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VIII CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE

A DIVERSIDADE SEXUAL E DE GNERO:


ABEH E A CONSTRUO DE UM CAMPO DE PESQUISA E
CONHECIMENTO:DESAFIOS E POTENCIALIDADES DE NOS RE-INVENTARMOS

Organizadores:
Anderson Ferrari (UFJF) | Roney Polato de Castro (UFJF)

O conselho editorial

Alexsandro Rodrigues (UFES) Leandro Colling (UFBA)


Anderson Ferrari (UFJF) Ludmila Mouro (UFJF)
Andr Sidnei Musskopf (Faculdades EST) Marcelo Tavares Natividade (UFC)
Berenice Bento (UFRN) Marcio Caetano (FURG)
Bruna Andrade (UFJF) Marcos Lopes de Souza (UESB)
Cludia Lahni (UFJF) Maria Rita Csar (UFPR)
Claudia Maria Ribeiro (UFLA) Mrio Lugarinho (USP)
Constantina Xavier Filha (UFMS) Paula Ribeiro (FURG)
Daniela Auad (UFJF) Paula Sandrine Machado (UFRGS)
Djalma Thrler (UFBA) Paulo Csar Garca (UNEB)
Edvaldo Couto (UFBA) Priscila Dornelles (UFRB)
Eliane Borges Berutti (UERJ) Raquel Quadrado (FURG)
Emerson Incio (USP) Raquel Quirino (UFMG) -
Erica Souza (UFMG) Roney Polato de Castro (UFJF)
Ftima Lima (UFRJ) Rosalinda Carneiro (UFJF)
Fernando Pocahy (UERJ) Sandra Duarte de Souza (Universidade
Fernando Seffner (UFRGS) Metodista de So Paulo)
Jaqueline Gomes de Jesus Silvana Goellner (UFRGS)
Jamil Cabral Sierra (UFPR) Suely Messeder (UNEB)
Joanalira Magalhes (FURG) Wiliam Siqueira Peres (Unesp)
Joo Bsco Hora Gis (UFF) Wilton Garcia (UBC)
Juliana Perucchi (UFJF)
Anderson Ferrari
Roney Polato de Castro
(Organizadores)

2017
REALIZE EVENTOS CIENTFICOS & EDITORA LTDA.
Rua: Antenor Navarro; 151 - Prata - Campina Grande/PB | CEP: 58400-520
E-mail: [email protected] | Telefone: (83) 3322-3222

Sobre o ebook

Design da Capa Luiz Felipe de Oliveira Ramos


Projeto Grfico e Editorao Jefferson Ricardo Lima Araujo

C39 VIII CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOBRE A DIVERSIDADE


SEXUAL E DE GNERO: ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e
Conhecimento: desafios e potencialidades de nos re-inventarmos [Livro eletrnico].
Anderson Ferrari (UFJF) / Roney Polato de Castro (UFJF) (Organizadores).
Campina Grande: Realize Editora, 2017.
20000 kb. 1677 p.: il.

ISBN EBOOK 978-85-61702-44-1

1. Diversidade sexual. 2. Gneros. 3. Sexualidade. 4. Cibertecnologias da


sexualidade na sociabilidade online. 5. Parada LGBT. 6. Congresso.

21. ed. CDD 305.3


APRESENTAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

ARTEFATOS CULTURAIS, NARRATIVAS E CORPORALIDADES:


ABORDAGENS, TRANSGRESSES E RESISTNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

EDUCAO, POLTICAS, DIVERSIDADE SEXUAL E DE GNERO . . . . 403

GNEROS, SEXUALIDADES, MULTIPLICIDADES, (MICRO)


POLTICAS, PERFORMANCES E PRTICAS DISCURSIVAS. . . . . . . . . . . . . . 806

PSTER . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1415

RELATOS DE EXPERINCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1476


ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

APRESENTAO

Anderson Ferrari
Roney Polato de Castro

Este E-book resultado do VIII Congresso Internacional de Estudos sobre a


Diversidade Sexual e de Gnero que tinha como subttulo a provocao desa-
fios e potencialidades de nos (re)inventarmos. Assumimos que se trata de uma
provocao porque queremos tensionar o que vem sendo produzido como
campo dos estudos gays e Lsbicos, LGBTT ou queer, em suas diferentes arti-
culaes com os conhecimentos e movimentos sociais e polticos, entendendo
que este um espao de disputa, de luta e de construo coletiva que se d
no processo interminvel de olhar para os diferentes modos de se e estar no
mundo. Podemos dizer que estamos atravessando momentos de muitas mudan-
as, conflitos, transformaes, negociaes e confrontos que esto intervindo
na sociedade, na cultura, na sexualidade e nas maneiras de ver, pensar e lidar
com as diversidades sexuais e de gnero. Tudo muito perturbador se conside-
rarmos que muitas situaes, cdigos, identidades e modos de ser permanecem
sem mudanas apesar do franco crescimento da produo de conhecimento
que estamos atravessando. Da a provocao de acolher trabalhos que do for-
mas as subjetividades, as experincias e os atravessamentos entre produo de
conhecimento e sujeitos.
O VIII Congresso Internacional de Estudos sobre a Diversidade Sexual e
de Gnero, com o tema ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e
Conhecimentos: desafios e potencialidades de nos (re)inventarmos manteve
a periodicidade dos eventos bienais promovidos pela Associao Brasileira de
Estudos da Homocultura - ABEH.
A ABEH uma entidade sem fins lucrativos que tem como principal pro-
posta fomentar e realizar intercmbios e pesquisas sobre a diversidade sexual
e de gnero. Ela congrega professores/as, alunos/as de graduao e ps-gra-
duao, profissionais, pesquisadores/as, ativistas e demais interessados/as nas
temticas das sexualidades e gneros. De 1999 a 2001, Mario Csar Lugarinho,

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 6 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) at 2007 e, atualmente,


professor de Literaturas Africanas de Lngua Portuguesa da Universidade de
So Paulo (USP) e, in memoriam, Jos Carlos Barcellos, na poca professor de
Literatura Portuguesa da Universidade Federal Fluminense (UFF), organizaram,
em Niteri/RJ, trs encontros cientficos anuais em torno do tema Literatura e
Homoerotismo, a partir dos quais, em 2001, foi fundada a ABEH. Os encon-
tros de Niteri congregaram cerca de 70 pesquisadores doutores, brasileiros e
estrangeiros, com o objetivo de promover e difundir pensamentos crticos sobre
a diversidade sexual e de gnero. A partir daquele primeiro encontro entre os
pesquisadores da rea de Letras, na UFF, os incentivos aos estudos e s pesqui-
sas da temtica tiveram ascenso em diferentes reas de conhecimento, dando
visibilidade s expresses e discursos sobre as sexualidades e gneros no nor-
mativas/os no Brasil e no exterior.
A cada dois anos o Congresso Internacional de Estudos sobre a diver-
sidade sexual e de gnero da ABEH vem congregando pesquisadores(as)
brasileiros(as) e de outras nacionalidades, concretizando-se como oportuni-
dade de intercmbios e enriquecimentos para o trabalho cientfico. No seu VIII
Congresso Internacional, queremos fortalecer este compromisso, buscando reu-
nir um nmero significativo de trabalhos acadmico-cientficos e experincias,
que versem sobre diferentes reas do conhecimento em torno das discusses da
diversidade sexual e de gnero. Constituda por profissionais associados a ins-
tituies pblicas de ensino e pesquisa sediadas no estado de Minas Gerais, o
Estado recebe o evento da ABEH pela segunda vez, concentrando as atividades
na Universidade Federal de Juiz de Fora.

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 7 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ARTEFATOS CULTURAIS,
NARRATIVAS E CORPORALIDADES:
ABORDAGENS, TRANSGRESSES E
RESISTNCIAS

ISBN 978-85-61702-44-1
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

SUMRIO

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A CONSTRUO DA MASCULINIDADE


HEGEMNICA E SUA REPRESENTAO NOS COMICS NORTEAMERICANOS.. . 14
Jairo Barduni Filho

SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS. O CINEMA E A OPORTUNIDADE DE


PROBLEMATIZAES NA ESCOLA.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Jairo Barduni Filho

O SWING ON LINE: UM ESTUDO SOBRE O SEXLOG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30


Edson Vasconcelos

VESTIDO NUEVO: NOVAS PROBLEMATIZAES DE VELHOS PADRES DE


SILENCIAMENTOS DAS SEXUALIDADES INFANTIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Carla Silva Machado | Carolina Alves Magaldi

IDENTIDADES E IMAGINRIOS EM APLICATIVOS DE ENCONTROS GAYS. . . . . . . . 46


Venan Lucas de Oliveira Alencar

DESCONSTRUINDO ESTERETIPOS GAYS: ANLISE DE VDEO DO


CANAL PE NA RODA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Robson Evangelista dos Santos Filho | Mariana Ramalho Procpio

COMO ESQUECER: UMA REFLEXO SOBRE HOMOSSEXUALIDADE NO


CINEMA BRASILEIRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Yarle Ramalho dos Santos | Marcus Antnio Assis Lima

CENAS DE GNERO E SEXUALIDADE: BREVE LEVANTAMENTO


NA REVISTA NOVA ESCOLA E NO JORNAL O GLOBO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Raquel Pinho | Rachel Pulcino | Felipe Bastos

POR UM POUCO MAIS DE SAL: ALGUMAS LEITURAS


SOBRE A LESBIANDADE NOS UNIVERSOS DE CAROL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
Mariana Souza Paim

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 9 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

(RE)CONSTRUES DAS IDENTIDADES DE GNERO E


DAS CORPORALIDADES EM A PELE QUE HABITO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
Vivian da Veiga Silva | Ana Maria Gomes

INFLUNCIAS TECNOLGICAS E SUAS CONTRIBUIES NA


CONSTITUIO DE CIBERESPAOS LGBT EM UBERLNDIA (MG). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
Bruno de Freitas | Beatriz Ribeiro Soares

CURTO MACHO NO SIGILO: A HETERONORMATIVIDADE NO


GRINDR E NO SCRUFF EM POLOS CRIATIVOS DO RIO DE JANEIRO. . . . . . . . . . . . . 102
Diego Santos Vieira de Jesus

AS CIBERTECNOLOGIAS DA SEXUALIDADE NA SOCIABILIDADE


ONLINE DAS JOVENS ESTUDANTES NA CONTEMPORANEIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
Luza Cristina Silva Silva

PODER SIMBLICO E POLITIZAO: A VISIBILIDADE DAS


MASCULINIDADES NO FILME MILK.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
Jos Guilherme de Oliveira Freitas | Leticia Calhau Freitas
Leyse Monick Frana Nascimento

MULHERES PIONEIRAS NA TECNOLOGIA DA INFORMAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125


Daniela Teixeira Rezende | Raquel Quirino

LINGUAGEM E PRAZER ATRAVS DA QUARTA-PAREDE VIRTUAL:


PROCESSOS DE CONSTRUO IDENTITRIA EM PERFORMANCES
DISCURSIVO-SEXUAIS NA REDE SOCIAL ADULTA CAM4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Eduardo Espndola Braud Martins

VELHOS E VELHICES EM LAMPIO DA ESQUINA E SUI GENERIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144


Fbio Ronaldo da Silva

PARA FAZER PENSAR E ENTRETER: A PRODUO DE CORPOS,


SUJEITOS E MASCULINIDADES HOMOSSEXUAIS NA REVISTA JUNIOR. . . . . . . . . . 152
Filipe Gabriel Ribeiro Frana

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 10 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

GNERO E SEXUALIDADE: A CONSTRUO DE SUBJETIVIDADES


GAYS NA REVISTA G MAGAZINE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
Gerferson Damasceno Costa

CUERPOS EN CONSTRUCCIN: REPRESENTACIONES DE HOMBRES


GAY EN LA LITERATURA SALVADOREA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
Amaral Palevi Gmez Arvalo

CONTATOS EFMEROS SEM AMANH: VOZES MARGINAIS, CORPOS


VENDIDOS E PERFORMANCES SEXUAIS NEGOCIADAS NA FICO
CURTA HOMOERTICA DE GASPARINO DAMATA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
Dorinaldo dos Santos Nascimento

ALISON BECHDEL E A DESCOBERTA DE SI EM FUN HOME . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185


Francine Natasha Alves de Oliveira | Luciana Freesz

SEM-VERGONHICES, DISCARAES E SAFADEZAS


NA OBRA DE MARCELINO FREIRE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
Helder Thiago Maia

PERFORMATIVIDADE DE GNERO EM O PRIMEIRO HOMEM MAU . . . . . . . . . . . . . . . 202


Maria Eugnia Bonocore Morais

REPRESENTAES DA MASCULINIDADE LSBICA: IDENTIDADE E


SEXUALIDADE EM ALGUNS CONTOS BRASILEIROS CONTEMPORNEOS. . . . . . 210
Mariana Chaves Petersen

ENCENANDO A HOMOSSEXUALIDADE: LEITURA DA FICCIONALIZAO


DE SI EM A SEPARAO DE DOIS ESPOSOS, DE QORPO SANTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . 218
Renata Pimentel | Sherry Almeida

BIOGRAFEMAS HOMOCULTURAIS NO ROMANCE A TRAIO DE RITA


HAYWORTH, DE MANUEL PUIG. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
Elisabete Costa Silva | Andr Luis Mitidieri Pereira

HELENO E OS ESTRANHOS EM NOSSOS OSSOS, DE MARCELINO FREIRE . . 235


Guilherme Augusto da Silva Gomes

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 11 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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FICCIONALIZAO DE SI: UMA ESTRATGIA DE (RE)VELAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244


Renata Pimentel | Sherry Almeida

A PUBLICIDADE E AS QUESTES SOBRE DIVERSIDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253


Cludia Regina Lahni | Denise Teresinha da Silva

RECONFIGURAES PARENTAIS NO CINEMA BRASILEIRO: REPRESENTAO


DE FAMLIA HOMOAFETIVA NO CURTA METRAGEM CAF COM LEITE . . . . . . 261
Elias Santos Serejo

A SEXUALIDADE NA POESIA DE NATAN BARRETO: UM RECORTE . . . . . . . . . . . . . . . . . 269


Rose Mary Abro Nascif

NO ME INCOMODA, MAS.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 276


Camille Roberta Balestieri | Lia Maria Manso Siqueira

HOMOEROTISMO EM TERA-FEIRA GORDA, DE CAIO FERNANDO ABREU . . 287


Jaqueline Ferreira Borges

A MULHER (OU QUASE) MAIS AUTNTICA DE ALMODVAR: ANLISE DA


PERSONAGEM AGRADO NO FILME TODO SOBRE MI MADRE (1999). . . . . . . . . . . . 293
Moraima Aparecida Anastcio Vilela de Melo | Mrcio Antonio de Souza Maciel

O FACEBOOK E O WHATSAPP COMO FERRAMENTAS METODOLGICAS. . . . . 302


Isabella Tymburib Elian | Nira Ferreira e Barbosa

CULTURA GAY, MULTIDO E ORGULHO: OS SIGNIFICADOS POLTICOS


DA PARADA LGBT NAS PGINAS DA REVISTA SUI GENERIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 310
Remom Matheus Bortolozzi | Rodrigo Cruz

EXPERINCIAS DE TRANSIO DE GNERO EM VDEOS NO YOUTUBE:


A INTERNET COMO ESPAO AUTOBIOGRFICO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 320
Hellena Bonocore Morais | Alice Lopes Fagundes | Marlene Neves Strey (Orientadora)

O CU LARGO E A BOCA SUJA DO BREVIRIO DE PORNOGRAFIA


ESQUISOTRANS PARA AS PESSOAS DO AVESSO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 328
Fernando Henrique

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Sexual e de gnero
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NOTAS SOBRE UMA OBSERVAO PARTICIPANTE ENTRE EVENTOS


INTERACIONAIS NA ESCOLA E NA WEB 2.0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337
Thayse Figueira Guimares

A CIRCULAO DE SIGNOS IDENTITRIOS DE RAA EM PRTICAS


DISCURSIVAS NA WEB 2.0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
Thayse Figueira Guimares

TRANS* FORMAES DO CORPO FEMININO NAS WEBCOMICS. . . . . . . . . . . . . . . . . . 354


Keila Henriques Vieira

PANORAMA DAS PROTAGONISTAS TRAVESTIS NA PROSA BRASILEIRA


DO SCULO XX. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
Carlos Eduardo Albuquerque Fernandes

SER A VISIBILIDADE DIGITAL UM NOVO TIPO DE CONFISSO OU


UMA FORMA DE RESISTNCIA?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 370
Joo Barreto da Fonseca

QUE VOZES ESCUTAMOS EM TRAVELLING DE ANA C. CESAR? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 378


Vivian Steinberg

RUIVA: QUESTES DE CORPO, GNERO E PERFORMANCE NA


HETERONORMATIVIDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386
Fellip Agner Trindade Andrade

EU SOU O QUE VOC PODERIA CHAMAR DE UMA MULHER DE PNIS. . . . . . . . 394


Ailton Dias de Melo

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ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A CONSTRUO


DA MASCULINIDADE HEGEMNICA E SUA
REPRESENTAO NOS COMICS NORTEAMERICANOS.

Jairo Barduni Filho


Doutorando em Educao
Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

Este artigo apresenta brevemente as contribuies tericas a respeito da cons-


truo da masculinidade hegemnica e no hegemnica em Connell (1995;
2013), Guash (2006) e outros pesquisadores que se aproximam a este debate.
Enfatizo suscintamente a discusso da masculinidade hegemnica com a repre-
sentao deste modelo hegemnico nos comics americanos de meados do
sculo XX. As histrias em quadrinhos fizeram e ainda fazem parte da cultura
juvenil enquanto um artefato pedaggico de internalizao deste modelo hege-
mnico masculino, atravessando geraes e sobrevivendo e reinventando seus
super-heris porm, buscando a manuteno da representao dos atributos do
hegemnico masculino como: virilidade, fora, postura ativa, discreto e com-
portamento tico e generoso.
Palavras-chave: Homens, masculinidade hegemnica; construo social mas-
culina; super-heris; virilidade.

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Introduo

Este artigo uma escrita do doutorado no qual tenho a construo das mas-
culinidades como anlise e questionamento como, por exemplo: Quais so os
elementos que constituem a masculinidade hegemnica? uma indagao que
penso ser parcialmente contemplada pelos autores elencados para este artigo.

Algumas consideraes a respeito da masculinidade hegemnica

Desde j, necessrio ressaltar que a compreenso do termo masculini-


dades no plural tem haver com seu aspecto relacional, e, este um conceito
defendido por pesquisadores do campo das masculinidades, deste modo:
A masculinidade uma configurao prtica em torno da posio
de homens na estrutura da relao de gnero. Existe, normalmente,
mais de uma configurao deste tipo em qualquer ordem de gnero
de uma sociedade. Em reconhecimento deste fato, tem se tornado
comum falar de masculinidades. Existe o perigo, nesse uso, de
que possamos pensar no gnero simplesmente como um pou-
t-pourri de identidades e estilos de vida relacionados ao consumo.
Por isso, importante sempre lembrar as relaes de poder que
esto a envolvidas (CONNEL, 1995, p.188).

A pluralidade das masculinidades uma realidade possvel de ser


encontrada em sociedades complexas j que como diz Guash (2006): en las
sociedades complejas, existen masculinidades hegemnicas y outras que son
subalternas (p.24). Tanto Guash (2006) como Connell (1995; 2013) defendem
que a masculinidade no deve ser pensada como uma essncia, um axioma ou
uma naturalizao s porque se nasce portador da genitlia masculina.
Esses autores fazem a crtica a este tipo de certeza e de defesa pelo bio-
logicamente edificado que o que se encontra por detrs da ideologia do
patriarcalismo, da misoginia, da homofobia, enfim, de uma masculinidade hege-
mnica, lembrando que, como aponta Guash (2006): La masculinidad es una
forma de gnero. Y el gnero es estructura social (p.16).
E, sabemos que a masculinidade enquanto essncia est no cotidiano
como uma fora adensada pelas instituies sociais, mas claro, esta deve ser
pensada no plural, pois, a masculinidade um jogo de negociaes cotidianas
no aproximar ou afastar do modelo hegemnico.

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A masculinidade hegemnica um dos tipos de masculinidades existen-


tes na sociedade, Connel (1995; 2013) um dos precursores na investigao
deste tipo de masculinidade que teve seu desenvolvimento em pases como:
Austrlia, Inglaterra, Espanha e Estados Unidos. Estes so possuidores de uma
tradio nos estudos das masculinidades. A masculinidade ganhou espao com
os estudos sociolgicos e no tocante as pesquisas j realizadas sobre a mascu-
linidade hegemnica:
Podemos razoavelmente concluir que a anlise das mltiplas mas-
culinidades e o conceito de masculinidade hegemnica serviram
como quadro para muitos dos esforos das pesquisas em desenvol-
vimento sobre homens e masculinidade, substituindo a teoria do
papel sexual e os modelos categoriais da psiquiatria. (CONNELL,
1995, p.247).

Alm disso, Connell (1995), diz que um dos elementos que contribuiu
para o rompimento do essencialismo da masculinidade foi o fato de investiga-
dores encontrarem a masculinidade em corpos femininos, ou seja, traos de
masculinidade presente no gnero feminino. Por esta razo:
A masculinidade no uma entidade fixa encarnada no corpo ou
nos traos da personalidade dos indivduos. As masculinidades
so configuraes de prticas que so realizadas na ao social e,
dessa forma, podem se diferenciar de acordo com as relaes de
gnero em um cenrio social particular. (CONNELL, 1995, p.250).

Connell (1995) cita pesquisas que buscam desmistificar a reificao de


uma masculinidade hegemnica na sociedade, dizendo que no se trata apenas
de um poder dos homens sobre as mulheres, de no simplificarmos a relao
como um poder opressor de gneros, pois, preciso levar em considerao
as institucionalizaes que favorecem as desigualdades de gnero que relacio-
nam aspectos de raa, classe etc. A cultura institucional do machismo colabora
em julgar o que prejudicial para a imagem hegemnica masculina (principal-
mente de tudo que se aproxima ao universo do feminino e consequentemente
da homossexualidade). Trata-se de uma cultura que tem por rotina evitar esse
universo feminino em prol da aprendizagem social de ser macho.

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Um poder institucional que funciona como substrato para esta aprendiza-


gem, produzindo uma ordem social vigente arquitetada e favorvel a um tipo
de construo social.
La masculinidad es una forma de identidad social y personal que
regula las relaciones con los dems y que se aprende en los pro-
cesos de socializacin. La masculinidad es un proceso social,
emocional y subjetivo. Es social porque tiene que ver con algo que
se adquiere. Las personas no nacen masculinas ni femininas, apren-
den a serlo. Es emocional porque tiene que ver con cmo sienten
las personas (aunque luego inviertan tiempo y energa en racionali-
zarlo). Y es subjetiva porque est condicionada por las experiencias
personales. (GUASH, 2006, p.29 - 30).

E, fundamental lembrar que, a masculinidade tal como conhecemos


tpica do ocidente, um conceito nosso, porm, temos de reconhecer que
existam ritos e provas de virilidade em diversos lugares dessa aldeia global cha-
mada terra, por isso, como aponta Guash (2006), de forma alguma podemos
aplicar esse conceito tal como ele pensado por ns ocidentais, ou teorizado
para outros contextos continentais aleatoriamente sem as devidas precaues.
um projeto de gnero que segundo Connell (2013), deve ser pensado de forma
mais ampla de modo a compreendermos como a capacidade reprodutiva e
diferenas de gnero so trazidas para a prtica social, ou seja, como viven-
ciamos estas construes sociais que impactam com a nossa relao com os
corpos, assim, o autor frisa que Ns vivenciamos as masculinidades (em parte)
como certas tenses musculares, posturas, habilidades fsicas, formas de nos
movimentar, e assim por diante (p.189).
Connell (2013), alerta para o equvoco de analisar as relaes de gnero
como dicotmicas e aponta que ao olharmos para tais relaes, devemos
buscar a complexidade que existe em cada contexto, esse cuidado trs uma
interessante contribuio para os estudos das masculinidades, o fato de que
diferentes masculinidades so construdas dentro do mesmo contexto, assim,
possvel pensarmos que dentro de uma mesma instituio escolar, por exem-
plo, ocorram modos diversos de apresentar a masculinidade, pode haver o tipo
hegemnico, o cmplice e o marginalizado. E, o autor tambm alerta para a
contradio da masculinidade j que possvel encontrarmos a masculinidade
presente em mulheres como a feminilidade presente em homens e este o
carter que torna o gnero uma categoria histrica e mutante.

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O processo de construo da masculinidade hegemnica est relacionado


ao gosto e manuseio de jogos de aventura, imagens e gosto pelos super-he-
ris, paixo e afinidade com a bola de futebol, um jogo para uma biografia de
sucesso. A virilidade est presente nas disputas violentas no futebol, nas con-
quistas amorosas, no trabalho e claro, na famlia e casa, isto tudo aquilo que
Connell (2013) chama de uma poltica de lobby das armas, na qual, a produo
miditica possui enorme participao nesta construo.
Ademais, o mundo de uma masculinidade exemplar se organiza por regras
e cdigos aprendidos desde tenra infncia. Como afirma Connell (2013), este
movimento produz enquanto custo pela represso de sentimentos e consequen-
temente, numa dificuldade masculina nas relaes com as mulheres e, creio eu,
tambm com os prprios homens.

Soldados e super-heris em quadrinhos, imagens de virilidade.

As representaes da masculinidade hegemnica nos quadrinhos me cha-


mam a ateno, a iconografia dos quadrinhos norte americanos servem para
mascarar a realidade de uma sociedade fragmentada que deve reforar a ideo-
logia de um corpo forte e moralidade masculina impecvel.
Los aos de la guerra y las postrimeras de la dcada de los cuarenta
fueron la poca de esplendor de estos cmics, y se convirtieron en
una verdadeira instituicin cultural de tal importancia que ningn
americano menor de sesenta aos ha crecido sin leer las peripecias
de algunos de estos personagens (CORTS, 2004, p.168).

Segundo Corts (2004) ...estas historias dibujadas se convirtieron, durante


La Depresin Econmica Americana, en el entretenimiento ms barato y popu-
lar de los ciudadanos de aquel pas (p.165).
A figura do heri algo visto com bons olhos pelo pblico masculino que
se espelha nos atos de bravura, nos riscos enfrentados, representantes da ptria
e liberdade no mundo, homens encarnando o bem e o ideal de uma masculi-
nidade hegemnica, como o superman, o heri cotidiano que ajuda oferece a
vida para salvar sua ptria num abrir de camisa.
As lutas dos quadrinhos se configuram como uma guerra entre o bem e
o mal, seria o momento auge para a masculinidade hegemnica heroica agir,
contexto perfeito para se fazer histria j que conjuga elementos de provas das

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quais o homem pode sair vitorioso e ser admirado na vitria por uma nao,
salvando o mundo das agruras do inimigo.
A representao do heris cotidianos os heris de guerra como, por
exemplo, foram os (pracinhas brasileiros) ou os fictcios super-heris (smbolos
do americanismo liberal) possuindo em comuns elementos necessrios para a
construo da masculinidade hegemnica. Por isso, importante quando se
pensa na construo da masculinidade, lembrar que este modelo ideal repre-
senta o capitalismo estadunidense e que, antes mesmo dos Comics de 40, e at
antes da I Guerra Mundial, j havia aparecido no campo da literatura juvenil
norte americana. Personagens voltados construo masculina, respondiam
ao dilema da virilidade moderna aps o sufrgio feminino. (BANDITER, 1993).
Esses heris reforavam uma identidade masculina de virilidade como Tarzan
e os Cowboys, personagens que carregam uma generosa carga de virilidade e
aventura em seus corpos fortes. Ambos os heris so apresentados em ima-
gens por esttica da masculinidade essncia, uma relao de simbiose entre
o humano e a natureza, de dominao dos animais no dia a dia de trabalho
(Cowboy) e da natureza selvagem (Tarzan).
Por outro lado, Connell (2013) destaca que, as masculinidades cowboys
de fronteiras tem desafiado o modelo de masculinidade racionalizante, eco-
nmico e industrial capitalista norte americanas, a masculinidade fascista,
desafiante e violenta das metrpoles chamada pelo autor de masculinidades
tipo cowboys de fronteiras.
O Tarzan e os cowboys foram alguns dos primeiros heris a se destacar
em filmes e revistinhas cmics. Eles exaltam a virilidade e relao entre o ser
humano, o animal e a natureza selvagem domada, um exemplo talvez de como
o homem pode e deve ter domnio de seus sentimentos naturalmente violen-
tos. Com o Superman, se introduz a dupla identidade clssica, um super-heri
que desabrocha de Clark Kent, sujeito comum que trabalha como reprter na
redao do Planeta Dirio. Clark o homem comum que se tornam um cone
dos atributos para os homens do mundo, tendo em vista que ele representa
o homem branco, bonito, heterossexual, discreto e de carter politicamente
versado pela nobreza. Segundo Corts (2004) es un dios hecho hombre, un
extraterrestre que tiene en un reportero del Daily Planet, Clark Kent, a su alter
ego. (p.166).
Clark Kent incorpora a caracterstica interclassista que Guash (2006)
aponta como fazendo parte da masculinidade heroica em nossa sociedade,

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pois, o heri pode bem ser o soldado, o guerreiro mtico, mas tambm o obreiro,
o tipgrafo, o investigador, o redator de um jornal estudantil, o pai, o homem
comum em seu cotidiano que sempre est disposto a ajudar e a contribuir
socialmente pela liberdade, pela paz mundial e cidadania agindo dentro dos
valores sociais em comunidade.
Lembrando que o interclassismo como elemento da masculinidade heroica
j fora percebido em outros momentos de nossa sociedade como na socie-
dade nazista, sendo um trao importante deste regime, no qual, Corts (2006),
aponta que, analisando as pinturas e esculturas da poca dessa sociedade,
possvel identificar que os personagens fundamentalmente representados eram,
el obrero, el agricultor y el soldado (CORTS, 2006, p.114), estes seriam as
colunas do estado nazi e uniam os elementos da terra e sangue.

Consideraes finais

A masculinidade hegemnica uma construo e no uma essncia que


Connell, Guash, Corts destacam os elementos que favorecem na constituio
desta produo social.

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Referncias

BANDITER, Elisabeth. XY La identidad masculina. Alianza Editorial, S.A; Madrid,


1993.

CONNELL, R. Polticas da masculinidade. In Educao & Realidade. Rio de Janeiro,


1995. Disponvel em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1224 acesso em 17
de jun de 2016.

CONNELL, R. & MESSERSCHMIDT, James W. Masculinidade hegemnica: repen-


sando o conceito. Ver. Estud. Fem [online]. 2013, vol.21, n.1. Disponvel in: https://
periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2013000100014 acesso em
17 de jun de 2016.

CORTS, Jos Miguel G. Hombres de marml: cdigos de representacin y estrat-


gias de poder de la masculinidad. Editorial: Egales Barcelona. Madri, 2004.

FERNANDES, Sandra. Foucault, A experincia da amizade. In: JNIOR, Durval Muniz


de Albuquerque, NETO-VEIGA Alfredo e FILHO Alpio de Souza (org). Cartografias
de Foucault, Belo Horizonte: Autntica Editora, 2008. Pgs 377-392 (Coleo Estudos
Foucaultianos).

GUASH, Oscar. Hroes, cientficos, heterossexuales y gays. Los varones en perspec-


tiva de gnero. Edicions: Bellaterra, S.L. Barcelona, 2006.

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SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS. O CINEMA E A


OPORTUNIDADE DE PROBLEMATIZAES NA ESCOLA.

Jairo Barduni Filho


Doutorando em Educao
Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

GT 22 - Educao, religio e direitos humanos: dilogos interdisciplinares sobre a


diversidade sexual e de gnero.

Resumo

Este artigo aborda brevemente a possibilidade de relao entre cinema e educa-


o. O interesse veio aps assistir o filme norteamericano ganhador do ltimo
oscar de melhor filme Spotlight segredos revelados, um longa que conta a
saga de uma equipe de jornalistas buscando desvendar os escndalos de abu-
sos sexuais/pedofilia em Boston (EUA). O filme, baseado em uma histria real,
foi inspirado no livro publicado pela equipe que viveu a histria e ganhou o
prmio pulitzer de literatura de 2003. O roteiro deste filme favorece problema-
tizaes em torno da religio, masculinidade, sexualidade potencializados pelo
conceito de modos de endereamento de Elisabeth Ellsworth (2001) e que creio
ser um material pedaggico para se discutir esses temas tabus na escola e na
sociedade.
Palavras-chave: Spotlight-segredos revelados; cinema; educao; igreja cat-
lica; abusos sexuais;

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Introduo

Este artigo surge como uma vontade e curiosidade de escrever breve-


mente sobre o abuso sexual dentro da igreja como uma problemtica e um tabu
social. O tema abordado no roteiro do filme Spotlight: segredos revelados,
que enxergo como possibilidade de significao do roteiro pelos telespectado-
res enquanto modos de endereamento estabelecido na relao entre direo
e telespectador, este jogo entre quem produz o filme e quem assiste me parece
favorvel quando pensamos em problematizar e alterar nossos esquemas de
pensamento cristalizados.

Spotlight e revelaes sombrias da igreja catlica.

O filme Spotlight: segredos


revelados apresenta um roteiro de
drama e suspense ambientado na
cidade de Boston - Estados Unidos
da Amrica em 2001. Trata-se
de um ano em que eclodem
escndalos sexuais de pedofilia,
acobertadas pela igreja catlica
com padres que abusavam de
garotos na grande maioria, filhos de
famlias em situaes economica-
mente desfavorecidas. A equipe de
investigao jornalstica que desba-
rata a rede de pedofilia pertence ao
jornal Boston Globe. Esta equipe
chamada de Spotlight, que por sua
vez passa a dar nome ao filme.

(Cartaz do filme Spotlight segredos


revelados). Disponvel em: http://
br.web.img2.acsta.net/c_215_290/
pictures/15/12/11/13/14/181510.jpg acesso
em 29 de dez de 2016.

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O filme apresenta a equipe de Spotlight gradativamente descobrindo


mais e mais provas dos casos de pedofilia na cidade de Boston, resultando ao
final no descobrimento de uma rede global de pedofilia na igreja. Em discurso
na cerimnia do Oscar, o produtor Michael Sugar disse que Este filme deu
uma voz aos sobreviventes, e este Oscar amplifica esta voz, o que esperamos se
tornar um coro que ir ressoar at o Vaticano1. No ano de 2002 a equipe de
Spotlight publicou mais de 600 matrias sobre abuso sexual da igreja catlica
e o efeito foi de 249 padres e irmos da arquidiocese de Boston acusados de
abuso sexual, estimando-se mais de 1000 vtimas na cidade. O fenmeno dessa
investigao jornalstica ecoou e grandes escndalos de abusos tambm foram
descobertos em outros pases inclusive no Brasil, especificamente nas cidades
de: Arapiraca e Franca, ambas no Estado de So Paulo.
Spotlight, se junta a outros grandes filmes de 2016 que aborda temas
polmicos, como Garota Dinamarquesa e O Quarto de Jack, ambos com tem-
ticas como gnero e violncia sexual. Spotlight, contudo, me surpreendeu pelo
modo como se comunicou comigo, ou seja, pelo endereamento produzido.
Isto se deve pelo fato de ter crescido no interior de Minas Gerais - Brasil, numa
pequena cidade como tantas outras que possuem relao de dominao e influ-
ncia pela igreja e seus padres. No estou dizendo de abusos sexuais em todas
as cidades pequenas, contudo, h muito mistrio que circunda a igreja catlica.
Segredos que envolvem seu cotidiano, a relao com os fiis, enfim, a vida
oficiosa de um ofcio que se por um lado marcado pela abdicao, por outro
arca com fofocas, famas e nos ltimos anos, escndalos a nvel mundial.
Ao morar em Barcelona no ano de 2015 por razo do meu ps-douto-
rado, fiz amizade com um psicopedagogo que tambm o padre local de duas
pequenas cidades ao entorno de Barcelona, aps assistir ao filme lhe perguntei
o seguinte: Como voc considera a relao da igreja com o tema da pedofilia?
Qual a sua avaliao a respeito do histrico da igreja catlica e as possveis
mudanas que esta vem sofrendo nos dias atuais com relao a este tema? E a
resposta foi:
Historicamente ha sido de cerrar los ojos y restar importancia
haciendo dao a las vctimas. Actualmente las conductas pedfilas

1 http://www.administradores.com.br/noticias/entretenimento/spotlight-ganha-o-oscar-de-melhor-fil-
me-em-noite-marcada-por-polemica-racial/108642/

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se combaten con la expulsin de la Iglesia, suspensin del sacerdo-


cio y penas civiles. (Padre).

uma resposta de quem est dentro do mundo eclesistico e que reco-


nhece a responsabilidade histrica da igreja neste tipo de violncia. Podemos
dizer que o mundo eclesistico hoje possui mais fragilidades em relao a seus
segredos, contudo, ainda permanece sendo um universo de ressalvas quando
se possui uma aura de segredos intocveis historicamente. Tal histria deve ser
problematizada sistematicamente, a sociedade no pode inclusive permane-
cer sendo um espao de silencio de um precursor tradicionalismo religioso. A
sociedade avana e cada vez mais necessria a busca pela verdade histrica
a respeito das instituies de poder que, a arte flmica tem ajudado a desvelar.

Algumas consideraes a respeito do cinema e educao e os


modos de endereamento

Trabalhar com os aspectos do cinema, dos roteiros compreender que


tambm estamos relacionando nossa escrita com os processos educativos, afinal,
o cinema tambm um artefato cultural de ensino, um dispositivo pedaggico
em termos foucaultianos. Quais relaes podem ocorrer entre um filme e seus
expectadores? Para dar conta desta reflexo, utilizo o conceito de modos de
endereamento de Ellsworth (2001).
De acordo com a autora, modos de endereamento um termo dos estu-
dos de cinema, um termo que tem um enorme peso terico e poltico, ele
usado por tericos do cinema para dialogar com questes como: qualarela-
o entreo texto de um filme e a experincia do espectador (ELLSWORTH,
p. 12, 2001).
Os filmes, bem como os livros e comerciais de televiso so feitos para
algum, eles visam e imaginam determinados pblicos, e algumas vezes at o
desejam, explica Ellsworth (2001), e a narrativa estrutural de um filme pensada
para qual pblico que ir assistir a determinado filme, um dispositivo cultu-
ral e pedaggico com endereo certo para atingir determinada subjetividade.
Ellsworth (2001) explica o modo de endereamento como um conceito que
se refere a algo que est no texto do filme e que, ento, age de alguma forma,
sobre seus espectadores imaginados ou reais, ou sobre ambos (p. 13). Ou seja,
o conceito de modo de endereamento dado com base no argumento de
que para que um filme funcione para um pblico, a espectadora deve entrar

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em uma relao particular com a histria e o sistema de imagem do filme


(ELLSWORTH, p. 14, 2001). Para exemplificar esse processo de entrada do
espectador em uma relao particular com a histria e imagem do filme, para
que explicar a sintonia que deve existir entre o espectador e o filme, para que
aquele pegue a onda deste a autora vale-se de uma metfora:
Existe uma poltrona no cinema para a qual aponta a tela do filme,
uma poltrona para a qual os efeitoscinematogrficoseascompo-
siesdosquadros esto planejados, uma poltrona para a qual as
linhas de perspectiva convergem, dando a mais plena iluso de
profundidade, de movimento, de realidade. a partir dessa posi-
o fsica que o filme parece atingir seu ponto mximo. Da mesma
forma, existe uma posio no interior das relaes e dosinteres-
sesde poder, nointeriordasconstrues de gnero e de raa, no
interior do saber, para a qual a histria e o prazer visual do filme
esto dirigidos. a partir dessa posio-de-sujeito que os pressu-
postos que o filme constri sobre quem o seu pblico funcionam
com o mnimo de esforo, de contradio ou de deslizamento
(ELLSWORTH, 2001, p.15).

Para tanto, a autora afirma que os traos da estrutura de endereamento


no so visveis, no se apresentando diretamente na tela. Assim como a prpria
histria e a trama do filme, o modo de endereamento no visvel e pode errar
o alvo, uma vez que, o espectador e a espectadora nunca so apenas aquilo
que o filme pensa que eles so. O modo de endereamento parece-se mais
com a estrutura narrativa do filme do que com seu sistemadeimagem [...] uma
estruturao que se desenvolve ao longo do tempo das relaes entre o filme
e seus espectadores (ELLSWORTH, 2001, p.16). Entretanto, para que um filme
atribua algum sentido aos seus espectadores, preciso que eles se envolvam
com seu modo de endereamento, afinal omododeendereamento de um
filme est envolvido nos prazeres e nas interpretaes dos pblicos inclusive
em sua deciso de simplesmente recusar-se a ver o filme (ELLSWORTH, 2001,
p. 24). O modo de endereamento no um conceito neutro, para a autora, ele
capaz de tocar as relaes de poder e mudana social:
Trata-se de um conceito que tem origem numa abordagem de
estudos do cinema que est interessada em analisarcomo opro-
cesso defazerumfilmeeo processo de ver um filme se tornam

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envolvidos na dinmica social mais ampla e em relaes de poder.


(ELLSWORTH, 2001, p. 25).

Problematizar as produes cinematogrficas pens-las em construes


culturais, pois, como aponta Louro (2000) Estou convencida de que os filmes
exerceram e exercem (com grande poder de seduo e autoridade) pedagogias
da sexualidade sobre suas plateias (p.82). Na escola, o uso de filmes que pos-
sam colocar o tema da violncia/abuso sexual e igreja pode ser uma atitude
audaciosa do professor, tendo em vista que muitas escolas ainda no abriram
suas fronteiras morais e fsicas (arquitetnicas) para a realidade cotidiana e seus
tabus. Mas, fato que as informaes circulam e a escola muitas das vezes no
se relaciona com elas, com as notcias, com os assuntos emergentes que ten-
dem a cada vez mais ganhar destaque em nossa sociedade.
O uso do cinema na escola alm de ser um recurso didtico rico, tambm
se torna um dispositivo cultural j que nem todos os educandos possuem con-
dies para arcar com os preos de um cinema em shopping. O pblico jovem
que frequenta cinema, num geral costuma buscar outros filmes, como de super-
-heris e de animao, logo, um filme como Spotlight na escola poderia fomentar
debates interdisciplinares propiciados por este roteiro, at pelo fato de que o filme
funciona como um endereamento poltico e denunciador de segredos, compor-
tamentos, sexualidades e masculinidades existentes na igreja catlica.
O professor pode problematizar a relao igreja e sociedade, igreja e
sexualidade, pedofilia na sociedade entre outros viesses que se abrem com a pos-
sibilidade do cinema e at mesmo, perceber como a abordagem do tema pode
causar a resistncia em assistir por parte dos estudantes ou da prpria comu-
nidade pedaggica podendo assim problematizar tal negativa. E, lembrando
que o fenmeno da pedofilia no algo restrito das igrejas nem tampouco de
Boston nos EUA, mas sim do mundo todo, no qual cada vez mais os escndalos
sexuais tm vindo tona fomentando a possibilidade de problematizarmos este
tipo de violncia que relaciona fundamentalmente o mundo da masculinidade,
da sexualidade e das instituies como igreja, escola e famlia.
O endereo de um filme educacional dirigido estudante, por
exemplo, convida-a no apenas atividade da construo do
conhecimento, mas tambm construo do conhecimento a
partir de um ponto de vista social e poltico particular. Isso faz
com que a experincia de ver os filmes e os sentidos que damos
a eles sejam no simplesmente voluntrios e idiossincrticos, mas

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relacionais uma projeo de tipos particulares de relaes entre


o eu e o eu, bem como entre o eu e os outros, o conhecimento e o
poder. (ELLSWORTH, 2001, p.18-19).

A prtica do cinema na escola produz significados criando um pblico


interessado ou no em determinada temtica, h muitos roteiros que discutem
violncia sexual e de gnero, racismos, homofobia entre tantos outros aspec-
tos pujantes em nossa sociedade moderna. Os roteiros podem desencadear
na escola possibilidades de um ensino multicultural e interdisciplinar, podendo
levar a uma busca exploratria na internet e na biblioteca bem como em museus
quando o ensino no tem a pretenso de se esgotar no fim nico da apresenta-
o do filme sem maiores cuidados.
O que os educandos sabem sobre o assunto abordado no filme? Quais so
as informaes que eles possuem enquanto conhecimento prvio? Como eles
significam a experincia da exibio com seu eu particular? Estas me parecem
reflexes importantes para que haja um processo educativo poltico e desmisti-
ficador de preconceitos, de senso-comum e se torne um espao da construo
do conhecimento ao invs apenas da reproduo de contedos curriculares
que so sim importantes, mas que no so as nicas fontes do aprender um
determinado contedo. Se vivemos na sociedade da informao ento devemos
prestar ateno no que estas dizem, filtr-las e problematiz-las.

Consideraes finais

De modo geral, como aponta Ellsworth (2001), (...) falta emoo na edu-
cao, falta suspense, romance, seduo, prazer visual, msica, enredo, humor,
dana (...) (p.10), de fato, a escola sem a magia do cinema e das problemticas
que ele pode propiciar se torna a instituio menos atrativa em tempos de curio-
sidades e de uma enxurrada de informaes, o cinema veio para ficar e para
denunciar verdades intocadas, escondidas e contribuir para o desvelamento
histrico das instituies milenares, mexendo com as estruturas cristalizadas e
acomodadas de pensamento. O cinema denncia surge como possibilidade de
nos tirar de nossa zona de conforto trazendo temas ainda invisibilizados ou
pouco explorados em nossa sociedade.

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Referncias

BEATRIZ. Spotlight - Resenha do Filme Vencedor do Oscar 2016. Disponvel em:


http://sobreisso.com/2016/03/01/spotlight-resenha-do-filme-vencedor-do-oscar-2016/.
Acesso em 29 de jun de 2016.

LOURO, Guacira. O Cinema e Sexualidade. In: Lopes, Eliana e outros (Orgs). 500
Anos de Educao no Brasil. Belo horizonte: Autntica, 2000.

ELLSWORTH, Elisabeth. Modos de endereamento: uma coisa de cinema; uma coisa


de educao tambm. In DA SILVA, Tomaz Tadeu (org). Nunca fomos humanos: nos
rastros do sujeito. Autntica, Belo Horizonte, 2001.

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O SWING ON LINE: UM ESTUDO SOBRE O SEXLOG

Edson Vasconcelos
Doutor em Sociologia (UFPB)
Professor adjunto da Universidade Estadual da Paraba
[email protected]

GT 10 - Mdias digitais e (re)invenes da subjetividade

Resumo

Este trabalho tem como foco notas sobre uma investigao no Sexlog. Uma
rede social que se autointitula como a maior rede social de sexo e de swing
do Brasil. Trazer alguns registros da observao do percurso de casais, homens
e mulheres na busca pela realizao de suas fantasias sexuais no comparti-
lhamento de fotos, vdeos e textos na web. Esses pontos tiveram como base
uma parte do trabalho desenvolvido na tese intitulada De olhos bem fecha-
dos: sexualidade, subjetividades e conjugalidades no swing. Pesquisa de
Doutorado defendida no ano de 2015 no Programa de Ps-Graduao em
Sociologia da Universidade Federal da Paraba e que teve como rgo financia-
dor a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes).
Palavras-chave: mdias digitais; sexlog; sexualidade.

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Introduo

A pesquisa tomou dois caminhos: acompanhar o cotidiano das casas de


swing, baladas liberais, festas privadas e das pessoas que participam; e efe-
tuar um trabalho de observao das interaes em uma rede social de sexo,
no caso, o Sexlog. Este artigo se concentra nessa segunda parte. Essas duas
iniciativas no foram escolhidas aleatoriamente, mas cada uma delas possui
peculiaridades que precisaram de destaque, sobretudo, nas questes relativas
ao swing e as suas articulaes com a rede de swing que se estabelece entre
o dilogo on e off line. Nesse sentido, de que formas o Sexlog se articula aos
desejos e demandas dos sujeitos que dela fazem parte. Uma das bases desta
rede proporcionar as possibilidades necessrias para a construo de afetos e
subjetividades em uma rede sexual complexa. Como isso feito?
Como as sociabilidades so estabelecidas por meio da construo de sub-
jetividades que emergem de perfis, atravs da construo de imagens, vdeos e
textuais que tem como objetivo chamar a ateno daqueles que o observam?
Metodologicamente, a investigao revela os desafios de se produzir uma etno-
grafia em uma rede social de sexo atualmente. Entre outros, questes como o
segredo so pontos a se interrogar sobre sexualidade em redes de sexo como
essa.

Do Fotolog ao Sexlog: uma trajetria da rede social de sexo

O Sexlog, rede social de sexo e swing, existe no Brasil h mais de dez


anos na internet. Em sua pgina de apresentao, se auto intitula como a maior
rede social de sexo e swing do Brasil1. Segundo a descrio do prprio site e
a partir de algumas conversas que tive com os administradores, atualmente o
Sexlog rene mais de trs milhes de usurios cadastrados. Rumando para qua-
tro milhes. So pessoas das mais variadas classe e faixas etrias que mantm
perfis na rede. Nela compartilham fotos, vdeos, udio e textos. Informaes
que so publicadas pelos proprietrios de cada perfil, acessvel aos seus amigos
e contatos.

1 Informaes retiradas do seguinte link: https://accounts.sexlog.com/sobre-sexlog (Acessado em


28/06/2013, s 20 horas).

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ISBN 978-85-61702-44-1 31 de Estudos sobre a Diversidade
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Como espao dedicado a interao entre pessoas, com um conjunto de


ferramentas voltado para o contato entre os seus usurios, com o objetivo de
aproxim-los pelas imagens, vdeos, mensagens e bate-papo, o Sexlog repre-
senta atualmente uma das mais acessadas e importantes redes sociais de sexo
na internet brasileira. Isso no s porque possui um numero considervel de
assinantes (mais de trs milhes, como j foi dito), mas por ter um volume
considervel de material ertico produzido por esses usurios, alm do fato de
ser um espao de socializao (socializao sobre e para o sexo) cujo conte-
do especfico (erotizado, com uma esttica que circula, entre o ertico e o
pornogrfico).
A forma de se integrar ao Sexlog comea por um cadastro. Nele, o usurio
registra os seus dados bsicos como nome, idade e endereo. Aps o preenchi-
mento dos dados bsicos, o cliente deve incluir algumas informaes especificas
para o seu cadastro, que toma os contornos de uma rede social de sexo, cujo
formato bsico o encontro, o compartilhamento e o contato com outras pes-
soas para o sexo. O formulrio pede ao usurio que se cadastra respostas como
quais so os seus interesses no Sexlog?; quem voc ?; formulrio que tam-
bm requisita dados sobre a biografia e finaliza com a postagem inicial do
cadastrado, da foto na qual quer ser identificado na rede, alm da possibilidade
de poder compartilhar as suas primeiras fotos, comentrios, vdeos, entre outras
informaes.

Algumas notas sobre a presena do pesquisador e a incluso no


campo

As primeiras impresses que trazem o impacto inicial do acesso a esse


tipo de endereo na internet residem no fato de no ser uma rede social qual-
quer. uma rede de sexo. L as pessoas publicam contedo ertico/porn
atravs dos seus perfis cotidianamente. Trocam mensagens, e publicam fotos e
vdeos. A interface de interao muito semelhante e de uma rede social usual,
o que muda realmente o seu contedo. Na rede do sexo, as pessoas falam
sobre as suas fantasias. Falam e publicam as suas fantasias. A mulher que deseja
sexo com dois homens (mnage masculino), ou, sexo entre duas mulheres e um
homem (mnage feminino); a procura dos casais por experincias com pessoas
do mesmo sexo; o desejo do marido em observar a sua esposa com outro
homem na cama; o exibicionismo puro e simples de fotos de nu em lugares

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pblicos e em situaes inusitadas, como o sexo com desconhecidos na rua,


ou, o sexo em lugares pblicos com desconhecidos observando, prtica conhe-
cida nos ltimos tempos como o dogging2.
Aproximar-se dessas pessoas e tentar conversar com elas sobre os usos e
os significados da rede em suas vidas se colocou como um ponto fundamen-
tal aos rumos daquilo que planejava para a pesquisa. Esses significados esto
relacionados a forma como essas pessoas vivenciam esse espao. Para isso, h
a percepo de relacionar a intimidade com a construo de personagens nas
redes. Ao se expor esses sujeitos mostram os seus desejos, as suas fantasias
e, inclusive os seus corpos. No um corpo qualquer, mas as partes do corpo
que possam ser mais erotizada e que ao mesmo tempo possa preservar a sua
identidade. Identidade enquanto visualizao da subjetividade sobre o rosto do
usurio. A essa discrio caber demonstrar ao pblico observador dos perfis os
seus interesses, sem necessariamente apresent-lo sobre todos os seus aspectos.
A primeira escolha foi para os perfis que se caracterizaram por no omiti-
rem imagens dos rostos dos seus integrantes. Como isso no comum nas redes
de sexo resolvi procurar alguns desses perfis para conversar, entre outras coisas,
sobre o fato de terem tomado a deciso de mostrar o rosto, ao invs de inves-
tirem na descrio das suas identidades atravs do ocultamento dessa parte
do corpo. importante salientar que grande parte dos perfis sexuais em rede
sociais como essa no mostram os seus rostos e que em boa parte dos casos as
imagens retratam partes de corpos, como o torso, por exemplo.
O rosto quase sempre negado nas redes sociais de sexo. O que resta so
os sujeitos se mostrarem a partir de outros predicados que no o rosto. At
porque, muito alm do fato do rosto ser instncia significante de tantas repre-
sentaes, tudo isso se resume que atravs do rosto, entre outros aspectos
como sinais, cicatrizes e outros aspectos relativos a anatomia de cada sujeito,
que se identifica quem somos ns. o que muitas pessoas no tm o interesse
de fazer nesses ambientes. Pelo menos em um primeiro momento, que seria o
de apresentao. Isso no significa que ao passar para um contato mais prximo
esses sujeitos ainda mantenham esse tipo de restrio. Significa que para a sua

2 Dogging um termo em ingls que significa atos sexuais em pblico ou parcialmente em pblico,
onde outras pessoas possam ver. Geralmente feito por mais de duas pessoas. Sexo grupal, ou mesmo
o sexo de uma mulher com vrios homens pode ser includo. A observao encorajada. O exibi-
cionismo e o voyeurismo geralmente so associados ao dogging.

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apresentao e a aproximao para com o outro o que importam so as outras


partes do corpo, e o rosto ficaria reservado para um segundo momento, onde a
aproximao entre os interessados acontece.
Outros tipos de perfis que me chamaram ateno eram aqueles que se
utilizavam da rede de sexo s para o exibicionismo. Tive oportunidade de con-
versar com um perfil e de observar mais uma dzia de outros que no quiseram
participar da pesquisa. Muitos desses perfis j deixam claro em suas descries
que no desejam nenhum contato com ningum. Que querem publicar as suas
fotos e observar os comentrios e querem fazer o mesmo com outros perfis.
No h nenhum tipo de interesse em entrar em contato com as pessoas, nem
ultrapassar isso e transar com ningum. A realizao olhar e ser observado.
O perfil que conversei era de uma moa chamada Mrcia. Mantinha um
perfil h um ano no Sexlog com o objetivo de se exibir em fotos. Ela costumava
publicar de duas a quatro fotos por dia na rede e sempre gostava de acompa-
nhar os comentrios que os usurios colocavam nas fotos. Disse que sentia
excitao em saber que outras pessoas se excitavam com as imagens e como a
preparao em produzir aquelas cenas a deixava com teso. Tambm atendia
aos pedidos dos usurios, postando imagens temticas com acessrios, como
vibradores, lingeries e at frutas e canetas. Chegou a postar uma sequncia de
imagens em que pratica fisting3.
Gostar de observar e ser observado faz parte da fantasia de muitas pes-
soas. Nos ltimos anos isso foi potencializado pelas ferramentas que a conexo
em rede disponibiliza. Inicialmente atravs dos bate-papos, depois, com o
incremento das redes sociais, ver e ser visto se tornou um fetiche praticado por
muitas pessoas. A potencializao para o sexo foi rpida, com aplicativos, sites
de conversa on line e rede sociais especialmente dedicadas aos observadores.
Atualmente, ver e ser visto no s um fetiche, e um fetiche apoiado em moti-
vaes sexuais, mas uma prtica imanente das redes sociais que se multiplicam
pela internet.
As mesmas particularidades encontradas no perfil da Mrcia tambm
foram encontradas em outros perfis que eu observei. Seja para ou mais ou
para menos eles mantinham um contato com outros usurios s atravs das
imagens e naquilo que os outros comentavam sobre essas imagens. No havia

3 Prtica que consiste na insero, no nus ou na vagina, da mo, at a altura do punho.

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comprometimento. S o fato de poder colocar ali aquilo que gostaria que outras
pessoas vissem. Da mesma forma se deleitam vendo os outros. Mrcia me disse
que mantm o mesmo nvel de interao com outros usurios que tem perfis
com as mesmas configuraes que o dela. Quando muito, comenta nas fotos
que gostou em outros perfis o que gostaria de ver publicado nas prximas vezes
que esses usurios publicarem material novo. Isso alimenta as suas fantasias e
faz com que ela crie situaes das mais diversos em sua imaginao, o que a
inspira no s a produzir imagens inspiradas no que v na rede, mas tambm
em se excitar no dia a dia.
Isso mais comum do que imaginamos. Muitos perfis nas redes sociais
servem simplesmente para seguir ou observar pessoas. A prtica do stalking4
muito comum. Construir perfis s para seguir ou acompanhar amigos, colegas
ou pessoas prximas pode chegar ao exagero quando esses mesmos usurios
chegam ao ponto de fazer disso uma obsesso e um problema, pois em alguns
casos o observador comea a interferir na vida de quem ele observa. Aqui a
minha ateno reside no usurio comum: o que publica informaes com o
intuito de ser observado e o que usa as redes (no caso, as redes de sexo) para
observar o outro. No entanto, preciso salientar que h todo esse espectro de
comportamentos quando o assunto ser voyeur na interao com o outro. H
aqueles perfis mais quietos, que produzem e consomem material ertico, assim
como os que chegam as vias de seguir o outro ao ponto de prejudic-lo de
alguma forma.
Um terceiro tipo de perfil que pude acompanhar so aqueles usurios que
esto nas redes sociais e usam o espao para trabalho com sexo. Muitos perfis
so dedicados a casais, homens, mulheres e trans que criam uma conta para
intermediar encontros. Nas ferramentas de busca muito comum encontrar
apelidos e descries de perfis deixando claro qual o seu objetivo no Sexlog.
Conversei com um desses perfis, a Dior. Ela j utilizava o Sexlog para servios
sexuais h um ano e gostava muito de fazer isso. Disse que apesar de ser proi-
bido o uso da rede para prostituio no se sentia inibida em fazer isso.

4 Palavra em ingls que representa a obsesso de algumas pessoas em seguir ou observar a vida das
pessoas nas redes sociais.

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Consideraes finais

Essas trs categorizaes (a prostituio, o rosto descoberto e os voyeurs)


sintetizam alguns perfis peculiares encontrados nas buscas de usurios do
Sexlog. Isso est fora e dentro da rede, como mais um espao de formao de
subjetividades nos tempos atuais. A maneira como esses perfis so formados
mantm um dilogo permanente com o que desejam provocar nos seus espec-
tadores. Da mesma forma, o que mostram nas suas publicaes dialoga com o
que buscam em outros perfis.
Portanto, muitas vezes aquilo que se v tambm pode ser representado
naquilo que quer ser buscado nas redes sociais de sexo. Um exemplo sobre isso
so as publicaes nos perfis dos usurios. Quase sempre essa comunicao
feita pela postagem de fotos. Tambm h postagens de vdeos, mas ela ainda
uma parte reduzida das postagens realizadas diariamente pelos usurios. A
maioria prefere utilizar a foto. Mas no qualquer foto. A foto que publicada
sempre uma imagem que represente dois pontos: a inibio da identidade e a
representao da sexualidade atravs dos corpos erotizados.
De um lado, se tem a imagem que quase sempre no mostra o rosto.
Sabemos que a face tem um valor socialmente significativo. Os olhos so a
janela da alma e boa parte da nossa comunicao e das nossas relaes sociais
mantida atravs da comunicao estabelecida face a face. O corpo o espao
que precisa ser encoberto, ou ser estimulado a representar determinadas aes,
como a sensualidade, o profissionalismo, entre outros valores que possam ser
representados em termos corporais e que so inscritos a partir de contextos e
discursos vinculados a moda, o consumo e a sexualidade, s para resumir em
trs exemplos. Pois bem, essa valorizao da face enquanto rea de comuni-
cao e de identidade subjetiva interditada nas redes de sexo. Isso tem uma
explicao bvia: por ser tratado socialmente assim, o rosto se torna uma forma
de identificar quem no quer ser identificado. Ou mesmo de revelar, algo que
naquele momento no quer ser revelado, isso porque em muitas dessas rela-
es estabelecidas na rede, o rosto s tem o seu valor revelado aqueles que
se mantm uma interao estreita, e merecem a confiana do usurio para
ser mostrado. como se a identidade por completo s pudesse ser desvelada
quando se associa a isso uma relao de confiana que vai alm de um mero
contato. Portanto, o rosto passa a ter no s o valor de ser o espao reservado

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para a identidade do usurio, mas o lugar que s ser revelado a quem merecer
tal intento. Gesto de intimidade.
Por outro lado o corpo. Mas no qualquer corpo. Nos homens, boa
parte das imagens retrata o seu pnis. Nas mulheres, os seios, a bunda e a
sua vagina. No incomum encontrar no Sexlog perfis onde o avatar do per-
fil ou seja, a foto principal do usurio um pnis ou uma bunda. O pnis
ou a bunda se erigidos como regies chave na compreenso da sexualidade
desses perfis. Os homens-pnis e as mulheres-bunda so matrizes de um ramo
comum: a elevao do sexual ao nvel subjetivo, enquanto erotizao da iden-
tidade e supervalorizao do sexual e de tudo que pode ser vinculado a ele, ou
seja, as fantasias, os desejos e as prticas que orbitam nesse meio.

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VESTIDO NUEVO: NOVAS PROBLEMATIZAES DE VELHOS


PADRES DE SILENCIAMENTOS DAS SEXUALIDADES INFANTIS

Carla Silva Machado


Doutoranda em Educao pela PUC/Rio. Bolsista do Cnpq.
[email protected]

Carolina Alves Magaldi


Professora Adjunta da Faculdade de Letras da UFJF.
[email protected]

GT 19 - Sexualidades e Gnero entre Crianas e Adolescentes: uma rea relevante e


diversificada de pesquisa e conhecimento

Resumo

A presente comunicao est relacionada s questes que afetam as constru-


es de gneros e sexualidades infantis nas escolas e como, muitas vezes, elas
so silenciadas por professores, gestores escolares e demais atores presentes
neste universo. Para ilustrar esta discusso traremos a anlise do curta-metra-
gem espanhol Vestido Nuevo (PREZ, 2007), que ambientado numa escola
pblica num dia de carnaval e tem como protagonista o menino Mrio. O filme
mostra a reao dos colegas, professores e funcionrios da escola ao verem
Mrio com um vestido rosa na sala de aula. Entendemos que a fico transmite
a realidade de muitas escolas que diante do que consideram fora do padro,
optam pelo silenciamento, principalmente no que tange s questes envolvendo
gnero, sexualidade e padres culturais no ambiente escolar.
Palavras-chave: padres culturais; construes de gnero; sexualidades; infn-
cias; cultura escolar.
Eu gosto muito do dia de carnaval. muito divertido porque nos
disfaramos e nos deixam vir sem farda. Nos vestimos como quere-
mos. (VESTIDO..., 2007, 0:004-0:19)

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Introduo

A epgrafe deste artigo a fala inicial do personagem Mrio, o protago-


nista do curta-metragem Vestido Nuevo, esta abertura nos leva a pensar que
o ambiente escolar se contrape s festas e ao carnaval, que segundo o mini-
dicionrio Aurlio assim definido: os trs dias precedentes quarta-feira de
cinzas, dedicados a vrias sortes de diverses, folias e folguedos (FERREIRA,
2001, 134). Enquanto o carnaval visto como o tempo da diverso e da folia, a
escola sempre o espao das normas, regras e do uniforme (ou farda, para usar
as palavras do personagem).
A partir do contraponto entre a escola e o carnaval, e entre o aluno
aquele que recebe instruo (FERREIRA, 2001, p.35), conforme o prprio
Aurlio, e o carnavalesco, que o dicionrio define como o grotesco (FERREIRA,
2001, p. 134), pretendemos, neste texto, discutir as relaes de poder que fazem
da cultura escolar, de maneira geral, um ambiente em que se propagam normas,
padres e uniformizaes e silenciam-se todas as atitudes e experincias que
fogem destas, considerando-as grotescas.
A presente comunicao est relacionada s questes que afetam s sexu-
alidades infantis nas escolas e como, muitas vezes, elas so silenciadas por
professores, gestores escolares e demais atores presentes neste universo. Para
ilustrar esta discusso, traremos a anlise do curta-metragem espanhol Vestido
Nuevo, produzido, no ano de 2007, pela Escndalo Films com o apoio do
Ministrio da Cultura da Espanha. O curta dirigido por Sergi Prez ambien-
tado numa escola pblica num dia de carnaval e tem como protagonista o
menino Mrio, que interpretado pelo ator mirim Ramon Novell. O filme,
de aproximadamente 14 minutos, mostra a reao dos colegas, professores e
funcionrios da escola ao verem Mrio com um vestido rosa na sala de aula.
Entendemos que a fico transmite a realidade de muitas escolas que diante do
que consideram fora do padro, optam pelo silenciamento, principalmente, no
que tange s questes envolvendo gnero, sexualidade e padres culturais no
ambiente escolar.

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O filme Sensibilidade no enredo

Aps a fala inicial de Mrio, que parece estar lendo uma redao em sala
de aula, h o corte para a entrada da escola, onde vrios alunos esto se movi-
mentando e, ao mesmo tempo, algum anuncia pelo alto-falante que na parte
da tarde haver carnaval na escola e todos os alunos devem trazer suas fantasias
dentro da mochila. As crianas vo entrando para a sala de aula e a professora
pergunta se todos se lembraram de trazer suas fantasias. Neste momento, o
espectador fica sabendo que o tema do carnaval da escola 101 Dlmatas,
portanto, todas as fantasias sero iguais.
interessante ressaltar que, em sua ingnua subverso, Mrio recupera o
sentido de carnavalizao, ao inverter papis cotidianos e romper as amarras
das atribuies sociais. Esse fator j havia sido perdido na normatizao escolar,
segundo a qual at mesmo o tipo de fantasia j havia sido pr-determinado e
moldado a partir de uma nica produo cinematogrfica.
Mrio levanta-se, vai para um canto da sala e veste um vestido rosa que
est dentro de sua mochila, assim como solicitado atravs do alto-falante. Logo
em seguida, ele repreendido pela professora que diz: Mrio, o que est
fazendo? Mrio, eu estou falando... Voc est vestido como uma menina. A
cada fala da professora, h um suspense e a cmera corta para Mrio, que con-
tinua sentado, mexendo em seu material escolar. Logo em seguida, um aluno
chamado Santos comea a cham-lo de viadinho, boneca e menina. A pro-
fessora briga com Santos, lembrando que ele est numa sala de aula, porm
chama Mrio e pede para que ele a acompanhe.
A professora conversa com Mrio fora da sala e diz que a fantasia deve-
ria ser de 101 Dlmatas, no de garota. Enquanto isso, dentro da sala de aula,
Santos continua gritando e imitando o colega de maneira debochada. Santos
tambm retirado de sala, pois causa indisciplina, alm de praticar bullying
contra o colega. A professora deixa Mrio e Santos na antessala da direo,
enquanto fala com o diretor o que aconteceu. Enquanto isso, a secretria escolar
olha com ar de deboche para Mrio que espera a conversa entre a professora e
o diretor. A professora diz que ligou para o pai do menino vir busc-lo.
A conversa entre professora e diretor cheia de reticncias e a questo
da indisciplina de Santos e o bullying contra Mrio no discutida, apenas o
vestido de Mrio tema da conversa. O pai de Mrio chega escola e pergunta
ao menino por que ele est com o vestido da irm dele, o diretor recebe o pai

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do garoto e enfatiza que ele est com a fantasia errada e no horrio errado. O
pai escuta o diretor, pede desculpas e fala muito pouco sobre o ocorrido, mas
enfatiza que o menino gosta de vestir-se daquela maneira.
Enquanto espera o pai conversar com o diretor, Mrio recebe o apoio de
Elenita, uma colega de sala, a nica deficiente fsica e ela o incentiva a no usar
determinadas roupas e ter determinadas atitudes em pblico.
O filme termina numa cena em que o pai d o terno para Mrio, pega o
filho no colo e o leva para casa, como se quisesse proteg-lo do mundo e dos
preconceitos dos colegas e de todos na escola. Ainda, ao passar por Santos,
mesmo na presena do pai e com toda a proteo dele, o menino escuta, mais
uma vez o colega de sala cham-lo de Viadinho.
no colo do pai que Mrio relaxa e vai despedindo-se da escola com
uma sensao de alvio. como se a escola fosse para o menino o lugar em
que o carnaval, a diverso e a folia fossem impossveis, visto que ali necessrio
usar a farda obrigatria, no horrio estipulado e sem possibilidade de ser quem
ele quer ser. preciso vestir-se como todos esperam que ele se vista.
Neste sentido, o filme ilustra bem o ambiente escolar como um espao de
manuteno da ordem e do padro, ou nas palavras de Ferrari, ao referir-se ao
status discursivo da instituio escolar:
O mais grave disso que a Escola no apenas produz e transmite
conhecimento mas tambm contribui para produzir sujeitos e iden-
tidades, para reforar divises dos gneros e das classes. Neste
sentido, a manuteno e/ou reproduo das diferenas e desigual-
dades se torna mais reveladora, pois corresponde garantia de
continuidade de uma sociedade dividida, desigual e hierarquizada
(FERRARI, 2000, p. 90).

O menino Mrio, ao ser acolhido pelo pai e aconselhado por Elenita a


ter uma postura diferente na escola, para no chamar a ateno para sua iden-
tidade diferente, ou ao ser questionado pela professora o motivo de ele estar
vestido de garota, ou ser chamado de boneca por Santos, seu colega de turma,
vai aprendendo, deste muito cedo, a partir de aes bastante sutis, em alguns
momentos: o colo do pai e o conselho da colega, ou mais agressivas: o xinga-
mento do colega e a repreenso da professora, que na escola no o lugar para
nos disfararmos, pois a escola tambm refora os padres sociais.

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No curta, destacada, ainda, a dificuldade das crianas e adultos em


diferenciarem construes de gnero e de sexualidade: ao vestir-se com um
vestido, Mrio imediatamente tratado como viadinho, pois os conceitos de
cis e htero se confundem em uma sociedade que cobe tanto as discusses de
gnero, quanto s referentes sexualidade. Neste sentido, as discusses de mis-
turam e so tratadas pelo senso comum como se gnero e sexualidade fossem
palavras sinnimas. necessrio entendermos que:
O sexo definido biologicamente. Nascemos machos ou fmeas,
de acordo com a informao gentica levada pelo espermatozoide
ao vulo. J a sexualidade est relacionada s pessoas por quem
nos sentimos atrados. E o gnero est ligado a caractersticas atri-
budas socialmente a cada sexo (SOARES, Welington. IN: Revista
Nova Escola, Fevereiro de 2015, p. 26) (destaques em negrito do
texto original).

O filme aponta estas questes com bastante sensibilidade, usando de ele-


mentos cinematogrficos como corte de cena, closes, pausas e outros, mas
nos deixa a sensao de que necessrio quebrarmos certos paradigmas da
educao, de que a funo da escola transmitir apenas o conhecimento,
entendemos que a escola vai alm da transmisso de conhecimento, quando
produz sujeitos e refora inmeros padres. Neste sentido, o filme nos deixa a
lio de que a escola no pode silenciar-se e fazer-se neutra nas questes afetas
s manifestaes da diversidade de gnero, sexo e sexualidade.

Quando a arte imita a vida: a escola como espao de


silenciamento

Ao entendermos a escola como instituio capaz de reforar os discur-


sos da norma e do padro, compreendemos que, ao silenciar-se diante das
desigualdades, ela o faz para manter um status quo que transfere para outras
instituies. No caso do filme destacado, essa transferncia feita para a famlia,
recaindo sobre ela a responsabilidade pela construo e elaborao de outras
identidades percebidas como grotescas, ou diferentes, porque no normativas.
Nas palavras de Ferrari (2000, p. 90): necessrio que se destaque essa repro-
duo das desigualdades e da manuteno da sociedade pois isso se realiza no
dia-a-dia, com participao ou omisso de profissionais da educao.

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Neste sentido, este artigo um chamado comunidade escolar para a


discusso das questes de gnero, sexualidade e diversidade no ambiente esco-
lar. Em experincias recentes, ao lecionarmos ou realizarmos oficinas sobre
a temtica de gnero e sexualidade na escola, foi-nos possvel perceber que
os profissionais da educao reconhecem o valor e a necessidade das temti-
cas em questo, mas se consideram despreparados e desinformados, temendo,
assim, tomarem decises que teriam dificuldades em fundamentar e justificar.
Neste sentido, o uso do curta Vestido Nuevo tem oferecido uma situao
ao mesmo tempo crvel e distanciada, a partir da qual o debate pode transcorrer
e aprofundar-se.
Tais discusses ganham ainda mais importncia com os constantes ataques
sofridos pelas polticas pblicas de conscientizao das construes sociocultu-
rais de gnero e sexualidade, como o caso da legislao estadual de Alagoas,
que proibiu tais discusses em sala de aula, prevendo sanes legais aos profes-
sores que se opusessem deciso.
Iniciativas como esta tentam atribuir discusso de gnero o status de
ideologia ou doutrinao, buscando, ainda, estabelecer uma polaridade entre
a famlia tradicional e normativa, e as prticas e indivduos que buscam
enfraquec-la.
Nessa perspectiva cruel, a discusso das relaes de gnero seria uma
fora destrutiva para uma clula fundamental da sociedade, e no uma proble-
matizao legtima de um cenrio existente. H, alm disso, uma inverso nos
papis de opressor e oprimido, apresentando a famlia tradicional como acuada
por essas novas perspectivas, e a discusso das construes de gnero e sexua-
lidade como o fator que traz a discrdia e ameaa ordem.
A escola converte-se, assim, em uma zona de negociao, pressionada
por leis reacionrias e tentando incorporar polticas pblicas, em um ambiente
que faz impossvel a manuteno de uma postura neutra.
A agora extinta Secad/MEC (Secretaria de Educao Continuada,
Alfabetizao e Diversidade) previa trs eixos no trabalho com gnero e sexu-
alidade: Planejamento, gesto e avaliao; Acesso e Permanncia; e Formao
de profissionais da educao. Tal construo possibilitava uma compreenso
geral do processo de problematizao das construes de gnero, bem como
articulaes com o Programa Brasil sem Homofobia (BSH) e o Plano Nacional
de Polticas para Mulheres (PNPM).

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Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

O corte da secretaria em questo no significou, de forma alguma, um


abandono da proposta, at porque o rgo partiu do reconhecimento que j
havamos abordado no contexto de nossas oficinas:
Postos, atualmente, diante de situaes e questes referentes
orientao sexual e identidade de gnero, profissionais da
educao encontram-se, quase que invariavelmente, desprovi-
dos e desprovidas de diretrizes e instrumentos adequados para
que possam agir segundo padres democrticos e que, portanto,
contemplem a dignidade da pessoa humana em suas mltiplas
dimenses (HENRIQUES et al. (org.), 2007, p. 44) .

A desinformao , portanto, o maior entrave no processo de construo


de novas concepes de gnero e sexualidade na escola, mas, felizmente, ela
pode ser remediada no prprio processo de ensino-aprendizagem.
a partir desta problemtica que defendemos que a discusso de gnero
e sexualidade precisa ser amplamente incorporada na formao e na prtica de
professores e gestores escolares, no s dela depende a evoluo de uma das
discusses mais relevantes da contemporaneidade, mas tambm porque no h
outra forma de defender educao em seu sentido lato.

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Referncias

FERRARI, Anderson. Diferenas, igualdade e formao de identidade no contexto


escolar. IN: Revista Instrumento - Revista de Estudo e Pesquisa em Educao/Colgio
de Aplicao Joo XXII, Juiz de Fora. v. 2, n. 1, 2000. p. 87-100.

FERREIRA, Aurlio B. de Hollanda. Mini Aurlio. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2001.

HENRIQUES, Ricardo; BRANDT, Maria Elisa Almeida; JUNQUEIRA, Rogrio Diniz;


CHAMUSCA, Adelaide (orgs.). Gnero e diversidade sexual na escola: reconhecer
diferenas e superar preconceitos. Braslia: SECAD/MEC, 2007.

SOARES, Welington. Precisamos falar sobre Romeo... IN: Revista Nova Escola. Ano
30. no.279, Ed.Abril. Fev. 2015.p. 25-32.

VESTIDO Nuevo. Direo de Sergi Prez. Produo de Sergi Prez. Escndalo Films,
2007. Durao 13min 42. Disponvel em: https://www.youtube.com/watch?v=ktCXZg-
-HxGA. Acesso em 13 de jun. 2016.

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IDENTIDADES E IMAGINRIOS EM APLICATIVOS DE


ENCONTROS GAYS

Venan Lucas de Oliveira Alencar


Mestrando em Estudos Lingusticos
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]

GT 10 - Mdias digitais e (re)invenes da subjetividade

Resumo

Utilizar a internet como forma de encontrar novos parceiros tem modificado


a maneira como nos relacionamos. Na perspectiva da Anlise do Discurso,
analisamos perfis de usurios de trs aplicativos de encontros: Scruff, Hornet e
Grindr. Neles buscamos textos que trouxeram em suas descries imaginrios
sobre o uso dessas mdias. A anlise partiu de capturas de telas feitas em Belo
Horizonte. Assim, tentamos compreender quais os motivos que levaram esses
sujeitos a atriburem axiolgicos negativos ao uso de aplicativos. Para tanto,
valemos-nos sobretudo dos conceitos de Charaudeau (2015), Louro (2005) e
Miskolci (2009, 2012, 2015). Por fim, pretendemos compreender como homens
homossexuais que lanam mo da tecnologia se representavam e como viam o
outro na subcultura gay.
Palavras-chave: anlise do discurso; homossexualidades; aplicativos; identida-
des; imaginrios.

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Introduo

A proposta desse estudo compreender como se identificam e se repre-


sentam usurios de aplicativos de encontros gays na contemporaneidade. Alm
disso, quais imaginrios sociodiscursivos, na perspectiva de Patrick Charaudeau
(2015), circulam na subcultura gay sobre o uso dessas tecnologias para fins de
encontro.
Buscamos, pois, realizar uma ligao entre os imaginrios que circulam
sobre homens homossexuais e as identidades que eles assumem em descries
de perfis. Assim, atrelando identidades e imaginrios, pretendemos entender
como a representao discursiva de homens gays tem relao com um pro-
cesso vigente de negativaes a respeito de sexualidades dissidentes.
Para realizar tal investigao, foram utilizados trs aplicativos de encontros
gays: Scruff, Hornet e Grindr. Tendo-os instalados, entramos com uma conta
em cada um e, assim, j possuamos acesso ao perfil de todos os usurios que
estavam nos arredores. Selecionamos, ento, aqueles que traziam considera-
es sobre o uso desse recurso como forma de encontrar novos parceiros. Por
fim, fizemos capturas de tela desses sujeitos selecionados como corpus dessa
pesquisa. Alguns excertos esto transcritos nessa pesquisa, e as imagens pro-
priamente ditas foram apresentadas na modalidade comunicao individual
no VIII Congresso Internacional de Estudos sobre a Diversidade Sexual e de
Gnero, em Juiz de Fora (MG).
A metodologia est tambm embasada na anlise do discurso, conside-
rando sobretudo os conceitos de Patrick Charaudeau sobre imaginrios. Alm
disso, a Teoria Queer, principalmente as consideraes de Miskolci, nos serviu
de base terica para o entendimento de alguns fenmenos sociais como a hete-
ronormatividade e o espao das feminilidades na subcultura gay.
O objetivo era perceber a maneira como essas representaes de si esta-
vam ligadas subcultura gay e aos imaginrios sociodiscursivos vigentes.

Queering

A Teoria Queer emprega diversas ideias dos movimentos ps-estrutura-


listas de pensamento, como as de Jacques Lacan sobre a descentralizao do
sujeito (no mais visto como uno, indivisvel, dono e totalmente consciente de
suas aes), de Jacques Derrida sobre a descontrao das estruturas binrias

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lingusticas vigentes na lgica ocidental, em que o primeiro elemento sem-


pre superior ao segundo (macho/fmea, heterossexual/homossexual) em um
pensamento que elege e fixa uma ideia, uma identidade ou um sujeito como
fundante ou como central, determinando, a partir desse lugar, a posio do
outro, o seu oposto subordinado (LOURO, 2004, p. 42) e de Michel Foucault
com os modelos de discurso, conhecimento e poder.
O termo queer, que antes servia como uma injria a homossexuais,
agora tomado como uma forma de empoderamento para um movimento
social que diz no a qualquer forma de normalizao. Ainda, defende sobre-
tudo uma luta contra o heterosseximo, que a pressuposio de que todos
so, ou deveriam ser, heterossexuais, a heterossexualidade compulsria, ou
seja, a imposio de que essa relao o modelo de relao amorosa, e a
heteronormatividade, ordem social do presente, fundada no modelo familiar e
reprodutivo (MISKOLCI, 2012, p. 46-47). Tomando esses trs conceitos comum
dos elementos-chave, a teoria prope um olhar sempre crtico s convenes e
s normatividades, alm de pregar um no apagamento das diferenas.
Se hoje presenciamos uma cultura de sobrevalorizao da virilidade e da
masculinizao na subcultura gay, trata-se de um reflexo de toda uma cons-
truo histrico-social-ideolgica da sexualidade, em que a homossexualidade
incorporou diversos elementos da dinmica heterossexista e as elevou a um
novo patamar, em que quase todos padres de comportamento impostos so
ainda mais cobrados e visados.
Existe atualmente uma demanda, dentro da subcultura gay, de que os
homens e as mulheres adotem comportamentos discretos (DIDIER, 2008)
que no sejam homens femininos nem mulheres masculinas, que no paream
gays ou lsbicas, que no desloquem os gneros, ou seja, que no fujam s
normas e convenes do que tido como comportamentos masculinos e
femininos. A adoo de um estilo de vida consoante norma hegemnica
corrobora a heteronormatividade.
A heteronormatividade um regime de visibilidade, ou seja, um
modelo social regulador das formas como as pessoas se relacio-
nam. [] a sociedade ainda exige o cumprimento das expectativas
em relao ao gnero e a um estilo de vida que mantm a hete-
rossexualidade como um modelo inquestionvel para todos/as.
(MISKOLCI, 2012, p. 44-45, grifos nossos)

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Portanto, o parecer heterossexual cumpre a expectativa em relao a


gnero, pois no o desloca e mantm o modelo heterossexista inquestionavel-
mente como o melhor para todos. Ainda, relega margem todos aqueles que
no o cumpre e contribui para o aumento de desigualdades dentro de uma
subcultura inferiorizada.

Identidades e imaginrios

Numa tentativa de escapar a todos os imaginrios negativos que a histria


j lhes havia encarregado de portar, as identidades foram tomando uma fluidez
positiva, a nosso modo de ver, uma vez que romperam com a rigidez de um
imaginrio categorizante e inferiorizador dos homens gays, de modo geral.
Bauman (2000), em sua perspectiva sociolgica, mostra como o mundo
lquido moderno no comporta mais identidades fixas. A prpria ideia de
liquidez vai de encontra s de fixidez, engessamento, solidez que antes eram
buscadas como formas de vida. Essa instabilidade, analisada no campo das
relaes amorosas, encontrou um forte aliado nos aparelhos eletrnicos, pois
para o autor,
[] porque somos incessantemente forados a torcer e moldar
as nossas identidades [] que instrumentos eletrnicos para fazer
exatamente isso nos so acessveis e tendem a ser entusiastica-
mente adotados por milhes. (BAUMAN, 2000, p. 96-97)

Portanto, esse seria o espao ideal para emergirem novas identidades.


A sociedade organiza os indivduos de acordo com atributos conside-
rados naturais e esperados de cada categoria. [] quando um estranho nos
apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e
os seus atributos, a sua identidade social. (GOFFMAN, 1988, p.12). Goffman
ainda diferencia identidade social virtual de identidade social real. A primeira
estaria associada a certas expectativas que fazemos em relao a um indivduo,
demandas vindas de um retrospecto, algo que nos anterior. Quando essas
demandas e as atributos coincidem com nossas expectativas, dizemos que se
trata de uma identidade social real.
A partir dessa leitura e de outras, podemos dizer que as identidades
sociais real e virtual dos homossexuais, em geral, nem sempre coincidem.
Ainda, parece haver um esforo para que isso realmente no ocorra. Ora, se a

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virtual , na maioria das vezes, inferiorizante, esperado que, por parte deles,
haja interesse em desmantelar esse pr-construdo negativo e torn-lo positivo.
Sobre o termo imaginrio, Charaudeau (2015, p. 04) explica que se trata
de um modo de apreenso do mundo, vindo de um mecanismo de repre-
sentaes sociais que constroem significaes dos objetos, dos seres humanos
e seus comportamentos. Portanto, o imaginrio viria como algo de dimenso
mais varivel. Se o discurso constri dimenses do real, que s fazem sentido
a partir de apreenses que o sujeito faz do mundo emprico (realidade a signi-
ficar), realmente no caberia um julgamento fixo, do tipo verdadeiro ou falso.
Pensando ainda no lado prtico desse estudo, percebemos que os ima-
ginrios que circulam sobre usurios de aplicativos de encontros gays so de
axiolgico sobretudo negativo. Dentro dessa prtica, quem est inscrito nesse
domnio enxerga com maus olhos os homens que lanam mo da tecnologia
para fins de relacionamentos e de encontros. Em outras palavras, h um julga-
mento negativo de algo de que o prprio julgador participa.
o que encontramos nas coletas nos meses de janeiro e maro de 2016
na cidade de Belo Horizonte (MG). Muitos usurios demonstraram discursiva-
mente em suas descries de perfil como estavam insatisfeitos com a situao
de estarem na condio de usar um aplicativo de encontro. Outros ainda afir-
maram ser algo passageiro e, por essa razo, querem encontrar algum o mais
rpido possvel para sair daquela situao ruim.

Aplicativos de encontros gays

As salas de bate-papo permanceram quase como formas unnimes de


relacionamentos para gays, tanto os assumidos como os no-assumidos, at a
popularizao dos smartphones e o surgimentos dos aplicativos de encontro.
Quase todos [os entrevistados] comearam usando as salas de bate-
-papo online voltadas ao pblico gay e/ou bissexual nos anos 1990,
passaram a associar a esse hbito o uso de sites de busca de parcei-
ros na dcada seguinte at que, em graus variados, aderiram ao uso
dos aplicativos desde sua maior disseminao no Brasil, a partir de
2010. (MISKOLCI, 2015, p. 64)

O primeiro aplicativo foi o Grindr, lanado em 2009 e hoje considerado


a rede social, exclusiva para homens gays, mais popular entre todas (so mais

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de 5 milhes em 192 pases)1. O objetivo final de us-la, de acordo com a


empresa, desligar o Grindr e se encontrar com o cara com quem voc estava
conversando. Estar a 0 ps de distncia a nossa misso para voc2.
J o Hornet veio depois, em outubro de 2011. Ele mostra, primeiramente,
os usurios que esto mais prximos, mas, com a ferramenta explorar, pos-
svel encontrar novos em outras localidades. um modo divertido e fcil para
que homens gays, bissexuais e curiosos se encontrem3.
O Scruff o mais recente de todos analisados chegou ao Brasil em
novembro de 2013, mas foi lanado nos Estados Unidos em 2010. Seus cria-
dores viram no Brasil uma tima oportunidade de marketing para lan-lo, na
ocasio em que o pas ganhava grande visibilidade no cenrio internacional,
sediando a Copa Mundial de Futebol (2014) e os Jogos Olmpicos (2016).
Esse novo modo de relacionar, primeira vista to libertador, tem mos-
trado aos pesquisadores como o virtual est carregado de preceitos da norma
social dominante. preciso, mesmo nesse domnio online, gerir sua prpria visi-
bilidade. Se os imaginrios esto carregados de axiolgicos negativos em relao
ao uso do suporte aplicativo, vrios so os meios que utilizam os usurios para
escapar essa negativao. As negaes, conforme pudemos constatar, variam
desde a recusa ao uso do aplicativo, de se enquadrar ao que tido como o
meio gay. Ou, ainda, no aceitar qualquer outro uso a no ser para pegao
o interesse no est em conhecer algum, mas apenas encontrar para fins de
sexo, por exemplo. Em outras palavras, usar esse suporte e estar nesse ambiente
algo to ruim que so necessrias vrias negaes para justificar o uso de
algo mal visto pela prpria subcultura gay (ou parte dela).
Expresses do tipo no criando expectativas para esse aplicativo, no
criando expectativas nesse aplicativo, esperana daquele 1% de chance, sem
um pingo de expectativa, no quero s fastfoda, cansado da mesmice, pro-
curo um motivo para deletar isso aqui, [procuro] um cara bacana que me tire
desse APP, foram algumas que encontramos no decorrer dos meses de coleta.

1 Dados obtidos no site da empresa: http://grindr.com/learn-more. Acesso em: 11 mar. 2015.


2 Traduo nossa do ingls para: Turning Grindr off and being there in-person with that guy you were
chatting with is the final goal of using the app. Being 0 feet away is our mission for you.
3 Traduo nossa do ingls para: Hornet makes it fun and easy for gay, bi, and curious guys to meet
each other

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Se as sexualidades dissidentes, conforme o emprega Miskolci (2009),


hoje possuem uma alternativa de relacionamentos que foge da ordem social
dominante heteronormativa e de um discurso hegemnico, parece-nos, pelas
observaes desses perfis, que no est ocorrendo um uso inclusivo ou positivo
daquilo que, de acordo com o idealizador do Hornet, por exemplo, foi feito
tambm para pessoas com motivaes no sexuais. Ainda assim, mesmo para
aqueles que as possuem, o que temos observado que existe mais excluso do
que incluso. Da encontrarmos tambm de forma recorrente expresses do
tipo nada de enrolao, preguia de gente lero lero, esse aplicativo parece
mais um agncia de modelos, preguia desses caras que se acham.

Consideraes finais

Os imaginrios sociodiscursivos sobre o uso de aplicativos de relacio-


namento gay esto carregados de axiolgicos negativos. Provenientes de uma
cultura hegemnica que desconsidera quaisquer formas de relacionamento seno
as heterossexuais, esses imaginrios so reiterados e reforados na subcultura gay
de modo que geram, consequentemente, algumas excluses. Alm disso, tornam
a relao e a viso das diversas identidades gays mais difceis, pois tendem a um
engessamento de comportamentos e de modos de apreenso do mundo.
Compreendendo que esses sujeitos so mltiplos, assumem diferentes
identidades, se descrevem de diferentes formas, possuem vivncias singulares
e subjetivas e, ao mesmo tempo, partilham de uma mesma condio, seria
possvel pensar mais em uma integrao antes de uma negao do outro. Por
isso, a Teoria Queer se mostra to importante para o entendimento de alguns
fenmenos sociais, como o da excluso do obsceno, a no aceitao do que
est fora da norma, o rechao s feminilidades, enfim, todos aqueles que, de
algum modo, prezam pela manuteno de padres.
A teoria de Charaudeau sobre imaginrios trouxe-nos importantes considera-
es para entendermos a dimenso desse conceito, que integra uma universalidade
de outras ideias, como a de identidades, abordada nesse estudo. Estas, quando
tratamos de homossexuais masculinos, foram historicamente marcadas de modo
negativo pela cultura hegemnica e esto, de diversas maneiras, ainda reproduzi-
das pela subcultura gay. A articulao de identidades e imaginrios foi necessria
para visualizarmos como a representao de si e do outro se dava nos aplicativos
estudados e por qu o era feito de modo predominantemente negativo.

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Referncias

BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Ed., 2005.

CHARAUDEAU, P. Les strotypes, cest bien. Les imaginaires, cest mieux. In


Boyer H. (dir.), Strotypage, strotypes : fonctionnements ordinaires et mises en
scne, LHarmattan, Paris. Disponvel em: http://www.patrick-charaudeau.com/Les-
stereotypes-cest-bien-Les.html. Acesso em: 14 dez. 2015.

DIDIER, Eribon. Reflexes sobre a questo gay. Trad. Procpio Abreu. Rio de Janeiro:
Companhia de Freud, 2008.

GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulao da Identidade Deteriorada.


Quarta Edio. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988 [1963].

LOURO, Guacira L. Um corpo estranho ensaios sobre sexualidade e teoria queer.


Belo Horizonte: Autntica, 2004.

MISKOLCI, Richard. Discreto e fora do meio Notas sobre a visibilidade sexual con-
tempornea. Dossi: Percursos digitais: corpos, desejos, visibilidades. Caderno pagu
(44), janeiro-junho de 2015: 61-90.

MISKOLCI, R. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenas. 2 ed. rev. e ampl.


Belo Horizonte: Autntica: UFOP Universidade Federal de Ouro Preto, 2012.
(Srie Cadernos da Diversidade; 6)

MISKOLCI, R. O armrio ampliado notas sobre sociabilidade homoertica na era da


internet. Revista Gnero. Niteroi, v. 9, n. 2, p. 171-190, 1. sem. 2009.

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DESCONSTRUINDO ESTERETIPOS GAYS:


ANLISE DE VDEO DO CANAL PE NA RODA

Robson Evangelista dos Santos Filho


Graduando em Comunicao Social/Jornalismo pela
Universidade Federal de Viosa e Bolsista PIBIC/FAPEMIG
[email protected]

Mariana Ramalho Procpio


Doutora em Lingustica do Texto e do Discurso pela
Universidade Federal de Minas Gerais e
Professora do Curso de Comunicao Social/Jornalismo da
Universidade Federal de Viosa
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

O presente artigo traz algumas reflexes sobre os esteretipos que so cos-


tumeiramente relacionados comunidade gay, baseadas em uma anlise do
discurso do vdeo No por ser gay que eu..., produzido pelo canal do youtube
Pe na Roda. Para promover esta discusso, valeremo-nos das contribuies
tericas da anlise do discurso desenvolvida por Charaudeau (2008), por abor-
dagens discursivas sobre esteretipos no trabalho de Lysardo-Dias (2006) e por
discusses sobre identidade gay nos trabalhos de Almeida (2016) e Lau (2016).
A partir de nossas anlises, acreditamos que o produto se prope a desmitificar
alguns destes esteretipos, mas pode, na contramo, acabar reforando-os por
meio das estratgias discursivas utilizadas.
Palavras-chave: gays; esteretipos; anlise do discurso; vdeo; Pe na Roda.

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1. Introduo

A discusso apresentada neste artigo provm do projeto de pesquisa A


construo de identidade(s) por meio de uma anlise dos vdeos do Canal Pe
na Roda, desenvolvido pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciao
Cientfica (PIBIC), com o financiamento da Fundao de Amparo a Pesquisa
do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). A proposta analisar como as questes
relacionadas ao universo LGBT so tratadas nos vdeos do canal Pe na Roda1,
de que modo a identidade gay, tanto a individual quanto a coletiva, por eles
construda e se esta construo considera as alteridades existentes no prprio
grupo.
Neste artigo, apresentamos parte de nossas anlises iniciais que se refe-
rem ao uso de esteretipos, numa perspectiva discursiva, para a construo de
identidades gay. Para tanto, utilizamos o vdeo No por ser gay que eu2 de
modo a observar como os esteretipos so mobilizados no vdeo como uma
estratgia discursiva para a construo de identidade(s) gay.

2. Identidade e esteretipo numa perspectiva discursiva

Para falarmos de identidade em uma perspectiva discursiva, necessria


a existncia de um eu, enquanto sujeito falante, produtor de um ato de lin-
guagem, tanto quanto da conscincia de si em relao ao outro. justamente
no encontro e diferena com o outro que as identidades so materializadas.
(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004)
Nessa perspectiva, a identidade de um sujeito do discurso se relaciona a
duas instncias: a identidade pessoal e a identidade de posicionamento. Esta
identidade pessoal marcada tanto pela identidade psicossocial do sujeito
comunicante (caractersticas que o identificam como um ser emprico, tais
como sexo, idade, estatuto civil, etc.), quanto pela identidade discursiva, que
diz respeito aos papis enunciativos do enunciador bem como pelos modos
de enunciao que ele desenvolve no momento de seu ato de linguagem. J
a identidade de posicionamento est relacionada posio ocupada por um

1 Disponvel em: https://www.youtube.com/user/canalpoenaroda.


2 Disponvel em: https://www.youtube.com/watch?v=f5E5U_LO2c4.

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sujeito em relao a um campo discursivo, aos valores que a ele podem ser
atribudos. Ao se posicionar em determinado campo, o sujeito indicar a adeso
a determinados valores e estes passaro a compor sua identidade. Por exemplo,
um sujeito que dentro do campo discursivo religioso se enuncia como cristo
ou como ateu, ter tais qualificaes (e os valores a elas associados) relaciona-
dos sua identidade.
Nesse processo de produo de um ato de linguagem (e, por conseguinte,
na apresentao e construo das identidades), somos levados, de modo invo-
luntrio ou no, a nos basear em representaes sociais, numa tentativa de
conferir maior legibilidade para nosso discurso. Conforme Moscovici (2003),
as representaes sociais tm o objetivo maior de familiarizar aquilo que ainda
no familiar, trazendo para o universo consensual, aquilo que largamente
difundido.
Dentre as formas de representaes sociais, acreditamos que os estere-
tipos costumam ser mais facilmente desidentificveis. Segundo Lysardo-Dias
(2006, p.27) o esteretipo uma representao fixada e partilhada por uma
coletividade que depende dele para interagir. possvel perceber que os
esteretipos funcionam como um modo de conhecimento da realidade e de
identidade social, possibilitando uma viso compartilhada que favorece a inter-
compreenso. Todavia, Procpio-Xavier nos alerta:
Nessa perspectiva, o esteretipo percebido como uma imagem
pr-estabelecida e cristalizada, construda a partir da influncia
e dinmica dos diversos grupos sociais. O recurso ao esteretipo
pode auxiliar na construo das identidades sociais, bem como
fomentar impresses preconceituosas e discriminatrias em funo
de uma identificao pejorativa do outro. Vale ressaltar, contudo,
que estes esteretipos iro variar de grupo para grupo, de um con-
texto a outro. (PROCPIO-XAVIER, 2012, p.64)

Devido a esse carter cristalizado e possivelmente pejorativo, muitos estu-


diosos preferem trabalhar com o conceito de representaes sociais, que tende
a ser mais dinmico e menos marcado negativamente. Entretanto, para este tra-
balho, pensamos ser mais cabvel a utilizao do conceito de esteretipo, uma
vez que acreditamos haver nos vdeos do canal uma recorrncia a modelos de
representao cristalizados da identidade gay.

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3. Anlise discursiva do vdeo No por ser gay que eu...

O canal Pe na Roda foi criado em abril de 2014 e contm atualmente


170 vdeos, contabilizando mais de 425 mil inscritos e quase 45 milhes de
visualizaes3. O canal produz e lana semanalmente vdeos que tratam de
questes LGBTs, unindo ativismo, humor e informao. As produes do canal
consistem em esquetes humorsticos de temticas variadas, alm de reporta-
gens, notcias, quadros de games, de perguntas e respostas e de conselhos para
problemas do cotidiano.
Para a anlise discursiva deste artigo, escolhemos como objeto de estudo
o vdeo No por ser gay que eu..., um dos primeiros produzidos pelo Pe na
Roda e o mais popular do canal, alcanando um total de 1895435 visualiza-
es4. Nos quase dois minutos de durao do vdeo, so apresentados diversos
depoimentos que se propem a desconstruir alguns dos esteretipos relaciona-
dos aos homens gays.
O vdeo se baseia na repetio de um ato de comportamento elocutivo
(CHARAUEDEAU, 2008), sendo a categoria de sujeito enunciador assumida por
vrios sujeitos empricos, que tomam a palavra e assumem o lugar de enun-
ciadores do discurso. A respeito de suas identidades psicossociais, pouco nos
revelado no sabemos nome nem idade de tais sujeitos, mas consegui-
mos inferir algumas caractersticas identitrias (juventude, maturidade, altura,
etc.) pela presena icnica deles no vdeo. Quando nos referimos identi-
dade discursiva, temos a repetio do ato elocutivo No por ser gay que
eu, materializando a identidade de posicionamento desses sujeitos. Nesse
momento, todos assumem uma caracterstica ser gay possveis valores a ela
associado.
Se a repetio do ato elocutivo pode parecer ser uma restrio deste
ato de linguagem, isto , todos esto impostos a usar uma mesma estrutura
lingustico-discursiva para se expressarem, o espao de estratgias parece se
configurar nas informaes fornecidas como continuao deste ato de lingua-
gem. Quando falamos de estratgias, referimo-nos ao conceito de Charaudeau
(2008) sobre a adoo de determinados procedimentos lingustico-discursivos

3 Dados consultados em 30 de junho de 2016.


4 Dados consultados em 05 de julho de 2016.

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com vistas a despertar determinados efeitos no interlocutor, como seduzir, con-


vencer, dentre outros. No caso de nossa anlise, estamos diante de um vdeo
cuja finalidade parece ser, por meio do humor, persuadir o pblico sobre as
ideias ali apresentadas, como a desmistificao de alguns tipos preconcebi-
dos para a representao dos gays. A fim de alcanar esse efeito, os sujeitos
enunciadores se valem de modo estratgico de imagens cristalizadas na socie-
dade costumeiramente associadas ao pblico gay para tentar desconstru-las.
Destacaremos alguns esteretipos encontrados.
Os primeiros depoimentos No por ser gay que eu me depilo e que
eu tenho barriga tanquinho so ditos, respectivamente, por um homem com
pelos no peito e por um gordo e parecem fazer referncia tribo gay nomeada
de ursos, da qual fazem parte homens gays, gordos e peludos, que opem-se
aos gays conhecidos como barbies, ou seja, aqueles que valorizam excessiva-
mente a aparncia e o corpo musculoso.
O destaque dado aos msculos, de acordo com Almeida (2016), comeou
por volta da dcada de 1970, emergindo com um novo estilo que se focava
principalmente em um padro de masculinidade, seja na aparncia ou no
modo de agir e de se vestir, a fim de romper a relao entre gay e efeminado.
Este novo estilo descrito por Muoz e Figari (apud ALMEIDA, 2016), como
uma apropriao de smbolos da masculinidade, com a presena do visual dos
esportes masculinos na indstria pornogrfica gay e com a produo de corpos
padronizados hipermusculosos nas academias gays.
Quanto relao com aspectos do feminino, Almeida (2016) ressalta que
persiste uma relao negativa a tais aspectos no grupo de homens homosse-
xuais e que, embora ser efeminado no seja mais uma caracterstica atribuda
ao grupo todo, ainda algo evitvel de ser anunciada. No vdeo, por exemplo,
um gay musculoso e masculinizado, argumenta que no por ser gay que ele
fala miando, fazendo referncia voz fina, feminina. Nesse caso especfico,
parece-nos que o uso estratgico de um esteretipo para desconstru-lo, no
foi muito eficiente, uma vez que h a afirmao e valorizao de um modelo
estereotpico para os gays (o musculoso e masculinizado) em detrimento a uma
desvalorizao e desqualificao de outra forma de representao identitria:
o efeminado.
Acreditamos que o esteretipo do gay efeminado foi durante muito
tempo o mais difundido, principalmente pelos formatos miditicos, como as
telenovelas, que representavam os gays de forma caricata, como personagens

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efeminados, vaidosos, geralmente com profisses estereotipadas e com excesso


de humor, fazendo, inclusive, uso de alguns bordes. Como exemplos, temos
os personagens Cssio (interpretado por Marco Pigossi), um estilista na novela
Caras&Bocas (2009/2010) e Cr (Marcelo Serrado) em Fina Estampa (2011),
ambas as produes veiculadas pela Rede Globo.
No vdeo do Pe na Roda so mencionadas outras imagens cristalizadas
sobre os gays. Um jogador de futebol com a camisa do Corinthians diz que no
por ser gay que ele torce para o So Paulo, enquanto na sequncia outro ves-
tido com o uniforme do time tricolor paulista questiona No?. A forma como
este questionamento foi apresentado, portanto, pareceu reforar o esteretipo,
medida que pode se interpretar a partir dele que todos os gays torcem pelo
time do Morumbi. Vale ressaltar aqui que o apelido de bambi foi dado aos
so-paulinos, ou popularizado, pelo ex-jogador do Corinthians, Vampeta, no
fim da dcada de 19905. Termos como este j possuem conotao pejorativa
por associar a figura homossexual masculina ao veado ou, especificamente,
ao Bambi, fazendo referncia ao veado delicado do desenho da Walt Disney,
o que desqualifica os gays efeminados, estereotipando-os como algo negativo
(LAU, 2016).
So associaes como esta que, para Lau (2016), geram preconceitos e
imagens depreciativas sobre o que ser gay, tomando a orientao sexual
como errada, por ser relacionada ao mundo promscuo em que os gays pos-
suem aplicativos de pegao, que no namoram (LAU, 2016, p. 145), dentre
outras ideias estereotipadas que tambm so abordadas no vdeo do Pe na
Roda. Entendemos que a proposta era de fazer humor, mas acreditamos que a
forma como foi apresentada acabou por reforar um esteretipo.
A questo religiosa tambm foi mencionada com o depoimento de um
dos produtores do vdeo, que, ajoelhado em uma igreja, falou que no por
ser gay que ele vai para o inferno. Assim como as terminologias de doente,
criminoso e promscuo, a de pecador tambm tornou-se um esteretipo, princi-
palmente a partir da Era Crist, quando a conduta sexual passou a ser regulada
pelas autoridades civis e eclesisticas, que definiram a prtica homossexual
como pecado contra a natureza e crime passvel de morte, uma vez que no

5 De acordo com entrevista dada por Vampeta no programa Roberto Justus Mais, exibido pela Rede
Record em setembro de 2012.

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era realizada para a produo de filhos (ALMEIDA, 2016) e a ideia se mantm


at atualmente, disseminada em vrias religies.
O vdeo tratou, ainda, de outros temas importantes, como a questo dos
termos opo versus orientao sexual, com um dos participantes dizendo no
ter escolhido ser gay e outros complementando que, se pudessem, at escolhe-
riam. Outro contou, acompanhado por seu pai, que no por ser gay que no
motivo de orgulho para ele e um casal, junto com seus dois filhos adotados,
afirmou que podem constituir uma famlia. Todavia, procuramos destacar nessa
breve anlise aqueles que pareceram-nos mais recorrentes.

4. Consideraes Finais

Por meio de nossas anlises, foi possvel perceber que o uso do estere-
tipo como estratgia lingustico-discursiva parece ser de grande validade para
a elaborao de atos de linguagem em que se pretende problematizar algumas
questes e convencer o outro de determinadas posies. Adotar imagens cris-
talizadas na sociedade como recurso lingustico-discursivo tende a fazer com
que o pblico compreenda sobre o qu se est falando para, num segundo
momento, a partir da articulao texto e imagem e pela repetio do ato elocu-
tivo proposto no vdeo possamos desconstruir a prpria imagem estereotipada.
De todo modo, ao recorrermos aos esteretipos como forma de tematizar,
de ilustrar um determinado propsito discursivo, corremos o risco de, mesmo
sem inteno, reforar o prprio modelo cristalizado. Quando articulamos dife-
rentes esteretipos e estes se referenciam numa tentativa de demarcao de
identidade de posicionamento, podemos incorrer numa valorao depreciativa
da representao que se apresenta como diferente.
Destacamos aqui que o trabalho do canal tenta valorizar a alteridade e a
diferena, mas possvel que esteja contribuindo para o reforo da estereotipia,
principalmente por causa do humor. preciso ressaltar, entretanto, que estas
so anlises iniciais e, como o projeto ainda est sendo desenvolvido, precisa-
mos, pois, de mais estudos e articulao entre referenciais tericos e o material
emprico, no que se refere discusso de esteretipos, para obter resultados
conclusivos.

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5. Referncias bibliogrficas

ALMEIDA, D. M. V. Performatividades gays: um estudo na perspectiva brasileira e


argentina. Tese (Doutorado) Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingusticos da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte MG, 2016.

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionrio de Anlise do Discurso. So


Paulo: Contexto, 2004

CHARAUDEAU, P. Linguagem e Discurso. So Paulo: Contexto, 2008.

LAU, H. D. Que gay esse na comunidade gay? Revista Temtica, ano XII, n. 02.
NAMID/UFPB, fevereiro de 2016. Disponvel em:

http://www.ies.ufpb.br/ojs/index.php/tematica/article/view/27810/14943. Data de
acesso: 10 de julho de 2016.

LYSARDO-DIAS. D. O discurso do esteretipo na mdia. In: EMEDIATO, W.;


MACHADO, I.L.; MENEZES, W. (Orgs) Anlise do Discurso: Gneros, Comunicao
e Sociedade. BeloHorizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2006. p. 25-36.

MOSCOVICI, S. Representaes Sociais: investigaes em psicologia social. Traduo


por Pedrinho A. Guareschi. Petrpolis: Vozes, 2003.

PROCPIO-XAVIER, M. R. A configurao discursiva de biografias a partir de


algumas balizas de Histria e Jornalismo. Tese (Doutorado) Programa de Ps-
Graduao em Estudos Lingusticos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Belo Horizonte MG, 2012.

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COMO ESQUECER: UMA REFLEXO SOBRE


HOMOSSEXUALIDADE NO CINEMA BRASILEIRO

Yarle Ramalho dos Santos


Graduando do curso de Comunicao Social/Jornalismo
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
[email protected]

Marcus Antnio Assis Lima


Doutor em Estudos Lingusticos
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

O presente trabalho tem como finalidade analisar, de forma parcial, os modos


que o cinema brasileiro costuma retratar a personagem homossexual como
protagonista, em especial pelo gnero dramtico, e o que isso influencia nos
comportamentos sociais. Com base em Lus Nogueira, Andr Ricardo Araujo
Virgens, Antnio Moreno e Eduardo de Figueiredo Caldas, enfrentaremos o
assunto quanto s modificaes que a sociedade brasileira passou, no intervalo
entre a chegada do cinema at os dias atuais. Para deixar o trabalho mais dire-
cionado, foi utilizado o filme Como Esquecer, dirigido por Malu de Martino
em 2010, para observar como a atuao da personagem homossexual e a
sada das interpretaes nas telas para a realidade social.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; poltica; gnero; homocultura.

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Introduo

A homossexualidade vem sendo tratada de maneira oculta e brutal pela


sociedade, onde a nica representao possvel era/ de sujeitos inferiores.
Esteretipos politicamente tendenciosos so os responsveis pelas configura-
es que as cenas dos filmes refletem na vida cotidiana. Nesse sentido, Moreno
(2001), afirma que
Para compreenso de uma mensagem, todo processo de comuni-
cao est centrado na relao entre emissor e receptor. Mensagem
que transmitida pelo emissor atravs de cdigos, cujo domnio
pelo receptor implica o tipo de interpretao dada mensagem.
Toda mensagem exige um tipo de discurso. (p.19)

Dessa maneira, o gnero dramtico pode ser visto, ento, como uma fer-
ramenta para evidenciar as intencionalidades dessas representaes nos filmes,
pois, por se tratar de um gnero eivado de emoes e sensaes, a legitimidade
do discurso pode ser imediata.
Sabemos que durante esses 121 anos de existncia do cinema, muitos
filmes sobre temticas LGBTT estrearam no mundo inteiro; muitos com per-
sonagens homossexuais (bem representados ou no) e muitos produzidos por
produtores e diretores publicamente assumidos. Com essa perspectiva, os crit-
rios usados para a escolha do filme a ser analisado e a metodologia empregada
neste trabalho foram: i) pelcula que tivesse personagens LGBTT como protago-
nistas; ii) que a produo fosse nacional.

Breve histria da personagem homossexual no cinema brasileiro

Por conta da inexistncia de cpias de filmes nas cinematecas e em biblio-


tecas brasileiras, fazer um panorama e uma contextualizao mais definitiva
quanto s produes nacionais torna-se uma tarefa rdua, porm, possvel de
ser realizada.
O primeiro filme com temtica LGBTT (re) produzido no Brasil data de
pouco mais de 90 anos. Foi no ano de 1923 que Luiz de Barros estreiou a
comdia Augusto Anbal quer casar, exibida no Rio de Janeiro, no Parisiense
(MORENO, 2001). Por ser um filme desaparecido, no se sabe exatamente o seu
tempo de durao. Mas, por conta da poca e da histria que se tem a respeito

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da produo cinematogrfica brasileira, possvel confirmar que essa foi uma


pelcula do cinema mudo e em preto e branco. Estudando e refletindo sobre os
personagens homossexuais no cinema brasileiro, Moreno (2001, p.67) comenta
que depois deste filme, provavelmente devido ao preconceito que existe em
relao ao homossexualismo, no encontramos, no decorrer do resto da dcada
de 1920 e de toda a dcada de 1930, filmes com referncia ao assunto.
Entre o anos de 1930 a 1950, a realidade do cinema brasileiro no estava
muito ligada ainda com as temticas LGBTT, mesmo que, a cada dois anos,
alguns filmes traziam personagens LGBTT. Seguidamente, a partir da dcada
de 1960 que as produes de longas-metragens intensificam as exibies com
esse tipo de assunto. Filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol, produ-
zido por Glauber Rocha, O bandido da luz vermelha, produzido por Rogrio
Sganzerla, Estranho tringulo, produzido por Pedro Camargo, O amuleto de
Ogum, produzido por Nelson Pereira dos Santos, O cortio, produzido por
Francisco Ramalho, entre outros, marcaram significativamente as dcadas de
1970 e 1980 do cinema brasileiro.

A homossexualidade no cinema e no cotidiano brasileiro

Nos anos 1960, o Brasil presenciava manifestaes em buscas de direitos


civis, tendo como protagonistas, muitas vezes, os movimentos gays. Por sua vez,
o campo cinematogrfico aproveita-se dessas temticas para alavancar as pro-
dues a partir desses contextos. Assim, se os cenrios cinematogrficos, at os
anos 1970, tinham o costume de exibir os comportamentos de minorias tratan-
do-os como temas-tabu e/ou fundamentalmente estereotipados, a partir desta
poca, essa realidade foi se modificando e incluindo outras representaes.
A homossexualidade, por exemplo, foi ganhando espaos nos cinemas
brasileiros de forma considervel. Obviamente, no se deve esquecer que a
realidade social de tal poca influencia significativamente nas prticas cinema-
togrficas em vigncia. Contudo, as produes que circulavam em temticas
LGBTT, desde os anos 1980, ainda estavam contaminadas pelos esteretipos,
nos quais os resultados so, fundamentalmente, deformantes.
Pelo retrato social oferecido nesses filmes, o homossexual seria, em
sntese: um sujeito alienado politicamente; existente em todas as
classes sociais, com preponderncia na classe mdia baixa onde,
geralmente, tem um subemprego; de comportamento agressivo e

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que usa, frequentemente, um gestual feminino exacerbado, o que


se estende ao gosto pelo vesturio; e que, nos relacionamentos
interpessoais, mostra tendncia solido e incapaz de uma rela-
o monogmica, pois utiliza-se de vrios parceiros, geralmente
pagos, para ter companhia. (VIRGENS, 2001. p. 291)

Em contrapartida e, ao mesmo tempo, dialogando, Virgens (2013) com-


prova que
Assim, mesmo podendo questionar o modo como a homossexuali-
dade era tratada, especialmente do ponto de vista do cmico e da
estranheza, em nmeros absolutos, esse foi um perodo importante
para uma mudana em relao ao silncio e construo da invisi-
bilidade homossexual na arte cinematogrfica nacional.

Filmes como O beijo da mulher aranha, dirigido por Hctor Babenco;


Caf com leite, dirigido por Daniel Ribeiro; A busca, dirigido por Luciano
Moura e at o prprio objeto deste trabalho, o filme Como esquecer, dirigido
por Malu de Martino, so exemplos de produes que apresentam narrativas
autocrticas e, ao mesmo tempo, problematizadoras. Por isso, Moreno constata
que [] o tema era to tabu que nem mesmo se permitia ao pblico imagi-
nar tal tipo de comportamento. Era como se o homossexualismo no existisse.
Embora houvesse a sociedade fingia no perceber. E o cinema seguia a regra.
(MORENO, 2001, p.26)
As produes com protagonismo homossexual, no cinema brasileiro, per-
passaram (e a realidade atual ainda depara com esse traje) muito pelo gnero
cmico. Inclusive, muitos dos esteretipos encontrados no cotidiano brasileiro,
os quais contribuem para manuteno da opresso ao pblico LGBTT, so
reflexos dessas comdias. Por exemplo, quando a personagem homossexual
apresentada como a exagerada, a que domina de um vocabulrio de jarges
independentes do seu grupo, a que se veste extravagantemente, a que pos-
sui uma gestualidade em excesso, entre outros clichs inconvenientes, como
se TODOS indivduos desse grupo se comportassem daquela forma.
No gnero drama, a forma de abordagem dessas personagens um
pouco diferente, mas nem por isso positiva. A personagem homossexual no
drama, geralmente, mostrada como a figura frgil, que vivencia um contexto
negativamente complicado no seu meio familiar ou de amigos e que, por conta
dessas condies, pode afetar as relaes entre as pessoas que convivem ao

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seu entorno. Nesse sentido, Moreno (2001) confirma que, alm de pouco expl-
cita, a homossexualidade era todo o tempo associada ao domnio do risvel,
realado por um toque efeminado nos trejeitos e vozes dos personagens, o que,
para este autor, faria parte de um modelo severo e preconceituoso.
Complementando o pensamento de Moreno (2001), que diz respeito
tendncia majoritria dos longas-metragens nacionais, por ser vulgar, a perso-
nagem homossexual, associada a doenas, prostituies, vcios e crimes, uma
trivialidade imposta frontalmente na vida cotidiana e, com isso, as opresses
ganharam espaos. E no podemos esquecer a problemtica de raas e etnias
apresentadas nos filmes, nos quais as personagens homossexuais protagonis-
tas ou no usualmente so brancas e de condies financeiras elevadas.

Anlise do filme Como Esquecer

Para facilitar o entendimento e, ao mesmo tempo, dar uma sequncia


linear de compreenso ao trabalho, ser utilizada uma anlise estrutural e
uma significativa, conforme proposto pelos estudos de Moreno, inclusive na
formatao dos dados em tabelas (2001). Para a anlise estrutural, sero consi-
derados: i) o Ttulo; ii) o Gnero; iii) o Elenco e Personagens; iv) a Sinopse. Para
a anlise significativa, ser examinada a narrativa da trama e a sua gestualidade
cinematogrfica.
Esse modelo de anlise tem como finalidade estudar os contextos socio-
culturais que o filme Como Esquecer abrange, ao exibir os personagens
homossexuais Julia, lsbica, interpretada pela atriz Ana Paula Arsio; e Hugo,
gay, interpretado por Murilo Rosa. Alm disso, examinaremos as narrativas que
entrelaam as personagens e, por ltimo, a gestualidade que compe a carac-
terizao das mesmas.

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1. Anlise estrutural do filme Como esquecer


Ttulo: Como esquecer.
Gnero: Drama, Romance.
Elenco e personagens: Direo: Malu de Martino; Roteiro: Jos Carvalho e Slvia Loureno;
Produo: Elisa Tolomelli; Equipe tcnica: Pedro Rossi; Personagens: Ana Paula Arsio, inter-
pretando Jlia. Bianca Comparato, interpretando Carmem Lygia. Natalia Lage, interpretando
Lisa. Murilo Rosa, interpretando Hugo.
Sinopse: Jlia (Ana Paula Arsio) professora de literatura inglesa e no se conforma de ter
sido abandonada por sua companheira Antnia, depois de 10 anos de relacionamento. Ago-
ra, de mal com a vida, ela luta para enfrentar os fantasmas das recordaes e para isso vai
contar com o apoio do amigo Hugo (Murilo Rosa), um gay vivo, com quem ir dividir um
novo lar e tentar aprender que a vida segue em frente e os sentimentos perduram. (ADORO
CINEMA, 2010)
2. Anlise significativa do filme Como esquecer
Linguagem Significante (denotao)
Posio do homossexual no enredo: Ambas as personagens homosse-
xuais ocupam, cinematograficamente, a posio de personagens prin-
cipais.
Contexto social ao homossexual: Ambas as personagens so de classe
mdia.
Tipo de montagem: O enredo do filme alterna entre movimentos line-
Narrativa
ares e flash-backs.
Tipo de interpretao: Ambas as personagens agem de maneira natu-
ral e moderna (MORENO, 2001).
nfase da pontuao: Grande parte da produo conta com persona-
gem narrador, escurecimentos seguidos de sonoplastias lentas, perso-
nagens ocupando primeiro plano e plano mdio das fotografias.

Tipo de gestualidade: Estereotipada para ambas as personagens. Ao


personagem gay, de forma exagerada e personagem lsbica, de ma-
neira retrada com dilogos diretos e curtos.
Gestual
Subgestualidade: Existente em parte. Relacionado ao personagem gay,
no h artefatos que o identifique como tal orientao; personagem
lsbica, roupas masculinas a todo o momento, mantendo esteretipos.

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3. Retrato flmico encontrado


Como discutido anteriormente, de praxe no cinema brasileiro, a personagem homossexu-
al ser representada de maneira estereotipada e, muitas vezes, inconveniente ao pblico. Ao
analisar o filme, observamos que um dos diferenciais que a diretora Malu de Martino traz
o protagonismo da personagem lsbica, o que no era muito encontrado nas produes
nacionais com temtica LGBTT no comeo do sculo XXI.
Jlia, interpretada por Ana Paula Arsio, uma professora de literatura inglesa que, sem
muitas explicaes, abandonada pela sua companheira de muitos anos. Inicialmente, o
que sobressai nas primeiras cenas do filme a utilizao de uma atriz bastante reconhe-
cida no pas por interpretar personagens sedutoras, femininas e, em sua maioria, emocio-
nalmente felizes. Por sua vez, nesse longa-metragem, Jlia uma personagem baixo astral
e sem muitos traos de vaidade fsica, com exceo nas cenas de nudez. Por conta de sua
separao afetiva, a personagem leva uma vida sentimentalista, esquivando-se da sua reali-
dade para com os outros e consigo mesma.
Outro fator interessante a ser analisado a existncia do personagem homossexual, Hugo,
interpretado por Murilo Rosa. Hugo um amigo muito prximo de Jlia e o seu trao mar-
cante o seu modo otimista de levar a vida, aquele tipo de pessoa que tem uma soluo
para todos os problemas (dos outros). Hugo e Jlia encarnam a representao arquetpica
das personagens homossexuais contemporneas no cinema brasileiro. Ele, por sua conduta
feliz e extravagante de ver e levar os fatos, e ela, com sua fisionomia sempre retrada, conti-
da s pessoas. Entretanto, ambos refletem (ora implcita, ora explicitamente) inseguranas
em relao realidade que os rodeia.

Consideraes finais

Esta breve e sucinta anlise do filme Como Esquecer, tenta enfatizar


que, em busca de sublinhar as situaes cotidianas e acentuar a seriedade dos
fatos, o gnero dramtico tem como objeto principal o ser humano e o ambiente
que o rodeia. Em sua maioria, o drama retrata enredos laados pelo lado senti-
mental das situaes humanas, com histrias de vidas implicadamente afetivas,
complexas e com pitadas de polmicas.
Nas entrelinhas das exibies cinematogrficas brasileiras, encontram-
se, e no de hoje, um conjunto de mensagens que vo alm do enredo de
suas produes. Mensagens essas que, nas atuaes, principalmente quando
interpretadas por pessoas reconhecidas pela mdia, passam a refletir nos com-
portamentos sociais e, proporcionalmente, levam a formar representaes
inconvenientes populao LGBTT.

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Referncias

ADORO CINEMA. Como Esquecer. Disponvel em: <http://www.adorocinema.com/


filmes/filme-190709/>. Acesso em: 3 de jul. de 2016.

CALDAS, Eduardo de Figueiredo. Histria do cinema brasileiro. 201-?. Disponvel em


<http://www.coladaweb.com/artes/cinema-no-brasil-parte-1>. Acesso em: 29 de set.
de 2015.

MARTINO, Malu. Como esquecer. Produo de Elisa Tolomelli. Europa Filmes, 2010.
online.

MORENO, Antnio. A personagem homossexual no cinema brasileiro.


Homossexualidades projetadas. 2001. Rio de Janeiro. Disponvel em <https://perio-
dicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2002000200020/19828>. Acesso
em: 29 de set. de 2015.

NOGUEIRA, Lus. Gneros cinematogrficos; Manuais de Cinema II. Corvilh.


LabCom Books, 2010. p. 163.

VIRGENS, Andr Ricardo Araujo. A homossexualidade no cinema brasileiro contem-


porneo: o ponto de vista do mercado. 2013. Disponvel em: http://www.rua.ufscar.
br/a-homossexualidade-no-cinema-brasileiro-contemporaneo-o-ponto-de-vista-do-
mercado/. Acesso em: 3 de jul. de 2016.

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CENAS DE GNERO E SEXUALIDADE: BREVE LEVANTAMENTO


NA REVISTA NOVA ESCOLA E NO JORNAL O GLOBO

Raquel Pinho
Doutoranda em Educao (PUC-Rio) Pontifcia
Universidade Catlica do Rio de Janeiro - Educao
[email protected]

Rachel Pulcino
Doutoranda em Educao (PUC-Rio) Pontifcia
Universidade Catlica do Rio de Janeiro - Educao
[email protected]

Felipe Bastos
Doutorando em Educao (PUC-Rio)
UFJF/Colgio de Aplicao Joo XXIII - Ensino de Biologia
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Este trabalho tem por objetivo debater os temas de gnero e sexualidade em


notcias que retratam alguns acontecimentos do cotidiano escolar. Para tanto,
foi realizada uma busca nos dois ltimos anos, na verso digital de um jornal de
grande circulao e de uma revista destinada a profissionais da educao. Tal
busca contou com trs combinaes de palavras (gnero e escola; sexualidade
e escola; LGBT e escola) e encontrou 41 textos. Conclumos que (i) publicam
inmeros casos de discriminao, abuso e violncia no ambiente escolar; (ii)
trazem algumas discusses acadmicas para debater tais casos; (iii) ilustram
prticas outras de resistncias e sucesso; (iv) divulgam identidades outras e, com
isso, contribuem para as lutas de reconhecimento e representatividade.
Palavras-chave: gnero; sexualidade; cotidiano; mdia; escola.

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Sexual e de gnero
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Introduo

A presente pesquisa surge da necessidade de encontrar material miditico


para compor atividades de um curso de formao continuada sobre as questes
de gnero e sexualidades na escola. As notcias seriam apresentadas para moti-
var a discusso durante determinada etapa do curso, na qual sero exploradas
cenas de preconceito e discriminao associadas a esta temtica. Isso porque
Os jornais nos contam sobre acontecimentos, mas tambm sobre
nossas habilidades manipulativas sobre racionalidades, emoes
e atitudes, nem sempre entendidas de maneira consciente e com-
plexa. Nesta perspectiva, uma leitura crtica dos jornais permite
identificar um eixo comum cotidiano, habitual, recorrente entre
as matrias veiculadas: a temtica da diversidade cultural, manifes-
tada na forma de intolerncia, de no reconhecimento da diferena,
de discriminao, de desigualdade e excluso social, entre outras.
(Mnica QUEIROZ1; Mnica ALMEIDA, 2015, p. 2)

Para encontrar as reportagens, escolhemos dois veculos de notcias escri-


tas, o jornal O Globo, por ser de ampla circulao e fcil acesso, e a revista
Nova Escola, por ser destinada s profissionais da educao.

Metodologia

Trabalhamos atravs do site de buscas Google2, usando (i) o operador


de pesquisa site: para os endereos eletrnicos da revista Nova Escola e do
jornal O Globo; (ii) as combinaes de palavras: gnero e escola, sexualidade e
escola, LGBT e escola; e (iii) a ferramenta de pesquisa para o recorte temporal
de 01 de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2015.
Inicialmente, encontramos 63 reportagens. Aps a organizao do mate-
rial, fizemos uma limpeza das recorrncias e leitura das matrias, restaram 41
artigos de interesse para anlise, sendo 6 na revista Nova Escola e 35 no jornal

1 Optamos por referenciar autoras e autores com nome e sobrenome. Consideramos esta opo uma
tentativa de evidenciar os gneros de pesquisadoras e pesquisadores e, por consequncia, as mu-
lheres na pesquisa, o que pode contribuir com o reconhecimento e a valorizao da identidade
feminina no campo e de forma mais ampla (Raquel PINHO; Rachel PULCINO, 2016).
2 https://www.google.com.br/

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O Globo. Atribumos esta diferena quantitativa a dois fatores. Em primeiro


lugar, a revista trabalha com edies mensais, enquanto o jornal tem tiragem
diria. Em segundo lugar, a revista aborda a temtica de forma mais elaborada,
enquanto o jornal tende a indicar dados e fatos com anlises menores dos
temas.
Construmos algumas categorias para facilitar a anlise dos trabalhos.
Buscamos as recorrncias em: (i) gnero das autoras3, (ii) momento em que as
notcias foram publicadas, (iii) local do relato, e (iv) abordagem que a matria
dava a gnero e sexualidade. A Tabela 1 apresenta as ocorrncias para cada
categoria.

Tabela 1: Categorias de anlise dos trabalhos selecionados


Porcentagem Porcentagem
Nova Escola O Globo
(%) (%)
Autoras 2 28,57 6 17,14
Gnero

Autores 3 42,86 15 42,86


No identificado 2 28,57 14 40,00
Somatrio 7 35
2014/1 1 16,67 3 8,57
Momento

2014/2 0 7 20,00
2015/1 5 83,33 15 42,86
2015/2 0 10 28,57
Somatrio 6 35

3 A regra gramatical da lngua portuguesa que define o masculino como elemento neutro em subs-
tantivos e adjetivos foi deliberadamente invertida para o feminino, independentemente do sexo dos
sujeitos ao qual o termo se refere. Seguindo esta lgica, os substantivos e adjetivos usados no mas-
culino neste texto ocorrem somente em referncia especficas a sujeitos masculinos (Felipe BASTOS,
2015). , pra mim, estranho que pessoas sofisticadas em questes de poder, poltica e linguagem
continuem isentando a gramtica de qualquer cumplicidade na perpetuao de relaes de de-
sigualdade. (...) Apesar das dificuldades de lidar com essa questo em uma lngua extremamente
flexionada como o Portugus, continuo achando que vale a pena tentar encontrar solues (N. do
T.) (Elizabeth ELLSWORTH, 2001, p. 75)

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Brasil 6 100,00 21 60,00


sia 0 2 5,71
Europa 1 16,67 3 8,57
Localidade

Amrica do Norte 0 6 17,14

No identificado 0 6 17,14

Somatrio 7 38
Biolgica 0 2 5,71
Sociocultural 5 83,33 23 65,71
Abordagem

Criminalista 0 5 14,29
Psicolgica 1 16,67 7 20,00
tica 0 6 17,14
Pedaggica 3 50,00 20 57,14
Somatrio 9 63

Fonte: Elaborao prpria.

Resultados e Discusso

Sobre o gnero das autoras, apesar de nos dois veculos de notcias haver
uma maior quantidade de autores, acreditamos no ser possvel traar muitas
consideraes, uma vez que tambm h uma alta taxa de artigo no assinados.
O perodo principal de publicao das notcias ficou em torno do pri-
meiro semestre de 2015. Isso parece ocorrer devido ao momento dedicado
formulao dos planos estaduais e municipais de educao, de acordo com o
Plano Nacional da Educao (PNE), sancionado em junho de 2014 (BRASIL,
2014), no qual o debate das temticas de gnero e sexualidade enfrenta retro-
cessos, porque as discusses sobre tais temticas promovidas pelas 1 e 2
Conferncia Nacional de Educao (CONAE), em 2010 e 2014, foram vetadas
no documento.
Se o gnero das autoras no nos permite concluir muito sobre os tex-
tos, a localidade das reportagens traz dados mais interessantes. A revista Nova
Escola uma revista voltada para o Brasil, no tem correspondentes externos e
no indica em qual regio do pas a matria foi escrita. Porm, editada pela
Fundao Victor Civita, cuja sede fica na cidade de So Paulo. Ou seja, por
mais que no esteja explcito, isso localiza preocupaes e interesses, isso diz

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de um lugar. J o jornal O Globo se prope internacional, tem correspondentes


externos e geralmente indica onde a matria foi escrita, inclusive pontuando
diferentes cidades e estados. Nas matrias localizadas no Brasil, temos: 13 tra-
balhos no Rio de Janeiro, 3 no Distrito Federal, 3 em So Paulo, 1 no Rio
Grande do Sul e 1 no Amazonas. Vemos que as notcias so oriundas da regio
sudeste e que o Rio de Janeiro aparece como um local de debate efervescente
da temtica.
Por fim, sobre as abordagens, separamos seis grupos de anlise: biol-
gica, sociocultural, criminalstica, psicolgica, tica e pedaggica. Algumas
matrias apresentavam mais de um tipo de abordagem. A abordagem biol-
gica traz os temas: corpo, sistema reprodutor, sade individual, sade coletiva,
doenas e profilaxia, DST/AIDS, menstruao, concepo, gravidez e contra-
cepo. A abordagem sociocultural relativa aos temas: gnero, orientao
sexual, movimentos sociais, identidade, diferena, diversidade, interseccio-
nalidade, preconceito, polticas pblicas, mdia, famlia, processos histricos,
rituais, casamento e religio. A abordagem criminalista indica crimes de abuso
e violncia sexual cometidos na escola. A abordagem psicolgica inclui: rela-
cionamentos, emoes, prazer, orgasmo, masturbao, comportamentos e
autoestima. A abordagem tica apresenta os temas: valores, dilogo, respeito,
solidariedade, regras morais, aborto, liberdade sexual e tabus. Por fim, a aborda-
gem pedaggica traz: prticas escolares, currculo, documentos governamentais
para a escola e para a educao, processo de ensino-aprendizagem, atividades
escolares, uso dos espaos da escola, disciplina, desempenho, evaso, didtica,
materiais didticos e educao sexual.
No material analisado, podemos observar o que Michel Foucault (1984)
aponta como um dispositivo da sexualidade, isto , um conjunto de discursos,
prticas e instituies que se modifica ao longo do tempo e atua no gerencia-
mento e controle de corpos, de modos de ser e das populaes. Este dispositivo,
ao legitimar certos modos de exerccio da sexualidade, tambm produz norma-
lidades, expectativas de gnero, saberes e verdades morais.
No incio deste sculo, Guacira Louro (2000) apontou sobre como os
saberes sobre as sexualidades aconteciam na escola: (i) atravs de informaes
de um mundo parte das crianas, destinado ao mundo das adultas; (ii) em
estreita relao com a noo de famlia nuclear; (ii) intimamente voltada e
praticamente exclusiva para a reproduo humana no vis heteronormativo; e
(iv) cercada pela doena, pela higiene e, portanto, para o cuidado e o controle.

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Apesar da escola ainda apresentar as caractersticas listadas acima, o


espao escolar um terreno de disputas. Passados dezesseis anos da anlise
de Guacira Louro, as notcias de 2014 e 2015 nos mostram a presso de grupos
conservadores, principalmente religiosos, para manuteno e afirmao de seus
valores na escola; nos mostra tambm a rigidez da instituio escolar que pouco
dialoga com suas alunas, principalmente com aquelas que carregam consigo a
diferena. Todavia, vemos uma juventude questionadora dos padres, que no
aceita e que no se cala diante das posies conservadoras da escola; vemos
tambm escolas que se abrem para a diversidade e esto adotando medidas
para tornar o espao escolar mais plural e democrtico. Ou seja, podemos dizer
que hoje h um crescente de questionamentos sobre o lugar da diversidade na
escola, que pode propiciar mudanas e outros rumos para a educao.

Consideraes Finais

As reportagens analisadas demonstram que o trabalho pedaggico


constantemente atravessado pelos temas de gnero e sexualidade, isto , pelas
diferentes identidades e valores que habitam a escola. Seja mantendo uma
rigidez conservadora ou abrindo um dilogo com a diferena, a escola coti-
dianamente assume um posicionamento em relao diversidade de gnero e
s sexualidades. Alm disso, em tempo de disputas nas propostas e prticas de
polticas pblicas para a educao, o trabalho docente neste campo do conhe-
cimento corre o risco de ser silenciado e excludo.
Apontamos, portanto, que jornais e revistas so recursos pedaggicos
importantes para fomentar debates tanto na escola, quanto nos espaos de for-
mao de professores, porque (i) publicam inmeros casos de discriminao,
abuso e violncia no ambiente escolar; (ii) trazem conceitos e teorias acadmi-
cas para debater tais casos; (iii) ilustram prticas escolares outras de resistncias
e sucesso; e (iv) divulgam identidades outras e, com isso, contribuem para as
lutas de reconhecimento e representatividade.

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Bibliografia

BASTOS, F. Diversidade sexual na prtica de professores/as de cincias: da polmica


ao (re)conhecimento escolar. 37 Reunio Nacional da ANPEd, Florianpolis, 2015.

BRASIL. Plano Nacional de Educao 2014-2024: Lei n 13.005, de 25 de junho


de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educao (PNE) e d outras providncias.
Braslia: Cmara dos Deputados, Edies Cmara, 2014.

ELLSWORTH, E. Modos de endereamento: uma coisa de cinema; uma coisa de edu-


cao tambm. In: SILVA, T. T. (org. e trad.) Nunca fomos humanos - nos rastros do
sujeito. Belo Horizonte: Autntica, 2001. pp. 07-76.

FOUCAULT, M. Microfsica do poder. Traduo de Roberto Machado. 4. ed. Rio de


Janeiro: Graal, 1984.

LOURO, G. Currculo, gnero e sexualidade. Porto: Porto Editora, 2000.

PINHO, R.; PULCINO, R. Desfazendo os ns heteronormativos da escola: contribui-


es dos estudos culturais e dos movimentos LGBTTT. Educao e Pesquisa, So
Paulo, ahead of print, p. 116, 2016.

QUEIROZ, M.; ALMEIDA, M. Cenas do preconceito racial: aproximaes do cotidiano


com a educao. 37 Reunio Nacional da ANPEd, Florianpolis, 2015.

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POR UM POUCO MAIS DE SAL: ALGUMAS LEITURAS


SOBRE A LESBIANDADE NOS UNIVERSOS DE CAROL

Mariana Souza Paim


Mestra em Estudos Literrios / UEFS
Professora da Rede de Educao Bsica do Estado da Bahia
[email protected]

GT 03 - Mdias, narrativas e corporalidades: (re)pensando as novas abordagens tericas


e metodolgicas nos estudos da homocultura

Resumo

O presente trabalho pretende investigar as representaes da lesbiandade e de


gnero que permeiam o universo de Carol. Assim, interessa-nos compreender
de que maneira as personagens experimentam e elaboram sua sexualidade a
partir das narrativas que se desenvolvem no livro O preo do sal, ou Carol
(1952), de autoria da escritora norte americana Patricia Highsmith e aquelas que
permeiam a adaptao cinematogrfica Carol (2015), dirigida por Todd Haynes.
Ambas as obras alcanaram grande popularidade e lanam luz para pensarmos
as vivencias afetivas entre mulheres dentro de um contexto fortemente marcado
pelo conservadorismo.
Palavras-chave: Lesbiandade. Gnero. Representao. Literatura norte ameri-
cana. Cinema.

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Introduo

As representaes acerca do amor entre mulheres na literatura se fazem


presentes ao menos desde o sculo VII a.C. Dos apaixonados versos de Safo1
aos dias atuais, poderamos mesmo asseverar que este foi um tema recorrente
nas obras literrias, entretanto, raro tem sido constatar que a constncia dessa
representao oferece ou reflete uma concepo positiva sobre as praticas afe-
tivas/sexuais entre mulheres.
Talvez esse panorama nos oferea uma chave para entendermos o
sucesso e popularidade alcanados por The price of salt ou Carol, seja em sua
verso cinematogrfica ou o romance homnimo do qual partiu a adaptao.
Ambientada no contexto dos Estados Unidos dos anos 1950, a narrativa nos
oferece uma representatividade que se isenta das construes negativamente
construdas e associadas as vivencias da lesbiandade.
Originalmente publicado com o ttulo The price of salt sob o pseud-
nimo de Claire Morgan em 1952, o romance teve bastante repercusso poca,
chegando a vender mais de um milho de exemplares. No posfcio, includo
em uma nova edio em 1989, a prpria autora conta que chegava a receber
de dez a quinze cartas endereadas a Claire Morgan, de pessoas que a agrade-
ciam pela histria, a comentavam ou pediam conselhos. Segundo ela, Antes
deste livro, os homossexuais, masculinos e femininos, nos romances america-
nos, eram obrigados a pagar pelo seu desvio cortando os pulsos, se afogando
em piscinas, ou mudando para a heterossexualidade (assim se afirmava) ou mer-
gulhando sozinhos, sofrendo, rejeitados em uma depresso dos infernos.
(HIGHSMITH, 2015, p. 296). Essa outra representao da lesbiandade, a qual a
autora se refere e que empreendida no romance, algo que realmente surpre-
ende tendo em vista o contexto em que ele foi publicado.

1 Safo viveu na cidade de Mitilene entre os sculo VII e VI a.C., na ilha grega de Lesbos. considerada
uma das maiores poetisas lricas da antiguidade. Seus poemas falavam sobre amor e beleza, e em
sua maioria eram dirigidos s mulheres. Por abordar a temtica homoerotica, boa parte da sua obra
foi queimada durante a Idade Mdia, restando da sua produo literria apenas um poema completo
e alguns fragmentos. A partir do sculo XIX o relacionamento sexual entre mulheres comeou a ser
denominado de lesbianismo ou safismo, termos que fazem referncia autora. (MONTEMAYOR,
1986.).

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Autora de mais de vinte livros, Praticia Highsmith nasceu na cidade de


Forth Worth, no Estado americano do Texas, em 1921 e desde muito jovem
cultivava uma relao estreita com a escrita, seja atravs do habito de escrever
os volumosos dirios que iniciou ainda na infncia e manteve por toda a vida,
ou por meio da publicao de pequenas histrias em peridicos estudantis e
jornais municipais. Entretanto, sua primeira publicao em editora s se d em
1950, poca em que vivia na cidade de Nova York, com a edio de Strangers
on Train, esse romance policial de estreia alcanou grande sucesso, tendo logo
em seguida os direitos de adaptao vendidos a Alfred Hitchcock, que lanou
o filme com ttulo homnimo2 no ano seguinte.
J nesse primeiro romance ficam evidentes elementos que permeariam todas
as suas obras vindouras: a opo pela caracterizao dos traos psicolgicos das
personagens ao invs da manuteno do ar de mistrio na resoluo dos crimes,
a crueldade, a banalidade de mal, o questionamento da moral, a ideia de destino
e a fatalidade que rege e conduz inexoravelmente a vida das personagens. Tanto
que a pecha de autora de thrillers, por vezes pode ofuscar a qualidade literria
de seus textos e os aspectos relacionados a presena da sexualidade em sua obra.
Assim, mesmo j sendo uma autora bastante conhecida poca, o
manuscrito de The price of salt foi rejeitado por sua editora, a Harper & Bros,
em 1951, nessa ocasio argumentaram que a publicao desse livro quebraria
com o rotulo, que ento tentavam elaborar para a escritora, enquanto autora
de suspense. Patrcia s conseguiria publica-lo em outra companhia, usando
o pseudnimo de Claire Morgan. Essa querela editorial, tanto a negativa da edi-
tora que ento a publicava, quanto o recurso ao uso do pseudnimo, faz com
que pensemos sobre a cesura imposta aos temas relacionadas a sexualidade
feminina e as escritoras no perodo.
De modo intrigante a pelcula Carol tambm demorou a vir a pblico,
o filme passou quase doze anos para ser montado. Mas quando as filmagens
comearam em maro de 2014, em Cincinnati, Ohio, duraram apenas 34 dias.
O filme foi rodado em Super 16 mm e estreou no Festival de Cannes 2015, onde
concorreu Palma de Ouro. A pelcula foi premiada com o Queer Palm, alm

2 No Brasil o filme estreou com o ttulo de Pacto Sinistro.

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de receber diversas indicaes ao Oscar, foi tambm eleito pelo American Film
Institute, um dos 10 melhores filmes de 20153.

Representaes de lesbiandades no universo de Carol

O enredo tem como ponto de partida o cenrio da cidade de Nova York


da dcada de 1950, lugar onde se d o encontro entre Therese Belivet, uma
jovem de 19 anos que trabalhava durante o perodo de natal na loja de depar-
tamentos Frankbergs, na seo de bonecas e Carol Aird, uma mulher de mais
de 30 anos que vai at a loja comprar um presente para filha. Esse encontro
impacta e traspassa Therese por uma multiplicidade de sensaes que ela s
consegue divisar no decorrer da narrativa.
Entre uma aproximao que vai crescendo e a deciso de partir em uma
viagem rumo ao oeste, por vezes a narrativa penetra no fluxo de conscincia
de Therese e a vislumbramos o crescimento do seu afeto e a tomada de cons-
cincia do seu desejo por Carol, essa por sua vez s conseguimos vislumbrar
atravs da viso de Therese, de modo que ns, ao lermos a narrativa, por
vezes temos a percepo de que o que conseguimos apreender a respeito da
personagem Carol e sua personalidade resvala atravs da urea de fascnio que
a figura da mesma exerce na prpria Therese, para qual Carol permanece sendo
um grande enigma, envolta em mistrio.
Os sentimentos de Therese se intensificam e chegam a beirar a devoo,
ela se coloca sempre disponvel e disposta a satisfazer os desejos e necessi-
dades de Carol, sem hesitar, at que Carol, pressionada pela chantagem do
marido, com quem at ento tentava negociar um processo de divrcio e a
guarda da filha, retorna a Nova York deixando em Therese a sensao do aban-
dono. Na narrativa esse acontecimento que produz uma virada na trajetria
da personagem, j que a partir dessa ruptura, Therese sente ento que dever
desempenhar um outro papel, encarnar a vida de uma outra pessoa, diferente
daquela que ela vinha sendo. meio a esse tumulto de sensaes e reflexes
que a personagem ganha fora e escolhe ser a protagonista da prpria vida.

3 Mais dados tcnicos em: http://www.imdb.com/title/tt2402927/. Consultado em 25/06/2016. Lista de


premiaes em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Carol_(filme)#cite_note-1 Consultado em 26/06/2016.

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O romance pode ser entendido como um romance de formao, j que


acompanhamos o momento da tomada de conscincia de Therese Belivet sobre
a prpria sexualidade e o seu amadurecimento afetivo/sexual/profissional. O livro
encontra-se dividido em duas partes e em diversos subcaptulos, sendo que na pri-
meira parte somos levados a emergir no cotidiano de Therese e seu encontro com
Carol Aird, sua aproximao, a descoberta e (re) significao dos seus sentimentos.
Na segunda parte o espao-tempo onde se desenvolve a viagem que
fazem atravs do Oeste. O Oeste a pode servir como metfora ao territrio do
selvagem, do desejo e refora o imaginrio sobre a conquista dessa terra pelos
americanos. O fato de experimentarem a sensao de des-enraizamento, longe
dos espaos e pessoas que conhecem, permite que as personagens explorem
melhor suas sensaes e vivenciem mais abertamente o relacionamento que se
principia, nesse sentido ambas gozam de uma outra liberdade que talvez lhes
fosse privada em Nova York, j que no tm que se preocupar com compro-
missos, datas, locais, nem ningum, acordar e ser, fazer e ir onde desejam.
O romance surpreende sobretudo por fazer com que vislumbremos uma
outra logica relacionada as vivencias femininas no perodo, apesar de estra-
rem situadas em classes sociais distintas, Carol Aird na condio de mulher
abastarda, casada at ento recentemente com um rico empresrio e Therese
Belivet, uma moa pobre, filha de imigrantes e vinda do interior para tentar a
sorte na cidade grande, ambas se movem e demonstram total autonomia atravs
da cidade acalentando seus projetos pessoais/profissionais. Carol j havia tido
uma loja de mveis e Therese passa por sucessivos empregos temporrios para
conseguir dinheiro para realizar-se profissionalmente na carreira de cengrafa.
Ao pensarmos o contexto em que se desenvolve a histria, a dcada de
1950, foi historicamente marcada pela Segunda Guerra Mundial, conflito de
onde emergiu e se consolidou o poderio blico e econmico norte-americano.
Este foi um perodo marcado por mudanas sociais, mas tambm pelo recru-
descimento do conservadorismo.
Durante a Segunda Guerra houve uma migrao da populao norte-a-
mericana do interior para os grandes centros a fim de preencher a mo de obra
enfraquecida, porque parte considervel da populao, sobretudo masculina,
foi levada para os campos de batalha. Nesse movimento se inscreve a massiva
entrada das mulheres no mercado de trabalho, mas onde perdurava o modelo
de mulher recatada, me e dona de casa.

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Os anos 1950 tambm faram marcados pelo forte tom conservador do


governo de Joseph McCarthy, j que a poltica estava ento atenta a qualquer
ato que confrontasse a ordem da coisas. Nesse sentido, havia um temor constan-
temente alardeado acerca da ameaa do regime comunista e sua propagao,
assim qualquer comportamento que fugisse ao padro inscrito nesse contexto
era lido como uma afronta ordem estabelecida, sendo gays e comunistas
alvos privilegiados dessa perseguio. Dessa maneira, muitos gays foram demi-
tidos de empregos e passaram sofrer outras sanes por serem considerados
enquanto um perigo sociedade. (MACRAE, 1990).
Diante disso, conseguimos, atravs das personagens que se situam no
entorno de Therese e Carol, perceber um caleidoscpio de juzos de como a
sexualidade das/entre mulheres era vista socialmente. Essas personagens so em
sua maioria homens, so eles: o ex-marido Arge Aird, o ex-namorado de Therese,
Richard, os amigos Phill e Dannie, que o tempo inteiro dizem que o que ambas
sentem uma pela outra passar e que elas no sabem o que esto fazendo. Como
pice da demonstrao do machismo, ilustramos a forma como o ex-marido de
Carol, tenta chantage-la e pressiona-la atravs do processo de disputa da guarda
da filha, atravs da ameaa da exposio do seu relacionamento com Therese, a
partir de provas reunidas por um detetive particular que contratado por ele
para as perseguir ao longo de toda a sua viagem rumo ao Oeste.

Consideraes Finais

As narrativas, tanto o romance quanto o filme so extremamente sens-


veis, h algumas diferenas com relao a caracterizao das personagens e de
certa maneira no filme a personagem de Therese perde um pouco talvez da sua
complexidade. Entretanto ambas as narrativas conseguem romper com vrios
discursos do senso comum acerca das relaes sexuais/afetivas entre mulheres
que poderia compor o imaginrio sobre o perodo.
As personagens vivem assim o afeto de uma pela outra sem se questiona-
rem sobre os seus sentimentos, que tratado o tempo inteiro como algo natural,
que acontece sem maiores razes ou conflitos. O final feliz, com a escolha e
permanncia de uma ao lado da outra, apesar de toda a presso social em seu
entorno, sendo que em momento algum h mais ou menos angustia no desen-
rolar da relao por ser essa uma relao lsbica, e talvez mesmo essa angustia
s se faa presente atravs dos conflitos exteriores que vo se colocando, como
desafio e incentivo, para permanecerem juntas.

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Referencias

HIGHSMITH, Patricia. Carol. Porto Alegre: L&PM, 2015. Traduo de Roberto Grey.

HAYNES, Todd. Carol. Estados Unidos-Inglaterra, 2015.

MACRAE, Edward. A Construo da Igualdade: identidade sexual e poltica no Brasil


da abertura. Campinas, Editora da UNICAMP, 1990.

MONTEMAYOR, Carlos. Safo. Mxico, D. F., Editorial Trillas, 1986.

http://www.imdb.com/title/tt2402927/. Consultado em 25/06/2016.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Carol_(filme)#cite_note-1 . Consultado em 26/06/2016.

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

(RE)CONSTRUES DAS IDENTIDADES DE GNERO E


DAS CORPORALIDADES EM A PELE QUE HABITO

Vivian da Veiga Silva


Mestra em Educao
Professora assistente Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Pesquisadora do Ncleo de Estudos de Gnero da UFMS (NEG/UFMS)
[email protected]

Ana Maria Gomes


Doutora em Sociologia
Professora aposentada Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Coordenadora do Ncleo de Estudos de Gnero da UFMS (NEG/UFMS)
[email protected]

GT 03 - Mdias, narrativas e corporalidades: (re)pensando as novas abordagens tericas


e metodolgicas nos estudos da homocultura

Resumo

A obra do cineasta Pedro Almodvar marcada pela contestao das normas


sociais vigentes e pela abordagem de temas referentes a gnero e sexualidade,
interpelando a sociedade patriarcal e hetoronormativa com a naturalizao dos
corpos e dos comportamentos considerados dissidentes. O presente artigo tem
como objetivo propor uma reflexo sobre o filme A pele que habito (2011):
como forma de vingar-se do estuprador de sua filha, o cirurgio Robert realiza
em Vicente uma cirurgia de redesignao sexual, transformando-o em Vera. A
partir dessa histria e de outras narrativas utilizadas por Almodvar para com-
por seu filme, possvel discutir temticas como violncia de gnero, padres
estticos e (re)construes de identidades de gnero e de corporalidades.
Palavras-chave: Almodvar; A pele que habito; violncia de gnero; identida-
des de gnero; corporalidades.

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Introduo

A obra cinematogrfica de Pedro Almodvar marcada pela contestao


das normas sociais vigentes e pela abordagem de temas referentes a gnero e
sexualidade. Atravs da apresentao de personagens que vo das mulheres
histricas s travestis que engravidam suas companheiras, o cineasta interpela a
sociedade patriarcal e heteronormativa com a naturalizao dos corpos e com-
portamentos considerados dissidentes.
Todas essas temticas convergem no filme A pele que habito (2011), em
que Almodvar utiliza-se de vrias influncias cinematogrficas e literrias para
contar a histria de Robert, um cirurgio plstico que executa uma cruel vin-
gana contra o estuprador de sua filha: por meio de uma cirurgia, transforma
Vicente em Vera, mantendo-a como prisioneira e merc de seus desejos.
O que poderia ser apenas mais um thriller psicolgico sobre busca de
vingana, nas mos de Almodvar, se transforma em um campo frtil de anlise
das relaes de gnero e de suas prticas violentas, bem como das construes
e (re)construes das identidades de gnero. Nesse sentido, o presente trabalho
tem como objetivo analisar esses elementos apresentados nessa obra cinemato-
grfica, bem como de duas referncias utilizadas pelo cineasta: o livro Tarntula
(1984), do escritor Thierry Jonquet, e o filme Os olhos sem rosto (1960), do
diretor George Franju.

O gnero submisso

De acordo com Scott (1995, pg.86), gnero uma categoria til de an-
lise para compreender diversas esferas de nossa sociedade, sendo um aspecto
relacional e que no deve ser utilizado como sinnimo de mulher, sendo com-
preendido como [...] um elemento constitutivo de relaes sociais baseado
nas diferenas percebidas entre os sexos, e o gnero uma forma primeira de
significar as relaes de poder. [...].
Nesse sentido, a representao e os valores referentes ao feminino so
construdos em uma relao diametralmente oposta representao e aos valo-
res referentes ao masculino, de maneira a expressar relaes desiguais de poder,
no qual o feminino surge como elemento submisso e dominado pelo masculino.
De Lauretis (1987), leva at o cinema a perspectiva exposta acima, quando
diz que este coloca-se como uma tecnologia de gnero, no sentido de que o

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aparato cinematogrfico produz discursos e representaes de gnero. Porm,


no se trata apenas do modo pelo qual a representao de gnero construda,
mas como subjetivamente absorvida por cada pessoa a quem se dirige. Para a
autora, a sexualidade no cinema no gendrada (marcada por especificidades
de gnero), mas na verdade um atributo ou uma propriedade do masculino.
J em 1960 encontramos um exemplo no filme Os olhos sem rosto, em
que o professor e cirurgio plstico Gnessier busca reconstruir o rosto de sua
filha Christiane, que foi destrudo em um acidente automobilstico. Com o aux-
lio de sua assistente, Louise, ele rapta e mutila belas jovens, na tentativa de
realizar um transplante de rosto. E chegamos, ento, em Pedro Almodvar e
seu filme.
Alm do visual e da esttica, Almodvar utiliza referncias e elementos
dessa obra cinematogrfica para compor A pele que habito. Primeiramente,
podemos destacar a relao cincia e tica. Nos dois filmes, trata-se de cirur-
gies plsticos, cientistas renomados, que realizam experincias com cobaias
humanas sem nenhuma preocupao com a tica: Robert realiza uma cirurgia
de redesignao sexual forada e utiliza o corpo de Vicente/Vera como base
para realizao de experincias de transformao das caractersticas da pele
humana, tornando-a mais resistente; Gnessier rapta e mutila jovens mulheres
em busca de um transplante de rosto para sua filha, descartando, sem remorsos,
os corpos das mesmas, tratando esses corpos como objetos a serem utilizados
e posteriormente descartados e forando a filha a ser submetida a inmeras
cirurgias, mesmo contra sua vontade, tornando o corpo da prpria filha tambm
um objeto a ser moldado por sua obsesso.
No mundo real e no mundo cinematogrfico, a manipulao dos corpos
antiga e recorrente, sobretudo dos corpos femininos. Cada perodo histrico
determina os padres estticos que devem ser seguidos, porm, ao remeter-
mos s relaes desiguais e assimtricas de gnero e ao fato de que o homem
sempre se coloca como sujeito histrico e detentor do discurso cientfico, per-
cebemos que o gnero masculino acaba por determinar o que belo e o que
feio, o que deve ser mudado e readequado. Em Os olhos sem rosto, o padro
de beleza a qualquer custo do pai (masculino) que buscado e no o desejo
da filha, que quer recuperar seu rosto, mas no a qualquer preo. Da mesma
forma, atualmente as jovens acabam buscando ao preo de, muitas vezes, sua
vida e sade, uma esttica que construda e vinculada ao desejo masculino e
no aos delas.

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Almodvar tambm utilizou como referncia para o roteiro de seu filme


o livro Tarntula (1984), do escritor francs Thierry Jonquet. Na obra liter-
ria, Richard Lafargue mantm aprisionada em sua casa ve, uma bela mulher.
Por trs desse cativeiro, existe uma histria de obsesso e vingana: a filha de
Richard, Viviane, foi violentamente estuprada, o que a levou a um estado de
transtorno mental e a internao em um manicmio. Para vingar-se, Richard
captura um dos estupradores, Vincent, e executa sua vingana, impondo-lhe
uma mudana de sexo, tornando-o ve.
Embora o filme de Almodvar tenha um desenvolvimento prprio, alguns
elementos presentes no livro so mantidos no filme, sobretudo o enredo:
movido pelo desejo de vingana contra o homem que estuprou sua filha, o
mdico o captura e realiza uma cirurgia de redesignao sexual forada. Com
isso, podemos questionar: por que transformar um corpo masculino em um
corpo feminino coloca-se como um ato de vingana? Porque ao corpo feminino
permitido e tolerado todo o tipo de submisso e violncia; a sociedade patriar-
cal e machista, as relaes de gnero desiguais e assimtricas justificam os atos
de violncia cometidos contra o feminino. Por isso, no se trata de extirpar o
pnis utilizado para violar suas filhas, mas de transformar um corpo de violador
em um corpo a ser violado.
E justamente isso que os respectivos personagens faro com suas respec-
tivas vtimas: realizar uma violncia de gnero. Richard fora ve a se prostituir,
sobretudo com clientes que empreguem mtodos sdicos; Robert guarda Vera
para si, para satisfazer seus prprios desejos, inclusive colocando nela o rosto
de sua falecida esposa. Nos dois casos vemos duas expresses de violncia: a
transexualidade forada, que fere a identidade de gnero de Vincent e Vicente;
e uma vez que seus corpos masculinos so transformados em corpos femininos,
Richard e Robert mantm a imposio do exerccio da sexualidade, a manipu-
lao de seus desejos e o domnio sobre seus corpos.
Nos dois enredos, os personagens que praticam a vingana sentem desejo
por suas vtimas, mas lidam com isso de maneiras diferentes. No livro, Richard
reprime seu desejo por Vicent/ve, pois apesar do corpo feminino, ele sabia
a verdade sob aquela corporalidade: uma transexualidade forada, um corpo
feminino imposto quele que ele subjugara. No fim, ele acaba derrotado e
sucumbe aos seus sentimentos por ele/ela. No filme, Robert no esconde seu
desejo por Vicente/Vera, e justamente recria nele/nela o corpo e o rosto de sua
falecida esposa, para justificar seu desejo.

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(Re)construes de identidades de gnero e de corporalidades

Ainda traando um paralelo entre as duas mdias, temos a maneira como


os personagens lidam com sua transexualidade forada. No livro, Vicent sofre
por sua transformao e por toda a violncia ao qual submetido, porm
acaba por assumir sua nova corporalidade e torna-se ve: [...] Sim, era este o
plano dele! No humilh-la, prostituindo-a aps hav-la castrado, defumado,
estragado, aps haver destrudo seu corpo para com ele construir outro, um
brinquedo de carne [...] (JONQUET, pg. 146). Ao final, ve tem a chance
de matar Richard e fugir, porm desiste. Aps matar Alex, Richard, derrotado,
entrega a arma para ve. Ele a fitava, seu olhar nada deixava transparecer
de seus sentimentos, como se quisesse alcanar uma neutralidade que permi-
tisse a ve fazer abstrao de qualquer piedade, como se quisesse voltar a ser
Tarntula, Tarntula e seus olhos frios, impenetrveis. ve viu-o apequenado,
aniquilado. Deixou cair o colt. (pg. 157).
A vingana e a violncia utilizada por Richard contra Vincent/ve to
extrema que acaba por destruir sua identidade de gnero, deixando-lhe nada
a no ser a possibilidade de aceitar sua nova corporalidade e a companhia de
seu algoz. Nesse ponto, possvel refletir: ser possvel forar algum a aceitar
uma nova corporalidade, aceitar a ressignificao de seu corpo, aceitar uma
identidade sexual e de gnero foradas?
No filme, Vicente se recusa a ser Vera e em vrias passagens do filme isso
fica explcito. Em uma primeira cena, a fria expressada ao entrar no quarto e
se deparar com os vestidos que ele/ela deveria usar a partir daquele momento,
expressando a no aceitao com relao a transformao do seu corpo. Ele/
Ela rasga todos os vestidos e expressa todo o horror e a fria quando recolhe os
pedaos dos vestidos com o aspirador de p.
Na cena seguinte, Vicente/Vera se recusa a aceitar os itens de maquiagem
enviados e utiliza os lpis e os delineadores para pintar e escrever nas paredes,
como uma forma de ressignificar aqueles elementos, de reorganizar sua psique
e de manter Vicente vivo.
Vestidos e maquiagem representam, nas sociedades ocidentais, atributos
exclusivamente femininos, embora muitas mulheres no se maquiem e prefiram
calas a vestidos. Ao impor esses objetos identificados com o feminino em seu
extremo, Robert reafirma a condio do corpo de Vicente transformado em
Vera, como o objeto a ser enfeitado por vestidos e maquiagem.

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Um dos desenhos que Vera pinta nas paredes uma mulher que, no lugar
da cabea, tem uma casa. Isso nos leva a refletir: no ser uma representao
de que sua real morada, a morada de Vicente, o lugar onde ele realmente vive,
em sua cabea, em sua mente? Pois o corpo feminino no pode abrigar o
corpo de Vicente, ento ele s pode existir na mente de Vera. Isso tambm se
mostra no interesse de Vera pela yoga, a partir do momento em que a instrutora
fala que os exerccios permitem ter a existncia que cada um quiser ter, que os
exerccios libertam a mente para sermos quem quisermos ser. tambm, em
sua cabea/casa que se d a resistncia da identidade real de Vicente e a nega-
o a aquela imposta. Da mesma maneira que travestis e transexuais negam
o corpo masculino apesar de toda a agresso que sofrem nas vrias instncias
da sociedade e resistem se vestindo e se maquiando conforme ao gnero que
corresponde ao ntimo de seu ser.
Em outra cena, Vera demonstra tristeza ao afirmar, frente a um colega de
Robert, que chegou ali pelos prprios ps e que sempre foi uma mulher, olhando
uma antiga foto sua estampada nos jornais, na seo de desaparecidos. Por fim,
Vera mata Robert e consegue voltar para encontrar sua me. E como explicar
para ela que agora Vicente habita outra pele? Como explicar a si mesmo que
Vicente dever habitar a pele de Vera? Com essa reflexo, conseguimos alcan-
ar toda a crueldade do ato empregado por Robert: alm de utilizar o corpo de
Vicente, transformado em Vera, como mero instrumento da satisfao de seus
desejos, de utiliza-lo como cobaia para seus experimentos cientficos, ele ainda
obriga Vicente a habitar uma pele que no a sua, talvez para sempre.

Consideraes finais

De maneira geral, a produo cinematogrfica de Pedro Almodvar se


coloca como uma importante tecnologia de gnero no sentido em que permite
refletir e repensar corpos e comportamentos considerados dissidentes, bem
como prope repensarmos as representaes sociais de gnero vigentes.
O filme A pele que habito permite a reflexo sobre diversas temticas,
como padres estticos, violncia de gnero e, sobretudo, as possibilidades de
(re)construes de identidades de gnero e corporalidade, ao abordar a transe-
xualidade e as conseqncias de uma redesignao sexual forada.

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Referncias

DE LAURETIS, Teresa. A tecnologia de gnero. In: HOLANDA, Heloisa Buarque de


(Org.). Tendncias e impasses: o feminismo como crtica cultural. Rio de Janeiro,
Rocco, 1994, p.206-242.

JONQUET, Thierry. Tarntula. Rio de Janeiro: Record, 2011.

SCOTT, Joan Wallach. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao &
Realidade. Porto Alegre: vol. 20, n.02, jul/dez. 1995, pgs. 71-99.

Filmografia

- Os olhos sem rosto (1960) Direo: Georges Franju/Roteiro: Pierre Boileau, Thomas
Narcejac, Jean Redon, Claude Sautet e Pierre Gascar

- A pele que habito (2011) Direo e roteiro: Pedro Almodvar

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INFLUNCIAS TECNOLGICAS E SUAS CONTRIBUIES NA


CONSTITUIO DE CIBERESPAOS LGBT EM UBERLNDIA (MG)1

Bruno de Freitas
Doutorando, Programa de Ps-graduao em Geografia, IG/UFU.
[email protected]

Beatriz Ribeiro Soares


Doutora em Geografia (USP). Professora Titular do Programa de
Ps-graduao em Geografia, IG/UFU.
[email protected]

GT 10 - Mdias digitais e (re)invenes da subjetividade

Resumo

O presente trabalho tem o objetivo de analisar o papel das tecnologias na


constituio de espacialidades virtuais destinadas ao grupo LGBT, com uma
anlise do perfil de usurias/os da cidade de Uberlndia, MG. Do ponto de vista
metodolgico, realizou-se reviso bibliogrfica, observaes diretamente nos
aplicativos estudados, bem como a coleta de informaes. Por meio do estudo,
possvel afirmar que com o surgimento da internet e seus derivados, o ciberes-
pao se caracteriza como um novo meio de comunicao, que possibilita novas
formas de sociabilidade LGBT, por meio das redes sociais e/ou virtuais.
Palavras-chave: Ciberespao. Geografia. Redes. Sociabilidade LGBT.

1 O presente trabalho resultado de dissertao de mestrado intitulada: Cidade, Gnero e Sexuali-


dade: Territorialidades LGBT em Uberlndia, MG.

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Introduo

O presente trabalho tem o objetivo de analisar o papel das tecnologias


na constituio de espacialidades virtuais destinadas especialmente ao grupo
LGBT, com uma anlise do perfil de usurias/os da cidade de Uberlndia, MG,
sob a luz de questes relacionadas s influncias dos ciberespaos, constitudos
a partir de redes sociais oriundas pelo uso de aplicativos geolocalizados2 para
smartphones, tais como o Grindr, Scruff e Hornet.
Do ponto de vista metodolgico, realizou-se uma reviso bibliogrfica
para embasar teoricamente as discusses feitas e dar os direcionamentos
necessrios para as observaes diretamente nos aplicativos estudados pelas/os
pesquisadoras/es, bem como a coleta de informaes, com o intuito de obter
informaes de base qualitativa para o presente estudo.
O presente estudo se justifica pela necessidade de estudar temticas
dissidentes em uma perspectiva geogrfica, pois tais estudos carecem de apro-
fundamentos nesta cincia, no entanto estes estudos vm adquirindo certa
visibilidade, ainda de que forma embrionria. Por meio destas questes que
se desenha o estudo que segue, e neste sentido, o tpico que segue traz uma
discusso acerca das influncias tecnolgicas enquanto responsvel pela contri-
buio da sociabilidade LGBT; o tpico subsequente traz uma anlise de perfis
de aplicativos georeferenciados; e por fim, apresenta-se as consideraes finais.

Influncia Tecnolgica e Sociabilidade LGBT

Ao considerar as mudanas tecnolgicas referentes ao desenvolvimento


urbano; o papel das comunicaes s quais unindo os lugares, diminuindo as
fronteiras do tempo, criaram fortes diferenciaes na estrutura interna das cida-
des. Soares (1995) entendeu este processo enquanto:
Esse novo momento produziu formas fragmentadas, dispersas e
descentralizadas, uma vez que a interao social, a partir do uso do
telefone, fax, automvel, modificou e diferenciou as cidades. Assim
tambm ocorreu com as novas tecnologias da informtica, que

2 O aplicativo usa a geolocalizao do smartphone para mostrar indivduos com interesses em co-
mum, em uma determinada rea, podendo ela ser local ou global.

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aumentaram as possibilidades de construo da cidade, segundo


esses parmetros da modernidade (SOARES, 1995, p. 22).

necessrio ampliar discusses sobre o avano da tcnica no que tange


questo do urbano, para compreender as variadas formas de organizao do
grupo LGBT, para tanto, apresenta-se como estes indivduos se estabelecem por
meio das tecnologias virtuais, constituindo ciberespaos. Sobre as redes sociais
e/ou virtuais, possvel entender que as mesmas, tanto podem promover inte-
raes pela via de semelhanas como por pontos de atritos e rivalidades.
Neste sentido, redes so estruturas abertas capazes de expandir de forma
ilimitada, integrando novos ns que consigam comunicar-se dentro da rede
(CASTELLS, 1999, p. 566). No entanto, possvel afirmar que as redes se cons-
tituem organizadas e estruturadas por meio dos mesmos cdigos, que por sua
vez, originam as redes sociais, ao se levar em considerao a comunicao.
De acordo com Ferreira et al (2010), possvel afirmar que o estudo das
redes sociais se contextualiza no mbito da Geografia, isto porque, pode-se
entender as novas inter-relaes que se estabelecem entre a sociedade e os
espaos e/ou territrios virtuais, por oposio ou complementaridade com o
territrio fsico ou pelo simples fascnio de cartografar variveis que pela sua
complexidade de anlise e visualizao, se tornam ainda mais instigantes.
Corroborando a afirmao, Soares (1995) afirmou que esta questo se deve por:
O mundo passa, a partir da revoluo tcnico-cientfica iniciada no
ps-guerra e intensificada a partir dos anos 1980, por uma grande
transformao, elaborada base de formidveis inovaes tec-
nolgicas, que cada vez mais modifica e globaliza o planeta. Ao
mesmo tempo, observa-se nesse processo a coexistncia de regi-
mes econmicos, sociais, polticos e, sobretudo, culturais, diversos
e, muitas vezes, antagnicos (SOARES, 1995, p. 22).

Castells (2003) afirmou que este processo se trata de uma emergncia


de novas lgicas de sociabilidades inerentes s redes virtuais, em oposio s
sociabilidades baseadas nos lugares fsicos. Neste sentido, possvel afirmar
que a maior revoluo sentida nas sociedades contemporneas, no que con-
cerne construo de uma diversificada rede de sociabilidades, deu-se com a
substituio das comunidades espaciais pelas redes virtuais. No entanto, estes
espaos tiveram uma evoluo e as redes tornaram-se assim territrios onde

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milhes de pessoas se comunicam, utilizando-as como uma extenso da sua


personalidade e suas vontades (FERREIRA ET AL, 2010).
No entanto, a existncia destas redes possibilitou e facilitou aproximaes
e trocas entre o grupo LGBT, bem como manifestaes identitrias de acordo
com suas sexualidades. Alm disto, a tecnologia da informao e comunica-
o teve um grande impulso com o desenvolvimento dos smartphones, tablets,
i-pads i-pods e outras tecnologias. A mobilidade proporcionada por estes apare-
lhos, o envio automtico de mensagens e a conexo internet, representaram a
possibilidade destes indivduos estarem conectados (LEAL, 2013).
Por ciberespao entende-se o lugar onde se est ao entrar em um ambiente
virtual, como o conjunto de redes de computadores, interligados, ao redor do
globo (LEMOS, 1996). O autor ainda aponta que o ciberespao no desconec-
tado da realidade. Neste sentido, a cibercultura como pode ser entendida por
Lvy (1997) apud Couto et al (2013) enquanto a infraestrutura tecnolgica com
um conjunto de tcnicas, composta por indivduos conectados que navegam
pela internet, por meio de informaes, que influenciam a adoo de prticas,
comportamentos, valores, pensamentos que so desenvolvidos coletivamente
no ciberespao, podendo refletir nos espaos fsicos ou no.
Deve-se entender que o ciberespao tambm composto por indivduos
que desenvolvem relaes de amizades, namoros apenas no plano online, o
que consiste em relaes descorporificadas. Neste sentido, pode-se afirmar
que na atualidade se vive na tempo dos aplicativos. Aplicativos so softwares
desenvolvidos e instalados em dispositivos mveis, como smartphones, tablets,
i-Pads, i-Pods. Para Miskolci (2015):
Aplicativos so programas disponveis nas lojas online em verses
gratuitas ou pagas, as mais completas. Para comear a us-los, a
pessoa os baixa em seu dispositivo, cria um perfil com foto e passa
a visualizar os outros usurios de acordo com a distncia em que
se encontram. Graas ao GPS, os aplicativos podem mostrar quo
prximo algum est de parceiros em potencial. A interface dos
aplicativos costuma ser a da exposio de um conjunto de fotos,
cada uma de um usurio. Ao tocar na foto de algum, possvel
ler seu perfil com dados como idade, altura, peso, autodescrio
e que tipo de pessoa procura. Tambm h como mandar mensa-
gens privadas para cada usurio e, caso ambos queiram, marcar um
encontro face a face (MISKOLCI, 2015, p. 62-63).

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Para Couto et al (2013) atravs da instalao desses recursos as/os usu-


rias/os adquirem uma liberdade maior de conexo, j que podem se conectar a
diversas plataformas simultaneamente. Com as tecnologias mveis a sociedade
insere-se na dinmica libertria e comunitria que comanda o crescimento da
internet, pois em qualquer tempo e lugar as pessoas se conectam umas/ns s/
aos outras/os. As figuras apresentam alguns dos principais aplicativos existentes
para o uso do grupo LGBT.

Figura 10: Grindr: Imagens da pgina oficial do aplicativo, 2015. Fonte: GRINDR, 2015.

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As figuras acima apresentam os mecanismos do aplicativo Grindr, que


possibilita que os usurios encontrem rapazes para sociabilizao, de acordo
com a distncia entre os mesmos, e caso haja interesse entre eles, podem obter
informaes detalhadas, relacionadas s caractersticas fsicas ou preferncias.
Caso haja interesse entre os usurios, os mesmos estabelecem contato entre si,
por meio do envio de mensagens, fotos e localizao.

Figura 11: Scruff: Imagens da pgina oficial do aplicativo, 2015. Fonte: SCRUFF, 2015.

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Por meio das figuras acima, possvel observar que alm dos usurios
estabelecerem contato com quem esteja na proximidade, podem encontrar
rapazes em diversos locais do globo, pois o aplicativo apresenta pessoas dis-
ponveis para sociabilizao em diferentes escalas. Os indviduos estabelecem
comunicao por meio de mensagens de texto, fotos, vdeos e localizao.
Alm disto, podem estabelecer suas preferncias de busca, pois o aplicativo
filtra e apresenta apenas os perfis de acordo com o estilo procurado.

Figura 12: Hornet: Imagens da pgina oficial do aplicativo, 2015.


Fonte: HORNET, 2015.

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As figuras acima mostram que por meio do aplicativo possvel obter


informaes fsicas e/ou pessoais e principais interesses no perfil dos usurios.
Alm disto, este aplicatico possibilita que os indivduos possam buscar pessoas,
com base em locais selecionados previamente, e tambm a partir de sua loca-
lizao e de outros usurios. Alm disto, caso o usurio interesse em algum,
pode solicitar a permisso do acesso s fotos, quando estas forem privadas. O
tpico seguinte traz uma anlise de alguns perfis destes aplicativos.

Anlise de perfis de usurias/os de aplicativos em Uberlndia, MG

Ao analisar estes aplicativos no que refere a usurias/os do municpio de


Uberlndia, foi possvel identificar em diversos perfis que os indivduos:
No curto caras afeminados, drogaditos e gente fresca. Se voc faz
sobrancelha, gordo, sabe coreografia da Lady Gaga ou sente uma
diva, por favor NO ME PROCURE!!! (MMA, 2014)
Sou ativo, bonito, charmoso, inteligente e estudioso. Buscando
algo para alm das aparncias, se voc s um corpinho bonito e
sem contedo, por favor, cai fora e no perca seu tempo! (Mineiro
Ativo, 2014)
Estudante de mestrado. Discreto, no afeminado, procuro igual! A
fim de conhecer um cara massa pra ver o que rola (Turista Sarado,
2015).
Procuro caras bonitos, gente boa e no afeminados e que no sejam
do meio GLS (Ativo TOP, 2015).
Sou tranquilo, no frequento o meio GLS por opo e no por pre-
conceito. Sou macho discreto, afim de cara ativo (Macho discreto,
2014).
A fim de curtir com cara macho ativo. Descrio e segurana
(Passivo Macho, 2015).
Estou procura de um ATIVO, no curto e no frequento o meio
GLS, mais por questo de opo mesmo! Sou passivo, mas no
tenho trejeitos (Sou de Caldas, 2014).

Foi possvel observar o crescimento desta cultura digital, na qual se valoriza


a mxima exposio e consumo dos corpos em busca de prazeres imediatos e
fugazes. Hall (2006, p. 12) afirma que o sujeito ps-moderno est se tornando
fragmentado, composto no de uma nica, mas de vrias identidades, algumas
vezes contraditrias ou no resolvidas.

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Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Observou-se que h uma tendncia das/os usurias/os viverem influen-


ciados por padres estticos, influenciados pela ligao do corpo com a mdia
enquanto instrumento de mediao dos processos de comunicao e informa-
o da sociedade e da cultura e, sequencialmente, a relao com o capitalismo
nas suas estratgias de reinveno de suas dinmicas na contemporaneidade.
Alm disso, necessrio entender que mesmo com a interao entre as
pessoas, por meio das redes sociais, que as sociedades no tendem uma evo-
luo uniforme, isto porque as prprias redes sociais so compostas por uma
heterogeneidade imensa, que se complexifica por meio da existncia de diver-
sas variveis, que se distinguem por meio de diferentes preferncias vinculadas
a gnero, sexualidades, corpo, religio, poltica, econmica e outros.
Partindo desse entendimento, percebe-se que os indivduos lutam, em
plena contemporaneidade, para serem aceitos na sociedade, considerando que
uma parcela dessa comunidade no se sente vontade para explicitar no coti-
diano o enfrentamento da estrutura social vigente, h aqueles que escolheram
a rede como campo de batalha, e passam a expressar-se preferencialmente
atravs da mdia digital e dos aplicativos.

Consideraes

Por meio das anlises realizadas neste trabalho, possvel afirmar que
existem diversos tipos de sociabilizao LGBT, alm disto, foi possvel perce-
ber que, em sua grande maioria, os acessos e incluso a indivduos pode
se dar por meio do acesso s tecnologias. No entanto, todas estas formas de
incluso, no so suficientes para garantir a aquisio de direitos de todas as
pessoas pertencentes ao grupo LGBT.
Por meio das anlises realizadas, possvel afirmar que com o surgimento
da internet, o ciberespao se caracteriza como um novo meio de comunicao,
que possibilitou tambm novas formas de sociabilidade LGBT, por meio das
redes sociais e/ou virtuais.
Tratando dos aplicativos apresentados, possvel afirmar que as manifes-
taes vinculadas sexualidade ocorrem no mbito virtual se materializando
(ou no) no mbito real. possvel afirmar que as redes sociais LGBT foram
fundamentais para a alterao de prticas socioespaciais deste grupo, que ocor-
riam apenas no mbito das espacialidades fixas, tais como os guetos e/ou as
boates gays, por exemplo.

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Sexual e de gnero
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O uso de meios digitais para a criao de contatos sexuais e/ou amorosos


no equivale apenas adoo de uma ferramenta tecnolgica para uma busca
pr-existente, pois, o usurio dos aplicativos induzido a operar segundo os
padres de competio ali vigentes e sua busca tende a ser moldada por crit-
rios prprios a estes meios tecnolgicos regidos por uma lgica mercadolgica.
como se as homossexualidades passassem a ser reconhecidas como uma
espcie de estilo de vida vinculado a interesses mercadolgicos.

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Referncias
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LEAL, J. T. B. Webgay&Gaymobile: o fluxo da homossexualidade em rede. In: X
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CURTO MACHO NO SIGILO:


A HETERONORMATIVIDADE NO GRINDR E NO
SCRUFF EM POLOS CRIATIVOS DO RIO DE JANEIRO

Diego Santos Vieira de Jesus


Doutor em Relaes Internacionais (PUC-Rio)
Professor Adjunto do Programa de Mestrado Profissional em Gesto da
Economia Criativa ESPM-Rio
[email protected]

GT 10 - Mdias digitais e (re)invenes da subjetividade

Resumo

O objetivo analisar a permanncia da heteronormatividade nas redes geos-


sociais gays Grindr e Scruff nos dois maiores polos criativos do Rio de Janeiro:
o Centro da cidade e o bairro de Botafogo. O argumento central aponta que
a priorizao do conhecimento tcnico em relao ao raciocnio criativo e cr-
tico no processo educacional e a precarizao das iniciativas de combate a
LGBTfobia culminam na falta de reconhecimento pleno da diferena na produ-
o criativa e na convivncia social na cidade. Em face do receio de exposio
e humilhao dos quais mulheres e afeminados so alvos, usurios dessas
redes continuam a reproduzir padres heteronormativos. No se gera o reco-
nhecimento pleno da diferena na sua dimenso de riqueza, pr-requisito para
o desenvolvimento de uma cidade criativa.
Palavras-chave: heteronormatividade; Rio de Janeiro; indstrias criativas; cidade
criativa; redes geossociais.

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Introduo

A cidade do Rio de Janeiro assumiu estratgias de desenvolvimento base-


adas no estmulo s indstrias criativas, que englobam setores baseados no
talento ou na habilidade individual artesanato, artes cnicas e audiovisual,
por exemplo e as suas aplicaes funcionais como publicidade, arquitetura,
design e moda e podem conduzir transformaes sociais em face de seu
potencial empregador, produtivo e inovador (SEN, 2000; SILVA, 2012, p.112-115).
Segundo Richard Florida (2005), um dos pr-requisitos para o desenvolvimento
de uma cidade criativa a tolerncia diversidade, que contribuiria para a
produo criativa e a convivncia harmnica entre os cidados. Ainda que redes
geossociais facilitem o estabelecimento de contatos profissionais, sentimentais,
afetivos e sexuais por profissionais criativos e moradores e visitantes de cidades
criativas e viabilizem a construo de maior tolerncia entre eles, elas podem
reproduzir esteretipos e relaes de dominao em regimes excludentes de
controle, como os relacionados sexualidade. No Rio de Janeiro, tanto homens
heterossexuais como homossexuais parecem exaltar aspectos que permitem
diferencia-los do modelo de homem homossexual afeminado ao assumirem
e cultuarem o esteretipo de um homem msculo e viril (PERLONGHER, 2008,
p. 79; SOUZA, 2012, p.45). Uma ordem heteronormativa que se refere s
expectativas, demandas e obrigaes sociais que derivam da naturalizao da
heterossexualidade e s prescries que fundamentam processos sociais de
regulao e controle (BUTLER, 2003; JESUS, 2014, p.44) parece intacta numa
cidade criativa que supostamente reconheceria a riqueza da diferena.
O objetivo analisar a permanncia da heteronormatividade nas redes
geossociais gays Grindr e Scruff nos dois maiores polos criativos do Rio de
Janeiro: o Centro da cidade e o bairro de Botafogo. O argumento central aponta
que a priorizao do conhecimento tcnico em relao ao raciocnio criativo e
crtico no processo educacional e a precarizao das iniciativas de combate a
LGBTfobia culminam na falta de reconhecimento pleno da diferena na produ-
o criativa e na convivncia social na cidade. Em face do receio de exposio
e humilhao dos quais mulheres e afeminados so alvos, usurios dessas
redes continuam a reproduzir padres heteronormativos. No se gera, assim, o
reconhecimento pleno da diferena na sua dimenso de riqueza, pr-requisito
para o desenvolvimento de uma cidade criativa.

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A tolerncia em xeque

Segundo o especialista britnico Charles Landry (2011, p.10-11, 14-15),


uma cidade criativa refere-se a municpios nos quais profissionais dos setores
criativos desempenhavam papel central e a imaginao estabelecia os traos e o
esprito dos lugares. A ideia de cidade criativa estendeu-se, a partir da experi-
ncia britnica e de outras reas na Europa e nos EUA, para se referir a espaos
urbanos em que a interao entre as indstrias criativas e o governo permitiu
desenvolver uma efervescncia cultural que atrai profissionais criativos para um
fluxo mais rico e uma maior densidade de ideias, estimular a diversidade que
viabilizaria que as ideias fossem fertilizadas pela interao e fortalecer a capa-
cidade criativa de empresas e instituies. No que diz respeito especificamente
ao processo criativo, a tolerncia pode estar associada, segundo a literatura,
justia social, destacando-se a incluso de grupos discriminados, como mulhe-
res, gays e minorias tnicas. A gesto da diversidade poderia gerar benefcios na
produtividade e na lucratividade para empreendimentos criativos ao permitir o
amplo recrutamento de talentos, o fortalecimento da inteligncia de mercado e
a maior habilidade na soluo de controvrsias. Em nvel urbano mais amplo, a
atrao e a mobilizao de talentos criativos permitiriam o desenvolvimento de
um ambiente aberto e inclusivo nos territrios e nas cidades criativas ao viabili-
zarem que as pessoas sejam elas mesmas e validem suas identidades mltiplas
(FLORIDA, 2005, p.72-73).
Contudo, a literatura norte-atlntica no observa que mudanas proce-
dimentais formais de comportamento no necessariamente transformam as
crenas e as atitudes que perpetuam a discriminao. A busca de igualdade
mostra-se concentrada em organizaes criativas especficas, alm de que as
reivindicaes para maior participao de grupos diversos baseadas nas neces-
sidades das empresas podem fazer com que os nveis de igualdade se tornem
mais vulnerveis a flutuaes econmicas (PROCTOR-THOMSON, 2009, p.83-
93). A existncia de talentos criativos parece colocada como uma condio de
possibilidade dada e no-problematizada em qualquer cidade criativa; porm,
autores como Florida ignoram que tal fator pode ser insuficiente ou mesmo
irrelevante para o desenvolvimento de mais tolerncia em face de regimes
de controle de identidade que vigoram em cada sociedade e nos quais at
mesmo profissionais criativos podem estar imersos. A prpria noo de tolern-
cia colocada como fundamental a uma cidade criativa problemtica, na

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medida em que implica coexistncia e convivncia, no a aceitao ou o reco-


nhecimento pleno da diferena e a valorizao na sua especificidade. A retrica
da diversidade mantm intacta a cultura dominante que marginaliza os outros
(MISKOLCI, 2016, p.50-51). Assim, o pleno desenvolvimento de uma cidade
criativa e do potencial econmico da criatividade exige ir alm da tolerncia
para a incorporao efetiva da diferena. Entretanto, a literatura ignora esse
ponto, bem como a especificidade cultural dos obstculos socioeconmicos
e polticos ao desenvolvimento de cidades criativas no mundo em desenvolvi-
mento, em particular os regimes de controle social em sociedades fora do eixo
norte-atlntico.
No que diz respeito s identidades de gnero e sexualidade, a valoriza-
o predominante da masculinidade em sua forma heterossexual no Brasil faz
com que o mundo virtual opere como um local de socializao homoertica
que abre a muitos homens uma oportunidade de criar um contexto de cama-
radagem com outros, no qual se reconhece a superioridade da masculinidade
heterossexual, mas se permite o envolvimento sexual com outros homens. Com
isso, tais homens visam a se proteger da exposio, da humilhao e dos maus
tratos dos quais mulheres e afeminados so alvos (MISKOLCI, 2013, p.316-
322). Perpetua-se, assim, a heteronormatividade, que oferece obstculos ao
desenvolvimento pleno do reconhecimento da diferena numa cidade criativa.

A criatividade do armrio carioca

A promoo das indstrias criativas no Rio de Janeiro aparece ligada s


tentativas de estimulo tolerncia diversidade por parte de seus moradores e
visitantes. Em 2011, a prefeitura lanou um pacote de aes contra a LGBTfobia,
que incluiu a agilizao do encaminhamento de casos de discriminao ao
poder pblico, a divulgao de toda a legislao de proteo aos direitos LGBT
na cidade, a capacitao e a insero no mercado formal de trabalho de traves-
tis e transgneros e a visita de assistentes sociais e pedagogos a comunidades
carentes para orientar a populao sobre leis e direitos civis nas esferas munici-
pal, estadual e federal (LAURIANO, 2011).
Entretanto, o processo educacional no Rio de Janeiro pareceu priorizar
o conhecimento tcnico em relao capacidade de reflexo, ao raciocnio
crtico, ao estmulo criatividade dos estudantes e construo de cidada-
nia, em particular no que diz respeito ao reconhecimento pleno da diferena.

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Ademais, muitas iniciativas governamentais para o combate LGBTfobia em


nveis municipal e estadual vm sofrendo com a falta de recursos financeiros e
os interesses polticos. Permanece tambm, no imaginrio de indivduos homo-
fbicos, a expectativa de impunidade ou de punies brandas pela violncia
que cometem, como o pagamento de cestas bsicas (LISBOA, 2013). Assim,
inmeros homens independentemente da orientao sexual buscam pre-
servar sua posio de domnio e controle e reforar padres heteronormativos
a fim de se protegerem de ameaas s quais mulheres e afeminados so mais
expostos na sociedade carioca.
Nesse contexto, os aplicativos de redes geossociais gays funcionam como
ferramentas que reforam a superioridade da masculinidade heterossexual, mas
viabilizam o contato homoertico e homoafetivo. No Centro da cidade, os
nicknames e as autodescries de perfis captados sinalizavam formas de iden-
tificao como safado e puto e socador ATV, bem como preferncias e
objetivos: discreto que no curte afeminados, quero meter e leitar dentro. A
preocupao com a sade e a forma fsica nas autodescries era to frequente
quanto a preocupao em preservar o sigilo: Socialmente hetero. Sigilo total
!, Busco romance no sigilo, pois meus amigos no sabem que curto homens.
Dentre os profissionais criativos, havia homens ligados ao setor de audiovisual,
publicidade, produo artstica e fotografia, e a maior parte dizia curtir
rapazes militares, atletas e discretos, como um fotgrafo que se definia como
discreto e bissexual e alertava que o possvel parceiro deveria ter a postura
do sexo que carrega. A reafirmao da prpria masculinidade muitas vezes se
dava com a associao dos afeminados pobreza e ao fracasso profissional:
Tenho medo de no dar certo na vida e acabar virando essas bichinhas po-
com-ovo que so faxineiras.
Em Botafogo, a preservao da heteronormatividade vinha acompa-
nhada da sustentao de outras hierarquias sociais. Os usurios dos aplicativos
demonstraram ateno maior com a classe social rejeitando usurios de reas
mais pobres , a faixa etria muitos deixavam claro que no curtiam novi-
nhos ou maduros / coroas , o tipo fsico vrios diziam detestar gordos
ou ursos e a formao cultural dos interlocutores. A exigncia com relao
s qualidades do parceiro era consideravelmente maior do que no Centro, ainda
vindo acompanhada da reiterao dos padres heteronormativos: aberto de
sexo casual a namoro com o cara certo, que seja masculino, profissional, inde-
pendente e que cuide do fsico, da mente e da alma. Mesmo trabalhadores

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criativos dos setores audiovisual e editorial, designers, fotgrafos e arquitetos


diziam sentir vergonha de andar com um afeminado com medo do olhar das
pessoas e preferir homem com jeito de homem.

Consideraes finais

O regime de controle da sexualidade abarca um sistema de normas que


fazem do espao pblico um ambiente de heterossexualidade e destinam ao
privado as relaes entre pessoas do mesmo sexo, de forma que a homos-
sexualidade deva ser vivida em segredo (SEDGWICK, 2007, p.30). Mesmo
homens homossexuais que vivem abertamente sua sexualidade valorizam e
cultuam a masculinidade hegemnica associada heteronormatividade e ainda
a sustentam juntamente a outras hierarquias sociais no Rio de Janeiro, inclu-
sive profissionais criativos que supostamente adotariam posies diferentes com
relao s diferenas. Ainda que a heteronormatividade no seja compatvel
com os pilares da economia criativa, o culto masculinidade heterossexual e
a depreciao dos afeminados continuam a ser reproduzidos por usurios de
aplicativos gays em polos criativos, desvelando a permanncia de um regime
excludente que contraria a lgica de reconhecimento da diferena, necessria
expresso do potencial socioeconmico da criatividade.

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LISBOA, Vincius. Ambiente familiar o local onde homossexuais mais sofrem agres-
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MISKOLCI, Richard. Machos e Brothers: uma etnografia sobre o armrio em relaes
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___. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenas. 2 ed. Belo Horizonte: Autntica,
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PERLONGHER, Nstor. O negcio do mich: a prostituio viril em So Paulo. So
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PROCTOR-THOMSON, Sarah Belle. Creative differences: the performativity of gen-
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SEDGWICK, Eve Kosofsky. Epistemologia do armrio. Cadernos Pagu, n. 28, p. 19-54, 2007.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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economia criativa: reflexes sobre a realidade brasileira. NAU Social, v.3, n.4, p.111-
121, maio/out. 2012.
SOUZA, Tedson da Silva. Fazer banheiro: as dinmicas das interaes homoerticas nos
sanitrios pblicos da Estao da Lapa e adjacncias. Dissertao Mestrado em Antropologia.
Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, 2012.

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AS CIBERTECNOLOGIAS DA SEXUALIDADE NA
SOCIABILIDADE ONLINE DAS JOVENS ESTUDANTES
NA CONTEMPORANEIDADE

Luza Cristina Silva Silva


Mestranda no Programa de Ps-graduao em Educao
Universidade Federal de Minas Gerais UFMG
[email protected]

GT 10 - Mdias digitais e (re)invenes da subjetividade

Resumo

O objetivo deste trabalho analisar nude selfie e o sexting na condio de


cibertecnologias da sexualidade a partir da vivncia das jovens estudantes na
contemporaneidade. A fim de compreender como as jovens estudantes acio-
nam o nude selfie, autorretrato nu e do sexting, sexo por envio de textos e fotos,
analisaremos os mecanismos que constituem as regularidades da prtica, assim
como as reinvenes das cibertecnologias da sexualidade. Sob uma escolha
terico-metodolgica de inspirao foucaultiana, realizaremos a anlise das
tecnologias do poder a partir do dispositivo da sexualidade. Assim, buscaremos
mapear as regularidades da prtica, as supostas verdades que as constituem e
as reinvenes produzidas pelas jovens estudantes.
Palavras-chave: Cibertecnologias; Sexualidade; Juventude; Mdias Digitais.

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Introduo

A sociedade contempornea globalizada (SANTOS; 2004) marcada


pela intensificao dos usos das tecnologias digitais, sendo reconhecida como
sociedade ps-moderna (SILVA; 1996). As mdias digitais aderem complexidade
de fatores ao cenrio poltico, social e cultural contemporneo que inauguram
modos de existncia. O smartphone, por exemplo, parece fundir-se ao corpo
humano, principalmente nos grandes centros urbanos, ao ponto de no ser pas-
svel de diferenciao o corpo e a tecnologia. Para explicar essa transformao,
Iara Beleli (2015), rememora uma publicidade, veiculada no ano de 2014 em
que apresenta um homem vestido procurando as chaves do carro, entretanto,
ao sair de casa est totalmente nu porque esqueceu o celular em casa. Isto ,
o smartphone no somente uma tecnologia digital, tornou-se parte do corpo.
O nu na propaganda no foi por acaso, a sexualidade um componente de
intensa transformao na sociedade de matriz ocidental desde 1960 do sculo
passado (PELCIO; 2015).
A impossibilidade de diferenciao entre o corpo e mquina, pode ser
associada s tecnologias digitais, a Web 2.0, mdias digitais que modificam e
produzem as relaes sociais de sexualidade no sculo atual. Dessa forma, faz
emergir, em complexidade com outros fatores, diferentes vivncia no campo
da sexualidade, por exemplo, do nude selfie, autorretrato nu e do sexting, sexo
por envio de textos e fotos. Segundo dados da ONG SaferNet, no ano de 2013,
34% de jovens entre 16 e 23 praticaram sexting pelo menos uma vez. Segundo
a mesma ONG, em 2014, foram 224 casos registrados de divulgao de ima-
gens e vdeos ntimos contra a vontade da pessoa exposta, as mulheres so 81%
do alvo de vazamento de imagens e essa prtica cresceu 120% em um ano.
Segundo a empresa Conectai Express, em uma pesquisa online realizada com
2.000 internautas, 55% dos homens j receberam foto nudes, e 21% comparti-
lharam o que receberam.
Diante do objetivo de analisar o nude selfie e o sexting na condio de
cibertecnologias da sexualidade, analisaremos os mecanismos que constituem
as regularidades da prtica, assim como as reinvenes das cibertecnologias
da sexualidade a partir da vivncia das jovens estudantes nas mdias digitais.
Diante da complexidade das relaes das jovens estudantes nas mdias digitais,
perguntamos: como nude selfie e o sexting na condio de cibertecnologias da
sexualidade atuam na vivncia da sexualidade das jovens estudantes nas mdias

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digitais? A fim de responder esse problema de pesquisa o referencial terico


seguira a perspectiva do campo produtivo das relaes de poder (FOUCAULT,
2014)

Tecnologias do Poder

Diante das cibertecnologias da sexualidade que sero pesquisadas, esto


a nudez autoexposta de mulheres, ou seja, nudez consensual nas mdias digitais
publicada por mulheres e para mulheres. Os projetos The nu Project1, Beautiful
body Project2 e X Real3, apresentam ensaios fotogrficos, selfies, vdeos e gifs
de mulheres que no necessariamente correspondem ao padro de beleza
socialmente legitimado, e assim, publicam fotos que consideram sensuais e pol-
ticas do seu prprio corpo. Os diferentes intuitos dessa prtica englobam o que
essas mulheres chamam de empoderamento feminino e subverso dos padres
morais do corpo da mulher. Paula Sibilia (2015), diz que o nu das mulheres
apresentadas por sites como esses, esto para alm das convenes estticas e
morais do obsceno e da beleza.
Assim, as subjetividades foram alteradas principalmente a partir do
advento Web 2.0, sendo possvel dizer na mudana de regime de poder
que provocou mudanas sociais a partir da transformao do plo emissor de
informao. Diante do novo formato da difuso de informaes, Sibilia (2008)
argumenta que o cenrio de mudana trouxe uma prtica confessional na
cibercultura, milhes de usurios de todo o planeta (...) tm se apropriado
das diversas ferramentas disponveis on-line, que no cessam de surgir e se
expandir, e as utilizam para expor publicamente a sua intimidade (SIBILIA,
2008, p. 27). Os sujeitos confessam espetculos de si mesmo para exibir uma
intimidade inventada (SIBILIA, 2008, p. 29). A intimidade est nas fotografias

1 The Nu Project um projeto de origem estadunidense que fotografa mulheres de todo o mundo. Nas
informaes do site as idealizadoras Matt e Katy explicam que no h modelos, nem maquiagem, as
mulheres tiram as fotos nos espaos da sua prpria casa em que se sente o mais confortvel possvel.
Desde 2005 elas fotografaram 250 mil mulheres na America do Sul, America do Norte e Europa.
2 O projeto sem fins lucrativos tem o objetivo de ser uma fonte das vozes femininas presentes nos cor-
pos de mulheres fotografadas. O site agrega imagens, podcasts, vdeos e ensaios escritos para falar
das diferentes realidades de mulheres pelo mundo.
3 Projeto pessoal da fotgrafa Camila Cornelsen que pretende empoderar mulheres para ver e admirar
outras mulheres e a se identificar com o corpo alheio.

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que registram acontecimentos da vida cotidiana divulgadas nas redes sociais,


os blogs divulgam relatos pessoais dos usurios, os aplicativos modificam for-
mas da relao amorosa, sexual, afetiva. Nesse regime de poder, as relaes
sociais so sempre fluidas e dificilmente apreensveis, embora cada vez mais
enaltecidas, veneradas e espetacularizadas. (SIBILIA, 2008, P. 34).
Ao se referir mudana de regime de poder, Sibilia (2008) utiliza o
conceito de Michel Foucault (2014). O autor ao falar de mudana no regime
de poder se referia transformao social na Europa no final do sculo XVIII
e incio do XIX, a partir do sculo XIX, aconteceu um fenmeno absoluta-
mente fundamental, a engrenagem, a complicao de duas grandes tecnologias
de poder (FOUCAULT, 2014, p. 37). As relaes de poder nesse campo de
possibilidades podem incitar, desviar, facilitar, no limite ele [poder] obriga ou
impede absolutamente; mas sempre uma maneira de agir sobre um ou sobre
sujeitos agentes, e isso, enquanto eles agem ou so suscetveis a agir. Uma ao
sobre aes (FOUCAULT; 2014; p. 133).
Exerccios de poder e estratgias de poder se complementam e dife-
renciam de relaes de poder, essa diferenciao importante quando se
trata do estudo das tecnologias polticas. Como dito acima, as tecnologias abar-
cam as regularidades de prticas sociais. Dessa forma, as relaes de poder
so um conjunto de possibilidades de aes das prticas sociais, no entanto, as
regularidades e racionalidades so operacionalizadas por mecanismos e estra-
tgias de poder (FOUCAULT, 2014). Ou seja, dentre as mltiplas possibilidades
de aes ocorre uma regularidade das prticas.
Assim, exerccios de poder so um modo de ao de alguns sobre alguns
outros (FOUCAULT, 2014, p. 132), no uma relao de poder em que ocorrem
maneiras de agir sobre o outro. No exerccio do poder, acontece a produo
e a colocao em circulao de elementos significantes (FOUCAULT, 2014,
p. 129), ou seja, as relaes de sentido que capturam significantes so exerc-
cios de poder. Ainda, os exerccios de poder esto inseridos em dispositivos de
poder, na pesquisa especificamente o dispositivo da sexualidade. Exerccios de
poder esto inseridos no dispositivo de poder porque so prticas que tem por
objetivo efeitos de poder, um exemplo de efeito de poder acontece nas relaes
de sentido em que os significantes capturam o significado.

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Cibertecnologias de Sexualidade

Em ressonncia com Foucault (2014), Paul B. Preciado (2014) atribui


categoria sexo e gnero o sistema de tecnologias sociopolticas complexas,
em que as tecnologias sexuais fixas so aquelas facilmente transpostas como
natureza. Tecnologias e natureza, para Preciado (2014), formam um hbrido
contemporneo. Nos componentes da mistura, existem as tecnologias sexuais
fixas so aquelas facilmente transpostas como natureza. Para o autor, sexo,
sexualidade e tambm o gnero so tecnologias sociopolticas complexas.
E ainda, compara as relaes de sexo e gnero com as do corpo e mquina.
Dessa forma, sexo prosttico uma tecnologia de dominao heterossocial
que reduz o corpo a zonas ergenas em funo de uma distribuio assimtrica
de poder entre os gneros (PRECIADO, 2014, p. 25).
Preciado (2014) afirma que a histria da humanidade poderia ser com-
preendida como histria das tecnologias, sendo o sexo e o gnero dispositivos
inscritos em um sistema tecnolgico complexo (PRECIADO, 2014, p.23), pro-
duzindo a negociao constante da natureza com as tecnologias, suscitando a
criao de outro elemento fruto dessa interao, sendo impossvel analis-los
de forma separada. Nesse campo contraprodutivo, a natureza no compreen-
dida como um elemento a ser modificada pela tecnologia, a prpria natureza
tecnologia, ou seja, o que compreendemos como natureza um hbrido com
a tecnologia. Afinal, o movimento mais sofisticado da tecnologia consiste em
se apresentar exatamente como natureza (PRECIDO, 2014, p. 168). Na socie-
dade contempornea, sexo como dado biolgico da natureza atinge o status
de verdade, desencadeando uma rede complexa de linearidade entre sexo,
gnero, corpo, orientao sexual.
Assim, de modos especficos as tecnologias se fazem corpo, incorporam-
se. Um desses modos especficos atravs da diviso da arquitetura poltica do
corpo, que produz algumas zonas ergenas de intensidade do prazer, mas que
ao mesmo tempo produz outras zonas do corpo como uma fonte inexistente de
prazer. rgos sexuais no existem em si. Os rgos que reconhecemos como
naturalmente sexuais j so produto de uma tecnologia sofisticada (PRECIADO,
2014, p. 31). Para que o nude selfie seja reconhecido enquanto tal, necessrio
que a fotografia exiba partes do corpo que reconhecemos socialmente como
sexuais, as regies de intensidade de prazer que parecem indicar uma tecnolo-
gia sofisticada de poder, indcio que problema de anlise da pesquisa.

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Segundo Preciado (2014), cibertecnologias so os efeitos das estruturas de


poder e das resistncias, a reinveno da natureza. As novas cibertecnologias
sugerem o desenvolvimento de formas de sensibilidade virtual e hbrido dos
sentidos. A prtese, pensada como (...) uma cpia mecnica de um rgo vivo,
transformou a estrutura da sensibilidade humana em algo que o novo sculo
batizou com o nome de ps-humano (PRECIADO, 2014, p. 164).

Metodologia e Consideraes Finais

A pesquisa est em desenvolvimento, mas justifica-se a realizao pela


relevncia do campo cientifico em investigar uma prtica que segundo os dados
apresentados esto crescendo entre as usurias das mdias digitais. A metodolo-
gia da pesquisa ser a netnografia diante da demanda que surgem no universo
das metodologias de pesquisa na investigao de ambientes online. A pesquisa
netnogrfica considera os artefatos das tecnologias digitais que ns pesquisa-
doras, pretendemos investigar um universo de relaes nas mdias digitais das
jovens estudantes.
Assim, o mtodo netnogrfico busca investigar os sujeitos e seus proces-
sos de construo e comportamento das relaes sociais na rede e conexes
produzidas no ambiente online (NOVELI, 2010). Um dos processos importantes
da netnografia a observao participante que necessita de imerso no campo
de investigao, ficando atenta aos cdigos sociais, comportamento e lingua-
gem dos grupos investigados. Diferentes arranjos sociais so produzidos da
relao dos sujeitos com as mdias digitais, arranjos sociais importantes para a
compreenso das relaes de sexualidade contempornea. No entanto, o tema
da sexualidade em articulao com as mdias digitais ainda pouco pesqui-
sado. Assim, alm de atual, a pesquisa traz para a arena do debate cientfico
o fenmeno das mdias digitais que operam na transformao das relaes de
sexualidade.
Assim, essa pesquisa busca interar-se da compreenso da sexualidade
como um campo de tenses, normas, resistncias e sanes polticas. Assim, o
estudo das cibertecnologias pode proporcionar indcios dos modos contempo-
rneos de vivncia da sexualidade pela juventude. E, portanto, contribuir com a
reflexo no campo cientfico e educacional da produo de cibertecnologias da
sexualidade que modificam a vivncia das jovens em escolarizao.

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Referncias

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Cadernos Pagu (44), jan-jun, p. 91 114, 2015.

FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos IX: Genealogia da tica Subjetividade e


Sexualidade. Org. Manoel de Barros da Mota. Rio de Janeiro: Forense Universitria,
2014.

MILTON, Santos. Por uma outra globalizao: do pensamento nico conscincia


universal. Rio de Janeiro, Record, 11 ed, 2004.

NOVELI, Marcio. Do Off-line para o Online: a netnografia como um mtodo de pes-


quisa ou o que acontece quando tentamos levar a etnografia para internet? Organizao
em Textos. Ano 6, n. 12. Jul/dez, 2010.

PELCIO, Larissa. Narrativas Infiis: notas metodolgicas e afetivas sobre experincias


das masculinidades em um site de encontro para pessoas casadas. Cadernos Pagu (44),
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PRECIADO, Beatriz. Manifesto Contrassexual. Traduo de Maria Paula Gurgel Ribeiro.


So Paulo, n-1 edies, 2014.

SIBILIA, Paula. O Show do Eu: a intimidade como espetculo. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 2008.

SILVA, Tomaz. Identidades Terminais: as transformaes na poltica da pedagogia e na


pedagogia poltica. Petrpolis. Vozes, 1996.

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PODER SIMBLICO E POLITIZAO:


A VISIBILIDADE DAS MASCULINIDADES NO FILME MILK.

Jos Guilherme de Oliveira Freitas


Doutor em Educao
UFRJ-Educao
[email protected]

Leticia Calhau Freitas


Mestranda em Educao
PPGE-UFRJ- Educao
[email protected]

Leyse Monick Frana Nascimento


Mestranda Em Educao
PPGE-UFRJ- Educao
[email protected]

GT 14 - Masculinidades mltiplas no contexto escolar

Resumo

Este trabalho busca refletir sobre a importncia das questes cotidianas para o
debate poltico sobre as desigualdades sociais. Como eleger questes do dia a
dia para pautas dos debates pblicos? Quais so as dificuldades que a popula-
o LGBT encontra para tornar seus desafios dirios em tema de lutas sociais?
O que separa o privado do pblico? Essas questes nortearo o dilogo com a
obra Milk A voz da Igualdade (2009). Este filme proporciona o levantamento
de questes sobre a militncia de gays, a visibilidade dos homossexuais e as
dificuldades encontradas com a represso da sociedade e dos representantes
polticos. Neste artigo, resolvemos nos deter a analisar a problematizao feita
por Milk sobre a politizao do cotidiano para que diferentes formas de mascu-
linidades tornem-se visveis.
Palavras-chave: politizao; masculinidades; LGBT; poder; privado.

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Introduo

Para Harvey, a importncia da poltica em sua vida s comea a ganhar


importncia no momento em que vive a homofobia por parte dos membros
da associao de comerciantes do bairro Castro. Depois desta experincia, ele
cria sua prpria associao de comerciantes, com as pessoas que tambm se
sentiam descriminadas e a questo da participao de homens gays na repre-
sentao do bairro, da cidade e na poltica passa a ser o centro de sua ateno.
No decorrer da histria, Harvey, aos poucos, percebe a fora do ativismo gay
e, da mesma forma, da reao a esse ativismo. Represses e violncias aumen-
taram em 1973, fazendo com que a populao homossexual ficasse vulnervel.
A represso por meio dos policiais se intensifica e o protagonista da histria
entende que somente com uma representao poltica das minorias seria pos-
svel mudar o cenrio.
A proposta com este artigo usar trechos do filme Milk para refletir sobre
como as questes do privado podem servir como disparadoras de questes na
luta poltica contra as desigualdades sociais, enfatizando as diferentes formas
de masculinidades presentes. Para contextualizar este tema, consideramos o
histrico dos movimentos sociais, principalmente, os movimentos feministas e
homossexuais.
O trecho de anlise do filme que ser discutido uma reao de Harvey
ao momento de perseguio aos professores homossexuais. Milk conclama todo
homossexual, independente de como este expressava sua masculinidade, a se
assumir para que a luta contra as campanhas polticas homofbicas pudesse
ganhar a ateno de familiares e amigos. Para trabalhar com a proposta de poli-
tizao do cotidiano, abordaremos algumas reflexes e conceitos de pblico e
privado, alm de violncia e poder simblicos.

A Relao entre o Privado e o Pblico

Quando se trata de questes sociais, a diferenciao entre privado e


pblico pode se mostrar confusa. At que ponto o privado representante do
que seria bom para todos? De que forma o pblico representa todas as pes-
soas com equidade?

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Entendendo-se o espao privado como aquele que pertence aos


indivduos ou grupos organizados voltados a garantir interesses
privados, representado pelo mercado (esfera privada), enquanto o
espao pblico compreendido como aquele que pertence cole-
tividade, considerado como bem de todos. (SILVA,2014, pg.27).

Essa tenso entre privado e coletivo pode ser verificada na histria das
mulheres na sociedade. At os anos 40, enquanto o lugar do homem branco era
a cena pblica, algumas mulheres estavam destinadas apenas cena privada,
ao espao da famlia e dos filhos. O que era considerado de interesse pblico
e poltico deveria estar representado apenas pelos homens, em sua maioria
homens brancos.
O questionamento sobre a definio destas fronteiras entre o pblico e o
privado pode ser observado nas lutas das mulheres por igualdade e equidade.
Na primeira onda feminista, acontecida entre os sculos XIX e XX, as principais
reivindicaes eram o direito ao voto, propriedade, educao e ao fim do
casamento arranjado. Uma referncia cinematogrfica sobre esse perodo o
filme As Sufragistas, que apresenta a luta das mulheres pelo acesso ao voto,
entre outras coisas. Para exemplificar a referncia do filme temos a cena em
que uma das mulheres faz a defesa do direito ao voto diante de um parlamento
representado somente por homens e a reao do parlamento foi a de total
incompreenso da reinvindicao porque elas se j eram representadas por
seus maridos e filhos. O filme tambm aborda a questo da fragilidade entre a
cena privada e pblica com a personagem Maud Watts que se envolve com o
movimento das sufragistas.
Na segunda onda feminista, as reinvindicaes eram em torno dos movi-
mentos de liberao feminina, entre os anos 60 e 70. Aps a conquista de
alguns direitos, as mulheres se viram na necessidade de questionar desta vez
as condies de vida e trabalho das mulheres, o olhar sobre as diferenas na
sexualidade de homens e mulheres, a construo da imagem de me e dona de
casa, a violncia domstica e criminalizao do aborto.
Interessante observar que as mulheres comearam a revelar suas vidas
pessoais a fim de questionarem as regras de convivncia na sociedade divididas
entre homens e mulheres, conforme afirma Lins, 2016.
O pessoal poltico foi o principal lema da segunda onda femi-
nista. As militantes encorajavam as mulheres a compreenderem

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aspectos de sua vida pessoal como profundamente politizados e


submetidos a estruturas de poder injustas. Aliados a outros movi-
mentos de defesa de grupos socialmente em desvantagem, o
feminismo da segunda onda era combatido e engajado. Grandes
protestos acalorados e marchas por direitos ficaram associados
atuao do movimento neste perodo. (pg. 31).

Assim, os movimentos feministas foram determinantes para que grupos


sociais marginalizados socialmente ganhassem fora e questionassem a imposi-
o do silncio do cenrio poltico.

O Poltico e o Pblico

O cenrio do filme que escolhemos para a discusso retrata a defesa da


Proposta 6, que em 1978 criminalizava a ao de professores homossexuais,
excluindo-os da escola e demitindo tambm todos aqueles que os apoiavam. A
alegao dos defensores do projeto era de que os homossexuais eram moles-
tadores e influenciavam seus alunos quanto moralidade. Embora passados
quase 40 anos, ainda nos dias de hoje, h aqueles que insistem nesta forma de
pensar.
Neste perodo, dois polticos ganham destaque. Anita Bryant e John V.
Briggs faziam forte campanha pela adeso da sociedade ao que foi chamada
de campanha anti-gay. A populao apoiava o discurso dos polticos em prol
da moralidade e da famlia e que para a preservao destes princpios e da
moralidade seria necessrio impedir que homossexuais atuassem nas escolas.
A proposta 6 deveria ser decidida pela sociedade e por isso, neste momento, a
campanha de Anita e John se torna cada vez mais forte.
Como resposta a este cenrio Milk decide convocar os jovens homosse-
xuais envolvidos em sua campanha, assim como todas aspessoas LGBT que o
apoiavam para se assumirem para seus familiares, amigos e colegas de trabalho.
O personagem v nesta ao uma forma de envolver os amigos, familiares e
apoiadores na luta contra a campanha de perseguio aos homossexuais.
Para traar um dilogo com o cenrio poltico atual, podemos pensar nos
Projetos de Lei recentes no mbito Federal, que se justificam pela preservao
da famlia e que excluem outras configuraes, orientaes e identidades sexu-
ais e continuam existindo e ganhando espao na poltica pblica. Podemos citar
os mais recentes projetos: PL n180/2014 (inclui entre os princpios do ensino,

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o respeito s convices do aluno, de seus pais ou responsveis, dando prece-


dncia aos valores de ordem familiar sobre a educao escolar nos aspectos
relacionados educao moral, sexual e religiosa); PL n867/2015 (determina
que professores entreguem os materiais que utilizaro em sala de aula aos res-
ponsveis pelos alunos); PL n2731/2015 (determina que o texto do PNE proba
a utilizao dequalquer tipo de ideologia na educao nacional, em especial
o uso da ideologia de gnero, orientao sexual, identidade de gnero e seus
derivados, sob qualquer pretexto); PL n867/2015 (inclui, entre as diretrizes e
bases da educao nacional, o Programa Escola sem Partido).
Os projetos citados tm em comum a preservao do que entendem
como modelo universal de famlia diante aos temas como sexualidade, morali-
dade e religio. De forma similar ao trecho que citamos do filme, os argumentos
passam pela questo religiosa e tomam como ameaa as identidades que no
combinam com o modelo adotado pela cultura crist e/ou heteronormativa. De
forma semelhante tambm, podemos perceber que existe uma excluso das
vozes dos grupos minoritrios sobre os temas. A ideia de ideologia homos-
sexual que ameaa as famlias por meio do ensino nas escolas aparece em
ambos os cenrios, de 1970 e 2015. E o mais importante de destacar como o
cenrio poltico se faz valer de sua fora para transformar as questes de inte-
resse de alguns grupos como representativa do interesse pblico.
A esfera pblica poltica deve ser entendida como uma caixa
de ressonncia onde os problemas a serem elaborados pelo sis-
tema poltico encontram eco, uma vez que a esfera pblica ,
justamente, um sistema de alarme dotado de sensores no especia-
lizados, porm sensveis no mbito de toda sociedade (Habermas,
1997, p. 30, 40, 41).

O movimento LGBT, no Brasil, se organiza a partir da dcada de 1970 por


direitos e oportunidades iguais. A histria de conquista de direitos iguais na pr-
tica, no Brasil, tambm releva questes entre privado e pblico, demonstrando
que essas tenses so constantes.
O que precisamos questionar de que forma as questes das minorias
podem ser problematizadas na esfera pblica. Como podemos trazer tona as
barreiras sociais que alguns grupos encontram para usufruir dos direitos garan-
tidos na Constituio de 1988?

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A Politizao da Vida Cotidiana

No filme, a vida de Harvey Bernard Milk representa o caminho e escolha


por tornar a vida cotidiana pauta para lutas por igualdade social. Sua cami-
nhada na vida poltica nos ajuda muito a entender seu posicionamento pessoal
e pblico, bem como o reconhecimento de masculinidades diversas. Foi o pri-
meiro homem abertamente gay a ser eleito a um cargo pblico na Califrnia,
como supervisor da cidade de So Francisco. A poltica e o ativismo gay no
foram os primeiros interesses de Milk; ele no sentia necessidade de ser aberto
quanto sua homossexualidade ou participar de causas civis at por volta dos
40 anos. A partir da, desperto para a poltica, Milk mudou-se de Nova Iorque
para fixar residncia em So Francisco, em 1972.
Ele candidatou-se sem sucesso trs vezes para cargos polticos. Milk obteve
um assento como supervisor da cidade, somente em 1977, como resultado das
mudanas sociais mais amplas que a cidade estava enfrentando. Ele exerceu
o mandato por 11 meses e foi responsvel pela aprovao de uma rigorosa lei
sobre direitos gays para a cidade.
Com o ps-feminismo, podemos compreender melhor como o
contrato sexual sustenta o contrato social. Domnios como a fam-
lia, a sexualidade, a sade, a alimentao e o vesturio, que antes
pertenciam fundamentalmente ao domnio privado, tornaram-se
parte de um ampliado campo pblico e poltico de contestao.
As claras distines entre as esferas domstica e a pblica no se
sustentam, principalmente aps a entrada em massa das mulheres
e das atividades privadas antes associadas ao domstico. Em toda
parte, o pessoal tornou-se poltico. (Hall, 2003. p. 76).

De acordo com o autor, os estudos feministas foi uma das rupturas te-
ricas decisivas que alterou uma prtica acumulada em Estudos Culturais (Hall,
2003). De que forma a histria de Milk tambm no representa esse tipo de
proposta de ruptura e de tenso entre o pblico e o pessoal?
Milk liderou um movimento de luta pelos direitos das minorias sexuais
e contra a onda de conservadorismo, principalmente cristo, que se afirmava
no cenrio poltico. Estamos saindo para lutar contra as mentiras, os mitos, as
distores. Estamos saindo para dizer as verdades sobre os gays, porque estou
cansado da conspirao do silncio (Harvey Milk). Como forma de resistncia,
ele convocou todos os homossexuais a se assumirem publicamente a fim de

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derrubar os argumentos baseados em esteretipos preconceituosos e maldosos


sobre os gays. Precisamos fazer com eles saibam quem somos ns. Todos tm
que sair do armrio. Todo o Estado. No importa onde eles morem. Saia do
armrio! Saia do armrio! No importa quem voc ! Diremos para todo Estado
sair do armrio.(Harvey Milk).
No se trata apenas de pressionar o Estado para reivindicar direi-
tos, mas de modernizar a prpria sociedade civil, transformando
as estruturas tradicionais de dominao, excluso e desigualdade
que, fora do aparelho do Estado, se encontram enraizadas nas ins-
tituies, normas, valores e identidades coletivas, baseadas em
preconceito de raa, classe e gnero, configurando o que Foucault
denominou micropoderes (Vieira, 2001. p. 79).

A estratgia que Harvey encontra de mobilizar a sociedade civil em rela-


o aos direitos das pessoas LGBT a fim de que possam transgredir o discurso
homogeneizador de moral e famlia. Todos os gays, advogados, professores,
mdicos. O homem da carrocinha de cachorros. Ns temos que sair do gueto!
Deixar todos saberem que eles conhecem um de ns. E se as pessoas no sa-
rem do armrio, abriremos uma porta para elas.Se h algum nessa sala, nesse
momentoque no tenha contado a sua famlia, seus amigos, seus chefes, faam
isso agora! (Harvey Milk).

Os Obstculos para a Politizao do Privado

No trecho do filme Milk que estamos utilizando como material de refle-


xo existe um dilogo bem interessante entre o vereador e seu ex-namorado em
que Milk questionado por exigir que seus apoiadores se assumam na socie-
dade. A crtica recai sobre seu pedido para que todos se assumam, e durante a
conversa fica evidente o medo que existe da excluso social.
desejar que saibam trabalhar para inventar e impor, no seio
mesmo do movimento social e apoiando-se em organizaes
nascidas da revolta contra a discriminao simblica, de que
elas so, juntamente com os (as) homossexuais, um dos alvos
privilegiados, formas de organizaoe de ao coletivas e armas
eficazes, simblicas, sobretudo, capazes de abalar as instituies,

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estatais e jurdicas, que contribuem paraeternizar sua subordinao


(Bourdieu, 2007, p. 5).

O questionamento que foi feito a Milk representa uma preocupao social


baseada em reproduo de discursos de moralidades e normatizaes das iden-
tidades humanas. Tomamos como referncia aqui o que Bourdieu chama de
preconceito simblico. A normatizao das sexualidades foi uma das formas
encontradas para controlar e dominar as pessoas. Neste sentido, refletimos sobre
como o receio de ser excludo pode ser marca da violncia contra minorias
sexuais e de gnero, e como essa violncia pode ainda hoje se tornar obstculo.

Consideraes Finais

Pensamos que ao discutirmos tais questes, buscamos contribuir para que


a escola em particular e a sociedade como um todo seja composta de sujeitos
dotados de esprito crtico para se posicionar com harmonia em um mundo de
diferenas e de infinitas variaes, inclusive um olhar que permita evidenciar as
diferentes formas de masculinidades.
Nossa pretenso colaborar para que pessoas possam refletir sobre o
acesso de todos cidadania e compreender que, dentro dos valores da tica e
dos direitos humanos, as diferenas devem ser respeitadas e promovidas e no
utilizadas como critrios de excluso social.
Assim, consideramos que o filme evidenciado neste artigo, trouxe refle-
xes no sentido de admitir que as identidades masculinas possuam dimenses
polticas que se traduzem na luta pela subjetividade e legitimao da diferena
no somente como possibilidade, mas como direito.

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Referncias Bibliogrficas

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Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HALL, Stuart. Da dispora: identidades e mediaes culturais. Belo Horizonte: Editora


UFMG, 2006.

LINS, Beatriz Accioly. MACHADO, Bernardo Fonseca; ESCOURA, Michele. Diferentes


no desiguais. A questo de gnero na escola. So Paulo: Reviravolta, 2016.

VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalizao. Rio de


Janeiro: Record, 2001.

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

MULHERES PIONEIRAS NA TECNOLOGIA DA INFORMAO1

Daniela Teixeira Rezende


Mestrando em Educao Tecnolgica
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
[email protected]

Raquel Quirino
Ps-Doutora em Educao
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG
Departamento de Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
[email protected]

GT 16 - Relaes de gnero, diversidade sexual, trabalho, tecnologia e educao


profissional: interlocues, dilogos e desafios contemporneos.

Resumo

O tema abordado traz um resgate histrico acerca da participao e atuao


das mulheres na rea de Tecnologia da Informao (TI), importante mos-
trar que as mulheres tiveram papel imprescindvel no desenvolvimento da rea
deInformtica. O objetivo deste artigo fornecer modelos femininos na rea
de TI, apresentando mulheres pioneiras que tiveram importante participao no
desenvolvimento da computao. parte integrante de um projeto de pesquisa2
que busca identificar como se d a formao e a qualificao profissional em TI;
as principais reas de atuao desse profissional e discute a presena feminina

1 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG


PROPESQ e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG
2 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG
PROPESQ e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG

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nesse mercado de trabalho. Espera-se contribuir para o debate e reflexes sobre


as relaes de gnero no trabalho, visando uma participao igualitria dos
gneros na rea de TI.
Palavras chave: tecnologia da informao; mulheres na TI; as pioneiras da TI;
relaes de gneros.

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Introduo

At o final do sculo XIX, leis em todo o mundo impediam que mulheres


possussem propriedade em seus nomes, inclusive intelectual. Mesmo com a
mudana nas leis, a sociedade d pouca nfase nas contribuies femininas na
cincia e tecnologia (VASCOUTO 2015).
Matsura (2016) alerta que projetos recentes tentam recolocar na hist-
ria nomes de programadoras que criaram o sistema do primeiro computador
eletrnico digital. Elas so minoria na indstria de tecnologia, mas, sem seu
trabalho, provavelmente os computadores no existiriam como so hoje. Foi
pelas mos femininas que o primeiro algoritmo para computador foi escrito, no
sculo 19. Mulheres como Ada Lovelace e Grace Hopper foram fundamentais
para o avano dos softwares. O sistema que serviu como base para o celular
foi criao de uma atriz de Hollywood. Seis programadoras do projeto ENIAC
criaram o sistema do primeiro computador eletrnico digital, e ficaram relega-
das a segundo plano.
Segundo Lindamir Casagrande, citada por Matsura (2016) a histria da
participao das mulheres na Cincia e Tecnologia na ainda no foi escrita. Ada
Lovelace e Grace Hopper at conseguiram algum reconhecimento, mas elas
no foram as nicas que produziram cincia e tecnologia na rea de TI.
Assim, na tentativa de resgatar as contribuies dessas mulheres e dar
visibilidade aos seus trabalhos na rea de TI, segue-se um breve histrico de
cada uma delas.

As pioneiras da TI Atuao feminina desde o sculo XIX

Apesar da ideia de que as mulheres no possuem competncia para a tec-


nologia, elas foram importantes para o desenvolvimento da informtica, como
pode ser visto pelo trabalho realizado pelas pioneiras, que tiveram importante
participao para o desenvolvimento da informtica e, na maioria das vezes,
permanecem invisveis.
As pioneiras aqui apresentadas so Ada Byron (Lady Lovelace), a primeira
mulher considerada programadora da histria; e Grace Murray Hopper pela sua
contribuio no desenvolvimento da linguagem de programaCOBOL, utilizada
at hoje e pelo desenvolvimento do primeiro compilador. Tambm so apresen-
tadas as mulheres que participaram do desenvolvimento do ENIAC, o primeiro

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computador eletrnico e algumas outras mulheres que tiveram participao sig-


nificativa para o desenvolvimento da informtica.
Para Santino (2015) a histrica de Ada Lovelace, como popularmente
conhecida a primeira programadora da histria, Augusta Ada King contada
por Santino (2015). Nascida em 1815, conhecida como Condessa de Lovelace
ajudou o colega, Charles Baggage, no desenvolvimento da primeira mquina
de clculo e responsvel pelo algoritmo que poderia ser usado para calcu-
lar funes matemticas. Suas notas sobre a mquina analtica de Babbage,
primeiro modelo de computador, que foram republicadas mais de cem anos
depois foram reconhecidas como o primeiro algoritmo especificamente criado
para ser implementado em um computador.
Filha do Lord Byron com Anne Isabella Byron, teve criao cientfica
desde cedo porque sua me era uma estudiosa de matemtica e influenciou a
filha com o objetivo de no deix-la trilhar a rota de seu pai na poesia que no
era um bom exemplo. Um ms aps o nascimento de Ada deixou sua me e
acabou abandonando a Inglaterra para sempre, morreu quando a garota tinha
apenas oito anos.
Ao casar com William King-Noel, baro que acabou se tornando o Conde
de Lovelace, passou a receber o tratamento Condessa de Lovelace. Faleceu em
1852 de cncer no tero.
Em 1982, uma linguagem de programao estruturada ganhou o nome
Ada como referncia a uma das personagens mais representativas da histria
da tecnologia.
Na segunda tera-feira de outubro comemorado o Ada Lovelace Day
que tem como objetivo lembrar os feitos do sexo feminino nas cincias, tecno-
logia, engenharia e matemtica, assim como encorajar as mulheres a seguirem
esse caminho.
Segundo os escritos histricos de Cruz (2015), a austraca Hedy Lamarr,
radicada nos Estados Unidos, era atriz em Hollywood e foi considerada a mulher
mais bonita do mundo na dcada de 1940. Era casada com um industrial do
setor de armamentos e, assim, adquiriu conhecimentos sobre o poder de fogo
usado na Segunda Guerra e, com muito talento na matemtica, uniu foras com
George Antheil para ajudar o esforo de guerra aliado e desenvolver princpios
da tecnologia. Desenvolveram uma ideia de usar sinais de rdio emitidos para
torpedos submarinos impossveis de serem encontrados por radar, o que serviu
de base para a telefonia celular mvel e deu origem a quase todas as formas

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de redes sem fio conhecidas hoje em dia, tais como: Bluetooth, GPS e Wi-Fi.
Usando os princpios de notas musicais no piano, Hedy e Antheil criaram um
sofisticado aparelho que causava interferncia em rdios para despistar radares
nazistas. Em 1940, patentearam o projeto frequency hopping e Hedy usou o
seu verdadeiro nome: Hedwig Eva Maria Kiesler.
CARDOSO (2007) escreveu sobre Grace Murray Hopper Formada em
Fsica e Matemtica, enfrentou difcil situao nos EUA por querer ir mais alm
do que casar e ser dona de casa, o que era comum para mulheres da poca.
Em 1934 j era Ph.D. em matemtica e uma carreira slida como professora.
Com a 2 Guerra Mundial se alistou na Waves, diviso criada espe-
cialmente para mulheres, que cuidariam das reas burocrticas, enquanto os
homens lutavam nas linhas de frente. Conquistou o 1 lugar na turma, se for-
mando Tenente e sendo designada para o projeto de computao de Harvard,
programando o Mark I, um dos primeiros computadores do mundo.
Com o fim da guerra, continuou em Harvard trabalhando para a Marinha
at 1949, depois de ter ido para a Reserva Naval. Desenvolveu o Univac I
modelo mais prximo de um computador de verdade e criou o compilador, que
mudou o mundo da informtica. Sua ideia no foi levada a srio, computadores
eram mquinas que calculavam, no compilavam. A ideia de um programa
que interpretasse uma linguagem mais prxima do ingls do que cdigo de
mquina era aliengena para os profissionais e cientistas da poca. Em 1959 seu
trabalho j era reconhecido, resultando em boa parte das especificaes do
Cobol.
Nos anos 1960/1970 pesquisou e definiu conceitos como padres e
certificaes para homologao de softwares, implementando o uso e a padro-
nizao do Cobol na Marinha. Deu baixa em 1986, aos 79 anos, no posto de
Contra-Almirante. Imediatamente contratada pela empresa Digital como con-
sultora snior, uma das maiores mentes femininas da Cincia da Informao,
faleceu em 1992 aos 85 anos. (CARDOSO, 2007).
Alcantara (2008) escreveu sobre As seis programadoras do ENIAC tambm
conhecidas como as pioneiras do ENIAC. O primeiro computador eletrnico
Eniac (Electronic Numerical Integrator and Computer) foi criado em 1946 e
projetado para fazer clculos de artilharia para o exrcito americano e sua pro-
gramao foi feita por mulheres. Foi utilizado pela primeira vez para calcular
trajetrias balsticas. Estrutura gigantesca: 18000 vlvulas, pesando 27 toneladas
era a primeira mquina capaz de ser programada para execuo de clculos

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diferentes para objetivos diferentes. Em 1947 o Eniac recebeu um upgrade de


memria se tornando a primeira mquina capaz de armazenar um programa
para execuo posterior.
De um grupo de 80 matemticas que trabalhavam para fazer clculos
balsticos na Universidade da Pensilvnia, foram selecionadas Kathleen McNulty,
Mauchly Antonelli, Jean Jennings Bartik, Frances Synder Holber, Marlyn Wescoff
Meltzer, Frances Bilas Spence e Ruth Lichterman Teitelbaum para automatizar
o processo. Quando entrou em operao apenas os engenheiros tiveram cr-
dito; elas no. Ficaram conhecidas apenas como as computadoras (moas
que computavam), termo pejorativo escolhido pelo exrcito americano como
uma forma de separar as mulheres dos verdadeiros matemticos. Atuaram
desenvolvendo programas balsticos durante a guerra, treinando novos progra-
madores e criando rotinas para melhorar a eficincia do trabalho de programar
a mquina. Algumas faleceram antes de ter seu trabalho reconhecido publica-
mente (ALCANTARA 2008).

O que afastou as mulheres da TI?

Segundo Castro (2015), antes da popularizao dos computadores pes-


soais, entre 1970 e 1984, as mulheres eram muito ativas na rea de TI. Em
1984 cerca de 37% dos cargos em cincia da computao eram ocupados
por mulheres. Em 2011, esse nmero caiu para 12 %. Os pesquisadores Caitlin
Kenney e Steve Henn tentaram desvendar o mistrio em torno da debandada
das mulheres da cincia da computao.
Para ela, os responsveis por esse fenmeno eram os esteretipos de
gnero, especialmente no que diz respeito a brinquedos infantis e o marketing
que os envolve. Os primeiros computadores pessoais foram quase que exclu-
sivamente comercializados para homens e meninos. Com a popularizao dos
computadores e o nascimento de uma nova cultura geek3, os programas de TV,

3 Geek umagria da lngua inglesacujo significado algum viciado em tecnologia, em computa-


dores e internet. A subcultura geek se caracteriza como um estilo de vida, no qual os indivduos se
interessam por tudo que est relacionado a tecnologia e eletrnica, gostam de filmes de fico cien-
tfica (Star Wars, Star Trek e outros), so fanticos por jogos eletrnicos e jogos de tabuleiro, sabem
desenvolver softwares em vrias linguagens de programao e, na escola, se destacam dos outros
colegas pelos conhecimentos demonstrados.

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filmes, videogames e outros jogos passaram a reafirmar o domnio masculino


no campo da cincia da computao.
Castro (2015) afirma que, em 1984, a primeira gerao de alunos que
poderia ter um computador em casa entrou no colgio. Quando essa gerao
chegou a faculdade, os rapazes j tinham muito mais experincia de programa-
o do que as garotas. A jovens mulheres descobriram que j estavam muito
distantes de seus pares masculinos. Assim, nos cursos voltados para a progra-
mao, a maioria das mulheres j comeou em desvantagem em relao aos
companheiros de classe e o desnimo foi o grande responsvel pelas desistn-
cias femininas nesta rea de estudo e atuao. Para mudar este quadro seria
necessrio estimular nas meninas o interesse por tecnologia e instig-las a pro-
gramar, uma vez que a maioria das crianas s interage passivamente com a
tecnologia, assim como incentivar brinquedos e jogos que introduzam concei-
tos de eletrnica ou engenharia para crianas. Para Castro,
atitude eficaz para combater o esteretipo de gnero inspirar as
meninas com histrias de mulheres bem-sucedidas na tecnologia
e incentiv-las a escolher carreiras que as interessem, ainda que
o mercado diga que so de maioria masculina (CASTRO, 2015,
p.128).

Consideraes finais

No h como ignorar a participao das mulheres na produo da


Cincia e Tecnologia no Brasil, no entanto, anda existe em alguns segmen-
tos da sociedade um discurso aparentemente neutro que permanece na lgica
das desigualdades de gnero: Tecnologia no coisa para mulher. Ainda se
v muita discriminao, com formas sofisticadas de manifestao, tais como o
reduzido nmero de mulheres em cargos de comando em empresas de tec-
nologias, assim como na direo de rgos de pesquisa como o Ministrio da
Cincia e Tecnologia, CNPq, FAPEMIG entre outros. Quando inseridas nas car-
reiras tecnolgicas ainda recebem menos do que os homens e no universo das
pesquisas cientficas tem mais dificuldades para conseguir recursos.
A rea da Tecnologia Informao no exceo a essa regra. Embora
historicamente tenha revelado inmeros talentos femininos no mbito do desen-
volvimento de tecnologia de ponta que revolucionaram o mundo e servem de
base para tantas outras recentemente criadas, as mulheres da TI permanecem

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invisveis no emaranhado das tramas sociais e raramente ocupam destaque na


mdia ou nos eventos cientficos e tecnolgicos e de cunho acadmico.
Pesquisas que estimulem o debate acadmico e que visem dar visibilidade
participao feminina em reas cientficas e tecnolgicas se fazem necessrias,
na medida em que derrubam esteretipos, incentivam meninas em processo de
formao a escolher tais carreiras e objetivam lograr uma mudana social de
forma que as diferenas no sejam traduzidas em desigualdades.

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Referncias

ALCANTARA, Frank. As mulheres que programavam o ENIAC. 2008. Disponvel em


< http://migre.me/8aIb1> Acesso em: 10 abr. 2016.

CARDOSO, Carlos. Grace Hopper, a Maior de todas as Geeks Site Meio Bit. 2007.
Disponvel em < http://meiobit.com/97634/grace-hopper-a-maior-de-todas-as-geeks/
> Acesso em: 10 abr. 2016.

CASTRO, Ana Carolina. Porque as mulheres foram afastadas da rea de Cincia


da Computao. Editora Abril, Revista Cludia, So Paulo, 2015. Disponvel em:
<hhttp://mdemulher.abril.com.br/carreira/claudia/por-que-as-mulheres-foram-afas-
tadas-da-area-de-ciencia-da-computacao-nas-ultimas-decadas> Acesso em: 10 abr.
2016.

CRUZ, Melissa. Hedy Lamarr, atriz do 1 orgasmo no cinema e inventora, estreia em


Doodle. Site techtudo. 2015. Disponvel em < http://www.techtudo.com.br/noticias/
noticia/2015/11/hedy-lamarr-atriz-e-inventora-ganha-doodle-do-google-no-youtube.
html > Acesso em: 10 abr. 2016.

MATSURA, Srgio. Hoje minoria na indstria de tecnologia, mulheres foram funda-


mentais na gnese da computao.Jornal O GLOBO, Rio de Janeiro, 2016. Disponvel
em < http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/hoje-minoria-na-industria-de-tecno-
logia-mulheres-foram-fundamentais-na-genese-da-computacao-15336779 > Acesso
em: 10 abr. 2016.

SANTINO, Renato. Conhea Ada Lovelace, a 1 programadora da histria. Olhar


Digital. 2015. Disponvel em < http://olhardigital.uol.com.br/noticia/conheca-ada-lo-
velace-a-1-programadora-da-historia/40718 > Acesso em: 10 abr. 2016.

VASCOUTO, Lara. 9 Mulheres Inventoras que Mudaram o Mundo. 2015. Disponvel


em < http://www.nodeoito.com/mulheres-inventoras/ > Acesso em: 13 abr. 2016.

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LINGUAGEM E PRAZER ATRAVS DA QUARTA-PAREDE


VIRTUAL: PROCESSOS DE CONSTRUO IDENTITRIA
EM PERFORMANCES DISCURSIVO-SEXUAIS NA REDE
SOCIAL ADULTA CAM4

Eduardo Espndola Braud Martins


Doutorando em Lingustica Aplicada - UFRJ
[email protected]

GT 17 - Manda Nudes!: Semioses Contemporneas e Governamentalidade

Resumo

Neste trabalho, apresento o aporte terico-metodolgico inicial de minha pes-


quisa de doutorado, que visa analisar os processos de construo identitria de
usurios do Cam4, rede social adulta de pornografia online em tempo real.
Tendo como ponto de partida prticas discursivas situadas na modernidade
recente e na web 2.0, busco investigar como os sujeitos que participam das
interaes erticas do ambiente virtual supracitado negociam suas sociabilida-
des e se (re)constroem, enquanto sujeitos erticos, em busca de um elemento
em comum: o prazer. Filio-me a teorias de vis socioconstrucionista e busco
guiar-me pelos aportes da etnografia virtual para desenvolver as anlises.
Palavras-chave: etnografia online; pornografia; modernidade recente;
sociabilidades.

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Introduo

Os tempos atuais de grande ebulio scio-cultural-poltico-hist-


rica (MOITA LOPES, 2006, p. 22), denominados modernidade recente
(CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999), ps-modernidade (BAUMAN,
1992) ou modernidade lquida (BAUMAN, 2001), tm rompido com tudo
aquilo que j foi pensado e conjecturado na modernidade como estvel e
uniforme. o que Beck (2001, p. 202) denomina individualizao: o des-
mantelamento das formas de vida da sociedade industrial (classe, famlia,
gnero, nao) sem reagrup-las novamente.1 Tal eroso generalizada vem
afetando os edifcios categoriais muito bem construdos nas pocas ante-
riores, propiciando cada vez mais instabilidades, mobilidades, incertezas e
ineternidades.
O desenvolvimento tecnolgico grande responsvel pelo crescimento
desse mundo de fluxos. Inovaes nas reas de comunicao e deslocamento
humano tm contribudo em larga escala para a fluidez de pessoas, linguagens
e textos. Na Web 2.0, a vida social constantemente construda, criticada,
transformada, reinventada e transgredida (MOITA LOPES, 2010, p. 400), e os
fluxos migratrios, textuais e discursivos operacionalizados nesse mundo
ps-moderno ocorrem, em diferentes escalas, nos mais diversos ambientes de
interao online.
A pornografia na internet tem um espao relevante nesse processo,
uma vez que tida como a atividade online que abrange a maior parte de
sites e downloads, utiliza a maioria da largura de banda disponvel e gera
o maior lucro de todo o contedo da Web (PAASONEN, 2011, p. 424). O
desenvolvimento dos mais diversos tipos de sites pornogrficos e de uma
vasta rede de servios na rede para a obteno de prazer no s tem con-
tribudo para uma democratizao da pornografia (COOPERSMITH, 2006,
p. 10-11), como tambm instiga a redefinio daquilo que considerado
porn ou ertico.
Atividades pornogrficas na rede constituem, portanto, um espao pro-
fcuo para a anlise de prticas discursivas online na modernidade recente.
a partir desse vis que busco, no decorrer deste trabalho, apresentar minha

1 Traduo minha, assim como de todas as outras citaes em lngua inglesa utilizadas neste texto.

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pesquisa de doutorado (em andamento), que tem como foco os processos de


construo identitria de usurios do Cam4, rede social adulta de pornogra-
fia online em tempo real. Busco analisar como os sujeitos que participam das
interaes voyeursticas (tanto os que se exibem quanto os que assistem exibi-
o) nesse site negociam suas identidades e se constroem, discursivamente, em
busca de um elemento em comum: o prazer.
Esclareo que meu interesse com esse tipo de investigao no prev
gerar grandes generalizaes, como dita(va) o grande projeto moderno
de cincia (BAUMAN & BRIGGS, 2003). As anlises que pretendo desen-
volver no buscaro verdades absolutas, e sim possveis leituras dos dados
coletados, influenciadas a todo momento por minhas ideologias e posiciona-
mentos enquanto homem cis, gay, consumidor de pornografia, pesquisador da
Lingustica Aplicada entre tantos outros traos efervescentes de minha incons-
tante identidade.

Nudes em movimento

O Cam42, rede social adulta de pornografia online em tempo real,


um site acessado por pessoas de toda parte do globo para se exibirem
de maneira ertica a outras atravs de uma webcam ou para visualizar
tais apresentaes. Na pgina inicial do site so exibidos os shows (nome
dado s exibies sexuais) em andamento mais visualizados no momento
do acesso, organizados por imagens que mostram uma miniatura do perfil
de cada performer (usurio que se exibe), a bandeira de seu pas de origem,
seu gnero, orientao sexual declarada, h quanto tempo comeou a exi-
bio e o nmero de visualizadores simultneos do show em questo (ver
figura 1).

2 http://www.cam4.com.br/.

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Figura 1 Pgina inicial do site Cam4.

Fonte: Print Screen de pgina da web em 03 dez. 2015, 14:52.3

O perfil de cada performer exibe, alm de suas informaes pessoais, um


chat e uma janela de exibio de sua webcam (ver figura 2). Durante o show, o
performer interage com seu pblico por meio desse chat, por mensagens locali-
zadas no topo de sua pgina e, claro, com seus corpos. possvel ainda que os
exibidores proponham certos tipos de exposio ertica mostrar certa parte
do corpo, realizar certa posio sexual em troca de dinheiro.
O Cam4 funciona com sua prpria moeda de circulao os tokens,
crditos que podem ser comprados por visualizadores e enviados para perfor-
mers como gorjetas. Costumeiramente, estipulada uma meta (x tokens) para
determinada ao sexual, controlada por uma barra que exibe a quantidade de
gorjetas j enviadas.

3 Rostos e genitlias em evidncia na imagem foram censurados.

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Figura 2 Show de um usurio do Cam4.

Fonte: Print Screen de pgina da web em 04 dez. 2015, 13:33.4

As possibilidades de interao ertica no Cam4 so muito variadas e


possibilitam uma mirade de formas de obteno de prazer entre performers e
o pblico voyeur. Os modos de participao da plateia nesse ambiente fazem
com que a prpria categoria de usurio
observador tenha que ser repensada, uma vez que, mesmo distante,
os visualizadores contribuem e interferem nas performances, numa forma de
parceria sexual especfica.
Da mesma forma que as prticas sexuais no Cam4 desafiam noes
hegemnicas sobre sexo, pesquis-las requer um arcabouo terico-metodol-
gico capaz de lidar com tais rupturas e reconstrues.

Pensando a ps-modernidade

A globalizao no um fenmeno recente. Todavia, as configuraes


sociopolticas vivenciadas na contemporaneidade intensificam em larga escala

4 O nome de usurio do performer e dos participantes do chat foram censurados.

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as variveis sociais que se apresentam hoje muito mais complexas do que h


poucas dcadas. Presenciamos um mundo super-diverso (VERTOVEC, 2007),
no qual pessoas, discursos e textos circulam de modo extremamente fluido e
dinmico, reconfigurando padres sociais e demandando novas teorizaes,
vocabulrios e modos de investigao.
Para Blommaert (2010, p. 1), a globalizao fora a sociolingustica a
pensar de outro modo suas clssicas distines e conceitos preconcebidos e
a se repensar como uma sociolingustica de recursos mveis, estruturada em
termos de redes, fluxos e movimentos trans-contextuais. A linguagem precisa,
nesse processo, passar de uma teorizao lingustica, esttica, de um objeto de
estudo fixo e pr-determinado, para uma teoria de linguagem que considere
toda a dinmica cultural, social, poltica e histrica das prticas discursivas rea-
lizadas atualmente.
Numa perspectiva que considera o fluxo espao-temporal dos itens semi-
ticos em constante movimento na modernidade recente, textos em circulao
so considerados em suas trajetrias (BLOMMAERT & RAMPTON, 2011). O
discurso, entidade fixa e bem delimitada pela tradio lingustica, passa a ser
decentralizado, dando lugar a processos de entextualizao, que:
o processo de tornar o discurso extravel, de fazer um extrato de
uma produo lingustica uma unidade um texto que pode ser
retirado de seu entorno interacional. Um texto, ento, a partir desse
ponto de vista, discurso tornado descontextualizvel. A entextu-
alizao bem pode incorporar aspectos do contexto, de tal modo
que o texto resultante carregue elementos de sua histria de uso
dentro de si. (BAUMAN & BRIGGS, 1990, p. 73).

Assim, produes de linguagem ocorrem em processos constantes de des-


contextualizao de um contexto situacional e recontextualizao em outro.
Enunciaes performadas em uma situao especfica so analisadas conside-
rando tanto a trajetria histrica, social e poltica dos signos ali (re)utilizados
quanto as mudanas semiticas desenvolvidas naquela configurao espao-
temporal particular. Em vez de fixidez de significados e de entorno contextual,
mobilidades e trajetrias textuais norteiam as investigaes de linguagem de
cunho socioconstrucionista.
A transitividade dos itens semiticos ainda analisada a partir do princ-
pio da indexicalidade. Desenvolvido a partir do conceito de Peirce (2005), ,

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em linhas gerais, o modo que, em diferentes nveis, signos (lingusticos ou no)


apontam seus utilizadores para as condies circundantes especficas nas quais
eles os utilizam (SILVERSTEIN, 2009, p. 756). A isso se soma o modo como
os ndices apontados por um signo so hierarquizados, isto , sua ordem de
indexicalidade.
Logo, signos so constantemente reorganizados e resinificados nas
interaes em que ocorrem, apontando para outros textos e discursos j
entextualizados e reordenando seus significados para a situao interacio-
nal em desenvolvimento. Esse movimento acontece em camadas escalares
(BLOMMAERT, 2015), o escopo espao-temporal da inteligibilidade semitica,
que so os nveis para os quais espera-se que signos particulares possam ser
inteligveis (BLOMMAERT, WESTINEN & LEPPNEN, 2014, p. 5)
Esse novo toolkit terico-metodolgico, incorporado a investigaes de
linguagem de cunho INdisciplinar (MOITA LOPES, 2006), etnogrfico (GEERTZ,
2008; HAMMERSLEY & ATKINSON, 2007) e de vis performativo (BUTLER,
1997, 1999, 2004) visa abarcar as vicissitudes semiticas cada vez mais inten-
sas deste mundo hipersemitico. Tal arcabouo epistemolgico oferece uma
viso poderosa e diferenciada de atividades de linguagem e suas ideologias
(BLOMMAERT & RAMPTON, 2011), possibilitando a verificao de como o
sexo circula nos meios volteis de interao online do Cam4, em uma resi-
nificaro incessante daquilo que entendemos como prticas erticas ou de
obteno de prazer, tambm resinificados.
A partir do exposto, as anlises empreendidas sero norteadas pelos
seguintes questionamentos:

Como as identidades discursivo-sexuais de usurios do Cam4 so


negociadas e construdas durante as performances (incluindo udio,
vdeo, chat das exibies e perfil dos usurios)?
Quais signos emergem no decorrer desses shows e quais ordens de
indexicalidade so mobilizadas por tais itens semiticos?
Em que grau escalar discursos (hegemnicos ou no) sobre gnero,
sexualidade e prticas erticas circulam, so reconfigurados ou des-
contrudos durante as atividades situadas?

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Consideraes finais

Pelas limitaes de espao estabelecidas pela organizao responsvel


pela publicao deste texto, no foi possvel me aprofundar com propriedade
nas questes que abarcam a pesquisa que desenvolvo. Em suma, verificar como
a Web 2.0 tem contribudo para uma reformulao de noes de gnero, sexu-
alidade, erotismo, prazer e participao sexual, alm de trazer para a academia
um tema pouco tratado cientificamente, contribui para visualizarmos que aquilo
que chamamos de sexo tambm fruto de uma concepo modernista de vida,
que engessa e oprime corpos e vivncias. Utilizando o termo cunhado por Beck
(2001), podemos ento perceber como o sexo tambm uma categoria zumbi,
que precisa ser desmistificada, desmantelada e ressignificada a fim de possibili-
tar novas formas de tecer a vida social.

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VELHOS E VELHICES EM LAMPIO DA ESQUINA E


SUI GENERIS

Fbio Ronaldo da Silva


Doutorando em Histria
Universidade Federal de Pernambuco
[email protected]

GT 23 - Imprensa gay em questo

Resumo

Pensar os gays velhos algo que quase sempre existe um silenciamento. Mesmo
assim, em alguns momentos esse silncio rompido quando aparecem, de
forma sucinta matrias sobre velhice e velhos sendo entrevistados em publica-
es voltadas para o pblico gay. A partir desta premissa, este trabalho, verso
parcial de pesquisa desenvolvida no doutorado em Histria pelo PPGH/UFPE,
tem como objetivo debater qual o espao que o peridico Lampio da esquina
(1978) e a revista Sui Generis (1995), ambos voltados para o pblico homosse-
xual, oferecero em suas pginas para os gays velhos, em especfico, e de que
forma a velhice ser dita por essas publicaes.
Palavras-chave: velhice; sexualidade; Lampio da esquina; Sui Generis.

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Introduo

A populao de idosos, no Brasil, passou a ser motivo de interesse mais


constante nas diversas reas a partir do sculo XX, impulsionado pelo cresci-
mento do nmero de pessoas nessa faixa etria. Entretanto, h poucos estudos
sobre homossexuais e envelhecimento, como apontam Pocahy (2004), Motta
(2009) e Weeks (1983). Este ltimo, ao refletir sobre o assunto, destaca que
h poucas pesquisas tericas e informaes empricas sobre o processo de
envelhecer.
Se ainda so poucos os estudos sobre homossexuais idosos, mais raros
so os estudos sobre esse grupo na mdia voltada para o pblico LGBT que cada
vez mais vem se segmentando, mas perceptvel a ausncia de publicaes
impressas voltadas para os homossexuais idosos. H alguns sites informativos
que tm como pblico-alvo bichas velhas, a exemplo do Grisalhos1 criado em
2009 do qual faz parte a revista digital Homens Maduros.
Em boa parte do material utilizado para a composio deste trabalho, os
corpos dos homossexuais velhos nunca so mostrados, pois nada mais do que
uma mercadoria obsoleta. O que ser utilizado apenas o discurso, muitas
vezes advindo de pessoas famosas mostrados sempre como vencedores, expe-
rientes e sabedores, com um saber-fazer secular (MINOIS, 1999), e que servem
como exemplo para os gays mais jovens.
Aos mais velhos, s restariam pagar para desfrutar de companhia fugaz
e arriscada. E essa concepo ou verdade social e histrica imbricada ao ser
homossexual idoso nos remete interseo saber/poder de Foucault (2003,
p.12) que afirma que a verdade deste mundo; ela produzida nele, graas a
mltiplas coeres e nele produz efeitos regulamentados de poder e a mdia
acaba se constituindo em um timo espao para reproduzir e reafirmar essas
verdades.

Acendendo o Lampio

De acordo com Green (2014) as autoridades polticas da Ditadura Militar


no Brasil percebiam a homossexualidade como uma manifestao de subverso.

1 http://grisalhos.wordpress.com

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Logo, os homossexuais se tornam inimigos do Estado, ameaa para a sociedade


e a segurana nacional e que estavam associados aos movimentos feministas e
dos negros, sendo uma espcie de triunfo da subverso comunista. E foi durante
esse perodo que os subversivos foram gozando e criando meios para falar aos
iguais, que sentiam e desejavam da mesma forma que eles. Era preciso iluminar,
dar visibilidade s bichas e aos bofes, faz-los perceber que no precisavam
viver escondidos, sozinhos, fazendo pegao no escurinho dos cinemas ou
nos banheiros pblicos. Ser guei era mais do que isso e era necessrio quebrar
as portas do armrio e usar um Lampio para iluminar esses que atentavam
contra a famlia e a moral2. Ento um grupo de intelectuais assumidamente
gays, aps a visita do editor da publicao americana Gay Sunshine ao Brasil, e
inconformados diante de tanta represso e conservadorismo existente no pas,
pensaram um jornal para discorrer no apenas sobre sexualidade, mas tam-
bm lutar contra o preconceito e a represso recrudescidos durante o regime
militar. Sendo aceso, no ano de 1978 o Lampio da Esquina que tinham como
produtores os jornalistas Aguinaldo Silva, Ado Costa, Antnio Chysstomo, o
cineasta Jean-Claude Bernadet, o cineasta e escritor Joo Silvrio Trevisan e o
antroplogo Peter Fry, dentre outros.
Das 38 edies do Lampio, poucas fizeram meno as mariconas ou a
velhice. No existe nenhuma matria especificamente que v discorrer sobre o
assunto, tal tema aparece de soslaio. Seja atravs de cartas, seja em enquetes,
ou comentrios sobre filmes, em cuja produo h uma personagem gay idoso,
seja em enquetes, ou matrias onde tal assunto mencionado. Foram no total
15 matrias em diferentes edies do peridico onde o assunto velhice ou os
velhos so mencionados, 12 missivas de rapazes mais jovens que buscavam um
homem mais velho para chamar de seu, duas cartas onde leitores mais velhos
se posicionam sobre um determinado tema ou sobre a ausncia de publicidade
voltadas para o pblico com mais idade.

2 No ano de 1977 o presidente da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Alosio
Lorscheider faz uma crtica ao que ele denominou de processo gradual de permissividade no Brasil
que, de acordo com ele, teria tido incio com o divrcio, agora foi a vez da plula, amanh ser o
aborto e, depois, o homossexualismo. A, ser o fim. INPS tambm far controle familiar - Estado
de So Paulo, 29 de julho de 1977, p.14. http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19770729-31399-
nac-0014-999-14-not

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Na edio 22, publicada em maro de 1980, encontramos a matria de


capa intitulada Carnaval das bichas: o maior do mundo publicada na coluna
Festim e assinada por Joo Carlos Rodrigues. O texto traz duas fotos nas quais
aparecem homens fantasiados e desfilando. No h identificao de quem so
os personagens que aparecem nas fotos. Na matria Rodrigues faz um relato do
quanto estava decepcionado com as fantasias das escolas de samba cariocas
daquele ano. A Unidos de So Carlos, nica escola de samba elogivel pelo
autor da matria ficou, para a tristeza dele, com o ltimo lugar. Era a escola que
trazia bichas, putas, delinquentes e moradores do Morro do Estcio que, pos-
sivelmente seriam presos pela polcia no final do desfile. Foi nessa linda escola
que uma bicha de uns 800 anos, vestida de bispo da igreja Bizantina ou coisa
e tal, caiu de cara no cho, ficou imvel por uns 4 minutos, e depois, como
se no tivesse acontecido nada, levantou-se e continuou com o seu desfile.
(LAMPIO DA ESQUINA, 1980, p.04). Gueis velhos participando de eventos
sociais, sejam estes de qual tipo for, ser sempre algo para ser ridicularizado
em quase todas as matrias. Ao invs de se expor ao ridculo, ou melhor, para
no ter conscincia que a existncia dessas pessoas era ridcula, o melhor seria
voltar para dentro do armrio ou permanecer trancadas dentro da prpria casa.
Os bares, os cinemas, o sambdromo eram lugares para pessoas jovens e no
para cacuras.
Apesar de estudos mostrarem que a gesto da velhice comea a mudar
no Brasil a partir da dcada de 1970 quando, no perodo do regime militar
institudo por meio de decreto-lei a renda mensal vitalcia (penso) para aqueles
a partir de setenta anos em condio de pobreza e que fossem contribuintes da
Previdncia Social por, no mnimo 12 meses, os discursos que diziam a velhice
na imprensa, por exemplo, a percebia como um momento de afastamento da
vida produtiva, cabendo aos velhos no o desejo, o prazer ou o amor, mas
a recluso ao espao privado e esse discurso ser recorrente no Lampio da
Esquina quando vai falar sobre os velhos.

