiu na leitura de dois textos narra-
tivos apresentados em dois sites diferentes, seguido por uma análise de compreensão
textual e por um questionário de preferência. Os dois sites, denominados para esse
estudo como Site A e Site B, diferem em seu estilo. O Site A foi estruturado para aten-
der aos requisitos atuais das WCAG 2.0, enquanto o Site B adicionou soluções específi-
cas, como largura da coluna, caracteres, tamanho da fonte, espaçamento entre linhas,
título e menu, cor do texto, glossário e layout. Participaram do estudo 26 alunos, com
idades entre 8 e 15 anos, 16 homens e 10 mulheres, com diagnóstico prévio de disle-
xia. Os testes foram realizados em escolas de Ensino Fundamental e Médio, em salas de
informática ou em salas isoladas e silenciosas. Os resultados mostraram que outras
modificações no estilo da página, além daquelas consideradas pelas WCAG (por exem-
plo, tipo de fonte, tamanho e largura da coluna), foram apreciadas por usuários com
dislexia e podem ser consideradas opções de personalização adicionais para esse tipo
de usuário.
Polat et al. (23) verificaram a efetividade de um aplicativo de dispositivo móvel que
permite o engajamento físico e multissensorial de estudantes com dificuldades especí-
ficas de aprendizado. Participaram do estudo três estudantes turcos da 7ª série, com
TEAp. Foi utilizado um aplicativo móvel e tangível elaborado pelos autores do artigo.
Esse aplicativo apresentava: um teste, que era realizado após intervenção a fim de com-
pará-lo com os resultados da linha de base; um tutorial; e uma parte prática contendo
22 questões, que foram aplicadas nos momentos pré-teste e pós-teste. Além disso, fo-
45

ram usadas mesa, câmera filmadora, sala de aula especial. Verificou-se que o aplicativo
móvel se apresentou como benéfico, possibilitando aos alunos com TEAp maior eficá-
cia no aprendizado. Em evidências preliminares constatou associação entre o uso do
aplicativo com o aprimoramento no conhecimento dos estudantes com TEAp. O aplica-
tivo foi capaz de chamar mais atenção dos estudantes e eles se mostraram abertos pa-
ra utilizá-lo, mantendo contato visual e respondendo com ações apropriadas.

Tabela 4. Sumários dos artigos empíricos sobre uso de TA no TEAp.

Contribuições científicas de TA para


Autores / ano Objetivos
o aprendizado de pessoas com TEAp

Damiano et al. / Investigar a legibilidade de sites para Os resultados mostraram que outras
2019 (13) usuários com dislexia, bem como leito- modificações no estilo da página, além
res neurotípicos. Avaliar se, e como, daquelas consideradas pelas WCAG
pode ser melhorado o nível de acessibi- (por exemplo, tipo de fonte, tamanho e
lidade às páginas da web para usuários largura da coluna), melhoram a apren-
com dislexia, e determinar quais novos dizagem dos usuários com dislexia.
requisitos podem ser adicionados aos
atuais propostos pelas WCAG diretrizes
para acessibilidade na web.
Polat et al. / 2019 Verificar a efetividade de um aplicativo Verificou-se que o aplicativo móvel
(23) de dispositivo móvel que permite o tangível se apresentou como benéfico,
engajamento físico e multissensorial de possibilitando maior eficácia ao aluno
estudantes com dificuldades específicas com TEAp. Em evidências preliminares
de aprendizado. foi possível constatar uma associação
entre o uso do aplicativo com o aprimo-
ramento no conhecimento dos estudan-
tes com TEAp.
Berkeley e Linds- Apresentar como podem ser usadas as As TA emergentes oferecem oportuni-
tron / 2011 (4) TA aplicadas às situações de aprendiza- dades de preparar os alunos com TEAp
gem específicas e como elas podem para o mundo tecnológico atual. Exibir
corrigir habilidades específicas por o material na tela do computador não
meio da prática individualizada e repe- traz habilidade de leitura superior; é
titiva em crianças com TEAp. necessário oferecer oportunidades
únicas para reformatar e aprimorar o
texto de maneira que possa dar suporte
à compreensão de leitura.
Monem et al. / Comparar uma condição de resposta Os resultados indicaram que ambas as
2018 (16) ativa do aluno (ASR) em baixa tecnolo- intervenções tiveram um grau de eficá-
gia (estratégia de notebook interativo) cia na capacidade dos alunos de obter
a uma condição ASR de alta tecnologia ganhos de aprendizagem. As pontuações
(Quizlet Application em um iPad) usada médias de pós-aula dos participantes-
como revisões de final de sessão de testes sugerem que o Quizlet no iPad
conteúdo de história em crianças com produziu resultados ligeiramente me-
TEAp. lhores.
46

Tabela 4. Sumários dos artigos empíricos sobre uso de TA no TEAp.

Contribuições científicas de TA para


Autores / ano Objetivos
o aprendizado de pessoas com TEAp

Kellems et al. / Examinar a eficácia do ensino de ma- Foi identificada uma relação funcional
2020 (15) temática baseado em vídeo em alunos entre a porcentagem de etapas concluí-
com diagnóstico de TEAp, usando um das corretamente na seleção de pro-
pacote de treinamento baseado em blemas matemáticos e o pacote de in-
realidade aumentada. tervenção baseado em realidade au-
mentada (AR). Todos os alunos mostra-
ram uma melhora substancial em seu
desempenho após receberem a inter-
venção. No entanto, nem todos os ga-
nhos foram mantidos.

Berkeley e Lindstron (4) apresentaram como usar as TA aplicadas às situações de


aprendizagem específicas e como corrigir habilidades por meio da prática individuali-
zada e repetitiva em crianças com TEAp. Tratou-se de um estudo de caso com dois alu-
nos, Jéssica e Johnny. Jéssica estava no 9º ano, residia nos Estados Unidos há 2 anos.
Johnny estava no 4º ano, tinha a capacidade de entender o conteúdo do curso, mas
sempre levava o dobro de tempo dos colegas para concluir as leituras; ele recebia ser-
viços de educação especial para aprimorar suas habilidades básicas de leitura e não
era um leitor fluente. Utilizou-se TA com acesso gratuito ou de baixo custo. Observou-
se que com as TA têm existido mudanças na forma de como os alunos acessam texto
em sala de aula. Para adolescentes com TEAp e outros leitores com dificuldades, essas
tecnologias oferecem oportunidades, preparando-os para o mundo tecnológico de ho-
je. Apenas exibir o material na tela do computador não faz com que o aluno com difi-
culdades de aprendizado desenvolva habilidades de leitura superior; no entanto, o
meio eletrônico oferece oportunidades únicas para reformatar e aprimorar o texto de
maneiras que podem dar suporte à melhor compreensão de leitura.
Monem et al. (16) compararam uma condição de baixa tecnologia (estratégia de
notebook interativo) a uma condição de alta tecnologia (Quizlet Application em um
iPad) usada como revisões de final de sessão de conteúdo de história em crianças com
TEAp. Participaram sete alunos hispânicos do Ensino Médio com TEAp (idades de 13 a
15 anos). Seis deles estudavam em classes para alunos que falam inglês e outras lín-
guas. Como materiais foram usados o currículo aprovado pelo estado e pelo distrito
escolar para estudos sociais do Ensino Médio, livros didáticos de história dos EUA, um
quadro branco interativo, um computador com o software Microsoft PowerPoint para
apresentação de aulas, canetas e lápis, marcadores de texto, cadernos e quatro iPads
com o aplicativo Quizlet. O Quizlet App no iPad é um aplicativo interativo, que integra
texto, som e gráficos, que permite aos alunos estudarem o material usando três modos
47

diferentes: cartões, aprender e combinar. Todos os participantes demonstraram me-


lhoras em suas pontuações de teste durante ambas as condições de intervenção. Os
resultados do estudo indicaram que ambas as intervenções apresentaram um grau de
eficácia na capacidade dos alunos de obter ganhos de aprendizagem. As pontuações
médias de pós-aula dos participantes sugerem que o Quizlet no iPad produziu resulta-
dos ligeiramente melhores em cinco dos sete participantes.
Kellems et al. (15) examinaram a eficácia do ensino de matemática com vídeo em
um pacote de treinamento baseado em realidade aumentada. Participaram do estudo
sete alunos da7ª e 8ª séries, do centro oeste dos EUA, e com o diagnóstico de TEAp. Na
escola, esses alunos tinham metas de matemática determinadas pelo Programa de
Educação Individualizada, que incluíam matrícula em uma aula geral de matemática e
também em uma aula de apoio de matemática de recursos. Todos esses alunos foram
previamente avaliados e possuíam capacidade visual e auditiva para participar das
atividades de intervenção (vídeos, checklists e questionário de validade social). Os re-
sultados indicaram uma relação funcional entre a intervenção matemática baseada em
vídeo e a porcentagem de etapas concluídas corretamente para cada tipo de problema.
Todos os sete participantes mostraram ganhos significativos imediatamente após re-
ceber a intervenção. Em relação à manutenção de ganhos, os alunos mantiveram as
habilidades de resolução de problemas em pelo menos três das quatro categorias de
problemas. Conforme o estudo, os resultados são promissores, porém mais pesquisas
são necessárias para fornecer evidências da melhora da precisão matemática e da
compreensão conceitual para alunos com TEAp, especialmente em relação à manuten-
ção em longo prazo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observou-se, em todos os artigos descritos nesta revisão, que as TA se apresentam


como metodologia eficiente e eficaz para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem
em crianças com TEAp e DI. No entanto, a maioria dos estudos levanta a necessidade
de treinamento específico voltado tanto para o aluno quanto para o professor / cuida-
dor a fim de se obter êxito com o uso das TA. Os tipos de TA utilizados foram aquelas
baseadas em tecnologias da informação e comunicação com o auxílio de aplicativos
móveis, tablets, smartphones, Ipad, Apple Whatch®, suportes visuais JIT, sistemas, apli-
cativos, software, computador, sites, programas para melhorar o acesso às TA. Vários
sistemas foram apresentados contendo símbolos, jogos digitais, checklist, histórias,
figuras, vídeos, formulários de dicas, falas diretivas, todos voltados para o ensino e
aprendizagem.
Os ganhos adquiridos nas pesquisas com TA para DI foram principalmente nas se-
guintes áreas: maior independência, desenvolvimento de habilidades de agendamento,
48

planejamento, comunicação (19), aprendizagem por dicas de cenas (24), reintegração


das crianças com DI (1, 14), generalização de aprendizado para vida (7), auxílio aos
pais para ensinar seus filhos (8), auxílio na escrita de forma coesa (9), cumprimento
das tarefas (10). Além disso, os estudos apontam que treinamentos devem ser realiza-
dos tanto com professores, para saber escolher a melhor TA, quanto com alunos, pais e
cuidadores a fim de obter melhor eficácia das TA (6), o que minimiza a necessidade da
presença constante dos pais ou cuidadores (3). Em relação às TA para as pessoas com
TEAp, observou-se que houve ganho em relação à eficácia nas respostas ao aprendiza-
do (16, 23), possibilidade de reformatar e melhorar a compreensão de textos (4), me-
lhora substancial em cálculos matemáticos (15) e de entender que sites personalizados
para pessoas com TEAp auxiliam no aprendizado (13).
À guisa de conclusão, mais estudos devem ser desenvolvidos a fim de criar, validar
e testar TA, recursos digitais, jogos educativos, inclusive apresentando situações reais
que podem trazer maior generalização do aprendizado para outras situações. Dos arti-
gos relacionando TA e DI, um apresentou nível de evidência científica 1 e 2, dois arti-
gos apresentaram nível de evidência 3 e 5 e quatro artigos apresentaram nível de evi-
dência 4. Já em relação às TA no TEAp, um artigo apresentou nível de evidência cientí-
fica 3 e quatro apresentaram nível de evidência 4. Esses resultados reforçam a neces-
sidade de desenvolver mais estudos que possam apresentar maiores níveis de evidên-
cia científica, pois só tiveram dois artigos com nível de evidência (1 e 2) considerado
alto. Além disso, os estudos empíricos encontrados foram desenvolvidos com poucos
participantes, apresentando estudos de casos que não possibilitam a generalização dos
dados. No entanto, como um estudo exploratório, o presente estudo cumpriu os requi-
sitos de apresentar as contribuições científicas encontradas sobre TA, DI e TEAp.

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51

O uso da tecnologia para intervenções em

crianças e adolescentes com transtorno do

déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

Juliana Dalla Martha Rodriguez

Nadia Maria Giaretta Ranalli

Lara Caldas Medeiros de Sá Zandoná D´Almeida

Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira


52

INTRODUÇÃO

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição que


gera prejuízos ao neurodesenvolvimento, cujo diagnóstico é predominantemente clíni-
co e requer uma avaliação detalhada dos sintomas e do comprometimento funcional
da criança. Inúmeras são as dificuldades que essas crianças e adolescentes enfrentam
para condução da rotina diária devido às manifestações. O TDAH tem alta prevalência,
impacta o funcionamento adaptativo da pessoa (7), e afeta tanto o indivíduo quanto a
sua família e comunidade (10). A gravidade das manifestações determina o tipo de
intervenção, acompanhamento interdisciplinar e necessidade de medicamento. O
acompanhamento psicológico, pedagógico, psiquiátrico (23, 28) e uso de medicamen-
tos devem ser ajustados periodicamente em conjunto com as intervenções neurocom-
portamentais (13).
Para acompanhamento e tratamento desse transtorno, a participação ativa dos
pais e/ou responsáveis é de suma importância, para que as medidas adotadas tenham
adesão, também, pela criança ou adolescente. Ao longo do desenvolvimento, a criança
com TDAH pode apresentar comorbidades, o que aumenta o risco de baixo desempe-
nho e evasão escolar. Em sala de aula, as crianças com TDAH necessitam de estratégias
que possibilitem o processo de ensino e aprendizagem já que a dificuldade de concen-
tração nas tarefas e em autorregulação do comportamento (4) restringem o potencial
acadêmico. As estratégias de intervenção precisam ser planejadas para minimizar os
impactos do déficit de atenção nesse processo.
O uso apropriado de tecnologias avançadas pode minimizar os entraves no pro-
cesso de aprendizagem de forma personalizada, interativa e inovadora. Os estímulos
audiovisuais gerados podem auxiliar a concentração e atenção durante as atividades
dos diferentes cenários (6). Algumas estratégias utilizadas no contexto escolar, como o
uso do treinamento cognitivo computadorizado e dos jogos digitais, são intervenções
possíveis e com resultados positivos. No ano de 2020, a Food and Drug Administration
(FDA) aprovou o uso de um jogo de videogame como terapia digital, para apoiar no
tratamento de crianças com sintomas de TDAH (25). Tal ação corrobora com o cres-
cente foco na temática e exalta a utilização de ferramentas tecnológicas no processo de
tratamento e/ou adaptação das crianças e adolescentes com TDAH nas diferentes ne-
cessidades educacionais e sociais.
Este capítulo tem como proposta apresentar um breve contexto sobre o TDAH em
crianças e adolescentes, destacar a necessidade de novas estratégias pedagógicas para
o processo de aprendizagem dessas crianças e direcionar sobre a utilização do treina-
mento cognitivo computadorizado e dos jogos digitais como suporte aos processos
adaptativos e de tratamento desse público.
53

O TDAH EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por sintomas de


desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade. A prevalência de crianças com TDAH
na população pode variar em relação ao tempo, critério diagnóstico e tipo de metodo-
logia empregada na pesquisa. No caso dos Estados Unidos, a FDA relata que as modifi-
cações nos métodos e critérios de diagnóstico que ocorreram ao longo dos anos resul-
taram em taxas diferentes de acometimento da população. Em 2016, os dados indica-
vam que 6,1 milhões de crianças e adolescentes foram diagnosticados com TDAH, com
maior parcela concentrada entre 12 e 17 anos, seguida de 6 a 11 anos e, menos fre-
quentemente, em crianças entre 2 e 5 anos de idade. Entre os anos de 2017 e 2018,
The National Survey of Children’s Health (NSCH) realizou um levantamento sobre as
condições de saúde que (11) acometem crianças, e o TDAH foi comumente relatado.
O diagnóstico e tratamento da criança ou adolescente com TDAH demanda um co-
nhecimento acurado do profissional. Além dos sintomas e funções cognitivas afetadas
no transtorno, é importante considerar os correlatos comportamentais de como esses
sintomas se manifestam frente às demandas do dia a dia.

Uma das principais características do TDAH é sua pluralidade de sin-


tomas comportamentais e cognitivos. Devido a isso, a avaliação neu-
ropsicológica e comportamental se mostra de suma importância para
firmar e diferenciar os déficits cognitivos e os comportamentais de ca-
da caso. (4).

Uma avaliação comportamental eminentemente clínica exige a combinação de ins-


trumentos de avaliação, incluindo questionários / inventários / checklists, observação
comportamental e realização de entrevistas, tanto para a realização do diagnóstico
quanto para a construção e monitoramento de intervenções personalizadas. Para fins
diagnósticos, os principais indicadores a serem verificados nessas avaliações são os
problemas de desempenho escolar e os comportamentos de desatenção, hiperativida-
de ou impulsividade. A complexidade da avaliação comportamental está associada à
variabilidade de ambientes em que os sintomas, sinais e dificuldades comportamentais
associados ao transtorno se manifestam.

PROCESSO DE APRENDIZAGEM E ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS

As crianças e adolescentes com TDAH podem apresentar dificuldades em várias


áreas do desenvolvimento e cenários, com mais frequência no âmbito escolar. As alte-
54

rações e/ou déficits nas funções executivas (FE) são comuns em pessoas com TDAH e
geram os principais prejuízos funcionais.
Funções executivas se referem às habilidades cognitivas ou funções mentais com-
plexas ou superiores que exercem papel importante no processo de adaptação a novas
situações ou àquelas de maior complexidade (4, 21). Essas funções são basilares para o
processo de regulação de diversas habilidades intelectuais, sociais e emocionais (9). A
atenção seletiva, o controle inibitório, planejamento, organização, flexibilidade cogni-
tiva, memória operacional e autorregulação são indicadores de FE (13).

O perfil de funcionamento cognitivo característico de crianças com


TDAH, que envolve déficits em controle executivo, associado às fragi-
lidades de regulação das emoções e habilidades sociais, aumenta a
chance de que elas tenham dificuldades no ambiente escolar. (4).

Além do desenvolvimento de habilidades cognitivas, a implementação de repertó-


rios comportamentais no contexto de sala de aula com foco nas funções executivas e
de autorregulação é importante. Um programa de intervenção comportamental que
possibilite ao “[...] professor atuar para reduzir a frequência de comportamentos típi-
cos de crianças com esse diagnóstico no contexto de sala de aula e, consequentemente,
ampliar as condições favoráveis para sua aprendizagem” (4) pode proporcionar a cri-
anças e adolescentes com TDAH melhores condições de aprendizagem.
O processo de aprendizagem é amplo, multidisciplinar e multifatorial, sendo mais
complexo quando se considera o contexto de crianças e adolescentes com TDAH. É
imprescindível que o currículo seja diversificado e ampliado, tanto no requisito conte-
údo como na esfera de profissionais atuantes no processo, para enaltecer as habilida-
des e atuar nas especificidades de cada indivíduo.
A psicopedagogia possibilita a informação e ampliação dessas novas ferramentas e
técnicas de aprendizagem com benefício direto a professores e alunos. As ações e in-
tervenções psicopedagógicas contribuem significativamente com as atividades especí-
ficas de sala de aula e refletem nas atividades de vida diária e práticas da criança ou
adolescente com o transtorno. Alterações de imediato devem fazer parte dessas mu-
danças, como estimular as ações concretas, estipular metas e prazos a serem cumpri-
dos, realizar monitoramento constante das atividades e diversidade das ferramentas
utilizadas, e a tecnologia pode e deve estar diretamente associada.
As estratégias de intervenção junto a pais de crianças e adolescentes com TDAH,
referenciadas como padrão-ouro, são: (a) estimulação cognitiva, (b) treinamento pa-
rental, e (c) intervenções cognitivo-comportamentais associadas ou não a uso de me-
dicação. Já no contexto escolar, são necessárias adequações pedagógicas e educacio-
55

nais, assim como diferentes estratégias para o desenvolvimento adequado de habili-


dades de aprendizagem e socialização de crianças e adolescentes com TDAH.
Nesse cenário, os jogos podem ser utilizados como estratégias, que, por meio de
desafios mentais, exigem o engajamento das crianças e adolescentes na busca por so-
luções para os desafios. “No processo, o sujeito aprende sobre si, sobre o jogo e a cons-
trução de regras, sobre as relações sociais envolvidas no ato de jogar, além da interdis-
ciplinaridade entre conteúdos correlacionados.” (2).
As diferentes abordagens tecnológicas auxiliam o tratamento de crianças e ado-
lescentes com o transtorno de forma personalizada, facilitam o acesso aos cuidados e
possibilitam intervenções que podem ser realizadas nos contextos escolar, domiciliar,
clínico e de laser. O avanço da tecnologia pode trazer um novo horizonte frente aos
déficits que acometem as crianças e adolescentes com TDAH (18-24).

TREINAMENTO COGNITIVO COMPUTADORIZADO E JOGOS DIGITAIS

As tecnologias atuais possibilitam formas inovadoras de intervenção terapêutica.


Os jogos cognitivos eletrônicos são considerados "[...] um conjunto de jogos variados
que trabalham aspectos cognitivos, propondo a intersecção entre os conceitos de jo-
gos, diversão e cognição" (16, 17). Os jogos digitais, como os de videogame, têm sido
utilizados para “[...] testar a função cognitiva, como intervenções terapêuticas para
distúrbios neuropsiquiátricos e para explorar mecanismos de mudanças cerebrais es-
truturais dependentes de experiência” (20). Tais recursos trazem uma nova perspecti-
va e um panorama positivo e inclusivo para crianças e adolescentes com TDAH (18-
22).
A partir desse pressuposto, considera-se que os desafios e os atributos dos jogos
contribuem para o exercício e desenvolvimento de habilidades cognitivas. O jogo Ama-
zing Alex1, desenvolvido pela Rovio Entertainment, auxilia crianças e adolescentes com
TDAH ao propor o planejamento de estratégias para a conclusão dos níveis. As situa-
ções propostas nos jogos digitais têm como foco a solução de problemas. Para tanto,
exige das funções executivas para o planejamento e, consequentemente, da interação
entre memória, atenção e flexibilidade cognitiva (1).
Um estudo que mediu a tolerância de curto prazo ao uso de tecnologias demons-
trou que as ferramentas tecnológicas, tais como videoaulas indisponíveis nas aulas
presenciais e que podem ser acessadas e assistidas várias vezes, tiveram como resul-
tado a diminuição da ansiedade e estresse. A tecnologia associada à educação, indepen-
dentemente da modalidade, acrescenta novas ferramentas ao processo educacional e de
ensino e aprendizagem (3).
56

Por apresentarem dificuldades específicas, as crianças e adolescentes com TDAH


necessitam, incondicionalmente, de mais estímulos cerebrais em comparação àqueles
que não têm o transtorno. Tal particularidade pode ser alcançada com auxílio de jogos
como afirmam estudos. A Game Based Learning (GBL) se define por uma aprendizagem
estruturada em jogos e tem como eficácia comprovada maior motivação dos alunos,
posto que é apresentada uma gama de opções sobre os conteúdos abordados em sala
de aula, sempre intermediados por dispositivos eletrônicos. Outro facilitador dessa
ferramenta é que a atividade pode ser realizada ou continuada em qualquer ambiente
e tempo, não se limita às paredes da escola (19).
Um estudo de revisão sistemática, com objetivo de avaliar intervenções e trata-
mentos com videogame, demonstrou que as ferramentas foram bem aceitas pelos pa-
cientes e proporcionaram melhorias nas áreas cognitivas e na redução dos sintomas
do TDAH. A gamificação e o treinamento cognitivo foram os principais recursos utili-
zados para avaliação e intervenções baseadas em jogos (28).
Os benefícios da gamificação, técnica que promove uma mudança comportamental
e envolvimento dos usuários, demonstram que efeitos recompensadores dos videoga-
mes podem ter especial importância na melhor adesão ao tratamento. Em complemen-
to, podem não ser percebidos como forma de tratamento ou como uma imposição dos
cuidadores, são menos onerosos para as crianças, podem aumentar a participação e a
motivação do paciente (8), e aprimorar as funções cognitivas e neurobiológicas (26).
Nos últimos anos, com o avanço tecnológico, foi possível desenvolver intervenções
para facilitar o autogerenciamento dos sintomas do TDAH em crianças e adolescentes.
Em um estudo que teve como objetivo fornecer recomendações para o desenvolvimen-
to de intervenções tecnológicas futuras que facilitam o autogerenciamento do TDAH,
alguns pontos foram destacados como fundamentais para o sucesso da intervenção: a
utilização do feedback recompensador positivo, de jogos disponíveis para download,
de componentes personalizáveis e adaptáveis, componentes de psicoeducação, inte-
gração de estratégias de autogestão, ambiente e contexto adequado (13).
Em seguida foram apresentadas recomendações, assim como o contexto ideal para
intervenção com crianças e adolescentes com TDAH, a partir de uma revisão da litera-
tura científica (13). No Quadro 1, ao lado de cada recomendação, há um conjunto de
circunstâncias ou ambientes em que a intervenção tecnológica para crianças e adoles-
centes deve ser realizada. Como exemplo, temos a recomendação de possibilitar um
feedback visual e auditivo sempre positivo para melhorar a confiança e desempenho
da criança e/ou adolescente. Para tanto, é preciso acesso à internet que possa ser rea-
lizado na residência, com feedback visual e com mínima exigência de leitura.
57

Quadro 1. Recomendações para intervenção tecnológica em crianças e adolescentes com


TDAH. Adaptada de Centers of Disease Control and Prevention (5).

Recomendações Contexto ideal para intervenção

Deve haver acesso à internet, e a intervenção


O usuário deve receber feedback visual e audi-
deve ser acessível em casa e independente do
1 tivo positivo e gratificante, para melhorar
profissional da saúde. A intervenção deve ser
confiança e desempenho.
colorida e sem muito texto.

A opção para utilizar os recursos de jogos para


download deve ser disponibilizada, pois pode
permitir maior compreensão dos conceitos Os recursos de jogos para download devem
abordados na intervenção. estar disponíveis para serem usados
2
Exemplos de recursos para download: questi- independentemente ou com o apoio de um
onários, jogo de labirinto, pesquisa de pala- amigo ou cuidador do usuário.
vras, palavras cruzadas, colorir imagens, ori-
gami.

A intervenção deve permitir ao usuário perso- A intervenção deve fornecer ao usuário muitas
nalização e adaptações das atividades ou per- opções para mantê-lo engajado e motivado, e
3 sonagens. Além disso, deve haver um número deve ter sua própria área de usuário para que
limitado de módulos para que o usuário man- possa retornar ao trabalho anterior e continu-
tenha o interesse na tarefa. ar de onde parou.

O reforço positivo deve ser incorporado à


intervenção (recompensas colecionáveis
personalizadas), para motivar o usuário a
utilizar a intervenção. Exemplos de recompen- A intervenção deve ser gratificante, coletável e
4
sas incluem: diamantes, moedas (para com- personalizada para o usuário.
prar itens no jogo, por exemplo, skins, acessó-
rios para avatares), certificados, medalhas,
recompensas personalizadas e tokens.

Incluir cenários sociais animados, nas inter-


venções pode ajudar o usuário a tomar deci-
A intervenção deve recompensar positivamen-
sões sociais mais adequadas e, como conse-
5 te a tomada de decisão apropriada durante os
quência, melhorar as relações sociais. Outra
cenários animados fornecidos.
opção seria usar animais em vez de persona-
gens / avatares humanos.

A intervenção deve fornecer informações ade-


A intervenção deve auxiliar o usuário a com- quadas à idade e deve melhorar o conheci-
6
preender melhor o TDAH. mento e compreensão do usuário sobre o
TDAH.
58

Quadro 1. Recomendações para intervenção tecnológica em crianças e adolescentes com


TDAH. Adaptada de Centers of Disease Control and Prevention (5).

Recomendações Contexto ideal para intervenção

A intervenção pode encorajar o usuário a en-


volver pais, cuidadores e amigos, no momento
da intervenção. Por exemplo, o usuário pode A intervenção deve fornecer informações ade-
7 ensinar como eles aprenderam a gerenciar os quadas à idade para melhorar a compreensão
sintomas do TDAH. A intervenção pode ajudar do usuário sobre o TDAH.
a melhorar os relacionamentos e a autogestão
dos sintomas de TDAH.

A intervenção deve deixar claro que o incenti-


A intervenção deve ser usada em ambiente
vo de amigos e/ou dos cuidadores pode refor-
8 onde o usuário seja encorajado a se envolver
çar a opinião dos usuários e o engajamento na
na atividade.
intervenção.

A intervenção deve possibilitar o desenvolvi-


A intervenção pode ajudar o usuário a definir mento de metas de curto prazo alcançáveis
metas relevantes de curto prazo para si mes- para o usuário, ou fornecer orientações sobre
9 mo, o que pode encorajá-lo a se envolver com como definir metas de curto prazo. Além disso,
a intervenção e a autogerir os sintomas do os recursos disponíveis para download podem
TDAH de forma mais eficaz. encorajar os pais a pensar em metas de curto
prazo com seus filhos.

A intervenção deve fornecer ao usuário vários


A intervenção pode fornecer uma indicação de
níveis de jogo para mantê-lo engajado e moti-
melhoria ou progresso durante as atividades.
vado.
10 Por exemplo, elevar de nível da atividade mo-
tivará a adesão. Uma “opção simplificar” para tornar o nível
gerenciável para o usuário, se ele estiver com
dificuldade para concluí-lo.

Uma alternativa de ferramenta tecnológica é o RECOGNeyes®, que apresenta me-


canismos que auxiliam a intervenção com crianças e adolescentes com TDAH. Trata-se
de um jogo de computador controlado por rastreamento ocular, que foi avaliado em
relação aos benefícios terapêuticos potenciais para crianças com transtorno do neuro-
desenvolvimento, em particular o transtorno de déficit de atenção, hiperatividade /
impulsividade. O embasamento para o desenvolvimento do jogo levou em considera-
ção que esses indivíduos têm um déficit no sistema de controle de atenção. O jogo foi
projetado como uma intervenção para treinar a atenção da criança com TDAH. Os re-
sultados apontaram para a redução dos sintomas de impulsividade. O RECOGNeyes®
pode, portanto, fornecer novos insights sobre o tratamento do TDAH (8)
59

Em um estudo com objetivo de explorar as opiniões dos pais e médicos sobre al-
guns aplicativos disponíveis para crianças e jovens com TDAH, destacou-se a impor-
tância dos usuários e desenvolvedores se relacionarem com o aplicativo. Devem, tam-
bém, abordar as dificuldades relacionadas ao TDAH, influenciar nas relações familiares
e se tornar um dispositivo educacional (14).
O EndeavorRx® é um jogo de videogame, direcionado para crianças de 8 a 11 anos,
com sintomas de TDAH, que visa melhorar o foco atencional. Em uma pesquisa, os resul-
tados indicaram que o uso desse jogo digital diminuiu significativamente o déficit de
atenção em pelo menos uma medida de atenção objetiva do teste realizado com esse
público, sendo a mudança observada pelos pais e/ou responsáveis pelas crianças (12). E,
também, como recurso terapêutico digital, o AKL-T01, que apresenta interface análoga a
de um videogame, apresenta resultados positivos, pois direciona a atenção e o controle
cognitivo e proporciona melhor desempenho atencional em crianças com TDAH (8).
A realidade virtual aumentada via ferramenta TFMind e jogo Brainy Mouse para
dispositivos móveis (27), entre uma série de tecnologias, estão sendo desenvolvidas
no tratamento de crianças e jovens com TDAH. No entanto, pesquisas futuras são ne-
cessárias para investigar o valor da tecnologia no apoio a crianças e jovens com TDAH,
além da necessidade de ampliar o foco em psicoeducação (15). Abaixo, o Quadro 2
apresenta jogos digitais para uso em intervenções tecnológicas e aprendizagem estru-
turada com crianças e adolescentes com TDAH / Game Based Learning (GBL)

Quadro 2. Jogos digitais para uso em intervenções tecnológicas e aprendizagem estruturada


com crianças e adolescentes com TDAH / Game Based Learning (GBL) (19).

Jogo Fabricante Ano Objetivo

Amazing Alex1 (21) Rovio Entertainment 2013 Planejamento de estratégias

Reconhecimento de conteúdo facial (ex-


RECOGNeyes (23) Gaze Control Training Game 2020 pressão, ação, objeto e cena) e controle
da atenção

EndeavorRx-
Akili Interactive 2013 Foco atencional e controle cognitivo
AKL-T01 (23, 26)

TFMind (28) ASAS VR 2019 Realidade virtual aumentada

Brainy Mouse (28) Brainy Mouse Foundation 2019 Ampliar o foco e auxiliar na alfabetização
60

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso da tecnologia assistida por profissionais para identificar e tratar os sinto-


mas de TDAH em crianças e adolescentes traz resultados positivos, uma vez que as
tecnologias auxiliam o desenvolvimento de alternativas personalizadas e direcionadas.
Os estudos apresentados sugerem um crescente interesse pelo tema, com resultados
que apontam para a importância do uso de tecnologias inovadoras tanto para os pro-
fissionais de saúde quanto para os da educação.
Alternativas aos cuidados tradicionais, incluindo novas terapias digitais, têm se
mostrado promissoras para remediar os déficits cognitivos associados a esse transtor-
no e podem abordar as barreiras às terapias padrão, como intervenções farmacológi-
cas e terapia comportamental. Os jogos como Amazing Alex1, RECOGNeyes, Endea-
vorRx-AKL-T01, TFMind e Brainy Mouse se mostram mediadores eficazes para estimu-
lar as funções executivas, proporcionando às crianças e adolescentes com TDHA o
treinamento e aprimoramento dessas habilidades tão importantes no percurso de de-
senvolvimento e, consequentemente, nos futuros processos cognitivos.
Novos estudos, com maior número amostral e diferentes contextos culturais, são
necessários para auxiliar profissionais que atendem crianças e adolescentes com
TDAH na busca por estratégias mais assertivas, personalizadas e direcionadas.

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64

3
Design instrucional com acessibilidade:

estudo de caso da plataforma SELI

Cibele Cesario da Silva Spigel

Cibelle A de la Higuera Amato

Maria Amélia Eliseo

Ismar Frango Silveira

Valéria Farinazzo Martins


65

INTRODUÇÃO

No Brasil, dados de 2019 do IBGE revelam que, apesar de ter aumentado o núme-
ro de usuários com acesso à internet (82,7% têm acesso) ainda há 40 milhões de brasi-
leiros que não possuem acesso, sendo 32,9% por falta de interesse em acessá-la,
26,2% alegam ser um serviço muito caro e, por nenhum morador saber usá-la, 25,7%.
E ainda, apenas 40,6% dos domicílios possuem computador; por outro lado, 98,6% da
população possuem um dispositivo móvel. A maioria daqueles que usufruem os servi-
ços oferecidos pela rede mundial de computadores a utiliza para troca de mensagens
(10). Mas, é importante destacar, que ter acesso à internet não significa necessaria-
mente que haja inclusão digital (18). O Programa Nacional de Tecnologias na Educação
(ProInfo), instituído em 1997, com o objetivo de desenvolver o uso pedagógico das
tecnologias da informação e comunicação (TIC) nas escolas públicas, acaba sendo ine-
ficiente em decorrência da falta de infraestrutura das escolas e outros obstáculos, co-
mo capacitação de professores, por exemplo, configurando-se em um programa que
não possibilita a inclusão digital (18). Não basta disponibilizar as TICs, é preciso capa-
citar os usuários para seu uso consciente.
Com relação à inclusão digital, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defici-
ência (4) preconiza que os alunos com deficiência devam ser inseridos no ensino regu-
lar, cabendo às escolas fazer as acomodações necessárias, tanto no ambiente arquite-
tônico quanto no processo ensino-aprendizagem. No sentido de auxiliar a área da Edu-
cação a ser mais inclusiva, ferramentas que possibilitem a criação de materiais digitais
acessíveis são um forte aliado para que a acessibilidade aconteça de fato (12). Somado
a isso, o Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), que é um conjunto de princí-
pios que constitui um modelo prático para maximizar as oportunidades de aprendiza-
gem para todos os estudantes (5), pode contribuir na construção desses materiais
acessíveis. Cabe ressaltar que a promoção da educação inclusiva cumpre com o Objeti-
vo de Desenvolvimento Sustentável número 4, da agenda Global 2030, ratificada por
193 países-membros, sendo o Brasil um deles (18).
Este capítulo está estruturado como segue. Na seção 2, Fundamentação Teórica,
são apresentados os conceitos de Design Instrucional (DI) e DUA, assim como o ecos-
sistema SELI. A seção 3 mostra o Framework DUA/DI, suas fases e exemplos. Logo
após, a seção 4 traz os resultados e as discussões. Finalmente, na seção 5 são apresen-
tadas as considerações finais.
66

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Design instrucional e o modelo Addie

Design Instrucional (DI) é uma ação intencional e sistemática para estabelecer es-
tratégias de ensino e aprendizagem centradas no estudante. Envolve o planejamento, o
desenvolvimento e a aplicação de métodos, técnicas, atividades, materiais, eventos e
produtos educacionais em situações didáticas específicas a fim de promover, a partir
de princípios de aprendizagem e instrução conhecidos, a aprendizagem humana (7).
Trata-se de um processo iterativo de identificação de um problema ou necessidade de
aprendizagem para planejar, desenvolver, implementar e avaliar uma solução. Após
uma análise das necessidades do estudante e dos meios instrucionais, como conteúdo
e tarefas, definem-se os objetivos de aprendizado, selecionam-se estratégias e métodos
instrucionais, além de se escolher, selecionar ou criar materiais didáticos e avaliações
(3). A intenção do DI é produzir conhecimento sobre os princípios e os métodos de
instrução mais adequados a diferentes tipos de aprendizagem (7).
O DI é um processo complexo, criativo, ativo e interativo. Modelos de DI indicam
como organizar os procedimentos e como colocar em prática o DI, permitindo a visua-
lização do processo como um todo e estabelecendo diretrizes para gerenciar o próprio
processo. Os modelos de DI mais utilizados, por serem mais genéricos, eficazes e fáceis
de aplicar, são: o ISD - Instructional System Design ou Design de Sistemas Instrucionais;
e o modelo ADDIE - Analyze, Design, Develop, Implement and Evaluate ou Analisar, Pro-
jetar, Desenvolver, Implementar e Avaliar (9, 17). Com a abordagem sistemática do DI,
o ISD divide o desenvolvimento das ações educacionais em pequenas fases, na seguinte
sequência: 1. Analisar a necessidade; 2. Projetar a solução; 3. Desenvolver a solução; 4.
Implementar a solução; 5. Avaliar a solução.
Da mesma forma que o ISD, o modelo ADDIE é um processo cíclico e iterativo que
evolui ao longo do tempo e continua ao longo do planejamento instrucional e do proces-
so de implementação (16). As ações educativas são divididas nas seguintes fases: 1. Fase
de análise; 2. Fase de projeto; 3. Fase de desenvolvimento; 4. Fase de implementação; 5.
Fase de avaliação.
A Fase de análise compreende a definição do problema, a caracterização dos estu-
dantes, a identificação das necessidades de aprendizagem, os objetivos de aprendiza-
gem e uma análise de tarefas para identificar o conteúdo instrucional ou as habilidades
específicas relacionadas ao curso. A Fase de projeto abrange o planejamento e o design
do processo didático especificando como aprender; envolve o uso dos resultados da
Fase de análise para planejar uma estratégia para desenvolver a instrução e inclui a
identificação de mídias, de ferramentas mais apropriadas e materiais que deverão ser
produzidos para utilização de alunos e professores. A Fase de desenvolvimento é a fase
67

de autoria e produção dos materiais didáticos planejados na Fase de projeto. A Fase de


implementação se refere à entrega de instrução e dos recursos didáticos produzidos
na Fase de desenvolvimento. A Fase de avaliação mede a eficácia e eficiência da instru-
ção e pode ocorrer: durante a Fase de desenvolvimento na, forma de avaliações forma-
tivas; ao longo da Fase de implementação, com o auxílio dos alunos e dos professores;
e/ou no final da implementação de um curso na forma de uma avaliação somativa para
melhoria educacional (3, 7, 16).

Desenho universal para aprendizagem

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (4) garante em condições


de igualdade, entre diversos exercícios de cidadania, o direito à educação, o que signi-
fica que o ensino regular passa a ser reconhecido como um espaço para todos. Entre-
tanto, ainda não é possível dizer que a permanência, participação e aprendizagem de
pessoas com deficiência na escola regular sejam uma prática cotidiana e efetiva no
Brasil. A literatura especializada destaca o papel do professor como o principal agente
a buscar atender e entender um público tão diverso, o que faz com que o profissional
se sinta sobrecarregado e as estratégias de permanência, participação e aprendizagem
ineficientes, pois só são possíveis a partir de uma rede de apoio que assegure o sucesso
dessas ações. Quando o assunto é inclusão escolar, é comum ter como proposta fazer
adaptações e flexibilizações no ensino, o que acarreta um árduo trabalho de planejar e
executar o ensino e, mesmo assim, o que se verifica é que na maioria das propostas os
estudantes com deficiência não estão inseridos em processos de ensino e aprendiza-
gem adequados, sobretudo pela falta de acesso ao currículo (8, 14, 19).
Assim, torna-se necessário discutir e propor uma prática pedagógica que conside-
re o processo ensino-aprendizagem individualizado, permitindo a todos o acesso ao
currículo, considerando a diversidade e a especificidade de cada estudante. Nesse con-
texto, surge nos EUA, em 1999, o Desenho Universal para Aprendizagem (DUA), de-
senvolvido por David Rose, Anne Meyer e outros pesquisadores do Center for Applied
Special Technology (Cast) (5). Sua origem se centra no Desenho Universal, desenvolvi-
do por Ronald Mace (11), que pensa em espaços físicos acessíveis para pessoas com
deficiência. Atualmente, a concepção se aplica a qualquer pessoa que necessite de su-
porte no processo de aprendizagem. Dessa maneira, o DUA é uma educação acessível a
todos, sem barreiras físicas e pedagógicas (19). Sendo assim, em vez de elaborar um
material exclusivamente a um aluno com deficiência, o mesmo material beneficia ou-
tros alunos da mesma sala de aula, com ou sem deficiência.
O DUA se alicerça em três princípios: 1) Princípio do engajamento (rede afetiva): en-
gajar e motivar os alunos, por meio de desafios, fazendo com que fiquem interessados no
assunto a ser aprendido; 2) Princípio da representação (rede de reconhecimento): conec-
tar conhecimentos prévios às informações novas, de modo que o aluno possa fazer o reco-
68

nhecimento do que está sendo aprendido, por isso, o uso de exemplos é muito importante
nesse processo; 3) Princípio da ação e expressão (redes estratégicas): avaliar o aluno por
meio de feedbacks constantes, de diferentes formas, não somente com uma prova escrita,
por exemplo, mas oportunizar ao aluno diferentes formas para que ele demonstre os co-
nhecimentos aprendidos (19). Nesse sentido, o conceito de DUA e o uso de recursos de
tecnologia no processo de ensino aprendizagem são considerados positivos para escolari-
zação de pessoas com deficiência. E como aplicar esses princípios na elaboração de um
curso on-line? É o que será mais bem explicado nas próximas seções.

O ecossistema SELI

SELI (Smart Ecosystem for Learning and Inclusion - Ecossistema Inteligente para
Aprendizagem e Inclusão) (13, 15) é o resultado de um projeto transnacional envol-
vendo países da Europa e da América Latina, que tem por principal objetivo fornecer
ferramentas digitais que possibilitem a professores e criadores de conteúdo a elabora-
ção de materiais educacionais e cursos acessíveis, considerando um vasto espectro de
deficiências congênitas ou adquiridas, físicas ou cognitivas. Entre essas ferramentas,
encontra-se um sistema de autoria de conteúdo educacional acessível e um software de
suporte à elaboração de narrativas por parte dos estudantes, denominado plataforma
SELI, que é parte do ecossistema. A Figura 1 exibe alguns screenshots dessa plataforma
digital.
A proposta do projeto SELI inclui um suporte tecnológico, que envolve uma estrutu-
ra baseada em blockchain para microcertificações acadêmicas. A plataforma SELI, origi-
nalmente arquitetada para utilizar uma estrutura de microsites, em que cada curso
construído com o auxílio da ferramenta de autoria seria disponibilizado na forma de um
pequeno site, foi redesenhada para permitir diversas instalações-espelho ao redor do
mundo que possibilitaram a otimização e o balanceamento de acesso. Além disso, o pro-
jeto promove ferramentas que facilitam a adoção de estratégias didáticas centradas no
estudante, como sala de aula invertida (onde os conceitos são estudados antes da aula,
podendo utilizar recursos como videoaulas ou textos) ou o uso de digital storytelling
(que trabalha com narrativas pessoais sobre o conteúdo abordado) (13), como fios con-
dutores do processo de aprendizagem.
Um dos grandes desafios do projeto SELI diz respeito aos processos de adoção de
ferramentas digitais para autoria e organização de conteúdo por parte dos professores,
que, muitas vezes, são resistentes ao uso da tecnologia, seja por desconhecimento ou por
falta de tempo em aprender a utilizá-las devido à sobrecarga de trabalho. Outro desafio é
a conscientização quanto à necessidade de construção de materiais educacionais acessí-
veis por parte de criadores de conteúdo e professores (em exercício da profissão ou em
formação).
69

Figura 1. Screenshots das ferramentas digitais da plataforma SELI, no sentido horário: ferra-
menta de storytelling; editor para configuração de acessibilidade em imagens; ferramenta de
autoria de conteúdos acessíveis.
70

O FRAMEWORK DUA/DI

O professor, ao se deparar com as diretrizes do DUA, muitas vezes não sabe aplicá-
las na elaboração de um curso acessível, uma vez que essas diretrizes não são prescri-
tivas, dificultando sua aplicabilidade ao planejamento pedagógico. Conforme o último
censo da Abed, o número de alunos com deficiência, matriculados em universidades
públicas e privadas no Brasil, cresceu 27%, porém, mesmo com esse exponencial cres-
cimento, menos da metade dos professores dessas mesmas universidades recebe trei-
namento sobre acessibilidade (1). Nesse sentido, a plataforma SELI, em sua ferramenta
de autoria de conteúdos acessíveis baseada em DUA e DI, orienta o usuário (professor
ou criadores de conteúdo) na elaboração de recursos educacionais acessíveis: como
inserir acessibilidade em imagens, textos no formato PDF, vídeos, áudios, dentre ou-
tros. Após a construção do curso acessível, ele é publicado na área do aluno, outro re-
curso oferecido pela plataforma SELI, que poderá interagir com o material disponibili-
zado. Assim, ferramentas que auxiliem a construção de materiais didáticos acessíveis
são urgentes no cenário educacional; esses materiais são desejáveis não só para dar
autonomia a pessoas com deficiência, como também a pessoas idosas que pretendem
se aperfeiçoar, a pessoas com deficiência temporária devido à recuperação de um aci-
dente, por exemplo, ou mesmo para atender às diferentes formas de aprendizagem.
Nesta seção, será analisado um curso construído na plataforma SELI, demonstran-
do cada etapa do modelo ADDIE de DI, e sua respectiva correspondência com as dire-
trizes do DUA. Na tela inicial, há oito fases para elaborar um curso na plataforma SELI:
1) Informações gerais do curso; 2) Identificação do público-alvo e suas necessidades;
3) Pré-requisitos para o curso; 4) Plano do curso; 5) Análise; 6) Design; 7) Programa; 8)
Relatório de acessibilidade, conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2. ADDIE Model nas fases da plataforma SELI. Fonte: Autores.


71

Análise

O curso a ser analisado apresenta o seguinte problema: como elaborar materiais


didáticos acessíveis para idosos. Depois de definido o problema de aprendizagem, na
Fase 1 da plataforma, Informações gerais do curso, são definidos o nome do curso, car-
ga horária, descrição, idioma e a modalidade do curso (on-line ou híbrido); no caso,
optou-se pelo modelo on-line, conforme mostra a Figura 3.

Figura 3. Informações gerais do curso.


72

Finalizada a Fase 1, na Fase 2, Identificação do público-alvo e suas necessidades,


continuamos na etapa de Análise, em que se define o nível educacional do público-
alvo (Ensino Fundamental, Ensino Médio, graduação etc); no caso, optou-se por estu-
dantes que estivessem na graduação, professores universitários e de Ensino Médio.
Além disso, é nessa fase que selecionamos os objetivos de acessibilidade. Nesse caso,
todos foram selecionados: deficiência cognitiva, auditiva e visual.
Na Fase 3, Pré-requisitos para o curso, especificam-se hardware e software neces-
sários para que o aluno consiga acompanhar o curso. Essa fase é muito importante,
porque o aluno, sabendo previamente o que é necessário para que possa realizar o
curso, pode providenciar com antecedência, evitando frustração de não acompanhar,
por falta de suporte.
Na Fase 4, Plano do curso, a plataforma oferece a opção de criar o curso de forma
autônoma ou guiada; com ou sem template, qual template; em unidades ou tópicos. As
opções de templates são Modelo espiral, Metáfora consistente, Toybox (2). Esses tem-
plates auxiliam o professor, caso ele tenha dificuldade em criar um leiaute sozinho.
Para este estudo, optou-se na pela forma guiada, sem template e em unidades.
Ainda na etapa de Análise (Figura 4), na Fase 5, Análise, são elencados os objeti-
vos de aprendizagem, conforme a Taxonomia de Bloom (6), abrangendo os domínios
cognitivo (aquisição de informação e avaliação crítica de informação), afetivo (estar
aberto a uma nova experiência que se apresenta) e psicomotor (movimento físico e
coordenação motora), bem como o resultado de aprendizagem. Definir claramente e
precisamente esses objetivos educacionais para o estudante aumentará a aprendiza-
gem (3). Para auxiliar o usuário na definição dos objetivos de aprendizagem, a plata-
forma SELI oferece alguns verbos da Taxonomia de Bloom, tais como duplicar, descre-
ver, apresentar, escolher etc. (domínio cognitivo), por exemplo.

Design

Na etapa Design é definido o planejamento e o mapeamento dos conteúdos. O cur-


so em questão é composto por quatro unidades: 1) Introdução aos materiais acessí-
veis; 2) Diretrizes de acessibilidade; 3) Construindo um curso na plataforma SELI; 4)
Vamos praticar o que aprendemos?, com atividades síncronas e assíncronas. Foram
levantadas as mídias que seriam utilizadas para a elaboração do curso, os objetivos de
aprendizagem de cada unidade, imagens de cada unidade etc.

Desenvolvimento e implementação

Na etapa Desenvolvimento são realizadas a produção e a adaptação dos conteú-


dos, o que demanda mais tempo do que nas outras etapas, bem como sua disponibili-
73

zação na plataforma, na etapa Implementação. No curso em questão, foram seleciona-


das imagens de banco de imagens gratuito. Textos foram desenvolvidos em uma lin-
guagem dialógica para que o aluno não se sinta sozinho, gráficos foram desenvolvidos
a fim de facilitar a aprendizagem, bem como um instrumento Quis, ao final de cada
unidade, para que o aluno pudesse apreender o conteúdo.
Existe um Menu, na tela principal, que permite a inserção de recursos com acessi-
bilidade, tais como texto, imagem, vídeo, áudio, arquivo PDF, arquivos comprimidos,
link, Quiz, vídeo embutido, atividades em H5P e jogos criados no software Unity.

Figura 4. Fase de Análise.


74

No curso desenvolvido, ao inserir uma figura, é percebido o botão na lateral à direita


em que aparecem as opções de descrição da imagem para configuração da acessibilidade
(Figura 5).

Figura 5. Imagem inserida no curso, com botão de configuração de acessibilidade.

Antes de descrever a imagem, é preciso informar de que tipo é: informativa, deco-


rativa, imagem com texto ou uma imagem complexa. Em seguida, é possível fazer a
descrição detalhada do conteúdo da imagem, conforme podemos notar a seguir. No
caso em análise, trata-se de uma imagem informativa, logo, com mais dados a serem
interpretados (Figura 6).

Figura 6. Tela de configuração de acessibilidade de imagem.

Feito isso, aparece na tela, juntamente com a imagem, a barra indicando a acessi-
bilidade, em que é possível aumentar e/ou diminuir a imagem, sendo que a cor verde
indica excelente acessibilidade (Figura 7).
75

Figura 7. Ícone de aumento e diminuição da imagem, ícone de nível de acessibilidade, descri-


ção da imagem.

Já o vídeo inserido no curso aponta acessibilidade média, porque o vídeo contém


legenda, mas não possui interpretação em Libras para uso dos deficientes auditivos e,
por isso, o amarelo é usado para sinalizar essa informação (Figura 8). É possível ainda
configurar outros tipos de recursos didáticos, como áudio, arquivo no formato PDF,
entre outros, que não serão demonstrados neste texto.

Figura 8. Ícone que sinaliza o nível de acessibilidade; nesse caso, grau médio.

A última fase, Relatório de acessibilidade (Figura 9), mostra, de forma clara, o


quão acessível está o curso. Como podemos observar, mesmo com todos os cuidados
76

nas configurações da acessibilidade, é preciso aprimorar os recursos inseridos na pla-


taforma, tomando um cuidado maior com os vídeos e imagens.

Figura 9. Relatório de acessibilidade.

Avaliação

A última etapa do ADDIE Model é a Avaliação, que pode ser formativa, realizada
durante o processo de elaboração ou somativa, depois do curso finalizado, com a fina-
lidade de dimensionar sua efetividade e eficiência: o que funcionou ou não, o que pre-
cisa ser alterado, aprimorado etc. Os alunos ajudam nessa questão porque depois que
o curso foi efetivamente colocado em andamento, estratégias que foram pensadas co-
mo as mais adequadas podem se mostrar ineficazes, indicando alterações a serem rea-
lizadas no curso ainda em andamento ou depois que o curso foi finalizado. Por isso,
solicitar o feedback dos alunos, ou seja, ouvi-los contribuirá para essa etapa. A etapa
de avaliação permeia todo o processo de design instrucional e continua após a finaliza-
ção do curso.
77

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Diante de um problema de aprendizagem, depara-se com alguns desafios na tenta-


tiva de oferecer ao aluno experiência de aprendizagem melhor e mais eficaz, seja no
que se refere ao ensino presencial, seja no que se refere ao ensino on-line. Entretanto,
esse último se configura como modalidade com maiores desafios, uma vez que os re-
cursos educacionais disponibilizados precisam estar em consonância com o que é es-
perado e necessário ao aluno. E esse desafio se torna ainda maior quando é necessário
se pensar em acessibilidade, conhecimento esse ainda pouco difundido e discutido no
universo educacional. Por isso, elaborar um curso seguindo as etapas do ADDIE Model,
com as diretrizes do DUA incutidas na plataforma, facilitou não só a elaboração do cur-
so, pensado em professores que precisam confeccionar materiais acessíveis para ido-
sos, como também o entendimento do que é necessário para que um vídeo seja acessí-
vel, por exemplo. Não basta a legenda, é necessária a interpretação em Libras desse
conteúdo. Sem esse direcionamento da plataforma, talvez, esse ponto passaria desper-
cebido.
Isso implica autonomia e liberdade para elaboração de um curso e, ao mesmo tem-
po, segurança, uma vez que a plataforma traz uma espécie de guia, orientando o cami-
nho para que o curso seja o mais completo possível e com acessibilidade. As etapas e
orientações estão bem claras, por meio de um design agradável e intuitivo, promovendo
uma boa usabilidade.
Não é possível pular as fases de elaboração do curso, sendo o preenchimento de
uma fase pré-requisito para passar para a próxima. Assim, a plataforma nos “obriga” a
aprimorar a fase de Análise, etapa fundamental para o bom planejamento do curso, di-
minuindo sua incompletude e possíveis erros futuros. É importante deixar bem claro
para o aluno, além do nome do curso, os objetivos de aprendizagem nos domínios afeti-
vos, psicomotores e cognitivos, os pré-requisitos e identificação do público-alvo. Depois
de muito bem definida essa etapa, passa-se à fase do Design, em que são concebidos o
mapeamento dos conteúdos, as estratégias e as atividades.
Na etapa Desenvolvimento são inseridos os conteúdos didáticos planejados nas
fases anteriores, utilizando as opções de recursos disponíveis na plataforma - texto,
imagem, vídeo, áudio, arquivo PDF, arquivos comprimidos, link, quiz, vídeo embutido,
atividades em H5P e jogos criados no software Unity. Ainda nessa fase se configura a
acessibilidade de cada um desses recursos.
A opção gravar um áudio na plataforma ou subir um já pronto é interessante por-
que mescla os recursos dentro da unidade, tornando o conteúdo mais atrativo e dinâ-
mico. Porém, é preciso atentar-se à acessibilidade que requer a transcrição desse áu-
dio. A inserção de imagens, além de deixar o ambiente mais atrativo, ajuda o aluno a
aprender o conteúdo de diferentes formas. Todavia, mesmo sendo de uso gratuito, es-
78

ses recursos exigem a inserção da fonte de referência, e, nesse sentido, a plataforma


SELI possui uma falha, pois não possui espaço para referenciar as imagens, vídeos ou
áudios para evitar possíveis problemas com direitos autorais. Em uma época em que a
fácil produção de vídeos fomenta a grande adesão dos usuários ao Youtube, a educa-
ção, tanto on-line quanto presencial, não poderia deixar de usar esse recurso tão rico
para ancorar a aprendizagem do conteúdo pretendido.
Embora a plataforma ainda esteja em desenvolvimento, é possível utilizar todas
suas funcionalidades e concluir a elaboração do curso. Talvez, o usuário iniciante tenha
dificuldades em sua utilização, pela falta de tutoriais de funcionamento dos recursos
da plataforma. No relatório de acessibilidade, mostrado na Figura 9, os diferentes
graus de acessibilidade são identificados por cor, sendo verde “excelente acessibilida-
de”. Os recursos de baixa acessibilidade são sinalizados na cor amarelo, quando deve-
ria estar em outra cor, como vermelho, por exemplo, para diferenciar de média acessi-
bilidade, que também aparece em amarelo.
Esse relatório de acessibilidade, ao final, ajuda a rever os recursos com baixa ou
nenhuma acessibilidade e reavaliar possíveis substituições de recursos ou, até mesmo,
configurar corretamente a acessibilidade. A plataforma, assim como pré-requisito para
configuração das fases, “obriga-nos” a atentar com acurácia para essa última fase.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho apresentou um estudo de caso sobre acessibilidade e design instrucio-


nal na criação de um curso destinado ao público idoso, utilizando uma plataforma digital
denominada SELI. Foram abordadas todas as fases de desenvolvimento de um curso digi-
tal utilizando o modelo ADDIE de DI.
Percebeu-se que o uso de uma ferramenta que guie o professor na criação de cursos
com conteúdos acessíveis é realmente desejável, visto que, muitas vezes, o professor pode
se sentir perdido sem o uso de um guia. É necessário que mais iniciativas de ferramentas
acessíveis estejam disponíveis para professores, a fim de difundir e facilitar que a acessibi-
lidade e a inclusão possam fazer parte do cotidiano desses profissionais e que mais alunos
possam ser incluídos.
Como trabalhos futuros, pretende-se aprimorar a plataforma digital SELI a fim de
que se torne mais amigável ao público em geral, incluindo professores com deficiên-
cias ou com dificuldades no uso de plataformas digitais. Também pode se pensar que
seria desejável que essa plataforma fosse mais bem difundida no Brasil para a confec-
ção de cursos acessíveis.
79

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com o apoio do projeto ERANET-LAC, que recebeu
financiamento do European Union's Seventh Framework Programme, projeto Ecossistema
Inteligente para Aprendizagem e Inclusão - ERANetl 7 / ICT-0076SELI. O proejto também
teve apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CA-
PES) - Programa de Excelência - Proex 1133/2019 e Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) 2018/04085-4.

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81

Tecnologia assistiva na avaliação das

habilidades receptivas de vocabulário

de pessoa com surdez

Damião Michael Rodrigues de Lima

Juliana Dalla Martha Rodriguez

Janaína Aparecida de Oliveira Augusto

Lara Caldas Medeiros de Sá Zandoná D´Almeida

Nadia Maria Giaretta Ranalli

Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira


82

INTRODUÇÃO

Atualmente, com os avanços tecnológicos, o desenvolvimento de aplicativos para


tradução, interpretação e reconhecimento dos sinais (30) tem possibilitado a partici-
pação dos surdos em atividades da vida cotidiana, proporcionando autonomia, inde-
pendência funcional, qualidade de vida e inclusão social. Porém, no que tange à utiliza-
ção de instrumentos para avaliação neuropsicológica, ainda existe uma expressiva ca-
rência desse tipo de instrumento adaptado para a comunidade surda.
Diante desse cenário, a utilização da língua brasileira de sinais se torna fundamen-
tal, uma vez que as instruções desses instrumentos precisam ser claras e objetivas pa-
ra a população-alvo. Fundamental ressaltar que, em 2002, por meio da Lei 10.436, a
Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) foi reconhecida como língua oficial no Brasil (8),
sendo reconhecida como segunda língua materna da comunidade surda e segunda lín-
gua materna oficial no Brasil. Tem importância ímpar para as pessoas com deficiência
nas habilidades sensoriais, pois possibilitam a comunicação não somente entre elas,
mas também com ouvintes que tenham o conhecimento de LIBRAS. Para além do pro-
cesso de comunicação, ainda são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e
social da criança com essa deficiência (38).
Os profissionais da saúde e da educação enfrentam diversas dificuldades para ava-
liar pessoas com deficiências sensoriais auditivas, pois os testes são desenvolvidos
sem pressupor essa possibilidade. Para que esses instrumentos possam ser utilizados
com a pessoa com perdas auditivas e, futuramente com os avanços tecnológicos, torna-
rem-se mais acessíveis, precisam primeiramente passar pelo processo de tradução, da
Língua portuguesa para Libras. Posteriormente, o uso da tecnologia assistiva minimi-
zaria as barreiras da comunicação, tornando a utilização dos instrumentos mais aces-
sível no processo de avaliação dessa população.

DEFICIÊNCIAS SENSORIAIS AUDITIVAS

A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), em 2015, em seu Artigo 2º, conceitua pessoa
com deficiência como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas” (6). Até 2050, aproximadamente 2,5 bilhões de pessoas terão al-
guma perda auditiva, sendo que aproximadamente 700 milhões delas terão necessida-
de de utilizar serviços de reabilitação (46).
83

O Decreto 5.626, em seu artigo 2º, define como pessoa surda “[...] aquela que, por
ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências vi-
suais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais
- Libras”, e a deficiência auditiva como “[...] a perda bilateral, parcial ou total, de qua-
renta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz,
1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz” (5).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) (49), até 2050, a população
mundial terá aproximadamente 900 milhões de pessoas surdas. Trata-se de um núme-
ro alarmante que poderia ser evitado com Políticas Públicas direcionadas a essa condi-
ção de saúde. Em 2020, a OMS definiu como perda auditiva completa ou surdez a difi-
culdade extrema em ouvir voz em forte intensidade, sendo caracterizada por não escu-
tar nenhuma conversa e a maioria dos sons ambientais (Tabela 1).

Tabela 1. Classificação do grau de perda auditiva e desempenho conforme decibéis (dB) de


acordo com a OMS (8, 9).

Grau de perda dB* Desempenho

Audição normal < 20 dB Nenhum problema em ouvir sons.

Pode apresentar dificuldade em ouvir o que é fala-


Leve 20 < 35 dB
do em locais ruidosos.

Pode apresentar dificuldade em ouvir conversa


Moderado 35 < 50 dB
particularmente em lugares com ruidosos.

Dificuldade em participar de uma conversa, especi-


Moderadamente
50 < 65 dB almente em locais ruidosos, mas pode ouvir se fala-
severo
rem com a voz mais alta sem dificuldade.

Não ouve a maioria das conversas e pode ter difi-


Severo 65 < 80 dB
culdade em ouvir sons elevados.

Dificuldade extrema para ouvir em lugares ruidosos


Profundo 80 < 95 dB
e fazer parte de uma conversa.

Dificuldade extrema em ouvir voz em forte intensi-


Perda auditiva com-
> 95 dB dade. Não consegue escutar nenhuma conversa e a
pleta /surdo
maioria dos sons ambientais.

*Média entre as frequências de 500 Hz, 1 kHz, 2 kHz e 4 kHz.


84

A deficiência auditiva pode ter causas relacionadas a fatores genéticos, biológicos,


comportamentais e ambientais. A perda auditiva é o comprometimento sensorial mais
comum (42, 51), sendo o resultado da interação entre os fatores de risco ou causais
(como acontecimentos desfavoráveis relacionados ao nascimento e infecções de ouvi-
do e virais, exposição ao ruído e medicamentos ototóxicos) e fatores de proteção (co-
mo a boa higiene, evitar sons altos e estilos de vida saudáveis) (46). A perda auditiva,
quando não diagnosticada precocemente e não tratada adequadamente, pode gerar
impactos negativos na vida da pessoa, sendo extremamente importante a existência de
programas de triagem para detectar precocemente o comprometimento auditivo nos
estágios iniciais (18, 42). Os impactos ocorrem no desenvolvimento da linguagem e
fala, nas atividades diárias e relações interpessoais e profissionais, no acesso à educa-
ção e emprego e na qualidade de vida e bem-estar social (18). Infelizmente, na maioria
dos países, o acesso ao diagnóstico e reabilitação é uma barreira que impacta na quali-
dade de vida dessas pessoas (46, 47). O acompanhamento e a reabilitação são funda-
mentais para as pessoas com perdas auditivas, assim como o uso de aparelhos auditi-
vos e implantes cocleares (18), a língua de sinais, no caso do Brasil, LIBRAS (Língua
Brasileira de Sinais) e a Tecnologia Assistiva (TA). Atualmente, diversas alternativas e
soluções viáveis e inovadoras, do ponto de vista clínico, econômico, tecnológico e am-
biental, estão disponíveis, sendo eficazes para a maioria das pessoas com perda auditi-
va (47).

TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA A POPULAÇÃO SURDA

No Brasil, a LBI, de 2015, em seu Artigo 3º, deliberou a tecnologia assistiva ou aju-
da técnica como aqueles “produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e ser-
viços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação,
de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua auto-
nomia, independência, qualidade de vida e inclusão social” (6). Segundo a OMS, até
2030, aproximadamente dois bilhões de pessoas terão necessidade de utilizar ao me-
nos uma tecnologia (2). Desde modo, torna-se de suma importância considerar a usa-
bilidade de um dispositivo de tecnologia assistiva, considerando a interface entre o
usuário, o dispositivo e o ambiente, assim como precisão e conclusão da tarefa, a rela-
ção entre benefício de uso e tempo, esforço, eficácia e custo e a satisfação do usuário
(49). A tecnologia assistiva assume função importante para a pessoa surda possibili-
tando que ela tenha sua vida cotidiana, seja familiar, social ou profissional de forma
independente, otimizando suas rotinas por meio de recursos e serviços tecnológicos
(2, 39) e minimizando o impacto da deficiência no acesso às atividades diárias e, con-
sequentemente, na qualidade de vida (38). Os recursos e serviços de tecnologia assis-
tiva vão desde sistemas, equipamentos e produtos personalizados ou não, que podem
85

manter ou aprimorar as capacidades funcionais das pessoas surdas. A maior adesão ao


uso da tecnologia assistiva depende de fatores como a disponibilidade, os requisitos,
funcionalidades, eficiência, segurança, durabilidade e preço do serviço / produto, inicia-
tiva e reconhecimento da necessidade e potencialidades de utilização da tecnologia as-
sistiva pela pessoa com deficiência, cuidadores e profissionais. O envolvimento das di-
versas áreas no contexto da recomendação e utilização da tecnologia assistiva é de suma
importância para a pessoa com deficiência, pois, dessa forma, interdisciplinar, será pos-
sível garantir o atendimento às necessidades e especificidades individuais (35).
Na escolha da tecnologia assistiva que possa auxiliar o indivíduo com deficiência
auditiva, diversos fatores devem ser considerados, como o ambiente familiar, escolar e
social e estilo de vida. Estudo com surdos adultos indica que eles utilizam regularmen-
te a tecnologia assistiva, sentindo-se confortáveis com ela (40). Uma revisão sistemáti-
ca com surdos indicou que o uso da tecnologia assistiva, no âmbito das faculdades e
universidades, impacta de maneira positiva os resultados acadêmicos (4). No contexto
da saúde, utilizar plataformas de saúde que contam com auxílio da tecnologia assistiva,
pode beneficiar o surdo, minimizando as barreiras da comunicação (10, 34), assim
como vídeos educativos com informações sobre saúde, com recursos visuais e tradu-
ção para língua de sinais (1). Com crianças, estudo verificou que um programa de trei-
namento de leitura da fala computadorizado aumenta as habilidades de leitura da fala
em crianças surdas (26). A tecnologia assistiva é fundamental para o suporte às pesso-
as com deficiência e, para que realmente possa garantir a usabilidade e os resultados
esperados em sua utilização, deve ser apropriada para cada tipo de deficiência.
A tecnologia assistiva é de grande valia para a população surda, tanto no processo
de socialização como nas atividades rotineiras, na educação e no atendimento em saú-
de. As tecnologias podem ser agrupadas em três grupos: das tecnologias que depen-
dem de um intermediário; das tecnologias com o suporte de um avatar; e das tecnolo-
gias que detectam os sinais (12). No primeiro grupo, como exemplo, tem-se o Te-
leTypewriter (TTY), um dispositivo conectado ao telefone que possibilita a comunica-
ção entre surdos e ouvintes. No segundo grupo, incluem-se os aplicativos como VLi-
bras, ProDeaf, HandTalk e Rybená, para diferentes plataformas tecnológicas, que reali-
zam a tradução simultânea da Língua portuguesa escrita e falada para a Libras, como
VLibras, Hand Talk e ProDeaf, e que possibilitam a comunicação entre surdos e ouvin-
tes. O VLibras é um produto governamental e fruto de uma parceria entre o Ministério
da Economia (ME), da Secretaria de Governo Digital (SGD) e da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB) representada pelo Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (LA-
VID); traduz textos, vídeos e áudios do Português para Libras, em computadores e ce-
lulares, mais importante de código aberto e acessível para todos. O Hand Talk é um
aplicativo utilizado para sanar as dificuldades entre a comunicação ouvinte e a comu-
nidade surda, facilitando a tradução e interpretação para Libras, representado pelo Hu-
go, personagem que interage no aplicativo; foi premiado pela ONU como o melhor apli-
86

cativo Social do Mundo. E o ProDeaf, software que traduz texto e voz que proporciona a
tradução de conteúdos diversos com interpretação de um personagem 3D; foi desenvol-
vido na Universidade Federal de Pernambuco, por pesquisadores e parceiros com exper-
tise, linguistas, tradutores, entre outros profissionais. E no terceiro grupo, o SignAlouas,
dispositivo que por meio de luvas especiais ou câmeras de vídeo busca traduzir automa-
ticamente os gestos da língua de sinais (12, 22).
Apesar de todos os avanços tecnológicos, a presença ou a expertise do intérprete
de Libras continua sendo fundamental, principalmente no âmbito da saúde e, inclusive,
no contexto da avaliação neuropsicológica, pois se considera a premissa do atendimen-
to humanizado e com respeito à diversidade (12).

AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA EM PESSOA


COM DEFICIÊNCIA SENSORIAL AUDITIVA

A população surda encontra diversas barreiras no acesso à saúde. Esse público


possui dificuldade de acesso à informação sobre diversos temas referentes à saúde,
assim como em avaliações especializadas. Uma dessas barreiras é a falta de instrumen-
tos de avaliação psicológica, desenvolvidos e/ou adaptados (7), e também de estudos
que verifiquem se os instrumentos de rastreamento e avaliação psicológica desenvol-
vidos, considerando apenas a população ouvinte, também são apropriados para uso
em pessoas surdas. Em nota técnica, o Conselho Federal de Psicologia orienta que a
aplicação de instrumentos deve permitir condições iguais de aplicação quando são
aplicados em pessoas com deficiência (11). Qualquer deficiência, ou transtorno, apre-
senta especificidades, mas é importante ressaltar que, no caso da pessoa com deficiên-
cia sensorial auditiva, essas especificidades são diferenciadas, pois envolvem a linguís-
tica e a comunicação, o que dificulta a inclusão, a vivência e a própria cultura (35).
A avaliação neuropsicológica investiga funções corticais superiores como atenção,
linguagem, memória, raciocínio / abstração, julgamento / insight, entre outras, com-
preendendo e mapeando a atuação e os prejuízos delas no funcionamento cerebral e
no funcionamento do indivíduo. Na avaliação neuropsicológica, o profissional busca
selecionar instrumentos, coletar informações e estudar hipóteses pertinentes ao diag-
nóstico do indivíduo. Diante dessa situação, é preciso considerar a disponibilidade, as
restrições e o estado clínico do paciente, o local de realização e o objetivo da testagem.
Ressalta-se a importância de que os instrumentos utilizados estejam adaptados, vali-
dados para a sua aplicação e compreendidos pelo profissional que irá utilizá-los. As
avaliações são realizadas a partir de técnicas psicológicas / neuropsicológicas, visando
a um diagnóstico diferencial e verificação prognóstica, o que contribui para a melhor
87

compreensão do comprometimento da deficiência, além da inserção laboral e acadê-


mica do indivíduo (38).
A avaliação neuropsicológica de pacientes que apresentam limitações sensoriais,
sejam elas congênitas, adquiridas ou relacionadas a sequelas, faz-se necessária. Sabe-
se da importância de desenvolvermos instrumentos destinados a esses pacientes, já
que ficam prejudicados quando são submetidos a testagens cognitivas convencionais
que necessitam de compreensão verbal. A audição é o sentido responsável por captar
as informações sonoras e seu prejuízo pode causar distúrbios psicológicos ou neu-
ropsicológicos relacionados a alterações de aprendizagem, alterações de fala, lingua-
gem, comunicação, promovendo declínio cognitivo, redução do estado funcional, pre-
judicando o desenvolvimento escolar e, consequentemente, profissional e social (39).
A avaliação das habilidades comunicativas de uma criança surda deve sempre levar em
consideração as dificuldades que ela possa ter quanto ao uso da língua oral e observar
o uso e o domínio da língua de sinais. Para que isso seja viável, é necessário que o ava-
liador tenha domínio dessas línguas e, assim, o processo avaliativo poderá ocorrer de
forma eficaz. A possibilidade de viés no resultado da avaliação aplicada por um exami-
nador sem conhecimentos da língua de sinais é uma realidade que não pode ser negli-
genciada porque o desenvolvimento de linguagem em uma criança surda poderá ocor-
rer por meio da aquisição da língua de sinais. Analisar o desenvolvimento das habili-
dades comunicativas e de linguagem apenas por meio da língua oral é inadequado e
insuficiente, pois o indivíduo surdo poderá ser erroneamente classificado como porta-
dor de um distúrbio de linguagem, sendo que, na realidade, ele estaria em uma etapa
de aprendizado da língua oral não esperada para sua idade quando comparada com a
aquisição oral de uma criança ouvinte (3).
Apesar da existência, no mercado, de diversos instrumentos, poucos têm aplicabi-
lidade em pessoas com algumas deficiências físicas e/ou sensoriais. Observa-se que o
mercado brasileiro está despreparado em relação aos instrumentos destinados à ava-
liação neuropsicológica de pessoas com limitações sensoriais e físicas, com proprieda-
des psicométricas confiáveis, adaptados e validados para a realidade brasileira, pois a
maioria dos instrumentos disponibilizados é para indivíduos com capacidades senso-
riais e motoras preservadas. Tendo em vista a escassa produção científica na área, há
necessidade de mais pesquisas brasileiras buscando, também, sanar a pouca variedade
de instrumentos neuropsicológicos para determinadas limitações, como é o caso da
deficiência auditiva (38).
E, ainda, é importante frisar que os instrumentos de avaliação neuropsicológicos
consideram que as pessoas possuem capacidade de ver, ouvir, entender as instruções,
não considerando as particularidades da deficiência sensorial auditiva, posto que, co-
mo já foi mencionado, a identificação linguística, ou seja, o modo como chega a infor-
mação linguística, é diferente entre os indivíduos surdos e os ouvintes (8, 17, 24).
88

AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E HABILIDADES RECEPTIVAS DE VOCABULÁRIO

A aquisição da linguagem da criança surda é um processo vasto, multifatorial e


apresenta particularidades que diferem das crianças ouvintes; depende da interação
entre criança, meio e língua, do aprendizado das palavras e seu emprego apropriado
(16). Um componente importante desse processo é o contato visual, extremamente
necessário para a pessoa com surdez, uma vez que quanto maior a gravidade da perda
auditiva maior será a necessidade do apoio orofacial na comunicação.
A surdez se apresenta de forma ampla, linguística, cultural e biológica, de causas
neurossensoriais, que podem ser congênitas ou adquiridas, o que representa a impor-
tância para que haja, de fato, adaptações no processo de alfabetização, principalmente
para a LIBRAS, a primeira língua (L1) ou língua materna da comunidade surda. Porém,
outros recursos são de grande valia nesse processo, como as habilidades de leitura
orofacial, Método Fônico, dicas visuais, entre outros. É de suma importância que se
entenda como ocorre o processo e suas diferenças, no que diz respeito à aquisição da
linguagem, seja falada ou gestual, tanto nos indivíduos ouvintes como nos surdos. Exis-
tem diferenças linguísticas importantes e cruciais, necessárias de entendimento na
aquisição de conceitos linguísticos na escrita e na aquisição e ampliação do vocabulá-
rio. A criança ouvinte aprende pela compreensão da fala e da leitura, decifra o fonema,
ou seja, a escrita em som e fala; a pronúncia da palavra é reconhecida pela sua leitura.
Nas crianças com surdez, sendo a L1 a LIBRAS, a informação, que para as crianças ou-
vintes é recebida pelo som, será apresentada pela sinalização (visual), sendo denomi-
nada como aquisição pelo Léxico Sematósico, ação que fornece o acesso ao Léxico Se-
mântico. O vocabulário em LIBRAS é representado por sinais e o Léxico Sematósico é o
acesso ao Léxico Semântico das palavras. No indivíduo com surdez, o significado da
palavra perpassa por outro caminho; a leitura escrita pode ser realizada tanto pela
ortografia como pela soletração digital (datilologia), que será interpretada pelo Léxico
Sematósico e, posteriormente, acessada pelo Léxico Semântico, o que é automático
para os ouvintes, e enaltece a importância de documentos escritos serem também tra-
duzidos para a LIBRAS (8). Os estágios linguísticos pelos quais as crianças surdas pas-
sam são denominados: estágio pré-linguístico, de um sinal, das primeiras combinações
de sinal, e das múltiplas combinações de sinais. A criança inicia com balbucios silábicos
e gestuais, evolui para a produção de um sinal em forma de gestos que indicam a cons-
trução de frases, e a posterior combinação de dois ou três gestos, finalizando com a
diferenciação das palavras e produção de sentenças mais complexas (45). Dessa forma,
a convivência com pares que utilizam a língua de sinais, nesse período, favorece o de-
senvolvimento cognitivo e socioemocional, além de prevenir atraso de linguagem da
criança.
89

As habilidades receptivas de vocabulário estão diretamente relacionadas às habi-


lidades auditivas; essas últimas seguem etapas em que ocorre a detecção auditiva, a
discriminação auditiva, o reconhecimento auditivo e a compreensão auditiva. Nessas
etapas, dependendo do nível da perda auditiva, a criança é capaz de: perceber a pre-
sença e ausência do som, diferenciar dois ou mais estímulos, identificar e classificar o
som, e compreender estímulos sonoros sem repetição (9). No processo de aquisição da
linguagem, a audição tem papel fundamental e qualquer dificuldade ou perda auditiva
pode gerar atrasos importantes na comunicação ao longo do desenvolvimento infantil
(23, 37). As dificuldades de linguagem levam a alterações no processo do desenvolvi-
mento da expressão e recepção verbal e, posteriormente, na escrita, ocasionando difi-
culdades sociais e educacionais (43). Desse modo, a avaliação precoce pode auxiliar na
detecção de problemas possibilitando que medidas sejam tomadas para minimizar os
impactos no desenvolvimento da linguagem e da comunicação da criança. Partindo
desse ponto, torna-se de suma importância a avaliação das habilidades receptivas de
vocabulário de pessoas com surdez. Diante disso, é muito importante adaptar e tradu-
zir os instrumentos de avaliação dessa população para LIBRAS.
A língua de sinais é artefato imprescindível no processo de apropriação dos ele-
mentos culturais, inclusão na sociedade e acesso ao conhecimento. O bilinguismo do
surdo se dá por meio da aprendizagem da leitura e escrita, por meio de interações que
tenham relação com a sua realidade sensorial apresentadas na modalidade escrita,
possibilitando o desenvolvimento cognitivo e afetivo (25). Mesmo diante desse cená-
rio, observa-se uma carência de instrumentos que tenham sido traduzidos e adaptados
para Língua de sinais, sendo mais comum apenas a tradução das instruções. No Brasil,
o WISC-III (28) e o Teste das Manchas de Tinta de Zulliger foram adaptados e traduzi-
dos para LIBRAS (2). E, um estudo realizado em 2016, traduziu os testes AC (Atenção
Concentrada), Figura Complexa de Rey: cópia e memória, e os subtestes do WISC III
(Wechsler Intelligence Scale for Children Third Edition): Labirinto e Dígitos (ordem
normal e inversa), para aplicação em surdos (36). Na Inglaterra, a Escala de Responsi-
vidade Social (SRS-2) (50), a versão resumida da Escala de Bem-estar Mental War-
wick-Edinburgh (SWEMWBS) (31), o Questionário de Capacidades e Dificuldades
(SDQ) (29), o Questionário de Saúde do Paciente (PHQ-9), a Escala de Transtorno de
Ansiedade Generalizada de 7 itens (GAD-7), a Escala de Ajuste Social e Trabalho
(WSAS) (33) e o Questionário de Saúde EuroQol EQ-5D-5L (32) passaram pelo proces-
so de tradução e adaptação para Língua de Sinais Britânica.
Apesar da adaptação e tradução de alguns instrumentos direcionados para popu-
lação surda que avaliam inteligência e memória, atualmente, observa-se uma escassez
nas demais áreas que compõem a avaliação neuropsicológica, como a linguagem. Nesse
sentido, adaptação do teste de vocabulário por imagem, que é frequentemente utiliza-
do na avaliação desse construto, visa a suprir essa demanda, além de auxiliar na com-
90

preensão do funcionamento da linguagem receptiva em crianças e adolescentes defici-


entes auditivos.

TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO PARA LIBRAS DO TESTE DE VOCABULÁRIO


POR IMAGEM PEABODY (TVIP)

No Brasil, não são muitos os estudos que relatam o processo de tradução e adap-
tação de instrumentos de avaliação psicológica para pessoas surdas. Porém, observa-
se naqueles que existem na literatura científica, a importância de considerar os aspec-
tos culturais e linguísticos nesse processo (1, 31). É necessário que o intérprete de
Língua de Sinais (TILS) seja habilitado, pois será o responsável em proporcionar a
acessibilidade linguística aos surdos avaliados.
O Teste de Vocabulário por Imagem Peabody (TVIP), composto por itens com figu-
ras, avalia o vocabulário receptivo-auditivo e consiste em apontar a figura que indica a
palavra que foi proferida pelo aplicador (15, 19). O TVIP é composto por 125 itens,
mais cinco itens de treino, e é voltado para crianças de 2 anos e 6 meses até 18 anos de
idade. Há estudos de adaptação e normatização para a população brasileira, além de
versão impressa e computadorizada. O instrumento foi utilizado em versão adaptada
para a Libras, sendo que no processo de aplicação, ao invés de verbalizar as instruções,
o intérprete de Libras habilitado faz o sinal correspondente à figura (20). Essa tradu-
ção foi realizada por pesquisador com formação na área de tradução e interpretação
em LIBRAS (20). Essa formação se refere ao Curso de formação de intérpretes e Proli-
bras com aprovação no respectivo Exame de Proficiência para Tradução e Interpreta-
ção em LIBRAS, tanto em nível de Ensino Médio como para o Ensino Superior. O Proli-
bras foi desenvolvido pelo Ministério da Educação, sendo um programa nacional de
realização de exames para obtenção de certificados de Proficiência no Uso e Ensino da
Libras e de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras / Língua Portuguesa"
(13).
Após a tradução das instruções para LIBRAS, houve o processo de consolidação da
tradução das instruções, cujo objetivo foi avaliar os indicadores de validade de conte-
údo da tradução (20). O processo de validação de conteúdo é importante, pois verifica
a relevância de cada item, buscando avaliar cada um com rigor (14, 44). É uma propri-
edade psicométrica indicada e amplamente selecionada ao desenvolver um novo ins-
trumento e nos estudos de adaptação transcultural (27). “Considera-se que o conteúdo
de instrumentos reflete com maior especificidade quando inclui no seu desenvolvi-
mento a população para a qual o instrumento estaria sendo direcionado, uma vez que
seria contemplada a experiência da condição de saúde que se pretende avaliar” (21). A
91

validação de conteúdo é parte fundamental de um processo de adaptação de instru-


mento e quando se busca garantir o rigor técnico-científico.

O sucesso da avaliação da validade de conteúdo relaciona-se com os


passos iniciais que contemplam o amplo e profundo conhecimento so-
bre o construto em questão, os possíveis fatores que poderiam influ-
enciar na avaliação desse construto; e, quais seriam os aspectos a se-
rem considerados que poderiam distinguir o construto analisado de
outros existentes; a relevância, a integralidade e o equilíbrio do cons-
truto na medida e dos itens do instrumento; a validade de conteúdo
por juízes / experts; a validade de conteúdo por estratégia qualitativa
(exemplo: avaliação por grupos focais) e/ou por estratégia quantitati-
va (exemplo: pelo Índice de Validade de Conteúdo ou Coeficiente de
Kappa) e a validade de conteúdo por meio das medidas derivadas da
Teoria de Resposta ao Item (ITR). (14).

Para a validação do conteúdo após a tradução do (TVIP), dois juízes, com forma-
ção específica para intérprete e PROLIBRAS, participaram realizando a análise dos
pontos divergentes e convergentes da tradução. O processo consistiu em escolher, pa-
ra cada item do teste, um sinal correspondente na LIBRAS. Para esse processo, consi-
derando o total de 130 itens, 125 apresentaram concordâncias e cinco indicaram dis-
cordâncias, com Índice de Concordância de 96,15%. Esse índice de concordância é
considerado adequado para utilização do instrumento (20).
Desse modo, a versão adaptada do TVIP para o público surdo mostrou ser promis-
sora e uma excelente ferramenta para a avaliação do desenvolvimento da linguagem
em crianças e adolescentes deficientes auditivas. Ressalta-se, ainda, que o uso do TVIP
na avaliação de indivíduos surdos é frequentemente observado em estudos internaci-
onais. A importância do processo de tradução desse instrumento está principalmente
na possibilidade de utilização para a população surda, permitindo a detecção precoce
de dificuldades de aprendizagem resultantes de déficits em habilidades de vocabulário
receptivo. O resultado dessa avaliação permite, à pessoa com deficiência auditiva, o
adequado encaminhamento e acompanhamento de suas dificuldades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso da tecnologia assistiva na avaliação neuropsicológica da pessoa com defici-


ência sensorial auditiva, seja na adaptação e tradução do instrumento para LIBRAS, é
de extrema importância uma vez que considera as especificidades dessa população. É
extremamente necessário que, no âmbito da avaliação neuropsicológica, exista um
olhar voltado para a população surda, considerando suas especificidades e necessida-
des. A detecção precoce das dificuldades de vocabulário e comunicação da pessoa com
92

deficiência sensorial auditiva possibilita o acompanhamento e tratamento adequados


evitando problemas futuros no âmbito social e escolar.
Além da adaptação e tradução dos instrumentos para Libras, outras tecnologias
poderiam auxiliar na avaliação dessa população, como o uso de aplicativos, ferramen-
tas diversas e códigos que traduzem conteúdos digitais para libras. Para além da apli-
cação dos instrumentos de avaliação neuropsicológica, o uso da TA pode proporcionar
às pessoas com deficiência a possibilidade de autonomia e inclusão social.
Este capítulo buscou suscitar a reflexão acerca da importância da TA para a popu-
lação surda em todos os âmbitos, especialmente quando consideramos a escassez de
instrumentos de avaliação adaptados. Espera-se que profissionais possam investir na
pesquisa nesse campo de atuação direcionando seus esforços para que a população
com deficiências sensoriais auditivas possa ter acesso ao diagnóstico precoce e ao
acompanhamento e tratamento.

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96

A utilização de app como recurso de

Comunicação Alternativa e Aumentativa

(CAA) em grupos sociocomunicativos de

crianças e jovens não falantes com

autismo e suas famílias

Jessica Mayara

Fernanda Orsati
97

INTRODUÇÃO

Estudos apontam que por volta de 30% de indivíduos com autismo não desenvol-
vem linguagem verbal funcional (17). As dificuldades nas habilidades comunicativas
em indivíduos com autismo não falantes dificultam sua interação social, desde fazer
uma compra até em uma aula na escola, dizer o que sente, fazer planos e tomar deci-
sões; por isso, desde cedo precisam ser estimulados.
O déficit linguístico no autismo conta com problemas de comunicação não verbal,
problemas simbólicos, problemas de fala, assim como problemas pragmáticos (14),
falhas nas habilidades que precedem a linguagem, na compreensão da fala, falta de
gestos, mímicas e do gesto de apontar (13). Algumas crianças com Transtorno do Es-
pectro Autista (TEA) não apresentam comunicação verbal funcional, ou seja, podem
apresentar ecolalia, alteração na gramática e articulação da fala, assim como dificulda-
de em compreender e contextualizar uma conversação (15). Assim, é essencial a im-
plementação de um meio de comunicação alternativa ou suplementar junto a esses
indivíduos, a fim de apoiar habilidades de atividades diárias, como alimentação, traba-
lho, relacionamentos, amizades, estudos, entre outras necessidades presentes em nos-
so dia a dia.
O autismo, em alguns casos, leva o contexto familiar a viver rupturas interrom-
pendo suas atividades sociais do cotidiano, transformando o clima emocional do ambi-
ente em que se vive. Muitas vezes, sem o apoio da sociedade, a família se une à disfun-
ção de socialização de sua criança, pois acreditam estar fazendo o melhor para o seu
filho, sendo tal fator determinante no início de sua adaptação. Com isso, vai tornando-
se mais dificultoso reproduzir normas e valores sociais e, consequentemente, manter o
contexto social. Frente às diferentes demandas e impressões da sociedade e de outros
a sua volta, os pais de crianças não falantes, que podem exibir comportamentos dis-
funcionais e disruptivos como meio de expressar-se, podem isolar-se ainda mais por
não ter orientações adequadas e não saber lidar com essas situações. Algumas famílias
não são orientadas sobre possíveis funções comunicativas desses comportamentos
disfuncionais dos seus filhos (por exemplo, chorar, jogar-se no chão etc.). Ou seja, o
indivíduo tenta comunicar-se com esses comportamentos que podem assumir diferen-
tes funções como uma necessidade ou desejo, incluindo estar com fome, incômodo físi-
co, dor, necessidade sensorial, como querer sair de ambientes muito barulhentos ou
acesso a itens de preferência como o celular, ou qualquer outro desejo que não é com-
preendido pela família ou por outros em seu contexto social. Esse comportamento é
comunicativo, e é instalado no repertório desse indivíduo, mas infelizmente algumas
famílias tentam compreender seus filhos por tentativa e erro, pois não há uma comu-
nicação funcional e uma orientação profissional para essas famílias.
98

Muitas famílias com indivíduos autistas não falantes ainda carecem de recursos e
orientações (18). As orientações adequadas de suporte são de grande importância, já
que estratégias inadequadas de educação prejudicam o desenvolvimento de repertó-
rios comportamentais adequados, podendo contribuir para o surgimento de proble-
mas comportamentais (15) e colaborando para uma comunicação não funcional, como
as situações citadas acima.
As intervenções de treinamento em comunicação funcional e interrupção de res-
posta, redirecionamento, têm sido eficazes como estratégias para reduzir comporta-
mentos disruptivos e para o ensino de habilidades de comunicação apropriadas para
cada situação do dia a dia, facilitando o cotidiano e bem-estar do indivíduo e de sua
família (21). As intervenções proporcionam a ampliação de repertórios e melhora a
comunicação social na expressão do que é desejado, o que pode ser ampliado com o
treino entre pares para a reciprocidade socioemocional e habilidades de relaciona-
mento social entre os indivíduos não falantes e seus familiares também.
A literatura demonstra que um treinamento sistemático é efetivo para que pais
aprendam comportamentos associados ao desenvolvimento de linguagem de seus fi-
lhos com TEA incluindo: (a) o número de oportunidades de interação pai-criança, (b)
maior responsividade às tentativas comunicativas da criança, (c) quantidade e quali-
dade do estímulo que o pai oferece, (d) uso de estratégias de aprendizagem e desen-
volvimento de linguagem (7). A ideia principal de um treinamento é que os pais
aprendam naturalmente durante as interações, mas que, ao mesmo tempo, sejam ori-
entados durante as interações para serem parceiros de comunicação efetivos no dia a
dia da criança. Tais pesquisas que promovem o treinamento de pais encontram melho-
ras na linguagem receptiva e expressiva das crianças com TEA e com deficiência inte-
lectual. Kaiser e Roberts (7) afirmam que os pais conseguem aprender, generalizar e
manter essas estratégias de ensino naturalístico com seus filhos. Os próprios pais de
crianças com TEA revelam que precisam de mais informações e treinamento dos pro-
fissionais em como utilizar os aplicativos nesses dispositivos com objetivo de comuni-
cação (9).

PRINCÍPIOS DE INTERVENÇÕES NATURALÍSTICAS

Intervenções naturalísticas podem ser feitas por pais, profissionais ou professores


e ocorrem durante contextos, atividades e rotinas típicas da família e da criança. Em
uma intervenção naturalística, o profissional ou pai organiza o ambiente, atividade ou
rotina, dá suporte para que a criança engaje no comportamento alvo, expande ou mo-
dula o comportamento quando necessário e organiza consequências naturais para re-
forço do comportamento alvo ou habilidade a ser aprendida (22). Essas intervenções
naturalísticas compreendem sessões sem uma estrutura pré-determinada, utilizando o
99

interesse e o tempo da criança, em diferentes locais e com diferentes atividades ou


estímulos.
Diversas intervenções naturalísticas, como o Pivotal Response Training (PRT) (8) e
Project ImPact (6), descrevem ganhos na comunicação quando habilidades são treina-
das utilizando alguns princípios gerais, incluindo: seguir as escolhas da criança, criar
uma oportunidade para a pessoa engajar e comunicar, dar tempo e esperar a resposta,
responder ao comportamento da criança como intencional e com sentido, seguir a cri-
ança e modelar uma resposta ainda mais complexa, reforçar e expandir as respostas
(Modelo Project ImPact) e/ou utilizar o interesse da criança, reforçar as tentativas -
não só o comportamento final correto, variar as atividades e promover reforçamento
natural (Modelo PRT). Tais modelos são somente exemplos de diversas estratégias
empregadas em intervenções naturalísticas que se mostram efetivas em crianças com
TEA. Em geral, uma intervenção naturalística efetiva abrange um ensino controlado,
que ocorre em diversos contextos naturais, derivados do interesse da criança, e tal
ensino/aprendizado é prompted ou scripted por um mediador, o coach.

COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA (CAA) NO AUTISMO

As formas de tratamento e intervenções de ensino utilizadas para pessoas autistas


são necessárias para obter resultados importantes na vida e principalmente com seus
familiares (5). É necessário buscar meios de comunicação que sejam funcionais e que
sejam generalizadas no contexto em que a pessoa está inserida e que também sejam
compreendidas, e úteis, por todos os indivíduos do seu contato. A comunicação alter-
nativa é toda prática comunicativa que difere da fala e que é usada em contextos de
comunicação frente a frente, substituindo-a (19). A American Speech-Language-
Hearing Association (1) define a comunicação alternativa como o uso de recursos, po-
dendo ser símbolos, estratégias e técnicas que venham a favorecer a comunicação en-
tre os sujeitos. A comunicação alternativa responde às necessidades de comunicação
dos indivíduos que não podem consistentemente utilizar sua fala para uma comunica-
ção funcional.
Para uma efetiva incorporação de CAA no cotidiano da criança ou jovem, os pais
devem ser treinados como parceiros de comunicação dessa criança. Os pais são os par-
ceiros de comunicação mais frequentes das crianças e deveriam ser incluídos como
componentes chaves em qualquer intervenção de aquisição de linguagem e comunica-
ção para seus filhos (4). A incorporação de CAA nas vidas das famílias pode ser um
processo complexo e desafiador, o que pode ser complicado, pois até mesmo os profis-
sionais carecem de treinamentos em sua utilização ou em como dar suporte aos pais
para o uso de sistemas de CAA (3). Frente a isso, há a necessidade de profissionais de-
100

senvolverem treinamentos efetivos e bem estruturados para disseminação dos méto-


dos de CAA para pessoas com autismo.
Walter e Almeida (20) utilizaram o ProCAFF (Programa de Comunicação Alterna-
tiva para Familiares) para treinamento de três pais de adolescentes com autismo para
comunicar desejos, necessidades e emoções no contexto familiar. A intervenção junto
aos pais se deu na forma de falar com seus filhos e a maneira de redirecionamento ao
painel de comunicação (PECS-Adaptado), sempre que as mães não compreendiam os
jovens. Todos os três participantes atingiram o nível de 75% do uso de CAA para ex-
pressar a sua necessidade, apesar de, ainda, a maioria dos atos comunicativos serem
iniciados ou redirecionados pela mãe. As pesquisadoras identificaram as seguintes
estratégias como as mais eficazes na intervenção: resposta mediante a entrega de uma
figura, constância na solicitação das figuras; solução de problemas e dificuldades en-
contradas por familiares no processo; reforço positivo aos pais quando os mesmos
expressavam compreender melhor a comunicação de seus filhos; a proibição das mães
direcionarem ou assumirem o que os filhos querem; redirecionamento ao painel de
comunicação quando a atitude ou a fala era não inteligível; e oferecimento do modelo
verbal (20). A determinação de tais características a serem ensinadas em um treina-
mento é essencial para replicação de tal modelo de treinamento de pais e apoio no de-
senvolvimento de estratégias de promoção de uso da CAA para adolescentes com au-
tismo. Oferecer aos pais treinamento adequado para promoção de comunicação das
crianças com TEA é uma ferramenta importante para uma intervenção eficaz e com
efeitos em longo prazo na comunicação dessas crianças e jovens.
A CAA tem o objetivo de tornar o indivíduo autossuficiente em suas situações de
comunicação, promove oportunidades de interação, evita a exclusão social e o possível
isolamento. A CAA pode auxiliar no processo de inclusão, pois viabiliza a efetiva inte-
gração dos sujeitos com seu meio social (16). Os sistemas de comunicação podem ser
desenvolvidos com recursos de alta ou baixa tecnologia. Baixa tecnologia pode ser tra-
balhada com o uso de figuras em cartões, cartolina, velcro, pastas com divisórias plás-
ticas, entre outros. Já na comunicação de alta tecnologia há softwares desenvolvidos
para computadores, tablets, iPad e construção de pranchas dinâmicas de comunicação.
Dentre os aplicativos existentes, podemos citar o “Inclusive”, que foi utilizado neste
estudo, sendo uma ferramenta importante para uma intervenção eficaz e com efeitos a
longo prazo na comunicação dessas crianças, jovens e adultos com TEA. O aplicativo
pode ser utilizado em contextos familiares, escolares e ambientes clínicos promovendo
a generalização da função comunicativa do sistema, além da motivação pelo equipa-
mento eletrônico. Pais e profissionais podem treinar a criança ou adolescente e au-
mentar seu repertório comunicativo, o que possibilita ao indivíduo interagir, partici-
par de jogos, de atividades acadêmicas e se engajar em conteúdos escolares com apoio
do aplicativo. O aplicativo possui a opção de adicionar figuras do banco de dados ou
imagens capturadas da câmera do dispositivo; consegue fazer feedback automático da
101

resposta da tela sensível ao toque, que auxilia a experiência de causa e efeito e promo-
ve rapidez na compreensão da função comunicativa do aplicativo; além disso, auxilia o
processamento multimodal (figura, palavra escrita e palavra falada). Os vocabulários
vão do básico com o uso das figuras até o complexo com a formação de frases no tecla-
do. O sistema se baseia na utilização de vocabulários diversificados incluindo artigos,
descritores como adjetivos e advérbios, pronomes e substantivos, modelando, assim, a
comunicação falada. Podem-se programar as caixas dos símbolos por cores diferentes
fazendo a divisão de verbos, pronomes e substantivos; essa codificação por cores dos
símbolos é um recurso visual e cognitivo que auxilia o aprendizado por equivalência e
a formação de frases.

