Suplemento do Patrimnio

Mensal Ano 13 N. 97 distribuio gratuita Revista Municipal

A igreja de So Joo Evangelista de Covas

Elsa Silva * e Cristiano Cardoso **
APONTAMENTOS HISTRICOS Erguendo-se pela encosta do Monte do Amparo, Covas alcana visualmente uma grande parte do vale do Mezio, capturando com clareza a peculiar orografia desta parte do concelho de Lousada. A partir de qualquer ponto da encosta, que sucessivamente nos eleva desde a matriz, passando pela capela de N. S. do Amparo, at ao imponente Sagrado Corao de Jesus, possvel perscrutar o sinuoso curso do Mezio (esse mesmo, que cremos do homizio) e uma cadeia de pequenos montes que enquadra e limita naturalmente o vale. (Fig. 1) Por se implantar na parte elevada da freguesia esta igreja no teve grande necessidade de se impor em altura. uma construo baixa, ajustada escala humana, despretensiosa. Nas Inquiries de 1220 esta freguesia surge com a denominao de S. Joo de Sousela, fazendo crer numa relao territorial e religiosa com a de Santa Maria de Sousela e a extinta de So Salvador de Moreira de Sousela. Por esta altura a Ordem do Hospital j possua aqui sete casais, mas no menciona de onde os obtivera (Portugaliae..., 1887:72, 164, 207 e 260). No livro III das Inquiries de 1258 referido pelos diversos jurados que a Igreja de Sancti Johannis de Covis era da Ordem do Hospital, que a tiveram de D. Gonalo de Sousa e que a apresentao do proco pertencia ao arcebispo de Braga. Por esta poca o Hospital j detinha 15 casais nesta freguesia obtidos quer atravs da doao de D. Teresa Gonalves de Sousa, quer por compra a D. Vasco Mendes de Sousa, neta e filho, respectivamente do conde D. Mendo, o Souso (Lopes, 2004:211 e 212).
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Fig.1 - Vista da fachada da igreja.

Pela leitura das Inquiries parece entender-se que Covas foi honra de Souses e que a sua igreja ter sido da fundao desta estirpe. Durante o sculo XIII a Ordem do Hospital aportou ao seu patrimnio os casais que viriam a constituir a comenda, assim como os direitos de padroado e sobre as rendas. Debate-se na freguesia acerca da localizao de uma igreja que antecedeu a actual. Circula na memria popular a convico da existncia de um templo primitivo nas proximidades da casa de Fontebela (antiga casa de Pegas) (v. Fernandes, 2007:54). Esta tradio de associar umas pedras faceadas existentes na cozinha da velha casa de Pegas construo que, num passado remoto, ter servido de igreja, j tinha sido aflorada pelo padre Peixoto, sem contudo acres-

centar mais dados que a suportassem (Jornal de Lousada, 1914:1). No seria, no entanto, indito o derrube total de uma velha igreja para, no mesmo lugar, se construir novo templo, aplicando-se os materiais dos escombros (madeiras, cantaria, etc.) em edificaes vizinhas. A escassez de dados com relevncia histrica no nos permite assegurar uma localizao diferente de uma conjectural igreja antiga. A mesma circunstncia tambm no nos deixa afastar por completo essa hiptese. Contudo, relativamente aos locais de implantao das igrejas matrizes, consideramos que muito dificilmente se abdicava do solo sagrado ocupado por um antigo templo. E, nas situaes raras em que tal acontecia, o espao anteriormente ocupado por uma igreja era mantido com estatuto consagrado, atravs da converso da igreja em capela, da ereco de um cruzeiro ou pela manuteno do espao livre de utilizao leiga. Em nosso entender a igreja de Covas, desde a sua fundao por D. Gonalo de Sousa, esteve sempre implantada no mesmo local. Outra questo totalmente diferente e que no pode ser confundida a sua construo, ou seja, o seu edifcio. Obviamente que este edifcio que actualmente se pode observar nada tem a ver com aquele que existiu na Idade Mdia, nem sequer com aquele que serviu a comunidade at, pelo menos, a primeira metade do sculo XVII. De meados do sculo XVII, precisamente, chegou at ns um importante documento que pode trazer mais perspicuidade a este assunto. Em 1645 realizou-se o tombo dos bens da Comenda de Santa Eullia da Or-

Tcnica Superior de Histria de Arte. RR. Tcnico Superior de Cincias Histricas. CML.