Sui Generis: uma revista de discernimentos srios e futilidades


chics

A Sui Generis foi uma publicao que oficialmente surgiu em 1995, no


se dizia militante mas um espao de discernimentos srios e futilidades chics
dirigidas para homens e mulheres gays (SUI GENERIS, ed 01, p. 60). Segundo o

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jornalista Nelson Feitosa, idealizador da revista e diretor de redao, a proposta


era fugir do gueto das publicaes erticas restritas a um mercado ertico que
sofria preconceito da sociedade, ento o projeto inaugura no pas um mercado
voltado para um pblico GLS (Gays, Lsbicas e Simpatizantes) e as matrias que
poderiam ser noticiadas em qualquer outro tipo de revista buscavam abordar
os assuntos a partir da tica de um leitor gay, utilizando a linguagem que se
aproximasse de tal pblico.
A revista Sui Generis foi lanada no Brasil na mesma dcada em que
as sensibilidades e subjetividades de se dizer a velhice estavam mudando. Na
dcada de 1990 a velhice passou a ter mais visibilidade e mais ateno do
Governo Federal no tocante as polticas sociais mais abrangentes sendo intro-
duzida no pas a chamada dcada da terceira idade.
A terceira idade passava a substituir a velhice, a aposentadoria ativa vai
se opor a aposentadoria, o assistente social tornava-se animador social e os asi-
los passavam a ser centro residencial. Com a urgncia de um novo tipo de fora
coletiva de trabalho e com a delimitao de um outro tipo de individuao da
subjetividade se tornou necessria criar novas coordenadas de produo de
subjetividade, assim, os signos do envelhecimento foram invertidos e assumiram
outras designaes, como idade do lazer, nova juventude, dentre outros. O
mesmo ocorre com a aposentadoria que ao invs de um momento de recolhi-
mento, passa a ser um momento de atividade e de lazer. A preocupao no
era apenas pensar e resolver os problemas econmicos dos idosos, mas propor-
cionar cuidados psicolgicos e culturais, integrando socialmente um grupo que
nas dcadas anteriores era marginalizado.
Nas 55 edies da revista, vamos encontrar 34 textos, distribudos entre
reportagens, entrevistas, notcias e artigos, que aparecem velhos ou que se fala
da velhice. Mas sero poucos que falaro sobre o relacionamento amoroso
intergeracional. Se pouco se fala ou no se diz, automaticamente, torna-se algo
que no existe ou uma situao que poucos se lembraro da possibilidade de
existncia. Um dos poucos textos que falar sobre a possibilidade amorosa de
gays velhos estar no artigo Amor intergeracional do escritor Joo Silvrio
Trevisan publicado na 33 edio.
O artigo de Joo Silvrio Trevisan sobre gays mais velhos que passam a ser
objeto de desejo dos mais jovens e o preconceito que estes sofrem por gostar dos
tiozinhos. Em Amor intergeracional, destaca o relacionamento amoroso entre
pessoas de diferentes geraes. O escritor comea falando sobre o rechao que

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os gays que tem cabelos grisalhos e o rosto marcado pelos anos passam por
serem bichas velhas. Ele menciona os anncios publicados em revistas e jornais
referentes procura de parceiros. De acordo com Trevisan, 90% deles buscam
parceiros de at 40 anos. Aos velhos, restariam a solido e a morte.
Se envelhecer um processo implacvel que aponta para um caminho
sem volta, entre os homossexuais o espectro da solido, frequentemente, mais
acentuado porque se vive sozinho e at mesmo longe da famlia. Por isso, no
chamado mundo gay, o olhar do outro pode ser um espelho feroz, pois h a
comprovao de que no se mais desejado.
Como podemos perceber nesse fragmento do texto. Outro dia, numa
boate gay, duas bichas riram na minha cara, surpresas por encontrar no banheiro
um velho que no se supunha estar ali (p.55), relembra o articulista da revista.
O olhar que acusa, que reprova e que rejeita, fez com que Trevisan, e possi-
velmente outros gays velhos, fosse se afastando desses espaos de diverso
voltados para o pblico gay.
Mas o autor se mostra ciente das construes subjetivas veiculadas pelos
discursos e afirma que esses olhares acusadores nada mais so do que fruto
de um iderio social de supremacia da juventude, tida como um dos valores
bsicos no mundo moderno e decantada como um bem inestimvel (p.55).
E lembra ainda que grande parte da indstria de consumo vai se apoiar no
binmio casal heterossexual e jovem, sendo a juventude heterossexual um
importante nicho do capitalismo. Inclusive a prpria revista Sui Generis vende
para os seus leitores um padro de juventude como delata Trevisan. Vejam-se
as revistas gay (inclusive a Sui Generis): s trazem fotos de rapazinhos boniti-
nhos e/ou musculosos (p.55).
Ora, se ser jovem ser possuidor de um importante bem, cabe proteger
o mximo possvel esse bem para no o perder e passar a ser desprezado, ser
visto como uma pessoa abjeta entre os pares.
Apesar do choque que teve ao se perceber como velho e no mais pos-
suidor de um bem bastante cortejado e difcil de manter, que a juventude,
o Trevisan passou a perceber o quanto se tornou desejado por rapazes mais
jovens. Aos poucos foi percebendo que o amor intergeracional to natural
quanto se pensava. Mas, apesar de ser natural, os casais sofrem preconceito,
principalmente o mais jovem da relao, pois tm que se impor em um meio
quase sempre hostil.

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Certa vez, presenciei uma rdua discusso entre dois amigos bichas,
quando um deles confessou que gostava de velhos e o outro, revoltado, acu-
sou-o de ser um tarado e neurtico, pois normal gostar de rapazes viris,
comenta Trevisan. As mquinas de produo de subjetividades, da qual falam
Guatarri e Rolnik (2005) mostram que o correto desejar pessoas jovens, boni-
tas, malhadas, dado que representam vitalidade, sade, possuem um corpo viril,
que pulsa desejo e que desejam. Logo, ir contra esses parmetros transgre-
dir a norma, visto que o que est sendo desejado so os refugos, os restos
humanos, os corpos sem potncias. Admiro particularmente esses caras que
cultivam o amor intergeracional, nadando contra a corrente do padro global e
hollywoodiano de beleza. Claro que fico gratificado porque atravs deles des-
cobri o charme dos meus 50 anos (p.56).
Buscando-se redefinir uma imagem positiva do envelhecimento, a pala-
vra velho tida como agregador de preconceitos. Ento outras terminologias
passaram a ser inventadas: idosos, terceira idade, melhor idade. Cada uma pos-
suindo uma grande variedade de significados e representaes. Mesmo assim,
nas matrias das duas publicaes aqui analisadas prevalecem o paradigma de
que ser velho sinnimo de inatividade, inutilidade, impotncia, fragilidade,
solido. No possuidor da vitalidade fsica, o corpo perde a virilidade, torna-se
opaco, sem vida. No mundo moderno, estar velho e, consequentemente, viven-
ciar a velhice aproximar-se da morte (ALBUQUERQUE JR, 2010).
interessante percebermos que no so apenas os gays velhos que sofrem
preconceitos por continuarem na ativa, vivos, desejando e sendo desejados.
Pessoas que namoram esses velhos tambm sofrem preconceito por tal prtica.
Como se existisse uma idade limite para ser namorado, desejado e desejar. O
grupo que sofre discriminao e preconceito tambm discriminar, dentro do
prprio meio, aqueles que quebram as regras do que permitido entre eles.
Mesmo assim, e apesar do preconceito, casais intergeracionais se formavam
mostrando que toda forma de amor possvel e que vale a pena ser vivenciada.
E os velhos gays os quais continuavam se relacionando e amando, resistiam em
aceitar a imagem de pessoas assexuadas, passivas e sem interesses pessoais.

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PARA FAZER PENSAR E ENTRETER: A PRODUO


DE CORPOS, SUJEITOS E MASCULINIDADES
HOMOSSEXUAIS NA REVISTA JUNIOR

Filipe Gabriel Ribeiro Frana


Doutorando em Educao - UFJF
Professor de Educao Fsica na rede estadual de ensino de Minas Gerais
[email protected]

GT 23 - Imprensa gay em questo

Resumo

Neste texto apresento as minhas primeiras aproximaes com o meu objeto de


pesquisa no doutorado, a revista JUNIOR. Pretendo problematizar a partir da
imerso na revista, os discursos que ela transmite acerca da produo corporal
e das masculinidades homossexuais. Para tanto, opero com as ideias e com
o referencial terico-metodolgico da perspectiva ps-estruturalista e com as
contribuies do filsofo francs Michel Foucault. Tal perspectiva me faz pen-
sar nos modos como nos tornamos sujeitos e como nos constitumos em meio
aos jogos de verdade. Provoca-me tambm a problematizar como os sujeitos
vo se subjetivando ao lerem a revista JUNIOR e como se relacionam consigo
mesmos, com seus corpos e suas masculinidades homossexuais.
Palavras-chave: mdia; sexualidade; homossexualidade; masculinidade;
homocultura.

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Um encontro: a revista JUNIOR


Inventamos modos de pesquisar a partir do nosso objeto de estudo
e do problema de pesquisa que formulamos. Como estamos,
permanentemente, espreita de uma inspirao, aceitamos expe-
rimentar, fazer bricolagens e transformar o recebido. Aceitamos
trabalhar com o que sentimos, vemos, tocamos, manuseamos e
escutamos em nosso fazer investigativo (PARASO, 2012, p. 33).

O meu objeto de pesquisa no doutorado coloca o meu pensamento em


constante movimento e inquietao. Provoca-me ao estudo e organizao de
questes e conceitos a serem problematizados e operados. Desafia-me a mer-
gulhar, experimentar, fazer bricolagens junto ao universo de pesquisa miditico
e a esmiuar os processos educativos presentes nele.
As minhas experincias me aproximaram da revista JUNIOR h alguns
anos atrs e hoje ela o foco da minha investigao. Abaixo trago uma breve
descrio desta revista.
A revista JUNIOR chegou ao mercado editorial brasileiro em setembro
de 2007, sendo publicada pela Editora MixBrasil, pertencente a um grupo de
mdia especializado no pblico homossexual. Em setembro de 2007, o grupo
MixBrasil levou para o jornalismo impresso a experincia com o mercado gay
obtida por meio da internet e lanou a revista JUNIOR, que ocupou a lacuna
deixada pela revista Sui Generis1. No editorial, o diretor do grupo MixBrasil,
Andr Fischer, apresenta a nova publicao como: assumida sem ser militante,
sensual sem ser ertica, cheia de homens lindos, com informao para fazer
pensar e entreter (JUNIOR, 2007, p. 11).
A revista surge com a inteno de oferecer entretenimento e informa-
o de qualidade ao homem gay moderno, com destaque para as reportagens
sobre comportamento e tendncia, mas sem deixar de lado um certo erotismo.
JUNIOR tambm pretendia ser a revista que o homem gay poderia ler e carre-
gar sem maiores constrangimentos, j que no h dentre suas imagens fotos
de nu que mostrem os rgos genitais dos modelos. Na poca do lanamento

1 Primeira revista no pornogrfica destinada ao pblico brasileiro. Circulou entre os anos de 1995 e
2000.

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de JUNIOR, apenas a revista G Magazine2, que tinha uma circulao em todo o


territrio nacional, era muito focada na nudez total dos modelos.
Em entrevista Revista Imprensa3, Andr Fischer tambm declarou que a
JUNIOR uma revista basicamente de homem bonito e destacou que, apesar
do nome, a revista no para adolescentes. Seu pblico alvo, segundo Fischer,
o homossexual com idade entre 20 e 50 anos. Ainda de acordo com o
diretor da JUNIOR, o nome realmente atraiu o pblico mais jovem, mas seu
contedo deixa claro que no somente este o alvo: Como aJUNIORno tem
nus, no h problemas que at os adolescentes a comprem, mas dentro dela h
muitos perfis de homossexuais maiores, muita informao. O que queremos
dar visibilidade para esse pblico.
Nessa mesma entrevista, Andr Fischer conta que se inspirou em revistas
gays consagradas no mercado internacional como a francesa Ttu4 e a espa-
nhola Zero5 para conceituar a nova publicao no mercado editorial brasileiro.
JUNIOR foi lanada com a inteno de ser distribuda em todos os esta-
dos brasileiros. A primeira edio teve tiragem de 30 mil exemplares e j neste
primeiro nmero esgotou em alguns lugares. O sucesso foi to grande que,
a partir da segunda edio, a revista deixou de ser trimestral para se tornar
bimestral. Porm, devido crise que afeta o mercado editorial de publicaes
impressas e em virtude da ascenso das mdias digitais, a JUNIOR nos ltimos
anos teve a sua periodicidade comprometida, com edies novas sendo publi-
cadas a cada trs meses, por exemplo. Em junho de 2015 a JUNIOR publicou a
sua ltima edio, totalizando 66 edies que circularam no decorrer dos seus
quase oito anos de existncia.

2 A revista G Magazine foi publicada entre os anos de 1997 a 2013.


3 Disponvel em: <http://portalimprensa.com.br/noticias/ultimas_noticias/12684/e+normal+que+se-
jamos+comparados+com+a+icapricho+i+diz+editor+da+revista+ijunior+i>, acesso em 23 de maio
de 2015.
4 Revista francesa dedicada ao pblico homossexual. Circulou entre os anos de 1995 e 2015. A sua
ltima edio foi publicada em julho de 2015.
5 Revista espanhola dedicada ao pblico homossexual. Comeou a circular no ano de 1998 e ainda
publicada mensalmente.

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Inquietaes com a mdia e com os dispositivos pedaggicos

Pensar nos dispositivos miditicos enquanto processos educativos tem


se anunciado enquanto potente e desafiador caminho a ser trilhado e investi-
gado na minha pesquisa. O papel da mdia na sociedade contempornea um
assunto largamente explorado cotidianamente, voltando-se tanto influncia
da mdia sobre a poltica quanto sua relao com a cultura, religio, economia
e o comportamento dos sujeitos. Podemos dizer que as instituies miditicas
formam uma espcie de sistema carregado de valores e padres de conduta
que so transmitidos constantemente aos sujeitos de maneira que estes, embora
sejam atingidos direta ou indiretamente, nem sempre tm conscincia dessa
influncia na compreenso de si mesmos, na maneira como vivem e se rela-
cionam com outros sujeitos. Esses valores e padres de conduta surgem de
encontros produzidos a partir da comunicao. Comunicao que se aproxima
do ato de dialogar:
Um primeiro significado para a comunicao a ideia do dilogo, no
qual duas pessoas emissor e receptor trocam ideias, informaes ou men-
sagens. Contudo, sabemos que o fenmeno comunicativo no se restringe a
duas pessoas, como tambm sabemos que os animais se comunicam, que h
comunicao entre mquinas, desde as mais simples, como um telefone, at os
sofisticados sistemas digitais. E, ainda, que h variados tipos de comunicao:
gestual, visual, simblica, falada, escrita, de massa, digital, etc. (MELO e TOSTA,
2008, p. 12).
Roger Silverstone (2002) em seu texto Por que estudar a mdia? Nos
mostra como difcil pensar nas aproximaes entre educao e mdia sem
problematizar as relaes de poder, a hegemonia dos grandes conglomerados
de comunicao e, ao mesmo tempo, pensar nas lutas de grupos e sujeitos para
terem acesso e participao no que tange informao e ao direito de fala e de
expresso.
importante destacar que as diferentes mdias (rdio, televiso, jornais,
revistas, internet, etc.) esto onipresentes em nosso cotidiano, ou seja, tor-
nam-se cada vez mais essenciais em nossas experincias contemporneas, e
assumem caractersticas de produo, veiculao, consumo e usos especficos
em cada lugar do mundo (FISCHER, 2007, p. 293). Isso me faz pensar em
um conceito mais amplo de educao, um conceito que no dialogue apenas
com as prticas escolares institucionalizadas, mas que dialogue tambm com

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os diferentes artefatos culturais e processos educativos. Esse meu entendimento


ganha fora quando penso que a mdia tambm produz aprendizados para os
sujeitos sobre os seus modos de existncia, modos de comportar-se e sobre a
constituio de si mesmos. Neste sentido, os meios de comunicao escapam
do simples rtulo de fonte de lazer e informao, proporcionando uma ampla
divulgao de valores, crenas, representaes e concepes que retratam o
que devemos ser, o que devemos fazer conosco e como devemos enxergar e
classificar os sujeitos e as diferenas que nos cercam.
Estudar mdia no apenas investigar nossas relaes com as narrativas
por ela veiculadas, tambm investigar os modos de a cultura miditica construir
passados pblicos, assim como um passado para o pblico (SILVERSTONE,
2002, p. 237). Vidas so vividas e vidas so narradas e produzidas no espao
miditico. Fico e realidade vo se mesclando, constituindo e confundindo-se
nos diferentes produtos da mdia, estabelecendo uma ntima relao.
A mdia opera na constituio de sujeitos e subjetividades na sociedade
contempornea, na medida em que produz imagens, significaes, enfim, sabe-
res que de alguma forma se dirigem educao das pessoas, ensinando-lhes
modos de ser e estar na cultura em que vivem. Neste sentido, penso ser impor-
tante problematizar e trazer o conceito de dispositivo apontado por Foucault
(2012) para pensarmos nas mdias e em seus processos educativos.
Para a posterior compreenso e discusso sobre o dispositivo pedaggico
e o dispositivo pedaggico da mdia atentarei primeiramente definio que
Foucault faz do termo dispositivo em sua Microfsica do Poder. Ele define o
dispositivo como um agrupamento heterogneo que
engloba discursos, instituies, organizaes arquitetnicas, deci-
ses regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
cientficos, proposies filosficas, morais, filantrpicas. [...] O dito
e o no dito so os elementos do dispositivo (FOUCAULT, 2012, p.
364).

Ou seja, o dispositivo a rede de relaes que pode ser estabelecida


entre esses elementos, tem uma funo estratgica e est sempre inscrito num
jogo de poder e, ao mesmo tempo, sempre ligado aos limites do saber, que
derivam desse e, na mesma medida, condicionam-no (LPEZ, 2011, p. 47).
O conceito de dispositivo trazido por Foucault em sua obra pode ser com-
preendido como um emaranhado de relaes que atravessam o indivduo e a

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sociedade. Ele comporta linhas de visibilidade, linhas de enunciao, relaes


de fora, processos de (des)subjetivao e de ruptura que se entrelaam, se
misturam, se modificam e tambm modificam o dispositivo. Este no estvel,
provisrio, pois, est em movimento, em transformao.
As relaes de poder se manifestam quando estratgias so acopladas ao
dispositivo. Essa juno propicia a fabricao de saberes enquanto verdades
por meio dos discursos. Podemos observar que o dispositivo (...) est sempre
inscrito em um jogo de poder (FOUCAULT, 2012, p. 367), estando ligado a
configuraes de saber que dele nascem e o condicionam.
Dialogando com o conceito de dispositivo proposto por Foucault, pode-
mos pensar tambm na existncia de um dispositivo pedaggico. Este dispositivo
atuaria nos processos de (des)subjetivao dos sujeitos. Nas palavras de Jorge
Larrosa (1994, p. 57) um dispositivo pedaggico ser, ento, qualquer lugar no
qual se constitui ou se transforma a experincia de si. Qualquer lugar no qual se
aprendem ou modificam as relaes que o sujeito estabelece consigo mesmo.
Nesse sentido, as pedagogias constituem as subjetividades e produzem os sujei-
tos por meio de experincias que os tornam outros de si mesmos.
Analisando os produtos miditicos, podemos afirmar que eles tambm
carregam e transmitem saberes, atuando tambm como dispositivos. Rosa
Fischer se debrua sobre essa problemtica em suas pesquisas chamando a
ateno para aquilo que ela denominou de dispositivo pedaggico da mdia.
Para ela, trabalhar com o dispositivo pedaggico da mdia significa tratar de
um processo concreto de comunicao (de produo, veiculao e recepo
de produtos miditicos), em que a anlise contempla no s questes de lin-
guagem, de estratgias de construo de produtos culturais, apoiada em teorias
mais diretamente dirigidas compreenso dos processos de comunicao e
informao, mas, sobretudo questes que se relacionam ao poder, aos discur-
sos e a formas de subjetivao dos sujeitos (FISCHER, 2002). No caso da minha
investigao podemos problematizar algumas questes presentes ao se analisar
a revista JUNIOR: Que lugar(es) os discursos da revista JUNIOR d/do aos
sujeitos? Quais os modos de existncia desses discursos e como eles influen-
ciam nas existncias dos leitores? De que modos e segundo que condies o
sujeito homossexual aparece na ordem desses discursos? Essas questes vo me
movimentando e me instigam nessa aventura operar e mergulhar no conceito
de dispositivo pedaggico da mdia.

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Se nos atentarmos bem para o modo como so elaborados inmeros pro-


dutos miditicos, dentre eles as revistas, h inmeras tcnicas atravs das quais
se prope a todos ns que faamos minuciosas operaes sobre nosso corpo,
sobre nossos modos de ser, sobre as atitudes a assumir. Estamos falando aqui
do governo de si pelo governo dos outros tema exaustivamente tratado por
Foucault (Fischer, 2002).
Neste momento, alguns rastros vo se formando e me encaminhando a
debruar-me de forma mais efetiva sobre alguns conceitos que dialogam com
os artefatos culturais, com as mdias e, especificamente, com o meu objeto de
pesquisa, a revista JUNIOR.

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Referncias

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na (e pela) TV. Educao e Pesquisa, So Paulo, v. 28, n. 1, p. 151-162, jan./jun. 2002.
Disponvel em: <http://www.revistas.usp.br/ep/article/view/27882/29654> Acesso em:
10/06/2016.

FISCHER. Rosa Maria Bueno. Mdia, mquinas de imagens e prticas pedaggicas.


Revista Brasileira de Educao, Rio de Janeiro, v. 12, n. 35, p. 290-299, maio/agosto de
2007. Disponvel em <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n35/a09v1235.pdf> Acesso
em: 10/06/2016.

FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Organizao, introduo e reviso tcnica


de Roberto Machado. 25 ed. So Paulo: Graal, 2012.

JUNIOR. So Paulo: Editora MixBrasil, 2007-2015.

LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educao. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O


sujeito da educao: estudos foucaultianos. Petrpolis: Vozes, 1994, p. 35-86.

LPEZ, Maximiliano Valerio. O conceito de experincia em Michel Foucault. Revista


Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v. 19, n. 2, p. 42-55, jul./dez. 2011. Disponvel
em: <http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/2367> Acesso em:
11/07/2013.

MELO, Jos Marques de; TOSTA, Sandra Pereira. Mdia & Educao. Belo Horizonte:
Autntica, 2008.

PARASO, Marlucy Alves. Metodologias de pesquisas ps-crticas em educao e


currculo: trajetrias, pressupostos, procedimentos e estratgias analticas. In: MEYER,
Dagmar Estermann; PARASO, Marlucy Alves (Organizadoras). Metodologias de pes-
quisas ps-crticas em educao. Belo Horizonte, Mazza Edies, 2012, p. 23-45.

SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mdia? Traduo: Milton Camargo Mote. So
Paulo: Loyola, 2002.

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GNERO E SEXUALIDADE: A CONSTRUO DE


SUBJETIVIDADES GAYS NA REVISTA G MAGAZINE

Gerferson Damasceno Costa


Mestrando em Histria
Universidade Estadual de Montes Claros
[email protected]

GT 23 Imprensa Gay em questo

Resumo

Este trabalho tem como objetivo analisar as prticas discursivas (re) produzidas
pela revista G Magazine acerca de gnero, sexualidade, desejo, sexo e corpo.
Procura-se detectar a interferncia dos sentidos e significados referentes aos afe-
tos, desejos e comportamentos, bem como pornografia e ao prazer sexual na
construo das subjetividades dos gays brasileiros aps a dcada de 1990, per-
odo de profundas transformaes nas relaes sociais, polticas e culturais da
comunidade LGBT. As fontes para a pesquisa constituem-se os contedos edi-
toriais da G Magazine (1997-2008). Os referenciais terico-metodolgicos so
fundamentados nos Estudos Queer e na Nova Histria Cultural do Imaginrio,
das Representaes Sociais e da Anlise do Discurso.
Palavras-chave: subjetividades; gnero; sexualidade; desejo; corpo.

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Introduo

Neste trabalho procuro mostrar alguns apontamentos sobre a revista G


Magazine, no que concerne emergncia de um novo discurso referente aos
afetos, desejos e comportamentos, bem como pornografia1 e ao prazer, para
os gays brasileiros, e suas interferncias no processo de subjetivao desses ato-
res. A partir de algumas reflexes dos Estudos Queer e das potencialidades dos
suportes terico-metodolgicos da Nova Histria Cultural2 do Imaginrio, das
Representaes Sociais e da Anlise do Discurso.
A revista G Magazine chegou s bancas do Brasil em abril de 1997, pela
Fractal Edies, lanada de incio com o titulo de Bananalouca,3 tornou-se um
grande fenmeno editorial. Direcionada ao pblico gay, o peridico se des-
taca entre as demais publicaes que tem como foco o nu masculino, por exibir
ensaios fotogrficos de nudez frontal com personalidades famosas e com uma
excelente produo grfica. Suas publicaes contm ainda temas ligados a
lazer, cultura, sade, beleza, moda, dentre outros contedos informativos. Em
junho de 2013, aps passar por reestruturaes editoriais, tem sua ltima publi-
cao impressa.4

1 Seguindo a perspectiva de Beatriz Preciado (2010), a noo de pornografia nesta pesquisa no pre-
tende emitir um juzo moral ou esttico, mas identificar novas prticas de consumo e da imagem,
suscitadas por novas tcnicas de produo e distribuio, e codificar um conjunto de relaes entre
imagens, prazer, publicidade, privacidade e produo de subjetividade.
2 Em resumo, por Nova Histria Cultural, entende-se aqui uma virada no campo historiogrfico, em
que, a partir do dilogo interdisciplinar com as cincias sociais, a lingustica, a psicologia, a filoso-
fia, a noo do documento como espelho do real problematizada, assim, os documentos no
so considerados como reflexos transparentes do passado, mas aes simblicas com significados
diferentes conforme a inteno de quem os elaborou. Caracteriza-se pelo rompimento da ideia de
cultura popular e cultura erudita, bem como pela reflexo das relaes sociais e econmicas como
campos de produes culturais.
3 Foram distribudas apenas quatro edies com o ttulo de Bananalouca, a quinta edio teve como
ttulo Bananalouca apresenta G Magazine, e em outubro de 1997 a revista recomea com o nmero
um, j com o nome definitivo: G Magazine. (SILVA, 2010, p. 37).
4 Em 2008, devido a problemas financeiros, a revista vendida para o grupo norte-americano Ultra
Friends International, que modificou o carter das publicaes, diminuindo o espao para as mat-
rias e colunas de comportamento, e aumentando o nmero de ensaios.

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A dcada de 1990 constitui-se um contexto peculiar de transformaes na


configurao social, poltica e identitria das sexualidades tidas como abjetas5
no Brasil. Podemos evidenciar o surgimento de aspectos relacionados cultura
e ao mercado que influenciam nas relaes sociais dos sujeitos desviantes no
pas, e vrias mudanas no processo de organizao e atuao do que hoje
conhecido como Movimento LGBTT (Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais). Elementos histricos que se caracterizam pela repercusso, varie-
dade e visibilidade de discursos concernentes s sexualidades dissidentes no
cenrio brasileiro, e que nos ltimos anos vm aumentando cada vez mais.
Dessa forma, destaca-se a importncia de investigar nesses discursos o estabe-
lecimento de comportamentos e identidades a partir de padres normalizadores
fundamentados em concepes estveis, coerentes e regulares, e a maneira
como eles agem na produo de verdades e de subjetividades.

Teoria Queer: gnero, sexualidade e subjetividade

A Teoria Queer surgiu nos Estados Unidos em fins da dcada de 1980,


segundo Miskolci (2009, p. 152), a partir de problematizaes das categorias
de sujeito, identidade, agncia e identificao geradas pelo encontro entre o
ps-estruturalismo francs6 e os Estudos Culturais norte-americanos.7 A expres-
so queer em ingls, antes utilizada de maneira depreciativa e agressiva para se
referir aos gays, adotada e ressignificada por um conjunto de tericos que tem
como objetivo a reflexo crtica acerca dos processos sociais de normatizao
e da construo do binmio heterossexualidade/homossexualidade.

5 Por sexualidades abjetas, seguindo as reflexes de Butler (2001), entende-se aqui o conjunto de
prticas sexuais que no se enquadram na norma naturalizada socialmente no binarismo heteros-
sexual, no qual os indivduos com sexualidades fora do padro de oposio entre sexo/desejo so
categorizados como anormais e inferiores.
6 Em sntese, o ps-estruturalismo caracterizado pelos estudos de Michel Foucault, Jacques Lacan,
Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Flix Guattarri, dentre outros. Miskolci (2009) destaca que as obras,
A histria da sexualidade I: A Vontade de Saber, de Foucault, e Gramatologia, de Jacques Derrida,
publicadas em ingls em meados dos anos de 1970, so consideradas marcos para as formulaes
queer.
7 Os Estudos culturais se originaram do marxismo, porm com uma critica s correntes ortodoxas que
no respondiam s demandas de grupos sociais de sua poca, inicialmente operrios, aos quais se
somaram os imigrantes, negros, mulheres e homossexuais. (MISKOLCI, 2009, p. 159).

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A concepo de sujeito elaborada pelos ps-estruturalistas foi preponde-


rante para o desenvolvimento dos estudos queer, caracterizada pela dissoluo
da noo de sujeito como agente soberano e estvel. O sujeito passa a ser
encarado como provisrio e mutvel, que est em processo permanente de
construo, por meio de prticas e discursos sociais que se estabelecem nas
relaes entre saber e poder em articulao com as diversas interaes sociais
(e no apenas as de sexo e gnero), no qual a linguagem central.
Na teoria queer a sexualidade compreendida como um dispositivo his-
trico do poder, de acordo com a proposta foucaultiana, o que permite pensar
a atuao das tecnologias de poder que postula uma verdade sobre o sexo
e produz corpos sexuados. O funcionamento desse dispositivo se faz de acordo
com tcnicas mveis, polimorfas e conjunturais de poder; ele constri uma
extenso permanente dos domnios e das formas de controle; nele, o que
importa so as sensaes do corpo, a qualidade dos prazeres, a natureza das
impresses; sua relao com a economia se faz por meio de articulaes
numerosas e sutis, sendo o corpo a principal corpo que produz e consome.
(FOUCAULT, 2014, p. 116). Este dispositivo sublinha o corpo como uma cate-
goria discursiva, histrica e socialmente construda, que deve estabelecer um
alinhamento com as normas regulatrias sobre o sexo.
Para Butler (2001, p. 155), tais normas trabalham de uma forma perfor-
mativa para constituir a materialidade dos corpos e, mais especificamente, para
materializar o sexo do corpo, para materializar a diferena sexual a servio da
consolidao do imperativo heterossexual. Segundo Louro (2008), vale dizer
que a matriz heterossexual, em seu processo de produo e reiterao, fun-
damenta-se na continuidade e coerncia da lgica binria para instituir sobre
os sujeitos os limites de suas prticas, no qual todos/as fora dessa ordem so
impensveis e ininteligveis. Assim, determinam-se as sexualidades anormais
e desviantes, as prticas e desejos sexuais que no se enquadram na organiza-
o heteronormativa da sociedade.
A heteronormatividade entendida aqui, seguindo Richard Miskolci
(2009), como um conjunto de disposies sociais que visa regular e controlar os
sujeitos, e no apenas aqueles que se encontram legitimados e normatizados na
sua lgica fundamental (a continuidade sexo/gnero/sexualidade), com a finali-
dade de instituir a heterossexualidade como padro de organizao coerente,
superior e natural. Ou seja, tambm no interior das ditas minorias sexuais as
normas agem estabelecendo modelos pautados em outros marcadores sociais,

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como raa, etnia, nacionalidade, religio ou classe, que no se encontram des-


vinculados da sexualidade.

Discurso, imaginrio e representaes sociais na revista G


Magazine

A anlise das fontes orientada por alguns aparatos metodolgicos da


Anlise do Discurso (AD), que destina-se compreenso da produo de sen-
tidos e significados em um determinado texto, neste sentido, seguindo Orlandi
(2002), a anlise dos discursos selecionados na revista G Magazine se sustenta
a partir do entendimento das condies de produo, que demonstram seu
funcionamento, sua relao com os sujeitos, com a situao e contexto scio-
-histrico (ideolgico) em que foram produzidos.
Ainda, utilizo como opes terico-metodolgicas para a pesquisa a con-
cepo de imaginrio e representaes sociais que orienta a anlise das revistas
no como registros fiis da realidade, mas como prticas sociais que atuam
de acordo com determinadas condies de produo. O imaginrio auxilia na
compreenso dos sentidos e significados veiculados pela revista, dos valores
e ideais simblicos construdos para os gays no Brasil. A anlise histrica, a
partir da perspectiva do imaginrio, permite verificar tanto a preservao das
significaes correntes, quanto os deslocamentos, as mudanas que possibilita
a criao de novos sentidos e implantao de novas prticas. Swain (1994, p.
52) indica que o imaginrio atua em duas vertentes, o da parfrase, a repetio
do mesmo sob outro invlucro; e o da polissemia, na criao de novos senti-
dos, de um deslocamento de perspectivas que permite a implantao de novas
prticas.
As representaes sociais possibilitam na percepo de como o imagin-
rio elaborado atravs das prticas discursivas da revista se verificam como um
campo constitutivo do real para os gays. Por Representaes Sociais entende-
se, seguindo a acepo de Denise Jodelet (2001, p. 22), como uma forma de
conhecimento socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prtico,
e que contribui para a construo de uma realidade comum a um conjunto
social. Acredito que a noo de representaes sociais nos leva a refletir, a
partir das fontes, os mecanismos discursivos que buscam significar a realidade
em seus aspectos individual e social.

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A revista G Magazine apresenta em sua estrutura editorial um conjunto


diversificado de discursos que, conforme a delimitao do perodo da pesquisa,
permite observar as mudanas em suas formulaes ao longo do tempo. Neste
texto apresento algumas consideraes referentes a esse conjunto discursivo.8 1)
Nos ensaios analisados, percebe-se que as imagens, predominantemente com
homens msculos, brancos, jovens, musculosos, viris com pnis de tamanhos
e espessuras avantajadas (alguns somente na descrio), apontam para a essen-
cializao e padronizao do desejo e do prazer dos gays e de suas prticas
sexuais; uma valorizao do pnis, na maioria das vezes descrito como dote,
associando o sucesso do prazer aos seus, no mnimo, 19 cm, no encontrei nos
ensaios descries que fossem inferiores a essa medida, ainda que a imagem,
nitidamente, diz outra coisa. 2) A revista (re) produz valores e padres sobre
os corpos e rgos do desejo, reafirmando a virilidade como mecanismo de
classificao e hierarquizao de identidades, em muitos ensaios os modelos
aparecem segurando em armas ou outros objetos de instrumentalizao do
poder que, ligados aos pnis eretos, acabam por estabelecer uma relao entre
os objetos de violao e os do prazer. 3) Vrios discursos produzem significados
relacionados sade, beleza, consumo e comportamentos que buscam forjar
valores e padres ideais a serem seguidos pelo pblico, no qual categorias de
raa, etnia e classe se interligam a gnero e sexualidade nos sistemas de nor-
matizao, conforme foi possvel observar na vinculao de propagandas de
roupas; ambientes voltados para sua sociabilidade como restaurantes, saunas,
bares, boates etc.; produtos higiene pessoal, de necessidades domsticas, entre
outros. 4) Por fim, evidencia-se as subverses e os desvios aos regimes norma-
tivos presentes na revista e quais os lugares a eles reservados, ora nos silncios,
ora em discursos de pouco destaque em alguma de suas pginas.
Com essas breves consideraes tenho como propsito destacar as
possibilidades da revista G Magazine como um veculo de (re) produo de
subjetividades dos gays no Brasil a partir do final dos anos de 1990.

8 As consideraes analticas que apresentamos neste texto referem-se s edies da G Magazine: ed.
22, julho/ 1999; ed. 72, setembro/2003; ed. 77, fevereiro/2004.

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Consideraes finais

Perceber o processo histrico de construo dos arranjos que criam sis-


temas de classificaes pautados em regimes de normatizao, bem como os
mecanismos utilizados para reiterar sua lgica, pode contribuir para desmon-
t-lo. Por isso a importncia em investigar os jogos de poder que perpassam
a formao do gay enquanto sujeito, os padres que procuram criar catego-
rias coerentes e estveis, como tambm verificar as subverses aos modelos
estabelecidos, as prticas e os corpos que escapam aos regimes de verdade
produzidos. Entende-se que a partir dessa perspectiva possvel desestabilizar
o sistema que produz hierarquias identitrias e marginaliza aqueles que no se
enquadram nas normas, o que pode significar desnaturaliz-lo e desconstru-lo.

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Referncias

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LOURO, Guacira Lopes. O estranhamento queer. In: STEVENS, Cristina M. T.; SWAIN,
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CUERPOS EN CONSTRUCCIN: REPRESENTACIONES DE


HOMBRES GAY EN LA LITERATURA SALVADOREA

Amaral Palevi Gmez Arvalo


Doctor en Estudios Internacionales en Paz,
Conflicto y Desarrollo Rede O Istmo
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumen

El conservadurismo ha tratado de ocultar el cuerpo, el gnero y la sexuali-


dad de las narrativas literarias. Esta comunicacin tiene por objetivo conocer
las representaciones del cuerpo masculino gay salvadoreo al interior de las
novelas ngeles Cados (2005), Heterocity (2011) y Entre l y yo (2013). Las
tres producciones literarias en su interior presentan una descripcin de los pro-
cesos de discriminacin que hombres gays padecen al interior de la sociedad
salvadorea.
Palabras clave: El Salvador, Cuerpo, Hombre, Gay, Discriminaciones.

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A manera de introduccin

Desde el ao 2014 emprend un proyecto de investigacin sobre el


movimiento de diversidad sexual en El Salvador. Tal investigacin me orient
a investigar en diferentes fuentes documentales, incluyendo literatura. Por
ejemplo, los 12 ensayos Rafael Lara-Martnez (2012). Estos analizan diversas
producciones literarias, las cuales estn atravesadas por marcadores sociales
como orientacin sexual, gnero, sexualidad, etnia y clase social. Lara-Martnez
da a comprender que al interior de la cultura salvadorea existe un dispositivo
que silencia, invisibiliza y niega lo indgena, el cuerpo y la sexualidad en la lite-
ratura salvadorea: Sea desdn o tab el silencio da cuenta de esas omisiones
en los cuales nada se cultiva (LARA-MARTNEZ, 2012, p. 241).
No obstante, pese a los indicios negativos anunciados por Lara-Martnez,
encontr la existencia de varias producciones literarias que tenan como eje
articulador principal temticas de diversidad sexual. En la mitad de la dcada
pasada surgen dos poemarios completos: Injurias (Lindo, 2004) y La fiera de un
ngel (CHACN, 2005). Injurias es un acto de denuncia que trata de desenmas-
carar a la sociedad de doble moral y la exigencia de respeto a las orientaciones
sexuales diferentes a la norma heteronormativa. Por otra parte, La fiera de un
ngel no contiene una voz explicita de denuncia como el anterior, sino ms
bien la denuncia se realiza de forma sutil pero contundente por medio del
homoerotismo de los ngeles creados por el autor.
En el mbito de narrativas en 2005 surge ngeles Cados (SORIANO,
2005) la cual se puede catalogar como la primera novela que aborda una tem-
tica gay. Despus surge el thriller de ficcin Heterocity (ORELLANA, 2011) y
ms recientemente el romance Entre l y yo (BARRERA, 2013). Constituyendo
estas tres obras la base de anlisis para esta comunicacin.

I. ngeles Cados: la precarizacin del cuerpo

ngeles Cados es una novela escrita por Carlos Alberto Soriano (1970-
2011) y fue la primera narrativa en formato de novela sobre hombres gays que
se dio a conocer al interior de El Salvador. La narracin se contextualiza en la
ciudad de Guanacotln (San Salvador). El contexto temporal se puede situar en
la dcada de 1990 y la trama se desenvuelve en el transcurso de 5 aos aproxi-
madamente. El guion gira entorno a tres personajes principales.

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Nicols Peraza Gonzlez, joven de 19 aos, mestizo pero con rasgos y


caractersticas prximas de lo indgena: [...] de estatura ms bien baja, com-
plexin dbil, rasgos comunes, piel triguea y ojos rasgados (SORIANO, 2005,
p. 8), lo cual era fcilmente designado como feo o en el lenguaje coloquial
salvadoreo como tro-feo. Esta apariencia fsica, considero que repercuta en
tener menos posibilidad de contactos sexuales en el mercado ertico y por tal
situacin resultaba en presentar menos inters sexual (SORIANO, 2005, p.
49) a diferencia de los otros dos personajes principales. Nicols es la muestra
perfecta del cuerpo sexual masculino gay que desarrollo paulatinamente una
precariedad a consecuencia del contagio irresponsable (SORIANO, 2005, p.
70) del VIH-Sida en la dcada de 1990. Esta situacin da como resultado el
estar sometido a un control mdico persecutorio y el despido de su trabajo
por su condicin VIH+. Por lo anterior, no causa extraeza que tambin l se
muestra como un cuerpo enfermizo y debilitado por infecciones oportunistas.
Al final l decide terminar con su vida por medio de la colaboracin de dos
travestis que lo apualan (SORIANO, 2005, p. 303).
Por su parte Anselmo Gavidia, hombre de 24 aos de edad, con un []
bien formado cuerpo y su vestir impecable. Destacaba en todas partes su piel
morena, su figura varonil, alta y estilizada y sus ojos negros, profundos y expre-
sivos [] (SORIANO, 2005, p. 18). Estamos ante un tipo de mestizo el cual
asimila en una estructura fenotpica caucsica sus rasgos indgenas y posible-
mente negros. Esa condicin ideal del cuerpo mestizo masculino, al interior
del mercado ertico le permita tener mayores encuentros sexuales con otros
hombres, los que encontraba en diversos lugares como cines porno, sanitarios
masculinos y la cacera de jvenes por los pasillos de los centros comerciales
(SORIANO, 2005, p. 57). Anselmo, a diferencia de Nicols, vive el diagnstico
positivo de VIH en silencio (SORIANO, 2005, p. 233).
El tercer personaje Renato (Pamela) Alas es posiblemente el ms complejo
de los tres. A sus 22 aos era la imagen tpica del nio mimado y afeminado
(SORIANO, 2005, p. 19), remitindonos a que posiblemente era de una familia
de clase media-alta. Su cuerpo representa el prototipo de lo caucsico en el
contexto salvadoreo al poseer una figura alta y espigada que era acompasada
por una blanca y delicada piel lampia (SORIANO, 2005, p. 20). Al igual que
Anselmo se le asigna una promiscuidad sexual acentuada. El cuerpo de Renato
es precarizado por su condicin de homosexual, primero al tener que abando-
nar su familia para vivir su sexualidad, travestirse como una forma de obtener

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ingresos econmicos, ejercer trabajo sexual de calle como travest, ser herido
por otra travest, transformarse en un cuerpo a la defensiva para salvaguardar la
vida, padecer ataques homicidas por parte de las Maras (pandillas), hasta reve-
lar que tambin era un cuerpo que haba padecido violencia sexual al interior
de su hogar por parte de su padre. De los tres personajes es el nico que per-
manece vivo hasta el final de la novela.

II. Heterocity: la politizacin de la sexualidad

Heterocity (ORELLANA, 2011) es una novela de temtica LGBT en la


cual su trama principal se fundamenta en el proceso de reforma constitucional
para reconocer el matrimonio entre personas del mismo sexo. Desde un inicio
se plantea como una obra de ficcin, en ms de una oportunidad los hechos
narrados parecen ser histricos y reales, contextualizados en los eventos ocurri-
dos entre abril y junio del ao 2009 en San Salvador, por medio de la tentativa
de reforma constitucional para prohibir el matrimonio y la adopcin por parte
de personas del mismo sexo. El describir los cuerpos diversos y sus afrentas a
la Heterocultura patriarcal como la nombra Orellana (2011, p. 145) sera una
tarea difcil por la variedad de personajes que se entremezclan. Por tal situacin
me centrar en describir genricamente los cuerpos en los que encarnan los
discursos hegemnicos de la sexualidad, contrahegemnicos y sus aliados.
El discurso hegemnico presenta dos aristas de importancia: discurso reli-
gioso y discurso conservador. El discurso religioso se fundamenta en la triada
carne-pecado-perversin para referirse a lo homosexual y todas sus mani-
festacin, las cuales siempre estn en contra del orden divino de la creacin
(ORELLANAz, 2011, p. 315-319). Por otra parte se encuentra el discurso con-
servador, travestido de laico, ya que en esencia es la repeticin del discurso
religioso, sirve para censurar cualquier manifestacin de la sexualidad que no
se acople al modelo binario heterosexual. En este caso debo de resaltar el per-
sonaje de Lucrecia Casariego mujer, heterosexual, lite econmica, blanca y
catlica- y todas sus performances para defender y mantener el orden binario
de gnero establecido en la heterocultura patriarcal, quien se vale de cualquier
subterfugio para mantener aquel orden moral intacto en la sociedad salvado-
rea (ORELLANA, 2011, p. 83, 203-204).
El discurso contrahegemnico es articulado por una serie de personaje
de la ms variada clase: hombres gay, mujeres trans, activistas de diversidad

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sexual, lesbianas, entre los ms sobresalientes, los que a excepcin del acti-
vista Mendel Chicas, quedan retenidos-atrapados-secuestrados al interior de
la discoteca Kaliyuga por parte de cuerpos de seguridad y personal mdico
(ORELLANA, 2011, p. 66, 107). Considero que esta es la mejor alegora para des-
cribir el contexto salvadoreo y su relacin con la sexualidad diversa: cuerpos
enclaustrados-vigilados por las normas y moralidades conservadoras (cuerpos
de seguridad) y por dispositivos de medicalizacin (cuerpos de salud), quienes
determinan hasta cundo van a estar detenidos-presos-marginados adentro de
la discoteca silencio-armario-gueto.
Por otra parte estaran los discursos aliados, permitindome nombrarlos
de esa forma ya que no en ms de una oportunidad pueden reproducir parte
de las prcticas y discursos hegemnicos (ORELLANA, 2011, p. 33, 404). Estos
estaran bsicamente representados por el diputado Denis Farias hombre,
heterosexual, blanco, clase media, ateo- y su quijotesca accin de promover
una reforma constitucional para que personas del mismo sexo puedan ejer-
cer el derecho constitucional de Igualdad para contraer matrimonio s as lo
deseasen. Faras, retomando el guion judo-catlico salvacionista, se transforma
en un nuevo cuerpo-cordero que es inmolado injustamente por un sociedad
de doble moral al tratar de hacer prevalecer el derecho a la Igualdad y la No
Discriminacin (ORELLANA, 2011, p. 431), para luego resucitar tal cual neo-
cristo poltico redimido por medio del activismo al interior de una ONG de
diversidad sexual que planifica y realiza el rescate-salvacin de los cuerpos-in-
fectados-diversos prisioneros en el silencio-armario -gueto de la Discoteca
Kaliyuga (ORELLANA, 2011, p. 443-446).

III. Entre l y yo: la encarnacin de la homofobia

Entre l y yo (BARRERA, 2013), aunque sea de una fecha ms reciente de


edicin, este romance inicia en el marco de la ofensiva militar de la guerrilla
en noviembre de 1989. Otra particularidad es que la trama se desenvuelve en
dos ciudades diferentes localizadas en pases diferentes: Ciudad de Guatemala,
Guatemala y muy probablemente la ciudad Santa Ana al occidente de El
Salvador. La historia gira entorno de Lucas -adolescente de 17 aos, de piel
blanca y cabello castao- y sus diversas vivencias-aprendizajes de su sexuali-
dad y las discriminaciones que padece al ser descubierta la relacin amorosa
que entabla con Jaime guatemalteco de 23 aos.

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El texto revela un breve recorrido de como Lucas-cuerpo descubre su


sexualidad. En la etapa de la adolescencia a los doce aos se enamora de un
compaero de clases, lo cual no trasciende a ms que una ensoacin de esa
edad (BARRERA, 2013, p. 75). Posteriormente a los 17 aos, siguiendo el patrn
heteronormativo, establece una relacin de noviazgo con una adolescente de
13 aos, con la cual experimenta su primer beso (BARRERA, 2013, p. 13). No
obstante, el despertar completo de su sexualidad se da en un viaje organizado
a Guatemala por sus padres para evitar ser un reclutado forzosamente por parte
del ejrcito ante una eminente ofensiva militar de la guerrilla. En este viaje tiene
contacto con Jaime, con quien tiene su primera relacin sexual, desencade-
nando una serie de reacciones que muestran la existencia de prejuicios y de
homofobia.
El primero que encarna los prejuicios es el propio Lucas, ya que despus
del primer encuentro sexual con Jaime, las imgenes recriminadoras de su fami-
lia, amigos, profesores, el pastor de la iglesia, su abuela se hicieron presentes
para mortificarlo y amonestarlo por el pecado practicado (BARRERA, 2013, p.
23). Melisa, su amiga, al saber de la existencia de Jaime como sujeto de deseo
y afecto de su amigo, encarna el prejuicio de la anormalidad de esa relacin,
lo cual es reforzado por el miedo adquirir una enfermedad, en este caso el VIH
y el rechazo que iba a desembocar entre sus amigos, sus maestros y su familia
(BARRERA, 2013, p. 112).
Respecto a su familia en un primer momento existe un desconcierto, ya
que Rebeca, su madre, piensa que tiene una relacin con una mujer mayor en
Guatemala. Braulio, su padre, se siente confortable con esa supuesta relacin,
ya que sera la seal de que su hijo no era homosexual. Rebeca hurga entre sus
pertenencias para encontrar unas cartas y develar el nombre del amante guate-
malteco (BARRERA, 2013, p. 89, 91, 142).
La Escuela, en este caso asume un papel de institucin normalizadora
encargada de construir patrones esencialistas de gnero, donde cualquier
ruptura de la heteronormatividad es sancionada, llevando al campo de lo des-
valorizado, lo precario y lo despreciado al sujeto que no cumpli estas normas
(BARRERA, 2013, p. 101).
Se presenta el metarelato del pecado de las prcticas homosexuales al
interior de las religiones. Lucas al congregarse en una iglesia evanglica, es aqu
donde recibe su primera maldicin religiosa (BARRERA, 2013, p. 15, 154). El
realizar este tipo de maldiciones amparndose en las interpretaciones someras

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de la Biblia, no sera perjudicial para las personas de diversidad sexual; el pro-


blema reside que este tipo de discurso de odio crea y alimenta una ideologa
del menosprecio al interior de los otros feligreses.

Palabras de cierre

La homosexualidad al interior de las tres producciones se contina aso-


ciando como una enfermedad, pecado y desvo de carcter/conducta en El
Salvador. Respecto a los cuerpos de hombres gay descritos en las tres narrativas
encontramos las siguientes caractersticas: jvenes, urbanos, metropolitanos,
infectados, saludables, clase media y baja, diversos respecto a rasgos fsicos,
entre los cuales uno presenta un trnsito entre lo masculino y lo femenino.
Considero que lo ms interesante son aquellos que no se nombran: cuerpos de
adultos mayores (generacin), hombres rurales (geografa) y hombres de la lite
econmica (clase social). En un primer momento se puede considerar que no
existen placeres diversos entre estos cuerpos, ms la verdad es que estos conti-
nan en el silencio de la sexualidad en El Salvador.

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Referencias

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CHACN, Ren. La fiera de un ngel. San Salvador: Impresos Litogrficos del Centro
Amrica, 2005.

Lara-Martnez, Rafael. Indgena, cuerpo y sexualidad en la literatura salvadorea.


San Salvador: Editorial UBD, 2012.

LINDO, Ricardo. Injurias. San Salvador: La Luna Casa y Arte, 2004.

Orellana Surez, Mauricio. Heterocity. San Jos: Ediciones Lanzallamas, 2011.

SORIANO, C. ngeles cados. San Salvador: Editorial Liz, 2005.

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CONTATOS EFMEROS SEM AMANH:


VOZES MARGINAIS, CORPOS VENDIDOS E
PERFORMANCES SEXUAIS NEGOCIADAS NA FICO
CURTA HOMOERTICA DE GASPARINO DAMATA

Dorinaldo dos Santos Nascimento


Mestre em Letras (Universidade Federal de Sergipe)
Centro Educacional Edval Calasans (Literatura Brasileira)
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

Neste trabalho, objetivamos apontar os possveis desdobramentos da imbricao


entre relaes homoerticas e prostituio masculina, por meio da anlise dos
contos Paraba e Mdulo lunar pouco feliz, presentes na obra Os solteires,
de Gasparino Damata. Teoricamente, em suma, este estudo traz contribuies
de Perlongher (1987), Bourdieu (2002), Green (2002), Parker (1992), Barcellos
(2006), Lugarinho (2008), Ceccarelli (2008). As discusses empreendidas indi-
cam que as masculinidades representadas pelos personagens-michs derivam
de constructo social, histrico e cultural articulado heterossexualidade com-
pulsria que, em meio ao jogo de ambivalncias, performances sexuais e de
identidade so negociadas no mercado do sexo.
Palavras-chave: prostituio; homoerotismo; masculinidades; performatividade;
identidades.

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Introduo

intrnseco prostituio masculina um duplo e pesado estigma: o da


prostituio mesmo como atividade aviltante, vinculada devassido, degra-
dao moral, e a associao direta homossexualidade, relacionada, de modo
discriminatrio, vida sexual de sujeitos pervertidos e promscuos. Nesse ter-
ritrio subversivo ordem socialmente instituda sobressaem a condio de
marginalidade e reprovao sociocultural queles que intercambiam prazer
sexual e dinheiro ou outras benesses, cuja imagem transgressora Perlongher
(1987b, p. 58) traduz como uma [...]massa de homossexuais pescando no
esgoto das margens a gua-viva do gozo.
Nesse contexto, na literatura Ocidental recorrente um quadro narra-
tivo em que um jovem impelido prostituio por necessidades econmicas,
entregando-se sexualmente a outro homem (BARCELLOS, 2006; CARBONEL,
2012). Por esse vis temtico, a compilao de contos Os solteires (1975),
de Gasparino Damata dialoga com outros textos literrios estrangeiros e nacio-
nais. A obra problematiza questes no mbito das masculinidades que mesclam
prazer e terror, vivenciados por homens, que em sua performatividade, so
marginalizados, por ofertarem seus corpos como moeda de troca financeira a
outros homens, conforme analisaremos, neste trabalho, por meio das narrativas
Paraba e Mdulo lunar pouco feliz.
Convm enfatizar que o autor da coletnea, enquanto jornalista, foi
colaborador do jornal Lampio da Esquina (1978-1981) - smbolo de esforo
intelectual do ativismo gay na imprensa alternativa brasileira, no momento de
abrandamento da Ditadura Militar. Sublinhamos, tambm, que a obra em tela
foi gestada no perodo de emergncia de movimentos de militncia e discursos
afirmativos gays no Brasil, por isso, alinha-se denominada literatura de subje-
tivao gay por evidenciar, de forma densa e aberta, relaes homoerticas na
contramo da literatura de representao homossexual, em suma, calcada na
estereotipia de personagens homossexuais (LUGARINHO, 2008).

1 A prostituio no cinema de pegao e no domnio da rua

No conto Paraba, texto que abre a coletnea, em resposta aos arraigados


e severos valores heteronormativos, o narrador-protagonista se coloca, discur-
sivamente, numa posio de autodefesa, aps ser flagrado por um conterrneo

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do interior pernambucano, frequentando e se prostituindo em um cinema de


pegao carioca. O personagem responsvel por descobri-lo, Z Orlando, o
interlocutor dele na narrativa, tambm atua como boy de programa no mesmo
local.
Na clandestinidade, agindo com o mximo de discrio, voluntariamente
e sem influncias de outrem, o narrador-protagonista complementa sua renda
de fiscal de obras como mich. Sua presena se faz assdua em um espao
de pegao (GREEN, 2002), frequentado, em sua maioria, por homens em
busca de parcerias annimas, ocasionais e sem compromisso. Tais espaos
representam cenrios sujos que acolhem relaes sexuais e jogos de desejos
homoerticos marcados pela interdio e transgresso (SILVA; FERNANDES,
2007).
Na posio de acossado do protagonista diante do seu interlocutor, este,
de modo metonmico, pode representar para ele o libelo acusatrio patriarcal a
lhe afligir. Notamos no narrador-personagem um sujeito que tenta justificar-se
por meio de um discurso de autodefesa, ancorado de modo subjacente num
jogo de ambivalncias, seja no modelo da heterossexualidade compulsria com
todas as incoerncias e contradies, seja na indissolubilidade entre os impera-
tivos da necessidade econmica de prostituir-se e a oportunidade de vivncia
do desejo homoertico inconfessvel, negado sob o argumento de estar-se tra-
balhando (CECCARELLI, 2008). Tendo em mira, tambm, o fato desencadeador
de sua migrao para o Rio de Janeiro - opo pela invisibilidade e anonimato
massificador da metrpole. Fuga de sua cidade provinciana, a qual rechaou o
episdio envolvendo um ato de masturbao entre ele e outro homem.
Assim, patente ao discurso do personagem-mich questes de gnero do
que ser homem, convergentes s possveis performances masculinas ao ana-
lisarmos, por exemplo, as motivaes para seu ingresso na prostituio. Ele d
nfase dificuldade de relacionamento com mulheres (sexo eventual, namoro
ou casamento) tendo em vista, segundo sua viso, que a mulher gera dispndios
financeiros elevados, impossveis de serem arcados ou que no valem a pena.
Para ele, na impossibilidade de sexo com uma parceira, seria legtimo satisfazer
os impulsos sexuais com outro homem, sem que isso se configure uma prtica
homossexual. Pensamento corrente em populaes mais humildes de regies
como Norte, Nordeste, e ncleos perifricos de outras regies que no questio-
nam o ativo no intercurso sexual com outro homem (CARBONEL, 2012).

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Por isso, reproduzimos a seguinte passagem do conto: J fiz programas


com vrios, tanto daqui como l fora, e at a presente data s tive problema com
um cara. Fomos na hospedaria, l ele me chupou, depois meti. E a, ele queria
que eu fizesse o mesmo. Quase dou um soco no filho da puta... (DAMATA,
1975, p. 11). A reao odiosa do personagem reveladora da condio coer-
citiva pela manuteno da hipermasculinidade e virilidade que no podem ser
maculadas com performances sexuais associadas ao feminino. Emergindo
uma problematizao, conforme assinala Bourdieu (2002, p. 31) de que O pri-
vilgio masculino tambm uma cilada e encontra sua contrapartida na tenso
e na contenso permanentes, levadas por vezes ao absurdo, que impe a todo
homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstncia, sua virilidade.
Adicionamos a essa discusso, a contingente negociao de performances
sexuais entre mich e cliente, conforme ilustra o excerto seguinte:
Outro dia esse mesmo cara apareceu aqui...terminou me fazendo
uma proposta: se eu beijasse na boca, se deixasse botar nas minhas
coxas, ele me dava cem pratas. Quase aceito... disse para ele voltar
depois, ia pensar melhor no assunto...Cem pratas um bocado de
dinheiro, j d para o sujeito quebrar o galho... (DAMATA, 1975,
p. 12).

Depreendemos que o personagem, no mbito do discurso, hipervaloriza


sua masculinidade, embora suas performances sexuais estejam sujeitas nego-
ciao com o cliente. Abre-se a perspectiva de negociar-se no somente os
prazeres do corpo, mas tambm as identidades subjetivas, de masculinidade
e feminilidade. Sublinhando, aqui, o fato de [...]o dinheiro torna-se ento o
fator de permissividade para as possibilidades de transitoriedade e flexibilidade
exigida as performances sexuais durante o coito, sem com isso, interferir ou
ameaar sua prpria identidade (SOUZA NETO, 2009, p. 68).
Nesse mbito das prticas da prostituio masculina, em outro conto da
mesma compilao, Mdulo lunar pouco feliz, Damata faz um recorte hist-
rico e sociocultural relevante, posto sua obra ser contempornea ao perodo em
que no Ocidente ocorreu a expanso do mercado ertico e da indstria porno-
grfica, e no contexto da prostituio em nosso pas a visibilidade do trottoir o
espao fecundo da rua para prticas do mercado do sexo. Nessa vertente de
exerccio da prostituio, a rua e os prestadores de servios sexuais que nela
transitam so postos no nvel subalterno (SANTOS, 2013).

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No conto em tela, pelo olhar de um narrador heterodiegtico cruzado for-


temente com o discurso indireto livre dado corpo ao personagem-mich, um
jovem de 18 anos, que vivencia um estilo de vida errante, marcado pelo gosto
da aventura, interesse pelo imprevisvel, pela desterritorializao, cujo noma-
dismo o impele a perambulaes entre cidades (Porto Alegre, So Paulo, Rio
de Janeiro). O personagem figura uma espcie de pulso nomdica que [...]
por vezes triste, mas sempre dinmico. No caso dos michs, fuga da famlia, do
trabalho, de toda a responsabilidade institucional ou conjugal (PERLONGHER,
1987, p. 63). Podendo-se adicionar ao seu nomadismo territorial, o nomadismo
sexual, posto que ele [...]passa de corpo em corpo sem se fixar, numa promis-
cuidade sucessiva que no recusa a orgia (PERLONGHER, 1987, p. 204).
A performance sexual do personagem em escopo, cuja versatilidade
(ativo/passivo) aderente s preferncias e desejos dos clientes no produz
conflitos nele em face de sua masculinidade:
[...]No era dos tais que iam logo dizendo: S se for pela frente,
ou Meu negcio s comer, ao contrrio, deixava o cara deitar
as falas, dizer o que queria, depois agia de acordo...E nada de que-
rer passar por macho, querer botar banca porque o pinta estava
pagando, no estava? E se estava, tinha todo direito de dizer o prato
que queria, porra! Na hora H se o pinta dizia: Vira, virava sem
se fazer de rogado...Depois que o cara terminava, ia privada, dava
a descarga, pronto! Era ou no era o mesmo homem? (DAMATA,
1975, p. 16).

O jovem mich, garoto que vive s de programa, sente a pungncia


dramtica da rua, fazendo trottoir no centro do Rio de Janeiro. Nesse espao,
experimenta o desamparo, fome, humilhaes, bem como a incerteza na busca
de clientes, a represlia policial e, evidentemente, propenso delinquncia
e prticas escusas. Contudo, o personagem no cede ao submundo da cri-
minalidade (drogas, roubos) nem atos inescrupulosos (chantagem a clientes
casados), ao contrrio, os repele com veemncia, assim como faz meno ao
difcil e desglamourizado universo da prostituio de rua, em que pese at
haver, segundo ele, a concorrncia crescente entre garotos que se prostituem.
Face a sua orfandade - pai falecido, cuja memria afetiva relembrada
em oposio me que agia com hostilidade -, o jovem boy de programa
mantm um caso com outro mich mais maduro de quem recebe proteo,

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o ultramsculo Severino Gomes da Silva, vulgo Pernambuco. Vejamos a sua


descrio e modus operandi no mercado do sexo:
[...]tinha braos fortes, rolios, pele clara, dentes perfeitos, cheiro
de macho. Quando andava o material soberbo balanava de leve
entre as pernas musculosas ...e as bichas todas se voltavam para
olh-lo, ou paravam e faziam sinal para que se aproximasse [...].
Fazia programa quase todas as noites e contava com uma fregue-
sia certa (sua cadernetinha de endereos tinha para mais de 100
telefones) [...]. Mas no era de fazer concesso, no beijava por
dinheiro [...]. Sua especialidade sempre fora bicha, orgulhava-se de
fazer qualquer bicha se sentir mulher, mais mulher do que muita
mulher (DAMATA, 1975, p. 21-22).

Esse personagem, no contexto dos anos 70 do sculo passado, pode ser


lido enquanto gnese do profissional do sexo, posto suas prticas sexuais
constiturem atividade regular responsvel como fonte de renda exclusiva, e no
trabalho ou ocupao provisrios. Acrescendo uma rede de clientes fixos, com
horrios agendados, assim como a postura e abordagem discretas no nvel do
profissionalismo. Este personagem-mich representativo, pois ele no comer-
cializa apenas um corpo msculo. Simbolicamente, os clientes, descritos como
homossexuais efeminados pagam para realizarem a fantasia de transar com um
heterossexual, macho de verdade, dominador, j que ele [...]incorpora os
valores tradicionalmente associados com o papel de macho na cultura brasileira
- fora e poder, violncia e agresso, virilidade e potncia sexual (PARKER,
1992, p. 74).
Nesse contexto, as masculinidades so uma construo histrica, social
e cultural, posto no haver uma nica maneira de ser homem, mas variados
modos e modelos de vivenciar esse papel. Por meio do processo de socializa-
o, esses modelos so transmitidos, oscilando, tambm, segundo a insero
do homem, da mulher e da famlia na estrutura social. Mudam ao longo da
histria, mas numa mesma poca podem sofrer contestao, fazendo apare-
cer masculinidades alternativas ao modelo dominante, hegemnico (SANTOS,
2013, 73).

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Consideraes finais

Nos contos analisados, a masculinidade configurada numa perspectiva


relacional, significada e ressignificada contextualmente no embaralhado jogo de
ambivalncias. Os personagens-michs aparecem cindidos diante do modelo
de heterossexualidade compulsria que reconfigurado nas negociaes de
performances sexuais aderentes s fantasias daqueles que financiam o sexo,
no sentido de desfazer ou reforar relaes binrias acerca das representaes
de gnero e sexualidade (dominador/dominado). Ganha relevo, tambm, o
nomadismo sexual como condio inerente s prticas de prostituio, seja
no domnio de espaos de pegao ou no domnio da rua ao ofertarem a
possibilidade do encontro e do inesperado.
Depreendemos, em suma, da anlise dos personagens-michs, vozes
marginais que vendem corpos e fantasias em contatos efmeros sem amanh,
bem como o cruzamento de relaes possveis entre sujeitos que vivenciam
interaes sexuais, na clandestinidade ou no, cujo comportamento divergente
obriga-os a ruptura com a normalidade social que impe severos cdigos
morais.

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Referncias

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Dialogarts, 2006.

BOURDIEU, Pierre. A dominao masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,


2002.

CARBONEL, Thiago Ianez. Homoerotismo e marginalizao: construes do universo


homoafetivo masculino na literatura brasileira contempornea. Tese de Doutorado.
Programa de Ps-Graduao em Lingustica e Lngua Portuguesa. Araraquara, Unesp,
2012.

CECCARELLI, Paulo Roberto. Prostituio corpo como mercadoria. Mente & crebro
Sexo, v. 4, dez. 2008.

DAMATA, Garparino. Os solteires. Rio de Janeiro: Pallas, 1975.

GREEN, James N. Alm do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do


sculo XX. Trad. Cristina Fino e Cssio Arantes Leite. So Paulo: Editora UNESP, 2002.

LUGARINHO, Mrio Csar. Nasce a literatura gay no Brasil: reflexes para Lus
Capucho. In: SILVA, Antonio de Pdua Dias da. (Org.). Aspectos da literatura gay. Joao
Pessoa: Editora da UEPB, 2008.

PARKER, Richard. Corpos, prazeres e paixes: cultura sexual no Brasil contemporneo.


So Paulo: Best-Seller, 1992.

PERLONGHER, Nstor Osvaldo. O negcio do mich: prostituio viril em So Paulo.


2. ed. So Paulo: Editora Brasiliense, 1987.

______. Vicissitudes do mich. Temas IMESC, Soc. Dir. Sade, So Paulo, 4(1), p.
57-71, 1987b.

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

SANTOS, Maria de Lourdes dos. Da batalha na calada ao circuito do prazer: um


estudo sobre a prostituio masculina no centro de Fortaleza. Tese de Doutorado.
Programa de Ps-Graduao em Sociologia, UFC, 2013.

SILVA, Antonio de Pdua Dias da; FERNANDES, Carlos Eduardo Albuquerque.


Apontamentos sobre o espao fsico e o desejo gay em narrativas de temtica homo-
ertica. Graphos, Joo Pessoa, v. 9, n. 2, 2007.

SOUZA NETO, Epitacio Nunes. Entre boys e frangos: anlise das performances de
gnero de homens que se prostituem em Recife. Dissertao de Mestrado. Programa
de Ps-Graduao em Psicologia. Recife, UFPE, 2009.

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ALISON BECHDEL E A DESCOBERTA DE SI EM FUN HOME

Francine Natasha Alves de Oliveira


Doutoranda em Letras: Estudos Literrios
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
[email protected]

Luciana Freesz
Doutoranda em Letras: Estudos Literrios
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

Alison Bechdel se tornou conhecida no mundo todo com a publicao de Fun


Home, uma autobiografia construda a partir da biografia do pai da autora,
em que a descoberta de sua identidade como mulher, artista, lsbica e ativista
passa pela comparao com a identidade do prprio pai, professor e homosse-
xual enrustido. Com ironia e autocrtica, a autora expe uma relao complexa,
recorrendo ainda intertextualidade com clssicos da Literatura. Como lsbica,
a obra de Bechdel conquista um espao pouco habitado por outras vozes femi-
ninas, o das histrias em quadrinhos, atingido um pblico para alm da prpria
comunidade LGBTT.
Palavras-chave: memrias, autobiografia, histria em quadrinhos, lsbica.

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Introduo

A maior abertura para que temas controversos sejam debatidos no meio


acadmico e a ampliao dos estudos literrios permite a busca por objetos
de pesquisa outrora marginalizados e no pertencentes ao cnone. Assim, na
contemporaneidade, estudos e anlises literrias podem se valer da interdiscipli-
naridade para promover uma abertura para a voz daqueles que, tanto artstica
como socialmente, so excludos dos centros hegemnicos.
Para este artigo, pretendemos tratar da formao da identidade lsbica
como descrita por Alison Bechdel em sua novela grfica, Fun Home Uma
tragicomdia em famlia, publicada no Brasil em 2007. A qualidade literria da
obra fez com que a autora se tornasse referncia da literatura lsbica.

Identidades em jogo

Em Dykes to Watch out For, Alison Bechdel expunha o cotidiano e as


experincias de um grupo de lsbicas. Publicada semanalmente de 1983 a
2008 em jornais de menores tiragens e no jornal mensal Funny Times, a srie
traz assuntos diversos abordados transversalmente vivncia das personagens,
sendo considerada uma das primeiras representaes de lsbicas na cultura
popular sem que o pblico alvo seja, especificamente, formado por homos-
sexuais. De acordo com Hillary Chute (apud ZOUVI, 2015), a srie de cartuns
surgiu da busca por visibilidade por parte de Bechdel, da necessidade de reco-
nhecimento visual de sua prpria cultura.
Bechdel obteve reconhecimento mundial com Fun Home Uma tragico-
mdia em famlia (2006), em que conta a histria de seu pai e de sua famlia a
partir de suas memrias. Esta foi a primeira histria em quadrinhos reconhecida
pela revista Time como livro do ano, sendo indicada e ganhando diversos pr-
mios, entre eles o Eisner Awards. A partir de analogias com clssicos literrios
que perpassaram tanto sua vida como a de seu pai, a quadrinista estabelece
seus precursores por meio de uma narrativa no linear e procura construir sua
identidade e a de seu pai.

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Memrias e autodescobertas

Professor de ingls e literatura, Bruce Bechdel estava sempre lendo e sua


preferncia por certos autores e obras foi dividida com a filha, principalmente
nos anos em que Alison cursou faculdade em Nova York. Usando as obras para
dar luz personalidade do pai e relao entre ambos, a autora adiciona lista
livros de temtica homossexual e feminista que lhe serviram como referncia
para construir sua prpria identidade.
Na primeira pgina revelado que o pai tinha raro contato fsico com
a filha, que, ainda pequena, pedia para ser levantada e se equilibrava nos ps
dele, brincadeira chamada de jogos icricos (BECHDEL, 2007, p. 9). Bechdel
compara o pai ao mtico caro, em funo de sua queda. Sugere-se, ento,
uma ligao tnue entre pai e filha, uma vez que, durante a brincadeira, era
Alison quem ficava na posio icrica que simulava um voo.
Habilidoso, Bruce reformou a casa neogtica da famlia por completo.
Essa engenhosidade faz com que Alison o compare ao arquiteto e inventor
mitolgico Ddalo, pai de caro. A obsesso do pai com a esttica podia tam-
bm ser percebida em como cuidava de sua aparncia e exigia o mesmo da
filha, escolhendo inclusive suas roupas. Alison estabelece suas oposies em
relao ao pai: Meu gosto pelo simples e estritamente prtico surgiu cedo. (...)
Eu era a espartana do meu pai ateniense. A moderna do vitoriano. A masculina
do afetado. (...) A funcional do esteta (BECHDEL, 2007, p. 20-21 destaque
nosso).
A masculinidade da filha pode ser encarada como um sinal estereotpico
de homossexualidade. A afetao do pai, por sua vez, seria o indcio de sua
sexualidade reprimida, provvel razo pela qual se preocupava tanto em manter
as aparncias:
Ele usava toda sua tcnica e habilidade no para fazer coisas, mas
para faz-las parecerem o que no eram. Ou seja, impecveis. Ele
parecia um marido e pai perfeito, por exemplo. Mas um marido e
pai perfeito transaria com rapazes adolescentes? Olhando para trs,
seria fcil dizer que nossa famlia era uma farsa (BECHDEL, 2007,
p. 22-23).

Sendo uma obra em quadrinhos carregada de descries e indagaes,


interessante notar a presena marcante do texto verbal em relao ao texto

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no-verbal. Simultaneamente, ao observarmos cada requadro da obra, temos


primeiro a ideia textual pelo ponto de vista da personagem/narradora e, grafica-
mente, a expresso dos outros personagens, havendo uma relao estreita entre
palavras e imagens. Dentro dessa simbiose, as palavras podem pegar imagens
aparentemente neutras e colar nelas uma infinidade de sensaes e experin-
cias (McCLOUD, 1995, p. 135).
O segundo captulo revela como a preocupao com a aparncia per-
meou, inclusive, a morte de Bruce. A autora explica que no h provas de que
o pai tenha se matado, pois foi atropelado por um caminho, fazendo com que
todos acreditassem ter sido acidental.
Pouco antes de morrer, seu pai estivera lendo A morte feliz, de Albert
Camus, em que havia grifado uma passagem: Sentia o paradoxo cruel pelo qual
nos enganamos sempre duas vezes em relao aos seres que amamos: em seu
favor primeiro, e, em seguida, em seu detrimento (CAMUS apud BECHDEL,
2007, p. 34). Aquele seria um epitfio apropriado para o casamento dos pais
(BECHDEL, 2007, p. 34). A me havia pedido divrcio duas semanas antes
uma mancha na imagem do casamento perfeito.
A lpide colocada onde foi enterrado tambm um reflexo da preferncia
esttica, um obelisco que se destaca no cemitrio da pequena cidade. Bruce
tinha uma coleo de obeliscos, um formato pelo qual ele tinha enorme e des-
pudorada fixao (BECHDEL, 2007, p. 35).
Com humor, Alison compara sua famlia com a Famlia Addams, no
apenas pela aparncia do casaro em que viviam, mas por causa do negcio
familiar; convivendo com o ritual da morte na casa funerria, as crianas pas-
saram a encarar a questo com indiferena, brincando em cemitrios e na sala
onde os velrios aconteciam.
A casa funerria, em ingls, funeral home, d nome ao livro: a abrevia-
o para fun home gera um duplo sentido, pois fun remete tanto a funeral
quanto a algo divertido o significado da palavra fun propriamente dita.
Quando as crianas tinham de dormir na casa, ficavam no mesmo quarto
que a av, que lhes contava histrias antes de dormir. A narrativa favorita era
sobre o pai que, aos trs anos de idade, acabou atolado em uma lavoura.
Resgatado pelo leiteiro e levado para casa, a av conta que tirou a roupa do
garoto, o enrolou em uma colcha e o colocou no fogo para se aquecer. Essa
histria, em que o pai se encontra em situao de fragilidade, tem grande apelo
entre os filhos de Bruce. A imagem do garoto preso na lama remete ainda ao

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destino de retornar pequena cidade onde nasceu para cuidar da casa funer-
ria. Em vez de continuar em Nova York, onde estudou, ou na Europa, para onde
foi quando serviu ao exrcito, e poder exercer mais livremente sua sexualidade,
Bruce voltou lama de onde veio (HAGANE, 2010), escondendo sua real iden-
tidade e seus desejos.
O pai se matou quando Alison estava na faculdade. Ao receber a notcia,
conta que pouco chorou, e ao reencontrar o irmo, a reao de ambos foi com-
partilhar um sorriso absurdo. Para se referir ao momento, Alison recorre a outro
livro de Camus, O mito de Ssifo, que precisou ler para uma matria e que lhe
foi emprestado pelo pai. Nele, Bruce tambm havia grifado uma passagem: O
tema deste ensaio precisamente esta relao entre o absurdo e o suicdio, a
medida exata em que o suicdio uma soluo para o absurdo (CAMUS apud
BECHDEL, 2007, p. 53).
A autora classifica a morte do pai como queer, ou seja, como estranha,
esquisita. No dicionrio, h diversos significados para a palavra em questo; o
verbo estaria relacionado com frustrar, arruinar, desconcertar (...) (BECHDEL,
2007, p. 63), algo que o pai fez com a famlia ao forjar a prpria morte. Porm,
o dicionrio omite a provvel razo do suicdio, que seria justamente o fato de
o pai ser queer homo ou bissexual.
Os relacionamentos de Bruce com outros homens s foram revelados a
Alison pela me quando ela estava na faculdade, aps enviar uma carta aos
pais em que ela mesma saa do armrio. A autora sugere que o desenrolar dos
fatos poderia ter sido sua culpa:

Se no tivesse me sentido compelida a dividir minha pequena des-


coberta sexual, talvez o caminho tivesse passado sem incidentes
quatro meses depois. (...) Por que contei a eles? Eu nem tinha tran-
sado ainda. Por outro lado, meu pai vinha fazendo sexo com outras
pessoas por anos sem contar a ningum (BECHDEL, 2007, p. 65).

Pouco depois de se revelar para a famlia, Alison recebe notcias de como


o casamento dos pais se tornou atribulado e que a me pretendia se divorciar.
Nas palavras da autora, a morte do pai, duas semanas depois, (...) no foi uma
nova catstrofe e sim uma antiga, que vinha se desenrolando bem devagar h
muito tempo (BECHDEL, 2007, p. 89).

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Acreditar que a revelao de sua homossexualidade teria sido o motivo


de Bruce se matar era, para Alison, um fator de aproximao, uma indicao
de que o pai, apesar de distante, importava-se com ela. Porm, at a morte era
cercada pela incerteza: oficialmente, fora um acidente, mas a autora levanta
com veemncia a hiptese de um suicdio planejado para manter as aparncias.
A obsesso com a esttica e a jardinagem descrita pela filha como outro
indicador de sua sexualidade, novamente fazendo uso de um clssico para se
narrar um aspecto identitrio:
Se meu pai tinha uma flor favorita, era o lils. Um trgico espcime
botnico, desvanecendo sempre antes mesmo de atingir o pice.
(...) Proust descreve os lilases ao longo do Caminho de Swann em
Em Busca do Tempo Perdido. Que, como eu disse, meu pai come-
ou a ler um ano antes de morrer. (...) Se j houve uma bicha maior
que meu pai, foi Marcel Proust (BECHDEL, 2007, p. 98-99 desta-
que nosso).

Enquanto o pai sentia atrao pelos homens, Alison, desde criana, admi-
rava a masculinidade por um motivo diverso, sua prpria homossexualidade.
Assim, a autora e seu pai seriam invertidos um do outro ela com sua pre-
ferncia por uma esttica masculinizada e ele com sua vaidade excessiva,
associada ao feminino: Enquanto eu tentava compensar a parte efeminada
dele... Ele tentava expressar algo feminino atravs de mim (BECHDEL, 2007, p.
104). Ao traar essa comparao, Bechdel coloca a si e ao pai dentro de estere-
tipos associados homossexualidade, sendo ela pouco apegada s aparncias
e mais voltada ao carter prtico das coisas.
Se antes o esforo narrativo se voltava mais para a demonstrao de dis-
tanciamento, a caracterstica que a autora e o pai compartilhavam, o desejo
homossexual, torna-se um ponto de partida para que sejam reveladas outras
semelhanas entre eles: (...) de certa forma pode-se dizer que o fim do meu pai
foi meu incio. Ou (...) que o fim da mentira dele foi o incio da minha verdade
(BECHDEL, 2007, p. 123).
Em mais de uma ocasio, a autora mostra, por meio de texto e dese-
nhos, como os livros foram importantes para sua formao lsbica e para
sua entrada no feminismo e atuao no movimento que ela considera como
um anestsico aps a descoberta da sexualidade do pai , foi um perodo de
despertar poltico e sexual (BECHDEL, 2007, p. 87).

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Consideraes finais

A narrativa autobiogrfica revela experincias de vida com as quais muitos


indivduos poderiam se identificar. A quadrinista dialoga com os acontecimen-
tos ao seu redor e com sua memria a partir de elementos externos, como os
prprios esteretipos associados, por exemplo, a homossexuais como inver-
tidos e a artistas como pessoas introvertidas e pouco sociveis. Assim, usa
a histria do pai e da convivncia com a famlia para se compor e avaliar a
si mesma como mulher, lsbica e artista, comparando suas experincias com
as do prprio pai, para quem a importncia das aparncias foi o principal ele-
mento a guiar seus atos.
Os movimentos de afastamento e aproximao entre sua identidade e a
do pai so, por vezes, mediados por obras literrias e, ao longo da narrativa, so
reveladas, juntamente s sexualidades de pai e filha, algumas questes relativas
sexualidade de autores e personagens consagrados, como o caso de Camus
e Proust. Ademais, o uso de obras literrias clssicas confere aos quadrinhos
uma espcie de validao e de status intelectual o qual seu pai parecia apre-
ciar. A escolha desses livros faz da intertextualidade ainda um guia narrativo
que se sobrepe falta de linearidade.
Em termos de obras com protagonistas lsbicas, Bechdel um dos poucos
casos em que sua produo no se restringe ao consumo pelo pblico LGBTT,
sendo reconhecida pela qualidade de seu trabalho inclusive a nvel literrio.

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Referncias

BECHDEL, Alison. Fun Home Uma tragicomdia em famlia. So Paulo: Conrad,


2007.

CRUZ, Eliel. How a Pornographic Lesbian Graphic Novel Ignited a Culture War at
Duke. The Huffington Post. 28 de ago. 2015. Disponvel em: <http://www.huffin-
gtonpost.com/the-daily-dot/fun-home-duke_b_8052014.html>. ltimo acesso: 26 de
mar. 2016.

HAGANE, Karoline. Autobiography, irony, and identity formation in Alison Bechdels


Fun Home. Hagane.org. Norway: Dezembro de 2010. Disponvel em: <http://hagane.
org/wp-content/uploads/2014/08/Autobiography-irony-and-identity-formation-in-
Alison-Bechdels-Fun-Home-Author-Karoline-Hagane.pdf>. ltimo acesso: 26 de mar.
2016.

McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. So Paulo: Makron, 1995.

ZOUVI, Aline. A performance autobiogrfica nos quadrinhos: um estudo de Alison


Bechdel. Dissertao de mestrado Programa de Ps-graduao em Teoria e Histria
Literria. Campinas: UNICAMP Instituto de Estudos da Linguagem, 2015. 152 f.
Disponvel em: <https://www.academia.edu/14631684/_Disserta%C3%A7%C3%A3o_
de_Mestrado_A_performance_autobiogr%C3%A1fica_nos_quadrinhos_um_estudo_
de_Alison_Bechdel>. ltimo acesso: 26 de mar. 2016.

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SEM-VERGONHICES, DISCARAES E SAFADEZAS


NA OBRA DE MARCELINO FREIRE

Helder Thiago Maia


Doutorando em Literatura Comparada
UFF Universidade Federal Fluminense
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

Neste artigo, tentamos reelaborar a ideia de uma escritura queer na literatura


brasileira contempornea a partir da obra do escritor pernambucano Marcelino
Freire, especificamente a partir de seis contos dos livros Contos Negreiros (2005),
Rasif: mar que arrebenta (2008) e Amar crime (2010). Propomo-nos, portanto,
uma leitura esttico-poltica da obra freireana a partir dos conceitos de lngua
menor, devir darkroom e terrorismo textual. Dialogaremos, para isso, com tex-
tos que esto atravessados pelas temticas da homossexualidade masculina.
Consideramos, por fim, que as diversas dissidncias de gnero e sexualidade
presentes na obra do autor dialogam com as sexualidades fluidas e populares
que esto quase sempre excludas do ambiente de consumo do pinkmoney.
Palavras-chave: literatura brasileira; escrituras queer; lngua menor; terrorismo
textual; Marcelino Freire.

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As diversas homossexualidades masculinas presentes na obra de Marcelino


Freire produzem poucas imagens positivas sobre a homossexualidade, no se
trata, assim, de uma narrativa militante-identitria; ao contrrio, a proliferao
de homossexualidades, que enxergamos na obra do autor, parece dialogar
mais com o que o padro gay-branco-universal fez questo de esconder: as
sexualidades fluidas e populares que esto fora do ambiente de consumo do
pinkmoney. A opo de Marcelino, portanto, parece quase sempre ser a de
enxergar o escuro do escuro ou a minoria subalternizada dentro das prprias
minorias subalternizadas.
Poderamos, por exemplo, falar do poeminha de amor concreto, que abre
o mesmo livro de Unio Civil. As rimas internas do poema, por exemplo, que
provocativamente mantm em suspenso o verbo dar, inclusive sendo publicado
em negrito, e seus mltiplos significados, especialmente o sexual, desterritoria-
lizam o possvel dentro da linguagem potica, ao mesmo tempo em que marca
uma performance desafiadora do eu-lrico. Numa tradio ginsbergeriana,
poderamos dizer que o poema de Marcelino remete ao de Allen Ginsberg,
de Esfncter, onde o cu, e o sexo anal, tomado tanto em sua potencialidade
gozosa quanto esttica, vejamos um trecho:
da mesma forma que voc d de cara d de frente d de bandinha
d de ombros de bandinha da mesma forma que voc no me d
a mnima no me d ouvidos no me d bola da mesma forma que
voc no d o melhor de si eu dou o cu meu amor e da (2010:21)

Propomo-nos, em seguida, a ler outros contos de Marcelino a partir da


ideia de que existe na literatura latino-americana contempornea algo que pode-
ramos chamar de uma escritura queer. Explico-me. De acordo com Roland
Barthes h em todo texto uma categoria, que no nem o estilo, nem o conte-
do e nem a lngua, um para alm da linguagem que a histria e o partido
que o escritor toma diante desta. essa categoria Barthes atribui o nome de
escritura, que seria, portanto, um tom, um ethos, um ato de solidariedade hist-
rica, aquilo que amarra o escritor sociedade (2004:7), um arrebatamento, um
transbordo, do estilo para outras regies da linguagem e do sujeito (2003:89),
a linguagem literria transformada em sua destinao social (2004:13). Uma
escritura, portanto, escancara a situao e engaja o escritor sem que ele precise
dizer (2004:24).

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As escrituras queer, dessa forma, seriam uma constelao de textos, de


fluxos poticos, que compartilham entre si a possibilidade de uma leitura desie-
rarquizante e no normativa sobre gneros e sexualidades, que surgem a partir
da singularidade histrica dessas performatividades dissidentes frente hete-
ronormatividade hegemnica. Uma escritura queer, portanto, longe de fixar
identidades desviantes ou normativas, agencia alianas com a alteridade e se
desloca, se abjura, todo o tempo para resistir s reterritorializaes normativas.
Assim, nos pontos seguintes, discutiremos questes esttico-polticas que per-
passam o conceito de uma escritura queer1 latinoamericana e que atravessam a
obra de Marcelino Freire.

Escurido ao sol

O conto O meu homem-bomba (2010), cujo duplo sentido de homem-


-bomba nos remete tanto a homens de msculos hipertrofiados, as famosas
barbies gays, quanto aos suicidasterroristas, narra a histria, em primeira pessoa,
de um homem europeu entediado que fugindo dos calores sexuais do turismo
gay internacional viaja para a cidade de Moab, no Cazaquisto. No trajeto que
faz diariamente em Moab, entretanto, o narrador apaixona-se por outro homem,
que ao final do conto explode um nibus logo depois que o narrador desce na
praa de Adm.
Os personagens de Marcelino, como vemos no conto, parecem expe-
renciar a vida a partir da escurido ou a partir daquilo que temos chamado
de devir darkroom. Expliquemos: o darkroom, enquanto territrio atravessado
por pulses sexuais, um lugar privilegiado de desterritorializao dos corpos
disciplinados pelas hegemonias da heteronormatividade e de experimentao
de corpos-sem-rgos; , portanto, um territrio de resistncia onde os corpos
danam na escurido e compem campos de imanncia de desejos dissidentes.
Assim, entendemos uma experincia em devir darkroom tanto como uma
vontade de alguns personagens de experimentao de corpos-sem-rgos, de
corpos desautonomizados; quanto, nossa vontade, que tambm a desse nar-
rador freiriano especificamente, mas tambm de muitos outros, de ao apagar

1 O conceito de escritura queer encontra-se mais longamente explicado no meu livro O devir-darkroom
e a literatura hispano-americana (2014), especialmente no captulo Constelaes Queer ou Por Uma
Escritura da Diferena.

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das luzes, enxergarmos aquilo que sempre esteve ali, mas no nos era possvel
ver. A luz, portanto, entendida como a metfora de Georges Didi-Huberman,
em Sobrevivncia dos Vagalumes (2011), enquanto a lei, a norma, o dogma, a
razo do Iluminismo ocidental, termina, alm de nos docilizar, por no nos dei-
xar enxergar os escuros do nosso tempo.
Consequentemente, como o homem contemporneo de Giorgio Agamben,
somente no apagar dessas luzes (normativas e racionais) que passamos no
s a enxergar o que antes era invisvel, mas tambm a enxergarmo-nos por
outras lgicas ou exatamente atravs da falta delas. No se trata, portanto, de
jogar luz, razo, norma, lei, ao que est escuro, mas de ver, a partir de cor-
pos-sem-rgos, as luzes do prprio escuro, as luzes que no so nem a nossa
razo e nem a nossa norma ocidental. Parafraseando Agamben, diramos que
h nos personagens de Marcelino um desejo de, ao estarem mergulhados na
escurido, perceber o presente em suas luzes e em seus escuros (2009:63). So,
portanto, narradores/personagens marginalizados e indisciplinados que pro-
pem um outro arranjo social, uma outra forma de enxergar a alteridade.
No conto, como vimos, o narrador desloca a narrativa tradicional do oci-
dente sobre esses suicidas, j que antes de se falar de morte, de suicdio e de
assassinatos, se fala de amor e de desejo, onde o ocidente s enxerga terrorismo
e violncia. Nesse deslocamento, na forma de enxergar o outro, o que Marcelino
parece nos propor que enxerguemos a Escurido ao sol (2008:31), ou seja,
aquilo que nos fica invisibilisado pelas narrativas hegemnicas ocidentais, que
so usadas para demonizar esses homens, alm de animaliz-los e distanci-los
da racionalidade ocidental. Freire constri, portanto, uma narrativa, que no
s enxerga essa alteridade de forma diferente, equiparando-os inclusive aos
cristos em sua paixo religiosa, mas que tambm prope um olhar deslocado,
uma linha de fuga, para as nossas racionalidades.
Marcelino opera, assim, um segundo deslocamento muito sutil que ver
as semelhanas entre ocidente e oriente a partir do fundamentalismo religioso
e da paixo mstica que organiza e estrutura a ambas as sociedades, para isso,
o narrador utiliza-se de uma forte intertextualidade bblica, principalmente
nos nomes dos personagens e nos paralelismos das suas histrias. Como bem
resume Snia Galvo,
a obra de Freire situa-se [...] na busca dos abismos que a regra
suprimiu, a fim de que tal estado de verdade emerja de seu estado

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latente. Mas no se trata, nesta obra do autor, de se vislumbrar


um caminho de defesa dos desvalidos, mas de apontar um sujeito
que surge deslocado do mundo e da norma, da histria, e constri
paradigmas ainda no percebidos por aqueles que se fecham no
centro. [...] por se deparar o leitor com a conscincia da existncia
de paradigmas imprevistos, promovidos por um sujeito deslocado,
pois somente, ao arrebentar-se no outro, percebe-se, na tessitura
do texto, que o sujeito anoitece para amanhecer (2013:129)

O senhor no tem vergonha

O conto Jesus Te Ama (2010) narra o desenrolar de um flagrante feito por


um policial que encontra um padre fazendo sexo oral em um adolescente. O
padre desde o comeo do conto j aparece rezando e pedindo por um mila-
gre: que a autoridade o perdoe. Seu pedido se realizar, ao final do conto,
visto que, a situao parece assustar tanto o policial que ele decide no levar o
caso adiante; o que explicita menos o milagre religioso e mais os casos de sub-
notificao dos casos de abuso sexual, alm dos conchavos entre as diversas
instituies macropolticas.
O narrador, atravs da voz do policial, questiona-se como um candi-
dato a santo pode cair nessas fraquezas e pergunta ao padre se ele no tem
vergonha; h, portanto, uma humanizao da figura do padre cuja causa o
crime que ele comete. Contudo, ao final do conto, esta humanizao desfeita
pelo prprio padre ao se comparar ao Senhor durante a sua performance no
plpito.
No desenrolar da narrativa, o padre passa a jogar a culpa de todo o ato
sexual no adolescente, dizendo que foi seduzido e azucrinado pelo jovem. Essa
uma argumentao bastante comum nos casos de abuso sexual cometidos
por sacerdotes na nossa realidade. O rapaz assume, assim, duplamente a figura
de Cristo: tanto aquele que expia o pecado dos outros, como ser o corpo
perfeito, o corpo desejado das imagens de Cristo.
Ao fim, depois de liberado e de uma noite de penitencias, o padre volta
batina, igreja e missa e pergunta-se se no tem vergonha de tudo que
aconteceu. Equiparando-se ao Senhor, a Deus, ele responde: No (eu no tenho
vergonha), o Senhor (Deus, o padre) no tem vergonha. Cristo, o garoto, ao con-
trrio, sente vergonha porque chora na delegacia, o Senhor, o padre, mesmo

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humilhado consegue operar milagres sem chorar, sem ter vergonha, sem perder
o controle.
Essa possibilidade desse Senhor assumir a figura fantasmtica de Deus
feita a partir da prpria grafia da palavra, visto que, quando o policial pergunta
ao padre e quando o padre se pergunta se ele no tem vergonha, a palavra
senhor est sempre iniciada com uma minscula, diferentemente da ltima
frase onde o senhor escrito com a primeira letra em maiscula.
Vejamos: no incio, a pergunta do policial O senhor no tem vergonha?
(2010:105), depois o padre se pergunta: O senhor no tem vergonha? e a res-
posta, que sugere a prpria comparao com a divindade No, o Senhor no
tem vergonha (2010:108).
Gostaramos, ento, de ler um trecho do conto a partir da ideia de terro-
rismo textual. Explico. Beatriz Preciado, terica queer, primeiramente a partir
de Roland Barthes (1990) e depois de Guy Hocquenghem (2009), diz que so
terroristas todos os textos capazes de intervir socialmente, no graas a sua
popularidade ou xito de vendas, mas graas violncia metonmica que per-
mite que o texto exceda as leis de uma sociedade, de uma ideologia ou de uma
filosofia, para criar a sua prpria inteligibilidade histrica (2009:138).
Barthes chama de violncia metonmica a justaposio num mesmo sin-
tagma de fragmentos heterogneos pertencentes a esferas da linguagem que
esto geralmente separadas pelo tabu scio-moral. Assim, se juntariam, por
exemplo, igreja, estilo rebuscado, pornografia, etc. (1990:34). Entendemos, por-
tanto, como terroristas aqueles textos que atravs dessa violncia metonmica
barthesiana terminam por confrontar a linguagem da heteronormatividade.
Essa correlao criada no conto, que explicita a hierarquia da tradio
crist entre Deus e Cristo, pode ser lida como terrorista atravs dos paralelismos
feitos entre as duas divindades e os dois pecadores. Na narrativa, atravs das
comparaes, enxergamos um Deus egosta, cujo milagre serve apenas para
escapar de uma situao criminosa, e soberbo, por sentir-se melhor do que os
humanos que se ajoelham diante dele na missa; ao mesmo tempo vemos um
Cristo frgil, que se envergonha diante da autoridade divina ao dizer que no
teria feito nada disso se soubesse que o outro era padre, mas tambm da auto-
ridade secular ao ser levado para a delegacia e chorar.
Contudo, a humanidade de Cristo, a sua fraqueza e o seu corpo que
confere ao conto o seu carter mais profanatrio, mais terrorista, para alm
da violncia metonmica barthesiana que junta nesse texto, por exemplo, sexo

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oral, bosta, santo e Deus. O poder ertico da imagem de Cristo preso na cruz,
transfigurada na imagem do adolescente de pernas abertas que se deixa chupar
por um padre, profana a imagem sacra do filho de Deus, conferindo-lhe uma
humanidade que capaz de despertar em seus fiis, atravs do seu corpo des-
nudo, desejos e tentaes reprovveis para a doutrina crist.
Ao mostrar, portanto, essa potncia ertica de um corpo que deveria ser
lido exclusivamente como divino, Marcelino excede, atravs da profanao, a
ideologia crist, para revelar, assim como no conto O meu homem-bomba, o
quanto h de erotismo na paixo religiosa. Confrontando, portanto, a linguagem
religiosa e a linguagem heteronormativa ao devolver a sexualidade das duas
divindades a um sexo casual (incestuoso) feito em um beco escuro entre um
homem e um adolescente. Vejamos, para finalizar, um trecho onde o padre-
Deus fala dessa relao ertica com o corpo do adolescente-Cristo:
Entrou na minha alma como um vampiro. Rezo. Como um Cristo,
Meu Deus, no posso. Certas imagens me ameaam. Cristo e o seu
corpo. Quando pequeno, queria tocar o corpo de Cristo. Esconjuro.
O corpo perfeito. O corpo de braos aberto. Esconjuro (2010:107)

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e a Gerao de 90. 2007. 176f. Dissertao (Metrado em Literatura) Instituto de
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PERFORMATIVIDADE DE GNERO EM
O PRIMEIRO HOMEM MAU

Maria Eugnia Bonocore Morais


Graduada em Letras - Lngua Portuguesa e suas respectivas literaturas (PUC-RS)
Mestranda em Teorias da Literatura - PPGLetras - PUCRS
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

Tecnologias de gnero so construes culturais e discursivas, no esto a priori


em relao ao sujeito. To pouco so categorias fixas e dadas pela cultura.
justamente o carter discursivo/cultural das tecnologias de gnero que faz com
que tais tecnologias se encontrem nunca prontas mas sim em constante cons-
truo. Para que sejam mantidas necessrio que sejam reiteradas na e pela
cultura e discurso, para isso a performatividade de gnero dar conta do pro-
cesso de manter o gnero de um determinado sujeito, isso consiste em uma
srie de atos culturais e discursivos realizados, at certa medida intencional-
mente, pelo sujeito enquanto produto das tecnologias de gnero. Este trabalho
se utiliza do romance O primeiro homem mau, de Miranda July, para discutir
tais epistemologias.
Palavras-chave: Gnero; Tecnologias de gnero; Performatividade de gnero;
Miranda July.

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Este trabalho destaca e ento discute os momentos em que a performa-


tividade de gnero se torna evidente (ou quem sabe um pouco mais palpvel)
no romance O primeiro homem mau, da autora estadunidense Miranda July
(JULY, 2015). O que interessa aqui exclusivamente a performatividade de
gnero da protagonista Cheryl, como ela constri e desconstri seu gnero
perante as demais personagens do romance. A delimitao do objeto de pes-
quisa somente para a protagonista se d pelo fato de as aes de Cheryl serem
o fator que impulsiona a narrativa.
A inquietude, a vontade de trocar ideias e a indiscutvel presena da ide-
ologia dos movimentos polticos dos anos 70, 80 e 90 fizeram dos Estudos
Culturais uma rea do conhecimento bastante variada e contempornea. Ao
permitir, ou melhor, proporcionar a entrada dos movimentos feministas e gays
no dilogo acadmico, os Estudos Culturais ganharam a voz ativa da cultura
e do discurso presente em seus temas e objetos de estudo; ao no limitar-
se somente ao texto literrio, mas ao coloca-lo em dilogo com outros meios
artsticos, ganha-se um campo amplo, no qual as possibilidades de estudo so
inmeras; e ao buscar em outras reas do conhecimento mais respostas para
suas indagaes, os Estudos Culturais abrem espao para a multidisciplinari-
dade, uma ttica de pesquisa que une conhecimentos, em vez de segreg-los.
A obra de Miranda July to plural quanto os caminhos que este trabalho
pretende percorrer. Artista plstica, performer, cineasta, poeta, atriz e claro,
escritora, July demonstra que a necessidade de experimentar com as mais diver-
sas formas de arte algo inerente cultura contempornea e que simplesmente
faz dela uma autora, independente de que espcie de arte.
As escolhas tericas e literrias feitas nesse trabalho so fruto de uma con-
cordncia com uma determinada ideologia de pesquisa, e de maneira alguma
so inocentes ou isentas de um compromisso poltico com a arte e com a
pesquisa. Os Estudos Culturais, e em especial os estudos de perspectiva queer,
ainda tm muito a dizer (assim como todas as demais reas, no existe, que
fique claro, um saber que tenha maior valia do que qualquer outro) e a obra de
July proporciona uma variedade de possibilidades de leitura.
natural que existam motivos pessoais para uma pesquisa acadmica.
Todos tm suas preferncias, e antes de pesquisadores somos todos sujeitos.
O tema e a abordagem que proponho aqui so a mim muito caros e muito
pessoais. Falar de queer, de gnero e de discurso tambm falar de ser queer,
do meu gnero e do meu discurso. Seria desonesto dizer que esta pesquisa

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idnea e no visa qualquer transformao ou conscientizao social. Porm, ao


mesmo tempo que fortemente ideolgica, a pesquisa tambm procura ser ao
menos lgica. Tentar aqui demonstrar um raciocnio, apoia-lo em fatos, discutir
resultados e possveis concluses faz parte de uma retrica que busca conven-
cer justamente por crer em tais argumentos.
Este trabalho pretende analisar como a personagem Cheryl, do romance
O Primeiro Homem Mau, performatiza seu gnero e como essa relao se d
com/a partir das demais personagens. Como as demais personagens entendem a
performatividade de gnero de Cheryl (com quem ela anda, que tipo de roupas
ela usa, lsbica, heterossexual) e especialmente a maneira como Cheryl v
sua prpria performatividade de gnero (o cabelo curto e masculino, a camisa
masculina, a falta de qualquer manifestao de desejo sexual). O romance aqui
analisado abre, para este trabalho, muitas possibilidades de leitura, uma vez
que explicita um jogo sexual de conquistas com base em ideias estereotipadas,
leituras fixas de gnero (a barba grossa de Philip, o corte de cabelo masculino
de Cheryl, o corpo voluptuoso de Clee, s para citar alguns exemplos).
O escopo terico selecionado para este trabalho dialoga com o romance
acima mencionado de forma temtica, nas relaes de gnero e de sexo e
nas maneiras como as personagens se percebem como sujeitos no mundo da
narrativa; e tambm de forma ontolgica, na proposta de questionar gneros
pr-estabelecidos, de buscar um existncia polimorfa e no dilogo com outras
reas do conhecimento.
necessrio ento que alguns conceitos que devero ser utilizados no tra-
balho sejam esclarecidos primeiramente. A noo de sujeito diz respeito quele
que est sujeitado e se sujeita a uma determinada cultura (FOUCAULT, 2012),
que participa do jogo compulsrio imposto pelos aparatos de poder. O que
Foucault chama de aparatos de poder so as instituies que criam, regulam
e mantm as regras e as normas com as quais o jogo compulsrio dever ser
jogado. A ideia desses aparatos e seu funcionamento certamente se deve ideia
similar presente na obra Aparelhos ideolgicos do Estado, de Louis Althusser, e
seriam eles a escola, a igreja e a polcia, por exemplo. Ainda pertinente ideia
de sujeito est a de um processo de vir-a-ser (SALIH, 2012) constante no sujeito,
posto que este est sempre em construo, nunca completo. Tais noes cor-
roboram com a escrita de Miranda July e, por este motivo, so to importantes
para este trabalho.

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O sujeito de Butler, este que participa, ou melhor, performatiza, um cons-


tante processo de vir-a-ser ento o sujeito queer, uma vez que no est pronto,
no predeterminado e no constitudo por outros meios que no sejam ele
mesmo. Nada o obriga a manter um determinado gnero. Apesar das foras
exercidas pelos aparatos de poder, a existncia de outras vivncias legitimada
pela prpria vivncia, ou seja, dado que exista uma hetenormatividade que
dita que um corpo do sexo masculino deva corresponder ao gnero masculino
e a todas as implicaes da categoria identitria de homem, em qualquer
ponto de sua vida este mesmo indivduo pode passar a performatizar um outro
gnero, uma mulher, ou ainda um outro gnero sem nome, como nota-se em:
[...] If one thinks that one sees a man dressed as a woman or a
woman dressed as a man, then one takes the first term of each of
those perceptions as the reality of gender: the gender that is intro-
duced through the simile lacks reality, and is taken to constitute
an illusory appearance. In such perceptions in which an ostensible
reality is coupled with an unreality, we think we know what the
reality is, and take the secondary appearance of gender to be a
mere artifice, play, falsehood and illusion. But what is the sense of
gender reality that founds this perception in this way?1 (BUTLER,
2006, p. XXIII)

Ele no deixa de ser um sujeito, de existir em uma sociedade, portanto,


mesmo que passe a identificar-se com um outra cultura, sua vivncia conti-
nua sendo legitimada por si mesma. claro que o papel do discurso e o da
cultura so muito importantes nas possveis implicaes de gneros na socie-
dade, e por isso que os conceitos de discurso e cultura tambm precisam ser
esclarecidos.
O discurso, essa atividade, todavia cotidiana e cinzenta (FOUCAULT,
2010) no est presente s na sua materialidade escrita ou falada, mas viva

1 Traduo minha: Se algum pensa que v um homem vestido como uma mulher ou uma mulher
vestida como um homem, ento esse algum toma o primeiro termo de cada uma dessas percepes
como realidade de gnero: ao gnero que introduzido atravs do simulacro falta realidade, e
tomado como constituinte de uma aparncia ilusria. Em tais percepes, nas quais uma realidade
ostensiva pareada a uma no-realidade, ns pensamos saber o que real, e tomamos a segunda
aparncia do gnero como mero artifcio, jogo, falsidade e iluso. Mas o que o senso de realidade
do gnero no qual tal percepo se funda desta maneira?

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tambm no campo das ideias. O discurso, segundo a psicanlise, constitui a luta


e pelo qu se luta, ou seja, tambm desejo (FOUCAULT, 2010). no discurso
que compe-se a cultura e na cultura que compe-se o discurso. Ora, sabe-
se que o discurso promove o controle de certos hbitos morais e costumes de
um determinado povo e portanto constitui uma dada cultura. Porm, ao mesmo
tempo, a cultura perpetua o discurso, o reitera, faz dele obsoleto ou vivo.
A posio de Foucault, ainda na obra citada acima, clara: discurso
poder. E onde h poder, h interdies. Os discursos devero determinar o
que se pode fazer e o que proibido. Em uma determinada poca o voto das
mulheres era algo absurdo, no havia espao para tal tipo de discurso, por
exemplo. Hoje, as diversas performatividades de gnero ocupam lugares mar-
ginais nas sociedades contemporneas, pedem por direitos civis igualitrios,
como a questo do casamento civil de pessoas do mesmo sexo. O discurso no
fixo, ele age em consenso com a cultura; e no uno, plural, ainda que sob
patamares de poder distintos. Ao fim e ao cabo, os conceitos de cultura e dis-
curso andam juntos e misturam-se, complementam-se, o que resta saber que,
em uma perspectiva queer, ambos regulam e mantm leis, saberes e poderes,
porm, libertam, subvertem e existem mesmo fora das regulaes normativas.
Para Lauretis (1994) o gnero um construto cultural, uma representao
real de um sujeito tambm real. J que construdo culturalmente, constitui-se
tambm no discurso, na sociedade, na moral e na esttica. A posio de Lauretis
um tanto determinista ao implicar que o gnero de um sujeito um produto
do meio deste. Dessa maneira fica impossvel separar o gnero da cultura e dis-
curso que o mantm. Em seu cannico texto A tecnologia do gnero2, Lauretis
ainda trata da questo do gnero fazendo uso de comparaes entre apenas
dois gneros: o masculino e o feminino. Tal escolha compreensvel tendo em
vista o ano da publicao do texto, portanto deve-se atentar s limitaes da
argumentao de Lauretis, que por vezes parece um tanto reducionista.
Lauretis v o gnero de forma muito semelhante a qual Foucault v o
dispositivo da sexualidade, como uma tecnologia, ou seja, algo que no , nem
est a priori no sujeito, mas que se constitui nas tecnologias dos aparatos de
poder, dessa forma, o gnero deixa de ser o mero reflexo do sexo biolgico e

2 O texto The technologies of gender foi originalmente publicado em Technologies of gender. In-
diana University Press, 1987, p. 1-30. A verso utilizada neste trabalho foi retirada de Tendncias e
Impasses: o feminismo como crtica da cultura. Rocco, 1994, p. 206-242.

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passa a ser um conjunto de efeitos (LAURETIS, 1994). A autora ainda coloca


quatro pontos importantes no seu conceito de Tecnologia do gnero: a) gnero
uma representao com implicaes reais; b) a representao do gnero
uma construo; c) a construo do gnero se efetua na cultura e no discurso,
mas tambm nos aparelhos ideolgicos do Estado; e finalmente d) a construo
do gnero tambm a sua desconstruo, o que quer dizer que o gnero cons-
titui-se na relao do eu com o outro.
J por outro lado, para Butler (2006) gnero, assim como sexo, sempre
far parte de uma relao de poder. E a autora rejeita a hiptese de Lauretis de
que o gnero seja uma representao sempre intrnseca noo de sexo. Butler
aproxima-se de Foucault ao perceber que o que constitui o gnero, o sexo, o
desejo e tambm o sujeito o poder. E este poder sempre jurdico e poltico
(BUTLER, 2006). claro que, para Foucault, um dos constituintes do poder
tambm o discurso (FOUCAULT, 2004), ou seja, para os trs pensadores, Butler,
Foucault e Lauretis, a arena dos conceitos de gnero, discurso e sexo bastante
nebulosa.
O gnero contemplado por Butler (2006) no fixo, cultural e no
necessariamente binrio, e com isso, no necessariamente uma represen-
tao, mas sim uma performance. Butler (2006, p. 9) chama o gnero de a
free-floating artifice. E distingue-se de Lauretis ao questionar se quem sabe a
categoria de sexo tambm no seria um construto cultural, ou quem sabe ainda,
no tenha sido, desde sempre, gnero ao mesmo passo que sexo. O que Butler
quer deixar claro com esta polmica declarao que no se pode dizer que
sexo est para a natureza assim como gnero est para a cultura.
Contudo, alm das fices fundacionistas que sustentam a
noo de sujeito, h o problema poltico que o feminismo encon-
tra na suposio de que o termo mulheres denote uma identidade
comum. Ao invs de um significante estvel a comandar o con-
sentimento daquelas a quem pretende descrever e representar,
mulheres mesmo no plural tornou-se um termo problemtico,
um ponto de contestao, uma causa de ansiedade. Como sugere o
ttulo de Denise Riley, Am I That Name? [Sou eu este nome?], trata-
se de uma pergunta gerada pela possibilidade mesma dos mltiplos
significados do nome. Se algum uma mulher, isso certamente
no tudo o que esse algum ; o termo no logra ser exaustivo,
no porque os traos predefinidos de gnero e pessoa transcen-
dam a parafernlia especfica de seu gnero, mas porque o gnero

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nem sempre se constituiu de maneira coerente ou consistente


nos diferentes contextos histricos, e porque o gnero estabelece
intersees com modalidades raciais, classistas, tnicas, sexuais e
regionais de identidades discursivamente constitudas. Resulta que
se tornou impossvel separar a noo de gnero das intersees
polticas e culturais em que invariavelmente ela produzida e man-
tida. (BUTLER, 2015, p. 20)

Seu importante conceito de performatividade de gnero busca explicar


que ao longo da vida de um sujeito, seu gnero dever ser performatizado,
justamente como um ato intencional, ao longo de toda a sua vida. E nesta
performatizao que est a possibilidade de inmeras subverses. Dizer que a
performatividade de gnero de um indivduo sempre a mesma incorreria em
uma reduo. Por exemplo, um sujeito do sexo masculino, que nasceu com
gnadas e corpo masculinos, e que cisgnero, ou seja, como identifica-se
como um homem, e heterossexual, poder garantir, que em nenhum momento
de sua vida se sentiu observado, objetificado, ou at ignorado, atributos que
podem ser, no senso comum, aliados ao conceito de mulher? A performativi-
dade de gnero portanto um ato constante e inscrito na cultura, nos corpos e
nos gestos de cada indivduo.
Munido de tais conceitos, este trabalho pretende evidenciar e analisar
algumas das maneiras como a personagem Cheryl, em O primeiro homem mau
(JULY, 2015) constri e performatiza seu gnero, ou gneros, na narrativa. Como
as consequncias da performance de Cheryl atuam na constituio de seu self
diante das demais personagens, e como tais performatividades modificam a
narrativa, e com isso, o discurso, a cultura e a esttica do mundo do romance
ao qual a personagem pertence.

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Referncias

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BUTLER, J. Problemas de gnero. Feminismo e subverso da identidade. 9. ed. Rio de


Janeiro, RJ: Civilizao Brasileira, 2015.

FOUCAULT, M. Microfsica do poder. 20. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2004.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collge de France, pronun-


ciada em 2 de dezembro de 1070. 20a. ed. ed. So Paulo, SP: Edies Loyola, 2010.

FOUCAULT, M. Histria da Sexualidade 2: o uso dos prazeres. 13a. ed. So Paulo,


SP: Graal, 2012.

HOUAISS, A.; VILLAR, M. DE S. Dicionrio Houaiss de Lngua Portuguesa. Rio de


Janeiro: Objetiva, 2001.

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LAURETIS, T. D. A tecnologia do gnero. In: HOLLANDA, H. B. DE (Ed.). Tendncias


e Impasses: o feminismo como crtica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p.
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SALIH, S. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte, MG: Autntica, 2012.

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REPRESENTAES DA MASCULINIDADE LSBICA:


IDENTIDADE E SEXUALIDADE EM ALGUNS CONTOS
BRASILEIROS CONTEMPORNEOS1

Mariana Chaves Petersen


Mestranda em Letras (Estudos de Literatura)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Departamento de Lnguas Modernas
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

Neste trabalho, parto dos estudos de gnero e dos estudos de masculinida-


des, focando as vises tericas que veem a masculinidade como no redutvel
ao corpo masculino, como o caso de Judith Butler (1990, 2004) e de Jack
Halberstam (1998). Comento um tipo de masculinidade considerado subalterno,
subordinado masculinidade hegemnica: a masculinidade feminina, mais
especificamente, quando combinada ao desejo lsbico. Por fim, analiso algumas
representaes da masculinidade lsbica na literatura brasileira contempornea,
presentes nos livros de contos Amora (2015), de Natlia Borges Polesso, e Faz
duas semanas que meu amor (2008), de Ana Paula El-Jaick. Nessas obras, essas
formaes identitrias no so apenas apresentadas como tambm ironizadas
e, por vezes, desconstrudas.
Palavras-chave: estudos de gnero; homocultura; masculinidade lsbica; litera-
tura brasileira contempornea.

1 Este trabalho um recorte de outro texto de minha autoria, intitulado Da masculinidade hegem-
nica s subalternas: a masculinidade lsbica em contos brasileiros contemporneos. In: Estao
Literria, v. 16, 2016, pp. 91-105.

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A masculinidade feminina lsbica

Judith Butler comenta, em The end of sexual difference? (2004), que o


desejo das lsbicas que se identificam como butch pode ser interpretado como
um tipo de masculinidade no encontrado nos homens. Segundo ela, se mas-
culinidade o nome por meio do qual esse tipo de desejo faz sentido, ento
por que fugir do fato de que possa haver meios de a masculinidade emer-
gir em mulheres e de o feminino e o masculino no pertencerem a diferentes
corpos sexuados? (BUTLER, 2004, p. 197, traduo minha). Jack Halberstam,2
no livro Female masculinity (1998), tambm argumenta que a masculinidade
no deve ser reduzida ao corpo masculino. O autor aponta que a masculini-
dade feminina tem sido ignorada tanto culturalmente quanto academicamente,
sendo reconhecida s nos anos 1990. Para ele, muitas masculinidades que ele
chama heroicas dependem da subordinao de masculinidades alternativas,
sendo uma delas a feminina. Halberstam deixa claro desde o incio de seu
texto que seu enfoque no nessas masculinidades heroicas, parte da mascu-
linidade dominante, que, para ele, parece naturalizar masculinidade e poder.
Seu estudo , assim, indiferente a essa naturalizao, vendo os tipos de mas-
culinidade subalterna como os mais informativos sobre relaes de gnero e
os mais geradores de mudana social (HALBERSTAM, 1998, p. 3, traduo
minha). Halberstam reconhece que a masculinidade feminina mal vista tanto
em contextos heterossexistas quanto em feministas. O autor reconhece que
esse tipo de masculinidade pode se apresentar no s como uma forma de
rebelio social como tambm coincidindo com a supremacia masculina o
que explica, em parte, sua viso negativa dentro do feminismo. Tratando-se de
formaes identitrias, h diversas possibilidades de masculinidade feminina,
conforme apresenta Halberstam, dentre os quais: tomboy, butch, stone butch,
transgender butch, FTM. Ao tratar de masculinidade lsbica, o autor reconhece
que butch acabou virando um termo geral.
A coincidncia com o desejo lsbico parece fazer a masculinidade femi-
nina ainda mais ameaadora, de acordo com Halberstam (1998), sendo este
cruzamento o maior enfoque de seu livro. No entanto, o autor reconhece que

2 Apesar de ter publicado Female masculinity como Judith Halberstam em 1998, hoje o autor iden-
tifica-se como Jack; por isso, ao longo desse texto, ser tratado como ele, mesmo constando nas
referncias como Judith.

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pode existir masculinidade em mulheres heterossexuais, as quais no sofreriam


tanto preconceito quanto as lsbicas. Tambm importante ressaltar para
eliminar qualquer dvida que h identidades lsbicas no-masculinas. Luce
Irigaray, por exemplo, se ope fortemente viso de que Os impulsos que
levam a homossexual a escolher para si um objeto de satisfao so, neces-
sariamente, impulsos masculinos (IRIGARAY, 1974, p. 121, traduo minha).
Todavia, a masculinidade o enfoque de Halberstam, e ele dedica um captulo
especificamente masculinidade lsbica.
Tratando do caso butch-femme, Halberstam (1998) afirma que esses
casais foram responsveis pela visibilidade do complexo desejo entre mulheres
na segunda metade do sculo XX. Nos anos 1970 e 1980, o autor aponta, essa
forma de role playing foi suprimida, de certa forma, por feministas lsbicas,
tendo voltado, em meio incompreenso, nos anos 1990. Butler discorre sobre
as identidades butch e femme em Problemas de gnero (1990). A autora rebate
acusaes de que butch e femme seriam rplicas de convenes heterossexu-
ais, podendo antes representar o lugar da desnaturalizao e mobilizao das
categorias de gnero (BUTLER, 2015, p. 66), sendo o gay para o htero no
o que uma cpia para o original, mas, em vez disso, o que uma cpia para
uma cpia (BUTLER, 2015, p. 67, nfase no original). Butler chama essas cate-
gorias, no s lsbicas como tambm gays, de parodsticas; segundo ela, elas
desnaturalizam o sexo. Tratando da cultura lsbica, a autora explica a produo
complexa do desejo que caso butch-femme:3
a identificao com a masculinidade que se manifesta na identi-
dade butch no uma simples assimilao do retorno do lesbianismo
(sic) aos termos da heterossexualidade. Como explicou uma lsbica
femme, ela gosta que os seus garotos sejam garotas, significando
que ser garota contextualiza e ressignifica a masculinidade numa
identidade butch. Como resultado, essa masculinidade, se que
podemos cham-la assim, sempre salientada em contraste com
um corpo feminino culturalmente inteligvel. (BUTLER, 2015, p.
213)

3 claro que existem muitas outras possibilidades de casais lsbicos, os quais podem no se identifi-
car de acordo com essas categorias. No entanto, o caso butch-femme o enfoque de Butler.

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No possvel descrever esses desejos em termos de uma relao heteros-


sexual; justamente a tenso sexual transgressora da masculinidade butch que
atrai a femme. Esse desejo ressignifica as prprias ideias de masculinidade e
de corpo feminino, dissonantemente conectados na butch. H, dessa forma,
uma ressignificao das categorias hegemnicas pelas quais elas [as identida-
des butch e femme] so possibilitadas, colocando em questo a prpria noo
de uma identidade natural ou original (BUTLER, 2015, p. 214). Abre-se a pos-
sibilidade de deslocamento, to cara a Butler, que defende que se repense a
subverso da sexualidade e da identidade, no fora (pois no h lugar fora), mas
nos prprios termos do poder.
Quanto ao contexto brasileiro, evidente que h diversos termos para
essas formaes de identidade e sexualidade. Ndia Elisa Meinerz, em estudo
etnogrfico sobre masculinidade feminina em contextos homoerticos de
Porto Alegre, observou o uso de termos pejorativos como caminhoneira,
machorra e sapato, que faziam referncia a um tipo de mulher no dese-
jvel para a constituio de parcerias afetivo-sexuais (MEINERZ, 2011, p. 24).
No entanto, a autora aponta que, entre mulheres de classe mdia, um estilo
andrgino pode ser valorizado, se diferenciando da masculinidade grosseira
atribuda s caminhoneiras.

A masculinidade lsbica na literatura brasileira contempornea

Dois dos contos de Amora (2015), de Natlia Borges Polesso, so inte-


ressantes para esta discusso. Em Amora, a jovem que d nome narrativa
inicialmente uma menina moleca, que ganha todas as competies de xadrez
de que participa. Em certa passagem, ao ser convidada para ir no flper com
amigos, Amora avisou os pais, pegou a bicicleta do irmo e, antes de sair,
enrolou o cabelo para dentro do bon. Foram-se, trs moleques (POLESSO,
2015, p. 151). O comportamento de Amora parece o de uma tpica tomboy, de
acordo com a definio de Halberstam: o ser tomboy geralmente descreve um
perodo infantil estendido de masculinidade feminina, e tende a ser associado
com um desejo natural de liberdades e mobilidades maiores, desfrutadas pelos
garotos (HALBERSTAM, 1998, p. 5; p. 6, tradues minhas). Amora ainda
uma criana, no vendo problema algum em ser moleca, assim como no
parecem ver seus pais. O infortnio da menina comea quando ela se encontra
no flper com Jnior, por quem tinha se apaixonado anteriormente: em um

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segundo encontro, ele no a reconhece, pois pensa que ela um menino. Aps
passar por essa situao, Amora se observa com estranhamento no espelho:
O bon, o cabelo preso, a camiseta de banda comprida demais,
lisa, rente ao corpo, sem os relevos que outras meninas de sua
idade j tinham, a bermuda jeans rasgada, o joelho ostentando
casca de ferida, os chinelos preto emoldurando as unhas compri-
das, rachadas. Jogou o bon no cho e pensou que sem ele talvez
Jnior a tivesse reconhecido. (POLESSO, 2015, p. 152)

Entretanto, a masculinidade infantil de Amora no iria se prolongar por


muito tempo: nos oito meses em que estava de corao partido por Jnior,
ela entra na puberdade, passando de um corpo de torre reta ao de rainha,
quando Dois pequenos montes brotaram no seu peito (POLESSO, 2015, p.
152). ento que ela se apaixona novamente, dessa vez, por uma menina
Anglica. A identidade tomboy de Amora no parece lhe trazer mais descon-
fortos aps a puberdade; aparentemente, ficou em sua infncia. Como observa
Halberstam (1998), essa identidade tolerada enquanto infantil, s acarretando
maiores consequncias quando mantida aps a puberdade, fase em que a fora
da conformidade de gnero pesa mais.
Em Flor, flores, ferro retorcido, a narradora relembra um momento de
sua infncia, no qual conheceu Flor. Esta descrita como parecendo o msico
Renato Borghetti: Os cabelos crespos lhe escorriam como fios rebeldes pelos
ombros. Talvez fosse o fato de estar sempre de chapu e alpargatas que lem-
brasse um pouco o Renato Borghetti, o cara da gaita (POLESSO, 2015, p. 56).
Flor sua vizinha; tem uma oficina perto de sua casa. Certa vez, a menina
escuta seus parentes se questionando sobre a outra: como pode uma machorra
daquelas? (POLESSO, 2015, pp. 57-58). Depois de cair por cima da cerca de
Flor, a narradora ajudada por ela; nesse momento, sua me chega, e a filha
pergunta por que a vizinha era uma machorra na frente da prpria, o que
faz com que a me se envergonhe. Mais tarde, aps muita insistncia, a filha
consegue arrancar a definio de machorra da me: uma doena, minha
filha. A vizinha doente. [...] Doena de que, me? [...] De ferro retorcido que
tem l naquele galpo (POLESSO, 2015, p. 59). A menina, sem entender nada,
deixa flores vizinha, com um bilhete estimando suas melhoras. Quando se
encontram, Flor, carinhosamente, agradece as flores e a beija. Celi, amiga da
narradora, tenta explicar a ela a sexualidade de Flor; para isso, Celi faz amiga

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uma srie de perguntas calcadas em binarismos de gnero, que evidentemente


tm uma resposta certa para uma menina. A narradora fracassa em suas res-
postas, e a outra conclui: Ento tu machorra (POLESSO, 2015, p. 62). Nesse
momento, desolada, a menina se encontra novamente com Flor, comentando
que talvez fosse doente como ela, e recebendo ento uma nova demonstrao
de afeto. O choque entre a delicadeza de Flor e a grosseria daqueles que a
chama pejorativamente de machorra desvela com sensibilidade a ignorncia
desse tipo de comportamento. As tentativas dos adultos de omitir definies da
menina, porque sabem que esto desrespeitando a moa, s mostram como o
silncio, aliado ao preconceito, pode causar confuso e dor.
De autoria de Ana Paula El-Jaick, Faz duas semanas que meu amor e outros
contos para mulheres (2008) tambm traz contos que abordam a masculinidade
lsbica. Em Perfil do consumidor: uma caminhoneira, h uma breve descrio
deste perfil, seguida de um questionrio com preferncias dessa consumidora:
desde seu perfume preferido a sua frase predileta. A caminhoneira, referida
aqui como A lsbica mais identificvel (EL-JAICK, 2008, p. 25), a butch, con-
forme discutimos anteriormente; de fato, o termo anglfono usado no conto.
Por meio da narrativa, sabemos que a ateno sobre elas vem crescendo; resta
saber como entraro para a histria:
[se] como aquelas mulheres que no usam batom, gostam de
cabelos curtos e motocicletas, ou como visionrias que souberam
contornar as presses at mesmo dentro da comunidade GLBT e,
sobretudo, deixaram a vontade-de-ser-o-que- aflorar, levando as
caminhoneiras liberdade de expresso. (EL-JAICK, 2008, p. 25,
nfase no original)

O texto retrata essas mulheres corajosas e sem frescura por meio de


esteretipos, de forma humorstica, permeada de referncias cultura butch. Pelo
questionrio, vemos que as preferncias dessa consumidora esto em consonn-
cia com uma masculinidade acentuada: seu perfume o Le Male; desodorante,
Axe; sabonete, o que minha mulher compra; quanto roupa ntima, a resposta
samba-cano (EL-JAICK, 2008, p. 25). Ela gosta de futebol, de chopinho, de
Cssia Eller, e seu livro preferido no poderia ter sido escolhido com maior intuito
humorstico: Guia 4 rodas (EL-JAICK, 2008, p. 26). Nesse caso, como vimos, a
masculinidade se inscreve de forma diferente ao se tratar de um corpo feminino;
uma masculinidade que no se encontra em homens. Quanto a seu desejo, so

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vrias as menes dessa caminhoneira a sua mulher, e uma das entradas do


questionrio nos diz ela tem uma tara por sapato de salto alto. Trata-se de um
caso butch-femme, conforme o discutido por Butler? Se acreditarmos que o desejo
da caminhoneira e sua companheira correspondem, podemos supor que a
ltima se identifique como femme. O conto que antecede esse justamente Perfil
do consumidor: uma lesbian chic, que constri uma identidade feminina que se
ope da caminhoneira. A lesbian chic usa salto alto, rmel, esmalte, tailleur, e
tem uma personal stylist; em suma, Chiqurrima!!! (EL-JAICK, 2008, p. 21). Ela
construda por esteretipos de classe e estilo, com referncias mais sutis cul-
tura lsbica, como ter como escritora favorita Ana Cristina Cesar. Representando
a feminilidade lsbica, a lesbian chic aqui retratada d parmetros para que
depois, ao se ler o perfil da caminhoneira, criem-se oposies e humor.
J o conto Jogo dos dez erros brinca com a viso limitada que prev
alguma masculinidade em toda mulher lsbica. Sobre a aparncia da narra-
dora, a advogada Adriana, s sabemos que ela arruma seu cabelo e que usa
batom. Na narrativa, ela passa um dia se defrontando com diversos esteretipos
segundo os quais vista por algumas pessoas, que sabem de sua sexuali-
dade. Muitos deles presumem uma suposta masculinidade de Adriana, o que
ela refuta: os comentrios, alm de limitados, erram quanto narradora, que
mais se aproxima dos padres de feminilidade em tais casos. J no incio do
conto, ao sair do elevador se coando estava com candidase , Adriana ouve
comentrios do tipo: Parece um homem coando o saco, S faltava cuspir
no cho (EL-JAICK, 2008, p. 81); o taxista que a leva ao mdico presume que
ela goste de futebol, o que no verdade; ao encontrar um amigo dono de uma
concessionria, ele oferece a ela picapes de cabine dupla, dizendo: voc vai
ficar de queixo cado, cara (EL-JAICK, 2008, p. 83), sendo surpreendido pela
resposta de que ela no sabe dirigir; por fim, ao chegar em casa, um vizinho de
porta no oferece ajuda a ela para carregar as sacolas de compras, presumindo
que ela seja forte. Pela escrita, criamos uma imagem de Adriana como sendo
uma mulher complexa, no-passvel de ser reduzida a um outro polo. No que
essa seja uma crtica quelas que se identificam com essas representaes mais
oposicionais: Adriana mostra um caminho, segundo o qual uma mulher ls-
bica, como qualquer ser humano, traz caractersticas essencialmente atribudas
a diferentes gneros e identidades. Dessa forma, ao longo da narrativa, estere-
tipos so descontrudos, e, no fim, o que importa que Adriana chega a sua
casa, aps um longo dia, feliz por se reencontrar com sua parceira.

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Referncias

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Traduo de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2015.

________. The end of sexual difference? In: ________. Undoing gender. New York:
Routledge, 2004, pp. 174-203.

EL-JAICK, Ana Paula. Faz duas semanas que meu amor e outros contos para mulheres.
So Paulo: Edies GLS, 2008.

HALBERSTAM, Judith Jack. Female Masculinity. Durham: Duke University Press,


1998.

IRIGARAY, Luce. Speculum de lautre femme. Paris: Les ditions de Minuit, 1974
(Collection Critique).

MEINERZ, Ndia Elisa. Mulheres e masculinidades: etnografia sobre afinidades de


gnero no contexto de parceiras homoerticas entre mulheres de grupos populares
em Porto Alegre (Tese de doutorado). Porto Alegre: Instituto de Filosofia e Cincias
Humanas - UFRGS, 2011. Disponvel em: <http://hdl.handle.net/10183/54072>.
Acesso: 26 Jan. 2016.

PETERSEN, Mariana Chaves. Da masculinidade hegemnica s subalternas: a mas-


culinidade lsbica em contos brasileiros contemporneos. In: Estao Literria, v. 16,
2016, pp. 91-105. Disponvel em: http://www.uel.br/pos/letras/EL/vagao/EL16-Art6.pdf.
Acesso: 13 Nov. 2016.

POLESSO, Natlia Borges. Amora. Porto Alegre: No Editora, 2015.

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ENCENANDO A HOMOSSEXUALIDADE:
LEITURA DA FICCIONALIZAO DE SI EM
A SEPARAO DE DOIS ESPOSOS, DE QORPO SANTO

Renata Pimentel
Doutora em Teoria da Literatura/UFPE
Professora do Departamento de Letras da UFRPE
[email protected]

Sherry Almeida
Doutora em Teoria da Literatura/UFPE
Professora do Departamento de Letras da UFRPE
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo
A literatura, enquanto arte, constitui-se espao privilegiado para a manifestao
de discursos transgressores ao discurso hegemnico de uma sociedade. Dessa
forma, ela assume importncia fundamental na construo da criticidade, bem
como na sensibilizao dos indivduos. A partir dessas consideraes, este tra-
balho apresenta uma leitura da homossexualidade na pea A Separao de Dois
Esposos de Qorpo Santo dramaturgo que viveu e produziu sua obra durante o
sculo XIX; alm de ter sido o primeiro a propor a encenao desse tema-tabu
no teatro brasileiro. Como base terico-crtica de anlise, este estudo vale-se
do conceito de ficcionalizao de si de Renata Pimentel (2011), alm do pen-
samento de Michel Foucault (1997) sobre a homossexualidade no sculo XIX.
Palavras-chave: Qorpo Santo; homossexualidade, ficcionalizao de si

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Introduo

A literatura fala sobre si e sobre todos os temas do humano. Nela cabe


falar da mulher de nuvens ao preo do feijo para aludir s palavras do
poeta Ferreira Gullar. Cabem na literatura, inclusive, os temas que se consti-
tuem conflituosos no tecido discursivo social, como a homossexualidade.
Principalmente, na atual conjuntura mundial, que apresenta esse assunto
como ordem do dia, urge mostrar as vozes que compuseram o discurso que
transgrediu, ao longo da histria, o silenciamento hegemnico sobre o tema.
Dessa forma, os estudos literrios contribuem imensamente para tornar cada
vez mais frequente, nos meios acadmicos, o debate sobre diversidade sexual.
Nesse sentido, esta anlise pretende mostrar na pea A Separao de Dois
Esposos como Qorpo Santo encena o tema da homossexualidade1, a partir da
ideia de que nela assim como em toda sua obra sua opinio, sua voz autoral
sobre o assunto, figurada por meio da estratgia esttica de ficcionalizao de
si (PIMENTEL, 2011).

Qorpo Santo ficcionalizando (su)a homossexualidade

Embora, na literatura contempornea brasileira, as ltimas trs dcadas


do sculo XX tenham se configurado como o perodo em que escritores osten-
sivamente passaram a figurar a questo da homossexualidade, sabemos que
tal temtica representada esteticamente em nossas letras desde o sculo XIX,
ainda que de maneira incipiente: mais notoriamente conhecidas desse perodo
so as obras O Bom Crioulo (1895), de Adolfo Caminha, e O Cortio (1890)
de Alusio Azevedo. Entretanto, pesquisadores tm nos apontado outras obras
marginais ao cnone que foram escritas anteriormente a essas e, portanto,
que podem ser consideradas precursoras da chamada literatura gay brasileira,
tal como Um homem Gasto (1885), de Ferreira Leal. (Cf. THOM, 2009).
Outro nome da literatura brasileira desse perodo que (re)vela a homosse-
xualidade (e se revela) em sua produo ficcional, mais especificamente na sua

1 Importante ressaltar que iremos nos deter a especular somente o texto dramtrgico, e no sua mon-
tagem.

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dramaturgia, Qorpo Santo2. Esquecido at 1950, quando teve a obra drama-


trgica composta por dezessete peas, sendo uma inacabada descoberta
pelo professor Anbal Damasceno Ferreira, o escritor gacho tem at hoje uma
nuvem crtica turbulenta em torno de seu teatro: tomado inicialmente como
precursor do teatro do absurso; depois associado ao surrealismo e, por fim,
reconciliado tradio teatral brasileira do sculo XIX3.
Qorpo Santo teve uma vida conflituosa: foi interditado pela prpria
esposa, obrigado a viver separado dos filhos, pois a famlia o abandonou por
ser tomado como louco mesmo sem nunca se ter obtido diagnstico conclusivo
sobre os seus distrbios mentais. Viveu preso s condies sociais e morais da
sua poca e s suas convices de homem catlico, viveu na oscilao entre a
necessidade de se manter fiel ao casamento e as exigncias de seus impulsos
sexuais, sendo esse o conflito que se constitui um dos temas fundamentais de
seu teatro.
Em A Separao dos Dois Esposos, comdia em trs atos, Qorpo Santo
parece falar, pela boca da personagem Esculpio, sobre esse dilema de manter-
se fiel ao casamento e a necessidade de buscar as relaes naturais4:
Estou sempre em luta com esses malvados, sempre a mais perfeita
moral est sendo o guia de meus passos! Os outros riem-se! Me
indigno, e nada fao. Parece que o que se quer gozar; gozar e
mais gozar. Ningum quer saber do modo: se lhe lcito ou ilcito,

2 Nascido em 1829, em Triunfo (RS) fora batizado como Jos Joaquim de Campos Leo, alm de
dramaturgo, foi poeta, jornalista, tipgrafo, professor, gramtico; exerceu ainda as profisses de co-
merciante, vereador e delegado. O nome com que assina sua produo literria j aponta para uma
ironia transgressiva e j encena o paradoxo norteador de sua criao: santifica o que h de mais
carnal no humano, seu corpo escrito Qorpo de acordo com sua proposta de reformulao orto-
grfica da lngua portuguesa. De per si, essa proposta lingustica tambm uma atitude trangressiva
s normas vigentes.
3 Ver Yan Michalski (1985); Eudinyr Fraga (1988) e Flvio Aguiar (1975), respectivamente.
4 Referncia ao ttulo de uma outra pea de Qorpo Santo: As Relaes Naturais. Trata-se de uma co-
mdia em quatro atos cujos monlogos das personagens encaminham para que a ao d lugar a di-
logos sobre as relaes humanas, sendo, por vezes, impossvel estabelecer conexes convencionais
entre as personagens, significativamente dotadas de nomes que sugerem sua funo na sociedade. A
pea parece intentar conciliar as relaes naturais com a moral da poca, mas acaba por evidenciar
as tantas contradies humanas tpicas de moralismos e comportamentos que questionam o status
quo.

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nem tampouco das conseqncias boas ou ms que podem resul-


tar!... (QORPO-SANTO, [s.d.]: 238)

Essa pea , provavelmente, a primeira obra dramatrgica brasileira a


apresentar um casal homossexual, Tatu e Tamandu. Eles so os criados de
Esculpio e Farmrcia o casal que chega a se matar por falncia da relao
matrimonial, marcada por desconfiana mtua e traio.
O pensamento ocidental marca o sculo XIX como o incio de uma des-
cristianizao da sociedade moderna, em que a verdade da identidade est
atrelada expanso e intensificao das enunciaes em torno do desejo
sexual, particularmente na revelao de seus segredos. Como observou Michel
Foucault (1997), a discursividade do desejo, que antes se concentrava apenas
em prticas institucionais nas salas de aula, nos seminrios e confessionrios,
expande-se a outras dimenses do tecido social. E neste mesmo sculo, ainda
segundo Foucault, teria se dado a inveno do homossexual, como uma cons-
truo social, a qual permitiria ao poder a capacidade de identificar, vigiar e
punir o tal desejo desviante. Por outro lado, porm, uma espcie de armadi-
lha: a norma heterossexual se v definida e obrigada a existir em relao ao seu
oposto. Ficam, ento, atadas a norma e a anti-norma; o htero e o homos-
sexual, como duas faces de uma mesma pulso sexual.
Se no sculo XIX, no Brasil, h um apagamento da homossexualidade nos
registros oficiais e, mesmo na literatura, o tema , ento, quase que inexistente,
a dramaturgia de Qorpo Santo constitui-se (re)veladora de um discurso da anti-
norma sexual abafado pela voz hegemnica da norma sexual. Questionado
pelos seus contemporneos, ele falou da sexualidade de maneira estarrecedora
para a moral de uma poca em que ir ao teatro era atitude dita de bom-tom.
Na obra de Qorpo Santo, junto a outros aspectos conflitantes de sua vida,
est presente a sua verdade, ou pelo menos o que para ele se constitua uma
verdade. Portanto, o seu discurso revela, indiscutivelmente, um carter tambm
confessional, em virtude, quem sabe, das condies de sua existncia atormen-
tada. Dessa forma, cabe aqui a leitura da ficcionalizao de si empreendida
pelo dramaturgo gacho. Para tanto, no buscamos necessariamente a refern-
cia biografia, mas sim a instncia ficcional, essa voz que se desloca pelo texto
prendendo-se tanto s personagens quanto diegese. (PIMENTEL, 2011, 89).
Buscamos a voz que marca com a originalidade de um indviduo (no sentido
de subjetividade pessoal, mesmo) o debate sobre o tema.

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Este indivduo escritor destaca-se do todo social (como o gnio,


o louco, o artista; figuras desviantes) e pode falar tanto sobre a
realidade e a sociedade, quanto observar alm delas, de fora,
com mais agudo olhar. O espao literrio, valorizado como espcie
de desvio e consubstanciado num espao individualizante (seja do
produtor, seja do leitor), legitima-se. Por no estar comprometida
com uma especfica responsabilidade social, apesar de contextu-
alizvel, a literatura adquire liberdade para revelar sociedade a
loucura; propor questes e desafios; subverter e transgredir, instau-
rando a dvida. (PIMENTEL, 2011, 88)

Qorpo Santo mostra, em suas peas, como o escritor diversas vezes dis-
tancia-se de seu ser biogrfico, criando novas conscincias, experimentando
novas vivncias, at invertendo o papel dele esperado para se fazer parte
integrante do pblico e experimentar o ver-se encenado, o ser lido.
Nesse sentido, pensemos a encenao da homossexualidade em
A Separao de Dois Esposos a partir da ficcionalizao de si efetuada por
Qorpo Santo. Encontramos, nessa pea, vrios ndices da representao da
homossexualidade.
J no segundo ato, em que o conflito ainda se d em torno do casal
Esculpio e Farmcia, possvel especular a encenao da homossexualidade.
H aspectos lexicais curiosos na fala de Farmrcia ao interpelar duas de suas
trs filhas sobre suas companhias:
Sentem-se, minhas filhas. Vocs ho de estra muito cansadas, com
fome, com saudades da mame, no ? Conta-me, Ldia, como est
a tua camarada? E voc, Idalina, h de me dizer como ficou o seu
namorado; pois eu sei que j vai gostando do primo Pedrinho! Esta
outra eu sei que no namora, nem de muitas camaradagens, por
isso eu nada pergunto a ela. (QORPO-SANTO, [s.d.]: 35)

Atente-se para o fato de que a uma filha Farmcia pergunta sobre o


namorado e outra sobre a camarada. Embora no possamos afirmar que a
inteno tenha sido marcar a afetividade heterossexual de uma e a afetividade
homossexual da outra, possvel especular que h nesta distino de compa-
nhias de Idalina e Ldia uma conscincia de Qorpo Santo para as afinidades
eletivas de cada indivduo. Noutras palavras, h aqueles que buscam relacionar-
se com o sexo oposto e outros com o mesmo sexo. O dramaturgo coloca num
mesmo nvel de importncia a amizade de Ldia com outra mulher e o namoro

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de Idalina com homens. Corrobora essa hiptese o fato de Farmcia dizer que
no perguntar nada a Plnia, a terceira filha, por no ter ela nem camaradas
nem namorados.
Por sua vez, o terceiro ato traz mais claramente o tema da homossexuali-
dade, ou mais precisamente, vemos o casal homossexual discutindo sua relao
Tatu e Tamandu. A comear pela rubrica (Note-se: estas figuras devem ser
as mais exticas que se pode imaginar), na qual se percebe a preocupao do
dramaturgo em caracterizar as personagens de maneira a causar estranheza aos
espectadores. Isso permite especular a marcao do esterertipo da diferena
na esttica homossexual aqui prxima do que se pode nomear como queer,
estranho, extico.
H ainda os vrios momentos de demonstraes de afeto (verbais e ges-
tuais) entre Tatu e Tamandu:
TAMANDU (...)Agradecido, senhor Tatu, eu sou todo seu. Venha
de l um abrao (abraam-se).

TATU Por qu, meu queridinho? (Afagando-o) Que te fizeram?


(QORPO-SANTO, Opus Cit.: 247)

Destaca-se no dilogo final o conflito fundamental: Tamandu quer casar


com Tatu, mas este recusa-se alegando que, no sendo mulher, mesmo nutrindo
afeto, s poderia casar-se espiritualmente:
TAMANDU Ora por qu! Inda pergunta? No se lembra que
por trs vezes quis casar carnal e espiritualmente... com seu primo
Eustaquinho; e depois (empurrando-o) at com voc! E que nem
ele, nem voc tm querido!? Fazendo assim penar esta alma, este
corao!... Esta cabea!...

TATU O diabo! Tu ests variando! Quanto ao esprito, nem todos


os demnios que habitam por todas as regies so capazes de nos
divorciar; e, quanto ao parir..., mais devagar; eu sou homem, (pon-
do-lhe a mo no ombro) no sou mulher! E tu hs de saber que o
vcio mais danoso que o homem pode praticar!

TAMANDU Mas que queres? (Ainda com aspecto imperti-


nente.) Apaixonar-te por ti de todos os modos! Paixo do corpo!
E, se tu no quiseres satisfazer este desejo ou loucura..., vou...,

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fao..., aconteo..., pego..., levo... (atirando-lhe com as mos), fao


o diabo! (Gritando.) (QORPO-SANTO, [s.d.]: 248)

Apesar de enunciada a paixo recproca que se mostra em pulso sexual


por parte das personagens, o discurso da norma se impe e Tatu se nega ao
casamento carnal com Tamandu:
TATU Pois, j que no se contenta com o nosso casamento espi-
ritual somente, sendo ambos homens, j que quer o imundo e
absurdo casamento carnal, declaro-lhe que no sou mais seu scio
(empurrando-o).

TAMANDU (empurrando-o tambm) Pois eu tambm no sou


mais seu! (H a mais renhida luta entre eles, em que rompem cha-
pus, descalam-se, rasgam casacos e findam a comdia saindo aos
gritos:) Fiquemos sem chapu, sem botas, sem camisa! Mas esta-
mos divorciados carnalmente e espiritualmente! No! No! No!
(Perto das portas por onde tm de sair; e voltando o rosto para a
cena, com os chapus ou restos destes levantados:) Viva!... Viva!...
Viva!... (idem)

Chamam ateno os nomes das personagens sempre bastante sig-


nificativos na dramaturgia de Qorpo Santo: Tatu, animal que vive em tocas,
esconderijos, e que se encarapua em sua armadura natural para proteger-se
, na pea, a personagem que foge de sua verdade, no querendo assumir
para a sociedade um enlace homossexual; j Tamandu, animal que fua, que,
para se manter vivo, busca seu alimento nos buracos, no profundo da terra, na
pea personagem que teria proposto casamento, em momentos distintos, a dois
homens: ele quem cutuca o que no se mostra Tamandu o que revela
sua verdade e as verdades escondidas de outrem.
Poderamos, com isso, dizer que Tatu e Tamandu so duas mscaras
de Qorpo Santo e, juntamente, com Esculpio e Farmcia compem o tecido
discursivo ficcionalizado do dramaturgo gacho nessa pea. Especificamente,
no que tange homossexualidade, percebemos que Qorpo Santo fala, por um
lado, pela boca de Tatu, o discurso da moral de sua poca, da norma sexual
vigente hegemonicamente no sculo XIX (e at hoje); por outro, ele fala por
meio de Tamandu o discurso trangressivo da anti-norma sexual, e (re)vela a
homossexualidade enquanto condio pessoal e a homossexualidade enquanto
fato social existente no seu tempo e em todos os tempos.

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Consideraes Finais

A ficcionalizao de si constitui-se uma estratgia textual da qual se valem


escritores para revelar sociedade discursos transgressores. A partir dela, o artista
da palavra marca sua originalidade possvel dentro do espao discursivo des-
viante por excelncia que a literatura. A pessoa histrica e as personas ficcionais
de Qorpo Santo constituem-se emblemticas da estratgia de ficcionalizao
de si, porque a proposta do escritor encenar, de maneira naturalizada para
espectadores do teatro brasileiro do sculo XIX - um tema polmico como a
homossexualidade. Isto , a discusso entre o casal homossexual de A Separao
de Dois Esposos pe em cena um tema-tabu num contexto do cotidiano de pes-
soas comuns subvertendo, assim, o apagamento do assunto no Brasil daquele
perodo. Embora com o fim moralizante, a homossexualidade torna-se visvel e o
teatro cumpre seu papel poltico5 de incitar a reflexo e discusso na sociedade.

5 Sobre a noo poltica do teatro, ver Denis Gunoun (2003)

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Referncias

FOUCAULT, Michel. Histria da sexualidade I: a vontade de saber. 12 ed. Rio de


Janeiro, Graal, 1997.

FRAGA, Eudinyr, Qorpo Santo: Surrealismo ou Absurdo. So Paulo: Perspectiva, 1988.

GUNOUN, Denis. A exibio das palavras: Uma ideia (poltica) do teatro. Rio de
Janeiro: Teatro do Pequeno Gesto, 2003.

MICHALSKI, Yan. O teatro sob presso: uma frente de resistncia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1985. p. 36.

QORPO-SANTO, Jos Joaquim de Campos Leo. A Separao de Dois Esposos.


Disponvel em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me003007.pdf.
Acesso em 28 de junho de 2016.

THOM, Ricardo. Eros Proibido as ideologias em torno da questo homoertica na


literatura brasileira. Rio de Janeiro: Razo Cultural, 2009.

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BIOGRAFEMAS HOMOCULTURAIS NO ROMANCE


A TRAIO DE RITA HAYWORTH, DE MANUEL PUIG

Elisabete Costa Silva


Graduanda em Letras / UESC
[email protected]

Andr Luis Mitidieri Pereira


Ps-Doutor em Estudos Literrios / UFRGS
Professor Titular / Departamento de Letras e Artes / UESC
[email protected]

GT 26 - Literaturas e LGBTTs.

Resumo

O presente trabalho consiste na leitura e anlise do romance A traio de Rita


Hayworth, de Manuel Puig, a fim de enfatizar sua abordagem biografem-
tica atriz em questo. Os suportes analticos por ns privilegiados oferecem
destaque s noes de espao biogrfico (ARFUCH, 2010), biografema
(BARTHES, 2003; DOSSE, 2009), homocultura (BENTO; GARCIA; LOPES,
2004; FOUCAULT, 2010; ERIBON, 2000), literatura homoertica (SILVA,
2009) e, finalmente, biografema homocultural (MITIDIERI, 2015). Como resul-
tados, buscamos vincular nossa fundamentao terica leitura do corpus, com
vistas a contribuir para ampliar o desenvolvimento da noo de biografema
homocultural, identificando-o figura de Rita Hayworth, conforme represen-
tada pelo autor homossexual argentino.
Palavras-chave: espao biogrfico; biografema; homocultura; literatura homo-
ertica; biografema homocultural.

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Introduo

O contato com os escritos de Manuel Puig, desde os primeiros instan-


tes, d-se de forma marcante. Ao deparar-nos com o romance A traio de
Rita Hayworth, logo percebemos particularidades desse autor: a incorporao
de formas narrativas at ento pouco utilizadas, como dilogos ao telefone,
cartas, cenas de filmes e at mesmo dirios ntimos. Alm disso, os desejos
por satisfazer, a ausncia da figura paterna, a forte ligao com a me e, em
especial, a paixo pelo cinema acabam atuando como traos autobiogrficos
em sua obra.
Nesse contexto, resolvemos analisar esse romance com o objetivo de des-
tacar a sua abordagem biografemtica, no que diz respeito atriz nomeada em
seu ttulo. Para tanto, em pesquisa qualitativa de cunho bibliogrfico, os supor-
tes analticos por ns privilegiados ofereceram destaque s noes de espao
biogrfico (ARFUCH, 2010), biografema (BARTHES, 2003; DOSSE, 2009),
homocultura (BENTO; GARCIA; LOPES, 2004; FOUCAULT, 2010; ERIBON,
2000), literatura homoertica (SILVA, 2009) e, finalmente, biografema homo-
cultural (MITIDIERI, 2015).
A partir desse suporte terico, buscamos demonstrar, a princpio, como
o autor Manuel Puig insere-se na chamada literatura homoertica e em que
medida a atriz Rita Hayworth torna-se figura relevante para esse cenrio. Alm
disso, ao fixar a noo de biografema homocultural, visamos a contribuir com
a suplementao do conceito barthesiano de biografema quando ao tratar de
autores/ personagens homossexuais, bem como quando se refere homocultura.

Do espao biogrfico

Falar de gnero(s) biogrfico(s) implica, antes de tudo, pensar na sua


estruturao, suas formas e seus meios de viabilizao. Foi nesse contexto
que estudamos a terica argentina Leonor Arfuch (2010): para ela, o chamado
espao biogrfico trata-se de um terreno interdiscursivo que abriga no apenas
a biografia e gneros vizinhos, mas tambm outros horizontes de expectativa
com temtica semelhante ou, at mesmo, gneros hibridizados, pincelados por
tonalidades autobiogrficas.
Dessa forma, a autora pe formas cannicas do discurso biogrfico em
convivncia com possveis variantes desses relatos na contemporaneidade.

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Fugimos, assim, noo dos gneros tradicionalmente estabelecida, o que torna


possvel apreciar no somente a eficcia simblica da produo/reproduo
dos cnones, mas tambm os seus desvios e infraes, a novidade, o fora do
gnero (ARFUCH, 2010, p. 132).
Tambm nessa perspectiva de infrao do gnero, segundo a qual nosso
corpus aceito como parte do espao biogrfico, trabalhamos com Roland
Barthes por Roland Barthes (2003). Por meio de uma escrita fragmentada e
repleta de laos intertextuais, vimos o sujeito do estudioso francs aparecer ora
em primeira pessoa, ao incitar seu o imaginrio, ora como terceira, colocado
distncia, como um duplo, que o permitiu ausentar-se de si mesmo. Vimos,
at mesmo, como segunda, nas sequncias em que se autoacusa e, por conse-
guinte, se confessa: voc faz aqui uma declarao de humildade (BARTHES,
2003, p. 118).
Essa leitura, transgressora por excelncia, nos permitiu discutir a possi-
bilidade de uma escrita mvel e fluida, que oferece sinais para interpretar o
indivduo a partir de sua multiplicidade. A esses sinais, pormenores da vida do
sujeito biografado, Barthes atribui o nome de biografemas:
Assim como se decompe o odor da violeta ou o gosto do ch,
um e outro aparentemente to especiais, to inimitveis, to ine-
fveis, em alguns elementos cuja combinao sutil produz toda a
identidade da substncia, assim ele adivinhava que a identidade de
cada amigo, que o tornava amvel, dependia de uma combinao
delicadamente dosada, e desde ento absolutamente original, de
traos midos reunidos em cenas fugidas, no dia-a-dia (BARTHES,
2003, p. 78).

A partir desses vestgios, muitas vezes vazios de significao prvia, foi


possvel tratar o texto entre princpios opostos: por um lado, a vida pessoal do
autor e, por outro, a relao consciente (ou no) que ela estabelece com obra
literria. Essa possibilidade representa um novo modo de apropriar-se do autor,
de reconstrui-lo a partir das mais diversas interpretaes sobre sua histria
sem, no entanto, correr o risco de cair no modelo clssico de psicologismo e
determinismo (DOSSE, 2009, p. 82).

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Da homocultura

Para compreender o carter homoertico da obra literria em investiga-


o, trabalhamos com a noo de homocultura. Michel Foucault (2010, p. 119),
em entrevista com G. Barbedette, afirma:
[O direito dos gays] est ainda muito mais ligado a atitudes, a esque-
mas de comportamento do que a formulaes legais. [...] No se
trata somente de integrar essa pequena prtica bizarra, que consiste
em fazer amor com algum do mesmo sexo, nos campos culturais
preexistentes; trata-se de criar formas culturais.

Com isso, o filsofo aponta para uma busca por lugares mveis de sen-
tido, em vez de enquadramentos ao que predominantemente unicultural. Esse
processo demonstra-se fundamental, pois implica no abandono, por sujeitos
que esto margem, de posturas e discursos daqueles que esto ao centro.
Tambm nesse vis, outro autor contribuiu para nossa pesquisa. Trata-se
de Didier Eribon (2000), quando ao tratar de identidade enquanto um espao
de contestaes e de conflitos polticos e culturais. Ele pontua:
A criao de uma identidade permite orientar a vida de pessoas
e grupos. [] As identidades gays e lsbicas so estratgias de
defesa destinadas a proteger os homossexuais da sociedade que
os ataca. Elas definem espaos sociais e simblicos de interao,
alm de serem guia para o desenvolvimento pessoal desses sujeitos
(ERIBON, 2000, p. 9, traduo nossa).

Grosso modo, o que Eribon nos comunica que a ordem social determina
a esses indivduos um status inferiorizado, o que interfere em profundidade
na sua personalidade e mesmo na sua identidade. justamente a que entra o
papel de processos culturais que abranjam, em suas relaes, sistemas simbli-
cos e significados referentes ao contexto homossexual.
Em suma, o que chamamos aqui de homocultura trata-se de um lcus
onde se estabelece uma rede de conversaes e mobilizam-se o respeito e
os direitos das ditas minorias sexuais. , na verdade, um enfrentamento, uma
subverso ao sistema hegemnico, a fim de dar voz s diferentes experin-
cias sexuais, tanto na realidade, como na fico (Cf. BENTO; GARCIA; LOPES,
2004).

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Dessa forma, investir na homocultura significa contribuir para a enunciao


de um modo de amar homoertico. Significa expor essas relaes, essa intimi-
dade amorosa, e afastar os corpos, at ento marginalizados, das normatizaes
e do lugar de submisso que sempre assumiram. Significa, enfim, desestabilizar
os modos de perceber a realidade e de interpretar as subjetividades.
Nesse ensejo, sem perder de vista a mtua implicao entre linguagem e
vida, essa noo foi acolhida pela tica dos estudos literrios. Isso porque, ao
codificar as mediaes e (des)construir verdades, a literatura apresenta-se como
lugar privilegiado para a reviso de noes de ordem fundamentalista, refletidos
pelo cnone. Essa reviso, chamamos aqui de literatura homoertica. Sobre
ela, Silva (2009, p. 102) fala:
[Trata-se de] todo e qualquer texto literrio ou de fico que repre-
sente prioritariamente (no exclusivamente) questes referentes
cultura gay, seja atravs de personagens (centrais), de narradores,
de falas, de discursos, de prticas discursivas, de aluses ao sub-
mundo gay, que exponham ou no conflitos envolvendo os gays e
os no gays, numa demonstrao de que a fico vislumbra uma
sociedade tolerante diversidade sexual, ao mesmo tempo em que
a mimetiza como homofbica. As obras que podem ser rotula-
das com essa expresso traduzem no mbito lingustico-artstico
o desejo gay.

Essa literatura, segundo o autor, no deve ser consolidada como manifes-


tao ou registro de pessoas homoafetivas que se apropriam do ato de escrever
para relatar seu cotidiano (SILVA, 2009, p. 103), mas como uma produo de
grande importncia para a literatura contempornea, que merece ser lida, estu-
dada e questionada.
Por fim, foi a partir das leituras e discusses acima destacadas que pude-
mos chegar ao conceito-chave da nossa pesquisa: biografema homocultural:
A noo de biografema se conjuga homocultura enquanto lcus
de estudo e representao de expresses culturais, produzidas por
sujeitos homossexuais e/ou a seu respeito, bem como das vises e
dos dilogos que proporcionam, a partir da ruptura com os discur-
sos hegemnicos e da crtica s heteronormatividades (MITIDIERI,
2015, p. 48).

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Trata-se, portanto, de vestgios da vida do autor articulados por meio de


dilogos e vises que viabilizam a quebra de discursos hegemnicos e, mais do
que isso, representam a cultura produzida por/ sobre sujeitos da cena LGBTT.

Da anlise do corpus: um biografema homocultural

Nascido em Buenos Aires, no ano de 1932, Juan Manuel Puig Delledonne


tornou-se conhecido por sua complexa personalidade e por suas obras inclas-
sificveis. Durante a juventude, trabalhou como diretor e roteirista. Foi aos 36
anos, no entanto, que escreveu o roteiro com temas prprios de sua terra, que
viria a se transformar no seu primeiro romance: A traio de Rita Hayworth.
A personagem principal do livro, e por vezes seu narrador, Toto, morador
de um pequeno povoado em Buenos Aires. As estrelas de cinema fazem parte
dos conflitos do garoto. Exemplo disso o momento em que narra a descoberta
de sua sexualidade: quando seu pai no cumpre a promessa de continuar a
acompanh-lo ao cinema, logo aps ver Sangre y arena. No filme, a persona-
gem Doa Sol (Rita Hayworth) trai Juan Gallardo (Tyrone Power). A beleza e a
maldade da vil, por quem o pai apaixonado, confundem o menino.
A ver:
Samos do cinema andando e papai dizia que gostava de Rita
Hayworth mais do que de qualquer artista, e eu tambm comeo
a gostar mais do que de qualquer outra, papai gosta quando ela
falava toro, toro para Tyrone Power, ele ajoelhado como um bobo
e ela de vestido transparente que a gente via o suti, s vezes faz
cara de m, uma artista linda mas faz traies. [...] Papai diz que
a mais bonita de todas. Vou escrever com letras grandes R de Rita
e H e desenho no fundo uma travessa e umas castanholas. Mas em
Sangue e areia ela trai o rapaz bom. No quero desenhar RH em
letras grandes (PUIG, 1968, p. 64-65).

Em sua performance, a personagem conceitual do nosso corpus, Rita


Hayworth, desvia-se das convenes do seu entorno: expressa alegria vibrante,
ausncia de recato, uma sexualidade livre de culpa. Esse biografema homo-
cultural nos revela o desvio que marca o drama de Toto: por achar a realidade
hostil, busca refgio na prpria imaginao ou na fico dos filmes onde, para
ele, os mais bonitos eram aqueles que agiam dentro do que era considerado
certo.

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Para Barcellos (2006, p. 424), essa afetao de ingenuidade abre-se, na


verdade, para dois campos opostos: por um lado, temos a identificao do
homem gay com uma figura feminina emblemtica enquanto objeto do desejo
masculino [...], por outro, temos a descoberta de que a vida dura e as pessoas
so ms, ou seja, a constatao, formulada de maneira quase infantil, da vulne-
rabilidade social que afeta de modo particular os gays.
Logo, criou-se uma espcie de dicotomia no imaginrio do garoto: apesar
de identificar-se com a posio de poder e seduo que a figura de Rita Hayworth
assume, ele tambm acaba por constatar a realidade irrefutvel em que vive, na
qual homossexuais, como ele, no so bem aceitos. O cone feminino funcionou,
pois, como o vestgio que permitiu essa dupla viso de fora e fragilidade.

Consideraes finais

Por meio dessa conjuno entre homocultura e o vis biografemtico,


pudemos vincular a anlise da obra literria que compe o nosso corpus e os
nossos estudos sobre o espao biogrfico e sobre a homossexualidade. Esse
ltimo, o fizemos por meio da abordagem sobre questes relacionadas inds-
tria cultural cinematogrfica, na figura de Rita Hayworth, e de seus significados
para o conjunto LGBTT argentino e latino-americano.
A imagem da atriz norte-americana, alada condio de cone cultu-
ral, nos serviu na articulao das experincias de sujeitos homossexuais. Nesse
mbito, ela acabou nos ajudando a mostrar uma subjetividade prpria desses
sujeitos, alm de propor outras leituras de mundo, que no a cannica.
Em suma, foi com base nesses preceitos que analisamos os biografemas
destacados ao longo da nossa pesquisa. Neles, percebemos que a presena
de Hayworth transparece imagens que deslocam valores e discursos hegem-
nicos, alm de revelar subjetividades desviantes do autor argentino Manuel
Puig. Tais imagens contriburam para tornar mais clara a noo de biografema
homocultural.

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Referncias

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no universo cultural gay. In:______. Literatura e homoerotismo em questo. Rio de
Janeiro: Dialogarts, 2006. p. 422-437.

BARTHES, Roland. Roland Barthes por Roland Barthes. So Paulo: Estao Liberdade,
2003.

BENTO, Berenice; GARCIA, Wilton; LOPES, Denilson; ABOUD, Srgio (Orgs.). Imagem
& diversidade sexual: estudos da homocultura. So Paulo: Nojosa Edies, 2004.

DOSSE, Franois. A vidobra. In:______. O desafio biogrfico: escrever uma vida. So


Paulo: EDUSP, 2009. p. 80-95.

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In:______. tica, sexualidade e poltica. Org. Manoel Barros da Motta. Trad. Elisa
Monteiro, Ins Autran Dourado Barbosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria,
2010. p. 119-125; p. 126-143; p. 144-162.

MITIDIERI, Andr Luis. Biografemas homoculturais de Eva Pern no romance Santa Evita,
de Toms Eloy Martnez. In: MITIDIERI, Andr Luis; CAMARGO, Flavio Pereira (Org.).
Literatura, homoerotismo e expresses homoculturais. Ilhus: Editus, 2015. p. 41-75.

PUIG, Manuel. A traio de Rita Hayworth. So Paulo: Crculo do Livro, 1968.

SILVA, Antonio de Pdua Dias da. Uma visada sobre a construo discursiva em
torno da literatura de temtica homoertica. In: ARANHA, Simone Dlia de Gusmo;
PEREIRA, Tania Maria Augusto; ALMEIDA, Maria de Lourdes Leandro (Org.). Gneros
e linguagens: dilogos abertos. Joo Pessoa: EduFPB, 2009. p. 95-107.

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HELENO E OS ESTRANHOS EM NOSSOS OSSOS,


DE MARCELINO FREIRE

Guilherme Augusto da Silva Gomes


Mestrando em Estudos Literrios
Universidade Federal de Uberlndia (UFU)
[email protected]

GT 26 - Literaturas e LGBTTs.

Resumo

O presente trabalho possui como corpus as personagens estranhas do romance


Nossos Ossos (2013), de Marcelino Freire. Entre elas esto o narrador-persona-
gem Heleno, a travesti Estrela e o boy Ccero. A perspectiva de anlise parte
dos ideais de identidade de Stuart Hall (2005) e da desestabilizao destes que
a ps-modernidade traz e Zygmunt Bauman (1998) alcunha com o adjetivo
estranhos. Por ser uma narrativa em primeira pessoa, a distncia que Heleno
cria de si com os demais, percebida na sua linguagem, d indcios de uma estra-
nheza baseada em preconceitos sociais, profissionais e de sexualidade. Essa
observao inicial d alicerce para futuras anlises sobre a manipulao dos
fatos realizada pelo narrador, objetificao dos corpos homoerticos e a tenta-
tiva de justificar seu suicdio.
Palavras-chave: diversidade sexual; gnero; identidade; Nossos Ossos; Marcelino
Freire.

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Introduo

O presente trabalho proceder formulao sobre as descries que o


narrador do livro Nossos Ossos, de Marcelino Freire, faz a respeito das demais
personagens, sejam elas homoerticas ou que de alguma forma desviam dos
padres hegemnicos de sexualidade (cisgnero ou heterossexual). O interesse
compreender qual a viso do narrador sobre os outros para futuros desdobra-
mentos em leituras do texto literrio em questo.
Nossos Ossos parte da histria da vida de Heleno contada por ele
mesmo, nascido em Sertnia, no estado de Pernambuco. Ele narra a organiza-
o do traslado do corpo do boy assassinado, Ccero, de volta para a cidade
natal dele, Poo do Boi, para ser enterrado e que geograficamente prxima
do narrador. De forma sincrnica, traz fragmentos de lembranas e digresses
explicando sua mudana para So Paulo, quando jovem, e do abandono do seu
ento namorado, Carlos, tornando-se dramaturgo aps isso. Na primeira parte
do livro, ou Parte Um, ocorre essa narrativa de memrias; na outra metade,
quando o livro recebe o ttulo de Parte outro, narra o traslado do corpo pelo
interior do Brasil, e, aparentemente, sem que o prprio narrador percebesse,
tambm do seu prprio corpo para sua cidade, revelando ao final da histria a
sua condio de narrador pstumo e a morte como resultado de um suicdio.
H que considerar que uma narrativa em primeira pessoa deve ser perce-
bida como um compilado de recortes e selees subordinados subjetividade
de quem narra. Ento, analisar as descries feitas por Heleno dar bases para
entender como arquitetado o pensamento dele a respeito dos outros e, con-
sequentemente, sobre si mesmo.
No h estudos precedentes sobre a obra e percebe-se, inicialmente, uma
viso distante dele e das pessoas que se relacionam com ele hierarquias devido
s suas condies sociais, profissionais e de gnero.

Identidade, diferena e os estranhos

Stuart Hall (2005) analisa questes identitrias voltadas para a possibili-


dade de uma crise de identidade, pautada no fato de que as identidades dos
sujeitos tm sofrido mudanas associadas modernidade tardia. O socilogo
parte das concepes de identidades dos sujeitos em trs categorias: sujeito
do Iluminismo, sujeito sociolgico e sujeito ps-moderno. Em suas anlises, a

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globalizao tem produzido resultados impactantes na produo das identida-


des destes ltimos:
[...] parece ento que a globalizao tem, sim, o efeito de con-
testar e deslocar as identidades centradas e fechadas de uma
cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identida-
des, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posies
de identificao, e tornando as identidades mais posicionais, mais
polticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-
-histricas. (HALL, 2005, p.87)

Essa perspectiva de variao das identidades feita por ele para os ideais
de nacionalidade, mas pode ser ampliada na medida em que alcana a forma-
o do processo identitrio no apenas pelas fronteiras geogrficas, mas pelas
sociais, culturais, sexuais, dentre outras e que no se do de maneiras iguais,
podendo, portanto, ser aplicado tambm aos sujeitos homoerticos. Tal pro-
cesso pode ser entendido tambm como identificao:
Na linguagem do senso comum, a identificao construda a
partir do reconhecimento de alguma origem comum, ou de carac-
tersticas que so partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou
ainda a partir de um mesmo ideal. em cima dessa fundao que
ocorre o natural fechamento que forma a base da solidariedade e
da fidelidade do grupo em questo. (HALL, 2014, p.106)

Sob essa ideia de compartilhamento de caractersticas ou origens comuns,


a respeito dos sujeitos homoerticos, importante ressaltar o movimento social
para reconhecimento das diversidades sexuais ocorridos a partir de 1960. A
Rebelio de Stonewall1, na viso de Sedgwick (2007), permitiu uma sada do
armrio em massa ou uma luta para essa ao e influenciou diretamente no
questionamento das posies de sujeitos considerados menores, na definio do
homossexual e nas opresses de gnero. Entretanto, tais lutas e agrupamentos,

1 A Rebelio de Stonewall foi uma manifestao de resistncia contra as aes policiais que agrediam
constantemente os homossexuais em suas aes. O nome se deu a partir do episdio ocorrido em ju-
nho de 1969 no qual vrias travestis foram violentadas e presas no bar Stonewall Inn, em Manhattan,
Nova Iorque. Esse episdio marcou o incio das lutas pela liberdade das diversidades sexuais devido
a sua repercusso e notoriedade.

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ainda que positivas, privilegiavam algumas categorias, como o caso dos gays
diante dos demais, tanto que por muitos anos e nos dias atuais ainda so usadas
expresses como movimento gay ou luta gay, desprezando os/as demais.
Isso influenciou na viso social sobre os sujeitos e internamente no movimento
de luta contra as opresses, tanto que vrias pessoas se consideraram no inclu-
das e vm questionando, constantemente, os privilgios e opresses.
Assim, verifica-se no processo de formao identitria ps-moderno a cria-
o de diferenas muito maiores, nas quais o sujeito no se sente pertencente a
certo grupo a partir do momento que a sua vivncia, opresso ou invisibilidade
so maiores ou menores.
Com tais construes, criam-se espaos e padres normalizados, ou seja,
que vo se tornando normal vista daqueles que so menos diferentes e mais
prximos do considerado ideal. Nascem, assim, os estranhos.
Os estranhos exalaram incerteza onde a certeza e a clareza deviam
ter imperado. Na ordem harmoniosa e racional prestes a ser consti-
tuda no havia nenhum espao no podia haver nenhum espao
para os nem uma coisa, nem outra, para os que se sentam
escarranchados, para os cognitivamente ambivalentes. (BAUMAN,
1998, p. 28)

O estranho, nessa viso sociolgica, desestabiliza as ordens e, por mais


que confundam e desajustem as normas, representam a excluso que as pol-
ticas modernas impem aos diferentes. Tal eliminao no ocorre apenas em
um mbito macroeconmico, mas afeta as microesferas, dentre elas a social
que outrora aproximou os sujeitos e agora os afastam por falta de identificao.
Tais teorias possibilitam observar o narrador Heleno e suas descries
sobre os outros. Quando ele no se identifica com os demais, tende a v-los
como estranhos e, consequentemente, longe dele mesmo, ainda que tenham
papel fundamental na narrativa.

Heleno e a travesti Estrela

A primeira estranha a ser observada a travesti Estrela. Heleno a pro-


cura aps saber que ela possua as informaes e o contato dos pais de Ccero
para que fossem comunicados do assassinato e organizar os detalhes dos ser-
vios pstumos. Interessante perceber que, por mais que o narrador precisasse

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dela, ele a delineia com ironia e desconfiana. Na primeira descrio, ele narra
com surpresa a imagem da travesti:
Por que as travestis se parecem comigo, pensei, Estrela era mais
velha do que eu tinha imaginado, cheguei a apostar que fosse ela
uma garota, sei l, os peitos ainda estivessem no lugar, as roupas
fossem mais modernas, no entanto ela era uma dama, uma cantora
de rdio, enfeitada de plumas, subia as mos ao cu, mostrava os
anis, os colares magnficos, as falsas prolas. (FREIRE, 2013, p. 48)

Ainda que ele reconhea semelhanas entre eles, pela idade, ele trata de
descaracteriz-la de alguma forma:
[...] e Estrela veio, antes chegou at mim o seu cheiro de perfume,
seguido do brilho do vestido, cafona, que a apertava por inteiro,
pus em sua mo uma tima quantia e fui logo, firme, direto na veia,
sem arrodeios, eu sou amigo de Ccero. (FREIRE, 2013, p. 49)

Estrela no quis passar informaes sobre Ccero enquanto estava traba-


lhando. Ela pede para ele voltar outro momento e exige dinheiro para troca de
suas prteses de silicone. A imagem que esse narrador esboa da personagem
de uma pessoa interesseira e manipuladora. Desde as falas das personagens que
falam sobre Estrela at a observao do espao e do corpo dela:
Estrela j estava chegando, to cheirosa, sada de um anncio de
shampoo, com uma toalha enrolada na cabea, a rainha da beleza,
cheia de um palprrimo glamour. [...] as unhas descascadas, pre-
cisavam renascer, o rosto tambm, sem maquiagem, chamava a
ateno, era mais msculo e a toalha, segurando os cabelos, dava
a Estrela um peso que ela, noite, disfarava, nos seus saltos altos
havia leveza, destreza, em se manter de p, ali no, somente, incri-
velmente, era um homem brincando de ser mulher [...].

Mais uma vez preciso segurar o olhar, no titubear, os gatos de porce-


lana, os diversos cinzeiros, os retratos e os cheiros foram feitos para testar at
onde pode chegar nossa criatividade, mesmo que eu imaginasse um cenrio
assim, um personagem, seria difcil ele existir como, de fato, existe, real, de
turbante, entoalhado, os peitos que ela exibia, fazendo chantagem emocional
[...].(FREIRE, 2013, p. 61-62)

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O trecho mostra o quo confuso Heleno fica com a estranheza de


Estrela, sempre ressaltando pontos negativos (palprrimo glamour e unhas
descascadas) e caracterizando-a como uma personagem, ou seja, encarre-
gando da fico ou do que est na ordem do inexistente aquilo que ele julga
como fora da normalidade. Alm disso, ele ressalta as caractersticas masculinas
que encontra no corpo dela (o rosto [...] mais msculo e brincando de ser
mulher), deslegitimando a identidade de gnero dela. Dessa forma, mostra que
o narrador a considera menor que ele devido identidade de gnero feminina,
ou seja, por ser transexual.

Heleno, o boy e os michs

Heleno assume, em partes da narrativa, que se une a Ccero a partir do


sotaque, da saudade, do interesse mtuo, alm do fato de que a primeira vez
que contratou o boy foi pelo fato de se parecer com seu ex-namorado. A partir
dessa observao, mostra que sua identificao com ele se d pela proximidade
de suas origens e isso, por si s em um conceito bsico de identidade, poderia
aproxim-los. Porm, durante a narrativa, nas referncias que faz de Ccero,
opta por usar a palavra boy do que trat-lo pelo nome, como segue:
E esses trofus aqui em cima, me perguntou o boy, so de verdade,
banhados a ouro, ele quis saber, na primeira vez que o trouxe
minha casa, sim, eu costumo ter maior cuidado, sei que aquele
menino era diferente, no era ladro, assassino, perigoso, deli-
quente, a gente puxou uma conversa sobre nossas terras vizinhas,
eu sou de Sertnia e ele de Poo do Boi. (FREIRE, 2013, p. 45)

De todas as referncias a ele na obra, 33 menes so feitas como apenas


boy e apenas 17 ao nome dele. As vezes que Heleno o chama pelo nome se
d em um contexto de memrias e nos dilogos com Estrela aps a morte do
garoto. Alm disso, ele o trata sempre de forma objetificada, ainda que em um
momento faa meno a ele como namorado, explicita sua posio superior
devido profisso e interesses diferentes. Como se d na cena em que Heleno
usa Ccero para gerar cimes em Carlos.
[...] mas eu queria que Carlos me visse ao lado de Ccero, assistisse
ao meu romance, estava na hora de mostrar o garoto diferente,

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musculoso, com quem eu estava saindo, de roupas novas o boy


viraria outra pessoa, o cabelo bem cortado, recomendei que ele
usasse um casaco brilhante e moderno, ou um terno de linho azul,
fomos juntos a uma loja no bairro, tambm para ele comprei uns
sapatos, prometi pagar caro, no era voc que estava precisando de
dinheiro, meu querido, e marcamos que seria na noite de sbado o
nosso compromisso. (FREIRE, 2013, p. 92)

Heleno ainda utiliza da palavra boy para contar a cena do assassinato de


Ccero, trazendo de forma impessoal a narrativa que contaram pra ele sobre a
morte, uma vez que ele mesmo no estava presente.
Ainda que seja uma meno impessoal, h uma diferena das menes a
Ccero e de outros garotos de programa. Em diferentes partes da narrativa em
que se relaciona com outros rapazes, Heleno opta por sempre referenci-los
como mich, sendo ao todo 13 menes da palavra, mostrando a distncia e
marcao de posio entre ele e os demais e reforando a sua viso de estra-
nheza com a profisso, ainda que ele mesmo tenha contato prximo com um
desses garotos.

Consideraes finais

A obra traz um narrador que marca, por meio de suas descries, a sua
posio de sujeito e diferenciao dos outros que ele distancia ou considera
estranhos. Fora ele mesmo e Carlos, as outras personagens homoerticas so
julgadas por um olhar normativo e social, marcando a sua posio de, apesar de
gay, bem sucedido profissionalmente, premiado, rico e cisgnero.
Ao final, j na ida para Pernambuco e prestes a descobrir que ele tam-
bm estava morto, Heleno observa nas areias das praias do Recife os garotos
e assume seu arrependimento sobre como tratou todos aqueles com quem se
relacionou:
No h diferena entre mim e essa legio de alemes, espanhis,
argentinos, pesado, de culpa, eu me ofendo e sujo, para isso a
morte de Ccero serviu, para que eu tomasse conscincia do uso
que eu fiz, dorsos nus, jovens putos, venda, como uma mercado-
ria, exposta, eu sinto pena de mim, diante da orla, anoitecendo, me
confesso e me arrebento [...].(FREIRE, 2013, p.112)

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Entretanto, tal afirmao s refora a viso social dos outros que Heleno
apresenta. E como objetos menos humanos que ele mesmo, com seu preo
marcado, reforando a teoria:
Os estranhos so pessoas que voc paga pelos servios que elas
prestam e pelo direito de terminar com os servios delas logo que
j no lhe tragam prazer. Em nenhum momento, realmente, os
estranhos comprometem a liberdade do consumidor de seus servi-
os. Como o turista, o patro, o cliente, o consumidor dos servios
est sempre com a razo: ele ou ela exige, estabelece as normas
e, acima de tudo, resolve quando o combate principia, e quando
acaba. Inequivocadamente, os estranhos so fornecedores de pra-
zeres. (BAUMAN, 1998, p.41)

O que o narrador no deixa claro que, ironicamente, tanto o boy quanto


a travesti so peas fundamentais para o desfecho de sua vida: o suicdio, o
reconhecimento de que sua vida estava sujeita a todas essas relaes sociais e,
principalmente, de que o destino de todos ao final o mesmo: os ossos.

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Referncias

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,


1998.

FREIRE, Marcelino. Nossos Ossos. Rio de Janeiro: Record, 2013.

HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro:


DP&A, 2005.

___________ Quem precisa de identidade? In: SILVA, Thomaz Tadeu da; HALL,
Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferena: a perspectiva dos Estudos
Culturais. Petrpolis: Vozes, 2014.

SEDGWICK, Eve Kosofsky. A Epistemologia do Armrio.Cadernos Pagu,Campinas,


p.19-54, 2007.

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FICCIONALIZAO DE SI: UMA ESTRATGIA DE (RE)VELAO

Renata Pimentel
Doutoras em Teoria da Literatura/UFPE
Professoras do Departamento de Letras da UFRPE
[email protected]

Sherry Almeida
Doutoras em Teoria da Literatura/UFPE
Professoras do Departamento de Letras da UFRPE
[email protected]

GT 26 - Literaturas e LGBTTs.

Resumo

Este trabalho analisa a figurao esttica da homossexualidade em escritores de


vrios momentos da histria literria brasileira. A partir da discusso do conceito
de ficcionalizao de si, defendemos a ideia de que os discursos manifestos nas
obras permitem (re)velar ao leitor a ideologia de sexualidade. (Re)velao pos-
svel porque a literatura um lcus privilegiado para que o indivduo fale da
realidade com criticidade e sem censura, moral ou institucional. Interessa-nos
pensar as estratgias de que se valem os escritores para comunicar posicio-
namentos polticos sobre todas as temticas e, mais ainda, quando tratam de
tabus sociais como a homossexualidade. Para tanto, recorre-se ao pensamento
de Trevisan (2000), Costa Lima (1974), Foucault (1994), Chiappini (1991), entre
outros.
Palavras-chave: literatura brasileira, ficcionlizao de si, homossexualidade

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Introduo
Afinal, estamos num pas onde o mais importante freqente-
mente o mais mascarado. (Joo Silvrio Trevisan)

Numa percepo moderna da figura do historiador como produtor dis-


cursivo individual, e no como puro relator cientfico objetivo, outros suportes
discursivos e outras naturezas de relato passam a configurar-se como material
possvel de pesquisa e anlise da Histria. Logo, a Histria passa a se valer de
material como a vida privada, e as histrias de pessoas annimas passam a
ser dignas de ateno.
As obras literrias se tornam o lugar no qual o indivduo se revela, inde-
pendente de uma sociedade que compe, informa e mantm uma tradio.
O que caracterizaria a produo literria? O sujeito individual da criao, seu
produto (que o livro) e o leitor; alm disso a
escrita literria se configura como criao, especificada por ser constituda
em uma linguagem singular porque artstica , que faz do seu produtor um
escritor.
Este indivduo escritor destaca-se do todo social (junto ao gnio, ao louco;
figuras peculiares e desviantes) e pode falar tanto sobre a realidade e a socie-
dade, quanto observar alm delas, de fora, com mais agudo olhar. O espao
literrio, uma vez valorizado e enquadrado como espcie de desvio e consubs-
tanciado num espao individualizante (seja do produtor, seja do leitor), ganha
legitimidade.
Propomos aqui uma leitura da ficcionalizao de si (re)veladora da
homossexualidade em escritores da Literatura brasileira: Raul Pompia, Adolfo
Caminha, Cassandra Rios, Caio Fernando Abreu e Lus Capucho, como exem-
plos eleitos. Acreditamos que esses so alguns dos muitos indivduos que se
valeram de mscaras ficcionais para falar sobre homossexualidade de maneira
poltica e esttica posto que o discurso literrio atenda sempre a essa dupla
demanda social.

Da Literatura enquanto discurso do desvio homossexualidade


(re)velada pela ficcionalizao de si

A literatura como espao privilegiado para propor questes realidade


socialmente dada constitui-se como transgressora de discursos hegemnicos

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e totalizantes, e se oferece como espao de alternativas discursivas. Segundo


Costa Lima : Discurso do desvio por excelncia (...), a literatura pode s-lo sob
o preo de nunca se tornar o discurso da sociedade. (1974: 65). Guardemos em
mente a expresso discurso do desvio por excelncia, afinal, a escolha pela
rota desviante revela-se uma constante em autores que tm uma vivncia afe-
tiva e prticas sexuais anti-normativas, ou seja, homoafetivas, sejam assumidas
ou no publicamente.
Esse referido discurso do desvio seria a produo de um indivduo em
relao ao discurso da sociedade; ou seja, eis a figura de um autor. No nos
interessa aqui a referncia especfica e nica pessoa biogrfica, mas sim a essa
instncia ficcional, a essa persona, voz que se desloca pelo texto, prendendo-se
tanto s personagens quanto diegese, mas que guarda relao com a pessoa
real do autor.
Assim como a personagem apresenta muitas mscaras - ou seja, encarna
o papel ou as caractersticas e atitudes do homem -, o autor, quando consti-
tudo como ser enunciativo, assume papis os mais diversos. Cria espcies de
carapaas simblicas do indivduo.
Exercitando-se em variados papis que o homem tanto marca sua alteri-
dade (seja ela a real, seja a ficcional), quanto se constitui (PIMENTEL: 2011: 89)
O papel do autor (ser biogrfico) constitui-se em recriar o mundo, ficcio-
nalmente, como uma possibilidade discursiva. Promove uma afirmao poltica
de si e de valores com os quais compactua, amplia os horizontes culturais de
recepo, percepo e expectativa das sociedades nas quais seu texto circula.
Chegamos ao terreno do que chamamos ficcionalizao de si: no ape-
nas uma transposio de identidade/ficcionalizao de vivncias e, sim, uma
liberao total ao jogo de foras imaginativas. Aqui cabem tanto o processo de
disfarce/apagamento dos autores - no caso daqueles cuja homossexualidade
no foi assumida como prtica, mas apenas como tema - quanto a tomada de
posio daqueles que assumiram seu desejo como sujeitos-escritores e fizeram
dele tema de criao. Em qualquer uma das vertentes, est a possvel remisso/
especulao em relao vida sexual real do escritor (trao reprimido-perse-
guido, quando desviante da norma), o que no deixa de ser revelador da vida
intelectual e, at, de marcos morais ou amorais do autor, marcando posies
suas.
A ficcionalizao de si pode ser considerada um dispositivo de mscara de
que se pode valer qualquer autor. Tal estratgia ganha dimenso extra nos casos

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particulares de autores de orientao homoafetiva, que se converte no apenas


em temtica impune, mas em trao que dialoga, via de regra, com experincias
de vida; mesmo que por vezes no vividas, mas imaginadas e desejadas (e
pode se converter em obstculo ou desafio a mais, no sentido de estigmatiza-
o social a ser enfrentada). Buscamos resgatar alguns dos textos e autores que
marcam a temtica homoafetiva nas letras brasileiras, em momentos distintos e
com atitudes tambm bastante distintas; sobretudo luz do contexto histrico-
-pessoal e do tratamento ficcionalizante conferido ao tema.
Principiemos por Raul Pompia. Intelectual precoce, ex-aluno de colgio
interno, suicida em condies nebulosas... O Ateneu (1888) marco do real/
impressionismo em nossas letras. H muitas especulaes sobre a carga auto-
biogrfica do romance, que traz o sugestivo subttulo de crnica de saudades
O protagonista Srgio aluno interno do colgio cujo nome intitula o livro
(coincidncia com a vida do autor, estudante interno do colgio Ablio).
A temtica da homossexualidade est explcita nas relaes que se esta-
belecem entre os alunos. Srgio o adolescente sensvel que se deixa proteger
e amar por outro aluno mais forte.
H outros autores que trabalharam o tema (comum na poca, por ser
tema caro s cincias de ento), e no houve escndalo que envolvesse a vida
deles como inspirao para o assunto.
No caso de Pompia, as insinuaes foram diversas. A crtica contempo-
rnea ao romance insistia em explicitar que a obra (e, sobretudo, o protagonista)
era inspirada na vida do autor, a quem as insinuaes de homossexual mago-
avam fundamente. Quando Olavo Bilac acusa Pompia de ser homossexual,
em artigo imprensa, surge o desafio para um duelo de espadas, que acaba
por no se consumar. Aps esse incidente, Pompia passa a ser ignorado pelos
jornais e, magoado e desiludido, suicida-se na noite do natal de 1895.
Outra obra fundamental em relao ao tema foi Bom-Crioulo (1895), de
Adolfo Caminha. Mas a sexualidade do autor no foi posta sob suspeita; o
escndalo em que se envolveu foi por apaixonar-se pela esposa de um oficial
do exrcito e com ela viver. O romance trata da relao amorosa e carnal entre
um grumete branco, o adolescente Aleixo, e o marinheiro negro Amaro, cuja
alcunha Bom-Crioulo. Caminha tinha bastante conhecimento de causa: foi
oficial da marinha e afirmava que escrevera a partir de situaes presenciadas
no ambiente de trabalho.

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Apesar de preconceitos e esteretipos cientficos da poca, Caminha


escreveu uma obra visionria: trata com naturalidade imensa um tema-tabu.
H, mesmo assim e como seria de se esperar, traos caractersticos do natu-
ralismo em voga como justificativas para as inclinaes sexuais e erticas do
Bom-Crioulo na selvageria da negritude, ou para o cime doentio que o leva
a matar o objeto de seu amor. J Aleixo, imberbe, branco e delicado, asseme-
lhado aos traos da feminilidade e passividade na relao (outro preconceito
que ainda encontra eco).
O romance teve longa vida de proibies, crticas preconceituosas e nega-
tivas e quase desaparecimento. Virou obra rara, at ser republicado a partir de
1980 (traduzido em vrios idiomas), considerado um dos textos mais peculiares
do sculo XIX, audacioso e pioneiro. Aqui, a persona ficcional do autor se con-
verte em arguto observador do seu tempo e faz de um tema-tabu o caminho
para revelar prticas e preconceitos sociais.
Estamos no sculo XIX, marcado por uma sociedade moderna e des-
cristianizada, em que a verdade da identidade est atrelada expanso e
intensificao das enunciaes em torno do desejo sexual, em particular na
revelao de seus segredos. A discursividade do desejo, que antes se con-
centrava apenas em prticas institucionais nas salas de aula, nos seminrios e
confessionrios, expande-se a outras dimenses do tecido social, como obser-
vou Foucault em
sua Histria da sexualidade. E neste mesmo sculo e obra, Foucault nos
revela a inveno do homossexual como uma construo social, a qual per-
mitiria ao poder a capacidade de identificar, vigiar e punir o tal desejo desviante.
Por outro lado, porm, uma espcie de armadilha: a norma heterossexual se v
definida e obrigada a existir em relao ao seu oposto. Ficam atadas a norma
e a anti-norma; o htero e o homossexual, como duas faces de uma mesma
pulso sexual.
J no sculo XX, registrou Lcio Cardoso em seu dirio: O que oculta-
mos, o que importa, o que somos (CARDOSO, 1949: 62). Podemos ler a a
estratgia de mascaramento, de ficcionalizao de si (vivncias, angstias, siln-
cios e conflitos), que povoa a obra deste escritor, cujos personagens refletem a
(homo)sexualidade conflitiva, obscura que parece ter marcado a prpria vida
de Cardoso, mas com a conscincia de que tal universo velado justamente
onde se oculta o cerne da identidade. A estratgia silenciar o que mais

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condensao de significados possui; ou seja, revelar-se, traduzir-se e afirmar-se


pelo silncio.
No outro extremo da explicitude ao tratar do tema da sexualidade des-
viante - ainda mais encoberta, pelo foco no lesbianismo - est Cassandra Rios. O
travestimento comea desde o pseudnimo: chamava-se Odette Rios. Talvez,
tal recurso fosse um ocultamento fundamental para preservar a vida pessoal,
mantida com bastante discrio. Apesar disso, dava declaraes pblicas como:
homossexualismo uma forma especial de amar, algo bastante ousado, em
plena dcada de 70, durante um regime militar.
Cassandra foi um fenmeno de vendas (cerca de 300 mil livros por ano)
e teve alguns de seus textos adaptados para o cinema. Muitas de suas persona-
gens eram atormentadas e cheias de culpa (como Anastcia - cujo nome intitula
o romance - a qual assassina as mulheres por quem se apaixona). A autora
pagou o seu preo: foi diversas vezes intimada a depor, teve seus livros cen-
surados, foi obrigada a pagar multas pelas infraes cometidas em sua obra
tachada de pornogrfica e maldita.
A partir da mesma dcada de 70 comea a aparecer uma nova gerao
de escritores que versam, na fico, de forma mais direta, sobre suas vivncias,
desejos e angstias homossexuais. Uma dessas vozes Caio Fernando Abreu,
cuja obra marcada por temas constantes e recorrentes como: sexo, morte,
medo, solido. Em seus textos, capta a essncia da fragmentria vida cotidiana,
sobretudo da agitada dcada de 1980 - desencantada, sobretudo, pelo fan-
tasma da Aids, mais um estigma que marginalizava e aterrorizava o desejo e a
prtica homossexuais.
O prprio Caio fala de seus desejos, experincias e temores como gay,
jornalista, escritor e portador do vrus HIV. Fez da ficcionalizao de suas inquie-
taes e buscas internas, de sua sexualidade e de seus fantasmas o tema de sua
obra e o caminho para entender-se, para viver sua sexualidade e enfrentar a
estigmatizao. Inclusive, para super-la, pois permanece como um de nossos
grandes escritores, no apenas um escritor gay, mas algum que penetrou
fundo a alma da sua contemporaneidade e do ser humano universal: buscando
amor, temendo a morte, querendo o sexo sem culpa, fugindo da solido e
angustiando-se com ela.
Recorremos voz de Joo Silvrio Trevisan, que muito bem dialoga com
a estratgia de fazer do corpo-vivncia do homem-escritor um caminho de fic-
cionalizao de si:

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Sempre considerei fundamental que minha vida e minha obra se


correspondessem. Tanto quanto meu crebro pensante parte da
minha alma, minha alma extenso do meu corpo. E meu corpo,
a forma palpvel da minha psique. Escrito com minha alma e meu
corpo, este livro faz parte do meu eu. (2002: 07)

Nessa nota introdutria ao seu Pedao de mim, o ficcionista, dramaturgo


e pesquisador assume uma escrita que transita no limiar do ensaio crtico, mas
nasce com a assinatura do prprio corpo do autor, do seu desejo, da sua vivn-
cia. A sexualidade e o desejo de Trevisan so marcos a partir dos quais ele
sente, pensa, reflete, se enuncia. E o seu desejo se orienta para que objeto de
desejo? O homem, o seu semelhante gnero, o seu mesmo sexo.
O corpo escrevendo sua trajetria tambm o veculo de Lus Capucho:
sem medo das vias, sem medo dos fatos, ele convida ao percurso nas infindas
e reiteradas sesses do Cinema Orly (1999). Um relato pornogrfico, um dirio
de confisses, uma filosofia do desejo e do sexo, uma ars amatoria: o Cinema
Orly o templo onde Capucho funda e exerce seu sacerdcio de amor. Local
sacro, incrustado na regio central do Rio de Janeiro, em plena Cinelndia.
Um cinema pequeno, velho, decadente, onde pode se dar o exerccio da sin-
gularidade: trata-se de um local onde homens vo se relacionar sexualmente
com outros, ou apenas assistir a tudo. O marginal transita pelas ruas da rea,
em direo ao lugar onde lhe permitido ser. E no Orly, o marginal assume o
centro. O centro o desejo de um homem por outro homem; o centro gay.
A ficcionalizao aqui aproxima autor e personagem: Capucho se assume
protagonista do que narra, como experincias e observaes pessoais. Veste
todas as mscaras, embora seu parmetro sejam os sentimentos e o modo
como guardou as lembranas dos eventos vividos/narrados. E que identidade
ele constri? Imagina fazer com sua escritura algum libelo pelos direitos gays;
ou filiar-se a uma tradio de malditos, marginais (com certo charme de consa-
grao), mas reconhecidos mestres da literatura? No.
Definies, especulaes, ideias at banais so fonte das observaes
despudoradas do autor, que no se importa se est demolindo conceitos ou
provocando os pares. No teme as palavras, nem se definir e cair em contra-
dio ou retomar opinies. No teme o que a norma declara como proibido.
No velho e acolhedor Orly, Capucho edifica sua tica e marca a vitria de seu
desejo imperativo: traa um caminho e faz um convite de abertura da sensibili-
dade a todos aqueles que se aventurem pela leitura do relato, pela sensibilidade

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de observar o mundo sem mscaras, ou melhor, com todas as possibilidades de


mscaras que nele existem.

Consideraes finais

Neste artigo, tentamos traar um percurso revelando transformaes e


estratgias vrias de vazo do tema da homoafetividade e da ficcionalizao
das personas textuais e de seus criadores: desde escritores do sculo XIX a
autores mais recentes, os quais podem tanto reivindicar-se a condio de poli-
ticamente marcarem-se como gays e, portanto, como vozes legtimas desse
desejo; at deliberadamente deixar o rtulo indefinido (no praticar o outing,
tambm como estratgia de ampliar o alcance poltico da criao; afinal, ela
elevaria a temtica dimenso da no-marginalidade). Assim, constri-se uma
histria desviante, mas no submissa a rtulos fortes o bastante para aprision-la
e diminu-la como arte.

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Referncias

CARDOSO, Lcio. Dirio Completo. Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1970. CHIAPPINI,
Lgia M. Leite. O Foco narrativo. So Paulo, tica, 1991.

COSTA LIMA, Luiz. Mito e provrbio em Guimares Rosa, in: A Metamorfose do


silncio. Rio de Janeiro, Eldorado, 1974.

FOUCAULT, Michel. Histria da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro,


Graal, 1997. (12ed.)

PIMENTEL, Renata. Copi: transgresso e escrita transformista. Rio de Janeiro,


Confraria do Vento, 2011.

TREVISAN, Joo Silvrio. Devassos no paraso: a homossexualidade no Brasil, da


colnia atualidade. Rio de Janeiro, Record, 2000.

________. Pedao de mim. Rio de Janeiro, Record, 2002.

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A PUBLICIDADE E AS QUESTES SOBRE DIVERSIDADE

Cludia Regina Lahni


Ps-doutora em Comunicao
Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
[email protected]

Denise Teresinha da Silva


Doutora em Cincias da Comunicao
Universidade Federal do Pampa UNIPAMPA Campus So Borja
[email protected]

GT 03 - Mdias, narrativas e corporalidades: (re)pensando as novas abordagens tericas


e metodolgicas nos estudos da homocultura

Resumo

O artigo reflete sobre a comunicao e a sua importncia para a identidade e


cidadania da populao LGBT, assim como para todas as pessoas. Isso, a partir
de anlise da campanha de O Boticrio para o Dia dxs Namoradxs, em 2015,
alm de outras campanhas da empresa, veiculadas em 2016. Entendemos que
a publicidade, como parte da comunicao para a cidadania, tambm pode
trabalhar conceitos que colaborem para a reflexo e para o respeito entre as
pessoas.
Palavras-chave: diversidade; publicidade; gnero; homocultura; cidadania.

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Introduo

A Campanha de Dia dxs Namoradxs de 2015 de O Boticrio com o filme


Casais suscitou uma srie de opinies, sob o pano de fundo da cano con-
sideramos justa toda a forma de amor. O buzz gerado pela campanha serviu
para chamar a ateno sobre o perfil do pblico consumidor brasileiro. O filme,
criado pela AlmapBBDO, apresenta quatro casais, dois compostos por mulher
e homem de geraes diferentes, outro por duas mulheres e outro por dois
homens, tendo como fundo musical a trilha sonora de Toda Forma de Amor
de Lulu Santos. Os casais compram o produto Egeo nas lojas e noite se encon-
tram com seus pares. Ao final em off entra a locuo No dia dos namorados,
entregue -se s sete tentaes de Egeo de O Boticrio.
A marca sofreu uma tentativa de boicote por internautas em redes sociais
e de grupos religiosos por apresentar casais homossexuais. A pgina da empresa
no facebook tambm recebeu inmeras mensagens tanto de elogios quanto de
manifestaes de carter homofbico. O site Reclame Aqui teve um grande
nmero de reclamaes sobre a banalizao da famlia brasileira. O You Tube
tambm gerou uma grande contagem de curtir (likes) e no curtir (dislikes).
Alm disso, o filme foi alvo de denncias no Conar (Conselho Nacional de
Autorregulamentao Publicitria) que abriu processo pelo nmero de recla-
maes recebidas sobre o fato da mesma ser considerada, pelos reclamantes,
desrespeitosa sociedade e famlia brasileira. A representao n 088/2015
resultou em arquivamento por unanimidade em 16/07/2015 (CONAR).
O humor no poderia ser deixado de lado em um pas da piada pronta
(Z Simo). Como forma de crtica existncia de um medo ao incentivo
homossexualidade e possibilidade de uma certa contaminao foi criado o
raio boticarizador com personalidades famosas que eram heterossexuais e se
transformaram em homossexuais ao usar produtos de O Boticrio.
A resposta da empresa para a imprensa foi publicada em vrios meios de
comunicao:
O Boticrio esclarece que acredita na beleza das relaes, presente
em toda sua comunicao. A proposta da campanha Casais, que
estreou em TV aberta no dia 24 de maio, abordar, com respeito
e sensibilidade, a ressonncia atual sobre as mais diferentes for-
mas de amor - independente de idade, raa, gnero ou orientao
sexual - representadas pelo prazer em presentear a pessoa amada

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no Dia dos Namorados. O Boticrio reitera, ainda, que valoriza a


tolerncia e respeita a diversidade de escolhas e pontos de vista.

Mesmo com a possibilidade de um resultado negativo para a marca, a


empresa apresentou um claro posicionamento sobre a diversidade do amor.
Outras marcas tambm j trouxeram a diversidade das relaes amorosas
para suas aes comerciais, como a Coca-Cola (Felicidade sobre a Tradio),
Motorola (Para todas as formas de amor), o Bombom Sonho de Valsa (Pense
menos, ame mais), o Facebook (com o uso da ferramenta celebrate pride para
criar um arco-ris na foto do perfil aps aprovao do casamento entre pessoas
do mesmo sexo nos Estados Unidos) entre outras.
Na campanha de 2016, a empresa teve um outro posicionamento. So
dois filmes de 30 segundos com dois casais formados por um homem e uma
mulher que no se conhecem e se beijam depois de ganharem presentes de
dia dos namorados de O Boticrio. Depois do beijo ele pergunta qual teu
nome?, ela responde e tambm pergunta. Uma msica romntica em italiano
toca como BG. No primeiro, o vdeo dela, aparecem um homem e uma mulher
que trocam um super beijo depois que ele (homem branco) se aproxima dela
(mulher negra) que est sentada em uma escada de um museu, entrega-lhe a
caixa e diz feliz dia dos namorados, beijam-se, perguntam o nome e, em off,
a narradora diz: Imagine o que Make B Barbie pode fazer por vocs que se
amam. No segundo, o vdeo dele, um homem sentado em uma mesa de bar
em uma praa recebe o presente de uma mulher (branca) que diz feliz dia dos
namorados. Depois do beijo, ele pergunta qual teu nome?, ela responde e
tambm pergunta. Em off, Imagine o que Malbec Noir pode fazer por vocs
que se amam.
Uma das crticas que tambm foi feita campanha de 2015 foi a de que
no apareciam pessoas negras. Talvez esta seja a resposta dada este ano.
Outra campanha que interessa quanto questo de gnero desta empresa
uma de lanamento de produtos masculinos da linha Men (08/05/2016): Para
o voc que existe no ogro. O filme de 30 segundos criado pela AlmapBBDO
traz no texto frases como A gente se cuida mas no conta pra ningum. A
ideia que embora os homens no admitam, eles tambm se cuidam. Para
isso, o comercial tem como principal protagonista o ator Malvino Salvador,
que estrelou em 2014 a verso brasileira do comercial da marca Old Spice da
Procter & Gamble, cujo mote era partculas de cabra macho, homem com
cheiro de homem, The man your man could smell like (2010) nos Estados

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Unidos, enfatizando os esteretipos do homem alfa de forma bem humorada.


O homem homem tratado como uma espcie em extino, e o produto
promete resgatar esta figura e com isso salvar a humanidade. O texto da
publicidade brasileira em off apresenta imagens do ator envolvido em explo-
ses, entre outras situaes.
A escolha deste ator parece fazer pensar que O Boticrio queira resgatar
o pblico que teria ficado ofendido com a campanha de casais gays do ano
anterior.

Cidadania LGBT e a Comunicao

No dia 26 de junho de 2015, a Suprema Corte dos Estados Unidos apro-


vou o casamento entre pessoas do mesmo sexo para todo o pas. Segundo
reportagem do igay, com a deciso, nenhum dos 51 estados poder proibir
o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O casamento entre homossexu-
ais j era aprovado em 36 estados norte-americanos e tambm no Distrito de
Columbia. A deciso para todo o pas ocorreu quase dois anos aps o Juiz
Associado da Suprema Corte, Anthony Kennedy, revogar a lei federal de proi-
bio do casamento gay.
A aprovao do casamento para pessoas do mesmo sexo, nos Estados
Unidos, foi uma importante vitria para o movimento dos direitos de homosse-
xuais (http://g1.globo.com 26/06/2015). A aprovao teve grande repercusso
em vrios pases, com destaque no Facebook, rede social em que seu criador
Mark Zuckerberg assim como inmeros polticos, militantes LGBTTs, artistas,
instituies e populao em geral usaram um arco-ris (smbolo do movimento
LGBTT (Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgneros) em seus avatares,
em comemorao ao fato. O Amor Vence e Igualdade Para Casamentos foram
hastags comemorativas aprovao.
A data da aprovao do casamento para pessoas do mesmo sexo, nos
Estados Unidos, foi prxima ao 28 de junho, marco do movimento de direitos
dos homossexuais, celebrado em muitos pases do mundo. O Dia do Orgulho
LGBT celebrado em 28 de junho, pois nessa data, em 1969, gays, lsbicas, tra-
vestis, drag queens e transexuais de Nova York se revoltaram contra a represso
e a perseguio que sofriam, enfrentando policiais pela primeira vez.
A aprovao do casamento entre pessoas do mesmo sexo, nos Estados
Unidos, ocorre em um contexto de avanos na garantia de direitos de pessoas

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LGBTT, naquele pas, conforme apontam Mauro Vieira e Rafael Porto (2015).
VIEIRA e PORTO (2015, 170) mencionam que, em maio de 2012, em sua cam-
panha reeleio, o presidente Barack Obama tornou-se o primeiro presidente
dos Estados Unidos em exerccio a posicionar-se favorvel ao casamento civil
homoafetivo.
No Brasil, em 7 de junho de 2015, foi realizada a 19 Parada do Orgulho
LGBTT em So Paulo (considerada uma das maiores manifestaes do mundo
pelos direitos de lsbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgneros).
Cerca de dois milhes de pessoas participaram da passeata, segundo estimativa
de organizadores ( http://g1.globo.com 07/06/2015). Durante a manifestao,
conforme reportagens, o primeiro trio eltrico circulava com uma faixa com
a mensagem Fora Cunha, em meno ao ento presidente da Cmara dos
Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que defende pautas conservadoras e
contra minorias, como a criao do Dia do Orgulho Heterossexual. Na vs-
pera, em 6 de junho de 2015, foi realizada, em So Paulo, a 13 Caminhada das
Lsbicas e Bissexuais, que j protestaram contra a discriminao sexual.
Alm de grandes manifestaes como as paradas e caminhadas (no ape-
nas de So Paulo, mas de vrias capitais e outras cidades do Pas), no Brasil, j
tivemos a realizao do 8 Senale (Seminrio Nacional de Lsbicas) em 2004,
do 1 Encontro Nacional de Arte e Cultura LGBT - realizado em 2014 , da 1,
da 2 e da 3 Conferncia Nacional de Polticas Pblicas de Direitos Humanos
para Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais respectivamente, em
2008, 2011 e 2016, em Braslia. Essas aes, entretanto, no se traduziram em
lei contra a homofobia, em lei pelo casamento civil igualitrio (em 2013, o Pas
passou a ter uma deciso do Supremo Tribunal Federal que garante o casa-
mento entre pessoas do mesmo sexo) ou em polticas pblicas pela igualdade,
a partir da Comunicao e da Educao.
Em junho de 2015, a revista Cult publicou um Dossi Ditadura
Heteronormativa: A cultura que insiste em no reconhecer e aprender com as
diferenas sexuais e de gnero. Nele, Leandro COLLING (2015: 22, 23) escreve
que tomada como padro na sociedade, a heterossexualidade promove no
apenas a violncia fsica, mas tambm a violncia simblica contra os que se
desviam dessa norma. O pesquisador lembra que em geral, usamos o conceito
de homofobia para descrever qualquer atitude e/ou comportamento de repulsa,
medo ou preconceito contra os homossexuais. A homofobia no se restringe
apenas s violncias fsicas, mas tambm s variadas violncias simblicas

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que, certamente, podemos pensar quanto s variadas representaes este-


reotipadas ou no representaes de lsbicas, gays, bissexuais e travestis em
produes da mdia massiva e indstria cultural, no geral.
Rogrio Diniz JUNQUEIRA (2015:39) explica como a escola, enquanto
instituio normativa, tem implantado uma pedagogia do armrio, que instaura
um regime de controle e vigilncia da conduta sexual, do gnero e das identi-
dades raciais. Como lembra Didier ribon em Reflexes sobre a questo gay,
injrias e insultos so jogos de poder que marcam a conscincia, inscrevem-
se no corpo e na memria e moldam as relaes dos sujeitos com o mundo
refletimos que aqui, no tocante Comunicao, bem diferente disso um
anncio como o do Boticrio, no Dia dos Namorados, que apresentou diferen-
tes casais (homem e mulher, mulher e mulher, homem e homem), em situao
de amor e namoro.
Entendemos que a Comunicao central na sociedade contempornea
e necessria para a cidadania ativa e democrtica de todas as pessoas. A cida-
dania comunicativa conceito desenvolvido pela pesquisadora argentina Maria
Cristina Matta apontada, em obra do Grupo de Pesquisa Comunicao para
a Cidadania da Intercom, como importante e base para o exerccio da cidadania
na atualidade (Lahni e Lacerda, 2013).
Ao refletir sobre relaes de gnero, direito comunicao, diversidade e
The L Word, Daniela AUAD e Cludia Regina LAHNI (2013, 126) salientam que
a srie se tornou uma potente fonte de visibilidade das lsbicas e do que pode
ser denominado um movimento cultural, poltico e social das mulheres lsbicas,
assim como de suas diversas identidades. Ainda refletindo a importncia da
comunicao para a identidade e exerccio da cidadania, com anlise de entre-
vistas e Facebook, Hadriel THEODORO e Denise COGO (2014: 3423) apontam
que Laerte [Coutinho] demonstra que ser diferente possvel, mas no sem
embates ideolgicos e polticos contra sistemas sociais que buscam normalizar
a todos em um ideal de sociedade homognea. Essas e outras reflexes salien-
tam a importncia da comunicao para a cidadania de pessoas LGBTs. Nessa
rea se inclui a nossa reflexo sobre a campanha do Boticrio para o Dia dos
Namorados, pensando a Publicidade nesse contexto da Comunicao para a
Cidadania.

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Consideraes finais

A maneira de consumir alterou as possibilidades e as formas de exercer a


cidadania, uma vez que as perguntas e respostas de mulheres e homens nesta
rea so obtidas mais atravs do consumo privado de bens e dos meios de
comunicao de massa do que nas regras abstratas da democracia ou pela
participao coletiva em espaos pblicos (GARCA CANCLINI, 1999, p. 37).
O consumo o conjunto de processos socioculturais em que se realizam
a apropriao e os usos dos produtos. Esta caracterizao ajuda a enxergar os
atos pelos quais consumimos como algo mais do que simples exerccios de gos-
tos, caprichos e compras irrefletidas (GARCA CANCLINI, 1999, p. 77). Apesar
de envolver uma relao de mercado, a campanha de O Boticrio de 2015,
entre outras, serviu para pensar, usando as palavras de Garca Canclini, sobre
alteridade, liberdade, sexualidade, sentimentos e cidadania.
A aproximao entre estes temas, cidadania, comunicao e consumo,
procura reconhecer estes novos cenrios de constituio do pblico e mostra
que para se viver em sociedades democrticas indispensvel admitir que o
mercado de opinies cidads inclui tanta variedade e dissonncia quanto o
mercado da moda, do entretenimento. Lembrar que ns cidados/s tambm
somos consumidores/as leva a descobrir na diversificao dos gostos uma das
bases estticas que justificam a concepo democrtica da cidadania. (GARCA
CANCLINI, 1999, p. 77).
A campanha de O Boticrio de 2015, como outras, conseguiu ao mesmo
tempo apresentar seu produto, evocar um sentimento e provocar uma discus-
so sobre um assunto em pauta no momento, que a questo da diversidade
sexual. A grande questo sobre as campanhas de 2016 perguntar se a presso
do mercado no fez O Boticrio trabalhar de forma a resgatar este pblico
macho e trazer tona justamente os conceitos alicerados na sociedade que
giram em torno de discusses morais e que muitas vezes so homofbicas. Por
esse motivo, no possvel aceitar a renncia de determinadas instituies em
discutir sobre a diversidade das relaes amorosas, pois o silncio pode gerar
ainda mais conflito, falta de informao e construo de ideias equivocadas
e preconceituosas. O debate fundamental para desconstruirmos conceitos
arraigados e compreendermos a alteridade, garantindo a cidadania de todas as
pessoas.

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Referncias

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mia das categorias sociais: da anorexia do slogan ao apetite da democracia. In: Revista
Eptic Online. Seripe, UFS, vol. 15, n.3, set-dez/2013, p. 117-130.

COLLING, Leandro. O que perdemos com os preconceitos? In: Cult. So Paulo,


Bregantini, junho de 2015, n 202, ano 18, p. 22-25.

CULT Revista Brasileira de Cultura. So Paulo, Bregantini, junho de 2015, n 202,


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lizao. 4. ed. Rio de Janeiro : UFRJ, 1999.

http://g1.globo.com 26/06/2015, acesso em 15/07/2015; 06/06/2015 e 07/06/2015,


acesso em 15/07/2015

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado - 07/06/2015 e 06/06/2015,


acesso em 15/07/2015

http://www.conar.org.br, acesso em 16/07/2015.

JUNQUEIRA, Rogrio Diniz. Pedagogia do armrio. In: Cult. So Paulo, Bregantini,


junho de 2015, n 202, ano 18, p.38-41.

LAHNI, C.R., LACERDA, J.S.(orgs.). Comunicao para a Cidadania: objetos, concei-


tos e perspectivas. So Paulo: Intercom, 2013.

THEODORO, Hadriel G. da Silva, COGO, Denise. Comunicao e transgeneridade:


Laerte Coutinho e a imagem crossdressing na mdia. In: Seminrio Internacional
Corpo, Gnero e Sexualidade. Juiz de Fora: UFJF, Anais, 2014, p. 3409-3425.

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de pessoas LGBT nos Estados Unidos. In: MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES,
GOVERNO FEDERAL. Mundo Afora: Polticas de combate violncia e discrimina-
o contra pessoas LGBT. Braslia, 2015, n. 12, p. 170-184.

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RECONFIGURAES PARENTAIS NO CINEMA BRASILEIRO:


REPRESENTAO DE FAMLIA HOMOAFETIVA NO CURTA
METRAGEM CAF COM LEITE

Elias Santos Serejo


Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Linguagens e
Cultura - Universidade da Amaznia
[email protected]

GT 08 - Gnero, diversidade sexual, emoo e moralidade

Resumo

Na contemporaneidade, diferentes arranjos familiares se apresentam para a


sociedade e tm suscitado debates sobre respeito, aceitao e garantia de direi-
tos. No cerne da discusso esto as famlias homoafetivas, ncleo formado por
pessoas do mesmo sexo. Este trabalho analisa a representao de novas famlias
no cinema brasileiro a partir da narrativa de um curta metragem. Partindo de
uma breve apresentao sobre a formao das identidades, elucidamos nos
discursos da trama e nas nuances do fazer cinematogrfico esforos para tornar
a relao entre dois namorados e o irmo de um deles um ncleo afetuoso que
ensaia ser uma famlia. Afinal, o que uma famlia? Quem pode dizer quais
relaes constituem famlia? O cinema, ao nosso ver, tem contribudo para inse-
rir estes questionamentos na agenda pblica.
Palavras-chave: diversidade; famlia; homossexualidade; cinema.

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Introduo

A emergncia de novas configuraes de famlias na contemporaneidade


apresenta desafios para o campo sociolgico, jurdico e antropolgico. Neste
artigo, propomos algumas reflexes sobre construo de um desses ncleos
familiares - a famlia homoafetiva - no audiovisual e buscamos, assim, contri-
buir com a realizao de um dilogo entre diferentes reas que convergem em
esforos acadmicos na luta pelo reconhecimento da diversidade de famlias.
Para isto, analisamos o curta metragem Caf com Leite, do ano de 2007,
dirigido por Daniel Ribeiro. Desta forma, analisamos como a representao da
identidade contempornea dos sujeitos homossexuais possibilita a emergncia
de uma nova identidade familiar, mais plural e hbrida.
Para discutirmos a formao familiar proposta pelo filme necessrio dis-
correr sobre alguns aspectos da formao das identidades homossexuais e um
breve histrico da condio gay no mundo ocidental, sobretudo nas amri-
cas. A construo da identidade de um indivduo fator fundamental para o
entendimento de sua colocao no mundo e de seu constructo histrico-pol-
tico-cultural. Podemos entender a construo da identidade de um indivduo
partindo basicamente de trs momentos histricos: o sujeito iluminista, sociol-
gico e ps-moderno (HALL, 2003).
A concepo sociolgica, que aqui nos interessa, acredita que o ncleo
interior do sujeito no autnomo, nem autossuficiente, mas formado na rela-
o com outras pessoas importantes para ele, que mediam para o sujeito os
valores, sentidos e smbolos a cultura dos mundos em que habita (HALL,
2003, p. 11). Esta construo formada a partir da interao eu sociedade
em que o sujeito formado e modificado num dilogo contnuo (HALL, 2003).
Em relao construo da identidade ps-moderna, Hall (2003) expe que
esta modificao proporciona ao sujeito uma fragmentao, que comporta no
somente uma, mas vrias identidades. Para ele, o prprio processo de identifi-
cao tornou-se mais provisrio, varivel e problemtico.
Woodward (2000) tambm nos aponta aspectos importantes para a cons-
truo das identidades, quando afirma que estas adquirem sentido por meio de
simbolismos e linguagens pelas quais elas so representadas. Esta representao
atua simbolicamente para classificar o mundo e nossas relaes no seu interior
(HALL, 2003). Woodward (2000) inclui as prticas de significao e os sistemas
simblicos por meios dos quais os significados so produzidos (e a linguagem

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um dos principais fatores), posicionando-nos enquanto sujeito. por meio


dos significados produzidos e pelas representaes que damos sentido nossa
experincia e aquilo que somos.
A produo de significados e das identidades que so posicionadas nos
(e pelos) sistemas de representao esto estreitamente vinculadas viso
de mundo de cada indivduo. Dando nfase sada da representao para
as identidades no sentido de um processo cultural que estabelece identidades
individuais e coletivas com os sistemas simblicos nos quais se baseia, forne-
cendo possveis respostas s questes: Quem eu sou? O que eu poderia ser?
Quem eu quero ser? (WOODWARD, 2000).
So muitos e diferentes lugares a partir dos quais novas identidades podem
emergir e a partir dos quais novos sujeitos podem se expressar (LACLAU apud
SILVA, 2000); o surgimento delas tambm pontuado pelas diferenas, j que
esta considerada norte para a construo das identidades. No se tem cons-
truo de identidade sem diferena.
Essas oposies so classificadas de formas dspares e por vezes polariza
as discusses em aspectos diferentes, fazendo a ordem social ser mantida por
meio de divises como insiders/outsiders, sendo assim, as categorias pelas quais
os indivduos transgridem essas ordens so relegadas ao status de outsiders,
garantindo o controle social desejado (Woodward 2000). Quando se questiona
a identidade e a diferena devemos atentar para a problematizao destas dua-
lidades, j que a identidade e a diferena so produzidas de forma constante
e ativa, no so criaturas de um mundo natural ou imutvel, so criaes do
mundo cultural e social. Dentro desta discusso, Silva (2000) afirma que a iden-
tidade, assim como a diferena, se apresenta enquanto uma relao social. Isso
significa que sua definio (discursiva e lingustica) est sujeita a vetores de fora
e de relaes de poder. Elas no so simplesmente definidas, so impostas e
no convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias,
so disputadas (SILVA, 2000, p. 81).
Hall (2003) afirma que cumprimos diversos papis sociais dentro das diver-
sas posies que assumimos em nosso cotidiano, por exemplo, em casa se vive
as identidades familiares e dentro dela somos espectadores das representaes
pelas quais a mdia produz determinados tipos de identidades, sempre baseadas
dentro da normalidade podemos expor aqui as telenovelas, anncios, filmes,
tcnicas de venda ou ainda os reality shows.

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Voc namorado do meu irmo?

Em Caf com Leite, filme de Daniel Ribeiro, realizado em 2007, Danilo e


Marcos so um casal de namorados apaixonados. Contudo, no primeiro dilogo
j fica claro que a relao de ambos um problema para famlia de Danilo.
nesta cena inicial que Danilo convida Marcos para ir morar com ele e iniciarem
uma vida a dois (famlia?).
Apesar deste drama inicial, no filme, a homossexualidade se apresenta
como algo intrnseco, cujo poder que exerce sobre as relaes com os meios
sociais secundrio. possvel perceber ainda no incio do filme a sensibilidade
com que o assunto tratado. H ali a busca pela normalidade das relaes
homossexuais sob a premissa de um gnero cinematogrfico que ainda galga
espaos nas prateleiras. Segundo Margarete Almeida Nepomuceno (2009), o
termo New Queer Cinema, ou cinema queer no Brasil, foi alcunhado pela femi-
nista norte americana B. Ryby Rich, crtica de cinema, e utilizado pela primeira
vez em artigo datado do ano de 1992 publicado na revista britnica Sight &
Sound. O termo surgiu da busca da crtica por conceituar a produo cinema-
togrfica emergente nos circuitos de cinema independente cuja temtica gay
permeava as narrativas difundidas.
De acordo com Nepomunceo (2009), o compromisso desta gerao
de cineastas era com abordagens mais humanas a respeito da homossexu-
alidade e na complexificao das subjetividades ambguas e transgressivas
(NEPOMUCENO, 2009, p. 02). O New Queer Cinema proporcionaria visibili-
dade s relaes de subjetividades que atravessam tanto os modelos tradicionais
de sexualidade como a fora das escolhas pessoais do prprio corpo e do que
Margarete (2009) chama de autorreferncia de gnero.
A homossexualidade dos personagens j est inserida no contexto da
relao amorosa entre ambos e representa um substrato das relaes contem-
porneas estabelecidas entre jovens gays da classe mdia brasileira. O que
pretendemos debater neste texto so exatamente as nuances que se apresentam
com a formao de um ncleo familiar que inclui um irmo mais novo, o irmo
mais velho e o namorado do irmo mais velho. Caf com Leite no pretende
ser um tratado sobre as relaes homossexuais ou diversidade de famlias,
mas uma narrativa sutil cujo principal elemento o afeto.
Lopes (2006) afirma que a representao social possibilita uma poltica
identitria de confronto e marcao das diferenas. O cinema assume papel

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fundamental ao enfatizar as mltiplas relaes sociais que se apresentam na


contemporaneidade. Tal estratgia coloca em cheque a relao entre estere-
tipo, estigma, reconhecimento, representao e inclusive a cultura. A partir
desta afirmao, faz-se necessria a defesa da incluso das imagens positivas
da homossexualidade, levando em considerao o carter estruturante das rela-
es de reconhecimento e representatividade que emergem das telonas (LOPES,
2006).
Danilo confrontado com uma nova realidade. Os pais morrem e ele se
torna o responsvel pelo irmo mais novo, o caf com leite. No mpeto de
construir uma nova famlia, Danilo inicia a aproximao entre Marcos e o irmo
Lucas. Mesmo tendo que adiar alguns planos que havia feito com o namorado,
Danilo enxerga nessa nova reconfigurao familiar que se apresenta uma opor-
tunidade para serem felizes.
A sociedade contempornea percebe a entidade famlia como a mais
natural das instituies, conforme frisa Zambrano (2006). a famlia o ncleo
estruturante pelo qual transmitido os valores culturais importantes para a
valorizao do indivduo. Contudo, essa naturalidade se apresenta, tambm,
com a falsa ideia de universalidade. Muitos estudos desmistificam, sobretudo
no campo da antropologia, a ideia normativa de concepo de famlia univer-
sal, visto que tal instituio fruto de seu tempo, espao e cultura ao qual est
inserida (ZAMBRANO, 2006).
Elizabeth (2006) explica que o modelo familiar mais comum no ocidente
corresponde ao da famlia nuclear: um pai, uma me e filhos. No Brasil este
termo tem sido substitudo pela sociedade pelo conceito de famlia tradicio-
nal. Tal entidade constituda pela necessidade biolgica que infere e para
formar tal ncleo so necessrios um homem e uma mulher que, por sua vez,
devem produzir uma criana. Tal fato apresentado como uma verdade irrefu-
tvel, pois uniria dois mbitos que no abririam margens para questionamentos:
o biolgico e o social. A crtica a esse modelo justamente na desconsiderao
das diferentes formas de expresso da famlia, fundadas nas variaes tempo-
rais, espaciais e em uma mesma poca e local (ZAMBRANO, 2006).
Em meio a dor e a angstia, a relao entre os irmos se torna mais forte.
como se Lucas transferisse ao irmo a imagem paterna e materna. Caf com
leite uma tpica sentena brasileira que designa uma pessoa, dentro de um
jogo, ou brincadeira, que no pode ser coberta de forma integral por todas as
regras, j que se trata de algum menor, com menor nvel de compreenso do

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que est a sua volta. Em geral, caf com leite sempre o irmo caula de
algum da turma de brincantes.
Quando Lucas pede para Marcus fazer seu leite, o pedido muito maior
do que um misturar de lquido, e sim uma necessidade de ateno, afeto que
se transferiu dos pais para o irmo. neste momento que percebemos o quanto
Danilo no estava preparado para essa realidade. Ao esquentar o leite no micro-
-ondas, ele perde o ponto e o deixa quente demais. Esta a deixa para uma
das cenas finais, em que Danilo experimenta vrios nveis de temperaturas em
vrios copos de leite at encontrar o que mais agrada ao irmo, apontando que
ele est se esforando para compreender a nova realidade, a nova famlia.
Danilo no sabe a srie que o irmo cursa, apontando um abismo na
relao entre os dois e reforando o quo difcil est sendo para ambos lidarem
com a situao. O roteiro exclui Marcus de parte dos primeiros seis minutos do
curta. A ausncia do namorado nos faz direcionar o olhar para relao entre os
irmos, para que ao retornar para a trama percebamos como Danilo acredita
na possibilidade de uma relao em que os trs convivam, revelando assim a
emergncia de um novo ncleo familiar.
A passagem de tempo, representada pelo consumo de caixas de leite
dispostas na dispensa, traz Marcus de volta trama e, j na primeira cena,
demonstra a fragilidade da relao entre ambos aps a morte dos pais de
Danilo. Marcus tenta se adaptar, mas, por limitaes bvias, j que a ruptura
do estilo de vida que levava com o namorado brusca, encontra dificuldades.
neste ponto que percebemos que o diretor apresenta a homossexualidade
como coadjuvante, que faz parte dos indivduos, e no faz disso um drama
principal, ou seja, seus dramas so outros que vo alm da aceitao da pr-
pria sexualidade e dos estigmas sociais que isso representa. Daniel lana um
outro olhar sobre o cinema produzido com histrias que envolvem personagens
homossexuais.
A nova realidade de Danilo o faz abdicar de uma viagem que faria ao lado
do amado Marcus, planejada antes da tragdia. Ao perceber as dificuldades
que se apresentam, Marcus decide viajar sozinho. Com a viagem do namo-
rado, Danilo encontra na companhia do irmo o afeto familiar necessrio em
momentos de ruptura, ainda que tal ruptura parea temporria, j que Marcus
deve voltar.

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Consideraes finais

Representar um casal homossexual nas telonas sem que, contudo, a


condio homossexual seja o mote condutor da trama um desafio. Com o
curta Caf com Leite, Daniel Ribeiro exercita essa proposta de forma exitosa,
ensaiando, inclusive, inserir um outro debate na agenda pblica, a questo das
famlias formadas por pessoas do mesmo sexo e/ou por descendentes, no caso
filhos/irmos, em que um deles assume o papel de provedor da famlia, atuando
como pai/me.
Produzir cinema sobre diferenas contribui para a criao de novos discur-
sos e saberes sobre a diversidade humana. A sutileza das relaes representadas
esteticamente por meio da arte do cinema, como no filme de Daniel Ribeiro,
pode sensibilizar a sociedade e engajar sujeitos sociais que se identificam com
a proposta na reflexo sobre papis sociais, de gnero e de afeio. Marcus,
Danilo e Lucas podem ser primos, amigos, vizinhos, amantes. Podem ser qual-
quer um, afinal, esta realidade representada pelo curta um fragmento dos
novos constructos sociais contemporneos.

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Referncias

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EDUCAO E MDIA, 2007, Bauru. Anais... Bauru: UNESP, 2007. Disponvel em:
<http://www.faac.unesp.br/publicacoes/anais-comunicacao/textos/30.pdf>. Aceso
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HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. 7. ed. Rio de Janeiro: DP


&A, 2003.

LOPES, Denilson, Cinema e Gnero. In: MASCARELLO, Fernando (Org). Histria do


cinema mundial. 1 Edio. Campinas: Papirus, 2006. Cap. 15. p. 379-393.

NEPOMUCENO, Margareth. O colorido cinema queer: onde o desejo subverte ima-


gens. Artigo publicado no II Seminrio Nacional Gnero e Prticas Culturais: Culturas,
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SILVA, Tomaz Tadeu da. A produo social da identidade e da diferena. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 73-102.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferena: uma introduo terica e conceitual.


In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos
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ZAMBRANO, Elizabeth. Parentalidades impensveis: Pais/mes homossexuais,


travestis e transexuais. Horizontes Antropolgicos, jul/dez, ano 12, n. 26, 123-147,
dez. 2006. Disponvel em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832006000200006>
Acesso em: 03 mai. 2016.

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A SEXUALIDADE NA POESIA DE NATAN BARRETO:


UM RECORTE1

Rose Mary Abro Nascif


Profa. Dra. em Literatura Comparada (UFF)
Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Letras
(Graduao e Ps-Graduao)
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Um dos assuntos que mais desperta interesse e controvrsias alude ao sexo,


ainda que suscite desconforto por certo temor ao ridculo ou por repugnncia
(FOUCAULT, 2009, p. 12-13), motivo pelo qual, durante sculos, os nicos luga-
res de tolerncia para abord-lo teriam sido o prostbulo e o manicmio, para
fora de cujas fronteiras apenas se lhe reservaria o trplice decreto de interdio,
inexistncia e mutismo (FOUCAULT, 2009, p. 11). Todavia, paradoxalmente,
nunca se deixou de falar sobre sexo, ainda que fosse para encobri-lo sob o
decoro das atitudes que escondem os corpos e a decncia das palavras lim-
pas dos discursos (FOUCAULT, 2009, p. 10), tendncia que atravessou sculos
para chegar at ns ainda carregado de melindres, distores e arbitrariedades.

1 Este artigo constitui um desdobramento de outro, mais amplo, intitulado A sexualidade na poesia
diasprica brasileira: traduo comentada de poemas selecionados de Natan Barreto, concebido
como trabalho de ps-doutoramento, ainda indito, sob a superviso da profa. Else R. P. Vieira, do
Queen Mary College da Universidade de Londres, instituio com a qual o Programa de Ps-gra-
duao em Letras: Estudos Literrios da Universidade Federal de Juiz de Fora mantm parceria de
colaborao em pesquisa acadmica, atravs do projeto interinstitucional Entre-lugares da literatura
da dispora brasileira (<http://pelomundobrasil.blogspot.com.br/>), patrocinado pela CAPES. Com
o corrente texto, porm, nos restringimos to somente ao mote temtico em pauta sexualidade ,
por entendermos que a condio diasprica do autor resulta irrelevante nesta oportunidade.

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Uma assertiva, porm, que no encontrar respaldo na poesia de Natan


Barreto, que em Aps o golpe do orgasmo evoca o sexo situando-o no centro
do discurso do sujeito potico para expressar seu prazer orgstico, absorvido
por toda uma imagtica de sensualidade que o conduzir ao xtase.
Aps o golpe do orgasmo
(Esconderijos em papis, p. 59)
Aps o golpe do orgasmo, esbarro no espasmo da perda.
O leite ferve na fonte e se derrama em mim.
Um alicerce de sombras desaba sobre labaredas.
Cenas dissipam-se em fuga, meu filme chega ao fim.
Escorregando das redes e das paredes do nada,
solto no espao que some, quando o cavalgar se acaba,
aps o golpe do orgasmo, caio no cho do meu corpo,
a carne inerte, o punho morto intimamente anoiteo.
Sol que eu era, j no sou; sonho dissolvido smen.

O orgasmo configura-se no poema como uma condio passageira de


completude vital, prazerosa, contraposta ao subsequente retorno abrupto ao
mundo real (sonho dissolvido), precipitando-se inerte na frieza do solo da
existncia. Contudo, a cena descrita sugere, mais exatamente, o desdobra-
mento de um ato de onanismo (a carne inerte, o punho morto intimamente
anoiteo./), cuja libido se estimula por auto-induo atravs de projees fan-
tasiosas (Cenas dissipam-se em fuga, o filme chega ao fim./) que aguam seu
apetite sexual at alcanar sua plena satisfao. Enfim, resta-lhe apenas o fluido
corpreo, nico vestgio do gozo agora derramado sobre a realidade mundana.
Todavia, amparado pelo escudo da poesia, o autor se despe, sem culpa,
para versar sobre o assunto, conquanto h dcadas [...] que s falamos de sexo
fazendo pose [...] (FOUCAULT, 2009, p. 13), quase sempre esboando descon-
forto em frases evasivas, cheias de recato moralista. A auto-exposio corrobora
a sua tendncia para o confessional, ratificando a premissa foucaultiana de que
s prticas sexuais consideradas desviadas ou perifricas prescrevia-se a
confisso, a despeito do controle a que estavam submetidas pela polcia do
sexo, reservando-as ao mbito privado, valorizando-as apenas enquanto um
segredo a ser mantido (FOUCAULT, 2009, p. 42).

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Prescries confessionais parte, o autor se mostra na intimidade como


quem j no teme a censura, j no teme ser o que . Sequer h temor em con-
fessar-se atrado por algum do mesmo sexo, como ocorre em Opostos iguais:
Opostos iguais
(Sob os telhados da noite, p. 93)
Dizem que os opostos se atraem.
Meu oposto me igual.
Meu igual o meu oposto.
Vejo em seu corpo
um reflexo do meu corpo.
Fico cara a cara com o meu igual,
corpo a corpo,
rosto a rosto;
com o meu igual, que o meu oposto.
H opostos que se atraem,
e h iguais;
de igual forma, h iguais.
Eu atraio o meu igual
que igualmente me atrai.
Atrair ou ser atrado
no voluntrio gesto,
no gesto escolhido.

O sujeito lrico parte do consagrado princpio fsico que prev a atrao


entre duas cargas eltricas de polos distintos para, em seguida, refut-lo. A con-
dio humana, afinal, embora atrelada s correntes leis naturais, est suscetvel
ao contraditrio, capaz de surpreender a mais inflexvel lgica cartesiana. Com
efeito, embora ainda vigore um irrefutvel conluio de vigilantes empenhados
na preservao da sociedade contra as chamadas abominaes sexuais a que
estaria exposta, tambm inegvel que mudanas interessantes tm ocorrido
em termos de disperso de sexualidades, tornando-as mais perceptveis e hete-
rogneas em suas formas de manifestao e campo de ocorrncias. Com isso,
admitir a prpria homossexualidade presume um ato de inconformismo contra
as ordens civil e religiosa que, por sculos, a enquadraram como uma forma
extrema de contraveno, cuja prtica infringiria decretos to sagrados como
os do casamento [...] estabelecidos para reger a ordem das coisas e dos seres
(FOUCAULT, 2009, p. 45), e a cujos praticantes chegou-se a taxar de criminosos.

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No obstante, malgrado hoje em dia esteja desembaraada do estigma da


criminalidade, a homossexualidade ainda se predispe a ocultar-se por trs da
discrio para escapar a outras circunstncias de intolerncia e violncia. Uma
invisibilidade, contudo, que no inviabiliza a sua existncia, cuja expresso
encontra na linguagem potica um instrumento de representao e resistncia,
a despeito da contumaz homofobia, explcita ou no.
Enquanto fora criadora, a poiesis confere ao poeta um poder particular
de percepo, atravs do qual ele exercita seu livre arbtrio como meio de
demarcar sua presena no mundo. Da a transcendncia do poema, cujo poten-
cial transgressor suscita reflexes em torno de um assunto que at hoje fomenta
tantas disputas entre tericos e entre instituies sociais quando da discusso
sobre os valores ticos, morais, legais e polticos na ainda incua busca por
definies cabais sobre o tema.
A propsito, caber ao prprio poeta a deciso pelo legado que ele pre-
tende conferir ao mundo, conquanto seus distintos eus tm se revezado ao longo
de sua existncia at chegarem ao estgio presente, tambm transitrio, num
processo contnuo de mutao. Cada um deles se desdobra em outro, acom-
panhando em sucessivas etapas virtuais o sujeito real, que, paradoxalmente,
se quer irreproduzvel, completo em si mesmo, despojado de descendentes,
certo de que sua posteridade se encerrar consigo. Ele ser seu ponto final,
um galho em cuja rvore genealgica no germinar, a no ser no plano vir-
tual, na forma de duplos vindouros, seus nicos e factveis herdeiros, assim
expresso em rvore genealgica:
rvore genealgica
(Sob os telhados da noite, p. 25)
Minha vida vai parar em mim,
pois os meus filhos talvez nunca sejam.
Na rvore genealgica da famlia,
o galho que me sustenta
s sustenta a mim.
leve e no se ramifica em outros galhos.
Enquanto a rvore toda sabe que poder continuar a crescer,
o galho que me sustenta
j sabe que j tudo o que poder vir a ser.
Da minha parte s brotam galhos invisveis...
so os filhos que nunca tive.
E esses galhos seguem por sua vez...
so os filhos dos filhos que nunca terei.

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Com uma vasta gama de significados, o simbolismo da rvore evoca a


imagem de sustentculo do mundo, cujos galhos (a diversidade) se propagam a
partir de um tronco comum (a unidade), da mesma maneira que a evoluo e
o conhecimento se multiplicam pelo mundo. Acredita-se que seu simbolismo
csmico tenha se originado de cultos nos quais a rvore personificava a fecunda
Me Terra, razo pela qual, apesar de sua verticalidade flica, esteja habitual-
mente associada ao feminino e ao maternal (TRESIDDER, 1998, p. 208-209).
Por isso, com frequncia, ela tambm se configura como a metfora de toda
a criao. No poema, o sujeito potico insinua que seus filhos talvez nunca
sejam, pois no haver lugar para outros seno ele prprio; dele no nascero
outros frutos, cuja improbabilidade de nascer, confere leveza ao galho, isento
que estar do peso de outros corpos. Sem motivos expressos porm presu-
mveis , o sujeito potico rejeita a possibilidade de procriao, recusando-se a
render-se ao modelo regulador de comportamentos que prev como normal e
legtimo apenas a sexualidade reprodutiva. Aquele que estiver fora das normas,
o anormal, dever sofrer as sanes, reiterando, assim, a concepo de que
sobre o sexo alheio aos padres aceitveis reprodutor , nada deva ser dito,
visto ou sabido. E, se por ventura o suposto estril insistir em sua esterilidade
voluntria, dever ser ao mesmo tempo expulso, negado e reduzido ao siln-
cio (FOUCAULT, 2009, p. 10).
No obstante, o sujeito potico parece determinado a violar essa lei dos
homens, fazendo-a vigorar num plano paralelo, associado por ele a uma esp-
cie de metafsica dos corpos. Neste mbito, onde a lei mundana no o alcana,
ele transcende a materialidade fsica para dar livre curso sua existncia, repro-
duzindo-se numa dimenso abstrata, perpetuando-se por outras vias. Por sua
vez, no plano objetivo, o poeta esquiva-se das sanes ao romper o silncio
atravs da criao potica, capaz de render-lhe frutos invisveis, de outra natu-
reza. No que lhe concerne, a famlia (a rvore genealgica) est ciente de que
poder continuar a crescer, sem a participao direta do sujeito potico, que
se mantm isento da obrigatoriedade de procriar e de levar adiante a expec-
tativa tradicionalmente depositada em especial sobre os vares no sentido de
promover a perpetuao da linhagem a que pertencem. Essa lgica pautada
na reproduo da espcie se desdobra em conceitos fundamentalistas a partir
dos quais a famlia, concebida como clula mater da sociedade, configura-
-se como o primeiro grupo social a acolher o indivduo, de quem se espera

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estabelecer com ela laos indissolveis, comprometido com os papis sociais a


ele predeterminados.
Nesse aspecto, a despeito de sua natureza preponderantemente ficcional,
a poesia torna-se um instrumento privilegiado de expresso discursiva articulada
pelo poeta, neste caso particular, a partir de pulses sexuais aliadas a sua hist-
ria pessoal. Ser nos rudos dessas silenciosas linhas onde encontraremos uma
fora subliminar e combativa que desestabiliza a austera monarquia do sexo
enquanto entidade opressora e proibitiva. Entrementes, embora este embate
parea infinito e to desigual nas suas frentes sociais, polticas e jurdicas, o
estatuto transgressor da homossexualidade no deve apoiar-se na sua vitimi-
zao ainda que eventualmente justificvel , pois preciso viv-la como se
no fosse fora-da-lei, mas sim apoiada e protegida por ela, integrada plena-
mente ao circuito social, em todas suas instncias, desimpedida de culpas e de
constrangimentos.

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Referncias

BARRETO, Natan. Esconderijos em papis. Salvador: Kalango, 2007.

___________. Sob os telhados da noite. Salvador: Edio do autor, 1999.

FOUCAULT, Michel. Histria da sexualidade: a vontade de saber. v. 1. Trad.: Maria


Thereza da Costa Albuquerque; J. A. Guilhon Albuquerque. 19 ed. Rio de Janeiro:
Graal, 2009.

TRESIDDER, Jack. Dictionary of symbols: an illustrated guide to traditional images,


icons and emblems. San Francisco (USA): Chronicles Books, 1998.

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NO ME INCOMODA, MAS...

Camille Roberta Balestieri


Bacharela em Comunicao e Multimeios (UEM)
Mestranda no Programa de Ps-Graduao em Comunicao (UFJF)
Pesquisadora do Grupo de Estudos em Gnero, Sexualidade, Educao e
Diversidade (GESED/UFJF)
[email protected]

Lia Maria Manso Siqueira


Bacharela em Direito (UFJF)
Mestra em Direitos Humanos e Inovao (UFJF)
[email protected]

GT 08 - Gnero, diversidade sexual, emoo e moralidade

Resumo

A cibercultura oportuniza novas compreenses dos espaos e reconfigura os


processos de reconhecimento de sujeitos, inaugura, portanto, novas formas
de circulao de discursos. A partir destas reflexes, interessa-nos discutir a
rede social facebook como espao de disputa de discursos sobre LGBTTs entre
sujeitos que buscam estima e reconhecimento de suas identidades de forma
complexa. As conceituaes sobre reconhecimento adquirem uma importn-
cia substancial na contemporaneidade, principalmente para elucidar a relao
intrnseca e necessria entre subjetividade e intersubjetividade. Para tal, ana-
lisaremos os comentrios sobre a campanha contra a LGBTTfobia Por que a
gente te incomoda? colhidos na pgina oficial da Universidade Federal de Juiz
de Fora.
Palavras-chave: Diversidade; Sexualidade; Cibercultura; Reconhecimento;
Identidade.

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Introduo

Para pensar em identidades em disputa no ciberespao preciso consi-


derar as ambivalncias emergentes em suas formaes na passagem do sculo
XX para o XXI: o desenvolvimento e os usos das tecnologias de comunicao
agenciam a globalizao e cosmopolitismo criadores de identidades hegem-
nicas ao mesmo passo em que oportunizam a emergncia de expresses de
identidades coletivas desviantes (CASTELLS, 1999).
O presente trabalho objetiva compreender como desenhada a intersub-
jetividade atravs do ciberespao. Intentamos investigar, como estas instncias
de dilogo agem para pautar e ampliar a luta por reconhecimento (HONNETH,
2003). A pesquisa observa os fluxos de discursos no ambiente da rede social
facebook no que diz respeito s reaes de estima ou depreciao a partir da
campanha de combate LGBTTfobia Por que a gente te incomoda, veiculada
pela Universidade Federal de Juiz de Fora em Maio de 2016.
Para analisarmos os contextos de cibercultura adotamos como marcos as
contribuies de Castells (1999) e Pierre Lvy (1999). Estes sero sopesados e
compreendidos atravs dos marcos da teoria do reconhecimento utilizados na
presente pesquisa como Axel Honneth (2003) e Nancy Fraser (2001), em con-
vergncias com os estudos culturais sobre identidades e diferenas de Stuart
Hall e Kathryn Woodward (2005).

As tenses do trinmio identidade diferenas reconhecimento

Ao vislumbrarmos os estudos culturais percebemos que as representa-


es so compreendidas como um sistema lingustico e sociocultural vinculado
s relaes de poder. Atravs dos significados produzidos pelas representa-
es que damos sentido nossa experincia e quilo que somos (HALL;
WOODWARD, 2005).
Nesse sentido, de alguma forma, um dado aspecto do mundo pode ser
representado de diferentes formas em um discurso, texto ou representao
audiovisual, de modo que as distintas formas de representao esto sujeitas a
escolhas lingusticas e imagticas que sero realizadas em construes discursi-
vas, instanciadas nas mais diversas prticas sociais. Por meio das representaes
a identidade e a diferena passam a existir, articuladas e transpassadas pela luta

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por reconhecimento em ambientes conflitivos e dinmicos em uma verda-


deira gramtica moral dos conflitos sociais.
Aprofundando a anlise na gramtica social dos conflitos (HONNETH,
2003). Para Honneth, por meio de relaes intersubjetivas, os indivduos esta-
belecem trs formas de interao social: a primeira delas a autoconfiana,
que se expressa nas relaes de amor a amizade por meio das quais a unidade
originalmente simbitica entre me e filho ir se romper, originando instncias
de autonomia apoiadas pela dedicao materna; a segunda forma de reconhe-
cimento ocorre por meio da atribuio de direitos universais que permitem aos
indivduos alcanarem um sentido de autorrespeito - por meio de relaes
juridicamente institucionalizadas que os cidados constroem a sua autoima-
gem; a terceira forma de reconhecimento constitui a dimenso da autoestima,
por meio da qual os indivduos so socialmente estimados por seus atributos
singulares na esfera da diviso do trabalho de uma comunidade. Ainda em
Honneth, somente quando os indivduos se propem a rearticular as relaes
de interao social, possvel superar a tenso afetiva inerente ao potencial
emancipatrio das experincias de sofrimento (HONNETH, 2003).
Os entraves nas supracitadas dimenses significaro formas de desres-
peito definidas por Honneth (2011), so elas: maus-tratos e violao; privao
de direitos e excluso; degradao e ofensa. O desrespeito em cada uma des-
tas dimenses possibilita ameaas aos componentes da personalidade como a
integridade fsica, a integridade social e a honra/dignidade (HONNETH, 2011).
Nesta proposta, a teoria do reconhecimento passa, atualmente, a ser vista
como uma nova possibilidade de interpretao para uma teoria crtica alterna-
tiva para os problemas das sociedades contemporneas.
Fraser, assim como Honneth tambm pretende estabelecer uma teoria
social crtica a partir das contribuies de Habermas e Foucault (SILVA, 2005).
Partindo destes, criticamente, percebe que a proposta foucaultiana revela as
assimetrias do poder, contudo, a ausncia de normatividade, impede pensar-se
em uma prtica emancipatria. A proposta habermasiana, por sua vez, ela-
borada em torno de critrios normativos, entretanto, Fraser pondera (FRASER,
2001), o autor no atenta em seu modelo para as disparidades derivadas das
relaes de dominao como as questes de gnero e raciais, no problemati-
zando o conceito de esfera pblica.
Em via paralela honnethiana, a autora refletir sobre compreender o
reconhecimento como uma questo de justia. Assim, na questo de o que

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h de errado com o no reconhecimento a resposta no deveria direcionar-se


para a distoro do sujeito em sua relao prtica com o self, mas para que
injusto que alguns indivduos e grupos neguem o status de parceiros sociais
plenos, nos papis institucionalizados de valor cultural, para aquelas(es) que
no puderam participar de maneira equnime nestas construes. Logo, em
Fraser (2001), tratar o reconhecimento/ no reconhecimento pelo vis da justia
impe-nos olhar para o status social e se os padres culturalmente valorados
permitem que todos os atores possam atuar como pares, este seria o caminho
para falarmos em reconhecimento recproco e status de igualdade.
Em uma anlise inicial da campanha no ciberespao partimos de algumas
premissas das teorias do reconhecimento. Assim, afirmamos inicialmente que
as pautas da diversidade sexual so percebidas no apenas como mecanismos
de reao s opresses experimentadas, mas tambm pela inteno e disputas
pela formulao de um novo projeto de sociedade filtradas pela apresentao
de demandas e interpretadas em discursos contra hegemnicos e novas prticas
coletivas de pertencimento grupal.
Diante das compreenses honnethiana e fraseriana, estas batalhas de reco-
nhecimento abarcam um potencial emancipatrio e coletivo: busca-se a estima
social mas no pelo abrandamento da diferena, mas por meio da contestao
do pensar/agir hegemnico. Assim percebemos na campanha estudada. Esta, ao
lanar aos usurios da rede questionamentos sobre o incmodo, potencializa a
identidade divergente da normalizada pelo discurso heteronormativo buscam
reconhecimento como uma reivindicao por justia e equnime participao
no projeto de construo social.

A luta por reconhecimento no ciberespao

Pierre Lvy (1999), referencial recorrente nos estudos sobre o ciberespao,


prope que na cibercultura expressado o ensejo pela construo de um lao
social que se d pela reunio em torno de interesses comuns, pela colabo-
ratividade, aprendizagem cooperativa e compartilhamento do saber. O autor
defende o ideal da democracia eletrnica na qual cidados e cidads pode-
riam gerir as comunidades locais por meio de auto-organizaes, democracia
em que as deliberaes estariam ao alcance das pessoas e grupos diretamente
afetados pelas decises e em que a transparncia na construo e avaliao
de polticas pblicas seria garantida. A observao da atuao de usurios e

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usurias no ciberespao faz com que as proposies de Lvy paream otimistas


demais (ou at ingnuas): a no compreenso dos limites entre pblico e pri-
vado e das redes sociais como espao pblico distanciam a internet do ideal de
gora eletrnica, lugar de debate, compartilhamento de saberes e construo
coletiva e a aproximam de lugar de violaes de direitos e vivncias.
Alm disso, necessrio considerar as especificidades das redes sociais
enquanto espaos pblicos: o facebook, por exemplo, uma empresa multina-
cional cuja maior parte da receita gerada pelos anunciantes. Trata-se portanto
de uma empresa privada que atende a interesses mercadolgicos. Os Padres
de Comunidade1 do facebook defendem o ideal da diversidade e estabelecem
que a misso da empresa ofertar s pessoas a possibilidade de compartilhar e,
dessa maneira, tornar o mundo mais conectado e aberto, entretanto, possvel
averiguar que os interesses de grupos hegemnicos e elites econmicas pre-
valecem sobre as lutas das minorias (basta relembrarmos os casos de ataques
racistas a famosas2, as movimentaes de grupos misginos para tirar pginas
feministas do ar3 e a dificuldade do suporte do facebook acatar denncias sobre
discursos de dio).

1 Padres de Comunidade do facebook. Disponvel em: <https://www.facebook.com/communitystan-


dards>. Acesso em 12 de jul de 2016.
2 Homem preso por ataques racistas a Tas Arajo e Maria Jlia Coutinho. Disponvel em: <http://
famosidades.com.br/famosos/homem-e-preso-por-ataques-racistas-a-tais-araujo-e-maria-julia-couti-
nho.html>. Acesso em 12 de jul de 2016.
3 Jout Jout Prazer e outras pginas feministas so tiradas do ar no Facebook. Disponvel em: <http://
blogs.ne10.uol.com.br/mundobit/2015/11/04/jout-jout-prazer-e-outras-paginas-feministas-sao-tira-
das-do-ar-apos-ataque-machista-online/>. Acesso em 12 de jul de 2016.

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Caixa de entrada do suporte do facebook

Observamos, portanto, que os discursos de dio que circulam na socie-


dade tambm esto presentes na internet. Da mesma forma, grupos oprimidos
articulam sua resistncia na rede, estes so os casos dos movimentos de enfren-
tamento s ditaduras e as indignaes no Egito, na Espanha, em Wall Street e no
Brasil em que por meio do uso de redes sociais

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[...] pessoas de todas as idades e condies passaram a ocupar o


espao pblico, num encontro s cegas entre si e com o destino
que desejavam forjar, ao reivindicar seu direito de fazer histria
sua histria , numa manifestao de autoconscincia que sempre
caracterizou os grandes movimentos sociais (CASTELLS, 2013, p.
7-8).

A disputa entre discursos de dio e movimentos de resistncia se torna


evidente quando observamos os comentrios feitos por usurios e usurias
do facebook sobre a campanha Por que a gente te incomoda na pgina da
Universidade Federal de Juiz de Fora, o lbum de fotografias4 e o vdeo5 que
compem a campanha foram lanados no dia de Combate LGBTTIfobia (17
de maio) como parte das aes da Semana de Combate LGBTTIfobia com
o objetivo de provocar a reflexo sobre o preconceito.
No total, foram feitos 334 comentrios at o dia 30 de junho (244 no
lbum e 90 no vdeo). Antes de analisarmos o teor dos comentrios, assinalare-
mos alguns pontos que nos chamaram ateno: primeiramente, notvel que a
quantidade de comentrios de dio ou que tentam descredibilizar a campanha
so notavelmente menores que os comentrios que a elogiam - no total, foram
contabilizados 16 comentrios em desaprovao campanha feitos por dez
usurios e uma usuria. Um destes usurios fez cinco comentrios diferentes
sobre a campanha, a usuria e os outros nove homens no emitiram mais de
um comentrio nas publicaes selecionadas para a anlise. Tambm not-
rio que estes comentrios encorajam respostas da mesma natureza por parte
de outros/as usurios/as, como se esses/as aguardassem o respaldo de mais
pessoas para emitir suas opinies. Os comentrios que pe a campanha em
descrdito geram discusses que envolvem quem os respalda e usurios/as que
apoiam a campanha.

4 Por que a gente te incomoda? - Semana de Combate LGBTTIfobia. Disponvel em: <https://www.
facebook.com/souUFJF/photos/?tab=album&album_id=1172091196155566>. Acesso em 12 de jul
de 2016.
5 Somos como voc. Por que a gente te incomoda?. Disponvel em: <https://www.facebook.com/
souUFJF/videos/1172100262821326/>. Acesso em 12 de jul de 2016.

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Consideraes finais

Diante dos apontamentos e levantamentos preliminares pudemos notar


que as disputas e discursos sobre a diversidade e ampliao da esfera de estima
social encampa no apenas a temtica da sexualidade mas uma proposta con-
tra hegemnica de existir e se articular em patamares para alm do individual. A
busca por reconhecimento demonstra, atravs da cibercultura, potenciais cres-
centes de ampliao e disperso de pautas e reivindicaes por realizao de
justia na vivncia das diferenas, como prope Nancy Fraser (2001). Contudo,
recapitulando a viso honnethiana (HONNETH, 2003), estas buscas por reco-
nhecimento, e de reao s situaes de desrespeito, no ocorrem de maneira
linear mas frente a uma gramtica moral dos conflitos sociais dinmica e em
tenso de avanos, retrocessos e resistncias reacionrias.

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Referncias

CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. So Paulo: Paz e Terra, 1999.

LVY, Pierre. Cibercultura. 2. ed. So Paulo: Editora 34 Ltda, 1999.

FRASER, Nancy. Da redistribuio ao reconhecimento? Dilemas da justia na era


ps-socialista. Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrtica contem-
pornea. Braslia: Editora Universidade de Braslia, p. 245-282, 2001.

HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferena: a perspectiva dos


estudos culturais. Editora Vozes, 2005.

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramtica moral dos conflitos sociais.
Ed34, 2003.

HONNETH, Axel. Luta pelo Reconhecimento: para uma gramtica moral dos con-
flitos sociais. Ed. 70, 2011.

SILVA, JP da. Teoria crtica na modernidade tardia: sobre a relao entre redistribuio
e reconhecimento (verso preliminar). Texto apresentado no GT25 Teoria Social e a
Multiplicidade da Modernidade do XXIX Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu, 2005.

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HOMOEROTISMO EM TERA-FEIRA GORDA,


DE CAIO FERNANDO ABREU

Jaqueline Ferreira Borges


Mestranda pelo Programa de Ps-Graduao em Estudos Literrios
Universidade Federal de Uberlndia (UFU)/ FAPEMIG
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

O objetivo deste artigo apresentar uma anlise sobre o conto de Caio Fernando
Abreu, intitulado Tera-feira gorda (1982) e os alcances literrios dessa vertente
homoertica, bem como as problematizaes que vem sendo apresentadas
na atualidade. Sabendo que a literatura se apresenta como frtil terreno para
pensar questes relacionados ao corpo, sexualidade e gnero, abordado ser,
um conto contemporneo e de vertente homoertica. Atravs de leituras sobre
o contedo abordado e buscando auxilio terico em escritores que tratam
homoerotismo, violncia e literature, pretende-se analisar o conto e os aspectos
homoerticos presentes na narrativa, bem uma anlise comentada da obra em
questo.
Palavras-chave: Literatura; Caio Fernando Abreu; Tera-feira gorda;
Homoerotismo.

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Introduo

As relaes entre Literatura e sociedade dialogam cada vez mais, a litera-


tura de Caio Fernando Abreu abarca questes extremamente atuais e carregadas
de crticas sociais, apresentando acontecimentos cotidianos e conflitos na rea-
lidade brasileira, bem como os comportamentos desses indivduos em diversas
situaes.
O conto a ser apresentado, faz parte dessa esttica contempornea que
se apresenta questes sociais, esquadrinha novos caminhos e desconstri a lite-
ratura convencional, ampliando o conceito de literatura e subvertendo o que
antes era tido como concepo literria.
Desta feita, analisaso o conto tera-feira gorda, de autoria do j mencio-
nado Caio Fernando Abreu, que apresenta um narrador personagem com o
intuito de criar uma empatia do leitor em relao narrativa. O jogo de sedu-
o e os aspectos erticos narrados a todo tempo no conto, no faz com que o
leitor espere um fim to trgico.
Nascido em 1948, Caio Fernando Abreu escreveu vrios contos e roman-
ces, como Pedras de Calcut (1977), Morangos Mofados (1982), Limite Branco
(1994), entre outros. A escrita de Abreu no homognea, pois ora apresenta
uma estrutura linear, ora uma estrutura fragmentria, num entrelaado de for-
mas, estilos e linguagens. Na mesma proporo que usa uma linguagem vulgar,
tambm explora a forma culta da lngua, apresentando a diversidade e plurali-
dade em seus escritos.
Segundo Ana Paula e Luana Teixeira Porto, a literatura de Caio Fernando
Abreu ainda no fortemente explorada pela crtica.
A produo literria de Caio Fernando Abreu, embora tenha sido
consolidada como representativa na literatura brasileira contem-
pornea, tem recebido relativamente pouca ateno de estudiosos
e crticos literrios, especialmente quanto a pesquisas que obser-
vam o teor social de sua obra. Compreende como textos do autor
expressam uma viso de mundo pautada em valores e ideologias
que primam pela liberdade individual [] o que torna fundamental
para construir um sentido a seus textos e articular a tendncia est-
tica social, podendo-se determinar a sua importncia no contexto
literrio brasileiro. (PORTO, A. P. T. et al, 2004. p.62).

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Caio Fernando Abreu apresenta em seus escritos, aspectos que se cons-


troem por meio da explorao de temas que esto em evidncia no cenrio
social. Assim, Abreu destaca aspectos contemporneos, entendido por Karl
Erik Schollamer (2009, p. 9), como aquele que, graas a uma diferena, uma
defasagem ou um anacronismo, capaz de captar seu tempo e enxerga-lo e
completa dizendo que a literatura contempornea no est, obrigatoriamente,
apresentando a atualidade, a no ser que mostre alguma inadequao do
momento atual.
A sexualidade, tida desde muito cedo na histria como algo proibido e
oculto, narrado de maneira natural no conto de Abreu. A relao homoertica
que perpassa todo o conto, fortalece a representao de que a homossexuali-
dade no incomum ou excepcional.
Caio Fernando Abreu apresenta o livro Morangos mofados, publicado em
1982, publicando-o em um perodo que o Brasil estava mergulhado em censu-
ras e restries. Abreu foi capaz de perceber os problemas sociais e transmit-los
de forma artstica em sua obra. O conto Tera- feira gorda, de Caio Fernando
Abreu, encontra-se na primeira parte de seu livro Morangos Mofados, intitu-
lado O mofo.
O protagonista encontra outro rapaz em um baile que acontecia durante o
perodo de carnaval, ambos sem nome, tinham esteretipos diferentes dos que
ele conhecia como os das bichas, descontruindo o julgamento da sexualidade
do indivduo a partir de suas aparncias: E ele no parecia bicha nem nada
(ABREU, 2009, p.57).
O narrador continua apresentando o desejo daquele homem: apenas um
corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o meu, que
por acaso era de homem tambm (ABREU, 2009, p.57). A representao dos
personagens que protagonizam a relao homoertica demonstra a ruptura de
esteretipos que classificam os gneros diversos.
O conto se passa em um cenrio urbano, incialmente em um baile e depois
na areia de uma praia. Contendo apenas dois personagens como principais e,
alm deles, apenas o grupo de agressores que abordam o casal com violncia.
narrado em poucas pginas, como caracterstica primordial do gnero, no
entanto apresenta diversas questes plausveis de discusses e reflexes sociais.
Curto, porm, denso.
Em Tera- feira gorda, encontramos um narrador personagem, funcio-
nando como uma estratgia para que se crie empatia do leitor com a situao

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narrada no conto, convidando o leitor a partilhar daquela situao, desde o jogo


ertico violncia que os personagens sofrem.
Em um baile, o protagonista se sente atrado por um rapaz, ento ambos
participam de um jogo ertico e de sedues, marcado por trocas de olhares,
buscando a confirmao de um interesse recproco. Percebendo que j estavam
eroticamente presos um ao outro, se aproximam fisicamente, trocando carinhos
e frases que reforavam a atrao, at que decidem ir para um lugar mais reser-
vado para que pudessem se beijar e se aproximarem como quisessem.
Decidem, ento, se dirigir praia a fim de encontrar maior privacidade
para desfrutarem de seus desejos. L eles usaram drogas, se admiraram e ento
brilham:
A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar aper-
tado assim porque nos completvamos desse jeito, o corpo de um
sendo a metade per- dida do corpo do outro. To simples, to cls-
sico. A gente se afastou um pouco, s para ver melhor como eram
bonitos nossos corpos nus de homens estendidos um ao lado do
outro, iluminados pela fosforescncia das ondas do mar. Plncton,
ele disse, um bicho que brilha quando faz amor. E brilhamos.
(ABREU, 2009, p.59)

O conto se dirige ao fim quando os amantes so surpreendidos por um


grupo violento que descontroladamente maltrata o casal que se amara na praia.
O narrador protagonista consegue fugir, porm, o seu plncton pego e massa-
crado pelo impetuoso grupo.
E ento conclui que Fechando os olhos ento, como um filme contra as
plpebras, eu conseguia ver [...] a queda lenta de um figo muito maduro, at
esborrachar-se contra o cho em mil pedaos sangrentos (ABREU, 2009, p. 59),
atravs da metfora do figo, narra ento que o seu parceiro havia sido morto
violentamente.

Aspectos de crtica social apresentados no conto

Para pensar a questo da agressividade, Jurandir Freire Costa (2003)


aponta que ela est arraigada ao indivduo de maneira instintiva e autnoma do
prprio ser humano, e completa que a civilizao encontra a o seu obstculo
mais temvel. Ainda a partir de Costa, ele apresenta a violncia como fruto

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do inconsciente. nasce da moo inconsciente, do movimento da pulso que


tende destruio, sem que haja mediao de nenhum motivo ou interesse da
razo. (COSTA, 2003, p. 39).
A violncia sofrida pelo casal em Tera- feira gorda se estabelece nesse
conceito de violncia apresentado por Costa (2003), pois eles no tiveram a
oportunidade nem de se defenderem, foram brutalmente pegos: Mas vieram
vindo, ento, e eram muitos. Foge, gritei, estendendo o brao. Minha mo agar-
rou um espao vazio. O pontap nas costas fez com que me levantasse. Ele
ficou no cho. Estavam todos em volta. (ABREU, 2009, p. 59)
A homofobia tem crescido demasiadamente no Brasil, a tolerncia,
devendo ser superada com o passar o tempo, faz um percurso contrrio, se
tornando uma questo preocupante e cada vez maior. A ultrapassada discri-
minao insiste em sobreviver, fazendo com que determinados grupos sejam
colocados margem da sociedade.