RELATO DE EXPERIÊNCIA: USO DO APLICATIVO COMO RECURSO DE CAA


EM GRUPOS SOCIOCOMUNICATIVOS

A implementação de sistemas de comunicação é de extrema importância, assim


como o treinamento de pais para ampliar o uso desse recurso em todos os contextos
do indivíduo. Como já falamos anteriormente, os pais precisam de orientação e trei-
namento para lidar com os comportamentos disfuncionais e com a implementação da
comunicação alternativa, para substituir o repertório disfuncional por uma comunica-
ção efetiva, dando a garantia de que todo o contexto social do indivíduo possa enten-
der todos seus desejos e necessidades. Por isso, neste trabalho, desenvolvemos grupos
de pais e crianças / jovens com TEA e são não falantes para ampliação de repertório
comunicativo utilizando tecnologia remota em aplicativos de tablets e, em seguida,
ampliação de repertório social na utilização de jogos sociais de maneira cooperativa
entre as crianças / jovens.
Foram inicialmente organizados cinco grupos sociocomunicativos, com 1 hora e
30 minutos de duração, com cinco pares pais-crianças com TEA orientados por uma
psicóloga e uma estagiária de psicologia. A idade das crianças variou entre 7 e 13 anos.
Os pais eram os parceiros de comunicação das crianças e jovens, e o grupo teve por
objetivo treiná-los para tal função, ensinando-os a estruturar a utilização do tablet co-
mo recurso de CAA para seus filhos em situações sociointerativas.
Ao iniciar o treinamento, a psicóloga e estagiária explicaram para os pais sobre a
utilização do aplicativo e suas funções, assim como uso de dicas e como esvanecer as
dicas, desde manual, verbal e gestual até chegar ao uso independente de um símbolo. A
criança clicava no símbolo na tela, como na Figura 1, e o aplicativo vocalizava o item
escolhido, facilitando a compreensão de todos a sua volta, inclusive daqueles que não
conseguem ler. Além disso, o aplicativo disponibiliza a possibilidade de adicionar fotos
dos itens de acordo com o interesse do indivíduo, possibilitando o uso em todos os
102

ambientes, por exemplo, quando a criança / jovem está em um restaurante e são apre-
sentadas diversas possibilidades de escolha de comida, o jovem pode comunicar o que
deseja comer.

Figura 1. Tela inicial com imagens e pastas do aplicativo utilizado como recurso de CAA, Inclu-
sive.

No decorrer do treinamento, os pais aprenderam de forma naturalística enquanto


interagiam com seus filhos, sendo parceiros de comunicação efetiva. No treinamento,
os pais utilizavam brinquedos para a interação, como: bolas, massinhas, pula-pula, li-
vros, bonecos, bola pula-pula, lápis de cor, cartas e vídeos. Os pais foram orientados a
seguir os seguintes passos: (a) seguir o interesse da criança; (b) fazer uma pergunta
estruturada sobre o item ou restringir o acesso ao item escolhido; (c) dar uma dica
(desde manual até verbal ou gestual) para acionamento do aplicativo no tablet; (d)
reforçar naturalmente com o item requisitado, deixando a criança brincar e se divertir.
A estrutura da sessão se baseia na utilização de interesses e engajamento da criança
para atingir o comportamento que está sendo ensinado. Por exemplo, uma das crian-
ças gostava de jogar os lápis de cor da altura do olho e espalhá-los pelo chão. Nesse
caso, a mãe foi orientada a perguntar qual cor de lápis a criança queria jogar, e somen-
103

te dar o lápis depois que ela escolhesse utilizando o recurso comunicativo. Então a mãe
falava: “Que legal, você quer jogar qual cor? O AZUL ou o VERDE?” Depois que a criança
escolhia no tablet, a mãe entregava o lápis daquela cor. Portanto, o mediador aprendeu
a organizar o ambiente e fazer o suporte necessário para que a criança engajasse no
comportamento que estava sendo ensinado (escolha de objeto preferido nesse caso),
expandindo ou modelando, organizando consequências naturais dessa comunicação
para reforçar o comportamento alvo ou habilidade a ser aprendida (dando a cor esco-
lhida para a atividade de interesse que era jogar e ver os lápis cair).
Já durante as primeiras duas sessões todos os participantes passaram a utilizar
CAA no tablet com a função comunicativa para acesso aos itens desejados, utilizando o
vocabulário “MAIS” e com dica gestual para os itens de maior interesse. Por exemplo,
um dos adolescentes gostou muito do pula-pula, e queria subir no brinquedo a toda
hora. Nesse caso, a mãe foi orientada a ficar na frente do pula-pula e perguntar: “Você
quer pular MAIS? Então me mostra, aciona o MAIS.” O adolescente, no início, precisava
de suporte e acionado o MAIS, tinha acesso ao pula-pula e começava a pular. Com ou-
tros grupos foram utilizados vocabulários como SIM, NÃO e AJUDA, diferentes cores,
assim como diferentes atividades. Além disso, treinamos não somente pedidos, mas
também descrições e comentários, ampliando as funções comunicativas como modelo
para os pais fazerem o mesmo em outros ambientes. Por exemplo, ao utilizar livro de
histórias que continha o personagem “Carros”, descrevíamos sua cor VERMELHO e que
ele era RÁPIDO. Ao longo das sessões, os pais foram engajando seus filhos nas suas
atividades de interesse dando dicas conforme necessárias e esvanecendo-as, respon-
deram prontamente com os itens, e, ainda, aprenderam a expandir o vocabulário utili-
zado.
Após o domínio do aplicativo e utilização de palavras essenciais como MAIS e CO-
RES, as crianças aprenderam a utilizá-lo de forma mais independente ao fazer pedidos
e, em seguida, foram então incentivadas a escolher jogos e atividades do seu interesse
para interagir com pares. Exemplos de atividades e jogos incluem: pula batata, jogar
bola, pula pirata, lança bolinhas, patrulha canina, jogo das varetas, bola pula-pula, pula
macaco, pescaria, jogo da memória, mordida do jacaré, e Cara a cara. Nessa parte do
treinamento, no passo (b), as perguntas foram estruturadas e dirigidas para a ativida-
de e para o colega, por exemplo, minha vez, sua vez, escolha de cores, falar sobre carac-
terísticas (jogo cara a cara), escolher os jogos de interesse. Nas últimas duas sessões,
as crianças com TEA engajaram em atividades que não só a sua atividade de alto inte-
resse, conseguiram esperar e jogar na sua vez com seus colegas. Por exemplo, durante
o jogo cara a cara, as crianças fizeram perguntas estruturadas sobre características
físicas, como cor de cabelo, olhos, barba, chapéu e óculos. Além disso, usaram o voca-
bulário “minha vez” e “sua vez” expandindo o repertório de comunicação e possibili-
tando a socialização.
104

A promoção de CAA em ambientes naturais, como a escola ou casa, vem mostran-


do resultados positivos na comunicação de crianças e adolescentes com autismo (11,
12). Durante as sessões de interação em grupo, os pais tiveram a possibilidade de levar
os irmãos de seus filhos não falantes. Pais e irmãos puderam aprender a utilizar CAA, o
que facilita a interação e socialização no seu cotidiano, utilizando a intervenção natura-
lística tanto para rotinas diárias quanto para brincadeiras. Por exemplo, a criança que
brincava de jogar lápis com a mãe, dessa vez participou do jogo pula pirata com o seu
irmão. Nesse caso, as crianças foram orientadas a dizer as cores antes de inserir a es-
pada do pirata. Na sessão anterior (treinamento de pais), a mãe fazia a pergunta estru-
turada e dava apoio físico total (pegava na mão do filho para clicar na tela da imagem
correspondente); agora, a mãe ficava ao lado dos irmãos para dar apoio e a orientação
era fazer a pergunta estruturada e dar apoio gestual (apenas apontava para as figuras
e o filho clicava, sozinho, na tela): “Agora é a sua vez! Qual cor? VERMELHO ou AMA-
RELO?” O filho clicava na cor, pegava a espada correspondente e a inseria no brinque-
do. Nesse jogo, conseguimos trabalhar as cores e identificação das mesmas, também foi
possível trabalhar a espera enquanto o irmão jogava, coordenação motora ao inserir as
espadas, esvanecer a dica (diminuir o apoio) e generalizar as cores que foram traba-
lhadas anteriormente na brincadeira de jogar os lápis. Essa intervenção com o irmão
possibilita novas formas de brincadeiras em casa e pode ajudar na socialização quando
estiver com outros amigos, por exemplo: em uma festa de aniversário, a criança não
falante pode participar de jogos utilizando CAA e, também, utilizar na escola durante
as aulas e nos intervalos.
Nunes e Hanline (11) descrevem uma intervenção naturalística implementada por
uma mãe que promove o uso de sistema pictográfico de comunicação junto ao seu filho
com autismo, tanto para rotinas diárias quanto para brincadeiras. Estratégias, como
mando, modelagem, comentário e organização do ambiente, foram ensinadas para a
mãe, a fim de estimular e promover a utilização de CAA pelo seu filho. As pesquisado-
ras observaram aumento no uso de iniciativas e respostas, no uso do sistema CAA e no
uso de gestos nas brincadeiras. Por exemplo, durante as sessões, uma criança treinou
CAA com seus pais utilizando uma bola pula-pula e treinou o vocabulário “MAIS”; ao
final do treinamento, a criança levava o tablet até o pai e pedia por “MAIS” bola, ou se-
ja, aprendeu a função comunicativa do dispositivo e agora consegue fazer o pedido da
bola sozinho, sem apoio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da experiência descrita, percebe-se que é possível o treinamento de dife-


rentes pares pais-crianças para inicialização de uso de tecnologia de aplicativos tablets
para CAA e estimulação de ampliação de repertório sociocomunicativo dessas crianças
105

em grupo. Na experiência descrita, a interação entre as crianças com a utilização de


jogos foi incipiente, mas os pais aprenderam efetivamente os princípios de como inici-
ar o uso de CAA com seus filhos. Objetiva-se dar continuidade a esta pesquisa para
ampliar as oportunidades, assim como a sistematização de coletas de dados dos gru-
pos sociocomunicativos para crianças não falantes utilizando CAA. Os grupos são de
extrema relevância social, oferecem suporte e treinamento para a ampliação do reper-
tório interativo e comunicativo de crianças / jovens não falantes, assim como amplia-
ção para outros ambientes do dia a dia da criança / jovem, onde os pais poderão dar
continuidade ao treino de comunicação, dando voz aos seus filhos e filhas.

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107

A elaboração de uma ferramenta

tecnológica a serviço da avaliação e

da estimulação em linguagem

Gerson Obede Estevão Muitana

Daniela Regina Molini-Avejonas

Ana Cláudia Rossi

Valéria Farinazzo Martins

Cibelle Albuquerque de la Higuera Amato


108

INTRODUÇÃO

O rápido surgimento e aceitação das tecnologias digitais, aliado ao desenvolvi-


mento e explosão de aplicativos para tablets Android e iOS nos últimos 5 anos (11), fez
com que muitas medidas alternativas de saúde mental e de diversas habilidades cogni-
tivas e de fossem desenvolvidas para triagem, diagnóstico, intervenção e monitora-
mento de alterações do desenvolvimento infantil, por exemplo. (16). Com milhões de
aplicativos disponíveis gratuitamente ou para compra com baixo custo na App Store e
com acesso rápido, essas ferramentas se tornaram boas soluções práticas para muitos
profissionais de educação e saúde (11). Dentre as vantagens das tecnologias digitais
(aplicativos) para a área da saúde, destacam-se: a facilidade de uso; a economia e a
acessibilidade (23); ser uma alternativa barata para fornecer informações objetivas e
mais detalhadas sobre os sintomas que os pacientes frequentemente não relatam com
precisão; e o acompanhamento da progressão dos sintomas que mudam gradualmente,
como aqueles associados à cognição e à linguagem (4, 38).
De forma geral, os celulares, por exemplo, possuem diversas funcionalidades em
comparação com outros dispositivos tecnológicos. São considerados seguros por pos-
suírem recursos de segurança e monitoramento tecnológico e são utilizados por um
número maior de pessoas quando comparado a outros dispositivos móveis como ta-
blets e notebooks, por exemplo. Os smartphones são portáteis, fáceis de usar e de ma-
nipular; também podem ser usados para fornecer intervenções, psicoeducação, suple-
mentar o tratamento e aumentar o alcance terapêutico (23), para além de ser uma fer-
ramenta de aprendizagem em ambientes formais e informais (18). Segundo Reily (26),
essas tecnologias podem ser utilizadas no contexto escolar, de forma pedagógica como
prováveis recursos para auxiliar no atendimento do aluno com necessidades específi-
cas. Quando consideramos crianças em início de desenvolvimento e no período pré-
escolar, muitos estudos têm apontado a existência de aplicativos eficientes usados em
programas de alfabetização para habilidades emergentes (22) e no processo de letra-
mento em pacientes com gagueira, por exemplo (5).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Em relação às habilidades de comunicação e linguagem, existem inúmeros estudos


e aplicativos desenvolvidos, principalmente para crianças com Transtorno do Espectro
do Autismo (TEA), para promover comunicação aumentativa e alternativa. Grynszpan
et al. (17) analisaram a eficácia pré e pós-uso de tecnologias por pessoas com TEA; a
partir de uma meta-análise os autores indicam evidências sobre a eficiência das inter-
venções e recomendam que os recursos tecnológicos sejam desenvolvidos continua-
109

mente para avaliação e uso clínico para intervenções no transtorno. Algumas pesqui-
sas brasileiras apontaram a existência de aplicativos gratuitos que podem ser utiliza-
dos em crianças com TEA, Paralisia cerebral, Síndrome de Down e outras deficiências
ou doenças que impeçam a comunicação oral. Alguns desses aplicativos ajudam a es-
timular o aluno com TEA nos aspectos visual, motor e linguagem (AutApp); estimulam
a comunicação, socialização e o comportamento das crianças (TEO - Tratar, Estimular
e Orientar); e avaliam a capacidade subjetiva e simbólica de utilizar as expressões faci-
ais e verbais para se comunicar (As descobertas de Albert) (07). Outros aplicativos
como o ABC Autismo, o Aiello e o SCAI Autismo têm o objetivo de auxiliar no processo
educativo de crianças com TEA (19).
Especificamente para a habilidade de linguagem, Edwards (11) refere que o uso
de iPads e outros tablets se tornou comum, com centenas de aplicativos disponíveis em
áreas de distúrbios comunicativos. O mesmo autor acrescenta que muitas ferramentas
estão disponíveis para apoiar uma ampla variedade de objetivos, desde avaliação e
intervenção para articulação, linguagem receptiva e expressiva, fluência, voz, deglutição
e treinamento de comunicação funcional para crianças e adultos. Há muitas vantagens
em usar tecnologias móveis em avaliação e intervenção em linguagem; dentre elas está a
possibilidade de oferecer recursos como pontuação automática e rastreamento do pro-
gresso do paciente (15). Outros benefícios incluem a coleta de dados simplificada, eco-
nomia potencial de custos em comparação com materiais impressos e vantagens de in-
tervenção particular com apresentação visual, dinâmica e interativa (11).
Há um conjunto de pesquisas que examinou o uso de aplicativos para intervenção
em distúrbios de fala e linguagem (12, 30, 40), bem como pesquisas emergentes sobre
desenvolvimento de aplicativos para triagens de fala e audição (29, 39). Recursos de
aplicativos individuais foram avaliados também em algumas áreas de distúrbios co-
municativos, incluindo intervenção na afasia (34). Esses trabalhos têm chegado à con-
clusão de que o uso da tecnologia auxilia na superação de dificuldades em relação à
aquisição da linguagem, bem como na melhoria das relações sociais (32).
Em relação a aplicativos de avaliação, alguns estudos da área de saúde mental têm
evidenciado a existência dessas ferramentas para avaliar diversos transtornos. Uma
revisão de literatura, que examinou pesquisas publicadas que empregam ferramentas
móveis nos sintomas depressivos em crianças e adolescentes, verificou que a maioria
dos estudos usou smartphones para rastrear ou monitorar sintomas depressivos (31),
demonstrando a importância de aplicativos para essa condição específica. Outras revi-
sões têm mostrado que aplicativos estão disponíveis para triagem e monitoramento de
sintomas do transtorno bipolar, avaliados por meio de questionários validados (23).
Um estudo de Connaghan et al. (10), que investigou a utilidade de um aplicativo
denominado Beiwe para identificar e rastrear o início dos sintomas e declínio da fala
em esclerose lateral amiotrófica, verificou que o aplicativo tem potencial para triagem
110

diagnóstica e monitoramento do progresso da doença, bem como identifica diferenças


de grupo nas medidas de fala no início e ao longo do tempo. Para os autores, o fato de o
aplicativo coletar dados a qualquer hora do dia e local pode ser bastante útil para a
prestação de cuidados de saúde e para a pesquisa.
Outro dado muito importante a respeito do uso de aplicativos, no componente da
linguagem, é serem úteis para reabilitação por fonoaudiólogos, especificamente para
tratar a linguagem, articulação / produção motora e fonotática, percepção da fala, re-
presentações fonológicas e habilidades de comunicação social (3, 5, 13, 15). À medida
que a disponibilidade de tecnologia móvel aumenta, os aplicativos desenvolvidos para
telefones celulares e tablets são cada vez mais interessantes para essa terapia. Hoje
existem aplicativos para identificar a presença de afasia (comprometimento da lingua-
gem) e melhorar os resultados da linguagem (8, 9). E outra facilidade que existe é que
algumas intervenções, principalmente em crianças pequenas, podem ser realizadas
pelos pais ou cuidadores das crianças e não necessariamente por um especialista (36),
fornecendo, assim, um acompanhamento domiciliar em uma base regular e, possivel-
mente, reduzindo a necessidade de visitas frequentes à instituição (37).
Por outro lado, o fato de alguns aplicativos avaliarem e no fim gerarem mensagens
de alerta sobre o que o usuário ou avaliado pode fazer (por exemplo, suporte clínico,
recomendação para uma visita a um profissional (23)) é de extrema importância, ten-
do em conta a necessidade de intervir precocemente nas questões de linguagem ou
outras demandas.

FERRAMENTA TAGARELA

Considera-se a primeira infância o período que vai de zero aos 5 anos de idade, e
sendo de fundamental importância para o desenvolvimento global da criança. É nesse
período que se estruturam importantes funções psíquicas, habilidades sociais e de co-
municação. A estimulação do desenvolvimento da fala e linguagem é de extrema im-
portância para o adequado desenvolvimento comunicativo (27, 35). Os pais, assim co-
mo todos os profissionais que lidam com as crianças, devem estar atentos para a pro-
moção do desenvolvimento da linguagem (27, 28). Sendo assim, é de grande importân-
cia o acompanhamento do desenvolvimento da fala e linguagem nas crianças peque-
nas, o que pode ser promovido a partir da elaboração de instrumentos capazes de ras-
trear precocemente indícios de alterações durante o desenvolvimento da criança em
atividades diárias (27). A identificação precoce de alterações fonoaudiológicas aliadas
à orientação aos familiares e cuidadores aumentam significativamente as chances de
um bom prognóstico. As crianças que permanecem sem diagnóstico e sem recursos
para lidar com o déficit de linguagem poderão vir a apresentar alteração em outros
marcos importantes do desenvolvimento, tais como dificuldades de aprendizagem (2).
111

A fim de rastrear indícios de alterações durante o desenvolvimento da criança, de


maneira precoce, foi desenvolvido um instrumento informatizado denominado Taga-
rela (1). Esse instrumento é composto de duas partes: uma aplicação web que corres-
ponde a funcionalidades de administração do instrumento (gerenciar toda a parte de
cadastro e controle de creches, gerentes, cuidadores, responsáveis e crianças); e um
aplicativo mobile, destinado aos cuidadores das creches e pais, que é composto por
questionários configurados a partir do marco de idade de cada criança, questionários
sobre habilidades de leitura e escrita e, também, estímulos caso a criança necessite, a
partir de uma nota de corte. A elaboração desse instrumento se deu com uma equipe
multidisciplinar que se reunia frequentemente em todas as fases do ciclo de desenvol-
vimento do instrumento. O desenvolvimento do instrumento se deu utilizando uma
abordagem iterativa de sistemas de software, combinando características de desen-
volvimento top-down e bottom-up (33). Nessa abordagem, foram gerados protótipos
que eram continuamente avaliados por essa equipe multidisciplinar, até se chegar a
uma versão que atendesse aos requisitos previamente definidos. Assim, pôde-se des-
crever as fases que compuseram esse desenvolvimento, como apresentado a seguir.

Análise de Requisitos

Conforme supracitado, o desenvolvimento do Tagarela envolvia uma equipe mul-


tidisciplinar, composta por profissionais de Fonoaudiologia e Tecnologia da Informa-
ção e Comunicação (desenvolvedores da Fábrica de Software da universidade em que
aconteceu o projeto, uma especialista em Interação Humano-computador e uma pro-
fissional em Gestão de Projetos). A partir de reuniões recorrentes, determinaram-se os
requisitos funcionais e não funcionais do Tagarela, para suas duas partes (web e mobi-
le), conforme definidos a seguir.
Para os requisitos funcionais da versão web (administração), foi definido que o
instrumento deveria ser capaz de:
 Criar uma creche; criar um gerente para essa creche;
 Cadastrar crianças, cuidadores, responsável pela criança, pelo gerente;
 Atualizar dados de uma criança ou seus próprios dados, no papel de responsável
pela criança;
 Atualizar seus próprios dados, no papel de cuidador;
 Acessar alerta de todas as creches, no papel de administrador do sistema; acessar
alerta de sua creche, no papel de gerente;
 Alterar senha, em todos os papéis.
112

Já para os requisitos não funcionais, foi definido que o instrumento deveria: ser
multiusuários, estar disponível 24x7, escalabilidade, e desempenho adequado.
Para os requisitos funcionais da versão mobile, foi definido que o instrumento de-
veria ser capaz de:
 Dar acesso aos cuidadores ao questionário e à lista de estimulações, que contém
perguntas contidas em “Como sua criança fala e ouve” (21);
 Dar acesso aos cuidadores a uma lista de estimulações;
 Separar a lista de estimulações e perguntas por faixa etária (baseada em meses);
 Permitir a pesquisa de uma criança pelo cuidador cadastrado;
 Detectar uma criança com alerta e informar gerente da creche e administrador
do sistema;
 Dar acesso ao responsável pela criança ao aplicativo e para responder as per-
guntas relacionadas à criança.

Seleção das tecnologias utilizadas

Essa fase do projeto teve por meta especificar as tecnologias de entrada, de saída e
computacionais empregadas no desenvolvimento do Tagarela, em duas partes:
 Para a aplicação web, foram utilizadas as seguintes tecnologias: Node JS (para
desenvolvimento back-end; CSS (para uso de páginas HTML); e Handlebars (que
usa um modelo e um objeto que geram formatos texto ou HTML);
 Para o aplicativo mobile, foram utilizadas as seguintes tecnologias: Apache Cor-
dova (criação de tecnologias web digitais utilizando HTML5, CSS3 e Javascript que
exporta o mesmo código para diversas plataformas); e o Framework-7 (desenvol-
vimento de aplicações mobile utilizando Javascript, HTML e CSS);
 Já, para o armazenamento dos dados de todo o Tagarela, foi utilizado o banco de
dados MongoDB 3.6.3.
A fim de um melhor entendimento do escopo do projeto, a Figura 1 apresenta o
diagrama de classes utilizado, com todos os stakeholders.
113

Figura 1. Diagrama de Classes do Tagarela.


114

Implementação

A implementação do Tagarela, conforme supracitado, é composta pela aplicação


web e aplicativo móbile, que serão descritos a seguir.
Aplicação web possui três perfis diferentes: administrador de creches, gerente da
creche e cuidador, com funcionalidades bem definidas:
 Administrador de creches: perfil que pode visualizar cada creche criada no sis-
tema, além de poder incluir ou remover uma creche, visualizar a lista de logins
que foram gerados e os alertas gerados (com as informações da criança em ques-
tão);
 Gerente da creche: perfil que pode visualizar e atualizar dados referentes a uma
creche, visualizar e cadastrar profissionais, visualizar e cadastrar outros perfis de
gerentes, visualizar e cadastrar crianças, ter acesso à lista de responsáveis, além
de visualizar a lista de logins criados;
 Cuidador: usuário que deve fornecer informações mais detalhadas sobre seu
perfil pessoal e profissional.
Já no aplicativo mobile, somente existe o perfil de cuidador. O papel do cuidador é,
então, verificar como a criança está em relação aos aspectos fonológicos esperados, de
acordo com o marco de idade, que estão discriminados no Tagarela a partir do materi-
al “Como sua criança fala e ouve” (20). Assim, o sistema verifica as respostas negativas
dadas pelo cuidador em relação à criança e a nota de corte do que é esperado de acor-
do com a idade. Caso a nota de corte for atingida, são enviados alertas para o gerente
da creche e o administrador de creches. A Figura 2 apresenta a tela de menu do aplica-
tivo que o cuidador tem acesso; acessando uma criança, suas informações estarão dis-
poníveis.
O cuidador terá também acesso às estimulações que devem ser realizadas, depen-
dendo da faixa etária (Figura 3).
Na aba “Sobre a Pesquisa”, são apresentados informações e conselhos divididos
em “Ouvindo e Compreendendo” e “Falando” (Figura 4).
115

A B
Figura 2. (A) Menu de opções; (B) informações sobre a criança escolhida (1).

Figura 3. Lista de estimulações.


116

Figura 4. Comportamento padrão e conselhos sobre a comunicação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Tagarela é resultado de um projeto de pesquisa financiado pelo Fundo Macken-


zie de Pesquisa e Inovação – Mackpesquisa (Processo n° 18028) e contou com a parti-
cipação de professores e alunos do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do De-
senvolvimento do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde e da Faculdade de Compu-
tação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O Tagarela teve todas
suas funcionalidades implementadas em relação ao contexto da creche e centros de
educação infantil e testadas pela equipe multidisciplinar. Os testes aconteceram em
vários níveis. Em primeiro lugar, foram realizados testes internos pelos integrantes da
Fábrica de Software que aconteciam a cada versão nova gerada. Quando a versão era
liberada, então os testes eram realizados pela especialista em Fonoaudiologia e a espe-
cialista em Interação Humano-computador. A partir desses testes, eram realizadas
reuniões com toda a equipe para discutir as melhorias a serem geradas. Essa aborda-
gem ocorreu durante toda a fase de desenvolvimento da ferramenta.
A partir do momento que a versão do Tagarela foi considerada aceitável, ela foi
disponibilizada para outras fonoaudiólogas testarem, e, assim, gerando mais melhorias
a serem realizadas. Finalmente, uma equipe formada por estudantes de mestrado e
doutorado foi treinada para utilizar a ferramenta nas creches, a fim de transmitirem o
conhecimento para os outros stakeholders (gerentes e cuidadores). A fase atual do pro-
117

jeto está congelada na implantação do Tagarela numa creche-piloto devido à pandemia


do COVID-19.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As tecnologias, de forma geral, atuam como um importante instrumento que auxi-


lia na identificação, avaliação, promoção e ampliação de habilidades funcionais, defici-
tárias nos sujeitos em várias idades. Portanto, para alinhar com o movimento em dire-
ção à intervenção baseada em evidências em ciências comunicativas e transtornos (14,
25), é necessário considerar abordagens sistemáticas para a seleção e uso dessa tecno-
logia (11). Por outro lado, os fonoaudiólogos devem avaliar com eficácia os aplicativos
que adquirem, especificamente aqueles aplicativos que avaliam habilidades específicas
de fala e linguagem, que devem ser avaliados tão rigorosamente quanto qualquer ou-
tro procedimento de avaliação e tratamento (24).

AGRADECIMENTOS

Agardecemos ao Programa de Excelência Acadêmica – Proex (Processo 1133/2019) da


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Fundo
Mackenzie de Pesquisa (MackPesquisa) da Universidade Presbiteriana Mackenzie
(UPM).

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121

7
A tecnologia como ferramenta

de intervenção na linguagem

Valeria F Martins

Maria Amelia Eliseo

Daniela Regina Molini-Avejonas

Vitoria L Sarlanis

Cibelle A de la Higuera Amato


122

INTRODUÇÃO

A linguagem tem papel importante durante o percurso do desenvolvimento infan-


til. O desenvolvimento inicia no nascimento do bebê e o acompanha durante toda a
vida. As alterações de linguagem, muitas vezes, são sinais e sintomas de outras altera-
ções do desenvolvimento. O desenvolvimento adequado da linguagem se torna tam-
bém um bom recurso para potencializar o desenvolvimento global da criança. O de-
senvolvimento da linguagem oral, da fala, está relacionado a habilidades cognitivas,
perceptuais e linguísticas que aparecem no período pré-verbal (11). As alterações de
linguagem, após serem identificadas, precisam ser acompanhadas por profissionais
capacitados que tenham a sua prática instrumentalizada por ferramentas especializa-
das. O objetivo deste capítulo é apresentar o processo de elaboração de duas ferra-
mentas tecnológicas para a intervenção na área da linguagem

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A primeira infância é uma fase em que se iniciam as bases para aquisição de mui-
tas habilidades que serão importantes para o desenvolvimento da criança. É um perío-
do crítico e importante para o desenvolvimento humano (6), em que o cérebro passa
por um processo de maturação, permitindo observar o desenvolvimento de habilida-
des cognitivas, sociais, motoras e emocionais que são depois consolidadas em fases
posteriores de desenvolvimento.
A evolução da linguagem e da fala é considerada como um grande marcador para
o desenvolvimento global e cognitivo da criança (1). O desenvolvimento adequado da
linguagem oral nessa fase é reconhecido como sendo fundamental para que a criança
desenvolva outras habilidades e se socialize (14). A linguagem é composta por diferen-
tes sistemas que se inter-relacionam, sendo a fonologia responsável pela organização e
funcionamento do sistema dos sons e a pragmática responsável pela linguagem no
contexto de seu uso na comunicação (15).
Considerando esses dois sistemas da linguagem, fonologia e pragmática, o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição – DSM-5 (2), trouxe altera-
ções importantes para a prática profissional na área da avaliação e intervenção em
linguagem. Houve a inclusão do Transtorno de fala, nova nomenclatura para o Trans-
torno Fonológico. De acordo com o DSM-5, o Transtorno de fala é caracterizado por
dificuldade persistente na produção da fala que interfere na inteligibilidade ou impede
a comunicação verbal. É um transtorno heterogêneo; inclui tanto o transtorno fonoló-
gico como o transtorno da articulação. A criança com dificuldade em produzir a fala
123

pode apresentar dificuldade na capacidade de coordenar os movimentos para falar ou


no reconhecimento fonológico dos sons da fala.
Outra modificação a ser destacada no DSM -5 é a nomenclatura proposta de
Transtorno do Espectro do Autismo caracterizado por dificuldades de interação social,
comunicação e comportamentos repetitivos e restritos (2). Essa nova caracterização
não reduz a importância da linguagem, apenas fortalece os aspectos funcionais e co-
municativos envolvidos na interação social.
Estudos têm apontado que o desenvolvimento da linguagem é condição para a
aquisição das habilidades de leitura e escrita, requisitos para um bom desempenho
escolar (5), como para a vida acadêmica e relações sociais (12). Pesquisas indicam que
os déficits na fala, por exemplo, são os mais comuns das deficiências na infância e afe-
tam cerca de uma em cada 12 crianças ou 5% a 8% das crianças em idade pré-escolar
(8, 13). Por outro lado, pesquisas têm apontado que, com programas de intervenções
precoces, essas crianças afetadas podem se tornar mais bem-sucedidas na comunica-
ção, alfabetização, desempenho acadêmico e relacionamentos interpessoais (10), e
quanto mais cedo o distúrbio for identificado e tratado, melhores serão os resultados,
independentemente da causa (3). Mas segundo Panes et al. (9), um dos grandes pro-
blemas enfrentados é o encaminhamento tardio da criança, ou seja, quando a alteração
já está instalada dificultando, assim, a reabilitação.

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

Será trazida a descrição de dois relatos de experiência do uso da tecnologia para a


intervenção da linguagem. O primeiro enfoca a fonologia com o uso de pares mínimos
(4); o segundo trará o uso de tecnologia para a intervenção da linguagem com crianças
com TEA.

Fonologia e Pares Mínimos

Quando se considera a fonologia, alguns princípios são importantes de serem con-


siderados. Primeiramente, considerar que há regularidade na linguagem falada e que
existem regras e previsibilidade, o que implica em organização. A criança, de forma
gradual, adquire sons. Nessa etapa é bastante comum que as crianças cometam trocas
de sons na fala, que aos poucos são eliminadas durante o processo de desenvolvimen-
to. Quando isso não ocorre, caracteriza-se um distúrbio fonológico; nesse caso, sessões
de fonoaudiologia são utilizadas para minimizar tal distúrbio (17). Uma das possibili-
dades de intervenção pode se basear no modelo de pares mínimos, considerando-se os
124

traços distintivos (contraste de fonemas). Os fonemas contrastantes de um par mínimo


podem se diferenciar por um só traço distintivo ou por vários (7).
Este trabalho consistiu no desenvolvimento de um jogo digital educacional, deno-
minado Kera Puzzle, para trabalhar a fonologia de crianças na faixa etária de 4 a 6 anos
incompletos. Nesse jogo, as crianças deveriam trabalhar a fonologia por meio de pares
mínimos.
Este projeto teve duração de cerca de um ano e meio e envolveu dois alunos de
graduação na área de Ciência da Computação e Sistemas de Informação, uma pesqui-
sadora na área de Fonoaudiologia e uma pesquisadora na área de Computação, ambas
pesquisadoras do Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento. A
pesquisa ocorreu entre os meses de fevereiro de 2019 e junho de 2020.
O projeto utilizou abordagem de desenvolvimento iterativo de sistemas de sof-
tware, que fossem capazes de agregar características de desenvolvimento top-down e
bottom-up, gerando versões que eram refinadas até se atingir uma versão de imple-
mentação aceitável em cumprir com os requisitos inicialmente identificados (16). Na
fase de Análise de Requisitos, foram realizadas muitas reuniões com a equipe a fim de
entender o problema a ser atacado. Alguns requisitos funcionais dessa fase foram: (a)
ser possível montar um quebra-cabeça com pessoas que eram disponibilizadas às cri-
anças; (b) emitir som das figuras selecionadas; (c) que a criança pudesse escolher uma
entre duas figuras que correspondem ao som emitido; (d) validar a resposta da crian-
ça. Entre os requisitos não funcionais estavam: intuitivo, lúdico, fácil de instalar, e uti-
lizar e ser monousuário.
Já no projeto do jogo, ficou determinado que seria para ser executado em disposi-
tivos desktop / notebooks com sistema operacional Windows e MacOS. Foi escolhida a
linguagem de programação C# for Unity em conjunto com os pacotes de elementos da
interface dos usuários, disponibilizado pelo Unity Engine.
O jogo possui três atividades executadas pela criança na sequência:
- Montar um quebra-cabeça que contém a representação visual de ambas as pala-
vras de cada par mínimo (Figura 1).
- Escutar o áudio que corresponde a cada uma das palavras que foram apresenta-
das de maneira visual na etapa anterior (Figura 2). Cada palavra é apresentada de três
maneiras diferentes: como a palavra é soletrada, sua separação silábica, e a palavra
completa.
- Escolher a opção correta: a criança deve escutar um áudio, que é escolhido alea-
toriamente entre as duas palavras do par mínimo (Figura 3). Então, ela deve escolher a
opção correta; caso ela acerte, serão apresentados mensagem de texto e um áudio de
parabenização, além de um botão para a criança avançar para a próxima fase (Figura
125

4-A); caso contrário, será apresentada a mensagem de opção incorreta e ela poderá
refazer a atividade (Figura 4-B).

Figura 1. Montagem do quebra-cabeça Fada à esquerda e Montagem do quebra-cabeça


Faca à direita (14).

Figura 2. Escutando os fonemas Fada à esquerda e escutando os fonemas Faca à direita (14).

Figura 3. Escolha o fonema correto. Exemplo para Fada e Faca (14).


126

Figura 4. Tela da escolha correta à esquerda e tela da escolha incorreta à direita (14).

Foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados: um para verificar a usabili-


dade e utilidade com fonoaudiólogas; e outro para medir a satisfação com as crianças. Os
principais resultados da coleta de dados mostraram que o jogo foi bem avaliado pelas 15
fonoaudiólogas que participaram da pesquisa, como pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1. Questionário de usabilidade e utilidade - público profissional (14).

Não con-
Discordo cordo Concordo
Questão Discordo Concordo
totalmente nem dis- totalmente
cordo

O jogo é motivador para


crianças na faixa etária de 4 - 6,7% 6,7% 66,7% 20%
anos a 6 anos incompletos?

O design está adequado?


(Cores, Figuras, Textos, - 6,7% 60% 33,3%
Botões e Mensagens)

O áudio de identificação das


figuras está adequado para - 6,7% 13,3% 26,7% 53,3%
o tratamento?

O áudio de escolha das figu-


ras está adequado para o - 6,7% 53,3% 40%
tratamento?

Os áudios de parabenização,
de tente novamente e de
- 13,3% 40% 46,7%
finalização do jogo estão
adequados?
127

Tabela 1. Questionário de usabilidade e utilidade - público profissional (14).

Não con-
Discordo cordo Concordo
Questão Discordo Concordo
totalmente nem dis- totalmente
cordo

É possível compreender como


funciona a jogabilidade se-
- 40% 60%
guindo a demonstração dos
vídeos na tela de tutorial?

O jogo é fácil para uma criança


entre 4 anos e 6 anos incomple- - 20% 20% 53,3% 6,7%
tos?

O jogo é intuitivo? - 46,7% 53,3%

O jogo é lúdico? - 20% 46,7% 33,3%

Você acredita que o jogo poderia


ser utilizado para auxíliar no
tratamento ou diagnóstico de - 6,7% 60% 33,3%
crianças (4 a 6 anos incompletos)
com transtorno?

Em relação às respostas das crianças, percebe-se que o jogo foi bem aceito pelas
10 crianças que participaram da pesquisa, conforme dados apresentados na Tabela 2.

Tabela 2. Questionário de satisfação – público infantil (14).

Questão Concorda Neutro Discorda

Você gostou do joguinho? 100% - -

Você achou o joguinho divertido? 90% 10% -

Você achou o joguinho fácil de entender? 80% 20% -

Gostou das figuras do joguinho? 100% - -

Você conhece os cenários e as figuras? 60% 30% 10%

Você gostou da voz? (Exemplo de cenário) 90% 10% -

Você gostou do som de parabéns? 90% - 10%


128

Tabela 2. Questionário de satisfação – público infantil (14).

Questão Concorda Neutro Discorda

Você gostou do som do tente novamente? 80% - 20%

Você gostou do som do fim? 80% 10% 10%

Você gostaria de jogar de novo este joguinho? 100% - -

Linguagem e autismo

Este projeto teve duração de aproximadamente um ano e envolveu um aluno de


graduação em Sistemas de informação, além de uma pesquisadora na área de Fonoau-
diologia e outra pesquisadora na área de Computação, ambas do Programa de Pós-
graduação em Distúrbios do Desenvolvimento. A pesquisa ocorreu entre os meses de
novembro de 2019 e novembro de 2020. O jogo desenvolvido tem por intuito ser utili-
zado como uma ferramenta auxiliar por profissionais da área de Fonoaudiologia na
intervenção de crianças com TEA, no treino de sua capacidade de compreensão das
palavras agora ditas por pessoas com o uso de uma máscara de proteção facial, sem a
possibilidade do recurso visual da face, tais como a mímica facial. O projeto foi desen-
volvido seguindo uma metodologia de prototipação (16). A elicitação dos requisitos
funcionais e não funcionais se deu por meio de diversas reuniões com a especialista
em Fonoaudiologia, o desenvolvedor e a especialista em Computação. Assim, conside-
rando o público-alvo como crianças entre 8 a 11 anos, com TEA, foram considerados os
seguintes requisitos funcionais: os áudios disponibilizados para os jogadores devem
ser gravados por uma pessoa com o uso de máscara; o jogo tenha níveis de dificuldade
diferentes; os cenários (padaria, supermercado e escola) correspondam ao contexto
das palavras (pares mínimos) apresentados ao jogador; o jogador deve perder vida ao
colidir com o inimigo ou caso colete alguma palavra fora da ordem pedida; a cada fase
passada devem estar disponíveis mais vidas devido ao aumento da dificuldade; o jogo
deve fornecer uma instrução antes de cada fase; o usuário pode coletar uma dica (cor-
responde a relembrar o objetivo daquele momento) em cada fase. Em relação aos re-
quisitos não funcionais, tem-se: o jogo não deve ter dependência de conexão com a
internet; o jogo deve ser executado em um sistema operacional Windows; o jogo deve
ser intuitivo; o jogo é monousuário. Já em relação aos requisitos de usabilidade, foi
determinado que o jogo deve: ter um design adequado ao público-alvo (cores, figuras,
textos, botões e mensagens); ter um áudio de identificação das figuras adequado para
o tratamento; ser fácil para uma criança com TEA; ser motivador para crianças e ado-
lescentes com TEA; ter o cuidado de não possuir objetos que tirem o foco do usuário.
129

Na fase de projeto, determinou-se que o jogo deveria ser projetado para ser execu-
tado em dispositivo desktop / notebook com sistema operacional Windows. A lingua-
gem de programação utilizada foi o GDscript, uma linguagem própria do Godot Engine.
A seguir são destacadas algumas partes fundamentais do projeto:
 Criação dos cenários e figuras. Para ser motivador para o público-alvo,
optou-se por utilizar cenários de ambientes mais comuns que uma criança fre-
quenta. Como resultado, obteve-se padaria, mercado e escola. Assim, as imagens
utilizadas e também as de background faziam referência a esses cenários. Contudo
era necessário não sobrecarregar as cenas com muitas informações. Todas as ima-
gens utilizadas eram de licença Creative Commons e foram validadas pela especia-
lista em TEA.
 Criação dos áudios. Os áudios responsáveis por orientar a criança a jogar
(caçar os pares mínimos em uma determinada ordem) foram gravados com o uso
da máscara para dar mais realismo ao jogo.
 Criação da jogabilidade. Sobre a jogabilidade em si, foi necessário pensar
em uma forma de integrar os pares mínimos de um modo divertido, chegando à
ideia de um jogo de plataforma que iria ter várias fases e níveis de dificuldades di-
ferentes. Cada cenário do cotidiano contém, em cada fase, pares mínimos perten-
centes a esse contexto. Antes de iniciar cada fase, há uma instrução pedindo os pa-
res mínimos e uma determinada ordem respectiva ao cenário.
 Pares mínimos. Cada fase tem uma instrução com o respectivo par mínimo,
aumentando a dificuldade em cada fase passada. Um exemplo seria: “Pegue para
mim um pão, mão, mão, pão, nessa ordem”.
Na fase de implementação, a sequência do jogo desenvolvida se dá da seguinte for-
ma. O jogo se inicia em uma tela demonstrando os controles básicos (Figura 5); em se-
guida aparece uma nova tela com uma voz orientando o usuário a pegar objetos em uma
determinada ordem (Figura 6). Em seguida, a criança deve coletá-los na ordem que foi
solicitado, num cenário em que precisa subir / descer e pular obstáculos. A criança é
representada pelo avatar do menino com máscara. Caso ela colete a palavra errada, ou
colida com um inimigo, perderá pontos (corações), conforme é apresentado na Figura 7.
Da mesma forma, a criança ganhará estrelas, caso acerte as palavras. Existem níveis de
dificuldade para cada cenário apresentado no jogo. Cada cenário possui quatro fases, e
quando a criança ganhar todas as fases aparecerá uma tela parabenizando-a (Figura 8).
130

Figura 5. Menu do jogo.

Figura 6. Tela de instruções.

Figura 7. Tela de interação do jogo, na primeira fase - padaria.


131

Figura 8. Tela final da fase do mercado.

Foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados: um para verificar a usabi-


lidade e utilidade com fonoaudiólogas, e outro para medir a satisfação com as crianças.
Os principais resultados da coleta de dados mostraram que o jogo foi bem avaliado
pelas 13 fonoaudiólogas que participaram da pesquisa, entre os dias 9 e 13 de novem-
bro de 2020, como pode ser visto na Tabela 3.
Em relação às respostas das crianças, percebe-se que o jogo foi bem aceito pelas
14 crianças com faixa etária entre 8 e 11 anos incompletos, que participaram da pes-
quisa, conforme dados já apresentados na Tabela 4.

Tabela 3. Questionário de usabilidade e utilidade - público profissional.

Não concor-
Discordo Concordo
Questão Discordo do nem dis- Concordo
totalmente totalmente
cordo

O jogo é motivador para


crianças e adolescentes 11,1% 11,1% 44,4% 33,3%
com autismo?

O design está adequado?


(Cores, Figuras, Textos, 11,1% 33,3% 44,4% 11,1%
Botões e Mensagens)

O áudio de identificação
das figuras está adequa- 11,1% 22,2% 55,6% 11,1%
do para o tratamento?
132

Tabela 3. Questionário de usabilidade e utilidade - público profissional.

Não concor-
Discordo Concordo
Questão Discordo do nem dis- Concordo
totalmente totalmente
cordo

O jogo é fácil para uma


33,3% 33,3% 33,3%
criança com autismo?

O jogo é intuitivo? 22,2% 11,1% 55,6% 11,1%

O jogo é lúdico? 11,1% 11,1% 66,7% 11,1%

Você acredita que o jogo


poderia ser utilizado
para intervenção nas 11,1% 33,3% 55,6%
sessões de fonoaudiolo-
gia?

Tabela 4. Questionário de satisfação - público infantil.

Questão Concorda Neutro Discorda

O joguinho é legal? 85,7% 14,3%

O joguinho é divertido? 64,3% 28,6% 7,1%

O joguinho é fácil de entender? 64,3% 28,6% 7,1%

Você jogaria de novo? 100%

Você entendeu a voz mesmo com máscara? 92,9% 7,1%

O bonequinho do jogo é legal? 100%

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo apresentou o uso de tecnologia para intervenção na linguagem. Fo-


ram trazidos dois relatos de experiência de jogos digitais utilizados para esse fim. No
primeiro, foi apresentado um jogo digital para trabalhar a fonologia, por meio de pares
mínimos, com crianças em período de pré-alfabetização. No segundo relato, foi abor-
dado um jogo digital destinado a crianças com TEA, para que tenham contato com o
133

cotidiano estabelecido pela pandemia do COVID-19, em que as pessoas utilizam más-


caras, o que impede que a criança com autismo tenha pistas, como as mímicas faciais.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento


de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Programa de Excelência - Proex
1133/2019.

REFERÊNCIAS

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2011; 10(3): 174-6.
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para apoio à intervenção fonoaudiológica. Rev Ibér Sist Tecnol Inform. 2021; E41:503-15..
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134

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san IQ, Silva HJ, Tomé MC. Tratado das especialidades em fonoaudiologia. São Paulo: Guanaba-
ra Koogan; 2014. p. 593-99.
135

Desempenho no Teste Informatizado de

Avaliação das Funções Executivas (TAFE)

por crianças com

transtorno do espectro do autismo

Glauce Karine Conti de Freitas Elage

Ivone Félix de Sousa

Piera Sampaio Antunes Lima

Alessandra Gotuzo Seabra


136

INTRODUÇÃO

Novos protocolos, utilizando a tecnologia, estão sendo utilizados na avaliação neu-


ropsicológica, em diferentes etapas, desde a aplicação e coleta dos dados, até a corre-
ção e análise dos resultados. São utilizadas, para isso, diferentes tecnologias como os
computadores, smartphones, tablets, sensores e videogames (13). Contudo, essa inte-
gração entre testes neuropsicológicos e tecnologia ainda acontece de forma discreta.
Pesquisadores destacam que os custos dos recursos tecnológicos, a falta de dados
normativos adequados, a insegurança sobre a utilidade e a validade do teste e, ainda, a
idade dos profissionais são fatores que podem dificultar essa integração (26).
Mesmo ocorrendo de forma incipiente entre os profissionais, há, recentemente,
avanços no desenvolvimento de instrumentos informatizados para avaliação de habi-
lidades cognitivas. Esses instrumentos estão sendo desenvolvidos de diferentes for-
mas: na digitalização de testes já existentes; na condução de avaliações remotas; e no
uso de ferramentas, tais como os lápis inteligentes para rastreio da velocidade e da
consistência da saída do traçado, as almofadas de pressão sensíveis ao toque e coorde-
nação do dedo, os programas de reconhecimento de fala para registrar os erros grama-
ticais e padrões de fala e, ainda, o reconhecimento facial para avaliar a expressões du-
rante a avaliação, dentre outras possibilidades (21).
Para alguns grupos clínicos, como o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA),
tema que será abordado neste estudo, o uso de instrumentos informatizados na avalia-
ção neuropsicológica infantil apresenta algumas vantagens. Assim, além das caracte-
rísticas lúdicas e do uso de recursos de mídia como imagens, sons e animação presen-
tes nos instrumentos desenvolvidos para esse público, o que os tornam mais atrativos,
os instrumentos informatizados possibilitam maior acessibilidade por parte das pes-
soas com dificuldades sensoriais e motoras e ainda reduz a necessidade de interação
social durante a testagem, o que pode contribuir para o envolvimento na tarefa.
O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado pelo desenvol-
vimento atípico na comunicação social, bem como pela presença de comportamentos
restritos, repetitivos e estereotipados (1). O domínio da comunicação social inclui difi-
culdades na interação social (34) e déficits na comunicação não verbal (5). Já os sinto-
mas associados ao comportamento restrito e repetitivo incluem as estereotipias moto-
ras, ecolalias, comportamentos ritualizados, interesses restritos e hipo ou hiper-
reatividade a estímulos sensoriais (1). Embora caracterizado por alteração nas dimen-
sões de comunicação social e comportamentos restritos e repetitivos, o TEA apresenta
uma grande variabilidade comportamental e cognitiva, fato que lhe atribuiu a condição
de espectro (16).
137

Na perspectiva cognitiva, vários modelos teóricos foram propostos para explicar


as manifestações comportamentais presentes nesse transtorno (30). Um desses mode-
los é o da Teoria de Disfunção Executiva, que busca explicar parte das dificuldades com-
portamentais presentes no TEA, como os comportamentos repetitivos e as respostas
inadequadas às situações sociais, atribuindo-as a prováveis comprometimentos das fun-
ções executivas (FE) (15, 25). As FE se referem a processos cognitivos dinâmicos, asso-
ciados ao controle deliberado do comportamento, pensamento e ações. São habilidades
que permitem ao indivíduo pensar antes de agir, resistir a tentações ou reações impulsi-
vas, manter o foco, raciocinar, resolver problemas, ajustar-se com flexibilidade às de-
mandas ou a novas prioridades, ver as coisas de perspectivas novas e diferentes. São
consideradas habilidades básicas das FE: o controle inibitório, a memória de trabalho e a
flexibilidade cognitiva, conforme o modelo teórico proposto por Diamond (9), a partir do
estudo empírico de Miyake et al. (22).
Com a hipótese de que os déficits nas FE poderiam explicar, em parte, algumas ca-
racterísticas comportamentais do TEA, vários estudos foram realizados a fim de investi-
gar as FE em crianças e adultos com o transtorno. Por exemplo, a metanálise realizada
por Demetriou et al. (8), que incluiu 235 estudos e 14.081 participantes, revelou que os
indivíduos com TEA tinham desempenho, em média, significativamente pior nas FE
quando comparados ao grupo-controle. Mais recentemente, outra metanálise realizada
por Xie et al. (37) estudou as características das FE em adultos com TEA. Observou-se
ampla disfunção executiva nos participantes e, dentre as habilidades investigadas, a que
se mostrou predominantemente prejudicada foi a flexibilidade cognitiva, manifestada
pela dificuldade para mudar as perspectivas e ser flexível para aderir a novas demandas.
Contudo, comprometimento na capacidade de controlar e inibir comportamentos e pen-
samentos, ou seja, déficit no controle inibitório, também é descrito na literatura (14),
bem como as alterações na memória de trabalho (35), que consiste na habilidade de
manter e manipular informações mentalmente, por um curto período, atualizando-a
quando necessário (2). Entretanto, os resultados parecem ser evidentes em alguns estu-
dos, mas menos consistentes em outros.
De fato, em relação ao controle inibitório, por exemplo, embora já esteja bem es-
tabelecida a presença de déficits em grupos de indivíduos com TEA (14), ainda não
estão claros quais são os aspectos específicos do controle inibitório que estariam mais
comprometidos (6). A memória de trabalho é apontada, em diversos estudos com cri-
anças e adultos com TEA, como uma habilidade comprometida (17, 20, 33, 35), embora
resultados diferentes tenham sido encontrados em estudos anteriores (24, 28). Quanto
à flexibilidade cognitiva, Leung (19) apontou comprometimento tanto durante a ado-
lescência quanto na idade adulta. No entanto, outros estudos (27, 32) não relataram
diferenças significativas entre crianças com TEA e controles.
Dada a diversidade de relatos na literatura acerca do desempenho em tarefas de
FE por indivíduos com TEA, o objetivo desse estudo foi analisar, de forma descritiva, o
138

padrão de desempenho em tarefas de controle inibitório, memória de trabalho e flexi-


bilidade cognitiva de crianças diagnosticadas com TEA, sem deficiência intelectual,
utilizando, para isso, o instrumento informatizado de avaliação das funções executivas
(TAFE) (10). Tal objetivo é relevante visto que conhecer esse perfil pode facilitar a
compreensão do desenvolvimento das FE em crianças com TEA e possibilitar um deli-
neamento de intervenções mais direcionadas e eficazes. Optou-se por realizar esse
estudo em crianças sem deficiência intelectual associada, de modo a isolar possíveis
déficits de FE em relação ao rebaixamento intelectual, ou seja, verificar se, mesmo em
crianças com nível intelectual preservado, pode haver déficit de FE.

MÉTODO

Participantes

Participaram cinco crianças do sexo masculino, com idade entre 4 e 9 anos (M =


6,8, DP = 1,92), estudantes de escolas particulares da cidade de Goiânia, todas com di-
agnóstico de TEA, confirmado por um médico especialista, após avaliação multidisci-
plinar (neuropsicóloga, fonoaudióloga e psicopedagoga). Os participantes foram sele-
cionados na clínica médica onde são realizados os atendimentos multidisciplinares às
crianças com TEA (Tabela 1).

Tabela 1. Descrição dos participantes com TEA (idade e ano escolar).


Participante Idade Ano escolar

A 4 Educação Infantil 2

B 6 1° ano – Ensino Fundamental

C 7 1° ano – Ensino Fundamental

D 8 2° ano – Ensino Fundamental

E 9 3° ano – Ensino Fundamental

Foram incluídas crianças que apresentaram linguagem oral compreensível, que


demonstraram compreender as instruções verbais, e com QI superior a 70 na Escala
Wechsler de Inteligência para crianças (WISC-IV) (36) e no teste SON-R 2 a 71/2 (18).
139

Foram excluídos os participantes com comorbidades genética, neurológica ou com ou-


tros transtornos do neurodesenvolvimento comórbidos ao TEA, conforme avaliação
multidisciplinar (Tabela 1).

Instrumento

O Teste de Avaliação das Funções Executivas (TAFE) (10) é um aplicativo desen-


volvido para o sistema IOS. Apresenta cinco diferentes tarefas. As tarefas contemplam
a tríade proposta por Diamond (9), memória de trabalho, controle inibitório e flexibili-
dade cognitiva, e são realizadas separadamente. Todas as tarefas apresentam fases de
instruções, fornecidas pelo próprio aplicativo, fases de treino, com orientações sobre a
tarefa, além da tarefa avaliativa. Todas as etapas das tarefas, após realizadas, são con-
tabilizadas automaticamente e os dados ficam armazenados para posterior conferên-
cia. Além das tarefas, o teste também contém telas para serem efetuados os registros
dos dados pessoais da criança, além dos resultados obtidos, sendo que esses podem
permanecer armazenados no instrumento ou ainda podem ser enviados por e-mail
para uma futura inclusão em um relatório.
A Figura 1 apresenta as imagens principais das telas das tarefas do instrumento
TAFE, seguindo a ordem da direita para esquerda e de cima para baixo. A figura mos-
tra a tela com a divisão do teste em três tarefas; a tela de início da tarefa de memória
de trabalho visuoespacial; a tela da tarefa de memória de trabalho visual ordem inver-
sa; a tela da tarefa de memória de trabalho verbal; a tela inicial das tarefas de flexibili-
dade cognitiva; a tela da tarefa de flexibilidade cognitiva para crianças em idade pré-
escolar; a tela da tarefa de flexibilidade cognitiva para crianças em idade escolar; e, por
fim, a tela com a representação da tarefa de controle inibitório.
O TAFE proporciona condições para avaliar a memória de trabalho a partir de dois
estímulos, visuoespacial e verbal (10). A tarefa de memória de trabalho visuoespacial
do TAFE é a primeira tarefa do instrumento. No início da tarefa a criança ouve as ins-
truções que são fornecidas por um personagem (coruja), que irá instruir todas as eta-
pas do teste. A instrução, de modo geral, é para que a criança observe os movimentos
realizados pela coruja e que, após a finalização do movimento, aponte, com um toque
na tela, as casas pelas quais a coruja passou enquanto se movia. Na primeira etapa, os
movimentos deverão ser repetidos na ordem direta. Após a finalização dessa primeira
etapa, a criança é direcionada para a segunda etapa para dar continuidade à tarefa.
Nessa segunda etapa, novamente a coruja irá instruir a criança para que observe seu
movimento e depois indique a ordem, mas, dessa vez, a indicação da criança deve ser
na ordem inversa. Toda a tarefa é apresentada em um grau crescente de dificuldade.
Os registros dos acertos e dos erros das duas partes são computados separadamente.
O teste é interrompido quando a criança erra três telas consecutivas ou quando realiza
corretamente as 12 telas que compõem o teste. O desempenho da criança é registrado
140

de forma automática; o intervalo de pontuação possível na tarefa é de zero (pontuação


mínima) a 12 pontos (pontuação máxima da tarefa).

Figura 1. Imagens principais das telas do TAFE.

A tarefa de memória de trabalho verbal do TAFE, assim como a anterior, é dividida


em duas etapas, direta e inversa. Para realizar essa tarefa a criança não pode visualizar
a tela, uma vez que a intenção é investigar a memória de trabalho a partir de estímulos
auditivos. Dessa forma, o examinador lê a instrução que, de modo geral, solicita à cri-
ança que ouça uma lista com nomes de animais e depois a repita. A lista é fornecida
pelo próprio tablet e iniciada pelo examinador a partir do toque no botão áudio. Na
primeira etapa, a criança deve repetir a lista na ordem direta, ou seja, na ordem apre-
sentada. Após a finalização da primeira etapa, a criança é instruída para que repita os
nomes dos animais, mas, dessa vez, na ordem inversa à apresentada, e, assim, nova-
mente, são administradas as listas compostas por nomes de animais comuns à criança.
O escore bruto da criança corresponde ao número de sequências corretas realizadas. O
141

teste é interrompido se a criança errar três sequências consecutivas, ou finalizado se


ela concluir as 16 fases (sequências) de cada etapa do teste. Após a resposta da crian-
ça, o examinador seleciona as palavras ditas e as leva até o espaço reservado (quadro
branco) para obter o feedback do aplicativo. O teste ainda permite a opção de marcar
palavras intrusas (que são as palavras que não fazem parte daquela sequência), bem
como a opção de registrar a ausência de qualquer resposta, que ocorre quando a crian-
ça não recorda nenhuma das palavras. Esses últimos dados podem ser utilizados para
a análise qualitativa. O registro final das respostas ocorre conforme a tarefa anterior.
A tarefa de flexibilidade cognitiva do TAFE foi subdivida em duas diferentes ativi-
dades: uma tarefa para as crianças em idade pré-escolar, que independe de conheci-
mentos numérico e alfabético, e uma atividade indicada para as crianças em idade es-
colar, que já tenham conhecimentos numérico e alfabético. A atividade elaborada para
avaliar a flexibilidade cognitiva em crianças em idade pré-escolar consiste em uma
adaptação, para uso em tablet, do Teste de Trilhas para Pré-escolares, desenvolvido
por Trevisan e Seabra (31). Na primeira etapa, a criança deve ligar os estímulos (ca-
chorrinhos) em ordem crescente de tamanho. Na etapa seguinte, há dois estímulos
diferentes (cachorros e ossos) e a criança deve ligá-los alternadamente, seguindo a
ordem de tamanho. Antes de iniciar o teste, a criança recebe as instruções por áudio e
é submetida ao treino e, em seguida, à tarefa. A tarefa é interrompida quando a criança
ligar todos os itens da tela (de forma correta ou incorreta) ou pode ser interrompida
pelo examinador por meio do botão avançar se a criança não finalizar, por exemplo, ou
se não tocar em todos os itens da tela. Os acertos são extraídos do traçado da criança,
considerando o número de conexões corretas (ligações corretas entre dois itens), que
podem, na primeira etapa, variar de zero (pontuação mínima) a quatro (pontuação
máxima) e, na segunda etapa, de zero (pontuação mínima) a nove (pontuação máxi-
ma), e o número de sequência (número de itens ligados corretamente em uma sequên-
cia ininterrupta), medida que pode variar de zero a cinco na primeira etapa, e de zero a
10 na segunda etapa.
Igualmente ao teste elaborado para as crianças de 4 a 6 anos, a tarefa de flexibili-
dade cognitiva para crianças em idade escolar é uma atividade adaptada, para uso em
tablet, do Teste de Trilhas: Parte A e B (23). O teste é destinado a crianças em idade
escolar (7 a 10 anos) com conhecimento das ordens numérica e alfabética, e também
possui duas partes: A e B. Para a execução de ambas as partes, a criança recebe as orien-
tações de forma auditiva, após o toque no botão áudio. Na parte A, há duas tarefas: na
primeira, a criança é orientada a unir, por meio do toque na tela, as letras em ordem al-
fabética e, na segunda tela, os números em ordem crescente. Na parte B, há uma tarefa
na qual a criança é orientada para que alterne entre os números e as letras apresenta-
das, em uma mesma tela, em sequência crescente e alfabética. Assim como nas tarefas de
pré-escolares, há as telas de treino e o desempenho é medido em termos de número de
conexão e sequências realizadas no primeiro minuto de execução. A finalização da tarefa
142

também ocorre conforme a tarefa de pré-escolares. São registrados os escores do teste


de flexibilidade cognitiva, considerando as etapas: somente letras, somente números, e
letras e números, considerando os critérios: sequência, conexão e tempo para executar
cada etapa. As pontuações possíveis nas duas tarefas da parte A são: zero a 12 para se-
quência; zero a 11 para conexão. Na parte B, a pontuação possível é de zero a 24 para
sequência; e zero a 23 para conexão.
Na tarefa que investiga o controle inibitório, há inicialmente uma tela em que há
as instruções da tarefa. A criança ouve as instruções após o examinador tocar no botão
áudio. Em seguida inicia a fase de treino. Nessa fase, é apresentada uma tela com a
imagem de um pássaro e é solicitado à criança que indique a direção em que o pássaro
está voando, utilizando as indicações na parte de baixo da tela. Em seguida são apre-
sentadas telas nas quais cinco pássaros são dispostos em uma linha horizontal, e é da-
da a orientação para a criança observar o pássaro do meio e indicar a direção corres-
pondente. Todos os pássaros são apresentados com o mesmo tamanho e a mesma cor,
até que uma resposta seja emitida ou até três segundos decorridos após a apresenta-
ção do estímulo. São administradas 30 telas com imagens congruentes (todos os pás-
saros para a mesma direção) e 30 telas com imagens incongruentes (o pássaro do meio
está na direção contrária aos demais), intercaladas de forma aleatória. As respostas da
criança são registradas e computadas, considerando: erros por omissão (de zero a 60
pontos); erros e acertos congruentes (zero a 30 pontos cada).

Procedimentos

Este estudo é parte de uma pesquisa mais ampla de desenvolvimento e estudos de


validação de instrumentos, submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, obtendo aprovação necessária (CAEE
19717919.9.0000.0084). Após o consentimento da instituição, os pais e/ou responsá-
veis legais da criança foram contatados por telefone e convidados a participar. A apli-
cação do teste ocorreu na instituição, em sessão única com duração de aproximada-
mente 40 minutos. Todos os responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido e as crianças consentiram, de forma verbal, a participar da pesquisa após
explicação fornecida por meio de histórias em quadrinhos.
143

Análise dos dados

Para cada idade foi conduzida uma análise descritiva do desempenho individual
em cada tarefa do teste. As medidas de Memória de Trabalho, Flexibilidade Cognitiva e
Controle Inibitório foram comparadas aos resultados descritos por Elage (10), obtidos
em cada uma das tarefas por crianças com desenvolvimento típico. Neste estudo as
medidas analisadas de memória de trabalho foram os escores (número de acertos) da
ordem direta e da ordem inversa, a partir da demanda visuoespacial e verbal; na tarefa
de flexibilidades foram analisados os escores de conexão e sequência corretas obtidos
no primeiro minuto da tarefa; na tarefa de controle inibitório foram analisados os nú-
meros de acertos congruentes e incongruentes. Os resultados dos participantes com
TEA foram analisados de forma descritiva e classificados como: muito superior (de-
sempenho maior do que 2 desvios-padrão acima da média do grupo típico); superior
(desempenho entre 1 e 2 desvios-padrão acima da média); médio (desempenho entre
1 desvio-padrão abaixo da média e 1 desvio-padrão acima da média); inferior (desem-
penho entre 1 e 2 desvios-padrão abaixo da média); muito inferior (desempenho infe-
rior a 2 desvios-padrão abaixo da média).

RESULTADOS

A Tabela 2 sumariza os resultados dos participantes nas tarefas de memória de


trabalho do TAFE, nos domínios visuoespacial e verbal. Foram consideradas as medi-
das: escores de sequência corretas em cada um dos domínios, comparados por idade
com os resultados obtidos pelas crianças com desenvolvimento típico.
Conforme exposto na Tabela 2, das 20 medidas investigadas: nove estão classifi-
cadas como muito inferior; sete, como inferior; e quatro, como média. Em relação à
memória de trabalho visuoespacial, as mesmas classificações foram encontradas para
cada participante na ordem direta e inversa, em que três participantes tiveram escores
classificados como muito inferior (participantes B, C, D); um participante obteve esco-
re inferior (participante A); e um participante apresentou escore de memória de traba-
lho visuoespacial classificado como média (participante E). Para medidas de memória
de trabalho verbal, foram encontradas diferenças entre a ordem direta da tarefa e a
ordem inversa, assim, em relação à ordem direta, três participantes tiveram escores
classificados como inferior (participantes B, C, D) e dois participantes (A e E) obtive-
ram escores dentro da média, quando comparados às crianças com desenvolvimento
típico. Em relação às medidas de memória de trabalho verbal na ordem inversa, três
participantes (B, C e D) tiveram resultados classificados como muito inferior e dois (A
e E), como inferior.
144

Tabela 2. Desempenho dos participantes com TEA nas tarefas de memória de trabalho visuo-
espacial e verbal do TAFE em comparação com os participantes com desenvolvimento típico.
Partici- Escore M (DP)
Tipo de tarefa Ordem Classificação
pante obtido ref. por idade
OD 2 3,87 (1,77) Inferior
Visuoespacial
OI 0 1,67 (1,35) Inferior
A
OD 3 3,41 (0,97) Média
Verbal
OI 0 1.96 (1,16) Inferior
OD 2 5,13 (1,20) Muito inferior
Visuoespacial
OI 1 4,40 (1,95) Muito inferior
B
OD 2 4,16 (1,22) Inferior
Verbal
OI 0 2,87 (1,14) Muito inferior
OD 1 5,53 (1,68) Muito inferior
Visuoespacial
OI 0 5,11 (2,11) Muito inferior
C
OD 3 4,44 (1,16) Inferior
Verbal
OI 0 3,14 (1,02) Muito inferior
OD 1 6,44 (1,31) Muito inferior
Visuoespacial
OI 0 5,44 (2,20) Muito inferior
D
OD 3 4,56 (1,25) Inferior
Verbal
OI 1 3,22 (0,93) Muito inferior
OD 8 7,54 (1,69) Média
Visuoespacial
OI 8 7,50 (1,60) Média
E
OD 4 5,36 (1,42) Média
Verbal
OI 2 3,71 (1,15) Inferior
*OD = ordem direta; OI = ordem inversa.

A Tabela 3 exibe os resultados dos participantes nas tarefas de flexibilidade cogni-


tiva do TAFE. Foram consideradas como medidas o número de conexões e sequências
corretas. Os resultados foram comparados com os resultados obtidos por crianças com
desenvolvimento típico, quanto à idade.
A classificação dos resultados obtidos pelos participantes nas tarefas de flexibili-
dade foi diferente, para alguns participantes, em relação à medida de conexão. Dessa
forma, em relação ao número de conexões corretas, os resultados obtidos pelos parti-
cipantes foram: um participante apresentou resultado muito inferior (participante D);
três foram classificados como inferior (participantes A, B e E); e um participante obte-
ve resultado dentro da média (participantes C). As medidas de sequência, os resulta-
dos na comparação por idade foram: um participante classificado muito inferior (par-
ticipante B) e quatro tiveram as medidas classificadas como inferior (participantes A,
C, D e E).
145

Tabela 3. Desempenho dos participantes com TEA nas tarefas de flexibilidade cognitiva no
TAFE em comparação com os participantes com desenvolvimento típico.
Tipo de Escore M (DP)
Participantes Classificação
medida obtido ref. por idade
Conexão 0 3,85 (2,40) Inferior
A
Sequência 0 3,85 (2,94) Inferior
Conexão 2 6,88 (2,62) Inferior
B
Sequência 1 7,12 (3,47) Muito inferior
Conexão 5 10,11 (7,01) Média
C
Sequência 2 7,93 (4,99) Inferior
Conexão 2 13,93 (6,30) Muito inferior
D
Sequência 1 10,77 (7,01) Inferior
Conexão 3 15,43 (6,28) Inferior
E
Sequência 4 13,93 (6,03) Inferior

A Tabela 4 sumariza os resultados dos participantes nas tarefas de controle inibi-


tório do TAFE, nas medidas de acertos congruentes e incongruentes.

Tabela 4. Desempenho dos participantes com TEA nas tarefas de controle inibitório no TAFE
em comparação com os participantes com desenvolvimento típico.
Tipo de Escore M (DP)
Participante Classificação
medida obtido ref. por idade
Congruente 15 23,78 (4,71) Inferior
A
Incongruente 12 16,78 (8,18) Média

Congruente 25 26,60 (4,79) Média


B
Incongruente 20 26,44 (4,52) Inferior

Congruente 26 27,42 (3,40) Média


C
Incongruente 10 27,44 (3.99) Muito inferior

Congruente 20 29,19 (1,07) Muito inferior


D
Incongruente 22 29,56 (0,89) Muito inferior

Congruente 28 29,39 (1,03) Inferior


E
Incongruente 29 29,64 (0,73) Média
146

Assim, a classificação apresentada pelos participantes para essa tarefa foi: nas
medidas de acertos congruentes: um participante (D) obteve resultado muito inferior,
dois participantes obtiveram classificação inferior (A e E), e dois participantes obtive-
ram resultados medianos (B, C). Em relação à média de acertos incongruentes, para a
comparação por idade, há dois participantes classificados como muito inferior (C e D);
um, como inferior (B); e dois classificados como média (A e E).

DISCUSSÃO

Considerando que alterações nas FE podem estar relacionadas às dificuldades


comportamentais apresentadas pelas crianças com TEA (4), neste estudo, descreve-se
o desempenho de cinco crianças com TEA nas tarefas informatizadas que avaliam as
habilidades básicas das FE em relação à memória de trabalho, à flexibilidade cognitiva
e ao controle inibitório.
Os dados obtidos em relação à habilidade de memória de trabalho revelam que as
crianças com TEA apresentam grande parte das medidas com padrão de desempenho
inferior às crianças com desenvolvimento típico. Considerando todas as medidas de
memória de trabalho investigadas, incluindo tarefas com demandas verbais e visuoes-
paciais nas ordens direta e inversa, somam-se 20 medidas, das quais nove estão classi-
ficadas como “muito inferior”, sete estão como “inferior”, e apenas quatro medidas
classificadas como “média”, sem qualquer classificação “acima” ou “muito acima da
média”. Resultados semelhantes foram encontrados em estudos da área (17, 20, 35).
No estudo de revisão de Wang et al. (35), os pesquisadores, após avaliarem 819 indiví-
duos com TEA e compará-los a 875 controles, concluíram que prejuízos em memória
de trabalho estão presentes em grupos de indivíduos com TEA.
Ao avaliar a variabilidade do desempenho da criança com TEA nas tarefas de me-
mória de trabalho visuoespacial e verbal, é possível observar um padrão de desempe-
nho mais baixo nas tarefas visuoespaciais. De fato, nas tarefas visuoespaciais, houve
seis classificações “muito inferior”, duas classificações “inferior”, e duas como “média”.
Enquanto, nas tarefas verbais, houve três classificações “muito inferior”, cinco como
“inferior”, e duas classificações “média”. A constatação do desempenho mais baixo nas
tarefas de memória de trabalho visuoespacial em relação a tarefas de memória verbal
é relativa a poucas crianças e não foi submetida à estatística inferencial, porém corro-
bora achados de outros estudos (7, 35).
Diferenças entre as tarefas de ordem direta e ordem inversa também foram ob-
servadas descritivamente, com maior número de desempenhos bastante comprometi-
dos na ordem inversa, proporcionalmente à ordem direta. Na ordem direta, houve três
classificações como “muito inferior”, quatro como “inferior”, e três como “média”; en-
147

quanto na ordem inversa, houve seis classificações como “muito inferior”, três como
“inferior”, e uma como “média”. Destaca-se que os itens das tarefas em ordem inversa
apresentam maior demanda de memória de trabalho, uma vez que envolvem, além do
armazenamento, a manipulação da informação em mente. Ou seja, as crianças aqui
avaliadas parecem ter relativamente maior dificuldade em memória de trabalho, em
relação à memória de curto-prazo, corroborando a ideia de déficit de FE. Os déficits de
memória de trabalho parecem resultar em vários problemas associados com a regula-
ção do comportamento, pensamento abstrato, foco e sustentação da atenção. Contudo,
as implicações desse déficit em relação às pessoas com TEA ainda não são tão claras, o
que pode ser explicado devido à grande variação das características comportamentais
e cognitivas dos indivíduos com TEA e aos procedimentos da avaliação (15).
A habilidade de flexibilidade cognitiva também foi investigada neste estudo. Difi-
culdades ligadas a essa habilidade em pessoas com TEA podem estar relacionadas à
inflexibilidade com as regras sociais, às dificuldades com as mudanças de comporta-
mento ou pensamento e aos comportamentos repetitivos, manifestações comporta-
mentais que comprometem a qualidade da interação social (14). Os resultados obtidos
pelos participantes do estudo nas tarefas de flexibilidade cognitiva apontaram desem-
penhos inferiores ou muito inferiores na maioria das medidas quando comparados,
por idade, às crianças com desenvolvimento típico. Das 10 medidas investigadas, que
incluem escores de conexão e de sequência, somente uma apresentou nível semelhante
aos obtidos por crianças típicas, sendo duas medidas classificadas como muito inferior
e sete como inferior. Comprometimentos em flexibilidade cognitiva em indivíduos com
TEA são descritos em três relevantes revisões que abordaram esse tema (15, 28, 29).
Cabe destacar, ainda, que as três revisões também apontam as dificuldades do uso de
instrumentos como fator que limita os estudos na área, o que reforça a importância do
presente estudo e do desenvolvimento de instrumentos informatizados para avaliação
das FE.
Em relação ao controle inibitório, a maioria das medidas obtidas no TAFE pelas
crianças com TEA está abaixo das obtidas pelas crianças sem esse diagnóstico. Foram
10 medidas investigadas e seis delas apresentaram resultados classificados como infe-
rior ou muito inferior. Resultados semelhantes foram encontrados em duas metanáli-
ses (14), que revelaram dificuldades tanto no controle de resposta preponderante,
quanto no controle de interferência. O controle de interferência é o tipo de controle
avaliado pelo TAFE e se refere à eficiência com a qual uma pessoa é capaz de ignorar
informações irrelevantes enquanto processa o alvo (9). Assim, o paradigma de Flanker,
usado no presente estudo, é uma tarefa comumente utilizada como medida de resis-
tência à interferência (12). Apesar de não ter sido avaliado, no presente estudo, o con-
trole de resposta preponderante, os resultados aqui obtidos corroboram a literatura,
por exemplo, os achados na revisão de Christ et al. (6), que apontam que as crianças
com TEA apresentam déficit de controle de interferência, mas não têm problemas com
148

a inibição de respostas prepotentes. São necessárias mais pesquisas que permitam


analisar separadamente qual mecanismo do controle inibitório pode estar comprome-
tido no TEA, porém os resultados obtidos sugerem comprometimento do controle ini-
bitório avaliado pelo TAFE, com desempenho inferior das crianças com TEA em com-
paração às crianças com desenvolvimento típico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados do presente estudo permitiram analisar e descrever o padrão de de-


sempenho de crianças com TEA nas tarefas de controle inibitório, memória de traba-
lho e flexibilidade cognitiva. No geral, encontraram-se padrões de desempenhos abaixo
da média nas três habilidades básicas em comparação ao desempenho médio de crian-
ças com desenvolvimento típico. Esses achados corroboram com os encontrados em
estudos anteriores, relativos ao comprometimento das FE em crianças com TEA, o que
reforça a necessidade de conhecer o padrão de desempenho a partir de análises sepa-
radas, pois esse conhecimento permite o melhor planejamento de intervenções foca-
das nos aspectos prejudicados.
Apesar de o estudo ter contado com um número pequeno de participantes e ter
realizado uma análise descritiva dos resultados, os dados ilustram que o uso de um
instrumento informatizado pode contribuir para melhor compreensão do funciona-
mento executivo de crianças com TEA. Destaca-se que o TAFE, enquanto instrumento
informatizado, permite agilizar a aplicação das tarefas, bem como padronizar instru-
ções e correção, aspectos fundamentais para um instrumento de avaliação neuropsico-
lógica com boas características psicométricas.

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151

Árvore de decisão como modelo de

análise em processos diagnósticos:

discussão da sua aplicação em um estudo

sobre desatenção e hiperatividade

Mayara Miyahara Moraes Silva

Luiz Renato Rodrigues Carreiro

Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira

Leandro Augusto da Silva

Anderson Martins Silva


152

ÁRVORE DE DECISÃO E MACHINE LEARNING E ESTUDOS SOBRE TDAH

Algoritmos de Aprendizagem de Máquina (em inglês, Machine Learning) podem


ser usados para otimizar a tomada de decisão em diferentes contextos, como manu-
tenção preditiva de sistemas, aplicações em negócios ou mesmo em situações clínicas
específicas para tomada de decisão diagnóstica (20). Aprendizagem de Máquina é um
método de análise de dados baseado no pressuposto de que sistemas podem aprender
com dados, identificar padrões e tomar decisões com o mínimo de intervenção huma-
na, automatizando, dessa forma, a construção de modelos analíticos (11). Há constata-
ções de melhorias progressivas em termos de precisão nas previsões de falhas usando
essas técnicas, podendo assim ser aplicada em sistemas que requerem tomadas de de-
cisões, como onde alocar. No caso, na discussão trazida por este capítulo, Aprendiza-
gem de Máquina pode ser usada para embasar decisões diagnósticas mais precisas nas
avaliações para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), evitando
procedimentos diagnósticos excessivamente longos com alto custo financeiro, que difi-
cultam sua aplicação no sistema público de saúde, por exemplo. Dentre os algoritmos
que envolvem aprendizado de máquina supervisionado, destaca-se a árvore de deci-
são, que tem como resultado a fácil interpretação, podendo, assim, ajudar profissionais
da área de saúde e pesquisadores a desenvolver ferramentas, baterias de avaliação e a
orientar diagnósticos, baseando as tomadas de decisão passo a passo em um modelo
preditivo em que se pode analisar cada variável de modo direto (20).
Segundo a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais –
DSM-5, o TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento em que o surgimento dos
sintomas ocorre na infância, caracterizando-se por prejuízos associados à desatenção,
desorganização e/ou hiperatividade e impulsividade que exercem impacto no funcio-
namento pessoal, social e acadêmico do indivíduo (2).
A desatenção pode ser observada no comportamento da criança ou adolescente,
como, por exemplo, na divagação em tarefas, falta de persistência, dificuldade em man-
ter o foco e desorganização. Já a hiperatividade se nota a partir da atividade motora
excessiva quando não apropriada ou remexer, batucar ou conversar em excesso. E a
impulsividade pode ser verificada na expressão de ações precipitadas e pode ser refle-
xo de busca por recompensas imediatas ou de dificuldade de postergar obtenção de
recompensas. Comportamentos impulsivos podem se manifestar como intromissão
social (por ex., interromper os outros em excesso) e/ou tomada de decisões importan-
tes sem considerações acerca das consequências no longo prazo (2).
Para uma criança ou adolescente entre 6 e 16 anos e 11 meses ser considerado de-
satento e/ou hiperativo-impulsivo pelo DSM-5 (2), é necessário que apresente seis ou
mais dos sintomas listados no manual diagnóstico para cada critério (A1 = desatenção
ou A2 = hiperatividade / impulsividade). Os sintomas devem manifestar-se antes dos
153

doze anos de idade, por pelo menos seis meses, em dois ou mais ambientes, como, por
exemplo, na escola e no ambiente doméstico. Além disso, deve-se ter clareza de que tais
sintomas não podem ser mais bem explicados por outro transtorno mental (2).
A prevalência do TDAH, na maioria das culturas, é de cerca de 5% em crianças e
2,5% em adultos (2, 15). Sua frequência é maior no sexo masculino na população geral,
com proporção de cerca de 2:1 nas crianças. No que se refere à apresentação do trans-
torno, geralmente as meninas manifestam primariamente sintomas de desatenção e os
sintomas de hiperatividade / impulsividade, quando presentes, tendem a declinar mais
rapidamente, quando comparado com os meninos.
Os algoritmos de aprendizagem de máquina estão divididos em métodos supervi-
sionados ou não supervisionados. O método supervisionado busca construir um mode-
lo para predizer ou estimar um resultado, baseando-se em um conjunto de dados, com
o objetivo de predizer uma condição de “Classificação”. Um algoritmo de classificação,
como a árvore de decisão, pode atribuir itens a duas ou mais categorias. Por sua vez, a
medida mais utilizada nessa área, para avaliar a qualidade ou desempenho da classifi-
cação, é a acurácia, que indica a precisão da classificação, a qual também pode ser ava-
liada por uma matriz de desempenho ou confusão (11). Neste capítulo serão apresen-
tados alguns resultados utilizando um método supervisionado, ou seja, aquele que pre-
tende construir um conjunto de regras para predizer ou estimar um resultado, basea-
do num conjunto de dados com o objetivo de classificação na aprendizagem supervisi-
onada. Assim, ao se empregar uma categorização de produtos, têm-se um exemplo de
classificação multiclasses. A maioria dos classificadores são binários (por exemplo,
“sim vs. não”) (24).
A escolha dessa forma de análise, ao invés de outros modelos preditivos (como,
por exemplo, a regressão logística), permite analisar variável por variável e o caminho
percorrido ao longo do processo de classificação. Ao longo deste capítulo serão descri-
tas vantagens do uso de uma árvore de decisão para estabelecer os prejuízos cogniti-
vos de maior comprometimento no TDAH. Com isso, modelos como esses podem ser
aplicados para identificar as principais habilidades e funções cognitivas que devem ser
prioritárias em uma avaliação diagnóstica do transtorno. A decisão otimizará a avalia-
ção principalmente no TDAH, um transtorno cujos sinais de desatenção e hiperativi-
dade demandam uma avaliação criteriosa do funcionamento cognitivo, à medida que
podem estar presentes em diferentes graus na população em geral (18).
A árvore de decisão é um algoritmo que se ajusta aos dados permitindo o uso de
dados numéricos ou categóricos. Esse algoritmo é mais adequado para conjuntos de
dados de tamanho médio, com uma abordagem de cima para baixo e construção da
árvore a partir do “nó raiz” (12). O conjunto de dados é particionado em ramificações
com base no atributo com maior taxa de ganho. O procedimento acima é repetido para
cada partição até que o “nó folha” tenha o mesmo rótulo de classe (12). O modelo usa
154

árvores de decisão para mapear o conteúdo, desde a raiz até a folha. Cada nó de cada
árvore de decisão está associado a um conjunto de parâmetros, que são usados para de-
finir as funções potenciais no modelo gráfico (7). Sendo assim, pode-se dizer que esse
processo tem uma estrutura de árvore invertida semelhante a um fluxograma, no qual as
“folhas” são a representação da decisão final do algoritmo, e são posicionadas nas ex-
tremidades mais baixas da árvore (8). São formados “ramos” representados por linhas
que se conectam até as “folhas”. Nesses “ramos” estão os valores possíveis da variável e
as condições das variáveis podem ser observadas na Figura 1 mais adiante (8).
A partir disso, os ramos podem representar a capacidade de identificar e separar os
pacientes com ou sem TDAH reunidos em um nó, em dois (ou mais), outros grupos que
também terão uma variável dependente. Após a construção do modelo, uma árvore de
decisão lista várias condições a partir das quais os dados podem ser divididos em variá-
veis dependentes apropriadas, mostrando essas condições esquematicamente (10).
Uma árvore de decisão pode ser construída com comparações de valores de um
determinado objetivo que pode ser comparado com outros valores constantes (17).
Após essas comparações, a árvore é finalizada com os “nós folhas”, onde ficarão os
nomes dos itens dos instrumentos psicológicos inseridos e discutidos neste capítulo. A
árvore é um algoritmo que pode ser interpretado por regras preditivas de SE e ENTÃO,
e para a construção da árvore podem ser usadas informações nominais qualitativas e
de classificação e, também, valores numéricos quantitativos. A quantidade de itens
selecionados para a análise é o que define o número de ramos do nó (17).
Envolvido no processo de construção de uma árvore de decisão está o conjunto de
treinamento rotulado colocado como parâmetro de entrada que seria executado da
seguinte maneira: (a) definir a função “árvore de decisão” (exemplares); (b) fazer isso
para cada variável regular; (c) adicionar a variável como nó de decisão; (d) transfor-
mar cada valor da variável em ramos do nó de decisão; (e) passar as variáveis especi-
ais (classificação) como nó folha; (f) respeitar o valor da variável definida como ramo
para cada nó e folha; (g) se todos os exemplares têm o mesmo valor da variável especi-
al classe, associar esse valor como folha; (h) caso contrário, repetir recursivamente a
função “árvore de decisão” com os exemplares desse ramo. Após isso, o “parâmetro de
saída” é o funcionamento computacional da árvore de decisão, que se trata do fluxo-
grama (árvore de decisão) em si (17).
Um modelo com valores categóricos permite que se façam interpretações com a
semântica dos valores, o que normalmente não é viável com valores numéricos quanti-
tativos. A árvore com as condições atribuídas e valores numéricos facilitaria a imple-
mentação em um aplicativo de apoio à decisão (17). Outro contraponto importante a
se discutir sobre o algoritmo de árvore de decisão é a escolha do item raiz, que é a
primeira variável da base de dados, e essas escolhas que serão itens raiz estrutural
também podem ser usadas para quantificar o grau de impureza na folha da árvore, ou
155

seja, o quanto o dado se repete para aquela condição, o quanto aquela informação é
fidedigna, de forma que quanto maior a diferença menor é a impureza dos itens, então,
o ganho, ou seja, o item que se torna mais preditivo da condição com TDAH ou sem
TDAH se torna um critério para a escolha do item que será nó raiz e que terá maior
hierarquia na estrutura da árvore, e o grau de impureza na folha da árvore pode sele-
cionar os itens com melhor distribuição de classes (17).
Um processo de tomada de decisão necessitaria de uma análise completa da árvo-
re, em que a quantidade de folhas significa o número de comparações que é preciso
fazer em um processo de tomada de decisão (17). Se esse número de comparações for
muito elevado pode ocorrer o que chamam de sobre ajuste (overfitting), que significa
que o modelo obtido é muito específico e complexo, não permitindo que o modelo pos-
sa ser generalizado. Nesse caso, é preciso aumentar o número de amostras ou diminuir
a complexidade do modelo para o algoritmo aprender melhor com os dados (21).
A matriz de desempenho ou matriz de confusão é uma tabela de contingência que
mostra o cruzamento da variável observada com variável estimada conjuntamente
com as classes positiva e negativa neste caso. Algumas métricas podem ser extraídas
da matriz, tais como: a) Acurácia: indica a precisão dos dados; b) Recall: percentual de
valores observados positivos estimados como positivos; c) Precisão: percentual de
valores observados positivos que são realmente estimados como positivos; d) Sensibi-
lidade: número de casos identificados como positivos e confirmados positivos; e) Es-
pecificidade: percentual de valores negativos estimados como negativos (24). Nesse
sentido, seria desejável alcançar maior assertividade quanto ao diagnóstico, evitando
falsos positivos ou falsos negativos, possivelmente possibilitando que sejam construí-
das novas baterias a serem utilizadas em avaliações neuropsicológicas para identifica-
ção do TDAH e seus prejuízos cognitivos. Assim, tais baterias propostas obteriam iden-
tificação do TDAH de forma mais rápida, prática e acessível com o uso do conhecimen-
to gerado pelo modelo de árvore de decisão no direcionamento do rastreio de queixas,
constituindo um processo com mais acurácia para detectar dificuldades e prejuízos em
diferentes funções cognitivas que venham a ser parte dos critérios estabelecidos no
DSM-5 para o quadro clínico de TDAH em crianças e adolescentes (7, 14).

PERFIL COGNITIVO E COMPORTAMENTAL E


TOMADA DE DECISÕES NO PROCESSO DIAGNÓSTICO NO TDAH

A avaliação psicológica no TDAH, assim como em qualquer transtorno neuropsico-


lógico, é um amplo processo de investigação, no qual se define o tipo de queixa condu-
zindo uma avaliação cognitiva, emocional, comportamental e de funcionamento adap-
tativo que fundamente a tomada de decisão mais apropriada. Como procedimento, a
156

avaliação psicológica se refere à coleta e interpretação de dados, obtidos por meio de


um conjunto de procedimentos confiáveis, entendidos como aqueles reconhecidos pela
ciência psicológica. Tal processo permite a escolha dos instrumentos / estratégias
mais adequados para a realização da avaliação, considerando: contexto no qual a ava-
liação psicológica acontece; seus propósitos; construtos psicológicos a serem investi-
gados; adequação das características dos instrumentos / técnicas aos indivíduos avali-
ados; condições técnicas, metodológicas e operacionais do instrumento de avaliação,
além da integração das informações para reafirmar, contestar ou reelaborar as hipóte-
ses iniciais (4, 5).
É importante que haja uma integração da avaliação comportamental, neuropsico-
lógica e clínica. Essa integração permite realizar tomadas de decisão mais eficientes e
menos custosas ao longo do processo diagnóstico, mas, principalmente, quando há
necessidade de diagnósticos diferenciais em relação às hipóteses relacionadas às ex-
pressões de sinais de desatenção, hiperatividade e impulsividade. A avaliação clínica e
a observação comportamental do paciente em situações controladas de aplicação de
testes perpassam todo o processo de avaliação, sendo possíveis comparações desses
registros com os resultados dos relatos comportamentais de pais, professores ou do
próprio adolescente, assim como observação da criança (4, 5). Por isso, a avaliação
neuropsicológica tem um papel fundamental no processo diagnóstico que deve ser
detalhado para os quadros de queixas cognitivas envolvendo a atenção, o que também
pode permitir estabelecer forças e fraquezas no funcionamento cognitivo, auxiliando,
também, em diagnósticos diferenciais e de possíveis comorbidades (22).

ÁRVORE DE DECISÃO COMO MÉTODO EFICAZ NA ÁREA DA SAÚDE

O modelo apresentado neste capítulo é produto de pesquisa colaborativa condu-


zido em parceria entre o Programa de Pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvi-
mento e a Faculdade de Ciências da Informática (FCI) da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. A pesquisa na área de Linguagens de Programação R foi uma ferramenta
usada na pesquisa. Esse estudo utilizou o modelo de árvore de decisão para identificar
elementos dentro do protocolo de avaliação neuropsicológica e comportamental para
queixas de desatenção e hiperatividade em crianças e adolescentes. Esse protocolo (4)
avalia, por meio de testes de atenção, inteligência, funções executivas e inventários
comportamentais, indicadores para avaliação das queixas de TDAH.
A Matriz de desempenho testou a árvore de decisão e pôde classificar: os dados
como “Verdadeiro Positivo” para quando se previu positivo e o resultado é verdadeiro,
no caso previsão do diagnóstico positivo de TDAH; e “Verdadeiro Negativo” para
quando se previu negativo e o resultado realmente é negativo, como, por exemplo,
quando se prevê que uma criança não tem o diagnóstico de TDAH e ele realmente não
157

tem. “Falso Positivo” (Erro Tipo 1) ocorre quando se previu positivo, mas o resultado é
falso, por exemplo, se foi previsto que a criança tem diagnóstico de TDAH, quando ela na
verdade não tem TDAH; e “Falso Negativo” (Erro Tipo 2) para quando se prevê negativo
e é falso, por exemplo, se foi previsto que a criança não possui diagnóstico de TDAH,
quando na verdade a criança apresenta um quadro compatível com o transtorno, como é
possível observar no Quadro 1 (14).

Quadro 1. Classificações da matriz de desempenho aplicada ao diagnóstico de TDAH (14).

Diagnóstico pelo Algoritmo

Sim (com TDAH) Não (sem TDAH)

Sim (com TDAH) Verdadeiro Positivo Falso Negativo

Não (sem TDAH) Falso Positivo Verdadeiro Negativo

Essa análise foi realizada comparando alguns índices de testes neuropsicológicos


dos bancos de dados do Protocolo de avaliação de TDAH do Programa de Pós-
graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Macken-
zie (4, 14). Esses foram divididos em: grupo clínico das “crianças com diagnóstico de
TDAH” e grupo “com queixas de TDAH, mas sem diagnóstico, ou seja, a criança tem os
sintomas, mas o diagnóstico não foi fechado” (Figura 1).
Pode-se observar alguns resultados ilustrados na imagem da árvore de decisão,
considerando que esse ensaio foi composto pelos testes e inventários neuropsicológi-
cos, como informação entrada na descrição de cada criança perante o algoritmo, (a)
Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (23); (b) Teste Wisconsin de Classifica-
ção de Cartas (9); (c) Teste de Atenção por Cancelamento (16); (d) Teste de Trilhas
(16); e questionários comportamentais: (e) Child Behavior Checklist (CBCL/6-18) (1,
3), e (f) Teacher Report Form (TRF/6-18) (1, 3), ao comparar o grupo de crianças sem
diagnóstico de TDAH, mas que apresentam queixas com o grupo de crianças típicas.
Com essa análise, podemos observar que entre os itens que mais se destacaram está o
item “Aprendendo a Aprender” do Teste Wisconsin de cartas, responsável por medir a
curva de aprendizado da criança com a própria tarefa durante o teste. O algoritmo de
árvore de decisão discriminou os grupos com esse item em 53% para crianças com o
diagnóstico de TDAH e 47% para crianças com queixas, mas sem o diagnóstico (14).
158

Figura 1. Árvore de decisão (14).


Legenda: números 1 e 2: “1” referente a crianças com diagnóstico de TDAH; “2” referente a crianças sem o diagnós-
tico de TDAH; números na parte inferior se referem à quantidade de participantes em porcentagem (%); paletas de
cores meramente ilustrativas.

Em seguida, o fator “CBCL TDAH”, que se refere à escala de Problemas de Déficit


de Atenção e Hiperatividade, das escalas orientadas pelo DSM do CBCL, indica compor-
tamentos associados ao TDAH com 53% dos participantes, que foram discriminados
novamente em dois grupos, 30% referentes a crianças com o diagnóstico de TDAH e
23% para crianças sem o diagnóstico de TDAH, mas com queixas (14).

Tabela 1. Matriz de Desempenho da árvore de decisão (14).


Matriz de Desempenho
Medidas n %
Acurácia 0.847 84,7
Kappa 0.656 65,6
Sensibilidade 0.714 71,4
Especificidade 0.921 92,1
Precisão 0.785 78,5
Recall 0.611 61,1
P-Value ≤0.001***
Média 83.3
Desvio-padrão 3.63
Legenda: n= número de participantes; ^p-value= nível de significância. As referências de significância são * se p <
0.10, ** se p < 0.05, *** se p ≤0. 001,.
159

Figura 2. Representação gráfica da Matriz de Desempenho da árvore de decisão (14).

A análise dessa matriz de confusão, como pode ser visto na Figura 2, foi capaz de
demonstrar que os resultados da árvore de decisão, nos ensaios estudados, foram efi-
cientes em prever a separação de grupos, que foram corretamente diagnosticados. Na
totalidade, 50 casos foram previstos como diagnosticados corretamente, em compara-
ção com somente nove casos que viriam a compor os erros tipo 1 e tipo 2 (14).
Os itens cognitivos e comportamentais que mais contribuíram para acurácia do
diagnóstico de forma mais relevantes por meio dessa análise foram referentes ao in-
ventário comportamental CBCL, com os fatores: “CBCL TDAH”, que se refere à escala
de Problemas de Déficit de Atenção e Hiperatividade, das escalas orientadas pelo DSM;
e “CBCL Problemas de Atenção”, que se refere à escala de problemas de atenção, da
escala das síndromes, presentes em três dos cinco ensaios. O que se pode observar é
que o CBCL é um dos instrumentos utilizados na triagem do protocolo TDAH (14). Sa-
be-se que ele tem precisão e sensibilidade consideradas padrão-ouro em rastreio de
problemas de comportamento, considerando que, muitas vezes, a maioria dos sinto-
mas podem ser detectáveis em ambiente familiar, observados e relatados pelos res-
ponsáveis do paciente por meio do inventário comportamental CBCL/6-18 (18).
O item “Aprendendo a Aprender”, do teste Wisconsin, também se destacou como
elemento que diferencia os grupos. Ele é um instrumento neuropsicológico que envol-
ve o recrutamento de diferentes habilidades constituintes das funções executivas. Cabe
a discussão, considerando que os itens mais aparentes foram: a curva de aprendizado
do item aprendendo a aprender, erros perseverativos e respostas perseverativas; es-
ses itens são ligados às funções de flexibilidade cognitiva, atenção sustentada e memó-
160

ria operacional, funções presentes e comumente associadas ao perfil neuropsicológico


do TDAH (5, 14). As análises deste estudo consideram que a manifestação do TDAH
está relacionada a processos autorregulatórios, que controlam a atenção, a inibição ou
a organização, ligados, especificamente, às funções de flexibilidade cognitiva, atenção
sustentada e memória operacional (5, 18). Processos esses avaliados pelos testes deste
estudo, que demonstraram que os parâmetros de testes neuropsicológicos e compor-
tamentais, capazes de discriminar com mais eficácia o diagnóstico foram: Wisconsin
“Aprendendo a Aprender”; “Erros Perseverativos” e “Respostas Perseverativas”; “CBCL
TDAH” e “CBCL Problemas de Atenção”; CPT “CPT omissões” (14).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A árvore de decisão é um algoritmo de Aprendizagem de Máquina que pode ser


eficaz no direcionamento do rastreio de queixas típicas do TDAH, auxiliando na sele-
ção dos instrumentos para esse processo e no reconhecimento das principais dificul-
dades cognitivas associadas ou não a essas queixas. Ao se usar o algoritmo árvore de
decisão como procedimento útil no direcionamento do rastreio de queixas de desaten-
ção e hiperatividade em crianças e adolescentes, utilizando como contramedida as
análises das árvores de decisão, é possível ver a cada nível da árvore, variável a variá-
vel, quais itens melhor discriminam o diagnóstico de TDAH. E a prova disso foi realiza-
da por meio da matriz de desempenho, ao apontar, com mais acurácia, especificidade e
sensibilidade, os resultados dispostos na árvore de decisão (7, 14).
É importante, também, enfatizar que as tomadas de decisão durante a avaliação
neuropsicológica e comportamental são essenciais, levando em consideração a quanti-
dade de instrumentos e a colaboração entre profissionais de diferentes áreas de atua-
ção, na chamada interdisciplinaridade, necessários para realizar um diagnóstico mais
assertivo do quadro clínico de TDAH.