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dem (de Malta) que inclua propriedades e direitos em vrias freguesias entre as quais se contava a de Covas. Neste tombo fez-se uma breve descrio e medio da igreja, da residncia e dos passais. Vejamos o que diz o texto: Esta igreja de Sam Joam de Covas tem no altar maior a imagem de Sam Joam Baptista, e tem mais dous altares coleterais e sua sancrestia e seu cuberto a porta e hum sino, e tem de comprido de nasente a poente esta igreja quinze varas e de largo de norte a sul quatro e meia, est cituada no meio do adro, e parte este adro do nasente poente e sul com as cazas de rezidenia e passais della e do norte com o caminho fora, est tapado sobresi e tem de comprido de norte a sul vinte e quatro varas, e de largo de nasente a poente vinte e duas Fig. 2 - Planta elaborada em 1928. Fonte: ACMF.CJBC. Proc.12132. (Tombo..., 1645:fl.189v). Em to breves palavras respiga-se muita informao importante. A igreja o foi verdadeiramente infeliz. Esta mas, o estilo Barroco, apesar de muide Covas j possua uma sacristia organizao espacial muito pouco deto tmido, pois denota-se, principalmen(diviso pouco comum em igrejas ruver ter mudado desde o sculo XVII te pelo seu vocabulrio ornamental, rais da poca), tinha cabido em frente at aos finais do sculo XX, exceptuser um edifcio muito preso arqui porta principal e um sino (muito proando-se a orientao da igreja e a tetura Ch, ou seja, uma arquitetura, vavelmente a sobrepujar a empena da construo do cemitrio. de volumes simplificados, ornamenfachada). Estava orientada canonicatao pontual, passando uma imagem mente, isto , a fachada voltada a ANLISE ARQUITETNICA bastante depurada e simples. poente e a capela-mor a nascente, E ARTSTICA Espacialmente composta por planta medindo 16,5m x 4,95 (1 vara = 1,1m). A Igreja Paroquial de So Joo Evanrectangular, de nave nica e capelaO adro onde estava implantada congelista de Covas encontra-se implanmor tambm rectangular. Organizada frontava de todas as partes com a tada em terreno inclinado, sobre plapor volumes escalonados com coberresidncia e passais, excepo do taforma artificial de planta ovalada, turas diferenciadas, sobressaem os norte em que confrontava com o casustentada por muros em alvenaria dois volumes adossados fachada minho. rebocada e pintada de branco, com lateral direita, que correspondem ao Durante a segunda metade do sculo acesso lateral, acessos frontal e posespao da Sacristia e arrumos. XVII construiu-se uma igreja nova, terior por escadaria que vence o desNo seu todo, o templo caiado e redemolindo-se a pr-existente. A orinvel. O adro encontra-se parcialmenbocado de branco, soluo muito prentao do templo foi completamente te alcatroado, com calada na zona pria e utilizada na arquitetura da poalterada, ficando a fachada voltada junto igreja1. ca Moderna. para sul, para o vale. A exiguidade do Pelas suas caractersticas arquitetFormalmente a sua fachada principal adro imps muitas limitaes a esta nicas ser uma construo ainda do composta por portal de linhas recnova construo, ficando a porta prinsculo XVII. No entanto, ainda revela tas, sem qualquer motivo decorativo. cipal a abrir para uma ribanceira. No pormenores que nos indicam a utilizaNo mesmo eixo de simetria introduprocesso de restituio dos bens o deste templo em pocas anteriozido um pequeno culo, que juntamenfbrica da igreja de Covas em 1928 res. O seu edifcio, no sendo de grande te com as frestas presentes, nas faencontra-se uma planta (Fig. 2), desamplitude consegue atingir a sua imchadas laterais, nos remetem para se mesmo ano, que d uma perspecponncia devido sua localizao gepossveis reutilizaes de elementos tiva nica da organizao do espao ogrfica, ou seja, encontra-se implananteriores reconstruo do templo antes das obras que resultaram na tada numa zona alta da freguesia. seiscentista. O remate feito por emdemolio da residncia e da casa da A Igreja Paroquial de So Joo Evanpena triangular, o qual sobrepujado junta de parquia para a construo gelista de Covas um exemplo de ao centro por uma cruz latina em pede um salo paroquial, cuja localizaarquitetura que invoca nas suas fordra e pinculos em forma piramidal.
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[Em linha]. [Consult. a 08.04.2012]. Disponvel em http://monumentos.pt/Site