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Referncias

ABREU, Caio Fernando. Morangos mofados. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
BATAILLE, George. O erotismo. Trad. Joo Brnard da Costa. Lisboa: edies
Antgona,1988.

BORGES, Luciana. O erotismo como ruptura na fico brasileira de autoria feminina:


um estudo de Clarice Lispector, Hilda Hilst e Fernanda Young. Florianpolis: Ed.
Mulheres, 2013.

CANDIDO, Antnio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul. 2008.
204 p. COSTA, Jurandir Freire. Violncia e psicanlise. Rio de Janeiro: Edies Graal.
2003. 249 p. JUNIOR, Arnaldo Franco. Intolerncia Tropical: Homossexualidade e
violncia em Tera-feira gorda, de Caio Fernando Abreu. Revista do Centro de Artes
e Letras. Santa Maria: UFSM, (1), jan/jun. 2000.

PORTO, Ana Paula Teixeira; PORTO, Luana Teixeira. Caio Fernando Abreu e uma
trajetria de crtica social. Revista Letras, Curitiba, n. 62, jan. /abr. 2004. Editora UFPR.

SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Os cenrios urbanos da violncia na Literatura Brasileira.


In: PEREIRA, Carlos Alberto Messeder et al. Linguagens da violncia. Rio de Janeiro:
Rocco, 2000.

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A MULHER (OU QUASE) MAIS AUTNTICA


DE ALMODVAR: ANLISE DA PERSONAGEM
AGRADO NO FILME TODO SOBRE MI MADRE (1999)

Moraima Aparecida Anastcio Vilela de Melo1

Mrcio Antonio de Souza Maciel2

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo analisar o filme Todo sobre mi madre
(1999), do cineasta espanhol Pedro Almodvar, com foco principal na per-
sonagem travesti Agrado. Aps percorrer o universo flmico de Almodvar,
observando suas caractersticas sempre buscando referncias voltadas ao corpo
e gnero, permeamos os estudos feministas de gnero, a partir dessas teorias
levanta-se a discusso a respeito de gnero, corpo e construo do sujeito,
embasados na teoria feminista e teorias sobre o gnero. O artigo prope uma
reflexo sobre a importncia de se analisar essas experincias de margem para
que possam renovar as teorias feministas e de gnero.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; corpo; gnero; cinema; Pedro
Almodvar; Todo sobre mi madre (1999).

1 Professora graduada pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, UEMS/Campo Grande,
tutora da Ps graduao a distncia da Universidade Catlica Dom Bosco, UCDB. E-mail:moraima.
[email protected].
2 Professor adjunto da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, UEMS/Campo Grande, na rea
de Lngua e Literaturas de Lngua Espanhola, na Graduao em Letras, bem como no Mestrado
Acadmico em Letras. Tem experincia na rea de Letras, com nfase em literaturas de expresso
hispnica e literatura comparada assim como, tambm, tem interesse nos seguintes temas: questes
de gnero, subalternidade, homoerotismo e literatura gay.

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Introduo

Pedro Almodvar nasceu na Espanha, mais precisamente em Calzada de


Calavatra, em Castilla La Mancha, no comeo dos anos 50, e teve uma cria-
o rgida. Quando criana, estudou com os Salesianos e Franciscanos, porm
no se adaptava aos hbitos religiosos. Sua paixo pelo cinema comeou muito
cedo e com 8 anos ele j frequentava o cinema.
Mudou-se para Madrid em meio a uma vasta cultura, finalmente ele
encontra seu caminho.Segundo Janete El Haouli, o cinema de Pedro Almodvar
fala do corpo, acima de tudo sobre a intensidade sexual, a infmia e delrios de
luxria. Desta forma, em outubro de 1980, estreou o primeiro longa-metragem
Pepi, Lucy y Bom y Otras Chicas Del Montn,
apesar de ter influncias do movimento pop, ele conseguiu com que seu
filme ficasse original.
Pepi, Lucy y Bom mostrou apenas uma pequena parcela do que viria a ser
o mundo flmico de Almodvar, mundo esse que futuramente seria chamado
de cinema almodovariano. Seus filmes no foram bem vistos pelos crticos tra-
dicionais, por conter uma ironia muito forte e eram filmes superficiais para os
tradicionalistas, mas com o tempo tornou-se mais crtico.
Almodvar no d apenas vida para seus personagens, mas, tambm,
lhes d voz; oferece condies para que eles partam do universo marginalizado
e venham para o aconchego do cinema, fazendo com que temas polmicos
sejam tratados com naturalidade. Seus filmes propositalmente no possuem
enquadramento certo, tal feito se deve sua vivncia artstica e como produtor
de smbolos, partiu deste ponto de vista.
Em geral, suas personagens femininas, na maioria das vezes, so mulhe-
res sofridas, algumas j sofreram algum tipo de abuso sexual, tiveram tragdias
familiares ou traies. No entanto, essas personagens no ficam em condio
de vtima sofrendo, elas sempre sobrevivem, lutam pelos seus ideais, e supe-
ram, so solidrias umas com as outras.
Portanto, o cineasta inovou e vem inovando em seus filmes, seja com
temas polmicos, com suas cores, msicas ou personagens, ele no segue um
nico estilo de filme, vai da comdia ao drama, do drama ao suspense, um
cineasta que surpreende muito, com sua genialidade e criatividade.

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(Des) construindo o gnero

A palavra gnero predominou por muito tempo em textos e discursos das


feministas3, que defendiam que o sexo significava aquilo que ficava margem
da cultura e da histria, e buscavam sempre mostrar a diferena entre o mascu-
lino e feminino. Basicamente, o gnero tem suas origens em importantes ideias
do pensamento moderno ocidental: como o da base material da identidade, e a
construo social do carter humano. (NICHOLSON, 2000, p.10)
Para as feministas, tal palavra tem seu significado bem claro e pode ser
pensado de duas formas, segundo Nicholson, o gnero foi desenvolvido e
sempre usado em oposio ao que biologicamente dado. Apresenta que
observando por este lado, o gnero tipicamente referenciado personalidade
e ao comportamento, e no remetido ao corpo; onde gnero e sexo so enten-
didos como distintos.
Um segundo significado, o de que o gnero vem sendo cada vez mais
utilizado como referencia construo social, que tem a ver com a definio de
masculino e feminino, incluindo a construo que separa o corpo feminino do
corpo masculino, essa ltima definio de gnero surgiu com a observao de
que a sociedade no forma apenas personalidade e comportamento, tambm,
influencia na forma de como o corpo se apresenta.
A segunda fase do feminismo ficou conhecida como o legado da distino
entre gnero e sexo, onde se defendia a ideia de que o masculino e o feminino
se distinguiam pela biologia. A autora, ainda, frisa que at a dcada de 60, o
gnero ainda era utilizado para fazer referncia as formas femininas e masculi-
nas, onde na mesma poca havia alguns autores que acreditavam e aceitavam
que o carter formado socialmente, e chegam muitas vezes a rejeitar a ideia
de que o carter possa ser formado biologicamente.

3 Os movimentos feministas so, sobretudo, movimentos polticos cuja meta conquistar a igualdade
de direitos entre homens e mulheres, isto , garantir a participao da mulher na sociedade de forma
equivalente dos homens. Alm disso, os movimentos feministas so movimentos intelectuais e
tericos que procuram desnaturalizar a ideia de que h uma diferena entre os gneros. No que se
refere aos seus direitos, no deve haver diferenciao entre os sexos. No entanto, a diferenciao
dos gneros naturalizada em praticamente todas as culturas humanas. http://www.infoescola.com/
sociologia/feminismo/.

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Em meados do sculo XIII surgiu a noo bissexuada contrastando com


a noo unissexuada; enquanto a noo unissexuada tinha uma viso de que
o corpo feminino era uma verso inferior do corpo masculino, j na nova
noo o corpo feminino tornou-se totalmente diferente e considerado vazio.
(NICHOLSON, 2000, p.19 apud Laqueur, p. 148).
O corpo em uma ideia antiga era visto como um s, o homem e a mulher
possuam a mesma estrutura, os mesmos rgos; viso que se modificou com
a noo bissexuada, onde o corpo masculino tornou-se distinto do corpo femi-
nino, tanto na estrutura fsica quanto na estrutura intelectual.
Quando a Bblia e Aristteles eram fontes de autoridade, qualquer dife-
rena corporal era justificada atravs dos textos, o corpo no era importante.
Mas quando esses textos perderam sua autoridade, onde a natureza passou
a fundamentar as diferenas entre homens e mulheres, dessa forma, o corpo
passou a assumir o papel de voz da natureza, na medida em que havia a
necessidade de distinguir o masculino do feminino, o corpo tinha que falar de
forma binria, reforando a noo bissexuada. (Idem, p. 21).
Algumas feministas no acreditavam que um homem poderia estar em um
corpo masculino, mas com alma feminina, assim como uma mulher no corpo
feminino, mas com alma masculina; Robin Morgan defendia a ideia de que um
homem querer ser mulher estava ligado diretamente a um desejo no de ser
mulher mas sim de ter a capacidade reprodutiva, porm que pode variar de
cultura para cultura.
Almodvar tematiza em seus filmes a questo do corpo e gnero com
grande naturalidade, demonstra isso com a insero de personagens sexual-
mente marginalizadas como travestis, homossexuais e transgneros.
De maneira geral, Almodvar apresenta em seus filmes a desnaturaliza-
o dos gneros permitindo dessa forma que seus personagens transitem em
universos diferentes sem se preocuparem com sexo ou gnero, mostrando que
o gnero construdo socialmente e que no deve ser associado a biologia,
(PASSAMANI, 2010, p.7). Conforme nos diz a estudiosa.

A mais autntica de todas

Em seu filme Todo sobre mi madre (1999) Pedro Almodvar apresenta


um leque de temas polmicos como: AIDS, homossexualidade, prostituio,
travestivismo, entre outros. No filme, vrias histrias se cruzam, entre dores e

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alegrias, cada histria vai tomando seu desfecho, s vezes interligados, aos pou-
cos Almodvar traa princpios ligados ao corpo e gnero.
O filme conta a histria de Manuela que trabalha no setor de doao de
rgos em um hospital em Madri e mora com seu nico filho que morreu no
dia em que completava dezoito anos. Manuela cai em uma profunda depres-
so, ento resolve viajar de volta para Barcelona, cidade de onde partiu grvida.
L ela reencontra Agrado travesti que se prostituta na zona de meretrcio da
cidade, ela tenta recomear sua vida sem o filho. Neste tempo, conhece a Irm
Rosa, freira que trabalhava fazendo servio social com portadores do vrus HIV,
no entanto a Irm se descobre grvida e com vrus HIV. Manuela entra em
contato com uma, atriz de teatro de quem seu filho era f, e que est ligada
sua morte: o jovem morreu no dia de seu aniversrio, ao ser atropelado quando
tentava conseguir um autgrafo de uma na sada do teatro. Uma encena uma
pea chamada Um bonde chamado desejo e vive um drama com sua parceira
de palco e amante que tem problemas com drogas. Em Barcelona, Manuela
reencontra o pai de seu filho que por ventura tambm travesti e pai do filho
da Irm Rosa, uma travesti doente debilitada quase no fim da vida.
Como a opo de personagens e temas vasta, me delimitei apenas a
analisar apenas um, a travesti Agrado, observando sempre aspectos que reme-
tam ao corpo e gnero.
A personagem Agrado, de certa forma, acaba se sobressaindo no filme,
pois muito divertida e gosta muito de falar sobre o seu corpo. Todo lo que
tengo de real son mis sentimientos y litros de silicona que pesan toneladas.
O ponto auto de sua personagem quando sobe ao palco para avisar que a
apresentao havia sido cancelada, sendo assim ela tomou o palco pra si e para
divertir a platia comeou a contar-lhes sua histria que a fazia a mais autntica
de todas. Prende a ateno do pblico falando do prprio corpo:
Bona nit4. Por causa ajenas a su voluntad, dos de las actrices que,
diariamente triunfan sobre este escenario, hoy no pueden estar
aqui, pobrecillas! As que se suspende la funcin. A los que quie-
ram se les devolver el dinero de la entrada. Pero los que no tengis
nada mejor que hacer, PA una vez que vens AL teatro ES una pena
que os vayis. Si os quedais yo prometo entreteneros contndoos
la historia de mi vida. Adis, l siento; Si les aburro hagan como

4 Trecho retirado do roteiro original impresso do filme.

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que roncan. As, yo me cosco enseguida... Y para nada hers mi


sensibilidad eh? De verdad... Me llaman la Agrado porque toda mi
vida solo he pretendido hacerle agradable a ls dems . Alguno de
vosotros ya me conoce. Yo haca la Carrera en los puentes, cerca
del cementerio, pero la edad que no tengo y un palizn que
me peg un cliente me han convertido en una mujer decente...
Adems de agradable, soy muy autntica. Mren qu cuerpo!
Reparen. Todo hecho a medida! Rasgado de ojos, ochenta mil.
Nariz, docientas, tiradas a la basura porque un ao despus me la
pusieron as de otro palizn. Ya s que me da mucha personalidad,
pero si llego a saberlo no me la toco... Contino: Tetas, dos. Setenta
cada una, pero stas las tengo ya superamortizadas. Silicona en
lbio, frente, pmulo, cadera y culo. El litro cuesta cien mil, as que
echad la cuenta porque yo ya la he perdido. Limadura de mand-
bula, setenta y cinco mil. Depilacin definitiva con laser, porque
la mujer <<tambin>> viene del mono, tanto ms que el hombre,
sesenta mil por sesin. Depende de el barbudo que seas, l normal
es de dos a cuatro sesiones, pero si eres folklrica necesitas ms,
claro. Lo que les estaba diciendo, cuesta mucho ser autntica. Una
es ms autntica cuanto ms se parece a lo que ha soado de si
misma...

Ao contrrio das travestis clssicas, Agrado, no busca ocultar sua iden-


tidade ou a de seu corpo. E ela no faz de conta que mulher ou que sempre
foi; sua afirmao pblica feita pela exibio do seu corpo exatamente como
ele : um corpo transformado, fabricado, que oferece se afirma como corpo
fabricado, no um corpo substantivo, objetificado, mas
corporalidade veculo e sentido da experincia. A autenticidade desse
corpo, segundo o prprio discurso de Agrado, sua. Natureza estaria no pro-
cesso que o fabricou. Ao dizer que o que tem de mais autntico o silicone,
Agrado est revelando que o autntico, nela, justamente produto de sua cria-
o, da interveno de seu desejo, de uma agncia prpria. (MALUF, 2002,
p.145-146).
Ela no sente vergonha de ser uma travesti, pelo contrrio, quando sobe
ao palco faz questo de afirmar que autntica por tudo o que pagou em seu
corpo, se chegou aonde est e com o corpo que tem, foi com o suor do seu tra-
balho, e no sente vergonha dele. Agrado no modificou seu corpo por querer
ser uma mulher perfeita ou uma simplesmente como as outras, apenas gosta de
ser genuna, sem copiar ningum.

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O corpo s existe enquanto experincia O que seria o objeto ou a subs-


tncia definidora de identidade (o corpo irredutvel) aparece deslocado em sua
fala, mas os sujeitos que convivem com ela insistem nele. Eles querem ver o seu
pnis. O silicone, que para esses sujeitos seria o objeto efetivamente deslocado,
aparece na fala de Agrado como a sua natureza, o que de mais autntico ela
possui. Ela comea a fala dizendo que ir contar a histria de sua vida. E essa
histria contada atravs de seu corpo, ou melhor, de sua experincia corpori-
ficada. (Idem, 2002, p.147-148).
Quando Agrado sai da prostituio e das ruas e dado a ela um servio
convencional, como auxiliar de palco, Almodvar est mais uma vez positi-
vando a questo de que no existe gnero, distancia a imagem dela de rtulos
de ocultao, at porque no caso de Agrado ela a prpria construo cultural,
advinda das problematizaes do binarismo entre os gneros, Agrado a per-
sonificao da transformao da cultura. (PASSAMANI, 2010, p.10).
A personagem deixa subentendido que tudo possvel, pois quando ela
sai da prostituio e se torna auxiliar de palco, depois ela d um show apresen-
tando a histria de sua vida, faz com que exista uma possibilidade dela se tornar
uma grande atriz..
No o corpo da Agrado que a torna mais autntica que as outras, e sim
sua experincia de vida, que a torna uma mulher nica, seus seios so apenas
ideias subjetivas que se constroem em torno do corpo, onde o corpo tem mais
importncia que o carter.
O universo trans talvez seja o segmento mais discriminado das homos-
sexualidades porque aquele que borra de maneira mais enftica a fronteira
entre os gneros, construindo-se sobre a ideia da ambiguidade. Por mais esta
peculiaridade que este grupo carrega, que se torna importante a abordagem de
Pedro Almodvar sobre as travestis, no apenas por lev-las ao cinema, mas por
carreg-las de humanidade, que pressupe acertos, erros, paixes, doenas, tra-
balhos, amores, enfim, caractersticas e situaes a que todos os humanos esto
suscetveis independente do gnero e da sexualidade. (PASSAMANI, 2010, p.10).

Consideraes finais

Uma obra de Almodvar no uma tarefa muito fcil de ser analisar. Por
ser um cineasta de uma grande magnitude, seus filmes sempre trazem um car-
ter cmico ou dramtico, no entanto, sempre voltado por uma questo social

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e ou crtica. O filme Todo sobre mi madre (1999) de uma riqueza temtica


imensa, por isso optamos em analisar apenas uma personagem.
Analisando Agrado destacamos a questo de gnero, sexualidade e iden-
tidade. Baseados na teoria feminista, que contribuiu e continua contribuindo
nesses assuntos polmicos, segundo a sociedade, esses temas no deveriam
ficar presos apenas nas telas de cinema ou em teorias, a sociedade deveria
voltar seu olhar para essa questes e buscar entender o verdadeiro significado
de gnero e identidade, partir do momento que todas as reas da cincia olhas-
sem mais para essa questo, teramos uma sociedade que apoia e entende a
diversidade.

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Referncias

AMANN, Herausgegeben V.K. Pedro Almodvar Todo sobre mi madre Guin origi-
nal. ISBN 13:978-3-15-009135-7. p.207. 2005.

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HAOULI, Janete El. A voz de Almodvar. In: Urdiduras e Sigilos: Ensaios sobre o
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Florianpolis, v.8, n. 2, p. 9-41, 2000.

PASSAMANI, Guilherme R. Problematizando Corpos e Gneros em Almodvar: O


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O FACEBOOK E O WHATSAPP COMO FERRAMENTAS


METODOLGICAS

Isabella Tymburib Elian


Mestre em Educao (UEMG)
Tutora Orientadora da Especializao em Gnero e Diversidade na Escola (UFMG)
[email protected]

Nira Ferreira e Barbosa


Especialista em Gnero e Diversidade na Escola (UFMG)
[email protected]

GT 10 - Mdias digitais e (re)invenes da subjetividade

Resumo

Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais enfrentam cotidianamente,


situaes de preconceito nos espaos sociais, sendo que a escola uma insti-
tuio de forte produo e reproduo da homofobia e transfobia. Participar de
pesquisas sobre educao, usualmente suscitam, nos sujeitos LGBT, lembran-
as de violncia fsica e simblica, o que dificulta acess-los para tal fim. O
Facebook e o Whatsapp tm se apresentado como importantes ferramentas
de pesquisa, para o encontro e contato com esses sujeitos. A partir disso, discuti-
mos as estratgias metodolgicas utilizadas, com o auxlio destes softwares, nas
pesquisas: Memrias Escolares dos Sujeitos LGBTT: a escola como mediadora
das identidades sexual e de gnero e Travestis e transexuais: transformaes
e vivncias escolares.
Palavras-chave: Facebook; Whatsapp; metodologia; LGBT; educao.

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Introduo

As pesquisas com a temtica da educao e diversidade de gnero e


sexual vm crescendo amplamente na ltima dcada. Investigar os proces-
sos complexos que se desenvolvem dentro do ambiente escolar possibilita um
levantamento de aes que podem ser realizadas, com a finalidade de modificar
o cenrio de violncias fsicas e simblicas que ocorrem a partir da homofobia
e transfobia.
A escola um espao de mediao cotidiana das identidades, com dis-
positivos de subjetivao horizontais, que interferem na vida daqueles que se
encontram inseridos nesse ambiente de maneira direta (estudantes, professores e
funcionrios) e indireta (comunidade escolar e pais dos estudantes), por meio de
relaes complexas de produo, significado e poder, cada indivduo tocado
de maneira e com intensidade diferentes. Discursos de papis de gnero, do
reforo da naturalizao das diferenas e produo de territorialidades hetero-
normativas, contribuem para a ocorrncia de prticas de reconhecimento, mas
principalmente de preconceito e discriminao dentro das escolas.
A partir da importncia do papel da escola na construo das identidades
de pessoas Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), apresen-
tamos a trajetria de busca e de encontro dos sujeitos das pesquisas Memrias
Escolares dos Sujeitos LGBTT: a escola como mediadora das identidades sexual
e de gnero (ELIAN, 2014) e Travestis e transexuais: transformaes e vivn-
cias escolares 1, com o fundamental auxlio das redes sociais Facebook e
Whatsapp.
De acordo com dados levantados pela empresa Facebook (2015), 45% da
populao brasileira acessam sua plataforma todos os meses, o que corresponde
a 92 milhes de pessoas2. Segundo pesquisa realizada pela Ericsson (2016), o
Brasil o pas que mais troca mensagens instantneas3 no mundo, sendo que
em 2015, 83% dos usurios da internet, utilizaram o servio pelo menos uma

1 O relatrio da pesquisa encontra-se em desenvolvimento, porm fragmentos desse trabalho j foram


publicados e apresentados no II Congresso Desfazendo Gnero, em Salvador, e no V Coloquio de
Estudios de Varones y Masculinidades, em Santiago/CL, ambos em 2015.
2 Fonte: https://www.facebook.com/business/news/BR-45-da-populacao-brasileira-acessa-o-Face-
book-pelo-menos-uma-vez-ao-mes
3 O Whatsapp est dentre os programas mais acessados para a troca de mensagens instantneas.

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vez por semana, contra 59% da mdia mundial. Esses dados demonstram a
importncia dessas redes para a comunicao de brasileiros e, evidenciaremos
sua importncia tambm na metodologia de pesquisa.

Contextualizando as Pesquisas

A pesquisa intitulada Memrias Escolares dos Sujeitos LGBTT: a escola


como mediadora das identidades sexual e de gnero (ELIAN, 2014) deriva do
processo de dissertao, que objetivou investigar como a escola interpela a tra-
jetria de homossexuais, transexuais e travestis e em quais pontos esse ambiente
se fez presente como um local de subjetivao do gnero e da sexualidade,
tanto de forma benfica, quanto constituindo-se em um espao da reiterao
da heteronormatividade. A pesquisa foi realizada entre 2013 e 2014, analisando,
luz da teoria queer, entrevistas narrativas com cinco sujeitos: um gay, uma
lsbica, uma travesti, um transhomem e uma transmulher.
J a pesquisa Travestis e transexuais: transformaes e vivncias escola-
res realizada em 2014, aborda questes sobre a vivncia de sujeitos transexuais
e travestis no espao escolar. Esse estudo partiu do pressuposto que as identi-
dades travesti e transexual ainda esto relegadas ao campo da inteligibilidade,
da invisibilidade e da abjeo e seus direitos bsicos. O acesso e permanncia
educao bsica comumente no so respeitados e, por vezes, esses sujeitos
so repreendidos em nome da manuteno da heteronormatividade, inclusive
atravs de violncia.
Foram selecionados 38 sujeitos de pesquisa entre Travestis, Transmulheres
e Transhomens, de diversos estados brasileiros, com idades entre 18 e 59
anos, com graduaes desde Ensino Fundamental at a Ps-Graduao. Elas
e eles responderam questes sobre escolaridade, continuidade nos estudos, a
representao da escola, situaes de preconceito vividas no ambiente esco-
lar, processos de transformao do corpo e o quais as mudanas deveriam
acontecer nas instituies escolares para que essas fossem promotoras do reco-
nhecimento da diversidade.

O Facebook, o Whatsapp e os Sujeitos de Pesquisas

Nas duas pesquisas apresentadas o Facebook foi uma importante ferra-


menta metodolgica para a busca e o encontro dos sujeitos de pesquisa. Na

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primeira pesquisa apresentada, a busca por colaboradores foi iniciada por uma
rede de contatos pessoais, resultando no encontro dos sujeitos gay e lsbica,
que tiveram toda a comunicao durante o processo de apresentao da pes-
quisa e marcao da entrevista atravs do Whatsapp, facilitando a troca de
informaes e at o aceite em participar.
Desde o incio desse estudo foram utilizados sites e redes sociais online
para discutir e conhecer mais sobre a diversidade sexual e de gnero. O acesso
aos sites destinados ao pblico LGBT elucidou perspectivas da dinmica social
que a internet proporcionava a esse grupo. Muitas vezes, os sujeitos se coloca-
vam anonimamente nesses espaos virtuais, por temerem qualquer manifestao
de preconceito contra sua identidade. Deste modo, foi importante fazer parte
de vrios grupos e pginas da rede social Facebook para buscar mais informa-
es correlacionadas pesquisa.
As pginas so, comumente, perfis institucionais, ou seja, ligados a alguma
instituio acadmica ou movimento social. Dentre elas, destacamos: Eleies
HoJE - Homofobia J Era, Una-se Contra a Homofobia, Gudds! - Grupo
Universitrio em Defesa da Diversidade Sexual, Homofobia No e Nuh
Educao Sem Homofobia.
Esses perfis so importantes para difundir notcias tanto polticas, quanto
acadmicas e sociais ligadas aos sujeitos LGBT. Alm disso, um espao para
divulgar eventos, como: debates, manifestaes e congressos sobre a identidade
de gnero e orientao sexual.
De forma semelhante os grupos do Facebook tambm contriburam
nesse processo, dentre eles o ENUDS grupo pertencente aos participantes
do Encontro Nacional Universitrio de Diversidade Sexual , LGBT Brasil,
Grupo de Estudos de gnero, feminismos e teorias queer, ABEH - Associao
Brasileira de Estudos da Homocultura, Ato Anti-Homofobia e RESPEITO
GAY. Todos esses so visveis ao pblico da rede social, porm alguns depen-
dem de um aceite do moderador para a participao.
A diferena das pginas para os grupos est na possibilidade de discus-
so de seus participantes. No primeiro, h um intuito informativo maior, j no
segundo o espao de discusso por meio de postagens e comentrios mais
relevante, nos atualizando das informaes ligadas temtica da pesquisa.
Esses grupos trouxeram a possibilidade de buscar pelos sujeitos transe-
xuais. Com mensagens explicativas sobre o motivo da pesquisa e a garantia
da preservao da identidade desses sujeitos, recebemos algumas repostas.

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Infelizmente, os que haviam se proposto ao trabalho no se encaixavam no


perfil do requerido entrevistado.
Utilizando o Facebook, entramos em contato com Leonardo Tenrio,
presidente da Associao Brasileira de Homens Trans (ABHT), pedindo que caso
soubesse, indicasse algum(a) transexual que pudesse ser sujeito do estudo. Ele
prontamente respondeu e possibilitou que entrssemos em um grupo fechado e
secreto de transexuais. Deste modo, foi enviada a mesma mensagem convite
para o grupo e possibilitando o encontro do sujeito transhomem, que veio a
participar da pesquisa juntamente com sua namorada, tambm trans.
Visando uma proposio da pesquisa, possibilitando uma ampliao da
discusso, foi importante conseguir uma quarta narrativa, que seria a de uma
travesti. Aps contatos primeiramente pelas redes sociais e na sequncia, pes-
soalmente com Liliane Anderson, membro do NUH/UFMG, e com Anyky
Lima, presidente do Centro de Luta pela Livre Orientao Sexual (Cellos) e
representante da Associao Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), foi
buscado por travestis que pudessem participar da pesquisa.
Durante um ms, aproximadamente, no obtivemos sucesso na indicao.
O pedido para a realizao da entrevista no foi recebido de maneira positiva
pelas possveis entrevistadas. De acordo com a pesquisa realizada por Sousa,
Ferreira e S (2013), em um universo de 110 travestis da regio Metropolitana
de Recife, Pernambuco, 44,9% das travestis no possuam o ensino fundamen-
tal completo. Alm disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)
em 2011, quantificou que apenas 8,4% dos municpios brasileiros promovem a
incluso dos sujeitos LGBTT na escola (IBGE, 2012). Dessa maneira no difcil
compreender porque esses sujeitos evitam se expor para a pesquisa. O tema
escola suscita memrias negativas, voltadas para o preconceito, para a vergo-
nha e excluso. Dentre os motivos, acreditamos que a baixa escolaridade e a
exposio das memrias, no seriam confortveis para esse pblico, visto as
vulnerabilidades sociais em que ele se encontra.
Mesmo com os percalos, continuamos a busca atravs de redes sociais
virtuais e pessoais, mas durante trs meses, no obtivemos sucesso. No entanto,
em conversas sobre o estudo, surgiu uma nova e possvel indicao. Neste
momento, o Whatsapp foi de extrema importncia para essa pesquisa, facili-
tando o contato com a colaboradora travesti. O perodo de troca de mensagens
instantneas atravs deste aplicativo contabilizou dois meses, que foram funda-
mentais para criar um vnculo mnimo que desse condies para a efetivao da

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entrevista. Alm disso, propiciou a manuteno do contato com a participante,


uma vez que ela estava em constantes viagens e residia no interior de Minas
Gerais.
A partir da experincia na primeira pesquisa, a utilizao do Facebook
foi primeiramente pensada para dar sequncia em estudos na mesma temtica.
Para a conduo da segunda pesquisa aqui apresentada foi produzido um ques-
tionrio com vinte e duas perguntas sobre a vivncia de travestis e transexuais
na educao bsica (compreendendo o Ensino Fundamental e Mdio, mesmo
que parcialmente cursados), disponvel para respostas no perodo de abril a
julho de 2014.
O questionrio foi hospedado no software Google Formulrios, que aps
sua formulao teve seu link compartilhado em espaos sociais virtuais dos
quais pessoas travestis e transexuais fazem parte. O questionrio gerado foi
publicado de modo online, o que permitiu uma grande abrangncia territorial
da pesquisa. Dentre as redes sociais em que foram divulgados, destacam-se os
grupos do Facebook os mesmos citados anteriormente , que foram muito
importantes para o encontro desses sujeitos de pesquisa.
A rede de contato online entre pessoas transexuais e travestis facilitou
tambm na circulao do questionrio da pesquisa entre seus pares, amplifi-
cando o potencial de abrangncia do estudo. No total, foram 8 participantes
da Regio Sul do Brasil, 20 da Regio Sudeste, 3 da Regio Centro-Oeste e 7
sujeitos da Regio Nordeste. Podemos afirmar que na ausncia das redes sociais
esses nmeros no seriam alcanados, uma vez que so localidades muito dis-
tantes e pessoas que no tm, necessariamente, um vnculo com instituies
que promovem pesquisas.

Consideraes finais

O Facebook e o Whatsapp fazem parte do cotidiano social, facilitando


a interao e a troca de informaes. Como auxlio de pesquisa e estratgia
metodolgica, esses softwares possibilitam o encontro de sujeitos que, frequen-
temente, so invisveis em reconhecimento, mas que ganham fora no mundo
virtual, conquistando um espao e uma visibilidade que no campo do contato
pessoal real, muitas vezes inexistente.
Alm disso, as redes sociais se apresentaram de grande importncia para
ns, pesquisadoras, pois conseguirmos alguma proximidade com os sujeitos de

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pesquisa, facilitando o processo de narrao de memrias dolorosas. O contato


virtual permite que haja um dilogo anterior ao encontro pessoal, contribuindo
para esse processo.
No caso de pesquisas de campo realizadas somente pela internet, os per-
fis digitais permitem que os sujeitos narrem suas memrias, sem que sejam
expostos ou confrontados pessoalmente, trazendo uma maior desinibio nos
relatos e facilitando a construo dos dados de pesquisa.

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(Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Minas Gerais, Belo Horizonte,
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global average. PRESS RELEASE. 2016. Disponvel em: <http://www.ericsson.com/res/
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Disponvel em: <https://www.facebook.com/business/news/BR-45-da-populacao-
brasileira-acessa-o-Facebook-pelo-menos-uma-vez-ao-mes>. Acesso em: 20 jun.
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA IBGE. Pesquisa de infor-


maes bsicas municipais: perfil dos municpios brasileiros 2011. Braslia, 2012.
Disponvel em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Perfil_Municipios/2011/munic2011.pdf>. Acesso
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SOUSA, P. J. de; FERREIRA, L. O. C.; SA, J. B. de. Estudo descritivo da homofobia e


vulnerabilidade ao HIV/AIDS das travestis da Regio Metropolitana do Recife, Brasil.
Cinc. Sade Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 8, p. 2239-2251, ago. 2013. Disponvel
em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n8/08.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2016.

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CULTURA GAY, MULTIDO E ORGULHO:


OS SIGNIFICADOS POLTICOS DA PARADA LGBT
NAS PGINAS DA REVISTA SUI GENERIS

Remom Matheus Bortolozzi


Mestre em Educao - UnB
Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ; Acervo Bajub
[email protected]

Rodrigo Cruz
Mestre em Cincias Sociais Unifesp
Universidade de Lisboa; Acervo Bajub
[email protected]

GT 23 - Imprensa gay em questo

Resumo

O artigo investiga, por meio de matrias jornalsticas, entrevistas e artigos publi-


cados ao longo das 55 edies da revista Sui Generis, os diversos significados
polticos das Paradas do Orgulho no Brasil entre os anos de 1995 e 2000. A
revista Sui Generis apresentava a cultura gay como nova forma de fazer poltica.
Seu contedo buscava afirmar uma comunidade que produz cultura, que pos-
sui identidade, aliados, histria e orgulho prprio. Na anlise dos significados
polticos das Paradas nas pginas da Sui Generis, alguns vocabulrios polticos
do corpo a essa poltica comunitria gay dos anos 90: visibilidade, orgulho e
multido.
Palavras-chave: Parada LGBT, Sui Generis, Cultura Gay, Multido, Orgulho.

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1. Introduo:

As Paradas do Orgulho LGBT surgem no Brasil em meados da dcada


de 1990, perodo em que o movimento de gays, lsbicas e travestis brasileiro
encontrava-se focado, principalmente, no enfrentamento epidemia do Hiv/
Aids. Graas intensa interao com agentes estatais, atores privados e orga-
nismos multilaterais internacionais, que passaram a incluir grupos de ativistas
e ONG nos processos de implementao de polticas pblicas, o movimento
assumiu uma configurao diferente daquela observada nos anos 1980, com
maior predomnio de organizaes formais, agora mais abertas ao dilogo com
o Estado e o mercado. Paralelamente, a consolidao, nas grandes cidades bra-
sileiras, de um mercado direcionado ao pblico gay, constitudo no somente
por bares, saunas e boates, mas tambm por veculos de mdia, eventos culturais
e agncias de viagem, contribuiu para dar visibilidade s diversas expresses de
gnero e sexualidade que emergiam na cena gay nacional, bem como expan-
dir o alcance das produes culturais da comunidade LGBT (Facchini, 2005;
Facchini e Simes, 2009).
Foi nesse contexto que, em 1995, por ocasio da XVII Conferncia da
ILGA (International Lesbian and Gay Association), realizada na cidade do Rio de
Janeiro, ocorreu a primeira Parada de Orgulho LGBT do pas. No encerramento
da Conferncia, a Marcha pela Cidadania de Gays, Lsbicas e Travestis reu-
niu ativistas de vrios pases, que caminharam em clima de festa pela Avenida
Atlntica, em Copacabana, com uma enorme bandeira do arco-ris. No ano
seguinte, no dia 28 de junho de 1996, data que marcava o aniversrio de vinte
e sete anos da Rebelio de Stonewall, (Butterman, 2011), ocorreu a primeira ten-
tativa de organizao de uma manifestao de afirmao do orgulho LGBT em
So Paulo, por meio de um ato que contou com a participao de aproximada-
mente 200 pessoas no centro da cidade. Embora esse ato, que ficou conhecido
como Parada Zero, tenha sido esvaziado e quase sem impacto na mdia e na
rotina da cidade, sua realizao ajudou a impulsionar a construo da Parada
que aconteceria no ano seguinte. Em 1997, a primeira Parada Gay de So Paulo,
realizada na Avenida Paulista, contou com a participao de 2 mil pessoas,
nmero que cresceria vertiginosamente nos anos seguintes.
Quase simultaneamente realizao das primeiras Paradas, em 1994, saa
o nmero zero da revista Sui Generis, produzida de forma artesanal pelo jor-
nalista Nelson Feitosa. Inicialmente, a publicao foi concebida para circular

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apenas na Zona Sul do Rio de Janeiro, mas aps ter causado burburinho na
grande mdia, a revista alcanou repercusso nacional, tornando-se a publica-
o direcionada ao pblico homossexual de maior impacto desde o Lampio
da Esquina, tabloide editado na virada dos anos 1970 para os 1980. Lanada
no bojo da popularizao do conceito mercadolgico GLS (gays, lsbicas e
simpatizantes, idealizado pelo empresrio Andr Fischer, do Mercado Mundo
Mix e do Festival de Cinema Mix Brasil), a Sui Generis se destacava por focar
na produo de contedo sobre cultura, moda e comportamento, fugindo da
pornografia predominante nas revistas homoerticas em circulao. Outra novi-
dade era a aposta na valorizao do sentimento de auto estima do leitor, com
artigos e reportagens que buscavam reforar a necessidade de sair do armrio,
tomar posio frente ao preconceito e mostrar-se orgulhoso em relao pr-
pria homossexualidade.
Conforme frisa Monteiro (2002), a Sui Generis assumiu, nesse sentido,
uma certa militncia de mercado, no apenas por trabalhar a autoestima dos
leitores e divulgar um certo estilo de vida gay que florescia no Brasil dos anos
1990, mas tambm por fazer o registro dessa nova etapa do movimento LGBT,
cuja expresso mais vibrante eram as Paradas do Orgulho que se disseminavam
pelo pas. Este artigo prope investigar, por meio de registros historiogrficos da
comunidade LGBT, os diversos significados polticos das Paradas do Orgulho
entre os anos de 1995 e 2000. A pesquisa se apoia na anlise de matrias
jornalsticas, entrevistas e artigos publicados na revista Sui Generis no perodo
supracitado.

2. O orgulho Gay representado nas pginas da Sui Generis

Para o presente realizamos anlise sistemtica das 55 edies publica-


das da revista Sui Generis, selecionando colunas e reportagens que abarcam
a questo das paradas de orgulho ou outras marchas ou passeatas registradas
pelas edies. Essa sistematizao, est sintetizada na tabela abaixo contendo
os seguintes registros: edio da revista, paginao, nome da reportagem, apre-
sentao do que abordado na reportagem, e anlise do significado poltico
para a parada, passeata ou marcha.

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Significado Poltico
Nome da Apresentao da Repor-
Edio Pgina da marcha, parada ou
Reportagem tagem
passeata
A Associao brasilei- A passeata referencia-
ra de Gays, Lsbicas e Reportagem da coluna da como o ato poltico.
Travestis foi aprovada em contraponto com regis- As imagens mostram a
Ed. 3 8 e 9 meio polmica durante tros de fotos da passeata presena marcante de
o I Encontro Brasileiro que ocorreu em fevereiro organizaes que traba-
de Gays e Lsbicas, em de 1995. lhavam na preveno
Curitiba. Aids.
Fala-se em um reflores-
cimento do movimento
A reportagem apresenta o
homossexual, que se
cenrio no Rio de Janeiro
expressaria pelo nmero
Ed.4 20-22 Pride in Rio em meio a 17a Confern-
de grupos organizados
cia Mundial da
no Brasil e na criao da
ILGA.
Associao Nacional de
Gays e Lsbicas.
A edio traz registros
A coluna contraponto fotogrficos da Marcha
celebra o sucesso da 17a pela Cidadania Plena de
conferncia da ILGA no Gays e Lsbicas. Neles
Visibilidade para quem quesito visibilidade. A observa-se a presena de
Ed. 5 8-9
precisa coluna tambm denncia polticos como Fernando
a cobertura desigual dos Gabeira e Marta Suplicy,
quatro maiores jornais de alm de faixas de mes
circulao nacional. e pais de gays e lsbicas
saindo do armrio.
As imagens com diferen-
tes atores que compem
a parada (pessoas com
Registros fotogrficos da faixas, drag queens,
Parada nova-iorquina de pessoas fantasiadas,
1995 para convocao sadomasoquistas, mu-
da Parada em comemo- lheres lsbicas com seios
Ed. 13 40-41 Orgulho tem cara
rao ao dia do Orgu- desnudos) explicitam a
lho Gay e Lsbico que amplitude dos repertrios
ocorreria no dia 30/06 de ao coletiva, que
em Copacabana. podem variar entre aes
de protesto tradicionais
e performances mais
irreverentes.

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Quadro na coluna A coluna refora a


contraponto que registra posio da poltica de
Ed. 14 9 Pride in Rio a Segunda Marcha pela visibilidade: um ato po-
Cidadania Plena de Gays ltico, mas tambm de
e Lsbicas. celebrao.
Com vistas a trazer mais
A coluna Contraponto
pessoas s ruas, os orga-
apresenta a organizao
Marchando com orgulho nizadores propem que a
da 3 Marcha pela Cida-
- gays, lsbicas e travestis marcha no tenha apenas
Ed. 21 52 dania de Gays, Lsbicas
unem as foras em prol carter militante, mas
e Travestis (agora inclu-
do 28 de julho. seja tambm uma grande
das na sigla) do Rio de
festa como o Carnaval
Janeiro.
do Rio.
Convocatria com
Convocatria para a III registros fotogrficos da
Venha participar do
marcha pela cidadania marcha anterior com
Ed. 22 43 maior evento gay
de Gays, Lsbicas e Tra- bandeirao do arco-ris
lsbico do pas.
vestis do Rio de Janeiro. e bandeiras de Partido
Poltico.
A edio apresenta Festas
organizadas em Bras-
Braslia comemora a gay lia para celebrar a Gay
Ed. 24 60-61 Gay Pride
Pride Pride: no ser uma pa-
rada, mas sim uma mega
festa beneficente.
H na coluna uma rela-
o direta entre a Parada
e o cenrio clubber, te-
A pequena coluna faz
chno, house e de DJs da
chamamento aos eventos
Ed. 25 40-41 Conscincia leve cidade. A presena dos
em celebrao do dia do
trios eltricos na Parada
Orgulho Gay.
Gay(sic) foi negocia-
da pelos donos desses
clubes.

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ISBN 978-85-61702-44-1 314 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

A reportagem celebra a
maior receptividade das
A reportagem ressalta a
paradas por todo o pas.
mobilizao de setores
A parada de So Paulo
no-gays na parada. A
alcana a marca de 7 mil
Igualdade, liberdade e pelada (jogo de fute-
Ed. 34 40-41 participantes, conforme
festa bol) com drag queens
a organizao. H ainda
apontada como uma
registros narrativos das
ao poltica de visibili-
paradas de Salvador,
dade.
Porto Alegre, Curitiba e
Braslia.
A estratgia da visibili-
Matria debate a questo
dade debatida: No
da visibilidade de gays e
Ed. 41 27-33 A invaso do bizarro podemos promover a
lsbicas na mdia, frente
visibilidade a qualquer
a difuso da cultura gay.
preo (...).
A matria chama a aten-
o para a pluralidade
de atividades realizadas
durante a celebrao do
Programao nacional
Orgulho de Gays e Ls-
para celebrao do Dia
30 anos, mas com corpi- bicas em vrias cidades:
Ed. 45 40-41 Internacional do Orgulho
nho de 16, t? beijaos, missas em ho-
de Gays e Lsbicas.
menagens s vtimas da
Aids, alas temticas nas
Paradas, shows, passeios,
audincias pblicas e
conferncias.
O ensaio fala sobre a es-
tratgia por trs das para-
Ensaio crtico sobre a das: sem renunciar a mili-
Festa poltica e cidadania banda de Ipanema e a tncia, mas incorporando
Ed. 46 66
GLT marcha pelos pela cida- a festividade e conjugan-
dania de gays e lsbicas. do aes de visibilidade
com a autoafirmao dos
sujeitos.

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Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Grande novidade, o gran-


de nmero de entidades
e estabelecimentos que
deram suporte financeiro
e logstico ao evento,
Texto de Joo Silvrio alm de vrios sindica-
Trevisan sobre a 3a Para- tos. A diversidade de
Enfim, a parada do
da GLBT de So Paulo, atores na Parada de So
Ed. 47 40-43 Milnio
afirmado o xtase do Paulo (jovens, mulhe-
evento ter reunido 20 mil res, senhores, senhoras,
pessoas. crianas, pais e mes de
homossexuais e simpa-
tizantes em geral, alm
claro de drags, S&M,
grupos de HIV+) tambm
chama a ateno.
Vinculao do cenrio
Texto apresenta um DJ techno e clubber com a
Ricardo ganha o mundo carioca convidado para comunidade e a cultura
Ed. 48 58
participar da Love Parade gay, bem como a relao
na Alemanha. com os atores que orga-
nizam a Parada.
Entrevista com rika
Palomino, estilista, co-
Foto de rika na Parada
lunista da noite e cone
de 1999 com Daniel
gay dos anos 1990, a
Finssima Almeida, representando a
Ed. 50 24-26 qual lana seu primeiro
importncia dos aliados e
livro, Babado forte, no
dos produtores da cultura
qual descreve e comenta
gay nos anos 1990.
a cena jovem e gay nos
anos 1990 na cidade.
O ano de 1995 desta-
Uma matria que traz cado como importante
entrevistas de ativistas, para a linha do tempo da
O sculo XXI anos nossos
Ed. 51 34-39 estudiosos gays e lsbi- histria GLBT, como: o
ps
cas sobre os ltimos 100 movimento gay promove
anos de histria gay. a primeira parada gay no
Brasil.

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ISBN 978-85-61702-44-1 316 de Estudos sobre a Diversidade
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A matria mostra a rea-


o contrria do plenrio
da Cmara Federal
Alm de registrar a rea-
apresentao do projeto
o homofbica s orga-
de lei que d ao grupo
Nobres colegas? nizaes do movimento,
Ed. 52 26-27 gay Arco-ris (um dos
a matria traz um quadro
principais
com todas as aes do
articuladores da parada
grupo Arco-ris.
do Rio de Janeiro), a
condio de entidade de
utilidade pblica.

Convocao para a para-


O objetivo repetir o su-
da do orgulho de 2000,
cesso da parada anterior.
para a qual so esperadas
Hora de levantar a Um balano da Revista
Ed. 55 45 100 mil pessoas. Ao final
bandeira enumera os motivos
a Coluna informa como
pelos quais a edio de
o leitor pode ajudar para
1999 foi um sucesso.
financiar a parada.

3. Consideraes Finais:

A revista Sui Generis traz a cultura gay como nova forma de fazer poltica,
uma forma de afirmar uma comunidade com identidade, com aliados, com his-
tria, que produz cultura e que tem orgulho disso. A propagao das culturas
musicais da noite gay, como clubber e techno, aparece na revista como pano de
fundo do processo de expanso da comunidade. Em 1997, na semana seguinte
primeira Parada de So Paulo, aconteceu tambm a primeira parada de msica
eletrnica brasileira, intitulada 1 Parada do Amor de So Paulo (Fischer, 1997).
Diferente da Parada do Orgulho, a Parada do Amor no era organizada por ati-
vistas, mas por uma produtora que, em articulao com cenrio nascente dos
clubes de msica eletrnica e moda alternativa de So Paulo, tentava criar no
Brasil um evento semelhante Love Parade alem, que acontecia desde 1989.
Tal qual a Parada alem, a verso brasileira se afirmava a partir de valores da
diversidade e cultura de paz, tanto que ano seguinte se uniu a uma campanha
de desarmamento promovida por movimentos estudantis e passou a se chamar
Parada da Paz. A afirmao da diversidade, a valorizao da criatividade contra

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hegemnica por meio da moda alternativa, o enfrentamento Aids e a mani-


festao poltica pacfica atravs de uma festa de multido faziam da Parada do
Amor um espao acolhedor para a comunidade LGBT.
Na anlise dos significados polticos das Paradas nas pginas da Sui
Generis, alguns vocabulrios polticos do corpo a essa poltica comunitria gay
dos anos 90: visibilidade, orgulho e multido. Em artigo publicado na revista,
Trevisan define o sentido poltico das paradas: a afirmao que existimos,
gostem ou no, que somos milhares. Vencemos nosso pior inimigo, a invisibi-
lidade, e afirmamos nossa existncia (...) agora tero que se defrontar com uma
multido de homossexuais com rosto e identidade, que tem capacidade de ir s
ruas em nome de seus direitos (p.43). Em outras palavras, a parada foi o instru-
mento que permitiu que a comunidade LGBT brasileira se apresentasse como
uma das muitas multides nacionais, criando um sujeito poltico impossvel de
ser ignorado e que se constitua a partir da afirmao da pluralidade e apresen-
tando a diversidade como valor cultural, social, tico e poltico.

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Referncias Bibliogrficas

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LGBT do planeta. 1 edio. So Paulo: nVersos, 2012.

FACCHINI, Regina. Sopa de Letrinhas? Movimento homossexual e produo de iden-


tidades coletivas nos anos 90. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

________________; SIMES, Jlio Assis. Na trilha do arco-ris: Do movimento


homossexual ao LGBT. So Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo, 2009.

Fischer, Andr (1997). Paradas param tudo. Revista da Folha, 06 de julho de 1997, 60.

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Rick; GARCIA, Wilton. A Escrita de Ad: perspectivas tericas dos estudos gays e les-
cic@s no Brasil. So Paulo: Xam, 2002, p.275-290.

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EXPERINCIAS DE TRANSIO DE GNERO EM VDEOS NO


YOUTUBE: A INTERNET COMO ESPAO AUTOBIOGRFICO

Hellena Bonocore Morais


Psicloga graduada pela Pontifcia Universidade Catlica do
Rio Grande do Sul (PUCRS)
Mestranda em Psicologia Social (PPGP-PUCRS) bolsista CAPES
[email protected]

Alice Lopes Fagundes


Graduanda em Psicologia PUCRS
Auxiliar de Pesquisa Grupo Relaes de Gnero PPGP-PUCRS
[email protected]

Marlene Neves Strey (Orientadora)


Ps-doutorado em Psicologia pela Universitat de Barcelona
Professora titular da Escola de Humanidades Faculdade de Psicologia PUCRS
e do PPGP da PUCRS
[email protected]

GT 17 - Manda Nudes!: Semioses Contemporneas e Governamentalidade.

Resumo

Espaos como a internet propiciam a troca de contedo, informao e vivncias


entre homens e mulheres transgnero, e sites como o Youtube que contm
vdeos produzidos e compartilhados pelos prprios autores (em sua maioria),
so ferramentas importantes no processo de visibilidade da populao trans,
que tambm se coloca de forma autobiogrfica diante das cmeras, compar-
tilhando processos nicos de suas vidas como o de transio de gnero. O
presente estudo faz parte de um projeto de dissertao de mestrado e portanto
est em andamento. Tem como objetivo compreender o processo de transio
de homens e mulheres transgnero que compartilham suas jornadas em vlogs

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publicados no site Youtube atravs do mtodo de Anlise de Contedo, discu-


tindo com a Teoria Queer e a Psicologia Social Crtica.
Palavras-chave: transgnero; teoria queer; gnero; psicologia social crtica;
Youtube.

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Introduo

Nos ltimos anos, pessoas transgnero tm tido mais espao na mdia,


filmes, sries, debates polticos e na academia, com trabalhos cientficos
acerca de como indivduos trans problematizam e experenciam questes de
gnero (BORNSTEIN, 1995; BORNSTEIN & BERGMAN, 2010; BUTLER, 1990;
STRYKER, 2008; RAUN, 2014). Tais trabalhos acadmicos trazem tanto o termo
transexuais quanto transgneros, e autoras como Stryker (2008) apontam para
a popularizao do termo transgnero nos Estados Unidos na dcada de 90,
pois entendia-se que tal terminologia compreende todos os indivduos cuja
identidade ou expresso de gnero diferem das normas sociais do gnero que
lhes foi atribudo no nascimento (STRYKER, 2008. p.30), sendo recebido como
um termo mais inclusivo, que no limitava-se questes de sexo biolgico.
Jaqueline Gomes de Jesus (2012) tambm apresenta o termo transgnero em
sua publicao Orientaes sobre identidades de gnero: conceitos e termos
e coloca que no Brasil no h concenso quanto utilizao de uma ou outra
terminologia, porm corrobora com a colocao de Stryker ao definir trans-
gnero como termo mais inclusivo e amplo, utilizado por pessoas que no se
identificam com o sexo atribudo ao nascer ou com qualquer gnero colocado.
Em outro momento, a autora coloca que mulher ou homem transexual aquele
que no se identifica com o gnero que lhe foi atribudo ao nascer, se expres-
sando e identificando com o outro gnero binrio colocado pela sociedade (ou
seja, fala-se de um binarismo de gnero, pois no inclui demais gneros que
no masculino ou feminino). Neste trabalho os termos que sero utilizados so
homem transgnero e mulher transgnero e trans como abreviao de tais pes-
soas no plural, uma vez que compreende-se que transgnero mais inclusivo e
no sugere necessariamente um binarismo de gneros, conceito que traz uma
compreenso de gnero como esttico e imutvel, construdo como unidade de
separao e identificao do inimigo, do Outro (BUTLER, 1990. p. 33).
O espao da internet vem propiciando discusses a respeito de identida-
des e expresses de gnero, alm de ser um dos locais onde as pessoas buscam
informaes respeito dessas temticas. Os blogs, fruns de discusso online,
redes sociais (como Facebook, Twitter, Instagram, Tumblr, entre outros) vem
ganhando cada vez mais espao na troca de contedos, e sites como o Youtube
tm proporcionado um espao onde o autor dos vdeos pode se colocar de

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forma at mesmo autobiogrfica, o que resulta em vlogs1 ricos de experincias


pessoais e vises singulares de mundo. O processo de transio de gnero2,
uma dessas experincias to subjetivas que vem sendo compartilhadas virtual-
mente por algumas pessoas, que alm de expor momentos de suas vidas como
o incio de tratamentos hormonais, procedimentos cirrgicos e estticos, tam-
bm narram suas trajetrias com os familiares e amigos num espao que permite
troca direta (atravs de espao para livre expresso na seo Comentrios nos
vdeos do Youtube) entre o autor do vdeo e seus espectadores, que muitas
vezes encontram tais vdeos pois esto buscando informaes a respeito das
temticas citadas
O objetivo deste estudo compreender o processo de transio de homens
e mulheres transgnero que compartilham suas jornadas a partir de vlogs publi-
cados no site Youtube, alm de identificar o que caracteriza o processo de
transio de gnero para essas pessoas, verificar quais so as similaridades e
diferenas percebidas nesse processo to subjetivo, contextualizando o fen-
meno da transio de gnero a partir do entendimento da Teoria Queer e da
Psicologia Social Crtica.

Mtodo

Para tais anlises, a pesquisa ser conduzida utilizando abordagem qua-


litativa, que proporciona um olhar profundo do panorama a ser estudado,
levando em considerao a percepo e a singularidade dos participantes que
possibilitaro a realizao desse estudo (GRAY, 2012).
Por tratar-se de uma pesquisa onde os dados a serem analisados esto
num ambiente virtual, entende-se que o uso da netnografia como estratgia
de investigaco se faz necessria (KOZINETS, 2014). A netnografia advm dos
pressupostos da etnografia, que descreve os fenmenos sociais a partir da obser-
vao participante do pesquisador no campo onde coletar os dados, colocando

1 Vlogs a abreviao do termo video blogs, que so videoclipes geralmente curtos (de 2 a 10 mi-
nutos) protagonizados e produzidos por uma pessoa e compartilhado virtualmente (Raun, T., 2010
p.85).
2 Compreendido aqui como processo de mudanas fsicas e emocionais pelas quais pessoas que se
identificam com outro gnero, que no o designado em seu nascimento, experienciam quando assu-
mem o gnero com o qual se identificam e as caractersticas sociais que este apresenta.

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o pesquisador como participante dos eventos e ressalta a importncia de uma


imerso no espao fsico e com os participantes (GRAY, 2012). No caso do
presente trabalho, o campo onde sero obtidos os dados virtual, mais especifi-
camente o site Youtube, onde possvel o compartilhamento de vdeos criados
por qualquer pessoa e ento tornados pblicos com suas postagens. A pesquisa
netnogrfica traz o olhar etnogrfico (advindo da antropologia) para o ambiente
virtual, propiciando a compreenso das comunidades em rede, conectadas
ao redor do mundo e compartilhando informaes e estabelecendo relaes
por meio da internet (AMARAL, NATAL e VIANA, 2008). Como mtodo de
investigao, ser utilizada a Anlise de Contedo proposta por Bardin (2006),
que tem como foco qualificar as vivncias do sujeito e suas percepes sobre
determinado assunto ou fenmeno. um mtodo de organizao e anlise de
dados que permite conhecer e analisar processos sociais ainda no to vistos
e discutidos a partir de tcnicas onde procura-se descrever o contedo emi-
tido pelo participante (seja por meio da transcrio da fala da pessoa ou de
textos), levantar indicadores e inferir categorias baseadas nesses indicadores,
para que ento possam ser analisadas e discutidas (CAVALCANTE, CALIXTO e
PINHEIRO, 2014). Roque Moraes (1999) aponta tambm para a indutividade da
Anlise de Contedo, que tem como finalidade construir uma compreenso
dos fenmenos investigados, e no generalizar ou testar hipteses.
Sero analisados cerca 4 canais de Youtubers diferentes, porm o nmero
de vdeos alto. Entende-se tambm que 4 participantes podem dar um pano-
rama de qualidade acerca da temtica aqui proposta, trazendo em seus vdeos
e em entrevistas semi-estruturadas (realizadas por Skype ou Facetime) dados
importantes que sero posteriomente discutidos.

Consideraes finais

Estudos como o do dinamarqus Raun (2012) que analisou vlogs de pes-


soas transgnero e seus respectivos processos de transio so de extrema
relevncia e levantam questionamentos importantes como as caractersticas da
populao que posta contedo na internet relacionados temtica; a relao da
tecnologia e da construo da identidade de jovens trans e como os vlogs aca-
bam sendo teraputicos para quem os produz. O presente estudo pretende no
somente analisar e discutir tais questionamentos, mas tambm compreender
como o processo de transio de gnero em si se d para cada sujeito, a partir

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da anlise de contedo da fala dessas pessoas, relacionando as similaridades


e diferenas percebidas por cada um ao contarem suas jornadas e articulando
esses dados com a Psicologia Social Crtica e a Teoria Queer.
Esta temtica traz discusses importantes e necessrias no cenrio poltico
e social nos quais nos encontramos, onde a visibilidade de uma parcela signifi-
cativa da populao se faz necessria para que a luta por seus direitos humanos
seja finalmente vencida, desconstruindo antigos paradigmas e dando espao
livre representao e expresso.

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Referncias

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Curitiba, 2008. 06: 1-12. Recuperadode:http://revistas.facbrasil.edu.br/cadernoscomu-
nicacao/index.php/comunicacao/article/viewFile/60/59.

BARDIN, Laurence. Anlise de contedo (L. de A. Rego & A. Pinheiro, Trads.). Lisboa:
Edies 70, 2006. (Obra original publicada em 1977).

BORNSTEIN, Kate. Gender outlaw: On men, women, and the rest of us. New York:
Vintage Books, 1995.

BORNSTEIN, Kate, & BERGMAN S. Bear. Gender outlaws: The next generation.
Berkeley, CA: Seal Press, 2010.

BUTLER, J. Gender Trouble Feminism an the Subversion of Identidy. New York:


Routledge Classics, 1990.

CAVALCANTE, Ricardo; CALIXTO, Pedro; PINHEIRO, Martha. Anlise de Contedo:


consideraes gerais, relaes com a pergunta de pesquisa, possibilidades e limita-
es do mtodo.IN: Inf. & Soc.: Est., Joo Pessoa, v.24, n.1, p. 13-18, 2004.

Gray, David. Pesquisa no mundo real. 2. ed. Porto Alegre: Penso, 2012.

RAUN, Tobias. Video blogging as a vehicleof transformation: Exploring the inter-


section between trans identity and information technology. In: International Journal
of Cultural Studies, 201X, Vol. XX(X) 114, 2014. DOI: 10.1177/1367877913513696

RAUN, Tobias. Out online: trans self-representation and community building on


YouTube. (Tese de Doutorado). Roskilde: Roskilde Universitet, 2012. Recuperado de:
http://nordicom.statsbiblioteket.dk/ncom/files/30336545/Tobias_final_with_front_
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JESUS, Jaqueline. Orientaes sobre a populao transgnero : conceitos e termos.


Braslia, 2012.

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KOZINETS, Robert. Netnografia: realizando pesquisa etnogrfica online. Porto


Alegre: Penso, 2014.

STRYKER, Susan. Transgender History. Berkeley, CA: Seal Press, 2008.

MORAES, Roque. Anlise de Contedo. In: Educao Revista da Faculdade de


Educao da PUCRS, 22(37), 7-31, 1999.

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O CU LARGO E A BOCA SUJA DO BREVIRIO DE


PORNOGRAFIA ESQUISOTRANS PARA AS PESSOAS
DO AVESSO

Fernando Henrique
Graduando em Cincias Sociais Aplicadas - Direito
Universidade Federal de Uberlndia (UFU)/FAPEMIG
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

Este trabalho busca apresentar breves interpretaes acerca do Brevirio de


Pornografia Esquisotrans para as pessoas do avesso, de Fabiane Borges e Hilan
Bensusan; obra que fala sobre corpos do avesso, esquisitos e abjetos. Pelo car-
ter despudorado e impudico na abordagem das manifestaes de sexualidades
marginalizadas e na descrio dos desejos e fodas, essa obra cai no desconhe-
cimento do pblico, incluindo o literato. Por isso, tento apresentar aqui pontos
que me chamaram ateno e me fazem recomendar a leitura desse livro.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; poltica; gnero; homocultura.

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Introduo

O Brevirio de Pornografia Esquisotrans1, de Fabiane Borges e Hilan


Bensusan, no para qualquer um. Ele para as pessoas do avesso. Voc,
como leitor em potencial, deve ento saber ou tentar descobrir o que uma
pessoa do avesso, para que assim se identifique ou no como uma.
Conjecturo: se uma pessoa do avesso, ela o inverso de uma pessoa
no invertida. E presumo que essa pessoa no invertida seja aquela mais ordin-
ria, mais comum, ou dita normal. No entanto, no basta ser incomum. Tem que
ser do avesso. Mas o avesso perigoso, no?! O avesso enfia porcas em para-
fusos. E a a mquina no funciona. A a mquina no produz outras mquinas
que desenvolvem o mundo. E o mundo tem que evoluir.
O avesso no produz. O avesso intil.
Cada rgo tem seu lugar. E a pele contm e d densidade mquina
humana. Mas a pessoa do avesso toda exposta: seus rgos tomam o lugar
da pele e criam um corpo de pura sensibilidade e nsia. E esses rgos vibram
pelo prazer, se enrijecem, dilatam, criam dobras e orifcios, e ejaculam bombas
de hormnios e discursos que foram o desejo a desejar2. E a pele, l den-
tro, com todas suas terminaes nervosas, goza com cada engolida, contrao,
pulsar do sangue, arfar de diafragma e vibraes que lhe chegam dos rgos l
de fora. Esse corpo do avesso inconstante, fluido, e to improdutivo que fica
difcil de imaginar.
Esse corpo tem o olho no lugar do cu e o cu no lugar do olho. Esse corpo
um corpo que desafia, que encara, e que sempre mostra o cu que ficava
no meio da bunda, escondido pelas ndegas. No tem essa histria de olha
para onde voc anda, cuidado para no tropear, olha direito o que voc est
fazendo. um corpo que no faz nada que no seja pra si. um corpo hedo-
nista por natureza3.
O olho-cu encara pra ser chupado, pra enfiar o que tem vontade, pra
se relaxar, contrair e gemer de gozo. E ele denuncia. Suspira de prazer e al-
vio quando pe pra fora os excrementos que descem deslizando pelo corpo,

1 Quando me referir, daqui para frente, ao Brevirio de Pornografia Esquisotrans para as pessoas do
avesso, o farei de forma abreviada. Empregarei apenas o termo Brevirio.
2 BORGES; BENSUSAN, 2010, p. 57
3 Ibidem, p. 13

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passando pelos outros rgos que se aquecem e regozijam, como quando


tomamos um banho quente depois de um dia cansativo, caso voc goste tam-
bm de banho. O olho-cu denuncia que a dejeo no nos enoja em funo de
seu fedor, pois s passou a ser considerada fedida depois que se tornou objeto
de nossa repugnncia4.
Mesmo que Borges e Bensusan no tenham descrito em sua obra essa
mquina humana literalmente invertida, ou, se no invertida, com disposio
corporal intil, considero inequvoca a correlao entre a minha conjectura e
o entendimento deles sobre o que seria uma pessoa do avesso. Pois eles dizem
ter como causa, as esquisitas:
[Mas] No basta ser esquisita para pertencer ao nosso coletivo, tem
que ser incompreendida tambm e no ter tato algum para se
desenvolver como capitalista vencedora tem que [...] ser hedo-
nista por natureza.
Tem que achar que merece o melhor por existir e encontrar manei-
ras de ter clulas furiosas quando isso no acontece. Andar com
uma centelha de impacincia com a falta de compreensibilidade
do mundo, com a falta de incompreensibilidade do mundo e com
seu profundo mau gosto.
D pra entrar outros tipos tambm: os que no sabem ao certo
em qual sexualidade se misturar e ficam confusas quando algum
pergunta quem5.

O Esquizotrans, alm de um coletivo guarda-chuva de outros projetos,


um conceito. Nas palavras de Bensusan,
a gente fala por exemplo de polticas esquizotrans, que era o nome
da coluna que existiu no Monde Diplomatique na dcada passada,
a gente fala de pornografia esquizotrans no livro de 2010, e a gente
fala de atitudes esquizotrans, etc ento portanto um conceito
alm de ser um coletivo6.

4 BATAILLE, 2004, p. 91
5 BORGES; BENSUSAN, 2010, p. 13
6 BENSUSAN, 2013

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O Brevirio, portanto, faz parte dessas polticas esquizotrans, abarcadas


pelo conceito de esquizotrans, que emprega esse termo como forma de conci-
liar o esquizo, referente estranheza, ao queer, negao identitria pela, em
tese, desnecessidade de classificao; com o trans, em respeito aos corpos mar-
ginalizados dos transexuais, transgneros, e das travestis que sofrem a violncia
de ter sua identidade rotineiramente questionada. Segundo Bensusan,
uma pessoa que se diz Queer uma pessoa que no aceita
nenhum desses rtulos, uma pessoa que transita [...] Agora, o
passo seguinte, o passo Esquizotrans [...] O Esquizotrans tem dois
componentes: o componente Esquizo, e o componente Trans.
O componente Esquizo tem a ver com a negao de todas essas
identidades, [...] tem a ver com o elemento Queer, e o Trans
que muito importante, tem a ver com Travesti, tem a ver com
Transexual e tem a ver com Transgnero, e o que acontece que
muitas vezes a pessoa que adota o Sacolejo diz assim: Ah, pouco
importa a sua identidade [...] E no entanto, essa uma grande vio-
lncia, e foi o que sensibilizou a ideia de Esquizotrans7

O elemento trans, que tem a ver com a travesti, o transexual e transgnero,


est inscrito em corpos que denunciam8 a produo da ordenao dos corpos.
Esses corpos mostram que possvel ser outra coisa diferente daquilo que supos-
tamente deveriam ser. Pela nossa ignorncia, tornam-se trava-lnguas andantes
que interrompem nossos discursos quando estamos prestes a usar o ele ou
ela, o o ou o a. Desordenam os discursos, desacoplam pronomes e flexes
de gnero, de smbolos corporais supostamente complementares. Ressignificam
smbolos e criam signos alternativos. Cortam e criam novos fluxos9. E com isso
denunciam a finalidade dos termos empregados em um discurso.
Foucault, ao tratar sobre a colocao do sexo em discurso, afirma ser
importante se atentar a quem fala, os lugares e os pontos de vista de que se fala,
as instituies que incitam a faz-lo, que armazenam e difundem o que dele
se diz10. O elemento trans, que se imbrica e copula com o sexo, materializa

7 Idem.
8 Essa noo de denncia me foi apresentada pela Lila Monteiro, em uma de nossas conversas de
depois do almoo, nuns banquinhos prximos ao bloco 1B, da Universidade Federal de Uberlndia
(UFU), e entre os olhares dos meninos das engenharias e os ataques das abelhas.
9 DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 11
10 FOUCAULT, 2015, p. 16

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(ou exemplifica) essa proposio de Foucault. Ao falar com um corpo trans, me


atento ao que digo e repenso o que j disse. E isso me faz perceber o quanto
o meu discurso nunca isolado: est emaranhado em uma rede de discursos.
Como j adiantado, o elemento esquizo tem a ver com o queer, com os
corpos esquisitos, estranhos, que tm como identidade o no ter uma, uma
identidade sem essncia11, ou ter uma e depois outra, ou uma que seja absurda.
Queer [...] o sujeito da sexualidade desviante homossexuais,
bissexuais, transexuais, travestis, drags. o excntrico que no
deseja ser integrado e muito menos tolerado. Queer um jeito
de pensar e de ser que no aspira o centro, nem o quer como
referncia; um jeito de pensar e de ser que desafia as regras regu-
latrias da sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade,
do entre-lugares, do indecidvel. Queer um corpo estranho, que
incomoda, perturba, provoca e fascina12

A Teoria Queer se atenta a esses corpos. Ela surgiu no comeo dos anos
1980, e aponta para o fim dos conceitos de heteronormatividade, homoafe-
tividade, masculino e feminino, e abarca a excentricidade do sujeito em seu
modo mais radical. Queers querem o fim da diviso binria do gnero, o fim
da polaridade entre masculino e feminino13. Essa teoria questiona as ontologias
da sexualidade; a naturalizao do sexo heterossexual e do desejo pelo sexo
oposto; a correspondncia entre os genitais e o gnero; e aponta a construo
histrica da masculinidade e da feminilidade.
Da noo de esquizo os autores constroem a ideia de esquizerda, que
fica tentando contrabandear energia ertica para dentro do que
poltico enquanto procura, com a outra mo, escancarar os
semitons polticos do microertico. [...] proliferao, ao invs de
organizao da produo e da distribuio. No se trata de desviar
dos desejos que parecem implantados pela mquina de consumo
e de manuteno das coisas, mas de retorc-los, met-los em uma
paisagem de desejos [...]

11 MUNZ, 2005, p. 169


12 LOURO, 2004, p. 7-8
13 CAMARGO, 2013, p. 6

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Fica ntido que os autores no ocultam o aspecto poltico que seus textos
e discursos vinculam, ou seja, que eles tm uma determinada finalidade.
A criao do termo Esquisotrans, um exemplo disso. Nele, como j apre-
sentado, os autores aglutinaram as noes de esquiso e trans; e, alm disso,
criaram a noo de pessoa do avesso para se referir a ambos os elementos.
O Brevirio fala sobre e dedicado a essas pessoas do avesso, aos
desejos que transitam e que escapam, que nasceram fugidos e
vivem se deslocando. Aos que sabem que todo o dia necessrio
inventar-se, ser outra coisa, pois a ltima desconstruo engessou,
tornou-se rgida e o prprio desejo cambiante. dedicado aos
que nunca encontraram um centro e sempre foram periferia. Aos
que, no lixo, amaram. Aos que festejam sempre o lugar da costura,
das marcas, da diferena, da abjeo14

Borges e Bensusan no s falam sobre essas pessoas do avesso, com seus


corpos abjetos, como empregam os termos mais chulos possveis na escrita de
suas historietas. Ao empregarem esses termos, os autores questionam a forma
que o sexo falado, pois se engana quem acha que no se fala de sexo. O sexo
sempre assunto, mas se fala de uma determinada forma e de um determinado
sexo: o heterossexual (porque o resto putaria).
A partir do sculo XVIII o sexo heterossexual se torna objeto de estudo,
tanto pela medicina, pedagogia, e psiquiatria15 para citar alguns , quanto
pela literatura. Apesar do discurso do sodomita ser desautorizado, o sexo se
tornou, de todo modo, algo que se deve dizer, e dizer exaustivamente, segundo
dispositivos discursivos diversos, mas todos constrangedores, cada um sua
maneira16.
Dessa forma, para se falar de sexo na literatura, era preciso circunscre-
v-lo, trat-lo metaforicamente, sempre de forma indireta, oblqua. Era preciso
fazer dele um ritual, elev-lo transcendncia. Palavras como cu17, caralho18,

14 SOLANGE T ABERTA, 2010 apud BENSUSAN; BORGES, 2010, p. 06.


15 FOUCAULT, 2015, p. 34
16 Ibidem, p. 36
17 BORGES; BENSUSAN, 2010, p. 62
18 Ibidem, p. 97.

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buceta19 e xoxota20 so consideras vulgares, e quem as emprega tem como


punio ver o seu texto fadado marginalidade.
Aquele sexo to falado, mas falado pelos sujeitos normais, a partir de
um ponto de vista naturalizante, e a fim de obter o efeito de patologizao e
descentralizao dos sujeitos invertidos21, negado por essa obra, pois ela se
destina s pessoas que fogem da normalidade, que denunciam a produo da
natureza, de si e do humano (isso porque a natureza no antecede o humano;
ela nem existe fora dele. E o humano e natureza s existem enquanto processo
que os produz um no outro22).
Ao longo dos contos que compem o Brevirio, Bensusan e Borges falam
de pessoas do avesso, e para as pessoas do avesso. Mostram corpos que se
escondem ou so jogados nas zonas mais escuras, mais sujas, mais marginais.
Falam de corpos que, pelas suas estranhezas, tm-lhes arrancada a humanidade
e deixam de ser pessoas aos olhos das pessoas normais. Falam de corpos disfun-
cionais, mquinas desumanizadas, produtoras e desejantes: esquizofrnicas23.
Mquinas que deixam o desejo efetuar o acoplamento de fluxos contnuos
e de objetos parciais essencialmente fragmentrios e fragmentados, porque:
O desejo faz correr, flui e corta24. Corpos que sentem, que gozam, que de
to esquisitos, as vezes no se fazem entender, porque Coerncia papo de
poltico fia, conversa dos defensores do trabalho, famlia e propriedade, com
a gente no tem nada dessas coisas no! Defender coerncia defender o inde-
fensvel25. Corpos que querem uma genitlia com direito a tudo26 ou amar no
lixo27. Corpos que preferem teu joelho: Porque ele mais livre do que teu

19 Ibidem, p. 98.
20 Idem.
21 FOUCAULT, 2015, p. 30
22 DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 12
23 Idem.
24 Ibidem, p. 16
25 BORGES; BENSUSAN, 2010, p. 129
26 Ibidem, p. 37-40
27 Ibidem, p. 43-47

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pau28. Corpos que adoram teta e pau juntos29, ou que querem todos os ami-
gos do seu macho de uma vez30. Corpos que se perguntam: s pelo que eu
tenho entre as pernas que sou digno de amor?. Corpos jogados para o canto,
que se cansaram de procurar pela essncia das coisas, pois nunca foi atribuda
beleza sua abjeo.

Consideraes finais

Este trabalho mais um convite. Optei por apresentar noes encontra-


das no prefcio e no primeiro captulo/conto do Brevirio, que tem por ttulo:
disposies, despropores, desapropriaes a sada pela esquizerda. o que
esquisotrans?.
Como, antes de ler o Brevirio, j tinha uma noo de Teoria queer e
assuntos relacionados sexualidade, acreditei que no seria prejudicial apresen-
tar alguns desses conceitos (caso j no conhecidos) neste texto, para aqueles
que ainda no leram o Brevirio. Talvez pelo contrrio: muitos desses conceitos
tornaram mais prazerosa minha leitura, pois antes a provocao que me inco-
modava, agora aquela que me anima. E percebo isso a cada vez que releio
algum conto do Brevirio, tendo tambm aprofundado ainda mais nas leituras
de textos tericos.
Fica aqui o convite para aqueles que desconhecem essa obra de Borges
e Bensusan. Vai que voc uma pessoa do avesso. Porque se for, esse livro foi
escrito pra voc.

28 BORGES; BENSUSAN, 2010, p. 58


29 Ibidem, p. 61
30 Ibidem, p. 77

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Referncias

BATAILLE, Georges. O erotismo. Trad. Cludia Fares. So Paulo: Arx, 2004.

BENSUSAN, Hilan. Esquizotrans: entrevista sobre gnero com o professor Hilan


Bensusan: depoimento. [29 de maro de 2015]. Projeto Paidia Pibid Filosofia UNB.
Disponvel em: < https://projetopaideia.wordpress.com/2015/03/29/esquizotrans-en-
trevista-sobre-genero-com-o-professor-hilan-bensusan/>. Acesso em junho de 2016.

BORGES, F.; BENSUSAN, H. Brevirio de pornografia esquisotrans para pessoas do


avesso. Braslia: ex libris, 2010.

CAMARGO, Fbio Figueiredo. Corpos que querem poder. REDISCO, Vitria da


Conquista, v. 2, n.2, p. 7-16, 2013.

DELEUZE, G; GUATTARI, F. O anti-dipo. Trad. Luiz B. L. Orlandi. So Paulo: Editora


34, 2010.

FOUCAULT, Michel. A histria da sexualidade 1: a vontade de saber. 2 ed. So Paulo:


Paz e Terra, 2015.

MUOZ, Alfonso Ceballos. Teoria rarta. In: CRDOBA, D.; SEZ, J.; VIDARTE, P.
(Org.). Teora queer: polticas bolleras, maricas, trans, mestizas. Madri: Editorial Egales,
2005. p. 165-177.

Ningum se apaixona por ningum. Ningum objeto de amor. A outra


pessoa, em relao com voc, cria situaes, as quais voc se envolve, inter-
preta. Nos apaixonamos por essas situaes, e no pela pessoa. Voc no ama
ningum. Voc ama o que ela pode te proporcionar.

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NOTAS SOBRE UMA OBSERVAO PARTICIPANTE ENTRE


EVENTOS INTERACIONAIS NA ESCOLA E NA WEB 2.0

Thayse Figueira Guimares


Doutora em Lingustica Aplicada (UFRJ)
Universidade Vale do Rio Verde- Mestrado em Letras
[email protected]

GT 10 - Mdias digitais e (re)invenes da subjetividade

Resumo

O objetivo deste trabalho apresentar uma pesquisa etnogrfica multissituada,


realizada no contexto interacional de uma sala de aula de ensino mdio em
uma escola pblica e nas redes virtuais Facebook e Twitter. A proposta da pre-
sente pesquisa focalizou as performances identitrias de Luan, o participante
focal, na experincia de participao nas redes sociais on-line e nos eventos de
letramento escolar. Os dados gerados referiam-se s performances de gnero,
sexualidade e raa produzidas por esse jovem, focalizando principalmente o
modo como lidava com o sentido de corpo, padres de normatividade, estere-
tipos sociais e alteridades marginalizadas nos contextos investigados.
Palavras-chave: Performances; gnero/sexualidade; etnografia multissituada;
web 2.0.

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Introduo

Este trabalho coloca em debate um modo especfico de investigar discur-


sos e prticas de um grupo, levando em conta a observao etnogrfica em
mais de um lugar e as conexes entre tais espaos. Essa abordagem se funda-
menta em uma perspectiva multissituada ou multilocal (Marcus, 1995), onde o
pesquisador segue as cadeias, as trajetrias e os fios, parte de um fenmeno
especfico a ser investigado. Tal empreendimento traado na justaposio de
lugares sociais, onde so vivenciadas as prticas pesquisadas e onde o pesqui-
sador se faz presente em torno de um traar conexes (Marcus, 1995) entre
tais espaos e prticas. Seguir as prticas e os artefatos culturais de um grupo
ou pessoa e seguir uma pessoa e suas histrias so, segundo Marcus (1995, p.
106), formas de concretizar tal empreendimento. Metodologicamente, implica
complementar a informao de um campo de observao com outro campo,
recorrendo a outros espaos, tempos, objetos e atores, buscando interpretaes
e explicaes, com base em elementos que vo alm de um campo de obser-
vao emprica, propriamente dito.
Com essa perspectiva como pano de fundo, a abordagem do trabalho ir
incidir sobre o esforo etnogrfico realizado por mim, ao traar conexes entre
prticas interacionais da escola e da Web 2.01, dentro de um debate sobre as
transformaes possveis, moldadas pela globalizao atual. O objetivo apre-
sentar e discutir uma pesquisa etnogrfica realizada com um grupo de jovens,
estudantes do ensino mdio em uma escola pblica das Baixadas Litorneas do
Estado do Rio de Janeiro, que levou em conta a observao etnogrfica em mais
de um lugar2. O primeiro contexto investigado foi o de uma escola pblica das
Baixadas Litorneas do Estado do Rio de Janeiro, especificamente, uma turma
do terceiro ano do ensino mdio. E o segundo era o ciberespao, espao de
interconexo aberta, por abarcar a pluralidade, a fragmentao e a colaborao
em nvel global e no totalizvel (Lvy, 1999). Trata-se de uma etnografia con-
duzida e traada na justaposio de diferentes espaos interacionais, a saber, o

1 Caracterizamos a Web 2.0 como um tipo de mindset, ou seja, um modo de pensar e conhecer o
mundo vivido (Lankshear e Knobel, 2008, p.31). Na Web 2.0, o mindset orientado sob a lgica da
participao, da colaborao e a da inteligncia coletiva.
2 Este trabalho desenvolve parte da pesquisa de doutoramento realizada por esta autora (Guimares,
2014).

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contexto escolar e as redes sociais on-line Facebook e Twitter. A proposta da


presente pesquisa focalizou as performances identitrias de um dos estudantes,
que chamarei de Luan, meu participante focal, na experincia de participao
nas redes sociais on-line e nos eventos de letramento escolar. Os dados gera-
dos referiam-se s performances de gnero, sexualidade e raa produzidas por
esse jovem, focalizando principalmente o modo como lidava com o sentido de
corpo, padres de normatividade, esteretipos sociais e alteridades marginaliza-
das nos contextos investigados.
Uma justificativa importante acerca da escolha do objeto dessa pesquisa
que os letramentos da escola e do mundo virtual so muito significativos na
construo dos sentidos vlidos, que orientam os jovens cotidianamente. O
participante focal, assim como todos os integrantes da referida pesquisa, era
indelevelmente marcado pela experincia de participao cotidiana em inte-
raes virtuais e pelas transformaes que tais prticas possibilitam, tanto nos
contextos educacionais como em outros contextos institucionais. Assim sendo,
se verdade que os estudantes da contemporaneidade esto, cada vez mais
cedo, envolvidos em uma multiplicidade de discursos pelas redes sociais, creio
que muito de nossa observao, como educadores e pesquisadores, deveria
contemplar as prticas sociais das quais esses jovens participam. Isso porque
entendo que a participao na escola e nas prticas sociais virtuais so lugares
pertinentes para se estudar a dinmica da vida social.
No campo de conhecimento da Lingustica Aplicada, estou alinhada
perspectiva Indisciplinar (Moita Lopes, 2006), que se orienta pelo compromisso
tico e poltico de produzir conhecimento sobre as prticas sociais e, portanto,
sobre os significados que emergem pelas mudanas contemporneas (Moita
Lopes, 2006).
Como princpio tico, escolhi a responsabilidade com o outro (Venn,
2000, p. 11), em reconhecimento da impossibilidade da separao entre pro-
duo de conhecimento e o sujeito social, haja vista as consequncias da ao
de pesquisa na vida dos participantes. Busquei preservar o anonimato dos par-
ticipantes; apresentar as justificativas das escolhas tericas e metodolgicas;
produzir conhecimento que pudesse falar diretamente s prticas sociais desses
jovens e no impor limites s vozes, significados existentes, posies e inte-
resses dos envolvidos na pesquisa. Desse modo, a observao, as entrevistas,
as contextualizaes dos dados e as anlises efetuadas buscavam privilegiar

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uma proximidade crtica (Santos, 2008), considerando as vozes daqueles que


vivem as prticas, sem qualquer pretenso de neutralidade e objetividade.
No cerne da presente pesquisa estava a compreenso das construes
identitrias como feitas em ao performativa, tal como props Judith Butler
(2003), ao pensar em uma teoria performativa do gnero e da sexualidade. Esse
foi um ponto terico importante na compreenso das performances identitrias
de Luan: um garoto negro que se posiciona como gay em suas redes sociais
on-line e na sala de aula. Assim, na referida pesquisa, ao delimitar as performan-
ces identitrias de Luan como foco investigativo, estava interessada no modo
como o jovem contestava significados cristalizados de gnero, sexualidade e
raa em suas interaes com amigos da rede social Facebook e Twitter e no
contexto interacional de sua sala de aula.
A seguir, apresento algumas observaes sobre a investigao multissitu-
ada das performances identitrias do participante focal.

Notas sobre a observao multissituada das performances


identitrias de Luan

Ao longo do trabalho etnogrfico de observao na turma selecionada,


um dos alunos, Luan, me chamou a ateno por suas performances identitrias
tanto na escola como nas interaes virtuais e pelas lutas performativas em que
se envolvia na construo do seu gnero/sexualidade e raa. Ele ganhou des-
taque nesta pesquisa pela aproximao comigo e com as questes levantadas
pelo projeto etnogrfico.
Na poca da pesquisa, Luan tinha 18 anos, era twitteiro (ou seja, utilizava
constantemente o Twitter) e tambm possua conta no Facebook, Orkut, Tumblr,
MSN, e Youtube. Em sua participao nessas redes sociais, Luan utilizava-se de
recursos multissemiticos, que combinados produziam um perfil diferenciado.
Luan tambm interagia bastante pelo Facebook, onde postava mensagens
e fotos. Nessa rede social, as performances identitrias de Luan eram constru-
das pelas suas informaes pessoais, seus posts e fotos em destaque. Fotos
editadas mostrando o seu corpo eram recorrentes em seu mural e sinalizam um
tipo de ethos interacional3 que privilegia a exposio do corpo e a sensualidade.

3 Neste trabalho, uso o conceito de ethos em associao noo de ethos como hbitos locucio-

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O post abaixo ilustra como Luan se dirigia a seus amigos virtuais, construindo
sua participao nessa rede social.

Figura 2- Post de Luan na rede social Facebook.

Na poca, esse post lhe gerou algumas curtidas e comentrios sobre suas
identificaes de gnero, sexualidade e raa, no Facebook. Na publicao,
acima ilustrada, o jovem encena uma peformance que produz efeitos de uma
identificao especfica. Aqui, Luan um garoto negro e belo. Essa inter-relao
est fortemente presente nas suas interaes. Ao promover seu corpo como
desejvel e belo, suas publicaes eram comentadas e curtidas por um grande
nmero de pessoas. Essa valorizao do corpo corresponde s expectativas
prprias dos espaos on-line, em que h uma inclinao para valorizao da

nais compartilhados por membros de uma comunidade, conforme C. Kerbrat-Orecchioni (1996). Tal
ethos coletivo constitui, para os locutores que o compartilham, um perfil comunicativo, ou seja,
a sua maneira de se comportar e de se apresentar nas interaes (Kerbrat-Orecchioni, 1996).

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aparncia e da imagem do corpo, onde o que importa ser visto, como bem
sintetizou Bauman quanto maior a frequncia de minha imagem, quanto mais
pessoas visitam meu Twitter, mais chances terei de ingressar nas fileiras dos
famosos. (Bauman, 2011, p.29).
Alm disso, Luan utilizava quase todos os dias o MSN e o Skype para
manter/fazer contatos. Orgulhava-se de possuir mais de 2 mil amigos no Skype
e MSN, quase 2 mil amigos no Facebook e mais de 80 mil seguidores no Twitter.
J na sala de aula, participava pouco. Gostava de ficar sentado no fundo. Era
constantemente alvo de crticas do professor de redao, que o posicionava
como tendo interesse somente pelo que acontecia nas redes sociais on-line.
Desde o inicio da referida pesquisa, Luan se aproximava de um ethos
interacional que privilegiava as prticas das interaes on-line em detrimento
das prticas da escola. Tal aproximao era recorrente nas suas interaes,
como aponto no seguinte fragmento de entrevista acerca de sua relao com
o professor de redao:
[...] tipo ele acha que sou uma pessoa alienada. Ele fala de mim,
porque acha que na Internet no tem nada til. Ele no me deixa
com raiva com esse tipo de pensamento, mas eu acho que no
sabe de nada do que se passa por l. A vida l muito mais diver-
sificada, eu fico sabendo de tanta coisa que uma pessoa que no
tem contato com esse mundo no sabe. Eu acho que eles que
so alienados de verdade (Luan em entrevista pesquisadora
- 10/09/2011).

Tal declarao aponta como Luan entendia as crticas e avaliaes que


o professor de redao fazia a ele. Sua participao em sala de aula era forte-
mente marcada por contraposies a aes desse professor, que relacionava
o insucesso de Luan, em sua disciplina, intensa participao do jovem no
mundo virtual. Tambm foi possvel notar, atravs de minhas observaes etno-
grficas, que Luan tornou-se, ao longo do ano letivo, alvo de muitas crticas
nas avaliaes de outros professores da escola. Em entrevistas realizadas com
alguns professores, frequentemente, eles posicionavam Luan como um aluno
que s tinha interesse pela vida virtual. Isso porque a participao do jovem
nos letramentos da escola no dava conta das prticas privilegiadas pelos pro-
fessores, entre elas, o foco de ateno na aula e a escrita normativa. Assim,
eram comuns notas baixas nas provas e constantes momentos de repreenso

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por parte de seus professores. Considerado um aluno regular, Luan participava


pouco das discusses em sala de aula. O jovem sentava-se ao fundo da sala
de aula, prximo pesquisadora, o que possibilitou o acompanhamento dos
comentrios que fazia em voz baixa e as interaes dele com os outros estu-
dantes, participantes tambm da referida pesquisa.
Tendo em vista a observao multissituada das performances identitrias
de Luan, a pergunta de pesquisa que norteou o referido projeto foi: Como Luan,
participante focal da pesquisa, transita por prticas de letramentos digitais e
escolares e constri coletivamente suas performances de gnero/sexualidade
e raa nesses ambientes? O objetivo aqui era focalizar as lutas performativas,
na construo de sentidos considerados vlidos nas interaes de Luan pelo
Facebook, Twitter e no contexto da escola. Ao estudar as participaes de Luan
nas interaes no contexto escolar e virtual o intuito era investigar tais prticas
de letramentos como lugares de identificaes sociais e de assimetrias. Nessas
interaes, busquei compreender a relao entre performances cristalizadas e
inovadoras, na constituio das identificaes de gnero, sexualidade e raa de
Luan.

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Referncias

BAUMAN, Z. 44 Cartas do Mundo Lquido Moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar


Editor, 2011.

BUTLER, J. Problemas de gnero: feminismo e a subverso da identidade .Traduo de


Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003 [1990].

GUIMARAES, T. F. 2014. Embates entre performances corpreo-discursivas em traje-


trias textuais: uma etnografia multissituada. Rio de Janeiro, RJ. Tese de doutorado em
Lingustica Aplicada. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 209 p.

HINE, C. 2000. Virtual ethnography. London: Sage Publications, 174 p.

KERBRAT-ORECCHIONI, C. La conversation. Paris, Seuil, 1996.

LANKSHEAR, C. & KNOBEL, M C. Digital Literacy and participation in on-line social


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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

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A CIRCULAO DE SIGNOS IDENTITRIOS DE RAA EM


PRTICAS DISCURSIVAS NA WEB 2.0

Thayse Figueira Guimares


Doutora em Lingustica Aplicada (UFRJ)
Universidade Vale do Rio Verde- Mestrado em Letras
[email protected]

GT 17 - Manda Nudes!: Semioses Contemporneas e Governamentalidade

Resumo

A proposta focalizar o estudo de como Luan, um jovem negro e de identifica-


es homoerticas, constri suas performances de raa no contexto interaciona
da web 2.0. Para isso observo os discursos produzidos por esse jovem nos
contextos interacionais do Twitter, focalizando principalmente o modo como
lida com significados de corporalidade negra, beleza e embranquecimento na
negociao de suas performances identitrias. A investigao da circulao de
signos identitrios de raa ser feita em interseco com significados de gnero/
sexualidade, dando ateno s brechas que Luan encontra para reorganizar os
sentidos referentes s prticas em que se engaja.
Palavras-chave: Performances; gnero/sexualidade; raa; web 2.0.

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Introduo

Neste trabalho, apresento parte de uma pesquisa etnogrfica realizada


com um grupo de jovens, estudantes do ensino mdio de uma escola pblica
da periferia das Baixadas Litorneas do Estado do Rio de Janeiro, que levou
em conta a observao etnogrfica1 no contexto escolar e nas redes sociais
on-line Facebook e Twitter. Focalizo os textos e discursos produzidos por um
dos estudantes da referida pesquisa, que chamarei de Luan: um jovem negro,
classe baixa e de identificaes homoerticas. A proposta entender como
Luan constri suas performances de raa no contexto interacional da web 2.0.
Para isso, observo os discursos produzidos por esse estudante nos contextos
interacionais do Twitter, focalizando principalmente o modo como lida com
significados de corporalidade negra, beleza e embranquecimento na negocia-
o de suas performances identitrias. A investigao da circulao dos signos
identitrios (Wortham, 2006) de raa ser feita em interseco com significa-
dos de gnero/sexualidade (Barnard, 2004; Sullivan, 2003), dando ateno s
entextualizaes de resistncia, ou seja, s brechas que Luan encontra para
reorganizar os sentidos referentes s prticas em que se engaja. Tendo em vista
o foco investigativo deste estudo, tentarei responder a seguinte pergunta: Que
discursos sobre raa so entextualizados por Luan em suas redes sociais, ao
construir suas performances identitrias nesse ambiente? O objetivo aqui
olhar para as lutas performativas, na construo de sentidos considerados vli-
dos nas interaes de Luan pelo Twitter. Importa aqui compreender como Luan
recebe, responde e refuta, ou seja, como adere a esses signos identitrios com
determinados propsitos, ao se envolver em prticas comunicativas especfi-
cas. Defende-se que a repetio de signos estereotpicos de raa por meio das
entextualizaes produtivamente utilizada por Luan a servio de uma micro-
poltica de contestao dos lugares privilegiados, nas suas relaes inter-raciais
com seus amigos dessa rede social.
No cerne desta discusso est a compreenso de raa como feita em aes
performativas (Melo; Moita Lopes, 2014), tal como props Judith Butler (1999),
ao pensar em uma teoria performativa do gnero e da sexualidade. Entende-se

1 Esta apresentao desenvolve parte da pesquisa de doutoramento realizada por um dos autores (cf.
Guimares, 2014).

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que a raa tambm a materializao de um discurso performativo, que no se


desassocia da materializao de gnero e sexualidade (Barnard, 2004; Sullivan,
2003). Assim, a sexualidade racialmente marcada, assim tambm como a
marcao da raa impregnada de sexualidades especficas (Barnard, 2004).
Na reflexo sobre a circulao de signos identitrios de raa na construo
das performances de Luan, fundamental a discusso sobre os processos de
entextualizao-descontextualizao-recontextualizao de textos. Bauman e
Briggs (1990, p. 73), ao abordarem aspectos da performance narrativa, chamam
nossa ateno para a caracterstica fundamental dos discursos de se descon-
textualizarem e recontextualizarem. A dimenso entextualizvel do texto e do
discurso, como proposto por Bauman e Briggs (1990, p.73), ajuda-nos a com-
preender tambm, em dilogo com Butler (1999), que performances identitrias
so estilizaes repetida do corpo (Butler, 1999, p.43). Assim as identifica-
es de Luan so constitudas por sucessivas repeties de signos identitrios
(Wortham, 2006) que, por entextualizao, so transportados de um contexto
para outro (Silverstein; Urban, 1996).
Com essa perspectiva como pano de fundo, a seguir, apresento a anlise
das performances identitrias de Luan, ao acompanhar sua participao nas
redes social do Twitter. Ao faz-las, levo em considerao que, nos ambientes
virtuais, as identificaes so construdas com sujeitos diversos, cujas identifi-
caes esto muitas das vezes divorciadas de uma interao direta com nossas
as prticas identitrias off-line (Thomas, 2007), o que torna os contextos das
redes sociais mais dinmicos, imprevisveis e contingentes. As anlises mostram
um momento interacional em que Luan negocia significados sobre corporali-
dade negra, beleza e embranquecimento no Twitter. Selecionei tal cena porque
mostram Luan em lutas performativas na construo de significados sobre seu
corpo e identificaes de raa, tendo em conta os constrangimentos sociais e os
agenciamentos individuais possveis. Para a anlise dessas prticas discursivas,
sero contempladas as categorias pistas de contextualizao (Gumperz, 2002
[1982]) e de footing (Goffman, 2002 [1979]).

Anlise da circulao: performances de raa nas prticas


discursivas de Luan

A cena abaixo foi retirada de uma interao entre Luan e Moreira. Moreira
estudava na mesma sala de Luan e, igualmente, era participante da pesquisa. O

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jovem era visto com frequncia comentando as postagens efetuadas por Luan.
A transcrio mostra Luan negociando sentidos sobre sua performance de raa,
a partir de um questionamento realizado por esse jovem. De acordo com as
observaes etnogrficas, era comum Moreira exercer fiscalizao das perfor-
mances de raa de Luan nas redes sociais Twitter e Facebook, principalmente
com relao s fotos postadas por Luan (editas pelo software Photoshop), qua-
lificando-as como feias ou como tentativas de clarear a pele ou parecer branco
Em entrevista com a pesquisadora, a respeito dessa questo, Luan afirmara:
Pessoas conversam comigo na Internet e fala: olha o neguinho.
Fala/criticam minhas fotos porque acham que neguinho essa
coisa que mostram na TV. Tipo o negro pobre, feio, negro rouba.
Acham porque me visto bem, sei debater com eles, discutir que
quero parecer branco. No sinto nenhuma ameaa sobre esse tipo
de atitude com relao a minha cor. Eu levo na brincadeira, mas
acho que ningum esqueceu o tratamento dado aos negros de anti-
gamente, eles acham que ainda existe uma raa superior. (Luan em
entrevista pesquisadora 14/10/2011) .

Tal declarao aponta o que Luan cr que sejam as racializaes por


parte de seus amigos no Facebook, Twitter e Skype. Aqui ele convoca senti-
dos socioculturalmente sedimentados sobre diferenas entre raas e contesta os
significados racializados impostos nas nomeaes e esteretipos. Nesta seo,
exploro um momento interacional em que Luan negocia sentidos vlidos sobre
sua raa com Moreira. Apesar de o Twitter ter como objetivo ser uma conversa
aberta entre todos os usurios, com base no questionamento o que voc est
fazendo?, Moreira faz uma pergunta direcionado a Luan. A interao ocorreu
dia 21 de junho de 2011 e deve ser analisada de baixo para cima, ou seja, do
tweet 1 ao 4.

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Figura 1 - A interao entre Luan e Moreira

possvel observar que as identificaes de Luan so marcadas por estere-


tipos baseados em discursos cristalizados sobre diferenas raciais, que operam
na construo de uma relao entre negritudefeira e negritude-autonegao.
No post do Twitter, Moreira enderea sua fala Luan e interpela suas perfor-
mances ao dizer Oi exu, vc tem preconceito contra vc, posta foto p/b para ficar
bonito e negar sua cor? (tweet 1). O questionamento de Moreira construdo
por uma correlao entre (1) as fotos em preto e branco que Luan compartilha
nas redes sociais, (2) prticas de embelezamento e (3) prticas de negao de
sua raa. O questionamento de Moreira aponta para um discurso classificatrio
baseado em cores, em que a cor negra est associada ao no belo e autone-
gao da corporalidade negra de Luan. Tal enunciao aponta para uma escala
macrossocial, da entextualizao de discursos cristalizados e hierarquizados,
que inferiorizam a corporalidade do jovem nessas prticas interacionais
Em resposta postagem de Moreira, Luan projeta um footing de asserti-
vidade ao dizer MOREIRA eu no tenho vergonha da minha COR. Sou bonito
pra CRL...TENHO ORGULHO DE SER NEGRO! (tweet 2). Tal enunciado, em
caixa alta, indicando entonao mais forte assinala com cores fortes a valorao
de suas performances de raa e apontam para entextualizaoes de resistncia
que Luan faz na valorizao de sua raa e na contestao da vigilncia sobre

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suas performances. Luan, aqui, recupera discursos que incidem fortemente


em prticas de autoafirmao racial para refutar o footing de pessoa que nega
sua cor e atribuir sentidos de legitimidade a suas performances pelas fotos que
publica em preto e branco nas redes sociais on-line.
Alm disso, no post seguinte, ao enunciar MINHA RAA NEGRA FEITA
DO JEITO QUE EU QUISER! (tweet 3), Luan sinaliza que sua negritude no
est pronta e que pode ser performada fora da roteirizao imposta pelo olhar
de Moreira. Performativamente o jovem nos leva a inferir que no existe um
original para suas identificaes de raa. Esse um alinhamento que nos chama
a ateno para a compreenso de raa como efeito de prticas discursivas, do
mesmo modo em que Butler (1999) sustentou que gnero e sexualidade so
performances. relevante destacar tambm que o jovem encena performances
inovadoras, ao contestar significados pr-formados que criam roteirizaes para
corpos os negros. No jogo interacional de construir participao nessas redes
sociais, Luan, ao enunciar MINHA RAA NEGRA FEITA DO JEITO QUE EU
QUISER!, novamente faz uso de entextualizaes de resistncia que nos leva a
inferir que no existe um original para suas identificaes de raa.
No tweet 4, Luan recorre tambm a outros recursos que sinalizam um
confronto entre Luan e Moreira. O item lexical tonalidade faz referncia a
sua corporalidade negra e est sendo utilizado no enunciado Se no gosta da
minha tonalidadee, o problema e seu que tem mal gosto... (tweet 4). Nesse
caso, a presena da orao condicional se no gosta conjuntamente com a
expresso o problema seu projeta um footing de indiferena de Luan com
relao ideia de que suas performances de negritude no agradam a Moreira
sexualmente. Alm disso, a expresso mal gosto, utilizada na qualificao das
preferncias esttico-sexuais de Moreira, funciona tambm como uma pista
importante na compreenso de um alinhamento em oposio a discursos racia-
lizados sobre beleza, que estabelecem para Luan posies estigmatizadas que
o inferiorizam.
De acordo com Butler (1999, p. 34), a coerncia e continuidade dos
sujeitos sociais no so caractersticas lgicas ou analticas da condio de
pessoa, mas, ao contrrio, normas de inteligibilidade socialmente institudas e
mantidas. Isso significa que as identificaes construdas no embate performa-
tivo entre Luan e Moreira so modos de significar a corporalidade supostamente
negra, com base em discursos cristalizados sobre o que ser negro em nossa
sociedade de supremacia branca. Entretanto, essas prticas discursivas esto

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sempre suscetveis a falhas e a citaes descontextualizadas. Nesse sentido,


entextualizaes de resistncia podem surgir apresentando significados novos
e imprevistos. Assim Luan, mesmo inundado em esteretipos, pde contestar
e transgredir uma matriz racial de inteligibilidade da raa que se revela sob a
vigilncia constante dos corpos negros.

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TRANS* FORMAES DO CORPO FEMININO


NAS WEBCOMICS

Keila Henriques Vieira


Doutoranda em Estudos Transculturais
Institute of Transcultural and Transtextual Studies IETT
Universidade de Lyon 3 Jean Moulin
[email protected]

GT 25 - Construes Trans* em Debate

Resumo

Este artigo aborda a performance de identidade de gnero nas webcomics


como modo de experimentao e representao das culturas femininas. Como
o acesso a novos instrumentos mediticos comea a anular subordinaes do
gnero, encontramos o surgimento de novas rearticulaes corporais junto
expressividade do feminino nesta mdia; em suas posturas gestos e formaes
culturais dentro de uma perspectiva ps-moderna. Assim, esta anlise apre-
senta alguns exemplos de webcomics que demarcam a autobiografia como
um instrumento literrio coletivo. No sentindo de que como uma manifestao
comunitria, elas formam um espao de memria e performance da diferena
pelas experincias do feminino.
Palavras-chave: autobiografia; feminidade; coletivos; gnero; webcomics.

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Introduo

As expresses de resistncia atravs das webcomics se tornam polticas


coletivas quando estas comeam a ter o objetivo de no somente opor s ins-
tncias especficas de dominao cvica, mas tambm proporcionar um fim s
estruturas de subordinao e opresso sexuais. Ao considerar que o oprimido
possui uma desenvoltura cotidiana para imaginar subverses das normas esta-
belecidas por seus opressores atravs da linguagem, com a criao de novos
espaos mediticos como o das webcomics, ns encontramos o discurso
democrtico.
No fim da dcada de 1990, a quadrinista Gail Simone postou uma lista
na internet com personagens femininas que haviam sido mutiladas ou mortas
nos quadrinhos. Ela a intitulou como Women in Refrigerators [Mulheres em
Geladeiras], fazendo uma referncia cena da revista Green Lantern [Lanterna
Verde], 1941, em que o protagonista encontra sua namorada morta dentro da
geladeira. Assim, Simone comea esta conversa feminista online para mos-
trar a constituio opressiva da figura feminina representada nas histrias em
quadrinhos.
Ao consideramos que qualquer pessoa est sujeita aos interesses de um
Outro, e sem poder evitar esta conjuntura, ela tambm passvel de no con-
siderar este interesse como um agente que ser subordinador de suas escolhas
pessoais (Anna Smith, p.6). Porm, para alcanar esta determinao global
quanto perspectiva de gnero ainda se torna necessrio o acesso a instru-
mentos tecnolgicos de comunicao que permitem visionar e reproduzir um
mundo alm de subordinaes locais. Com esta perspectiva, as webcomics se
tornam um instrumento meditico de poder, no momento em que elas podem
ser pensadas como formadoras de um espao alternativo e acessvel global-
mente. Elas, desta forma, oferecem novas percepes de modos de vida e
conhecimento marcadas por atos culturais polticos pela expresso coletiva.
Entretanto, a representao do feminino ao estar cingida como um token
pelo passado patriarcal instaurou um capital social simblico em cada locali-
dade (Bourdieu, 2001, p.66). Por isso, a partir do momento em que ela existe
atravs de um olhar construdo, por e como um Outro, este sujeito mar-
cado por sujeitos acolhedores ou excludentes. Segundo Irigaray (1985, p.227),
o feminino no possui um lugar definido em um espao e tempo embora j
exista o reconhecimento histrico da condio oprimida da mulher. E a mesma

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definio da mulher tambm envolve este lugar e temporalidade do passado


patriarcal, ao percebemos que ela neste outrora no pde tomar posse de si
mesma como feminina.
Alm disso, o feminino um sujeito que ainda continua a atrair reservas
e reconstituies corporais, pois a feminilidade dentro de formas classificatrias
conserva polaridades maniquestas. Mesmo ao considerarmos que, segundo
Butler (1990, p.76), a noo de um patriarcalismo universal est sendo criticada
pela falha em considerar trabalhos sobre a opresso do gnero em contextos
culturais concretos. Principalmente, por uma constante tendncia de se cons-
truir nveis mundiais em que a opresso do gnero erroneamente explicada
como sintomtica ou at mesmo parte da barbrie de um terceiro mundo.

A feminilidade ps-moderna: os corpos desgovernados no ver e


ser visto

A noo de feminilidade na ps-modernidade comea a ser entendida


como uma qualidade que no exclusiva da mulher, mas como uma escolha
da prpria sexualidade humana. Visto que a categoria do gnero norma-
tiva, e por isso ela faz parte de prticas reguladoras que produzem corpos a
serem governados, como alega Foucault (1978, p.3). Estas normas reguladoras
tambm materializam o sexo atravs de reiteraes foradas biologicamente.
E ambos fazem parte de uma materializao incompleta e instvel da sexua-
lidade, logo Butler (1993, p.1) diz que ns podemos encontrar possibilidades
para a desmaterializao corporal, principalmente pela rearticulao da cultura
hegemnica. Por exemplo, a partir disto podemos anular princpios pedaggi-
cos em que mulheres so ensinadas a ocuparem o espao, a se movimentarem
ou adotarem posturas e gestos. Como tambm expor o fato de que em muitos
lugares a feminilidade medida pela arte do encolher ou do aumentar, que
as circunscreve um espao autoritrio quanto aos seus movimentos, posturas
e formaes corporais (Bourdie, 2001, p.27).
Pois, no prprio ser mulher, ela possui uma grande representatividade
nas culturas populares que demarcam espaos para a expresso de novas
feminilidades. E no espao da webcomics a feminilidade se torna vvida e nos
oferece um senso de localidade do que experimentado nas relaes sociais do
ver e ser visto como feminino. Neste sentido, Pollock (1988, p.75) salienta que

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nesta formao encontramos o senso de diferena, localizado entre a experin-


cia e o que oficialmente falado ou representado como sexualidade feminina.
Na primeira edio da revista Risca, criada pelo coletivo LadyComics em
2015, foram realizadas entrevistas com criadoras de webcomics para demarcar
a importncia desta mdia na representao das identidades do gnero. Como
no caso da matria Desenhando Gnero: quadrinistas trans*ganham espao e
mobilizam novas representaes, organizada por Samanta Coan. Neste artigo
encontramos algumas declaraes de escritoras visuais trans como, por exem-
plo, Kylie Wu, criadora das tiras webcomic Trans Girl Next Door (2013). E ela faz
parte de um grupo de mulheres que criam espaos de memria e resistncias
por postarem trabalhos baseados em sua experincia trans*.
Assim, ns percebemos que nas estrias ntimas, feitas em formas de dirio
para webcomics, h uma expresso esttica inovadora dos meios da comunica-
o literria visual. Pois, estas autobiografias formadas por relatos experimentais
interrogam e desvendam relaes de subordinao e contextualizam inmeras
identidades sexuais. Como Brogniez (2010, p.121) alega, a marcao da iden-
tidade sexual se torna uma manifestao sensvel atravs deste autobiogrfico
corporal nos quadrinhos para a contestao e reivindicao da representao
da feminilidade

Os atos perfomativos das webcomics autobiogrficas

As representaes de valores culturais so entradas corporais que formam


o espao de memria, e isto abrange os novos caminhos mediticos e perfo-
mticos das webcomics. Desta maneira, a noo de gnero no pode ser
vista nem como verdadeira nem como falsa, considerando que as experincias
possuem uma identidade que nunca ser fixa. Ns aprendemos, experimen-
tamos e compartilhamos conhecimento durante todo este percurso. E como
Butler (1990, p.141) sinaliza, o gnero aberto para mltiplas divises, auto-
pardia, auto criticismos, que formam exibies hiperblicas do natural com
um exagero revelador de seu prprio status fantasmagrico. Pois, este um
fantasma semitico, em que nenhum valor cultural eterno pode ser atribudo,
mesmo enquanto pessoas movem e vivem, ainda que pacientes, em suas reser-
vas sociais, modstia e at silncio.
Como toda performance do feminino ligada ao ato cultural, Sodr (1988,
p.190) nos diz que a enunciao no mais joga com critrios de verdade, mas

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com o fazer alguma coisa, que correspondente ao compromisso diante do


fato ou pela ao coletiva. Assim, os atos perfomativos produzem aes pol-
ticas, bem-sucedidas ou malsucedidas, em suas garantias democrticas. Logo,
em primeiro lugar, nas autobiografias feitas como webcomics encontramos uma
apresentao ntima que constitui retratos individuais e estes formam a imagem
de um universo perceptivo que tambm tocar o leitor. E em segundo lugar, nas
webcomics encontramos novas formas de experimentao esttica proporcio-
nadas pela linguagem computacional aberta ousadia.
Como a ousadia uma forma de sensualidade, ela constitui um campo
performtico de escrnio, sacanagem e impostura no desejo de se carnavalizar
a vida (Parker, 2009, p.181). E as webcomics apresentam alternativas para este
carnaval, para se sair de um mundo do enclausurado, onde pessoas se tornaram
depressivamente confinadas ao espao privado da cidade, da casa, da cozinha,
da lngua e do corpo. Esta uma desordem que tambm remete a seduo pro-
posta por Sontag (2009, p.281) pelo verbo to camp, ou levantar assentamento,
pelo seu envolvimento com todas as formas flamboyants do viver suscetveis ao
sentido espirituoso da mudana do compreender cultural. Como na webcomic
Assigned Male (2014), postada no Tumblr, Sophie Labelle movida pela ideia
de enviar uma mensagem positiva sobre o corpo relacionado transexualidade
no mundo. Assim, ao assentar uma ideia pela experincia ativa, ela se torna um
ato cultural. Como Berlant e Warnen (1998, p.550) alegam, ao observar que
ritos de passagem podem ser remodelados como histrias individuais/culturais
pela atribuio de novos significados. Ao considerarmos, tambm, que cada
pessoa no sabe tudo sobre si mesma, mas reconhece o seu relacionamento
com o (auto) conhecimento e imagem coletiva do seu papel dentro do mundo.

Consideraes finais

Como apontamos a feminilidade como um sinal, uma fico, uma confec-


o de significados e fantasias, ela no corresponde a uma condio natural ou
universal prpria da mulher. Ela uma construo ideolgica e historicamente
varivel, que produzida por um ou tambm para ser Outra. (Butler, 1990;
Spivak, 1988). Alm disso, entre a vibratilidade do corpo feminino e a nossa
capacidade de percepo cultural h relaes paradoxais criadas por nossos
modos de apreenso da realidade. E isto uma mobilizao que impulsiona a
potncia sobre o pensamento/criao do mundo representado nas webcomics.

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Assim, ns percebemos que estas obras esto repletas de hibridizaes culturais


e corporais, que antes tambm eram intransmissveis via outras formas miditi-
cas. Elas estabelecem mapas de referncias compartilhados, dentro de nossos
contornos pessoais, locais e globais, ao transformar estes paradoxos sociais.
Este um exerccio do pensamento/criao que nos oferece participao cole-
tiva na reconstruo de paisagens subjetivas para um mundo livre, igualitrio e
diferente.

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PANORAMA DAS PROTAGONISTAS TRAVESTIS NA


PROSA BRASILEIRA DO SCULO XX

Carlos Eduardo Albuquerque Fernandes


Doutorando em Letras pela Universidade Federal da Paraba
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

O cnone da literatura brasileira reflete um discurso excludente de classe, raa


e gnero. Obras literrias que propuseram temas transgressores aos dogmas do
status quo machista, branco e heterossexual, consequentemente, na maioria
das vezes, foram omitidas das historiografias literrias, tornando-se pouco lidas,
estudadas e criticadas. O presente trabalho objetiva percorrer a literatura bra-
sileira do sculo XX, evidenciando a representao das protagonistas travestis
ao longo desse perodo, problematizando o silenciamento dessas personagens
ao longo do tempo, bem como tecendo comentrios sobre a maneira como
elas foram construdas na fico. Partiu-se de pesquisas bibliogrficas em com-
pndios de histria da literatura brasileira, a saber, Bosi (2006), Moiss (2007),
Coutinho (2004), Picchio (1997), para observar se h meno de obras que pro-
tagonizam travestis, em seguida, elucida-se as obras encontradas e os aspectos
que estas ensejam sobre as travestis, o corpo e a sexualidade. A crtica que se
constri toma por base as discusses sobre o cnone, a partir de Kothe (1997) e
Cunha (1999), sobre sexualidade e relaes de poder, a partir de Foucault (1988,
1985, 1984), Bordieu (2007) e sobre o corpo e a experincia da travestilidade, a
partir de Silva (2007) e Pelcio (2009).
Palavras-chave: Travestis; Protagonistas; Narrativas brasileiras; Sculo XX.

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Introduo

O cnone da literatura brasileira reflete um discurso excludente de classe,


raa e gnero. Obras literrias que propuseram temas transgressores aos dogmas
do status quo machista, branco e heterossexual, consequentemente, na maioria
das vezes, foram omitidas das historiografias literrias, tornando-se pouco lidas,
estudadas e criticadas.
Kothe (1997) aponta as ideologias dominantes na formao do cnone e
elucida a excluso das minorias, fazendo uma crtica e uma reviso radical da
seleo de obras e autores da literatura brasileira. No entanto, ele argumenta
que no h sada para reformular o cnone, to solidificado que est na cultura.
Parte desse crtico a idia de desconstruo alegrica que consiste na tentativa,
talvez utpica, de promover breves rachaduras nas estruturas cannicas da
literatura, desconstruir, ao menos alegoricamente, o padro estipulado que, evi-
dentemente no corresponde rica pluralidade de perspectivas construdas em
nossa literatura.
Dessa forma, pretendemos dar visibilidade a obras literrias cujo enfo-
que recai nas minorias silenciadas culturalmente. A caracterstica principal
do recorte de nosso corpus se d pelo aspecto temtico e estrutural: obras
cujo tema central a travestilidade e cujas protagonistas sejam travestis. Nosso
objetivo percorrer a literatura brasileira do sculo XX, evidenciando as pro-
tagonistas travestis ao longo desse perodo, problematizando o silenciamento
dessas personagens ao longo do tempo.
Utilizamos a concordncia do termo travesti com o pronome feminino,
a fim de respeitar o gnero e no o sexo biolgico dessas pessoas, bem como
empregamos o termo Travestilidade, no lugar de Travestismo, uma vez que o
primeiro fornece uma viso pluralizada da experincia travesti, promovendo
um olhar mais abrangente e positivo. (PELCIO, 2009). Estamos considerando
como travesti a personagem de fico que tem sua trajetria marcada na nar-
rativa, perpassando um perodo no qual a identidade sexual e de gnero era
masculina, ou seja, era uma personagem homem, que passa pela transformao
corporal, atravs da vestimenta e outras tecnologias do corpo (BENTO, 2006), e
torna-se uma personagem travesti, que parte da aparncia feminina para cons-
tituir uma nova identidade.
Partimos de pesquisas bibliogrficas em compndios de histria da lite-
ratura brasileira, a saber, Bosi (2006), Moiss (2007), Coutinho (2004), Picchio

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(1997), para observar se h meno de obras que protagonizam travestis, em


seguida, elucidamos as obras encontradas, promovendo visibilidade s narrati-
vas brasileiras que centralizam a experincia da travestilidade.

Cnone, histria literria e protagonistas travestis

Existe uma vagueza semntica em relao ao conceito de cnone,


segundo Cunha (2006). Todavia, podemos sintetizar que o cnone literrio
um sistema simblico e material de valorizao exacerbada de obras, que se
materializa atravs das listas de obras que so divulgadas para o pblico. Nesse
sentido, subjaz ao cnone uma relao de poder, na qual hierarquicamente ele
supostamente superior aos que foram omitidos e/ou excludos dele, voltando
ao apontamento feito por Crystfol y Sel (2008) de que a censura est sempre
associada ao cnone.
Os manuais tradicionais de histria da literatura mais divulgados nos cur-
sos de Letras, como de Coutinho (2004), de Moiss (2007a) ou de Bosi (2006)
mantm praticamente a mesma quantidade de obras, de seleo de autores,
mesma atribuio valorativa aos textos, formando uma rede atravs da qual se
refora, segundo Kothe (1997), que o cnone literrio brasileiro no seja consi-
derado exposto a possibilidades de revises/ alteraes, mantendo estabilizados
discursos de sustentao de determinadas ideologias.
Um primeiro objetivo traado foi o de verificar se h meno da temtica
homoertica em obras da literatura brasileira e, depois, que tipos de coment-
rios so tecidos sobre o autor, o tema ou sobre as personagens travestis inseridas
nas narrativas. comum no encontrarmos meno a obras de temtica homo-
ertica em compndios mais tradicionais ou, quando a obra mencionada, h
suplantao desse tema.
Segundo Thom (2009), um dos maiores clssicos da literatura bra-
sileira do sculo XX o romance Crnica da casa assassinada, de Lcio
Cardoso, publicado em 1959 e que possui uma intrigante personagem travesti:
Timteo. Entre muitos conflitos, apesar de no ser o nico protagonista, pois
o romance polifnico, narrando-se vrios conflitos entre as diversas perso-
nagens, Timteo transgride a norma dos papis de gnero e vive trancado
em um quarto, vestido de mulher, fato que desencadeia todo um descon-
forto nos demais sujeitos ficcionais. No entender de Thom (2009, p. 189),
essa personagem subverte o cnone, modificando a viso das personagens

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homoerticas na literatura. Talvez por esse motivo, nem essa personagem


travesti, tampouco o vis homoertico da obra de Lcio Cardoso, so men-
cionados nos compndios historiogrficos. O autor sequer citado nas obras
de Moiss (2007a) e Picchio (1997) e, apesar de exaltado por Coutinho (2004)
e Bosi (2006), o carter subversivo de um de seus principais personagens
no mencionado. Alm da narrativa de Lcio Cardoso, a nica que possui
uma protagonista com um aspecto de travestilidade e que mencionada nos
compndios de histria da literatura brasileira Stella Manhattan, de Silviano
Santiago; o romance citado apenas por Picchio (1997), mas sem elucidar
nenhum de seus aspectos de diversidade sexual.
De todos os manuais consultados, o que mais diverge quando compa-
rado aos demais, possuindo maior alcance temporal no aspecto descrio de
obras (chega a descrever textos da dcada de 1990), o de Picchio (1997).
Ainda assim, no registra os romances de Cassandra Rios, que tiveram grande
repercusso desde a dcada 40 com a publicao do seu primeiro livro A
volpia do pecado, lanado em 1948 at as dcadas de 1970 e 1980, com
seus romances mais conhecidos. importante perceber que a omisso de obras
de temtica homoertica e das personagens travestis confirma, no cnone da
literatura brasileira, a observao de Crystfol y Sel (2008) de que a censura
caracterstica da constituio dos cnones literrios; censura essa que se
configura no s pela omisso, mas pelos comentrios negativos em torno da
literatura homoertica.
Ao verificar os compndios anteriormente citados, percebemos que a
meno a obras que apresentem protagonistas travestis quase nula. Partimos,
ento, para uma apresentao diacrnica de obras que encontramos atravs
de pesquisas bibliogrficas e, por nossa experincia prpria de leitura, faremos
um passeio pelos contos e romances que abordaram a travestilidade em suas
protagonistas. Elaboramos um quadro com a sntese dos ttulos encontrados em
nossas pesquisas, facilitando sua visualizao:

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QUADRO 1 - Sntese das obras em prosa com protagonistas travestis


Ttulo da obra Autor Ano Gnero
A grande atrao Raimundo Magalhes Jr 1936 Conto
Georgette Cassandra Rios 1956 Romance
Crnica da casa assassinada Lcio Cardoso 1959 Romance
Uma mulher diferente Cassandra Rios 1965 Romance
Tas Walmir Ayala 1966 Conto
Dia dos Namorados Rubem Fonseca 1975 Conto
Amor Grego Aguinaldo Silva 1975 Conto
Ruiva Julio Csar Moreira Martins 1978 Conto
O Milagre Roberto Freire 1978 Novela
Shirley Leopoldo Serran 1979 Pea teatral
Noites de Rosali / A bichi-
Darcy penteado 1979 Contos
nha da sorveteria
O Travesti Adelaide Carraro 1980 (incerto) Romance
Rita Pavone no usa tubinho Zeilton Alves Feitosa 1984 Conto
Stella Manhattan Silviano Santiago 1985 Romance
O fantasma travesti Silvia Orthof 1988 Romance
Mudanas Orlando Jernymo 1995 Conto
O anjo da avenida atlntica Lus Canabrava 1995 Conto
Nicola Danilo Angrimani 1999 Romance

Ao fazer este breve levantamento de textos brasileiros que centralizam os


conflitos das travestis, percebemos quo pequena a quantidade: apenas 19
ttulos (entre contos, romances e uma pea teatral) em um sculo. A maioria
das obras que compem o nosso levantamento so textos considerados perif-
ricos, de publicao nica, obras literalmente ocultadas de registros na histria
literria brasileira. Infelizmente, devido ao espao limitado neste artigo, essas
obras no so aqui esmiuadas em seus enredos, o que pode ser consultado
em Fernandes (2016).

Consideraes Finais

bem verdade que a literatura de temtica homoertica no tem sido


produzida no Brasil apenas nas duas ltimas dcadas, mas o pensamento moder-
nista, l da Semana de 22, tem reverberado em vrios momentos, levando-nos
a defender que o conceito de literatura, de crtica literria, que o pensamento

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construdo em torno das artes e da literatura sofreram alteraes ao longo de


todo o sculo XX, apesar de a literatura de temtica homoertica ter sido invi-
sibilizada, silenciada ou guardada como um segredo.
A discusso em torno das representaes de autores e obras da literatura
homoertica nos compndios da literatura brasileira no uma fala que se
ressente da incluso de obras no cnone literrio, mas uma advertncia aos lei-
tores no sentido de que percebam, como diz Kothe (1997), os gestos semnticos
de poder que tornam autores e obras ventrlocos da literatura, um repetindo
o outro e, neste repetir, de acordo com a ideologia do momento (que parece
ser a mesma, apesar do tempo transcorrido entre as geraes), alcanam luga-
res na memria nacional. Esperamos, aos poucos, romper um pouco com esse
silenciamento, desconstruir alegoricamente, nas palavras de Kothe (1997), as
barreiras do cnone impostas literatura que tematiza a diversidade sexual,
promovendo, assim, outras formas de interpretar nossa produo literria, espe-
cialmente no que se refere s personagens travestis.

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SER A VISIBILIDADE DIGITAL UM NOVO TIPO DE


CONFISSO OU UMA FORMA DE RESISTNCIA?

Joo Barreto da Fonseca


Doutor em Comunicao e Cultura pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) e professor do Curso de Comunicao Social e do Programa
de Mestrado em Letras, da Universidade Federal de So Joo Del-Rei (UFSJ)
[email protected]

Resumo

No movimento LGBT comum se pensar que a visibilidade uma estratgia


de confronto. Levando em considerao postagens na internet, diramos que
aparecer no mais problema, porm, os problemas no desapareceram. Neste
texto, apontamos mudanas nos regimes de apario, entrelaando questes
relativas comunicao, educao e problematizao da heteronormativi-
dade, mas trazendo para os nossos dias uma desconfiana de Foucault (2003),
para quem o excesso discursivo em torno do sexo tambm era uma forma ocul-
tamento da energia vital das prticas sexuais.
Palavras-chave: Redes; imagens; resistncia; confisso; diversidade.

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Introduo - o corpo em negociao

Os corpos, que pouco circulavam no mundo da matria, com suas leis da


fsica, esto mais disponveis no ciberespao, onde transitam com mais leveza
e apresentam viariantes antes no vistas. Esta pluralidade, outrora clandestina,
exibe-se de maneira notria em milhares de curtidas e visualizaes e algu-
mas ganham verses. Este o caso, por exemplo, da travesti Luiza Marilac,
que ficou famosa com um vdeo postado na internet e ganhou imitaes das
apresentadoras de TV e foi entrevistada com seriedade por Antonio Abujanra,
no programa Provocaes, da TV cultura extinto aps a morte do apresentador.
A democratizao na produo, distribuio e recepo de imagens disponi-
bilizou aos usurios de internet cenas inusitadas dos cotidianos, retirando de
regies de sombra imagens tabus.
Poderamos de chamar de ao no mundo real, essa enorme quantidade
de reao aos vdeos, que viralizam na internet porque seus personagens esto
fora dos quadros da heteronormatividade, como o caso de Luisa Marilac ou
do rapaz filipino Royce Cherdan Lee e suas verses de videoclips de diva.
Para Bergson (1999. p. 58), o nosso corpo no se limita a refletir a ao de
fora, ele luta e absorve assim algo dessa ao. Poderamos dizer, por metfora,
que se a percepo mede o poder refletor do corpo, a afeo mede seu poder
absorvente. Ento, para Bergson, o corpo nunca esttico e sua definio
negociada publicamente. Segundo Bergson (1999, p. 60), porque acontece um
processo de afeco, que justamente o que se mistura do interior do nosso
corpo imagem dos corpos exteriores.
Para Butler ( 2013, p.154), o constructo social conhecido como corpo vem
se modificando com o passar dos anos, medida que recebemos mais imagens,
e seu constructo ideal est se desmaterializando. Villaa (1999, p. 13-14) pensa
que a desmaterializao do corpo diz respeito perda de referncias corpo-
rais associada desmaterializaao dos outros obstculos naturais e histricos.
Foucault (2003) sinalizou, depois de Bergson, que a verborragia e a supe-
rexposio tambm podem ser uma maneira de manter um problema oculto.
Expor no seria como apresentar as armas ao inimigo para um seguinte processo
de normatizao? As coisas sem os seus demasiados disfarces so necessaria-
mente mais francas?
Essas questes foram levantadas, porque Foucault (2003, p. 59.) acredi-
tava que a confisso estava to incorporava que no mais se apresentava como

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efeito do poder, mas como espontnea. No mais revelava o poder que coa-
gia. (p. 60). Para Foucault, os detalhes minuciosos, as precaues meticulosas
dos cientistas e tericos, espalhadas em vrios tipos de confisses (mdicas,
psicolgicas, pedaggicas), pelo menos at Freud, podem ser considerados pro-
cedimentos destinados a desviar a verdade perigosa do sexo: De tanto falar
nele e descocri-lo reduzido, classificado e especificado, justamente l onde o
inseriram procurar-, se-ia, no fundo mascarar o sexo: discurso-tela, discurso-es-
quivncia (FOUCAULT, 2003, p. 53).

As categorias e os seus direitos

Ao estudar os presos de Guantnamo, Butler (2009) se conjuga com


Foucault (2003), ao acrescentar que existem categorias sobre as quais recaem
um certo tipo de humanismo, que lhes garante direitos lamentao e ao luto
em caso de morte, o que no houve, por exemplo, com os gays mortos em 11
de setembro, como lembra a filsofa. Para Butler (2009, p. 63), a relao da
desumanizao com o discurso complexa. Butler no acha simples afirmar
que a violncia implementa somente o que j est funcionando no discurso.
O reconhecimento para Butler (2009) tem relao estrita com processos de
humanizao. Contra as vidas que no so humanizadas (as que no formam
famlias tradicionais) so destinadas as violncias fsicas, que so mensagens da
desumanizao que est ocorrendo no mundo da cultura.
Foucault j havia alertado, ao relativizar a hiptese repressiva, que a inter-
dio do sexo no era uma iluso, mas fazia parte de uma srie de recusas que
tinham, paradoxalmente, uma vontade de saber, em cima da qual ser ergueu
uma cincia. Essas cincias embora sobre o rtulo de a vontade de saber
tinham intenes de conter e disciplinar. Ainda segundo Foucalt (2003, p. 37),
atravs de prticas discursivas, multiplicaram-se as condenaes judicirias das
perverses menores, anexou-se a irregularidade sexual doena mental.
O reconhecimento, no sentido apontado por Butler, funciona para a
reparao da vulnerabilidade, que uma condio constituinte do humano.
Vulnerabilidade que, para Spinoza (2009, p. 33), a consequncia de encontro
com outros corpos, que nos constrangem e diante dos quais somos suscetveis.
E alm disso: O corpo humano compe-se de muitos indivduos (de natureza
diferente) cada um dos quais tambm altamente composto. Neste sentido,

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um corpo no existe per si, como unidade, mas apenas em relao com seus
fragmentos internos e com outros corpos.

Abjeo digital

Essa nova inteligibilidade cultural determina como se qualifica um corpo


para uma vida no interior do domnio da cultura, conforme afirma Butler (2003,
p.155). uma nova arena de luta contra a abjeo e para a criao de novos
objetos de dio, completamente em consonncia com a regulao de prticas
identificatrias. Aquilo com o qual no se identifica se torna o abjeto. Ento, o
conceito de identidade carrega consigo a abjeo.
Butler (2013) argumenta que a identificao com o sexo, na formao do
sujeito, produz uma rejeio, um repdio. Mas o abjeto no algo que est no
exterior, mas algo que foi colocado para fora no processo de formao do sujeito,
de identificao. Neste sentido, podemos convocar Freud (1986), que em seus
trabalhos sobre esttica, em torno de O homem da Areia, de E. T. A Hoffman,
argumentava que o estranho no se classifica como algo desconhecido, mas
como familiar. Para reforar seu ponto de vista, destacou a semelhana entre as
palavras alems Unheimlich (estranho) e Heimlich (domstico ou familiar) e os
esforos da arte na tentativa de separar o grotesco do belo, o imoral do elevado.
Nietzsche (2008, pg. 164), pensando a construo da glria e da virtude, ava-
lia que a moral to imoral quanto qualquer outra coisa sobre a Terra. Butler
(2013) tambm investe na indissociabilidade entre as duas instncias, na consti-
tuio do sujeito pela fora da excluso e abjeo: uma fora que produz um
exterior constitutivo relativamente ao sujeito, um exterior abjeto que est den-
tro do sujeito, como seu prprio e fundante repdio (p. 155).

Resistncia

Para Nietzsche (2008, p. 43), quando a moralidade triunfa, a existncia


est condenada. Para o filsofo, a decadncia sintoma de acrscimo de vida:
O fenmeno da dcadence to necessrio quanto qualquer ascenso e pro-
gresso da vida: no est e nossas mos suprimi-la. A razo quer ao contrrio
que lhe seja feita justia.
Os xingamentos a vrios vdeos na internet, que apresentam formas mar-
ginalizadas de apresentao do corpo, resultam em reivindicao de fronteiras

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e de superfcies, e tambm evocam a inegabilidade do sexo e, consequente-


mente, o pensamento que gira em torno de haver sempre modelos e verses
performativas, e ainda a criao de seres abjetos como efeito da matriz exclu-
dente com a qual os sujeitos so formados. A teatralidade da performatividade,
como estratgia ou como resposta aos movimentos repressivos, esconde sua
historicidade (BUTLER, 2013) ou carregam virtualidades (LEVY, 1996a) que
ampliam seu sentido ou partilham uma conscincia que se perde ou se exalta
(BLANCHOT, 2013).
A partir de Blanchot (2013) impossvel inferir capacidade organizacio-
nal de uma comunidade digital como coexistncia gregria, como requer Levy
(1996b) e, e de quebra, se relativiza a ideia de uma esfera pblica (HABERMANS,
1999) global unssona que incorpora, de maneira estratgica, a fuso de seres
como nmero.
Num videoclip muito popular no Facebook e no Youtube, adolescentes
filipinos, criam uma verso de Oh, Holly Night, tradicional cano de Natal,
famosa com Mariah Carey. O vdeo tem um efeito cmico magistral porque sua
encenao tem pouco a ver com as verses anteriores e com o tema da msica
que glorificar o Natal.
No parece que os meninos esto militando no sentido poltico tradi-
cional, mas, de quebra amolecem conceitos cristalizados tais como: seduo
como pertencente ao mundo adulto, existncia de uma massa que recebe e
aceita os contedos sem recri-los (a cano sagrada transforma-se em diver-
so ertica, numa apropriao de sentido desvinculada do original) e a diviso
entre movimentos corporais femininos e masculinos (atribuio dos valores do
corpo a partir da definio de gnero).
Ou como diria Butler (2013, p. 154), os corpos no se conformam, nunca,
completamente, s normas pelas quais sua materializao imposta. Da nesse
pequeno vdeo, o processo de comunicao um campo de criao, de resis-
tncias, de inveno e variao, porque est muito alm de tentar buscar um
reconhecimento a partir de uma forma preexistente.
Heidegger (2001), versando sobre a experincia do tempo na moder-
nidade, acreditava que no era possvel se unir instante (como sensao) e
cognio. Para o filsofo, o presente s poderia ser sentido quando era passado.
Arriscamos aqui a ideia de que, na atualidade, alguns vdeos vo alm desse
pressuposto terico, apresentando a dimenso esttica da sensao, da cogni-
o (podendo ser permeado pelo discurso, pela ideologia) simultaneamente. Ao

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mesmo tempo, por serem vdeos, so processos e veculos, e por serem digitais
so virtualizaes, passagens e interfaces. Johnson (2001) argumenta que a sen-
sibilidade torna possvel o trnsito de informao e, assim, esse tipo de vdeo
inspira outros vdeos, comentrios, memes etc, cumprindo a funo de gerar
visibilidade pela heterognese, formas dspares que se tornam convergentes
(JENKINS, 2009) no universo em rede. Neste sentido, esse tipo de vdeo como
filmes de guerra (VIRILIO, 2005, p. 27), a partir do momento em que est apto
a criar a surpresa tcnica e psicolgica. Diferentemente de Heidegger, Virilio
(1996) argumenta que o espao encolhe e os lugares desaparecem em funo
do progresso da velocidade. Devemos relativizar essa presso do tempo sobre
o espao, uma vez que as questes LGBT, embora afetadas pela esfera pblica
internacional, encontra-se territorializadas: na Tailndia trs homens se casaram
em cerimnia budista. No Brasil, filho de pais gays morre depois de espanca-
mento. No Ir, homem para escapar morte e se relacionar sexualmente com
outro homem obrigado a fazer cirurgia para mudar o sexo. Multiplicidades
que tornam uma identidade queer muito problemtica, mas aponta para uma
inteligncia coletiva (LEVY, 1996b), em que os pontos de vistas sobre discusses
locais so ampliados a partir de exemplos de uma esfera global.
O que Baudrillard (2004) chama de grau zero tico, de modo bastante
negativo, quando se refere aos realities shows, mesmo no duvidando da fluidez
entre o banal e o extraordinrio, poderamos aqui, diferentemente, considerar
um avano democrtico por liberar usurios de tecnologia digital do mundo
inteiro para a experimentao de uma alteridade de si, para a autopromoo
em celebridades instantneas. Mesmo considerando o esforo terico maravi-
lhoso de Baudrillard (1999, 2004) sobre o esvaziamento do signo imagtico e a
impossibilidade do valor representativo da imagem, porque o real passou a ser
modelizado conforme um modelo que o precede (que a prpria imagem), h
que se fazer uma ressalva nesse pensamento quando o assunto a militncia.
Os argumentos de Nichols apresentados por Rezende (2013), ajudam a
pensar em que sentido a realidade perdeu sua antecedncia em relao aos
signos que deveria represent-la. Nichols, ainda segundo Rezende (2013), sus-
tenta, contra Baudrillard, por exemplo, que mesmo a invaso de Granada sendo
comunicada como simulao, os mortos e desastres de guerra seriam uma
prova de que ainda h um real...

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Referncias

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BUTLER, Judith. Problemas de gnero: feminismo e subversoda identidade. Rio de


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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

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QUE VOZES ESCUTAMOS EM TRAVELLING


DE ANA C. CESAR?

Vivian Steinberg1

Resumo

Paul Valry inscreveu a seduo da serpente perante Eva no verso: Eu me


escuto, como se produzisse uma espcie de ponto surdo na voz onipresente
de Deus que permitisse a Eva a ouvir sua prpria voz.2 A partir dessa conside-
rao e levando em conta a proposta de Henri Meschonnic, denominada de
crtica do ritmo. Uma proposta de leitura e de crtica que leva em considerao
o ritmo, - esse que escande e ao mesmo tempo revela a oralidade ou a voz do
texto. Abordaremos o poema travelling de Ana Cristina Cesar, nos pergun-
tando quais questes polticas de diversas ordens so instauradas pelas vozes
desse poema. Poltica entendida como relao entre identidade e alteridade, j
que s existe identidade quando h alteridade. Levaremos em considerao os
estudos de Viveiros de Castro em relao ao perspectivismo amerndio assim
como o conceito de antropofagia desenvolvido por Oswald de Andrade.
Palavras chaves: Ana Cristina Cesar, Paul Valry, voz, ritmo, Henri Meschonnic

1 Vivian Steinberg doutora pela USP. [email protected]


2 Ideia desenvolvida por ZULAR, Roberto. O ouvido da serpente: algumas consideraes a partir
de duas estrofes de Esboo de uma serpente de Paul Valry. In: Interpretaes - crtica literria e
Psicanlise. So Paulo: Ateli, 2014.

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Comear um poema pelo ttulo, em minsculas, travelling3, revela-se ao


menos dois sentidos: em relao viajar em lngua estrangeira; e, em relao
ao cinema, trazendo como significao o carrinho que percorre os trilhos em
uma filmagem, quase a palavra para movimento cinematogrfico. Ouvimos o
movimento, o ranger do maquinrio, onde h rodas, mquinas, gentes e subje-
tividades, que ora apelam para uns, ora para outros caminhos. Essa experincia
reforada pelo nomear de Carolina. Sim, a cineasta que namorava com ques-
tes histricas, literrias, antropolgicas brasileiras, assim como as relacionadas
ao feminismo, atenta multiplicidade humana, se sensibilizando para outros
lugares no nomeados, outra Ana, Ana Carolina. Em outras palavras, em sua
filmografia, h uma diversidade de vozes, abrindo espao para vozes marginais,
para o feminino, o outro, o diferente. Vozes que permitem surgir o furo no dis-
curso, desestabilizando a enunciao heteronormativa ou eurocentrista.
A escolha da palavra em ingls para nomear o poema a marca do estra-
nho cuja presena se desdobra por estar grafado com minsculas, alis uma
bela viso editorial. Enuncia-se um comeo em andamento, um no comeo,
portanto no h a soberania do incio, de um nico olhar, de um princpio. A
experincia de outrar-se a de que pegamos o movimento no meio, como
se tivssemos que esperar a nossa vez para participar do jogo, como se entrs-
semos num jogo de pular cordas, sim precisamos entrar corporalmente. Ressoa
uma voz estrangeira, um devir outro. No estamos no incio mas na continui-
dade do movimento.
Ainda em relao quebra do paradigma do comeo, podemos relacio-
nar ao pensamento de Derrida, citado por Dolar4:
Se a metafsica, em sua viso um tanto arredondada, propensa a desau-
torizar a parte da alteridade, o trao do outro, a sustentar um significado nico
contra o jogo demolidor de diferenas, para manter a pureza da origem contra
o que suplementar, ela s pode faz-lo ao ser fiel ao privilgio da voz como
fonte de uma autopresena original. A diviso entre o interior e o exterior, o
modelo de todas as outras modalidades deriva daqui.

3 De acordo com a edio de Potica, da Companhia das Letras, 2013. A edio da Brasiliense foi
editada com maisculas.
4 DOLAR, op. cit. p. 173.

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Ento, o ttulo estar grafado em minscula e ser uma palavra estrangeira


que carrega como um dos significados estar em movimento relacionado ao
cinema, nos leva ao entendimento de que no h um princpio unificador, por-
tanto estamos diante de cenrio democrtico, no mais no modelo metafsico,
unificador, legislador, de mo nica; ou ainda, no uma primeira emanao
metafrica do Uno que a fonte.5 Estamos no avesso, ou esse ttulo traz o
desvio na linguagem.
O primeiro verso a tentativa de estabilizar qualquer coisa: Tarde da
noite recoloco a casa toda em seu lugar. Um verso longo que no foi quebrado
para tentar a totalidade: recolocar a casa toda em seu lugar. Parece que em
algum outro momento a casa esteve em seu lugar, talvez no imaginrio. E o som
do /t/, multiplicado pela inicial maiscula, reverbera pelo verso, corrobora para
a tentativa de organizar ou reorganizar o espao: casa/poema.
Seguem verbos afirmativos: guardo, confirmo, ambos na primeira pessoa
do singular. A pretenso ou a vontade de arrumar, de organizar e de ter certeza,
imiscui-se no poema, como pretenso. Palmilham discordncias aparentes entre
o movimento sugerido no ttulo e os trs versos seguintes que se quer organizar
bem como o recolocar insinua o deslocar vislumbrando um lugar certo, ou pelo
menos conveniente, e repete a ao de colocar.
A palavra que reverbera nos dois primeiros versos toda e todos (ideia
de unidade, de totalidade), h a repetio do som: Tarde da noite recoloco a
casa toda em seu lugar./ Guardo os papis todos que sobraram. So dois versos
que dialogam, so paralelos. Casa est para papis assim como em seu lugar
est para sobraram - o que sobrou? os papis. Casa e lugar sobram? Ou falta?
Recoloco e guardo.
O sujeito da enunciao se revela ou se esconde nos verbos em primeira
pessoa e no retorno da ao em: para mim - ao de espelhamento ou de
reflexividade. A solidez dos cadeados transmite algo seguro, slido, ao mesmo
tempo que destoa com os versos anteriores, embora sobraram retomado em
solidez.
Chegamos no verso que muda o encaminhamento anterior: Nunca mais
te disse uma palavra. Na palavra nunca ressoa Tarde da noite porque os dois
so marcadores do tempo.

5 DERRIDA, Qual Quelle. Morfeus da Filosofia. 1972. p. 324.

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Nesse verso, comparece a alteridade, o outro, a segunda pessoa: o pro-


nome te, mesmo que lhe negando a palavra, ou seja, o outro se confirma pela
negao. O tu presume um eu. De acordo com Benveniste6, os pronomes per-
tencem s instncias do discurso, ou seja, a lngua atualizada em palavra por
um locutor. Eu significa a pessoa que enuncia a presente instncia de discurso
que contm eu. Eu e tu como uma categoria de linguagem e se relacionam
com a sua posio na linguagem. Ento, no poema, o tu, objeto, aproxima-se
dos marcadores: tarde da noite e nunca mais, delimitando a instncia espa-
cial e temporal coextensiva e contempornea da presente instncia do discurso
que contm eu. Podemos pensar como uma reinveno da cena enunciativa
que constitui os modos de relao com a alteridade. De acordo com Eduardo
Viveiros de Castro7: Todo ser a que se atribui um ponto de vista ser assim
sujeito, esprito; ou melhor, ali onde estiver o ponto de vista, tambm estar a
posio do sujeito.
Voltando ao verso: Nunca mais te disse uma palavra, esse espelha os
versos 23 e 24: Nunca mais te disse/ uma palavra, preciso alto,/ tarde da noite.
Agora mais lento, as mesmas palavras divididas em dois versos complementando
com a instncia do discurso que contm eu, reinstaurando a cena enunciativa.
Enuncia que no mais houve o ato, a fala dirigida para o tu e enuncia essa
negao do ato; mesmo negando, toca-se no ato e no tu, alude-se ao dizer e ao
tu. Diferentemente da escrita que contnua como nos disse Derrida, a fala a
marca do descontnuo, tem um ritmo que nas brechas aparece a subjetividade,
essa voz a que no mais foi compartilhada, embora tenha sido escrita no
poema e ns a escutamos. No h fala sem voz, mas h voz sem fala, escreveu
Jean-Luc Nancy8. Ou seja, h voz antes da fala, reconhece-se a voz antes de
distinguir as palavras que pronuncia. A voz a face sonora da fala. O poema
nos apresenta a voz mesmo negando a fala alteridade.

6 BENVENISTE, E. a natureza dos pronomes in: Problemas de Lingustica Geral I. Campinas: Pontes,
1995.
7 VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os pronomes cosmolgicos e o perspectivismo amerndio. In:
Manavol.2no.2Rio de JaneiroOct.1996
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131996000200005
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131996000200005. p. 126.
8 NANCY, Jean-Luc. Vox clamans in deserto. In: Gratuita - caderno de leituras- vol. 2.Belo Horizonte:
Cho da feira, 2015. p.11

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A partir desse verso, o poema muda de rumo, retoma outra narratividade,


outra cena, outro lugar, outro curso; no mais o ambiente da casa, o dentro;
agora o alto da serra de Petrpolis, remetendo e chamando, dando espao
para uma outra voz, a da poeta Elizabeth Bishop, supondo intimidade por tra-
t-la pelo primeiro nome e pelo lugar em que morou no Brasil, uma estrangeira
poeta, com outra lngua, aqui - na sua casa, na sua lngua. Num esboo sucinto,
traz a poeta, no escrevendo mas cuidando de plantas, uma cena apaziguadora
e um verso contundente de Bishop: Perder/ mais fcil que se pensa. Escreve
com aspas denunciando outra voz, a de Elizabeth misturada a de Ana? Logo
no verso mais autobiogrfico da poeta norte-americana, estrangeira na nossa
lngua, traduzida. Chapu de ponta e um regador a imagem da poeta em sua
casa na serra de Petrpolis, e objetos que esto presentes em seus poemas.
Atravs da sinalizao para essa voz, h uma visualizao da cena.
A primeira voz enuncia: confirmo para mim a solidez dos cadeados;
Elizabeth reconfirmava, Perder/ mais fcil que se pensa. Enquanto uma est
com medo de perder: afinal, confirma a solidez dos cadeados; a outra, diante
desse medo, reconfirma: Perder/ mais fcil que se pensa. So vozes e lnguas
misturadas. O verso, escolhido e reconfigurado ou reedito pela primeira voz,
a vida sucinta da poeta que perdeu tantas e tantas coisas: casas, familiares,
ptria, lngua...
Em seguida, h um verso cortante com um verbo de ao afirmativa:
rasgo, dialogando com a cena inicial; no mais guarda mas rasga, assumindo
a perda, ou negando a perda, o ato de rasgar mais decidido corroborando a
ideia de no mais dizer uma palavra: Rasgo os papis todos que sobraram.
Os papis todos que sobraram so os mesmos que em versos anteriores havia
guardado?
Uma outra voz pronunciada, pelas aspas e a presena de um tradu-
tor, portanto h uma lngua estrangeira, no compreendida na linguagem, mas
enquanto voz sim: traduz o qu? para quem? Os seus olhos pecam, mas seu
corpo/ no, dizia o tradutor preciso simultneo. O ver e ser visto apela para a
pulso escpica, de acordo com Lacan:
Essa pulso escpica, em sua origem, participa da formao do Eu.
O Eu se organiza pela imagem, pela viso de uma imagem com-
pleta de si mesmo vista no espelho e indicada pela me que aquele
ali ele mesmo, o beb. (...) A imagem que o antecipa em sua
completude. (...) No h pulso nos bichos, apenas instinto. Essa

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satisfao pelo olhar prpria apenas do humano, assim como


todas as outras pulsaes.9

As palavras do tradutor preciso simultneo performatiza a presena do


corpo o mesmo que os olhos pecam e as mos tremem e Carolina, cujas mos
no podem tremer, afinal filma, ri e diz que perigoso, como o Viver peri-
goso, de Rosa, ela fica com o eco: perigoso. Assim o filme continua: a
cmera em rasante viajava.
Em seguida, trs vozes so anunciadas:
A voz em off nas montanhas, inextinguvel/ fogo domado da pai-
xo, a voz/ do espelho dos meus olhos,/ negando-se a todas as
viagens,/ e a voz rascante da velocidade,/ de todas as trs bebi um
pouco/ sem notar/ como quem procura um fio.

No poema, a voz da enunciao atravessada por essas outras vozes ou


outras posies ecoando e se apropriando.
A primeira enunciada a voz em off nas montanhas, inextinguvel/ fogo
domado das paixes. O cinema permanece em cena e as montanhas habitada
pela poeta Bishop tambm, uma voz que no se acaba e que traz uma con-
tradio: ao mesmo tempo que fogo - relacionado s paixes - porm ou
est domado. um som entre o que se v. O lugar de emisso no est fixo.
Essa voz no responde ao vazio mas expe o vazio, vira-o para fora, de acordo
com Jean-Luc Nancy10.
A voz seria menos a rejeio do que o jacto de um vazio infinito aberto
no corao do ser singular, desse ser abandonado. O que ele assim exporia,
numa espcie de maneira de oferecer o vazio, no seria uma falta. Mas seria
esta falta de plenitude ou de presena que no uma falta, porque a consti-
tuio mais prpria da existncia, o que a torna aberta, antecipadamente e para
sempre aberta, fora de si mesma. Na voz haveria isto: que este existente no
um sujeito, mas uma existncia aberta e atravessada por este jacto [jet], uma
existncia ela-mesma lanada [jette] no mundo. A minha voz antes de mais
o que me lana no mundo.

9 STEINBERG. Deborah. op.cit.


10 NANCY, Jean-Luc. Vox clamans in deserto. In: Gratuita - caderno de leituras- vol. 2.Belo Horizonte:
Cho da feira, 2015. Op. cit. p.15.

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Se voz a relao com o outro, aqui com o outro que no se v, a voz


que clama no deserto? A voz grita no deserto porque ela prpria em primeiro
lugar este deserto desfraldado no meio do corpo, aqum das palavras.11 No
se ouve...mas faz-se ouvir.12
Derrida, em Il faut bien manger, pensa os textos como a construo
estrutural de uma multiplicidade de posies em uma mesma voz que poderia
ser ocupada por devires.
A segunda voz anunciada a ...a voz/ do espelho dos meus olhos,/
negando-se a todas as viagens,. Podemos refletir com Lacan
que gastou muito tempo, em seus dias de juventude, meditando
sobre outro recurso narcisista elementar, o espelho. Este deve pre-
encher a mesma funo - conceder o mnimo apoio necessrio
para se produzir o autorreconhecimento, a concluso imaginria
oferecida ao corpo mltiplo, a blindagem imaginria que acom-
panha, a constituio de um sujeito, assim como a matriz de um
relacionamento entre iguais, a fonte ambgua de amor e agresso
- assim como a conhecida panplia da notria fase do espelho. 13

Ento, a voz do espelho dos meus olhos o Narciso cuja histria envolve
tanto o olhar quanto a voz, de acordo com Dolar. Narciso uma abertura para
o estranhamento e voz sempre relao, tanto o oral, como o falado e o escrito.
O poema visto como momento de uma escrita, assim a relao com o mundo
transformada pelo poema. Como o espelho traz uma definio mesma que
ambgua, limita o espao, o corpo, negando-se todas as viagens e aqui o
todas compartilha a casa toda; os papis todos, de todas trs, assim como o
negar est representado tambm em: nunca mais; mas seu corpo no e as
viagens est implcito no ttulo: travelling e em: a cmera em rasante viajava.
A terceira voz a voz rascante da velocidade. um decasslabo assim
como o verso: A cmera em rasante viajava. Podemos associar o rascante da
voz com o rasante da cmera pela sonoridade. Velocidade relacionaremos com
o cinema e com o modernismo e a relao com o estudo da potica porque

11 op.cit. p.15
12 op. cit. p.18
13 DOLAR. op.cit. p.174.

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est justamente num verso decasslabo, marca de uma tradio da lngua portu-
guesa, presente em Cames, ento podemos relacionar a voz da velocidade, do
tempo presente, do modernismo, por um lado e, por outro, tradio potica
anterior.
Com essas trs vozes, que ainda no so linguagem, abre-se a via, e pro-
cura-se um fio, a escrita, a voz da voz desta existncia, emitida por sua boca e
pela sua garganta. a iminncia da linguagem.
Assim, os versos vo diminuindo, e enquanto os verbos: recolocar, guar-
dar e confirmar, agora h o desalinho: enquanto desalinho/ sem luxo/ sede/
agulhadas/. Quatro versos curtos, sem pontuao, e termina com dois versos
longos: os pareceres que ouvi num dia interminvel:/ sem parecer mais com a
luz ofuscante desse mesmo dia interminvel. Enquanto nos primeiros versos h
a tentativa de organizar, no final do poema h o desalinho e a multiplicidade
de vozes nos pareceres escutados e o momento no mais tarde da noite, mas
num dia interminvel que se torna desse mesmo dia interminvel. O signifi-
cado da palavra parecer expandido no ltimo verso e ganha uma iluminao
mesmo que negativa. A luz ofuscante desnorteia porque define demais, brilha
intensamente, leva vertigem. O jogo com o olhar entrelaado ao som, s
vozes todas repercutindo no poema.
A anttese: luz ofuscante o outro lado do poema - por um lado o ouvir,
as vozes - ouvido mos - no falar de Valry - e outro o ver - espelho, cinema -
imagens e luz ofuscante, invs de iluminar, ofusca. Precisamos de sombras para
ver, buracos para ouvir... e at para dormir. Para continuar a falar em cinema, o
filme Solaris, de Andrei Tarkvski traz uma abordagem sobre o lugar espectral
num mundo iluminado, sem dia ou noite, ali a insnia uma condio crnica,
assim como o dia interminvel.
E assim a travessia chega ao fim, ou a esse mesmo dia interminvel.

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RUIVA: QUESTES DE CORPO, GNERO E


PERFORMANCE NA HETERONORMATIVIDADE

Fellip Agner Trindade Andrade


Graduado em Letras - UFSJ
Mestrando em Teoria Literria e Crtica da Cultura - UFSJ
[email protected]

GT 24 - Literatura e homoculturas: corpo, subjetividades, sexualidades

Resumo

Este trabalho tem como objetivo estabelecer uma discusso terica acerca das
questes de corpo, gnero e performance no discurso heteronormativo atravs
da anlise do conto Ruiva (1978), de Julio Csar Monteiro Martins, evidenciando
as experincias de opresso vividas pela personagem Gina, uma travesti que
busca a oportunidade de viver sua sexualidade na cidade de So Paulo. A dis-
cusso terica pretende evidenciar atravs da narrao ficcional os mecanismos
de opresso estabelecidos por um discurso binrio baseado na heteronormati-
vidade e no controle dos corpos e suas sexualidades, tomando, em sua maioria,
as contribuies tericas de Judith Butler apresentadas no captulo Atos cor-
porais subversivos, presente em seu livro Problemas de gnero: feminismo e
subverso da identidade (2015).
Palavras-chave: travestilidade; heteronormatividade; corpo; gnero; literatura.

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Introduo

Ao contar-nos a histria de um relojoeiro de Montes Claros que tem o


desejo de se tornar uma travesti e parte para sua nova vida em So Paulo, o
conto de Julio Csar Monteiro Martins (1955-2014), Ruiva, presente no livro
Entre ns (2007), de organizao de Luiz Ruffato, apresenta-nos tambm as
dificuldades e as desventuras da personagem Gina. J desde o incio do conto e
de sua partida para a cidade grande, Gina se depara com diversos embaraos,
desde sua relao com o corpo at sua relao com as pessoas ao seu redor.
Desde os primeiros pargrafos, os quais j nos apresentam a relao da
personagem entre corpo, gnero e performance, o conto trata dessa relao
conturbada entre o corpo do relojoeiro e Gina: a ruiva. Tendo sofrido discri-
minao logo nos primeiros momentos em So Paulo, Gina, mesmo que j
vestindo roupas curtas e femininas,1 sem barba, de pernas depiladas e usando
uma peruca vermelha, continua sendo alvo de preconceitos e esteretipos, o
que no entendido pela personagem, posto que Gina no se considera uma
travesti, mas, sim, uma mulher. A partir de ento, os conflitos entre a persona-
gem e o corpo que ela apresenta para os outros, bem como sua performance
como travesti, tornam-se o ponto principal do conto.

Corpo, gnero e performance: a opresso heteronormativa

Judith Butler, em seu captulo intitulado Atos corporais subversivos, do


livro Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade (2015), trata
justamente de pontos presentes no conto Ruiva. Como o prprio ttulo do cap-
tulo nos adianta, Butler aborda temas acerca dos atos corporais que vo contra a
heteronormatividade, como no caso de Gina. Alvo de olhares, tanto de repulsa
quanto de desejo, a travesti ruiva por si s um ato subversivo, ainda que ela
mesma no tenha essa noo.
Uma vez que, segundo Butler, a marca do gnero parece qualificar os
grupos como corpos humanos (BUTLER, 2015, p. 193), Gina vista como
algo incomum, at mesmo fora desse grupo, como nos faz pensar a escritora

1 A utilizao dos termos feminino, mulher e homem em relao ao discurso heteronormati-


vo.

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norte-americana: As imagens corporais que no se encaixam em nenhum


desses gneros ficam fora do humano, constituem a rigor o domnio do desu-
manizado e do abjeto (BUTLER, 2015, p. 193-194).
J em sua primeira tentativa de nova vida em So Paulo, Gina se depara
no apenas com os olhares desconfiados e discriminatrios das pessoas ao seu
redor, mas com toda uma opresso discursiva e social, como podemos perce-
ber em dois trechos do conto. O primeiro deles quando Gina ainda buscava
um lugar para ficar em So Paulo e recebida de forma preconceituosa e agres-
siva em sua primeira tentativa: No adianta insistir que bicha no entra nem
fantasiada de pavo (MARTINS; In: RUFFATO, 2007, p. 243).
J em um outro momento do conto, em que a opresso social atinge
nveis institucionais, quando se dirige entrada do hotel Hilton, Gina man-
dada para longe do local por um policial, para onde seria seu lugar: Ah, e lugar
de travesti l na Rego Freitas. Aqui outro nvel, entendeu? (MARTINS; In:
RUFATTO, 2007, p. 246).
Os dois trechos do conto evidenciam, pois, no apenas um estranha-
mento por parte daqueles que fazem parte do sistema heteronormativo, mas,
sim, a prtica e o poder de um discurso opressor e de um controle dos corpos
que atingem nveis sociais e polticos: seja na recusa em alugar um quarto para
uma bicha ou na opresso institucional protagonizada pelo policial, a qual esta-
belece lugares especficos para determinados sujeitos que sejam de outro nvel.
A ruiva, por sua vez, confiante de que sua nova identidade seria o bas-
tante para a sua nova vida como Gina (pois era isso que ela era: Gina), no
contava com a discriminao da performance de seu corpo, uma vez que se
considerava uma mulher, e no apenas um homem vestido de mulher: o sexo
no causa o gnero; e o gnero no pode ser entendido como expresso ou
reflexo do sexo (BUTLER, 2015, p. 194). Mas Gina no contava com o discurso
opressivo de seu sexo e seu corpo, como podemos perceber no episdio do
japons de meia-idade no Fusquinha.
Gina, certa e feliz de que aquele homem a via como uma mulher,
entra no carro e nega cobrar para sair com ele, e ainda se sente oprimida e
obrigada a esclarecer sua condio, a expor seu corpo em detrimento de seu
interior e de sua performance, quando revela ao japons que , na verdade,
uma travesti: O discurso torna-se opressivo quando exige que, para falar, o
sujeito falante participe dos prprios termos dessa opresso isto , aceite sem
questionar a impossibilidade ou ininteligibilidade do sujeito falante (BUTLER,

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2015, p. 201). Gina, certa de que era uma mulher, sente-se obrigada a explicar
sua performance, dar conta daquele corpo e daquele sexo que esto imbudos
de um discurso opressor, e no qual a ruiva v-se obrigada a participar, no caso,
revelando tratar-se de uma travesti.
Na verdade, o gnero seria uma espcie de ao cultural, corpo-
ral que exige um novo vocabulrio, o qual institui e faz com que
proliferem particpios de vrios tipos, categorias ressignificveis e
expansveis que resistem tanto ao binrio como s restries gra-
maticais substantivadoras que pesam sobre o gnero. (BUTLER,
2015, p. 195)

Na falta desse novo vocabulrio apontado por Butler (o qual, hoje, pode
ser percebido atravs do uso ou omisso de artigos, por exemplo; ou ainda
no uso do x para a quebra do binarismo heteronormativo), Gina acaba por
participar do jogo de palavras que, na verdade, no so mais do que marcado-
res culturais que delimitam os corpos, os sexos, os gneros, as performances
(homem, mulher, gay, travesti, lsbica...), e acabam por oprimir aqueles que,
de alguma forma, no se encaixam nas delimitaes lingusticas e culturais que
perpetuam a opresso e o controle dos corpos e suas sexualidades.
O Fusca parou numa rua escura, que ele disse chamar-se Estrada
da Boiada. Deram longos beijos na boca, no pescoo, nos ombros,
e a mo do japons ia se esticado pela coxa. Gina comeou a ficar
apavorada, imaginando a reao do homem quando descobrisse
que ela era um travesti. Antes que ele fizesse a descoberta pelo
tato, ela resolveu contar. Sabe, meu bem, pelo amor de Deus no
fica zangado comigo pelo que eu vou dizer proc, mas antes que
sua mo esbarre nos meus trens, eu quero que voc saiba que eu
sou um travesti. (MARTINS; In: RUFFATO, 2007, p. 247)2

O japons, por sua vez, ao deixar claro que j sabia de sua travestilidade,
deixa Gina quase que ofendida com a notcia, uma vez que a personagem
se via como uma mulher, e achava que os outros tambm a viriam como tal.
Mas, como bem ressalta Butler: Quando a desorganizao e desagregao

2 O conto foi incialmente publicado em 1978, o que justifica o uso inapropriado do artigo indefinido
um.

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do campo dos corpos rompe a fico reguladora da coerncia heterossexual,


parece que o modelo expressivo perde sua fora descritiva (BUTLER, 2015, p.
234). No bastava Gina ser uma mulher, pois sua performance feminina no
condizia com seu corpo.
A coerncia heterossexual no comporta corpos que rompam com a regu-
lao binria homem/mulher. E justamente essa discriminao lingustica do
sexo, baseada no binarismo, que perpetua a opresso cultural, social e poltica
da heteronormatividade, como nos faz pensar Monique Wittig em seus ensaios
(El pensamiento heterossexual, 2006), e que faz com que, no conto, a persona-
gem seja obrigada a participar desse discurso opressor, revelando-se como um
sujeito fora do discurso binrio heteronormativo, uma vez que, como tambm
defende Wittig, o sexo discursivamente produzido por um sistema de sig-
nificaes opressivo para as mulheres, os gays e as lsbicas (BUTLER, 2015, p.
197).
Essa , pois, uma das primeiras e maiores decepes vivenciadas por
Gina, graas inadequao de seu corpo e seu sexo sua performance e ao
discurso heterossexual vigente, o que se torna evidente durante todo o conto,
inclusive quando aparentemente acolhida na comunidade travesti por Denise.
Ainda assim, Gina alvo de chacota por sua performance no condizente com
seu corpo. E em outra passagem do conto (a qual evidencia bem a diferena
entre corpo, gnero e performance), em uma conversa com Gina, Denise fala a
respeito de ser mandada para a priso, e de como deve ser seu comportamento
l: Agora, na cadeia eu falo grosso, mijo em p, que pra no dar impresso de
fragilzinha, seno eles se aproveitam (MARTINS; In: RUFFATO, 2007, p. 249).
justamente dessa distino entre corpo e performance, sexo e gnero,
que trata Bluter ao afirmar que: Se a anatomia do performista j distinta
de seu gnero, e se os dois se distinguem do gnero da performance, ento
a performance surge uma dissonncia no s entre sexo e performance, mas
entre sexo e gnero, e entre gnero e performance (BLUTER, 2015, p. 237). A
necessidade de Denise modificar sua performance na cadeia vai muito alm de
seu corpo; preciso convencer os outros de que se trata de um homem, e no
uma travesti que possa ser reduzida a nada mais que um buraco escatolgico,
como diria Herbert Daniel (DANIEL; MCOLIS, 1983, p. 23).
A ltima das decepes de Gina apresentadas no conto quando essa
revela a Denise no ter cobrado para sair com o japons, pois a ruiva no sabia
que as travestis cobravam por sexo, e, o mais importante, uma vez que Gina

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no se considerava uma travesti, mas uma mulher. Indignada com isso, Denise
a responsvel pelas piores ofensas sofridas por Gina no conto: [...] sua vaga-
bunda de terceira! Sua bicha escrota caipira! (MARTINS; In: RUFFATO, 2007,
p. 254).
[...] seu bicho do mato horroroso. por causa de gente como voc,
que no tem compostura e sai dando de graa pro primeiro que
aparece, que a gente no consegue se estabelecer. Sai do meu
caminho, vai. Com voc eu no quero mais conversa. Mas,
Denise... Voc uma escrota, t bom? Vai pro esgoto que l o
seu lugar. (MARTINS; In: RUFFATO, 2007, p. 254)

nesse momento que, aparentemente, a ruiva se d conta de sua condi-


o de travesti, e, mais que isso, de sua condio de deslocamento, j que no
mulher (o japons j havia lhe tirado essa ideia), e, ao mesmo tempo, no
mais uma travesti (segundo as duras palavras e ofensas de Denise): Ai, como
difcil viver nessa vida invertida!, dizia Gina no caminho de volta ao quartinho
alugado atrs da Estao da Luz (MARTINS; In: RUFFATO, 2007, p. 254).
Em seu ensaio E eu no sou um travesti tambm?,3 Denilson Lopes, em
um trecho quase que confessional, segundo o prprio, afirma que o travesti
em mim e seu jogo de mscaras que me constitui (LOPES, 2002, p. 49). Ainda
segundo o autor:
As possibilidades do jogo que vivificam a subjetividade pelo uso
de mscaras reside na compreenso da natureza imagtica da
sociedade atual. A mscara no disfarce de um vazio existencial
mas uma ttica de coexistir numa sociedade onde o primado o
da velocidade. H um confronto permanente [...] entre memria
e olhar, narcisismo e tribalismo. Seu centramento na vida pessoal,
ntima, se configura como uma estratgia complexa e difcil de ser
mantida frente s mudanas do mundo exterior. (LOPES, 2002, p.
49)

Segundo Lopes, esse uso de mascaras o que possibilita ao sujeito, no


caso especifico, a travesti, a transitar entre o mundo interior e o mundo exterior,
o que no ocorre com a personagem Gina, ou, pelo menos, no da melhor

3 Publicado no ano de 2002, o que justifica o uso inapropriado do artigo indefinido um.

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forma possvel, j que no bastava a ela a simples transio, mas, tambm, o


reconhecimento. Como afirma Butler, e pelo que podemos perceber no triste
final do conto: Interno e externo s fazem sentido em referncia a uma
fronteira mediadora que luta pela estabilidade (BUTLER, 2015, p. 231); esta-
bilidade, essa, que Gina no consegue alcanar: S Deus sabe como estou
sofrendo com tanta desumanidade (MARTINS; In: RUFFATO, 2007, p. 255).

Consideraes finais

Atravs da narrativa ficcional e sua anlise, tendo por base, em grande


parte, as contribuies tericas de Judith Butler, torna-se evidente o poder opres-
sor de um discurso heteronormativo que se faz presente tanto nas interaes
sociais binrias de gnero como tambm nas transgneras, alm de perpetuar
um discurso opressor atravs da prpria discriminao lingustica, uma vez que:
Como discursivo e perceptivo, o sexo denota um regime epistemolgico his-
toricamente contingente, uma linguagem que forma a percepo modelando
fora as inter-relaes pelas quais os corpos fsicos so percebidos (BUTLER,
2015, p. 199).
No se trata, pois, da simples evidenciao de tais discursos opressores,
os quais so to internalizados socialmente que se estabelecem at mesmo nas
comunidades nas quais esses discursos so colocados prova e rechaados.
por isso que a busca por um discurso inclusivo e que no se estabelea apenas
em relao ao binarismo de total importncia para o enfraquecimento da
heteronormatividade, visto que, como bem ressalta Butler, O poder da lingua-
gem de atuar sobre os corpos tanto causa da opresso sexual como caminho
para ir alm dela (BUTLER, 2015, p. 202).

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Referncias

BUTLER, Judith. Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade. Rio de


Janeiro: Civilizao, 2015.

DANIEL, Herbert; MCOLIS, Leila. Jacars e lobisomens: dois ensaios sobre a homos-
sexualidade. Rio de Janeiro: Achiam, 1983.

LOPES, Denilson. E eu no sou um travesti tambm? Disponvel em: http://www.aca-


demia.edu/4933976/E_eu_no_sou_um_travesti_tambm. Acesso em: 27 de junho de
2016.

MARTINS, Julio Csar Monteiro. A ruiva. In: RUFFATO, Luis (org.). Entre ns. Rio de
Janeiro: Lngua Geral, 2007.

WITTIG, Monique. El pensamiento heterossexual. Barcelona: Egales, 2005.

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EU SOU O QUE VOC PODERIA CHAMAR DE


UMA MULHER DE PNIS

Ailton Dias de Melo


Mestrando em Educao
Universidade Federal de Lavras
[email protected]

GT 04 -
Travestilidades, Transexualidades, Lesbianidades e Homosexualidades:
Transgresses e Resistncias.

Resumo

Este texto apresenta a transgeneridade como uma transgresso da perspectiva


binria e heteronormativa da sexualidade. Uma subverso do sistema linear
de relaes estabelecido entre sexo-corpo-gnero vigente na sociedade oci-
dental contempornea. Este processo se constituiu atravs de problematizaes
deflagradas a partir de enunciados e discursos veiculados pelo document-
rio brasileiro de gravata e unha vermelha da psicanalista, roteirista e diretora
Miriam Chnaiderman, que explora em diversas entrevistas o universo transg-
nero. Com isso se vislumbrou a conquista de novos e mais amplos olhares
sobre as pessoas consideradas de gnero-divergentes, e modos outros de ser
estar no mundo para alm dos limites estabelecidos pelos regimes de verdade.
Palavras-chave: gnero; transgeneridade; transgresso; sexualidade; verdade.

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isso mesmo que voc est pensando


preciso comear dizendo que por mais absurda que parea, uma mulher
pode ter um pnis e isto que propomos discutir como um movimento de
resistncia ao discurso binrio e heteronormativo de gnero vigente em nossa
sociedade. Este texto parte das reflexes que venho desenvolvendo em meu
projeto de pesquisa no programa de mestrado profissional em educao da
Universidade Federal de Lavras. A fonte de problematizaes do projeto e deste
texto , o documentrio brasileiro de Gravata e Unha Vermelha dirigido pela
Psicanalista Miriam Chnaiderman, e que explora em diversas entrevistas o uni-
verso transgnero compreendendo transexuais, dragqueens, travestis, homens e
mulheres trans,cross-dressers, enfim pessoas transgressoras. Algumas falas do
filme ns tomamos e remontamos aqui em um mosaico deflagrador de proble-
matizaes que so desdobradas numa perspectiva ps-crtica e fundamentadas
na teoria foucaultiana.

Eu sou mulher, made in China

Bianca Soares, uma professora de ingls que em sua cena de apresenta-


o no documentrio, comenta sobre o impasse que sua presena transgnera
causa em seus alunos e alunas que discutem se ela ou no uma mulher de
verdade. Refletindo sobre o fato Bianca afirma que nunca ser uma mulher,
mas reafirma que tambm que nunca vai ser um homem. Bianca indica a solu-
o que d a seus alunos e suas alunas afirmando:
Eu sou uma mulher, made in China (00:04:29)1

O que isso significa para a Bianca difcil compreender. Porm entre


ns, em nossa linguagem cotidiana e informal, e at mesmo preconceituosa, o
made in China traduz uma ideia de falsificao, de no original. Seria possvel
ser uma mulher falsa? O falso ou no ? Que lugar o falso ocupa diante do
verdadeiro do original? o rgo genital que determina isso? Uma cirurgia de
redesignao faria de uma mulher falsa, uma mulher verdadeira?

1 Todas as informaes verbais (transcries literais, ou referncias das falas dos participantes do do-
cumentrio de gravata e unha vermelha) possuem indicativo do tempo em que aparecem no DVD.
O formato adotado o de indicao de hora:minuto:segundo. Embora esta prtica no seja usual
ns a adotamos como meio de facilitar possveis busca no filme atravs do temporizador de tela.

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A cartunista Laerte em uma de suas participaes afirma:


A cirurgia de redesignao ela (...) vista com uma grande dose de
mistificao; muitas pessoas se conseguissem compreender como
desnecessria essa tenso toda em torno dos cnones de gnero, tal-
vez no ficassem to aflitos com sua genitlia. Eu estou me sentido
mulher ento eu preciso de uma buceta. Isso s vezes vem desse
jeito. Estou me sentindo feminina e isso to absurdamente errado
que eu preciso redesenhar todo meu corpo. Isso tambm existe. Ao
mesmo tempo que existe um sentimento profundo de inadequao
em relao ao corpo de homens e mulheres. (00:02:44)

Laerte (00:04:05) reconhece no entanto que a cirurgia tambm uma


conquista tecnolgica e um avano das polticas de sade pblica. Mas se v
embaraada na trama do ser de verdade e afirma que essa complexidade gera
um tipo de preocupao difcil de explicar. Aponta para uma angstia real de
saber que no uma mulher mesmo, no uma mulher biolgica.
Percebemos que volta e meia estamos diante da fora do fator biolgico
como determinante do gnero, confundindo os desejos. A cantora Candy Mel,
mais uma das participantes, ao dizer de si, explica como se sente dizendo:
Minha cabea uma cabea de mulher. Eu menstruo, psicologica-
mente, mas eu menstruo. (00:01:17)

Na fala de Candy Mel, percebemos a forma de um discurso da femi-


nilidade atrelado a um fator biolgico deferindo a legitimidade do gnero, a
realidade de uma mulher. Em outro momento do documentrio Mel afirma:
Para mim, a cirurgia, ela tem que acontecer, alguma hora ela vai
acontecer. (00:58:22)

Mel (00:58:28) explica que por no ter seu corpo redesignado, ela tem
muita dificuldade de se relacionar com outro homem. Salienta que enquanto
no tiver seu corpo completo, no vai conseguir se relacionar de corpo e
alma. interessante perceber que ao dizer de sua relao, Candy Mel, mesmo
tendo afirmado que tem uma cabea de mulher, fala como homem dizendo
de uma dificuldade de se relacionar com outro homem. O conflito evidente
na argumentao da cantora parece recair sobre a problemtica do rgo geni-
tal. Sua completude atrelada posse de uma vagina, isso lhe dar um corpo

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completo. O corpo de mulher tem um crivo de verdade que ela deseja. Tas
Souza, tambm reafirma a importncia da anatomia ao dizer:
Para mim (a cirurgia) no algo da cabea algo anatmico,
como se eu tivesse seis dedos, cortou um dedo para mim t resol-
vido. (00:58:11)

A Psicanalista e escritora Letcia Lanz, ao se apresentar no documentrio e


discutir sobre as questes do Ser numa perspectiva transgnera explica no ter
buscado mudanas nem do nome e nem dos rgos genitais em sua transio
porque se d bem com eles, assim como com seus seios. Para Lanz (59:00:25)
a cirurgia tem papel de enquadramento e isso acontece no modelo de classifi-
cao que baseado no que a pessoa tem entre as pernas e isso um absurdo
segundo ela. Ao se definir afirma:
Eu sou o que voc poderia chamar de uma mulher de pnis.
(00:56:30)

Joo Nery, que tambm participa do documentrio, embora tenha travado


a primeira luta no Brasil pelos direitos de retirar os seios no quis fazer a cirur-
gia para implante de uma prtese de pnis, Nery lembra que ainda hoje este
tipo de cirurgia no tem resultados satisfatrios mas alm disso categrico ao
afirmar que,
no um pnis que faz um homem, assim como no uma
vagina que faz uma mulher. No o corpo que define um gnero.
(00:55:37)

Joo Nery (00:57:24) ainda amplia significativamente a questo fazendo


aluso a gravidez dos homens trans. Explica que alguns deixam de tomar tes-
tosterona por um tempo e isso faz com que voltem a ovular e a ficarem frteis.
Concebem, gestam, do a luz... e em alguns casos amamentam e so pais e no
mes. Para Nery isso implica considerar que nem mesmo a gravidez essen-
cialmente feminina, nem necessariamente materna, muito menos exclusivo da
mulher. Isso para Nery transcender o gnero, denunciar que a questo do
feminino e do masculino uma inveno social, e anunciar que a transexuali-
dade meramente uma forma de se viver
Segundo Dudu Bertholini, (00:59:11),que alm de participar do documen-
trio com seus depoimentos o curador do projeto, afirma que esse dilema do

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modo verdadeiro ou falso de ser homem ou mulher, est fundado na inven-


o de esteretipos, que alimentam uma iluso. Laerte (01:12:52) mesmo que
embaraada, em sua anlise sobre o ser ou no uma mulher de verdade diz
conseguir minimizar essa angstia ao se ver como a mulher que . E abre assim
uma perspectiva muito interessante para sairmos da restrio dos esteretipos
do conservador binarismo de gnero. Ser a mulher que ... significa ser... e isso
no poder ser negado nem tirado de algum em detrimento de um conceito de
verdade ou mentira. Em outro momento a cartunista afirma:
Eu no gosto muito de dizer, que sou homossexual, heterossexual
ou bissexual. Eu sou uma pessoa que vive minha sexualidade de
forma nica. Eu tenho desejo por pessoas de vrios gneros, vrias
condies. (00:25:26)

Ao longo da histria as construes filosficas de matriz ocidental prima-


ram por uma busca incansvel pela verdade. Esse objeto obstinado de desejo,
por sua vez, sempre esbarrou, coincidiu ou mesmo se fundiu com a ideia de
ser. A verdade do ser permeou muitos discursos inclusive e de modo muito
especial o do sexo.
O discurso sobre o sexo, segundo Foucault (2014), a partir do sculo XVIII,
passou a estabelecer uma verdade sobre a sexualidade capaz de se sobrepor s
vivncias e os desejos dos sujeitos. Uma contraposio entre o masculino e o
feminino passou a designar com rigidez as possibilidades de ser sobre um de
dois polos, de caractersticas fisiolgicas e sociais previamente definidas e bem
delimitadas. Padres foram normatizados pelas Scientia Sexualis (FOUCAULT,
2014, p.59) oficializando e naturalizando um discurso chancelado pelo poder
da cincia e seu modo de categorizar as pessoas. Homens possuem pnis e
mulheres vaginas. Dependendo do que se tem entre as pernas uma pessoa
uma coisa ou outra, duas possibilidades que se excluem.
Na obra O corpo educado pedagogias da sexualidade Guacira Louro
aponta como o poder estabelecido sobre o sexo dominou nossa cultura e
deu para relao binria de norma reprodutiva e heterossexual um status de
naturalidade.
[...] muitos consideram que a sexualidade algo que todos ns,
mulheres e homens, possumos naturalmente. Aceitando essa
idia, fica sem sentido argumentar a respeito de sua dimenso social
e poltica ou a respeito de seu carter construdo. A sexualidade

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seria algo dado pela natureza, inerente ao ser humano. Tal con-
cepo usualmente se ancora no corpo e na suposio de que
todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma forma.
No entanto, podemos entender que a sexualidade envolve ritu-
ais, linguagens, fantasias, representaes, smbolos, convenes...
Processos profundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva,
nada h de exclusivamente natural nesse terreno, a comear pela
prpria concepo de corpo, ou mesmo de natureza (LOURO,
2000, p.6).

As sociedades contemporneas, em sua maioria, continuam organizadas


sob padres que so capazes de prever ainda apenas dois polos estanques,
determinados de modo contundente. A transgeneridade desafia isso apontando
para a realidade que no se restringe gravata ou s unhas vermelhas. poss-
vel um e outro... Nenhum e nem outro.
Mas um modo rgido polarizao prevalece, lgica binria da constitui-
o dos gneros que dita as regra das vivncias afetivas e sexuais. Ser masculino
no ser feminino e vice-versa e isso parece ser o suficiente, mas no . Nossa
histria ocidental construiu um discurso sobre o sexo atrelado s relaes de
poder. A verdade da sexualidade, entre outras, reside na determinao desse
discurso, que borrado pela resistncia subversiva da transgeneridade.
Segundo Lanz (2014) apenas por uma definio cultural que temos a
existncia de duas categorias de gnero. Elas esto ligadas pela cultura natu-
ralmente ao sexo genital, em que se compreendem machos e fmeas. Temos a
partir da uma apropriao do dispositivo binrio de gnero para classificar os
indivduos nascidos machos e fmeas, naturalmente como respectivamente em
homens e mulheres. Isso resulta numa concepo dismrfica dos corpos
que a transgeneridade transgride, enquanto o poder disciplinar da sociedade, o
biopoder, insiste na manuteno de um sistema linear de relaes entre sexo-
corpo-gnero. A partir da medicalizao das prticas sexuais divergentes, as
perverses, e da inveno do sujeito homossexual, foi intensificado um empre-
endimento biopoltico de controle sobre o corpo e a sexualidade. H um jogo
de poder e com isso resistncias. No entanto a viso que vigora exclui e ou
pelo menos nega, considerando invisvel as mltiplas alternativas de vivncias
no lineares de relaes entre sexo, gnero e desejo como apregoa a filsofa
americana ps-estruturalista Judith Butler (2014). Mas...

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Resistir ser o que se para alm do que se espera e isso no


tem fim

Ney Matogrosso, em sua participao no documentrio aponta para sua


existncia como um fazer de resistncias no s da ditadura militar em curso
no incio de sua carreira, como s expectativas das normas vigentes. Ao cantar
Ney Matogrosso era toda contestao e ao criar a identidade que subiria aos
palcos dizia:
Eu vou ser uma criatura que jamais viram, eu no queria ser mulher,
mas no estava restrito ao espao do homem porque eu criava uma
figura to completamente estranha que podia ser um inseto, podia
ser um pssaro, podia ser um no sei. (11:13:15)

Rogria (01:14:35) tambm relata essa experincia de ser o que ser para
alm do que se espera. Sendo no incio de sua carreira de cabeleireiro, maquia-
dor na extinta TV Rio, cercado de grandes atrizes ouvia constantemente dizerem
que ela deveria ir para o palco. No queria ir como homem e por isso achava
que seria impossvel esse processo. At que descobriu que no tinha que ser
como homem, podia ser como mulher, ou como qualquer coisa porque a arte
independe de sexo, de gnero. Segundo Rogria estar no palco, no cinema ou
na TV viver outra realidade, outra vida, ser outra alm de voc mesma. E foi
ser Rogria a vedete que manteve o nome de Astolfo, por que gosta de parecer
mulher, mas adora ser homem.
Letcia (00:12:25) tendo recebido atribuio masculina em seu nascimento
e o nome de Geraldo, se batizou na pia da vida com o nome de Letcia Lanz.
Eles queriam que eu representasse um papel que no dava certo
comigo. (00:16:23)

Ao comentar a ruptura com a inconformidade explica:


Hoje eu no finjo nada, mas a vida inteira eu fingi. Eu tinha sem-
pre aquela preocupao... Ser que eu to passando por homem?
Hoje eu no tenho preocupao de ser que eu to passando como
mulher... Eu sei que eu to. (01:15:10)

Letcia comenta a partir da afirmao acima, que est hoje, depois de


mais de cinqenta anos em conflito, fazendo o que acredita que deve ser feito.

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O posicionamento de Letcia rompe com o estabelecido ao fazer dela uma pes-


soa nica, tal como devem ser as pessoas. Dudu Bertholini (01:15:43) tambm
se coloca assim no mundo afirmando no querer esteretipos nem do mascu-
lino, nem do feminino, pois busca uma maneira nica de ser e estar no mundo.
Endossando esse coro Joo Nery arremata:
O que eu quero exatamente ser um pirotcnico como diz
Foucault. Eu sou um cara para romper barreiras. Como diz
Chacrinha, muito mais para confundir que para explicar. (01:15:26)

Diante de tantas questes relatadas percebemos que muito se precisa dis-


cutir para historicizar no apenas a forma como todo o processo se efetivou,
mas, sobretudo como mantido e que impacto vem exercendo nas novas gera-
es, uma vez que vem se sustentando pelos dispositivos de controle. Mulher
de verdade? possvel ser uma criatura que jamais viram, inclusive o que voc
pode chamar de uma mulher de pnis. E quem disse que isso no ser de
verdade?

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Sexual e de gnero
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Referncias

BUTLER, J. Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade. 7. ed. Rio de


Janeiro: Civilizao Brasileira, 2014.

De GRAVATA E UNHA VERMELHA. Miriam Chnaidermam: Brasil. Imovision, 2014.1


DVD (86 min).

FOUCAULT, M. Histria da sexualidade1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Paz &


Terra, 2014.

LANZ, L. O corpo da roupa: a pessoa transgnera entre a transgresso e a conformi-


dade com as normas de gnero. 2014. 342 f. Dissertao (Mestrado em Sociologia)
- Universidade Federal do Paran, Curitiba, 2014.

LOURO, G. L. Pedagogias da sexualidade. In:______. O corpo educado: pedagogias


da sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2000. cap. 1, p. 7-34.

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EDUCAO, POLTICAS,
DIVERSIDADE SEXUAL E DE
GNERO

ISBN 978-85-61702-44-1

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SUMRIO

A CONSTRUO DAS MASCULINIDADES NA CULTURA ESCOLAR DOS


CURSOS DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DE TERESINA PI, BRASIL. . . . . . . 410
Jnio Jorge Vieira de Abreu

PROFESSORES HOMENS NA ROA DE JEQUI/BA:


NOTAS DE UMA PESQUISA EM ANDAMENTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 419
Antonio Jeferson Barreto Xavier
Fernando Seffner

QUANDO DESENHOS REPRESENTAM DISCURSOS: GNERO, SEXUALIDADES E


PROFISSES - O QUE DIZEM OS ALUNOS DA EDUCAO INFANTIL? . . . . . . . . . . 427
Carla Silva Machado | Amanda Cristina Silva Machado

RELAES DE GNERO E ESCOLA PROBLEMATIZAES POSSVEIS . . . . . . . . . . . 435


Nathalye Nallon Machado

A PRODUO DE RESISTNCIAS POR ALUNOS GAYS


NO CONTEXTO DA ESCOLA DE ENSINO MDIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 443
Jaime Peixoto

DISCUTINDO GNERO E BRINCADEIRAS NA INFNCIA:


A INFLUNCIA DOS BRINQUEDOS NA VIDA DAS CRIANAS.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452
Alexandra Sudrio Galvo Queiroz | Maicon Salvino de Almeida

QUANDO FOMOS ENTREGAR O SABONETE DE CARRINHO, ELE NO QUIS.


COMEOU A CHORAR, CHORAR E APORRINHAR PORQUE QUERIA O
SABONETE DE CORAO: REFLEXES SOBRE GNERO E SEXUALIDADE EM
UMA DISCIPLINA DE MESTRADO ACADMICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 462
Beatriz Rodrigues Lino dos Santos | Marcos Lopes de Souza

VIREI HOMEM, PROFESSORA: AS NORMAS SEXUAIS


E DE GNERO EM CENA NA ESCOLA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 470
Elaine de Jesus Souza

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Sexual e de gnero
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S CUIDADO PARA NO DESMUNHECAR A MO!: REFLETINDO SOBRE


HETERONORMATIVIDADE, GNERO E DOCNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 478
Fernanda Xavier Silva Santana | Cixto de Assis Bandeira Filho | Marcos Lopes de Souza

CENAS DE HOMOFOBIA NA FORMAO INICIAL DE PROFESSORES. . . . . . . . . . . . 487


Helma de Melo Cardoso

ACHEI PESADA A CENA DA MASTURBAO. [...] AT A CENA DO PRPRIO


ESTUPRO EU NO ACHEI TO PESADA!: ANLISE DOS DISCURSOS DE
PROFESSORAS SOBRE A MASTURBAO FEMININA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 495
Las Machado de Souza | Marcos Lopes de Souza

DIVERSIDADE SEXUAL E DE GNERO: A EDUCAO JURDICA EM QUESTO . 503


Marcelo Maciel Ramos | Mateus Oliveira Barros | Paula Rocha Gouva Brener

REPRESENTAES DE GNERO NA ESCOLA:


OS VESTIDOS DE ROMEO E O SAIATO NO RIO DE JANEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 511
Rachel Pulcino | Raquel Pinho | Felipe Bastos

ELES CONSIDERAM SER GAY PIOR DO QUE SER NEGRO - NARRATIVAS DE


UM ESTUDANTE HOMOSSEXUAL NEGRO SOBRE O COTIDIANO ESCOLAR . . 519
Rita de Cssia Santos Crtes | Marcos Lopes de Souza - Orientador

DIFERENA EM DISPUTA: OS EMBATES ACERCA DO KIT ANTI-HOMOFOBIA . 527


Thalles do Amaral de Souza Cruz

PERCEPES DE PRECONCEITO NA ESCOLA: UMA ANLISE SOBRE AS


DISTNCIAS SOCIAIS ENTRE ESTUDANTES E PESSOAS HOMOSSEXUAIS . . . . . . . 536
Felipe Bastos | Raquel Pinho | Rachel Pulcino

QUEM TEM MEDO DO GNERO? PNICO MORAL,


DESEJOS DISSIDENTES E PEDAGOGIA QUEER. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 544
Gelberton Vieira Rodrigues | Bruno Pereira

NOTAS SOBRE A FORMAO DAS IDENTIDADES DE GNERO: UMA ANLISE


DA CONTRIBUIO DOS BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 552
Karine Natalie Barra Godoy | Mariana de Paula Vieira | Ayra Lovisi Oliveira

VIII Congresso Internacional


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PERFORMATIVIDADE E INTERSECCIONALIDADE NAS IDENTIFICAES DE


GNERO ENTRE JOVENS NO CONTEXTO ESCOLAR: ALGUMAS REFLEXES. . . 561
Leandro Teofilo de Brito | Nayara Cristina Carneiro de Arajo

NOVAS CONFIGURAES FAMILIARES: COMO A ESCOLA CONTEMPORNEA


LIDA COM ISSO.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 569
Angela Maria Venturini | Emlia Naura Santos Bouzada
Alexandra Sudrio Galvo Queiroz

MASCULINIDADES PRECRIAS: NARRATIVAS DE JOVENS


GAYS SOBRE HOMOFOBIA NO CONTEXTO ESCOLAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 578
Leandro Teofilo de Brito

AQUI NO LUGAR PARA ISSO NO: REPENSANDO A CONSTRUO


SOCIAL DA MASCULINIDADE HEGEMNICA DIANTE DO CONTEXTO DA
HOMOFOBIA NA ESCOLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 587
Mayara Carvalho de Oliveira | Angela Maria Venturini |
Jos Guilherme de Oliveira Freitas

MASCULINIDADES ATRAVS DOS BRINQUEDOS: CASO DA EEFD/UFRJ. . . . . . . . 595


Vanessa Silva Pontes | Erik Giuseppe Barbosa Pereira

RELAES DE GNERO NO ENSINO TCNICO DE NVEL MDIO: MULHERES


NA CINCIA E NA EDUCAO PROFISSIONAL E TECNOLGICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . 603
Sabrina Fernandes Pereira Lopes | Raquel Quirino

OS DITOS E NO DITOS: POLTICA EDUCACIONAL E IDEOLOGIA


DE GNERO NO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 613
Terezinha Richartz

LAICIDADE E EDUCAO: UM DEBATE ACERCA DO PAPEL DA


EDUCAO NA PROMOO DE DIREITOS COMUNIDADE LGBT . . . . . . . . . . . . . 622
Anna Carolina Policrio Bertolin | Julliard da Silva Avelar

HOMOFOBIA: PERCEPO DE ESTUDANTES


DO IF BAIANO CAMPUS ITAPETINGA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 630
Ctia Brito dos Santos Nunes | Joo Digenes Ferreira dos Santos

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ISBN 978-85-61702-44-1 406 de Estudos sobre a Diversidade
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FORMAR PARA A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA: GNERO E


ORIENTAO SEXUAL, LIVROS E CAPTULOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 639
Acir Brito Filho | Srgio Rogrio Azevedo Junqueira (orientador)

A HOMOFOBIA NO ENSINO MDIO: O BULLYING HOMOFBICO COMO


PRTICA EXCLUDENTE EM ESCOLAS PBLICAS ESTADUAIS DE BELM. . . . . . . . . . 650
Adriane Giugni da Silva

A CONSTRUO DE GNERO E SEXUALIDADE NOS ESPAOS DA CRECHE . . . 658


Letcia de Souza Duque | Isabella Furtado Bacchini | Ana Rosa Picano Moreira

RELAES DE GNERO NO ENSINO TCNICO DE NVEL MDIO: MULHERES


NA CINCIA E NA EDUCAO PROFISSIONAL E TECNOLGICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . 666
Sabrina Fernandes Pereira Lopes | Raquel Quirino

HOMOSSEXUALIDADE, SILENCIAMENTOS E NORMATIZAES EM ESCOLA


RELIGIOSA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 676
Cristiano Jos de Oliveira

A POLTICA PBLICA BRASILEIRA DO NOME SOCIAL DE TRAVESTIS E


TRANSEXUAIS: DESAFIOS NA EDUCAO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 684
Cludio Eduardo Resende Alves | Magner Miranda de Souza

QUAIS SIGNIFICAES DA DIFERENA SO PRODUZIDAS NOS PROJETOS


PEDAGGICOS DA FORMAO DE PROFESSORES? O APAGAMENTO DAS
QUESTES DOS GNEROS E DAS SEXUALIDADES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 692
Denise da Silva Braga | Brbara Carvalho Ferreira | Talisson Daniel Soares Leite

GNERO E SEXUALIDADE NA FORMAO DOCENTE:


CASOS E ACASOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 700
Patrick dos Santos Silva | Helosa Raimundo Herneck

NARRATIVAS E MEMRIAS DE JOVENS SOBRE SUAS CONSTRUES


SUBJETIVAS DE GNERO E SEXUALIDADE NO PROCESSO EDUCATIVO
TOCANTINENSE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 708
Marcos F. G. Maia | Damio Rocha | Jocylia Santana

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IDENTIDADES SEXUAIS E DE GNERO E MOVIMENTAO DISCENTE: (RE)


EXISTNCIAS QUEER. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 717
Neilton dos Reis

A EXTENSO COMO POTENCIALIDADE NA DES/CONSTRUO DE SUJEITOS . . 725


Marilda de Paula Pedrosa | Michele Priscila Gonalves dos Santos
Cludio Orlando Gamarano Cabral

MASCULINIDADES EM QUESTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 734


Paulo Melgao da Silva Junior

REPRESENTAES DE FAMLIA EM UM LIVRO DIDTICO DE INGLS:


HOMOPARENTALIDADE E INCLUSO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 742
Francisco Ednardo Barroso Duarte

OS MARCOS DO PLANEJAMENTO NACIONAL DA EDUCAO SOBRE


GNERO: A PREOCUPAO COM UMA EDUCAO INCLUSIVA NAS
POLTICAS PBLICAS EDUCACIONAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 750
Deisi Noro | Vgner Peruzzo | Mrcia Finimundi

RELAES DE GNERO E DIVERSIDADE SEXUAL EM UMA ESCOLA DE ENSINO


FUNDAMENTAL DA REDE DE CONTAGEM/MG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 758
Beatriz Rodrigues | Isabella Tymburib Elian | Frederico Viana Machado

NO MEU TEMPO HAVERIA UM RESPEITO AO SEXO E AO GNERO DAS


PESSOAS, HOJE NO: PROBLEMATIZANDO DISCURSOS DE DOCENTES
DE EDUCAO BSICA SOBRE GNERO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 765
Danilo Araujo de Oliveira | Alfrancio Ferreira Dias

DIVERSIDADE DE GNERO E DOCNCIA: ANLISE DAS VIVNCIAS


PROFISSIONAIS DE UMA PROFESSORA TRAVESTI. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 773
Danilo Dias | Marcos Lopes de Souza (Orientador)

O CORPO E SEUS SIGNIFICADOS SOCIAIS NA ESCOLA E PARA ALM DELA,


COMO POTENCIALIDADES NOS PROCESSOS DE FORMAO.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 781
Claudete Imaculada de Souza Gomes | Anderson Ferrari | Claudio Magno Gomes Berto

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EDUCAO, EXPERINCIAS RELIGIOSAS, GNEROS E SEXUALIDADES:


PROBLEMATIZAES DE UMA PESQUISA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 789
Roney Polato de Castro | Nathalia Guimares e Sousa

A IDEOLOGIA DE GNERO NO FACEBOOK: PEDAGOGIAS EM AO. . . . . . . . 797


Roney Polato de Castro | Janailde Arajo Fonseca

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A CONSTRUO DAS MASCULINIDADES NA CULTURA


ESCOLAR DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
DE TERESINA PI, BRASIL

Jnio Jorge Vieira de Abreu


Doutorando em Educao UFPI
Professor da Universidade Estadual do Piau UESPI / rea de Pedagogia
[email protected]

GT 14 - Masculinidades mltiplas no contexto escolar

Resumo

O presente trabalho analisa a insero de homens nos Cursos de Licenciatura em


Pedagogia de Teresina-PI, Brasil, visando contribuir para a incluso e profissio-
nalizao masculina em um campo de formao predominantemente feminino.
Apoiou-se nos seguintes autores: Connell (1995); Libneo (2005); Brzezinski
(2006); Pimenta (2001) Imbernn (2010) e outros. Fez-se uma pesquisa de
campo e documental com aplicao de questionrios perfil e realizao de
entrevistas com 22 graduandos. Identificou-se diferentes tipos de masculinida-
des, homens que, a despeito das dificuldades para ingressarem na universidade
e no Curso de Pedagogia, tornaram-se sujeitos de suas prprias histrias supe-
rando preconceitos, excluso e intolerncia presena deles no Curso e ao
Curso de Pedagogia que ora realizam.
Palavras-Chave: Homens; Masculinidades; Estudantes; Pedagogia; Excluso.

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Introduo

Pesquisar o ingresso dos homens no Curso de Pedagogia exigiu, a priori,


um olhar para a trajetria masculina em seus percursos formativos estenden-
do-o s concepes que as famlias e a comunidade escolar constroem sobre o
Curso de Licenciatura em Pedagogia e sobre o ser homem estudante do mesmo.
Para isso fez-se a identificao dos fatores que motivaram a opo e/ou ingresso
masculino no referido curso em instituies de Teresina; caracterizou-se as con-
cepes da comunidade acadmica, das famlias e dos prprios homens sobre
a presena deles nos Cursos de Pedagogia estudados e buscou-se compreender
como se constroem as masculinidades na cultura escolar subsistente nas insti-
tuies formadoras objetivando contribuir para a incluso e profissionalizao
masculina em um campo de formao predominantemente feminino..
Na realidade, a formao de professores/as deve possibilitar, alm de um
autntico dilogo intragneros ou entre masculinos e femininos, a cooperao e
a solidariedade entre as culturas no sentido de desestimular a diviso sexual do
trabalho. A finalidade da prxis a construo da humanidade do ser humano
objetivando formar subjetividades dialogantes, crticas, expansivas, sem cons-
trues fixas (F. SOUZA, 2009). No entanto, vive-se em uma sociedade com
caractersticas contraditrias, pois medida que avana no processo de comu-
nicao, no desenvolvimento tecnolgico, na modernidade, na globalizao
cultural etc., ainda persiste na preservao de valores patriarcais, andrognicos
construindo esteretipos de sexo e de gnero os quais interferem na igualdade
de oportunidades entre as pessoas. Atravs das reflexes de Imbernn (2010)
entende-se que a formao docente deve demarcar outros contedos forma-
dores; levar em conta os fatores da diversidade e da contextualizao como
elementos imprescindveis na formao.

O perfil discente e a motivao dos homens pelo Curso de


Pedagogia

Os estudantes tm idade entre 18 e 59 anos, cores pardas e negras, cur-


sando entre o III e o IX Bloco do Curso de Pedagogia em instituies pblicas
e privadas, pertencem a famlias de classes populares sobrevivendo com renda
mensal at de 2 salrios mnimos. Muitos residem na periferia de Teresina, mas
alguns deles so provenientes de outras cidades do Piau e at de outros Estados

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do Brasil. So casados e solteiros, estudantes profissionais e estudantes traba-


lhadores, estudaram em escolas pblicas e privadas, mas a maioria daqueles
que estudam na Faculdade particular tem o curso financiado. Os estudantes
mostram-se atrados pelo curso, porm muitos ao optar pela pedagogia vislum-
braram mais a oportunidade de emprego. o que mostra Pedro e Alexandro ao
relatarem sobre a deciso de cursar pedagogia.
Quem me motivou na pedagogia foi o seguinte: um dia eu estava
assistindo o rdio e tava passando uma reportagem dizendo que no
Brasil tinha uma deficincia muito grande de professores, [...] uns
cinco anos depois era obrigado empregar professor... eu digo rapaz,
sabe que esse curso me interessa! Eu vou me aposentar! E a eu no
vou ficar na invalidez [...]. A eu disse, voc sabe, eu vou fazer
pedagogia (PEDRO, VI BLOCO, PEDAGOGIA, FSA).
O primeiro que l assim a oportunidade de emprego mais na
rea de magistrio [...]. Eu tava at pensando em fazer outro, mas
porque eu queria trabalhar na rea, gostaria (ALEXANDRO, IX
BLOCO PEDAGOGIA, UESPI).

Os motivos para a escolha pelo Curso de Pedagogia so diversos, mas a


necessidade de insero no mercado de trabalho o grande foco dos estudan-
tes. Nenhum deles teve o Curso de Licenciatura em Pedagogia como primeira
opo, ainda que por influncia da famlia, j que em muitas famlias dos estu-
dantes h professores/as. Entre os estudantes, h diversas situaes em relao
escolha pelo curso, vale destacar: aqueles que, mesmo tentando ou at fre-
quentando cursos de outras reas, escolheram Pedagogia; aqueles que tiveram
dvidas entre a Pedagogia e outras reas de conhecimento; homens que justifi-
cam sua escolha pelo desejo de atuar na docncia e aqueles que optaram por
Pedagogia para trabalhar com gesto, nas empresas, etc.
Quando eu terminei o Ensino Mdio, meu pai, minha me queria
muito que eu fizesse Direito! A, por incentivo deles at empolgado
eu fui fiz vestibular, passei, a comecei a cursar Direito, [...] na ver-
dade eu no fui direto para fazer pedagogia, eu tentei fazer Letras
na Federal (ALEX, VII BLOCO PEDAGOGIA, FSA).
Sempre prestei vestibulares para outros cursos, pra Administrao,
j ingressei, mas felizmente, fiz pra Direito tambm no conse-
gui, no consegui efetuar matrcula nos dois a quando foi esse

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de Pedagogia eu arrisquei, mas porque no fazer Pedagogia?


(VANDERLEI, IV BLOCO PEDAGOGIA, FSA).

Os cursos de formao de professores, especialmente o Curso de Pedagogia


no possui muito prestgio social e as representaes que comprovam isso,
grosso modo, so justificadas pela desvalorizao do professor, refletida nas
condies de trabalho, nas condies salariais, na falta de qualificao docente,
etc.

As concepes da comunidade escolar: Pedagogia no curso de


homens?

H uma discusso em torno da construo da identidade do pedagogo


sendo que este e outros fatores contribuiriam tambm para o desprestgio aca-
dmico do curso. Consentneo a isso, a desvalorizao da Pedagogia, enquanto
campo de conhecimento ou como cincia da educao ou dos estudos em
Pedagogia se explicaria como reflexo direto da desvalorizao social e profis-
sional do educador escolar. (LIBNEO, 2005).
Independente dos motivos para a desvalorizao do magistrio e dos
cursos que possibilitam o seu exerccio, o preconceito e a negatividade em rela-
o ao Curso de Pedagogia esto muito presentes no depoimento dos homens
entrevistados.

totalmente negativa! As pessoas elas levam a Pedagogia como...


Ah!, voc vai morrer de fome, ... voc gay, homossexual, voc
, o que tu quer com Pedagogia, Pedagogia no um curso de
homem, voc tem que fazer Direito! Farmcia, voc j trabalha
com a farmcia. (BALTAZAR, IV BLOCO PEDAGOGIA, FSA).

Sim! A gente percebe nas pessoas uma reao assim, s vezes de


ojeriza, de desprezo at porque o curso de Pedagogia no Brasil ele
no visto como um curso de status. Eu acho que assim em geral,
eu acho que, digamos assim, o senso comum que a pessoa que
escolhe Pedagogia ele no funciona bem da cabea. [...]. Ento, eu
recebi muitas crticas, at de professores (SCRATES, III BLOCO
PEDAGOGIA, UESPI).

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Considerando a importncia de um curso de magistrio enquanto forma-


o profissional e dos depoimentos dos estudantes revelando as representaes
das pessoas acerca da escolha pelo Curso de Licenciatura em Pedagogia, torna-
-se relevante saber o que justificaria tal comportamento sobre o referido curso.
Libneo (2005) faz uma indagao pertinente nesse sentido, mas que ele prprio
considera difcil de responder: onde estaria a raiz da intolerncia Pedagogia
como cincia ou, ao menos, como um campo especfico de conhecimentos e
prticas? Tais posicionamentos esto relacionados propriamente ao Curso de
Pedagogia ou insero dos homens no mesmo? Em que se fundamenta as
concepes das pessoas expressa nos depoimentos a seguir?
Ah! Cara! As reaes foram diversas, tinha gente que falava o
seguinte: voc no tem nada melhor pra fazer no? Fazer logo
Pedagogia? Teve gente que mandou eu ser gari!!! Vai ser gari rapaz!
A eu peguei e disse: no rapaz eu fao Pedagogia porque eu quero!
As pessoas da minha famlia mesmo s ficaram sabendo mesmo
quando eu j estava no segundo perodo. [...] (ALEX, VII BLOCO
PEDAGOGIA, FSA).

Embora os homens no tenham feito a escolha pela Pedagogia inicialmente


por vocao, o fizeram em busca de um objetivo. Independente dos motivos,
as escolhas foram convictas, tinham uma finalidade, pois nenhum argumento os
convenceu do contrrio. Como o exemplo de Edinaldo.
[...]. As pessoas veem pedagogia como um curso subalterno, todo
mundo falou: ah! tu vai trocar Cincias Contbeis por Pedagogia...
por que eles acham, t no sonho, o que eles gostam e no tm
noo da realidade, como o mercado de trabalho ver os profissio-
nais, no ?. Acho que uma turma de 30 pessoas que se formam
em Cincias Contbeis, se cinco chegar a ser contador muito!,
porque na minha famlia tem 5 pessoas e nenhuma trabalha como
contador. [...] (EDINALDO, II BLOCO PEDAGOGIA, FSA).

Todo curso, toda formao enfrenta dificuldades na constituio do seu


campo de conhecimento e/ou no reconhecimento acadmico ou social, como
exemplo: um mercado de trabalho restrito, fragilidade epistemolgica, etc. Tais
obstculos nos cursos ou reas de conhecimentos no so privilgios somente

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do Curso de Pedagogia. Mas, porque a Pedagogia sofre to forte rejeio da


sociedade? Libneo (2005, p. 65) aprofundam mais essa discusso:
Seria ver nela um carter dogmtico, excessivamente voltado para
postulados ticonormativos num mundo propcio relativizao
de valores? Ou, por outro lado, um carter racionalista ou mesmo
tecnicista, no sentido de que toda cincia seria domesticadora, eri-
gindo-se acima da sociedade? Ou a intolerncia seria decorrente
da subestimao dos objetivos e processos pedaggico-didticos
em favor da tese de que, para uma boa aprendizagem, os conte-
dos/mtodos de cada matria se bastam?

Melo (2010) investigou o olhar dos discentes sobre o curso de Licenciatura


em Pedagogia da UFPI e defendeu a necessidade de reviso da Proposta
Curricular do mesmo, com o intuito de atender as exigncias da atualidade
do sistema de ensino do Estado do Piau, tanto para a rede estadual quanto
para a municipal, bem como as orientaes oficiais dirigidas para o Curso de
Pedagogia em mbito nacional.
Concorrendo com as questes curriculares, h na comunidade acadmica
do Curso de Pedagogia, os preconceitos de sexo e de gnero. Quando abordei
uma professora sobre a presena de homens no Curso de Pedagogia com o qual
ela trabalhava, a resposta foi a seguinte: Jnio, voc perdeu, chegou atrasado,
acabou de se formar uma turma que tinha vrios homens, nestas turmas agora
s tem aqueles.... Em outra instituio, ao abordar um professor que, alm da
docncia, ocupa um cargo de gesto, ele mostrou a mesma concepo: voc
est atrs de homens? Tem uns por a, mas....
A diviso do trabalho no magistrio pode ser explicada no mais pela
forma como se estabelecem, mas pela forma como se trabalha as relaes
de gnero na famlia, na escola, na universidade e em outros espaos, pois
consequncia do que se constri social e historicamente sobre o que ser
masculino, sobre as concepes de masculinidade e o papel que os homens
devem assumir na sociedade. Connell (1995, p. 189), ao tratar da construo e
reconstruo da masculinidade, afirma:
Os rapazes so pressionados a agir e a sentir dessa forma e a se
distanciar do comportamento das mulheres [...] a feminilidade
compreendida como o oposto. A presso em favor da conformi-
dade vem das famlias, das escolas, dos grupos de colegas, da mdia

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e finalmente, dos empregadores. A maior parte dos rapazes inter-


naliza essa norma social e adota maneiras e interesses masculinos,
tendo como custo frequentemente, a represso dos sentimentos
[...].

Assim, formar professores na perspectiva de superar o sexismo nas


profisses, exige, antes de tudo, o desafio de superar problemas estruturais,
curriculares, de gnero, etc. existentes nas instituies formadoras, sobretudo
pensar a cultura escolar no que se refere ao ideal de aluno, de professor e
de professora construdo no sistema educacional. esta cultura que, em mui-
tas situaes, provoca o comportamento e os sentimentos de alunos, como o
exemplo de Vanderlei ao relatar sobre a receptividade de uma professora no
estgio.
No incio causou... desconforto, at porque o curso tem esse
estigma, sempre voltado para a questo feminina, no caso o cuidar
[...] no estgio tambm, .. eu, eu no sei, eu senti que a profes-
sora... ela, ela afirmou no com as prprias palavras, mas assim uma
indireta como se eu ia encontrar dificuldades... por eu ser homem
(VANDERLEI, IV BLOCO PEDAGOGIA, FSA).

Sousa (2000, p. 75), nas suas discusses sobre essa temtica, afirma que a
burocratizao da profisso e a consequente averso ao trabalho docente tam-
bm contaminou professores, alimentando durante muito tempo o preconceito
contra o professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, aquele designado
a trabalhar com crianas. Isso tambm reflete na insero dos homens no Curso
de Pedagogia e, especialmente, na reao das pessoas pela escolha masculina.

Concluses reflexivas

A concepo dos homens sobre o Curso de Licenciatura em Pedagogia


de uma formao abrangente e fundamental na formao pessoal e profissional
do ser humano. Alm disso, o sentimento acadmico que eles apresentam em
seus relatos de pertencimento ao curso e que o mesmo oferece muitas oportu-
nidades de trabalho, portanto, independente do motivo das escolhas, sentem-se
realizados. A trajetria dos estudantes de Pedagogia foi marcada por inmeros
obstculos, seja em relao vida pessoal ou social e, especialmente vida
escolar, pois, embora alguns homens tenham afirmado em seus depoimentos

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que o ingresso na escola foi sem grandes dificuldades, a maioria deles iniciou
a vida escolar alm da idade prpria ou teve interrupes no percurso. Estas
dificuldades se acentuaram entre o ensino mdio e o ingresso na universidade,
principalmente em relao escolha pela pedagogia.
Assim, pode-se concluir que os principais interlocutores deste trabalho
so homens com caractersticas diversas ou diferentes tipos de masculinidades,
pois embora movidas por situaes e condies de vida diferenciadas, com-
partilham aspectos comuns em suas histrias de vida. Em primeiro lugar so
pessoas que sempre perseguiram o ideal de serem sujeitos de suas prprias
histrias enfrentando assim quaisquer barreiras em busca dos seus objetivos.
Em segundo lugar, todos eles, independentemente do tempo e dos obstculos,
almejaram muito e conquistaram o ingresso em uma faculdade ou universidade
conquistando com xito uma formao profissional.
Na realidade, nesta experincia identificou-se os homens como um
gnero pouco presente na pedagogia, mas com uma permanncia resistente
como se os valores patriarcais ou matriarcais determinassem seus espaos, mas
no erguessem a o seu trono. De certo, se a seletividade social surgiu com a
organizao das sociedades, aprimorando-se com a complexidade das mesmas,
a seletividade escolar e o desrespeito diversidade que se opera no interior da
escola, nasceram com a instituio escolar.

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Referncias

BRZEZINSKI, Iria. Pedagogia, pedagogos e formao de professores. 6 Ed. So Paulo:


Papirus Eitora, 2006, 247 p.

CONNELL, Robert W. Polticas da masculinidade. In: Educao e realidade. So


Paulo: 1995, pg- 183 a 206.

IMBERNN, Francisco. Formao continuada de professores. Traduo: Juliana dos


Santos Padilha. Porto Alegre: Artmed, 2010, 120p.

LIBNEO, Jos Carlos. Pedagogia e pedagogos, para qu? 10. ed. So Paulo: Cortez,
2005.

MELO, Patrcia Sara Lopes. O olhar dos discentes sobre o curso de Licenciatura em

Pedagogia da UFPI: Narrativas de formao. Teresina: UFPI, 2012. 102 f. Dissertao


(Mestrado em Educao) Universidade Federal do Piau.

PIMENTA, Selma Garrido (Coord.). Pedagogia: cincia da educao? 4 Ed. So Paulo:


Cortez, 2001.

SOUSA, Maria Ceclia Cortez Cristiano de. A escola e a memria. Bragana Paulista:
INFANCDAPH. Editora da Universidade So Francisco: EDUSF, 2000, 196 p.

SOUZA, Joo Francisco de. Prtica pedaggica e formao de professores.


Organizadores:

Joo Batista Neto e Eliete Santiago. Recife: Editora Universitria da UFPE, 2009.

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PROFESSORES HOMENS NA ROA DE JEQUI/BA:


NOTAS DE UMA PESQUISA EM ANDAMENTO

Antonio Jeferson Barreto Xavier


Mestrando em Educao - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
[email protected]

Fernando Seffner
Doutor em Educao - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
[email protected]

Resumo

O presente texto tenciona apresentar uma pesquisa de mestrado em Educao.


Intitulada O gnero vai roa: a presena de professores homens nos anos ini-
ciais no meio rural de Jequi/BA apresenta o objetivo de pesquisar as questes
de gnero e sexualidade que a presena de professores homens dos anos ini-
ciais do meio rural da cidade de Jequi/BA desperta. Pretende ainda investigar
como as relaes de gnero e sexualidades na roa, visto nesta pesquisa como
um espao generificado, perpassam o espao escolar. Desse modo, a partir de
dados levantados na pesquisa-piloto realizada no perodo de dezembro de 2015
a fevereiro de 2016 aqui apresentamos as primeiras notas da presente pesquisa.
Palavras-chave: docncia; masculinidades; professores; homens; roa

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Primeiras sementes

O presente trabalho tem o objetivo de apresentar uma pesquisa de mes-


trado em Educao que se encontra em fase de desenvolvimento. Para tanto
recorremos a alguns dados levantados na fase piloto da pesquisa, incluindo
excertos de entrevistas realizadas no perodo de dezembro de 2015 a fevereiro
de 2016. A pesquisa se situa na perspectiva ps-estruturalista e est inserida na
linha de pesquisa Educao, Sexualidade e Relaes de Gnero do Programa
de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
significativo o nmero de pesquisas em torno da presena de professo-
res homens no ensino de crianas, porm, grande parte dessas investigaes
acontece na Educao Infantil e em instituies do meio urbano, a exemplo
das pesquisas de Saparolli (1997), Carvalho (1998), Sayo (2005), Ramos (2011)
entre outras.
Assim, nossa pesquisa escolheu analisar as questes de gnero e sexua-
lidade suscitadas com a presena de professores homens dos anos iniciais que
atuam na Educao do Campo. Para tanto importante nessa pesquisa pensar
a roa enquanto espao generificado e sexualizado e a partir disso voltar nossas
lentes para a sala de aula que conta com a presena desses professores. Longe
de ser um territrio de apenas calmaria pensamos a roa como um campo de
relaes de poder com constantes negociaes, interaes, disputas, subjetiva-
es e representaes de gnero e sexualidade.
Concordamos assim com Oliveira e Seffner (2014, p.70) quando afirmam
que o espao dito natural atua sobre os sujeitos, que constroem uma rede de
significados simblicos, possveis de serem lidos na tica do gnero. Interessa
nesta pesquisa entender como se do as prticas discursivas, os sistemas de
saber-poder e suas produes sobre o gnero e a sexualidade nesse espao
especfico que a regio rural de Jequi. Todos os elementos apresentados at
o momento ajudam a pensar o lugar da nossa pesquisa e se relacionam com o
propsito investigativo que tem como objetivo geral: Compreender como a pre-
sena de professores homens nos anos iniciais na roa de Jequi-BA suscitam
as questes de gnero e sexualidade.

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Passos dados, caminhos por trilhar...

De acordo com Daligna (2014) pesquisar como dar passos Para


comear preciso dar o primeiro passo, um passo de cada vez, gradualmente,
apertando e afrouxando o passo, imprimindo um ritmo ao movimento [...]
(p.198 grifos da autora). At o momento realizamos entre dezembro de 2015
a fevereiro de 2016 uma pesquisa-piloto com o objetivo de fazer o primeiro
levantamento de dados juntos Secretaria Municipal de Educao de Jequi/
SMEJ, nesse primeiro momento tambm foram entrevistados alguns professores
que atuam nos anos iniciais.
Conforme dados fornecidos pela Diviso do Ensino Rural SMEJ, a
Educao do Campo no municpio formada por 53 escolas. O quadro de pro-
fessores/as que atuam na roa formado de 177 profissionais. Nos anos iniciais
atuam 83 profissionais, sendo que desse nmero apenas 10 so professores
homens, para a realizao da pesquisa elegeremos dois desses profissionais.
Conforme j foi dito a pesquisa se situa na perspectiva ps-estrutura-
lista, assim quando se fala de metodologia nesse campo terico importante
demarcar que no dispomos de um manual de pesquisa, tampouco um for-
mato metodolgico inflexvel (PARASO, 2014) que vise encontrar respostas ou
apresentar solues para os problemas. Nessa mesma direo Meyer (2014)
defende que as pesquisas que compartilham desta perspectiva terica esto
menos preocupadas em buscar respostas para o que as coisas de fato so, e se
preocupam mais em descrever e problematizar processos por meio dos quais
significados e saberes especficos so produzidos [...] (p.53).
Um dos pressupostos da pesquisa ps-estruturalista aprestando por Paraso
(2014) o de que os raciocnios operados na educao so generificados, assim
no nosso caminhar investigativo consideramos que nos diferentes espaos edu-
cativos as relaes de gnero so produzidas, mas tambm como aponta a
autora, as lutas e resistncias e discursos so desnaturalizados, questionados e
[...] rupturas podem ser introduzidas, numa transformao constante de rela-
es de poder j instauradas (p.33). Nesse propsito vamos para a roa, olhar
como essas construes e desconstrues se passam naquele ambiente. Como
o lugar da docncia na roa se constri enquanto um lugar generificado e sexu-
alizado, quais desnaturalizaes e rupturas a presena de um professor homem
ensinando crianas podem causar? Inquietaes que nos motivam ao caminhar.

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Enxadas e faces ou alguns conceitos e reflexes

Ao longo da pesquisa operamos com os conceitos de sexualidade, mas-


culinidades, norma, poder, pnico moral, gnero e heteronormatividade. No
entanto, nesse recorte, discutiremos apenas os dois ltimos. A palavra gnero
tem a sua histria atrelada ao feminismo anglo-sax que recorre no incio da
dcada de 70 a palavra gender/gnero para distinguir de sex/sexo (LOURO,
2000). Para alm de um acrscimo de uma categoria ou palavra o movimento
buscou rejeitar a viso biologizante do sexo e das diferenas sexuais e chamar
ateno para o o carter fundamentalmente social das distines baseadas no
sexo (SCOTT, 1995, p. 72). Nessa perspectiva, nada escapa ao gnero! Jeffrey
Weeks (2000) define gnero como uma diviso crucial nas construes das
diferenas sociais e de classes, para o autor O gnero no uma simples
categoria analtica; ele , como as intelectuais feministas tm crescentemente
argumentado, uma relao de poder (p.40). Essas relaes de poder se do na
e por meio da Cultura e da linguagem, onde se estabelecem as diferentes cons-
trues de significados de masculino e feminino.
Nesse sentido, pretendemos olhar, ouvir, mapear, descrever com as cons-
trues de gnero se estabelecem na roa e de forma especial, como a presena
de um homem educando crianas pequenas suscita a discusso sobre sexu-
alidade. Podemos acrescentar ainda o seguinte questionamento: Como esses
sujeitos so interpelados em sua identidade sexual e como elas importam para a
comunidade escolar e rural. vlido apresentar aqui um excerto de uma entre-
vista realizada na pesquisa-piloto. O professor relatou que um dos pais ao saber
que era um homem que atuaria na escola ligou para diretora indagando se ele
era homem de verdade,
[...]ele ligou para diretora da escola e perguntou se esse professor
homem mesmo ou era gay, porque tem alguns professores do
ensino fundamental que so gays e alguns pais no querem que
seu filho, principalmente o filho homem, estuda com um professor
gay [...] Teve que fazer reunio com o pai, explicar para ele, ele
realmente estava preocupado com essa questo de gnero (sic) ,
no sei se ele j passou por algum problema com isso, mas ele foi
l eu mostrei fotos das minhas filhas, ele no entendeu, como que
pode, ele nunca viu um homem ensinando crianas[...] conversou
ele, eu e a coordenao.

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A quem seu desejo sexual direcionado, qual sua identidade sexual


parece ser algumas das respostas que os professores homens que atuam com
crianas precisam apresentar aos pais e demais membros da comunidade. A
identidade sexual parece surgir como um dos quesitos no currculo dos pro-
fessores que mais importa para alguns pais, se sobrepondo em muitas situaes
a sua qualificao profissional. Todavia, no qualquer identidade sexual que
incomoda e que precisa ser identificada ou marcada.
Os conceitos de heteronormatividade e norma so importantes aqui para
problematizarmos o episdio relatado pelo professor e sero igualmente vlidos
para as demais anlises no decorrer da pesquisa. O conceito de heteronorma-
tividade cunhado por Michael Warner indica a obsesso com a sexualidade
normalizante, atravs de discursos que descrevem a situao homossexual
como desviante (BRITZMAN, 1996, p. 79). A heteronormatividade por meio
das suas regras, pedagogias e demais mecanismos que dispe e usa de forma
reiterada com o objetivo de naturalizar-se como norma e referncia, se pro-
cessa numa constante vigilncia, a ponto de que para alguns heterossexuais a
mera meno da homossexualidade (Ibidem, p.80) deve ser evitada. O pro-
fessor ao expressar na entrevista que alguns pais no querem que seu filho,
principalmente o filho homem, estuda com um professor gay denuncia que
a homossexualidade, ou nesse caso a suspeita de, surge como ameaa e algo
contagioso, predatrio e perigoso.
Na pesquisa realizada por Fonseca (2011), com dois professores homens
nos anos iniciais a homossexualidade tambm apareceu como um problema.
Um dos professores era assumidamente gay. A questo de ter um homem como
professor de crianas pequenas se atrela, como diz o pesquisador, ao medo
da no heterossexualidade o [...] Assim, a questo de gnero J. ser professor
homem dos anos iniciais, cede lugar uma questo de sexualidade J. ser
homossexual (FONSECA, 2011, p. 65).
A pesquisa de Fonseca apresenta um fato que igualmente aparece na
nossa investigao o medo da homossexualidade que atinge tambm os
sujeitos que se identificam como heterossexuais. Segundo o pesquisador o outro
professor mesmo sendo heterossexual e casado no escapava ao fantasma da
homossexualidade (FONSECA, 2011). Logo, mesmo sendo heterossexual se o
homem atua em uma profisso tida como feminina, como vista o ensinar nos
anos iniciais, ele est rompendo uma fronteira e desperta a indagao, o ques-
tionamento, a vontade de saber.

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Ao lado do medo e rejeio homossexualidade, outro fator que surge


nas pesquisas de Sayo (2005) e Souza (2010) como empecilhos para atuao
dos homens como professores de crianas o contato com os corpos das crian-
as. Com a construo no imaginrio social de que o homem um abusador
em potencial ou ainda que homens no possuam jeito para lidar com o cuidado
dos corpos infantis. Contudo, com a leitura das pesquisas de Ferreira (2008) e
Fonseca (2011) ao que parece esse mesmo discurso tambm invocado para o
estranhamento de professores homens nos anos iniciais. Ao que parece a sim-
ples permanncia de um homem sozinho com crianas, ou toque, um afeto, j
o suficiente para suscitar esse pnico e esses questionamentos.
Ainda que a pesquisa que desenvolvemos no trata de professores homens
na creche questionamos at que ponto essas mesmas representaes se esten-
dem para os anos iniciais? Ser que esses discursos desejam produzir verdades
de que nenhum homem adequado para o ensino das crianas? Quais as
representaes do ser homem e de masculinidades atravessam esses discursos?
Como tudo isso se constitui nas escolas das roas de Jequi que contam com
um professor homem?
Acredito ser pertinente pensarmos como esses discursos so reproduzidos
pelos prprios professores homens. Como isso se reflete, por exemplo, na fala
de outro professor entrevistado quando diz que ele enquanto homem no apre-
senta domnio com as atividades artsticas elas [professoras colegas] pedem
para copiar as minhas atividades e eu peo para elas fazerem as coisas ligadas
s artes, elas tm mais facilidade com essas coisas de arte. Ou quando outro
professor afirmou que caso alguma criana precisa tomar banho ou ajuda para
se higienizar aps o uso do banheiro ele recorre a uma colega, pois mais fcil
por ela ser mulher.
As pesquisas sobre o processo de feminizao do magistrio apontam que
h uma associao de uma vocao nata da mulher para atuar com crianas.
O entendimento que elas possuem uma facilidade para o cuidar e lidar como
o emocional dos pequenos so discursos que tambm surgem com inteno
de legitimar a inadequao dos homens nesses espaos. Conforme apontamos
anteriormente esses discursos surgem tambm na voz de alguns professores.
Um dos entrevistados questionado se observa alguma diferena entre a docn-
cia masculina e feminina nos anos iniciais, respondeu particularmente prefiro
mulheres nas sries iniciais, mulheres com vocao, que queira realmente, que
deseja [...] as mulheres tem mais habilidades manuais, lidar com o psicolgico,

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

com o cuidar, o cuidar maior, o homem no tem esse cuidado maior, essas
facilidades, as mulheres tem essa vocao. O cuidar surge ento como um
elemento que deve ser desenvolvido exclusivamente pelas mulheres? Ainda
prevalece a ideia da professora como uma extenso da me? Como esses dis-
cursos so reiterados na roa?
Nada est acabado e fechado. Queremos seguir viagem considerando
que no importa o mtodo que utilizemos para chegar ao conhecimento; o
que de fato faz a diferena so as interrogaes que podem ser formuladas
dentro de uma ou outra maneira de conceber relaes entre poder e saber.
(COSTA 2000, p.16 apud CARDOSO, 2014, p.223). Estamos apenas no comeo
das estradas da roa e h muito cho para percorrer!

Referncias

BRITZMAN, Dbora. O que esta coisa chamada amor? Identidade homossexual,


educao e currculo. Educao & Realidade, Porto Alegre, v.21, n.1, p.71-96, 1996.

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terico-metodolgico In: MEYER, D. E. E.; PARASO, M. A. (Orgs.). Metodologias de
pesquisas ps-crticas em Educao. Belo Horizonte: Mazza Edies, 2014.

FERREIRA, Jos Luiz. Homens Ensinando Crianas: continuidade-descontinuidade


das relaes de gnero na escola rural. Joo Pessoa: UFPB, 2008. Tese (Doutorado
em Educao) Programa de Ps Graduao em Educao,Universidade Federal da
Paraba,Joo Pessoa, 2008.

FONSECA, Thomaz Spartacus Martins. Quem o Professor Homem dos Anos Iniciais?
Discursos, representaes e relaes de gnero. Juiz de Fora: UFJF, 2011. Dissertao
(Mestrado em Educao)- Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade
Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011.

LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade / Guacira


Lopes Louro (organizadora); traduo dos artigos: Tomaz Tadeu da Silva 3. Ed. Belo
Horizonte: Autntica Editora, 2000.

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ISBN 978-85-61702-44-1 425 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

OLIVEIRA, S. M. M. ; SEFFNER, F. . Mujeres en aguas masculinas: trayectorias de


pescadoras de So Jos do Norte, Brasil. Manzana de la Discordia (Cali. 2005), v. 9,
p. 69-87, 2014.Disponvel em : http://manzanadiscordia.univalle.edu.co/. Acesso em
junho de 2016.

PARASO, M.A. Metodologias de pesquisas ps-crticas em educao e currculo:


trajetrias, pressupostos, procedimentos e estratgias analticas. In: MEYER, D. E. E.;
PARASO, M. A. (Orgs.). Metodologias de pesquisas ps-crticas em Educao. Belo
Horizonte: Mazza Edies, 2014.

WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: Guacira Louro (org.) O corpo educado.
Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autntica, 2000.

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ISBN 978-85-61702-44-1 426 de Estudos sobre a Diversidade
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ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
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QUANDO DESENHOS REPRESENTAM DISCURSOS: GNERO,


SEXUALIDADES E PROFISSES - O QUE DIZEM OS ALUNOS
DA EDUCAO INFANTIL?

Carla Silva Machado


Doutoranda em Educao pela PUC/Rio. Bolsita do Cnpq.
[email protected]

Amanda Cristina Silva Machado


Bacharela em Turismo. Graduanda em Pedagogia pela UFJF.
[email protected]

GT 19 - Sexualidades e Gnero entre Crianas e Adolescentes: uma rea relevante e


diversificada de pesquisa e conhecimento

Resumo

A presente comunicao parte das concepes de discurso como algo que


extrapola a fala e a escrita, mas que esto ligadas tambm aos signos presentes
no cotidiano. Nesta perspectiva, acreditamos que o cotidiano escolar tomado
por discursos que so trazidos pelos alunos de outros ambientes sociais, como
famlia e igreja, e tambm, os miditicos, como TV, cinema, publicidade. Dessa
forma, as atividades extraescolares influenciam diretamente as aes cotidianas
na escola. Para ilustrar esta discusso, partiremos de um vdeo produzido numa
escola de Londres e veiculado nas redes sociais brasileiras por coletivos feminis-
tas e que tem como temtica as profisses. Pretendemos discutir as concepes
de gnero, sexualidades e profisses na educao infantil a partir da perspectiva
das pedagogias culturais e dos temas emergentes na contemporaneidade como
as identidades, a cultura, os discursos, dentre outros.
Palavras-chave: discursos; padres culturais; infncias; pedagogia cultural.

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A realidade , assim, construda; nunca capturada diretamente por


um pensamento linear ou um discurso explcito (DIAS, 2005, p. 47).

Introduo

Acreditamos que a educao infantil o tempo-espao para a concretiza-


o da maneira da criana de ser e estar no mundo. , neste sentido, momento
de intensas aprendizagens significativas, que perpassam pelo desenvolvimento
intelectual, psicolgico, fsico e social.
Conforme diz a LDB, lei 9394/96, Art.29:
A Educao Infantil conceituada como a primeira etapa da
Educao Bsica e tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criana at cinco anos de idade, em seus aspectos fsico, psico-
lgico, intelectual e social, complementando a ao da famlia e da
comunidade. (BRASIL, 1996).

Dessa forma, entendemos a educao infantil como espao de socializa-


o, de descoberta de valores, costumes e sentimentos e, atravs das interaes
cotidianas, apostamos neste espao como um espao de possibilidades de leitu-
ras de mundo e apropriaes discursivas que so adquiridas a partir do contato
com o outro e com os demais espaos sociais existentes.
A partir desta concepo de que a educao infantil um espao de
interaes, possibilidades e descobertas, propomo-nos a discutir, neste artigo, o
vdeo que chamaremos de Profisses e Gneros, produzido a partir de vivncias
ocorridas em salas de aula da educao infantil em Londres, pela organizao
Inspiring The future, com criao da agncia Mullen Lowe London.
Para avanarmos na discusso, apresentaremos a metodologia usada para
a criao do vdeo e discutiremos a importncia de trabalhar as questes afetas
ao gnero na educao infantil a partir da perspectiva das Pedagogias Culturais,
que segundo Costa (2010) prope a juno dos Estudos Culturais e da Educao
para pensar a formao de professores alm dos mtodos e prticas, ressalta-
mos que a autora defende que a pedagogia precisa estar alm da escola.
Dessa forma, consideraremos, assim como Dias (2005, p. 47), que: O ser
humano um ser sensvel que, diante do mundo, busca significaes, o que
torna seu pensamento dinmico por excelncia; e a metfora, com suas ml-
tiplas possibilidades de combinao, que possibilita a mediao entre realidade

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e pensamento. Sendo assim, entendemos que desenhos, atitudes e reaes


so formas de representaes discursivas das crianas acerca das realidades
apresentadas. De modo geral, a realidade algo que parte de nossa criao
simblica e cultural, por isso, a educao infantil, momento de intensas constru-
es simblicas da realidade, torna-se fundamental para a construo de signos
e smbolos relacionados ao gnero.

A construo do vdeo

A Inspiring The Future, idealizadora do vdeo Profisses e Gneros, uma


espcie de Organizao No Governamental (ONG) que une voluntrios de
vrios setores e professores atravs de um site de relacionamentos e consulto-
ria em diversos assuntos que podem ser levados sala de aula. Os voluntrios
funcionam como consultores em assuntos que ultrapassam o cotidiano escolar,
podendo ser relacionado s profisses, experincias acadmicas e/ou pessoais,
carreira e outros. A MullenLowe London uma agncia de marketing que acei-
tou o desafio de produzir o material da Inspiring The Future, que tinha como
objetivo ressaltar para as crianas a no distino de gneros nas profisses.
No Brasil, o vdeo foi divulgado e legendado pelo grupo Empodere Duas
Mulheres, que mantm uma pgina na rede social Facebook (https://www.
facebook.com/empodereduasmulheres/info/?entry_point=page_nav_about_ite)
desde 2015 e discute as questes ligadas ao feminismo. Somente na pgina
original, o vdeo1 teve mais de 3 milhes e 700 mil visualizaes, 109 mil
compartilhamentos, 58 mil reaes (amei, curti, triste e outros) e 3 mil e 500
comentrios, mostrando que o assunto merece ser discutido e tem despertado
interesse da sociedade.
O vdeo tem 1minuto e 50 segundos e apresenta professores em salas de
aula da educao infantil, estes pedem aos alunos que desenhem um piloto de
avio, um bombeiro e um cirurgio a partir de como eles imaginam ser estas
pessoas na vida real. Vale ressaltar que, na lngua inglesa, no h distino de
gneros entre as profisses citadas, neste sentido, para a palavra bombeiro, que
em portugus serve apenas para o masculino, pois existe o correspondente no
feminino que bombeira, em ingls firefigther para os dois gneros.

1 O vdeo pode ser visualizado na pgina do Empodere Duas Mulheres no Facebook, atravs do en-
dereo: https://www.facebook.com/empodereduasmulheres/videos/1084718574935463/.

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Sessenta e seis desenhos so produzidos pelos alunos, destes, apenas


cinco ilustraes mostram mulheres sendo estes profissionais, os outros 61
desenhos so representaes de homens nestas profisses.
Na segunda parte do vdeo, os alunos conhecem trs mulheres: uma
piloto, uma bombeira e outra cirurgi. Ao entrarem na sala de aula, as trs
mulheres, uniformizadas de acordo com suas profisses so recebidas por
meninos e meninas surpresas, pois no acreditavam estar diante de mulheres.
H comentrios relacionados ao tipo de roupa e capacetes pesados usados pela
piloto e, ao mesmo tempo, todos querem tocar seus objetivos de trabalho.
Fica evidente, a partir da reao das meninas que, para elas uma nova
oportunidade se abre. O vdeo termina com a seguinte frase: hora de rede-
finir o padro.

Para podermos ressignificar...

Entendemos que, ao levar esta discusso para a sala de aula, esta se abre
para novas possibilidades, isso fica evidente pela reao das crianas no vdeo,
visto que, apesar de to jovens, elas j tm algumas questes acerca de gnero
estabelecidas, porm, no cristalizadas, ou seja, escola cabe o papel de dar
novos sentidos a velhos padres culturais, nas palavras de Veiga-Neto:
esse dar sentido que faz de ns uma espcie cultural. Nessa
perspectiva, a cultura no se restringe s prticas materiais; no
se restringe, por exemplo, produo e ao uso de ferramentas
para realizar uma determinada tarefa. Cada vez mais a Etiologia
tem acumulado evidncias de que muitas espcies de animais
usam intencionalmente objetos para realizar tarefas relacionadas
sobrevivncia; e mais: de que esse uso , para vrias espcies,
apreendido, isso , de que se trata de um comportamento transmi-
tido socialmente, e no geneticamente. Na perspectiva que aqui
interessa, a questo, entretanto, pensarmos a cultura para alm
do domnio material isso , do domnio dos objetos e das prticas
envolvidas com esses objetos. A questo pensarmos a cultura,
tambm e ao mesmo tempo, no domnio simblico: como significa-
mos os objetos e as prticas e, ao fazermos isso, como abstramos e
transferimos esses significados para outros contextos; e ao fazermos
essa transferncia, como nos ressignificamos (VEIGA-NETO, 2004,
p. 57).

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O autor nos faz pensar que, muitas vezes, entendemos como natural,
intencional e quase proftico o fato de meninas brincarem de casinha e meni-
nos brincarem de carrinho, porm, temos de ter claro que essas brincadeiras
so culturais, so um domnio simblico o qual podemos resistir, mudar e rede-
finir, a partir de atividades simples e corriqueiras, como a proposta no vdeo, e
que leva os meninos e as meninas da educao infantil a ressignificar os papeis
sociais, que eles to prematuramente j conhecem e vo cristalizando ao longo
da vida.
Acreditamos que uma das funes principais da educao infantil, alm
do brincar e da ludicidade, abrir para as crianas vivenciarem outras possibi-
lidades de ser e estar no mundo e abrir-se para ressignificaes, neste sentido,
conforme Ferrari (2000, p. 87):
[...] no se deve nem tampouco se pode pensar o contexto escolar
sem relacion-lo ao social. E, isso se faz numa dupla direo. Ou
seja, como a escola recebe, reflete e refora o que socialmente
aceito e faz parte do senso comum, correndo o risco de cristalizar
preconceitos e tambm como a partir dela pode-se pensar formas
de alterar essa realidade, quando ela, escola, contribui para articu-
lar novas formas de prticas sociais.

Vale destacar, neste sentido, que a escola no s um espao de trans-


misso de conhecimentos, mas est tambm associada transmisso de valores
e padres, desta forma, segundo Costa (2010, p. 135):
[...] vivemos hoje uma era pautada por significados provisrios,
incertezas e indeterminaes, cenrio em que as prticas antes
privativas de certos espaos institucionais, como a pedagogia,
encontram-se desterritorializadas. Desenham-se crescentemente
novos contributos tericos para se pensar a pedagogia como uma
prtica cultural que ultrapassa amplamente os limites estritos de
instituies como, por exemplo, escola, famlia e igreja. Uma contri-
buio dos Estudos Culturais em Educao tem sido a possibilidade
de se abordar de forma mais ampla, complexa e plurifacetada a
educao, os processos pedaggicos, os sujeitos implicados, as
fronteiras construdas pelas ordens discursivas dominantes. Pode-se
dizer que h uma ressignificao do campo pedaggico em que
questes culturais como identidade, diferena, discurso e represen-
tao so convertidos em foco preferencial.

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neste sentido que o vdeo Profisses e Gneros torna-se to importante


para as discusses de gnero, ao relacionarmos este aos estudos das Pedagogias
Culturais, percebemos que ele manifesta-se como um produto que pode ser
debatido por outras crianas nos espaos escolares, mas tambm por professo-
res para conscientizarem-se do importante papel da escola, desde a educao
infantil, para a discusso das questes que envolvem gnero, sexualidade, iden-
tidades e padres culturais.
tambm papel da escola mediar as muitas leituras possveis sobre a
atribuio de determinados valores, posies e, at, traos de personalidade
em personagens de desenhos, filmes, novelas ou publicidade, a partir de uma
perspectiva de gnero, e buscar refletir e questionar tais modelos. Ao naturali-
zarmos aspectos como fora, coragem e determinao apenas aos super-heris,
geralmente masculinos; e a sensibilidade, doura e inteligncia s princesas e
mocinhas; reforamos um arqutipo de sociedade e no ampliamos o repert-
rio infantil, que poderia ser muito mais complexo e interessante. Neste aspecto,
importante pensarmos que a escola um dos primeiros lugares em que as
crianas, geralmente, tm contato com as tradies da sua sociedade, na
escola que conhecem o que comum aos seus pares e um pouco do indivi-
dual dos outros. Alm de possibilitar novas leituras sobre sua prpria cultura,
o espao escolar tambm incide na construo social das primeiras emoes
do indivduo, pois elas so, tambm, questes afetas interpretao e crena.
Se nosso repertrio emocional est parcialmente construdo pela
narrativa pessoal de cada um, bem como a narrativa social, ento o
desenvolvimento das emoes da criana fundamental. As emo-
es tm uma histria, tanto individual como coletiva. A histria
das emoes na vida de indivduo importante porque muitas de
nossas emoes ainda carregam traos de seus objetos anterio-
res, especialmente na infncia. Nosso passado molda nossa vida
emocional atual. Essa histria idiossincrtica, mas tambm his-
toricamente construda e universal, no sentido de que comum
humanidade. Precisamos, ento, compreender a histria das emo-
es na infncia e na criana para entender a vida emocional do
adulto (BANNEL et al, 2016, p.47).

Portanto, essas primeiras interpretaes sobre o que ser um homem ou


uma mulher, quando limitados e reduzidos a esteretipos, roubam uma multi-
plicidade de elementos e combinaes ricas, que perpassam a nossa sociedade.

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No h uma profisso certa, um s jeito de ser mulher ou homem, este sem


dvida o ponto de partida mais democrtico e tico para a educao das crianas.

Consideraes Finais

Interessante, percebermos, durante a escrita deste artigo, o quanto as pala-


vras so smbolos de uma realidade por ns construda, assim como expresso
na epgrafe deste texto. E assim, como as realidades no so lineares e precisam
ser ressignificadas, algumas palavras precisam ser criadas para poderem retratar
nova realidade. Ao depararmos com a palavra piloto, por exemplo, que como
vimos em ingls, serve para dois gneros, no temos, ainda, dicionarizado, na
lngua portuguesa, a palavra pilota (a no ser quando verbo, mas no como
substantivo, a pilota, por exemplo). No trecho do texto em que nos referimos
palavra, deixamos a expresso a piloto, o que nos causou um mal-estar, mas
entendemos que este mal-estar era necessrio para mostrar o quanto ainda pre-
cisamos avanar nas discusses de gnero, seja na escola, na gramtica e nos
demais ambientes sociais. necessrio mostrar para que o apagamento no seja
visto como negociao possvel, h proposies inegociveis.
preciso entendermos, assim como Veiga-Neto, ao tratar das relaes
entre Foucault e os Estudos Culturais que: Os discursos podem ser entendi-
dos como histrias que, encadeadas e enredadas entre si, se complementam,
se completam, se justificam e se impem a ns como regimes de verdades
(VEIGA-NETO, 2004, p. 56).
Neste sentido, entendemos que signos so criados a partir de novas pos-
sibilidades de vermos o mundo, o discurso sempre algo em transformao,
assim tambm deve ser a gramtica, entendemos que o uso de determinadas
palavras apenas no masculino vem de um tempo em que o mundo era feito
pelos homens e para os homens. Sendo assim, palavras como doutora, mestra,
pilota, presidenta, chefa, dentre outras no faziam sentido, pois no represen-
tavam uma realidade, hoje h necessidade de redefinir padres e isso perpassa
pela ideia de que as profisses so ocupadas por homens e mulheres, que o
gnero j no define mais o espao social que ocupamos, e que a linguagem, o
discurso, a gramtica, assim como a escola, precisam se readequar a esta nova
ordem. Assim como no vdeo: hora de redefinir o padro e entendemos que
essa redefinio passa por uma educao que valorize a diversidade de ideias e
que entenda que nada natural, que somos repletos de sentidos e significaes.

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VEIGA-NETO, Alfredo. Michel Foucault e os Estudos Culturais. In: Estudos Culturais


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RELAES DE GNERO E ESCOLA PROBLEMATIZAES


POSSVEIS

Nathalye Nallon Machado


Doutoranda em Educao Universidade Federal de Juiz de Fora
Prefeitura de Juiz de Fora/Secretaria de Educao Professora e Coordenadora
da Educao Bsica
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Este texto busca problematizar o papel hegemnico masculino, reproduzido


por um aluno do Ensino Fundamental em uma aula de Histria ocorrida em
uma escola pblica federal. A partir da fala do aluno, foi possvel levantar ques-
tes acerca do que ser homem, do que ser mulher, considerando o carter
discursivo dessas construes histricas e culturais, que demonstram formas
de poder bastante consolidadas. Este trabalho tambm tem como inteno
potencializar o espao escolar como lugar de pluralidades, por entender que na
escola pode-se atuar na perspectiva de desconstruir preconceitos, esteretipos
de gnero, sexualidade, entre outros.
Palavras-chave: Gnero; escola; Histria; constituio de sujeitos.

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Pode ser a escola um lugar de problematizaes e questionamentos acerca


das desigualdades e injustias do mundo? Sim, pode! Esta uma resposta que
pode ser tomada como inspirao para discutir o lugar das relaes de gnero
nas escolas. Trabalhando nesse espao, com questes que dizem da consti-
tuio de sujeitos, sobretudo no papel que as escolas tm nos processos de
subjetivao, possvel dizer que a escola pode realizar esta tarefa, apostando
no seu poder desafiador de pensar e se repensar, colocando sob suspeita as
suas prticas e concepes. e, principalmente, na fora de suas possibilidades
e ressignificaes.
O fio condutor da anlise deste texto surgiu em uma aula de Histria em
que a professora props discutir o lugar da mulher no sculo XIX. Para isso ela
preparou uma aula em que quatro mulheres seriam trazidas para o conheci-
mento dos alunos. Quatro mulheres que desempenharam papis distintos, o
que nos aproxima das discusses das tericas de gnero (Louro, 1997; Scott,
1995) que negam a existncia de uma essncia feminina, chamando ateno
para o carter de construo discursiva, histrica e cultural do ser mulher, que
nos impossibilita falar de mulher no singular para assumir esta categoria de
anlise no plural. A proposta em si trazia um deslocamento importante para as
relaes de gnero e para o campo da Histria. Comumente nossa histria
contada pelos homens e so eles que esto no centro dela, de maneira que as
mulheres so renegadas ao silncio e invisibilidade.
A aula de Histria proposta ocorreria em uma turma de oitavo ano do
Ensino Fundamental, com alunos e alunas com idade entre 13 e 15 anos. A
professora ento elegeu a princesa Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II, as
princesas Isabel e Leopoldina, filhas dos reis e a condessa de Barral, respons-
vel pela educao das filhas e apresentada pela professora como amante de D.
Pedro II. Feitas essas apresentaes, a professora iniciou o trabalho enfatizando
a impossibilidade de falar de um nico modelo de mulher no sculo XIX.
Adotando o repertrio didtico de apresentar cada uma delas em sepa-
rado, a professora foi fazendo uma biografia de cada uma delas e levantando
as possibilidades que estavam postas para a mulher naquele perodo hist-
rico. Num dado momento em que fez uma vinculao entre a Princesa Teresa
Cristina, a educao das filhas e a condessa de Barral a professora expres-
sou sua indignao quanto a impossibilidade da me educar suas filhas, o que
gerou a necessidade de trazer da Europa uma mulher que seria responsvel
por esta funo. Querendo demonstrar este descompasso com os dias de hoje

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a professora questionou os alunos e alunas sobre quem era responsvel pela


educao deles e delas atualmente, o que um menino respondeu: minha me
me criou e me educou, mas o meu pai me ensinou a viver. Meu pai que me leva
para rua, que me ensina a jogar bola, a pegar mulher. Meu pai que me ensinou
a ser homem.
essa frase e o que foi estabelecido em seguida que queremos proble-
matizar no sentido apontado por Marshall, ou seja, dar um passo atrs para
transformar em problema de investigao o que no nos chama ateno,
colocar em investigao nossas formas de pensar e de agir. A perspectiva da
problematizao uma forma de anlise foucaultiana, interessada em pensar as
condies de emergncia dos discursos e como somos resultados deles. Trazer
esta fala do aluno assumir que somos seres discursivos e resultados de saberes
e poderes que nos constituem e que dizem de processos educativos.

Gnero, Educao e Sujeitos

A questo trazida pela professora de Histria para discutir a posio ocu-


pada pelas mulheres no sculo XIX, muito dizia da desigualdade existente entre
homens e mulheres daquela poca. No entanto, ao propor discutir o sculo XIX
a professora fez uma escolha didtica de olhar para o passado a partir do tempo
presente. A ideia da professora era fazer alunos e alunas a pensarem como e
quem responsvel por sua educao hoje em dia, estabelecendo rupturas e
continuidades entre aquele perodo histrico e o nosso. Ao falar do presente,
o menino traz relaes que esto organizando nossas relaes de gnero h
muito tempo, que so de outro tempo, que nos aproxima do sculo XIX: minha
me me criou e me educou, mas o meu pai me ensinou a viver. Meu pai que
me leva para rua, que me ensina a jogar bola, a pegar mulher. Meu pai que me
ensinou a ser homem.
Por meio desta fala foi possvel perceber questes importantes sobre as
maneiras pelas quais alguns adolescentes tem atentado para as formas de ser
homem e mulher, presentes em suas famlias. Neste sentido, acrescentando mais
uma informao sobre esta distribuies de funes e exerccio de construo
dos gneros nas famlias, o mesmo menino acrescenta: minha irm ficou em
casa at os 20 anos e o meu irmo saa direto. Meu pai no deixava ela sair e o
meu irmo podia sair a vontade e voltar a hora que queria. Mas eu acho que o
meu pai est certo. Essas aes dizem da ao educativa dos sujeitos a partir

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dos gneros. Educao algo que acontece para alm das escolas, de maneira
que outros espaos tambm so educativos porque nos educam a ser o que
somos. Como nos lembra Guacira Louro (1997), este processo de educao dos
sujeitos vai criando as diferenas entre o que ser menino e o que ser menina.
um processo de fabricao dos sujeitos generificados que muito sutil e por
isso, muito eficaz, porque diz de uma certa continuidade imperceptvel.
A mulher que foi produzida a partir do discurso do adolescente revela
sobre estruturas fortes e rgidas que culturalmente nos mostrou silenciamentos e
desqualificao das mulheres em uma forma eficiente de manuteno do poder
masculino. E como a escola, ao se deparar com um discurso que evidencia essa
estrutura, elabora suas estratgias de ao, considerando que uma de suas fun-
es justamente problematizar as formas de excluso a que muitas minorias
foram submetidas?
Voltemos, pois, nossa provocao inicial minha me me criou e educou,
meu pai me ensinou a viver e o quanto ela nos remete para questes relativas
ao pblico e ao privado, formas de viver e estar no mundo, de uma maneira
bastante consolidada. As falas do menino no tiveram nenhum contraponto
entre os colegas, nem entre os demais meninos e tampouco das meninas, o que
nos incita supor que muitos dos adolescentes presentes naquela sala tambm
concorde com o que foi dito. Ou que pelo menos, este no era um pensamento
absolutamente desconhecido deles e delas. Neste sentido, a ao educativa e o
desafio desta aula esto em ultrapassar o dilogo com este aluno em especial e
atingir a todos. Socializar a fala do aluno para a partir dela, saber e colocar em
circulao outras formas de pensamento que possam advir dos demais alunos
e alunas. Assim, essa cena construda na sala indispensvel para questionar
no somente o que ensinamos (e ser capaz de introduzir a histria das mulheres
no ensino de Histria), mas tambm o modo como ensinamos e que sentidos
nossos alunos e nossas alunas do ao que dizemos, ao que propomos e ao que
aprendem.
Trazer os demais alunos e alunas para a discusso fazer com que apa-
rea a diversidade que compe cada gnero. H uma concepo fortemente
construda entre os gneros, algo que constitui uma polarizao entre meninos
e meninas que esconde a pluralidade que est entre estes dois plos. Isso causa
um certo temor em se afastar da forma de masculinidade hegemnica, sob pena
de ser classificado como diferentes, o que muitas vezes serve para acionar
discursos de homossexualidades. Assumir a masculinidade hegemnica d um

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certo poder e orgulho de se afirmar como homem. No por acaso o menino


fala com segurana, autoridade e utilizando de aspectos discursivos de autori-
dade o meu pai me ensinou a viver o ser homem se aprende com outro
homem, o que de conhecimento do senso comum e fornece autoridade ao
ato de ensinar e aprender.
No entanto, existem diferentes possibilidades de ser homem, o que
segundo Robert Connell (1995) constitui as polticas de masculinidades. Para
o autor existem narrativas convencionais a respeito de como as masculinidades
so construdas, o que nos leva a pensar por essas narrativas que toda cultura
tem uma definio da conduta e dos sentimentos apropriados para os homens
(CONNELL, 1995, p. 190). Os meninos vo aprendendo tais condutas e sen-
timentos construdos como domnio da masculinidade hegemnica e assim se
afastando do comportamento das mulheres. Para falar do que ser homem e
do aprendizado com o pai, o menino constri um tipo de comportamento dos
pais com a irm, o que ele j incorporou como o certo para ao sobre as
mulheres.

Criar, educar e ensinar palavras em movimento

Ao longo deste texto, as palavras criar, educar e ensinar foram balizando as


problematizaes que fizemos. Por meio delas pudemos perceber entendimen-
tos acerca das relaes de gnero que fazem parte de uma parcela considervel
de famlias que tm seus filhos e filhas como alunas e alunos nas instituies
que nos so prximas. Tais palavras so parte do discurso e, como seres cons-
titudos pelo discurso que somos, concordamos com Ferrarri (2011) na seguinte
reflexo:
Dizer que somos constitudos na linguagem significa que vamos
selecionando os termos que tornam as subjetividades legveis ou
ilegveis, comemoradas ou silenciadas. Vamos chamando as pes-
soas por nomes. No entanto, a construo desses sujeitos depende
no somente dos nomes que vamos chamando, mas tambm
daqueles que nunca nomeamos. (FERRARI, 2011, p.103).

Pai, me, irmo e irm so os sujeitos nomeados que nos so apresen-


tados no texto a que nos propusemos discutir. Por meio da fala do jovem
pertencente quela famlia e ao nosso contexto escolar, foi possvel perceber

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marcas profundas de diviso entre os gneros, classificadas por verbos que


muito nos permite pensar. Criar, educar, ensinar: so palavras em movimento
que dizem de lugares especficos e muito definidos no contexto ocorrido na
aula de Histria. Criar, educar e ensinar so distribudos entre o que cabe ao
homem como pai e o que cabe a mulher como me. No por acaso o menino
revela: minha me me criou e me educou, meu pai me ensinou a vive. Meu pai
que me leva para rua, que me ensina a jogar bola, a pegar mulher. Parece que
a funo do pai de ensinar est no que se refere a ser homem, demonstrando
um entendimento de construo de gnero que se realiza no interior do gnero,
mas tambm entre eles.
Dizer que h uma relao de gnero significa que estamos falando de
uma relao que constitui sujeitos masculinos e femininos, tanto em oposi-
o quanto em relao horizontal. Ao mesmo tempo em que o pai ensinou a
viver, a me criou e educou. So atividades complementares que juntas for-
mam o que ser homem, neste encontro entre o que prpria da me e do pai.
Ensinar a viver pode remeter a se constituir no mundo como homem, visto que
a frase seguinte serve como desdobramento do que entendido como viver:
me leva para rua, que me ensina a jogar bola, a pegar mulher. Quais so as
subjetividades que esto sendo comemoradas e quais esto sendo silenciadas?
Sendo a escola um espao plural de convivncia, aprendizagem e conflitos,
como potencializar o olhar das estudantes e dos estudantes para desnaturalizar
a trade criar, educar e ensinar como atribuies femininas? No h um caminho
seguro a ser percorrido, principalmente porque estamos tratando de relaes de
poder h muito sedimentadas e reconhecidamente eficazes na manuteno de
hierarquias. As resistncias que foram e so construdas na tentativa de romper
com a hegemonia masculina, nos aponta para a insistente demarcao desigual
entre homens e mulheres.
Pensamos que a escola um lugar privilegiado para trazer tona este
debate e concordamos com Guacira Lopes Louro (2014) quando ela diz:
A ambio pode apenas subverter os arranjos tradicionais de
gnero na sala de aula: inventando formas novas de dividir os gru-
pos para os jogos ou para os trabalhos; promovendo discusses
sobre as representaes encontradas nos livros didticos ou nos
jornais, revistas e filmes consumidos pelas/os estudantes; produ-
zindo novos textos, no sexistas e no racistas; investigando novos
grupos e os sujeitos ausentes nos relatos da Histria oficial, nos

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textos literrios, nos modelos familiares; acolhendo no interior da


sala de aula as culturas juvenis, especialmente em suas construes
sobre gnero, sexualidade, etnia, etc. Aparentemente circunscritas
ou limitadas a prticas escolares particulares, essas aes podem
contribuir para perturbar certezas, para ensinar a crtica e a auto-
crtica (um dos legados mais significativos do feminismo), para
desalojar as hierarquias. (LOURO, 2014, p. 128).

Para encerrar queremos destacar que a escola um lugar em que estas


questes podem ser problematizadas, apostando em novas possibilidades de
ser e de estar no mundo como homens e como mulheres, sobretudo nas rela-
es estabelecidas entre eles.

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A PRODUO DE RESISTNCIAS POR ALUNOS GAYS


NO CONTEXTO DA ESCOLA DE ENSINO MDIO

Jaime Peixoto
Mestre em Educao FAE/UFMG
[email protected]

GT 04 -
Travestilidades, Transexualidades, Lesbianidades e Homosexualidades:
Transgresses e Resistncias.

Resumo

O referido trabalho, fruto de uma pesquisa de Mestrado em Educao, tem


por objetivo investigar as formas pelas quais alunos gays do ensino mdio pro-
duzem resistncias e/ou enfrentamentos s prticas comumente nomeadas
como homofbicas no espao escolar. Partindo de um referencial bibliogrfico
que discute o tema Homofobia e Sexualidade na escola, problematizamos a
recorrente evidenciao desses sujeitos (alunos gays) como vtimas do precon-
ceito, despotencializados diante de situaes de discriminao. Partindo da j
constatada realidade de que jovens gays so vtimas de homofobia nas esco-
las, buscou-se nesta pesquisa, evidenciar o outro lado da questo, a saber, as
resistncias que eles produzem dentro das relaes de fora existentes no meio
escolar. Priorizou-se, assim, o alargamento do horizonte analtico, lanando luz
sobre uma lacuna existente nesse campo de estudo, ou seja, dos modos pelos
quais os sujeitos empreendem movimentos de resistncias que objetivam a
vivncia das ditas sexualidades transgressoras.
Palavras-chave: Resistncia, homofobia, alunos gays, ensino mdio.

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Introduo

recorrente na literatura especializada expresses como sujeitos abjetos,


desumanos, sem voz, inferiorizados, reprimidos, entre outras adjeti-
vaes que, denunciam uma realidade que est posta, mas, por outro lado,
reforam a ideia de que tais alunos possuem pouco ou nenhuma capacidade de
empoderamento (LIONO E DINIZ, 2009; FONTES, 2009; BORGES E MEYER,
2008; GALN, 2009; LANASPA, 2009; PEREIRA E LEAL, 2002, FERRARI, 2011,
2008).
O convite que fao o de pensarmos outras possibilidades. Pois como
nos desafia Judith Halberstam (2012) no deveramos buscar romper eu diria
superar- certas narrativas que tendem a alocar o sujeito homossexual como
eterna vtima? Onde esto aqueles sujeitos que, mesmo sofrendo com o
baque do choque entre os discursos concorrentes sobre sexualidade, conse-
guem produzir resistncias, acarretando em efeitos para o meio escolar? Invs
de somente pensarmos como a escola desmantela o jovem gay enquanto
sujeito possuidor de uma subjetividade legtima, que tal pensarmos, em contra-
partida, em como tais alunos homossexuais desmantelam o espao escolar?

A Produo de Resistncias no contexto da Pesquisa

. Estratgia 1: o uso das armas do inimigo


Um primeiro movimento identificado como uma estratgia que visa resis-
tir s situaes de discriminao foi nomeado por mim de o uso das armas do
inimigo. O que isto, de fato, significa? Bem, ao discorrer sobre isto estou, na
verdade, evidenciando a capacidade que alguns dos jovens entrevistados mos-
traram de reverter o preconceito contra o agressor, muitas vezes, fazendo um
uso positivado de discursos e prticas tidas como pejorativas, como nos mostra
Anderson Ferrari (2011) quando comenta que
O discurso considerado homofbico atua para menosprezar o
sujeito que dele alvo, porm, ele tambm pode ser entendido e
utilizado de outra forma, abrindo uma nova possibilidade. Ao ser
chamado por um nome se oferece pessoa certa possibilidade de
existncia e resistncia. (FERRARI, 2011, p. 76).