AGRADECIMENTOS

Agardecemos ao Programa de Excelência Acadêmica – Proex (Processo


1133/2019) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Ca-
pes), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnplógico – CNPq (Pro-
cessos 307730/2017-4 e 307443/2019-1), ao Fundo Mackenzie de Pesquisa (Mack-
Pesquisa) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), e à Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp (Processos 2018/01063-0 e 2019/20757-
161

1), pelo suporte necessário para o desenvolvimento das pesquisas que compõem os
capítulos deste livro.

REFERÊNCIAS

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24. Zumel N, Mount J. Practical Data Science with R. Shelter Island: Manning; 2014.
163

10
Tecnologia assistiva em teleatendimento

colaborativo: reflexões sobre desafios e

possibilidades do trabalho em equipe

a favor da autonomia

Karina Rizzardo Sella

Marisa Hirata Fabri

Tarsila Pandeló de Oliveira


164

INTRODUÇÃO

A interdisciplinaridade tem representado cada vez mais um espaço de interação e


troca entre saberes e práticas terapêuticas distintas, favorecendo a reflexão e a trans-
formação da realidade no trabalho com pessoas e suas necessidades complexas para se
comunicar, aprender, estabelecer relações sociais, realizar atividades cotidianas, de-
senvolver competências e habilidades.
Compreender sobre a realidade dos pacientes, melhorar nossa escuta frente às su-
as necessidades e nosso olhar frente às suas possibilidades de participação e autono-
mia, implica, muitas vezes, uma prática interprofissional de atendimento. Diferente-
mente da atuação multidisciplinar, marcada pela fragmentação do cuidado e pela ope-
racionalização de saberes especializados, a interdisciplinaridade pode promover um
melhor reconhecimento sobre a efetividade de cada terapêutica no cotidiano dessas
pessoas (21).
Na literatura, referências sobre a prática do trabalho colaborativo aparecem prin-
cipalmente relacionadas aos serviços gerenciados em escolas, com objetivo de efetivar
parcerias entre docentes, alunos e demais profissionais que atuem diretamente no co-
tidiano dos processos educacionais e na resolução dos problemas dos estudantes. Nes-
se cenário, os termos parceria e consultoria colaborativa são frequentemente utiliza-
dos para definir conceitos que permeiam a implementação de serviços de apoio à in-
clusão, ou refletem as parcerias estabelecidas entre o professor da sala de aula comum
e outros professores ou profissionais especializados no atendimento a pessoas com
deficiências (9, 10, 25).
Ao falarmos sobre colaboração em um grupo de trabalho, pressupomos a reunião
de pessoas que se apoiam e são responsáveis em conjunto pela qualidade do que é rea-
lizado, que visam a atingir objetivos em comum e estabelecem entre si relações não
hierárquicas ou relações de liderança compartilhada na condução das ações em equipe
(8, 9).
Ao refletir sobre uma prática colaborativa entre profissionais da saúde, como te-
rapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e psicólogos, é preciso, antes
de qualquer coisa, compreender como essas relações podem se estabelecer efetiva-
mente, quais seriam os reais objetivos dessa parceria, que recursos e estratégias pode-
rão ser utilizados em senso comum no cuidado ao paciente, e, ainda, se será possível
estender essa cultura colaborativa a familiares e cuidadores.
Nesse sentido, a comunicação entre profissionais é fundamental e precisa ocupar
uma posição de destaque frente ao papel claro de cada especialista no caso. Quando o
canal de comunicação é aberto e a prática do diálogo entre os profissionais é autêntica,
surgem, então, oportunidades de fomentar transformações no agir terapêutico, de fa-
165

vorecer melhores resultados em saúde, assim como a construção de novos saberes


dada a complexidade de cada caso, respeitando não somente as singularidades dos
profissionais, mas também a tomada de decisão compartilhada (1).
Na prática, o trabalho colaborativo na escola pressupõe estratégias de intervenção
a partir de problemas vivenciados pelos professores e de como outros profissionais e
membros da própria equipe educacional podem ser seus parceiros no trabalho peda-
gógico (23). Ao estendermos esse conceito para a clínica, podemos compreender, que
uma proposta de trabalho colaborativo envolveria, então, a oferta de possibilidades e a
utilização de estratégias que atendam às necessidades dos pacientes em seu cotidiano,
de forma que a elaboração do plano de intervenção esteja apoiada em todas as pessoas
envolvidas no processo.
Essa relação de trabalho configura um estilo de interação entre profissionais e de-
ve acontecer no mínimo entre dois parceiros equivalentes, engajados por um objetivo
em comum. Para isso, um conjunto de outras condições é necessário, como: comparti-
lhamento de responsabilidades, de recursos, participação de todos e voluntarismo (9).
O trabalho colaborativo não será abordado aqui como um modelo de prestação de
serviço, assim como o ensino ou a consultoria colaborativa são amplamente utilizados
no contexto escolar. A ideia deste capítulo é promover reflexões sobre como esse tipo
de intervenção e a relação de colaboração entre especialistas podem sistematizar e
fornecer instruções substanciais aos pacientes, suas famílias e aos próprios profissio-
nais que decidem planejar e realizar uma intervenção compartilhada.
É fato que equipes colaborativas podem promover um sentimento de positividade
e de apoio mútuo entre seus membros, além de desenvolver opções criativas para a
solução de problemas (10, 23). Os resultados desse trabalho não só contribuem para a
construção de novos saberes sobre o caso, mas também para levar inovações aos aten-
dimentos, entender melhor a realidade do paciente e, sobretudo, para sensibilizar a
família e ele mesmo sobre perspectivas reais de intervenção.
É fundamental conhecer o paciente e também se torna indispensável uma boa re-
lação interpessoal entre os envolvidos, uma vez que o trabalho colaborativo pode ser
marcado pela imprevisibilidade, pelas diferentes interpretações acerca das responsa-
bilidades de cada um e por níveis distintos de compreensão da real demanda do paci-
ente.
O trabalho colaborativo possui, portanto, um construto polissêmico e complexo,
diante do qual a decisão compartilhada se constitui de modo dialógico entre os profis-
sionais e com respeito às singularidades das diferentes práticas (3, 9, 11). Alguns estu-
dos propõem que, ao reconhecer o trabalho colaborativo como uma fonte válida de
assistência ao paciente, sua realização deve, então, acontecer em etapas, incluindo
desde a definição prévia de horários para estabelecer a rotina de atendimento até a
observação das condições e do contexto de trabalho dos profissionais, realização de
166

encaminhamentos e avaliações específicas, elaboração de um plano de intervenção e


de monitoramento da sua eficiência (3, 9, 11, 23).
Consideramos aqui a transposição dessas etapas para a clínica terapêutica, ressal-
tando como relevantes os seguintes aspectos: importância de se explorar informações
e dados sobre os contextos de vida diária do paciente; discussão inicial entre os profis-
sionais, na qual é possível identificar e refletir sobre a metodologia a ser adotada; cole-
ta de dados relevantes de cada especialista e avaliação em conjunto, se necessário; de-
senvolvimento e execução do plano de intervenção em colaboração com a família e/ou
com os cuidadores formais; e, por fim, o monitoramento da intervenção, baseado nos
objetivos e nas metas que foram determinadas no momento inicial.
Envolver diferentes profissionais traz, com certeza, perspectivas diferentes à in-
tervenção, mas para que a comunicação seja efetiva pode ser necessário que um espe-
cialista atue como elo entre a equipe, o paciente e a família. Esse profissional pode faci-
litar a comunicação entre os colaboradores, estabelecer vínculos de confiança no tra-
balho e recrutar informações importantes para a atuação da equipe.
Diante dessa realidade, buscamos vivenciar a apropriação desses conceitos na
prática por meio de sessões de teleatendimento terapêutico em respeito ao contexto
da pandemia do COVID-19. As sessões foram realizadas no período de março a dezem-
bro de 2020.
O referencial teórico apresentado a seguir se baseia prioritariamente nos concei-
tos de tecnologia assistiva e autonomia com foco nas características da pessoa com
paralisia cerebral. Os temas abarcados consideram os quadros de referência da Fono-
audiologia e da Terapia Ocupacional, guardadas as especificidades de cada uma das
áreas, o que torna as considerações sobre o tema um campo fértil às reflexões sobre a
interdisciplinaridade e o trabalho colaborativo, como espaço de ampliação das pers-
pectivas de transformação da realidade desses pacientes.

A TECNOLOGIA ASSISTIVA AMPLIANDO AS POSSIBILIDADES DE AUTONOMIA

O Comitê de Ajudas Técnicas da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Pre-


sidência da República (SEDH/PR), ligado à Coordenadoria Nacional para a Integração
da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), aprovou, em dezembro de 2007, o se-
guinte conceito para definir Tecnologia Assistiva (TA): “Tecnologia Assistiva como
uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos,
recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a fun-
cionalidade, relacionada à atividade e à participação de pessoas com deficiências, inca-
pacidades, mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência e qualidade de
vida e inclusão social.” (12).
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O termo Tecnologia Assistiva foi traduzido do inglês Assistive Technology, criado


oficialmente em 1988, e compõe com outras leis o American with Disabilities Act
(ADA), que se trata de um suporte legal para a população americana ter garantido, pelo
governo, o benefício de serviços especializados e do acesso a recursos que possam fa-
vorecer o desenvolvimento de uma vida mais independente e produtiva. Assistive
Technology engloba uma série de dispositivos, estratégias e práticas que são constituí-
das e devem ser oferecidas a qualquer pessoa com deficiência, sejam crianças, adultos
ou idosos (13).
No Brasil, a TA é também conhecida como Ajudas Técnicas ou Tecnologias de
Apoio, expressões previstas na Legislação Brasileira e que correspondem às bases con-
ceituais das diretrizes definidas pelo Comitê de Ajudas Técnicas. No entanto, foi o ter-
mo Tecnologia Assistiva que acabou por se tornar uma tendência nacional na escrita
de trabalhos acadêmicos, entre as organizações de pessoas com deficiência, nas refe-
rências feitas por setores governamentais (MEC, CNPq), em institutos de pesquisa e no
mercado de produtos (13, 20).
A TA deve ser entendida como uma área de caráter interdisciplinar, multiprofissi-
onal e que possibilita o envolvimento de qualquer especialista que busca promover e
auxiliar pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, promovendo
maiores possibilidades de atividade e participação, visando sua autonomia, indepen-
dência, qualidade de vida e inclusão social (6, 12, 15, 20). Em síntese, o seu objetivo é
eliminar ou minimizar as barreiras e dificuldades provenientes de limitações funcio-
nais, permanentes ou temporárias, ampliando as habilidades e o desempenho funcio-
nal frente a uma tarefa ou na execução de uma atividade (1, 12).
É a partir da especificidade e dos objetivos funcionais da ajuda técnica escolhida
que podemos englobar a TA em diferentes modalidades, a saber: auxílios para a vida
diária, para mobilidade; adequação postural; comunicação aumentativa (suplementar)
e alternativa; auxílio para cegos ou com visão subnormal, para surdos ou com déficits
auditivos; sistema de controle dos ambientes; recursos para acessibilidade ao compu-
tador; órteses e próteses; adaptações de atividades escolares, de equipamentos de la-
zer e recreação; adaptações arquitetônicas (estruturais) para acessibilidade e em veí-
culos (transporte adaptado) (6, 20).
Para que possamos entender ainda mais o uso da TA como meio de favorecer a au-
tonomia, é importante destacar que, quaisquer que sejam os recursos, procedimentos,
estratégias ou serviços oferecidos, suprir ou apoiar uma função comprometida do usu-
ário não significa modificar seu funcionamento intrínseco. Dessa forma, a TA deve fa-
vorecer que o indivíduo tenha um melhor desempenho funcional a partir de habilida-
des já pré-adquiridas, além da possibilidade de aquisição de autonomia e independên-
cia em seu maior nível, mesmo que não sejam conquistadas em todos os diferentes
contextos de sua vida.
168

Ao identificar as necessidades do assistido, a indicação, elaboração, avaliação, ex-


perimentação e o treino dos recursos selecionados são efetivos quando atendem às
demandas dos usuários frente ao seu desempenho em diferentes tarefas, de forma que
a equipe se organize e atenda em consenso sobre os melhores recursos indicados ao
caso.
No ambiente terapêutico, o terapeuta ocupacional é o profissional capacitado para
avaliar a correta indicação e utilização dos recursos de TA, principalmente no que se
refere à consideração sobre os aspectos motores e cognitivos implicados nos contextos
diversos. A partir de uma avaliação funcional específica, o profissional deve conseguir
obter informações substanciais sobre as habilidades do paciente e realizar uma pres-
crição pontual e eficaz dos recursos voltada para suas reais necessidades.
A promoção e a facilitação da autonomia necessitam da indicação bem pensada da
TA, sempre direcionada a características individuais, interesses, habilidades físicas e
cognitivas, demanda socioemocional do usuário e também de seus familiares. Ao bus-
car potencializar as capacidades funcionais dessas pessoas, ou seja, ao propor recursos
e estratégias que possam favorecer o desenvolvimento de suas habilidades e sua parti-
cipação em atividades do cotidiano de maneira a mais independente possível, as com-
pensações frente às limitações passam a ser mais significativas, trazem benefícios psi-
cossociais e bem-estar ao paciente.
A Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) é uma área da TA, igualmente de-
signada por nomenclaturas diferentes, como Comunicação Suplementar e Alternativa,
Comunicação Aumentativa e Alternativa e Sistemas Alternativos e Facilitadores de
Comunicação. Como o objetivo deste capítulo não é pensar sobre os critérios utilizados
para definir cada termo ou, ainda, para se aprofundar nessa abordagem de trabalho,
nos ocupamos em apresentar apenas o que abrange a CAA enquanto subárea da TA.
Os recursos de CAA têm o objetivo de promover a comunicação e oferecer suporte
para pessoas com dificuldades ou limitações importantes na expressão de suas ideias,
sentimentos, pensamentos e intenções. O fonoaudiólogo é o profissional que, em con-
junto com o terapeuta ocupacional, valoriza as possibilidades expressivas do paciente,
ao mesmo tempo em que promove a sua comunicação. À medida que os recursos po-
dem substituir, apoiar ou ampliar a fala, as habilidades comunicativas se desenvolvem
e oportunizam às pessoas com esse tipo de dificuldade que se tornem cada vez mais
competentes e independentes em situações comunicativas.
Podemos dizer que, baseada nas características individuais, a CAA valoriza e esti-
mula a comunicação daquele indivíduo que tem um distúrbio de linguagem e/ou cog-
nição que o impede de ser eficiente e funcional no diálogo, dificultando sua interação
com os outros em diferentes ambientes do seu cotidiano, seja na escola, na família ou
na comunidade em geral. A CAA se constitui por meio de recursos que necessitam de
auxílio externo, como símbolos, letras e palavras, e de recursos que não necessitam de
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auxílio externo, como uso de gestos, piscar dos olhos, sorriso, vocalizações, ambos en-
volvendo baixa e alta tecnologia.
Os aspectos mais relevantes para adequar a indicação da TA juntamente com a
implementação de recursos alternativos de comunicação (oral ou escrita) devem se
constituir em permitir que o indivíduo consiga participar ativamente de situações co-
municativas, fazer escolhas e utilizar suas habilidades de expressão da linguagem com
a mesma eficiência que outras pessoas com ou sem deficiência o fazem.
Os terapeutas ocupacionais, assim como outros profissionais da reabilitação, em
suas intervenções utilizam os recursos alternativos de comunicação levando em consi-
deração as demandas das pessoas que deles necessitam, bem como as condições dos
contextos de comunicação e as circunstâncias de desenvolvimento em que se inserem
(15, 16).

Indicação, uso e gerenciamento da tecnologia assistiva no adulto


com paralisia cerebral

A Paralisia Cerebral (PC) é identificada como um distúrbio da postura e do movi-


mento, atribuído a uma encefalopatia não progressiva existente por lesão única ou múl-
tiplas lesões ocorridas no período pré, peri ou pós-natal, momento no qual o cérebro
ainda se encontra imaturo e em desenvolvimento. O comprometimento neurológico na
PC causa desordens motoras frequentemente acompanhadas por alterações cognitivas,
sensoriais, de comunicação, de comportamento e por crises convulsivas, ou seja, diver-
sas limitações funcionais geralmente associadas à gravidade da sequela e à idade na qual
ocorreu a lesão (23).
Ao longo dos anos, as pesquisas mundiais têm demonstrado que a expectativa de
vida de uma pessoa com PC aumenta quando suas comorbidades recebem cuidados
médicos adequados. Apesar de a condição ser permanente e a lesão neurológica não
apresentar evolução, a constituição osteomuscular se modifica com o crescimento e ao
longo da vida, o que favorece, muitas vezes, o aparecimento progressivo de outras de-
ficiências, como deformidades ortopédicas importantes, degeneração articular, osteo-
porose, além de limitações progressivas em atividades funcionais, como o uso dos
membros superiores e da marcha (7, 23).
As classificações usadas na PC refletem o comprometimento neurológico quanto a
distribuição topográfica, constituição do tônus muscular e comprometimento funcio-
nal. Atualmente é consenso que a funcionalidade e o estado de saúde geral desses indi-
víduos, bem como as condições associadas, são os fatores mais relevantes para se pla-
nejar ações e determinar qual a melhor terapêutica indicada a eles.
O objetivo deste capítulo não é aprofundar nesse contexto, mas é importante pon-
tuar que algumas escalas de classificação foram desenvolvidas com o passar dos anos e
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são mais utilizadas atualmente para oferecer medidas qualitativas e quantitativas a


respeito da funcionalidade na PC. As escalas GMFM (Gross Motor Function Measure) e
GMFCS (Gross Motor Function Classification System) são bastante utilizadas para classi-
ficar, de forma simples a função motora e as mudanças na motricidade grossa. A MACS
(Manual Ability Classification System) busca descrever como essas crianças usam seus
membros superiores para manipular objetos e participar de atividades de vida diária
(8).
Cabe dizer, ainda, que a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade e Inca-
pacidade e Saúde) também tem sido muito utilizada por diferentes profissionais como
base para descrever, organizar e principalmente para compreender qual é o impacto
negativo da PC na vida do indivíduo e na sua participação em diferentes contextos,
auxiliando também na determinação dos objetivos terapêuticos sob as perspectivas
biológica, individual e social (22, 24).
Este capítulo se limita, portanto, às dificuldades que muitos indivíduos apresen-
tam para usar os membros superiores em atividades funcionais, como o apontar, o
alcance, a preensão, manipulação e transferência de objetos. No geral, os movimentos
são em velocidade diminuída, com fraqueza muscular, rigidez e ou incoordenação;
aparecem, persistem e se intensificam de forma negativa em função da interação de
diversos fatores, como idade, experiências vividas, nível de controle postural, tônus
muscular, orientação espacial, propriedades físicas dos objetos, carga adicional ao
membro superior, fadiga, área e extensão da lesão, aspectos sensoriais e deformidades
presentes (7).
O acesso à TA tem proporcionado a participação mais efetiva de pessoas com PC
em diferentes cenários, seja nas atividades de lazer, no trabalho, no ambiente escolar
ou familiar. Essa tecnologia deve ser entendida apenas como ferramenta de facilitação,
visto que, ao indicar ou realizar um treino com qualquer recurso de acessibilidade, as
habilidades assim como as características físicas, motoras, cognitivas, socioemocionais,
e os interesses pessoais do indivíduo precisam ser levados em consideração.
Especificamente sobre o atendimento ao adulto com PC, diversos questionamen-
tos e reflexões impactam no planejamento das ações. No geral, esses pacientes já tive-
ram diversas intervenções e vivências de reabilitação ao longo da vida, deparando-se
com dificuldades, limitações, sucessos e fracassos, porém muitas vezes
sem oportunidades de conhecer seu potencial e suas reais capacidades. Propor, então,
uma reformulação de papéis, tarefas, responsabilidades, visar mais autonomia e inde-
pendência a esse paciente exigem que ele e sua própria família realizem mudanças que
podem causar um grande impacto na sua rotina e que nem sempre são compreendidas
e aceitas por todos.
A indicação de equipamentos e recursos de TA deve facilitar o desempenho na execu-
ção das tarefas, de forma que o grau de comprometimento não se torne uma barreira para
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que o indivíduo demonstre suas habilidades com eficiência. A prática de uso da TA com
adultos com PC deve ser flexível e passível de avaliação sobre o quanto esse recurso pode
efetivamente aumentar sua capacidade funcional e melhorar sua qualidade de vida (1).
Gerenciar fatores que interferem e contribuem para a melhora do desempenho
funcional, compensando limitações e até prevenindo deformidades, engloba atividades
e tarefas que provoquem impacto sobre a função e também sobre a postura do indiví-
duo. A presença de deformidades instaladas, alteração da flexibilidade, movimentos
involuntários ou estabilidade postural comprometida geralmente representa prejuízos
nas atividades funcionais e desconforto na execução das tarefas, caso as tecnologias
não sejam adaptadas a essa demanda, assim como o próprio mobiliário.
A busca por alternativas e soluções que favoreçam o indivíduo adulto e sejam ca-
pazes de interferir positivamente em diferentes áreas de sua vida, seja de convívio so-
cial, ocupacional, emocional e ou psicológico, esbarra necessariamente em uma diver-
sidade de condições e fatores. Os membros da família, então, são pontos importantes
desse processo, já que são eles os parceiros sociais mais próximos dos usuários, co-
nhecem sua história e experiências. É a partir da aceitação ou não da família que ob-
servamos, na maioria dos casos, uma influência direta no uso sistemático do produto.
As limitações motoras na PC quase sempre implicam em comprometimentos na
comunicação. Ao longo dos anos a tecnologia tem favorecido mudanças no trabalho
com CAA, desde o momento da avaliação até a intervenção. O perfil de necessidades,
especialmente do indivíduo adulto, tem refletido cada vez mais o uso de instrumentos,
ferramentas e estratégias mais especializadas e atrativas a esse público.
Pensar no trabalho de comunicação com o indivíduo adulto com PC é articular di-
ferentes concepções e ressignificar sua história sem deixar de considerar o que é fun-
damental para que ele permaneça motivado e coloque em movimento sua linguagem
interna, interagindo efetivamente no seu círculo social.
Atualmente, várias modalidades de comunicação são importantes no trabalho com
a CAA, como o uso da internet, das redes sociais e do celular, especialmente com o in-
divíduo adulto. Dessa forma, no contexto da TA a intervenção terapêutica não pode se
desviar das necessidades individuais assim como das circunstâncias que determinam o
espaço social e cultural no qual o indivíduo está inserido e que está subjacente às suas
habilidades motoras, perceptuais, cognitivas e linguísticas. Devem-se considerar, prio-
ritariamente, atividades significativas ao paciente, a participação de membros da famí-
lia e, também, o envolvimento dos outros diversos agentes do seu contexto social e
cotidiano (4).
172

RELATO DAS SESSÕES DE TELEATENDIMENTO

Considerando o contexto da pandemia do Coronavírus (COVID-19), achados cien-


tíficos recentes apontam que pacientes com PC fazem parte do grupo de pessoas que
estão em condição de vulnerabilidade e sofrem com os efeitos indiretos do distancia-
mento social (5, 19).
Ainda que faltem estudos e pesquisas sobre esses efeitos, é fato que a interrupção
repentina e prolongada de intervenções terapêuticas de reabilitação pode conduzir
pacientes com deficiências a uma pseudo-regressão em suas capacidades, entendida
aqui neste caso como o agravamento do quadro motor e cognitivo. Mesmo diante da
característica não progressiva da PC, essa pseudorregressão pode também estar rela-
cionada à diminuição da funcionalidade, à perda de flexibilidade muscular, à alteração
postural e até aos danos secundários, como mudança da rotina habitual e seus reflexos
psicoemocionais (3).
A. é uma paciente jovem adulta com diagnóstico de Paralisia Cerebral por anoxia
neonatal. Estudou em ensino regular até o 8º ano do Ensino Fundamental. Para sua
comunicação utiliza, como recurso alternativo, um álbum com a disposição do alfabeto,
números, meses do ano, dias da semana e páginas temáticas com nomes de familiares,
amigos, programas de televisão e suas comidas favoritas. O álbum de comunicação é
utilizado por A. por meio de acesso indireto, com o olhar, necessitando que o interlocu-
tor execute a técnica de seleção por varredura em linhas / colunas para chegar ao con-
teúdo selecionado. A. possui cognitivo parcialmente preservado, aspectos emocionais e
afetivos positivos.
Considerando a PC uma disfunção sensório-motora relacionada à anormalidade
do tônus muscular, postura e movimentação voluntária, A. apresenta um comprome-
timento motor global caracterizado pelo pobre controle cervical e de tronco, sendo
dependente de cadeira de rodas para locomoção. Quanto ao padrão de membros supe-
riores, apresenta características espásticas, com tendência à extensão de cotovelos,
flexão do punho e extensão dos dedos, com limitação importante para movimentações
ativas. Embora seja perceptível a intenção de A. em realizar movimentos ativos com os
membros, a amplitude e fluidez são limitadas pelas questões neuromotoras.
No momento anterior à pandemia, A. frequentava sessões de fonoaudiologia, tera-
pia ocupacional e fisioterapia em uma ONG para reabilitação de pessoas com deficiên-
cia, além de realizar sessões particulares domiciliares de terapia ocupacional. Com o
início da pandemia e a suspensão presencial das sessões na instituição, a família optou
por realizar sessões de teleatendimento conforme previsto legalmente pelos órgãos
federais de cada conselho de classe profissional.
173

Decidiu-se, então, que as sessões de teleatendimento teriam o apoio presencial da


terapeuta ocupacional que já realizava acompanhamento domiciliar semanal. Dessa
forma, cada sessão de teleatendimento contava com os profissionais reunidos em pa-
res, ou seja, um terapeuta presencial e outro em ligação de vídeo, além da cuidadora. A
terapeuta ocupacional atuava de forma a oferecer suporte para o uso dos equipamen-
tos de TA, realizava orientações à cuidadora sobre o uso dos recursos, além de mediar
e articular as tarefas que eram propostas pelas terapeutas que não estavam presentes.
Com o agravamento da pandemia, três meses depois, todas as sessões de atendi-
mento passaram a ser realizadas exclusivamente de forma remota, e a paciente passou
a estar somente acompanhada pela sua cuidadora. Nessa fase dos atendimentos, as
sessões priorizavam a participação e engajamento da cuidadora como ponto essencial
para a efetividade da intervenção, uma vez que não havia profissionais atuando pre-
sencialmente junto à paciente.
Considerando a complexidade do quadro A. já fazia uso de recursos de TA, como
cadeira de rodas, cadeira de banho, órteses bilaterais para posicionamento de punho e
dedos, órtese abdutora do polegar direito, órteses suropodálicas bilaterais e álbum de
comunicação, já citado anteriormente.
Achamos importante, neste momento, a citação específica sobre a constituição e o
uso das órteses de membros superiores, pois as intervenções realizadas em casa par-
tem sobretudo do treino e do uso de equipamentos de TA em membro superior.
A ação da gravidade e a fixação em posturas patológicas não contribuem para o
desempenho de atividades funcionais com os membros superiores, levando à necessi-
dade de adaptações no mobiliário e indicação de recursos de TA que possam promover
função ao mesmo tempo em que favorecem alinhamento postural e uma melhor bio-
mecânica corporal, sem resultar em compensações (7).
Pensando na possibilidade de proporcionar a A. maior funcionalidade e autonomia
no desempenho em tarefas de seu interesse, como atividades artísticas (pintura), uso
do celular e tablet e acesso direto ao seu álbum de comunicação, foi realizada a pres-
crição de um equipamento de TA para membro superior esquerdo. A. mantém um pa-
drão extensor de cotovelos com flexão de punho e extensão dos dedos, especialmen-
te na intenção do movimento voluntário, sendo frequentemente necessária a con-
tenção de reação associada de movimentação pelo braço oposto por meio de uma
faixa elástica (Figura 1).
174

Figura 1. Contenção de reação associada com faixa elástica.

Um arquiteto especialista em design inclusivo foi então inserido nesse contexto


para desenvolver um novo recurso de TA sob a orientação de uma das terapeutas ocu-
pacionais. Para viabilizar o uso desse equipamento, uma base de metal foi fixada late-
ralmente na cadeira de rodas de A., enquanto outra base de metal por meio de uma
articulação com a estrutura fixa tinha a função de acomodar o braço, permitir o mo-
vimento de flexão e extensão do cotovelo, além da adução e abdução do ombro, ain-
da que em pequena amplitude (Figura 2).

Figura 2. Dispositivo com acomodação para membro superior.


175

Além desse equipamento, também foi necessária a indicação de uma órtese cock
up que pudesse conter o posicionamento de punho, o que permitiu a utilização de um
novo recurso de TA, uma ponteira ou caneta touch, que foi posicionada entre o pole-
gar e o dedo indicador de A (Figura 3).

Figura 3. Órtese cook up e caneta touch.

O treino do novo dispositivo foi capaz de interferir na ação da gravidade, permi-


tindo que A. realizasse movimentos com membro superior esquerdo em nível de om-
bro e cotovelo, além de movimentos leves e simultâneos de extensão e flexão do punho
para conseguir usar o celular. A. apresentou evolução gradativa em amplitude e preci-
são desses movimentos, o que lhe possibilitou executar suas atividades de interesse.
Manteve-se interessada e dedicada a todos os treinos propostos nas sessões de telea-
tendimento, o que refletia também em maior motivação e engajamento das terapeutas
e de sua cuidadora, sempre parte essencial nessa mediação.
A partir dos treinos e do uso desses recursos em casa, foi possível observar um
discreto ganho em amplitude de movimentos ativos do membro superior esquerdo, o
que refletiu em maior facilidade e agilidade no acesso aos dispositivos móveis (celular,
tablet), no apontamento direto dos itens em seu álbum de comunicação, ainda que com
restrições e lentidão, além de possibilidades de maior independência na execução das
pinturas com o uso de tinta, papel e instrumentos de apoio (pincéis, esponjas, rolinho
ou com a extensão dos próprios dedos, sem o uso da órtese).
176

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do risco de perdas funcionais e de habilidades previamente adquiridas com


a interrupção da rotina de terapias presenciais, sendo viável e justificável a modalida-
de de teleatendimento por conta da pandemia COVID-19, se fez necessária uma nova
abordagem de intervenção terapêutica.
Os objetivos das sessões de teleatendimento no relato deste caso, que incluiu as
especialidades de terapia ocupacional e fonoaudiologia, foram pensados não apenas
visando minimizar perdas, mas também como forma de manutenção dos vínculos te-
rapêuticos já estabelecidos previamente com a paciente, além de proporcionar a apro-
ximação dos terapeutas com a rotina familiar de A., o que foi permitido pela realização
da videochamada.
As orientações à cuidadora formal quanto à continuidade e sistematização dos
treinos, além das sessões de teleatendimento, valorizaram tarefas e atividades que
poderiam ser realizadas em casa, o que proporcionou oportunidades de experimenta-
ção diária dos recursos assistivos. Esse fato contribuiu não apenas para a manutenção
de habilidades já adquiridas por A., mas também promoveu ganho em controle motor e
maior funcionalidade na realização de atividades de seu interesse, implicando em mai-
or motivação e protagonismo cotidiano, restrito devido ao contexto de isolamento so-
cial.
O uso do tablet foi proposto a partir da seleção de aplicativos e jogos adequados à
amplitude de movimentos de membro superior, considerando interesses e motivação
da paciente. Essa seleção criteriosa favoreceu melhores oportunidades e condições
para que a funcionalidade de A. se tornasse cada vez mais presente.
Em relação ao uso do computador em casa, optou-se em dar continuidade no tra-
balho que já havia sido iniciado nos atendimentos presenciais realizados na ONG, que
contava apenas com recursos de acessibilidade do sistema operacional Windows como:
o uso de teclas de aderência, que reduzem a velocidade de digitação; teclas de filtra-
gem, que permitem o uso de teclas simultaneamente; substituição do mouse pelo te-
clado numérico do computador; e redução na velocidade do cursor. O desempenho de
A. com o uso dessa configuração se mostrou satisfatório, não sendo necessária a busca
por outros sistemas ou configurações nesse primeiro momento.
As estratégias apresentadas aqui são apenas um pequeno relato sobre contextos
que foram propostos durante as sessões de teleatendimento como meio facilitador do
uso de recursos de TA. Além de priorizar atividades que pudessem favorecer funciona-
lidade mesmo diante de limitada amplitude de movimento, as tarefas desenvolvidas
com o apoio da internet, das mídias sociais, dos aplicativos e o uso do álbum de comu-
nicação foram também sugeridas, de forma a possibilitar um trabalho direcionado à
177

leitura e à escrita, ao uso da matemática, ao incentivo para formulação de ideias, ex-


pressão de pensamentos e aquisição de conhecimentos.
A possibilidade de priorizar preferências, interesses e desejos do paciente, à me-
dida que o treino de uso com tecnologia assistiva visa a exercitar componentes físicos
e cognitivos, atribui grande valor ao grau de funcionalidade e à autonomia, o que refle-
te em uma prática de uso mais amplo desses recursos, a de proporcionar prazer e
bem-estar psicoemocional.
Construir caminhos para desenvolver capacidades é natural durante a infância, de
forma que na fase adulta o indivíduo possa chegar ao uso pleno de suas habilidades ou
ao abandono total de recursos, caso não tenha tido uma prática suficientemente signi-
ficativa de uso.
Nesse contexto, ainda que indivíduos adultos já apresentem comprometimentos
instalados e limitações na sua evolução, é essencial viabilizar capacidades, evitar frus-
trações, desuso de recursos ou gastos energéticos desnecessários em treino com fer-
ramentas e estratégias que não poderão servir de suporte real às suas necessidades e
demandas diárias.
É considerando a clínica do paciente, o atendimento conjunto de profissionais es-
pecializados, a tomada de decisões compartilhadas e, sobretudo, a orientação e o enga-
jamento de familiares e cuidadores no processo de intervenção, que podemos garantir,
ao paciente, proposições reais de construção de novas formas de autonomia e funcio-
nalidade em sua vida.
Quando falamos mais especificamente no uso de TA, em qualquer de suas modali-
dades, o próprio avanço da tecnologia já tem nos possibilitado levar o paciente a ter
acessibilidade a diferentes recursos e seus benefícios. O envolvimento da equipe e as
constantes atualizações sobre novas tecnologias influenciam diretamente na capacida-
de efetiva de proporcionar meios para que esses indivíduos possam manter, recons-
truir e ressignificar suas habilidades.

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180

SEÇÃO 2

Jogos eletrônicos e jogos


sérios como recurso
tecnológico para auxiliar na
educação e na saúde
181

11
Jogos sérios em saúde:

conceitos e aplicações

Tiago França Melo de Lima

Gilda Aparecida de Assis

Ana Grasielle Dionísio Correa

Alexandre Fonseca Brandão


182

INTRODUÇÃO

A criação e o uso de jogos visando à interação social e ao entretenimento remon-


tam à Antiguidade (15). Os primeiros jogos digitais, por sua vez, surgiram com os pri-
meiros sistemas de computação, também em busca de oferecer entretenimento e di-
versão (16, 36). Os jogos digitais acompanharam a evolução tecnológica e incorpora-
ram em seus projetos inovações de hardware, software e também de metodologias,
técnicas e ferramentas de design e desenvolvimento, com o objetivo de oferecer uma
boa experiência aos jogadores (18, 19, 36). É intuitivo dizer que todo jogo deve propi-
ciar entretenimento aos seus jogadores, e que isso é um requisito essencial para a cria-
ção e manutenção do círculo mágico e da atitude lúdica exercida pelos jogadores (28).
Esse desafio é ainda maior para uma classe especial de jogos, geralmente denomi-
nados “jogos sérios” (do inglês, serious games), os quais buscam atingir algo além do
entretenimento (26, 33). Jogos sérios são definidos como aqueles que não têm o entre-
tenimento, prazer ou diversão como seu objetivo primário (26) e utilizam recursos da
indústria de jogos em áreas como educação, saúde, políticas públicas, ciência e treina-
mento corporativo (31, 32).
O “movimento” em torno dos jogos sérios teve início em 2002, quando o jogo Ame-
rica's Army, disponibilizado gratuitamente pelo exército dos Estados Unidos, atingiu
amplo conhecimento público, com mais de cinco milhões de usuários registrados (14).
Mas a aplicação de jogos para fins diferentes do entretenimento possui precedência his-
tórica muito mais ampla, especialmente no contexto educacional (35). Segundo Sawyer e
Smith (32), jogos sérios são jogos computacionais, cuja missão principal não é o entrete-
nimento e também aqueles jogos de entretenimento que podem ser reaplicados em uma
missão diferente do entretenimento. Definição semelhante foi proposta por Zyda (37):
“[...] um desafio mental, jogado com um computador, de acordo com regras específicas,
que usam o entretenimento para promover treinamento governamental ou corporativo,
educação, saúde, políticas públicas e objetivos de comunicação estratégica”. Uma discus-
são mais aprofundada sobre as origens e conceituação dos jogos sérios pode ser encon-
trada na literatura (1, 11, 33, 35, 36).
Inúmeros jogos sérios têm sido desenvolvidos no ambiente acadêmico, de pesqui-
sa, pela indústria de jogos e aplicados em várias áreas do conhecimento e contextos,
voltados para diferentes públicos e finalidades. Neste capítulo serão introduzidos al-
guns conceitos sobre jogos sérios, com foco nos jogos eletrônicos, e exemplos de sua
aplicação na área de saúde.
183

JOGOS SÉRIOS

A partir das seis características do “jogar”, que foram descritas no livro Homo Lu-
dens (15), Michael e Chen (26) sumarizam que “[...] jogos são uma atividade voluntária,
obviamente separada da vida real, que cria um mundo imaginário que pode ou não ter
qualquer relação com a vida real e que absorve toda a atenção do jogador; que ocorre
em um tempo e local específicos, de acordo com regras estabelecidas, e que cria grupos
sociais a partir dos seus jogadores”. E definem jogos sérios como aqueles que não têm
o entretenimento, prazer ou diversão como seu objetivo primário.
Essa definição é simples e ampla o suficiente para englobar ou criar uma intersec-
ção com outros termos que também são usados quando jogos são aplicados em dife-
rentes áreas e contextos, como, por exemplo, edutainment (educação por meio do en-
tretenimento, sem se limitar a jogos), game-based learning (aprendizagem baseada em
jogos), games with purpose (jogos com propósito sério), persuasive games (jogos per-
suasivos), exergames (jogos eletrônicos cuja interação é baseada no movimento dos
usuários).
E a definição de limites nem sempre é óbvia. Por exemplo, todos os jogos educati-
vos de entretenimento (edutainment games) poderiam ser classificados como jogos
sérios, mas a amplitude dos jogos sérios vai além do entretenimento educacional, e, de
forma semelhante, há atividades de entretenimento educacional que não são necessa-
riamente jogos. É importante mencionar que o conceito “ludificação” ou “gamificação”
(do inglês gamification), embora relacionado ao “mundo dos jogos sérios”, se caracte-
riza pelo uso de elementos de design característicos de jogos em contextos não jogo,
para finalidades além do entretenimento (10). Segundo Deterding et al. (10), o que
distingue sistemas gamificados de jogos sérios é que os primeiros são construídos com
a intenção de ser um sistema que inclui elementos de jogos, e não um jogo completo.
Os jogos podem ser classificados usando diferentes métodos. Uma possibilidade
inicial é classificar com base em suas características. Por exemplo, o surgimento dos
sistemas de computação permitiu criar uma distinção óbvia entre usar ou não recursos
computacionais como meio para a atividade de jogar, e, assim, classificar os jogos em
eletrônicos (geralmente denominados jogos digitais) ou não eletrônicos (analógicos).
Dentro do universo dos jogos analógicos, é possível definir subcategorias, tais como
jogos de tabuleiro, de cartas e atléticos. Várias outras características permitem criar
distinções para classificar os jogos, como, por exemplo, número de jogadores (single
player ou multiplayer), local de interação (presencial ou remoto), plataforma (video-
game, computador, smartphone), interfaces de controle (teclado, mouse, joystick, mi-
crofone, touchscreen, wearables) e de feedback (tela, alto-falante, visor em óculos de
realidade virtual), gênero (ação, aventura, estratégia, luta, esporte). Diversos trabalhos
184

de pesquisa foram desenvolvidos sobre classificação de jogos. A seguir, vamos apre-


sentar alguns voltados para jogos sérios.
Uma pesquisa foi conduzida por Ratan e Ritterfeld (29) para criar uma base de
dados de jogos sérios, e, a partir de sua análise, propuseram um sistema de classifica-
ção de jogos sérios que considera quatro dimensões: conteúdo educacional primário,
princípio de aprendizagem primário (prática de habilidades, ganho de conhecimento
por meio da exploração, resolução de problemas cognitivos, resolução de problemas
sociais), faixa etária do público-alvo e plataforma.
Segundo Djaouti et al. (11), alguns modelos de classificação propostos eram limi-
tados por serem baseados em um único critério, como mercado (por exemplo, saúde,
defesa, educação, arte, religião) ou propósito (ativismo, política, saúde, publicidade,
negócios, entre outros), ou por considerarem somente esses dois critérios. De acordo
com os autores, esses modelos permitem apresentar uma visão geral do campo “Jogos
Sérios” por serem focado no aspecto “sério”, mas apresentam uma limitação em seu
escopo ao não considerar a dimensão “jogo”. Eles então propuseram o modelo Game-
play/Purpose/Scope (G/P/S) para classificar jogos sérios: Gameplay fornece informa-
ções sobre a estrutura do jogo, como ele é jogado; Purpose se refere à finalidade pre-
tendida, além do entretenimento que foi projetado pelo designer; Scope se refere à
aplicação destinada do jogo, tipo de mercado, audiência, quem irá jogá-lo (11).
Laamarti et al. (21) propuseram uma classificação baseada em cinco critérios:
área de aplicação (educação, bem-estar, treinamento, publicidade), atividade (esforço
físico, fisiológico, mental), modalidade (visual, auditivo, tátil, olfativo, outro), estilo de
interação (teclado ou mouse, rastreamento de movimento, interfaces tangíveis, inter-
faces cerebrais, eye gaze, joystick, outro), e ambiente (presença social, realidade mista,
ambiente virtual, 2D ou 3D, conscientização de localização, mobilidade, online).
No trabalho realizado por De Lope e Medina-Medina (9), foi proposta uma taxo-
nomia compreensiva mais ampla para jogos sérios, envolvendo características particu-
lares do design e desenvolvimento dos jogos, plataformas para executar os jogos, e
aspectos operacionais, tais como uso, usuários e distribuição. Os critérios foram divi-
didos em seis blocos, que agrupam aspectos conceitualmente relacionados: desenvol-
vimento (processos e metodologias usados para criar o jogo), plataforma (aspectos da
plataforma em que o jogo é executado), design (aspectos relativos à definição e design
do jogo), uso (atributos da dinâmica do jogo), usuários (tipos de jogadores), e modelo
de negócios (formas de distribuição).
Propostas de taxonomia e classificação com escopo mais específico também foram
criadas. Mueller et al. (27) propuseram uma taxonomia para categorizar e comparar
jogos de esforço (exertion games) com foco nos aspectos sociais (por exemplo, se é
competitivo ou cooperativo). Essa categoria de jogos sérios é também conhecida como
jogos de movimento e se caracteriza por combinar atividades físicas com tecnologias
185

computacionais. Tais jogos possuem um mecanismo de entrada no qual o usuário in-


veste intencionalmente esforço físico, e o objetivo do jogo é impossível de ser alcança-
do pelo jogador exceto por meio de vários graus de competência motora grossa (capa-
cidade motora usada para movimentar nosso corpo, braços e pernas para andar, cor-
rer, saltar, manter o equilíbrio) (27). De acordo com os autores, nesses jogos, o jogador
depende de suas próprias habilidades físicas, enquanto que, naqueles que não são de
esforço, os objetivos podem ser atingidos de outras formas, como, por exemplo, movi-
mentando um mouse (27). Um questionamento que fazemos sobre esse ponto de vista
em particular é em relação às pessoas que possuem alguma limitação física, motora,
para quem movimentos geralmente vistos como “simples” (mover um mouse) podem
exigir um grande esforço físico. Para que sejam de fato abrangentes, tais propostas de
taxonomia deveriam considerar a variabilidade de características, tanto dos jogos, tec-
nologias e áreas de aplicação, quanto dos jogadores.
Uma taxonomia de jogos sérios para demência, baseada nas funções de saúde, que
define as categorias (cognitiva, física, socioemocional) e os tipos (prevenção, reabilita-
ção, avaliação, educação) aos quais se aplicam, foi proposta por Mccallum e Boletsis
(25). A taxonomia também inclui a categorização dos tipos de jogador: pacientes em
potencial - pessoas não diagnosticadas com demência, mas com estado de saúde em
ponto crítico; pacientes - pessoas diagnosticadas com algum tipo de demência; público
- população que não possui relação direta com demência; profissionais - pessoas que
não são pacientes, mas cujas vidas são afetadas diretamente pela demência, como pro-
fissionais de saúde, cuidadores, pesquisadores (25).
No campo da reabilitação, Rego et al. (30) conduziram uma revisão sobre a aplica-
ção de jogos sérios e propuseram um sistema de classificação para permitir distingui-
los e compará-los em relação às suas características fundamentais, visando facilitar a
comunicação entre a equipe de desenvolvimento e os clientes ou profissionais. Eles
estabeleceram os seguintes critérios: área de aplicação (reabilitação cognitiva / física),
tecnologia usada pelo paciente para interagir com o sistema (desde dispositivos tradi-
cionais como mouse e teclados a dispositivos de realidade virtual e interfaces hápti-
cas), interface do jogo (2D ou 3D), número de jogadores (single ou multiplayer), gênero
do jogo (jogos para avaliar movimento, simulação, estratégia), adaptabilidade (capaci-
dade ou não do jogo se adaptar dinamicamente conforme o desempenho do paciente),
feedback de desempenho (habilidade do sistema em transmitir ao paciente os resulta-
dos da interação), monitoramento de progresso (habilidade do sistema de armazenar
os resultados do paciente), portabilidade (capacidade do sistema de ser usado em casa,
clínica ou hospital) (30).
Uma taxonomia para categorizar jogos em saúde também foi proposta pelo Games
for Health Project, conforme ilustrado no Quadro 1.
186

Quadro 1. Taxonomia de jogos para a saúde.

Área da Prática Pesquisa/


Pessoal Saúde Pública
Saúde Profissional Academia

- Exergaming - Comunicação do - Mensagens de


Preventiva - Coleta de dados
- Estresse paciente saúde pública

- Entretenimento - Distração de dor


para reabilitação - Ciberpsicologia - Seres humanos
Terapêutica - Socorristas
- Gerenciamento de - Gerenciamento de virtuais
doenças doenças

- Interface / Visuali-
Avaliação - Autoavaliação - Mensuração - Incentivo
zação

- Primeiros socorros - Habilidades / Trei- - Simuladores de


Educacional - Recrutamento
- Informação médica namento gerenciamento

- Registros de saúde - Prontuário eletrôni-


Informacional - Visualização - Epidemiologia
pessoal co

Adaptado de Sawyer e Smith (32).

A área de jogos sérios evoluiu tanto em termos de indústria quanto como campo cientí-
fico, mas ainda são muitos os desafios. A intersecção entre diversas áreas de conhecimento,
como Ciência da Computação, Medicina, Psicologia, Pedagogia, para a criação e aplicação
de jogos em problemas reais para atingir objetivos além do entretenimento, é algo tanto
promissor quanto complexo. A seguir, apresentaremos exemplos da aplicação de jogos sé-
rios na área de saúde.

APLICAÇÕES DE JOGOS SÉRIOS EM SAÚDE

A área de saúde possui diversos desafios que se apresentam como oportunidades para a
utilização dos jogos sérios e de tecnologias, tais como realidade virtual, realidade aumenta-
da, dispositivos vestíveis (wearable devices). Assim, é possível encontrar aplicações de jo-
gos sérios voltados para diversas finalidades, tais como treinamento profissional, educação
em saúde pública, promoção da saúde, e em atividades clínicas e terapêuticas voltadas para
prevenção, diagnóstico e reabilitação. Nossa proposta, nesta seção, não é apresentar uma
lista das possíveis aplicações e sim trazer alguns exemplos práticos, desenvolvidos pelos
autores e seus respectivos grupos de pesquisa, que sejam ilustrativos e que possam despertar
no leitor o interesse pela área.
187

Educação em Saúde Pública

Quando se comparam com outras áreas, as iniciativas de jogos voltados para a saúde
pública parecem ser mais escassas, talvez pela falta de interesse da indústria, pela comple-
xidade inerente à área ou pela dificuldade em mensurar os resultados. Por exemplo, em um
mapeamento sistemático, conduzido por Lima e Davis Jr. (23), sobre jogos sérios relaciona-
dos ao mosquito Aedes aegypti e vírus por ele transmitidos (dengue, chikungunya, febre
amarela e zika), que colocam em risco cerca de quatro bilhões de pessoas, foram encontra-
dos somente sete jogos, e apenas dois estavam acessíveis publicamente para download. Um
deles, X-Dengue, propõe a conscientização e mudança comportamental da população por
meio de uma plataforma baseada em jogos, a ser usada como ferramenta complementar e de
apoio à vigilância epidemiológica (22, 24). A conscientização da população é uma das estra-
tégias de prevenção utilizada na saúde pública. Os jogos são uma ferramenta poderosa para
promover a conscientização e mudanças comportamentais, e o fomento ao desenvolvimento
e aplicação de jogos deveria fazer parte das estratégias e políticas públicas de saúde.

Reabilitação

Os jogos sérios para reabilitação são exemplos de jogos adotados na área terapêutica,
que podem tanto proporcionar entretenimento no processo de reabilitação quanto mecanis-
mos para o gerenciamento da doença. Em geral, há duas abordagens: 1) adoção de jogos
disponíveis no mercado com adaptação das intervenções para adequar o jogo ao uso tera-
pêutico; 2) adoção de jogos específicos desenvolvidos conforme os requisitos da interven-
ção, definidos por profissionais de saúde. Na primeira abordagem, profissionais de saúde
selecionam jogos disponíveis no mercado e adaptam suas práticas, espaços e instrumentos
para a inclusão desses jogos como parte do processo terapêutico. Na segunda, em geral, não
são necessárias mudanças significativas na prática profissional, pois os jogos são projetados
para atender às necessidades específicas de intervenção, mas é preciso considerar fatores
como custo e tempo de desenvolvimento, e possíveis limitações de jogabilidade.
A adoção de jogos específicos para uso terapêutico é dificultada pela carência de jogos,
devido ao menor investimento e apelo mercadológico dos jogos sérios em comparação aos
de entretenimento. Assim, muitas vezes, esses jogos são desenvolvidos como produtos de
pesquisa e não dispõem dos mesmos recursos econômicos, humanos e tecnológicos da in-
dústria de jogos para entretenimento.
Na classificação de jogos para reabilitação proposta por Rego et al. (30), um dos critérios
é a tecnologia usada pelo paciente para interagir com o sistema, que compreende desde mouse
e teclados a dispositivos de realidade virtual, eletromiografia, eletroencefalografia e interfaces
hápticas. Particularmente, os jogos de realidade virtual podem fornecer estímulos motores
e/ou cognitivos e, portanto, ser úteis quando associados aos processos de treinamento ou rea-
bilitação (37).
188

Atualmente, no campo da recuperação motora e neurofuncional, as tecnologias que uti-


lizam ambientes de realidade virtual têm buscado ampliar alguns dos sistemas sensoriais a
partir de simulações que possam permitir determinadas ações do paciente que, em situações
reais, podem estar limitadas pela condição de incapacidade momentânea. Nesse contexto,
têm-se buscado estratégias inovadoras para melhorar a função motora, como, por exemplo,
para a reabilitação do membro superior de um paciente que sofreu um acidente vascular
cerebral (AVC). Os movimentos articulares dos braços e extremidade distal são necessários
para as tarefas no cotidiano e estão em constante processo de atrofia muscular durante o
decorrer da vida do indivíduo com AVC, o que torna a busca de novas técnicas de fortale-
cimento e reabilitação de membros superiores um grande interesse social.
Um estudo de aplicabilidade com dois jogos sérios de realidade virtual foi conduzido
por Brandão et al. (3). Os jogos GesturePuzzle e o GestureChair possuem potencial para
uso na reabilitação de pessoas com sequelas motoras pós-AVC. O GesturePuzzle (2) é um
quebra-cabeça que permite ao usuário arrastar peças virtuais de um lado para o outro da tela,
executando movimentos nos três planos de movimento (coronal, sagital e transversal). Para
montar o quebra-cabeça, o jogador deve posicionar a mão sobre uma das peças e mover a
peça para a grade (matriz de encaixe), no lado esquerdo da tela (Figura 1, à esquerda). O
jogador pode se aproximar do sensor (Kinect) caso tenha uma limitação severa na amplitude
de movimento e, de forma semelhante, na medida em que ocorre um ganho funcional de
movimento, ele pode adequar o estímulo motor às suas necessidades em cada momento do
processo de reabilitação (34). O segundo jogo, GestureChair, é inspirado no jogo Pacman
(Figura 1, à direita). O usuário controla o personagem do jogo com movimentos manuais e
dos membros superiores ao invés de usar o teclado, e o software reconhece os gestos. Por
exemplo, a flexão de cotovelo determina que o personagem seja movido para cima e a ex-
tensão de cotovelo que ele seja movimentado para baixo. O jogo foi inicialmente proposto
para ser controlado a partir da posição sentada, o que reforça a sua indicação para pessoas
com lesões medulares (20).
189

Figura 1. GesturePuzzle e GestureChair. (2).

Um estudo realizado por Corrêa et al. (7) abordou os efeitos de um programa te-
rapêutico com uso de jogos de realidade virtual controlados pelo sensor Leap Motion
Controller para reabilitação da função manual em adultos com paralisia cerebral (Figu-
ra 2). O objetivo do usuário é agarrar objetos e soltá-los em suas respectivas posições,
exercitando o movimento de abrir e fechar as mãos. O jogo permite que o terapeuta
configure o tempo de jogo e a sequência de execução das mãos (por exemplo, primeiro,
com a mão dominante; segundo, com a mão não dominante; e terceiro, com ambas as
mãos). A intervenção durou 15 semanas, com frequência de duas vezes por semana
durante 30 minutos, e a função manual dos participantes foi avaliada pelo Teste de
Caixa e Blocos e pelo Teste de Função Manual Jebsen-Taylor. Por meio de depoimen-
tos, os participantes demonstraram satisfação e sugeriram mudanças para melhorar a
usabilidade dos jogos.

Figura 2. Jogos controlados pelo sensor Leap Motion (7).


190

O jogo musical de realidade aumentada GenVirtual foi projetado para reabilitação


motora e cognitiva de crianças com deficiência (6). Ele apresenta cubos sonoros colo-
ridos sobrepostos aos marcadores de papel e uma câmera captura a interação do usu-
ário (Figura 3, acima). O fisioterapeuta pode posicionar os marcadores de papel sobre
uma mesa para estimulação de membros superiores (Figura 3, no centro) ou no chão
para membros inferiores (Figura 3, abaixo). Estudos exploratórios com o jogo foram
conduzidos com crianças com paralisia cerebral e com crianças com distrofia muscular
de Duchenne.

Figura 3. Genvirtual acima, membros superiores no centro, e membros inferiores abaixo (6).
191

Dois jogos sérios para uso na reabilitação de crianças com pé torto congênito fo-
ram propostos por Ferreira et al. (12). Eles são controlados por um calçado do tipo
papete equipado com acelerômetros embarcados, responsáveis por detectar a movi-
mentação do pé (Figura 4, à esquerda): dorsiflexão, flexão plantar, inversão e eversão.
Os jogos fazem uso da metáfora de corrida de carros. Por exemplo, no jogo Acelera (Fi-
gura 4, no centro), ao mover o pé para cima (dorsiflexão), o carro se movimenta para
cima na pista; enquanto no jogo Papa Bolinhas (Figura 4, à direita), ao rotacionar e
levantar o pé para fora / dentro (eversão / inversão), o carro se movimenta para direi-
ta / esquerda na pista. Trata-se de um jogo controlado por tecnologia vestível, em que
a criança, intuitivamente, controla o veículo com os movimentos dos pés.
Os autores desenvolveram algumas estratégias que podem ser utilizadas para con-
figurar o nível de engajamento do jogador no jogo, são elas: definição do ângulo de ele-
vação dos movimentos de dorsiflexão e flexão plantar; definição da quantidade de obs-
táculos no jogo que afeta o tempo de jogo (níveis de dificuldade); definição da veloci-
dade de animação do jogo que implica em aumentar ou diminuir a dificuldade de exe-
cução dos movimentos. Essas estratégias vão de encontro à Teoria do Fluxo (8), que
ressalta que se o desafio do jogo for muito grande para a habilidade do jogador, a ansi-
edade gerada pode fazer com que o indivíduo desista de jogar; e se o desafio for muito
baixo para a habilidade do jogador, a atividade poderá causar o tédio.

Figura 4. Papete para controle do jogo, à esquerda; Acelera, no centro; e Papa bolinhas, à direi-
ta (12).

DESAFIOS PARA O USO DE JOGOS SÉRIOS NA SAÚDE

A integração de jogos na saúde envolve diversas questões que devem ser endere-
çadas antes de incorporar os jogos à prática profissional. A seleção dos jogos mais
apropriados, o uso do jogo com ou sem a presença do profissional de saúde, o acompa-
nhamento das atividades realizadas com os jogos, a adequação dos espaços de inter-
192

venção para o uso dos jogos, o planejamento de exercícios e atividades apropriados ao


programa de reabilitação do paciente, e factíveis de serem realizados com o jogo, e as
adequações para o uso dos jogos em teleconsulta e telemonitoramento são algumas
dessas questões. Esses desafios são discutidos nas próximas seções.

Seleção de jogos para reabilitação

Os resultados do uso de quatro jogos sérios por crianças com PC foram descritos
por Bonnechère et al. (4). Os jogos eram controlados pelo Nintendo Wii e foram proje-
tados e adaptados para essa patologia, tendo como objetivo terapêutico o equilíbrio e
controle de postura. Os autores encontraram dificuldades para comparar os resultados
com outros trabalhos na literatura, uma vez que o número e duração das sessões e os
jogos eram diferentes. Apesar do número reduzido de quatro sessões de 30 minutos,
os autores relataram um aumento significativo nos valores de controle de tronco das
crianças e que elas apreciaram o jogo e não experimentaram dificuldades para jogar.
Um estudo com um jogo disponível comercialmente com o mesmo objetivo tera-
pêutico de controle de tronco em crianças com PC foi apresentado por Jelsma et al.
(17). O estudo mostrou resultados positivos no controle postural e na motivação das
crianças. Entretanto, como esses jogos comerciais foram projetados principalmente
para diversão e não para reabilitação, os autores observaram que, para pacientes com
limitações severas, não é simples integrá-los na reabilitação por motivos como a velo-
cidade exigida do paciente para jogar, a amplitude dos movimentos necessária ou até
mesmo a complexidade visual do jogo, que pode ser um fator perturbador para pacien-
tes com PC. Portanto, a escolha de qual jogo utilizar na reabilitação, quando existem
jogos desenvolvidos para a reabilitação e jogos comerciais para o mesmo objetivo te-
rapêutico, envolve uma análise prévia das limitações do paciente, de forma a selecio-
nar um jogo adequado e motivador e que não provoque frustração.
Uma revisão sistemática sobre jogos na reabilitação física foi conduzida por Bon-
nechère (5). Os estudos foram divididos em jogos comerciais e jogos específicos e agru-
pados quanto ao público-alvo: idosos, obesos, pessoas com sobrepeso, pacientes que
sofreram acidente vascular cerebral, pessoas com déficit de equilíbrio, pessoas com pa-
ralisia cerebral e pessoas com doença de Parkinson. Ainda que estudos de reabilitação
com pacientes com câncer, esclerose múltipla, com malformações congênitas, ou pacien-
tes que sofreram acidentes de trânsito, dentre outras patologias, não tenham sido inclu-
ídos na pesquisa de Bonnechère (5), muitos dos estudos analisados utilizaram jogos que
podem se adequar a essas outras patologias, desde que tenham objetivos terapêuticos
em comum.
193

Acompanhamento das atividades realizadas com jogos

Um mapeamento sistemático de estudos sobre jogos aplicados na reabilitação


domiciliar foi realizado por Gmez-Portes et al. (13). O estudo teve como foco crianças e
adolescentes que já são familiarizados com jogos e que têm maior risco de abandono
da terapia, dado que a repetição de exercícios físicos pode diminuir a motivação dos
jovens. Os autores concluíram que a reabilitação domiciliar de jovens pode se benefici-
ar de jogos que sejam baseados em mecanismos naturais de interação, com dispositi-
vos não intrusivos (Microsoft Kinect, Nintendo Wii, ou Leap Motion) e que possibilitem
personalizar o processo de reabilitação para cada indivíduo. A análise dos trabalhos
publicados mostrou que a maioria dos artigos descreve sistemas que permitem ao pa-
ciente realizar as atividades no jogo de forma autônoma em casa, mantendo uma co-
municação assíncrona com o profissional de saúde. Por outro lado, os autores propu-
seram um sistema que utiliza uma abordagem híbrida de monitoramento e supervisão
da reabilitação domiciliar baseada em feedback síncrono (em tempo real) e assíncrono
(assim que os pacientes tenham finalizado a rotina de exercícios). Tanto os jogos co-
merciais de entretenimento quanto os jogos sérios fornecem possibilidades de conti-
nuidade da reabilitação domiciliar. Entretanto, é necessário que o planejamento tera-
pêutico defina claramente como será feita a supervisão dessas atividades, quer seja
com recursos disponíveis no próprio jogo ou pelo uso de outros instrumentos de moni-
toramento como questionários e registros em vídeo, imagem e áudio.
A maioria das sessões de reabilitação com uso de jogos sérios relatados na litera-
tura aconteceram de forma presencial, nas clínicas e/ou hospitais, e com o apoio do
terapeuta. No entanto, devido ao período de distanciamento social provocado pela
pandemia de COVID-19, muitos atendimentos presenciais tiveram de ser cancelados. O
Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) permitiu modali-
dades de teleconsulta e telemonitoramento. Dessa forma, há necessidade de disponibi-
lizar e/ou adequar os jogos sérios para apoiar essa modalidade de tratamento. Existem
diversos desafios nessa atividade, tais como: necessidade de armazenamento de dados
em nuvem para acompanhar a evolução do paciente; pacientes que não possuem aces-
so à internet, de forma a permitir o monitoramento em tempo real; impossibilidade de
realizar testes de usabilidade (atividade presencial) com público-alvo para adequação
de falhas de software e/ou problemas na interface; falta de incentivos do governo para
novos projetos de desenvolvimento na área, entre outros.

Adequação dos espaços para intervenção com jogos

Com a adoção de jogos para reabilitação como parte da terapia, muitas clínicas e
espaços dedicados devem ser reconfigurados para receber os dispositivos de interação
não intrusivos como Microsoft Kinect, Nintendo Wii, Leap Motion, câmera ou dispositi-
194

vos que são acoplados ao paciente (eletromiografia, eletroencefalografia, vestíveis) ou


ainda ambientes imersivos de realidade virtual ou realidade aumentada. Particular-
mente, no caso de dispositivos não intrusivos, como o Kinect, existem distâncias míni-
mas e máximas entre o sensor e o paciente que devem ser observadas. Os jogos de rea-
lidade aumentada, por sua vez, necessitam de iluminação controlada e, muitas vezes,
têm seu desempenho afetado pela presença de objetos no ambiente que dificultam o
reconhecimento dos marcadores fiduciais. A eletroencefalografia como mecanismo de
interação é bastante suscetível a ruídos ou artefatos que podem tanto ter origem “in-
terna” (como movimentos ou piscar de olhos do voluntário) ou “externa” (como ruído
da rede elétrica).
Uma possível infraestrutura para ambientes de intervenção com realidade virtual
imersiva poderia incluir um ambiente com 12 metros quadrados de espaço livre, com
uma ou mais telas de projeção e projetores dispostos perpendicularmente (90º) às
telas; aglomerado gráfico com alto poder de desempenho computacional e interface
gráfica responsiva ao uso de sensores externos de reconhecimento de gestos ou dispo-
sitivos vestíveis para interação humano-computador. Nesse caso, o uso de ambiente
tridimensional pode ser obtido com óculos polarizados e projetores Full HD com lentes
polarizadoras ou por meio de óculos de realidade virtual imersivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este capítulo introduziu alguns conceitos e taxonomias sobre jogos sérios e apre-
sentou alguns exemplos de sua aplicação na área de saúde. Jogos sérios são aqueles
que não têm o entretenimento, prazer ou diversão como seu objetivo primário, mas
servem para aprender, estimular e/ou desenvolver conhecimentos e habilidades mo-
toras, sensoriais, cognitivas, emocionais e sociais. Portanto, jogos sérios têm potencial
para aplicação em diferentes áreas e contextos. Em especial, na área da saúde, os jogos
sérios têm sido explorados em contextos de prevenção, avaliação, terapia e educação.
Como discutido neste capítulo, a área de saúde possui diversos desafios que se
apresentam como oportunidades para a utilização dos jogos sérios e de tecnologias,
tais como realidade virtual, realidade aumentada, dispositivos vestíveis (wearable de-
vices). Jogos de realidade virtual e/ou aumentada podem fornecer estímulos motores
e/ou cognitivos adequados às necessidades do indivíduo e, portanto, ser úteis quando
associados aos processos de treinamento ou reabilitação. Por sua vez, jogos integrados
a dispositivos vestíveis podem prover treinamento de exercícios físicos e, ao mesmo
tempo, fornecer dados cinemáticos, em tempo real, dos movimentos do corpo humano,
tais como velocidade, frequência e amplitude dos movimentos, ângulos articulares e
estabilidade dos membros. No contexto de saúde pública, os jogos sérios podem auxili-
ar no aprendizado e reforçar ações e comportamentos, como, por exemplo, ações pre-
195

ventivas de combate a vetores que transmitem doenças, que podem inclusive impactar
na saúde de toda a comunidade a qual o jogador pertence.
Os exemplos apresentados pelos autores mostram que os jogos sérios têm poten-
cial para auxiliar na reabilitação de pacientes com sequelas motoras ou, ainda, que es-
ses jogos podem se tornar ferramentas de apoio à saúde pública. Entretanto, ainda
existem desafios a serem superados, como a necessidade de uma equipe multidiscipli-
nar que esteja engajada no planejamento e desenvolvimento de jogos sérios, o que,
muitas vezes, demanda alto custo financeiro, tempo e recursos humanos, profissionais
qualificados para desenvolvimento de design e conteúdo no domínio de aplicação, es-
paços de intervenção adaptados para as necessidades do jogo e mecanismos de acom-
panhamento e monitoramento dos pacientes durante o uso do jogo sério.

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12

Intervenção neuropsicológica com

o uso de jogos sérios em disfunção

executiva em crianças com

transtornos do desenvolvimento

Fabiana Coimbra Noronha

Janaína Aparecida de Oliveira Augusto

Cibelle Albuquerque de la Higuera Amato


199

INTRODUÇÃO

O avanço de novas tecnologias atingiu todo o desenvolvimento humano. Especifi-


camente para a neuropsicologia clínica, o progresso significou novas possibilidades na
detecção, avaliação e intervenção de diferentes alterações e distúrbios, em contextos
variados.
Atualmente, muitos pesquisadores das funções executivas e do desenvolvimento
infantil têm investigado os Transtornos do Neurodesenvolvimento, que estão relacio-
nados a transtornos com início no período de desenvolvimento, culminando em preju-
ízos na esfera pessoal, social, acadêmica e, posteriormente, profissional (15). O presen-
te capítulo irá focar no Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e no
Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), devido à alta incidência na população in-
fantojuvenil e os prejuízos significativos no funcionamento executivo.
As funções executivas (FEs) compreendem um conjunto de habilidades cognitivas
diferentes e interdependentes entre si, como planejamento, atenção, controle de inter-
ferências, alternância de conceitos, autorregulação, tomada de decisão e memória ope-
racional. De forma resumida, as FEs podem ser definidas como a capacidade de manter
a estratégia adequada para atingir objetivos futuros (1).
Pessoas com alteração nas funções executivas, ou com disfunção executiva, podem
mostrar um estilo de pensamento rígido e concreto e podem experimentar dificuldade
na geração de pensamentos fluentes e novos (21). Outras características da disfunção
executiva são: dificuldade no planejamento, organização, esquecimento e impulsivida-
de. A literatura especializada apresenta autores que descrevem um modelo de funções
executivas que incorpora neuroanatomicamente e cognitivamente teorias baseadas no
funcionamento do lobo frontal (1).
Atualmente há estudos que mostram intervenções em reabilitação neuropsicoló-
gica utilizando jogos eletrônicos para controlar ou amenizar sintomas inadequados
providos de disfunção executiva em crianças, condições nas quais as distintas habili-
dades envolvidas nas funções executivas se encontram comprometidas (2).
O século 21 é definido por alguns autores como: “[...] era da aprendizagem basea-
da em jogos digitais”. Também é indicado como um momento quando o conteúdo do
jogo e a jogabilidade aumentam o conhecimento e a aquisição de habilidades, no qual
as atividades do jogo envolvem espaços de resolução de problemas e desafios que for-
necem aos jogadores uma sensação de realização (3). O avanço contínuo em novas
tecnologias apresenta grandes desafios e oportunidades para a sociedade contempo-
rânea. As novas tecnologias possibilitam o acesso imediato, fácil e atualizado às infor-
mações e ao entretenimento. A crescente geração de recursos digitais levou ao surgi-
mento de novas maneiras de pensar, aprender e interagir uns com os outros, no ambi-
200

ente social e físico. Por outro lado, a customização de recursos e serviços ligados à era
digital está tornando as características pessoais, como as habilidades ou talentos de
um indivíduo, cada vez mais importantes em nossa sociedade. Uma das questões que
surge é: as novas tecnologias têm potencial para melhorar os processos cognitivos por
meio de recursos cada vez mais adaptados? Atualmente, ferramentas digitais como
smartphones e tablets se tornaram quase onipresentes; eles são frequentemente utili-
zados para obter informações e para entretenimento, muitas vezes, por meio de jogos
eletrônicos (12).
Jogos eletrônicos, como os videogames, são uma das principais opções de entrete-
nimento para crianças, adolescentes e adultos, e tornaram-se um mecanismo cultural
de grande importância social. Diante disso, intervenções que utilizam essas ferramen-
tas como estratégias podem ser interessantes, além de garantir um engajamento maior
no tratamento, principalmente na população infanto-juvenil (12).
Vislumbrando a necessidade de jogos específicos para intervenção e melhoraria
de habilidades cognitivas, os jogos sérios vêm sendo cada vez mais presentes na área
de educação e saúde. Os jogos sérios são baseados no conceito de conectar os propósi-
tos de aprendizagem e a tecnologia da indústria de videogames, mas não apresentam o
entretenimento como objetivo principal. A ideia é estimular e desenvolver habilidades
cognitivas e aprendizagem necessárias (4).
Em vista disso, este capítulo tem como objetivo a análise do que a literatura con-
sultada tem descrito nos últimos anos sobre os benefícios dos jogos sérios para a me-
lhora das dificuldades cognitivas, especificamente das funções executivas de crianças
com transtornos do desenvolvimento. Dessa forma, teremos uma pequena amostra do
que tem sido produzido e a relevância do desenvolvimento dos jogos sérios para a in-
tervenção neuropsicológica em crianças com desenvolvimento atípico e/ou dificulda-
des cognitivas.
Além desta seção introdutória, este capítulo está organizado em mais seis seções:
“Intervenção nos Transtornos do Neurodesenvolvimento utilizando jogos eletrônicos”,
que apresenta a importância da intervenção com jogos para a melhora cognitiva das
crianças; “Revisão de Literatura sobre Intervenção Neuropsicológica com o uso de jo-
gos sérios”, na qual será apresentada como foi feita a busca e levantamento de dados
de publicações sobre o tema deste capítulo; “Intervenção com jogos sérios para crian-
ças com TDAH”, que descreve alguns procedimentos e resultados de estudos com cri-
anças com TDAH e intervenções com jogos; “Intervenção com jogos para crianças com
TEA”, seção em que é relatada a intervenção com jogos nos principais sintomas de cri-
anças com TEA, seus benefícios e resultados; “Discussão”, na qual as autoras irão apre-
ciar e delinear sobre o tema do capítulo, quais foram suas contribuições e quais cami-
nhos são necessários percorrer; e, por fim, a seção: Considerações finais, na qual as
autoras trazem o fechamento e considerações finais sobre o resultado da pesquisa fei-
ta sobre o tema na literatura.
201

INTERVENÇÃO NOS TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO


UTILIZANDO JOGOS ELETRÔNICOS

Tratamentos envolvendo o uso de jogos eletrônicos têm sido cada vez mais fre-
quentes para auxiliar o processo de aprendizagem e desenvolvimento de habilidades,
como funções executivas, atenção, controle inibitório, entre outras. Os desenvolvedo-
res de jogos usam o interesse das pessoas, adultos ou crianças para a construção de
jogos chamados “jogos sérios”, com o objetivo de melhorar habilidades, porém com
característica lúdica e cativante para que o jogador mantenha a atenção (4). Em casos
de desenvolvimento das Funções Executivas, um design divertido e atraente é muito
importante para que a criança possa se engajar na realização da tarefa; caso contrário,
há o risco de a criança desistir do tratamento sem concluí-lo completamente (4). A lite-
ratura ainda destaca que terapias baseadas no uso de videogames para crianças po-
dem melhorar a neuroplasticidade, auxiliando na criação e reestruturação de vias neu-
robiológicas, quando comparadas a adultos (5).
Autores afirmam (6) que o jogo sério deve ter um objetivo, além do entretenimen-
to. Esse recurso pode abarcar uma ampla gama de domínios a serem desenvolvidos,
por exemplo, aprendizagem complexa, treinamento colaborativo, mudança de compor-
tamento e melhoria da saúde. Atualmente é observado o uso de jogos sérios na área da
saúde focados em melhora cognitiva, promoção da saúde e educação, além do desen-
volvimento e aprimoramento de habilidades motoras (3).
A necessidade de abordagens de tratamento acessíveis e motivadoras dentro da
área da saúde mental levou ao desenvolvimento de uma intervenção de jogo sério, ba-
seada na Internet (chamada Plan-It Commander), como um complemento ao tratamen-
to usual para crianças com TDAH. A proposta teve por objetivo determinar os efeitos
do jogo nas habilidades de vida diária de crianças com TDAH. Os resultados mostraram
que os participantes alcançaram melhorias significativas nas habilidades de gerencia-
mento de tempo, habilidade social e memória de trabalho, segundo relato dos pais.
Para os professores, os participantes apresentaram avanços nas habilidades sociais
dentro dos grupos, enquanto os efeitos nas habilidades de planejamento e organização
não foram significativos. A constatação nesde estudo é que o jogo eletrônico citado
oferece uma abordagem terapêutica eficaz como intervenção adjunta às abordagens
terapêuticas tradicionais de TDAH que melhoram os resultados funcionais na vida diá-
ria (7).
Um estudo realizado no Reino Unido, cujo objetivo foi verificar a eficácia de um
programa de intervenção de atenção (Treinamento Atencional Progressivo Computa-
dorizado - CPAT) na melhoria do desempenho acadêmico de crianças com TEA, mos-
trou resultados positivos. Utilizaram-se medidas pré e pós-intervenção para avaliar
sintomas comportamentais, habilidades cognitivas e desempenho acadêmico. Após
202

oito semanas de intervenções os resultados indicaram melhoras cognitivas, acadêmi-


cas e comportamentais nos participantes. Ao mesmo tempo, o programa foi envolvente
e motivador para as crianças, trazendo melhorias em um nível pessoal devido à rotina
estruturada para o uso, sugerindo, assim, que um treinamento atencional progressivo
(CPAT) nas escolas é promissor (8).
Os benefícios dos jogos sérios podem ser explicados por vários mecanismos. Um
desses mecanismos é a “gamificação”, uma técnica de tendências em intervenções de e-
saúde que promove mudança comportamental e envolvimento dos usuários (9). Em
crianças, os efeitos recompensadores dos videogames podem ser de suma importância
para aumentar a adesão. Os videogames podem não ser percebidos como tratamento
ou como imposição por cuidadores, o que pode ser menos aversivo para as crianças.
Jogos de videogame também podem aumentar a participação e motivação. No entanto,
a busca de novidades é uma característica forte de TDAH; assim, o envolvimento em
longo prazo pode ser mais problemático, possivelmente resultando em uma redução
progressiva em engajamento no decorrer do tempo (14).
Estudos mostram que os videogames podem melhorar a cognição e ter um impac-
to positivo na neurobiologia (4). O treinamento cognitivo baseado em videogame pode
ajudar na formação e reestruturação das vias neurobiológicas, especialmente em cri-
anças, o que pode favorecer a neuroplasticidade em comparação com adultos, confor-
me relata estudo (10).
Ainda há estudos que evidenciam os efeitos positivos dos videogames educacio-
nais na melhoria da motivação, atenção e outros componentes cognitivos em alunos
com dificuldades de aprendizagem (8).
Esses resultados convidam à consideração da aplicabilidade para impulsionar a
cognição, talentos ou habilidades únicas por meio de videogames educacionais como
uma ponte importante para melhorar as áreas de déficits (10).

REVISÃO DE LITERATURA SOBRE INTERVENÇÃO NEUROPSICOLÓGICA


COM O USO DE JOGOS SÉRIOS

O percurso para o levantamento de jogos sérios para a melhora de sintomas de


disfunção executiva envolveu a pesquisa nas bases de dados PubMed e Scielo, conside-
rando as publicações entre os anos de 2007 e 2021. O levantamento foi realizado utili-
zando os termos “Serious Games” AND “Children” AND “ASD”/”ADHD”/”Attention
training”/”Executive Functioning”/”Cognitive”. As palavras-chave foram buscadas nos
resumos dos artigos, nos filtros de busca avançada. Os artigos foram elencados e sele-
cionados a partir dos seguintes critérios de inclusão: a) conter exatamente as palavras
203

“Serious Games”, “ASD”, “ADHD”, “Attention training”, “Executive Functioning”, ou “Cog-


nitive”, no título ou resumo do artigo; b) estar disponível na Língua inglesa ou portu-
guesa; c) ser direcionado para crianças; d) caracterizado como resumo expandido ou
“full text”. Os critérios de exclusão foram: a) não ter potencial de uso em intervenção
cognitiva; b) não abordar o conteúdo diretamente.

INTERVENÇÃO COM JOGOS SÉRIOS PARA CRIANÇAS COM TDAH

O TDAH é o transtorno do neurodesenvolvimento infantil com significativo com-


prometimento funcional em diferentes áreas da vida diária. Em comparação com cri-
anças sem o transtorno, as crianças com TDAH têm mais dificuldades na escola, para
cumprir horários, terminar as tarefas no prazo, executar tarefas de planejamento
complexas, organizar o material necessário para as tarefas, lembrar as instruções das
tarefas e definir prioridades (9).
Assim, não é surpreendente que crianças com TDAH tenham maior probabilidade de
apresentar baixo desempenho acadêmico e problemas educacionais em comparação com
crianças sem esse diagnóstico. Indivíduos com TDAH também apresentam prejuízos no
funcionamento social. Eles são rejeitados com mais frequência por seus pares e têm mais
conflitos com outras crianças e adultos em comparação com seus colegas. Embora pouco
estudado, o funcionamento social prejudicado em crianças com TDAH tem consequências
graves em longo prazo para o desenvolvimento de Transtorno de Conduta e/ou Transtor-
nos por Uso de Substâncias. Sem intervenções adequadas, deficiências funcionais em
áreas de gerenciamento de tempo, de planejamento e organização e as habilidades de
comportamento pró-social, muitas vezes, perduram até a idade adulta (7).
Embora o uso de medicações psicoestimulantes tenha demonstrado reduzir os
sintomas como a desatenção em crianças com TDAH, os efeitos são limitados no que
diz respeito ao funcionamento comportamental, social e cognitivo na vida diária do
indivíduo (11). Por outro lado, as intervenções comportamentais desenvolvidas para
melhorar os resultados funcionais dessas crianças, embora eficazes, costumam ser
demoradas, caras e não são facilmente acessíveis a todas as crianças para que possam
se beneficiar. Além disso, estudos apontam que cerca de 50% dos pacientes com TDAH
tendem a não dar continuidade ao tratamento, independentemente de sua eficácia ou
gravidade dos sintomas. Por causa de suas dificuldades em manter a atenção e motiva-
ção, os pacientes com TDAH experimentam baixo envolvimento durante as terapias
(7). Consequentemente, há necessidade de explorar experiências interativas mais ricas
com efeitos visuais em abordagens terapêuticas baseadas em jogos de computador,
além de abordagens farmacológicas tradicionais baseadas em saúde mental (11).
204

Pesquisas apontam que o tipo mais frequente de intervenções envolvendo jogos


sérios é o treinamento cognitivo. O treinamento cognitivo consiste em uma série de
tarefas (como resolver quebra-cabeças ou realizar exercícios de memória) destinadas
a melhorar uma ou mais facetas do funcionamento executivo, como atenção, memória
de trabalho, tempo de reação, flexibilidade cognitiva ou habilidade motora (12). A teo-
ria por trás da eficácia do treinamento cognitivo é baseada na neuroplasticidade e na
possibilidade de reorganização das funções neurológicas. Estudos indicam que o trei-
namento cognitivo por meio de videogame geralmente pode ser eficaz, com diferenças
significativas entre os grupos de intervenção e controle. Estudo realizado na Espanha
recrutou alunos de um serviço de psicologia educacional com diagnósticos de com-
prometimento nas áreas afetiva, atencional, leitura, escrita e matemática. Antes de ini-
ciar a intervenção, ambos os grupos, experimental e controle, completaram a Escala
Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-IV) e o Teste de Atenção - D2, enquanto
a Escala para a Avaliação do Déficit de Atenção com Hiperatividade (EDAH) foi admi-
nistrada às famílias (pré-teste). O teste D2 e a EDAH também foram administrados ao
final da intervenção (pós-teste). A intervenção consistiu em um programa de 28 ses-
sões (duas sessões de 10 minutos por semana). As ferramentas usadas foram Boogies
Academy e Cuibrain, dependendo da idade do participante. Para alunos com idade en-
tre 6 e 10 anos, Boogies Academy foi usado, enquanto participantes com idades entre
11 e 16 jogaram Cuibrain. A concepção e desenvolvimento dos jogos utilizou uma me-
todologia aplicada ao déficit de atenção, com base na concepção de que as inteligências
múltiplas funcionam de forma coordenada e podem ser acionadas por informações
apresentadas tanto interna quanto externamente. Essas inteligências, predisposições
ou talentos podem ajudar a melhorar as áreas com prejuízos dos alunos. Nesse caso, a
amostra foi composta por alunos com problemas de atenção. Como a atenção é um pro-
cesso básico e os jogos usados no estudo abordam o componente atencional em sua me-
cânica, seria de se esperar que os alunos melhorassem sua atenção usando suas habili-
dades fortes (inteligências múltiplas) como via de acesso (8).
Dentro desse contexto, é essencial descobrir as forças e capacidades intelectuais do
indivíduo para que possam ser desenvolvidas o mais precocemente possível. Uma vez
identificadas essas áreas, elas podem ser utilizadas como excelentes alicerces sobre os
quais novos conhecimentos são construídos, impulsionando o desenvolvimento daque-
las áreas em que o aluno pode ter dificuldades. Após a intervenção, constatou-se melho-
ra em todas as inteligências; melhora significativa nas inteligências lógico-matemática,
visuoespacial e corporal-cinestésica, avaliadas por meio de questionários (8).
Atualmente, além dos tratamentos medicamentosos e psicoterapias, há sistemas
de biofeedback baseados em Eletroencefalografia (EEG) que têm sido desenvolvidos
como uma modalidade alternativa para o tratamento de TDAH. A terapia de neuro-
feedback foi desenvolvida com base no conhecimento de que as crianças com TDAH
exibiram padrões específicos de EEG e que treinamento de feedback de EEG direciona-
205

do a normalizar esses ritmos pode render benefícios clínicos sustentáveis. Embora


esses sistemas foram implantados em ambientes de atendimento ao paciente, evidên-
cias que apoiem a eficácia deles atualmente não é forte. Os sistemas baseados em EEG
tentam treinar o indivíduo para um perfil particular do EEG. Esse perfil não é individu-
alizado, mas com base na dinâmica de grupo (13).
Um estudo realizado na China apresenta outra abordagem desenvolvida por pes-
quisadores em que o perfil de EEG para atenção em um determinado indivíduo é usado
para executar um jogo; assim o indivíduo aprende a desenvolver aumentando a aten-
ção durante o jogo. O sistema foi calibrado para cada indivíduo usando uma tarefa de
atenção, nesse caso o teste Color Stroop, que foi amplamente utilizado em pesquisas
para avaliar a atenção e a resposta de inibição. No estudo foi descoberto que a inter-
venção com um programa de treinamento que envolve o sistema de jogo baseado no
treinamento de atenção melhorou os sintomas de desatenção relatados pelos pais. Os
pesquisadores também notaram que a melhora comportamental foi sustentada três
meses após a intervenção intensiva de 20 sessões. O estudo inicial durou 10 semanas,
com duas sessões semanais (14).

INTERVENÇÃO COM JOGOS SÉRIOS PARA CRIANÇAS COM TEA

Os Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) são transtornos do neurodesenvol-


vimento caracterizados por dificuldades sociais, de interação e comunicação, interes-
ses e comportamentos repetitivos e estereotipados (15). É um distúrbio heterogêneo
com etiologia complexa e, embora deficiências em atenção não são encontrados entre
seus principais sintomas atípicos, a atenção é muitas vezes ligada ao autismo em pes-
quisas, e, até mesmo, associada ao desenvolvimento de sintomas de TEA (16).
Processos atencionais atípicos foram observados em indivíduos com autismo des-
de a primeira infância. Um exemplo é a atenção sustentada (ou seja, a capacidade de
permanecer focado na tarefa ao longo do tempo), que foi considerada mais pobre em
crianças e adolescentes com autismo em comparação com crianças com desenvolvi-
mento típico (DT). Em um estudo comportamental medindo atenção sustentada, os
participantes tiveram que relatar sempre que uma sequência específica de números
apareceu dentro de um fluxo de séries utilizando o processamento visual (18). As dife-
renças na atenção sustentada foram aparentes em participantes com TEA, pois mos-
traram menos acertos e rejeições corretas e mais erros em comparação com crianças
com DT, dentro da mesma faixa de Quociente Intelectual (QI <115). Descobertas seme-
lhantes também foram relatadas em um estudo anterior usando uma tarefa de desem-
penho contínuo, Continuous Performance Test (CPT), em que crianças com TEA apre-
sentaram pior desempenho em atenção sustentada e aumento de sintomas semelhan-
tes ao TDAH (17). Baixo desempenho em atenção sustentada também foi acompanha-
206

do por ativação cerebral reduzida em regiões cerebrais relevantes no autismo em


comparação com controles, incluindo ativação inferior, pré-frontal medial, estriado-
talâmico e regiões cerebelares. Mesmo quando diferenças comportamentais não estão
presentes na atenção sustentada, a ativação do cérebro ainda difere em indivíduos
com TEA. Resultados contraditórios também foram relatados, indicando atenção sus-
tentada intacta em indivíduos com TEA, o que pode ser atribuído a cenários em que a
demanda por atenção sustentada é menor (como no contexto de atenção sustentada
para objetos preferidos). Evidência de atenção seletiva-espacial prejudicada (ou seja, a
capacidade de selecionar informações relevantes e suprimir irrelevantes estímulos)
também foi relatada, com diferenças de ativação cerebral precoce em participantes
com TEA (18).
A literatura (16) tem extensivamente documentado que a dificuldade de atenção
relacionada ao TEA está em funções executivas. Como já vimos anteriormente neste
capítulo, funções executivas (FEs) compreendem um grande conjunto de funções, co-
mo memória de trabalho, inibição, flexibilidade cognitiva, raciocínio e planejamento,
os quais são necessários para comportamentos direcionados a objetivos.
Os estudos mostram que o aumento da complexidade e, consequentemente, o au-
mento da demanda por FEs traz a tona uma diferença no desempenho de indivíduos
com TEA em comparação com indivíduos com DT. Também o sucesso acadêmico pode
variar consideravelmente entre as crianças TEA, com porcentagem substancial, mos-
trando dificuldades de aprendizagem (23).
Uma revisão de 10 estudos empíricos sobre a prevalência de dificuldades de
aprendizagem entre crianças com autismo mostrou a ampla taxa de 15% a 84%. No
entanto, oito dos 10 estudos revisados mostram a prevalência de comorbidade de au-
tismo e dificuldades de aprendizagem acima de 40% (19).
Embora a atenção represente um processo cognitivo essencial para o desenvolvi-
mento de uma série de habilidades, sua importância no contexto das configurações da
sala de aula e acadêmica é de particular interesse. Pesquisa recente destaca a impor-
tância da seletividade e atenção sustentada no apoio à aprendizagem em sala de aula
desde a primeira infância. Em particular, descobriu-se que a atenção seletiva desem-
penha um papel importante no desenvolvimento da alfabetização. Além disso, o fraco
desempenho em leitura e compreensão de leitura foi relacionado a dificuldades na
atenção sustentada, e, ainda, a atenção estava ligada à habilidade das crianças em ma-
temática (20).
Um número crescente de estudos utilizando treinamento baseado em programas de
computadores foi realizado com crianças com TEA. Esses programas normalmente vi-
sam funções cognitivas específicas apoiando interações sociais, como emoção e reco-
nhecimento facial, linguagem e alfabetização, e habilidades sociais. No entanto, as tenta-
tivas de direcionar mais processos de outros domínios cognitivos foram realizadas. No
207

estudo de memória de trabalho e flexibilidade cognitiva, foram treinados separadamen-


te usando um programa computadorizado em crianças com TEA (21). Nesse caso, os
efeitos de treinamento e generalização ocorreram com melhorias na memória de aten-
ção e flexibilidade cognitiva. Também testou o treinamento cognitivo para função execu-
tiva e habilidades motoras em crianças com TEA usando um videogame que usa movi-
mento corporal, e encontrou melhorias na memória de trabalho, metacognição, força e
agilidade. Embora certamente nem todos os estudos anteriores de intervenção baseados
em computador provaram ser bem-sucedidos, já que alguns não conseguiram generali-
zar para configurações naturalísticas, os resultados tendem a ser positivos de maneira
geral, apresentando melhorias de habilidades treinadas e efeitos de transferência, mes-
mo quando mais processos de domínios gerais, como memória de trabalho e atenção,
são direcionados (24).
Um programa de treinamento de atenção progressiva computadorizado, o Compu-
terized Progressive Attentional Training (CPAT), foi desenvolvido e apresentado para
treino de atenção em diferentes populações (22). A pesquisa avaliou a eficácia do
CPAT para crianças de 6 a 13 anos com déficits de atenção e resultou em diminuição
do nível de sintomas de desatenção, bem como em melhora acadêmica.
Há evidências em estudo (8) que avaliou a eficácia do CPAT na melhoria do de-
sempenho acadêmico de crianças com TEA. Quinze crianças de 6 a 10 anos com TEA,
frequentando uma escola regular e uma escola especial, foram designadas para um
grupo experimental e um grupo-controle. As crianças foram avaliadas antes e após a
intervenção em medidas de sintomas comportamentais, habilidades cognitivas e de-
sempenho acadêmico. A intervenção foi conduzida na escola duas vezes por semana,
durante oito semanas. Crianças do grupo CPAT mostraram melhoras cognitivas e aca-
dêmicas; melhorias no comportamento foram observadas em ambos os grupos. Os re-
sultados sugerem que o treinamento de atenção é uma abordagem viável para melho-
rar o desempenho acadêmico dessa população.
Entretanto, os benefícios dos jogos parecem não se restringir exclusivamente a
uma melhoria nos componentes da inteligência. Estudos analisaram o efeito de uma
intervenção escolar de três anos com uma amostra de alunos da pré-escola com perfis
diferentes (alunos superdotados, crianças com TEA ou distúrbios sensoriais). No final
da intervenção, os alunos participantes demonstraram grandes níveis de imaginação,
uma melhoria nas habilidades de resolução de problemas e foram capazes de buscar
várias abordagens para a resolução de problemas. Alunos no grupo de crianças com
TEA mostraram ganhos significativos em habilidades sociais, e sua adaptabilidade de
grupo havia melhorado (5).
Os programas de treinamento atencional são promissores, não apenas em termos
de seu uso efetivo para transtornos e deficiências, mas também para auxiliar no campo
pessoal, nas dificuldades apresentadas na rotina diária e acadêmica, devido à rotina
208

estruturada, uso de recompensas e feedback positivo. Ao mesmo tempo, é importante


destacar que o programa deve ser desenvolvido de forma envolvente e motivadora
para as crianças, a fim de proporcionar o engajamento e conclusão do treino (6).

DISCUSSÃO

Os artigos mencionados neste capítulo mostram que o desenvolvimento de jogos


sérios para reabilitação neuropsicológica é uma vertente próspera e que gera benefí-
cios motivacionais e cognitivos. O domínio digital na saúde tem atraído muita atenção
nos últimos anos, mas ainda há escassez de evidências empíricas válidas nesse campo.
Além disso, algumas pesquisas mostraram que os jogos sérios investigados provaram
que rendem engajamento apenas de curto prazo. Para que os jogos sérios atinjam seu
potencial máximo, é necessário construir soluções em teorias bem fundamentadas que
explorem a experiência central e os efeitos cognitivos da mecânica do jogo.
Com o aumento das pesquisas na área de jogos sérios vem se construindo novas
conexões entre essa interatividade e outras áreas de conhecimento. A área da saúde já
vem discutindo e mostrando não apenas novos conhecimentos sobre essa relação, mas
produzindo ambientes que podem contribuir para potencializar aspectos motores,
sociais, culturais, afetivos e cognitivos. É dentro dessa perspectiva que os jogos sérios
se inserem, intencionando se configurar em um espaço de aprendizagem inclusivo pa-
ra crianças com diagnóstico de Transtornos do Neurodesenvolvimento na prática clí-
nica ou escolar.
O Uso de jogos sérios como intervenção para reduzir problemas cognitivos e de
aprendizagem parece viável. Devido ao número limitado de pesquisas que fomos capa-
zes de incluir neste capítulo, esta revisão contribui com a apresentação do potencial
dos jogos sérios para o tratamento de transtornos do neurodesenvolvimento no futu-
ro. Mais estudos são necessários para determinar a eficácia dos jogos sérios. Novos
estudos não devem perder de vista o desenvolvimento tecnológico, considerando no-
vas perspectivas investigativas como o uso e efeito de jogos sérios para saúde mental,
levando em conta a interação, ou seja, a conexão com outros jogadores via conexão de
rede – internet.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso de tecnologias voltadas para intervenções de funções executivas no TDAH e


TEA ao longo dos últimos anos têm sido apontado pelas pesquisas como uma ferramenta
promissora para essa população, acarretando melhoras no funcionamento executivo,
209

atenção, comportamento e desenvolvimento social. O treinamento cognitivo computado-


rizado, de acordo com a literatura atual, é uma das estratégias mais utilizadas e eficazes
para desenvolver as funções cognitivas, especificamente as FEs. Vale ressaltar que essas
ferramentas podem promover melhor engajamento e motivação para o tratamento, visto
que os jogos utilizados durante o processo terapêutico visam a desenvolver designers e
layouts atrativos que favorecem maior interesse pela atividade proposta.

AGRADECIMENTOS

Agardecemos ao Programa de Excelência Acadêmica – Proex (Processo 1133/2019) da


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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13.
211

13

Terapia domiciliar com uso de videogames

para desenvolvimento e aprimoramento da

funcionalidade em pacientes neurológicos

Natalia Regina Kintschner

Ana Grasielle Dionísio Corrêa

Silvana Maria Blascovi-Assis


212

INTRODUÇÃO

O uso das tecnologias em ambiente domiciliar se apresenta, de modo crescente,


como uma proposta para ajudar pacientes com diferentes quadros clínicos a conduzir
sua reabilitação e/ou recuperação funcional em casa. Atualmente, as terapias realiza-
das em domicílio vêm ganhando espaço com maior aceitação dos teleatendimentos,
principalmente em decorrência da pandemia de COVID-19 ocorrida em 2020. Essa
prática foi autorizada pelo Conselho Federal de Fisioterapia, em 2020, em atenção às
recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio da Resolução nº
516, publicada no Diário Oficial da União no dia 23 de março, que autorizou os serviços
de Teleconsulta, Teleconsultoria e Telemonitoramento (10).
A telerreabilitação é um ramo da telemedicina que permite que os pacientes se
comuniquem com um profissional da saúde remotamente durante a sessão de reabili-
tação, existindo uma interação direta e contínua entre eles (7). Os benefícios da teler-
reabilitação ou telemedicina são evidentes nos casos associados às restrições de loco-
moção e redução de custos ou, por exemplo, em situações de isolamento ou confina-
mento como o experimentado em todo o mundo devido à pandemia de COVID-19 (1).
A pandemia de COVID-19 destacou a necessidade de acelerar o desenvolvimento e
implementação de abordagens inovadoras para a reabilitação domiciliar (32). O isola-
mento social, sensação de solidão e discriminação, frequentemente experimentados
por pessoas com deficiência, foram amplificados (8). Indivíduos com deficiência física
e suas famílias enfrentam desafios e situações únicas, incluindo a interrupção das roti-
nas diárias e acesso limitado a programas de reabilitação (12).
O atendimento virtual contorna esses problemas e permite consulta e tratamento
personalizado via telefone ou conexões de internet ao vivo, ou por meio de sessões
pré-gravadas para materiais genéricos (19). Em alguns países bem desenvolvidos e
seguros já existem plataformas virtuais de atendimento, como mídias via Zoom, Skype,
Facetime, entre outros (32). A telerreabilitação está surgindo como alternativa para
fornecer terapia para pacientes, mas para que esse tipo de tratamento se torne uma
alternativa realista são necessárias mais evidências (16).
Na área da fisioterapia, o uso de tecnologias de telemonitoramento tem sido pro-
posto como alternativa para a prestação de serviços de reabilitação funcional acessí-
veis (18). Dessa forma, sistemas e programas de telerreabilitação são desenvolvidos
para atender a alta demanda de pessoas com deficiência. Durante as sessões de reabili-
tação presencial, os terapeutas usam o toque para confortar e encorajar os pacientes.
Desenvolvimentos em dispositivos táteis vestíveis (do inglês, wearable technologies)
demonstram resultados muito promissores na transmissão de sensações como confor-
to e afeto ou presença social para esses pacientes. As percepções táteis podem aconte-
213

cer usando interfaces que aplicam diferentes tipos de estímulos ao corpo humano e
são facilmente associadas a sensações realistas (4, 24).
Exemplos comerciais notáveis de dispositivos vestíveis são o Samsung Gear Live e
o Apple Watch. Eles são fáceis e confortáveis de usar, geralmente apresentam uma tela
sensível ao toque e têm funções semelhantes aos smartphones. No entanto, os estímu-
los hápticos fornecidos por esses wearables ainda são limitados a vibrações, reduzindo
a possibilidade de simular interações de contato ricas. Em direção a uma sensação rea-
lista de tocar ambientes virtuais e remotos, pesquisadores têm historicamente focado
em interfaces, como os dispositivos com luvas (dataglove), como o CyberGrasp (25, 26).
Maximizar a participação também é o objetivo das intervenções terapêuticas. Pro-
gramas de treinamento de longo prazo são frequentemente repletos de baixa confor-
midade e adesão. Manter a motivação e o envolvimento é, portanto, essencial para o
sucesso em longo prazo (2). A telerreabilitação também é, muitas vezes, baseada em
sistemas de Realidade Virtual (RV) e videogames interativos que visam facilitar a repe-
tição de movimentos e tornar os exercícios repetitivos mais envolventes, agradáveis e
motivadores (18).
A terapia em domicílio envolvendo tais tecnologias oferece uma solução promis-
sora para minimizar o impacto das interrupções de longo prazo nos serviços de reabi-
litação (12). Dentro desse contexto, o objetivo deste capítulo é discutir sobre os estu-
dos atuais que trazem a abordagem do uso de videogames na reabilitação motora no
ambiente domiciliar. A próxima seção aborda conceitos importantes como Gametera-
pia, Realidade Virtual e Reabilitação Domiciliar. Na sequência serão discutidos os es-
tudos encontrados nos últimos seis anos nesse contexto.