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No seu conjunto a fachada principal delimitada por cunhais bastante pronunciados, tambm em pedra, encontrando-se atualmente caiados. Ainda neste espao evidencia-se o volume correspondente torre sineira. Esta formada por dois registos, sendo de destacar a sua cobertura em coruchu de forma bolbosa. Nas extremidades esta rematada por pinculos e ao centro por cruz. Pelas suas caractersticas formais, esta ter sido reformulado no sculo XIX, pois o seu corpo corresponde a uma construo seiscentista, mas a sua cobertura e remates tero sido uma reforma do sculo XIX. Nas fachadas laterais da nave, destacam-se os vos de iluminao estreitos, muito poucos caractersticos das construes da poca moderna, que normalmente recorriam utilizao de grandes janeles, para a intensa iluminao no interior. Na fachada lateral direita, onde foram acrescentados dois volumes, temos um portal de acesso igreja e as escadas de acesso torre sineira. A fachada lateral esquerda tambm composta por dois vos de iluminao e por portal de linhas retas, simplificadas. O volume correspondente capelamor composto por dois vos de iluminao retangulares, dispostos lateralmente. A parede fundeira no apresenta qualquer tipo de vo, terminando em empena triangular e rematada nas extremidades por pinculos em forma piramidal e ao centro por cruz latina em pedra. O interior da igreja, apesar de muito adulterado por obras do sculo XIX e XX, impe-se por ser um espao onde se percebe o espirito Barroco do sculo XVII/XVIII. No seu conjunto destaca-se o altar-mor (Fig. 3), que segue os parmetros formais e ornamentais do Barroco Nacional. uma pea em madeira, dourada e pintada e encontra-se muito bem documentada pelo contrato celebrado entre o entalhador, Pedro Coelho, e o cliente, Confraria do Santssimo de S. Joo de Covas, em Julho de 1696. Saliente-se que o proco da freguesia, Padre Joo de Almeida, financiou a obra na quantia de 100 000 ris (custo total do entalhamento).

Fig. 3 - Altar-mor.

A escritura, do referido documento, tambm refere alguns dos elementos estipulados para o retbulo, como seja a incluso das imagens de S. Joo Evangelista e S. Joo Baptista no soco das colunas do meio, com os respetivos atributos caractersticos. Pedro Coelho, residente em Guimares, assume o seu trabalho de entalhamento, com discriminao das tarefas, responsabilizando-se pela concluso do retbulo, no ano seguinte, em 1697. O douramento do retbulo ter sido efectuado antes de 24 de Outubro de 1700, altura em que num contrato para a Igreja de Freamunde se menciona que o douramento desse retbulo devia ser de ouro subido, como est o retbulo de S. Joo de Covas. Contrato esse que cita o pintor Joo de Sousa como autor responsvel, entendendo-se, por isso, que tambm ter sido ele a dourar o retbulo de S. Joo de Covas. Este retbulo, em talha dourada e pintado na zona das colunas, definido espacialmente, por trs eixos compostos por colunas torsas, ornamentado por motivos figurativos e fitomrficos. O seu remate composto por arquivoltas torsas, criando molduras decoradas com acantos e pequenos anjos. Os plintos das colunas que constituem o altar, possuem figuras em relevo, representando, no lado do Evangelho, o Orago, So Joo Evangelista, e, no oposto, So Joo Baptista.

Ao centro, o altar composto por tribuna de volta perfeita, sobressaindo o trono expositivo de cinco degraus. ladeada por msulas onde esto presentes duas imagens, uma do Padroeira, So Joo Evangelista (Fig. 4) e uma alusiva a So Joo Baptista. Actualmente, a base e parte do corpo central do retbulo-mor, nitidamente um acrescento que corresponde a uma obra do sculo XIX, de cariz neoclssico, e a um restauro. Neste espao evidencia-se, o sacrrio, encimado por falsa cpula dourada e com a porta decorada por elementos eucarsticos. A ladear o altar, encontramos portas de acesso tribuna, a qual possui vestgios de reboco, indicando a existncia primitiva de pintura. Ao centro da capela-mor, encontramos a mesa de altar rectangular, sustentada por colunas com motivos fitomrficos. Ainda no espao da capela-mor, chama ateno do espectador a cobertura em madeira pintada (Fig. 5). Ao centro executou-se a imagem do Padroeiro, So Joo Evangelista, emoldurado por uma composio com diversos motivos vegetalistas, fitomrficos, enrolamentos e acantos. O seu fundo delimitado por uma barra vermelha e pintado de forma a imitar o mrmore. O seu conjunto demonstra uma gramtica compositiva muito prpria do tardo-barroco, mas j com in-