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A possiblidade de resistir, partindo da utilizao desses discursos abre


um novo campo de anlise. Diferente do que, geralmente, tem sido descrito
em algumas pesquisas, foi possvel observar que os jovens entrevistados no
se contentaram com o status que lhes foi atribudo de meras vtimas do pre-
conceito. Pois, como nos disse um dos entrevistados no porque voc gay
que voc vai se deixar desmoralizar (Sujeito 8). Neste respeito, foi possvel
identificar nos relatos dos jovens participantes uma srie de situaes onde a
resistncia tomou forma atravs de um uso ressignificado de discursos e prticas
deslegitimadoras. Vejamos a seguinte situao relatada por Lucas
... um menino l do fundo gritou: essa coca Fanta. Eu vol-
tei, olhei para o fundo e disse: eu sou Fanta mesmo. Da todo
mundo ficou de p e me aplaudiram. Por mais que eu fosse assu-
mido, nem todos tinham contato comigo, eles achavam que eu
tinha medo. Depois disso um monte de gente de outras salas veio
me dar os parabns por falar to abertamente da minha sexuali-
dade. (Sujeito 1).

Do relato acima, podemos extrair alguns pontos para considerao.


Primeiro, fazer uso dessa estratgia pressupe uma relao direta com a ideia
do assumir-se. Isso porque, ao que parece, assumir-se, ou seja, essa auto
positivao que se evidencia atravs da afirmao do comportamento homos-
sexual, constitui-se na condio primeira, possibilitando que o uso das armas
do inimigo tenha eficincia. Acionar tal estratgia pressupe uma relao
confortvel com a prpria sexualidade, de modo que, diante de situaes de
discriminao, invs do discurso pejorativo causar constrangimento ao jovem
gay, ser utilizado por este como contra-ataque, visando despotencializ-lo nas
suas bases.
Segundo, tal estratgia contribui para o rompimento com a ideia de que,
nas relaes de poder envolvendo a sexualidade na escola, tais jovens estariam
em situao de desvantagem, sendo vistos, muitas vezes, como incapazes de
produzir mudanas nesta realidade. No entanto, quando o jovem gay, ao ser
afrontado, adentra na lgica do agressor e a subverte, na sua essncia, na sua
base, ele est mostrando a quem interessar que, podem ser igualmente produ-
tores de movimentos ativos dentro das relaes de fora.

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Estratgia 2: o ignorar
Das estratgias identificadas nos relatos dos jovens pesquisados, houve
uma que foi mais recorrente entre os participantes. Esta se refere a capacidade
de ignorar as chacotas, piadas e brincadeiras de cunho pejorativo, como
vemos nos seguintes relatos: eu ignorava sempre (Sujeito 5), eu realmente
no ligava, eu ria na cada deles e dizia: s isso? (Sujeito 1), eu no ligo pra
ideia contrrias, no me importo (Sujeito 5), no ligar para quem tenta te atin-
gir, para o que os outros pensam (Sujeito 6).
Diante de uma situao de discriminao, parece que os jovens desen-
volveram a habilidade de se recusar a dar validade ao discurso do agressor,
desconsiderando-o, fazendo pouco caso dele, demonstrando que o discurso
proferido tem pouco ou nenhum efeito sobre a forma como eles se veem e
vivenciam a sua sexualidade, como nos relatou Lucas
Quando eles me confrontavam eu no recuava. Eu ria na cara
deles e dizia: s isso? T, agora deixa eu ir aqui cuidar da minha
vida. (Sujeito 1).

Essa espcie de blindagem subjetiva pressupe o entendimento, por parte


do jovem gay, de que sua sexualidade no se configura numa existncia ile-
gtima. Alm disso, considera o discurso do agressor aviltante. Defendem-se
caracterizando o agressor como ignorante, ultrapassado, etc., na tentativa de
interditar seus efeitos denegridores. Observemos o que os entrevistados comen-
taram sobre isso
Eu achava a melhor forma de me defender. Tipo a pessoa me
jogava uma piada, uma chacota, eu apenas fingia que no era
comigo ou, ento, no dava a mnima bola. Na maioria dos casos
a pessoa se tocava que as piadas no estavam funcionando mais.
(Sujeito 5).

E tambm,
O fato de uma pessoa ser ignorante significa que ela est fechada
para os conhecimentos. Quando uma pessoas ignorante me dis-
crimina eu desprezo. Mostro que, diferente dela, sou uma pessoa
evoluda, desapegada de idiotice e independente. No me deixo
levar por qualquer devaneio de uma pessoa Neandertal mental-
mente. (Sujeito 7).

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Vemos nos relatos acima uma evidente disposio em no dar ao discurso


agressor demasiada ateno ou importncia. Assim, a deciso tomada pelos
jovens foi a de desconsider-lo, no porque no cause incmodo, mas, porque
parecem ter assimilado a ideia de que, na realidade, so tais comportamentos
agressores e discriminatrios que deslegitimam os sujeitos que dele fazem uso.
Ocorre, assim, um deslocamento no jogo de foras vigente, j que tais jovens,
por fazerem frente s hostilidades que lhe so direcionadas, acabam por recon-
figurar o lugar da abjeo. Esta, agora, na lgica aqui analisada, representaria
o agressor que sustenta e faz circular um discurso ignorante, atrasado, no
evoludo e, no mais o comportamento homossexual.
Com isso, concluo dizendo que, evidenciar os movimentos de resistncias
no contexto da escola de ensino mdio, referente s vivncias das ditas sexua-
lidades dissidentes, faz-se imprescindvel, no s para nos ajudar a pensar em
formas de se alterar as relaes de poder na escola, nos possibilitando questio-
nar conceitos e a forma como nos relacionamos com eles, mas, principalmente,
nos ajudando a construir uma nova imagem desses jovens, como sujeitos empo-
derados, nos ajudando a pensar em novas descontinuidades nesse debate.

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DISCUTINDO GNERO E BRINCADEIRAS NA INFNCIA:


A INFLUNCIA DOS BRINQUEDOS NA VIDA DAS CRIANAS.

Alexandra Sudrio Galvo Queiroz


Especialista em Educao Infantil-UFMT
LaPEADE-GESEI/UFRJ
[email protected]

Maicon Salvino de Almeida


Graduado em Pedagogia-UFRJ
LaPEADE-GESEI/UFRJ
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar os brinquedos e as brincadeiras infantis


sob a tica do estudo de gnero, e tambm fazer um levantamento de autores
e matrias de jornais a fim de problematizar o porqu de o menino brincar de
carrinho e a menina brincar de boneca. O que est por trs desta aparente
inocente brincadeira? Percebemos a partir de imagens, anlise de matrias de
jornais e reviso bibliogrfica, que existem papis sociais interagindo atravs
dos brinquedos e das brincadeiras para as crianas.
Palavras-chave: Gnero, Infncia, Brinquedo, Brincadeira, Preconceito.

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Introduo

A proposta deste artigo trazer para a discusso temas que atravessam


categorias como a infncia, brinquedo e gnero, a partir de dois recortes de
reportagens atuais de brinquedos destinados s crianas, oriundas de duas geo-
grafias distintas, a saber: do Brasil (Estado do Maranho) e da Sucia. Este texto
ocupar-se- em analisar criticamente as imagens produzidas nesses espaos
geogrficos,
Apresentaremos as reportagens e discusso sobre os possveis preconcei-
tos advindos de brinquedos ditos para meninos e meninas.
Autores como Kamii (1981), Piaget (1932) e Vygotsky(1982) concordam
que o brinquedo e a brincadeira concorrem para desenvolvimento infantil,afir-
mam que experincia vivencial das aprendizagens da criana acontece quando
ela brinca.
Partindo do princpio que para se tornar adulto o ser humano precisa pas-
sar por uma fase anterior, e que essa etapa construda de modo diferente nas
culturas, a historiografia da infncia, contada por Philippe Aris, em sua obra
Histria Social da Criana e da Famlia (1981) nos traz elementos para pensar-
mos como foi construdo o conceito de infncia.
Carvalho & Silva (2004) nos fala que os sculos XV e XVI so marca-
dos pelo surgimento da Idade Moderna, transformando a vida feudal. Temos
o nascimento do comrcio e as viagens alm-mar, que resultaram na colo-
nizao americana. Berman (1986) coloca a primeira fase da modernidade,
entre os sculos XVI e XVIII, marcada pela idade de que algo est mudando,
acontecendo. As modificaes ocorrentes no campo da filosofia e da cincia
tambm contriburam para um pensamento que foi de encontro s concepes
medievais.
Em se falando nas modificaes, nos deparamos com muitas diferenas,
preconceitos no olhar, gestos, atitudes e maneiras de falar em relao s brinca-
deiras das crianas como mostra a reportagem do G1 - MA(2016):
Movimento feminista no MA diz que a lista de material escolar
sexista. Lista pede ferramentas para meninos e Kit cabelo e
cozinha para meninas. Escola diz que aquisio opcional e no
reflete preconceito.

Em matria ao Jornal G1, o movimento apresentado.

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O movimento feminista maranhense Coletivo Fridas divulgou,


por meio de postagem na pgina do grupo no Facebook, nesta
segunda-feira (11), para meninos uma nota de repdio contra o
colgio O Bom Pastor, em So Lus. Segundo o grupo, a escola
particular pediu, como material opcional de apoio pedaggico e
ldico, um kit de ferramentas (mdico ou bombeiro) para meni-
nos e um kit cozinha ou cabelereiro para meninas. De acordo
com a nota, o pedido da escola estaria reforando e naturali-
zando o machismo e o sexismo. Dessa forma, essas meninas so
ensinadas que seu papel na sociedade estar em casa, calada e
obediente. A elas, no so dadas a oportunidade de sonhar com
um carrinho, super heris ou brinquedos que trabalhem o desen-
volvimento psicossocial da criana, diz o texto. Para o coletivo,
o movimento refora a lgica do patriarcado machista, que tem
como consequncias a misoginia e a violncia mulher. Meninas
podem sim brincar de carrinho, usar azul, serem mdicas ou bom-
beiras. Por uma sociedade menos sexista!. Resposta da escola:
O colgio O Bom Pastor tambm usou sua pgina oficial no
Facebook para responder nota. No texto, a escola afirma que
os pedidos esto de acordo com os preceitos dos Parmetros
Curriculares Nacionais e os objetivos educacionais propostos
pela prpria LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes de Base da Educao).
A assessoria da escola explica que a lista no reflete preconceito
numa exteriorizao de brincadeiras exclusivas para meninas ou
meninos porque a prtica, em sala de aula, ocorre em perspec-
tiva de interao e envolvimento de todos os alunos, independente
de sexo ou gnero. A escola tambm afirma que o pedido foi feito
para que os materiais didticos fossem dispostos em quantidades
equilibradas, de modo a permitir a variedade necessria e que
a aquisio opcional.(G1- MA, 2016). Fonte:http://g1.globo.
com/ma/maranhao/noticia/2016/01/movimento-feminista-divul-
ga-repudio-escola-por-lista-de-materiais-no-ma.html Retirada da
Web11/01/2016 21h38- Atualizado em11/01/2016 22h04.

Percebermos com a contra resposta da Escola Bom Pastor, que eles no


tm clareza do fato ocorrido. Para a escola normal os pedidos dos brinquedos,
quando fala ...que os materiais fossem dispostos em quantidades equilibradas,
de modo a permitir a variedade necessria...
Sendo a escola um ambiente de interao com diferentes culturas, faz-se
necessrio uma reflexo sobre o ocorrido, visto que abordamos a instituio
escolar no perodo da ps-modernidade.

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Ao cruzarmos as anlises bibliogrficas com as matrias de jornais, perce-


bemos que a escola necessita possuir em seu Projeto Poltico-Pedaggico e em
sua prtica as seguintes questes como norteadoras:
A escola precisar fazer uma formao atualizada sobre as mudanas
de gnero, tanto os funcionrios, quanto os professores?
A escola precisar ser atualizada, mas todos querem mudanas?
Como oferecer ajuda a essas escolas e outras, sendo que muitas
vezes se escondem, nas suas subjetividades para no oficializar o
preconceito?
Mostraremos reportagens que so opostas ao machismo e sexismo, s que
no so do Brasil. Campanha de brinquedo sem preconceito no G1-SP(2012).
Em seguida, a reportagem dos catlogos da loja de brinquedo na Sucia,
Jornal o Globo:
Sem preconceito: menino brinca de boneca em catlogo de brin-
quedos Atitude da loja sueca Top Toy visa promover a igualdade
entre os gneros.

Figura 1 - Catlogo de brinquedos da loja sueca Top Toy

Fonte:http://oglobo.globo.com/cultura/megazine/sem-preconceito-menino-brinca-de-boneca-em-
catalogo-de-brinquedos-6951923.Retirado da web: O Globo,06/12/2011 5:46Atualizado06/12/2012
16:13.

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Quando diante desta imagem, paramos e nos perguntamos: isso


mesmo? Sim, um menino brincando de escovar o cabelo da menina, a troca
de papeis, diante de uma sociedade machista.As crianas esto felizes brin-
cando, sabemos que um catlogo de brinquedo, mas a realidade das crianas
quando brincam essa, o importante a brincadeira, no o pensamento dos
adultos com preconceito.
Essa imagem de um catlogo de uma loja de brinquedo sueca, l a
cultura diferente em relao ao preconceito das pessoas, mas no podemos
afirmar como o costume delas fora da mdia.Como os adultos interferem nas
brincadeiras e nas escolhas dos brinquedos das crianas e como podemos fazer
para ajud-las a terem seus momentos criativos e livres?
Abaixo a reportagem do G1- SP (2012) sobre o catalogo de brinquedos:
RIO - Quem disse que menino no brinca de boneca? A fim de
se livrar do preconceito, a Top Toy, maior loja de brinquedos da
Sucia, dona da franquia Toys R Us no pas, colocou em seu
catlogo de brinquedos fotos de meninos brincando com bone-
cas e utenslios domsticos. Numa das imagens, um garoto aparece
usando um secador de cabelos e outros objetos que podem ser
encontrados em um salo de cabeleireiro para brincar com uma
amiga. Em outras fotos, os meninos brincam com ferro de pas-
sar roupas, aspirador de p e tambm uma boneca. H tambm
imagens que mostram meninas se divertindo com uma pista de car-
rinhos de brinquedo e uma pistola dgua. Em uma nota publicada
no jornal britnico Daily Mail, a empresa afirma que brinquedos
so feitos para crianas, sem distino de sexo. Por muitos anos,
ns acompanhamos o debate sobre os gneros crescer no mercado
sueco e tivemos que nos ajustar. Com esse novo pensamento, no
h nada que seja certo ou errado. No um brinquedo de menino
ou menina, um brinquedo para crianas, diz o texto da loja. A
atitude da Top Toy faz parte de uma campanha mais ampla, pro-
movida pelo governo da Sucia, para acabar com discriminao
sexual no pas. Mas a ao deu o maior trabalho. Foi necessrio
apagar digitalmente as imagens das meninas nas fotografias e inse-
rir meninos no lugar, e vice-versa. O treinamento foi dado loja
de brinquedos por meio de uma agncia autorreguladora de publi-
cidade, semelhante brasileira Conar, que orienta que os anncios
sejam feitos para um gnero neutro. No passado, a rede de lojas
havia sido repreendida pela agncia reguladora por ter divulgado

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um anncio no qual uma menina aparecia vestida de princesa e um


menino, de super-heri (Jornal o Globo,2012).

Ateno para a imagem:

Figura 2 - Catlogo de brinquedos da loja sueca Top Toy

Fonte:http://oglobo.globo.com/cultura/megazine/sem-preconceito-menino-brinca-de-boneca-em-
catalogo-de-brinquedos-6951923.Retirado da web: O Globo,06/12/2011 5:46Atualizado06/12/2012
16:13.

Menina brincando de carrinho, catlogo de uma loja de brinquedo na


Sucia, na mdia parece que comum, mas ser que l na sociedade sueca
assim, tambm?
Aqui no Brasil, no temos costume de visualizar imagens de meninas brin-
cando de carrinhos e sabemos que no uma brincadeira comum na nossa
cultura.
Em se tratando de nosso pas, sabemos que o preconceito nas brincadeiras
e nas falas dos adultos muito grande, mas as pessoas acham que esto cer-
tas. Isso nos remete a lembrana de como tratada a questo familiar. Como
muitas reflexes e tentativas de mudanas de viso de alguns professores e
tendo a mdia a favor, mesmo assim o processo de desconstruo do precon-
ceito ainda est lento.
Ento, como mudar a viso das pessoas para melhorar a convivncia entre
elas?

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Figura 3 - Catlogo de brinquedos da loja sueca Top Toy

Fonte:http://oglobo.globo.com/cultura/megazine/sem-preconceito-menino-brinca-de-boneca-em-
catalogo-de-brinquedos-6951923.Retirado da web: O Globo,06/12/2011 5:46Atualizado06/12/2012
16:13.

Estamos vendo um menino e uma menina brincando com uma


boneca. Eles esto felizes e sem achar estranho. Muitas pessoas relatam que
meninos brincam com bonecas, tende no futuro serem timos pais, afetuosos
e dedicados.
A brincadeira para criana pode tratar questes de preconceitos, bullying,
assdio, agresses, violncia, enfim, precisamos ter um olhar diferenciado para
no deixar a criana traumatizada e sem criar suas brincadeiras e us-las praze-
rosamente. Como podemos comear a desconstruo do preconceito sem
prejudicar a brincadeira das crianas?
J mostramos neste artigo um comentrio sobre uma lista de material e
depois duas propagandas de brinquedos sem preconceito, mas ser que todo
mundo acha normal?
Deparamo-nos com as diferenas da lista de material e a discriminao,
quanto ao brinquedo de menino e brinquedo de menina.
Nas reportagens de uma loja especfica, deduzimos que no h discrimi-
nao, porm quantas lojas h no mundo e por enquanto, s esta se manifesta
diferente?
Ainda falta muito para que as pessoas do planeta tomem conscincia que
brinquedo no tem gnero e o imaginrio da criana no tem diferena nestas
questes.
Uma criana est muito distante de um adulto para saber se ser ou no
homossexual, existem outras questes das quais no nosso objetivo retratar agora.

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Consideraes finais

Percebemos que demorou alguns sculos para que se notabilizassem as


mudanas de imagem da criana vista como um mini adulto. Elas precisam
interagir com suas brincadeiras para comearem a construir suas identidades,
sua conscincia em relao s diferenas e o respeito incluso na interao
com o grupo que convivem.
Na infncia moderna segundo Kuhlmann Jr (1998), independente de dife-
rentes classes e grupos sociais que vivem as crianas, possvel reconhecer
atributos e manifestaes tpicas do seu mundo. Na interao com o outro, as
crianas brincam e seus brinquedos no tem gnero, podendo ser de menino e
ou de menina.
Por isso a escola, os professores e demais funcionrios precisam contribuir
para a desconstruo de (pr) conceitos como o que menino deve brincar s
com carros e bolas e meninas com bonecas.
As prticas pedaggicas dos professores devem estar permeadas de situ-
aes contra o preconceito, no dia a dia dos alunos, em relao s diferenas
de gnero, ao racismo.
No universo infantil, as relaes do significado e as prticas educativas
sobre gnero, mostram muitas maneiras de ser menina e ser menino sem cate-
goriz-los, possibilitando a interao com novas descobertas.
A escola tem um papel importante na vida das crianas e seus familia-
res, e se a partir dela for possvel iniciar as mudanas de atitudes em relao
aos brinquedos e brincadeiras e campanhas de conscientizao, com certeza
influenciar os pensamentos dos adultos, porm, sabemos que tudo tem seu
tempo.
Modos e costumes que vm de sculos e sculos no mudam de um dia
para o outro, por isso, pensamos que o lugar de incio de mudanas pode ser
a escola. Nela pode-se principiar uma nova cultura, desde que toda a equipe
tenha conscincia das mudanas e estar aberta a elas, caso contrrio no
acontecer.
Partindo para mudana, a escola em suas reunies de pais e textos infor-
mativos, podem fazer reflexes do tipo: como vocs (pais) interferem na escolha
das brincadeiras e brinquedos de seus filhos, sem afetar sua autonomia?
Quando um adulto d palpite nos brinquedos e vem com aquela frase
pronta esse de menina e esse de menino, a criana se depara com o

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universo dual e machista, onde a criatividade e o faz de conta limita-se ao seu


papel social, determinado pelo seu sexo. Quando o adulto interfere e limita o
faz de conta da criana, a brincadeira acaba tolhida e lhe determinada uma
regra: o que no do seu sexo voc no pode brincar.
Ser que essas crianas esto construindo sua autonomia?
A criana deve ter liberdade de escolha, possibilidade de trocar ideias
com outras crianas para assim, compreender e participar do seu ambiente de
brincadeiras sem preconceito. Consideramos que os brinquedos e as brinca-
deiras so importantes espaos para a construo do gnero, principalmente
quando se d sem a interferncia do ambiente familiar, pois, s vezes, esta
interferncia cria esteretipos.
A cultura ldica feminina e masculina esto ligadas a um processo de
preconceitos que se referem aos brinquedos, restringindo menina com casa e
ambiente familiar e o menino a luta e carrinho.
Supomos que a partir da construo da autonomia, a criana que tem
troca de ideias, livre escolha de suas brincadeiras e brinquedos, dilogo com
adultos e convivncia num ambiente de cooperao, ter menos dificuldades
de questionar o que certo ou errado e ter muitas possibilidades de des-
construir o preconceito imposto e dito pela sociedade brasileira, que tem forte
influncia patriarcal e machista.
Desta forma, pensamos que o primeiro passo para a mudana de des-
construo do preconceito em relao s crianas seja a afirmao de todos a
sua volta, de que brinquedo no tem gnero, e que as crianas podem escolher
seus brinquedos com autonomia.

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Referncias bibliogrficas

ARIS, Philippe. Histria Social da Criana. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1981.

BERMAN,M. Tudo que slido desmancha no ar: A aventura da Modernidade. S


o Paulo: Campanhia das Letras, 1986.

CARVALHO, C. H.: SILVA, M. P. Infncia e Modernidade: redimensionando o ser


criana. Cadernos da FUCAMP, Monte Carmelo _ MG, v.3, 2004.

FINCO, Daniela. Relaes de gnero nas brincadeiras de meninos e meninas na


educao infantil. In: Pro-posies. Campinas: v.14, n.3 (42), set./dez. 2003. p.89-101.

G1-MA22h04..http://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2016/01/movimento-
feminista-divulga-repudio-escola-por-lista-de-materiais-no-ma.html Retirada da
Web: 11/01/2016 21h38- Atualizado em11/01/2016

KAMII,Constance. Aritmtica: Novas Perspectivas - Implicaes da teoria de


Piaget. Campinas, Papirus,1977.

KUHLMANN JNIOR, Moyss. Instituies Pr-Escolares Assistencialistas no


Brasil(1899-1922). So Paulo: Caderno de Pesquisa,1971.

O Globo Jornal.http:oglobo.globo.com/cultura/megazine/sem-preconceito-
menino- brinca-de-boneca-em-catalogo-de-brinquedos-6951923 Retirado da web:
O Globo,06/12/2011 5:46Atualizado06/12/2012 16:13.

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QUANDO FOMOS ENTREGAR O SABONETE DE CARRINHO,


ELE NO QUIS. COMEOU A CHORAR, CHORAR E
APORRINHAR PORQUE QUERIA O SABONETE DE
CORAO: REFLEXES SOBRE GNERO E SEXUALIDADE EM
UMA DISCIPLINA DE MESTRADO ACADMICO

Beatriz Rodrigues Lino dos Santos


Pedagoga, Mestranda do Programa de Educao Cientfica e
Formao de Professores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
Campus de Jequi (UESB)
[email protected]

Marcos Lopes de Souza


Doutor em Educao, Professor Titular da Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Esta pesquisa analisa os discursos sobre gnero e sexualidade de algumas dis-


centes de um curso de mestrado na rea de ensino de cincias e matemtica
de uma universidade estadual baiana. A produo de dados foi realizada em
um encontro de uma disciplina do referido mestrado em que se discutiu sobre
diversidade de gnero e sexual e educao. As cenas trazidas pelas mestrandas
apontam o quanto os processos de normatizao e normalizao dos gneros
e das sexualidades insistem em padronizar as/os estudantes, porm percebe-se
tambm que alguns/algumas desses/as discentes escapam desse lugar, borram
as fronteiras e tambm desestabilizam a comunidade escolar, especialmente,
as/os docentes e a equipe gestora.
Palavras-chave: Mestrado; experincias escolares; gnero e sexualidade.

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Introduo

O presente trabalho tem como objetivo analisar cenas das experincias


formativas sobre as temticas de gnero e sexualidade apresentadas por algu-
mas discentes em uma disciplina de um curso de mestrado na rea de ensino
de Cincias e Matemtica de uma Universidade Estadual do interior da Bahia.
A referida disciplina intitulada Educao Cientfica, Cultura e Sociedade tem
uma carga horria de 60 horas e foi oferecida no primeiro semestre de 2016
para os/as estudantes ingressantes e ministrada por dois docentes (uma pro-
fessora e um professor) que pesquisam sobre as questes das diferenas e a
educao.
O propsito principal deste componente curricular discutir o processo
educativo frente aos desafios socioculturais, enfatizando questes relacionadas
excluso e a diversidade, buscando uma educao voltada para a humaniza-
o, dialogicidade, emancipao dos/as sujeitos/as de forma autnoma, como
consta na ementa da disciplina.
Nas falas da professora e do professor da referida disciplina, uma das
intencionalidades no somente dialogar sobre os referenciais que discutem
sobre as diferenas, mas, mais do que isso, desestabilizar as verdades que
trazemos sobre a ideia do normal e anormal, daqueles/as que esto no centro e
das/os que so continuamente empurrados/as para as margens.
Diante disso, neste texto, trago algumas questes que foram suscitadas
durante uma aula da referida disciplina em que se trabalhou com a temtica
Educao, diversidade de gnero e sexual. Nesta aula realizou-se um semi-
nrio sobre o tema tendo como interlocutoras, a autora deste artigo e mais
trs colegas da turma. O encontro iniciou com problematizaes com base
em algumas palavras-chave como: sexualidade, gnero, heteronormatividade,
homofobia, sexo. Foi solicitada turma que debatesse sobre tais questes.
Aps esse momento a equipe utilizou alguns slides com fragmentos do texto
de Louro (2011) para problematizar e discutir os conceitos. Dando continuidade
programao, realizou-se uma dinmica para questionar as normatizaes
impostas para o feminino e o masculino em nossa sociedade. Em seguida,
exibiu-se e debateu-se o curta-metragem Vestido novo (2007) tendo como
roteirista e diretor o espanhol Sergi Prez. E, por fim, o professor da disciplina
relatou sobre como se sentiu posto margem no contexto religioso, na famlia,
na escola e na Universidade, por assumir-se enquanto gay.

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Nesse trabalho buscarei analisar os discursos produzidos em situaes


relatadas por trs mestrandas que atuam na escola bsica; duas como coor-
denadoras e uma como professora e que mediaram o seminrio junto comigo.
Ressalto que os depoimentos das professoras foram gravados em udio e
transcritos. Neste artigo, utilizarei nomes fictcios para me referir s profes-
soras. Saliento tambm que a anlise feita neste trabalho est amparada em
uma perspectiva ps-crtica, assim, tentarei perceber e questionar os regimes
de verdades presentes nos discursos sobre gnero e sexualidade das mestran-
das, trabalhando, portanto, com a incerteza, a ambiguidade e provisoriedade
(MEYER; SOARES, 2014). Para a anlise das cenas, relatarei cada uma delas por
vez, seguida das discusses.

1 Cena

No momento em que estvamos discutindo como a cultura interfere nas


relaes pessoais e sociais houve um relato sobre as questes de gnero da mes-
tranda Juliana que atuava como coordenadora de uma escola da rede privada:
Havia uma criana que estudava pela primeira vez na escola no 4
ano. Geralmente, a escola distribua folhas de fichrio para as ati-
vidades que eram produzidas na sala de aula e esse aluno recebeu
uma folha de fichrio cor de rosa, porque era distribudo aleato-
riamente. Depois de uns dois dias, a me da criana procurou
a coordenao da escola queixando-se, que no havia gostado
pelo fato do filho ter recebido a folha de fichrio cor de rosa,
que a escola deveria trocar as folhas de fichrio, que a escola
trocasse, porque o filho dela no poderia receber folhas cor de
rosa. A coordenao da escola explicou que as folhas eram entre-
gues aleatoriamente, que no havia critrios para entrega e que no
achava que poderia prejudicar a criana. A me, muito nervosa,
disse que o seu filho era filho de militar, que jamais o menino
poderia receber nada na cor rosa, nem em folha de fichrio e
que se isso fosse acontecer novamente que ela queria conversar
com a direo se no conseguisse resolver. A coordenao disse
que ela poderia procurar a direo naquele mesmo momento, que
a posio da escola permaneceria a mesma, que nunca se houve
problemas nesse sentindo, mas que se isso era importante para ela,
a partir daquele momento a escola teria cuidado ao entregar as
atividades para o menino. A partir da foi um estresse total na

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escola, porque teve que avisar a todos os professores, a mecano-


grafia teria que ter cuidado com as cores da atividade, se tivesse
impresso a atividade em vermelho e por fim sasse rosado, teria que
ter cuidado para o aluno no receber; a escola toda, praticamente
ficava mobilizada para o rosa no chegar at as mos do menino; a
blusa da jornada esportiva da equipe que a criana ia participar era
rosa, mas a coordenao teve que mudar a criana de equipe para
a blusa no ser cor de rosa, para no ter problemas maiores com a
famlia, dentre outros fatores (...) O menino era muito calado, no
se expressava em relao ao assunto, certamente envergonhado.
A criana em si, tambm tinha esse cuidado, quando a professora
ia distribuir as folhas de fichrio, ele falava bem baixinho: Pr, o
meu no pode ser rosa. Mas, na poca eu nunca percebi que
deveria chamar a criana para conversar sobre o assunto e preferiu
ter cuidado e evitasse que a cor de rosa chegasse a casa da me,
para no constranger a criana. Enfim, era um menino que no fre-
quentava muito as atividades da escola (Juliana, grifos meus).

Nesse primeiro momento, percebemos na fala da me, um discurso


sexista, em que ela entende que a cor rosa est para o feminino, assim como o
azul est para o masculino e nada mais pode escapar desse binarismo e dessa
dicotomia. As marcas culturais esto impregnadas na fala da me, quando ela
afirma que por ser filho de militar, ele no pode usar rosa.
De acordo com Louro a construo do gnero e da sexualidade d-se ao
longo de toda a vida, continuamente, infindavelmente (LOURO, 2008, p. 18).
Desta forma, a me reafirma a necessidade de seu filho viver com as marcas
sociais e culturais que determina e normatiza a vida em sociedade. Para, alm
disso, possvel perceber como a famlia ainda interfere significativamente na
escola, de forma a decidir quais atitudes devem ser determinadas e seguidas no
mbito escolar e como a escola se submete a isso. Existem marcar que carac-
terizam e padronizam o fato de ser filho de um militar em nossa sociedade? A
famlia tem legitimidade em relao a escola?

2 Cena

As discusses permaneceram e logo aps a apresentao do curta metra-


gem, uma discente que j foi coordenadora pedaggica numa instituio
privada, compartilhou com os colegas algo que passou na escola:

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Duas meninas se conheceram l no colgio, uma estudava desde a


quinta srie, outra j entrou no ensino mdio e elas acabaram tendo
um envolvimento. Nesse envolvimento, as famlias, sobretudo de
uma delas no aceitavam de jeito nenhum... A outra famlia j era
mais assim de aceitar, buscar ouvi a filha e tal... Enfim, o grande
entrave que ns encontramos na escola, foi porque assim, elas tro-
cavam carcias o tempo todo, se abraavam, se beijavam e assim
eu comecei a enfrentar problemas no que diz respeito aos outros
pais, porque sobretudo aos pais das crianas, dos menores, eles
ficavam ligando para a escola, dizendo que as meninas estavam
indo para o banheiro, que estavam namorando no banheiro, que
as crianas estavam vendo... Que aquilo ali estavam influenciando
seus filhos, no que diz respeito da sexualidade, da identidade, n?
E a gente acabou tendo um dilema a ser enfrentado, porque elas
no aceitavam, o fato de a gente conversar e que tivessem assim...
Que fossem mais cuidadosa, porque no era o tipo de namoro
da rua, no era o tipo de namoro da escola... Em determinado
momento eu me vi em um impasse, em muitas vezes sem saber
como fazer, porque inclusive elas questionavam assim mais voc
s t chamando a gente, porque a gente um casal homo, ou
voc chama tambm os casais heteros?. Na verdade, a gente cha-
mava todos os casais da escola, independente de serem hereros ou
homossexuais, s que assim, elas comearam a achar que era algo
direcionado a elas... Enfim, foi um dilema, muito difcil, a gente
viveu essa situao mais ou menos trs anos e foi muito delicado,
sobretudo por conta dos pais do ensino fundamental que no
aceitavam esse tipo de carcia e afeto no contexto escolar. Mas,
em relao a mim eu me vi muitas vezes sem saber o que fazer, foi
bem delicado, uma situao bem difcil (Anna grifos meus).

Em se tratando do desabafo de Anna, notamos como a escola se constitui


em meio s discusses das sexualidades e ainda tem se tornando um espao
que seleciona e aprisiona os prazeres, desejos e discursos. Conforme relatado
por Anna, alguns familiares ligavam para a escola questionando que as atitudes
das meninas estavam influenciando as/os outras/outros estudantes. Aqui ainda
entendemos o quanto a heterossexualidade ainda pensada como norma e que
no precisa ser mencionada, mas reiterada a todo tempo porque ela j est
subtendida como normal e tudo aquilo que escapa visto como desviante e/ou
diferente (LOURO, 2011).

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As alunas convidam a escola para pensar os discursos da diferena quando


elas questionam se estavam sendo chamadas na secretaria por que era um casal
de lsbicas. Dessa forma, dada a oportunidade para a escola pensar suas
prticas, suas relaes com saber-poder e as possibilidades de compreender os
discursos oriundos dos/as discentes e no, exclusivamente, dos(as) familiares da
escola.

3 Cena

Ainda no momento de discusso, aps o curta-metragem, outra colega


nos relatou:
Estava acontecendo a semana da criana que tinha como tema
Higiene e sade. A escola organizou uma festa de encerramento
das atividades, para presentear as crianas. As professoras fizeram
uns sabonetes de resina transparente e dentro teria um brinque-
dinho. Para os meninos o sabonete tinha o formato de carrinho e
dentro vinha um aviozinho pequeno. Para as meninas fizemos o
sabonete em formato de corao e dentro vinha uma escova de
cabelo de boneca. E todos foram embalados nos pacotes transpa-
rentes. Quando a gente foi entregar, a gente tinha um aluno que j
demonstravam alguns momentos que gostava de algumas coisas
diferentes que alguns dos meninos no gostavam. Por exemplo,
a tesoura para as atividades teria que ser rosa, as pinturas em sua
maioria teria que ser cor de rosa e brincava mais com as meninas
do que com os meninos. Brincava muito com as meninas, gostava
de brincar de casinha e tal, essas coisas. Quando fomos entregar
o sabonete de carrinho ele no quis... Comeou a chorar, chorar,
chorar e aporrinhar, porque queria o sabonete de corao... S
que a gente no tinha um sabonete pra dar pra ele, porque a gente
tinha feito a conta certa, a gente contou quantos meninos tinha
e quantas meninas tinha... A eu sei que ele chorou, chorou, cho-
rou... No final das contas a gente no teve como dar um sabonete
que ele queria, porque nenhuma das meninas quis abrir mo... A a
me dele chegou... Tentava conscientizar ele, que o dele era o de
carro e no o de corao... Foi uma situao bem complicada pra
gente, o menino foi embora triste, sem o brinquedo to sonhado
(Rebeca grifos meus).

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Percebemos como a escola busca reiterar as normas e atribuir uma posi-


o fixa de referncia para menino e outra para menina, baseada em uma
normatividade de sexo, gnero e sexualidade de tal forma que no se espera
que um menino possa desejar um corao ao invs de um carrinho. Quando a
professora diz que o aluno j mostrava gostar de coisas diferentes, percebe-
mos o quanto temos dificuldade de pensar fora deste lugar da norma e entender
a diferena enquanto produo e no algo dado naturalmente (FOUCAULT,
1988).
Para alm dos discursos dos/as professores/as, interessante perceber
como o aluno na educao infantil conseguiu subverter os padres sociais que
so impostos em nossa sociedade e como, para essa criana, as posies de
gnero eram mais instveis. Ele desejava o sabonete de corao com a escova
de cabelo de boneca e que isso, em nenhum momento, era visto por ele como
estranho.

Consideraes finais

Acredito ser importante [no] finalizar por compreender que as questes


de gneros e sexualidades sempre esto entrelaadas nas instituies escolares,
e necessrio pensar quais as possibilidades que as/os docentes, coordenado-
res/as, funcionrios/as, familiares e discentes tm em dialogar sem amarras ou
preconceitos.
No que tange s questes levantadas na disciplina Educao Cientfica,
Sociedade e Cultura, considero ser importante para que as discentes da disci-
plina tenham possibilidade de se deslocar, (re)pensar em si e em suas prticas
educacionais, embora entendamos que as amarras e os aprisionamentos ainda
existem.

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Referncias

FOUCAULT, M. Histria da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,


1988.

LOURO, G. L. Educao e docncia: diversidade, gnero e sexualidade. Revista


Brasileira de Pesquisa sobre formao docente, v. 3, n.4, p.62-70. 2011.

LOURO, G. L. Gnero e sexualidade: pedagogias contemporneas. Pro-posies, v.


19, n. 2 (56), p. 17-23 , maio/ago., 2008.

MEYER, D. E. E.; SOARES, R. F. R. Corpo, gnero e sexualidade nas prticas escolares:


um incio de reflexo. In: MEYER, D. E.; SOARES, R. F. R. (Orgs). Corpo, gnero e
sexualidade. Porto Alegre: Mediao, 2004.

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VIREI HOMEM, PROFESSORA: AS NORMAS SEXUAIS


E DE GNERO EM CENA NA ESCOLA

Elaine de Jesus Souza


Doutoranda em Educao
Bolsista CNPq
Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Uma Educao Sexual desenvolvida, de modo contnuo e sistemtico, possibili-


taria o reconhecimento das diferenas e a problematizao das normas sexuais
e de gnero (re)produzidas na escola. Para repensar e duvidar do institudo
conforme a perspectiva ps-estruturalista, destaco o principal questionamento
que norteia esse artigo: Como a educao sexual poderia incitar a problema-
tizao das normas sexuais e de gnero na escola? Esse estudo terico inclui
cenas transcritas a partir das vivncias como docente em uma escola de ensino
mdio de um municpio sergipano. Essas cenas escolares permitem problema-
tizar discursos sobre sexualidades e gneros veiculados nos distintos espaos
educativos.
Palavras-chave: sexualidade; gnero; normas; educao sexual.

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Introduo

Dar-me conta, criticamente, do atravessamento e dos efeitos das diferen-


as relacionadas sexualidade e ao gnero em espaos como a escola, alm de
inquietar-me como docente e pesquisadora, incitou meu interesse pelo desen-
volvimento de aes que possibilitassem a incluso de uma Educao Sexual
na escola, visando extrapolar o vis biologicista. A Educao Sexual poderia
constituir um meio para o (re)conhecimento das diferenas e problematizao
das normas sexuais e de gnero, atravs da abordagem de temticas relativas
s sexualidades. Sobretudo, porque na esfera educacional onde a diferena
um conceito central, faz-se de conta que no h diferenas, simula-se que todos
os sujeitos so iguais, que todos exercitam o poder com a mesma intensidade,
dominam saberes que so igualmente legitimados e reconhecidos socialmente
[...] (LOURO, 1997, p.117).
Nessa direo, no com a inteno de apontar respostas prontas, mas
repensar e duvidar do institudo conforme a perspectiva ps-estruturalista,
destaco o principal questionamento que norteia esse artigo: como a educao
sexual poderia incitar a problematizao das normas sexuais e de gnero na
escola?

Educao sexual na Escola: como problematizar as normas


sexuais e de gnero?

Desde o sculo XVIII se falou sobre sexo e sexualidade por meio de uma
educao sexual baseada no controle e na regulao dos discursos, assim at as
crianas deveriam proferir certo discurso limitado ao essencialismo, cannico
e verdadeiro sobre sexualidade. Sobretudo, atravs de educadores, mdicos,
pais eram produzidos e disseminados discursos que permitiam a intensificao
dos poderes. Desse modo, parece significativo conhecer como os discursos
acerca do sexo e de sexualidade foram (re)produzidos e suas condies de fun-
cionamento nas diversas instncias sociais (FOUCAULT, 2007).
Os discursos pautados em determinismos biolgicos e normatizaes
contribuem para uma viso singular acerca de sexualidade e gnero que vem
sendo (re)produzida nos currculos acadmicos e prticas escolares (inclusive
nos cursos de licenciatura). Embora se admita a existncia de diversos modos
de vivenciar e expressar as sexualidades e os gneros, parece consensual a ideia

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de que a instncia escolar deveria nortear suas aes por um padro histrico
e socioculturalmente legitimado: um modo normal de masculinidade e feminili-
dade, e de sexualidade, nesse caso a heterossexualidade; assim os sujeitos que
se afastam desse padro so considerados desviantes, tornam-se excntricos,
por no se enquadrarem no modelo heteronormativo (LOURO, 2013).
Em contraposio, uma Educao Sexual que abranja as diversas dimen-
ses de sexualidade e gnero envolveria um processo contnuo, sistemtico e
permanente, desenvolvido em todos os nveis de ensino, inclusive nos cursos de
formao docente, pois inmeras informaes veiculadas pela mdia e excluses
sociais decorrentes do sexismo e da homofobia, entre outras formas de precon-
ceito e discriminao, so recebidas constantemente (de modo inquestionvel),
por crianas, jovens (e pelos prprios adultos, futuros/as docentes). Destarte,
uma das principais tarefas de uma Educao Sexual, que se fundamente nos
principais pressupostos ps-estruturalistas, consiste em problematizar e des-
construir verdades nicas e modelos hegemnicos acerca de sexualidade e
gnero, por meio de aes que denunciem os jogos de poder envolvidos na
construo de tal hegemonia social; assim poderia contribuir para o reconheci-
mento e valorizao das diferenas que marcam a vida sociocultural e poltica
(FURLANI, 2013).

Problematizando cenas escolares acerca de sexualidade e gnero

Cabe informar que esse estudo terico inclui algumas cenas transcritas a
partir das minhas vivncias (e observao participante) como docente em uma
escola de ensino mdio localizada em um municpio sergipano. Essas cenas
escolares permitem problematizar discursos sobre sexualidades e gneros vei-
culados nos distintos espaos educativos. Aprender a problematizar significa
tentar realizar um movimento de anlise crtica, observando como foram cons-
trudos diferentes discursos e/ou solues para um problema (FOUCAULT, 2004)
e assim esse modo de pesquisar no objetiva buscar uma verdade absoluta e
nem (re)produzir oposies binrias que remetem a pensamentos posicionados
contrrios ou favorveis! ir alm...

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Cena 1: Virei homem, professora!

Das diversas vivncias durante a trajetria como docente no ensino mdio,


relato um episdio que impulsionou inquietaes para o desenvolvimento de
um projeto pedaggico que inclusse uma Educao Sexual na escola: numa
das turmas do primeiro ano havia um aluno negro e homossexual com cabelo
comprido, que sempre ia escola usando tiara, batom vermelho e cala justa,
logo na apresentao no primeiro dia de aula, percebi que os colegas critica-
vam seu visual e ao longo do ano letivo repetiam a frase Vire homem, rapaz.
Estava na fase de adaptao a essa escola e ainda no tinha iniciado um pro-
jeto sobre sexualidade, mas buscava intervir e problematizar a situao, sempre
conversava com esse aluno, porm ele dizia que no se incomodava, at que os
colegas pararam de fazer isso durante minhas aulas. Contudo, no final do ano
letivo, esse aluno apareceu com o cabelo praticamente raspado, sem maquia-
gem e com calas folgadas, ento, eu o questionei sobre o motivo da mudana,
e ele respondeu: Virei homem, professora!.
Essa aparente adequao as normas sexuais e de gnero, ocasionada pela
repetio e/ou reiterao performativa de insultos que compem o arsenal da
homofobia sutil, me causaram um grande incmodo e evidenciaram o constante
desafio de incluso social e (re)conhecimento das diferenas, que perpassa a
prtica docente. Ademais, provocou-me alguns questionamentos: que estrat-
gias didticas serviriam para problematizar a reiterao das normas sexuais e
de gnero na escola? Como possibilitar a incluso e o (re)conhecimento das
identidades/diferenas sexuais e de gnero no universo escolar?
Butler (2000) ressalta que o carter performativo do discurso produz
aquilo que veicula a depender da inteno e do contexto social em que foi uti-
lizado, ento poderia ser empregado para subverter representaes pejorativas
e preconceituosas, visando o reconhecimento das diferenas. Na lgica queer,
discursos normativos acerca de gnero e sexualidade alm de questionados,
seriam encarados como um instrumento crtico servindo para a problematiza-
o dos padres hegemnicos e da tentativa de fixao das identidades. De
modo resumido, a performatividade evidencia que identidades, gneros, sexu-
alidades so indefinveis e instveis, portanto admitem mltiplas possibilidades
de rematerializao e ressignificao em favor das diferenas, ao incitar a des-
construo de normas, oposies binrias e preconceitos.

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Nesse rumo, a manuteno das diferentes formas de homofobia costuma


ser sustentada pela premissa de que existe um forte alinhamento entre sexo-g-
nero-sexualidade, fundamentada na lgica heteronormativa que impe limites
concepo de gnero ao defender que o sexo possui carter imutvel, a-his-
trico e binrio, e por considerar a heterossexualidade como algo natural, uma
forma compulsria de sexualidade. A concepo dos gneros (re)produzidos
dentro de uma lgica dicotmica implica um polo que se contrape a outro,
isto , reafirma a ideia singular de masculinidade e feminilidade, e isso justifica
negar ou discriminar todos os sujeitos sociais que no se enquadram nesse
modelo arbitrrio. Em contrapartida, a desconstruo dessa oposio binria
permitiria que fossem (re)conhecidas as diferentes masculinidades e feminilida-
des e as mltiplas possibilidades de sexualidade (das vivncias e expresses dos
desejos e prazeres) constitudas socioculturalmente (LOURO, 1997; 2000).

Cena 2: Quando a ignorncia reitera as normas

Era hora do intervalo e os/as professores/as estavam conversando sobre


diversos assuntos e de repente surge um dos temas que mais desperta a curio-
sidade, incitado direta ou indiretamente na escola: sexualidade! Um professora
disse: Na minha poca no tinham professores bonitos como Fulano e a
outra respondeu: Mas, no iria adiantar porque os bonitos eram... (e fez um
gesto desmunhecado). Os risos pareciam ter encerrado o assunto, deixando
alguns professores constrangidos. No entanto, outra professora comentou: Isso
o que mais tem hoje, nas minhas turmas eu j consegui identificar alguns alu-
nos assim ... e novamente o gesto desmunhecado foi repetido.
s vezes nem necessrio empregar termos pejorativos, somente ges-
tos, risinhos, olhares de reprovao e at silncios indicam a ignorncia acerca
das identidades sexuais e de gnero destoantes das normas. Segundo Britzman
(1996), a ignorncia representa uma forma peculiar de conhecimento, ou seja,
um modo de conhecer (re)produzido por meio de discursos alicerados em
mecanismos de poder. Que conhecimentos acerca de sexualidade e gnero
um currculo de licenciatura (em Biologia, por exemplo) normatiza, naturaliza,
nega e/ou deixa de fora? Que ignorncias esse currculo sustenta acerca das
normas sexuais e de gnero aliceradas em um legitimado saber cientfico?

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Louro (2000) explana que os processos educativos, alheios s transfor-


maes socioculturais (avanos (bio)tecnolgicos, novos arranjos familiares,
unies homoafetivas), reproduzem uma histria marcada por discursos, saberes
e prticas acerca das identidades sexuais e de gnero, pelo disciplinamento dos
corpos e representaes hegemnicas de masculinidade e feminilidade ancora-
das em pedagogias normativas de sexualidade, muitas vezes, to sutis que nem
nos damos conta. Todavia, os sujeitos possuem identidades culturais contingen-
tes e, portanto a escola (a universidade e outros espaos educativos) ao invs
de (re)produzir verdades absolutas acerca dos corpos, sexualidades e gneros,
deveria problematizar os modos como foram legitimadas algumas identidades e
outras marginalizadas por no se enquadrarem nas normas sexuais e de gnero.
Assim, a histria dessa pedagogia de sexualidade poderia ser (re)inventada, a
partir de novas histrias (re)escritas e (re)contadas priorizando a multiplicidade
de vivncias e expresses de sexualidade e gnero em detrimento de normati-
zaes e essencialismos.
Para Britzman (1996), os discursos acerca da construo da sexualidade
perpassariam pela problematizao dos processos educativos do/a prprio/a
educador/a. Pois, ao supor que os/as (futuros/as) docentes estejam dispostos/as
a se envolverem e discutirem as representaes acerca de sexualidade e gnero,
como e atravs de que saberes e prticas podero reconhecer a construo das
identidades sexuais e de gnero?
Nesse caminho, caberia sugerir um exerccio de problematizao e des-
construo das naturalizadas e legitimadas relaes de poder que atravessam
gnero e sexualidade, em distintas instncias socioculturais, sobretudo em nos-
sas prticas educativas e polticas, que ocasionam diversas formas de violncia.
Ao inserir a problematizao nas prticas pedaggicas e nos currculos esco-
lares e acadmicos, indica-se um campo significativo de possibilidades para
reflexo e interveno de educadores/as, que contribuiriam com a reduo de
diversos tipos de violncia (MEYER, 2009) contra os sujeitos que destoam das
normas sexuais e de gnero.

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Consideraes Finais

Para desvincular os discursos acerca de sexualidade e gnero das normati-


zaes construdas em distintos contextos, possibilitando que os/as educadores/
as sejam educados/as sobre temticas que movem desejos, prazeres, mas tam-
bm questes culturais, polticas e sociais, dar um passo e avanar em direo
a um currculo mltiplo e dinmico representaria um caminho significativo. Para
tanto, saliento a imprescindibilidade de problematizar teorias e prticas que
orientam os currculos das licenciaturas, inclusive os saberes da Biologia, ques-
tionando as normas e reconhecendo a multiplicidade de sexualidades, gneros,
classes, raas, etnias que perpassam os cenrios educativos.

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Referncias

BRITZMAN, Deborah P. O que esta coisa chamada amor: identidade homossexual,


educao e currculo. Educao & Realidade, Porto Alegre, v. 21, n. 1, p. 71-96, jan./
jun., 1996.

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: Guacira
Lopes Louro (org.) O corpo educado: Pedagogias da Sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte:
Autntica, 2000. p.151-174.

FOUCAULT, Michel. Polmica, poltica e problematizaes (1984). In:______.


Estratgia, poder-saber. Organizao de Manoel Barros da Motta. Rio de Janeiro:
Forense Universitria, 2004. p. 225-233. (Coleo Ditos & Escritos IV).

______. A Histria da Sexualidade 1: a vontade do saber. 18. ed. Rio de Janeiro:


Graal, 2007.

FURLANI, Jimena. Educao sexual: possibilidades didticas. In: LOURO, Guacira


Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre. (Orgs.). Corpo, Gnero e Sexualidade:
um debate contemporneo na educao. 9. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2013. p.67-82.

LOURO, Guacira Lopes. Gnero, Sexualidade e Educao: uma perspectiva ps-es-


truturalista. Petrpolis, RJ: Vozes, 1997. 179 p.

______. Pedagogias da sexualidade. In:______. (Org.). O corpo educado: pedagogias


da sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2000. p.07-34.

______. Currculo, gnero e sexualidade: o normal, o diferente e o excntrico.


In: LOURO, G. L.; FELIPE, J.; GOELLNER, S. V. (Orgs.). Corpo, Gnero e Sexualidade:
um debate contemporneo na educao. 9. ed. Petrpolis, RJ: Vozes. p.43-53, 2013.

MEYER, Dagmar E. Estermann. Corpo, Violncia e Educao: uma abordagem de


gnero. In: JUNQUEIRA, Rogrio Diniz (Org.). Diversidade Sexual na Educao:
problematizaes sobre a homofobia nas escolas. Braslia: Ministrio da Educao,
Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade, UNESCO, 2009.
p.213-234.

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S CUIDADO PARA NO DESMUNHECAR A MO!:


REFLETINDO SOBRE HETERONORMATIVIDADE,
GNERO E DOCNCIA

Fernanda Xavier Silva Santana


Especialista em Educao, Contemporaneidade e Novas Tecnologias -
UNIVASF
Mestranda em Educao Cientfica e Formao de professores- UESB
[email protected]

Cixto de Assis Bandeira Filho1


Especialista em Gesto Pblica Contempornea - UNEB
Professor da Universidade Federal do Vale do So Francisco - Educao
[email protected]

Marcos Lopes de Souza


Doutor em Educao -
Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Educao
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

O/A docente carrega em sua fala, gestos e atitudes, marcas de sua histria,
cultura e sociabilidade. So aspectos formativos que no esto inscritos no cur-
rculo formal, ou seja, um dito que no entendido como parte integrante
na formao do aluno/a, e, que, ao mesmo tempo, possui relevncia, visto
que, uma fala, um gesto, uma atitude docente transforma, liberta, entusiasma,
mas, tambm, silencia e amedronta pensamentos, criatividades, dificultando as

1 Orientadores.

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condies de ensino aprendizagem de alunos/as. O objetivo desse texto o de


refletir sobre heteronormatividade, gnero e docncia, visando contribuir para
uma educao no normatizadora/normalizadora, a partir do relato da minha
experincia acadmica, no bacharelado em Engenharia da Computao, tendo
como anlise, falas de um docente.
Palavras-chave: heteronormatividade; gnero; docncia; currculo; formao
inicial e continuada.

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Introduo

O currculo escolar/universitrio um elemento poltico e de relaes de


poder, e, o/a docente, assim como o currculo, um ser no neutro/a, ou seja,
suas concepes de mundo e sua relao com a sexualidade entram em suas
falas, dilogos e jeito de ser e estar em sala de aula, e, na sua relao com a/o
discente. Richard Miskolci (2016, p. 14) nos diz que fomos formados para pen-
sar que o professor/a aprende a educar de forma neutra, como se fosse possvel
ao entrar na sala de aula, deixar de lado toda sua histria de socializao, o
autor ainda problematiza que: [...] todos/as trazemos uma bagagem cultural
para nossas atividades profissionais, mas, sobretudo, porque educar nada tem
de neutro, seus mtodos e seus contedos tm objetivos interessados.
H algum tempo venho observando um movimento comum da prtica
docente: os discursos invisveis ao currculo formal/planejado. Essas observa-
es, inicialmente, aleatrias, me fizeram refletir/preocupar com o que os/as
docentes tm contribudo (em suas falas) para construo das subjetividades
dos discentes em relao construo e constituio das sexualidades. Alm
das falas, julgo importantes tambm, seus gestos, suas atitudes frente a situa-
es, seu modo de vestir, de olhar, de silenciar, enfim, inmeras sutilezas que
fazem parte da construo moral, cultural e histrica do/a docente, que mesmo
no planejado ou previsto no plano de aula, constituem-se como elementos
formativos, ou seja, penetram nos sujeitos (discentes).
Por isso, trago para reflexo, falas de um docente, para que possamos
pensar sobre heteronormatividade2, gnero e docncia. Essas falas fazem
parte da minha histria de vida acadmica, de uma experincia num curso de
Bacharelado em Engenharia da Computao. Curso este, que tentei fazer depois
de ter concludo a licenciatura em Cincias da Natureza. Vale ressaltar, que ter
feito esta licenciatura, e ter tido como tema de trabalho de concluso de curso
a temtica sexualidade, foi o que me proporcionou fazer as observaes e an-
lises no curso de bacharelado em questo.

2 Heteronormatividade, segundo Miskolci (2016, p. 15/46) seria a ordem sexual vigente, onde todos
so formados para ser heterossexual, ter famlia e reproduzir, ou, mesmo que tenha relaes com o
mesmo sexo, adote o modelo da heterossexualidade. Nesse caso, gays e lsbicas tambm podem ser
normalizados, aderir ao modelo e ser agente da heteronormatividade.

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O dito, que no est inscrito no currculo formal

comum que na sala de aula (ou qualquer outro espao de formao) o/a
docente converse, brinque, conte piada, d sermes, conte histrias, para resol-
ver algo, ou para a descontrao da aula. E, nesse pequeno espao formador
que segundo Louro (2014, p. 67):
So, pois, as prticas rotineiras e comuns, os gestos e as palavras
banalizados que precisam se tornar alvos de ateno renovada,
de questionamento e, em especial, de desconfiana. A tarefa mais
urgente talvez seja exatamente essa: desconfiar do que tomado
como natural.

Neste contexto, comeo este relato chamando ateno para o ttulo,


que trata da fala de um docente do curso de bacharelado em Engenharia da
Computao de uma determinada universidade, a qual me fez refletir sobre
a relao gnero-sexualidade-docncia. Numa aula da disciplina Introduo
Programao, o docente diz: Est aqui no quadro a questo. Ao mesmo
tempo, faz uma provocao: Algum se habilita para responder? Ento, um
discente levanta para tentar resolver o problema sobre converso de nmero
binrio para nmero decimal posto no quadro. O discente, ao pegar o piloto da
mo do professor, e dirigir-se ao quadro, antes mesmo de comear a resolver
o problema, o professor ironiza, em tom zombeteiro e risonho (como se tivesse
graa): S cuidado para no desmunhecar a mo. Naquele momento, alguns
riram, outros silenciaram. O meu olhar foi de horror!
Daquele episdio, comecei a refletir sobre o processo de fabricao dos
sujeitos, a produo de regimes de verdades, a homofobia, e a heteronor-
matividade. Comecei a pensar em como a fala foi incorporada pelas pessoas
daquela sala e quais as consequncias em cada uma delas.
Ento pude refletir sobre dois aspectos inscritos na fala do professor. O pri-
meiro o discurso heteronormativo que humilha e despreza todo um coletivo
que no se enquadra ao padro estabelecido, que oprime ainda mais aqueles
que se encontram silenciados pelas presses sociais e familiares, onde o modelo
heterossexual o padro, o normal, o certo a seguir.
Provavelmente nada mais exemplar disso do que o ocultamento
ou a negao dos/as homossexuais e da homossexualidade pela

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escola [universidade]. Ao no falar a respeito deles e delas, talvez


se pretenda elimin-los/as, ou pelo menos se pretenda evitar que
os alunos e as alunas normais os/as conheam e possam desej-
-los/as (Louro, 2014, p. 71-72).

Para aquele professor, desmunhecar a mo, nada mais do que ser


gay, ou parecer feminino. Zombava de uma forma de ser, onde considerava o
feminino e/ou ser gay, inferior, ou seja, deixou transparecer certa intransigncia
referente a aceitar e/ou respeitar as diferenas. Nesse contexto, vi o binrio
(assunto da disciplina), incorporado em seu discurso binrio3 referente sexu-
alidade. Isso nos mostra que somos frutos, mesmo que inconsciente, da nossa
histria de formao, dentro e/ou fora da escola.
O segundo aspecto a homofobia, alimentada pela cultura heterossexista,
pois, uma vez que fica sobre aviso que desmunhecar a mo perigoso para a
reputao masculina ( desviante, ridculo e anormal), isso vem a se caracterizar
como uma violncia psicolgica para quem no est no padro da normali-
dade. Miskolci (2016) conceitua a maneira como se opera o heterossexismo de
terrorismo cultural e afirma:
Na verdade, ironias, piadas, injrias e ameaas costumam preceder
tapas, socos ou surras. A recusa violenta de formas de expresso de
gnero ou sexualidade em desacordo com o padro antecedida e
at apoiada por um processo educativo heterossexista, ou seja, por
um currculo oculto comprometido com a imposio da heterosse-
xualidade compulsria (p.34-35).

Na minha convivncia com os alunos/as da turma, percebi dois alunos


que no estavam na identidade heterossexual, um deles, evanglico (apesar da
religio no aceitar a homossexualidade); o outro s mantinha dilogo cons-
tante comigo, e, eu sentia que ele no era aceito pelos outros colegas, isso,
acredito que devido ao seu jeito feminino de falar, sorrir, gesticular. Imaginava
os receios e as angstias que se passavam na cabea deles; com certeza seus
medos aumentavam ainda mais, pois, aquele lugar no tratava a homossexuali-
dade como algo positivo. Louro (2014, p.87) questiona como se reconhecer em
algo que se aprendeu a rejeitar e a desprezar? Como, estando imerso/a nesses

3 Ideia de dualidade homem-mulher, hetero-homo, feminino-masculino.

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discursos normalizadores, possvel articular sua (homo)sexualidade com pra-


zer, com erotismo, com[o] algo que pode ser exercido sem culpa?.
O que me entristecia era a rejeio do docente as diferentes formas de
sexualidades existentes na sala. Ou seja, ele no tinha o cuidado, a delicadeza, a
sensibilidade de reconhecer e respeitar as diferenas; dialogava como se s hou-
vesse heteros na turma, assumindo assim, uma viso heteronormativa. Talvez,
essa rejeio do professor, seja pelo estigma machista de que a engenharia seja
uma profisso genuinamente masculina, onde as mulheres foram e ainda so
estranhadas e inferiorizadas. Como aponta Lombardi (2006), numa pesquisa
com dados de meados de 1980 a 2002, e entrevistas com engenheiras e enge-
nheiros, dentro da relao de gnero: o salrio dos homens superior ao das
mulheres; apenas 15% das engenheiras esto ocupadas/empregadas; o ingresso
do pblico feminino em cursos de engenharia de apenas 20%; os homens
no concedem cargos de chefia para as engenheiras, estando geralmente como
subordinadas; modelo de bom profissional e de inteligncia exclusivamente
masculino, como possvel verificar na fala de um diretor a uma engenheira:
Rosa, voc to inteligente que parece um homem.
Lombardi (2006) afirma que com o passar das dcadas (at 2002) melho-
rou muito a aceitabilidade das mulheres no mercado de trabalho e nas escolas
de engenharia. Porm, os nmeros ainda so bastante desiguais, e, tive a opor-
tunidade de ver isso com meus prprios olhos. A turma de engenharia em que
ingressei era de 50 alunos/as, sendo 05 tidas como gnero4 feminino.
No esqueo o dia em que o professor entrou na sala cumprimentando
todos/as (risonho), olhou para ns (alunas) e disse: vocs so nossos colrios,
n rapazes? buscando uma confirmao e aprovao pelo grupo masculino
Numa sala com tanto macho, n, bom ter umas menininhas!. Que piada
sem graa, achei! Nesta fala, percebi o discurso machista, onde as alunas so
vistas como objeto de desejo, esttico e de posse, perpetuando o no reconhe-
cimento das mulheres pelo seu potencial intelectual. As duas alunas deram um
leve sorriso e nada falaram. Isso me preocupa porque as meninas eram muito
jovens, recm-formadas no ensino mdio, ento, talvez pela ingenuidade e/ou
pela falta de reflexo naquele momento, elas no tenham se incomodado com

4 Entendendo gnero como uma construo sociocultural e lingustico, produto e efeito de relaes
de poder, que histrico e culturalmente, dentro da norma construda, vem sendo definido pelo vis
biolgico, numa lgica binria (MEYER, 2010).

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a fala do professor. Mas, o que ficou evidente que ainda existe discriminao
de gnero nos cursos de engenharia.
Essa experincia me fez pensar: que tipo de universidade estamos criando/
alimentando? Que tipo de sujeito produzido neste curso (ou nas engenharias)?
E, para que profissionais est sendo dada a autorizao para atuar na docncia?
importante pensarmos em fortalecer nossa profisso docente, lutando
pelo reconhecimento do/a licenciado/a como profissional habilitado para a
docncia. A docncia no vocao, no uma atividade que se aprende ape-
nas executando, pois, a ela exige habilidades e conhecimentos especficos (de
ensino, aprendizagem, didtica, etc.), ou seja, preparao, requisitos de ingresso,
plano de carreira profissional para exerc-la (Zabalza, 2004). Alm disso, preci-
samos pensar num aprendizado pelas diferenas, e/ou numa educao pelas
diferenas, onde os/as educadores/as possam se inspirar nos anormais, estra-
nhos, para o educar, fazendo o exerccio da ressignificao do estranho, do
anormal como veculo de mudana social e abertura para o futuro (Miskolci,
2016, p.67).
Quanto docncia no ensino superior, temos grandes desafios. Um deles
que nas licenciaturas pouco ou quase nada se fala em sexualidade, gnero e
diversidade sexual, por isso, um desafio a incluso dessas temticas na for-
mao inicial e continuada de professores/as. Outra questo que muitos/as
bacharis esto lecionando sem formao pedaggica/didtica, reproduzindo
em sala de aula o modelo de ensino aprendizagem que foram formados/as,
ento necessrio que estes/as profissionais faam formaes continuadas que
os d condies de reflexo sobre sua prtica, e os possibilite o reconhecimento
da identidade docente.

Consideraes finais

Ainda vivemos uma sociedade preconceituosa, altamente controladora


e disciplinadora, e os espaos educativos possuem cicatrizes abertas e noci-
vas ao convvio em coletividade e ao reconhecimento das diferenas. Por isso,
no podemos deixar de pensar que o reconhecimento das diferenas (sexuais,
culturais, tnicas e raciais) fundamental para que possamos dialogar todos/as,
quebrando a hegemonia de grupos especficos, rompendo com a cultura uni-
versalista que tenta colocar todos/as no mesmo enquadramento.

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Outro fator importante de se ressaltar que a fala do docente em questo


e outras tantas que insulta e desrespeita pessoas, est em tantas outras bocas;
outros tantos docentes fazem piadas desse tipo todos os dias, e, o discurso
presente em sua fala cuidado para no desmunhecar a mo faz parte de uma
rede de estratgias de poder e hegemonia de uma determinada sociedade, para
o estabelecimento de um padro, de uma verdade e controle social.
Desejo que este relato sirva para reflexo dos/as educadores/as no que
tange os desafios a vencer e os caminhos a percorrer rumo a uma educao
no normatizadora/normalizadora. Sei que so muitos os entraves, as desmo-
tivaes, os desafios, mas, tambm, foram muitas as conquistas, por isso, no
podemos deixar de almejar uma educao de reconhecimento das diferenas.

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Referncias

LOMBARDI, M. R. Engenheiras Brasileiras: insero e limites de gnero no campo


profissional. Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 127, p. 173-202, jan./abr. 2006.

MEYER, D. E. Gnero e Educao: teoria e poltica. In: LOURO, G. L.; GOELLNER,


S.; FELIPE, J. (Orgs.). Corpo, gnero e sexualidade: um debate contemporneo na
Educao. 5 ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2010.

LOURO, G. L. Gnero, sexualidade e educao: uma perspectiva ps-estruturalista.


16. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2014.

MISKOLCI, R. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenas. 2.ed. ver. E ampl.,


3.reimp. Belo Horizonte: Autentica Editora: UFOP Universidade Federal de Ouro
Preto, 2016.

ZABALZA, M. A. Os professores universitrios. In: O ensino universitrio: seu cen-


rio e seus protagonistas. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2004. (105-144).

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CENAS DE HOMOFOBIA NA FORMAO INICIAL DE


PROFESSORES

Helma de Melo Cardoso


Mestra em Educao - Universidade Federal de Sergipe- Educao
[email protected]

Alfrncio Ferreira Dias


Doutor em Sociologia - Universidade Federal de Sergipe- Educao
[email protected]

Maria Heloisa de Melo Cardoso


Mestra em educao - Instituto Federal de Sergipe- Educao
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

O presente artigo foi produzido a partir de resultados da pesquisa de disser-


tao, intitulada O que normal pra mim pode no ser normal pro outro:
Abordagem de corpo, gnero e sexualidades nas licenciaturas do Instituto
Federal de Sergipe, campus Aracaju do Programa de Ps-graduao em
Educao da Universidade Federal de Sergipe. Tendo como objetivo analisar
duas cenas colhidas no campo de pesquisa a partir da perspectiva ps-crtica.
Realizando como estratgia metodolgica um grupo focal com a participao
de cinco estudantes (quatro do sexo feminino e um do masculino) do ltimo ano
dos cursos de licenciatura. Os/as licenciandos/as adotam uma postura homof-
bica que naturaliza a violncia e a heterossexualidade como normais, tratando
os que se diferenciam como anormais.
Palavras-chave: gnero; heteronormatividade; homofobia; licenciatura;
sexualidades.

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Introduo

A escola um local legitimado em que deve haver reflexo sobre a reali-


dade, sobre os padres e normas que regulamentam o dia a dia das pessoas, mas
tambm um local onde circulam discursos hegemnicos quanto s questes
ligadas sexualidade como a lgica do binarismo dos corpos: homem-mulher,
onde tudo que se afasta do modelo considerado anormal e so reprimidas;
as prticas anormais, como a homossexualidade, so colocadas margem na
escola.
H grande necessidade de que este tema seja abordado numa perspec-
tiva questionadora ainda na formao inicial de professores/as, destacando suas
possibilidades e responsabilidades numa educao sem excluses, visto que o
mesmo aparece de forma imprevista em sala de aula, no escolhe disciplina,
nem momento e, portanto, a princpio todo/a professor/a deve estar preparado/a.
Assim, trazemos para este artigo duas cenas coletadas durante as discus-
ses ocorridas em julho de 2015 no grupo focal com estudantes do ltimo ano
das licenciaturas de Qumica e Matemtica do Instituto Federal de Sergipe-IFS/
Campus Aracaju (Ana, Bia, Carlos, Diana e Eliane)1, que marcam o encontro
com os/as sujeitos/as que escapam da norma heterossexual. A proposta meto-
dolgica foi organizada a partir da perspectiva ps-estruturalista que abandona
o carter normativo da pesquisa e busca mostrar que os fenmenos sociais so
mltiplos e heterogneos. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comit de tica e
Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe, atravs da Plataforma Brasil (base
nacional e unificada de registro de pesquisas envolvendo seres humanos) pelo
CAAE 46699215.8.0000.5546.

Cenas de encontro com o diferente

Durante as discusses no grupo focal todos os estudantes declararam que


convivem bem socialmente e que nunca vivenciaram situao de preconceito
contra homossexuais ou transexuais na Instituio, no entanto, demonstraram
bastante incmodo com o comportamento de um professor homossexual em
sala de aula, apesar de tentarem deixar claro que no tinha nada a ver com

1 Nomes fictcios e aleatrios dados aos sujeitos da pesquisa.

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a sua sexualidade, mas com a sua falta de postura tica em sala de aula que,
abertamente, favorecia aos homens com notas, em detrimento das mulheres.
Nada, nada, nada. Para voc ter uma ideia, tinha um aluno que
nunca apareceu pra atividade e ele deu 8.0, e ele nem estava na
aula, muito gritante. Isso a postura como professor? Mesmo se
ele no fosse homossexual, fosse htero e desse em cima das meni-
nas, tambm seria errado (ELIANE).
Mas, tambm tem muito professor aqui que d em cima da gente
n? (BIA).
Mas no em sala de aula (ELIANE).
[...]
Mas esse professor do curso de vocs? (PESQUISADORA).
Agora o daqui, comigo, particularmente, nunca teve nada
(CARLOS).
Lgico (com gozao e risos) (BIA E ELIANE).
Ele nunca me deu nota, nem brincadeira, nem falta de respeito,
nada, mas com colegas a gente v que ele soltava uma piadinha ou
outra (CARLOS).
Uma piadinha ou outra? Ele terrvel (ELIANE).
Mas isso tinha alguma ligao com a sexualidade dele?
(PESQUISADORA).
Tinha a ver com a questo da tica, a postura dele como profes-
sor (ELIANE).
Vocs percebiam que ele dava em cima dos alunos, isso?
(ORIENTADOR).
Isso no certo nem pra professor homem dar em cima de uma
menina ou de outro menino. No importa, isso errado (ELIANE).

Nesse ponto importante notar a nfase dada postura do professor


homossexual em detrimento do comportamento do professor heterossexual,
num quase silenciamento do comportamento deste ltimo. Aqui no se est
relativizando nem aceitando como correto o comportamento do primeiro,
somente mostrando que o fato deste ser declaradamente homossexual o coloca
em destaque. Segundo Miskolci (2009), existe uma compulsoriedade hete-
rossexualidade que a naturaliza e a torna obrigatria, assim as pessoas que a
subvertem tornam-se foco de estranhamento. Ento, percebe-se que o discurso

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heteronormativo est presente na fala das alunas, trazendo uma retaliao ao


comportamento que foge da regra heterossexual. Muitas vezes, a perseguio
ao homossexual no pelo que ele faz, nesse caso pelo assdio aos alunos,
mas pelo simples fato de ser homossexual. E, apesar de no haver informaes
seguras sobre a origem do desejo, seja ele heterossexual ou homossexual, as
pessoas ainda veem a homossexualidade como um distrbio. Com isso, busca-
se naturalizar e tornar verdadeira a nica forma de viver a sexualidade de forma
sadia e digna que a heterossexualidade.
importante salientar que o homossexual, na discusso do grupo focal,
ganha destaque e visto como pervertido, com um desejo acima do normal,
patolgico, e assim que se enquadram todos os homossexuais em modelos
caricatos, bichas loucas, que saem assediando todos indiscriminadamente e
que,
[...] tampouco o desejo homossexual mais ou menos normal que
o heterossexual. A diferena est na distribuio desigual de aces-
sos e visibilidades, portanto, no reconhecimento social conferido
aos gneros e s sexualidades inteligveis (BENTO, 2011, p. 99).

Tambm cabe lembrar que a homossexualidade, assim como a heteros-


sexualidade e outras sexualidades, mltipla. E a todas essas formas de ser
homossexual devem ser asseguradas e mais, deve-se lutar contra o moralismo
que conota tudo como pecaminoso e negativo (SEFFNER, 2011).
As concepes sobre gnero na formao docente esto marcadas pelos
esteretipos de masculino e feminino trazidos pelo modelo hegemnico bin-
rio que discrimina quem se distancia. Da resulta a dificuldade de professoras e
professores em lidar com o diferente em sala de aula, visto que no foram pre-
parados nas licenciaturas para falar sobre o corpo, o desejo e o gnero (DIAS,
2013).
A escola, ao longo dos sculos, vem cumprindo um papel de disciplina-
dora dos corpos, deixando marcas valorizadas pela sociedade, consideradas
como referncia para todos, ao ponto de podermos diferenciar uma pessoa
escolarizada de uma no-escolarizada (LOURO, 2000).
Essas prticas e a linguagem tambm marcam os sujeitos como femini-
nos e masculinos, os comportamentos assexuados so marcados na histria
de cada um/a. O investimento na modelagem dos corpos reitera identida-
des e prticas hegemnicas e nega outras (LOURO, 2010). Desta forma, os

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modelos de sexualidade produzidos e reproduzidos na escola so regidos pela


heteronormatividade.
Neste contexto, apresentamos a segunda cena, referente necessidade de
disciplina dos corpos no ambiente escolar, trazida por Eliane de sua prtica de
sala de aula, que evidencia a impossibilidade de articular o conhecimento e as
manifestaes do desejo:
No Pibid mesmo, [...] teve uma situao bem interessante, um
jovenzinho l que ele se intitula Lady Gaga [...]. Ele tem uns doze
anos, ele bem pequenininho. A toda hora passava um rapaz na
frente da porta, eles estavam jogando e tavam passando na quadra,
e toda vez que passava ele fazia: Psiu, gostoso. E aquilo comeou
a me incomodar. A gente tava conversando e ele no parava de
fazer isso. At que num momento eu vi que o rapaz incomodado,
olhou com um olhar mortal. A eu cheguei, sentei do lado dele e
falei: Meu jovem. Desse jeito: Meu jovem, voc no tem nem 40
quilos, a tia aqui, a professora, no tem 50 quilos, o jovem deve ter
uns 60, se ele quiser vir bater em voc o que eu vou fazer? A ele
olhou pra mim: , eu vou parar. A ele parou e nunca mais ele fez
isso novamente. Era a nica argumentao que eu tinha, porque se
ele realmente partisse pra cima dele, eu ia fazer o qu? Eu no teria
fora nenhuma pra apartar a briga e eu no sei se o rapaz se eu
falasse ele iria me aceitar como autoridade. Enfim, era uma escola
pblica (ELIANE).
Mas incomodava voc como professora o fato dele t dando psiu
para um homem? (ORIENTADOR).
No, incomodava ele tentar incomodar uma pessoa que poderia
bater nele, entendeu, mas no por ser um homem, com as meninas
eu tambm reclamo, enfim, tanto faz, eu no gosto que eles fiquem
misturando em sala de aula. Eu prefiro separar os casais, os namo-
rados, fique aqui e voc fique aqui, porque seno no vo prestar
ateno. Porque nessa idade eles so muito (ELIANE).
[...]
, e tem que ficar parando pra explicar conduta em sala de aula e
o que eles no devem fazer (ELIANE).

Inicialmente, observou-se na fala de Eliane a dificuldade de lidar com o


desejo em sala de aula, mais especificamente num comportamento homosse-
xual em um de seus alunos, acreditando que o fato de ele estar paquerando
outro garoto poderia lev-lo a ser vtima de violncia. Essa necessidade de

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desassociar o desejo das relaes escolares uma das formas encontradas pela
Instituio para domar os corpos e mascarar uma dificuldade dos profissionais
de lidar com tais situaes. Com o objetivo de doutrinar os corpos, moldando-
-os de acordo com suas aprendizagens sociais, dos costumes, da religio e da
tradio, para disciplinar a masculinidade e a feminilidade.
Mais uma vez, nota-se que o comportamento que foge norma inco-
moda, tanto que passa a ser descrito como momento difcil durante a prtica
de estgio, o fato de o garoto estar paquerando outro garoto atrapalha o ritmo
da aula, desconcerta a estagiria e a deixa em alerta com relao a algum tipo
de retaliao violenta. Eliane, assim como tantos/as outros/as profissionais da
educao, relata a experincia como se fosse igualitria, porm no se faz boa
educao s com inteno. Com frequncia, [...] colocamos nossas boas inten-
es e nossa confiana em uma educao a servio de um sistema sexista e
heterossexista de dominao que deve justamente a essas intenes e confiana
uma parte significativa de seu poder de conservao [...] (JUNQUEIRA, 2009,
p. 14) contribuindo mais com o sistema de opresso que se quer combater.
Quanto ao medo da retaliao violenta, esse dado infelizmente real o
que torna a preocupao genuna, visto que a violncia contra homossexuais
uma realidade, ao mesmo tempo em que a naturaliza, como se o rapaz esti-
vesse em seu direito de retaliar a uma cantada de um gay, com violncia, visto
que, sua paquera passa a ser entendida como incmodo, dando permisso para
a violncia como forma de demarcar sua prpria masculinidade. Em pesquisa
realizada pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e
a Cultura (Unesco), em 13 capitais brasileiras e no Distrito Federal constatou-
se que entre os estudantes masculinos bater em homossexuais foi apontada
como ao menos violenta em uma lista de vrias outras aes violentas (ati-
rar em algum, estuprar, usar drogas, roubar e andar armado) (ABRAMOVAY;
CASTRO; SILVA, 2004).
Tal panorama de excluso e violncia se forma em decorrncia da
heteronormatividade, pela compulsoriedade heterossexual que rejeita a homos-
sexualidade em vrios espaos sociais, principalmente na escola, onde os
meninos so ensinados a serem machos, a deixarem qualquer comportamento
de aproximao com outros meninos, sob pena de serem taxados de afemina-
dos, de serem comparados com meninas que so sentimentais e tm permisso
para demonstrarem afeio.

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A disciplina do corpo desempenhada pela escola que busca desenvol-


ver a cognio e a aprendizagem desvinculando-as do desejo e da sexualidade
dos corpos, na tentativa de obter corpos sem desejo e sem erotismo, relegando
a sexualidade ao espao privado e, principalmente, tentam produzir uma sexu-
alidade normal. Assim, Eliane, reproduzindo o discurso tradicional da escola,
separa os casais para ministrar sua aula, sequer problematiza com seus/as alu-
nos/as questes relacionadas sexualidade. No questiona porque sente tanto
incmodo na expresso da sexualidade de seus/as alunos/as. No traz para
a sala de aula o questionamento de o porqu da reao violenta diante da
homossexualidade, apesar de dar pausas nas aulas para explicar sobre condutas
adequadas.

Consideraes finais

Para finalizar, podemos perceber que no encontro com os corpos que se


diferenciam da norma heterossexual, os estudantes adotam uma postura homo-
fbica, tratando os que se diferenciam como anormais, contribuindo para a
violncia e a naturalizao da heterossexualidade como normal e superior.
Observou-se que em suas experincias em sala de aula, os/as estudan-
tes buscaram reproduzir a dicotomia mente-corpo, buscando o isolamento do
desejo nos momentos de aprendizagem de contedos formais, contribuindo
para a perpetuao da escola como um espao disciplinador, almejando produ-
zir alunos/as em corpos disciplinados/as e obedientes, alm de observar que a
formao docente no muniu os estudantes de estratgias para lidar com situa-
es com a diferena em sala de aula.
A partir das discusses realizadas nesta pesquisa, acredita-se que h
necessidade de incluso das questes de corpo, gnero e sexualidades na for-
mao inicial docente em suas disciplinas, contedos e metodologias. preciso
criar espao para debates, reflexes, questionamentos para que o/a futuro/a
docente perceba a necessidade de atuar nessa perspectiva. Tambm impor-
tante que esses temas sejam abordados numa dimenso do saber-fazer, para
munir os professores de ferramentas para atuarem em situaes de violncia,
preconceito, intolerncia e outras.

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Referncias

ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G.; SILVA, L. B. da. Juventudes e sexualidade. Braslia:


UNESCO, 2004.

BENTO, B.. Poltica da diferena: feminismos e transexualidades. In: COLLING, L..


(org.). Stonewall 40 + o que no Brasil? Salvador: UDUFBA, 2011.

DIAS, A. F.. Educando Corpos, produzindo Diferenas: um debate sobre gnero nas
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JUNQUEIRA, R. D.. Homofobia nas escolas: um problema de todos. In: JUNQUEIRA,


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ACHEI PESADA A CENA DA MASTURBAO. [...] AT A CENA


DO PRPRIO ESTUPRO EU NO ACHEI TO PESADA!:
ANLISE DOS DISCURSOS DE PROFESSORAS SOBRE A
MASTURBAO FEMININA

Las Machado de Souza


Biloga, mestranda do Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica e
Formao de Professores (PPGECFP) do Departamento de Cincias Biolgicas
(DCB) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de Jequi.
[email protected]

Marcos Lopes de Souza


Professor Doutor do Programa de Ps-Graduao em Educao Cientfica e
Formao de Professores (PPGECFP) do Departamento de Cincias Biolgicas
(DCB) da UESB, campus de Jequi.
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Esta pesquisa analisa os discursos de professoras sobre a masturbao feminina


aps o contato com o vdeo Era uma vez outra Maria. A produo de dados
foi feita por meio da gravao dos debates, feitos aps a exibio do artefato,
realizados em encontros formativos com duas professoras que lecionam a dis-
ciplina Educao para a Sexualidade em uma escola municipal dos anos finais
do ensino fundamental em uma cidade do interior da Bahia. As professoras
sentiram-se incomodadas diante da visualizao e abordagem da masturbao
feminina pautando-se em discursos sexistas em torno dos desejos e prazeres
da mulher. Em virtude desta negao da masturbao das mulheres, elas reco-
nheceram a cena de estupro presente no vdeo como mais interessante a ser
trabalhada, na escola, do que a da masturbao.
Palavras-chave: Relaes de gnero; masturbao feminina; educao para a
sexualidade; artefato cultural; formao de professores/as.

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Introduo

A partir do sculo XVIII a famlia e a escola foram aconselhadas pela


medicina a agir e falar sobre sexo de acordo com os preceitos e advertncias
mdicas, sempre no sentido de exortar e dar conselhos edificantes ao/
colegial a fim de educ-lo/a para uma sexualidade moralmente s. Tais pre-
ceitos e advertncias defendiam uma educao sexual discreta e comedida
voltada para a preservao moral das crianas e adolescentes (FOUCAULT,
1988). Nessa perspectiva, a masturbao se configurava como uma epidemia
que deveria ser extinta.
Contudo, apesar do controle exercido pela igreja e, posteriormente, pelo
estado em torno dessas questes, tendo como principais representantes a escola
e a famlia, a vigilncia sobre a sexualidade masculina no se equiparava (e
ainda no se equipara) a que estava submetida a sexualidade feminina. Felipe
(2000, p. 127) destaca que a educao para a sexualidade das meninas nos
sculos XVIII e XIX pautava-se na premissa de que estas deveriam permanecer
mais tempo na ignorncia, correspondendo assim a uma representao femi-
nina de ingenuidade. J a masculinidade deveria ser incentivada por ser algo
mais incerto, impelindo o menino a cultiv-la desde a infncia por meio do que
Parker (1999) definiu como um complexo processo de masculinizao.
Dessa forma, a masturbao, bem como as demais manifestaes do
desejo sexual masculino, foi historicamente construda como mais aceitvel
que a feminina, cuja sexualidade naturalizada deveria apenas ser controlada e
domesticada.
Essa concepo tradicional em torno das masculinidades e feminilidades
ainda uma realidade no Brasil e se reflete nas formas como a educao para a
sexualidade realizada nas escolas. Alm de muitos/as professores/as de esco-
las regulares no saberem lidar com as questes relacionadas masturbao
em sala de aula, eles/as reiteram, muitas vezes, construes preconceituosas
baseadas nos marcadores de gnero sociamente aceitos. Em virtude disso, esse
estudo teve por objetivo analisar e problematizar os discursos de professoras de
uma escola dos anos finais do ensino fundamental da rede municipal de Jequi
no interior da Bahia sobre a masturbao feminina, aps contato com um arte-
fato cultural.

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Metodologia

Este estudo um recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento,


realizada numa perspectiva ps-estruturalista na qual desenvolvi encontros
formativos sobre a interface sexualidade e sade com trs professoras que minis-
tram o componente curricular Educao para a Sexualidade em uma escola dos
anos finais do ensino fundamental da rede urbana localizada no municpio de
Jequi-BA.
Este trabalho analisa os discursos de duas das professoras, a quem me
refiro pelos nomes fictcios de Innana e Afrodite, produzidos em um desses
momentos formativos no qual utilizei o vdeo Era uma vez outra Maria, elabo-
rado e divulgado na forma de desenho animado pela ECOS - Comunicao em
Sexualidade, como ferramenta mediadora para a discusso em torno das rela-
es de gnero, sexualidade, gravidez na adolescncia e Doenas Sexualmente
Transmissveis (DSTs). Aqui, destaco os discursos dessas professoras sobre a
masturbao feminina aps assistirem as cenas de masturbao protagonizada
por Maria e tambm por seu irmo no referido vdeo.
Os dados produzidos foram gravados em udio, transcritos e analisados
de acordo com a Anlise do Discurso que segundo Caregnato e Mutti (2006, p.
680) uma disciplina de interpretao que trabalha com o sentido e no com
o contedo do texto, um sentido que no traduzido, mas produzido; levando
em considerao a concepo de discurso em uma perspectiva foucaultiana.

Porque a cena do menino passa e deixa implcito, n? Da


menina explcito!

No artefato cultural Era uma vez outra Maria, h uma cena em que, com
muita tranquilidade, o irmo mais novo de Maria cruza com o pai ao passar
pela sala da casa tendo na mo uma revista em cuja capa ostentava uma foto
de mulher nua em posio sensual. O menino segue, desembaraadamente, em
direo ao banheiro sendo acompanhado pelo olhar de aprovao e orgulho
do pai. Estando l, abaixa as calas, senta-se no vaso sanitrio, pe a revista
na frente das pernas e comea a se masturbar; no se v o ato, mas possvel
ouvir sons e movimentos caractersticos, bem como, expresses de prazer no
rosto do garoto.

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Corta-se a cena e nos deparamos com a imagem de Maria no quarto,


deitada e coberta at a altura da cintura por um lenol com uma das mos
embaixo deste, sugerindo que tocava as partes ntimas e com a outra mo aca-
riciava os seios. A menina comea a pensar em imagens seminuas de homens
e de seu namorado Joo (as imagens aparecem no canto superior da tela), mas,
seu pensamento interrompido pelas imagens da me e do pai desenhados
pela figura de um lpis com borracha, presente na maioria das cenas de Maria,
que insiste em controlar e moldar seus comportamentos. Diante da reao de
horror destacada no rosto do pai e da me, a garota responde tomando nas
mos o lpis, cuja borracha havia apagado suas fantasias sexuais e voltando a
desenh-las continuando a se masturbar at alcanar o orgasmo. Aps o ato,
cobre-se por inteira e dorme.
As cenas do vdeo descritas acima geraram um visvel incmodo nas pro-
fessoras, especialmente, com relao cena de Maria classificada por Afrodite
como sendo pesada. Por que essas imagens capturam as professoras? Por que
veem a cena como pesada? Innana justifica com a seguinte fala:
[...] eu tambm achei pesada a cena da masturbao... por que a
cena do menino passa e deixa implcito, n?! A da menina expl-
cito. A do menino ele entra l no sanitrio, pega a revistinha dele
l, mostra o vaso sanitrio, o barulhozinho, mas no mostra! E a da
menina... a da menina eu achei assim, que chamou ateno porque
ela t l bem na dela! (Innana. Grifos meus).

A fala de Innana traz elementos que caracterizam um discurso de autoriza-


o da masturbao masculina em detrimento da feminina. Apesar do controle
dos corpos que o processo de escolarizao exerce sobre ambos impondo
uma srie de comportamentos, hbitos e atitudes socialmente aceitos (LOURO,
1995), a masturbao masculina que, de certa forma tambm incomoda as
professoras, parece aos olhos de Innana mais natural e aceitvel. Um possvel
legado dos discursos mdicos do sculo XVIII e XIX que claramente atribua
distines e particularidades para a educao do sexo de meninas e meninos
estabelecendo condutas apropriadas para cada gnero.
Os termos utilizados pela professora em relao cena do menino, como
revistinha e barulhozinho contrapem aos termos utilizados para caracte-
rizar os atos e comportamento de Maria: chamou ateno e t l bem na
dela. O que me leva a retomar as cenas descritas inicialmente e problematizar

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que ao passar pela sala com a revista em mos o irmo de Maria deixa transpa-
recer que tambm estava bem na dele, talvez, ainda mais que Maria, que por
um momento se sentiu constrangida ao pensar em qual seria a reao do pai e
da me diante de sua prtica.
Pensando sobre isso, me parece que os desejos sexuais de Maria, na con-
cepo da professora, deveriam constrang-la e no deix-la vontade e, ao
mesmo tempo, o comportamento de seu irmo parece ser legitimado, uma vez
que, ele estava vontade sob muitos aspectos e isso no foi questionado. A
ideia da existncia de um instinto masculino utilizado, dentre outras coisas,
para justificar que o homem, naturalmente, possui maior desejo sexual que a
mulher construda historicamente e autoriza esse discurso. Felipe (2000, p.116)
ao falar sobre a distino existente nos manuais de orientao para educao
do sexo de crianas e jovens dos sculos XVIII e XIX reitera que o instinto
era utilizado freqentemente como argumento explicativo para reafirmar as
diferenas entre os sexos. Assim, no sendo o desejo sexual instintivamente
prprio da mulher, a prtica da masturbao feminina torna-se antinatural e por
isso, no autorizada.
Outra questo que incomodou as professoras foi o maior tempo desti-
nado cena de Maria que do seu irmo. A cena decorreu dede o incio do
ato at a satisfao total de Maria enquanto na do irmo houve um corte de
cena ficando subtendido. Contudo, a fala de Innana tambm demonstra que as
professoras compreenderam o intuito do vdeo no que diz respeito ao empode-
ramento feminino, mas ainda assim, para ela no justifica tal exposio enftica
e prolongada.
[...] se passasse apenas a imagem, rapidinho e tal... mas, no n?!
Ela demora! at demais... acho que pra dar nfase questo que a
mulher, ela se masturba tambm e no s o menino, entendeu?!
(Innana)

Ou seja, se preciso falar sobre o assunto incmodo que ele seja rpido.
Quem sabe at no passa despercebido pelos/as estudantes?

At a cena do prprio estupro, eu no achei to pesada

No vdeo, h uma cena de estupro exibida durante o relato de uma amiga


de Maria sobre o que ocorreu com ela na festa em que as duas foram juntas.

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A menina paquera com um garoto e logo em seguida se afastam do grupo


em direo ao banheiro. Inicialmente, de forma consensual os dois se beijam,
porm o garoto faz carcias mais intensas e recebe a negativa da menina. Ele
insiste colocando a mo entre as pernas delas deixando-a profundamente des-
concertada e retrada. Apesar das constantes negativas, ele no para com as
investidas que se tornam cada vez mais agressivas e ntimas. Nesse momento
h um corte na cena e no momento seguinte ela aparece triste e envergonhada
sentada encolhida junto ao vaso sanitrio com as roupas rasgadas deixando a
mostra um dos seios, enquanto ele, de costas, arruma as calas.
[...] at a cena do prprio estupro eu no achei to pesada...
uma cena que choca, mas uma cena assim... que voc mostra. E
aquela cena do estupro eu acho interessante porque uma forma
de mostrar pra os alunos que as vezes eles esto vulnerveis...
determinados ambientes, determinadas pessoas (Innana).

Diante da fala de Innana, Afrodite, que se mostrou visivelmente descon-


certada diante da cena de masturbao feminina exibida no vdeo, relata sua
averso ao tema e reitera o discurso da colega sobre a cena de estupro:
No gosto de trabalhar esse... esse... a masturbao no! [...] ...
aquela cena do estupro eu gostei tambm (Afrodite).

Mais uma vez, elementos do dito instinto masculino aparecem na fala de


Innana. A cena do estupro que ela e Afrodite consideram menos pesada que a
da masturbao de Maria lhes parece interessante pela possibilidade de eviden-
ciar a mulher enquanto vtima e no para problematizar a postura masculina.
Innana deixa transparecer isso ao afirmar que existem determinadas pessoas
perto das quais se pode estar mais vulnerveis e, sem se dar conta, ela naturaliza
esse comportamento. Em relao a esses discursos, Trindade e Ferreira (2008)
salientam que o determinismo biolgico marcou as diferenas entre os sexos e
que estas fundaram noes de desigualdades, colocando as mulheres vulner-
veis fora e razo masculina. O que at hoje possui efeitos de verdade.
Nos relatos das professoras h o discurso de que o lugar da mulher no
o do prazer e dos desejos por isso que a masturbao as choca. Em nossa
cultura, qual o lugar da mulher que se masturba? Geralmente, vista como
pervertida, prostituta ou devassa. Por que o lugar legtimo da mulher de bem
na instituio do casamento onde deve exercer a sua funo reprodutora. O

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prazer, historicamente, lhes foi negado e, talvez por isso, ainda tenham tanta
dificuldade de lidar com o ele, especialmente, na masturbao em que a figura
masculina no se faz necessria ao prazer.
Sobre esses lugares atribudos sexualidade feminina e masculina, con-
cordo com Guacira Louro quando afirma que:
[...] pouco importa sob quais bases foi fundamentada essa repre-
sentao; o que importa que ela teve, e ainda tem, efeitos na
produo de sujeitos masculinos e femininos. Essa representao
exerce um efeito de verdade e, portanto, pode interferir nas for-
mas de ser homem ou de ser mulher (LOURO, 1998, p. 45).

Em virtude disso, saliento a necessidade dessas questes serem proble-


matizadas no ambiente escolar, especialmente, entre professores/as que atuam
com um componente curricular to especfico como a Educao para a
Sexualidade nas escolas dos anos finais do ensino fundamental do municpio
em questo.

Consideraes finais

A abordagem da masturbao em sala de aula ainda causa polmica


entre professores/as. Em se tratando das professoras participantes da pesquisa,
a dificuldade em falar sobre essas questes ainda maior quando se trata da
masturbao feminina. As anlises discursivas demonstram a influncia das pro-
dues em torno dos marcadores de gnero nos modos como elas reagem s
cenas de masturbao exibidas, evidenciada por comentrios sexistas em torno
do ato masturbatrio de Maria.
Nessa perspectiva, as anlises sugerem a necessidade de que discursos
como esses, relativos s produes das sexualidades dos sujeitos femininos e
masculinos sejam discutidos e problematizados no ambiente escolar, especial-
mente, nos espaos de formao continuada de professores/as.

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LOURO, G. Produzindo sujeitos masculinos e cristos. In: VEIGA-NETO, A. (Org.).


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LOURO, G. Segredos e mentiras do currculo. Sexualidade e gnero nas prticas esco-


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TRINDADE, W. R.; FERREIRA, M de A. Sexualidade feminina: questes do cotidiano


das mulheres. Texto e Contexto Enferm. v. 17, n. 3, p. 417426, jul-set. Florianpolis,
2008.

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DIVERSIDADE SEXUAL E DE GNERO:


A EDUCAO JURDICA EM QUESTO

Marcelo Maciel Ramos


Doutor, Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFMG
[email protected]

Mateus Oliveira Barros


Graduando de Direito pela UFMG
[email protected]

Paula Rocha Gouva Brener


Graduanda de Direito pela UFMG
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

O ensino jurdico carrega milhares de especulaes sobre moralidade e norma-


tividade, ao mesmo tempo que reflete os valores e percepes sociais a respeito
de qualquer temtica. No que concerne diversidade sexual e de gnero,
notria a veiculao de caractersticas heteronormativas e cisnormativas como
o padro adequado e moralmente aceitvel no contexto jurdico. Este trabalho
pretende analisar, a partir de uma perspectiva crtica, como as estruturas do
Direito e a Educao Jurdica vigente no pas tratam das questes de diversidade
de gnero e sexual.
Palavras-chave: diversidade; ensino jurdico; sexualidade; gnero; direitos de
minorias.

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Introduo

O Direito, enquanto elemento cultural de uma sociedade, espelha sua


realidade. No caso da sociedade brasileira, se configura o direito como um ins-
trumento social das elites, trazendo consigo as percepes e os julgamentos de
certo e errado que a maioria dominante possui.
Tais valores, sustentados pela moralidade crist arraigada na construo cultural
nacional, em geral, desconsideram a pluralidade de identidades de gnero e de
identidades sexuais existentes, imponto como padres a heterossexualidade e
a cisgeneridade.
Como expe Borrillo:
Raramente mencionado explicitamente, o sexo onipresente no
direito como instituio de origem patriarcal, na qual a subordi-
nao das mulheres e das crianas, como tambm a injuno
heterossexualidade constituem os pilares do poder jurdico. A
exemplo de Foucault, o poder deve ser pensado de maneira mais
ampla, mais como fora produtiva das relaes sociais que como
simples poder repressivo (BORRILLO, 2010, p. 296)

Por outro lado, o Direito, alm de se constituir como um reflexo do social,


possui mecanismos de automodificao que lhe permite se diferenciar, em
parte, das orientaes hegemnicas vigentes. Vale dizer que em uma ordem
poltica democrtica, o Direito deve garantir de modo igual as liberdades do
sujeito-cidado e, para tanto, deve resguardar o pluralismo do espao social,
garantindo s minorias uma fruio igual e livre dos seus direitos. Por essa razo,
de extrema importncia colocar em questo os valores que o aparato jurdico
reproduz e realiza, a fim de refletir sobre se suas aes (ou omisses) coadu-
nam-se com os princpios que norteiam nosso Estado Democrtico de Direito.
A anlise crtica da poltica legislativa e dos mecanismos judiciais que
produzem o Direito constitui importante recurso para diagnosticar a extenso
dos direitos garantidos e as violaes perpetradas em relao s pessoas LGBT.
Ademais, preciso enfrentar a omisso da educao jurdica brasileira em rela-
o ao tema, colocando em debate sua capacidade ou interesse em promover
uma formao para juristas comprometida com uma democratizao inclusiva
das prerrogativas e garantias jurdicas. Assim, essencial lanar luz sobre os
atuais problemas dessa educao e quais avanos se mostram possveis.

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Conforme afirmam Ferreira, Santos e Silva:


Na atual conjuntura social, a questo homem/masculino ou mulher/
feminina devem ser desmistificadas em virtude da escolha sexual
de cada um, isso tem levado a reformulao de polticas pblicas
para atender a essas novas demandas que ao longo da histria sem-
pre ficaram a margem da sociedade, ainda mais do que a categoria
feminina, em virtude da moral familiar, religiosa, bem como a falta
de esclarecimento social a respeito das diferenas culturais, religio-
sas, de etnia, sexualidade e etc. (FERREIRA, SANTOS, SILVA, 2015,
p.369)

No devem os indivduos, contudo, ficarem merc do demorado pro-


cesso legislativo e polticas pblicas para encarar essas transformaes. A luta
pela mudana deve se realizar tambm no campo do ensino jurdico, o qual
permite instrumentalizar o saber e as tcnicas do direito em favor das minorias.
Diante disso, em um primeiro tpico ser trabalhado o ensino jurdico
ptrio na sua atualidade, contextualizando-o e problematizando-o. No segundo
momento, abordaremos as percepes de gnero e sexualidade no Direito,
apontando para os seus atrasos e desafios. Por fim, sero apresentadas as con-
sideraes finais, objetivando instigar um debate transformador para o tema.

O Ensino Jurdico sexista e LGBTfbico?

As percepes sexistas que reservam ao homem um papel poltico e nor-


mativo e afastam a mulher dos espaos de poder, colocando em uma posio
de sujeio, so claramente incompatveis com os princpios de igualdade e
liberdade sobre os quais o Direito contemporneo se afirma. O mesmo se pode
dizer dos valores heteronormativos que sequestram de pessoas LGBT a mesma
fruio dos espaos pblicos e as mesmas possibilidades de desenvolverem
suas identidades de modo livre.
importante que se considere, em um Estado Democrtico de Direito,
que marcadores sociais utilizados para inferiorizar e sujeitar determinados
grupos (e corpos) no condizem com os princpios da igualdade e da no dis-
criminao. O Direito, enquanto elemento de regulao da vida social, precisa
estar vigilante, no momento mesmo da reproduo das tcnicas e saberes atra-
vs das formaes jurdicas, em conter a estigmatizao e inferiorizao de
pessoas LGBT. O mundo pblico da aprendizagem institucional um lugar

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onde o corpo tem de ser anulado, tem que passar despercebido, pois s assim
ser possvel um ambiente poltico democrtico e desvinculado de preconceitos
(HOOKS, 2000, p.113).
A Educao Jurdica constituiu-se historicamente com certo desprezo pela
realidade social, convencida de que uma justia universal deveria ser tecida
a partir de uma razo abstrata e apriorstica. Ela estruturou todo o seu apa-
rato terico sobre uma construo abstrata do sujeito de direito, isto , sobre
uma definio de homem cujo corpo concreto e os seus marcadores sociais
no deveriam importar para atribuio de prerrogativas e poderes jurdicos e
polticos.
Todavia, o gnero e a sexualidade, bem como a classe e a raa - esses ele-
mentos concretos que se inscrevem nos corpos - nunca deixaram de ser levados
em considerao no momento do reconhecimento concreto de prerrogativas e
da fruio efetiva de direitos. O padro social heterossexual e cisgnero conti-
nuou a se impor como condio para o empoderamento jurdico do sujeito. As
identidades consideradas dissidentes, para alm de serem subvalorizadas, man-
tiveram-se margem no s da vida social e do reconhecimento dos aparatos
jurdicos, mas tambm da educao em direito.
Em um campo como o direito, no qual os poderes repressivos e simblicos
so especialmente relevantes, a formao de juristas, juzes, promotores, advo-
gados e agentes pblicos tem um enorme impacto na capacidade efetiva dos
aparatos jurdicos de reconhecer e incluir minorias. Alm disso, visto que seus
conceitos so relativamente abertos significao doutrinria e jurisprudencial,
as quais perpassam pela interpretao subjetiva daqueles que a constroem, a
forma como sero conformadas essas interpretaes e como ser instrumenta-
lizado o direito dependem diretamente de como se estrutura o ensino jurdico.
O que se percebe atualmente uma completa negligncia nas formaes
jurdicas em relao aos temas de gnero e sexualidade. O formalismo acrtico
que prevalece nas vrias disciplinas do curso de direito colabora para que no
se coloque em cheque as protees seletivas e solues conservadoras que se
oferece ao estudante.
No se questiona como o direitos civis da personalidade engessam a iden-
tidade de gnero; como so desiguais as relaes contratuais entre homens e
mulheres; no so levantadas novas vias para o direito de famlia, que per-
manece esttico frente a um cenrio fluido em que no h mais uma nica
formao familiar; no se discute o sintoma de violncia social, o qual, mesmo

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com a criminalizao de algumas condutas, como o feminicdio, permanece


sem problematizao e discusso nas aulas de direito penal. Ademais, por meio
de um silncio indiferente e abafado, continua o direito a negar, muitas vezes
pela simples omisso e silncio, condies dignas de vida e iguais prerrogativas
jurdicas s pessoas trans e travestis, s mulheres, gays, lsbicas e toda uma infi-
nidade de identidades dissidentes.
Trazer para a pauta da formao de juristas a problematizao desses
temas o nico caminho para que se possa pensar novas solues e arti-
culaes tericas para as discriminaes baseadas no gnero e sexualidade,
fomentando, desse modo, uma prtica jurdica verdadeiramente democrtica e
emancipatria. No entanto, conforme bem observa Hooks, ainda prevalece no
meio acadmico a ideia de que chamar ateno para o corpo trair o legado
de represso e de negao que nos tem sido passado por nossos antecessores na
profisso docente, os quais tm sido, geralmente, brancos e homens(HOOKS,
2000, p.113).
Para transformar o direito preciso, antes de qualquer coisa, subverter o
prprio ensino jurdico. relevante ressaltar que os estudantes de direito, futu-
ros operadores do aparato jurdico, tendem a reproduzir no s os contedos
conservadores da cincia, mas a atitude seletiva e segregadora do seu habitus.
Desse modo, preciso promover uma educao jurdica que se preocupe com
a realidade e as consequncias materiais de suas teorias e que esteja disposta
a discutir a forma como as normas incidem de forma desigual em diferentes
setores da sociedade, especialmente em relao queles situados margem.
Exemplo dessa diferente perspectiva em relao ao direito apresentada
por Fabrzia Serafim. Ao trabalhar as teorias feministas do direto a autora aponta
para o papel do feminismo de proporcionar s mulheres o poder de se apropriarem
dos conceitos e representaes sociais. Conforme a autora, as prprias mulhe-
res puderam analisar, justificar, mas, sobretudo, criar a partir de suas
vivncias conceitos e metodologias nicos (SERAFIM, 2010, p.323).
A perspectiva feminista do direito, inserida na educao jurdica, seria
capaz de tornar o direito mais democrtico e igualitrio, provocando os seus
agentes a (re)pensarem os institutos jurdicos tambm segundo as necessidades
das mulheres. O mesmo se poderia dizer acerca das teorias queer e de sexuali-
dade no que toca a pessoas LGBT.
Afirmam Carvalho e Stancioli que a vivncia verdadeira da autonomia
da vontade implica a (auto)apropriao consciente do corpo dentro de um

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Sexual e de gnero
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projeto de vida mais amplo, que inclua noes de construo da dignidade


(STANCIOLI, CARVALHO, 2011. p. 287). Para tanto, faz-se inevitvel a apro-
priao tambm do direito, transformando-o em um instrumento de proteo e
garantia dos projetos de vida individuais.
Vale aqui destacar que no basta a mera retrica. No tratamos aqui de
demagogia, mas sim de pedagogia!

2. O Direito possui gnero? As percepes de Gnero e


Sexualidade no Direito

Anlises histricas demonstram que as estruturas que compem o sistema


jurdico foram teorizadas e criadas por homens, em sociedades nas quais ele
se constituam como os responsveis pela dinmica social e eram vistos como
os nicos seres capazes de dominar os outros. Em suma, o direito fruto do
patriarcado.
Nesse sentido aponta Pateman que:
Uma das vantagens da abordagem do problema do patriarcado
atravs da histria do contrato sexual mostrar que a sociedade
civil, inclusive a economia capitalista, tem uma estrutura patriar-
cal. As aptides que permitem aos homens, mas no s mulheres,
serem trabalhadores so as mesmas capacidades masculinas exi-
gidas para se ser um indivduo, um marido e um chefe de famlia
(PATEMAN, 1993, p. 63).

O Direito Positivo, pretendendo-se puramente racional, organiza-se em


um modelo binrio e mais uma vez separa os homens das mulheres, ligando
estas famlia e ao cuidado e aquele administrao social e organizao
metdica e normativa do mundo jurdico. Desse modo, h de se compreender
que as estruturas que constituem o Direito, como forma de poder, so represen-
tadas e representam o homem em primeiro lugar, de tal forma que as polticas
sociais de incluso e democratizao se direcionam ao pblico minoritrio,
como as mulheres.
No entanto, preciso ter em mente que essa tentativa de qualificar os
sexos, dimensionando a questo de gnero para uma singularidade que no
elucida a identidade do sujeito (FERREIRA, SANTOS, SILVA, 2015, p. 360). Essa

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insuficincia do binarismo manifesta no direito brasileiro, devendo ser alvo de


desconstruo pelos juristas, em especial enquanto educadores.
No obstante, permanecem os estudiosos negligentes esse estudo na
seara jurdica. Nesse sentido: os acadmicos queer de direito tem prestado
pouca ateno sala de aula das escolas de direito e mais ateno ao desen-
volvimento de cultura queer (BROOKS, PARKES, 2004, p.91, traduo nossa).
Assim, enquanto se desenvolvem os estudos de gnero, permanece estagnado
o ensino jurdico em relao esses problemas.

Consideraes finais

Diante de todo o exposto, resta claro que subverter o ensino jurdico


passo importante para viabilizao da emancipao de mulheres e pessoas
LGBT, sendo desafio a ser discutido e problematizado. preciso abandonar o
mito da neutralidade do direito e romper com o tradicionalismo acrtico de seu
ensino. Afinal, hoje no est a Justia vendada, decidindo de modo imparcial,
mas sim voltada para a lgica da normativizao de gnero, movida pelo pre-
conceito e autorizada pela omisso dos estudiosos do direito.

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Referncias Bibliogrficas

BORILLO, Daniel. O sexo e o Direito: a lgica binria dos gneros e a matriz heteros-
sexual da Lei. Belo Horizonte: Meritum, v. 5, n. 2, 2010, pp. 289-321.

BROOKS, Kim; PARKES, Debra. Queering Legal Education: a project of theoretical


discovery. Harvard Womens Law Journal, vol.27, pp.89-136, 2004.

FERREIRA, Amanda Cristina de Souza; SANTOS, Ana Carla dos; SILVA, Thares Lima
da. Gnero e relaes de opresso: breves reflexes. Peridico do Ncleo de Estudos
e Pesquisas sobre Gnero e Direito, Centro de Cincias Jurdicas - UFPB, n.1, pp.358-
370, 2015.

HOOKS, Bell. Eros, erotismo e o processo pedaggico. In: LOURO, Guacira Lopes
(org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2 edio, Belo Horizonte:
Autntica, pp.113-124, 2000.

PATEMAN, Carole. O contrato Sexual, captulo 2: confuses patriarcais. Paz e Terra,


1993, p. 38-65.

SERAFIM, Fabrzia Pessoa. Teorias feministas do direito: uma necessidade no Brasil.


Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Braslia, n.9, pp.319-333, 2010.

STANCIOLI, Brunello; CARVALHO, Nara. Da integridade fsica ao livre uso do corpo:


releitura de um direito da personalidade. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado;
RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Org.). Manual de Teoria Geral do Direito Civil. Belo
Horizonte: Del Rey, p.267-285, 2011.

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REPRESENTAES DE GNERO NA ESCOLA:


OS VESTIDOS DE ROMEO E O SAIATO NO RIO DE JANEIRO

Rachel Pulcino
Doutoranda em Educao (PUC-Rio) Pontifcia Universidade
Catlica do Rio de Janeiro - Educao
[email protected]

Raquel Pinho
Doutoranda em Educao (PUC-Rio) Pontifcia Universidade
Catlica do Rio de Janeiro - Educao
[email protected]

Felipe Bastos
Doutorando em Educao (PUC-Rio) UFJF/
Colgio de Aplicao Joo XXIII - Ensino de Biologia
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Como a diversidade de gnero vivenciada na escola? Como estudantes exer-


cem prticas de resistncia padronizao escolar? Tais questionamentos
motivaram a escrita desse ensaio, com o intuito de trazer cena experincias
de estudantes do cotidiano que rompem com a rotina generificada da escola.
Para isso, partimos da anlise de duas reportagens: a histria de Romeo Clark,
na Inglaterra; e o um protesto de estudantes do Colgio Pedro II, no Rio de
Janeiro. Atravs desses acontecimentos, pretendemos analisar como essas expe-
rincias fora do padro heteronormativo surgem na escola e adquirem espao
na mdia.
Palavras-chave: gnero; sexualidade; cotidiano; escola; mdia.

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Introduo

A escola um tema frequente na mdia, tanto na exposio de seus acon-


tecimentos cotidianos, quanto na abordagem dos desafios que esto postos para
a educao na atualidade, com nfase aos embates entre as diferentes esferas
de poder. Ao observarmos essa presena da temtica escolar na mdia, encon-
tramos algumas cenas que expressam as identidades de gnero no-binrias no
conjunto de relatos jornalsticos sobre a escola.
O binarismo de gnero se reitera pelas diversas reas e saberes da socie-
dade. Como aponta Neilton dos Reis e Raquel Pinho (2016, p. 10), a mdia vai,
atravs de produes audiovisuais, realar diferentes caractersticas ditas essen-
ciais e especficas para ser homem (como virilidade e racionalidade) e, assim,
construir num campo simblico o que significa efetivamente ser homem; o
mesmo ocorre para o ser mulher. Inclusive, jornais e revistas, assim como outras
produes escritas, tambm compem a produo desse repertrio de signifi-
cados que conferir sentido s identidades de gnero. Na contra-mo da rotina
generificada da escola, encontramos, dentre diversas notcias, as experincias
de Romeo Clark e suas roupas inadequadas, na Inglaterra; e a mobilizao de
estudantes do Colgio Pedro II do Rio de Janeiro, que promoveram um saiato1
na escola.
Partimos da concepo de que as relaes de gnero so imersas em
relaes de poder e so constitutivas de todas as relaes estabelecidas entre
os sujeitos que integram o corpo social (Joan SCOTT2, 1995). Dessa forma, o
presente trabalho busca analisar como esses casos, que rompem com a forma
como os gneros so expostos no cotidiano escolar, so apresentados nas not-
cias selecionadas e visa contribuir para uma desconstruo de esteretipos e
preconceitos de gnero nos espaos escolares.

1 Movimento de repdio s normas de gnero atravs da utilizao por parte dos alunos das tradicio-
nais saias femininas do Colgio Pedro II.
2 Referenciar autoras com nome e sobrenome e no apenas sobrenome como feito usualmente uma
forma de evidenciar os gneros e, por consequncia, as mulheres na pesquisa, o que contribui com
as lutas de reconhecimento e com valorizao da identidade feminina de forma mais ampla (Raquel
PINHO; Rachel PULCINO, 2016).

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Caminhos metodolgicos

O presente ensaio foi elaborado como uma pesquisa qualitativa, cujo prin-
cipal objetivo compreender como duas experincias que quebram a lgica do
cotidiano das relaes de gnero na escola so expostas atravs de meios de
divulgao miditicos no formato de reportagens.
Seguimos a metodologia da anlise de contedos descrita por Roque
Moraes (1999), pois entendemos que o mtodo contribui para a pesquisa na
medida em que auxilia na percepo de sentidos simblicos que atravs de
uma simples leitura no seria possvel, pois a leitura ficaria restrita ao comum.
Assim, nosso interesse est em ir alm de uma leitura superficial das
reportagens, mas expor o quanto e como elas simbolizam e apresentam as
identidades de gnero presentes na escola hoje. Consideramos relevante tra-
zer as prticas desenvolvidas na escola por parte dos estudantes, evidenciando
que, apesar de existir uma forte cultura homogeneizadora dos gneros, a escola
pode ser lugar e espao de exerccio de prticas de resistncia padronizao
e normatizao.

Relatos de preconceito e resistncia: os vestidos de Romeo e o


saiato do Rio de Janeiro

Nesse exerccio de tentar perceber como a diversidade de gnero entra


pelos muros da escola, atravs de reportagens jornalsticas, encontramos as
experincias de um adolescente (O GLOBO, 2014) e de uma criana de 5 anos
(Wellington SOARES, 2015). Suas histrias, apesar de se construrem de modos
distintos, nos contam sobre experincias que fogem ao padro e, por isso,
so interpelados pela equipe da escolar a retornar norma. Estas reportagens
demonstram o quanto ainda precisamos caminhar nos debates sobre as rela-
es de gnero e sexualidades na escola.
Em setembro de 2014, no Rio de Janeiro, um aluno do Colgio Pedro
II foi proibido de utilizar uma saia, tradicionalmente utilizada como uniforme
pelas meninas nesta escola. O aluno, identificado como transgnero3 pela

3 As palavras transgnero e transexual so utilizadas para pessoas que no se enquadram no gnero


determinado a elas no nascimento, ou antes, dele, uma vez que durante a gestao j existe expec-
tativa em torno da criana quanto ao seu gnero. Os gneros no-binrios, alm de transgredirem

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reportagem4, estava vestido com o uniforme caracterstico do sexo masculino


e durante um intervalo, foi ao banheiro e vestiu a saia do uniforme feminino.
Aps a mudana de roupa foi solicitado pela direo que esse aluno recolo-
casse a cala tradicional do uniforme. O aluno fez a mudana e nove dias aps
o ocorrido, estudantes do sexo feminino e masculino foram escola de saia,
como uma forma de protesto, diante da atitude da direo com o aluno.
Em nota, a escola afirmou que sua atitude estaria de acordo com o Cdigo
de tica Discente que no permite que alunos do sexo masculino se vistam com
roupas do sexo
feminino. A direo da escola disse que o estudante no tinha manifes-
tado nenhuma inteno de utilizar outro nome que no fosse o de batismo.
Sobre essa declarao, a reportagem indica que amigos do aluno em questo
afirmam em suas redes sociais que ele tentava antes desse acontecimento afir-
mar sua identidade de menina na escola.
Em fevereiro de 2015, o caso de Romeo Clark foi divulgado no Brasil
na capa da revista Nova Escola. Romeo, de apenas 5 anos, fora proibido de
frequentar um projeto em sua escola, na cidade de Rugby, no Reino Unido, por-
que no usava roupas de menino. Ele gostava de ir ao projeto trajando vestidos
e, segundo a instituio de ensino, ele s poderia retornar quando comeasse a
vestir roupas adequadas ao seu gnero.
Alm da histria de Romeo, a reportagem traz mais trs casos de precon-
ceito nos quais a diversidade sexual e de gnero so colocadas em xeque pela
escola. So as histrias de Iana, Roberta e Emilson.
Iana apresenta sua experincia com a homofobia e o sexismo na escola.
Conta que desde pequena teve problemas na escola por no se comportar
como menina e que sofreu diversas sanes, como ser chamada a ateno por
no se sentar como menina, ou ter sua me chamada escola pela direo para
falar sobre o seu comportamento. Iana diz na reportagem que tudo ficou mais
claro quando j estava no final do ensino fundamental e acabou se apaixonando

essa expectativa, ultrapassam os limites dos polos e se fixam ou fluem em diversos pontos do espec-
tro de gnero (Neilton DOS REIS; Raquel PINHO, 2016).
4 Segundo nota publicada pelo Retrato Colorido, coletivo LGBT do Colgio Pedro II, em seu Facebook,
o aluno no se identifica com a transexualidade, mas seria um aluno no-binrio, ou seja, que no
se identifica na dualidade entre menino ou menina. Disponvel em: <https://www.facebook.com/
retratocolorido/posts/ 492915740844988>.

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por uma colega. Iana conta que sua postura de aceitao da sexualidade trouxe
outras questes, pois apesar do discurso escolar dizer que no havia nenhum
problema em ser homossexual, a recomendao era que no precisa se falar
sobre isso. Para ser homossexual era preciso estar calado.
Entrei em depresso e tentei me matar trs vezes. Decidi contar
para a minha me. Ela me apoiou muito e a nada mais me impor-
tava. Cortei meu cabelo, joguei fora as roupas de menina que eu
no gostava, me libertei. Passei a falar abertamente sobre a minha
sexualidade, mesmo dentro da escola. Nesse momento, fui abor-
dada vrias vezes por professores e pela coordenao (Iana).

Para Iana, os constrangimentos s passaram quando ela mudou de escola,


da privada para pblica, onde encontrou um espao de trocas e debates sobre
o assunto.
O caso de Roberta mostra mais uma vez a escola assumindo uma postura
dura e preconceituosa. Sua experincia diz dos abusos que as meninas sofrem
cotidianamente nas escolas e da passividade com que a equipe escolar lida
com isso. Na volta de uma atividade esportiva da escola, Roberta conta que
fora assediada por trs alunos que tentaram tocar seus seios, um professor que
assistiu ao acontecimento levou o caso direo.
Tive de ouvir frases como: Voc precisa encarar isso como uma
brincadeira, Talvez voc tenha provocado e normal que isso
acontea com meninos dessa idade. Era como se eu - e no os
meninos que tentaram me tocar - tivesse feito algo errado. Numa
reunio com minha me, o coordenador chegou a dizer que para
me mudar de sala teria de inventar uma histria, porque esse pro-
cedimento s era tomado quando algo grave acontecia. Como se o
que eu passei no fosse um tipo de violncia (Roberta).

A experincia de Emilson, caso que fecha a reportagem da Nova Escola,


retoma caractersticas apresentadas na reportagem do jornal O Globo, porm
trazendo a situao narrada pelo aluno que sofreu o preconceito. Emilson conta
que no acredita nas definies de gnero de masculino e feminino como so
apresentadas e que se considera uma pessoa agnero, ou seja, algum que
vivencia ausncia de gnero. Ele afirma que uma amiga havia deixado uma saia
do uniforme com ele e que um dia decidiu ir para a escola utilizando a saia.

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Emilson conta que na ltima aula do dia foi chamado a comparecer sala da
gesto pela diretora adjunta e pelo coordenador pedaggico:
No fui obrigado, mas a presena dos dois me fez pensar: ou eu
tiro ou pode haver consequncias ruins para mim. [...] Ns sempre
realizamos atividades, palestras e atos para discutir temas ligados
ao gnero e sexualidade. Como protesto ao que tinha acontecido,
promovemos um saiato duas semanas depois. Mais de 30 alu-
nos, homens e mulheres, foram de saia escola no dia marcado. O
caso repercutiu e saiu em diversos jornais. Infelizmente, a gesto da
escola decidiu no tocar no assunto (Emilson).

Este estudante conta que, em conversa, a gestora disse que tinha contato
com as discusses de gnero desde a faculdade e que sabia que na Esccia
homens vestiam saias, mas que isso no acontecia no Brasil e, portanto, deveria
retirar a saia.

Consideraes finais

Nessas reportagens podemos identificar como a diversidade de gnero e


as sexualidades so vivenciadas e reconhecidas no cotidiano escolar. Na repor-
tagem do jornal O Globo, no qual encontramos a viso da escola sobre o saiato,
h uma preocupao em mostrar que no houve uma postura arbitrria diante
do ocorrido e que a interdio foi negociada.
Por outro lado, as experincias trazidas na revista Nova Escola, mostram
o quanto o espao escolar pode ser preconceituoso com as identidades no-
binrias. Na reportagem, encontramos relatos diferentes sobre o preconceito
vivenciados por estudantes: Romeo, um menino de 5 anos que gostava de usar
vestidos; Iana, uma menina que se assumiu homossexual e a escola pede para
ela no se expor; Roberta, que foi assediada por outros estudantes da escola e
culpabilizada pelo assdio sofrido; e Emilson, que foi coagido pela equipe da
escola a trocar de roupa.
Curiosamente, as reportagens do jornal O Globo e da revista Nova Escola
se cruzam. As duas matrias narram o mesmo acontecimento, a histria de
Emilson, porm sobre ticas distintas. A reportagem do jornal traz a viso da
gesto e indica que o erro seria do aluno, enquanto na revista encontramos a
experincia narrada pelo prprio estudante, que diz ter se sentido coagido pela

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presena dos dois gestores, apesar de no ter sido obrigado a tirar a saia por
eles.
Essas histrias nos contam sobre as prticas de interdio e as relaes
de poder presentes no cotidiano escolar que insistem em silenciar e invisibilizar
as diferenas. Elas mostram o quanto escola se configura como um espao
de vigilncia das sexualidades e das marcaes de gnero, sistematizando pr-
ticas de controle e regulao dos corpos dos estudantes. Como aponta Rogrio
Junqueira (2013), a instituio escolar pratica a pedagogia do armrio, quando
seu discurso diz que no h problema em ser homossexual, que est tudo bem.
Mas, apesar disso, ainda pede para seus estudantes comportem-se adequada-
mente de acordo com o seu gnero.
Sobre a histria de Emilson, vemos o quanto sua presena e a publici-
zao impactaram a vida em sua escola, quando um ano aps o ocorrido, o
Colgio Pedro II, lana uma portaria no dia 14 de setembro de 2016, sobre uso
de saias por estudantes do sexo feminino e masculino.
(...) escola federal fundada em 1837, no tem mais uniformes mas-
culino e feminino. Na prtica, o uso de saias est liberado para os
meninos. Em 2014, estudantes fizeram um saiato, depois que uma
aluna transexual vestiu a saia de uma colega e teve de trocar o uni-
forme. Desde maio deste ano, o Pedro II adota na lista de chamada
o nome social escolhido por alunos e alunas transexuais. (Clarissa
THOM, 2016).

Essas aes demonstram o quanto, apesar de ainda encontrarmos resistn-


cias a possibilidades outras de existncia fora dos padres feminino e masculino,
o ambiente escolar pode abrir espao para que outros corpos, considerados
como abjetos ou fora do padro, possam habitar e re-existir no cotidiano escolar.
Ao mesmo tempo, esses relatos mostram que as crianas e os jovens de
hoje, assim como seus responsveis e colegas, no aceitam mais serem silencia-
dos e terem suas identidades invisibilizadas, como o caso de Romeo, que teve
o apoio da me, e do saiato, que contou com apoio de estudantes de ambos
os sexos. Essa atitude demonstra que apesar das posturas vigilantes da hetero-
normatividade nas escolas, existem espaos de resistncia e possibilidades de
transgresso dessa lgica.

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Referncias

DOS REIS, N.; PINHO, R. Gneros no-binrios: identidades, expresses e educao.

Reflexo e Ao, Santa Cruz do Sul, v. 24, n. 1, p. 7-25, 2016.

JUNQUEIRA, R. D. Pedagogia do armrio: a normatividade em ao. Revista Retratos


da Escola, Braslia, v. 7, n. 13, p. 481-498, 2013.

MORAES, R. Anlise de contedo. Revista Educao, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p.


7-32, 1999.

SOARES, W. Educao sexual: precisamos falar sobre Romeo... Nova Escola, edio
279, 2015. Disponvel em: <http://novaescola.org.br/formacao/educacao-sexual-preci-
samos-falar- romeo-834861.shtml>. Acesso em: 12 jun. 2016.

O GLOBO. Meninos do colgio Pedro II vo escola de saia em apoio a colega


transexual. O Globo, Rio de Janeiro, 2014. Disponvel em: <http://oglobo.globo.com/
sociedade/ educacao/meninos-do-colegio-pedro-ii-vao-escola-de-saia-em-apoio-co-
lega-transexual- 13893794>. Acesso em: 12 jun. 2016.

PINHO, R.; PULCINO, R. Desfazendo os ns heteronormativo da escola: contribui-


es dos estudos culturais e dos movimentos LGBTT. Educao e Pesquisa. So Paulo,
v. 42, n. 3, p. 665-680 , jul./set. 2016.

SCOTT, J. W. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao & Realidade,
Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995.

THOM, C. Colgio Pedro II, no Rio, libera saia para meninos. O Estado de So Paulo, So
Paulo, 19 de setembro de 2016. Disponvel em: <http://educacao.estadao.com.br/noticias/
geral,colegio-pedro-ii-no-rio-libera-saia-para-meninos,10000077010>. Acessado em
12 de dezembro de 2016.

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ELES CONSIDERAM SER GAY PIOR DO QUE SER NEGRO


- NARRATIVAS DE UM ESTUDANTE HOMOSSEXUAL NEGRO
SOBRE O COTIDIANO ESCOLAR

Rita de Cssia Santos Crtes


Mestranda do Programa de Ps-Graduao
em Relaes tnicas e Contemporaneidade (PPGREC)
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de Jequi.
[email protected]

Marcos Lopes de Souza - Orientador


Doutor em Educao,
Professor Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

A produo que segue parte de uma dissertao de mestrado vinculado


ao Programa de Ps-Graduao em Relaes tnicas e Contemporaneidade
(PPGREC) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de
Jequi. O objetivo buscar compreender que discursos emergem nas narrati-
vas de um estudante homossexual negro do ensino mdio, que esto voltados
para a sua orientao sexual e etnia. A pesquisa se insere em bases terico-
metodolgicas de autores/as que esto inscritos nas vertentes ps-crticas. A
metodologia empregada na construo de dados a entrevista narrativa e para
a anlise optou-se por operar com os discursos conforme a viso foucaultiana.
Palavras-chave: discursos; cotidiano escolar; homossexualidades; violncia.

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Elementos introdutrios

Este texto corresponde a uma parte integrante de uma pesquisa de mestrado


do Programa de Ps-Graduao em Relaes tnicas e Contemporaneidade
(PPGREC) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), campus de
Jequi.
Trata-se de compreender, por meio das narrativas de um estudante homos-
sexual negro do ensino mdio, que discursos envolvendo relaes de poder
saber emergem no cotidiano escolar, que esto ligados a sua orientao sexual
e etnia. Para a construo dos dados foi empregada a entrevista narrativa, cuja
metodologia possibilita reconstruir as significaes que os sujeitos atribuem
aos processos de escolarizao (ANDRADE, 2014, p. 176).
Na fase emprica, o sujeito entrevistado salientou que gostaria que seu
nome real fosse utilizado na pesquisa. Dessa maneira, registramos que esse
sujeito se chama Renato, um jovem que nasceu no ano de 1997 no Rio de
Janeiro, capital. poca da recolha dessas informaes, cursava o primeiro ano
do ensino mdio regular do turno noturno de uma escola estadual localizada
em um bairro perifrico de Jequi, municpio situado na regio sudoeste da
Bahia.
A investigao se insere em bases terico-metodolgicas de autores/as
que esto inscritos nas vertentes ps-crticas. Para a anlise dos dados produzi-
dos, optou-se pela perspectiva de se operar com os discursos conforme a viso
de Michel Foucault (2015) que concebe o discurso como um elemento descon-
tnuo, disforme e instvel, em que se articulam poder e saber.
Nas falas de Renato, h evidncias de que a violncia se manifesta de
vrias maneiras, dentre as quais podem ser elencadas agresses verbais e fsicas
por parte dos colegas e invisibilizaes e silenciamentos expressados pelos/as
professores/as e direo escolar. Em contrapartida, em muitas situaes de pre-
conceitos e discriminaes a que o entrevistado era submetido, havia algumas
estratgias empregadas para o enfrentamento e resistncia. As cenas a seguir se
referem ao cotidiano em uma escola de tempo integral, quando ele era estu-
dante do ensino fundamental I na cidade do Rio de Janeiro.

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[...] os meninos seguravam no prprio pnis e falavam: Pega aqui, sei


que tu gosta!
Os problemas escolares em relao a minha orientao sexual
comearam por meado do 3 ano do ensino fundamental. Ter que
passar, todos os dias que chegava na escola, por coisas do tipo: os
meninos seguravam no prprio pnis e falavam: Pega aqui, sei que
tu gosta!

Ao relatar que os meninos seguravam o prprio pnis e diziam para ele


pega aqui, eu sei que tu gosta, leva-nos a um texto de Roberto DaMatta
(2010) sob o ttulo Tem pente a? Reflexes sobre a Identidade Masculina, em
que o autor narra uma brincadeira perturbadora de sua juventude que era pra-
ticada pelos rapazes em uma via pblica, onde eles costumavam se encontrar.
A brincadeira consistia em que um colega apalpasse as ndegas do outro, a
que imediatamente se seguia a pergunta: tem pente a?1, e a masculinidade do
apalpado era julgada de acordo com sua reao; assim, se ele reagisse violen-
tamente, era acusado de possuir uma sensibilidade aguada na bunda, ento,
o recomendvel era que no tivesse nenhum tipo de reao. Ao relembrar do
episdio, DaMatta (2010, p. 137) conclui que a brincadeira era um modo ritu-
alizado, posto que ambguo, arbitrrio, repetitivo e socialmente aprovado, de
chamar a ateno para uma parte sagrada do corpo masculino: o traseiro.
Na situao de DaMatta, havia uma regra para o julgamento, ou seja, a
constatao de uma suposta homossexualidade se dava mediante a reao do
sujeito que era agredido, e embora fosse uma prtica grosseira, a brincadeira
era feita com todos os garotos, sem distino, sendo que a ao se configurava
como um processo investigativo, diferentemente do que ocorria com Renato,
em que o juzo de valor era feito antecipadamente j que o assdio acontecia
especialmente com ele.
A bunda, em nossa cultura heterossexista, reconhecidamente como um
local sagrado do corpo masculino, algo que no pode ser tocado, manipu-
lado por outrem do mesmo sexo, com ou sem a autorizao da pessoa que a

1 Da Matta relata que, naquela poca, era costume dos jovens rapazes usar no bolso traseiro da cala,
alm de uma carteira com dinheiro e documentos, um pente e um leno, por isso nada mais leg-
timos e natural do que passar a mo na bunda do companheiro com a desculpa de solicitar um
pente.

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pertence, pois fere a masculinidade; o pnis, ao contrrio da bunda, o que


simboliza a masculinidade, por isso precisa/deve ser tocado, manipulado, como
os meninos cobravam insistentemente que Renato o fizesse.
Nos dois casos, tanto na narrativa de DaMatta quanto na de Renato,
embora haja uma distncia de tempo, h uma evidncia de que ser homem
representa demonstrar, atravs dos gestos, em todos os momentos um modelo
nico de masculinidade, e nesse sentido, Roberto DaMatta (2010, p. 138) acres-
centa: para ns, ser homem no era apenas, ter um corpo de homem, mas
mostrar-se como masculino e macho, em todos os momentos.
[...] eles consideram ser gay pior do que ser negro, ento, pra que me
usar de negro sendo que eu j era gay?
Conversava com alguns que sofriam igual a mim, no pelo mesmo
problema, mas por ser gordo ou por ser negro, isso no Rio aconte-
cia, mas eu nunca sofri por ser negro porque eu sou gay. As pessoas
consideram isso pior. Sabe, se for analisar, eles consideram ser gay
pior do que ser negro, ento, pra que me usar de negro sendo que
eu j era gay?

proporo que outros colegas fazem a leitura do corpo e gestos de


Renato, alm de exp-lo, eles anunciam que as homossexualidades devem ser
conduzidas a um lugar marginalizado, ao mesmo tempo em que eles tambm
se posicionam lendo a si prprios, e ao faz-lo, esto se enquadrando em uma
identidade que fixa, proposta pelas normas de uma cultura que impe um
saber de no poder pensar em outras formas de ser homem ou ser mulher
seno aquela dada pela natureza.
Nesse sentido, Silva (2014) cita que a identidade se contrape diferena
pela afirmao e negao, pois enquanto que a primeira se afirma, imediata-
mente nega a segunda, estabelecendo uma fronteira entre o eu e o outro. Assim,
para os garotos da classe, eles representam a masculinidade referendada pela
norma, possuem uma identidade, enquanto que Renato, por ser afeminado, a
diferena, o sujeito levado condio de abjeto.
Na afirmativa de Renato, naquela escola, os sujeitos que no correspon-
dem aos padres normatizadores, so discriminados, porm, o marcador social
que o diferencia com maior realce perante os demais sua sexualidade, e no o
fato de ser negro. Nesse ambiente, ser gay pior. No entanto, ser negro tambm

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no significa algo agradvel, pois garotos que no possuam jeito afeminado,


mas eram negros, tambm eram alvo de preconceito e discriminao.
O conjunto de aes produziu uma classificao e levou Renato condi-
o de desviante pelos prprios colegas, ou seja, aquele que no corresponde
fixidez dos corpos conforme a norma prescrita, ao que Miskolci (2005, p. 28),
diz que essa classificao resulta de uma variedade de contingncias sociais
influenciadas por aqueles que detm o poder de impor essa classificao, e
nessa classe heterognea parece que as outras crianas fazem parte do con-
junto normalizador hegemnico.
O comportamento desses alunos nos remete a pensar que sua postura
o resultado de uma produo cultural se entendemos do ponto de vista de que
a cultura uma construo social que engendra valores e posiciona sujeitos em
locais situados margem ou no centro, de acordo com a valorao estabele-
cida pelas regras determinantes em um grupo social. Assim, no instante em que
os colegas de Renato se manifestam discriminando-o, eles esto anunciando
que naquele ambiente no permitida a convivncia com masculinidades dife-
rentes das propostas pela normatividade.
[...] a ele comeou a me zoar com essa msica[...]
[...]a professora sempre arrumava a gente pra ver filme, tinha aque-
las sesses, era quarto ou quinto ano, por a. [...]era uma coisa livre,
depois do almoo, a levaram o DVD de Latino. Quando comeou
a tocar essa msica (Renata)2, tinha um menino chamado Emerson.
[...] a ele comeou a me zoar com essa msica. Chegava na minha
cabea e ficava batendo assim (faz o gesto batendo nos ouvidos) e
a todo mundo comeou a entrar na pilha dele, eu pedia pra parar,
ele no parava e a professora no estava na sala. A eu comecei a
chorar e sa correndo da sala e fui pra secretaria. A, nisso que no
se resolveu nada, voltaram pra sala e tiraram o DVD e todo mundo
voltou pra sala e ficou por isso mesmo.

Para Ferrari (2010) nas situaes de humilhao, existem, geralmente, trs


sujeitos: o primeiro aquele que humilha por se sentir autorizado, o segundo
sujeito, que humilhado por ser diferente, e um terceiro sujeito que simulta-
neamente espectador e rbitro, sendo-lhe atribuda a capacidade de identificar

2 Ttulo de uma msica do cantor Latino que fez muito sucesso no ano de 2005.

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os dois primeiros. Quando Renato diz que todo mundo entrou na pilha dele,
referindo-se aos colegas, evidencia que eles se posicionaram a favor do sujeito
que humilha, ao mesmo tempo em que o potencializa, imputando-lhe superio-
ridade, enquanto que o segundo sujeito identificado como inferior, no s em
relao ao autor da ao, como tambm ao grupo.
Quanto ao garoto que iniciou a agresso, ele se sentiu fortalecido com a
animao da classe, que nesse momento havia se tornado uma plateia para o
seu show. O interessante observar tambm que Renato, embora no tenha
reagido s agresses, buscou uma sada para se defender, se consideraremos
que a sua fuga da sala de aula at a secretaria da escola uma estratgia que
ele encontrou para a interrupo das agresses.
Ao dizer que o DVD foi tirado, todo mundo voltou para a sala e ficou
por isso mesmo, Renato denuncia que a escola silenciou mediante o fato. No
entanto, o silncio, muito mais do que a ausncia da fala, pode ter vrios senti-
dos, conforme Marques e Ferreira (2011, p. 39) mencionam que o silncio pe
em jogo processos de significao. Nessa situao, sem dialogar com a classe,
sem questionar quais incmodos existem com relao ao colega, a professora
abriu espao para que as prticas de violncia relacionadas homossexualidade
continuem naquele espao educativo e esse silenciamento nos faz suspeitar que
a escola esteja favorecendo a construo social hegemnica que hierarquiza,
classifica e empurra pessoas para a margem pelas suas subjetividades.
Todavia, as atitudes violentas de preconceito e discriminao nos desafia
a pensar que, enquanto espao heterogneo e que produz saberes, a escola no
deve silenciar. Assim, em situaes semelhantes h alguns posicionamentos e
atitudes que podem ser mediadas como problematizar a situao fazendo com
que os alunos reflitam sobre suas aes relacionadas s diferenas, que esto
presentes em cada um, acrescentar ao planejamento pedaggico temas que
se refiram s performances de gneros no-hegemnicas, s sexualidades, e
finalmente homofobia, e inserir no planejamento a questo da violncia com
vistas a evidenciar para os alunos que esse fenmeno traz consequncias tanto
para o agredido quanto para o agressor e ainda se estende a outras pessoas
mesmo que no estejam envolvidas diretamente nos fatos.

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Elementos conclusivos

Dentre as narrativas, Renato, garoto homossexual e negro, elenca epi-


sdios acontecidos na escola desde os anos iniciais do ensino fundamental,
quando ainda era criana, que se tornaram significativos a ponto de merecerem
destaque.
Ao problematizar essas questes, compreendemos que este, assim como
o todo do texto dissertativo resultante das investigaes a que nos desafiamos,
apenas um conhecimento, um discurso parcial, a partir do olhar que tivemos
sobre as relaes de poder que operam nos discursos sobre as homossexuali-
dades e a etnia.
Assim, outros olhares traro outros discursos, ampliaro as formas de
pensar sobre os escritos que aqui se encontram, afinal, embora este trabalho
represente a sntese de um olhar, sabemos que ele est dialogando com outros,
por isso a recorrncia a estudiosos e tericos que do consistncia s discusses
sobre o tema investigado.

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Referncias

ANDRADE, Sandra dos Santos. A entrevista narrativa ressignificada nas pesquisas edu-
cacionais ps-estruturalistas. In: MEYER, Dagmar Estermann e PARASO, Marlucy Alves
(orgs.). Metodologias de pesquisas ps-crticas em educao. 2 ed. Belo Horizonte:
Maza Edies, 2014.

DaMatta, Roberto. Tem pente a? Reflexes sobre a identidade masculina. Enfoques


- revista eletrnica dos alunos do PPGSA/IFCS/UFRJ. Volume 9, nmero 1, agosto
2010. Disponvel em: http://www.enfoques.ifcs.ufrj.br/ojs/index.php/enfoques/article/
view/104/96. Acesso em 08 maio 2015, 8h.

FERRARI, Anderson. Eles me chamam de feia, macaca, chata e gorda. Eu fico muito
triste classe, raa e gnero em narrativas de violncia na escola. Instrumento:
Revista de Estudos e Pesquisa em Educao. Juiz de Fora, v. 12, n 1, jan./jun. 2010.
p. 21-30.

FOUCAULT, Michel. Histria da Sexualidade I. 2 ed. So Paulo: Paz e Terra, 2015.

MARQUES, Luciana Pacheco e FERREIRA, Adriana Marques. Gestos de silenciamento


no/do cotidiano escolar. In: FERRARI, Anderson e MARQUES, Luciana Pacheco (orgs.):
Silncios e Educao. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2011.

MISKOLCI, Richard. Do desvio s diferenas. Teoria & Pesquisa. N 47. Jul./dez. 2005.
p. 9-41.

SILVA, Tomaz Tadeu da. A produo social da identidade e da diferena. In:


____________________(org.). Identidade e diferena: A perspectiva dos estudos
culturais. 15 ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2014.

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DIFERENA EM DISPUTA: OS EMBATES ACERCA


DO KIT ANTI-HOMOFOBIA

Thalles do Amaral de Souza Cruz


Doutorando em Educao
ProPEd-UERJ
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Em minha dissertao intitulada Diferena em disputa: os embates acerca do kit


anti-homofobia (2004-2012), analisei os embates discursivos acerca da imple-
mentao do projeto Escola Sem Homofobia (2011), em especial o chamado
Kit Anti-Homofobia. A partir das argumentaes apresentadas publicamente
por diversos atores, e apoiando-me nas contribuies de autores da teoria do
discurso, da teoria ps-estruturalista, dos estudos ps-coloniais e da teoria
queer procurei promover um dilogo entre tais tericos e discusses do campo
de currculo, visando refletir sobre como tal campo e a educao de modo
geral so perpassados por disputas de significaes que, apesar de serem sem-
pre contingenciais e abertas a novos significados, se apresentam como slidas
e reforadoras de uma lgica binria.
Palavras-chave: kit anti-homofobia; teoria do discurso; currculo; normativi-
dade; polticas pblicas

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Introduo

Neste trabalho busquei analisar as seguintes questes que giraram em


torno das disputas do Kit Anti-Homofobia do MEC e seu consequente veto: o
que pode ter contribudo para que o discurso contrrio (argumentos, estratgias,
meios...) implementao do referido projeto tenha sado hegemnico1 nesta
disputa? Seria este material do MEC um desestabilizador nesta discusso binria
ou reforaria este binarismo ao hierarquizar no s o que considerado leg-
timo e ilegtimo, mas tambm ao criar uma hierarquia entre os ilegtimos, os
que praticam sexualidades desviantes?
Discusses acerca do carter natural/essencializador/universal de certas
prticas sexuais e de sua respectiva poltica de identidade estiveram fortemente
presentes no embate que visava hegemonizar determinadas significaes em
torno do Kit. De um lado uma lgica mais conservadora que justificava seus
posicionamentos como sendo a defesa da famlia, dos bons costumes e dos
valores religiosos, tendo como exteriores constitutivos as prticas e sujeitos
LGBTs. De outro, articulaes que justificaram seus posicionamentos como
sendo a defesa da democracia, dos direitos humanos, dos direitos das pessoas
identificadas como LGBTs e do Estado laico, tendo como exteriores constituti-
vos os dogmas cristos. No centro desta disputa, a implementao ou no do
referido kit.
O material foi vetado pela presidenta Dilma Rousseff e teve sua distribui-
o vetada mesmo com os criadores do Kit e o prprio MEC tendo reiterado
que este material visava capacitar gestores(as) e professores(as) sobre os prin-
cipais conceitos referentes diversidade sexual e de gnero e eliminao da
homofobia no ambiente escolar, tendo sido gerado um verdadeiro pnico moral
(MISKOLCI, 2007) acerca do que seria discutido e exibido para crianas e ado-
lescentes em todo o pas.

1 Considero que o discurso contrrio ao projeto tenha sado hegemnico no perodo que abarcou este
estudo no s porque a denominao Kit Gay, em tom pejorativo, ficou popularmente conhecida,
como tambm pela suspenso, por parte do Governo Federal, da continuidade do projeto.

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Metodologia

Para analisar as articulaes discursivas e os enfretamentos destas em


torno do kit, acompanhei os argumentos dos atores polticos em alguns ve-
culos de imprensa de relevncia nacional2. Em relao s reportagens, fiz um
levantamento que abrange o perodo de 02/05/2011 a 14/10/2012 nos sites dos
seguintes veculos: jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Correio Braziliense e
Folha Universal, revista Carta Capital, portais de notcias G1 e R7. A eleio
destes ocorreu por serem veculos de relevncia nacional, pertencentes aos dois
maiores conglomerados de comunicao do Brasil, possuindo alcance nacional
e internacional, mas principalmente por serem grupos de posicionamentos bem
distintos. A anlise seguiu a metodologia da teoria do discurso, ou seja, procu-
rou entender a forma como se constituram cadeias equivalenciais que levaram
a hegemonizao de certas posies.
Com a anlise das reportagens foi possvel identificar dois grandes grupos
heterogneos que se articularam formando cadeias equivalenciais, uma favo-
rvel e outra contrria distribuio dos materiais nas escolas pblicas, que
se utilizavam da regulao miditica para repercutirem seus posicionamentos.
O grupo que posicionou-se a favor neste perodo foi composto por diversos
agentes ligados defesa dos Direitos Humanos. J contrrios implemen-
tao que se colocavam como defensorxs dos bons costumes e da famlia,
apareceram com grande destaque o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ),
xs membros da Frente Parlamentar em Defesa da Famlia (FPDF), a bancada
religiosa do Congresso Nacional formada pela Frente Parlamentar Evanglica
(FPE), a Pastoral Parlamentar Catlica (PPC) e as mdias ligadas ao grupo Record
(Jornal Folha Universal e Portal R7).

O embate e o veto

Em 2010, a Comisso de Legislao Participativa convocou para os dias


22 e 23/11 o seminrio Escola Sem Homofobia com o objetivo de debater
e analisar de que forma a escola poderia contribuir para promover o respeito

2 Tambm foram analisados pronunciamentos pblicos realizados por parlamentares nos plenrios da
Cmara do Deputados e do Senado Federal que podem ser encontrados em seus sites oficiais.

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diversidade sexual. Neste dia, Andr Lzaro em sua participao como


representante da SECAD (Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e
Diversidade) do MEC fez uma fala descontrada que foi utilizada como estopim
para que polticos e grupos contrrios que estas temticas fossem levadas s
escolas, criassem uma polmica com repercusses em todo o pas: Uma das
coisas que eu me tra, foi que eu fiz uma brincadeira quando no devia, dizendo
que a gente tinha discutido meses quanto da lngua entrava no beijo da boca, e
escolhemos no ter beijo na boca. (LZARO apud VITAL DA CUNHA, 2012,
p.113).
No dia 30/11/2010, no plenrio da Cmara, Bolsonaro deu incio denn-
cia ao maior escndalo que ele j havia presenciado em dcadas como
deputado. Ele falou sobre a participao de Andr Lzaro no seminrio acima
e relatou resumidamente o contedos de dois vdeos do material educativo
(Encontrando Bianca e Torpedo). Neste discurso, o deputado frisa que o
material seria para crianas de 7 a 10 anos, quando os documentos oficiais
dizem que seria para professorxs dos anos finais do Ensino Fundamental e para
as trs sries do Ensino Mdio. Neste mesmo pronunciamento, ele afirma que
o verdadeiro objetivo de iniciativas como esta seria aliciar a garotada, especial-
mente os garotos que eles acham que tm tendncias homossexuais.
Uma semana depois, Bolsonaro voltou tribuna denunciando os planos
extremamente graves do MEC que teria os objetivos de estimular o homos-
sexualismo, a pederastia, a baixaria, alm de solicitar o apoio da bancada
religiosa. Neste ponto fica bastante evidente a que grupos Bolsonaro buscou se
articular explicitamente dentro do Congresso Nacional (FPE, FPDF, PPC) com os
quais criou cadeias de equivalncias (BURITY, 1997) e utilizaram esteretipos
para hegemonizar sentidos pejorativos em relao no s ao material educativo,
como a atitude do Governo Federal de querer levar este tipo de temtica para
as escolas pblicas. Outros parlamentares tambm foram nesta mesma direo,
como o deputado federal Joo Campos (PSDB-GO), membro e presidente da
FPE, que em seu discurso acusou o Governo de estar financiando e estimulando
uma determinada orientao sexual, alertou xs demais parlamentares que era
preciso preservar os valores cristos da famlia.
No meio de toda esta discusso um outro embate, desta vez entre Governo
e a oposio, cruzou e se sobreps s discusses envolvendo a distribuio ou
no do Kit: as denncias do jornal Folha de S. Paulo sobre um suposto enriqueci-
mento ilcito do ento ministro da Casa Civil, Antnio Palocci. Aproveitando-se

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desta questo, o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ)3, ento vice-presidente


da FPE, veio a pblico anunciar que xs membros desta frente parlamentar no
votariam mais nada e iriam obstruir o plenrio at que o governo recolhesse o
material do MEC. Para justificar a suposta chantagem que a bancada religiosa
fazia com o Governo, Garotinho chegou a afirmar que o material do MEC
ensinava a fazer sexo anal e o Ministro Fernando Haddad foi chamado a dar
explicaes.
Em reportagem da Folha de S. Paulo do dia 18/05/2011 foi repercutido o
encontro de Haddad com a bancada religiosa com a chamada MEC nega ter
distribudo Kit Gay e diz que material pode mudar . Na reportagem do dia
seguinte do jornal O Globo, intitulada Haddad afirmou que o Ministrio da
Educao no vai alterar contedo de kit anti-homofobia, foi repercutida a par-
ticipao do Ministro no programa de rdio Bom dia, Ministro.
A reao da bancada religiosa e da mdia contrria distribuio do mate-
rial foi rpida e intensa. Nos dias 19 e 20/05/2011, o Jornal da Record, telejornal
da TV Record transmitido em horrio nobre, vinculou duas reportagens, a pri-
meira de 4 minutos e 37 segundos4 e a segunda de 3 minutos e 09 segundos5 .
Na primeira, a chamada era: S aumenta a rejeio ao material com contedo
homossexual que o Ministrio da Educao quer distribuir nas escolas. A repor-
tagem continua afirmando que para alguns parlamentares o kit gay esconde,
na verdade, uma propaganda homossexual que pode ser extremamente pre-
judicial para a formao de toda uma gerao. Na edio do dia seguinte, o
telejornal fez a seguinte chamada: Indignao! Foi com esse sentimento que os
brasileiros ouviram as declaraes do ex-secretrio do Ministrio da Educao
exibidas ontem aqui6. Aps meses de muita polmica e pressionada pela ban-
cada religiosa, no dia 25/05/2011, a Presidenta Dilma Rousseff ordenou que o
MEC suspendesse a distribuio do Kit. A partir do veto, se delineou ainda mais
as articulaes contrrias e favorveis ao projeto. Vale ressaltar que xs atores

3 O Partido da Repblica (PR) fazia parte da base aliada do Governo Federal.


4 Disponvel em: http://noticias.r7.com/educacao/noticias/cresce-repercussao-negativa-contra-kit-anti-
-homofobia-20110519.html
5 Disponvel em http://noticias.r7.com/videos/comentario-de-ex-secretario-do-mec-sobre-kit-gay-cau-
sa-indignacao/idmedia/f61371d6bf04dc4fbc608efcc81b4cc1.html. Acesso em 14 de maio de 2014.
6 Referncia brincadeira feita por Andr Lzaro e j analisada neste trabalho.

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sociais que defendiam o material educativo e sua distribuio ganharam muito


mais espao para suas falas somente aps o veto presidencial.

Consideraes finais

A hegemonizao da articulao conservadora se utilizou desde um


aparato de colaboradorxs que vigiaram como estavam tramitando propostas
que envolviam a populao LGBT para barr-las abordagens miditicas que
estimulariam os pnicos morais (MISKOLCI, 2007) de grande parte da popu-
lao. Alm disso, a crescente presena de parlamentares que constituem a
bancada religiosa, principalmente na Cmara do Deputados, conseguiu bar-
ganhar o apoio s votaes de interesse do Governo Federal suspenso da
distribuio do kit. Durante todo este embate conclu que xs defensorxs de sua
formulao e distribuio s escolas do Kit assumiram uma posio segundo
a qual a efetivao do projeto Escola Sem Homofobia realmente eliminaria as
prticas discriminatrias no ambiente escolar. Desta forma, se aproximaram de
uma viso sobre o currculo e o conhecimento onde estes poderiam contribuir
de forma eficaz na resoluo de problemas sociais, o chamado progressivismo
presente no pas desde a dcada de 1920 (LOPES; MACEDO, 2011, p. 25).
Alm disso, da forma como foi pensado e elaborado, este material educativo
no visava desconstruir a lgica binria e hierarquizante presente na norma
heteronormativa. Mesmo visando alargar o que poderia se considerar legtimo
no campo das prticas sexuais, de certo modo acabou preservando a excluso
de tantas outras prticas sexuais hetero e homossexuais, principalmente por
reproduzir a lgica heteronormativa como a defesa de relacionamentos estveis
e monogmicos.
Desta forma, estas diversas falas pblicas foram entendidas em minha
anlise como um ato performativo que constri/ refora uma hierarquia de for-
mas de se relacionar. O exterior constitutivo, a ameaa a tais valores, a tal
significao, foi materializado neste embate justamente com o material educa-
tivo do MEC.
Com toda esta polmica, vimos que desde a entrega de panfletos na porta
de escolas, a colocao ou no de uma cena de beijo homossexual em um
vdeo educacional, as reunies ministeriais com a Presidenta da Repblica,
entre outras, foram aes que em graus variveis interferiram nos rumos dos

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acontecimentos. Assim, reforou-se a ideia que o poder poltico no est pre-


sente somente no nvel macro mas em todas as arenas de disputas (FOUCAULT,
1981).
No entanto, novamente ressalto que a prpria iniciativa do Governo
Federal que atravs do ESH buscou auxiliar xs profissionais da educao a pro-
blematizarem significaes sobre as sexualidades que tradicionalmente esto
sedimentadas nas mais diversas prticas culturais brasileiras, pode ser conside-
ras por si s um avano nas lutas dos movimentos LGBT. Alm disso, estes e
quaisquer outros embates discursivos podem ser um convite s resignificaes
da tradio cultural brasileira to marcada pelo sexismo e homofobia.
Assim, por mais que as disputas de poderes na produo de significados
na escola tenham sido expostas em falas analisadas na dissertao, estes atos
de poder no conseguem fixar de forma definitiva qualquer significao, seja
os que so apontados como contribuindo para prticas tidas como homof-
bicas ou para os que as combateriam. Como afirmam Lopes e Macedo (2011,
p. 40), podemos entender os discursos pedaggicos e curriculares como atos
de poder, o poder de significar, de criar sentidos e hegemoniz-los, mas estes
saberes, sujeitos e antagonismos no so fixos e definidos para todo o sem-
pre (LOPES E MACEDO, 2011, p.92). Mesmo que o desfecho destes embates
naquele momento tivesse sido favorvel aos grupos que defendiam o projeto
Escola Sem Homofobia, no significa que se resolveria todos os problemas de
discriminao e preconceitos, j que o embate, a disputa por significados nunca
cessa. Isto no quer dizer que medidas como a criao deste projeto no sejam
importantes para este embates pela significao dos atos da populao LGBT
nas escolas e nos mais diversos meios sociais, mas que no deveria ser anali-
sado como a soluo final, a medida-chave para estas disputas. Esta disputa,
assim como as que ocorrem em relao a outros temas tidos como polmicos
no mbito escolar possuem desfechos contingentes instigando xs envolvidxs a
estarem sempre alertas seja para defender uma significao hegemnica, seja
para atac-la.

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Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Referncias

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PERCEPES DE PRECONCEITO NA ESCOLA:


UMA ANLISE SOBRE AS DISTNCIAS SOCIAIS
ENTRE ESTUDANTES E PESSOAS HOMOSSEXUAIS

Felipe Bastos
Doutorando em Educao PPGE/PUC-Rio
Colgio de Aplicao Joo XXIII UFJF
[email protected]

Raquel Pinho
Doutoranda em Educao PPGE/PUC-Rio
Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro Educao
[email protected]

Rachel Pulcino
Doutoranda em Educao PPGE/PUC-Rio
Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro Educao
[email protected]

GT 05 - Gneros e sexualidades nas escolas: polticas, prticas e poderes em disputa

Resumo

Este artigo tem como objetivo principal compreender os dados sobre a per-
cepo de homofobia por parte de estudantes em relao s suas distncias
sociais com indivduos homossexuais, obtidos pela pesquisa Preconceito e
Discriminao no Ambiente Escolar, realizada em 2009 pela FIPE/INEP. Com o
universo de dados de estudantes da educao bsica, geramos tabelas de refe-
rncia cruzada para distncia social com pessoas homossexuais e percepo de
atitudes preconceituosas especficas contra pessoas homossexuais. Observamos
a tendncia em todas as anlises de que estudantes socialmente distantes de
pessoas homossexuais enxergam menos prticas de preconceito contra homos-
sexuais quando comparados com estudantes socialmente prximos.
Palavras-chave: preconceito; homofobia; diversidade sexual; escola; distncia
social.

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Introduo

Preconceito, discriminao e violncia so realidades que esto na ordem


do dia, no cerne das relaes entre os sujeitos e desafiam constantemente o
cotidiano escolar. No incomum encontrarmos relatos na escola sobre dis-
criminao contra a diversidade racial, tnica, sexual, territorial, geracional, de
gneros, de deficincias e tais quantas sejam as diferenas que marcam este
sujeito outro da diversidade. No Brasil, o espao escolar se tornou palco de
disputas por reconhecimento da diferena e temas como diversidade sexual e
de gnero, que nunca estiveram fora da escola, vem se destacando nos ltimos
vinte anos pela visibilizao das lutas por direitos.
Louro (2003, 2013) nos ajuda a compreender que os saberes sobre a
diversidade sexual vm ganhando espao significativo em diversas instituies
sociais, tal como o ambiente escolar. Todavia, recorrente e crescente os casos
de preconceito, discriminao e violncia de cunho homofbico na escola
(BORRILLO, 2010; JUNQUEIRA, 2007, 2012), espao marcado por silenciamen-
tos das diferenas sexuais e onde a identidade homossexual vista como um
problema a ser resolvido (BASTOS; PINHO; PULCINO, 2015).
Assim, o presente trabalho tem como objetivo principal observar e com-
preender os dados sobre a percepo de homofobia por parte de estudantes em
relao s suas distncias sociais com indivduos homossexuais, obtidos pela
pesquisa Preconceito e Discriminao no Ambiente Escolar, realizada em 2009,
pela Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas, FIPE. O que buscamos com-
preender , em se tratando de homossexualidades, de que maneira as distncias
sociais, que indicam proximidade e distanciamento, impactam na percepo de
preconceito na escola.

Metodologia

A pesquisa da FIPE teve como objetivo realizar estudo quantitativo sobre


as aes discriminatrias no mbito escolar e, com este, mensurar situaes de
discriminao no ambiente escolar e sua influncia no acesso, na permanncia,
na trajetria e no desempenho escolar dos estudantes (BRASIL, 2009, p. 12).
Os dados utilizados foram disponibilizados pela pesquisa da FIPE no endereo

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eletrnico do INEP (BRASIL, 2008) e obtidos atravs de questionrios respondi-


dos por diretoras1, professoras, funcionrias, alunas e responsveis2.
Diante dos objetivos apresentados, interessa-nos compreender como a
distncia social de alunas em relao a pessoas homossexuais impacta na per-
cepo de preconceito homofbico. Estamos cientes das limitaes no uso dos
dados; no obstante, no buscamos inferir relaes causais entre caractersticas
e atitudes, mas analisamos possibilidades de associaes entre os sentimentos
de proximidade com pessoas homossexuais e estabelecer possveis correlaes
com caractersticas que podem auxiliar na construo de ferramentas, saberes
e competncias para uma educao que reconhea a diversidade sexual e que
no facilite, e tampouco promova prticas homofbicas.
Com o universo de dados de estudantes, geramos tabelas de refern-
cia cruzada para distncia social com pessoas homossexuais e percepo de
atitudes preconceituosas especficas contra pessoas homossexuais. A noo
de distncia social se refere predisposio de uma pessoa em estabelecer
contatos sociais em diferentes nveis de proximidades com membros de um
determinado grupo social. Os respondentes deveriam marcar apenas a opo
que concordassem com mais intensidade dentre as listadas para algumas iden-
tidades sociais, tal como em relao a pessoas homossexuais.
As opes possveis, j organizadas na escala de maior proximidade para
menor proximidade, so: (a) aceitaria que minha filha se casasse com ela; (b)
aceitaria que minha filha namorasse com ela; (c) aceitaria que estudasse em
minha casa com minha filha; (d) aceitaria como colega de trabalho na escola; (e)
aceitaria como aluna na minha sala de aula; (f) aceitaria como aluna da escola.
Se a respondente concorda mais fortemente com a frase em que ele aceitaria
que sua filha se casasse com uma pessoa homossexual, h menor distncia
social entre a respondente e essa pessoa, ento ele automaticamente aceita as
demais frases. Por outro lado, se a frase com a qual ela concorda com maior

1 Diante da constante ocultao das mulheres na escrita de termos neutros, invertemos a regra grama-
tical da lngua portuguesa que define o masculino como elemento neutro, de modo que o feminino
passa a compor deliberadamente os substantivos e adjetivos neutros neste texto.

2 As anlises estatsticas apresentadas neste trabalho foram desenvolvidas a partir da utilizao do


software Statistical Package for Social Sciences, SPSS, verso 20.

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intensidade que aceitaria essa pessoa homossexual como aluna da escola,


pressupe-se que no aceitaria as cinco demais situaes.
Convm destacar que reorganizamos os dados de distncia social em
novas categorias que pudessem dar melhor sentido a nossas anlises. Juntamos
a categorias nos blocos: (e) e (f) que representam maiores distncias sociais no
bloco baixa proximidade; (c) e (d) intermedirias no bloco mdia proximidade; e
(a) e (b) que representam menores distncias sociais no bloco alta proximidade.

Resultados e discusso

De acordo com nossos objetivos, a primeira anlise partiu da corres-


pondncia entre as distncias sociais e percepo de preconceito no intuito
de verificar possveis relaes. A Tabela I apresenta as correlaes tanto para
verificao de humilhao, agresso fsica e acusao injusta contra alunas, pro-
fessoras e funcionrias ocorridas em funo de sua homossexualidade na prpria
escola da aluna respondente. Pode-se perceber a influncia da alta proximidade
de alunas com homossexuais na observao de atitudes preconceituosas.
TABELA I
PRECONCEITO CONTRA ALUNA POR SER HOMOSSEXUAL
Grupos de distncia social

Ao Percepo Baixa Mdia Alta Total


proximidade proximidade proximidade

Vi nesta escola 21,2% 20,3% 31,9% 21,1%


Humilhada

No vi, mas soube que aconteceu


17,2% 17,1% 20,2% 17,3%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
61,6% 62,6% 47,9% 61,6%
nesta escola
Vi nesta escola 9,2% 7,7% 15,6% 8,8%
injustamente fisicamente
Agredida

No vi, mas soube que aconteceu


11,3% 10,2% 19,6% 11,1%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
79,6% 82,1% 64,8% 80,2%
nesta escola
Vi nesta escola 7,4% 6,7% 17,8% 7,4%
Acusada

No vi, mas soube que aconteceu


9,1% 8,6% 16,4% 9,1%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
83,5% 84,8% 65,7% 83,5%
nesta escola
2 = 0,000
Fonte: Elaborao prpria a partir dos microdados (BRASIL, 2008).

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Os estudantes que possuem as menores distncias sociais com pessoas


homossexuais, isto , pertencentes ao grupo de altas proximidades, percebem,
em mdia, 9,7% mais atitudes de preconceito contra alunas homossexuais
em sua prpria escola quando comparados com estudantes de baixa e mdia
proximidade.
As taxas de percepo no vi, mas soube que aconteceu nesta escola
tambm so maiores no grupo de alta proximidade para todas as aes de
preconceito. Pessoas socialmente distantes de homossexuais parecem, por-
tanto, perceber menos as prticas de preconceito homofbico na escola do
que pessoas socialmente prximas. A homofobia um fato que existe na escola
(JUNQUEIRA, 2007), mas a percepo desta parece estar condicionada ao grau
de aceitao para com as pessoas homossexuais.
As Tabelas II e III indicam, respectivamente, os ndices de correlao entre
grupos de distncia social e percepo de preconceito nos itens referentes s
prticas contra professoras e funcionrias da escola em que estudam.

TABELA II
PRECONCEITO CONTRA PROFESSORA POR SER HOMOSSEXUAL
Grupos de distncia social
Ao Percepo Baixa Mdia Alta Total
proximidade proximidade proximidade
Vi nesta escola 9,9% 9,3% 18,7% 9,9%
Humilhada

No vi, mas soube que aconteceu


10,6% 11,3% 17,6% 11,0%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
79,5% 79,4% 63,7% 79,1%
nesta escola
Vi nesta escola 2,8% 2,4% 10,6% 2,8%
fisicamente
Agredida

No vi, mas soube que aconteceu


4,5% 4,6% 11,4% 4,7%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
92,7% 93,0% 78,0% 92,4%
nesta escola
Vi nesta escola 3,1% 3,2% 10,9% 3,3%
injustamente
Acusada

No vi, mas soube que aconteceu


5,0% 4,5% 12,3% 5,0%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
91,9% 92,3% 76,8% 91,7%
nesta escola
Fonte: Elaborao prpria a partir dos microdados (BRASIL, 2008).
2 = 0,000

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As taxas no so as mesmas, mas a tendncia observada na Tabela I se


repete. Na Tabela II, a percepo de prticas homofbicas contra professoras
8,3% maior em grupos de alta proximidade quando comparados com as mdias
dos outros grupos. Na Tabela III, na pgina a seguir, referente ao preconceito
contra funcionrias, a percepo 6,5% maior. Nos dois casos, as mdias so
menores em comparao percepo de preconceito contra as alunas.
Quando observados os ndices de resposta para agredida fisicamente
e acusada injustamente, os valores ficam acima de 90% para nem vi, nem
soube que aconteceu nesta escola nos grupos de mdia e baixa proximidade
social, enquanto que nas respostas para humilhado, as taxas ficaram abaixo
de 80%. Esta outra tendncia em todos os casos, onde a humilhao mais
percebida, j que configura uma agresso mais branda e, possivelmente, mais
cotidiana em relao a agresses fsicas e injustias marcadas.

TABELA III
PRECONCEITO CONTRA FUNCIONRIA POR SER HOMOSSEXUAL
Grupos de distncia social
Ao Percepo Baixa Mdia Alta Total
proximidade proximidade proximidade
Vi nesta escola 4,6% 4,5% 10,0% 4,7%
Humilhada

No vi, mas soube que aconteceu


6,5% 6,2% 14,5% 6,6%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
89,0% 89,3% 75,5% 88,8%
nesta escola
Vi nesta escola 2,5% 2,1% 8,4% 2,5%
fisicamente
Agredida

No vi, mas soube que aconteceu


4,1% 3,8% 13,1% 4,2%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
93,4% 94,1% 78,5% 93,3%
nesta escola
Vi nesta escola 2,3% 2,4% 10,3% 2,5%
injustamente
Acusada

No vi, mas soube que aconteceu


4,2% 4,3% 10,6% 4,4%
nesta escola
Nem vi, nem soube que aconteceu
93,5% 93,4% 79,1% 93,1%
nesta escola
2 = 0,000
Fonte: Elaborao prpria a partir dos microdados (BRASIL, 2008).

Buscamos com estas trs anlises articular o papel da aproximao de


alunas com sujeitos homossexuais e a sua influncia na percepo do precon-
ceito de cunho homofbico na escola. No podemos afirmar a relao direta,

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contudo, nos parece clara a tendncia entre os fatores apresentados, o que


indica maiores predisposies percepo de homofobia pelas estudantes com
altas proximidades socialmente menos distantes a pessoas homossexuais.
A aproximao ou distanciamento com o sujeito outro parece formar um filtro
capaz de auxiliar ou diminuir a percepo das prticas preconceituosas, tais
como humilhaes, violncias e acusaes indevidas.

Consideraes finais

O presente trabalho no buscou atribuir causas e efeitos que impactam


na percepo de homofobia na escola e tampouco nos fatores sociais e pes-
soais que influenciam na proximidade ou distanciamento de alunas a sujeitos
homossexuais. Entretanto, os dados apresentados indicam, em linhas gerais, a
existncia de alguma relao entre estas variveis.
Neste ponto, as anlises contribuem na observao de que alunas social-
mente menos distantes a homossexuais, isto , aquelas que marcaram aceitar
que suas filhas se casassem ou namorassem com pessoas homossexuais, ten-
dem a observar prticas de preconceito homofbico na escola mais do que as
respondentes das categorias de maiores distncias sociais. Outra considerao
importante que no h praticamente nenhuma diferena percentual na veri-
ficao de preconceito entre sujeitos de distncia social alta e mdia e, por
conseguinte, os valores somente se alteram significativamente quando conside-
rados os sujeitos de distncia social baixa.
Se a construo de uma educao menos homofbica caminha para a
formao de sujeitos atentos a este tipo de violncia, ento parece ser necess-
rio que se diminua as distncias sociais entre alunas e pessoas homossexuais. O
contato com e a aceitao das diferenas parece ser um importante caminho
para se pensar numa educao no homofbica.

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Disponvel em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relatoriofinal.pdf>. Acesso
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Braslia: MEC; So Paulo: Inep, 2008. Disponvel em: <http://portal.inep.gov.br/basica-
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JUNQUEIRA, Rogrio Diniz. Homofobia: limites e possibilidades de um conceito em


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LOURO, Guacira Lopes. A construo escolar das diferenas. In: Gnero, sexuali-
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QUEM TEM MEDO DO GNERO? PNICO MORAL,


DESEJOS DISSIDENTES E PEDAGOGIA QUEER

Gelberton Vieira Rodrigues


Mestrando em Educao Sexual - UNESP/Araraquara.
[email protected]

Bruno Pereira
Mestrando em Psicologia - UNESP/Assis.
[email protected]

GT 05 - Gneros e sexualidades nas escolas: polticas, prticas e poderes em disputa

Resumo

Diante das mudanas em curso no Brasil, no mbito das relaes de gnero e


sexualidade, os conservadores tm buscado barrar tais transformaes de forma
desonesta e virulenta. Uma de suas estratgias, nos ltimos anos, acusar aque-
les/as que desejam discutir questes de gnero no espao escolar, com o intuito
de eliminar as desigualdades sociais, de promoverem a Ideologia de Gnero,
como se desejassem transformar as escolas em fbricas de homossexuais.
Assim, por meio da pedagogia queer, se dito que queremos criar fbricas de
homossexuais, mesmo este no sendo o objetivo quando se prope a discusso
de gnero, perguntamo-nos, qual o problema se tivssemos mais homossexu-
ais em nossa sociedade? Como enfrentar os discursos normalizadores quando
o dilogo no parece possvel?
Palavras-chave: Gnero; Sexualidade; Poltica; Pedagogia Queer; Ideologia de
Gnero.

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Introduo

Em 2015, o combate ao que passaram a chamar de ideologia de gnero


tomou novas propores1. Sob a presso de grupos religiosos, cidades por todo
o Brasil tiveram seus Planos Municipais de Educao modificados em rela-
o aos temas gnero e diversidade sexual, assim como tambm foi feito em
alguns Planos Estaduais e no plano Nacional de Educao. Os responsveis por
esta presso justificaram esta medida ao afirmar que os representantes do que
chamam de ideologia de gnero na verdade querem destruir a famlia tra-
dicional atravs de uma imposio de ideias que deturpariam as noes - e
funes - de feminino, masculino e de sexualidade. Uma das estratgias
comumente utilizadas na resistncia aos discursos dos conservadores toma-
-los como fanticos religiosos, como se fossem desprovidos de razo, quase
como fossem uma verso contempornea da loucura numa roupagem de retro-
cessos. Contudo, nosso rechao s suas demandas no elimina o quanto estes
so organizados e articulados e tem conseguido levar adiante sua agenda pol-
tica, inclusive, com muitas conquistas2.
Numa rpida pesquisa no youtube, facilmente possvel encontrar vdeos
intitulados como URGENTE: Lei Para Depravar as Crianas e Destruir a Famlia
Prestes a Ser Aprovada3. Que lei essa que gera pavor e necessita de urgncia e
caso aprovada as crianas estaro desprotegidas da depravao e as famlias de
sua runa? No vdeo em questo, um padre afirma que No temos nada contra
os homossexuais, s no queremos transformar nossas escolas em fbricas de
homossexuais. Mas, por que as escolas tornar-se-iam fbricas de homossexuais
caso tal lei fosse aprovada? Qual o problema, tomado como evidente por estes
discursos, com a suposta possibilidade de uma maior expresso de identidades

1 J em 2011, a editora catlica Katechesis publica no Brasil o livro Ideologia de Gneros: o neototali-
tarismo e a morte da famlia, traduo do livro de nome homnimo escrito pelo advogado argentino
Jorge Scala, ou seja, no se trata de uma discusso recente.
2 Basta lembrarmos que em maio de 2011, a presidenta Dilma Rousseff vetou um conjunto de ma-
teriais que fazia parte do programa Escola Sem Homofobia. Na poca, a presidente, cedendo s
presses da bancada evanglica, afirmou que seu governo no faria propaganda de orientao
sexual.
3 Disponvel em: https://www.youtube.com/watch?v=kkYrvt_jt_g. Acesso em 09/06/2016.

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que destoam das htero-normas de sociabilidade? Esta pressuposio no evi-


dencia as pretenes eugenistas destes discursos?
De forma geral, percebe-se que os conservadores compreendem que
ideologia de gnero uma crena na qual a masculinidade e feminilidade
so consideradas construes sociais e culturais e que qualquer pessoa possa
escolher qual gnero ir seguir. Por que o gnero tido como perigoso nestes
discursos? Porque se a ideia de que o gnero uma construo social e cultu-
ral, as categorias de Homem e Mulher no seriam criaes de Deus. Se estas
categorias, enquanto algo natural, so ameaadas, a heterossexualidade estaria
sob perigo, e assim, o casamento que d origem a famlia na perspectiva hete-
ronormativa e crist. Gnero, nesta interpretao deturpada, destruiria Deus,
o casamento, a famlia, a nao. Quais os no-ditos deste pnico moral?4 Por
que o conceito de gnero tem sido utilizado como um catalisador dos pnicos
morais que assombram os conservadores?
Estamos diante de uma agenda ultraconservadora, de modo que, pode-
ramos pensar quais dilogos so possveis diante do fascismo. No buscamos
demonstrar como os argumentos dos conservadores so errneos, no sentido
de responder estas questes como se estivssemos diante de um debate inte-
ressado e honesto. Alm da visvel e problemtica vulgarizao das leituras que
realizam dos estudos de gnero, se que estas ocorreram, o que encaramos
uma tentativa violenta de imposio de um regime de saber que opera de forma
autoritria por mais de dois mil anos na histria do Ocidente, que se atualiza
constantemente em novas formas de colonizao de nossos corpos, e que nos
dias de hoje, assustados com as mudanas sociais, adaptaram-se a linguagem
inventada no sculo XIX e buscam por meio de noes como as de famlia
burguesa pautada na heterossexualidade reprodutiva, definir quais grupos de
pessoas sero consideradas respeitveis socialmente e merecedoras da catego-
ria de humanos dignos de serem protegidos pelo Estado, relegando a posies
abjetas, de rechao social, estes outros indesejveis nao. Que respostas
uma pedagogia queer pode oferecer diante deste contexto, no qual, as nego-
ciaes parecem impossveis? Ofereceremos uma resposta envergonhada ou

4 Os pnicos morais dizem respeito as resistncias e aos medos sociais relacionados s mudanas,
principalmente quando estas so vistas com potencial de ameaar a ordem social vigente (MISKOL-
CI, 2007).

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faremos da vergonha, que insistem em manter como afeto definidor de nossas


experincias, uma possibilidade poltica de transformao?

Gnero: breve genealogia de uma palavra que se tornou


perigosa

Mesmo que tenha sido criado pelos fundamentalistas religiosos uma divi-
so que implique um ns (cristos)/eles (defensores da ideologia de gnero),
como se esse eles fosse uma unidade coesa que compartilhasse das mesmas
vises acerca do gnero, este um conceito em disputa que historicamente
obteve diversos usos em relao as suas significaes. Tendo surgido em con-
textos mdicos no incio da segunda metade do sculo XX, o conceito gnero,
relacionado anlise das diferenas entre homens e mulheres, passa na dcada
de 805 a ser usado amplamente por tericas feministas com o objetivo principal
de explicitar o carter fundamentalmente social das diferenas entre homens
e mulheres. Neste momento, Joan Scott (1995) o apresenta como a forma pri-
meira de significar as relaes de poder, como um elemento constitutivo das
relaes sociais fundadas sobre as diferenas percebidas entre os sexos (p.21).
Com a emergncia de discusses ps-estruturalistas, esta compreenso se
complexifica. Para Judith Butler (2003), com fundamento na diferena sexual
que discursos tentam nos fazer acreditar que deve haver uma concordncia
entre gnero, sexualidade e corpo. Em sua tica, o sexo uma das normas
pelas quais algum simplesmente se torna vivel, aquilo que qualifica um
corpo para a vida no interior do domnio da inteligibilidade cultural (p.155).
Estamos, portanto, desde sempre generificados com e para os outros.
Em sua teorizao, Butler (2003) nos apresenta a matriz heteronormativa6
de ordem compulsria, que pressupe uma relao direta e causal entre sexo

5 Segundo Haraway (2004, p.221), a exploso do discurso das diferenas entre sexo/gnero na litera-
tura pode ser visualizada, por exemplo, na ocorrncia da palavra gnero como palavra-chave nos
resumos dos artigos registrados nos Sociological Abstracts [de nenhum registro entre 1966 e 1970, a
724 registros entre 1981 e 1985] e nos Psychological Abstracts [de 50 entradas como palavra chave
de resumos entre 1966 e 1970 a 1326 entradas de 1981 a 1985].
6 Heterornormatividade diz respeito a um conjunto de prescries que regulam e controlam os corpos
de acordo com a matriz heteronormativa apresentada acima. Concordamos com Deborah Britzman
(1996) quando esta afirma que precisamos ir alm do termo humanista homofobia. Este termo,
de acordo com ela, alm de nos remeter a um medo individual dos homossexuais, no contm

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biolgico, gnero, desejo e prtica sexual. Esta matriz desvela expectativas de


uma cultura que, mesmo sendo compulsria e socialmente produzidas, so
tidas como fundamentais, espontneas e naturais. Sendo assim, gnero
no exatamente o que algum nem precisamente o que algum tem,
outrossim um aparato pelo qual a produo e a normalizao do masculino e do
feminino se manifestam junto com as formas intersticiais, hormonais, cromoss-
micas, fsicas e performativas que o gnero assume. Supor que gnero sempre e
exclusivamente significa as matrizes masculino e feminino perder de vista
o ponto crtico de que essa produo coerente e binria contingente e que as
permutaes de gnero que no se encaixam nesse binarismo so tanto parte
do gnero quanto constitutivos de seus limites (BUTLER, 2014).
O conceito de gnero, ento, pode ser utilizado na manuteno e produ-
o das masculinidades e feminilidades, mas tambm em sua desconstruo.
Um dos aspectos que diferem nossa produo de saberes sobre o gnero
das que aqui chamamos de conservadoras, que estas querem abordar este
aspecto humano sem reconhecer que o fazem, encobrindo-se com um vu de
pressuposta neutralidade que toma sua leitura do gnero como transcendental e
a-histrica. Em nossa leitura, na contramo desta concepo normativa, gnero
o mecanismo pelo qual as noes de masculino e feminino so produzidas e
naturalizadas, mas gnero pode muito bem ser o aparato atravs do qual esses
termos podem ser desconstrudos e desnaturalizados (BUTLER, 2014, p.253).

O que pode uma pedagogia queer?

A frase de Simone de Beauvoir de que no se nasce uma mulher, mas tor-


na-se uma, uma das noes mais citadas pelo feminismo. Segundo Preciado
(2009), poderamos dizer que tambm que no se nasce uma criana.
[O] sistema educativo o dispositivo especfico que produz a
criana, por meio de uma operao poltica singular: a des-sexu-
alizao do corpo infantil e a desqualificao de seus afetos. A

a crtica poltica de como a heterossexualdade produzida socialmente como a norma, como a


sexualidade normal. A autora defende que, enquanto o termo heteronormatividade aponta para
a ntima relao entre a produo da norma e do desvio constitutivo desta no campo da sexualidade,
o termo homofobia foca-se em atitudes individuais de preconceito, esvaziando assim seu cunho
poltico.

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infncia no um estdio pr-poltico seno, pelo contrrio, um


momento em que os aparatos biopolticos funcionam de maneira
mais desptica e silnciosa sobre o corpo (PRECIADO, 2009,
p.165).

Assim, a criana o meio pelo qual se garantir a normalizao do adulto


e que os policiais do gnero vigiam o bero dos seres que esto por nas-
cer, para transform-los em crianas heterossexuais (PRECIADO, 2013, p.98).
A ideia que se voc no tornar-se heterossexual: a ameaa, a intimidao,
o castigo e talvez at morte lhe espera. Frente as afirmaes fundamentalis-
tas que atacam democracia e explicitamente consideram sujeitos desviantes
das expectativas heteronormativas como inferiores e merecedores de cura e/
ou punio, nos perguntamos: se o desejo heterossexual assim to natural,
como pressupem estes grupos, por que ele to compulsoriamente imposto
e condicionado por inmeras instncias sociais como as famlias e as religies?
Qual a necessidade do uso da violncia fsica e/ou simblica com aqueles/as
que destoam das expectativas normativas de gnero e da heterossexualidade
se estas supostamente desenvolvem-se naturalmente no corpo? Qual ser o
terror que assombra os conservadores ao afirmarem que a educao sexual e o
debate sobre o gnero nas escolas far com que todos tornem-se gays e lsbi-
cas? Seria o desejo heterossexual assim to frgil? Segundo Britzman,
[P]ara um nmero significativo de heterossexuais que imaginam
sua identidade sexual como normal e natural, existe o medo
de que a mera meno da homossexualidade v encorajar prticas
homossexuais e v fazer com que os/as jovens se juntem s comu-
nidades gays e lsbicas. [...] Parte desse mito realmente correta:
a identidade sexual social e depende de comunidades e locais
onde haja prticas, representaes e discursos comuns, partilha-
dos. [...] Mas esse mito sustenta o pressuposto associado de que,
sem o conhecimento dessas comunidades, fica garantido que o/a
estudante decidir que melhor ser heterossexual do que viver o
esteretipo solitrio do homossexual isolado (BRITZMAN, 1996,
p.79-80).

Nesse caso, tanto o conhecimento quanto as pessoas so considerados


perigosos, predatrios e contagiosos. Esse medo do contgio s demonstra
como as homossexualidades so indesejveis, patologizadas e que devem
ser renegadas a qualquer custo. Mas quem defender os direitos das crianas

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queer? Uma pedagogia queer, mais do que uma proposio clara e esttica
de ao educativa, nos oferece uma aposta na potncia de se problematizar e
pluralizar as representaes e os discursos da identidade e do conhecimento,
possibilitando que haja menos discursos normalizadores dos corpos, dos gne-
ros, das relaes sociais e do desejo (BRITZMAN, 1996).

Consideraes finais

Ainda que a discusso realizada neste texto seja de fato um debate pol-
tico em curso de acirradas disputas poltico-idelgicas, concordamos com o
que escreveu o deputado Jean Wyllys (2016), ao abordar a farsa da ideologia
de gnero, que h situaes em que os esforos para invisibilizar ou deturpar
um assunto acabam por afirm-lo e ampliar sua circulao. Afinal, os emara-
nhados do poder e da resistncia se tecem e se potencializam sob o mesmo
campo social. Deste modo, terminamos com uma citao de Preciado:
Eles defendem o poder de educar os filhos dentro da norma sexual
e de gnero, como se fossem supostamente heterossexuais. Eles
desfilam para conservar o direito de discriminar, castigar e corrigir
qualquer forma de dissidncia ou desvio, mas tambm para lem-
brar aos pais dos filhos no-heterossexuais que o seu dever ter
vergonha deles, rejeit-los e corrigi-los. Ns defendemos o direito
das crianas a no serem educadas exclusivamente como fora
de trabalho e de reproduo. Defendemos o direito das crianas
e adolescentes a no serem considerados futuros produtores de
esperma e futuros teros. Defendemos o direito das crianas e dos
adolescentes a serem subjetividades polticas que no se reduzem
identidade de gnero, sexo ou raa (PRECIADO, 2013, p.98).

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Referncias

BRITZMAN, Deborah. O que essa coisa chamada amor?: identidade homossexual,


educao e currculo. Educao & Realidade, Porto Alegre, Faculdade de Educao/
UFRGS, v. 21, n. 1, p.71-96, jan./jun. 1996.

HARAWAY, Donna. Gnero para um dicionrio marxista: a poltica sexual de uma


palavra. Cad. Pagu. 2004, n.22, p.201-246.

BUTLER, Judith. Problemas de gnero: Feminismo e subverso de identidade (1990).


Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

_________. Regulaes de gnero. Cad. Pagu. 2014, n.42, p. 249-274.

MISKOLCI, Richard. Pnicos morais e controle social: reflexes sobre o casamento


gay. Cad. Pagu, Campinas , n. 28, p. 101-128, jun. 2007.

PRECIADO, Beatriz. Terror anal. In: HOCQUENGHEM, Guy.El deseo homosexual.


Espaa: Melusina, 2009.

_________. Quem defende a criana queer?Jangada: crtica, literatura, artes, [S.l.], n.


1, p. 96-99, ago. 2013.

SCOTT, Joan. Gnero: uma categoria til para a anlise histrica (1989). Publicao da
ONG S.O.S. Recife, 1995.

WYLLYS, Jean. A farsa da ideologia de gnero. In: Folha de S. Paulo, 15/03/16.

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NOTAS SOBRE A FORMAO DAS IDENTIDADES


DE GNERO: UMA ANLISE DA CONTRIBUIO
DOS BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Karine Natalie Barra Godoy


Graduada em Educao Fsica
Mestranda em Educao Fsica (UFJF)
[email protected]

Mariana de Paula Vieira


Graduada em Educao Fsica
Mestranda em Educao Fsica (UFJF)
[email protected]

Ayra Lovisi Oliveira


Mestre em Educao Fsica
Professora assistente da Faculdade de Educao Fsica e Desportos (UFJF)
[email protected]

GT 05 - Gneros e sexualidades nas escolas: polticas, prticas e poderes em disputa

Resumo

O objetivo deste estudo apresentar as primeiras aproximaes/reflexes a res-


peito da construo das identidades de gnero e sua relao com brinquedos
e brincadeiras de crianas que pertencem a uma turma de trs anos de uma
creche pblica da cidade de Juiz de Fora. O estudo observou o cotidiano dessa
turma, durante quatro dias consecutivos totalizando 8 horas dirias. Verificamos
que os brinquedos e as brincadeiras suscitaram novos rearranjos e a explora-
o de outras possibilidades contribuindo para o processo de desnaturalizao
daquilo que tido culturalmente como natural. Pudemos observar o protago-
nismo das crianas nesse processo, tanto no sentido do reforo e reproduo
de discursos de gnero estereotipados, quanto na transgresso das fronteiras.
Palavras-chave: identidades de gnero; formao; primeira infncia; brinque-
dos; brincadeiras.

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Introduo

As brincadeiras e os brinquedos das crianas, compreendidos enquanto


sistema simblico, contribuem efetivamente no processo de socializao e de
formao de identidades.
Segundo Kishimoto (2008), baseada em diversos estudos, os brinquedos e
as brincadeiras so importantes espaos para a construo do gnero. A autora
aponta tambm
que nesses processos de socializao e formao de identidade das crian-
as constroem-se prticas de escolha de brinquedos e de brincadeiras por
gnero criando os esteretipos.
Baseado nesses pressupostos o objetivo deste estudo apresentar as pri-
meiras aproximaes/reflexes a respeito da construo das identidades de
gnero e sua relao com brinquedos e brincadeiras de crianas que pertencem
a uma turma de trs anos de uma creche pblica da cidade de Juiz de Fora.
O presente artigo o estudo piloto da dissertao intitulada Cultura corporal,
gnero e infncia.
A partir da filsofa Judith Butler (1990), podemos compreender gnero
como sendo:
(...) a contnua estilizao do corpo, um conjunto de atos repeti-
dos no interior de um quadro regulatrio altamente rgido e que
se cristaliza ao longo do tempo para produzir a aparncia de uma
substncia, a aparncia de uma maneira natural de ser (p. 33).

Quando se fala em estilizao do corpo, Butler refere-se noo de


incorporao do gnero, isto , de exteriorizar e conservar na superfcie do
corpo os discursos, os quais esto diretamente ligados ao meio sociocultural. A
autora localiza o gnero no contexto dos discursos pelos quais enquadrado
e constitudo, de maneira a evidenciar seu carter construdo em oposio ao
natural (SALIH, 2012). Ou seja, o gnero discursivamente construdo a partir
da cultura.
Butler utiliza o termo discurso a partir das formulaes de Foucault,
entendendo-o como grande grupo de enunciados. Os enunciados so com-
preendidos por Foucault como eventos reiterveis que esto ligados por seus
contextos histricos (SALIH, 2012, p. 69).

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O gnero, enquanto efeito de um discurso que preexiste ao sujeito (e no


a causa do discurso) constituinte da identidade que se pretende ser, ou que se
simula ser (BUTLER, 1990, p. 25). J nascemos em um contexto sociocultural
com discursos generificados e generificantes e a partir desse entendimento
que se caracteriza a identidade de gnero como sendo performativa. Butler
pondera que descrever a identidade de gnero como um efeito no implica
dizer que ela fatalmente imvel e determinada, admitindo-se, portanto, iden-
tidades que subvertem o status quo vigente.

Educao infantil e suas implicaes na construo das


identidades de gnero

As creches so instituies que atendem crianas de 0 a 3 anos e cons-


tituem, junto com as instituies de pr-escola, a Educao Infantil, que
considerada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (BRASIL,
1996) a primeira etapa da Educao Bsica.
Os documentos oficiais do governo, como os Referenciais Curriculares
Nacionais para a Educao Infantil RCNEI (BRASIL, 1998) e as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educao Infantil DCNEI (BRASIL, 2010), enfa-
tizam a importncia do brincar e da expresso corporal de forma geral no
desenvolvimento integral da criana pequena. Nesse sentido, podemos destacar
alguns princpios, contidos nesses documentos: o direito da criana ao brincar
como forma particular de expresso, pensamento, interao e comunicao
infantil sem discriminao de espcie alguma, e o atendimento aos cuidados
essenciais associados ao desenvolvimento de sua identidade. No que tange a
uma educao voltada para o gnero o documento coloca que se deve ter o
cuidado de evitar enquadrar as crianas em modelos de comportamento este-
reotipados, associados ao gnero masculino e feminino, como, por exemplo,
no deixar que as meninas joguem futebol ou que os meninos rodem bambol
(BRASIL, 1998, p. 37).
Alguns estudos abordam a problemtica do brincar nas relaes de gnero
e as implicaes na construo das identidades na Educao Infantil (TEIXEIRA,
2001; FINCO, 2004, 2010; AZEVEDO, 2003). A Educao Infantil tem se
mostrado um campo rico para tais investigaes, uma vez que se apresenta
como um espao de poder, um lugar onde as crianas se constituem como

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determinados tipos de sujeito, onde elas constroem sua identidade (BUJES,


1999 apud. TEIXEIRA, 2001, p. 60).

O campo de pesquisa

O estudo piloto observou o cotidiano de uma turma com crianas com


idades entre 3 anos e 3 anos e 11 meses de uma creche pblica da cidade de
Juiz de Fora, durante quatro dias consecutivos totalizando 8 horas dirias (de
8h30 s 16h30).
A turma observada possui 13 crianas, sendo 5 meninos e 8 meninas, e
foi escolhida por indicao da coordenadora pedaggica da creche e pela dis-
ponibilidade da educadora responsvel por essa turma em participar do estudo.
As observaes sobre o cotidiano da turma foram anotadas em um dirio de
campo. A pesquisa foi autorizada pela Associao
Municipal de Apoio Comunitrio (AMAC), instituio responsvel pelas
creches do municpio de Juiz de Fora, atravs de uma solicitao por escrito
encaminhada superintendncia da referida instituio.

Primeiras aproximaes com o campo: entre convenes e


transgresses

Em nossas observaes foram verificadas situaes instigantes que con-


tribuem para refletirmos sobre os objetivos de nosso estudo. De modo geral
meninos e meninas interagiram entre si no decorrer das brincadeiras elaboradas
por elas ou propostas pela educadora. Durante esses momentos no houve
marcas expressivas de brinquedos e brincadeiras estereotipadas, foi comum
observar meninos pegarem boneca para brincar e meninas se interessarem por
bola, por exemplo; a educadora props dana algumas vezes e eles interagiram
entre si danando juntos. Houve uma situao em que a msica que estavam
danando dizia para dar um beijinho no outro, as meninas se beijaram no
rosto naturalmente, dois meninos se olharam e um deles disse rindo, porm em
tom de estranheza: D um beijinho no outro? e no beijou o colega.
Outra situao observada foi quando a educadora perguntou s crianas
quem gostaria de levar a Diara para casa naquela semana e um menino foi o
primeiro a levantar a mo de forma entusiasmada afirmando que sim. Diara
o nome de uma bonequinha que ficava com cada criana semanalmente. Essa

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atividade proposta pela educadora tinha o intuito de desenvolver o cuidado e


a afetividade das crianas. Aps a boneca ser dada ao menino, uma menina
disse: Ele sabe que de menina, mas ele quer levar....
A situao que mais chamou a ateno quanto s marcas de gnero pre-
sentes nos brinquedos e brincadeiras foi quando a educadora organizou a sala
em trs cantinhos: o da beleza (maquiagem, esmalte, pulseira, espelho), o do
carrinho, e o dos bichinhos num dia, e o da casinha, ferramenta, e o do
carrinho em outro dia. Em ambos os dias, foi possvel perceber uma ntida
diviso entre a maioria dos meninos e das meninas de acordo com o cantinho:
meninas para os cantinhos da beleza e casinha e meninos para os cantinhos do
carrinho e da ferramenta. Essa diviso partiu das crianas de forma espontnea,
uma vez que a educadora deixava livre a escolha pelos cantinhos.
Porm essa configurao no se manteve durante toda a brincadeira.
Destacaremos duas crianas, Bianca e Pedro1, que subverteram a essa ordem.
Segundo Finco (2010, p. 13) a brincadeira possui uma qualidade social de tro-
cas: descobrem-se significados compartilhados; recriam-se novos significados e
encontra-se lugar para a experimentao e para a transgresso.
Quando os cantinhos foram organizados, Pedro se encaminhou direta-
mente para o da beleza no primeiro dia, se maquiando com sombra e batom
e pedindo a educadora que passasse esmalte nele; e no dia seguinte para o
da casinha, brincando com bonecas, geladeira, fogo, carrinhos de beb. Em
conversa corriqueira com a educadora, fui informada de que Pedro gostava
de brincar com bonecas, bolsas e outros elementos culturalmente destinados
s meninas, e sempre escolhia esses cantinhos. Durante a brincadeira de se
maquiar, algumas meninas falaram para a educadora que o Pedro estava pas-
sando batom, ela respondeu: Deixa ele! e depois voltou-se a mim dizendo em
tom descontrado: T vendo? Elas ficam me avisando...(risos).
Bianca, no primeiro dia, brincou no cantinho da beleza praticamente
todo o tempo. Porm, no segundo dia, passou pela casinha, mas logo se
encaminhou para o cantinho da ferramenta onde estavam todos os meninos
e perguntou hesitante para outra funcionria da creche, que estava presente
no momento, se podia brincar ali e esta respondeu que sim. Rapidamente um
menino voltou-se para Bianca e disse: No pode brincar com ferramenta!

1 Nomes fictcios

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muito perigoso. Indo de encontro a isso ela comeou a brincar e continuou


mesmo aps os meninos terem se afastado levando algumas ferramentas. A
partir da aconteceram sucessivas situaes em que ela no teve abertura para
interagir com os meninos, pois pelo que foi observado eles no consideravam
aquele tipo de brinquedo como sendo apropriado para uma menina, e tambm
no conseguiu socializar com as meninas, uma vez que o brinquedo que ela
tinha em mos as ferramentas no causou interesse nas outras, que preferi-
ram continuar brincando com o carrinho de beb.
Diferentemente de Pedro em relao s outras meninas, Bianca no
encontrou espao para interagir com os meninos nos brinquedos e brincadeiras,
pois foi por eles excluda. Embora ela tenha recorrido aos brinquedos referentes
ao cantinho da casinha por duas vezes aps ter sido afastada pelos meninos em
meio a expresses como Sai!, foi percebido que
ela sempre voltava ao das ferramentas reorganizando-se e encontrando,
mesmo que sozinha, formas de brincar, com os brinquedos de interesse dela.
Brincou, por exemplo, de serrar o carrinho de beb e depois consert-lo.
Foi possvel perceber que todas as situaes e falas supracitadas das crian-
as esto atravessadas por discursos performativos quanto ao gnero. Ou seja,
trouxeram conceitos culturalmente pr-estabelecidos sobre o que adequado
a cada gnero. Podemos citar o entendimento de que meninos no podem se
interessar por bonecas, pois coisa de menina; ou de que meninas so mais
afetuosas e por isso natural a troca de carinho entre elas, o mesmo no sendo
admitido aos meninos; ou de que meninas so frgeis e podem se machucar
facilmente, por isso brincar com ferramentas perigoso, ao contrrio de meni-
nos, que so fortes, sendo a ferramenta um objeto apropriado a eles.
Kishimoto (1997) afirma que ideias e aes adquiridas pela criana pro-
vm do mundo social, incluindo a famlia e seu crculo de relacionamento.
Retomando o dilogo com Butler e Foucault (SALIH, 2012), pode-se supor que
essas ideias e aes foram adquiridas e construdas a partir do meio social e
cultural que envolve cada criana, o qual permeado pelos discursos. Logo,
eles foram, tambm, por elas apropriados e reproduzidos.
Outro ponto percebido, durante o perodo das observaes, foi que a edu-
cadora no interferia nas escolhas de brinquedos e brincadeiras das crianas, o
intuito estimular a autonomia das crianas valorizando a livre expresso.
Porm destacamos como negativa a sua ausncia e neutralidade diante
das situaes e conflitos que emergiram, pois consideramos, baseadas em

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Meyer (2003), que os processos educativos esto presentes a todo instante,


seja pelos meios de comunicao, pelos brinquedos e brincadeiras, seja pela
ao docente, e estes processos envolvem estratgias sutis e refinadas de natu-
ralizao, podendo reproduzir e reforar esteretipos de gnero impactando
diretamente na forma como essas crianas se percebem enquanto meninas e
meninos, ou seja, na identidade de gnero.

Consideraes finais

Verificamos que os brinquedos e as brincadeiras suscitaram novos rear-


ranjos e a explorao de outras possibilidades contribuindo para o processo
de desnaturalizao daquilo que tido culturalmente como natural. Pudemos
observar o protagonismo das crianas nesse
processo, tanto no sentido do reforo e reproduo de discursos de gnero
estereotipados, quanto na transgresso das fronteiras. Isso indica, portanto, que
as crianas so sujeitos ativos de fato, capazes de significar e ressignificar o
mundo ao seu redor.
Quanto ao pedaggica, percebemos que a educadora seguiu esse pro-
cesso de desnaturalizao, mesmo que de forma no intencional, quando props
a todas as crianas de levarem a bonequinha Diara para casa, rompendo com
o discurso da afetividade e cuidado associados somente s mulheres. Porm,
o mesmo no ocorreu durante a dinmica das brincadeiras, principalmente em
relao aos cantinhos. Acreditamos na importncia de uma educao atenta e
comprometida com as questes relacionadas ao gnero, a fim de minimizar a
desigualdade entre meninos e meninas e valorizar a diversidade.

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Referncias

AZEVEDO, T. M. C. Brinquedos e gnero na educao infantil: um estudo do tipo


etnogrfico no estado do Rio de Janeiro. 2003. Tese (Doutorado em Educao) -
Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2003.

BRASIL. Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases


da Educao Nacional. Braslia, 1996.

BRASIL. Ministrio da Educao e do Desporto. Secretaria da Educao Fundamental.


Referencial Curricular Nacional para Educao Infantil. Volume 1. Braslia: MEC/
SEF, 1998.

BRASIL. Ministrio da Educao. Secretaria de Educao Bsica. Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educao Infantil. Braslia: MEC. 2010.

BUTLER, J. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. Nova York:
Routledge, 1990.

FINCO, D. Faca sem ponta, galinha sem p, homem com homem, mulher com
mulher: relaes de gnero nas relaes de meninos e meninas na pr-escola. 2004.
Dissertao (Mestrado) - Faculdade de Educao, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2004.

FINCO, D. Educao infantil, espaos de confronto e convvio com as diferenas:


anlise das interaes entre professoras e meninas e meninos que transgridem as
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Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.

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Pro- Posies, v. 19, n. 3 (57), set./dez. 2008.

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ISBN 978-85-61702-44-1 559 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

MEYER, D. E. Gnero e educao: teoria e poltica. In: LOURO, G. L.; FELIPE, J.;
GOELLNER, S. V. (Orgs.). Corpo, gnero e sexualidade: um debate contemporneo
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SALIH, S. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autntica, 2012. TEIXEIRA, F.
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Dissertao (Mestrado em Educao) Centro de Cincias Humanas e Artes,


Universidade Federal de Uberlndia, Uberlndia, 2001.

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ISBN 978-85-61702-44-1 560 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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PERFORMATIVIDADE E INTERSECCIONALIDADE
NAS IDENTIFICAES DE GNERO ENTRE JOVENS
NO CONTEXTO ESCOLAR: ALGUMAS REFLEXES

Leandro Teofilo de Brito


Doutorando em Educao - UERJ
[email protected]

Nayara Cristina Carneiro de Arajo


Doutoranda em Educao - UERJ
[email protected]

GT 05 - Gneros e sexualidades nas escolas: polticas, prticas e poderes em disputa

Resumo

O objetivo deste trabalho apresentar reflexes sobre as dificuldades de jovens


estudantes do ensino mdio em se autoidentificarem com um gnero no
binrio, ou seja, que no seja o masculino e feminino nas respostas de um
questionrio. Trazemos como interlocues tericas as noes de performati-
vidade, de Judith Butler, e interseccionalidade, de Fernando Pocahy. Os dados
foram construdos a partir de participao em pesquisa do Grupo de Estudos
sobre Diferena e Desigualdade na Educao Escolar da Juventude/UERJ, cola-
borando em consideraes sobre a valorizao da discusso sobre gnero no
Plano Nacional de Educao.
Palavras-chave: gnero; performatividade; interseccionalidade; juventude;
escola

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Introduo

Um dos grandes e atuais desafios da sociedade contempornea romper


os olhares de homogeneizao e fixidez nos processos de identificao, con-
siderando a necessidade de reconhecimento das identificaes infinitas pelas
quais os sujeitos podem ser submetidos e se submeter. Trazendo esta discusso
para o espao escolar, consideramos que aes e prticas que reconheam a
infinitude nas identificaes, tanto externas quanto internas ao ambiente esco-
lar, devem ultrapassar os muros das escolas e adentrar as salas de aulas.
Propomos discutir na construo deste trabalho um texto que consi-
dere as dificuldades de jovens estudantes do ensino mdio pblico do Rio de
Janeiro, que participaram da pesquisa, em se autoidentificarem com um gnero
no binrio, ou seja, que no seja o masculino e o feminino nas respostas.
Discutiremos tambm indcios da falta de compreenso no que se refere aos
conceitos de gnero e orientao sexual pela aplicao de questionrios.
Ao realizarmos a construo de discusso terica pautada nas noes
de performatividade de gnero e interseccionalidade, acreditamos termos os
subsdios necessrios para trazermos esses conceitos para o espao escolar.
Apresentaremos em seguida, dados construdos pelos resultados do question-
rio aplicado na escola, nossas consideraes finais e referncias.

Sobre performatividade e interseccionalidade

As identificaes de gnero destes/as jovens nomearemos como perfor-


mativas, tomando como base a teorizao desenvolvida por Judith Butler. Em
suas palavras, Butler (2015a, p. 27) afirma que o gnero no deve ser mera-
mente concebido como a inscrio cultural de significado num sexo previamente
dado (uma concepo jurdica); tem de designar tambm o aparato mesmo de
produo mediante o qual os prprios sexos so estabelecidos. Ela comple-
menta, afirmando que resulta da que o gnero no est para a cultura como o
sexo para a natureza, pois ele tambm o meio discursivo/cultural pelo que a
natureza sexuada ou ainda um sexo natural produzido e estabelecido como
pr-discursivo, anterior cultura (idem).
Desta forma, a noo de gnero performativo, que nos auxiliar na dis-
cusso que propomos, pode ser entendida pela repetio estilizada de atos,
gestos e movimentos inscritos nos corpos, regulados a partir da linguagem, que

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buscam normatizar as identificaes dos sujeitos. Pois, o sujeito no determi-


nado pelas regras pelas quais gerado, [...], mas antes um processo regulado de
repetio que tanto se oculta quanto impe suas regras, precisamente por meio
da produo de efeitos substancializantes (BUTLER, 2015a, p. 211).
Judith Butler, nesta teorizao, se apropria de um quase conceito1 der-
ridiano, a iterabilidade, que nomeia a repetio, permitindo a manuteno de
sentidos ao mesmo tempo em que assinala a possibilidade de deslocamentos. A
ideia da iterabilidade crucial para se compreender que as normas no atuam
de maneira determinstica. De acordo com Butler (2015b, p. 238): A ruptura
nada mais do que srie de mudanas significativas que resultam da estrutura
itervel da norma. Afirmar que a norma itervel significa precisamente no
aceitar uma explicao estruturalista da norma, mas afirmar alguma coisa sobre
o contnuo da vida no ps-estruturalismo (...). Ou seja, o que considerado
contemporaneamente normativo tambm est sujeito possibilidade de deslo-
camentos, sendo uma definio, constantemente renegociada.
Abarcando a complexidade de rompimento dos olhares de homoge-
neizao e fixidez nos processos de identificao, tomaremos tambm como
base a discusso de Fernando Pocahy sobre a noo de interseccionalidade.
Tal teorizao foi desenvolvida pelos estudos feministas contemporneos, bus-
cando articular marcadores sociais como raa/etnia, classe social, identificao
etria, deficincia, entre outros ao conceito de gnero, tornando mais comple-
xos os olhares possveis sobre a produo, reproduo e reconhecimento de
desigualdades em contextos especficos. Nas palavras de Pocahy (2011, p. 19):
apostamos na produtividade desse conceito por sua reconhecida capacidade
em articular distintas formas de dominao e posies de desigualdades aciona-
das nos discursos regulatrios de gnero, raa/etnia, classe social, idade (...). Ele
complementa que a interseccionalidade funciona como rearticulao ou deslo-
camento de convenes da matriz heteronormativa estabelecida e disseminada,
de que o conceito fundamental para problematizarmos e sermos capazes de

1 A noo de quase conceito e/ou indecidvel para Derrida (2001), busca responder impossibilidade
do pensamento se organizar a partir de conceitos fixos, homogneos e universais, desconstruindo
assim parte da lgica do pensamento metafsico pensamento binrio e hierarquizado, conforme j
discutido anteriormente. So noes que visam tratar da instabilidade dos significados e, coerente-
mente, no poderiam se estabilizar em algum contedo apriorstico ao seu uso.

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realizar um movimento de anlise da compreenso do conjunto de prticas dis-


cursivas ou no discursivas, que entra no jogo do verdadeiro e do falso.
Pocahy (2014, p. 21) afirma que o uso da interseccionalidade, ao pensar-
mos as subjetividades, d-se pela possibilidade de (re)inveno dos jogos de
verdade que estabelecem o que possvel ou no em termos de corpo, mas
tambm aquilo que define ou no uma sociedade democrtica. Assim, no se
trata apenas de identidades pessoais. Essa interseccionalidade entre gnero e
sexo possibilitou visibilidade s diversas formas de dominao e objetivao,
reposicionando bases epistemolgicas e deslocando significados.

Sobre as identificaes de gnero entre jovens: algumas


consideraes

Trabalharemos com dados que foram construdos a partir de participa-


o na pesquisa intitulada Grmio e outros espaos-tempos de dilogo poltico
da juventude contempornea: possibilidades na educao escolar, realizada
pelo Grupo de Estudos sobre Diferena e Desigualdade na Educao Escolar
da Juventude, vinculado ao Programa de Ps-Graduao em Educao da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A pesquisa foi realizada em um col-
gio situado na zona norte da cidade do Rio de Janeiro.
De acordo com os dados do Data Escola Brasil disponibilizados para con-
sulta pblica pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio
Teixeira (INEP) e publicados no Dirio Oficial da Unio no dia 09 de janeiro de
2015, o colgio em questo teve 1.751 matrculas no ensino mdio, de um total
de 159.992 matrculas realizadas no ensino mdio pblico estadual do Rio de
Janeiro. Foram 1.127 questionrios respondidos nos trs turnos da escola, entre
os meses de maio e outubro de 2015. Trabalhamos com 994 questionrios vli-
dos, o que nos d uma margem de erro de aproximadamente 6,5%, com um
nvel de confiana aproximado de 100%. Em termos absolutos, falamos de 454
questionrios aplicados no turno matutino, 423 no turno vespertino e apenas
117 no turno noturno. Um dos itens do questionrio perguntava aos/s jovens o
gnero em que se identificavam e, entre as respostas, obtivemos 54% feminino,
45,08% masculino e 0,2% gay.
Ao analisarmos os dados do questionrio, percebemos que a fixidez do
gnero e do sexo, a partir do entendimento essencialista que circulava nas con-
cepes destes/as jovens, seja pelas respostas voltarem-se apenas ao feminino e

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ao masculino, alm de dois questionrios com a identificao de gnero como


gay, o que nos remete ao no entendimento dos/das estudantes sobre a dife-
rena entre identidade de gnero e orientao sexual. As identificaes dos
sujeitos, considerando os contextos social, cultural e histrico, como masculi-
nos e femininos diz respeito ao que se entende como identidade de gnero; as
formas que os sujeitos assumem e vivem sua sexualidade, seja com parceiros/as
do mesmo sexo, do sexo oposto, ambos os sexos ou at mesmo sem parceiros
seria o que se denomina de orientao sexual (LOURO, 2003).
Ainda sobre o sistema escolar e o debate sobre gnero e sexualidade,
Louro (2003) afirma que a preocupao com a sexualidade, geralmente, tambm
no apresentada de forma aberta nas escolas, fato justificado pela afirmao
de que no h problema nessa rea e, deste modo, no haveria necessidade
de discusso sobre tais temas na escola, assim como a justificativa de que a
sexualidade deve ser um tema tratado, especificamente, dentro da famlia. Nos
colocando contrrios a estas afirmaes, trazemos para discusso Foucault
(2011) que afirma que mesmo a sexualidade sendo negada dos discursos pelas
instituies escolares, ela continua a se fazer presente pela prpria negao e
pela insistncia de seu silncio.
No atual momento poltico, podemos tambm perceber que esse movi-
mento (ou tentativa de movimento) de silenciamento e negao da abordagem
sobre gnero e sexualidade nas escolas continua a se fazer presente com o
que tem se denominado de ideologia de gnero. Sofrendo presso de seto-
res religiosos e polticos conservadores, assembleias e cmaras aprovaram a
retirada nos planos de educao municipais e estaduais, em diversas partes do
pas, referncias a gnero, relaes de gnero e orientao sexual, mantendo
apenas a frase combate a todas as formas de preconceito e discriminao,
buscando assim invisibilizar as lutas feministas e LGBTs neste campo. Para
Sousa Filho (2015) os religiosos e os parlamentares ou os parlamentares religio-
sos enxergaram, na abordagem de assuntos como diversidade sexual e gnero,
uma tentativa de imposio de uma ideologia para destruio da famlia
tradicional, pois a presumida ideologia deturparia os verdadeiros conceitos
de homem, mulher, sexualidade, famlia, casamento e reproduo da espcie.
Se estaria, dessa forma, homossexualizando crianas e jovens ao permitir o
debate sobre os temas no espao escolar.
Interseccionando a diferena etria com as categorias gnero e sexuali-
dade, apontamos que a identificao juvenil carrega sentidos sedimentados que

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a fazem ser reconhecida tambm no contexto de desigualdades socioculturais,


pois a repetida atribuio hierarquizante adulto/jovem (LEITE, 2015), enfati-
zando a condio de que ser jovem, por exemplo, no saber o que ainda
se quer da vida, perpassa tambm as questes de gnero e sexualidade. O/A
jovem que se identifica pelo gnero que no se mostra coerente com o sexo e a
sexualidade, assumindo uma identificao no inteligvel (BUTLER, 2015a) pos-
sivelmente acabar sendo classificado/a neste mesmo contexto, alm de que,
a heteronormatividade e seus efeitos, como a homofobia, fazem-se presentes
inibindo a possibilidade da autoidentificao no normativa.
H, neste contexto, uma relao saber-poder, que como afirma Pocahy
(2014) coloca de forma arbitrria, hierrquica e normativa as relaes sociais
que nos fazem ser reconhecidos/as como homem, mulher, lsbicas, gays, trans,
adultos, jovens, idosos, etc. As posies assumidas pelos sujeitos esto atra-
vessadas por tais questes, conforme a leitura que fazemos das respostas dos
questionrios.

Consideraes

A construo de discusso terica pautada nas noes de performativi-


dade de gnero e interseccionalidade colaborou para que possamos reconhecer
que performatizaces de gnero e sexualidade normativas faziam parte dos
discursos dos/das jovens estudantes do ensino mdio que participaram da
pesquisa, a partir de questes que abordamos ao longo do texto: ausncia de
discusses sobre gnero e sexualidade na escola, que perpassam a fixidez e o
tradicionalismo do currculo escolar. Na atualidade, esse tradicionalismo tem
sido reafirmado por grupos fundamentalistas e conservadores; assim como a
relao de interseco que se faz presente entre diferena etria, gnero e sexu-
alidade, como mais uma desigualdade sociocultural na sociedade.
Desde 2014, quando foi estabelecido o prazo de um ano para que os
estados e municpios estabelecerem os seus Planos de Educao, a polmica
sobre a discusso de gnero nas salas de aula tem ganhado destaque nacional.
O Plano Nacional de Educao (PNE) de 2014 a 2024, ao ser apreciado pelo
Senado brasileiro, teve a nfase na promoo da igualdade racial, regional,
de gnero e de orientao sexual, substituda por cidadania e na erradica-
o de todas as formas de discriminao. Tanto que na Lei n 13.005, de 25
junho de 2014, que aprova o Plano com vigncia por 10 (dez) anos, a contar

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da publicao, no consta a palavra gnero, apesar dessa discusso estar


presente diariamente no ambiente escolar. O que acontece a permanncia
do silenciamento de alunos e alunas gays, lsbicas e transgneros para no
perturbarem as premissas heteronormativas no s da escola, mas tambm da
sociedade, de uma maneira geral. Assim, colocamos em xeque os enunciados
mais normatizadores que encontram-se sedimentados em alguma medida no
contexto da educao, enquanto que permanecem as dificuldades de alguns
jovens estudantes do ensino mdio pblico do Rio de Janeiro em se autoidenti-
ficarem com o gnero no binrio.

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Referncias

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DERRIDA, J. Limited inc. Northwestern University Press, 1991.

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FOUCAULT, M. Histria da sexualidade 1: a vontade de saber. 8 edio. Rio de


Janeiro: Graal, 2011.

LEITE, M. S. Em desconstruo: textos e contextos na educao escolar do jovem mais


jovem. In: LEITE, M. S.; GABRIEL, C. T. (Orgs.). Linguagem, discurso, pesquisa e edu-
cao. Rio de Janeiro: DP et alli, 2015, p. 321-350.

LOURO, G. Gnero, sexualidade e educao: uma perspectiva ps-estruturalista. 6


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POCAHY, F. Interseccionalidade e educao: cartografias de uma prtica-conceito


feminista. TEXTURA-ULBRA, v. 13, n. 23, 2014.

SOUSA FILHO, A. Ideologia de gnero: quem pratica? Revista Bagoas, v.9, n.12,
2015, p. 9 14.

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NOVAS CONFIGURAES FAMILIARES:


COMO A ESCOLA CONTEMPORNEA LIDA COM ISSO.

Angela Maria Venturini


Mestra em Psicologia Social
ISERJ/FAETEC/SECTI LaPEADE/GESEI/UFRJ
[email protected]

Emlia Naura Santos Bouzada


Pedagoga/Psicopedagoga/Sade Mental
LaPEADE-GESEI/UFRJ
[email protected]

Alexandra Sudrio Galvo Queiroz


Especialista em Educao Infantil-UFMT
LaPEADE-GESEI/UFRJ
[email protected]

GT 06 - Afetos, erotismos, novas/outras conjugalidades: sexualidades (re)inventadas


nas vivncias no heteronormativas

Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar as novas configuraes da famlia con-
tempornea atravs das mudanas sociais e da evoluo legislativa, assegurando
a incluso das unies homoafetivas como entidades familiares. A Constituio,
atravs do artigo 226, pretendeu demonstrar a amplitude do termo entidade
familiar, outorgando s unies homoafetivas tratamento igual ao dispensado
s unies estveis por meio de analogia na falta de norma que as albergue,
independentemente de todos os preconceitos existentes em nossa sociedade.
Levaremos em conta a introduo dos novos costumes e valores e o respeito
ao ser humano no que tange sua dignidade e aos direitos inerentes sua
identidade para compreendermos estas novas modalidades de famlia formadas
declaradamente, nos dias atuais.
Palavras-chave: Afeto, Educao, Direitos, Famlia, Professores.

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Introduo

O artigo tem por objetivo apresentar as novas configuraes da famlia


contempornea atravs das mudanas sociais e da evoluo legislativa, assegu-
rando a incluso das unies homoafetivas como entidades familiares. Segundo
o censo demogrfico do Brasil pelo IBGE (BRASIL, 2010) existem 60.000 rela-
es homoafetivas autodeclaradas, sendo 47,4% professando a religio catlica
e 53,8% de relaes entre mulheres, lsbicas.
Pretende-se demonstrar a incluso constitucional, atravs do artigo 226
da Constituio da Repblica Federativa do Brasil (1988), a amplitude do termo
entidade familiar, outorgando s relaes homoafetivas tratamento igual ao dispen-
sado s unies estveis por meio de analogia na falta de norma que as albergue,
independentemente de todos os preconceitos existentes em nossa sociedade.
Sero levantadas algumas questes de incluso em Educao, a fim de
nortear essa discusso com os professores, tendo em vista as mudanas ao
longo dos tempos da instituio famlia. Levaremos em conta: a introduo
dos novos costumes e valores, o respeito ao ser humano no que tange sua
dignidade e aos direitos inerentes sua identidade para compreendermos estas
novas modalidades de famlia formadas, declaradamente, nos dias atuais e os
lugares onde a oficializao do casamento homoafetivo existe.
Breve histrico de como a escola lida com o tema gnero e sexualidade no
Brasil e os eixos dos temas transversais nos Parmetros Curriculares Nacionais,
em 1998.
O artigo tem como referenciais tericos: Constituio da Repblica
Federativa do Brasil (1988), Paulo (2006), Costa (2004), ris (2012), Canevacci
(1987), dentre outros.

Existem direitos e igualdade para todos?

Segundo a Constituio da Repblica Federativa do Brasil (1988), em seu


Art. 1, Inciso III, como regra maior, o respeito dignidade humana; e em seu
Artigo 3 apresenta em seu Inciso IV, como um de seus objetivos fundamentais:
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminao. J em seu Artigo 5 dispe que todos
so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo em seu
Inciso I que homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes.

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Contudo, enquanto houver segmento que alvo da excluso, como a


pessoa homossexual, a qual, culturalmente, ainda vista como desviante, ento
no se est vivendo em um Estado Democrtico de Direito. Assim, rejeitar a
existncia de relaes homoafetivas negar um dos objetivos fundamentais da
Carta Magna, em seu artigo 3, Inciso IV supracitado.
A ausncia de regulamentao deixava aquelas relaes merc de
crenas, valores e percepes preconceituosas sobre moral, religio, posies
pessoais, dentre outras, do judicirio, como justificativa negao de direitos
aos relacionamentos afetivos que no possuem a diferena do sexo como pres-
suposto. Assim discriminatrio desconsiderar o reconhecimento das unies
estveis homoafetivas.
Por unanimidade, pelo placar de 10 votos a 0, os ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF, 05/2011) reconheceram a unio estvel para casais do
mesmo sexo. A partir de ento, companheiros (as) em relao homoafetiva
duradoura e pblica passaram a ter os mesmos direitos e deveres das famlias
formadas por homens e mulheres.
As aes pediam que a unio estvel homoafetiva fosse reconhecida juri-
dicamente e que esta relao pudesse ser considerada como entidade familiar.
Com o resultado, os casais homossexuais passam a ter direitos, como herana,
inscrio do parceiro na Previdncia Social e em planos de sade, impenhora-
bilidade da residncia do casal, penso alimentcia e diviso de bens em caso
de separao e autorizao de cirurgia de risco.
Um desdobramento destas relaes/unies a vontade de constituir
famlia, agregando filhos, pois inexistindo a capacidade reprodutiva, aquelas,
tambm, buscam a realizao de estruturarem uma famlia com a presena de
filhos.
Existe a resistncia em aceitar a homoparentalidade pela cultura de se
achar a relao homoafetiva como promscua, no oferecendo um ambiente
saudvel para o desenvolvimento da criana e do adolescente. Alega-se tam-
bm que a inexistncia de referncias comportamentais acarreta sequelas tanto
psicolgicas quanto na identidade sexual do filho.
Farias e Maia (2009) afirmam que o afeto, o carinho e as regras so coisas
mais importantes para uma criana crescer saudvel do que a orientao sexual
dos pais. Acrescentam, ainda, que o crescimento da criana como pessoa
depende mais dos vnculos estabelecidos entre a criana e os pais, indepen-
dentemente do tipo de famlia.

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Escola e professores lidando com gnero e sexualidade

A Constituio da Repblica Federativa do Brasil (1988) dispe em seu


Art. 205 que a educao um direito de todos e um dever do Estado e da
famlia. Assim, a escola tem recebido alunos, filhos de relaes homoafetivas,
os quais devem ser acolhidos neste espao institucional.
Cabe a todos os participantes desse espao buscar formao e informao
para lidar com esta nova configurao familiar, j que existem polticas pblicas
que dispem/tratam de orientao sexual.
Considerando que gnero uma construo que se d durante toda a
vida, isso acontece em diferentes instituies e prticas sociais que constituem
os sujeitos como homens e mulheres em um processo que no tem fim, nem se
completa. Os sujeitos se fazem homens e mulheres continuamente, de maneira
dinmica, aprendida nas diferentes instituies sociais que expressam as rela-
es sociais, tais como famlia, escola, igreja, governo, entre outros, segundo
Paz (2013).
Esta autora desenvolveu a pesquisa Gnero e sexualidade: como trabalhar
na escola?, em uma escola pblica de Braslia, DF, observando que o disciplina-
mento dos corpos acompanhou, historicamente, o disciplinamento das mentes.
Neste mesmo sentido, Louro (2003) nos diz que todos os processos
de escolarizao sempre estiveram e ainda esto preocupados em construir,
controlar, corrigir, modelar e vigiar corpos de meninos e meninas, de jovens e
mulheres.
O sistema escolar e as universidades ainda trazem concepes genera-
listas e nicas de ser humano, de cincia, de conhecimento, de formao, de
docncia. Quando essas concepes, princpios e diretrizes so tomados como
padres nicos de classificao dos indivduos e dos coletivos, de povos, clas-
ses, etnias, gneros ou geraes, a tendncia hierarquiz-los e polariz-los,
fazendo da diversidade como algo desigual em funo desses padres nicos
(ARROYO, 2008).
A formao continuada do professor e demais profissionais que atuam
na escola no significa apenas aprender mais sobre determinados temas, pode
ser um momento de reflexo sobre hierarquias, gnero e sexualidade, prole-
tarizao, individualismo, dentre outros, voltada para o desafio de minimizar/
eliminar prticas sociais como excluso, homofobia, racismo, discriminao,
entre outros, criando projetos de interveno social.

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A possibilidade de mudana criativa e qualitativa no trabalho pedaggico


passa pela instaurao de um processo reflexivo-crtico, atravs do qual possa
transformar a maneira de ser da educao (GHEDIN, 2005).
Formao continuada na rea das relaes de gnero e de sexualidades
precisa sensibilizar as pessoas envolvidas com estes temas, abrindo espaos
que tragam reflexes e discusses a partir de teoria, histria e questes prticas.
Assim torna-se possvel reconhecer discriminaes, esteretipos e preconcei-
tos, que esto presentes na viso de cada pessoa e nas instituies das quais
participam.
Paz (2013) entendeu que o trabalho com as temticas no foi percebido
como necessrio escola por alguns motivos, entre eles: esse um assunto da
ordem do privado e assim deve ser tratado; no se deve despertar a sexuali-
dade na criana; e o assunto deve ser trabalhado por especialistas. A pouca ou
nenhuma formao na rea impedem que novas discusses e estratgias peda-
ggicas sejam implementadas na escola.
A autora reflete que a escola como instituio, por meio do trabalho
pedaggico de seus/suas profissionais, pode separar e hierarquizar os/as estu-
dantes reproduzindo valores que so encontrados na sociedade, na medida
em que mecanismos como currculo, contedos, normas, utilizao de espaos
e tempos, brincadeiras, permisses e negaes so utilizados como forma de
transmitir e reafirmar as identidades de gnero e de sexualidade, papis e luga-
res de homens e mulheres, considerados corretos. Louro (1997) referenda que
indispensvel questionar no apenas o que ensinamos, mas o modo como
ensinamos e que sentidos nossos/as alunos/as do ao que aprendem.
Por outro lado, a escola, tambm deve discutir, criar novas estratgias
e superar as hierarquias que esto presentes na sociedade, mas para isso,
importante que seus/suas profissionais possuam formao inicial e continuada
que contemple essas discusses no cotidiano escolar.
A escola uma dessas instituies que tem transmitido e reproduzido, por
meio de suas culturas, polticas e prticas, valores e comportamentos, conside-
rados apropriados, formando sujeitos masculinos e femininos. De acordo com
Bourdieu:
[...] a Escola, mesmo quando j liberta da tutela da Igreja, continua
a transmitir os pressupostos da representao patriarcal (baseada
na homologia entre a relao homem/mulher e a relao adulto/
criana) e sobretudo, talvez, os que esto inscritos em suas prprias

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estruturas hierrquicas, todas sexualmente conotadas, entre as


diferentes escolas ou as diferentes faculdades, entre as disciplinas
(moles ou duras ...), entre as especialidades, isto , entre as
maneiras de ser e as maneiras de ver, de se ver, de se representarem
as prprias aptides e inclinaes [...] (BOURDIEU, 2007, p.104)

Da mesma forma que a escola educa, desde a infncia, o domnio do pr-


prio corpo, ela tambm refora as representaes tradicionais sobre o feminino
e o masculino, que correspondem, geralmente, a pares opostos.
Sexualidade assunto privado, existindo, ainda, uma viso higienista e
biologizante sobre a temtica, assim, aponta Paz (2013). As professoras, em suas
respostas, entendem que seja desnecessrio tratar sobre o tema sexualidade
com todas as crianas. A abordagem do tema s precisa acontecer, no caso
de surgir alguma situao considerada problema e deve ser trabalhada indi-
vidualmente, por considerarem ser da ordem do privado. Outros temas podem
ser tratados no geral (racismo, erro, autoestima), mas se percebe nas falas das
professoras e orientadoras educacionais que o ambiente escolar ainda est mar-
cado por discriminaes e preconceitos, os quais precisam ser superados o
quanto antes.
Considera-se que a oportunidade de formao continuada de diferentes
formas, tais como cursos, grupos de estudo, debates, estudo individual, entre
outros; possa trazer mudana de atitude de professores diante das situaes que
ocorrem na escola, cotidianamente, relacionadas s questes de gnero e sexu-
alidade. Contudo, se esses temas parecem incomodar s profissionais, por outro
lado, elas ainda consideram que estes no sejam objetos de estudo e formao
para todos/as, apenas para especialistas.

Consideraes finais

Pensa-se sobre as consideraes feitas que educao e promulgao


de polticas pblicas pleiteadas pelos movimentos sociais dos homossexuais
identifiquem o quo importante se faz a existncia dos direitos deste grupo de
pessoas.
Autores como Costa (2004), o qual escreveu Ordem mdica e norma
familiar, referendando o discurso de Foucault sobre o olhar tcnico da sexuali-
dade atravs de instituies tais como a clnica mdica; Canevacci (1987) que
organizou textos sobre a gnese, dialtica da famlia, estrutura e dinmica de

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uma instituio repressiva; ris (2012) que discorreu sobre a criana desde a
antiguidade at a presente data; Paz (2013), a qual pesquisou gnero e sexu-
alidade em uma escola pblica no DF, Paulo (2006) apresentou o desafio do
conceito da famlia na contemporaneidade, dentre outros, apresentam em
comum o conservadorismo da sociedade com relao s transformaes das
relaes sociais.
Faz-se mister trabalhar culturas, polticas e prticas (BOOTH E AINSCOW,
2011) para que mobilizem setores da sociedade civil que contribuam na elabo-
rao de polticas pblicas que minimizem/eliminem a intolerncia que ainda
persiste em vrios locais, para que haja incluso, atravs do respeito pessoa
LGBT.
Preocupamo-nos em no sermos prescritivas indicando, contudo, pos-
sibilidades e urgncia de se discutir mais amplamente, no cotidiano das
identidades, condutas e comportamentos humanos dentro das escolas e das
famlias, a questo do preconceito, sobre orientaes sexuais diversas, para
relaes homoafetivas mais sujeitos do que objetos, mais saudveis na digni-
dade humana, onde o respeito diversidade predomine no ambiente escolar.
As (os) gestoras (es) das escolas, as famlias, professores (as), demais pro-
fissionais que atuam na educao; e alunos (as) teriam assim a oportunidade de
compreender e cultivar projetos educacionais que requerem a unio da desu-
nio com a unio, uma metfora proposta por Morin (2005) em uma das suas
falas em pblico sobre mtodo.
Todas estas alternativas devem ser debatidas na instituio escola que
recebe e atua com as novas configuraes de famlia.

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MASCULINIDADES PRECRIAS: NARRATIVAS DE JOVENS


GAYS SOBRE HOMOFOBIA NO CONTEXTO ESCOLAR

Leandro Teofilo de Brito


Doutorando em Educao Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]

GT 14 - Masculinidades mltiplas no contexto escolar

Resumo

Apresento neste trabalho narrativas de jovens estudantes dos anos finais do


ensino mdio, que se identificam como gays, relatando histrias de vida rela-
cionadas homofobia durante suas trajetrias escolares. Operacionalizo as
narrativas com base na proposta dialgica de entrevistas de Leonor Arfuch, em
conjunto com a discusso sobre experincia de Joan Scott e interpreto-as atravs
da noo de precariedade de Judith Butler. As masculinidades precrias perfor-
matizadas pelos jovens estudantes e problematizadas nas narrativas, apontam
para uma maior condio de vulnerabilidade e, consequentemente, no reco-
nhecimento de suas vidas como vidas vivveis em suas trajetrias escolares.
Palavras-chave: masculinidades; homofobia; precariedade; narrativas; escola

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Introduo

O debate sobre gnero e sexualidade ganhou na contemporaneidade


novos contornos, que podem ser exemplificados pela amplitude e visibilidade
de sua presena em diferentes instncias da nossa sociedade, como poltica,
religio, educao, esporte etc. Significaes diversas sobre o que ser homem,
mulher, lsbica, gay, masculino, feminino, transgnero, suas fronteiras, norma-
tizaes e transgresses, vm gerando grandes discusses, produzindo reaes
diversas.
Neste contexto, de acordo com relatrio sobre violncia homofbica1
publicado em 2012, por estudo realizado pela Secretaria de Direitos Humanos
da Presidncia da Repblica, houve aumento de 166,09% em denncias noti-
ficadas pelo poder pblico relacionadas populao LGBT, subindo de 1159
casos, em 2011, para 3084 casos, em 2012. Dados de um novo relatrio2, ainda
no divulgado em sua totalidade pela mesma Secretaria de Direitos Humanos,
referente ao ano de 2013, afirma que o Brasil obteve mdia de cinco denncias
por dia e a grande maioria das vtimas de violncia homofbica seria de sujei-
tos do sexo masculino, chegando a 73% dos casos (sendo as outras 16,8% do
sexo feminino e 10,2%, no informados). Dados levantados pelo site Quem a
homotransfobia matou hoje3, administrado pelo Grupo Gay da Bahia, aponta
em relatrio anual que s no ano de 2015 foram assassinados no Brasil 52% de
gays (os outros dados foram: 37% travestis, 16% lsbicas, 10% bissexuais), alm
de 7% de homens heterossexuais confundidos com gays.
Tal discusso no pode ser dissociada da educao escolar, palco, muitas
vezes, de reproduo destas questes atravs de violncia, que no designo
apenas como fsica, mas tambm simblica, quando a linguagem produz efeitos
na vida de pessoas que no se enquadram numa moldura tida como normativa.
Deste modo, apresento neste texto narrativas de jovens engajados nos anos
finais do ensino mdio, que se identificam como gays, a partir de histrias de

1 Disponvel em: <http://www.rcdh.es.gov.br/sites/default/files/RELATORIO%20VIOLENCIA%20HO-


MOFOBICA%20ANO%202012.pdf>. Acesso em: 18 de dezembro de 2016.
2 Disponvel em: <http://www.brasilpost.com.br/2016/02/26/relatorio-homofobia_n_9330692.html>.
Acesso em: 15 de julho de 2016.
3 Disponvel em: < http://pt.calameo.com/read/0046502188e8a65b8c3e2>. Acesso em: 15 de Julho
de 2016.

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vida relacionadas homofobia durante sua trajetria escolar. Operacionalizo


as narrativas com base em Leonor Arfuch e interpreto-as atravs da noo de
precariedade de Judith Butler, ao nomear as masculinidades performatizadas4
pelos jovens gays como masculinidades precrias.

Sobre a noo de precariedade

A filsofa estadunidense Judith Butler apresentou discusso sobre a noo


de precariedade nas obras Precarious Life, de 2004, e Frames of War, em 2009,
esta ltima traduzida para o portugus no ano de 2015 como Quadros de
Guerra. Judith Butler, inicialmente, nomeou como vidas precrias uma certa
condio humana que universal, pois todas as vidas so precrias - pautada
em reflexes ocorridas aps o atentado de 11 de setembro de 2001 nos EUA,
colocando em discusso as condies de crescente vulnerabilidade e violncia
que o pas vivia naquele perodo. Neste sentido, Butler (2009a) afirma que h
formas de distribuio da vulnerabilidade em que algumas pessoas encontram-
se mais expostas que as outras e questiona quais vidas contam como vidas e
o que faz uma vida valer a pena. Para a autora: [...] uma vida especfica no
pode ser considerada lesada ou perdida se no for primeiro considerada uma
vida (BUTLER, 2015b, p.13).
A filsofa ento amplia a discusso sobre precariedade, para alm do
atentado de 11 de setembro, dirigindo ateno tambm a categorias identitrias
como mulheres, negros/as, pessoas LGBTs, entre outros/as, discutindo as con-
sequncias de corpos que so socialmente constitudos e sujeitos violncia e
vulnerabilidade, sob certas condies sociais e polticas normativas.
Esta afirmao vale tanto para as reivindicaes de gays e lsbi-
cas do direito liberdade sexual, como para a reivindicao de
transexuais e transgneros sobre o direito de autodenominao,
assim como para a reivindicao de intersexuais ao direito de no
submeter-se a nenhuma interveno mdica e psiquitrica for-
ada. Vale tanto para o direito a estar livre de ataques racistas,
fsicos e verbais, como para a reinvindicao feminista da liberdade

4 A noo de performatividade de gnero, teorizao tambm desenvolvida por Judith Butler, diz
respeito repetio de atos, gestos, atuaes e encenaes, que por meio de aspectos lingusticos-
discursivos-textuais, buscam normatizar gnero, sexo e sexualidade (BUTLER, 2015a).

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reprodutiva, assim como vale tambm para todos aqueles cujos


corpos trabalham sob coao, poltica e econmica, sob condies
de colonizao e ocupao (BUTLER, 2009a, p. 51/52, traduo
minha5)

Avanando nesta discusso, Butler (2015b) levanta que certos enquadra-


mentos epistemolgicos classificam vidas como no qualificadas como vidas e,
deste modo, as mesmas nunca sero vividas e nem perdidas, em seu sentido
pleno. Estes enquadramentos, pautados em operaes de poder, colocam os
sujeitos em molduras, impondo-lhes a condio precria de vida, que pode
ser maximizada para algumas pessoas e minimizada para outras, conforme os
esquemas de inteligibilidade que ditam estas normas. A condio de uma vida
ser enlutada (passvel de luto) tambm, para a filsofa, uma condio de
vida vivvel, pois est dado o pressuposto de que essa vida importa. Com base
nestas proposies, discuto, a partir de narrativas de jovens que se identificam
como gays, como a homofobia esteve presente em suas diferentes trajetrias na
educao bsica, problematizando como a condio de precariedade de suas
vidas as colocavam como vidas consideradas no reconhecveis.

Narrativas sobre homofobia no contexto escolar

As entrevistas narrativas, aqui expostas, apresentam a possibilidade de


dialogismo que ocorrer na interao entre sujeitos entrevistados e pesquisador.
Desta forma, busco nos estudos da pesquisadora argentina Leonor Arfuch, que
prope reconhecer o espao biogrfico como um local de multiplicidades de
narrativas, que contam de diferentes modos histrias ou experincias de vida
atravs de olhar no essencializado e desnaturalizado. Tal proposta tomada
pela autora para: [...] permitir analisar ajustadamente o vaivm entre o tempo

5 Esta afirmacin vale tanto para las reivindicaciones de gays y lesbianas del derechos a la libertad se-
xual como para la reivindicacin de transexuales y transgneros del derecho a la autodeterminacin,
as como para la reivindicacin de intersexuales del derecho a no someterse a ninguna intervencin
mdica o psiquitrica forzada. Vale tanto para el derecho a estar libre de ataques racistas, fsicos y
verbales, como para la reivindicacin feminista de la libertad reproductiva, as como vale tambin
para todos aquellos cuyos cuerpos trabajan bajo caccin, poltica y econmica, bajo condiciones de
colonizacin y ocupacin

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da narrao, o tempo da vida e a (prpria) experincia [...] (ARFUCH, 2010, p.


119).
A experincia tambm um ponto importante nesta discusso. A terica
feminista Joan Scott, citada por Leonor Arfuch nesta construo terica, afirma
que quando a experincia tomada como origem do conhecimento, a viso
dos sujeitos, seja da pessoa que viveu a experincia ou a da que relata, torna-se
verdade apriorstica, remetendo-se a um entendimento essencialista que opera
invisibilizando formas de como a diferena estabelecida e como e de que
maneira esta constitui os sujeitos. Deste modo, Scott (1998) prope que, ao
tornar visvel a experincia de um grupo, se coloque em evidncia os processos
histricos que, constitudos pelo discurso, posicionam sujeitos na construo
crtica de sua experincia, j que: No so indivduos que tm experincia,
mas sim os sujeitos que so constitudos pela experincia (p. 304). Arfuch
ento, no dilogo com Scott, questiona o carter incontestvel da experin-
cia, buscando a desconstruo de posies essencializadas e pr-determinadas,
considerando o dialogismo, tanto pelas vozes dos sujeitos entrevistados como
dos sujeitos que realizam as entrevistas.
Esta pesquisa um recorte de minha tese de Doutorado, que encontra-se
em andamento pelo Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, intitulada como Masculinidades performativas em
narrativas de jovens atletas: desconstrues, na qual os sujeitos da pesquisa so
jovens atletas de voleibol com idades entre 17 e 19 anos, tambm estudantes
dos anos finais do ensino mdio e que se identificam como gays e bissexuais.
Entre as perguntas do roteiro semiestruturado que so realizadas na entrevista,
interpelo os jovens sobre como sua orientao sexual vista na escola e trago
neste texto as narrativas geradas pela questo. Apresento abaixo a primeira
narrativa:
Pesquisador: Como sua orientao sexual vista dentro da escola?
Jovem 1: Desde quando eu era muito pequeno tinha um cabelo
um pouco grande e me chamavam de gay por esse fato. Eu fui cres-
cendo e na adolescncia cortei o cabelo, mas mesmo assim ouvia
algumas piadinhas na escola pelo meu jeito, mesmo eu me pren-
dendo e no me expondo. Tanto que do 9 ano pro ensino mdio
eu acabei saindo de um colgio por no ter aguentado. Cheguei
a brigar e tal, e fui expulso do colgio... eu fui expulso do colgio
por ter brigado, por ter me estourado por uma piada que eu no

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gostei, voc tem noo disso? A fui crescendo e crescendo, j fui


me prendendo mais e mais, no fui me socializando muito, terminei
os estudos com poucos amigos num outro colgio, agora, esse ms.
Pesquisador: Esse episdio que voc passou de ter sado da escola...
isso levantou pra sua famlia a questo de sua sexualidade?
Jovem 1: Ento... os meus pais foram chamados no colgio, mas
eu cheguei em casa contando uma outra histria... no colgio eles
ficaram sabendo o que era. Nesse tempo eu me omiti, falei que
no, que era uma brincadeira. Depois, com o passar do tempo, eu
conversei com os meus pais... na verdade eles descobriram. Um
ano depois minha me me fez a mesma pergunta, a eu fui e contei
a ela tudo. Hoje ela... eles, na verdade, tem um pouco de receio...
mais a minha me do que meu pai, meu pai muito mais de boa.

A narrativa do jovem 1, conforme exposto, o fazia ser interpelado por


xingamentos na escola desde os primeiros anos na educao bsica. Os efei-
tos gerados na vida do jovem, por tais enunciados interpelativos, perpassaram
a normatizao de suas performances de gnero, como cortar o cabelo e se
prender, como afirma na narrativa, alm do relato da briga na escola e sua
culpabilizao do fato, culminando com a expulso do colgio. Butler (2009b),
a partir de releitura do termo interpelao proposto pelo filsofo Louis Althusser,
afirma que ser insultado uma das formas pelas quais os sujeitos se constituem
pela linguagem, seja sendo menosprezado e depreciado pela palavra proferida,
seja oferecendo possibilidades de agncia, produzindo resposta inesperada
injria. Deste modo, no h nas enunciaes de xingamentos e injrias deter-
minaes fixas e estabilizadas de seus efeitos, entretanto, o caso levantado pelo
jovem estudante expe relato grave sobre homofobia na escola e os desdo-
bramentos que se sucederam na vida do entrevistado. Trago mais um dilogo
construdo pelas entrevistas narrativas com outro jovem estudante:
Pesquisador: Como que a sua orientao sexual vista dentro
da escola? Voc est em que ano?
Jovem 2: Estou no 3 ano. , tipo assim, desde pequeno eu era
muito afeminado, ento tipo, as pessoas me viam assim como um
viadinho maluco. Ento muitas pessoas riam de mim, zombavam.
[...]. A hoje... hoje em dia tudo diferente porque todo mundo tem
essa fase, meio assim, mais afeminado. Depois que voc passa a
idade, voc fica mais tranquilo, voc se sente no, aquilo que eu
fiz foi errado. Vou ser mais assim, vou ser mais assado, entendeu?

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Cada dia a gente vai evoluindo at chegar o ponto certo. Mas todo
gay teve seu ponto fraco na sua infncia. Hoje os professores perce-
bem que eu sou, mas no h nenhum problema.
Pesquisador: Ento voc acha que era mais afeminado quando
criana e se policiou mais quando foi crescendo. Mas voc acha
que isso certo? Voc no acha que, no sei, voc deveria ser
quem voc e no precisar ter que mudar?
Jovem 2: Pode ser sim, mas eu tambm fao o que eu bem entendo.
Hoje todo mundo me v e percebe que eu sou, digamos que hoje
eu encaro mais as pessoas, mesmo ainda sendo afeminado. Mesmo
a gente tentando se modificar difcil... eu pelo menos tentei de
alguma forma.

H tambm um movimento de regulao da performance de masculini-


dade do jovem 2, assim como relatada nas narrativas do jovem 1, enunciada
inclusive pelo prprio ao afirmar que deveria se modificar para se adequar as
normas. Como afirma Butler (2015a) o gnero pode ser uma performance com
consequncias claramente punitivas, o que faz com que o jovem 2 seja punido
e se puna, por performatizar uma masculinidade no normativa.
As narrativas dos dois jovens so marcadas pela normatizao de suas
performances de masculinidades, e, neste contexto, a vulnerabilidade e a pre-
cariedade de suas vidas so maximizadas. Butler (2015b, p.16) afirma que h
uma ontologia corporal que no pode ser definida sem as significaes sociais
assumidas pelo corpo, e, deste modo: [...] ser um corpo estar exposto a
uma modelagem e uma forma social, e isso que faz da ontologia do corpo
uma ontologia social. Essa modelagem e forma social inclui a linguagem, o
trabalho e o desejo, que, como exigncias de sociabilidade, tornam corpos
como impossveis de existncia e reconhecimento, afirmao que se pode
associar ao relato dos jovens. Embora os enquadramentos que diferenciam
vidas como vividas ou no vividas, so produzidos por uma ontologia histo-
ricamente contingente, como afirma a filsofa, as narrativas dos dois jovens
enunciaram repeties de sentidos regulatrios e normativos que mostraram
a condio precria de suas vidas em suas diferentes, mas entrecruzadas, tra-
jetrias escolares.

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Consideraes finais

As masculinidades precrias performatizadas pelos jovens estudantes e


problematizadas nas narrativas, apontam para a condio de vulnerabilidade
e no reconhecimento de suas vidas como vidas vivveis em suas trajetrias
escolares. Parafraseando Butler (2009a, 2015b), a vulnerabilidade parte da
vida corporal, e, neste sentido, as condies sociais e polticas discorrem sobre
possibilidades maiores ou menores de vulnerabilidade, e, no caso dos jovens
estudantes da pesquisa, suas performances de masculinidades no normativas
significavam maior vulnerabilidade corporal, consequentemente maior condi-
o de precariedade.
O enquadramento destes jovens em uma vida no vivvel os colocavam
em uma condio de no inteligibilidade, e, neste contexto, os relatos sobre
homofobia nas trajetrias escolares remetem ao no pertencimento social e
ao no reconhecimento de suas condies de precariedade. Corpos gays que
performatizam masculinidades precrias, so corpos que, em alguma medida,
deslocam a condio de precariedade em uma incansvel busca por se enqua-
drar em tal condio e no por super-la, como talvez devesse ser.

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AQUI NO LUGAR PARA ISSO NO: REPENSANDO A


CONSTRUO SOCIAL DA MASCULINIDADE HEGEMNICA
DIANTE DO CONTEXTO DA HOMOFOBIA NA ESCOLA

Mayara Carvalho de Oliveira


Mestranda em Educao
Faculdade de Educao (PPGE-UFRJ)
[email protected]

Angela Maria Venturini


Mestra em Psicologia Social
ISERJ/FAETEC/SECTI
[email protected]

Jos Guilherme de Oliveira Freitas


Doutor em Educao
Faculdade de Educao (LaPEADE/UFRJ)
[email protected]

GT 14 - Masculinidades mltiplas no contexto escolar

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar as masculinidades presentes no vdeo


Novamente Homofobia, uma produo da UFRJ em parceria com Grupo Arco-
ris. Este vdeo retrata o dia a dia de alunos de uma escola, dando destaque a
dois casais, um heterossexual e o outro homossexual. Para cada casal, a escola
reserva um tratamento diferente: a naturalidade e os privilgios para o casal
inserido no contexto heteronormativo e o preconceito em relao ao casal
homossexual. Em vista disso, pretendemos destacar a multiplicidade das mas-
culinidades que permeiam nossa sociedade, problematizando a masculinidade
dita hegemnica e o bullying homofbico.
Palavras-chave: masculinidades; escola; homofobia; bullying;
heteronormatividade.

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Introduo

O curta Novamente homofobia na escola, produzido a partir de uma


oficina de audiovisual realizada pelo Projeto Diversidade Sexual na Escola1, nos
apresenta uma realidade bastante familiar nas escolas brasileiras: o convvio di-
rio com a homofobia. De um lado, o cabea do grupo que, presumidamente
dominante e confiante, exerce uma funo de liderana perante os outros ele-
mentos, em especial sua namorada, um amigo de personalidade parecida e um
colega de classe cujo papel no grupo resume-se a realizao das tarefas dos
demais.
Do outro lado, o grupo dos diferentes, por assim dizer. Um casal gay,
uma jovem de cabelos vermelhos, um rapaz homossexual denominado cari-
nhosamente pelos colegas de pintosa e um outro rapaz. No incio do curta,
ao entrar na escola de mos dadas, o casal de rapazes alertado: aqui no
lugar para isso no. Poderamos facilmente pensar que se trata de uma poltica
da escola, no fosse a diferena do tratamento dado pela inspetora a cada casal.
Poderamos, tambm, tomar o curta como uma produo clich, uma
vez que, dados alguns aspectos, refora esteretipos ao dividir os colegas de
classe em grupos sociais. Entretanto, estudos sociolgicos2 demonstram que
tais grupos, de fato, existem, quando h relaes estveis, em um determinado
grupo de pessoas, em razo de objetivos e interesses comuns, bem como o
sentimento de identidade grupal desenvolvido por meio do contato contnuo.
Desde essa perspectiva, no seria, portanto, errado afirmar que, principalmente
no contexto escolar, formam-se grupos de pessoas que, por diversos motivos,
se identificam e se relacionam.
Para alm dos grupos sociais estabelecidos, o vdeo traz tona a diversi-
dade de masculinidades existentes na sociedade, as quais se projetam no cho
da escola, por meio do que socialmente aceito, esperado, isto , o que est
posto como norma dentro do que considerado padro social, tico, moral e
comportamental socialmente construdo e historicamente tido por normal.

1 Projeto de extenso que tem como aes principais a sensibilizao, formao e produo de mate-
riais para profissionais e estudantes da rede pblica do Rio de Janeiro.
2 MEAD, 1913; COOLEY, 1956; 1992; BREWER, 1991; 1996; HOLSTEIN & GUBRIUM, 2000; PAPA-
CHARISSI, 2010.

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Nesse sentido, aqueles que, por algum motivo, escaparem essa norma
estaro sujeitos, em maior ou menor grau, discriminao que, dentro do
espao escolar, emerge sob a forma dos mais diversos tipos de bullying3.

O bullying como ferramenta de afirmao da masculinidade

De acordo com Lopes Neto (2005), o bullying um problema de sade


pblica crescente no mundo, especialmente no que diz respeito aos jovens,
e a sua recorrncia nas escolas um problema social grave e complexo e,
provavelmente, o tipo mais frequente e visvel da violncia juvenil4 (p. 164 e
165). Tradicionalmente, a escola vista como um local de aprendizado e, por
esse motivo, de grande significncia para crianas e adolescentes. Entretanto,
para determinados grupos sociais, tais como lsbicas, gays, travestis e transexu-
ais, essa mesma escola pode se transformar em um espao hostil, na medida
em que o corpo docente apresenta dificuldade em trabalhar com a diversi-
dade sexual e, consequentemente, em promover aes de combate ao bullying
homo/transfbico.
Segundo pesquisa recente realizada pela Universidade Federal de So
Carlos (UFSCar)5, 32% dos homossexuais entrevistados durante a 6 edio da
Parada LGBT de Sorocaba afirmaram sofrer preconceito dentro das salas de
aula, alegando que os educadores no sabem reagir de maneira apropriada
diante das agresses, fsicas ou verbais, no ambiente escolar. Os dados conver-
gem com os apresentados pelo Ministrio da Educao em 20136, que revelou
que 20% dos alunos no gostaria de ter um colega de classe gay/transexual, o
que justifica a baixa autoestima, queda no rendimento ou abandono escolar,
depresso e, em alguns casos, suicdio.

3 Termo proposto por Dan Olweus, aps o Massacre de Columbine, 1999, que comumente utilizado
para descrever atos de violncia fsica ou psicolgica, intencionais e repetidos, praticados por um
indivduo ou grupo de indivduos, dentro de uma relao desigual de poder.
4 Segundo o autor, violncia juvenil um termo que se refere violncia cometida por pessoas com
idades entre 10 e 21 anos.
5 Disponvel em: http://www2.ufscar.br/servicos/noticias.php?idNot=8317. Acesso em 08/07/2016 s
04:18.
6 Pesquisa Juventudes na Escola, Sentidos e Buscas: por que frequentam?, realizada pelo Ministrio da
Educao em parceria com a SECADI, coordenada por Miriam Abramovay.

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O vdeo em questo nos coloca diante desta realidade. Estudantes de um


colgio pblico de nvel mdio iniciam suas atividades do dia. Como dito ante-
riormente, apresentam-se dois grupos, cada qual com um casal. O casal que
corresponde s expectativas da heteronormatividade se abraa e se beija sem
qualquer constrangimento, ao passo em que o casal homossexual no encontra
espao para manifestar seu afeto, haja vista o receio da violncia e a possvel
punio por parte dos docentes e profissionais da escola.
Ao longo do curta possvel perceber que um dos alunos homossexu-
ais constantemente importunado por seu colega de classe heterossexual: ui,
borboletinha... L vai a borboleta, ela vai voando. Quando questionado pelo
colega sobre seu comportamento, o mesmo responde vai, boiola... Fica
fazendo parada na escola, se liga. Volta pro seu grupinho l, boiola... Vai
voar e atira um objeto na direo do colega. Novamente questionado por sua
atitude, contesta (enquanto os demais riem em tom de deboche) fui eu, por
qu? Fui eu, algum problema? Vai fazer o qu? Vai puxar o meu cabelo?e se
altera, levantando-se mermo (sic), t maluco? Quer tomar uma porrada, mer-
mo (sic)? Eu vou te dar uma porrada, t, seu viado (sic)!.
Esta cena nos remete aos padres mediterrneos da construo simb-
lica do masculino que, em torno do desafio da honra, constitui grande parte
da violncia brasileira masculina. Nesse contexto, a agressividade fsica, o
exibicionismo do desafio corporal, o poder sobre a vontade dos outros e a indi-
ferena em relao s vtimas, que servem apenas para contar vantagens, so
valores fortemente conectados concepo de masculinidade (MACHADO,
2001, p. 22), isto , associada ao ideal de virilidade.
possvel, ainda, relacionar tal comportamento ideia do exibicionismo
do maioral que, na concepo da autora, refere-se ao deslocamento do uso
da lgica relacional da honra, no que concerne exaltao exibicionista do eu.
Em vista disso
[...] O sujeito do espetculo encara o outro apenas como um objeto
para o seu usufruto [...] O sujeito vive permanentemente em um
registro espetacular, em que o que lhe interessa o engrande-
cimento grotesco da prpria imagem. O outro lhe serve apenas
como instrumento para o incremento da auto-imagem(sic) [...] Este
o cenrio para a estridente exploso da violncia na atualidade
(BIRMAN, 2000, p. 23-25 apud MACHADO, 2001, p. 24).

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O rapaz do vdeo sente a necessidade de reafirmar-se como homem,


tanto em relao sua namorada como em relao ao colega de classe homos-
sexual (para os demais). E ele o faz porque a masculinidade hegemnica7
pressupe a predominncia dessa configurao de feminilidade (Vai fazer o
qu? Vai puxar o meu cabelo? relao clara com o esteretipo de conflito
fsico entre mulheres), uma vez que estabelece uma bipolaridade linear e gera
um dilogo difcil e tenso entre a complexidade polimorfa das experincias
femininas e o simplismo autoritrio dos padres orientadores (MATOS, 2001,
p. 50).
Connell (2005) precursora do campo de estudos que problematiza os
valores que constituem o iderio naturalizado da masculinidade, a partir do que
denomina masculinidade hegemnica8, a saber:
Entende-se como conceito de masculinidade hegemnica o que se
relaciona quele grupo masculino, cujas representaes e prticas
constituem a referncia socialmente legitimada para a vivncia do
masculino. Trata-se de uma forma de se pensar em certa organiza-
o social da masculinidade.

Homofobia: culpa da heteronormatividade?

Para alm dessa questo, est em jogo a homofobia. Nos idos do sculo
XIX, havia uma tentativa de consolidar uma masculinidade e virilidade hege-
mnicas, dada a ameaa de uma feminilidade inerente a alguns homens,
decorrente do medo de tornarem-se homossexuais. Tal preocupao obrigou
os homens a investirem e construrem para si diversos papis e traos repre-
sentativos de sua condio masculina o homem vitoriano em contraste ao
seu oposto, a mulher, e, mais inadvertidamente, ao seu inverso, o homossexual
(SILVA, 2000).
Nesse sentido, e ainda se observa esse comportamento no homem con-
temporneo, ser homem, no sculo XIX, significava no ser mulher, e, acima de
qualquer hiptese, jamais ser homossexual. A identidade sexual e de gnero do

7 Connell (2005).
8 A autora utiliza o adjetivo hegemnica, derivado de Gramsci, com o intuito de suscitar uma proble-
matizao terica, uma vez que o termo implica em luta constante de preponderncia, poder.

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homem vitoriano estava, portanto, intimamente relacionada com a representa-


o do seu papel na sociedade, uma vez que homens e mulheres deveriam
restringir-se ao seu papel social de acordo com a sua identidade biolgica, de
macho e fmea, e, por conseguinte, sua escolha afetiva e sexual deveria vol-
tar-se para o sexo oposto ao seu. A norma desviante era totalmente repelida e
punida (idem, p. 38 e 39).
O tempo passou e embora estejamos no sculo XXI, o preconceito contra
homossexuais ainda existe e de maneira contundente, tendo em vista os crimes
de homofobia frequentemente veiculados pela mdia, sem contar com os no
veiculados e com os abafados.
Desse modo, importante considerar a questo da discriminao com
base na orientao sexual, pois a homofobia averso aos homossexuais
prtica cotidiana no Brasil: em casa, na rua, no trabalho, nos meios de comunica-
o e nas escolas. A discriminao contra homossexuais no mbito educacional
grave, pois gera grande parte da violncia nas escolas e a evaso escolar.
No vdeo podemos observar que, durante o intervalo das aulas, ambos
os casais se encontram sentados nos bancos do ptio da escola. Retornando
questo da demonstrao do afeto em pblico, enquanto a namorada do
rapaz est sentada em seu colo, os dois rapazes tentam, timidamente, um toque
ou expresso mnima de afeto, sem sucesso, pois o medo de sofrer repres-
lias fsicas e verbais est presente nas relaes homoafetivas. A manifestao
da sexualidade est no centro de controvrsias contemporneas relativas ao
futuro das relaes sociais de gnero, do casamento, da famlia, do direito de
as pessoas decidirem sobre o seu corpo e das maneiras de viver e de exprimir,
publicamente, sua afetividade.
Em direo oposta a esta situao existem Movimentos Sociais LGBT,
Programas de Governo, entre outros, que abrem espao na sociedade para que
os homossexuais saiam da invisibilidade em termos de sua orientao sexual.
Tais iniciativas contribuem e respaldam o direito que os homossexuais tm de
exercer a homossexualidade nos espaos pblicos, e de frequentar a escola sem
ser alvo de discriminaes e preconceitos, ou seja, ter o seu direito garantido
conforme o art. 5 da Constituio Brasileira, no qual todos so iguais perante
a lei desfrutando do direito liberdade.

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Consideraes Finais

Diante do exposto, no possvel conceber uma hegemonia frente s


nossas identidades, haja vista a diversidade de culturas, crenas e a pluralidade
de identidades na contemporaneidade aliada ao fato de que elas no so fixas,
imutveis, mas, ao contrrio, vm sofrendo constantes mudanas e adequando-
se s exigncias do prprio tempo. O desafio est, portanto, em permitir a
emergncia de subjetividades plurais, livres do julgo do sujeito abstrato univer-
sal [...] ciente de que nenhuma subjetividade fixvel essencialmente, nenhuma
hierarquia imutvel, toda posicionalidade est aberta a mudanas no processo
de desconstruo e dever social (MATOS, 2001, p. 48 e 49).
preciso refletir sobre a ideia de uma essncia masculina ou de uma
natureza comum a todos os homens, haja vista o carter mltiplo e plural das
experincias de gnero masculinas. Assim, possvel afirmar que a masculini-
dade varia de contexto para contexto, apesar das permanncias e hegemonias,
de modo que
sobrevm a preocupao em desfazer noes abstratas de homem
enquanto identidade nica, a-histrica, e essencialista, para pensar
a masculinidade como diversidade no bojo da historicidade de suas
inter-relaes, rastreando-a como mltipla, mutante e diferenciada
no plano das configuraes de prticas, prescries, representa-
es e subjetivaes, campos de disputa e transformaes minadas
de relaes tensas de poder (idem, p. 47).