Realidade virtual e gameterapia

Os videogames surgiram no final da década de 1970 e, até os dias atuais, são con-
siderados tecnologias de alto consumo na área de entretenimento. Com as medidas de
isolamento social, causadas pela pandemia, o consumo de videogames aumentou em
10% (27). Muitos jogos de videogame se configuram como uma modalidade de Reali-
dade Virtual (RV) (27), visto que possibilitam ao indivíduo visualizar ambientes virtu-
ais, manipular os elementos existentes no cenário e movimentar-se dentro do espaço
(11). A gameterapia é uma modalidade de terapia que faz uso de videogames, geral-
mente de RV, como forma de incentivar a atividade cerebral na reabilitação de indiví-
duos, podendo promover a recuperação cognitiva e motora (31).
Com o intuito de aumentar a motivação, a gameterapia tem sido introduzida como
uma estratégia adjunta à terapia convencional. Jogos interativos digitais vêm se mos-
trando um recurso significativo e motivador otimizando propostas terapêuticas (20). O
alcance de tecnologia de RV, usada para fins de reabilitação, é amplo e abrange video-
214

games disponíveis comercialmente, tais como Nintendo Wii, Playstation e Kinect (12).
Dessa forma, os videogames têm sido usados em protocolos de reabilitação para paci-
entes com deficiências neurológicas, com o objetivo de melhorar a aderência aos pro-
gramas e fornecer ganhos motores e cognitivos (17).
A utilização de games faz com que seus participantes desenvolvam capacidades
como coordenação motora, agilidade, deslocamento e descarga de peso, ajustes postu-
rais, equilíbrio, rotação de tronco e força muscular de membros inferiores de forma
lúdica e interativa (31). O uso dessa tecnologia também pode atuar na percepção da
dor de várias maneiras, alterando as vias de sinalização envolvendo atenção, emoção,
concentração, memória, toque e os sentidos auditivos e visuais (15).
Pesquisas exploram o potencial dos atuais jogos comerciais para reabilitação, sen-
do o caso de jogos de console comerciais com dispositivos de entrada baseados em
movimento, como Playstation, Wii e Xbox (2, 9). Contudo, poucos estudos são dedica-
dos ao desenvolvimento de dispositivos de exergaming, termo utilizado para videoga-
mes que capturam movimentos do corpo durante a interação e, portanto, com poten-
cial de aplicação em reabilitação (23). A fim de permitir que pacientes desfrutem dessa
tecnologia para atingir a recuperação funcional, há a necessidade de jogos personali-
zados se adaptarem automaticamente à função prejudicada de cada paciente, ao gerar
as repetições necessárias para induzir a mudança neural (9).

Reabilitação domiciliar

Nos últimos anos, programas domiciliares receberam atenção crescente na reabi-


litação por serem um complemento útil e uma alternativa viável para pacientes, prin-
cipalmente da fisioterapia (14, 22). Os programas domiciliares oferecem uma oportu-
nidade única para continuar ou estabelecer aspectos da terapia, além de aumentarem
o envolvimento dos pais ou cuidadores e seu empoderamento (13, 14).
A fisioterapia para pacientes neurológicos é um abrangente processo que possui
como objetivo ensinar, orientar e promover a plasticidade cerebral, preservando assim
o cérebro, músculos e funções neuromusculares (14). Esses pacientes geralmente
apresentam dificuldades com as tarefas do dia a dia, como vestir-se e alimentar-se,
perdendo os estímulos para a realização dessas atividades.
Dos diversos tipos de deficiência, a deficiência motora é considerada uma das
principais limitações ao ser humano no desempenho de suas atividades básicas, afe-
tando sua qualidade de vida e daqueles ao seu redor. Um programa de reabilitação
projetado para ser feito em casa está sendo desenvolvido com objetivo que, além de
reabilitar, alcança a melhora da qualidade de vida e das atividades da vida diária (13,
23).
215

Um dos aspectos fundamentais para atingir os objetivos de um processo de reabi-


litação é que ele seja adequadamente monitorado e controlado, que seja ajustável em
tempo hábil independentemente do paciente, e que o profissional de saúde esteja na
mesma localização geográfica (1). Nesse contexto, existem características de jogos por
vídeo que fornecem objetivos e novos desafios, podendo ser ajustados à habilidade de
cada indivíduo. Esses jogos são projetados para serem adaptáveis, aumentando a difi-
culdade à medida que o jogador avança (6).
Por esse motivo, um sistema ideal para apoiar a reabilitação, no ambiente domici-
liar, deve integrar várias funcionalidades e tecnologias, incluindo um sistema de captu-
ra de movimento portátil e preciso, bem como um módulo de videogame ativo perso-
nalizado para estimular a motivação do paciente e orientá-lo adequadamente na exe-
cução da terapia. Também é importante que o sistema tenha uma gestão e monitora-
mento do plano de reabilitação atribuído a cada paciente em tempo real, permitindo
gerir o prontuário eletrônico desses processos (1).

LITERATURA ATUAL SOBRE TERAPIA DOMICILIAR APOIADA POR VIDEOGAMES

Foi realizada uma revisão de literatura, dos últimos seis anos, nas bases de dados
Pubmed, Scielo e PEdro, nas línguas inglesa e portuguesa, com as seguintes palavras-
chaves: “Videogame”, “Home therapy” e “Rehabilitation”. Foram encontrados oito arti-
gos sobre o tema nas bases pesquisadas, todos na língua inglesa.
Por ser um tema atual, ainda são poucos os artigos publicados. Desses oito arti-
gos, um foi excluído por não abranger reabilitação motora e outro por não envolver o
ambiente domiciliar. Foram selecionados, portanto, seis estudos mostrados na Tabela
1 (página seguinte): duas revisões sistemáticas, um estudo sobre engajamento, e três
estudos abrangendo o uso de videogames em disfunções neurológicas no ambiente
domiciliar. A seguir, cada um deles é detalhado.

Revisões Sistemáticas

Pereira et al. (28) realizaram uma revisão sistemática, em que as vantagens e des-
vantagens do uso de videogames e novas tecnologias na reabilitação domiciliar das
mãos foram avaliadas. Os estudos coletados trouxeram informações a respeito de três
tópicos principais de interesse: os pacientes incluídos, a tecnologia, equipamento em si
e os resultados do estudo.
A revisão detalhou oito estudos clínicos nos quais sistemas de realidade aumenta-
da e de realidade virtual foram desenvolvidos e testados. No total, 297 participantes
216

Tabela 1. Características dos estudos selecionados.

Autores / ano Título artigo Categoria

Pereira et al., Aplicação de RA e RV na reabilitação das mãos:


Revisão sistemática
2020 (28) uma revisão sistemática

Jogos usados para fins sérios: uma revisão siste-


Lopes et al.,
mática das intervenções em pacientes com parali- Revisão sistemática
2018 (21)
sia cerebral

Belchior et al., Envolvimento de adultos mais velhos durante uma


Engajamento
2016 (6) intervenção envolvendo Videogame Off-the-Shelf

Um videogame interativo para exercícios de braço


Allen et al., Ensaio clínico rando-
e mão em pessoas com doença de Parkinson: um
2017 (3) mizado
ensaio clínico randomizado

Treinamento de etapas em casa usando tecnologia


Song et al., de videogame em pessoas com doenças de Parkin- Ensaio Clínico Rando-
2017 (33) son: ensaio clínico randomizado controlado duplo mizado
cego

O treinamento exergame individualizado melhora


Schatton et al., o controle postural em ataxia espinocerebelar Ensaio clínico rando-
2017 (29) degenerativa avançada: um avaliador cego, ensaio mizado
controlado intraindividualmente

foram inscritos e, desses, 164 eram homens e 133 mulheres. A idade média dos parti-
cipantes variou de 8,22 a 68 anos. Nove lesões / doenças foram identificadas relacio-
nadas ao comprometimento da função da mão, ou seja, queimaduras, acidente vascular
cerebral, fratura, lesão por esmagamento, lesão no tendão, artrite idiopática juvenil
(AIJ), paralisia cerebral (PC), lesão de parto do plexo braquial (BPBI) e esclerose múl-
tipla.
Dos oito estudos selecionados, seis deles eram ensaios clínicos randomizados, um
estudo de corte e um estudo de intervenção. O hardware usado para realizar o rastre-
amento de mão variou entre quatro tecnologias: LMC, luvas inteligentes, um joystick
modificado e uma webcam. Os jogos desenvolvidos para cada tecnologia variaram de
interações simples, como agarrar cubos, até interações mais complexas, como pegar
borboletas. A duração das sessões variou de 15 a 60 minutos, e a frequência variou de
três a seis sessões por semana.
Seis desses estudos mostraram melhorias no grupo de intervenção, em comparação
ao grupo de terapia convencional, e dois não mostraram diferença estatística entre ambos
217

os grupos. Os autores afirmam que os sistemas de realidade virtual para reabilitação das
mãos ainda carecem de pesquisas e práticas dentro e fora do laboratório de intervenção.
Lopes et al. (21) também realizaram uma revisão sistemática, porém para examinar
a pesquisa existente sobre o papel dos jogos usados em intervenções com indivíduos
portadores de PC. Os autores reuniram 16 estudos em que a maioria relatou altos níveis
de conformidade, motivação e envolvimento com intervenções baseadas em jogos, tanto
em casa quanto na intervenção em ambiente clínico. A maioria dos estudos foi realizada
com crianças e adolescentes, e somente três foram realizados com adultos.
Das 16 intervenções incluídas no estudo, sete foram domiciliares, exigindo que os
pacientes fossem autônomos, com pouca ou sem assistência e orientação de um tera-
peuta. Quatro dos sete estudos domiciliares objetivaram promover função dos mem-
bros superiores e extremidades.
Um deles apresentou como objetivo examinar o potencial do Nintendo Wii Sports
Resort em comparação à intervenção dos jogos com treinamento de resistência tradi-
cional. Para ambos os grupos, o treinamento durou seis semanas. Outro estudo teve
como objetivo examinar a viabilidade do uso de jogos gratuitos disponíveis na internet
para promover a função motora de membro superior e para avaliar o grau de motiva-
ção dos participantes durante a intervenção. Essa intervenção usou o sensor de movi-
mento Kinect e durou 12 semanas.
Também foram encontrados estudos em que os autores mediram indicadores fisi-
ológicos e autorrelatos de experiência de jogo para avaliar se os mesmos poderiam ser
usados com um propósito terapêutico. Outro estudo testou a possibilidade de usar jo-
gos comerciais, com um sistema interativo baseado na técnica de captura de vídeo,
como promotores da atividade física e desempenho motor. Os participantes jogaram
esses jogos no PlayStation 2, durante quatro semanas.
Em relação à eficácia do uso de jogos, os resultados dos estudos mostraram resul-
tados positivos e negativos. Foi relatada melhora em relação à função motora; contudo,
os resultados dessa revisão sugerem que os jogos são usados como complemento às
terapias convencionais e não como substituto. Os dados da revisão indicam que os jo-
gos devem ser utilizados como ferramentas adequadas para promover o envolvimento
dos pacientes na terapia e potencializar ganhos terapêuticos.

Engajamento

Belchior et al. (6), em seu estudo, apresentaram como objetivo examinar a experi-
ência de adultos mais velhos durante o curso de um programa de treinamento cogniti-
vo em ambiente domiciliar, por meio do Flow (termo usado para avaliar engajamento
nos jogos). Nesse estudo, os participantes foram randomizados para um dos dois gru-
218

pos de treinamento. Um grupo jogou um videogame comercial (Crazy Taxi) e o outro


grupo jogou um jogo de treinamento cerebral.
O jogo Crazy Taxi foi desenvolvido para lazer e diversão, enquanto o programa de
treinamento cerebral apresenta jogos mais sérios e rigorosos e, portanto, menos agra-
dáveis. O treinamento consistiu em 60 sessões de treinamento de uma hora cada, que
foram concluídas em três meses. O jogo Crazy Taxi foi realizado pelo Sony Playsation 2
e foi reproduzido em uma TV. O programa de treinamento cerebral foi reproduzido em
um computador com monitor de vídeo. Trinta e cinco pessoas participaram desse es-
tudo, com idade entre 65 e 86 anos.
A Escala de Estado de Fluxo (FSS) foi usada para avaliação. Essa escala conceitua o
Fluxo em nove dimensões: desafio, ação, objetivos claros, feedback inequívoco, con-
centração na tarefa em mãos, senso de controle, perda de autoconsciência e transfor-
mação do tempo e experiência autotélica. O questionário foi concluído ao final de cada
uma das 60 sessões e demorou cerca de cinco minutos para ser concluído.
A análise dos resultados foi realizada com um modelo de curva de crescimento li-
near e indicou que os participantes do grupo Crazy Taxi aumentaram suas pontuações
a cada semana a uma taxa maior do que no grupo de treinamento cerebral. Dessa for-
ma, os autores concluem que as análises revelaram que ambos os grupos experimenta-
ram aumento no Fluxo ao longo do período, mas apenas os participantes do grupo co-
mercial melhoraram significativamente no Flow.

Videogames e Disfunções Neurológicas

Doença de Parkinson
No estudo de Allen et al. (3), os autores desenvolveram um programa de jogos em
ambiente domiciliar, projetado especificamente para pessoas com doença de Parkin-
son (DP), porém com foco em exercícios de membros superiores. O objetivo principal
foi determinar se o uso desses jogos melhoraria o desempenho da atividade de mem-
bros superiores e deficiências nesse público. O objetivo secundário dos autores foi es-
tabelecer a viabilidade e aceitabilidade da intervenção.
Dois jogos com foco em movimentos coordenados do braço e da mão foram proje-
tados e desenvolvidos pela equipe de pesquisa usando o software de desenvolvimento
de jogos Unity. A medida de avaliação principal usada foi o teste de nove pinos. Os re-
sultados secundários incluíram medidas de atividades e deficiências dos membros su-
periores, incluindo o teste de toques.
Os participantes randomizados para o grupo dos jogos, jogaram três vezes por
semana, durante 12 semanas, gravando quais os jogos jogados, bem como quaisquer
efeitos indesejados do jogo em um diário de bordo. Em ambos os jogos, os participan-
219

tes receberam recursos auditivos e visuais e cada jogo tinha quatro níveis de dificulda-
de para escolher. O fisioterapeuta prescreveu o nível inicial e os participantes foram
encorajados a progredir para níveis mais difíceis quando eram bem-sucedidos no jogo
na maior parte do tempo. O grupo-controle recebeu os cuidados habituais e continuou
com suas atividades diárias.
Os resultados mostraram que não houve diferenças entre os grupos no teste nove
pinos, porém houve para o teste de toque. Os participantes que jogaram melhoraram
sua velocidade, mas aumentaram seus erros em comparação ao grupo-controle. Os
autores afirmam que os participantes gostaram dos jogos e melhoraram em sua capa-
cidade de jogar, concluindo que jogos projetados para membros superiores em público
com DP foram aceitáveis e seguros.
Song et al. (33) realizaram um estudo com o objetivo de determinar se um treina-
mento domiciliar de 12 semanas com jogos de videogame poderia melhorar o desem-
penho de marcha e medidas complementares físicas e neuropsicológicas associadas a
quedas, também em pacientes com DP.
Realizaram um ensaio clínico randomizado cego simples em uma comunidade (in-
tervenção experimental) e em um laboratório universitário (medidas de resultados),
com sessenta pessoas residentes dessa comunidade com DP. As intervenções ocorre-
ram por meio de treinamento da etapa em casa, usando a tecnologia de videogame. As
principais medidas usadas foram os resultados do teste de escolha do tempo de reação
do step e a marcha funcional. Os desfechos secundários incluíram medidas físicas e
neuropsicológicas associadas a quedas na DP.
Os participantes do grupo de intervenção (n=28) foram ensinados por um fisiote-
rapeuta a realizar o jogo em casa, por no mínimo 15 minutos, três vezes por semana,
durante 12 semanas. O jogo foi uma versão modificada do Dance Dance Revolution
“Stepmania”. Esses participantes receberam um pequeno computador para conectar
sua televisão ou monitor. O grupo-controle (n=25) não recebeu nenhuma intervenção.
Ambos os grupos continuaram com seus cuidados de saúde habituais.
Os resultados mostraram não haver diferenças entre o grupo de intervenção e o
controle nos resultados primários ou secundários, exceto para o teste Timed Up and
Go, em que foi encontrada uma diferença a favor do grupo-controle. Os participantes
da intervenção relataram melhoria da mobilidade, enquanto os participantes do gru-
po-controle relataram deterioração da mobilidade.
Os autores concluem que, de modo geral, o treinamento com jogos em domicílio
não foi eficaz na melhoria dos resultados avaliados; contudo, foi positivo na função
física melhorada nos participantes da intervenção de menor gravidade da doença, bem
como a melhora autorrelatada da mobilidade no grupo de intervenção. Sugerem, por-
tanto, que o treinamento domiciliar com uso de jogos pode ter benefícios para pessoas
com DP.
220

Ataxia
Schatton et al. (29) examinaram a eficácia de um treinamento domiciliar de 12
semanas com videogames que fazem a leitura corporal, aplicados em 10 jovens com
ataxia degenerativa avançada, incapazes ou quase incapazes de ficar em pé. O treina-
mento foi estruturado em duas fases de seis semanas, permitindo adaptar o treina-
mento de acordo com o progresso do treinamento individual. A avaliação clínica (Scale
for the Assessment of Rating Ataxia - SARA), (Goal Attainment Scaling - GAS) e análise
quantitativa do movimento foram realizadas por um avaliador cego, duas semanas
antes do treinamento, imediatamente antes do treinamento e após o treinamento nas
fases 1 e 2. Os resultados mostraram que, após a intervenção, os sintomas de ataxia
foram reduzidos, com benefícios correlacionados à quantidade de treinamento. A aná-
lise de movimento revelou redução da oscilação corporal ao sentar, que se correlacio-
nou com melhorias na postura e marcha, indicando melhorias nos mecanismos de con-
trole postural. Os autores concluem que esse estudo fornece as primeiras evidências
de que, mesmo em estágios avançados, indivíduos com ataxia degenerativa podem se
beneficiar de treinamento individualizado, com efeitos que se traduzem na vida diária.
A estratégia de treinamento proposta pode ser realizada em casa, é motivadora e facili-
ta a autocapacitação do paciente.
Os programas domiciliares oferecem uma oportunidade única de dar continuidade
aos aspectos da terapia, beneficiando a retenção dos efeitos de intervenção estabeleci-
dos, como na população com PC [5]. O indivíduo com PC que realiza algum tratamento,
independentemente do profissional e da técnica utilizada, necessita que seu responsá-
vel possua esclarecimento, tanto da patologia como da terapia realizada, para que ele
desempenhe um papel importante, não apenas nos cuidados de vida diária, mas, tam-
bém, durante o processo de reabilitação desses pacientes [30].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização do uso de videogames para reabilitação neurológica vem se mostran-


do uma forma de tratamento capaz de aumentar a motivação de pacientes, além de ser
uma opção viável para uso em ambiente domiciliar. Os jogos também são uma forma
de aumentar o envolvimento de pais e cuidadores, criando parcerias entre esses e os
profissionais da saúde. Além disso, os jogos domiciliares são uma opção mais viável de
reabilitação, principalmente em tempos de pandemia como a do COVID-19. Contudo, é
preciso levar em consideração a necessidade de muitos pacientes em obter ajuda du-
rante a execução dos jogos. Mais estudos na área são necessários para comprovações
de sua eficácia.
221

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224

14
O uso de jogos eletrônicos na educação

para crianças com transtorno do espectro

do autismo: uma revisão narrativa

Leni Porto Costa Siqueira

Nadia Giaretta-Ranalli

Sebastião Gonçalves de Barros Neto


225

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) está classificado na categoria diag-


nóstica dos transtornos do neurodesenvolvimento e, em razão disso, é um transtorno
cujos sinais e sintomas iniciam precocemente no período do desenvolvimento, poden-
do ser identificados entre 12 a 24 meses de idade. Porém, se os atrasos no desenvol-
vimento e os sinais do transtorno forem graves, poderão ser percebidos antes dos 12
meses e, após os 24 meses, se os sintomas forem mais leves (3, 5).
O TEA é caracterizado por uma heterogeneidade de sintomas que afetam conside-
ravelmente a adaptação psicossocial da pessoa acometida em diferentes graus de vari-
abilidade e gravidade (27, 34, 40). Consistente com essa heterogeneidade, o TEA apre-
senta graus variáveis de déficits na interação e comunicação social, que se manifestam
a partir de comprometimentos na reciprocidade socioemocional, comportamentos
comunicativos não verbais durante as interações sociais e relacionamentos sociais em
geral, além de prejuízos de ordem comportamental como padrões restritos e repetiti-
vos de comportamentos, interesses ou atividades (5). Esses são distúrbios complexos
que afetam a qualidade das interações sociais recíprocas e estão entre as principais
fontes de desvantagem para os indivíduos com TEA (8, 10, 20).
A gravidade do quadro autista dependerá de especificadores relativos à presença
de deficiência intelectual (DI), alguma condição médica ou genética conhecida, fator
ambiental ou a outro transtorno do neurodesenvolvimento, mental ou comportamen-
tal associado (5, 7, 12).
A partir do DSM-5 uma nova terminologia foi adotada para os antes denominados
Transtornos Globais do Desenvolvimento (4), sendo classificados agora como Transtor-
nos do Espectro do Autismo. Essa nova denominação corresponde a uma mudança na
conceituação do transtorno, que reduz os três domínios anteriormente considerados
como critério para o TEA (prejuízo qualitativo na interação social, na comunicação e
padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades) para dois:
déficits sociais e de comunicação e interesses fixados e comportamentos repetitivos (5).
No âmbito educacional, a inclusão de alunos com necessidades educacionais espe-
ciais (NEE), como é o caso daqueles com TEA, ainda é um grande desafio para a política
educacional brasileira (11, 17) e, segundo Camargo e Bosa (11), embora exista um ar-
cabouço considerado de legislações brasileiras a determinar que todas as crianças de-
vem ter acesso à escola regular, incluindo alunos com TEA, as escolas ainda têm difi-
culdade em oferecer acomodações curriculares e educacionais adequadas às necessi-
dades desses alunos (11).
Vale ressaltar que, na medida em que as necessidades educacionais de crianças
com TEA forem atendidas, levando em conta suas especificidades, as ações educacio-
226

nais poderão garantir o acesso ao ensino superior, inclusive qualidade de vida indivi-
dual e familiar e inserção social no mercado de trabalho (25).
Nesse sentido, com o crescente número de crianças com TEA atendidas nas esco-
las, é importante investigar a eficácia de métodos para envolvê-los em atividades edu-
cacionais e sociais que venham a promover a aprendizagem (15).
Observa-se que o uso de jogos eletrônicos nas intervenções com essas crianças es-
tá começando a ganhar um foco maior, visto que a pessoa com TEA tem uma forte pre-
ferência por atividades que envolvam habilidades visuoespaciais, como atividades ba-
seadas em telas, sendo esse um recurso importante que pode influenciar positivamen-
te o desempenho acadêmico (13, 23).
Embora a pesquisa nessa área seja bastante limitada, as evidências sugerem que
os jogos eletrônicos estão presentes na vida das crianças com TEA, indicando que eles
podem ser uma ferramenta de ensino e aprendizagem vantajosa, tanto do ponto de
vista cognitivo quanto social, pois são motivadores para aprender novas habilidades
ou desenvolver habilidades fundamentais para o sucesso na escola (15).
Além disso, estudos mostram que intervenções baseadas em tecnologias de in-
formação e comunicação, como os jogos eletrônicos, apresentam diversas vantagens
para indivíduos com TEA. Uma delas é o fato de eles mostrarem um forte interesse por
meios e dispositivos eletrônicos (30, 37); outra vantagem é que os jogos apresentam
regras previsíveis e as informações fornecidas são estruturadas e claras (27); e, por
último, não envolvem expectativas socioemocionais complexas, pois permitem aos
indivíduos com TEA experimentar várias situações sociais em ambientes virtuais, evi-
tando a rejeição, que, por vezes, experimentam em interações face a face reais (29).
Importante destacar que foi na década de 1970, quando os primeiros jogos eletrô-
nicos de sucesso comercial foram desenvolvidos para recreação e divertimento, que os
profissionais de saúde mental se apropriaram dessa ferramenta como parte da terapia
com seus pacientes (32).
Na atualidade, as novas tecnologias oferecem uma gama de opções de jogos que
podem ser usados nas intervenções terapêuticas na área da saúde mental como, tam-
bém, ser aplicados como estimulação para uma ampla gama de problemas de aprendi-
zagem na área educacional (19).
A Game Based Learning (GBL), por exemplo, é uma ferramenta importante e con-
tundente que tem como foco a aprendizagem utilizando dispositivos eletrônicos, em
sala de aula, como recursos didáticos. O uso dessas ferramentas promove infinitas pos-
sibilidades, pois favorece sua utilização fora do ambiente escolar e o aluno pode utili-
zá-la na quantidade necessária para o entendimento. Outro fator relevante dessa tec-
nologia é a facilitação da interação do professor com o aluno que pode ocorrer em am-
bientes diversos (33).
227

Estudos mostram que a participação e o uso de jogos eletrônicos exigem foco e


atenção e motivam o usuário a praticar o que está sendo vivenciado no jogo (18, 22),
sendo uma estratégia de intervenção que pode ensinar uma gama de habilidades para
indivíduos com TEA (22).
De uma forma geral, estudos anteriores apoiam o uso de videogames / jogos eletrô-
nicos na educação especial como uma das estratégias pedagógicas que contribui para
ajudar alunos com TEA a se tornarem mais independentes, desenvolvendo a área cogni-
tiva e aprendendo habilidades de vida diária que irão prepará-los melhor para a fase
adulta (42).
Nesse contexto, encontramos na literatura estudos mostrando o uso de jogos ele-
trônicos na qualidade de tecnologia assistiva, com foco na pessoa com TEA, como uma
opção para o desenvolvimento da aprendizagem. Nesse ponto, define-se como tecno-
logia assistiva todo recurso, equipamentos ou serviços que proporcionem melhoria
nas habilidades físicas e/ou mentais das pessoas com deficiência (29).
Assim, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão narrativa sobre os tipos de
jogos eletrônicos que estão sendo utilizados como recurso no tratamento de crianças
com TEA e que são usados pela educação como forma de desenvolver a aprendizagem
e a inclusão social dessas crianças. O estudo investigou artigos científicos correlatos ao
estado da arte sobre o uso de jogos eletrônicos na intervenção da pessoa com TEA,
contemplando publicações nacionais e estrangeiras, nos sites online de busca, como
PubMed, SciELO, Lilacs e Portal de Periódicos da CAPES. Os descritores utilizados fo-
ram em inglês e português: “Eletronic games”, “Education”, “Autism”, “Children”, “Jo-
gos eletrônicos”, “Educação”, “Autismo” e “Crianças”.

MÉTODO

Procedimento de pesquisa

Durante os meses de maio e junho de 2021 foi realizada uma pesquisa computaci-
onal nas bases de dados PubMed, Medline, SciELO, Lilacs e Portal de Periódicos da CA-
PES, tendo como objetivo obter estudos sobre o uso de jogos eletrônicos pela educação
como ferramentas assistivas para indivíduos com TEA. Assim sendo, os critérios de
busca incluíram sempre o termo “Eletronic games”, em inglês, e “Jogos eletrônicos", em
português, com pelo menos um dos termos referentes ao transtorno do espectro do
autismo: autism, autistic e autismo.
Ao todo, foram obtidos 265 retornos, sendo que, ao longo do período informado,
todos foram analisados e organizados em uma planilha e, considerando o processo de
inclusão / exclusão adotado, um total de 186 artigos foram excluídos. Na sequência,
após realizada leitura criteriosa e tendo em vista o objetivo do estudo, 79 artigos fo-
228

ram selecionados e lidos na íntegra, mas apenas 15 atenderam aos critérios de inclu-
são, conforme descritos a seguir.

Critérios de inclusão / exclusão

Os critérios de inclusão nesta análise foram os seguintes:


a. Artigos que tratam de jogos eletrônicos com foco em indivíduos com TEA em
idade escolar.
b. Artigos publicados entre 2011 e 2021, escritos nos idiomas inglês e português,
com desenho clinical trial e review.
Os critérios de exclusão neste estudo foram os seguintes:
a. Artigos que tratam de jogos fazendo uso de hardware específicos como, por
exemplo, robôs ou similares;
b. Artigos que tratam do assunto referente à área de jogos digitais, entretanto não
possuem função de tecnologia assistiva para indivíduos com TEA;
c. Artigos que, embora possuam os termos de busca, mostram-se como falso-
positivos, não estão engajados no contexto de jogos eletrônicos.
Após a seleção de relevância, os artigos selecionados foram analisados para a ex-
tração de informações a fim de se proceder a organização e resumo deles. Buscou-se
identificar as informações sobre os objetivos, quais resultados o estudo pretendia al-
cançar e quais áreas e habilidades da pessoa com TEA o jogo pretendia desenvolver
(cognitiva, comunicação e interação social, detecção e trato de emoções, coordenação
motora e concentração).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta revisão de narrativa, a seleção foi realizada a partir de leitura criteriosa dos
artigos, sendo selecionados 15 que atendiam aos critérios de inclusão definidos no
estudo.
Pelo processo de seleção de artigos, constatou-se que muitos jogos constituem
ferramentas que permitem ensinar ações úteis aos indivíduos com TEA, desenvolven-
do a aprendizagem em várias áreas, seja aprender a pegar um ônibus (38), desenvol-
ver a interação social e atenção (2) ou aprender a identificar e associar expressões fa-
ciais e sentimentos (35). Nesse sentido, são ferramentas importantes para os indiví-
duos com TEA, pois eles apresentam desenvolvimento atípico no âmbito cognitivo,
comunicativo, emocional, concentração, coordenação motora, interação social e
229

aprendizagem. Assim, o desenvolvimento de tecnologias assistivas pode contribuir


sobremaneira para avanços nas áreas acometidas e na qualidade de vida dessas pesso-
as (14).
Indivíduos com distúrbios do desenvolvimento requerem suporte em diferentes
contextos e habilidades, tais como motoras (e.g., equilíbrio), cognitivas (e.g., reconhe-
cimento de emoções) e de aprendizagem (e.g., aquisição de linguagem). Os jogos ele-
trônicos contribuem como suporte no processo de aprendizagem, reduzindo ansieda-
de, estresse e permitindo a obtenção de habilidades sociais e de aprendizagem, como
reconhecimento de emoções e ganhos na linguagem (26).
O uso de jogos eletrônicos para pessoas com TEA, enquanto ferramenta educacio-
nal, possibilita que de forma lúdica o educando assimile conceitos, adquira ou aperfei-
çoe habilidades e competências indispensáveis para a sua formação, tanto em um con-
texto formal quanto informal. Portanto, as habilidades cognitivas, tais como a criativi-
dade, o pensamento crítico, compreensão e reconhecimento de padrões podem ser
trabalhadas por meio dessa ferramenta no processo de aprendizagem, visto que ela
pode promover, melhorar e apoiar esse processo (16, 30).
A capacidade de promover a aprendizagem e habilidades específicas bem como a
de incentivar e aumentar a participação ativa e a motivação dos usuários ocorrem em
razão dos elementos aplicados na criação desses jogos, que incluem: objetivos direcio-
nados às habilidades específicas de aprendizagem, enredos e ambientes envolventes,
feedback e recompensas, personalização, treinamento e níveis crescentes de dificulda-
des (18).
Dessa forma, de modo discursivo, os achados desta revisão são apresentados nas
seções seguintes, descrevendo os principais jogos eletrônicos utilizados no âmbito da
educação de crianças com diagnóstico de TEA.

Jogos eletrônicos

Aventuras no Reino Altriras


O Altriras é um jogo desenvolvido para crianças com diagnóstico de TEA, alfabeti-
zadas ou não, com idades entre 6 e 12 anos, com o intuito de exercitar e auxiliar o re-
conhecimento das expressões faciais associadas às emoções básicas, e o nome escolhi-
do para o jogo faz referência a essas emoções: AL (alegria), TRI (tristeza), RA (raiva) e
S (surpresa). Em razão de suas características é classificado como Role Playing Game
(RPG), logo, é considerado mais apropriado para os anos iniciais por ser mais social do
que competitivo, potencializando as habilidades comunicativas e sociais. Os seus am-
bientes recreativos foram construídos com interface gráfica 2D, com gráficos de alta
qualidade e personagens em estilo cartoon, para um maior apelo à atenção. Durante o
jogo, o jogador tem em mãos ferramentas interativas e um ambiente divertido, com
230

interfaces coloridas, objetos e personagens agradáveis, como dinossauros, florestas,


trens etc., que detêm a atenção para a execução das tarefas em que deve associar cada
emoção básica à respectiva expressão facial correspondente. O Altriras contribui para
aprimorar determinadas habilidades de aprendizagem nesses indivíduos, tais como
reconhecimento e associação de expressões faciais e sentimentos, interações sociais,
habilidades motoras e raciocínio (1).

Aventura espacial
O jogo Aventura espacial foi desenvolvido para crianças e jovens com diagnóstico
de TEA, com idades entre 6 e 14 anos, com o objetivo de promover a interação social e
atenção. É classificado como sendo um jogo sério de interface adaptativa, pois permite
a modificação da interface e dos desafios conforme as necessidades dos usuários. O
nome do jogo faz referência ao local onde é ambientado, o espaço sideral. Em um am-
biente lúdico, em naves espaciais os jogadores devem explorar o universo eliminando
destroços que põem em risco planetas e seus habitantes. No estudo de validação,
Aventura espacial demonstrou ser um jogo que apoia e auxilia a interação e os proces-
sos cognitivos, podendo ser aplicado como intervenção no TEA (2).

Smile 1
Smile 1 é um jogo desenvolvido com o objetivo de auxiliar no reconhecimento das
emoções e expressões faciais e, consequentemente, reduzir os problemas comporta-
mentais. Quatro emoções básicas são trabalhadas: felicidade, raiva, tristeza e medo. É
definido como jogo educativo, elaborado em HyperText Markup Language (HTML), e
bidimensional. O objetivo é que o jogador seja capaz de reconhecer a emoção narrada,
dando a resposta correta. No ambiente do jogo, o jogador é apresentado a dois perso-
nagens que representarão as emoções ao longo do jogo, sendo uma menina e um me-
nino. A menina apresenta um lenço na cabeça, pois no Irã crianças com TEA identifi-
cam o gênero feminino por meio dessa característica. Os resultados do estudo realiza-
do indicam que Smile 1 é capaz de ensinar expressões faciais mesmo àqueles com TEA
moderado; e aqueles com nível de gravidade leve foram capazes de reconhecer as qua-
tro emoções básicas (28).

Take a Shower!
Take a Shower! é um jogo baseado no Kinect (sensor de movimentos) voltado para
o público escolar infantil com diagnóstico de TEA e tem o objetivo de ensinar de modo
lúdico como tomar banho de modo independente. Crianças com TEA podem ter difi-
culdades em realizar tarefas diárias, dentre elas tomar banho de forma independente.
O desempenho inadequado na habilidade para tomar banho pode impactar negativa-
231

mente na higiene pessoal da criança e resultar na dependência de cuidadores para as-


sistência por toda vida.
A aplicação do jogo consistiu em três etapas: (a) linha de base – nessa etapa foram
realizadas algumas sessões para o levantamento de dados sobre os participantes; (b) a
segunda etapa foi de intervenção, em que o jogo foi utilizado para o treino do banho; e
(c) a terceira etapa foi de manutenção, que avaliou o desempenho contínuo dos parti-
cipantes.
O jogo inicia com a seleção do personagem favorito, e os movimentos que devem
ser reproduzidos incluem despir-se, pegar o chuveiro de mão e ligar / desligar a água.
Um “germe do mal” aponta as partes do corpo que precisam de limpeza e o jogador
deve molhar o corpo, aplicar o xampu etc. O uso do jogo mostrou ser benéfico no ensi-
no de higiene pessoal infantil no grupo investigado, pois os participantes adquiriram e
mantiveram as habilidades necessárias para a tarefa de tomar banho de forma inde-
pendente (22).

JeStiMulE
É um jogo de computador baseado em habilidades lógicas para ensinar o reconhe-
cimento de emoções, expressões faciais e situações sociais. Para tanto, situações e
emoções básicas são apresentadas: felicidade, raiva, nojo, medo, tristeza, surpresa, dor
e neutra. Combina a diversão de brincar com o aprendizado e contém vários exercícios
com o objetivo de treinar o reconhecimento de emoções em avatares como, por exem-
plo, rostos, gestos e cenas sociais. Além disso, o jogo inclui aspectos instrucionais mo-
tivadores com sequências curtas e com feedback imediato e recompensas visuais.
Outro aspecto importante é que o ambiente desenvolvido no JeStiMulE é multis-
sensorial. Estímulos visuais, sonoros e táteis são fornecidos para facilitar a imersão no
mundo virtual e aumentar a atratividade do jogo. Também apresenta adaptações que
são apropriadas às características dos indivíduos com TEA, como a possibilidade de
identificar as emoções por meio de códigos, permitindo que crianças e adolescentes
não verbais interajam com o jogo e possam aprender diferentes emoções.
O objetivo principal do JeStiMulE é compensar as dificuldades de compreensão in-
tuitiva do mundo social que a pessoa com TEA possui, por meio de estratégias de
aprendizagem adaptadas às características que o transtorno apresenta.
No estudo realizado, o jogo JeStiMulE revelou ser uma ferramenta promissora pa-
ra ensinar a criança na identificação de emoções e sua relevância nas relações sociais
(35).
232

GuessWhat?
GuessWhat? é um jogo móvel para treinamento de reconhecimento de emoções,
para crianças com TEA, por charadas. O jogo consiste em uma experiência comparti-
lhada entre a criança, que deve executar o prompt mostrado na tela por meio de gestos
e expressões faciais, e o cuidador, que tem a tarefa de adivinhar a palavra ou expressão
proposta. Essa interação de forma estruturada tem o potencial de fornecer uma expe-
riência social e educacional envolvente para a criança.
O jogo mostra vários exemplos de prompt, e os mais relevantes para o reconheci-
mento e a expressão de emoções são os emojis, mostrando representações exageradas
de caricaturas de rostos emotivos e rostos que exibem fotos reais de crianças.
O objetivo do jogo é fornecer o feedback em tempo real e adaptar as dificuldades
em resposta ao desempenho da criança, a partir da integração de classificadores de
emoção que foram desenvolvidos para o jogo.
Os resultados mostraram que a plataforma desse jogo pode ser usada para prever
emoções com uma precisão maior do que as existentes no mercado de reconhecimento de
emoções. Os pesquisadores pretendem aperfeiçoar o jogo para que, futuramente, possam
fornecer reforços para a superação dos déficits sociais nas crianças com TEA (21).

Mindlight
Mindlight é um jogo para redução da ansiedade voltado para crianças e adolescen-
tes de 8 a 16 anos, baseado nos princípios da terapia cognitivo-comportamental (TCC)
e neurofeedback. No ambiente do jogo, o personagem principal é deixado em uma casa
assustadora por seus pais e deve superar seus medos, aprendendo a usar sua própria
força interior de forma que as sombras da casa não tenham poder sobre ele. O jogo
fornece como recurso para enfrentar essas sombras o Mindlight, que corresponde a
uma bolha de luz que pode brilhar nos arredores e é controlada pelo participante do
jogo.
Segundo Wijnhoven et al. (41), a ansiedade em crianças com TEA é uma das prin-
cipais causas de prejuízo na vida diária, podendo estar associada a um maior risco de
outros problemas comórbidos, como sintomas depressivos e comportamentos agres-
sivos, sendo importante o desenvolvimento de estratégias de intervenção, como o
Mindlight, com foco na redução da ansiedade, que pode estar associada ao TEA em al-
guns casos (24).

Emotiplay
Esse jogo foi desenvolvido para ensinar o reconhecimento de emoções de expres-
sões faciais, prosódia vocal, linguagem corporal e sua integração no contexto de forma
233

divertida e motivadora. Treinar e redirecionar a atenção das crianças para o reconhe-


cimento de emoções pode facilitar o funcionamento social dos indivíduos com TEA.
Nesse jogo, o reconhecimento das emoções é ensinado por meio de expressões fa-
ciais, entonação vocal – prosódia, linguagem corporal, e os jogadores podem criar os
seus próprios avatares de modo personalizado. O ambiente do jogo combina material
educacional, jogos motivadores e recompensas que criam uma experiência de educa-
ção e entretenimento educativo.
O objetivo do estudo foi examinar, transculturalmente, a eficácia do serious game
da Emotiplay em melhorar as habilidades de reconhecimento de emoções de crianças
com TEA em três locais: Reino Unido, Suécia e Israel. O jogo inclui diferentes persona-
gens com várias idades de ambos os sexos, várias raças e etnias (16).

Virtual travel
Esse é um jogo desenvolvido para ensinar aos indivíduos com TEA o uso indepen-
dente de ônibus, enquanto transporte público. O ambiente do jogo consiste em uma
cidade tridimensional onde os jogadores devem realizar um conjunto de tarefas que
envolvem o uso de ônibus como transporte para diferentes destinos. Nesse jogo exis-
tem vários ônibus diferentes que circulam em quatro rotas dentro da cidade. O jogador
pode entrar em qualquer um desses ônibus, validar sua passagem, escolher um local
para sentar e pressionar o botão PARE, solicitando a parada do ônibus, e sair do ôni-
bus. As tarefas são classificadas em simples (o jogador precisa pegar um ônibus para
chegar ao destino) e complexas (o jogador precisa pegar dois ônibus para chegar ao
destino). Cada tarefa tem dois níveis de dificuldade e, ao final de cada tarefa, é apre-
sentada a avaliação do participante, por meio de um sistema de pontuação que avalia o
seu desempenho.
O objetivo do jogo é apresentar um ambiente seguro onde os jogadores se familia-
rizem com o processo de pegar um ônibus e validar se ele pode ser usado para o ensi-
no de rotinas de pegar ônibus e procedimentos adaptativos para indivíduos com TEA.
Os resultados mostraram que o uso do jogo como ferramenta de intervenção terapêu-
tica melhorou a eficiência geral dos participantes, treinando suas habilidades de plane-
jamento e ensinando as normas de uso de ônibus necessárias para o uso autônomo
desse para transporte (38).

MoviLetrando
É um jogo baseado em realidade virtual de projeção, desenvolvido, originalmente,
para estimular a função motora e o letramento de crianças com síndrome de Down. Ao
ser testado no TEA, seu uso se mostrou positivo, em razão dos ganhos e habilidades
alcançadas. O jogo consiste na interação e identificação correta de números e letras do
234

alfabeto (vogais e/ou consoantes) e seus respectivos sons. Portanto, estimula as fun-
ções motoras (por requerer o movimento dos membros superiores) e as cognitivas
(pela identificação e associação dos padrões que constituem os elementos do alfabeto,
números e sons), além da propriocepção, que, ao ser estimulada e desenvolvida, dá ao
indivíduo a capacidade de conhecer o próprio corpo e estabelecer estratégias motoras
para execução do movimento requerido (6).

Sema-Tic
É um jogo baseado em habilidades cognitivas não verbais que, de forma lúdica,
contribui para a obtenção de habilidades de alfabetização, ensinando os pré-requisitos
para a leitura, identificação e decodificação de palavras, sintaxe básica, sem enfocar a
consciência fonêmica. No ambiente do jogo, o jogador deve estar acompanhado de um
supervisor (responsável pela orientação e/ou demonstração) e deve reconhecer pala-
vras, palavras associadas a imagens, compreender frases simples, sendo que tudo é
exibido em animações 3D ou por voz.
Para tanto, o jogo reúne mais de 5.000 palavras em suas atividades, que são divi-
didas em séries, sendo que cada série inclui 10 séries com 10 jogos cada (totalizando
100 jogos), para ensinar habilidades de alfabetização com níveis gradativos de dificul-
dade (35).

Caribbe Quest
É definido como um jogo de intervenção cognitiva para melhorar a atenção e as
habilidades de funções executivas em ambiente escolar. O ambiente do jogo traz uma
abordagem híbrida com atividades específicas, compensatórias, repetitivas, ordenadas
de modo hierárquico, com progressão e em formato adaptativo, sendo que os gráficos
e a jogabilidade são envolventes. Todas essas características contribuem para exercitar
as habilidades de atenção e funções executivas, desde as fundamentais como focalizar
a atenção e as ditas complexas como visuais e habilidades auditivas. O jogo requer o
acompanhamento de um treinador que fornecerá as instruções metacognitivas (26).

Minecraft
Minecraft é um jogo de videogame que tem como cenário um ambiente tridimen-
sional. O objetivo central do jogo é a exploração, reorganização, busca, combinação e
manipulação de blocos de pedras, minerais ou madeiras. Com isso, é possível moldar a
paisagem, construindo desde casas até fortalezas, ou seja, ambientes simples ou com-
plexos. Originalmente foi desenvolvido para o público geral, mas têm demonstrado
resultados animadores quando aplicado em determinados distúrbios do desenvolvi-
mento, em especial no TEA. De acordo com o estudo realizado, o jogo em questão teve
235

como destaque a conexão social e a colaboração, e foi considerado como ferramenta,


no ambiente escolar, que favorece o engajamento e a resiliência (31).

AScapeD
É definido como sendo um jogo baseado em sala de fuga, cujo objetivo é facilitar a
comunicação e a interação social entre crianças com alto desempenho e TEA, por meio
de atividades que desenvolvem as habilidades sociais. Os jogadores assumem papel de
detetives e devem solucionar, de modo interativo e colaborativo, um caso de desapare-
cimento, encontrando as peças de um quebra-cabeça que, ao ser completado, solucio-
nará o caso. Segundo os autores, AScapeD foi capaz de promover, de forma lúdica em
sala de aula, a igualdade de cooperação e comunicação entre as crianças com TEA e
seus pares, graças ao conceito adotado (39).

GOLIAH
Gaming Open Library Intervention for Autism at Home (GOLIAH) consiste em um
conjunto de jogos desenvolvidos com o objetivo de melhorar as habilidades cognitivas
de indivíduos com TEA. Na plataforma são disponibilizados 11 jogos aos jogadores,
sendo que sete jogos estimulam a imitação e quatro, a atenção compartilhada. Os jogos
consistem em reproduzir receitas, reproduzir e imitar desenhos e são divididos por
habilidades que serão trabalhadas, podendo ser jogos de imitação ou de atenção com-
partilhada. Os resultados do estudo destacaram que seu uso promoveu as seguintes
melhoras: 89% em flexibilidade, 78% em concentração, 44% em autoestima, e 56%
em melhora no relacionamento com seus pares (9).
Como podemos ver, os jogos eletrônicos são importantes ferramentas para o de-
senvolvimento da pessoa com TEA. Entretanto, salientamos que seu uso no processo
de ensino exige planejamento estruturado, por meio de objetivos adequados e que
atendam às necessidades individuais do aluno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação de tecnologias, desenvolvidas especificamente para os indivíduos com


diagnóstico de TEA, em especial os jogos eletrônicos, contribui para a superação de
limitações impostas pelo transtorno e para o desenvolvimento de habilidades. Trata-se
de ferramentas de ensino que complementam os métodos tradicionais já empregados,
pois são instrumentos estruturados que visam às especificidades dos indivíduos com
TEA, tendo como objetivo trabalhar habilidades sociais e de comunicação, funciona-
mento na vida diária, coordenação motora visual, dentre outros.
236

Nesse sentido, a partir desta revisão, pode-se concluir que o uso de jogos eletrôni-
cos como tecnologia assistiva para pessoas com TEA se mostra efetivo. Contudo, pelo
baixo número de estudos encontrados que abordam a adoção desses jogos no âmbito
educacional, faz-se necessário que sejam realizados novos estudos que apontem o uso
de tecnologias, aliadas ao uso dos jogos eletrônicos, com foco em tecnologias assistivas
para pessoas com TEA.
A literatura consultada traz como sendo consenso que o uso de jogos eletrônicos
nesse transtorno do desenvolvimento contribui para ganhos em diferentes áreas, as-
sim como as abordagens tradicionais. No entanto, convém incluir desenhos longitudi-
nais para determinar se os ganhos se sustentam com o passar do tempo.
Ressaltamos, ainda, a limitação do uso desses jogos no contexto brasileiro, no que
diz respeito ao idioma em que estão disponíveis, pois em sua grande maioria estão na
língua inglesa, carecendo de tradução, adaptação transcultural e validação para o por-
tuguês.

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240

15
Jogos digitais aplicados no ensino de

Biologia (doenças virais) para crianças e

adolescentes no processo de aprendizagem

Alice Couto Bagdzius

Silvana Maria Blascovi-Assis

Ana Grasielle Dionísio Corrêa


241

INTRODUÇÃO

Avanços na tecnologia trazem novas oportunidades de aprendizado (15), aumen-


tando fontes e recursos de informações, além de se tornarem praticamente indispen-
sáveis para as novas gerações. Mas será que os jogos usados como ferramenta para a
aprendizagem de crianças e adolescentes são desenvolvidos especialmente para esse
fim?
Os Jogos Sérios têm sua definição baseada na ideia de conectar os propósitos de
aprendizagem e a tecnologia da indústria de videogames, mas não possuem o entrete-
nimento como primeiro objetivo (6). Assim, os designers desse tipo de jogo conseguem
usar o interesse das pessoas no jogo para capturar sua atenção para propósitos de
aprendizagem ou de desenvolvimento de habilidades, sem deixar de lado seu caráter
lúdico.
Segundo a Tríade Funcional da Aprendizagem, que inclui as funções conativas,
cognitivas e executivas, a aprendizagem não se baseia só na informação, mas na inter-
nalização seguindo tendências pessoais, emocionais e motivacionais, espelhando sua
consciência conativa (5). Por isso, com o desenvolvimento das funções executivas, as
crianças podem melhorar o processo cognitivo, principalmente de memorização du-
rante o processo de ensino-aprendizagem e, assim, jogos sérios podem ser usados para
a finalidade de melhorar a neuroplasticidade, ajudando na formação e reestruturação
de vias neurobiológicas, quando comparadas a adultos (16).
Crianças com Transtornos do Desenvolvimento (TD), tal qual o TDAH, apresentam
majoritariamente falhas nas funções executivas, que são responsáveis pela motivação
instável, pela baixa tolerância à frustração e adversidades em iniciar tarefas (2). Por
isso, intervenções em crianças com TDAH na escola podem surtir efeitos na melhora
das funções executivas, ajudando a diminuir as respostas impulsivas e promover me-
lhor autocontrole e controle emocional (12). Além do sucesso no jogo, crianças tam-
bém apresentam melhora no desempenho motor (4), o que exige a organização de in-
formações no cérebro, com atenção seletiva e capacidade sensorial de detecção, além
da organização hierárquica e sequencial dos movimentos.
A educação no Brasil apresenta déficit em relação a outros países do mundo, como
apresentado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), em documento elaborado pelo INEP. Em ranking baseado na prova do Pro-
grama Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), que avalia habilidades de alu-
nos de 15 anos em relação à leitura, matemática e ciências, o Brasil apresentou queda
de 13 posições em matemática e ciências, quando comparado aos anos de 2009 e 2018,
contra queda de quatro posições em leitura (7).
242

Com essa expressividade do déficit de conhecimento em ciências, somado ao mo-


mento atual, em que aulas de laboratório, que podem ser uma ferramenta para melho-
rar o índice de atenção de alunos com algum tipo de comorbidade, foram suspensas no
ensino online e híbrido, o uso de jogos sérios pode ser uma ferramenta para auxiliar os
alunos, em casa ou na escola, com os conteúdos ministrados.
Por isso, existe a necessidade de analisar jogos relacionados ao componente curri-
cular de Biologia, que compõe uma das habilidades analisadas na prova PISA (ciên-
cias). As disciplinas de física e química, por exemplo, podem ter outros fatores, como
déficits na aprendizagem matemática nos anos iniciais da Educação Básica, o que pode
alterar a performance dos alunos.
Portanto, o objetivo deste capítulo é analisar a literatura no campo dos jogos sé-
rios e o ensino de Ciências, para entender se os jogos são criados especificamente para
o fim de aprendizagem ou se existem relatos de jogos adaptados para sala de aula, em
especial na abordagem específica para crianças com Transtornos do Desenvolvimento.
Assim, com os resultados dessa revisão de literatura teremos uma pequena amostra do
que vem sendo produzido e a importância de desenvolver a área científica de jogos
sérios e do componente curricular de Ciências para alunos com desenvolvimento típi-
co ou com necessidades especiais para a aprendizagem.
Além desta seção introdutória, este capítulo está estruturado em mais cinco se-
ções: a seção “Transtornos do Desenvolvimento e Funções Executivas”, que apresenta
a caracterização das funções executivas e sua importância no processo de aprendiza-
gem; a seção “Jogo Sérios e o Ensino de Ciências”, que traz a definição de jogos sérios,
seu uso na educação e em contextos terapêuticos, e também a gamificação do Ensino
de Ciências nos últimos 10 anos; a seção “Revisão de Literatura Sobre Jogos Sérios pa-
ra Ensino de Ciências”, na qual será apresentada uma revisão bibliográfica dos últimos
10 anos de publicações sobre o tema de doenças virais e imunidade; a seção “Discus-
são” com a análise dos resultados da revisão bibliográfica; e a seção “Considerações
finais”, que traz as considerações finais sobre os resultados da busca pelo tema na lite-
ratura.

TRANSTORNOS DO DESENVOLVIMENTO E FUNÇÕES EXECUTIVAS

Os Transtornos do Desenvolvimento (TD) incluem o Transtorno de Déficit de


Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), Defici-
ência Intelectual (DI), Transtornos da Comunicação, Transtorno Específico da Apren-
dizagem e Transtornos Motores, além de problemas emocionais e comportamentais
que ocorrem com frequência alterada do que é esperado pela norma social e atrapa-
lham a inserção da criança na sociedade (DSM-5).
243

As abordagens feitas com essas crianças normalmente devem ser acompanhadas


por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, educadores, psicólogos, fisio-
terapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, para que seja feita uma avalia-
ção da criança a fim de mensurar a linguagem, fatores neuropsicológicos e capacidade
adaptativa (2). Durante esse processo são analisadas, sobretudo, habilidades cogniti-
vas superiores, que incluem inteligência, atenção, memória, processamento sensorial,
habilidades motoras e funções executivas.
As funções executivas são habilidades que ajudam o indivíduo a desenvolver o au-
tocontrole, a memória de trabalho e a flexibilidade cognitiva (9), e são controladas pe-
lo córtex pré-frontal. O autocontrole está relacionado com a capacidade de a criança
resistir às tentações, ou seja, ajuda a criança a permanecer mais atenta, a agir de forma
menos impulsiva e a ficar concentrada em seu trabalho. A memória de trabalho se re-
fere à capacidade de manter as informações na mente, para que elas possam ser usa-
das posteriormente para fazer o vínculo entre as ideias, realizar cálculos mentalmente
e estabelecer prioridades. A flexibilidade cognitiva é a capacidade de pensar criativa-
mente e de se ajustar a novas situações, permitindo o uso da imaginação e da criativi-
dade para resolver problemas.
Como as funções executivas desempenham um papel essencial no desenvolvimen-
to das crianças e em seu sucesso até a idade adulta, é importante encontrar maneiras
de favorecer sua evolução durante a primeira infância, para que a criança tenha uma
clara capacidade de hierarquização, de diferenciação e de complementação de infor-
mações recebidas pelo sistema nervoso.
Como pode ser observado, a importância de treinar as funções executivas é evi-
dente para treinar as funções cognitivas, tendo em vista que esses conjuntos de habili-
dades estão interligados. Segundo Menezes (10), o desenvolvimento das funções exe-
cutivas ajuda a diminuir as respostas impulsivas e promover melhor autocontrole e
controle emocional, afinal, são as dificuldades em funções executivas que contribuem
para motivação instável, baixa tolerância à frustração e dificuldade em iniciar tarefas.
Além disso, o potencial de aprendizagem de pessoas que estão em idade escolar ou
universitária pode ser otimizado, de forma que o cérebro receba bem os estímulos ne-
cessários para o seu processo de desenvolvimento e trabalho, ao melhorar a perfor-
mance das funções executivas, cognitivas e conativas (5).
Todos esses fatores acabam se manifestando e alterando o desempenho acadêmi-
co dos alunos, o que, segundo Poon (13), pode ter como preditor as funções executivas
(EF), que também afetam o comportamento social. Sua importância está na possibili-
dade de aperfeiçoamento por meio de exercícios específicos, fazendo com que os alu-
nos tenham uma melhor performance cognitiva, trabalhando melhor as capacidades
de hierarquização, diferenciação e complementação de informações recebidas pelo
sistema nervoso.
244

JOGOS SÉRIOS E O ENSINO DE CIÊNCIAS

Jogos Sérios são uma aplicação computadorizada, em que a intenção original é


combinar aspectos sérios de jogos, como ensino, aprendizagem, comunicação ou in-
formação, por meio de atividades lúdicas não exaustivas e não excludentes, com o uso
de videogames (jogos digitais) (1). Mas nada impede que as pessoas joguem videoga-
me, originalmente dedicado ao entretenimento, adotando uma postura de seriedade.
Muitos exemplos podem ser identificados no setor de educação. Por exemplo, o jogo de
karaokê Singstar (plataforma PlayStation 3) foi utilizado como suporte claro para tra-
balhar a pronúncia do inglês para estudantes universitários (1). Em outro registro, o
jogo de “perguntas-e-respostas” Buzz!: Quiz TV foi usado por professores de história e
geografia para discutir conceitos atuais com a possibilidade de criar questões customi-
zadas.
As vantagens do uso de tecnologias em contextos terapêuticos em pacientes com
TDAH, Síndrome de Down e AVC são conhecidas por estudos nacionais e internacio-
nais e uma das razões da sua efetividade é a diversão e motivação dos participantes.
No estudo de Ataíde et. al (3), as pesquisadoras definem a intervenção como “um mo-
mento ativo de superação de obstáculos e diversão”, afinal, a tradição do uso de jogos é
tão antiga quanto a própria civilização (8).

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE JOGOS SÉRIOS PARA ENSINO DE CIÊNCIAS

Para configurar a revisão de literatura, o presente capítulo buscou analisar o que


foi produzido, entre os anos 2011 e 2021, sobre o uso de jogos sobre doenças virais e
imunidade, e quais deles são caracterizados como jogos sérios ou jogos para entrete-
nimento adaptados para o ensino, e a relação desses jogos com o desenvolvimento das
funções executivas. Foi realizada uma busca em bases de dados com o propósito de
sintetizar os conhecimentos que estão disponíveis sobre a temática do uso de jogos e
tecnologia no Ensino de Biologia com crianças e adolescentes.

Levantamento de dados

O levantamento de jogos sérios para ensino de ciências voltado ao tema doenças


virais e imunidade foi realizado a partir dos seguintes passos: (1) planejamento do
levantamento, que incluiu a criação das questões de pesquisa; (2) realização do levan-
tamento nas bases de dados, que incluiu busca, seleção, extração e síntese dos dados; e
(3) discussão sobre os dados encontrados.
245

Três questões nortearam a pesquisa bibliográfica: 1) Os jogos usados no ensino de


ciências são criados exatamente para esse fim?; 2) Os jogos usados em sala de aula têm
preocupação com as questões de inclusão ou abordam as vantagens para crianças com
Transtornos do Desenvolvimento?; 3) Como esses jogos são avaliados do ponto de vis-
ta da usabilidade?
Para conduzir o levantamento de jogos sérios aplicados em ciências, pesquisamos
nas seguintes bases de dados: PubMed, IEEE Xplore, Scielo, ACM, no período de 2011 a
2021, e nos anais de publicação do evento SBGames, no período de 2011 a 2020, já que
a edição de 2021 ainda não aconteceu até o momento de redação deste capítulo. O le-
vantamento foi realizado utilizando-se dos termos “Game” AND “Education” AND “Vi-
rus”/”Vaccine”/”Parasite”/”Parasitic” /”Pandemic”. As palavras-chave foram buscadas
nos resumos dos artigos nos filtros de busca avançada.
Os artigos foram catalogados e selecionados a partir dos seguintes critérios de in-
clusão: a) conter exatamente as palavras “Game”, “Education” e “vaccine”, “virus”, “pa-
rasite”, “parasitic” ou “pandemic” no título ou resumo do artigo; b) estar disponível na
Língua inglesa ou portuguesa; c) ser direcionado para crianças de 10 a 17 anos; d) ca-
racterizado como resumo expandido ou “full text”. Para a busca nos anais do evento
SBGames, também foi considerada a busca por artigos que continham nome de doen-
ças infecciosas ou de seus vetores como “dengue” e “Aedes aegypti”. Os critérios de ex-
clusão foram: a) não ter potencial de uso em educação; b) não abordar o conteúdo di-
retamente.
Foi elaborada uma planilha de análise contendo os seguintes campos: ano de pu-
blicação, título, país dos autores, plataforma (mobile, desktop, consoles), software de
autoria ou comercial, classificação (saúde ou educação), faixa de idade, gratuito ou pa-
go, jogo sério ou para entretenimento, número de participantes, artigo de teste de usa-
bilidade ou de intervenção (público, tempo de sessões, avaliação pré e pós, instrumen-
tos, frequência, grupo-controle), instrumentos de avaliação para validar o jogo e níveis
de dificuldade ou ajuste (flow).

Jogos sérios para ensino de Ciências

Foram incluídos todos os estudos que trouxeram experiência, com usuário ou en-
saio clínico, nos jogos voltados ao ensino de doenças virais, e excluídos os que não as-
sociaram o uso de jogos ao ensino de biologia com enfoque em doenças virais e imuni-
dade ou artigos de revisões. A análise foi feita a partir da pré-leitura dos resumos para
inclusão ou exclusão dos estudos e, na sequência, todo material selecionado foi lido na
íntegra. Os artigos selecionados foram analisados e interpretados, compondo este capí-
tulo, a fim de promover o conhecimento acerca do tema, auxiliando futuras pesquisas
246

com o uso de jogos sérios para o ensino de ciências, com o desenvolvimento de funções
executivas.
Durante a pesquisa nas bases de dados foram encontrados 81 artigos que compu-
nham os critérios de busca; porém, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclu-
são, foram utilizados 13 artigos para esta revisão. A divisão dos artigos encontrados
por base está apresentada na Figura 1.

Figura 1. Artigos encontrados nas bases de dados.

Dados Gerais dos Artigos Encontrados

Os 13 artigos encontrados para esta revisão são brasileiros e todos são jogos de
autoria, criados pelos próprios autores. Embora 12 artigos sejam descrições sobre
seus jogos, um artigo se caracteriza como Intervenção e será detalhado nos próximos
247

tópicos. Quanto ao ano de publicação dos artigos, conforme apresentado na Figura 2, a


quantidade é bem distribuída ao longo dos anos, sem um pico aparente de temas. Po-
rém, a partir de 2016 até 2020 aparecem dois artigos publicados por ano, o que cor-
responde a 15% dos artigos encontrados por ano. Nos outros anos analisados, apenas
um artigo sobre o tema foi encontrado.

Figura 2. Representação gráfica da quantidade de artigos publicados por ano.

Os 13 artigos selecionados pelos critérios de inclusão foram enumerados confor-


me a Tabela 1. Como todos os artigos encontrados são brasileiros, foram divididos por
Estado de filiação dos autores, conforme a Figura 3, com destaque para produções da
Bahia, mais especificamente, Feira de Santana (BA). Seguem, depois, os estados de São
Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro empatados, cada um com dois artigos publica-
dos, e, com um artigo publicado, os estados de Pernambuco, Pará, Minas Gerais e Cea-
rá. As regiões Nordeste e Sudeste se destacam na quantidade de publicações, somando
cinco publicações cada um, ou seja, 10 das 13 publicações analisadas. Chama a atenção
a região Centro-Oeste não ter nenhum artigo publicado encontrado para esta análise.
Embora todos os artigos analisados tenham como ponto principal o aprendizado
sobre as doenças ou vírus citados, 31% têm caráter mais voltado para área da saúde,
como aplicações em hospitais, por exemplo, ensinando às próprias crianças que adqui-
riram as doenças e sobre o que elas significam, enquanto a maioria dos artigos (69%) é
voltada para aplicação em escolas.
248

Tabela 1. Artigos incluídos no estudo.

Ano de
Número Título
Publicação

Outbreak! An Online Board Game That Fosters Collaborative Learning


1 2021
of Viral Diseases

Exterminadores de Dengue: Um jogo educativo dinâmico como fer-


2 2011
ramenta de educação contra a dengue

Jogos Digitais como cultura participatória: o Modelo do Mercado


3 Simbólico aplicado à concepção de um jogo digital sobre a preven- 2013
ção de DST e Aids

Sherlock Dengue 8: A Serious Game for Teaching about Dengue Fever


4 2014
Prevention with Collaboration and Competition

Imunização: Um Jogo Sério para Proteção de Crianças Contra as Do-


5 2016
enças

CREUZA VS. AEDES: Aplicação do tipo e-health para prevenção do


6 2016
mosquito Aedes aegypti

Dengame: Um Jogo Educativo com Realidade Aumentada para Pre-


7 2017
venção à Proliferação do Mosquito da Dengue

8 Na trilha da Bioquímica: Immune Defense em práticas de significação 2017

VidaVit: Um Jogo Digital Sobre Doenças e Vacinas para Educação em


9 2018
Saúde

O jogo DENGUE HUNT: ferramenta potencial para a estratégia de


10 2019
combate ao mosquito Aedes aegypti

ZikAcerte - Um Jogo de Mensagens Instantâneas para Conscientiza-


11 2019
ção Sobre o Aedes Aegypti e suas Doenças

Um Jogo Sério do Gênero Defesas com Torres para Alunos de Ensino


12 2020
Médio sobre a Prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis

Developing a Mobile Virtual Reality Game to Support the Fight


13 2020
Against the Aedes Aegypti Mosquito
249

Figura 3. Representação gráfica da quantidade de publicações por estado brasileiro.

A faixa de idade dos jogadores dos softwares desenvolvidos está representada pe-
lo Gráfico 3. Artigos que não citaram especificamente as idades e usaram termos como
“crianças” ou “adolescentes” foram convertidos para a idade citada na Lei nº 8.069, de
13 de julho de 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Na Figura 4 podemos ver, em verde claro, a faixa das idades compreendidas para
jogar os jogos sérios produzidos pelos autores. Os números em cinza correspondem ao
número dos artigos citados na Tabela 1, apresentada acima.
Como podemos observar, a faixa etária varia, em sua maioria, dos 7 aos 17 anos,
idade escolar como um todo. Apenas no artigo 11 não foi citada a idade dos participan-
tes, pois usa um aplicativo de mensagens para produzir o jogo, que pode ser utilizado
por indivíduos letrados.
O número de participantes dos jogos é, em sua maioria, 1 jogador (85% dos arti-
gos). Um artigo usa duas duplas para jogar e um artigo considera que o jogo pode ser
jogado por quatro pessoas ou mais.
250

Figura 4. Representação gráfica das idades mínimas e máximas dos jogadores por artigo.

Análise dos Jogos de Biologia

Os 13 artigos encontrados são definidos como Jogos Sérios pelos autores e são dis-
ponibilizados de maneira gratuita para crianças e adolescentes. Quanto ao dispositivo
tecnológico usado para jogar, como pode ser visto na Figura 5, 54% dos autores trazem
opções para desktop, porém 39% disponibilizam os jogos para dispositivos móveis co-
mo tablets e celulares. Nenhum dos artigos trouxe jogos para consoles, o que normal-
mente é visto em Jogos Sérios para fins terapêuticos. Talvez a facilidade de usar o celular
em sala de aula ou no laboratório de informática da escola fez com que os autores tives-
sem essas escolhas, além do fato de ser menos acessível em relação ao desenvolvimento
mobile, pois a empresa desenvolvedora precisa se tornar licenciada pela fabricante do
console. Apesar disso, 15% dos autores não deixaram claro para qual plataforma o jogo
está disponibilizado.
Sobre os Instrumentos de Avaliação para validar os jogos sérios, apenas dois arti-
gos usaram instrumentos de Game Design para testar a usabilidade e aplicabilidade:
EGameFlow e Learning Object Review Instrument (LORI), o que corresponde a 15% dos
artigos. A maioria não apresentou instrumentos de avaliação, ou não os descreveram
no artigo, ou, ainda, os jogos estão em fase de protótipo ou desenvolvimento, somando
62% dos artigos. Os outros 23% trouxeram questionários qualitativos ou quantitati-
251

vos, desenvolvidos pelos próprios autores, baseados na opinião dos alunos, ou testes
sobre o conteúdo pedagógico do jogo, conforme Figura 6.

Figura 5. Representação gráfica da porcentagem de artigos por tipo de dispositivo

Figura 6. Representação gráfica dos instrumentos de avaliação para os jogos.

Quanto aos níveis de ajuste de dificuldade do jogo ou Teoria do Flow, não foram
constatadas menções específicas a essa teoria. Mas alguns jogos contam com itens de
jogabilidade opcionais que podem fazer o personagem conquistar mais força, mais ve-
locidade ou com punições, quando é picado pelo mosquito, por exemplo.
252

Um único artigo pôde ser classificado como artigo de intervenção. Os autores do


artigo 11 estudaram um grupo de 24 crianças entre 5 e 6 anos, ao longo de três meses,
com intervenção de uma vez por semana, para avaliar os efeitos do jogo Dengame que
foi desenvolvido para a plataforma mobile, com o objetivo de acertar perguntas de um
quiz sobre a dengue para passar de fase, e entrar em modo de Realidade Aumentada
(RA), para eliminar os mosquitos do ambiente. O artigo também apresentou grupo ex-
perimental e grupo-controle e usou o LORI e EgameFlow para avaliar os efeitos do jo-
go. Como o artigo trouxe uma intervenção com crianças que ainda não são totalmente
alfabetizadas, todas as perguntas eram narradas para que aqueles que não soubessem
ler também pudessem jogar. O artigo constatou um ganho de 59% de conhecimento
sobre medidas profiláticas em relação ao grupo-controle, que só teve aulas teóricas
sobre o tema.
Voltando à análise de todos os artigos, o tema principal dos artigos encontrados é
majoritariamente sobre a dengue ou o mosquito Aedes aegypti, conforme a Tabela 2.
Dentre os 13 artigos encontrados, sete trouxeram jogos sobre esse tema. Além disso,
também foram encontrados três artigos envolvendo características gerais do sistema
imunitário, como a produção de vacinas e de anticorpos, e dois envolvendo prevenção
de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), voltados para o público adolescente.

Tabela 2. Temas principais e objetivos dos jogos analisados.

Artigo Tema Principal Objetivo do Jogo Plataforma

Remover todos os marcadores de infecção do


1 Doenças Virais mapa e descobrir todos os sintomas e como o Desktop
vírus é transmitido
Destruir os mosquitos, evitando suas picadas e
obtendo ferramentas a partir da interação com
2 Aedes outros avatares, da resposta a questionamentos Não Consta
sobre a doença e conscientização dos outros
avatares sobre a profilaxia da doença

3 DST E AIDS Conscientizar sobre DST e AIDS Desktop

Ter o maior número de pontos a partir do acerto


4 Aedes Desktop
de questões
Principais vacinas Eliminar os inimigos (vírus e bactérias) atirando
5 Mobile
para as crianças anticorpos contra eles
Encontrar e eliminar focos da dengue, por meio Mobile /
6 Aedes de medidas profiláticas e coletar um número
mínimo de garrafas Desktop

Acertar perguntas de um quiz sobre a dengue e


7 Aedes Mobile
eliminar os mosquitos do ambiente
253

Tabela 2. Temas principais e objetivos dos jogos analisados.

Artigo Tema Principal Objetivo do Jogo Plataforma

Combater os invasores por meio da combinação


8 Sistema Imunitário Desktop
correta de proteínas ou de células
Coletar todas as vacinas para salvar o respectivo
9 Vacinas órgão e coletar medicamentos para melhorar o Não Consta
desempenho da personagem
Eliminar focos da doença e não eliminar objetos
10 Aedes que não sejam foco (perda de pontuação). Com- Desktop
pletar seis fases
Acertar cinco questões de 20 ou jogar uma par-
11 Aedes tida curta de cinco questões e tentar acertar o Mobile
máximo possível
Derrotar os inimigos com as torres certas. Po-
rém, o jogo é impossível de ser ganho, pois obri-
12 DST E AIDS gatoriamente existe uma fase em que o aluno Desktop
perde para poder ler uma tela com o conteúdo
da explicação das doenças
Eliminar todos os pontos de criação de mosqui-
13 Aedes Mobile
tos da cidade

DISCUSSÃO

Os artigos encontrados nas bases de dados, do período de 2011 a 2021, e os anais


do evento SBGames, do período de 2011 a 2020, mostram que a criação de jogos sérios
para ensino de doenças virais e imunidade é uma realidade no Brasil, estimulando o
aprendizado sem notar, o desenvolvimento de trabalho em equipe, além de vivências,
prontidão na tomada de decisões e resolução de problemas (14). A maioria dos jogos
traz como temática a dengue, assunto que abrange todas as classes sociais e idades, e
os jogos criados, embora pensados para crianças, podem ter aplicabilidade para adul-
tos também.
Os jogos, em sua maioria, tiveram como objetivo a eliminação de inimigos ou focos
da doença. Apenas quatro artigos apresentaram objetivos diferentes do que eliminar
ou destruir inimigos ou focos da doença. O que torna esses quatro artigos interessan-
tes é a forma como o aluno deve se planejar para conseguir vencer o jogo. No jogo de
número 8, ilustrado na Figura 7, o jogador precisa combinar corretamente proteínas
ou células para conseguir combater os invasores, o que também exige conhecimento
prévio acerca do conteúdo de bioquímica e planejamento na execução do jogo, além de
254

alto controle inibitório para pensar corretamente enquanto precisa agir rápido contra
os invasores. Além disso, no jogo também há a possibilidade de gastar ou ganhar ener-
gia a partir da alocação de agentes do jogo, o que significa que, se o jogador não elabo-
rar uma boa estratégia, ele é punido pelo jogo. Esse jogo pode ser usado para o desen-
volvimento de funções executivas em crianças e adolescentes, por meio da memória
operacional, controle inibitório e flexibilidade cognitiva, aplicando o conteúdo apren-
dido em sala de aula em um ambiente lúdico e em formato de jogo.

Figura 7. Sujeito jogador em ação no jogo Immune Defense.

O jogo Sherlock Dengue 8, ilustrado na Figura 8, também traz possibilidades de se


trabalhar as funções executivas, embora não citadas no artigo de origem, identificado
com o número 4. Embora o objetivo do jogo seja acertar o maior número de questões
para vencer, existe uma punição em que cada resposta errada diminui em 33% o nú-
mero de pontos do jogador. Essa forma de punição pode ser uma boa estratégia para o
jogador usar sua capacidade de planejamento e controle inibitório ao responder uma
questão, pois responder errado pode acabar fazendo-o perder o jogo.

Figura 3. Imagens do jogo Sherlock Dengue 8.


255

Por último, o jogo identificado pelo número 10, Dengue Hunt, apresenta uma ca-
racterística de jogabilidade muito interessante para o desenvolvimento do controle
inibitório: o jogo depende do tempo e da quantidade de focos destruídos para aumento
de dificuldade. Portanto, requer planejamento para ser rápido e cautela com o impulso
para não destruir focos errados. Em crianças com Transtornos do Desenvolvimento
(TD), essa pode ser uma estratégia para trabalhar a memória operacional, mas, princi-
palmente, o controle inibitório, uma vez que é necessário pensar e agir corretamente, e
cada vez mais rápido, para ultrapassar as fases, tendo que trabalhar a atenção aos fo-
cos corretos e, principalmente, atenção para não destruir os focos errados.
Além de todas as vantagens citadas acima para estímulo e melhoria das funções
executivas, é válido relembrar que todos os jogos analisados têm fins didáticos. As van-
tagens dos jogos na educação são citadas por Neto (11) como aumento da criatividade,
atenção, imaginação, coordenação motora e memória, que são características que tam-
bém podem ser trabalhadas em crianças com TD. Também auxiliam no processo de
aprendizagem por determinar o modo de percepção e aprendizado com o reconheci-
mento do objeto de estudo (12).
Durante as pesquisas nas bases, também foram encontrados muitos jogos sobre
educação ambiental e educação sexual, temas que também pertencem ao conteúdo pro-
gramático da disciplina de Ciências no Ensino Fundamental II e de Biologia, no Ensino
Médio. Não foi encontrado nenhum jogo para entretenimento que foi adaptado para uso
em sala de aula.
Quanto aos jogos analisados, um ponto negativo foi que nenhum mostrou preocu-
pação com a inclusão. Não foram encontrados artigos que mencionaram que alunos com
necessidades especiais pudessem fazer uso dos jogos como ferramenta de inclusão ou
que trouxeram estratégias de inclusão para alunos com deficiência visual, por exemplo.
Porém, conforme visto acima, alguns jogos têm potencial de estimular funções executi-
vas, que são essenciais para crianças e adolescentes com TD, além de aliar muito bem o
conteúdo da sala de aula com a oportunidade de melhora em aspectos neurológicos.
Um ponto importante para alavancar futuras produções na área, é que somente
um artigo mostrou claramente um instrumento de avaliação de usabilidade, enquanto
os outros aplicaram somente questionários gerais, sem nenhuma aplicação metodoló-
gica, o que pode comprometer a veracidade dos dados dos artigos científicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso de jogos sérios para o ensino de Ciências, na temática da saúde pública, é


uma realidade no Brasil. Embora as buscas na literatura, aqui realizadas, tenham sido
por projetos envolvendo quaisquer tipos de doenças causadas por vírus ou assuntos
256

de imunização, a maioria dos jogos citou a Dengue ou o mosquito Aedes aegypti, o que
mostra ser um tema relevante em congressos e revistas científicas por parte das uni-
versidades brasileiras.
Todos os artigos encontrados foram de jogos sérios, desenvolvidos especificamen-
te para o fim de educar crianças e adolescentes acerca dos temas, e tinham objetivos
de jogos que faziam com que o participante conhecesse, em sua maioria, medidas pro-
filáticas das doenças.
Entretanto, não foram encontradas preocupações dos autores com o tema da in-
clusão. Sugere-se que novos jogos criados para esse fim se preocupem também com
crianças com Transtornos do Desenvolvimento, para que a inclusão seja cada vez mais
presente nas escolas.

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258

SEÇÃO 3

Tecnologias e técnicas não


invasivas e suas aplicações
em saúde e educação
259

16
Potencialidades da espectroscopia

funcional por infravermelho próximo

(fNIRS) para o estudo do cérebro em

desenvolvimento na primeira infância

Vera Mateus

Júlia Scarano de Mendonça

Helga Oliveira Miguel

Sara Cruz

Adriana Sampaio

Rickson C. Mesquita

Ana Alexandra Caldas Osório


260

PRIMEIRA INFÂNCIA:
UMA JANELA CRÍTICA PARA O DESENVOLVIMENTO CEREBRAL

O cérebro humano se desenvolve mais nos primeiros 5 anos do que em qualquer


outro período equivalente ao longo da vida. De uma simples estrutura tubular, ainda
no período fetal, se transforma em um órgão com uma citoarquitetura extremamente
complexa (11, 31). Além disso, seu tamanho aumenta de forma expressiva; aos 6 anos
de vida, o volume cerebral já equivale a, aproximadamente, 95% do adulto (18). Simul-
taneamente, a atividade cerebral se intensifica, chegando às 15.000 sinapses por neu-
rônio entre os 2 e 3 anos de idade – o dobro do número registrado em adultos (15).
Assim, a primeira infância (0-5 anos) é o período mais produtivo na criação de novas
conexões neurais, as quais serão subsequentemente reforçadas ou eliminadas, con-
forme as experiências e demandas do ambiente da criança, tornando o cérebro cada
vez mais eficiente. No entanto, é importante notar que a maturação cerebral, quer es-
trutural quer funcional, segue padrões não lineares (31).
De uma forma geral, estudos apontam para uma não linearidade no “tempo” (ma-
turação em avanços sucessivos, ao invés de um ritmo constante) e no “espaço” (em
distintas regiões ao longo do tempo, ao invés de em todas as regiões simultaneamen-
te). Mais concretamente, a maturação estrutural do córtex cerebral (também conheci-
do por substância cinzenta) parece seguir um padrão funcional: regiões sensório-
motoras primárias, mais importantes nos primeiros meses de vida, densificam-se em
primeiro lugar, seguidas de regiões dedicadas a processos mais complexos ou de nível
superior (5). De forma semelhante, existe evidência de que os processos de mieliniza-
ção (a substância branca é composta principalmente por fibras axônicas mielinizadas)
são mais precoces nas fibras de projeção e comissurais, comparativamente às fibras de
associação (31).
Relativamente à maturação funcional, são observados picos no metabolismo em
diferentes regiões cerebrais ao longo dos primeiros anos de vida (6). Nos recém-
nascidos, por exemplo, um metabolismo mais intenso é registrado nas seguintes regi-
ões: córtex primário sensorial e motor; tálamo (transmissão de informação sensório-
motora; estados de vigília / alerta); tronco cerebral (comunicação de estímulos moto-
res e sensoriais entre cérebro e resto do corpo; regulação sono-vigília; apetite); e cere-
belo (controle e aprendizagens motoras; coordenação de movimentos; tônus muscu-
lar). Entre os 2-3 meses de vida, é registrado maior metabolismo no córtex parietal
(integração sensorial multimodal; toque, noção espacial); córtex temporal (processa-
mento da informação auditiva e visual, memória auditiva e visual); córtex visual pri-
mário; e gânglios da base (movimentos voluntários, aprendizagem comportamental).
Subsequentemente, a região do córtex frontal registra significativos aumentos de me-
tabolismo entre os 6 e 12 meses de idade. Globalmente, é possível observar que o me-
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tabolismo é inicialmente superior em estruturas anatômicas filogeneticamente mais


antigas, passando gradualmente às estruturas mais recentes (por exemplo, o córtex
frontal) (6).
Concomitantemente aos fenômenos progressivos da maturação cerebral descritos,
ocorrem, também, importantes fenômenos regressivos ao longo do desenvolvimento
(18). Na infância, o número de neurônios e sinapses é muito superior ao observado na
idade adulta. Após um período de superprodução e proliferação pré-natal, segue-se a
“morte” neuronal programada (apoptose) até cerca dos 2 anos. Relativamente às liga-
ções sinápticas, a superprodução inicial também é seguida de uma redução progressi-
va (poda sináptica) até a adolescência. É importante notar que esses fenômenos re-
gressivos não são aleatórios, mas dependem em larga medida da atividade cerebral
repetida (experiência, estimulação), que serve, assim, para otimizar o funcionamento
cerebral face aos contextos de vida (5, 6).
Fatores genéticos e ambientais (experiências e oportunidades na vida das crian-
ças) determinam o curso dos fenômenos de maturação estrutural e funcional. Por sua
vez, a ocorrência desses fenômenos é crítica para o futuro desenvolvimento cognitivo,
social e emocional (17). Assim, o período da infância é particularmente relevante para
avaliar o funcionamento cerebral e identificar redes neurais específicas subjacentes a
diferentes domínios do desenvolvimento.

ESPECTROSCOPIA FUNCIONAL POR INFRAVERMELHO PRÓXIMO (fNIRS)

A espectroscopia funcional por infravermelho próximo (fNIRS, do inglês functional


near-infrared spectroscopy) é uma técnica não invasiva de neuroimagem que usa luz na
faixa do infravermelho próximo para medir a atividade do cérebro a partir de mudan-
ças locais nos níveis de oxigenação do sangue (12, 20, 26). A atividade regular dos neu-
rônios é sustentada pela energia produzida a partir de glicose e oxigênio. O aumento
ou diminuição na atividade neuronal altera a demanda metabólica, resultando em uma
variação no consumo de oxigênio na(s) região(ões) do cérebro recrutadas durante
uma tarefa (10, 20). Na grande maioria dos casos, o aumento na demanda metabólica é
suprido por um aumento no fluxo sanguíneo, que fornece oxigênio para o cérebro, por
meio de um mecanismo conhecido como acoplamento neurovascular, o qual relaciona
a atividade neuronal local e subsequentes mudanças na hemodinâmica cerebral (16). A
fNIRS mede a resposta hemodinâmica (isto é, a alteração nos níveis de oxigenação do
sangue) resultante das mudanças no metabolismo para fazer face às demandas do
comportamento dos neurônios.
A técnica de fNIRS se baseia nas propriedades óticas dos tecidos biológicos (por
exemplo, a pele, osso e vários outros tecidos), que são relativamente transparentes à
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radiação eletromagnética na faixa do infravermelho próximo (luz com comprimentos


de onda entre 650 e 950 nanômetros, aproximadamente) e, por isso, permitem que
essa luz penetre no tecido. Nesse intervalo ótico, a hemoglobina oxigenada (HbO2) e a
desoxigenada (HHb), presentes majoritariamente no sangue, são as principais molécu-
las capazes de absorver e atenuar a luz incidida sobre o tecido. Como os espectros de
absorção entre HbO2 e HHb são diferentes entre si, é possível utilizar a fNIRS para ava-
liar as mudanças no nível de oxigenação do sangue (12, 20). Para isso, são necessários
ao menos dois comprimentos de onda, dentre o intervalo ótico referido (650 – 950
nm), um deles acima e outro abaixo do ponto em que HbO2 e HHb apresentam o mes-
mo coeficiente de absorção (~800 nm) (7).
Por meio de fibras óticas cujos terminais são posicionados sobre o escalpo (tipica-
mente chamados de optodos), a luz infravermelha é transmitida por emissores de luz
(fontes), penetrando a pele, osso e chegando até o tecido cerebral. À medida que se pro-
paga nos tecidos, a luz é absorvida ou espalhada em várias direções; parte da luz espa-
lhada retorna à superfície do escalpo, onde é captada por detectores de luz posicionados
a alguns centímetros de distância da fonte (1, 14). Com base na variação da intensidade
da luz que é detectada em diferentes instantes de tempo, é possível estimar as mudanças
nas concentrações de hemoglobina oxigenada e desoxigenada na região imediatamente
abaixo do par fonte-detector de luz. As variações nas concentrações de hemoglobina são
usadas como índices de atividade cerebral (20). Tipicamente, a resposta hemodinâmica
da ativação cerebral a um estímulo externo se caracteriza por um aumento na concen-
tração de hemoglobina oxigenada e uma diminuição (ainda que em menor grau) de he-
moglobina desoxigenada, ambos correlacionados temporalmente com a duração do es-
tímulo (20).

PRINCIPAIS ASPECTOS METODOLÓGICOS DO USO DA TÉCNICA fNIRS

Apesar de a técnica fNIRS ser relativamente simples, tanto do ponto de vista de


instrumentação quanto do ponto de vista conceitual, temos que considerar vários as-
pectos metodológicos importantes quando planejamos um estudo com fNIRS. Alguns
dos aspectos relevantes são, por exemplo, o desenho experimental para apresentação
dos estímulos, a duração da estimulação, ou o posicionamento e a fixação dos optodos
sobre o escalpo, os quais podem afetar a qualidade dos dados obtidos.
A maioria dos estudos com fNIRS usa, frequentemente, um paradigma de adminis-
tração dos estímulos em bloco, em que um ou mais estímulos / condições experimen-
tais são apresentados separadamente, por períodos de tempo relativamente longos
(blocos), e com um determinado número de repetições do mesmo estímulo. Nesse pa-
radigma, dois estímulos são intercalados com uma condição controle, de descanso ou
estimulação mínima (14, 20). A definição da duração da condição experimental e de
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controle deve considerar as características temporais da resposta hemodinâmica. A


amplitude máxima da resposta é atingida alguns segundos após o início da estimula-
ção, podendo registrar um platô seguido de um retorno lento à linha de base (14). Por
exemplo, em adultos, mediante estimulação de 1 segundo, é esperado que a resposta
hemodinâmica registre o seu valor máximo aproximadamente 6 segundos após o es-
tímulo, e que as concentrações de hemoglobina oxigenada e desoxigenada retornem
aos níveis de linha de base após 10 segundos do início do estímulo (1, 14). Em crian-
ças, vários estudos apontam para respostas hemodinâmicas mais lentas, comparadas
com adultos, demorando mais tempo tanto para atingir seu máximo quanto para re-
tornar aos níveis de linha de base (10).
Dessa forma, a duração das condições experimentais é um aspecto importante a se
considerar no desenho metodológico. Por um lado, blocos de estímulos muito curtos
induzem uma pequena variação metabólica, o que levará a um sinal de fNIRS menor do
que blocos de estímulos mais longos. Por outro lado, quanto maior a duração do estí-
mulo maior a probabilidade de o bloco correspondente ao estímulo ser afetado por
artefatos de movimento, principalmente em bebês. Assim, idealmente, a condição ex-
perimental deve ter uma duração entre três e 30 segundos, seguida de uma condição
controle tipicamente de duração igual ou superior para permitir que as concentrações
de hemoglobina oxigenada e desoxigenada retornem aos níveis de linha de base (20).
Também no que se refere aos artefatos de movimento, existem atualmente métodos
eficazes de correção que são aplicados durante a fase de pré-processamento dos dados
NIRS, procedimento crucial em estudos com população pediátrica (30). Além disso,
como o sinal de fNIRS também é sensível a variações hemodinâmicas provenientes da
fisiologia global, oscilações hemodinâmicas espontâneas podem se confundir com as
alterações induzidas pelo metabolismo neural, principalmente se o tempo de apresen-
tação entre estímulos for fixo (40). Por esse motivo, outro aspecto importante na apre-
sentação de estímulos por blocos é variar o tempo da condição controle.
Mesmo com todas as considerações acima, o desenho experimental de apresenta-
ção dos estímulos por bloco aumenta a robustez dos dados de fNIRS coletados (14).
Uma vez que são administradas várias repetições do estímulo experimental em um
mesmo bloco, é extraída uma resposta hemodinâmica a partir da média das respostas
individuais a cada repetição do estímulo. Apesar de não existir um número predefinido
de ensaios (repetições) a realizar, é importante garantir que o estímulo experimental
seja apresentado em número suficiente para obter um padrão robusto da resposta
hemodinâmica, considerando, ainda, a possibilidade de se verificar a presença de arte-
fatos de movimento ou de uma razão sinal-ruído inadequada nos dados de fNIRS (20).
Nesse sentido, é relativamente comum estudos com fNIRS em bebês procederem a
uma validação prévia dos ensaios de qualidade adequada mediante a observação do
comportamento do bebê durante o procedimento realizado, sendo apenas retidos para
posterior processamento e análise os ensaios considerados válidos (27). Se a razão
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sinal-ruído é adequada, então um número reduzido de ensaios pode resultar em dados


fNIRS mais confiáveis (20).
Ainda que menos frequente, uma alternativa ao desenho de apresentação dos es-
tímulos por bloco é a apresentação de estímulos relacionados a eventos. Esse tipo de
desenho experimental consiste na administração de estímulos de curta duração em
intervalos de tempo randomizados, que deverão ter uma duração suficiente para per-
mitir o retorno (pelo menos parcialmente) aos níveis de linha de base (1, 14). Dessa
forma, é possível captar respostas hemodinâmicas únicas a estímulos individuais (14).
Estímulos relacionados a eventos representam uma alternativa a estudos em que a
estimulação por bloco não é possível, como, por exemplo, em pesquisas sobre dor em
bebês recém-nascidos, durante procedimentos rotineiros de coleta de sangue (34). Um
ponto importante nesse desenho experimental, contudo, é a quantidade de eventos
apresentados, pois a resposta cerebral devido a um estímulo repetitivo tende a decair
progressivamente devido ao efeito de habituação (22). Por esse motivo, o intervalo de
tempo entre dois estímulos, mesmo randomizado, precisa considerar a possibilidade
de habituação, que pode afetar a análise das respostas obtidas entre os primeiros e os
últimos estímulos administrados.
Outro aspecto importante que temos que considerar é o posicionamento dos op-
todos sobre o escalpo. As fontes e detectores podem ser combinados de múltiplas for-
mas, otimizando o número de pares fonte-detector (tipicamente chamados de canais)
de dados fNIRS disponíveis e permitindo, dessa forma, uma maior cobertura das áreas
do córtex que se pretende avaliar (10). Tipicamente, estudos com fNIRS usam como
referência métodos internacionalmente reconhecidos, como, por exemplo, o sistema
de coordenadas 10/20, para padronizar o posicionamento dos optodos de acordo com
pontos externos de referência anatômica (10, 20, 24). Geralmente, utiliza-se uma touca
para manter a posição de cada optodo fixa ao longo do experimento. Contudo, esses
métodos fornecem informação sobre a organização geral do cérebro, mas não sobre a
localização de regiões cerebrais específicas (20, 24). Uma colocação incorreta dos
mesmos pode resultar em não conseguirmos avaliar a ativação na região cerebral de
interesse (10). Para estudos longitudinais, o reposicionamento da touca em duas ou
mais sessões distintas pode levar a variações nos resultados por causa da posição dos
optodos em relação à estrutura cerebral (29). Assim, algumas pesquisas têm procura-
do mapear a localização espacial de canais fNIRS, em áreas cerebrais específicas e para
faixas etárias específicas. Nessas propostas, o uso de digitalizadores e a informação
anatômica de ressonâncias magnéticas podem ser de grande auxílio para garantir uma
maior reprodutibilidade dos dados (24).
Outra questão importante diz respeito à distância ideal entre uma fonte e um de-
tector de luz. Devido aos princípios físicos de propagação da luz no tecido biológico, a
distância sobre o escalpo entre a fonte e o detector é sensível à profundidade da luz
espalhada que está sendo detectada (26). Detectores posicionados muito perto da fon-
265

te (< 1 cm) detectam apenas a luz espalhada dos tecidos mais próximos do escalpo,
não trazendo nenhuma informação sobre o córtex. Detectores posicionados a distân-
cias maiores da fonte conseguirão detectar luz proveniente de tecidos mais profundos.
A profundidade a qual um detector é sensível depende de vários fatores, como, por
exemplo, a idade ou a região cerebral a avaliar (14). Em adultos, a distância típica en-
tre optodos varia entre 3 e 4,5 cm (35). Em bebês, uma distância de 2-3 cm entre os
optodos parece ser eficaz em detectar ativação cerebral em resposta à estimulação
(14, 23).
Por fim, é importante garantir que os optodos estão fixados em segurança na tou-
ca NIRS e que mantêm um contato estável com o escalpo ao longo de toda a sessão de
coleta de dados. Tal cuidado irá reduzir a possibilidade de interferências externas (ru-
ído) no sinal NIRS. Em comparação a estudos de fNIRS com adultos, os estudos com
amostras pediátricas resultam em uma elevada taxa de perda amostral. Aproximada-
mente 40% das crianças da amostra são excluídas do processo de análise devido a da-
dos de fNIRS insatisfatórios ou com demasiado ruído (20). Além disso, contrariamente
ao que acontece em estudos com adultos, em estudos com crianças não é possível des-
pender de muito tempo examinando o sinal obtido, ajustando o posicionamento dos
optodos ou da touca e retomando a tarefa posteriormente (20).
Assim, é fundamental ponderar todos esses aspectos metodológicos quando pla-
nejamos um estudo de fNIRS com bebês e crianças pequenas, de forma a otimizar a
eficácia da aquisição de dados e minimizar a perda amostral por motivo de qualidade
insuficiente dos dados. Numa fase inicial, a realização de um estudo piloto com um
número reduzido de participantes pode ajudar a identificar parâmetros que precisam
ser ajustados, como, por exemplo, o número de ensaios, duração da condição experi-
mental e de controle, posicionamento dos optodos ou intervalo temporal para análise
de dados.

