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BACHARELADO EM ENFERMAGEM – 6º PERÍODO- 2023/2- ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM EM SAÚDE COLETIVA II
TEXTO AULA INTRODUÇÃO – DIAGNÓSTICO DA COMUNIDADE
No que se refere ao direito da população à saúde integral e no cumprimento dos princípios e diretrizes do SUS, muito tem sido realizado por parte de todos os serviços e profissionais que compõem o sistema de saúde brasileiro, contudo ainda são vários os desafios para garantir o que preconiza a Constituição Federal de 1988. Neste contexto podemos contar com a Política Nacional de Atenção Básica e a Política Nacional de Vigilância em Saúde como diretrizes para a integração entre as ações no enfrentamento desses desafios por proporcionar a melhoria dos processos de trabalho com vistas à eficiência, efetividade e qualidade das ações propostas. Vamos pensar sobre estratégias de integração relacionadas à organização no território e ao processo de trabalho das equipes que atuam na Atenção Básica com o objetivo maior de possibilitar uma nova prática de vigilância e atenção básica com foco no cuidado ao indivíduo, a família e considerando o ambiente que os rodeia. No dia a dia, gestores e profissionais das áreas da AB e da VS se deparam com uma série de dificuldades e problemas de saúde no território, que poderiam ser enfrentados com ações conjuntas dessas áreas. A territorialização e a definição do território como responsabilidade de cada equipe estão entre as diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). O processo de territorialização deve ser considerado um meio operacional para o desenvolvimento do vínculo entre os serviços de saúde e a população, permitindo aproximação para o entendimento dos problemas e necessidades de saúde do território. É imprescindível que, além da definição do território de responsabilidade de cada equipe por parte da gestão (recomendação do parâmetro populacional de 1 equipe para 2000 a 3500 pessoas), as equipes conheçam o seu território de atuação e programem as ações de acordo com o perfil de morbidade e mortalidade, e as necessidades da comunidade, considerando diferentes elementos para a cartografia, como os fatores ambientais, históricos, demográficos, geográficos, econômicos, sanitários, sociais, culturais, etc. Ademais, vale ressaltar a importância de refazer ou atualizar a territorialização sempre que necessário, considerando que o território é vivo e dinâmico. MAS QUE TERRITÓRIO É ESSE QUE SE FALA? Para Milton Santos (2003), a utilização dos conceitos de espaço e território permitiu disparar uma transformação no modelo de atenção, antes centrado na doença, para focar nos determinantes sociais e nas condições de saúde. A apropriação social do espaço pode produzir territórios e territorialidades propícias à disseminação de determinadas enfermidades. Os usos e as funções de cada recorte espacial podem conformar perfis territoriais que revelam as condições de acesso aos serviços de saúde, exposição a fatores de risco, exclusão socioespacial, entre outros fatores determinantes das situações de saúde em grupos sociais. O mapeamento do espaço de vida induz a implementação de práticas planejadas de saúde, orientadas pelos problemas e necessidades da comunidade, contribuindo para a execução de ações que busquem a superação das complexas desigualdades existentes, relativas à cobertura, ao acesso, à resolubilidade e à qualidade na atenção à saúde. Seguindo na mesma linha de pensamento, Monken & Barcellos (2015) trazem que o território deve ser considerado não só como um espaço geográfico, mas também social e político, e que este se encontra em permanente transformação, onde vivem grupos sociais definidos, em que se integram e interagem as condições de trabalho, de renda, de habitação, de educação, o meio ambiente, a cultura e as concepções acerca da saúde e da doença. A territorialização tem, dentre suas premissas e pressupostos, a identificação com a comunidade a qual a equipe exerce seu papel de promotora de saúde. Tal estratégia norteia as ações de atenção, assistência e vigilância em saúde de acordo com as diversas realidades das comunidades das áreas de responsabilidades das equipes. Nesse sentido, ao se pensar em estratégias integradas de ação de AB e VS, é fundamental que os profissionais tenham conhecimento do seu território (determinantes e condicionantes da saúde individual e coletiva, população de risco, situações de risco sanitário, contextos locais cobertos pela ESF/AB, territórios indígenas, áreas de fronteira, áreas dispersas, etc) e que os processos de trabalho sejam organizados com vistas ao enfrentamento dos principais problemas de saúde-doença da comunidade, entendendo que as ações de VS devem estar incorporadas no cotidiano das equipes da atenção básica, auxiliando na percepção dos problemas de saúde e no planejamento das estratégias de intervenção para a promoção e proteção da saúde da população, a prevenção e controle de riscos, agravos e doenças e promoção da saúde. Para que haja uma efetiva integração das ações, é importante que os profissionais da AB trabalhem com a lógica de risco, utilizando a epidemiologia como ferramenta para mapear vulnerabilidades do território, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos, bem como riscos à saúde decorrentes do ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde. Um exemplo da importância de se conhecer o território para atuação nos principais problemas de saúde da comunidade é o caso região Amazônica que concentra mais de 99% dos casos de malária do Brasil e a atuação integrada da VS com a AB é fundamental para o controle da doença, proporcionando a assistência ao paciente no diagnóstico e tratamento oportuno, incluindo as gestantes que são consideradas um grupo de risco, no qual a infecção por malária pode causar alta morbidade e mortalidade materna, infantil e fetal; e a população de áreas indígenas e quilombolas, cujo processo de trabalho é diferenciado, devido às especificidades logísticas, territoriais e epidemiológicas. O mapeamento de riscos e