A masculinidade, em particular, bem como a diversidade sexual, no


dada, construda e, longe de ser pensada como um absoluto, relativa. Faz-se
necessria a reflexo e reinveno sobre as modalidades das categorias de mas-
culino e das relaes de gnero, pois ao se refletir sobre as masculinidades e
sobre a diversidade sexual na escola, os professores, gestores e os alunos sero
levados a pensar criticamente, e esta reflexo, por sua vez, fundamental para
que as prticas discriminatrias sejam, se no diminudas, pelo menos denun-
ciadas e contestadas. Em curto prazo, pode ser que os efeitos deste tipo de
educao sequer sejam percebidos. Mas, em longo prazo, acreditamos que eles
contribuam para uma transformao histrica.

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Referncias

BORTOLINI, Alexandre. Novamente homofobia na escola. Rio de Janeiro: Projeto


Diversidade sexual na Escola/ Pr-Reitoria de Extenso/UFRJ; Grupo Arco-ris/
Cidadania LGBT; MEC, Ago/2009.

CONNELL, Raewyn (Robert William). Masculinities. 2nd Edition. Berkely, CA: University
of California Press, 2005.

KAUFFMAN,Michael. Las experiencias contradictorias del poder entre los hom-


bres. In: VALDS, T. & OLAVARRA, J. (Eds.). Masculinidades: poder y crisis. Santiago:
Ediciones de las Mujeres 24, Isis Internacional, 1997 (63-81).

LOPES NETO, A. A. Bullying comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de


Pediatria. Vol. 81, n 5 (supl), 2005, p. 164-172.

MACHADO, L. Z. Masculinidades e violncias. Gnero e mal-estar na sociedade


contempornea. Departamento de Antropologia. Instituto de Cincias Sociais,
Universidade de Braslia, DF, 2001.

MATOS, M. I. S. Por uma histria das sensibilidades: em foco a masculinidade.


Histria: Questes & Debates, Curitiba, n. 34, p. 45-63, 2001. Editora da UFPR.

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MASCULINIDADES ATRAVS DOS BRINQUEDOS:


CASO DA EEFD/UFRJ

Vanessa Silva Pontes


Ps-Graduao em Gnero e Sexualidade
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Erik Giuseppe Barbosa Pereira


Doutor em Cincias do Exerccio e do Esporte
Universidade Federal do Rio de Janeiro
[email protected]

GT 14 - Masculinidades mltiplas no contexto escolar

Resumo

Objetivamos comparar, entre os alunos de primeiro e oitavo perodos de


Licenciatura em Educao Fsica, as representaes de masculinidades na ade-
quao de brinquedos ao sexo masculino. Participaram do estudo alunos do
referido curso da UFRJ.Os instrumentos utilizados foram uma dinmica com 40
imagens de brinquedos infantis projetadas em Datashow e questionrios de per-
guntas abertas e fechadas.Para a anlise, utilizamos a Anlise de Contedo.Os
resultados indicam um processo masculinizante nas escolhas de brinquedos.
Conclui-se que h uma tendncia em evidenciar a masculinidade hegemnica,
fato ainda presente na formao do professor de Educao Fsica.
Palavras-chave: Masculinidade hegemnica, gnero, brinquedos, anlise de
contedo, masculinidades.

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Introduo

Desde tenra idade, meninos e meninas seguem normas que, para Scott
(1995) so histrico-sociais e tendem a favorecer as expectativas dos pais, dos
vizinhos, de parentes ou de amigos. Esses aspectos relacionais de gnero, que
constituem uma [...] categoria social imposta sobre um corpo sexuado [...]
(SCOTT, 1995, p.75), so percebidos com mais clareza nos relacionamentos
das crianas entre si, quando se formam grupos marcados por amizades exclu-
sivas (em geral do mesmo sexo) at chegar aos valores preconceituosos, que
pairam, sobretudo, no mbito escolar.
Nessa perspectiva, o modelo reproduzido nas prticas corporais ou recre-
ativas favorece a formao de diferenciaes, reunidas intimamente dentro e
fora da escola. Percebemos, ento, que a construo social das masculinidades
fruto dos valores e conceitos impostos em normas de conduta scio histri-
cas, que interferem na construo dos corpos masculino e feminino.
Aps os escritos, o objetivo deste estudo comparar, entre alunos de
primeiro e oitavo perodos do curso de Licenciatura em Educao Fsica, as
representaes de masculinidades na adequao de brinquedos s crianas do
sexo masculino. Buscamos responder a questo: Existem diferenas nas consi-
deraes de alunos de primeiro e oitavo perodos sobre brinquedos adequados
ao sexo masculino?

Masculinidades

Os estudos sobre masculinidades adentraram a produo acadmica bra-


sileira em meados da dcada de 1990, buscando reconhecer a existncia de
masculinidades plurais, contestando modelos essencialistas, e colocando em
discusso os homens tambm como vtimas de opresses patriarcais, ainda que
no da mesma forma como as mulheres, no contexto das relaes de poder
entre os gneros.
Heilborn e Carrara (1998) e Oliveira (2004) afirmam que a incluso dos
homens como objeto da pesquisa acadmica sobre gnero e sexualidade ocor-
reu quando houve o reconhecimento deles como seres marcados por atributos
socioculturais de gnero, a partir da crtica feminista dos anos de 1970. A crise
da masculinidade, denunciada na segunda onda do movimento feminista e na

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emergncia do movimento gay, abriu novas possibilidades para a desconstruo


do masculino.
Cabe colocar que tal crise foi alarmada nos EUA e na Europa, aproximada-
mente nos anos de 1970, perodo de surgimento do chamado mens moviments,
grupo predominantemente de homens (no exclusivo), que preocupavam-se em
difundir o entendimento de que um comportamento masculino restritivo cau-
sava danos fsicos e psquicos a todos os sujeitos.
Na Amrica Latina, a crise da masculinidade, diferentemente do que ocor-
reu nos EUA e outros pases ocidentais, pode ser analisada pelo complexo de
honra e vergonha masculina, tomando como base os estudos de Julian Pitt-Rivers
(1969), cujos valores a sociedade brasileira herdou. Nesta direo, Heilborn e
Carrara (1998) afirmam que no Brasil, de fato, o movimento foi menos expressivo
naquele momento, mas se ampliou a partir de grandes conferncias internacio-
nais relativas aos direitos das mulheres, que tambm colocaram em discusso
aes voltadas aos homens, assim como a ampliao dos estudos de gnero,
incorporando a masculinidade como campo de anlise.

Masculinidade hegemnica

Dentre as principais noes tericas advindas do mens studies, a de mas-


culinidade hegemnica, de Raewyn Connell, est entre as mais difundidas nas
pesquisas sobre masculinidades dentro e fora do Brasil. A masculinidade hege-
mnica definida como um modelo normativo e central a ser atingido pelos
homens, tendo como base o patriarcado e as relaes de poder.
Connell desenvolve no mbito dos mens studies a teorizao da mascu-
linidade hegemnica (CONNELL, 1995; 2000; 2003; 2013a). Buscando ir alm
da teoria dos papis sexuais, muito discutida entre os anos de 1950 e 1970, que
no consideravam questes de poder existentes nas relaes de dominao
entre homens e mulheres, a masculinidade hegemnica se refere dinmica
cultural por meio da qual parte dos homens exige e mantm uma posio de
liderana nas sociedades ocidentais, atravs da legitimao do patriarcado, sub-
misso das mulheres e, em especial, da excluso de masculinidades subalternas.
A autora define masculinidades como configuraes de prticas nas rela-
es de gnero (CONNELL, 2000), pois ao falar de prticas, busca dar nfase
naquilo que as pessoas realmente fazem, levando em considerao a racio-
nalidade e o significado histrico de tais prticas. O conceito de gnero para

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Connell se define como a estrutura de relaes sociais, centradas na arena


reprodutiva do corpo, assim como o conjunto de prticas que trazem as distin-
es reprodutivas para os processos sociais (CONNELL et al., 2015).
Norteia este trabalho a noo de masculinidade hegemnica (CONNELL,
2003; CONNELL, 2013a; 2013b; CONNELL & MESSERSCHMIDT, 2013). Connell
(2003) nomeia, ainda, masculinidades inferiorizadas como cmplices, subor-
dinadas e marginalizadas: as masculinidades cmplices representam homens
que se beneficiam dos dividendos patriarcais, mas que no se enquadram na
sua totalidade em prticas institudas pela masculinidade hegemnica; a domi-
nao de homens heterossexuais sobre homens homossexuais representam
a masculinidade subordinada, assim como na dominao de homens adultos
sobre homens mais jovens; e, por fim, a masculinidade marginalizada diz res-
peito a excluses relacionadas a classe social e raa/etnia vividas por alguns
homens na sociedade.

Metodologia

O estudo de natureza qualitativa e carter etnogrfico. Participaram 6


alunos matriculados no primeiro e 6 no oitavo perodos do curso de Licenciatura
em Educao Fsica da Escola de Educao Fsica e Desportos da UFRJ, totali-
zando 12 atores sociais.
O instrumento foi diferenciado de acordo com o perodo: para ambos,
foi aplicada uma dinmica que consistiu na exposio de vinte slides contendo
duas opes de imagens de brinquedos: os ditos masculinos e femininos, para
faixa etria de 6 a 12 anos. Os graduandos registraram em um questionrio
de perguntas fechadas, quais brinquedos eram adequados ao sexo masculino,
podendo marcar ambos. O segundo instrumento foi um questionrio de per-
guntas abertas e fechadas, contendo cinco questes para os alunos de oitavo
perodo e duas para os de primeiro perodo. As perguntas versavam sobre o
contato dos estudantes com a temtica de gnero ao longo do curso e a com-
preenso de brinquedos pertinentes ao sexo masculino.
Para a anlise dos dados, utilizamos a Anlise de Contedo (BARDIN,
2011) que definida como um conjunto de mtodos analticos das comunica-
es que possibilita a constatao de conhecimentos referentes produo e
recepo de mensagens. Para tanto, prope trs etapas para a realizao da
tcnica: 1- a pr-anlise; 2- a anlise propriamente dita e; 3- tratamento dos

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resultados brutos. A primeira fase consiste na escolha, ordenao e organizao


dos documentos, alm da elaborao de indicadores para interpretao final.
A segunda corresponde organizao dos resultados no formato de tabela
ou categoria. Na fase final, podem ser feitas anlises crticas das informaes
catalogadas.

Anlise e discusso

Dos entrevistados do primeiro perodo...


Na exposio dos slides e registro das respostas dos estudantes sobre
quais brinquedos eram apropriados a crianas do sexo masculino, mais de 90%
das respostas indicaram que os brinquedos de cor rosa no eram indicados
a meninos. A cor foi um fator predominante para as respostas dos alunos. O
mesmo brinquedo, exposto com colorao diferente, j foi indicado pelos estu-
dantes como possvel de ser utilizado por um menino.
No que tange aos questionrios, cinco estudantes dos 6 entrevistados
responderam No para a questo que procurava saber se brinquedos ditos
femininos so apropriados para crianas do sexo masculino. pergunta aberta,
que versava sobre o entendimento do que seriam brinquedos apropriados ao
masculino, uma aluna alega que: A sociedade machista. Porm, o brincar
reflete na fase adulta. Por isso, futebol e carro so indicados aos meninos.
Nesta resposta, a estudante denuncia uma clara confuso entre brinquedos e
brincadeiras, alm de se contradizer ao criticar, inicialmente, o fato de vivermos
numa sociedade machista.
Trs alunos disseram que as cores, os modelos e os desenhos dos brin-
quedos remetem a um sexo e no a outro, bem como as sugestionabilidades
do mercado. Estes alunos alegaram que as diferenas entre os brinquedos ditos
masculinos e femininos devem prevalecer, a fim de que as crianas [...] eviden-
ciem os comportamentos que os brinquedos querem enaltecer. Segundo eles,
os brinquedos masculinos carreiam noes de fora e virilidade, enquanto
os femininos possuem ligao com a delicadeza e o detalhamento. No total,
cinco estudantes declararam que: Um brinquedo feminino descaracteriza o
sexo masculino [...] Brinquedo feminino deve ser direcionado menina, pois
pode afetar a masculinidade do menino.
Apenas um dos alunos informou na questo aberta que o brinquedo
feminino no afeta a masculinidade.

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Percebe-se uma aproximao com os dizeres de Oliveira (2004), que foi


ao encontro de Pitt-Rivers (1969) para explicar o complexo de honra/vergo-
nha, que se refere aos atributos essencialistas incorporados pelos homens, nos
quais a honra seria a caracterstica masculina mais elevada e a vergonha asso-
ciada a qualquer atributo relacionado ao que se aproxima do feminino. Desta
forma, percebe-se uma polarizao de sentidos, comportamentos e objetos que
seriam destinados a um e outro sexo, a fim de que a honra masculina no seja
maculada. Tambm se v uma necessidade de preservar a masculinidade hege-
mnica, por meio da atribuio de brinquedos adequados aos meninos, para
que esta no seja afetada.

Dos entrevistados do oitavo perodo...

Com os 6 alunos de oitavo perodo, trabalhamos com uma hiptese inicial


de que estes j haviam tido contato com estudos de gnero durante a gradua-
o, porm, logo percebeu-se que a hiptese deveria ser refutada.
Duas perguntas fechadas versavam sobre o contato que os estudantes
tiveram com os estudos de gnero ao longo da graduao e quais literaturas j
tinham lido sobre o tema. Dois alunos alegaram nunca ter estudado a temtica
de gnero na UFRJ e outro afirma no se lembrar de ter tido contato com o
tema em alguma disciplina. Dois alegam que o contato com estes estudos foi
muito escasso e apenas um dos seis estudantes se recorda de que em duas
disciplinas (Psicomotricidade e Educao Fsica Adaptada) o gnero foi tema de
discusso, porm sem muito aprofundamento.
Em outra pergunta fechada, que objetivava saber se j haviam presenciado
situaes de discriminao de gnero dentro da Universidade, cinco estudantes
responderam que No e um no soube responder.
J nas questes abertas, a que buscava saber qual o entendimento dos
estudantes sobre o que seriam brinquedos adequados a masculino, todas as
respostas foram ao encontro dos preceitos culturais hegemnicos. Algumas das
afirmaes sobre tais brinquedos encontram-se a seguir: Os brinquedos mas-
culinos devem remeter fora e brutalidade; A cultura permite aos meninos
brincar com bola e carrinho; Brinquedos masculinos so aqueles que se iden-
tificam mais com o sexo masculino.
As mesmas caractersticas foram encontradas nas respostas pergunta se
brinquedos ditos femininos so apropriados para crianas do sexo masculino.

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A nica resposta que admitiu uma maior pluralidade nos sentidos atribudos
aos brinquedos foi a de apenas um estudante, que afirmou: meninos no tem
interesse nos brinquedos femininos, mas que isso depende da particularidade.

Concluso

Ao que tudo indica, os resultados inclinaram-se para um processo mas-


culinizante e hegemnico nas escolhas de brinquedos mais apropriados ao
sexo masculino pelos futuros professores. H tambm uma polarizao entre
os brinquedos ditos masculinos e os ditos femininos, de forma que estes seriam
inadequados ao sexo masculino.
Nas respostas dos graduandos do oitavo perodo, evidenciou-se uma
lacuna no conhecimento no que diz respeito s questes de gnero e masculini-
dades, sendo as experincias desenvolvidas ao longo da faculdade e o contato
com literaturas sobre a temtica praticamente inexistente. No houve diferenas
significativas entre as respostas dos alunos de primeiro e oitavo perodo, como
a hiptese inicial sugeria. Ambos demonstram conhecimento muito superficial
ou nulo sobre gnero, sendo uma surpresa maior no caso dos alunos de oitavo
perodo, dos quais se esperava que a Universidade tivesse lhes provido maior
contato com os estudos em tela.
Conclui-se que tais fatos podero ser um dos alicerces para a (re)produo
de esteretipos, sexismos e hierarquias que pem em evidncia o culto mas-
culinidade hegemnica, presente ainda na formao do professor de Educao
Fsica.

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Referncias

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CONNELL, R. W. Polticas da masculinidade. Educao e Realidade, Porto Alegre, v.


20, n. 2, p. 185-206. jul./dez., 1995.

CONNELL, R. The men and the boys. Berkeley: The University of California Press,
2000.

CONNELL, R. Masculinidades. Mxico: UNAM-PUEG, 2003.

CONNELL, R. Masculinidade corporativa e o contexto global: um estudo de caso de


dinmica conservadora de gnero. Cadernos Pagu, v.40, p. 323 344, 2013.

CONNELL, R. Corporate Masculinity and the global context: a case study of conserva-
tive gender dynamics. Cadernos Pagu, n. 40, p. 322-344, 2013.

CONNELL, R.; MESSERSCHIMIDT, J. W. Masculinidade hegemnica: repensando o


conceito. Revista Estudos Feministas, Florianpolis, v. 21, n.1, p. 241-280, 2013.

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vista com Raewyn Connell. Revista Feminismos, v. 3, n. 1, 2015.

HEILBORN, M. l.; CARRARA, S.. Em cena, os homens.Estudos feministas, v. 6, n. 2,


p. 370, 1998.

OLIVEIRA. P. P. A construo social da masculinidade. Belo Horizonte: Editora


UFMG; Rio de Janeiro: IPUPERJ, 2004.

PITT-RIVERS, J. Honra e Posio Social. In J. G. Peristiany (Org.). Honra e Vergonha:


valores das sociedades mediterrneas. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1969.

SCOTT, J. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao e Realidade,


Porto Alegre, vol. 20, N.2, p.71-99, jul./dez., 1995.

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RELAES DE GNERO NO ENSINO TCNICO DE NVEL


MDIO: MULHERES NA CINCIA E NA EDUCAO
PROFISSIONAL E TECNOLGICA1

Sabrina Fernandes Pereira Lopes


Mestranda em Educao Tecnolgica Centro Federal de
Educao Tecnolgica de Minas Gerais CEFET-MG
[email protected]

Raquel Quirino
Doutora em Educao Centro Federal de
Educao Tecnolgica de Minas Gerais CEFET-MG
[email protected]

GT 16 - Relaes de gnero, diversidade sexual, trabalho, tecnologia e educao


profissional: interlocues, dilogos e desafios contemporneos

Resumo

As matrculas femininas no ensino profissional tcnico de nvel mdio brasi-


leiro nos anos recentes tornaram-se maioria, porm concentram-se em reas
hegemonicamente consideradas femininas. Frente s desigualdades de gnero
presentes na sociedade e no mundo do trabalho, o presente artigo pretende
discutir a participao feminina na cincia e tecnologia e a partir desta anlise
debater fatores que influenciam na participao de mulheres no ensino mdio
de nvel tcnico. Levando em conta um referencial sobre a diviso sexual do
trabalho e tomando por base as teorias da Sociologia do Trabalho Francesa.
Palavras-chave: Ensino Tcnico de Nvel Mdio, Diviso Sexual do Trabalho,
Relaes de Gnero e Educao.

1 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG


PROPESQ e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG.

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1. Introduo

O relatrio Gender and education for all the leap to equality: EFA global
monitoring report
2003/4 2divulgado pela Unesco j evidenciava a tendncia mundial
igualdade de acesso ao ensino ps-secundrio, porm aponta os padres de
escolha realizados pelas mulheres como uma questo fundamental a ser discu-
tida para que se possa alcanar a igualdade de gnero. Na realidade brasileira
apesar da mudana nos nmeros gerais3 que caracteriza uma crescente femi-
nilizao do ensino tcnico de nvel mdio, anteriormente majoritariamente
masculino4, persiste a tendncia das alunas de se concentrarem em determi-
nadas reas do conhecimento em detrimento de outras5. As reas gerais de
formao com maior concentrao feminina so, segundo o IBGE (2014, p.107),
as com ocupaes de menor remunerao mdia no mercado de trabalho e
que mais se afastam da viso do senso comum de Cincia e Tecnologia. Para
contribuir com o desvelamento das escolhas das alunas por essas reas de atu-
ao em detrimento de outras mais tecnologizadas necessrio conhecer a
forma como essas mulheres se percebem e se relacionam com suas construes
sobre sua realidade, sua formao profissional, insero e atuao no mundo
do trabalho.
Conforme esclarece Hirata (2002, p. 23) as pesquisas sobre o mundo
do trabalho, em sua grande maioria so realizadas sob uma perspectiva que
no leva em conta as relaes de gnero e o sexismo presente nessas relaes
sociais, tratam-se de pesquisas gender-blinded. A autora afirma ainda que essa
tendncia das pesquisas, em realizar generalizaes partindo de um ponto de
vista masculino, pode induzir ao erro, uma vez que aes de formao pro-
fissional no tm a mesma amplitude nem o mesmo alcance, e tampouco a
mesma significao para as mulheres e para os homens (HIRATA,2002, p. 224)
deixando de explorar a possibilidade de o espao de formao contribuir para
a viso da pseudo incompetncia tcnica feminina

2 Disponvel em <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132550e.pdf>
3 Disponveis em <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar>
4 Disponvel em <http://portal.inep.gov.br/educacao-profissional>
5 Disponveis em <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar>

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2. Relaes de gnero nas reas de Cincia & Tecnologia

Atualmente configura-se uma baixa representatividade feminina na


Cincia e Tecnologia e, embora no seja usual relacionar o desenvolvimento de
conhecimentos nessa rea a determinado gnero, evidencia-se uma tendncia
perspectiva masculina, Porm, conforme afirma Carvalho (2012, p. 01-02),
as mulheres sempre produziram conhecimento, uma vez que a curiosidade, a
capacidade cientfica e de pesquisa so inerentes a todos os seres humanos e
no somente ao homem:
O conhecimento tecnolgico produzido pelas mulheres no
ambiente domstico no era considerado til para o mercado
capitalista e representava, digamos assim, um conhecimento de
segunda classe, desvalorizado e no-cientfico. Assim, cincia e
tecnologia foram construdas majoritariamente por homens, dentro
de uma lgica masculina. (CARVALHO, 2012, p. 02)

Para uma anlise mais clara necessrio desconstruir essa ideia da tec-
nologia como isenta das ideologias, para Marcuse (1999, p. 74) a tcnica por
si s pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez
quanto a abundncia, tanto o aumento quanto a abolio do trabalho rduo.
Assim a tecnologia reflete os planos, propsitos e valores da sociedade em que
se desenvolve. (Veraszto, 2008, p.78)
A mscara de neutralidade leva possibilidade de que aqueles que detm
o poder direcionem as pesquisas e inovaes aos seus propsitos.
Fazer tecnologia , sem dvida, fazer poltica e, dado que a pol-
tica um assunto de interesse geral, deveramos ter a oportunidade
de decidir que tipo de tecnologia desejamos. Mantendo o discurso
que a tecnologia neutra favorece a interveno de experts que
decidem o que correto baseando-se em uma avaliao objetiva e
impede, por sua vez, a participao democrtica na discusso sobre
planejamento e inovao tecnolgica (GARCA et al, 2000, p. 132).

Na sociedade atual, onde se evidencia uma grande desigualdade entre os


gneros e uma histria marcada pelo patriarcado, as vises masculinas constan-
temente preponderaram no desenvolvimento tecnolgico, segundo Carvalho
(2012):

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Vimos que cincia e tecnologia foram construdas sob bases mas-


culinas, com interesses masculinos e resultados que atendessem s
necessidades masculinas cujos paradigmas cientficos desta poca
estavam pautados na objetividade absoluta e na crena de uma
neutralidade indiscutvel. Acreditava-se que os homens, com sua
racionalidade exuberante, eram capazes de produzir um conheci-
mento revelador de verdades universais e definitivas.(CARVALHO,
2012, p.04)

Diversos estudos, como os Olinto (2011) e Hayashi, Cabreo e Costa


(2007), tm demonstrado esse desequilbrio de gnero na produo da Cincia
e Tecnologia. Stancki (2003) ressalta que o histrico de cincia e tecnologia
sendo desenvolvidas predominantemente por homens, tambm concebeu um
espao de formao hostil a mulheres, o que gera influncias peculiares em
suas opes, para Rosemberg (2013), ao analisar a concentrao feminina na
psicologia, as escolhas realizadas por mulheres se devem a uma Sabedoria
de conciliao ou senso de realidade, que leva as mulheres a considerarem
os diversos fatores que compem sua situao na sociedade e acabam por
escolher cursos pouco especializados, no-tcnicos e mais generalistas, que
permitam uma maior gama de possibilidades de emprego, mesmo que subem-
pregos. E mesmo a entrada de mulheres em reas tradicionalmente masculinas
se d, em geral, com a manuteno dos esteretipos de gnero:
As pessoas ao se inserirem em reas masculinas ou femininas
permanecem sendo vistos atravs das suas caractersticas sociais
de gnero, o que acarreta a diviso sexual do trabalho tambm no
interior das reas, pois homens e mulheres acabam sendo levados,
por opo, condicionamento ou mesmo falta de opo a desem-
penharem atividades prprias de seu sexo. (STANCKI, 2003 p.10)

3. Sexismo na ept: a situao feminina na educao tecnolgica


brasileira

No Plano Nacional de Polticas para as Mulheres 2013-2015 da Secretaria


de Polticas para as Mulheres (BRASIL, 2013)figura entre as aes propostas:

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-Ampliar a oferta de cursos de profissionalizao articulados com


o aumento da escolaridade, especialmente para mulheres em situa-
o de vulnerabilidade social; (BRASIL, 2013, p.16)
-Fortalecer a participao das mulheres nos programas e iniciativas
de capacitao profissional, voltados especialmente para o ensino
tcnico-profissionalizante (Pronatec e outros)[...] (IDEM)
-Promover o acesso e a permanncia das mulheres em reas de for-
mao profissional e tecnolgica tradicionalmente no ocupadas
por elas, por meio de polticas de ao afirmativa e de assistncia
estudantil; (BRASIL, 2013, p.23)
-Realizar campanhas para ampliar o nmero de mulheres nos
cursos, tradicionalmente no ocupados por mulheres, do ensino
tecnolgico e profissional. (BRASIL, 2013, p.26)

Para promover essas mudanas preciso conhecer e analisar a realidade


feminina na Educao Profissional e Tecnolgica observando que a desigual-
dade salarial relatada anteriormente tem fundamentos em nossa construo
sociocultural e interferem na forma como as mulheres se percebem e so per-
cebidas nas instituies de ensino tcnico de nvel mdio. Conforme Hirata
(2003, pag. 148), necessrio tentar ver porque as mulheres so consideradas
incompetentes, apesar deste alto nvel de escolaridade.
No Censo Escolar da Educao Bsica realizado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira INEP em 2014, cons-
tata-se que as mulheres so maioria no ensino tcnico de nvel mdio, porm
quando se realiza uma anlise dos censos ocorridos entre 2012 e
2013 possvel observar que a tendncia das mulheres por determinados
grupamentos de trabalho se estende escolha dos cursos tcnicos, havendo
uma maior participao das mulheres em determinados cursos em detrimento
de outros, sendo a prioridade os cursos tcnicos na rea de Desenvolvimento
Educacional e Social e Ambiente e Sade e a menor participao na rea Militar
e de Controle e Processos industriais (grfico 1):

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Grfico 1 Porcentagem de matriculas de alunas por eixo da educao tecnolgica 2012-2014

Fonte: INEP/MEC <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar> acesso em 10 de julho de


2015. Inclui todas as modalidades de matrcula na Educao Profissional. Grfico elaborado pelas
autoras

As funes nas quais se valorizam caractersticas como: sensibilidade,


pacincia e delicadeza, consideradas inerentes s mulheres, acabam sendo
delegadas mais a elas, o que acaba por exclu-las de funes que demandam
deciso, individualidade e racionalidade. Essa tendncia pode ser observada no
perfil dos cursos tcnicos com maior e menor participao feminina. Entre os
cursos com maior porcentagem de mulheres matriculadas em 2014 evidencia-
se uma forte tendncia aos cursos que preparam para ocupaes relacionadas
ao cuidado (grfico 2)

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Grfico 2 Porcentagem de alunos matriculados por sexo nos 10 cursos tcnicos com maior
participao feminina em 2014

Fonte: INEP/MEC <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar> acesso em 10 de julho


de 2015. Inclui todas as modalidades de matrcula na Educao Profissional. Foram considerados os
cursos com mais de 50 matrculas no ano de referncia. Grfico elaborado pelas autoras

J quando a ateno se volta para as ausncias femininas, observa-se que


os cursos com menor participao de mulheres (grfico 3), so fortemente liga-
dos s cincias aplicadas, consideradas reas chaves para o desenvolvimento
tecnolgico:

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Grfico 3 Porcentagem de alunos matriculados por sexo nos 10 cursos tcnicos com menor
participao feminina em 2014

Fonte: INEP/MEC <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar> acesso em 10 de julho


de 2015. Inclui todas as modalidades de matrcula na Educao Profissional. Foram considerados os
cursos com mais de 50 matrculas no ano de referncia. Grfico elaborado pelas autoras

4. Consideraes finais

Pelos dados apresentados, perceptvel o avano da mulher na educa-


o, porm ele no ocorre de forma homognea. Em se tratando da Educao
Profissional e Tecnolgica, que tem uma interface direta com o mundo do tra-
balho possvel perceber como este interfere e lana seus padres sobre a
formao profissional. Especificamente na educao tcnica possvel perceber
uma clara diviso entre as reas de atuao tradicionalmente impostas s mulhe-
res e a desvalorizao desses grupamentos. Para que se possam criar estratgias
para a mudana dessa realidade necessrio que sejam feitas anlises mais
detalhadas e atualizadas, levando em conta sua dualidade entre trabalho e edu-
cao. preciso traar a trajetrias das mulheres que se encontra em cada rea,
tanto as que permanecem no local a elas historicamente destinado, quanto as
que quebram esse ciclo, ponderando sobre como esse fenmeno contribui para
a mudana de ideias e ruptura com os modelos tradicionais.

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5. Referncias

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spm.gov.br/pnpm/publicacoes/plano-nacional-de-politicas-para-asmulheres-2013>.
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CARVALHO, Marilia Gomes, Gnero e os Paradigmas Cientfico. In: Anais Congreso


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GARCA, M. I. G. et al. Ciencia, Tecnologia y Sociedad: una introduccin al estudio


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HAYASHI, M. C. P. I.; CABREO, R. C.; COSTA, M. P. R. C.; HAYASHI, C. R. M.


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HIRATA, Helena. Nova diviso sexual do trabalho?: um olhar voltado para a empresa
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MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo, 1.ed, So Paulo, Fundao Editora


da UNESP, p.369, 1999.

OLINTO, G. A incluso das mulheres nas carreiras de cincia e tecnologia no Brasil.


Inc. Soc., Braslia, DF, v.5 n.1, p.68-77, jul./dez., 2011

ROSEMBERG, Flvia. Psicologia, profisso feminina.Cadernos de Pesquisa, So Paulo,


n. 47, p. 32-37, 2013.

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STANCKI, Nanci. Diviso sexual do trabalho: a sua constante reproduo. Paper apre-
sentado no I Ciclo de Debates em Economia Industrial, Trabalho e Tecnologia, So
Paulo, 2003, PUC-SP Disponvel em <http://www.pucsp.br/eitt/downloads/eitt2003_
nancistancki.pdf.> Acesso em 11 de maio de 2016.

VERASZTO, E. V., da Silva, D., MIRANDA, N. A. D., & SIMON, F. O. Tecnologia:


buscando uma definio para o conceito. Revista Prisma.com, Porto, n.07, p. 60-84,
2008.

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OS DITOS E NO DITOS: POLTICA EDUCACIONAL


E IDEOLOGIA DE GNERO NO PLANO MUNICIPAL
DE EDUCAO

Terezinha Richartz
Doutora em Cincias Sociais pela PUC/SP
Professora do Programa de Mestrado em Letras Linguagem, Cultura e
Discurso da Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR)
[email protected]

GT 21 - Polticas pblicas, processos educativos e subjetividades: reinvenes,


potencialidades e tenses na temtica da diversidade sexual

Resumo

O objetivo deste artigo analisar os entraves acerca da ideologia de gnero


presentes nas propostas dos agentes pblicos e privados para a elaborao do
Plano Municipal de Educao da cidade de Varginha (MG). O Plano Nacional
de Educao (PNE) aprovado recentemente delineia objetivos, diretrizes, metas
e estratgias que sero implementados at 2024 em todos os nveis da edu-
cao brasileira. Em consonncia com o que foi decidido no mbito federal,
estados e municpios elaboraram planejamentos que garantam a conformidade
com o PNE. O resultado do debate pblico desenvolvido na cidade em questo
foi a proibio de implantar, lecionar e aplicar direta e indiretamente a ideologia
de gnero nas instituies educacionais do municpio.
Palavras-chave: Plano Municipal de Educao; polticas pblicas; diversidade;
ideologia de gnero; patriarcado.

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Introduo

A elaborao dos currculos e as aes das escolas dentro do municpio


devem estar em conformidade com as normas educacionais vigentes. Assim,
no Plano Municipal de Educao, so encontrados parmetros em consonncia
com a legislao nacional que norteia as polticas educacionais.
Tendo-se em vista que a heteronormatividade compulsria apresentada
em uma sociedade fortemente gendrada, surgem propostas educacionais que
expressam os papis predeterminados por uma cultura dualista e heterocn-
trica, comprometendo o nascimento de novas subjetividades. Nesse sentido, no
presente trabalho, as reflexes sobre as incongruncias da poltica educacional
do municpio de Varginha (MG) foram realizadas a partir das gravaes (dis-
ponibilizadas no Youtube1) da audincia pblica e das sesses na Cmara dos
Vereadores que debateram e aprovaram o Plano Municipal de Educao.

O papel das instituies sociais

As instituies sociais exercem papel de vigilantes sobre os comporta-


mentos socialmente aceitos. Em sua obra Histria da sexualidade, Foucault
(2010) aborda o controle feito ao corpo, sobretudo pela Igreja, que estabelece
restries religiosas e morais introjetando nos indivduos a noo de pecado.
Para o filsofo, a sexualidade sempre foi considerada pelas instituies norma-
tizadoras como perigosa e, portanto, controlada e regulamentada por elas. A
escola uma das instituies em que o poder disciplinar ganha vida. Ela coloca
em prtica as polticas pblicas determinadas pelas esferas governamentais e,
assim, normas que interferem na sexualidade e nos bons costumes so sem-
pre vigiadas pela famlia e pela sociedade.
Segundo Foucault (1992, p. 244), os dispositivos de poder so um
conjunto decididamente heterogneo que engloba discursos, instituies,
organizaes arquitetnicas, decises regulamentares, leis, medidas adminis-
trativas, enunciados cientficos, proposies filosficas. Em suma, o dito e o
no dito so os elementos do dispositivo. Como o poder uma prtica social

1 Quando citadas as falas dos atores, so includos hora e minuto ou minuto e segundo das gravaes
das sesses disponibilizadas no Youtube.

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e historicamente determinada, no fixa. Apesar do controle exercido sobre


o corpo, as regras no so imutveis, vo aos poucos sofrendo alteraes. As
polticas educacionais fazem parte dessa malha capilar que penetra de forma
sutil, adestrando os corpos, mas, ao mesmo tempo, o discurso normativo da
escola, que implementa projetos pedaggicos, pode ajudar a manter ou inter-
ferir na heteronormatividade. A sexualidade uma construo histrica e as
mudanas vo paulatinamente acontecendo. Vitrias e retrocessos so mescla-
dos, especialmente quando o assunto a diversidade sexual, e nesse embate
que emergem as novas subjetividades.

Poltica educacional e diversidade sexual

Na sesso de 1 de junho de 2015 da Cmara Municipal de Varginha,


foi apresentado o Plano Municipal de Educao em consonncia com o que
est previsto no Plano Nacional de Educao (BRASIL, 2014). As maiores con-
trovrsias, no entanto, surgiram na audincia pblica convocada pela Cmara
Municipal para debater sobre o plano com a sociedade, valorizando a opinio
pblica e levantando possveis solues, especialmente, para os temas mais
polmicos.
As propostas apresentadas pela Secretaria Municipal de Educao
de Varginha no Plano Municipal de Educao foram disponibilizadas para a
consulta pblica2 e depois expostas e discutidas na Tribuna Livre da Cmara
Municipal3 (1 de junho de 2015), em audincia pblica4 (10 de junho de 2015) e
na sesso de votao do Plano Municipal de Educao5 (22 de junho de 2015).
Estiveram presentes nessas ocasies representantes da Secretaria Municipal de
Educao, das escolas particulares e pblicas da cidade, de setores ligados s
igrejas (como a Pastoral Familiar, a Pastoral da Comunicao da Igreja Catlica
e a Associao dos Pastores) e representantes da comunidade, especialmente
pais preocupados com a educao moral dos seus filhos.

2 Disponvel em: <http://www.seduc.varginha.mg.gov.br/admin/arquivo/PLANO%20MUNICIPAL%20


DE%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20DE%20VARGINHA.pdf> Acesso em: 20 jun. 2016.
3 Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=wIrOJ94T2SA> Acesso em: 20 jun. 2016.
4 Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=Mjo0DKgln4w> Acesso em: 20 jun. 2016.
5 Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6pXx0oWxsY> Acesso em: 20 jun. 2016.

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O embate se deu, especialmente em torno da palavra diversidade. Setores


sociais, sobretudo aqueles vinculados Igreja, pais e vereadores se pronuncia-
ram contra a incorporao do termo no PME. No entendimento da maioria, o
uso da palavra diversidade poderia dar margem introduo da ideologia de
gnero nas escolas. A preocupao, portanto, foi restringir oportunidades que
pudessem ser utilizadas pelos setores sociais mais progressistas.
Os representantes da Secretaria Municipal de Educao de Varginha
esclareceram que, em nenhum momento, o plano incentivou a ideologia de
gnero e que o termo no estava presente na sua diretriz, mas foram muitos os
argumentos em favor da alterao do texto.
Por sua vez, os representantes da Igreja Catlica6 e das Igrejas Evanglicas
assinalaram o perigo ao qual a sociedade se torna vulnervel. Segundo essas
instituies, as palavras so ambguas e, depois de aprovada a lei, qualquer
pessoa mal-intencionada pode us-la contra a famlia. Defenderam, assim,
que deve haver coerncia entre o que a escola ensina e o que a famlia acredita.
Para tais entidades, a ideologia de gnero e a diversidade sexual so contra os
princpios familiares e cristos, podendo colocar em risco muita coisa para esta
gerao que vai receber a orientao dentro das escolas.7
A Pastoral Familiar solicitou que, na leitura do projeto, os vereadores tives-
sem cuidado com o texto para que [...] no passasse alguma palavra que desse
abertura para este tipo de ofensa famlia e nossa crena crist.8
A Associao dos Pastores de Varginha reforou sua preocupao com a
famlia.
Os educadores contribuem tambm para a formao moral das
crianas. franqueado aos educadores um tempo muito provei-
toso no crescimento, na formao do carter das nossas crianas.
Estamos preocupados com as brechas da lei que possam violar

6 Nota da CNBB sobre a incluso da ideologia de gnero nos Planos de Educao, datada de 19 de
junho de 2015: A ideologia de gnero subverte o conceito de famlia, que tem seu fundamento
na unio estvel entre homem e mulher, ensinando que a unio homossexual igualmente ncleo
fundante da instituio familiar. (CNBB, 2015, p. 1).
7 (7min10s). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6pXx0oWxsY> Acesso em: 20 jun.
2016.
8 (28min27s). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6pXx0oWxsY> Acesso em: 20
jun. 2016.

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Sexual e de gnero
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conquistas da cidadania e da sociedade. A diversidade parece ser


uma brecha na lei. Como a militncia federal, estadual e municipal
quer se aproveitar das brechas para colocar suas ideologias e diver-
sas interpretaes, solicito que retire o termo diversidade.9

A entidade solicitou que fossem deixados mais explcitos os termos na lei.


A palavra diversidade, se mantida, deveria ser muito bem definida.
Os pais da cidade de Varginha, preocupados com o futuro dos filhos,
destacaram que
a ideologia de gnero o esvaziamento do conceito jurdico de homem
e mulher. Ele vai destruir as bases do direito. [...] Ns temos o direito de ser dife-
rentes. Ser diferente ser livre tambm.10 E reforaram: a ideologia de gnero
uma ameaa porque vem comendo pelas beiradas. [...] Essas aberturas podem
trazer consequncias dramticas.11
A maioria dos vereadores concorda que a palavra diversidade deve ser
retirada da proposta. Outra sugesto usar a palavra exceto, j que a diversi-
dade mais ampla do que apenas a sexual. Se tirar a palavra diversidade, vai
atingir outras categorias sociais como o negro e o deficiente.12 Segundo os
legisladores, uma das funes da escola ensinar o respeito. A abordagem da
ideologia de gnero funo da famlia, no da escola.
Os vereadores tambm sinalizaram para as dificuldades de gerenciar a
poltica de gnero nas escolas, em razo da precariedade das condies das
estruturas fsicas. De acordo com eles, os banheiros no atendem s novas
demandas. necessrio mexer na infraestrutura, construindo banheiros
individuais.
No final da sesso de 10 de junho de 2015, o presidente da Cmara
de Vereadores de Varginha leu a seguinte frase: aluno no pode confundir

9 (35min43s). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6pXx0oWxsY> Acesso em: 20


jun. 2016.

10 (1h36min). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6pXx0oWxsY> Acesso em: 20


jun. 2016.

11 (27min13s). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6pXx0oWxsY> Acesso em: 20


jun. 2016.

12 (55min56s). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6pXx0oWxsY> Acesso em: 20


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liberdade com libertinagem13, apontando para os equvocos presentes na inter-


pretao de uma poltica pblica que to cara na formao dos alunos. Nesse
sentido, a ideologia de gnero confundida com depravao.
Depois da audincia pblica, os vereadores alteraram a redao da lei
que desencadeou toda a discusso na cidade de Varginha. A redao original
da proposio previa: Art. 2 So diretrizes do PME: [...] III superao das
desigualdades educacionais, com nfase na promoo da cidadania e na erra-
dicao de todas [grifo nosso] as formas de discriminao. A redao aprovada
reza: III superao das desigualdades educacionais, com nfase na promo-
o da cidadania.
A justificativa da emenda supressiva que adequou o texto do PME destaca
que a erradicao de todas as formas de discriminao no nosso entendimento
possa estar estimulando a implantao da ideologia de gnero no mbito do
municpio.14
A redao original da proposio estabelece: X promoo dos princpios
do respeito aos direitos humanos, diversidade [grifo nosso] e sustentabili-
dade socioambiental. A redao do texto aprovado, por sua vez, determina:
X promoo dos princpios do respeito aos direitos humanos e sustentabi-
lidade socioambiental.
Para que no pairasse nenhuma dvida sobre o texto, foi acrescentado
lei um pargrafo nico: No ser permitida direta ou indiretamente implan-
tar, lecionar e aplicar a ideologia de gnero no mbito do municpio de
Varginha [grifo nosso].15
A justificativa da emenda complementa:
[...] suprimiram a palavra diversidade, considerando que est em
jogo a preservao da famlia, clula-me da sociedade, proibindo
de vez tais palavras e as supostas ideologias, evitando interpretaes

13 (1h42min). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=Mjo0DKgln4w> Acesso em: 20


jun. 2016.

14 (1h41min). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=Mjo0DKgln4w> Acesso em: 20


jun. 2016.

15 Disponvel em: <http://www.varginha.mg.gov.br/legislacao-municipal/leis/543-2015/14965-lei-no-


-6042-aprova-o-plano-municipal-de-educacao-pme-e-da-outras-providencias> Acesso em: 20 jun.
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dbias, ambguas e confusas, conforme recomenda a melhor tc-


nica legislativa. Ademais visa o presente pargrafo a paz social,
esclarecendo que, no sistema educacional de Varginha, no ser
aplicada a ideologia de gnero.16

Foucault (1980) entende, nesses intensos movimentos de disputa, uma


microfsica do poder. Pulverizados em todo o campo social, os micropoderes
promovem uma contnua luta pelo estabelecimento de verdades que sendo
histricas so relativas, instveis e esto em permanente reconfigurao.
Eles sintetizam e pem em circulao as vontades de verdade de parcelas da
sociedade, em certo momento de sua histria. As novas subjetividades so esta-
belecidas no jogo desses micropoderes.
A educao um campo poltico no qual os objetivos dos diferentes ato-
res sociais, com frequncia, so conflitantes. Interferem na educao os saberes
religiosos que transformam o amor em pecado e o respeito diversidade em
uma afronta moral da famlia patriarcal.
A ideologia patriarcal surgiu com muita fora nas proposies aprova-
das. Os diversos setores sociais presentes na audincia pblica da cidade de
Varginha foram unnimes em criticar a insero, mesmo que indireta, da ideo-
logia de gnero, expressa na palavra diversidade utilizada no Plano Municipal
de Educao. Os atores envolvidos afirmaram que tal termo dbio e d mar-
gem a mltiplas interpretaes.

Consideraes finais

Entendendo-se que as escolas precisam pautar a prtica pedaggica a


partir das deliberaes presentes no Plano Municipal de Educao, o prximo
decnio ser marcado por dificuldades de criao de um ambiente favorvel
produo de novas subjetividades e identidades entre os discentes do municpio
de Varginha.
Palavras como risco, ofensa, violao e ameaa so proferidas para
demonstrar quanto a ideologia de gnero considerada perigosa, pois coloca

16 (2h18min). Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=F6pXx0oWxsY> Acesso em: 20


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em cheque a ideologia patriarcal que hierarquiza as relaes, dando maior


poder aos homens e aos heterossexuais.
Por fim, h indcios de que a transformao ser longa e lenta, mas progres-
siva. Apesar do Plano Municipal de Educao de Varginha proibir literalmente a
abordagem da diversidade sexual nas escolas, no Plano Nacional de Educao,
que a lei maior, o combate a qualquer tipo de discriminao garantido,
abrindo possibilidades de se sobrepor ao que foi decidido no municpio, uma
vez que a lei municipal pode ser considerada inconstitucional.

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Referncias

BRASIL. Cmara dos Deputados. Plano Nacional de Educao 2014-2024: Lei n


13.005, de 25 de junho de 2014. Braslia : Cmara dos Deputados, 2014. Disponvel
em: < http://www.observatoriodopne.org.br/uploads/reference/file/439/documento-re-
ferencia.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2016.

CONFERENCIA NAIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Regional Sul 1 da CNBB divulga


nota sobre ideologia de gnero nos planos de educao. 2015. Disponvel em: <http://
www.conselhonacional.com.br/2015/06/12/regional-sul-1-da-cnbb-divulga-nota-
sobre-ideologia-de-genero-nos-planos-de-educacao/>. Acesso em 20 jun. 2016.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da priso. Petrpolis: Vozes, 1980.

_______. Microfsica do poder. Traduo Roberto Machado. 10. ed. Rio de Janeiro:
Edies Graal, 1992.

______. Histria da sexualidade I: vontade de saber. Traduo Maria Thereza da


Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edies Graal, 2010.

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LAICIDADE E EDUCAO: UM DEBATE ACERCA


DO PAPEL DA EDUCAO NA PROMOO DE
DIREITOS COMUNIDADE LGBT

Anna Carolina Policrio Bertolin


Graduanda em Direito -UFJF
[email protected]

Julliard da Silva Avelar


Graduando em Direito - UFJF
[email protected]

GT 22 - Educao, religio e direitos humanos: dilogos interdisciplinares sobre a


diversidade sexual e de gnero

Resumo

O presente artigo objetiva discutir os entraves impostos realidade educacional


brasileira no sentido de restringir o acesso a direitos e garantias fundamentais da
populao LGBT. Nesse sentido, procurar-se- demonstrar os principais pontos
que tem maculado o papel a ser desenvolvido pela educao, tendo em vista
a percepo de que o espao pblico tem sido influenciado por discursos de
ordem moral-religiosa. Assim, dar-se- nfase ao contexto que se observou na
cidade de Governador Valadares (MG), quando da discusso e aprovao do
Plano Decenal Municipal de Educao, ocorrida a partir de junho de 2015.
Palavras-chave: educao populao LGBT Estado Democrtico de Direito
laicidade Direitos Humanos

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Introduo

A classificao do Brasil como um Estado Democrtico de Direito ocorre,


dentre outros inmeros motivos, devido proteo que a Constituio Federal
assegura diversidade. Nossa Carta Magna consagra o direito liberdade e
intimidade, de tal modo que todos os indivduos so livres para criar seus pr-
prios projetos de vida. Esse exerccio de liberdade deve receber respeito tanto
do Estado, quanto dos demais indivduos. Sendo assim, populao LGBT,
assim como a todas as pessoas, deve ser garantido o direito de expressar suas
orientaes e identidades em qualquer espao pblico-social, caso contrrio
seria violado, no apenas o direito fundamental liberdade, mas tambm o
direito fundamental igualdade.
A populao LGBT, apesar do arcabouo constitucional que os ampara,
sofre com inmeras infraes a seus direitos. Ademais, cabe ressaltar, que a
pauta sobre diversidade e sobre demandas da populao LGBTs tm encon-
trado mais espao nos mbitos social e poltico, sobretudo devido ao aumento e
fortalecimento de grupos que defendem os direitos desta parcela da populao.
Contudo, da mesma forma que fora os movimentos pr-LGTBs, tambm per-
ceptvel o avano de movimentos de intolerncia contra a referida populao.
O grupo contrrio ao reconhecimento da populao LGBT como sujeitos de
direitos tm apresentado uma grande organizao e articulao com a socie-
dade; um reflexo disso a grande influncia de instituies religiosas no cenrio
poltico brasileiro e, principalmente, o atual o controle que a denominada ban-
cada evanglica tem expressado no Congresso, influenciando de maneira muito
contundente na votao de projetos e, consequentemente, colocando entraves
para a aprovao de leis e polticas pblicas que beneficiem a populao LGBT.
Ademais, possvel afirmar que, reiteradamente, discursos cristos hege-
mnicos tm norteado discusses de interesse pblico, como foi, e ainda ,
perceptvel nas discusses que envolvem o Estatuto da Famlia (Projeto de Lei
6583/13) e Estatuto do Nascituro (Projeto de Lei 478/07). O decreto n 119-A, de
7 de janeiro de 1890, consagrou o regime jurdico de separao entre Estado e
religio, defendendo a liberdade religiosa e extinguindo o padroado. notrio,
no entanto, que laicidade vai alm disso e, muitas vezes, entendida e debatida
de forma deturpada. Um Estado Laico, para muitos, um Estado sem religio.
No entanto, a laicidade caracterizada pelo espao dispensado, pelo prprio
Estado, ao dilogo e existncia de todas as religies, de maneira equnime.

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Nesse sentido, torna-se possvel a afirmao de que a laicidade um pressu-


posto para o exerccio da democracia.

O Brasil (realmente) laico ?

A vinculao entre os discursos e atuaes do poder pblico e as religies


crists hegemnicas afronta o Estado Democrtico de Direito brasileiro, que
deve se manter neutro quanto s questes religiosas, isto , no realizar a pro-
moo de nenhuma religio e ao mesmo tempo proteger a todas.
Assim como se pode dizer que o Estado Democrtico necessrio para
a promoo dos direitos humanos, j que o ambiente em que se permite o
dilogo em ampla dimenso, diz-se que a laicidade pressuposto para o Estado
Democrtico. Nesse sentido, h uma correlao entre a autonomia individual
que o Estado democrtico assegura, a laicidade como defesa da diversidade e
da pluralidade, e os direitos fundamentais e humanos decorrentes desse modelo.
Assim, afirma Flvia Piovesan:
No h direitos humanos sem democracia e nem tampouco demo-
cracia sem direitos humanos. Vale dizer, o regime mais compatvel
com a proteo dos direitos humanos o regime democrtico. (...)
um segundo desafio central implementao dos direitos huma-
nos o da laicidade estatal. Isto porque o Estado laico garantia
essencial para o exerccio dos direitos humanos, especialmente nos
campos da sexualidade e reproduo. Confundir Estado com reli-
gio implica a adoo oficial de dogmas incontestveis, que, ao
impor uma moral nica, inviabiliza qualquer projeto de sociedade
aberta, pluralista e democrtica. A ordem jurdica em um Estado
Democrtico de Direito no pode se converter na voz exclusiva da
moral de qualquer religio. (PIOVESAN,2006, p.10 e 15)

Visto isso, pode-se aferir que se no h democracia sem laicidade e, tam-


bm, no h democracia sem direitos humanos logo, no h direitos humanos
sem laicidade. A grande importncia da laicidade est em no desconsiderar as
minorias, sendo, nesse sentido, importante pontuar que o Brasil majoritaria-
mente evanglico e catlico e, nem por isso, outras religies tero seus direitos
mitigados. E o debate no se restringe apenas liberdade de crena e de culto,
a laicidade garante a igualdade de valorao das religies, sem que uma seja
mais privilegiada que outra.

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Assim, o carter laico do Estado, que lhe permite separar-se e distinguir-


se das religies, oferece esfera pblica e ordem social a possibilidade de
convivncia da diversidade e da pluralidade humana. Permite, tambm, a cada
um dos seus, individualmente, a perspectiva da escolha de ser ou no crente,
de associar-se ou no a uma ou outra instituio religiosa. E, decidindo por
crer, ou tendo o apelo para tal, a laicidade do Estado que garante, a cada um,
a prpria possibilidade da liberdade de escolher em que e como crer, ou sim-
plesmente no crer, enquanto plenamente cidado, em busca e no esforo de
construo da igualdade.

O sistema educacional no Brasil

A ignorncia , sem dvida, uma das causas do preconceito, e no


seria diferente sobre a identidade de gnero. Sendo assim, deve-se destacar o
papelque a educaodeveexercer,que o de criar um espao vanguardista de
formao de cidados,promovendoopinies democrticasecom enfoque na
garantia dos direitos fundamentais.Hannah Arendtapresenta bem essa ideiana
sua obra intitulada A Crise da Educao, que assim diz:
A educao assim o ponto em que se decide se se ama suficien-
temente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais
ainda, para o salvar da runa que seria inevitvel sem a renovao,
sem a chegada dos novos e dos jovens(ARENDT,1961,p.196)

Infelizmente, o sistema educacional pblico brasileiro, almdas precarie-


dadesestruturais, sofretambmcom o despreparo de educadores e do Estado
em lidar com a diversidade dos alunos. Esse espao passa a ser umobstculo para
a promoo do tratamento igualitrio. A violncia fsica everbal abafadadentro
dos muros escolares e universitrios contra os transgneros, e o discurso discri-
minador e preconceituoso de profissionais educacionaissoalgunsexemplos.
A busca por visibilidade eigualdade dapopulaotransnos espaos de con-
vvio comum tem alcanado, recentemente, debates de maiores propores e
articulaes.Como exemplo, tem-se o Plano Nacional de Direitos Humanos
3 ( PNDH3) do qual apresenta propostas que buscam promover a incluso
de questes sobre a identidade de gnero no mbito dos trs poderes,afim
deampliar o alcance dos direitos constitucionais para essa populao.

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No sentido de incluir o debate acerca de temas sobre a diversidade nas


escolas, o Plano Nacional de Educao (PNE) de 2014, que estabelece os obje-
tivos da educao para os prximos dez anos, foi assunto de muita polmica
no Congresso Nacional acerca da diretriz que dispunha: a superao de desi-
gualdades educacionais, com nfase na promoo da igualdade racial, regional,
de gnero e de orientao sexual. Esse texto, ento, foi vetado e o que foi
aprovado retirou os termos gnero e orientao sexual, deixando a cargo, no
entanto, dos Estados e municpios a deciso de incluso ou no, nos planos
estaduais e municipais de educao. Apesar da existncia de programas de
promoo de direitos aos transgneros, perceptvel, tambm, a nfima efetivi-
dade dasdiretrizesdescritasnos textos dos Estatutos e dos Planosnas unidades
educacionais e tambm, da grande reprovabilidade da incluso desses temas
pelos representantes polticos. Nesse sentido, o ambiente escolar, que deveria
ser promotor dos direitos humanos, atua no sentido contrrioe passaaser res-
ponsvel pormaximizar a marginalizao da populaotrans.
A inexistncia de um modelo educacional que priorize o respeito diver-
sidade e que busque dialogar com alunos acerca da possibilidade de demandas
como o uso do banheiro, de roupas, e do nome condizentes sua identidade de
gnero s repercute em um processo de manuteno de um modelo heteronorma-
tivo. Diante desseimpasse, observa-se a instaurao de um paradigma no sentido
em que, usualmente,so objetos de pesquisa a violncia fsica e a verbal praticada
contra ostransgneros, porm o grande desafio est em distinguir e desnaturalizar
a violncia cometidapelasunidades educacionais de forma velada com justificati-
vas religiosas que no cabem mais em um estado laico e democrtico.

O MPE no municpio de Governador Valadares (MG)

Em meados de julho de 2015, Governador Valadares, assim como muitas


cidades brasileiras, foi palco de acirradas discusses acerca da aprovao do
Plano Decenal Municipal de Educao (PME). O principal ponto do debate foi
o dispositivo do Projeto que tratava da erradicao de todas as formas de dis-
criminao, apresentada como uma das diretrizes do art. 1, III. importante
ressaltar, que o referido Plano prev diretrizes, intenes, aes e propostas
a serem atendidas pelo Poder Executivo, traando estratgias a curto, mdio
e longo prazo com o objetivo de sanar deficincias e promover a educao
pblica municipal para os 10 (anos) anos seguintes.

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Nesse sentido, por ampla maioria dos votos, o PME, em sua redao
original, foi vetado pela Cmara Municipal. Assim, a referida Casa suprimiu a
expresso a redao do art. 1, III, e acrescentou os pargrafos 1 e 2 ao artigo
1, que assim determinava: 1 Fica vedada a implantao, divulgao, estudo,
adoo de materiais didticos e/ou qualquer forma de propagao pertinente
ideologia de gnero no mbito da rede municipal de ensino. e 2 A presente
Lei no ser regulamentada em quaisquer aspectos que tendam a aplicar a ide-
ologia de gnero no mbito das escolas pblicas do Municpio de Governador
Valadares.. O novo Projeto, com os referidos acrscimos, retornou para o Poder
Executivo municipal que, por sua vez, foi vetado, pela Prefeita Elisa Costa, que
defendeu a inconstitucionalidade das emendas propostas, bem como a incom-
petncia do Legislativo para versar sobre a matria, por se tratar de um assunto
interno da Administrao Pblica. O veto da Prefeita foi derrubado pela Cmara
Municipal, tendo sido aprovada as emendas.
Assim, preciso que seja reiterado, que umas das principais crticas que
pode ser feita ao contexto que se desenvolveu em torno dos Planos Nacional,
Estaduais e Municipais de Educao, diz respeito lacuna legislativa que foi
deixada. Aps discusses acirradas no Congresso, a bancada evanglica conse-
guiu vetar os trechos do documento que faziam referncia diversidade sexual
e de gnero. Ocorre, no entanto, que o Ministrio da Educao permaneceu
defendendo o respeito diversidade sexual e de gnero, como diretriz do Plano
Nacional de Educao, mas facultando aos Estados e Municpios sua aplicao.
Por certo, esse o principal cerne do problema que se discute no presente
trabalho, uma vez que se coloca a populao LGBT merc do poder discri-
cionrio das administraes, isto , s teremos avanos em polticas pblicas
e na legislao, em localidades que possuam governos progressistas. Ocorre,
todavia, que essa matria de competncia nacional, e por se tratar de direitos
humanos e fundamentais, no legal o tratamento de omisso que se verifica.

Consideraes finais

Sendo assim, o objetivo do presente artigo foi demonstrar que a educa-


o pblica tem sido inflamada de posies ideolgicas marcadas por crenas
religiosas crists hegemnicas. A Constituio Federal de 1988 assegura que
a atividade do ensino seguir o princpio da pluralidade de ideias e concep-
es pedaggicas (art. 206, III), assim como a gesto democrtica (art. 206,

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VI) e a liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,


a arte e o saber (art. 206, II), de tal forma que proibir o contato dos alunos
com a diversidade, interferindo direta e autoritariamente nas prticas pedaggi-
cas desenvolvidas pelos professores desrespeita a Constituio e todo o nosso
Estado Democrtico de Direito.

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Referncias

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BENTO, Berenice.Identidade de gnero: entre a gambiarra e o direito pleno. Braslia:


Correio Brasiliense, 2012.

BENTO, Berenice. O que Transexualidade? So Paulo: Brasiliense,2008.

DIAS, Maria Berenice. Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. So Paulo: Editora


Revista dos Tribunais, 2011.

DIAS, Maria Berenice. Unio Homoafetiva. 5. ed. So Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.

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sexual.com.br/p/estatuto.html. Acesso 01 Abr. 2016.

FISCHMANN, Roseli. Estado laico, educao, tolerncia e cidania : para uma anlise
da concordata Brasil-Santa S. So Paulo: Factash Editora, 2012

JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientaes sobre a populao transgnero : conceitos


e termos. Braslia: Autor, 2012. Disponvel em: <http://pt.scribd.com/doc/87846526/
Orientacoes-sobre-Identidade-de-Genero-Conceitos-e-Termos> Acesso 21 Abr.2016.

PIOVESAN, Flavia. Caderno de Direito Constitucional .Direitos Humanos e o Direito


Constitucional Internacional, 2006.

Disponvel em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/flaviapiovesan/piovesan_


dh_direito_constitucional.pdf> Acesso 10 Mai. 2016.

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ISBN 978-85-61702-44-1 629 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

HOMOFOBIA: PERCEPO DE ESTUDANTES


DO IF BAIANO CAMPUS ITAPETINGA

Ctia Brito dos Santos Nunes


Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Memria: Linguagem e
Sociedade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Assistente em
administrao no Instituto Federal de Cincia e Tecnologia Baiano - Educao
[email protected]

Joo Digenes Ferreira dos Santos


Doutor em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica de So
Paulo, professor titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

O trabalho tem por objetivo geral analisar a percepo de alunos (as) do Instituto
Federal de Educao, Cincia e Tecnologia Baiano Campus Itapetinga, insti-
tuio de educao profissional, sobre as manifestaes de homofobia ocorrida
no ambiente escolar. Pretende-se analisar os relatos elaborados pelos discentes
com base na concepo de memria proposta por Paul Ricoeur. Ou seja, como
resultantes de um processo de construo histrica, social e cultural que no
pode ser compreendido como a mera reproduo de experincias passadas,
mas como uma representao do passado feita a partir dessas experincias em
funo da realidade presente, com sua base material ou ancoragem em recursos
proporcionados pelas relaes sociais.
Palavras-chave: homofobia; percepo; memria; ambiente escolar.

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ISBN 978-85-61702-44-1 630 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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Introduo

Busca-se, neste artigo, identificar a percepo1 elaborada pelos (as) alunos


(as) do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia Baiano Campus
Itapetinga sobre a homofobia.
O Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia Baiano (IF Baiano)
surgiu pela Lei de Criao dos Institutos n 11.892, de 29 de dezembro de
2008, mediante a integrao das Escolas Agrotcnicas Federais de Catu, de
Guanambi, de Santa Ins e de Senhor do Bonfim (BRASIL, 2008). E, em 23 de
abril de 2013, a Emarc Itapetinga2 passou a integrar formalmente a estrutura
organizacional do IF Baiano, aps a publicao da Portaria n 331 do Ministrio
da Educao (BRASIL, 2013).
O municpio de Itapetinga pertence mesorregio do centro-sul baiano,
possui populao estimada em 76.184 mil habitantes, localizado numa rea de
1.651,154 km, apresentando densidade demogrfica de 41,95 habitantes por
km3.
o IF Baiano Campus Itapetinga, portanto, o lugar onde se desenvol-
veu a pesquisa que resulta neste artigo. A empiria foi composta por entrevistas
com roteiro semiestruturado4 com discentes da instituio. Assim, por constituir

1 Neste trabalho, o termo ser utilizado de acordo com a concepo terica sobre a memria elabora-
da por Paul Ricoeur (2014), o qual retoma o conceito de anmnesis ou de reminiscncia, e a ideia de
anlise do reconhecimento das imagens como esforo intelectual, referindo-se s lembranas conce-
bidas pela ao laboriosa pertencente ao vasto conjunto dos fenmenos psquicos que passam pela
tenso e pelo relaxamento, conforme preconizou Bergson (1999, p.156): Distinguimos trs termos:
a lembrana pura, a lembrana-imagem e a percepo, dos quais nenhum se produz, na realidade,
isoladamente. A percepo no jamais um simples contato do esprito com o objeto presente; est
inteiramente impregnada das lembranas-imagens que a completam, interpretando-a. A lembrana-
-imagem, por sua vez, participa da lembrana pura que ela comea a materializar, e da percepo
na qual tende a se encarnar: considerada desse ltimo ponto de vista, ela poderia ser definida como
uma percepo nascente.
2 A Escola Mdia de Agropecuria da Regio Cacaueira (Emarc) Itapetinga, desde sua formao, em
7 de maio de 1980, encontra-se situada numa rea de 105 hectares, localizada no quilmetro 2 da
rodovia Itapetinga-Itoror, bairro Clerolndia, na cidade de Itapetinga.
3 <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=291640&search=||infogr%E1ficos:in-
forma%E7%F5es-completas>. Acessado em 18/04/2016.
4 Esclarecemos que esse roteiro no foi utilizado de forma engessada, mas foi alterado quando neces-
srio, pois priorizamos seguir o fluxo dos momentos vividos por cada entrevistado (a). Tanto que

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ISBN 978-85-61702-44-1 631 de Estudos sobre a Diversidade
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um estudo de natureza qualitativa, a escolha dos sujeitos entrevistados ocorreu


aps a seleo de alunos (as) matriculados (as) na terceira srie do curso tcnico
de nvel mdio em Agropecuria, na modalidade integrada, por serem eles,
naquele momento, os que estavam h mais tempo na instituio.
As entrevistas com os discentes que se dispuseram a participar da pesquisa
foram gravadas com o consentimento dos participantes ou de seu responsvel
legal e, posteriormente, transcritas.
A partir das entrevistas, tivemos acesso aos testemunhos vivenciados pelos
(as) alunos (as) e aos compartilhamentos de suas experincias. As narrativas
apresentam ocorrncia do deslocamento de pontos de vista da memria, que,
neste caso, ocorrem no ambiente do IF Baiano Campus Itapetinga, conforme
definio de Ricoeur (2014):
Temos, assim, acesso aos acontecimentos reconstrudos para ns
por outros que no ns. Portanto, por seu lugar num conjunto que
os outros se definem. A sala de aula da escola , nesse aspecto, um
lugar privilegiado de deslocamento de pontos de vista da memria
(RICOEUR, 2014, p.131).

As entrevistas de um grupo de alunos (as) do IF Baiano Campus Itapetinga


que vivenciaram e compartilharam diversas experincias referentes ao perodo
de trs anos, ou seja, em que cursaram o ensino mdio, visam evocar as narra-
tivas construdas em conjunto no ambiente escolar.
Para essa anlise, adotaremos a definio de homofobia preconizada por
Borrillo (2010), que a compreende como um complexo que abarca diversos
fenmenos: conjunto de emoes negativas, sistema de humilhao, excluso e
violncia. Ser enfatizada a definio de homofobia em sua dimenso cultural,
que compreende a rejeio homossexualidade como fenmeno social e psi-
colgico, no se atentando meramente ao indivduo. Diz o autor:
[...] Mais recentemente, verifica-se a circulao de uma compre-
enso da homofobia como dispositivo de vigilncia das fronteiras
de gnero que atinge todas as pessoas, independentemente da

algumas perguntas se diferenciaram e outras foram acrescentadas em diferentes momentos, exata-


mente pela prpria nuance dos dilogos, que foi tomando um rumo muito prprio do momento, bem
como as singularidades de cada entrevistado (a).

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ISBN 978-85-61702-44-1 632 de Estudos sobre a Diversidade
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orientao sexual, ainda que em distintos graus e modalidades.


(BORRILLO, 2010, p. 8)
[] O termo homofobia designa, assim, dois aspectos diferentes
da mesma realidade: a dimenso pessoal, de natureza afetiva, que
se manifesta pela rejeio dos homossexuais; e a dimenso cul-
tural, de natureza cognitiva, em que o objeto da rejeio no o
homossexual enquanto indivduo, mas a homossexualidade como
fenmeno psicolgico e social. (BORRILLO, 2010, p. 22)

Outro conceito imprescindvel do autor para compreender essa rejeio


o de sexismo, uma ideologia segundo a qual existem papis previamente defi-
nidos e atribudos a homens e a mulheres. Tal lgica estabelece a superioridade
de um gnero sexual em relao ao outro, conforme aduz o autor:
[] O sexismo define-se, desde ento, como a ideologia organiza-
dora das relaes entre os sexos, no mago da qual o masculino
caracteriza-se por sua vinculao ao universo exterior e poltico,
enquanto o feminino reenvia intimidade e a tudo que se refira a
vida domstica. (BORRILLO, 2010, p. 30)

Para auxiliar no processo de elaborao da anlise, utilizaremos, ainda,


outro conceito: o de estigmatizao, conforme definio feita por Elias (2000),
que sintetiza o processo de se atribuir a determinados grupos caractersticas
diferenciadoras e invariavelmente tidas como negativas. Afirma o autor que:
[] o grupo estabelecido tende a atribuir ao conjunto do grupo out-
sider as caractersticas ruins de sua poro pior de sua minoria
anmica. Em contraste, a autoimagem do grupo estabelecido tende
a se modelar em seu setor exemplar, mais nmico ou normativo
na minoria de seus melhores membros. Essa distoro pars pro
toto, em direes opostas, faculta ao grupo estabelecido provar
suas afirmaes a si mesmo e aos outros; h sempre algum fato
para provar que o prprio grupo bom e que o outro ruim.
(ELIAS, 2000, p. 22 a 23)
[] a estigmatizao, como um aspecto da relao entre estabe-
lecidos e outsiders, associa-se, muitas vezes, a um tipo especfico
de fantasia coletiva criada pelo grupo estabelecido. Ela reflete e, ao
mesmo tempo, justifica a averso o preconceito que seus mem-
bros sentem perante os que compem o grupo outsider. (ELIAS,
2000, p.35)

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ISBN 978-85-61702-44-1 633 de Estudos sobre a Diversidade
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Desta forma, tais conceitos sero bem caros tentativa de discusso aqui
proposta: compreender a percepo de alunos (as) do IF Baiano Campus
Itapetinga sobre as manifestaes de violncia conceituadas como homofobia.

Homofobia

O fenmeno da violncia apresenta sentidos diversos que podem designar


fatos e aes ou, ainda, uma forma de manifestao da fora. O termo vio-
lncia vem do latim violentia. Ao verbo violare pode-se atribuir o significado
violar ou transgredir. Michaud (1989) ressalta que esses termos so oriundos de
vis, que significa fora em ao, vigor, potncia. E essa ideia de fora,
de uma potncia contra alguma pessoa ou coisa que configura a essncia da
noo de violncia, que, portanto, deixar marcas. (MICHAUD, 1989).
No relato da aluna, podemos verificar a narrativa sobre o preconceito em
razo de sua orientao sexual sofrido em outra escola, ressaltando algumas
consequncias isolamento social:
E, a partir da primeira srie, eu passei a sofrer preconceito pela
minha orientao sexual. E, a partir desse momento em que eu pas-
sei a sofrer preconceito pela minha orientao, eu comecei a me
fechar na escola. Ento, eu no participava muito de brincadeiras
[...] eu evitava ao mximo brincar com qualquer outra criana, por-
que, vez ou outra, elas soltavam piadinhas e eu acabava sendo
agressiva com elas e acabava tendo altas consequncias no final.
(aluna, 18 anos5).

A mesma aluna ressalta o preconceito sofrido em outra escola, porm,


informa a forma velada e indireta desta ocorrncia:
Eu j tive uma convivncia mais tranquila [...] Porque l eles tm o
preconceito, mas mais mascarado. No era igual [escola anterior],
que eles falavam na minha cara, e as [agentes escolares] [imita a
voz]: ah, no, mas isso errado!. No tinha esse ah, voc t
errado porque voc faz isso! Eles tentavam conversar comigo e
tentar ver o meu ponto de vista. E, quando chegou a, acho que no

5 Entrevista realizada em 20/01/2016.

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ISBN 978-85-61702-44-1 634 de Estudos sobre a Diversidade
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comeo do Fundamental 2, que eu comecei realmente a ser uma


pessoa socivel. (aluna, 18 anos).

A narrativa do aluno informa dois momentos distintos: o da vivncia na


escolar anterior e o do momento atual, no IF Baiano Campus Itapetinga, infor-
mando a situao de violncia e preconceito que sofreu:
Eu entrei l super deslocado e sa de l super deslocado. Primeiro,
porque achavam que eu era gay. Ento, foi meio complicado at
eles entenderem que eu no era assim.
[...] A psicloga do prprio instituto me chamou pra poder conver-
sar. E ela identificou, porque o meu pai no participou da minha
vida pessoal. Ento, eu tive que me espelhar em algum, e eu esco-
lhi minha me. Por isso adquiri as caractersticas femininas.(aluno,
18 anos6).

Dessa forma, consideramos que h nesse processo de evocao da sequ-


ncia e do encadeamento das narrativas um deslocamento de pontos de vista da
memria. Ou seja, ao relatar os fatos passados, os (as) alunos (as) passam a res-
signific-los em razo da realidade presente e das experincias compartilhadas
nos diversos grupos que vivenciaram, portanto, uma memria compartilhada
de percepes:
Da memria compartilhada passa-se gradativamente memoria
coletiva e as suas comemoraes ligadas a lugares consagrados
pela tradio: foi por ocasio dessas experincias vividas que
fora introduzida a noo de lugar de memria, anterior s expres-
ses e s fixaes que fizeram a fortuna ulterior dessa expresso.
(RICOEUR, 2014, p.157)

A discriminao narrada pelos discentes expressam uma manifestao de


homofobia ocorrida como decorrncia de uma ideologia sexista, que foi retra-
tada por Borrillo (2010, p.24) como homofobia cognitiva, caracterizando-se
por ser mais eufemstica, sem deixar de ser insidiosa e por pretender simples-
mente perpetuar a diferena homo/htero.

6 Entrevista realizada em 21/01/2016.

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na dimenso cultural, defendida pelo autor, que esto abarcadas todas


as formas de violncia contra os indivduos que apresentam caractersticas defi-
nidas como de gnero diverso. Tal violncia se constitui contra toda e qualquer
forma de representao da homoafetividade.
Para Borrillo (2010) a concepo de homofobia deve considerar a exis-
tncia de uma ordem sexual por meio da qual so organizadas as relaes
sociais ou seja, o sexismo, baseado em dois pressupostos: a subordinao do
feminino ao masculino e a hierarquizao das sexualidades. Ambos os pres-
supostos estabelecem os fundamentos para a homofobia e para o tratamento
inferiorizante dado a indivduos.
De acordo com a percepo baseada na ordem sexista e homofbica, o
comportamento do aluno entrevistado, tido como feminino, no atenderia ao
padro de normalidade superior, que seria a heterossexualidade. E por isso,
segundo Borrillo, sua conduta seria considerada incompleta, acidental e per-
versa, ou, ainda, patolgica, criminosa, imoral e destruidora da civilizao
(2010, p.31).
O fato de apresentar comportamento diverso do estabelecido pela ordem
sexista o elemento utilizado para desqualificar e estigmatizar o aluno e a
aluna nas instituies escolares. Consoante definio de Elias (2000), este seria
o atributo diferenciador, ou a caracterstica negativa do que o autor concei-
tua como processo de estigmatizao, o qual ocorre para justificar a averso a
determinado grupo contribuindo assim para alimentar a fantasia coletiva em
proveito do estigmatizador.
Assim, o estigma serve como uma espcie de identificao do indivduo,
que permite o conhecimento a respeito dele sem a necessidade de um con-
tato ao menos superficial, de acordo com o enquadramento pr-estabelecido.
Essa ausncia de envolvimento impossibilita, portanto, que o estigmatizado
se insurja contra a situao de excluso e depreciao a que submetido.
Verificamos nas narrativas apresentadas, como tal estigmatizao resulta em
conflitos ou tenses, isolamento social e privao de direitos.

Consideraes finais

A manifestao da homofobia constitui um fenmeno complexo que


se apresenta de formas variadas: violncia fsica e psicolgica, hostilidade,
averso, desprezo, dio, desconforto, desconfiana, etc. Trata-se de utilizar a

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discriminao para privar indivduos do exerccio pleno de direitos como sade,


educao, trabalho, segurana, igualdade, liberdade e dignidade da pessoa
humana.
Assim, as manifestaes decorrentes de uma ideologia sexista apresen-
tam as mesmas atitudes, caractersticas, sentimentos negativos e consequncias
danosas apresentadas nas diversas manifestaes de homofobia. E refletem as
mesmas disputas por dominao, controle e prestgio, ressaltando a dificuldade
de convivncia em meio diversidade. E constitui-se na busca por perpetuar o
sistema de valores e normas da conduta heterossexual.

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ISBN 978-85-61702-44-1 637 de Estudos sobre a Diversidade
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Referncias

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rito.Trad. Paulo Neves, 2 Ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

BRASIL, Lei n. 11.892/08. Disponvel em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/


leis_2001/l10224.htm> Acesso em 5 de dezembro de 2015.

BRASIL, Portaria MEC/SETEC No 331, de 23 de abril de 2013. Disponvel em:http://


portal.datalegis.inf.br/action/ActionDatalegis.phpacao=detalharAtosArvorePortal&-
tipo=POR&numeroAto=00000331&seqAto=000&valorAno=2013&orgao=MEC.
Acesso em 5 de dezembro de 2015.

EAFS DA BAHIA: Proposta de Adeso das Escolas Agrotcnicas Federias da


Bahia para constituio do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia
Agroindustrial da Bahia. 2008 (mimeo).

RICOUER, Paul. A memria, a histria, o esquecimento. Campinas: editora Unicamp,


2014.

BORRILLO, Daniel. Homofia: histria e critica de um preconceito. [Traduo de


Guilherme Joo de Teixeira Freitas]. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2010.

MICHAUD, Yves. A violncia. So Paulo: tica, 1989.

NOBERT, Elias. Introduo. Ensaio terico sobre as relaes estabelecidos-outsi-


ders. In: ELIAS, Norbert & SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

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ISBN 978-85-61702-44-1 638 de Estudos sobre a Diversidade
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FORMAR PARA A DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA:


GNERO E ORIENTAO SEXUAL, LIVROS E CAPTULOS

Acir Brito Filho


Bacharelando em Teologia (PUC-PR, 2014)
Colaborador no Grupo de Pesquisa Educao e Religio (GEPER, 2015)
[email protected]

Srgio Rogrio Azevedo Junqueira (orientador)


Livre-Docente (2012) e Ps-Doutor (2010) em Cincias da Religio (PUC-SP)
Coordenador do GEPER
[email protected]

GT 22 - Educao, religio e direitos humanos: dilogos interdisciplinares sobre a


diversidade sexual e de gnero

Resumo

H no Brasil um crescimento reacionrio por parte de ncleos religiosos con-


servadores, que tratam a questo da diversidade sexual e de gnero como
pecaminosas, contribuindo para o preconceito. Partindo deste cenrio, bus-
cou-se identificar e mapear livros que abordassem as questes de gnero e
orientao sexual e sua relao com a perspectiva da religiosidade. Dos onze
livros selecionados, comum uma breve abordagem histrica da sexualidade,
pontuando citaes bblicas e suas interpretaes que referenciam relaes
sexuais entre pessoas do mesmo gnero na poca das narrativas. evidente a
preocupao comum em revisar a forma como a questo de gnero e orien-
tao sexual tratada no meio religioso cristo, atravs de uma proposta de
atualizao da interpretao bblica.
Palavras-chave: educao; religio; tica crist; sexualidade; gnero.

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Introduo

A homologao da Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional


(9394/96) formalizou a escolarizao do Ensino Religioso como componente
curricular, momento no qual as instituies de ensino superior passaram a pro-
duzir sistematicamente pesquisas nesta rea.
O presente trabalho est vinculado ao Grupo de Pesquisa Educao e
Religio (GPER), organizado no ano de 2000 e que visa compreenso da
interferncia da religio na educao brasileira. O projeto Diversidad Cultural
y Educacin Escolar en Brasil Y en Colombia: implicaciones en La accin de
profesores (as), organizado em parceria com a Universidade La Salle de Bogot
(Colmbia), tem por objetivo compreender o conceito de diversidade cultural-
-religiosa no cenrio da educao brasileira no universo religioso. Para tanto, foi
articulado o subprojeto Formar para a diversidade, tendo como ltima etapa
a identificao de livros, captulos e artigos sobre gnero e orientao sexual,
visando atualizao de subsdios para a formao de professores de ensino
religioso sobre a leitura da diversidade cultural religiosa. Em 2015 foi publi-
cado o texto referencial denominado Amor sacralizado e amor banido: gnero,
orientao sexual e espiritualidade (Editora CRV, 2015).
Este trabalho consiste na identificao e no mapeamento de livros que
tratam das questes de gnero e orientao sexual sob a perspectiva da reli-
giosidade crist, atualizando o mapeamento de publicaes que podem dar
suporte a pesquisadores e formadores sobre o tema.

Desenvolvimento

Entre agosto de 2015 e fevereiro de 2016 foram realizadas reunies do


grupo de pesquisa, identificao no banco de dados do GEPER e em outras
fontes, alm dos resultados obtidos a partir do V Congresso da ANPTECRE
(Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Teologia e Cincias da
Religio). Foram identificados onze livros, relacionados no Quadro 1 a seguir.

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Quadro 1 Relao de livros identificados e mapeados.

Autor Ttulo Cidade Editora Ano Pg


JUNQUEIRA, Amor sacralizado e amor bani-
KLCUCK e do: gnero, orientao sexual e Curitiba, PR CRV 2015 154
SCHLGL espiritualidade
GOMES e Homossexualidade: orientaes
So Paulo, SP Paulus 2011 192
TRASFERRETI formativas e pastorais
Via(da)gens teolgicas: itinerrios
MUSSKOPF So Paulo, SP Fonte Editorial 2012 503
para uma teologia queer no Brasil
F alm do ressentimento: frag-
ALISON So Paulo, SP Realizaes 2010 336
mentos catlicos em voz gay
Que a Bblia realmente diz sobre
HELMINIAK So Paulo, SP Summus 1998 143
homossexualidade, O
Enigma da esfinge, O: a sexuali-
MOSER Petrpolis, RJ Vozes 2001 287
dade
LEERS e TRAS-
Homossexuais e tica crist Campinas, SP tomo 2002 199
FERETTI
Talar rosa: homossexuais e o So Leopoldo,
MUSSKOPF Oikos 2005 288
ministrio na Igreja RS
Homossexuais catlicos: como
BESSON So Paulo, SP Loyola 2015 108
sair do impasse
AUGUSTI e Dom Paulo Evaristo cardeal Arns: Casa da Terceira
MARCHIONI pastor das periferias, dos pobres e So Paulo, SP Idade Tereza 2015 479
(org.) da justia Bugolim
Pastoral com homossexuais:
TRASFERETTI Petrpolis, RJ Vozes 1998 155
retratos de uma experincia

Fonte: o autor, 2016.

Resultados

Os livros analisados fazem uma abordagem histrica da sexualidade,


pontuando citaes bblicas, dentro de um contexto de poca, e suas interpre-
taes equivocadas que referenciam relaes sexuais entre pessoas do mesmo
gnero, na poca das narrativas, s relaes ertico-afetivas homossexuais da
atualidade.
Em Amor sacralizado e amor banido: gnero, orientao sexual e espiri-
tualidade (JUNQUEIRA, KLCUCK e SCHLGL, 2015), a abordagem pedaggica
entrelaa o tema de interdisciplinarmente questo da essncia da sexuali-
dade, reforando em trs dos cinco captulos a questo Educando para a

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diversidade. Promove a discusso sobre religiosidade e sua relao com sexu-


alidade e gnero, a partir das perspectivas histrica, cientfica e da diversidade
religiosa, sendo que o ensino fundamental e religioso tornam-se importantes
promotores de uma vida cidad.
Dogmas religiosos determinam a condenao ao prazer, revelado como
um tabu principalmente nas sociedades patriarcais, situao que reflete na desi-
gualdade de direitos da mulher e na comunidade homossexual. Estas questes
emergem na realidade social do sc. XX, sendo progressivamente discutidas
nas escolas e incorporam a classe educadora dentro do contexto social e hist-
rico da classe estudantil, donde surge a necessidade de alternativas s frmulas
inoperantes em vigncia.
GOMES e TRASFERETTI (Homossexualidade: orientaes formativas
e pastorais, 2011) fazem uma abordagem histrica da homossexualidade, da
Grcia antiga aos movimentos LGBT1 dos tempos atuais, passando para o debate
teolgico-moral e cientfico sobre a questo da homossexualidade, finalizando
com orientaes formativas e pastorais para situaes especficas.
Em Via(da)gens teolgicas, (ver Figura 3) MUSSKOPF (2012) faz um
relato da Histria do Brasil e sua relao com a homossexualidade, desde o
Descobrimento. O autor desafia a uma compreenso de uma Teologia Queer,
que [...] um desdobramento das teologias gay e lsbica [...], abordando a
formao de grupos cristos GLBT, dando indicativos do seu desenvolvimento
com base em autoras como Simone de Beauvoir e Ivone Gebara, sugerindo
uma caminhada baseada no Ocupar, Resistir e Produzir.
HELMINIAK (O que a Bblia realmente diz sobre homossexualidade,
1998), faz uma leitura histrico-crtica e literria do Pecado de Sodoma, uma
narrativa do Primeiro Testamento, bem como do desvio do natural presente
em Rm e do sexo abusivo entre homens em 1Cr e 1Tm, dentre outras referncias
associadas s relaes homossexuais feitas tambm no Segundo Testamento,
desconstruindo parte do fundamentalismo acerca do assunto.
Em Talar rosa: homossexuais e o ministrio da Igreja, MUSSKOPF (2005)
retrata a busca do exerccio do Ministrio Eclesistico Ordenado, por parte de
homens assumidamente gays, na Igreja Evanglica de Confisso Luterana do

1 A expresso representa as sexualidades identificadas como Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e


Transexuais. Disponvel em: http://www.abglt.org.br/docs/ManualdeComunicacaoLGBT.pdf. Acesso
em 15 de fevereiro de 2016.

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Brasil (IECLB); conta com depoimentos que retratam estes casos, no perodo
que vai de 1991 at 2003.
Faz um retrato histrico da diversidade de ministrios e das ordenaes e
uma abordagem sobre a interpretao atualizada do pecado de Sodoma, que
discorre sobre a falta de hospitalidade e o individualismo, erroneamente inter-
pretado como se tratando das relaes homo afetivas.
LEERS e TRASFERETTI (Homossexuais e tica crist, 2002) abordam
questes relacionadas com a homofobia, debatem a relao entre heterosse-
xualidade e homossexualidade, assim como o tabu da homossexualidade nas
sociedades do passado e nas atuais, que impactam no ncleo religioso moral
de conflito entre a homossexualidade e a expresso de f. Discorrem sobre
citaes do Primeiro e Segundo Testamentos, desde a narrativa de Sodoma at
as cartas paulinas, finalizando com uma proposta de viver a liberdade, enxer-
gando uma porta possvel para o futuro.
MOSER (O enigma da esfinge: a sexualidade, 2001), entre mitos e cin-
cia, d um suporte antropolgico para uma teologia atualizada em busca de
novos parmetros ticos. Destaca o momento quando a linguagem incapaz
de traduzir a realidade, pois uma pessoa no pode ser considerada santa ou
pecadora simplesmente por sua orientao sexual.

Figura 1 Capa do livro Amor Figura 2 Capa do livro Figura 3 Capa do livro Via(da)
sacralizado e amor banido: Homossexualidade: gens Teolgicas: itinerrios
gnero, orientao sexual e orientaes formativas e para uma teologia queer no
espiritualidade. pastorais. Brasil.

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Figura 4 Capa do livro F alm Figura 5 Capa do livro O que Figura 6 Capa do livro
do ressentimento: fragmentos a Bblia realmente diz sobre a O enigma da esfinge: a
catlicos em voz gay. homossexualidade. sexualidade.

Em Homossexuais catlicos: como sair do impasse, BESSON (2015)


aborda as vrias expresses homossexuais, tratando-as como homossexuali-
dades e que de modo geral, a orientao sexual vivida como um dado da
existncia e no como uma escolha livre (BESSON, 2015, p. 22).
Destaca a questo da falta de referenciais, homofobias internalizadas e a
estigmatizao comunitria da homossexualidade, fruto de declaraes pre-
conceituosas feitas publicamente ou no seio familiar (BESSON, 2015, p. 30).
Destaca como h uma dualidade entre a expresso doutrinal na Igreja Catlica
e vozes que expressam a necessidade de uma atitude aberta frente homos-
sexualidade, baseado no que a Bblia diz, ou melhor, o que ela no diz a
respeito da homossexualidade (BESSON, 2015, p. 57). A sada do impasse
consiste em enfrentar o medo de mudanas.
TRASFERETTI (Pastoral com homossexuais: retratos de uma experincia,
1998) d um testemunho de sua prpria experincia no ministrio em comuni-
dades da periferia, incluindo depoimentos e uma abordagem sobre as citaes
bblicas que so utilizadas para condenar as relaes homo-ertico-afetivas.
Trata da diferena entre homossexuais e travestis. Entrelaa os documentos do
Magistrio da Igreja, a moral crist e os preconceitos.

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Edilson da Silva Cruz2 participa de uma comunidade na Zona Leste da


cidade de So Paulo e relata, no captulo Caminhamos na estrada de Jesus,
com Dom Paulo Evaristo Arns, em Dom Paulo Evaristo cardeal Arns: pastor
das periferias, dos pobres e da justia (V.A., 2015, p. 139), sua experincia em
uma Igreja com a cara de Dom Paulo: proftica e missionria, cardeal que
lutou para a criao da Pastoral da Aids em 1992.
Acredita ser possvel continuar acreditando no ministrio da Igreja,
mesmo sofrendo rejeio, pois h pessoas que afastaram-se por no encontra-
rem acolhida e espao, ou foram obrigadas a silenciar sua verdade mais ntima:
a sexualidade.

Figura 7 Capa do livro Figura 8 Capa do livro Figura 9 Capa do livro


Homossexuais e tica crist. Talar rosa: homossexuais e o Homossexuais catlicos: como
ministrio na Igreja. sair do impasse.

2 Membro da Parquia Santa Rosa de Lima, Diocese de So Miguel Paulista, SP. Foi integrante do Gru-
po de Ao Pastoral da Diversidade de So Paulo. Maiores informaes disponveis no stio: https://
pt-br.facebook.com/DiversidadePastoralSP. Acesso em 02 de abril de 2016.

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Figura 10 Capa do livro Dom Figura 11 Capa do livro


Paulo Evaristo cardeal Arns: Pastoral com homossexuais:
pastor das periferias, dos pobres retratos de uma experincia.
e da justia.

ALISON (F alm do ressentimento: fragmentos catlicos em voz gay,


2010) propem uma f alm do ressentimento para pessoas que foram empur-
radas para as Periferias Existenciais3, convidando-as para uma reflexo sobre
si mesmas, na compreenso do reposicionamento fraternal da mensagem de
Deus, promovida por Jesus.

Consideraes finais

A homossexualidade e o entendimento sobre gnero sofreram mudanas


estruturais ao longo da Histria. Na Igreja Catlica Apostlica Romana (ICAR),
a homossexualidade considerada como um conjunto de atos intrinsecamente
desordenados (Declarao Persona Humana: sobre alguns pontos de tica
sexual, 1975). Sobre este tema, o Catecismo da Igreja Catlica diz no seu par-
grafo 2358 que Esta inclinao objetivamente desordenada constitui, para a
maioria, uma provao. (Catecismo da Igreja Catlica, 1999, p. 610). A seguir,

3 Papa Francisco, Exortao Apostlica Evangelii Gaudium, 2013.

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no pargrafo 2359 (p. 611) diz que As pessoas homossexuais so chamadas


castidade [...].
Sem entender direito o que acontece, um nmero incalculvel de ado-
lescentes descobre sua sexualidade em meio a uma sociedade perversa,
intransigente e ignorante, com um espao enorme para a hipocrisia. Sem ter a
quem recorrer, muitos optam por abreviar seu sofrimento definitivamente, ape-
lando para o suicdio direto, procurando abreviar a vida e seu sofrimento, ou o
suicdio lento, baseado no consumismo, nas festas e no consumo de lcool e
entorpecentes.
O preconceito e a excluso, frequentemente a partir de seus prprios lares,
constituem uma represso sexualidade. Pessoas de orientao homossexual
e mais profundamente com identidade de gnero diversa da sua genitalidade,
passam a ser consideradas como um ser estranho nas comunidades.
Esta questo merece uma interpretao bblica em observao ao con-
texto do perodo no qual os textos sagrados foram escritos, assim como s
particularidades scio antropolgicas que norteiam as relaes ertico-afetivas
da atualidade. H um debate produtivo sobre a questo da diversidade sexual
e de gnero no mbito da religiosidade, que necessita ser ouvido atentamente.
H um desejo latente em poder viver uma outra forma de ser e amar,
reforando a f, sem que para isso corra-se o risco de perder a vida pelo sim-
ples fato de trocar afeto em pblico, como muitos casais heterossexuais fazem
diariamente.

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Referncias

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Maurcio G. RIGHI. So Paulo: Realizaes, 2010. 335 p. ISBN 978-85-8033-000-7.

BESSON, C. Homossexuais catlicos: como sair do impasse. Traduo de Nicols


CAMPANRIO. So Paulo: Loyola, 2015. 108 p. ISBN 978-85-15-04286-9.

FRANCISCUS. Evangelii Gaudium: sobtre o anncio do Evangelho no mundo atual.


So Paulo: Loyola, 2013. 163 p. ISBN 978-85-15-04085-8.

GOMES, A.; TRASFERETTI, J. Homossexualidade: orientaes formativas e pastorais.


So Paulo: Paulus, 2011. 192 p. ISBN 978-85-349-2213-5.

HELMINIAK, D. A. O que a Bblia realmente diz sobre homossexualidade. So Paulo:


Summus, 1998. 143 p. ISBN 978-85-86755-07-1.

IGREJA CATLICA APOSTLICA ROMANA. Declarao Persona Humana: sobre


alguns pontos de tica sexual. Vatican, Roma, 29 desembro 1975. Disponivel em:
<http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_
doc_19751229_persona-humana_po.html>. Acesso em: 03 abril 2016.

IGREJA CATLICA APOSTLICA ROMANA. Catecismo da Igreja Catlica. So


Paulo: Edies Loyola, 1999. 934 p. ISBN 978-85-15-02152-9.

JUNQUEIRA, S. R. A.; KLCUCK, C. R.; SCHLGL, E. Amor sacralizado e amor


banido: gnero, orientao sexual e espiritualidade. Curitiba: CRV, 2015. 152 p. ISBN
978-85-444-0467-6.

LEERS, B.; TRASFERETTI, J. Homossexuais e tica crist. Campinas: tomo, 2002. 199
p. ISBN 85-87585-23-1.

MOSER, A. O enigma da esfinge: a sexualidade. Petrpolis: Vozes, 2001. 287 p. ISBN


85.326.2595-9.

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MUSSKOPF, A. S. Talar rosa: homossexuais e o ministrio na Igreja. So Leopoldo:


Oikos, 2005. 288 p. ISBN 85-89732-26-6.

MUSSKOPF, A. S. Via(da)gens teolgicas: itinerrios para uma teologia queer no


Brasil. So Paulo: Fonte Editorial, 2012. 503 p. ISBN 978-85-63607-78-2.

TRASFERETTI, J. A. Pastoral com homossexuais: retratos de uma experincia.


Petrpolis: Vozes, 1998. 155 p. ISBN 85-326-2104-X.

V.A. Dom Paulo Evaristo cardal Arns: pastor das periferias, dos pobres e da jus-
tia. 1. ed. So Paulo: Casa da Terceira Idade Tereza Bugolim, 2015. 479 p. ISBN
978-85-69707-00-4.

(Footnotes)

1 Ver comentrios sobre o autor Andr Sidnei Musskopf mais adiante.

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A HOMOFOBIA NO ENSINO MDIO:


O BULLYING HOMOFBICO COMO PRTICA
EXCLUDENTE EM ESCOLAS PBLICAS ESTADUAIS DE BELM

Adriane Giugni da Silva


Doutora em Educao UNICAMP-SP
Lder/Coordenadora do Grupo de Pesquisa Polticas Pblicas,
Educao e Incluso Social GPPEIS/UEPA
Pesquisadora/Professora UEPA
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Este texto resulta de pesquisa qualitativa sobre a homofobia vivida por alunos
LGBT de nvel mdio, em escolas pblicas estaduais de Belm. Busca-se res-
ponder se os alunos LGBT dessas escolas so vtimas de bullying homofbico
e se tais prticas influem negativamente na aprendizagem destes, impactando
na sua formao socioeducacional. Efetivou-se reviso de literatura, mediante
pesquisa bibliogrfica e documental, para fundamentar terico-filosoficamente
a pesquisa e auxiliar na anlise. Como instrumentos tcnicos, utilizam-se ques-
tionrios e entrevistas, aplicados a docentes, discentes e outros, que cruzados
permitem analisar e proceder s consideraes do investigado. Os resultados
parciais confirmam haver bullying homofbico nas escolas, influindo negativa-
mente na formao dos LGBT.
Palavras-chave: Bullying homofbico. Diversidade sexual. Identidade de gnero.
Excluso educacional. Orientao sexual escolar.

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Introduo

A presente pesquisa, em processo de investigao, visa identificar as pr-


ticas homofbicas vivenciadas por estudantes LGBT adolescentes, no decorrer
de seus estudos de nvel mdio, em escolas pblicas de Belm. Em razo da
falta de polticas pblicas sobre diversidade sexual que subsidiem a formao
educacional desses sujeitos sem discriminao, so marginalizados e conse-
quentemente excludos educacional e socialmente.
Segundo a Unesco o bullying homofbico constitui-se em uma prtica que
mais danos causam formao educacional e social de crianas e adolescen-
tes. Neste estudo, buscam-se identificar as atitudes e prticas discriminatrias,
presentes no processo didtico-pedaggico, vivenciadas por esses sujeitos nas
escolas pblicas examinadas, por meio de pesquisa qualiquantitativa. Intenta-se
responder a seguinte questo norteadora: O bullying homofbico vivenciado
por estudantes LGBT do ensino mdio em escolas pblicas de Belm influi
negativamente na formao educacional desses sujeitos, impacta na aprendi-
zagem e socializao dos estudantes investigados e gera como consequncia a
evaso escolar?
A fim de responder esta questo dividiu-se a pesquisa em fases, cuja
primeira coube realizar pesquisa bibliogrfica e documental no intento de
fundamentar terica-filosoficamente a investigao, assim como subsidiar a
apropriao de conhecimentos tericos aos alunos colaboradores. Partiu-se do
levantamento a respeito da homossexualidade, desvelando-se que esta prtica
historicamente evidenciada desde a Antiguidade. Na Grcia antiga era con-
siderada natural entre os homens. Com o passar do tempo, vrios tabus foram
institudos acerca da homossexualidade e esta passou a ter uma conotao
negativa, no sendo mais aceita pela sociedade.
Segundo Dias (2009) a homossexualidade existe e sempre existiu desde
os primrdios, mesmo aps um longo perodo de perseguio, brutal restri-
o e ataques prtica homossexual, ou quando essa conduta foi tipificada
criminalmente em algumas sociedades, mas sempre esteve presente ao longo
da histria da humanidade. A autora assinala que foi repudiada at o terceiro
quarto do tormentoso sculo XX, o qual foi testemunha de tantas mudanas
sociais e redefinies de valores. Para Dias a homossexualidade marcada pelo
estigma social, sendo renegada marginalidade por se afastar dos padres de
comportamento convencional. Por ser fato diferente dos esteretipos, o que no

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se encaixa nos padres tido como imoral ou amoral, sem buscar-se a iden-
tificao de suas origens orgnicas, sociais ou comportamentais (DIAS, 2016).
Mesmo nessa segunda dcada do sculo XXI, grupos LGBT ainda sofrem
com a discriminao social e a violncia urbana, sendo ntida a rejeio social
livre orientao sexual. Cotidianamente, a sociedade que se proclama defensora
da igualdade a mesma que discrimina lsbicas, gays, bissexuais e transexu-
ais (LGBT), todos vtimas de situaes de marginalizao e excluso social em
diversos ambientes brasileiros, inclusive nas escolas. Portanto, estudar a questo
da homofobia nas escolas significa reconhecer a existncia de pessoas LGBT
nestas, a fim de denunciar essa prtica discriminadora, excludente e criminosa.
No decorrer da atuao didtico-pedaggica desta pesquisadora, per-
cebeu-se nas escolas investigadas elevado ndice homofbico. Observou-se
a presena de alto percentual de discriminao e preconceito contra pessoas
LGBT, em especial em uma escola pblica estadual da regio metropolitana de
Belm, com um contingente significativo de adolescentes homossexuais. Nela
observaram-se vrios conflitos envolvendo adolescentes homossexuais que
vivenciavam bullying homofbico ascendente e descendente, entre alunos e
funcionrios da instituio, por meio de agresses verbais e fsicas.
Na ocasio, chamou a ateno o fato da direo, gestores e outros profis-
sionais no buscarem solucionar ou intervir na problemtica. Em contrapartida,
perceberam-se grupos LGBT que procuravam, de maneira peculiar, intervir nos
problemas e em concomitncia buscavam aceitao pelo conjunto e insero
na realidade da escola.
A partir dessa observao surgiu o interesse em investigar outras escolas
no intuito de examinar a realidade local, pois se entende a prtica homofbica
presente nas escolas como uma privao imposta ao sujeito LGBT, negando-lhe
os direitos presentes em nossa lei mxima a Constituio Federal de 1988.
Nesse sentido, este estudo reveste-se de significativa importncia, pois
demonstrar que o bullying homofbico discriminador, marginalizante e
inconstitucional, devendo ser combatido, seja na escola, seja em qualquer outro
lugar. Somente dessa forma, em uma perspectiva inclusiva, poder-se- garan-
tir igualdade entre os indivduos, independente de sua orientao sexual ou de
identidade de gnero (RIOS, 2009).
A investigao da questo tambm relevante medida que o preconceito
no interior da escola provoca a evaso escolar dos LGBT, vez que desconsidera
o direito previsto nos ordenamentos legais brasileiros e internacionais, os quais

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asseguram o direito de todos educao, conforme prescrevem a CF/88 e a


LDB 9394/96, alm de outros que visam o pleno desenvolvimento da pessoa,
preparo para o exerccio da cidadania e qualificao para o trabalho.
Portanto, estudar a homofobia e o bullying homofbico na escola atende
aos preceitos legais, asseverando a esses sujeitos o que lhes de direito, alm de
se identificar o processo de excluso escolar vivenciado pelos LGBT. Busca-se
dessa forma intervir na realidade, denunciando tais prticas e requerendo a
adoo de polticas pblicas que cessem esses problemas, ainda to presentes
neste terceiro milnio. Vale ressaltar que este estudo no pretende solucionar
essa realidade to complexa, mas intenta-se contribuir na discusso com vistas
a oferecer elementos que colaborem na promoo de polticas pblicas direcio-
nadas melhoria de vida dos sujeitos LGBT.

Metodologia

Para proceder a este estudo partiu-se de uma abordagem qualitativa, que


segundo Severino consiste em [...] um conjunto metodologias, envolvendo,
eventualmente, diversas referncias epistemolgicas (SEVERINO, 2007, p 119).
Para complementar este conjunto de metodologias, procederam-se pesquisas
bibliogrficas em diversos autores estudiosos do assunto, alm do levantamento
de informaes contidas em monografias e livros, procedimentos que favore-
cem o aprofundamento terico dos colaboradores envolvidos no processo de
pesquisa.
A investigao foi dividida em dois momentos. O primeiro, dedicado
ao aprimoramento terico, fundamentar a anlise mediante pesquisa docu-
mental e bibliogrfica. Para Ldke e Andr (1986) a pesquisa bibliogrfica a
habilidade fundamental promovida nos cursos de graduao, pois constitui o
primeiro passo para todas as atividades acadmicas. A apropriao de massa
crtica constitui-se como fundamental e necessria ao aprofundamento terico
sobre dado assunto ou problema, possibilitando anlises e discusses slidas,
suscetveis a posteriores discusses crticas sobre o fenmeno investigado. O
segundo momento do estudo remete-se a pesquisa de campo. Segundo Ldke
e Andr (1986) a pesquisa de campo utilizada com o objetivo de conseguir
informaes e/ou conhecimentos a cerca de um problema para o qual se pro-
cura a uma resposta, ou de uma hiptese que se queira comprovar, ou ainda,
descobrir novos fenmenos ou as relaes entre eles.

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Para realizar a pesquisa de campo elaboraram-se questionrios para a


coleta de informaes, os quais foram aplicados aos interlocutores: gestores,
professores e alunos. Esses questionrios forneceram dados parciais para as an-
lises, os quais foram cruzados com as observaes diretas, com as entrevistas
realizadas e com os documentos coletados em algumas escolas. Observa-se
que as entrevistas somente foram efetivadas com alguns professores, determi-
nados alunos e alguns diretores das escolas, os quais foram selecionados aps
a aplicao dos questionrios.
Vale ressaltar que durante a pesquisa de campo ocorreram diversas difi-
culdades coleta dos dados, ocasionadas por condies adversas, tais como:
resistncia dos interlocutores em informar e responder os questionamentos;
negao em ceder informaes ou informar erroneamente propositadamente;
desinteresse ou receio em informar a realidade; dificuldade no acesso aos
interlocutores, provocada deliberadamente pelos gestores; entre outras. Essas
dificuldades no acesso s informaes, quase sempre so ocasionadas em vir-
tude de o pesquisador ser visto com desconfiana, conforme assinala Martins
(2009): Na relao entre o ns e os outros, o pesquisador sempre um
estranho, e todo estranho sempre um inimigo.
Todas essas adversidades vivenciadas no processo de investigao, alm
de atrasarem a pesquisa de campo, resultaram em prejuzos na obteno de
dados verdicos e fidedignos representativos do real, distorcendo e masca-
rando a realidade. Porm, em razo de se prever tais barreiras provocadoras de
desvios, elencaram-se outras tcnicas de coleta de dados como a observao
direta e entrevistas, que cruzadas s tabulaes dos questionrios reduziram a
margem de erros.

Resultados e Discusso

A tabulao inicial, ainda em processo de execuo, cruzada com algu-


mas entrevistas j analisadas, permitem afirmar, apesar da ampla discusso
nacional e internacional sobre a temtica, que h precrio conhecimento sobre
o bullying homofbico nas escolas por parte dos interlocutores da pesquisa,
sejam os gestores, os professores ou os alunos.
Tambm ficou patente o desinteresse dos gestores e professores sobre
a temtica, justificados pela desinformao e pela inexistncia da discus-
so por ocasio da formao inicial dos mesmos. A esse respeito, 64% deles

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responderam que a questo da diversidade sexual e de gnero no fez parte do


contedo programtico da formao inicial superior destes e tambm no lhes
foram oferecidos qualquer curso de formao continuada.
Apesar disso, 88% dos professores responderam que essa discusso
importante e disseram que gostariam de realizar cursos, caso fossem oferecidos.
Quando inquiridos sobre a presena de alunos LGBT nas escolas que atuam,
90% confirmaram a presena de alunos LGBT em suas turmas, mas relataram
desconhecimento a respeito de vivenciarem ou no o bullying homofbico,
pois no haviam observado essa ocorrncia.
Em relao ao termo homossexualidade, 68% dos professores res-
ponderam ser opo sexual e 26% orientao sexual. Apesar de no se
considerarem discriminadores, 60% responderam que so contrrios adoo
de crianas por casais LGBT e 30% preferiram no opinar.
Quando questionados a respeito de discutirem a sexualidade como
tema transversal em suas disciplinas, 78% dos professores responderam que
no fazem isso, pois no saberiam como abordar essa temtica em suas aulas.
Entretanto, 68% dos professores afirmaram que gostariam de aprender a discutir
a temtica da sexualidade, da diversidade sexual e de gnero.
Quando questionados sobre o trabalho didtico com alunos LGBT, 85%
dos professores informaram sentirem-se aptos a trabalhar com alunos homosse-
xuais, entretanto 42% disseram conhecer pouco sobre educao sexual e 40%
responderam desconhecer a respeito da temtica.
Observaram-se, nas poucas questes examinadas, inmeras contradi-
es nas respostas. Em razo disso, interrompeu-se a etapa, como j citado.
Entretanto, as contradies permitiram tambm compreender alguns confli-
tos vivenciados pelos professores no seu cotidiano profissional, em especial
relacionados e justificados pela formao inicial precarizada, associados s
inseguranas e incertezas sobre as escolhas da profisso: baixos salrios; muito
trabalho; pouco tempo para estudar; desrespeito da sociedade; alm dos atuais
problemas a que esto expostos, decorrentes das agresses verbais e fsicas
desferidas pelos alunos de hoje.
Quanto aos alunos, em relao ao termo homossexualidade, 68% respon-
deram ser opo sexual, 18% disseram ser pecado e 8% orientao sexual.
80% dos alunos responderam no haver qualquer discusso na escola sobre
homossexualidade e 64% disseram que talvez os LGBT sofram bullying homo-
fbico na escola.

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No que respeita discusso na escola sobre sexualidade, em especial


sobre a homossexualidade, 80% dos alunos responderam inexistir na escola
qualquer discusso a esse respeito, apesar de terem informado, em todas
as escolas, a presena elevada de alunos gays (denominao dos alunos).
Contudo, 64% disseram desconhecer se os alunos LGBT sofrem bullying homo-
fbico na escola.
Em relao s discusses sobre homofobia na escola, 58% dos alunos
afirmaram haver e 42% responderam inexistir qualquer discusso a esse res-
peito. Mais uma vez observam-se contradies nas respostas, vez que na
questo acima 80% dos alunos informaram no haver discusso sobre homos-
sexualidade. Poder-se-ia especular se os alunos compreendem o conceito de
bullying homofbico. A esse respeito foi-lhes questionado se o entendiam e
solicitado para responderem. Assim, 65% responderam compreender o con-
ceito de bullying homofbico e explicaram o significado e 35% disseram ter
dvidas. Apesar das respostas conflituosas, as explicaes revelaram a referida
compreenso.

Consideraes Finais

Nestas consideraes parciais, observou-se nesta etapa da pesquisa a


presena do bullying homofbico nas escolas investigadas, a despeito dos inter-
locutores tentarem escamotear e no revelar explicitamente seus preconceitos
e averses em relao homossexualidade e questo de gnero. A invisibi-
lidade a respeito da diversidade sexual e de identidade de gnero na escola
necessria heteronormatizao, pois autoriza a no discusso do assunto no
espao escolar e, ao mesmo tempo, normaliza e naturaliza o bullying homof-
bico nas escolas. Nas escolas investigadas no h debates sobre identidade de
gnero e diversidade sexual, nem cursos para professores a esse respeito, entre-
tanto h permanentes problemas identificados como referentes violncia, os
quais mascaram todo tipo de bullying homofbico, amparados em moralismos
religiosos. Dessa forma mantm-se os estudantes LGBT estigmatizados, quase
sempre isolados do convvio coletivo, representado pela maioria heterosse-
xual, padecendo do que se denomina de excluso integrativa marginal, pois
so excludos e marginalizados a despeito de encontrarem-se matriculados e
inseridos nas escolas.

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Referncias

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dos Tribunais, 2009.

______. Manual de Direito das Famlias. 11. ed. So Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais,
2016.

LDKE, M.; ANDR, M. Pesquisa em educao: abordagens qualitativas. So Paulo:


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SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho cientfico. 23. ed. rev. e atual. So Paulo:


Cortez, 2007.

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A CONSTRUO DE GNERO E SEXUALIDADE


NOS ESPAOS DA CRECHE

Letcia de Souza Duque


Mestranda em Educao UFJF
[email protected]

Isabella Furtado Bacchini


Graduanda em Educao UFJF
[email protected]

Ana Rosa Picano Moreira


Doutora em Educao - Professora da Faculdade de Educao UFJF
[email protected]

Resumo

Este estudo discute as relaes entre a organizao dos ambientes da creche e


a construo de identidades de gnero e sexualidade, problematizando prticas
de separao espacial entre meninos e meninas, e como as crianas ressig-
nificam as imposies culturais. Entendemos que a organizao espacial e a
construo de gnero e sexualidade so processos scio-histricos, assim como
as relaes estabelecidas entre eles. Produzimos os dados utilizando notas de
campo referentes a episdios ocorridos em uma creche. Os resultados apontam
para a necessidade de abordar essa temtica na formao inicial e continuada
de profissionais de creche.
Palavras-chave: Sexualidade e gnero. Ambiente. Criana. Creche. Formao
de Professores.

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Introduo

Nas ltimas dcadas, tem crescido o nmero de pesquisas sobre os modos


como a infncia tem sido vivida na creche, trazendo tona diversos temas do
cotidiano. No entanto, so quase que inexistentes os trabalhos que discutem
a construo de identidade de gnero e identidades sexuais, particularmente
abordando a relao entre a organizao dos ambientes e essas construes.
Defendemos a idia de que os espaos da creche no so simples cenrios
onde crianas e adultos vivenciam suas sexualidades, mas, sobretudo, elemen-
tos constitutivos dessas sexualidades.
Estudos sobre a histria da creche tm revelado que a organizao dos
espaos tem sido movida pela lgica da disciplina e do controle dos corpos
infantis, determinando lugares, tempos e comportamentos permitidos e proibi-
dos. Seguindo outras instituies disciplinares que surgiram na Modernidade,
como a escola, a creche tem delimitado seus espaos, produzindo lugares para
meninos e lugares para meninas, baseada em determinadas caractersticas con-
vencionadas como a referncia de menino e menina em nossa cultura (FELIPE;
GUIZZO, 2004), que, atravs de prticas repetitivas e automatizadas, foram
sendo naturalizadas. As maneiras de os adultos lidarem com as questes de
gnero e sexualidade em crianas pequenas esto alinhavadas pela ideia de
natureza, isto , a crena de que existe uma essncia masculina ou feminina
nos comportamentos humanos (Felipe e Guizzo, 2004; Louro, 1997), prevale-
cendo uma lgica binria rgida (LOURO, 1997).
Este trabalho tem o objetivo de discutir a relao entre a organizao dos
ambientes da creche e a construo de identidades de gnero e sexualidade,
analisando prticas de separao espacial entre meninos e meninas desen-
volvidas por educadoras, bem como conhecer estratgias das crianas para
subverter a lgica da segmentao sexual, ressignificando os ambientes para
mltiplas vivncias das sexualidades e a construo de gnero.

Sexualidade, gnero e espao: construes culturais

Xavier Filha (2012) tem salientado que a sexualidade na infncia um


tema que aflige os profissionais de creche, sobretudo quando as crianas se
comportam na contramo daquilo que estabelecido como a referncia de ser
menino ou ser menina, e o que elas e eles podem ou devem fazer.

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Partimos de uma perspectiva interdisciplinar e histrico-cultural de sexu-


alidade, gnero e espao, concebendo-os como processos scio-histricos,
assim como as relaes estabelecidas entre eles.
Para a Psicologia scio-histrica, pautada no pensamento de Vigotski, o
ser humano um ser cultural, isto , produto e produtor de cultura (instrumen-
tos que transformam a natureza e a si prprio). Nesta abordagem, no existe
natureza humana, entendida como essncia abstrata, universal e imutvel. Os
fenmenos psicolgicos, tais como a sexualidade e o gnero so construes
humanas, fruto de experincias pessoais, norteadas pelo coletivo e pela cultura
de uma sociedade.
A historiadora Guacira Louro (2000) argumenta que a sexualidade se
refere aos modos como as pessoas vivem seus prazeres e desejos numa deter-
minada poca e sociedade. Como tal, construda nas e pelas relaes sociais
antes mesmo do nascimento de cada sujeito, seja pelas expectativas da famlia,
pelo significado do nascimento de um menino ou uma menina etc. Portanto,
a sexualidade no um aspecto natural e imutvel do humano, isto , algo
que se manifesta do mesmo modo em todas as pessoas e no se transforma.
Ao contrrio, ela se apresenta de diversas formas e se constitui num campo
eminentemente construdo por atribuies sociais sobre como devemos agir,
desejar, ser, conduzir, lidar com nossos prazeres e desejos (XAVIER FILHA,
2012, p.26).
A dimenso cultural est presente desde cedo no desenvolvimento da
sexualidade infantil, particularmente no modo como os adultos cuidam e edu-
cam as crianas, atravs de prticas culturais diferenciando modos de lidar com
meninos e meninas desde o nascimento. No entanto, as crianas no so pas-
sivas a essas prticas. Desde muito cedo, elas vo negociando os significados
(coletivo/social) e atribuindo-lhes novos sentidos (pessoal/individual).
O conceito de gnero se refere exatamente aos significados que as socie-
dades conferem aos sexos, isto , s diferenas anatmicas e fisiolgicas. Em
geral, a identidade gnero tem sido olhada a partir da lgica binria rgida do
masculino ou feminino. Louro (1997, p.65) adverte para a necessidade de ado-
tarmos: (...) um olhar mais aberto, de uma problematizao mais ampla (e
tambm mais complexa), uma problematizao que ter de lidar, necessaria-
mente, com as mltiplas e complicadas combinaes de gnero (...).
Cada sociedade elabora regras para o comportamento sexual dos indi-
vduos que se constituem em parmetros de normalidade e desvio. Ainda, de

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acordo com essa autora (1997), as sociedades elegem determinados atributos


para imprimir uma identidade masculina ou feminina normal e imutvel. Na
nossa sociedade, ela expressa na identidade heterossexual. Para garantir essa
sexualidade, considerada normal, brinquedos e brincadeiras so organizados
por gnero masculino e feminino em diferentes reas de um mesmo ambiente,
tais como o canto da casinha e o canto da beleza, formado por artefatos cul-
turais geralmente na cor rosa, histrica e socialmente destinada s meninas, e
o canto dos carrinhos, reservado aos meninos. Assim, meninos e meninas vo
aprendendo, desde muito cedo, que devem estar em mundos separados, que
suas experincias no devem ser compartilhadas com o que consideram o sexo
oposto (FELIPE; GUIZZO, 2004, p. 34). Nesse sentido, a creche tem privile-
giado organizaes espaciais que favorecem a separao das crianas, uma das
outras, com base nas diferenas supostamente naturais de gnero, como estra-
tgia de controle e interveno nas experincias com o corpo, a sexualidade e
o gnero.
Sobre a organizao dos espaos, Vigotski (1935/2010) aponta para a
necessidade de conceber o espao numa dimenso dialtica na qual no existe
oposio entre espao e pessoa, mas, sim, uma relao de interdependncia.
Com base nessa afirmativa, podemos dizer que as crianas ressignificam os
espaos, seja aqueles que ns, adultos, qualificamos como adequados e pro-
pcios aprendizagem e ao desenvolvimento, seja aqueles que acreditamos
serem precrios e inadequados para a infncia. O espao sempre um campo
de possibilidades onde cada sujeito produz o seu (MOREIRA, 2011). Assim, o
mesmo ambiente pode ser bem diferente para cada um. Isto pode ser obser-
vado quando as crianas transpem as fronteiras do que convencionado
ambiente para menino e ambiente para menina. Muitas vezes, objetos, mobi-
lirios, personagens e enredos so ressignificados nas brincadeiras de faz de
conta, assumindo formas mais flexveis e fluidas.
Louro (1997) cita o estudo etnogrfico de Thorne (1993) que descreve
vrias situaes de brincadeiras e jogos entre crianas pequenas nas quais elas
subvertem a dicotomia entre meninos e meninas. Isto sugere que os ambien-
tes deveriam ser organizados para que pudessem brincar juntos e quando
quisessem, alm de favorecerem diferentes formas de vivenciar os prazeres e
as sensaes do corpo e as possibilidades de autoconhecimento. Para Xavier
Filha (2012) isto seria um ambiente acolhedor, um espao de educao para
a sexualidade.

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Procedimentos metodolgicos

Os dados foram produzidos circunscritos ao universo de uma creche


municipal de Juiz de Fora/MG/Brasil, por meio de observaes das crianas
e educadoras, durante os anos de 2015 e 2016, registradas por bolsistas em
notas de campo. Essas notas so textos que contm episdios do dia a dia dos
sujeitos, denominados por Ibiapina (2008, p. 105) de narrao realista, uma
narrativa na qual o pesquisador torna-se o menos visvel possvel, descrevendo
os fatos com o distanciamento necessrio.

Anlise dos dados

Destacamos as observaes na creche sobre as disposies dos meninos


e meninas nestes espaos e as falas e aes das educadoras. Os ambientes,
geralmente, so organizados com base na lgica binria rgida - masculino x
feminino, mas as crianas atribuem-lhes outros sentidos a partir de seus desejos
e necessidades.
Na sala a educadora explicou que tinha uma surpresa para as
crianas, (...) novos brinquedos, ela mostraria, mas no poderiam
brincar naquele dia porque diversas crianas estavam ausentes.
Disse que tinha brinquedos para os meninos e para as meninas.
Primeiro ia mostrar para os meninos. Pegou a sacola dos carrinhos
e despejou na mesa, depois disse ter algo para as meninas, pegou a
sacola das bonecas e despejou na mesa. Porm, um menino pegou
uma boneca e as meninas carrinhos no escolhidos pelos meninos.
(Nota de campo de 20/11/2015.)

Podemos perceber a preocupao em garantir a sexualidade dita como


normal, quando a educadora distribui os brinquedos, classificando-os em
brinquedos masculinos e brinquedos femininos. No entanto, as crianas des-
constroem essa significao e produzem novos sentidos para os brinquedos.
Entendemos que a brincadeira tem o objetivo de propiciar o desenvol-
vimento das crianas, especialmente o desenvolvimento da imaginao ou
fantasia, que se constitui na base da atividade criadora (VIGOTSKI, 2009).
Nesse sentido, (...) a criao condio necessria da existncia, e tudo que
ultrapassa os limites da rotina, (...) deve sua origem ao processo de criao do
homem (VIGOTSKI, 2009, p. 16). Alm disso, comenta o autor, ao brincarem

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as crianas expressam a verdadeira criao. As crianas constroem sua sexu-


alidade interagindo com os artefatos culturais, tais como, objetos, brinquedos,
vestimentas etc. A creche deve possibilitar experincias diversificadas para as
crianas de modo que elas possam construir conhecimento de si e do mundo.
Em outro episdio podemos perceber como que os atributos masculinos
e femininos vo sendo inculcados nas crianas precocemente:
Havia um menino muito sorridente, o tempo todo ele ficou brin-
cando de correr e me abraar. Em um dado momento, comentei
com uma das educadoras o quanto ele era carinhoso. E ela me
respondeu que ele era todo dia assim, um pouco afeminado, mas
muito carinhoso. (Dados da nota de campo de 26/02/2016).

A fala da educadora revela que a construo de gnero tem se pautado


em fronteiras muito rgidas, estereotipadas e preconceituosas entre masculino
e feminino. A qualidade carinhoso comumente atribuda ao gnero feminino,
contrapondo-se ao adjetivo rude/bruto. Se isso foge do padro que determi-
nado pela sociedade, o comportamento da pessoa considerado desviante, No
caso do menino ter manifestado um comportamento carinhoso, a criana foi
adjetivada de afeminado. Mais do que a preocupao com a ocorrncia de
um desvio de sexualidade, existe o fantasma da desvalorizao e da desqua-
lificao dos predicados conferidos s mulheres. Louro (1997, p.84) argumenta:
Questes como essas sem dvida nos remetem para a temtica da diferena,
das desigualdades, do poder.
Nossa cultura determina artefatos especficos para separar meninos e
meninas, como brinquedos, roupas e cores. Muitos adultos acreditam que ao
transpor essa fronteira a sexualidade da criana estar comprometida, isto , a
criana poder se tornar homossexual, j que ser heterossexual tem sido consi-
derado a norma. No raras vezes, ao menino que gosta de brincar com objetos
histrica e socialmente direcionados s meninas, como bonecas, lhe conferido
compulsoriamente o rtulo de futuro homossexual (XAVIER FILHA, 2012).

Consideraes finais

Os resultados deste estudo apontam para a necessidade da criao de


contextos de formao em servio de profissionais de creche voltados para a
reflexo crtica e coletiva sobre essas questes, que raramente so tratadas nos

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cursos de formao de professores. As educadoras denunciam em suas aes o


quanto a temtica da sexualidade est silenciada em sua formao profissional.
Segundo Ferrari (2002), O silncio parece ser a garantia da norma, dos valores
e dos comportamentos valorizados.
Esperamos que as discusses que ora trouxemos possam contribuir para
que os espaos de formao dos profissionais de creche educadoras e educa-
dores da infncia possam fazer emergir reflexes mais crticas sobre as suas
prticas educativas. No que se refere organizao de ambientes de educao
coletiva, desejamos que esses sejam mais acolhedores e sensveis s diferentes
expressividades das crianas acerca de suas sexualidades, gneros e corpos,
e, assim, poderem propiciar uma educao efetivamente significativa para as
sexualidades.

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Referncias

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FERRARI, A. Diferena, igualdade e formao de identidade no contexto escolar.


Revista Instrumento v.2, n 1, mai. 2000, Ed. UFJF.

IBIAPINA, I. M. L. M. Pesquisa colaborativa: investigao, formao e produo de


conhecimento. Braslia. Lber Livro Editora, 2008.

LOURO, G. L. Gnero, Sexualidade e Educao. Uma perspectiva ps-estruturalista.


Petrpolis: Vozes, 1997.

________. Corpo, escola e identidade. Educao & Realidade. Porto Alegre, v.2, n.
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MOREIRA, A. R. C. P. Ambientes da infncia e a formao do educador: arranjo


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Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

THORNE, B. Gender Play: girls and boys in school. Open University Press Buckingham,
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VIGOTSKI, L. S. Imaginao e criao na infncia: ensaio psicolgico. So Paulo:


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______. Quarta aula: a questo do meio na pedologia. Psicologia USP, So Paulo,


v.21, n.4, p. 681-701, 2010. Traduo de Mrcia Pileggi Vinha.

XAVIER FILHA, C. As dores e as delcias de trabalhar com as temticas de gnero,


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Formao de educadores, gnero e diversidade. Cuiab: EdUFMT, 2012.

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RELAES DE GNERO NO ENSINO TCNICO DE NVEL


MDIO: MULHERES NA CINCIA E NA EDUCAO
PROFISSIONAL E TECNOLGICA1

Sabrina Fernandes Pereira Lopes


Mestranda em Educao Tecnolgica Centro Federal de Educao
Tecnolgica de Minas Gerais CEFET-MG
[email protected]

Raquel Quirino
Doutora em Educao Centro Federal de Educao
Tecnolgica de Minas Gerais CEFET-MG
[email protected]

GT 16 - Relaes de gnero, diversidade sexual, trabalho, tecnologia e educao


profissional: interlocues, dilogos e desafios contemporneos

Resumo

As matrculas femininas no ensino profissional tcnico de nvel mdio brasi-


leiro nos anos recentes tornaram-se maioria, porm concentram-se em reas
hegemonicamente consideradas femininas. Frente s desigualdades de gnero
presentes na sociedade e no mundo do trabalho, o presente artigo pretende
discutir a participao feminina na cincia e tecnologia e a partir desta anlise
debater fatores que influenciam na participao de mulheres no ensino mdio
de nvel tcnico. Levando em conta um referencial sobre a diviso sexual do
trabalho e tomando por base as teorias da Sociologia do Trabalho Francesa.
Palavras-chave: Ensino Tcnico de Nvel Mdio, Diviso Sexual do Trabalho,
Relaes de Gnero e Educao.

1 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG


PROPESQ e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG.

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Introduo

O relatrio Gender and education for all the leap to equality: EFA global
monitoring report 2003/42 divulgado pela Unesco j evidenciava a tendncia
mundial igualdade de acesso ao ensino ps-secundrio, porm aponta os
padres de escolha realizados pelas mulheres como uma questo fundamental
a ser discutida para que se possa alcanar a igualdade de gnero. Na reali-
dade brasileira apesar da mudana nos nmeros gerais3 que caracteriza uma
crescente feminilizao do ensino tcnico de nvel mdio, anteriormente majo-
ritariamente masculino4, persiste a tendncia das alunas de se concentrarem em
determinadas reas do conhecimento em detrimento de outras5. As reas gerais
de formao com maior concentrao feminina so, segundo o IBGE (2014,
p.107), as com ocupaes de menor remunerao mdia no mercado de traba-
lho e que mais se afastam da viso do senso comum de Cincia e Tecnologia.
Para contribuir com o desvelamento das escolhas das alunas por essas reas de
atuao em detrimento de outras mais tecnologizadas necessrio conhecer
a forma como essas mulheres se percebem e se relacionam com suas cons-
trues sobre sua realidade, sua formao profissional, insero e atuao no
mundo do trabalho.
Conforme esclarece Hirata (2002, p. 23) as pesquisas sobre o mundo
do trabalho, em sua grande maioria so realizadas sob uma perspectiva que
no leva em conta as relaes de gnero e o sexismo presente nessas relaes
sociais, tratam-se de pesquisas gender-blinded. A autora afirma ainda que essa
tendncia das pesquisas, em realizar generalizaes partindo de um ponto de
vista masculino, pode induzir ao erro, uma vez que aes de formao pro-
fissional no tm a mesma amplitude nem o mesmo alcance, e tampouco a
mesma significao para as mulheres e para os homens (HIRATA,2002, p. 224)
deixando de explorar a possibilidade de o espao de formao contribuir para
a viso da pseudo incompetncia tcnica feminina

2 Disponvel em <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132550e.pdf>
3 Disponveis em <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar>
4 Disponvel em <http://portal.inep.gov.br/educacao-profissional>
5 Disponveis em <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar>

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2. Relaes de gnero nas reas de cincia & tecnologia

Atualmente configura-se uma baixa representatividade feminina na


Cincia e Tecnologia e, embora no seja usual relacionar o desenvolvimento de
conhecimentos nessa rea a determinado gnero, evidencia-se uma tendncia
perspectiva masculina, Porm, conforme afirma Carvalho (2012, p. 01-02),
as mulheres sempre produziram conhecimento, uma vez que a curiosidade, a
capacidade cientfica e de pesquisa so inerentes a todos os seres humanos e
no somente ao homem:
O conhecimento tecnolgico produzido pelas mulheres no
ambiente domstico no era considerado til para o mercado
capitalista e representava, digamos assim, um conhecimento de
segunda classe, desvalorizado e no-cientfico. Assim, cincia e
tecnologia foram construdas majoritariamente por homens, dentro
de uma lgica masculina. (CARVALHO, 2012, p. 02)

Para uma anlise mais clara necessrio desconstruir essa ideia da tec-
nologia como isenta das ideologias, para Marcuse (1999, p. 74) a tcnica por
si s pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez
quanto a abundncia, tanto o aumento quanto a abolio do trabalho rduo.
Assim a tecnologia reflete os planos, propsitos e valores da sociedade em que
se desenvolve. (Veraszto, 2008, p.78)
A mscara de neutralidade leva possibilidade de que aqueles que detm
o poder direcionem as pesquisas e inovaes aos seus propsitos.
Fazer tecnologia , sem dvida, fazer poltica e, dado que a poltica
um assunto de interesse geral, deveramos ter a oportunidade de
decidir que tipo de tecnologia desejamos. Mantendo o discurso
que a tecnologia neutra favorece a interveno de experts que
decidem o que correto baseando-se em uma avaliao objetiva
e impede, por sua vez, a participao democrtica na discusso
sobre planejamento e inovao tecnolgica (GARCA et al, 2000,
p. 132).

Na sociedade atual, onde se evidencia uma grande desigualdade entre


os gneros e uma histria marcada pelo patriarcado, as vises masculinas

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constantemente preponderaram no desenvolvimento tecnolgico, segundo


Carvalho (2012) :
Vimos que cincia e tecnologia foram construdas sob bases mas-
culinas, com interesses masculinos e resultados que atendessem s
necessidades masculinas cujos paradigmas cientficos desta poca
estavam pautados na objetividade absoluta e na crena de uma
neutralidade indiscutvel. Acreditava-se que os homens, com sua
racionalidade exuberante, eram capazes de produzir um conheci-
mento revelador de verdades universais e definitivas.(CARVALHO,
2012, p.04)

Diversos estudos, como os Olinto (2011) e Hayashi, Cabreo e Costa


(2007), tm demonstrado esse desequilbrio de gnero na produo da Cincia
e Tecnologia. Stancki (2003) ressalta que o histrico de cincia e tecnologia
sendo desenvolvidas predominantemente por homens, tambm concebeu um
espao de formao hostil a mulheres, o que gera influncias peculiares em
suas opes, para Rosemberg (2013), ao analisar a concentrao feminina na
psicologia, as escolhas realizadas por mulheres se devem a uma Sabedoria
de conciliao ou senso de realidade, que leva as mulheres a considerarem
os diversos fatores que compem sua situao na sociedade e acabam por
escolher cursos pouco especializados, no-tcnicos e mais generalistas, que
permitam uma maior gama de possibilidades de emprego, mesmo que subem-
pregos. E mesmo a entrada de mulheres em reas tradicionalmente masculinas
se d, em geral, com a manuteno dos esteretipos de gnero:
As pessoas ao se inserirem em reas masculinas ou femininas
permanecem sendo vistos atravs das suas caractersticas sociais
de gnero, o que acarreta a diviso sexual do trabalho tambm no
interior das reas, pois homens e mulheres acabam sendo levados,
por opo, condicionamento ou mesmo falta de opo a desem-
penharem atividades prprias de seu sexo. (STANCKI, 2003 p.10)

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3. Sexismo na EPT: a situao feminina na educao tecnolgica


brasileira

No Plano Nacional de Polticas para as Mulheres 2013-2015 da Secretaria


de Polticas para as Mulheres (BRASIL, 2013)figura entre as aes propostas:
-Ampliar a oferta de cursos de profissionalizao articulados com
o aumento da escolaridade, especialmente para mulheres em situa-
o de vulnerabilidade social; (BRASIL, 2013, p.16)
-Fortalecer a participao das mulheres nos programas e iniciativas
de capacitao profissional, voltados especialmente para o ensino
tcnico-profissionalizante (Pronatec e outros)[...] (IDEM)
-Promover o acesso e a permanncia das mulheres em reas de for-
mao profissional e tecnolgica tradicionalmente no ocupadas
por elas, por meio de polticas de ao afirmativa e de assistncia
estudantil; (BRASIL, 2013, p.23)
-Realizar campanhas para ampliar o nmero de mulheres nos
cursos, tradicionalmente no ocupados por mulheres, do ensino
tecnolgico e profissional. (BRASIL, 2013, p.26)

Para promover essas mudanas preciso conhecer e analisar a realidade


feminina na Educao Profissional e Tecnolgica observando que a desigual-
dade salarial relatada anteriormente tem fundamentos em nossa construo
sociocultural e interferem na forma como as mulheres se percebem e so per-
cebidas nas instituies de ensino tcnico de nvel mdio. Conforme Hirata
(2003, pag. 148), necessrio tentar ver porque as mulheres so consideradas
incompetentes, apesar deste alto nvel de escolaridade.
No Censo Escolar da Educao Bsica realizado pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira INEP em 2014, cons-
tata-se que as mulheres so maioria no ensino tcnico de nvel mdio, porm
quando se realiza uma anlise dos censos ocorridos entre 2012 e
2013 possvel observar que a tendncia das mulheres por determinados
grupamentos de trabalho se estende escolha dos cursos tcnicos, havendo
uma maior participao das mulheres em determinados cursos em detrimento
de outros, sendo a prioridade os cursos tcnicos na rea de Desenvolvimento
Educacional e Social e Ambiente e Sade e a menor participao na rea Militar
e de Controle e Processos industriais (grfico 1):

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Grfico 1 Porcentagem de matriculas de alunas por eixo da educao tecnolgica 2012-2014

Fonte: INEP/MEC <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar> acesso em 10 de julho de


2015.

Inclui todas as modalidades de matrcula na Educao Profissional. Grfico elaborado pelas autoras

As funes nas quais se valorizam caractersticas como: sensibilidade,


pacincia e delicadeza, consideradas inerentes s mulheres, acabam sendo
delegadas mais a elas, o que acaba por exclu-las de funes que demandam
deciso, individualidade e racionalidade. Essa tendncia pode ser observada no
perfil dos cursos tcnicos com maior e menor participao feminina. Entre os
cursos com maior porcentagem de mulheres matriculadas em 2014 evidencia-
se uma forte tendncia aos cursos que preparam para ocupaes relacionadas
ao cuidado (grfico 2)

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Grfico 2 Porcentagem de alunos matriculados por sexo nos 10 cursos tcnicos com maior
participao feminina em 2014

Fonte: INEP/MEC <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar> acesso em 10 de julho


de 2015. Inclui todas as modalidades de matrcula na Educao Profissional. Foram considerados os
cursos com mais de 50 matrculas no ano de referncia. Grfico elaborado pelas autoras

J quando a ateno se volta para as ausncias femininas, observa-se que


os cursos com menor participao de mulheres (grfico 3), so fortemente liga-
dos s cincias aplicadas, consideradas reas chaves para o desenvolvimento
tecnolgico:

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Grfico 3 Porcentagem de alunos matriculados por sexo nos 10 cursos tcnicos com menor
participao feminina em 2014

Fonte: INEP/MEC <http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar> acesso em 10 de julho


de 2015. Inclui todas as modalidades de matrcula na Educao Profissional. Foram considerados os
cursos com mais de 50 matrculas no ano de referncia. Grfico elaborado pelas autoras

4. Consideraes finais

Pelos dados apresentados, perceptvel o avano da mulher na educa-


o, porm ele no ocorre de forma homognea. Em se tratando da Educao
Profissional e Tecnolgica, que tem uma interface direta com o mundo do tra-
balho possvel perceber como este interfere e lana seus padres sobre a
formao profissional. Especificamente na educao tcnica possvel perceber
uma clara diviso entre as reas de atuao tradicionalmente impostas s mulhe-
res e a desvalorizao desses grupamentos. Para que se possam criar estratgias
para a mudana dessa realidade necessrio que sejam feitas anlises mais
detalhadas e atualizadas, levando em conta sua dualidade entre trabalho e edu-
cao. preciso traar a trajetrias das mulheres que se encontra em cada rea,
tanto as que permanecem no local a elas historicamente destinado, quanto as
que quebram esse ciclo, ponderando sobre como esse fenmeno contribui para
a mudana de ideias e ruptura com os modelos tradicionais.

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5. Referncias

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spm.gov.br/pnpm/publicacoes/plano-nacional-de-politicas-para-asmulheres-2013>.
Acesso em 01 de abril de 2015

CARVALHO, Marilia Gomes, Gnero e os Paradigmas Cientfico. In: Anais Congreso


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IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Estatsticas de Gnero: Uma


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GARCA, M. I. G. et al. Ciencia, Tecnologia y Sociedad: una introduccin al estudio


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HAYASHI, M. C. P. I.; CABREO, R. C.; COSTA, M. P. R. C.; HAYASHI, C. R. M.


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HIRATA, Helena. Nova diviso sexual do trabalho?: um olhar voltado para a empresa
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ROSEMBERG, Flvia. Psicologia, profisso feminina.Cadernos de Pesquisa, So Paulo,


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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

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VERASZTO, E. V., da Silva, D., MIRANDA, N. A. D., & SIMON, F. O. Tecnologia:


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HOMOSSEXUALIDADE, SILENCIAMENTOS E NORMATIZAES


EM ESCOLA RELIGIOSA

Cristiano Jos de Oliveira


Mestrado em Educao
[email protected]

ST a que se destina (nmero e ttulo)

Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar os discursos de normatizaes


e silenciamentos de docentes frente s questes relacionadas homossexu-
alidade em uma escola religiosa. A pesquisa de cunho qualitativo apresenta
entrevistas semiestruturadas para anlise desses discursos. Apesar de sentirem a
necessidade de discutirem gnero e sexualidade no mbito escolar, levando-se
em considerao as demandas em relao ao preconceito, homofobia e vio-
lncia, os/as docentes no se sentem seguros e preparados para falarem sobre
temticas referentes homossexualidade, predominando-se silenciamentos e
normatizaes para regular os/as /alunos/as no espao escolar.
Palavras-chave: Homossexualidade; Escola Religiosa; Discurso; Silenciamentos;
Normatizaes.

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Introduo

A contemporaneidade tem sido marcada pelos desafios no espao escolar e,


quando se pensa em escola religiosa, as discusses ganham uma ampla reper-
cusso em razo dos dogmas, doutrinas e os dos discursos religiosos no tocante
ao gnero, sexo e sexualidade. Os silenciamentos e as normatizaes no que
diz respeito sexualidade e as questes relacionada homossexualidade for-
mam um discurso da naturalidade e normalidade no espao escolar no que diz
respeito sexualidade.
Se a identidade heterossexual fosse, efetivamente, natural e, em
contrapartida, a identidade homossexual fosse ilegtima, artificial,
no natural, porque haveria a necessidade de tanto empenho para
garanti-la? Porque vigiar para que os alunos e alunas no resvalem
para uma identidade desviante? (LOURO, 2001, p. 90).

Ao observarmos os discursos numa relao com o outro o que percebe-


mos que a sexualidade pode ser construda e recriada, o que a grande modo
no possa restringir a determinadas formas. Para tanto, Foucault (1988, p.30)
afirma que: so distribudos os que podem e os que no podem falar que tipo
de discurso autorizado ou de que forma de discrio exigida a uns e outros.
Este artigo tem como objetivo analisar os discursos de normatizaes e
silenciamentos que permeiam os/as docentes frente s questes relacionadas
homossexualidade em uma escola religiosa. Buscaremos de maneira especifica:
apresentar os processos de silenciamentos da sexualidade/homossexualidade
na escola; apresentar algumas narrativas dos docentes sobre a homossexuali-
dade e como se produz subjetividades dos alunos/as; enfatizar a religio como
discurso normatizador da sexualidade/heterossexual, levando para o aspecto
biologizante.
Para a anlise das prticas discursivas dos docentes referentes sexuali-
dade, tal qual a apreenso das narrativas sobre sexualidade/homossexualidade
no ambiente escolar religioso, elaboramos uma entrevista semiestruturada onde
buscamos levantar os discursos de 13 docentes do 6 ano ao 9 ano do ensino
fundamental, que lecionam as seguintes disciplinas: portugus, matemtica, lite-
ratura, redao, geografia, ingls, cincias naturais, educao fsica, histria,
vinculados a uma escola da rede privada no Estado de Sergipe.

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A partir da elaborao de um roteiro de entrevista, definimos anlise do


discurso inspirado em Foucault (1996), para tratar as informaes e discursos
produzidos pelos docentes.

Silenciamentos e normatizaes em uma escola religiosa

A escola constri vrias estratgias de regular e controlar as diferenas,


e o binarismo de gnero no que se reserva a apenas perceber unicamente um
olhar homem, mulher, masculino e feminino, tem agredido amplamente ao que
traa o universo dessas discusses, ignorando as demais categorias existentes.
Esse nico olhar fere princpios bsicos de equidade e faz-nos refletir qual o
lugar ocupado dos diversos tipos de corpos, sexualidade/homossexualidade,
comportamentos, levando a um silenciamento que cria subjetividades desses/as
/alunos/as, tendo em vista que os corpos carregam marcas, e, que sem dvida
cria questionamentos e interrogaes, tal qual afirma Louro (2004, p.75), Onde
elas se inscrevem? Na pele, nos pelos, nas formas, nos traos, nos gestos? O que
elas dizem dos corpos? Que significam? [...].
Dessa forma, Judith Buther (1999) afirma que, para se qualificar como
sujeito legitimo, como um corpo que importa, o sujeito se ver obrigado a
obedecer s normas que regulam sua cultura. Essas normas reguladoras que
engendram corpos/alunos/as, normatizam posicionamento do que tido por
normal e anormal. Nesse sentido, Louro (2004, p.82) afirma que: voltam-se
para os corpos para indicar-lhes limites de sanidade, de legitimidade, de mora-
lidade ou de coerncia.
Por isso, perguntamo-nos: Quanto aos discursos que instituem as dife-
renas, como eles se produzem? Quais os efeitos que esses discursos exercem,
quais so? Quem o diferente? Como as prticas pedaggicas representam
os/as alunos/as? Para Louro (2010), so precisamente os discursos, os cdi-
gos, as representaes que atribuem o significado de diferente aos corpos e
s identidades (p.47). Os/as alunos/as, cujos corpos posicionam contrrio ao
determinismo biolgico do discurso religioso educacional tem de fato respeito
na escola? o homossexual, cujas posies o prprio dos/as alunos/as que tra-
zem embaralhamentos no que se diz respeito as feminilidades e masculinidades?
Para Louro (2009, p. 138-139): um corpo vivel, ou melhor, um sujeito
pensvel esto, por tanto, circunscritos aos contornos daquilo que consideramos

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normal. Tendo em vista que o discurso que sustenta a ideia de normalidade


extremamente binrio, o que invlida as demais concepes de corpos.
As estratgias docentes em escola religiosa quanto homossexualidade
Nas narrativas que contam os professores/as nas entrevistas, existem epi-
sdios sobre transgressores das demarcaes de gnero e sexualidade mais
precisamente alunos/as homossexuais, que atravessam ou que, de algum modo,
embaralham e os sinais considerados prprios de cada um desses territrios
(LOURO, 2004, p.87). Os respectivos docentes narram como esses/as alunos/as
so tratados e seus posicionamento frente s discusses.
Quanto aos novos modelos de famlia, no discuto, no me
apego a esse tema. A escola tambm nunca abordou, tipo, uma
famlia numa encenao diferente do tradicional (professor de
educao fsica).

A fala desse professor certamente traz a reflexo para aquilo que faz parte
do cotidiano do aluno/a, que de certa forma, invivel um olhar silenciador em
meio ao debate em que a prpria mdia levanta como discusso a todo instante.
Percebe-se nesse contexto que o silenciamento tambm discursivo, e certa-
mente normatiza o que de fato corrobora como Louro (2004) quando indica
limites de legitimar e criar moralidade e coerncia. Pensar as discusses sobre
homossexualidade requer acima de tudo um cuidado naquilo que novo,
daquilo que estava at ento escondido e hoje revela-se por perceber que a
equidade uma causa social. Dessa forma, no discutir em escola religiosa
ganha de certa forma um silenciamento confirmando o discurso biolgico/reli-
gioso, tal quais as narrativas apresentadas:
Perguntaram-me o que a igreja achava da escolha sexual da pes-
soa de ser homossexual. Ai, falei o que a igreja pensa, que Deus
no aceita homem com homem, mulher com mulher. Tambm
porque eles no geram vidas. Deus colocou o homem e a mulher
porque geram vida (professora de religio).

Nesse contexto, Foucault (2001, p.62) diz que: a norma traz consigo ao
mesmo tempo um princpio de qualificao e um princpio de correo. Assim,
pensa-se a homossexualidade a ser algo corrigvel, numa deformidade a atribu-
tos no biolgicos e de carter no aceitvel pela igreja, assim instituem a prtica
de que Deus ama o pecador o que fortalece ainda mais um distanciamento

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dos direitos de equidade, menosprezando, excluindo, rejeitando, levando o


homossexual ao estado de controle ou penalizao por ser diferente.
Apresentando-se ainda numa esfera conservadora e tradicionalista, o
discurso religioso no espao escolar prima pela prtica das relaes sociais bio-
logizantes do certo e errado, do aceitvel e inaceitvel, como reflete a fala da
professora quanto ao ato sexual institudo unicamente por Deus homem
e mulher invalidando outras relaes, bem como, a homossexual que foge
da esfera homem e mulher e que vista como anomalia numa caracterstica
daquilo que imoral e pecado. Como bem diz Louro (2003), comum s
escolas tratarem gnero e sexualidade como sinnimos, como padro nico do
que masculino e feminino, como nica maneira de viver a sexualidade apre-
sentando uma normativa estabelecida entre o sexo macho e fmea, o gnero
masculino e feminino e que a orientao sexual se d naturalmente para o sexo
oposto.
a escola trata todos normais, no trata com separao, at por-
que muito pouco, no ano passado eu tinha um com esse jeito
mais afeminado...nenhuma desses termos trabalhados ele se sen-
tia constrangido, magoado ou ferido (professora de religio).

inaceitvel o trao marcante de estigma do homossexual. Essas carac-


tersticas descritas criam subjetividades que colocam os que possuem esse
jeito mais afeminado como narra professora de religio num lugar subju-
gado, sendo discriminado e colocado margem da sociedade, sem contar que,
este aluno/a/homossexual estigmatizado tende a ser violentado com atitudes
de desprezo, ridicularizado, inferiorizado. Afinal, ao instituir distines de
gnero e sexualidade, o currculo produz saber. Desse modo, o currculo
muito mais do que uma lista de contedos sobre sexualidade ou um inocente
emaranhando de advertncias sobre corpo e sade. O currculo produz efeitos
(Cardoso e Paraso, 2015, p. 174). Por certo, esse modo de identificar o homos-
sexual com esteretipos cria uma confuso no cerne das discusses de gnero
e sexualidade/homossexualidade.
Um ponto forte na narrativa da professora a ideia do aluno no se
sentir constrangido, magoado ou ferido, da pergunta-se: que mecanismo
avaliativo a professora utiliza para perceber o estado emocional do aluno frente
esses discursos, tendo em vista que a professora considera normal a discusso

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mesmo que o coloque sobre a margem e distanciamento aos demais no que


tange a equidade?
A postura da docente nas narrativas demostra o quanto a religiosidade
um peso nas discusses desfavorveis ao que diz respeito aos homossexuais e
ao preconceito estabelecidos, assim percebemos na fala da mesma:
s vezes, alguns homossexuais acabam querendo ser algo que
no ele prprio. Ficam com muita pornografia, falta respeito.
Lgico que admiro quem e tem uma postura realmente per-
feita e no tira a essncia da pessoa, entendeu? Alguns so dessa
forma, tentando ser muito menina e acaba sendo vulgar, mas res-
peito (professora de religio).

Essa narrativa empregada de preconceito faz-nos encontrar as marcas


da escola como espao de proliferao de modos adequados de ser de um
homossexual, ou seja, a homonormatividade, enquadrando o/a aluno/a numa
perspectiva vista como aparentemente normal aos demais. Esse discurso suja,
desestabiliza, incorre no descompasso daquilo que humanamente natural
estabelecendo regras da homossexualidade postura realmente perfeita. De
certo, esse discurso se explicita em falas que afirmaram que um/a bom/boa
professor/a, que seja homossexual, tem que ser profissional.
Quando entrei na escola para ensinar, certo dia uma me veio
direo para questionar como uma escola religiosa admitia em
seu quadro de professores um gay? Ento a irm diretora falou
que para a escola o que importava era o profissional que eu era e
no a minha sexualidade.

Sendo assim, v-se que, a orientao sexual interfere, na opinio geral


em outros mbitos sociais, e que cada um pode levar a criao de cdi-
gos, para que os/as homossexuais possam se comunicar sem interferir na
heterossexualidade.

Consideraes finais

Portanto, percebemos um conflito que existe entre gnero, sexo, sexua-


lidade e educao em escola religiosa. o ambiente escolar um espao onde
deve-se pautar a ideia de desnaturalizar e desnormatizar discursos e posturas

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sexistas. inconcebvel no compreender o modo como s transformaes


sociais existem e que ainda assim existam professores/as que ignoram a impor-
tncia dessas discusses, levando em considerao que existe uma razo bem
poltica nesse contexto que o enfrentamento do preconceito e discriminao
que impede a garantia de oportunidades efetivas da participao de todos nos
diferentes espaos sociais e a escola certamente tem um vis de trazer a referida
temtica nesse campo de discusso.
Nos relatos dos professores/as, fica evidente o silenciamento manifestado
junto as questes relacionada homossexualidade dos/as alunos/as que torna
as normatizaes padres discursivamente institudo pela religio. Ainda que
a escola um espao ideal para tratar as questes sobre sexualidade, sexo e
gnero, pois, alm de ser um local onde as diferenas so mltiplas e aparentes,
tambm um local onde o debate deve acontecer continuamente, com vistas
aprendizagem e prtica do pensamento critico, autnomo, promovendo entre
todos que fazem a escola um convvio de respeito efetivando a democracia.

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Referncias

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15, p. 155-177, 2015.

FOUCAULT, M. Histria da Sexualidade. Vol. 1: A vontade de saber. 11ed. Rio de


Janeiro: Graal, 1988.

______. A ordem do discurso. 5. ed. Traduo de Laura F. de Almeida Sampaio. So


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______. Os Anormais Curso no College de France (1974-1975), Traduo Eduardo


Brando. So Paulo: Martins Fontes, 2001. Coleo Tpicos.

LOURO, Guacira Lopes.; NECKEL, F.J.; GOELLNER, V.S.(org.). Corpo, Gnero e


Sexualidade: um debate contemporneo na Educao. Petrpolis: Vozes, 2003.

______. O Currculo e as Diferenas Sexuais e de Gnero. In: COSTA, Marisa


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______. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2ed. Traduo dos artigos:


Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autentica 2000.

______. Pedagogias da sexualidade. In:__(org.). O corpo educado: pedagogias da


sexualidade. Belo Horizonte: Autntica, 1999.

______. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte:
Autntica, 2004.

______. Currculo, gnero e sexualidade: o normal, o diferente e o excntrico.


In: Louro, G. L.; FELIPE, J.; GOELLNER, S.V. (orgs.). Corpo, gnero e sexualidade: um
debate contemporneo. 5ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2010. P. 41-52.

______. Foucault e os estudos queer. In: RAGO, M.; VEIGA-NETO, A. (orgs.). Para
uma vida no fascista. Belo Horizonte: Autntica Editora, p.135-142.

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A POLTICA PBLICA BRASILEIRA DO NOME SOCIAL DE


TRAVESTIS E TRANSEXUAIS: DESAFIOS NA EDUCAO

Cludio Eduardo Resende Alves


Doutor em Psicologia - PUC Minas/Gestor de Polticas Pblicas Educacionais
Secretaria Municipal de Educao de Belo Horizonte/MG
[email protected]

Magner Miranda de Souza


Mestrando em Psicologia - PUC Minas/Gestor de Polticas Pblicas Educacionais
Secretaria Municipal de Educao de Belo Horizonte/MG
[email protected]

GT 21 - Polticas pblicas, processos educativos e subjetividades: reinvenes,


potencialidades e tenses na temtica da diversidade sexual

Resumo

Este artigo prope uma reflexo crtica sobre a poltica pblica do nome social
de sujeitos travestis e transexuais na educao em interface com as reas de
psicologia e direito. O nome social pode ser tomado como um dispositivo de
identificao de gnero, uma vez que produz inteligibilidade para as expres-
ses de gnero desviantes da normativa heterossexual. Prope-se um breve
mapeamento de normativas legais do nome social em territrio nacional, com
destaque para a Rede Municipal de Educao de Belo Horizonte/MG, lcus
pesquisado. A investigao teve como metodologia a anlise documental de
pareceres, resolues e portarias brasileiras, revelando ressonncias no coti-
diano escolar a partir de lacunas entre o texto prescrito a prtica social.
Palavras Chave: Educao; Gnero; Nome Social; Travesti; Transexual.

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1. Introduo: gnero, nome social e cidadania

Um dos conceitos fundantes deste artigo o de gnero que pode ser


compreendido como uma categoria analtica sustentadora das reflexes que
pretendem superar as lgicas binrias de equivalncia do sistema sexo/gnero.
Nesse sentido, gnero aporta uma ferramenta estratgica que permite discutir
as diferenas nas posies sociais de homens e mulheres, quer sejam heteros-
sexuais ou no heterossexuais. Tais diferenas no podem ser compreendidas
pelo reducionismo biolgico, mas sim pelos sentidos construdos e compartilha-
dos social e culturalmente para as diferenas.
Outro conceito fundante diz respeito ao chamado nome social, entendido
como o nome pelo qual sujeitos travestis e transexuais preferem ser chamados
cotidianamente, uma vez que o nome civil ou de registro no reflete sua iden-
tidade de gnero. O nome social pode ser tomado como um dispositivo1 de
identificao de gnero, uma vez que produz outras formas de pensar a inteli-
gibilidade dos gneros (ALVES, 2016). Partindo do princpio da autodeclarao
da identidade de gnero, quando um indivduo escolhe um nome social ele
est dizendo ao outro como quer ser identificado e reconhecido socialmente.
A poltica da autodeclarao, a exemplo da discusso do pertencimento tni-
co-racial no Brasil, outorga ao sujeito, e a mais ningum, a definio de sua
identidade gnero, ao mesmo tempo que torna pblica sua escolha e orienta o
outro sobre como esse sujeito deve ser tratado socialmente.
O sexo anatmico perde seu status determinista da identidade de gnero,
cedendo lugar para a narrativa autobiogrfica (PROSSER, 2014) que valida a
imagem corporal. Independentemente do sexo anatmico, o que determina o
gnero a reiterao do discurso (BUTLER, 2003). Percebe-se assim que a iden-
tidade de gnero atravessada pela escolha nominal expressa pela linguagem,
atuando como eixo norteador na elaborao de polticas pblicas de incluso
da diversidade de gnero em escolas brasileiras.
O desrespeito ao uso do nome social provoca constrangimento, humi-
lhao e inacessibilidade de sujeitos travestis e transexuais aos lugares pblicos

1 Segundo Foucault, dispositivo um conjunto decididamente heterogneo, o qual abrange discursos,


instituies, decises regulamentares, leis, enunciados cientficos, propostas filosficas, morais e
filantrpicas. O dispositivo a rede que pode se estabelecer entre esses elementos (REVEL, 2011).

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(BENTO, 2006). No importa como o sujeito se posiciona em relao sua


expresso de gnero, o que importa o que est escrito e a foto que consta
no documento. Assim o sendo, muitas travestis e transexuais so injustamente
acusadas de praticantes do crime de falsidade ideolgica, uma vez que nos
documentos oficiais o que consta o nome civil. O registro civil est asso-
ciado a estratgias biopolticas de gerenciamento das populaes, bem como
aos dispositivos de pessoalidade (CSAR, 2009). O nome fundamental para
se fazer reconhecer e ser reconhecido, o ponto de partida da vida social.
O reconhecimento do outro essencial para o prprio reconhecimento. Ao
mesmo tempo o nome pode ser pensado como uma forma de produo social
e poltica de sujeitos desprovidos de direitos por meio de mecanismos de
controle que separam os modos de ser viveis dos inviveis, promovendo a
manuteno do binarismo identitrio (LIMA, 2013). A no conformidade entre
o sexo de nascimento e a expresso de gnero aponta para fissuras na normati-
zao da sexualidade. Sujeitos travestis e transexuais, invisibilizados histrica e
socialmente, foram alijados do direito cidadania, configurando-se, pois, como
corpos abjetos (BUTLER, 2003).

2. Polticas pblicas do uso legal do nome social no Brasil

Desde 2008, inmeros pareceres, resolues e portarias foram elabo-


rados e aprovados em mbitos municipal, estadual e federal, assegurando o
direito ao uso do nome social, porm existe uma distncia significativa entre
a regulao normativa legal e a prtica social. De acordo com os dados da
Associao Brasileira de Gays, Lsbicas, Travestis e Transexuais existem dife-
rentes instrumentos legais, nos campos da educao, sade, assistncia social
e administrao pblica, que regulam o uso do nome social no territrio bra-
sileiro. So instrumentos de diferentes formatos e tamanhos, desde de simples
portarias at complexos pareceres de sustentao terica.
No mbito federal, o uso do nome social est previsto em alguns ins-
trumentos legais, como: o Parecer n 141/2009 do Ministrio da Educao/
Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade; a Portaria
GM 1820/2009 que integra a carta de direitos dos usurios do Sistema nico de
Sade; os Projetos de Lei n 072/2007 e n 2978/2008 do Congresso Nacional; a
Portaria MPOG n 233/2010 da Administrao Pblica Federal direta, autrquica

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e fundacional; e a Resoluo n 12/2015 - CNCD/LGBT do Conselho Nacional


de Combate Discriminao e Promoo dos Direitos LGBT.
Algumas Instituies de Ensino Superior como, por exemplo, em Minas
Gerais, a UFMG, a UEMG e a PUC Minas, produziram normativas ampliando
o uso do nome social para professores e funcionrios trans, alm dos discen-
tes universitrios. No caso do uso do nome social por estudantes trans, vale
destacar que esse dispositivo nominal fica, geralmente, excludo dos diplomas,
certificados e histricos escolares, sendo seu uso restrito aos documentos inter-
nos como livros de chamada, avaliaes, relatrios e projetos de pesquisa, bem
como no tratamento interpessoal. A dialtica entre o reconhecimento e o no
reconhecimento do nome social cria uma tenso permanente entre o poder
pblico e os direitos de cidadania de sujeitos trans.
O estado brasileiro pioneiro a elaborar uma normativa sobre o nome social
na educao foi o Par, por meio da Portaria Estadual n 16/2008-GS, poste-
riormente validada pelo Decreto n 1.675 que amplia o uso do nome social
em todos os rgos da administrao pblica do Estado do Par. No mesmo
ano de 2008, Belo Horizonte se tornou o primeiro municpio brasileiro a apro-
var um documento regulatrio sobre o uso do nome social junto ao Conselho
Municipal de Educao, a Resoluo CME/BH N 002/2008 e o Parecer CME/
BH N 052/2008, com vigncia em todas as escolas municipais (ALVES, 2013).
A Resoluo do Conselho Municipal de Educao de Belo Horizonte
prev o uso do nome social exclusivamente para estudantes travestis e transe-
xuais. A fim de fornecer embasamento terico para a Resoluo no campo dos
estudos de gnero e dos direitos humanos, um comit intersetorial elaborou
o Parecer CME/BH n 052/08 para subsidiar os debates entre os conselheiros
municipais de educao. Esse comit foi composto por representantes do movi-
mento social LGBT, da Universidade Federal de Minas Gerais e da Secretaria
Municipal de Educao. Nesse contexto, a partir de um novo modelo de gesto
social e poltica, os processos de constituio dos sujeitos e de seus corpos
sexuados passam ser repensados e reconfigurados numa perspectiva ampliada
e diversificada das regras de convivncia tradicionalmente institudas na escola.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Educao de Belo Horizonte
(ALVES, 2016), a partir do ano de 2012, instalou-se um processo de mapeamento
estudantil com base em coletas regionalizadas de dados, obtendo o seguinte
panorama: doze estudantes em 2012; cinco estudantes em 2013; duas estudan-
tes em 2014; e nenhuma estudante em 2015. Desse total discente, composto

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por dezenove estudantes, todas so mulheres transexuais ou travestis, sendo


que apenas uma das estudantes menor de dezoito anos. Essa diminuio do
nmero de estudantes trans sinaliza problemas na poltica pblica municipal do
nome social como estratgia de garantia do direito educao, quer seja pelo
no monitoramento institucional, pelas dificuldades administrativas e pedag-
gicas na execuo da normativa, ou ainda, pela forte corrente fundamentalista
religiosa que atua na poltica brasileira, particularmente no ano de 2015 a partir
da retirada do termo gnero do Plano Nacional de Educao que reverberou
na ausncia do mesmo em vrios planos estaduais e municipais de educao.
Alm do quantitativo diminuto de estudantes, considerando o universo
composto por cerca de onze mil estudantes em toda a Rede Municipal de
Educao, importante destacar que nem todos os estudantes trans matricu-
lados terminaram o ano letivo. A evaso uma caracterstica recorrente do
pblico da Educao de Jovens e Adultos, porm, no caso em foco, a transfobia
institucional corrobora para aumentar esse ndice de desistncia escolar.
A partir da anlise documental (CELLARD, 2010) da Resoluo e Parecer
municipais, evidenciou-se a importncia do monitoramento da poltica pblica
por gestores a fim de promover campanhas de divulgao, elaborar diretrizes
orientadoras para os profissionais da escola, determinar prazos para a incluso
do nome social nos documentos escolares, incluir um campo especfico para o
nome social nos formulrios de matrcula, elaborar estratgias para a mediao
dos conflitos quanto ao uso do banheiro e promover aes de formao conti-
nuada docente sobre a temtica.

3. Consideraes finais: desafios permanentes da poltica pblica

Sujeitos travestis e transexuais so figuras de embaralhamento no sistema


binrio de masculinidades e feminilidades, seus corpos construdos artificial-
mente sugerem possibilidades de multiplicao de formas de gnero e de
sexualidade. A escolha do nome social revela o processo de subjetivao viven-
ciado pelos sujeitos em seus contextos histricos de vida, bem como agrega
valores identitrios oriundos da vivncia social, familiar, cultural e poltica.
Escolher um nome romper com formas de dominao e produzir dispositivos
que operam para produzir novas maneiras de viver e pensar. A obrigatoriedade
institucional da incluso do nome social e de seu uso nas relaes interpessoais

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possibilita o acolhimento de outras subjetividades, colocando em xeque o sis-


tema sexo/gnero.
A anlise documental das normativas revelou que essa poltica pblica
educacional apresenta aspectos inovadores ao delinear novos modelos de ges-
to pblica embasados no enfrentamento a discriminao sexual e de gnero,
alm de promover o reconhecimento da diversidade de sujeitos na instituio
escola. Entretanto, o dispositivo nome social no garante a incluso de estudan-
tes travestis e transexuais na escola, dado seu carter transitrio e intermedirio
entre o desejo do sujeito e a legitimao jurdica. Assim, ele pode ser tomado
como um mecanismo inicial e primrio no reconhecimento poltico dos direitos
de cidadania da populao trans, uma vez que funciona como uma espcie de
vitrine para as discusses polticas e a visibilidade social de travestis e transexu-
ais no Brasil.

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4. Referenciais

ALVES, Cludio Eduardo Resende. Travestis e transexuais na escola: ressonncias do


uso do nome social na Rede Municipal de Educao de Belo Horizonte. In: Anais do
Fazendo Gnero 10: desafios atuais do feminismo. Florianpolis, 2013.

ALVES, Cludio Eduardo Resende Alves. Um nome suis generis: implicaes subjeti-
vas e institucionais do nome (social) de estudantes travestis e transexuais em escolas
municipais de Belo Horizonte/MG. 2016 . (Tese de Doutorado). Programa de Ps
Graduao em Psicologia da PUC Minas, Belo Horizonte.

BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Educao. Resoluo CME/BH N 002,


18 de dezembro de 2008. Dispe sobre a incluso do Nome Social de Travestis e
Transexuais nos registros escolares das escolas da Rede Municipal de Educao. Dirio
Oficial do Municpio, Belo Horizonte, ano XV, edio n 3386, julho 2009.

BENTO, Berenice. A Reinveno do corpo: sexualidade e gnero na experincia


transexual. So Paulo: Espao e Tempo, 2006.

BRASIL. Ministrio da Educao/Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e


Diversidade. Parecer Tcnico MEC/SECAD N 141, 27 de novembro de 2009. Dispe
sobre a incluso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares de
estados e municpios brasileiros. Braslia. Disponvel em: <http://www.abglt.org.br/
docs/MEC%20SECAD%20Parecer%20141%202009.pdf> Acesso em 12 de dezembro
de 2013.

BUTLER, Judith. Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade. Rio de


Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

CELLARD, Andr. A anlise documental. In: POUPART, J. et al A pesquisa qualitati-


va:enfoques epistemolgicos e metodolgicos. Petrpolis: Ed. Vozes, 2010.

CSAR, Maria Rita de Assis. Um nome prprio: transexuais e travestis nas escolas bra-
sileira. In: Anais do XV Simpsio Nacional de Histria. Fortaleza, 2009.

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

GOUVEA, Cleber e LOH, Stanley. Folksonomias: identificao de padres na seleo


de tags para descrever contedos. In: Revista Eletrnica de Sistema de Informao.
Edio 11, n 22, p. 1-8, 2007.

LIMA, Maria Lcia Chaves. O uso do nome social como estratgia de incluso esco-
lar de transexuais e travestis. 2013. Tese (Doutorado em Psicologia Social). Programa
de Ps-Graduao em Psicologia da PUC-SP, So Paulo

PROSSER. Jay. Second Skins: the body narratives of sexuality. Columbia University
Press: New York, 1998.

REVEL, Judith. Dicionrio Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2011.

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QUAIS SIGNIFICAES DA DIFERENA SO PRODUZIDAS


NOS PROJETOS PEDAGGICOS DA FORMAO DE
PROFESSORES? O APAGAMENTO DAS QUESTES DOS
GNEROS E DAS SEXUALIDADES

Denise da Silva Braga


Doutora em Educao UERJ
Faculdade Interdisciplinar em Humanidades Pedagogia/UFVJM

Brbara Carvalho Ferreira


Doutora em Psicologia UFSCar
Faculdade Interdisciplinar em Humanidades Pedagogia/UFVJM

Talisson Daniel Soares Leite


Graduando do curso de Bacharelado em Humanidades
Bolsista PIBIC/UFVJM

GT 05 - Gneros e sexualidades nas escolas: polticas, prticas e poderes em disputa

Resumo

A pesquisa em curso se insere no campo do currculo e prope a discusso


da diferena cultural: as significaes fixadas nos documentos curriculares e
os sentidos produzidos na formao docente. Neste texto buscamos identifi-
car os componentes curriculares que tratam dos gneros e das sexualidades
e as formas como a diferena cultural se torna contedo nos projetos peda-
ggicos (PP) das licenciaturas da Faculdade Interdisciplinar em Humanidades,
da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. A pesquisa se
caracteriza como documental e contempla as anlises dos PPs de Geografia,
Histria, Pedagogia, Educao do Campo-LEC, Letras (Espanhol e Ingls). Aps
as anlises observou-se que apenas os cursos Pedagogia e LEC fazem meno
direta ao trabalho com gneros e sexualidades.
Palavras-chave: licenciaturas; currculo; sexualidades; gneros; diferena
cultural.

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1. Introduo

Esta pesquisa se insere no campo do currculo e prope a discusso da


diferena cultural: as significaes fixadas nos documentos curriculares e os seus
sentidos produzidos no espao-tempo da formao docente. Compreendemos
que a dimenso formal no subsume todos os sentidos do currculo. Entretanto,
materializa e fixa sentidos que norteiam os processos de seleo dos contedos
a serem priorizados no ato pedaggico.
As licenciaturas constituem um lugar privilegiado para o trabalho com a
diferena como princpio educativo, trazendo para o currculo da formao
contedos que refletem a necessidade do reconhecimento e do tratamento pro-
dutivo da diversidade de culturas, dos diferentes processos de identificao e
pertencimentos culturais. Trata-se de compor o processo educativo, assumindo
que preciso incorporar as relaes entre currculo e cultura como trao fundante
da escola que reconhece a multiculturalidade e a diferena como elementos
constitutivos dos processos de ensino e de aprendizagem. Redimensiona-se,
assim, o sentido do prprio conhecimento (e do conhecimento escolar), plura-
lizando-o, acatando a possibilidade da sua produo e da sua ressignificao
para alm da tradio iluminista que se mantm nas organizaes curriculares,
principalmente no contexto da Universidade.
A pesquisa em curso, a qual se refere este trabalho, visa identificar os
componentes curriculares que tratam dos gneros e das sexualidades e as
formas como a diferena cultural se torna contedo nos projetos pedaggi-
cos das licenciaturas da Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (FIH), da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

2. Metodologia

A presente pesquisa, de abordagem qualitativa, se caracteriza como


documental, sendo adotados os seguintes procedimentos de coleta e anlise
de dados: (a) apresentao da proposta de pesquisa Direo da FIH; (b) an-
lise dos Projetos Pedaggicos dos cursos de licenciaturas da FIH, Pedagogia,
Histria, Geografia, Letras/Ingls, Letras/Espanhol e Licenciatura em Educao
do Campo. Para tanto, os pesquisadores procederam a leitura individual de
cada projeto se atentando para a identificao dos discursos pedaggicos sobre
gneros e sexualidades. Aps esta etapa, foram discutidas as concordncias e

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discordncias, elaborados os indicadores e a anlise do material, segundo os


aportes da anlise de contedo de Bardin (2009).

3. Currculo, diferena, sexualidades e gneros

O currculo escolar opera com fixaes que objetivam comunicar e tornar


inteligvel o conhecimento selecionado para compor o contedo da escola.
Estes sentidos fixados, no entanto, limitam as possibilidades de existncia ao
que pode ser nomeado e descrito e, tambm, ao que politicamente se configura
como correto ou desejvel. Desta forma, comum que pessoas e modos de
vidas sejam interditados no espao de legitimidade do currculo escolar porque
a sua existncia, ainda que evidente e materializada, tida como problemtica,
desestabilizadora ou sem valor.
No entrelugar que se concretizou mediante as aspiraes e as possibilida-
des da escola se encontram, de um lado, questes que evidenciam um projeto
de manuteno normatividade, baseado na repetio e na disciplina e; de outro,
a perspectiva de emancipao, de criao e de assuno da diferena. E, em
meio a outras tecnologias escolares, o currculo constitui-se como uma produ-
o cultural que fabrica, materializa e ensina subjetividades que se mobilizaro
para alm da experincia na escola. A escolarizao produz, portanto, uma
individualidade autogovernada a partir de saberes do que considerado verda-
deiro e socialmente vlido, obtidos por meio do conhecimento acessado pelo/
no espao-tempo escolar. So estes saberes que constroem e fazem funcionar
as regras que definem e resolvem os problemas aos quais os sujeitos se deparam
no mundo social, imprimindo as marcas do discurso escolar na reconfigurao
do espao sociocultural.
Com a visibilidade aos poucos conquistada e com a necessidade da sua
enunciao, operar com a diferena requer que outros sentidos sejam ditos, tor-
nando possveis outros modos de vida - at ento ocultados ou marginalizados
no currculo da escola. Sendo assim, ainda que a tradio seja o pilar sob o qual
se organiza o currculo, como um artefato cultural ele no apenas reproduz,
mas pluraliza a noo de cultura, ampliando a possibilidade de pertencimentos
culturais passveis de reconhecimento e de valorao positiva. Nesta perspec-
tiva, operar com a noo do currculo como cultura pressupe redimensionar
o currculo e transcender a prpria noo de cultura, ora entendida como lugar
de enunciao e no mais como um repertrio partilhado de significados.

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Assim, apesar de o currculo operar como um dispositivo de controle, ele


tambm o espao-tempo no qual os sujeitos se articulam, disputam poderes,
subvertem os esquemas binrios e recriam os sentidos do prprio discurso da
escola. Destarte, o currculo constitui-se como ato de significao da prpria
cultura, como um discurso que constri sentidos e que os dissemina. Trata-se
de um currculo concebido como um espao-tempo cultural liminar (MACEDO,
2006), entrecortado pelos embates, pelas negociaes, pelo poder que tanto
servem para afirmar posies, quanto para desloc-las, o que torna mais produ-
tiva a discusso das delicadas relaes dos currculos escolares com a diferena,
sobremaneira quando o foco recai sobre as sexualidades e gneros.
Presentemente aos questionamentos sobre a necessidade e as formas de
abordagem ou de incorporao da diferena aos currculos escolares, pensamos
que h indagaes importantes a serem postas e que tem a ver, sobretudo, com
os sentidos que a diferena tem assumido nos discursos escolares: como sus-
tentar um discurso da diferena quando as prprias estratgias de lidar com ela
incluem a sua nomeao e, consequentemente, a sua inscrio em categorias
anteriormente descritas? Como os gneros e as sexualidades se materializam
nos projetos escolares?
O direito de viver em uma sociedade democrtica constituda pela plu-
ralidade, pelo convvio e interlocuo na diversidade pauta frequente nos
discursos correntes em todos os setores da vida social. Este direito contem-
plado na legislao e nas polticas pblicas que buscam implementar o princpio
constitucional da igualdade e da proteo dos sujeitos sociais contra qualquer
tipo de discriminao negativa. A relao da diversidade com a igualdade,
neste contexto, no problemtica, medida que o reconhecimento da diver-
sidade se d na perspectiva de um momento posterior, no qual as diferenas
sejam compatibilizadas em um espao comum. Sendo assim, a diversidade no
resolve os problemas gerados pelas classificaes e hierarquizaes que deter-
minam lugares de pertencimento, ou de excluso, das pessoas no espao social.
Ela , outrossim, apenas a demarcao do ponto do qual deve-se avanar.
Salienta-se, portanto, a necessidade de avanar do conceito de diver-
sidade em direo diferena cultural que se assinala como o processo de
enunciao da cultura, ou seja, como um processo de significao por meio
do qual afirmaes da cultura e sobre a cultura diferenciam, discriminam e
autorizam a produo de campos de fora, referncia, aplicabilidade e capaci-
dade (BHABHA,2007, p.63). Assim entendido, o conceito de diferena indica

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uma nova perspectiva epistemolgica que aponta para o hibridismo e para a


ambivalncia como constituintes/instituintes de processos de identificao e de
relaes interculturais. O currculo que se postula para a educao hodierna ,
sobremaneira, espao de emergncia e de assuno da diferena.
No que concerne escola, ressignificar as noes de diferena e desna-
turalizar os essencialismos identitrios so pautas necessrias produo de
uma poltica curricular que jogue com as mltiplas relaes, imagens, espacia-
lidades, temporalidades nas quais as identificaes podem ser vividas como
provisrias, abertas, hbridas. Noutra via, o apelo ao respeito liberdade e
apreo tolerncia (BRASIL, 1999, p.39) e ao [...] conviver com a diversidade
de forma plena e positiva (Idem, p.322) expressam convites homogeneizao
e utilizao dos discursos da diferena como uma pedagogia normativa e nor-
malizadora. Ou seja, a diferena sempre dada em relao a uma determinada
norma, a uma identidade autntica e verdadeira, da qual o outro se diferencia
tornando-se, este, signatrio de uma prtica caridosa de aceitao. Atinente
s afirmaes de Skliar (2002), concordamos que a tolerncia tem uma forte
relao com a indiferena, pois implica que o objeto tolerado moralmente e
necessariamente inferior. Assim, a tolerncia, ao menos, posterga o conflito ao
esmaecer a especificidade do outro, fazendo-o cmplice do seu prprio ani-
quilamento, da invisibilizao, marginalizao e excluso das suas identidades
como possibilidades de vida.
A necessidade e, mais recentemente, a obrigatoriedade do trabalho peda-
ggico com as sexualidades e gneros na escola bsica, principalmente a partir
da publicao dos Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,1997) requerem
a ao pedaggica das instituies que formam professores no trato da questo.
No entanto, ainda que os discursos afirmem a diferena como valor, no que
tange s sexualidades e gneros, a disposio heteronormativa se mantm, sus-
tentada nos discursos naturalizados que circulam nos meios sociais.

4. Dados dos projetos

A partir da anlise dos projetos, em relao s questes dos gneros e das


sexualidades, constatou-se a completa omisso dos gestores institucionais no
que tange incluso das temticas nos planos pedaggicos, uma vez que, dentre
os seis projetos analisados, apenas dois abordaram, em seus textos, a diversidade

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e as questes de gneros e de sexualidades: Pedagogia (UFVJM,2012) e LEC


(UFVJM,2014).
No PPC da Pedagogia foram explicitados os seguintes aspectos: a)
Objetivos Especficos - Instrumentalizar o pedagogo para desenvolvimento e
organizao de sistemas, unidades, projetos e experincias educacionais for-
mais e no-formais, percebendo a importncia do trabalho com a diversidade e
a educao inclusiva (p.10); b) Perfil do Egresso- Demonstrar conscincia da
diversidade, respeitando as diferenas de natureza ambiental-ecolgica, tni-
co-racial, de gneros, faixas geracionais, classes sociais, religies, necessidades
especiais, entre outras (p.13); c) Competncias e Habilidades, Incorporar as
aes pedaggicas diversidade cultural, tnica social e religiosa da sociedade
ao qual est inserida(p.14) e Capacidade para atuar no processo de escolariza-
o indgena, respeitando a particularidade e diversidade cultural, promovendo
o dilogo entre conhecimentos, valores, modos de vida, orientaes filosficas,
polticas e religiosas prprias cultura do povo indgena(p.15).
No PPC da LEC observou-se a explicitao de um ttulo na bibliografia da
disciplina Teorias de Currculos, o qual refere-se ao trabalho pedaggico com
gneros e sexualidades.

5. Consideraes finais

Os projetos pedaggicos analisados evidenciam o carter predominan-


temente tcnico da formao docente e, embora sinalizem a importncia de
uma formao docente que d conta das demandas emergentes no campo da
atuao profissional, no explicitam como tal objetivo ser alcanado.
Nos projetos em tela, os exguos contedos relacionados s identidades
no hegemnicas, diferena cultural e aos aspectos particulares de determina-
das culturas e grupos, assim como a nfase base epistemolgica da formao,
parecem acentuar que tais questes pertencem ao campo privado e pouco, ou
nada, perpassam o ensino. Ou, ainda, permitem inferir que a transversalidade
dos contedos que se destinam ao enfrentamento das mltiplas discriminaes
e silenciamentos das culturas e grupos minoritrios ou subalternizados no pre-
cisa ser formalizada nos projetos que estruturam a formao.
Assim sendo, as anlises preliminares permitem inferir que a construo
de um projeto de formao, neste contexto, os projetos pedaggicos das licen-
ciaturas da FIH, apresenta como desejvel um egresso/profissional professor

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capaz de lidar com a diferena. Entretanto, tal projeto de formao no se


materializa nas escolhas feitas em relao aos contedos selecionados para
compor o currculo. Alm das inquietaes em relao ao preenchimento das
lacunas verificadas na formao inicial, as nossas observaes nos permitem
supor que no espao-tempo da formao docente tm sido apenas referenda-
dos os saberes que os estudantes trazem consigo ao ingressar nas licenciaturas,
fazendo prevalecer concepes sobre o outro que favorecem a manuten-
o das discriminaes negativas. Em relao aos gneros e sexualidades, o
apagamento das discusses no espao de poder dos currculos, implica a per-
manncia dos machismos, dos heterossexismos e o silenciamento das variadas
formas de violncia, sobremaneira s populaes no consonantes aos gneros
e sexualidades hegemnicas. Dessa forma, a nosso ver, tais questes, negligen-
ciadas no espao formal, so deixadas em um espao transversal ideologizado,
do qual emergiro apenas aladas pelas iniciativas individuais ou em situaes
de conflito.

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Referncias

BARDIN, L. Anlise de Contedo. Lisboa: Edies 70, 2009.

BHABHA, H. K. O local da cultura. Trad. Myriam vila, Eliana L. L. Reis e Glucia R.


Gonalves. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

BRASIL. Ministrio da Educao. Referenciais para formao de professores. Braslia/


MEC, 1999.

_______. PCN Parmetros Curriculares Nacionais: Orientao Sexual. MEC,


Secretaria de Educao Fundamental. Braslia: MEC/SEF, 1997.

MACEDO, E. Currculo como espao-tempo de fronteira cultural. Revista Brasileira de


Educao, v.11, n.32, maio/ago. 2006. p.285-372.

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Educao & Sociedade. Dossi diferenas. Campinas: CEDES, n. 79, ano 23. p.
85-123. ag. 2002.

UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI-UFVJM.


Projeto Pedaggico do Curso de Pedagogia. Diamantina, janeiro 2012.

_______. Projeto Pedaggico do Curso de Licenciatura em Educao no Campo.


Diamantina, 2014.

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GNERO E SEXUALIDADE NA FORMAO DOCENTE:


CASOS E ACASOS

Patrick dos Santos Silva


Estudante de Graduao em Geografia
Universidade Federal de Viosa
[email protected]

Helosa Raimundo Herneck


Professora Adjunto II da Universidade Federal de Viosa
[email protected]

GT 05 - Gneros e sexualidades nas escolas: polticas, prticas e poderes em disputa

Resumo

As discusses relacionadas a gnero e sexualidade na educao, aps vinte


anos, ainda tem como principal referncia os Parmetros Curriculares Nacionais
(PCN) e a insero do tema transversal Orientao Sexual. Baseado nas orienta-
es dos PCN, este texto tem como objetivo analisar a percepo de professores/
as e funcionrios de uma escola pblica, a respeito das questes sobre gnero
e sexualidade. Para isso foram utilizados casos com situaes relacionadas ao
tema. As anlises dos casos demonstraram uma preocupao em no agir com
preconceito e proporcionar a aceitao de todos os/as educandos/as. Todavia,
algumas situaes evidenciadas nas falas dos/as professores/as e funcionria
acabam evidenciando o despreparo para lidar com as situaes diversas sobre
sexualidade que possam ocorrer.
Palavras-chave: Gnero; Sexualidade; Educao; Orientao Sexual; Currculo.

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Introduo

As temticas relacionadas a gnero e sexualidade sempre foram e ainda


so um grande tabu na sociedade brasileira, e no mbito da educao isto no
diferente. A insero do trabalho com orientao sexual nas escolas brasilei-
ras foi impulsionada por polticas educacionais como a criao dos Parmetros
Curriculares Nacionais (PCN 1997 e 1999), o programa Sade e Preveno
nas Escolas (SPE 2003), o programa Brasil sem Homofobia (PBSH 2004) e
o Gnero e Diversidade na Escola (GDE 2006) (UNESCO, 2014). No pode-
mos desconsiderar tambm a importncia dos movimentos sociais, como o
Movimento de Mulheres e o Movimento LGBT.
Partindo das discusses sobre gnero e sexualidade e, amparados/as na
Constituio Brasileira de 1988, que no aborda diretamente as questes sobre
gnero e sexualidade, mas em seus artigos deixa espaos que nos permitem
adentrar com esse debate em escolas, este trabalho tem como objetivo anali-
sar a percepo de professores/as, por meio de conversas sobre situaes que
podem surgir na sala de aula, relacionadas a esta temtica. O intuito chamar
a ateno para a importncia da temtica na formao docente.
A relevncia est no fato de os/as docentes, quando formados continua-
mente sobre temticas diversas, possam agir com responsabilidade sobre essas
dimenses, como a sexualidade, proporcionando o conhecimento e aceitao
do prprio corpo, independente das diferenas que possam existir.
A finalidade do trabalho de Orientao Sexual contribuir para
que os alunos possam desenvolver e exercer sua sexualidade com
prazer e responsabilidade. Esse tema vincula-se ao exerccio da
cidadania na medida em que prope o desenvolvimento do res-
peito a si e ao outro e contribui para garantir direitos bsicos a
todos, como a sade, a informao e o conhecimento, elementos
fundamentais para a formao de cidados responsveis e cons-
cientes de suas capacidades (BRASIL, 1998, p. 311).

A pesquisa foi realizada em uma escola pblica localizada na cidade de


Viosa, MG. Participaram uma professora de Portugus, uma professora de
Biologia e um professor de Matemtica. Tambm convidamos a participar da
atividade uma auxiliar de servios gerais, pois levamos em considerao que

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no ambiente escolar no apenas os/as professores/as so educadores/as, mas


todos/as que fazem parte da comunidade escolar.
Apresentamos cinco situaes1 para os/as participantes, e estes deveriam
coment-las, apresentando suas consideraes. As situaes analisadas foram as
seguintes: a) Quando decidi voltar a estudar, cheguei escola e me apresentei
ao diretor. Ele disse que j tiveram alunas transexuais e no haveria problema.
Eu teria meu nome feminino na chamada. Ento eu relaxei! No primeiro dia o
professor foi fazer a chamada e chamou Renato. Eu no respondi. Falei com
o diretor e ele colocou o nome feminino no dia seguinte. Mas ficaram os dois
nomes na chamada. Um professor vivia fazendo piadinhas e insistia em me
chamar de Renato (BORTOLINI, 2008); b) Pedro contou para a supervisora da
sua escola que era gay. Ela disse que no tinha problema, ele teria apenas que
no dar pinta; c) Um garoto, de aproximadamente 14 anos, estava na sala de
aula, quando se levantou e foi at a mesa da professora, levando nas mos um
saquinho para geladinho e uma rgua pequena. Pondo essa ltima dentro do
saquinho, disse: Olha professora, no parece que eu estou pondo a camisinha
no pnis? A professora respondeu: , parece! Mas vai se sentar, pois isso no
um pnis e nem isso, uma camisinha! (FIGUEIR, 1999); d) Vilma professora
de Geografia. Na escola em que trabalha, ao perceber que muitas adolescen-
tes estavam engravidando, ela convidou uma enfermeira para ensinar mtodos
contraceptivos para os/as estudantes; e) Na aula de Matemtica, uma aluna do
stimo ano perguntou a professora o que era punheta. A professora disse que
aquele no era o momento correto e que na prxima aula conversariam sobre
isso.
Todas as opinies foram gravadas, com autorizao dos/as participantes
para depois serem analisadas. Em Casos e acasos, nas situaes colocadas aos/
as docentes analisaremos cada situao individualmente, nos referindo aos/as
professores/as por nome da disciplina que leciona. Aps, apresentaremos nos-
sas consideraes e por fim as referncias.

1 Todos os casos foram coletados de materiais sobre gnero e sexualidade.

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Casos e acasos nas situaes colocadas aos/as docentes

Defendemos que a educao a medida para amenizar o preconceito,


uma vez que um dos principais motivos da intolerncia so o desconhecimento
e incompreenso do diferente. Como direito, apresentado que a educao
dever de todos (BRASIL, 1988), e entendemos que assim seja independente
das particularidades de cada pessoa, sejam elas sexuais ou no.
Na primeira situao apresentada (letra a), dos quatro participantes, trs
deles disseram que chamariam a aluna pelo nome que ela quisesse. Apenas
uma das professoras que apresentou um posicionamento diferente dos demais,
relatando que chamaria pelo nome de registro:
Eu conversaria com ele primeiro: - Eu vou te chamar assim por-
que no seu documento est assim. Porque eu estou velando um
documento e eu no tenho essa autonomia, n? Mas ... conversaria
com ele primeiro, no tenho nada contra ele ser transexual. Pelo
contrrio, respeito, admiro a pessoa assumir a transexualidade, mas
eu, mudar por mudar, sem o documento dele estar mudado, eu no
tenho esse direito, mas eu conversaria com ele antes pra que ele
no fique constrangido. (Professora de Biologia).

A professora, apesar de dizer ter uma postura admirada pelo posiciona-


mento do aluno, ela no o chamaria pelo nome de escolha por questes legais.
Referente a esta situao, Bortolini (2008) defende que um/a professor/a que se
recusa chamar o/a aluno/a transexual pelo nome correspondente a sua identi-
dade de gnero na verdade no est querendo, mesmo que inconscientemente,
reconhecer a identidade do/a educando/a. Um exemplo que ele nos da que,
caso um/a aluno/a cisgnero/a tivesse um nome de difcil pronunciar ou que
pudesse gerar comentrios ofensivos por parte dos/das demais, os/as professo-
res/as poderiam optar chamar por um segundo nome, ou at mesmo por um
apelido. A negao da identidade de travestis e transexuais um dos fatores que
so retratados frequentemente em trabalhos sobre transexualidade no ambiente
escolar como motivo de evaso.
Na situao b, trs dos/as participantes entrevistados/as acreditam que a
atitude controladora da professora seria a melhor: o aluno pode ser gay, eles
enquanto professores/as no veem problema, respeitam, mas o nico problema
dar pinta. A auxiliar de servios gerais relatou que teria amizade, conversaria,

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trataria bem da mesma maneira. Mais uma vez, um posicionamento interessante


o da professora de Biologia, que, tentando ressaltar que no v problema na
sexualidade dos/as educandos/as, considera que estes/as teriam que ter um tipo
de comportamento referente a sexualidade que no gerasse problemas na
classe.
O ser gay, o homossexualismo, pra mim no tem problema nenhum,
mas eu no ia falar pra ele no dar pinta. Eu ia falar com ele: - gay?
Respeito tudo, s no quero que voc, por eu saber que voc e
eu respeito voc ache que voc tem que gritar pra sala inteira, fazer
escndalo. Eu acho que voc aluno como os outros, ento eu te
respeito, tenho nada contra, poderia at ter filho gay. Eu tenho uma
filha, eu no sei o que ela vai ser, eu no tenho nada contra isso
no, agora o que as pessoas s vezes confundem que o menino
admite, ou uma menina, que gay e arruma aquela bobeirada, isso
infantilidade deles, isso eu no admito no. Aceito e converso
com ele, mas o tal de dar pinta, se ele gay, ele vai ser gay sempre.
No tem esse tal de dar pinta, n? (Professora de Biologia).

Percebemos na fala da educadora a normatizao dos corpos que a escola


tende a conduzir. Voc pode ser gay, contando que no der pinta. Todavia,
o que seria dar pinta para esses/as professores/as? Na fala da professora, per-
cebemos que o dar pinta seria uma maneira de se comportar do educando
que chamasse ateno para a sua sexualidade, que evidenciasse aspectos de
seu interesse por outros rapazes. Ao ser apresentada esta mesma questo para o
professor de matemtica, o mesmo relatou sobre um evento ocorrido na escola
onde dois casais homossexuais (um de gays e outro de lsbicas) se declararam
em uma dramatizao de uma oficina, expondo desta maneira uma situao que
poderia ocorrer no ambiente escolar, fugindo da representao e fazendo parte
do cotidiano da escola. Enquanto pesquisadores, nos questionamos ento se a
possibilidade de troca de afeto entre pessoas do mesmo sexo seria uma forma
de dar pinta para a professora de Biologia. Seria este extremo um exagero?
Referente a terceira (c) e quarta (d) situao apresentada, a professora de
Portugus acredita que agiria da mesma forma em ambas as situaes, pois no
se sente preparada para responder dvidas a respeito destas questes e que
seria mais apropriado que estes questionamentos fossem abordados nas aulas
de Cincias e/ou Biologia. O posicionamento da professora de Biologia tambm
foi igual, porm, na situao (c) ela relatou que questionaria ao aluno se ele

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sabia usar o preservativo e explicaria para ele. Quando questionamos se ela o


faria na frente dos demais ou individualmente, disse que individualmente, pois
esses casos de sexualidade eu, no meu modo de ver, no deve ser tratado, a no
ser o tema de sala de aula. Em casos isolados ele tem que ser tratado isolado.
Embasados em nossas referncias bibliogrficas, Figueir (1999) defende
que nesta situao seria uma boa oportunidade para os/as professores/as con-
versarem com os/as alunos/as sobre sexualidade. No senso comum acredita-se
que os assuntos pertinentes sexualidade devem ser tratados apenas com pro-
fessores/as de Biologia ou Educao Fsica, porm, no desta maneira que os
PCN apresentam.
O PCN (1997) aborda que a Orientao Sexual pode ser feita por qualquer
educador/a, sendo estas situaes propcias para um/a educador/a de qualquer
rea interferir no debate, desde que se sinta preparado/a para isso. O impor-
tante que seja algum que tenha bom contato com os alunos e, portanto,
um interlocutor confivel e significativo para acolher as expectativas, opinies
e dvidas, alm de ser capaz de conduzir debates sem impor suas opinies.
(BRASIL, 1997, p. 332).
Na ltima situao discutida (e), a professora de Portugus disse que a
professora da situao falou isso pra fugir do assunto, porm, quando apre-
sentado pela equipe que na prxima aula ela realmente conversou com os/as
alunos/as, ela disse que deve ser uma medida para atenuar as discusses que
desviassem do objetivo principal da aula. O professor de Matemtica no ava-
liou a situao, mas disse que situaes parecidas j haviam ocorrido com ele,
mas de forma individual, com os alunos recorrendo a ele no horrio posterior
da aula. Neste caso, o professor acredita que esta procura devida tambm a
sua formao em Psicologia.
A professora de Biologia nesta questo apresentou um comportamento
bem prximo do que nos recomendado nos PCN,
Aqui, independentemente da rea do professor, eu esclareceria o
que era a punheta. Pegaria o dicionrio, pediria o aluno pra ler
pra mim o que era e colocaria o usual. Mas sem arrogncia para
o aluno que falou e sim pra sala toda. Lgico que vai dar risada e
tudo, mas voc respeita e esclarece. Porque quando voc vira as
costas, o aluno ganha fora na sala de aula e voc perde o respeito
deles. Mas depois se cada aluno tivesse dvida eu pediria que fosse
em particular, fora do horrio da aula, de modo que no atrapalhe

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aula de Matemtica. Mas se eu ver que a coisa cresceu muito, eu


como professora de Matemtica pediria ajuda ou a um professor
de Biologia ou Psiclogo. Algum que tivesse uma linguagem ade-
quada (Professora de Biologia).

De acordo com Chaui, Kehl e Werebe (1981) o trabalho com orientao


sexual no ambiente escolar poderia ser concebidas de duas maneiras: formal e
informal. A formal seria aquela sistematizada, onde existiria uma programao
fixa para se trabalhar com sexualidade nas escolas; a informal seria aquela em
que no precisaria de um sistema fixo de abordagem, cada professor/a poderia
intervir para se trabalhar com sexualidade esporadicamente, como ocorreu na
situao e da maneira que a professora de Biologia argumentou que faria.

Consideraes finais

Podemos constatar que na Escola os/as professores/as e a auxiliar de ser-


vios gerais participantes da pesquisa tentam se relacionar com os alunos da
melhor maneira possvel, sem preconceitos e tratando todos igualmente.
Como relatado pelo professor de Matemtica, existem momentos na escola em
que a temtica de gnero e sexualidade discutida, como no caso da gincana
onde os casais gays se declararam.
No processo de educao sexual, os/as professores/as no se sentem con-
fortveis na maioria das vezes para um debate por no estarem preparados
para tal. Assim sendo, um processo de sensibilizao e de dilogo com os edu-
candos torna-se de extrema importncia, pois muitos educadores/as possuem
a vontade de abordar estas questes, mas no sabem a melhor maneira de
conduzir. Atitudes percebidas nas anlises das situaes contrrias ao que
recomendado pelos/as PCN aos docentes, muitas vezes ainda ocorre devido
ao desconhecimento e despreparo do/a educando/a de como agir, que se, de
um lado, a manifestao da sexualidade e o desejo de saber dos alunos tm-se
acentuado cada vez mais, de outro, isso passa a ser um fator intrigante para o
prprio educador, que carrega consigo inseguranas, dvidas, desconheci-
mento, medos e tabus, frutos de sua prpria histria e de sua precria educao
sexual. (FIGUEIR, 2006, p. 1993)

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Referncias

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Rio de janeiro, 2008.

BRASIL. Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros curriculares nacionais: ter-


ceiro e quartos ciclos: apresentao dos temas transversais. Secretaria de Educao
Fundamental. Braslia: MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia,


DF: Senado Federal: Centro Grfico, 1988.

CHAUI, M.; KEHL, M. R.; WEREBE, M. J. Educao sexual: instrumento de democra-


tizao ou de mais represso? Cadernos de pesquisa. So Paulo: Fundao Carlos
Chagas, n. 36, 1991, p.99-110

FIGUEIR, Mary Neide Damico. Formao em educadores sexuais: adiar no mais


possvel. Campinas, SP: Mercado de Letras ; Londrina: Paran, PR : Eduel, 2006.

_______. Educao Sexual no dia a dia: 1 coletnea. Londrina: [s.n.], 1999.

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NARRATIVAS E MEMRIAS DE JOVENS SOBRE SUAS


CONSTRUES SUBJETIVAS DE GNERO E SEXUALIDADE
NO PROCESSO EDUCATIVO TOCANTINENSE

Marcos F. G. Maia
Mestrando em Educao - Universidade Federal do Tocantins
[email protected]

Damio Rocha
Doutor em Educao - Universidade Federal do Tocantins
[email protected]

Jocylia Santana
Doutora em Histria - Universidade Federal do Tocantins
[email protected]

GT 15 - Interseces entre gnero, sexualidade e o curso da vida

Resumo

Aborda-se a memria da vivncia da sexualidade no processo educativo tocan-


tinense de dois jovens. As vivncias de um gay e uma lsbica so narradas
com o auxlio da perspectiva metodolgica da Histria Oral. Percebeu-se que
a vivncia da sexualidade dessas duas pessoas foi perpassada por diversos mar-
cadores sociais: classe social, renda e raa-etnia. Tanto na educao bsica,
quanto na educao superior, de acordo com a reconstruo das memrias
dos/as entrevistados/as foi possvel perceber dois momentos: um mais violento,
na educao bsica, e outro de maior liberdade, mas no sem preconceitos,
na educao superior. Conclui reforando a necessidade de que sexualidade,
gnero e raa-etnia sejam tratados nas escolas de ensino fundamental e mdio
a partir de uma perspectiva interseccionada.
Palavras-chave: Educao. Tocantins. Memria. Diversidade sexual, de gnero
e tnico-racial.

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Introduo

Este texto apresenta a narrativa de duas pessoas sobre suas vivncias da


sexualidade e do gnero. Joo Paulo nasceu em 1992, homem gay branco,
cursou a educao bsica no Colgio Marista e vem cursando Engenharia Civil
na Universidade Federal do Tocantins. Daniele Braga, mulher negra, nasceu
em 1985, concluiu a educao bsica no Colgio Objetivo, e a graduao
em Comunicao Social Jornalismo, tambm na Universidade Federal do
Tocantins. Eles no se conhecem, mas suas experincias e vivncias tm muito
a dizer em comum: elas gritam as diversas formas de violncias s quais foram
submetidas no processo social da educao.

Gnero e sexualidade: interseces entre si e com outros


novelos

Entendemos que gnero uma forma primria de dar sentido s relaes


sociais com base nas diferenas apreendidas entre os corpos (SCOTT, 1995).
Gnero no inscrio cultural sobre um corpo biolgico; mas um aparato
histrico e social que afirma existir algo pr-cultural ao qual a sociedade daria
valor e sentido (BUTLER, 2013). Entendemos que gnero o processo histrico
e cultural que faz separao e que constri relaes engendradas.
Nesse processo do saber sobre o corpo (NICHOLSON, 1994), nos
aproximamos da sexualidade no como algo dado, uma pulso bsica da vida
humana (WEEKS, 2000). Entendemos sexualidade como um processo de cons-
truo sobre verdades e usos dos prazeres do corpo; como um dispositivo
histrico do saber-poder sobre os corpos e seus prazeres (FOUCAULT, 2006).
Nem gnero, nem sexualidade so dados separados de quaisquer outras
formas de socializaes, de produes de subjetividades (GUATTARI; ROLNIK,
2005), marginalizadas ou hegemnicas. Esses conceitos se interseccionam com
outros conceitos e outras discriminaes tais como as baseadas na classe e na
raa-etnia. [...] a interseccionalidade da discriminao chama a ateno para
o resultado da articulao das diversas discriminaes, tais como raa, sexo,
classe, orientao sexual e deficincia (RIOS, 2009, p. 59).

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As vivncias do gnero e da sexualidade em forma de narrativas


orais

A Histria oral narra outras verses para alm das fontes dos cnones
sagrados da histria positivista (BARROS, 2010). No uma metodologia de
construir biografias (AMADO; FERREIRA, 1998). Por outro lado, nos faz lembrar
que por entre estruturas e conjunturas h pessoas que se movimentam, que
opinam, que reagem, que vivem (ALBERTI, 2004, p. 14). um reencontro com
a humanidade, com o ser, com o indivduo muitas vezes homogeneizado em
dados estatsticos, ditos histricos. um destacar a substancialidade e subjeti-
vidade daqueles que fazem A Histria, i.e., os seres humanos que do sentido
s suas vivncias.
A vivncia da sexualidade no se d unicamente no corpo do sujeito.
D-se tambm no social, na famlia. Tanto para Daniele quanto para Joo
Paulo a relao ser-homossexual-e-famlia foi invasiva, at mesmo forando o
ser-homossexual.
Eu sempre1 via algo diferente em mim desde pequeno, enten-
deu, ai quando eu tava com a cabea um pouco mais feita, entre
aspas, por volta dos 10, 11, 12 anos ai que eu descobri o que que
era isso, entendeu. [... ele s contou para a irmo, que no o respei-
tou e]contou pros meus pais. Eu tive que eu neguei at a morte.
Mas ai quando eu falei assim, no tem jeito, ai minha vida tomou
um outro rumo. Isso ai eu j tinha terminado o terceiro ano. J ia
entrar no cursinho, ai minha irm falou e ai tomou outro rumo. O
antes e o depois. Tem suas coisas boas e ruins (Joo Paulo).

O processo de sada do armrio de Joo Paulo passou por um processo


invasivo, a irm o fora a sair e contar para os pais. Para Daniele Braga o caso
se assemelha um pouco.
Com 15 anos uma tia minha foi mexer nas minhas coisas e pegou
uma cartinha de uma menina pra mim e assim, foi meio que eu fui
meio que arrancada do armrio, ento foi beeeem.... traumtico
assim pra mim, digamos que afetou ate a minha forma de me rela-
cionar com os outros (Daniele Braga).

1 Reticncias significam pausas nas falas. Quando houver corte, ou interpolao, estamos usando
colchetes.

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Tanto na narrativa de Joo quanto de Daniele aparece a necessidade de se


impor, se mostrar para alm de ser homossexual, como se precisassem justificar
e mostrar que eles so mais do que seus desejos (ERIBON, 2008). Isso no se
deu somente em casa, na famlia, mas tambm no processo educativo, tanto na
educao bsica quanto na educao superior.
Em todas as suas palavras aparecem casos de violncias e sofrimentos.
A escola violenta demais, em todos os aspectos, diz Joo Paulo, se refe-
rindo ao seu perodo de ensino mdio. Eu tive srios problemas em relao a
auto-estima por causa desse perodo [da escola] que eu to resolvendo agora na
anlise, 15 anos depois, afirma Daniele ao falar de seu processo de vivncia na
escola bsica, afirmando que foi vtima de preconceito no somente em relao
sexualidade, mas tambm quanto ao padro esttico da beleza e racismo.
Daniele uma mulher negra: quando eu tava na escola... eu era uma das trs
pessoas negras dos trs terceiros anos. Ok. Ento eu no tava dentro do padro
de beleza (Daniele Braga). Isso demonstra as relaes entre as diversas formas
de produo subjetividade (GUATTARI; ROLNIK, 2005).
O sofrimento desses jovens se deu num processo de isolamento, solido
(ERIBON, 2008). Na experincia de Joo Paulo, ele afirma que sofria bullying,
mas no falava pra ningum.
Ento tipo assim, no falava pros meus pais, no tinha onde dividir,
imagina eu falar pros meus pais... assim.. eu no falava pra coorde-
nao, no falava nada, era eu e eu. Ate depois foi uma coisa assim,
meio s minha. Eu trago isso pra minha vida hoje, fico s (Joo
Paulo)

Para Daniele tambm no foi diferente:


E eu j sabia que gostava de meninas, mas no sabia como lidar
com isso em relao a sociedade, entendeu, e .... e ai foi com-
plicado pra mim.... porque..... quando eu tinha 15 anos no tinha
ONG LGBT.... era eu sozinha. [...] at perdi alguns amigos por eu
ter me distanciado... com medo de contar e perder.... assim acabei
me afastando com medo de perder as pessoas... voc acha que
voc tem alguma coisa errada e que as pessoas no vo ser suas
amigas, ento, eu tinha esse processo de isolamento, ento eu vivi
menos coisas eu acredito por causa desse isolamento (Daniele
Braga)

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Apesar desse isolamento, fica evidente na fala de Daniele que ela con-
seguiu com mais facilidade lidar com a questo da sexualidade na escola,
diferentemente de Joo Paulo. Ela afirma que conseguiu namorar alguns meni-
nos para disfarar e dai as pessoas no pegavam tanto no p dela. J no caso
de Joo Paulo no foi possvel j que ele transparecia com mais facilidade:
Alguns amigos de sala se percebiam enquanto homossexuais, mas
no declaravam, mas eles se reconheciam enquanto homosse-
xuais: aquela coisa, que nem eu falei pra voc que de amigos,
tipo assim, ningum falava pra ningum, mas entre a gente, a gente
sabia, aquela coisa de identificao (Joo Paulo).

Apesar de ele estar se referindo ao processo de inter-idenficao entre os


alunos e alunas homossexuais, os outros alunos no-homossexuais conseguiam
identificar aqueles que eles julgavam ser homossexuais e faziam prtica de
insultos, violncias:
eu sempre era chamado o viadinho do time, eu ia sacar, ouvia o
viadinho, no fundo o povo falando e tal.[] teve o outro episdio
que a gente viajou no Marista pela Copa Em 2010... Ali no norte
do Gois a gente parou pra almoar, e no tem aqueles arbustos
que tem umas frutinhas laranjas? ... Ento o pessoal levou isso pra
dentro do nibus. Ai beleza. Ai a gente sentou l na frente. E ai,
a gente conversando de boa l entre a gente e eles comearam a
jogar aquele negcio, e tipo, ficaram jogando. Eu falei que idiota,
ne. S que dai eu fui descobrir o que era a brincadeira deles: era
tipo assim: era quem acertava o viadinho, entendeu? Tipo e cada
um valia mais, e tinha isso, entendeu, e ai isso foi a brincadeira deles
dentro do nibus. Ai eles fizeram isso, acabou as bolinhas e ai,
tipo assim, eu tipo no ia no banheiro do nibus. Se um fosse l,
ai eles fechavam e faziam cueco (puxar a cueca pela ponta para
cima para machucar o anus) nas pessoas (Joo Paulo).

Aps essa vivncia nas escolas de educao bsica, tanto Joo Paulo
quanto Daniele Braga foram estudar na Universidade Federal do Tocantins
(UFT). Eles no estudaram na mesma poca. Daniele j se formou e Joo ainda
est cursando. Porm, parece que os dois tiveram vivncias positivas em rela-
o sexualidade no ambiente universitrio. Fazendo referncia a esse perodo
Daniele afirma que na faculdade foi perfeito.

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Para Joo Paulo o ambiente universitrio era:


...o momento de mostrar quem eu sou, entao tipo assim, hoje eu
nao sou conhecido por Joao Paulo viado, homossexual, gay... entao
hoje eu sou conhecido Joo Paulo monitor, entao eu precisei mos-
trar o outro lado, ser visto pela inteligencia, o respeito veio por
ai. Entao tipo assim, por eu ganhar o respeito por isso, entao tipo
assim, eu junto com os meninos, os heteros, ne e tal e eu posso con-
versar, desmunhecar, fazer tudo e tipo assim uma coisa normal,
eles aceitam normal. Eles veem outra coisa na frente, uma coisa
mnima do que eu sou, entendeu (Joo Paulo)

Parece que na universidade ele conseguiu mostrar (e os outros consegui-


ram ver) as outras facetas de sua identidade para alm de seu desejos, neste
ambiente ele era reconhecido pela inteligncia e por outras habilidades e no
somente por um nico aspecto de sua identidade. Entretanto, parece que essa
liberalizao da sexualidade no to aberta assim:
e... eu acho que eles tambm, na faculdade por exemplo, eles gos-
tam daquelas pessoas que... colocam a cara no sol, vamos dizer
assim, o tanto que quem os incubados na engenharia, eles sofrem
assim, muito. Hoje na faculdade eu vejo que eles tem mais bullying
com as pessoas que no se assume, entendeu, do que com aqueles
que j so assumidos, que j sabem o que da vida (Joo Paulo).

O preconceito parece estar invertido, ou de fora ainda maior. Parece que


a violncia estabelecida aquele que fora o indivduo a ser o que o outro acha
que ele , sob a sua tica. Isto aparece na fala que de os incubados, ou seja,
aqueles que no saram, ou no querem sair do armrio so forados a faz-lo.
na faculdade foi perfeito. Foi o perodo legal. Porque foi o perodo
que eu pude viver a sexualidade. Porque quando eu tava na escola...
eu era uma das trs pessoas negras dos tres terceiros anos. Ok.
Ento eu no tava dentro do padro de beleza. [...]S que quando
eu entrei na faculdade me tornei uma pessoa interessante. [...]Na
faculdade as pessoas esto mais abertas a vivncias de coisas dife-
rentes. [...]eu era liderana do movimento estudantil, porque todo
mundo me conhecia, a minha voz era escutada, eu conhecia todo
mundo, ai voc interessante, ai voc fica com as pessoas, total-
mente diferente. A faculdade foi o perodo que eu me senti mais

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aceita no mundo.... eu percebi que as pessoas poderiam ser legais,


que eu poderia conhecer pessoas legais. [...] a faculdade acho que
foi um perodo at bom pra que eu recuperasse minha auto-estima,
pra que eu visse que as pessoas valorizam outras coisas como a
inteligncia.... n... que esto abertas a ver.... a... sei l... se interes-
sar por outros padres de beleza (Daniele Braga).

Foi na faculdade que Daniele pode se sentir aceita e pertencida.

Consideraes finais

Historicizamos as vivncias de um homem gay branco e uma mulher


lsbica negra: subjetividades diversas, mas que se entrelaam nas vivncias vio-
lentas nas escolas em que estudaram; como vtimas desse processo ou como
testemunhas de fatos com outras pessoas. Preconceitos por origem social, cor
de pele e at mesmo pelo exerccio do desejo. O que mais chamou ateno
que muitas vezes as violncias sofridas foram imputadas pelos outros at
mesmo antes da afirmao de qualquer identidade de gnero, sexual ou racial
(ERIBON, 2008; TREVISAN, 1986).
O sofrimento latente nas falas acima, tanto na educao bsica, quanto na
superior, nos chama ateno para a necessidade de se trabalhar a temtica da
diversidade sexual, de gnero e racial no processo educativo tocantinense com
vistas a amenizar as segregaes e violncias com base nas diferenas entre as
pessoas.

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Sexual e de gnero
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IDENTIDADES SEXUAIS E DE GNERO E MOVIMENTAO


DISCENTE: (RE)EXISTNCIAS QUEER

Neilton dos Reis


Mestrando em Educao
Programa de Ps-graduao em Educao/UFJF
[email protected]

GT 05 - Gneros e sexualidades nas escolas: polticas, prticas e poderes em disputa

Resumo

Neste texto, apresento um ensaio acerca das movimentaes polticas de estu-


dantes jovens, no qual destaco o processo educativo dessas como privilegiado
para socializao e, logo, para a manuteno ou (des)(re)construo de signos
e significados que permeiam as identidades. Parto de narrativas relatadas por
jovens estudantes Ensino Mdio do Rio de Janeiro, que possuem identificaes
identitrias diversas para o gnero e sexualidade, construdas em uma roda de
conversa sobre gnero, sexualidade e movimentao estudantil realizada em
uma das escolas pblicas ocupadas por tais estudantes no mesmo estado, em
2016. Busco debater as identidades sob uma perspectiva das teorias queer, res-
saltando a socializao como construtora de identidades e diferenas.
Palavras-chave: saber discente; identidade; diferena; movimento estudantil;
Teoria Queer.

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Introduo

Esse artigo nasce de inquietaes iniciadas na pesquisa Diversidade de


Gnero e ensino de Biologia: casos de prazeres e corporeidades no-binrios e,
mais tarde, revividas na construo da roda de conversa Gnero, sexualidade
e movimentao estudantil. Tal roda objetivou motivar a discusso acerca das
identidades e diferenas sexuais e de gnero, bem como as relaes construdas
entre as/ou participantes daquelas movimentaes e ocorreu em uma escola
ocupada no interior sul do estado do Rio de Janeiro, contando com a participa-
o de nove estudantes com identidades sexuais e de gnero diversas.
O movimento de ocupao de escolas pblicas do estado do Rio de
Janeiro por estudantes do Ensino Mdio se iniciou no dia 21 de maro de 2016
e visou melhorias nas instituies e mudanas no sistema de ensino (MARTN,
2016). A organizao do cotidiano escolar em uma escola ocupada acontecia em
assembleias onde proposies de atividades eram aceitas/rejeitas. A atividade
proposta em formato de roda de conversa seguiu um roteiro semiestruturado
com temticas que perpassavam as identificaes pessoais, as aproximaes
com a temtica central abordada e exemplos de casos fictcios ou no que
se relacionassem s relaes de gnero e de diversidade sexual na escola. Com
durao de 1h10min, tambm foi possvel conversar um pouco sobre as rela-
es que estavam em construo durante o movimento de ocupao.
Conduzo a construo analtica desse texto na relao entre as narra-
tivas de estudantes e os referenciais tericos que se prope a discusso dos
movimentos de juventudes, das construes de identidades e diferenas e das
relaes de gnero. Objetivo aqui um levantamento de pontos que relacionem
as potencialidades do transitar de polticas, relaes e identidades com uma
Educao Bsica mais inclusiva e representativa das juventudes.

Quantas so as pessoas, quantas so as experincias

Para pensar as identidades sexuais e de gnero das pessoas que participam


de movimentaes estudantis e, para alm, pensar a influncia desse tipo de
socializao nas identificaes pessoais, parto da definio de gnero, sexo e
sexualidade j expostas em trabalhos anteriores (DOS REIS et al, 2016). Assim,
por gnero compreendo como a multiplicidade de discursos, produtos e produ-
tores de cultura, acerca do que seja ser homem e ser mulher. A identidade de

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gnero se caracteriza na concepo individual de sou homem, sou mulher ou


sou um gnero a parte dessas opes. Identifico sexo como um dado cultural,
no campo cientfico, estabelecido para designar a natureza dos corpos. Como
defende Judith Butler (2003, p. 25) um efeito do aparato de construo cultural
que designamos por gnero. E, enquanto sexualidade, podemos observar seus
mais distintos aspectos biolgicos, histricos, culturais, assim como as relaes
construdas entre tais aspectos e diferentes indivduos. Com isso, tambm so
vrias as possibilidades de uma vivncia da sexualidade e essa vai variar de cul-
tura a cultura, dentro dessas de gnero a gnero, de idade a idade, dentre outros
aspectos poltico-sociais.
Apesar de todas essas definies estarem, aqui, delimitadas em contornos a
partir de escolhas tericas, todas ainda se constituem em um campo de dis-
puta: disputa de termos, definies e aplicaes. Isso fica claro tanto quando
do levantamento bibliogrfico do campo dos estudos de gnero e sexualidade,
quando das narrativas: quantas so as pessoas, quantas so as experincias,
identidades e identificaes.
Jovem 1: Sou gay... mentira [risos]. Eu no vou contar, mas eu vejo
algumas coisinhas assim que eu no gosto [olhando para dois meni-
nos gays]. Assim, eu estou morando aqui. No namoro por opo.
Tenho 21.
Jovem 2: Tenho 19 anos. Meu estado civil um pouquinho compli-
cado de se explicar. porque eu no namoro, mas tambm no to
solteira, t ligado? Gosto de homem, no tenho preconceito.
Jovem 3: Sou htero. No tenho preconceito, mas eu no acho
normal. Enfim, minha opinio.
Jovem 4: Tenho 18 anos. Sou comprometido. E sou bi. No passo
fome.
Jovem 5: Estou solteira. Sou lsbica e namoro com meninos.
Jovem 6: Tenho 18 anos. Estou solteiro. Orientao sexual:
indefinido.
Jovem 7: Eu tenho 23 anos. Quer dizer, eu tinha 22, fiz 23 agora dia
12. Levei uma bela de uma ovada.
Jovem 4: Mas voc homem, gay, quase mulher...?
Jovem 7: Eu sou viado-htero.
Jovem 8: Eu tenho 18 anos. Eu sou htero [em tom de brincadeira]
e estou comprometido, em um caso complicado, com umas trs
pessoas na minha vida. Estou indeciso. Eu sou contra as pessoas

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que acham que isso no normal. Deixa quieto que isso aqui eu
vou resolver com ela [olhando para Jovem 3] depois no particular.

Logo no momento inicial percebemos que as identidades sexuais (geral-


mente fixadas em homossexual, heterossexual, bissexual, transexual) ganham
novos contornos, novos sentidos e significados, novas palavras. Pensando com
Jorge Larrosa Bonda,
As lutas pelas palavras, pelo significado e pelo controle das pala-
vras, pela imposio de certas palavras e pelo silenciamento ou
desativao de outras palavras so lutas em que se joga algo mais
do que simplesmente palavras, algo mais que somente palavras.
(BONDA, 2002, p. 21).

Nesse sentido, o emprego de outras palavras, que no as convencionais,


para a significao de gnero e de sexualidade configura uma nova materiali-
dade de vivncia para tal gnero/sexualidade. As possibilidades de identidade
so orientadas por: homem, gay, quase mulher, cada qual com suas caracters-
ticas prprias, resultadas de experincias produzidas e produtoras de palavras
e identidades. As definies de identidade e expresso de gnero, orientao
sexual, sexo e sexualidade j em disputa no campo terico, so, nas prticas
das juventudes, misturadas e reconfiguradas. As palavras convencionais j no
suportam (se que um dia suportaram) as experincias, suas movimentaes
identitrias.
So tambm as relaes orientadas por essas palavras. Denominar-se em
alguma identidade implica em algum pressuposto de relaes. As identidades
pressupem atos relacionais: a identidade bi, por sentir atrao afetivo-sexual
com homens e mulheres, ir significar no passar fome; identificar-se como
htero deve logo vir acompanhado de no tenho preconceito, quando o
reconhecimento dessa identidade como a principal causadora de casos de dis-
criminao s identidades que divergem da heteronormatividade (resolver com
ela depois no particular aponta para essa mesma situao).

(Re)existncias queer

A orientao sexual indefinida, a lsbica que namora com meninos, estar


indeciso em suas relaes, tudo sinaliza para identidades que se fixam no trnsito,
rompimentos com os binrios e rigidezes estabelecidos pela lgica metafsica

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ocidental, como aponta Judith Butler (2003, p. 38). A ressignificao das iden-
tidades, das denominaes assume tambm um carter poltico de resistncia.
O termo proposto por Jovem 7 aponta para essa resistncia e ressignificao
das palavras. Viado, palavra associada pejorativamente aos homossexuais,
associada a htero, identidade dos/das principais responsveis pelas violncias.
Identificao e expresso, subjetividade e materialidade se misturam na palavra.
E mais, oprimido e opressor se interligam numa constituio identitria: indi-
cando que em toda identidade h a diferena e vice-versa. Associar viado
ao htero questionar a norma estabelecida do que ser homossexual e do
que ser heterossexual, uma descontinuidade ao binrio. As resistncias pes-
soais, para (re)existir nos espaos, so ligadas s movimentaes e resistncias
coletivas:
Jovem 7: Eu sou viado-htero. Ento eu sinto prazer dos dois lados.
Eu fico com homem e com mulher.
Jovem 1: Ento voc bi.
Jovem 7: Ento, viado-htero, mesma coisa. No, eu no sou bi.
Eu sou viado, htero. Gosto tanto de mulher quanto de homem.
Deixa eu diferenciar. Porque eu falo que sou viado-htero: Porque
assim, viado que viado, viado mesmo fala ain amiga menina
voc viu aquela bicha u minha filha, nem fala. Eu acho isso rid-
culo. Porque assim , poxa, eu fao minhas paradas e ningum fica
sabendo. Eu no me visto nem me vejo como viado. Eu me visto
como homem normal e fao minhas paradas.
Jovem 1: Isso eu respeito. Voc gosta de homem, mas voc no pre-
cisa. Voc no caso viado. Viado no, vamos falar correto, voc
gay. Gosta de homem, mas no precisa demonstrar exteriormente.
Jovem 6: Agora deixa eu defender as bichas. So as bichas que
botam a cara na rua pra voc poder dar o cu em paz.
Jovem 4: isso a!
Jovem 7: Mas uma coisa que os viados tem coragem pra peitar.
Vai bater de frente com um viado pra voc ver.
Jovem 4: A bicha vai ser o que ela quiser, gente. Independente
do que for. O povo t falando, vai pagar as contas dela? No vai
colocar a comida dentro de casa. No vai fazer merda nenhuma.
Eu sou assim. Eu sou viadinho, o povo fala. Pra mim ser histrico
mostrar pra todo mundo. Meu pai e minha me to gostando de
mim. Se parar pra ouvir o que o povo t falando, vou ficar l atrs
ainda. Se minha me e meu pai to aceitando.

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As experincias que constris em Jovem 7 a identidade de viado-htero


so determinadas tambm pelos movimentos de juventude que participou (den-
tro e fora da escola), e na forma como tais espaos de socializao construam
e constroem os conceitos implicados nessa identidade. Nesse sentido, outras
possibilidades identitrias, outras denominaes para alm das convencionais,
corroboram com o que aponta Maria Heilborn: justamente a insero do
indivduo em diferentes esferas sociais que determina sua maneira de perceber
o mundo (2002, p. 78). E, para acrescentar: determina sua maneira de perce-
ber-se a si mesmo.
As proposio de Jovem 4 e Jovem 6, encarar o lugar abjeto como uma
forma identitria e de luta pela conquista de direitos, em muito se assemelha
s emergncias das Teorias Queer. Como define Richard Miskolci, o abjeto
, antes de tudo, o que incomoda a ordem, coloca em xeque sua aspirao
pureza e, portanto, a ameaa com os contatos e as trocas (MISKOLCI, 2014,
p. 23). As Teorias Queer partem do abjeto para problematizar as foras norma-
lizadoras que o colocam nesse espao. E se posicionam, ainda, criticamente
necessidade da constituio de uma hierarquia dos sujeitos, de forma a resistir
e se potencializar nessa conjuntura. Num sentido geral, o queer busca tornar
visveis as injustias e violncias implicadas na disseminao e na demanda do
cumprimento das normas e das converses culturais, violncias e injustias
(MISKOLCI, 2012, p. 29).
Dessa forma, a bicha e o viadinho, como locais e identidades abjetas ao
serem assumidas desestabilizam a norma violenta. O queer o diferente que
se recusa a ser suportado, mas assume uma resistncia mais transgressora numa
busca da imploso da regra. A semntica da teoria queer provocante, que
caminha rumo subverso, deslocamento e reconfigurao. As experincias
queer aqui bichas, viadinhos, viados-htero trazem o inusitado num tom de
exagero e iluminador das diferenas.
interessante que as juventudes, ao movimentarem e colocarem em
xeque as definies e identificaes convencionais, movimentam e agitam
tambm o ambiente escolar, ampliam as rgidas definies dadas pela escola,
rompem os silenciamentos. Assim, as movimentaes funcionam no apenas
como socializaes entre estudantes, que geram novos olhares sobre o mundo
e si mesmas; mas tambm como focos de possibilidades de existncias reco-
nhecidas e representadas.

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Como aponta Alberto Melucci, mesmo que de forma fragmentada, fluida


e instvel, na ao voluntria protagonizada pela juventude h uma espcie
de antecipao da utopia, anunciando hoje, e de forma proftica, uma outra
possibilidade da vida em conjunto (MELUCCI, 1997, p. 87, grifos do autor). Em
outras palavras, a utopia planejada pelas estudantes que ocupam as escolas
e pelas estudantes que movimentam aes de socializaes vivenciada em
suas identidades e expresses no hoje. A forma de identificao tambm uma
forma de resistncias e combate a uma matriz na qual essas pessoas no esto
contempladas ou pior, que lhe causam violncias.

Consideraes finais

As movimentaes das juventudes estudantis tm sua importncia tanto


na elaborao e prtica de propostas que transformem as realidades das esco-
las, quanto na socializao que as participantes iro produzir e, logo, novos
sentidos, experincias e identidades. na descontinuidade, na desestabilizao
causada pelos movimentos de estudantes que a escola pode vislumbrar um
novo caminho a ser percorrido: mais valorizador das diferenas, menos confor-
mador de hierarquias e de identidades hegemnicas.
Por fim, ressalto que as experincias trazidas por participantes da roda de
conversa tm uma forte potencialidade queer ao interrogar a heteronormativi-
dade e discutir um regime poltico-social que se institui na escola que normatiza
a vida de estudantes desde as relaes at seus entendimentos do eu, do
indivduo de si mesmo. Nesta perspectiva, o outro seria encarado como agente
constituinte do eu, pois a diferena seria pea-chave para a identidade e torna-
ria este outro pensvel tanto viado, quanto htero. Como o queer no visa um
modelo ideal, mas assume uma inteno em aberto, inconclusa, pedagogias e
currculos queer se propem a causar provocaes, estranhamentos e pertur-
baes no contexto escolar: descontinuidades que os sujeitos e movimentos j
levam a curso atualmente.

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A EXTENSO COMO POTENCIALIDADE NA


DES/CONSTRUO DE SUJEITOS

Marilda de Paula Pedrosa


Mestre em Educao pelo PPGE/UFJF
Professor na SE de Juiz de Fora
[email protected]

Michele Priscila Gonalves dos Santos


Especialista em Educao no Ensino Fundamental
Professora na SEE-MG
[email protected]

Cludio Orlando Gamarano Cabral


Mestre em Educao pelo PPGE/UFJF
Professor na SE de Juiz de Fora
[email protected]

GT 21 - Polticas pblicas, processos educativos e subjetividades: reinvenes,


potencialidades e tenses na temtica da diversidade sexual

Resumo

Buscamos com este artigo problematizar os desdobramentos de um curso de


extenso cujo objetivo foi contribuir para a formao continuada de profis-
sionais da educao, estimular a discusso de questes ligadas s relaes de
gnero e sexualidade e (re) pensar as aes dos agentes educacionais na escola
e fora dela. Para tanto, as discusses conduzidas pautaram-se nos estudos fou-
caultianos e nos estudos de gnero e sexualidades elaborados sob a perspectiva
dos estudos culturais e ps-estruturalistas.
Palavras-chave: Formao continuada, gnero, sexualidades, professor/a.

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 725 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Este artigo surgiu do interesse em problematizar um curso de extenso


oferecido para servidores da educao no primeiro semestre de 2016.
A Secretaria Municipal de Educao de Juiz de Fora (SME) ofereceu nesse
ano 34 cursos de formao em diversos eixos ligados educao. Um deles
foi o curso Sexualidades e relaes de gnero na educao, uma parceria
firmada entre a Pr-reitoria de Extenso da Universidade Federal de Juiz De
Fora (UFJF), o Departamento de Polticas de Formao da SME e o Grupo de
estudo e pesquisa em Gnero, Sexualidade, Educao e Diversidade (GESED)
que coordenou as atividades.
O curso foi realizado no contraturno e contou com 14 encontros semanais
paralelamente a atividades no-presenciais, totalizando uma carga horria de
65 horas. A turma foi composta por profissionais da rede pblica da cidade,
atuantes nas diversas esferas da educao.
O objetivo do curso foi contribuir para a formao continuada de pro-
fissionais da educao, estimular a problematizao de questes ligadas s
relaes de gnero e sexualidade e (re) pensar as aes dos agentes educacio-
nais na escola e fora dela. As discusses pautaram-se nos estudos foucaultianos
e nos estudos de gnero e sexualidades, sob a perspectiva dos estudos culturais
e ps-estruturalistas.
Foram debatidos assuntos como relaes e multiplicidades de gneros e
sexualidades, violncia de gnero, transgeneridade, heteronormatividade, iden-
tidades LGBTTI, conflitos subjetivos entre religiosidade e diversidades sexuais
e gnero, possibilidades da abordagem de tais temas nas escolas, entre outros.
Refletir sobre essas questes relacionando-as ao contexto escolar em um curso
de formao continuada nos leva a questionar: como ocorre essa formao?
Estar em um grupo (GESED), atravessado pelas perspectivas tericas
apontadas, acaba por colocar certo desconforto com a palavra formao. No
dicionrio mini Aurlio a palavra formar vem seguida da seguinte definio 1.
Dar a forma a (algo). 2. Ter a forma de. (...) 6. Fabricar, fazer. (...) 9. Tomar forma:
(...) (FERREIRA, 2001, p. 355).
Partindo dessa premissa, propor um curso de formao, trazia uma neces-
sidade de ressignificar essa palavra, construir um sentido que permitisse que
as mltiplas formas de ser dos/as participantes no fossem engessadas nesse
processo. Pensar uma formao que no fixasse o modo de ser, pensar, viver
e experienciar de quem participasse.

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ISBN 978-85-61702-44-1 726 de Estudos sobre a Diversidade
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Era importante tentar despertar um olhar de estranhamento, de desnatu-


ralizao para o processo de formatao construdo por vezes nos cursos de
formao. Desconstruir a ideia de que existe uma receita mgica e universal,
que servir de guia para solucionar todos os problemas que se possa deparar,
desconsiderando as diferentes realidades que existem, as diferentes vivncias e
experincias produzidas por cada sujeito ao longo da sua histria. Era preciso
construir um processo dinmico, de desfamiliarizao, tornar o curso um locus
de possibilidades.
Pensando nessa nova forma de compreender a palavra formao, Larrosa
(2002) serviu de lente para essa possibilidade nova de olhar ao apontar que
(...) atividades como considerar as palavras, criticar as palavras, ele-
ger as palavras, cuidar das palavras, proibir palavras, transformar
palavras etc. no so atividades ocas ou vazias, no so mero pala-
vrrio. Quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata
como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de
como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos
o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o
que nomeamos. Nomear o que fazemos, em educao ou em qual-
quer outro lugar, como tcnica aplicada, como prxis reflexiva ou
como experincia dotada de sentido, no somente uma questo
terminolgica. As palavras com que nomeamos o que somos, o que
fazemos, o que pensamos, o que percebemos ou o que sentimos
so mais do que simplesmente palavras (LARROSA, 2002, p.21).

Larrosa convida a olhar essa relao entre a palavra e esse sentido, essa
relao de pertencimento que se estabelece, com a vivncia de seu significado,
com a experincia que esse processo produz. A ideia de um curso de formao
passa a estabelecer um novo olhar, comea a desconstruir a ideia de engessa-
mento tornando-se um local de abalo das certezas. No um lugar de onde se
sai pronto e acabado.
E nesse aspecto, o curso de formao deveria ser construdo de maneira
a se tornar algo significativo na vida de quem dele viesse a participar. As tem-
ticas ali desenvolvidas deveriam construir relaes de pertencimento, trazer
novas vivncias e produzir novas experincias. E nesse processo provocar o
estranhamento, propor que se d um passo atrs na busca de novos ngulos de
olhar para uma dada situao. Era importante que se deixassem atravessar pelos
discursos, pelas imagens e pela metodologia desenvolvida, transformar o curso

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de formao em experincia, afinal, segundo Larrosa (2002), essa carrega em si


um componente de formao e transformao,
(...) experincia aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que
nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente
o sujeito da experincia est, portanto, aberto sua prpria trans-
formao. (...) No se pode captar a experincia a partir de uma
lgica da ao (...), mas a partir de uma lgica da paixo, uma
reflexo do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional (...).
(LARROSA, 2002, p. 25-26).

Dessa maneira, construiu-se o Curso Sexualidades e Relaes de Gnero


na Educao, um dispositivo que buscou legitimar o espao educacional
como um lugar de (des)construo dos mltiplos discursos em torno da tem-
tica. Temtica essa, atravessada por uma variedade de discursos naturalizados
e invisibilizados, produtores de comportamentos e posturas preconceituosas e
intolerantes, que muito vm contribuindo para a produo de um cenrio de
violncia e intolerncia.
Assim, observando os comportamentos e as posturas, era preciso com-
preender o que trazia os sujeitos a um curso de formao com essa temtica,
A necessidade de saber lidar com as situaes que surgem no dia
a dia na escola relacionadas ao tema. (Participante B).
Dvidas, me preparar para trabalhar com o assunto, a necessidade
de conhecimento. (Participante C)1

Foi possvel perceber, dessa maneira, que a procura do curso diz de


um anseio pessoal dos/as participantes por posicionarem-se, como sujeitos,
em relao aos jogos de verdade com os quais so inevitavelmente envolvi-
dos. A procura de saber, conforme aponta Michel Foucault (2010), parece dizer
de uma postura tica, ou seja, de uma prtica refletida de tais professores/as.
Pela grande movimentao de desconstruo, de deslocamento e de engaja-
mento dos/as participantes, parece estarmos diante de sujeitos investindo em si

1 As falas utilizadas neste artigo foram retiradas da ficha de avaliao que os/as participantes preen-
cheram fazendo a avaliao do curso e aparecero em itlico.

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prprios, cuidando de si, praticando sua liberdade, fazendo um exerccio de si


sobre si.
Foram muitas as vivncias ao longo do curso. Um processo que permitiu
um desvencilhar das amarras discursivas prontas, um processo que fez com que
muitos/as olhassem para suas prticas pedaggicas por outro ngulo como nas
falas:
O curso diferente do que eu esperava, me fez antes de pensar
em mim enquanto pedagogo, eu me repensar enquanto ser cons-
trudo historicamente e qual a minha funo enquanto educador
frente a essa temtica na escola. (Participante D).
As primeiras mudanas aconteceram no campo pessoal. (...)
Agora, tenho um olhar mais atento e aproveito as oportunidades
para discutir esses assuntos, refletindo e orientando reflexes.
(Participante I).
Entrei no curso, passando por um dos perodos mais complicados
da minha vida e acredito que no seja por acaso. E compreender a
forma como os homens foram criados para o machismo e as mulhe-
res para a submisso, foi o principal aprendizado adquirido durante o
curso, que me fortaleceu, me empoderou e esclareceu grande parte
dos problemas pelos quais estava enfrentando. (Participante L).

Nessas falas percebe-se que o curso serviu de dispositivo para um pro-


cesso de formao pautado na construo de relaes de pertencimento com
os temas abordados, alm disso, tornou-se uma tecnologia de formao, de
vivenciar e transformar-se por meio da experincia ao multiplicar a possibili-
dade de olhares e caminhos para o dia a dia escolar.
Percebe-se, ainda, a eficincia de um curso com esse vis como um
mecanismo de poltica pblica, pois disparou possibilidades infinitas de des-
construes e reconstrues de discursos e sujeitos.
Mas as provocaes de um curso terminam ao seu final?

A investigao e estudo do tema no termina juntamente com


este curso: a formao como inveno de si.
O real no est na sada nem na chegada:
ele se dispe para a gente na travessia.
Guimares Rosa. Grande Serto: Veredas

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A formao no um ponto de chegada, mas um processo. Uma traves-


sia como sugere Guimares Rosa na epgrafe. Parece-nos pertinente pensar a
formao como um processo que, como tal, nunca est finalizada ou pronta.
A docncia rodeada de representaes que envolvem sonhos, ideais,
posturas, habilidades e tantos outros referenciais que povoam, de mlti-
plas maneiras, os corpos daqueles/as que se aventuram com a profisso. Em
meio a tantas possibilidades, parece ainda conviver e fazer parte do referencial
de muitos/as profissionais, a ideia de estar pronto para lecionar. Os estudos
ps-estruturalistas ajudam a descontruir tal referencial ao apontarem para a
fragmentao e incompletude dos sujeitos na atualidade (HALL, 2011) e da o
risco de imaginar-se pronto ou acabado como sujeito ou profissional formado.
Para longe da ideia de completude, o curso parece ter permitido aos par-
ticipantes compreenderem a possibilidade da permanente (des)construo de
si. Mostrou a potncia das dvidas, dos questionamentos e das inseguranas.
Provocou abalos e outros olhares, talvez, mais atentos, s normalidades e s
padronizaes. As falas a seguir so bastante sugestivas em relao a isso:
As temticas e a maneira como foi abordada, permitiu reflexes
aprofundadas de comportamentos j estabelecidos, desconstrues
de preconceitos e busca por valores de empatia. (Participante N).
Alguns aprendizados em nossas vidas so bons, outros excelen-
tes. Porem, o curso foi um marco transformador, posso dizer que
a pessoa que iniciou o curso em maro est bem distante da pes-
soa que hoje responde a avaliao e por este motivo considero
importantssima a continuidade de cursos com a temtica gnero e
sexualidades, pois temos muito a refletir e aprender sobre a tem-
tica. (Participante R).

O curso tambm apontou a vontade de continuidade, de buscas por novos


conhecimentos, um desejo de constantes dilogos, de reinvenes,
Aprendi muito, porm gostaria de me aprofundar mais ainda.
Constru uma nova viso das relaes de gnero na escola e a partir
disso venho fazendo interferncias no meio cotidiano como profes-
sora. (Participante G).

As provocaes propostas tocaram de maneira significativa todos/as


envolvidos/as. Foi muito instigante vivenciar com eles/as suas angstias, bem
como, a trans-forma-ao pessoal que todos/as puderam experimentar.

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De uma ou de outra maneira, as falas apontaram para a grande pertinn-


cia da discusso e de sua relevncia para a desconstruo de preconceitos,
injustias e desigualdades em nossa sociedade e escola,
A principal dificuldade ainda a introduo do tema nas institui-
es educacionais. A comunidade escolar ainda ignora o que seja
gnero e sexualidade, j tem um pr-conceito formado sobre o
tema. Mas entendi que posso trabalhar este tema, ainda polmico,
veiculado ao prprio contedo estudado, pois surgem dvidas e
questionamentos a cada minuto (Participante P).
Ainda encontro desafios (dificuldades) para trabalhar, pois no
h um engajamento em todo o coletivo da escola. Porm, conto
com um grupo significativo que no deixa morrer nossos ideais!
(Participante M).

O curso contribuiu tambm para a construo de um novo olhar para a


escola, para as prprias posturas, comportamentos e prticas: outros sujeitos,
agora mais cuidadosos consigo e com o outro, retornando escola.
Eu retorno para minha instituio com o objetivo de levar a tem-
tica como frente de proposta de trabalho para as demais unidades
e discusso para os demais educadores. (Participante D).

Agora sei um pouco mais como lidar com o tema, como ten-
tar resolver os conflitos que surgem na sala de aula. Dentre os
mais comuns esto o respeito s mulheres e aos homossexuais.
(Participante B).
Acho que vou ficar mais chata na viso de alguns, porque o dis-
curso de no ficar problematizando, a atitude de dizer que no h
preconceito agora, mais do que nunca, no passaro batidas por
mim. Meu olhar e meus ouvidos ficaro mais apurados a cada dia e
buscarei melhorar sempre. (Fala do/a participante F).

Outro aspecto que destacamos a potncia dos relatos e trocas com a


comunidade LGBTTI, que colocou a importncia das discusses em torno da
homofobia e violncia contra mulher ao destacar a relevncia das discusses
de gnero e sexualidades na escola, especialmente ao lidarmos com a chamada
Ideologia de gnero, expresso utilizada por alguns grupos conservadores da
sociedade com intuito de desqualificar os estudos de gnero, contribuindo para
manuteno de preconceitos e de violncias.

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importante salientar, ainda, a pertinncia e a urgncia da implementa-


o de polticas pblicas que visem e estimulem a construo de mais parcerias
como a realizada para esse curso, visando a promoo de espaos de forma-
o, ou melhor, espaos que coloquem formas em ao, em movimentos que
podem levar reinveno de si e do mundo.

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Referncias bibliogrficas

FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Miniaurlio Sculo XXI: O minidicionrio


da lngua portuguesa. 5 edio. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2001.

FOUCAULT, Michel. A tica do Cuidado de si como Prtica da Liberdade. In: Ditos


e Escritos V: tica, sexualidade e poltica. Organizao: Manoel de Barros da Motta;
traduo Elisa Monteiro, Ins Autan Dourado Barbosa. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitria, 2010.

HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. Traduo Tomaz Tadeu da


Silva e Guacira Lopes Louro. 11. Ed., 1. Reimp. Rio de Janeiro DP&A, 2011.

LARROSA, Jorge. Notas sobre a experincia e o saber de experincia. Revista Brasileira


de Educao jan/fev/mar/abr 2002, n 19.

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MASCULINIDADES EM QUESTO

Paulo Melgao da Silva Junior


Doutor em Educao - Faetec
[email protected]

GT 14 - Masculinidades mltiplas no contexto escolar

Resumo

Este trabalho aborda como adolescentes se constroem como homens, criando


significados sobre a masculinidade legitimada e reconhecida pelo senso comum.
Os instrumentos para gerao de dados foram: as narrativas de masculinida-
des, a observao, e as anotaes de conversas informais consideradas. Como
resultado da pesquisa pude verificar que as narrativas de masculinidades esto
pautadas na perspectiva do discurso da masculinidade hegemnica. Observei,
ainda, a presena de diversas masculinidades apresentadas em diversas for-
mas de interao social entre os adolescentes, negociadas a partir de variadas
situaes.
Palavras-chave: masculinidades; homossexualidades; sexualidades; escola;
narrativas.

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Introduo

Este trabalho aborda alguns modos com os quais jovens adolescentes


constroem suas masculinidades e como estas masculinidades so vivenciadas
no ambiente escolar. Pretendo mostrar atravs de narrativas como se posicio-
nam como narradores e narram os acontecimentos do evento se construindo
como homem, criando significados sobre a masculinidade legitimada e reconhe-
cida pelo senso comum. Defendo a grande relevncia deste estudo porque em
nossa sociedade, o domnio discursivo da masculinidade hegemnica ainda
muito forte e sufoca ou desconsidera diversas outras formas de masculinidades.
Assim, masculinidades que no atendem s prticas discursivas preconizadas
pelas formas hegemnicas so consideradas subalternas ou desviantes. Com
isso, acabam por ser desvalorizadas e negligenciadas por educadores/as no
contexto escolar o que pode prejudicar o entendimento de diversas relaes
sociais e culturais presentes na escola.
No espao escolar, heterossexualidade e masculinidade se enlaam e
transformam em um vnculo natural, dado e legitimado, negando tanto outras
possibilidades quanto a diversidade sexual. O trabalho de produo de identi-
dades se torna sistemtico, acentuado pela preocupao de introduzir o menino
ao mundo masculino hegemnico. Neste sentido conhecer os discursos e nar-
rativas sobre sexualidades e masculinidades pode ajudar aos/s professores/as a
desenvolver novas perspectivas de trabalho e de ao em busca do combate a
homofobia nas escolas e principalmente em prol do reconhecimento e valoriza-
o das diversas sexualidades presentes no cotidiano escolar.

Sobre masculinidades

A categoria gnero, segundo Moita Lopes (2006), pode ser considerada


como uma das categorias cruciais para entender essas mudanas sociais e cul-
turais da vida contempornea. Principalmente porque em nossas sociedades
as pessoas apenas se tornam compreensveis quando se tornam generificadas
nos padres reconhecidos. Fato que Butler (2003, p.38) define Gneros inte-
legveis como aqueles que, em certo sentido, instituem e mantm relaes
de coerncia e continuidade entre sexo, gnero, pratica sexual e desejo. Nesta
perspectiva, a matriz de inteligibilidade presente em nossa sociedade a matriz
da heterossexualidade.

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As prticas reguladoras instituem a heterossexualizao do desejo e os


discursos buscam produzir atributos do masculino/feminino e macho/fmea.
Tudo isso tentando mostrar que a heterossexualidade alm de natural e dada
a histrica e universal, tornando-a norma. Ela se transforma em uma instituio
e adquire um papel central no processo de dominao masculina. Nas palavras
de Butler (2003), o discurso passa a exigir e regular o gnero como uma relao
binria em que o termo masculino diferencia-se do termo feminino por meio
das prticas do desejo heterossexual. No processo de construo discursiva da
heteronormatividade existe um visvel esforo para que masculinidades e hete-
rossexualidade sejam vistas como naturais.
Nesta perspectiva, masculinidades para Connell (2000) uma confi-
gurao prtica em torno da posio dos homens na estrutura das relaes
de gnero e seus efeitos nas experincias fsicas, pessoais e culturais. Elas so
construdas e re-construdas, no podendo ser tomadas como realidades imu-
tveis e objetivas, estando sempre de acordo com a histria e a cultura, bem
como sujeitas s relaes de poder. O masculino s pode ser entendido em
relao ao feminino e em uma cultura especfica. Contudo, ao mesmo tempo
em que os conceitos de feminilidade so construdos a partir da masculini-
dade, ela tambm se torna um referencial para masculinidade hegemnica. Em
outras palavras, o dominante constantemente vigiado pelo dominado. Existe
uma permanente ameaa ao conceito do que ser homem. Desta maneira, a
masculinidade hegemnica cria uma srie de regras e restries para um efe-
tivo pertencimento a esse grupo. Segundo Badinter (1993) o caminho para se
conquistar a masculinidade deve ser construdo, no se nasce homem torna-se
homem, a virilidade no um dom, ela fabricada de acordo com um referen-
cial verdadeiro de homem.
Diversos tipos de masculinidades co-existem e so produzidas simulta-
neamente. A masculinidade hegemnica nem sempre o tipo mais comum
de masculinidade em nossa sociedade. Em sua oposio, alguns autores, por
exemplo, Connell (2000); nos apresentam as masculinidades subordinadas ou
marginalizadas como aquelas que so produzidas na explorao e opresso de
grupos e minorias. Essas identidades so construdas com base em esteretipos
e os sujeitos so marcados como abjetos, sem brilho e valores.

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Narrativas, discursos e performances no processo de construo


e reconstruo dos sujeitos

As narrativas constituem um modo de concepo do discurso, e cons-


tituem um importante conceito para esse trabalho. Entendo que ao narrar, o
sujeito est se construindo e construindo o mundo em sua volta. Assim, a nar-
rativa contribui para a construo e exposio do nosso senso de quem somos
possibilitando tambm que construamos nossas relaes com os outros e com
o mundo que nos cerca (BASTOS, 2005). Atravs das narrativas autobiogrfi-
cas nossas experincias e nossas relaes com os outros ganham significados.
Partindo do pressuposto de que os discursos, as narrativas e as histrias de vida
acontecem atravs da linguagem e que ao dizermos algo estamos fazendo algo,
ao narrar estamos realizando uma performance. O conceito de performance
muito amplo, est relacionado a eventos, a espetculos, a ensaios, assim como,
tambm ao ato dizer algo com convico. Na performance o sujeito precisa
acreditar no que est dizendo ou fazendo para convencer a audincia. essa
crena que leva o outro acreditar naquilo que est sendo dito ou realizado.
Assim, todo discurso pode ser compreendido como performance.
Nesta perspectiva, as identidades, sexualidades e masculinidades so pro-
duzidas atravs da performance, onde a repetio de gestos, de falas, refora a
idia que existe uma essncia, uma forma pr-estabelecida de ser. Ao contr-
rio, no existe uma essncia, a linguagem que constitui as subjetividades. A
terica queer Judith Butler (2003) nos mostra que a identidade performativo,
no qual o ato de fala tem efeito de materializar e criar os corpos, da forma que
interessam ao poder ou sociedade. relevante destacar que para realizar sua
performance o sujeito busca se enquadrar de acordo com as regras culturais
nas quais est inserido. A performance estabelece uma relao entre o aconte-
cimento e seus significados na cultura.

A escola, contexto e sujeitos das narrativas/performance

Os alunos que narraram suas histrias so oriundos de uma escola locali-


zada na Zona Norte do Rio de Janeiro. Por ser considerada por pais, comunidades
e mdia, em geral, como uma escola pblica de qualidade recebe anualmente
uma grande procura. O noturno oferece o curso de acelerao destinado aos
aluno/as que apresentam grande diferena idade/srie.

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Gustavo (nome fictcio) 17 anos, negro, alto, forte, assumidamente


homossexual. Bruno (nome fictcio) 18 anos, negro. Mais magro e mais baixo
do que Gustavo se orgulha de sua sexualidade e de sua masculinidade. A moti-
vao para a gravao surgiu a partir observaes de situaes cotidianas, onde
estes dois rapazes se destacam pela forma como apresentam seus discursos
e performances sobre masculinidade. Esses trechos ocorreram em uma con-
versa gravada sobre o que ser homem de verdade. Do material coletado
selecionei o trecho que interessava a esse trabalho e transcrevi. Ressalto que
para realizar as transcries utilizei as convenes indicadas por Bastos (2005).
Assim, as palavras escritas com letras maisculas indicam uma nfase do nar-
rador, ... uma pausa, os smbolos indicam frases ditas com uma maior ou
menor entonao.
Bruno chegou escola no horrio combinado, apesar de uniformizado,
apresentava um grande cuidado com a maneira de se vestir e portar. Sentou-se
no banco, de pernas abertas. Em nenhum momento que esteve comigo conse-
gui v-lo sentar de pernas fechadas. Uma forte caracterstica da performance de
masculinidade - homem no senta de pernas fechadas.
Eu: - O que ser homem para voc? Bruno: - Ser homem para
mim HONRAR O QUE TEM! Honrar o sexo .... e ser homem pra
mim no s ter o NEGCIO, saber respeitar a mulher, coisa e
tal. Eu: - Eu j vi vrios de vocs brincando com o Gustavo, abra-
ando, inclusive at dando selinho. E nunca vi isso acontecer com
os outros gays aqui na escola, que alguns de vocs at ignoram. O
que leva vocs fazerem isso? Bruno: - O Gustavo diferente, tem
postura. Ele sabe levar na brincadeira e os outros no sabem... tem
uma aparncia fsica e uma postura de macho. As pessoas s des-
cobrem quando ele abre a boca e resolve falar besteira .. ele no
d mole pr ningum ... se mexer com ele, ele enfrenta ... mas
maneiro com todo mundo. Por isso a gente aceita mais ele do que
os outros (informao verbal de Bruno).

Devo ressaltar que o ato de coar ou pegar a regio peniana foi uma
constante naquela tarde. Principalmente durante a narrativa na hora que ele
queria falar sobre as meninas e como ele gosta de mulher. Este fato pode mos-
trar a estreita relao entre a masculinidade hegemnica negra, classe social
valorizao do falo. Para se firmar e reforar sua posio como homem, o nar-
rador precisou mostrar que estavam presentes naquela conversa: ele e o falo.

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A entrevista com Gustavo aconteceu uma semana depois. Ele chegou,


cumprimentou e assentou de pernas abertas, destacando uma performance
corporal do que se espera do masculino.
Eu: - O que ser homem para voc? Gustavo: - Ser homem,
pra mim por eu ser gay ter postura, saber comportar, respeitar
os outros ... Eu: - ter postura? Gustavo: - ter postura ... saber ser
HOMEM, no ficar desmunhecando, ser efeminado. Sou gay, todo
mundo sabe, mas acho que no precisa ficar igual mulherzinha o
tempo todo. Tem que comportar como homem ... por eu ser gay
eu no vou me esparrafatar. no querer aparecer para os outros..
tenho que me mostrar pro meu namorado. Eu no aceito estes gays
que ficam fingindo que so mulheres ... desmunhecando por ai....
s vezes eu desmunheco tambm, mas s quando quero rodar a
baiana ... mostrar para as pessoas que sou gay ... MAS EU TENHO
POSTURA ... Eu: - Voc acha que por isso que os meninos so
mais prximos de voc do que dos outros gays?J vi eles brincando
de abraar com voc, dar selinho. Porque isso acontece com voc
e nunca vi, por exemplo, acontecer com o Felipe (nome fictcio)
que tambm estuda com vocs h anos? Gustavo: - Acho. Eu
mantenho o respeito por eles e eles respeitam. No meio do res-
peito h uma liberdade. Ai respeito brincar, zoar, abraar. Eles
no querem ficar andando com gays excrachados. Eles tem medo
de ficarem falados ou de acharem que eles esto ficando com os
gays. O Felipe uma mulher, N professor ... Comigo diferente,
eles brincam como homens, amigos, que se abraam, do tapas, se
agarram. Nos temos respeito tem dias que eles no querem brincar
... tm dias que eu no quero ... e vamos levando nossa amizade
(informao verbal de Gustavo).

Aqui podemos observar que para se construir como homem, Gustavo


deprecia a masculinidade de Felipe. Assim, a identidade sexual de Felipe
construda como abjeta, subordinada. Ao proferir estas narrativas, Gustavo e
Bruno se avaliam, refletem, se posicionam, procuram agir e narraram fatos e
situaes que se esperam de um homem dentro do contexto da masculinidade
hegemnica. Um fato que evidencia como as pessoas procuram se construir
dentro de modelo legitimado socialmente. relevante destacar que o discurso
to forte que o prprio Gustavo que se assume enquanto homossexual, busca
elementos para se enquadrar. O pequeno trecho autobiogrfico da histria de
vida de Bruno e Gustavo narrado por eles mostra como uma proposio de

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verdade homem seguida por uma srie de razes que buscam afirmar
essas verdades. Todas as razes apresentadas pelos rapazes so destacadas nas
caractersticas legitimadas pela ideologia do senso comum.

Consideraes finais

A questo que esteve implcita ao longo deste estudo foi como que dois
estudantes do ensino noturno constroem suas masculinidades baseados nos
discursos de masculinidades hegemnicas. Conhecer os discursos e as narra-
tivas de sexualidade dos/das estudantes pode contribuir para a construo de
um currculo que englobe discusses sobre sexualidade, que busque valorizar
e reconhecer as diversas identidades sexuais e principalmente problematizar
e desconstruir o discurso da masculinidade hegemnica. E assim, colocar em
xeque vises essencializadas e congelamentos identitrios, trazendo o diferente
para a sala de aula e propondo o dilogo entre as diferenas. Fato que certa-
mente contribuir para o fim da homofobia, do machismo, e do sexismo. No
entanto necessrio compreender que essas observaes e pesquisa acontece-
ram em um contexto especfico. Em outro contexto estes estudantes podem se
construir de outra maneira. Existe tambm a possibilidade de os adolescentes
participarem de outras experincias de vidas e ento certamente, existe a possi-
bilidade de agncia, de reinveno de seus discursos e de suas masculinidades.

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Referncias

BADINTER, E. Xy.sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

BASTOS, L. C. Contando estrias em contextos espontneos e institucionais: uma


introduo ao estudo da narrativa. Caleidoscpio, So Leopoldo, v.3, n. 2, p.44-47,
maio/ago.2005.

BUTLER, J. Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade. Rio de Janeiro:


Civilizao Brasileira, 2003.

CONNELL, R. W. The men and the boys. Los Angeles: The University of California
Press, 2000.

MOITA LOPES, L. P. On being white, heterosexual and male at school: multiple


positionings in oral narratives. In: FINA, A. de; SCHIFFRIN, D; BAMBERG, M. (Eds.).
Discourse and Identity. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 288-313

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REPRESENTAES DE FAMLIA EM UM LIVRO DIDTICO DE


INGLS: HOMOPARENTALIDADE E INCLUSO

Francisco Ednardo Barroso Duarte


Doutor em Educao (UFPA)
Professor Adjunto da Universidade Federal do Par (UFPA)
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as representaes sociais presentes


nos discursos de um livro didtico de ingls sobre as concepes culturais de
famlia a fim de identificar como as famlias homoparentais so apontadas e
reconhecidas neste recurso metodolgico. Ao longo do estudo, percebemos
a importncia de debates transdisciplinares e de materiais didticos que pro-
blematizem o reconhecimento de culturas contra-hegemnicas no contexto
escolar especialmente no recorte da diversidade sexual.
Palavras-chave: Representaes Sociais; Livro Didtico; Lngua Inglesa;
Homoparentalidade; Educao.

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1. Introduo

Neste artigo, problematizamos a questo das sexualidades no normativas


no contexto de ensino, em particular no ensino da lngua inglesa e seus mate-
riais didticos, cuja proposta curricular, pelo menos na teoria, se alinha com a
produo e reproduo consciente de discursos capazes de formar cidados
crticos e reflexivos preparados para a cidadania.
Assim, ao perguntar como so representadas as famlias homoparentais
no livro didtico de ingls, nosso objetivo aqui analisar os discursos nele pre-
sentes, apontando para a existncia de representaes sociais em uma unidade
que discute concepes de famlia como tema principal.

2. Lngua Estrangeira e Cidadania

O ensino de uma lngua estrangeira carrega muitos pressupostos; entre


eles a possibilidade de um tratamento pedaggico que inclua a diversidade
social e cultural de um dado pas fazendo com que todos os sujeitos, inde-
pendente de classe social ou condies econmicas, sintam-se contemplados
e familiarizados com conhecimentos e saberes que favoream a dinmica da
interao.
Nas Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio, o ensino da lngua
estrangeira pressupe a formao de indivduos no que diz respeito ao seu
papel cidado o que inclui o desenvolvimento de conscincia social, criativi-
dade, mente aberta para conhecimentos novos, enfim, uma reforma na maneira
de pensar e ver o mundo (BRASIL, 2008, p. 90).
Porm, h ainda a resistncia de uma viso tradicionalista e conteudista,
mais preocupada com o volume de informao lanada sobre uma matria e
com a preservao de modelos hegemnicos, do que, de fato, com o papel
social e o desenvolvimento de conscincia crtica, reflexiva e interdisciplinar
proposta especialmente por disciplinas inscritas nas humanidades, como o
caso da lngua inglesa.
Moita Lopes (2008) aponta para a necessidade de uma lingustica apli-
cada preocupada com a transversalizao de seus contedos, ou seja, uma
proposta de ensino crtico de lnguas que considere contextos sociais, polticos
e culturais capazes de trazer para as disciplinas da linguagem (lngua materna
ou estrangeira) o debate sobre fenmenos sociais e culturais que se apresentam,

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mobilizam e interferem na dinmica de ensino e aprendizagem de idiomas na


escola.
Considerando a proposio da lingustica aplicada transdisciplinar, per-
cebe-se uma preocupao imediata com o papel social o qual o ensino de
lnguas estrangeiras pode desempenhar no contexto pedaggico, influenciando
na construo de um projeto de cidadania onde todos os sujeitos sociais podem
se reconhecer em seus temas, se sentir contemplados e includos, alm de refletir
sobre diferentes formas de perceber e traduzir o mundo por meio de uma lngua.

3. Diferena e educao

A educao contempornea vem apresentando aos profissionais do


magistrio diferentes desafios, especialmente no que tange incluso de cul-
turas social e historicamente negadas no contexto de ensino como as questes
de gnero, raa, etnia, identidade e sexualidade. Novas configuraes de valo-
res comeam a ser estabelecidas mesmo revelia de uma massa positivista e
fundamentalista que ainda revoga uma educao exclusivista essencialmente
elitista, branca, heterossexual e crist (LOURO, 2000).
Esta concepo eugenista e colonialista da educao ainda recorrente
mesmo nos grandes centros de educao brasileira, estejam eles localizados
nas capitais ou no interior do pas. No entanto, a luta por uma educao inclu-
siva vem sendo debatida desde os anos de 1970 por estudiosos da educao
crtica e ps-crtica, que afinados nos estudos do multiculturalismo reclamam
uma educao que contemple e d protagonismo a todas as formas de cultura
no hegemnicas rompendo, assim, com o ciclo de invisibilidade e desmere-
cimento que por sculos tem alijado certos sujeitos do contexto educacional.
Assim, notamos uma luta de foras igualmente proporcional entre a manu-
teno dos velhos paradigmas educacionais e a introduo de novas formas de
representao da realidade no contexto de ensino.
Percebemos que juntos s concepes de incluso de grupos e minorias
excludas historicamente, surgem novas propostas metodolgicas e recursos
instrumentais capazes de trazer para a educao uma nova leitura de mundo.

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4. Representaes sobre o livro didtico

Cumpre dizer que o livro didtico (LD) traz consigo diversas repre-
sentaes da realidade que costumam apontar para o senso comum e para
aquilo que hegemonicamente normatizado e assimilado por um dado grupo
social, excluindo, assim, outras formas de expresses culturais socialmente
deslegitimadas.
H no muito tempo, polticas e aes afirmativas foram conquistadas no
que diz respeito incluso das culturas afrodescendentes no currculo tradicio-
nal escolar, inclusive no LD. Embora ainda convivamos com a resistncia de
grupos que lutam pela continuidade histrica da hegemonia branca e classista,
representa grande avano ter estas culturas legitimadas no currculo. Mas ainda
so necessrias outras representaes e outras visibilidades.
O LD um significativo recurso instrumental, porm necessrio que ele
contemple no s os dispositivos acessrios teis dentro da sala de aula, mas
tambm aqueles que transcendam a noo estrutural, considerando questes
transversais no ensino de um idioma.

5. Homoparentalidade na educao

A despeito da luta histrica por aes e polticas afirmativas na educa-


o, o currculo tradicional encontra-se ainda eivado de representaes das
culturas dominantes e scio-historicamente valorizadas, subalternizando certos
sujeitos como a mulher, o negro, o pobre, o nordestino e, claro o homossexual
(LOURO, 2000, 2012).
Autores como Louro (2000) e Miskolci (2012) representam estudiosos pre-
ocupados com a incluso de acolhimento das sexualidades no normativas no
contexto educacional, pois fato que, ao lidar com a diversidade de sujeitos
que a escola apresenta, sempre nos deparamos com indivduos de diferentes
sexualidades ou pertencentes a novos arranjos familiares, que precisam ser aco-
lhidos e, sobretudo, respeitados.
Apesar da grande resistncia poltica no cenrio nacional onde grupos
fundamentalistas tentam criar leis e projetos que retrocedam as lutas de mino-
rias sexuais, inclusive na educao, como no caso do PL 2731/15 (que probe
a ideologia de gnero) e do PLS 193/16 (Escola Sem Partido), hoje em dia,
algumas escolas privadas, atentas s novas configuraes de famlia, evitam

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normatizar datas comemorativas como o Dia das Mes e o Dia dos Pais para
muitas vezes incluir o Dia da Famlia, evitando o constrangimento dos sujeitos
de famlias multiparentais ou neoconfiguradas.
O Dicionrio Houaiss, atendendo a campanha on-line de valorizao
diversidade, incluiu em 2016 uma nova definio para o verbete famlia em
reposta ao Estatuto da Famlia (PL 6583/13) aprovado na Cmara de Deputados
que reconhece como famlia apenas ncleo formado a partir da unio entre
homem e mulher. Assim, segundo o Houaiss considera-se famlia ncleo social
de pessoas unidas por laos afetivos, que geralmente compartilham o mesmo
espao e mantm entre si uma relao solidria, opondo-se definio tradi-
cional (grupo formado por pai, me e filho).