VANTAGENS E DESVANTAGENS DA TÉCNICA fNIRS

A fNIRS apresenta algumas vantagens que tornam essa técnica de neuroimagem


particularmente relevante para pesquisas com populações vulneráveis, incluindo be-
bês e crianças pequenas. Uma grande vantagem se refere ao fato de permitir que indi-
víduos que tradicionalmente são excluídos de estudos de neuroimagem com ressonân-
cia magnética (RM), por constrangimentos relacionados com movimento, possam ser
estudados utilizando fNIRS, como, por exemplo, recém-nascidos, participantes com
transtornos do neurodesenvolvimento ou deficiência intelectual. Além disso, a fNIRS é
uma técnica com elevado nível de conforto, quando comparada com a RM, que impõe
mais restrições físicas na sua utilização, sendo possível a sua aplicação em contextos
mais naturalistas (32), por exemplo, com o bebê sentado no colo da mãe. Como referi-
266

do anteriormente, para a avaliação da atividade cerebral com recurso a fNIRS, é usada


uma touca feita de um material elástico, onde são colocados os optodos, e que é colo-
cada na cabeça do participante. Assim, apesar do maior conforto oferecido pelos aces-
sórios usados na fNIRS, dependendo da idade do participante, é possível que algumas
crianças pequenas possam também ficar estressadas na colocação da touca ou após
um determinado período usando a touca na cabeça.
O fato de ser também uma técnica silenciosa (principalmente se comparada com a
RM) constitui uma importante vantagem, pois permite a apresentação de estímulos
auditivos (14, 20), aumentando, dessa forma, a variedade de estímulos e domínios de
funcionamento que podem ser estudados com a fNIRS. Além disso, estudos de ativação
funcional do cérebro com a ressonância magnética tipicamente usam o sinal depen-
dente do nível de oxigenação no sangue (chamado de sinal BOLD) e, embora a relação
do sinal BOLD com a atividade neural seja inquestionável (25), a origem fisiológica
quantitativa do sinal BOLD ainda é pouco esclarecida (4). Nesse aspecto, a fNIRS pro-
videncia uma avaliação mais direta e completa da resposta hemodinâmica ao registrar,
simultaneamente, alterações na concentração de hemoglobina oxigenada e desoxige-
nada (1, 14, 20, 32). Mesmo assim, aspectos relacionados com a proveniência do sinal
de fNIRS (33) e com o acoplamento neurovascular ainda precisam ser mais bem escla-
recidos para uma interpretação quantitativa correta do sinal de fNIRS.
Outra característica em que a fNIRS é particularmente vantajosa é a sua resolução
temporal, fornecendo um maior número de amostras de dados por segundo da respos-
ta hemodinâmica (1, 32). Atualmente, equipamentos de fNIRS comerciais podem fa-
cilmente chegar a centenas de pontos por segundo (aproximadamente 100 Hz), o que
permite captar a natureza de diferentes processos fisiológicos responsáveis por causar
variações na hemodinâmica cerebral – e, consequentemente, isolá-los. No entanto, a
resolução temporal da fNIRS é inferior à apresentada pela eletroencefalografia (EEG),
que chega a milhares de amostras por segundo (14, 20). Em contrapartida, a fNIRS
apresenta maior tolerância a artefatos de movimento em comparação com a RM e a
EEG (1, 14, 20, 32), o que é especialmente importante em estudos com amostras pediá-
tricas. Nesse sentido, não é necessário imobilizar ou sedar os participantes para uso da
fNIRS (o que é extremamente desafiante em amostras infantis), permitindo a avaliação
da atividade cerebral enquanto as crianças estão acordadas e ativamente engajadas
com o estímulo / tarefa, sendo essa uma das maiores limitações na utilização da resso-
nância magnética funcional em estudos pediátricos. Além disso, a fNIRS torna possível
a administração de tarefas comportamentais que envolvam algum movimento, como,
por exemplo, a execução de ações motoras simples (pegar uma bola). Contudo, é im-
portante garantir que a touca fNIRS esteja corretamente ajustada na cabeça do partici-
pante e que os optodos estejam fixados com segurança à touca, de forma a minimizar
qualquer interferência nos dados devido a artefatos de movimento.
267

Por fim, quando comparado com a RM, o custo de aquisição de um equipamento


fNIRS é significativamente mais acessível. Além disso, um equipamento de fNIRS pos-
sui baixo custo operacional, além de maior facilidade de aplicação, sem que seja neces-
sária a presença constante de um técnico especialista para manutenção dos equipa-
mentos. Atualmente, existem no mercado equipamentos de fNIRS portáteis, de tama-
nho reduzido, ou com transmissão de dados por meio de um sistema sem fios (36).
Esses avanços tecnológicos facilitam a realização de estudos em contextos mais natu-
ralistas e externos ao laboratório (por exemplo, casa da família) ou em regiões com
poucos recursos econômicos e sem equipamentos de grande porte como a RM (19).
Apesar das inúmeras vantagens da fNIRS, essa técnica apresenta também algumas
limitações que os pesquisadores devem considerar quando da seleção da técnica a ser
usada em pesquisas na área da neurociência do desenvolvimento infantil. Uma dessas
limitações se refere à baixa resolução espacial da fNIRS que, ainda que seja maior que
a da EEG, é bem inferior à resolução espacial da ressonância magnética funcional (1,
14, 20, 32). A resolução axial ou planar da fNIRS ainda pode ser melhorada utilizando
uma alta densidade de fontes e detectores de luz numa dada região, possibilitando,
inclusive, a geração de imagens tomográficas a partir de fNIRS (13). No entanto, a reso-
lução transversal, relacionada com a profundidade máxima atingida, parece ser limita-
da pelo princípio físico de funcionamento da técnica. A luz por infravermelho próximo
consegue penetrar até aproximadamente 1,5 cm de profundidade a partir do escalpo,
ainda que dependa de vários fatores como a distância entre a fonte e o detector, a ida-
de do participante ou espessura do crânio, entre outros (1, 32). Por essa razão, a fNIRS
é adequada para medir atividade cerebral em áreas que se encontram mais à superfí-
cie do córtex, enquanto regiões mais internas e subcorticais (por exemplo, amígdala,
hipocampo) não podem ser investigadas com recurso a essa técnica (1, 14, 32). Mesmo
o monitoramento das regiões mais superficiais do cérebro é limitado pelo número de
fontes e detectores de luz, pelo que pode não ser possível medir simultaneamente a
resposta hemodinâmica em toda a superfície cortical (32).
Por fim, a fNIRS não permite obter informação sobre a estrutura do cérebro dos
participantes que possa ser usada posteriormente como referência anatômica. Assim, a
alternativa é obter previamente uma imagem via outra técnica, como a tomografia
computadorizada ou a ressonância magnética estrutural do indivíduo (o que pode ser
mais difícil de obter em amostras infantis), e alinhar a localização dos optodos tendo
em conta pontos externos de referência anatômica (38). Quando a coleta independente
de imagens estruturais não é uma opção, podem-se usar modelos médios de ressonân-
cia magnética estrutural, adequados para a idade e perímetro cefálico da criança, que
servirão como estimativa da localização aproximada dos optodos de acordo com pon-
tos externos de referência anatômica (24).
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APLICAÇÕES DA fNIRS NA AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

As aplicações da fNIRS em pesquisas na área do desenvolvimento infantil são mui-


to diversificadas e têm registrado uma evolução significativa na última década. O au-
mento exponencial de estudos com fNIRS durante a infância pôde ser verificado a par-
tir de uma pesquisa rápida na base de dados PubMed, usando as seguintes palavras-
chave em inglês: (infant or infancy) and child* and (nirs or fnirs or spectroscopy or "near
infra-red"). Dessa pesquisa resultaram 7.991 registros até maio de 2021. Mais especifi-
camente, 6.568 desses registros (equivalente a 82% do total) se referem aos últimos
10 anos. Durante esse período, foram também publicados alguns artigos de revisão
sobre as aplicações da fNIRS em amostras pediátricas, permitindo perceber quais os
domínios de funcionamento têm sido frequentemente investigados e que tipo de estí-
mulo é mais utilizado. Vale referir que a fNIRS tem sido usada tanto para o estudo do
desenvolvimento típico precoce quanto no estudo do desenvolvimento atípico, como,
por exemplo, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtor-
no do Espectro Autista (TEA), entre outras patologias que afetam o desenvolvimento
infantil (37).
Considerando as possibilidades que a fNIRS oferece em avaliar a resposta cerebral
enquanto a criança está ativamente engajada em uma tarefa, esda é uma técnica parti-
cularmente relevante para investigar os mais diversos domínios de desenvolvimento,
tais como o processamento sensorial, competências linguísticas, aprendizagem e me-
mória, funções executivas, processamento de faces, ou habilidades de atenção compar-
tilhada (1, 14, 37). De forma semelhante, a fNIRS permite a administração de estímulos
nas diferentes modalidades sensoriais, desde estímulos visuais (por exemplo, imagens
estáticas ou dinâmicas, estímulos apresentados ao vivo ou em vídeo, objetos em mo-
vimento, flashes de luz), auditivos (como música, voz humana, bips) e olfativos (odo-
res, como leite materno ou artificial), a estímulos táteis (por exemplo, toque, vibração)
(10, 20, 37). Nesse sentido, a técnica fNIRS proporciona uma vasta gama de oportuni-
dades de pesquisa com bebês e crianças pequenas, em um período crítico do desenvol-
vimento humano, podendo auxiliar na identificação de correlatos neurais específicos
associados a determinados distúrbios do neurodesenvolvimento e, consequentemente,
à sua intervenção precoce. Em seguida, damos alguns exemplos de estudos com fNIRS
que contribuíram para uma melhor compreensão do desenvolvimento infantil em
amostras com desenvolvimento típico e atípico.
A fNIRS tem mostrado utilidade na compreensão do desenvolvimento sensório-
motor durante o primeiro ano de vida. O estudo de Oliveira et al. (9) usou fNIRS para
avaliar a atividade cerebral em resposta à estimulação sensório-motora comparando
bebês nascidos prematuros e a termo, aos 6 e 12 meses de idade. A estimulação consis-
tiu em uma vibração produzida por um micromotor, aplicada na mão direita do bebê,
269

enquanto o bebê estava sentado no colo da mãe / pai ou cuidador. Foi usado um para-
digma de bloco em que o estímulo experimental (vibração) foi administrado por 8 se-
gundos, seguido de 20 segundos de período de descanso entre os ensaios (oito repeti-
ções). A combinação de fontes e detectores usados pelos autores permitiu cobrir as
regiões frontal, parietal, temporal e occipital de ambos os hemisférios. Outro estudo,
de Miguel et al. (27), com bebês de 12 meses de idade e sem queixas de desenvolvi-
mento, usou a técnica de fNIRS para investigar o processamento neural de toque afeti-
vo e relacioná-lo com o perfil comportamental de reatividade a estimulação tátil. O
estudo consistiu em duas condições experimentais: toque afetivo, consistindo em mo-
vimentos suaves de pincel sobre a pele a uma velocidade de 8 cm/s; e toque discrimi-
nativo, batidas leves com um bloco de madeira, administradas no antebraço da criança
por uma pesquisadora previamente treinada. Foram realizados oito ensaios por condi-
ção experimental, em que o estímulo tátil foi apresentado por 10 segundos, seguidos
de um período de 20 segundos de descanso (sem toque). Durante todo o procedimen-
to, a criança ficou sentada em uma cadeira Bumbo multiassento, assistindo um vídeo
sem som. As áreas cerebrais avaliadas pelos autores, e definidas de acordo com os ob-
jetivos e hipóteses específicas do estudo, foram o córtex somatossensorial primário
(hemisfério esquerdo) e região temporal superior (hemisfério direito).
Além de proporcionar o estudo de modalidades sensoriais básicas como estímulos
somatossensoriais, a fNIRS pode ser usada para compreender processos mais comple-
xos, como o processamento de emoções no contexto de interação. Behrendt et al. (2)
recorreram à fNIRS para estudar a interação mãe-bebê em tempo real e examinar os
possíveis correlatos neurais associados com a regulação emocional do bebê durante
interações diádicas. Os autores avaliaram bebês de 6-7 meses de idade em interação
com suas mães durante uma versão modificada do procedimento de Still-Face, em que
a mãe e uma mulher não familiar ao bebê (em blocos separados de ensaios) apresen-
tavam uma face Still-Face (expressão facial neutra e ausência de interação com o bebê)
ou uma face feliz (sorrir e interagir ativa e positivamente com o bebê). Os períodos de
estimulação (Still-Face e face feliz) tinham 16 segundos de duração, seguidos de um
período de 8 segundos de descanso em que o adulto (mãe e mulher não familiar) segu-
ravam um tecido branco na sua frente ocultando o seu rosto. Os autores avaliaram a
resposta hemodinâmica no córtex frontal (bilateralmente).
A fNIRS também tem sido usada em idades mais avançadas para compreender
memória e outras funções cognitivas superiores. O estudo de Buss et al. (3) avaliou a
memória de trabalho visual em crianças de 3-4 anos de idade com recurso a fNIRS. As
crianças ficaram sentadas em frente a uma tela de TV, onde eram exibidos os estímu-
los, compostos por diferentes formas brancas apresentadas em um cartão cinza sobre
um fundo preto. A tarefa decorreu em quatro blocos de 12 ensaios cada, em que era
apresentado à criança um cartão com três formas brancas, por aproximadamente 2
segundos, e era pedido para olhar a imagem e recordar as formas. Em seguida, esse
270

primeiro cartão era removido e, após um ligeiro atraso, substituído por um segundo
cartão (teste) com formas. Então, era solicitado à criança que respondesse verbalmen-
te se as formas dos dois cartões correspondiam ou não. As áreas cerebrais avaliadas
foram o córtex frontal e parietal (bilateralmente).
Os estudos acima referidos integram parte da literatura científica que tem usado a
técnica fNIRS para elucidar sobre o funcionamento típico do cérebro em maturação e
como mudanças no desenvolvimento cerebral estão associadas a mudanças no com-
portamento das crianças. Tal conhecimento pode ajudar a detectar, precocemente,
indicadores de distúrbios do neurodesenvolvimento, bem como identificar períodos
críticos para avaliação de possíveis alterações nas trajetórias de desenvolvimento in-
fantil (37). Por exemplo, Lloyd-Fox et al. (21) avaliaram a resposta hemodinâmica a
estímulos visuais e auditivos de natureza social em bebês de 4-6 meses de idade com
risco elevado de TEA (tinham irmão(ã) com diagnóstico de TEA), por comparação a
bebês sem história familiar de TEA. Os estímulos visuais consistiram na apresentação
de dois clipes de vídeo (9-12 segundos de duração), em que uma atriz movimentava os
seus olhos durante uma brincadeira com as mãos (por exemplo, Cadê-Achou, do inglês
peek-a-boo), intercalada com um intervalo da mesma duração em que eram mostradas
imagens coloridas estáticas de diferentes tipos de transporte (por exemplo, carros).
Por sua vez, a estimulação auditiva consistiu na apresentação, por 8 segundos, de sons
vocais (como riso, choro) ou não vocais (como água corrente), intercalados com perío-
dos de silêncio. As regiões cerebrais avaliadas foram o córtex frontal e temporal (bila-
teral), e o bebê ficou sentado no colo do pai / mãe durante todo o procedimento.
Como é possível observar nos exemplos acima referidos, as potencialidades de
pesquisas usando a fNIRS são muito variadas não só quanto às habilidades e aos domí-
nios de desenvolvimento avaliados, mas também quanto ao tipo de estímulo utilizado
em populações pediátricas. Além disso, avanços recentes no aperfeiçoamento da técni-
ca, equipamentos e no processamento e análise de dados permitiram o uso da fNIRS
para avaliar a atividade cerebral de duas ou mais pessoas simultaneamente, durante
interações sociais em um contexto mais naturalista, o que é particularmente interes-
sante para investigar as interações parentais e sua influência no desenvolvimento pre-
coce das crianças. Como exemplo, o estudo de Nguyen et al. (28) usou a fNIRS para
examinar os efeitos da qualidade da interação na sincronia neural entre crianças de 5
anos e suas mães durante uma tarefa de resolução de problemas. A tarefa foi dividida
em três condições: cooperação (a díade foi instruída a resolver em conjunto um que-
bra-cabeças com peças de tangram, durante 120 segundos), individual (mãe e criança
resolviam individualmente o mesmo quebra-cabeças, sem interagir e com uma tela
opaca entre si, durante 120 segundos), e descanso (olhos fechados por 80 segundos).
Durante todo o procedimento, a díade ficou sentada em uma mesa, onde realizaram
todas as atividades, com a criança posicionada de frente para a mãe. Foi avaliada a
resposta hemodinâmica em áreas temporoparietais e pré-frontais do cérebro.
271

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira infância (0-6 anos de idade) é um período particularmente vulnerável


às influências do contexto (por exemplo, a qualidade dos cuidados recebidos, experi-
ências de interação social com os outros, nível socioeconômico e as oportunidades e
recursos a ele associados etc.), as quais vão moldar o cérebro em maturação e influen-
ciar a trajetória de desenvolvimento do indivíduo. Desde o nascimento, os bebês são
agentes sociais que aprendem por meio da interação com os outros, em um processo
dinâmico de mediação entre o cérebro e o comportamento. Assim, é fundamental en-
tender como o cérebro em desenvolvimento responde e se molda à influência dos fato-
res contextuais (8). Tal conhecimento permite uma compreensão mais aprofundada e
integrada do desenvolvimento social, emocional e cognitivo das crianças, principal-
mente ao nível de correlatos neurais específicos subjacentes a diferentes domínios de
funcionamento. Identificar essas assinaturas neurais em populações típicas poderá
ajudar a definir áreas de avaliação e de intervenção em populações com distúrbios do
neurodesenvolvimento.
Nesse contexto, a fNIRS se apresenta como uma alternativa particularmente inte-
ressante em pesquisas com população pediátrica por conta das especificidades dessa
amostra. Este capítulo teve como objetivo sintetizar os princípios básicos subjacentes
à técnica, bem como as suas principais vantagens e desvantagens, e outros aspectos
metodológicos a ponderar quando se pretende usar a fNIRS para avaliar o funciona-
mento cerebral durante a infância. Além disso, a referência a estudos realizados com
recurso à técnica também permite entender as potencialidades dessa metodologia e
sua adequação à avaliação das mais diversas temáticas no âmbito do desenvolvimento
típico e atípico. A comunidade científica fNIRS está em constante evolução, o que se
traduz no desenvolvimento de equipamentos e sistemas mais sofisticados e eficazes na
aquisição de dados, métodos de processamento e análise dos dados, bem como na de-
finição de orientações padronizadas que possam auxiliar os pesquisadores a conduzir
os seus estudos e reportar os seus dados com elevado rigor técnico e científico (39).
Apesar dos desafios associados à avaliação neuroimagiológica de bebês e crianças pe-
quenas, é fundamental caracterizar as mudanças nas respostas hemodinâmicas ao lon-
go do desenvolvimento e fatores que possam contribuir para essa variabilidade na po-
pulação infantil.

AGRADECIMENTOS

Agardecemos o apoio financeirodo Programa CAPES/PrInt Processo 88887.


310343/2018-00.
272

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275

17
O uso da espectroscopia funcional por
infravermelho próximo (fNIRS) como técni-
ca de neuroimagem em pesquisas sobre o
transtorno do déficit de atenção / hiperati-
vidade (TDAH) a partir de uma perspectiva
dimensional e de heterogeneidade

Armando dos Santos Afonso Junior


Izabella Trinta Paes
Vera Lúcia Esteves Mateus
Ana Alexandra Caldas Osório
Walter Machado Pinheiro
Luiz Renato Rodrigues Carreiro
276

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é caracterizado por


sinais de desatenção e/ou hiperatividade / impulsividade, que resultam em impacto
significativo na vida pessoal, acadêmica e ocupacional (1, 2). Afetando cerca de 5% da
população infantil e 2,5% da população adulta, o TDAH é considerado um transtorno
do neurodesenvolvimento, cujos sintomas estão associados a alterações cerebrais du-
rante o desenvolvimento (2). O conhecimento sobre o TDAH e, consequentemente, a
prática clínica que se sustenta nele, possui uma evolução histórica que acompanha o
progresso tecnológico e científico. Inicialmente, os sintomas foram descritos a partir
da observação de comportamentos na infância, ainda em uma classificação rudimentar
e com pouco embasamento biológico. Aos poucos, novos conhecimentos foram acumu-
lados e uma imagem mais clara do quadro se formou, apesar de alguns erros de concei-
tualização persistirem (por exemplo, atribuição dos sintomas à deficiência moral). A
partir de estudos neuropsicológicos, foi possível identificar anormalidades cerebrais
como base de déficits de atenção, hiperatividade e impulsividade excessivas, o que foi
posteriormente corroborado por técnicas de neuroimagem disseminadas na segunda
metade do século XX. A etiologia do quadro ficou ainda mais clara com o avanço de
estudos genéticos que identificaram fatores poligênicos associados ao TDAH (16).
Ao longo do tempo, o TDAH foi visto, inicialmente, como uma deficiência moral e,
posteriormente, como um transtorno hiperativo, que poderia ser acompanhado por
desatenção ou como um transtorno com diferentes apresentações, diferentes níveis de
severidade, entre outras facetas (16); e não há razão para acreditar que atingimos o
ápice do conhecimento sobre o TDAH. Conforme novas tecnologias se tornam disponí-
veis e novas teorias agregam evidências, é esperada uma mudança na prática e pesqui-
sa envolvendo o transtorno. O seguinte capítulo discorre sobre como a tecnologia de
Espectroscopia Funcional por Infravermelho Próximo (fNIRS) pode ajudar a aprofun-
dar o entendimento sobre o TDAH. Inicialmente serão apresentadas as questões de
heterogeneidade e dimensionalidade do transtorno, que são pontos altamente discuti-
dos atualmente, para, em seguida, introduzir a técnica de fNIRS e sua colaboração nes-
sa discussão.
Em tempos recentes, uma série de estudos tem destacado a heterogeneidade e o
aspecto dimensional do TDAH, indicando a necessidade de mais uma mudança no mo-
do como entendemos o transtorno (29). A heterogeneidade se refere aos achados de
que a manifestação do TDAH é mais diversa do que foi considerado inicialmente, de tal
forma que indivíduos diagnosticados com o transtorno podem apresentar diferentes
fatores etiológicos, alterações cerebrais e déficits cognitivos e comportamentais (18).
Já o aspecto dimensional é relacionado com os achados que apontam que os sintomas
do TDAH são mais bem entendidos como traços distribuídos de modo contínuo por
277

toda a população, com algumas pessoas localizadas no extremo dessa distribuição, com
prejuízos mais notáveis (29). No sentido oposto, o relativo consenso atual é de que o
TDAH é um diagnóstico categórico, ao invés de dimensional, o que envolve uma visão
binária: as pessoas têm TDAH ou não têm TDAH. Esse não é um problema novo e nem
é exclusivo desse transtorno (14). De fato, toda a área da saúde mental tem discutido
temas similares, indicando a necessidade de atualizações na psiquiatria que façam uso
da facilidade atual de concentrar grandes bancos de dados, buscar por padrões neles
por meio de algoritmos de machine learning e obter medidas objetivas e quantificáveis
de funcionamento neurobiológico, o que contribui para a chamada “psiquiatria de pre-
cisão” (34). A seguir, será discutido melhor esse tema, destacando sua importância e
apresentando sugestões dadas na literatura. Por fim, a espectroscopia funcional por
infravermelho próximo (fNIRS – functional near-infrared spectroscopy) será apresen-
tada com o objetivo de demonstrar como essa tecnologia pode ajudar na empreitada
de conceitualizar melhor o TDAH.

DIMENSIONALIDADE E HETEROGENEIDADE NA PSIQUIATRIA

Profissionais da saúde mental dirigem suas práticas de acordo com manuais espe-
cíficos criados para esse fim, sendo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM) e a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID) notavelmente influentes. Aqui, daremos um foco maior ao DSM, já que
esse é tido como o sistema de classificação psiquiátrico mundialmente predominante
(17). No entanto, é comum a ambos os manuais a descrição de transtornos mentais
como entidades discretas, diferindo qualitativamente entre si e de um estado não pato-
lógico. A nosologia empregada no DSM tem importante função pragmática, facilitando
a realização de estudos epidemiológicos, ajudando na contabilização da prevalência de
casos ao criar procedimentos padronizados, além de contribuir na produção de estu-
dos genéticos, na elaboração de tratamentos e na comunicação, tanto entre profissio-
nais da área da saúde mental quanto entre companhias de seguro e de financiamento
de pesquisas, que passaram a possuir uma linguagem comum de referência (23). Ape-
sar disso, a validade das categorias propostas pelo DSM é constantemente contestada
por achados genéticos, comportamentais e de imageamento cerebral (6, 22), daí as
atualizações realizadas pelas diferentes edições. O DSM foi construído a partir de fato-
res históricos, e pouco de sua teoria teve embasamento empírico (8). Somado a isso e
contrariando as expectativas, a disseminação do uso do DSM não diminuiu em grande
escala a morbidade ou mortalidade (incluindo taxas de suicídio) relacionadas com os
principais transtornos psiquiátricos, o que é particularmente contrastante com a redu-
ção observada em outras áreas da medicina, como aquelas relacionadas às doenças
cardíacas, derrames e câncer (17).
278

Um dos principais problemas apontados é o aspecto categórico desses sistemas


diagnósticos. Ou seja, o fato de que os manuais psiquiátricos mais influentes tratam
transtornos mentais como entidades bem definidas e distintas, sugerindo que algumas
pessoas se encaixam em categorias específicas, enquanto outras não se encaixam em
categoria alguma, sem muito espaço para meio termo. Se a pessoa cumpre um número
mínimo de sintomas, ela pode receber um diagnóstico e tratamento subsequente. Se
não cumpre pode ser considerada uma pessoa sem dificuldades relevantes e receber
pouco ou nenhum cuidado em especial. Mais grave ainda é que não há evidências de
um ponto de corte claro que demarque o limite entre as condições descritas no DSM e
condições não patológicas (17), indicando limiares criados arbitrariamente. Atualmen-
te, não existe evidência de que algum dos transtornos presentes no manual constitua
uma entidade categórica discreta (15). Consequentemente, o uso de um modelo artifi-
cial categórico para tratar fenômenos que são naturalmente dimensionais leva a uma
perda substancial de informações, instabilidade diagnóstica e baixa eficácia de trata-
mentos (15).
Um corpo de evidências tem apontado falhas em sistemas diagnósticos categóri-
cos. Por exemplo, é mais comum que diferentes transtornos apareçam juntos, em co-
morbidade (80% dos adultos com TDAH apresentam comorbidade psiquiátrica (33)),
do que transtornos que se manifestam de forma isolada. Tal sobreposição frequente de
transtornos mentais contesta a validade deles como entidades próprias e distinguíveis
(23) e mostra que eles não são mutualmente excludentes, como pressupõe o ideal de
taxonomias categóricas (17). Em um caso extremo e marcante relatado na literatura,
uma pessoa atingiu o critério diagnóstico para todas as 10 variedades de transtornos
de personalidade apresentadas no DSM-5 (17). Além de interferir no diagnóstico, tal
modelo categórico dificulta o encaminhamento ao melhor tratamento. Ao aceitar que
alterações psiquiátricas surgem exclusivamente nos moldes propostos pelo DSM, o
clínico fica sujeito a avaliações superficiais e a desconsiderar outros aspectos fenome-
nológicos e características específicas de cada paciente que não estejam já listadas nos
manuais (23). A alta taxa de comorbidades encontrada atualmente sugere que talvez
haja uma estrutura classificatória de psicopatologias que seja mais parcimoniosa e que
o limite entre esses transtornos deve ser reavaliado (15).
Apesar dos problemas mencionados, é preciso destacar que a última versão do
DSM (DSM-5) já tomou algumas medidas em direção a um diagnóstico dimensional.
Por exemplo, o TDAH agora pode ser classificado de acordo com seu nível de severida-
de (leve, moderado ou grave), o que leva alguns autores a conceberem o DSM como um
modelo híbrido, e não puramente categórico (21). No entanto, o diagnóstico ainda é
categórico no sentido em que o paciente precisa, primeiro, cumprir o número mínimo
de sintomas. Da mesma forma, o DSM propõe a categoria “não especificada / outro
especificado”, para aqueles pacientes que apresentam alguns sintomas, mas não o sufi-
ciente para receber o diagnóstico. Porém, poucas informações são dadas sobre essas
279

categorias e a prática clínica de como proceder nesses casos recebe consideravelmente


menos atenção.
Um dos principais problemas desses modelos é a negligência de pessoas que apre-
sentam sintomas suficientes para impactar suas vidas, mas não suficientes para rece-
ber diagnóstico e tratamento apropriado (17). Estudos apontam que pessoas que
apresentam alguns sintomas de TDAH, mas não o suficiente para atingir o critério di-
agnóstico (por exemplo, três dos nove sintomas listados no DSM), apresentam mais
prejuízos neuropsicológicos e impactos funcionais do que quem não apresenta sinto-
ma algum, apesar desses prejuízos serem menores do que em indivíduos que cum-
prem o critério completo, atestando para o caráter dimensional do transtorno: quanto
mais sintomas, maior o prejuízo, independentemente de ultrapassar o ponto de corte
estipulado (6). Essas pessoas, que constituem um grupo (significativo) subliminar de
diagnóstico, quando não são ignoradas de um ponto de vista clínico, acabam por cair
na vaga e nebulosa categoria de “não especificada / outro especificado”. Pessoas que
apresentam alguns sintomas, mas não o mínimo exigido pelos manuais, fazem pouco
proveito, inclusive, de pesquisas clínicas, já que não costumam ser incluídas nas amos-
tras experimentais por não cumprirem o critério de inclusão dos estudos (4). Como
resultado, é indefinido se os resultados de pesquisas sobre avaliação e intervenção são
diretamente aplicáveis a essas pessoas e qual seria o melhor manejo nesses casos.
Ainda não foi identificada, e alguns autores argumentam que provavelmente nun-
ca será, uma entidade com limites categóricos reais para o TDAH, que exista para além
de convenções sociais ou conveniência descritiva (21). De forma complementar, estu-
dos neurobiológicos e genéticos corroboram o aspecto contínuo dos sintomas de
TDAH. Estudos sobre alterações estruturais do cérebro apontam para uma relação li-
near entre o afinamento cortical e a severidade de sintomas e déficits neuropsicológi-
cos no TDAH, variando desde a ausência de sintomas até, gradualmente, níveis de di-
agnóstico, sem evidência de descontinuidade entre os dois extremos (21). Na área da
genética, estudos apontam para uma forte associação genética entre casos extremos do
TDAH e casos subliminares, demonstrando que mesmo fatores etiológicos hereditários
dão suporte a uma distribuição contínua dos traços de TDAH (5).
Outra falha comumente apontada do DSM, é que seu conteúdo não condiz com a
crescente evidência empírica de que transtornos mentais tendem a ser extremamente
heterogêneos, fato comum a todos os transtornos psiquiátricos e não apenas ao TDAH
(17). O TDAH, especificamente, é heterogêneo em relação aos seus fatores etiológicos,
manifestações e trajetórias de desenvolvimento dos sintomas, comorbidades presen-
tes e prejuízos neuropsicológicos (18, 19). Variações na combinação de fatores etioló-
gicos provavelmente são responsáveis por variações nos correlatos neurais apresen-
tados, o que resulta em diversos perfis cognitivos e comportamentais do transtorno
(18). Dessa forma, diferentes pacientes que apresentam um mesmo diagnóstico podem
ter manifestações únicas e que precisam de formas específicas de intervenção (23). O
280

uso de um modelo menos dependente de categorias bem estabelecidas, e que contem-


plasse a heterogeneidade desses transtornos, permitiria que indivíduos fossem avalia-
dos e tratados de acordo com suas capacidades e dificuldades específicas, individual-
mente, integrando informações de diferentes níveis e contemplando a diversidade psi-
quiátrica (22).

ALTERNATIVA A SISTEMAS PSIQUIÁTRICOS CATEGÓRICOS

Diferentes linhas científicas de pesquisa estão tentando propor soluções para o


atual modelo categórico de classificação de transtornos mentais (11, 15). A alternativa
mais popular defende substituir categorias bem definidas por diferentes domínios que
possam ser avaliados individualmente, a partir de uma visão dimensional. Esses domí-
nios constituem traços indicativos de psicopatologia que se distribuem por toda a po-
pulação, em diferentes níveis, refletindo diferenças individuais em características não
adaptativas (15). Por exemplo, a desatenção poderia constituir um domínio que varia
desde níveis tão baixos que não causam interferência significativa, até níveis elevados
o suficiente para interferir em múltiplas áreas da vida – com níveis intermediários, de
prejuízo moderado.
Seguindo essa linha, uma iniciativa influente é a do Research Domain Criteria
(RDoC). O RDoC foi proposto em 2009 pelo National Institute of Mental Health (NIMH)
como um sistema de classificação para fins de pesquisa, ainda sem utilidade clínica (4).
Essa proposta surgiu de um consenso na área da saúde mental sobre a necessidade de
incorporar dados empíricos no entendimento de transtornos mentais e apresenta uma
abordagem dimensional de caráter neurobiológico, propondo a investigação e valida-
ção de constructos dimensionais que mediam psicopatologias (4). Dessa forma, um de
seus pressupostos básicos é que a manifestação de sintomas psicopatológicos está as-
sociada com alterações cerebrais passíveis de serem identificadas e usadas clinicamen-
te (11), o que tem base nas ciências biológicas (17). O principal destaque do RDoC é
que ele propõe domínios baseados em constructos clinicamente relevantes e embasa-
dos na neurobiologia e psicologia. Os diferentes domínios propostos (incluindo pro-
cessos cognitivos, como atenção e percepção, e sistemas de valência positiva e negati-
va) devem ser analisados em todo seu espectro de funcionamento, do normal ao pato-
lógico, e a partir de diferentes unidades de análise (por exemplo, em nível genético,
molecular, circuitaria cerebral e comportamental). Em longo prazo, a ideia é que os
resultados de pesquisas que sigam esse modelo dimensional gerem informações sufi-
cientes para a criação de diagnósticos mais confiáveis e válidos dentro da psicopatolo-
gia, ao incorporar dados patofisiológicos que permitirão identificar alvos de tratamen-
to, diferentes perfis de prejuízos e, por fim, criar uma ponte mais consistente entre
pesquisa e clínica (11).
281

Considerando a história da medicina, o RDoC e sua abordagem neurobiológica


mantém um caráter promissor. Modelos atuais pressupõem que seja possível diferen-
ciar transtornos mentais a partir da observação da manifestação de sinais e do relato
subjetivo de sintomas. No entanto, essa é uma técnica pouco precisa. Categorias base-
adas em sinais e sintomas podem não representar os mecanismos fundamentais por
detrás de uma dada disfunção, o que retarda o desenvolvimento de novos tratamentos
que foquem em mecanismos patofisiológicos subjacentes (11). Esse tipo de progresso
aplicado na clínica só é possível a partir do desenvolvimento de medidas laboratoriais
de funcionamento biológico, que permitam a investigação objetiva de estados patoló-
gicos e não patológicos. Como o RDoC põe ênfase no funcionamento cerebral psicopa-
tológico, seu progresso depende do uso de técnicas modernas de neuroimagem que
permitam a investigação do funcionamento cerebral para a identificação de disfunções
associadas aos domínios propostos (11).
A falta de suporte empírico para as categorias criadas no DSM constitui uma “crise
de confiança na nosologia psiquiátrica” (5). Os problemas decorrentes de um sistema
classificatório ineficiente de transtornos mentais são múltiplos e afetam não só a área
clínica, mas também a pesquisa. Por exemplo, as diretrizes do DSM e da CID se torna-
ram padrão para o financiamento de pesquisas, condução de ensaios medicamentosos
e aprovação de novos tratamentos medicamentosos, criando uma “prisão epistemoló-
gica” que exclui métodos alternativos (17). O atraso no progresso da psiquiatria, em
comparação com outras áreas da medicina, é em parte atribuído ao modo como trans-
tornos mentais são imprecisamente conceitualizados, o que não facilita diferenciações
biológicas (13). Assim, o uso de técnicas neurobiológicas, como ferramentas de neu-
roimagem, pode contribuir para formar uma nova visão mais biológica dos transtornos
mentais, o que tem potencial para alavancar a eficácia diagnóstica e de intervenção.
Em se tratando de transtornos do neurodesenvolvimento, como o TDAH, a fNIRS de-
monstra ser uma técnica promissora na investigação dos componentes neurofisiológi-
cos de psicopatologias.

A TÉCNICA fNIRS

A Espectroscopia Funcional por Infravermelho Próximo (fNIRS) é uma técnica de


neuroimagem funcional que existe desde a década de 1990 e cujo interesse por parte
da comunidade científica tem crescido exponencialmente (7). Um interesse especial
pela fNIRS é apresentado pelas áreas relacionadas ao desenvolvimento humano, con-
siderando as vantagens que a técnica proporciona, que serão apresentadas abaixo
(36). De um modo geral, técnicas de neuroimagem funcional são úteis ao possibilitar a
investigação do funcionamento cerebral diante de uma demanda específica, o que con-
tribui para o entendimento da neurobiologia associada a habilidades cognitivas, emo-
282

cionais e comportamentais. A fNIRS é uma técnica não invasiva que utiliza luz no es-
pectro infravermelho próximo (comprimentos de onda entre 650 e 950 nm) para me-
dir mudanças na concentração de hemoglobina oxigenada (HbO) e desoxigenada
(HbR) no cérebro (7). A técnica se embasa no princípio neurobiológico de acoplamento
neurovascular, que relaciona o aumento de atividade local no cérebro com um aumen-
to do Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC) para essa mesma região, de modo a suprir a de-
manda de glicose e oxigênio causada pela atividade neuronal (28). E as hemoglobinas,
proteínas encarregadas do transporte de oxigênio, são cromóforos dominantes no te-
cido cerebral para absorção de luz na faixa do infravermelho próximo. Como tecidos
biológicos são relativamente transparentes à luz infravermelha no intervalo ótico aci-
ma referido, a luz utilizada pela fNIRS incide sobre o escalpo, adentra pele, crânio, te-
cido nervoso e líquido cefalorraquidiano, se propaga em diferentes direções, e parte é
absorvida por hemoglobinas. Então, o aumento de atividade cerebral pode ser inferido
a partir da absorção de luz do infravermelho próximo pelas hemoglobinas (30).
Para medir as mudanças nos níveis de oxigenação do sangue, a fNIRS emprega
dois tipos de optodos: um que atua como fonte de luz infravermelha, que costumam
ser diodos emissores de luz (LED) ou emissores de laser; e outro, como detector, que
capta a luz emitida no tecido cerebral e que consegue retornar à superfície do escalpo.
A luz empregada pelas fontes é transportada por meio de cabos de fibra óptica (30).
Assim, a atenuação que a luz do infravermelho próximo sofre, desde sua fonte até o seu
detector, pode ser usada para inferir mudanças na concentração de hemoglobina oxi-
genada e desoxigenada em uma localização específica do córtex. O sinal puro de inten-
sidade de luz é convertido para densidade óptica e, então, para concentração de HbO e
HbR, o que é feito a partir de uma versão modificada da lei de Beer-Lambert, utilizada
na física para medir a propagação de luz em um dado meio. Uma versão modificada
dessa lei é necessária para considerar a trajetória da luz infravermelha no tecido cere-
bral. Isso porque a luz percorre uma trajetória complexa nas diversas camadas do te-
cido nervoso, podendo refratar até 10 vezes por centímetro entre os optodos fonte e
detector (30).
A fNIRS costuma trabalhar com dois ou três comprimentos de onda distintos, co-
mo, por exemplo, 670 e 890 nm ou 760 e 850 nm (1), o que permite calcular separa-
damente a concentração de HbO e HbR, já que esses dois cromóforos apresentam dife-
rentes taxas de absorção a depender do comprimento de onda de luz utilizado. Existe
um ponto isosbéstico no espectro de luz infravermelho, em que a taxa de absorção é
equivalente para HbO e HbR. Antes desse ponto, HbR apresenta uma maior taxa de
absorção, e, depois dele, HbO apresenta maior taxa de absorção. Assim, são tipicamen-
te utilizados comprimentos de onda que representem os dois lados desse ponto
isosbéstico (28). Quando há aumento de atividade cerebral, o FSC gera um influxo de
HbO maior do que é consumido pelos neurônios, o que resulta no aumento significati-
vo da concentração de HbO e na diminuição, em menor grau, da concentração de HbR.
283

Ambos podem ser analisados e utilizados como medidas de atividade cerebral pela
fNIRS, assim como a concentração total de hemoglobinas (HbT), porém a HbO se des-
taca como uma medida mais sensível às mudanças no FSC, além de ter melhor razão
sinal-ruído e confiabilidade teste-reteste (35).
Na prática, os optodos (fontes e detectores de luz) são acoplados a uma touca, se-
guindo alguma referência de padrão topográfico (geralmente o sistema internacional
de coordenadas 10/10 ou 10/20 da eletroencefalografia), que é então vestida na cabe-
ça do examinando. Um par fonte-detector forma um canal de medida das concentra-
ções de hemoglobina oxigenada e desoxigenada na área do córtex imediatamente
abaixo de sua localização. A distância entre fonte-detector é um parâmetro crucial nos
estudos com fNIRS, já que quanto maior a distância entre a fonte e o detector que for-
mam um canal, maior é a profundidade de penetração da luz no cérebro. Porém, con-
forme essa distância aumenta, a qualidade do sinal se deteriora (28). Assim, é reco-
mendado uma distância fonte-detector de 3 a 3,5 cm em adultos e de 2 a 3 cm em be-
bês e crianças mais novas (9). Como a profundidade que a luz alcança corresponde
aproximadamente à metade da distância entre fonte-detector, a luz emitida penetra
até 1,5 cm de profundidade no córtex, o que impossibilita a avaliação de estruturas
mais mediais, como regiões subcorticais (28).
Técnicas de neuroimagem costumam ser avaliadas de acordo com sua capacidade
espacial e temporal de aquisição de dados. Nesse sentido, a fNIRS apresenta resolução
espacial de aproximadamente 1 cm e resolução temporal de aproximadamente 1-10
Hz (28). Seu procedimento é não invasivo e pode ser repetido inúmeras vezes pelo
mesmo examinando, já que a luz infravermelha não causa desconforto ou qualquer
dano físico conhecido. Ela também se destaca por ter um custo mais acessível e ser
mais facilmente transportada para diferentes contextos de avaliação (28). Inclusive,
existem versões portáteis da fNIRS que podem ser utilizadas fora do laboratório, em
condições mais ecológicas e clinicamente relevantes (27). De muito interesse aqui, a
fNIRS é robusta contra artefatos de movimento, possibilitando, assim, alguma liberda-
de de movimentos para os examinandos, em comparação com outras técnicas. Princi-
palmente pelo seu caráter não invasivo, por poder ser utilizada em ambientes mais
naturalísticos (como parques e salas de aula) e por impor menos restrições físicas no
examinando, a fNIRS se destaca na pesquisa do desenvolvimento e é uma ferramenta
que possui um potencial enorme para elucidar os mecanismos que subjazem os trans-
tornos do neurodesenvolvimento. A técnica pode, inclusive, ser aplicada em bebês,
desde o seu nascimento, o que permite realizar estudos longitudinais que investiguem
características neurobiológicas do desenvolvimento típico e atípico (36). Em contraste,
uma das principais desvantagens da fNIRS é com relação à baixa profundidade máxima
atingida pela luz infravermelha.
Frequentemente as técnicas de neuroimagem são comparadas entre si. Outras
técnicas de neuroimagem funcional bastante utilizadas atualmente são a ressonância
284

magnética funcional (fMRI), a eletroencefalografia (EEG) e a tomografia por emissão


de pósitrons (TEP). A fMRI possui maior resolução espacial (chegando a milímetros
por voxel) do que a fNIRS, apesar de ter pior resolução temporal (~1 Hz). Além disso,
máquinas de fMRI são grandes, de difícil transporte e com alto custo operacional (28).
Se tratando de pesquisas sobre o neurodesenvolvimento, fMRI também possui as des-
vantagens de ser altamente sensível a artefatos de movimento, demandar que o exa-
minando permaneça deitado durante todo o experimento e emitir um ruído constante
que pode incomodar pessoas mais sensíveis, que apresentem sensibilidade sensorial.
As restrições de movimentos da fMRI impedem até mesmo que os examinandos falem
durante o experimento, o que limita a possibilidade de respostas empregadas e preju-
dica estudos que dependem da resposta oral do participante. A EEG, por sua vez, se
destaca por sua excelente resolução temporal (mais de 1.000 Hz), apesar de ter uma
resolução espacial limitada (5 a 9 cm) (28). A coleta de dados de EEG também é mais
difícil em comparação à fNIRS, por depender da aplicação de material condutor no
contato entre escalpo e eletrodos. Na fNIRS, apesar de tal material não ser necessário,
é preciso tomar cuidado para desobstruir a região do escalpo abaixo dos optodos, re-
movendo cabelos que possam gerar interferência no sinal. Além disso, é fundamental
garantir que os optodos estejam corretamente posicionados de forma a abranger a
região cerebral de interesse, e que estejam bem fixados na touca, minimizando, assim,
a possibilidade de ruído no sinal. Por fim, técnicas como a TEP possuem a desvanta-
gem de serem invasivas, dependendo da injeção de radionuclídeos nos examinandos, o
que limita a quantidade de vezes que pode ser aplicada (30).
O objetivo aqui não é fazer uma comparação detalhada e exaustiva sobre as técni-
cas, mas simplesmente destacar a utilidade da fNIRS em pesquisas sobre o neurode-
senvolvimento. E, apesar de essas técnicas serem diretamente comparadas, elas não
são excludentes entre si. Diversos estudos têm se aproveitado das vantagens de cada
técnica ao combiná-las em protocolos, como fNIRS-fMRI ou fNIRS-EEG. Por exemplo,
combinar fNIRS com EEG é um método útil para aproveitar a maior resolução espacial
da fNRIS com a maior resolução temporal da EEG (30). Assim, ao invés de alternativas,
essas ferramentas podem ser vistas como complementares.

APLICAÇÃO DA FNIRS NO TDAH

Considerando suas características, a fNIRS tem valor inestimável na pesquisa do


TDAH. Um dos principais motivos é a sua tolerância a artefatos de movimento. Como
uma das características do TDAH é a hiperatividade, presente de forma exacerbada
principalmente em crianças mais novas, de idade pré-escolar, uma dificuldade ineren-
te à pesquisa de neuroimagem nessa população envolve evitar que os examinandos
produzam artefatos de movimento durante a avaliação. A relativa tolerância da fNIRS a
285

esse tipo de ruído garante um sinal de maior qualidade, o que facilita a análise e infe-
rência de ativações cerebrais. Além disso, a fNIRS permite uma investigação mais pro-
funda do TDAH ao possibilitar que o experimento se dê em um ambiente natural para
a criança ou, pelo menos, que ela possa emitir uma variedade maior de respostas, o
que contrasta com a fMRI, em que a criança precisa ficar confinada dentro do equipa-
mento e restrita a respostas motoras simples e artificiais, como apertar botões. Nesse
sentido, a fNIRS possibilita, inclusive, apresentar estímulos auditivos e coletar respos-
tas orais, o que é complicado na fMRI, por conta do ruído alto que o equipamento emi-
te e das restrições de movimentos (30). Apesar das vantagens de técnicas desenvolvi-
das na psicologia experimental, que envolvem apresentar estímulos artificiais, exigir
respostas simples e manter o máximo de controle durante o experimento, é fundamen-
tal desenvolver protocolos complementares, de maior validade ecológica, para apro-
fundar a compreensão do funcionamento cerebral (26).
A possibilidade de examinar comportamentos em contextos naturalísticos é espe-
cialmente relevante no caso de pesquisas cujo alvo seja o córtex pré-frontal (CPF), uma
região cerebral de interesse no caso do TDAH. O CPF é intimamente ligado a compor-
tamentos voluntários emitidos em situações não estruturadas, com poucas restrições,
em que não existe um único curso de ação que possa ser tomado e que, portanto, é ne-
cessário o planejamento para a emissão de comportamentos apropriados. Inclusive,
alguns autores argumentam que protocolos experimentais que visem investigar o CPF,
mas apresentam controle excessivo do contexto experimental, podem comprometer a
validade de constructo das tarefas realizadas, já que essas situações diminuem a de-
manda do CPF e suas funções top-down, não sendo representativas de situações cotidi-
anas (3). Dessa forma, a compreensão de como o CPF está realmente implicado no
TDAH pode ficar comprometida se depender exclusivamente de estudos não naturalís-
ticos.
A maioria dos trabalhos já publicados com fNIRS, relacionados ao TDAH, se preo-
cupou em investigar o controle cognitivo (20), que consiste na habilidade de ajustar o
comportamento diante de novas demandas e cujo prejuízo é associado ao TDAH (24).
De modo geral, esses estudos sugerem uma menor ativação do CPF no TDAH, indicado
por uma menor concentração de HbO durante demandas cognitivas (20). Há evidência
de atividades cerebrais atípicas em crianças entre 6 e 14 anos com TDAH durante a
realização de tarefas de inibição, fortemente associadas com o controle cognitivo. Em
comparação com um grupo-controle, crianças com TDAH apresentam aumento redu-
zido de HbO em regiões frontais, sugerindo ativação frontal significativamente menor
(10). No entanto, outros resultados também já foram encontrados. Por exemplo, Jour-
dan Moser et al. (12) encontraram um consumo maior de oxigênio no córtex pré-
frontal dorsolateral direito em crianças com TDAH durante a realização da tarefa Stro-
op, indicado por um aumento de HbR, na ausência de aumento significativo de HbO.
Weber et al. (37) também não encontraram diferenças na concentração de HbO entre
286

grupos-controle e TDAH durante a realização de tarefas atencionais. No entanto, os


autores observaram que a concentração de HbR se manteve constante no grupo com
TDAH, apesar de ter um aumento no grupo-controle, o que foi interpretado como uma
menor capacidade de metabolização do oxigênio no grupo de crianças com TDAH, cor-
roborando a hipótese de um funcionamento atípico do CPF. Notavelmente, esse tipo de
análise só é possível de ser realizado com a fNIRS, que permite uma avaliação mais
completa da resposta hemodinâmica, ao medir tanto a concentração de HbO quanto a
de HbR.
Por fim, a fNIRS é interessante para investigar a cognição social, cujo prejuízo
pode ser associado ao TDAH (25). Inclusive, uma das principais vantagens atribuídas à
fNIRS é sua utilidade em pesquisas da neurociência social. Um dos motivos, já citado, é
que a fNIRS pode ser utilizada em situações mais naturalísticas, próximas àquelas em
que a interação social ocorre. Por exemplo, ela pode ser aplicada durante uma intera-
ção face a face, que é um dos contextos de interação mais comuns na vida diária (30).
Além disso, a fNIRS tem sido recentemente usada em pesquisas que adotam a metodo-
logia de hyperscanning, que consiste em analisar a ativação cerebral de mais de uma
pessoa, simultaneamente (28). Ou seja, é possível investigar o funcionamento cerebral
de duas pessoas durante uma interação social entre elas, o que pode elucidar pontos
importantes sobre possíveis diferenças em nível da cognição social entre indivíduos
com TDAH e com desenvolvimento típico. E, apesar de o hyperscanning ser possível
com outras ferramentas, como a fMRI, a fNIRS facilita o processo ao possibilitar a divi-
são dos optodos de um mesmo sistema entre diferentes indivíduos (28).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fNIRS tem demonstrado seu valor na pesquisa do neurodesenvolvimento, tanto


em casos de pessoas clinicamente saudáveis como em casos psiquiátricos ou neuroló-
gicos. No TDAH, a principal área cerebral investigada é o CPF. Isso porque o TDAH é
comumente associado a alterações na circuitaria pré-frontal-estriatal-talamocortical,
sendo as regiões pré-frontais as áreas passiveis de serem investigadas pela fNIRS, por
conta das limitações em nível da profundidade do córtex alcançada pela técnica. Ape-
sar disso, corroborando a ideia de heterogeneidade do TDAH, há evidências de que
uma série de outras regiões cerebrais podem estar implicadas no transtorno (32). Por
isso, talvez seja necessário que estudos de neuroimagem adotem uma metodologia
exploratória, buscando as bases neurais que estão associadas com prejuízos específi-
cos. Por exemplo, diferentes perfis de funcionamento executivo já foram identificados
no TDAH, com grupos que apresentam prejuízos inibitórios, na velocidade / flexibili-
dade cognitiva ou nenhum prejuízo detectado (31). Seria interessante entender como
o funcionamento cerebral difere entre esses perfis de TDAH, para aumentar a compre-
287

ensão dos prejuízos presentes no transtorno. Considerando todas as vantagens da


fNIRS descritas neste capítulo (portabilidade, preço, menos restrições), a técnica tem
destaque como uma ferramenta de neuroimagem promissora, podendo ajudar a eluci-
dar a heterogeneidade no TDAH, a buscar biomarcadores para déficits específicos e a
progredir para um sistema diagnóstico mais dimensional, que complemente o conhe-
cimento sobre o transtorno. Em teoria, por exemplo, as concentrações de HbO, HbR e
HbT poderiam ser associadas com tarefas e prejuízos específicos, caracterizando, de
forma dimensional, desatenção, hiperatividade ou impulsividade. Dados de fNIRS,
complementados por dados de outras unidades de análise (comportamental, genética,
molecular), como sugerido pelo RDoC, possuem potencial para o delineamento de per-
fis mais complexos de prejuízos e habilidades individuais, trazendo luz para os meca-
nismos fisiopatológicos de diferentes transtornos, o que ajuda no progresso do desen-
volvimento de tratamentos personalizados e de maior eficácia. Esse é um dos possíveis
caminhos a serem traçados para aprimorar os métodos diagnósticos psiquiátricos atu-
almente predominantes, que demonstram divergências da literatura científica e negli-
genciam parte significativa da população.

AGRADECIMENTOS

Agardecemos ao Programa de Excelência Acadêmica – Proex (Processo


1133/2019) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Ca-
pes), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnplógico – CNPq (Pro-
cessos 307730/2017-4 e 307443/2019-1), ao Fundo Mackenzie de Pesquisa (Mack-
Pesquisa) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), e à Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp (Processos 2018/01063-0 e 2019/20757-
1), pelo suporte necessário para o desenvolvimento das pesquisas que compõem os
capítulos deste livro.

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and atypical development. Neuroimage. 2014; 85:264-71.
37. Weber P, Lütschg J, Fahnenstich, H. Cerebral hemodynamic changes in response to an ex-
ecutive function task in children with attention-deficit hyperactivity disorder measured by
near-infrared spectroscopy. Dev Behav Pediatr. 2005; 26(2):105-11.
291

18

Espectroscopia funcional de infravermelho

próximo (fNIRS): aplicações em pesquisas

na área educacional

Waldir M. Sampaio

Fernanda N. Pantaleão

Carolina Gudin

Marília Lira

Paulo S. Boggio
292

INTRODUÇÃO

A atividade neurofisiológica é um indicador de diversas funções cognitivas essen-


ciais durante atividades de ensino-aprendizagem, como a memória, que, por exemplo,
é fundamental para a absorção e utilização de conceitos aprendidos (36). Nesse senti-
do, pesquisas na área educacional podem se beneficiar de técnicas que permitam ava-
liar a atividade cerebral em ambiente escolar. No entanto, técnicas tradicionais de neu-
roimagem, como a ressonância magnética, não permitem esse tipo de avaliação, uma
vez que, usualmente, necessitam de ambientes mais controlados.
Os avanços de tecnologias de neuroimagem proporcionaram opções para a análise
da atividade cerebral de forma dinâmica e em tempo real, além de evoluir em equipa-
mentos de fácil aplicação, seguros e viáveis economicamente, como a espectroscopia
funcional de infravermelho próximo (fNIRS). Como será demonstrado ao longo do ca-
pítulo, a fNIRS tem despertado interesse científico e evoluiu rapidamente como uma
ferramenta promissora para análise do funcionamento cerebral. Trata-se de técnica de
neuroimagem não invasiva e portátil, que fornece dados de variação hemodinâmica de
áreas do córtex. A tecnologia possui diversos pontos positivos, quando comparada a
outras técnicas de neuroimagem, como a possibilidade de utilização em situações mais
próximas da vida real, não sendo dependente de ambientes extremamente controla-
dos, e a facilidade de utilização em bebês e crianças. Assim, para pesquisadores na área
educacional, a fNIRS pode ser uma ferramenta produtiva para investigações que bus-
quem compreender o papel da atividade cerebral em funções cognitivas relacionadas à
aprendizagem em ambiente escolar.
Considerando essa possibilidade de uso, neste capítulo apresentamos uma revisão
compreensiva da literatura com os fundamentos tecnológicos da espectroscopia funci-
onal de infravermelho próximo, seu histórico de desenvolvimento e os princípios bási-
cos de seu funcionamento. São discutidas as aplicações da tecnologia a pesquisas em
educação como, por exemplo, a possibilidade de realização de experimentos de hypers-
canning para estudo da atividade cerebral durante processos de interação social entre
alunos ou entre aluno(s) e professor. Por fim, são apresentados os parâmetros neces-
sários para formulação de métodos experimentais eficientes na utilização da fNIRS.

PRINCÍPIOS BÁSICOS DE FUNCIONAMENTO DO fNIRS

A espectroscopia funcional de infravermelho próximo (fNIRS) é uma técnica não


invasiva de neuroimagem baseada na variação hemodinâmica do cérebro (14). O prin-
cípio básico de funcionamento da fNIRS é a capacidade de absorção de luz no espectro
293

de infravermelho próximo em tecidos humanos, o que permite o uso de tecnologia de


espectroscopia para análise de variações hemodinâmicas.
Em 1977, Frans Jöbsis (21) reportou alto grau de transparência do tecido cerebral
em luz de infravermelho próximo (NIR), na janela de 650 - 1000 nm, o que possibilita-
ria a detecção não invasiva da hemoglobina utilizando tecnologia de espectroscopia.
Existem duas possibilidades de destino para a luz NIR: ser absorvida por cromóforos
no tecido cerebral ou a simples dispersão dos fótons de luz pelo tecido (25). No entan-
to, é possível captar parte dessa luz a partir de um optodo fotorreceptor; é esse o me-
canismo de funcionamento da fNIRS.
Na prática, para o funcionamento da fNIRS, um optodo emissor lança um raio de
luz NIR enquanto um optodo fotorreceptor recebe a luz que interagiu com cromóforos
e foi parcialmente absorvida (Figura 1) (25). Dessa maneira, é possível calcular a oxi,
desoxi-hemoglobina e hemoglobina total presentes no tecido cerebral investigado.
Logo, quanto maior a absorção de luz NIR e menor chegada de fótons ao optodo recep-
tor, maior a presença de hemoglobina.

Figura 1. Esquema demonstrativo da localização e do funcionamento de optodos. Ilustração:


Ana Luísa Freitas (2021).

Assim como outras técnicas, como a ressonância magnética funcional, por exem-
plo, o funcionamento da fNIRS está relacionado ao Blood Oxygenation Level Dependent
Effect (BOLD), ou seja, a possibilidade de uso da fNIRS está associada ao fenômeno de
acoplamento neurovascular, que é o aumento de oxigenação e fluxo sanguíneo em
áreas de ativação neuronal (23). Dessa forma, a análise de variação hemodinâmica
294

proporcionada pela fNIRS permite a avaliação de atividade neuronal em regiões espe-


cíficas do córtex.
Um dos maiores benefícios desse equipamento é a possibilidade de ser utilizado
em situações muito próximas da vida real, permitindo realização de análises da hemo-
dinâmica cerebral em situações que envolvam interações com outras pessoas e reali-
zação de atividades diversas por parte do participante de pesquisa ou paciente, em
caso de uso clínico. Essa usabilidade é um diferencial em relação a outras técnicas de
neuroimagem, como a ressonância magnética funcional.
No entanto, há limitações associadas à tecnologia. A principal delas é a impossibi-
lidade de investigação de áreas cerebrais muito profundas (25). Essa dificuldade se dá
primeiramente por um fator associado ao alcance das ondas de infravermelho próxi-
mo. A pesquisa de Hoshi et al. (18) demonstrou que fótons que chegam a uma profun-
didade maior que 25 mm do couro cabeludo dificilmente são detectados pelo optodo
receptor, boa parte do sinal obtido vem de 1-2 mm da superfície cortical. Outro fator
envolvido no acesso a regiões mais profundas do córtex é a distância entre os optodos
de emissão e recepção da luz (25). Embora a distância entre os optodos seja proporci-
onal à penetração da onda de luz NIR, o distanciamento também resulta em perda de
sensibilidade da detecção pelo optodo receptor.
Portanto, é preciso analisar os benefícios e limitações envolvidos na utilização da
fNIRS para decidir sobre seu melhor uso. A tecnologia, como demonstraremos a seguir,
é promissora para pesquisas na área educacional que busquem contar com alta valida-
de ecológica, ou seja, manipulações experimentais em situações mais próximas ou
idênticas àquelas da vida ordinária do participante de pesquisa enquanto se analisa a
atividade cerebral.

UTILIZAÇÃO DE fNIRS EM PESQUISAS

Possibilidades de uso

A utilização da tecnologia de fNIRS tem sido cada vez mais frequente nas neuroci-
ências nos últimos 20 anos, o que refletiu em um aumento significativo de publicações
com o equipamento. Por exemplo, realizando pesquisa na plataforma Pubmed, quando
utilizamos apenas "fNIRS" como termo de busca, temos um crescimento de 950% de
publicações em 10 anos (de 44 artigos publicados em 2010 para 418 em 2020), já rea-
lizando a pesquisa com os termos "fNIRS AND education" houve um crescimento de
490% (um em 2010 e 49 em 2020). A facilidade de manejo e a segurança, em compa-
ração com outros equipamentos de neuroimagem, como a ressonância magnética fun-
295

cional, permitem que a fNIRS se adéque em diversas áreas do conhecimento, desde o


neurodesenvolvimento até a economia (5).
Apesar de algumas dificuldades e limitações, como a restrição de profundidade e re-
solução espacial, a fNIRS é passível de ser utilizada em conjunto com outros equipamen-
tos, como a sonografia Doppler, a ressonância magnética funcional, a eletroencefalogra-
fia e outros, o que torna seu uso particularmente atrativo em estudos de neurociência,
psiquiatria e psicologia. Inicialmente, o foco dos estudos com fNIRS estava em processos
mais básicos, como a visão, a linguagem, a cognição e o sistema motor (12, 19).
Em relação à visão, por exemplo, Kato et al. (22) relataram a ocorrência de um
aumento do volume sanguíneo no córtex occipital durante estimulação fótica (ou seja,
de lampejos luminosos em um local escuro), bem como uma maior oxigenação na área.
Esse foi o primeiro estudo que relatou a função visual cortical avaliada por meio da
fNIRS, demonstrando que o equipamento e a técnica de estimulação fótica poderiam
ser utilizados para avaliar a função cerebral em indivíduos em estado vegetativo, em
crianças e em pessoas com deficiência visual.
No campo da cognição, pode-se mencionar o estudo de Herrmann et al. (16), que
verificou maior ativação bilateral do córtex pré-frontal durante uma tarefa de fluência
verbal, na qual os participantes deveriam falar palavras que começam com determina-
da letra, em comparação com a condição controle (ou seja, de ausência de estímulo ou
descanso). A ativação do córtex pré-frontal em atividades desse tipo já havia sido rela-
tada em pesquisas anteriores, entretanto, nesse estudo, os autores demonstraram que
o uso de fNIRS poderia esclarecer e especificar os padrões de ativação cerebral causa-
dos pela tarefa.
As investigações iniciais com uso da fNIRS foram importantes para compreender o
funcionamento típico do cérebro em adultos e em crianças em tarefas mais ecológicas
quando comparados ao uso de outros dispositivos de neuroimagem como a ressonân-
cia magnética funcional. No campo da Psiquiatria, a fNIRS tem sido utilizada para ava-
liar a ativação cortical em distúrbios do desenvolvimento como o Transtorno de Déficit
de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA),
além de outros transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia, depressão e ansiedade.
Nesse sentido, Ehlis et al. (11) avaliaram a oxigenação cerebral de indivíduos com
TDAH em relação à memória operacional, ou seja, uma memória de curto prazo que
auxilia na manutenção e manipulação de informações. Os pesquisadores encontraram
que, em comparação com indivíduos neurotípicos, aqueles com TDAH apresentaram
menor concentração de oxi-hemoglobina no córtex pré-frontal ventrolateral durante
uma tarefa de atenção. Portanto, os achados sugerem que dificuldades de atenção em
pessoas com TDAH podem estar relacionadas a déficit na memória operacional; esse
conhecimento pode facilitar o desenvolvimento de estratégias e intervenções mais
efetivas para indivíduos com o transtorno. Sendo assim, entende-se que a realização de
296

estudos com indivíduos neurodivergentes possuem um impacto positivo na compre-


ensão dos pormenores de diferentes distúrbios, possibilitando a reflexão acerca das
formas de tratamento e atendimento dessa população.
É possível compreender as evidências de neuroimagem a partir de uma perspecti-
va mais ampla. Os estudos têm buscado cada vez mais entender os processos cerebrais
como sendo parte de uma rede neural, um sistema que funciona de maneira conjunta e
integrada (4), em oposição à visão anterior, segundo a qual cada área é responsável
isoladamente por um conjunto de funções. Assim, entende-se, atualmente dentro da
neurociência, que processos emocionais e cognitivos dependem de redes neurais, ou
seja, da interação entre diferentes áreas cerebrais, para ocorrerem. Tendo isso em vis-
ta, é possível utilizar a fNIRS para receber informações de oxi e desoxigenação de mais
de uma área cerebral, auxiliando na compreensão de processos de integração multis-
sensorial, por exemplo.
Arizono et al. (1) avaliaram a sensação de percepção corporal a partir do paradigma
da Ilusão da Mão de Borracha (IMB), no qual uma estimulação síncrona realizada com
pincéis é aplicada sobre a mão do participante (escondida da visão) e uma prótese seme-
lhante a mão humana (observada pelo participante). O paradigma ilusório leva à sensa-
ção de propriedade da mão de borracha como sendo a própria mão do participante, de-
vido à integração multissensorial entre visão, tato e propriocepção. Os autores encontra-
ram uma maior ativação da área motora e do córtex pré-frontal direito durante a sensa-
ção de propriedade corporal da mão de borracha, sugerindo que essas áreas possuem
papel importante na consciência corporal, a partir da conectividade e compartilhamento
de informações multissensoriais quando os estímulos são sincrônicos e congruentes.
Nessa linha, o estudo conduzido por Gudin et al. (15) buscou verificar o efeito da
administração de ocitocina na percepção da IMB por meio da análise hemodinâmica
cerebral pela fNIRS. A ocitocina é um hormônio e neurotransmissor que foi relaciona-
do na literatura a comportamentos pró-sociais, podendo favorecer a proximidade en-
tre indivíduos. Os pesquisadores encontraram que a administração de ocitocina acele-
rou o início da percepção ilusória da mão de borracha, mas não houve diferença signi-
ficativa na ativação cerebral quando comparado ao uso de placebo de ocitocina. Ambas
as condições, de administração de ocitocina e de placebo, durante a IMB, foram associ-
adas à ativação no córtex pré-motor ventral e córtex intraparietal, áreas ligadas à sen-
sação de propriedade corporal. Dessa forma, pode-se ressaltar a funcionalidade da
fNIRS que, apesar de sua limitação espacial, permite a avaliação de diferentes áreas
cerebrais simultaneamente, contribuindo para a compreensão das redes neurais que
subsidiam determinados processos.
Assim, é possível perceber que o equipamento de fNIRS pode ser usado em dife-
rentes contextos devido à sua segurança, relativa portabilidade, conforto para o parti-
cipante e possibilidade de monitoramento em um longo período. Ademais, avanços
297

recentes permitiram o desenvolvimento de equipamentos de fNIRS leves e portáteis,


que podem ser utilizados ao ar livre com participantes em movimento. Desse modo, é
possível realizar experimentos mais ecológicos, ou seja, mais próximos de situações
reais, o que aumenta a relevância e possibilidade de generalização dos resultados (30).
Outra possibilidade atual de uso do equipamento ocorreu devido à descoberta de
que a fNIRS pode prover marcadores objetivos da curva de desenvolvimento cerebral.
Com isso, surgiram estudos acerca do impacto da desnutrição e de dificuldades sociais
no desenvolvimento infantil em crianças de até 2 anos de idade, um período crítico
para o sistema nervoso central (26). Assim, é possível apontar a versatilidade do equi-
pamento, que pode ser utilizado de forma bem-sucedida até mesmo em bebês.
A tecnologia de fNIRS foi aprimorada consideravelmente nos últimos anos, tendo
conquistado o interesse de neurocientistas no mundo todo. Com essa crescente evolu-
ção, o futuro certamente parece promissor.

Aplicações na área da educação

Neste tópico, iremos abordar estudos com a fNIRS aplicado na área da educação,
tendo em vista que informações de atividade hemodinâmica cerebral em tarefas espe-
cíficas podem contribuir para uma prática mais inclusiva dentro das escolas (10). Além
disso, conhecimentos sobre o funcionamento cerebral em uma determinada tarefa ou
relacionados a um diagnóstico clínico podem auxiliar em estratégias pedagógicas mais
eficientes para demandas escolares (10).
Algumas críticas que podem ser feitas às pesquisas experimentais dizem respeito
ao fato de que estratégias e respostas encontradas nem sempre são aplicáveis nos con-
textos reais, por serem realizadas em contextos laboratoriais (10). Devido à sua porta-
bilidade, a fNIRS tem se destacado na neurociência aplicada à educação, pois, diferen-
temente de outros equipamentos, pode ser levado até os ambientes de ensino-
aprendizagem (32). Entretanto, os estudos do funcionamento cerebral podem ser be-
néficos para fundamentar estratégias pedagógicas, mesmo quando aplicados a diferen-
tes contextos (10).
No campo da matemática, estudos foram conduzidos com uso da fNIRS e mostra-
ram ativação do sulco intraparietal direito em bebês de 6 meses acordados, ao obser-
varem quantidade de variações de símbolos. O sulco intraparietal direito é apontado
na literatura como área fundamental para processamento e compreensão numérica
(32). Outras pesquisas revelam que a tecnologia de fNIRS pode trazer mais conheci-
mento sobre o desenvolvimento infantil (2). No entanto, avanços nas pesquisas com
fNIRS são necessários para melhor compreensão simbólica numérica em crianças pré-
escolares (32).
298

Artemenko et al. (2) convidaram crianças de 11 a 12 anos de idade a resolver


equações matemáticas das quatro operações básicas - adição, subtração, divisão e mul-
tiplicação, ao longo de um ano. A partir dos registros da atividade cerebral pela fNIRS,
foi possível observar menor ativação de regiões frontais durante a resolução de contas
de subtração, sugerindo menor complexidade para resolução de problemas matemáti-
cos. Por outro lado, na resolução de operações de adição e de multiplicação foi obser-
vado aumento da ativação do giro angular e de regiões temporais, indicando que essas
operações se tornaram processos mais automáticos ao longo do tempo, possivelmente
por utilizar estratégias como a tabuada (2). Outro estudo se propôs a analisar somente
a multiplicação e apontou que contas mais complexas utilizam mais a memória de tra-
balho, a atenção sustentada e o planejamento, o que promove maior ativação no giro
frontal médio. Entretanto, nas contas matemáticas mais simples, foram verificadas
ativações nas regiões parietais (31). Kuroda et al. (24) estão de acordo com esses re-
sultados, porém utilizaram outra tarefa de resolução de problemas, o tangaram. O es-
tudo tinha como objetivo ampliar as pesquisas em geometria em crianças, a partir de
resolução de quebra-cabeças, tendo em vista que geometria envolve manipulação es-
pacial. Foi observada uma diferenciação nas crianças na faixa etária dos 11 anos em
consequência de suas estratégias e dificuldades com o quebra-cabeça: uma parte delas
não conseguiu executar a tarefa no tempo de experimento e demonstrou um aumento
constante na ativação do pré-frontal; outra parte desenvolveu uma estratégia ao longo
do tempo, de modo que houve um pico de atividade do pré-frontal e redução após a
resolução do problema; outras crianças não tiveram dúvidas na resolução e apresenta-
ram uma ativação constante do pré=frontal, sem picos ou redução de ativação (24).
Outra estratégia estudada atualmente é a de hyperscanning, ou seja, a avaliação da
atividade cerebral de dois ou mais indivíduos interagindo entre si; tal estratégia é rela-
tivamente recente nos estudos de neurociência social, contudo possui como principal
vantagem o conhecimento da interação social de maneira mais natural, em contextos
considerados orgânicos, permitindo, assim, verificar a ativação cerebral em interação
num sistema único (3). No campo da educação, alguns estudos foram conduzidos com
intuito de investigar a relação professor-aluno. Os primeiros pesquisadores a utilizar
essa metodologia foram Holper et al., em 2013 (17), avaliando 17 pares de professores
e alunos num diálogo socrático, ou seja, o ensino a partir de perguntas e reflexão sobre
experiências de vida pessoal. Os autores revelaram correlação positiva da semelhança
da atividade hemodinâmica de professor e aluno e da compreensão do assunto. Porém,
os alunos que não obtiveram a compreensão do assunto apresentaram maior atividade
do pré-frontal, o que demonstra maior demanda cognitiva (17). Apesar de essa pesqui-
sa apontar para ativação do córtex pré-frontal em dificuldades de compreensão, essa
temática é recente e pouco explorada no campo das neurociências. Portanto, novas
pesquisas são necessárias para melhor compreensão desses achados (17, 24, 31).
299

Metodologias de pesquisa como essa auxiliam a valorizar a relação professor-


aluno como uma maneira efetiva de melhorar o desempenho escolar. Entretanto, ou-
tros estudos buscaram embasar estratégias de intervenção para aprimorar as funções
executivas - planejamento, julgamento, tomada de decisão, flexibilidade, controle inibi-
tório, entre outras. O estudo de Kyeongho Byun et al. (8), por exemplo, verificou me-
lhora na atenção em testes de função executiva após a realização de atividades físicas
leves. Os achados demonstraram ativações aumentadas no córtex pré-frontal dorsola-
teral esquerdo e na área frontopolar pela fNIRS. O córtex pré-frontal dorsolateral é
associado com atenção, controle inibitório e flexibilidade executiva, ações fundamen-
tais para a tarefa do desenho experimental do estudo. Por outro lado, a área frontopo-
lar vem sendo fortemente associada à tomada de decisão e ao julgamento moral (8).
Estudos como esse demonstram o impacto da atividade física no desempenho escolar.
Além das contribuições da aplicabilidade da fNIRS na educação em neurodesen-
volvimento típico, a fNIRS tem sido usado em pesquisas em distúrbios do desenvolvi-
mento, com resultados promissores para auxiliar na compreensão de diferentes aspec-
tos desses indivíduos, e fornecer caminhos para construção de uma educação inclusiva
e da adequação de intervenções pedagógicas. Nessa linha, estudos com crianças com
baixa capacidade visuoespacial demonstraram que a ativação do córtex frontal inferi-
or, correspondente à compreensão de gestos, na observação de movimentos só ocor-
reu com movimentos realizados por humanos e não com movimentos dinâmicos não
humanos. Resultados como esse incentivam mais pesquisas investigando a interação
social e melhores estratégias com pessoas com baixa capacidade visuoespacial (7).
Uma revisão de literatura sobre fNIRS e TEA apontou que, em tarefas de reconhe-
cimento facial, memória de trabalho, organização visuoespacial, entre outras ativida-
des, houve ativação cerebral atípica no giro frontal inferior, giro temporal médio e su-
perior e no giro fusiforme; tais áreas são importantes para expressão de entonação na
fala, processamento de informação auditiva e visual, memória e reconhecimento facial.
Essa revisão é relevante para maiores compreensões entre sintomatologia do autismo
e a funcionalidade e conectividade cerebral (36). Em suma, a fNIRS é uma tecnologia
versátil e portátil, refletindo na possibilidade de desenvolver pesquisas realizadas no
contexto real e adaptadas para várias faixas etárias.

METODOLOGIA DE PESQUISA COM fNIRS

As pesquisas experimentais com uso da fNIRS apresentaram crescimento expo-


nencial nos últimos anos, o que promoveu avanço dos métodos tanto para aprimora-
mento dos protocolos experimentais, como na precisão dos registros de fNIRS por
meio da disposição dos optodos, quanto para os processamentos de dados. Entretanto,
para que pesquisas científicas continuem a evoluir de forma a promover resultados
300

confiáveis, robustos e replicáveis, artigos de revisão de metodologia (28, 20, 30, 33,
35) vêm sendo publicados para estabelecer diretrizes com intuito de otimizar os pro-
tocolos experimentais e garantir melhor aproveitamento de pesquisas com uso da
fNIRS.
Para conduzir pesquisas clínicas com uso de fNIRS, a literatura recomenda seguir
procedimentos específicos desde a preparação do uso do equipamento até as análises
estatísticas dos dados para extração dos resultados. Portanto, neste tópico vamos
apresentar parâmetros e procedimentos recomendados pela literatura atual para uso
da fNIRS.

Disposição de optodos

Os optodos são conjuntos de fontes e detectores dispostos no arranjo determina-


do pelo desenho experimental do estudo para sondar a resposta hemodinâmica do
cérebro. A disposição dos pares fonte-detector é flexível; eles são geralmente acopla-
dos em toucas ou faixas na superfície do couro cabeludo, abrangendo a área cerebral
(ou áreas cerebrais) que se deseja analisar (35). Entretanto, é importante ressaltar que
as medições dos sinais pela fNIRS dependem: da representação precisa da complexa
anatomia humana, dos tecidos adjacentes que afetam as migrações de fótons das fon-
tes para os detectores (34), de número de fontes-detectores, da posição, da extensão
de abrangência da disposição, da distância entre fonte-detector e da densidade da fon-
te. Portanto, a montagem do arranjo dos optodos afeta a sensibilidade da medição de
cada região cortical (34, 35).
Os optodos devem estar fixados de forma firme no couro cabeludo para evitar ou
minimizar ruídos de sinais de alterações hemodinâmicas extracerebrais. Porém, a fixa-
ção deve ser confortável, a fim de diminuir dor e incômodo pela alta pressão da sonda
na cabeça e, consequentemente, aumento da resposta do sistema nervoso autônomo, o
que pode aumentar sinais de confusão fisiológica sistêmica (33).
No posicionamento dos optodos a separação das fontes e detectores deve seguir
as recomendações de distância de 1,5 a 3 cm em crianças e de 2,5 a 5 cm (comumente
usada distância de 3 cm) em adultos (9). Além disso, devem ser usados modelos de
pontos de referência cranianos, como o sistema 10-20, 10-10 e 10-5 da eletroencefalo-
grafia, além dos pontos de referência nasion, inion, pré-auriculares. Os pontos servirão
de referência para localização da área / região cerebral específica a ser estudada e pa-
ra identificação de localização de cada fonte e detector pelo software associado à
fNIRS. Além disso, é recomendado identificar a localização da matriz fNIRS e as distri-
buições de sensibilidade do canal (área de medição única que o sistema é capaz de re-
gistrar) em relação à macroanatomia subjacente, por meio, por exemplo, de mapas de
sensibilidade cortical associados à matriz (35). O registro da matriz fNIRS pode ser
301

derivado de outros sistemas como tecnologias de neuronavegação, método de registro


de optodos por fotogrametria (20) e sistemas de posicionamento tridimensional (3D).
Para aumentar a precisão de medição dos sinais e eficiência na propagação de luz, mo-
delos de cabeça digital e simulações de algoritmo Monte Carlo (13) vêm sendo utiliza-
dos para controlar configurações e parâmetros do sensor da fNIRS como separação
fonte-detector, área de superfície do detector (35) e para aproximar comprimento do
caminho dos fótons que são usados para reconstruir mudanças de concentrações de
hemoglobina oxigenada (HbO2) e desoxigenada (HbR) (34).
Machado et al. (27) investigaram o posicionamento ideal de optodos no couro ca-
beludo para fNIRS e, para isso, usaram alguns critérios como: maximização da sensibi-
lidade espacial das medições de fNIRS para precisão de regiões específicas do cérebro
com o de dispositivo de neuronavegação 3D, para diminuição do número de optodos;
otimização do tempo de instalação dos optodos e conforto do participante. Além disso,
foi usado colódio para fixar optodos no couro cabeludo e modelagem inversa com ob-
jetivo de reconstrução local da atividade hemodinâmica ao longo da superfície cortical.
A montagem ótima dos optodos, controlados por simulações realistas, demonstrou alta
sensibilidade e maior adaptação à realidade de aplicações clínicas, com otimização do
tempo e precisão no uso da fNIRS (27).
Para o manuseio dos optodos é necessário o conhecimento prévio de normas de
segurança como Padrão Internacional para Segurança de Produtos para Fotobiológica
de Lâmpadas e Sistemas de Lâmpadas, e Produtos a Laser. Portanto, é importante co-
nhecer o tipo de fonte de luz, comprimentos de onda específicos e potência emitida por
unidade de área do dispositivo, e ter certeza que estão de acordo com nível de segu-
rança para uso. Além disso, é preciso que haja cuidado com a exposição à luz na pele e
a proteção dos olhos.

Pré-processamento de dados
As etapas dos pré-processamentos de dados da fNIRS são consideradas essenciais
para garantir a qualidade do sinal para a análise final (35). Dentre as etapas de pré-
processamento estão: verificação da qualidade de sinal da fNIRS e rejeição de canais
com sinal ruim; identificação de artefatos de movimento e de sinais de confusão como
os fisiológicos sistêmicos; correções modificadas de Beer-Lambert são aplicadas para
análise da concentração dos cromóforos (HbO2 e Hb) em fNIRS, ao considerar que a
luz óptica não possui um caminho óptico linear da fonte até o detector. Então, com o
intuito de identificar o comprimento médio do caminho percorrido pelos fótons detec-
tados, são considerados o comprimento do caminho e a distância fonte-detector, filtra-
gem e regressão dos dados para remoção de ruídos do sinal e obter sinal de registro
mais próximo das respostas hemodinâmicas cerebrais de interesse (35).
302

Identificação de sinais fisiológicos de confusão


Os sinais de confusão como os fisiológicos sistêmicos são advindos de alterações
na hemodinâmica da atividade fisiológica relacionada à tarefa, como em tarefas cogni-
tivas complexas, e/ou da hemodinâmica extracerebral (33). As mudanças em variáveis
sistêmicas podem estar associadas ao fluxo sanguíneo e à oxigenação de tecidos extra-
cerebrais (assim como alterações na pressão parcial de CO2, pressão arterial sistêmica,
frequência cardíaca e tônus vascular, e atividade do sistema nervoso autônomo tanto
nos tecidos cerebrais quanto extracerebrais) e de movimentos de cabeça (35). Os sinais
fisiológicos podem gerar interpretações errôneas dos sinais de atividade cerebral, como:
falso positivo, ao atribuir uma resposta hemodinâmica detectada à atividade cerebral, ou
falso negativo, ao mascarar a atividade cerebral quando, realmente, ela está presente
(33). Portanto, as informações que se diferenciam das respostas hemodinâmicas do
componente neuronal, devido ao acoplamento neurovascular mensurado pela fNIRS, são
consideradas ruídos fisiológicos e podem interferir nas análises dos dados.
De acordo com Tachtsidis (33), em estudo de revisão, os ruídos fisiológicos podem
ser evitados e/ou tratados a partir de alguns aspectos como: (I) elaboração de desenho
experimental de forma cuidadosa, de modo a evitar tarefas com forte ativação sistêmi-
ca, controlar tarefas cognitivas complexas, definir tempos de repetição e duração, além
de ter diferentes condições experimentais e de controle como linha de base para sub-
trair respostas espúrias da condição experimental. Outro aspecto é a instrumentação
fNIRS (II) métodos e novos algoritmos têm sido usados para separar a contribuição do
compartimento cerebral e extracerebral que visa aumentar a sensibilidade ao compar-
timento cerebral. Outra opção é o registro por meio de canais curtos extra; os canais
curtos são usados para reduzir a confusão fisiológica, a partir da regressão das in-
fluências da camada extracerebral. A distância ideal para separação da fonte-detector
para o registro do canal curto é de 84 mm para adultos e 2,15 mm para bebês (6). Por
fim, controlar as alterações sistêmicas (III) durante a tarefa pode ser uma alternativa
para validar o momento da alteração fisiológica e as respostas hemodinâmicas regis-
tradas na fNIRS. Dentre os dispositivos de monitorização das alterações fisiológicas
estão: esfigmomanômetro medidor de pressão arterial, medidor da pressão arterial
média, condutância de pele, eletrocardiografia. Essa monitorização pode ser usada
posteriormente para análises estatísticas complementares e de controle (33).

Artefatos de movimento
Movimentos corporais durante as coletas com fNIRS podem gerar mudanças de li-
nha de base e alterar o sinal em forma de picos, a partir de movimento de cabeça, cole-
tas experimentais de tarefas que usam o movimento como andar e falar, ou até mesmo,
em coletas com crianças pequenas e bebês. Os artefatos de movimento, quando identi-
303

ficados no sinal, podem ser removidos ou corrigidos por meio de algoritmos de corre-
ção (35).
Diante do exposto neste tópico, pode-se concluir que o uso da fNIRS em pesquisas
experimentais requer amplo conhecimento do dispositivo, do desenho experimental,
do uso otimizado da disposição dos optodos e localizações precisas de fonte-detector
em relação à cabeça, registro anatômico, uso de canais de curta distância para identifi-
car sinais de ruídos fisiológicos, além da aquisição dos dados, o rigor para o pré-
processamento de dados e processamento de sinal multidimensional. Os estudos têm
avançado no sentido de otimizar o uso de fNIRS nas pesquisas clínicas a partir de mo-
delos algoritmos e computacionais com intuito de aumentar a sensibilidade, diminuir o
tempo de coleta e viabilizar registro do equipamento em tarefas experimentais realis-
tas, ampliando, assim, o uso da fNIRS para avaliação robusta da função cerebral (9).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fNIRS é uma tecnologia de neuroimagem que pode fornecer dados relevantes


sobre fenômenos neurofisiológicos relacionados à aprendizagem e ao desenvolvimen-
to educacional. Dentre essas tecnologias, como demonstrado, a fNIRS se destaca por
apresentar benefícios relevantes para a área, como possibilidade de pesquisas em am-
bientes e situações muito próximas do real. Essa característica, em especial, tem o po-
tencial de propiciar um aumento considerável na validade ecológica dos experimentos,
ampliando a possibilidade de generalização e confiabilidade dos dados. Além disso, a
técnica permite o desenvolvimento de programas de pesquisa que busquem avaliar o
efeito de diferentes métodos de ensino-aprendizagem sobre aspectos cognitivos e de
neurofisiologia dos alunos.
No entanto, é preciso se atentar aos parâmetros básicos apresentados para formu-
lação de protocolos experimentais que sejam viáveis com o uso da tecnologia. Aspectos
como neuroanatomia da região cerebral de interesse, capacidade de alcance de luz
infravermelha, disposição dos optodos e pré-processamento dos dados são essenciais
para a formulação de um programa de pesquisa eficiente com a tecnologia.

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307

19

Eletroencefalografia:

como a técnica eletrofisiológica pode auxi-

liar a compreensão de processos cognitivos

na aprendizagem e na saúde

Ana Luísa Freitas

Beatriz Bezerra de Souza

Gabriel Gaudencio do Rêgo

Ruth Lyra Romero

Stella Andrade Bassetto

Paulo Sérgio Boggio


308

APRESENTANDO A ELETROENCEFALOGRAFIA

A eletroencefalografia (EEG) é uma das principais e mais antigas técnicas da neu-


rociência. É utilizada para registrar a atividade elétrica cerebral com alta resolução
temporal, permitindo, aos pesquisadores, conhecer a sequência de como o cérebro
processa estímulos do ambiente, externo ou interno. Em 1924, o hoje considerado pai
da EEG, o psiquiatra austríaco Hans Berger, foi o primeiro a fazer o registro de ativida-
de elétrica no cérebro humano, durante um procedimento cirúrgico num garoto de 17
anos. Em acordo com os neurocirurgiões, Berger posicionou eletrodos diretamente
sobre o tecido cortical do paciente. Posteriormente, sem recorrer a métodos invasivos
e apenas por meio de dois eletrodos posicionados sobre o escalpe do próprio filho,
Berger observou que os registros de quando os indivíduos estavam acordados e de
quando dormiam eram significativamente distintos (40). Em 1929, o médico austríaco
descreveu e divulgou esses achados à comunidade científica, impulsionando a investi-
gação da eletrofisiologia cerebral.
Desde os estudos iniciais de Berger, os aparelhos de EEG e suas técnicas de análise
vêm se sofisticando, em grande parte pelo desenvolvimento da eletrônica e da compu-
tação, o que tem impulsionado o desenvolvimento da neurociência como um todo. A
EEG tem auxiliado na compreensão da atividade cerebral associada a processos cogni-
tivos como atenção, memória, percepção, entre outros, mas trata-se, também, de uma
técnica útil para diagnosticar alguns quadros clínicos, como epilepsia e distúrbios do
sono. Ela também permite identificar diferenças de processamento cognitivo entre
grupos clínicos e grupos saudáveis, consolidando sua relevância tanto para os estudos
na área da saúde quanto da aprendizagem.
Diversas pesquisas no campo da Psicologia e da Neurociência se baseiam em tare-
fas que investigam dados comportamentais, como as respostas de uma pessoa a esca-
las e questionários, ou seu desempenho em tarefas, que pode ser avaliado pelo tipo de
resposta, por sua acurácia ou pelo tempo de reação. As tecnologias de detecção por
neuroimagem, como a ressonância magnética funcional (RMf), e por eletrofisiologia,
como a EEG, têm complementado esses achados comportamentais com informações
sobre as bases neurais desses comportamentos. Em particular, estudos com EEG regis-
tram, temporalmente, variações da atividade elétrica derivadas, principalmente, da
atividade de populações de neurônios de áreas corticais. Esse registro de EEG pode ser
feito enquanto os indivíduos dormem, enquanto estão acordados em repouso (sem
realizar tarefa específica), enquanto processam estímulos de diferentes naturezas (ao
ver alguma imagem, ouvir algum som etc.), e também quando emitem respostas a es-
ses estímulos (34).
Diversas informações podem ser derivadas do registro de EEG. As mais básicas
são os dados brutos, ou seja, os dados eletrofisiológicos coletados não filtrados, cujas
309

ondas podem apresentar alterações de sinal indicativas de distúrbios, como a epilep-


sia, detectáveis pela observação de um especialista. Outra forma muito adotada nas
pesquisas em neurociência se refere a informações de dados derivados, obtidos por
meio de processamento matemático da informação bruta. É o que acontece nos estu-
dos dos potenciais relacionados a eventos, discutidos mais adiante neste capítulo.
Estudos com eletroencefalografia têm sido, assim, relevantes para pesquisas em
neurociência porque registram, em tempo real, com precisão temporal de milissegun-
dos e de maneira não invasiva (sem necessidade de intervenção cirúrgica), a atividade
de populações de neurônios captada por eletrodos posicionados sobre o escalpo. Essa
técnica não proporciona, entretanto, boa resolução espacial, característica própria das
técnicas de neuroimagem. Apenas pelos sinais captados pela superfície do couro cabe-
ludo é difícil deduzir com exatidão a área cerebral que está sendo ativada, apesar de
alguns métodos de análise, chamados de métodos de solução inversa, permitirem iden-
tificar indiretamente tais regiões. Dessa forma, um dos principais usos do EEG tem si-
do a identificação temporal de processos cognitivos, ou seja, em que momento especí-
fico ocorrem os processos cerebrais em resposta a estímulos / eventos (23). Tal identi-
ficação temporal permite, por exemplo, distinguir a participação de processos automá-
ticos (inconscientes) ou deliberados (conscientes) em diversos fenômenos, como na
percepção de estímulos ou em respostas emocionais.
Com EEG também é possível identificar padrões de ativação cerebral relacionados
a perfis cognitivos e comportamentais específicos, como características disposicionais
a impulsividade e desinibição comportamental relacionadas à adição. Esse tipo de in-
vestigação, especialmente quando se fala dos contextos clínicos e de aprendizagem,
contribui, para além das compreensões sobre eletrofisiologia, para a promoção de es-
tratégias pedagógicas e de tratamento mais eficazes.
Assim, a partir dessas breves descrições, é possível entender que as aplicações da
eletroencefalografia, em contextos de investigação acadêmica e clínica, são vastas. A
seguir, apresentam-se sumariamente os equipamentos necessários e alguns procedi-
mentos de coleta e análise de dados, para, depois, discutirem-se algumas das princi-
pais aplicações e implicações teóricas e práticas dessa tecnologia em contextos de
aprendizagem e de saúde.

Procedimentos para utilização da técnica e principais métodos de análise

O aparelho de EEG consiste em eletrodos de metal que captam as variações elétri-


cas no escalpe; um amplificador, que amplia o sinal (de micro para milivolts); e um
computador que registra o sinal recebido do amplificador. Para estudos que investi-
gam a atividade elétrica em resposta a alguns eventos, é preciso outro computador,
responsável por apresentar a tarefa com os estímulos que visam eliciar, nos indiví-
310

duos, as respostas elétricas e/ou comportamentais a serem investigadas. Os eletrodos


para captação da atividade cerebral podem ser colocados individualmente pelo técni-
co, o que se vê em sistemas com poucos eletrodos, ou podem estar agrupados em uma
touca elástica, modo mais comum nos sistemas de EEG atuais.
A localização desses eletrodos normalmente obedece a um sistema acordado in-
ternacionalmente, tal qual um mapa que indica pontos específicos na cabeça para ori-
entar a colocação dos eletrodos. Esse sistema é conhecido como sistema 10/20, o qual
contém 22 pontos de referência. Além desse, existe o sistema 10/10, que contém mais
pontos além dos já representados no sistema 10/20 (para mais detalhes, ver Rippon
(48)). No caso de equipamentos com maior densidade de eletrodos (ver ilustração da
Figura 1), os quais podem contar com até 256 eletrodos, a distância entre os eletrodos
diminui e, quanto menor a distância, maior é a precisão do mapeamento topográfico.
Esse aumento da densidade permite, consequentemente, análises de dados com méto-
dos e algoritmos mais sofisticados, que têm sido denominados na literatura como EEG
quantitativo (34).

Figura 1. (A) Ilustração de uma touca de eletroencefalografia de alta densidade; (B) Principais
eletrodos de referência, posicionados no ínion (Iz), násio (Nz), pré-auricular (PA) e centro
(Cz). Fonte: (A) Releitura de ilustração da Mayo Foundation for Medical Education and Rese-
arch; (B) Ilustração elaborada pelos autores.

Quanto ao número mínimo de eletrodos possíveis em um aparelho de EEG, a res-


posta é três: um eletrodo de registro, um de referência e um de aterramento. O registro
elétrico, ou seja, a onda de cada eletrodo de registro é obtido pela diferença entre o
311

sinal captado nesse eletrodo e o sinal do eletrodo de referência. O eletrodo de aterra-


mento, ou simplesmente terra, serve para corrigir o sinal captado entre o eletrodo de
registro e o de referência. Pode-se ter tantos eletrodos de registro quantos couberem
na cabeça, mas será sempre necessário um eletrodo de referência e um de aterramen-
to, usualmente colocados nos lóbulos da orelha ou nos mastoides.
Conforme comentado anteriormente, é possível derivar várias informações do
EEG, e uma das principais utilizações da técnica tem por finalidade coletar dados da
atividade cerebral em resposta a estímulos ou eventos específicos. Por exemplo, pode-
se registrar como pessoas saudáveis respondem a um jogo econômico, a fim de com-
preender a atividade do cérebro associada à percepção de propostas justas ou injustas
(52). Dentre os métodos de EEG que investigam a resposta do cérebro a algum evento,
um dos principais é o método denominado de potenciais relacionados a eventos, ou
ERP (do inglês event-related potentials). Além do ERP, é possível derivar informações
de frequência da atividade cerebral. Como o registro de EEG é uma onda que ocorre de
forma cíclica (ela sobe e desce), é possível derivar, então, a potência de diferentes fai-
xas (ou bandas) de frequência ao longo do tempo ou em resposta a eventos também.
As principais bandas são a delta (< 4 Hz), teta (4-7 Hz), alfa (8-13 Hz), beta (14-30 Hz)
e gama (> 30 Hz), assim como sub-bandas (ondas Mu, ritmo sensório-motor etc.). Em
adição ao ERP e análise de frequência, existem diversos outros métodos derivados
desses dois, como métodos de conectividade funcional, de correlação e coerência, de
perturbação espectral relacionado a eventos, entre outros. Como o método de ERP é
um dos mais conhecidos no EEG, ele será apresentado a seguir em maiores detalhes.
Caso haja interesse em conhecer mais sobre as frequências, sugere-se a leitura do livro
Rythms of the brain, de György Buzsáki (Oxford University Press, 2006).

Compreensão dos Potenciais Relacionados a Eventos (ERPs)

Pesquisas com eletroencefalografia que buscam compreender as variações da ati-


vidade eletrofisiológica cerebral durante alguma tarefa costumam registrar o que se
chama de potenciais relacionados a eventos (ERPs, do inglês Event-Related Potenti-
als). Nos estudos de ERP, os indivíduos são submetidos repetidas vezes a um estímulo
(ou evento), que pode ser, por exemplo, uma imagem, um som ou um texto, enquanto
ocorre o registro contínuo do EEG. O momento exato em que os eventos são apresen-
tados ao participante são marcados no registro contínuo do EEG e servirão depois para
selecionar uma janela de tempo específica ao redor dos eventos (por exemplo, 200
milissegundos antes até 1 segundo após o evento).
O dado de EEG bruto é corrigido por meio da aplicação de filtros e da detecção /
exclusão de artefatos, que são ruídos elétricos derivados de movimento ocular, muscu-
lar ou frequência da rede elétrica local. Com o dado já corrigido, faz-se a segmentação
do EEG, recortando as janelas de tempo ao redor dos eventos de interesse, fazendo-se
312

a média aritmética dos sinais elétricos de todas as janelas, obtendo como resultado um
sinal “médio”, também chamado de potencial elétrico evocado, como pode ser visto na
Figura 2. A média do sinal é feita buscando eliminar variações elétricas no EEG não
associadas ao evento de interesse, ou seja, deixando o sinal mais “limpo”. Quanto mais
amostras de variação elétrica são obtidas para a média, ou seja, quanto mais eventos
são registrados, mais “limpo” será o sinal médio obtido. Sabe-se, contudo, que ninguém
acharia divertido ter que ouvir um mesmo som ou ver uma mesma imagem 200 vezes
durante 10 minutos. Busca-se, por isso, equilibrar o número de eventos a que o sujeito
é exposto, evitando, assim, seu cansaço ou outros efeitos derivados, como a curva de
aprendizagem.
Os potenciais evocados, como os demonstrados na Figura 2, são derivados das
respostas de populações de neurônios corticais simultaneamente ativadas durante
algum processo cognitivo relacionado ao evento. Seria impossível detectar a atividade
de um único neurônio ativado por meio do EEG, mas a atividade simultânea de milha-
res de neurônios gera sinais elétricos robustos e passíveis de detecção pelos eletrodos
situados no escalpo. Esse potencial elétrico derivado do ERP é caracterizado por al-
guns elementos específicos: picos elétricos (são as pontas na onda) que ocorrem em
momentos específicos no tempo e variam em amplitude e polaridade (voltagem positi-
va ou negativa).
Como pode ser ainda observado na Figura 2, o potencial detectado é similar a uma
onda, composta por picos (ponto máximo positivo ou negativo). Acredita-se que os
picos detectados no ERP sejam resultantes da soma de componentes subjacentes. Ape-
sar de, na realidade, por vezes não haver demarcação precisa entre um pico e outro,
dada a continuidade das ondas, Kappenman e Luck (26) explicam que essa divisão,
apesar de arbitrária, se faz necessária para a compreensão das relações entre os picos
e os componentes dos ERPs. Importante ressaltar que, na literatura, entretanto, há
uma discussão quanto à dificuldade para se definir o que seriam exatamente os com-
ponentes dos ERPs. Em linhas gerais, eles são definidos como “uma mudança de vol-
tagem registrada no couro cabeludo que reflete um processo neural ou psicológico
específico” (26).
O componente é, assim, um elemento subjacente, enquanto uma onda seria o ele-
mento aparente formado a partir da combinação de vários componentes. Os compo-
nentes são comumente nomeados com a letra P (de positivo) ou N (negativo), acom-
panhados de um número que designa a ordem ou momento no tempo em que ocorre.
Por exemplo, temos o N2, que é o segundo pico negativo que ocorre próximo aos
200ms; ou o N170, pico negativo que ocorre em 170ms após o evento. Além disso, ao
se falar de componentes eletrofisiológicos, é sempre relevante falar em qual região de
eletrodos ele é identificado, e a qual(is) processo(s) cognitivo(s) está associado. Além
dos componentes nomeados com P ou N, é possível ver outras designações na literatu-
313

ra, como MFN (medial frontal negativity), FRN (feedback related negativity) ou LPP (la-
te positive potential).

Figura 2. Exemplo demonstrando a relação entre o potencial elétrico do ERP e seus possíveis
componentes subjacentes (C1, C2, C3), demonstrados nas imagens B ou C. Nas imagens D, E e
F, vê-se como o potencial mudaria, caso houvesse mudanças na amplitude de C1, C2 e C3, res-
pectivamente. Por fim, vê-se um exemplo de como diferentes componentes (G) seriam soma-
dos (H). Fonte: Adaptado de Luck (33).

Considerando o surgimento desses componentes em diferentes momentos no


processamento do estímulo, é possível estabelecer para eles uma subdivisão entre
componentes precoces, ocorrendo na janela de tempo que varia de 50ms até 250ms,
associados, principalmente, a processos perceptivos e modulados por características
físicas do estímulo; e componentes tardios, acima dos 250ms, associados a processos
cognitivos como atenção, memória, quebra de expectativa etc. (3). A seguir, alguns dos
principais potenciais evocados se encontram sumariamente descritos na Tabela 1.
Alguns dos componentes apresentados na Tabela 1 já são bem consolidados na li-
teratura, sendo já bem compreendidos quanto à sua natureza e origem. Dessa forma,
tais componentes são úteis para investigar diferenças em processos cognitivos (como
atenção, memória, percepção, entre outros) entre grupos clínicos e controle. Por
exemplo, o componente N170 é considerado um achado consistente e robusto em es-
314

tudos de detecção de faces, sendo possível utilizar tal informação para constatar, por
exemplo, que existe diferença na latência desse componente em pessoas com autismo,
e que esse componente poderia, assim, ser utilizado como possível marcador neurobi-
ológico do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) (25). Outro uso possível da téc-
nica é identificar em que momento um processo cognitivo ocorre, como nos estudos
que investigaram detecção de propostas injustas e determinaram que essa detecção
tende a ocorrer em uma janela próxima aos 250 ms, considerando a detecção de injus-
tiça um processo automático, marcado pelo componente MFN (8). Ainda há, entretan-
to, muito para ser investigado no tema de ERPs, a fim de compreender sua associação
com processos cognitivos ou afetivos específicos, seja em sujeitos típicos ou com trans-
tornos.

Tabela 1. Alguns dos componentes dos potenciais relacionados a eventos (ERPs) mais comu-
mente encontrados em estudos com EEG, com nome do componente, janela temporal em que
ocorre (latência), processo cognitivo ao(s) qual(is) está associado, área de eletrodos em que é
identificado e qual a possível origem do sinal no cérebro.

Processamentos
Área de detecção do Possível origem do
Componente Latência cognitivos
sinal (eletrodos) sinal (área cortical)
relacionados

P1 ~100ms Processamento Temporoparietais Córtex extraestriado


sensorial primário dorsal do giro occipital
médio (fase inicial do
componente) e córtex
extraestriado ventral
do giro fusiforme (fase
tardia do componente)
(52)

N170 ~100-200ms Construção holística Occipitotemporais (50) Córtex occipitotempo-


da imagem; detec- ral lateral (51)
ção de faces e reco-
nhecimento de obje-
tos por experts (50)

P3 ~250-500ms Processos atencio- Frontais (P3a) e cen- Córtex pré-frontal,


nais, categorização, troparietais (P3b) (21) região temporoparietal,
atualização de con- córtex auditivo primá-
texto, memória de rio, entre outros (19)
trabalho, carga cog-
nitiva (53, 58)

N400 ~380-440ms Detecção de incon- Centroparietais (22) Lobo temporal medial


~200-300ms gruência semântica, anterior, áreas tempo-
~100-400ms verbal ou contextu- rais média e superior,
(a depender al, mais grosseira- áreas temporais inter-
do tipo de mente evidentes; à nas, áreas pré-frontais
estímulo (para decisão lexical; de ambos os hemisfé-
detalhes, ver incongruência na rios, entre outros (30)
Swaab et al. percepção visual e
(56)) musical (22)
315

Tabela 1. Alguns dos componentes dos potenciais relacionados a eventos (ERPs) mais comu-
mente encontrados em estudos com EEG, com nome do componente, janela temporal em que
ocorre (latência), processo cognitivo ao(s) qual(is) está associado, área de eletrodos em que é
identificado e qual a possível origem do sinal no cérebro.