Fig. 4 - Escultura do Padroeiro So Joo Evangelista. municpio de lousada - maio 2012

Fig. 5 - Pormenor do tecto da capela-mor.

dcios do estilo neoclssico, como se verifica na utilizao de mascares. A separar o espao da nave do espao da capela-mor, abre-se o arco cruzeiro de volta perfeita. coroado por sanefa em talha dourada e pintada. No espao da nave, esto expostos dois altares colaterais do sculo XX. O altar colateral esquerdo (Fig. 6), de ofcio bracarense, foi uma oferta da Ex.ma Senhora D. Maria da Conceio Bacelar, com data de abril de 1956. um altar dedicado ao Sagrado Corao de Jesus, em talha dourada e pintado de branco. Apresenta ao centro a imagem do Sagrado Corao de Jesus e lateralmente sobre msulas, as imagens de Santo Antnio e So Jos. O altar colateral direito segue os parmetros formais do altar colateral esquerdo, tambm realizado por uma oficina bracarense. dedicada a Nossa Senhora de Ftima, escultura visvel no centro do altar. Lateralmente so apresentadas as imagens que

representam o Menino Jesus e o Mrtir So Sebastio. Uma inscrio testemunha a oferta deste retbulo por D. Laura e D. Albertina Marnoco e Souza em Abril de 1956. Nos alados laterais da nave, subsistem as bases de plpitos que outrora existiram na Igreja. Atualmente tm a funo de altares. Numa das bases est exposta uma imagem que representa, um episdio da Paixo de Cristo, a Flagelao de Cristo, tambm conhecido por Cristo na Coluna. Esta escultura em madeira encontrava-se numa das Capelas dos Passos que a freguesia teve. Na base oposta encontrmos uma escultura de expresso marcante que representa Nossa Senhora das Dores (Fig. 7). Ainda neste espao, temos a representao da Crucificao de Cristo, escultura em madeira, pro-

vavelmente proveniente, de uma das capelas dos Passos, anteriormente mencionada. O interior da igreja de Covas rebocado e pintado de branco, com cobertura de cinco panos apainelados. Coro-alto em placa de beto assente em msulas e com guarda torneada em madeira, com acesso por porta, atravs da torre sineira. No incio da nave, do lado do Evangelho, abre-se um nicho, onde se encontra o Baptistrio. A igreja de So Joo Evangelista de Covas um imvel que evidencia vrias vivncias e gostos artsticos de vrias pocas (sculos: XVII/XVIII/XIX/ XX). Apesar das caractersticas Barrocas que patenteia, temos que ter em conta as vrias reformas que a igreja sofreu e que alteraram profundamente a ambincia Barroca.

Fig. 6 - Altar colateral esquerdo.

Fig. 7 - Escultura de Nossa Senhora das Dores.

Fontes e Bibliografia:
Arquivo Contemporneo do Ministrio das Finanas. Comisso Jurisdicional dos Bens Cultuais. Entrega de bens ao abrigo do Dec. 11887. Proc. 12132, L. 13, Fl. 428. Arquivo Distrital do Porto. Fundo Monstico. Comenda de Santa Eullia da Ordem. Livro 4. do Tombo. BRANDO, D. de P. (1984) Obra de talha dourada, ensamblagem e pintura na cidade e na Diocese do Porto - Documentao, vol. I (sculos XV a XVI). Porto: Diocese do Porto. CAPELA, J. V., BORRALHEIRO, R. e MATOS, H. (2009) - As freguesias do distrito do Porto nas Memrias Paroquiais de 1758. Braga: Ed. autor. FERNANDES, L. A. (2007) Covas: viagem na histria. Lousada: EB1 Monte Sines. LOPES, E. T. (2004) Lousada e as suas freguesias na Idade Mdia. Lousada: Cmara Municipal. Portugaliae Monumenta Historica. Inquisitiones. Vol. 1. Lisboa: Typis Academicis, 1887. SILVA, J. H. S., CALADO, M (2005) Dicionrio de termos de Arte e Arquitectura. Lisboa: Editorial Presena.

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