6. Metodologia

Analisaremos aqui, representaes sobre famlia presentes em uma


unidade de um LD de ingls, que faz parte de uma coleo de 03 volumes des-
tinada s 03 sries do Ensino Mdio, o Freeway da editora Richmond, lanado
em 2010 e distribudo em escolas pblicas brasileiras fazendo parte do PNLD
2012. Escolhemos o volume I da srie (Manual do Professor) e analisamos ques-
tes da 1 unidade deste material didtico.
Utilizamos as Representaes Sociais de Moscovici (2003) como refe-
rencial terico-epistemolgico, que para ele se estabelecem por meio da
objetivao, destacando os processos de materializao, classificao e natura-
lizao das imagens de modo que estas se tornem reais e compreensveis, e da
ancoragem, que se prope a amarrar, no sentido de atribuir, novos conceitos
materializao destas novas estruturas.
Tambm, nos utilizamos do argumento metodolgico da Teoria Queer,
pois Garcia (2012) aponta para a necessidade de estudar questes de gnero,
identidade e sexualidade a partir dela aproveitando, assim, sua fundamentao
terica sem perd-la de vista enquanto metodologia para as cincias sociais.

7. Discusso dos resultados

A unidade se inicia com uma atividade de pre-reading na qual encon-


tramos uma questo cujo tema Family Life e dispe de 08 imagens com
diferentes arranjos familiares (incluindo uma famlia homoafetiva formada por

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02 homens e 01 beb). A primeira questo pede ao leitor que olhe as fotografias


e responda Is there any of them that you wouldnt consider a family? Assim, o
professor levado a discutir com seus alunos as diferentes organizaes fami-
liares tentando, quando necessrio, desconstruir as representaes negativas
sobre famlias no tradicionais como uma estratgia de sensibilizao e natura-
lizao daqueles modelos menos comuns.
Neste ponto, Miskolci (2012, p. 16) chama a ateno para o desestranha-
mento do currculo e aponta que dentro da educao a proposta queer sugere
superar a pedagogizao do sexo e transformar a posio da educao no
mais como subserviente aos interesses estatais e biopolticos, mas sim compro-
metida com as demandas da sociedade ao passo que reconhece como legtima
a existncia de outras afetividades, no s aquelas entre homem e mulher.
A segunda questo, por sua vez, pergunta Which picture or pictures repre-
sent... (pede ao aluno para apontar o nmero correspondente de cada imagem),
sendo que a referente famlia homoparental descrita como A family with
parents of the same sex. Vemos nesta questo uma oportunidade para o pro-
fessor discutir com seus alunos questes de identidade de gnero e identidade
sexual, traando suas diferenas, semelhanas e limites em relao ao conceito
tradicional de sexo biolgico.
A terceira questo nos provoca mais pontualmente ao perguntar Which
do you believe is the best definition for family? Which one best describes the
Brazilian concept of Family? seguida de 05 respostas que se destacam entre:
a) Grupo de pessoas que vivem sob o mesmo teto; b) Grupo de pessoas com
ascendncia em comum; c) Unidade bsica em sociedade consistindo de dois
pais e filhos biolgicos; d) Grupo de pessoas que podem no ter a mesma
ascendncia, mas que se amam muito umas s outras; e) Grupo de pessoas que
tem o mesmo sobrenome.
Vejamos, ento: nesta questo h uma tentativa de trabalhar os conceitos
(objetivao) de senso comum acerca do sintagma famlia, porm notamos igual
tentativa de incorporar novos sentidos possveis (ancoragem) a este respeito (cf.
MOSCOVICI, 2003) para que, assim, possamos estabelecer uma compreenso
mais abrangente do significado e da conjuntura famlia na modernidade, no
somente na escola, mas na vida. O debate, neste caso, pede que o professor
tenha bastante desenvoltura e imparcialidade, se libertando de possveis pr-
-conceitos a respeito destas definies, considerando legtimos outros modelos

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no imediatamente representados na escola, porm igualmente existentes,


necessrios e dignos de respeito.
A quarta e ltima questo, prope aos alunos que pesquisem referncias
de diferentes famlias americanas em filmes, livros, revistas etc. e as comparem
com os referenciais de famlia brasileira. Vemos nesta questo uma oportu-
nidade de promoo do debate cultural, imprescindvel no ensino crtico de
lnguas (MOITA-LOPES, 2008), no como forma de estabelecer privilgios de
uma cultura em detrimento de outra, mas como forma ampliar a conscientiza-
o crtica a partir do rompimento com modelos tradicionais to largamente
preservados no nosso pas. Esta importncia dada ao conhecimento crtico
tambm proposta pelos autores do LD sendo justificada no Guia Didtico da
seguinte forma:
Quando trabalhamos, por exemplo, com o campo lexical relativo
ao tema famlia, exploramos desde o vocabulrio bsico relativo aos
membros da famlia, at os conceitos culturalmente situados, pro-
pondo uma reflexo por meio de textos, dizeres e debates acerca
do tema. Nesta perspectiva crtica, no possvel ensinar palavras
destitudas de seu significado scio-historicamente constitudo e a
elas atribudo, evitando a naturalizao das estruturas sociais refle-
tidas nessas palavras e polemizando, ao menos, os processos de
significao aos quais somos submetidos no s na escola, mas no
dia a dia repleto de prticas sociais de linguagem (TEODOROV et
al., 2010, p. 03).

Assim, percebemos que o compromisso o qual assume a obra, muito se


alinha com a necessidade de se voltar para uma abordagem crtica e reflexiva
capaz de promover a cidadania, o respeito s diferenas, a incluso e a visibili-
dade da homocultura como forma legtima de existncia social, tal qual aquela
proposta pelo que Louro (2000) chama de uma pedagogia queer.

8. Concluses

As representaes sociais trazidas pelo livro em anlise reconfiguram um


modelo old fashioned de famlia e lana luz sobre a possibilidade de desnatura-
lizao de conceitos limitados de arranjos familiares. O livro, com sua proposta
inclusiva, cumpre um papel social muito legtimo, que ajudar a ampliar a
luta pela aceitao das diferenas, bem como a promoo do respeito a elas

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necessrio. Conclumos, contudo, que o papel do livro didtico significativo


no somente no tocante s questes didtico-instrumentais, mas pelas suas
representaes de realidade que podem (e devem) incluir certos grupos de
sujeitos sociais, especialmente aqueles com os quais, de acordo com Louro
(2000) e Miskolci (2012), a educao tem uma dividida histrica de subalterni-
dade e de invisibilidade.

9. Referncias

BRASIL, Ministrio da Educao do. Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio:


Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias. Volume 1. Secretaria de Educao Bsica:
Braslia, 2008.

GARCIA, Loreley. A mensurao de sujeitos fludos e provisrios: queer methods


and methodologies. In: Revista rtemis, ed. V, v. 13, jan/jul. UFPB, 2012. p.
242-246. Disponvel em: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/artemis/article/
viewFile/14234/8161.

LOURO, Guacira Lopes. Currculo, gnero e sexualidade. Porto Editora: Porto,


Portugal, 2000.

MISKOLCI, Richard. Teoria Queer um aprendizado pelas diferenas. Belo Horizonte:


Autntica, 2012.

MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Por uma lingustica aplicada indisciplinar. Parbola
Editorial: So Paulo, 2008.

MOSCOVICI, Serge. Representaes Sociais: investigaes em psicologia social.


Vozes: Petrpolis, RJ, 2003.

TEODOROV, Vernica (org). Freeway (Manual do Professor). Volume 1. Componente


Curricular Lngua Estrangeira Moderna Ingls. Editora Richmond: So Paulo, 2010.

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OS MARCOS DO PLANEJAMENTO NACIONAL DA EDUCAO


SOBRE GNERO: A PREOCUPAO COM UMA EDUCAO
INCLUSIVA NAS POLTICAS PBLICAS EDUCACIONAIS

Deisi Noro
Mestranda em Educao em Cincias
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Educao
[email protected]

Vgner Peruzzo
Doutorando em Educao em Cincias
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Educao
[email protected]

Mrcia Finimundi
Doutora em Educao em Cincias
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Educao
[email protected]

GT 21 - Polticas pblicas, processos educativos e subjetividades: reinvenes,


potencialidades e tenses na temtica da diversidade sexual

Resumo

Este artigo prope a reviso dos documentos norteadores da educao nacional


no que se refere a preconceito, gnero e discriminao, atravs da anlise das
diretrizes nacionais das polticas pblicas de educao no Brasil. Visa adotar
uma tica que favorea essas polticas, avaliando como elas podem facilitar ou
dificultar a aquisio de padres democrticos, uma vez que a poltica edu-
cacional deve ter um papel neutro, dissociado de preconceitos, entre os quais
destaca-se o de gnero. Considera-se que, a possibilidade de utilizar a forma-
o docente como veculo para a validao do respeito orientao sexual e
identidade de gnero, poder tornar a escola efetivamente inclusiva.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; poltica; gnero; formao.

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Introduo

O Plano Nacional de Educao de 2001, cita a importncia de criar polti-


cas que facilitem s minorias e o Plano Nacional de Educao em vigor, levanta
discusses de 2010 at sua sano, em junho de 2015. A longa tramitao do
Plano no Congresso Nacional, demonstra os interesses e embates dos vrios
sujeitos da sociedade brasileira sobre a educao, inclusive desconsiderando os
planos anteriores que j mencionavam especificamente as questes de gnero,
a partir de 2001.
importante pensar a elaborao de planos para a educao, embora
com muitas dificuldades, conflitos e debates, buscando a participao social
e gerando, com isso, compromissos e responsabilidades, comprometendo
os governantes com a execuo e a sociedade com o acompanhamento e
monitoramento.
O contexto nacional colaborou, registrando nos seus atos legislativos e
normativos, a preocupao em minimizar o preconceito, negando a discrimi-
nao e dedicando-se s questes de gnero ao longo de dcadas, mesmo
assim uma lacuna estanque e enraizada que, por motivos diversos e alheios aos
interesses de uma educao acolhedora, vem crescendo e precisa ser dirimida.
A atrofia na execuo dos objetivos e metas pensados para minimizar
essa lacuna gerada, deflagra uma ao contrria s polticas pblicas inclusivas,
de acesso e permanncia na escola, bem como a concluso de cada uma das
etapas na idade certa, dificultando a identificao de uma das principais causas
de evaso escolar: o preconceito.
A inexistncia de acesso e conhecimento do conceito, das diferentes
concepes tericas de gnero e diversidade sexual como construes histri-
cas, dos movimentos sociais de diversidade sexual e de gnero e dos desafios
tico-polticos que desconsideram os direitos sociais, civis e polticos relacio-
nados populao LGBT (Lsbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e
Transgneros), deflagram a urgncia de aes propositivas na formao inicial
e continuada dos docentes, ampliando assim o acesso informao de uma
parcela progressivamente maior da populao.
Realizou-se uma pesquisa mista: qualitativa e quantitativa, de natureza
aplicada com o objetivo de explorar os documentos norteadores da educa-
o brasileira quanto ao preconceito e s preocupaes com o respeito

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orientao sexual, igualdade e identidade de gnero, fazendo uso do procedi-


mento documental.
Atravs de um recorte histrico, percebe-se que sempre houve a preocu-
pao em garantir respeito atravs dos documentos que marcaram a educao
Nacional, como o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova (1932), intitu-
lado: A reconstruo educacional no Brasil - ao povo e ao governo, durante a
vigncia da Constituio Federal de 1891, embora apenas um dos focos fosse
a educao.

Em 1932 o documento escrito revelava a importncia e a


preocupao em trabalhar com a realidade brasileira

Anisio Spinola Teixeira tambm assinou o documento que mostrava a


preocupao com o respeito, o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova
(1932), trazia:
Se se quer servir humanidade, preciso estar em comunho com
ela... Certo, a doutrina de educao, que se apoia no respeito da
personalidade humana, considerada no mais como meio, mas
como fim em si mesmo, no poderia ser acusada de tentar, com a
escola do trabalho, fazer do homem uma mquina, um instrumento
exclusivamente apropriado a ganhar o salrio e a produzir um resul-
tado material num tempo dado (http://www.histedbr.fe.unicamp.br/
revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf).

O escrito segue referendando a importncia da escola unificada, como


ela se estabelece ao pensar na educao em comum:
A escola unificada no permite ainda, entre alunos de um e outro
sexo outras separaes que no sejam as que aconselham as suas
aptides psicolgicas e profissionais, estabelecendo em todas as
instituies a educao em comum ou coeducao, que, pon-
do-os no mesmo p de igualdade e envolvendo todo o processo
educacional, torna mais econmica a organizao da obra escolar
e mais fcil a sua graduao (http://www.histedbr.fe.unicamp.br/
revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf).

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Contando com a assinatura de vinte e cinco educadores e educadoras


e com a redao de Fernando de Azevedo, a elite intelectual brasileira, no
Manifesto, defendia novos ideais de educao. Escreveram sobre os princpios
fundamentais da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade da educao brasi-
leira e comprometeram-se com a reconstruo do Brasil, a partir de uma nova
educao:
Ns temos uma misso a cumprir: insensveis indiferena e
hostilidade, em luta aberta contra preconceitos e prevenes enrai-
zadas, caminharemos progressivamente para o termo de nossa
tarefa, sem abandonarmos o terreno das realidades, mas sem per-
dermos de vista os nossos ideais de reconstruo do Brasil, na base
de uma educao inteiramente nova (http://www.histedbr.fe.uni-
camp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf).

Aps o Manifesto que revelava um plano cientfico para a educao, na


Constituio Federal de 1934, via-se o surgimento do rigor constitucional impe-
trando Unio, a atribuio de fixar um Plano Nacional de Educao. Na Lei
4.024 de 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases surgia com a imposio do
Conselho Federal de Educao de elaborar planos de educao para aplicao
dos recursos financeiros dos fundos Nacionais. Durante a ditadura, entre os
anos de 1964 e 1985, surgiram os planos setoriais de educao vinculados aos
planos nacionais de desenvolvimento.

Plano Nacional de Educao: efetivamente dois documentos com


fora de Lei em 2001 e 2014

Mais de oitenta anos depois do primeiro marco do planejamento nacio-


nal da educao, o primeiro Plano Nacional de Educao, consagrado como
tal atravs da Lei n 10.172, em janeiro de 2001, cita nos objetivos e metas do
ensino fundamental a importncia da abordagem das questes de gnero e a
eliminao de textos discriminatrios dos livros didticos:
11. Manter e consolidar o programa de avaliao do livro didtico
criado pelo Ministrio de Educao, estabelecendo entre seus cri-
trios a adequada abordagem das questes de gnero e etnia e a
eliminao de textos discriminatrios ou que reproduzam estere-
tipos acerca do papel da mulher, do negro e do ndio (Brasil, 2001).

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Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

O mesmo plano, no que tange educao superior remete importncia


de incluir nas diretrizes dos cursos de formao docente, temas como gnero:
12. Incluir nas diretrizes curriculares dos cursos de formao de
docentes temas relacionados s problemticas tratadas nos temas
transversais, especialmente no que se refere abordagem tais como:
gnero, educao sexual, tica (justia, dilogo, respeito mtuo,
solidariedade e tolerncia), pluralidade cultural, meio ambiente,
sade e temas locais (Brasil, 2001).

A Lei de 2001 traz a preocupao com as minorias e revela que as


mesmas so vtimas de discriminao, demonstrando a preocupao em criar
polticas que permitam a igualdade de condies:
19. Criar polticas que facilitem s minorias, vtimas de discrimi-
nao, o acesso educao superior, atravs de programas de
compensao de deficincias de sua formao escolar anterior,
permitindo-lhes, desta forma, competir em igualdade de condies
nos processos de seleo e admisso a esse nvel de ensino (Brasil,
2001).

No Financiamento e Gesto da Educao Superior, impera a preocupa-


o com a permanncia das gestantes nos cursos superiores:
31. Incluir, nas informaes coletadas anualmente atravs do ques-
tionrio anexo ao Exame Nacional de Cursos, questes relevantes
para a formulao de polticas de gnero, tais como trancamento
de matrcula ou abandono temporrio dos cursos superiores
motivados por gravidez e/ou exerccio de funes domsticas rela-
cionadas guarda e educao dos filhos (Brasil, 2001).

No magistrio da Educao Bsica, mais especificamente na parte desti-


nada formao dos professores e valorizao do magistrio, o Plano de 2001
pede obedincia incluso das questes de gnero:
Este plano estabelece as seguintes diretrizes para a formao dos
profissionais da educao e sua valorizao: Os cursos de forma-
o devero obedecer, em quaisquer de seus nveis e modalidades,
aos seguintes princpios:

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h) Incluso das questes relativas educao dos alunos com


necessidades especiais e das questes de gnero e de etnia nos
programas de formao (Brasil, 2001).

No financiamento e gesto, urge a preocupao em incluir informaes,


finalizando e contabilizando oito citaes da palavra gnero no corpo da Lei
de 2001.
43.Incluir, nos levantamentos estatsticos e no censo escolar infor-
mao acerca do gnero, em cada categoria de dados coletados
(Brasil, 2001).

O ltimo Plano Nacional de Educao (PNE), ficou em discusso de 2010


at sua sano em junho de 2014, a longa tramitao do Plano no Congresso
Nacional demonstra os interesses e embates dos vrios sujeitos da sociedade
brasileira sobre a educao, inclusive desconsiderando os planos anteriores e o
descumprimento do mesmo no que tange s questes de gnero, como assim
se referia o de 2001.
O PNE, aprovado atravs da Lei 13.005/2014, como o anterior, visa o
cumprimento do disposto no artigo 214 da Constituio Federal, determina
que Estados e Municpios aprovem leis especficas para os sistemas Estaduais e
Municipais, atribuindo autonomia para atingir diretrizes que apontem a melho-
ria da qualidade da educao e referencia:
Art. 2o So diretrizes do PNE:
III - superao das desigualdades educacionais, com nfase na
promoo da cidadania e na erradicao de todas as formas de
discriminao;
V - formao para o trabalho e para a cidadania, com nfase nos
valores morais e ticos em que se fundamenta a sociedade;
X - promoo dos princpios do respeito aos direitos humanos,
diversidade e sustentabilidade socioambiental (Brasil, 2014).

A importncia dos conceitos de gnero e orientao sexual para as polti-


cas educacionais e para o prprio processo pedaggico, imperioso. O conceito
de orientao sexual diz respeito a como a pessoa vive suas relaes sexuais e
afetivas e um assunto que divide opinies nas diferentes classes sociais, nveis
de conhecimento, idades, e demais possveis indicadores que apontem para a

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populao como um todo, dando educao uma plausvel salvaguarda para o


acolhimento e reconhecimento de todos/as.

Consideraes finais

A importncia e a necessidade de discutir polticas pblicas facilitado-


ras do acesso e permanncia de todos/as os/as alunos/as na escola passa pela
agenda de muitos pases ocidentais, principalmente a partir do sculo XX. No
Brasil, embora invisibilizada na execuo, a proposta documentada j existia e
demonstrava a preocupao com a realidade.
fato que somente o conhecimento, hoje precrio ou inexiste sobre o
tema, pode minimizar o desalinhamento de informaes instaurado nos Estados
e Municpios. O conhecimento precisa iniciar no meio acadmico, em especial
com os/as formadores/as de docentes e segue em grupos de estudos sobre iden-
tidade de gnero e/ou orientao sexual.
Nesse sentido, necessria a busca pelo conhecimento e o apri-
moramento do mesmo, a formao docente pressuposto para
dirimir preconceitos e falta de informao oriundos do vcuo estabe-
lecido no cumprimento dos documentos norteadores da educao
nacional desde 1932, e encontra amparo em Leis que versam sobre o direito ao
respeito e asseguram crianas, adolescente e jovens de todas as formas de
discriminao.
Pensar o aprofundamento sobre gnero como um saber que perpassa
diferentes campos do conhecimento prope um rompimento com as barreiras
entre as disciplinas e uma mudana de abordagem frente s vivncias pessoais,
oportunizando a problematizao e a atuao em instituies de ensino supe-
rior, abrindo mo do silncio sobre o tema que cedeu espao ao crescimento
do preconceito famigerado na sociedade brasileira.

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Referncias

BRASIL. Lei n 10.172/2001, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de


Educao e d outras providncias. Disponvel em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/
revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf, acesso em 30 de abril de 2016.

BRASIL. Lei n 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educao


- PNE e d outras providncias. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 13 mai. 2015.

O MANIFESTO dos pioneiros da educao nova. Revista Brasileira de Estudos


Pedaggicos. Braslia. V.65, n.150. p.407-25, maio/ago.1984. Disponvel em: http://
www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf, acesso em 16jun.2016.

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RELAES DE GNERO E DIVERSIDADE SEXUAL


EM UMA ESCOLA DE ENSINO FUNDAMENTAL
DA REDE DE CONTAGEM/MG

Beatriz Rodrigues
Especialista em Gnero e Diversidade na Escola (UFMG)
[email protected]

Isabella Tymburib Elian


Mestre em Educao (UEMG)
Tutora Orientadora (UFMG)
[email protected]

Frederico Viana Machado


Doutor em Psicologia Social (UFMG)
Programa de Ps Graduao em Sade Coletiva da UFRGS
[email protected]

GT 21 - Polticas pblicas, processos educativos e subjetividades: reinvenes,


potencialidades e tenses na temtica da diversidade sexual

Resumo

A instituio escolar tem papel fundamental no s na socializao do conhe-


cimento, mas na construo identitria de valores, crenas e preconceitos.
Portanto, ela pode ser tanto produtora como reprodutora de desigualdades. O
presente estudo trata de uma pesquisa qualitativa, resultante de um trabalho
monogrfico que buscou investigar as relaes de gnero e diversidade em
uma escola de ensino fundamental na rede de Contagem-MG. Os resultados
apontam que, apesar do municpio contar com um aparato de polticas pblicas
voltadas ao tratamento da diversidade, elas no tem sido efetivamente apropria-
das pela instituio pesquisada.
Palavras-chave: Poltica pblica. Diversidade. Escola. Homofobia. Educao bsica.

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Introduo
A escola desempenha um papel relevante na socializao dos saberes e
das prticas relacionadas diversidade. Para tal, torna-se necessrio a descons-
truo dos significados impostos aos indivduos, seus corpos e suas prticas
(SILVRIO, et. al, 2010). Urge, no espao escolar, instituir estratgias de enfren-
tamento e desconstruo das vrias facetas do preconceito. Este trabalho tem
como objetivo analisar as relaes institucionais e interinstitucionais que inter-
pelam e so interpeladas pelas relaes de gnero e diversidade sexual no
cotidiano da escola, considerando as relaes entre uma escola da rede pblica
e as polticas pblicas do municpio de Contagem/MG, que legitimam e do
suporte tcnico ao trabalho com essas temticas.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com dois funcionrios da
Secretaria Municipal de Educao e analisados documentos sobre diversi-
dade sexual; e foi desenvolvido um trabalho etnogrfico, complementado com
entrevistas com professores e funcionrios, que contemplou a observao do
cotidiano e dos equipamentos escolares de uma instituio de ensino.

Polticas Pblicas e Aplicabilidade no contexto escolar

A cidade de Contagem referncia em polticas pblicas sobre gnero,


raa e diversidade sexual, apontando a importncia de analisarmos como esses
instrumentos alcanam o cotidiano escolar. Com uma perspectiva de transfor-
mao social e valorizao da diversidade, a Secretaria Municipal de Educao
(SME) atravs do Departamento de Educao Continuada, Alfabetizao de
Adultos, Diversidade e Incluso (DECADI) vem trabalhando com aes afir-
mativas e possui programas consolidados. Um deles o Programa Gnese,
institudo em 2007, com a finalidade de valorizar a diversidade, combater o
sexismo e a homofobia nas escolas do municpio.
Atravs deste programa foram desenvolvidas aes como: cursos de
formao para professores; envio de livros e material didtico para as esco-
las da rede; parcerias com universidades para oferta de cursos de extenso e
ps-graduao. Relacionada a este projeto, a SME, a Resoluo n 008/2010
estabeleceu parmetros para a incluso do nome social de travestis e transexu-
ais nos registros internos da escola (CONTAGEM, 2010).
Em 2011, foi organizado o primeiro Grupo de Trabalho (GT) com o obje-
tivo de abrir espaos para dilogo, formao e troca de experincias entre os

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educadores. Nos primeiros encontros esses educadores tiveram a oportunidade


de debater sobre as possibilidades e desafios enfrentados para a efetivao das
propostas de trabalho elaboradas durante os cursos de formao. A partir de
ento, nos encontros dos GTs, atravs de estudos e troca de experincias, foram
redigidas diretrizes para o trabalho com as temticas de gnero, sexualidade e
diversidade Sexual, publicadas em 2013.
As diretrizes destacam que essas questes esto presentes no universo
escolar e, na maior parte das vezes, produzem violncia e excluso, indicando
possibilidades para que essa abordagem seja superada (CONTAGEM, 2013).
Outro fator importante o fato de fomentarem o comprometimento das uni-
dades escolares em envolver as famlias nas formaes, de forma que, juntas,
famlia e escola, atuem como parceiras nos projetos pedaggicos.
No entanto, na escola pesquisada, de acordo com relatos levantados, a
maioria dos docentes que participam das formaes e dos GTs fica sabendo da
oferta atravs de outros professores, de outras escolas. Tais constataes apon-
tam que a divulgao destas formaes ainda incipiente, indicando a baixa
capilaridade entre a gesto e os servios de educao. Outro aspecto a ser
considerado a baixa participao e o envolvimento parcial dos docentes nas
formaes. Um dos fatores responsveis pode ser a falta de educadores para
substituio dos professores que se dispe a participar das formaes.
De fato h polticas pblicas e iniciativas consistentes da SME para a for-
mao continuada, no entanto, estas no esto chegando efetivamente na escola
pesquisada e, portanto, no contemplam efetivamente o grupo de professores.
importante ressaltar que o Plano Municipal de Educao de Contagem (Lei
n 4737/2015), s foi aprovado pelos vereadores de Contagem aps a retirada
das menes sobre gnero e diversidade sexual na escola. Este Plano tem por
objetivo pautar estratgias e metas voltadas educao do municpio at 2024.
Inicialmente a meta 8 propunha:
Potencializar as aes educativas e inclusivas das escolas de
Educao Bsica de Contagem ampliando o debate sobre gnero,
sexualidade, diversidade sexual e tnico-racial, diversidade reli-
giosa, povos indgenas, quilombolas, ciganos e juventudes no
campo da tica, cidadania e dos direitos humanos (CONTAGEM,
2015)

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Em decorrncia de uma srie de polmicas e protestos, a referida meta


sofre alterao e aprovada com a seguinte redao: Potencializar as aes
educativas e inclusivas das escolas de Educao Bsica de Contagem, no per-
mitindo nenhuma forma de excluso ou segregao (CONTAGEM, 2015). Todas
as menes aos termos gnero e diversidade sexual sofreram alteraes. Isto
pode significar um retrocesso, pois termos genricos tendem a fragilizar a pauta
de grupos no hegemnicos, ignorando a especificidade dos direitos humanos.
Por outro lado, a lei no impede a escola de trabalhar questes de gnero
e diversidade sexual. Os Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998)
apontam que discutir relaes de gnero no contexto escolar permite questio-
nar os papis estabelecidos a homens e mulheres, a valorizao de cada um,
bem como a flexibilizao destes papis. Nesse sentido, realizar trabalhos sobre
gnero e diversidade sexual no contexto escolar deve ser um compromisso dos
educadores com a sociedade.
Muitas so as possibilidades e direcionamentos da SME em relao ao
trabalho com gnero, e diversidade sexual, no entanto, apesar do Municpio
contar com recursos especficos e ter o programa Gnese, ainda assim cede a
presses polticas, como no caso do Plano Municipal de Educao.
Existe, de fato, uma tenso nos processos de negociao de polticas pbli-
cas de gnero. Segundo Vianna (2012) a partir deste processo de negociao
que so definidas a eliminao e/ou consolidao de programas, projetos, refor-
mas, planos e aes praticados pelo Estado. Os diferentes atores, nas suas
respectivas pluralidades, articulam-se e/ou disputam acirradamente interesses
sociais que se fazem presentes nesse processo (VIANNA, 2012, p. 130).

Resultados e Consideraes finais

A pesquisa discutiu algumas relaes entre as polticas pblicas de educa-


o e o cotidiano escolar, indicando insuficincias e limitaes que demandam
ateno. grande a parcela de professores que desconhecem os aparatos
legais a respeito do tratamento da diversidade na escola, principalmente sobre
as polticas pblicas de educao do prprio municpio. Entre os professores
identificamos: falta de informao sobre as formaes, normativas, diretrizes e
polticas pblicas em geral; insegurana em trabalhar as questes; influncia da
famlia nas questes pedaggicas; orientao religiosa das famlias e valores tra-
dicionais. Muitos dos educadores no tm se apropriado das polticas pblicas

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de educao disponveis e no realizam o trabalho. Nota-se que muitos ainda


no esto sensibilizados e capacitados para abordarem estas questes no coti-
diano escolar, reproduzindo discursos preconceituosos.
Se a SME oferece suporte e isto no chega aos professores, acreditamos
que isso se deve a problemas de comunicao entre a SME e a escola, ou
pode ser apenas um argumento para justificar o silenciamento e a omisso da
escola frente s demandas contemporneas. Vimos tambm que estes temas
enfrentam conflitos no interior dos rgos governamentais, o que nos leva a
considerar a fragilizao, o sucateamento e a invisibilidade do trabalho dos ges-
tores e tcnicos envolvidos com estas polticas pblicas.
Em relao s estratgias para o enfrentamento das adversidades para
trabalhar as questes de gnero e diversidade sexual, sobretudo em relao
oposio da famlia, a escola no avanou, pois no h interesse de que a
famlia participe, de fato, da Proposta Pedaggica da Escola. Argumentamos
que, intervenes de agentes externos podem ser fundamentais, estimulando a
escola a enfrentar os problemas decorrentes destes conflitos.
Observa-se que, se de um lado, os professores almejam auxlio dos pais, de
outro, ficam incomodados quando a famlia intervm no seu trabalho pedag-
gico, e na sua autoridade profissional. Observamos que as famlias so bastante
participativas, na referida escola, e tm a tendncia de interferir nas propostas
de trabalho. Quando o assunto sexualidade e gnero, identificamos situaes
que acabaram por impedir o trabalho dos professores. Os professores sentem-
se intimidados e desmotivados a iniciar e/ou dar continuidade em temticas que
demandam, alm de tratamento pedaggico adequado, apoio institucional.
De um lado a escola demanda apoio institucional, mas por outro lado,
como relatado por uma assessora pedaggica da SME, pouqussimas escolas
procuram o setor. Os materiais disponibilizados para as escolas so bem diver-
sificados e atuais. Alm de livros de Judith Butler, Michel Foucault, Guacira
Lopes Louro, entre outros, foram enviados s escolas, cartilhas, livretos e mate-
riais didticos. No entanto, tais informaes no batem com o depoimento das
auxiliares de biblioteca da escola pesquisada, que dizem desconhecer estes
materiais. Essa resposta compreendida mais adiante, quando a assessora
pedaggica da SME afirma que j havia trabalhado na escola pesquisada e tem
cincia que tais materiais ficam trancados em armrios, sem que os membros
da comunidade escolar tenham acesso.

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Nossas anlises apontam que um desafio complexo fazer com que a


escola trabalhe estas temticas, sendo preocupante o fato de a escola no se
apropriar das polticas pblicas sobre o tema para legitimar e aprimorar suas pr-
ticas. Entretanto, o fato de a palavra gnero ter sido retirada do Plano Municipal
de Educao aponta que o governo tambm cedeu s presses da famlia e da
religio. Frente a isso, a escola se sente ainda mais enfraquecida para debater
tais questes, que acabam ficando a cargo dos profissionais mais engajados
com as temticas.
Tambm preciso considerar que, embora a SME disponibilize formao
continuada e GTs, estes interferem pouco para que os processos pedaggi-
cos se transformem de fato. Identificamos que no h programas ou processos
avaliativos que faam uma anlise da instituio escolar e acompanhe mais de
perto os efeitos das diretrizes. A escola parece funcionar como uma instituio
independente, com relaes hierrquicas rgidas e demarcadoras de territrios.
Portanto, os prprios funcionrios e professores, incluindo a direo e coor-
denao pedaggica, reproduzem discursos preconceituosos e o preconceito
institucional.
Contagem, recentemente recebeu da Organizao das Naes Unidas
(ONU) o selo de Cidade Aprendizagem. Este mrito foi possvel em grande
parte pelo Programa de Formao Continuada, com a proposta de interseto-
rialidade, onde vrios rgos governamentais articulados atuariam junto aos
estudantes em situao de vulnerabilidade. Entretanto, como demonstra nossa
investigao, as questes de gnero no tm alcanado a escola em suas prti-
cas pedaggicas.
Ressalta-se ento que o DECADI, ainda que possua propostas consistentes
e pessoas comprometidas politicamente, encontrar pela frente o desafio de se
aproximar mais das escolas, impactando as prticas pedaggicas e as relaes
institucionais.

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Referncias

BRASIL. Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros Curriculares Nacionais:


terceiro e quarto ciclos: apresentao dos temas transversais. Braslia: MEC/SEF, 1998.

CONTAGEM. Resoluo N. 008/2010, de 23 de agosto de 2010. Dispe sobre


os parmetros para a Incluso do Nome Social de Travestis e Transexuais nos
Registros das Unidades de Ensino no mbito da FUNEC Fundao de Ensino de
Contagem. Dirio Oficial de Contagem, Contagem, MG, ano 19, n. 2531, p. 9, 23
ago. 2010. Disponvel em: <http://www.contagem.mg.gov.br/arquivos/doc/2531web.
pdf?x=20160709061937>. Acesso em: 12 dez. 2015.

CONTAGEM. Lei n 4737, de 24 de junho de 2015. Aprova o Plano Municipal de


Educao - PME e d outras providncias. Dirio Oficial de Contagem, Contagem,
MG, ano 24, n. 3649, 24 jun. 2015. Disponvel em: <http://www.contagem.mg.gov.br/
arquivos/doc/3649doc-e.pdf?x=20160709061010>. Acesso em 12 dez. 2015.

CONTAGEM. Secretaria Municipal de Educao. Departamento de Educao


Continuada, Alfabetizao de Adultos, Diversidade e Incluso. Diretrizes para o
trabalho com as temticas de gnero, sexualidade, diversidade Sexual na rede muni-
cipal de Contagem. Contagem, 2013.

SILVRIO, et. al. As relaes tnico-raciais e a educao. In: MISKOLCI, R. Marcas da


diferena no ensino escolar. So Carlos: EduFSCar, 2010.

VIANNA, Cludia. Gnero, sexualidade e polticas pblicas de educao: um di-


logo com a produo acadmica. Pro-Posies, Campinas, v. 23, n. 2, p. 127-143,
ago 2012 . Disponvel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext& pid
=S0103-73072012000200009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 29 jun. 2016.

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NO MEU TEMPO HAVERIA UM RESPEITO AO SEXO


E AO GNERO DAS PESSOAS, HOJE NO:
PROBLEMATIZANDO DISCURSOS DE DOCENTES
DE EDUCAO BSICA SOBRE GNERO

Danilo Araujo de Oliveira


Mestrando em Educao
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]

Alfrancio Ferreira Dias


Doutor em Sociologia
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Neste texto, problematizamos os discursos de docentes de educao bsica


sobre gnero. Metodologicamente realizou-se coleta e anlise a partir de 8
entrevistas (com 6 mulheres e 2 homens), inspirados em um posicionamento
ps-crtico. Conclui-se que em meio ao reconhecimento das diversidades de
gnero, os discursos biolgico, religioso e cientfico influenciam as expectativas
de gnero das/dos docentes, o que as/os leva a perceber os corpos que no
obedecem a norma heterossexual como desvio e/ou estranho.
Palavras-chave: Docncia; Gnero; Normas de gnero; Diversidade Sexual.

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Introduo

As construes sobre gnero ao longo das diversas formaes (acad-


mica/cientfica/religiosa/social/etc.) as quais foram submetidas/os ao longo da
vida em um cenrio de disputas aparecem nos enunciados das/dos docentes.
Apresentamos resultados da anlise das representaes docentes sobre gnero,
influenciados por um posicionamento ps-crtico (HALL, 1997; PARASO, 2012;
SILVA, 1999) para refletir e desconstruir as vrias formas de produo do dis-
curso no/do sujeito, procurando dar cada passo entrelaando a outras teorias
metodolgicas que acreditamos que pudesse contribuir para fundamentar e
refletir sobre o objeto de pesquisa atrelados principalmente as contribuies
tericas sobre gnero de Butler (2003) e Louro (1997; 2015).

Representaes dos/as docentes sobre gnero

As provocaes iniciais se do a partir da percepo de que circulam na


sociedade discursos que concebe sexo como natural e gnero como social-
mente construdo mas na conjuntura atual j est claro que colocar a dualidade
do sexo num domnio pr-discursivo uma das maneiras pelas quais e a estru-
tura binria do sexo so eficazmente estruturadas (BUTLER, 2003, p. 25). E
por vezes so esses discursos que atravessam os enunciados dos sujeitos para
justificar uma posio que no contempla as diversidades, opinies ancoradas
e sustentadas em um olhar normatizador e dicotmico, como pode-se notar no
excerto em destaque a seguir:
No meu tempo, eu ainda sou um pouco conservadora, haveria
um respeito ao sexo e ao gnero das pessoas. Hoje no. Liberdade
total. Hoje o homem pode ser homem e pode ser homem e mulher
ao mesmo tempo, a mulher tambm e h liberdade pra isso. Eu
respeito, cada um tem sua maneira de viver. Certo? Mas eu entendo
que quando voc mulher voc dever assumir ser mulher, se hou-
ver uma variao de sexo durante esse tempo pode acontecer, que
todo ser humano fraco, mas isso eu no aceito. Se eu sou mulher,
eu vou assumir ser mulher. Mas eu aceito todas essas mudanas,
corpo, gnero, sexualidades (...) Tudo muda no mundo, de pessoa
pra pessoa, ento eu aceito as mudanas que esto acontecendo
em cada ser, mas eu mesma no mudaria (PRISCILA).

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interessante notar que a professora logo se assume como conserva-


dora ao denunciar que no seu tempo, ou h um tempo que no corresponde
ao tempo presente, ela percebia que havia um controle das pessoas sobre os
seus corpos e o corpo dos outros, ao que no enunciado aparece como res-
peito, o que leva a refletir que pelo menos predominantemente, ao seu olhar, as
performances das pessoas correspondiam ao corpo biolgico binrio a tempo
que hoje ela nota que os corpos esto mais livres para atravessar as fronteiras
impostas por uma anatomia que parecia ser determinante de um gnero. As
multiplicidades de performance de gnero so reconhecidas apesar de haver
um discurso forte que entende a identidade de gnero como um destino fixo e
imutvel.
Aquelas pessoas que fogem desse destino, so consideradas como fracas
pois no conseguem corresponder ao padro normativo de gnero ancorados
em um sexo pr-discursivo dicotmico, para Louro (2015, p. 23) a visibilidade
e materialidade desses sujeitos parecem significativas por evidenciarem, mais
do que outros, o carter inventado, cultural e instvel de todas as identidades
Essa multiplicao de gnero e de sexualidade, o trnsito dos corpos, a
ideia de um sujeito unificado sendo fragmentada, torna-se um incmodo e um
questionamento aos padres conservadores que aparece na fala da professora
de modo que o binarismo de gnero aparece como uma nica forma de viver
no enunciado em destaque, ao passo que as ideias se dividem em aceito e
no aceito elegendo de certa forma o seu discurso como oficial, hegemnico,
verdadeiro e estruturante de uma sociedade que se permite julgar as trans-
gresses de um modelo institudo como verdade mas que ao mesmo tempo
apresenta necessidade de se reiterar, se repetir, para tornar fixo e natural a ideia
que supe um sexo como um dado anterior a cultura e lhe atribui um carter
imutvel, a-histrico e binrio (LOURO, 2015, p. 15).
O poder exercido sobre os corpos estranhos e os diversos mecanis-
mos que ele encontra para proliferao uma barreira a ser superada, em que
tal atitude deve est engajada principalmente com a desestabilizao e estra-
nhamentos dos discursos hierarquizantes. pois com essa proposta que ser
lanado o olhar para os enunciados a seguir:
, mas hoje uma questo de escolha mesmo. De identificao
pessoal. Voc se identifica como homem ou como mulher. Ento a
coisa hoje t por a (PAULO).

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Gnero, acho que o que determina o gnero o que voc deter-


mina a ser. Ento, como voc sente. Eu acho que gnero como
voc se sente em relao a sua sexualidade. Ento no que o
gnero j venha determinado, eu acho que algo que voc se iden-
tifica no decorrer da sua vida. Ento no decorrer da sua vida que
voc vai se descobrindo como homem ou mulher entendeu? E por
a... (LUCI).

Ento eu penso que gnero est mais relacionado a essa questo da


pessoa enquanto identidade, enquanto reconhecimento n? de
sua sexualidade e no exatamente numa questo que a sociedade
costuma definir que masculino e feminino, ento que enquadra
n? Em concepes fechadas e muitas vezes a prpria liberdade,
o prprio ser e estar do indivduo muitas vezes no considerado
(ANA).

comum nos trs enunciados a ligao da representao de gnero com


identidade, processos de identificao, esse um importante avano para com-
preenso de gnero, pois pode-se entender a partir da que vai-se interiorizando
e aprendendo comportamentos ao longo da vida como masculinos e femininos
mas corre o risco dessa compreenso est atrelada a concepo de papeis que
acaba por produzir identidades baseadas em caractersticas sexuais pr-defi-
nidas, mesmo atribuindo um carter social ao gnero, alguns essencialismos
podem aparecer. Nesse sentido cabe questionar, rejeitar as suposies que so
construdas sobre os gneros que divide as construes e subjetivam as percep-
es em maneiras unvocas de perceber o que masculino e o que feminino.
Nos dois primeiros enunciados por exemplo, as identidades aparecem ainda de
forma constituda e fixada em torno das representaes polarizadas de percep-
o de si como homem ou como mulher, mas preciso compreender que o
processo de identificao permeado por diversas instncias, de relaes de
classe, tnica e essas identidades no esto ligadas de forma dividida apenas
em torno dessas duas percepes. As identidades so mltiplas, e as prprias
representaes de homens e mulheres so diversas, como tambm as masculi-
nidades e feminilidades.
As representaes da/do docente que ainda trazem suas percepes de
gnero de forma dicotmica esto ancoradas em um discurso biolgico que
elegem e estruturam esteretipos de forma binria, no reconhecendo que os
corpos podem transitar por essas fronteiras e que as identidades de gnero
so mveis. Tal conhecimento reiterado e reforado por discursos religiosos,

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polticos, cientfico e outros, afim de contribuir com atos que se repetem para
naturalizar performances dimrficas de gnero e contribuir para perpetuao
de um poder masculino.
Nesse sentido cabe trazer que h verdades inventadas sobre os compor-
tamentos dos sujeitos que buscam estruturar o conhecimento e educ-los de
acordo com um sexo pr-discursivo e naturalizado, a partir da caractersticas
so construdas e h um constante investimento em controlar, corrigir e vigiar
os corpos para que eles apresentem performances de acordo com as carac-
tersticas anatmicas natas. Nesse sentido, ao pensar gnero uma das aes
propostas tencionar a valorizao dessas caractersticas, como os discursos
que circulam constantemente sobre elas funcionam para manter uma ordem
dominante, marcadamente androcntrica.
Reconhecer nessas construes um contexto histrico que por muito
tempo destinou a mulher o espao do privado, subordinao, a profisses
ligadas ao cuidado e como extenso as atividades que so exercidas no lar,
que inviabilizou sua participao como cidad, privando-as de direitos polti-
cos e de participar ativamente dos processos da sociedade, que foi silenciada
no universo acadmico e cientfico. Perceber tambm como os homens so
constantemente estimulados a exercer uma nica forma de masculinidade, cor-
respondendo s expectativas de uma sociedade que tambm os oprime e os
vigiam constantemente.
Mas todas essas construes que permitem perceber o gnero como um
constituidor das identidades dos sujeitos, um projeto de sociedade e como
todo projeto ele encontra barreiras e falhas que questionam seus pressupostos
e verdades, dessa forma uma diversidade de masculinidades e feminilidades
entram em cena para anunciar novos modos de ser homem e ser mulher ou
simplesmente em no se perceber dentro dessas categorias, hora transitando
por esses espaos, hora subvertendo-as totalmente, corrigindo o que antes era
um dado da natureza e um destino de vida, ou simplesmente no se impor-
tando com este dado exercendo livremente identidades que no cabem em
uma genitlia.
Mesmo que o discurso da diversidade de gnero seja uma marca repre-
sentativa no enunciado da professora Ana, h ainda uma representao que
liga gnero a sexualidade, como essas construes so comumente difundidas
de forma atrelada. Mas h uma necessidade de perceber algumas distines,
para superar a compreenso de uma sexualidade correspondente ao sexo de

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nascimento, para entend-la tambm como submetida a relaes de poder


que instauram discursos que buscam normatizar tambm os desejos, mas esses
desejos tambm so diversos e o prazer de viver a sexualidade podem ser de
diversos modos, com pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto, dos dois sexos,
ou de nenhuma dessas formas. Ento apesar de ser coisas distintas, conforme
esclarecido anteriormente, ambas apresentam uma caracterstica comum, esto
em um processo contnuo de construo e no cabe delimitar um momento
certo para dizer que elas esto acabadas, esto sendo constantemente sendo
subjetivadas e transformadas, adquirindo dessa forma um carter transitrio.
Perceber a pluralidade dos gneros e seus atravessamentos um passo
importante para a desconstruo de um sentido que constri o que normal
e que constantemente reforado, compreendendo tambm nesse exerccio
como o silenciamento uma linguagem e colabora para perpetuar uma ordem
dominante que nega posies que so mveis, no naturais e/ou estveis. A
partir desse vis de questionamento e desconstruo que busca-se instaurar um
carter mltiplo do gnero. Os estudos de gnero numa perspectiva ps-crtica
tm colaborado na circulao de discursos que percebam essa multiplicidade,
contudo h uma construo histrica de discursos que so eleitos para manter
a ordem hegemnica que deslegitima performances que no obedecem a coe-
rncia de um gnero binrio. Dessa forma ainda que haja um posicionamento
de reconhecimento da diversidade, alguns discursos so atravessados por outros
normatizadores e os enunciados aparecem presos as armadilhas de uma lgica
biologicista. O enunciado a seguir transita por essas construes:
O gnero que antigamente era somente masculino e feminino, mas
que hoje eu considero outros gneros, mas certssimo, que eu acho
que isso no depende da gente, n? Do ser humano. No pro-
priamente uma escolha nossa. Eu acho que a pessoa j nasce pra
ser aqui, ou feminino, ou masculino, ou outro gnero, que eu no
sei na minha ignorncia talvez assim, definir qual a palavra certa
(SNIA).

Ainda que aparea um discurso que entende o gnero para alm de uma
percepo polarizada entre masculino ou feminino, h uma vinculao de uma
constituio dada no nascimento o que acaba deixando de lado a percepo de
uma construo de gnero mvel, que construda, que submetida as sanes
normatizadoras de um projeto de sociedade heterossexista, de aprendizagens

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que so institudas nas relaes sociais, de comportamentos influenciados pela


cultura.

Concluses

As concepes de gnero das/dos docentes percebem predominan-


temente que as fronteiras de gnero tm sido questionadas por corpos que
desviam e tencionam as normatizaes ancoradas em um binarismo de gnero,
mas tais performances ainda so vistas como desviantes e estranhas por tran-
sitarem tambm alm de espaos dicotmicos que concebem a construo de
identidades apenas como masculinas ou femininas de acordo com a genitlia
que o corpo apresenta.
O discurso biolgico que elege discursos para reiterar as normas de
gnero que legitimam formas de ser homem e ser mulher conforme o sexo do
nascimento transita pelos enunciados. Percebe-se tambm que as distines
entre gnero e sexualidade no so reconhecidas, o fato geralmente aparece
difundido em alguns enunciados pois a sequncia sexo-gnero-sexualidade so
reforadas para que se propague um conhecimento que legitimam modos de
viver o desejo apenas de forma heterossexual.
Questionar as representaes das/dos docentes sobre gnero trazer
tona uma conjuntura pedaggica que ainda est estruturada em torno de
conhecimentos que no priorizam a diversidade de gnero, silenciando discus-
ses pautadas na visibilidade de corpos e identidades que no se reconhecem
em uma estrutura binria e tem seus direitos cessados e no reconhecidos,
abjetos por uma poltica normatizadora.

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Referncias

BUTLER, Judith. Problemas de Gnero. Feminismo e subverso de identidade. Trad.


Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

HALL, Stuart. Identidades culturais na ps-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A 1997.

PARASO, Marlucy Alves. Metodologias de pesquisas ps-crticas em educao e curr-


culo: trajetrias, pressupostos, procedimentos e estratgias analticas. In: Metodologias
de pesquisas ps-crticas em educao. (Org.) MEYER, Dagmar Estermann; PARASO,
Marlucy Alves. Belo Horizonte: Mazza Edies, 2012.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introduo s teorias do


currculo. Belo Horizonte: Autntica, 1999.

LOURO, Guacira Lopes. Gnero, sexualidade e educao: uma perspectiva ps-es-


truturalista. Petrpolis: Vozes, 1997.

____________________. Um corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria


queer. Belo Horizonte: Autntica, 2015.

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DIVERSIDADE DE GNERO E DOCNCIA:


ANLISE DAS VIVNCIAS PROFISSIONAIS
DE UMA PROFESSORA TRAVESTI

Danilo Dias
(PPGREC/UESB)
Mestrando em Relaes tnicas e Contemporaneidade pela Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia
Atua na rea de educao com nfase nas discusses sobre gnero e sexualidades
[email protected]

Marcos Lopes de Souza (Orientador)


Doutor em Educao e Professor titular da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (PPGREC/UESB)
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Nesse trabalho, abordamos as prticas discriminatrias e as fugas a essas prti-


cas vivenciadas por uma professora travesti que possui experincia no espao
educacional em uma escola de uma cidade do interior da Bahia. A construo
dos dados se deu por meio do dirio de campo elaborado durante as observa-
es realizadas no cotidiano profissional da docente, especialmente, em suas
aulas e na sala das/os professoras/es. A pesquisa identificou que a presena da
travesti pe em xeque a idealizao da professora sem corpo e assexuada que
tanto as escolas tentam (re) produzir e que essa presena, mesmo com a vigi-
lncia e, s vezes, objeo est ganhando espao e provocando incmodos e
reviravoltas nas escolas marcadas pela transfobia e cisnormatividade.
Palavras-chave: travestilidade; sexualidade; professora; gnero; comunidade
escolar.

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Introduo

A proposta deste texto discutir e problematizar alguns posicionamentos e


compreenses que aparecem em relao docncia de uma professora travesti
e o trabalho dela com as questes de gnero e sexualidade em uma escola do
interior da Bahia. Tambm pretendemos analisar as reaes e posicionamentos
da comunidade escolar mediante a presena da professora neste espao escolar.
Compreendemos que h muitos percalos e resistncias que permeiam o tra-
balho com as questes de gnero e sexualidade, mas acreditamos que o no
reconhecimento das diferenas e multiplicidades que o espao escolar geral-
mente nos apresenta nas suas mais diversas hierarquizaes no pode continuar
sendo justificado, equivocadamente por meio de fundamentalismos, afinal de
contas, no mbito da escola, vrios so os desafios que nos depararemos e no
podemos nos acomodar, cruzar os braos e simplesmente ignorar.
Em espaos variados e contextos diversos h problemticas em torno das discus-
ses sobre gnero e sexualidade, porm, escolhemos delimitar as experincias
nos espaos educacionais, pois, segundo (LOURO, 2007 p. 88):
Esses espaos educacionais, essas instituies e prticas no
somente fabricam os sujeitos como tambm so, eles prprios,
produzidos (ou engendrados) por representaes de gnero, bem
como por representaes tnicas, sexuais, de classe, etc. De certo
modo poderamos dizer que esses espaos e instituies tm
gnero, classe, raa.

Desse modo, fundamental compreender como certos mecanismos de


resistncia e de poder funcionam e como algumas pessoas presentes nesses
espaos veem, tambm, essas experincias, alm de possibilitar o estudo das
relaes de grupos e/ou indivduos com o meio social e cultural que os consti-
tuem na contemporaneidade. Compreendemos travestilidade aqui, como uma
expresso de gnero que, em certa medida, rompe com as concepes hege-
mnicas e com os limites culturais e sociais estabelecidos, problematizando
e desestabilizando conceitos e idealizaes do que ser homem ou mulher,
instituda e consolidada a partir das normas de gnero que do inteligibilidade e
concedem humanidade aos corpos (BUTLER, 2003; BENTO, 2008).
Mas ressaltamos que essa compreenso em torno das travestilida-
des no abrange todas as travestis, pois h uma infinidade de possibilidades

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de entendimento da travestilidade nos mais variados espaos e contextos.


Pesquisando sobre a literatura cientfica na rea, observamos que alguns/as
estudiosos/as e pesquisadores/as percebem que no h consenso entre as pr-
prias travestis quanto s categorizaes e conceituaes de suas identidades. O
ser mulher ou o sentir-se mulher, as compreenses do feminino, da feminilidade
e tambm da masculinidade no universo das travestis so muito complexas.
As travestilidades no se resumem em serem ou sentirem-se mulheres
e se desejam ou no realizar cirurgias, pois encontramos casos em que as
particularidades e as intenes de cada travesti influenciam no lugar de iden-
tificao, desvinculando-se inclusive, em muitos casos, o seu alvo de desejo
sexual das propostas e objetivos de fabricao do feminino em seus corpos.
Neste contexto, os principais fatores de diferenciao entre uma figura e outra
se encontram no corpo, suas formas e seus usos, bem como nas prticas e rela-
es sociais. (BENEDETTI, 2005, p. 18).
A professora que se autodeclara travesti no compreendida, por boa
parte da comunidade escolar, como mais uma possibilidade de expresso do
gnero, mas antes como algum que quer para si algo que no condiz com a sua
condio natural. Entendemos que h uma regulao dos corpos conforme a
norma binria homem/pnis/ desejo sexual por mulheres e mulher/vulva/desejo
sexual por homens. (JESUS; ALVES, 2010). Essa ideia de naturalizao coaduna
com a da cisgeneridade que legitima os discursos discriminatrios relacionados
s pessoas trans, reforando os binarismos e a relao rgida e imutvel entre
sexo e gnero. Inclusive, por ser travesti, o prprio desempenho profissional
desta professora continuamente questionado, bem como sua conduta em sala
de aula e nos outros espaos escolares.

A professora travesti e a demarcao dos espaos para a


escolarizao dos corpos

A professora Bil, como se autonomeia e conhecida na comunidade


escolar, leciona h oito anos na rede municipal de ensino na cidade de Jequi
no interior da Bahia. graduada em Pedagogia e sempre trabalhou com as
sries iniciais do 1 ao 5 ano. Trabalha pela prefeitura por meio de contratos
assinados aps aprovaes em processos seletivos simplificados. No ano de
2014 ela iniciou suas atividades na Educao de Jovens e Adultos - EJA, com as

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disciplinas de Portugus e Artes no turno noturno de uma escola de pequeno


porte em um bairro perifrico da referida cidade.
No desconsiderando os mais variados aspectos que podem e devem ser
discutidos com base nessa experincia de acompanhamento s atividades na
escola, delimitamos trazer para esse texto alguns posicionamentos que surgiram
e algumas problematizaes em relao presena da professora travesti na
instituio escolar.
Os discursos que apareciam na escola por meio das pessoas companhei-
ras de trabalho, em sua maioria, remetiam necessidade de que era preciso se
ter muito cuidado com o corpo para se apresentar aos/s alunos/as que estariam
sobre seus cuidados. Como dito por Louro (2007):
Os mais antigos manuais j ensinavam aos mestres os cuidados
que deveriam ter com os corpos e almas de seus alunos. O modo
de sentar e andar, as formas de colocar cadernos e canetas, ps e
mos acabariam por produzir um corpo escolarizado, distinguindo
o menino ou a menina que passar pelos bancos escolares
(LOURO, 2007, p. 61).

A professora Bil passou por vrios processos de violncia em suas vivn-


cias na escola, desde os questionamentos por parte do corpo docente para que
ela evitasse ir para a escola com roupas de mulher, passando por perseguies
e constante vigilncia da direo sobre o seu trabalho. Houve at, durante um
perodo, a criao de um espao para a professora travesti de modo que ela no
ficasse junta com as demais na sala dos/das professores/as.
No acho que ele deva vim para a escola vestido como mulher,
pois isso vai contra a normalidade da escola. Isso pode trazer
srios problemas para o bom andamento das atividades (Rosa).
Acho complicado um professor do sexo masculino se apresentar
na sala de aula trajando blusinhas, cabelo comprido, calas justas
e unhas pintadas... Meu Deus o que a escola est se tornando?
(Margarida) 1

1 Transcrio das falas de duas professoras do quadro efetivo da escola. Os nomes para referi-las so
fictcios e o critrio para a escolha foi a utilizao de nomes de flores.

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H um medo por parte dessas professoras de que Bil possa influenciar


xs alunxs a, por exemplo, sentirem desejos e a quererem conhecer mais sobre a
travestilidade e que isso se intensifique nas discusses no espao da sala de aula
e da escola como um todo. Conforme Seffner e Reidel (2015, p. 446).
Esta a dimenso menos desenvolvida no debate, em especial por
conta do pnico moral que domina as discusses, e que de ime-
diato coloca as professoras travestis e transexuais na posio de
pessoas pouco confiveis para servir de exemplo s novas gera-
es, portanto, inadequadas para estarem em sala de aula, frente
s inocentes crianas e jovens.

As professoras em questo no querem que a professora travesti se cons-


titua enquanto um exemplo a ser seguido. Entendemos que as falas isso vai
contra a normalidade da escola e professor do sexo masculino reiteram, em
certa medida, um aprisionamento do corpo a uma expresso unificada ou nica
em que a cultura cisheteronormativa a que deve marcar esta corporalidade.
A repugnncia das professoras funciona como uma tentativa de regulao e de
proibio daquilo que entendem como indesejvel na sala de aula.
Quando as professoras dizem que Bil poder trazer srios problemas
para a escola ao perguntar sobre o que a escola est se tornando, nos ques-
tionamos quais so esses problemas? A escola no pode ter uma professora
travesti? Por que no? Qui, a travesti desloca a figura da professora tradicional
para uma professora que tem uma corporalidade, em especial pelos atributos
de gnero e sexualidade (SEFFNER; REIDEL, 2015). Bil perturba continuamente
este lugar da norma e inquieta xs colegas de trabalho.
Havia uma colega de trabalho que, diferentemente de outras pessoas
da comunidade escolar, via em Bil um grande potencial para se problema-
tizar a relao entre xs professorxs e a comunidade escolar como um todo.
Essa colega sempre se mostrou prxima e tambm curiosa na busca por mais
conhecimento sobre a temtica de modo a reconhecer as singularidades de sua
colega de trabalho e, especialmente, ter argumentos para questionar situaes
de discriminao.

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Sexualidade e escola: dialogando com a turma

A Educao sexual na escola ainda insiste em permear um campo espec-


fico das questes preventivas e reprodutivas, dificultando uma ampliao para
as discusses em torno das temticas sobre diversidade de gnero e sexual
(ALTMANN, 2009). Em virtude disto, em uma das aulas com a EJA, Bil organi-
zou uma discusso com xs alunxs sobre as questes de gnero e sexualidade. A
turma contava com treze estudantes na faixa etria entre 16 e 49 anos. Para isso
utilizou as aulas de uma sexta-feira para no seguir o cronograma proposto pela
escola e trazer o tema para a sala. O dilogo iniciou assim que ela apresentou
a temtica no quadro e vrias pessoas j comearam a fazer questionamentos.
Algumas disseram que aquilo no era tema para ser tratado na escola e outras
defenderam a tese de que fundamental falar sobre isso para que se conheam
mais sobre as diferenas.
A professora argumentou no sentido de que quem tivesse interesse em
conhecer mais sobre o tema ficaria na sala e quem no gostasse ou estivesse
sentindo incmodo poderia se retirar. Todxs ficaram inclusive aquelxs que
disseram no concordar, inicialmente. Ao fazer a questo norteadora que era
para abordarem o que entendiam sobre gnero e sexualidades, a professora
deu espao para o incio das discusses. Em sntese, de treze alunxs presentes,
nove disseram que estas se tratam das questes sobre nascer do sexo mascu-
lino ou feminino e das relaes sexuais das pessoas e quatro disseram tratar-se
das formas de relacionamento entre homem e mulher, gravidez e mtodos
contraceptivos.
Surgiram questes sobre a homossexualidade e sobre sua condio anti-
natural para o estabelecimento da procriao, entendendo que dois homens ou
duas mulheres no podem gerar um beb, alm de se querer saber de modo
fixo quem o homem e quem a mulher na relao. A professora argumentou
que, no seu caso, ela se v como a mulher da relao, mas disse tambm que
nem sempre isso acontece com as travestis ou com os gays e lsbicas, pois
muitas pessoas no querem estabelecer isso para o casal. Ela encerrou dizendo
que as discusses sobre gnero e sexualidade tratam desse assunto e que todxs
devem buscar conhecer mais para lidar de maneira mais educada e respeitosa
com as pessoas na escola e fora dela.
Esta interveno da professora Bil tambm contribuiu para que xs alunxs
compreendessem e reconhecessem a travestilidade enquanto uma possibilidade

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de expresso de gnero to legtima como qualquer outra, inclusive alguns/algu-


mas disseram a princpio que entendiam Bil como homem, do sexo masculino
e que gostava de se vestir de mulher. Portanto, foi uma experincia relevante
para que tambm Bil problematizasse a cisgeneridade enquanto norma que
invisibiliza as identidades trans.

Consideraes finais

Nas experincias vividas pela professora e retratadas nesse texto, pos-


svel observar como determinadas convenes sociais tornam-se incorporadas
aos discursos e compreenses sobre as questes de gnero e de sexualidade
no contexto escolar. Percebemos a gravidade e a complexidade da situao
presente na escola e que isso, notadamente no exclusividade dessa escola
em questo. A falta de mobilidade curricular para a ampliao das questes que
devem ser discutidas nas escolas talvez seja um dos motivos de manuteno da
fixidez nas formas e normas escolares.
Defendemos a ideia de que preciso problematizar, exaustivamente os
conhecimentos que so selecionados para serem apresentados nas escolas,
de modo a que se evite negligenciar e invisibilizar qualquer tipo de expresso
humana que existe e est presente no processo interativo e das relaes entre
as pessoas, inclusive nas escolas.

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Referncias

ALTMANN, H. Educao sexual em uma escola: da reproduo preveno. Cadernos


de Pesquisa, Maranho, v. 39, n. 136, p. 175-200, jan./abr. 2009.

BENEDETTI, Marcos Renato. Toda feita: o corpo e o gnero das travestis. Rio de
Janeiro: Garamond, 2005.

BENTO, Berenice Alves de Melo. O que transexualidade. So Paulo: Brasiliense,


2008, 181 p. (Coleo primeiros passos).

BUTLER, Judith P. Feminismo e subverso de identidade. Traduo de Renato Aguiar.


Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. 236 p.

JESUS, Jaqueline Gomes; ALVES, Hailey. Feminismo Transgnero e Movimentos de


Mulheres Transexuais. Cronos, Natal, v. 11, n. 2, jul./dez. 2010.

LOURO, Guacira Lopes. Gnero, sexualidade e educao: uma perspectiva ps-es-


truturalista. 5 ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 1997. 179 p.

SEFFNER, Fernando; REIDEL, Marina. Professoras travestis e transexuais: saberes


docentes e pedagogia do salto alto. Currculo sem fronteiras, v. 15, n. 2, p. 445-464,
maio/ago. 2015

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O CORPO E SEUS SIGNIFICADOS SOCIAIS


NA ESCOLA E PARA ALM DELA, COMO
POTENCIALIDADES NOS PROCESSOS DE FORMAO.

Claudete Imaculada de Souza Gomes


Mestranda em Educao
Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Educao
[email protected]

Anderson Ferrari
Professor Adjunto
Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Educao
[email protected]

Claudio Magno Gomes Berto


Mestrando em Psicologia Social
Universidade Federal de Minas Gerais
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

Resumo

Este trabalho apresenta uma discusso acerca das possibilidades dos corpos de
atores da escola, e como esses corpos so construdos, significados e subjetiva-
dos nesses espaos. Parte de uma pesquisa de mestrado, em andamento, que
objetiva problematizar as abordagens utilizadas por professore/as para os temas
relaes de gnero e sexualidades na educao, e um eixo dessa discusso se
faz atravs de variados significados dados ao corpo ao longo da histria, como
parte dela, construindo saberes e sendo transformados atravs da cultura, da
disciplina escolar, dos discursos praticados na escola, enquanto parte ativa e
fundamental na construo das relaes de gnero e vivncia e expresso das
sexualidades.
Palavras-chave: corpo, relaes de gnero, sexualidades, escola.

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Introduo

Neste trabalho a discusso se faz atravs dos variados e variantes signifi-


cados atribudos ao corpo, ao longo da histria, como parte dela, construindo
saberes e sendo transformados atravs da cultura, da disciplina escolar, enquanto
parte ativa e fundamental nas relaes de gnero e vivncia das sexualidades e
suas expresses. O corpo que viaja atravs do tempo e do espao, trazendo con-
sigo as demonstraes de mudanas e possibilidades que o ser humano pode
representar. O corpo que mostra, o que disfara, o que ensina, que aprende,
que transforma e transformado, que significa e significado, que sente, que
sofre, que goza, que luta, que vive e que morre, que existe.
Pensando o papel destes corpos que habitam e circulam nos espaos
onde se desenvolvem os processos que compem a educao de crianas,
jovens e adultos, podemos problematizar a importncia que dada a eles?
Como se diferenciam e so diferenciados por ns e pelos papis que desempe-
nhamos nesses espaos? Como os corpos, tantos e variados, so vistos, olhados
e significados nesses espaos e no desenrolar de todos os processos que ali se
instalam?
Essa discusso tem como foco principal as relaes de gnero e sexua-
lidades presentes no universo que abarca a escola e seus atores, e penso que
no possvel conduzir essa discusso ignorando a importncia fundamental
do corpo e de suas representaes nesses espaos e com os seus significados, j
que o gnero e as sexualidades esto ancorados, ou so ancorados, em corpos.
Partindo da premissa de que os corpos so construes discursivas possvel
pensar com Foucault, quando o autor declara que ocorreu uma centralizao
do corpo como foco dos estudos empricos sobre a finitude do homem, [...]
marcada pela espacialidade do corpo, pela abertura do desejo e pelo tempo da
linguagem (Foucault, 1966, p. 331).
A construo dos gneros e as discusses acerca dos papis e lugares a
serem desempenhados e ocupados atravs das prticas, ou negaes, das sexu-
alidades, se d atravs da dinmica das relaes sociais entre os atores sociais,
e os discursos praticados por estes. Heleieth Saffioti (1992) considera que no
se trata de perceber apenas corpos que entram em relao com outro, mas
reconhecer a totalidade formada pelo conjunto composto pelo corpo, pelos
sentimentos, pelas histrias de vida que iro formar cada sujeito e permitir
que se desenvolva relao com o outro. Cada ser humano a histria de suas

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relaes sociais, perpassadas por antagonismos e contradies (CARLOTO;


CASSIA MARIA. 2010).
Para ns, que estamos na escola hoje, representa prtica necessria pro-
blematizar e discutir os significados e a valorizao que determinadas culturas
atribuem aos corpos, as prticas narrativas a eles associados, as hierarquias que
a partir da sua anatomia se estabelecem, e seus efeitos, que nos deixam, acerca
dos corpos, uma certeza: o corpo ele mesmo uma construo social, cultural
e histrica (GOELLNER, 2010. p.33).

Corpo e escola

Ao pensarmos como estamos nos constituindo - enquanto docentes que


atuam na educao bsica nesse processo de fazer ver, fazer falar e fazer
pensar, os corpos generificados e sexuados dentro e fora das escolas, indaga-
mos em que momento sabemos e assumimos abordar esses temas? Quantos
de ns, professoras/es, estamos contribuindo para uma pretensa invisibilidade,
o silenciamento, esse possvel no falar dos corpos, de seus sentidos, de
suas possibilidades de circulao? Ou formas de falar que privilegiam algumas
posies e sentidos e emudecem outras? Investigando com docentes que,
assumidamente ou no, abordam as questes de gnero e sexualidades em
suas aulas, buscamos ouvir destas/es docentes de que forma possvel pro-
duzir possibilidades que nos mostrem caminhos para essas construes que
vislumbramos no cotidiano da escola. Quando Guacira Louro(2015) declara
que as teorias educacionais e as inmeras disciplinas que constituem os cur-
sos de formao docente quase sempre permanecem mudos a respeito dos
corpos, corpos dos/das estudantes e tambm dos nossos prprios, torna-se
possvel vislumbrar a cortina que cobre, o muro que constri, essa invisibi-
lidade. Segundo ela, naquilo que chama de sagrado campo da educao
no apenas separamos mente e corpo mas, mais do que isso, suspeitamos do
corpo (p.2).
Durante minha pesquisa, recebi respostas de docentes que privilegiam
alguns termos bastante significativos, dentro do que acreditamos compor com
as relaes nos espaos escolares, comeando pela ideia de respeito, que apa-
rece repetidamente e de maneira muito efetiva. De incio busco os possveis
significados para a palavra e tenho, em alguns desses significados, elementos
que vm contribuir para perceber o que cada docente quis dizer, em sua fala,

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ao citar o termo respeito. Uma/um docente declara discutir o respeito s dife-


renas e os mtodos preventivos, como temticas abordadas em sua escola,
durante as suas aulas, demonstrando associao entre a discusso das diferen-
as e os cuidados com o corpo, sobretudo no que se refere contracepo,
discusso que ainda est bastante presente na educao bsica, de acordo com
as falas que recebemos.
Seguindo pensando com Louro (2015), a autora sugere que h uma pr-
tica escolar do que ela chama de Pedagogia da Sexualidade, que provoca um
processo de escolarizao do corpo e a produo de uma masculinidade,
demonstrando como a escola pratica, a partir desta pedagogia da sexualidade,
o disciplinamento dos corpos. Tal pedagogia muitas vezes sutil, discreta, con-
tnua, mas, quase sempre, eficiente e duradoura (p.17). Acho possvel sugerir
que essa pedagogia qual Guacira se refere, no apenas age para produzir
um modelo de masculinidade, mas tambm de feminilidade, que se reflete,
por exemplo, na preocupao com contracepo, mais comumente voltada ao
controle do corpo da mulher, colocando em tenso diferentes possibilidades de
viver o ser mulher, o ser homem, o ser no-binrio, o queer, dando-nos a opor-
tunidade de podemos vislumbrar neles formas de romper com determinados
essencialismos atribudos, por cada cultura e por cada contexto histrico, para
o que seja, por exemplo, masculinidade e feminilidade (GOEELNER, 2010, p.
32) e tantas outras possibilidades de ser e de viver para alm de corpos que se
adequem para obedecer e propagar o modelo normativo prescrito e imposto
pela sociedade, e que , reiteradamente citado como ideal, correto e legtimo,
dentro dos espaos das escolas, afastando aqueles que no se enquadram ao
modelo compulsrio prescrito por esta norma.
A norma, ou as normas, que constroem as masculinidades e feminilidades
e que, segundo as prescries sociais so autorizadas a circular livremente nos
espaos escolares, e gozar de seus privilgios, esto, frequentemente, entrando
em coliso com novas posies e possibilidades, criadas e vividas por aqueles
e aquelas que resistem adequao compulsria ao modelo imposto. Sujeitos
que trazem em suas crenas e prticas, formas e performances alternativas de
ser, de viver e de ter prazer. Esto presentes e atuantes nesses espaos, firmando
dilogo com o modelo heteronormativo constantemente presente, resistindo a
ele, enquanto aquele que dita o que deve ser seguido e praticado como cumpri-
mento s normas de gnero, identidades sexuais e orientaes do desejo.

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Corpo, sexualidades e cultura

Uma importante questo que se impe quando pensamos na discusso


acerca do tema corpo, em que h a relevncia de consider-lo em diferentes
aspectos e dimenses, a necessidade de pensar sobre a condio de que
somos sujeitos-corpos, isto , entender o corpo como parte de nossa identi-
dade, de nossa unidade de existncia que nos torna visveis e nos pe a circular
no mundo. Esta ideia nos traz o entendimento de que, nas aes e atitudes
que realizamos, pode-se observar trs enfoques: biolgico, psicolgico e social,
alm de outras possibilidades de abordagens relacionadas, como antropol-
gicas, econmicas, histricas, que podemos considerar interdependentes das
anteriores.
Jefrey Weeks (2015), nos lembra que
na medida em que a sociedade se tornou mais e mais preocupada
com as vidas de seus membros pelo bem da uniformidade moral;
da prosperidade econmica; da segurana nacional ou da higiene
e da sade -, ela se tornou cada vez mais preocupada com o disci-
plinamento dos corpos e com a vida sexual dos indivduos (p.52).

Considerando a nfase dada a essa forma de ver e discutir os corpos e as


sexualidades, que, de acordo com, Foucault (2011) assume maior destaque a
partir do sculo XVIII, quando ocorre a colocao do sexo em discurso, este
tema, em vez de sofrer um processo de restrio, foi, ao contrrio, submetida a
um mecanismo de crescente incitao (p. 19). O corpo e a sexualidade como
temas de discusso foram submetidos ao crivo da palavra, ao controle institu-
cional sobre o que se diz e como se diz.
Trazendo para dialogar conosco outras/os docentes que tambm se
manifestam a esse respeito, possvel pensar que na escola que as/os jovens
encontram o espao para a conversa mais abrangente, partindo do exerccio
do discurso, que, segundo Foucault, est presente no cotidiano, embora de
forma controlada. Uma das respostas recebidas traz que para muitos alunos
talvez seja o nico espao que permita essa discusso com clareza e respeito,
e afinal um lugar de formao em que podemos a partir do contato com a
Cincia, desmistificar conceitos que reproduzem o preconceito e a violncia.
Para Foucault (2011), em torno e a propsito do sexo h uma verdadeira explo-
so discursiva. E o autor enfatiza que

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preciso ficar claro. Talvez tenha havido uma depurao e


bastante rigorosa do vocabulrio autorizado. Pode ser que
se tenha codificado toda uma retrica da aluso e da metfora.
Novas regras de decncia, sem dvida alguma, filtraram as pala-
vras: polcia dos enunciados. Controle tambm das enunciaes:
definiu-se de maneira muito mais estrita onde e quando no era
possvel falar dele; em que situaes, entre quais locutores, e em
que relaes sociais; estabeleceram-se, assim, regies, seno de
silncio absoluto, pelo menos de tato e discrio: entre pais e filhos,
por exemplo, ou educadores e alunos, patres e serviais. quase
certo ter havido a toda uma economia restritiva. Ela se integra
nessa poltica da lngua e da palavra espontnea por um lado e
deliberada por outro que acompanhou as redistribuies sociais
da poca clssica. (p. 23-24)

A escola um dos espaos de formao e educao de crianas, jovens


e adultos, e onde podemos observar que as diferentes marcas que se incorpo-
ram ao corpo a partir de distintos processos educativos. Mas, no a nica,
visto que h sempre vrias pedagogias em circulao que agem continuamente,
contribuindo para essa construo. Filmes, msica, revistas e livros, imagens,
propagandas so tambm locais pedaggicos que esto, o tempo todo, nos
dizendo das formas de ser e viver, seja pelo que mostram ou pelo que ocultam.
Dizem tambm de nossos corpos e, por vezes, de forma to sutil que podemos
nem mesmo perceber o quanto somos capturadas/os e produzidas/os pelo que
l se diz (GOELNNER, 2010, p.29).
Nossa sociedade, assim como todas as outras sociedades que povoam o
mundo possuem seus diversos padres culturais, nos quais esto inseridos os
processos educativos. Atravs tambm da educao, a cultura produzida e
se torna parte inseparvel desta, agindo como um conjunto de possibilidades
que cada sociedade utiliza para disseminar seus conhecimentos e suas prti-
cas. Porm, sabemos que a cultura viva e dinmica, ela muda no tempo e
no espao, e isso nos provoca a pensar que os seres humanos no so apenas
interpretes de uma cultura, mas so, o tempo todo, criadores de cultura. Do
imbricamento entre natureza e cultura surge a realidade que designada por
corpo, e no universo cultural que esses corpos so construdos, desconstru-
dos, subjetivados e inventados.

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Consideraes finais

Inspirados pelas leituras feitas at agora e pelas respostas que recebemos


at o momento, que dizem do cotidiano de professoras e professores de 03
escolas da rede municipal de Juiz de Fora, podemos dizer que importante
chamarmos a ateno para as reflexes a se fazer sobre questes relaciona-
das a representao de corpo e a constituio das identidades de gnero e da
sexualidade nas escolas. relevante apresentarmos algumas das concepes de
corpo e suas configuraes assumidas ao longo da histria ocidental, at que
cheguemos s manifestaes desse corpo na contemporaneidade, o que cha-
mamos o corpo ps-moderno. Os desafios a serem enfrentados pelos modelos
de educao contempornea ainda so muitos, mas todos, em algum momento,
perpassam pelos corpos e por eles so atravessados.
Ao dizer que a escola deve se preparar mais para essa discusso mas no
fcil, a/o docente nos leva a olhar para a escola como espao de formao e
sociabilidade, e como esto se instaurando e desenvolvendo suas relaes com
as/os docentes que a compe, quando se do os momentos de discusso e ava-
liao dos contedos e temas a serem ali abordados. Ao dizer dessa escola que
precisa se preparar, as/os docentes esto fazendo mais do que apenas sugerir
uma formao continuada, mas demonstrando que as discusses a respeito do
corpo e de todos os seus significados, passando diretamente pelas relaes de
gnero e sexualidade precisam fazer parte incondicional dessa abordagem.
Temos Guacira Louro (2015) que fala do ensinamento que produziu um
modo de ser, e pensamos ser possvel dizer um pouco mais, sugerindo que
a linguagem produz modos de ser, que foram transformados, desconstrudos
e reconstrudos ao longo da histria, em atravessamentos com os processos
educacionais representados pela escola, pela famlia, pela religiosidade, pelos
campos polticos e sociais em ao. Felizmente, uma vez que somos feitos
no movimento e de movimento, tais aprendizados tambm no so perenes
(p.364).
Os corpos que circulam nos espaos escolares trazem, em suas forma e
performances, inmeras possibilidades de ser sujeitos da educao e da hist-
ria, na construo de uma escola mais justa e igualitria para todas as formas
de ser e estar no mundo.

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Referncias bibliogrficas:

CARLOTO, Cassia Maria. O conceito de gnero e sua importncia para a anlise das
relaes sociais. Disponvel em: http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v3n2_genero.
htm. Acesso em 12/04/2016.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das Cincias Humanas.


So Paulo: Martins Fontes, 1966.

FOUCAULT. Michel. Histria da Sexualidade I: a vontade de saber, 3 edio. Rio de


Janeiro: Graal, 2011.

GOELLNER, Silvana Vilodre. In:LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER,


Silvana Vilodre, (Org.). Corpo, gnero e sexualidade: um debate contemporneo na
educao. 5 ed. Rio de Janro: Vozes, 2010.

LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 3 Edio.


Belo Horizonte: Autntica, 2015.

SAFFIOTI, H.I.B. Rearticulando gnero e classe social. In: COSTA, A. O. ; BRUSCHINI,


C. (Orgs.) Uma questo de gnero. So Paulo; Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.

WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: O corpo educado: pedagogias da


Sexulalidade. 3 Edio. Belo Horizonte: Autntica, 2015.

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EDUCAO, EXPERINCIAS RELIGIOSAS, GNEROS E


SEXUALIDADES: PROBLEMATIZAES DE UMA PESQUISA

Roney Polato de Castro


Doutor em Educao
Faculdade de Educao UFJF
[email protected]

Nathalia Guimares e Sousa


Graduanda em Histria
Faculdade de Educao UFJF
[email protected]

GT 22 - Educao, religio e direitos humanos: dilogos interdisciplinares sobre a


diversidade sexual e de gnero

Resumo

O trabalho tem como objetivo apresentar dados preliminares de uma pesquisa


que tem como centralidade os atravessamentos entre experincias religiosas,
relaes de gnero, sexualidades e educao. Selecionamos dados a partir da
aplicao de questionrios com profissionais das escolas, com foco na sua for-
mao e educao religiosas, na relao entre religies e as relaes de gnero
e sexualidades na sociedade, no contexto escolar e na formao docente. As
problematizaes iniciais nos conduzem a pensar que a docncia se produz
em tensas redes discursivas que entremeiam experincias religiosas, de gnero
e sexualidades, com reverberaes nos modos de conduzir as prticas pedag-
gicas e as relaes com a comunidade escolar.
Palavras-chave: educao; experincias religiosas; gneros; sexualidades;
formao.

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Este texto apresenta dados iniciais de uma pesquisa com foco nos atra-
vessamentos entre educao, sexualidades, relaes de gnero e discursos
religiosos. Partimos da hiptese de que o acirramento dos debates contem-
porneos acerca desses temas ocorre, especialmente, com a problematizao
das relaes de sujeio a um cdigo moral religioso, constituindo uma tica
de submisso s normas codificadas, mais que experincias religiosas que pro-
movem prticas de liberdade (FOUCAULT, 2006). Sendo assim, consideramos
relevante ampliar as anlises acerca das relaes de poder e dos processos de
subjetivao envolvidos nos modos como professoras e professores pensam e
lidam com os discursos religiosos e com a diversidade sexual e de gnero nas
escolas.
O recrudescimento de uma moral-religiosa pautada na manuteno da
heteronormatividade e dos binarismos de gnero vem se constituindo como
um desafio s discusses sobre as relaes de gnero e sexualidades no campo
social contemporneo. Tal virada conservadora se organiza em resposta s
transformaes sociais e culturais que envolvem novos direitos e leis em prol da
erradicao de desigualdades e do reconhecimento pblico da legitimidade das
distintas orientaes sexuais. Sujeitos, grupos e igrejas colocam-se contrrios
pluralizao das sexualidades e gneros, num cenrio de embates, disputas
no campo das leis e polticas pblicas, conflitos no que tange s iniciativas
que buscam discutir essas temticas nas escolas, nas universidades e no plano
social mais geral. Recentemente, assistimos polmica1 em torno da aprovao
do Plano Nacional de Educao (PNE), quando deputados da bancada reli-
giosa se opuseram veementemente redao do artigo 2 do ento projeto de
lei, que se relacionava superao das desigualdades educacionais, provendo
a igualdade racial, regional, de gnero e de orientao sexual. Os deputados
afirmavam que se tratava da imposio de uma ideologia de gnero, contr-
ria aos valores morais e que, portanto, temiam pela destruio da famlia.
Consideramos que essa trama poltico-social atravessa os projetos educacionais
e de formao docente. Cabe, portanto, problematizar experincias e relaes
que constituem essa trama discursiva, pensando que ela instaura certos modos

1 Ver meno ao tema no seguinte endereo eletrnico: <https://ensaiosdegenero.wordpress.


com/2014/04/12/pne-e-a-ideologia-de-genero/>. Acesso: 11 set. 2014.

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de relao dos sujeitos da educao com os processos educacionais, a partir de


suas experincias religiosas.
Neste trabalho selecionamos dados a partir da aplicao de questionrios
com profissionais de duas escolas pblicas, que atuam no 6 ao 9 do Ensino
Fundamental e no Ensino Mdio, com foco na sua formao e educao reli-
giosas e na relao entre religies e as relaes de gnero e sexualidades na
sociedade. Selecionamos duas questes para anlise neste texto. Na primeira
perguntamos: Em sua formao familiar e social voc recebeu uma educao
baseada em alguma religio especfica? Na atualidade, voc professa/pratica
alguma religio? Comente sobre essas questes. Na escola A, dos vinte e cinco
questionrios respondidos, treze docentes se declararam catlicas/os, seis se
declararam espritas e duas/dois evanglicas/os, outros/as se colocaram como
no praticantes ou como crists/aos. Relevante destacar que a maioria
afirmou ter tido formao familiar catlica. Na escola B, dos vinte e quatro
questionrios respondidos, dez docentes se declararam catlicas/os, cinco se
declararam espritas e duas/dois evanglicas. As/os demais no tem uma religio
definida ou no praticam qualquer religio. Destaque que a maioria tambm
teve formao familiar catlica. Encontramos, em ambas as escolas, pessoas se
identificando como no praticantes, algo que parece remeter a uma formao
religiosa que deixa marcas morais e ticas nos modos das pessoas se conduzi-
rem. Destacamos algumas respostas:
Sigo com orgulho ao Kardecismo, que me completa e no ques-
tiona e nem julga minhas aes. (Escola A)
Na verdade no discuto religio, mesmo porque tenho conhecido
tipo: evanglicos, espritas e at ateu. (Escola A)
Pela linha paterna minha formao religiosa foi bastante plural,
tenho contatos com vrias linhas religiosas e filosofias diversas (tais
como Umbanda, Kardecismo, Esoterismo, entre outros). No sou
religiosa, nem ateia, creio basicamente em uma energia universal.
(Escola A)
Tenho formao catlica, embora seja crtico em vrias questes
desta religio. Professo esta religio no de forma muito assdua.
(Escola A)
Catlica, tento ser ecumnica, para no agredir, ou ferir algum
aluno ou deixa-lo em situao desconfortvel. (Escola A)

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Frequento missas na Igreja Catlica e palestras em Centro esprita.


Sinto-me bem ao ouvir ensinamentos voltados tolerncia, ao amor
ao prximo. (Escola A)
Hoje sou cristo, mas no me considero pertencente a nenhuma
religio. (Escola A)
Sim, fui educada na religio catlica e por opo continuo na f
catlica, vivo a religio, mas no sou fechada a todas as polmicas
geradas em torno. (Escola B)
Sim, minha formao familiar na igreja protestante, porm, hoje
eu no me considero evanglica e sim crist, tentando seguir o que
Cristo nos ensinou e no o que as igrejas ensinam. No tenho a
prtica de frequentar uma igreja. (Escola B)
Sim. Sou catlica e fui criada dentro de sua rigidez absurda.
(Escola B)
Sim, religio esprita. Busquei uma religio baseada na razo para
explicar minha espiritualidade, abandonando os dogmas da ante-
rior [catlica]. (Escola B)

Podemos notar que os valores religiosos esto na base das relaes sociais
familiares, algo que reverbera na formao dos sujeitos de modo heterogneo.
Uma formao que pode ser plural ou dentro de uma rigidez absurda, que
envolve frequentar uma igreja ou no, que envolve reconhecer-se em uma
determinada confisso religiosa, dizer-se apenas cristo ou crer em uma ener-
gia universal. Formao que produz experincias religiosas, modos pelos quais
podemos ser subjetivados/as pelos discursos religiosos, que envolvem crenas
e certos modos de agir e viver, a sujeio a uma moral, e tambm os modos
como nos ocupamos de ns mesmos e nos conduzimos a partir dos cdigos
morais associados a essas formaes discursivas, ou seja, como nos constitu-
mos sujeitos dessa moral (FOUCAULT, 2006). Embora haja crticas aos preceitos
religiosos, aos dogmas, arriscamo-nos a pensar que as professoras e professores
conduzem-se por esses preceitos, de modo que suas prticas pedaggicas e
seus modos de lidar com as questes relativas aos gneros e sexualidades nas
escolas sero atravessadas pelas experincias religiosas. Consideramos que as
respostas outra questo do questionrio nos do pistas sobre essa relao. Ela
solicitava s/aos docentes: Fale sobre a relao entre religies e as questes
de gnero e sexualidade na sociedade em geral. Entre as respostas relevante
destacar a nfase numa relao tensa, disputada e negociada, que poderia ser
resumida em: As religies no aceitam outras formas de sexualidade a no ser o

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sexo entre homem e mulher. Outras respostas, para falar dessa relao, traziam
em seu texto expresses como problemtica, tabu, polmica, complexo,
as religies no aceitam e recriminam, existe muito preconceito. Destacamos
algumas delas:
A identidade de gnero ainda um tema pouco discutido no meio
religioso. Apesar de ser um assunto cada vez mais presente na
sociedade atual, para muitas religies tratar de sexualidade e tran-
sexualidade ainda um tabu. (Escola B)
A abordagem da relao entre religio e sexualidade ainda
bastante problemtica, visto que maior parte de nossos alunos assu-
mem se como crist e essa vertente religiosa no abarca as questes
sobre homossexualismo. (Escola B)
Particularmente acho que se tornou um assunto muito polmico,
principalmente em sala de aula. Devido a muitas crenas, falta de
informaes e preconceitos. E isso na minha opinio o reflexo de
como a sociedade trata o assunto. (Escola B)
Por muito tempo se divulgou o ideal em relao a estas questes.
A religio cercada pelo modelo de famlia com o pai, sendo um
homem, a me, sendo a mulher e esses dois papeis se consolidaram
na sociedade. Mediante estas convenes ditadas vejo a dificuldade
da sociedade religiosa em aceitar a diversidade mesmo que tenha
esta diversidade acontea tambm h muito tempo. (Escola B)
O que me vem agora, que somos todos irmos, Deus ama a
todos. Existe discriminao se a mulher gosta de mulher, se homem
gosta de homem, ou at mesmo dos dois, acho difcil entender, mas
respeito. (Escola A)
As religies de modo geral so normativas, moralistas e principal-
mente hipcritas. No conheo alguma que no seja, machista,
beirando a misoginia tanto no texto religioso quanto nas prticas
religiosas. (Escola A)
Mesmo a sociedade sendo considerada moderna e democrtica, a
religio continua tendo um peso que condiciona muitas atitudes e
opinies na sociedade. (Escola A)
A maioria das religies prega o preconceito em relao s questes
de gnero e sexualidade, uma vez que no aceitam relacionamen-
tos que no sejam heterossexuais. (Escola A)
Acredito que, equivocadamente, alguns lderes religiosos incitam
a intolerncia religiosa e a intolerncia em relao diversidade de
gnero. (Escola A)

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Compreendemos que as religies crists apresentam distintos posicio-


namentos acerca das diversidades sexuais e de gneros, seja no modo como
concebem e lidam com elas, seja na relevncia que atribuem a sua discusso.
Alm disso, no interior de cada confisso religiosa, os sujeitos podem apresentar
distintos modos de pensar e de lidar com essas temticas. H, porm, modos
de funcionamento discursivo e de prticas que podem reunir essas confisses
religiosas, passando por certas leituras da bblia crist, que envolvem o dire-
cionamento moral dos pensamentos, atitudes e comportamentos ligados s
experincias das sexualidades e dos gneros. Tal direcionamento se organiza
a partir do pressuposto heteronormativo e cissexista, baseado na ideia de que
os sujeitos que vivem sexualidades no-heterossexuais e gneros no-binrios
estariam em desacordo com o propsito sagrado e o plano divino, ameaando
crenas e valores que sustentam as relaes sociais. As respostas das professoras
e professores parecem se aliar a essa anlise, ao identificarem nas religies crists
dificuldades em incluir as identidades de gnero e sexuais, tornando-as margi-
nais. Em especial, notam-se as tenses em se tratando das homossexualidades.
Tambm aparece a sala de aula como espao de disputas, especialmente devido
ao fato de estudantes assumirem-se como crists/aos. Relevante notar que nas
respostas as professoras e professores no dizem ter dificuldades pessoais com
tema, com exceo de uma que argumenta: acho difcil entender, mas respeito.
O que neste texto tratamos como discurso religioso-cristo, inspirando-
-nos em Foucault (2006), vem se colocando nas prticas sociais como discurso
de verdade que o legitima em si mesmo e constitui seu carter impositivo e
doutrinrio. A partir das respostas das professoras e professores e da constata-
o, por meio das mdias, de outras tantas tenses, podemos discutir que vem
sendo colocada em funcionamento, por algumas igrejas ou mesmo segmentos
de igrejas, uma viso fundamentalista dos cdigos morais-religiosos-cristos em
relao ao exerccio das sexualidades e s relaes de gnero, que enfatiza a
interpretao literal da bblia crist e a obedincia rigorosa e literal a certos
princpios considerados bsicos vida e doutrina crists. A resposta da pro-
fessora que menciona um ideal, pautado no modelo de famlia tradicional, se
relaciona com os enunciados que atravessam as falas exasperadas e os pronun-
ciamentos acalorados de polticos/as e pastores evanglicos, nos quais podemos
identificar que a defesa de certos valores e modos de vida parte da recusa de
outros, o que entendem como ameaa s famlias, resistindo a processos de
mudana que expem as fissuras da heteronormatividade. Como argumenta

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outra professora: equivocadamente, alguns lderes religiosos incitam a intole-


rncia religiosa e a intolerncia em relao diversidade de gnero.
A partir de outra resposta, podemos pensar que o discurso religioso-cris-
to no funciona de modo homogneo: O que me vem agora, que somos
todos irmos, Deus ama a todos. Assim, pode haver diferentes, e s vezes con-
flitantes, modos de funcionamento do discurso religioso-cristo, na medida em
que se associa a outros discursos e se materializa em relaes sociais concretas.
Outra resposta nos conduz a pensar em possibilidades menos normativas:
Embora haja, atualmente, muitas crticas e embates acerca dessa
relao, enquanto educadora, minhas aes no podem estar pau-
tadas nos meus princpios religiosos. Em espaos laicos, nenhuma
religio deveria intervir. Acredita-se que o respeito primordial,
respeito a opinio dos outros da mesma forma que gosto de ser
respeitada. (Escola A)

Nem sempre as experincias religiosas se opem problematizao do


discurso religioso-cristo. Uma professora aponta a possibilidade do amor como
valor religioso e indica que isso poderia construir outras relaes sociais; outra
indica a necessidade de no pautar suas aes na escola pelos princpios religio-
sos. Pensando no mbito mais geral das relaes sociais, trabalhos como o de
Natividade e Oliveira (2013) apontam para iniciativas de representantes de igrejas
e denominaes religiosas, faces de igrejas e at mesmo para o surgimento de
igrejas inclusivas, pautadas na abertura para a convivncia com mltiplas sexu-
alidades e gneros. Configuram-se, assim, possibilidades de um tratamento digno
dos sujeitos que no se adquam ao esperado na heteronormatividade e cisgene-
ridade, sem consider-los/as como pecaminosos, anormais, desviantes.
Por fim, prosseguimos a pensar que so diversas as inseguranas, as ten-
ses e os medos quando se trata de lidar com as sexualidades e gneros nas
instituies escolares, algo que est marcado, especialmente, pelo embara-
lhamento entre os valores da educao familiar e aqueles preconizados pelos
projetos pedaggicos das escolas ou mesmo um/a docente, provocando emba-
tes com certas crenas religiosas. Assistimos a uma interferncia crescente de
setores religiosos no somente nas polticas educacionais, mas nas prticas
pedaggicas das escolas. O embaralhamento entre as propostas das instituies
pblicas para a educao e as propostas religiosas raramente problematizado.
Consideramos, portanto, que as pesquisas em educao podem contribuir para
fomentar o debate e novos olhares sobre essas disputas.

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Referncias

FOUCAULT, Michel. tica, Sexualidade, Poltica. Ditos & Escritos V. 2 ed. Org.
Manoel Barros da Mota. Trad. Elisa Monteiro e Ins Autran Dourado Barbosa. Rio de
Janeiro: Forense Universitria, 2006.

NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. As novas guerras sexuais: diferena,


poder religioso e identidade LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.

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A IDEOLOGIA DE GNERO NO FACEBOOK1:


PEDAGOGIAS EM AO

Roney Polato de Castro


Doutor em Educao
Faculdade de Educao UFJF
[email protected]

Janailde Arajo Fonseca


Licenciada em Pedagogia
Faculdade de Educao UFJF
[email protected]

Resumo

O trabalho tem como objetivo apresentar dados preliminares de uma pesquisa


que vem sendo realizada com a rede social Facebook, considerando-a como
artefato pedaggico, no sentido de que educa e constitui suas subjetividades. A
metodologia envolveu a seleo de pginas que investem em discusses sobre
os atravessamentos entre discursos religiosos, sexualidades, relaes de gnero
e educao. Para este trabalho selecionamos materiais presentes na pgina
da psicloga crist Marisa Lobo sobre a ideologia de gnero, apresentada
como uma forma de ditadura cultural que ameaa as famlias e a sociedade
brasileira, com forte preocupao de que essas questes sejam abordadas pelas
escolas. Caberia, portanto, uma anlise dessa expresso e como as pessoas so
educadas para compreend-la.
Palavras-chave: Facebook; educao; diversidade sexual e de gnero; discursos
religiosos.

1 Marca registrada da Facebook Inc.

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Uma pesquisa com Facebook? Redes por onde circulam discursos

Considerando que a conectividade tornou-se um modo de ser e viver e


que cada vez mais se multiplicam as narrativas nas redes sociais digitais, como
modo de os sujeitos construrem suas subjetividades e darem visibilidade a si
mesmos e s suas ideias, consideramos que o Facebook um espao rele-
vante para anlise dos processos de subjetivao contemporneos, no qual so
colocadas em funcionamento pedagogias que disponibilizam elementos cons-
titutivos do que os sujeitos so, do que pensam, de suas aes e relaes.
Como argumenta Couto (2014), considerando um cenrio de popularizao e
expanso das redes sociais no Brasil, constroem-se novos modos de produzir e
compartilhar saberes e a prpria vida, em que somos incitados/as a emitir opi-
nies, narrar acontecimentos e compartilh-los. Um cenrio de consumo ativo,
interativo, participativo, no qual j no se trata apenas de adquirir, acumular e
descartar informaes, ideias, saberes, mas produzir, difundir e compartilhar.
A partir dessa ideia de uma interao participativa, que interpela os sujei-
tos a um aprendizado constante, apostamos no argumento de que o Facebook
espao em que nos inserimos e no qual somos continuamente atravessados
por diferentes discursos, que entram no jogo do verdadeiro e do falso, ou seja,
alguns deles sero assumidos como corretos e verdadeiros e outros no
se enquadraro nesses moldes. Pensando com Foucault (2010), os discursos
so prticas que no apenas nomeiam ou representam coisas, eles sistematica-
mente as produzem. Isso significa que os discursos nos dizem como ser, sentir,
pensar e agir, como devemos nos ver e aos outros, nos incitam a nos tornar-
mos sujeitos a partir de critrios estabelecidos na cultura. Discursos regidos por
redes de poder invisveis e naturalizadas, que podem investir na normatizao,
na moralizao, no disciplinamento.
Foi percebendo a movimentao discursiva das religies crists nas mdias
e redes sociais que nos propusemos a pensar as relaes educativas constitudas
no Facebook com esses discursos. De que modos somos interpelados/as e edu-
cados/as por imagens, textos, vdeos que circulam por essa rede social a partir
do campo discursivo religioso? De que modos as pedagogias das conectivida-
des virtuais podem produzir certas formas de pensar, sentir e agir em relao
s moralidades e valores religiosos? De que modos essas pedagogias interferem
nas maneiras de pensar e nas nossas aes quando se trata das diversidades
sexuais e de gnero?

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Tomando como referncia a discusso pblica produzida com a promul-


gao do Plano Nacional de Educao que, posteriormente, reverberou nas
assembleias legislativas estaduais e cmaras municipais, constatamos que as
mdias e as redes sociais de modo geral tornaram-se lugares de embates, ten-
ses e disputas sobre projetos poltico-sociais, sobre concepes e saberes
acerca das diversidades sexuais e de gnero. Sujeitos, grupos e instituies con-
servadores/as e, em alguns casos, de fundamentalistas, apelam a valores e a um
iderio social tradicional, que marcado pelas normatividades no campo das
relaes de gnero e sexualidades. Popularizou-se nesses meios o uso do termo
ideologia de gnero para referir-se a quaisquer concepes que contrariassem
esse iderio. A partir da iniciou-se um processo de interpelao e convocao
das pessoas, nos plpitos das igrejas e nas mdias e redes sociais, para que ficas-
sem atentas a uma proposta nefasta de destruio dos valores familiares que
poderia transformar crianas e jovens em desviados/as sexuais.
As discusses deste texto partem de movimentos de pesquisas que tiveram
o Facebook como instncia em que circulam e so produzidas aprendizagens
sobre como conduzir-se e como lidar com os outros a partir dos discursos reli-
giosos quando se trata de temas ligados s diversidades sexuais e de gneros.
Para este texto damos destaque pgina da psicloga crist Marisa Lobo, com
foco principal nas postagens que remetessem ao termo ideologia de gnero.
Nosso olhar sobre os atravessamentos entre discursos religiosos e diversidades
sexuais e de gneros constitui-se a partir das lentes construdas com os estudos
foucaultianos e os estudos ps-crticos das relaes de gnero, das sexualida-
des, dos artefatos culturais como dispositivos que articulam discursos e prticas
em torno da formao dos sujeitos. Neste nterim, o Facebook se coloca como
tendo participao ativa na produo de sujeitos e subjetividades, ensinando
modos de ser e estar na cultura contempornea.

Problematizando a ideologia de gnero

Analisando os materiais encontrados na pgina monitorada, o primeiro


elemento fundamental a ser problematizado o que se entende por ideologia
de gnero. Jimena Furlani (2016) argumenta que o termo no de uso corrente
no contexto dos estudos de gnero, tendo sido inventado no mbito de alguns
discursos religiosos, como uma interpretao, equivocada e confusa, que no
reflete o entendimento de Gnero presente na Educao e na escolarizao

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brasileiras, nas prticas docentes e/ou nos cursos de formao inicial e continu-
ada de professores/as (p. 2). Os sentidos acerca da ideologia de gnero no
obtm reconhecimento no campo dos estudos de gnero e sexualidade, mas
sim nos discursos de sujeitos e grupos que se colocam como representantes
de igrejas e religies crists. Observamos, por exemplo, que, de acordo com a
psicloga crist Marisa Lobo, num vdeo2 publicado em sua pgina, a ide-
ologia de gnero prope uma educao pautada na concepo de gnero
neutro, segundo a qual meninos e meninas seriam criados/as sem qualquer
configurao de identidade masculina ou feminina, de modo que apenas
quando atingirem certa idade podero escolher a que gnero iro pertencer.
Assim, segundo Marisa Lobo, so ignorados os aspectos biolgicos inerentes da
pessoa, negando a existncia do que ela chama de diferenas naturais entre
homens e mulheres. De acordo com a psicloga, existiria uma organizao de
grupos, em sua maioria proveniente da populao LGBTTI3, uma minoria social,
trabalhando para impor essa forma de viver sociedade como um todo, que
promove a diversidade sexual e de gnero pautada na ideologia de gnero.
Merece destaque a nfase dada ao no reconhecimento de um sexo
da criana ao nascer e ainda a preocupao com o que esto chamando de
gnero neutro, que parece denotar uma viso de que h uma nica forma de
expresso de gnero, pautada no binarismo masculino/feminino. Essa questo
pode ser problematizada j que os estudos de gnero e sexualidades no pro-
pem ignorar ou negar o sexo biolgico, mas, como argumenta Louro (1998),
pretendem enfatizar, deliberadamente, a construo social e histrica produ-
zida sobre as caractersticas biolgicas (p. 21-22). A proposta pensar que no
apenas a condio biolgica, o reconhecimento como macho ou fmea, que
constitui o sujeito como feminino e masculino, ou seja, no o momento do
nascimento e da nomeao de um corpo como macho ou como fmea que faz
deste um sujeito masculino ou feminino (LOURO, 2008, p. 18).
Os/as idealizadores/as da ideologia de gnero tm aterrorizado as
pessoas e investido sistematicamente para que elas se coloquem contra tal ide-
ologia, alegando que esta ir atingir aquilo que lhes mais caro: a famlia e a

2 Marisa Lobo Desmascarando a ditadura ideologia de gnero Teoria Queer. Disponvel em: https://
youtu.be/emyFuBxiAc8. Acesso em 29 jun. 2015.
3 Referncia a Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais.

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liberdade de criar os filhos e filhas. Recusam-se, portanto, a perceber a ampli-


tude dos conceitos de gnero e de sexualidade, bem como de sua abrangncia
na sociedade. Um investimento que encontra fora nos noticirios na TV, em
sites na internet e especialmente no Facebook, onde h toda uma campanha
com o intuito de convencer a populao dos malefcios que essa ideologia
deseja disseminar na sociedade. Vrios vdeos e panfletos foram publicados
convocando a sociedade a comparecer nas sesses das cmaras para pressio-
narem uma votao contra a ideologia de gnero. Exemplo desse investimento
o cartaz encontrado na pgina de Marisa Lobo4:

Est posta a preocupao com a ideologia de gnero como ameaa


que encontra na educao escolar um dos meios de sua propagao. Homens
e mulheres seriam naturalmente diferentes e complementares em sua sexu-
alidade: um princpio que afirma, ao mesmo tempo, a distino biolgica
como constituidora dos gneros, limitada ao par binrio macho/fmea, e a
suposta complementaridade que aponta para a heterossexualidade compuls-
ria. Seguindo esses argumentos, analisamos que h uma preocupao com a
instaurao de uma possvel hegemonia homossexual, j que segundo os/
as idealizadores/as da ideologia de gnero, as pessoas poderiam fazer suas
escolhas pautadas nas tendncias homossexuais, algo como uma imposio

4 Disponvel em https://www.facebook.com/MarisaLobo?fref=ts. Imagem publicada em 16/01/2015.

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ou, como chamam, uma ditadura gay. Essa preocupao parte do pressu-
posto de que existiria uma forma mais correta e legtima de viver a sexualidade,
supondo que as pessoas seriam naturalmente heterossexuais. O argumento
que estaramos num cenrio em que se pretenderia destronar a heterossexu-
alidade para dar lugar s/aos LGBTTI. frequente entre os/as idealizadores/as
da ideologia de gnero uma lgica de que seres humanos normais, temen-
tes a Deus e defensores/as da moral, devem se conformar com sua condio
biolgica de homem ou mulher, bem como com a prtica das relaes afetivo-
sexuais apenas entre estes dois opostos. Os/as adeptos/as e defensores/as desse
discurso consideram que a sexualidade e o gnero sejam algo que todos ns,
mulheres e homens, possumos naturalmente, ignorando a compreenso de
que eles constitudos por rituais, linguagens, fantasias, representaes, smbo-
los, convenes, ou seja, processos culturais plurais (LOURO, 1998).
Observamos argumentos que nos conduzem a essas anlises. Na fala de
Marisa Lobo no vdeo mencionado acima, a psicloga crist afirma que o fato
de a cincia no ter descoberto um gene gay se deve ao fato de que este no
existe. Sendo assim, o natural ser heterossexual e a homossexualidade no
passa de um comportamento adquirido socialmente, mas de forma inconsciente
pelo sujeito. Analisamos que haveria um investimento poltico em perpetuar a
hegemonia da heterossexualidade, inferiorizando as outras possibilidades de
viver a sexualidade, como que numa organizao hierrquica.
A confuso na interpretao que se tem feito das questes de gnero e
sexualidades vem sendo utilizada para convencer as pessoas de que a insero
dessas questes nos planos de educao trar grandes malefcios sociedade
e, sobretudo, famlia. At cursos tm sido promovidos por Marisa Lobo, com
o intuito de esclarecer as pessoas sobres tais questes. No panfleto de divul-
gao disponvel no Facebook5, aparecem as credenciais que autorizariam a
psicloga a promover seu curso: Psicloga e Crist; Teloga e Educadora. No
currculo do curso observamos um investimento em conceitos e termos que
so retirados dos estudos de gnero e sexualidade e interpretados a partir de
uma perspectiva da moral familiar crist. Merece destaque A erotizao infantil
atravs da escola e da mdia, que dialoga com vrios dos conceitos destacados,

5 Disponvel em: http://marisalobo.com.br/curso-de-capacitacao-sobre-ideologia-de-genero. Acesso


em 24 jun 2015.

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mas se aproxima especialmente de dois: Aceitao social da pedofilia e


Porque no apoiar a ideologia de gnero na educao (PNE). Uma aposta no
argumento de que, ao abordar questes de diversidade sexual e de gnero, a
escola estaria erotizando as crianas e, portanto, incentivando a pedofilia.

A rede discursiva acionada no currculo desse curso e em outros ele-


mentos disponveis na pgina de Marisa Lobo pode ser pensada a partir do
que ela produz, do efeito que exerce sobre aqueles/as que so interpelados
por essas pedagogias, considerando, como argumentamos inicialmente, que
os discursos so produtivos, criam verdades, instauram jogos de poder. Assim,
quando pensamos os sujeitos que se educam pelos enunciados da ideologia de
gnero no Facebook, em pginas como a de Marisa Lobo, e que, a princpio,
no teriam outras fontes de conhecimentos sobre o tema, analisamos que ela
pode vir a produzir o doutrinamento que tanto denunciam. Nesse sentido, os
discursos dos setores religiosos conservadores acerca da ideologia de gnero
produzem no s uma verdade, mas todo um ritual de luta contra tal ideologia
que organizado por aqueles/as que passam a se sentir ameaados/as, j que
querem destruir aquilo que para eles fundamental, como problematiza Souza
(2014): O objetivo de toda essa campanha criar certo tipo de pnico moral
contra gnero e contra o feminismo, evocando um tema cujos sentidos tm sido
pautados pela agncia de segmentos conservadores: a sexualidade (p. 198). O
rompimento dos padres normativos das relaes de gnero e das sexualidades

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interpretado como uma ameaa contra o cristianismo e, por consequncia,


contra a sociedade.
Num olhar mais amplo sobre a categoria ideologia de gnero, conside-
rando que esta nasce pautada em doutrinas e valores religiosos, constatamos
que parece estar implcita na inteno de defesa da famlia, a negao e mesmo
destituio de projetos polticos e sociais que abarcam todas as possibilida-
des de ser pessoa e estar no mundo. Parece se apresentar a a inteno de se
implantar um projeto pautado numa nica forma de ser famlia e de viver as
sexualidades e gneros, considerando o que denominam famlia tradicional ou
natural, que se pode entender como formada por casais heterossexuais cisgne-
ros, negando todas as outras possibilidades.
Nesse sentido, consideramos ser relevante acompanhar e monitorar o
Facebook e outras redes sociais digitais, problematizando as pedagogias que
nele se encontram. Alm disso, diante dos constantes investimentos dos/as ide-
alizadores/as da ideologia de gnero em campanhas contra as discusses de
gnero, faz-se importante insistir nas abordagens das diversidades sexuais e de
gnero, a partir dos estudos das relaes de gnero e sexualidades contempo-
rneos, em todos os espaos educativos.

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Referncias

COUTO, Edvaldo S. Pedagogias das conexes: compartilhar conhecimentos e construir


subjetividades nas redes sociais digitais. In: PORTO, Cristiane; SANTOS, Edma (Orgs).
Facebook e educao: publicar, curtir, compartilhar. Campina Grande: EDUEPB, 2014.
p. 47-65.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7 ed. Trad. Luiz Felipe B. Neves. Rio de
Janeiro: Forense Universitria, 2010.

FURLANI, Jimena. Ideologia de gnero? Esclarecendo as confuses tericas pre-


sentes na cartilha. Verso Revisada 2016. Florianpolis: FAED, UDESC. Disponvel
em: Facebook.com/Jimena Furlani. Acesso em 01 fev. 2016.

LOURO, Guacira Lopes. Gnero, sexualidade e educao: uma perspectiva ps-es-


truturalista. Petrpolis, RJ: Vozes, 1998.

______. Gnero e sexualidade: pedagogias contemporneas. Revista Pr-posies, v.


19, n. 2, mai./ago. 2008. Disponvel em: http://www.scielo.br/pdf/pp/v19n2/a03v19n2.
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SOUZA, Sandra Duarte de. No ideologia de gnero! A produo religiosa da


violncia de gnero na poltica brasileira. Revista Estudos de Religio, v. 28, n.2, 2014.
Disponvel em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/
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GNEROS, SEXUALIDADES,
MULTIPLICIDADES, (MICRO)
POLTICAS, PERFORMANCES E
PRTICAS DISCURSIVAS

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SUMRIO

SODOMIA, HOMOSSEXUALIDADE, HOMOEROTISMO:


POR UMA NOVA HISTRIA DAS SUBJETIVIDADES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 815
Cssio Bruno de Araujo Rocha

REDE DE PROTEO COMUNIDADE LGBT DA UNB: CONSIDERAES


PRELIMINARES SOBRE O PROCESSO DE IMPLEMENTAO DE UM SERVIO. . . 824
Tatiana Liono | Larissa Vasques Tavira | Felipe de Bare

INTERAO, DISCURSO E SADE: MASCULINIDADES EM


PRODUO NA PRTICA CLNICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 831
Alexandre Jos Cadilhe

DISPUTAS POLTICAS PELA CARNE, CORPO E DISSIDNCIAS SEXUAIS:


PERSPECTIVAS DE INCLUSO E EXCLUSO NA CONTINUIDADE
BIOPOLTICO DO PODER PASTORAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 841
Alexsandro Rodrigues | Steferson Zanoni Roseiro | Pablo Cardozo Rocon

PROPOSIES PARA SE PENSAR A CRIANA BICHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 849


Jsio Zamboni

LEI DE IDENTIDADE DE GNERO DA ARGENTINA E SEUS EFEITOS


SOBRE O ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 856
Bruna Camilo de Souza Lima e Silva | Joo Felipe Zini Cavalcante de Oliveira

O MUNDO PELA PORTA DE TRS: POR UMA BREVE DESCONSTRUO DA


PRTICA DO SEXO ANAL ENTRE HOMENS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 863
Kauan Amora Nunes

CORPOS, CORPOS, CORPOS: DESALINHANDO-SE A UM


PESQUISAR QUE SE AFETA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 872
Lucio Costa Girotto | Mauricio Loureno Garcia | Cristiane Gonalves da Silva

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Sexual e de gnero
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ENSAIO SOBRE GNERO E SEXUALIDADE: O VALE DAS (HOMOS)SEXUAIS. . . 880


Rodrigo Henrique de Jesus Nascimento

DIGNIDADE EM DISPUTA: REFLEXES ACERCA DO RECONHECIMENTO DA


CONDIO TRANSGNERA NO PALCO DO JUDICIRIO PARANAENSE. . . . . . . . 886
Francielle Elisabet Nogueira Lima | Jacqueline Lopes Pereira

QUANTOS ASSASSINATOS EXISTEM EM APENAS UM?: TRILHAS INICIAIS


PARA O ENTENDIMENTO DO TRANSFEMINCIO NO BRASIL.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 894
Tarcisio Dunga Pinheiro | Marcos Mariano Viana da Silva | Mikarla Gomes da Silva

O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO . 902


Joo Felipe Zini Cavalcante de Oliveira | Bruna Camilo de Souza Lima e Silva

BAIXOU A 1140 AQUI? DIFERENAS E DISTINES NAS PRAIAS GAYS DE


COPACABANA E IPANEMA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 910
Alexandre Gaspari

DINMICAS URBANAS VINCULADAS A GNERO E SEXUALIDADE:


ESTABELECIMENTOS GAY-FRIENDLY EM UBERLNDIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 919
Beatriz Ribeiro Soares

VIVNCIAS DE CASAIS LSBICOS EM COMUNIDADES LITORNEAS. . . . . . . . . . . . . 929


Frederico Rafael Gomes de Sousa | Vitria Rodrigues da Silva
Aline Maria Barbosa Domcio Sousa

A CONSTRUO DO PAPEL DA MULHER NA CIDADE:


UMA ESPACIALIDADE DE (NO) VIVNCIAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 937
Isabela Rapizo Peccini | Orientadora: Marlise Sanchotene de Aguiar

EL LTIMO VAGN LA APROPIACIN DEL ESPACIO Y LAS PRCTICAS


HOMOERTICAS ENTRE HOMBRES EN EL METRO DE LA CIUDAD DE MXICO .946
Jos Octavio Hernndez Sancn

O SILNCIO LEGITIMADO SOBRE A LESBIANIDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 954


Mariluce Vieira Chaves

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 808 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

CRCERE E POPULAO LGBT: ESTUDO SOBRE DIREITOS E ESTERETIPOS . . . 963


Amanda Rodrigues Campos Almeida | Andreza Knaip Nobre
Renato Santos Gonalves,

GAYS E HOMENS QUE FAZEM SEXO COM OUTROS HOMENS EM CURITIBA:


UM RISCO BIOLGICO PARA A POPULAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 971
Dhyego Cmara de Araujo

A PRODUO DE POLTICAS PARA A POPULAO LGBT E AS RESPOSTAS


RELIGIOSAS: O OLHAR DO ASSISTENTE SOCIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 978
Graziela Ferreira Quinto

PELA VIDA, PELA FAMLIA E PELA PROPRIEDADE PRIVADA: HEGEMONIA,


CONSERVADORISMO CRISTO E POLTICAS SEXUAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 986
Henrique Araujo Aragusuku

A MULHER TRANS: ENTRE RECONHECIMENTIO, DIREITOS E EDUCAO. . . . . 994


Monique Rodrigues Lopes | Andrey da Silva Brugger

NOTAS SOBRE A SELETIVIDADE NO ACESSO SADE VIVIDA PELA


POPULAO TRANS.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1003
Pablo Cardozo Rocon | Francis Sodr | Alexsandro Rodrigues

EN EL NOMBRE DE ROSA: 20 AOS DEL MOVIMIENTO TRANS EN EL


SALVADOR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1012
Amaral Palevi Gmez Arvalo

TEM DORES QUE A GENTE GOSTA: UMA BREVE HISTRIA GRECO-ROMANA


DO SEXO ANAL ENTRE HOMENS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1020
Kauan Amora Nunes

INTERSEXUALIDADE E A IMPOSIO DE UM CORPO GENERIFICADO. . . . . . . . 1028


Mikelly Gomes da Silva | Mikarla Gomes da Silva | Marcos Mariano Viana da Silva

SOBRE A BRANQUITUDE DA TEORIA FEMINISTA: PENSANDO O CUIDADO, A


MATERNIDADE E A RELAO COM O OUTRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1036
Georgia Grube Marcinik | Amana Rocha Mattos

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 809 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

SUJEITOS DESVIANTES: MULHERES, INSTITUIES REGULADORAS E


ABANDONO SOCIAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1044
Roberta Olivato Canheo

A LUTA CONTINUA, COMPANHEIROS (MAS NO PARA TODOS)!: A


HETERONORMATIVIDADE NO SINDICATO DOS TRABALHADORES EM
EDUCAO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . 1052
Henrique de Oliveira Santos | Diego Santos Vieira de Jesus

A PERSPECTIVA DE RELAES DE GNERO, DESAFIOS PARA ERGONOMIA:


ATIVIDADES DA MULHER TRABALHADORA QUE OCUPA CARGOS
TRADICIONALMENTE MASCULINOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1059
Mislene Aparecida Gonalves Rosa | Raquel Quirino

EQUIDADE E RELAES DE GNERO NA ENGENHARIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1069


Rodrigo Salera Mesquita | Raquel Quirino

APONTAMENTOS MICRO-ANALTICOS SOBRE A PRODUO DE


SUBJETIVIDADES: ENTENDIMENTOS SOBRE SEXUALIDADES E HIV . . . . . . . . . . . . . 1077
Jos Sena Filho

GNERO NO DESIGN: O USO DE OBJETOS COMO


MEIO PARA PERFORMATIVIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1085
Talita Meier Marques Rodrigues | Denise Berruezo Portinari

A REPATOLOGIZAO DAS HOMOSSEXUALIDADES


NA PSICOLOGIA CRIST. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1093
Cleber Michel Ribeiro de Macedo

CONSERVADORISMO RELIGIOSO NA ARENA POLTICA: DESAFIOS E


IMPASSES PARA AS POLTICAS PBLICAS E OS ATIVISMOS LGBT. . . . . . . . . . . . . . . . . 1100
Graziela Ferreira Quinto | Joo Bsco Hora Gis

A IDEOLOGIA DE GNERO COMO ESTRATGIA POLTICO-SEXUAL E A


REAO DO CONSERVADORISMO NO BRASIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1108
Henrique Araujo Aragusuku

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ISBN 978-85-61702-44-1 810 de Estudos sobre a Diversidade
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ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

LUTA POR RECONHECIMENTO: DAS CONQUISTAS AOS RETROCESSOS . . . . . . 1117


Leandro Rocha dos Santos

DIVERSIDADE E SEXUALIDADE EM GRUPOS DE DIREITOS SEXUAIS E


REPRODUTIVOS: REFLEXES SOBRE A PRTICA EM SADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1125
Mariana Galvo Pereira | Luiza Vieira Ferreira | Rafael Carlos Macedo de Souza

GNERO: O QUE O CRISTIANISMO PRECISA SABER?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1133


Rodrigo Henrique de Jesus Nascimento

RELAES DE GNERO, FEMINISMOS E COMUNICAO PARA A CIDADANIA:


A PERSISTNCIA DA UBREPRESENTAO DAS MULHERES E DA INVISIBILIDADE
DAS LSBICAS NA PRODUO DE CONHECIMENTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1141
Cludia Regina Lahni | Daniela Auad

TCHAU, CONSERVADORISMO! UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE O


MOVIMENTO LGBT E O DILOGO COM O SERVIO SOCIAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1151
Gleydson Felipe Duque de Paiva | Luiza Carla Cassemiro

FEMININO: O GNERO DA VIOLNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1160


Mikarla Gomes da Silva | Marcos Mariano Vianna | Tarcsio Dunga Pinheiro

PERSPECTIVA QUEER E A PROPOSTA NO-BINRIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1168


Francine Natasha Alves de Oliveira

POLTICAS PBLICAS PARA PESSOAS TRANSGNERO NO PAR:


A CARTEIRA DE NOME SOCIAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1177
Svio Barros Sousa | Milton Ribeiro da Silva Filho

FORMAES SOBRE DIREITOS LGBT PARA AGENTES DE SEGURANA PBLICA:


DIFICULDADES NA DEFESA DA CIDADANIA PARA LGBT NO PAR . . . . . . . . . . . . . . . . 1186
Svio Barros Sousa | Luanna Tomaz de Souza

O DIREITO E AS MULHERES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1195


Laura de Almeida Schefer

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

GNERO E SEXUALIDADES NA FORMAO DE PEDAGOGOS/AS: DILOGOS


ACERCA DE ENTENDIMENTOS E PRTICAS DISCENTES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1205
Apolnia de J. Ferreira Silva | Prof. Dr. Marco Antonio Torres

AS LIMITAES DO DIREITO AO LIVRE EXERCCIO DA PESSOALIDADE E


A IDENTIDADE DE GNERO: DESCONSTRUINDO A NORMATIVIDADE DE
GNERO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1214
Mateus Oliveira Barros | Paula Rocha Gouva Brener

LGBTTRABALHADORES: OS FORA DA NORMA


INSERIDOS NO MERCADO DE TRABALHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1222
Rafael Paulino Juliani | Rosemeire Aparecida Scopinho

DO DIAGNOSTICO DE TRANSTORNO DE GNERO CIRURGIA DE


TRANSGENITALIZAO: UMA REVISO BIBLIOGRFICA E DOCUMENTAL A
PARTIR DAS CONSIDERAES DA TEORIA QUEER. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1231
Juliana Perucchi | Helena Santos Braga de Carvalho | Lucas Barbosa da Silva

GNERO, SEXUALIDADES E ADOLESCNCIAS: INTERSECES IDENTITRIAS


POSSVEIS FORA DO(S) ARMRIO(S)? REFLEXES A PARTIR DA EXPERINCIA
NUM CENTRO DE CIDADANIA LGBT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1238
Silvana Marinho

SOBRE SER TRAVESTI, PUTA E MORAR EM CASA COM A FAMLIA: NOTAS


SOBRE OS CASOS DE EVITAO NOS RELACIONAMENTOS FAMILIARES . . . . 1248
Marcos Mariano Viana da Silva | Mikelly Gomes da Silva | Mikarla Gomes da Silva

(HOMO)SEXUALIDADES FEMININAS E A GINECOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1256


Ana Rita da Silva Rodrigues

ME D LICENA QUE EU T CORTANDO PRA EXU: MARCAS DA DIFERENA


E CONSTRUO DA RESISTNCIA NOS ESPAOS DE TRADIES
AFRO-AMERNDIAS DE CAMPINA GRANDE PB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1264
Lucas Gomes de Medeiros | Jussara Carneiro Costa

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ISBN 978-85-61702-44-1 812 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

A RESISTNCIA DA IDENTIDADE DE GNERO DE UMA TRAVESTI NO ESPAO


DE TRABALHO.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1272
Dr. Lus Antonio Bitante Fernandes

A VALORIZAO DAS IDENTIDADES SEXUAIS EM SITUAES DE CRCERE:


ENTRE DESAFIOS E PROPOSTAS PEDAGGICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1281
Viviane Conceio Antunes | Pedro Giorgio de Souza Rodrigues

A PREP E A MEDICALIZAO DOS CORPOS SOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1290


Denise Portinari | Simone Wolfgang

A VISO DE MUNDO E A DIVISO SEXUAL DO TRABALHO DAS PRODUTORAS


RURAIS PARTICIPANTES DA MARCHA DAS MARGARIDAS DO MUNICPIO
DE PORTEIRINHA - MG. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1299
Soraia M. Guimares | Raquel Quirino

EQUIDADE DE GNERO NO MUNDO DO TRABALHO DA ENGENHARIA. . . . 1307


Rodrigo Salera Mesquita | Raquel Quirino

MULHERES PIONEIRAS NA TECNOLOGIA DA INFORMAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1316


Daniela Teixeira Rezende | Raquel Quirino

A PERSPECTIVA DE RELAES DE GNERO, DESAFIOS PARA ERGONOMIA:


ATIVIDADES DA MULHER TRABALHADORA QUE OCUPA CARGOS
TRADICIONALMENTE MASCULINOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1325
Mislene Aparecida Gonalves Rosa | Raquel Quirino

EXPERINCIAS DE VIDA DE VIADOS DO INTERIOR. SILNCIO E RESILINCIA.1335


Maurcio Pereira Gomes

VIOLNCIA DE GNERO: UM TRAUMA CULTURAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1342


Martina Von Mhlen Poll | Fernanda de Oliveira Alves | Cludia Maria Perrone

ENTRE A TCNICA E A MORAL: PENSANDO A SEXUALIDADE NO DIREITO . . . . 1350


Andressa Regina Bissolotti dos Santos | Dhyego Cmara de Arajo

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 813 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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SEXUALIDADE E PRECONCEITO: INTOLERNCIA E DISCRIMINAO


DENTRO DA PRPRIA COMUNIDADE LGBT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1358
Nathlia Hernandes Turke | Virgnia Iara de Andrade Maistro

A AUTOAGRESSO REGULATRIA: CONSIDERAES PRELIMINARES. . . . . . . . . 1366


Danilo Arajo de Oliveira | Ramon Ferreira Santana

AS REZADEIRAS DO CARIRI PARAIBANO: RELATOS DE RESISTNCIA,


POTNCIA E CUIDADO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1374
Rebeca Arajo de Souza | Jussara Carneiro Costa | Maria Luiza Pereira Leite

REFLEXES SOBRE O PAPEL DO PODER JUDICIRIO E DO MOVIMENTO LGBTT


NO RECONHECIMENTO DE DIREITOS AOS HOMOSSEXUAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1381
Tatiana Sada Jordo Araujo

MUDANA DE PARADIGMA NA REALIZAO DO DIREITO DOS


HOMOSSEXUAIS: O CASO DO CDIGO PENAL MILITAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1389
Tatiana Sada Jordo Araujo

CONSERVADORISMO RELIGIOSO NA ARENA POLTICA: DESAFIOS E IMPASSES


PARA AS POLTICAS PBLICAS E OS ATIVISMOS LGBT. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1398
Graziela Ferreira Quinto | Joo Bsco Hora Gis

UTILIZAO (OU NO) DO NOME SOCIAL:


(TRANS) SUBJETIVIDADES EM MBITO ACADMICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1407
Nathlia Hernandes Turke | Fbio Augusto Joinhas | Julin Asaff Azevedo

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SODOMIA, HOMOSSEXUALIDADE, HOMOEROTISMO:


POR UMA NOVA HISTRIA DAS SUBJETIVIDADES

Cssio Bruno de Araujo Rocha


Doutorando em Histria Social da Cultura
Universidade Federal de Minas Gerais;
Programa de Ps-graduao em Histria
[email protected]

GT 13 - Por uma nova histria do Gnero e da Sexualidade

Resumo

A comunicao prope a produo de uma histria das subjetividades que


no tome como pressuposto a existncia de identidades. O texto investiga
como realizar a genealogia da identidade homossexual, procurando cami-
nhos tericos para pensar experincias homoerticas em contexto diferente do
da Modernidade ocidental. Especificamente, abordam-se questes tericas a
respeito das categorias de sodomia, homossexualidade e homoerotismo, situan-
do-as em um projeto de uma histria das subjetividades. A partir da narrativa
de Foucault para a diferenciao entre a sodomia como ato jurdico e a homos-
sexualidade como espcie sexual, alinham-se argumentos para desconstruir a
proposio essencialista de uma identidade homossexual universal.
Palavras-chave: Homoerotismo; Homossexualidade; Sodomia; Subjetividade;
Identidade.

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Introduo

O problema do texto o da genealogia da categoria identitria do homos-


sexual na Idade Moderna. O texto aborda questes tericas a respeito das
categorias de sodomia, homossexualidade e homoerotismo, situando-as em um
projeto de uma histria das subjetividades. Se prope fazer aqui uma nova his-
tria das subjetividades; mais precisamente, das subjetividades homoerticas.
Objetiva-se pensar um fazer histrico que no tome os sujeitos como identi-
dades dadas. Antes, aponta-se para uma histria dos modos como as variadas
formas identitrias de sujeito foram historicamente construdas, apresentadas e
representadas como a composio natural, essencial e universal dos sujeitos.
Assim, se propem reflexes tericas sobre esta nova histria. Fazer a
histria sem pressupor o sujeito, no caso, o sujeito homossexual, tambm um
proceder contra intuitivo, uma vez que implica considerar que no h algum
que faa a histria, mas que este algum feito ao longo da histria ao longo
dos seus prprios atos performativos, cujos vestgios guardam as fontes, e da
escrita da narrativa pelo historiador (que no deixa de se compor como sujeito
nesta mesma medida).

A histria da homossexualidade em Foucault

No volume I de sua Histria da Sexualidade, Foucault apresentou sua his-


tria da homossexualidade. Em linhas gerais, ele adiantou a ideia de que a
homossexualidade (como identidade moderna de certas pessoas) foi produzida
por uma operao do dispositivo de poder da sexualidade para, atravs de
uma perseguio s sexualidades perifricas, a partir de meados do sculo XIX,
incorporar as perverses, acarretando em uma especificao nova dos indiv-
duos (FOUCAULT, 1994, 46).
O dispositivo da sexualidade funciona em uma mecnica moderna do
poder, que primeiramente produtiva. Cumprindo regras mecnicas-produti-
vas gerais, o dispositivo da sexualidade atuou, desde o sculo XIX, por meio
de quatro operaes particulares, visando sempre estender suas redes capilares
sobre a sociedade, enredando e constituindo corpos. Para a histria da homos-
sexualidade, interessa mais a segunda operao, a especificao nova dos
indivduos. Por meio dela, as sexualidades perifricas so incorporadas a cada
um, declaradas a parte mais essencial de seu Ser, a chave de sua identidade. Se

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a sodomia respeitava apenas a atos (dizia respeito a sujeitos jurdicos), com a


Modernidade, a homossexualidade torna-se a condio ontolgica dos sujeitos
(FOUCAULT, 1994, 46-48).
Deslocou-se, assim, a universalizao da identidade homossexual. Antes
da modernizao burguesa do sculo XIX, imprprio pressupor esta identi-
dade como formadora dos sujeitos que praticavam a sodomia. Se os sodomitas
no eram homossexuais, como abordar os processos de construo de sua
subjetividade?

Homoerotismo e subjetividade

O psicanalista Jurandir Freire Costa props a categoria de homoerotismo


para evitar a normatizao implcita identidade homossexual. O que seria
possvel porque a noo de homoerotismo mais flexvel e descreve melhor a
pluralidade das prticas e desejos de homens por homens. Ademais, ela rompe-
ria com os significados mdico-jurdicos pejorativos atrelados s categorias de
homossexualismo, homossexualidade e homossexual, como doena, anormali-
dade e perverso (COSTA, 1992, 13-40).
Segundo Ferrari, a categoria homoerotismo dilui a homogeneidade con-
tida na identidade homossexual, uma vez que diz mais de prticas do que de
critrios identitrios. Permite problematizar a centralidade do objeto do desejo
e mais indefinida, sendo, portanto, aberta a novas construes subjetivas. Por
isto, o homoerotismo d mais fora ao contexto sociocultural em que acontece
como prtica (FERRARI, 2015, 351-353).
Para uma histria das subjetividades homoerticas, til conciliar este
conceito com os modos como Foucault e Butler pensam a construo corprea
das subjetividades pelos mecanismos de poder.
Em Vigiar e Punir, Foucault mostra como, desde fins do sculo XVII,
diversas tecnologias de poder se articularam paulatinamente para construir a
subjetividade moderna, formando-a em e atravs de corpos dceis (submissos
s constries do poder) e com fora majorada ao mximo (para produzir sem-
pre mais) (FOUCAULT, 2011, 131-163).
Segundo Mrcio Fonseca, esta ao disciplinar do poder concorre para
os modos de objetivao do indivduo na Modernidade, isto , sua constitui-
o como objeto das relaes de poder. Esta uma dimenso importante da
subjetividade moderna, mas no a define integralmente. Segundo o mesmo

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comentarista, o indivduo da Modernidade tambm formado, simultanea-


mente ou no, por modos de subjetivao. Estes dizem respeito s prticas que
fazem do homem um sujeito, sendo ele um sujeito preso a uma identidade que
lhe atribuda como prpria (FONSECA, 2003, 21-38).
Dentre os modos de subjetivao, destaca-se o dispositivo da sexuali-
dade, articulado tanto pelas disciplinas (que dizem de antomo-poltica do
corpo humano), quanto pela biopoltica. Esta centra-se no corpo-espcie,
atravessando-o pela mecnica do ser vivo e formando-o como suporte dos
processos biolgicos (FOUCAULT, 1994, 141-143). Assim, no h como se pen-
sar a constituio da subjetividade moderna fora da construo dos corpos.
Os mecanismos de biopoder agem construindo as subjetividades nos prprios
corpos esvazia-se a dicotomia corpo-mente que informa a noo cartesiana
de sujeito.
Judith Butler argumenta, por sua vez, que a noo de corpo que o
indivduo tem como seu construda pela corporificao da dicotomia interio-
ridade-exterioridade. A construo de contornos corporais capazes de fixar a
subjetividade se d pela elaborao da categoria de sexo como natural, fixa e
lcus da coerncia da identidade. Assim, a heterossexualidade construda pelo
erguer das fronteiras do corpo, separando o que constitudo como uma subje-
tividade interiorizada do que construdo como a alteridade radical, por estar,
supostamente, fora. Correlatamente, a homossexualidade constituda como
anormalidade, como abjeta, porque pe em perigo a estabilidade e a natura-
lidade das fronteiras corporais que sustentam a heterossexualidade (BUTLER,
2012, 185-192).
Destarte, a histria da subjetividade que se prope aqui no passa ao
largo de uma genealogia do corpo desdobrando e radicalizando a teoria de
Foucault. De acordo com Tania Navarro-Swain, fazer uma histria das subje-
tividades ter em conta que os indivduos so nomeados e percebidos pelos
contornos corporais que lhes so atribudos, que seus corpos trazem a marca
impressa pelo biopoder. Esta marca uma determinada identidade social que
exprime sua diferena sua subjetividade (NAVARRO-SWAIN, 2013, 52).
O homoerotismo, como categoria historicamente mais flexvel e menos
comprometida com o dispositivo da sexualidade, funciona aqui como estratgia
para deslocar a identidade homossexual moderna, barrando sua expanso para
outras temporalidades. Tal ttica urgente para se pensar as subjetividades de
homens e mulheres que praticaram a sodomia entre os sculos XVI e XVIII.

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Sodomia, homoerotismo e homossexualidade

Se Foucault resolveu em poucas palavras a relao entre o sodomita


(relapso) e o homossexual (espcie), esta questo est longe de resolvida na
historiografia do homoerotismo entre os sculos XVI e XVIII.
Para o historiador Ronaldo Vainfas, a questo envolve as dificuldades que
tinham os inquisidores em precisar o que era o pecado da sodomia. Segundo
ele, a sodomia de fato dizia de certos atos erticos proscritos (o sexo anal,
mas no apenas ele). Porm, tambm se referia ao fazer sexo com algum do
mesmo sexo e a certos comportamentos, que diriam de certos modos de ser
dos sodomitas (VAINFAS, 1989, 144-151).
Luiz Mott defende uma oposio mais radicalmente essencialista, afir-
mando que os praticantes da sodomia compartilhavam uma identidade
homossexual em continuidade histrica com a dos homossexuais modernos.
No entender deste autor, a existncia de subculturas homoerticas em cidades
europeias, como Lisboa, j no sculo XVII evidncia da realidade histrica
desta identidade que informaria as prticas erticas nefandas de homens e
mulheres (MOTT, 1988).
Neste texto, o objetivo apresentar objees tericas ligao autom-
tica entre sodomia e homossexualidade e possibilidade da construo de
uma identidade baseada no sexo para as pessoas que praticaram a sodomia no
contexto.
Em primeiro lugar, a narrativa foucaultiana mostra como a homossexua-
lidade foi construda como uma identidade centrada no sexo, sendo este um
construto central do dispositivo da sexualidade. Assim, no h como existir tal
identidade em contextos em que as tecnologias de poder (entre elas, os discur-
sos cientficos sobre a sexualidade) que constroem o sexo como chave interior
da subjetividade no existam.
As Inquisies modernas no dispunham da totalidade destas tecnologias
de si. A principal tcnica utilizada pelo Santo Ofcio para abordar a prtica
sodomtica era a confisso. Os inquisidores esperavam que os rus fizessem
confisso completa, uma vez que o objetivo manifesto desta era a salvao de
suas almas.
Segundo Foucault, a confisso uma tcnica de si bastante antiga
na Cristandade. A confisso envolve uma arte de falar a verdade de si que
estaria localizada nos recnditos da alma e do desejo. Na pastoral crist, a

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arte de confessar-se tornou-se uma obrigao, logo, uma injuno de poder.


Fala-se de si para constituir-se a si mesmo como um sujeito desejante perante
um juiz, que o mestre mas tambm o inquisidor e, em ltima instncia, o
deus (FOUCAULT, 2010, 324-326). Trata-se de uma hermenutica do desejo
(FOUCAULT, 1984, 12).
Ao contrrio do que acontece sob o dispositivo da sexualidade, contudo,
a confisso, entre os sculos XVI e XVIII, objetivava a salvao no alm-vida.
Por isto, no pretendia a formao de individualidades, antes a renncia a si
mesmo. Os praticantes da sodomia deveriam perscrutar seu desejo interior para
ali identificar o pecado e, em seguida, renunciar aos seus prazeres homoer-
ticos, no os trazer incrustados em suas peles. Assim, como, alis, pontuou
Ronaldo Vainfas, os inquisidores ficaram a meio caminho entre a sodomia como
mero ato e a constituio de uma identidade sodomita.
As tcnicas de si que a Inquisio utilizava para julgar os acusados de
sodomia funcionavam, ademais, sob a gide de um poder jurdico, cuja preo-
cupao no era a gesto da vida. O soberano exercia este poder diretamente
sobre os corpos dos sditos, exaltando-se nas manifestaes fsicas dos supl-
cios. Era um poder armado que exercia funes blicas em relaes quase
pessoais com cada sdito. Isto porque o crime era tomado como um ataque
direto ao soberano (encarnado na lei). De modo que a punio ao crime era
tambm uma vingana do soberano. No caso da sodomia no mundo portugus
do Perodo Moderno, o castigo era to grave quanto o do regicdio o qual era
entendido como o crime total e absoluto (FOUCAULT, 2011, 34-67).
O poder jurdico e soberano impunha demarcaes, mais ou menos
claras, entre o permitido e o proibido. Seu signo era principalmente o da repres-
so. Entende-se, desta maneira, as penalidades para a sodomia serem bastante
graves nas Ordenaes portuguesas (legislao leiga) e a Inquisio ceder a
execuo dos sodomitas condenados fogueira Coroa (os relaxados ao brao
secular). O poder soberano funciona sob a lgica do fazer morrer ou de deixar
viver. Em relao ao sodomita, despeito dos efeitos da tcnica da confisso de
produzir uma interioridade a partir da hermenutica do desejo, o poder preo-
cupava-se em manter a barreira do interdito. Os que se obstinavam a romp-la
eram, enfim, levados pira inquisitorial. No era preocupao dos dispositivos
de poder do Antigo Regime gerir a vida dos praticantes do nefando, no se pro-
curava os normalizar tanto que no havia discursos de saber ou tcnicas de
poder para tal (FOUCAULT, 1994, 137-138).

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Destarte, uma histria da sodomia e dos que a praticavam na Idade


Moderna no pode tomar como pressuposta a identidade homossexual. Uma
histria do homoerotismo deveria fazer uma histria da constituio das subje-
tividades dos personagens adeptos a prticas homoerticas.

Consideraes finais

Por fim, destaca-se que, para fazer uma nova histria das subjetividades,
h que se dar ateno necessidade de traar a genealogia das categorias
identitrias no fazer histrico. Tomar identidades contemporneas como dadas
em outras temporalidades arriscar-se ao anacronismo, desprezando as expe-
rincias, os saberes e as tcnicas de poder especficas que agem na elaborao
dos corpos e de suas subjetividades. Assim, em relao ao homoerotismo,
importante atentar para como diferentes categorias relacionam-se a regimes de
poder-saber-prazer diversos.
Fazer a genealogia da identidade homossexual revela-se uma estratgia
eficaz para deslocar seus sentidos atuais. Se tal identidade , ainda, elaborada
pelo dispositivo da sexualidade, ela no deixa de estar eivada de normatividade.
Assim, explicitar sua historicidade torna-se uma via para sua subverso. Se o
homossexual no foi sempre, no h porque crer que sempre ser. , ento,
possvel estilizar as existncias homoerticas contemporneas. Como pensou
Foucault, a homossexual ser em devir (ORTEGA, 1999, 166).

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Renato Aguiar. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2012. (Sujeito e Histria);

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Janeiro: Relume-Dumar, 1992;

FERRARI, Anderson. Homoerotismo. In: COLLING, Ana Maria; TEDESCHI, Losandro


Antonio. (Orgs.). Dicionrio crtico de gnero. Dourados, MS: Ed. UFGD, 2015. P.
351-353;

FONSECA, Mrcio Alves. Michel Foucault e a constituio do sujeito. So Paulo:


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FOUCAULT, Michel. Histria da Sexualidade II. O uso dos prazeres. Trad. Maria
Thereza da Costa Albuquerque. Reviso tcnica Jos Augusto Guilhon Albuquerque.
Rio de Janeiro: Edies Graal, 1984;

________. Histria da Sexualidade I. A vontade de saber. Lisboa: Relgios Dgua


Editores, 1994;

_______. A hermenutica do sujeito. Curso dado no Collge de France (1981-1982).


Trad. Mrcio Alves da Fonseca, Salma Tannus Muchail. 3 ed. So Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2010. (Obras de Michel Foucault);

________. Vigiar e Punir. Nascimento da priso. Trad. Raquel Ramalhete. 39 ed.


Petrpolis, RJ: Vozes, 2011;

MOTT, Luiz. Pagode Portugus. A subcultura gay em Portugal nos tempos inquisito-
riais. In: Cincia e Cultura, V. 40, p. 120-139, 1988;

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Carolina Arruda de Toledo. (Orgs.). Paisagens e tramas. O gnero entre a histria e a
arte. So Paulo: Intermeios, 2013;

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ORTEGA, Francisco. Amizade e esttica da existncia em Foucault. Rio de Janeiro:


Edies Graal, 1999;

VAINFAS, Ronaldo. Trpico dos pecados. Moral, sexualidade e inquisio no Brasil


Colonial. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

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REDE DE PROTEO COMUNIDADE LGBT DA UNB:


CONSIDERAES PRELIMINARES SOBRE O PROCESSO
DE IMPLEMENTAO DE UM SERVIO

Tatiana Liono
Doutora em Psicologia
Professora adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade de Braslia (IP/UnB)
[email protected]

Larissa Vasques Tavira


Mestranda em Psicologia Clnica e Cultura (IP/UnB)
[email protected]

Felipe de Bare
Mestrando em Psicologia Clnica e Cultura (IP/UnB)
[email protected]

GT 21 - Polticas pblicas, processos educativos e subjetividades: reinvenes,


potencialidades e tenses na temtica da diversidade sexual

Resumo

O Escuta Diversa um servio interdisciplinar de articulao e fortalecimento


da rede de proteo comunidade LGBT da UnB. O projeto est em constru-
o e se pretende cadastr-lo projeto de extenso universitria, articulando-se
com parcerias que permitam identificar servios de referncia, instncias e
coletivos interno e externos prpria universidade que possam garantir direitos
para esta comunidade. Como efeito do Programa de Combate LGBTfobia da
UnB, criado em 2012, e da institucionalizao de uma diretoria especfica para
a proteo dos grupos minoritrios, idealizou-se a implementao do Escuta
Diversa, um servio de acolhimento da comunidade LGBT, para a construo
de encaminhamentos internos e externos UnB, bem como para efetivar aes
de preveno e reparao da violncia LGBTfbica na instituio.
Palavras-chave: LGBT; redes de proteo; universidade.

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Introduo

Reconhecendo que as prticas de violncia contra lsbicas, gays, bisse-


xuais, travestis e transexuais, aqui denominadas amplamente como LGBTfobia1
podem comprometer a qualidade dos processos de ensino-aprendizagem,
podendo estar associadas evaso universitria de alunos e funcionrios LGBTs,
a Universidade de Braslia (UnB), em 2012, criou: o Programa de Combate
Lesbofobia, Homofobia, Bifobia e Transfobia da UnB, por meio da Resoluo
da Reitoria 0154/2012; a Diretoria da Diversidade, instncia administrativa res-
ponsvel pela identificao, acompanhamento e resoluo de conflitos relativos
a minorias polticas vulnerveis discriminao; uma resoluo sobre o uso
do nome social. No mbito do Ensino Superior, estas foram aes pioneiras de
enfrentamento institucional s prticas LGBTfbicas.
Em 2016, atendendo aos objetivos do Programa de Combate LGBTfobia da
UnB, vem se desenvolvendo o Escuta Diversa, um projeto de extenso interdisci-
plinar que promover servios de acolhimento e articulao da rede de proteo
comunidade LGBT da UnB, tendo como beneficirios estudantes, servidores
tcnico-administrativos e docentes. Inspirados pelos Centros de Referncia da
Diversidade institudos pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, articulou-
-se a participao da Psicologia, Servio Social e Direito. O projeto prev a
realizao de pesquisas que sistematizem dados institucionais que respaldem a
consolidao do servio, no sentido de alinhar-se s polticas internas e mapear
demandas da comunidade que justifiquem suas estratgias (GONALVES e
GUAR, 2010). Visa-se assim promover o confronto s prticas de violncia de
gnero e sexualidade to presentes e banalizadas no cotidiano acadmico.

Violncias contra LGBTs nas Universidades

Em muitos aspectos, as universidades tm sido mais fiis manuteno


das relaes hierrquicas e de opresso hegemnicas do que cumprido a fun-
o social diminuir desigualdades sociais. Um estudo da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS) que analisou calouradas e trotes acadmicos,

1 A deciso do uso do termo LGBTfobia neste trabalho decorre de ser a conceituao adotada em
documento institucional que respalda a proposio do projeto de extenso universitria que se visa
apresentar, a saber o Programa de Combate LGBTfobia da UnB.

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identificou que esses eventos, ao promoverem discursos sexistas e LGBTfbicos,


espetacularizam a violncia, banalizando e naturalizando opresses. Entre os
coros entoados nessas ocasies, destacam-se:
Se eu fosse viado, eu fazia Economia, mas eu sou do Direito e o
Direito putaria! (...) Economista, bichinha, s conta moedinha! (...)
Arquiteto, bichinha, s brinca de casinha! (NARDI; MACHADO;
MACHADO; ZENEVICH, 2013, p. 185).

Na tradio consentida desses rituais acadmicos, a homossexualidade


tomada como objeto de rechao moral e desqualificao social. Esse tipo de
reproduo da homofobia reifica o valor da heteronormatividade, promovendo
o silenciamento das expresses afetivas no heterossexuais no cotidiano das
relaes institucionais (NARDI et al., 2013, p. 185). Infelizmente, a lgica do
armrio se estende toda comunidade universitria determinando campos de
invisibilidade a alunos e funcionrios LGBTs, que sofrem violncias e discrimi-
naes em mltiplos contextos, como revelam depoimentos:
um professor (...) revelou que, quando faz festas e convida profes-
sores homossexuais, ele tem de esconder as crianas, porque
uma viadagem s. Outro professor relatou que passou a ser amea-
ado de morte por uma aluna que, estando sexualmente interessada
por ele, enfureceu-se ao compreender que ele era homossexual.
Esse caso seguiu para o Conselho da Unidade, onde uma das pro-
fessoras perguntou: Tens certeza de que vai [sic] levar a questo
adiante? Isso pode chegar at o Reitor! Essa professora, preocupada
com a permanncia de seu colega no armrio, reiterou a subal-
ternidade da homossexualidade no mbito institucional, colocando
em segundo plano uma ameaa de morte (NARDI et al., 2013 :193).

Uma pesquisa realizada com estudantes LGBTs da UnB, registrou relatos


de: piadas homofbicas proferidas por docentes em sala de aula; xingamentos
advindos de estudantes; episdios de agresso fsica a alunos homossexuais em
festa universitria e por parte da prpria segurana do campus; recusa de tra-
balhos acadmicos com enfoque em temas LGBTs; constrangimentos de aluno
transexual no uso da carteira estudantil e na negociao para uso do nome
social; recusa de acolhimento de estudante homossexual em programa de con-
cesso de moradia estudantil sob a alegao de que a ruptura de seus laos
familiares, decorrente da homofobia, no consistia em critrio de elegibilidade

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para o benefcio social (MENDES, 2012). Outro dado que chamou a ateno,
deu-se com os cartazes de divulgao dessa pesquisa, majoritariamente arran-
cados e vandalizados.
Dado histrico corporativista e de inrcia na apurao de prticas
LGBTfbicas nas universidades, as transformaes nas relaes institucionais
promovidas pelos coletivos estudantis so fundamentais, uma vez que tambm
contam com estratgias no previstas nas normativas institucionais. Esses cole-
tivos tm realizado atividades que conciliam o discurso acadmico militncia
LGBT, incluindo protestos, notas de repdio e atos por visibilidade, como debates
pblicos. A ao dos coletivos favorece a formao de vnculos que contribuem
para a permanncia de LGBTs nas instituies (CRUZ, 2012). Ademais, a prpria
produo acadmica de LGBTs assume um carter poltico, pois problematiza
o pretenso discurso de neutralidade da cincia (NARDI et al., 2013; AMARAL,
2013; MENDES, 2012).
Estudos realizados nas universidades de Minas Gerais (AMARAL, 2013) e na
Universidade do Rio Grande do Norte (CRUZ, 2012) identificaram que a mobi-
lizao dos coletivos estudantis desempenha a importante funo de denunciar
violaes de direitos humanos nos espaos universitrios. Alm de identificarem
tais prticas, os coletivos tm visibilizado a inoperncia institucional para coibir
e investigar tais incidentes. Infelizmente, contudo, esses coletivos tm sido sujei-
tos ameaas e agresses, o que demanda reconhecimento da necessidade de
proteo desses para que possam exercer o direito organizao poltica.
Diante da precariedade das respostas institucionais, reconhece-se a relevn-
cia do papel exercido pelos coletivos estudantis e docentes implicados em projetos
de pesquisa e extenso. Estes so atores fundamentais para superar a invisibilidade
e naturalizao das violncias LGBTfbicas nas universidades, pois so capazes
de denunciar violncias e sistematizar informaes que fundamentem a criao de
polticas de proteo comunidade LGBT na sociedade como um todo.

Breve relato do incio da implementao do projeto Escuta


Diversa

Em processo de construo, este projeto de extenso universitria conta


com a associao entre a Psicologia, o Servio Social e o Direito2. O Escuta

2 A relao do Escuta Diversa com o Direito mediada por outro projeto de extenso idealizado por

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Diversa visa identificar instrumentos e medidas que respaldem demandas emer-


gentes, atravs da articulao de uma rede de proteo para a comunidade
LGBT da UnB3. Essas aes so planejadas em reunies semanais, onde se
desenvolvem estratgias para identificar episdios de violncia no campus, alm
de sistematizao de informaes institucionais, documentos internos, marcos
normativos, de polticas pblicas e mapeamento de servios da rede pblica do
GDF, que poder ser acionada.
A sistematizao da documentao institucional faz parte de um pro-
jeto de pesquisa j aprovado em edital de Iniciao Cientfica. O trabalho
envolve a recuperao da memria institucional ao longo do desenvolvimento
do Programa de Combate LGBTfobia da UnB, assim como a realizao de
entrevistas com os atores envolvidos na implementao do programa. A anlise
documental servir como via de esclarecimento de normativas e prticas que
auxiliaro melhor a efetivao do Escuta Diversa.
Como ao inaugural e disparadora do Escuta Diversa, realizou-se uma
atividade denominada DesaBAPHO, iniciativa que promoveu rodas de conver-
sas para exposio de vivncias LGBTfbicas ocorridas nos espaos da UnB.
Buscou-se assim criar um ambiente de conforto e acolhimento de denncias.
Essa atividade tinha o intuito tambm de gerar resultados que pudessem auxiliar
no delineamento das futuras atuaes do projeto.
Foram promovidos DesaBAPHOS nos quatro campi da universidade,
durante a I Semana da Diversidade LGBT da UnB e a II Parada LGBT da UnB,
entre os dias 21 e 25 de junho de 2016. Essa distribuio viabilizou o mapea-
mento das demandas especficas de cada campus, alm fomentar a divulgao
dos servios do Escuta Diversa. Nesses encontros, presenciou-se o relato de
alunos e docentes, fator que promoveu ainda mais o empoderamento dos par-
ticipantes, pois criou um senso colaborativo e de pertencimento, que motivou
a identificao de vivncias comuns e o compartilhamento de relatos, antes
compreendidos como vivncias isoladas.
Conforme previsto, notou-se maior ocorrncia de prticas LGBTfbicas
nos espaos dos cursos cujas grades curriculares no contemplam discusses
sobre direitos humanos e sociais, sobretudo no campo das cincias exatas,

alunos LGBTs: o (R)Existir.


3 Este projeto est comprometido com aes que realizadas nas dependncias de todos os campi da
UnB, a saber: Asa Norte, Planaltina, Gama e Ceilndia.

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embora mesmo os cursos de cincias humanas que abordam a questo de


gnero em sua grade curricular no deixem de apresentar manifestaes homo-
fbicas no cotidiano das atividades. Foram identificadas as seguintes queixas:
deslegitimao de docentes diante da proposta de trabalhos com temticas
LGBT; comentrios LGBTfbicos proferidos por alunos e professores dentro e
fora de sala de aula; inibio de expresses de homoafetividade nos campi
como via de se prevenir contra agresses; isolamento social e senso de no-per-
tencimento em decorrncia da discriminao.
Impem-se como desafios para o Escuta Diversa a permanncia do dilogo
e contato com diferentes instncias da universidade, incluindo dilogo perma-
nente com coletivos estudantis. imperativo que se faa o reconhecimento
do projeto enquanto mediador de conflitos relacionais, bem como servio de
acompanhamento e apoio nos processos de denncia institucionais e capacita-
o de quadros tcnicos na UnB. Ademais, visa-se realizar debates acadmicos
protagonizados pela comunidade LGBT da UnB, movimento social, e parceiros
que atuam em servios da rede pblica.

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a atuao dos coletivos universitrios de diversidade sexual para o enfrentamento
homofobia institucional.Revista Teoria & Sociedade, n. 21. v. 2, jul./dez. 2013.

CRUZ, Daniella Elana dos Santos. Diversidade sexual na UFRN como questo de
direitos humanos: sujeitos coletivos e estratgias em defesa da liberdade de orien-
tao e expresso sexual. (Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Curso de
Servio Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Natal: UFRN, 2012

GONALVES, Antnio Srgio; GUAR, Isa Maria Ferreira da Rosa. Redes de proteo
social na comunidade: por uma nova cultura de articulao em rede. In: GUAR, I.
M. F. R. (Org.). Redes de proteo social. So Paulo: Associao Fazendo Histria,
2010. p. 11-16.

MENDES, Thiago Menezes de Castro. A homofobia na Universidade de Braslia: dis-


criminao, expresses e representaes entre estudantes. Monografia apresentada
ao Departamento de Servio Social da Universidade de Braslia como requisito parcial
para a obteno do ttulo de bacharel em Servio Social. Braslia: UnB, 2012.

NARDI, Henrique Caetano et al. O armrio da universidade: o silncio institucional


e a violncia, entre a espetacularizao e a vivncia cotidiana dos preconceitos sexu-
ais e de gnero. Revista Teoria & Sociedade, n. 21, vol. 2, 2013.

UNIVERSIDADE DE BRASLIA. Resoluo da Reitoria 0154/2012. Cria o Programa


de Combate Lesbofobia, Homofobia, Bifobia e Transfobia (LGBTfobia) da UnB.
Braslia: UnB, 2012.

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INTERAO, DISCURSO E SADE:


MASCULINIDADES EM PRODUO NA PRTICA CLNICA

Alexandre Jos Cadilhe


Doutor em Estudos da Linguagem pela UFF
Professor Adjunto do Deparamento de Educao da UFJF
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo analisar como as relaes de gnero e


sexualidade masculinas so engendradas pela interao e discurso produzido
por profissionais de sade e paciente em prticas de sade. A pesquisa foi
realizada em um ambulatrio de um hospital universitrio mantido por uma
fundao filantrpica, localizada no interior do Rio de Janeiro. Os dados foram
gerados a partir da perspectiva qualitativa de pesquisa, atravs da microet-
nografia, tendo como objeto de anlise a fala produzida em interao social.
Foi utilizado como instrumento a gravao em udio, as quais foram trans-
critas, e as anlises tiveram como bases conceitos da Anlise da Conversa e
da Sociolingustica Interacional. Como resultados, foi possvel categorizar em
quatro temas as 30 consultas gravadas, que sero analisadas separadamente na
continuidade deste estudo.
Palavras-chave: masculinidades; discurso; sade.

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1. Introduo

O estudo ora apresentado situa-se num campo interdisciplinar da Sade,


dos estudos da Linguagem, e dos estudos sobre Gnero e Sexualidade, anco-
rado no propsito de criar inteligibilidade sobre problemas sociais em que a
linguagem tem um papel central (MOITA LOPES, 2006, p. 14). Sendo uma pes-
quisa interdisciplinar com nfase na linguagem voltada a um contexto aplicado,
selecionei as prticas institucionalizadas de um servio de ateno sade
como campo de pesquisa, especificamente cenrios de ateno sade de um
hospital universitrio gerenciado por uma fundao filantrpica e o curso de
graduao em Medicina desta mesma fundao. Assim como outras prticas
sociais, o servio de sade constitudo por uma srie de aes e interaes
entre profissionais e usurios do servio prestado, orientado pela atualizao
da chamada tecnologia leve (cf. MERHY, 2007; 2013), conhecida como uma
tecnologia de carter relacional, ou seja, baseada na interao entre sujeitos.
J h no Brasil considervel produo acerca do papel desempenhado
pela linguagem em prticas de sade (cf. OSTERMANN & MENEGHEL, 2012;
GONALVES, 2013; CADILHE, 2013a, 2013b, entre outros), alm das expe-
rincias internacionais (cf. MISHLER, 1984; SARANGI 2004; MAYNARD &
HERITAGE, 2005, entre outros). Trata-se de estudos que, produtivamente, ana-
lisam a interao e o discurso de profissionais da sade e pacientes, de modo a
problematizar e construir reflexes sobre as prticas de sade institudas nestas
interaes, bem como a relao com a poltica de sade vigente ou a com-
preenso do processo sade/doena adotado a partir da anlise de prticas
discursivas.
Selecionar as categorias de gnero e sexualidade para construir uma refle-
xo sobre as prticas de sade dos homens significa trazer baila o carter
histrico e social da posio de masculinidade, em uma noo de gnero e
sexualidade tal qual preconizado pelos estudos de Butler (2013), amplamente
discutidos pelos pesquisadores brasileiros aqui citados. Gnero, neste estudo,
compreendido como uma construo cultural sobre a organizao social
das relaes entre sexos, traduzida por dispositivos e aes materiais e sim-
blicos, fsicos e mentais (GOMES, 2008, p.64). Em outros termos, significa
compreender que as identidades de gnero so construdas socialmente, elas
esto sempre referidas s representaes que um dado grupo faz de feminino
ou de masculino (LOURO, 2012, p.95). A categoria de sexualidade, por outro

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lado, aponta para as formas de exercer experincias corporais: as identidades


sexuais tambm se produzem socialmente, por meio das distintas formas de
experimentar prazeres e desejos corporais, de por em ao a sexualidade.
Contemporaneamente, diferentes perspectivas sobre a relao entre prti-
cas de linguagem e construo de gneros tm sido enfatizadas, principalmente
com a operao do conceito de comunidade de prtica. Com origem na rea
de educao, define-se como um conjunto de pessoas agregadas em razo do
engajamento mtuo em um empreendimento comum. Modos de fazer coisas,
modos de falar, crenas, valores, relaes de poder em resumo, prticas
emergem durante sua atividade conjunta em torno de um empreendimento
(ECKERT & MCCONNELL-GINET, 2010, p.102). Nesta esfera, as identidades
de gnero so compreendidas como categorias emergentes e constantemente
negociadas no interior de comunidades de prtica, ocasionando inclusive dife-
renas intragnero (cf. OSTERMANN, 2006). Ao pesquisador, incumbe-se o
papel de analisar como tais relaes de gnero so estabelecidas a partir dos
engajamentos de sujeitos em comunidades de prticas, atravs da observao,
da participao, do registro de suas falas e interaes. Instaura-se, assim, um
diferente lcus para a relao entre linguagem e relaes de gnero, que se
alinha perspectiva de construo e negociao das identidades de gnero e
sexualidade a partir da interao e do discurso.

2. Materiais e mtodos

A pesquisa desenvolvida orienta-se por uma abordagem qualitativa, a


qual trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspiraes,
das crenas, dos valores, das atitudes (MINAYO, 2008, p. 21). Esta perspectiva
parte da compreenso de um sujeito que se distingue no s por seu agir, mas
por pensar sobre o que faz e por interpretar suas aes dentro e a partir da rea-
lidade vivida e partilhada pelos seus participantes (idem).
Nesta perspectiva, o espao onde ocorreu a pesquisa constitudo pelo
ambulatrio de um hospital universitrio de uma fundao filantrpica locali-
zada no interior do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se, portanto, de um cenrio
de servio de sade e de ensino ao mesmo tempo. Enquanto servio de sade,
atende tanto a usurios do Sistema nico de Sade quanto a usurios de planos
conveniados. O atendimento feito por mdicos das cerca de 30 especialida-
des. Enquanto cenrio de ensino, tambm um espao onde estudantes do

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Sexual e de gnero
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curso de medicina e mdicos residentes da Instituio so engajados a partici-


par ativamente das consultas, com a anuncia dos pacientes.
luz deste referencial metodolgico, constitui como instrumento de
pesquisa a gravao em udio de 30 consultas com pacientes homens, principal-
mente nas especialidades de clnica mdica, urologia, proctologia e cardiologia,
pela possibilidade maior de incidncia de pblico masculino, considerando os
dados epidemiolgicos do PNAISH.

3. Resultados e discusso dos dados

No mbito deste estudo, a prtica da transcrio de dados orais cons-


titui, por si, um trabalho analtico: so selecionados segmentos, critrios para
marcaes prosdicas, seleo de smbolos de transcrio, etc. Este exerccio
extenso, contnuo, e sempre estar sujeito a subjetividades na escolha do pes-
quisador (cf. MAYNARD, 2014).
Uma vez realizadas as transcries, possvel fazer uma primeira cate-
gorizao analtica dos dados, considerando temas recorrentes, possveis
problemas interacionais, estranhamentos sinalizados pelos participantes, etc.
No contexto das 30 consultas gravadas, consideramos possvel dividi-las nos
seguintes grupos:
(i) Consultas com intenso trabalho interacional de explicaes e jus-
tificativas por parte dos pacientes: nestes casos, parte extensa da
consulta clnica foi marcada pelo trabalho interacional de explicar
o porqu da ida ao mdico, acompanhado de justificativas, relatos,
narrativas da vida cotidiana, em um trabalho de persuaso diante do
mdico.

De acordo com Heritage & Robinson (2006), uma prtica vigente nas
consultas clnica caracteriza-se pela apresentao, por parte dos pacientes, de
suas motivao procura de um mdico. Tais motivaes podem ocorrer por
(a) problemas conhecidos (rotineiros ou recorrentes) ou (b) problemas desco-
nhecidos pelos pacientes.
Ainda de acordo com os mesmos autores, o incio de uma consulta cos-
tuma ser marcado pela prpria apresentao de problemas, a partir de descries
em termos vernaculares, sintomas, relao com experincias e autodiagnos-
tico, dvidas e incertezas. Heritage & Robson (2006) tambm apontam que as

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justificativas para a ida ao mdico podem ser marcadas por: a) reclamaes


diagnsticas; b) invocao de 3 parte; c) discurso de resistncia ao problema.
Estes elementos foram identificados neste conjunto dados.
Tais tpicos foram verificados nos dados analisados. Pacientes homens
justificam suas consultas considerando muitas vezes hipteses a respeito de sua
sade, mas principalmente pelo incmodo, constrangimento ou problema que
tais problemas de sade podem ter na sua vida social trabalho, relacionamen-
tos amorosos, participao em atividades sociais com amigos, o que indexicaliza
acerca das prticas do que ser homem numa determinada comunidade.
(ii) Consultas com a realizao de exames fsicos: tratam-se de consultas
cujo encaminhamento contou com o exame fsico especificamente,
de toque retal acompanhado de todo um trabalho interacional por
parte do mdico para tornar o exame vivel sem maiores desconfor-
tos ao paciente.

Apesar da situao desconfortvel, os pacientes homens no sinalizavam


impedimentos para a realizao do exame. A tenso, contudo, era compre-
endida a partir de diretivos do mdico para que o paciente relaxasse o que
um indcio de que o desconforto do paciente estava gerando efeitos fsicos,
perceptveis pelo mdico.
(iii) Consultas cujos pacientes foram acompanhados por mulheres: nes-
tes casos, so consultas que contam com a participao de mulheres
- em geral, companheiras ou esposas e que participam da consulta
provendo informaes sobre o paciente ao mdico, e so ratificadas
por este ltimo.

Chama ateno este tipo de consulta pelo fato de que, nestas situaes, o
mdico mais acatava com a participao da acompanhante do que do paciente
homem. Este tipo de interao aproxima-se consideravelmente dos padres
perceptveis em consultas peditricas, quando o profissional de sade dirige-se
ao responsvel da criana para informar-se sobre a sade desta, ainda que a
criana esteja presente (cf. TANNEN & WALLAT, 2002).
Deste modo, torna-se visvel a fragilidade de pacientes homens ao apre-
sentarem seus problemas, e necessitarem de uma mediao feminina para isso,
gerando mais silenciamento do paciente o que diferencia-se dos padres de
performance da masculinidade hegemnica descritos por Connell (1995). Vale

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aqui refletir a respeito de estratgias que podem ser lanadas pelo mdico para
que a participao da homem na consulta seja mais efetiva, e este possa empo-
derar-se a falar a respeito de seus problemas.
(iv) Consultas cuja temtica tratou de questes ligadas sexualidade:
de ocorrncias mais raras, so consultas as quais constituiu como
tpico de discusso a sexualidade do paciente. Alguns tpicos foram
vigentes em consultas com mdico urologista.

Neste tipo de consulta, o paciente homem relata o seu desconforto na


realizao de exame com toque retal, por associar prtica do sexo anal. Isso
exige, por sua vez, todo um trabalho interacional por parte do mdico em escla-
recer as diferenas entre essas situaes.
Em outras situaes, durante a anamnese ou o exame fsico, questes da
sexualidade eram discutidas quando os pacientes eram engajados a descrever
ou relatar suas prticas, a fim de um diagnstico mdico. Por exemplo, em uma
das consultas, durante um exame de toque retal, o mdico pergunta ao paciente
se este estaria tendo relaes sexuais, seguido de uma resposta positiva. O
mdico, em seguida, repreende pela situao de sade, ainda que o paciente
justifique-se pelo uso de proteo contra doenas sexualmente transmissveis.
Assim, diferente alinhamentos (cf. GOFFMAN, 2002) e enquadres (cf. TANNEN
& WALLAT, 2002) de prticas da sexualidade so produzidas e negociadas pelo
mdico e pelo paciente.

4. Consideraes finais

Considerando que, como objetivo geral neste estudo, propusemo-nos a


compreender como as relaes de gnero e sexualidade masculinas so engen-
dradas atravs da interao e do discurso na prtica clnica, foi possvel apontar,
numa primeira anlise, os seguintes tpicos: (a) as mltiplas performances
masculinidades (cf. MILANI, 2015) emergentes nas consultas; (b) as mltiplas
prticas e sexualidades (cf. ERLICH, MEYERHOFF & HOLMES, 2014) vigentes
nas vidas sociais dos pacientes; (c) as tenses entre a voz da medicina trazida
pelo mdico e a voz da vida cotidiana (cf. MISHLER, 1984) representada pelos
homens ao fazerem referencia ao seu mundo social.
Esta primeira anlise nos permite problematizar, por um lado, que a cul-
tura contempornea composta por uma srie de possibilidades de ser homem

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e de construir a experincia masculina, nem sempre correspondendo a uma


masculinidade hegemnica (cf. CONNELL, 1995); por outro lado, parece ser
visvel que profissionais de sade ainda no possuem uma conscientizao a
respeito disso, considerando suas performances e o uso de tecnologias leves
(cf. MERHY 2007; 2013) insuficientes para uma interao menos tensa e mais
conciliadora a respeito de expectativas do servio em sade.

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DISPUTAS POLTICAS PELA CARNE, CORPO E DISSIDNCIAS


SEXUAIS: PERSPECTIVAS DE INCLUSO E EXCLUSO NA
CONTINUIDADE BIOPOLTICO DO PODER PASTORAL

Alexsandro Rodrigues
Doutor em Educao (Ufes).
[email protected]

Steferson Zanoni Roseiro


Graduado em Pedagogia (Ufes).
[email protected]

Pablo Cardozo Rocon


Mestrando em Sade Coletiva (Ufes).
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), Sexualidade(s),Multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

O presente artigo objetiva compreender as foras, saberes e poderes em movi-


mento na cena pblica em estilo pastoral e a produo de alianas que se
desenvolvem como forma de garantir vidas que importam ao formato fundamen-
talista cristo. Na produo de identidades que importam, ganham visibilidades
subjetividades que se identificam como ex-gays, clamando por reconhecimento
do Estado e das polticas de incluso e de uma cidadania tutelada pela salvao
e exerccios de si. Na macropoltica e em nossos cotidianos, temos vivenciado
demonstraes de descasos de nossos governantes com as vidas que valem
menos e/ou no cabem numa medida idealizada para pensar o sujeito em sua
singularidade. A necropoltica nos ronda como companhia.
Palavras-chave: poder pastoral; cristianismo; biopoltica; ex-gays; salvao.

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Introduo

Compreendemos por poder pastoral os modos de existir e de valorar uma


vida agenciada por discursos, modos de educao e comportamentos que per-
formam normas desejadas por uma perspectiva religiosa e politica afirmadora
de identidades e desqualificadora de outras. Buscamos reforar que alianas
polticas em estilo religioso acontecem e que os fundamentos que engendram a
produo de um modelo de vida ideal nessas alianas, almejam via converso,
correo e salvao atingir toda populao. Os efeitos dessas alianas podem ser
sentidos em realidades diversas, apresentando-nos como desejo, viver os jogos
de seduo das prticas fundamentalistas que perspectivam incluso/excluso
daqueles que performam a heterossexualidade padro como forma de distin-
o. Nas polticas de incluso/excluso o que vemos ampliar, so as mquinas
de produo de vidas capturadas e regradas. Logo, toda a populao pode ser
afetada na produo de desejos que binarizam a vida. Nesses afetamentos, a
promessa do reconhecimento de uma cidadania, tutelada e higienizada pode
ser negociada nos desejos de ser reconhecido como um dos nossos. Assim,
sujeitos de sexualidades dissidentes podem ser arrebanhados pelas polticas em
estilo religioso.
Esse fenmeno ocorre entre os jogos de reconhecimento, pertencimento/
incluso e, em nome de Deus e de outros marcadores sociais/culturais/econ-
micos que possam importar aos que detm o poder de decidir e que tomam
sua rgua/padro de medida para os processos identitrios que envolvem jogos
arbitrrios de incluso/excluso. Nesse jogo que inclui para excluir, encontrare-
mos pessoas que se autodeclaram ex-gays vivendo as polticas de incluso a
partir de um desejo identitrio ressignificado.
Percorrendo alguns caminhos para pensar a construo do sujeito sexu-
alizado, generificado, normatizado e moralizado da modernidade, com seus
jogos produtivos de incluso/excluso na lgica do mesmo, Foucault (2013)
apresenta-nos o poder pastoral como uma tecnologia microfsica que forta-
lecer as estratgias do Estado no governo do indivduo e da populao. No
poder pastoral vemos desenvolver prticas de direo via confisso que iro
nos convocar a praticarmos exerccios de vigilncia de nossos corpos e desejos.
Por isso, a confisso, desenvolvida e aplicada pelo poder pastoral em espaos
religiosos ser uma tecnologia deslocada e absorvida pelo Estado e suas ins-
tituies disciplinadoras.

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O pecado da carne que pulsa e vibra e do corpo que se recusa a assumir


a forma do mesmo vivero sacrifcios negociados como abstinncia e, os exer-
ccios de si, advindos da relao de confisso e do acordo estabelecido entre
o pastor e a ovelha. Estes sacrifcios engendraram desejos individuais de salva-
o e, via exemplo, reverberaro na famlia e na populao como alvo. Todos,
nesta lgica de governamento podem ser corrigidos/salvos. A salvao, tarefa
de si, acontecer na capacidade de abstinncia e no de redirecionamento do
comportamento e do pensamento divergente. A confisso, tecnologia do poder
pastoral, colocar em funcionamento uma maquinaria de poder, que em nome
de Deus, buscar ortopedizar aquilo que nos parece mais ntimo e revelador
do que supomos ser, desejamos ser e podemos ser. Conhecer-te a ti mesmo e
colocar-se a se conhecer pelos condutores de comportamentos eis o compro-
misso com a verdade que assumimos quando desejamos e somos capturados
pelas prticas pastorais que tomam a confisso como dispositivo de acesso a
verdade de si, do pastor e de suas relaes e crenas com o campo do sagrado.
Realamos na companhia de Foucault (2013, p.80) que o homem, no
ocidente tornou-se um animal confidente. A confisso, no um privilgio
especfico dos sujeitos envolvidos com as prticas religiosas, pois seus modos
de funcionamento se espraiam de forma articulada e como estratgia poltica em
diferentes reas de conhecimentos, atuao profissional e instituies. O profes-
sor, o psiclogo, o advogado, o assistente social, a polcia, o juiz, o mdico, a
famlia e tantos outros envolvidos com modos de falar, narrar, escutar, escre-
ver, avaliar, julgar fazem parte da rede de prticas de confisso, de tecnologias
do eu e de modos de governamentalizao.
Estas instituies e seus jogos de verdades oferecem dispositivos polticos
e modos de pensar/desejar o governo da populao e do sujeito que importa.
No entrecruzamento de relaes de foras, dispositivos dispersos, fios pedag-
gicos, endereados e produtivos das artes de governar em seu desejo obsessivo
por um ideal de humano e uma humanidade reconhecida, algumas identidades
esto em situao de privilgio. Como sabemos com Butler (2015), o ideal de
humano e humanidade catalogados nos esquemas da diversidade e do reco-
nhecimento esto rascunhados com as tintas sangrentas da matriz normativa
que toma o homem branco, heterossexual, masculino e cristo por referncia.
Na manuteno desta referncia, a figura do pastor de extrema importncia e
esta se reinventa nas (des)continuidades das prticas de confisso. Em seu exer-
ccio pedaggico, o pastor transformado em agentes institucionais continua

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o responsvel pelos ensinamentos dos mistrios das escrituras, de uma moral


identitria crist e dos mandamentos sagrados. Para manter este jogo do poder
pastoral e/ou nele entrar para jogar, a regra nmero um ter, acreditar e querer
Deus como princpio de todas as coisas.
Ainda que o pastor e sua ao sobre aes possam vir a desaparecer
de nosso campo de viso como presena no controle de seu rebanho, no
podemos dizer que a trade (pastor-ovelha-rebanho) no se atualize em outras
instituies pastorais. Se instituies no so somente os prdios governamen-
tais e suas burocracias, mas todo comportamento mais ou menos obrigado,
aprendido. Tudo o que em uma sociedade, funciona como sistema de obriga-
o (FOUCAULT: 2014, p.48), decerto, os ensinamentos do pastor e o poder
pastoral estaro l, incrustados em nossas instituies, nos acossando/ron-
dando, buscando a todos inclui. Nessa incluso, encontraremos como alvo a
populao que se afirma em uma identidade no heterossexual e os dissidentes
religiosos como alvo de converso e correo. Logo, na carne e no corpo
que se corta e recorta que o desejo de normalizao acontecem e pela carne
e no corpo, higienizados que o jogo da salvao se estabelece atualiza como
exemplo. A ovelha e o rebanho, assumindo este comportamento como prtica
de si, efetivaro como tarefa e funo compartilhada do crescei e multiplicai
no territrio que se busca livre de impurezas.
O principio a ovelha convertida, seu meio o rebanho e o fim a
existncia de um territrio higienicamente idealizado. Cumprindo este dever
de existir, a famlia heterocentrada ser a mquina perfeita que alimentar esta
lenda e as histrias do poder pastoral. Na novidade do cristianismo como dou-
trina pedaggica de incluso esforos, os mais diversos no cessam e muitos
so os convocados a partilhar a lgica do mesmo. Assim, vemos desenvol-
ver estratgias e contratos de pertencimentos entre ovelhas, pastores, Deus e a
populao pensada como plano perfeito de existncia.

Pedagogia da sexualidade em prticas e polticas pastoral

Para o desenvolvimento de um trabalho pedaggico, o pastor precisa


conhecer o que se passa com sua ovelha e atravs deste podersaber que
iro acontecer os direcionamentos da conscincia nos processos educativos das
mquinas produtivas do poder pastoral. preciso que a ovelha renuncie a si
mesma para ser salva, afinal, seremos dignos vida eterna e cidadania terrena

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como recompensa na medida em que formos capazes de exercitar a renun-


cia do mundo dos vivos, da carne, dos pecados e dos homens infames. Esta
forma de renuncia de si e do mundo produzir uma identidade/moral crist e se
prolongar em exerccios doutrinrios, onde Estado e a Religio confundem-se
suas aes e passam a disputar essas identidades de forma neocolonizadora. O
pensamento colonizador inclusivo cristo se enreda nas tramas biopolticas no
contemporneo, conduzindo e seduzindo interesses polticos/ partidrios que,
unindo foras endereadas no campo da incluso, miram as ovelhas/rebanhos
e territrios nas capilaridades de um poder especfico do tipo pastoral.
Aqui, as polticas de incluso no se satisfazem apenas com as ovelhas.
No contemporneo, no basta ateno na ovelha e no rebanho; o territrio,
com seus fluxos e perigos torna-se alvo de vigilncia permanente. No territrio,
as fronteiras so erguidas com diferentes fios normativos e estes buscam garan-
tir e preservar a populao das impurezas que podem acontecer no encontro
entre ovelhas brancas e as desgarradas ovelhas negras.
Para as subjetividades contemporneas, o pastor no o suficiente.
O panptico, arquitetura de viso, de fazer ver muito bem trabalhada por
Foucault (2002) funde os olhos de Deus, do pastor, do indivduo em estilo
pastoral e da populao. Estes olhos arregalados, para os desviantes e os des-
vios, operam afirmando uma vida que importa, classificando os de dentro e os
de fora, nomeando os puros e impuros, hierarquizando normais e anormais.
O Estado e os modos de fazer polticas interessadas se entrecruzam nos
processos de subjetivao, em jogos de reconhecimentos, onde a justa medida
passa a ser definida com os limites dos conhecimentos eleitos por aqueles que,
de forma desigual, definem o que vale para a nossa condio humana. Se a
poltica constituda tomando por medida uma noo/paisagem para pensar
e desejar o humano, a incluso dos anormais como formas de correo dos
desvios continuam sendo meta de investimento e promessa do poder pastoral.
Nos ltimos anos, temos visto acirrar prticas sexistas e fundamentalistas
na arena poltica onde, em detrimento de uma moral crist excludente, reapa-
recem semideuses em cenas pblicas contribuindo para o estado de barbrie
dirigido contra a populao LGBTTTI e os impuros. No cenrio da macropo-
ltica e em nossos cotidianos, temos vivenciado inmeras demonstraes de
descaso com as vidas que valem menos e/ou no cabem na medida idealizada
para pensar o sujeito em sua singularidade. Essas vidas, que para alguns no so

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dignas de luto, so apaziguadas e desfiguradas no conforto multicultural do que


se passou a ser reconhecido na categoria diversidade.
Nas polticas para a diversidade, os discursos pr-tolerncia ganham a
cena. Nesta forma hegemnica de reflexo sobre a diversidade, as estruturas
de poder que produzem as desigualdades permanecem intocadas. E o outro,
o estranho, o menos humano, sujeito de correo do poder pastoral, passam e
s podem existir a partir da benevolncia dos tolerantes, dos puros em Cristo.
Quando no trabalhamos as razes de produo de desigualdade de forma
combativa e engajada, contribumos com o funcionamento da maquinaria pol-
tica/religiosa que, em nome de uma identidade/verdade coloca em risco e em
condies de existncias precrias algumas vidas.

Consideraes finais

Sem poder concluir realamos e afirmamos que contribumos para tal


situao, quando com os nossos silncios e incapacidades de movimento,
implicao e contestao com a precariedade de uma vida mediante as bio-
polticas e o poder pastoral, no dizemos uma no. A nossa incapacidade de
dizer no ao poder pastoral e as polticas pastorais podem justificar e contribuir
para a eliminao, via da converso dos impuros/imorais/estranhos e sujos. No
podemos em momento algum nos esquecer que estas prticas e discursos, por
saber de sua fragilidade, reinventam-se cotidianamente tomando por referncia
os currculos dos livros sagrados e da interpretao literal dos poderes pasto-
rais sobre as escrituras que funcionam como leis. Estas interpretaes so,
portanto, exerccios que convm a uma configurao de uma identidade que
almeja ser dominante, normativa e binria. Logo, ganhando a cena pblica e
arrebanhado ovelhas/rebanhos pem em funcionamento foras e guerras san-
grentas sem limites, com o respaldo das leis.
Por acreditamos que no existem discursos, sujeitos, muito menos leis
neutras, precisamos, como forma de cuidado, atentar-nos e nos indignar com os
descaminhos crescentes em que a nossa histria fascista e fundamentalista tem
nos conduzido ao produzir, de forma crescente, o extermnio da populao nos
entrecruzamentos sexistas e racistas de Estado. O Estado produz dessimetria
medida que se afasta das concepes que asseguram, democraticamente, sua
laicidade e o direito diferena. Essa questo se aproxima daquilo que Foucault
(2005) chamaria de estatizao do biolgico, em que os impuros sexuais ao

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perturbarem a ordem da heterossexualidade crist e de sua pastoral tendero


a terem seus corpos e vidas ceifados, excludos e, no seu extremo, includos
na e pela lgica do outro. Por experimentamos o prazer de saber e de poder
que no nos conformamos com efeitos de uma realidade fundamentalista e
fascista que impedem a expanso da vida com as sexualidades no favorveis
com moral crist. por sabermos que a verdade deste mundo e no de uma
transcendncia acima do bem e do mal que buscamos neste texto colocar em
suspenso o poder pastoral e da poltica cultural. Cuidemos!

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Referncias

BUTLER, Judth. Quadros de guerras: quando a vida possvel de luto? Rio de Janeiro:
Civilizaes Brasileiras, 2015.

FOUCAULT, Michel.Vigiar e punir: nascimento da priso. 25.ed, Petrpolis: Vozes,


2002.

_______.Ditos & escritos IX. Genealogia da tica: subjetividade e sexualidade. Ditos


& escritos IX. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2014.

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PROPOSIES PARA SE PENSAR A CRIANA BICHA

Jsio Zamboni
Doutor em Educao pela Universidade Federal do Esprito Santo
Ps-Doutorando e Professor Colaborador no Programa de Ps-Graduao em
Psicologia Institucional da Universidade Federal do Esprito Santo
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

A criana como criao provoca os adultos a desviarem do sentido nico na


rota de individuao. Cria-se, deste jeito, um meio de interferncias entre a
criana e o adulto, para escaparem infantilizao. A criana bicha est situada
na encruzilhada em que os processos de identificao se desestabilizam. Assim,
indica-se analisar discursos que possibilitam pensar a criana bicha em torno de
dois recortes. Um, relativo ao discurso filosfico em torno do problema da edu-
cao em sua relao com a produo histrica da sexualidade e da infncia, e
outro, no qual recorre-se a uma variedade de textos literrios e autobiogrficos
que elaboram a bichice como crise da infncia, procuram traar o plano discur-
sivo onde a bicha ganha lugar como criana, ou seja, criao de novos modos
de viver.
Palavras-chave: bicha; criana; sexualidade; infantilizao; educao.

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Como evitar que as crianas se prendam s semiticas dominantes ao


ponto de perder muito cedo toda e qualquer verdadeira liberdade de expres-
so? [...] A luta pela polivocidade da expresso semitica da criana nos parece
ento ser um objetivo essencial (GUATTARI, 1987, p. 50-54). No incio do
sculo XX, as crianas bichas invadem a internet com vdeos pelos quais inven-
tam e expressam sua existncia. Compem, por esta via, um tipo de ponto cego
em meio ao excesso de visibilidade que caracteriza a vigilncia da infncia. Os
vdeos expem e exercitam uma contra-infncia, inventando outros modos de
viver a criancice. O infante, aquele que no fala por si prprio, desmontado
pelas traquinices das crianas que ousam produzir uma multiplicidade de sig-
nos, por meio dos quais escapam regulao social. Abalando o modelo de
infncia, constitudo na modernidade ocidental principalmente pelos aparelhos
de controle familiar e escolar, as bichinhas videogrficas convocam a pensar
a criana para alm do padro instaurado pela moral burguesa. Evidencia-se,
ento, que as crianas no so infantis desde sempre. Elas so alvo de um
processo de infantilizao que, paradoxalmente, possibilita se tornarem adultos
submetidos organizao social. A infantilizao consiste em que tudo o que
se faz, se pensa ou se possa vir a fazer ou pensar seja mediado pelo Estado.
(GUATTARI; ROLNIK, 2008, p. 50). Na contramo deste processo, esto as
crianas que se afirmam por um movimento de criao coletiva.
A criana como criao, desprendendo-se das modelizaes do dever
ser, provoca os adultos a desviarem do sentido nico na rota de individua-
o. Pode-se, ento, retomar as experincias subversivas da infncia como um
bloco de sensaes a partir do qual so criadas condies para compor uma
vida como obra de arte. Neste rumo, indicado pelas crianas videografantes,
acaba-se conduzido abordagem do plano expressivo onde possvel dizer
e ver a subverso da infncia pela experincia bicha. Interessa acompanhar
como o devir criana atravessa o pensamento contemporneo, inscrevendo-se
nele pela escrita. Uma infinidade de enunciados, em variados gneros, ocupa o
plano discursivo da criana bicha: teorizaes e crticas filosficas, textos liter-
rios, noticirios jornalsticos, documentos autobiogrficos, legislaes e outros
cdigos prescritivos, dentre outros. preciso percorrer a linha que conecta
estes dizeres dispersos, a singularidade que possibilita falar a criana bicha nas
brechas do dispositivo da infantilizao. No sendo meramente falada nesta teia
discursiva, a bichinha falante. Ela pode, desprendendo-se da individualizao
que caracteriza as sociedades capitalistas, tomar como intercessor seu outro,

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o adulto, medida que a experincia se comunique. Pois [...] em cada adulto


se encontra uma crianceria que aceita composies permanentemente longe
do equilbrio. (KATZ, 1996, p. 95). Cria-se, deste jeito, um meio de interfe-
rncias entre a criana e o adulto, podendo assim escaparem infantilizao.
O retorno sobre si, efetuado pelo adulto em funo da experincia de criana
bicha, configura um exerccio tico crucial para que no se atue como agente
de adaptao aos valores sociais dominantes. Pode-se, por meio deste trabalho
de produo de subjetividade, inventar outras maneiras de viver a relao com
nossa crianceria.
O devir criana de que se trata aqui est no cruzamento com o devir
bicha. Para ser mais preciso, assim como a criana no definida por um
sujeito especfico, no podendo ser identificada como no-adulto, a bicha no
pode ser reduzida a um tipo psicossocial. Ela pode ser caracterizada como
um no nico, mas indefinido modo de viver e pensar o mundo. A bicha
constitui uma paisagem existencial composta por um movimento perspectivista,
formando uma srie de pontos de vista relacionados por um horizonte que
se desloca historicamente. Aps um trabalho a(na[l])rqueolgico no campo de
saberes e prticas da diversidade sexual no Brasil, torna-se possvel dimensionar
a emergncia e as mutaes histricas da bicha (ZAMBONI, 2016). Rompe-se,
a partir da, com a compreenso hegemnica da bicha no campo das cin-
cias humanas como representao social da homossexualidade, concepo
que a define como produto reprodutor de uma cultura hierrquica. Pode-se,
ento, extrair a bicha da zona de nulidade a que foi condenada no mbito da
diversidade sexual e consider-la em sua potncia de singularizao. Uma das
formas de subjetivao mais potentes da bicha a travesti que, desde a segunda
metade do sculo XX, produziu uma tecnologia existencial to consistente a
ponto de se alastrar coletivamente pelas ruas de diversas cidades, nacionais
e estrangeiras. A ruptura com os aparelhos de controle social, na produo
das travestis, ocorre predominantemente na infncia, sendo expulsas da famlia,
da escola e da comunidade pela dissidncia em relao aos padres de sexo/
gnero estabelecidos. Onde o processo de infantilizao mais rduo, quando
o sujeito ainda est pouco conformado aos arranjos sociais, as chances de rup-
tura tambm aumentam. A criana bicha, portanto, est situada na encruzilhada
em que os processos de identificao se desestabilizam em funo da prpria
dureza com que se apresentam.

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Como surge a bicha na vida de criana? Por invocao, uma voz que
enuncia a existncia da bicha atrelada a alguns corpos. Ouve-se, no recreio
da escola, na conversa familiar, na brincadeira de rua, no programa de tele-
viso, ou em outro lugar qualquer, algum dizer bicha, dirigindo-se a outra
pessoa ou grupo. Poder-se-ia descrever este acontecimento como processo de
interpelao, movimento de volver-se em direo ao outro como resposta a
um chamado que produz assim o reconhecimento social, tornando-se sujeito
(ALTHUSSER, 1980). No entanto, o interpelar a bicha no produz identificao;
pelo contrrio, perturba o processo identitrio baseado na diviso sexual. Ao ser
interpelado como bicha, j no se pode reconhecer como homem ou mulher.
Abre-se uma zona ou linha de (des)subjetivao no ponto de perturbao dos
padres de gnero masculino e feminino, rompendo suas fronteiras. Assim, a
bicha no pode ser definida como uma identidade, pois consiste em uma mul-
tiplicidade desejante, um territrio de complexas mutaes (PERLONGHER,
1993). Quando se interpelado como bicha, o que ocorre desde a perturba-
o da infncia, acontece uma transformao incorporal. Ou seja, atravs do
signo bicha, acaba-se lanado a um outro territrio assim como o padre
lana o noivo no territrio da conjugalidade ou o juiz lana o ru no territ-
rio da condenao por meio de outros signos (DELEUZE; GUATTARI, 1995).
A transformao incorporal remete transformao corporal sem, no entanto,
confundirem-se. Sendo assim, pode-se ser lanado no territrio da bichice sem
que isso implique uma modificao predefinida no desejo dos corpos. O signo
bicha, portanto, no designa necessariamente o homossexual, o sodomita ou
mesmo o efeminado; embora lance o sujeito no campo destas possibilidades
histricas de transformao corporal, implicando-as nos processos de produ-
o de subjetividade. A criana invocada como bicha poder inventar diversas
possibilidades de existncia a partir da interpelao, contanto que passe por um
devir mulher (GUATTARI, 1987) para escapar do ideal de homem.
O debate em torno da bicha, disparado por diversos trabalhos cientficos
e literrios do final do sculo passado (DANIEL, 1982, 1984a, 1984b; FRY, 1982;
FRY; MACRAE, 1984; MACRAE, 1990; MCCOLIS; DANIEL, 1983; MOTTA,
1987, 1996, 2000; PERLONGHER, 1993, 1997, 2008; SANTOS, 1972), configura
um meio fundamental para promover a crtica dos saberes e prticas aciona-
dos no campo da diversidade sexual. Esta crtica visa ampliar os modos de
pensamento e interveno no campo social, criando novas estratgias de abor-
dagem do problema. Neste sentido, retomar e reformular a questo da bicha

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imprescindvel, pois ela funciona, desde a formao dos primeiros movimentos


homossexuais organizados e da abordagem poltico-cultural da homossexuali-
dade no Brasil, como ponto crtico e conflituoso. No embate que permitiu esta
formao, a bicha perdeu lugar para o homossexual ou gay. Cabe, para realizar
este restabelecimento, criar as condies discursivas necessrias para se pensar
a bicha. Para tanto, preciso sondar e desenvolver os modos de enunciao
da bicha, especialmente no limiar da infncia, onde se coloca como incmodo
fundamental aos aparelhos coletivos da famlia e da escola.
Partindo destas consideraes, uma importante via se apresenta pela an-
lise de discursos que possibilitam pensar a criana bicha. Dentre a variedade de
enunciados que se pode encontrar, possvel operar dois recortes. O primeiro
relativo ao discurso filosfico em torno do problema da educao relacionado
com a produo histrica da sexualidade e da infncia. Mais precisamente,
pode-se acompanhar o desenvolvimento da crtica utpico-anarquista em
seus questionamentos radicais ao lugar da criana na vida coletiva (FOURIER,
2007; LAPASSADE, 1975; LAPASSADE; SCHRER, 1982; SCHRER, 1983, 2009;
SCHRER; HOCQUENGHEM, 1979). Esta reviso terica em relao aos con-
ceitos de infncia e criana importante na medida em que possibilita pens-los
em ruptura com a pedagogia e a escola hegemnicas, assim como alm das
estritas demarcaes dos modelos de sexo/gnero. Este primeiro movimento
pode articular teoricamente o problema da criana em sua relao geral com o
problema da sexualidade. Porm, um segundo recorte se faz necessrio, a fim
de situar a problemtica da infncia no contexto da experincia bicha. Para isto,
interessante recorrer a uma variedade de textos literrios e autobiogrficos
que elaboram a bichice como crise da infncia, possibilitando a expresso da
criana bicha. No se trata, exatamente, na grande maioria dos casos, de obras
inteiramente devotadas a este problema; so, antes, pequenos fragmentos que
invadem textos com sentidos diversos. A criana a habita as sombras e resiste
s luzes da explicao geral e sistemtica (BAPTISTA, 2001), ou seja, ela uma
vida infame que fulgura em discursos dispersos (FOUCAULT, 2003). Os dois
recortes ou movimentos a empreender possibilitam traar o plano discursivo
onde a bicha ganha lugar como criana, ou seja, criao de novos modos de
viver o desejo.

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Referncias

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Janeiro: Graal, 1980. p. 46-101.

BAPTISTA, L. A. S. A fbula do garoto que quanto mais falava sumia sem deixar ves-
tgios: cidade, cotidiano e poder. In: MACIEL, I. M. (Org.). Psicologia e Educao. Rio
de Janeiro: Cincia Moderna, 2001. p. 195-209.

DANIEL, H. Passagem para o prximo sonho. Rio de Janeiro: Codecri, 1982.

______. As trs moas do sabonete. Rio de Janeiro: Rocco, 1984a.

______. Meu corpo daria um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1984b.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil plats, vol. 2. So Paulo: Ed. 34, 1995.

FOUCAULT, M. A vida dos homens infames. In: ______. Estratgia, poder-saber. Rio
de Janeiro: Forense Universitria, 2003. p. 203-222.

FOURIER, C. A infncia emancipada. Lisboa: Antgona, 2007.

FRY, P. H. Para ingls ver. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.

FRY, P. H.; MACRAE, E. O que homossexualidade. 3. ed. So Paulo, Brasiliense,


1984.

GUATTARI, F. Revoluo Molecular. 3. ed. So Paulo: Brasiliense, 1987.

GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropoltica. 9. ed. Petrpolis: Vozes, 2008.

KATZ, C. S. Crianceria: o que a criana. Cadernos de Subjetividade, So Paulo, n.


esp., p. 90-96, 1996.

LAPASSADE, G. A Entrada na Vida. Lisboa: Ed. 70, 1975.

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LAPASSADE, G.; SCHRER, R. O corpo interdito. Lisboa: LTC, 1982.

MACRAE, E. A construo da igualdade. Campinas: Ed. UNICAMP, 1990.

MCCOLIS, L.; DANIEL, H. Jacars e lobisomens. Rio de Janeiro: Achiam, 1983.

MOTTA, Valdo. Eis o homem. Vitria: UFES, 1987.

______. Bundo & outros poemas. Campinas: Ed. UNICAMP, 1996.

______. Enrabando o capetinha ou o dia em que Eros se fodeu. In: PEDROSA, C.


(Org.). Mais poesia hoje. Rio de Janeiro: 7Letras, 2000. p. 59-76.

PERLONGHER, N. Antropologia das sociedades complexas: identidade e territoriali-


dade, ou como estava vestida Margaret Mead. Revista Brasileira de Cincias Sociais,
v. 8, n. 22, p. 89-97, 1993.

______. Prosa Plebeya. Buenos Aires: Colihue, 1997.

______. O negcio do mich. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2008.

SCHRER, R. La pedagoga pervertida. Barcelona: Laertes, 1983.

______. Infantis. Belo Horizonte: Autntica, 2009.

SCHRER, R.; HOCQUENGHEM, G. Co-ire. Barcelona: Anagrama, 1979.

SANTOS, J. F. Memrias de Madame Sat. Rio de Janeiro: Lidador, 1972.

ZAMBONI, J. Educao bicha. 2016. 115 p. Tese (Doutorado em Educao)


Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal do Esprito Santo,
Vitria, 2007.

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LEI DE IDENTIDADE DE GNERO DA ARGENTINA E SEUS


EFEITOS SOBRE O ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO

Bruna Camilo de Souza Lima e Silva


Graduanda de Cincias do Estado
UFMG
[email protected]

Joo Felipe Zini Cavalcante de Oliveira


Graduando de Direito
UFMG
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

O presente artigo prope analisar os efeitos da Lei de Identidade de Gnero da


Argentina (Ley 26.743) sobre o ordenamento jurdico brasileiro, especialmente
no que tange ao Projeto de Lei 5002/2013 (Lei Joo Nery) dos deputados Jean
Wyllys (PSOL) e rika Kokay (PT). A lei argentina desconsidera a ideologia hete-
ronormativa e o determinismo natural, deixando como secundrio o sistema
binrio e desconstruindo a transexualidade como uma patologia. Objetiva-se,
assim, analisar a Lei argentina diante do contexto histrico em que esta foi apro-
vada e quais foram as consequncias desse avano no Brasil. Ser analisado,
comparativamente, o Projeto de Lei do Brasil, este que se encontra em trmite,
mas que devido ao conservadorismo no tem previso de ser aprovado.
Palavras-chave: legislao; identidade de gnero; transexualidade; direito;
poltica.

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Introduo

H muito se estuda a problemtica entorno da sexualidade humana, suas


formas de expresso, os papis assumidos pelos gneros, as mltiplas identi-
ficaes e discriminaes oriundas da determinao de um padro correto.
Atualmente tem-se buscado, cada vez mais, analisar as potencialidades sub-
versivas do gnero e da sexualidade, confrontando a normatividade binria
(homem-mulher) e heterossexual, sendo apontada, frequentemente, a filsofa
Judith Butler enquanto expoente no assunto.
Aps a dcada de 1960, a discusso acerca da temtica de gnero e
sexualidade tomou um vis para alm da orientao sexual stricto sensu, ini-
ciando-se anlises mais profundas acerca das questes de gnero, vez que se
trata de ramo capcioso, extremamente vasto e com teor potencialmente subver-
sivo (DE S NETO; GRUGEL, 2014, p. 65). A identidade de gnero est ligada
maneira de se perceber, de estar e de testar os entendimentos de masculinidade
e de feminilidade.
Grugel e De S Neto situam essa perspectiva histrica:
O Brasil vem experimentando, nos anos iniciais do sculo XXI, uma
maratona de mudanas culturais, que so reflexo do prprio movi-
mento de internacionalizao dos conceitos de direitos humanos e
dignidade da pessoa humana. Um dos assuntos que vm ganhando
espao nas rodas de discusso a temtica que direciona a conces-
so de uma gama de prerrogativas comunidade Lsbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgneros (LGBT), seja por
meio do ativismo judicial dos magistrados brasileiros, seja mediante
de atitudes isoladas perpetradas pelos estados da Federao no sen-
tido de conferir direito comunidade sexodiversa (DE S NETO;
GRUGEL, 2014, p. 66-67).

Muitos so os debates acerca da homossexualidade, no entanto, ainda


imprescindvel lembrar que a homossexualidade no encerra a comunidade
LGBT, que extremamente vasta na qual coexistem lutas e pautas genricas e
especficas. precisamente a reflexo dessas mltiplas demandas e identifica-
es o objeto do projeto de lei intitulado Lei de Identidade de Gnero, proposto
pelo deputado federal Jean Wyllys, j no ano de 2013. Referida proposta nor-
mativa revela a batalha diria protagonizada por travestis e transexuais diante

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dos empecilhos vividos em razo da deficincia legislativa sobre a disciplina


em comento.
Sobre a norma argentina, importante salientar que o Senado argentino
confirmou, com 55 votos (MOLINA, 2015, p. 5), a lei que permite que travestis e
transexuais escolham seu sexo no registro civil. A lei determina que identidade
de gnero a experincia interior e individual tal como cada pessoa a percebe,
que pode obedecer ou no ao sexo verificado no momento do nascimento,
abarcando a vivncia pessoal do corpo (ARGENTINA, 2012).
A regra institui, ainda, que qualquer pessoa poder requerer a correo
de seu sexo no registro civil, abrangendo o nome de batismo e a foto de identi-
dade. Com a vigncia da medida, a variao de sexo no carece mais do apoio
da justia para reconhecimento, e o sistema de sade dever compreender ope-
raes e tratamentos para o ajustamento ao gnero escolhido (ARGENTINA,
2012).
Por fim, a finalidade fundamental desta pesquisa debater determina-
das questes que se destacam no projeto de lei oferecido pelo deputado Jean
Wyllys Cmara dos Deputados,
intitulado Lei de Identidade de Gnero Lei Joo Nery, em comparao
com a lei argentina sobre o mesmo tema.

Avanos sobre a diversidade de gnero na Amrica Latina

Na Amrica do Sul foi trazida em tela a discusso da diversidade de


gnero pela primeira vez no Uruguai, a partir da publicao da lei uruguaia de
identidade de gnero, que posteriormente influenciou a discusso na Argentina.
No Brasil os direitos civis da populao trans ainda no so garantidos de fato,
e seus avanos so tmidos. As progresses a respeito da mudana de gnero e
de nome, como tambm dos procedimentos administrativos para a realizao
das cirurgias de transgenitalizao esto enraizados no projeto de Lei Joo Nery,
inspirado no ordenamento argentino.
Na Argentina, especificamente, a lei n 26.618 (ARGENTINA, 2010) do
matrimnio igualitrio de 2010 possibilitou que pessoas do mesmo sexo con-
traiam, legalmente, matrimnio, possam ter filhos, herdem e se divorciem. Tal
norma contribuiu para que fosse aprovada a Lei de Identidade de Gnero do
pas (Lei n 26.743), a qual declara a diversidade sexual e de gnero como
direito individual. Somado a isso, reconhece a populao trans como cidados

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e cidads de primeira categoria, vez que possibilita a modificao do nome e


do gnero nos documentos de identidade e traz a visibilidade para as cirurgias
de transgenitalizao e demais modificaes corporais, bem como descontri
preconceitos existentes sobre a temtica. Vale dizer o fato de no ser necess-
rio o requerimento de nenhum tipo de laudo mdico ou psicolgico, alm de
ampliar mencionadas garantias a estrangeiros e estrangeiras residentes no pas.
Nota-se, portanto, ausncia de burocratizao no procedimento.
O referido disposto normativo traz nos artigos iniciais, in verbis:
ARTICULO 1 Derecho a la identidad de gnero. Toda persona
tiene derecho:

a) Al reconocimiento de su identidad de gnero; Al libre desarrollo


de su persona conforme a su identidad de gnero; A ser tratada de
acuerdo con su identidad de gnero y, en particular, a ser identifi-
cada de ese modo en los instrumentos que acreditan su identidad
respecto de el/los nombre/s de pila, imagen y sexo con los que all
es registrada.

ARTICULO 2 Definicin. Se entiende por identidad de gnero


a la vivencia interna e individual del gnero tal como cada persona
la siente, la cual puede corresponder o no con el sexo asignado
al momento del nacimiento, incluyendo la vivencia personal del
cuerpo. Esto puede involucrar la modificacin de la apariencia o la
funcin corporal a travs de medios farmacolgicos, quirrgicos o
de otra ndole, siempre que ello sea libremente escogido. Tambin
incluye otras expresiones de gnero, como la vestimenta, el modo
de hablar y los modales. ARTICULO 3 Ejercicio. Toda persona
podr solicitar la rectificacin registral del sexo, y el cambio de
nombre de pila e imagen, cuando no coincidan con su identidad de
gnero autopercibida (ARGENTINA, 2012).

Percebe-se, pois, apurado conhecimento acerca da vivncia transg-


nera aplicado norma jurdica, com vias de garantir a plenitude do Estado
Democrtico de Direito atravs da garantia de direitos a todas (os) cidads (os),
sem distino de gnero (trans ou cis).

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Projeto de Lei Joo W. Nery

Primeiramente, faz-se necessria breve explicao do nome atribudo ao


referido projeto. Joo W. Nery o primeiro homem transexual brasileiro a ter
realizado cirurgias de adequao de gnero, sendo referncia na luta da popu-
lao trans na garantia de seus direitos.
O projeto de Lei n 5.002/2013, protocolado na Cmara dos Deputados
pelo deputado federal Jean Wylls (PSOL) e rika Kokay (PT), dispe sobre o
direito identidade de gnero e altera o artigo 58 da Lei 6.015 de 1973.
O projeto abarca preceitos que envolvem o direito das pessoas a serem
tratadas de acordo com sua identidade de gnero, sendo, portanto, respeitadas
nos instrumentos que acreditem sua identidade pessoal, dos prenomes, da ima-
gem e do sexo que so registradas nos mesmos. O art. 1 do projeto em tela
especifica que no poder constar nos documentos civis o sexo do nascimento
ou o nome filialmente outorgado, a no ser aquele que cada pessoa sinta que
. No art. 2 est previsto o direito fundamental identidade de gnero em
virtude da dignidade humana, validando assim, a identidade de gnero como
sendo algo especifico a cada um, podendo corresponder ou no com o sexo
que o foi conferido aps seu nascimento. No pargrafo nico do art. 2 expressa
a maneira que a referida identidade de gnero pode ser exercida, podendo ser
por meio da modificao da aparncia ou da funo corporal por meios far-
macolgicos, cirrgicos ou de outra ndole. Ressalva que isso seja livremente
escolhido, tanto por intermdio de outras expresses de gnero, inclusive vesti-
menta, modo de falar e de trejeitos derivativos dos maneirismos sociais.
Ora, percebe-se nitidamente a aproximao da proposta brasileira perante
a lei argentina, com pequenos ajustes locais, porm com toda a matriz idntica,
assemelhando-se a mera traduo do instrumento normativo vizinho.
Ressalte-se a importncia e o cuidado do projeto em prever a no obrigato-
riedade de interveno cirrgica, terapias hormonais, tratamento ou diagnstico
psicolgico ou mdico e de autorizao judicial para inicio do processo de retifica-
o do registro e dos documentos. Importante dizer, que a ausncia de burocracia
prevista de extrema importncia para concretizao efetiva do ento proposto.
O artigo 6 expressa que caber ao Registro civil de Pessoas Naturais
efetuarem a mudana de sexo e prenome, emitindo uma nova certido de
nascimento, sendo necessria a imediata informao da mudana aos rgos
responsveis pelos registros pblicos, e assim atualizem dados eleitorais, antece-
dentes criminais e peas judiciais. Nessa perspectiva o projeto de lei brasileiro

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traz a possibilidade de haver meno mudana de sexo e de prenome nos


documentos pessoais, desde que tenha expressado autorizao do interes-
sado. J a lei argentina probe sob qualquer pretexto, a insero de informaes
que possam denotar a realizao do procedimento.
Essa particularidade da proposta brasileira revela-se apurada, uma vez que
leva em conta a vontade da(o) interessada(o), que pode ter interesse na meno
da mudana de sexo e de prenome nos documentos em razo das diversas
identidades possveis, em especial as mais subversivas, que fazem questo de
ostentar sua dissidncia de maneira orgulhosa. Tudo isso sem prejuzo para a
segurana jurdica, evitando-se fraudes atravs do novo instituto, dispondo que
os nmeros dos documentos oficiais no sero alterados.
Nesse sentido, o art. 7 do projeto de Lei n 5.002/2013 preocupa-se com
a segurana jurdica:
Artigo 7 - A Alterao do prenome, nos termos dos artigos 4 e
5 desta Lei, no alterar a titularidade dos direitos e obrigaes
jurdicas que pudessem corresponder pessoa com anterioridade
mudana registral, nem daqueles que provenham das relaes
prprias do direito de famlia em todas as suas ordens e graus, as
que se mantero inalterveis, includa a adoo (BRASIL, 2013).

O projeto busca assegurar a segurana jurdica, sendo assim, no mudar


a titularidade dos direitos e obrigaes jurdicas que correspondessem pessoa
com anterioridade mudana registral, alm de assegurar aqueles que prove-
nham das relaes prprias do direito de famlia em todas as ordens e graus.
Ao contrrio da Repblica Argentina o projeto de lei preocupou-se em deter-
minar as alteraes necessrias e sem maiores complicaes de documentos
como diplomas, certificados, CPF, passaporte, Carteira Nacional de Habilitao
e Carteira de Trabalho e Previdncia Social.

Consideraes finais

notria e urgente a necessidade da aprovao do Projeto de Lei no Brasil.


O ordenamento jurdico atual no abarca os direitos da populao transexual e
travesti, negando-lhes o acesso s garantias fundamentais. O Projeto, inspirado
na Lei de Identidade de Gnero da Argentina, visa mudana de prenome
e gnero em cartrio, sem a necessidade de acionar o Poder Judicirio, bem
como dispensa a necessidade de cirurgia transgenitalizadora para a realizao

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do procedimento, tornando o processo mais humano enquanto reduz burocra-


cia e morosidade.

Referncias

ARGENTINA, Ley n. 26.743 de mayo de 2012. Disponvel em: http://www.infoleg.gov.


ar/infolegInternet/anexos/195000-199999/197860/norma.htm. Acesso em: 28/08/2015.

ARGENTINA. Ley n. 26.618, de 15 de julho de 2010. Promulgada em 21 de julho de


2010. Cdigo Civil. Modificacin. Boletn Oficial de la Repblica Argentina, Buenos
Aires, 21 jul. 2010. Disponvel em: http://www1.hcdn.gov.ar/BO/boletin10/2010-07/
BO22-07-2010leg.pdf. Acesso em: 08 jun. 2015.

BRASIL. Congresso Nacional. Cmara dos Deputados. Projeto de Lei n 5.002/2013.


Dispe sobre o direito identidade de gnero e altera o art. 58 da Lei n 6.015 de 31 de
dezembro de 1973. Disponvel em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1069623.
pdf, p.2.Acesso em: 25 de agosto de 2015.

DE S NETO, Clarindo Epaminondas; GRUGEL, Yara Maria Pereira. Caminhando Entre


A (In) Visibilidade: Uma Anlise Juridica Sobre O Projeto De Lei N 5.012/2013Lei De
Identidade De Gnero. Direito e Liberdade, v. 16, n. 1, p. 65, 2014.

MOLINA, Luana Pagano Peres. A visibilidade dos/as transexuais da Argentina: A expe-


rincia da escola Mocha Celis e a criao da Lei de Identidade de Gnero. IV Simpsio
Internacional de Educao Sexual: Feminismos, Identidades de Gneros e Polticas
Publicas. UEM. Disponvel em: < http://www.sies.uem.br/trabalhos/2015/588.pdf>,
p.5. Acesso em: 26 de agosto de 2015.

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O MUNDO PELA PORTA DE TRS: POR UMA


BREVE DESCONSTRUO DA PRTICA DO
SEXO ANAL ENTRE HOMENS.

Kauan Amora Nunes


Doutorando em Histria
UFPA
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas.

Resumo

A metafsica sempre operou com binarismos e estes binarismos acabaram, com


a ajuda de um processo poderoso de racionalizao do pensamento, por definir
e at restringir a histria do homem no ocidente, gerando hierarquizaes
e excluses. Compreendendo que a prtica do sexo anal entre homens produz
uma dicotomia ativo e passivo quase metafsica, tamanha a naturalizao
de seus papeis sexuais e sociais, onde um atua, respectivamente, como o macho
dominador e viril e o outro atua como o seu oposto fsica e intelectualmente
vulnervel, o artigo pretende oferecer bases tericas para a desconstruo da
prtica do sexo anal entre homens. Para tanto, quatro informantes foram consul-
tados acerca de suas experincias sexuais atravs de questionrios devidamente
respondidos.
Palavras-chave: desconstruo; Derrida; sexo anal; homossexualidade; experi-
ncia tica.

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Desconstrutivismo

A utilizao do termo desconstruo no ttulo deste artigo no toa,


mas estratgica. Os alicerces do pensamento desconstrutivista derridiano esto
localizados em dois textos seus: no seu longo e reconhecido ensaio intitulado
Gramatologia (2004), e em seu A escritura e a Diferena (2002). Segundo o pr-
prio filsofo da desconstruo esses textos representam a porta de entrada para
a sua proposta filosfica.
Elizabeth Roudinesco1 diz que:
Utilizado pela primeira vez por Jacques Derrida em 1967 na
Gramatologia, o termo desconstruo foi tomado da arquitetura.
Significa a deposio decomposio de uma estrutura. Em sua
definio derridiana, remete a um trabalho de pensamento incons-
ciente (isso se desconstri), e que consiste em desfazer, sem nunca
destruir, um sistema de pensamento hegemnico e dominante.
Desconstruir de certo modo resistir tirania do Um, do logos, da
metafsica (ocidental) na prpria lngua em que enunciada, com a
ajuda do prprio material deslocado, movido com fins de recons-
trues cambiantes (DERRIDA; ROUDINESCO apud JUNIOR,
2010, p. 12).

O objetivo da Desconstruo, alm de desmantelar discursos fixos e expor


toda sua engrenagem e estrutura, inverter hierarquias canonizadas:
Fazer justia a essa necessidade significa reconhecer que, em uma
oposio filosfica clssica, ns no estamos lidando com uma
coexistncia pacfica de uma face a face, mas com uma hierarquia
violenta. Um dos termos comanda (axiologicamente, logicamente
etc.), ocupa o lugar mais alto. Desconstruir a oposio significa,
primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia
(DERRIDA, 2001, p. 48 apud JUNIOR, 2010, p. 10).

Neste momento, sinto a necessidade de apontar que este o objetivo


deste trabalho: oferecer instrumentos tericos para a desconstruo da prtica
do sexo anal entre homens.

1 Historiadora e psicanalista francesa.

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No cu dos outros refresco

No total, foram coletados dados de quatro informantes atravs de questio-


nrios. Todos autorizaram o uso gratuito de seus nomes reais e das informaes
oferecidas para esta pesquisa.
Quando questionados se sentem mais prazer no ato de penetrar ou de
serem penetrados, Tiago Batista Silva, 29 anos, respondeu dizendo que sente
mais prazer ao ser penetrado, no entanto, mantm, em menor frequncia, a
prtica do ativo sexual, ao passo que Marcelo Rodrigues, 29 anos, afirmou
que: gostaria de marcar a opo: gosto dos dois ao mesmo tempo, penetrar
sendo penetrado, considero este ser o mximo do prazer (maio/2016). Ricardo
Bezerra Sampaio, 26 anos, questionou a prpria necessidade da penetrao e
afirma que faz sexo tanto com penetrao quanto sem penetrao:
Muita importncia dada penetrao e na verdade ela
s uma parte do prazer do sexo, que tem muito mais a ver com
autodescoberta e descoberta do corpo do outro. [...] At as nomen-
claturas reforam isso. Ativo e passivo como se o primeiro
fosse mais importante que o ltimo por ser responsvel pela ao.
Ultimamente tenho experimentado sexo sem penetrao e com
penetrao (mas sem envolvimento de um pau); e difcil manter
uma regularidade com essa experimentao, porque parece incon-
cebvel a algumas pessoas que haja sexo sem penetrao, que essa
prtica uma preliminar ou um meio-sexo (Ricardo, maio/2016).

Existe outra coisa importante de se salientar quando Ricardo questio-


nado sobre a relevncia da penetrao no ato sexual. Alm de achar que a
penetrao no imprescindvel, Ricardo diz: J fui bastante passivo sendo
ativo e o j fui bastante ativo sendo passivo. E nem todas as minhas expe-
rincias sexuais envolveram um pau (seja o meu ou o dos meus parceiros)
(Ricardo, maio/2016). Isto nos faz pensar que o dispndio de energia e de fora
um fato relevante na hora de distinguir tais papeis.
Por outro lado, Marcelo Rodrigues quando questionado sobre a relevn-
cia da penetrao no ato sexual, distingue a noo de penetrao da noo de
dominao afirmando que quando se trata de dominao a questo independe
de quem penetra ou penetrado, mas falando em penetrao, considero-a
imprescindvel para o prazer sexual completo (Marcelo, maio/2016).

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Marcelo Rodrigues e Tiago Batista Silva, que se consideram versteis, e


Ricardo Bezerra Sampaio, que no se considera exclusivamente nem ativo e
nem passivo, concordam que o passivo sexual sofre estigma social.
Numa esfera mais especfica, o passivo sexual vtima de pre-
conceito inclusive entre a comunidade que o deveria acolher e
conviver bem com as diferenas: a LGBT. [...] Isso, alm de demons-
trar a misoginia corrente entre homens gays, refora uma certa ideia
de que o feminino est ligado ao frgil, ao meramente receptivo,
ao passivo. Como se no houvesse uma fora nessas caractersticas
ligadas receptividade, como se sem O Pau no houvesse possibili-
dade de prazer ou at mesmo de ato sexual. (Ricardo, maio/2016).

possvel ressaltar duas questes do argumento de Ricardo, o precon-


ceito sofrido pelo passivo sexual dentro da prpria comunidade LGBT, que
lhe deveria ser aberta e receptiva, mas que muitas vezes o oprime com adje-
tivos ofensivos e a cultura falocntrica onde tudo gira em torno do smbolo
do falo e do uso do pau. A forma como se usa o pau em uma relao sexual
designa muito da orientao sexual e, aparentemente, at do carter de algum
e a forma de tratamento que ela receber, inclusive entre seus pares.
Os informantes foram questionados sobre suas posies sexuais preferidas
com o intuito de compreender o quanto de poder e de desejo esto guar-
dados nestes momentos especficos de prazer. Tiago Batista Silva afirma que
prefere a posio de costas e com pernas para cima2. Como Tiago afirmou que
sente mais prazer ao ser penetrado e que mantm o ato de penetrar em pouca
frequncia, entendemos que esta posio sua preferida quando est sendo
penetrado3. O indivduo se encontra, nesta posio, em situao de penetrado
e isto, neste momento especfico, requer menos dispndio de energia e, prin-
cipalmente, uma grande intensidade e fora para suportar no s a penetrao
em si que est sob total domnio do parceiro -, mas algum peso do corpo do
outro sobre o seu. Ser possvel, nesta posio, o sujeito manter algum poder e
desejo que no o qualifique como mero receptor sexual?

2 O informante se referiu a posio sexual como ela comumente chamada: de frango assado.
3 Esta informao est em carter de suposio do autor do texto.

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Marcelo Rodrigues afirmou que sua posio sexual preferida a famosa


cavalgada, quando o parceiro se senta sobre o pau do outro. Quando questio-
nado sobre o motivo que o leva a preferir esta posio, ele afirmou:
uma questo de controle, quando sou ativo nessa posio gosto
de apreciar o prazer de no fazer muito esforo, uma posio
cmoda. J quando passivo, gosto de ter o controle da entrada do
pnis. Essa posio se torna uma das minhas prediletas justamente
por isso, a pessoa que est sendo penetrada tem o controle sobre o
quanto do pnis introduzido (Marcelo, maio/2016).

Em comparao ao ato sexual anterior o parceiro ativo da famosa


cavalgada est em uma posio anloga a posio do passivo do ato do
frango assado. Ambos despendem menos energia no ato sexual e ambos
necessitam de maior fora para suportar o peso do corpo do seu parceiro sobre
o seu, mas qual o motivo que leva o passivo sexual da posio chamada de
frango assado a ser reconhecido como um mero receptor e o ativo sexual
da famosa cavalgada ainda ser reconhecido como o dominador? a pro-
priedade do falo. Na famosa cavalgada, o penetrado est a em uma posio
verticalmente superior ficando por cima e detm o completo domnio do ato
da penetrao decidindo a intensidade e a fora do ato, assim poderamos cha-
ma-lo de ativo.
Marcelo Rodrigues um homossexual que transita facilmente entre hete-
rossexuais e homossexuais, haja vista que seu porte fsico corresponde ao ideal
de virilidade propagado e seu comportamento pode ser reconhecido como
discreto normalmente, uma exigncia para que homens gays sofram menos
preconceito. Quando questionado se prefere que seu parceiro passivo assuma
o esteretipo do homossexual efeminado ou se, quando penetrado, prefere
que seu parceiro ativo seja o oposto deste esteretipo, ele responde: No
tenho essas predilees, at acho interessante comer um homem com carac-
tersticas masculinas, transformar o macho em mulherzinha. E quanto a ser
passivo com um efeminado tambm no gera problemas, o que importa o
desejo (Marcelo, maio/2016). Embora Marcelo demonstre que os esteretipos
no exeram qualquer relevncia para ele se relacionar sexualmente com um
sujeito, a referncia ao macho viril como mulherzinha, ou seja, a transforma-
o sbita do homem masculino em mulherzinha ao ser penetrado ainda

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sintoma, reflexo da forma como representamos tais papeis em nossa sociedade


patriarcal.
Tendo em vista o exposto, se os papeis sociais e sexuais do ativo e pas-
sivo so to fluidos hoje em dia, por qual motivo mais fcil que um ativo se
identifique como tal publicamente do que um passivo fazer a mesma coisa?
Renan Dellmont, 27 anos, diz que muitos homens so passivos, mas
escondem isto por acharem que sero considerados gays de mais (maio/2016).
O jovem, que se identifica como homossexual, como verstil e que no acha a
penetrao imprescindvel no ato sexual, reconhece que a sociedade enxerga o
ativo sexual como um homem forte, msculo, barba e etc. O passivo seria o
mais esbelto, traos finos e etc. (Renan, maio/2016). No entanto, defende que,
de acordo com suas experincias, no enxerga mais as definies destes papeis
dessa maneira.
Quando questionado se acha que o passivo sexual existe em situao
de inferioridade, ele diz:
No mesmo. Como falei antes. Existem passivos que dominam e
muito o ato sexual. Alm do que a forma com que a pessoa sente
prazer no pode de forma alguma definir valores ou capacidades.
Por isto acredito que no o torna inferior. (Renan, maio/2016).

Pode-se perceber, pelas respostas dos informantes, que h uma distino


clara entre penetrao e dominao, que h o reconhecimento de que a socie-
dade considera o passivo sexual como um ser inferior e vulnervel, mas que a
partir de suas experincias afetivas e sexuais estas consideraes e a fixidez dos
papeis esto em situao de transformao. Talvez seja este o anncio de uma
transformao na histria e na cultura na forma como enxergamos os papeis
sexuais e de socializao na prtica do sexo anal entre homens.

O sexo anal como uma experincia tica e ertica.

Estamos na rea da linguagem, lugar onde Derrida iniciou a sua trajetria


filosfica. O Curso de Lingustica Geral (1915), de Saussure, lanou a linguagem
ao status de disciplina. O sistema saussuriano da lngua compreendido pelo
estruturalismo inaugural como fenmeno social com regras que se estabele-
cem e se constituem revelia do sujeito (RODRIGUES, 2012, p. 145) tinha
limites que Derrida soube enxergar e ir alm deles.

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Derrida percebe que, embora haja, por parte de Saussure, uma


ruptura com o ideal metafsico de sentido no reconhecimento de
que a ligao entre significante e significado arbitrria, a lingus-
tica ainda se manteria como mais um sistema totalizante que pensa
a linguagem como capaz de conferir sentido a qualquer termo
(Ibidem, p. 146).

Se antes, em Saussure, o significante convocava atravs de um pacto social


e arbitrrio o significado, com Derrida esta ideia solapada porque, de acordo
com o filsofo, a diferena entre significante e significado nenhuma.
O que era uma diferena opositiva na qual o significado poderia ser
alcanado pela presena do significante passa a ser, para Derrida,
um jogo de remetimentos e referncias em que um significante
depende do seu anterior e do seu posterior para fornecer algum
sentido. Significantes passam, assim, a s serem compreensveis
a partir de uma cadeia de significantes, e o significado aquilo que
se d dentro de uma cadeia de significantes, num jogo de diferen-
as (Idem).

Ou seja, o significado deixa de estar subjugado pela existncia do signi-


ficante e passa a ser o efeito de uma cadeia de referncias e de remetncias
constituda exclusivamente por significantes. Rodrigues relembra a analogia
butleriana de sexo/gnero feita com o par significante/significado derridiano:
Aponto aqui para o paralelo ao questionamento de Derrida em relao ao par
significante/significado e analogia entre a afirmao de Butler e a de Derrida,
quando ele diz que a diferena entre o significado e o significante no nada
(Idem, grifo da autora). Deste modo, utilizarei tambm o par derridiano para
pensar a questo da dicotomia ativo e passivo.
Judith Butler utiliza o par significante/significado derridiano para realizar
uma analogia e solapar com a estrutura binria sexo e gnero. Ento, se para o
filsofo da desconstruo o significado nada mais do que uma relao pro-
cessual e interminvel de significantes para significantes em uma cadeia que os
conecta atravs de rastros, para a filsofa ps-estruturalista gnero, que cor-
responde aos significantes, nada mais do que a performance que os corpos
exercem dando a iluso de papel feminino, masculino ou qualquer outro, mas
que no so papis determinados pelo sexo fmea ou macho, so agora cons-
trudos socialmente atravs de atos performativos. Ento, gnero para Butler,

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influenciada por Derrida, um sentido provocado pela relao processual e


interminvel de atos performativos para atos performativos constitudos em
cadeia e conectados atravs de rastros. Sob esta perspectiva, quando olho para
um corpo s sou capaz de dar um sentido para ele atravs da percepo de
repetio interminvel de atos performativos.
Seguindo Butler e pensando com Derrida a questo da estrutura binria
ativo e passivo, a figura do passivo ocupa o lugar do significante derridiano e
atravs da repetio interminvel de seu papel pensar a figura do ativo s ser
possvel quando existindo em sua funo. Sendo assim, quando olho para um
corpo-existncia s sou capaz de dar um sentido ao papel do ativo atravs
da percepo de repetio interminvel do papel do passivo. Agora o sig-
nificante-passivo que ocupa um lugar prioritrio. Desta maneira, podemos at
pensar em manter os nomes ativo e passivo para se referir a quem penetra e
a quem penetrado, respectivamente, j que seus papis esto desconstrudos.

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Referncias bibliogrficas

JNIOR, Neurivaldo Campos Pedroso. Jacques Derrida e a desconstruo: uma intro-


duo. Revista Encontros de Vista. V. 1, p. 9-20, 2010.

RODRIGUES, Carla . Performance, gnero, linguagem e alteridade: J. Butler leitora de


J. Derrida. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de Janeiro), v. 10, p. 140-164, 2012.

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CORPOS, CORPOS, CORPOS:


DESALINHANDO-SE A UM PESQUISAR QUE SE AFETA

Lucio Costa Girotto


Graduado - UNIFESP-BS
[email protected]

Mauricio Loureno Garcia

Cristiane Gonalves da Silva

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

Este trabalho um recorte de um Trabalho de Concluso de Curso (TCC), que


se intitula Singularidades e Identidades: Descontinuidades entre sexo e gnero
em uma vivncia Drag, cujo objetivo fora cartografar o cambalear existencial
nos entre identidades de gnero e sexualidade por meio da vivncia corporal
do cartgrafo em um curso de Drag Queen. Na introduo do trabalho, des-
crito o exerccio de dissecar alguns corpos apresentados, teorizados e ensinados
durante a graduao em Psicologia. Neste exercitar, formulava-se uma analtica
cartogrfica ao corpo do pesquisador, que apostava na experimentao esttica
de uma drag, figura que cambaleia entre linearidades de sexo, gnero e desejo.
Palavras-chave: Sexualidade; gnero; corpo; cartografia; poltica.

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Introduo

No percurso da formao em Psicologia pela Universidade Federal de


So Paulo, campus Baixada Santista (UNIFESP-BS), variadas corporalidades so
ensinadas e aprendidas. um curso que veicula variadas compreenses da psi-
cologia e que tambm experimenta da metodologia de ensino interdisciplinar,
na aposta de compor saberes entre cursos da rea da sade; nessa gama de
ensinamentos, multiplicidades de corpos explicavam o sentir, o fazer, e o transar.
Julguei necessrio deslinhificar alguns corpos-teorias ensinados em disciplinas
(e absorvidos no corpo do pesquisador) que se alinhavam em uma lgica de
corpo quebra-cabea psico-scio-biolgico: modelos de corpos desenhados
em forma de encaixe aprendidos como verdades que podem ser conhecidas de
forma neutra, democraticamente, sem modificao alguma. Corpos totalitrios
fadados ao verbo ser, retirados de uma tica de conexes com a vida; com-
posto por rgos os quais veem objetos numa realidade opaca, um mundo sem
devir (informao verbal)1.
Era preciso praticar no corpo e escrita a lgica que no descreve os cor-
pos segundo funes e/ou sujeitos, para acompanhar a processualidade de uma
perfomance Drag, esta que, segunda a aposta de muitas autoras (BUTLER, 2014;
LOURO, 2013; PELCIO, 2014 e VENCATO, 2005), possibilita o cambalear
entre linearidades de sexo, gnero e desejo. Deleuze em sua leitura de Espinosa
(2002) sugere a definio de corpos segundo agenciamentos de velocidades e
lentides, e como resultado de encontros afetivos; entendendo corporalidades
em termos geogrficos de longitude velocidades e lentides de partculas
a-significantes - e latitude - intensidades afetivas que preenchem um corpo.
Nessa analtica cartogrfica, aliado ao conceito de dispositivo de sexua-
lidade de Foucault (1983), possibilita perceber desejos, sexualidades e transas
para alm de verdades ontolgicas, entendendo estes como agenciamentos
polticos de poder e saber; corpos processuais controlados e em resistncia,
permeados em jogos biopolticos. Usando lembranas bibliogrficas de aulas,
os corpos foram descritos em transas; corpos transantes como subjetivaes de
desejos e performances.

1 Palestra ministrada por Luiz Fuganti no Festival Contemporneo de Dana de So Paulo 2011. Link:
https://www.youtube.com/watch?v=lIwxWe_Tvo4

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Corpos Transantes Extensivos Funcionais e Corpos Transantes


Pensantes

Luiz Orlandi (2008) pode ajudar a compreender algumas vivncias corpo-


rais teorizadas na graduao em seu texto Corporeidades em minidesfile. Em
seu caminhar por alguns saberes ocidentais de corpo, ele se aventura em algu-
mas linhas formulativas, sendo nelas evidenciadas os corpos como instrumentos
da cincia e meio de percepo da conscincia: filsofos como Aristteles com
a percepo de corpo extensivo, Leibniz de um corpo implicado na ao (corpo
que age sobre o outro e vice-versa) e Descartes trazendo a percepo do corpo
como meio de percepo da conscincia. Esses corpos ajudam a compor eto-
logias de corpo que sente, que pensa, que transa.
Percebia esses corpos em meu transar, segundo o livro de fisiologia
(GUYTON e HALL, 2011) que usava para estudar. A leitura dele traz alguns ana-
lisadores para se pensar como eram apresentados esses corpos; a organizao
dos captulos e os tpicos a serem discutidos estipulam uma poltica de corpo,
classificando-o segundo uma ordem de funcionamento e relevncia.
Primeiramente os corpos so descritos segundo aspectos fisiolgicos,
regulados por feedbacks positivo/negativo; corpos neuronais que operam atra-
vs de impulsos regulados por diferenciao de potncia de voltagens. Corpos
que so delimitados pelas suas extenses (de altura, largura e profundidade) e
funes (aes que eles podem sofrer ou aliciar). No h dificuldade para per-
ceber, em nossas vsceras, esses corpos explicados: bvia a percepo dos
nossos limites nos membros, nos msculos, nos rgos, assim como em nos-
sas excitaes, nossas descargas, nossas respostas (feedback). Tudo to visvel.
Uma complexidade delimitada segundo rgos, cada qual com seus nomes e
suas regras.
A esses corpos regulados e reguladores, eu os nomeio de Corpos Transantes
Extensivos Funcionais masculino e feminino.
Masculino:
A fonte mais importante de sinais sensoriais neurais para iniciar
o ato sexual masculino a glande do pnis. A glande contm um
sistema de rgos terminais sensoriais especialmente sensvel, que
transmite a modalidade especial de sensao, chamada de sensa-
o sexual para o sistema nervoso central. A massagem da glande
estimula os rgos terminais sensoriais, e os sinais sexuais, por sua

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vez, cursam pelo nervo pudendo e, ento, pelo plexo sacral para
a regio sacral da medula espinal, finalmente, ascendendo pela
medula para reas no definidas do crebro(GUYTON e HALL,
2011, p.1030, grifos meus).

Corpo biolgico, foco irradiador das sensaes de prazer, faz desse corpo
transante extensivo funcional incio e finalidade de toda e qualquer experincia
sensorial. Fica mais ou menos evidente a relao quase intrnseca entre sensa-
es, prazer e base antomo-fisiolgica, produzindo efeitos de naturalizao
entre os termos. Este corpo passa por mim e eu me identifico neste fazer-tran-
sar: transo com o pnis atravs do contato com um corpo que o estimule, tudo
que friccione. A glande como parte mais sensvel segundo as terminaes ner-
vosas me excita; a ereo ocorre. Prazer. Orgasmo. Relaxamento.
Feminino:
A estimulao sexual local da mulher, ocorre mais ou menos da
mesma maneira que no homem porque a massagem e outros tipos
de estimulao da vulva, da vagina e de outras regies perineais
podem criar sensaes sexuais. A glande do clitris especial-
mente sensvel ao incio das sensaes sexuais.(...) Localizado em
torno do introito e estendendo-se at o clitris, existe tecido ertil
quase idntico ao tecido ertil do pnis. Esse tecido ertil, assim
como o do pnis, controlado pelos nervos parassimpticos que
passam pelos nervos erigentes, desde o plexo sacro at a genitlia
externa (Ibid. p.1054, grifos meus).

Como possvel observar, esse corpo transante extensivo funcional


feminino explicado tendo como base o corpo masculino, fazendo-se parte
complementar de um transar dicotmico. Os autores parecem querer afirmar
e reiterar que o modelo e a referncia o masculino, como aponta os trechos
grifados. Essa conformao se passava em mim, numa classificao de no ser,
de eliminao, dado que como ser possvel observar mais abaixo, a identidade
se faz pelo negativo, pela oposio e pela dicotomia. Butler (2013), referindo-se
a Simone de Beauvoir, d pistas de como se institui uma poltica que coloca
o corpo transante feminino segundo a lgica corporal masculina. Masculino
universal que se diferencia de um Outro feminino, fora das normas universais,
condenado a imanncia.
Outro corpo, presente nesse livro de fisiologia e de sensao bvia em
nossos viveres, um corpo pensante, individual. H uma dicotomia entre

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corpo-conscincia e corpo extensivo-funcional, estipulando implicaes cla-


ras entre os dois. Um corpo que pensa, que percebe segundo as sensaes
recolhidas do mundo, corpo-conscincia que conhece atravs de sensaes
do corpo extensivo-funcional. Nesses corpos se cria um Eu, bem definido, bem
especifico em suas partes, bem estratificado em suas implicaes para e com
o mundo. Um eu bem explicado, articulado e institudo.
A esses corpos, eu os nomeio de Corpos Transantes Pensantes Masculino
e Feminino:
Masculino:
Estmulos psquicos apropriados podem aumentar, em muito,
a capacidade de a pessoa realizar o ato sexual. O simples pen-
samento sobre sexo, ou mesmo sonhar que est participando de
relao sexual, pode iniciar o ato sexual masculino, culminando na
ejaculao (GUYTON e HALL, 2011p.1031).

Percebo meus desejos direcionados segundo uma continuidade clara, e


simples. Penso os acontecimentos de meu corpo como causas de um ser coe-
rente; como uma ontologia explicativa de meus desejos e teses. Ora, se sinto
todas essas sensaes e meu desejo est direcionado para o sexo feminino, logo
sou homem, e heterossexual. Penso, logo sou; sou, logo transo. Meu desejo tem
nome, tem objeto definido e tem uma continuidade; meu pensamento se d
segundo preposies j nomeadas.
Feminino:
Ter pensamentos sexuais pode levar ao desejo sexual feminino,
o que ajuda bastante no desempenho do ato sexual. Esse desejo
se baseia nos impulsos psicolgicos e fisiolgico, muito embora o
desejo sexual de fato aumente, em proporo ao nvel de horm-
nios sexuais secretados (Ibid. p.1054).

O corpo feminino pensante, em sua descrio, apresentado como corpo


transante essencial, enquanto o masculino secundrio. Como uma maquina-
ria fisiolgica, o masculino opera segundo seus instintos, bem definidos, bem
organizados. O sentir apndice de um transar masculino, enquanto no corpo
pensante feminino determinante.

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Para alm do corpo transante extensivo funcional, o corpo


ergeno

Eis que aparece o corpo ergeno, que me oferece um novo fazer-transar,


uma transa que no se opera pelas extenses ou por um pensar consciente;
transa-libidinal. Ao fundar a ideia de um sujeito psquico baseado no constructo
terico acerca do sistema inconsciente (ICS), Freud, como fundador da psica-
nlise rompe a lgica cartesiana vigente at o final do sculo XIX, inaugurando
um novo modo de se pensar a subjetividade. Esse rompimento - entre vrios
matizes que no apontarei no momento - refere-se, fundamentalmente numa
proposio do corpo biolgico como suporte das satisfaes pulsionais. Sem
desconsiderar o aspecto metablico das partes antomo-biolgicas do corpo,
com a noo de zonas ergenas que Freud constituir boa parte de sua metap-
sicologia. Basta ver a importncia dada na relao entre modos de investimento
pulsional e zonas ergenas, na discusso apresentada sobre a organizao da
libido, ou as chamadas fases libidinais.2
Na psicanlise aprendemos e sentimos o movimentar deste corpo que
se faz na falta; articulado em torno da noo fundamental de pulso, o desejo
deste corpo se dirige a uma nostalgia de completude, em busca de um gozo
onipotente, gozo este que nunca ser realizado. Corpo com o nico objetivo
de prazer que descarrega deste desejo; corpo masturbatrio. Eis o corpo fun-
dado segundo a trplice maldio sobre o desejo: a da lei negativa, a da regra
extrnseca, a do ideal transcendente (DELEUZE e GUATTARI, 2012, p.12). O
corpo ergeno cria outras possibilidades de percepes para alm dos corpos
transantes extensivo funcionais e pensantes. Mas fica enrolado segundo a lgica
de um desejo faltoso. A etologia desse corpo se limita pela lgica transcenden-
tal pai-me-filho.

Desalinhando-se ao limite: Corpo transante intensivo

Deleuze e Guattari (1976, 2012) nos ajudam a pensar em outro operar de


corpo, que pressupe um desejar cuja natureza implacavelmente disruptiva,

2 Anotaes das aulas de psicanlise, mais especificamente dos Trs Ensaios sobre a Sexualidade, de
Freud (2006)

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que precisa estar sempre sendo favorecida e liberada de suas constries.


Explicitando o desejo como no sendo apenas a fora que anima o psiquismo,
mas que, alm de tudo, imanente a outras foras animadoras do social, do
histrico, do natural. Um desejar que pode ter infinitas possibilidades de mon-
tagem; Corpo sem Orgos (CsO), este que no se define em rgos e suas
funes, mas pela potncia amrfica que ele conduz, corpo de produo dese-
jante que auxilia em um experimentar invenes afetivas.
Esse corpo pode ser inspirado por Beatriz Preciado (2014, p.32), quando
ele manifesta o cu, como possibilidade de revoluo: os trabalhadores do nus
so os novos proletariados de uma possvel revoluo sexual. Ele faz um elogio
ao cu como um orifcio-entrada, um ponto de fuga, um centro de descarga.
Os anus no mapeados na geografia anatmica e orgstica da diferena sexual
biomdica tm a potncia de produzir prazer que foge do destino reprodu-
tivo ou romntico. Deleuze e Guattari (2012, p.13) falam vamos, ainda no
encontramos ainda nosso CsO. Este corpo fala: vamos, ainda no utilizamos o
nosso cu. Um pesquisar que arquiteta saberes entre bucetas e pintos, nos entre
machos e fmeas.
Corpo transante intensivo, que no transa por fludos dinmicos, por suas
extenses, ou atravs de suas individualidades; mas sim por meio de devires;
um transar desindividualizante. Talvez por esse corpo intensivo transante, pos-
sibilite um pesquisar processual que se afeta a outros corpos-teorias, que cria
conhecimento por experimentao.

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Referncias

BUTLER, J. Problemas de Gnero: Feminismo e Subverso da identidade. Rio de


Janeiro: Civilizao Brasileira, 2014

DELEUZE, G. Espinosa: Filosofia Prtica. So Paulo: Escuta, 2002

DELEUZE, G. GUATTARI, F. Mil plats vol. 3. So Paulo: 34, ed. 2, 2012.

DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O Anti-dipo, Rio de Janeiro: Imago, 1976

FREUD, S. Um caso de Histeria, trs ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros


trabalhos, Imago: Rio de Janeiro, 2006.

FOUCAULT, M. Histria da Sexualidade 1: A vontade de Saber, Rio de Janeiro: Graal,


1984.

HALL, J. E.; GUYTON, C. A. Tratado de Fisiologia Mdica, 12 ed. Rio de Janeiro:


Elsevier, 2011.

LOURO, G. L. Um Corpo Estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria Queer, Belo


Horizonte: Autntica, 2013.

ORLANDI, L.B. L. Corporeidades em minidesfile. Revista Eletrnica Alegrar, n. 1,


ago.2004. Disponvel em: <http://www.alegrar.com.br/01/corpo/index.html>. Acesso
em: 25 abr. 2015.

PELCIO, L. Breve histria afetiva de uma teoria deslocada. Florestan, n. 02, 2014.

PRECIADO, B. Manifesto Contrassexual. So Paulo: N-1 Edies, 2014.

VENCATO, A.P. Fora do armrio, dentro do closet: o camarim como espao de trans-
formao. Cad. Pagu, Campinas, n. 24, 2005.

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ENSAIO SOBRE GNERO E SEXUALIDADE:


O VALE DAS (HOMOS)SEXUAIS

Rodrigo Henrique de Jesus Nascimento


Graduando em Servio Social1
Pontifcia Universidade Catlica do Paran
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

Discutiremos diversidade sexual a partir de um levantamento de artigos, qual


foi identificado com a temtica em peridicos da Cincia da Religio, em seus
ttulos. O surgimento das igrejas inclusivas LGBT, seu carter (trans)formardor e
a importncia frente as mudanas sociais a esta populao, qual procura na reli-
gio um acolhimento. Em que medida combate os movimentos fundamentalistas
e disputa este espao, que tambm perpassado por uma relao de poder e
prtica discursiva. Por fim, a combinao poltica com Direitos Humanos. Neste
caminho, (re)conhecendo a diversidade sexual, o religioso, a religio, a teologia
e a sociedade, como um todo, que constri a humanizao dos espaos de f.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; religio; gnero; direitos humanos.

1 Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao e Religio (GEPER/PUCPR) e Grupo de Estudo


em Direito, Diversidade Sexual e Relaes de Gnero (DIVERGE/UniBrasil)

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Introduo

Depois de uma busca por artigos em peridicos de Cincias da Religio2


que trabalhassem o tema diversidade sexual, realizamos uma Anal-ize3 do mate-
rial encontrado, metodologicamente filosofia da diferena, Zamboni e Balduci
argumenta que, subverte-se a lgica sexual: a realidade quem penetra o pen-
samento fazendo-o cruzar as mais diversas situaes que se vive, e vice-versa.
(2013, p. 291), assim, os conhecimentos, crescem pelas perturbaes que sofre,
pelas inquietaesdeestarnomundo. (2013, p. 288)
H tempos tenho perguntado me a efetividade das igrejas inclusivas e o
debate da religio s diversidades sexuais. importante mensurar que existe
uma enorme disparidade entre os espaos disputados na religio por pessoas
LGBT e os espaos heteronormativos, cisnormativo e, principalmente, patriarcal
de muitas, tal como conhecemos os discursos fundamentalista4, Felicianos e
Bolsonaros5.
Ao participar de um culto de uma igreja inclusiva, pude perceber, con-
forme apresenta Reid,
[...] es una teologa que entendiendo la presencia de Dios en la his-
toria y en la historia de los actos de liberacin en la vida cotidiana
de los pueblos, no se limita a ser un catlogo de temas autorizados
por la iglesia, sino que contina con una sospecha ideolgica, con

2 Parte do Projeto de Iniciao Cientfica (PIBIC) em andamento com o titulo Formar para a Diversida-
de Religiosa: Gnero e Diversidade Sexual: artigos e peridicos.

3 ZAMBONI, Jsio; BALDUCI, R. R. detodo o exerccio de excreo que se produz aduboparaumjar-


dimdedelciasadegustarcomossentidos,bemcomopara uma invaso das ervas inteis que que-
rem insistir e existir. Isso de produzir fora, de lanar para o exterior aquilo que supostamente no nos
presta, desta prtica que se produz qualquer fundamento para o pensar e o viver. (2013,p. 286)

4 BARROS, Marcelo. No plano teolgico, os fundamentalismos definem-se como uma atitude ou


tendncia teolgica ou espiritual que consiste em se agarrar ao que acreditam ser os fundamentos da
f e lutar para que no sejam adaptados nem relativizados. (2008, p. 112)

5 STEFFEN, Luciana; MUSSKOPF Andr S. Lideranas e grupos religiosos conservadores tm, inclusi-
ve, posto em cheque o avano e aprofundamento das discusses e prticas (especialmente no campo
das polticas pblicas) no campo dos direitos humanos utilizando argumentos religiosos e teolgicos
duvidosos. (2015, p. 60)

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un derecho a dudar de las intervenciones ideolgicas en la teologa


y en las iglesias. (REID, M. Althaus, 2008, pg, 58).

Entretanto, ainda, um discurso fortemente ligado ao convencional, quando


designam que o mundo gay um espao de pecado, apenas aqueles que com-
preendem a palavra de Deus e sua vontade teriam a compreenso. Ligavam
esta perspectiva de redeno ao casamento, relacionamento conjugal e estas
formas de unio. Este comportamento interessante, na medida em que, [...]
esto entra la sexualidad, porque hablo del mercado que determina la produc-
cin y el intercambio de bienes pero tambin la produccin e intercambios
de deseos, afectos y de amor. (REID, M. Althaus, 2008, pg, 59). Neste caso, a
Igreja est disposta trabajar sus propios problemas con la sexualidad, y as
humanizarse? (REID, M. Althaus, 2008, pg, 61)
A Religio e Jesus6 Luz (um corpo normatizado)
No culto, alguns casais homoafetivos, pastores homens gays7 e pastora
mulher trans8. (A ultima, representatividade a uma poro feminina de Jesus9).

6 BARROS, Marcelo. De um lado, quase todas as religies se desenvolveram em sociedades patriarcais


e adotaram o prprio modelo do patriarcalismo como linguagem da revelao divina: Deus Pai.
Os ministros homens representam a divindade, e assim por diante. (2008, p.113).

7 MARANHO F., Eduardo Meinberg de Albuquerque. [...] bom marcarmos que homossexuali-
dades/afetividades e transgeneridades no so sinnimos. Homossexualidades e homoafetividades
referem-se, respectivamente, a orientaes sexuais e afetivas, enquanto as transgeneridades so que-
bras ou transgresses das normas de gnero esperadas de quem designad@ de determinado sexo/
gnero ao nascer (ou na gestao). (2015, p. 49).

8 MARANHO F., Eduardo Meinberg de Albuquerque. Esta considerao nos leva a destacar que
identidades de gnero, expresses de gnero, orientaes afetivas e orientaes sexuais so coisas
distintas. Podemos entender identidade de gnero como o modo como a pessoa se sente, se per-
cebe, se entende em relao ao sistema sexo/gnero. Sua identidade de gnero pode ser feminina,
masculina, algo entre esses dois lugares ou nenhuma, em um espectro amplssimo (incluindo os dois
lugares ao mesmo tempo, mais de dois lugares, nenhum, e misturas entre nenhum e mais de um
lugar). A identidade de gnero se associa transgeneridade e cisgeneridade. Na primeira, a pessoa
no se sente confortvel com o sistema sexo/gnero que lhe foi imputado na gestao ou no nasci-
mento: sua identidade autntica aquela qual se identifica, e no a outorgada compulsoriamente.
Na segunda situao, a pessoa se sente confortvel e concorda com o sistema sexo/gnero que lhe
designado na gestao ou no nascimento (2015, p. 50)

9 BOFF, Leonardo. A poro feminina de Jesus Mandrgora Vol. 20, No 20 2014 p. 129-145

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Aplicando, como nos apresenta Reid, formas diferentes de compreender o reli-


gioso, para de fato mudanas estruturais,
La teologa Queer utiliza nueva perspectivas afectivas, nuevas
maneras de ser comunidad que viene de los grupos y temticas
excluidas en la iglesia. Esto escandaliza (en el sentido bblico tam-
bin de escndalo) y enriquece la reflexin doctrinal, la liturgia
y la pastoral de la iglesia, as como la eclesiologa. (REID, M.
Althaus, 2008, pg, 66).

Mesmo que naquele espao nas igrejas inclusivas - haja fortes tendn-
cias a novas normativas de sexualidade, ainda um local que se abre a acolher
as diversidades. Temos que nos atentar para onde caminhar esta forma de
teologia, enquanto ideologia. Perceber de que maneira sua ao provoca (des/
re)construo das relaes de gnero. Causar mesmo,
Un Dios extrao, torcido, Queer. Un Dios fuera del armario de las
ideologas sexuales y Polticas fluido e inestable como nosotros, a
cuya imagen y semejanza fuimos hechos, un dios que se re y halla
placer en su destino divino de justicia transgresiva, la clase de jus-
ticia que desarticula las leyes y que finalmente hace de nosotros,
ms que discpulos, amantes de Dios. (REID, M. Althaus, 2008,
pg, 69).

Sabemos, por isso e outras, que conjunturalmente, a igreja um poderoso


espao de disputa hegemnica, portanto, a luta contra-hegemnica para sub-
verso da cultura. Musskopf, depois Reid, respectivamente, apresenta,
O processo de descolonizao de Deus (e da religio) pressupe
revisitar as imagens de Deus que legitimam, santificam e normati-
zam um mundo de relaes machucadas. Incorporar a graa dos
vrios movimentos envolvidos na luta por outro mundo possvel
ainda um desafio para a teologia e a religio. (MUSSKOPF, 2008,
p. 33)
Porqu ls telogas no salen del armario? Y no me refiero sola-
mente a los armarios gay, lesbianos, bisexuales o travestis que
existen aunque estn ocultos, sino tambin al armario heterosexual.
[...]Entonces, el proyecto de hacer una teologa sexual, sin ropa
interior es una postura tica. Es establecer el principio realidad en

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la teologa desde la perspectiva sexual. Es dejar mucha hipocresa y


mentira de lado. Es decir, que el objeto dela teologa es reflexionar
sobre la relacin entre Dios y los seres humanos, y no entre Dios y
el mundo de las ideologas. (REID, M. Althaus, 2008, pg, 62)

Direitos Humanos10 e Inconcluses

Entre, a liberdade de crena se apresenta como um direito humano, e


no apenas como um direito heteronormativo, antidemocrtico e confinado
a opresso e supresso de direitos das minorias sociais, sejam elas LGBT ou
demais minorias culturais e religiosas. (SILVA. Laionel Vieira; BARBOSA,
Bruno. 2015, p. 85) e [...] a modernidade no empurra simplesmente a religio
para dentro da dimenso espiritual da vida; ela exige que a religio aceite, em
nvel cognitivo, seu lugar em uma sociedade cada vez mais plural. (SOUZA,
Robson. 2015, p. 218)
Provocamos a ideia de que o paraso no ser to interessante com a falta
de compreenso a multi/pluridiversidade humana, social e sexual. Podemos
pensar o vale dos (homos)sexuais como uma possibilidade que sugestivamente
convida as minorias sociais/sexuais a uma nova perspectiva de transcendente.
Rompemos com muitas violncias e opresses fundamentadas a uma cultura
que privilegia sujeitos e submetem outros. Por fim (aqui), o futuro a ns per-
tence, seja com/para Deus-a/o/e.

10 SOUZA, Robson. H que se destacar aqui a importncia da ideologia dos direitos humanos: esse
status igualitrio criou o espao necessrio para a consecuo de acordos parciais e transitrios entre
interesses muitas vezes divergentes. (2015, p. 212)

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Referncias

BARROS, Marcelo. O parto difcil de uma profecia ertica: o fundamentalismo reli-


gioso e a questo de gnero. Mandrgora: Vol. 14, No 14. 2008 p. 110-116

BOFF, Leonardo. A poro feminina de Jesus Mandrgora Vol. 20, No 20 2014 p.


129-145

MARANHO F., Eduardo Meinberg de Albuquerque . Uma igreja dos direitos huma-
nos onde promscuo o indivduo que faz mais sexo que o invejoso e inveja
pecado: notas sobre a identidade religiosa da igreja da comunidade metropolitana
(ICM) Mandrgora Vol. 21, No 2 2015 p. 5-37

MUSSKOPF, Andr Sidnei. Deus brasileiro! Mas que brasileiro? Mandrgora: Vol. 15,
No 15. 2008. p. 26-34

REID, Marcella Althaus. Marx enun bar gay La Teologa Indecente como una Reflexin
sobre laTeologa de laLiberacin y laSexualidad. Numen: revista de estudos e pesquisa
da religio, Juiz de Fora, 2008, v. 11, n. 1 e 2, p. 55-69

SILVA. Laionel Vieira; BARBOSA, Bruno. Entre cristianismo, laicidade e estado: As


construes do conceito de homossexualidade no Brasil. Mandrgora, v.21. n. 2,
2015, p. 67-88

SOUZA, Robson. Ps Estruturalismo e Religio: as novas possibilidades analticas nos


estudos sobre as relaes sociais de gnero. Mandrgora, v.21. n. 2, 2015, p. 207-236

STEFFEN, Luciana; MUSSKOPF Andr S. Direitos sexuais e direitos reprodutivos das


pessoas com deficincias: implicaes teolgicas Mandrgora Vol. 21, No 2 2015 p.
39-65

ZAMBONI, Jsio; BALDUCI, R. R. Filosofia da diferena bicha. In Currculos, gneros


e sexualidades : experincias misturadas e compartilhadas./ Alexsandro Rodrigues,
Maria Aparecida Santos Corra Barreto, organizadores. - Vitria, ES : Edufes, 2013, p.
283-291.

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DIGNIDADE EM DISPUTA: REFLEXES ACERCA


DO RECONHECIMENTO DA CONDIO TRANSGNERA
NO PALCO DO JUDICIRIO PARANAENSE

Francielle Elisabet Nogueira Lima


Bacharela em Direito - UFPR
Mestranda do PPGD-UFPR, rea de concentrao em
Direitos Humanos e Democracia
[email protected]

Jacqueline Lopes Pereira


Bacharela em Direito - UFPR
Mestranda do PPGD-UFPR, rea de concentrao em Relaes Sociais
[email protected]

GT 04 -
Travestilidades, Transexualidades, Lesbianidades e Homosexualidades:
Transgresses e Resistncias.

Resumo

Os indivduos gnero-desviantes, por contestarem a norma posta e diversos


cdigos sociais, tm os seus direitos fundamentais espoliados. Nessa esteira, o
direito autoidentificao e ao nome, em que pese serem essenciais a qual-
quer cidado, tornam-se sujeitos ao crivo do Poder Judicirio. Os tribunais,
no entanto, ao confrontarem demandas de retificao de registro civil, ainda
demonstram razes de decidir colidentes com a tutela geral da pessoa (que
tambm se traduz no princpio da dignidade da pessoa humana), denotando
discursos mdico patolgicos repletos de estigmas. O trabalho problematiza,
assim, o binarismo de gnero institucionalizado, colocando em destaque a judi-
cializao da condio transgnera.
Palavras-chave: condio transgnera; judicializao; binarismo; gnero.

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Introduo

Utilizando-se dos estudos sobre gnero como fio condutor, so descor-


tinadas questes que denunciam a marginalidade da condio transgnera.
Primeiramente, trazem-se as problemticas advindas e impulsionadas pelas
cincias e teorias que dinamizam as concepes acerca do(s) gnero(s), e que
desestabilizam o tradicionalismo social do ser homem e do ser mulher. O bina-
rismo de gnero engendrado pelas instituies, contudo, persiste aniquilando as
experincias transgressoras, colocando-as margem da sociedade. Os sujeitos
gnero-desviantes tm, assim, a sua cidadania invisibilizada e um dos reflexos
nefastos dessa excluso social a negativa do direito autoidentificao e ao
nome, to caros ao ordenamento jurdico ptrio que, no obstante, fundamen-
ta-se no princpio da dignidade humana.
Dessa forma, em um segundo momento, busca-se realizar uma breve
anlise de casos que chegam ao Judicirio envolvendo as questes atinentes
retificao ou alterao de prenome e designativo de sexo no registro civil e
como a ratio decidendi dos tribunais ainda contribui para a disseminao de
preconceitos, tornando a sua tutela insuficiente.

1. O(s) gnero(s) como dimenso de poder e os desdobramentos


de sua transgresso

O abrir das cortinas para tratar de gnero implica a realizao de uma


tarefa deveras cuidadosa, considerando a diversidade de territrios, culturas e
vieses cientficos que podem ser imiscudos na produo de seu conceito. A
ateno a esses elementos, somada s singularidades da percepo social de
cada terica (o), consequentemente, torna-se essencial para um estudo analtico
capaz de conferir as compreenses e problemetizaes necessrias e inerentes
ao assunto.
reconhecendo essa multiplicidade de contedos que Raewyn CONNELL
e Rebecca PEARSE (2015) consignam a caracterstica multidimensional do(s)
gnero(s), como estrutura, nas relaes sociais sobretudo nas relaes espe-
cficas com os corpos. Falar em gnero implica lidar com subjetividades e
coletividades simultaneamente, pois no se pode olvidar o poder das estruturas
na formao da ao individual de cada um (CONNELL; PEARSE, 2015, p. 49).

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Dentro de um arcabouo mais contemporneo, no se descuida da lei-


tura ps-estruturalista de Joan SCOTT (1995), que nutre referncias categoria
gnero como no sendo sentida apenas no discurso da diferena dos sexos,
mas, sobretudo, nos reflexos dessas diferenas nas instituies, nas estruturas,
nas prticas cotidianas, enfim, em tudo que constitui as relaes sociais; nesse
sentido, tampouco deixamos de nos orientar pela percepo de FOUCAULT
(2005) quanto elaborao poltica (ou um dispositivo, nas palavras deste te-
rico) que engloba um conjunto heterogneo de discursos e prticas que surte
efeito na produo de subjetividades, e que se mascara pela diferena que
reduzida aos sexos, a priori, como uma realidade biolgica.
Problematizando a perspectiva binria dos gneros, por sua vez, BUTLER
(2003) assinala a permanncia dos chamados gneros inteligveis, os quais
instituem e mantm relaes de coerncia e continuidade entre sexo, gnero,
prticas sexuais e desejo (BUTLER, 2003, p.38) e, na esfera desta estreita an-
lise, nota-se como todo os aparatos institucionais seguem assegurando essa
continuidade, por exemplo, atravs de prticas pedaggicas, reforando, assim,
o processo heteronormativo da educao (JUNQUEIRA, 2011).
Butler assinala, ainda, o preceito de que o gnero no algo que se adquire
ou que reflete o que o ser , mas , sobretudo, um mecanismo atravs do qual
as noes de masculino e feminino so produzidas e naturalizadas. E a que
adentra o conceito de performatividade. Ao destrinchar os estudos da filsofa
estadunidense, Letcia LANZ elucida, didaticamente, como Butler argumenta
que o gnero no pode ser reduzido a uma simples aparncia superficial do
corpo vestido, mas como a parte do gnero que performatizada , dessa
forma, a verdade do gnero, e como a performatividade consiste na reiterao
de normas que precedem, constrangem e vo muito alm do sujeito e nesse
sentido no podem ser tomadas como manifestao da vontade ou escolha
(2014, p. 55).
LANZ sublinha, ainda, como a contemporaneidade mostra certa mitiga-
o da rigidez dos moldes de masculinidade e feminilidade, uma vez que os
papeis sociais reservados a homens e mulheres no mais so suficientes
para identificar essas categorias1. Contudo, transgredir o dispositivo binrio de

1 O que dizer de homens que vo ao salo de beleza, cuidar das unhas, da pele e do cabelo, e
mulheres que malham em academias para aumentar sua musculatura, antigo distintivo exclusivo

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gnero, isto , vivenciar outro gnero em sua integralidade, que no aquele


designado ao nascer em razo do sexo biolgico, patentemente visto como
um tabu, algo que ataca a ordem moral estabelecida, e resulta em represses
de diversas instncias, que culminam na condio de marginalidade das pes-
soas que fazem tal afronta, imputando a esses indivduos gnero-desviantes um
papel irrelevante na cena social.
de maior importncia, por isso, denunciar as represlias direcionadas
queles que experimentam a condio transgnera, porquanto a realidade
evidencia cotidianamente a violncia contra pessoas transgneras, seja pela
chamada vigilncia de gnero, por agresses fsicas (que muitas vezes culmi-
nam na morte de transgneros), pelo enquadramento da transexualidade como
distrbio mental no rol de patologias da OMS, pela falta de acesso ao pleno
emprego, enfim, pela flagrante negao a essas pessoas de seus direitos mais
fundamentais inclusive de reconhecimento da prpria identidade.
O direito ao nome e a liberdade de ser genuinamente quem se , to subs-
tanciais esfera da personalidade, so conquistas ainda esparsas para as pessoas
trans, condicionadas ao crivo do Poder Judicirio que, ponderando princpios
do ordenamento jurdico, institutos e leis, averiguam se h os requisitos neces-
srios para se conceder a alterao dos documentos oficiais de identificao.