Processamentos
Área de detecção do Possível origem do
Componente Latência cognitivos
sinal (eletrodos) sinal (área cortical)
relacionados

P600 ~500-600ms Detecção de violações Centroparietais e fron- Lobo temporal


sintáticas e gramaticais, tais
processos interpretati-
vos inferenciais, esforço
para restabelecimento
de coerência depois de
detecção de anomalia
ou detecção de surpre-
sa relacionadas ao hu-
mor, compreensão de
humor, ironia, metáfora
e processos de pressu-
posição (12)

LPP - Late ~300–400ms Componente tardio Centroparietais (14) Córtex visual, córtex
Positive Po- geralmente associado temporal, córtex pré-
tential ao reprocessamento de frontal, amígdala, cór-
informações, julgamen- tex orbitofrontal, ínsula,
to e tomada de decisão, entre outros (31)
assim como processa-
mento de emoções;
correlato neural da
formação de memória
(22)

ERN - Error- ~100ms Eliciado quando os Frontais e centrais (24) Um sinal de aprendiza-
Related Ne- (após o tempo participantes cometem do de reforço negativo
gativity da resposta) erros em tarefas de é transmitido para o
tempo de reação, come- córtex cingulado ante-
çando logo após o tem- rior, via sistema dopa-
po da resposta (34) minérgico mesencefáli-
co, e o sinal é usado
pelo córtex cingulado
anterior para modificar
o desempenho da res-
posta manual da tarefa
(24)

MFN - Medial ~200-350ms Associado ao proces- Frontais (53) Vias dopaminérgicas e


Frontal Ne- samento automático de córtex cingulado ante-
gativity feedback social negati- rior (53)
vo, como detecção de
injustiça (53); indica-
dor de detecção de
conflito em respostas
(20)
316

Por fim, outro aspecto relevante das técnicas de ERP, e de EEG em geral, é sua ca-
pacidade de detectar processos cognitivos independentemente de respostas compor-
tamentais, sendo possível avaliar a atividade cerebral de indivíduos que não podem
falar ou apresentar resposta comportamental, como em alguns transtornos (por
exemplo, Esclerose Lateral Amiotrófica - ELA), ou no caso de bebês. Além disso, esses
estudos de ERPs podem ser úteis para investigar processos muito sutis ou que ocor-
rem muito rápido, como em estudos de estímulos subliminares, quando o indivíduo
muitas vezes não percebe conscientemente algum estímulo, mas sua detecção é verifi-
cada e registrada por meio do ERP (26, 32). Destacam-se, aqui, algumas das principais
aplicações dessa tecnologia e, a seguir, serão apresentados mais exemplos sobre como
a técnica tem sido utilizada no tópico de aprendizagem e de saúde.
Um adendo importante antes de prosseguir. Falou-se, a princípio, que o ERP é am-
plamente utilizado para avaliar alterações elétricas ao longo do tempo, e que informa-
ção espacial (onde no cérebro algo ocorre) não é o ponto forte da técnica. Falou-se
também, contudo, que seria possível, mesmo que com limitações, derivar, por meio dos
dados de ERP e do método de solução inversa, a localização da suposta fonte neurobio-
lógica geradora daquele sinal. Para a solução inversa, utilizam-se modelos computaci-
onais de uma cabeça e das propriedades de dispersão dos variados tecidos (cérebro,
meninges, crânio etc.) para predição sobre a possível distribuição de voltagem obser-
vada em um escalpe, que possibilitaria, então, inferir qual é a fonte dos dipolos obser-
vados. Alguns empecilhos, contudo, podem interferir nessa solução, como o fato de
serem infinitos os conjuntos de dipolos que podem gerar uma mesma distribuição de
voltagem no escalpo, além da perturbação que a voltagem sofre na propagação por
tecidos com densidades distintas e formatos de cabeça não uniformes (34). Buscando
contornar esse problema, diversos métodos matemáticos foram desenvolvidos. A
exemplo, destacam-se o BESA (do inglês Brain Electrical Source Analysis), o Modelo
Cortical Restrito (tradução livre do inglês Cortically Constrained Models), o LORETA
(do inglês Low Resolution Electromagnetic Tomography), mas há alguns outros (34).
O LORETA é o modelo atualmente mais utilizado e pode ser combinado com dados
de RMf, técnica que tem alta resolução espacial, o que torna a sobreposição de dados
matemáticos a dados empíricos uma vantagem. Apesar de existirem diversos modelos
para determinar a fonte dos dipolos, ou seja, realizar análise espacial com base na dis-
tribuição elétrica, cada um dos modelos tem suas limitações, sendo necessário cautela
em seu uso para esse fim. Reforça-se aqui, portanto, que, apesar dos esforços dos cál-
culos matemáticos complexos, a EEG segue tendo como maior vantagem a alta resolu-
ção temporal, não espacial, apesar de servir como medida indireta de localização, dife-
rente da RMf, que mede diretamente a atividade de uma determinada região por meio
da detecção dos níveis de oxigenação sanguínea pelo método BOLD (do inglês Blood
Oxygenation Level Dependent) (34).
317

CONTRIBUIÇÕES PRÁTICO-TEÓRICAS

Conforme vem se apresentando neste capítulo, por meio de EEG é possível com-
preender, por exemplo, fenômenos relacionados à cognição social, como a detecção de
injustiça (45), de expressões faciais emocionais (38) e de prosódia emocional (44); fe-
nômenos afetivos, como detecção da valência de uma emoção (39), reavaliação cognitiva
e supressão expressiva, ambas estratégias da regulação emocional (49); e fenômenos
relacionados ao desenvolvimento e à prática de linguagem, como detecção de incon-
gruência semântica (22), de ironia (4) e de desenvolvimento de leitura e escrita (5).
Da mesma maneira que esses dados de EEG contribuem para o estabelecimento de
padrões de atividade eletrofisiológica cerebral em indivíduos saudáveis, também per-
mitem a identificação de possíveis déficits nos diversos processos anteriormente men-
cionados. Quando se olha para populações clínicas, a exemplo de indivíduos com TEA,
a EEG pode contribuir para compreender os déficits no processamento de linguagem
pragmática (45), na ativação de neurônios espelho (42), nos padrões de conectividade
cerebral (43) e também no de reconhecimento e processamento facial (15).
Outras populações clínicas também têm seus padrões de atividade cerebral inves-
tigados por meio de EEG. Em pessoas com esquizofrenia, por exemplo, é possível de-
tectarem-se déficits e padrões alterados de conectividade em funções cognitivas, como
o processamento de estímulos globais e locais (41); em pessoas diagnosticadas com
depressão, a literatura aponta estudos voltados à compreensão da diferença entre per-
fis de pacientes com demência e depressão (16) e também voltados para diferentes
tipos de depressão, detectáveis a partir de dados eletroencefalográficos (57); em pes-
soas diagnosticadas com Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH),
os estudos se voltam para as alterações na área pré-frontal, relacionadas com altera-
ções nas funções executivas, características do transtorno, visando identificar diferen-
tes subtipos do TDAH (1); em indivíduos com dislexia, há esforços na literatura direci-
onados à identificação de padrões elétricos que possam facilitar o diagnóstico (37) e
direcionados à investigação do tempo de processamento de leitura, além de possível
alteração na ordem da rede neural também ligada à leitura, especialmente no tangente
a alterações no processamento fonológico (35).
Algumas outras condições também têm sido investigadas com o auxílio da EEG.
Pesquisas sobre alcoolismo e dependência química (46), dependência química e não
química (29), compulsão alimentar (essa comumente ligada à obesidade e seus qua-
dros de comorbidades associadas (47)) também têm figurado na literatura. Mais re-
centemente, devido aos relatos médicos de quadros neurológicos decorrentes da in-
fecção por COVID-19, alguns relatos de casos e estudos têm sido conduzidos no intuito
de compreender possíveis padrões eletrofisiológicos para as encefalopatias causadas
pela infecção pelo SARS-CoV-2 (28). Dadas as diversas incertezas sobre as manifesta-
318

ções sintomáticas e sobre as sequelas da COVID-19, esses estudos com EEG ainda são
inconclusivos.
A partir disso, é possível observar que a eletroencefalografia pode investigar ca-
racterísticas fundamentais da eletrofisiologia cerebral de determinados quadros clíni-
cos, o que, por consequência, pode fornecer informações essenciais para a criação de
tratamentos mais adequados a cada tipo (e subtipo) de população clínica. De igual ma-
neira, esses achados, ao auxiliarem na compreensão dos fenômenos cognitivos subja-
centes aos processos de aprendizagem, podem orientar as instituições e os profissio-
nais escolares à adoção de práticas pedagógicas mais bem direcionadas às necessida-
des dos aprendizes.

Desenvolvimento cognitivo típico ou não

A EEG é um dos métodos mais eficazes para verificação de mudanças associadas à


idade e à maturação de estruturas e processos neurais (6). Por ser um método não in-
vasivo, é adequado, ainda, para o uso em participantes mais jovens, e pode ser repeti-
do em estudos longitudinais. Ademais, devido à facilidade de registro durante a admi-
nistração de tarefas neuropsicológicas, a EEG é frequentemente empregada para a ava-
liação do desenvolvimento cognitivo. Além disso, também pode ser uma ferramenta
que permite a compreensão de aspectos do desenvolvimento típico (DT) ou não, pos-
sibilitando acesso a características de determinados quadros que, por meio de outras
metodologias, não poderiam ser acessadas.
Quando aplicada em crianças, a EEG é capaz de verificar o desenvolvimento de
processos associados à Teoria da Mente (54), esclarecer mudanças no desenvolvimen-
to do cérebro durante a infância e apontar prejuízos no desenvolvimento da linguagem
(7). A partir desse método, também são investigadas as associações neurais do desen-
volvimento de habilidades psicomotoras (11) e das funções executivas, ou seja, aten-
ção visual, expressão e regulação da emoção, memória de trabalho e controle inibitório
(10). No estudo da aprendizagem, a EEG também pode ser empregada na comparação
dos processos neurais entre crianças com desenvolvimento cognitivo típico e crianças
com dificuldade de aprendizagem, como dislexia (2) ou discalculia (55). A seguir, apre-
sentam-se alguns exemplos de estudos que ilustram como a EEG pode desvendar esses
aspectos.
A Síndrome de Williams (SW) é conhecida pela hipersociabilidade de seus porta-
dores (36). Para a socialização, uma importante habilidade é a detecção de faces, uma
força relativa na SW. Estudos com EEG, utilizando métodos complexos de análise de
padrão multivariado e de ERP, possibilitaram averiguar diferenças que sugerem um
processamento de faces com início precoce na SW, quando comparado com desenvol-
vimento típico. O componente de ERP, comumente investigado em estudos com a SW,
319

é, então, o N170. Mais estudos são, contudo, necessários para que se possa afirmar, ca-
tegoricamente, tratar-se de maior habilidade da SW para reconhecimento facial ou tra-
tar-se de um processamento associado apenas ao maior interesse social observado nes-
se grupo (17).
No caminho oposto ao da Síndrome de Williams, o TEA é conhecido por dificulda-
des nas interações sociais. Ainda seguindo a linha de estudos sobre detecção de faces,
observou-se que crianças de desenvolvimento típico apresentam maiores amplitudes
para os componentes P400 e Nc (do inglês negativity central), diante de faces e objetos
conhecidos, enquanto crianças com TEA apresentam maiores amplitudes de ERPs
apenas diante de objetos conhecidos, o que indica dificuldade nesse processo de reco-
nhecimento de faces, presente desde a infância (15). Outro estudo com TEA e percep-
ção de faces detectou maiores amplitudes de P600 parietal para faces repetidas apenas
em crianças com DT. Esse potencial estaria associado a melhor memória atrasada (re-
cuperação tardia) de faces (27). É importante ressaltar que esses estudos não explicam
o autismo, mas demonstram como a EEG pode colaborar para a compreensão das alte-
rações neurológicas associadas ao padrão cognitivo. Outras pesquisas, por exemplo,
apontam déficits na habilidade de processar e atribuir estados mentais a si mesmo e a
outras pessoas (Teoria da Mente) (9), reforçando a EEG como ferramenta útil na inves-
tigação dos processos neurofisiológicos que embasam esses distúrbios.
Buscando compreender as dificuldades que pessoas com TEA apresentam com a
linguagem, um estudo avaliando processamento semântico de imagens e palavras ob-
servou que, para aspectos semânticos, tanto linguísticos como visuais, o N400, compo-
nente classicamente relacionado a esse processamento, foi semelhante para TEA e DT.
Também foi possível observar, entretanto, que o grupo com TEA utilizou de estratégias
de integração pós-lexical, mais controladas, evidenciadas pelo componente N400RP
(right-lateralized parietal N400 effect). Apresentando um efeito de lateralização direi-
ta, esse componente estaria associado a essa estratégia, o que compensaria uma falha
no processamento por expectativa. Essa estratégia baseada na expectativa foi obser-
vada no grupo de DT e é evidenciada pela presença de um componente N300 diante de
estímulos lexicais; esse componente, além de estar associado à linguagem, também é
sensível ao efeito priming (13). Esses dados aqui relatados são apenas alguns dos
exemplos que ilustram como a EEG pode revelar diferenças de processos cognitivos
relacionados a um mesmo comportamento.
Em casos de Deficiência Intelectual (DI), caracterizada principalmente por limita-
ções notáveis no comportamento adaptativo e no funcionamento intelectual, esse mé-
todo pode ser usado tanto para fins diagnósticos quanto para pesquisas. Num estudo
realizado com uma amostra de 81 crianças e adolescentes diagnosticados com TEA ou
transtorno invasivo do desenvolvimento não especificado (PDD-NOS, do inglês Perva-
sive Developmental Disorder - Not Otherwise Specified), os pacientes com DI grave apre-
sentaram uma taxa mais alta de anormalidades no EEG do que pacientes sem comor-
320

bidade de DI e pacientes com DI leve ou moderada. A maioria das anormalidades iden-


tificadas estavam associadas ao córtex temporal e a estruturas corticais adjacentes,
indicando que o córtex temporal pode desempenhar uma influência considerável em
transtornos invasivos do desenvolvimento (59).
A EEG também contribui para pesquisas sobre dislexia e sua típica característica
de dificuldade com a linguagem. Um exemplo de como essa tecnologia pode ser im-
plementada pode ser visto num estudo que buscou avaliar dificuldades na percepção
da fala, comparando crianças com dislexia e crianças com DT em condições de silêncio
e de ruído. Nesse estudo, observou-se que crianças com dislexia apresentam o compo-
nente N1 com amplitude reduzida, o que pode estar relacionado a uma menor sincro-
nia de determinadas regiões na decodificação de informações acústicas; também foi
observado um atraso de N1 indicando uma desorganização temporal em condições de
escuta com ruído (18). Outro estudo avaliou o processamento de tarefas de linguagem
comparando adultos disléxicos e com DT. Observou-se, aqui, que, dependendo da tare-
fa, o processamento ocorria da mesma maneira para os dois grupos. Em tarefas de de-
cisão lexical, os mesmos padrões foram observados para os grupos; em tarefas de lei-
tura em voz alta, a distribuição de N2 foi diferente para os disléxicos, indicando a utili-
zação de estratégias distintas no processamento (35).
Os estudos aqui apresentados têm por intuito demonstrar como a EEG pode ser
utilizada para responder questões de desenvolvimento, cognição, aspectos sociais,
emocionais, entre outros. Contudo, não é interesse deste capítulo esgotar todos os
campos e possibilidades dessa técnica, tampouco abranger todo o conhecimento já
estabelecido por meio dela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de as técnicas de neuroimagem terem, em certa medida, ganhado maior


destaque na literatura em neurociência quando comparadas à EEG, não se pode negar
a relevância dessa técnica para as pesquisas acadêmicas e clínicas que visam compre-
ender a atividade cerebral, principalmente em razão de as técnicas de neuroimagem
funcionais terem baixa resolução temporal; o tempo de resposta do sinal BOLD na RMf
demora, em média, 1,5 segundos. Dessa forma, as técnicas eletrofisiológicas ainda são
amplamente adotadas na literatura, muitas vezes até combinadas às técnicas de neu-
roimagem, como a RMf ou a tomografia computadorizada por emissão de pósitrons
(PET-CT), permitindo que os pesquisadores comparem respostas hemodinâmicas e
elétricas, proporcionando melhores compreensões das relações entre elas. Comparada
a essas outras duas técnicas, a EEG ainda apresenta a vantagem de ter aplicação relati-
vamente simples, de baixo custo e até portátil, sendo, então, mais acessível a profissio-
nais e pesquisadores, podendo ser útil no desenvolvimento de paradigmas e de medi-
321

das mais adequadas ao rastreio, diagnóstico e prognóstico de transtornos, assim como


da resposta aos tratamentos.
Diversos protocolos de pesquisa em neurociência têm sido aplicados para se in-
vestigarem novas e possíveis estratégias de avaliação e intervenção, tanto em contex-
tos de desenvolvimento típico quanto clínico. A intenção é que, cada vez mais, graças à
existência de equipamentos portáteis, as técnicas não invasivas de neuroimagem e de
eletrofisiologia sejam utilizadas em contextos o mais ecológicos possível, para aprimo-
rar os conhecimentos das bases neurobiológicas dos diversos processos cerebrais e,
assim, contribuir também para propor soluções a possíveis déficits detectados nesses
processos. No caso particular da EEG, verifica-se sua importância pela sua precisão
temporal na identificação de processamentos de estímulos específicos, o que, quando
combinado a dados coletados por outras tecnologias e pela avaliação comportamental,
pode auxiliar no desenvolvimento de práticas pedagógicas mais eficazes, considerando
as particularidades dos diversos marcos do desenvolvimento e seus processos cogniti-
vos associados. No contexto da saúde, os achados aqui resumidos também podem auxi-
liar práticas clínicas mais efetivas, capazes de proporcionar às populações atípicas um
desenvolvimento cada vez mais funcional.

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326

20
Fisiologia e educação:

como estudos com eletrocardiografia e

medidas de condutância da pele podem

contribuir para a construção de um

ambiente propício para a aprendizagem

Letícia Yumi Nakao Morello

Patrícia Moraes Cabral

Beatriz de Oliveira Ribeiro

Paulo Sérgio Boggio


327

INTRODUÇÃO

Emoções e fisiologia

Desde o século XIX, cientistas estudam emoções e expressão emocional (4). Ainda
não existe uma única definição de emoção ou uma única teoria explicativa para o papel
adaptativo de cada uma delas. Uma das teorias existentes foi elaborada por Paul Ek-
man (21); o autor afirma que pessoas reagem a alguns estímulos universais de manei-
ra semelhante (22) e, a exemplo, pode-se destacar a eliciação de respostas fisiológicas
e comportamentais de luta e fuga (correr ou se defender) diante de um estímulo amea-
çador, o que configura a emoção que conhecemos como medo. A teoria de Ekman é
conhecida como a teoria das emoções universais e considera que existem respostas
padrão na humanidade para cinco emoções consideradas básicas: alegria, medo, nojo,
tristeza e raiva.
Uma das primeiras teorias sobre emoção, elaborada por Willian James e Carl Lange,
já versava sobre a relação entre as emoções e a fisiologia: propunha que o que experi-
mentamos como emoção era a resposta a alterações fisiológicas e automáticas frente a
estímulos específicos (4). Teorias mais recentes sobre emoção compreendem processos
emocionais como um conjunto de fenômenos que envolvem respostas fisiológicas, pro-
cessos automáticos e deliberados de processamento e integração das informações do
mundo externo e interno, bem como respostas comportamentais (13, 27).

FISIOLOGIA E FORMAS DE MENSURAÇÃO

Define-se como fisiologia a forma como o corpo funciona e reage a determinados


contextos. A fisiologia está diretamente relacionada à anatomia e aos processos nome-
ados “psicológicos” e, a partir disso, temos o que é chamado de psicofisiologia (12). A
psicofisiologia pode ser considerada como o estudo da “relação corpo e mente”, ou
seja, preocupa-se com a interação entre experiência, comportamento e ambiente, seja
esse ambiente físico ou social. Atualmente, entende-se que essa leitura dualista não é
adequada. O funcionamento conjunto dos sistemas centrais e periféricos é o que ga-
rante que vivenciemos o que convencionamos chamar diferencialmente de cognição,
comportamento, emoção e todos os demais fenômenos da experiência humana. Contu-
do, no presente capítulo, por vezes retomaremos os termos de forma separada para
evidenciar a construção histórica dos conhecimentos até o estado atual da literatura.
Podemos considerar que os estudos relacionando psicologia e fisiologia são bas-
tante recentes. Estudos que datam de menos de um século realizaram manipulação de
fatores psicológicos e fizeram medição de uma ou mais respostas fisiológicas. Como
328

exemplo, podemos encontrar um handbook que foi publicado em 1972 (30), além de
estudos que já mensuravam atividade elétrica muscular ao fazer atividades “mentais”
(33). Entretanto, apenas no início do século XXI começamos a estabelecer padrões de
registros das medidas fisiológicas, procedimentos e técnicas de análises, o que permi-
tiu estudar com maior precisão as inter-relações entre processos psicológicos e cere-
brais, comportamento, ambiente e até mesmo genética (12), além de fazer relação dos
mesmos com mudanças no sistema periférico. Com o avanço desse conhecimento se
fortaleceram as hipóteses que apontavam que as emoções não são meramente experi-
ências “psicológicas” (35), pois o que as pessoas descrevem como emoção envolve
processos corporificados: frequentemente nos deparamos com expressões como bor-
boletas no estômago, tremendo de nervoso e, até mesmo, sangue fervendo, seja de rai-
va ou mesmo de amor. Essas expressões evidenciam que, mesmo na cultura popular,
existem sinais de que a fisiologia está relacionada com nossas experiências emocio-
nais. Estudos recentes sugerem que a experiência de uma emoção está de fato associa-
da a alterações sensoriais em diferentes regiões do corpo (43).
Atualmente, o estudo da psicofisiologia se divide em subcategorias: a psicofisiolo-
gia cognitiva, por exemplo, está amplamente preocupada com os processos mentais
(12) e, portanto, tem como objetivo analisar a relação entre alterações no sistema peri-
férico e processos da cognição como aprendizagem, atenção e memória (16). Temos
também a psicofisiologia social, que tem como foco os efeitos das interações sociais
sobre os processos cognitivos, emocionais e comportamentais e como eles podem ser
relacionados ou revelados ao olhar para as medidas fisiológicas, visando a interven-
ções e suas consequências (12). Podemos ainda falar sobre a psicofisiologia da emo-
ção, que investiga os correlatos fisiológicos das emoções (35). No presente capítulo,
evitaremos abordar a via mais óbvia ao falar sobre fisiologia e cognição, que seriam
estudos da psicofisiologia cognitiva, e nos dedicaremos a apontar como os estudos do
campo da psicofisiologia das emoções podem contribuir para melhoramentos nos es-
paços de aprendizagem. Dentre as técnicas mais comuns de mensuração da fisiologia,
as que abordaremos no capítulo são as análises de frequência de batimento cardíaco –
eletrocardiograma (ECG) e condutância da pele, ou seja, a atividade elétrica em deter-
minada região facilitada pela sudorese.
Os estudos recentes no campo da psicofisiologia levaram à classificação das emo-
ções, que podem ser divididas em positivas e negativas (23). Podemos verificar essa
diferenciação analisando a frequência cardíaca: a raiva, por exemplo, costuma evocar
frequências cardíacas maiores, já a felicidade costuma apresentar diminuição da ativi-
dade cardíaca (23, 36). Já quando falamos sobre condutância de pele, e ainda tomando
a raiva como exemplo, ela está associada a menores respostas de condutância (46), e,
assim, podemos avaliar diversas outras emoções (medo, nojo, tristeza, entre outras), e
até mesmo falar sobre fenômenos mais complexos à luz das medidas fisiológicas, como
a dor social (15), a regulação emocional (39) e a meditação (54).
329

Ter medidas objetivas sobre os estados emocionais dos indivíduos em pesquisas


sobre a emoção e a influência das emoções sobre outros processos configura um avan-
ço importante: já não mais se depende apenas de relatos subjetivos desses indivíduos
sobre suas emoções; relatos esses que, justamente por serem subjetivos, dependiam
do repertório individual de nomeação e de comunicação, por exemplo, sendo bastante
variáveis e imprecisos. Medidas periféricas, como o ECG e a condutância da pele, re-
presentam, assim, um ganho em precisão da mensuração, em possibilidade de replica-
ção dos estudos e generalização dos resultados das pesquisas sobre os fenômenos
emocionais. A seguir, detalharemos como essas tecnologias funcionam e quais as con-
tribuições dos dados advindos de sua utilização para o entendimento do impacto das
emoções no processo de aprendizagem.

Eletrocardiografia

A eletrocardiografia (ECG) é uma técnica de mensuração da atividade elétrica do


coração (29) e foi bem desenvolvida pelo campo da cardiologia médica (5, 28). O seu
estudo vem sendo expandido por outras áreas do conhecimento, como psicologia e
neuropsicologia, visando, muitas vezes, explorar correlatos fisiológicos de processos
cognitivos, pois os padrões da variabilidade da frequência cardíaca oferecem informa-
ções importantes sobre a dinâmica cardiovascular que podem decorrer de processos
neurais(5), cognitivos e fisiológicos (52).
A análise da variabilidade da frequência cardíaca, de uma forma não invasiva, con-
segue medir a atividade individual do sistema nervoso simpático e sistema nervoso
parassimpático (9, 41). Para mensurar a variabilidade da frequência cardíaca, usam-se
eletrodos que geralmente são descartáveis e a sua montagem pode variar com a área
de estudo. Em cardiologia clínica, por exemplo, usam-se variações múltiplas de monta-
gens desses eletrodos distribuídos pelo tórax, pois essa configuração oferece uma me-
lhor perspectiva elétrica sobre os eventos dos ciclos cardíacos (5); já em estudos de
psicofisiologia é mais comum o uso de apenas dois eletrodos (um polo positivo e outro
negativo) que podem ser posicionados, por exemplo, no encontro intercostal direito e
esquerdo e um eletrodo referência posicionado na tíbia, como pode ser visto na Figura
1 (39).
330

Figura 1. Representação do posicionamento dos eletrodos de ECG.

Pesquisas recentes apontam que os sinais fisiológicos, em especial a frequência


cardíaca, podem ser utilizados para a identificação de estados emocionais (55), e con-
forme o campo de estudo que se utiliza do ECG vem sendo expandido, essa tecnologia
passou a ser considerada um dos importantes indicadores de avaliação do reconheci-
mento das emoções (1). Por meio da avaliação da frequência cardíaca é possível, por
exemplo, estudar respostas como o estresse tanto em animais (42) como em seres
humanos (40, 48) e emoções, como raiva e felicidade (23).
331

Condutância da pele

Atividade eletrodérmica é um termo utilizado para se referir às mudanças autonô-


micas nas propriedades da pele, que, para além de uma barreira seletiva entre a corren-
te sanguínea e o exterior do corpo, atua (conjuntamente com a vasodilatação e vaso-
constrição) como reguladora da temperatura corporal por meio da produção de suor
(14).
A propriedade mais estudada da atividade eletrodérmica é a condutância, poden-
do ser quantificada por meio da diferença de potencial elétrico entre dois pontos da
pele, sendo esses, na maior parte das vezes, a falange distal dos dedos indicador e mé-
dio ou na palma de uma das mãos. São selecionados dois pontos para criar uma dife-
rença de potencial, passível de ser medida, quando aplicada uma corrente elétrica;
como sabemos que a condutância é o inverso da resistência, calculamos esse fator (re-
sistência) a partir do quociente entre a diferença de potencial entre os eletrodos e a
corrente elétrica que está atravessando a pele (11).
Os estudos sobre as alterações elétricas da pele começaram há mais de 100 anos
na França, com o neurologista Jean Charcot, e, com o aprimoramento por meio do tem-
po, pôde-se ampliar a aplicação de tais instrumentos a diferentes áreas, como a psico-
logia (14).
Como apontado anteriormente, um dos fatores que compõem os processos emoci-
onais é a fisiologia com, por exemplo, respostas corporais periféricas, sendo que emo-
ções distintas apresentam respostas distintas. Uma das maneiras de medir alterações
emocionais, como estresse ou ansiedade, é por meio da condutância da pele, já que o
estado emocional do indivíduo altera o sinal obtido, sendo utilizado recorrentemente
como indicador de estresse, mas também recorrentemente utilizado para medir ansie-
dade (6). A atividade eletrodérmica é mais suscetível a mudanças emocionais que a
atividade cardíaca (7), por exemplo, apesar de ambas serem respostas automáticas do
sistema nervoso, dificultando seu controle e alteração (49); tal suscetibilidade permite
medir o nível de emoções como entusiasmo, frustração ou tédio (17).
Outro fator que se manifesta por meio de maior alteração no sinal eletrodérmico
do que nas outras medidas (como frequência cardíaca, pressão arterial e oximetria) é a
resposta fisiológica à dor (2), sendo que quanto maior a amplitude do sinal recebido
pela condutância, mais dor o indivíduo sente (44). Como apontado por Eisenberger
(19), há grande relação entre dor física e dor social.
Faz-se necessária uma breve definição de dor social, que pode ser entendida como
a experiência estressante advinda de uma percepção, ou uma ação, de indivíduos pró-
ximos ou grupos sociais que geram prejuízo psicológico ou social (20). A nomeação
desse processo como “dor social” se dá devido à ativação, nessas situações, de áreas
cerebrais correlatas às observadas em momento de dor física, o que levanta a hipótese
332

de que esses dois fenômenos podem ser compreendidos pelo cérebro como maneiras
similares de sofrimento. Tal sobreposição se dá no componente afetivo de ambas as
dores, ao invés de no componente sensorial, e como exemplo de áreas correlatas pode-
se citar o córtex cingulado anterior e a ínsula (19).
Outro estudo de Eisenberger (18) mostra que sentir-se excluído em uma tarefa
ativa nas mesmas áreas de sobreposição entre dor social e física. Em ambiente escolar
pode-se imaginar que ao menos parte das pessoas que o frequentam vivenciem mo-
mentos estressantes, como o bullying e a exclusão por grupos, que são eliciadoras de
dor social.

EMOÇÕES E APRENDIZAGEM

Assim como processos psicológicos eram entendidos como separados de proces-


sos corporais, anteriormente se entendia que fenômenos cognitivos como a aprendiza-
gem eram também separados do que se entendia como emoções. Atualmente, compre-
ende-se a aprendizagem como um processo complexo e influenciado por diversos fato-
res, dentre eles os estados emocionais (53). Neste capítulo expomos como o estresse,
que pode ser entendido como uma resposta emocional, e a habilidade de regulação
emocional atuam sobre o processo de aprendizagem.

Estresse

O estresse negativo (distress) pode ser definido como o conjunto entre uma situa-
ção percebida como ameaçadora e as respostas fisiológicas desencadeadas por essa
percepção que envolvem, principalmente, a ativação do eixo conhecido como HPA (hi-
potálamo – pituitária – adrenal) e a consequente liberação de hormônios como adrena-
lina e cortisol, que, por sua vez, são responsáveis por modificações no estado corporal,
tendo efeitos como aumento da frequência cardíaca e da sudorese e maior irrigação
sanguínea em membros inferiores. Estudos apontam que as respostas fisiológicas a
situações estressantes são mediadoras entre condições socioeconômicas desfavoráveis
e o desenvolvimento cognitivo e de habilidades de autorregulação em crianças (8).
Há algumas décadas se sabe que a ação de corticoides sobre a formação de memó-
rias pode ser representada em um gráfico em formato de U invertido, ou seja, até uma
determinada quantidade esses hormônios têm papel importante no favorecimento da
formação de memórias, mas a partir dessa dose passam a contribuir com a menor efi-
cácia desse processo (34). Isso acontece porque, como descrito anteriormente, esses
hormônios têm como função a alteração do estado corporal e, em alguma medida,
333

maior frequência cardíaca é necessária para que o indivíduo esteja disposto e consiga,
por exemplo, direcionar a atenção e manter o foco em alguma tarefa (34, 37).
Todavia, a exposição a esses hormônios em concentrações elevadas afeta o funci-
onamento e o desenvolvimento adequado do córtex frontal (que engloba áreas impor-
tantes para funções como autorregulação e planejamento), como mostra uma recente
revisão da literatura (38). Os autores demonstram que a exposição ao estresse de for-
ma pré-natal, ou seja, por meio de estresse materno, pode afetar o desenvolvimento de
regiões encefálicas responsáveis pela regulação do eixo HPA, como o córtex frontal e a
amígdala (região principalmente responsável pela detecção de ameaças). O estresse na
infância, que pode ser eliciado por situações que vão desde a separação prolongada do
principal cuidador até abusos físicos, psicológicos e/ou sexuais, tem efeito sobre a taxa
de produção de glicocorticoides (hormônios com efeito similar ao cortisol) e sobre o
volume da amígdala. A mesma revisão aponta que, na adolescência, o cérebro fica mais
sensível a esses hormônios, indicando que a exposição a eventos estressores terá mais
efeito sobre pessoas nessa idade, o que explica as taxas relativamente mais altas de
transtornos de ansiedade e depressão em adolescentes.
Fica evidente, portanto, a relação entre o estresse vivido pelas crianças em ambi-
entes diversos e o aprendizado e desenvolvimento de habilidades necessárias para o
aprendizado formal como a autorregulação. Em adição a isso, mesmo sem considerar
os eventos sociais já mencionados anteriormente (bullying e exclusão), em uma recen-
te revisão da literatura, Pascoe et al. (45) apontam que o ambiente escolar por si só
pode constituir um meio estressor quando, por exemplo, apresenta constantemente
demandas que vão além das habilidades dos alunos e/ou estabelece um modelo com-
petitivo baseado em resultados não diretamente relacionados ao aprendizado em si,
como notas e aprovação em campeonatos, simulados ou vestibulares. Essas práticas,
para além de impactarem negativamente o aprendizado em si, também têm efeito ne-
gativo sobre a saúde mental dos alunos como um todo, sendo, assim, um fator que po-
de contribuir para o desenvolvimento de transtornos como o de ansiedade e também
para o início ou agravamento do uso de substâncias (45).

Regulação emocional

Além do estresse, a literatura aponta que diferentes emoções exercem papel im-
portante sobre a aprendizagem. Quando utilizadas como recurso pedagógico, emoções
podem promover maior sucesso na memorização e aprendizado: é possível apresentar
aos estudantes estímulos que sejam emocionalmente relevantes e que, por assim se-
rem, direcionam a atenção e garantem a motivação e o engajamento no processo de
aprendizagem (53). Algumas teorias apontam, também, que algumas emoções, especi-
almente emoções positivas, favoreceriam o aprendizado por permitir que o olhar para
os estímulos seja ampliado e, portanto, que mais informações possam ser processadas
334

e mais associações possivelmente surjam do contexto em que a emoção positiva está


sendo eliciada (25). Todavia, existem emoções que podem ser empecilho para o pro-
cesso de aprendizagem por desviarem os recursos atencionais para os estados inter-
nos (como é o caso da euforia, da ansiedade e da frustração) ou por estarem direta-
mente relacionadas à baixa motivação (como o tédio).
O modelo explicativo das emoções chamado de Modal Model nos ajuda a compre-
ender como a regulação emocional pode atuar de forma a favorecer o aprendizado.
Esse modelo propõe que a emoção é uma relação entre indivíduo e ambiente que en-
volve quatro etapas: (i) a situação em si, (ii) o direcionamento da atenção, (iii) a avali-
ação cognitiva, e (iv) a resposta do indivíduo sobre a situação específica (31). Como
exemplo, podemos pensar em uma situação em que um barulho alto e contínuo acon-
tece fora da sala de aula. O barulho em si seria a situação, e aconteceria então: o direci-
onamento da atenção dos alunos para esse barulho, uma avaliação cognitiva (alguns
podem considerar o barulho assustador, outros podem considerar engraçado), e uma
resposta de cada um dos alunos (gritar, rir, reclamar etc.).
Frente a essas etapas, os autores dessa teoria elencam cinco maneiras de regula-
ção emocional (31):
a. Seleção da situação: emprega-se antes da situação em si acontecer. Seria como
garantir que a sala de aula esteja localizada em um ambiente silencioso;
b. Modificação da situação: emprega-se após a ocorrência da situação e diretamen-
te sobre ela. No nosso exemplo, seria como agir para que o barulho parasse;
c. Direcionamento atencional ou distração: também ocorre após a situação, mas
empregado de modo interno sobre a atenção. No caso dado como exemplo, seria como
tentar ignorar o barulho e desviar o foco de volta para a aula;
d. Reavaliação cognitiva: é outro método empregado internamente, com o objetivo
de refletir sobre a situação. No nosso exemplo, seria como pensar sobre a origem do
barulho, entendê-lo como não ameaçador;
e. Alteração da resposta: emprega-se após a resposta inicial. Seria como conter os
gritos, risos e reclamações dos alunos.
Apesar da divisão didática, as maneiras de regulação podem acontecer de forma
conjunta, e a maior ou menor eficácia de cada uma delas está relacionada ao tipo de
situação que se enfrenta e às habilidades de autorregulação dos indivíduos, de modo
que não há um manual a ser seguido que guie tipos e estratégias a depender dos even-
tos que aconteceram ou mesmo a depender das emoções a serem reguladas. Todavia,
habilidades de regulação emocional parecem estar relacionadas a maiores competên-
cias acadêmicas (32, 47, 50), e alguns autores apontam que capacitar educadores para
ensinar sobre regulação emocional poderia promover um ambiente mais propício ao
aprendizado (26).
335

CONSIDERAÇÕES FINAIS: MENSURAÇÃO DA FISIOLOGIA E


CONTEXTO PARA A APRENDIZAGEM

Eventos comuns no ambiente escolar, como a apresentação de trabalhos e res-


ponder a questionamentos em voz alta, são situações naturalmente eliciadoras de es-
tresse (3), e alguns estudos apontam que o impacto desse tipo de tarefa pode ser ainda
maior em adolescentes; uma das hipóteses para essa alteração é a maior sensibilidade
à avaliação do público (10, 51). Estudos que se valeram de medidas fisiológicas, men-
cionadas no presente trabalho, foram capazes de investigar o quanto desse estresse
era atribuível somente ao ato de falar em público (que exige uma preparação física) ou
também relacionado a processos emocionais de ansiedade pela antecipação de um
evento considerado aversivo (24). Análises de ECG e de medidas de condutância tam-
bém permitem, por exemplo, discutir a eficácia de estratégias e regulação emocional
(39), e, como já mencionado, aprender como regular as emoções pode ser benéfico
para um melhor desenvolvimento escolar, auxiliando, por exemplo, alunos e professo-
res a lidarem com situações relacionadas ao estresse.
É importante destacar que não é o propósito deste trabalho classificar uma prática
ou outra como “correta” ou “danosa” aos alunos. Como citado anteriormente, níveis de
estresse são esperados frente a atividades que demandem esforço cognitivo, por
exemplo. Pesquisas sobre a influência de estados emocionais sobre a aprendizagem
contribuem para a construção de um conhecimento que pode ser uma ferramenta im-
portante para compreender casos específicos em que processos emocionais possam
estar impactando diretamente os índices de rendimento escolar, o que pode acontecer
se o aluno estiver enfrentando alguma das diversas situações estressoras mencionadas
ao longo do capítulo. Também não é nosso objetivo atribuir a professores ou à equipe
educacional a responsabilidade sobre o manejo dessas questões, mas apontamos que o
conhecimento de técnicas de regulação emocional pode ser útil para o melhor enfren-
tamento dessas situações, quando necessário. As tecnologias aqui mencionadas, ECG e
condutância da pele, podem ser utilizadas como fornecedoras de informações impor-
tantes na avaliação dos impactos emocionais de novos protocolos e práticas educacio-
nais sobre o público ao qual se destina, sobre quais ambientes são mais ou menos pro-
pícios ao aprendizado e à saúde dos estudantes. Indicam também técnicas eficazes de
regulação emocional que podem ser tanto utilizadas pelos próprios educadores quanto
transmitidas aos alunos.
Até muito recentemente as análises de dados de atividade cardíaca e de condutân-
cia da pele eram restritas ao ambiente de pesquisa convencional, e realizadas por apa-
relhos não acessíveis ao público em geral. As avaliações de práticas de ensino e de in-
tervenções específicas, como as mencionadas acima, só poderiam ser, portanto, reali-
zadas em contexto laboratorial e seus resultados poderiam ser transpostos para o co-
336

tidiano de ensino-aprendizagem. Com o advento de tecnologias de mensuração desti-


nadas ao público, como relógios capazes de medir a frequência cardíaca, pressão san-
guínea, oxigenação arterial, quantidade de passos, entre outras atividades e sinais fisi-
ológicos, algumas pesquisas já estão sendo realizadas, ainda em contexto laboratorial,
para verificar o funcionamento dessas ferramentas (35), com o objetivo final de utili-
zá-las posteriormente para realizar estudos ecológicos, no ambiente em que o fenô-
meno investigado acontece normalmente. A literatura já tem exemplos de uso de smar-
twatch para identificação de cinco tipos diferentes de humor, com cerca de 90% de
acurácia com base em respostas fisiológicas (2), para auxílio no reconhecimento das
emoções em pacientes com doença de Parkinson acometidos por alexitimia, ou seja,
com muita dificuldade ou incapacidade de expressar emoções (50), e, até mesmo, para
regular a emoção por meio da alteração da fisiologia: o relógio fornece estímulos táteis
ao participante, que, segundo os autores, tem sua frequência mimetizada pela frequên-
cia cardíaca. O estudo mostra que participantes que foram expostos a estímulos com
menor frequência (batimentos mais lentos) desempenharam melhor em testes cogni-
tivos (15). Nesse último caso, não se trata mais de uma ferramenta de mensuração,
mas sim de uma intervenção de regulação emocional.
É importante salientar que as pesquisas com esses equipamentos para os fins
mencionados, ou seja, rastrear estados emocionais e eventualmente alterá-los, tiveram
início muito recentemente e, para que constituam um conhecimento científico sólido,
ainda é necessário que sejam replicadas e suas amostras ampliadas para uma popula-
ção mais diversa. Além disso, estudos em ambientes cotidianos também se fazem ne-
cessários. Todavia, uma vez que seja estabelecido que essas ferramentas são úteis para
tais fins e, portanto, podem ser aliadas na promoção de estudos em ambiente não labo-
ratorial, é plausível que elas auxiliem, também, na construção de conhecimento acerca
dos impactos emocionais dos ambientes reais de ensino-aprendizagem.

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341

21
Estimulações cerebrais não invasivas:

as aplicações de Estimulação Transcraniana

por Corrente Contínua (ETCC) e

Estimulação Magnética Transcraniana

(EMT) na aprendizagem e na clínica

Marília Lira S. Coêlho

Patrícia Moraes Cabral

Letícia Yumi N. Morello

Gabriel Gaudêncio do Rêgo

Paulo Sérgio Boggio


342

INTRODUÇÃO

As técnicas de neuromodulação transcranianas não invasivas estão entre as gran-


des revoluções da neurociência do começo do século XXI. Essas técnicas utilizam dife-
rentes formas de energia como corrente elétrica, campo magnético ou ultrassom para
modular a atividade corrente de populações de neurônios do cérebro, sendo, por isso,
denominadas de neuromodulação (ou estimulação). A aplicação de tais técnicas se dá
por meio da aplicação de energia (elétrica, magnética ou mecânica, no caso do ultras-
som) por dispositivos (eletrodos, bobinas ou transdutor) ao couro cabeludo, de forma
que a energia atravessa o crânio e interfere na atividade do cérebro, sendo, por isso,
denominadas de transcranianas. Por fim, em razão desses métodos não necessitarem
de procedimento cirúrgico que resulte em lesão ao organismo, eles são classificados
como não invasivos.
O aspecto revolucionário de tais técnicas é em razão de terem se tornado funda-
mentais para a pesquisa em neurociência. Por meio delas, é possível investigar de mo-
do causal se uma região do córtex cerebral está envolvida em alguma função cognitiva,
afetiva ou comportamental. Por exemplo, estudos de neuroimagem (i.e., ressonância
magnética funcional) detectaram que pessoas realizando tarefas numéricas apresenta-
vam maior atividade do sulco intraparietal inferior (SPI) de ambos os hemisférios do
cérebro, indicando uma correlação entre processo cognitivo e estrutura cerebral (14).
Contudo, não se sabia se ambos os hemisférios (ou mesmo se qualquer um deles) seri-
am verdadeiramente responsáveis pelo processamento numérico ou apenas epifenô-
menos não correlacionados. Utilizando a estimulação magnética transcraniana (EMT),
Kadosh et al. (13) interferiram na atividade do SPI de cada hemisfério de participantes
saudáveis enquanto eles realizavam uma atividade de cálculo. Com esse experimento,
os pesquisadores identificaram que apenas quando interferiram no SPI do hemisfério
direito houve piora na execução da tarefa. Ou seja, esse método permitiu avaliação de
causalidade (causa e efeito), de dados correlacionais obtidos por neuroimagem.
A outra revolução dessas técnicas se dá em razão de elas modificarem a atividade
do cérebro, o que permitiria interferir na atividade do cérebro para melhorar o de-
sempenho em processos cognitivos, afetivos ou comportamentais, que estão alterados
em casos clínicos. Por exemplo, sabendo que aproximados 5% das crianças apresen-
tam um quadro de discalculia (32), e compreendendo que Kadosh et al. (13) consegui-
ram interferir na habilidade de cálculo por meio da neuromodulação do SPI, seria pos-
sível utilizar essa mesma técnica para melhorar desempenho matemático de pessoas
com discalculia? Em um estudo de caso, dois adultos diagnosticados com discalculia do
desenvolvimento foram submetidos à modulação com Estimulação Transcraniana por
Corrente Contínua (ETCC), com protocolos de estimulação distintos. Um dos protoco-
343

los levou à melhoria na performance numérica em um dos participantes, sugerindo o


possível uso terapêutico dessa técnica nesse transtorno (29).
A partir desses dois exemplos, percebe-se a relevância das técnicas de neuromo-
dulação para a ciência e para a sociedade, auxiliando pesquisas e possibilitando novas
terapêuticas. Abordaremos mais desses exemplos ao longo do capítulo, com foco nos
tópicos de aprendizagem e clínica, dando destaque principalmente às técnicas de EMT
e ETCC supracitadas. Atualmente existem diversas técnicas de neuromodulação: aque-
las cujo mecanismo de ação é a corrente elétrica, como a estimulação transcraniana
por corrente contínua (ETCC), por corrente alternada (ETCA) ou por ruído aleatório
(ETRA); as técnicas de estimulação magnética transcraniana (EMT); e as técnicas de
neuromodulação por ultrassom. Contudo, a maior parte ainda se encontra em fases
iniciais de pesquisa, enquanto a ETCC e EMT são mais consolidadas e com maior nú-
mero de estudos. Antes de falarmos da aplicação na aprendizagem e na clínica, vamos
explicar um pouco sobre como essas duas técnicas funcionam (mecanismos de ação) e
se são realmente seguras.

MECANISMOS DE AÇÃO E PARÂMETROS DE SEGURANÇA

No começo da introdução falamos que as técnicas de neuromodulação estavam


entre as grandes revoluções deste século, contudo sua origem é bem mais antiga. Por
exemplo, as técnicas de neuromodulação com corrente elétrica (como a supracitada
ETCC) datam ainda do século 19 (16). À época eram vendidas pelo nome de “baterias
médicas” e eram receitadas como tratamento para diversos males (por exemplo, dor
de cabeça, baixa concentração, dor de estômago etc.). O aparelho consistia em um dis-
positivo responsável por gerar a corrente, similar a uma bateria de carro pequena (os
atuais podem ser do tamanho de um celular), além de dois eletrodos, similares aos
usados em um eletrocardiograma, que eram posicionados sobre o corpo para fechar
um circuito elétrico. Na época, a aplicação da descarga elétrica não tinha foco específi-
co na cabeça, sendo comumente sugerido posicionar os eletrodos sobre diversas par-
tes do corpo de acordo com a disfunção a ser resolvida (73). Embora possamos consi-
derar essas técnicas seculares, somente nos últimos 20 anos houve um interesse maior
da ciência para investigar seu mecanismo fisiológico e parâmetros de segurança para
uso humano, sendo a partir de então amplamente adotadas em pesquisas neurocientí-
ficas.
A ETCC, a mais conhecida das técnicas elétricas, é uma técnica que modula a ativi-
dade cortical por meio de corrente elétrica contínua de baixa intensidade (tipicamente
abaixo dos 2 miliamperes [mA]), por meio do posicionamento de eletrodos no escalpo,
um ânodo e um cátodo, feitos em metal ou borracha condutiva, que contém uma malha
de metal. Os eletrodos podem ser de variados tamanhos e formas, o que mudará a den-
344

sidade da carga elétrica e o foco da estimulação, ou seja, a região encefálica mais atin-
gida pela corrente. Os eletrodos comumente utilizados na literatura são retangulares,
entre 29 e 35 cm². No entanto, é possível identificar eletrodos em outros formatos,
como quadrado, redondo ou em anel. Quanto aos eletrodos, ao menos um deles é con-
siderado ativo, em razão de ser responsável por estimular uma região cortical alvo,
enquanto o outro eletrodo, responsável por fechar o circuito, é chamado de referên-
cia. O eletrodo de referência pode estar também no escalpe ou ser extra-encefálico, ou
seja, posicionado em outra parte do corpo, geralmente no rosto ou ombro (74). A apli-
cação da corrente elétrica pode ser feita em uma ou mais sessões, que duram usual-
mente 20 minutos, sendo identificado na literatura o tempo máximo de 40 minutos
(5). O aparelho ainda permite fazer uma aplicação placebo, em que a corrente elétrica
é ligada rapidamente por alguns segundos, dando uma sensação, a quem está receben-
do, similar à condição ativa.
Outro material importante para a estimulação elétrica são as esponjas usadas para
cobrir os eletrodos e o material (toucas ou faixas) usado para prender aquelas à cabeça.
As esponjas são sempre umedecidas em substâncias condutoras de eletricidade, como
soro fisiológico ou gel, para diminuir a resistência elétrica e evitar o aquecimento do
eletrodo, diminuindo assim o risco de lesão na pele onde é aplicado. As tiras são geral-
mente feitas de borracha para evitar a umidade e, assim, a dispersão da corrente elétri-
ca, mas faixas de tecido elástico podem ser usadas caso sejam pouco absorventes (74).
Enquanto a maioria dos aparelhos de neuromodulação são similares ao visto na Fi-
gura 1 (página seguinte), é importante ressaltar que existem variações como a ETCC de
alta definição, que utiliza um sistema de eletrodos 4 x 1, ou seja, um eletrodo ativo ao
centro e quatro eletrodos de referência ao redor, de forma que a corrente tende a atingir
uma área mais focal no cérebro.
Quanto aos mecanismos fisiológicos da ETCC, a literatura sugere diversos efeitos
no cérebro, sendo os mais discutidos: efeitos somáticos no neurônio - a corrente mo-
dula o nível de polarização elétrica da membrana neuronal em estado de repouso (i.e.,
potencial de repouso), facilitando ou dificultando a ativação cortical em razão da
despolarização ou hiperpolarização da membrana, respectivamente; efeitos sinápticos
duradouros associados ao aumento da plasticidade sináptica (por mecanismos conhe-
cidos como potenciação de longo-prazo), em razão do aumento do número de recep-
tores glutamatérgicos em neurônios pós-sinápticos (por ecemplo, NMDA ou AMPA) ou
da maior expressão de fatores neurotróficos, como o BDNF (8, 68). A partir desses me-
canismos é possível observar mudanças cognitivas e comportamentais durante e
mesmo um tempo após a estimulação, que pode variar de acordo com a duração da
estimulação (por exemplo, efeitos que perduram por algumas horas após estimulação
de 20 minutos).
345

Figura 1. Aparato da ETCC, à esquerda, que consiste no aparelho / módulo para aplicar a cor-
rente elétrica; os eletrodos (posicionados na cabeça), conectados ao aparelho por fios; as es-
ponjas umedecidas que cobrem os eletrodos (de cor azul claro); e a faixa de plástico para posi-
cionar os eletrodos. À direita, os eletrodos usados na ETCC convencional (imagem A) e de alta
definição (imagem B); e abaixo de cada imagem aparece o respectivo modelo computacional
indicando a densidade elétrica que atinge o cérebro (vermelho = maior densidade; azul = me-
nor densidade). Fonte: Soterix Medical Inc, à esquerda; Shen et al. (65), à direita.

Com base em estudos investigando ETCC no córtex motor, o efeito típico da esti-
mulação é o aumento da excitabilidade cortical abaixo do eletrodo ânodo e inibição
abaixo do cátodo. Na literatura, observa-se que isso é comumente interpretado como
estimulação anódica associada a uma melhora do desempenho cognitivo / comporta-
mental, ou estimulação catódica com diminuição ou piora desse desempenho (50), o
que não é necessariamente verdade por diversos motivos. Primeiro, apesar de isso ser
comumente detectado em córtex motor, em regiões associadas com funções cognitivas
não tem sido observado, o que pode se dar em razão de grande parte das funções cog-
nitivas (raciocínio, pensamento, memória, atenção etc.) ter como base dinâmicas de
redes corticais abrangentes, logo “excitar” ou “inibir” uma pequena área não necessa-
riamente leva ao “aumento” ou “diminuição” de alguma função (31). Segundo, podem
existir efeitos não lineares na relação entre intensidade / duração da estimulação elé-
trica e grau de excitabilidade cortical, ou seja, dependendo da intensidade e duração da
corrente (por exemplo, 1 ou 2 mA por 10 ou 20 minutos), uma estimulação anódica
poderia diminuir a excitabilidade cortical ao invés de aumentá-la, devido a mecanis-
mos homeostáticos do cérebro (27). Por fim, além da intensidade, o efeito pode variar,
ainda, em função da montagem adotada (local do eletrodo alvo e referência); do tama-
nho e orientação dos eletrodos; com características de quem está recebendo (por
exemplo, gênero, idade, diferenças anatômicas); e se a ETCC for aplicada concomitante
a um processo comportamental de interesse (em inglês é chamada por alguns autores
346

de aplicação online), ou em estado de repouso (24, 64). Tais motivos têm sido associa-
dos a diversos achados controversos na literatura envolvendo uso de ETCC, com auto-
res por vezes achando efeitos positivos, enquanto outros autores identificam efeitos
nulos ou mesmo negativos da estimulação em sintomas clínicos ou desempenho cogni-
tivo e comportamental (para aprofundar nessa discussão, ver Filmer et al. (19)).
A ETCC seria uma técnica considerada segura? Uma vez que sejam seguidas as
principais recomendações de segurança da literatura, é uma técnica considerada bas-
tante segura, não sendo, até o momento, associada a nenhuma lesão séria ou irreversí-
vel (5). As recomendações são de evitar aplicar tal técnica em pessoas com implantes
metálicos na cabeça; com marca-passo cerebral ou cardíaco; que tenham feito cirurgia
cerebral ou na medula; e com histórico de epilepsia, quadros repetidos de convulsão
ou desmaio, trauma cranioencefálico ou problemas de pele (2), além de cuidados espe-
ciais para uso em crianças, idosos e populações clínicas (5). Além disso, a literatura
tem reportado alguns efeitos adversos, em sua maioria leves e todos com efeitos tran-
sientes (i.e., passageiros). Os mais relatados são problemas na pele, como coceira, for-
migamento ou vermelhidão que podem ocorrer durante a estimulação e que passam
rapidamente durante ou após o fim da estimulação. Contudo, algumas pessoas podem
ter reações maiores, como dermatite de contato ou queimadura no local do eletrodo; e
dor de cabeça, alterações de humor ou cognitivas, também transientes (5, 44, 54). Des-
sa forma, por mais que seja seguro, discute-se também sobre a tolerabilidade do tra-
tamento, ou seja, se a pessoa submetida à estimulação suporta sem grande incômodo o
procedimento (74). Para maiores detalhes sobre revisão de questões de segurança,
recomendamos a leitura da revisão de Bikson et al. (16, 74).
Quanto à Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), essa técnica foi desenvol-
vida nos anos de 1980, com fins de investigar a propagação do impulso nervoso, desde
o trato corticoespinhal até os nervos periféricos (60). Além disso, tem servido como
ferramenta para investigar o grau de excitabilidade de regiões corticais do cérebro
(26). O aparelho, que pode ser visto na Figura 2, consiste em uma bobina, que é colo-
cada rente ao escalpe, além de um ou dois geradores, responsáveis por gerar pulsos de
corrente elétrica conduzidos pela bobina, onde é convertida em um campo magnético
focalizado. Uma vez que a bobina está rente ao escalpe, o campo magnético gerado
pelo pulso consegue estimular a região cortical logo abaixo, criando uma variação
transitória em seu campo elétrico e ativando a população de neurônios por meio da
despolarização de seus axônios. Essa ativação forçada da população de neurônios é útil
para criar a chamada “lesão virtual”, ou seja, após a ativação da região cortical, ela pas-
sa rapidamente (poucos milissegundos) por um período de inativação, chamado perí-
odo silente, que pode interferir em processos cognitivos, afetivos ou comportamentais
que ocorram naquela região alvo do campo magnético (26, 35). Assim, pode-se aplicar
esse método de forma similar ao ETCC, para testar se uma área cortical participa de
algum processo cognitivo e comportamental. Além disso, tendo em vista que o pulso
347

magnético e a interferência decorrente duram milissegundos, pode-se aplicar tal pulso


em diversos momentos no tempo e observar se interfere de alguma forma no compor-
tamento. Por exemplo, poderíamos usar a EMT para investigar se a participação do SPI
no processamento numérico é algo que ocorre cedo no tempo, ou seja, um processo
mais automático, ou um fenômeno mais tardio envolvido com integração da informa-
ção. Para isso, poderíamos testar dois protocolos diferentes para dois grupos de parti-
cipantes efetuando uma tarefa numérica: em um dos grupos poderíamos aplicar um
pulso aos 200 ms e, em outro, aos 500 ms, e observar em qual dos dois poderia ser ob-
servada uma leve piora no desempenho (como menor acurácia ou maior tempo de re-
ação).
Em adição, pode-se, ainda, aplicar mais que um pulso magnético (técnica denomi-
nada de pulso simples), sendo comum na literatura estudos com aplicação de pulsos
pareados, como pulsos duplos ou triplos, que servem para investigar circuitos intra-
corticais e a relação desses com o comportamento e cognição (48). No caso do exemplo
dado em nossa introdução sobre cálculo, poderíamos testar um aparelho com duas
bobinas emitindo dois pulsos pareados, um sobre o córtex pré-frontal dorsolateral e
outro sobre o sulco intraparietal direito, em momentos próximos no tempo (por
exemplo, um em 200 ms, outro em 250 ms), e investigar como essas duas áreas parti-
cipam no processamento numérico.

Figura 2. Exemplo de aparelho de EMT, nesse caso consistindo em dois geradores, que são os
dispositivos brancos situados no carrinho; um monitor, para ajustar os parâmetros da estimu-
lação; um pedal em cor preta (saindo dos geradores à direita), que serve para disparar o pulso
magnético quando o médico / pesquisador pressiona com o pé; e uma bobina em cor azul es-
cura (saindo do gerador superior à esquerda), presa a um braço articulado, que serve para
posicionar de forma estável a bobina rente à cabeça do participante ou paciente.
348

Além desses procedimentos de EMT de pulso simples ou pareado, é possível, ain-


da, usar a EMT repetitiva (EMTr) para excitar ou inibir uma área cortical subjacente,
similar ao visto na ETCC. A direção de excitação / inibição cortical depende dos parâ-
metros adotados, principalmente da frequência de pulsos gerados por segundo. Em
estudos com o córtex motor, detectou-se que estimulações de baixa frequência (i.e., ≤ 1
Hz) são geralmente inibitórias, enquanto estimulações de alta frequência (i.e., ≥ 5 Hz) são
usualmente excitatórias (20). Contudo, similar ao ETCC, pode-se detectar variação nesses
efeitos em razão de diferenças na intensidade do campo magnético e duração da EMTr. É
relevante destacar que as diferenças nos efeitos também dependem de outros parâme-
tros, como o tipo de bobina, distância e orientação para a cabeça, além de características
da corrente, como forma de onda, intensidade e frequência do pulso, como no caso da
aplicação do método Theta Burst (35).
Quanto aos mecanismos fisiológicos, isso varia de acordo com a técnica de EMT, se
de pulso (simples ou pareado) ou repetitiva. No caso de EMT com pulso, ele causa a
despolarização de populações de neurônios corticais (principalmente piramidais).
Quanto à EMTr, fala-se de mecanismos similares ao da ETCC, com despolarização ou
hiperpolarização gradativa e mecanismos LTP e LTD, possivelmente mediadas por re-
ceptores NMDA, entre outros (34).
Similar à ETCC, a técnica de EMT é considerada bastante segura, caso sejam ado-
tados alguns protocolos, como evitar aplicar tal técnica em pessoas com implante me-
tálico na cabeça ou histórico de epilepsia, apesar de tais medidas não serem proibiti-
vas, sendo necessário avaliar os riscos e benefícios em cada caso. Além disso, é neces-
sário. em alguns protocolos. garantir a proteção auditiva do participante ou paciente,
por meio de protetores auriculares. Estudos preliminares têm demonstrado que tal
técnica não interferiu na atividade de aparelhos encefálicos (eletrodos intracranianos,
marcapassos, aparelhos auditivos etc.), tampouco foi associada a lesões na pele (para
discussão sobre segurança da EMT, ver Rossi e Antal (59)).
Por fim, é importante ressaltar as principais diferenças entre a EMT e a ETCC. A
primeira diferença é quanto à focalidade. Dependendo da bobina (a mais famosa é em
forma de 8), a EMT tem um maior foco, sendo assim mais precisa quando se busca es-
timular uma região cortical específica, ou seja, ela atinge uma área cortical mais deli-
mitada. Na ETCC não é possível controlar o fluxo da corrente elétrica dentro do cére-
bro, sendo possível que a corrente possa atingir áreas mais amplas, levando a uma
maior heterogeneidade nos resultados encontrados. É possível estimar a área do cére-
bro que receberá maior carga elétrica por meio de modelagem computacional, mas
mesmo isso é apenas uma estimativa. A segunda diferença é quanto aos aspectos tem-
porais, em que, no caso de EMT em pulsos simples ou pareados, há maior precisão na
interferência à região cortical alvo, sendo possível estabelecer o momento exato que
aquela região está associada a alguma função de interesse. Terceiro, na EMT é possível
controlar a intensidade ideal da estimulação para cada participante, testando sua exci-
349

tabilidade cortical por meio de testes com limiar de resposta motora, enquanto o
mesmo não é possível na ETCC. Isso é relevante para pesquisas em neurociência, pois,
muitas vezes, aplicar uma mesma intensidade elétrica na ETCC para vários participan-
tes pode trazer efeitos heterogêneos, já que pode haver diferenças individuais no nível
de excitabilidade cortical ou em aspectos anatômicos, o que poderia influenciar nos
resultados de uma pesquisa. Quarto, a carga elétrica resultante da EMT é mais forte
que na ETCC, havendo um maior risco para gerar quadros de convulsão, o que, contu-
do, também é raro na literatura. Quinto, questões estruturais, em que o aparelho de
ETCC é mais leve e portátil, usualmente mais barato que EMT e com menos parâme-
tros, sendo mais fácil para utilização em pesquisa ou clínica.

ETCC E EMT NA APRENDIZAGEM

Uma das aplicações mais promissoras da neuromodulação é como ferramenta pa-


ra investigar e otimizar o processo de aprendizagem, seja diminuindo o tempo para
aprender algo ou para aumentar a retenção de um conteúdo ou movimento aprendido.
Por aprendizagem, entendemos ser o processo cognitivo associado à aquisição de no-
vas memórias, declarativas ou não declarativas (37). Neste tópico vamos apresentar
como a ETCC tem sido aplicada para investigar alguns dos processos cognitivos mais
relacionados ao ambiente educacional: a aprendizagem (não motora), a memória e o
controle inibitório, sendo esse considerado uma função executiva preditiva de maiores
ganhos no aprendizado formal (21, 47). Como já mencionado na introdução, as técni-
cas de neuromodulação foram aplicadas na pesquisa em neurociência apenas recen-
temente. Ainda assim, há um volume considerável de trabalhos na área que utilizaram
de tais métodos para investigar a relação entre a atividade de áreas corticais com al-
guns dos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem. Abaixo citaremos alguns
desses trabalhos.
ETCC
Uma revisão conduzida em 2014 (12) sobre os efeitos da ETCC sobre atenção,
aprendizagem e memória apresentou dois estudos que abordaram a aprendizagem
cognitiva implícita (a mudança de um comportamento cognitivo, nesse caso de associ-
ações, sem que haja consciência sobre isso), com protocolos de aplicação distintos,
diferindo entre si tanto na intensidade e na duração das estimulações quanto no posi-
cionamento dos eletrodos e no público estudado - um deles estudou pessoas com es-
quizofrenia. Em relação à aprendizagem explícita (aquisição de informações que po-
dem ser recuperadas depois), a mesma revisão reuniu sete estudos que também se
utilizaram de parâmetros diferentes, mas concentraram as estimulações sobre córtex
pré-frontal dorsolateral esquerdo e giro frontal inferior direito, em sua maioria de-
monstrando efeitos pequenos, mas significativos da estimulação na melhora da per-
350

formance das tarefas. (21, 30). É possível ainda notar alto grau de variabilidade nos
parâmetros de aplicação, mesmo em estudos mais recentes, sendo perceptível grande
diversidade nas (i) tarefas utilizadas, (ii) nos construtos avaliados, (iii) nas áreas do
cérebro alvos de estimulação, (iv) na duração da estimulação, e (v) na intensidade uti-
lizada, o que pode levar, consequentemente, a grande variabilidade de resultados iden-
tificados nessa literatura (39).
Em dois outros estudos, os quais utilizaram ETCC de alta definição, foi escolhida
como área-alvo o córtex pré-frontal dorsolateral direito, ambos com estimulação anó-
dica de 2 mA por 20 minutos; um deles buscava verificar o efeito da estimulação em
memória verbal declarativa (49) e o outro investigou o efeito da estimulação sobre
aprendizagem e consolidação da memória em tarefa de sequência (61). Os resultados
mostraram efeitos controversos: a estimulação melhorou o desempenho na memória
declarativa no primeiro estudo em comparação ao grupo placebo, mas desempenho
similar entre ETCC ativa e placebo no segundo estudo. Também se propondo a estudar
o efeito da ETCC sobre a memória verbal, um terceiro estudo aplicou ETCC de alta de-
finição anódica sobre a área de Wernicke (face dorsal e posterior do giro temporal su-
perior), com intensidades de 0,5 mA ou de 1,5 mA por 20 minutos, observando que
houve melhora no desempenho da tarefa apenas em resposta à estimulação de maior
intensidade (57).
Outro tópico na aprendizagem é quanto à categorização de itens. Um estudou uti-
lizou a ETCC tradicional de 2mA anódica ou catódica sobre o córtex pré-frontal ventro-
lateral direito por 30 minutos e verificou efeito de ambas as estimulações na melhora
do desempenho em comparação com o grupo placebo. Em ambos os casos, o eletrodo
de referência estava posicionado sobre o braço esquerdo (23).
No que se refere aos demais construtos, tanto a revisão já citada acima (12) quan-
to uma metanálise de 2016 (42) apontaram para efeitos pequenos, mas significativos,
da estimulação anódica sobre o córtex pré-frontal dorsolateral direito em tarefas que
avaliam memória de trabalho, definida como a “habilidade de temporariamente man-
ter e manipular informações” (67). Já sobre o efeito da ETCC sobre a memória episódi-
ca, definida como a habilidade de lembrar de eventos passados (70), uma recente me-
tanálise, conduzida por Galli et al. (22), apontou que os efeitos da estimulação por si só
tem magnitude próxima a zero e sem significância estatística, e que os efeitos existen-
tes são moderados pela duração da estimulação e pela tarefa utilizada. As autoras
apontam que alguns estudos demonstram a efetividade da ETCC sobre o córtex pré-
frontal dorsolateral direito sobre a formação de memórias verbais e discutem que a
estimulação pode ter efeitos sobre regiões específicas e não um efeito geral, como fica
evidente na metanálise.
Uma recente metanálise de Schroeder et al. (63), que aborda os efeitos da ETCC
sobre o controle inibitório, também chega à conclusão de que os efeitos de pequena
351

magnitude, no geral, são moderados pela tarefa utilizada e, nesse caso, um segundo
moderador é justamente o posicionamento dos eletrodos. Os estudos incluídos na aná-
lise apresentaram 14 áreas alvos diferentes, contendo principalmente áreas do lobo
parietal e frontal, sendo que as mais frequentes as regiões do pré-frontal dorsolateral e
o giro frontal inferior, além de seis áreas para o eletrodo de referência. Estimulações
anódicas e catódicas foram incluídas, apesar de a maioria dos estudos apresentar co-
mo objetivo a investigação dos efeitos da estimulação anódica; a intensidade utilizada
variou de 0,5 mA a 2 mA, sendo mais frequente o uso de 1,5 mA. Nesse campo de estu-
do, duas áreas principais são estudadas: córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, que
demonstrou não contribuir para as tarefas quando estimulado, e o giro frontal inferior,
que apresentou efeito de magnitude moderada sobre o desempenho nas tarefas quan-
do sob efeito da ETCC.
Em consonância com o que foi reportado, Reinhart et al. (56) apontam que os mé-
todos utilizados em estudos com ETCC são muito diferentes entre si, o que colabora
para que ainda não haja um consenso sobre os efeitos desse tipo de estimulação sobre
os processos cognitivos no geral, inclusive aqueles associados à aprendizagem, como
memória e funções executivas. Nesse mesmo trabalho os autores propõem que mais
trabalhos sejam feitos com o objetivo de compreender os reais efeitos da ETCC nos
processos cognitivos aferidos.
EMT
Quanto à utilização da EMT para a aprendizagem, vários estudos têm focado no
potencial da EMTr na aprendizagem implícita (como aprendizagem motora) ou na me-
lhora em processos cognitivos associados à aprendizagem explícita, como atenção,
memória e funções executivas, tanto para grupos clínicos como participantes saudá-
veis. O potencial dessa técnica para melhoria da aprendizagem parece promissora,
como sugerido em revisão de Luber e Lisanby (41), que identificou 61 estudos que
identificaram melhora em funções cognitivas (atenção, memória, percepção etc.) ou
aprendizagem motora. Contudo, tais achados ainda são preliminares, em muitos casos
com melhorias com tamanho de efeito pequeno e de curta duração, sendo necessários
mais estudos de qualidade (com controle, randomização, cegagem e grandes amostras)
para identificar protocolos eficientes e que levem a resultados duradouros e expressi-
vos (41).
Um outro aspecto relevante sobre esses estudos é que grande parte ainda tem
como foco populações clínicas, existindo ainda poucos estudos avaliando especifica-
mente amostras de participantes saudáveis. Em uma metanálise, Patel et al. (52) inves-
tigaram o efeito da EMTr de alta (> 1 Hz) ou baixa frequência (< 1 Hz) sobre córtex
pré-frontal dorsolateral na cognição de participantes saudáveis, quando essa técnica
era aplicada nos participantes em repouso (ou seja, sem fazer qualquer atividade,
também chamado de coleta offline). Foram identificados 15 estudos, os quais aborda-
352

ram memória de trabalho, memória episódica, funções executivas ou percepção visual.


Em suma, a metanálise identificou que EMTr de alta frequência levou a uma melhoria
significativa das funções executivas, enquanto EMTr de baixa frequência levou a melho-
ra de memória episódica e percepção, mas em ambos os casos o tamanho do efeito foi
muito pequeno e de curta duração, o que não sugere efeito relevante para aprendiza-
gem. Os autores sugerem que possivelmente outros parâmetros sejam mais efetivos pa-
ra melhora da cognição, como talvez aplicar a EMTr enquanto os participantes estejam
ativamente desempenhando uma função de interesse (também chamado de coleta onli-
ne), ou então com outros parâmetros da EMT (tipo frequência, tempo de duração etc.).
A variabilidade nos efeitos da EMT em razão dos parâmetros foi sugerida em
uma metanálise que investigou uso da EMTr em memória episódica, demonstrando
que estimulação com 1 Hz levou a melhoras significativa e de efeito moderado compa-
rado a EMTr de frequências maiores (10 Hz e 20 Hz). Contudo, esse efeito foi maior
para estimulação com menor intensidade (abaixo de limiar motor) em comparação à
estimulação em limiar motor ou acima. Além disso, observou-se efeitos opostos em
EMTr de alta frequência (20 Hz) quando era aplicada com o participante em repouso
(offline) ou realizando tarefa (nesse caso, online) de memorização, havendo melhora
nessa função no primeiro caso e piora no segundo (75). O efeito negativo da EMTr de
alta frequência (10 Hz ou 20 Hz) e online em processos cognitivos foi sugerido em uma
recente metanálise, que detectou que estimulação online usualmente levava à diminui-
ção na performance de participantes em tarefas de atenção, linguagem, memória, fun-
ções executivas e percepção, os quais tiveram um pequeno aumento no tempo de res-
posta nessas tarefas (4).
A partir da apresentação de forma sucinta de algumas das metanálises que inves-
tigaram a EMTr na aprendizagem, foi possível perceber que a EMT tem um efeito pro-
missor na aprendizagem implícita e explícita, assim como em funções cognitivas asso-
ciadas. Contudo, os estudos ainda são preliminares e a literatura ainda necessita de
estudos mais amplos para investigar em maiores detalhes como os variados parâme-
tros nesse tipo de aplicação podem interferir com os efeitos observados, de forma a
estabelecer protocolos mais adequados para populações saudáveis e clínicas.

ETCC E EMT NA CLÍNICA

Os princípios fisiológicos das técnicas de neuromodulação e as modificações plás-


ticas do circuito neuronal cerebral patológico com efeitos significativos e duradouros
vêm tornando a ETCC e a EMT técnicas inovadoras e promissoras em tratamentos não
medicamentosos de diversas condições clínicas. As últimas diretrizes para a prática
clínica consideram a aplicabilidade da neuromodulação viável e segura com baixo ris-
co para efeitos adversos (2, 58).
353

A EMT tem sido considerada uma ferramenta valiosa para tratamento de condi-
ções clínicas neuropsiquiátricas com liberação para uso clínico em alguns países, como
Estados Unidos, Israel e Canadá, para tratamento da depressão resistente a outros tra-
tamentos. As condições clínicas mais estudadas cientificamente para uso da EMT são
transtornos psiquiátricos como depressão, mania, transtorno bipolar, obsessão, pânico,
estresse pós-traumático e comportamentos de adição; doenças neurológicas como AVC,
Parkinson, distonia e espasticidade; e síndromes dolorosas como enxaqueca, dor crônica
e dor neuropática (58). Na recente recomendação do painel de especialistas para o uso
da EMT nas condições de dor e depressão, após análise e extensa revisão de literatura,
foi classificada como nível de evidência alto e extremamente forte para tratamento da
dor neuropática e para cefaleia pós-traumática cerebral, com EMT aplicada sobre córtex
motor primário e córtex pré-frontal dorsolateral; além de evidência moderada indican-
do seu uso possível para dor pós-operatória e prevenção de enxaquecas (38).
A ETCC é considerada uma técnica de baixo custo e de fácil gerenciamento para
uso, o que a torna viável para uso terapêutico em diferentes condições clínicas. Em
2017, foi publicado um estudo sobre diretrizes baseadas em evidências para esclarecer
e classificar os níveis de evidência dos efeitos terapêuticos da ETCC (36). Dessa forma,
até o momento, as evidências não permitem fazer qualquer recomendação definitiva
quanto à eficácia de nível A (eficácia definitiva) do tratamento da ETCC para qualquer
condição clínica. Entretanto, para o nível B (eficácia provável), a ETCC foi recomenda-
da nas condições: fibromialgia (ETCC anódica do córtex motor primário esquerdo),
depressão maior sem resistência aos medicamentos (ETCC anódica do córtex pré-
frontal dorsolateral esquerdo), e vício / adição (ETCC anódica do córtex pré-frontal
dorsolateral direito e catódica no hemisfério esquerdo). Para recomendação nível C
(possível eficácia), está a condição de dor neuropática crônica de membros inferiores
secundária à lesão da medula espinhal (ETCC anódica do córtex motor primário es-
querdo). As demais condições clínicas têm sido estudadas, mas ensaios clínicos mais
robustos (randomizados, controlados e cegos) são necessários para esclarecer quanto
à eficácia terapêutica do uso da ETCC (39). A seguir, vamos apresentar algumas condi-
ções clínicas e o uso da neuromodulação, ETCC e EMT, a partir dos resultados de pes-
quisas científicas.

TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO


O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é caracterizado por déficits persis-
tentes na comunicação social e na interação social, e pela presença de padrões repetiti-
vos e restritos no comportamento, interesses e atividades (1). O TEA é um transtorno do
neurodesenvolvimento com prejuízo significativo na realização de atividades que envol-
vam o funcionamento executivo como memória de trabalho, inibição de resposta prepo-
tente ou controle de interferência (3). Além disso, esses indivíduos apresentam reações
exacerbadas e, por vezes, aversivas na percepção e reatividade sensorial a estímulos
354

visuais, auditivos e táteis, como níveis de intensidade que variam de acordo com a gra-
vidade do transtorno, o que afeta a capacidade de processamento dessas informações
(62). Os déficits graves apresentados nos indivíduos com TEA promovem impacto nos
aspectos psicossociais e cognitivos ao longo do desenvolvimento e podem permanecer
até a fase adulta (3, 62).
Nessa linha, com intuito de otimizar potencialmente o tratamento no TEA, estudos
com neuromodulação têm se mostrado promissores para modificação da meuroplasti-
cidade patológica. Entretanto, os resultados dos estudos são preliminares e, até o mo-
mento, não são conclusivos para aplicação na prática clínica, mas pesquisas experi-
mentais têm avançado no sentido de tornar protocolos de aplicação viáveis e efetivos
para os diferentes aspectos que envolvem o TEA.
Revisão sistemática, conduzida para investigar o efeito da neuromodulação no tra-
tamento do TEA, apontou que técnicas de ETCC e de EMT podem ser úteis para trata-
mento do comportamento repetitivo, da sociabilidade e de alguns aspectos da função
executiva e cognitiva (33). Esses resultados são semelhantes aos encontrados em outra
revisão sistemática com o uso da EMTr para tratamento do TEA (3), que mostrou que o
uso da EMTr reduz de forma significativa o comportamento repetitivo e estereotipado,
entretanto os efeitos não são tão robustos e apresentam limitações para tratamento
dos déficits de interação social, assim como para irritabilidade e hiperatividade. Para a
função cognitiva, o uso da EMTr teve efeito positivo no controle executivo e atencional
com redução do número de erros em testes cognitivos e na capacidade de integração
visuomotora (i.e., olho - mão) com melhora no desempenho das tarefas, porém para
capacidade de resolver problemas não foram encontradas melhoras, possivelmente
por essa tarefa utilizar recursos cognitivos mais complexos. Quanto aos parâmetros,
ainda não existe consenso na literatura para uso da EMTr no TEA, mas os estudos têm
utilizado parâmetros semelhantes, como EMTr de baixa frequência na área cerebral do
córtex pré-frontal dorsolateral para supressão da excitabilidade cortical, e de alta fre-
quência no córtex pré-frontal dorsomedial, com consequente facilitação da excitabili-
dade cortical (3).
Para uso da ETCC, estudo investigou estimulação anódica (corrente com 2 mA) em
junção temporoparietal direita de adultos com TEA, que demonstraram melhora nas
habilidades de fluência emocional verbal em comparação ao grupo placebo. Entretan-
to, esse é um estudo considerado preliminar devido ao baixo número de participantes
(17). Um estudo piloto com 50 crianças com diagnóstico de TEA foi conduzido para
analisar efeitos do uso da ETCC anódica bilateral aplicada sobre as áreas corticais pré-
frontais e motoras de ambos os hemisférios. Os resultados desse estudo mostraram
que após 10 sessões de 20 minutos de duração houve melhora na sociabilidade, com-
portamento, saúde e condições clínicas (25).
355

Diante das evidências sobre neuromodulação até o presente momento, é possível


afirmar otimismo nos achados apresentados pelas pesquisas científicas para tratamen-
to de algumas dimensões do TEA; entretanto o avanço nas pesquisas nesse tema é ne-
cessário para desenvolver protocolos com evidência de eficácia para aplicabilidade
clínica no tratamento do TEA.

TRANSTORNO DE DEPRESSÃO MAIOR EM ADOLESCENTES


O transtorno de depressão maior (TDM) geralmente é iniciado na adolescência, e,
se não for tratado de forma efetiva, pode gerar prejuízos sociais e funcionais, como
isolamento social, percepção de solidão, baixo desempenho acadêmico, abuso de subs-
tâncias e maior risco de suicídio (18). Atualmente, diferentes abordagens terapêuticas
isoladas e combinadas são usadas por equipe multidisciplinar para assistência desses
indivíduos, como tratamento medicamentoso com uso de inibidores seletivos de re-
captação de serotonina, psicoterapia e práticas de atividade física regular. Entretanto,
estudos têm demonstrado a ineficiência da resposta a esses tratamentos em metade
dos casos em adolescentes com TDM e outras técnicas têm sido apontadas como pro-
missoras, como o uso das técnicas de neuromodulação (58, 72).
Em 2008, o EMT foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) dos Esta-
dos Unidos para aplicação clínica em TDM em adultos, e, portanto, os desenhos expe-
rimentais mais robustos de ensaios clínicos com uso da EMT em adolescentes se tor-
naram relevantes. Porém, até o momento não existe consenso quanto ao protocolo de
aplicação ideal e eficácia para uso da EMT em crianças e adolescentes (51).
Wall et al. (72) realizaram ensaio clínico com uso da EMTr de alta frequência no
córtex pré-frontal dorsolateral à esquerda em adolescentes com TDM resistente ao
tratamento, guiado por ressonância magnética, por 30 sessões. Nesse estudo foi usada
a RM para guiar a localização da área cerebral alvo para a aplicação da EMTr de forma
mais confiável e otimizar resultados clínicos. Os resultados demonstraram melhora da
depressão desde as primeiras sessões, com melhoras consecutivas até a trigésima ses-
são. Além da melhora clínica durante o tratamento, os efeitos positivos nos sintomas
depressivos foram observados ainda seis meses depois. Entretanto, os autores apon-
tam para a importância de estudos mais controlados e com maior número de pessoas
para definição de protocolos com melhor evidência clínica (72). Os efeitos da EMTr em
adolescentes com TDM refratária parecem ser duradouros, como relatado pelo estudo
realizado por Mayer et al. (45), que fizeram acompanhamento por três anos após o
tratamento com EMTr e mostraram que não houve diferença significativa nos sinto-
mas depressivos e funcionamento cognitivo durante o período. Por outro lado, uma
revisão sistemática recente (28) investigou a eficácia e a aceitabilidade do uso da
EMTr em adolescentes com TDM e concluiu que, apesar da diminuição dos sintomas
depressivos, estudos como ensaios clínicos, duplo-cego controlados com placebo de-
356

vem ser realizados, para ajustes no protocolo terapêutico, como estratégia de direcio-
namento, frequência de estimulação e dosagem, os quais podem otimizar o tamanho
do efeito em estudos de EMTr (51).

DOR CRÔNICA
A dor é um tópico vastamente estudado, porém diante da sua complexidade e das
possibilidades de modulação por fatores sensoriais, psicológicos e emocionais ainda se
tem uma extensa lacuna a ser desvendada nos estudos das neurociências comporta-
mental, cognitiva, afetiva e social com futuro impacto nas possibilidades diagnósticas e
de intervenções. A dor pode ser definida como uma experiência sensorial e emocional
consciente que tem a função de proteger o organismo e que direciona a atenção para
ameaças em potencial, com intuito de evitar situações perigosas (43). Estudos de-
monstraram que essa alteração no processamento e percepção da dor é a base neuro-
fisiológica da dor crônica, resultando na redução do limiar de dor e na resposta persis-
tente do estímulo nociceptivo. Essa alteração no mecanismo da dor e na sensibilização
central pode ser evidenciado em síndromes dolorosas e desempenham um papel cru-
cial na manutenção e persistência da dor crônica (43, 66).
Partindo do pressuposto que na dor crônica há uma interconexão entre as áreas
no cérebro responsáveis pelo processamento sensorial, cognitivo e afetivo da dor, e
que a rede neuronal da “matriz da dor” também é ativada na observação da dor no ou-
tro (empatia a dor), é possível que estudos que investiguem aspectos psicológicos,
emocionais relacionados à dor possam auxiliar na compreensão do papel da afetivida-
de da experiência dolorosa do próprio corpo e na percepção da dor no outro, e na sua
relação com sentimento de angústia apresentadas pelos indivíduos.
Nessa linha, a dimensão afetiva da dor depende de sistemas neurofisiológicos que
são, em parte, distintos daqueles envolvidos na percepção sensorial da dor (6, 15). O
componente afetivo da dor se refere a experiências que são atribuídas a sentimentos
de medo, desgosto, exaustão, tristeza e ansiedade. Estudos têm evidenciado que o córtex
pré-frontal dorsolateral está envolvido na modulação afetiva da dor, exercendo ativa-
mente controle sobre a percepção da dor por meio da modulação das vias subcortico-
corticais e corticocorticais (6, 40). Técnicas de neuromodulação vêm sendo usadas em
estudos experimentais com intuito de compreender a conectividade cerebral da dor
afetiva na dor crônica.
Os primeiros estudos com o uso da ETCC mostraram o papel crucial do córtex mo-
tor primário e do córtex pré-frontal dorsolateral no limiar da percepção e da dor de
indivíduos com desenvolvimento típico por meio da ETCC. Um estudo (7) mostrou que
estimulação anódica em córtex motor primário ou córtex pré-frontal dorsolateral au-
mentaram o limiar de dor, porém apenas o córtex motor primário aumentou o limiar
de percepção da dor. Em 2009, um outro estudo investigou o tratamento por 10 dias
357

de ETCC em mulheres com fibromialgia e os achados revelaram que estimulação anó-


dica em córtex motor primário ou córtex pré-frontal dorsolateral apresentaram impac-
to na escala visual analógica de dor e na qualidade de vida dessas mulheres, porém o
efeito prolongado ocorreu apenas na estimulação em córtex motor primário (71). Es-
ses estudos em conjunto demonstram o papel crucial do córtex motor primário no cir-
cuito neural responsável pelo aspecto sensorial da dor, enquanto o córtex pré-frontal
dorsolateral parece estar relacionado à experiência afetiva da dor. Então, um outro
estudo avaliou a modulação dos aspectos emocionais da dor por meio de uma tarefa
contendo imagens de desagrado e desconforto / dor. Os resultados mostraram que
ETCC anódica em córtex pré-frontal dorsolateral diminuiu o desagrado e desconforto
da dor ao visualizar imagens negativas, quando compara as áreas cerebrais córtex mo-
tor primário, córtex occipital e placebo. Esses achados confirmam o papel crucial do
córtex pré-frontal dorsolateral no processamento emocional da dor e da empatia a dor,
e do seu potencial alvo de estimulação para alívio da dor com a modulação do compo-
nente afetivo-emocional (71).
Rêgo et al. (55) sugerem diferentes papéis no processamento emocional da dor
nos hemisférios direito e esquerdo do córtex pré-frontal dorsolateral. O córtex pré-
frontal dorsolateral direito pode estar relacionado a maior regulação da dor empática
negativa por meio do distanciamento psicológico dos estímulos negativos, levando a
uma diminuição da percepção de dor e da intensidade e valência durante a observação
de imagens negativas, enquanto o hemisfério esquerdo pode ter importante papel na
regulação emocional por meio da reavaliação cognitiva.
Diante dos resultados dos estudos de ETCC na percepção da dor e na experiência
emocional da dor, é possível ampliar as investigações de causalidade das áreas cere-
brais do córtex motor primário e do córtex pré-frontal dorsolateral na dor crônica pa-
ra compreender se as alterações nos mecanismos de sensibilização central modificam
o processamento emocional da dor empática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A neuromodulação não invasiva, como as técnicas de EMT e ETCC, tem se mostra-


do uma ferramenta potencial para o uso em pesquisas experimentais em diferentes
áreas do conhecimento, como na prática clínica. Neste capítulo demonstramos algumas
das aplicações da EMT e ETCC na educação ou saúde, tanto para relacionar a atividade
de regiões corticais com processos cognitivos e comportamentais, quanto como no
aumento do desempenho cognitivo em tarefas envolvendo funções executivas, memó-
ria, e aprendizagem, em população típica e, principalmente, com transtornos de
aprendizagem. Na área da saúde, o crescimento exponencial do interesse científico na
neuromodulação tem proporcionado desenhos experimentais mais robustos e proto-
358

colos clínicos com maior efeito modulatório cortical e de maior duração. Além de pes-
quisas avançarem na perspectiva de uso domiciliar da neuromodulação não invasiva
para condições clínicas crônicas promovendo otimização dos processos reabilitativos e
diminuição de uso de medicações. Apesar da visão otimista das últimas pesquisas,
questões importantes precisam ser resolvidas, como: protocolos experimentais com
níveis de evidência de recomendação para uso, aspectos éticos envolvidos no uso clíni-
co ou em pessoas com desenvolvimento típico, variabilidades de respostas entre indi-
víduos e em condições ambientais distintas, otimização dos efeitos neuromodulatórios
combinados ou não a outras terapias. Por fim, vale ressaltar a importância dessa fer-
ramenta neuromodulatória promissora e de fomentar novos estudos para construção
de uma prática segura e eficaz no uso da neuromodulação não invasiva.

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363

SEÇÃO 4

Tecnologias de
processamento de imagens
como ferramentas para
auxiliar nos processos de
avaliação cognitiva e
de reabilitação
364

22
Métodos de rastreio de movimento ocular

aplicados à saúde e à educação

Paulo Guirro Laurence

Matheus Sant’Ana Michelino

Júlia Benvenutti Gerotto

Gabriel Gaudencio do Rêgo

Elizeu Coutinho de Macedo


365

INTRODUÇÃO

Quantas vezes você ouviu falar que os olhos são a janela da alma? Essa frase pode
soar como um clichê, sendo encontrada em vários textos como poesias, roteiros e até
artigos científicos. De fato, em uma pesquisa feita em 2021, do banco de periódicos
Pubmed, foi possível achar ao menos seis artigos em inglês contendo essa expressão no
título. Além disso, esse tipo de analogia é bastante antiga, podendo até ser encontrada
na Bíblia (Mateus, 2:26), que diz que os olhos são a candeia da alma e indicam se al-
guém é bom ou ruim. O fato de essa expressão ser tão usada não é sem razão. O olhar
realmente sinaliza várias informações importantes, como as emoções que alguém está
sentindo, o que essa pessoa pode estar vendo, no que está interessada ou mesmo no que
está pensando. O olhar pode até mesmo indicar se alguém pode ter algum tipo de trans-
torno, como esquizofrenia (13) ou autismo (28).
A função dos olhos tem sido estudada por pensadores antigos como Aristóteles (séc.
IV a.C) e Galeno (séc. II d.C), os quais investigaram aspectos anatômicos e dinâmicos do
movimento ocular (46). Entretanto, uma compreensão mais aprofundada sobre como os
olhos se movimentam se deu a partir do século XIX, com as primeiras investigações sis-
temáticas do movimento ocular durante a leitura, conduzidas por Javal et al. (46). Desses
estudos surgiram as primeiras técnicas de detecção do movimento ocular, com um curi-
oso sistema com tubos de borracha situado sobre a pálpebra que produziam cliques au-
díveis quando se mexia os olhos. Isso permitiu aos investigadores da época perceberem
que o olho realiza rápidos movimentos entre os períodos de fixação ocular (quando os
olhos ficam fixos sobre uma mesma cena). Esses rápidos movimentos, ou “saltos”, que
fazemos com os olhos foram denominados de movimentos sacádicos (46).
Com o desenvolvimento tecnológico do século XX, surgiram novos métodos para
investigar movimentos oculares com maior precisão. Um desses métodos é o eletro-
oculograma, que utiliza eletrodos posicionados na pele ao redor dos olhos para captar
as oscilações elétricas originadas nos músculos responsáveis pelo movimento ocular
(38). Esse método, ainda hoje, é utilizado na polissonografia para captar com precisão
os movimentos oculares enquanto o paciente está dormindo (ou seja, com os olhos
fechados) e que indicam a presença do sono REM (termo que vem do inglês, rapid eyes
movement). A partir da segunda metade do século XX tem início o desenvolvimento de
métodos de rastreio ocular e pupilometria por vídeo, adotados até hoje. Nesses méto-
dos, uma câmera é utilizada para filmar em detalhes o movimento ocular ou dilatação
pupilar (também chamado de pupilometria) de uma pessoa enquanto ela realiza algu-
ma atividade (por exemplo, ler, fazer contas etc.). No início do uso dessas técnicas, a
análise do movimento ocular ou dilatação pupilar era feita manualmente pelo pesqui-
sador e demandava um longo trabalho, pois ele analisava o vídeo momento a momen-
to, permitindo-o, então, avaliar em detalhes a dilatação pupilar ou rastreio ocular em
366

resposta a alguma cena visual. Um dos primeiros estudos utilizando esse método, feito
por Paul Fitts et al. nos anos de 1950 (38), investigou como o padrão de rastreio ocular
estava associado ao desempenho de pilotos em uma cabine de avião, dando informa-
ções relevantes sobre quantas vezes o piloto olhava para alguns dos comandos (reve-
lando sua importância), ou a duração que esses pilotos levavam para interpretar al-
guma informação do cockpit (avaliados por meio do tempo de fixação). A partir disso
foi possível construir interfaces de cockpits mais “amigáveis”, otimizando o desempe-
nho dos pilotos durante o voo (38).
Atualmente, o método de rastreio ocular mais utilizado ainda é o de vídeo; contu-
do o desenvolvimento computacional nas últimas décadas permitiu a criação de sof-
twares que calculam automaticamente e com precisão o rastreio ocular e a pupilome-
tria. Nesses sistemas, além da câmera para gravar o rastreio ocular, há um diodo que
emite uma luz próxima ao infravermelho, a qual cria reflexos na córnea e no cristalino,
e, por meio desses dois reflexos, o software calcula com precisão para onde uma pes-
soa está olhando (38).
Outra mudança relevante nos últimos anos é quanto à portabilidade e facilidade
no manuseio dos aparelhos de rastreio ocular. Os sistemas mais antigos geralmente
utilizavam cadeiras de oftalmologista, com suporte para queixo e testa, para poder
estabilizar a cabeça e melhorar a captação de vídeo, e eram relativamente caros (26,
46). Aparelhos “portáteis” foram desenvolvidos no final dos anos 1950, e eram coloca-
dos na cabeça do usuário, mas eram grandes e desconfortáveis (26). Foi o desenvolvi-
mento tecnológico e computacional, na segunda metade do século XX, que permitiu a
criação de sistemas mais baratos e compactos; por exemplo, os aparelhos atuais per-
mitem captação com qualidade e sem suportes para estabilizar a cabeça, e as pequenas
câmeras podem ser acopladas até mesmo em um notebook (26, 38). Além disso, foram
desenvolvidos aparelhos para uso portátil extremamente confortáveis e leves, como
óculos ou capacetes, os quais contém câmeras que filmam tanto os olhos de quem os
usa como a cena que a pessoa está vendo, permitindo gravar uma pessoa em um ambi-
ente natural. De fato, as câmeras atuais conseguem captar movimentos oculares muito
rápidos, sendo possível registrar imagens com até 1.250 Hz, uma taxa muito alta, tendo
visto que a maior parte dos estudos trabalham com frequências de captação de 60 Hz
ou 120 Hz (26). Importante relatar que mais avanços estão sendo feitos na tecnologia
de rastreio ocular, como o desenvolvimento de lentes de contato com emissão de laser
(18), para aumentar a precisão do rastreio ocular, ou aplicativos para usar em celula-
res e tablets, tornando essa técnica pervasiva (19).
E quais informações podem ser obtidas a partir da análise do padrão dos olhos
durante tarefas nos contextos educacionais e da saúde? Primeiro, a direção e duração
da fixação ocular, que indicam regiões de interesse em um campo visual; segundo, os
movimentos oculares, como movimentos de perseguição (quando os olhos seguem um
objeto) ou os movimentos sacádicos (movimentos em “saltos” dos olhos entre as fixa-
367

ções), amplamente investigados em estudos clínicos; e, por fim, a dilatação / contração


pupilar, por muito tempo usado na clínica para avaliar casos de concussão e adotados
na psicologia a partir dos anos de 1970 para investigar processos cognitivos atencio-
nais (42) e executivos (37), assim como emoção (27) ou motivação (3). Muitas áreas
de estudo têm adotado tais informações oculares, como ergonomia, publicidade, mar-
keting e psicologia. Contudo, neste capítulo serão destacados os estudos que utilizaram
métodos de rastreio e de pupilometria para a educação e saúde.

OS MOVIMENTOS OCULARES EM TESTES DE INTELIGÊNCIA PARA


DISTÚRBIOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

É possível analisar os movimentos oculares em diversas tarefas. Uma das catego-


rias que têm sido estudadas é a realização de testes de inteligência e raciocínio fluido.
Esses testes normalmente são testes de raciocínio lógico que envolvem reconhecimen-
to de padrões. Por conta disso, são ótimos instrumentos para analisar o padrão de mo-
vimentos oculares.
Um tipo de teste de inteligência é o teste de matriz. Esses testes são bem conheci-
dos, pois estão presentes em testes padronizados como a Escala Wechsler de Inteli-
gência para Crianças (WISC) e a Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS),
além de testes como as Matrizes Progressivas de Raven. Tais instrumentos se caracte-
rizam por possuírem uma matriz, que normalmente é de 3 por 3, em que é apresenta-
da uma sequência de padrões. Nessa matriz, uma das partes está faltando, e então os
participantes devem escolher uma das alternativas que complete essa parte.
Em testes de inteligência em matrizes, as principais medidas de análise são o nú-
mero de acertos e o tempo gasto para realização do teste. Todavia, tais medidas pouco
dizem sobre os processos cognitivos efetuados por cada participante. Por conta disso,
o equipamento de registro de movimentos oculares pode ser excelente para entender
melhor quais processos cognitivos acontecem durante a realização do teste de matriz.
Quando é feito um teste desse tipo, é empregarada atenção em diferentes estruturas
do teste. Logo, é possível entender, em algum grau, quais estratégias cognitivas estão
sendo usadas pelos participantes a partir dos movimentos oculares que fazem durante
o teste de matriz.

Testes de Matriz, estratégias visuais e distúrbios do desenvolvimento

Diversos artigos se debruçaram sobre estratégias em testes de inteligência em


matriz (20, 22, 45). Primeiramente, pelo teste conter duas áreas de interesse (AOI,
abreviação de Area of Interest em inglês), é possível analisar como os participantes se
368

comportam em relação a cada uma delas. As duas áreas de interesse são: (1) a matriz;
e (2) as alternativas de resposta. Dessa forma, a quantidade de vezes que o participan-
te vai de uma AOI para a outra ou o tempo que ele gasta em cada uma das AOIs pode
dizer bastante sobre as estratégias cognitivas que ele está adotando (22, 45). Logo, as
medidas para esse tipo de análise podem ser divididas em duas principais categorias:
(1) medidas de alternância entre as AOIs; e (2) medidas de tempo nas AOIs. Os estudos
podem trabalhar de formas diferentes, mas basicamente a primeira categoria está re-
lacionada ao número de vezes que o participante muda de uma AOI para a outra, en-
quanto a segunda categoria está relacionada à quantidade de tempo gasto em cada
uma das AOIs. No caso das medidas de alternância, é possível analisar medidas como:
o número total de alternância; a razão de alternância, que é definida pelo número total
de alternância dividido pelo tempo gasto no teste. Essa medida equaliza o número de
alternância pelo tempo, uma vez que pessoas que demoram mais tempo tendem a fa-
zer mais alternâncias; ou o tempo para a primeira alternância, definido pelo tempo
gasto na matriz até o participante ir pela primeira vez para as alternativas. Já para as
medidas de tempo, algumas variações também podem ser encontradas: o tempo total
em cada uma das AOIs; a porcentagem de tempo gasta em cada uma das AOIs; ou a
razão entre as AOIs, ou seja, quantas vezes mais tempo o participante ficou na matriz
do que nas alternativas.
Tais medidas se relacionam diretamente a duas estratégias cognitivas. A primeira,
chamada de Correspondência Construtiva, é uma estratégia em que os participantes se
focam primeiramente na matriz, a fim de compreender os seus padrões. Após esse
primeiro momento, os participantes fariam poucas alternâncias com o intuito de en-
contrar a alternativa que completaria o padrão. Já a segunda, chamada de Eliminação
de Respostas, é uma estratégia em que os participantes fariam múltiplas comparações
entre a matriz e as alternativas em uma tentativa de eliminar as alternativas incorretas
e, assim, sobrar apenas uma correta (45). Essas estratégias se relacionam muito bem
com as medidas mencionadas. Por exemplo, aplicantes da estratégia de correspondên-
cia construtiva apresentam um baixo número de alternâncias, uma vez que fazem pou-
cas comparações entre a matriz e as alternativas, e um alto tempo gasto na matriz. Já
os participantes que fazem uso da estratégia de eliminação de respostas tendem a ter
um alto número de alternâncias, uma vez que eles fazem múltiplas comparações entre
a matriz e as alternativas, e um tempo gasto maior nas alternativas.
Essas estratégias estão relacionadas ao desempenho. De fato, a estratégia de cor-
respondência construtiva aparenta ter relação positiva com o desempenho. Ou seja,
participantes que aplicam a estratégia de correspondência construtiva e tendem a fa-
zer menos alternâncias e gastar mais tempo na matriz tendem a acertar mais (22, 45).
Uma das possíveis explicações para isso seria que quando o participante não conse-
guisse encontrar a resposta correta, ele começaria a tentar eliminar as alternativas
incorretas a fim de diminuir o número de alternativas para um possível chute.
369

Uma parte interessante do estudo dessas estratégias é que elas estão intimamente
relacionadas com alguns distúrbios do desenvolvimento e, por consequência, com as-
pectos relacionados com a saúde. Adultos com síndrome de Down, adultos com defici-
ência intelectual não específica e adultos com desenvolvimento típico foram compara-
dos em relação a como eles realizavam um teste de inteligência em matriz. Geralmente,
adultos com síndrome de Down e com deficiência intelectual não específica tendiam a
focar menos na matriz e a realizar mais alternâncias. Dessa forma, parece que os parti-
cipantes com algum tipo de deficiência intelectual tenderiam a utilizar uma estratégia
de eliminação de respostas (43).