vulnerabilidades do território circunscrito a uma UBS deve basear a classificação e estratificação de risco, analisando os riscos individuais e coletivos de cada família que deve envolver a análise do perfil epidemiológico, a identificação do perfil sociodemográfico da população e o perfil das atividades econômicas existentes no território, bem como os riscos advindos dessas atividades. Deve considerar, ainda, a sazonalidade de doenças, os ciclos produtivos, os ciclos de vida, a ocorrência de surtos, as epidemias ou eventual situação de emergência em saúde pública, e os vazios sanitários no que se refere à oferta de serviços e à capacidade instalada, mensurando os e quantificando-os, no sentido de compor microáreas com distribuição de recursos humanos, financeiros ou de atenção necessários, atentando- se ao nível de vulnerabilidade. No contexto da ESF, o mapeamento constitui-se como uma ferramenta utilizada para o diagnóstico e planejamento de atividade de campo, promovendo a reflexão frente às diversas situações de saúde e a elaboração de intervenções coerentes com a problemática do território, no intuito de melhorar a qualidade da atenção à saúde (RIBEIRO et al., 2017). Ainda, configura-se uma estratégia de apoio à qualificação e gestão da informação no âmbito da AB e VS, uma vez que possibilita, a partir de uma dimensão espacial, monitorar e avaliar indicadores e informações em saúde no âmbito do SUS (PINTO; ROCHA, 2016). É responsabilidade de todos os profissionais da equipe participar do processo de territorialização e mapeamento da área de atuação da equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos e vulnerabilidades, devendo utilizar a reunião de equipe como um momento oportuno para a discussão, análise e realização do diagnóstico do território, cartografia, estratificação de risco, entre outras ações. É importante ressaltar que acolher e resolver, ou reduzir os danos dos agravos de maior relevância no território, não apenas organizando o processo de trabalho por ações programáticas, é uma forma de garantir equidade no atendimento e ampliação do acesso da população aos serviços de atenção básica. Dessa forma, é preciso ainda destacar a importância do acolhimento e orientações relacionadas ao cuidado das pessoas em situação de vulnerabilidade e seus contatos, tais como pessoas em situação de rua; pessoas em uso de álcool, tabaco e outras drogas; pessoas privadas de liberdade; pessoas vivendo com HIV; e os povos indígenas. Essas pessoas precisam de cuidados em saúde mais articulados, com estabelecimento de vínculo para possibilitar um cuidado humanizado, de forma que a pessoa seja compreendida sem julgamento e com respeito, no intuito de garantir o direito à atenção integral à saúde com equidade. É fundamental a utilização de estratégias para articulação e trabalho conjunto, dentro e fora da unidade de saúde, intra e intersetorial, dada a determinação social de alguns agravos e doenças, sendo importante a participação de diversos setores da saúde, assistência social, sociedade civil, habitação, saneamento, educação e trabalho (BRASIL, 2012). A ausência de documentos de identificação (documentação civil) é outro aspecto que deve ser ponderado, visto que é muito comum entre as pessoas em situação de rua, não devendo ser uma barreira de acesso às ações e serviços de saúde. Para tanto, o Cartão Nacional de Saúde deve ser considerado como documento de identificação, assegurando acesso da população em situação de rua aos procedimentos disponíveis no SUS (BRASIL, 2017). COMO POSSO IDENTIFICAR RISCOS E VULNERABILIDADES NO TERRITÓRIO? O conhecimento do território pode ocorrer pela proximidade dos profissionais das equipes com o cotidiano das famílias, pois o vínculo formado entre os profissionais e população deve ser um facilitador desse processo. O Agente Comunitário de Saúde (ACS) é um profissional que possui uma visão privilegiada deste cotidiano, uma vez que faz o exercício de olhar as situações “de dentro”, como morador/trabalhador da mesma comunidade, e “de fora”, como profissional de saúde, pode trazer as informações referentes à realidade e também às necessidades de saúde da comunidade onde atua, contribuindo para o diagnóstico e no planejamento das ações e em momentos de educação permanente. Existem alguns instrumentos específicos que auxiliam na coleta e sistematização das informações por meio da estratificação, que significa agrupar, segundo uma ordem ou um critério. A Escala de Coelho e Savassi é um instrumento que auxilia na avaliação do risco de vulnerabilidade familiar, principalmente social, e se baseia em sentinelas de risco que devem ser avaliadas pela equipe de saúde, em especial pelos ACS por estarem mais próximos às famílias e realizarem visitas domiciliares. É importante para identificar a visão dos membros da família e os aspectos que revelem dificuldades, conflitos e potencialidades que permitam a classificação da situação de risco. A PNAB reforça que a Atenção Básica deve ser a principal porta de entrada ao sistema de saúde e ser ofertada integral e gratuitamente a todas as pessoas, de acordo com suas necessidades e demandas do território, considerando os determinantes e condicionantes de saúde. É proibida qualquer exclusão baseada em idade, gênero, raça/cor, etnia, crença, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, estado de saúde, condição socioeconômica, escolaridade, limitação física, intelectual, funcional e outras. Para isso, é importante adotar estratégias que permitam minimizar desigualdades/iniquidades, de modo a evitar exclusão social de grupos que possam vir a sofrer estigmatização ou discriminação, de maneira que impacte na autonomia e na situação de saúde. Outras informações importantes sobre os riscos sanitários presentes no território, sobretudo aqueles decorrentes da produção e circulação de produtos e de serviços de interesse à saúde, também podem ser obtidas junto às equipes de vigilância sanitária das secretarias municipais de saúde, de modo a compor o mapa de risco dos territórios trabalhados pelas equipes da Atenção Básica.