2. Transgeneridade: (in)compreenses pela cincia jurdica e pelo


Poder Judicirio

O Direito funda-se em lgica binria qual so contrapostas transgres-


ses de gnero. A vida no resumida a papis polarizados e contrapostos:
existem complexidades que extrapolam as pretensas categorizaes insculpidas
pelas cincias jurdicas.
A cincia jurdica se contradiz por defender os direitos da personalidade
como indispensveis tutela da dignidade (SCHREIBER, 2014, p. 10) ao mesmo

dos homens. At mesmo a capacidade de gestar e parir, atributo mais do que exclusivo da mulher
deixou de s-lo, no momento em que transhomens no operados resolveram reproduzir. No h
mais nenhuma caracterstica ou atributo pessoal, papel social ou domnio profissional que possa ser
considerado como inequvoco e absoluto domnio prprio e exclusivo do homem ou da mulher
(...) (LANZ, 2014, p. 20-21).

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passo em que tribunais constroem entendimentos que restringem esses mesmos


direitos a pessoas transgneras por no compreenderem suas subjetividades.
O prenome tem peso na autopercepo da pessoa, assim como a sua
identidade de gnero, todavia, decises tomadas por tribunais brasileiros leem
dogmaticamente a Resoluo n 1.955/2010 do CFM, condicionando a retifica-
o dos documentos oficiais da pessoa trans interveno cirrgica. A influncia
mdica reverbera na atuao do judicirio, que deixa a desejar em julgados
onde h coliso entre o direito ao nome e a segurana jurdica do registro civil.
o caso do TJ-PR, que concede o direito somente aps a cirurgia de trans-
genitalizao, subordinando o direito da personalidade realidade biolgica2.
Os argumentos se embatem ou pelo fato de proteger a personalidade ou por
fazer prevalecer a verdade biolgica. Porm, subordinar a alterao do pre-
nome de pessoa transgnera realizao de cirurgia que meramente se adqua
sua autopercepo forma de chancelar o argumento de que a identidade
resulta de construtos biologicistas e no pelo sujeito.
Notando experincia argentina3 e os bices da retificao de prenome, os
deputados federais Jean Willys e rica Kokay propuseram o PL n 5.002/2013
que busca refletir a autopercepo no registro civil atravs da retificao por

2 Essa concluso fruto do exame de acrdos localizados em pesquisa junto ao banco de decises
disponvel no stio eletrnico do Tribunal de Justia do Paran (https://portal.tjpr.jus.br/jurispruden-
cia/). Destacamos duas decises que inspiraram a anlise atenta dos fundamentos do tribunal: a Ape-
lao Cvel n 1.091.843-7, apreciada pela 11 Cmara Cvel, Relator Des. Renato L. de Paiva, em
julgamento realizado em 02/07/2014, publicado noDirio de Justia em25/07/2014; e a Apelao
Cvel n 350.969-5, da 12 Cmara Cvel, Relator Des. Rafael A. Cassetari, em julgamento realizado
em 04/07/2007, publicado noDirio de Justia em 20/07/2007. O primeiro julgado no concedeu
a alterao do nome no registro civil, enquanto o segundo autorizou a mudana, porm, ambas as
decises se fundamentam na realizao ou no da cirurgia de transgenitalizao, de forma a subor-
dinar a alterao do nome verdade biolgica. Inclusive, os votos empregam termos da literatura
mdica, como se observa do seguinte trecho extrado daquela deciso: O transexual, por fora de
sua anomalia sexual e no por mera escolha, est fadado a um estigma e humilhao ao ostentar
uma aparncia destoante do prenome e do sexo descritos em seu documento de identificao oficial.
Segundo a Resoluo n 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina o transexual portador de
desvio psicolgico permanente de identidade sexual, com rejeio do fentipo e tendncia auto-
mutilao e/ou autoextermnio.
3 Lei n26.743. Disponvel em: <http://www.tgeu.org/sites/default/files/ley_26743.pdf>. Acesso em
28/06/2016.

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via administrativa4. O projeto representa o clamor pelo reconhecimento de


identidades que divergem do postulado dicotmico macho/fmea. A dimenso
da alterao do texto legal indispensvel para a visibilidade da transgene-
ridade que, como visto, ainda vinculada fortemente ao discurso mdico
patologizador5.
Como as cortinas no se abriram Lei Joo Nery e o poder Judicirio
ensaia suas falas subordinado a critrios mdicos, aguarda-se a posio do
STF, que reconheceu a Repercusso Geral do RE n 670.4226. O Ministro Dias
Toffoli entendeu que a palavra da Corte Suprema imprescindvel para definir
se o direito autoidentificao deve prevalecer frente imutabilidade do nome,
mesmo sem cirurgia de redesignao. Aguarda-se o posicionamento da Corte
para dirimir preconceitos, reestruturar falas de tribunais e dirigir os holofotes da
proteo do Estado brasileiro ao direito ao nome da pessoa transgnera.

Consideraes finais

A dignidade que proporcionada pela simples tutela do direito ao nome


encontra bices em sua efetivao pelo Poder Judicirio. Questiona-se: em que
medida se pode admitir essa judicializao da condio transgnera? E em que

4 O artigo 4 exige que a pessoa seja maior de idade, apresente ao cartrio uma solicitao escrita,
na qual dever requerer a retificao registral da certido de nascimento e a emisso de uma nova
carteira de identidade, conservando o nmero original e expressar o/s novo/s prenome/s escolhido/s.
Disponvel em:<http://prae.ufsc.br/files/2013/06/PL-5002-2013-Lei-de-Identidade-de-G%C3%A-
Anero.pdf >. Acesso em: 28/06/2016.

5 O transexualismo catalogado como transtorno comportamental na Classificao Internacional de


Doenas sob o cdigo CID 10 F 64. Disponvel em: <http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-f/
f640/transexualismo>. Acesso em 26/06/2016.

6 Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. REGISTROS PBLICOS.REGISTRO CIVIL DAS PES-


SOAS NATURAIS. ALTERAO DO ASSENTO DE NASCIMENTO. RETIFICAO DO NOME E DO
GNERO SEXUAL. UTILIZAO DO TERMO TRANSEXUAL NO REGISTRO CIVIL. O CONTEDO
JURDICO DO DIREITO AUTODETERMINAO SEXUAL. DISCUSSO ACERCA DOS PRINC-
PIOS DA PERSONALIDADE, DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA, INTIMIDADE, SADE, ENTRE OUTROS, E A SUA CONVIVNCIA COM PRINCPIOS
DA PUBLICIDADE E DA VERACIDADE DOS REGISTROS PBLICOS. PRESENA DE REPERCUSSO
GERAL (STF Relator Min. Dias Toffoli 11/09/2014).

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ponto as decises realmente refletem a substancialidade da autodeterminao


dos sujeitos e denunciam toda a excluso social que cotidianamente vivida
pelas pessoas transgneras que buscam o Judicirio para tornar a sua vida um
pouco mais digna?
Atrelar o direito ao nome e designao de sexo no Registro Civil cirurgia
de transgenitalizao, como se v reiteradamente nos construtos biologicistas
em decises judiciais ao apreciar as vivncias transgneras, contribuir para
a excluso do plural. E embora o Poder Legislativo timidamente desponte sua
preocupao em facilitar a retificao, ainda assim, so poucos os parlamenta-
res que representam os interesses da minoria. Aguarda-se, por ora, a deciso do
STF a respeito do tema para que, ao menos no mbito judicializado do direito
ao nome, sejam definidos parmetros de argumentao coerentes com o fun-
damento do sistema jurdico: a dignidade da pessoa.

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Referncias

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ley_26743.pdf. Acesso em 28/06/2016.

BRASIL. Projeto de lei n 5.002/2013. Disponvel em: http://prae.ufsc.br/files/2013/06/


PL-5002-2013-Lei-de-Identidade-de-G%C3%AAnero.pdf . Acesso em 28/06/2016.

______. Tramitao do Projeto de lei n 5.002/2013. Disponvel em: http://www.


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____. TJ-PR. AC 1.091.843-7. Disponvel em: https://portal.tjpr.jus.br/jurispruden-


cia/j/11704668/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-1091843-7. Acesso em 26/06/2016.

BUTLER, J. Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade. Traduo de


Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Civilizao Brasileira, 2003.

Classificao Internacional de Doenas. Transexualismo. CID10F64. Disponvel


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CONNELL, R.; PEARSE, R. Gnero: uma perspectiva global. So Paulo: nVersos, 2015.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Priso. 30. ed. Petrpolis: Vozes,
2005.

JUNQUEIRA, Rogrio Diniz. Heterossexismo e vigilncia de gnero no cotidiano esco-


lar: a pedagogia do armrio. In: MELLO, Elena Maria Billig; SILVA, Fabiane Ferreira
da (Orgs.). Corpos, gneros, sexualidades e relaes tnico-raciais na educao.
Uruguaiana, RS: UNIPAMPA, 2011. p. 74-92.

LANZ, L. O corpo da roupa: a pessoa transgnera entre a transgresso e a confor-


midade com as normas de gnero. Curitiba: Universidade Federal do Paran, 2014.
342 f.

SCHREIBER, A. Direitos da personalidade. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2014.

SCOTT, Joan W. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao e


Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, jul.-dez. 1995.

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QUANTOS ASSASSINATOS EXISTEM EM APENAS UM?:


TRILHAS INICIAIS PARA O ENTENDIMENTO DO
TRANSFEMINCIO NO BRASIL.

Tarcisio Dunga Pinheiro


Doutorando em Cincias Sociais PPGCS/UFRN
[email protected]

Marcos Mariano Viana da Silva


Doutorando em Cincias Sociais PPGCS/UFRN
[email protected]

Mikarla Gomes da Silva


Mestranda em Cincias Sociais PPGCS/UFRN
[email protected]

GT 04 -
Travestilidades, Transexualidades, Lesbianidades e Homosexualidades:
Transgresses e Resistncias.

Resumo

A proposta do presente artigo tecer alguns apontamentos acerca dos assas-


sinatos de travestis e mulheres transexuais no Brasil. Para isso, ser utilizado a
ideia de transfeminicdio como aporte substancial para o entendimento de
algumas lacunas conceituais e metodolgicas que resultam, por exemplo, na
escamoteao de dados quantitativos, na impreciso de relatrios e na sub-
notificao de casos. As informaes incutidas no ensaio so provenientes de
uma pesquisa de doutorado, cujos elementos constituintes encontram-se e fase
embrionria. Entretanto, mesmo em fase inicial, a investigao tem apontado
para algumas variveis que denotam a urgente necessidade de polticas pblicas
e estatais que se debrucem no entendimento e na reduo dos atos acometidos
populao em voga.
Palavras-chave: transfeminicdio; travestilidades; transexualides; gnero;
sexualidade.

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Introduo

O Brasil o pas recordista em assassinatos de travestis e mulheres tran-


sexuais em todo o mundo. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB)1, no
ano de 2014 50% (cinquenta por cento) dos crimes dessa natureza ocorreram
no pas. No cenrio nacional, dentro do segmento LGBTTT, as travestis e as
mulheres transexuais so as mais vulnerveis face aos crimes letais: contando
com uma populao estimada em um milho de pessoas, o risco de uma delas
ser assassinada 9.354% (nove mil, trezentos e cinquenta e quatro por cento)
maior do que a soma das demais categorias - gays, lsbicas e bissexuais, que
juntas devem representar por volta de 19 milhes de pessoas, ou seja, cerca de
10% da populao brasileira2.

Entre dados e dvidas

Atualmente, o principal local de extrao dos dados inerentes ao assassi-


nato de travestis e mulheres transexuais no Brasil o Grupo Gay da Bahia (GGB),
que fornece anualmente o Relatrio de Assassinatos de Homossexuais (LGBT)
no Brasil3. Alm do GGB, existem mais duas fontes em que essas informaes
so coletadas. Uma delas a Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da
Repblica4, a segunda a Transgender Europe5.
Entretanto, ao fazermos uma anlise comparativa entre os relatrios (que
apresentam quase sempre apenas informaes numricas), percebe-se que h
uma discrepncia entre as informaes incutidas nas fontes. Ao observarmos, por
exemplo, as informaes atinentes ao ano de 2013 vislumbra-se que, enquanto

1 https://homofobiamata.files.wordpress.com/2015/01/relatc3b3rio-2014s.pdf, acessado em 12 de ju-


lho de 2016.

2 Informaes disponveis em http://homofobiamata.files.wordpress.com/2014/02/relatorio-20146.


pdf, 12 de julho de 2016.

3 Disponvel em https://homofobiamata.wordpress.com/estatisticas/relatorios/, acessado em 12 de ju-


lho de 2016.

4 http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/ .

5 http://tgeu.org/ .

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o GGB registrou um total de 108 (cento e oito) homicdios direcionados s


travestis e mulheres transexuais, a Transgender Europe computou 121 (cento
e vinte e uma) mortes em igual perodo. A Secretaria de Direitos Humanos da
Presidncia da Repblica, por sua vez, elaborou o relatrio tomando como base
apenas os anos de 2011 e 2012.
As poucas produes e anlises cientficas que se baseiam nas informa-
es dos assassinatos de travestis e mulheres transexuais do/no pas utilizam com
maior frequncia os dados do GGB. Uma das justificativas a periodicidade
em que os relatrios so disponibilizados, visto que desde o ano de 2001 h o
levantamento desses crimes pelo rgo. Outra explicao est calcada no fato
de o relatrio do grupo apresentar, mesmo que de maneira no to significativa,
algumas informaes qualitativas dos assassinatos (distribuio geogrfica, pro-
fisso, faixa etria). Alm disso, o grupo em questo o nico que possui uma
pgina eletrnica6 que atualiza em tempo real todos os assassinatos de pessoas
LGBTTT do pas, utilizando informaes de jornais e noticirios online de todo
o territrio nacional que culminam na construo do relatrio anual.
Acadmicos e militantes inferem que a atual metodologia para obten-
o dos dados ainda imprecisa, sobretudo porque nenhuma das fontes pode
ser delimitada como especfica e/ou confivel. Ao contrrio, esses nmeros
apontam somente a ponta de um iceberg, cuja totalidade e realidade esca-
moteada e subnotificada, conforme apontado pelos prprios responsveis pela
coleta de dados. Eduardo Michels, coordenador do banco de dados da pesquisa
do GGB, infere que a subnotificao destes crimes notria, indicando que
tais nmeros representam apenas a ponta de um iceberg de violncia e sangue,
j que nosso banco de dados construdo a partir de notcias de jornal e inter-
net. (RELATRIO DA VIOLNCIA LGBT, 2014).
Alm do mbito metodolgico, h tambm um hiato de impreciso na
perspectiva conceitual, visto que todos os homicdios computados no relatrio
anual do GGB, independentemente de serem direcionados a lsbicas, gays,
bissexuais, travestis, transexuais ou transgneros, so delimitados como casos
de homofobia. Neste certame, a aluso feita s infraes denota a motivao
como sendo uma consequncia da orientao sexual das pessoas assassina-
das. No entanto, uma anlise mais detalhada possibilita inferir que, alm da

6 https://homofobiamata.wordpress.com/, acessado em 12 de julho de 2016.

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subnotificao numrica dos casos, existe um vcuo inerente discusso em


torno da perspectiva da categoria gnero no processo de construo e fomen-
tao do relatrio.
Na tentativa de problematizar as tessituras inerentes s mortes de traves-
tis e mulheres transexuais brasileiras, desconstruindo a tipificao conceitual
de homofobia, a sociloga brasileira Berenice Bento alcunhou esse pro-
cesso sistemtico de assassinatos de transfeminicdio. Segundo a autora, O
transfemincidio se caracteriza como uma poltica disseminada, intencional e
sistemtica de eliminao da populao trans no Brasil, motivada pelo dio e
nojo. (BENTO, 2014, p.2).

Das questes metodolgicas

Conforme apontado, a atual configurao de coleta de dados e confec-


o do relatrio do GGB sedimenta algumas lacunas passveis de reflexo. A
primeira delas conceitual e est relacionada ao fato de todos as ocorrncias
abarcadas pelo documento estarem demarcados conceitualmente como casos
de homofobia, deslocando a anlise perspectiva da categoria gnero para
a categoria orientao sexual. A orientao sexual das travestis e mulheres
transexuais vitimadas no pas no pode ser o parmetro distintivo nesses casos,
visto que as prticas e demandas sexuais dos sujeitos so procedentes de mar-
cadores idiossincrticos e individuais.
Algumas das etnografias brasileiras que declinaram suas atenes ao
cotidiano de travestis e mulheres transexuais (Benedetti, 2005; Kulick, 2008;
Pelcio, 2009) inferem possibilidades de entendimento dessa conjuntura
quando os autores descrevem que as prticas sexuais das entrevistadas eram
sempre uma caixinha de surpresas. Boa parte dessas colaboradoras revela-
vam que a quantidade de vezes em que eram sexualmente ativas nas relaes
com seus parceiros (clientes ou companheiros estveis) era mais recorrente do
que se pudesse imaginar. Destarte, a hiptese que relaciona as prticas sexuais,
leia-se homossexualidade, dessa populao violncia letal e sistemtica
descontruda.
Bento (2014) faz uma incurso terica com o intuito de potencializar a
relao entre os assassinatos de travestis e transexuais tupiniquins com a doxa
do gnero, denominando-os conceitualmente, como apontado anteriormente,
de transfeminicdio. Sobre o neologismo, a sociloga infere: Ao acrescentar

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trans ao feminicdio, por um lado, reafirmo que a natureza da violncia


contra travestis, mulheres trans e mulheres transexuais da ordem do gnero e,
por outro, reconheo que h singularidades nestes crimes. (BENTO, 2014, p.3).
A segunda lacuna proveniente do relatrio de GGB diz respeito maneira
em que os dados so metodologicamente aferidos. Periodicamente, uma pgina
eletrnica (QUEM A HOMOFOBIA MATOU HOJE? - https://homofobiamata.
wordpress.com/) alimentada com informaes de jornais e noticirios online
de todas as regies do Brasil e disponibilizadas em tempo real. No dia 2 de
novembro de 2015, por exemplo, o jornal Guia do Oeste Notcias7divulgou a
seguinte notcia: Travesti morto com 12 tiros dentro de casa em Santa Maria,
no DF8. Na mesma data, a pgina Quem a homofobia matou hoje?, do GGB,
publicou a notcia em seu endereo eletrnico.
Essa configurao se repete diria ou semanalmente, dependendo do fluxo
de notcias: um jornal ou noticirio eletrnico de alguma localidade do pas
disponibiliza uma notcia de assassinato de uma travesti ou mulher transexual
(que erroneamente computado junto com os demais crimes de LGBTTT), em
seguida o Grupo Gay da Bahia/GGB disponibiliza essa informao na pgina
Quem a homofobia matou hoje? e, ao final do ano, todas as notcias do ori-
gem ao Relatrio de Assassinatos de Homossexuais (LGBT)9 no Brasil.

Quantos assassinatos existem em um s?

Podemos, a partir dessa conjuntura, fazer alguns questionamentos, tanto


s questes metodolgicas, quanto s conceituais: o que acontece com os cri-
mes dessa natureza que so oriundos de localidades sem noticirios online?;
E os assassinatos que, mesmo em cidades com grande aparato informacional,
no so noticiados?; Por que o gnero no respeitado, visto que ao invs de

7 http://guiadooeste.com.br/, acessado em 13 de julho de 2016.

8 Disponvel em http://guiadooeste.com.br/g1-travesti-e-morto-com-12-tiros-dentro-de-casa-em-san-
ta-maria-no-df/, acessado em 13 de julho de 2016.

9 A sigla LGBT assim est posta pois dessa maneira que aparece no relatrio. Porm necessrio
pontuar que esta vem passando por transformaes que emanam da demanda dos movimentos de
militncia. Atualmente, mais corrente utilizar LGBTTT ou LGBTTTQI.

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travesti morta... os noticirios quase sempre utilizam em suas matrias a


expresso travesti morto..., deslegitimando a identidade de gnero dessa
populao?
Outrossim, a quantidade numrica de morte de travestis e mulheres
transexuais no cenrio brasileiro e as subnotificaes no revelam outras carac-
tersticas que envolvem a subtrao da vida dessas pessoas. As subjetividades
que permeiam e sistematizam esses assassinatos fazem refletir sobre o processo
de desumanizao ao que essa populao est inserida, visto que h um ritual
que reveste esse processo, uma estrutura que se repete.
As pessoas que s matam no se satisfazem em faz-lo com um tiro ou
uma facada. So dezenas ou centenas, h a desfigurao dos rostos, os rgos
genitais so retirados e colocados na boca, o silicone dos seios e das ndegas
arrancado, o assassino que s atropelam fazem questo de passar com o
carro dezenas de vezes sobre o corpo. O corpo totalmente dilacerado. No
ps-morte h uma continuao da violncia simblica. No existem processos
criminais que investiguem essas mortes. No h luto. As identidades de gnero
no so respeitadas no noticirio e nem no velrio (quando este acontece), visto
que nem sequer o nome social utilizado (BENTO, 2014).
So subtradas vidas que, paradoxalmente, nunca puderam ser configura-
das como vidas. So vlidas as contribuies da filsofa Judith Butler, quando
esta aponta que
Certas vidas no se qualificam como vidas, ou, desde o princpio,
no so concebidas como vida, dentro de certos marcos epistemo-
lgicos, ento tais vidas nunca se consideraro vividas ou perdidas
no sentido pleno de ambas as palavras (BUTLER, 2010, p.13).

O que est em cena um projeto de nao que retira constantemente


travestis e transexuais da categoria humanidade. Jaqueline Gomes de Jesus
(2015) identifica a sistemtica forma de desumanizao em processos grupais
e institucionais aos quais as experincias trans esto incutidas. Para isso, atenta
para a maneira como a categoria cidadania foi, ao longo do tempo, criando
fronteiras estratgicas para deixar margem os considerados no cidados e
diagnostica como a populao composta por lsbicas, gays, bissexuais, traves-
tis, transexuais, transgneros e intersexuais uma das mais excludas, sobretudo
no que diz respeito a incluso e produo de polticas pblicas.

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Embora encontre-se em fase inicial, a pesquisa tem demonstrado que,


mais do que respostas, os casos de transfeminicdio no Brasil so abarcados
por questionamentos. Quantos acontecem?; Quantos so subnotificados?; At
quando no haver punio para os assassinos?; Como pensar em procedi-
mentos metodolgicos que tragam confiabilidade ao aferimento dos dados?;
Quantas travestis e mulheres transexuais precisaro morrer para que haja um
desprendimento estatal que venha a promover polticas pblicas?
Neste sentido, um dos principais subterfgios para o entendimento dessa
conjectura a nfase na ideia de que a principal varivel analtica o gnero.

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Referncias

Livros e artigos
BENEDETTI, M. Toda feita: o corpo e o gnero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond,
2005.
BENTO, B. Brasil: O pas do transfeminicdio. In: Centro latino-americano em sexu-
alidade e direitos humanos, 2014. Disponvel em http://www.clam.org.br/uploads/
arquivo/Transfeminicidio_Berenice_Bento.pdf.
BUTLER, J. Marcos de guerra: Las vidas lloradas. Trad. Bernardo Moreno Carrillo.
Buenos Aires: Paids, 2010.
JESUS, J. Cidadania LGBTTTI e polticas pblicas: identificando processos grupais e
institucionais de desumanizao. In: Berenice Bento & Antnio Vladimir Flix-Silva.
(Org.). Desfazendo gnero: subjetividade, cidadania, transfeminismo. 1a.ed.Natal
(RN): EDUFRN, 2015, p. 341-358.
KULICK, D. Travesti: prostituio, sexo, gnero e cultura no Brasil. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2008.
PELCIO, L. Abjeo e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de
AIDS. So Paulo: Annablume, 2009.

Pginas eletrnicas
http://guiadooeste.com.br/, acesso em 12 de julho de 2016.
https://homofobiamata.wordpress.com/, acesso em 12 de julho de 2016.
http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/, acesso em 12 de julho de 2016.
http://tgeu.org/, acesso em 12 de julho de 2016.

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O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE NO
DIREITO BRASILEIRO

Joo Felipe Zini Cavalcante de Oliveira


Graduando de Direito - UFMG
[email protected]

Bruna Camilo de Souza Lima e Silva


Graduanda de Cincias do Estado - UFMG
[email protected]

GT 06 - Afetos, erotismos, novas/outras conjugalidades: sexualidades (re)inventadas


nas vivncias no heteronormativas

Resumo

O presente artigo procura analisar o tratamento jurdico dispensado a novas


configuraes familiares no direito brasileiro. Mais especificamente debruar-
-se- sobre a multiparentalidade, brevemente conceituada como a existncia
mtua e imprejudicvel de mais que dois ascendentes diretos, ou seja, trs ou
mais pais ou mes. Durante muito tempo o assunto foi plenamente ignorado
pelo poder Judicirio brasileiro, contudo, com os adventos do reconhecimento
do afeto enquanto valor constitucional para delimitao do que famlia,
novas decises tm sido vislumbradas pelos tribunais no pas. Dentre elas a
permisso de alterao registral para abarcar situaes de multiparentalidade.
Palavras-chave: multiparentalidade; direito; reconhecimento; famlia;
diversidade.

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Introduo

O conceito de famlia mutvel. Para compreend-la necessrio estar


inserido dentro de um determinado contexto social, antropolgico, cultural, his-
trico e mesmo jurdico. Este ltimo elemento de anlise da famlia, contudo,
no pode ser tomado como critrio de definio de seu conceito, mas mera-
mente de inteligibilidade desse constructo social pela cincia do direito. Tendo
isso em mente, cabe iniciar breve debate acerca dos limites da cincia jurdica
e, sobretudo, na norma.
O Direito este com D maisculo e que por vezes confundido com
seu prprio conjunto de regras e normas aplicado atravs de um ordena-
mento jurdico, que abrange quase tudo em matria normativa, bem como os
critrios hermenuticos a serem utilizados em sua aplicao. Contudo, mis-
ter revelar o carter normalizador do Direito, que, para alm de unicamente
normatizar, cria padres de normal na sociedade. Aquilo que abarcado
pelo ordenamento jurdico concebido como normal para os jurisdicionados
mesmo que tal processo seja lento e gradual. Referido desdobramento jur-
dico plenamente vislumbrado em matria de famlia e sucesses: a partir do
momento em que o concubinato passou a ser regulado pela Constituio de
1988 e pelo Cdigo Civil de 2002, os reflexos na sociedade foram perceptveis
no sentido de aderir legitimidade a tais relacionamentos.
Muitos partem do princpio de que as mudanas sociais mudam o direito,
mas essa atividade muito mais imbricada do que comumente se imagina.
Ocorre, em verdade, uma troca de influncias entre as bases de anlise das
cincias jurdicas e sociais: do mesmo modo que a sociedade pressiona mudan-
as no ordenamento jurdico de determinado pas, as mudanas normativas
(por si s) tambm causam alteraes no modo como a sociedade encara deter-
minadas situaes.
A multiparentalidade no foge a esse constructo. A realidade experen-
ciada por vrias famlias no foi considerada no momento de confeco da
norma, que sempre prev um determinado tipo de famlia conservadora, diga-
-se: constituda por um pai, uma me e sua prole. Tal constatao pode ser
visualizada a qualquer tempo, basta uma rpida leitura dos livros IV e V de
nosso Cdigo Civil para perceber a presuno de apenas uma configurao
familiar. Percebe-se, assim, que quando a norma no prev determinadas situ-
aes, incumbe ao magistrado solucionar as questes que lhe so impostas em
razo do dever de jurisdio.

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O reconhecimento jurisprudencial dessas configuraes familiares revela


grande potencial transformador no modo como a sociedade encara vnculos
afetivos que fogem ao padro. Afinal, famlia, no fino trato de Giddens, um
relacionamento baseado na comunicao emocional, em que as recompensas
derivadas de tal comunicao so a principal base para a continuao do rela-
cionamento (GIDDENS, 2003, p. 70).

Famlia

A construo do conceito de famlia perpassa condies histricas, cul-


turais, sociais e religiosas. Diante disso, tem-se por famlia uma forma de
organizao e estruturao antropolgica mutvel, cuja funo e membros
divergem cronolgica e culturalmente.
A estrutura familiar antiga no se concentra em parentalidades nucleares,
ou seja, o conceito de famlia na antiguidade no se esgotava em pai, me e os
filhos desses, mas tinha uma concepo ampla: o casal gerador do filho no era
o nico responsvel pela educao, alimentao e cuidado deste, mas toda a
comunidade que os circundava.
A famlia em Roma era marcadamente pblica e patrimonial. Orlando
Gomes define a famlia romana como sendo um conjunto de pessoas sujeitas
ao poder do pater familias, ora grupo de parentes unidos pelo vnculo de cogni-
o, ora o patrimnio, ora a herana (GOMES, 2000, p. 33).
Com o advento do liberalismo e a prevalncia dos direitos fundamentais
nos Estados de Direito contemporneos, cada cidado poderia em tese agir
como melhor lhe conviesse. Essa liberdade abarca, tambm, os agrupamentos
de indivduos, sendo permitido a todos a livre confeco de laos de afeto, que
reside antes no servio e amor que na procriao (VILLELA, 1979, p. 415).
Luiz Edson Fachin, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, tece perti-
nente observao no sentido de que :
[...] inegvel que a famlia, como realidade sociolgica, apresenta,
na sua evoluo histrica, desde a famlia patriarcal tomana at
a famlia nuclear da sociedade industrial contempornea, ntima
ligao com as transformaes operadas nos fenmenos sociais
(FACHIN, 1999, p. 11).

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Dessa forma, a famlia passa a ser uma instituio privada, um agrupamento


de pessoas marcada pelo vnculo de afeto em uma concepo eudemonista1
(TEIXEIRA et RODRIGUES, 2010, p. 94). Sobre o assunto, Rosenvald e Farias
complementam:
Ao colocar em xeque a estruturao familiar tradicional, a con-
temporaneidade (em meio s inmeras novidade tecnolgicas,
cientficas e culturais) permitiu entender a famlia como uma
organizao subjetiva fundamental para a construo individual
da felicidade. E, nesse passo, foroso reconhecer que, alm da
famlia tradicional, fundada no casamento, outros arranjos familia-
res cumprem a funo que a sociedade contempornea destinou
famlia: entidade de transmisso da cultura e formao da pessoa
humana digna (FARIAS et ROSENVALD, 2015, p.7).

O pilar da famlia

Conforme visto, em virtude das mudanas sociais e econmicas pelas


quais a sociedade ocidental passou ao longo de sua histria, o conceito de
famlia e seus componentes mudaram. No entanto, alguns de seus pilares
permaneceram.
O principal pilar constituidor do que chamamos famlia o afeto; o
apoio; a necessidade de formar alianas para proteo mtua. Lvi-Strauss,
refletindo sobre a obra de Radcliffe-Brown que trazia a ideia de famlia for-
mada estritamente pelo aspecto biolgico , lembrou-nos a carga social da
constituio familiar:
Sem dvida, a famlia biolgica est presente e se reproduz na
sociedade humana. Mas o que confere ao parentesco seu carter
de fato social no aquilo que ele tem de manter da natureza.
o procedimento essencial pelo qual ele se afasta dela. Um sistema
de parentesco no se encontra nos laos objetivos de filiao ou
consanginidade dados entre os indivduos. Ele s existe na consci-
ncia dos homens, um sistema arbitrrio de representaes, e no

1 Eudemonista a doutrina que considera a busca de uma vida plenamente feliz - seja em mbito
individual seja coletivo -, julgando eticamente positivas todas as aes que conduzam o homem
felicidade, perseguindo-a como um fim natural da vida humana.

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o desenvolvimento espontneo de uma situao de fato. Isso no


significa que tal situao de fato seja necessariamente contradita
ou mesmo simplesmente ignorada. Radcliffe-Brown mostrou, em
estudos hoje clssicos, que mesmo os sistemas aparentemente mais
rgidos e mais artificiais, como os sistemas australianos de classes
matrimoniais, levam em conta o parentesco biolgico. Mas essa
sua indiscutvel observao deixa de lado o fato que, para ns,
decisivo: na sociedade humana, o parentesco s pode se estabe-
lecer e se perpetuar por meio de, e graas a, relaes de aliana
(LVI-STRAUSS, 2014, p. 64).

Percebe-se, a partir do texto citado, que h dois institutos sociais que,


apesar de frequentemente conflurem, no se confundem: famlia e parenta-
lidade. A diferenciao bsica entre os termos est no fato de que o parentesco
o vnculo formado e construdo entre mes, pais e suas filhas e filhos. Quanto
ao conceito de famlia, este, conforme vimos, mutvel, porm sempre baseado
nas relaes de aliana. A paternidade como aquela que, fruto do nascimento
mais emocional e menos fisiolgico (FACHIN, 1996, p. 37).

Reconhecimento judicial da multiparentalidade

Relevante transformao social dos critrios afetivos para construo da


entidade familiar no poderia, simplesmente, ser descartada pela jurisprudn-
cia. Apesar de ainda
tmida e apegada a critrios rgidos, j possvel observar algumas deci-
ses de reconhecimento da multiparentalidade nos tribunais brasileiros.

Processo de n 0711965-73.2013.8.01.0001

No dia 27 de junho de 2014, o Juiz de Direito Fernando Nbrega, da 2


Vara de Famlia da Comarca de Rio Branco, proferiu sentena no processo de n
0711965-73.2013.8.01.0001 reconhecendo a multiparentalidade em demanda
de Acordo de Reconhecimento de Paternidade com Anulao de Registro e
Fixao de Alimentos em face de dois requeridos.
Na sentena homologatria do acordo entre as partes, ficou evidenciado
que a genitora da criana vivia, poca da demanda, em outro relacionamento
estvel com o pai socioafetivo. Contudo, o pai biolgico, ao tomar conheci-
mento da situao, contatou com as partes e props acordo extrajudicial, que

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viria a ser homologado pelo magistrado da 2 Vara de Famlia da Comarca de


Rio Branco. Com a homologao do acordo, que versava sobre matria registral
e de alimentos, reconheceu-se a multiparentalidade in casu.
Da deciso extrai-se seu relatrio:
A.S. DA S., P. C. DA S. e A. Q. DA S. E S., esta ltima assistida
por sua genitora, F. DAS C. F. DA S., entabularam acordo, no
mbito da Defensoria Pblica, que nominaram de ACORDO DE
RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE C/C ANULAO DE
REGISTRO E FIXAO DE ALIMENTOS.
Por meio do pacto extrajudicial, A. reconheceu ser o pai biolgico
de A., e autorizou a averbao de seu nome e dos ascendentes
paternos no assento de nascimento da filha, propondo pagar-lhe
alimentos na ordem mensal de 44% do salrio mnimo.
A inicial veio instruda com documentos, dentre eles, laudo de
exame comparativo das impresses digitais do DNA, que foi con-
cludente no sentido de que a probabilidade da paternidade gentica
de A. em relao A. superior a 99,999%.
Em audincia, os requerentes esclareceram que pretendem o reco-
nhecimento da paternidade biolgica de A. em coexistncia com
a paternidade registral de P., com quem a filha mantm laos
socioafetivos, tendo sido, ainda, celebrado acordo em relao
os alimentos em prol da menor, nos mesmos moldes da conveno
originria.
O Ministrio Pblico exarou parecer pela no homologao do
acordo ao argumento de que inexiste previso legal autorizadora
do reconhecimento da dupla parentalidade.
o breve relatrio. Decido.
Trata-se de pedido de homologao de acordo que visa declarar a
paternidade biolgica de A. em relao adolescente A. Q., com
incluso de seu nome e dos ascendentes paternos no assento de
nascimento da menor, preservando-se a relao paterno-filial regis-
tral exercida por P.
A matria em debate versa sobre a viabilidade jurdica e ftica da
pluriparentalidade ou multiparentalidade (BRASIL, 2014).

Ainda do contedo da sentena, reproduz-se aqui seu dispositivo:

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Nessa linha de pensamento, estou plenamente convencido da


viabilidade jurdica do pleito homologatrio do acordo celebrado
no termo de fl. 34, reconhecendo a coexistncia da paternidade
biolgica e socioafetiva da menor, com todos os efeitos jurdicos
decorrentes.
Isso posto, HOMOLOGO o pacto firmado judicialmente, para
reconhecer que A. S. DA S. O PAI BIOLGICO de A. Q. DA S.
E S., sem prejuzo e concomitantemente com a paternidade regis-
tral e afetiva de P. C. DA S., mantendo-se inalterado o nome da
adolescente.
Tambm homologo o acordo celebrado entre pai e filha biolgicos
quanto aos alimentos.
Aps o trnsito em julgado, expea-se mandado para averbao
dos nomes do genitor e dos avs biolgicos no assento de nas-
cimento da adolescente, preservando-se a paternidade registral e
socioafetiva, arquivando-se o caderno processual (art. 10, inc. II,
do CC/02) (BRASIL, 2014).

A partir da deciso apresentada, que fez constar no assento de nascimento


da menor tanto os pais socioafetivos quanto os biolgicos, houve o reconheci-
mento judicial de fato da multiparentalidade.

Consideraes finais

A maneira com que encaramos a famlia, como visto, construda dia-a-


-dia em um processo constante de transformao que perpassa diferentes reas do
viver. O direito vez que est inserido na sociedade, construdo por ela e para ela
no pode se furtar de analisar e abarcar as transformaes envolvendo a matriz
familiar, de modo a no excluir arbitrariamente configuraes afetivas diversas.
O advento do Estado Democrtico de Direito, originado com fortes
influncias liberais2 apenas corrobora a desnecessidade e inadequao de
ingerncia do Estado em matria to ntima e subjetiva. Qualquer interveno
estatal (e judicial) no sentido de impedir novas configuraes familiares no
encontra guarida na inviabilidade do reconhecimento pela ordem jurdica, mas
apenas revelam forte carter conservador.

2 2 Liberal, aqui, reflete o posicionamento filosfico de valorizao da individualidade e da livre bus-


ca da felicidade por cada indivduo.

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Referncias

BRASIL. 2 Vara de Famlia da Comarca de Rio Branco. Tribunal de Justia do


Estado do Acre. Deciso proferida em processo de n 0711965-73.2013.8.01.0001.
Publicada em junho de 2014. Disponvel em: http://www.rodrigodacunha.adv.br/
multiparentalidade-tac-sentenca-0711965-73-2013-8-01-0001-homologacao-de-
trans-acao-extrajudicial/. Acesso em: 29/05/2016.

FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relao biolgica e afetiva. Editora Del Rey,
1996.

__________. Elementos crticos de direito de famlia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famlias. v.
6. ed. 7. So Paulo: Atlas, 2015.

GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole: o que a globalizao est fazendo de


ns. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

GOMES, Orlando. Direito de Famlia. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

LVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Traduo: Beatriz Perrone-Moiss.


E-Book. So Paulo: Cosac Naify, 2014. ISBN: 978-85-750324-9-7.

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O direito das fam-
lias entre a norma e a realidade. So Paulo: Atlas, 2010.

VILLELA, Joo Baptista. Desbiologizao da paternidade. Revista da Faculdade de


Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 21 edio, 1979.

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BAIXOU A 1140 AQUI?


DIFERENAS E DISTINES NAS PRAIAS GAYS DE
COPACABANA E IPANEMA

Alexandre Gaspari
Mestre em Cincias Sociais pelo Programa de Ps-Graduao
em Cincias Sociais (PPGCS)
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFRRJ
[email protected]

GT 07 - Gnero, sexualidade, espacialidades: interseces em diferentes escalas do


urbano

Resumo

Este trabalho apresenta breve anlise da pesquisa feita em dois trechos de praias
da cidade do Rio de Janeiro amigveis a homossexuais: a Bolsa de Valores, em
Copacabana, e a Farme, em Ipanema. A pesquisa pretendeu analisar as relaes
entre homens gays nessas praias e as tenses criadas a partir de diferenciaes
que alimentam disputas territoriais e simblicas, influenciadas por mudanas
socioeconmicas e de infraestrutura urbana na cidade. Tais distines so
caracterizadas por interseccionalidades entre diversos marcadores sociais da
diferena. Se o corpo o mais aparente deles, devido ambiente praiano, h
ainda outros fatores que afetam tais relaes, como gnero, classe social, gera-
o, raa, origem e mesmo local de moradia.
Palavras-chave: Homossexualidade; Corporeidade; Masculinidade; Classe
Social; Territrio.

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Introduo

Este texto apresenta parte de minha pesquisa de mestrado, realizada entre


maro de 2013 e maro de 2015, cujo trabalho de campo foi feito em duas praias
gays1 do Rio: a Bolsa de Valores, trecho da praia de Copacabana em frente ao
hotel Copacabana Palace, e a Farme, em frente rua Farme de Amoedo, em
Ipanema, ambas na Zona Sul do Rio de Janeiro. Apresento percepes sobre as
relaes observadas entre homens homossexuais nessas praias, tentando com-
preender a ocupao desses territrios urbanos e a disputa simblica embutida
nesta ocupao.
A pesquisa se baseou em observao direta, com entrevistas no estrutu-
radas, e indireta, com observaes sem o estabelecimento de contato verbal,
mas que permitiram captar falas, dilogos e gestos. Foram estabelecidos infor-
mantes, permanentes ou espordicos. Outro canal de contato foram as redes
sociais2, que permitiram contato permanente com alguns informantes.

Marcadores da ocupao

Na cidade do Rio, a praia detm um poder simblico particular, uma


identidade carioca, e tida como um territrio relacional indistinto, aberto
a toda e qualquer pessoa: talvez seja a praia o lugar mais central do Rio de
Janeiro, para todas as camadas sociais, sendo um lugar de representao e de
reproduo ritual ideal miniaturizada da sociedade carioca (GONTIJO, 2002,
p. 51).
Entretanto, no novidade que as praias do Rio so palco de mltiplas
particularidades, que as repartem em territrios menores, com fronteiras fluidas,
mas perceptveis. Um espao de interseccionalidades, onde classe, raa, gnero,
sexualidade, gerao e local de moradia, entre outros marcadores sociais da

1 Para efeito de simplificao da leitura, ser usado o termo praia gay para referncia a esses trechos,
embora o termo gay esteja mais associado a homossexuais do sexo masculino. De qualquer forma,
vale ressaltar que visivelmente perceptvel que a frequncia nesses locais majoritariamente de
homens.

2 Foram feitos contatos e entrevistas pelo Facebook. Um dos informantes tambm manteve contato
mais constante pelo Whatsapp.

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diferena, estabelecem marcaes no corpo, na interao, na performance e


no prprio espao.
Quanto sexualidade, h no Rio trechos de praias amigveis a homosse-
xuais, identificadas simbolicamente pela bandeira do arco-ris3. E mesmo nesses
pequenos territrios possvel verificar clivagens e representaes que deter-
minam mecanismos de incluso ou excluso. Tomando Becker (2012), criam-se
novos outsiders entre outsiders, relaes de hierarquia e poder a partir da inte-
rao entre os sujeitos e at mesmo deslocamentos espaciais, como forma de
manter fronteiras de distino.
O mais bvio marcador nas praias cariocas em geral o corpo.
Lugar privilegiado do bem-estar e do parecer bem atravs da forma
e da manuteno da juventude [...], o corpo objeto de constante
preocupao. Trata-se de satisfazer a mnima caracterstica social
fundada na seduo, quer dizer, no olhar dos outros. [...] Na moder-
nidade, a nica extenso do outro frequentemente a do olhar: o
que resta quando as relaes sociais se tornam mais distantes, mais
medidas. (LE BRETON, 2007, p. 78)

A Bolsa e a Farme surgiram como ponto de encontro de homens gays dis-


postos a exibir seus corpos, alm, claro, de serem ponto de socializao e lazer.
Contudo, a corporeidade no o nico fator de diferenciao. Nessa complexa
rede relacional, h distines relativas a classe social, local de moradia, gerao
e raa, que vo se pronunciando com as mudanas histricas e da infraestrutura
urbana do Rio.

A poluio da Bolsa

A Bolsa de Valores, em Copacabana Palace, segundo Green (2000), data


dos anos 1950. Uma das explicaes para o curioso nome da praia que:
Em meados da dcada de 1950, os homossexuais haviam ocupado
uma rea em frente ao hotel Copacabana Palace por eles denomi-
nada Bolsa de Valores, referindo-se qualidade dos encontros

3 Smbolo do movimento de Lsbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersex (LGBTI).

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e flertes que ocorriam l. Carlos Miranda4, que comeou a ir


Bolsa em 1954, no sabia quando exatamente surgiu esse nome.
Quando eu perguntei, me disseram que l onde voc pode
mostrar-se para se valorizar. Lugar de valorizao, de mostrar seu
corpo (GREEN, 2000, p. 263)

Entretanto, cerca de 60 anos depois, esse cenrio mudou. Composta por


cinco barracas, das quais apenas uma hasteia bandeiras do arco-ris, a Bolsa j
no mais o lugar de ver e ser visto em nvel de status, de importncia social, de
cotao do corpo. A frequncia atualmente observvel de homens ursos
a metfora de um homem gay muitas vezes grande ou gordo e sempre peludo
(FIGARI, 2007, p. 464) e de travestis e transexuais femininas5, alm, claro, de
homens e mulheres heterossexuais, incluindo casais com crianas.
Essa mudana de pblico deve-se a alteraes socioeconmicas e urba-
nas ocorridas no Rio e, particularmente, em Copacabana. Velho (1973) mostra
os primeiros sinais de popularizao do bairro no final dos anos 1960, numa
Copacabana at ento considerada cosmopolita e de vanguarda. Com isso,
a elite copacabanense vai se deslocando para os bairros vizinhos de Ipanema
e Leblon e tambm para a Barra da Tijuca, na Zona Oeste da cidade, cuja ocu-
pao imobiliria ganha fora nos anos 1970.
Nos anos 1980, houve o aumento de linhas de nibus oriundas do subr-
bio e do Centro do Rio rumo a Copacabana. Em 1998, foi inaugurada a estao
do metr Cardeal Arcoverde, a primeira do bairro, a cerca de 500 metros da
Bolsa. A nova infraestrutura urbana facilitou o acesso de uma populao oriunda
das classes mais baixas. O informante Jorge6 apontou que o metr aumentou
no somente a frequncia do povo na Bolsa, mas tambm de heterossexuais.
A Bolsa era exclusivamente gay. Hoje t mais mista, com muito htero.
Mudou-se a ocupao territorial da Bolsa. Os corpos cotveis se deslo-
caram para a Farme, na vizinha Ipanema, em busca de um palco melhor para
a exibio corprea. Mas, sobretudo, em busca de distino embora nem
sempre admitam estas razes.

4 Informante de Green em sua pesquisa, assim como outros nomes presentes nas citaes a este autor.
5 Embora com presena registrada, travestis e transexuais femininas foram analisadas de forma super-
ficial na pesquisa.

6 Nome fictcio, assim como os de todos os informantes da pesquisa.

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O informante Morris frequenta Ipanema. Indaguei-o sobre o porqu no


ir Bolsa. Acho a praia suja, disse. No entanto, dados do Instituto Estadual
do Ambiente (Inea) do perodo entre 2000 e 2014 mostram que a praia de
Copacabana, e a Bolsa em particular, registraram melhores ndices de balneabi-
lidade do que Ipanema e a Farme.
Logo, a poluio ambiental, ainda que irreal, utilizada para disfarar o
verdadeiro perigo: a poluio social.
Onde as linhas so precrias, achamos ideias de poluio que vm
para sustent-las. O cruzamento fsico da barreira social conside-
rado uma poluio perigosa [...]. O poluidor torna-se um objeto de
desaprovao duplamente nocivo, primeiramente porque cruzou
a linha e, em segundo lugar, porque colocou outras pessoas em
perigo (DOUGLAS, 2012, p. 170)

Garot@s de Ipanema

Surgida nos anos 1990, a Farme se firmou simbolicamente como territrio


de barbies, que seriam homens bonitos e musculosos. H, no entanto, outros
marcadores dessa categoria muitas vezes acusatria e que atualmente quase
no reconhecida por quem se encaixaria nesse padro.
Barbie [...] um termo utilizado de modo um pouco pejorativo
[...] para designar os homens que mantm relaes sexuais com
homens, que se dedicam a uma espcie de culto do corpo muscu-
loso e viril e que seguem a moda gay norte-americana e europeia
a moda clubber (referente a club). (GONTIJO, 2009, p. 36)7

A Farme tambm um local de cotao dos corpos dos homens que a


frequentavam, mas com exigncias a mais. No basta apenas um corpo muscu-
loso e depilado, preciso exibir smbolos de status: sungas de grife, tatuagens,
piercings. Tomando a diferenciao entre barbie e boy feita por Gontijo (2004),

7 Qualquer referncia a essa categoria feita comumente no feminino. Portanto, apesar de o termo
barbie representar um ideal esttico e de vigor fsico que se aproximaria de uma supermasculini-
dade, ele sempre precedido por a: a barbie, elas, as barbies.

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verifica-se tambm o fator racial envolvido, j que os boys teriam cor de pele
mais escura (GONTIJO, 2004, p. 67) que as barbies.
Entretanto, a Farme atual apresenta uma diversidade maior de frequentado-
res do que quando surgiu. Homens so maioria, mas seus tipos fsicos so variados,
bem como padres estticos e idades aparentes. H mulheres, embora em nmero
muito menor. Grupos de homens e mulheres reunidos e casais heterossexuais,
com e sem filhos, tambm frequentam a praia, mas tambm so minoria. E muito
desse movimento foi facilitado pelo metr, com a inaugurao da estao General
Osrio, no final de 2009, em situao semelhante ocorrida na Bolsa em 1998.
No final de dezembro de 2014, havia um grupo de 12 pessoas na barraca
Lucia e Claudio, no que seria a borda direita da Farme. Eram seis homens
trs negros, dois brancos e um pardo , trs mulheres, todas negras, e trs
crianas. Carregavam bolsas trmicas e caixas de isopor. Todos os homens do
grupo trajavam bermudes altura do joelho. Dois trocavam beijos e se acari-
ciavam. Nenhum apresentava corpo em boa forma. E os homens se tratavam
no feminino na maior parte do tempo. Escutavam msicas em volume alto.
Primeiramente pagodes, e depois, funk carioca.
Carlos negro, tem 278 anos, mora em Nova Iguau, na Baixada Fluminense,
e completou o segundo grau. Otvio tem 30 anos, branco, mora no Centro do
Rio e dentista. Os dois so nascidos em Campos dos Goytacazes, no norte
do estado do Rio de Janeiro, cidade a cerca de 300 quilmetros da capital.
Para ambos, ir Farme a possibilidade de exerccio livre de sua homosse-
xualidade, sentimento que parece ser comum para quem oriundo de cidades
de menor porte quando chega a metrpoles como o Rio ou So Paulo e que
parece atingir seu paroxismo em points gays, como aquele trecho da praia.
Aqui a gente se sente bem, explicou Otvio.
Nem Carlos nem Otvio disseram sentir discriminao na Farme. Contudo,
de acordo com reportagem de Ramiro Costa (s.d.) no site Time Out (www.
timeout.com.br/riodejaneiro), uma nova praia gay estaria surgindo no Rio, e
por motivos relacionados noo de poluio de Douglas (2012).
H muito tempo a famosa Farme de Amoedo j no reina mais
absoluta na cotao do pblico gay no Rio de Janeiro. A explicao
simples: fugir da confuso deste ponto, que ficou muito popular

8 Idade poca da pesquisa, assim como as demais.

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com o passar dos anos, principalmente no vero. (COSTA, http://


www.timeout.com.br/rio-de-janeiro/gls/features/39/a-nova-farme.
Acesso em 22 de maro de 2013).

O novo local a barraca da Denise est bem prximo da borda direita


da Farme. Apesar da proximidade, Morris deixa claro que so espaos diferentes:
P H quanto tempo voc frequenta a Farme?
R Estou estranhando voc chamar de Farme (risos). Voc sabe que
existem dois grupos gays prximos Farme que no se misturam, n? A
galera9 chama de Farme as barracas que tm as bandeiras do arco-ris.
Nesse ponto, ficam as bichinhas po-com-ovo. Normalmente, a galera
mais pobre, menos glamourosa, sem roupas de marca, que mora no
subrbio e na Baixada, que so magrinhas...
P Mas a histria da Farme aponta que ela surgiu com as barbies.
R As barbies frequentam a Denise. Quando voc diz Farme, as pes-
soas entendem outra coisa. Esse pessoal no se mistura. Todo mundo sabe
quem pertence a que trecho. Inclusive, as pessoas que erram so alvo de
comentrios.
P Que comentrios?
R Baixou a 114010 aqui????

Consideraes finais

Bolsa e Farme comprovam que, embora sejam pblicas, no foram feitas


para qualquer pessoa. No basta ter um corpo: este apenas o primeiro
smbolo de uma srie de representaes que determinam a dinmica de ocupa-
o desses territrios, supostamente livres, mas excludentes em sua essncia.
As mudanas urbanas alteraram o perfil das duas praias. As camadas
populares e os corpos fora de forma que passaram a estar na Bolsa nos anos

9 A galera a que Morris se refere so os frequentadores da barraca da Denise, que se assemelham


ao que estamos chamando de estilo barbie.

10 Boate LGBT localizada na Praa Seca, Jacarepagu, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Formada por
diversos ambientes, onde se toca desde msica dos anos 1980, passando por msica eletrnica e por
funk, havendo ainda um ambiente destinado msica ao vivo, sua frequncia bastante variada,
mas majoritariamente formada por pessoas do subrbio carioca, de classes mais baixas.

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1980/1990 deslocaram os corpos cotveis para a Farme cotao que vai


alm da boa forma fsica. E novas dinmicas da cidade do Rio a partir dos anos
2000 provocaram novo deslocamento desses corpos, desta vez para a barraca
da Denise, vizinha Farme.
Na Denise, no basta ter corpo. No h bichinhas po-com-ovo,
homossexuais afeminados, de corpo magro e de camadas baixas. A galera mais
pobre, sem roupas de marca, quando resolve se instalar l, logo recebe olha-
res de reprovao: faz baixar um esprito popular na praia nobre e distinta.

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Referncias bibliogrficas

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Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2012.

COSTA, Ramiro. A nova Farme. Disponvel em: <http://www.timeout.com.br/rio-de-


-janeiro/gls/features/39/a-nova-farme>. Acesso em 22 de maro de 2013.

DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. 2. ed. So Paulo: Perspectiva, Coleo Debates,


2012.

FIGARI, Carlos. @s outr@s cariocas: interpelaes, experincias e identidades homo-


erticas no Rio de Janeiro, sculos XVII ao XX. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de
Janeiro: IUPERJ, 2007.

GONTIJO, Fabiano. O Rei Momo e o arco-ris: homossexualidade e carnaval no Rio


de Janeiro. Rio de Janeiro: Garamond, Coleo sexualidade, gnero e sociedade, 2009.

______. Imagens identitrias homossexuais, carnaval e cidadania. In: L. F. Rios et


al (Orgs.). Homossexualidade: produo cultural, cidadania e sade. Rio de Janeiro:
ABIA, 2004.

______. Carioquice ou carioquidade? Ensaio etnogrfico das imagens identitrias


cariocas. In: M. Goldenberg (org.). Nu & vestido: dez antroplogos revelam a cultura
do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002,. pp. 41-77.

GREEN, James N.. Alm do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do


sculo XX. So Paulo: Unesp, 2000.

INSTITUTO Estadual de Ambiente. Balneabilidade por municpio: Rio de Janeiro.


Disponvel em <http://www.inea.rj.gov.br/Portal/MegaDropDown/Monitoramento/
Qualidadedaagua /Praias/BalneabilidadeporMunicpio/RiodeJaneiro/index.
htm&lang=>. Acesso em janeiro e fevereiro de 2015.

LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Petrpolis, RJ: Vozes, 2007.

VELHO, Gilberto. A utopia urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro:


Zahar Editores, 1973.

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DINMICAS URBANAS VINCULADAS A GNERO


E SEXUALIDADE: ESTABELECIMENTOS GAY-FRIENDLY EM
UBERLNDIA1

Beatriz Ribeiro Soares


Doutora em Geografia (USP). Professora Titular do Programa
de Ps-graduao em Geografia, IG/UFU.
[email protected]

Bruno de Freitas
Doutorando, Programa de Ps-graduao em Geografia, IG/UFU.
[email protected]

GT 07 - Gnero, sexualidade, espacialidades: interseces em diferentes escalas do


urbano

Resumo

O presente trabalho teve o objetivo de estudar o papel do urbano na consti-


tuio das territorialidades destinadas especialmente pelo grupo LGBT no setor
central de Uberlndia, MG, por meio da anlise dos estabelecimentos gay-frien-
dly. Este trabalho se justificou pela necessidade de se dedicar maior ateno
aos temas relacionados s minorias sociais. No que concerne metodologia,
realizou-se levantamentos documentais e reviso bibliogrfica. Foi feito ainda,
um levantamento cartogrfico. No entanto, a coleta de dados e informaes foi
realizada nos empreendimentos de lazer, diretamente pelas/os pesquisadoras/
es. Foi a partir de evidncias encontradas em campo, que foram problematiza-
das as mltiplas questes espaciais realizadas as suas anlises.
Palavras-chave: Consumo LGBT. Contemporaneidade. Gay-Friendly. Urbano.

1 O presente trabalho resultado de dissertao de mestrado intitulada: Cidade, Gnero e Sexualida-


de: Territorialidades LGBT em Uberlndia, MG.

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Introduo

O presente trabalho teve o objetivo de estudar o papel do urbano na


constituio das territorialidades destinadas especialmente ao grupo composto
por Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgneros (LGBT) no
setor central de Uberlndia, MG, sob a luz de questes relacionadas a gnero e
sexualidade consumo do lazer deste segmento de mercado, por meio da anlise
dos estabelecimentos gay-friendly2.
Do ponto de vista cientfico, este trabalho se justificou pela necessidade de
se dedicar maior ateno das Cincias Humanas como um todo, aos temas rela-
cionados s minorias sociais. Do ponto de vista geogrfico, a presente pesquisa
se justificou em funo da necessidade de entender como se d a consolidao
das mltiplas territorialidades eminentemente LGBT existentes.
No que concerne metodologia, realizou-se levantamentos documentais
e reviso bibliogrfica. Foi feito ainda, um levantamento cartogrfico para que
os fenmenos estudados na rea pudessem ser espacializados e interpretados.
No entanto, a coleta de dados e informaes foi realizada nos empreendimen-
tos de lazer do setor central da cidade de Uberlndia, diretamente pelas/os
pesquisadoras/es por meio de observaes diretas e abordagens a alguns indi-
vduos, durante o perodo de desenvolvimento da pesquisa.
Foi a partir de evidncias encontradas em campo, que foram problemati-
zadas as mltiplas questes espaciais presentes no fenmeno da territorializao
das reas de lazer LGBT e sua complexidade socioespacial. Neste sentido, foi
possvel notar que o setor central da cidade de Uberlndia, detm espaos de
lazer direcionados a estas minorias sociais, que geram processos espaciais que
sero tratados ao longo deste trabalho.

Questes de gnero e sexualidades: fatores de constituio de


territorialidades LGBT

2 De acordo com o site LGBT: a sua parada gay (2015), Gay-Friendly significa em portugus ami-
gvel a gays, ou amigayveis, um termo norte-americano que vem sendo utilizado no Brasil e para
se referir a lugares pblicos e/ou privados que so abertos e receptivos ao pblico gay, ou seja, a
membros da comunidade LGBT.

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O presente tpico tece uma discusso terica no que diz respeito cons-
tituio dos territrios urbanos derivados do consumo, lazer, vida noturna e
excluso de grupos minoritrios (em especfico o LGBT) no setor central da
cidade de Uberlndia. Nesta acepo, as discusses que dizem respeito ao
conceito de territorializao, por meio da apropriao do espao por segmentos
de mercado especficos, preferencialmente ao grupo LGBT.
Para entender como se do estes processos espaciais em Uberlndia,
foi necessrio discutir alguns conceitos geogrficos. Parte-se do entendimento
que o espao se torna lcus de processos sociais complexos. Sobre o espao
urbano, Corra (2005) afirmou que o mesmo simultaneamente fragmentado e
articulado e mantm relaes com outros espaos.
Santos (1985) considera que em funo de suas relaes, os elementos
espaciais formam um sistema comandado pelo modo de produo dominante
nas suas manifestaes escala do espao readequado com o tempo. Aqui
apresenta-se a reconfigurao causada pela apropriao do espao urbano da
cidade de Uberlndia, por empreendimentos comerciais que possuem funes
de lazer para grupos eminentemente LGBT.
Sobre este conceito Albagli (2004), afirmou que as noes de espao e
de territrio so distintas. O espao representa um nvel elevado de abstrao,
enquanto que o territrio o espao apropriado por um ator, sendo definido e
delimitado por e a partir de relaes de poder, em suas mltiplas dimenses.
O territrio no se reduz ento sua dimenso material ou concreta; ele ,
tambm, um campo de foras, uma teia ou rede de relaes sociais que se pro-
jetam no espao. construdo historicamente, remetendo a diferentes contextos
e escalas.
Deve-se considerar que as cidades constituem-se um campo de inves-
tigao complexo. A densidade populacional e o grau de complexidade
informacional que permeiam seus stios promovem o experimento das mais vari-
veis manifestaes culturais. Embora a cidade seja o foco da cultura de massa,
ela se apresenta como verdadeira manifestao da heterogeneidade humana. As
culturas, ou seja, as unidades vividas das experincias, que produzem determi-
nadas estruturas. Para entender os processos analisados, apresentam-se dados
inerentes a cidade estudada, bem como uma breve caracterizao da mesma.

Localizao e breve caracterizao da rea de estudo

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O municpio de Uberlndia acha-se localizado na Mesorregio do


Tringulo Mineiro e Alto Paranaba (mapa 1), o maior centro urbano regio-
nal. Uberlndia possua no ano de 2014, uma populao estimada de 654.681
habitantes, sendo que no Censo realizado no ano de 2010, 97,2% da populao
vivia na zona urbana e 3,8% na zona rural, o que caracteriza um municpio
eminentemente urbano (IBGE, 2014).

Mapa 1: Uberlndia, MG: Localizao do municpio estudado, 2016.

O municpio de Uberlndia se constitui no mais importante polo comercial


do Tringulo Mineiro. Alm da economia industrial, agropecuria e de comr-
cio, possui uma oferta de servios diversificada focada em diversos segmentos
de mercado, entre eles o LGBT. Esta oferta refere-se existncia de boates, bares,
pubs, saunas direcionadas especialmente ao grupo LGBT.
A constituio dos estabelecimentos gay-friendly estudados ocorrem
em pontos distintos (mapa 2), e alguns, inclusive so localizados em locais

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de menor visibilidade, justamente para que o segmento de mercado LGBT de


alguns estabelecimentos seja ocultado. Neste sentido, entende-se que o que se
territorializam o segmento de lazer LGBT, por meio de mecanismos comer-
ciais, que se utiliza da busca de consumidores socialmente marginalizados com
consumo potencial.

Mapa 2: Uberlndia, MG: Localizao dos empreendimentos LGBT e/ou Gay-friendly no setor central
da cidade estudada, 2016.

Por meio de observaes no mapa 2, pode-se entender que estes empre-


endimentos se localizam prximos um dos outros, contribuindo para os fluxos
espaciais e econmicos. Deve-se entender a heteronormatividade imposta pela
sociedade, uma importante varivel de anlise para o estudo dos territrios
de lazer e consumo, direcionados a grupos socialmente marginalizados, que
do origem aos diversos tipos de usos do espao, por grupos especficos. Neste
sentido, passa-se a analisar os estabelecimentos gay-friendly estudados.

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Novas Dinmicas Urbanas: Os Estabelecimentos Gay-Friendly

A discusso que segue faz uma anlise sobre uma prtica espacial rela-
tivamente recente em Uberlndia, que diz respeito aos estabelecimentos Gay
Friendly. Em atividades realizadas diretamente em campo, foi questionado s/
aos responsveis do empreendimento, qual era o pblico alvo em um destes
estabelecimentos gay-friendlys, os funcionrios afirmaram que se trata de um
lugar que voc pode fazer o que quiser com quem quiser, o importante diver-
tir e aproveitar a noite, sem rotulaes (Depoente P, 2015).
Estes estabelecimentos so compostos por espaos que possibilitam que
os indivduos se expressem de acordo com suas personalidades e vontades. No
entanto, percebeu-se que a maioria das/os frequentadoras/es tem a ideia de que
este perfil heterogneo de indivduos que compem estas reas de lazer, que
tem por objetivo o respeito s diferenas, surge como oposio aos estabeleci-
mentos direcionados eminentemente ao pblico LGBT. Conforme depoimentos
obtidos nestes estabelecimentos:
No me importo, nem quero fazer questo de frequentar um lugar
que direcionado apenas pra pessoas LGBT, mas sim, um lugar
que isto seja o que menos importa, e o que seja respeitado seja as
diferenas, a diversidade (Depoente Q, 2015).
Gosto da variedade de estilos, pois aqui no tem apenas pessoas
gays, mas sim estilos diferenciados, pessoas modernas, que esto
frente de seu tempo, no preocupando se os outros so gays ou
no, pois isto o que menos importa (Depoente R, 2015).
Eu sou gay, mas no fao questo de apenas frequentar um espao
que seja taxado que seja da gente, eu quero estar no meio de pes-
soas diferentes, com diferentes orientaes sexuais, onde todos
sejam diferentes, do mesmo jeito que queria que todos pensassem
assim, pois o pessoal ainda muito quadrado (Depoente S, 2015)

Por meio dos discursos acima, foi possvel observar que, de certa forma,
as pessoas que frequentam estes estabelecimentos, acreditam no fazer sentido
frequentar estabelecimentos destinados eminentemente paro o grupo LGBT,
pois vm a necessidade de transcender esta questo, e que o primordial que
as pessoas se relacionem por meio da diversidade e diferenas existentes, com
o objetivo de superar a questo do preconceito na sociedade como um todo.

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Alm disto, foi possvel observar que a organizao destes empreendimen-


tos faz questo que o mesmo seja frequentado por todos os estilos, independente
da cor, gnero, sexualidade, orientao afetivo-sexual, no entanto, deve-se res-
saltar que para que isto ocorra, estas pessoas tm de ter acesso ao consumo
nestes locais. Em lcus foi possvel observar frequentadores (aparentemente
machos), que utilizam vestimentas femininas, sem extinguir de seus corpos e/ou
vestimentas, certas caractersticas entendidas pela sociedade enquanto mascu-
linas, como a barba e/ou pelos pelo corpo.
No entanto, deve-se entender que os estabelecimentos se apropriam dos
anseios de determinada parcela da populao para constituir seus mercados.
Certamente, este discurso publicitrio, foi estimulado por meio do incentivo ao
consumismo por parte de suas/seus frequentadoras/es. No entanto, as diversas
propagandas publicitrias asseguram que nosso dever ser feliz, e a felicidade
requer o consumo. Dessa forma, o mercado encontra potencialidade suficiente
para sua efetiva totalizao. Atualmente, o mercado totalitrio, ocupa todos os
espaos e se apodera das mentes (SANTOS; MEDEROS, 2011).
Ademais, entende-se que este perfil de empreendimento que recepciona
diferentes grupos urbanois e estilos em um determinado lugar, relativamente
novo no municpio de Uberlndia, pois a partir de pesquisas realizadas por
Freitas e Portuguez (2013, 2015) nesta rea de estudo, possvel afirmar que
no havia esta forma de organizao de lazer no referido municpio, sendo que
eram mais usuais as pessoas se agruparem por estilos em comum, por questes
vinculadas principalmente por questes vinculadas sexualidade.
Por isso, necessrio enfatizar que as questes vinculadas identidade dos
sujeitos, criam processos socioespaciais que se alteram no tempo e espao, de
forma fluda. No entanto, foi possvel observar e analisar como so construdas
as diferentes formas de interao social entre determinadas/os frequentadoras/
es destes empreendimentos de lazer, bem como se d a interao entre os
grupos.
Em geral, estas/es usurias/os se intitulam enquanto um grupo alterna-
tivo, o que mostra que a questo da afirmao por meio da sexualidade no
to presente, como nos estabelecimentos eminentemente LGBT. Com rela-
o a esses sistemas simblicos enfatizados pode-se observar que o carter de
liberdade de expresso exaltado pelo respeito s diferenas e a pluralidade
convivendo em um mesmo espao.

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No entanto, importante abordar alm da questo da identidade cultural


na ps-modernidade, mas entender e interpretar o convvio entre os diferentes
estilos, levando em considerao a construo histrico-social desses grupos,
como tambm a forma como eles esto distribudos no espao e como so
construdas as interaes sociais entre estas pessoas. Por fim, possvel inferir
que estas prticas so realizadas por grupos sociais excludos da sociedade, que
se sentem sem espao prprio, mas que encontraram nestes locais uma forma
de poderem se expressar de acordo com suas identidades, se relacionar com o
diferente, pautados na troca de experincias.

Consideraes Finais

Acredita-se que por meio do estudo realizado, foi possvel analisar as


especificidades de um grupo socialmente marginalizado (LGBT) sob a tica das
questes ligadas gnero e sexualidade. Alm disso, possvel afirmar que
existem diversos tipos de sociabilizao LGBT, alm disto, foi possvel perceber
que, em sua grande maioria, os acessos e incluso a indivduos deste grupo
se d por meio do consumo.
Foi possvel detectar que o preconceito acarretado ao grupo LGBT capaz
de criar territrios comerciais no setor central da cidade de Uberlndia, que so
derivados do consumo, lazer e/ou turismo, vida noturna e excluso de grupos
minoritrios (em especfico o LGBT), pois o capitalismo contemporneo enxer-
gou a possibilidade de obter lucros na especializao de servios destinados s
minorias sociais com poder de consumo.
No entanto, a gnese destes territrios se d por questes econmicas
(por parte dos empreendedores) e simblicas (por parte das/os frequentado-
ras/es), pois estes ltimos veem a possibilidade de se expressarem de acordo
com seus desejos relacionados sexualidade nos territrios gerados por este
segmento de mercado. Entendeu-se que as/os usurias/os se identificam com
o segmento comercial ofertado, que se constitui em espaos privados de lazer
que so capazes de criarem a ideia de incluso s/aos mesmas/os.
Em sntese, pode-se afirmar que a maioria das/os frequentadoras/es acre-
dita estarem inseridas/os num processo de incluso social. Entretanto,
entende-se que esta falsa ideia de insero se d por meio do consumo e
gera excluso, principalmente por questes socioeconmicas. Por fim, foi pos-
svel entender que os empreendimentos comerciais estudados no possibilitam

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a insero social de suas/seus frequentadoras/es. Isto porque, esta insero se


d por meio da aquisio de direitos sociais e/ou polticos direcionados a esta
minoria social e no somente a partir do consumo.

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Referncias

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VIVNCIAS DE CASAIS LSBICOS EM COMUNIDADES


LITORNEAS.

Frederico Rafael Gomes de Sousa


Bacharelando em Psicologia (UNIFOR)
Membro do Grupo de Pesquisa Interlocues
Bolsista de Iniciao Cientfica e Tecnolgica (BICT/UNIFOR)
[email protected]

Vitria Rodrigues da Silva


Bacharelando em Psicologia (UNIFOR)
Membro do Grupo de Pesquisa Interlocues
[email protected]

Aline Maria Barbosa Domcio Sousa


Doutora em Psicologia Social (UMINHO / USP)
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Interlocues
Docente da graduao em Psicologia (UNIFOR)
[email protected]

GT 07 - Gnero, sexualidade, espacialidades: interseces em diferentes escalas do


urbano.

Resumo

O estudo fruto de uma pesquisa no litoral leste do Cear, o qual objetiva-


-se entender de que forma as representaes socioculturais de moradores no
contexto comunitrio rural moldam as vidas de casais lsbicos que residem
no local. A partir de referenciais de estudos feministas desconstrucionistas e
interseccionais simbolizamos as vivncias da populao com auxlio de visi-
tas domiciliares, alm de entrevistas semiestruturadas. A metodologia da
investigao-ao-participativa foi diferencial para o processo de imerso dos
pesquisadores que aps a anlise dos dados puderam inferir como estruturas
sociais heteronormativos influenciam nas expresses socioafetivas de casais ls-
bicos que se tornam silenciados e invisibilizados naquele contexto.
Palavras-chave: lsbicas; comunidades litorneas; vivncia; heteronormatividade.

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Introduo

Este trabalho resultado de uma das pesquisas realizadas pelo Grupo


Interlocues, cadastrado no Ncleo de Pesquisa da Universidade de Fortaleza
(NUPESQ/UNIFOR), que realiza estudos multidisciplinares sobre corporeidade,
gnero e sexualidades em parceria com comunidades litorneas do Cear,
alm de estudos localizados em espaos comunitrios e/ou ruas da cidade de
Fortaleza, sobre temas como: discriminao, vulnerabilidade psicossocial, pro-
cessos de excluso psicossociais e/ou vivncias gays/lsbicas. Os resultados so
frutos da pesquisa Outras falas: discriminao interseccional sobre sexualida-
des, trabalho e gnero entre gays/lsbicas moradores de comunidades litorneas
no Cear, Brasil1, do qual se destaca as influncias heteronormativas da popula-
o na forma como as vivncias de casais lsbicos so simbolizadas e moldadas.
O objetivo deste estudo foi identificar de que forma as representaes
socioculturais de moradores(as) de comunidades litorneas afetam na (des)
construo das identidades e influenciam nas vivncias de casais lsbicos. A
compreenso do conceito de vivncia aqui proposta facultada a partir do con-
tinum de conscincia diante dos fatos da vida social, sendo assim, pressupe-se
que o conhecimento atribudo as histrias da vida de determinado(s) local(ais)
em momento de exterioridade do que somos (AMARAL, 2004).
Quanto noo de comunidade, nos aproximamos do conceito defen-
dido por Gis (2008) que se alicera na noo geogrfica de territrio como
possibilidade de existncia de subjetividades a partir do modo de vida local.
Sendo assim, h uma relao entre geografia e atividade comunitria prove-
niente dos elementos fsicos e socioculturais que moldam espaos relacionais
como propulsores de modos subjetivos atribudos, neste estudo, ao modo de
ser lsbico/gay identificados pela prpria comunidade.
Prope-se uma reflexo terica a partir dos feminismos interseccionais
(NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2010), dos estudos de gnero desconstrucionistas
(FOUCAULT, 1988; LOURO, 2000; 2009; BUTLER, 1990;) sobre sistemas cis-
-heteronormativos e homofobia. A discusso torna-se indita ao discutir o vis
metodolgico da Psicologia Comunitria, na qual se utilizou da Investigao-
Ao-Participativa (FRIZZO, 2010; SARRIERA; SAFORCADA, 2010).

1 Trabalho de pesquisa desenvolvido com a Organizao No Governamental (ONG) Caiara, localizada


no municpio de Icapu, Cear, aps estabelecimento de parceria no ms de Maro/2015 aos dias atuais.

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Metodologia

Partimos terico-metodolgicamente da Investigao-Ao-Participantiva


(IAPA), que se destaca pela juno entre pesquisa e interveno. A escolha pela
IAPA se deu pelo carter interativo, sendo construda pelos atores envolvidos na
pesquisa agentes internos e externos. O primeiro passo foi a aproximao e
familiarizao com a comunidade para a realizao da anlise de necessidades,
feita por agentes externos (pesquisadores) em conjunto com agentes internos
(moradores da comunidade) que contribuem na resolutividade das problemti-
cas encontradas (FRIZZO, 2010; SARRIERA; SAFORCADA, 2010).
Dessa forma, no incio do ano de 2015, realizamos contato com
Organizaes No Governamentais (ONGs) atuantes no municpio e lideranas
da associao de moradores da comunidade, objetivando o mapeamento das
expresses socioculturais. Para a realizao do levantamento de necessidades
e problemas, realizamos visitas domiciliares aos moradores da regio que indi-
caram pessoas gays e lsbicas que poderiam contribuir com o estudo. Foram
feitas 40 visitas, sendo oito com o pblico-alvo gay/lsbico. Neste trabalho
destacamos duas visitas domiciliares com casais lsbicos de mulheres adultas
que possuem relacionamentos estveis e residem com suas companheiras em
comunidades litorneas do leste do Cear.
Durante as visitas foi utilizado um roteiro semiestruturado com 5 per-
guntas, a fim de indagar sobre o modo de vida e as representaes culturais
acerca da sexualidade das pessoas gays e lsbicas. Segundo esse intuito, aps a
coleta de dados, utilizamos a tcnica da Anlise de Discurso (ORLANDI, 2003).
Para tanto, realizamos as transcries das entrevistas, seguida de uma leitura
flutuante em que foi evidenciado, a partir dos discursos das entrevistadas, a
recorrncia das vivncias moldadas pela heteronormatividade, demonstrado
com a negao do real lao afetivo dos casais, principalmente, entre outros
aspectos que iremos discutir a seguir.

Resultados e Discusso

Durante a realizao desta pesquisa, realizamos em torno de 40 visitas


domiciliares em comunidades litorneas localizadas no litoral leste do estado
do Cear. Dentro deste nmero, tivemos o contato com alguns(mas) interlo-
cutores(as) gays e lsbicas. Aqui apresentaremos o contato realizado com dois

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casais lsbicos que, mesmo morando juntas, demonstravam para a comuni-


dade serem parentes, um casal dizia-se me e filha e o outro, irms. Prado;
Machado (2008) nos apresentam um tipo de cidadania subalterna compar-
tilhada por homossexuais. Isto se d porque a homossexualidade possui uma
contradio na vivncia privada e pblica, em que na primeira ela vivida e
na segunda omitida. H um perigo nessa subalternidade devido o enfraque-
cimento de certo reconhecimento poltico, o que para vivncias de mulheres
lsbicas algo delicado, tendo em vista sua posio poltica. O termo lsbica
dotado de singularidade no movimento homoertico, j que este costuma
ser representado por homens. Sendo assim, o termo ultrapassa a vida sexual,
reverberando nas aes cotidianas e nas suas relaes com o mundo e consigo
mesmas (LIRA; MORAIS; BORIS, 2016). A (re)afirmao da identidade lsbica
possibilita a identificao coletiva e a organizao em movimentos com capaci-
dade de gerar demandas por direitos sociais e de negociar com o poder pblico
na luta pelo alcance dos mesmos (VIANNA, 2015).
A interseccionalidade, conceito recorrente nos estudos de gnero e muito
difundida pelos feminismos negros durante os anos 70 (OLIVEIRA, 2010),
contribui para compreenso de como os diferentes domnios interagem na cons-
truo da identidade de gnero. Assim, os modelos clssicos de compreenso
dos fenmenos de opresso no interior das sociedades gnero, deficin-
cias, religio, orientao sexual, raa, classe e/ou regio, se inter-relacionam,
criando um sistema que reflete a interseco de mltiplas formas de opresso
(NOGUEIRA; OLIVEIRA, 2010). Ou seja, a construo das subjetividades das
entrevistadas perpassada pelas interseces relativas a orientao sexual, ao
gnero e ao territrio, cujas determinaes sociais influenciam na vivncia das
(suas) sexualidades.
vlido ressaltar que utilizamos o conceito de territorialidade em diferen-
tes escalas do urbano uma vez que estas identificam condies compartilhadas
pelos moradores do lugar em termos de pertencimento e segurana emocional.
Nestes termos, Amaro (2007) apresenta o sentimento psicolgico de comuni-
dade como um dos elementos centrais da territorialidade2. J McMillan (1996)
e Burroughs; Eby (1998) acrescentam a isto a segurana emocional. Notamos

2 Se configurando como um sentimento de pertena a determinado lugar e de ser mutuamente reco-


nhecido pela populao e entorno locais, como fazendo parte de um grupo comunitrio.

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nos discursos das interlocutoras que elas se sentem pertencentes quele local,
mesmo que no se sintam seguras em assumir publicamente suas sexualidades.
importante perceber a relao entre a vivncia territorial e as produes cul-
turais acerca das identidades sexuais e de gnero, como afirma Butler (1990):
The cultural matrix through which gender identity has become
intelligible requires that certain kinds of identities cannot exist
that is, those in which gender does not follow from sex and those
in which the practices of desire do not follow from either sex or
gender. (BUTLER, 1990, p 23-24).3

A compulso da heterossexualidade cria um falso domnio na vida das


pessoas que, a partir de jogos de poder e seus mecanismos de controle, cons-
troem e regulam a sexualidade dos sujeitos. Dessa maneira, segundo Foucault
(1988), nos reportamos a uma forma de controle que no se d a partir de
represso explcita, mas de mecanismos imperceptveis que buscam atuar na
esfera individual, vigiando, controlando, regulamentando e/ou moldando as
formas de ser. pertinente considerar o exposto por Sack (1986, p.265) que
aproxima os mecanismos de controle com o conceito de territorialidade como
uma tentativa, por um indivduo/grupo, de atingir/afetar, influenciar, controlar
pessoas [...] e relacionamentos, pela delimitao e afirmao do controle sobre
uma rea geogrfica.
perceptvel nas entrevistadas seu reconhecimento no local de homos-
sexuais de acordo com o que produzido e disseminado socialmente. Elas se
reconhecem como pessoas sem voz na comunidade. Afirmam que preferem
ficar em casa e que no saem muito. No h identificao delas com outros
LGBTs da comunidade. Ainda se aproximam da fico heterossexual e, sendo
assim, no sofrem um preconceito escancarado.
Segundo Louro (2000, p. 27) A produo da heterossexualidade acom-
panhada pela rejeio da homossexualidade. Uma rejeio que se expressa,
muitas vezes, por declarada homofobia. O receio de assumir publicamente a
sexualidade para a comunidade est ligado ao medo de rejeio e violncia.

3 A matriz cultural que torna os gneros inteligveis admite que tipos de identidades no possam
existir que so, aquelas que o gnero no seguido pelo sexo e aquelas que a prtica do desejo
no seguida pelo sexo ou pelo gnero. (Traduo livre feita pelos autores).

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Estamos falando de um contexto fortemente heteronormativo (LOURO, 2009),


ou seja, um contexto que produz e reitera compulsoriamente a norma heteros-
sexual (BUTLER, 1990). Louro (2009, p. 90) escreve:
[Os(As)] que fogem norma, podero na melhor das hipteses ser
reeducados, reformados (se for adotada uma tica de tolerncia e
complacncia); ou sero relegados a um segundo plano (tendo que se
contentar com recursos alternativos, restritivos e inferiores); quando
no forem simplesmente excludos, ignorados ou mesmo punidos.

Dessa forma, tentar se aproximar da norma uma forma de evitar alguns de


seus efeitos, porm esses no so completamente exauridos, j que h um silen-
ciamento das moradoras pela comunidade. Porm, as entrevistadas vem isso
como algo positivo, pois o silenciamento acontece junto com a invisibilidade.

Consideraes finais

A partir deste estudo entendemos que as comunidades pesquisadas so


estruturadas socialmente a partir de padres heteronormativos, na qual pedago-
gias de gnero e sexualidade so disseminadas e ditam a vida naquele espao.
Percebemos que a existncia das pessoas que no se encaixam nos padres esta-
belecidos, sustentados em um modelo heteronormativo, so silenciadas e limitadas.
Os casais lsbicos que nos aproximamos a partir deste estudo optam por
no expor o real lao afetivo que as unem diante dos mecanismos de controle
vigentes na heteronorma, o que no as protege de serem vtimas de precon-
ceitos, fazendo-nos perceber a influncia de representaes socioculturais de
moradores(as) de comunidades litorneas na (des)construo das identidades
destes casais, afetando diretamente suas vivncias enquanto lsbicas.
Fora nos proporcionado, a partir do contado com a realidade local uma
reflexo crtica acerca do preconceito experienciados por casais lsbicos que
se interseccionam em mltiplas esferas. Finalmente importante ressaltar que
a vida desses casais, mesmo que silenciada, prova de resistncia as normas
opressoras, ou seja, as mulheres que contatamos possuem em sua existncia,
sua prpria resistncia. Tais espacialidades trazem, ainda, perspectiva de novos
estudos com foco maior nas diferentes escalas do urbano dentro das territo-
rialidades rurais no contexto litorneo; sendo importante para a formao em

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psicologia e areas afins, bem como no eixo de sociedades mais justas e igualit-
rias em defesa da diversidade de papis sexuais e vivncias lsbicas.

Referncias

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da Vivncia Homoparental Feminina: entre Preconceitos e Superaes. Psicologia:
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LOURO, Guacira L. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, Guacira L. (Org.).O corpo


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A CONSTRUO DO PAPEL DA MULHER NA CIDADE: UMA


ESPACIALIDADE DE (NO) VIVNCIAS

Isabela Rapizo Peccini


Graduao
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/UFRJ
[email protected]

Orientadora: Marlise Sanchotene de Aguiar


Doutorado em Urbanismo
Pesquisadora de Ps Doutorado PROURB/FAU/UFRJ
Professora FAU/UFRJ
[email protected]

GT 07 - Gnero, sexualidade, espacialidades: interseces em diferentes escalas do


urbano

Resumo

Este artigo parte de pesquisa realizada para construo de Trabalho Final de


Graduao da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal
do Rio de Janeiro1, onde se entende que a cidade capitalista produto e repro-
dutora de relaes sociais construdas historicamente e, portanto, explicita e
espacializa desigualdades em seus espaos urbanos. Este artigo pretende dis-
cutir as relaes entre as construes sociais das desigualdades de gnero e a
vivncia das mulheres trabalhadoras no espao pblico da cidade. O recorte se
d, portanto, na contextualizao de classe e gnero e a metodologia adotada
consiste na observao emprica e de extensa reviso bibliogrfica terica.

1 O referido estudo busca analisar no somente a vivncia no espao pblico da mulher trabalhadora
terceirizada dessa instituio, mas tambm a construo dos espaos de lazer existentes em seus
percursos dirios. Como produto da pesquisa, seguiram anlises de praas localizadas nos bairros de
moradia dessas mulheres e ao longo dos seus trajetos at o trabalho.

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Palavras-chave: cidade, mulher, espao pblico, lazer, trabalho

Introduo

A cidade se apresenta como produto histrico, poltico e social da vida


coletiva (Harvey, 2005; Rolnik, 1995; Maricato, 2002) que reflete espacial-
mente as relaes que se estabelecem entre as pessoas que a vivem. Lefebvre
(2000), por exemplo, constri o conceito de urbano a partir da existncia, em
seu espao, dos conflitos sociais e, nesse sentido, denomina a cidade como o
espao social. A cidade no um objeto esttico, produto e (re)produtora des-
sas relaes construdas ao longo dos tempos e contextos, constituindo papis
que reforam uma estrutura social pr-concebida.
Como sublinha Alambert (1997), a vida das mulheres e, mais ainda das
mulheres trabalhadoras, foi e baseada em seu papel de reproduo, tanto pela
criao de filhos como pela responsabilidade de manuteno da vida familiar.
Este papel preenche a vida cotidiana das mulheres com afazeres que no lhe
dizem respeito somente, mas a um grupo de pessoas que lhes so relacionadas.
O que se espera das mulheres uma srie de aes, aparncias, sentimentos,
pensamentos construdos socialmente como femininos.
A partir do momento em que o papel das mulheres na sociedade cons-
trudo em torno de sua responsabilidade pelo lar e pela famlia, tambm designa
elas um espao. Essa relao desigual determina que as mulheres que se man-
tm no espao privado so as mulheres dignas, as afastando tanto do espao da
rua como dos espaos de deciso da sociedade. Ao mesmo tempo, as mulheres
que se colocam na rua tm seus corpos vistos como pblicos e suas aes
vistas como indignas. Nesse contexto, para que as mulheres utilizem o espao
da cidade, precisa-se ter tempo e liberdade para tal; se sentir livre e vontade
para construir relaes com esses/nesses espaos; sentir o espao da cidade
como seu e necessita, tambm, ter tempo em sua rotina para faz-lo. Para isso,
a desconstruo do papel das mulheres enquanto responsvel pela reproduo
determinante.
No temos [as mulheres] tido de fato a oportunidade de influenci-
-lo [o espao urbano], mesmo sendo evidente que experimentamos
a cidade de forma diferenciada dos homens, de modo geral.
Redesenhar as cidades o suficiente se no transformamos as

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relaes de dominao e desigualdades de gnero? (TAVARES,


2015, p. 114-115)

Pretende-se, neste artigo, debater como as relaes de gnero se manifes-


tam no espao urbano e, nesse contexto, buscar entender qual o lugar designado
s mulheres na cidade. Para apreender a importncia do espao urbano no pro-
cesso de excluso e desigualdade de gnero, necessrio entender como se d
a construo histrica do papel da mulher, sua relao com o trabalho e sua
vivncia no espao urbano, questes apresentadas nos trs itens a seguir.

A Mulher na Histria
Ningum nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biol-
gico, psquico, econmico define a forma que a fmea humana
assume no seio da sociedade; o conjunto da civilizao que ela-
bora esse produto intermedirio entre o macho e o castrado que
qualificam de feminino (Beauvoir, 1967, p. 9).

Como colocado por Beauvoir, a construo social e cultural do que


feminino e masculino nos imposta como um padro natural, construdo, refor-
ado ou desconstrudo pela forma como se organizam as sociedades ao longo
da histria. Se alm de patriarcal, a sociedade tambm racista, haver uma
construo de papel social que se difere entre mulheres brancas e negras, mas
que esto ainda sendo pautadas por um comportamento ideal.
Ao voltar o olhar para as diferentes construes histricas das sociedades,
veremos que, mesmo em sociedades mais antigas, as mulheres eram colocadas
em um lugar inferior em relao aos homens. Nas residncias gregas, verifica-se
a presena de espaos divididos por gnero: andrnmasculino, onde ocorriam
simpsios e pequenas reunies e gineceufeminino, normalmente pontos mais
isolados da casa e prximos cozinha. Nas plis gregas, o espao da demo-
cracia era a gora, onde se realizavam os debates e aes polticas. Porm, a
definio de quem era cidado e exercia o direito voz na gora era limitada e
exclua as mulheres. Mais recentemente, a Declarao dos Direitos do Homem
as retirou da vida pblica2, ignorando mais uma vez a sua contribuio na

2 A Declarao, porm, no fica sem uma resposta das mulheres da poca. Em 1791, Olympe de Gou-
ges escreve a Declarao dos Direitos da Mulher e da Cidad, em resposta ao documento inicial.

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Revoluo Francesa3, historicamente relatada como de realizao masculina.


Em suma,
em todos os dados colhidos no processo de pesquisa sobre a hist-
ria das condies de vida das mulheres atravs dos tempos, pode-se
sentir que as pobres sempre foram o burro de carga, afundadas
no trabalho, as ricas ou privilegiadas sempre viveram mergulhadas
em seus triunfos intelectuais e mundanos, e todas elas foram sem-
pre apenas reprodutoras da espcie, escravas declaradas incapazes
pelas leis e cdigos. (Alambert, 1997, p.51).

A Mulher no Trabalho

A diviso do trabalho por homens e mulheres se reflete na vivncia destas


pessoas nos espaos pblicos e privados. Se o trabalho da mulher , predomi-
nantemente, no mbito privado, ela no viver de forma to intensa o espao
pblico e, consequentemente, este espao no ser pensado para ela, nem por
ela.
Aqui, consideramos os conceitos4 de trabalho reprodutivoreferente
manuteno da vida (comer, beber, habitar, vestir), acontece no mbito
domstico e privado e no remunerado; e trabalho produtivo que produz
mercadoria, gera mais valia para o dono do meio de produo e, normalmente,
remunerado.
Hoje, as mulheres constituem 45,5% da Populao Economicamente
Ativa/PEA no Brasil, havendo um crescimento gradativo deste dado nas ltimas
dcadas5. Apesar disso, sua insero no mercado de trabalho ainda se d de
forma desigual. As mulheres, de maneira geral, ocupam empregos mais prec-
rios, informais, em domiclio, ou ainda, recebendo salrios mais baixos que o

3 H registros de cerca de oitenta mulheres que guerrearam lado a lado aos homens, durante o pero-
do da Revoluo Francesa. Vide: Revoluo Francesa e feminina, disponvel em <http://migre.me/
ufUeL> Acesso em 15/06/2016.

4 Sobre o assunto, vide: LCIO, Clemente D.; GARCIA, Mayra. Desafios para a Igualdade no Mercado
de Trabalho. Plataforma Poltica Social, 09/02/2016.Disponvel em< http://migre.me/ufUfd>. Acesso
em 07/05/2016.

5 Cf. Sntese dos Indicadores Sociais (IBGE, 2016).

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dos homens por funes iguais (SILINGOWSCHI, 2007). Segundo a Pesquisa


Nacional por Amostra de Domiclios / PNAD (2014), a cultura da responsabili-
dade domstica designada para a mulher faz com que 86% dos trabalhadores
domsticos sejam mulheres; 60% dos lares com empregadas domsticas so
chefiados por homens; as funes de domstica e cuidadora empregam 20%
das mulheres ocupadas no pas; e as mulheres receberam em mdia 74,5%
do rendimento de trabalho dos homens em 2014. Esta insero desigual se d
como consequncia (e manuteno) da lgica que designa s mulheres a res-
ponsabilidade do trabalho domstico e de discriminaes e restries sofridas
por elas, e influenciam diretamente em sua vivncia cotidiana do espao da
cidade.
Com a dupla jornada, as mulheres passam a ter dois espaos de trabalho:
dentro e fora de casa. Sua rotina passa por ir e voltar do local de seu trabalho
produtivo, mas tambm por realizar as compras necessrias para a casa, levar
filhos na escola, acompanhar idosos e crianas da famlia mdicos, entre
outras tarefas. Isto faz com que seu percurso seja distinto do homem que, nor-
malmente, vai de casa para o trabalho e do trabalho para casa, ou tem paradas
para o lazer aps o expediente. Faz-se necessria a utilizao de mais de um
meio de transporte para se chegar de um ponto a outro, o que intensificado
pela m qualidade dos transportes pblicos e pela vulnerabilidade das mulheres
nesses espaos, sofrendo, ainda, assdios e agresses. O espao pblico deixa
de ser um espao vivenciado pela mulher para o seu prazer, visto que seu
tempo dedicado, inclusive em fins de semana, para os trabalhos produtivo e/
ou reprodutivo. A vivncia das mulheres nos espaos privados e pblicos est
portanto, majoritariamente, relacionada s suas responsabilidades de trabalho.

A Mulher na Cidade

Para entendermos o lugar designado para as mulheres na cidade,


importante considerar que o espao estudado aqui no somente aquele
tradicionalmente definido pela arquitetura e pelo urbanismo, projetado por pro-
fissionais da rea, mas vivenciado, ocupado e transformado pelas pessoas em
seu dia a dia (Rendell, 2000). Parte-se do pressuposto de que a produo desse
espao no se d de forma imparcial, ou seja, se d pelos olhos e mos do
patriarcado e do capital e pode funcionar, portanto, como agente de manuten-
o das desigualdades fruto destes sistemas.

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A cidade capitalista o espao do mercado e ao mesmo tempo , em si,


o mercado, portanto, est venda e marcada pela segregao, que acontece
fisicamente; de forma abstrata, pela diviso de territrios; e tambm por funes
(Rolnik, 1995). A marca da desigualdade se d atravs do acesso ao espao privado
(a moradia) e tambm pela falta de infraestrutura e recursos em certas localidades6,
conformando os processos de valorizao ou desvalorizao dos espaos urbanos
e gerando o que Maricato (2000) entende por reas de excluso urbanstica.
As mulheres, por sua vez, sentem o espao desigual de forma mais inci-
siva, at por terem cotidiano diferenciado em relao ao ser humano tomado
como modelo7. Nesse sentido, buscamos identificar situaes de conflito vividas
pelas mulheres trabalhadoras na cidade como forma de espacializar e explicitar
estas desigualdades. Estudamos como se apresentam questes de segurana e
de lazer na cidade contempornea, considerando-se que h situaes e medos
vividos exclusivamente ou mais intensamente pelas mulheres. Isso se verifica,
simplificadamente, atravs da construo social da mulher: a forma como ela
vista e o lugar em que ela colocada na sociedade. Alm da questo de perten-
cimento: pelo espao pblico no ser o espao designado ela historicamente,
ela no se sente segura, pois no se sente parte do que no feito pra ela.
So diversas as situaes em que o espao e/ou elementos do espao
urbano (mobilirio, arborizao, fachadas, revestimentos) influenciam dire-
tamente na vivncia das pessoas e, mais especificamente, das mulheres. A
construo de paredes e muros cegos, sem porosidade, influencia na constru-
o de lugares perigosos. De acordo com o manual Espaos Urbanos Seguros,
adaptao de manual homnimo chileno por iniciativa do Governo do Estado

6 A exemplo do que reflete a pesquisa de Sugai (2015, p. 181) que conclui, atravs da anlise histrica
da localizao de investimentos do Estado em Florianpolis e regio metropolitana que a sua dis-
tribuio espacial [dos investimentos pblicos] no ocorreu de forma geograficamente equilibrada,
uniforme, homognea ou determinada pelas demandas. Evidenciou-se tambm que a localizao
desses investimentos no ocorreu de forma aleatria e tambm no foi calcada apenas em decises
tcnicas.

7 Os livros Modulor I e Modulor II foram publicados, respectivamente, em 1948 e 1957 e reuniam te-
orias de propores, descries que deveriam ser aplicadas nos seus projetos. A incorporao dessas
propores pode ser verificada em diversos edifcios e consolidou-se atravs da grande indstria que,
especialmente depois da Segunda Guerra, se ocupou de conceber casas em srie.

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de Pernambuco, importante a criao de situaes que permitam com que


a/o pedestre exera a vigilncia natural, ou seja, que permita a ocupao do
espao, a presena de pessoas e a comunicao entre elas. Essa situao pode
se dar pela abertura de muros, pelo comrcio, por mobilirios de permanncia,
pela iluminao, entre outros.
Mais um fator que, de certa forma, comum a todos que utilizam os
espaos pblicos o lazer. Porm, ao analisarmos os espaos de lazer de alguns
dos bairros da cidade do Rio de Janeiro, constata-se um padro que possibilita
a vivncia predominante do homem. Qual , portanto, o espao da cidade uti-
lizado pelas mulheres especificamente para o seu lazer? Est dado seu lugar no
trabalho produtivo atravs da diviso sexual do trabalho e seu lugar no espao
privado como responsvel pela reproduo do lar, mas qual o lugar de diverso
e cio das mulheres? Ele existe?
Alm de quadras de futebol, esporte visto como masculino em nossa
sociedade, h parquinhos infantis e equipamentos para terceira idade na maio-
ria das praas. No se identifica, porm, um espao planejado para as mulheres.
Pode-se, ainda, perceber que, mesmo com o planejamento do espao de lazer,
as nicas solues encontradas so as que se relacionam a esportes vistos como
masculinos e espaos infantis com bancos ao redor que, por sua vez, no aten-
tam para o conforto de quem estar ali ou o sombreamento, por exemplo.
Quando h espaos que possibilitam outro tipo de atividade, como mesas de
jogos, estes so, na maioria das vezes, tambm apropriados por homens.

Consideraes Finais

Se a cidade o espao social, construda de forma desigual entre classes


e entre homens e mulheres, evidente a necessidade de incluir as mulheres no
pensar a cidade como agentes transformadoras e usurias desse espao. pre-
ciso entender que no h o ser humano padro e que a cidade precisa ser feita
para todas e todos. Enxergar o Urbanismo e o espao urbano luz de novas
perspectivas, que complementem as ferramentas, prticas e conhecimentos que
j nos utilizamos, um caminho para que possamos construir cidades mais
seguras e igualitrias. A transformao do espao precisa acontecer por diversos
aspectos, que incluem a segurana, a mobilidade, a possibilidade de estar e, de
fato, usufruir do espao. Para tal, alm do mbito da construo fsica, urgente
considerar a falta de representatividade das mulheres nos espaos de deciso
das transformaes urbanas e a representatividade simblica tanto na mdia

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como no prprio espao da cidade e, ainda, a transformao da forma como o


papel social destas mulheres construdo.

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EL LTIMO VAGN LA APROPIACIN DEL ESPACIO


Y LAS PRCTICAS HOMOERTICAS ENTRE HOMBRES
EN EL METRO DE LA CIUDAD DE MXICO

Jos Octavio Hernndez Sancn


Universidad Autnoma Metropolitana. Unidad Xochimilco (UAM-X)
Red Temtica de Estudios Transdisciplinarios del Cuerpo y las Corporalidades
[email protected]

GT 07 - Gnero, sexualidade, espacialidades: interseces em diferentes escalas do


urbano

Resumen

Esta propuesta es una reflexin en torno al espacio del Metro de la Ciudad de


Mxico pensado como un espacio de ligue y socializacin entre hombres,
quienes bajo un secreto a voces pueden permitirse toda clase de actos que
impliquen el contacto con el cuerpo, el deseo y el sexo. Entre sus vagones y el
reducido o amplio espacio de su interior, las prcticas homoerticas son una
expresin de la sexualidad diferente, tambin llamada transgresora por preten-
der y ser explicita ms all de la ley. Prcticas que llevan consigo formas de
gestionar el placer y el deseo, maneras de construir y reconstruir identidades,
significados personales, vnculos de placer y poder, el reconocimiento de la
diversidad sexual y social.
Palabras clave: Metro, espacio, apropiacin, prcticas homoerticas, diversidad
sexual.

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Introduccin: El Metro

Desde su primer servicio al pblico el 4 de septiembre de 1969, el Metro


ha demostrado ser el medio de transporte colectivo y masivo ms importante
de la Ciudad de Mxico. En su historia y en su creciente desarrollo, la red del
Metro ha intentado vincular transversalmente todo el territorio de la megal-
polis. Aunque han sido varias las fases de su construccin, hasta el momento
este sistema de transporte cuenta con 12 lneas o rutas que conectan diversos
puntos geogrficos de la ciudad en una amplia red de tneles subterrneos,
avenidas y puentes.
El Metro ha sido un facilitador en el traslado de millones de usuarios
beneficiando su economa ya que el costo por viaje a travs de su historia ha
sido relativamente bajo ($5.00 MXN, $0.88 BRL el boleto) en relacin a otros
transportes pblicos de la ciudad y del mundo.
En el transcurso del tiempo, el Metro ha sido sealado como un lugar
pblico permeable de encuentros privados homoerticos1, configurado por el
juego del anonimato y la prohibicin, pero al mismo tiempo entre la liberacin
y dinamismo del placer y la sexualidad entre sus estaciones de transbordo, los
cambios de direccin en el mismo andn, los tneles de salida, los vagones ms
desocupados a ciertas horas o los ms llenos (Snchez, 2002:28); donde las
fronteras entre lo pblico y lo privado se desvanecen.
Por lo tanto, en este trabajo quiero hacer una reflexin en torno al ltimo
vagn del Metro, al cual propongo pensar como un espacio para el ligue y
la socializacin entre hombres, quienes bajo un secreto a voces, pueden permi-
tirse toda clase de actos que impliquen el contacto con el cuerpo. Lo anterior
me hace suponer que stas prcticas tienen en s mismas un componente de
transgresin (de la norma) que se cristaliza en el anonimato de los sujetos, donde
las identidades tambin son puestas en entre dicho como la manera, quiz no la
nica, de apropiarse y sostener dicho espacio. El cuerpo, la mirada y la no pala-
bra, tambin son elementos que configuran y dan sentido a dichos encuentros.

1 Cuando hablo de prcticas homoerticas es para referirme a una socializacin ertica verstil y
dinmica entre personas del mismo sexo biolgico, en este caso hombres, en las que se implican el
cuerpo, el deseo y la subjetividad. Las prcticas homoerticas al ser una forma de expresin de la
sexualidad, son determinadas por la cultura y el contexto en el que se desarrollan.

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Desde este planteamiento, quiero debatir y destacar la importancia de


este espacio apropiado2 principalmente por los hombres y que ha perdurado
en el tiempo siendo expresin de la llamada diversidad sexual entendida como
un paradigma que propone una nueva manera de vivir la sexualidad humana
desde la riqueza de sus dimensiones en lo ertico, afectivo, sexual y de gnero
(Nuez, 2016).
En este sentido me cuestiono lo siguiente: es posible pensar el ltimo
vagn como un espacio para la diversidad sexual y de expresin de las prc-
ticas homoerticas entre hombres-usuarios del Metro?, cmo se apropian y
significan el espacio del Metro de la Ciudad de Mxico los usuarios-hombres?,
por qu el Metro es un espacio para los encuentros homoerticos entre hom-
bres en la Ciudad de Mxico?
Para intentar responder dichas preguntas, me basare en al menos seis
conversaciones sostenidas con hombres de entre 30 y 45 aos de edad, quienes
participaron desde su diversidad social en trminos de ocupacin, escolaridad,
estatus y ubicacin geogrfica en la megalpolis como parte de la investigacin
de posgrado por mi realizada (Hernndez, 2016). La propuesta metodolgica
fue de corte cualitativo mediante los sistemas conversacionales3 (Gonzlez,
2007) y el trabajo etnogrfico haciendo uso de la tcnica de la observacin
participante que permiti en todo momento recordar que se participa para
observar y que se observa para participar (Guber, 2001:60-62). En otras pala-
bras, el investigador slo puede comprender desde adentro, es decir, procede
a la inmersin subjetiva.

El ltimo vagn

El ltimo vagn, es un espacio de un amplio significado, ya que para


muchos hombres representa la oportunidad para metrear, es decir, el ligue,

2 Por apropiacin entiendo el acto de significar o dar sentido propio al lugar desde la experiencia del
sujeto por medio de las prcticas homoerticas que ejercen los usuarios-hombres.

3 Un instrumento de la investigacin cualitativa que permiten al investigador descentrarse del lugar


central de las preguntas para integrarse en una dinmica de conversacin, que va tomando diversas
formas, y es responsable de la produccin de un tejido de informacin que implique con naturalidad
y autenticidad a los participantes (Gonzlez, 2007:32).

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la seduccin, el placer y el sexo, interrelacionados con la aventura, la emocin


y el juego.
Por ejemplo, Ral, un entusiasta usuario del ltimo vagn coment:
El Metro es un espacio de ligue, es para conocer gente, encuentros
sexuales fugaces, sexo sin compromiso, en general para relacionarse
[] se da el filtreo o sea que si alguien se te queda viendo y te
hace un guiito pues le sonres. Hay un intercambio de miradas []
Hay como un cortejo de a quien le gustas y pues trato como de
seducirlo para que se baje en la misma estacin conmigo y empiece
a platicar y me d su telfono y a lo mejor lo veo otro da, o en otras
se da un rpido fajote entre la multitud. Obviamente sucede en
las horas pico, en las maanas cuando la gente va al trabajo como
entre las 8 y 10 de la maana [] (Ral).

Por otro lado, siguiendo la inquietud de Carlos Mosivis (2009) sobre si es


posible el ligue en el Metro, l mismo nos comparte:
Muchos dicen que s, que es lo ms fcil, que si el Metro reconstruye
la ciudad y escenifica por su cuenta a la calle, incluye por fuerza al
sexo en sus variadas manifestaciones. En el Metro la especie vuelve
al desorden que niega el vaco, y eso permite las insinuaciones, el
arrejunte [] el faje discreto, el faje obvio, las audacias, las trans-
gresiones [] es la ambicin de salirse con la suya o con el suyo,
las ambiciones todava encendidas o ya apagadas, el frotarse de las
sensualidades [] (Monsivis, 2009:112,169 y 172).

La construccin del espacio del metro se ve inspirada por las interac-


ciones al interior del mismo, donde confluyen prcticas privadas diversas que
trastocan lo pblico en privado. Un espacio de acceso inmediato y amplio para
los habitantes de la ciudad en lo diverso (clase social, edad, intereses). Espacio
cargado de sentido con una multiplicidad de significados.
Al momento de que se cierran las puertas y todo, podemos empezar
con la mirada, con este tipo de filtreo, con este tipo de coqueteo,
guiando el ojo, ciertas miraditas que un hombre comn y cor-
riente no le va hacer a otro hombre [] tambin me he encontrado
parejas, novios, todo tipo de gente, incluso gente que ni se le nota
y que lo es. Pero hay gente del otro lado de la moneda que puede
empezar a acercarse a ti y misteriosamente ya est su mano en la

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entrepierna o te est tocando el trasero o inclusive a lo que van,


si no te empiezan a tocar es porque ya casi te bajan el cierre del
pantaln y si no es que te estn acariciando es porque ya te sacaron
todo, ya te sacaron genitales (Christian).

Apelo entonces, a los usos que se hace del Metro en la cotidianidad,


espacio de uso comn y pblico donde suceden situaciones que no pueden ser
ignoradas, que provocan cuestionar y buscar respuestas partiendo de supuestos
diversos sobre su origen. Situaciones que trascienden la vida de quienes toman
normalmente el Metro, donde el placer hace de los sujetos protagonistas y
victimas de la sociedad en general al ser sujetos violentados por su orienta-
cin y prcticas sexuales.
La apropiacin del espacio del Metro estar, entonces, vinculada a ele-
mentos simblicos y procesos subjetivos y sociales que se condensan en este
acto propiamente humano y que, en el sentido del tema en discusin, adquiere
una connotacin ertica desde los flujos y los cuerpos en movimiento.
De acuerdo a los testimonios de mis informantes y a la etnografa reali-
zada, el Metro es un espacio en el que se yuxtaponen otros usos, tiempos y
significados a la vez. Por ejemplo, en el sentido de la sexualidad, que en la pri-
vacidad de lo pblico y a travs de los encuentros homoerticos que sostienen
los usuarios-hombres a la luz del anonimato, el Metro deviene en un espacio
para el encuentro sexual posibilitando diversas formas de prcticas homoe-
rticas y de socializacin de las que solo algunos son protagonistas ya que
pueden entrar y salir constantemente al estar implicados o ya iniciados en este
aspecto.
El Metro es el espacio donde se pueden reconocer, donde la sexualidad
puede ser expresada en el acto de la transgresin sujetada siempre al lmite del
tiempo y del espacio. Es un espacio que surge de la tensin entre ambas fron-
teras, rompiendo la monotona de sus certezas para introducir otra lgica que
le da sentido al trnsito y al sujeto que viaja en ese vagn erotizado. En otras
palabras, hay un desplazamiento y ruptura de sentido en el uso del espacio.
Son ellos quienes, al producirse el encuentro, le dan el sentido de lo ertico, de
ligue, de bsqueda, de metreo.
El ligue es muy variable, puede empezar desde el metro o desde
que ests en el andn, ya ests cazando a la vctima, o te estn
cazando, o justamente subes en el metro y quedas apiado uno
contra otro y dems, y ya nada ms te reacomodas para tocar a

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quien t quieres tocar o sencillamente se reacomodan y se recorren


para buscarte a ti. [] El contacto es como sentimental, o hay de
todas las variantes, debe tocarte el hombro, la mano, el dedo []
empezar a sonrerte o guiarte el ojo, etctera, pero creo que la
gran mayora son contactos fsicos hacia los genitales, hacia el tra-
sero, al cachondeo y al manoseo (Ricardo).

De acuerdo a lo anterior, el Metro no es un espacio que tenga netamente


la connotacin de la sexualidad o de la homosexualidad. Se usa para trans-
portarse a travs de la compleja geografa de la ciudad, pero del viaje tambin
emergen momentos de encuentro para el ligue, la amistad y el sexo entre
los viajeros. La dinmica cotidiana propia del Metro hace del mismo un espa-
cio ertico. Por lo que se proyecta como un espacio alternativo susceptible de
ser apropiado desde otra lgica, adquiriendo otros sentidos y nuevos signifi-
cados para el comercio, el descanso, la seguridad, la restriccin, el sentido de
pertenencia y otros ms.

A modo de reflexin

El Metro es la columna vertebral donde convergen un sin nmero de ele-


mentos divergentes, de diversidad total y plena que lo hacen funcionar como
un elemento estructural de la vida cotidiana de la megalpolis. Por esto mismo
coincido con Monsivis (2009) al decir que el Metro es la ciudad y en este
sentido es imposible pensar, hablar, escribir, reflexionar, vivir la Ciudad de
Mxico sin aludir al Metro.
El ltimo vagn, quiz como muchos otros espacios que se vislumbran
bajo el manto de la clandestinidad y el anonimato aparentes, aportan las con-
diciones necesarias para el sostenimiento de las conductas que son rechazadas
en el mundo exterior de las mayoras. Es un espacio que intenta adscribirse a
una normalidad abyecta como refugio artificial afectivo, imaginario y de placer
donde es posible transgredir los lmites expuestos por la heteronormatividad a
las sexualidades diversas y disidentes. Es un espacio de frontera, edificado por
todos, quienes participan directamente o por quienes son meros mirones. En la
sociedad mexicana, por su historia patriarcal, la diversidad sexual ha edificado
sus propios espacios para sobrevivir al machismo, al acoso moral y la asfixia
cultural (Brito, 2010).

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Vida ntima, complicidad homosexual y relaciones amorosas confinadas


al mbito de lo privado pero que en el caso del Metro y del ltimo vagn,
cada vez ms trasciende las fronteras impuestas por lo heteronormativo.
Redes clandestinas de reunin, comunicacin, intercambio y encuentro
amparados por el anonimato que promueven las grandes multitudes. Fenmeno
fundamentalmente de lo urbano y de las masas, porque lo urbano permite ms
la invisibilidad.
Un espacio de ambiente, de contexto homosocial y de materializacin
del deseo sexual. Espacio donde los hombres (en su mayora) no encuentran
(nicamente) su lugar en categoras hegemnicas de la identidad sexual como
gay y homosexual. La ortodoxia moral, la desolacin amorosa y la falta de
reciprocidad afectiva como nica va para ejercer la vida sexual; pueden ser (a
mi parecer), los motores que coadyuvan la existencia de este fenmeno social
de lo humano en lo diverso, y al mismo tiempo el principal obstculo para el
reconocimiento de la diversidad sexual en nuestra ciudad.

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O SILNCIO LEGITIMADO SOBRE A LESBIANIDADE

Mariluce Vieira Chaves


Doutoranda em Poltica Social
Universidade Federal Fluminense
[email protected]

GT 08 - Gnero, diversidade sexual, emoo e moralidade

Resumo

Este trabalho tem como objetivo debater as relaes que se estabelecem entre
convenes sociais e morais acerca da lesbianidade, enfatizando o paradigma
da heteronormatividade e o que pretendemos chamar do silencioso discurso
dos corpos lsbicos, desvelando as formas de opresso ainda existentes. Esse
texto resulta de anlises documentais trazidas pelas publicaes, entre os anos
de 1980 at 2015. A preocupao metodolgica parte do levantamento de
publicaes e tambm s pesquisas bibliogrficas cujo contedo de interesse
principalmente pelo gnero lsbico e a imagem construda a seu respeito.
Palavras-chave: lesbianidade; desencorajamento; sexualidade; homocultura.

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Introduo

Este estudo tem como objetivo debater as relaes que se estabelecem


entre convenes sociais e morais acerca da lesbianidade, enfatizando o para-
digma da heteronormatividade e o que pretendemos chamar do silencioso
discurso dos corpos lsbicos, desvelando as formas de opresso ainda existen-
tes. Por vezes, no fazer nada, a coisa mais violenta que temos a fazer (ZIZEK,
2014, pag. 169).
O principal aspecto que atraram a ateno na construo desse estudo foi
que a lesbianidade no apresenta um conjunto tanto de corpos quanto de ideias
homogneo em relao s posturas tericas e s falas, trazidas para os debates
tanto acadmicos, quanto miditicos. Esse processo de construo dos sujeitos
polticos do movimento tem uma dinmica entre eles. Percebe-se tambm que
no se pode supor uma homogeneidade no movimento, pois so compostos
por organizaes e pessoas que alternam entre a cooperao e o conflito no
trato com outros grupos, a depender das reflexes polticas que cada grupo faz
da sua insero social.
Importante ressaltar o carter metodolgico aqui trazido. Esse texto resulta
de anlises documentais trazidas pelas publicaes, ainda que difusas, entre o
perodo de 1980 at 2015. A preocupao metodolgica diz respeito s sin-
gularidades, aos eufemismos e s caractersticas que envolvem esse grupo e
tambm s pesquisas bibliogrficas cujo contedo de interesse principalmente
pelo gnero lsbico. Num primeiro momento foram levantadas as publicaes
direcionadas ao pblico lsbico que se inicia no Brasil na dcada de 1980. Um
contraponto a este levantamento se d por meio do Jornal do Brasil, no qual
foi pesquisada a palavra lsbica em todo o seu acervo. Com base nestes dois
levantamentos foi possvel categoriz-los para uma anlise mais profunda.

Acontecendo em um passado no to distante...

O levantamento histrico da lesbianidade e sua construo ocorrem de


forma quase anloga ao movimento feminista, dos anos 1960. Ocorre nos anos
1970 uma fissura no grupo, surgindo o grupo SOMOS em So Paulo, formado
quase que exclusivamente por gays, e a publicao do folhetim Lampio da
Esquina, tambm com notcias gays. Novamente ocorre uma ruptura e se forma
o grupo Lsbico-Feminista, este sim, exclusivamente lsbico, a partir de 1981;

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ainda nos anos 1982-1984, o grupo Lsbico-Feminista se transformou em Grupo


de Ao Lsbico Feminista (GALF), por suas participantes entenderem que as
suas questes no estavam contidas no foro privado, mas na poltica e sendo
assim, usavam da participao e ao poltica. Entre os anos 1982-1990, h um
quase silenciamento gay, por conta da epidemia de aids, quase porque flores-
cem outros grupos alm do eixo Rio-So Paulo, como o Grupo Gay da Bahia e
o site um outro olhar.
A luta pelos direitos sociais, pois o que as torna invisveis perante o
Estado, dilui os seus contornos no que se refere s polticas pbicas de prote-
o. Portanto, para empreender essas aes de cidadania e possveis polticas
sociais que visem proteo social, pelo Estado, faz-se mister a visibilidade de
experincias concretas; por outro lado, a pouca produo acadmica, literria,
cinematogrfica e jornais de grande circulao tornam os debates em torno do
tema lesbianismo relevantes, enquanto emerge a desqualificao social desses
sujeitos e ao mesmo tempo, a sua irrelevncia social, justificando a importncia
da escolha do tema.
Sendo parte do processo de tornar invisveis as formas de violncia per-
cebe-se que a sociedade mostra compaixo e sensibilidade para as diferentes
formas de agresso e, ao mesmo tempo, mobiliza imenso instrumental para a
brutalidade, tendo como justificativa a dicotomia bem e mal, perpassada
pelo Estado chamado laico. Desta forma, a via da heterossexualidade com-
pulsria, a via por meio da qual a experincia lsbica percebida atravs de
uma escala que parte do desviante ao odioso ou simplesmente apresentada
como invisvel (RICH, 2010).

Vasculhando memrias

Importante ressaltar que o carter metodolgico aqui trazido resulta de


anlises documentais de jornais peridicos de grande circulao e boletins e
revistas de circulao restrita para o pblico lsbico/gay, publicadas no perodo
entre 1980-2015.
Atravs do arquivo da Biblioteca Nacional, foi escolhido o Jornal do Brasil,
digitalizado em todas as suas edies entre 1980 a 2002. O Jornal do Brasil foi
escolhido por no ser, na poca dos anos 1980, conservador ou como eram
chamados de direita. Explica-se esse perodo por ser da mesma poca em que
foram publicadas as revistas e boletins de contedo lsbico/gay. Politicamente,

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esse perodo foi o de maior efervescncia para vrios movimentos sociais, inclu-
sive o movimento ainda chamado homossexual e suas visibilidades difusas, haja
vista o preconceito contido nos noticirios do jornal do Brasil.
Paralelamente, foi consultado o site www.umoutroolhar.com.br, com
publicaes dos anos 2015 para se fazer um comparativo.

Tabela 1: Publicaes Lsbicas


Publicao Estado Perodo Qnt. de edies
Jornal Chanacomchana So Paulo 1981 1 edio
Boletim Chanacomchana So Paulo 1982- 1987 12 edies
Boletim GALF - Um outro olhar So Paulo 1987-1993 18 edies
Revista Um outro olhar So Paulo 1993-2002 20 edies
Boletim Iamuricum Rio de Janeiro 1981 1 edio
Fonte: Vieira, 2016 (baseado em informaes do site www.umoutroolhar.com.br)

Verifica-se na Tabela 1 que a maioria das publicaes voltadas para o


pblico lsbico/gay estava em So Paulo, porm, as pessoas recebiam esses
boletins/revistas em suas residncias ou se desejassem, para manter oculta a sua
sexualidade, em caixas postais dos correios em diversos Estados.
No tocante s publicaes lsbicas, o Boletim GALF Um Outro Ollhar
e depois a Revista Um Outro Olhar tinham suas sees divididas em matrias
e notcias publicadas na mdia de forma geral que estivessem vinculadas les-
bianidade; divulgao de livros, filmes, vdeos e outras revistas internacionais
sobre a temtica; divulgao de eventos, debates e polticas pblicas; espao de
opinies e crticas; relatos de homofobia e troca de correspondncias.
Ao destacar a temtica lsbica a Revista Um Outro Olhar se transformou
na Rede de Informao Um Outro Olhar (UOO) derivado do Grupo de Ao
Lsbica-Feminista (GALF), tendo promovido publicaes impressas, no primeiro
momento como boletim, depois como revista (de 1989 a 2003). Desde 2004,
passa a ser uma magazine virtual, o que se pode ser acessado pelo site http://
www.umoutroolhar.com.br at hoje. Segue na tabela abaixo um levantamento
sobre os temas abordados no ano de 2015 que se encontram disponveis pela
UOO em seu site.

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Tabela 2: Categorizao das publicaes lsbicas


Tema de artigos publicados Quant. de Publicaes em 2015
Homofobia 53
Visibilidade 2
Ativismo 7
Cultura 21
Direitos 62
Fonte: Vieira, 2016 (baseado em informaes do site www.umoutroolhar.com.br)

Nessa Tabela 2 j de 2015, nota-se um percentual abrangente de artigos


publicados em torno principalmente das temticas: homofobia, direitos (casa-
mento, adoo por exemplo) e eventos; no quesito comportamento, cultura
(filmes, livros etc), ativismo (continuidade das discusses sobre ser lsbica) e
visibilidade diminuram em relao s publicaes anteriores. O que torna
interessante verificar que ao mesmo tempo em que se somam direitos civis,
aumentam os crimes de homofobia e diminuem a visibilidade e as discusses
pertinentes ao companheirismo lsbico.
Para ratificar as comparaes, segue a Tabela 3, com as publicaes do
Jornal do Brasil. O Jornal do Brasildo Rio de Janeiro ditava tendncias e com-
portamentos, oJornal do Brasil era considerado influncia at mesmo de outros
jornais em diversas regies do Brasil.

Tabela 3: Lsbica no Jornal do Brasil


Percentual de
Edies disponveis na Citaes do termo
Ano Publicaes com o
Biblioteca Nacional Lsbica em edies
termo Lsbica
1980 - 1984 1.729 27 1%
1985 - 1989 1.766 44 2%
1990 - 1994 1.813 57 3%
1995 - 1999 1.510 74 4%
2000 - 2002 1.081 48 (+101*) 4% (13%*)

* Em 101 edies foram divulgaes de um nico filme que ficou meses em cartaz.
Fonte: VIEIRA, 2016 (Baseado no arquivo do Jornal do Brasil)

Nesta tabela 3 verifica-se que o percentual em torno do tema lsbica foi


utilizado poucas vezes entre os anos 1980-2002. Foi possvel estabelecer alguns

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critrios de separao por perodos/anos. Primeiro, 1980-1984, perodo em que


comea a disteno da ditadura militar, portanto, momento de fortalecimento
dos movimentos sociais, discusses polticas e de direitos da populao como
um todo. Contudo, a palavra lsbica indicada em apenas 1% dessas publi-
caes e isso somente por conta da indicao de um filme de Woody Allen,
Manhattan, com uma personagem lsbica. Entre 1985-1989, h uma exploso
de movimentos sociais, inclusive com vrias greves, demonstrando insatisfaes
populares; novamente h que se indicar que a palavra lsbica ainda carecia
de visibilidade, pois s apareceu em 2% de todas as publicaes do jornal, com
contedo homofbico, relacionando as lsbicas como agentes perpetradoras
de crimes sexuais, orgias, assassinatos e outras reportagens negativas. Nos anos
que se sucedem a partir de 1990 aparecem discretamente reportagens relacio-
nando as lsbicas a doenas sexualmente transmissveis para os homens, como
sfilis e aids. Isso se deve ao momento de silenciamento em torno da homos-
sexualidade, principalmente a masculina e a sua relao com a aids, o que
indicava que ser homossexual no era bom.

Tabela 4: Categorizao do Jornal do Brasil


Categoria 1980-1984 1985-1989 1990-1994 1995-1999 2000-2002
Homofobia - 5 7 13 9
Visibilidade - 6 6 7 6
Ativismo 1 2 1 6 1
Direitos Violados 1 3 2 2 3
Cultura 6 14 17 18 13
Crimes 1 6 2 - 1
Conquista de Direitos - - 2 5 2
Fonte: VIEIRA, 2016 (Baseado no arquivo do Jornal do Brasil)

Esmiuando mais, por temtica de notcias relacionadas s lsbicas no


Jornal do Brasil, encontramos na Tabela 4, no existia notcia sobre homofobia
nos anos 1980-1984 por conta da represso militar, sem ser possvel afirmar
a sua no existncia; j nos anos subsequentes, h um aumento de perodo
a perodo nas notcias com traos homofbicos; nos quesitos visibilidade, ati-
vismo e eventos, no h muitas notcias, apenas algumas notas; nota-se que
a partir da abertura democrtica a insero de livros e filmes com temticas
lsbicas crescem, porm esses contedos so lanamentos internacionais. A

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conquista de direitos s comea a ser noticiada a partir dos anos 1990, porm
noticiando conquistas de direitos em pases europeus e na Amrica do Norte.

Consideraes finais: Reatando passado e presente

Revisitando jornais, revistas e boletins, deduz-se que a lsbica era a pea


que nunca faltou no tabuleiro dos jogos de famlia. O silncio tinha que estar
dentro de si mesma e de sua famlia; quando ocorria alguma notcia, essa era
tratada de maneira homofbica em todas situaes em que se reportava sua
sexualidade. Ao mesmo tempo, com as publicaes voltadas para si, essas ls-
bicas percebiam no s o companheirismo, mas tambm essa dissecao de
seus desejos como um desafio, produzindo como resistncia outros discursos
sobre si mesmas.
Ainda h uma busca pelo socialmente correto, contido nas notcias dos
jornais e nas normas que no podem ser excedidas. Talvez como ponto funda-
mental para a discusso sobre a identidade lsbica esteja a questo da afirmao
da sua prpria identidade, buscando novamente pontos de apoio com outras
mulheres lsbicas para que se aprofundem os laos.
Assim, outro ponto fundamental se refere imagem preconceituosa e
negativa que foi sendo construda ao redor da lesbianidade, imagem esta que
deve ser combatida, a partir das resistncias contrrias daqueles que no a acei-
tam enquanto existncia vlida.
Para finalizar a identidade lsbica favorecida pelo suporte das publicaes
se tornou fortalecida durante os anos 1980 - 2015, com as publicaes que nor-
teavam os encontros e tornavam esses grupos mais resistentes s homofobias
presentes em todos os cotidianos que se vivencia; infere-se que encontros e
eventos devam ser expandidos, principalmente pelas redes sociais com novas
formas de viver a vida reconhecendo a multiplicidade de prazeres e desejos
incontidos nos corpos lsbicos.

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CRCERE E POPULAO LGBT:


ESTUDO SOBRE DIREITOS E ESTERETIPOS

Amanda Rodrigues Campos Almeida


Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora Campus
Governador Valadares. Universidade Federal de Juiz de Fora.
[email protected]

Andreza Knaip Nobre


Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora Campus
Governador Valadares. Universidade Federal de Juiz de Fora.
[email protected]

Renato Santos Gonalves,


Mestre, docente da Universidade Federal de Juiz de Fora Campus
Governador Valadares. Universidade Federal de Juiz de Fora.
[email protected]

GT 09 - Gnero, sexualidades e educao em sistemas de privao de liberdade

Resumo

A populao LGBT encarcerada, duplamente rotulada como desviante, tem


sido alvo de invisibilidade e descaso do poder pblico, com reiterados des-
cumprimentos aos novos parmetros de acolhimento e tratamento desse grupo.
Tendo em vista a Resoluo Conjunta n 01/2014 do Conselho Nacional de
Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP) e Conselho Criminal de Combate
Discriminao, publicada em 17 de abril de 2014, bem como entrevistas rea-
lizadas em visita Penitenciria Francisco Floriano de Paula, de Governador
Valadares -MG, buscaremos provocar reflexes acerca das diferenas sexuais e
identitrias a partir do panorama do sistema prisional brasileiro.
Palavras-chave: crcere, LGBT, identidade de gnero, polticas pblicas, igualdade.

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Introduo

O cenrio em que versa o presente trabalho o compreendido na reali-


dade do sistema prisional brasileiro. A abordagem realizada atinge indivduos
rotulados como desviantes por ter (ou no) descumprido uma regra socialmente
criada e institucionalmente imposta (BECKER, 1928).
A heteronormatividade conservada nos discursos e prticas de grupos
sociais, polticos, culturais e econmicos enseja, atravs de relaes de poder, a
manuteno de valores morais reacionrios, tradicionalistas e antiliberais. Esses
valores, em consonncia com a noo de moral, tradio e bons costumes,
bem como com as razes patriarcais, machistas e sexistas da sociedade, con-
tribuem para a (re)produo de desigualdades e espaos de opresso ocultos
pelo falso carter natural e inevitvel da ordem binria dos sexos, constroem e
fortalecem prticas discriminatrias, adaptam os espaos, definem hierarquias e
marginalizam quem no se comporta de acordo com as normas preestabeleci-
das. Com isso, as pessoas que no se enquadram nem se adaptam aos moldes
heteronormativos passam a ser constituintes de um novo grupo de outsiders
(BECKER, 1928).
Pode-se afirmar, inclusive, que se trata aqui de indivduos amplamente
rotulados como desviantes (alto grau de outsider), haja vista que, alm de encar-
cerados, pertencem ao estigmatizado grupo LGBT1.
O que se tem, a partir disso, um esforo para se desconstruir as noes
de significados aprisionadas aos binarismos masculino/feminino e heterossexual/
homossexual, cuja perpetuao acarreta em imposies de poder baseadas na
apresentao da diferena como uma anomalia. Nessa lgica, tendo em vista as
restries de direitos para alm dos concernentes liberdade dos encarcerados,
pensou-se em uma medida capaz de mitigar tais violaes, bem como reduzir
a incidncia de violncia contra a populao LGBT dentro do sistema prisional,
tendo como resultado a Resoluo Conjunta n 01/2014 do Conselho Nacional
de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP) e Conselho Criminal de Combate
Discriminao.
A resoluo, que foi publicada em 17 de abril de 2014, e vigora desde
ento, estabelece novos parmetros de acolhimento e tratamento da comunidade

1 Lsbicas, gays, bissexuais, transgneros (travestis, transexuais, intersexuais, etc).

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LGBT encarcerada, vez que dispe sobre o direito ao uso do nome social, inclu-
sive para registros administrativos; estabelece a possibilidade de transferncia de
gays, travestis e transexuais para espaos de vivncia adequados identidade
de gnero, mediante expressa manifestao de vontade, de acesso oferecido,
necessariamente, pelas agncias punitivas; visa a garantir o direito ao uso de
roupas femininas ou masculinas, conforme o custodiado se identificar, visita
ntima, formao educacional; trata do direito manuteno dos cabelos
compridos, caso o tenha, a fim de garantir as caractersticas definidoras de sua
personalidade.

LGBTs e crcere

A situao dos gays, das lsbicas, das travestis e dos transgneros que se
encontram no crcere absolutamente degradante, tendo em vista que adqui-
rem posies de vulnerabilidade (...) frente incidncia estigmatizadora do
sistema punitivo (CARVALHO, 2012, p. 15).
manifesta a invisibilidade dessas pessoas, principalmente dentro do
crcere, retratado ora pelo descaso e indiferena do poder pblico, ora pela
perceptibilidade figurada em torno da manuteno e do fortalecimento de estig-
mas e esteretipos. Em relao a esse descaso, expe Karina Fioravante:
(...) a partir do momento em que ignoramos as especificidades
de gnero, corremos o risco de cair em uma armadilha (...). Ou
seja, negando-se a necessidade de um recorte de grupo especfica
estamos ofuscando importantes aspectos culturais e ideolgi-
cos (...). Isso se aplica da mesma forma aos espaos carcerrios.
Como pensar em polticas pblicas especficas para a populao
encarcerada ignorando as caractersticas singulares desses espaos,
compreendendo-os, portanto, de forma homognea? impossvel.
(FIORAVANTE, 2011, p. 35).

A priso, ambiente que se mostra demasiadas vezes reprodutor de padres


falhos, autoritrios e heteronormativos, alm de privar a liberdade dos desvian-
tes, os transforma, desarticulando suas personalidades, reformando seus corpos
e suas condutas a fim de promover a readequao de suas prticas e comporta-
mentos de acordo com a normalidade, com o socialmente aceitvel.
Em relao populao LGBT, os esforos pelo amoldamento recaem
tambm sobre as questes sexuais, alm das delitivas institucionalizadas que

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deram causa ao encarceramento. Verifica-se, por parte dos funcionrios e dos


demais custodiados, dentre outras agresses, reiteradas tentativas tanto de femi-
nilizar as lsbicas quanto de masculinizar os gays, incluindo retaliaes, atos de
violncia, preconceito e discriminao.

Entre dados, normas e grades: a realidade da comunidade LGBT


em uma unidade prisional mineira

Com o objetivo de analisar empiricamente a situao da populao LGBT


no sistema carcerrio, inclusive quanto verificao dos possveis reflexos pro-
vocados por tal resoluo, e elucidar questionamentos levantados at ento,
realizou-se, no ms de novembro de 2014, uma visita ao presdio da cidade de
Governador Valadares.
A Cadeia Pblica de Governador Valadares acometida pela superlota-
o, o que compromete o acesso a condies de ventilao e higiene adequadas
aos custodiados. Sua infraestrutura destinada a manuteno de 249 presos.
Entretanto, at o ms de novembro de 2014, data da visita, contabilizou-se 765.
Destes, aproximadamente, 46 so mulheres, que se encontram encarceradas
em pavilho separado da populao masculina.
Foi perceptvel, inicialmente, indiferena quanto populao LGBT, haja
vista, por exemplo, o desconhecimento de dados precisos sobre gays, lsbicas,
travestis e transexuais. Segundo Marluce Cristina Massariol2, as questes sobre
homossexualidade so veladas entre as prprias mulheres, mas a incidncia
maior do que entre homens.
Quanto passagem de travestis no presdio e relatos de violncia sexual,
verbal, fsica e/ou psicolgica sofrida pelos presos homossexuais, a diretora
tambm desconhece, mas ressalta que, caso venha a ocorrer sero feitos os
procedimentos adequados (boletim de ocorrncia, exame de corpo e delito,
etc). A diretora e um dos agentes penitencirios presentes na sala se mostraram
informados sobre a j referida Resoluo n 01/2014. Em contrapartida, Marluce
frisa que um dos custodiados homossexuais possui o nome social Kelly, mas
h uma grande resistncia por parte dos agentes em respeit-la. Quanto aos

2 Diretora de atendimento e ressocializao que atua h seis anos no presdio. Graduada em Direito e
Ps-graduada em Direito Pblico.

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demais custodiados, alguns a tratam pelo nome social, outros no, mas, por
parte dos agentes nunca foi observado.
Sempre quando so perguntados sobre como est a convivn-
cia no alojamento, dizem que est tudo bem. Eles tm um tipo de
comunicao entre si que o que acontece fica entre eles, ningum
conta. As coisas so transformadas lentamente, no h uma aceita-
o rpida e tranquila. Para isso, h muito a ser feito para mudar a
mentalidade dos agentes e dos prprios presos. (Marluce).

Ademais, no que se refere visita ntima, a diretora disse que no existe


diferena no tratamento entre casais heterossexuais e homossexuais. Tem-se
como requisitos para a concesso da visita a apresentao da escritura de unio
estvel do casal, exames de HIV, Hepatite B, VDRL, preventivo e atestado de
antecedentes criminais. Segundo Marluce, durante os seis anos em que trabalha
no presdio, houve apenas um pedido proveniente de casal homossexual, que
foi deferido.
Contudo, o direito visita ntima para a populao LGBT em situao de
privao de liberdade regulada pelos termos da Resoluo CNPCP n 4, de 29
de junho de 2011, a qual assegura em seus artigos 1 e 2 a visita ntima de outro
parceiro ou parceira, no necessariamente cnjuge ou unio estvel.
Um terceiro agente penitencirio nos informou que j houve passagem de
travestis no presdio e que estes sofreram violncia constante (24 horas por dia,
disse demonstrando demasiada naturalizao quanto violao de direitos)
por parte dos demais encarcerados, tanto verbal, quanto psicolgica e sexual,
apesar do desconhecimento por parte de Marluce. Quando questionado sobre
o encaminhamento dos travestis para reas especficas, notou-se um despre-
paro para lidar com o assunto e consequente preconceito. O agente destaca,
ainda, que o presdio funciona trs vezes alm da capacidade prisional que ofe-
rece e, por isso, est passando por uma fase de adaptao e de remanejamento
de custodiados. Fica claro o seu despreparo atravs do discurso carregado de
estigmas e resistncia s diferenas.
Eles no tm ala ou cela especfica. Ficam juntos com os homens,
alis, so homens, no ? Pra voc ter uma ideia no aprisionvamos
mulheres aqui. Foi feita toda uma realocao dos presos para que
elas pudessem ter um pavilho especfico e que, ainda assim, no
totalmente adequado situao delas. (Agente Penitencirio).

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No tocante sade, h a distribuio de preservativos, palestras peri-


dicas sobre preveno de doenas realizadas por enfermeiros e psiclogo e
acompanhamento mdico, odontolgico e psicolgico. Alm disso, testes de
HIV e Sfilis so feitos em todos os custodiados.
Marluce nos concedeu a possibilidade de entrevistar um dos custodiados
homossexuais, Gleison Fernando Pereira a saber, Kelly , 28 anos, que no
se traveste nem faz uso de tratamento hormonal. Moradora de Governador
Valadares, cabeleireira h treze anos, trabalhou em sales de beleza, foi presa
em fevereiro de 2014 e condenada por trfico de drogas, apesar de afirmar que
foi obrigada, sob ameaa de morte, a assinar como proprietria da droga. Relata
que teve os cabelos, que eram grandes, cortados quando ingressou. Informa-
nos sobre uma travesti que foi presa h, aproximadamente, um ms (Resoluo
01/2014 j em vigor), e que tambm teve os cabelos longos cortados e foi libe-
rada no dia seguinte.
Relata que conhece, no presdio, mais quatro homossexuais assumidos
socialmente, inclusive uma que se identifica como Rafaela e que, quando
ingressou, se encontrava em processo de hormonizao, mas o tratamento no
foi mantido pela ausncia de oferta.
Kelly afirma nunca ter sofrido violncia sexual dentro do presdio, mas
que j aconteceu com amigos. Relata, entretanto, que sofre, constantemente,
violncia verbal e psicolgica, referindo-se a um dos quatro agentes penitenci-
rios que a violentam.
Quando questionada sobre a possibilidade de relatar os casos de violncia
a alguma autoridade competente dentro da administrao do presdio, responde
com medo da retaliao.
Os homossexuais tambm sofrem violncia por parte dos outros
presos e dos prprios agentes. Me chamam de viadinho, dizem que
eu tenho cara de doente, que no aguento trabalhar, s porque sou
magro. [...] relatar pra quem? Tenho medo de contar e me prejudi-
car ainda mais. (Kelly).

Perguntamos a sua opinio a respeito da possibilidade de haver ala/cela


especfica para a populao LGBT. Kelly, ento, responde:
Quando eu cheguei fiquei doido pra cair numa cela s de homos-
sexuais. Acho que seria uma excelente ideia ter uma cela especfica,

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porque sofremos muito preconceito. Inclusive, deveriam existir


agentes prprios para trabalhar nessa rea, que no sejam to pre-
conceituosos. (Kelly).

Consideraes Finais

Verifica-se, atravs das entrevistas, ausncia de preocupao por parte


dos agentes quanto populao LGBT, o que demonstra o alto grau outsider do
grupo desviante ao qual pertence, uma vez que no se enquadram no padro
de conduta imposto pelos empreendedores morais (BECKER, 1928).
Referido padro de conduta se capilariza por toda a sociedade e agncias
de poder (inclusive o punitivo), razo pela qual se percebe, de forma clara, a
ignorncia e preconceito presente nas falas de um dos agentes entrevistados,
articulados a percepes carregadas de esteretipos, que corroboram para a
manuteno de violao de direito.
Verificou-se, nesse sentido, que os transgneros e os gays tm seus cabelos
raspados como uma das reformas pertinentes aos corpos, sendo, dessa forma,
violentados, ainda que simbolicamente. Alm disso, no se verifica a manu-
teno de tratamentos hormonais e de vestimentas adequadas identidade de
gnero; no se respeitam os nomes sociais pelos quais gostariam de ser reco-
nhecidas (os); so cerceados (as), por diversas vezes, do direito visita ntima.
Nota-se, portanto, uma violncia institucionalizada, provocada e/ou legitimada
pelas prprias agncias punitivas.
Nesse sentido, a Resoluo Conjunta n 01/2014 do Conselho Nacional
de Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP) e Conselho Criminal de Combate
Discriminao no se torna efetiva simplesmente atravs de sua existncia no
mundo jurdico; ao contrrio, a partir dessa existncia que a efetividade se
constri, na prtica capacitada e inclusiva dos agentes penitencirios, diretorias
de unidades prisionais, dos envolvidos neste universo, de modo a respeitar a
identidade coletiva LGBT e suas demandas, ante as suas especificidades, de
modo articulado preservao da identidade autnoma, projetos e a subjetivi-
dade de seus integrantes.

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Referncias

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Revan, 2011, 2 edio, julho de 2012. 1 reimpresso, julho de 2014.

BECKER, Howard Saul. Outsiders; estudos de sociologia do desvio. 1928. Traduo


Maria Luiza X. de Borges; reviso tcnica Karina Kuschnir. 1 Ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar. Ed. 2008.

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criminao contra GLTB e de proteo da cidadania homossexual. Braslia, 2004,
Ministrio da Sade/Conselho Nacional de Combate Discriminao. Disponvel em
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_sem_homofobia.pdf>. Acesso em
nov/2014.

CARVALHO, Salo. Sobre as Possibilidades de uma Criminologia Queer. Revistas


Eletrnicas PUCRS. V. 4, n. 2. 2012.

FIORAVANTE, Karina Eugenia. Dissertao de Mestrado em Geografia - Universidade


Federal de Ponta Grossa. O espao carcerrio e a reestruturao das relaes socio-
espaciais cotidianas de mulheres infratoras na cidade de Ponta Grossa, Paran.
Paran, 2011, 168f.

NATIVIDADE, Marcelo Tavares. Homofobia religiosa e direitos LGBT: Notas de pes-


quisa. Latitude, Vol. 07, n 1, 2013, pp. 33-51.

SILVA, Diego Patrick da. COSTA, Nicole Gonalves da. FREIAS, Rafaela Vasconcelos.
Sistema prisional, Identidade de gnero e Travestilidades em Belo Horizonte.
VIII Encontro da ANDHEP Polticas Pblicas para a Segurana Pblica e Direitos
Humanos. Faculdade de Direito, USP, So Paulo, SP, 2014.

TORRES, Mariana Coelho. SILVA, Augusto Cesar Pinheiro. Presdios de Mulheres so


Espaos Femininos? O Poder da Heteronormatividade no Sistema Prisional Carioca.
Revista Latino-americana de Geografia e Gnero, Ponta Grossa, v. 5, n. 1, p. 126-141,
jan./jul. 2014.

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GAYS E HOMENS QUE FAZEM SEXO COM OUTROS HOMENS


EM CURITIBA: UM RISCO BIOLGICO
PARA A POPULAO

Dhyego Cmara de Araujo


Bacharel em Direito pela UEL
Mestrando em Direito do Estado pela UFPR
[email protected]

GT 12 - Diversidade sexual e de gnero, polticas pblicas e servio social

Resumo

Apoiado no instrumental terico de Michel Foucault, o presente artigo busca


compreender e explicitar quais as estratgias de poder-saber emaranhadas no
aplicativo A Hora Agora Testar nos deixa mais fortes, na medida em que se
trata de uma prtica que se d em torno do dispositivo da sexualidade, e que
este, por sua vez, funciona como mecanismo de operacionalizao de tecno-
logias biopolticas, emergindo, nesse contexto, como tcnica de normalizao
da populao.
Palavras-chave: homossexualidade; aids; biopoltica; normalizao.

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Introduo

Em 24 de abril de 2015 foi disponibilizada populao de Curitiba nova


poltica pblica de sade direcionada preveno e combate do vrus HIV/aids,
parte do projeto A Hora Agora Testar nos deixa mais fortes (AHA). Bastando
fazer o download do aplicativo em seu celular, possvel aos cidados solicitar
o kit de autoteste de deteco da doena, com a nica restrio de que sejam
maiores de 18 de anos, do sexo masculino e que se declarem gays ou homens
que fazem sexo com outros homens (HSH). Trata-se, conforme consta no site
oficial da prefeitura, de um projeto que visa expanso da testagem rpida e
gratuita anti-HIV entre as populaes mais vulnerveis infeco, ou seja, os
jovens gays e outros HSH1.
Se por um lado essa atuao do poder pblico se apresenta como uma
forma de efetivao do direito fundamental sade de uma parcela da popula-
o, por outro, lana tais indivduos em um espao de visibilidade no qual so
enxergados como portadores do vrus HIV/Aids, tendo em vista suas prticas
sexuais perigosas, suas condutas de risco, seu estilo de vida perverso. Graas
aos estudos de Michel Foucault a respeito do biopoder, tornou-se possvel
vislumbrar nas polticas pblicas as condies de possibilidade de sua imple-
mentao, as quais se apresentam, em sua maioria, enredadas a tecnologias
biopolticas de controle e regulao da populao.
Se em seu itinerrio terico acerca da biopoltica, Foucault nos coloca
diante da situao de desuso que caiu a noo de doena reinante no sculo
XVII (FOUCAULT, 2008, p. 79), a emergncia da epidemia de HIV/aids trs scu-
los depois parece ter reavivado tal discurso, pois quando do seu surgimento, a
sndrome estabeleceu uma relao de contiguidade com a homossexualidade,
sendo por muitos designada como peste gay, uma doena ligada ao instinto
gay, ou como diz Trevisan (2002), ao desejo gay.
Passadas mais de trs dcadas de sua exploso e conteno, ultrapassadas
todas as falcias concernentes s ligaes essencializantes estabelecidas entre
a homossexualidade e a Aids, tendo em vista a sua proliferao a outros indiv-
duos independentemente daqueles com quem se relacionam, aquela correlao

1 Disponvel em: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/curitiba-lanca-aplicativo-inedito-de-testagem-


-para-o-hiv/36202. Acesso em 04/06/2016.

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ainda persiste, tanto no imaginrio como nas tcnicas, o que se pode facilmente
constatar por meio das formas pelas quais at hoje as polticas preventivas de
DSTs dirigem-se, sobretudo, aos no-heterossexuais, como o caso da poltica
pblica de sade de Curitiba aqui analisada.
Resqucios de uma construo do pensamento mdico do sculo XVII,
somados a todo esforo ocorrido no momento da exploso do vrus no Brasil,
situao em que o movimento homossexual, junto aos interesses biopolticos do
Estado e sofisticao das cincias sociais advindas da academia, se uniram em
torno do combate contra a doena (MISKOLCI, 2011, p. 50). Desse modo, ges-
tou-se um solo de visibilidade dessas subjetividades aglutinadas sob o conceito
de homossexualidade, sujeitos de uma sexualidade perversa na medida em
que encarnam uma prtica sexual perigosa para a sociedade tomada enquanto
corpo-espcie. Esse fenmeno foi denominado por Larissa Pelcio (2009) de
sidadanizao, vez que o processo de construo da cidadania desses sujeitos
se deu a partir de interesses estatais biopolticos de carter epidemiolgicos que
culminou na criao de identidades estigmatizadas, cuja normalizao mostra-
-se necessria.
Assim, tomando como figura paradigmtica a implementao do AHA na
cidade de Curitiba, pretende-se traar uma analtica das estratgias biopolticas
ali engendradas na lgica do dispositivo da sexualidade, isto , verificar qual a
curva de normalidade considerada tima nesse contexto de atuao, e a par-
tir dela, quais os discursos que rondam essa ttica de normalizao do corpo
populacional.

A sidadanizao dos homossexuais e a normalizao do corpo-


espcie

No curso Segurana, Territrio, Populao, Foucault demarca o declnio


da concepo de doena reinante no perodo em que emerge uma nova moda-
lidade de enfrentamento das doenas que acometem a populao. Surge, nesse
contexto, um novo aparato de saber-poder que passa a enxergar os processos
biolgicos relacionados sade da populao a partir de quatro novas noes:
caso, risco, perigo e crise. Essa construo poltico-biolgica tornou possvel a
medio dos casos de sucessos e fracassos de determinada interveno no meio
social, de modo que a doena no se restringiria a algo que se deveria eliminar,
mas como uma distribuio de eventos no interior de dada populao, na qual

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ser possvel precisar os riscos e perigos a que cada subgrupo est afetado em
virtude de sua idade, localidade, clima, etc. Se a oscilao de riscos e perigos
eleva-se a um nvel cuja conteno ou controle se tornem muito difceis, tem-se
o que se denominou por crise (FOUCAULT, 2008, ps. 75-78).
Com efeito, a tecnologia biopoltica demarca uma ruptura no modo de
percepo do real poltico-biolgico, na medida em que no mais se opera
buscando a erradicao da doena, mas de faz-la funcionar em relao a
outros elementos do real, possibilitando, em algum grau, a anulao de seus
efeitos. Atravs da noo de caso, a AHA levou em considerao a distribuio
dos casos de HIV-Aids de que o municpio tem acesso, de modo a tornar pos-
svel a individualizao do fenmeno coletivo da doena, na mesma medida
em que coletivizou um fenmeno que seria individual, restringindo-se, porm,
aos homossexuais e aos HSH. Tal a operao deflagrada pela noo de caso
sugerida por Foucault (2008, p. 78).
Quanto aos elementos de risco e perigo, fica claro tambm a sua efetiva-
o na implementao, vez que, ao direcionar o aplicativo aos homossexuais e
aos HSH, os identifica enquanto grupo de alta probabilidade de contrair o vrus,
dado o seu comportamento de risco o seu modo de vida. Na totalidade do
grupo populacional considerada, a partir do clculo de riscos, estabeleceu-se
que estes no se apresentam da mesma maneira para todos, vez que h zonas
de mais alto risco em contraposio a outras em que este menor, em outras
palavras, pode-se identificar assim o que perigoso (FOUCAULT, 2008, p. 80).
Em relao ao risco de contrair aids, mais perigoso ser homossexual e HSH,
esse o discurso mais sutil veiculado por essa poltica pblica.
Tais reflexes nos permitem constatar que a prefeitura de Curitiba, por
meio do aplicativo AHA, atua no entorno populacional da cidade irradiando
seus efeitos sobre homossexuais e homens que fazem sexo com outros homens
de formas variadas. De fato, a sua concretizao se encontra relacionada
conquista de espaos e aes por sujeitos homossexuais no que se refere a
efetivao de direitos ou a sua visibilidade social. Entretanto, essa visibilidade
capaz de obscurecer as artimanhas do biopoder que esto em jogo nesse
contexto. Ao lanar um aplicativo com um determinado fim deteco, pre-
veno e combate de HIV/Aids e estabelecer a especificidade do seu pblico,
denominado por eles de populao-alvo homossexuais e HSH fortalece o
aparato estratgico de normalizao daquela rede de associaes to repetida
e hipertrofiada existente entre a homossexualidade e a Aids.

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Aos verificarmos os efeitos perpetrados pela AHA, fcil a constatao de


que estamos diante de um projeto biopoltico de regulao e controle de um
grupo muito especfico, que aqui poderamos indica-lo por populao. Na eco-
nomia do pensamento foucaultiano, entende-se populao como uma unidade
portadora sentido em virtude de seus processos orgnicos, resultado da conju-
gao entre tcnicas e saberes muito precisos sobre esse conjunto de indivduos
considerados como corpo-espcie. Contudo, alm dessa conotao, que em
sua superfcie, aparenta estar ligada a fatores biolgicos, a populao vai tam-
bm ser pensada atravs de seu carter pblico, isto ,
do ponto de vista de suas opinies, das suas maneiras de fazer,
dos seu comportamentos, dos seus hbitos, dos seus temores, dos
seus preconceitos, das suas exigncias, aquilo sobre o que se
age por meio da educao, das campanhas, dos convencimentos.
A populao portanto tudo o que vai se estender do arraiga-
mento biolgico pela espcie superfcie de contato oferecida
pelo pblico. Da espcie ao pblico: temos a todo um campo de
novas realidades, novas realidades no sentido de que so, para os
mesmos mecanismos de poder, os elementos pertinentes, o espao
pertinente no interior do qual e a propsito do qual se deve agir
(FOUCAULT, 2008, ps. 98-99).

O aplicativo, ao traar as curvas de normalidade inscritas no ambiente


biopoltico marcado pelo vrus, direciona sua atuao s condutas tidas como
mais perigosas, com vistas a faz-las chegar o mais prximo possvel das curvas
menos perigosas, e que, nesse contexto, teria como modelo timo de norma-
lidade a curva representada pela famlia heterossexual monogmica. Alis,
padro timo cuja normalidade pressuposta, vez que nem se aventa a pos-
sibilidade de manifestao e contgio no interior dessas prticas sexuais, pois
nem se dirige a elas tal medida. So presumidamente saudveis porque inscritas
dentro de um padro de vivncias cujas formas de relacionar sexualmente so
consideradas a priori como seguras. O instrumental biopoltico se arranja em
torno desse nicho populacional, dessas curvas de normalidades vistas como
um risco para a prpria espcie e com isso, progressivamente, atua visando
conduzi-las ao mais prximo possvel de uma normalidade tima, padro, mais
saudvel, aqui, heterossexual.

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Consideraes finais

Em 1976 Foucault (2011) nos alertara para o fato de o sexo ter-se tornado
esse ponto imaginrio atravs do qual todos os corpos se leem e so lidos,
ponto de condensao de sua totalidade e de aglutinao de sua identidade,
gestado no interior das redes do dispositivo da sexualidade. Alguns anos mais
tarde, explode a epidemia de HIV/Aids, incialmente classificada como uma
peste gay, denotativa de um estilo de vida marcado pela perverso e dege-
nerescncia sexual, de corpos lidos enquanto sexualizados, e dispostos numa
escala hierrquica de estigmatizao.
Por mais que Foucault tenha nos indicado o declnio da concepo de
doena reinante no sculo XVII, a emergncia da Aids reavivou tais discursos
atrelando a doena aos modos de vida tidos como homossexuais, mas a partir de
ento perpassada pelas novas noes elaboradas no bojo do desenvolvimento
dos mecanismos de segurana. So as noes de caso, risco, perigo e crise radi-
cadas no seio da normalizao biopoltica e, nesse caso, irradiadas a partir do
dispositivo da sexualidade, que, em alguma medida, possibilitaram na dcada de
1980 a visibilidade conquistada por sujeitos LGBT no cenrio nacional, alando-
-os ao espao da cidadania, todavia, a um ambiente de sidadanizao.
Implodidas, em momento posterior, as falcias que atrelavam a Aids
aos sujeitos LGBT, resqucios desse processo so sentidos at hoje, bastando
atentar-se para as campanhas de combate e preveno de DSTs dirigidas
exclusivamente a no-heterossexuais, como no caso do aplicativo A Hora
Agora Testar nos deixa mais fortes, poltica pblica lanada pela prefeitura
de Curitiba no ano de 2015. Tais medidas delimitam aquelas subjetividades em
espaos estigmatizados por um discurso que as entende enquanto perigosas,
porque suas condutas, seus modos de vida, a sua esttica, em suma, a sua
sexualidade perversa, carregam um tipo de risco biolgico para o corpo social
tomado enquanto corpo-espcie.
Se no nvel da superfcie, a poltica pblica em questo se apresenta como
efetivao do direito fundamental sade, ao delimitar seu pblico alvo - gays
e homens que fazem sexo com outros homens - tal iniciativa faz no mais que
reiterar todo um complexo de normalizao instaurada a partir da heterossexu-
alidade compulsria, cujas prticas sexuais no so nem questionadas, vez que
tal medida a eles nem se dirige. Presumem-se como portadores de um modo de
vida saudvel e uma sexualidade segura. Essas so as sutilezas que o biopoder
esfumaa, mas que as lentes de Michel Foucault ajudam a enxergar.

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Referncias

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(1976). (Traduo de Eduardo Brando) 1 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2008.

______. Histria da sexualidade Vol. I: A vontade de saber. (Traduo de Maria


Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque). Rio de Janeiro: Edies
Graal, 2011.

MILSKOLCI, Richard. No ao sexo rei: da esttica da existncia foucaultiana


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Marlia: Oficina Universitria; So Paulo: Cultura Acadmica, 2011, ps. 47-68.

PELCIO, Larissa. Corpos indceis a gramtica ertica do sexo transnacional e as


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Sabatine e Boris Riberio de Magalhes (Org.) Michel Foucault: sexualidade, corpo e
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A PRODUO DE POLTICAS PARA A POPULAO LGBT E AS


RESPOSTAS RELIGIOSAS: O OLHAR DO ASSISTENTE SOCIAL

Graziela Ferreira Quinto


Mestre e doutoranda em Poltica Social /UFF
Assistente social do Ministrio Pblico/RJ
[email protected]

Resumo

A homofobia religiosa evanglica vem se destacando nas ltimas dcadas como


um fenmeno brasileiro com implicaes importantes na obstruo da pro-
duo de polticas para a populao LGBT. O alargamento dos direitos, assim
como aes que promovem a visibilidade e aceitao desses grupos sociais vm
provocando reaes conservadoras de diferentes vertentes da f crist, sobre-
tudo de evanglicos de origem pentecostal. Considerando a relevncia desta
questo para a comunidade do Servio Social, este trabalho apresenta uma
anlise sobre o olhar do assistente social frente a temas referidos homosse-
xualidade. A pesquisa foi realizada com assistentes sociais, com ou sem opo
religiosa, atuantes nos Ministrios Pblicos Estaduais, com aplicao de ques-
tionrios individuais.
Palavras-chave: Homofobia religiosa; evanglicos; polticas LGBT; Servio
Social; assistentes sociais

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Introduo

Na cultura e na sociedade modernas, os indivduos e a coletividade esto


manifestando dificuldades para ter suficientemente claros seus sinais de iden-
tidade. Uma referncia de sentido to poderosa como a religio deve estar
implicada, sem dvida, neste problema. A religio funcionou como uma dessas
referncias que contribuam para proporcionar alguns smbolos de identidade,
porque se referia a uma tradio, a uma comunidade ou grupo, e a um estilo
de vida com determinados valores, e estruturava um modo de ver a realidade e
o mundo, transmitia e sinalizava um imaginrio social, um modo de estruturar
a sociedade. La religin era, en definitiva, una de las principales instancias
sociales a la hora de definir la identidad de personas y grupos. (MARDONES,
1996, p. 108)
Um dos elementos ligados religio e que vai experimentar o impacto da
globalizao a tradio. No que as tradies desapareceram, mas sim que
so profundamente afetadas; o que era algo considerado como absoluto e incon-
testvel de gerao em gerao, se v agora questionado e relativizado. Neste
sentido, Giddens (apud HALL, 2002) fala sobre uma des-tradicionalizao ou,
melhor, uma ordem social ps-tradicional. Tradies que tm desempenhado
um papel estabilizador social de primeira ordem so submetidas reflexo cr-
tica. Elas no desaparecem, mas sim, so reinterpretadas, reformuladas, sujeitas
a justificao. evidente que, com esta crtica das tradies, a ordem social
vai perder estabilidade, dado que o terreno no qual foi baseado menos firme.
(MARDONES, 1996)
A viso de mundo e comportamento de indivduos e grupos so questio-
nados, e no de se admirar portanto, que surjam movimentos de retorno
pureza das doutrinas, de resgate de autoridade de algumas escrituras, ou seja,
uma afirmao das tradies, que rejeita todos os questionamentos. El resul-
tado es el fundamentalismo, que podra ser definido como un modo tradicional
de defender la tradicin o de afirmar la identidad de siempre sin reflexin cri-
tica. (MARDONES, 1996, p. 110)
No contexto brasileiro, a homofobia religiosa evanglica vem se desta-
cando nas ltimas dcadas como um fenmeno com implicaes importantes
na obstruo da produo de polticas para a populao LGBT. O alargamento
dos direitos, assim como aes que promovem a visibilidade e aceitao desses
grupos sociais vm provocando reaes conservadoras de diferentes vertentes

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da f crist, sobretudo de evanglicos de origem pentecostal. Considerando a


relevncia desta questo para a comunidade do Servio Social, este trabalho
apresenta uma anlise sobre o olhar do assistente social frente a temas referidos
homossexualidade. A pesquisa1 foi realizada com assistentes sociais, com ou
sem opo religiosa, atuantes nos Ministrios Pblicos Estaduais, com aplicao
de questionrios individuais2.

Homofobia Religiosa e os Entraves na Produo de Polticas Para


a Populao LGBT

Os elementos precursores de uma hostilidade contra homossexuais ema-


nam da tradio judaico-crist; para o pensamento pago, a sexualidade entre
pessoas do mesmo sexo era considerada um elemento constitutivo, at mesmo
indispensvel, da vida do indivduo, sobretudo masculino. O cristianismo, por
sua vez, ao acentuar a Lei Judaica, comeou a situar os homossexuais, no s
fora da Salvao, mas tambm, e sobretudo, margem da Natureza. (BORRILO,
2013, p. 43) A homossexualidade, sendo uma sexualidade no reprodutora
(forma paradigmtica do ato estril por essncia) constituir, da em diante,
a configurao mais acabada do pecado contra a natureza. (idem, p. 44) De
acordo com Natividade (2006), argumentos naturalistas so utilizados tanto
na caracterizao de um uso sadio e apropriado do corpo, como na proposta
de manuteno dos papis de gnero tradicionais e complementares. Borrilo
(2006) assinala que o sistema de dominao masculina do tipo patriarcal con-
solida-se com a tradio judaico-crist, sendo introduzida uma nova dicotomia
heterossexualidade/homossexualidade. O cristianismo transformar a heterosse-
xualidade no nico comportamento suscetvel de ser qualificado como natural
e, por conseguinte, como normal, inaugurando assim, no Ocidente, uma poca
de homofobia, ainda no praticada por outra civilizao.

1 A pesquisa tratou da questo religiosa no exerccio profissional do assistente social. (QUINTO,


2012)

2 Foram aplicados questionrios com questes objetivas aos assistentes sociais participantes do IV
Encontro Nacional de Assistentes Sociais do Ministrio Pblico, realizado entre os dias 19 e 21 de
setembro de 2012, no Rio de Janeiro, tendo sido devolvidos 80 questionrios preenchidos.

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No Brasil, nos ltimos anos, vem ocorrendo uma srie de embates entre
defensores dos direitos LGBT e ativistas dos movimentos religiosos - especial-
mente as lideranas de denominaes evanglicas de origem pentecostal.
A partir de 2004, um conjunto de iniciativas (aes e programas) gover-
namentais nacionais comeava a assegurar a promoo de cidadania para a
populao LGBT, evidenciando, concomitantemente, a necessidade de imple-
mentao de polticas pblicas no combate ao preconceito, discriminao e
excluso que atingem essa populao. O alargamento dos direitos LGBT, assim
como aes que promovem a visibilidade e aceitao desses grupos sociais
vm provocando reaes conservadoras de diferentes vertentes da f crist,
sobretudo de evanglicos de origem pentecostal. Utilizando a retrica da liber-
dade de expresso, esses segmentos religiosos desqualificam e combatem a
diversidade sexual, adentrando a arena poltica atravs de seus representantes
no Congresso Nacional, que se articulam compondo frentes parlamentares e
interferindo na agenda do movimento LGBT no sentido de conseguir o veto de
leis e polticas que contrariam preceitos morais da sua comunidade religiosa.
Zylbersztajn (2012) no considera que a presena religiosa nos debates
polticos seja algo antidemocrtico em si, mas apenas evidencia a inexistncia
de recursos tericos e argumentativos para a discusso do tema de forma qua-
lificada. A este respeito, Rorty (1996) considera que o argumento puramente
religioso precisa ser reestruturado e ganhar contornos seculares para ser apre-
sentado na arena poltica. A participao dos evanglicos no sistema poltico
brasileiro ocorre, principalmente, no poder legislativo. Nos discursos de par-
lamentares representantes de denominaes evanglicas acerca do tema da
homossexualidade, termos como ditadura gay, mordaa gay, destruio das
famlias, entre outros mostram-se recorrentes.
A eleio do deputado (e pastor evanglico) Marco Feliciano (PSC/SP)
para a presidncia da Comisso de Direitos Humanos e Minorias da Cmara
dos Deputados (CDHM) gerou uma onda de manifestaes contrrias em
redes sociais, campanhas e passeatas de grupos organizados e ativistas dos
movimentos LGBT, em decorrncia do fato de ter o deputado Marco Feliciano
expressado opinies consideradas racistas e homofbicas - alm do mesmo
no ter um histrico de atuao na temtica dos direitos humanos. A gesto do
deputado Marco Feliciano na CDHM foi marcada pela aprovao de propostas
de teor anti-homossexual. A primeira ao de enfrentamento pelo deputado foi
a votao do projeto conhecido como cura gay, que pretendia derrubar trechos

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de uma resoluo do Conselho Federal de Psicologia, que estabelece normas


para os psiclogos em relao questo da orientao sexual, vedando a atu-
ao dos mesmos em eventos e servios que proponham tratamento e cura
da homossexualidade. Foi aprovada ainda, a convocao de plebiscito para
consultar a populao sobre a unio entre pessoas do mesmo sexo e a suspen-
so da resoluo do Conselho Nacional de Justia (CNJ) que obriga cartrios
a validar casamentos de homossexuais. Embora o projeto tenha sido aprovado
no colegiado, lderes da Cmara dos Deputados levaram a proposta a plenrio,
que foi rejeitada pela maioria e arquivada. (ESTADO, 2013)
Presses exercidas por parlamentares da Frente Parlamentar Evanglica
culminaram no cancelamento do programa Escola Sem Homofobia, que ficou
conhecido como kit gay. O programa foi alvo da intensa mobilizao dos setores
conservadores, dentre eles, parlamentares da FPE, a partir da desqualificao
do contedo e qualidade de seu material, assim como o pblico a que se desti-
nava, aproveitando de uma situao poltica especfica pelos seus adversrios.

O Olhar do Assistente Social

Um dos aspectos mais claros das mudanas que esto se produzindo na


identidade religiosa consiste na nfase individual; as tendncias religiosas so
menos institucionalizadas e muito mais difusas, o que supe uma religiosidade
assumida consciente e livremente pelas pessoas.
previsvel ento, que haja um aumento generalizado do fator individual
na determinao da identidade religiosa. A identidade religiosa na sociedade
atual predominantemente reflexiva; em comparao com outros momentos
histricos, o crente atual necessita de reflexo, no pode entregar-se tradio,
porque essa questionada, e por outro lado, no h um s caminho ou opo,
j que vivemos numa sociedade pluralista. Desta forma, est fadado a refletir,
eleger e optar. As decises que o crente vai tomar refletidas dentro de uma
f e tradio religiosas esto submetidas (queira ou no) a uma confrontao
permanente com outras opes ou tradies religiosas e inclusive, dentro da
mesma tradio, com diversas interpretaes. Tem, portanto, que viver uma
permanente reflexo ou interpretao da sua f. A identidade religiosa, que era
praticamente imposta desde o nascimento, era raramente questionada e tinha
portanto, a virtude da estabilidade. Hoje, no entanto, tal estabilidade no algo
que est dado, porque o indivduo tem diante de si outras possibilidades. De

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todos modos, lo que s est claro es que la identidad reflexiva es ms dinmica,


abierta, flexible y expuesta a los avatares de un presente y, sobre todo, un
futuro bastante menos previsibles y que el individuo apenas puede controlar.
(MARDONES, 1996, p. 127)
Sero apresentadas a seguir, algumas caractersticas do perfil dos assis-
tentes sociais participantes da pesquisa. Confirmando a tendncia histrica da
profisso, a categoria de assistentes sociais predominantemente feminina, con-
tando aqui com apenas 6,2% do sexo masculino. A faixa etria que prevalece
entre os assistentes sociais at 30 anos e entre 41 e 50 anos, tambm sendo
significativa a de 31 a 40 anos. A maior parte dos assistentes sociais est con-
centrada na regio Sudeste (56,25%). A maioria dos assistentes sociais acredita
em Deus e dentre os assistentes sociais que possuem uma religio (83,75%), foi
perguntado a qual religio pertencem, e verificou-se que a maioria dos assis-
tentes sociais catlica (69,23%), e em segundo lugar h um empate entre
evanglica e kardecista (12,30 % cada). Dentre os assistentes sociais que no
possuem religio (14 assistentes sociais), 11 possuem crena espiritual indepen-
dente de religio.
Vejamos a seguir, o posicionamento dos assistentes sociais em relao a
temas referidos orientao sexual e identidade de gnero, conforme mostra a
tabela abaixo.

Adoo por casais


favorvel? Unio civil homoafetiva Transgenitalizao
homoafetivos
Sim 86,25% 83,75% 66,25%
No 5,0% 7,5% 10,0%
NS/NR 8,75% 8,75% 23,75%
Total 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: QUINTO (2012)

Em relao unio civil homoafetiva, todos os assistentes sociais que se


posicionaram contrrios so evanglicos. J em relao adoo por casais
homoafetivos, entre os assistentes sociais que se posicionaram contrariamente,
a maioria evanglica e os demais so catlicos. Em relao transgenitaliza-
o, dos que se posicionaram contrariamente, houve empate entre catlicos e
evanglicos.

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Consideraes finais

Observamos que em relao s questes relativas orientao sexual e


identidade de gnero, a maioria dos assistentes sociais favorvel diversidade
de opes, embora as religies crists dominantes apresentem posicionamentos
contrrios, que reconhecem apenas as unies heteroafetivas. Dessa forma, os
assistentes sociais, especialmente os catlicos e kardecistas, parecem no ter a
religio como referncia determinante, buscando nos princpios ticos da pro-
fisso um contraponto, que ao final, lhes do uma direo a seguir.
Tal forma de lidar com a religio sinaliza o quanto na contemporaneidade,
h um aumento do fator individual na determinao da identidade religiosa.
(MARDONES, 1996) Com tantos outros referenciais ticos, o religioso no pode
entregar-se to facilmente tradio, mas buscar a reflexo e elaborar novas
formas de entendimento acerca das questes que lhes trazem conflitos ticos e
morais. Em seu exerccio profissional, assistentes sociais religiosos devem ree-
laborar seus valores e crenas, adaptando a tica pessoal modernidade, ao
mesmo tempo em que preservam sua identidade religiosa.

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Referncias

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Belo Horizonte, 2013.

ESTADO. Feliciano encerra gesto marcada por pauta antigays. So Paulo, dez
2013. Disponvel em: <http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,feliciano-encerra-
-gestao-marcada-por-pauta-antigays,1110182,0.htm> Acesso em 20 de mar 2014.

HALL, S. A identidade cultural na ps-modernidade. (traduo, Tomas Tadeu da


Silva, Guaracira Lopes Louro), 7. ed, Rio de Janeiro, Ed. DP&A, 2002.

MARDONES, J. M. Adnde va la religin? Cristianismo y religiosidad em nuestro


tiempo. Editorial Sal Terrae, 1996.

NATIVIDADE, M. Homossexualidade, gnero ecuraem perspectivas pastorais evan-


glicas. RBCS,vol.21,n.61,So PauloJun.,2006

NATIVIDADE, M. e LOPES, P. V. L..O direito das pessoas GLBT e as respostas religio-


sas: da parceria civil criminalizao da homofobia.In DUARTE et al.(orgs). Valores
Religiosos e Legislao no Brasil. A tramitao de projetos de lei sobre temas morais
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QUINTO, G.F. A Questo religiosa no trabalho do assistente social: fragmentos de


uma investigao na atualidade. Dissertao de mestrado, UFF, Niteri, 2012.

RORTY, R. Religion as a conversation stopper. In: Philosophy and social hope. Penguin
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ZYLBERSZTAJN, J.. O Princpio da Laicidade na Constituio Federal de 1988. Tese


de doutorado. Faculdade de Direito, USP, 2012.

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PELA VIDA, PELA FAMLIA E PELA PROPRIEDADE


PRIVADA: HEGEMONIA, CONSERVADORISMO
CRISTO E POLTICAS SEXUAIS

Henrique Araujo Aragusuku


Graduado em Psicologia
Universidade Federal de Mato Grosso
[email protected]

GT 12 - Diversidade Sexual e de gnero, polticas pblicas e servio social

Resumo

Este trabalho se prope a levantar algumas reflexes sobre o atual cenrio pol-
tico brasileiro, principalmente a partir da rearticulao das direitas e do avano
do conservadorismo cristo, junto consolidao da supremacia de um projeto
poltico economicamente neoliberal e socialmente conservador. Dentro dessas
reflexes, sero analisados os (des)caminhos das polticas sexuais e os retro-
cessos que marcam o atual momento poltico, impulsionados pela militncia
pr-vida e pr-famlia (leia-se antifeminista e anti-LGBT) de setores cristos da
poltica nacional, notadamente dos movimentos evanglicos.
Palavras-chave: hegemonia, conservadorismo, polticas sexuais, poltica
nacional.

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Introduo

No dia 17 de abril de 2016, foi aprovada a abertura do processo de impe-


achment da presidenta Dilma Rousseff pela Cmara dos Deputados, em uma
votao que durou seis horas, sendo um espetculo miditico acompanhado por
multides e manifestaes contrrias e favorveis, hipnotizando todo um pas.
No momento da votao, cada deputado possua um curto tempo para decla-
rar seu voto, proporcionando um verdadeiro show de horrores, escancarando
a podrido de um sistema poltico elitista e uma democracia desmoronada. A
recitao massiva dos mantras pela famlia e por Deus, acompanhados pelo
voto sim ao impeachment, reacenderam o alerta do avano do conservado-
rismo no cenrio poltico brasileiro. No existe dvida que o momento atual
de avano do conservadorismo poltico e de rearticulao das direitas no pas,
sendo um cenrio de retrocessos para as polticas sexuais, assim como para a
pauta dos direitos humanos e direitos sociais de forma geral.
com muita ateno que devemos perceber que discursos ultraconserva-
dores e reacionrios no esto isolados em lideranas polticas, mas possuem
eco na sociedade e, ainda que minoritria, relativa base de apoio social. Assim,
vimos declaraes de concordncia a discursos como de Jair Bolsonaro (PSC/
RJ), defendendo o golpe militar de 1964 e homenageando o Coronel Ustra,
ex-chefe do DOI-CODI1 de So Paulo, responsvel pela tortura de diversos mili-
tantes de esquerda durante o regime militar, na qual se inclui Dilma Rousseff,
quando era militante do VAR-Palmares2. Lembrando que Jair Bolsonaro foi o
deputado federal mais votado do Estado do Rio de Janeiro, em 2014, com 464
mil votos.
A partir desse panorama, esse breve trabalho se prope levantar refle-
xes sobre o atual cenrio poltico-social e econmico brasileiro, sobre a crise
institucional presente nos altos escales da poltica nacional e, principalmente,
sobre os (des)caminhos das polticas sexuais e da cidadania LGBT no Brasil.
Foram buscados estudos sobre poltica e hegemonia, principalmente as leituras
gramscianas de Carlos Nelson Coutinho (1999, 2008), trazendo reflexes sobre

1 rgo do Exrcito de inteligncia e represso durante o regime militar de 64.


2 Vanguarda Armada Revolucionria Palmares (VAR-Palmares), guerrilha urbana de Carlos Lamarca,
organizada na luta armada contra a ditadura.

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as interseces entre Estado e sociedade civil, e a consolidao da supremacia


de grupos sociais dominantes. Alm das imprescindveis contribuies de auto-
re(as) que teorizam sobre poltica e sexualidade, dando destaque para aquele(as)
que trazem um recorte interseccional junto a classe, raa/etnia e gnero, sob
uma perspectiva crtica anticolonialista e anticapitalista.

Crise poltica, Impeachment e hegemonia

Uma pergunta latente: como chegamos ao atual momento poltico? No


incio dos anos 90, perodo logo aps o fim ditadura militar, diversos parlamen-
tares notadamente do campo das direitas preferiam autodenominar-se como
de centro, em uma percepo quase pejorativa do ser de direita (KAYSEL,
2015). Atualmente, presenciamos um perodo de ascenso do orgulho direi-
tista, paralelo ao crescimento de movimentos organizados declaradamente de
direita, que ganharam corpo e visibilidade durante o exponencial crescimento
das manifestaes pelo impeachment da presidenta Dilma, em 2015 e 2016.
Entretanto, tais manifestaes no direcionavam apenas os casos de corrupo,
o impeachment da presidenta e o Partidos dos Trabalhadores (PT), tambm hos-
tilizavam s polticas de esquerda como um todo: as polticas sociais, os partidos
de esquerda, os movimentos sociais. No mera casualidade que conviveram
pacificamente em tais manifestaes, parlamentares corruptos, movimentos
neofacistas, militares saudosistas, cristos fundamentalistas, e at defensores do
retorno da monarquia.
Vivemos os ltimos os ltimos quinze anos sob o governo do PT, que se
corroeu em casos de corrupo, junto a seu projeto de poder caracterstico pela
instalao de um pacto de governabilidade com setores da elite brasileira e com
partidos tradicionais de direita poltica. A apropriao, pelo PT, do pragmatismo
eleitoral e das polticas neoliberais, fruto da convico de sua capacidade de
gerncia do capitalismo brasileiro, proporcionou um cenrio de confuso ideo-
lgica e desfigurao das pautas da esquerda. Um governo que tem como pilar
central o corte de gastos do Estado (chamado ajuste fiscal), comprometendo a
manuteno de polticas sociais; secundarizando a reforma agrria, as polticas
ambientais e de direitos humanos, assim como foi majoritariamente o Governo
Dilma (2011-2016), poderia ser lido como de direita, entretanto, se faz com-
preendido pela maioria da populao como um governo da esquerda.

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Apesar disso, foram nesses ltimos quinze anos que tivemos os maiores
avanos nas pautas LGBT, tanto no mbito sociocultural, quanto na esfera esta-
tal. Os anos 2000, podem ser caracterizados como uma dcada de ascenso
das pautas LGBT nacionalmente, coincidindo com um cenrio poltico relativa-
mente favorvel, abrindo caminhos para o surgimento de uma cidadania LGBT
brasileira. O avano das direitas vem se mostrando como o principal empecilho
para a consolidao de polticas sexuais no Brasil, principalmente pelo ascenso
do conservadorismo cristo no cenrio nacional.
Como apresentado por Carlos Coutinho (2008), a supremacia de um grupo
social se exerce a partir de uma combinao entre dominao e hegemonia,
tendo como alicerce a direo poltico-ideolgica e o consenso da sociedade a
partir dos aparelhos privados de hegemonia, junto capacidade da burocracia
em exercer coero por meio da represso. O Estado e a sociedade civil so
campos inter-relacionados, em que o autor qualifica:
Essas duas esferas se distinguem, justificando assim que recebam
em Gramsci um tratamento relativamente autnomo, pela funo
que exercem na organizao social e, mais especificamente, na
articulao e reproduo das relaes de poder. Em conjunto, as
duas esferas formam o Estado em sentido amplo, que definido por
Gramsci como sociedade poltica + sociedade civil, isto , hege-
monia escudada de coero80. (...) No mbito da sociedade civil,
as classes buscam exercer sua hegemonia, ou seja, buscam ganhar
aliados para os seus projetos atravs da direo e do consenso. Por
meio da sociedade poltica que Gramsci chama, de modo mais
preciso, de Estado em sentido estrito ou de Estado-coero ,
ao contrria, exerce-se sempre uma ditadura, ou, mais precisa-
mente, uma dominao fundada na coero (p.54).

Neste sentido, o impeachment e o Governo Temer expressam a consoli-


dao da supremacia de um projeto poltico-econmico e sociocultural, mais
precisamente do neoliberalismo econmico e do conservadorismo poltico-
-social. Esse projeto j avanava gradualmente mesmo durante o Governo PT,
impulsionado por fortes aparelhos privados de hegemonia, na qual se enten-
dem a mdia, entidades, partidos, movimentos organizados, redes sociais, as
universidades. Como apresenta Gilberto Calil (2016), tais aparelhos privados
de hegemonia intensificaram, nos ltimos anos, a disseminao de vises
reacionrias: privatizaes e ajuste social, represso policial, machismo,

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instrumentalizao do discurso anti-corrupo, reordenamento urbano exclu-


dente, mercantilizao da vida, avano do politicamente incorreto agressivo e
desqualificador.
As manifestaes de junho de 2013 explicitaram uma rachadura no projeto
poltico-social dos governos petistas, apontando o fim do consenso caracteri-
zado pelo pacto social, intensificando o processo de recomposio hegemnica
que culminou no atual cenrio poltico e na retirada do PT do governo. ine-
gvel, na constituio da atual conjuntura poltica, o papel das manifestaes
massivas pelo impeachment, do protagonismo de instituies como a FIESP3,
dos aparelhos miditicos, da circulao de informaes nas redes sociais e de
modalidades de cyberativismo, demonstrando que o campo da sociedade civil
e da hegemonia so fundamentais na consolidao da supremacia de grupos
sociais e seus projetos polticos.

Polticas sexuais e conservadorismo cristo

Nesse processo de avano das direitas no Brasil, o conservadorismo cris-


to, principalmente com a propagao poltica dos evanglicos, vem ganhando
espaos privilegiados dentro do cenrio nacional, se amparando sobre uma
poltica pr-vida (contra o aborto), pr-famlia (contra os movimentos feminis-
tas e LGBT) e assumidamente neoliberal, posicionando-se extrema-direita da
poltica nacional. O caso do Partido Social Cristo (PSC) exemplar, tendo
lideranas como Feliciano e Bolsonaro; alm de lanar uma candidatura pre-
sidncia em 2014 o prprio presidente do partido, Pastor Everaldo com
um programa econmico radicalmente neoliberal, caracterizado de extrema-di-
reita, defendendo inclusive a privatizao da Petrobrs. Esse casamento entre
economicamente liberal e socialmente conservador no novidade no mundo,
tendo como exemplo o avano da New Right e sua reao ao avano das pol-
ticas sexuais nos Estados Unidos e na Inglaterra dos anos 60 e 70 (RUBIN, 1984;
WEEKS, 2002).
A chamada bancada evanglica do Congresso Nacional muito pro-
vavelmente o agrupamento poltico que mais cresceu nos ltimos dez anos,
acirrando a polarizao contra os projetos legislativos vinculados s pautas

3 Federao das Indstrias do Estado de So Paulo.

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feministas e LGBT. No por acaso que nem uma nica lei para a popula-
o LGBT foi aprovada em nvel federal no Brasil, e atualmente o cenrio
de retrocessos, com a tramitao de projetos que regulamentam a famlia
como a unio entre um homem e uma mulher; que dificultam a realizao dos
abortos legais e recrudescem a criminalizao do aborto; que tentam anular a
aprovao do casamento homoafetivo pelo judicirio. Ao menos dois partidos
mdios so hegemonizados por evanglicos: o Partido Republicano Brasileiro
(PRB), dirigido majoritariamente pela Igreja Universal do Reino de Deus, e o
Partido Social Cristo (PSC), pela Assembleia de Deus. Entretanto, a influncia
protestante alcana quase todos os partidos brasileiros, sendo uma das maio-
res bancadas do Congresso Nacional e infelizmente a bancada mais direita4,
aliando-se s chamadas bancadas da bala (indstria de armamentos e segu-
rana) e do boi (ruralistas) nas proposies legislativas mais reacionrias.
Nesse processo de derrubada do PT do governo, lideranas evanglicas
tiveram um papel protagonista, na qual podemos citar, como principal articu-
lador do impeachment, o ex-presidente da Cmara dos Deputados e afundado
em suspeitas de corrupo, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), autor de dois projetos
legislativos polmicos: a criminalizao da heterofobia e a maior restrio
ao aborto legal. No atual governo Temer, temos a nomeao de dois ministros
evanglicos e a indicao de Andr Moura (PSC/SE) como lder do governo na
Cmara. O ascenso da bancada evanglica est diretamente vinculado com
a capacidade de articulao de seus aparelhos privados de hegemonia, con-
trolando jornais, rdios, rede de televiso (mais notadamente a Rede Record),
redes comunitrias, igrejas, entre outros. E importante ressaltarmos: a mili-
tncia conservadora de setores evanglicos na poltica no um fenmeno
brasileiro, mas se faz presente em praticamente todo o continente americano
(VILLAZN, 2015).
A agenda da bancada evanglica se unifica, fundamentalmente, em torno
de sua militncia pr-vida e pr-famlia, principal impedimento para a consoli-
dao de direitos sexuais e de avanos nas pautas dos movimentos feministas

4 Em uma pesquisa da Datafolha (http://goo.gl/cSmx7F) sobre o posicionamento das bancadas, a evan-


glica esteve enquadrada em praticamente todas as perguntas (apenas uma no) como tendncia
direita acima da mdia geral no Congresso, e foi a que proporcionalmente mais votou a favor do
impeachment.

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e LGBT no cenrio nacional. A formulao da teoria da ideologia de gnero


jargo que reuni todas as perspectivas que compreendem o gnero e a sexu-
alidade como constructos socioculturais possibilitou um polo antagonista,
aglutinando diversos setores conservadores (de evanglicos catlicos) contra
as pautas feministas e LGBT (LIONO, 2014). O principal reflexo disso foi a
derrubada dos termos gnero e orientao sexual do Plano Nacional da
Educao, em 2014, e de muitos planos municipais e estaduais, em meio a
diversas manifestaes conservadoras nas cmaras de vereadores e assem-
bleias legislativas, em 2015. Infelizmente, o termo ideologia de gnero ganhou
espao nos debates polticos em torno da sexualidade e do gnero na mdia e
nas casas legislativas.

Consideraes finais

possvel pensarmos em polticas sexuais a partir da teoria poltica grams-


ciana, levantando reflexes sobre as diferentes correlaes de foras polticas,
as disputas em torno do poder estatal, as formaes hegemnicas e a consoli-
dao da supremacia de determinados grupos sociais. A leitura de um cenrio
poltico a partir dessa perspectiva, assumindo a complexidade dos fenmenos
poltico-sociais, nos possibilita pensar em estratgias para a transformao social
e a radicalizao da democracia, assim como a recomposio dos espaos da
esquerda poltica nas esferas do Estado e da sociedade civil.

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ISBN 978-85-61702-44-1 992 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Referncias

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em: http://blogjunho.com.br/reflexoes-sobre-a-ascensao-da-direita/. Acesso em:
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ISBN 978-85-61702-44-1 993 de Estudos sobre a Diversidade
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

A MULHER TRANS: ENTRE RECONHECIMENTIO, DIREITOS E


EDUCAO

Monique Rodrigues Lopes


Especialista em Sociologia e Filosofia - FETREMIS Professora de Histria do
Ensino Fundamental do Estado de Minas Gerais
[email protected]

Andrey da Silva Brugger


Mestrando em Cincias Sociais UFJF. Bolsista CAPES Professor de Direito
Constitucional do Centro Universitrio Estcio Juiz de Fora
[email protected]

GT 12 - Diversidade Sexual e de Gnero, Polticas Pblicas e Servio Social

Resumo

O presente trabalho problematiza a questo da necessidade de reconhecimento


e atribuio de capacidades s mulheres transexuais. Problematizamos as opres-
ses sofridas por este grupo vulnervel atravs de comentrios sobre as polticas
pblicas e direitos no mbito das capacidades, como a morte prematura, a
questo da sade, a segurana de poder andar pelos lugares pblicos e apon-
tamos a importncia da educao, tendo a escola como lcus principal, para a
construo de uma sociedade justa, igualitria e solidria, j que entendemos
que o ambiente educacional o primeiro momento de socializao, onde as
crianas e adolescentes faro trocas de saberes simblicos, aprendendo e apre-
endendo valores e prticas. Enxergamos a possibilidade da educao para a
democracia inclusiva e igualitria.
Palavras-chave: diversidade; capacidade; poltica; gnero; direitos e
reconhecimento

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Introduo

O presente trabalho tem por objetivo expor, de maneira exploratria,


dado o carter inicial da pesquisa que os autores esto empreendendo, os pri-
meiros apontamentos sobre o objeto a ser desenvolvido em pesquisas futuras.
Acreditamos que a propositura da presente comunicao poder nos dar subs-
dios suficientes para colocar em pauta nosso(s) problema(s) principal/principais
de investigao: no caminho pelo reconhecimento de direitos das Mulheres
Trans*, em que parte da caminhada estamos? Quais so as demandas que pre-
cisam ser melhores formuladas? Qual a prtica social, poltica, comunitria que
isso pode requerer?
Buscando formular de maneira melhor essas questes e tentando, ainda
que de maneira no conclusiva, apontar polticas j em curso e aperfeioamen-
tos ou novos caminhos, e admitindo que no temos a autoridade da vivncia,
mas nos colocando como aliados dos direitos das Mulheres Trans, sabendo
que o discurso uma ferramenta de poder e um objeto pelo qual se luta,
mormente o acadmico local em que este trabalho est inserido, aprovei-
taremos de nossa posio privilegiada para vocalizar interesses, sem roubar
protagonismo.

Reconhecimento e Capacidades: o pano de fundo poltico-


filosfico dos direitos e polticas para as Mulheres Trans

O estudo presente tem por recorte a situao de vulnerabilidade das


Mulheres Trans. Nossa pesquisa parte do referencial terico da luta por reco-
nhecimento retomada por Axel Honneth, baseado em Hegel. Honneth (2003)
prope que a eticidade construda com base na luta por reconhecimento das
esferas de personalidade das pessoas, a saber: o amor, o direito e a solidarie-
dade (estima).
Honneth comea com o amor na infncia, quando comeamos a traar
nosso sentido da existncia de um Outro independente, principalmente quando
samos da simbiose com nossa me. Estando cercado de amor familiar ou frater-
nal (amizade), a Pessoa desenvolve a ideia de autoconfiana. Essa autoconfiana
indispensvel para os projetos de autorrealizao das Pessoas.

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O Direito pode, por seu turno, desenvolver a ideia de respeito. O respeito


pelo direito alheio, o reconhecimento das esferas de direitos subjetivos, que
podem ser requeridos e tidos como trunfos em demandas sociais.
J a solidariedade tem sua importncia estabelecida na aceitabilidade
social das caractersticas individuais a partir de valores existentes na comuni-
dade poltica em questo.
O reconhecimento no apenas a identificao cognitiva de uma pessoa,
mas a atribuio de valor positivo a uma pessoa.
Essa a busca das Mulheres Trans que gostaramos de expor. Porque ao
no serem reconhecidas, este grupo acaba por internalizar essa imagem nega-
tiva de si mesmas e passam a moldar suas escolhas e aes a partir dela. A falta
de reconhecimento oprime, instaura hierarquias, frustra a autonomia e causa
sofrimento (SARMENTO, 2016,p.242).
Tambm teoricamente importante o Enfoque das Capacidades teorizado
por Martha Nussbaum e Amartya Sen (1993), para quem os direitos devem ser
entitulados s pessoas para que elas escolham a vida que querem viver, para
que possam viver uma vida que merea este nome e seja plenamente humana.
Essa lista tida por Martha como um parmetro mnimo de justia social,
a lista aberta e mutvel, contando com 10 (dez) capacidades, que so as
seguintes: vida; sade fsica; integridade fsica; sentidos, imaginao e pensa-
mento; emoes; razo prtica; afiliao; outras espcies; lazer; controle sobre
o prprio ambiente (NUSSBAUM, 2013, p.91-93).
A primeira capacidade listada por Nussbaum a Vida. Isto , ter a capa-
cidade de viver at o fim de uma vida humana de durao normal; isso quer
dizer no morrer prematuramente, ou antes que a prpria vida se veja to redu-
zida que no valha a pena vive- la. A expectativa de vida do brasileiro, em
2016, de 75,2 anos (IBGE); a expectativa de vida das mulheres trans de 301
a 35 anos. Percebe-se que a expectativa das mulheres trans cai praticamente
metade, no sendo, portanto, uma vida de durao normal.
A segunda capacidade a de ter sade fsica. Ser capaz de ter boa sade,
incluindo a sade reprodutiva; de receber uma alimentao adequada, de dis-
por de um lugar adequado para viver (NUSSBAUM, 2013, p.92). Conforme

1 Conforme noticiado em: http://diversidadeiff.blogspot.com.br/2015/04/expectativa-de-vida-de-trans-


no-brasil.html. Acesso em 25 de junho de 2016.

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demonstra Camila Guaranha (2013), as mulheres trans encontram enormes


dificuldades para acessar o Sistema nico de Sade, tendo muitas vezes sua
construo de personalidade rejeitada como um corpo que no importa,
possuindo sua identidade de mulher trans patologizada. A questo da sade
uma preocupao quanto ao reconhecimento da cidadania das Mulheres Trans.
Muitas delas deixam de buscar acesso e auxlio por conta de estigma, pre-
conceito e opresso advindos dos funcionrios do Sistema de Sade. Direitos
bsicos como serem chamadas pelo nome social que j foi normatizado em
portaria pelo Ministrio da Sade no so respeitados.
Alm disso, o estigma to forte que quando essas mulheres buscam
o sistema de sade, so logo identificadas com tratamentos como colocar
silicone, cirurgia de transgenitalizao, tratamentos hormonais e combate a
doenas sexualmente transmissveis; sendo ignorado o tratamento de sade das
mulheres trans de maneira integral.
As demais capacidades tambm sofrem leses na perspectiva das mulhe-
res trans. Por exemplo, a orientao sexual e a identidade de gnero so fatores
primordiais que contribuem para a opresso sofrida no ambiente escolar, que
acabam levando evaso (MOREIRA, 2012).
Sobre as emoes, tambm, aqui, os relatos que j ouvimos de uma
barreira a ser transposta. As mulheres trans so, em sua maioria, desejadas,
fetichizadas, mas no amadas, no destinatrias e receptoras de afeto genuno.
A lista de Nussbaum complementa, em nosso entender, a ideia de reco-
nhecimento de Honneth. A teoria social de Honneth, ainda que provada
empiricamente nas lutas sociais, no pode ser judicializada, no h como juri-
dicizar a ideia de estima ou de amor. Lado outro, a lista de Nussbaum
consegue ser moldada tambm para a linguagem dos direitos. Nas palavras exa-
tas de Nussbaum (2013, p.345), todos ns temos direito, baseados na justia, a
um mnimo de cada um dos bens centrais da lista das capacidades.

Educao e gnero

Numa perspectiva ps-estruturalista galgada no mtodo de desconstru-


o de Jaques Derrida e tambm imbuda de uma anlise foucaultiana no que
tange as relaes de poder, que propomos questionamentos sobre os pilares
e parmetros estabelecidos pela sociedade. Assim, concentramos essa parte
do estudo mais especificamente na escola como instituio indispensvel para

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problematizar questes que envolvem as polticas de incluso e espao para


reflexo. Numa tentativa de revoluo possvel onde as formas de resistncia,
transformaes e respeito possam se expandir para alm do mbito escolar.
Analisando o trabalho de Louro (1999 podemos perceber a anlise que
feita a cerca da questo binria e dicotmica homem-mulher. Louro argu-
menta que no so propriamente questes sexuais, mas as maneiras como so
valoradas que acabam por reforar a dicotomia. Essas relaes atuam ento
num padro heteronormativo tido como natural e a assim os ensinamentos,
saberes e valores tambm so repassados. Quem foge a essa norma, desvia
dos padres socialmente construdos fica sujeito a margem, ao no- acesso, aos
no- direitos.
Discutir gnero ento se torna primordial no ambiente escolar, pois faz
parte tambm da formao da identidade dos sujeitos. Assim, observa Louro
(1999) que os sujeitos podem exercer a sexualidade de diferentes formas. Nada
obstante, a norma faz com que os sujeitos se identifiquem por padres social-
mente estabelecidos como masculinos e femininos e dessa maneira constroem
sua identidade de gnero.
Nota-se a escola como uma primeira sociedade, onde se aprende como
agir, o que preferir qual pensar pertinente, qual habilidade pode e deve ser
desenvolvida. Segundo Louro (1997, 2004), habilidades como bordar, pintar e
outras atividades manuais faziam parte do aprendizado para ser prendada.
Uma educao voltada para o lar, para a famlia. Essa cadeia de pensamento
sutilmente imposta no era questionada, mas vista como natural e inquestionvel.
Porm, com a multiplicao das identidades de gnero dos grupos tidos
como minorias que Louro (2004) chama ateno para esse tipo de identi-
dade fronteiria que permeia entre o masculino e o feminino como o caso
da populao trans. Como fogem ao padro heteronormativo imposto so vis-
tos na maioria das vezes com resilincia patolgica, como anormais. Tendo na
escola, como dito anteriormente, esses espaos de diferenas, atos do cotidiano
como ir ao banheiro, ou a simples chamada feita pelo professor causam cons-
trangimento dirio, por verem negados seus direitos ao nome social e uso do
banheiro, questes j judicializadas perante o Supremo Tribunal Federal, contri-
buindo para o preconceito, arraigado a construo de uma sociedade machista
e heterossexual que vai excluindo e marginalizando no s na escola, mas mui-
tas vezes tambm dentro do ambiente familiar.

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Interessante ressaltar que nos Parmetros Curriculares Nacionais, PCN


(BRASIL, 1997) temos no que tange ao eixo de temas transversais, a questo do
estudo das sexualidades, no de gneros. Segundo Louro (1999) apesar de arti-
culveis, no se confundem. Cita a Histria da Sexualidade de Foucault numa
tentativa de compreender os discursos que se regulam e se normalizam instau-
rando saberes que produzem verdades.
Dessa forma, como afirma Louro, currculos escolares muitas vezes aca-
bam por contribuir para a reproduo de uma ordem social estratificada. Uma
forma organizada de reproduo de conhecimento, de fatores normalizadores.
Atualmente dentro dos temas transversais dos PCNs j temos a proposta
da discusso de gnero e no s mais de sexualidade, entretanto, ainda que seja
um avano, esbarramos no problema do discurso no se efetivar na prtica.
Os temas transversais so tratados, infelizmente, como acessrios ao obje-
tivo primordial que cumprir contedo. No havendo assim na maioria das
vezes reflexes de gnero ou de raa na construo dos prprios contedos
ministrados como perceptvel nos estudos de histria e geografia por exemplo.
A Histria nos livros didticos no contada por transexuais, homosse-
xuais ou at mesmo por mulheres, no existe representatividade nesse sentido.
Muitos professores alegam que no h formao adequada para essas
abordagens em sala de aula e da incumbncia quase que exclusiva do corpo
docente de trabalhar esses temas. Que seria necessrio um trabalho conjunto
com as famlias, principalmente no que diz respeito s famlias com crianas e
adolescentes que sofrem preconceito na questo de gnero na relao familiar
alm da escola.
Outras vezes nos deparamos com preconceitos e discriminaes vin-
dos do prprio corpo docente que ao invs de propor uma reflexo, apenas
reproduzem os padres socialmente aceitos e tidos como caminhos certos,
levando em considerao suas vivncias e subjetividades.
A escola deveria buscar uma nova interpretao que ao invs de afir-
mar esteretipos proponha novas anlises, quebra de paradigmas no sentido
de construo dessa igualdade de gnero. Afim de que se possa efetivar no
s o respeito diversidade, os valores e crenas propostos no PCN, mas tam-
bm garantir o pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o
exerccio da cidadania e qualificao para o mercado de trabalho, conforme
previsto no art. 205 da Constituio Federal.(1988), gerando uma sociedade
democrtica e inclusiva.

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Consideraes finais

Buscamos neste estudo demonstrar a necessidade de atribuir reconheci-


mento e capacidades s mulheres trans, como medida de realizar a plenitude
de suas vidas em uma base de justia e que reforce a dignidade humana intrn-
seca que possuem.
Tentamos apontar alguns dos direitos que esto em foco, de maneira exem-
plificativa, focando na questo da educao, a revoluo possvel, que pode
capacitar tanto as mulheres trans para buscarem seus direitos, suas demandas e
interesses, quanto educar as outras pessoas para conviverem de maneira inclu-
siva, vendo as mulheres trans como merecedoras de respeito e considerao
por todos.
nosso dever vocalizar isso e buscar aes concretas rumo dignidade
de todas e todos. Para, de fato, construirmos uma sociedade justa, igualitria e
solidria.

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Referncias

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Sexual e de gnero
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SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: contedo, trajetrias e metodolo-


gia. Belo Horizonte: Frum, 2016

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NOTAS SOBRE A SELETIVIDADE NO ACESSO SADE VIVIDA


PELA POPULAO TRANS.

Pablo Cardozo Rocon


Mestrando em Sade Coletiva, Universidade Federal do Esprito Santo.
[email protected]

Francis Sodr
Doutora em Sade Coletiva, Universidade Federal do Esprito Santo.
[email protected]

Alexsandro Rodrigues
Doutor em Educao, Universidade Federal do Esprito Santo.
[email protected]

GT 12 - Diversidade sexual e de gnero, polticas pblicas e servio social.

Resumo

A partir de uma sntese de produes dos campos das Cincias Sociais, Humanas
e da Sade, este artigo prope duas notas sobre a seletividade no acesso
sade vivenciada pela populao trans. Aponta-se que s possvel discutir a
sade da populao trans brasileira por que existe o SUS, nesse sentido, univer-
salizar o acesso sade para essa populao pressupe lutar pela efetivao
deste sistema pblico de sade conciliado com os princpios e valores ticos
da Reforma Sanitria brasileira como universalidade, integralidade, equidade,
justia social e participao popular.
Palavras-chave: Transexualidade, Travestilidades, Sade, Corpo.

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Introduo

Os trnsitos que as pessoas trans realizam nos gneros a partir das mudan-
as em seus corpos so interpelados por normas hegemnicas sobre gnero e
sexualidade presentes nas relaes sociais. Segundo Froemming et al. (2010,
p.166 - 167):
A ordem social contempornea se estrutura de forma que no
dualismo htero/ homo, a heterossexualidade seja naturalizada e
compulsria. [...] A linha de inteligibilidade do humano pensada
a partir do corpo gnero sexualidade e dos plos masculino
e feminino, e na relao destes com seus opostos, dada assim tam-
bm a nossa capacidade de compreenso da existncia do outro.

Os autores, em dilogo com Butler (2014, p.45) que diz que a instituio
de uma heterossexualidade compulsria e naturalizada exige e regula o gnero
como uma relao binria em que o termo masculino diferencia-se do termo
feminino [...] por meio das prticas e do desejo sexual., afirmam que na socia-
bilidade atual, as construes no gnero devem seguir as categorias disponveis
nas formas femininos x masculino, homem x mulher, restando aos que nes-
sas categorias no se enquadram a desumanizao de suas vidas. Tais normas
compreendem os corpos e gneros num sistema binrio que produz a ideia de
que o gnero reflete, espelha o sexo e que todas as outras esferas constitutivas
dos sujeitos esto amarradas a essa determinao inicial: a natureza constri
as sexualidades e posiciona os corpos de acordo com as supostas disposies
naturais. (BENTO, 2006, p.90).
Michel Foucault (2013) relata que o sculo XVIII foi marcado por uma
maior preocupao e cuidado com o sexo. O autor discorre sobre o surgimento
do que nomeou dispositivo da sexualidade, segundo qual passou a regular as
prticas sexuais a partir de diversas estratgias de administrao populacional e
disciplinao dos corpos, produzindo uma sociedade de normalizao, e valo-
rando o sexo com fins procriativos.
Em dilogo com Foucault (2013), Ferreira e Aguinsky (2013, p. 224) afir-
mam que diferentes instituies ideolgicas, tais como famlia, a medicina, o
sistema escolar, de justia, de segurana, entre outros, constroem significados
sobre corpos e desejos. Tais instituies colaboraram para a elaborao do
dispositivo da sexualidade e do gnero em sua forma binria conforme tambm

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apontou Laqueur (2001). Estas instituies continuam reproduzindo como valo-


res hegemnicos o gnero em sua forma binria e a heterossexualidade como
compulsria.
Ao buscarem transformar seus corpos, as pessoas trans - transexuais, tra-
vestis e transgneros - entram em conflito com essas normas, e so punidas
com a conduo a uma vida recortada por uma srie de expresses da questo
social - pobreza, fome, violncia, etc - resultantes da excluso do mercado de
trabalho, da escola, sade, famlias instituies reguladoras e reprodutoras
das normas de gnero. (ALMEIDA e MURTA, 2013; BENTO, 2006; ROMANO,
2008; ROCON et al, 2016).
Foucault (2013) e Laqueur (2001) revelam o papel da sade, da higiene
pblica, e da medicina enquanto cincia e profisso, na produo e reproduo
das normas de gnero e sexualidade a partir da formulao de polticas, pro-
gramas e prticas profissionais. Isso pode justificar o fato dos estabelecimentos
da sade pblica se mostrarem como ambientes hostis s pessoas travestis e
transexuais, tornando essa populao, dentre o seguimento de Lsbicas, Gays,
Bisexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), a que mais enfrenta dificuldades para
acessar o sistema pblico de sade (MELLO et al., 2011).

Notas sobre a seletividade.

Nos ltimos anos, o Ministrio da Sade empenhou-se em aes que


pudessem enfrentar as dificuldades vividas pelas pessoas LGBT no acesso a
sade. Merecem ser destacados: a Carta dos Direitos dos Usurios do SUS que
garantiu o acesso livre de discriminao e com direito ao nome social, a inclu-
so do nome social no Carto do SUS, a Poltica Nacional de Sade Integral
LGBT, e a criao do Processo Transexualizador do Sistema nico de Sade
(PTSUS). Todavia, pesquisas tem mostrado que essas legislaes no tem pro-
duzido efeitos positivos no cotidiano dos servios de sade.
Nesse sentido, a partir de uma sntese de produes cientficas dos cam-
pos da Cincias Sociais, Humanas e da Sade, este artigo organiza duas notas
sobre a seletividade enfrentada pela populao trans no acesso a sade.

1. Transfobia e Travestifobia nos servios de sade.


Muitos servios de sade tem se mostrado seletivos em suas portas de
entrada, da ateno bsica a alta complexidade, apresentando episdios de

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discriminao trans-travestifbicos praticados por trabalhadores envolvidos em


todo itinerrio percorrido na busca do atendimento em sade.
Duarte (2008), Romano (2008), Muller e Knauth (2008) e Rocon et al
(2016), responsabilizam a transfobia e a travestifobia praticadas por trabalha-
dores da sade nos variados estabelecimentos e nveis de ateno sade,
como uma das principais barreiras ao acesso sade pela populao trans,
destacando desrespeito ao nome social como uma das principais formas de
manifestao discriminatria dos trabalhadores da sade para com a populao
trans.
Essa realidade tem levando a dezenas de pessoas trans a deixarem de pro-
curar servios de sade nos casos de adoecimento, bem como ao abandono de
tratamentos em sade, promovendo um profundo quadro de seletividade por
meio da excluso do acesso ao Sistema nico de Sade. (ROCON et al, 2016;
ROMANO, 2008; MULLER e KNAUTH, 2008).

2. O diagnstico no processo transexualizador.


Em 2008, o Ministrio da Sade por meio da portaria 1707 criou o Processo
Transexualizador do SUS (BRASIL, 2008), sinalizando avanos na oferta de ser-
vios especficos para o cuidado em sade da populao trans ao incorporar os
procedimentos transgenitalizadores, reconhecendo as transformaes corporais
vivenciadas por essa populao como necessidade em sade. Todavia, a refe-
rida portaria autorizou apenas os procedimentos MTF (masculino pra feminino),
beneficiando mulheres transexuais com servios de hormonioterapia, cirurgias
para retirada do pomo de Ado, alongamento das cordas vocais e cirurgias
de neoculpovulvoplastia (mudana de sexo MTF). Somente em 2013, com
a ampliao do Processo transexualizador do SUS a partir da Portaria 2803,
homens transexuais e pessoas travestis tiveram suas demandas por hormonio-
terapia e no caso dos homens trans, os procedimentos do tipo FTM (feminino
para masculino) como mastectomia, histerectomia e neofaloplastia (mudana
de sexo FTM), incorporados pelo SUS (BRASIL, 2013).
O Processo Transexualizador do SUS representa um importante avano
em direo promoo do cuidado em sade a populao trans. Contudo,
o acesso a esse programa tem sido mediado por um processo de diagnstico
apontados por Arn et al (2008), Bento (2006;2008), Almeida e Murta (2013),
Rocon et al (2016), dentre outros autores, como promotor de seletividade na
medida em que, a partir de um ideal de transexual verdadeiro, engendrado

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pelas verdades concebidas para gnero e sexualidade a partir do gnero binrio


e da heterossexualidade compulsria, impedem dezenas de pessoas travestis e
transexuais brasileiras ao direito ao cuidado em sade no processo de transfor-
mao de seus corpos.
Nesse cenrio, parte da populao trans impedida de acessar os servios
do Processo Transexualizador do SUS, ficar fadada aos riscos de adoecimento
e morte envolvidos na utilizao de hormnios sem acompanhamento mdico
e nas aplicaes do silicone industrial, bem como, ser privada do acesso aos
suportes psicolgico e social oferecidos por esse programa. Dessa forma, um
programa potencial promoo da sade e cidadania da populao trans tor-
na-se seletivo e ineficiente a partir do processo de diagnstico (ROCON et al,
2016).

Consideraes finais

O direito a sade pblica no Brasil representa uma vitria histrica para


toda a populao brasileira. Fruto da 8 Conferencia Nacional de Sade, agi-
tada pelo Movimento pela Reforma Sanitria no Brasil, em meio ao processo de
redemocratizao do pas, consolidou a sade pblica na constituio de 1988
como direito de todos a ser garantido pelo Estado mediante polticas sociais.
Esse direito foi materializado e operacionalizado atravs da criao do Sistema
nico de Sade por meio da lei 8080/90 e da lei 8142/90, que instituiu um
sistema de sade pblico, nico, integral, universal com participao da socie-
dade civil organizada.
Portanto, preciso reafirmar que s existem Processo Transexualizador
do SUS, Poltica Nacional de Sade Integral LGBT e Carta dos Direitos dos
Usurios da Sade, porque existe o SUS. o Sistema nico de Sade com seus
princpios e valores tico-polticos, que sustenta a possibilidade de se discutir e
promover a Sade LGBT, e assim a sade da populao Trans, no Brasil.
A discriminao transfbica e travestifbica, o desrespeito ao nome social
e o diagnstico do processo transexualizadores se apresentam como uma
afronta ao SUS, na medida em que nega seus princpios, e exclui do acesso
sade, dezenas de brasileiros que no se enquadram nos padres hegemnicos
para sexualidade e gnero.
Apesar dos avanos em direo ao combate essa realidade, ela ainda se
faz presente nos cotidianos dos servios de sade. Assim, preciso compreender

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que a luta pela garantia do direito sade a toda populao trans brasileira no
pode se fazer desconectada da luta em defesa do SUS. possvel apontar tam-
bm como possibilidade de soluo a essa problemtica, a impresso, pelos
trabalhadores do SUS em seus processos de trabalho em sade, dos valores
da Reforma Sanitria Brasileira, produzindo contra hegemonias no cotidiano
dos servios, movimentos de resistncia e rupturas com modelo biomdico de
ateno sade, modelo mercadolgico, ante SUS, que fundamenta paradig-
mas como gnero binrio, a heteronormatividade, e a sade como ausncia de
doena.

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EN EL NOMBRE DE ROSA: 20 AOS DEL MOVIMIENTO


TRANS EN EL SALVADOR

Amaral Palevi Gmez Arvalo


Doctor en Estudios Internacionales en Paz, Conflicto y Desarrollo
Rede O Istmo
[email protected]

GT 13 - Por uma nova histria do gnero e da sexualidade

Resumen

La presente comunicacin tiene como objetivo presentar una narrativa inicial


sobre la organizacin del movimiento de personas transexuales, transgneros
y travestis (Trans) en El Salvador entre 1996 a 2016. Utilizando la nocin de
Genealoga propuesta por Foucault se dividen en tres periodos temporales:
1) Origen, espacios de trabajo sexual marginales y la Discoteca Orculos en
San Salvador; 2) Procedencia, rememora los primeros pasos organizativos y
diversificacin del movimiento trans entre las dcadas de 1990 hasta 2009 y 3)
Emergencia, como ente poltico diferenciado a partir de 2010.
Palabras clave: El Salvador; Movimiento Trans; Organizacin; Poltica Sexual;
Historia.

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A manera de introduccin

Las personas transexuales, transgneros y travestis (trans) en El Salvador


han estado expuestas/os a una serie de violaciones que incluso ha conllevado
la muerte de muchas/os de ellas/ellos. A pesar de las difciles condiciones de
vida de las personas trans desde hace 20 aos se puede decir que existe un
movimiento trans que lucha por conseguir una mejor calidad de vida y el res-
peto de los Derechos Humanos de cualquier persona independientemente de
su identidad o expresin de gnero. Esta historia es poco conocida.
Retomando el concepto de genealoga propuesto por Foucault (1993), esta
comunicacin presenta una narrativa inicial sobre la organizacin del movi-
miento trans salvadoreo.

I. Origen: Trabajo sexual de calle y la Discoteca Orculos

En El Salvador las personas que han presentado en su cotidiano una identi-


dad o expresin de gnero diferente a la norma binaria masculino/femenino son
relegados/as a espacios marginales y precarios. Ejemplo de esto en la dcada de
1960 fue el mtico saln-bar La Praviana en el centro histrico de San Salvador.
Este fue un reconocido lugar de reunin de hombres pobres que ejercan el
trabajo sexual utilizando ropas de mujer.
En el imaginario social salvadoreo, el hecho de ser un hombre homose-
xual era (y continua siendo) relacionado al trabajo sexual de calle. Esto conlleva
por una parte a que todo hombre que se reconoce como homosexual tiene al
trabajo sexual de calle tanto como posible guion de vida o el resultado final de
asumir su orientacin sexual.
En 1976, surge la Discoteca Orculos (Gayelsalador, 2008). Este espacio
se convirti en el lugar de encuentro para homosexuales y la realizacin de
shows de travestis. Homosexuales de clase media que ejercitaban el travestismo
y que posean un mejor nivel econmico tuvieron en Orculos una plataforma
para manifestar su expresin de gnero y orientacin sexual, sin los riesgos que
conlleva el estar en la calle y ejercer el trabajo sexual. Los shows de travestis
fueron la tctica para atraer clientes a la discoteca durante su existencia, la cual
coincidi con el desarrollo de la guerra interna de El Salvador entre los aos
1980 hasta 1992.

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II. Procedencia: En el nombre de Rosa

Un primer colectivo de cinco a diez travestis y hombres gays a consecuen-


cia del VIH, comenzaron a reunirse a finales de 1991 en el Parque Cuscatln
de San Salvador. Este grupo inicial, dadas las condiciones del conflicto armado
an vigente, reciban amenazas de los cuerpos de seguridad por las reuniones
que realizaban, ya que eran etiquetadas que su objetivo era promover el homo-
sexualismo. El doce de agosto de 1992 ese grupo adquiere una formalizacin
institucional, crease la Fundacin Nacional para la Prevencin, Educacin y
Acompaamiento de la Persona VIH/SIDA (Fundasida).
Al interior de Fundasida un primer colectivo de diversidad sexual se
estructura bajo el nombre de Grupo Entre Amigos en 1994. En este grupo se
renen tanto personas gay como travestis. No obstante, dadas las condiciones
de violencia y homicidios contra personas travestis o travestidos (Cruz; Snchez;
Azcunaga, 1999, p. 62), en 1996 se organiza el primer colectivo exclusivamente
de travestis al interior de Fundasida. Este colectivo se denomin En el nom-
bre de Rosa (Cabrera; Parada, 2009, p. 11). Este nombre fue una forma de
homenaje pstumo a Rosa una joven travest de 15 aos muerta por un ataque
transfbico.
Entre 1997 y 1998 los crmenes contra personas de diversidad sexual son
ms evidentes, inclusive se sospech que tales crmenes responda a las acciones
de un criminal en serie (Hernndez; Hernndez, 1998). En un principio se foca-
lizaban en travestis que ejercan trabajo sexual de calle, pero luego se desplaz
hacia hombres homosexuales de clase media. Esta situacin reforz la idea de
organizacin de un colectivo de travestis. Para 1998 se conoce que el colectivo
En el nombre de Rosa ya contaba con 20 integrantes (TENORIO, 1998), exclusi-
vamente travestis que ejercan trabajo sexual de calle en San Salvador.
En 1999 este colectivo da el primer paso para ser reconocidos jurdica-
mente al interior de El Salvador, presentando la solicitud de personera jurdica
ante el Ministerio de Gobernacin, bajo el nombre de Asociacin para la
Libertad Sexual el Nombre de la Rosa. Dados los patrones de discriminacin
existentes en El Salvador hacia personas de la diversidad sexual, en el ao 2001,
su peticin fue denegada por la Direccin General del Registro de Asociaciones
y Fundaciones Sin Fines de Lucro, afirmando que esa peticin violentaba nor-
mas de derecho natural, los fines que persigue la familia, la constitucin del

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matrimonio, las buenas costumbres, la moral y el orden pblico (Corte Suprema


de Justicia, 2009, p. 1).
Despus de tres aos se presenta un amparo ante la Corte Suprema de
Justicia el 13 de enero de 2004, aduciendo que el razonamiento que justificaba
la negacin de la personera jurdica violentaba los derechos constitucionales
de igualdad y libre asociacin de aproximadamente 120 miembros afiliados a la
Asociacin en ese momento (Corte Suprema de Justicia, 2009, p. 1-2).
Entre 1999 hasta 2004 la Asociacin ejecut actividades apoyadas por
otras organizaciones (Cabrera; Parada, 2009, p. 11). En el ao 2004, con la
ayuda de William Hernndez y a iniciativa de Mnica Amaranta la El Nombre
de la Rosa, transforma su estrategia ante la Direccin General de Registros y
presenta una solicitud de personera jurdica bajo el nombre de Asociacin
Salvadorea para Impulsar el Desarrollo Humano (ASPIDH), eliminando toda
indicacin formal como asociacin de mujeres trans.
En esa misma poca en otras ciudades fuera del rea metropolitana, los
concursos de belleza trans promueven espacios polticos para deconstruir este-
reotipos negativos respecto a sus identidades. Por ejemplo, se conoce que en las
ciudades de Santa Ana, Sonsonate, La Unin, Aguilares, San Miguel y Usulutn
desarrollan concursos de belleza desde el ao 2004.
Entre 2006 y 2007 inici actividades la Asociacin ngeles Arcoris Trans
del Departamento de la Paz que aglutina mujeres trans, radicada en la ciu-
dad de Zacatecoluca, zona paracentral de El Salvador. Su trabajo de incidencia
bsicamente consista en acciones educativas y preventivas sobre VIH en los
municipios del Departamento de La Paz (RODRGUEZ, 2009).
En 2008 Karla Avelar inici los procesos organizativos para la creacin
de la Asociacin Comunicando y Capacitando a Mujeres Trans con VIH en El
Salvador (Comcavis-Trans). Esta organizacin nace dadas las condiciones de
discriminacin que las mujeres trans padecen y en especfico las mujeres trans
viviendo con VIH.
En esta misma poca se conoce la existencia del Movimiento por la
Diversidad Sexual y Derechos Humanos Trans (MDSDH Trans) que luego se
denomina como Asociacin Salvadorea de Trangneras, Transexuales y Travests
(Astrans). Enfocando su trabajo en la realizacin de procesos de hormonizacin
hacia personas trans y la promocin de derechos humanos en personas LGBT
en reas postergadas (rurales). Entre sus objetivos se encuentra que el Ministerio

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de Salud reconozca su responsabilidad y asuma la atencin de la reasignacin


sexual de mujeres y hombres trans.
La emergencia poltica del movimiento de Diversidad Sexual en El Salvador
se efecta por medio de la estructuracin de la Alianza por la diversidad sexual
LGBT que tuvo como principal objetivo coyuntural en 2009, el detener la pro-
puesta de reforma constitucional para prohibir el matrimonio y la adopcin por
parte de personas del mismo sexo. En este mismo ao, la Corte Suprema de
Justicia (2009) declara ha lugar el amparo solicitado por la entonces Asociacin
El Nombre de la Rosa. En este mismo ao la ahora nombrada Asociacin para
Impulsar el Desarrollo Humano, logra obtener su personera jurdica, pero sin
hacer mencin en sus estatutos de su identidad trans.

III. Emergencia: Marcha contra la transfobia

Considero el da 17 de mayo de 2010 -o mejor dicho la noche- donde


surge el movimiento trans. Esto se debe a que las organizaciones trans realizan
por primera vez una marcha especfica para denunciar la transfobia y los cr-
menes de odio que este sector de la poblacin padece. Realizando una marcha
que inici en el Monumento de El Salvador del Mundo, icono de la identidad
nacional (LPEZ, 2011), hasta el Monumento de la Justicia. Una caracterstica
particular de esta marcha fue su realizacin en horario nocturno. Esta marcha
se ha realizado anualmente desde esa fecha.
En ese mismo ao en la ciudad de La Unin, en el Oriente del pas, un
colectivo de hombres gays y trans inician una serie de reuniones educativas y
capacitaciones gracias al proyecto de atencin a Poblaciones Vulnerables a ITS
y VIH de Cruz Roja Salvadorea. Cuando este proyecto finaliz entra en escena
Mdicos del Mundo, quienes retoman a este grupo bajo sus acciones educa-
tivas en el marco de los proyectos que ejecutaba en la zona. Por cuatro aos
el ahora Colectivo LGBTI Estrellas del Golfo participa en diversas actividades
educativas y organizativas dirigidas por Mdicos del Mundo. Por ejemplo, el
17 de mayo de 2012, en el parque central de La Unin se coloc un stand para
disminuir los patrones discriminatorios de la poblacin.
En 2011 el movimiento trans salvadoreo da muestras de articulacin
internacional por medio de la realizacin del Foro de Despatologizacin de las
Identidades Trans, realizado el 23 de octubre de ese ao.

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En el ao 2012 surge la Asociacin Colectivo Alejandra El Salvador


que centra sus esfuerzos en desarrollar procesos de incidencia poltica, sen-
sibilizacin y capacitacin para mejorar el acceso a la educacin, formacin
profesional, as como fortalecer la respuesta nacional al VIH.
Para el ao 2013 se conoce la existencia de la Red de Organizaciones
Trans de El Salvador (RedTransal). Esta aglutinaba a 4 organizaciones trans
existentes en esa poca: Aspidh, Comcavis, Astrans y Colectivo Alejandra. El
principal producto obtenido de est articulacin fue la organizacin y realiza-
cin del Foro de Divulgacin del Plan de incidencia Juntas y Juntos por una Ley
de Identidad de Gnero en El Salvador. Esta red, da paso a la creacin de la
Mesa permanente por una Ley de Identidad de Gnero, la que est conformada
por 7 organizaciones, siendo cinco asociaciones trans de San Salvador y las
otras dos de defensa de Derechos Humanos.
El 4 de mayo de 2013 es asesinada la activista trans Tania Vsquez lo que
represent un duro golpe para las diversas organizaciones trans. Ante la pasi-
vidad por esclarecer este asesinato por las autoridades correspondientes; Karla
Avelar present una solicitud de audiencia ante la Comisin Interamericana de
Derechos Humanos. La audiencia fue realizada el da 29 de octubre de 2013.
El 11 de enero de 2014, se conforma la Asociacin Generacin Hombres
Trans de El Salvador conocidos como HT503. Una de sus principales apuestas
como colectivo ha sido la discusin de la masculinidad hegemnica (CONNELL,
2003), para no reproducir estos mismos patrones en la construccin de las
masculinidades de sus miembros. El colectivo est articulndose con otras orga-
nizaciones de hombres trans a nivel regional, y por ello en noviembre de 2015
se estructura la Red Centro Amrica de Hombres Trans (Re Cath).
Al finalizar el ao 2015 se propuso la creacin de la Asociacin de Mujeres
Transgenero/Transexual de la Universidad de El Salvador (Asmutrans Ues). No
obstante, esta accin no se concretiz.
Al finalizar el ao 2016, se estaban realizando acciones especficas para
introducir la propuesta de Ley de Identidad de Gnero en la Asamblea Legislativa
por parte de la Mesa permanente por una Ley de Identidad de Gnero.

Palabras de cierre

Este es un primer intento, inconcluso, para sistematizar la historia del


movimiento trans en El Salvador. Se puede afirmar que este movimiento tiene

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una existencia de 20 aos. Su origen se da en los espectculos de travestismo y


el ejercicio del trabajo sexual de calle por parte de mujeres trans. No obstante,
con la conformacin del colectivo En el nombre de Rosa en 1996, marca la pro-
cedencia de este movimiento. En el ao 2010 se presenta una clara emergencia
del movimiento trans, el cual realiza un llamado a la sociedad en general sobre
sus particularidades y la vulnerabilidad social que enfrentan.

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TEM DORES QUE A GENTE GOSTA: UMA BREVE HISTRIA


GRECO-ROMANA DO SEXO ANAL ENTRE HOMENS

Kauan Amora Nunes


Doutorando em Histria - UFPA
[email protected]

GT 13 - Por uma nova histria do gnero e da sexualidade.

Resumo

Compreendendo que a utilizao do cu para o prazer sexual considerada um


tabu e este o local onde so exercidas as foras do poder a fim de uma disci-
plinarizao das prticas sexuais, podemos afirmar que a histria, independente
de suas transformaes, sempre reservou ao homem penetrado o passivo
um estigma de fragilidade e vulnerabilidade tanto fsica quanto emocional
que poucas vezes foi problematizado, mesmo pela bibliografia acadmica que
busca discutir questes acerca do mundo LGBT. Sendo assim, este artigo que
tambm pode ser visto como uma breve introduo a histria do sexo anal no
ocidente pretende, atravs do mtodo histrico-descritivo, investigar as trans-
formaes histricas do sexo anal na Grcia e em Roma.
Palavras-chave: sexo anal; desconstrutivismo; histria ocidental; sexualidade;
homocultura.

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O sexo anal na histria de Grcia e Roma

Ao longo da histria construmos papeis fundamentais nas relaes sexu-


ais: o papel do ativo e do passivo. Convencionamos a chamar de passivo
aquele que penetrado pelo parceiro, e que, portanto, est em posio de
subjugao e submisso. O passivo exerceria um papel de inferioridade, tanto
fsica quanto emocional. Mas, ser mesmo que devemos definir tais papeis
tendo como nico fator determinante a penetrao? Desta forma no estaremos
condenando todas as mulheres ao papel de passivas para o resto de suas
vidas, haja vista que elas so as penetradas em suas relaes sexuais? Quais so
outros fatores to importantes quanto a penetrao que devemos adotar para
definir tais papeis? Definir realmente importante?
A forma como responderamos esta questo na contemporaneidade tem
influncias da histria da Grcia e de Roma. Portanto, retornemos para l a fim
de entender o que somos e como podemos mudar.
A Pederastia na Grcia Antiga: antes de falar sobre estes papeis sexuais,
falarei acerca de um conjunto formado por trs coisas que eram analisadas nas
prticas sexuais dos gregos. Estas trs coisas eram o ato, o desejo e o prazer.
Nas prticas sexuais, pode-se fazer uma distino entre o ato, o
desejo e o prazer. Na experincia dos gregos, os trs formam um
conjunto: a realizao do ato sexual vem acompanhada de prazer
e isso desperta o desejo. O desejo deseja o prazer, que se obtm
com o ato. (LARRAURI, 2009, p. 55, grifos meus).

A reflexo das prticas sexuais dos gregos era realizada atravs da din-
mica entre estas trs coisas. Ou seja, no importa se o desejo e o prazer vinham
atravs do ato sexual com pessoas do mesmo sexo ou no, mas se este conjunto
estava vinculado com aquilo que lhes era de maior valor: a qualidade da tem-
perana, ou se estava vinculado com aquilo que desprezavam: o excesso e o
exagero. O objeto sexual tinha apenas que ser belo e desejvel, pouco impor-
tando o sexo. Para os gregos, existe em todos os homens um apetite sexual que
se satisfaz com pessoas que so belas, indiferente do sexo.
claro que a prtica sexual entre os gregos j era construda em cima de
dois extremos: o ativo e o passivo (embora no conhecidas exatamente com
estes nomes).

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Em torno desse nico ato sexual, existem duas posies possveis:


uma ativa e outra passiva. O privilgio tico e vital da atividade
sobre a passividade indiscutvel, por isso o indivduo que obtm
prazer mediante sua atividade na penetrao o sujeito ativo,
enquanto o que ocupa o posto passivo de ser penetrado no mais
que um objeto de prazer sexual (Ibidem, p. 56).

Os penetradores eram, geralmente, homens mais velhos, livres e de sta-


tus social superior, ao passo que os penetrados eram os jovens adolescentes
do sexo masculino de status inferior. A relao entre este homem de maior
idade com um jovem adolescente era muito bem vista e incentivada pela socie-
dade grega. Ela tinha carter educacional, pois era a chance do jovem de ter
uma relao afetuosa com seu mestre e aprender todas as suas qualidades,
como conhecimentos militares, polticos e artsticos, sendo educado para se
tornar um verdadeiro cidado.
A pederastia (paiderastia) na Grcia antiga era vista como um rito de pas-
sagem da juventude para a vida adulta. Esta relao entre um homem mais
velho que ensinava tudo que sabia para um jovem adolescente que via nesta
relao a sua chance de ascenso social e o caminho certo para se tornar um
cidado exemplar apesar de ser ter carter pedaggico e de ser incentivada pela
maioria dos gregos ainda assim deveria seguir uma srie de regras coercitivas.
Por exemplo, o penetrante, tambm conhecido como erastes, jamais deveria
se submeter ao papel de penetrado, tambm conhecido como eromenos. O
eromenos, por sua vez, jamais deveria corresponder os cortejos realizados pelo
erastes e, acima de tudo, deveria mostrar-lhe respeito e admirao. Por outro
lado, o erastes deveria sempre ser um exemplo para seu eromenos e protege-lo
da vergonha social de ser penetrado sexualmente.
Vale ressaltar que a ideia de penetrao nas relaes sexuais entre o
erastes e o eromenos se dava atravs da prtica intercrural ou interfemoral ,
onde o erastes posicionava sue pnis entre as coxas do seu eromenos, que, por
sua vez, deveria sempre se colocar em posio de submisso e no demonstrar
desejo ou prazer.
Em matria de sexo, esse relacionamento tinha tambm seus cri-
trios, pois o jovem tinha que manter sua condio de passivo, e
o mais velho buscava a satisfao por meio da masturbao ou na
posio intrafemural. H controvrsias sobre a prtica de sodomia
entre os parceiros, e provvel que no existisse, pois nesse ato um

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dos parceiros teria que ficar em posio de submisso, prprio de


mulheres, alm de no se ter notcia de iconografia mostrando tais
prticas. (CORINO, 2006, p. 23).

Em A homossexualidade na Grcia Antiga (1994), Dover afirma que:


Se um eromenos respeitvel no busca nem espera prazer sensual
do contato com um erastes, recusa qualquer contato at que o eras-
tes prova que merecedor da concesso de favores, jamais permite
a penetrao de qualquer orifcio de seu corpo, e nunca age como
uma mulher, desempenhando um papel de subordinado numa
posio de contato, e se, ao mesmo tempo, o erastes gostaria que
ele infringisse as regras e, observasse uma certa flexibilidade com
relao regra, e talvez at fosse ocasionalmente um pouco flex-
vel com a regra, em que circunstancias um homem efetivamente se
submete penetrao anal por outro homem, e como a sociedade
encara esta submisso? (DOVER, 1994, p. 148).

Segundo Dover, a resposta clara. O homem que aceitasse deliberada-


mente ser penetrado no nus por outro homem abriria mo de seus direitos e
privilgios de cidado da polis e no poderia assumir cargos pblicos, como foi
o caso de Timarco:
Temos a histria de um jovem ateniense chamado Timarco, de
grande beleza e de boa famlia, que comeou a se prostituir nas
ruas de Cermico e Pireu. Ele buscava o prazer puro e simples. Era
um devasso, chegando a ter dois amantes ao mesmo tempo. Ao
chegar idade adulta entrou na poltica, no entanto foi atacado por
squines em um discurso que se tornou clebre. squines exps a
pblico seu passado e por causa disso Timarco veio a suicidar-se
(CORINO, 2006, p. 21).

Como podemos perceber, a pederastia na Grcia antiga deveria possuir


um carter menos sexual do que pedaggico e educacional. vlido perceber
que a prtica, comum na sociedade grega, j anunciava a criao dos papeis
sexuais e de suas representaes como conhecemos hoje: o erastes era res-
ponsvel por transmitir para o seu eromenos, geralmente rapazes entre os 12 e
18 anos, toda a sua sabedoria e seus conhecimentos, para que este pudesse se
tornar um dia o detentor dos privilgios e direitos de um cidado livre.

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Em Esparta, cidade grega conhecida pelo seu enorme poder blico e edu-
cao militar, a relao sexual livre era encorajada na formao do guerreiro e
era smbolo de fora e virilidade.
Em Esparta, uma sociedade guerreira, os casais de amantes homens
eram incentivados como parte do treinamento e da disciplina militar.
Essas prticas dariam coeso s tropas. Em Tebas, colnia espar-
tana, existia o Peloto Sagrado de Tebas, tropa de elite composta
unicamente de casais homossexuais. Eram extremamente ferozes,
pois lutavam com muita bravura para que nada acontecesse a seus
parceiros. Em campo de batalha eram quase imbatveis. Assim,
podemos ver que a homossexualidade dos espartanos em nada
influenciava sua condio de homens e guerreiros (CORINO, 2006,
p. 20-21).

A reflexo sobre prtica do sexo anal em relaes sexuais entre homens


na Grcia antiga est profundamente envolvida pela questo da histria da
homossexualidade (embora este conceito seja desconhecido pelos gregos). Se
em Atenas, cidade conhecida pela sua educao intelectual, lugar onde nasce-
ram Sfocles, Tucdides e Scrates, a pederastia era vista como uma tradio
comum entre os cidados, um ritual de boas-vindas a maioridade embora
existissem certas regras para melhor funcionamento , em Esparta, cidade que
educava seus jovens rapazes desde cedo para que se tornassem grandes guer-
reiros, a prtica era incentivada como parte fundamental na educao militar,
pois, no s acreditava-se que assim os laos entre os soldados seriam muito
mais fortes como acreditava-se que eles se tornariam imbatveis.
A Sodomia em Roma: De um ritual pedaggico - quase antropofgico
- de transmisso de conhecimento e de sabedoria que servia como fonte de ins-
pirao para alguns, a prtica do sexo anal entre homens comeou aos poucos
a ser vista com olhares acusatrios graas a influncia do pensamento cristo
em Roma. Durante este perodo, no s a prtica foi condenada, mas seus pra-
ticantes tambm o eram. Os homossexuais eram condenados a morte e eram
responsabilizados por tragdias, catstrofes e epidemias.
Antes de concentrar neste momento, quando a homossexualidade e o
sexo anal passaram a ser vistos como crimes e maldies punveis com morte,
gostaria de refletir como esta mudana aconteceu gradativamente, tendo antes
sido vistas como prticas socialmente aceitveis, inclusive entre respeitados
poetas e imperadores.

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Embora a cultura e mitologia grega tenham sido apropriadas pelos roma-


nos e algumas coisas tenham sido alteradas, no que se diz respeito ao sexo e
aos atos sexuais, a diferenciao da estrutura de ativo e passivo se sustenta em
uma cultura patriarcal, onde o ativo deve ser qualquer cidado romano livre
e o passivo deve ser um homem em condio inferior ou um escravo. No
existia problemas em um homem penetrar outro homem, desde que o homem
que penetre seja um romano livre e o penetrado esteja em situao de submis-
so no apenas sexual, mas social.
A questo da masculinidade romana tem sido muito discutida, e
uma ideia que se firmou nos ltimos anos em relao ao comporta-
mento sexual no mundo grecoromano, durante o final da Repblica
e o incio do Imprio, que as categorias homo e heterossexuais
so instrumentos analticos inadequados, sendo substitudos por
funes de passivo e ativo. Baseados em fontes literrias, aristo-
crticas, diversos estudos apresentam o homem romano como
aquele que no deveria ser objeto de prazer de outros, seja de
outro homem ou de outra mulher, e tanto felao como cuniln-
gua aparecem como atos degradantes (...) A pederastia constitua
pecado menor, desde que fosse a relao ativa de um homem livre
com um escravo ou um homem de baixa condio (LOURDES,
2003, p. 303 apud ASSIS, 2006, p. 33).

Em A homossexualidade desconstruda em Levtico 18, 22 e 20, 13 (2006),


Dallmer de Assis cita o caso de Jlio Csar, lder e poltico romano, quando se
entregou ao Rei Necomedes da Bitinia.
Assim como aconteceu com Jlio Csar, citado por Seutonius,
quando se entregou ao rei Necomedes da Bitinia. O mesmo pas-
sou a ser chamado entre outras coisas de: a rainha da Bitinia.
relevante notar que ningum fez piadas por Jlio Csar ter-se dor-
mido com Necomedes, mas de como tudo aquilo havia acontecido
(ASSIS, 2006, p. 33).

Na medida em que os costumes da cultura grega foram gradualmente


sendo aceitos pelos romanos, algumas coisas foram se tornando hbito, mas
com outros significados. Se, na Grcia antiga, a pederastia era um ritual pedag-
gico onde o erastes transmitia seus conhecimentos e virtudes atravs da relao
sexual para o eromenos, em Roma, o sexo anal era uma satisfao do prazer do

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homem livre, em geral do orgulhoso pater famlias (pai de famlia), com um de


seus escravos. Este ato era visto como uma tentativa do escravo de satisfazer seu
dono e deixa-lo feliz, mesmo sem seu consentimento. O homem penetrado se
tornava alvo de escrnio. Era chamado de catamita, que vem do latim catami-
tus, palavra para se referir ao amante jovem e passivo do homem livre.
Durante o Imprio Romano, a propagao do pensamento cristo influen-
cia diretamente na forma como os romanos veem a homossexualidade e o
sexo anal: Constantino, primeiro imperador romano cristo, exerceu sua auto-
ridade exterminando sacerdotes efeminados, por investigao de Filo. Assim,
especialmente com Filo de Alexandria a perseguio por homossexuais ganha
expresso (ASSIS, 2006, p. 34).
A viso dos imperadores romanos sobre a homossexualidade era bastante
plural. Dos 12 primeiros imperadores em Roma, apenas Claudio se interes-
sou exclusivamente por mulheres, todos os outros mantiveram relaes com
homens. Calgula e Nero foram dois dos mais polmicos. Calgula teve vrios
amantes homens e fazia questo de demonstrar seu afeto em pblico. Tambm
costumava estuprar presos de guerra. Nero chegou a se casar duas vezes com
homens. O seu primeiro marido foi castrado e tratado como imperatriz. No seu
segundo casamento, Nero se submetia ao seu marido como uma mulher.
Adriano foi outro imperador conhecido por seu amor homossexual.
Viveu at o fim dos seus dias com Antnoo, um jovem grego. Depois de sua
morte, Adriano nomeou uma cidade de Antinopolis, em sua homenagem.
Heligabalo, o imperador subversivo, recusou os costumes da religio de Roma
e adotou um estilo de vida profano. Relacionou-se com homens e com mulhe-
res de condies inferiores. Gostava de homens viris e bem dotados.
Podemos concluir que a histria mostra que a penetrao imprescin-
dvel para a distino dos papeis de ativo e passivo. Esta hierarquizao e
opresso histricas so reflexos de sociedades e culturais patriarcais e sexistas.
Mas tambm esta histria anuncia que devemos pensar novas formas de socia-
bilidade, novas experincias afetivas e sexuais e novas formas de prazer.

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Referncias bibliogrficas

ASSIS, Dallmer Palmeira Rodrigues de. A homossexualidade desconstruda em


Levtico 18, 22 e 20, 13. 2006. 151 p. Dissertao (Mestrado em Cincias da Religio).
Universidade MetodistA DE So Paulo, 2006.

CORINO, Luiz Carlos Pinto. Homoerotismo na Grcia Antiga Homossexualidade e


bissexualidade, mitos e verdade. Revista Biblos. Rio Grande, 19, p. 19-24, 2006.

DOVER, Kenneth James. A homossexualidade na Grcia antiga. So Paulo: Nova


Alexandria, 1994.

LARRAURI, Maite. A sexualidade segundo Michel Foucault. So Paulo: Ciranda


Cultural, 2009.

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INTERSEXUALIDADE E A IMPOSIO DE
UM CORPO GENERIFICADO

Mikelly Gomes da Silva


Doutoranda em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[email protected]

Mikarla Gomes da Silva


Mestranda em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[email protected]

Marcos Mariano Viana da Silva


Doutorando em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[email protected]

GT 13 - Por uma nova histria do gnero e da sexualidade

Resumo

Esse trabalho tem como objetivo apresentar a intersexualidade como condio


corprea que pe em evidncia os limites da binaridade genital. Ao problema-
tizar o intersexo pretende-se desconstruir o sexo como destino de um corpo
heteronormativo para mostrar o que e como as diferentes possibilidades cor-
preas podem significar ou ser ressignificadas. O trabalho dialoga com a teoria
queer, sobretudo, com Judith Bulter (2015), pois procuramos evidenciar os dis-
cursos que disciplinam e regulam os corpos intersexos na pretenso de (re) criar
um sexo em congruncia com o gnero, encaixando-o no modelo heteronor-
mativo de existncia.
Palavras-chave: Intersexo; Gnero; Sexo; Binaridade; Norma.

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Introduo

A intersexualidade compreendida como condio corprea que no


corresponde tpica noo binria sobre os corpos masculinos e femininos.
As pessoas intersexo nascem com caractersticas sexuais que desmontam a
genitlia como nico caminho possvel (vagina ou pnis). Dessa maneira, estes
sujeitos so concebidos como sendo intersexo por atravessarem questes cro-
mossmicas, gonodal e/ou genital. O termo intersexo utilizado para apresentar
uma ampla variao natural dos corpos, essa variao pode ser percebida no
nascimento, no perodo de transio da infncia para adolescncia ou na fase
adulta. Embora, ser intersexo esteja relacionado, to somente, as caractersticas
biolgicas no incidindo na identidade de gnero, to pouco, sexual, ao longo
da histria os sujeitos intersexos foram aprisionados na produo discursiva de
um verdadeiro sexo pensado em relao direta com a categoria gnero, cons-
trudo a partir da binaridade.
Na concepo do ativista e intersexo Mauro Cabral (2005), intersexo
uma definio geral para explicar a variedade de condies nas quais as
pessoas nascem com rgos reprodutivos e anatomias sexuais que esto em
desencaixe com a definio padro de masculino ou feminino. Estes corpos
deslocam nossos parmetros culturais binrios, embaralham e causam estra-
nheza para aqueles que os veem.
Deste modo, os intersexos so corpos que transitam as expresses de
humanidades entendidas pelo saber mdico como legtimas, sendo associado
patologia ou a chamada ambiguidade genital. Essa classificao dos inter-
sexos como anormalidade parece justificar a interveno mdica com intuito
de (re) fazer este corpo anormal adequando-se ao ideal do dimorfismo sexual
(LAQUER, 2001). Destarte, os estudos de Machado (2005) e Cabral (2005) ela-
boram pesquisas e vivncias que podem ser percebido como uma produo de
si, atravs do conhecimento e da reflexo crtica dos conhecimentos acerca da
intersexualidade, por intermdio dos sujeitos intersexos

O corpo intersexual no processo histrico: representaes e


possibilidades

A intersexualidade encontrada nos mais variados momentos da hist-


ria, no entanto seu significado modifica-se no contexto social-cultural. Este

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frequentemente associada ao hermafroditismo, pois se encontram entrelaados


historicamente. Essa vinculao entre hermafrodita e intersexo presente no ima-
ginrio cultural alimentado, principalmente, pela mitologia, que produz uma
srie de personagens com essa identificao, como por exemplo, Tirsias.
No sculo XIX a intersexualidade aparece como sinnimo do hermafro-
ditismo, essa figura aparece como monstro, como destaca Foucault (2001),
moralmente corrompido, logo uma imperfeio da natureza. No sculo XX, a
questo intersexo sai do campo moral e instalam-se nos questionamentos mdi-
cos, as ms-formaes genitais passam a serem percebidas como anomalias do
desenvolvimento sexual.
Nas sociedades ocidentais por muitos sculos ligou-se o sexo procura
da verdade. No caso intersexo no foi diferente, nossa sociedade ligou a ver-
dade ao sexo, gnero e corpo humano.
Somos forados a produzir a verdade pelo poder que exige essa
verdade e que necessita dela para funcionar; temos que dizer a ver-
dade, somos coagidos, somos condenados a confessar a verdade
ou a encontr-la. O poder no para de questionar, de nos questio-
nar; no para de inquirir, de registrar; ele institucionaliza a busca da
verdade, ele a profissionaliza, a recompensa. Temos que produzir
a verdade como, afinal de contas, temos que produzir riqueza, e
temos que produzir a verdade para produzir riquezas. E, de outro
lado, somos julgados, condenados, classificados, obrigado a tarefa,
destinados a certa maneira de viver ou certa maneira de morrer,
em funo de discursos verdadeiros, que trazem consigo efeitos
especfico de poder. (FOUCAULT, 1999, P. 29)

Os sujeitos intersexos so invisibilizados socialmente e tem sua identidade


marcada pela abjeo. O silncio que percorre a condio intersexo explica-
-se por ser considerado hegemonicamente como um assunto prprio para os
saberes mdicos. Paula Sandrine Machado (2005) afirma que so os conheci-
mentos, em termo de pensamento reflexivo acerca dos intersexos como um
campo discursivo, que produzem os novos rearranjos nas relaes familiares,
de gnero, sexuais, dentre outras. Sendo esses deslocamentos o que fomenta a
visibilidade do que antes estava invisvel. Portanto, o sujeito intersexo emerge
por intermdio do campo mdico e se ressignifica atravs das discusses que
tal campo elabora. O exemplo disso o Consenso de Chicago de 2006, o
qual traz novas terminologias em torno dos intersexos, sendo, ento, a mais

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destacada a especialidade mdica, que tem base na gentica. Um dos obje-


tivos do Consenso foi uma reviso na nomenclatura, onde a gentica passa
a designar uma classificao para os atores intersexos, com base na busca da
verdade a qual estaria na ordem da realidade corporal.
Conforme aponta Anne-Fausto-Sterling (1993) at o incio do sculo XIX
estes sujeitos estavam sob o domnio do saber jurdico, neste perodo eles
eram classificados como hermafroditas e, como aponta os escritos de Foucault
(2001) sob eles constituam um tipo de monstruosidade. a partir da interven-
o mdica sob estes sujeitos que se diversificam as classificaes (Intersexo1,
Hermafrodita, Peseudo-hermafrodita feminino. Pseudo-hermafrodita mascu-
lino, Hermafrodita verdadeiro, Desordem do desenvolvimento do sexo/sexual,
Anomalia da diferenciao sexual).
Sobre os hermafroditas e os pseudo-hermafroditas:
A ideia central sobre a qual se baseia essa classificao era de que a
verdade sobre o sexo seria determinada pela natureza das gna-
das. Assim, possuir testculo ou ovrios foi durante muito tempo,
o marcador inequvoco da diferena entre homens e mulheres
verdadeiros. Assim como os balizadores para distinguir o verda-
deiro do pseudo hermafrodita (MACHADO, 2005. P.113).

A busca pela verdade dos corpos sexuados pode ser percebida nos cam-
pos mdicos e psiquitricos, os quais elaboram uma ideia de realidade fundada
em uma suposta natureza dos corpos/sexo/gnero/desejo. Apenas nos ltimos
anos as cincias humanas comeou produzir reflexes sobre os corpos e subje-
tividades intersexo, so essas reflexes entre campos discursivos que permitem
a elaborao e, consequentemente, ressignificao de classificaes. Entende-se
que h uma srie de campos de saber-poder que falam dos sujeitos intersexo,
mas, em muitos casos, era negada a fala e a experincia desses sujeitos.

1 Optamos a utilizao do termo intersexo, pois essa dominao foi apropriada pelo ativismo inter-
sexo dos anos de 1990 que tinham como interesse o fim das cirurgias corretoras na infncia, como
aponta Machado em seus textos.

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A binaridade e a fico do modelo heteronormativo

O gnero foi construdo em uma proposta dicotmica entre sexo/gnero.


A lgica do gnero hegemnico baseada na matriz heterossexual foi guiada
para pensar a natureza e cultura. Em virtude desta concepo o sexo definido
como natural e o gnero como cultural.
Concebida originalmente para questionar a formulao de que a
biologia o destino, a distino entre o sexo e gnero atende
tese que, por mais que o sexo parea intratvel em termos biolgi-
cos, o gnero culturalmente construdo: consequentemente, no
nem o resultado causal do sexo nem to pouco aparentemente
fixo quanto o sexo. Assim, a unidade do sujeito j potencialmente
contestada pela distino que abre espao ao gnero como inter-
pretao mltipla do sexo. (BUTLER, 2015. P.25/26)

No entanto, ao reduzir o gnero a um aspecto adquirido culturalmente


pode-se dizer que o gnero colocado sob a ideia de essncia, por considerar
que h um destino, mesmo que no seja a biologia a cultura, visto que por
considerar os destinos formulados ao gnero se produz uma estrutura que fixa o
sexo na natureza e na cultura o gnero, por esta lgica os sujeitos so enquadra-
dos em uma estrutura heteronormativa. Com isso, queremos dizer que sujeitos
nascidos com vaginas (natureza/biologia) so colocados obrigatoriamente nas
expresses culturais e sociais femininas (funes/cultura) o mesmo acontece
para os sujeitos nascidos com pnis (natureza/biologia) em expresses masculi-
nas (funes/cultura).
Logo, somos inseridos em uma estrutura binria imperativa, que ordena
e determina que faamos uma escolha nica/definitiva, um sexo: masculino ou
feminino como uma ordem compulsria do sexo/gnero e tambm dos dese-
jos, fazendo assim com que o sexo e o gnero permaneam em um nmero de
dois. Deste modo, a heteronormatividade se configura como uma estrutura defi-
nidora da condio de pessoa, dotada de normas de inteligibilidade (BUTLER,
2015) socialmente institudas e mantidas para dar coerncia e continuidade.
Butler (2015) critica esse modo classificatrio e binrio de pensar o gnero
como uma forma esttica, estrutural. A fixidez encontrada na estrutura de
gnero refutada pela autora, sobretudo, a crtica feita dicotomia natureza/
cultura feita por Lvi-Strauss e as argumentaes de tericas feministas que

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concebem na universalizao proposta concepo de gnero. Como aponta a


autora, a antropologia estruturalista de Lvi-Strauss guiou algumas tericas femi-
nistas para elucidar a distino natureza/cultura. Para Butler, a relao binria
entre natureza e cultura promove uma relao hierrquica, uma vez que a cul-
tura impe significado natureza, transformando-a, consequentemente, num
Outro a ser apropriado para seu uso ilimitado, salvaguardando a idealidade
do significante e a estrutura de significao conforme o modelo de dominao
(BUTLER, 2015. P.74), ao desfazer a distino natureza/cultura compreende-se
que argumentar que no h sexo que no seja j e, desde sempre o gnero.
Todos os corpos so generificados desde o comeo de sua existncia social o
que significa que no h corpo natural que preexista a sua inscrio cultural
(SALIH, 2012. P. 89).
As questes de gnero atravessam os discursos de normas bem como o
de normalidade. Romper, fugir ou escapar destas regras institudas coloca os
sujeitos margem, considerados por vezes anormais, uma vez que h um
deslocamento das regras sociais. A estrutura heteronormativa produz uma con-
tinuidade normalizadora nos sujeitos com suas prticas reguladoras de formao
e diviso do gnero na medida em que a identidade apresentada atravs de
um ideal normativo ao invs de experincias diferentes (BUTLER, 2015).
Portanto, podemos considerar a inteligibilidade de gnero como agente
controlador do indivduo, pois h na busca de um verdadeiro sexo, consequen-
temente, um investimento nos papis que padronizam o gnero e o sexo. Logo,
na inteligibilidade se promove a conformidade e continuidade dos gneros inte-
ligveis, ou seja, atua-se sob o corpo uma conformidade biolgica, uma ao
linear do sexo, gnero, prtica sexual e desejos.

Consideraes finais

Ao deparar-se com a intersexualidade, sujeitos que pem em cena os


limites do binrio/genital e tambm da inteligibilidade dos corpos, os saberes
mdicos, saberes jurdicos e a concepo social de sexo e gnero promovem
uma mobilizao de mecanismos para controlar, disciplinar, normalizar os cor-
pos abjetos que no correspondem a naturalidade da dualidade sexual e,
nesse momento se postula (re) fazer os corpos cirurgicamente e socialmente
(funo destinada famlia e outras instituies como a escola e igreja).

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Os dispositivos de regulao acendem no corpo as marcas significadas


socialmente, limitando materialmente uma fixidez de discursos. O corpo como
diz Butler (2015) um processo de materializao que se estabiliza ao longo do
tempo para produzir o efeito de limite, fixidez, e superfcie que chamamos de
matria (BUTLER, 2015. P. 9). Na condio intersexual o sexo ao embaralhar-se
com o gnero (como finalidade) produz discursos que limitam as possibilidades
corpreas, visto que tanto o sexo quanto o gnero so caracterizados como
dados naturais dentro de uma perspectiva hegemnica binria.
Como aponta Bento (2006) nas formulaes de um verdadeiro sexo
que as intervenes cirrgicas nos corpos intersexos e transexuais tem como
matriz em comum a heterossexualidade natural. Em ambos os casos h um
diagnstico com necessidades de tratamento, algo a ser corrigido biolgico ou
psicologicamente na tentativa de adequar os sujeitos nas normas de gnero.
Ressaltamos que as normas de gnero so apresentadas em uma srie infinita
de efeitos discursivos que vinculam crianas intersexos a um sexo em congru-
ncia com o gnero de socializao.

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Referncias

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sexual/Berenice Bento. - Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

BUTLER, Judith P. Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade/ Judith


Butler; traduo, Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2015.

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Unicamp, 2005.

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tante. Livremente traduzido por Alice Gabriel. Originalmente o texto aparece em The
Sciences March/April. 1993, p.20-24.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: Curso no Collge de France (1975-


1976), (trad. de Maria Ermantina Galvo). So Paulo: Martins Fontes, 1999.

FOUCAULT, Michel. Os anormais. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

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Janeiro: Relume Dumar, 2001.

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o do sexo (como se fosse) natural. Cadernos Pagu (24), janeiro-junho de 2005, pp.
249-281.

SALIH, Sara. Judith Butler e a Teoria Queer.Traduo e notas: Guacira Lopes Louro.
Belo Horizonte: Autntica Editora, 2012.

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SOBRE A BRANQUITUDE DA TEORIA FEMINISTA: PENSANDO


O CUIDADO, A MATERNIDADE E A
RELAO COM O OUTRO

Georgia Grube Marcinik


Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]

Amana Rocha Mattos


Doutora em Psicologia
Professora do Instituto de Psicologia e do Programa de Ps-Graduao
em Psicologia Social
[email protected]

GT 15 - Interseces entre gnero, sexualidade e o curso da vida

Resumo

O presente trabalho localiza-se na necessidade de pensarmos a branquitude


constitutiva da teoria feminista, presente nas construes subjetivas do ser
mulher. Neste sentido, propomos uma reflexo disparada pelos pressupostos
do pensamento de feministas negras e do feminismo interseccional sobre a
importncia de desconstruirmos discursos higienistas e colonizadores do saber
dentro do feminismo branco que acabam por reproduzir e reforar hegemo-
nias e relaes de saber-poder intragnero. Para tal, utilizaremos as discusses
acerca da dimenso do cuidado e os sentidos da maternidade, que so apre-
sentadas recorrentemente como temas universais relacionados vivncia das
mulheres, mas que produzem reverberaes divergentes entre os feminismos
negro e branco.
Palavras-chave: Feminismo; Interseccionalidade; Branquitude; Cuidado;
Maternidade.

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Introduo

O presente trabalho localiza-se na necessidade de pensarmos a branqui-


tude constitutiva da teoria feminista, presente nas construes subjetivas do
1

ser mulher, visto que tal condio produz efeitos e divergncias dentro de uma
estrutura racializada do gnero dentro do movimento feminista e suas ramifica-
es. Partimos da inquietao enquanto autoras brancas e acadmicas, com as
discusses sobre lugares de fala no feminismo como um todo e sobre como os
dilogos com o feminismo negro2 tensionam categorias que o feminismo branco
no vem discutindo, como o caso da branquitude; ou que vem universali-
zando em suas produes tericas e crticas, como o caso da dimenso do
cuidado e os sentidos da maternidade. Tanto o debate sobre o cuidado quanto
sobre a maternidade e seus efeitos sobre a vida das mulheres (direitos sexuais
e reprodutivos, trabalhistas, invisibilidade social, diviso de tarefas domsticas,
etc) so temas que, ao serem pautados pelas feministas, levantam importantes
questes geracionais e relativas aos cursos da vida de mulheres. Propomos uma
reflexo sobre esses temas que discuta os atravessamentos raciais que se fazem
presentes nesse campo de debates.
Ao analisarmos o movimento feminista a partir de uma perspectiva his-
trica, incontestavelmente, verificamos que sua contribuio atravs de lutas
polticas e prticas de resistncia foi (e continua sendo) imprescindvel na
conquista, garantia e legitimao de direitos para as mulheres. Por outro lado,
podemos afirmar que a historicidade desse movimento se consolidou atravs
de um discurso atravessado por uma viso eurocntrica e universalizante sobre
as mulheres.

1 Entendemos por branquitude a racializao da pessoa branca atravs dos traos da identidade racial,
ou seja, considerar a branquitude como um marcador social do sujeito, que foi ao longo do tempo
se consolidando e se constituindo normativamente atravs da interlocuo de privilgios histricos
e polticos, imprescindvel para que se entenda a posio sistemtica desses sujeitos no que diz
respeito ao acesso a recursos materiais e simblicos, gerados inicialmente pelo colonialismo e pelo
imperialismo, e que se mantm e so preservados na contemporaneidade. Portanto, para se entender
a branquitude, importante entendermos de que formas se constroem as estruturas de poder concre-
tas em que as desigualdades raciais se ancoram (BENTO, 2014; SCHUCMAN, 2014).

2 No h aqui a inteno e universalizao do movimento feminista negro, sabemos da diversidade do


movimento feminista, inclusive de feministas negras e no brancas. Apenas buscamos problematizar
as construes discursivas e reflexivas pela interseco tnica-racial.

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O feminismo localizado academicamente como clssico, tradicional e at


mesmo hegemnico, comeou a ser problematizado na dcada de 1960 por
mulheres negras norte-americanas3. Segundo Carneiro (2003, p.118), as diferen-
as e desigualdades presentes no universo feminino no so reconhecidas por
este, o que consequentemente faz com que mulheres vtimas de outras formas
de opresso no considerando apenas o sexismo continuem sendo silencia-
das e invisibilizadas neste espao. Assim, refletindo sobre o contexto brasileiro,
a autora afirma que h uma insuficincia terica e prtica (...) para integrar as
diferentes expresses do feminino construdos em sociedades multirraciais e
pluriculturais. Essas problematizaes (...), vm exigindo a reelaborao do
discurso e [das] prticas polticas do feminismo. E o elemento determinante
nessa alterao de perspectiva o emergente movimento de mulheres negras
sobre o iderio e a prtica poltica feminista no Brasil.
Neste sentido, propomos uma reflexo disparada pelos pressupostos
do pensamento de feministas negras e do feminismo interseccional sobre a
importncia de desconstruirmos discursos higienistas e colonizadores do saber
dentro do feminismo branco que acabam por reproduzir e reforar hegemo-
nias e relaes de saber-poder intragnero. Ao mesmo tempo, buscaremos
fazer uma reflexo sobre a branquitude constitutiva da teoria feminista. Para
tal, utilizaremos as discusses acerca da dimenso do cuidado e os sentidos
da maternidade, que so apresentadas recorrentemente como temas universais
relacionados vivncia das mulheres, mas que produzem reverberaes diver-
gentes entre os feminismos negro e branco.

Feminismo negro e interseccionalidade: tensionando a


branquitude da categoria mulher
A diversificao das concepes e prticas polticas que a tica das
mulheres dos grupos subalternizados introduzem no feminismo
resultado de um processo dialtico que, se, de um lado, promove
a afirmao das mulheres em geral como novos sujeitos polticos,
de outro exige o reconhecimento da diversidade e desigualdades
existentes entre essas mesmas mulheres (CARNEIRO, 2003, p.119).

3 Que denominam este feminismo como sendo o feminismo branco, devido invisibilidade confe-
rida s questes de raa dentro do movimento.

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O movimento feminista negro comea a emergir no Brasil a partir de


1980, ao elaborar uma agenda especfica que busca combater tanto as desigual-
dades de gnero como intragnero, visibilizando a condio especfica do ser
mulher negra e, que na maioria das vezes, est atravessada por outros marcado-
res sociais, como, por exemplo, classe social/econmica e raa. Neste sentido,
o combate ao racismo e a discriminao racial se torna uma prioridade poltica
para esses sujeitos (CARNEIRO, 2003).
A constante insistncia em dar visibilidade ao discurso marginalizado de
mulheres negras, investigando como marcadores sociais atravessam os sujeitos
nessas produes de saberes e prticas de resistncia um ponto crucial para
entendermos e ressignificarmos o papel dos discursos feministas nas diversas
questes que envolvem os processos de subjetivao das mulheres.
Segundo Brah (2006, p. 341), no podemos analisar isoladamente os
problemas que afetam as mulheres, sequer universaliz-los: Dentro dessas
estruturas de relaes sociais no existimos simplesmente como mulheres, mas
como categorias diferenciadas, isto , os discursos de feminilidades assumem
significados especficos a partir das diferentes trajetrias que atravessam no
apenas as questes de gnero, mas de raa, classe e gerao.
Para tanto, a abordagem interseccional considera a diversidade e as dife-
renas organizadas pelos diversos marcadores sociais raa, etnia, classe,
orientao sexual, gnero, gerao, entre outros para compreender critica-
mente a produo de desigualdades sociais e provocar novas formas de pensar
o lugar das diferentes possibilidades de ser sujeito, inclusive academicamente.
Constitui-se assim um contexto mais abrangente que amplia a visibilidade de
identidades e experincias de sujeitos na cena pblica; experincias e identi-
dades sociais que se articulam atravs do complexo cruzamento de diferentes
marcadores sociais da diferena (BRAH, 2006; CRENSHAW, 1994).
Crenshaw (1994) nos convoca a refletir, atravs do conceito de intersec-
cionalidade, sobre a desconstruo de uma perspectiva universalizante da(s)
mulher(es) e de esteretipos que so produzidos a partir das concepes
dominantes, neste caso, do feminismo branco propondo uma agenda anties-
sencialista que possa mediar as constantes tenses entre as afirmaes sobre
as mltiplas identidades e a contnua necessidade em se fazer polticas grupais.
Brah (2006) prope compreender a racializao do gnero atravs da intersec-
cionalidade das diferenas:

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Discusses sobre o feminismo e o racismo muitas vezes se centram


na opresso das mulheres negras e no exploram como o gnero
tanto das mulheres negras como das brancas construdo atravs
da classe e do racismo. Isso significa que a posio privilegiada
das mulheres brancas em discursos racializados (mesmo quando
elas compartilham uma posio de classe com mulheres negras)
deixa de ser adequadamente teorizada, e os processos de domina-
o permanecem invisveis (BRAH, 2006, p. 351).