Testes de inteligência e a aprendizagem

Outros tipos de testes de inteligência também podem dar insights importantíssi-


mos, com o uso de eye-tracking, mas para a educação. O uso de registro dos movimen-
tos oculares pode demonstrar como o aprendizado influencia o raciocínio lógico, aju-
dando a entendermos um pouco mais sobre a transferência de aprendizado e sobre
mecanismos da aprendizagem.
Em um estudo muito bem desenhado, dois grupos de adultos foram chamados pa-
ra uma pesquisa. Esses participantes tinham a intenção de entrar em um curso de di-
reito, nos Estados Unidos da América, que é feito após se graduar. Para serem admiti-
dos em tais cursos, os candidatos precisam prestar uma prova que envolve interpreta-
ção de texto e lógica, que se chama Law School Admission Test (LSAT). Dessa forma,
existem diversos cursinhos, muitos online, com o intuito de ajudar esses candidatos a
terem um melhor desempenho. Nesse estudo, os participantes foram recrutados den-
tro de um desses cursinhos. Metade dos participantes fez um curso de lógica, enquanto
a outra metade fez um curso de interpretação de texto. Os participantes fizeram um
teste de lógica antes e após o curso. O teste de lógica consiste em quatro balanças, lado
a lado, com duas bolas de cores diferentes em cima de cada uma delas. Algumas bolas
se repetiam entre as balanças e embaixo havia uma pergunta questionando, entre duas
bolas com cores diferentes, qual era a bola mais pesada. Para o participante conseguir
responder, ele precisava observar as relações entre as balanças e. então. emitir uma
resposta. Nesse estudo, foi utilizado o eye-tracking enquanto os participantes faziam a
tarefa das balanças (10).
Foi possível observar que, após o treinamento para cada grupo, houve uma dife-
rença significativa no grupo que fez o curso de lógica em relação ao tempo médio de
fixação. Ou seja, participantes que fizeram o curso de lógica apresentaram uma dimi-
nuição no tempo de fixação, enquanto os participantes que fizeram o curso de inter-
pretação de texto não apresentaram diferenças (10). Com isso, é possível concluir co-
mo o aprendizado muda os processos cognitivos a ponto de vermos mudanças na velo-
cidade de processamento.
370

Dessa forma, conseguimos entender como o eye-tracking pode ser utilizado em


testes de inteligência para conseguirmos informações valiosas sobre processos cogni-
tivos complexos. Porém, a importância do eye-tracking não se resume somente a testes
de inteligência. Ele possui papel fundamental também na leitura.

ANÁLISE DOS MOVIMENTOS OCULARES NA AVALIAÇÃO DA LEITURA

Um dos temas mais estudados utilizando a tecnologia de rastreio de movimentos


oculares é a leitura. Uma rápida pesquisa na base de dados de artigos científicos Pub-
med, realizada em junho de 2021, utilizando os descritores “reading” e “eye move-
ments”, encontrou 2.244 publicações que continham essas palavras-chave no título ou
no resumo. Os primeiros estudos que buscaram investigar esses fenômenos foram pu-
blicados no final do século XIX e utilizaram métodos rudimentares para a realização
das primeiras descrições sobre como os olhos dos seres humanos se movimentam du-
rante a leitura (47). Desde então, muito se descobriu sobre o padrão de movimentos
oculares e o processamento cognitivo em diferentes grupos de leitores, tais como cri-
anças, adultos universitários e adultos em processo de alfabetização, possibilitando o
aumento da compreensão sobre o processamento da leitura.
Mas quais tipos de informações relevantes podem ser extraídas dos estudos que
se propõem a avaliar o padrão de movimentos oculares durante a leitura? Tradicio-
nalmente, a avaliação da leitura é realizada utilizando instrumentos e provas no for-
mato lápis e papel, além de se apoiar na leitura em voz alta. Apesar desses métodos
serem amplamente utilizados, devido a sua facilidade de aplicação, os resultados obti-
dos se limitam às medidas de erros, acertos e tempo de leitura. A análise e interpreta-
ção desses dados permite apenas uma compreensão limitada acerca do processamento
cognitivo envolvido na leitura e compreensão de textos. Por outro lado, métodos de
avaliação que utilizam tecnologias não invasivas, como a utilização de equipamentos de
eye tracking, que registram e analisam os movimentos oculares, são capazes de fornecer
medidas mais precisas e sofisticadas acerca do processamento da leitura, assim como
permitem o acompanhamento em tempo real das estratégias utilizadas pelo leitor quan-
do defrontado com um texto escrito (23). Dessa forma, aliar as análises dos dados de
movimentos oculares com os dados das avaliações tradicionais, como medidas de acer-
tos, erros e tempo, permite uma compreensão mais completa e precisa dos processos
cognitivos subjacentes à habilidade de leitura. No que concerne ao estudo dos movimen-
tos oculares, as principais variáveis registradas e analisadas durante a avaliação da lei-
tura são as fixações e as sacadas.
As fixações são os momentos em que os olhos estão relativamente fixos sobre um
determinado ponto do campo visual. Se tratando de leitura, é durante as fixações que
novas informações são extraídas do texto. Em outras palavras, é nas fixações que ocor-
371

re o início do reconhecimento das palavras. As fixações realizadas por uma pessoa que
apresenta boas habilidades de leitura duram cerca de 225 a 250 milissegundos, caso
esteja fazendo uma leitura silenciosa. Já durante a leitura em voz alta, o tempo médio
das fixações aumenta para cerca de 275 a 325 milésimos de segundos. Além disso, um
bom leitor consegue identificar, em média, três ou quatro letras à esquerda da fixação,
e sete ou oito à direita (4, 36). Já as sacadas são os movimentos oculares rápidos reali-
zados com o intuito de reposicionar o centro dos olhos em um novo ponto do ambien-
te. Ou seja, é quando os olhos se movimentam buscando um novo ponto de fixação.
Sendo assim, as sacadas são os movimentos oculares realizados entre uma fixação e
outra (5). Nos sistemas de escritas alfabéticos, tais como o português brasileiro, no
qual os grafemas representam graficamente os fonemas, o comprimento médio de uma
sacada realizada por um bom leitor corresponde ao espaço de sete a nove letras. Ainda
em relação às sacadas, observa-se que elas podem ser progressivas (quando ocorrem
no mesmo sentido da leitura) ou regressivas (quando ocorrem no sentido contrário ao
da leitura). As sacadas regressivas ocorrem por cerca de 10% a 15% do tempo de lei-
tura de um bom leitor, mas seu excesso de ocorrência pode indicar uma dificuldade de
compreensão (36). A figura a seguir, retirada de Gran Ekstrand et al. (9), apresenta
uma visualização dos movimentos oculares durante a leitura. Os círculos representam
as fixações (quanto maior o círculo, mais longa é a duração da fixação), enquanto as
linhas entre as fixações representam as sacadas (quanto maior a linha entre duas fixa-
ções, mais longo é o movimento sacádico). Percebe-se que o leitor da direita é um bom
leitor, pois é capaz de ler o texto realizando fixações mais rápidas, sacadas mais longas
e efetuando poucas sacadas regressivas.

Figura 1. Fixações e sacadas durante a leitura.


Fonte: Imagem retirada de Gran Ekstrand et al. (9).

Uma série de estudos foram conduzidos a fim de investigar o padrão dos movi-
mentos oculares durante a realização de diferentes tarefas de leitura nas mais diversas
populações, tais como crianças, adultos universitários e adultos em processo de alfabe-
372

tização. Em relação aos movimentos oculares realizados durante a leitura de palavras


e pseudopalavras isoladas, um estudo realizado com universitários brasileiros (24)
observou que os participantes precisam de menos fixações para ler as palavras de alta
frequência em comparação às palavras de baixa frequência e pseudopalavras. Esse
efeito também é observado nos tempos de fixação, sendo que os participantes fizeram
fixações mais rápidas durante a leitura de palavras de alta frequência. Sendo assim,
palavras familiares tendem a ser lidas com menos fixações e mais rapidamente. Já em
relação ao comprimento das palavras, os resultados mostraram uma curva crescente,
tanto para o número de fixações quanto para o tempo, na seguinte ordem: curta, média
e longa. Isso indica que para ler palavras maiores precisamos fazer mais fixações, o
que contribui para um tempo maior de fixação nessas palavras. Padrão semelhante é
observado no padrão de movimentos oculares durante a leitura de palavras isoladas
de adultos em processo de alfabetização, que estavam frequentando uma escola de
educação de jovens e adultos (31). Foi visto que os adultos em processo de alfabetiza-
ção realizam mais fixações nas palavras de baixa frequência e comprimento mais lon-
go. Esse efeito de frequência e tamanho também é observado em relação às sacadas
regressivas e progressivas. De modo geral, quanto menor a familiaridade e maior o
comprimento da palavra, mais sacadas progressivas e regressivas serão realizadas.
Sobre os movimentos oculares durante a leitura de textos, as evidências indicam
que quanto maior o tamanho e a complexidade de um texto, maior o número de saca-
das regressivas o leitor realiza (32, 48). Por exemplo, um estudo (32) mostrou que há
aumento na média do número de fixações e de sacadas regressivas de acordo com a
complexidade e o assunto do texto. A compreensão de textos mais complexos tende a
sobrecarregar a memória de trabalho com mais informações que devem ser armaze-
nadas e manipuladas. A memória de trabalho é o tipo de memória responsável por ar-
mazenar e manipular informações por um curto período de tempo, sendo ela essencial
para o processo de compreensão de textos. Menos informações na memória de traba-
lho permite uma melhor articulação entre elas, gerando uma compreensão mais fácil e
profunda. Ao contrário, muitas informações demandam um maior esforço para serem
armazenadas e processadas na memória de trabalho, dificultando a compreensão. Des-
sa maneira, o leitor necessita dedicar mais tempo para a leitura, gerando um aumento
simultâneo no número de fixações. Ademais, textos complexos tendem a apresentar
mais palavras de baixa frequência, as quais o leitor não está familiarizado, ocasionando
a necessidade de mais fixações e sacadas regressivas para compreendê-las (32).
Mas a análise dos movimentos oculares pode auxiliar o processo de avaliação de
leitura? Nos anos recentes, o equipamento de registro e análise dos movimentos ocula-
res se tornou mais acessível e fácil de usar, e alguns estudos sugerem seu uso como
método de triagem para obter uma primeira avaliação básica da habilidade de leitura e
risco potencial de dislexia, que é o transtorno específico de aprendizagem da leitura
(9). Em um estudo recente (9), pesquisadores desenvolveram um instrumento de tria-
373

gem que visava identificar dificuldades de leitura, como falhas na decodificação e na


fluência, com base em dados de rastreamento ocular de crianças em idade escolar. O
objetivo era desenvolver uma ferramenta de triagem que pudesse ser facilmente apli-
cada no ambiente escolar em vez de laboratórios de pesquisa ou clínicas especializa-
das. As crianças deveriam ler uma pequena passagem de um texto, enquanto variáveis
como duração das fixações, comprimento das sacadas e proporção de sacadas regres-
sivas eram analisadas. Os resultados indicaram que a triagem baseada na análise dos
movimentos oculares conseguiu identificar com precisão as crianças que tinham difi-
culdades significativas para aprender a ler, podendo ser útil para identificar crianças
com desenvolvimento atípico de leitura e que precisam de suporte adicional. Outro
estudo do mesmo grupo de pesquisadores (29) mostrou que esse método de triagem
pode ser eficaz para identificar crianças com risco para a dislexia em uma avaliação
realizada em menos de 1 minuto. Sendo assim, o uso de equipamentos de registro e
análise de movimentos oculares se mostra promissor no auxílio do processo de avalia-
ção de leitura em crianças.

VARIAÇÃO NO DIÂMETRO DA PUPILA COMO INDEXADOR DE MEMÓRIA


E ESFORÇO COGNITIVO

Dentre os dados coletados por equipamentos de rastreio ocular, e suas possíveis


aplicabilidades clínicas e educacionais, está a variação do diâmetro pupilar, o qual é
influenciado por outros fatores além da atividade do sistema nervoso autônomo.
Há 65 anos, Hess e Polt (12), pesquisadores da Universidade de Chicago, estado de
Illinois nos Estados Unidos, iniciaram as investigações a respeito dos movimentos de
dilatação e constrição pupilares em tarefas matemáticas, identificando uma correlação
positiva entre o grau de dilatação pupilar e o nível de dificuldade em uma determinada
tarefa. Dez anos após esse estudo inaugural, um grupo de pesquisadores (7) incluiu o
espectro da memória nas investigações dos padrões pupilométricos durante a realiza-
ção de testes de reconhecimento da memória e averiguaram que, quando recordados
corretamente, itens “velhos” (i.e., apresentados na fase de estudo do teste de memória)
suscitam um aumento significativo no padrão do diâmetro pupilar em comparação a
itens “novos” (i.e., não estudados na fase de estudo). Desde então, diversos estudos (2,
17, 33, 41) têm replicado esse achado e ampliado o campo de conhecimento na pupi-
lometria, para além da noção de reflexibilidade pupilar em função da variação da lu-
minosidade.
Nas últimas duas décadas, a pupilometria, campo da ciência que investiga as vari-
ações do diâmetro pupilar, tem se mostrado como uma das principais metodologias de
pesquisas voltadas aos processos de aprendizagem (6, 8), formação de memórias (17,
374

33, 41), processamento de estímulos diversos (por exemplo, emocionais, linguísticos e


lógicos), atencionais (39), entre outros (21). Não há mais dúvida de que as variações
do tamanho da pupila indiquem processos neurofisiológicos e neurais subjacentes a
processos cognitivos, a funções sensório-perceptivas, ao processamento de estímulos
com carga emocional (2, 17), ao processamento e julgamento de informações (40), à
tomada de decisão (15, 21 ), ao sistema noradrenérgico (44), à evocação de uma falsa
memória e ao esquecimento (41), entre diversos outros aspectos.
Em relação aos possíveis contextos de aplicação da pupilometria, destacamos o con-
texto clínico, especificamente na avaliação de pacientes neurocríticos e no diagnóstico
de doenças (por exemplo, diabetes mellitus, Alzheimer, entre outras), o educacional,
principalmente para compreender as relações entre o processo de aprendizagem e a
cognição, e, por fim, o campo jurídico, especialmente na investigação sobre os erros de
memória, uma vez que envolve o reconhecimento de suspeitos e lembranças de aconte-
cimentos relacionados com denúncias de atos criminosos e/ou de agressão (41).
A literatura sobre variações pupilares em tarefas de memória com graus variados
de demanda cognitiva para sua resolução tem apresentado resultados indicando que
as pupilas também reagem conforme o tipo de resposta fornecida durante a execução
de uma atividade de memória, constatando que tais reações pupilares decorrem da
ativação e do engajamento de processos cognitivos distintos durante a detecção, o pro-
cesso de resgate da memória (literal ou semântica) e o julgamento de uma informação
como “velha” (item estudado e com traços mnemônicos literais consolidados e estáveis
em representações na memória) ou “nova” (item não estudado, com ou sem traços de
essência e familiaridade com os itens estudados). Mais especificamente, em respostas
de alarme falso (classificar como “velho” um estímulo não estudado com relação se-
mântica aos itens-alvo), há uma maior dilatação pupilar em comparação a respostas de
rejeição correta (apontar um distrator como sendo de fato “novo”). Essa diferença na
variação do diâmetro pupilar é denominada efeito velho / novo da pupila (2, 8, 17, 33)
e está associada diretamente ao uso intencional e sistemático da memória durante a
execução do teste de memória e reconhecimento da informação (2). A Figura 2 (página
seguinte) traz um exemplo dos diferentes padrões pupilares para cada tipo de respos-
ta: acerto (velho / velho), omissão (velho / novo), rejeição correta (novo / novo) e
alarme falso (novo / velho).
Além dos efeitos em função do tipo de resposta fornecida, estudos mais recentes
têm assinalado que a execução de atividades com demandas cognitivas elevadas no
período pós-aprendizagem (i.e., no intervalo de tempo entre a apresentação e exposi-
ção a um estímulo-alvo e o posterior teste de memória) prejudica a consolidação dos
traços literais da informação, acarretando maior dilatação pupilar e contribuindo para
eventuais dificuldades no processo de aprendizagem (1).
375

Figura 2. Variações do diâmetro pupilar conforme o tipo de resposta fornecido.


Fonte: Gráfico retirado e adaptado da pesquisa de Gerotto e Macedo (8).

Tal como apontado em um relato anterior (25), os resultados da pesquisa realiza-


da por Gerotto e Macedo (8), investigando os padrões dos diâmetros pupilares a partir
do paradigma Deese-Roediger-McDermott em listas de palavras com cargas emocionais
variadas, indicou que, a depender do tipo de tarefa realizada durante o intervalo de
retenção e consolidação dos estímulos, diferentes padrões pupilares na execução da
atividade de memória (reconhecimento de itens estudados e não estudados) serão
identificados. Cento e trinta e dois estudantes universitários saudáveis participaram
do estudo e foram divididos aleatoriamente em dois grupos experimentais: um grupo
submetido à realização da tarefa de evocação livre (condição de facilitação) e outro
grupo submetido à tarefa de fluência verbal fonológica (grupo de supressão). O expe-
rimento foi aplicado em quatro blocos distintos, cada um deles composto por três fa-
ses: 1) fase de estudo, em que os participantes deveriam memorizar uma série de pa-
lavras que apareceriam no centro da tela do computador, uma por vez, durante 1.500
ms, intercaladas por cinco marcas (#####), que permaneceram 1.000 ms; 2) intervalo
de retenção, no qual os participantes realizavam a atividade relacionada ao seu grupo
experimental; e 3) teste de reconhecimento, no qual os participantes deveriam distin-
guir itens antigos dos novos, respondendo no teclado (<1> para “sim” se a palavra es-
tivesse na lista; <2> para “não” se a palavra fosse nova). No teste de reconhecimento,
as palavras eram apresentadas no centro da tela do computador, uma por vez, durante
3.000 ms, intercaladas por cinco marcas (#####) por 2.000 ms, durante o que os par-
ticipantes deveriam fornecer uma resposta no teclado.
376

Os dados da pesquisa sugerem que a realização de uma atividade de supressão da


informação durante o período de retenção dos itens estudados implica em uma maior
dificuldade na consolidação de informações em unidades estáveis na memória, poden-
do justificar as diferenças comportamentais encontradas entre o grupo experimental e
o grupo-controle, em que o controle acertou significativamente mais do que o grupo de
supressão, o qual apresentou maiores taxas de omissão (esquecimento da informação
estudada). Já as análises pupilométricas não indicaram diferenças significativas nas mé-
dias entre os grupos para nenhum tipo de estímulo (alvo, distrator relacionado semanti-
camente e distrator não relacionado), ficando as diferenças significativas restritas ape-
nas aos tipos de estímulos (“novo” ou “velho”). Vale ressaltar que, embora não tenham
sido encontradas diferenças nas médias do diâmetro pupilar entre os grupos nas dife-
rentes possibilidades de respostas, os pesquisadores observaram que nas respostas de
acerto a pupila tende a dilatar, enquanto contrai nas respostas de omissão, assinalando
uma falha no registro literal das informações (14). Por fim, embora não significativa, o
grupo-controle apresentou menor dilatação pupilar para itens estudados e reconhecidos
comparativamente ao grupo experimental, o que sugere um menor esforço cognitivo na
realização dessa tarefa.
A pupilometria tem se consolidado como um dos campos mais promissores na in-
vestigação de inúmeras operações e funções, tais como processamento sensório-
perceptivo e emocional, atenção, cognição, funções executivas (por exemplo, memória
de trabalho), tanto em função de sua estrutura metódica e sistemática de análise quanto
pelos benefícios de ser um procedimento não invasivo e de fácil acesso, e que dispõe de
dados sensíveis e de alta qualidade. No campo da saúde e educação, os estudos utilizan-
do medidas pupilométricas podem auxiliar na identificação de estratégias cognitivas
evocadas para resolução de tarefas, déficits atencionais, nível de carga mental de traba-
lho (mental workload) durante a execução de tarefas (16, 34), déficits no processo explo-
ration-exploitation trade-off (11), e também servir de biomarcador no diagnóstico de
Transtorno de Déficit de Atenção (30). Mais estudos são necessários para explorar as
diferenças individuais no processo de aprendizagem e seu reflexo nas reações pupilares
visando à elaboração de planos de intervenções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo teve por objetivo demonstrar como os métodos de registro e


análise dos movimentos oculares podem ser aplicados na educação e na saúde. Como
discutido, os métodos de registro dos movimentos oculares foram sendo desenvolvi-
dos e aperfeiçoados ao longo dos anos, passando desde um rudimentar sistema com
tubos de borracha situado sobre a pálpebra, até equipamentos modernos e portáteis,
como pequenas câmeras que podem ser acopladas em um notebook ou óculos que
377

contém câmeras que filmam tanto os olhos de quem os usa como a cena que a pessoa
está vendo. Essa evolução tecnológica permitiu que o eye-tracker se tornasse uma im-
portante ferramenta para o estudo do processamento cognitivo. No capítulo foi visto
como a análise dos movimentos oculares pode contribuir para a compreensão das es-
tratégias cognitivas em testes de inteligência, para auxiliar no processo de avaliação da
habilidade de leitura, assim como a análise do diâmetro pupilar contribui para o en-
tendimento do esforço cognitivo, formação de memórias e aprendizado. Sendo assim, o
registro e a análise dos movimentos oculares têm o potencial de auxiliar numa maior
compreensão acerca das dificuldades de aprendizagem, distúrbios do desenvolvimen-
to e processos neurais e cognitivos, como também para reformulação de intervenções
específicas e mais precisas.

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381

23

Uso de sistemas de eye-tracking

para avaliação de pessoas com

autismo e síndrome de Rett

Jucineide Silva Xavier

Lourenço Kefalás Barbosa

José Salomão Schwartzman


382

INTRODUÇÃO

O olhar é um importante componente para investigar aspectos cognitivos e a utili-


zação da tecnologia de rastreamento ocular em pesquisas com pessoas com algum dis-
túrbio do desenvolvimento é relativamente recente e tem se mostrado promissor, pois
oferece informações precisas sobre o olhar de cada participante, possibilitando, dessa
forma, investigar aspectos cognitivos, tais como atenção, comunicação alternativa, vo-
cabulário receptivo e cognição social de pessoas com Transtorno do Espectro do Au-
tismo (TEA) e Síndrome de Rett (SR).
O Laboratório de Transtorno do Espectro do Autismo da Universidade Mackenzie
(Laboratório TEA-MACK) é pioneiro na utilização dessa tecnologia em pessoas com SR,
e sua equipe foi a primeira a comprovar, em 2006, que a ferramenta poderia ser usada
para avaliar certos aspectos cognitivos e da comunicação nessa população. Desde en-
tão, diversas pesquisas usando equipamento de rastreio ocular vêm sendo desenvolvi-
das no Laboratório, tanto para investigar aspectos cognitivos na SR quanto em pessoas
com TEA.
O presente capítulo pretende informar o leitor sobre os sistemas de eye-tracking
(o que é, como funciona e as informações que ele fornece), bem como rever a literatura
que utiliza essa tecnologia na avaliação de pessoas com TEA e SR, com ênfase nos es-
tudos realizados pelo Laboratório TEA-MACK.

SISTEMAS EYE TRACKING

O movimento dos olhos é um comportamento natural universal utilizado para lo-


calizar objetos de interesse na área de melhor acuidade visual, a chamada fóvea. Os
olhos se movem devido a eixos e músculos presentes em sua estrutura, que permitem
a movimentação e a rotação dos olhos em qualquer direção, sendo limitado pelo nervo
óptico. Essa característica de movimentação e rotação facilita a tarefa de buscar o obje-
to desejado. A capacidade natural do comportamento dos olhos pode sofrer alterações
em caso de doenças e acidentes. Os movimentos dos olhos também são peças impor-
tantes nas relações sociais, como, por exemplo, ao fornecer pistas se o interlocutor está
prestando atenção ou não no locutor em uma interação entre duas pessoas (16).
O olhar é um dos primeiros comportamentos observados que podem ser desen-
volvidos na primeira infância. Os recém-nascidos têm a capacidade de dirigir o olhar
seletivamente para detectar os eventos e objetos e, dessa forma, identificar e compre-
ender o que está acontecendo a sua volta. O olhar oferece acesso para o estudo da cog-
nição, especialmente em bebês por não terem a fala ainda desenvolvida (2).
383

Os movimentos dos olhos são controlados por um complexo sistema e podem so-
frer grandes impactos e alterações quando há algum tipo de dano ou desordem no cé-
rebro. Eventual problema nesse complexo sistema produz sinais únicos e mensuráveis,
podendo ser detectados por meio do movimento dos olhos, permitindo, por vezes, sa-
ber a localização e extensão da lesão. Dessa forma, os movimentos oculares podem ser
um potencial aliado nos critérios de diagnóstico (5).
Atualmente, existem muitas tecnologias para medir os movimentos oculares sen-
do utilizadas em diversas áreas e com diversos propósitos, que vão desde pesquisas
nas áreas de neurociências, psicológicas, entre outras, à aplicação clínica (9).
O rastreamento ocular é um método experimental que registra o movimento dos
olhos, a localização do olhar e o tempo de rastreio para uma tarefa específica, sendo
utilizado para observar a atenção visual provocada por estímulo pré-definido. As ori-
gens do rastreamento ocular podem ser atribuídas a Charles Bell, considerado o pio-
neiro em relacionar o movimento ocular ao cérebro, classificar os movimentos dos
olhos e descrever o efeito do movimento dos olhos na orientação visual (5).
No final do século de XIX e começo do século XX, a tecnologia para rastreio dos
movimentos do globo ocular se proliferou. Com a proliferação da tecnologia, os pes-
quisadores começaram a analisar não só a sacada ocular – deslocamento super-rápido
e preciso do conjunto ocular durante a , mas também a relação entre sacada, fixação,
percepção e cognição (16).
O eye-tracking ou rastreamento do globo ocular captura as informações do olhar,
na forma de fixação e sacadas. A fixação ocorre quando o olhar é direcionado para um
ponto específico no espaço (geralmente uma tela) por um determinando período, ten-
do como parâmetros de mensuração a contagem de fixação, a taxa e o tempo do olhar
ao objeto, que são usados para avaliar a capacidade de atenção e o tempo do estímulo.
Já as sacadas – mudanças rápidas na posição dos olhos – são úteis para analisar os ca-
minhos de varredura do olhar de um ponto inicial ao ponto de estímulo e as mudanças
tanto provocadas pelo estímulo como as automáticas, na atenção e na função executi-
va. Além disso, a latência, o tempo de resposta e a cinemática dos movimentos dos
olhos, também são importantes medidas que podem ser obtidas a partir do rastreio,
possibilitando identificar informações cognitivas complexas e prever deficiências cog-
nitivas (21). Também é possível obter, por meio do eye-tracking, a dilatação da pupila
e seus parâmetros, podendo ser mais uma variável importante a ser analisada (2).
Os equipamentos de eye-tracking geralmente estão acoplados a um monitor e a
um computador. Possuem, em sua maioria, uma tecnologia que utiliza a emissão de
raios infravermelhos, imperceptíveis e sem riscos aos olhos humanos, que refletem na
córnea do indivíduo. O aparelho possui câmeras especiais (ou sensor óptico) que con-
seguem registrar a luz refletida e um software capaz de processar a informação e de-
terminar com precisão o local em que a pessoa está olhando no monitor, utilizando a
384

posição dos olhos e o tamanho da tela como parâmetros de cálculo. O fato de ser uma
técnica não invasiva e indolor, normalmente é de fácil aplicabilidade e não requer lon-
gos ciclos de duração, podendo ser considerada simples sua utilização (2, 12).
Antes de sua utilização, o equipamento precisa ser calibrado de acordo com espe-
cificidades de cada participante. A calibração considera a distância entre o olhar do
participante e o monitor e grava em seu sistema o centro da pupila e a relação córnea-
reflexo por referência a uma coordenada x, y no monitor (2). É necessário que o parti-
cipante atenda os pré-requisitos de distância e altura de sua posição em relação ao
aparelho respeitando as especificações técnicas do fabricante do equipamento utiliza-
do. O indivíduo não tem nenhuma barreira que o impede de realizar movimentos com
a cabeça, permitindo ao usuário executar pequenos movimentos desde que o olhar
permaneça no raio de ação do equipamento para ser registrado (12).
A maioria dos equipamentos remotos fornece ao pesquisador a possibilidade de
determinar a quantidade de pontos a serem utilizados na calibração. O número de pon-
tos está diretamente relacionado à precisão espacial, ou seja, quanto maior a quanti-
dade de pontos, mais preciso é o cálculo espacial (24). A calibração é testada numa
etapa de validação e, se a calibração for boa, o ponto de contato visual pode ser esti-
mado com alto grau de precisão a partir das posições relativas da pupila e reflexo da
córnea (5). Crianças pequenas podem apresentar dificuldade em manter a atenção por
muito tempo, por isso, reduzir o número de pontos de calibração pode ser uma estra-
tégia a ser utilizada (24).
Existem muitos aparelhos de rastreio do globo ocular comercializados atualmente.
O Laboratório TEA-MACK utiliza, em suas pesquisas, o equipamento Tobii Pro X3-120.
Utilizaremos esse equipamento como referência para explicarmos o funcionamento do
eye-tracking e como o equipamento pode ser usado em pesquisas relacionadas aos
transtornos do desenvolvimento.
O Tobii Pro X3-120 é um equipamento portátil desenvolvido para avaliar e regis-
trar, em tempo real, a varredura visual do indivíduo exposto a um estímulo projetado
em uma tela de computador. O sujeito, ao passar pelo processo de calibração, tem seus
dados e parametros registrados no sistema. O rastreador é acoplado na parte inferior
de um monitor de 54,6 cm, tela 21,5 ́ ́, resoluçao má xima de 1.920 x 1.080 pixels e ân-
gulo de visão de 178° (H) / 178° (V). O monitor pode ser diferente ao utilizado, desde
que atenda às especificações mínimas do fabricante. As especificações do Tobii Pro X3-
120 podem ser observadas no Quadro 1 (25).
385

Quadro 1. Especificações do Tobii Pro X3-120.

Fonte: User Manual Tobii Pro X3-120 Eye Tracker (22), Xavier (25).

* Considerando que o participante tenha pelo menos um dos olhos no campo de rastreio do equipamen-
to e que o rastreador ocular esteja em um ângulo de 20 graus com a tela

A posição do indivíduo em relação ao aparelho é fundamental para a qualidade do


rastreio. A pessoa deve ser posicionada de acordo com as especificações de distância e
angulação descritas pelo fabricante, conforme ilustrado na Figura 1, para o equipa-
mento Tobii Pro X3-120 (22). Para obter o melhor posicionamento, por vezes, é neces-
sário movimentar a cadeira do participante para frente ou para trás, para cima ou para
baixo, para ajustar ao correto ângulo de monitoramento.
Ao utilizar o eye-tracking em uma pesquisa científica, é importante avaliar métri-
cas como: acurácia, precisão, latência e amostragem (21, 22).
 Acurácia: descreve a distância angular média do ponto real do olhar até aquele
medido pelo rastreador ocular.
 Precisão: refere-se à precisão do olhar, obtida pela variação angular espacial en-
tre um conjunto de amostras de olhares consecutivos.
 Latência: pode ser definido como o atraso entre uma mudança na localização do
olhar e a mudança relacionada na tela.
 Amostragem: consiste no número de amostras de dados de rastreamento ocular
por segundo.
386

Figura 1. Posição do participante e do eye tracker - Tobii Pro X3-120.


Fonte: User manual Tobii Pro X3-120 Eye Tracker (22).

Outras informações também podem ser utilizadas, como a pupilometria. As medi-


das pupilométricas podem variar não somente pela variação de luminosidade (12),
mas em resposta a processos cognitivos / afetivos internos, como mudanças de aten-
ção, motivação, esforço mental e esforço cognitivo. Ao se usar dados de pupilometria,
deve-se considerar que o movimento dos olhos pode interferir na medição da pupila e
o fato de que a pupila pode dilatar ou contrair no rastreamento de uma imagem devido
à luminosidade do estímulo e não somente pelo processamento e julgamento de uma
informação (5).
Os dados do rastreamento ocular são caracterizados em termos de tempo de fixa-
ção, movimento do olho ou alguma outra variável, em áreas de interesse (Area of Inte-
rest – AOI). A configuração das AOIs de maneira adequada é um passo importante para
analisar os dados de rastreamento ocular. As AOIs são definidas pelo pesquisador e
correspondem a área ou áreas de interesse de rastreio, que podem ser desenhadas a
mão ou definidas por pixels na tela, de forma regular ou irregular, tamanhos iguais ou
diferentes, podendo ser o mesmo para todos os estímulos ou variando dependendo de
qual estímulo está na tela (17).
O eye-tracking é considerado uma poderosa ferramenta de pesquisa. Com o passar
dos anos, os equipamentos foram se tornando mais acessíveis aos pesquisadores (5, 9).
Os equipamentos fornecem dados precisos e imparciais do movimento ocular, permitin-
do ao pesquisador responder perguntas que nem sempre poderiam ser respondidas
387

utilizando métodos tradicionais. Por ser indolor, não invasivo e comprovadamente segu-
ro, pode ser utilizado em todas as faixas etárias, em indivíduos com desenvolvimento
típico ou atípico. Para utilizar o equipamento em pesquisas, é necessário certa habilida-
de tecnológica (23) e um conhecimento básico da fisiologia dos olhos (5).
A tecnologia de rastreamento ocular tem sido usada na área dos transtornos do
desenvolvimento para investigar processos cognitivos e cognição social, como, por
exemplo: atenção visual, processamento de emoções e expressões faciais, entre outros
(24). Além disso, tem sido utilizada em trabalhos com bebês, tais como crianças pre-
maturas, com sinais de TEA e SR (24, 25), e em diversas patologias que afetam o siste-
ma nervoso, como Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Alzheimer, Parkinson, Esclero-
se Múltipla, Epilepsia, entre outras (21).

SISTEMAS EYE-TRACKING PARA AVALIAR PESSOAS COM SR E TEA

Pessoas com deficiências complexas, às vezes, apresentam dificuldade para se co-


municar (por meio da fala) com seus pares, familiares e cuidadores; todavia, possuem
controle oculomotor e utilizam o olhar para informar ao seu interlocutor sobre suas
necessidades (7). Além disso, avaliar aspectos cognitivos desse público também repre-
senta um desafio, visto que, muitas vezes, não é possível avaliá-los por meio de testes
neuropsicológicos existentes, pois esses instrumentos requerem que o avaliado res-
ponda de forma verbal (por meio da fala) ou motora (apontando para a resposta que
julga correta). Assim, quando o paciente apresenta limitações de fala e motora essa
testagem se torna inviável. Por isso, a importância dessa tecnologia na saúde, visto que
viabiliza a avaliação e a comunicação dessa população, o que acarreta direta ou indire-
tamente em melhorias no tratamento, interação social e na qualidade de vida.
Dentre as pessoas que se beneficiam da tecnologia de rastreio ocular estão pesso-
as com Síndrome de Rett (SR). Trata-se de uma doença progressiva na qual criança
afetada, quase sempre pertencente ao sexo feminino, apresenta graves prejuízos nas
habilidades motoras (perda do uso proposital das mãos, marcha anormal e, às vezes,
incapacidade de andar), comunicativas (ausência de fala, na maioria dos casos) e cog-
nitivas (deficiência intelectual profunda) (10), e, dessa forma, o rastreio ocular poderia
ser a única opção viável para avaliar essas pessoas, partindo-se do pressuposto de que
elas retém o controle volitivo dos movimentos oculares. Além disso, pode ser uma fer-
ramenta útil para alguma forma de comunicação alternativa.
O primeiro estudo, que se tem conhecimento, foi realizado por Baptista et al. (3),
no Laboratório TEA-MACK. O intuito era verificar se, de fato, meninas com SR utiliza-
vam o olhar para se comunicar e se a tecnologia de rastreio ocular poderia ser utiliza-
da para avaliar essa população. Os pesquisadores concluíram que as garotas com a SR,
388

que compuseram a amostra, possuíam olhar com intenção comunicativa e que a fer-
ramenta era segura para avaliar aspectos cognitivos nessa população. A partir de en-
tão, outros estudos passaram a explorar aspectos cognitivos dessas meninas.
Visando aprofundar os conhecimentos sobre a SR, em 2009, os pesquisadores do
Laboratório TEA-MACK (23) publicaram outro estudo. Dessa vez, o intuito era averi-
guar se 10 meninas com a Síndrome de Rett, com idades entre 4 e 12 anos, conseguiam
reconhecer cores (vermelho, amarelo e azul), formas (círculo, quadrado e triângulo),
tamanho (grande e pequeno) e posição espacial (em cima e embaixo). Para isso, as ga-
rotas foram expostas a esses conceitos durante um mês, posteriormente esses concei-
tos foram expostos na tela de um monitor e as meninas foram convidadas a olhar para
a figura correspondente ao estímulo verbalizado pelos pesquisadores; enquanto isso, o
equipamento de rastreio ocular registrava as respostas. Usando medida de tempo de
fixação nos estímulos os pesquisadores concluíram que as meninas não reconheciam
os conceitos, mas, levantaram a hipótese de conhecimento da coloração azul, visto que
duas garotas, quando solicitadas, olharam corretamente para o estímulo.
A partir de 2012 a tecnologia passou a ser utilizada por pesquisadores de várias
partes do mundo para investigar, por exemplo, preferência visual em mulheres com
SR. Djukic e Mcdermott (6) apresentaram três fotos de conteúdo social (rosto de pes-
soas) e não social (vestido e chafariz de jardim) na tela do computador para 49 garotas
com SR e compararam o desempenho dessas mulheres com o de 33 garotas com de-
senvolvimento típico, isto é, que não apresentam prejuízos no desenvolvimento. Por
meio de rastreio ocular, os pesquisadores constataram que meninas com SR exibiam
preferência por estímulos sociais, sobretudo a região dos olhos, em detrimento a ou-
tras partes do rosto.
Diante da confirmação de que garotas com SR apresentavam preferência por es-
tímulo visual, especificamente apreço pelo contato ocular (6), Schwartzman et al. (19)
do Laboratório TEA-MACK usaram a tecnologia de rastreio ocular para diferenciar a
SR do TEA (nessa época a SR era considerada, por alguns, uma forma grave de TEA).
Fotos contendo estímulos sociais e não sociais foram apresentadas para 11 pacientes
com TEA, 14 meninas com SR e 17 meninas com desenvolvimento típico e, por meio da
medida de fixação visual, constatou-se que meninas com SR observaram os estímulos
sociais por mais tempo do que as crianças com TEA e as crianças com desenvolvimen-
to típico, demonstrando, dessa maneira, que diferentemente de pessoas com autismo,
que demonstraram preferência por estímulos não sociais, as garotas com SR demons-
traram maior preferência por estímulos sociais, preferência maior até mesmo que as
crianças típicas.
Em 2020, Xavier (25), colaboradora do Laboratório TEA-MACK, realizou o primei-
ro estudo que se tem conhecimento, até o momento, que usou rastreio ocular para ava-
liar vocabulário receptivo (capacidade de compreender o que se ouve) de meninas
389

com SR e comparou o rendimento das garotas com a percepção dos pais sobre a capa-
cidade de suas filhas compreenderem o que era dito a elas. O estudo contou com a par-
ticipação de 14 garotas com SR e 11 meninas com desenvolvimento típico. Imagens de
um teste que avaliava capacidade de compreensão foram apresentadas na tela de um
monitor e as participantes eram solicitadas a olhar para figuras especificas e, em para-
lelo, os pais responderam questionários informando quais as palavras acreditavam
que suas filhas conheciam e, consequentemente, acertaria ao serem avaliadas.
Foram encontrados indicadores que sugeriam que, quanto mais os pais relataram
que suas filhas conheciam o vocábulo, mais chances elas possuíam de olhar para o es-
tímulo correto, e que meninas mais novas e com quadro clínico menos severo obtive-
ram melhor rendimento na tarefa.
A tecnologia de rastreio também tem sido utilizada para avaliar pessoas com TEA,
que é uma condição caracterizada por prejuízos na interação social, comunicação e
padrões repetitivos e restritos de comportamentos, interesses ou atividades (1).
A dificuldade de contato ocular é uma das caraterísticas que chama a atenção em
pessoas com TEA. Todavia, existem poucas replicações de achados de pesquisas que
visavam avaliar o padrão de rastreio ocular nessa população, o que torna a magnitude
dos efeitos e o padrão de diferenças do olhar entre os estímulos pouco claros (8).
Com o intuito de compreender melhor os achados de rastreio ocular em pessoas
com TEA revisões sistemáticas com metanálise vêm sendo realizadas. Inicialmente, a
tecnologia foi utilizada para explorar aspectos de processamento de faces e preferên-
cias visuais. Um exemplo disso, é a revisão sistemática de estudos que utilizaram tec-
nologia de rastreamento visual em crianças com TEA, realizada por Papagiannopoulou
et al. (18). A revisão foi composta por 20 estudos que utilizaram paradigmas experi-
mentais para medir processamento de faces; tais estudos usaram medidas de tempo e
número de fixações em regiões da boca e olhos em comparação com estímulos não soci-
ais. Todos os estudos que compuseram a amostra passaram por uma metanálise.
Os dados dos estudos que usaram rastreio ocular mostraram, por meio de medida
de fixação visual, que as crianças com TEA, quando expostas a fotos de rostos humanos,
apresentavam uma redução significativa da fixação do olhar na região dos olhos (18).
O rastreamento visual tem mostrado um biomarcador quantitativo promissor, so-
bretudo no que diz respeito a comunicação social em crianças com TEA (15). Pesqui-
sadores (15) compararam o rendimento de 25 crianças com TEA em testes e escalas
que, geralmente, são utilizadas para avaliar comunicação social de crianças com au-
tismo, com o desempenho dessas crianças em uma atividade de rastreio visual. Os re-
sultados apontaram correlação entre as medidas de atenção social obtidas por meio do
rastreio ocular e algumas medidas obtidas a partir de escalas respondidas pelos cuida-
dores das crianças, o que, segundo os autores, evidencia o potencial do rastreamento
ocular vir a se tornar um biomarcador promissor para avaliar essa população.
390

Frazier et al. (8) revisaram 1.132 estudos que compararam o padrão de olhar e
possíveis diferenças no rastreio de pessoas com TEA e grupo-controle (formado por
pessoas sem alteração no desenvolvimento) para estímulos sociais e não sociais. Poste-
riormente os pesquisadores utilizaram métricas de fixação do olhar para examinar o
impacto da metodologia dos estudos, as áreas de interesse utilizadas e o tamanho de
efeito dos resultados.
Os pesquisadores (8) constataram que pessoas com TEA direcionaram maior
atenção para regiões não sociais em detrimento da região dos olhos e do rosto como
todo. Esses achados corroboram a noção de que pessoas com autismo, de fato, apre-
sentam diferenças de processamento de cenas com conteúdo social. Em outras pala-
vras, os pesquisadores constataram que os participantes com TEA apresentavam alte-
rações na forma como selecionavam informações socialmente relevantes versus irre-
levantes para direcionar a atenção; além disso, segundo os autores, esse padrão de
selecionar os estímulos persiste ao longo da idade e prejudica a percepção de emoções
e de interações sociais.
Um estudo longitudinal (11) avaliou 59 bebês que apresentavam alto risco para
TEA (isto é, possuíam irmãos com diagnóstico de TEA) e 51 bebês que apresentavam
baixo risco para o transtorno (não possuíam parentes de primeiro, segundo ou tercei-
ro grau com TEA). Esses bebês assistiram cenas de seus cuidadores em momentos na-
turalísticos; enquanto isso, a varredura visual era medida e registrada por um equipa-
mento de rastreamento ocular. Os pesquisadores constataram que as crianças que,
posteriormente, foram diagnosticadas com TEA, também apresentaram um declínio na
fixação ocular nos primeiros 2 a 6 meses de vida; esse padrão não foi observado nas
demais crianças que não tiveram diagnóstico de autismo. Para os pesquisadores, tais
achados, declínio na fixação ocular em bebês e diagnóstico posterior de TEA, são pro-
missores por oferecer uma oportunidade de intervenção precoce.
Sabe-se que prematuridade e muito baixo peso ao nascimento constituem fator de
risco para TEA. O rastreio tem sido usado para investigar o padrão de rastreio com
prematuros. Sekigawa-Hosozawa et al. (20) expuseram 47 prematuros, 25 crianças
com desenvolvimento típico e 25 crianças com TEA a cenas sociais. Enquanto os parti-
cipantes assistiam as cenas, o equipamento de rastreio registrava o movimento ocular;
posteriormente, os autores compararam seus desempenhos. Segundo os pesquisado-
res, aquelas crianças prematuras que gastaram menos tempo na visualização de faces
e tiveram maior dificuldade de manter a atenção nos personagens principais, apresen-
tavam padrão de rastreio semelhante ao de crianças com diagnóstico de autismo, o que
sugere que esse tipo de estudo pode ser útil para auxiliar na identificação de crianças
prematuras com risco aumentado para autismo.
O Laboratório TEA-MACK também conduziu pesquisas de rastreio ocular para
avaliar preferência visual de crianças prematuras de muito baixo peso ao nascimento.
391

Lederman et al. (13), por exemplo, utilizaram rastreio ocular para avaliar o tempo de
fixação de olhar em figuras sociais e não sociais em 31 bebês prematuros, bem como
quantos deles olharam para as imagens. Os pesquisadores do TEA-MACK concluíram
que os bebês apresentaram maior tempo de fixação visual em figuras sociais do que
não sociais, independentemente da posição da figura social na prancha.
Mastergeorge et al. (14) realizaram uma revisão sistemática de estudos publica-
dos entre 2015 e 2019, que buscaram investigar os estímulos e os paradigmas usados
em estudos que utilizaram rastreamento ocular para avaliar crianças pequenas em
risco para TEA. Os autores encontraram variabilidade tanto de protocolos de rastreio
adotado nos estudos quanto dos estímulos utilizados, o que dificulta que o rastrea-
mento se torne uma ferramenta objetiva e confiável. Por isso, Mastergeorge et al. res-
saltaram a importância de pesquisadores compartilharem protocolos e estímulos, para
que a tecnologia seja replicável e que se possa criar bancos de estímulos padronizados
e disponíveis para pesquisas futuras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os sistemas de rastreio ocular se mostram, de fato, promissores para entender as-


pectos cognitivos, muitas vezes, difíceis de serem avaliados por meio de testagem tra-
dicional e poderão ser usados, no futuro, inclusive em contexto clínico para auxiliar no
diagnóstico de pessoas com TEA, bem como possibilitar o aprofundamento do enten-
dimento dos aspectos cognitivos de pessoas com SR e auxiliar na comunicação alterna-
tiva.
No momento, as limitações para uso de tal tecnologia de forma mais abrangente
decorre da falta de protocolos e estímulos padronizados para avaliar a cognição de
pessoas com distúrbios do desenvolvimento, bem como o alto custo da tecnologia, o
que inviabiliza o seu amplo acesso, pois, apesar de estar mais acessível do que há al-
guns anos, o custo, sobretudo para cientistas de países em desenvolvimento, como o
Brasil, ainda é uma questão que dificulta a ampla utilização da tecnologia
Em suma, o eye-tracking vem contribuindo para melhor entendimento de aspectos
cognitivos de pessoas com SR, evidenciando, por exemplo, preferência por estímulos
sociais ao invés de não sociais, corroborando achados de pesquisas de outras áreas
que demonstraram que SR e TEA são condições totalmente distintas.
Os estudos com pessoas com TEA também trouxeram contribuições importantes
para a área, uma vez que, por meio de tarefas simples como, por exemplo, apresenta-
ção de imagens ou vídeos, o equipamento de rastreamento ocular possibilita distinguir
um padrão de rastreio visual de bebês e crianças e fornece dados que possibilitam ex-
pandir a compreensão da cognição dessa população.
392

A perspectiva é que, em longo prazo, a tecnológica possa ser usada não apenas em
contexto de pesquisas, mas sobretudo clínico, viabilizando não apenas o diagnóstico
precoce como também melhoria nos cuidados e, até mesmo, no tratamento de pessoas
com SR e TEA.

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394

24

Relação entre estresse e mães de

indivíduos com autismo:

um estudo usando FaceReader

Aline Helen Corrêa Garcia

Lucas Murrins Marques

Paulo Sérgio Boggio

Decio Brunoni
395

AS CAUSAS ASSOCIADAS AO TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO (TEA)

Entender as causas do autismo, desde a sua descrição por Kanner, tornou-se um


desafio para os pesquisadores. O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) foi identi-
ficado, pela primeira vez, como um conjunto de sinais e sintomas, os quais Kanner
chamou de distúrbios autísticos do contato afetivo (35). Mais tarde, esses distúrbios
foram denominados de Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), e os casos
originais de Kanner entraram numa subcategoria denominada Autismo Infantil. Hoje, o
TEA é considerado um transtorno do desenvolvimento cujos fatores causais podem ser
múltiplos. Aqueles que caem no espectro devem exibir uma combinação de sintomas
que estão delineados pela última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans-
tornos Mentais – 5ª ed. (DSM-5). Nele, o TEA é considerado um único transtorno, ten-
do como características diagnósticas: as deficiências sociais e de comunicação e os in-
teresses restritos associados aos comportamentos repetitivos (2).
Por ser um transtorno do desenvolvimento complexo, pesquisas envolvendo fato-
res genéticos, epigenéticos e ambientais foram associados a ele. Entretanto, na maioria
dos casos, os fatores etiológicos representam uma herança multifatorial configurando
uma combinação de matriz genética associada a fatores ambientais (1, 34). Para estu-
dar os possíveis fatores associados ao TEA e procurar entender a sua etiologia também
necessitamos de uma abordagem ampla e multifacetada. O nosso grupo vem buscando
compreender a resposta ao estresse de mães de indivíduos com TEA. Para tanto, bus-
cou associar o estresse materno ao TEA em um caso-controle, em que a ferramenta
conhecida como FaceReader foi essencial para validar os testes de estresse realizados.
Para uma melhor compreensão do estudo, inicialmente abordaremos as causas do au-
tismo, passando, então, a descrever o estresse como uma causa e, por fim, delineare-
mos parte do nosso trabalho e os resultados obtidos.

A HERANÇA MULTIFATORIAL

As doenças multifatoriais são causadas por múltiplos fatores genéticos, com pro-
váveis contribuições e interações envolvendo fatores ambientais. Essas doenças, ape-
sar de se agruparem em famílias, não possuem um padrão de herança claro, sendo difí-
ceis de estudar porque os fatores que causam esses distúrbios ainda não estão claros
(15, 69). São diversos os exemplos de doenças com herança multifatorial: câncer, au-
tismo, diabetes, obesidade, doenças coronarianas, entre outras. Nelas, as alterações
genéticas podem ser causadas por um efeito combinatório de muitas mutações em di-
ferentes genes, com efeitos individuais, sendo algumas raras e de efeito heterogêneo,
com um fenótipo que pode variar significantemente em cada caso (7). Há, ainda, as
396

mudanças referentes a expressão gênica, sem alterações na sequência de DNA, conhe-


cidas como alterações epigenéticas. A desregulação de processos epigenéticos, que são
induzidos ou alterados por fatores ambientais, podem causar diversos distúrbios que
promovem um funcionamento cerebral anormal, dentre eles o autismo (39). Dessa
forma, a ação de fatores epigenéticos, genéticos e ambientais interagem e podem com-
prometer o desenvolvimento neurológico, levando a defeitos da função sináptica, de
conectividade e morfogênese, ocasionando a maturação anormal do cérebro no TEA
(29, 57).

FATORES AMBIENTAIS PERINATAIS

Muitos fatores ambientais têm sido associados ao TEA (24), eles sugerem que al-
terações ambientais, durante o período pré-natal ou logo depois do nascimento, po-
dem modificar o desenvolvimento cerebral e resultar em anormalidades comporta-
mentais e déficits cognitivos, manifestando-se clinicamente no período de desenvol-
vimento das crianças (16, 41). Dentre essas causas encontramos a deficiência de zinco,
síntese anormal de melatonina, diabetes materna, hemorragia gestacional, avanço da
idade dos pais, imigração materna (23, 24), maiores níveis ambientais de metais e sol-
ventes clorados (59, 71, 74), bem como outros poluentes ambientais (58, 61, 71), in-
fecções virais (42, 55), o uso do anticonvulsivante ácido valpróico, do abortivo miso-
prostol e da talidomida (41, 48), baixo índice de Apgar, baixo peso ao nascer, prematu-
ridade e hiperbilirrubinemia (JUUL-DAM, SCHENDEL), fumar durante a gestação (31),
e, ainda, o estresse pré-natal (4, 23, 24).

Estresse materno e o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA)

Dente os fatores ambientais associados ao TEA está o estresse perinatal. O estres-


se é uma reação fisiológica do organismo que o leva a sua proteção em situações de
risco a partir de uma variedade de estressores de origem física, emocional ou ocasio-
nados por outros fatores que afetam o metabolismo do organismo como: pressão arte-
rial, glicemia, processos de coagulação (62). O estresse psicológico ocasionado por si-
tuações reconhecidas como estressantes (19), e a maneira como o organismo interpre-
ta essas situações como ameaçadoras elevam os níveis salivares do hormônio do es-
tresse - o cortisol (28). Os níveis orgânicos de cortisol são controlados pelo eixo hipo-
talâmico-hipofisário-adrenal (HHA). O cortisol é produzido no córtex da glândula su-
prarrenal (adrenal), porção fasciculada ou média que é estimulada pelo lóbulo anterior
da hipófise por meio do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), cuja produção é con-
trolada pelo hipotálamo, a partir da secreção do hormônio liberador de corticotrofina
(CRH). Seu controle é por feedback negativo, isto é, o produto final liberado na corren-
397

te sanguínea inibe a atividade adrenocortical subsequente (25). As concentrações cir-


culantes de cortisol, após um estímulo externo ou interno, aumentam após poucos mi-
nutos da ativação do eixo HHA, e sua meia vida varia entre 60 a 90 minutos (25).
O cortisol é um hormônio que obedece a um ritmo circadiano, cujo padrão diurno
já está bem estabelecido desde o terceiro mês de vida (5, 8, 30), mas também está dire-
tamente envolvido na resposta ao estresse (3). A experiência de estresse se dá pela
percepção da mudança ambiental ou física, seja ela negativa ou positiva, para defender
a homeostase. Contudo, o controle inadequado de respostas ao estresse representa
uma grave ameaça para a saúde e o bem-estar do corpo (3, 72).
A regulação do eixo HHA envolve três processos inter-relacionados: na manuten-
ção de um ritmo diurno, na ativação em resposta ao estresse ou ameaça, e na restaura-
ção da atividade basal por meio de mecanismos de feedback negativo. Um ou mais des-
ses processos podem ser afetados no TEA. Estudos têm demonstrado que, em adição
às alterações circadianas na atividade do eixo HHA, o TEA está associado a uma falta
de consistência nos ritmos do dia a dia (8, 10). Além do estresse, outros fatores ten-
dem a modificar os níveis de cortisol. A depressão, a ansiedade, os traumas, atividade
física e o uso de alguns medicamentos são alguns dos fatores que estão nessa lista (25,
33), e precisaram ser controlados para não interferir nos resultados da nossa pesquisa
(11, 27, 47).
Biologicamente, o estresse na gestação altera o funcionamento do eixo hipotalâ-
mico-hipofisário-adrenal (HHA). Somado a isso, as alterações do eixo HHA de crianças
com autismo, em resposta ao estresse, têm se mostrado complexa, idiossincrática, com
desregulação do ritmo circadiano e aumento do cortisol salivar (8, 10). O sistema HHA
também responde consistentemente à percepção de situações novas ou desconhecidas
e pode servir como um importante biomarcador da resposta a uma variedade de estí-
mulos diferentes, inclusive ao estresse (27).

O estresse, o eixo HHA e o neurodesenvolvimento

O estresse pré-natal está associado ao aumento do risco de doença psiquiátrica na


prole, dentre elas o TEA, além de padrões atípicos de emoções e comportamento (45,
50), gerando filhos mais propensos a problemas emocionais ou cognitivos, incluindo
um aumento do risco de déficit de atenção e hiperatividade, ansiedade e alterações da
linguagem. Os estudos mostram uma forte correlação entre os níveis de cortisol ma-
terno e fetal, mas não explicam alguns problemas envolvidos nessa interação como o
declínio na resposta ao cortisol no curso da gestação, levando à proposição de que uma
hiper-resposta ao cortisol pode ser a causa do problema (66).
No encéfalo, a região do hipocampo mostra um notável grau de plasticidade estru-
tural em resposta ao estresse e aos corticoides durante o neurodesenvolvimento (43).
398

De sorte que o estresse materno pode alterar o desenvolvimento neurológico do feto


em humanos (53), demonstrando que a exposição pré-natal a glicocorticoides tem pro-
fundas influências sobre a função do eixo HHA, sendo os baixos níveis de cortisol de-
tectados em condições de estresse crônico e em situações sociais caracterizadas por
relações sociais instáveis (64). Quase todos os estudos encontraram correlação entre
os níveis de cortisol e do hormônio adrenocorticotrófico em TEA, sugerindo que o au-
mento dos níveis séricos basais de hormônio adrenocorticotrófico acompanhado pelo
aumento do hormônio cortisol podem ser marcadores biológicos úteis para o trans-
torno (32).
Assim, um modelo bioquímico proposto para o TEA pode resultar de uma disfun-
ção da hipófise no eixo HHA em um subconjunto de indivíduos com o transtorno (5, 8,
30), ou em suas mães, uma vez que os glicocorticoides têm uma poderosa influência
sobre o crescimento, maturação e remodelação do tecido durante o desenvolvimento
fetal. A sua utilização, na gravidez humana em risco de parto prematuro, reduz a mor-
talidade e morbidade neonatal. Esses efeitos benéficos de curto prazo, dos glicocorti-
coides no período pré-natal, no entanto, aumentam os riscos, em longo prazo, de des-
regulação das funções endócrinas e metabólicas, incluindo a resposta ao estresse,
crescimento e reprodução (44). Dessa forma, o período intrauterino é um momento
crítico, e alterações epigenéticas de genes na placenta envolvidos no eixo HHA são as-
sociadas com o estresse no útero e podem contribuir para diferenças no desenvolvi-
mento, em longo prazo, com efeito sobre a saúde da prole. Assim, alterações induzidas
pelo estresse na gestação, em genes que regulam o eixo HHA, podem aumentar a res-
posta do feto ao estresse (57).

ESTRESSE

Nos dias atuais, questões como o estresse têm sido cada vez mais relevantes e, por
isso, estão sendo amplamente discutidas e suscitando uma quantidade imensa de in-
vestigações científicas nas mais diversas áreas (51).
O uso do termo estresse como analogia a uma resposta psicofisiológica do orga-
nismo é decorrente dos estudos do pesquisador Hans Selye sobre a “Síndrome da
adaptação generalizada”, que descreveu o estresse como sendo uma resposta do corpo
a qualquer demanda, quando forçado a adaptar-se à mudança (62). Posteriormente,
outros pesquisadores, como Cannon, começaram a questionar a não especificidade da
resposta ao estresse. Cannon teria sugerido que um mesmo padrão de resposta ao es-
tresse, de forma quase estereotipada, não seria um mecanismo adaptativo e, portanto,
não teria se mantido a partir da seleção natural (54).
399

A resposta fisiológica adaptativa a uma situação estressante é chamada de alos-


tase, que significa, literalmente, manutenção da estabilidade, ou da homeostase, por
meio da mudança (60). O termo homeostase se refere à manutenção do funcionamento
ótimo de alguns parâmetros fisiológicos, tais como pH, tensão de oxigênio e temperatura
corporal, que são essenciais para a manutenção da vida (60). A alostase, por sua vez,
pode ser definida como um processo ativo de manutenção / reestabelecimento da ho-
meostase (63). Nesse contexto, a alostase abrangeria à capacidade do corpo de produzir
hormônios (por exemplo, cortisol, adrenalina e DHEA) e outros mediadores (como cito-
cinas), que ajudam o indivíduo a se adaptar a uma nova situação ou desafio (46).
As respostas ao estresse agudo, que promovem a sobrevivência no contexto de si-
tuações de ameaça à vida, são adaptativas em curto prazo (alostase). No entanto, se a
recuperação fisiológica do evento agudo não for acompanhada de uma resposta ho-
meostática compensatória adequada, podem ocorrer efeitos deletérios nas funções
fisiológicas e psicológicas denominados de "sobrecarga alostática" (60). Esse quadro
de sobrecarga pode ocorrer devido a uma ativação repetitiva, ausência ou não recupe-
ração da resposta alostática (carga alostática), e está relacionado com um desgaste do
organismo causado pelo excesso ou insuficiência dos mediadores fisiológicos do es-
tresse (60). Os conceitos de alostase e sobrecarga alostática conectam o valor de pro-
teção e sobrevivência da resposta aguda ao estresse com as consequências adversas da
persistência dessa resposta (60).
A adaptação a uma situação estressora leva à ativação do Sistema Nervoso Au-
tonômico (SNA), no qual o Sistema Nervoso Parassimpático é suprimido e o Sistema
Nervoso Simpático é ativado (65). Essa ativação do SNA resulta na secreção de epinefri-
na e norepinefrina, que geram diversas respostas fisiológicas como a vasoconstrição dos
vasos sanguíneos, aumento da pressão sanguínea, aumento da tensão muscular e mu-
dança na frequência cardíaca e na variabilidade da frequência cardíaca (65). Quando não
há mais o estímulo estressante, o balanço entre os sistemas parassimpático e simpático
é restaurado. Porém, em quadros de estresse crônico, há uma ativação contínua e uma
sobrecarga dos sistemas hormonais, cardiovascular, neural e muscular (65).
Procurando investigar o impacto dos estresses cotidianos e a reatividade a eles na
saúde mental do indivíduo, o estudo realizado por Charles et al. (6) acompanharam
711 pessoas, que realizaram os questionários duas vezes com um intervalo de 10 anos.
Os resultados indicaram que os estresses cotidianos foram capazes de desgastar o
bem-estar dos participantes e foram consistentes com teorias cognitivas da depressão,
indicando o impacto do estresse na saúde mental (6).
Dentre as principais métricas psicofisiológicas das emoções, destaca-se a eletro-
miografia de superfície (EMG), técnica que possibilita a detecção de atividade muscu-
lar no mapeamento de emoções de maneira não invasiva (17). Considerando que a
atividade muscular nas expressões faciais está relacionada com a expressão involuntá-
400

ria de emoções, dados como os da EMG podem nos dar indícios da forma implícita co-
mo os estímulos são processados (17). Alguns músculos faciais específicos são relacio-
nados com emoções; existem informações relevantes relacionando o corrugador su-
perciliar, zigomático e depressor superciliar com expressão emocional (67). A estima-
tiva objetiva das expressões faciais se tornou uma ferramenta auxiliar em pesquisa
que envolve sentimentos e emoções (14), o que se deve ao fato de o rosto ser um canal
para transmitir sinais emocionais de apreciação ou não, sendo essas expressões espon-
tâneas e difíceis de controlar e, por isso, mais sinceras (68, 70). Vários estudos têm
demonstrado que as expressões faciais revelam muito sobre os sentimentos e emoções
dos indivíduos, e que essas expressões são universais (18).
Paralelamente, outros sistemas foram desenvolvidos no intuito de aperfeiçoar a
mensuração de expressões faciais, mesmo sem o posicionamento de eletrodos, o que
garante maior conforto dos participantes durante a mensuração (12, 14, 52, 68). Esse é
o caso do software Face Reader (52), que utiliza filmagens para detecção e análise au-
tomática das expressões faciais humanas (40, 41); ele é capaz de reconhecer, além da
face neutra, as expressões de tristeza, alegria, raiva, surpresa, nojo e medo, tendo acu-
rácia em torno de 89% (12, 68, 70).
Importante salientar que, com o avanço tecnológico desse tipo de instrumento, ho-
je, diversas marcas disponibilizam seus sistemas no mercado, popularizando o uso,
bem como promovendo o contínuo desenvolvimento de sistemas cada vez mais preci-
sos, com menor custo-benefício e maior praticidade (14). Tipicamente esses sistemas
funcionam a base de um sensor (uma webcam, por exemplo) que capta a imagem faci-
al. A decodificação facial é avaliada e categorizada com base no sistema FACS (Veja o
link para mais informações: https://www.paulekman.com/facial-action-coding-system/),
que se caracteriza por um conjunto de padrões de ativação muscular facial correlacio-
nados com a experiência emocional de diversos estados emocionais (68). Além disso, o
sistema enquadra a expressão facial em função dos eixos emocionais de valência e ati-
vação, o que informa tanto a respeito de quais emoções estão evocadas quanto a inten-
sidade com que se manifestam (52).
Alguns sistemas possibilitam que vídeos gravados externamente aos computado-
res de análise da expressão facial sejam processados nesses sistemas posteriormente,
permitindo, assim, que a imagem seja captada em ambientes mais ecológicos e, portan-
to, mais naturais aos participantes do estudo (52). Esse ponto é particularmente im-
portante quando se pensa a aplicação desses sistemas no campo da saúde mental, uma
vez que alterações socioemocionais tipicamente não apresentam marcador biológico,
dificultando seu estudo, além do fato de que indivíduos nesse perfil clínico podem
apresentar resistência por avaliações mais invasivas (12).
Apesar do importante impacto que esse tipo de sistema pode gerar no campo da
saúde mental, o número de trabalhos empíricos nesse sentido ainda é limitado, desta-
401

cando o desconhecimento das ferramentas por parte dos pesquisadores, mas também
evidenciando o caráter inovador que sistemas tipicamente comerciais podem apresen-
tar no âmbito acadêmico.

Mães de indivíduos com Autismo diante de estresse

Em um trabalho de Doutorado realizado por nosso grupo (21), que se encontra em


edição final, nos ancoramos na prerrogativa de que o estresse materno pode ser consi-
derado um candidato ambiental com probabilidades de possuir efeitos epigenéticos,
em indivíduos geneticamente vulneráveis, levando a metilação prejudicada e déficits
neurológicos (13, 24, 50). Investigamos esse efeito como uma das possíveis causas en-
volvidas nesse transtorno (36).
Nesse sentido, nesse estudo caso-controle, adaptamos os protocolos padrões de
indução de estresse do Trier Social Stress Test (TSST), em que há tarefas de indução de
estresse, como falar em público e aritmética mental na frente de dois avaliadores, com
filmagem concomitante, combinando, assim, elementos de ameaça socioavaliativa e
não controlável, e provocando respostas de estresse confiáveis (37, 38, 40).
O Trier Social Stress Test, desenvolvido por Kirschbaum, é um teste amplamente
utilizado para indução de estresse no laboratório (38). Nesse teste, os participantes
passam por uma entrevista, enquanto estão sendo gravados e avaliados por uma ban-
ca. Após a entrevista, a banca pede ao participante para realizar um teste aritmético.
Os estudos realizados com o teste encontraram respostas de estresse relacionadas ao
cortisol, indicando a eficiência do teste (38). No Brasil, diversos estudos foram realiza-
dos em pacientes psiquiátricos e indivíduos típicos, medindo respostas neurofisiológi-
cas e hormonais em experimentos de estresse induzido por fala pública simulada (22,
26). Parece também que respostas fisiológicas mais intensas são conseguidas a partir
de experimentos com fala pública diante de uma pequena audiência (75).
O teste aritmético é comumente utilizado como indutor de estresse moderado em
estudos, sendo possível verificar mudanças fisiológicas durante a aplicação do teste,
como alterações na frequência cardíaca e na pressão sanguínea (73). Esse teste consis-
te em realizar contas em voz alta, em que os participantes devem subtrair um deter-
minado número de um valor inicial de três ou quatro dígitos (por exemplo, subtrair o
número 13 de forma contínua, a partir do número 1.022 até chegar a zero). Durante o
teste, o pesquisador não deverá admitir erros e deverá induzir o participante a realizar
a tarefa de forma rápida (38).
No estudo realizado de caso- controle com amostra de conveniência, participaram
mães de pelo menos um filho, até 10 anos, com diagnóstico confirmado de TEA (casos,
22 mães), e mães de crianças sem diagnóstico de TEA (controles, 20 mães) (21). Para
análise das expressões faciais das mães, foi usado o software FaceReader (52) que ana-
402

lisa seis expressões faciais básicas, bem como a expressão neutra. Para isso, as mães
foram filmadas durante a tarefa de estresse, tanto na fala pública simulada quanto no
teste cognitivo, com o intuito de afirmar a efetividade da tarefa realizada e as diferen-
ças de comportamento ante a tarefa, tanto nas mães-caso quanto nas mães-controle.
Análise dos resultados demonstraram não haver diferença significativa na expres-
são da face neutra, bem como na variação dos níveis de valência emocional entre casos
e controles. Já em relação à análise dos níveis de ativação emocional, essa se encontrou
mais pronunciada nos controles do que no grupo caso, o que demonstra uma maior
intensidade de expressão das emoções nesse grupo, contrariando a hipótese inicial do
estudo. Por fim, a análise individual para cada uma das seis emoções básicas demons-
trou que a frequência das expressões faciais Alegria e Tristeza se diferenciaram entre
os grupos. Dessa forma, pôde-se entender que as mães do grupo caso apresentaram
menores níveis de Alegria e maiores níveis de Tristeza comparadas às mães do grupo-
controle. Vale destacar que essa expressão de Alegria, nem sempre reflete esse senti-
mento, uma vez que podemos expressar um riso “nervoso” nas situações de estresse.
Não foram encontradas diferenças entre os grupos para as emoções Raiva, Nojo, Sur-
presa e Medo (21).
Os resultados diferem dos esperados após a tarefa de estresse porque se as mães-
caso reagem de forma diferente em situações de estresse, era esperada uma diferença
nas expressões de surpresa, medo ou raiva e não na tristeza ou alegria. Contudo, po-
demos teorizar que as dificuldades de ser mãe de uma ou mais crianças com TEA pode
transparecer nas expressões faciais.
Em um trabalho comparando pais e mães de crianças com TEA versus de crianças
com desenvolvimento típico, Pisula e Porębowicz-Dörsmann (56) encontraram que
familiares de crianças com TEA reportam maiores níveis de estresse e menores níveis
de qualidade de vida, em instrumentos explícitos. Além disso, foi encontrado que mães
de crianças com TEA apresentam maiores níveis de estresse quando comparadas aos
pais. Outro estudo mais recente demonstrou correlação positiva significativa entre a
severidade dos sintomas de TEA dos filhos, com os níveis de estresse de pais e mães
(49). Interessante destacar que esse mesmo estudo encontrou mediação significativa
dos níveis de enfrentamento (coping) na relação entre a severidade dos sintomas de
TEA dos filhos, com os níveis de estresse de pais e mães, indicando que mesmo com
altos níveis de severidade dos sintomas de TEA dos filhos, pais com altos níveis de en-
frentamento conseguem reduzir os sintomas de estresse. Por fim, outro estudo (20)
investigou a relação entre a severidade dos sintomas de TEA dos filhos nos níveis de
HRV (Heart Rate Variability) dos pais, métrica cardíaca essa que está relacionada ao
bem-estar. Apesar de não ter sido encontrada correlação significativa entre as medi-
das, possivelmente a variabilidade dos níveis de enfrentamento dos pais e mães pode
ter influenciado com mediador dessa relação, seguindo os resultados de Miranda e
Mira (49).
403

Assim, os resultados do nosso estudo (21), quando analisados a partir dos resul-
tados dos estudos supracitados, podem indicar que mães de crianças com TEA apre-
sentam maiores níveis de enfrentamento ao estresse, quando comparadas a mães de
crianças com desenvolvimento típico, uma vez que apresentaram menor ativação
emocional e menor expressividade da emoção de tristeza, frente ao estresse. Contudo,
essa é apenas uma hipótese, sendo necessária a testagem efetiva dos níveis de enfren-
tamento, regulação emocional e/ou supressão emocional dessas mães frente a situa-
ções de estresse.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desse modo, tanto o estudo citado quanto os demais estudos sobre estresse ma-
terno de crianças com TEA, apenas avaliam pontualmente o estresse dessas mães no
momento dos estudos, com as crianças com diagnóstico já formalizado. Como apresen-
tado no início do presente capítulo, dentre os fatores ambientais associados ao TEA
está o estresse perinatal (4, 23, 24). A nossa hipótese era de que possivelmente mães
de crianças com TEA apresentariam resposta diferenciada ao estresse, o que poderia
estar associada a menor tolerabilidade ao estresse também durante o período gestaci-
onal. Sendo assim, mais estudos são necessários para complementar os dados a respei-
to da relação entre estresse materno e TEA.

AGRADECIMENTOS

LMM is supported bu a postdoctoral grant #2021/05897-5. Sao Paulo Research


Foundation (FAPESP).

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409

25

FISIOBEM:
Software para auxílio no tratamento
da paralisia facial

Grégory Fernandes Ramires


Matheus Gois de Lima Silva
Adriana Cristina D’Arco Rodrigues
Bruno da Silva Rodrigues
Daniela Vieira Cunha
410

INTRODUÇÃO

A Paralisia Facial Periférica (PFP) é definida como uma lesão do nervo facial (VII
nervo craniano), na porção periférica, que leva a perda parcial ou completa da função
de algumas ou de todas as estruturas por ele inervadas (21). Os sinais clínicos mais
comuns da PFP são: diminuição do tônus e força muscular do lado afetado gerando
assimetria facial, inabilidade de elevar ou franzir a sobrancelha, bem como incapaci-
dade de enrugar a testa, sorrir, abrir ou fechar completamente o olho, comprometendo
a mímica facial. Associados a esses sinais, em alguns casos, podem ser observadas hi-
peracusia (24), secura no olho e diminuição da salivação (21). Esses sinais clínicos po-
dem levar pacientes com PFP a desenvolver quadros de ansiedade e/ou depressão (14,
25) impactando negativamente sua qualidade de vida e a de suas famílias (31).
Segundo Zhang et al. (31), MacIntosh et al. (15) e Rath et al. (21), várias são as
causas da PFP, incluindo infecções como otite média, rubéola, reativação do vírus Her-
pes, influenza, vírus da imunodeficiência humana (HIV), lesões traumáticas, neoplasi-
as, doenças congênitas, sequelas pós-cirúrgicas, doenças autoimunes, alterações hor-
monais durante a gravidez. A PFP pode também ter causa desconhecida, nomeada co-
mo paralisia idiopática do nervo facial ou paralisia de Bell. Considerado diagnóstico de
exclusão, sendo necessário eliminar todas as demais causas citadas anteriormente,
segundo Zhang et al. (31), a paralisia de Bell possui uma incidência de 11,5 a 53,3 por
100.000 indivíduos em diferentes populações.
O tratamento da PFP deve ser realizado com uma abordagem multidisciplinar in-
tegrando terapeutas especializados em reabilitação facial e médicos com experiência
no tratamento clínico e cirúrgico da paralisia do nervo facial (25). O tratamento médi-
co é um assunto que gera bastante debate, pois, dependendo das características de
cada caso, os médicos podem sugerir opções de tratamento que variam desde nenhu-
ma intervenção até uma cirurgia de urgência (27).
Para Volk et al. (28), se a causa da PFP for óbvia, o tratamento causal deve seguir o
tratamento da doença subjacente. Em casos de PFP idiopática, o tratamento medica-
mentoso se dá por meio de esteroide oral. Segundo esses autores, a taxa de recupera-
ção completa após a realização de tratamento precoce com prednisolona para a parali-
sia de Bell é de cerca de 85% a 94%, em nove a 12 meses. Tanto Volk et al. (28) quanto
Zhang et al. (31) citam que quanto menor o tempo entre o início dos sintomas e o di-
agnóstico, e entre o diagnóstico e o início do tratamento, melhores serão os resultados.
A reabilitação de pacientes acometidos de PFP tem como objetivos o retorno das
funções dos músculos faciais comprometidos e o restabelecimento da simetria facial. As
estratégias de tratamento devem ser pautadas nas necessidades individuais do paciente
(3). Para tanto, podem ser utilizadas técnicas como eletroterapia e termoterapia (20),
411

acupuntura (13), exercícios seletivos, massagem, técnicas de relaxamento, exercício da


mímica facial (4), retreinamento neuromuscular e biofeedback no espelho (25).
Um dos tópicos realizados na reabilitação é a educação do paciente, pois uma
compreensão da anatomia facial auxilia o paciente a isolar músculos específicos e aju-
da a controlar movimentos involuntários de forma consciente. Além disso, os pacientes
em terapias devem realizar um programa de orientações domiciliares proposto pelo
terapeuta, que é individualizado e deve ser realizado diariamente entre as sessões de
terapia (25).

AVALIAÇÃO DA PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA

Para auxiliar na decisão sobre a conduta terapêutica, bem como para analisar de
maneira confiável e reprodutiva a evolução dos pacientes, se faz necessário aplicar ao
paciente avaliações periódicas. As avaliações clínicas são utilizadas para estabelecer
parâmetros classificatórios para o grau de comprometimento da atividade motora da
face em repouso e da presença ou na ausência de movimentos faciais previamente esta-
belecidos (7, 30). Em PFP as avalições dos pacientes podem ser realizadas a partir das
escalas de Sunnybrook (26), Yanagihara, Chevalier (7) e House & Brackmann (9, 10),
entre outras.
Dentre as escalas citadas, a escala de House & Brackmann foi primeiramente cria-
da por House, em 1983, e modificada em conjunto com Brackmann em 1985. Padroni-
zada pelo Comitê de Doenças no Nervo Facial da Academia Americana de Otorrinola-
ringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, a escala de House & Brackmann é um siste-
ma amplamente aceito, simples, sensível, preciso e confiável que avalia a função facial
considerando terços diferentes da face (fronte, olho e boca), tanto em repouso como
em movimento (10). Essa escala de classificação é constituída de seis graus: I - normal;
II – disfunção leve; III – disfunção moderada; IV – disfunção moderadamente severa; V
– disfunção severa; VI – paralisia total. A Tabela 1 apresenta os graus e respectivos
parâmetros da avaliação da escala de House & Brackmann.
A classificação de House & Brackmann indica o grau de paralisia facial, a descrição
da disfunção de pacientes acometidos de PFP. Para determinar o grau da PFP do paci-
ente, o terapeuta deve avaliar o rosto do paciente em repouso (coluna “Em repouso”
da Tabela 1) e avaliar a movimentação dos diferentes terços da face, conforme indica-
ções descritas na última coluna da tabela apresentada na coluna “Em movimento”.
412

Tabela 1. Classificação da Escala de House & Brackmann.

Fonte: Fonseca (7).

RECONHECIMENTO FACIAL

A visão computacional é um campo da Ciência da Computação que estuda como


sistemas computacionais podem processar, manipular e analisar informações visuais
(imagens ou vídeos). O processamento dessas informações visuais se dá a partir do
uso de algoritmos computacionais que podem extrair dados significativos dessas in-
formações.
Atualmente, aplicações utilizando visão computacional podem ser usadas na ins-
peção de produtos em linha de produção (16), no auxílio de diagnósticos de doenças
com base na análise de exames médicos de imagens (22), ou na autenticação biométri-
ca por meio de reconhecimento facial.
O reconhecimento facial é um campo da visão computacional em que o modelo de
biometria é realizado a partir dos traços e padrões da face. Segundo Diniz (5), embora
diferentes, todas as faces possuem características comuns, como boca, olhos e nariz. As
técnicas de extração de características, como a análise de componentes principais
(PCA - Principal Components Analysis), transformam as informações contidas na ima-
gem analisada em um conjunto reduzido de características, preservando os componen-
tes mais significantes (12) necessários para o reconhecimento. A partir da extração
dos principais componentes, o reconhecimento é feito inserindo marcos faciais no ros-
to (ou pontos nodais), que fazem ligações algorítmicas de traços e tamanhos, como,
413

por exemplo, avaliam a distância entre a boca e o nariz, a distância entre olho e so-
brancelhas, entre outros (18).

TECNOLOGIAS USADAS NA REABILITAÇÃO FACIAL

A pesquisa e o desenvolvimento de dispositivos tecnológicos usados para auxiliar


na reabilitação têm ganhado atenção e esforços de diversos grupos de pesquisa. Den-
tre os esforços relacionados ao desenvolvimento de soluções tecnológicas, há grupos
de pesquisa que usam a tecnologia wearable (6), sistemas de Realidade Virtual (2) e
dispositivos portáteis (11). Essas tecnologias têm apresentado resultados satisfatórios
no auxílio a terapeutas e na recuperação de pacientes nas mais diversas áreas da rea-
bilitação.
Sobre o uso de tecnologia para auxiliar na reabilitação de pacientes acometidos de
PFP, destaca-se o trabalho de Guarin (8) que apresenta as dificuldades para determi-
nar a simetria facial e desenvolveu uma aplicação que permite a localização de marcos
faciais e cálculo de medidas faciais. O diferencial da aplicação é o uso de Machine Lear-
ning para determinar os marcos faciais com objetivo de aumentar a precisão dos cálcu-
los de assimetria facial. Por outro lado, Storey (23) usou técnicas de visão computacio-
nal para desenvolver uma ferramenta capaz de criar modelos faciais 3D a partir de
imagens 2D (fotos) do paciente. Esses modelos 3D podem ser usados para fornecer
uma evidência visual sobre a evolução do paciente ao tratamento.
Martina-Ruiz (17) apresentou uma solução para reabilitação dos músculos faciais
com objetivo de melhorar o processo de deglutição, sucção, mastigação e comunicação
(fala) de crianças com paralisia cerebral. Nesse trabalho foi desenvolvido o SORIE, um
jogo sério que interage com o sensor Kinect (sensor de movimento) para detectar a
movimentação dos músculos da face da criança. O jogo analisa a capacidade ou incapa-
cidade de realizar um exercício de imitação observando se os músculos faciais respon-
sáveis pelo movimento foram ativados durante a movimentação, o tempo despendido
para realização do exercício e se houve compensação com outros grupos musculares.
O projeto Facial Remote Activity Monitoring Eyewear (F.R.A.M.E) (29) apresenta
uma solução de computação em nuvem em que um dispositivo wearable integrado à
tecnologia mobile é usado para monitorar pacientes com paralisia de Bell. Nessa solu-
ção, sensores de eletromiografia (EMG) integrados a um par de óculos detectam e mo-
nitoram a ativação dos principais músculos faciais responsáveis pelas expressões.
Após detectar a ativação dos músculos, os óculos transmitem, via Bluetooth Low Ener-
gy (BLE), os dados aferidos para um aplicativo móvel onde são armazenados antes de
serem carregado para um servidor web.
414

Outro estudo (19) apresentou um jogo desenvolvido em ambiente de Realidade


Virtual (RV) imersivo, em que a detecção da movimentação dos músculos da face é
realizada por sensores de EMG e de eletroencefalograma (EEG).

FISIOBEM

O Fisiobem é um aplicativo mobile iOS desenvolvido para auxiliar terapeutas na


reabilitação de pacientes com PFP. Contemplando todas as etapas do tratamento, o
aplicativo auxiliará o terapeuta na avaliação para acompanhamento da evolução do
paciente, bem como durante a intervenção terapêutica. A Figura 1 apresenta um dia-
grama de funcionalidades do FisioBem.

Figura 1. Diagrama de funcionalidades do aplicativo FisioBem. Fonte: Autor.

Conforme apresentado na Figura 1, o aplicativo pode ajudar pacientes na execu-


ção de aquecimento e exercícios de mímica facial (ou expressão facial), e terapeutas na
avaliação da resposta do paciente ao tratamento por meio da escala de House &
Brackmann, bem como na análise sobre a evolução da simetria facial.
Para executar as funcionalidades apresentadas na Figura 1, o FisioBem utiliza
uma estrutura nativa da Apple que, a partir da câmera frontal do celular, possibilita
identificar os marcos faciais, bem como verificar as expressões faciais executadas pelo
paciente. O desenvolvimento da aplicação foi realizado no ambiente Xcode 12 com a
linguagem Swift 5. Na construção do layout foi utilizada a biblioteca UIKit, que fornece
os objetos principais necessários para construir aplicativos para iOS e gerenciar as
interações com o sistema.
Além da biblioteca usada na construção do aplicativo, foram utilizadas as bibliote-
cas ARKit e Vision. A biblioteca Vision é usada para detecção de pontos de referência,
detecção de texto, reconhecimento de código de barras e detecção de rosto. Com a bi-
blioteca Vision é possível, a partir de uma observação facial, armazenar informações
415

das características e informações geométricas 2D de um rosto, assim como realizar o


posicionamento de marcos faciais (Figura 2a). A biblioteca ARKit é responsável por
criar uma malha 3D que fornece informações do tamanho, forma, topologia e expres-
são facial do rosto do usuário. A criação dessa malha possibilita rastrear o movimento
e as expressões faciais (Figura 2b).

Figura 2. (a) Telas da aplicação apresentando marcadores faciais; (b) malha 3D usada para
rastrear movimentos e expressões faciais; (c) tela com vídeo de aquecimento facial.
Fonte: Autor

Após descrever detalhes sobre o desenvolvimento da aplicação, as funcionalida-


des descritas na Figura 1 serão discutidas nos itens subsequentes.

Aquecimento

O aquecimento é uma forma terapêutica de aumentar a mobilidade dos tecidos


musculares possibilitando um funcionamento mais dinâmico do músculo. Está relacio-
nado com os benefícios do aquecimento, o aumento da temperatura e do metabolismo
energético, bem como aumento da elasticidade do tecido muscular e do fluxo sanguí-
neo. Essas mudanças provocam melhoria na fluidez e na eficácia da atividade física,
minimizando possíveis problemas musculares relacionados à atividade (1). A mímica
416

facial é um exercício físico e, pensando nos benefícios proporcionados pelo aqueci-


mento, existe uma tela no FisioBem destinada a ensinar ao paciente como fazer aque-
cimento dos músculos da face por meio da mímica facial. Sendo habilitada pelo tera-
peuta, em função da necessidade do paciente, a tela de aquecimento possui um vídeo
em que uma modelo demonstra e realiza uma rotina de massagem e aquecimento faci-
al conforme apresentado na Figura 2c.

Mímica facial

A mímica facial é a habilidade de movimentação dos músculos da face possibili-


tando a gesticulação e a expressão de sentimentos. Como a musculatura responsável
pela gesticulação da face é afetada pela PFP, a execução de exercícios de expressão fa-
cial é essencial para a reabilitação dos pacientes. Para auxiliar nessa etapa do trata-
mento, o FisioBem permite ao terapeuta selecionar, por meio de ícones que represen-
tam os exercícios (Figura 3a), quais exercícios deverão ser executados pelo paciente.
Os exercícios disponíveis para seleção são: levantar as sobrancelhas, franzir as sobran-
celhas, franzir o nariz, fechar os olhos, comprimir os lábios, sorrir mostrando os den-
tes, sorrir com os lábios juntos, soprando e protusão do lábio inferior.
Conforme apresentado na Figura 3b, o programa permite ao fisioterapeuta esco-
lher uma sequência de exercícios de mímica facial que deverá ser executada pelo paci-
ente durante o tratamento. A ordem de execução é indicada na numeração que aparece
no ícone após o exercício ser selecionado.
Para cada exercício selecionado, o fisioterapeuta tem opção de recomendar a
quantidade de repetições que deverá ser executada, o tempo de duração em que o pa-
ciente deve manter o movimento proposto pelo exercício e o grau de dificuldade de
execução do exercício, ou seja, a amplitude do movimento durante a execução (opção
intensidade). A tela de configuração dos parâmetros do exercício pode ser observada
na Figura 3c.
Após o terapeuta preparar a aplicação para auxiliar o paciente na execução dos
exercícios, o programa irá para a tela de execução conforme apresentado na Figura 3d.
Na tela de execução do exercício há sempre uma janela localizada no canto inferior em
que uma modelo apresenta como o exercício deve ser executado. Durante a execução
do exercício, a aplicação identifica se o paciente está executando a atividade com o
grau de dificuldade desejado e se consegue manter a posição durante o tempo estipu-
lado pelo terapeuta.
417

Figura 3. Telas da aplicação FisioBem: (a) tela inicial com opção de realizar exercícios ou avaliação;
(b) tela após a seleção de exercícios a ser executada; (c) tela de controle dos parâmetros do exercício
que será executado; (d) tela de execução do exercício. Fonte: Autor.

Acompanhamento da simetria facial

A PFP enfraquece os músculos de um lado da face causando uma assimetria entre


os lados. Portanto, é possível analisar a diferença de simetria facial comparando ambos
os lados. Para executar essa função, o FisioBem realiza uma captura da foto do pacien-
te (Figura 4a) e realiza o cálculo da assimetria facial com base na distância entre mar-
cos faciais.
Para calcular a simetria facial, a aplicação divide a foto do rosto do paciente ao
meio no plano sagital e calcula as distâncias entre marcos faciais de maneira isolada
entre ambos os lados. Após os cálculos a aplicação compara os resultados obtidos no
lado esquerdo da face com os resultados obtidos no lado direito e gera dois gráficos de
barra, conforme apresentado na Figura 4b. As barras geradas pelo programa servem
como informação visual sobre a diferença entre os dois lados da face do paciente de
PFP, ou seja, quanto maior a diferença de tamanho entre as barras, maior será a assi-
metria facial.
Essa funcionalidade de acompanhamento da simetria facial também permite ar-
mazenar um histórico da evolução do paciente ao longo do tratamento permitindo,
tanto ao paciente quanto ao terapeuta, comparar de maneira cronológica as fotos tira-
das durante o período de tratamento, conforme apresentado na Figura 4c.
418

Figure 4. Telas de acompanhamento da simetria facial. Fonte: Autor.

Avaliação e grau da paralisia facial periférica

O FisioBem executa uma rotina para classificar os pacientes de acordo com a esca-
la de House & Brackmann e indicar ao terapeuta o grau de PFP no momento da análise.
Para realizar a classificação, a aplicação captura algumas fotos do paciente executando
movimentos com a boca e os olhos, de acordo com os movimentos propostos pela es-
cala de House & Brackmann. Na Figura 5 são apresentadas as telas com sequência de
movimentos solicitados pelo programa para a avalição do grau de PFP.
Conforme apresentado na Figura 5, a aplicação solicita ao paciente executar os
movimentos de sorrir sem mostrar os dentes (Figura 5a), sorrir mostrando os dentes
(Figura 5b) e rosto em repouso com os olhos fechados (Figura 5c). Enquanto o pacien-
te realiza os movimentos indicados, o FisioBem realiza a captura das imagens para
análise.
419

Figure 5. Telas de captura de imagem para avaliação House & Brackmann: ( ) captura de foto
de sorriso sem mostrar os dentes; (b) captura de foto de sorriso mostrando os dentes; (c) cap-
tura de foto de olhos fechados. Fonte: Autor.

Os movimentos executados na Figura 5 e as capturas de imagem não são suficien-


tes para classificar o paciente a partir da escala de House & Brackmann porque não é
possível avaliar se o paciente está realizando esforço para fechar o olho, se há algum
tipo de sincinesia ou se há algum tipo de movimentação não típica no lado afetado.
Para complementar as informações obtidas a partir das imagens, a aplicação apresen-
tará ao terapeuta uma tela com sete questões, conforme apresentado na Figura 6a-b).
Após o questionário ser respondido, o programa calcula o grau de PFP segundo a
escala de House & Brackmann e apresenta o resultado ao terapeuta (Figura 6c). Ao
verificar o resultado, o terapeuta pode concordar com a avaliação ou não. Caso o tera-
peuta não concorde, ele irá digitar o grau de PFP do paciente de acordo com sua avali-
ação.
Finalizada a avaliação, o programa criará um registro com a data da avaliação, o
grau de PFP e as fotos capturadas durante o processo avaliativo. Assim, como ocorre
no acompanhamento da simetria facial, o registro da avaliação de House & Brackmann
executada pela aplicação permitirá ao terapeuta acompanhar, de maneira cronológica,
a evolução do paciente, bem como analisar, de maneira visual, a evolução do tratamen-
to a partir do registro de imagens coletadas ao longo do tratamento.
420

Figure 6. Telas do programa com questionário aplicado ao terapeuta para avaliação de grau de
paralisia facial. Fonte: Autor.

DISCUSSÃO

O FisioBem é uma prova de conceito que tem como objetivo fornecer ao terapeuta
uma aplicação simples e intuitiva que sirva de suporte no tratamento de pessoas com
PFP, permitindo a indicação de exercícios de reabilitação de forma personalizada para
a necessidade de cada paciente.
A aplicação pode auxiliar pacientes fornecendo uma compreensão mais detalhada
do movimento dos músculos da face, auxiliando no aprendizado e na execução de
exercícios específicos, bem como consciência de movimentos normais e anormais.
Pesquisando sobre aplicações desenvolvidas para auxiliar no tratamento de PFP,
foi possível identificar dezenas de aplicativos disponíveis tanto na loja de aplicativos
do Google (PlayStore) quanto na loja de aplicativos da Apple (AppleStore). A grande
maioria das aplicações tem como objetivo descrever a PFP, esclarecer dúvidas sobre a
doença e apresentar exercícios que podem ser executados para auxiliar na recupera-
ção de pacientes acometidos pela doença. Apesar de muitos aplicativos informarem
que o tratamento deve ser realizado por um terapeuta, os aplicativos analisados são
abertos, ou seja, qualquer pessoa pode realizar o “baixar” e utilizá-lo. Devido à falta de
421

conhecimento, os usuários que instalarem esses aplicativos podem eventualmente uti-


lizar as informações contidas no programa sem a supervisão de um terapeuta, execu-
tando exercícios de maneira incorreta ou em demasia, o que pode pôr em risco a sua
saúde.
Apesar de ainda não estar disponível para “baixar”, o FisioBem tem o intuito de
servir como ferramenta de apoio ao terapeuta e não de servir como aplicação de “auto-
terapia”. Toda a sequência de exercícios bem como a intensidade e grau de dificuldade
serão definidos exclusivamente pelo terapeuta, pois a inespecificidade desses exercí-
cios (quando não supervisionados) podem levar a reforço de padrões anormais de
movimento (25). Além disso, exercícios sem supervisão podem ser executados de for-
ma diferente dos movimentos faciais sutis e fluidos observados na movimentação faci-
al normal.
Além da pesquisa realizada nas lojas de aplicativos, foi realizada uma pesquisa em
base de dados acadêmicos em que os principais trabalhos encontrados foram descritos
em tópico anterior. Dentre os trabalhos, são apresentados os de Guarin et al. (8) e Sto-
rey et al. (23), que focaram os esforços no desenvolvimento de ferramentas de visão
computacional de maneira a adaptar os programas de reconhecimento facial e mode-
lagem 3D às necessidades específicas impostas pelas particularidades existentes na
avaliação de simetria facial.
Apesar das bibliotecas de visão computacional utilizadas no desenvolvimento do
FisioBem não terem sido desenvolvidas com foco em pacientes de PFP, as dificuldades
descritas nos estudos de Guarin et al. (8) e Storey et al. (23) foram contornadas por um
sistema de avaliação facial que leva em consideração tanto as informações coletadas a
partir das fotos quanto da interação com o terapeuta a partir de um questionário de
avaliação. Independentemente de não fornecer uma avaliação totalmente automatiza-
da, essa solução híbrida permitiu uma maior agilidade no desenvolvimento do Fisio-
Bem, bem como facilitará o processo de distribuição da solução para terapeutas.
As soluções propostas por Qidwai et al. (19) e Watts et al. (29), embora inovado-
ras e com ótimos resultados, em ambos os estudos houve necessidade de utilizar sen-
sores de eletromiografia (EMG) para monitorar a ativação dos músculos responsáveis
pelas expressões faciais. O uso desses sensores requer a intervenção de um profissio-
nal especializado na técnica.
A proposta de Martina-Ruiz et al. (17) também necessita de componentes adicio-
nais ao sistema; no entanto, nesse caso, o componente adicional é um sensor Kinect.
Embora o uso do Kinect não necessite de um profissional especializado, o sistema pro-
posto demanda uma padronização em relação a posicionamento, altura e distância do
paciente em relação ao sensor.
Em contraponto, apesar de não realizar as mesmas funções e não gerar uma in-
formação tão precisa quanto as informações geradas pelo EMG ou pelo Kinect, o Fisio-
422

Bem tem como principal objetivo a simplicidade, pois qualquer usuário detentor de
um smartphone poderá usar a aplicação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A doença de paralisia facial periférica pode gerar sequelas que terão impactos ne-
gativos no aspecto estético e funcional da face gerando consequências para o paciente
em relação a imagem corporal, relações sociais e qualidade de vida.
A proposta do FisioBem tem como objetivo auxiliar terapeutas na reabilitação e
avaliação de pacientes de PFP, de maneira confortável e confiável, a partir da reco-
mendação de exercícios de mímica facial realizada pelo terapeuta, o paciente poderá
executar sua rotina de exercícios sob a supervisão da aplicação de maneira correta e
segura.
Além de auxiliar durante a execução dos exercícios de mímica facial, o FisioBem
cria um histórico cronológico da evolução do paciente ao tratamento com base em fo-
tos, cálculos de simetria facial e na avaliação de House & Brackmann. Esse histórico
serve tanto para o terapeuta definir a conduta terapêutica, baseando-se numa escala
completamente difundida e aceita pela comunidade científica, quanto para o paciente
como fator motivacional, pois poderá observar sua evolução a partir de parâmetros
não técnicos como o registro de imagens coletadas ao longo do tratamento e os gráfi-
cos de assimetria.
Como é comum que terapeutas indiquem exercícios para serem realizados em ca-
sa pelo paciente (entre as sessões de reabilitação), o desenvolvimento de uma solução
simplificada permite que o terapeuta recomende exercícios de maneira controlada e
segura em domicílio. A ideia dos desenvolvedores é lançar uma nova versão do Fisio-
Bem, no qual paciente e terapeuta terão a aplicação instalada em smartphones pesso-
ais, de maneira que as recomendações de exercícios e o acompanhamento dos pacien-
tes possam ser realizados de forma remota.

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425

SEÇÃO 5

Desafios dos sistemas de


informação em educação
e saúde
426

26

Sistemas de informação em saúde

no atendimento clínico

José Muniz Junior

Cristiano da Silva Benites


427

INTRODUÇÃO

O Brasil possui o terceiro maior sistema de saúde do mundo. O Datasus (4) aponta,
atualmente, que existem 44.510 leitos hospitalares (7.059 hospitais). São 336.859 es-
tabelecimentos de saúde, sendo, entre outros, 9.094 postos de saúde, 9.694 policlíni-
cas, 38.575 unidades básicas de saúde, 158.989 consultórios e 50.728 clínicas especia-
lizadas ou ambulatórios de especialidades, entre outros.
O cuidado em saúde é multidisciplinar e, por isso, envolve diversos atores. Em
2020, segundo os Conselhos de Classe, havia 502.475 médicos (Conselho Federal de
Medicina - CFM), 392.228 psicólogos (Conselho Federal de Psicologia - CFP) e
2.467.710 profissionais de enfermagem (Conselho Federal de Enfermagem - Cofen).
Somam-se a esses, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricio-
nistas, farmacêuticos, biomédicos, técnicos, administradores etc.
A tomada de decisão em saúde, por seus diversos entes, demanda dados estrutu-
rados e organizados que permitam sua transformação em informação e geração de
conhecimento. Isso requer um Sistema de Informação em Saúde (SIS) que integre tais
informações (geradas por diferentes profissionais e em distintos lugares), o que neces-
sita de padronização dos dados e das informações. Os sistemas distribuídos precisam
de interoperabilidade (funcional e semântica) (24); além disso, a necessidade de con-
fidencialidade e segurança dos dados impõe exigências legais e cumprimento dos mar-
cos regulatórios.
O termo Sistema de Informação em Saúde (SIS) remete à ideia genérica de um
conjunto articulado de elementos com o propósito de dar acesso a informações em
saúde. Segundo a OMS, um Sistema de Informação em Saúde é constituído por compo-
nentes inter-relacionados com a finalidade de adquirir, analisar e fornecer informa-
ções relacionadas à saúde (gerenciamento, estatística, literatura) com vistas a promo-
ver a gestão e o monitoramento de um sistema de saúde (30).
Note-se que um SIS, por um lado, pode ser informatizado ou não e, para alguns,
não deve ser confundido com sistemas de informática (25). Por outro lado, conside-
rando a enorme quantidade de dados que compõem um SIS e o desenvolvimento da
tecnologia da informação nas últimas décadas, torna-se imperioso que um SIS recorra
a essa tecnologia para cumprir seus objetivos.
O SIS pode atender a um país, estado, município ou a uma organização de qual-
quer porte. A composição do sistema vai atender às necessidades e demandas da orga-
nização conforme suas peculiaridades.
Segundo Marin (17), diversos termos têm sido utilizados para descrever os SIS
eletrônicos, como Registros Eletrônicos em Saúde (RES) e Registros Médicos Eletrôni-
cos. Destaca-se que a tendência na criação de um SIS eletrônico é a heterogeneidade de
428

informações que terão origem em diferentes locais e a partir de distintos membros da


equipe multidisciplinar; todavia a tendência atual é integrar e disponibilizar essas in-
formações em um sistema mais específico e integrado, usualmente denominado Pron-
tuário Eletrônico do Paciente (PEP).
O objetivo principal deste capítulo é tecer considerações sobre os Sistemas de In-
formação em Saúde informatizados, também denominados especificamente de Sistema
de Registro Eletrônico em Saúde (S-RES), cuja base são os Registros Eletrônicos em
Saúde (RES).

REFERENCIAL TEÓRICO

Dado, informação, conhecimento

Os conceitos de dado, informação e conhecimento são o alicerce da Ciência de Da-


dos. Classicamente, a tríade integra uma pirâmide em que o dado é o elemento mais
primitivo e está situado na base da estrutura piramidal, referido como elemento con-
creto, bruto, desprovido de significado por si mesmo.
Da aglutinação de dados relacionados a um significado, portanto já com um colo-
rido significante atribuído por alguém, tem-se a informação. Por sua vez, a informação
aplicada a um contexto, e sob o crivo da reflexão e do método, resultará em conheci-
mento.
Tem-se, assim, que o dado é o polo mais concreto da tríade; e o conhecimento, o
elemento mais abstrato da pirâmide. Para os interessados em aprofundamento na
questão semântica e epistemológica, recomenda-se a dissertação de Semidão (27) so-
bre o tema.

Articulação da teoria com a prática

Se, durante um atendimento médico, aufere-se o peso de um indivíduo e encontra-


se como resultado 52 kg, por exemplo, esse registro bruto é um dado e, por si só, não
tem utilidade prática. Contudo, ao articular esse dado com outros do mesmo indivíduo,
como, por exemplo, a sua altura que é de 120cm, idade de 11 anos e sexo masculino,
será possível calcular seu índice de massa corpórea (IMC), que é dado pela fórmula do
peso (kg) dividido pela altura (m) elevada ao quadrado. Aplicando-se a fórmula, tem-
se o resultado de 36,11.
O cálculo do IMC para crianças e adolescentes é distinto do utilizado para adultos,
mas a agência governamental americana, Centers for Disease Control and Prevention
(CDC) (8), disponibiliza padrões para essa faixa etária. Segundo essa classificação,
429

comparando-se o índice de 36,11 com a tabela padrão do CDC para a faixa etária, essa
criança fictícia está obesa.
Note-se que o dado inicial do peso foi articulado com altura, idade e sexo e produ-
ziu uma informação: uma criança do sexo masculino, de 11 anos, medindo 1,2m de
altura. A articulação dessa informação com o conhecimento já adquirido por estudio-
sos que elaboraram o índice de massa corpórea, viabilizou o cálculo desse índice para
esse indivíduo. A comparação dessa nova informação com tabelas de padrões popula-
cionais permitiu classificar tal indivíduo como obeso (conhecimento), o que põe o pro-
fissional na condição de formular hipóteses e propor abordagens para aquela condição
individual de saúde.
Ainda como exemplo, vamos supor que os dados referentes ao peso, à altura e ao
sexo de muitas crianças geraram seus respectivos IMCs, que foram repassados pelas
unidades básicas de saúde para os governos estaduais e desses para o governo federal.
O processamento dos dados possibilitou verificar que os maiores IMCs estão vincula-
dos aos grandes centros urbanos da Região Sudeste do Brasil, que detém as maiores
rendas per capita, e onde a maioria dos pais trabalha fora e as crianças ficam longos
períodos em casa vendo televisão ou jogando videogame.
Assim, pode-se formular a hipótese de que a vida sedentária dessas crianças e o
consumo de salgadinhos e doces, enquanto assistem a TV ou jogam, podem estar im-
plicados no surgimento da obesidade infantil. A verificação dessa hipótese pode gerar
um conhecimento que permitirá ao gestor de saúde formular políticas de saúde públi-
ca visando a esse público-alvo: publicidade sobre causas de obesidade infantil, implan-
tação de espaços públicos voltados para atividade física dessa população etc.
Presuma-se que foram implantadas políticas públicas tendo como alvo a redução
da obesidade infantil. A entrada de novos dados dessa população nas unidades básicas
de saúde, ao longo dos próximos anos, permitirá ao gestor verificar se ocorreu redução
nos índices de obesidade infantil e se haverá necessidade de correção das medidas
implementadas ou criação de novas medidas.
O exemplo aqui apresentado fornece uma ideia da importância dos registros mé-
dicos em saúde (RES) e de um sistema de informação em saúde, quer se trate de um
sistema nacional, hospitalar ou mesmo de um sistema individual voltado para o aten-
dimento em um consultório (PEP). Permite, inclusive, deduzir alguns aspectos impor-
tantes a serem observados: a entrada de dados deverá ser correta, os dados precisam
ser gravados e mantidos íntegros e processáveis e terão de representar características
fundamentais da população atendida que permitam o diagnóstico, além de caracterís-
ticas sociodemográficas de importância em saúde pública.
Por tratar-se de dados sensíveis, que dizem respeito a pessoas que têm direito à
privacidade de sua situação de saúde, tais dados individuais só devem estar acessíveis
a pessoas diretamente ligadas ao atendimento e precisam ser guardados em segurança
430

e sigilo, de modo especial aqueles dados registrados no módulo de atendimento clíni-


co, que só poderá estar acessível ao pessoal técnico envolvido no atendimento clínico
do paciente.
Por sua vez, dados mais gerais de identificação de cada usuário podem e devem
ser registrados por pessoas de apoio, como secretárias, pois elas podem constituir um
módulo para esse fim específico, que permita a identificação rápida do usuário, bem
como a marcação de consultas em uma agenda e o registro de presenças e faltas que
sirvam de apoio à gestão. Esse registro deve comunicar-se com o módulo de atendi-
mento clínico fornecendo, assim, os dados de identificação e outros. Outro subsistema
poderá conter informações de custos dos procedimentos e materiais usados neles, e
estará destinado ao acesso para setor administrativo da clínica, do hospital, da opera-
dora de saúde ou do órgão gestor.
Pode-se pensar, também, em um módulo para controle de estoque e consumo de
material utilizado na unidade, incluindo um processo voltado para o controle de medi-
cação disponibilizado ao setor de farmácia. Da mesma forma, seria importante a exis-
tência de estrutura para o registro de exames laboratoriais e sistema específico para o
setor de exames de imagem que permita o armazenamento de exames de imagem e a
emissão de laudos. A complexidade do sistema estará relacionada com a estrutura fun-
cional da instituição e terá de atender às suas demandas na prestação da assistência
aos seus usuários.

Aspectos históricos

Atualmente, o uso de sistemas de informação informatizados é uma realidade em


vários segmentos, tais como o sistema bancário, o sistema de votação eletrônica e a
atenção em saúde. Essa última tem singularidades especiais em relação às demais, que
segundo Leitão-Júnior (16), compreendem a heterogeneidade espacial, temporal, soci-
al, administrativa e tecnológica.
Tal heterogeneidade representa um desafio a mais na implantação e evolução des-
ses sistemas na área da saúde na medida em que alinhar esses aspectos é um desafio.
Hoje é consenso mundial que o uso de tecnologia da informação e comunicação (TIC)
em saúde pode promover vários benefícios para o setor de saúde, o que tem sido de-
nominado e-Health (28). Contudo, para chegar a esse consenso, foi necessária uma
longa trajetória. Nesse sentido, o mais importante é enfatizar o papel fundamental do
desenvolvimento da informática no século XX. Portanto, a tecnologia da informação é
uma ferramenta necessária e um multiplicador de métodos estatísticos e de informa-
ções em saúde.
Esse desenvolvimento tecnológico desempenha um papel vital nas inovações ine-
rentes ao campo da saúde, tais como a divulgação e a promoção da acessibilidade às
431

bases de dados de saúde, o surgimento e a divulgação da informática médica ou informá-


tica em saúde e a concepção de PEPs. Hipócrates já ensinava a seus discípulos que, para
comparar os resultados dos tratamentos propostos aos seus doentes, era necessário ter
anotações precisas sobre seus estados de saúde e tratamentos realizados (18).
A evolução do prontuário de saúde do paciente foi lenta até o definitivo reconhe-
cimento de que era um elemento que requeria padronização para facilitar seu uso e
cumprir sua missão de oferecer informações cronológicas e seguras sobre o histórico
de saúde do paciente. Patrício (Erro! Fonte de referência não encontrada.) e outros autores
(18, 21) destacam a importância da Clínica Mayo dos Estados Unidos, que, em 1907,
adotou um registro individual e cronológico das informações de cada paciente e, em
1920, estabeleceu o conjunto mínimo de dados para registro no prontuário médico
que permanece válido até hoje.
Nos Estados Unidos, as primeiras experiências com sistemas informatizados em
saúde ocorreram em 1960 e, na década de 1970, surgiram as primeiras experiências
com prontuário eletrônico do paciente (PEP), embora pouco estruturado e eficiente.
Mas, a partir da década de 1990, o Institute of Medicine (USA) passou a ter uma preo-
cupação maior quanto à estruturação do PEP, realizando estudos nessa área e propon-
do padrões (23).
No Brasil, os primeiros SIS que surgiram datam dos anos de 1970 e eram voltados
para as necessidades de faturamento do antigo Inamps. No próprio Inamps coexistiam
vários sistemas que eram verticalizados (20). O SUS nasceu com a Constituição de
1988, que direcionou a gestão da saúde de maneira a ser compartilhada pelo governo
federal, estados e municípios.
Nessa fase nasceu, também, o Sistema Nacional de Informações em Saúde (SNIS),
cuja organização coube ao governo federal em parceria com estados e municípios; por
conseguinte, surgiu o Datasus (12), que ainda mantém uma série de SIS e bases de da-
dos verticalizados. Esforços têm sido feitos no sentido de buscar um SIS de modelo
descentralizado, com a finalidade de dar suporte à gestão das secretarias estaduais e
municipais de saúde.
Se, por um lado, a descentralização das informações e instâncias gerenciais para
esferas estaduais e municipais de saúde contribuiu para uma gestão compartilhada,
por outro, tem levado a novas fragmentações das informações. Nesse contexto, o Mi-
nistério da Saúde propôs a criação do Cartão Nacional de Saúde, no final dos anos de
1990, cuja meta era criar um cadastro nacional dos cidadãos que viabilizasse futura-
mente a agregação de informações sobre os usuários. Essas informações estão disper-
sas nos diversos SIS utilizados (12) e o objetivo final é na direção da construção de um
RES do cidadão que possa ser disponibilizado em qualquer esfera de atendimento do
SUS; porém isso ainda não se concretizou.
432

A criação das agências reguladoras de saúde, Agência Nacional de Saúde Suple-


mentar (ANS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nos primeiros anos
do século XXI, colocou as atividades de informática em saúde sob a regulação dessas
agências. Fruto dessa nova estrutura é o padrão de Troca de Informações em Saúde
Suplementar (TISS), que é um modelo obrigatório a ser utilizado pelas operadoras de
saúde que são regulamentadas pela ANS. Mais recentemente, a TISS foi complementa-
da pela Terminologia Unificada em Saúde Suplementar (TUSS), que padroniza as ter-
minologias e os procedimentos médicos, alinhando-as com a Classificação Brasileira
Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) (12).
No Brasil, segundo Patrício (23), as primeiras tentativas concretas de desenvolvi-
mento de PEP ocorreram nos anos de 1990 e estavam restritas a hospitais universitá-
rios de grandes centros urbanos.
Outro marco importante no desenvolvimento da informática em saúde no Brasil
foi a criação da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS), em 1986, durante
um seminário realizado sobre Informática em Saúde, por iniciativa do Ministério da
Saúde. Em novembro do mesmo ano, a SBIS realizou seu primeiro congresso, que teve
como presidente Renato Sabbatini (26).
Marcos brasileiros importantes também estão representados pelas resoluções
CFM nº 13.1.638/2002 (Erro! Fonte de referência não encontrada.) e a CFM nº 1.821/2007
(9). A primeira define o que é prontuário médico e torna obrigatória a constituição de
Comissões de Revisão de prontuários nas instituições de saúde. A segunda aprova e
versa sobre as normas técnicas a serem observadas para a digitalização e o uso dos
sistemas informatizados, bem como a guarda e o manuseio dos documentos consti-
tuintes dos prontuários dos pacientes e autoriza a eliminação do suporte em papel e a
troca de informação identificada em saúde, uma vez cumpridos os preceitos dessa
norma.
Nessa fase, o CFM e a SBIS, em cooperação, com vistas a desenvolver instrumentos
e regulamentações que dessem suporte à criação e à certificação de sistemas voltados
para registros eletrônicos em saúde, levou o CFM a publicar a Resolução nº
1.639/2002 (11), que estabeleceu "Normas Técnicas para o uso de Sistemas Informa-
tizados para a Guarda e Manuseio do Prontuário Médico", além de dispor sobre tempo
de guarda dos prontuários e critérios para certificação dos sistemas de informação.
Nesse período de efervescência de normatização e incentivo à informatização em
saúde, foi publicada, em 2004, a Política Nacional de Informação e Informática em Sa-
úde (PNIIS), durante a 12ª Conferência Nacional de Saúde (6). O grande desafio era
construir SIS mais integrados e caminhar no sentido da construção de RES que dispo-
nibilizasse informações de saúde para os usuários de forma integrada e rápida.
Em 2009, o Ministério da Saúde instituiu o Comitê de Informação e Informática
em Saúde (CIINFO/MS), tendo entre suas funções normatizar, dirigir e fiscalizar as
433

atividades de informática no âmbito desse ministério. Entre suas funções, portanto,


está a atualização das PNIIS (12). Na tentativa de facilitar a comunicação entre os SIS, o
Ministério da Saúde regulamentou os padrões de interoperabilidade de informação em
saúde no ano de 2011. Paradoxalmente, ao fazê-lo, não consultou outras instâncias da
sociedade civil, o que é fonte de críticas até hoje (12).
Conquanto exista um consenso mundial de que a implantação de SIS promove
enormes benefícios para a área da saúde, sua implantação, de fato, constitui um desa-
fio, quer pela heterogeneidade descrita, quer pela impossibilidade de construir um
sistema único que atenda a todas as demandas, como assinalado por Carvalho (7). En-
tre a utopia de um sistema único e o sistema possível, o objetivo atual tem sido cons-
truir sistemas menores, buscando articulá-los e integrá-los entre si, evitando-se, assim,
a duplicidade de dados, bem como a coleta desnecessária deles, o que poupa os profis-
sionais implicados na coleta de dados de esforços igualmente desnecessários.
Considerando ainda as dimensões do SUS, composto em âmbitos federal, estadual
e municipal de gestão, a coleta de dados deve ser hierarquizada de forma que cada es-
fera possa contar com dados adequados ao seu escopo de atuação.
Não obstante às dificuldades, a informatização do SUS caminha para a informati-
zação da atenção primária em saúde. Nesse sentido, foi criado o e-SUS APS, que se pro-
põe a ser um sistema concebido para diversos cenários, desde as unidades básicas de
saúde (UBS), que não contam com informatização plena e conexão à internet, até aque-
las informatizadas e com acesso à internet.
São consideradas duas modalidades de implantação: Prontuário Eletrônico do Ci-
dadão (PEC) (cenário adequado de informatização no serviço de saúde, sendo necessá-
ria a disponibilidade, no mínimo, de computadores para os profissionais que traba-
lham na assistência à saúde e recepção da unidade); e Coleta de Dados Simplificada
(CDS) (unidade de saúde que não possui conexão à internet nem computadores sufici-
entes para os profissionais). Nas duas modalidades é possível a comunicação com sis-
temas preexistentes por meio das tecnologias Apache Thrift ou XML (5).

Definição de RES e S-RES e SIS

A Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) (14), tomando como base a


norma ABNT ISO/TR 20514 (1), conceitua o Registro Eletrônico em Saúde (RES) como
“um repositório de informação a respeito da saúde de indivíduos, numa forma proces-
sável eletronicamente”.
Com base nos mesmos referenciais (1, 14), o Sistema de Registro Eletrônico em
Saúde (S-RES) é definido como “um sistema para registro, recuperação e manipulação
das informações de um Registro Eletrônico em Saúde”.
434

Como já abordado, o Sistema de Informação em Saúde informatizado é aqui utili-


zado como sinônimo de S-RES. E a SBIS, ainda com base na ABNT ISO/TR 20514 (1),
destaca que “qualquer sistema que capture, armazene, apresente, transmita ou impri-
ma informação identificada em saúde, pode ser considerado como sendo um S-RES”.
Por informação identificada em saúde, entenda-se aquela vinculada a dados como CPF,
RG ou outros dados que permitam identificar um indivíduo.

S-RES de abrangência nacional

Conforme descrito nas considerações históricas, há dificuldades em se ter um SIS


único que contemple todas as necessidades de um S-RES nacional. Embora a integra-
ção total de sistemas seja, talvez, uma utopia, buscá-la enquanto objetivo pode resultar
em grandes benefícios. Considerando-se a atual emergência imposta pela pande-
mia do SARs-CoV 2 (COVID 19), a possibilidade de contar com dados globais padroni-
zados sobre ocorrência, incidência, curso natural da doença e resposta às intervenções
terapêuticas poderia ter poupado muitas vidas ao padronizar medidas profiláticas e
terapêuticas eficazes, além de ser um desestímulo a discussões pseudocientíficas sobre
tratamentos inadequados.
O Datasus (4) possui diversos aplicativos e bases de dados voltados para a gerên-
cia em saúde, seja para aspectos financeiros, de produção ou epidemiológicos. Mas, na
atualidade, a estratégia do e-SUS na Atenção Primária (5) é o que melhor representa as
tentativas do governo brasileiro de prover informações de saúde por meio eletrônico e
de forma integrada nas diferentes esferas da federação.
A estratégia prevê quatro etapas na implantação, contemplando diferentes cená-
rios. A etapa 1 é destinada àqueles municípios que contam com sistemas próprios, de-
senvolvidos por meios próprios ou adquiridos de terceiros. A integração possível com
as demais esferas da administração (estadual, federal), nesse cenário, só é possível em
mão única, do município para as demais esferas, e a comunicação é possível por meio
de arquivos dos formatos Thrift / XML. A etapa 2 é destinada para aqueles municípios
que reúnem pré-requisitos para implantação do e-SUS APS e com infraestrutura para o
PEC no âmbito municipal. Nessa etapa, a comunicação com as demais esferas de gestão
possibilita a importação de arquivos Thrift / XML, os relatórios de inconsistência e
controle da transmissão. A etapa 3 já comporta um sistema centralizador nacional com
possibilidade de recebimento e processamento em âmbito nacional. Por último, a eta-
pa 4 comporta relatórios de produção, relatórios estratégicos e Integração de Sistemas
da Atenção Básica (SISAB).
Para operação do sistema, o e-SUS fornece um manual de integração, disponível no
seu portal na web. O SISAB conta com os aplicativos PEC e CDS para a coleta de dados
nas unidades de saúde e com um aplicativo móvel para atenção domiciliar (app AD).
435

S-RES hospitalar e de atendimento individual

Genericamente, pode-se colocar que os S-RES em âmbito nacional estão mais vol-
tados para aspectos epidemiológicos e da gestão em saúde, salvo a recente experiência
do e-SUS na informatização da atenção básica, que segue uma orientação contrária e
integradora. Quando se toma como base o usuário do sistema de saúde, seja ele públi-
co ou privado, o S-RES deve assumir também as funções de PEP. Mas mesmo a saúde
em seu aspecto individual comporta variáveis de custos, consumo, agendamento e dis-
ponibilidade de vagas para consulta ou leitos hospitalares etc. Assim, mesmo no seu
caráter individual, o PEP deve também contemplar módulos voltados à gestão.
Como observado, o sistema pode ter diferentes graus de complexidade, e pode-se
afirmar que, na implantação de um S-RES, um dos fatores importantes na escolha ou
no desenvolvimento é ter em mente quais demandas serão atendidas. Um PEP para
uso individual em um consultório isolado pode ser concebido com um número mais
limitado de módulos e funções do que aquele destinado a um sistema de informação
direcionado a uma unidade hospitalar que deverá conter módulos específicos para
farmácia, laboratório, sistema de imagens, além de maior desenvolvimento do proces-
so de controle de materiais e custos do atendimento. Da mesma forma, um S-RES vol-
tado para a gestão pública, seja municipal, estadual ou federal, deverá contemplar as-
pectos específicos e importantes para cada esfera da gestão.
Se em um consultório isolado, um servidor e algumas estações de trabalho forne-
cem estrutura para a implantação de um S-RES, a complexidade aumenta à medida que
crescem as demandas e o alcance desse sistema e, assim, um sistema hospitalar já exi-
ge grau maior de complexidade.
Um sistema de gestão de imagens, por exemplo, pode estar localizado não neces-
sariamente dentro do hospital, mas em serviços satélites, por vezes, terceirizados. A
imagem pode ser obtida em um setor do hospital e sua análise pode ser feita em outra
cidade, onde o profissional emitirá um laudo que deverá estar disponível o mais bre-
vemente possível para os profissionais técnicos envolvidos no atendimento. Isso pode
exigir redes complexas e computação distribuída que imponham novos desafios à
construção do sistema, bem como acréscimos ao tráfego seguro e armazenagem de
informações sensíveis.

Outros sistemas de informação e área da saúde

Além dos SIS propriamente ditos, existem outros tipos de sistemas que, embora
não sejam específicos da área de saúde, geralmente são utilizados nas organizações de
saúde e podem estar integrados ao S-RES.
436

Os Sistemas de Processamento de Transações (SPT) são sistemas cujo objetivo es-


tá relacionado a coleta, armazenamento e processamento dos dados referentes às
transações que ocorrem dentro de uma organização, bem como à distribuição dos re-
feridos dados. Esses sistemas são utilizados para controle de estoque, compras, logísti-
ca, folha de pagamento, faturamento etc. Pela própria definição, está claro que essa
funcionalidade é útil numa organização como uma unidade de saúde ou hospital e po-
dem estar integrados ao S-RES.
Já os Sistemas de Informações Gerenciais (SIG) têm como finalidade colher e pro-
cessar dados fornecendo relatórios sobre funcionamento e indicadores da organização
aos gerentes, com vistas o otimizar o processo gerencial e apoiá-lo em suas decisões
administrativas. Da mesma forma, esse processo pode estar integrado ao S-RES e ser
muito útil à organização, no cumprimento de seus objetivos e metas (2).
O conceito de Sistemas de Apoio a Decisão (SAD) comporta diferentes definições,
mas, genericamente, pode-se dizer que são processos que se baseiam no processamen-
to de um grande volume de dados, sejam eles externos à organização ou da própria
organização, além dos dados fornecidos pelo próprio usuário. A partir do processa-
mento desse grande volume de dados oriundos de diferentes fontes, é possível a ela-
boração de relatórios com alternativas para a tomada de decisão. Essas alternativas
estarão vinculadas a diferentes pesos com base em cálculos estatísticos e de probali-
dade. Os SAD têm aplicação gerencial nas organizações, mas também podem estar de-
senhados especificamente para a área médica e integrados ao S-RES. Como exemplo,
pode-se citar o programa para calcular risco cirúrgico, dentre muitos existentes (29).

MARCOS LEGAIS NO BRASIL

Os profissionais de saúde devem cumprir muitos aspectos éticos e de segurança


dos registros eletrônicos em saúde (RES). Como é de conhecimento geral, os RES são
compilações confidenciais de dados relacionados ao histórico pessoal de saúde, inclu-
indo condições médicas passadas e atuais, doenças e métodos de tratamento, com foco
em eventos específicos que afetam os pacientes no período de atendimento atual.
Como citado na evolução histórica, a regulamentação do prontuário médico naci-
onal ocorreu, primeiramente, em 2002, por meio da Resolução CFM nº 13.1.638/2002
(10), que definiu claramente, em seu artigo 1º, o que é o prontuário médico do pacien-
te.
Contemporânea dessa primeira resolução sobre o tema é a Resolução CFM nº
1.639/2002 (Erro! Fonte de referência não encontrada.) sobre normas técnicas para o uso
de SIS e guarda e manuseio do prontuário médico. Ela nasceu da parceria entre CFM e
SBIS e incluía os critérios para certificação de sistemas de informação.
437

Ainda como fruto de tal parceria, tem-se a Resolução CFM nº 1.821/2007 (9), que
estabeleceu normas técnicas para a digitalização e o uso dos S-RES, bem como a guar-
da e o manuseio dos documentos constituintes dos prontuários dos pacientes e autori-
zou a eliminação do suporte em papel desde que fossem cumpridos os requisitos espe-
cíficos para isso, inclusive, a assinatura digital. Também regulamentou a troca de in-
formação identificada em saúde, uma vez cumpridos os preceitos dessa norma.
Nasceu, assim, o processo de certificação da SBIS que, basicamente, consiste em
verificar se um S-RES atende aos critérios de confidencialidade, integridade e seguran-
ça dos dados constantes do S-RES.
O Manual de Certificação da SBIS, atualmente em sua versão 5.1 de 2021 (14), es-
tabelece uma série de requisitos e metodologia de testes, aos quais o S-RES que está
sendo auditado deve ser submetido. Se cumprir os requisitos, o sistema recebe um selo
de certificação que funciona como uma garantia de que o sistema atende aos pré-
requisitos éticos do CFM e está em conformidade com a legislação quanto à integrida-
de, confidencialidade e segurança dos dados.
O processo de certificação é voluntário, mas como referido, é uma garantia de con-
formidade com a legislação vigente. O CFM só exige a conformidade dos S-RES e não
necessariamente que seja submetido ao processo de certificação da SBIS. O CFM e o
SBIS mantiveram, no início do processo evolutivo dos S-RES, certa hegemonia na cons-
trução da normatização sobre PEP / S-RES e sua certificação.
A construção do SUS trouxe consigo uma visão de saúde mais centrada na aborda-
gem multidisciplinar e com foco no cidadão, verificando-se essas mudanças até mesmo
na nomenclatura do prontuário, que inicialmente era denominado “prontuário médi-
co” e, hoje, é denominado “prontuário do paciente”.
Nessa mesma linha, a instituição da PNIIS (6) e a instituição do Comitê de Infor-
mação e Informática em Saúde pelo Ministério da Saúde (CIINFO/MS) representaram
uma tomada de responsabilidade do governo federal para com o processo de informa-
tização da saúde na esfera pública. Esse processo culminou com a padronização de
interoperabilidade de informação em saúde pelo Ministério da Saúde, em 2011.
Em 2018, foi promulgada a Lei Geral de Proteção de Dados (3). Em novembro do
mesmo ano, o CFM baixou a Resolução nº 2.218/2018, que revogou o artigo 10º da
Resolução nº 1.821/2007, antecipando-se na conformidade com a Lei nº 13.787, de 27
de dezembro de 2018, norma essa que dispõe sobre a digitalização e a utilização de
sistemas informatizados para guarda, armazenamento e manuseio de prontuário de
paciente. Assim, as questões relativas à digitalização e guarda de documentos do PEP
deixaram de ser esfera exclusiva do CFM e passaram a contar com legislação federal
em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados, que está em vigor.
438

O conhecimento dos marcos legais, anteriormente elencados, é condição impor-


tante para quem pretende desenvolver S-RES, visto que ele deve estar em conformida-
de com a legislação a fim de assegurar privacidade, confidencialidade e integridade dos
dados dos usuários do sistema de saúde. Para os profissionais e instituições que utili-
zam S-RES, o conhecimento desses marcos e sistema de certificação trazem segurança
na escolha e utilização do sistema.

PADRÕES EM SIS E INTEROPERALIDADE

Ao longo deste capítulo, repetiu-se o quanto os S-RES em uso no Brasil foram


construídos de forma verticalizada, e espera-se que reste claro que se conta com inú-
meros sistemas em funcionamento tanto nas esferas pública quanto privada. A quanti-
dade de dados em saúde gerada em diferentes locais e instâncias é enorme e compor-
taria a estrutura de um “data lake”.
Também, abordou-se sobre o quanto a geração de dados em saúde ocorre de for-
ma dispersa do ponto de vista geográfico e o quanto o cuidado em saúde envolve dife-
rentes atores, tais como médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, terapeu-
tas ocupacionais, psicólogos, administradores e outros.
Uma questão que precisa ainda ser assinalada é a de que os dados em saúde não
são dados concretos, meramente numéricos. Ao contrário, na maioria das vezes, esses
dados são conceituais. Como exemplo, vejam-se as formas de atendimento: atendimen-
to eletivo, atendimento de urgência, e atendimento de emergência. Embora se possa
ter uma ideia do que essas entidades representem, só é possível ter certeza do que ca-
da uma de fato representa se estiver precisamente definida e documentada. Da mesma
forma, uma doença como a pneumonia, por exemplo, precisa ser claramente definida e
codificada para que os médicos, ao trocar informações, estejam seguros de que estão
falando de uma mesma entidade clínica. No caso da classificação das doenças, temos
sistemas conceituais bem definidos, como a CID-10, mas existem situações em que es-
ses conceitos nem sempre são tão claros ou definidos.
Considere-se, então, em conjunto, todos esses elementos: muitos S-RES, dados em
grande dimensão, dados sendo gerados por equipes multidisciplinares, e dados concei-
tuais. Acredita-se estar diante dos elementos de “uma tempestade perfeita”, da “Torre
de Babel”, em que ninguém se entende ou se comunica caso não se estabeleçam pa-
drões. E aqui, tem-se de considerar padrões para os diversos níveis: na construção dos
S-RES, na coleta e registro dos dados, nas terminologias utilizadas na área de saúde.
Foge ao escopo deste capítulo tecer considerações pormenorizadas sobre padrões
em informática em saúde, porém considera-se importante, pelo menos, fazer citações
de caráter geral, buscando chamar a atenção para o assunto.
439

Petry (24) define interoperabilidade funcional e semântica com base nas defini-
ções da ISO (13). Tem-se que “interoperabilidade funcional se refere à capacidade de
dois ou mais sistemas para trocarem informações entre si tendo como base um conjun-
to de regras definidas”. Já a “interoperabilidade semântica se refere à capacidade dos
sistemas de compartilharem informações compreendidas através da definição de con-
ceitos de domínio”.
Em 2011, o Ministério da Saúde do Brasil publicou a Portaria nº 2.073 (19), que
traz um ousado menu de padrões voltados para a informática em saúde, no âmbito
público, em seus três níveis (federal, estadual e municipal) e para os sistemas de saúde
privados e de saúde suplementar. A referida portaria define os padrões de interopera-
bilidade brasileiros, que devem ser abertos e sem custos de royalties.
Propõe um catálogo de serviços assim definidos: 1) tecnologia Web Service, no pa-
drão SOAP 1 para a interoperabilidade entre os sistemas do SUS; 2) padrão WS-
Security para criptografia e assinatura digital das informações para garantia da segu-
rança e integridade das informações; e 3) URI (Uniform Resource Identifier) descritos e
definidos usando WSDL (Web Service Description Language) para identificação dos
Web Services.
Quanto aos padrões, a Portaria nº 2.073 (19) também disponibiliza um rol para
atender ao segmento de informática em saúde: XML e XML Schemas; OpenEHR para
definir RES (http:// www. openehr. org / home. Html); padrão HL7 - Health Level 7
para interoperabilidade e integração entre solicitação e resultados de exames; termi-
nologia SNOMED-CT (http://www.ihtsdo.org/ snomed- ct) para mapeamento e codifi-
cação de termos clínicos nacionais e internacionais em uso no país, visando à interope-
rabilidade semântica; TISS (Troca de Informações em Saúde Suplementar) para inte-
roperabilidade com sistemas da saúde suplementar; padrão HL7 CDA para definição
da arquitetura do documento clínico; padrão DICOM para representação da informa-
ção de exames de imagem; padrão LOINC para exames laboratoriais; norma ISBT 128
para codificação de dados das etiquetas de produtos relativos a sangue humano, célu-
las, tecidos e órgãos; padrão ISO 13606-2 para interoperabilidade de modelos de co-
nhecimento, arquétipos, templates e metodologias de gestão; especificação de integra-
ção IHE-PIX (Patient Identifier Cross-Referencing) para o cruzamento de identificadores
de pacientes em diferentes SIS; outras como CID, CIAP-2 (Atenção primária de saúde),
TUSS e CBHPM (Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos) e
tabela de procedimentos do SUS.
Esse cenário aponta para progressos, mas há um longo caminho a trilhar na busca
da e-Saúde, de fato, pois, para tanto, além de definir padrões, é necessário definições
de governança e financiamento (15).
440

VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PRONTUÁRIO ELETRÔNICO DO PACIENTE


(PEP)

O PEP se presta para coleta e armazenamento de dados de saúde do paciente e


tem a função de distribuir esses dados aos setores envolvidos na assistência, sendo
que o compartilhamento ocorrerá de acordo com os direitos de acesso por categoria
envolvida no atendimento.
Pode ser elencadas várias vantagens na implantação de um PEP (22, 23), como
maior segurança dos dados do que o suporte em papel, posto que a conformidade com
padrões de certificação impõe criptografia, assinatura eletrônica e gravação em banco
de dados. Isso também oferece a possibilidade de maior confidencialidade dos dados
do que o modelo em suporte de papel. Ademais, parece claro que ter um texto digitado
em tela durante o atendimento do paciente facilita muito a compreensão e leitura dos
dados.
Outras características importantes consistem na possibilidade de acesso remoto e
simultâneo às informações de saúde do paciente, na possibilidade de integração com
outros sistemas de informação, no processamento contínuo de dados e na possibilida-
de de captura automática deles a partir de dispositivos de leitura específicos em en-
fermarias e unidade de terapia intensiva, por exemplo.
O PEP oferece, ainda, a flexibilidade de layout para anotação e apresentação dos
dados do paciente, além de uma atualização permanente desses dados. O fato de dife-
rentes membros da equipe multidisciplinar poderem realizar suas anotações em um
mesmo suporte facilita o acesso e a integração das diferentes visões sobre o paciente,
além de facilitar a acessibilidade a todo histórico de saúde do paciente. Isso otimiza e
melhora o atendimento, por conseguinte, aumentando a segurança do paciente, além
de facilitar a construção de importante banco de dados para dar suporte a pesquisas.
No entanto, o PEP não é feito só por facilidades e vantagens (22, 23). Por tudo que
já se elencou desde o início, está implícito que sua implantação exige investimentos de
hardware e software, além de treinamento adequado dos usuários. A prática nas últi-
mas décadas tem mostrado que a implantação dessa tecnologia vem sendo lenta e
marcada também por fracassos.
Os usuários podem ter dificuldades próprias para adequar-se ao uso de sistemas
informatizados e oferecer resistência à sua implantação. Falhas no desenvolvimento
podem comprometer a usabilidade e a implantação. Quem usa esse tipo de tecnologia
sabe das dificuldades criadas quando falha o hardware ou o software, quando ocorrem
falhas nas comunicações de rede e internet, situações que podem paralisar os atendi-
mentos criando mais dificuldades.
441

Outro item que não pode ser esquecido é que a comprovação dos resultados posi-
tivos do investimento, geralmente, não é observada em curto prazo, o que gera frus-
trações e pode comprometer a implantação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo que foi descrito, espera-se ter evidenciado, para quem pretende desen-
volver S-RES (PEP) ou implantá-lo em sua rotina de trabalho, que é necessário consi-
derar que não se trata de ter computadores e um processador de textos para registrar
dados dos pacientes e sistemas para arquivá-los.
A Informática em Saúde é uma área específica dentro da tecnologia da informação.
Embora guarde similaridade com outras áreas afins, tem peculiaridades que são dita-
das pela heterogeneidade espacial, temporal, social, administrativa e tecnológica pró-
prias da área de saúde. Por lidar com dados sensíveis das pessoas, sobre suas condi-
ções de saúde e demais dados pessoais, impõe regras éticas rígidas sobre todos os pro-
fissionais envolvidos na assistência, desde a coleta, gravação e recuperação dos dados.
O conhecimento sobre banco de dados, segurança da informação e padrões em in-
formática em saúde é condição mínima necessária para desenvolvedores de S-RES.
Não restam dúvidas de que a construção da e-Saúde é uma necessidade atual, seja para
o âmbito da saúde pública ou privada. Por sua vez, há de se ter em mente que isso é um
processo e, como tal, comporta diversas fases, que principiam pelo estudo da necessi-
dade, passam pela concepção e pelo desenvolvimento dos sistemas e chegam à sua
completa implantação.
Para alguns profissionais mais antigos da área de saúde, não estão assim tão longe
as lembranças dos sistemas de registro do prontuário em suporte de papel, da descon-
tinuidade das anotações, folhas perdidas, da dificuldade de localizar prontuários ar-
quivados erroneamente, mesmo nos serviços com comissões de revisão de prontuário
e relativamente organizados. O cheiro de mofo do papel ainda pode ser rapidamente
evocado! Perante a complexidade de conceitos, marcos legais e padrões em informáti-
ca em saúde, como o usuário final pode orientar-se para implantar um PEP para uso
pessoal em seu consultório? Como essa, muitas questões devem ser levadas em conta.
Entretanto, fica o princípio geral de se evitarem soluções milagrosas e fáceis, muitas
vezes aparentemente baratas, mas que geralmente não oferecem funcionalidade, segu-
rança e respaldo legal para seu uso em situações de atendimento em saúde.
Conquanto a certificação pela SBIS não seja obrigatória, a escolha de sistemas cer-
tificados é, pelo menos, uma garantia de que ele foi homologado e comporta os pa-
drões mínimos de conformidade com as questões éticas e legais demandadas para
construção e uso desses sistemas. Espera-se que o uso maciço dessas tecnologias em
442

saúde resulte, num futuro próximo, em maior eficiência dos serviços de saúde e maior
segurança para os usuários. A construção de grandes bancos de dados, sobre condi-
ções de saúde e tratamentos realizados, apontam para a possibilidade de geração de
novos conhecimentos na área a partir da mineração de dados, tendo como base a esta-
tística clássica, o emprego de técnicas de inteligência artificial e Machine Learning.

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445

27
Gestação de risco e prematuridade:

aplicativos móveis disponíveis

na web para o sistema Android

Ligia Maria da Costa Canellas Tropiano

Gisela Rosa Franco Salerno

Silvana Blascovi-Assis

Ana Grasielle Dionísio Corrêa


446

INTRODUÇÃO

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (33), é considerado um re-


cém-nascido prematuro, o bebê nascido antes de completar 37 e 6/7 semanas de ges-
tação, sendo considerado prematuro moderado a tardio aquele nascido entre 32 e 37
semanas de gestação, muito prematuro, aquele com 28 a 32 semanas, e prematuro ex-
tremo os nascidos com menos de 28 semanas. Fator diretamente relacionado com a
prematuridade é o peso ao nascimento, classificado como: extremo baixo peso, bebê
com peso menor que 1.000g; muito baixo peso, de 1.000g a 1.499g, e baixo peso, de
1.500g a 2.490g. Assim, a literatura descreve que quanto mais prematuro (idade gesta-
cional) e mais baixo peso, maior risco de complicações neonatais (21, 33).
A verdadeira prevalência de nascimentos prematuros não é conhecida devido à fal-
ta de dados reais em muitos países, especialmente aqueles em categorias de baixa ren-
da. Porém, estimativas de nascimentos de crianças pré-termo em 184 países mostra-
ram que aproximadamente 15 milhões de bebês nascem prematuros anualmente em
todo o mundo, indicando uma taxa global de nascimentos de cerca de 11% em relação
ao bebê a termo, o que representa mais do que um em cada 10 nascimentos (8, 32). No
Brasil, 340 mil bebês nascem antes da 37ª semana de gestação todo ano, o equivalente
a 931 por dia ou a seis prematuros a cada 10 minutos (9).
Diversos fatores colocam mulheres em maior risco na ocorrência de parto prema-
turo, sendo assim, Almeida e Reis (2) dividiram esses fatores em grupos que se relaci-
onam com a história clínica, condições da gravidez atual e condições socioeconômicas.
Entre os fatores da história clínica estão cirurgias uterinas e partos prematuros ante-
riores; no subgrupo das condições da gravidez atual estão placenta prévia, descola-
mento prematuro de placenta, sangramentos genitais e alterações sanguíneas mater-
nas; em condições socioeconômicas estão fadiga ocupacional, uso de cigarro, álcool e
drogas ilícitas, além da gestação nos extremos de idade, menor que 16 e maior que 35
anos (13, 17, 21, 25).
Na literatura, os extremos de idades são apontados como tendo a maior associação
com a ocorrência de parto prematuro, devido à maior facilidade para o desenvolvi-
mento da pré-eclâmpsia. Além disso, deve-se considerar o nível socioeconômico da
mulher, escolaridade, acesso e hábitos de saúde, pois é descrito que a maioria das ges-
tantes adolescentes possuem um número insuficiente de consultas pré-natais, o que
agrava o risco de prematuridade (14, 29).
Melhorias marcantes nas taxas de sobrevida de nascimentos prematuros foram fei-
tas nos últimos 10 anos com o avanço da terapia intensiva. Todavia, apesar do aumen-
to da sobrevida, esse avanço não exclui a possibilidade do desenvolvimento de morbi-
dades nos bebês prematuros, em especial aqueles submetidos a cuidados intensivos, o
que pode interferir na qualidade de vida dessas crianças e de suas mães (1, 6, 10, 16).
447

Aproximadamente um milhão de crianças morrem a cada ano devido a complicações


de parto prematuro, sendo o nascimento prematuro uma das principais causas de
mortalidade de menores de 5 anos de idade e de comprometimento do neurodesen-
volvimento em todo o mundo; assim, é um grande problema de saúde pública (15, 30).
O risco de complicações neonatais é inversamente proporcional à idade gestacio-
nal (IG), ou seja, nos prematuros com idade gestacional menor ou igual a 25 semanas, a
frequência de distúrbios neurossensoriais graves e do desenvolvimento cognitivo po-
de atingir quase 50% (11, 12, 18, 31). À medida que as crianças crescem, a vigilância
deve aumentar devido a fatores que podem alterar o desenvolvimento neuropsicomo-
tor, sendo necessário o empoderamento dos pais e responsáveis quanto ao que devem
estar atentos, visando ao precoce direcionamento terapêutico.
Entre as principais preocupações dos pais de bebês prematuros se encontra a in-
segurança e o medo de não conseguirem prestar os cuidados necessários ou de haver
complicações decorrentes da imaturidade dos bebês; esses sentimentos são ainda mais
evidentes entre os pais que têm o primeiro filho (23, 28).
Sendo assim, para a promoção da saúde materno-infantil é necessário que os pais
aprendam a conviver com a possibilidade de que a gravidez possa ser interrompida
precocemente. O tema prematuridade, a eventual necessidade de cuidados específicos
e terapias auxiliares devem ser discutidos a fim de emponderá-los para o enfrenta-
mento de situações de risco iminente (5, 25). Diversas estratégias vêm sendo utiliza-
das para fortalecer a educação em saúde, focando no favorecimento da autonomia para
identificação, manejo e tomada de decisões pela família; nesse sentido, percebe-se a
tecnologia como produtos ou processos que auxiliam na prestação do cuidado ao usu-
ário e no desenvolvimento do processo de educação em saúde, contribuindo para o
fornecimento de informações relevantes ao público-alvo.
Dentre as tecnologias desenvolvidas para o contexto da saúde, as mais predomi-
nantes foram as tecnologias educacionais em forma de manuais e cartilhas eletrônicas,
vídeos e aplicativos, e, na maioria dos casos em que foram aplicadas, proporcionaram
maior engajamento do público-alvo (26, 27). Existem aplicativos móveis (Apps) dispo-
níveis voltados para a promoção da saúde materno-infantil, porém as iniciativas volta-
das para as gestações de risco, que podem resultar em um parto prematuro e para a
prematuridade em si, são escassas.
Considerando que os apps na área de saúde têm se mostrado uma relevante fonte
de informação e educação em saúde, é preciso, portanto, ampliar o olhar acerca desses
instrumentos, justificando um levantamento quantitativo e qualitativo na literatura e
na App Store e Google Play Store sobre o que há disponível ao público brasileiro. Dessa
forma, o objetivo do presente estudo foi realizar um levantamento quantitativo e quali-
tativo nas lojas de aplicativos sobre os apps focados nos temas gestação de risco e
prematuridade, que são disponibilizados às famílias que enfrentam essas condições.
448

LEVANTAMENTO DE DADOS SOBRE APPs

O levantamento de dados sobre os aplicativos para gestação de risco e prematuri-


dade foi realizado a partir dos seguintes passos: 1) planejamento do levantamento, que
incluiu a criação das questões de pesquisa e a revisão do sistema de classificação; 2)
realização do levantamento nas bases de dados, que incluiu busca, seleção, extração e
síntese dos dados; e 3) discussão sobre os dados encontrados.
Três questões nortearam esse levantamento de apps: 1) Quais aplicativos estão
disponíveis sobre o tema gestação de alto risco e prematuridade? 2) A que público o
conteúdo é direcionado? 3) Qual é o principal conteúdo abordado nesses aplicativos?
Para conduzir esse levantamento de aplicativos, foi feita uma pesquisa na base de
dados Google Play Store. A escolha por essa loja de aplicativos pode ser justificada pela
maior acessibilidade da comunidade ao sistema Android, considerando-se o custo dos
aparelhos (celulares ou tablets) que são comercializados no Brasil. Outro fator que
influenciou a escolha foi um levantamento paralelo, a partir do qual se observou que o
Google Play Store disponibiliza, ainda que em número reduzido, alguns apps na Língua
portuguesa, facilitando, assim, o acesso no idioma corrente.
A busca foi realizada entre maio e agosto de 2021, e os aplicativos foram cataloga-
dos e selecionados a partir do seguinte critério de inclusão: conter exatamente as pa-
lavras “gestação de risco” e/ou “prematuro/prematuridade” em português, e “high risk
pregnancy” e/ou “preterm” em inglês, no título do aplicativo ou em sua descrição / es-
pecificação definida pelo fabricante. Os critérios de exclusão foram: a) não ter poten-
cial de uso em educação ou saúde; b) estar disponível em qualquer outra língua que
não o português.

APPs voltados à gestação de risco e à prematuridade

Foram encontrados 12 aplicativos para Android, nove destinados a prematuridade


e três a gestação de alto risco. Em relação ao idioma, três estão disponíveis na Língua
portuguesa e nove, na Língua inglesa (Quadro 1).
Dos aplicativos com foco em prematuridade, três são voltados para pais visando
ao acompanhamento e desenvolvimento dos bebês prematuros; três para cálculo da
idade corrigida (sendo um deles direcionado à gravidez gemelar); um é direcionado
para profissionais de saúde, com objetivo de supervisão do recém-nascidos prematu-
ros e, por último, dois aplicativos se reportam ao ambiente hospitalar, por meio do
qual os pais podem acompanhar os sinais vitais de bebês prematuros com fornecimen-
to de informações em tempo real da criança na UTI, como frequência cardíaca, nível de
oxigênio, alimentação e informações genéricas da saúde do bebê, com alerta de emer-
gência aos pais.
449

Quadro 1. Aplicativos classificados e selecionados para plataforma Android.


APP FINALIDADE
App direcionado a orientar cuidadores de bebês prematuros, desenvol-
vido por fisioterapeutas, com estratégias que estimulam o desenvolvi-
Meu bebê prematuro mento motor típico de 0 a 1 ano de idade. O app calcula a IG corrigida e
propõe atividades motoras para estimular o bebê, segundo a faixa de
idade em que se encontra, por meio de vídeos.
App direcionado ao acompanhamento longitudinal para prematuros, no
período pós-alta hospitalar, considerando-se que os primeiros anos de
vida se configuram como o período-alvo para o desenvolvimento das
Universo prematuro
habilidades motoras, cognitivas e psicossociais. Está disponível para
download, porém não é possível fazer login; a orientação dos programa-
dores é que ainda está em fase de teste.
App direcionado às necessidades das famílias de bebês prematuros, pos-
sui diário de controle de peso e comprimento com as referências dos grá-
ficos de crescimento da criança pré-termo. Sua proposta é ser um guia de
My Preemie app bolso sobre prematuridade oferecendo respostas para as perguntas mais
frequentes dos pais e cuidadores. Contém perguntas sugeridas para ajudá-
los a dialogar com os médicos e dispõe de um sistema de comunidade
vinculado ao Facebook para facilitar a aproximação dos pais e familiares.
App para pais acompanharem os sinais vitais de bebês prematuros in-
ternados na UTI. O app pode ser conectado aos monitores da UTI e,
Intensive preterm baby care app dessa forma, pode fornecer informações como frequência cardíaca, nível
de oxigênio, alimentação, dados gerais da saúde do bebê, com alerta de
emergência aos pais e/ou profissionais da saúde em tempo real.
Fornece informações de apoio às mães de bebê prematuros hospitaliza-
dos à medida que participam dos cuidados dos seus bebês. Apresenta
Preemie mom care
dicas de amamentação, dicionário para termos médicos, respostas para
dúvidas sobre os equipamentos e medicações utilizadas na UTI.

Preterm corrected age calculator App direcionado a verificar a idade corrigida com a utilização da calculadora.

Corrected Age calculator for


App direcionado a verificar a idade corrigida com a utilização da calculadora.
preterm babies

App direcionado a profissionais (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas)


Follow up planner
que atuam no cuidado do bebê prematuro destinado para supervisão de
for preterm babies
recém-nascidos hospitalizados.

App direcionado a avaliar o risco de parto prematuro para pacientes


Twin preterm birth calculator
com gestações gemelares com a utilização de calculadora

App direcionado a gravidez que cursa com risco e traz dicas em textos
High risk pregnancy
curtos e informativos de como lidar com esses riscos.
App que ajuda as famílias a se sentirem mais preparadas para o nascimen-
to de seu filho durante uma gravidez de risco. Esse app foi projetado para
Our Journey through high facilitar a conversa entre famílias e equipe de saúde e se propõe a identifi-
risk pregnancy car o que os pais precisam saber para se preparar com segurança para o
nascimento do bebê prematuro, minimizando a frustração que os pais po-
dem sentir por falta de informações ou por não entender termos médicos.
App gerenciador de riscos para as futuras mães, destinado à comunida-
Canguru
de com orientações gerais sobre a gestação normal.
450

Dos três aplicativos encontrados visando à gestação de risco, um deles traz dicas
em textos curtos e informativos direcionados às mães sobre como lidar com esses ris-
cos; um foi projetado para facilitar a conversa entre famílias e equipe de saúde e se
propõe a identificar o que os pais precisam saber para se preparar com segurança para
o nascimento do bebê prematuro, minimizando a frustração que podem sentir por fal-
ta de informações ou por não entenderem termos médicos; e, por último, o único app
que está disponível na Língua portuguesa, destinado a todas as gestantes, faz uma in-
terface para o alto risco, sinalizando os possíveis sintomas de alerta que a paciente
possa apresentar no decorrer da gestação e que mereçam cuidados especiais e busca
de auxílio médico (Figura 1).

Figura 1. Representação gráfica dos aplicativos encontrados na Google Play Store.

Observou-se que a maioria dos aplicativos (66,5%) teve sua última atualização no
ano de 2019 e 2020, o que demonstra que vem crescendo o interesse em se desenvol-
verem aplicativos voltados a prematuridade e gestação de risco. Outro dado que cor-
robora com o crescente interesse na área é a disponibilização de apps voltados à temá-
tica da gestação de alto risco e prematuridade em maior número a partir de 2019.
A maioria dos aplicativos para Android está disponível para uso gratuito, porém
alguns apresentam-se com excesso de propagandas publicitárias e conteúdo limitado
na versão freemiun. Geralmente, esses aplicativos gratuitos oferecem opções de com-
pra aos usuários, ou seja, compra de recursos extras e opções adicionais que podem
acrescentar uma camada de usabilidade e complexidade, dependendo da natureza do
aplicativo, o que ajuda a aumentar o engajamento e a melhorar a experiência do usuá-
rio. A vantagem de disponibilizar uma versão gratuita é possibilitar que as pessoas
451

experimentem e conheçam melhor o aplicativo, se familiarizem com ele e, posterior-


mente, comprem a versão paga com mais funcionalidades.
A avaliação dos aplicativos, considerando a pontuação informada nas resenhas in-
dividuais dos usuários, disponíveis na loja de aplicativos (considerando um número
superior ou igual a 10 avaliações e pontuação de 0 a 5), mostra que dois deles foram
bem avaliados: Intensive Preterm baby care com pontuação 4,6 de 226 avaliações, e
Corrected Age calculator for preterm babies com pontuação 4,1 de 12 avaliações. Cinco
aplicativos não possuíam nenhum tipo de avaliação até a data da coleta de dados e cin-
co foram avaliados por menos de 10 usuários. Os aplicativos menos pontuados na ava-
liação dos usuários foram: Universo prematuro, por não estar completamente disponí-
vel, encontrando-se restrito ao público geral; My premiee, possivelmente, devido à difi-
culdade relatada pelos usuários de imputar os dados no App.

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prematuridade é uma situação que traz ansiedade e necessita cuidados e aten-


ção, uma vez que é cercada de expectativas e riscos. O nascimento de um bebê prema-
turo é uma situação pela qual os pais não esperam e traz consigo um cenário de incer-
tezas (27). Frente à realidade do recém-nascido prematuro, restrito, em grande parte
das vezes, a uma incubadora, pequeno e envolto por tubos, a preocupação vai além da
saúde do bebê e da possibilidade de complicações relacionadas ao processo de inter-
nação. O risco de sequelas em diversos sistemas, tais como retinopatia da prematuri-
dade, sequelas pulmonares e alterações relacionadas à própria imaturidade do sistema
nervoso central, resultando em sequelas cognitivas e motoras, transformam esse mo-
mento tão esperado em uma vivência repleta de novos desafios.
As mulheres que passaram por intercorrências que culminaram em gestação de
risco e, consequente, parto prematuro relatam que angústia, preocupação e medo não
são restritos ao evento do nascimento (28). O desconhecimento do processo, a falta de
informação clara por parte da equipe de saúde, acompanhado do sentimento de inse-
gurança, inadequação, ambivalência afetiva, culpa e medo de perder o bebê são senti-
mentos identificados em diversos estudos (3, 19, 23, 28) que buscam compreender o
que significa para a mulher gerar um filho numa situação de alto risco.
A complexidade do processo de gestação de risco associado a um modelo de saúde
intervencionista e atividades educativas fragmentadas, a preocupação com o processo
de internação do bebê prematuro, o medo, bem como os riscos no desenvolvimento
neuropsicomotor de crianças nascidas pré-termo enfatizados pela literatura nacional e
estrangeira (11, 31), apontam para a necessidade de acolhimento e informação com
linguagem acessível (6, 19).
452

Esse cenário norteou nossas investigações no sentido de levantar aplicativos vol-


tados para essa população, considerando que eles podem ser ferramentas disponíveis
para o alcance de informações. Diversas estratégias vêm sendo utilizadas para fortale-
cer a educação em saúde e, reconhecidamente, os apps são um caminho, cada vez mais
acessível e rotineiro, para busca de conteúdo e informação.
A busca aos apps retornou resultados numericamente escassos, e uma das razões
pode ter sido a restrição ao sistema Android; além disso, notou-se que aplicativos vol-
tados para a promoção da saúde materno-infantil, desenvolvimento infantil e cuidados
com as crianças prematuras, de uma forma geral, são um nicho em crescimento, porém
ainda pouco explorado. Percebeu-se que os apps disponíveis em Língua portuguesa
são ainda menos frequentes; observou-se, também, que há apps disponíveis para os
profissionais que atuam no cuidado neonatal, dessa forma, nota-se que nem todas as
iniciativas foram pensadas para as famílias.
Em relação aos aplicativos voltados para gestação de risco, percebeu-se que há
muitas iniciativas voltadas para gestação saudável e típica, como calculadoras de se-
manas de gravidez, diários de gestação que oferecem à gestante possibilidade de
acompanhar de forma gradual o desenvolvimento intrautero do seu bebê, porém ape-
nas três encontrados eram direcionados às gestantes que cursam com algum tipo de
risco, ressaltando somente um app disponível na Língua portuguesa.
Possivelmente, o reduzido número de aplicativos desenvolvidos com base nos
problemas que envolvem uma gestação de risco se justifique pelo fato de que algumas
situações que ocorrem durante a gestação podem ter seu início como um processo
normal e, no decorrer do caminho, evoluir para situações que resultem no alto risco.
Pensando nessa situação como algo inesperado e possivelmente evitável, o desenvol-
vimento de apps para esaa população se torna necessário.
Em relação à prematuridade, os resultados apresentados encontraram nove apli-
cativos voltados para essa temática. Ao se investigar o público-alvo e conteúdo, perce-
beu-se que apenas um foi construído com o objetivo de facilitar o entendimento dos
pais quanto às particularidades dos processos de internação na UTI neonatal e desmi-
tificação da linguagem médica e dos termos técnicos. Em relação à alta e desenvolvi-
mento neuropsicomotor, foram encontrados três apps destinados a essa temática.
Uma das hipóteses que despertaram o interesse na pesquisa foi a elaboração do
conteúdo dos apps. É fato reconhecido pelos profissionais da área que, para que a tec-
nologia educacional atinja o objetivo de fornecer conhecimento, é preciso que a lin-
guagem seja de fácil compreensão e que seu conteúdo esteja pautado na realidade do
público-alvo, além de abordar as necessidades de aprendizado destacados por eles (6,
7). Nesse sentido, se faz imprescindível discutir estratégias e tecnologias de educação
acessíveis que envolvam a comunidade e confiram a ela um papel ativo e essencial na
construção de conhecimentos; pressupõe-se que tanto as gestantes de risco quanto os
453

pais de prematuros precisem ser ouvidos quanto às suas necessidades antes da cons-
trução de uma ferramenta voltada para eles.
Promover a maternidade segura é compromisso dos órgãos governamentais e de
todos os profissionais envolvidos na saúde materno-infantil. Além de garantir o pré-
natal e humanizar o atendimento, entre outras ações, é preciso dedicar atenção especi-
al às mulheres grávidas que são portadoras de comorbidades agravadas durante a ges-
tação ou desencadeadas nesse período (4), pois muitos fatores que podem desencade-
ar uma gestação de risco podem ser manejados no nível primário, por intermédio de
medidas educativas.
O conteúdo abordado merece atenção especial e estudos são necessários para co-
nhecer quais as necessidades e expectativas dos principais envolvidos, os pais. Em se
tratando da orientação sobre os prematuros, estudos (5, 26, 27) relatam que é funda-
mental que as orientações sejam mais detalhadas para evitar que os pais se sintam
inseguros e para permitir que eles possam compreender o crescimento de seus filhos,
bem como a importância do acompanhamento, algo que demanda tempo e um proces-
so de ensino e aprendizagem eficaz, que atenda às necessidades da família e possa ser
executado satisfatoriamente.
Sendo assim, a equipe que deseja elaborar apps ou outros materiais educativos e
de suporte aos pais deve estar atenta para reconhecer as reais necessidades de apren-
dizagem da família, no que tange ao empoderamento nos cuidados de seu próprio filho
e ao acompanhamento sistemático no período de maior desenvolvimento, os primeiros
dois anos de vida. Dessa forma, apps mais estruturados e com boa usabilidade voltados
aos pais podem funcionar como programas de educação em saúde e, além de auxiliá-
los nas principais dúvidas, poderão reduzir angústias quanto ao desenvolvimento de
suas crianças, fornecendo suporte na estimulação dos bebês e auxiliando na detecção
de possíveis atrasos.
No quesito usabilidade, esses testes são importantes porque permitem aos desen-
volvedores verificar a facilidade que o software possui de ser claramente compreendi-
do e manipulado pelo usuário (20). A avaliação de usabilidade pode ser realizada em
duas etapas, primeiramente realizada por especialistas e, em um segundo momento,
caracterizada pelo perfil dos participantes. Essas avaliações podem funcionar como
guia para detectar e corrigir possíveis problemas que podem repercutir na interação
dos usuários e posterior pontuação do app na loja de dispositivos.
As avaliações dos apps são realizadas por meio de atribuição de notas de 1 a 5 (es-
trelas). Essa nota se torna muito relevante para os usuários, uma vez que eles tendem
a baixar os apps com boas avaliações. Por exemplo, muitos usuários de aplicativos ana-
lisam os comentários e as avaliações dos outros usuários que já usaram o app antes de
optar por baixá-lo e usá-lo. Para o desenvolvedor, a vantagem das avaliações positivas
é que o app pode aparecer no topo das buscas nas lojas dos aplicativos, que ocorre,
454

porque as lojas de apps consideram o rating app nos algoritmos de busca, ou seja, os
apps que possuem boas avaliações irão aparecer sempre no topo das buscas.
Os motivos que levam um aplicativo a ter avaliações negativas podem ser vários:
abertura irritante de um pop-up que interrompe o uso (a coleta da opinião dos usuá-
rios é muito importante, mas deve ser feita de forma a não atrapalhar a experiência
dos usuários); falta de interação do desenvolvedor com os usuários (é imprescindível
que o desenvolvedor responda as mensagens para garantir uma relação positiva e
saudável com os clientes); bugs e falhas que impedem a boa experiência de uso (os
desenvolvedores devem corrigir rapidamente e responder às falhas de maneira since-
ra, indicando um prazo para correção e sempre mantendo os usuários atualizados so-
bre novas versões do app).
Diversos autores (5, 7, 26, 27) reconhecem a necessidade de criar atividades edu-
cativas embasadas nas metodologias ativas de aprendizagem, auxiliadas por materiais
educacionais e que facilitem a inserção dos pais de bebês pré-termo na unidade neona-
tal e nos cuidados com seu filho, suprindo as necessidades de educação em saúde da
família, empoderando e potencializando sua autonomia.
Ademais, na construção de materiais e programas com foco na educação em saúde
são considerados: pesquisa em literatura científica, livros, sites especializados em de-
senvolvimento infantil e materiais já existentes voltados para grupos de pais (22). Mas
a percepção é que ouvir as gestantes e os pais que passaram pela experiência de filhos
prematuros seria preciosa. O uso de dispositivos móveis já é uma realidade no cotidia-
no da comunidade em geral, e sua aplicação em educação voltada à saúde pode ser um
grande trunfo para modernizar, dinamizar, ampliar e enriquecer as experiências das
famílias.
Nesse propósito, ratificamos o desenvolvimento de iniciativas de novos aplicati-
vos que possam orientar gestantes de alto risco propensas a partos prematuros e pais
de bebês prematuros, considerando suas necessidades e demandas. Recomenda-se a
exploração e desenvolvimento de projetos dessa natureza, pelo potencial da aplicação
da tecnologia, mais especificamente de aplicativos móveis para o fortalecimento da
educação em saúde e o cuidado centrado na família, tendo como tema a prematuridade
e gestação de alto risco, que são problemas de saúde pública.

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457

28

Desafios da COVID-19 na educação:

o cuidado e a educação

Alessandra Ferreira de Brito

Cláudio Aparecido Sant’Ana


458

INTRODUÇÃO

A Educação, em todas as modalidades de ensino, busca correlacionar currículos,


programas e intervenções que atendam às necessidades de uma época. No atual con-
texto de transformações sociais, econômicas e tecnológicas, a velocidade do uso da
informação por meios tecnológicos torna os conhecimentos voláteis no que concerne à
dinamização do processo educativo, o que, consequentemente, exige políticas educaci-
onais que se constituam de forma híbrida às transformações contextuais da humani-
dade.
A partir do processo de Globalização dos anos de 1990, instituições globais de fun-
do monetário e de Educação e Cultura passaram a incluir a escola como formadora
para o século XXI, não só no que concerne à esfera acadêmica. Para tanto, deve con-
templar as competências necessárias para a formação do ser social por meio dos qua-
tro Pilares da Educação para o século XXI: aprender a conhecer (como aprender e
construir o conhecimento); aprender a fazer ( partindo do conhecimento teórico e re-
lacionando ao cotidiano da vida); aprender a conviver (saber conviver em sociedade);
aprender a ser (desenvolver habilidades comportamentais) (14, 31, 36, 37).
Surge a partir dessas intervenções globais e dos quatro pilares da educação para o
século XXI, o conceito de Educação por Competências, que passa a ser a proposta de
dinamização do currículo em países europeus e latinos, e que enfatiza os conhecimen-
tos necessários para a formação global do estudante contemplando a formação acadê-
mica, social e de habilidades necessárias para a inserção no mercado de trabalho. Nes-
se sentido, a escola passa a ser compreendida como um instrumento de equalização
social (9, 22, 31, 35, 36, 39, 54).
Ao centralizar a escola como equalizadora social para países desenvolvidos e em
desenvolvimento (31), o conceito das competências necessárias para a formação inte-
gral do estudante passa a protagonizar pesquisas para mensuração de resultados esco-
lares e, por consequência, subsídios para a criação de política públicas que promovam
a equidade de oportunidades (26, 31, 35, 39, 44, 45).
Por meio de evidências empíricas do desempenho de estudantes em avaliações de
aproveitamento escolar em larga escala, sugere-se que altos níveis de competências
que correlacionam conhecimentos ao saber prático podem ser indicativo de maiores e
melhores resultados acadêmicos. Entretanto, o saber e a relação prática do conheci-
mento não constituem todas as bases necessárias para uma educação que contemple a
globalidade de conceitos iminentes para o século XXI (20, 22, 26, 31, 39, 44, 54).
Entre as competências e habilidades a serem contempladas no ambiente escolar,
as habilidades socioemocionais foram evidenciadas por estudos globais como predito-
459

ras para o aumento do rendimento escolar, associado a qualidade de vida, saúde, per-
manência na escola e inserção ao Ensino Superior (20, 22, 26, 31, 39, 44, 54).
No contexto brasileiro, um dos marcos educacionais foi a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), de 2017, que incluiu questões socioemocionais de forma intencio-
nal nas abordagens curriculares, por meio dos cinco construtos: Abertura a novas ex-
periências (tendência a ser aberto a novas experiências estéticas, culturais e intelectu-
ais); Conscienciosidade (tendência a ser organizado, esforçado e responsável); Extro-
versão (interesses voltados para o mundo externo ao contrário do mundo interno);
Amabilidade (tendência a agir coletivamente e não egoisticamente); Estabilidade emo-
cional (previsibilidade e consciência de reações emocionais, sem mudanças bruscas de
humor) (9, 22, 40).
Nessa preconização de competências e habilidades a serem desenvolvidas no am-
biente escolar por meio de práticas e intervenções, possivelmente, a inclusão da esta-
bilidade emocional como um dos fatores que possibilitam ou não a aprendizagem te-
nha sido uma iniciativa para enfatizar políticas de saúde mental nos currículos e pro-
gramas educacionais, com o objetivo de promover futuras políticas de associação entre
o cuidado e a educação para saúde e qualidade de vida durante o período escolar, es-
tendendo-se à vida adulta (31).
No sentido de discutir e promover propostas que correlacionem Educação e Saúde,
tornanda-as um binômio para a promoção de educação, saúde e bem-estar social, faz-
se necessário que sejam realizados mais estudos e intervenções para a promoção de
uma educação global, inclusiva e que tenha como base a equidade nas relações de in-
serção, permanência e continuidade nos estudos em nível superior (31, 35).

SAÚDE MENTAL E EDUCAÇÃO

A etiologia de transtornos em saúde mental é complexa e constituída por fatores


de vulnerabilidades biológicas e eventos da vida cotidiana que contribuem para a pre-
valência e diagnósticos. Esses eventos da vida cotidiana podem ser definidos como:
precariedade educacional; pobreza; desemprego; violência; e falta de atendimento em
saúde (24, 32).
Se existem fatores biológicos e do cotidiano como preditores de diagnósticos em
saúde mental, nos parece evidente sua complexidade. Nesse sentido, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) considera que o bem-estar é uma das estratégias para a saú-
de mental (17, 43).
Ao considerar que o conceito de bem-estar é uma estratégia para a saúde mental, a
OMS considera que não existe a possibilidade de sistematização de uma definição de
460

bem-estar, entretanto, é possível correlacionar construtos que determinam ou não o


estado de bem-estar. Nessa abordagem, a OMS define que saúde mental é o estado de
bem-estar em que o indivíduo percebe suas habilidades, pode lidar com o estresse do
cotidiano e contribuir de forma produtiva no contexto dos grupos sociais e de seus
pares (16, 17, 28, 43).
Como proposta, a OMS reconhece que a sensibilização da habilidade socioemocio-
nal de resiliência, sendo abordada por meio de estratégias educacionais, midiáticas e
em programas de saúde no trabalho, pode ser uma alternativa para que o indivíduo
passe a lidar com fatores estressores da vida cotidiana, tenha capacidade de aumentar
o controle de suas emoções e tenha melhorias em sua saúde. Assim, reconhecendo os
sintomas e buscando alternativas no cotidiano por meio de acompanhamento especia-
lizado, quando necessário, é possível lidar com os desafios diários e transitar entre os
grupos de convivência (16, 17).
A correlação das estratégias propostas entre a OMS (33, 43) e as políticas educaci-
onais que contemplam as habilidades socioemocionais como mobilizadoras do desen-
volvimento global de estudantes (12, 22, 26, 29, 39, 54, 49) parece ser um investimen-
to para as futuras gerações, no que concerne a educação, saúde e bem-estar social (31).
O ambiente escolar, por ser um ambiente de aprendizagem e socialização da infância
até o final da adolescência, pode ser um campo fértil para realizar diagnósticos preco-
ces e intervenções por decorrência de problemas de saúde mental, incluindo proble-
mas emocionais (41).
Entretanto, as possíveis associações de estudos e pesquisa entre saúde mental e
desempenho acadêmico de estudantes da Educação Básicas ao Ensino Superior são
escassos em âmbito global, e as evidências não são consensuais pela multiplicidade de
valores implícitos e explícitos de cada contexto cultural (3, 15, 17, 32, 33, 34, 43, 55).
A ausência de consensualidade pode estar intimamente ligada a fatores como mé-
todo, instrumentos de pesquisa, coleta, mensuração de dados, faixa etária, e às condi-
ções socioeconômica, demográfica, cultural, entre outras.
Alguns estudos podem ilustrar a necessidade de aumento de estudos sistematiza-
dos e longitudinais, entretanto, em seu cerne possuem evidências dos impactos da sa-
úde mental no desempenho escolar. Um estudo realizado na região metropolitana de
São Paulo, com 333 estudantes de 9º ano, investigou possíveis associações entre altos
índices de competências socioemocionais e desempenhos satisfatórios em português,
matemática e ciências. Esse não era um estudo voltado para saúde mental, mas estu-
dantes que pontuaram baixos índices de equilíbrio emocional obtiveram desempenhos
ruins em português e ciências. No entanto, o desempenho em matemática se manteve
na média, que era de 50% de acertos (10).
No que concerne à visão de pais e educadores, um estudo chileno, com mais de 11
estudantes de 11 a 15 anos, evidenciou por meio de questionários e entrevistas que
461

estudantes que possuem uma boa saúde mental possuem bons níveis de resultados e
aproveitamento de estudos em língua materna, matemática e ciências. Além disso, dos
resultados evidenciados em relação ao desempenho escolar, a maioria dos jovens da
amostra não possuía problemas de interação social com os pares no ambiente escolar.
Um estudo sueco, desenvolvido para mensurar a saúde mental e desempenho aca-
dêmico de 1.700 estudantes de 12 a 20 anos, evidencia que uma boa saúde mental está
associada, na maioria dos entrevistados, a desempenhos escolares satisfatórios e, por
consequência, impacta de maneira positiva a interação entre os pares no ambiente
escolar e em outros grupos de convivência (3).
Em países como a Coreia, que possui 16,8% dos casos de depressão diagnosticados
entre jovens de 11 a 18 anos de idade, o status econômico das famílias e a escolaridade
dos pais foram fatores predominantes e, possivelmente, estão correlacionados a pro-
blemas de saúde mental e desempenhos escolares insatisfatórios (24, 53).
Quanto ao gênero, na Correia, a maior predominância de problemas de saúde men-
tal é no sexo feminino (5) . As mulheres possuem risco aumentado de cometer suicídio
(24, 53).
Nessa abordagem sobre gênero, no México, o suicídio entre estudantes do Ensino
Médio ocorre em 4,2%. A prevalência maior desse indíce está entre jovens do sexo fe-
minino que precisam se dedicar parcialmente aos estudos para gerar renda familiar,
que possuem múltiplas repetências e baixos rendimentos escolares (32).
Por meio dos estudos analisados, é possível concluir que existem evidências de que
os anos de escolarização básica podem mobilizar as competências necessárias para a
vida social, econômica, constituição de identidade, cidadania, noção de pertencimento,
continuidade de estudos no Ensino Superior, melhores oportunidades de inserção no
mercado de trabalho e, por consequência, promover a saúde mental na escola e contri-
buir para os construtos necessários para a vida adulta (22, 31, 32, 35, 43, 45, 52, 53).
No entanto, ao considerarmos essas evidências empíricas da promoção da saúde
mental e o período de escolarização, é necessário considerar as variáveis étnicas, cul-
turais, arranjos familiares, sexo, idade e as economias locais e globais (41).
Essas variáveis passaram a ser intensificadas a partir do início do período pandê-
mico da COVID-19. Todos os países passaram a ter os mesmos desafios que impactam
os setores da saúde e da economia global e, por consequência, a todos os grupos soci-
ais, incluindo a escola.
462

IMPACTOS DA COVID - 19

Em 31 de dezembro de 2019, a OMS foi alertada sobre casos de pneumonia desco-


nhecidas. Em 12 de janeiro de 2020, a China havia compartilhado a sequência genética
de um novo Coronavírus, que, mais tarde, foi denominado como agente etiológico da
Doença Coronavírus-19. Até 2020 o vírus se espalhou para mais de 200 países, cau-
sando mais de 1,5 milhão de casos e mais de 100.000 mortes (10).
Nesse cenário, o mundo está enfrentando uma crise global de saúde pública com a
pandemia da COVID-19. Os impactos são de casos fatais da COVID-19, socioeconômi-
cos, políticos e psicossociais significativos e imensuráveis. Bilhões de pessoas estão em
quarentena em suas casas, enquanto nações se fecham para implementar o distancia-
mento social como medida para conter a propagação da doença (18, 38).
As estratégias para conter a disseminação da doença são as mesmas para todos os
países, segundo as recomendações da OMS. No entanto, os desafios parecem ser mais
expressivos para alguns países. As paralisações econômicas afetam a economia global,
especialmente, seus impactos são mais expressivos em países que possuem precarie-
dade de serviços de saúde e elevada vulnerabilidade econômica (28).
As estimativas de casos da COVID-19 no mundo são mensuradas e divulgadas pe-
los meios de comunicação em massa à população. A previsibilidade dos impactos
econômicos pode ser prospectável e mensurável. O que possivelmente a humanidade
não pode prever são as consequências e os impactos: do temor iminente do contágio
por uma doença que pode ser letal, do luto, da privação de serviços especializados em
saúde, do número excessivo de horas de uso de tecnologias, e da impossibilidade de
interação social.
Estudos têm sugerido que o medo de ser infectado por um vírus com potencial de
letalidade e de rápida disseminação, cuja origens são pouco conhecidas, está afetando
a saúde e bem-estar psicológico de pessoas. Sintomas de depressão, ansiedade e es-
tresse foram identificados na população em geral, além dos casos de suicídio potenci-
almente associados a COVID-19 (25, 28).
Com o intuito de fornecer dados relacionando a prevalência global de problemas
de saúde mental em tempos de pandemia pela COVID-19, destacamos um estudo de
revisão sistemática, a partir de estudos de bancos eletrônicos realizados entre os dias
1º de janeiro de 2020 a 16 de junho de 2020. As informações são de 32 países diferen-
tes e com 398.771 participantes. A prevalência de problemas de saúde mental em meio
a pandemia variou amplamente em todos os países e regiões e foi maior do que a pre-
valência em relatórios anteriores. A estimativa de prevalência global foi de 28% para
depressão; 26,9% para ansiedade; 24,1% para sintomas de estresse pós-traumático;
463

36,5% para estresse; 50% para sofrimento psíquico; 27,6% para problemas do sono
(28).
Embora os estudos tenham evidenciado os efeitos da COVID-19 sobre a saúde
mental de adultos, existem poucos estudos sobre crianças e jovens (4, 42). A pandemia
expôs crianças e jovens a riscos conhecidos para psicopatologias pela percepção de
ameaças de uma doença drástica com consequências inimagináveis e a interrupção de
suas rotinas, isolamento social, desnutrição para os menos favorecidos economica-
mente, níveis reduzidos de atividade física. Os jovens têm sido acometidos por fatores
estressores familiares, como: abuso; negligência; e luto (48).
Entre os períodos de 2009-2019, foi realizada uma pesquisa representativa reali-
zada nos Estados Unidos com estudantes do Ensino Médio que indicou a prevalência
de 26%, em 2009, de estudantes que declaravam sentir tristeza e desespero constan-
temente; e, em 2019, esse percentual foi de 37%. Os relatos sobre considerar o suicídio
como opção, em 2009, eram de 14%; e, em 2019, de 19%. Quanto ao plano de suicídio
de 11% em 2009, houve uma crescente para 16%; e a tentativa de suicídio foi de 6%
para 9%. Os grupos de maior risco eram mulheres e alunos que representam minorias,
como lésbicas, gays e bissexuais (27).
Antes do período pandêmico pela COVID-19 foram evidenciados, por meio de es-
tudos em vários países, a escassez de estudos relacionados a saúde mental e saúde
mental relacionada a educação (3, 15, 17, 32, 33, 34, 43, 55).
Em suma, se até o ano de 2019 estudos indicavam a necessidade do aumento de
estudos relacionados a saúde mental (3, 15, 17, 32, 33, 34, 43, 55), nos parece que
existe, de forma mais latente, a ênfase de estudos voltados para o ambiente escolar,
considerando que a escola sofre com impactos externos, no que concerne à economia,
às transformações sociais e ao uso de novas tecnologias (13, 14, 22, 23, 31, 37, 54),
impactando de forma mais significativa a faixa etária em idade escolar que são
crianças, adolescentes e grupos em vulnerabilidade social (27).

COVID-19: A RELAÇÃO ENTRE O CUIDADO E A EDUCAÇÃO

Em 25 de março de 2020, 150 países fecharam escolas, faculdades e universidades,


impactando mais de 80% da população estudantil no mundo e que passaram a ser
atendidos de forma online (18, 28).
Esse fechamento abrangeu todos os espaços de interações sociais entre crianças,
jovens e adolescente como bibliotecas e ambientes abertos como parques e áreas ver-
des, intensificando as fragilidades de grupos sociais distintos e, em especial, os que
possuem maior vulnerabilidade social. Os ambientes que promovem educação, cultura
464

e bem-estar estão diretamente ligados a promoção de interação entre as diversidades


étnicas, econômicas, culturais e de gênero (48).
A abordagem adotada para suprir as lacunas de aprendizagem foi por meio do en-
sino online. Notoriamente, as tecnologias digitais têm desempenhado um papel crucial
nos últimos meses para garantir a diminuição da contaminação (21).
Nesse contexto, é conhecido que os riscos de letalidade do vírus da COVID-19 não
têm a mesma incidência em crianças e jovens como em adultos. No entanto, os impac-
tos sociais, econômicos e de saúde mental são mais intensos em jovens do que em
adultos (21).
A intensificação de impactos em crianças e adolescentes ocorre exclusivamente
por questões econômicas, mas se estendem a outras nuances que podem ser definidas
como construtos básicos para a aprendizagem: privação de contato social, adaptação
de recursos e métodos para atendimento a estudantes com distúrbios de aprendiza-
gem, portadores de necessidades especiais e aos que possuem sintomas ou diagnóstico
em saúde mental (1, 21).
A Educação online, possivelmente, deixará inúmeros alunos para trás, especial-
mente porque nem todos possuem recursos necessários para acessibilidade à tecnolo-
gia e aos instrumentos necessários para a inclusão nesse período (21, 48).
Diante dos desafios inclusivos, sociais, econômicos, de acessibilidade e permanên-
cia na escola, gestores governamentais e institucionais, no primeiro momento, buscam
atender às nuances multifacetadas de estudantes da Educação Básica. Entretanto, as
consequências cognitivas, emocionais e de interações sociais são imensuráveis. Ações
que versem pelo levantamento de dados sobre as necessidades dos envolvidos no pro-
cesso de ensino-aprendizagem possibilitam estratégias institucionais que abranjam o
cuidado e a educação de crianças, jovens e adultos.

POLÍTICAS DE ATENDIMENTO EM EDUCAÇÃO

A educação brasileira se confronta com desafios da globalidade no atual contexto


pandêmico quanto à acessibilidade a serviços de saúde para a comunidade escolar,
vulnerabilidades econômicas geradas pelos impactos do período da quarenta, inclusão
a meios digitais, formação de profissionais da educação para ressignificar as práticas
docentes e inclusão digital.
Se, de um lado, a educação brasileira se confronta com desafios de equidade de
acesso à escolarização de nível básico, por outro, existem legislações vigentes que legi-
timam os direitos constituídos por meio de políticas públicas de acesso e permanência
na escola.
465

Como prevê a Constituição Federal de 1988, em seu art. 205, a educação [...] é di-
reito de todos e dever do Estado e da família e será promovida e incentivada pela cola-
boração da sociedade, visando pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (30). A Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação (LDB), em seu art. 3º, dá providências sobre os princípios de igualda-
de de condições e permanência na escola e garantindo o padrão de qualidade (11), e o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) regulamenta que a criança e o adolescente
gozem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral, assegurando-lhes, por lei ou por outro meio, todas as oportunidades
e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social em condições de liberdade e de dignidade, sem discriminação de nascimento,
situação familiar, idade, sexo, raça, etnia, ou cor, crença, deficiência, condição pessoal
de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, e local de
moradia (2).
Para tanto, ações governamentais em âmbitos federais, estaduais e municipais, têm
sido desenvolvidas para diminuir o abismo colocado entre as especificidades das ne-
cessidades individuais e coletivas de crianças, jovens e adolescentes ao acesso à esco-
larização por meio do ensino remoto.
As estratégias adotadas preliminarmente foram de suspensão das aulas presenci-
ais com o objetivo de preservar o distanciamento social para conter o contágio pela
COVID-19, a criação de protocolos sanitários para favorecer a retomada de atividades
presenciais ou ao atendimento aos estudantes em situação de vulnerabilidade social, a
disponibilização de chips de dados e meios de comunicação em massa para buscar su-
prir as necessidades de acesso (6).
Entretanto, os impactos de acessibilidade à escolarização não se restringem ao
acesso ao mundo letrado ou desenvolvimento de competências previstas pelas regu-
lamentações e políticas curriculares, mas se estendem ao atendimento de saúde públi-
ca da comunidade escolar.

O USO DA INFORMAÇÃO PARA O CUIDADO E EDUCAÇÃO

Por meio do Decreto nº 64.881, de 22 de março de 2020, fica instituído o Sistema


de Informação e Monitoramento da Educação para COVID-19 (SIMED COVID-19) (6, 8).
O SIMED COVID-19 é uma interface da plataforma da Secretaria Escolar Digital
(SED) e é disponibilizado também pelo sistema operacional de dispositivos android. A
SED é personalizada com os usuários de pais ou cuidadores e estudantes, com o intuito
de divulgação de dados da vida escolar dos estudantes, disponível no site
https://sed.educacao.sp.gov.br (8).
466

A função da plataforma digital é o registro de ocorrências de casos suspeitos e con-


firmados de COVID-19. Sua abrangência é, em âmbito estadual, a todas as escolas que
são submetidas à jurisdição do Conselho Estadual de Educação. É de responsabilidade
das unidades de ensino de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio manter o
banco de dados atualizado (6). Os dados atualizados pelas escolas estão disponíveis
para consulta por meio de Boletins Epidemiológicos (7, 46).
O sistema abrange casos suspeitos e confirmados de COVID-19, saúde mental e in-
dicação da Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da unidade escolar. Para am-
bas as situações, são realizadas escutas ativas e levantamento de necessidades de en-
caminhamento para o serviço de saúde especializado. São atendidos por meio do sis-
tema toda a comunidade escolar: professores, equipes de coordenação, funcionários
administrativos e prestadores de serviços (8).
Para os casos relatados de COVID-19, é realizada uma escuta ativa sobre início de
sintomas, casos suspeitos e confirmados e se o estudante está recebendo atendimento
médico especializado. Quanto a problemas de saúde mental, a escuta é realizada com o
intuito de levantar início sintomas, tipos de sintomas e se está em acompanhamento e
possíveis intervenções medicamentosas. Para ambos os casos, a recomendação é de
que se o estudante ou demais membros da comunidade escolar não estiverem rece-
bendo atendimento especializado, o SIMED indica a Unidade Básica de Saúde (UBS)
mais próxima da escola para prestação de atendimento (8).
A proposta do SIMED não se restringe ao levantamento de dados estatísticos de
casos de COVID-19 e problemas de saúde mental; sua extensão mobiliza as unidades
escolares para a escuta ativa e acompanhamento da comunidade escolar. Entretanto,
para que exista eficácia de dados para atendimento às necessidades dos envolvidos no
processo de escolarização, a comunidade escolar deve ser mobilizada com o intuito de
promover melhores condições de acesso e permanência na escola.

SIMED – ESCOLA:
MOBILIZAÇÃO, AÇÃO E ATENDIMENTO HUMANIZADO EM EDUCAÇÃO

Os recursos tecnológicos como plataformas digitais e aplicativos não devem ser


compreendidos como um fim, mas como um meio de correlacionar as necessidades da
comunidade escolar, no sentido de formação, educação e de interface para promover a
equidade de oportunidades de inserção e permanência na escola, em especial, no atual
contexto social de isolamento social.
467

Nesse sentido, o relato de experiência deste trabalho é fundamentado por ações


desenvolvidas em uma Escola Técnica Estadual na Zona Norte do município de São
Paulo. A escola tem administração autárquica pelo Centro Paula Souza.
Com base nos estudantes em curso e ingressantes do 1º semestre de 2021, a escola
registrou 966 alunos, distribuídos nos cursos de Ensino Médio com habilitação profis-
sional em Design de Interiores e Eventos e nos cursos modulares de Canto, Dança, De-
sign de interiores, Regência, Paisagismo e Processos fotográficos.
O levantamento de dados socioeconômicos da comunidade escolar foi colhido por
questionários de autorrelato. Por meio dos dados é possível obter a prevalência da
faixa etária dos estudantes, sexo, renda, familiares que residem com o estudante, etnia
e origem da escolaridade egressa: a renda mais prevalente entre os estudantes é de
três a cinco salários mínimos, com 26,9%; seguido de dois a três salários-mínimos,
com 26,7%. Estudantes que autodeclararam sexo feminino compõe a maioria, totali-
zando 71,6%, e homens, com 28,3%. A maior faixa de idade está entre 17 e 21 anos,
com 46,2%; seguido de 22 a 26 anos com 19,1%; e 27 a 31 anos com 10,9%. Oriundos
de escolaridade pública totalizam 72,9%; e de escolaridade particular, 27,4%. Quanto à
etnia, 60,5% autodeclararam afrodescendentes; e 39,4% não se reconheceram com
essa origem étnica. Quanto à estrutura familiar, 49,1% declaram que residem com qua-
tro a seis pessoas em suas residências; e 45,7%, com uma a três pessoas.
Por meio dos dados coletados da comunidade escolar e contrastando aos estudos
em saúde mental, logo é possível observar, nessa unidade, possíveis riscos em saúde
mental. Atualmente a maior prevalência de problemas relacionados a saúde mental é
na faixa etária entre a adolescência e transição à fase adulta, como sugerido em refe-
renciais teóricos (21, 25, 28).
Estudantes que requerem atenção são público feminino e afrodescendentes, que
totalizam os maiores grupos sociais, e que pela literatura também representam riscos
de desenvolver problemas de saúde mental (24, 32, 53).
A renda familiar ou status econômico também foi evidenciado na literatura como
um fator estressor para o desenvolvimento de problemas de saúde mental na educa-
ção (3, 55). Na população analisada, os maiores percentuais de renda estão entre 2 a 3,
e 4 e 5 salários mínimos, entretanto, segundo o relato dos estudantes, a maioria das
estruturas familiares é de uma a seis pessoas. Contudo, esses dados carecem de mais
informações no que concerne ao número de pessoas que constituem a família ou que
residem com os estudantes.
Frente aos conhecimentos expostos e possíveis riscos de saúde mental na unidade
escolar, ações pedagógicas / institucionais foram desenvolvidas para mapear o maior
número de pessoas com relato de casos suspeitos e confirmados de COVID-19 e saúde
mental na comunidade escolar.
468

As estratégias utilizadas pela gestão escolar foram mobilização de representantes


discentes, de coordenações de curso e pedagógica, e comunicados institucionais, para
disseminar a necessidade de notificação à escola quanto aos casos de COVID-19 e saú-
de mental.
A Orientação e Apoio Educacional e Secretaria Acadêmica ficou com as atribuições
de entrevistas por meio de escuta ativa, acompanhamento dos casos de COVID-19 e
saúde mental, registro no SIMED–Escola, e encaminhamento a atendimento especiali-
zado em caso de necessidade.
As amostras dos dados foram coletadas entre o período de 17 de março de 2021 a
31 de maio de 2021. O total de casos confirmados foi de 14 e um caso suspeito. Todos
os estudantes relataram que cumpriram o período de quarentena e que possivelmente
contraíram de familiares que são da área de saúde, ou de outras áreas produtivas, que
não cumpriram integralmente a quarentena e de familiares que residem no mesmo
ambiente que contraíram o vírus por meio de contatos com outras pessoas em intera-
ções sociais diversas.
A faixa etária dos estudantes contaminados ou casos suspeitos é de 15 a 40 anos de
idade. Dois casos apresentaram sequelas pós-COVID-19, desenvolvendo problemas na
região das vias aéreas e estão em acompanhamento médico. Duas estudantes solicita-
ram o trancamento por questões relacionadas a problemas familiares ou por dificul-
dades de conciliar trabalho e atividades acadêmicas.
Quanto aos casos relacionados a saúde mental, a coleta de casos foi realizada por
diferentes canais: encaminhamentos de professores, representantes de sala, coorde-
nadores de curso e/ou pedagógico, colegas de curso e busca por informações ou auxí-
lio da Orientação e Apoio Educacional.
A faixa etária dos estudantes é de 15 a 39 anos, e totalizaram 10 casos. Entre eles,
seis têm acompanhamento especializado em saúde mental e relataram que os sinto-
mas se intensificaram durante o período pandêmico; quatro relataram que passaram a
sentir sintomas relacionados a estresse e ansiedade durante o período pandêmico; um
dos casos buscou informações sobre possível apoio psicológico ofertado pela escola,
entretanto, informou que possui recursos próprios e irá se dedicar a buscar auxílio
especializado; dois casos em fase de efetivação de contato; e um caso encaminhado via
SIMED para atendimento em UBS.
Entre os casos de saúde mental, somente um solicitou o trancamento e não houve
registro de evasão em ambos os casos registrados, seja pela contaminação de COVID-
19 ou por problemas de saúde mental.
Contudo, periodicamente são acompanhadas as frequências e rendimento dos es-
tudantes por meio de contatos via chat institucional, e-mail e telefone. Nesse sentido, o
atendimento versa pela escuta humanizada e intervenções no processo de ensino-
469

aprendizagem com objetivos primordiais de acesso e permanência nos cursos oferta-


dos na unidade escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo evidencia, por meio de seu referencial, os desafios globais que
envolvem a saúde mental no mundo: a escassez de estudos em saúde mental nos perí-
odos que antecedem e durante a pandemia de COVID-19; causas ou fatores estressores
que causam problemas de saúde mental, como renda, prevalência em grupos étnicos,
de gênero e diversidades culturais.
No que concerne à escolarização ou educação escolar, as respostas dos países ao
atenderem uma das necessidades básicas, que é a escolarização, têm impactos diferen-
tes, que estão relacionados: às condições de acesso e permanência ao modelo de edu-
cação online, inacessível para parte da população global; e às necessidades de políticas
públicas que contemplem as demandas individuais e coletivas.
Para tanto, são necessárias ações governamentais e institucionais para o enfren-
tamento dos impactos socioemocionais durante o período pandêmico e pós-pandemia,
e os recursos tecnológicos não podem ser definidos como fim para a educação ou como
meio para segregar grupos sociais que têm acesso a recursos tecnológicos daqueles
que não possuem.
É possível, por meio de recursos tecnológicos, a coleta e o uso das informações pa-
ra que se multipliquem conhecimentos coletivos de enfrentamento às desigualdades
no ambiente escolar e se amplie a mobilização de competências pessoais e profissio-
nais, para o atendimento das necessidades do público, como descrito pelo relato de
experiência de uma escola técnica estadual que tornou um recurso institucional em
ações coletivas de sensibilização, provendo, assim, as relações de pertencimento e hu-
manização da educação em tempos de pandemia.

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474

Índice remissivo

Acessibilidade: 39, 43, 44, 63, 64, 68, 69, 71-77, 107, 135, 166, 169, 175, 176, 429, 439, 447, 463, 464
- Acessibilidade linguística: 89
Android: 107, 447, 451, 464
Aplicativo(s): 40-46, 58, 81, 84, 85, 91, 97, 99-102, 107-111, 113, 116, 138, 140, 153, 175, 248, 365, 412,
413, 419, 420, 433, 446-453, 465
- Aplicativo móvel: 43, 44, 412, 433
Aprendizagem: 152, 182, 183, 199, 200, 205, 207, 225-229, 240-242, 259, 267, 291, 302, 307, 308, 311,
315, 317, 327, 331, 332, 334, 342, 348, 354, 356, 366, 368, 376, 458, 459, 463, 464
- Alterações, déficits, dificuldades, problemas de aprendizagem: 33, 70, 86, 90, 109, 201, 205,
225, 241, 317, 376, 463
- Aprendizagem de máquina: 151, 152, 159
- Estratégias de aprendizagem: 97, 230
- Ferramentas de aprendizagem: 107
- Processo(s) de aprendizagem: 51-53, 66, 67, 200, 228, 239, 241, 254, 317, 328, 331-333, 348, 372,
373, 375
Árvore de decisão: 151-159
Autismo: 37-42, 96-99, 103, 107, 127, 130-132, 104, 205, 298, 313, 318, 364, 387-389, 394-396, 400
Avaliação neuropsicológica: 52, 81, 85, 86, 88, 90, 91, 135, 147, 155, 159
Cérebro em desenvolvimento: 270
Comunicação alternativa: 96, 98-100, 167, 381, 386, 390
Condutância: 301, 325, 327, 328, 330, 334
COVID–19: 116, 132, 165, 171,175, 192, 211, 219, 316, 317, 433, 460-468
Cuidados de saúde: 109, 218
Deficiência intelectual: 32, 33, 44, 97, 137, 224, 241, 264, 318, 368, 386
Desenho Universal para Aprendizagem: 66
Desenvolvimento infantil: 88, 107, 121, 198, 266, 267, 269, 296, 451, 453
Design instrucional: 63-65, 75, 77
Diagnóstico dimensional: 277
Dislexia: 43, 44, 316, 317, 319, 371, 372
Distúrbios do desenvolvimento: 115, 228, 294, 298, 366, 368, 376, 390
Ecossistema: 27, 64, 67, 78
Educação em saúde: 185, 247, 446, 451-453
Educação especial: 41, 45, 226
Eletrocardiografia: 301, 325, 328
Eletroencefalografia: 186, 193, 203, 265, 282, 283, 294, 299, 306-310, 317
475

Emoções: 99, 227-232, 268, 314, 326-335, 364, 386, 389, 396, 398-401, 459
Ensino-Aprendizagem: 32, 34, 46, 64, 66, 240, 291, 296, 302, 335, 463, 468
Esforço cognitivo: 334, 372, 375, 376, 385
Espectroscopia funcional por infravermelho próximo: 260, 274-276, 280, 290, 291
Estimulação Magnética Transcraniana: 340-342, 345
Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua: 340-342
Estratégias de ensino: 65, 97
Eye-tracking: 368, 369, 380, 386-390
Ferramentas tecnológicas: 41, 51, 54, 121
Funções executivas: 53, 54, 59, 136-138, 155, 158, 198-200, 205, 207, 233, 240-243, 253, 254, 267, 298,
316, 317, 350, 351, 356, 375
Gestação de risco: 444, 446-452
Habilidades sociais: 109, 200, 205, 206, 228, 234
Hemodinâmica cerebral: 260, 265, 293, 295, 296
Informática em saúde: 430-432, 436-438, 440
Inteligência: 33, 88, 155, 203, 206, 242
- Testes de inteligências: 366, 368, 369, 376
iOS: 107, 138, 413
Jogos digitais: 47, 51, 54, 58, 181, 182, 198, 227, 243, 247
Jogos eletrônicos: 181, 182, 198-200, 225-228, 234, 235
Jogos em saúde: 184
Jogos sérios: 179-183, 187, 190-194, 199-203, 240-245, 248-250, 254, 255
Leitura: 44, 45, 84, 87, 88, 110, 122, 176, 203, 205, 233, 240, 316, 369-376
Linguagem: 41, 85, 95, 107-109, 116, 102-123, 127, 137, 168, 170, 205, 231, 242, 294, 316, 318, 351
- Alterações, Atraso, Déficits, Distúrbios de linguagem: 86-88, 108, 109, 120, 167, 318, 319, 396
- Aquisição de linguagem: 87, 88, 98, 108, 228
- Desenvolvimento de linguagem: 83, 86, 90, 97, 109, 317
- Estimulação de linguagem: 27, 106
- Intervenção de linguagem: 108, 120, 122, 131
- Linguagem receptiva: 89
Machine learning: 151, 276, 412, 441
Mobile: 38, 110, 111, 113, 244, 247, 249, 251, 252, 412, 413
Neuroimagem: 260, 264, 275, 280, 282, 283, 285, 286, 291-295, 302, 207, 308, 319, 320, 341
Neuromodulação: 341-343, 348, 351-357
Paralisia facial: 409, 410, 417, 419, 421
Pares mínimos: 122, 123, 127, 128, 131
Pessoas com deficiência: 81, 163, 165, 386
476

Prematuridade: 389-395, 445-451, 453


Primeira infância: 109, 121, 204, 205, 242, 259, 270, 381
Processos cognitivos: 59, 136, 199, 229, 279, 307, 308, 312, 313, 315, 318, 320, 327, 328, 341, 345, 348,
350, 351, 356, 366, 368, 369, 373, 385, 386
Prontuário Eletrônico do Paciente: 185, 214, 427, 430, 439
Raciocínio: 85, 205, 229, 344, 366, 368
Reabilitação: 81, 83, 109, 122, 168, 169, 171, 184-194, 211-216, 219, 409-419, 421
- Reabilitação cognitiva: 184
- Reabilitação facial: 412-419
- Reabilitação neuropsicológica: 198, 207
Realidade Virtual: 52, 182, 184-188, 193, 212-216, 232, 412, 413
Reconhecimento facial: 135, 205, 298, 318, 411, 420
Recursos digitais: 47, 198
SELI: 64, 67-69, 71, 77
Síndrome de Rett: 381, 386, 387
Sistemas de Informação em Saúde: 427
Surdez: 82-88
TDAH: 51-59, 151-159, 198-204, 240-243, 267, 275-280, 283-286, 294, 316
Tecnologia assistiva: 81, 83, 84, 90, 165-168, 176, 226, 227, 235
Teleatendimento: 165, 171-175, 211
Transtorno do Espectro do Autismo: 107, 122, 135, 198, 224, 226, 241, 294, 313
Transtorno Específico de Aprendizagem: 371
Transtornos do neurodesenvolvimento: 138, 198-200, 204, 207, 224, 264, 280-282
Videogame(s): 51, 54, 55, 58, 135, 182, 199-203, 206, 212-215, 217-219, 226, 233, 240, 243, 428

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