Compreender o impacto das diversas discriminaes e excluses sociais


que as questes tnico-raciais produzem insuficiente. Por meio de novos
modos de constatao sobre a pluralidade de subjetivaes da mulher, os femi-
nismos negro e branco precisam ser tratados como prticas discursivas no
essencialistas e historicamente contingentes (BRAH, 2006, p.358), podendo
trabalhar em conjunto mediante articulaes polticas e prticas feministas
antirracistas e de uma anlise conceitual das questes de diferena, que servem
de maneira pontual para determinadas lutas e pautas.
A partir das observaes expostas, exploraremos esse debate em uma
discusso mais especfica a respeito do cuidado e da maternidade dentro dos
discursos destes feminismos, assunto este, que ainda traz inquietaes sobre os
atravessamentos da branquitude nos mesmos.

Sobre a dimenso do cuidado e os sentidos da maternidade

Para pensarmos o debate acerca do cuidado com o outro e a maternidade


a partir dos pressupostos de tericas feministas, precisamos entender que a
todo o momento essas questes esto sendo produzidas socialmente e atraves-
sadas constantemente pelos discursos de gnero, lugares sociais e geracionais.
Podemos afirmar que h um silenciamento dos corpos femininos a partir de
discursos naturalizados pela sociedade que acabam por reproduzir e reforar
posies de iniquidade de papeis e lugares sociais inerentes aos modos de sub-
jetivao dos sujeitos (MATTOS; PREZ; ALMADA; CASTRO, 2013).
H um reconhecimento por parte das feministas brancas e negras de que
o papel construdo socialmente da mulher e/ou do feminino est (ainda)
diretamente associado ao cuidado do outro e maternidade, logo, ocupam
espaos direta ou indiretamente relacionados ao mbito domstico, da ordem
do privado. Entretanto, esses espaos so ocupados de diferentes formas por

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diferentes mulheres quando, alm de relacionarmos o cuidado e a materni-


dade s problematizaes de gnero, interseccionalmente consideramos outros
marcadores sociais como raa, classe e gerao, por exemplo. Discusses que
aparentemente so universais para o feminismo branco e que visam a reestrutu-
rao dos papis e a quebra deste silenciamento cotidiano, para que possam ter
reconhecimento em outras esferas alm da do cuidado e maternidade como
por exemplo o mbito profissional so vistas atravs de diferentes perspectivas
entre as feministas negras e brancas.
Primeiramente, sabemos que ao relacionarmos o cuidado ao feminino,
no podemos deixar de observar que tais normatizaes so representadas nos
diferentes cursos da vida. Por exemplo, os cuidados de crianas e pessoas mais
velhas que mulheres exercem so marcados por processos de interao que
so construdos a partir da ideia de tica do cuidado, isto , o cuidado visto
como uma necessidade que implica em uma relao para com o outro e que ao
mesmo tempo resulta na aceitao do sujeito que cuida (reincidentemente femi-
nino) uma responsabilizao deste (SEVENHUIJSEN, 1998). Segundo Castro
(2001), as diferenas intergeracionais do cuidado so estruturadas de acordo
com os cursos da ao para esses sujeitos, ou seja, o contexto de condies
que possibilitam a ao para ambos (p.43). Assim, podemos dizer que tais
relaes no devem ser pensadas como naturais, mas como uma construo
social que produz valores e arranjos sociais.
Ao considerarmos estas afirmaes, podemos ressaltar a necessidade de
problematizar as dimenses do cuidado nas discusses entre as feministas bran-
cas e negras. A branquitude presente na teoria feminista no possibilita uma
reflexo plural do cuidado, essencializando uma dimenso que no deve ser
monopolizada, mas sim, repensada atravs das interseces de raa (atravessa-
das tambm por classe). Segundo hooks (1995):
O sexismo e o racismo atuando juntos perpetuam uma iconografia
de representao da negra que imprime na conscincia cultural
coletiva a ideia de que ela est neste planeta principalmente para
servir aos outros. Desde a escravido at hoje o corpo da negra
tem sido visto pelos ocidentais como o smbolo quintessencial de
uma presena feminina natural orgnica mais prxima da natureza
animalstica e primitiva (p.468).

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Assim, a discusso que o feminismo branco, acadmico vem fazendo sobre


a maternidade e questes reprodutivas (aborto, contracepo, educao infan-
til, cuidados parentais, etc.) acaba por referenciar e reificar um corpo feminino
branco, cisgnero, privilegiado economicamente, ainda que essa referncia no
seja explcita na maior parte das vezes. Observamos essa marca nas discusses
sobre aborto, por exemplo, que recorrentemente pautam concepes de corpo,
autonomia e liberdade da mulher atravessadas por pressupostos liberais, em que a
escolha e a noo de corpo individual trazem, de maneira implcita, marcas his-
tricas do corpo e da experincia de mulheres brancas de classes mais favorecidas.

Consideraes finais

Neste trabalho, discutimos como o silenciamento de questes raciais, que


no perspectivam a branquitude dos conceitos tidos como universais no feminismo,
excluem reflexes necessrias e prementes da pauta terica e prtica do campo,
contribuindo para a marginalizao de experincias de mulheres no-brancas em
relao ao cuidado e s questes relacionadas maternidade e reproduo.
Legitimar e reivindicar a desconstruo de papis femininos universalizados
de cuidado e maternidade para que se possa ocupar outros lugares transgresso-
res que buscam a ascenso social/poltica/econmica presente no discurso do
feminismo branco exige reconhecer que, considerando as estruturas de sexismo,
racismo e capitalismo presentes em nossa sociedade, est presente no feminismo
branco sempre o risco de continuidade na (re)produo de formas de opresso.
Se tomarmos como exemplo o cenrio brasileiro, relacionando o escravismo ao
trabalho domstico, percebemos que atravs da renncia da mulher branca em
ocupar estes espaos, eles acabam por ser naturalizados histrica e socialmente
pela domstica, mulher negra, de classes populares (DAVIS,2005).
Esta hegemonizao de saberes sobre o ser mulher, o cuidado e a mater-
nidade atravs da branquitude da teoria feminista coloca grupos (atravessados
por outros marcadores interseccionais) em maior situao de vulnerabilidade
e excluso social, o que permite que diversos dos espaos que esto em luta
poltica de equidade de gnero, continuem sendo espaos de opresso. Para
tanto, vemos a importncia da ressignificao das relaes raciais, de cuidado
e maternidade como potencialidades polticas, pois atravs da afetao das
relaes com o outro e do deslocamento naturalizado da branquitude que as
infinitas possibilidades de subjetivao e diferena podero ser visibilizadas.

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Referncias

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Bento (Orgs.) Psicologia Social do Racismo: Estudos sobre branquitude e branquea-
mento no Brasil (pp. 25-57). Petrpolis, RJ: Vozes, 2014.

BRAH, A. Diferena, diversidade, diferenciao. Cadernos Pagu (26), Janeiro-Junho de


2006: p. 329-376.

CARNEIRO, S. Mulheres em movimento. Estudos Avanados, v.17, n.49, So Paulo,


Set./Dez. 2003; Disponvel em: Estud. av. vol.17 no.49 So Paulo Sept./Dec. 2003.

CASTRO, L.R.. Da invisibilidade ao: Crianas e jovens na construo da cultura.


In: Lucia Rabello de Castro (Org.), Crianas e jovens na construo da cultura (p.
19-46). Rio de Janeiro: FAPERJ/NAU.

CRENSHAW, K. W.. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and


Violence Against Women of Color. In: Martha Albertson Fineman, Rixanne Mykitiuk,
Eds. The Public Nature of Private Violence. New York: Routledge, 1994, p. 93-118.

DAVIS, A. Y. Mujeres, raza y classe. 2 Edicion. Madri: Akal, 2005.

HOOKS, B. Intelectuais Negras. Estudos Feministas, Florianpolis, v. 3, n. 2, p. 464,


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MATTOS, A. R.; PEREZ, B. C.; ALMADA, C. V. R.; CASTRO, L. R.. O cuidado na


relao professor-aluno e sua potencialidade poltica. Estudos de Psicologia (Natal.
Online), v. 18, p. 369-377, 2013.

SCHUCMAN, L. V. Entre o encardido, o branco e o branqussimo: branquitude, hierar-


quia e poder na cidade de So Paulo. So Paulo: Annablume, 2014.

SEVENHUIJSEN, S. Citizenship and the ethics of care: Feminist considerations on jus-


tice, morality and politics. Londres, Nova York: Routledge, 1998.

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SUJEITOS DESVIANTES: MULHERES, INSTITUIES


REGULADORAS E ABANDONO SOCIAL

Roberta Olivato Canheo


Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
Mestranda em Direito e Sociologia no Programa de Ps-graduao em
Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF)
[email protected]

GT 15 - Interseces entre gnero, sexualidade e o curso da vida

Resumo

O presente artigo pretende visibilizar o abandono social a que esto predestina-


das as mulheres compreendidas como seres desviantes (outsiders). Objetiva-se
demonstrar de que maneira poder, normalidade e gnero se interseccionam,
tendo como foco as trajetrias de vida de mulheres dentro de instituies
reguladoras, em especial manicmios, hospitais psiquitricos e penitencirias.
Assim, tambm a loucura e a criminalidade so colocadas aqui como conceitos
moldados de acordo com padres histricos e culturais especficos, sendo que
para as mulheres, a exigncia de conformidade com padres de gnero e de
normalidade faz-se portanto evidente.
Palavras-chave: abandono; sexualidade; gnero; desvio; instituies reguladoras

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Em Antropologia do Devir: Psicofrmacos abandono social desejo,


Joo Biehl analisa de que maneira a reflexo sobre psicofrmacos de uma mulher
chamada Catarina denota um sistema de valores vigente no qual a subjetivao
dominante encontra-se a servio do capitalismo. Catarina, mulher transformada
em figura abjeta, tanto pela famlia como pela medicina, encontrava-se aban-
donada no Vita, um asilo em Porto Alegre. Catarina acreditava que a famlia
no se lembrava dela, e contava que quem a havia mandado para o hospital
psiquitrico era o ex-marido, sendo que seus irmos tambm a haviam deixado
no Vita (BIEHL, 2008 p. 414-417), instituio do tipo casa geritrica, no inco-
mum, onde se encontram abandonados de vrias idades e que no raramente
recebe verbas de organizaes filantrpicas ou estatais (BIEHL, 2008 p. 425).
Durante toda a sensvel narrativa de Biehl, o abandono se faz presente,
marcado intensamente por um recorte de gnero. Este abandono no se mate-
rializa apenas em relao ao destino final traado para Catarina esperar a
morte em um asilo , mas em diversos contextos sociais, mediados por institui-
es como prises e manicmios, aos quais as mulheres esto inseridas. o que
se pretende demonstrar neste trabalho.
Voltando histria de Catarina, relatava ela que sua ex-famlia a con-
siderava o resultado de um tratamento mdico mal sucedido, o que era usado
para justificar seu abandono, que tinha uma histria e uma lgica sobre as
quais ela no tinha autoridade simblica. Seu discurso sugeria ainda que hoje
possvel que nos tornemos coisas mdico-cientficas e ex-humanos, quando
assim conveniente para os outros (BIEHL, 2008, p. 419). Quando demandado
aos funcionrios o motivo pelo qual Catarina estava ali, respondiam que era
louca ou que estava fora da casinha, adjetivos e expresses comumente
dirigidos s mulheres nas mais diversas situaes (BIEHL, 2008, p. 426).
Todavia, Biehl percebe no decorrer da pesquisa que os relatos de Catarina
acerca da famlia e dos caminhos mdicos por ela percorridos coincidiam com
as informaes descobertas atravs de arquivos e do campo. A histria dessa
mulher j marcada de incio por um primeiro abandono, o de seu pai, sendo
ela confinada vida domstica, vez que ela tinha que cuidar da casa enquanto
os irmos menores ajudavam a me na roa (BIEHL, 2008, p. 428-429). Mais
tarde, um segundo abandono apresenta-se, desta vez o de sua me, que adoen-
tada, fora deixada para morar com ela e sua famlia, ainda que Catarina tivesse
outros irmos, o que fortalece a ideia de que mulheres devem ser cuidado-
ras, acolhedoras e zeladoras dos membros da famlia. Na mesma poca, mais

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abandonos: Catarina comea a apresentar dificuldades para andar, o que gera


a demisso da fbrica em que trabalhava, e descobre que seu marido a estava
traindo. Aps a separao, o ex-marido tambm passou a guarda da filha mais
nova do casal a seu patro, e em relao aos irmos, havia um sentimento de
desobrigao em cuidar dela, j que defendiam que ela havia sido passada para
o marido no momento do casamento, pensamento moral machista ainda resis-
tente nas tessituras de nosso cotidiano. (BIEHL, 2008, p. 432-436)
Na anlise dos diversos pronturios, os diagnsticos variavam, de esqui-
zofrenia e psicose ps-parto a anorexia e anemia, passando ainda por
psicoses no determinadas e desordens de humor. Os sintomas psiquitricos
tratados pareciam se confundir com os efeitos da medicao, sem que houvesse
preocupaes por parte dos mdicos. Esses saberes e tcnicas mdicos no se
originam somente da interseco entre normalidade e gnero, mas de um poder
presente em diversas esferas da sociedade e que pretende padronizar formas de
existncia e colonizar o saber mdico de acordo com seus interesses (LIMA,
2016). Durante tais tratamentos, era, outrossim, notria a dificuldade de contato
entre os hospitais e os familiares de Catarina, que muitas vezes era novamente
abandonada em tais estabelecimentos aps as altas (BIEHL, 2008, p. 433-434).
Aps conversar com os familiares, o autor percebe que apostavam na
futura invalidez de Catarina, tal qual havia ocorrido com sua me, sendo que
seu corpo defeituoso tornou-se ento uma espcie de campo de batalha, no
qual decises eram tomadas sobre a sua sanidade, a partir da premissa de ela
conseguir ou no agir como um ser humano. Sua desumanizao e o controle
sobre seu corpo eram, portanto, explcitos (BIEHL, 2008, p. 436).
Por fim, depois de realizado um atendimento a Catarina por geneticis-
tas do Hospital das Clnicas, constatou-se, passados catorze anos desde sua
entrada no mundo psiquitrico, que ela sofria de uma doena gentica respon-
svel pelos danos fsicos, mas que sua conscincia permanecia inalterada, no
apresentando qualquer patologia mental ligada a essa condio gentica. Biehl
completa que, ao revisar outros histricos familiares, observou a recorrncia
de mulheres abandonas por seus maridos, sendo que estratgias econmicas
e reprodutivas, bem como excluses relacionais, so articuladas ao redor das
portadoras visveis da referida doena. Estas prticas de gnero afetam direta-
mente o modo como as portadoras vivem e morrem.. A escolha pelas vidas
que merecem ser vividas apresenta correlao direta com a dominao por
gnero, portanto. (BIEHL, 2008 p. 438-440).

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A histria de Catarina no fato isolado no que diz respeito ao campo da


sade mental. Os pronturios mdicos dos grandes hospitais do incio do sculo
XX no Brasil demonstram que expresses como gnio independente, no
obedecia ao pai, separou-se do marido, escrevia livros, trabalhava muito, era
preguiosa, apaixonou-se por um rapaz, cantava o dia todo, desobedeceu ao
patro, reclamava do salrio, inclinaes polticas subversivas repetem-se
insistentemente, ainda que tais condutas no possam ser compreendidas como
patolgicas ou como infraes por si s. Porm, eram consideradas poca
aberraes que escapavam ao estabelecido para as mulheres, e a repetio
indica a tentativa de se afirmar tais comportamentos como traos desviantes.
(LIMA, 2016). E constante a indicao de familiares como responsveis pela
internao como tambm pela alta clnica dessas mulheres.
Daniela Lima, citando a pesquisa de Vacaro (2011) sobre os pronturios
das mulheres na dcada de 1930 no Sanatrio Pinel em So Paulo, apresenta
o caso de M. de P, que contava com 21 anos poca da internao, cuja
doena fora toda fundamentada e comprovada por elementos fornecidos por
seu irmo. A busca por autonomia ou ainda as crises relativas aos papis dele-
gados compulsoriamente s mulheres j configurava um sinal de demncia ou
de desequilbrio mental diante das instituies reguladoras. A base para a deci-
so de internao e os diagnsticos eram quase que exclusivamente feitos a
partir dos relatos do pai, do marido ou de irmos, em detrimento de categorias
mdicas de avaliao.
Para Vacaro, alm dos inmeros elementos, como iluses, alucinaes,
com que se operava a definio de loucura, vislumbravam-se outros compo-
nentes, no considerados pelo saber mdico como menos cientficos, como,
por exemplo, pudor, indiferena pelo meio social ou pela famlia (VACARO,
2011, pp. 10-11 Apud LIMA, 2016). A partir do estudo dos pronturios enten-
de-se que o desvio de conduta das mulheres poderia levar descoberta de
outros meios femininos de experincia que por se apresentarem como mudan-
as foram punidos com o confinamento. (VACARO, 2011, p. 14).
A afirmao de que as mulheres eram loucas e mentirosas por seus fami-
liares era, assim, comum, e uma leitura atualizada desses pronturios indica
tambm a tentativa de encobrir abusos no mbito domstico atravs da acusa-
o de loucura. Nas palavras de Daniela Lima, gnero e loucura so moldados
de acordo com padres histricos e culturais especficos. Para ambos, a exign-
cia de conformidade com padres de gnero e de normalidade (LIMA, 2016).

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O abandono de mulheres no se apresenta exclusivamente nas institui-


es sanatrias, mas sim em todas as instituies reguladoras. Um segundo
exemplo emblemtico o fenmeno observado nas instituies carcerrias.
O Livro Presos que menstruam de Nana Queiroz (2015), traz relatos
muito elucidativos para se enxergar essa realidade. Em um dos momentos, a
autora demonstra sua indignao com as condies da cela destinada ao con-
finamento em uma das penitencirias, no que o carcerrio lhe responde que
no havia um castigo alternativo a ser recomendado diretora. Quando indaga
sobre a possibilidade de se proibirem as visitas por algum tempo, ele rebate
dizendo A que est: esse castigo a vida j deu pra elas. Quase nenhuma
recebe visitas (QUEIROZ, 2015, p. 109).
A autora pontua ainda que ao ser preso um homem, geralmente sua fam-
lia espera pelo seu regresso, em casa, ao passo que ao ser presa uma mulher,
nota-se que comumente ela abandonada pelo marido, perde a casa, e seus
filhos so entregues aos familiares e abrigos. Enquanto o homem volta para um
mundo que j o espera, ela sai e tem que reconstruir seu mundo (QUEIROZ,
2015, p. 44).
A histria do direito ao sexo nos presdios escancara tambm uma grande
assimetria no tratamento dispensado aos homens e s mulheres. A Lei de
Execuo Penal prev, desde 1984, a visita do cnjuge como um direito de
condenados e de presos provisrios. Apesar de haver certa discusso sobre
o texto, acerca da necessidade ou no da continuidade da vida sexual para
se ter acesso ao direito de visita do cnjuge, considerou-se que nos presdios
masculinos, sendo um direito ou um benefcio, a visita ntima deveria ser con-
cedida afinal, no pensavam em maneiras mais eficientes de conter o natural
instinto violento masculino do que saciando o incontrolvel impulso sexual
intrinsecamente masculino.
Apesar de a lei no mencionar gnero em nenhum momento, enten-
deu a administrao penitenciria que este direito deveria ser concedido to
somente aos homens condenados e presos provisrios. Essa desconsiderao
da visita ntima nas prises femininas perdurou at maro de 1991, quando
uma resoluo publicada pelo Ministrio da Justia recomendou que o direito
fosse assegurado aos presos de ambos os sexos. Apenas ento em 2001, ativis-
tas, durante o primeiro encontro do Grupo de Estudos e Trabalhos Mulheres
Encarceradas, conseguiram que os diretores e diretoras de unidades femininas
se comprometessem a proporcionar a visita ntima. Alcanado o direito, aps

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a realizao de levantamentos, de separarem o local, traarem as regras, trans-


pareceu, todavia, o desinteresse por parte dos companheiros. (QUEIROZ, 2015,
p. 132-133)
Quando se conseguiu esse direito: cad os homens? conta
Snia Drigo, advogada que estava envolvida com o trabalho
poca. A gente achou que teria muito mais interessados, mas
no existe companheiro pra isso. No existe parceiro que se sub-
meta vergonha da revista ntima, que v e mantenha a relao
afetiva. Nossa sociedade simplesmente (ainda) assim: a mulher
fiel ao homem e ele no fiel mulher. Logo, arruma outra l fora
e deixa de ir. (QUEIROZ, 2015, p. 133)

Atravs dos relatos, resta evidente que tanto as instituies como a prpria
sociedade so coniventes e produtoras do abandono das mulheres, em especial
quando essas mulheres so diferenciadas por apresentar um comportamento
tido por desviante. Segundo Becker (2008, p. 18-20), uma das concepes mais
comuns de desvio a que o identifica como algo essencialmente patolgico,
revelando a presena de uma doena, sendo que esta noo de patologia
incita discordncias quando o comportamento que descrito como desviante
ou no. A concepo de desvio pode tambm ser apenas estatstica, que iden-
tifica o desviante como aquele que diverge excessivamente mdia, estando
esta concepo muito longe da preocupao com a violao de regras que
inspira o estudo cientfico dos outsiders.
H ainda a concepo funcional de desvio, que considera as funes ou
metas de um grupo e aquilo que ajudar ou atrapalhar sua realizao. Para o
autor, essa concepo ignora o aspecto poltico do fenmeno, limitando a com-
preenso. Mas a principal concepo de desvio a sociolgica, a partir da qual
o desvio ou o desviante so conhecidos pelas regras socialmente impostas e
pela reao social figura de quem se tornou um desviante. E aqui, entendendo
que o desvio e o desviante so produtos dessas regras e dessa reao social,
devemos nos concentrar atentamente a um estudo sociolgico e criminolgico
da Sociedade e das Instituies, em especial daquelas reguladoras, objeto de
anlise neste artigo (BECKER, 2008, p. 20-21).
O pensamento de Becker suscita questes fundamentais acerca do que
o desvio e quem o desviante, possibilitando uma melhor compreenso do
que faz de um ser um indivduo desviante. Pela sua anlise, conclui-se que o

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desviante produzido a partir de algum ou de algo, e no constitui uma cate-


goria com vida prpria, que possui vida em si mesma. A produo deste desvio,
o qual produz o outsider, se d de fato pela imposio social de regras. Assim,
o chamado outsider aquele que por alguma razo, seja ela qual for, no
se fixa ao regulamento arbitrado socialmente, mantendo-se distante de certos
padres colocados por esse regulamento.
Nesse contexto, ao analisarmos as trajetrias de vida e relatos dessas
mulheres em instituies reguladoras, resta evidente que so seres produzidos
fora da norma, so vistas como outsiders, e a abjeo existente referente a
esses corpos cujas vidas no so tidas como vidas, cuja materialidade vista
como no importante, cujo abandono o nico destino previsvel.

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Referncias bibliogrficas

BECKER, Howard S. (2008). Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro:


Zahar. Disponvel em <https://comunicacaoeesporte.files.wordpress.com/2010/10/
becker-howard-s-outsiders-estudos-de-sociologia-do-desvio.pdf>. Acesso em 15
nov. 2015.

BIEHL, Joo. (2008). Antropologia do Devir: Psicofrmacos abandono social


desejo. Revista de Antropologia, 51(2):413-449. Disponvel em: http://joaobiehl.net/
wp-content/uploads/2009/07/Biehl-2008-RevAntropologia2.pdf. Acesso em 15 nov.
2015.

LIMA, Daniela. Aproximaes entre movimento feminista e antimanicomial. Blog da


boitempo, jan. 2016. Disponvel em <http://blogdaboitempo.com.br/2016/01/12/apro-
ximacoes-entre-movimento-feminista-e-antimanicomial/>. Acesso em 15 jan. 2016.

QUEIROZ, Nana. Presos que menstruam. Rio de Janeiro: Record, 2015, 1a ed.

VACARO, Juliana Suckow. A Construo do Moderno e da Loucura: Mulheres no


Sanatrio de Pinel de Pirituba (1929-1944). So Paulo, Universidade de So Paulo,
2011.

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A LUTA CONTINUA, COMPANHEIROS (MAS NO


PARA TODOS)!: A HETERONORMATIVIDADE NO
SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Henrique de Oliveira Santos


Bacharel em Direito (UERJ)
Membro do GT-Carreira do Sindicato dos Trabalhadores em Educao da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (SINTUFRJ / UFRJ)
[email protected]

Diego Santos Vieira de Jesus


Doutor em Relaes Internacionais (PUC-Rio)
Professor Adjunto do Programa de Mestrado Profissional em
Gesto da Economia Criativa da Escola Superior de Propaganda e
Marketing do Rio de Janeiro (ESPM-Rio)
[email protected]

GT 16 - Relaes de gnero, diversidade sexual, trabalho, tecnologia e educao


profissional: interlocues, dilogos e desafios contemporneos

Resumo

O objetivo examinar o esvaziamento das discusses sobre direitos civis e trabalhis-


tas LGBT no Sindicato dos Trabalhadores em Educao da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (SINTUFRJ). O argumento central aponta que o SINTUFRJ assumiu
papel primordial na mobilizao contra a precarizao do trabalho dos tcnico-
-administrativos em educao (TAEs) na UFRJ e nas demais universidades federais
no Brasil. Entretanto, o engajamento do SINTUFRJ na transformao dos TAEs em
sujeitos polticos e sociais no pressups a eliminao de padres heteronormativos
no estabelecimento de objetivos, estratgias e mecanismos de reivindicao sindi-
cais, de forma a se enfraquecer a atuao do grupo de trabalho LGBT do SINTUFRJ
e se reduzir o peso das temticas LGBT nas propostas do sindicato.
Palavras-chave: heteronormatividade; sindicalismo; tcnico-administrativo em
educao; globalizao; universidades federais.

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Introduo

O Sindicato dos Trabalhadores em Educao da Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ), o SINTUFRJ, tem como papel principal lutar pela valori-
zao dos trabalhadores tcnico-administrativos em educao (TAEs) da UFRJ.
Seu papel fomentar na base as discusses e formular propostas para encami-
nh-las s plenrias nacionais da Federao de Sindicatos dos Trabalhadores
Tcnico-Administrativos em Instituies de Ensino Superior Pblicas do Brasil
(FASUBRA), que tem por objetivo reunir todos os sindicatos de base dos TAEs
das universidades pblicas federais do Brasil. O SINTUFRJ tem uma relevncia
muito grande pela sua dimenso e importncia para as universidades pblicas
federais do Brasil, j que orienta as discusses nas demais universidades pbli-
cas federais. A FASUBRA traz para discusso as decises das bases e formula
as propostas a serem discutidas pelos servidores e o Governo Federal, o que
baliza as polticas a serem institudas pela Administrao Pblica para regular
as relaes de trabalho dos TAEs (SINTUFRJ, 2016, p.3-4). Nesse diapaso, o
SINTUFRJ props a criao do GT-LGBT para discutir as questes pertinentes
a essas temticas junto aos TAEs da UFRJ. Apesar da iniciativa de criao desse
GT, observamos o papel secundrio que as discusses em torno de direitos civis
e trabalhistas LGBT tm no Sindicato, o que se confirma pelo funcionamento
quase nulo do GT.
Em novembro de 2014, ocorreu o primeiro Seminrio LGBT da FASUBRA,
que girou em torno de discusses sobre direitos civis e trabalhistas da comu-
nidade LGBT. No que diz respeito aos direitos civis, foi realizada uma crtica
cultura heteronormativa e constatada a necessidade do estabelecimento de
vnculos entre os movimentos sindical e LGBT, de forma a enfrentar posies
conservadoras manifestas por congressistas em nvel federal. Em relao aos
direitos trabalhistas, foram destacados os desafios do preconceito no ambiente
de trabalho e no prprio movimento sindical, sendo debatidas iniciativas para o
levantamento de demandas como uso do nome social e diretos previdencirios;
a produo de cartilhas que abordem especificamente tais demandas como a
do Programa Conjunto das Naes Unidas sobre o HIV/AIDS (UNAIDS); e a
busca por igualdade de oportunidades promovida pela Internacional de Servios
Pblicos (ISP) visando a combater o preconceito e a discriminao tambm no
movimento sindical. Dentre as propostas feitas pelo seminrio, cabe destacar o
incentivo s entidades de base para a realizao de seminrios sobre a temtica

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LGBT, a promoo de discusso das temticas LGBT em Plenrias e GTs e a


construo de parcerias e apoios mtuos de movimentos sociais LGBT para
atividades e campanhas com o intuito de conquistar e garantir direitos civis da
populao LGBT (FASUBRA, 2014). Entretanto, desde ento, pouco se avanou
no debate sobre as temticas LGBT nos sindicatos da categoria, inclusive no
SINTUFRJ. As discusses sobre as temticas LGBT contam com a participao
de pouqussimos membros, e menes apenas breves a tais questes so feitas
nos documentos produzidos pelo sindicato e no seu prprio website. Em junho
de 2016, o GT-LGBT do Congresso do SINTUFRJ no pde ser realizado por
falta de qurum.
Baseando-se na Teoria Queer, tal qual desenvolvida por Richard Miskolci
(2016), o objetivo examinar o esvaziamento das discusses em torno de direi-
tos civis e trabalhistas de servidores tcnico-administrativos LGBT no Sindicato
dos Trabalhadores em Educao da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(SINTUFRJ). O argumento central aponta que o SINTUFRJ assumiu papel pri-
mordial na mobilizao contra a precarizao do trabalho dos TAEs na UFRJ
e nas demais universidades federais no Brasil em face da dinmica excludente
do processo de globalizao e seus impactos nas condies de trabalho nes-
sas instituies de ensino superior. Entretanto, o engajamento do SINTUFRJ na
transformao dos TAEs em sujeitos polticos e sociais no pressups a elimina-
o de padres heteronormativos no estabelecimento de objetivos, estratgias
e mecanismos de reivindicao pelos membros do sindicato, de forma a se
enfraquecer a atuao do grupo de trabalho LGBT do SINTUFRJ e se reduzir
o peso das temticas LGBT nas propostas do sindicato. No se gera, assim, o
reconhecimento pleno da diferena na sua dimenso de riqueza, pr-requisito
para uma luta que enseje uma transformao social mais ampla.

O tcnico administrativo em educao enquanto sujeito poltico


e social: o papel do SINTUFRJ

Um dos efeitos da globalizao a precarizao das condies de traba-


lho de modo geral, inclusive atingindo os trabalhadores tcnico-administrativos
em educao no Brasil, o que gera a sua objetificao. Os sindicatos das uni-
versidades pblicas brasileiras podem ser locais de luta pela transformao
dessa lgica de objetificao dos servidores na estrutura contempornea da

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educao superior no Brasil para sua colocao enquanto sujeitos polticos e


sociais (SANTOS, 2000, p.29; OLIVEIRA, 1999).
A luta do SINTUFRJ contra a precarizao das relaes de trabalho dos
TAEs resultante do processo de globalizao tem sido constante e pode-se,
portanto, observar que o sindicato em tela tem papel fundamental na luta
pelos direitos dos TAEs da UFRJ. Essa luta se enquadra nos objetivos gerais do
SINTUFRJ, que podem ser resumidos conforme se segue: lutar pela melhoria
e preservao das condies de trabalho da categoria; lutar em defesa dos
direitos e interesses individuais e coletivos dos trabalhadores e trabalhadoras
da UFRJ; lutar em defesa das liberdades individuais e coletivas, pelo respeito
justia social, pelos direitos fundamentais de homens e mulheres e pelo fim
de toda e qualquer forma de explorao e opresso; defender a solidariedade
entre os trabalhadores e trabalhadoras da UFRJ para a concretizao da paz e
do desenvolvimento em escala global (SINTUFRJ, 2010).

A heteronormatividade no SINTUFRJ

O movimento sindical trouxe ao espao pblico demandas de redistri-


buio econmica, mas, ao longo de muito tempo, ignorou as reivindicaes
especficas das populaes negras, das mulheres e da comunidade LGBT. Em
face de um novo repertrio de demandas num cenrio poltico em que as
instituies tradicionais como o Estado passavam a ser questionadas em suas
representatividade e autoridade, os sindicatos viram a necessidade de ampliar o
dilogo com novos movimentos sociais que afirmavam que o privado era poltico
e a desigualdade ia alm do econmica (MISKOLCI, 2016, p.21-22). Ao buscar
a interao com movimentos sociais que lutam pelos direitos civis e trabalhistas
de negros, mulheres e LGBTs, o SINTUFRJ procurou colocar-se formalmente
como uminstrumento de emancipao poltica e humana ao defender ideias no
campo da conscincia de classe e de garantia de direitos. O GT-LGBT coloca
que, dentre suas propostas, ocupa papel central o enfrentamento domachismo
e da LGBTfobia em todas as suas formas de manifestao (SINTUFRJ, s.d.). O
sindicato teria, assim, supostamente uma ao voltada para o combate a aes
sistmicas que criam obstculos ao usufruto dos direitos de cidadania de pes-
soas com diferentes orientaes sexuais e identidades de gnero.
Ainda que o SINTUFRJ tenha assumido papel importante no enfrentamento
da explorao econmica dos TAEs e se mostrado integrado a movimentos

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sociais e populares que se colocam no campo progressista, a defesa formal da


livre orientao sexual e das mltiplas identidades de gnero no necessaria-
mente conduziu ao enfrentamento da discriminao de gnero e sexualidade
no ambiente de trabalho dos TAEs da UFRJ e mesmo dentro do prprio sindi-
cato. Como outras entidades sindicais, o SINTUFRJ sinaliza, com a criao de
um GT-LGBT, a suposta inteno de promover rupturas no sistema capitalista a
partir de uma concepo ampla de emancipao e assim desestabilizar padres
heteronormativos naturalizados na sociedade com o desenvolvimento das rela-
es capitalistas de produo (SECRJ, 2015). Entretanto, a criao desse GT
parece ter mais a finalidade de um alinhamento superficial com outros movi-
mentos sociais e a construo de uma causa aparentemente mais democrtica
para ganhos em termos de visibilidade e reconhecimento, acompanhado da
assimilao de um discurso transformador da ordem heteronormativa sem um
efetivo endereamento de crenas e identidades excludentes dos sindicalistas.
Como ficou evidente nas entrevistas realizadas, a maior parte dos mem-
bros do SINTUFRJ naturaliza a heterossexualidade na esfera sindical, como
tambm esvazia, desconhece ou mesmo desmerece o debate sobre as ques-
tes civis e trabalhistas LGBT. Reitera-se a ligao do sindicalista a uma noo
de masculinidade associada fora, dureza e at mesmo agressividade da
luta contnua, que gera, em especial entre os homens, relaes de camarada-
gem. A luta continua, companheiros ! uma frase constantemente dita pelos
homens sindicalistas nas reunies do SINTUFRJ. Em vez de contribuir para
reverter uma ordem excludente em termos das identidades de gnero e orien-
taes sexuais, o sindicato acaba por consolidarespaos polticos generificados
e reiterar a dominao dos interesses e das ideologias associadas masculini-
dade hegemnica no movimento sindical, os quais excluem a populao LGBT.
Preservando-se os arranjos patriarcais e heteronormativos dos princpios da luta
sindical, a capacidade de definio da agenda de reivindicaes do SINTUFRJ
continua estrategicamente posicionada nas mos de homens heterossexuais,
que preservam um discurso inclusivo de tolerncia e de respeito diversidade
sem efetivamente promoverem um reconhecimento das diferenas de identi-
dade de gnero e orientao sexual na sua dimenso de riqueza.
O preconceito com relao a homossexuais fica claro em piadas de cunho
machista que os prprios sindicalistas fazem entre eles depois de velho, esse
cara [companheiro de sindicato] resolveu escorregar no quiabo e no uso
do referencial religioso por alguns membros do SINTUFRJ para condenar a

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orientao sexual dos servidores gays: Jesus ama o pecador, mas no o pecado
dessa gente. Observa-se, neste exemplo, a colocao da homossexualidade
como abjeo, espao no qual a coletividade insere aqueles classificados como
ameaas ao bom funcionamento e ordem social (MISKOLCI, 2016, p.23), inclu-
sive a sindical. Muitos membros do SINTUFRJ mostraram desconhecimento ou
mesmo desprezo em relao s discusses conduzidas pelo GT-LGBT. Ainda
que integrantes do prprio GT recusem valores morais violentos que instituem a
linha de abjeo, eles manifestam a dificuldade de mobilizao de outros sindi-
calistas para as discusses do GT, o que justifica a irregularidade na realizao
das reunies e o baixo qurum nos encontros. Muitos temem a ameaa cons-
tante de retaliaes e violncias pelos prprios membros do sindicato, grande
parte criada e residente em comunidades mais humildes do Rio de Janeiro,
marcadas por valores patriarcais. Por conta disso, muitos membros LGBT do
sindicato adotavam comportamentos heterossexuais tidos como discretos ou
mesmo no revelavam sua orientao sexual no ambiente de trabalho na UFRJ
ou para companheiros do prprio sindicato.

Consideraes finais

Como lembra Miskolci (2016, p.44), a experincia de abjeo deriva no


s do julgamento negativo do desejo homoertico, mas do no-cumprimento
das expectativas relacionadas ao gnero e manuteno da heterossexualidade
como modelo inquestionvel. Nesse sentido, se por um lado o SINTUFRJ lutou
para tornar os TAEs sujeitos polticos e sociais, por outro ele contribuiu para
que alguns desses servidores fossem continuamente rotulados como abjetos. O
esvaziamento do GT-LGBT e a permanncia da violncia no discurso de sindi-
calistas contra gays, lsbicas e transgneros mesmo sob a defesa do princpio
de tolerncia pelo sindicato revelam que o foco da luta sindical continua cen-
trado nas questes de redistribuio econmica, mas pouco fez para eliminar,
no ambiente de trabalho na universidade e na sociedade em nvel mais amplo,
uma ordem de violncia simblica dirigida queles que no se enquadram em
padres heteronormativos.

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Referncias

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Mimeo.

MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenas. 2 ed. Belo


Horizonte: Autntica, 2016.

OLIVEIRA, Francisco. A Face do Horror. Departamento de Sociologia da Faculdade


de Filosofia, Letras e Cincias Humanas Universidade de So Paulo. So Paulo, 1999.
Digitado.

SANTOS, Milton. Por uma Outra Globalizao: do pensamento nico conscincia


universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

SECRJ. Sindicato marca presena na fundao da UNA-LGBT.SECRJ website, 2015.


Disponvel em: <http://secrj.org.br/noticias/sindicato-marca-presenca-na-fundacao-
-da-una-lgbt/>. Acesso em: 23 jun. 2016.

SINTUFRJ. Estatuto do SINTUFRJ. 10 jul. 2010. Disponvel em: <http://sintufrj.org.br/


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SINTUFRJ. Jornal do SINTUFRJ. Ano XXIV, n. 1156, 19 abr. - 1 maio. 2016.

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A PERSPECTIVA DE RELAES DE GNERO, DESAFIOS PARA


ERGONOMIA: ATIVIDADES DA MULHER TRABALHADORA
QUE OCUPA CARGOS TRADICIONALMENTE MASCULINOS1

Mislene Aparecida Gonalves Rosa


Mestranda em Educao Tecnolgica - Bolsista CNPq
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
[email protected]

Raquel Quirino
Ps-Doutora em Educao.
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG.
Departamento de Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
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GT 16 - Relaes de gnero, diversidade sexual, trabalho, tecnologia e educao


profissional: interlocues, dilogos e desafios contemporneos.

Resumo

Este artigo, de natureza terica e emprica, descreve e aborda algumas con-


dies de trabalho da mulher trabalhadora, sob a perspectiva de relaes de
gnero e intervenes ergonmicas. A partir da dcada de 1970, intensificou-
-se a participao da mulher no mercado de trabalho e, nos ltimos anos elas
deixaram de atuar somente naquelas reas tipicamente femininas para ocupar
espao em profisses ditas masculinas que exigem fora e resistncia. Os pro-
blemas abordados so as dificuldades encontradas pelas mulheres trabalhadoras

1 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG


(PROPESQ) e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG.

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entrevistadas nesses ambientes laborais e a necessidade de adaptaes ergon-


micas dos postos de trabalho, de forma a atender as suas necessidades pessoais
para a execuo de suas atividades de forma eficiente e segura.
Palavras-chave: RELAES DE GNERO; ERGONOMIA; DIVISO SEXUAL
DO TRABALHO.

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1. Introduo

Este artigo apresenta reflexes, apoiadas em fundamentos tericos e


empricos, sobre as relaes de gnero e ergonomia, sob o ponto de vista da
mulher trabalhadora. Em seus limites, pretende analisar as principais dificulda-
des enfrentadas pelas mulheres, em reas e profisses tipicamente masculinas,
sob o aspecto ergonmico do trabalho.
A metodologia utilizada na pesquisa teve como base a realizao de um
levantamento do referencial terico a partir de trabalhos cientficos publica-
dos, que discutem a insero da mulher no mercado de trabalho, selecionando
trechos de entrevistas realizadas por suas autoras para correlacion-los com a
teoria estudada. Tambm foram realizadas observaes diretas das atividades
de trabalho de mulheres operrias, valorizando as informaes obtidas em con-
versas informais. A partir das falas dos (as) entrevistados (as), buscou-se construir
categorias de analises discutidas luz do referencial terico sobre ergonomia e
diviso sexual do trabalho.
Na dcada de 1970 observou-se um forte movimento de incorporao
das mulheres no mercado de trabalho e, nos ltimos anos, tem-se registrado a
tendncia do ingresso de mulheres em cargos tradicionalmente ocupados por
homens (DIEESE, 2012). No entanto a mera descrio de um cargo no equi-
vale quilo que realmente feito pelo (a) trabalhador (a), pois, a subjetividade
humana faz com que, mesmo quando homens e mulheres exercem as mesmas
atividades, as tarefas realmente realizadas na prtica, so diferentes. Por isso a
abordagem ergonmica, a partir da perspectiva de relaes de gnero, torna-se
fundamental para analisar as situaes de trabalho, desvelando a vivncia das
trabalhadoras em relao organizao do trabalho e evidenciar aquilo que
fonte de presses, de dificuldades e de desafios, suscetveis de gerar o adoeci-
mento e acidentes da mulher operria.
Apesar de j estarem presentes em setores industriais tipicamente mascu-
linos, tais como a minerao (QUIRINO, 2011) e a construo civil (RESENDE,
2012), as mulheres enfrentam, alm das dificuldades culturais e sociais, as difi-
culdades de ordem fsica, por esses setores serem fundamentalmente assentados
em atividades pesadas e que exigem fora.
Nesse cenrio necessrio discutir como a ergonomia pode contribuir
para melhorar a qualidade de vida no trabalho em uma perspectiva de relaes
de gnero, porque, por mais que a igualdade de direitos seja respeitada, homens

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e mulheres tm subjetividades e necessidades biolgicas distintas no ambiente


laboral, quer seja nas condies ergonmicas, na organizao do trabalho, ou
na especificao dos Equipamentos de Proteo Individual (EPI) necessrios
atividade desenvolvida.

2. Breves aproximaes terico conceituais

2.1 Diviso sexual do trabalho e relaes de gnero


Hirata e Kergoat (2008) defendem que a diviso sexual do trabalho
resultante das relaes sociais, que destinam aos homens o servio produtivo e
s mulheres o reprodutivo e, simultaneamente, a apropriao pelos homens das
funes com maior valor social adicionado.
Hirata (2004) tambm discute a questo da qualificao versus a com-
petncia na perspectiva de gnero. Para a autora todas as definies de
competncia fazem aparecer figuras e caractersticas masculinas: criatividade,
responsabilidade, iniciativa, capacidades tcnicas, autonomia no trabalho. As
mulheres raramente esto presentes em cargos que requerem tais caractersti-
cas. As competncias ditas femininas no so reconhecidas nem remuneradas,
so consideradas atributos naturais da mulher, na medida em que no foram
adquiridas pela formao profissional.
No entanto, tal assertiva foi negada por Raquel Quirino (2011) quando,
em sua pesquisa, constatou que as competncias ditas femininas so extrema-
mente valorizadas no mundo do trabalho da minerao. Porm, no obstante
a essa pseudo valorizao das competncias femininas, Quirino (2011) con-
cluiu que tais habilidades, construdas nas relaes sociais travadas no ambiente
domstico, no tm sido levadas em considerao para a promoo delas a
cargos de comando, prestgio e poder.
Embora observe-se o predomnio das mulheres nas reas estereotipa-
das como femininas (servios domsticos, educao, sade e servios sociais,
por exemplo), destaca-se o expressivo percentual de mulheres ocupadas na
indstria de transformao (12,4%), setor tipicamente masculino, conforme
pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos
Socioeconmicos, DIEESE (2012, p. 217).
De acordo com a relao da Classificao Nacional de Atividades
Econmicas (CNAE), a indstria de transformao engloba empresas com ele-
vado grau de risco, o que demanda uma ateno maior para promover a sade

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e proteger a integridade do (a) trabalhador (a), conforme determina a Norma


Regulamentadora NR 4 do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE, 2001).
Portanto, analisar as condies ergonmicas sob o ponto de vista da
mulher trabalhadora em empresas de grau de risco elevado, para identificar pos-
sveis elementos discriminatrios na perspectiva de relaes de gnero, torna-se
importante para a promoo da igualdade de oportunidades entre homens e
mulheres.
2.2 Ergonomia
Conforme Daniellou (2004) a Ergonomia ao mesmo tempo um conjunto
de conhecimentos sobre o ser humano fisiologia, psicologia, funcionamento
cognitivo e uma prtica de ao, sendo assim pode-se entender a Ergonomia
como sendo o estudo cientfico da relao entre o (a) trabalhador (a) e seus
meios, mtodos e espaos de trabalho. Os trabalhos em Ergonomia tm uma
dupla vertente: desde a redefinio de especificaes da compra de mobilirio
e ferramentas de trabalho - Ergonomia fsica; at a compreenso dos aspectos
mentais da atividade de trabalho das pessoas, homens e mulheres.
Um aspecto importante da Ergonomia o posto de trabalho; suas fer-
ramentas e elementos devem estar de acordo com as dimenses fsicas do
ocupante do posto de trabalho, pois, a inadequao antropomtrica produz um
desequilbrio postural expondo o (a) trabalhador (a) posies desconfortveis,
repetitividade dos gestos, maior esforo despendido, fatores causais das doen-
as ocupacionais (VIDAL et al., 2000).
Todavia a organizao do trabalho tambm deve ser considerada, enten-
dendo a Ergonomia como uma disciplina para ao sobre o real (LIMA, 2011,
p.36). Em princpio, a Ergonomia organizacional encontraria muitas dificulda-
des, pois no est fundamentada numa objetividade plena, no entanto, constitui
o campo no qual o (a) trabalhador (a) percebido como um agente competente
e organizado num sistema de produo, gerando assim maior satisfao no
trabalho.
Em sua atividade de trabalho o ser humano interage com os diversos
componentes do sistema de trabalho, com os equipamentos, instrumentos,
mobilirios e questes subjetivas como hierarquia e gesto organizacional.
Sabe-se que os (as) trabalhadores (as) toleram mal as tarefas fragmentadas, com
tempos curtos para execuo, principalmente quando esse tempo imposto
por uma mquina ou pela gerncia; sentem-se bem quando solicitado a resol-
verem problemas ligados execuo das tarefas; logo a Ergonomia busca tratar

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o (a) trabalhador (a) como um ser que pensa e age, no apenas como mero
executor e extenso da mquina (VIEIRA et al., 2008).

3. Adaptao das condies de trabalho

Segundo Santos e Fialho (1998), postos de trabalho devem estar em harmo-


nia com a caracterstica fsica do ocupante, tambm a Norma Regulamentadora
17 no item 17.1, determina parmetros que permitam a adaptao das condi-
es de trabalho (NR-17, 1990).
Nesse sentido, o primeiro questionamento das empresas deveria ser:
quem este ou quem so esses (as) trabalhadores (as) para quem vou adaptar
o trabalho?
Hirata e Kergoat (1994) afirmam que a classe operria tem dois sexos, esta
afirmao contraria a tendncia em apresentar uma imagem de classe operria
relativamente homognea. As autoras afirmam que as condies de trabalho
dos trabalhadores e das trabalhadoras so quase sempre assimtricas, portanto
analisar em termos de unidade de classe operria sem considerar o sexo social
poder levar a um conhecimento falso das relaes de trabalho.
Segundo dados empricos da pesquisa de doutorado sobre o trabalho das
mulheres na minerao realizada por Quirino (2011), o setor de minerao vem
gradualmente inserindo mulheres em suas reas tcnico-operacionais. Conforme
entrevista realizada pela autora com um Gerente de Recursos Humanos e um
Diretor Operacional,
No h na empresa nenhuma formalizao quanto contrata-
o de homens ou mulheres para quaisquer reas ou funes. A
deciso final do gestor, dono da vaga. Na maioria das vezes o
supervisor que escolhe com quem quer trabalhar. A varivel sexo
no est presente nas formalizaes de contratao da empresa.
(Gerente de RH)

A adequao de espaos fsicos no justificativa para a no con-


tratao de mulheres na indstria mineral. preciso apenas definir
diretrizes claras para contratao e adequao desses espaos.
Quanto se tem o olhar voltado para os resultados, o que importa o
talento, a competncia da pessoa. No se homem ou mulher. Os
investimentos em espaos fsicos adequados so mnimos quando
comparados ao retorno que se pode obter. (Diretor Operacional)

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A partir dos relatos dos entrevistados por Quirino (2011) h que se refletir
at que ponto preocupaes de natureza ergonmica se fazem presentes nas
polticas de contratao de mulheres pelas empresas. Constata-se que apesar
de os entrevistados afirmarem que no existe impedimento para contratao
de mulheres, a autora adverte que devido a inadequao dos espaos fsi-
cos tornou-se um hbito contratar apenas homens para as reas operacionais
(QUIRINO, 2011, p.75). O que, certamente, compromete a insero das mulhe-
res nesse setor produtivo.
Resende (2012, p.22), discute a insero de mulheres nos canteiros de obras
da Construo Civil. Segundo a Norma Regulamentadora 18, referente s condi-
es e meio ambiente de trabalho na indstria da Construo Civil, canteiro de
obra definido como rea de trabalho fixa e temporria, onde se desenvolvem
operaes de apoio e execuo de uma obra. A autora questiona as entrevista-
das sobre como trabalhar no canteiro de obras na Construo Civil:
Facilidades tipo assim, a mulher ela mais detalhista, entendeu?
Ento a gente para fazer um esquadro, para puxar um ponto de
nvel, a gente olha mais detalhe a gente faz a coisa mais bem feiti-
nha, entendeu? Agora a dificuldade a questo de peso, entendeu,
porque voc no pode escolher trabalho, entendeu? Hoje, voc t
aqui tirando um pontinho, mas est chapando uma massa, enten-
deu? A dificuldade o peso. (Pedreira)
O ponto fraco, voc pega muito peso. cansativo, n? muito
estressante. O ponto positivo, assim, que voc entra no mer-
cado... mulher pedreira, gente uma coisa do outro mundo. Voc
aprende coisas que voc jamais sonharia em aprender, entendeu?
O difcil mesmo o peso. mais pesado, entendeu? (Servente)

No que se refere s tarefas exercidas no canteiro de obras, os relatos


citados esto de acordo com Tomasi (1999) quando enfatiza que as tarefas so
perigosas, insalubres e demandam uma mo de obra jovem, forte, corajosa e
de boa vontade no s para conviver com essas condies, como tambm para
adquirir os conhecimentos necessrios para a sua execuo.
As entrevistadas tambm confirmam os pressupostos de Ricardo Antunes
(1999) ao afirmar que as empresas se apropriam intensificadamente da polivalncia
e multiatividade do trabalho feminino, da experincia que as mulheres trabalhado-
ras trazem das suas atividades realizadas na esfera do trabalho reprodutivo. Para
o autor, ainda que no tenham conscincia desse fato, as prprias trabalhadoras

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exaltam tais competncias: detalhamento, agilidade, destreza, preciso, fineza,


obedincia, pacincia, disciplina, responsabilidade, dedicao, delicadeza.
Enfim, as mulheres tm acesso a postos de trabalho tradicionalmente mas-
culinos, mas as relaes de trabalho aumentam a precariedade e a instabilidade
de uma grande proporo da fora de trabalho feminina, criam e/ou reprodu-
zem condies de trabalho precarizada e um dos resultados desse processo
que para terem xito na profisso a mulher precisa ser considerada homem.
Constata-se que no basta identificar as desigualdades, preciso problematizar
as relaes sociais de sexo travadas no ambiente laboral de forma coerente e
promover aes coordenadas para transformar as prticas sociais.

4. Consideraes finais

A finalidade deste artigo foi correlacionar as dificuldades relatadas por


mulheres trabalhadoras com a classificao de riscos ergonmicos dos seus pos-
tos de trabalho. Compreendendo por risco ergonmico, conforme proposto por
Vidal (2010), a condio ou a prtica que traga obstculos produtividade, que
desafie a boa qualidade ou que traga prejuzos ao conforto, segurana e bem
estar do (a) trabalhador (a). Este trabalho buscou refletir sobre as peculiarida-
des do trabalho da mulher em ambientes geralmente associados a esteretipos
masculinos.
A preocupao com a ergonomia nos ambientes de trabalho tem assumido
relevncia nas empresas, pois a definio da ergonomia coloca em primeiro
plano seu objeto (interao trabalhador (a) e atividade no contexto de trabalho)
e seu objetivo de propor medidas concretas para uma melhor adaptao dos
meios tecnolgicos de produo e dos ambientes de trabalho, contribuindo
para a produtividade e para a qualidade de vida do (a) trabalhador (a).
A opo pelo estudo terico e pesquisa qualitativa acerca dos temas
necessrios compreenso do fenmeno estudado - relaes de gnero no
ambiente de trabalho e fatores ergonmicos -, permitiu identificar e analisar
as percepes de mulheres sobre suas prprias condies de trabalho. Visa
tambm contribuir para que aes promotoras de uma real adaptao das
condies de trabalho s caractersticas psicofisiolgicas dos trabalhadores, de
modo a proporcionar um mximo de conforto, segurana e desempenho efi-
ciente, sejam implantadas, conforme os parmetros estabelecidos na Norma
Regulamentadora 17.

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2012.

HIRATA, Helena. KERGOAT, Daniele. A Classe Operria tem dois Sexos. Estudos
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HIRATA, Helena. O universo do trabalho e da cidadania das mulheres: um olhar do


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HIRATA, Helena. KERGOAT, Danile. Diviso Sexual do Trabalho Profissional e


Domstico: Brasil, Frana e Japo. In: COSTA, Albertina de Oliveira et. al. (orgs.).
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LIMA, Francisco de Paula Antunes. Ergonomia, cincia do trabalho, ponto de vista do


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QUIRINO, Raquel. Minerao tambm lugar de mulher! Desvendando a (nova?!)


face da diviso sexual do trabalho na Minerao de Ferro. Belo Horizonte: UFMG,
2011. Tese (Doutorado em Educao) - Programa de Ps-Graduao em Educao,
Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, 2011.

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RESENDE, Maria Cristina. Mulheres em ambientes masculinizados: anlise da inser-


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EQUIDADE E RELAES DE GNERO NA ENGENHARIA

Rodrigo Salera Mesquita1


Mestrando em Educao Tecnolgica Bolsista CEFET.
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG.
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Raquel Quirino2
Ps-Doutora em Educao.
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG.
Departamento de Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
[email protected]

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profissional

Resumo

O presente artigo discute questes importantes para a sociedade contempo-


rnea relacionada equidade e relaes de gneros no mundo do trabalho, e
a participao da mulher nos espaos pblicos, no Brasil. Destaca a crescente
escolarizao feminina e a conquista de uma rea, que at poucas dcadas era
de atuao pouco usual ao pblico feminino: a engenharia. Discusses tericas
e indicadores sociais denotam a crescente participao feminina nos processos
de escolarizao e no mundo do trabalho assalariado, e, no intuito de aprofun-
dar as discusses pela equidade entre gneros, se faz necessrio problematizar
uma rea, historicamente, pouco usual atuao feminina.

1 Mestrando em Educao Tecnolgica do CEFET-MG, Licenciado em Letras.

2 Doutora em Educao, Professora do Programa em Educao Tecnolgica do CEFET-MG.

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Palavras chave: Mulher na engenharia. Relaes de gnero. Equidade de gnero.


Igualdade de gnero

1 Introduo

O presente artigo discute questes importantes para a sociedade con-


tempornea relacionadas s relaes e equidade de gneros nos espaos
educacionais e no mundo do trabalho. Destaca a participao da mulher nos
espaos pblicos, sua crescente escolarizao e a conquista de uma rea de
atuao pouco usual ao pblico feminino em dcadas passadas: a engenharia.
Estudos como os empreendidos por Quirino (2011), sobre a atuao de mulhe-
res no segmento de minerao; Resende (2012) sobre o trabalho feminino na
construo civil; Lombardi (2004) sobre a atuao feminina nas reas de enge-
nharia evidenciam um avano das pesquisas acadmicas sobre as relaes de
gnero em reas tradicionalmente masculinas. Porm, no obstante as discus-
ses tericas e os indicadores sociais que demonstram a crescente participao
feminina nos processos de escolarizao e no mundo do trabalho assalariado,
a problematizao de algumas reas pouco usuais historicamente atuao
feminina ainda de suma importncia.

2 Igualdade e equidade de gneros

Idealismos parte, o que se espera em uma sociedade dita organizada


uma equidade ou paridade entre os gneros. Homens e mulheres como par-
tes equilibradas de uma sociedade diferente, porm, no desigual. Mas o que
podemos denominar como equidade de gneros?
Na definio aristotlica, reconhecida e utilizada pelo Direito Romano,
equidade um apelo que se faz justia para retificar a lei quando ela se
revela insuficiente; a justia aplicada ao caso concreto (MAFFETONE e VECA,
2005). Os autores esclarecem que na criao das leis, consideram-se todos os
indivduos como iguais, tendo as leis carter universal. exatamente o carter
universal da lei que a faz estar sujeita ao erro, pois, sendo os indivduos diferen-
tes entre si, pode revelar uma imperfeio na lei gerando casos especficos em
que a lei ter difcil aplicao.
Para os casos em que a lei se mostra insuficiente, a equidade surge como
forma de julgar com base na justia do que a lei se prope a realizar e, no, na

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lei em si. Na concepo de Kant, o conceito de equidade no est ligado ao


direito e, sim, ao tribunal da conscincia. (ALMEIDA, 2006, 209).
Assim, a aplicao do princpio da equidade inerente ao conceito da jus-
tia que o direito se prope a praticar. Enquanto a lei generaliza, considerando
todos iguais, a equidade preenche possveis lacunas na lei que poderiam causar
injustias devido ao fato de as pessoas serem diferentes (CORDEIRO, 2014).
Assim, a igualdade ou equidade de gneros no se constitui em um pro-
blema das mulheres, mas deve ser discutido e buscado plenamente por toda
a sociedade, visto que, trata-se de uma questo de direitos humanos, condi-
o prvia e indicador de desenvolvimento sustentvel dos pases. E com o
fortalecimento dos movimentos feministas que surge bandeira de luta pela
igualdade de gneros de forma a ultrapassar os determinismos biolgicos.
Para Piazzolla (2008) o feminismo liberal reclama uma igualdade de
gnero, por entender de que as mulheres tambm so cidads e por isso detm
os mesmos direitos que os homens, portanto, deveriam ser includas no espao
pblico, do qual sempre estiveram excludas.

3 Escolhas educacionais das mulheres no Brasil

Entre os anos de 2010 e 2014, as mulheres j representam a maior frao


entre os estudantes matriculados nas universidades brasileiras. Em 2010, elas
representavam 56,3% do total de matrculas e 62,4% do total de graduados no
ensino universitrio.
As pesquisas do INEP indicam que o percentual mdio de ingresso de
mulheres at 2013 foi de 55% do total em cursos de graduao presenciais. Se
o recorte for feito por concluintes, o ndice sobe para 60%. Desse total aproxi-
mado de 7,2 milhes de matrculas, 3,9 milhes foram de mulheres, contra 3,2
milhes do sexo oposto (Brasil, 2013).
A despeito do espao alcanado pelas mulheres nas cincias e da cres-
cente presena feminina do ensino superior, dados do Censo da Educao
Superior (INEP, 2014), indicam a tendncia das alunas de se concentrarem em
determinadas reas de esteretipos femininas, mais ligadas ao cuidado, em
detrimento s cincias duras, mais relacionadas s reas de exatas.
As dificuldades para as mulheres inserirem-se nessas reas so histricas
e culturais e demandam estudos mais especficos. No entanto, autores como
Hirata (2002), Carvalho (2003), Lombardi (2010), Quirino (2011), dentre outros/

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as, ao estudarem a insero das mulheres nas reas tecnolgicas e nas enge-
nharias afirmam que a tecnologia ainda conjugada no masculino. No entanto,
tais pesquisas constatam que crescente o nmero de mulheres que ingressam
nessas reas majoritariamente masculinas.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios PNAD, nas
profisses da Cincia e Tecnologia, profissionais e tcnicos do sexo masculino
representam 81,5% do total, sendo que, no nvel tcnico a discrepncia ainda
maior, 89% so homens e apenas 11% so mulheres. (BRASIL, 2010).
Tais escolhas das mulheres, consequentemente, resultam em menor remu-
nerao, menor ascenso social e perpetuam o entendimento do senso comum
de que Cincia e Tecnologia no coisa para mulher.
Entre as profisses menos procuradas pelas mulheres esto aquelas das
reas da engenharia. No Brasil, at 2002, por exemplo, apenas 14% dos empre-
gos formais nessa rea eram ocupados por mulheres, ao passo que nas reas de
sade, tais como odontologia, 51% eram ocupados por elas. (OLINTO, 2009).

4 Teto de vidro e labirinto de cristal: desafios para a mulher no


mercado de trabalho

Dois tipos principais de excluses so enfrentados pelas mulheres: i)


excluso vertical: que se refere sub-representao das mulheres em postos
de prestgio e poder, mesmo nas carreiras consideradas femininas; ii) excluso
horizontal: que se refere ao reduzido nmero de mulheres em determinadas
reas do conhecimento, em geral, de maior reconhecimento para a economia
capitalista, as consideradas cincias duras exatas e engenharias.
Outro conceito que corrobora a ideia da excluso e discriminao femi-
nina devido ao gnero o conceito Labirinto de Cristal trazido por Betina
Stefanello de Lima (2013). A autora aponta que possvel perceber barreiras,
ainda que no formais, ao longo da carreira da mulher e no apenas no topo.
Esse conceito contribui para o entendimento de duas importantes questes:
a) Transparncia do vidro: mesmo no havendo barreiras formais
que impeam a participao de mulheres em cargos e posies
de poder, essas dificuldades enfrentadas pelas mulheres so reais
e no podem ser avaliadas somente pela ausncia de dispositivos
legais contra a atuao profissional feminina;

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b) Posio do teto: existe uma barreira invisvel, mas real, para


ascenso das mulheres. Essa barreira, de certa forma, permite
que elas transitem pelas posies prprias da carreira, mas
somente at determinado ponto.

5 Participao feminina no mercado de trabalho das Engenharias

A insero de mulheres nas escolas de engenharia aconteceu de forma


muito tmida, acontecendo apenas a partir da dcada de 1920. (SILVA TELLES,
1984; PORTINHO, 1999). A primeira mulher a se diplomar na Escola de Minas
de Ouro Preto, como Engenheira de Minas, Metalurgia e Civil foi Aime Barbosa
da Silva, em 1947, quando a instituio j contava mais de 70 anos de existn-
cia. Na dcada de 1970, o ingresso de mulheres nas engenharias se torna mais
visvel e se consolida na dcada de 1990 (FACCIOTTI; SAMARA, 2004).
Todavia, a presena de mulheres nas engenharias demorou a se concreti-
zar. Dentre as 38 engenheiras mulheres formadas na Escola de Minas de Ouro
Preto, desde a sua fundao, 84%, ocorreu somente nas dcadas de 1980 e
1990. Mais da metade delas, contudo, (55% ou 21 engenheiras) se formaram
nos anos de 1990 (LOMBARDI, 2004).
Segundo os dados da RAIS, em 2009, havia 41.207.546 ocupaes no
mercado formal de trabalho no Brasil. Desses, 205.604 so ocupaes da enge-
nharia, representando 0,5% do total de vnculos formais no Brasil. As ocupaes
da engenharia concentram-se na Regio Sudeste, representando 62,4% do total
no Brasil.
Tradicionalmente a engenharia uma profisso masculina, segundo
demonstram os dados da RAIS no perodo 2004-2009, entretanto, possvel
notar um crescimento contnuo da participao das mulheres nas ocupaes da
engenharia. No Brasil, a participao das mulheres evoluiu de 14,4% em 2004
para 16,2% em 2009, 1,8 ponto percentual maior, conforme RAIS 2004-2009.
Ao analisar dados do INEP percebe-se que o nmero de engenheiros
do sexo masculino saltou de 103.548 em 2000 para 225.915 em 2014, o que
corresponde a um crescimento de 118% no perodo. Entretanto, o nmero de
mulheres engenheiras nesse mesmo perodo partiu de 20.253 para 51.784, o
que representa um crescimento de 156%; no qual as mulheres apresentaram
um crescimento 32% maior que os homens no perodo. Observa-se que de
2004 at 2014 houve uma diminuio da proporo dos homens no mercado
de trabalho da engenharia: naquele primeiro ano eles correspondiam a cerca de

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85% do mercado, enquanto que neste ltimo ano so 81%. Todavia, as mulhe-
res correspondiam a 15% em 2004, passando a representar 19% em 2014.
Portanto, tem sido expressivo o crescimento da mulher no mercado de trabalho
da Engenharia.
No perodo pesquisado o aumento das matrculas femininas nos cursos de
engenharia foi de 84%, em comparao ao masculino. Esses nmeros permitem
inferir que est havendo um movimento em que a engenharia est lentamente
sendo includa nas escolhas profissionais das mulheres.
Um exemplo que indica a incluso da engenharia no rol de possibilidades
profissionais das mulheres vem da Escola Politcnica da USP. No espao de
quarenta anos, entre 1950 e 1980 formaram-se 536 engenheiras e somente na
dcada de 1990, formaram-se 764. Ou seja, em dez anos, formaram-se 30%
a mais engenheiras que nas quatro dcadas anteriores (FACCIOTTI; SAMARA,
2004).

Consideraes finais

A superao das diferenas entre homens e mulheres na educao, no


trabalho em geral, e na rea de engenharia, em particular, requer o incentivo a
estudos que possam focalizar os diversos aspectos da diviso sexual do trabalho
que se estabelece na mais tenra idade na definio de tarefas domsticas at
as diferenas que se determinam ao longo da experincia escolar e ocupacio-
nal, incluindo as posies ocupadas nas mais altas hierarquias profissionais,
assim como na busca pela igualdade e equidade de gneros.
A maior participao feminina nas engenharias pode implicar em transfor-
maes sociais e econmicas com impactos favorveis para toda a sociedade,
por representar um maior contingente de fora de trabalho disponvel e pela
crescente escolarizao evidenciada nesse grupo social.
O crescente interesse demonstrado pelos governos norte-americanos e
europeus na criao de programas que incentivem o interesse feminino pelas
carreiras das engenharias um indicador do potencial econmico que este con-
tingente feminino representa (HESA, 1994).

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APONTAMENTOS MICRO-ANALTICOS SOBRE


A PRODUO DE SUBJETIVIDADES:
ENTENDIMENTOS SOBRE SEXUALIDADES E HIV

Jos Sena Filho


Doutorando em Lingustica Aplicada UFRJ/CNPq
[email protected]

GT 17 - Manda nudes!: semioses contemporneas e governamentalidade

Resumo

O presente estudo traz ao debate modos de produo de subjetividade de um


sujeito focal, gay e soropositivo, no contexto de uma cidade do interior da
Amaznia. Atento aos diferentes regimes de poder que disputam a orientao
de entendimentos e pertencimentos produzidos pelo sujeito focal, a proposta
dedica-se a anlise discursiva de alguns momentos interacionais em que so
mobilizadas instituies sociais, como a mdia, com as quais ele negocia enten-
dimentos sobre sua realidade. Guiado principalmente pelas reflexes de Michel
Foucault e Judith Butler, a ideia promover um momento de reflexividade sobre
uma vivncia homossexual e soropositiva no interior da Amaznia Oriental.
Palavras-chave: sexualidades; soropositividade; subjetividade.

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Introduo

A presente discusso traz a debate parte dos estudos empreendidos sobre


a produo de subjetividades de sujeitos LGBTs no contexto contempor-
neo, com ateno especial a realidade sociocultural do interior da Amaznia
Oriental (Ver SENA FILHO, 2016). Atento as performances discursivas de Joo1
e aos modos como socioconstroi entendimentos sobre si e sobre seu mundo
social, a proposta problematizar como ele disputa/negocia a produo de si
diante de diferentes regimes de poder que agenciam suas possibilidades de ser,
sobretudo seus entendimentos sobre ser homossexual e soropositivo. Dando
destaque a parte de uma interao focal, buscarei ler essa dinmica de vida no
intento de promover um momento de reflexividade, atento aos entendimentos
que emergem na interao e que apontam para condies de vulnerabilidade e
sofrimento humano na tessitura dessa subjetividade.

Noes tericas e metodolgicas orientadoras

Este estudo parte da compreenso de que sujeitos so produzidos por


processos histricos, culturais e polticos complexos e diferenciados, e que ser
sujeito em um determinado mundo social estar sujeito a outro(s) sujeito(s) ou
a diferentes instituies sociais (FOUCAULT, 1993; 2010). Nesse sentido, des-
taco a centralidade do papel da linguagem na produo de subjetividades na
vida social contempornea. Seguindo as orientaes de Wortham (2001), Moita
Lopes (1996, 2006), dentre outros, adoto uma perspectiva socioconstrucionista,
o que significa dizer que nossos mundos sociais so produzidos pelas nossas
prticas discursivas e multissemiticas. preciso dizer ainda, que a produo
de sujeitos tambm orientada/construda em prticas sociais situadas, em que
dimenses micro evidenciam, de modo indissocivel, aspectos macro impli-
cados em tais prticas. A linguagem, ao ser entendida como lugar de construir
sentidos/significados, encaminha nosso olhar ento, no apenas para processos
discursivos de natureza lingustica, mas para dimenses do corpo e das per-
formances, por exemplo, presentes nas nossas aes cotidianas na tessitura da
vida.

1 Nome fictcio utilizado para preservar a identidade do sujeito da pesquisa.

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Judith Butler (1990) colocar em causa importantes reflexes sobre a per-


formance e a produo do gnero e da sexualidade. Para a autora, o corpo
tambm submetido coero das instituies sociais e suas relaes de
poder, o que pode condicionar, em grande medida, seus modos de performar e
produzir os sujeitos no mundo social. H no posicionamento da autora um teor
poltico fundamental, no sentido de problematizar verdades produzidas sobre
os corpos, e que criam uma aparncia de substncia para modos hegemni-
cos de performar gnero e sexualidades. Assim como Foucault, Butler (1990),
Pennycook (2006), dentre outros, tem apostado na possibilidade dos sujeitos
poderem resistir e at subverter condies opressoras ao qual so submetidos
nas realidades vividas das quais fazem parte. H nessa viso, uma performati-
vidade, a qual funciona como um operador discursivo sobre as performances
e os corpos, e que potencializam o desvio, e a reinveno das subjetividades.
Sendo orientado por essas noes fundamentais, que a pesquisa, de
carter preliminar, tem se dedicado a desenvolver uma leitura multissituada
das performances discursivas de Joo, no intento de produzir entendimentos
sobre os modos como ele significa suas subjetividades. Para isso, o trabalho
tem investido na noo de entextualizao (BAUMAN & BRIGGS, 1990), preo-
cupado com trajetrias textuais (BLOMMAERT, 2005; FABRCIO, 2013) que so
mobilizadas pelas performances de Joo, e que orientam a leitura sobre como
regimes de governamentalidade (FOUCAULT, 2008), agenciam possibilidades
de ser deste sujeito focal. Situado na perspectiva de uma Lingustica Aplicada
Indisciplinar (MOITA LOPES, 1996; 2006), o trabalho se desenvolve por meio de
uma etnografia multissituada (GUIMARES, 2014) no dilogo com um sujeito
focal no territrio Amaznico.
Conforme tem defendido Bloomaert (2005) Bloomaert e Rampton (2011),
a noo de contexto deve atender a demandas locais e translocais, sendo o
contexto, da mesma forma que o texto, emergente nos processos comunicativos
e de produo de sentidos. Os textos ao serem produzidos em diferentes pr-
ticas interacionais so sempre parcialmente locais e emergentes, pois so fruto
de um ato, de uma interao, que resulta de noes almejadas e experincias
j vividas. H uma noo de tempo e espao importantes nesse processo, pois
repertrios culturais e sociais diferentes, no tempo e no espao, so mobilizados
nas prticas sociais vividas. nesse sentido, que pretendo estabelecer um debate
a partir de apontamentos situados sobre a produo de uma subjetividade gay
e soropositiva no interior da Amaznia oriental, onde discursos circulam e so

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mobilizados em diferentes processos de entextualizao, ou seja, so passiveis


de serem tornados textos em diferentes movimentos de descontextualizao e
recontextualizao.
Ao observarmos essas trajetrias textuais e contnuos processos de entex-
tualizao poder se tornar possvel trazer a evidencia como performances
discursivas de Joo, e seus interlocutores, mobilizam e socioconstroem enten-
dimentos sobre gnero/sexualidades e HIV em grupos e redes interpretativas
distintas (FABRCIO, 2013). Por fim, vlido demarcar que nessas trajetrias
textuais os recursos semiticos so importantes elementos que nos ajudam a ler
a prtica social, para tanto, seguindo Silverstein (1985), opero com as noes
de ordem indexical, a qual constri categorias no mundo social que podem
se cristalizar no decorrer do tempo e da histria, criando, assim, modos essen-
cializados e especficos para certos sujeitos e grupos sociais (MELO; MOITA
LOPES, 2014, p.661), e pista lingusticas, as quais evidenciam na interao social
diferentes aes semiticas.

Apontamentos situados

Joo faz parte do grupo dos sujeitos mais atingidos pelo HIV nessa quarta
dcada de existncia do vrus, segundo os dados da UNAIDS2. Jovem e gay, Joo
vive em um interior da Amaznia Oriental, onde sua sorologia desconhecida.
Diagnosticado aos 18 anos, aos 19 Joo aceitou participar da pesquisa iniciada
em agosto de 2015. com base em anotaes de campo e trechos de duas
entrevistas realizadas de agosto de 2015 a agosto de 2016, que apontarei alguns
entendimentos orientadores de como Joo tem performado sua subjetividade.
Jos: e... bom, como a gente vai conversando algum tempo, e....
desde agosto, n, julho n. E... eu queria que tu me falasses um
pouco e... antes dessas relaes sexuais, como era essa coisa e...
essa ideia de Aids, HIV, o que era isso pra ti?

2 Site oficial da Unaids: Disponvel em: http://www.unaids.org.br/ Acessos em 10, 19, 22 de agosto de
2015.

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A ttulo de exemplo, a pergunta acima motivou, no fluxo de uma das


entrevistas, Joo a falar do seu entendimento sobre Aids e HIV.
50 Joo: eu achava que era muito estereotipado, eu achava que
tinha cara mesmo.
51 Achava que... enfim que eu ia saber porque se a pessoa fosse
muito magra, ou sei l,
52 se tivesse uma aparncia, que os filmes dos anos 1990 mostra-
ram n,
53 eu achava que aquilo ainda era assim,
54 ento acho que por isso, rolava menos preocupao ainda. No
existia uma preocupao de..
55 ah ser que pode acontecer, aquele pensamento clssico de
nunca vai acontecer comigo.

Nesse pequeno trecho, as pistas lingusticas muito estereotipado, cara


(linha 50), muito magra, (linha 51) e aparncia (linha 52) mobilizam um con-
junto de entendimentos sobre a imagem social e fsica de um sujeito soropositivo,
que Joo projeta metapragmaticamente. Essa imagem foi massivamente eviden-
ciada na mdia brasileira nos anos de 1980 e 1990 (BRASIL, 2014), e produziu
um discurso cristalizado dessa compreenso, e que reverbera at os dias atuais.
possvel afirmar que esse entendimento de Joo foi entextualizado desse sig-
nificado cristalizado, partindo de suas experincias sociais sobre o tema. Essa
noo reforada de modo explcito quando Joo se remete aos filmes da
dcada de noventa, conforme enuncia na linha 52: que os filmes dos anos 1990
mostraram n. A partir da performance discursiva de Joo, fica evidente a rele-
vncia da mdia na produo de discursos hegemnicos e orientadores de seus
entendimentos (Sobre mdia e HIV, ver GONALVES & VARANDAS, 2005). H
tambm aqui, a mobilizao de um discurso recorrente no senso comum que
agencia entendimentos para determinados corpos que podem ser lidos como
saudveis ou como doentes, o que leva tambm a certos limites autorizatrios
sobre com quem posso ou no correr riscos em prticas sexuais eventuais,
conforme relatou Joo sobre sua vida sexual em outros momentos da entre-
vista. Joo entextualiza, ainda, um discurso muito recorrente no senso comum
na linha 54, nunca vai acontecer comigo, reforado pelas pistas lingusticas
menos preocupao e no existia uma preocupao (linha 55), o que ele
identifica como um pensamento clssico para muitos sujeitos soronegativos, os

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quais possuem pouca informao, provavelmente, sobre a realidade HIV con-


temporaneamente. Em outro trecho, motivo Joo a falar sobre sua relao com
pessoas do seu mundo social, se falavam sobre HIV, por exemplo.
71 Na verdade esse o tipo de conversa que a gente no tinha,
72 isso era tipo sobre conversar sobre sexualidade,
73 que foi algo que a gente s foi conversar depois de muito tempo,
74 e depois que fui descobrir que era todo mundo viado e sapato,
75 mas ningum confiava um no outro pra dizer que era viado e
sapato (risos).
76 E... mas no rolava esse tipo de conversa.

Joo indica o carter marginal das conversas sobre sexualidade, assim


como sobre HIV/Aids. Esse entendimento mobiliza um reflexividade sobre a
desinformao e o desinteresse pelo tema no contexto da juventude referente
ao mundo social do qual participa. Esse aspecto reforado em outros momen-
tos da entrevista, em que Joo afirma que antes de ser diagnosticado, nem ao
menos tinha interesse em saber sobre o tema, o que tambm ocorreu quando
teve que lidar com sua sexualidade.
Para finalizar essa brevssima explanao, o que as performances discur-
sivas de Joo tem colocado em evidncia so os limites da circulao dessas
noes e dos entendimentos sobre sexualidades e sobre DST/Aids, o que engloba
tambm seu mundo social mais imediato. Isso relevante pois indica modos
de compreenso de si e da realidade social que constitui sua subjetividade,
sendo revelador de como essas prticas sociais cotidianas e menos estabiliza-
das, podem ser cruciais para entender como outras estruturas de poder tem
agenciado o debate sobre gnero e sexualidades, e sobre praticas sexuais e DST/
Aids. H uma produo flagrante de um quadro de vulnerabilidade desse grupo
de jovens, viabilizado em boa medida pela falta de dilogo e informao em
diferentes instancias de suas vidas sociais, como a famlia, a escola, a igreja, por
exemplo, aspectos que emergem no decorrer da pesquisa.

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GNERO NO DESIGN: O USO DE OBJETOS COMO


MEIO PARA PERFORMATIVIDADE

Talita Meier Marques Rodrigues


Graduada em Desenho Industrial
Estudante de Mestrado em Design - PUC-Rio
[email protected]

Denise Berruezo Portinari


Doutora em Psicologia
Professora do departamento de Design - PUC-Rio
[email protected]

GT 17 - Manda nudes!: semioses contemporneas e governamentalidade

Resumo

Este trabalho prope estabelecer uma relao entre o design de produtos e


a(s) sexualidade(s) e esteretipos de gnero. Buscamos compreender como tais
esteretipos se apresentam no imaginrio social e de que forma o design d
corpo a eles. A atribuio de significado s formas, materiais, cores e nomes
utilizados no design de produtos demonstra sua contribuio para a (re)pro-
duo das diferenas de gnero com as quais a cultura material trabalha. Esta
reproduo de esteretipos no idealizada conscientemente, mas favorece
a manuteno de um sistema binrio de diferenciao pautada em ideais que
possuem origens socioculturais.
Palavras-chave: gnero; cultura material; design; sexualidade; imaginrio.

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Introduo

Este texto parte de uma reflexo feita por Adrian Forty em seu livro
Objetos de Desejo, especificamente no captulo em que aborda a diferencia-
o nos produtos industriais. Forty sustenta que certas divises do mbito social
podem tambm ser encontradas nos objetos, uma vez que no se pode separar
o produto das condies em que ele foi configurado e do sujeito que realiza
esse processo (FORTY, 2013, p. 12). Nesta abordagem, o design entendido
como um produtor de mitos1 e de imaginrio, materializando diferenas j exis-
tentes na sociedade como aquelas entre homens e mulheres, crianas e adultos,
patres e empregados e entre classes sociais. Ao observar a variedade dos pro-
dutos oferecidos no mercado, podemos perceber como se do as diferenas
na sociedade, pois vemos de que forma esta sociedade percebida pela inds-
tria. Ou seja, tal qual ocorre com outros modos de representao, conhecer
a amplitude dos diferentes designs era conhecer uma imagem da sociedade
(FORTY, 2013, p.128). importante ressaltar aqui que me aproximo da articu-
lao feita por Forty, em que o designer no posto como agente causador
da diferena, nem mesmo o sujeito com a inteno por trs da profuso de
produtos diferentes. O objetivo do design talvez o maior a obteno de
lucro para o fabricante e a indstria capitalista se aproveita do desejo de indi-
vidualidade presente na sociedade para multiplicar suas possibilidades de lucro
(FORTY, 2013, p. 119-124).
Em Histria da Sexualidade I (2015), Foucault critica a hiptese de que o
poder manifesta seu controle de forma proibitiva, reprimindo e silenciando o
discurso sobre o sexo. Ao invs disso, defende uma dimenso produtora dos
mecanismos de poder, que regulam a sexualidade atravs de tcnicas discursi-
vas e se apoiam n a produo do saber. Dessa forma, para alm de censurar-se
as falas sobre o sexo, as formas modernas do poder agem na (re)produo

1 Forty mobiliza o conceito exposto por Barthes em Mitologias, em que objetos, textos, imagens e
outras coisas aparentemente familiares exprimem todos os tipos de ideias sobre o mundo (FORTY,
2013, p. 15). O senso comum tende a naturalizar certos conceitos e ideais frente a todas as manifes-
taes da realidade que, embora no deixem de fazer parte do contexto em que vivemos, constru-
da historicamente. Estes ideais e conceitos nos quais nos baseamos para reagir e interpretar tudo
nossa volta so construdos por mitos que exprimem significados. O conceito simultaneamente,
histrico e intencional; mbil que faz proferir o mito (BARTHES, 1975 p. 140).

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incessante da sexualidade e do binarismo de gnero. (FOUCAULT, 2015). O


poder , portanto, um produtor de discurso e ns funcionamos como reprodu-
tores deste, fazendo parte da manuteno do dispositivo. Mesmo indiretamente,
o discurso de poder se manifesta em todo o espectro social: relaes privadas,
classes, grupos, informaes, comunicao. O poder est presente na lingua-
gem, sendo esta uma forma de perceb-lo: a prpria forma como a lngua
estabelecida reflete o discurso de poder, medida que as mensagens so con-
formadas a ser expressas dentro de uma determinada forma (BARTHES, 2015).
Articulando a questo de Forty ao conceito de performatividade de
gnero, prope-se que a variedade de produtos e a sua distribuio em catego-
rias que reproduzem os marcadores de diferenas sociais (masculino/feminino,
infantil/adulto, popular/luxo, entre outras) pode ser entendido como uma forma
de performatividade ou de materializao dessas diferenas, correspondendo
mais ou menos quilo que Forty chama de sua encarnao. Judith Butler
(2000) desenvolve o conceito de performatividade para abordar questes de
gnero e materializao das diferenas sexuais, onde a materialidade tambm
marcada e formada, de maneira simultnea, por prticas discursivas (BUTLER,
2000, p. 110). Segundo Butler, () a performatividade deve ser compreendida
no como um ato singular ou deliberado, mas, ao invs disso, como a prtica
reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia
(BUTLER, 2000, p. 110). No conceito de performatividade, esta identidade de
gnero se constitui e, com o design, se materializa ao mesmo tempo em que
se d a escolha e o uso dos bens.

A construo das diferenas de gnero

A classificao ou ordenao do mundo caracterstica presente em toda


cultura. Pode apresentar-se de forma complexa ou simplificada em sua lgica,
mas o ato de encaixar o mundo em categorias est sempre presente. Teresa de
Lauretis (1994, p.207) define diferena sexual como conceitos abstratos que
obtemos acerca do que masculino e feminino, mas principalmente a diferena
da mulher em relao ao homem. Esta classificao feita no campo do incons-
ciente poltico, que perpetuado pela sociedade como um todo, inclusive pelas
mulheres. As denominadas tecnologias de gnero representam as caractersti-
cas e os ideais de cada gnero e contribuem para a continuidade deste modelo
regulatrio. Ao classificar os indivduos por gnero, os posicionamos dentro de

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um grupo social, ao qual a escolha de se pertencer no livre, mas tambm


no por uma coero inteiramente externa e arbitrria. Dentro de uma cul-
tura, a noo de que o masculino e o feminino so distintos e se complementam
simbolicamente atribui a cada sexo um conjunto de contedos sociais, valores
e hierarquias (LAURETIS, 1994 p. 211). Muitas das caractersticas estereotpicas
relacionadas ao sexo dos indivduos vm de como representada culturalmente
a manifestao da sexualidade em cada um. Em referncia a Lucy Bland (1981),
Lauretis cita que a polaridade masculino/feminino tem sido e ainda um dos
temas centrais de quase todas as representaes da sexualidade (...) a sexuali-
dade masculina considerada ativa, espontnea, genital, facilmente suscitada
por objetos (...) a sexualidade feminina vista em termos de sua relao com
a sexualidade masculina. No inesperado que, em uma sociedade patriarcal
como a nossa, o masculino seja a referncia a partir da qual classificamos as
diferenas sexuais. O prprio conceito de mulher constantemente criado e
modificado por discursos que precedem o design, e por ele mesmo.
Entretanto, para Judith Butler (2000), no possvel desassociar a prpria
diferena sexual das prticas discursivas, o que no quer dizer que tais prticas
criam a diferena do nada, mas que ela depende do discurso para ser mar-
cada e instaurada. O sexo tambm normatizado para garantir a hegemonia
de um sistema binrio heterossexual e depende de atos de performatividade
para reiterar o discurso e produzir efeitos regulatrios no corpo fsico. Dessa
forma, o gnero no deve ser entendido apenas como um construto cultural
que simplesmente imposto sobre a matria (...) Ao invs disso, uma vez que
o prprio sexo seja compreendido em sua normatividade, a materialidade do
corpo no pode ser pensada separadamente da materializao daquela normal
regulatria (BUTLER, 2000).
A vida dos homens e mulheres de classes mdia e alta do sculo XIX era
acentuadamente dividida: mulher cabia a funo de receber visitas e dedicar-
-se maternidade, enquanto ao homem cabiam funes de comando e decises
polticas, pois julgava-se que possuam qualidades como fora e retido (FORTY,
2013). Segundo Laqueur, citado na dissertao de Marina Nucci (2010), a ideia
cientfica de diferenciar os sexos comea a partir do final do sculo XVIII, onde
at ento predominava um sistema de sexo nico, onde o homem era visto
como o ser humano original que possua uma inverso a mulher cujos
rgos sexuais eram internos devido falta de calor. Acreditava-se, inclusive,
que seria possvel um corpo feminino transformar-se em masculino quando

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recebesse calor. O inverso, porm, no era possvel, uma vez que tambm
era afirmado que a natureza ia sempre em direo perfeio. Justamente na
poca em que comeam a ocorrer lutas polticas por uma mudana no papel
da mulher, o movimento da cincia justamente de separar cada segmento
do corpo entre masculino e feminino, tornando a fisiologia completamente
distinta de acordo com o sexo. A anatomia do corpo feminino comea a ser
utilizada como recurso para justificar sua inferioridade, relegando s mulheres
apenas o papel da maternidade e excluindo-as da vida pblica (NUCCI apud
SCHIEBINGER, 2010).

A performatividade de gnero e a sua relao com os produtos

As afirmaes de diferena sexual, mais comuns durante o sculo XIX, so


ideias que para serem naturalizadas contam com mecanismos de construo do
saber como a educao formal, a religio, a mdia e o design. Este ltimo con-
tribui com a caracterizao dos objetos feita a partir dos esteretipos de gnero
definidos e, por no basear-se tanto nas palavras, mas sim em signos visuais,
oferece sinais duradouros, visveis e tangveis das diferenas entre homens e
mulheres tal como se acreditava que existissem (FORTY, 2013 p. 95). Para
Cheryl Buckley (1986), uma das razes que leva o design a produzir diferencia-
es o vis que exclui as mulheres na histria do design. As poucas que so
citadas na literatura sobre o design so definidas, devido ao seu gnero, como
usurias de produtos femininos ou tm seu nome colocado abaixo de seus
maridos, irmos ou pais.
O papel da mulher em alguns setores do design, ainda segundo a autora,
travado pelos esteretipos criados no patriarcado, que possui respaldo nas
teorias cientficas citadas anteriormente, que foram utilizadas como justificati-
vas para relegar determinados papis sociais e profissionais para as mulheres. O
que Buckley argumenta que, para entender a situao das mulheres em rela-
o ao design tanto como criadoras quanto como usurias preciso lembrar
que este foi criado no contexto patriarcal e que, portanto, os ideais de habilida-
des e necessidades do design para as mulheres tem sua origem no patriarcado
(BUCKLEY, 1986 p. 4). Buckley afirma que, neste contexto, considera-se que
mulheres possuem determinadas habilidades como meticulosidade, destreza e
ornamentao, o que faz com que elas estejam naturalmente aptas a certas
reas da produo do design, como joalheria, bordado, ilustrao e cermica,

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para citar algumas. Poderamos citar tambm a produo de roupas, e argu-


mentar que a indstria da moda tambm possui muitos homens trabalhando em
sua produo, porm o lugar que eles ocupam normalmente visto com maior
sofisticao. O que a autora prope como discusso o entendimento de que
a justificativa da predisposio biolgica tambm uma criao do contexto
patriarcal, e que preciso entender as razes pelas quais certas habilidades e
necessidades so atribudas s mulheres como designers ou consumidoras, em
funo de uma definio histrica que associa a mulher ao servio domstico
e dedicao ao casamento e maternidade. Tais esteretipos so comumente
reforados tambm pela propaganda, que associa o produto ao seu usurio
ideal.
A diferenciao sexual, reforada principalmente ao longo do final do
sculo XVIII (NUCCI, 2010), sedimentou a posio social da mulher como um ser
de corpo fragilizado, emocional e dependente, no muito propcio para a inteli-
gncia e a atividade. Por outro lado, o homem mantinha sua posio como um
ser ativo, viril e capaz de controlar as emoes e agir racionalmente. Portanto,
quando extrapolamos estas descries estereotpicas dos sexos para o aspecto
visual do produto encontramos caractersticas descritas como ornamentada,
delicada e curvilnea, que devem ser evitadas quando h a necessidade de
expressar imponncia, poder e admirao. Neste caso, as formas ditas mas-
culinas apresentam firmeza, grandeza, planos retilneos, ngulos retos, poucos
detalhes ornamentais e so consideradas adequadas na arquitetura (FORTY
apud BLONDEL, 2008).

Consideraes finais

A variabilidade de produtos considerada necessria para a identificao


subjetiva do consumidor com o produto e para provocar uma sensao de
exclusividade que importante na estratgia de venda. No entanto, a forma
como reproduzimos os conceitos e ideais nos produtos tambm deve ser obser-
vada como parte de nosso contexto social e histrico, ao contrrio de uma
naturalizao simples apoiada em uma interpretao de natureza que tambm
histrica. Sob ponto de vista das questes de gnero, produtos desenvolvidos
sem preocupao social podem reproduzir valores sexistas e alimentar uma
cultura patriarcal ou heteronormativa. Podemos perceber uma tendncia atual
em que marcas, atentas fora de movimentos sociais, procuram demonstrar

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uma viso de maior diversidade de gnero. Tal atitude tomada como uma via
de projetar a ideia de que a marca consciente da necessidade de diversidade
sexual, e explorar um mercado que valoriza esta forma de pensar. Podemos
citar como exemplos marcas como a Zara, que lanou a coleo Ungendered
e a C&A, que em uma de suas recentes campanhas publicitrias apresentou
homens e mulheres que trocavam as roupas entre eles. Porm, esta tendncia
pode ser problematizada, uma vez que ao olharmos as peas disponveis nas
colees, percebemos que ainda h resistncia em apresentar uma esttica que
fuja daquilo que considerado bsico e aplicvel ao masculino: bastante difcil,
por exemplo, encontrar nessas campanhas homens usando saias. O vesturio
agnero, embora apresente-se como sendo a favor da diversidade, tambm
produzido dentro de um contexto de sociedade patriarcal e heteronormativa.

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Referncias

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design. Design Issues, Vol. 3, n 2, p. 3-14. 1986. Disponvel em: <http://www.jstor.
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BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. Traduo:
Tomaz Tadeu da Silva. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedago-
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FORTY, Adrian. Objeto de desejo. So Paulo: Cosac Naify, 2013.

____________. Masculino, feminino ou neutro? In: Arte & Ensaios, Escola de Belas
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LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gnero. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Helosa


(Org.). Tendncias e Impasses: o feminismo como crtica da cultura. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994. p. 206-242.

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A REPATOLOGIZAO DAS HOMOSSEXUALIDADES


NA PSICOLOGIA CRIST

Cleber Michel Ribeiro de Macedo


Especializao em Gnero e Sexualidade CLAM/IMS/UERJ
Mestrando do PPG em Sade Coletiva do IMS/UERJ
[email protected]

GT 18 - Ativismos e produes acadmicas LGBT, feministas e queer em tempos de


ascenso conservadora no Brasil

Resumo

Atualmente, no Brasil e em outros pases h profissionais que conectam religio,


psicologia e posicionamentos controversos em torno das homossexualidades.
Um dos efeitos dessa conexo a chamada proposta psicoteraputica de
reverso da homossexualidade ou cura gay. Nesse contexto, no pas, essa
abordagem parece encontrar em alguns psiclogos cristos evanglicos seus
principais agentes de propagao; apesar de o Conselho Federal de Psicologia
(CFP) proibir qualquer abordagem patologizante da homossexualidade. A partir
de fontes documentais pblicas, examinam-se as concepes de homossexua-
lidades produzidas e difundidas a partir dessa articulao contempornea entre
religio e psicologia.
Palavras-chave: Homossexualidade, Homofobia, Psicologia, Evanglicos,
Psiclogos Cristos.

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Introduo

Existem atualmente, no Brasil e em diversos outros pases, profissionais


que conectam religio, psicologia e posicionamentos controversos em torno
das homossexualidades. Nos mbitos em que eles operam, esses discursos
e prticas teraputicas tm como efeito a reconduo da homossexualidade
ao campo do desvio e da anormalidade, de onde ela teria sido subtrada h
mais de quarenta anos pela psiquiatria (CONRAD, 1997; KUTCHINS; KIRK,
1997; RUSSO, 2004). Estas vertentes, situadas ambiguamente entre o campo
religioso, o cientfico e a arena poltica, que as convenes atuais tanto jurdi-
cas das democracias liberais, quanto cientficas e clnicas caracterizam como
homofbicas, so conhecidas por promover o que chamam de reverso da
homossexualidade ou cura gay.
Conforme Michel Foucault (2014), o homossexual emerge como catego-
ria psicolgica, psiquitrica e mdica, caracterizada em meados do sculo XIX.
As instituies sociais assumiram seu controle alterando concomitantemente
suas definies ao longo do tempo. Com o processo de secularizao iniciado
no Ocidente, em especial nos pases de lngua inglesa, a partir do final da idade
mdia, a responsabilidade por controlar comportamentos sexuais inaceitveis
passou da Igreja para o sistema judicirio criminal (KUTCHINS; KIRK, 1997).
Ao longo do sculo XX, no Brasil, nos Estados Unidos e em diferentes pases
da Europa foram inmeras as intervenes mdico-psicolgicas que propunham
a reverso de condutas sexuais desviantes, em particular da homossexualidade.
Essas intervenes eram embasadas em variados pressupostos, que no obs-
tante sua diversidade compartilhavam a busca pela origem ou causa do
homossexualismo e a motivao para extirp-lo. Dentre esses pressupostos
tm-se concepes endocrinolgicas, neurolgicas, psquicas, pedaggicas e
morais, que legitimavam essas tentativas. Elas variavam conforme o contexto e
os atores que as encabeavam; em geral, mdicos, psiquiatras, psicanalistas e
psiclogos (FRY; MACRAE, 1983; KUTCHINS; KIRK, 1997; GREEN, 1999).
A transformao das concepes de homossexualidade tanto no cen-
rio cientfico quanto no poltico e social contriburam para que essa categoria
fosse retirada do campo do patolgico e a ela atribudo o estatuto de norma-
lidade. No obstante, a perspectiva da aceitao da homossexualidade como
uma variante legtima da sexualidade humana no consenso na arena religiosa
(MACHADO; PICCOLO, 2010; NATIVIDADE; OLIVEIRA, 2013).

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Atualmente, existem articulaes que viabilizam a propagao, na


sociedade brasileira, da ideia de uma abordagem psicoteraputica da homosse-
xualidade como desvio a ser corrigido. Nesse contexto, no Brasil, essa abordagem
parece encontrar em alguns psiclogos cristos seus principais agentes de
propagao; apesar de o Conselho Federal de Psicologia (CFP) proibir qualquer
abordagem patologizante da homossexualidade atravs da Resoluo 01/1999,
que estabelece normas de atuao para os psiclogos em relao questo da
orientao sexual.

Psiclogos cristos

No Catlogo Brasileiro de Ocupaes (CBO)1 do Ministrio do Trabalho,


que tem o objetivo de identificar as ocupaes no mercado de trabalho, para
fins classificatrios, junto aos registros administrativos e domiciliares, consta a
profisso de psiclogo e de suas respectivas especialidades, dentre outras, a de
psiclogo jurdico, do trnsito, do esporte e a de outros psiclogos nenhuma
das especialidades listadas no CBO contempla qualquer vinculao entre psi-
cologia e religio. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), dentre
outras atribuies, o rgo mximo que regulamenta, orienta e fiscaliza o
exerccio profissional de psiclogo. Embora os psiclogos cristos legalmente
habilitados a atuar como psiclogos estejam subordinados ao CFP, esse rgo
no legitima esse atributo como especialidade. No obstante, o rgo no tem
coibido efetivamente sua publicizao at o momento2.
Para compreender em que consistiria a identidade declarada dos psic-
logos cristos no Brasil, podemos tomar de emprstimo alguns elementos da
declarao de f de uma das mais representativas associaes que atuam nesse
sentido, o Corpo dos Psiclogos e Psiquiatras Cristo (CPPC). Essa instituio,

1 Fonte: http://site.cfp.org.br/leis_e_normas/cbo-catalogo-brasileiro-de-ocupacoes/
2 Em 2012, o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG) notificou oficialmente a
Diretoria Nacional do Corpo dos Psiclogos e Psiquiatras Cristos (CPPC), que a entidade deveria
retirar do seu site a associao entre os termos psiclogo e cristo e psicologia crist. Em co-
municado aos membros da entidade, Karl Kepler, presidente do CPPC, informa que respondeu ao
CRP-MG, argumentando que psicologia crist se encontra no site apenas em uma meno crtica
e que o Conselho no tem competncia para controlar associaes civis, dessa forma no acatou a
notificao (DEGANI-CARNEIRO, 2013, p. 65).

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fundada em 1976, identifica-se como um frum permanente de estudos de


questes das reas da psicologia, psiquiatria, sade e religio, congregando
estudantes e profissionais da rea psi. Para o CPPC, o psiclogo cristo o
profissional que cr na bblia como palavra inspirada por Deus; na Igreja, como
comunidade teraputica; e, no valor do empreendimento cientfico como parte
de busca da verdade, coexistindo com a revelao bblica.

Controvrsias atuais

Essa controvrsia acerca das homossexualidades, especialmente na profis-


so regulamentada de psiclogo no Brasil, desencadeia algumas questes. Qual
o alcance na profisso, e qual o sustento conceitual desses projetos de reverso
da homossexualidade? Qual o contexto de emergncia dessas propostas, na
articulao entre psicologia e religio? Em que consiste a cura para os gays
proposta por alguns psiclogos cristos? Qual o lugar da reverso sexual na
psicologia crist? A partir de fontes documentais pblicas, examinam-se as
concepes de homossexualidades produzidas e difundidas a partir dessa arti-
culao contempornea entre religio e psicologia.

Consideraes finais

A transformao do cenrio religioso brasileiro, com o vigoroso aumento


do nmero de evanglicos e a expressiva entrada em cena desses atores nos
mais diferentes campos de atuao, como o poltico e o cientfico, introduz e
potencializa novas vozes e posicionamentos para o debate em torno da regula-
o da sexualidade.
Nesse cenrio, fica patente a mobilizao (a favor de, e contra) em torno
de proposies psicoteraputicas para a reverso da homossexualidade de
diferentes agentes, como psiclogos cristos, psiclogos laicos (representando
os Conselhos de Psicologia), pastores evanglicos, advogados, polticos, jorna-
listas, ativistas pr diversidade sexual e pesquisadores; tambm, de diferentes
instituies, como os Conselhos de Psicologia, os partidos polticos e as suas
alianas, o Poder Legislativo, organizaes nacionais e internacionais.
Ponderando a singularidade dessas profissionais que forjam sua identi-
dade profissional conectada sua vinculao religiosa psiclogos cristos; e
observando os constantes embates em torno de prticas e discursos acerca das

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homossexualidades entre essas profissionais com os Conselhos de Psicologia,


seremos guiados pelas seguintes perguntas gerais: quais as concepes de
homossexualidade so produzidas e/ ou disseminadas por esses profissionais
e quais as implicaes dessa atuao? Qual o respaldo terico-conceitual dos
psiclogos cristos? Qual a articulao eles promovem entre psicologia e reli-
gio? A quem interessa essa articulao?

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Referncias

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CONRAD, Peter. Continuity: homosexuality and the potential for remedicalization. In:
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DEGANI-CARNEIRO, Filipe. Psiclogos evanglicos: interseo entre religiosidade e


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MACHADO, Maria das Dores Campos; PICCOLO, Fernanda Delvalhas. Religies e


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NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. Diversidade sexual e religio: a


construo de um problema. In: NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. As
Novas guerras sexuais: diferena, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de
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RUSSO, Jane. Do Desvio ao transtorno: a medicalizao da sexualidade na nosogra-


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CONSERVADORISMO RELIGIOSO NA ARENA POLTICA:


DESAFIOS E IMPASSES PARA AS POLTICAS PBLICAS E
OS ATIVISMOS LGBT

Graziela Ferreira Quinto


Mestre e doutoranda em Poltica Social /UFF
Assistente social do Ministrio Pblico/RJ
[email protected]

Joo Bsco Hora Gis


Doutor em Servio Social PUC-SP/Boston College
Professor Associado IV /UFF, Pesquisador 1B /CNPq
[email protected]

Resumo

Nos ltimos anos, vem ocorrendo uma srie de embates entre defensores dos
direitos LGBT e ativistas dos movimentos religiosos - especialmente as lide-
ranas de denominaes evanglicas. Utilizando a retrica da liberdade de
expresso, esses segmentos religiosos desqualificam e combatem a diversidade
sexual, adentrando a arena poltica atravs de seus representantes no Congresso
Nacional, que se articulam compondo frentes parlamentares e interferindo na
agenda do movimento LGBT. Este trabalho prope examinar as particularida-
des do enfrentamento do movimento LGBT com os segmentos evanglicos, a
partir de episdios recentes envolvendo parlamentares da Frente Parlamentar
Evanglica, que tiveram repercusso na mdia e geraram controvrsias.
Palavras-chave: homofobia religiosa; arena poltica; produo de polticas para
populao LGBT; Frente Parlamentar Evanglica; movimento LGBT.

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Introduo

No contexto das lutas em torno da definio do que seja uma sexuali-


dade legtima e de quais pessoas esto socialmente autorizadas a exerc-la,
mesmo em Estados de longa tradio democrtica, por vezes tem sua laicidade
explicitamente colocada em xeque, sendo este um fenmeno particularmente
preocupante no mbito de democracias de frgil tradio, como a brasileira,
onde os debates sobre direitos sexuais e reprodutivos so marcados por forts-
sima oposio religiosa. (MELLO et al., 2012)
No movimento da democracia representativa, todos os grupos sociais
devem ter o direito de participar das decises do poder. Assim como ocorre
com movimentos sociais de trabalhadores, de minorias tnicas, de mulheres,
de homossexuais e outros, os grupos religiosos tambm se articulam a fim de
influenciar a agenda de polticas pblicas e a proposio de leis. Nesse sentido,
uma importante estratgia utilizada pelos segmentos evanglicos de origem
pentecostal tem sido eleger parlamentares que representem seus interesses na
arena poltica, como forma de proteger os preceitos morais de sua comunidade
religiosa.
Visando contribuir para a construo de conhecimento e estratgias de
enfrentamento por pesquisadores e ativistas LGBT, apresentamos algumas refle-
xes e construes argumentativas acerca dos dados iniciais da pesquisa de
doutorado Homofobia religiosa evanglica e os embates na produo de polti-
cas para a populao LGBT.
No presente trabalho, buscamos examinar as particularidades do enfrenta-
mento do movimento LGBT com as lideranas evanglicas, a partir de episdios
recentes, que tiveram repercusso na mdia e geraram controvrsias. Como
recurso metodolgico, fazemos referncia aos discursos e debates proferidos em
audincias pblicas derivadas de proposies legislativas e projetos de decreto
constitucional apresentados na Cmara Federal, assim como aes e programas
governamentais federais voltados para a populao LGBT, que sofreram inter-
rupes ou foram vetados em decorrncia de presses dos setores evanglicos.
Como fonte de consulta, utilizamos os vdeos das referidas audincias pblicas,
complementadas pelas notas taquigrficas, notcias e matrias de veculos midi-
ticos, condizentes s mesmas.

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As Particularidades do Enfrentamento do Movimento LGBT com


os Segmentos Evanglicos

A participao dos evanglicos no sistema poltico brasileiro ocorre, princi-


palmente, no poder legislativo. Os primeiros embates entre o ento movimento
homossexual brasileiro (MHB) e a bancada evanglica no Congresso Nacional
ocorreram na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-19881, tendo um dos
membros da bancada evanglica, ainda em formao no Congresso Nacional,
o deputado Jos Viana (PMDB-MA), contestado a evidncia cientfica de que
homossexualidade no doena. O termo orientao sexual foi aceito pelas
duas subcomisses, mas excludo pela Comisso de Sistematizao, e defini-
tivamente rejeitado pelo plenrio, em janeiro de 1988. Apesar da derrota, as
reivindicaes do movimento tinham recebido muita publicidade, e nos anos
seguintes, vrios Estados e municpios incorporaram medidas contra a discrimi-
nao por orientao sexual na sua legislao bsica. (HOWES, 2003)
Em 2003, foi criada a Frente Parlamentar Evanglica (FPE) do Congresso
Nacional, com o objetivo de congregar, por meio de cultos semanais, os par-
lamentares evanglicos. Atravs desses cultos, poderia ser engendrada uma
mobilizao estratgica em torno de bandeiras de luta da FPE quanto pro-
moo e converso evanglica no mbito do legislativo. (DUARTE, 2012)
Como ocorre em outras frentes parlamentares, o pluripartidarismo foi
uma estratgia de atuao adotada pelos dirigentes da FPE, que abarca tendn-
cias ideolgicas afins para defender demandas conjunturais. Constitui-se em
um modo de atender reivindicaes de determinados segmentos, rompendo as
barreiras das estruturas dos partidos polticos. A FPE defende os interesses da
comunidade evanglica, fazendo oposio aprovao de projetos que ferem
os preceitos bblicos, o que significa que a oficializao do homossexualismo
deveria ser combatida e, portanto, no receber o apoio sob a forma da lei, por
ser nociva sociedade, moral e aos bons costumes. Reaes religiosas que
desqualificam a diversidade sexual so insufladas por sujeitos que percebem
a expanso dos direitos dos homossexuais e a visibilidade e aceitao desta

1 Joo Mascarenhas foi o primeiro representante do MHB a se apresentar no Congresso Nacional, ante
duas Subcomisses da Constituinte. (CMARA, 2015)

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parcela da populao como ameaadora de seus valores e da prpria ordem


social. (NATIVIDADE & LOPES, 2009, p. 79).
Presses exercidas por parlamentares da FPE culminaram no cancela-
mento do programa Escola Sem Homofobia, que ficou conhecido como kit gay.
O programa foi alvo da intensa mobilizao dos setores conservadores, dentre
eles, parlamentares da FPE, a partir da desqualificao do contedo e qualidade
de seu material, assim como o pblico a que se destinava, aproveitando de
uma situao poltica especfica pelos seus adversrios. Em entrevista coletiva,
concedida a veculos miditicos, a presidente Dilma Rousseff justificou seu posi-
cionamento contrrio e deciso de interrupo do referido projeto dizendo que
No aceito propaganda de opes sexuais. No podemos intervir
na vida privada das pessoas. O governo pode, sim, ensinar que
necessrio respeitar a diferena e que voc no pode exercer prti-
cas violentas contra os diferentes. uma questo que o governo vai
revisar, no haver autorizao para esse tipo de poltica de defesa
A, B ou C. Agora, lutamos contra a homofobia. (UOL EDUCAO,
2011)

Foi noticiado, entretanto, que parlamentares evanglicos pressionaram a


Presidente, colocando em jogo a possibilidade de ser instaurada uma comisso
parlamentar de inqurito na rea da educao por causa do projeto do material
que seria distribudo s escolas para promover a diversidadee de convocao
do ento ministro da Casa Civil, Antnio Palocci, para esclarecer a multiplica-
o de seu patrimnio. O governo, porm, negou que esses tenham sido os
motivos do cancelamento do projeto (idem).
Destacamos tambm o debate sobre a criminalizao da homofobia,
decorrente da tramitao do Projeto de Lei da Cmara PLC 122/2006. Desde
o incio de sua trajetria, essa proposta enfrenta oposio de setores religiosos
conservadores, envolvendo a reproduo de estigmas e a desqualificao dos
homossexuais (NATIVIDADE & LOPES, 2009). Militantes religiosos tm se posi-
cionado na esfera pblica, contra a aprovao da criminalizao da homofobia,
utilizando argumentos que ressaltam o direito liberdade religiosa. Isto porque
o direito dos grupos religiosos de expressar opinio contrria homossexuali-
dade estaria cerceado, inclusive, no mbito da atuao em trabalhos pastorais
de reverso da homossexualidade. Ao longo da tramitao da PLC 122/2006,
evidenciou-se um jogo de foras entre os representantes dos movimentos dos

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homossexuais e segmentos religiosos. Em 2011, a senadora Marta Suplicy pro-


ps uma nova redao para o projeto, a fim de deixar expresso que no se
criminalizaria a manifestao pacfica de pensamento fundada na liberdade de
conscincia e de crena. Contudo, no houve adeso dos opositores ao pro-
jeto, que passou por vrias redaes. Em 20 de novembro de 2013, a presso
de parlamentares evanglicos retirou o PLC 122/2006 da pauta da CDHM, com
o pretexto de se buscar novamente um texto de consenso, at que foi arqui-
vado em janeiro de 2015, e apensado ao projeto de reforma do Cdigo Penal.
(ESTADO, 2015)
Tais embates evidenciam que as tenses no ocorrem apenas na oposi-
o ao projeto apresentado, mas envolvem a atuao dos movimentos sociais
e contextos especficos, como perodos eleitorais e a disposio dos ocupantes
de cargos no poder Executivo em reconhecer a legitimidade dos direitos de
minorias sexuais.
Outro episdio recente envolvendo um parlamentar evanglico gerou gran-
des controvrsias. A eleio do deputado (e pastor evanglico) Marco Feliciano
(PSC/SP) para a presidncia da Comisso de Direitos Humanos e Minorias da
Cmara dos Deputados (CDHM) gerou uma onda de manifestaes contrrias
em redes sociais, campanhas e passeatas de grupos organizados e ativistas dos
movimentos LGBT, em decorrncia do fato de ter o deputado Marco Feliciano
expressado opinies consideradas racistas e homofbicas - alm do mesmo
no ter um histrico de atuao na temtica dos direitos humanos. Lderes
evanglicos o apoiaram e o pastor evanglico Silas Malafaia (conhecido por
suas declaraes contrrias homossexualidade) escreveu em uma rede social:
ns no pautamos nossas aes pelo que a mdia quer ou grupos de pres-
so do ativismo gay. O PSC no pode dar mole. Sendo assim, o deputado
Marco Feliciano foi eleito presidente da CDHM, em maro de 2013. Houve
manifestaes e atos de protestos nas ruas, assim como nas primeiras sesses
da Comisso presididas pelo mesmo, que reagiu, aprovando um requerimento
para restringir o acesso do pblico s reunies do colegiado. (FOLHA DE SO
PAULO, 2013)
A gesto do deputado Marco Feliciano na CDHM foi marcada pela apro-
vao de propostas de teor anti-homossexual. A primeira ao de enfrentamento

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pelo deputado foi a votao do projeto conhecido como cura gay2, que pre-
tendia derrubar trechos de uma resoluo do Conselho Federal de Psicologia,
que estabelece normas para os psiclogos em relao questo da orientao
sexual, vedando a atuao dos mesmos em eventos e servios que proponham
tratamento e cura da homossexualidade. Foi realizada uma audincia pblica
proposta pelo Deputado Feliciano, para discutir o direito de deixar a homos-
sexualidade, e na ocasio, palestraram a psicloga Marisa Lobo, e o pastor
evanglico Silas Malafaia defensores do referido PDC. As narrativas de defesa
construdas pelos mesmos tm o sentido de legitimar o discurso religioso na
arena poltica, a partir da apropriao (sem um rigor cientfico) de conhecimen-
tos do campo da psicologia, psicanlise, gentica, etc, ocorrendo um processo
de transfigurao desse discurso puramente religioso, que ganha contornos
seculares (RORTY, 1996).
O que se pretende ressaltar o fato de tais discursos e prticas, deriva-
dos de certas interpretaes teolgicas e exegeses bblicas particulares, no se
limitarem aos templos religiosos, programas de rdio e televiso, mas adentra-
rem a arena poltica atravs dos parlamentares evanglicos que representam
essas denominaes religiosas, ferindo os princpios constitucionais da laicidade
estatal. Zylbersztajn (2012) sustenta que a laicidade do Estado brasileiro no
plena, e que o processo de consolidao da laicidade histrico e construdo,
tal como ocorre com os demais direitos fundamentais. De acordo com Pierucci
(2008), pessoas livres (re) querem Estados laicos. O autor refere-se enfatica-
mente secularizao do Estado com seu ordenamento jurdico, e menos
secularizao da vida, considerando que esta pode refluir, mas a do Estado no.

Consideraes finais

Como afirmaram Mello et. all (2014, p. 315), nunca se teve tanto, e o que
h praticamente nada, referindo-se ao paradoxo sobre as polticas pblicas
para a populao LGBT no Brasil.

2 Trata-se do Projeto de Decreto Constitucional (PDC 234/11), apresentado pelo deputado federal Joo
Campos (PSDB-GO), que havia sido arquivado a pedido de seu prprio proponente, devido, entre
outras razes, a presses internas do seu prprio partido.

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Conforme vimos, ao movimento LGBT na atualidade, so colocados obs-


tculos que se referem produo de polticas pblicas e ampliao de direitos
civis para essa populao. Uma possibilidade de superao de tais obstcu-
los parece estar no enfrentamento de seus opositores na arena poltica, o que
implica, em utilizar as estratgias dos mesmos, mobilizando as bases de seu
movimento a fim de eleger parlamentares que representem seus interesses na
arena poltica. E ainda, uma melhor articulao de parlamentares (das frentes
parlamentares pr LGBT e outras frentes que os representem) pela aprovao
de projetos de lei favorveis populao LGBT, assim como a criao de novas
frentes parlamentares atravs da unio de representantes setoriais LGBT de par-
tidos polticos diversos, que atuem de forma a superar divergncias partidrias,
garantindo o trabalho em conjunto e criando assim, possibilidades de enfrenta-
mento da onda conservadora no Congresso Nacional.

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Referncias

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do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, n. 9, 2015.

DUARTE et al.(orgs). Valores Religiosos e Legislao no Brasil. A tramitao de pro-


jetos de lei sobre temas morais controversos. Garamond, Rio de Janeiro, 2009.

ESTADO. Projeto que criminaliza a homofobia ser arquivado no Senado. So Paulo,


jan. 2015. Disponvel em http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,projeto-que-crimi-
naliza-homofobia-sera-arquivado-no-senado,1617260. Acesso em 05 jun 2016.

FOLHA DE SO PAULO. Pastor organiza abaixo-assinado para presidir comisso


na Cmara. So Paulo, mar 2013. Disponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/
poder/2013/03/1240319-pastor-organiza-abaixo-assinado-para-presidir-comissao-de-
-direitos-humanos.shtml> Acesso em 20 de mar 2014.

HOWES, R. Joo Antnio Mascarenhas (1927-1998): pioneiro do ativismo homosse-


xual no Brasil. Cad. AEL, v.10, n.18/19, 2003

MELLO, L. et al.. Polticas pblicas para a populao LGBT no Brasil: notas sobre
alcances e possibilidades. Cadernos Pagu (39), julho-dezembro de 2012.

________________ ..Polticas Pblicas de Segurana para a populao LGBT no


Brasil. Estudos Feministas, Florianpolis, 22(1), jan-abr, 2014.

NATIVIDADE, M. & LOPES, P. V. L..O direito das pessoas GLBT e as respostas religio-
sas: da parceria civil criminalizao da homofobia. In DUARTE et al.(orgs). Valores
Religiosos e Legislao no Brasil. A tramitao de projetos de lei sobre temas morais
controversos. Garamond, Rio de Janeiro, 2009.

RORTY, R. Religion as a conversation stopper. In: Philosophy and social hope. Penguin Books, 1999.

UOL Educao. No aceito propaganda de opes sexuais. Da Redao, So Paulo,


mai, 2011. Disponvel. em <http://educacao.uol.com.br/noticias/2011/05/26/nao-a-
ceito-propaganda-de-opcoes-sexuais-afirma-dilma-sobre-kit-anti-homofobia.htm>
Acesso em 20 mar 2014.

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A IDEOLOGIA DE GNERO COMO ESTRATGIA POLTICO-


SEXUAL E A REAO DO CONSERVADORISMO NO BRASIL

Henrique Araujo Aragusuku


Graduado em Psicologia
Universidade Federal de Mato Grosso
[email protected]

GT 18 - Ativismos e produes acadmicas LGBT, feministas e queer em tempos de


ascenso conservadora no Brasil

Resumo

Este trabalho tem como objetivo realizar uma anlise sobre a ideologia de
gnero como estratgia discursiva de disputa poltica, sendo uma proposio
conservadora, em termos de polticas sexuais, e de oposio s polticas impul-
sionadas pelos movimentos LGBT e feministas. Para a construo dessa anlise,
foi realizado um amplo levantamento bibliogrfico e documental, possibilitando
a esquematizao de uma genealogia desse conceito, assim como a sinteti-
zao de seus principais desencadeamentos polticos. importante ressaltar
que essa anlise se faz vinculada a uma leitura panormica do cenrio poltico
nacional, compreendido como marcado pela reorganizao e eventual avano
do conservadorismo e das direitas polticas.
Palavras-chave: ideologia de gnero, conservadorismo, polticas sexuais,
democracia

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Introduo

Como apresentam diversos autores (MILLETT, 2000; RUBIN, 1984; WEEKS,


2002), a sexualidade um constructo histrico, percorrido por disputas polticas
e tensionamentos sociais, com implicaes diretas em nossa organizao eco-
nmica e sociocultural. O conceito de gnero surge como um contraponto
ao espectro naturalizante do sexo, a partir do desenvolvimento dos estudos
feministas a partir de meados do sculo XX. Entretanto, fundamental compre-
endermos que a diviso entre gnero e sexo no deve produzir categorias
antagnicas (sexo/natureza gnero/cultura), que reforam a naturalizao da
sexualidade, mas categorias hbridas e interseccionais, ampliando o campo da
sexualidade para alm do ato sexual e da esfera biolgica.
A politizao e consequente desnaturalizao da sexualidade ao longo do
sculo XX, com o essencial protagonismo dos movimentos feministas e LGBT,
produziu novas formas de socializao e novas instituies polticas e eco-
nmicas (WEEKS, 1998). Como uma reao, atualmente presenciamos fortes
tensionamentos noo de gnero propagada pelos movimentos feministas
e LGBT. Em confluncia a isso surge o conceito da ideologia de gnero, for-
mulado pela intelligentsia catlica, em contraponto as ameaas aos valores
familiares1. Assim, vivemos atualmente uma reao desconstruo de um
alicerce do cristianismo: a famlia nuclear tradicional, com sua diviso sexual
hierrquica e esttica.
A partir disso, a ideologia do gnero ganhou um papel de destaque nos
debates pblicos dentro do atual cenrio poltico brasileiro de avano do
conservadorismo poltico e das direitas se tornando a principal bandeira de
antagonismo s polticas feministas e LGBT. Para o conservadorismo poltico-
-sexual brasileiro, o momento de ofensiva; para os movimentos de esquerda
e suas polticas sexuais, de reorganizao. Esse artigo procura realizar uma
reflexo sobre o avano da ideologia de gnero na conjuntura nacional, suas
razes histricas e suas consequncias polticas, os atores sociais envolvidos e
as articulaes em torno dos ataques s polticas de promoo de diversidade

1 Como a nota da Regional Sul 1 da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) considera a
aprovao da ideologia de gnero em Planos Municipais de Educao (SCHERER; SILVA; SCARA-
MUSSA, 2015).

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sexual e de gnero no Brasil, a partir de uma ampla reviso bibliogrfica e


documental.

Breve genealogia da ideologia de gnero


A ideologia de gnero uma tentativa de afirmar para todas as
pessoas que no existe uma identidade biolgica em relao
sexualidade. Quer dizer que o sujeito, quando nasce, no homem
nem mulher, no possui um sexo masculino ou feminino definido,
pois, segundo os idelogos do gnero, isto uma construo
social.2

O termo ideologia de gnero ganhou visibilidade poltica no Brasil a par-


tir de 2014, com os tensionamentos em torno do Plano Nacional de Educao
(PNE), culminando na retirada das referncias orientao sexual no plano,
pelo Congresso Nacional. Entretanto, no se trata de um fenmeno estritamente
brasileiro. A ideologia de gnero, termo que simplifica e aglutina as teorias que
desnaturalizam nossas relaes sociais e sexuais, vem sendo combatida na
maioria dos pases que possuem determinado nvel de hegemonia crist, seja
por meio de manifestaes, cartilhas, livros, conferncias, e outras formas de
disputa de narrativas.
O livro The Gender Agenda: Redefining Equality3, da escritora estaduni-
dense Dale OLeary, publicado nos anos 90, um ponto inicial para entendermos
as atuais formulaes tericas que buscam contradizer os movimentos feministas
e LGBT, principalmente por ser amplamente citado nos materiais sobre ideolo-
gia de gnero. A autora constri uma linha histrica do avano das polticas de
gnero internacionalmente, dando tons de uma conspirao pela destruio dos
valores cristos, aprofundando inclusive nas diferentes perspectivas de femi-
nismo e nas polticas de gnero da Organizao das Naes Unidas (ONU). Em
um texto recente, a autora crtica a matria Generation LGBTQI, do New York
Times, apresentando que as pautas LGBT so uma extenso da gender agenda

2 Trecho da nota escrita pelo Cardeal Orani Joo Tempesta (2015), Arcebispo Metropolitano do Rio de
Janeiro.

3 H disponvel uma verso em espanhol do livro, em: https://goo.gl/25uuRO.

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e que as teorias de gnero constituem as bases ideolgicas dessa nova gerao


que flexibiliza as regras sexuais (OLEARY, 2013).
Outro texto bastante citado o Perspectiva de gnero: sus peligros y avan-
ces , escrito por Jutta Burggraf, publicado em 2005, seguindo a linha de OLeary,
4

apesar de ser mais sinttico e atualizado, propagando que a perspectiva de


gnero tem suas razes no marxismo, se ampara nos movimentos feministas
e LGBT, e tem como objetivo desconstruir a sociedade atacando prioritaria-
mente a famlia e a religio. Jutta Burggraf era uma teloga bastante influente
e professora da Universidade de Navarra5 (CHAPA; FLANDES, 2011). ngela
Aparisi, tambm professora de Navarra, no artigo Ideologia de gnero: de la
natureza a la cultura, a partir de dilogos com os escritos de Laura Pazzani6,
dentre as diversas questes levantadas, defende que la familia heterossexual,
y su estabilidad temporal, deben ser promovidas por los sistemas jurdicos, al
tratarse de la ecologa humana bsica (APARISI, 2009, p. 192).
Com edio traduzida para o portugus, o livro do argentino, advogado
pr-vida e professor de Biotica, Jorge Scala (2010), La Ideologa del Gnero
o El gnero como herramienta de poder7, deu as bases para a introduo do
conceito no Brasil. Para Scala (2010), a ideologa de gnero, por ser falsa y
antinatural, a la postre no convence, y slo puede implantarse em forma tota-
litaria (p. 13) e que es la actual ideologa del mal (p. 189). O autor tambm
apresenta o que considera os antecedentes histricos da ideologia de gnero:
1 - Idelogos da revoluo sexual, a partir da fuso entre a proposies de
Marx e Freud (Reich e Marcuse); 2 - construtivistas sociais (Derrida e Foucault);
3 - existencialistas ateus (Simone de Beauvoir); e 4 - feminismo de gnero,

4 H tradues desse texto para o portugus, como em: http://goo.gl/jbldEQ. O texto tambm circula
de forma equivocada, sobre o nome A ideologia de gnero: seus perigos e alcances e com autoria
da Conferncia Episcopal Peruana (http://goo.gl/iHSfpp).

5 A Universidade de Navarra vinculada Opus Dei, uma corrente da Igreja Catlica. Lembrando que
em dezembro de 2008, o Papa Benedicto XVI apontava os perigos da palavra gnero, em discurso
para a Cria Romana.

6 Italiana, especialista em Biotica e membra do Comit Internacional de Biotica da UNESCO, crtica


ideologia de gnero, referenciada a partir de seu livro Identit di genere?Dalla differenza alla in-di-
fferenza sessuale, de 2008.

7 Ideologia de Gnero: o neototalitarismo e a morte da famlia. Editora Kathechesis, 2012.

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basicamente o feminismo terico estadunidense, que posteriormente se junta


ao lobby homossexual.
Para termos uma noo do avano internacional da ideologia de gnero,
temos a cartilha Lidologie du genre, editada pelo movimento La Manif Pour
Tous (2013), que encampou uma poderosa campanha contra a aprovao da lei
do casamento homoafetivo na Frana (apelidada de mariage pour tous), orga-
nizando manifestaes massivas naquele pas, principalmente em sua capital
Paris, em 2013, ano de aprovao da lei. H tambm uma verso em italiano
dessa cartilha, editada pela vertente italiana desse movimento (ASSOCIAZIONE
LMPT, 2014). Mais recentemente, temos a nota da American College of
Pediatricians (CRETELLA; METER; MCHUGH, 2016), utilizando o termo gender
ideology para afirmar que os fatos biolgicos que determinam a realidade e
no uma ideologia, em referncia questo trans em crianas.
A noo da ideologia de gnero tem sua fermentao no Brasil a partir
de tericos vinculados ao catolicismo, em especial padres e bispos, entretanto
quando chega ao Congresso Nacional alcana as lideranas evanglicas e se
populariza entre os fiis de ambas vertentes do cristianismo. A partir da vitria
da ideologia de gnero, com a retirada do termo orientao sexual do PNE, em
2014, tal discurso instrumentalizado como estratgia de mobilizao popular
contra a destruio da famlia e o avano do marxismo cultural. Logo, a
ideologia de gnero se torna uma bandeira central do avano do conservado-
rismo cristo no Brasil, que marcantemente protagonizado pelos evanglicos
na esfera estatal.
Dentro desse cenrio, a autointitulada psicloga crist, filiada ao Partido
Social Cristo (PSC) e vinculada Igreja Assembleia de Deus, Marisa Lobo, vem
se promovendo a partir do boom da ideologia de gnero no Brasil, publicando
o livro Ideologia de Gnero na Educao, em 2016, distribuindo-o para parla-
mentares e figuras pblicas, alm de organizar um curso de capacitao sobre
ideologia de gnero, no Paran.

Avano do conservadorismo e o atual momento poltico

de acordo com diversas anlises (CRUZ; KAYSEL; CODAS, 2015) que


compreendemos que vivemos, atualmente, um momento de ofensiva do con-
servadorismo poltico no Brasil, que se desenrola em meio a uma crise de
legitimidade governamental culminando no afastamento da presidenta Dilma

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Rousseff (PT) do cargo alm de uma crise econmica nacional, agravada pelo
cenrio de crise internacional. No Brasil, a ofensiva da ideologia de gnero
tomou propores aterradoras, com a realizao de manifestaes populares
conservadoras em diversas cmaras de vereadores e assembleias legislativas
para a aprovao de leis contrrias ideologia de gnero. Apesar da oposi-
o dos movimentos feministas e LGBT em muitas dessas sesses legislativas,
o cenrio geral foi de retrocesso nas polticas sexuais, seja pela retirada da
meno gnero e orientao sexual dos projetos legislativos, ou pela apro-
vao de leis assumidamente repressoras. O momento mais marcante se deu
com os protestos pela retirada da ideologia de gnero dos Planos Municipais
e Estaduais de Educao, que lotaram as casas legislativas em todo o pas, no
ano de 20158.
Logo no incio do primeiro mandato de Dilma (2011-2014) tivemos o pri-
meiro levante conservador contra uma poltica LGBT, por meio de campanhas
nas redes virtuais e denncias nas casas legislativas, desencadeando o cance-
lamento da distribuio dos materiais do Escola Sem Homofobia, fazendo o
Governo Federal recuar a ponto de dizer que no faz propaganda de opes
sexuais. Em seguida, em 2013, o pastor ultraconservador, Deputado Federal
Marco Feliciano (PSC/SP), vinculado a Assembleia de Deus, assume a presidn-
cia da Comisso de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), desencadeando uma
onda de protestos em todo o pas, produzindo srios atritos entre o Governo
Federal e sua base poltica evanglica. Naquele momento no havia ideologia
de gnero, entretanto o acirramento do antagonismo entre as lideranas crists,
principalmente conservadoras, e o campo poltico esquerda j era um dado9.
O conservadorismo cristo, fortemente alinhado com o liberalismo econ-
mico, se tornou um dos alicerces do processo de impeachment da presidenta,
visto para a direta poltica como um smbolo da derrocada das polticas de
esquerda: do marxismo cultural, da ideologia de gnero, da ditadura gay,
da doutrinao comunista. Como apresenta Flvia Biroli (2015), o avano da
ideologia de gnero em nossa sociedade, em sua essncia, uma ameaa

8 Ao menos dez Estados retiraram a ideologia de gnero dos Planos Estaduais de Educao (PEE), e
um nmero muito maior de muncipios fizeram o mesmo em seus planos municipais (PME).

9 Algumas figuras emblemticas do conservadorismo cristo eram antes da base poltica de sustenta-
o do Governo do PT, como Marco Feliciano (PSC/SP) e Eduardo Cunha (PMDB/RJ).

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consolidao de valores bsicos da democracia, como o respeito diversidade


humana, a laicidade do Estado e o combate discriminao e violncia contra
minorias. Em suas palavras:
Vejo as ofensivas contra a ideologia de gnero como a busca de
naturalizao de posies as vises bem situadas e particulares
de alguns, no caso de grupos religiosos, apresentadas como fossem
universais. Nesse caso, o recurso ideia de que existe uma natu-
reza/verdade e uma ideologia/falsidade o dispositivo central para
a universalizao de uma posio bem situada.

Neste sentido, a ideologia de gnero no um fenmeno isolado, sendo


uma especificidade, em termo de polticas sexuais, do avano do conserva-
dorismo poltico no Brasil. Uma estratgia poltica que busca no apenas o
retrocesso das polticas feministas e LGBT, mas tambm a consolidao da
naturalizao do mundo social, visando a manuteno do sistema econmico
capitalista e seu ordenamento sociocultural racista, patriarcal e heterossexista.

Concluso

A reinveno das estratgias polticas do conservadorismo e das direitas


no Brasil vem desencadeando uma srie de retrocessos em termos de polticas
sociais e polticas de direitos humanos, trazendo srios riscos para a consolidao
de processos de ampliao da cidadania e democratizao do poder econ-
mico e poltico. A ideologia de gnero est inserida dentro desse mais recente
ascenso conservador, se tornando o principal discurso opositor possibilidade
de rediscutirmos nossas normas e hierarquias sexuais, ainda estruturalmente fin-
cadas no paradigma cristo heterossexual, cisgnero, monogmico e patriarcal.

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LUTA POR RECONHECIMENTO: DAS CONQUISTAS AOS


RETROCESSOS

Leandro Rocha dos Santos


Mestrando em Filosofia - PPGFIL
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
[email protected]

GT 18 - Ativismos e produes acadmicas LGBT, feministas e queer em tempos de


ascenso conservadora no Brasil

Resumo

Inspirado em algumas discusses filosficas sobre o problema das liberdades


individuais, o objetivo deste trabalho oferecer luz s discusses polticas da
luta por reconhecimento de direitos sexuais das pessoas LGBTI e inferir as reais
consequncias que a sua no concesso provoca, refletindo desde a ausncia
de polticas pblicas e direitos civis, por exemplo, at processos de excluso e
estigmatizao. Como efeito disso, percebe-se um expressivo aumento das vio-
lncias, que so fomentadas por diversas instituies sociais como a famlia, a
igreja e pelo prprio direito por meio de seus legisladores, instncias e ordena-
mentos jurdicos , reificando, ao que nos parece, esse estigma social brasileiro
que so as violncias contra as pessoas LGBTI.
Palavras-chave: liberdade individual; reconhecimento; direitos sexuais; violn-
cias; diferenas

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Introduo

Em uma poca em que as liberdades individuais das pessoas LGBTI1 vm


sendo constantemente restringidas, mesmo diante de significativas conquistas,
surge a necessidade de pensar quais so os agravantes da ilegtima interveno
da sociedade e do Estado na vida de seus membros. O pluralismo e as diferen-
as so caractersticas marcantes da sociedade moderna, e a partir deles que
pensaremos os direitos sexuais das pessoas LGBTI nas democracias contempo-
rneas. Sinalizaremos que sua negao, por parte do Estado e das instituies
sociais, refora os preconceitos e estigmas sociais, contribuindo para o aumento
da violncia psicolgica, simblica e fsica, contrria s bases democrticas.
Ao mesmo tempo, no Brasil, uma questo importante vem sendo revisi-
tada com maior frequncia: as discusses em torno das homossexualidades e
suas agendas de lutas. H, de fato, questes ligadas a essa problemtica que se
tornaram polmicas, dada a falta de adequada compreenso da sua dimenso.
Infelizmente, as discusses em torno da adoo de filhos por casais homossexu-
ais, do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, da luta por visibilidade e
do reconhecimento social, por exemplo, no so levadas to a srio. Esto conta-
minadas por concepes abrangentes, calcadas em uma moralidade, sobretudo,
de vis religioso. A impresso que se tem que, por serem entendidas como
questes marginais, no devem ser discutidas com a devida seriedade, o que
expe de forma clara os golpes pelos quais as liberdades individuais acabam
tendo que enfrentar e evidencia-se, com isso, o crescente avano e consolida-
o de grupos conservadores frente de instncias legtimas de exerccio do
poder representativo, como o caso do Congresso Nacional.

Luta por reconhecimento: agenda de lutas, onda conservadora e


ataques liberdade

Os movimentos de insurgncia que, nos ltimos anos, vm acontecendo


no Brasil, sobretudo, a partir das jornadas de junho de 2013, expem justamente

1 Sigla para designar lsbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexos. Sobre essa discusso,
Jlio Assis Simes e Regina Facchini fazem uma abordagem histrica em Na trilha do arco-ris: do
movimento homossexual ao LGBT (2008).

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esses lados opostos de uma luta que mostra as contradies do sistema capi-
talista, bem como a insegurana poltica em torno da crise representativa de
nossa democracia.
Ressurgem, no meio dessas crises, questes bem mais antigas, sobretudo,
no campo da sexualidade. Setores reacionrios e conservadores se levantam
contra a agenda de lutas dos movimentos sociais, especialmente, contra os direi-
tos sexuais das pessoas LGBTI, os direitos trabalhistas, em favor da privatizao
e do sucateamento da educao pbica, e surgem manobras polticas (inclusive
dentro de partidos intitulados de esquerda), tentando aprovar projetos de lei e
ementas, no intuito de impor uma agenda de retrocessos para o pas. Contudo,
no se pode olhar a contingencialidade desses fenmenos de maneira isolada,
sectria ou critic-las, desconsiderando sua historicidade.
Se formos a fundo, verificaremos que as justificativas dadas por aqueles
que so contrrios concesso de direitos sexuais s pessoas LGBTI so frgeis,
quando no, inconsistentes. H aqueles que se apoiam na tradio, dizendo
que determinadas escolhas no so compatveis com os princpios da famlia
tradicional, da religio e da moral vigente. Mas, como se sabe, tanto a religio
e a moralidade, quanto a famlia, so construes sociais que foram se corpo-
rificando, e compete, portanto, queles que se engajam nessas lutas, o papel
de desnaturalizao desses elementos, pois todos eles so socialmente datados
e geograficamente localizados sob um determinado regime de verdades em
dadas relaes de poder.
Diante disso e dos ataques que as liberdades individuais vm sofrendo, se
faz necessrio propor aes que, articuladas por meio de tticas e estratgias
polticas, reivindiquem no s o direito de exercer a prpria liberdade indivi-
dual, mas sobretudo, que o pleno exerccio dessa liberdade consiga acumular
foras e fazer alianas na luta por reconhecimento. No apenas a participao
direta nos direitos de distribuio, mas, sobretudo, exigir a participao e usu-
fruto dos direitos de reconhecimento.
importante, antes de mais nada, dizer em que consiste os direitos de
distribuio e os direitos de reconhecimento, at mesmo para melhor compre-
ender as motivaes daqueles que os reivindicam. A partir da distino feita
pela filsofa Nancy Fraser (1947-) em relao a esses direitos, Jos Reinaldo
de Lima Lopes (2005, p.72) afirma que os direitos de distribuio so tradi-
cionalmente chamados direitos sociais e tm uma funo especial: desfazer

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as injustias estruturais e inevitveis do sistema de classes existente no capita-


lismo. Mas, para que eles existam, necessrio, antes, admitir algumas coisas:
(a) que existem classes sociais; (b) que as classes sociais no so um
fenmeno csmico, mas institucional e histrico; (c) que as classes
sociais geram situaes de injustia; (d) que a produo social da
riqueza um empreendimento social comum; (e) que a injustia
das classes consiste na apropriao desigual dos resultados sociais
da produo da riqueza; (f) que mesmo aqueles menos capazes
e menos produtivos, se ainda assim forem reconhecidos como
membros da sociedade, tm direito a ser mantidos dentro dela por
mecanismos de distribuio da riqueza. (LOPES, 2005, p.72)

Entretanto, os direitos de reconhecimento possuem, segundo Fraser, outra


dimenso. Por meio deles, podemos pensar em questes mais especficas e
buscar compreender fenmenos que, muitas vezes sem essa compreenso, no
conseguem ser captados de modo inteligvel. Para Fraser (1997) apud Lopes
(2005, p. 72), eles precisam partir dos seguintes pontos:
(a) que existem na sociedade grupos estigmatizados; (b) que os estig-
mas so produtos institucionais e histricos, e no csmicos; (c) que
os estigmas podem no ter fundamentos cientficos, racionais ou
funcionais para a sociedade; (d) que as pessoas pertencentes a gru-
pos estigmatizados sofrem a usurpao ou a negativa de um bem
imaterial (no mercantil, nem mercantilizvel), mas bsico: o res-
peito e o auto-respeito; (e) que a manuteno social dos estigmas ,
portanto, uma injustia, provocando desnecessria dor, sofrimento,
violncia e desrespeito; (f ) que os membros de uma sociedade,
para continuarem pertencendo a ela, tm direito a que lhes sejam
retirados os estigmas aviltantes.

Direito ao reconhecimento, portanto, no direito ao privilgio, mas o


direito de ser visto sem discriminao seja por causa de sua orientao sexual,
credo, cor ou qualquer outra forma de expresso de sua identidade. Na luta por
reconhecimento, portanto, busca-se restituir pessoa ofendida sua dignidade,
tendo como expresso maior a luta pela diferena. o desejo de que as iden-
tidades, sejam elas quais forem, sejam tratadas jurdica e politicamente como
equivalentes, ou seja, o direito de ser diferente e de que essa diferena seja um
trao irrelevante.

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A partir dessa constatao e de seus desdobramentos, a diferena se


apresenta como uma ameaa ordem, e todas as formas de sexualidade no-
-binrias so vistas como anormais, gerando um desconforto s pessoas LGBTI,
vistas como a escria da sociedade e uma ameaa verdadeira famlia. Isso
evidenciado pela agenda de retrocessos e da retirada dos direitos de alguns
grupos estigmatizados como aconteceu em setembro de 2015, por exemplo, na
ocasio da aprovao, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei 6583/2013,
que tramitava desde 2013 na Cmara dos Deputados, conhecido como o
Estatuto da Famlia, que define famlia como a unio entre homem e mulher,
por meio de casamento ou unio estvel, e exclui de sua composio a unio
entre pessoas do mesmo sexo.
O que est em jogo nessa proposta a negativa de direitos s pessoas
LGBTI, a discriminao institucionalizada e, no contexto do regime democr-
tico, o cerceamento aos direitos fundamentais. Ao se deparar com projetos de
lei ou ementas constitucionais como esse, que ferem os princpios democrti-
cos, o que resta a fazer mobilizar os movimentos sociais, articulando lutas
conjuntas com os demais setores da sociedade, para que se impea a ascenso
de setores reacionrios, que constantemente ameaam as conquistas de grupos
estigmatizados.
Frente a essa crescente onda conservadora, preciso atentar para duas
questes. Por um lado, exigir que o Estado garanta as condies para que haja
o desenvolvimento das liberdades e das expresses identitrias mais diferentes.
Por outro, desconfiar dos discursos que enxergam na lei o nico instrumento
eficaz de combate s violncias s quais as pessoas LGBTI so submetidas.
H um grande equvoco em pensar que assegurando essas condies ou que
somente a criminalizao das violncias s pessoas LGBTI, por exemplo, dimi-
nuir-se-o os crimes de dio ou extinguir-se-o os preconceitos arraigados na
cultura. Prova disso a persistncia da violncia contra as mulheres, que refora
a ideia de que a criao da Lei Maria da Penha no foi (e ainda no continua
sendo) suficiente, em si mesma, para diminuir os nmeros da violncia pelo
contrrio, trouxe tona contradies e gerou grande sentimento de impunidade
frente s estatsticas.
Contudo, algumas polticas vm sendo implementadas ao longo dos anos
para que a populao LGBTI tenha sua cidadania assegurada, como o caso
do uso do nome social por pessoas transexuais. Mas, entre a lei e a prtica,
h um abismo que separa as pessoas transexuais das demais pessoas, pois,

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quando precisam utilizar desses recursos, frequentemente passam por situaes


de humilhao, constrangimento e vexame, como no caso constatado recen-
temente na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) em que um
estudante transexual, ao recorrer ao Posto de Atendimento Mdico da refe-
rida Instituio, fora discriminado, como relatado em nota pela Associao dos
Docentes da Universidade Rural (ADUR):
A usual postura de desrespeito administrativo aos direitos tem
resultado em prticas de violncias transfbica e de gnero siste-
mticas nas universidades. O mais recente caso foi tornado pblico
pela denncia de violncia contra o discente transexual que, num
momento de vulnerabilidade resultante de prtica de assdio den-
tro da universidade, tentou suicdio. A cadeia de prticas abusivas
no se interrompeu e ao buscar o Posto de Atendimento Mdico
da UFRRJ foi caluniado, mal atendido e ferido tanto pela autori-
dade mdica, quanto pela assistncia em enfermagem (que acusou
de falsificao de documento por constar no mesmo seu nome
do registro civil e seu nome social). Este fato por si s apenas
uma demonstrao de como a administrao central da UFRRJ
tem sido negligente no que diz respeito garantia de direitos da
populao LGBTTI ruralina. Mas para alm das triviais e inefica-
zes sindicncias, as quais no punem quem violenta, exigimos que
este caso seja encaminhado aos Conselhos Regionais de Medicina
e Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, com vistas a avaliar
o comprometimento tico desses trabalhadores diante de um
paciente em situao de extrema vulnerabilidade. (ADUR, 2016)

Nesse sentido, e a partir desses apontamentos, a criminalizao como


nica forma de combate s violncias, seria, no mnimo, utpica, quando no,
romntica. fundamental tipificar os crimes de dio praticados contra as pes-
soas LGBTI, porm sua criminalizao, como um fim em si mesmo, deve vir
acompanhada de polticas pblicas que deem conta das especificidades pelas
quais as pessoas LGBTI passam, desde o incentivo de amplos debates nacionais
sobre a questo da educao sexual e de gnero nas escolas, at a aprovao
de leis afirmativas que garantam a cidadania plena da populao LGBTI.
Tambm precisamos questionar e criticar o binarismo de gnero, que
exclui e promove processos de naturalizao. Nesse sentido, a proposta dos
ps-colonialistas, dos queer e dos saberes subalternos a de uma poltica da
diferena, do reconhecimento de quem diferente para transformar a cultura

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hegemnica. Uma poltica da diferena exige, portanto, uma necessidade de ir


alm da tolerncia e da incluso, mudando a cultura como um todo por meio
da incorporao da diferena, do reconhecimento do Outro como parte de
todos ns.

Consideraes finais

Nosso objetivo, com essa discusso, foi evidenciar os retrocessos e con-


sequncias que essa falta de tolerncia e acentuado preconceito fomentada,
sobretudo, pela moral crist e legitimada muitas vezes pelo prprio Estado
desencadeia na sociedade. Por isso, importante resgatar duas coisas: primeiro,
a importncia do respeito individualidade e sua expresso como forma de
enriquecer a sociedade por meio da diferena de identidades e culturas e, em
concomitncia, refletir sobre o quo malfico pode ser a interferncia pater-
nalista do Estado quando esse no respeita a laicidade que o fundamenta e,
sobretudo, quando seus representantes ferem os princpios democrticos.
Feitas essas consideraes, nosso intuito foi considerar tambm que a
luta pela liberdade individual nem sempre foi uma constante na histria do
pensamento humano. Assim como a luta pelos direitos das mulheres, a luta por
reconhecimento e pelos direitos sexuais das pessoas LGBTI, por exemplo, tam-
bm um fenmeno que precisa ser historicizado, uma vez que os problemas
podem se alterar mediante as relaes e dinmicas prprias de cada momento
histrico. O que se constata atualmente que, diferentemente de outras po-
cas, as liberdades individuais vm sendo ameaadas, a ponto de no se saber
mais at onde a sociedade, a religio, a famlia, o direito e o Estado podem ou
no intervir na liberdade dos indivduos. Enquanto os princpios que organizam
nossa sociedade estiverem fundamentos em vises tradicionais, calcadas em
uma moralidade, sobretudo, de origem crist, e no em princpios polticos, ser
praticamente impossvel haver conquistas e avanos importantes.
Vrios desafios se apresentam como urgentes frente agenda de lutas
e da onda conservadora que est em curso, sobretudo, na luta por reconhe-
cimento das pessoas LGBTI. O importante no se resignar, se colocar em
movimento, provocar rupturas e resistncias, contestando veemente o modelo
heterormativo de sociedade, na tentativa de romper as imposies dos padres
de comportamento heterossexista e desmantel-lo, por meio de prticas dis-
cursivas, estratgias e tticas de enfrentamento. E, com isso, demonstrar as

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reais consequncias que essa internalizao e padronizao da igualdade (e


repulsa diferena) ocasiona, marginalizando e excluindo comportamentos ou
expresses que fujam s regras da normalidade, tornando passvel de repulsa,
violncia, constrangimento e opresso s diferenas.

Referncias

ADUR. Nota de Repdio Administrao Central da UFRRJ sobre casos de trans-


fobia e violncia de gnero. Disponvel em: <http://www.adur-rj.org.br/portal/
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DIVERSIDADE E SEXUALIDADE EM GRUPOS DE


DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS: REFLEXES
SOBRE A PRTICA EM SADE

Mariana Galvo Pereira


Mestranda em Enfermagem
Faculdade de Enfermagem/Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

Luiza Vieira Ferreira


Mestranda em Enfermagem
Faculdade de Enfermagem/Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

Rafael Carlos Macedo de Souza


Mestrando em Enfermagem
Faculdade de Enfermagem/Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

GT 21 - Polticas pblicas, processos educativos e subjetividades: reinvenes,


potencialidades e tenses na temtica da diversidade sexual

Resumo

Os direitos sade sexual e sade reprodutiva so direitos humanos, conso-


lidados em leis nacionais e declaraes internacionais. No existe direito mais
importante que outro, o que existe a necessidade do pleno exerccio da cida-
dania, atravs do conjunto dos direitos humanos. O objetivo refletir sobre a
prtica dos Grupos de Direitos Sexuais e Reprodutivos e buscar subsdios teri-
cos para consolid-lo como um local para o dilogo amplo sobre sexualidade e
diversidade de gnero. E para, alm disso, propomos aqui estratgias para que
esse espao seja algo para alm dos padres heteronormativos. Indicamos que
os grupos educativos sejam espaos menos tcnicos e cada vez menos utilizem
metodologias da educao tradicional.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; poltica; gnero; homocultura.

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Introduo

O direito a sade inicialmente descrito em nosso pas como direito


social no Art. 6 da constituio, consolidado como direito de todos e dever
do Estado no Art. 196. Para garantia dos direitos o Sistema nico de Sade
(SUS) foi criado por intermdio da lei n 8.080/1990, descrevendo como seus
princpios: a equidade, a integralidade, universalidade e a participao social.
Entendendo que o conceito ampliado de sade considerado para alm da
ausncia de doenas e esse trabalho tem o intuito de refletir sobre o direito
sade sexual e reprodutiva.
Os direitos sade sexual e sade reprodutiva so direitos humanos,
tambm, consolidados em leis nacionais e declaraes internacionais. Os direi-
tos humanos se inscrevem na tica dos direitos sociais, partindo do pressuposto
que estes so universais, inerentes condio de pessoa e no relativos inser-
o social ou cultural. Respeitar os direitos humanos promover a vida em
sociedade, sem discriminao, e para a igualdade de direitos necessrio o res-
peito s diferenas. No existe direito mais importante que outro, o que existe
a necessidade do pleno exerccio da cidadania, atravs do conjunto dos direitos
humanos (BRASIL, 2013).
Em esfera nacional, citamos como marcos em termos de legislaes refe-
rentes aos direitos sexuais e reprodutivos o Programa de Assistncia Integral
Sade da Mulher (PAISM/1984); a Constituio Federal de 1988; a Lei n
9263/1996 que regulamenta o planejamento familiar; a Poltica Nacional de
Ateno Integral Sade da Mulher 2004; a Poltica Nacional dos Direitos
Sexuais e os Direitos Reprodutivos 2005; a Portaria n 2.836/2011 que institui
a Poltica Nacional de Sade Integral de Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (BRASIL, 2013).
Podemos notar a importncia do tema para a promoo da sade da
populao em geral, alm da reduo da vulnerabilidade de grupos populacio-
nais que possuem seus direitos humanos violados em funo da sexualidade
como a populao LGBTTI, as profissionais do sexo e as pessoas que vivem com
HIV/Aids. E tambm os grupos que erroneamente se pressupe uma inatividade
sexual, como idosos, deficientes fsicos, adolescentes, pessoas em situao de
priso e de rua (BRASIL, 2013).
O conceito de vulnerabilidade estabelecido por Ayres (1999) para com-
preender de forma mais completa o complexo processo das prticas de sade

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como sociais e histricas, necessitando da interveno de outros setores da


sociedade. Portanto, os profissionais de sade exploram as vulnerabilidades
individual; compreende o grau de qualidade de compreenso da informao e
de aplicao da mesma em sua vida; social; os fatores sociais que determinam
o acesso s informaes, exposio a violncia, educao, trabalho, moradia,
lazer e outros; e programtica; refere-se ao grau de comprometimento das insti-
tuies, do gerenciamento, dos recursos nos diversos nveis de ateno.
Partindo do pressuposto que todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direito, a orientao sexual e a identidade de gnero
no deveriam ser motivos para discriminao e por consequncia de aumento
de vulnerabilidade, porm, a realidade que mesmo com leis e Constituies
a violao desses direitos ainda acontece, por meio do dio, do preconceito,
da excluso e at mesmo da violncia fsica (PRINCPIOS DE YOGYAKARTA,
2007).
Sendo assim, o objetivo refletir sobre a prtica dos Grupos de Direitos
Sexuais e Reprodutivos (GDSR) e buscar subsdios tericos para consolid-
-lo como um local para o dilogo amplo sobre sexualidade e diversidade de
gnero. E para, alm disso, propomos aqui estratgias para que esse espao seja
algo para alm da educao tradicional.

O fazer na APS: instrumentalizando o espao da diversidade

A APS (Ateno Primria a Sade) destinada a promover a qualidade


de vida, a desenvolver as habilidades pessoais, a autonomia do indivduo e
a criao de ambientes favorveis sade que iro proporcionar um maior
conhecimento do indivduo pela sua prpria sade, contribuindo assim, com
uma maior adeso no desenvolvimento do autocuidado (ROCHA et al., 2012;
PINTO; CYRINO, 2015). E para que exista xito dos usurios do SUS na prtica
do autocuidado, os profissionais de sade devero realizar uma prtica mais
humanizada reconhecendo a subjetividade de cada ser, garantindo desta forma
o que preconizado pelo Art. 4 da Carta dos Direitos dos Usurios do SUS
(2011) acrescido do respeito ao direito da pessoa de ser atendida sem distino
de idade, etnia, religio, orientao sexual, identidade de gnero dentre outros.
Antes mesmo da divulgao da Carta dos Direitos dos Usurios do SUS
(2011), tivemos a 13 Conferncia Nacional de Sade (BRASIL, 2008) que teve
discusses pautadas na incluso da orientao sexual e da identidade de gnero

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como fatores de determinantes sociais da sade, como, uma forma de se tam-


bm garantir os direitos sexuais e reprodutivos.
Os primeiros desafios para se fazer valer o direito de todo cidado vai ao
encontro do que seria a implementao de estratgias para garantir a acessi-
bilidade da populao nas instituies de sade, principalmente, a populao
que possui maiores vulnerabilidades como a populao LGBTTI. E, essa imple-
mentao de novas estratgias, tem o objetivo de diminuir a discriminao e
promover o direito sade de todos (BRASIL, 2012).
Quando se trabalha em um servio de sade que est intimamente ligado
a rotina da comunidade adstrita, uma das melhores formas de se promover a
sade indo at as pessoas que iro compor o pblico alvo da ao que se
pretende desenvolver; o que poder proporcionar o desenvolvimento de uma
ao transformadora que envolver a sociedade em toda a sua totalidade.
Mas, atualmente, o fazer na APS sofre uma inverso de valores e est
focada em um quantitativo de atendimentos por dia, sendo estipulado um limite
mximo de 15 minutos por atendimento individual e 60 minutos para o desen-
volvimento de atividades educativas nvel primrio de ateno, limitando-se
a realizao de 2 aes educativas ao ano (JUIZ DE FORA, 2016). Ento, como
ficaria a realizao das aes educativas voltadas para a promoo da sade,
como a realizao dos GDSR? Enfrentaramos um retrocesso na prtica da pro-
moo da sade como um espao destinado para a construo de um saber
coletivo?

A diversidade de gnero no GDSR

O GDSR se apresenta como uma das vrias aes educativas que devem
e podem ser realizadas pelos profissionais que atuam na APS. Nas atividades
em grupo, os sujeitos se mostram como participantes ativos no processo, pos-
sibilitando a construo do conhecimento a partir das experincias do saber
popular em articulao com o saber cientfico, proporcionando uma dialogici-
dade entre os atores envolvidos (FREIRE, 2004). Assim, possvel que a pessoa
reconhea suas necessidades e compartilhe suas dvidas de forma a possibilitar
uma articulao com as discusses sobre sexualidade, diversidade de gnero,
reproduo, contracepo e relaes sociais (BRASIL, 2013).
A ao de educao em sade tem o intuito de sensibilizar a comunidade
sobre a igualdade entre os sexos; sobre o conhecimento do corpo humano;

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as maneiras de prevenir infeces sexualmente transmissveis; o planejamento


familiar e/ou mtodos contraceptivos; o sexo como algo alm da reproduo
humana, mas constitutiva de relaes amorosas e afetivas entre pessoas; as dife-
renas dos conceitos de sexo e gnero; o respeito s diferenas (BRASIL, 2009).
O desenvolvimento dessa ao educativa fica a cargo dos profissionais
de nvel superior que atuam na APS, como: enfermeiros, mdicos, assistentes
sociais e dentistas, podendo, ainda, promover uma articulao com os demais
profissionais do servio. Na populao participante dos grupos, temos pessoas
gays, bissexuais, lsbicas, travestis, transexuais e hteros, cabe ao servio e aos
profissionais compreender que as demandas de cada grupo so complexas e
nicas, necessitando que os grupos se adequem para respond-las de maneira
resolutiva, inclusiva e com qualidade (BRASIL, 2013).
Durante os grupos, os profissionais devem utilizar-se da linguagem sim-
ples, acessvel a todos os presentes, alm de realizarem suas aes seguindo
seus preceitos ticos, almejando sempre o adequado acolhimento e auto-
nomia das pessoas, para isso faz-se necessrio abordar os participantes com
uma escuta atentiva, ouvir o outro sem expressar juzo de valor e preconceitos,
reconhecendo este outro como um ser nico, singular e dono de suas aes
(BRASIL, 2013).
Uma reviso integrativa sobre sexualidade e enfermagem realizada em
duas revistas principais da rea, apontam o quanto o conceito de sexualidade
para a profisso ainda arraigada nos aspectos biolgicos (COSTA; COELHO,
2011). Outros estudos mostram a dificuldade de acesso da populao LGBTTI
aos servios de sade, destaca-se o preconceito por parte dos profissionais que
restringe esta populao ao buscar pelo servio, assim os usurios relataram
que utilizam dos servios apenas em casos de sintomas patolgicos, mantendo
um conceito de sade ligado apenas ausncia de doenas (GARCIA, et al.,
2016; TAQUETTE; RODRIGUES, 2015).
Nos estudos supracitados e em nossa vivncia, presenciamos como a
LGBTfobia invade os servios de sade e fere as diretrizes do Sistema nico
de Sade (SUS), os direitos humanos e os direitos sociais constitucionais. Ento,
toda a distncia do servio de sade pode agravar ainda mais a vulnerabilidade
dos sujeitos envolvidos nesse novo movimento social, o que nos aproxima da
necessidade de buscar consolidar o espao dos GDSR como um local para
promover a sade sexual, sensibilizando sobre as diferenas, sendo um espao
inclusivo e que acontea para alm dos muros e horrios fixos da Unidade de

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Sade, mas que ocorra tambm em ambientes sociais e de uso coletivo, como:
escolas, praas, quadras entre outros.

Consideraes finais

A criao de polticas de sade para grupos especficos algo inicial-


mente antagnico aos princpios supracitados, como a universalidade. Porm, a
realidade brasileira repleta de iniquidades que devem ser combatidas diaria-
mente por todos os profissionais de sade.
Do ponto de vista epidemiolgico, a ateno a sade da populao LGBTTI
deve compreender que os agravos sade esto intrinsecamente ligados aos
determinantes sociais de sade. Sendo assim, enfatizamos que as necessidades
de sade, no dizem respeito apenas s consequncias das representaes que
recaem sobre suas prticas sexuais e modos de vida, sendo consideradas des-
viantes do padro de normalidade, implicando uma heteronormatividade moral
vigente nas relaes humanas. Esse pressuposto inicial pea-chave para a
compreenso de como as prticas sexuais no-heterossexuais so concepes
patologizantes como forma de justificar o atendimento da populao nos servios.
Entendemos que a insero do tema de valorizao da diversidade sexual
e de gnero nos servios de sade so um passo importante para alcanarmos
um respeito e diminuio dos preconceitos. O primeiro passo a integrao
das polticas de sade integral das minorias nos currculos em sade, pois so
esses que estaro atrs da mesa acolhendo - ou no - a todos usurios. O res-
peito diversidade uma luta que cabe a todos, uma vez que, cada episdio
de preconceito nos servios nos afasta da construo de um SUS realmente
equnime, universal e integral.
Indicamos que os grupos sejam espaos menos tcnicos e cada vez menos
com metodologias da educao tradicional. Por que no utilizar, as artes: o
cinema, a msica, a performance, as pinturas. Os GDSR, alm de um espao
para sensibilizar a populao em geral uma maneira de aproximar os pro-
fissionais da rede para o tema de sade da populao LGBTTI. Alm de um
espao de contracepo e reproduo, defendemos um espao de uma prtica
dialgica e que construa o respeito a diversidade humana.

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GNERO: O QUE O CRISTIANISMO PRECISA SABER?

Rodrigo Henrique de Jesus Nascimento


Graduando em Servio Social1
Pontifcia Universidade Catlica do Paran
[email protected]

GT 22 - Educao, religio e direitos humanos: dilogos interdisciplinares sobre a


diversidade sexual e de gnero

Resumo

A partir de um levantamento de artigos que tenham como temas gnero e


sexualidade na rea da cincia da religio, pretendemos apresentar elementos
discutidos sobre o ser mulher. A histria produzida para construir uma femi-
nilidade submetida aos interesses patriarcais. A partir de onde comeamos a
construir a igualdade de gnero nas religies? Sabendo as relaes de poder
que se (inter)relacionam com gnero. O processo scio-histrico e as fases
de desenvolvimento da moral religiosa a partir das lutas sociais, feminista. E
apontar de que maneira a defesa pelos/por Direitos Humanos faz-se urgente,
necessria e possvel.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; religio; gnero; educao; direitos
humanos.

1 Pesquisador do Grupo de Pesquisa Educao e Religio (GEPER), desta mesma instituio.

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Introduo

O caminho que se percorreu foi uma pesquisa em instituies de ensino


com rea de cincia da religio e seus respectivos peridicos, assim, neste,
identificar a partir dos ttulos quais tratavam sobre os temas de gnero. Entre as
muitas coisas encontradas, reunimos uma sntese que elenca os papis sociais
de gnero, e as im(a)plicaes na religio partir de conceitos como corpo,
aborto, feminismo, teologia da libertao.
Suscitaremos reflexo do ensino religioso, o que aprendemos? O que
sabemos? importante pautar os desafios pedaggicos do ensino religioso
e, concomitantemente, das de ser homem e ser mulher com as sexualidades.
Assim,
identificar nos discursos, particularmente nos religiosos, os aspec-
tos que promovam a vida e a valorizao de todos os seres, bem
como reconhecer suas limitaes e intrincados jogos de poder
que evidenciem discursos de superioridade de uns sobre outros,
funo da Educao como um todo e do Ensino Religioso espe-
cialmente. (JUNQUEIRA, Srgio; SCHLOGL, Emerli; KLUK, Claudia
Regina, 2013, p. )

Gnero, Religio e Sociedade

Particularmente no ocidente h maior incidncia do cristianismo, consi-


derando tambm a colonizao portuguesa que trouxe toda a sua inquisio
e discursos padres de civilidade conseguimos compreender a influncia que
tivemos a um pensamento colonializado. No imaginrio e santificado temos
Eva e Maria, aquelas que, enquanto mulheres, representaram a feminilidade da
sociedade. Eva quem comeu o fruto proibido e Maria quem teve os pecados2
da criao redimidos ao ser escolhida para a maternidade daquele que era o
messias. Neste sentido,

2 JARSCHE. Haidi l. A verso mtica da mulher como origem do mal (sofrimento), do conhecimento e
do pecado o cerne da tradio patriarcal. Se tiramos a serpente, a rvore e a mulher da cena, no
teremos pecado, nem inferno, nem castigo eterno e nem necessidade de salvador! (1994, p. 34)

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somos culpabilizadas principalmente atravs dos nossos corpos.


Ele considerado santurio do desejo e do pecado. Somos acu-
sadas da origem do mal no mundo. Responsveis pelo sofrimento
humano e pelo juzo final, tambm! Como se no bastasse todas
as atrocidades ditas e cometidas pela posio misgina, inven-
taram a Maria, me de Jesus, como modelo perfeito de mulher:
calada, submissa, obediente, pura e virgem. Seu papel? Redimir a
culpa de Eva!! Esta mulher est no imaginrio feminino catlico at
hoje. E tambm no imaginrio dos homens, que a criaram. Mas,
esta Maria santa criada para submeter s mulheres j no o
nico modelo de f que prevalece no meio popular As mulheres e
homens populares libertrios/as compreenderam a vida de Maria
de Nazar atravs do Magnificat (Lc 1), ressignificando sua f numa
mulher libertada, proftica e corporalmente mulher como outra de
sua poca. (JARSCHE. Haidi l, 1994, p. 40)

Por este motivo, os movimentos feministas tencionaram novos elementos


para perceber o mundo, mas principalmente a religio para as mulheres. No
discurso e no corpo3, a resistncia4 ao poder,
[...] tambm aparece relacionado sexualidade. Sofrimento e
represso, caracterizados por uma situao de pecado, so experi-
mentados por muitas mulheres ao nvel da sexualidade. nesta rea
que, de maneira especial e massiva, as mulheres experimentam nos
seus corpos o efeito de uma ideologia patriarcal. (JARSCHE. Haidi
l, 1994, p. 29)

3 HUNT, Mary. Creio que o corpo um instrumento de conhecimento a partir do momento em que
ele se torna um mecanismo para conhecer o mundo que nos cerca. Ter um corpo bonito, perfeito,
diferente de ter um corpo deficiente ou enfermo, porque temos que superar nossas limitaes para
compreendermos o lugar de nosso corpo no mundo. Assim, tambm, quando nosso corpo enve-
lhece, nossa relao com o mundo vai se transformando, pois novos limites nos so colocados. O
corpo, secularmente manipulado, o primeiro lugar de opresso das mulheres. Pode-se dizer que
ele o locus no qual o patriarcado encenado. (2007, p. 49)

4 HUNT, Mary. Desde que Eva foi culpabilizada pelo mal da humanidade, nosso pecado est impresso
em nossa alma e o nosso corpo o reflexo desse pecado, por isso sempre sedutor, tentador. Significa-
tivamente, aquilo que deveria ser qualidade do ser humano (seduo) visto ao reverso, como sinal
de inferioridade e maldio. (2007, p. 50)

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A principal forma de enfrentamento a cultura patriarcal, portanto, est


partir do (re)conhecimento da identidade mulher, do corpo para resistir e a
ideologia qual funda partir do feminismo. Uma das principais lutas enquanto
direito reprodutivo e o mais cerceado pelo religioso o aborto e
[...] se, por um lado, a utilizao da noo dos direitos reprodutivos
trouxe alguns problemas de ambiguidade, por outro, ela ampliou a
noo de cidadania das mulheres para alm da reproduo e como
um direito que permitiu cruzar, do ponto de vista do exerccio da
poltica, os direitos individuais com a retomada do enunciado meu
corpo me pertence (para reafirmar o direito interrupo de uma
gravidez indesejada, ou escolha do mtodo contraceptivo e ao
uso de tecnologias), e com a noo dos direitos sociais que dizem
respeito a toda a sociedade. (OLIVEIRA, Eleonora. 1994, p. 3)

O direito de abortar como direito de quem aborta5; como direito de


mulher, combate o proibicionismo advindo de uma instituio patriarcal como
igreja6. Sampaio apresenta a ideia de que a sociedade por si s abortiva. O
princpio da vida to reclamado pela igreja, est sendo abortado na miserabi-
lidade. E ns, ainda discutindo as suas picuinhas dogmticas (SAMPAIO, T.
M. V, 1994, p. 65). A impresso at aqui que na solido da luta pela despe-
nalizao do aborto que as mulheres tm enfrentado esse princpio carregado
de uma lgica constru da na tica do egosmo, da moral e do patriarcado
(OLIVEIRA, Eleonora. 1994, p. 7).
Baseamos os direitos sexuais e reprodutivos como uma das reivindicaes
que abarca uma srie de mudanas necessrias para a mulher hoje. Evidente

5 TOMITA, Luiza Eskito. A misoginia e a dominao/opresso sobre as mulheres claramente percep-


tvel nos documentos da igreja que procuram normatizar e controlar o corpo da mulher. E a forma
mais poderosa de se controlar o corpo da mulher normatizar seu poder de fecundar e procriar.
Aborto significa o domnio que a mulher pode ter sobre seu corpo e sexualidade para procriar no
momento que lhe convm. (1994, p. 28)

6 CARNEIRO, Fernanda. As proibies doutrinrias acerca deste ato revelam atitudes de poder tem-
poral, motivadas por uma subjetividade constru da com valores que subordinam a mulher e no a
respeitam como ser autnomo e maduro e que impregnam as estruturas de poder das igrejas. (1994,
p. 11)

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que na subjetividade de cada sujeito esto os interesses de como vive l, mas


cabe ressaltar que a politizao e a empatia para o que acontece cotidiana-
mente s mulheres so relevantes tica humana. O principio da vida pblica,
dos interesses pblicos, das obrigaes do Estado de direito, do reconheci-
mento da dignidade7 e tudo que pertinente/processual/sintomtico s relaes
de gnero no sistema do patriarcado. H em comum,
[...] idia de que vivemos em um mundo violento. Confere-se
violncia um certo status ontolgico, como se fosse universal e
essencial dinmica social. Ela, a violncia, deixa o acanhado lugar
de adjetivo para se transformar em um destacado substantivo.
senso comum que a violncia parte integrante da sociedade.
Senso comum, como se isso fosse um dado natural. Mas o senso
comum ele mesmo um dado cultural. (SOUZA, Sandra Duarte,
2007, p. 15)

Nada aqui isenta o homem, particularmente, a construo da masculini-


dade. Muito pelo contrrio: falar violncia de gnero responsabiliza o masculino,
o patriarcado.
As representaes socioculturais de homens e mulheres, que
evocam a desigualdade social baseada na diferena sexual, so
sacramentadas pela religio, naturalizando, dessa forma, a violncia
de gnero. A prpria representao da divindade crist como mas-
culina um indicador do lugar privilegiado de poder do homem
em nossa sociedade. (SOUZA, Sandra Duarte, 2007, p. 18)

A religio, seja qual for a origem, sempre foi decisiva na definio de


padres comportamentais femininos. (ALMEIDA, Jane Soares.2007 p. 60). (Re)

7 CARNEIRO, Fernanda. a vitalidade de uma mulher, como direito originrio de existncia digna,
que se afirma no exerccio de sua liberdade. E liberdade, aqui, a capacidade de incluir-se no do-
mnio da histria e fazer escolhas imersas no meio ambiente concreto, cotidiano, ntimo, pessoal.
Trata-se de um ato pessoal, sem nenhum efeito danoso sobre a humanidade, a no ser se realizado
nas condies atuais de negligncia) indiferena, desamor e ausncia de solidariedade. A, sim, um
desastre ecolgico indefensvel e que atinge somente as mulheres em sua sade e dignidade. (1994,
p. 10)

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forando a cultura a partir dos seus discursos de sagrado e profano, publico e


privado. E Almeida fundamenta,
Para as mulheres, a situao de inferioridade em que viviam no
espao privado estendeu-se ao espao pblico, tendo como agra-
vante as dificuldades oriundas do meio familiar representadas pela
dupla jornada de trabalho e o cuidado com a famlia. Esculpia-se,
assim, uma ambigidade em relao ao sexo feminino: se, por um
lado, existia o desejo de serem esposas e mes, por outro lado
o anseio de fazer parte da populao economicamente ativa sig-
nificava deixar o primeiro espao ao abandono. (ALMEIDA, Jane
Soares.2007 p. 55).

Portanto, o casamento e a maternidade eram a salvao feminina;


honesta era a esposa me de famlia; desonrada era a mulher transgressora que
desse livre curso sexualidade ou tivesse comportamentos em desacordo com
a moral crist. (ALMEIDA, Jane Soares.2007 p. 59). E na poltica usada exa-
tamente destas formas. Elevando a famlia ao patamar de estruturao natural,
santificado e reconhecido, e problemas (re)correntes era responsabilidade da
mulher por suas aes. Com isso, [...] por meio da presso da Igreja Catlica
tinha como alvo principal a sexualidade feminina que, ao ultrapassar o permi-
tido, ameaaria o equilbrio da famlia e do grupo social. (2007, p. 59).

Feminismo

Em contrapartida a isso tudo, h dentro da prpria igreja catlica movi-


mentos que disputam a subverso desta lgica. Existem vrias tendncias deste
processo, mas indico particularmente a teologia feminista. Tomita apresenta,
A teologia feminista da libertao, com seu bero na teologia
da libertao latino-americana, busca ser uma reflexo feita por
mulheres no contexto sociopoltico dos excludos na Amrica
Latina, a partir de uma perspectiva de gnero. Neste sentido, a teo-
logia feminista da libertao quer refletir sobre os temas atuais que
provocam e desafiam as mulheres na vida cotidiana em busca de
sua autonomia enquanto seres de plenos direitos. (TOMITA, Luiza
Eskito, 2007, p. 50)

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

H sim, histrias para acontecer/acontecendo dado o engajamento e as


conquistas at ento. Acrescente-se a isso a variedade de situaes de vida
das mulheres economia, idade, raa, nacionalidade e ficar bvio que as
escolhas so mais condicionadas s atuais diferenas de qualidade do que de
quantidade para mulheres em todo o mundo, afirma Hunt (2007, p. 40). A
mudana , segundo Boff,
mensagem e a prtica de Jesus significam uma ruptura com a situa-
o imperante e a introduo de um novo tipo de relao fundado,
no na ordem patriarcal da subordinao, mas no amor indiscrimi-
nado que inclui a igualdade entre o homem e a mulher. A mulher
irrompe como pessoa, filha de Deus, destinatria do sonho de Jesus
e convidada a ser, como os homens, tambm.

Consideraes Finais

A contribuio da teologia feminista toca principalmente a luta por Direitos


Humanos. Esta luta tem o carter pedaggico de desconstruir ao mesmo tempo
em que constri uma nova sociedade e novas sociabilidades, pautadas na igual-
dade, equidade e justia social.
Tirar da religio todo o pecado, todas as fogueiras, todas as inquisies
para anunciar a transformao. Impedindo o aprisionamento por meio de
discursos religiosos duvidosos, culposos e criminalizantes para permitir a liber-
dade do pensamento, conhecimento e, fundamentalmente da vida. Os Direitos
Humanos precisam do Estado Laico!

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Referncias

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pectiva histrica. Mandrgora. Vol. 13, No 13. 2007. p. 52-63

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HUNT, Mary. O direito humano justia reprodutiva: uma perspectiva feminista teo-
-tica. Mandrgora. Vol. 13, No 13. 2007. p. 39-44

JARSCHE, Haidi I. Corpo de mulher, corpo culpabilizado. Mandrgora. Vol. 1, No 1.


1994. p. 29-42

JUNQUEIRA, Srgio; SCHLOGL, Emerli; KLUK, Claudia Regina. Ensino religioso: um


estudo sobre sua relao com gnero e orientao sexual Religare 10 (2), 142-151,
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OLIVEIRA, Eleonora M. Aborto / Cidadania: tecendo a democracia. Mandrgora. Vol.


1, No 1. 1994. p. 1-8

SAMPAIO. Tnia M. O corpo excludo de sua dignidade - uma proposta de leitura


feminista da profecia. Mandrgora. Vol. 1, No 1. 1994. p.42-52

SOUZA, Sandra Duarte. Violncia de gnero e religio: alguns questionamentos que


podem orientar a discusso sobre a elaborao de polticas pblicas. Mandrgora.
Vol. 13, No 13. 2007. p. 15-21

TOMITA, Luiza E. Aborto no Brasil colonial - uma resenha. Mandrgora. Vol. 1, No


1. 1994. p. 25-28

TOMITA. Luiza E. Da excluso a objeto de prazer: o corpo das mulheres oferece notas
para uma reflexo teolgica feminista. Mandrgora. Vol. 13, No 13. 2007. p. 45-51

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ISBN 978-85-61702-44-1 1140 de Estudos sobre a Diversidade
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RELAES DE GNERO, FEMINISMOS E COMUNICAO


PARA A CIDADANIA: A PERSISTNCIA DA UBREPRESENTAO
DAS MULHERES E DA INVISIBILIDADE DAS LSBICAS NA
PRODUO DE CONHECIMENTO

Cludia Regina Lahni


Ps-doutora em Comunicao (UERJ)
UFJF-Facom
[email protected]

Daniela Auad
Ps-doutora em Sociologia (UNICAMP)
UFJF-Faced
[email protected]

GT 23 - Imprensa gay em questo

Resumo

Contribuir para a construo de uma sociedade igualitria, com reflexo e ao.


Este o objetivo do presente trabalho, que se encaminha em tal sentido a partir
de uma pesquisa que colabora com a constituio de um campo de interseces
entre Comunicao para a Cidadania, Educao e Relaes de Gnero. Para
isso, mostramos a memria dos trabalhos apresentados no Grupo de Pesquisa
Comunicao para a Cidadania da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicao), com temas sobre Relaes de Gnero, em
2015, quando se deu a comemorao dos 40 anos de 1975, Ano Internacional
da Mulher, institudo pela ONU. A anlise da investigao comparada ao que
foi apresentado em 2005, verificando-se a autoria, temas e aportes tericos dos
artigos.
Palavras-chave: Relaes de Gnero; Feminismos; Direito Comunicao,
Lesbianidades, Mulheres e Conhecimento.

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Introduo

Em 1 de janeiro de 2015, Dilma Rousseff foi empossada presidenta do


Brasil, iniciando o exerccio de seu segundo mandato no cargo. Dilma (PT),
primeira mulher presidenta da Repblica, foi eleita no ano anterior, com mais
de 54 milhes de votos. J em maro de 2015, houve protesto nas ruas, que
pedia a renncia ou o afastamento da presidenta. Em 17 de abril de 2016, com
acusao de crime de responsabilidade por pedaladas fiscais, a Cmara dos
Deputados autorizou o processo de impeachment, sendo que em 12 de maio
assumiu o presidente interino Michel Temer (PMDB). Em 8 de julho de 2016,
foi noticiado que, conforme a Procuradoria da Repblica, a pedalada no
crime1. O processo de impeachment continuou.
Em outubro de 2015, entre outras aes, com uma reforma administrativa,
o ento Governo Dilma criou o Ministrio das Mulheres, da Igualdade Racial,
da Juventude e dos Direitos Humanos. No obstante houvesse crticas a essa
reunio das antigas secretarias em um ministrio, no dia 18 de fevereiro de
2016, para oficializar tal reforma, a Cmara dos Deputados aprovou emendas
Medida Provisria (MP) 696/2015, com trechos contrrios populao LGBTT
(Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgneros) e ao aborto.
Em 2015, foi tema da redao do Enem (Exame Nacional do Ensino
Mdio): A persistncia da violncia contra a mulher na sociedade brasileira.
Quase oito milhes de pessoas fizeram a prova, realizada nos dias 24 e 25
de outubro e que tambm contou com perguntas sobre as teorias da filsofa
Simone de Beauvoir - terica fundamental para o feminismo -, entre outras. As
perguntas e, principalmente, o tema da redao foram amplamente noticiados e
comentados nas redes sociais, o que contribuiu para aumentar a reflexo sobre
a desigualdade de gnero, no Pas. J em maio de 2016, ficamos chocadas com
a notcia de um caso de estupro coletivo, no Rio de Janeiro, que foi filmado
e divulgado em rede social. Ainda em maio de 2016, outro caso de estupro
coletivo foi noticiado. Nas redes sociais e nas ruas, mulheres de todo o Pas se
manifestaram contra a violncia contra a mulher e reforaram a campanha Eu
luto pelo fim da cultura do estupro.

1 Conforme reportagens publicadas nos sites da EBC, Estado e outros (2016).

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Em 2015, comemorou-se 40 anos do Ano Internacional da Mulher, ins-


titudo pela ONU (Organizao das Naes Unidas), considerado um marco
na luta pelos direitos das mulheres. Tambm comemorou-se o 20 aniversrio
da Quarta Conferncia Mundial sobre as Mulheres e a adoo da Declarao
e Plataforma de Ao de Pequim, documento final da Conferncia que listou
12 pontos prioritrios de trabalho com o objetivo de alcanar a igualdade de
gnero e eliminar a discriminao contra mulheres e meninas em todo o mundo
(www.onumulheres.org.br). Entre as 12 reas temticas do documento, desta-
camos: Educao e Capacitao de Mulheres; Mulheres e Mdia; Direitos das
Meninas. Diferente disso, no Brasil, em 2015, houve destaque no noticirio e nas
redes sociais para a discusso dos planos municipais e estaduais de educao,
que deveriam ser aprovados em todo o Pas. Ocorreu que setores conservado-
res da sociedade liderados por bancadas evanglicas apresentaram vetos a
iniciativas que tratavam de igualdade, identidade de gnero, orientao sexual
e sexualidade nas escolas. Por sua vez, educadoras, pesquisadoras, movimentos
feministas, LGBTTs e grupos pr-diversidade se colocaram contrrios ao veto,
realizaram protestos nas ruas, Cmaras e na Internet. No Facebook, comuni-
dades e pginas como Pra Falar de Gnero Sim motivaram o debate
e as manifestaes. A discusso comeou com a retirada de gnero do Plano
Nacional de Educao. Em 2016, ocorrem protestos contra o Programa Escola
Sem Partido, Projeto de Lei n. 867/2015, que pretende incluir na Lei de Diretrizes
e Bases da Educao Nacional uma negao liberdade de expresso de pro-
fessoras e professores, nos moldes de lei j aprovada no estado de Alagoas
(http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/).
No GP (Grupo de Pesquisa) Comunicao para a Cidadania da Intercom
(Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao), como
aparecem as reflexes sobre relaes de gnero? importante mencionar que
entendemos cidadania como exerccio de direitos e luta pela manuteno
e ampliao de direitos (Manzini-Covre, 1995), trata-se de cidadania ativa e
democrtica (Benevides, 1998).
Como parte de uma pesquisa, realizada em 2012 (Lahni e Lacerda, 2013)
sobre a constituio, temas e aportes tericos do Grupo entre 2001 e 2011,
realizamos, a partir da categoria gnero, uma reflexo a respeito dos trabalhos
do GP em 2005 (Lahni e Auad, 2013). No presente artigo, voltamos anlise de
2005 para refazer o caminho em 2015 e um estudo comparativo.

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Em 2005 e 2015, Gnero e Comunicao para a Cidadania

Alm da importncia dos eventos de 1975 e 1995 para os governos e


organismos internacionais, o Dicionrio Mulheres do Brasil, organizado pela
feminista Schuma Schumaher e por rico Vital Brazil (2000, 229, 238, 239),
salienta a importncia do Ano Internacional da Mulher e das conferncias mun-
diais para a igualdade de gnero. No verbete Feminismo ps-1975, com o
subttulo A segunda onda feminista no Brasil, o Dicionrio traz aes e even-
tos realizados no Pas em prol da construo de uma sociedade igualitria.
Segundo a publicao, o apogeu desse processo de integrao internacional
da luta das mulheres se deu com a realizao da IV Conferncia Mundial da
Mulher (Beijing, 1995).
Para ns, Gnero assumido como categoria de anlise (Scott, 1989),
tambm no presente texto, com a intencionalidade de no perpetuar posturas
neutras nos processos de construo do conhecimento e de produo midi-
tica. Tais posturas tornariam invisveis grupos de mulheres para quem e por
quem polticas igualitrias de comunicao devem ser formuladas e implanta-
das (Lahni e Auad, 2013).
Assim, fizemos uma reflexo a respeito dos trabalhos do GP, com base na
categoria gnero, em 2005. No trigsimo aniversrio do Ano Internacional da
Mulher, o ento NP (Ncleo de Pesquisa) Comunicao para a Cidadania no
apresenta nenhum trabalho que verse sobre a temtica comunicao e relaes
de gnero. J quanto autoria, os 24 trabalhos, que constam na programao
e anais, foram assinados por 20 mulheres e 12 homens (os ltimos nmeros
so maiores por conta da coautoria). Quanto s referncias, de 22 pessoas que
aparecem entre as referncias bibliogrficas mais de uma vez (duas vezes, trs,
quatro e cinco vezes), 15 so homens e 7 so mulheres; entre as pessoas mais
citadas, 4 so homens e 1 mulher.
Alm das questes de gnero (ausncia do tema e baixa representativi-
dade feminina nas referncias), percebemos a presena de autores/as que tm
trabalhos na comunicao ou nas cincias sociais e humanas sobre cidadania e
identidade, especialmente.
Embora tenhamos notado um olhar para mulheres e relaes de gnero no
NP Comunicao para a Cidadania, em 2005, esse olhar no reverte em refle-
xo sistematizada sobre o tema. Entendemos que trabalhos que adotem gnero

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como categoria ou no interior de suas temticas podem ter assumido maior


presena no Ncleo de Pesquisa (NP) Comunicao e Cultura das Minorias.
Verificamos nos anais de 2005 os trabalhos do NP Comunicao e Cultura
das Minorias. De um total de 30 trabalhos, 9 eram sobre a temtica gnero. Tal
grupo foi extinto e, ento, parte de suas pesquisadoras/es e temticas usuais se
somaram ao Comunicao para a Cidadania.
J em 2015, quando da comemorao dos 40 anos do Ano Internacional
da Mulher e de 20 anos da 4 Conferncia Mundial sobre a Mulher, o GP
Comunicao para a Cidadania contou com 71 trabalhos na programao do
Congresso Nacional da Intercom. Esses artigos foram apresentados em oito dife-
rentes sesses, sendo uma intitulada Cidadania, Mdia e Relaes de Gnero.
Quanto autoria, foram 63 mulheres e 26 homens. Do total, encontramos 13
artigos sobre gnero. A autoria majoritamente feminina tambm nos artigos
sobre gnero, em 2015.
Na tabela, relao de temas dos Artigos, apresentados em 2015 sobre
relaes de gnero, e suas autorias por sexo. Na primeira coluna encontram-
-se os temas; nas demais est assinalado se a autoria de uma mulher (ou
mais), um homem ou ambos, o que est marcado com um X

Temas Mulher Homem Ambos


Publicidade e populao LGBT 2X - -
Cobertura jornalstica sobre performance de atriz transexual
- X -
em Parada LGBT
Cotidiano e memria de mulheres - - X
Mulheres na publicidade 2X - -
Cobertura jornalstica de adoo por casais LGBT - X -
Cobertura jornalstica sobre aids e homossexuais - - X
Mobilizao feminista, com corpos desnudos e internet X - -
Narrativas queer no jornalismo e epistemologia - X -
Trans-subjetividade na blogosfera 2X - -
Lei anti-homofobia em jornais X - -
Discursos miditicos sobre o corpo feminino 2X - -
Funk ostentao e gnero 2X - -
Turismo e prostituio, na Copa, em jornais X - -
Total de autoras/es 13 (+2) 3 (+2) 2

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Percebemos essa importante presena no GP e ainda a existncia de varia-


dos assuntos. Notamos, no entanto, que o termo feminismo aparece no ttulo
de apenas um dos 13 artigos; nas palavras-chave, o termo feminismo aparece
em dois artigos; os mesmos artigos incluem os termos mulher e mulheres entre
as palavras-chave. Destacamos que seis artigos versam sobre comunicao e
populao LGBT. Os outros sete artigos tratam mais diretamente de temas que
enfocam mulheres, sendo um deles sobre prostituio e outro sobre mulheres
trans.
Sobre as referncias bibliogrficas, nos trabalhos de 2015 aparecem te-
ricas das relaes de gnero e feminismo. Na tabela a seguir, apresentamos a
relao de autoras/es mais citadas. Diferente de 2005 cuja tabela apresenta
as referncias de todos os artigos que totalizaram 24, mostramos as/os mais
citadas apenas nos trabalhos sobre relaes de gnero que somam 13 (o total
de artigos 71).
Nomes de autoras e autores citadas/os em trabalhos do GP, em 2015,
em dois ou mais artigos sobre gnero Na tabela, nome (primeira coluna) e
quantidade de artigos em que a/o autor/a referncia

BUTLER, Judith cinco


LOURO, Guacira Lopes quatro
LIPOVETSKY, Gilles trs
SCOTT, Joan trs
FOUCAULT, Michel trs
PELCIO, Larissa trs
AUAD, Daniela dois
BENTO, Berenice dois
BOURDIEU, Pierre dois
COLLING, Leandro dois
COGO, Denise dois
GIDDENS, Anthony dois
GREEN, James dois
LAHNI, Cludia dois
LAURETIS, Teresa de dois
MARTIN-BARBERO, Jesus dois
MISKOLCI, Richard dois
OROZCO-GOMES, Guillermo dois

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PAIVA, Raquel dois


PISCITELLI, Adriana dois
PRECIADO, Beatriz dois
SANTAELLA, Lcia dois
SANTANNA, Denise Bernuzzi dois

Vemos que, entre as referncias bibliogrficas que mais aparecem nos tra-
balhos de gnero, em 2015, do total de 23 autoras/es, 14 so mulheres e 9 so
homens. Em cinco trabalhos aparece apenas uma autora, Judith Butler filsofa,
estadunidense (Sara Salih, 2012), sendo especialmente associada teoria queer.
A segunda mais citada, que aparece em quatro artigos, a brasileira Guacira
Lopes Louro, doutora em Educao (Louro, 2003). Ainda quanto s refern-
cias, notamos como citadas duas ex-coordenadoras do GP Comunicao para a
Cidadania e uma ex-coordenadora do NP Comunicao e Cultura das Minorias.

Consideraes finais

Como j mencionamos, necessrio refletir sobre a pesquisa, a fim de


contribuir para a graduao em jornalismo e, dessa maneira, termos jornalistas
formadas que atuem pelos direitos de todas as pessoas. Com este trabalho,
percebemos uma maior presena de estudos sobre relaes de gnero e comu-
nicao, no GP Comunicao para a Cidadania da Intercom. Este crescimento
de nenhum trabalho com a temtica, em 2005, para 13 artigos com essa tem-
tica, em 2015 bastante positivo e certamente reflete o trabalho de mais de
10 anos da Secretaria de Polticas para as Mulheres do Governo Federal, a qual
apresenta programas de incentivo, como o Prmio de Igualdade de Gnero
junto ao CNPq e o evento Mulher e Mdia.
O aumento tambm reflete uma possvel migrao de pesquisado-
ras/es do ento NP Comunicao e Cultura das Minorias (extinto) para o GP
Comunicao para a Cidadania. Nesse ponto, entretanto, h que se notar que,
em 2005, os trabalhos sobre gnero no NP de Minorias somaram 30% do total
de trabalhos apresentados; j no GP de Cidadania, em 2015, os trabalhos sobre
gnero somaram 18,30%. Isso pode mostrar a no migrao de pesquisadoras/
es vindas/os do NP de Minorias para o GP de Cidadania ou, ainda, em caso
contrrio, um decrscimo dos trabalhos sobre gnero no mbito deste espao.

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Tambm consideramos importante pensar quantas so as pesquisadoras


da Comunicao para a Cidadania que so referncia sobre gnero. Quem so
elas? Temos um acmulo da rea sobre a temtica? Se elas pouco aparecem,
por que a invisibilidade?
Finalmente, tambm notamos nos 13 trabalhos sobre relaes de gnero,
em 2015, que um diz respeito a mulheres trans e seis dizem respeito a homos-
sexuais. Desses, h os se referem a gays e aqueles que se referem populao
LGBT. Em meio a esses, as lsbicas aparecem em dois trabalhos, dentro do con-
junto, sem ser o foco principal de nenhum. A palavra, por vezes, no est nem
no significado da sigla LGBT. Assim, percebemos que h muito o que caminhar,
na pesquisa de comunicao e relaes de gnero.

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BEAUVOIR, Simone. O Segundo Sexo; Fatos e Mitos. So Paulo: Difuso Europeia do


Livro, 1970.

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http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2016/04 - 17/04/2016 - acesso em 12 de julho


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LAHNI, Cludia Regina, AUAD, Daniela. Relaes de gnero e exerccio de direitos:


o que contam os trabalhos do Comunicao para a Cidadania no ano de 2005. In:
LAHNI, C.R., LACERDA, J.S.(orgs.). Comunicao para a Cidadania: objetos, concei-
tos e perspectivas. So Paulo: Intercom, 2013, p. 111-129.

LOURO, Guacira Lopes. Corpo, gnero e sexualidade um debate contemporneo


na educao. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

MANZINI-COVRE, Maria de Lourdes. O que cidadania. So Paulo: Brasiliense, 9


reimpr. da 3 ed., 2001.

SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autntica, 2012.

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SCHUMAHER, Schuma e BRAZIL, rico Vital. Dicionrio Mulheres do Brasil. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, Ed., 2000.

SCOTT, Joan. Gnero: Uma Categoria til Para Anlise Histrica. Nova York: Columbia
University Press, 1989.

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TCHAU, CONSERVADORISMO! UM OLHAR


REFLEXIVO SOBRE O MOVIMENTO LGBT E O DILOGO
COM O SERVIO SOCIAL.

Gleydson Felipe Duque de Paiva


Bacharel em Servio Social, Centro Universitrio Geraldo Di Biase
Prefeitura Municipal de Volta Redonda, Assistente Social
[email protected]

Luiza Carla Cassemiro


Mestre em Servio Social
Universidade Veiga de Almeida, Docente do Curso de Servio Social
[email protected]

GT 27 - Diversidades Sexuais e de Gneros: Dinmicas e interaes na vida social

Resumo

Indispensvel que sejam abordados temas ligados ao gnero e sexualidades no


mbito acadmico. Para tanto, faz-se necessria compreenso das trajetrias per-
passadas pelos movimentos sociais relativos a tais temticas, especificamente,
o Movimento LGBT, como objeto de estudo, fazendo-se presente, possibili-
tando dilogos com o cotidiano profissional do Assistente Social. O Servio
Social visa atuar na minimizao das desigualdades sociais. Do mesmo modo, o
Movimento LGBT tem sua agenda poltica voltada pela promoo da igualdade.
Consequentemente, ambos se tornam indissociveis. O desafio da profisso a
promoo debates, discusses relativas temtica, desmistificando conceitos e
respeitando a diversidade sexual.
Palavras-chave: Gnero, Sexualidades, Movimento LGBT e Servio Social.

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Introduo

O presente artigo, apresentado no VIII Congresso Internacional de Estudos


sobre a Diversidade Sexual e de Gnero da ABEH Associao Brasileira de
Estudos da Homocultura tem como finalidade refletir a importncia das dis-
cusses de temticas de gnero, sexualidades e diversidade sexual, no contexto
da formao profissional dos assistentes sociais, bem como a relao entre o
movimento LGBT com a prtica profissional destes profissionais.
A reflexo proposta neste, toma como base um debate com as temticas
de gnero, sexualidades, explicitando o movimento social LGBT, como grande
protagonista no cenrio de direitos sociais, cidadania e liberdade.
O debate enfrenta resistncias de alguns docentes, discentes do curso,
que desconsideram o fato de que o Servio Social possa debater estas tem-
ticas. Ainda possvel se perceber vises de mundo, aes influenciadas por
uma postura conservadora, reacionria, preconceituosa, como se d a incorpo-
rao destes assuntos nas disciplinas ofertadas pelo curso.
Desta forma, a pesquisa busca investigar o processo de incorporao dos
debates que tm essas temticas como foco, tanto na academia como na socie-
dade, uma vez que, do ponto de vista acadmico, mais especificamente no
Servio Social, tais discusses ainda tm se dado, aparentemente, em eventos
pontuais e/ou disciplinas eletivas, principalmente no que se refere a sexualida-
des e diversidade sexual.
O reflexo da no incorporao, ou da insuficincia de debates das refe-
ridas temticas resulta quase sempre em prticas profissionais permeadas por
preconceitos e senso comum. No caso especfico do Assistente Social, que atua
na diviso scio e tcnica do trabalho, essa incorporao se faz mais premente.
Portanto, configura-se importante uma educao que promova a igualdade de
gnero e diversidade, garantindo um caminho eficaz para suscitar debates em
torno de um espao democrtico, onde tais diferenas das desigualdades, do
preconceito e das relaes de poder.
Diante do contexto supracitado, para iniciar a discusso, faz-se necessrio
um olhar acerca da trajetria histrica LGBT, como movimento social e, poste-
riormente, uma analogia com a profisso do Assistente Social.

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O Movimento Social LGBT

Analisar um grupo de indivduos que lutam por interesses comuns como


movimento social requer a compreenso da trajetria histrica e cultural trans-
passada. Movimentos sociais emergem de aes pontuais destes determinados
grupos, no sendo caracterizado apenas por estas aes. Para a existncia de
um movimento faz-se necessria ter pauta e agenda.
De acordo com Gohn (1997), os movimentos sociais podem ser divididos
em cinco categorias. A primeira a dos movimentos construdos a partir da
origem social da Instituio que apoia ou obriga seus demandatrios; a segunda
trata dos movimentos construdos a partir de caractersticas da natureza humana
(cor, raa, sexo, etc.); a terceira diz respeito aos movimentos que se emergem
de determinados problemas sociais (criao de servios sociais; de preserva-
o); a quarta faz referncia aos movimentos a partir de conjunturas polticas e,
por fim, a quinta caracteriza os movimentos que surgem a partir de ideologias.
(GOHN, 1997; p. 268-271)
Diante da afirmao da autora, nesta segunda categoria que se encontra
o movimento social LGBT, o qual surgiu em decorrncia de inmeros casos de
preconceito, represso policial e descaso com a populao LGBT e, com enfo-
que ainda maior, com a populao T (Transexuais, Travestis e Transgneros).
Inicialmente o movimento LGBT fazia referncia apenas aos homosse-
xuais do sexo masculino, logo em seguida, foram introduzidas as lsbicas e,
posteriormente os bissexuais, transexuais, travestis e transgneros. O objetivo
promover e garantir, atravs de aes e lutas sociais, a equidade no acesso aos
direitos humanos.
Segundo Montao & Duriguetto (2011) muitos questionamentos e reivin-
dicaes ocorreram nos acontecimentos de maio de 1968, como o da defesa
do exerccio da livre sexualidade, dos protestos contra a discriminao homof-
bica, racista e sexista, que tinham como palavra de ordem proibido proibir,
foram determinantes para a organizao e o desenvolvimento do movimento
de lsbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgneros (LGBT). (MONTAO,
DURIGUETTO; 2011).
No Brasil, o movimento LGBT teve seu marco inicial explicitado a par-
tir da dcada de 70, no perodo da Ditadura Militar, onde houveram diversas
manifestaes em busca de mudanas na ordem social. Para Mamberti (2006)

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o movimento reivindicava a emancipao e cidadania para os homossexuais


(...) (MABERTI apud SILVA, SILVA, PEREIRA & SILVA, 2012).
Posteriormente, na dcada de 19801, houve uma nova configurao, as
lsbicas participantes do Grupo Somos decidiram fundar o Grupo de Ao
Lsbico-Feminista, pois no se sentiam contempladas nas reivindicaes do
movimento social.
Na contemporaneidade, o movimento LGBT ainda perpassa por diversas
lutas, sobretudo, ganhando uma maior visibilidade foram institudas polticas
pblicas em prol da promoo da cidadania LGBT e, com isso, obteve diver-
sas conquistas. E, como todo movimento social, possui diversos agentes que
atuam como opositores. Neste contexto, Gohn (1997) afirma que:
Os opositores de um movimento social so sempre os sujeitos que
detm o poder sobre o bem demandado. No necessariamente so
antagnicos aos movimentos. (...) No se trata de ser contra ou a
favor da entidade que detm a posse, a propriedade ou o controle
do bem demandado. Trata-se de se opor queles sujeitos, no que se
refere exclusivamente ao bem demandado. (GOHN, 1997; p. 262)

Durante a trajetria do movimento, este conquistou alguns direitos


pautados em Leis. Tais como: o casamento igualitrio, a adoo de crianas
e adolescentes por casais homoafetivos; a utilizao do nome social para as
pessoas trans, Dia nacional contra a Homofobia, Poltica Nacional de Sade
Integral LGBT e agendas/dadas polticas.
Aps anos de obscurantismo e negao de direitos comunidade LGBT,
esta populao passa a ter ateno do poder pblico. Uma das reivindicaes
do Movimento LGBT era para que as polticas pblicas dirigidas aos LGBT dei-
xassem de ser aes pontuais e incipientes, ou seja, deixassem de ser frgeis e
sem continuidade. Neste mbito surgem os Centros de Referncia e Promoo
da Cidadania LGBT.

1 Neste momento, o movimento era conhecido como movimento GLS (Gays, Lsbicas e Simpati-
zantes), posteriormente, por volta da dcada de 90, passa a ser chamado de GLBT (Gays, Lsbicas,
Bissexuais, Transexuais e Travestis). Somente em 2008, passa a ser LGBT.

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O programa visa combater a discriminao e a violncia contra LGBT e


promover a cidadania desta populao em todo territrio nacional, respeitando
as especificidades desses grupos populacionais.
atravs disseminao de informaes sobre direitos e sua defesa que o
programa atua no combate homofobia; alm da produo, implementao e
monitoramento de polticas pblicas transversais, isto , em todas as reas de
governo, a fim de promover a cidadania LGBT.

Gnero e Servio Social

O Servio Social uma profisso de carter crtico-interventivo, que visa


atuar na minimizao das expresses da to multifacetada Questo Social. A
expanso do Servio Social se d a partir da evoluo do capitalismo, com
a precarizao do trabalho e diviso explcita de classes. Neste contexto, o
Servio Social trabalha em favor da igualdade social e diretamente na viabiliza-
o da garantia de direitos. De acordo com Iamamoto & Carvalho,
(...) o Servio Social como profisso inscrita na diviso social
do trabalho, situa-se no processo da reproduo das relaes
sociais, fundamentalmente como uma atividade auxiliar e subsi-
diria no exerccio do controle social e na difuso da ideologia
da classe dominante junto classe trabalhadora. (IAMAMOTO &
CARVALHO; 2011, p.101).

Quando se trata de gnero, o Servio Social tambm tem papel relevante.


A categoria gnero abrange no somente questes relativas sexualidade, mas
tambm questes de identidade. Identidade de gnero a forma na qual o
indivduo se identifica. Essa identidade de gnero a que deve prevalecer nas
relaes sociais.
Por exemplo, um (a) indivduo(a), mesmo nascendo com o rgo genital
masculino, pode se identificar como mulher e, por isso, MULHER. E ainda,
talvez mais complexamente para o entendimento de parte da sociedade, esse
(a) mesmo (a) indivduo (a), com rgo masculino, se identifica como mulher,
pode ter desejo e atrao por mulher, sem deixar de ser MULHER, conforme
sua identidade de gnero.
O Servio Social, de maneira a viabilizar a garantia de direitos, atende
a todos os tipos de indivduos e, deste modo, est intrinsecamente ligado ao

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gnero, fazendo necessrio estar munido de informaes e orientaes relativas


ao tema. indissocivel do trabalho do Assistente Social a discusso acerca de
gnero.
Para Bezerra & Veloso,
Dois pontos tm contribudo para aumento de importncia da cate-
goria relaes de gnero na reflexo sobre as relaes sociais.
So eles a anlise da formao e da interveno profissional que
ocorrero em relaes sociais constitudas e constituintes das rela-
es de gnero e a anlise da profisso propriamente dita, que
composta majoritariamente por mulheres, salientando-se a forte
presena do gnero na construo da identidade profissional.
(BEZERRA & VELOSO; 2015 p.183).

Os autores referem-se atuao profissional com a necessidade de uma


formao no qual o estudo de gnero contribua para criao de condies para
o desenvolvimento profissional em sintonia com a realidade. Tratando da neces-
sidade de reconhecer as relaes sociais construdas com base na organizao
social de gnero, as quais os profissionais em processo de formao precisam
desvelar no apenas no que diz respeito aos usurios, mas tambm em relao
a si mesmos.
imprescindvel a visualizao das relaes de gnero no Servio Social,
principalmente pelo fato de a profisso ser majoritariamente feminina. Com sua
gnese no conservadorismo, por intermdio das damas de caridade, o Servio
Social perpassou por trajetria histrica marcada pela presena feminina.
Sobretudo, cabe a reflexo de que o Servio Social atua na minimizao
das desigualdades sociais, onde se situa a desigualdade relacionada ao gnero.
Neste vis, imprescindvel relacionar gnero ao Servio Social. Mais que isso,
o Assistente Social atende sem juzo de valores, objetivando a superao de
demandas e lutando contra as violaes de direitos, assim como, questes rela-
cionadas a raa, etnia e religio.

Consideraes finais

O Servio Social tem como matria-prima a questo social, que engloba


diversas expresses, nas quais o profissional assistente social se articula para
minimiz-las, combatendo com as mazelas destas expresses.

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Olhar a realidade de forma crtica e comprometida com a garantia de direi-


tos e da emancipao dos sujeitos imprescindvel para o trabalho do assistente
social. Posicionar-se dessa forma requer tica e compreenso de mundo que
perpassa formas ideolgicas de dominao que a atual ordem social vigente
impe. O assistente social, nesta perspectiva, busca contribuir com reflexes de
liberdade, se posicionando nas reivindicaes nas lutas pelos direitos e garantia
dos sujeitos sociais independente da sua sexualidade. Qualquer tentativa de
impedir a vivncia afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo configura-se
como violao dos direitos.
Compreende-se como preconceito toda e qualquer atitude de discrimina-
o. O movimento LGBT no deve ser tratado de forma diferente, o assistente
social deve lutar para garantir condies de existncia dignas para estes cida-
dos, alm de analisar, intervir de forma rigorosa e incansvel na exterminao
do preconceito.

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Acesso em 29 de junho de 2016.

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Homofobia: Programa de Combate Violncia e Discriminao contra GLTB e de
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IAMAMOTO, M. CARVALHO, R. Relaes Sociais e Servio Social no Brasil: Esboo


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FEMININO: O GNERO DA VIOLNCIA

Mikarla Gomes da Silva


Mestranda em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[email protected]

Marcos Mariano Vianna


Doutorando em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[email protected]

Tarcsio Dunga Pinheiro


Doutorando em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[email protected]

GT 27 - Diversidades sexuais e de gneros: dinmicas e interaes na vida social

Resumo

O trabalho tem como objetivo apresentar a lei 11.340/06 mais conhecida como
Lei Maria da Penha, esta que se estabelece como primeira ferramenta legal
de enfrentamento a violncia de gnero contra a mulher. Desta maneira, este
trabalho tem como intuito avaliar a Lei 11.340/06, a priori, com uma anlise
sobre a violncia domstica contra o feminino e como esta se interliga com
novos conceitos como o feminicdio e transfeminicdio, uma vez que violncia
contra a mulher fruto de uma construo histrica, cultural e social pautadas
nas categorias de gnero e de relao de poder. Neste sentido, os sujeitos que
correspondem a Lei Maria da Penha so mulheres1, estas que so pensadas a
partir da performatividade (BUTLER, 2003).

1 Grifos dos autores

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Palavras-chave: Violncia; Lei Maria da Penha; Gnero.

Introduo

A Lei N 11.340/06, Lei Maria da Penha, surge no cenrio nacional como


uma reivindicao do movimento de mulheres e movimento feminista como
proposta de combate a violncia contra o gnero feminino. A Lei uma luta his-
trica de mulheres que ao longo do tempo luta por representatividade e contra
o sistema hegemnico que d ao homem poder absoluto. Deste modo, pode-se
caracterizar por uma luta pelo direito de ser mulher e questionar as prticas
de dominao masculina marcadas pelas violncias fsicas, entre outras, no
corpo da mulher. Logo, a Lei 11.340/06 surge como forma de coibir a violncia
domstica, mostrando-se ao longo de seus dez anos de implementao como
um marco na efetivao de polticas pblicas de enfrentamento violncia
contra a mulher.
Segundo Lana Lage Lima (2010), aps a criao das Delegacias
Especializadas de Atendimento Mulher em 1985, a outra poltica pblica de
gnero que provocou maior impacto social foi a Lei 11.340/06. Esta Lei enten-
dida como a concretizao de um instrumento legal de combate violncia
contra as mulheres. A Lei N 11.340 de 07 de agosto de 2006:

Cria mecanismos para coibir a violncia domstica e familiar


contra a mulher, nos termos do 8o do art. 226 da Constituio
Federal, da Conveno sobrea Eliminao de Todas as Formas de
Discriminao contra as Mulheres e da Conveno Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher; dis-
pe sobre a criao dos Juizados de Violncia Domstica e Familiar
contra a Mulher; altera o Cdigo de Processo Penal, o Cdigo Penal
e a Lei de Execuo Penal; e d outras providncias. (BRASIL, 2006)

E ainda:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violncia domstica
e familiar contra a mulher qualquer ao ou omisso baseada no
gnero que lhe cause morte, leso, sofrimento fsico, sexual ou psi-
colgico e dano moral ou patrimonial (BRASIL, 2006)

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A Lei 11.340/06 foi criada para punir, prevenir e erradicar a violncia


domstica e familiar contra o gnero feminino, esta no faz nenhuma refern-
cia no que diz respeito ao sexo, logo a Lei Maria da Penha entendida como
uma poltica pblica de gnero que protege o gnero feminino, ou seja, esta
baseada em virtude do gnero e no do sexo, dando possibilidades tericas de
problematizar a dessencializao da imagem da mulher sustentada na genitali-
zao do corpo a partir de Butler (2003) e Bento (2006).
Em 2014 foi apresentada pela deputada Jandira Feghali um Projeto de
Lei N 8.032 de 2014 que visa ampliar a proteo que trata a lei 11.340/06 as
mulheres transexuais e transgneros. O projeto sugere mudana no Art.5:
Art. 1 Esta lei amplia a proteo de que trata a Lei 11.340, de 7
de agosto de 2006 Lei Maria da Penha s pessoas transexuais
e transgneros.
Art. 2 O pargrafo nico, do art. 5 da Lei 11.340, de 7 de agosto
de 2006 Lei Maria da Penha passa a vigorar com a seguinte
redao:
Art. 5 ............................. Pargrafo nico. As relaes pessoais
enunciadas neste artigo independem de orientao sexual e se
aplicam s pessoas transexuais e transgneros que se identifiquem
como mulheres. (BRASIL, 2014, p. 1)

A lei 11.340/06 uma poltica especfica no combate violncia doms-


tica que retira dos Juizados Especiais Criminais a autoridade de julgar os crimes
de violncia contra a mulher. Lei que se estabelece como primeira ferramenta
legal de enfrentamento a violncia de gnero contra a mulher.
Deste modo, a Lei Maria da Penha importante para pensar gnero, ou
melhor, corrobora nos estudos de gnero para demonstrar que ao longo da
histria se vem travando uma luta contra o sistema patriarcal, este que evi-
denciado a partir dos dados do Mapa da Violncia (WAISELFIS, 2015). Sendo
assim, a ampliao e aplicao da Lei 11.340/06 a partir do projeto de lei
8.032/14 elucidar a legislao deixando mais evidente os sujeitos amparados
pela Lei.
Destarte, analisar a violncia marcada no feminino sob essa perspectiva
importante para evidenciar as intersees dos sujeitos que a lei ampara. Desta
maneira, este trabalho tem como intuito avaliar a Lei 11.340/06, a priori, com

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uma anlise sobre a violncia domstica contra o feminino e como esta se inter-
liga com novos conceitos como o feminicdio e transfeminicdio.

Sistema hegemnico machista e os crimes contra o feminino

A Lei Maria da Penha compreendida como uma poltica pblica de


gnero conforme aponta Bandeira (2014), Farah (2004), Lima (2010), Lisboa
(2010) e Dias (2007). Estas autoras evidenciam a importncia da Lei como
poltica pblica e historicizam como uma luta do gnero feminino contra a vio-
lncia legtima de um sistema social apresentando os avanos dessa poltica
na sociedade brasileira. Destarte, problematizar gnero no campo de polticas
instaura uma visibilidade antes negada s mulheres.
Falar da Lei Maria da Penha colocar em evidncia o sistema hegemnico
machista, sistema de estrutura de dominao masculina (BOURDIEU, 2005),
onde o homem visto hegemonicamente e verticalmente pautado em uma
masculinidade que tem como caracterstica fundante a honra, principalmente,
no nordeste brasileiro (ALBURQUERQUE JNIOR, 2003).
Por muito tempo a essencializao dos gneros acabou por conferir
ao feminino a subordinao do homem, designando uma mulher vtima e o
homem como sujeito de opresso e dominao ao essencializar o feminino
criando pressupostos de um masculino puro. Deste modo, o sistema hegem-
nico machista concentra sua ateno na subordinao das mulheres e encontra
a explicao para este evento na necessidade do homem dominar a mulher
(SCOTT, 1995).
Para elucidar a violncia contra o feminino que o sistema hegemnico
machista acarretou e acarreta em nossa sociedade, Mariza Corra (1981) em eu
livro Crimes da Paixo apresenta-nos os crimes passionais, crimes praticados
por homens que estabelecidos em um sistema de poder se viam sujeitos deten-
tores de suas mulheres. A autora traz uma abordagem histrica e poltica dos
procedimentos judiciais, um exerccio de compreenso de lei e suas aplicaes
que permitiu a absolvio de alguns acusados de crimes passionais. Corra
(1981) tenta responder o porqu esse tipo de homicdio parece oferecer o pri-
vilegio da impunidade, onde mais uma vez v-se a mulher em uma situao
subordinada. Crimes estes que eram legitimados e absolvidos judicialmente no

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derramamento de sangue, lavagem da honra. O questionamento que se faz


ao ler o livro : como a sociedade encontra artifcios/justificativas/formas para
decidir sobre a justia e legitimidade deste ato de violncia?
Portanto, como vimos violncia contra a mulher fruto de uma constru-
o histrica, cultural e social pautadas nas categorias de gnero e de relao
de poder. Neste sentido, os sujeitos que correspondem a Lei Maria da Penha
so mulheres, estas que so pensadas a partir da performatividade (BUTLER,
2003).

Feminicdio e Transfeminicdio: a violncia contra as mulheres

Feminicdio um termo que surge com a sul africana Diana Russel para
evidenciar o assassinato de mulheres, mas este ganha notoriedade com os
estudos da Lagarde (2008) que traz os assassinatos de mulheres no trans2 na
Ciudad de Jurez no Mxico em 1993, onde mulheres operrias e da inds-
tria txtil foram encontradas mortas com amplo grau de crueldade: queimadas,
esquartejadas, jogadas em lata de lixo.
O feminicdio, crime contra a mulher, retira todo carter de crime de amor,
como reivindica e reivindicava a luta feminista e de movimento de mulheres.
Ao chamar de crime passional como se tirasse toda a subjetividade feminina
e reconhecesse o sujeito masculino como sujeito absoluto, detentor de poder
(vtima e vitorioso). A lei do feminicdio outorgada no Brasil em 15 de maro de
2015 coloca a mulher em nfase, esta a vtima e no a ru. O feminicdio
acaba ganhando status terico, poltico e judicial, logo uma reinterpretao dos
crimes vistos como passionais.
Diante da discusso sobre o feminicdio, a sociloga Berenice Bento,
cunha o termo transfeminicdio para evidenciar a violncia, morte de mulheres
transexuais e travestis. Bento (2014) apresenta o termo transfeminicdio para
fazer um paralelo do nmero de mortes de mulheres transexuais e travestis que
foram mortas no Brasil. A autora afirma que as mulheres trans e travestis so
mortas com o mesmo grau de crueldade pelo sistema hegemnico machista,

2 O uso do termo no trans se alinha a proposta de Berenice Bento (2016) apresentada no texto:
Transfeminicdio: violncia de gnero e o gnero da violncia In: Dissidncias sexuais e de gnero.
Leandro Colling (Org.). Editora: Edufba, 2016.

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uma vez que so mortas por transvalorar as normas de gnero, deste modo,
uma morte, violncia e marginalizao de um corpo que transvalora as normas.
Bento (2014) apresenta o transfeminicdio para reforar a violncia contra
as mulheres transexuais e travestis, uma vez que estas foram retiradas do texto
final da Lei de Feminicdio, jogada feita pela bancada evanglica que com-
preende mulher a partir do termo reducionista biolgico e que v na genitlia a
representao de gnero.
Dessa maneira, trazer para discusso a pluralidade de mulheres que cons-
titui as identidades de gnero importante para apresentar em nmeros reais
a violncia contra o feminino, pois estas oferecem uma leitura social mais ade-
quada para entendermos como o feminino (re) significado na sociedade atual.
Assim sendo, os nmeros apresentados pelo Mapa da Violncia de 2015 nos
fazem pensar o gnero atravessado por outras categorias, mulheres negras e
pobres so vtimas frequentes. Logo, questionamos: que dados sero apresen-
tados no futuro (se) quando as mulheres transexuais e travestis forem abarcadas
nessa estatstica?

Consideraes finais

Como vimos mulher ao longo do processo histrico foi pensada como


o sujeito de submisso, dominao, inferioridade. Estas caractersticas parecem
apontar uma naturalizao da violncia contra o feminino, uma vez que a serem
colocadas margem do poder so vitimadas pela opresso masculina.
A violncia contra o feminino dada das mais infinitas formas se configura
em uma sociedade que por outro lado constri o homem sob a gide do poder.
Desta maneira introjetados dentro do machismo, o que se d como resposta de
uma violncia que s aumenta a (re) produo social do machismo em nveis
extremos.
Ao trabalhar mulheres incorporamos no questionamento da efetividade
da Lei Maria da Penha, os novos sujeitos representados socialmente a partir da
identidade de gnero. O que nos faz avanar para os nmeros que j se apre-
sentam alarmantes. Problematizar as mulheres transexuais, mulheres travestis
nesta lei faz-nos compreender as tenses sociais que configuram a imagem do
feminino.
Portanto, o diagnstico que apresenta o Mapa da violncia em 2015 tra-
duz em nmeros, cor (negra), classe social (baixa) e regio brasileira (Nordeste)

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as mulheres e lugares que atrelados de maneira mais intrnseca vivem a violn-


cia contra o feminino. Entretanto, acreditamos que a Lei Maria da Penha, a Lei
de Feminicdio e quem sabe no futuro a Lei de Transfeminicdio junto s polti-
cas de enfrentamento reeduquem a sociedade brasileira com o intuito de coibir,
prevenir e extinguir a violncia contra as mulheres.

Referncias

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artes/Durval Muniz de Albuquerque Jnior; prefcio de Margareth Rago. FJN, Ed.
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

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PERSPECTIVA QUEER E A PROPOSTA NO-BINRIA

Francine Natasha Alves de Oliveira


Doutoranda e mestre em Letras: Estudos Literrios
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) |
rea: Teorias da Literatura e Representaes Culturais
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

O crescente nmero de pessoas que se identificam como no-binrias revela


um esforo pela desnaturalizao da base de gnero binria. Contudo, a partir
da diferenciao entre indivduos que esto de acordo com o gnero que lhes
designado ao nascer e aqueles que no esto, estabelece-se um novo binarismo,
o cis/trans. Com esta nova conceituao, a identidade no-binria vem sendo
classificada sob o polo trans do binarismo em questo. Este artigo pretende
discutir o posicionamento no-binrio tambm em relao aos conceitos de cis
e trans, uma vez que, politicamente, a comunidade trans apresenta demandas
especficas e importante, para tanto, que o lugar de fala do sujeito no-binrio
no se confunda com aquele de pessoas transgnero, principalmente travestis e
transexuais binrias.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; poltica; gnero; no-binrio.

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Introduo: resistindo assimilao

Nos Estados Unidos, a ideia de se retomar o termo queer, no fim da


dcada de 1980 e incio da dcada de 1990, antes usado pejorativamente para
se referir a homossexuais principalmente a homens afeminados ou a mulheres
masculinizadas , est relacionada com um desejo de auto-afirmao a partir
da capacidade de definir a si mesmo/a, dando ao sujeito o poder de rejeitar a
classificao identitria imposta pela sociedade. A apropriao de uma palavra
usada por heterossexuais para ofender gays e lsbicas feita estrategicamente
para subverter o sentido de um termo, nesse caso, queer, e enfraquecer seu
poder de ofensa, tornando-o uma designao positiva.
Sendo assim, queer, outrora degradante, passaria ento a ser usado para
marcar uma poltica da diferena (JAGOSE, 1996, p. 76), mudana influen-
ciada pelo pensamento ps-estruturalista ao desconstruir a identidade como
elemento fixo e coerente. Em vez de se apresentar como uma unidade, o sujeito
se torna fragmentado, culturalmente construdo e no essencial.

Tenses

Muitos grupos e pesquisadores que se autodenominaram queer, porm,


foram criticados por apresentarem interesses polticos de classe-mdia, mascu-
linos, brancos e com base em valores heteronormativos e liberais (SULLIVAN,
2003). Enquanto o movimento estadunidense Queer Nation defendia uma pol-
tica de solidariedade entre indivduos queer e clamava pela participao de
todos, o campo acadmico, segundo Gloria Anzalda (apud GOLDMAN, 1996),
desde seu surgimento, teve lsbicas e gays brancos de classe mdia como pro-
dutores da Teoria Queer a controlar a pesquisa e a produo do conhecimento.
Para Goldman (1996), a afirmao de Anzalda serve para alertar sobre a
importncia de cada autor elaborar os significados aplicados em nossas teorias,
evitando o risco de tornar queer uma acepo muito vaga e passvel de adqui-
rir qualquer significado ou aspecto particular dentro de um texto.
Se cada sujeito pode narrar a si mesmo e construir sua queeridade,
queer pode, de fato, adquirir sentidos diferentes em contextos diversos, ape-
sar de no se tratar de um termo completamente vazio de significado. Para
muitos, essa polissemia uma caracterstica positiva, enquanto para outros ela

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responsvel no s por minar o potencial poltico do queer, mas tambm por


permitir um uso indiscriminado e vazio da palavra.
O carter ambguo do termo queer vai de encontro rigidez de rtu-
los existentes dentro do prprio meio LGBT, permitindo a criao de novos
espaos e identificaes no restritos sexualidade ou expresso de gnero.
Infelizmente, ainda possvel notar certo apego a classificaes dentro do movi-
mento LGBT e mesmo a preferncia por um discurso normativo que privilegia a
homossexualidade e deixa temas como a travestilidade ou at a bissexualidade
margem em termos de reconhecimento e validao, devido potencialidade
de ruptura com delimitaes precisas ou bem estabelecidas de gnero e
sexualidade.
Pela perspectiva da assimilao, um movimento queer continua a ser
percebido como estratgica e ideologicamente radical, contudo, pela viso
de muitos tericos, a prpria noo de um movimento unificado deve ser
questionada.
Apesar dos debates e polmicas em torno da questo, muitos ainda se
utilizam do termo como mero sinnimo para LGBT at os dias atuais. Outros
procuram criticar essa adoo, uma vez que, como termo guarda-chuva, ele
no problematizaria as diferenas internas ao movimento LGBT, acabando por
apaga-las e por dar a impresso de que a comunidade existe como um todo
isento de conflitos (SULLIVAN, 2003), o que Ruth Goldman chama de riscos
inerentes (1996, p. 170) de se abraar a denominao como uma significante
identitria, que leva ao desaparecimento da prpria diversidade para a qual se
deseja chamar a ateno.
Em uma concepo norte-americana que comea, no sculo XXI, a se
reproduzir no Brasil, ser queer valorizar a fluidez, admitir e abraar a multi-
plicidade em detrimento das noes de identidade naturais ou essenciais
constantemente reforadas por normas de inteligibilidade sociais que supem
um sujeito coerente e estvel, principalmente no que diz respeito matriz de
inteligibilidade de sexualidade e gnero (BUTLER, 2010). Apesar de a palavra
queer, em si, ainda se manter mais restrita ao mbito acadmico, suas ideias
e propostas tm sido cada vez mais difundidas.
O sujeito que se auto-identifica como queer rejeita a objetividade de iden-
tidades sexuais como gay, lsbica, bissexual ou de identidades de gnero
como masculino, feminino ou, eventualmente, at mesmo transexual. A
definio de si como queer significa tambm um desejo de no ser nomeado,

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de no ser rotulado pelo outro, uma vez que, segundo Richard Miskolci, [n]
a perspectiva queer, as identidades socialmente prescritas so uma forma de
disciplinamento social, de controle, de normalizao (2013, p. 18).

Desdobramentos

Como mencionado, a Teoria Queer apenas recentemente chegou ao


Brasil, por meio de pesquisas universitrias e da ao de grupos ativistas com
acesso ao conhecimento acadmico que procuraram dar visibilidade ideia de
se criticar e questionar a heteronormatividade e os valores a ela associados. Na
prtica, pessoas que se viam literalmente violentadas pelas normas de gnero e
sexualidade passaram a adotar novas maneiras de se identificar fora dos binaris-
mos determinados por masculino e feminino, bem como heterossexual e
homossexual, aceitando a multiplicidade e a fluidez das expresses de gnero
e sexualidades. Dessa forma, na medida em que mais ativistas e estudantes
universitrios se interessam pelos Estudos Queer, maior o movimento de
questionamento das normas e de incorporao, em seu cotidiano, de descons-
trues propostas pela Teoria Queer.
O potencial poltico subversivo de um movimento queer, contudo, no
est isento de crticas, uma delas relacionada a um excesso de classificaes
que emergiram e ainda emergem na busca da auto-determinao, como se para
cada especificidade em termos de gnero ou de sexualidade fosse preciso criar
uma nova nomenclatura. Para muitas pessoas, dentro e fora da comunidade
LGBT, o queer costuma estar associado a uma infinidade de jarges e teorias
que se limitam apenas ao campo discursivo, mas que no permitem o vislumbre
da desconstruo a nvel prtico.
Conforme alerta Rocko Bulldagger, h um grande nmero de artigos e
ensaios que se preocupam em explicar detalhes e mincias de sub-identidades,
expondo todo tipo de distines que alienam os queers uns dos outros (2006,
p. 138), enfraquecendo a possibilidade de abraarmos aliados em potencial.
De fato, h contradies dentro dos prprios Estudos Queer e algumas
tenses vo surgindo tanto no mbito acadmico quanto no mbito de ativistas
que se guiam pelas propostas inovadoras de um movimento que no se pre-
tende restringir por regras e verdades definitivas.

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Expresso no-binria

Dentro das possibilidades de se colocar contra as normas de gnero que


impem ao indivduo uma identidade baseada principalmente em seus rgos
sexuais, algumas pessoas tm se identificado como no-binrias, ou seja, como
sujeitos cujo gnero no corresponde ao binrio homem/mulher. Questes de
gnero que procurem se distanciar do sistema heterocisnormativo so comple-
xas justamente por desestabilizarem um pensamento que internalizado pelos
seres humanos desde muito cedo, passando a enxergar construes culturais
como dados naturais.
Em geral, nas definies para no-binrio encontradas na internet,
reproduz-se a noo de que, por no se identificar com o gnero que lhe foi
designado ao nascer, a pessoa no-binria um indivduo trans. Essa concep-
o se contrape de um indivduo cis, que se identifica com o gnero que lhe
foi designado. Contudo, colocar a identidade no-binria dentro de um polo
binrio aquele formado por cis/trans vai de encontro a sua prpria classi-
ficao, a qual pretende negar o binarismo em si. A identidade no-binria ,
antes, um devir trans que, sobremaneira, no se realiza por completo como
transgeneridade da forma como esta conceituada.
luz do Manifesto contrassexual (2014), de Paul B. Preciado, seria mais
proveitoso encarar a identidade no-binria como um contragnero, por
representar uma designao alternativa, contradisciplinar e que comporta uma
fluidez das expresses de gnero. Seria, portanto, uma ps-identidade em con-
sonncia com o antiassimilacionismo queer, uma maneira de associar o corpo
a um discurso que amplia as possibilidades de prticas de gnero sem que elas
sejam previamente definidas.
Como contragnero, a identidade no-binria deve, ento, ser vista como
uma das estratgias para evitar a reapropriao dos corpos como feminino
ou masculino no sistema social (PRECIADO, 2014, p. 35) e, em consonn-
cia, evitar tambm outras reapropriaes binrias concernentes aos gneros e
suas expresses, a fim de escaparem das limitaes discursivas promovidas pela
rotulao. Trata-se, nas palavras de J. Jack Halberstam, de procurar meios para
se criar uma nova desordem mundial (2012, p. xii) que vise libertao das
amarras normativas.
Quando falamos em transgnero, referimo-nos a um guarda-chuva de
categorias identitrias que envolvem expresses que no esto em conformidade

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com a matriz de inteligibilidade de sexo e gnero. Ainda que o espectro da


transgeneridade seja amplo, politicamente, ele costuma ser representado pelas
travestis e transexuais, cujas demandas so relativamente diferentes daquelas
apresentadas por indivduos no-binrios, alm de se mostrarem mais palpveis
quando apresentadas a uma sociedade que ainda preza pela inteligibilidade dos
corpos segundo uma lgica binria.
Ademais, em termos legais, problemas como a incompatibilidade de
documentos e a necessidade de retificao do nome de batismo, por exemplo,
bem como a necessidade de modificar seus corpos medicamente, por meio
de hormonizao e procedimentos cirrgicos, para que estes reflitam sua real
identidade de gnero, ainda precisam ser exaustivamente debatidos em direo
legitimao da transgeneridade como um todo. Nesse sentido, importante
que pessoas no-binrias reconheam as diferenas sociais e polticas das iden-
tidades trans a fim de que seu discurso no sobreponha aquele proferido por
militantes transexuais e travestis.
necessrio tambm evitar hierarquizaes feitas a fim de comparar os
nveis de opresso sofridos por cada grupo. Antes, preciso enxergar que a
legitimidade dessas identidades atualmente mais visveis abriria caminho para
debates mais profundos, que envolveriam a prpria expresso no-binria, que
no apenas incompreendida, mas que tem, com frequncia, sua prpria exis-
tncia questionada.
Podemos argumentar que a terminologia a diferenciar cisgneros e trans-
gneros foi cunhada pelos oprimidos, configurando-se como estratgia de
resistncia por partir do sentido oposto de formao do discurso: trata-se do
dominado que nomeia o dominante. Contudo, o fato de no se originar do
lado hegemnico do discurso no suprime a existncia de relaes de poder
internas ao grupo oprimido em questo, no contemplando a todos os indiv-
duos identificados como trans de maneira igualitria. Alm disso, a nomeao
de si pelo outro permanece nos casos em que se impe a necessidade de se
adotar uma ou outra nomenclatura, sem haver a abertura para entre-lugares.
Aparentemente, certas convenes adquiriram o status de verdade
tambm no mbito queer, desencadeando uma espcie de policiamento clas-
sificatrio por meio do qual se reproduz a possibilidade convencionada e se
rechaa a reflexo voltada para questionamentos internos e autocrticas.

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Consideraes finais

Levando-se em considerao o contexto queer de problematizar bina-


rismos e naturalizaes, bem como a importncia da autodeterminao, a
expresso no-binria pretende a negao dos gneros que reproduzem o
paradigma do dimorfismo sexual, um posicionamento que rejeita os limites do
masculino e do feminino. A subverso que resulta da no aceitao do gnero
designado no nascimento expe a fragilidade dessas categorias associadas
suposta diferenciao biolgica dos corpos.
O no-binrio uma das formas de problematizar a cisnormatividade e
coloca-la em xeque. Contudo, se o objetivo da identidade e/ou da expresso
no-binria o de resistir imposio do binrio, classificar o sujeito no-bin-
rio como transgnero pode representar uma incoerncia, por inserir a categoria
dentro de outro binarismo que se pretende estvel e tem demonstrado relativa
rigidez em termos de conceituao. A identificao no-binria pode ser uma
forma de desestabilizar o tradicional pensamento ocidental estritamente dual
que tem se mostrado presente at mesmo em teorias desconstrucionistas.
Se, por um lado, o no-binarismo soa autoexplicativo na medida em
a nomenclatura, por si s, rejeita proposies binrias, por outro lado, h a
construo de uma nova separao de conceitos e posicionamentos que ope
a cisgeneridade referente expresso daqueles que se identificam com o
gnero que lhes foi designado ao nascer transgeneridade para designar
quem, de alguma forma, no est de acordo com a atribuio de gnero na
ocasio de seu nascimento. Nesse contexto, estabelece-se que expresses de
gnero no-binrias s podem estar no espectro trans da referida polarizao,
uma vez que no so consideradas manifestaes cis. Afirmar que a identidade
no-binria necessariamente se classifica como trans acaba refletindo uma ten-
tativa de normatizao e fixao de conceitos que surgiram do desejo de resistir
a rtulos precisos, imutveis e de fcil assimilao.
Ainda que a motivao para se considerar a identidade no-binria como
transgnera possa ser justificada pela no conformidade entre sexo e gnero
caracterstica especfica da cisgeneridade , podemos questionar a concei-
tuao generalizada a partir das perspectivas mltiplas de uma expresso que
pode, por exemplo, comportar a identificao parcial com o gnero designado
na ocasio do nascimento. Levando-se em considerao nuances como essa,
notamos que o potencial no-binrio no est apenas no questionamento direto

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da matriz de inteligibilidade sexual, mas tambm na possibilidade de trair tanto


as normas tradicionais quanto as novas regras que parecem emergir, inadverti-
damente, das propostas de desconstruo da sociedade heteronormativa, mas
que acabam se mostrando tambm limitadoras.

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POLTICAS PBLICAS PARA PESSOAS TRANSGNERO NO


PAR: A CARTEIRA DE NOME SOCIAL

Svio Barros Sousa


Bacharel em Direito
[email protected]

Milton Ribeiro da Silva Filho


Doutorando em Sociologia e Antropologia
[email protected]

GT 25 - Construes Trans* em Debate

Resumo

O presente trabalho discute o papel desempenhado pelo Comit Gestor do


Plano Estadual de Segurana Pblica de Combate a Homofobia doravante,
o Comit na instituio da carteira de nome social para travestis e transexu-
ais no Estado do Par. Este trabalho analisa o contexto, ftico e normativo, de
criao desta poltica pblica, aliando a leitura de relatrios, com entrevistas
semiestruturadas. Tendo como principal foco a anlise desta poltica pblica
como mecanismo para o reconhecimento integral ao direito de personalidade
de travestis e transexuais, bem como as possibilidades de acesso a outros meca-
nismos de cidadania.
Palavras-chave: transexuais; travestis; representatividade; poltica pblica;
discriminao.

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Breve histria do Comit

O Comit Gestor do Plano Estadual de Segurana Pblica de Combate a


Homofobia um grupo de trabalho do Conselho Estadual de Segurana Pblica
(CONSEP) do Estado do Par, que congrega representantes de rgos estaduais
e representantes da sociedade civil, no sentido de dar cumprimento ao Plano
Estadual de Combate a Homofobia no seu eixo direito a segurana, combate
a violncia e impunidade. Sobre o contexto de criao do Comit, comenta
Francisca1:
Em 2004 teve aquele programa, Brasil sem Homofobia, qua-
tro anos depois o Par [...]. Tanto que o comit tem o mesmo
nome do plano. Ai nesse comit compe entidades governamen-
tais e representantes da sociedade civil [...]. Dessa sopa de letrinhas
um representante de cada. Ento um representante de cada segui-
mento. Fazem parte dos seguimentos governamentais a SEGUP2
que coordena as aes do comit a polcia militar, a polcia civil,
a defensoria pblica, o sistema penal e entraram dois novos mem-
bros da sociedade civil, a OAB e o Conselho Regional de Psicologia
[...] E mais SDDH.3 (Francisca,entrevista, jan.2016).

O Programa a que Francisca se refere foi fruto das aes do Conselho


Nacional de Combate Discriminao. Um dos eixos se referia ao direito
segurana, direito especialmente associado segurana pessoal, combate a dis-
criminao e a impunidade contra pessoas LGBT.
A Coordenao de Proteo a Livre Orientao Sexual (CLOS) uma ins-
tncia administrativa dentro da Secretaria Estadual de Justia e Direitos Humanos
(SEJUDH) do Estado do Par foi responsvel pela elaborao do Programa Par
Sem Homofobia que apresenta proposies do programa do Governo Federal.
Sobre o contexto de criao do programa, afirma Souza Junior:

1 Francisca assistente social e acompanha as aes do Comit desde a sua fundao.

2 Secretaria de Estado de Segurana Pblica e Defesa Social.

3 Sociedade Paraense de defesa de Direitos Humanos.

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A construo desse programa foi fruto da articulao entre o


Governo do Estado e o Movimento LGBT. Essa articulao se deu
pela ocupao de cargos pblicos, dentro da estrutura do Governo,
por parte de algumas lideranas que atuavam tambm dentro de
partidos polticos, em particular do Partido dos Trabalhadores (PT)
e tambm de outros partidos coligados, como o Partido Comunista
do Brasil (PCdoB). Foi o caso em particular da CLOS, em que o
coordenador e os assessores foram indicados pela atuao desta-
cada no Movimento LGBT (caso do coordenador) e nos partidos
polticos dos quais faziam parte (caso dos assessores). (SOUZA
JUNIOR, 2011, p. 111).

A SEJUDH juntamente com a Secretaria de Estado de Segurana Pblica


e Defesa Social (SEGUP), usando como inspirao o Programa Par Sem homo-
fobia, deu origem ao Plano Estadual de Combate a Homofobia. Sobre o Plano,
comenta Rio 4:
O Plano, ele muito amplo, mas ele voltado principalmente para
segurana pblica e cidadania, porque ele foi elaborado dentro
desta Secretaria [...]. E uma das coisas principais seria tentar garantir
um atendimento humanizado e com qualidade para essas pessoas,
tentar fazer com que o funcionrio pblico do sistema de segurana
pblica pudesse ver e olhar essas pessoas como um cidado como
outro qualquer, sem fazer qualquer discriminao e independen-
temente da sua aceitao ou por essas pessoas, mas trat-la com
respeito como todo e qualquer usurio do servio de segurana
pblica deve ser (Rio, entrevista, fev.2016).

Comenta ainda o interlocutor, fazendo aluso ao fato de que houve uma


resistncia inicial a representao de todos os seguimentos da militncia LGBT
compreendidos no movimento. Tornar a representao da sociedade civil mais
paritria dentro destes rgos colegiados uma forma de promover uma cons-
truo de polticas pblicas mais prximas daquele que o destinatrio final
destas polticas. Sobre isso comenta ainda Rio:
Olha, o Comit tem exatamente a importncia de congregar
diversos seguimentos da sociedade, tanto do Estado, onde ns

4 Rio delegado de policia civil, coordenou as atividades do Comit de 2012 a 2014 e foi citado
pelos outros trs entrevistados.

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representamos os diversos rgos do estado, quanto da sociedade


civil e principalmente se procurava ter sempre presente os segui-
mentos, n?... Que trata da homossexualidade [...]. Ali no vai ter
apenas a vontade do estado de aplicar um plano que foi devida-
mente traado durante alguns anos, mas voc vai ter o interesse
da sociedade, daquela parcela da sociedade que est diretamente
interessada na aplicao, de fazer valer direitos, de fazer valer cida-
dania (Rio, entrevista, fev.2016).

O interlocutor comenta a finalidade do Comit, interferir no sentido de


aproximar a sociedade civil em sua parcela LGBT das instituies onde se pro-
duzem polticas pblicas de segurana. Sobre essa questo comenta Leonardo
Boff:
Mas ela (democracia) pode ser melhorada e enriquecida com a
energia acumulada pelas centenas de movimento sociais e pela
sociedade organizada que esto revitalizando as bases do pas e
que no aceitam mais esse tipo de Brasil (...). Agora os atores sociais
querem completar essa obra de magnitude histrica com mais par-
ticipao. (PALHARES, 2014, p. 110).

A proposta de criao do referido Comit foi apresentada a plenria do


CONSEP, na 214 Reunio Ordinria, por meio da Resoluo 155/10 o Comit
foi efetivamente criado.
Est previsto ainda na normativa que representantes de outros rgos
podero ser chamados h compor as aes do Comit, por exemplo, represen-
tantes do Poder Judicirio, do Ministrio Pblico, OAB-PA e outros.
Os demais artigos da Resoluo se referem previso de apoio para as
atividades que devem ser oferecidas pelos rgos de segurana pblica para
as aes do Comit e a aprovao do relatrio mensal/anual por parte do
Presidente do CONSEP.
A normativa no prev oramento prprio para o custei das atividades e
aes do Comit, atrelando seu funcionamento s determinaes da Secretaria
de Estado de Segurana Pblica e Defesa Social e aos outros rgos do Sistema
Estadual de Segurana Pblica.

A Carteira de Nome Social

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A participao dos representantes do Comit na instituio da carteira de


nome social para pessoas travestis e transexuais foi fundamental para a institui-
o desta poltica pblica, criada pelo Decreto n 726/2013 (PAR, 2013) que
homologou a Resoluo n 210/2012 do CONSEP (CONSEP, 2012).
A Resoluo reconhecida como um avano significativo, pois na poca
o Estado do Par era o segundo Estado da federao a instituir esta poltica no
Brasil.
Sobre as experincias de travestis e transexuais, comenta Alexandre Vale:
Para transexuais, travestis e transgneros, a desconstruo dos
sexos no constitui apenas uma questo terica, mas uma prtica
concreta: el@s decompe a representao social da feminilidade e
do corpo feminino em signos que so por el@s apropriados e dos
quais se servem em suas prticas sociais. Estas prticas convidam
a repensar o processo de construo social dos sexos bem como
os fundamentos sociais da produo individual de uma aparncia
e de uma identidade de sexo, de gnero ou performativa. (VALE e
PAIVA, 2006, p. 66-67).

O reconhecimento do nome social para essas populaes uma forma de


garantir o direito de personalidade pleno a pessoas travestis e transexuais, uma
vez que o nome de nascimento que no est em conformidade com o gnero
ostentado pela pessoa, se torna um constrangimento quando surge em locais
onde se efetuam registros pblicos ou em rgos pblicos. Sobre essa questo
comenta Bento:
Aps a cirurgia e de todas as transformaes, as pessoas transe-
xuais ainda tem que apresentar documentos com o gnero no
identificado, o que gera constrangimentos infindveis. Em nossos
cotidianos somos chamados a nos identificar inmeras vezes. Abrir
uma conta em um banco, ter um carto de crdito, fazer uma matri-
cula, procurar um emprego. Em todos esses atos, se espera que haja
uma correspondncia entre os documentos emitidos pelo Estado e
as performances de gnero. (BENTO, 2008, p. 147).

sabido que a Lei sozinha no tem o condo de acabar com prticas


discriminatrias como as enfrentadas cotidianamente por travestis e transexuais
quando se lida com a questo do nome social, mas as normativas so um passo

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significativo no reconhecimento do direito de personalidade dessas pessoas.


Sobre a importncia da Carteira naquele momento, comenta Rio:
Uma das coisas mais importantes, que eu acredito nestes trs anos
que ns passamos, foi criao da carteira de identidade social.
Isso ai, realmente, de encontro ao seguimento trans e de travestis
por ter o seu nome, o nome pelo qual elas querem ser conhecidas
e serem chamadas, registrado com uma validade em todo o estado.
Isso foi todo um processo, n? De validao[...] Comeou com uma
portaria e decretos do Governo do estado, determinando que elas
fossem aceitas [...] Atendidas pelo nome, at a criao da carteira...
Ento foi um processo completo de cidadania (Rio)

Sobre os embates internos para a instituio desta poltica pblica no


Comit, comenta Berlin:
[...] logo no incio foi aprovado que teria uma carta de identi-
dade de gnero... A pessoa teria que ir secretaria de justia para
se declarar uma transexual ou uma travesti para receber aquela
carta para ir polcia civil para tirar sua carteira. Eu comecei a
lutar encima disso, para que fosse tirada essa carta [...] a necessi-
dade desse documento, porque... Porque no se levava para outros
municpios, as meninas teriam que vir de Itaituba, de Santarm,
tinha que vir de Abaetetuba5 [...] Para poder tirar sua carteira com
nome social, e... Eu me lembro assim bem que teve muita briga
interna, muitas discusses, muitas reunies para que houvesse essa
supresso e eu cheguei a chorar na mesa l, [...] Eu at cheguei
a falar grosseiramente com alguns membros do Comit, que esto
dentro de gabinetes, dentro de um escritrio e no sabem o que a
gente sente na pele aqui fora (Berlin, entrevista, fev. 2016).

Faz-se necessrio um apontamento sobre a atuao de Berlin ao reportar


a construo desta poltica pblica. Pois foi sob sua atuao direta que a Carta
de Identidade de Gnero foi suprimida da verso final do projeto. Nesse sentido,
muito longe de esgotar as discusses sobre a necessidade da Carta, radical
apontar que o sujeito subalterno de Gayatri Spivak foi ouvido, foi percebido

5 Municpios paraenses.

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e teve sua vontade levada em considerao naquele momento (SPIVAK, 2010,


p. 16-17).
Esse argumento requereria mais tempo e espao para seu desenvolvi-
mento, mas pode-se aludir ao fato de que sem aquela representatividade, sem
aquela presena, essa poltica pblica poderia ter nascido um pouco diferente.
A Carta de Identidade de Gnero apenas burocratizaria o acesso a um direito
que no exigido a pessoas cisgnero6, logo no est em conformidade com o
direito e princpio fundamental da isonomia e da no discriminao.
Complementa ainda Berlin:
Assim, um pouco relativo... Tem meninas que no se contentam
com a carteira, tem meninas que dizem, a no, s quero se trocar
todos os meus documentos que a carteira no me interessa, mas
assim 20%, porque 80% querem a sua carteira, tem meninas que
ainda eram chamados pelo nome masculino em escolas particulares
mesmo tendo a lei do municpio que todas as travestis e transexuais
teriam direito, desde 2012, ao nome social dentro da escola, mas
tem muitos gestores que ainda relutam [...] Desconhecem a prpria
lei, e com a carteira facilitou muito, entendeu? (Berlin, entrevista,
fev. 2016)..

O reconhecimento, mesmo que administrativo, do nome social pode ser


a diferena entre o acesso ao sistema pbico de sade ou educacional, por
exemplo. Quando se fala em sistema de segurana pblica, esse reconheci-
mento tangncia situaes ainda mais delicadas como, por exemplo, o acesso
segurana pessoal, seja por meio dos diversos rgos que compe o sistema
ou no momento de lavratura de um Boletim de Ocorrncia.

Consideraes finais

Ao analisar a atuao do Comit Gestor do Plano Estadual de Segurana


Pblica de Combate a Homofobia, este trabalho se focou na instituio da
Carteira de Nome Social para travestis e transexuais. Todo o processo que se
inicia com a discusso, no mbito do Comit, passando pela aprovao na ple-
nria do CONSEP e consequente expedio do Decreto n 726/2013, representa

6 Cisgnero o indivduo que se identifica com o gnero que lhe atribudo ao nascer.

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um avano e se constitui como poltica de efetivao de direitos e reconheci-


mento de cidadania para essa populao.
O direito ao reconhecimento, ao nome, a uma identidade o pressuposto
para se acessarem outros direitos. Estudar, ir ao posto de sade ou a delegacia
viver com plenitude a vida civil sem o risco de ser discriminada. Entretanto,
como j lembrado, a Lei sozinha no capaz de acabar com a discriminao
histrica e cultural que pessoas transgnero esto submetidas em seu cotidiano.
A Carteira de Nome Social apenas uma das polticas que foram levadas
a frente pelo Comit e, por sua abrangncia, afeta uma diversidade de sujeitos
que antes eram invisibilizados, mas existem outros problemas que, infelizmente,
essa poltica pblica no pode dar conta como a questo da violncia e do
acesso ao mercado de trabalho. Essas questes que podero ser tratadas em
trabalhos futuros.

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Referncias

BENTO, Berenice. O que Transexualidade? So Paulo: Brasiliense, 2008. Coleo


Primeiros Passos.

CONSEP. Resoluo n 210 de 19 de dezembro de 2012. Institui a Carteira de Nome


Social (Registro deidentificao social) para pessoas travestis e transexuais noEstado
do Par. Disponvel em: <https://www.sistemas.pa.gov.br/sisleis/legislacao/834>.
Acesso em: 21 jan. 2016.

PALHARES, Joaquim Ernesto (Org.). Participao social e democracia. So Paulo:


Editora Fundao Perseu Abramo, 2014.

PAR. Decreto n 726 de 29 de abril de 2013. Homologa a Resoluo n. 210/2012


do Conselho Estadual de Segurana Pblica - CONSEP. Disponvel em: <https://www.
sistemas.pa.gov.br/sisleis/legislacao/834>. Acesso em: 21 jan. 2016.

SOUZA JNIOR, Samuel Luiz. Direitos sexuais e polticas pblicas: combate a


discriminao para a concretizao dos direitos humanos de lsbicas, gays, bissexu-
ais, travestis e transexuais (LGBT) no Estado do Par. Tese de Mestrado. Instituto de
Cincias Jurdicas, Ps-graduao em Direito. Belm: Par, 2011.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG,
2010.

VALE, Alexandre Fleming Cmara; PAIVA, Antnio Cristian Saraiva (Orgs.). Estilsticas
da Sexualidade. Fortaleza: Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Universidade
Federal do Cear. Campinas: Pontes Editores, 2006.

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FORMAES SOBRE DIREITOS LGBT PARA AGENTES DE


SEGURANA PBLICA: DIFICULDADES NA DEFESA DA
CIDADANIA PARA LGBT NO PAR

Svio Barros Sousa


Bacharel em Direito
[email protected]

Luanna Tomaz de Souza


Doutora em Direito
[email protected]

GT 04 -
Travestilidades, transexualidades, lesbianidades e homossexualidades:
transgresso e resistncia

Resumo

Este trabalho discute o papel desempenhado pelo Comit Gestor do Plano


Estadual de Segurana Pblica de Combate a Homofobia, na defesa dos direi-
tos LGBT no Estado do Par. A pesquisa identificou demandas que trouxeram
avano na questo da proteo e segurana dos e das LGBT. Dentre estas, o
artigo trata especificamente da poltica de formao de agentes de segurana
pblica, uma atividade que visa sensibilizar os agentes do Estado que lidam
diretamente com este pblico, principalmente, nas ruas. O trabalho finaliza
com alguns apontamentos sobre as dificuldades encaradas pelos interlocutores
na execuo destas atividades.
Palavras-chave: homofobia; polticas pblicas; violncia policial.

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Introduo

A atuao do Comit Gestor do Plano Estadual de Segurana Pblica


de Combate a Homofobia doravante, o Comit se d em observncia ao
que prev o Plano Estadual de Combate a Homofobia e sob a cooperao de
diversos rgos pblicos e da sociedade civil. Mesmo o Comit tendo surgido
em 2010, o Plano s comeou a ser efetivamente colocado em andamento em
2012.
As aes gestadasno plano visam coibir prticas de violncia institucional
contra pessoas LGBT, motivadas por uma cultura de homofobia1 institucionali-
zada em rgos de segurana pblica e que, historicamente, negam cidadania
e direitos a essas populaes. Analisando essa questo de uma perspectiva
crtica, comenta Foucault(1988, p. 54):
Vinculou-se, como isso, a uma prtica mdica insistente e indis-
creta, volvel no proclamar de suas repugnncias, pronta a correr
em socorro da lei e da opinio dominante (...). Mas alm destes
dbios prazeres, (o discurso mdico) reivindicava outros poderes,
arvorava-se em instncia soberana dos imperativos da higiene,
somando os velhos medos do mal venreo aos novos temas da
assepsia, os grandes mitos evolucionistas s modernas instituies
da sade pblica, pretendia assegurar o vigor fsico e a pureza
moral do corpo social, prometia eliminar os portadores de taras,
os degenerados e as populaes abastardas. Em nome de uma
urgncia biolgica e histrica, justificava os racismos oficiais, ento
iminentes. E os fundamentava como verdade.

Foucault(1988) denuncia a normalizao de prticas discriminatrias


como uma poltica de Estado, mesmo com o advento de uma nova conscin-
cia global sobre liberdade, justia e igualdade, a partir da segunda metade do
sculo XX, no houve muita mudana no status quo ocupado pelos sujeitos
sexo divergentes. Ainda pautado em um saber mdico e, em termos filosficos,

1 Embora se reconhea a necessidade de visibilizar as diferentes formas de preconceito, o que tem


sido reivindicado pelos movimentos com expresses como: LGBTfobia ou homolesbotransfobia,
ser utilizada a expresso homofobia neste texto para se fazer referncia ao nome do Comit.

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essencialista, a compreenso do senso comum sobre as vivncias LGBT ainda


muito limitada. Sobre essa construo discursiva, comenta Figari(2007, p. 260):
O discurso mdico-legal, em sntese, traa definitivamente as formas
psquicas e somticas da inverso masculina e feminina. Inverso
ou homossexualismo adquirem uma identidade, que embora con-
fusa e ambgua, pelo menos sedimentar uma marca que recair
sobre os indivduos que praticam o homoerotismo: o estigma da
degenerao e a enfermidade. Assim como os loucos, as histricas,
os vagabundos at em certa medida os negros -, os homossexuais
so uma anomalia social que se combate, se rechaa, se reprime e
se busca curar.

Essa perspectiva ainda se encontra na raiz de muitas das dificuldades


reportadas pelos interlocutores mais a frente. Entretanto, essa anlise dos dis-
cursos no pode ser apartada de uma compreenso macroestrutural que, da
mesma forma, se vasculariza nas relaes interpessoais.
Os entrevistados comentam vrios dos problemas enfrentados pelas
atividades de formao como as dificuldades com expresses de sexismo e
homofobia dos agentes em formao, neste sentindo comenta Francisca:
Ento a gente dividia, por exemplo, em discutir questo de gnero,
para que os policiais pudessem entender que isso era uma cons-
truo social [...]. A gente era desrespeitada, sim! a Antnia2 foi
uma das pessoas que contribuiu muito, quando ela colocava a
identidade dela de mulher lsbica [...] A averso deles era at maior
[...] Havia momentos em que a gente estava mesmo desgastado,
cansadas mesmo, mas nem por isso a gente desistiu (Francisca,
entrevista, jan.2016).

Outro elemento trazido pela entrevistada se relaciona ao que esta chama


de desrespeito enfrentado por palestrantes no momento das formaes.
Comenta a entrevistada que uma das palestrantes, ao colocar sua identidade
de mulher lsbica, era alvo de uma averso maior por parte dos agentes de
segurana pblica.

2 Nome fictcio.

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Outros autores e autoras denunciam a heterossexualidade como o padro


imposto que sujeita e os corpos e as subjetividades. Nesse sentido afirmou
Monique Witting (1992), terica feminista francesa, os discursos que acima de
tudo nos oprimem, lsbicas, mulheres e homens homossexuais, so aqueles
que tomam como certo que a base da sociedade, de qualquer sociedade, a
heterossexualidade (WITTIG, 1992, p. 2). A terica feminista denncia norma
heterossexista como a base, a origem dos discursos opressores, discursos esses
j identificados por Foucault. Esse pensamento ser resgatado por Butler(2003,
p. 38-39):
A noo de que pode haver uma verdade do sexo, como Foucault
a denomina ironicamente, produzida precisamente pelas prticas
reguladoras que geram identidades coerentes por via de uma matriz
de normas de gnero coerente. A heterossexualizao do desejo
requer e institui a produo de oposies discriminadas e assimtri-
cas entre feminino e masculino (...) Nesse contexto, decorrer
seria uma relao poltica de direito institudo pelas leis culturais
que estabelecem e regulam a forma e significado da sexualidade.

Sarah Salin, comentando o pensamento de Judith Butler (2015, p. 71) na


mesma obra, afirma:
Butler descarta a ideia de que o gnero ou o sexo seja uma subs-
tancia permanente, argumentando que uma cultura heterossexual
e heterossexista estabelece a coerncia dessas categorias para per-
petuar e manter o que a poeta e crtica feminista AdrienneRich
chamou de heterossexualidade compulsria a ordem domi-
nante pela qual os homens e as mulheres se veem solicitados ou
forados a ser heterossexuais.

H um esforo discursivo no sentido de estabelecer a heterossexualidade


como o padro, essa seria uma das verdades da sexualidade, e todas as expe-
rincias sobre sexualidade que foge a ele so entendidas e compreendidas a
partir dessa matriz (usando um termo desenvolvido por Butler).

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Nesse sentido, a violncia homofbica3 se constitui como um problema de


ordem social, que deveria ser passvel de interveno jurdica, acrescentaBor-
rillo,enquanto problema social, a homofobia deve ser considerada como um
delito suscetvel de sano jurdica; todavia, a dimenso repressora destituda
de sentido se ela no for acompanhada por uma ao preventiva(BORRILLO,
2010, p. 106) no apenas a Lei, mais as polticas pblicas de segurana, educa-
o, sade e outras se somam no momento de se construir um combate mais
efetivo violncia homofbica. Em outras palavras, essas prticas geram um
contra discurso necessrio.
Mesmo com dificuldades em efetivar as formaes, os resultados das
aes so expressivos. Como alude Francisca, Tudo bem, a passo lento, mas
ns chegamos a capacitar, na regio metropolitana de Belm at Castanhal4,
acho que mais de mil policiais militares e em torno de seiscentos policiais civis,
delegados, escrivs, os nmeros tambm aparecem nos relatrios e do pistas
sobre o alcance, efetividade das aes do Comit e as mudanas que podem
advir dessas aes.
O seguimento das travestis e transexuais que vivem da prostituio ,
historicamente, o seguimento mais frgil e com menor proteo e visibilidade.
No apenas justo, mas uma questo de humanidade e respeito aos Direitos
Humanos destas pessoas que suas pautas e necessidades fossem colocadas em
primeiro plano no momento de criao e gesto das aes do Plano Estadual
de Segurana Pblica de Combate a Homofobia.
Mais uma vez a questo da falta de informaes coesas e confiveis esbarra
na falta de preocupao com pesquisas quantitativas e qualitativas sobre como
os seguimentos LGBT receberam as aes do Comit. Questionada sobre os
resultados das aes de formao com os policiais Francisca, confirma:
Olha, no h nenhuma pesquisa feita ainda sobre isso, tentar
sondar as meninas que esto na pista para ver mudou algo nessa
relao. Eu escutei, de uma maneira muito informal, esporadica-
mente [...] Uma travesti ou uma transexual, chegar comigo e dizer,

3 Utiliza-se o termo homofobia pela ampla insero do termo, inclusive aparece no prprio nome do
Comit, mas estes autores tem conscincia dos problemas que o termo apresenta, levantados princi-
palmente por outros seguimentos do movimento LGBT.

4 Cidade que compe a regio metropolitana de Belm.

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poxa, melhorou bastante essa forma agora como eles abordam a


gente, ento faltou mesmo uma pesquisa mais efetiva que compro-
vasse isso (Francisca, entrevista, jan.2016).

Um dos problemas enfrentados para a efetividade das aes a escassez


de informaes sobre a violncia homofbica e transfbica em nmeros reais,
que possam ser operacionalizados pelas autoridades pblicas. Sobre essa ques-
to, acrescenta o informe Livres & Iguais das Naes Unidas (ONU, 2012, p. 1):
Os dados oficiais sobre violncia homofbica e transfbica so
escassos e irregulares. Relativamente poucos pases tm sistemas
adequados para monitoramento, registro e notificao de dio
homofbico e crimes transexuais. Mesmo onde existem tais siste-
mas, as vtimas podem no confiar na polcia o suficiente para se
expor, e os prprios policiais podem no ter sensibilidade suficiente
para reconhecer e adequadamente registrar o motivo. No entanto,
reunindo tudo o que est disponvel nas estatsticas nacionais e
completando-as com relatrios de outras fontes, um padro claro
emerge de violncia brutal, generalizada e muitas vezes impune.

Como alertado pelo informe, os dados no so precisos, mas aquilo que


existe d uma ideia do panorama ruim no qual as populaes LGBT vivem em
diversos pases. No Brasil no diferente, existem informaes nacionais, mas
estas acabam por padecer dos mesmos problemas, como a subnotificao, seja
porque a vtima no confia no sistema de segurana pblica ou pelo prprio
preconceito institucionalizado que invisibiliza esse tipo de violncia.
Entretanto, com o objetivo de suprir essa informao e dar maior emba-
samento ftico, uma das entrevistas deste trabalho ativista do movimento
transexual e milita nessa causa a mais de 25 anos. Comenta Berlin:
No, mudou [...] Como eu ando muito com elas, eu fao trabalho
com elas noite [...] As abordagens, eles chegavam com elas para
abordar para revistar, com grosseria e eram totalmente desconhe-
cedores de direitos e devido ao policial esta fardado, se achar no
direito todo poderoso de humilhar as pessoas, essa conduta deles
j uma conduta de quartel. Depois destas formaes, amenizou,
ficaram mais flexveis, mesmo na hora da formao tinha muito
debate, muitos assim... At oficiais mesmo, no, porque no aceito
e no vai ser [...], voc pode no aceitar dentro da sua casa, mas
se est fardado voc est prestando um servio para a comunidade

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voc recebe do governo, ento voc vai ter que tratar essa pessoa
com mais sensibilidade, porque voc est sendo pago por essas
pessoas (Berlin, entrevista, fev.2016)

A entrevistada confirma que o cotidiano das travestis e transexuais que


trabalham na rua melhorou com a promoo das formaes e empresta a
esse trabalho um pouco da sua vivncia e experincia, trabalhando com esse
pblico, para confirmar seu posicionamento.
Um ltimo ponto a ser tocado quando se lida com a questo das for-
maes, e questo essa que se apresenta dorsal quando se trata das aes
de qualquer rgo ou iniciativa do Poder Executivo, se refere abertura dos
gestores para as questes relacionadas aos direitos Humanos ou mais especifi-
camente aos direitos LGBT.
As aes do Comit esto estritamente vinculadas a aberturas polticas e
administrativas dentro do Conselho de Segurana Pblica, ou seja, mesmo que
exista vontade nos sujeitos para levar a cabo aes e projetos, isto esbarra nas
limitaes polticas e oramentrias.
Essas limitaes s podem ser vencidas com articulao poltica e a lide-
rana de coordenadores sensvel s pautas e demandas do movimento LGBT.

Consideraes finais

Como esclarecido no decorrer do texto, a poltica de formao para


agentes de segurana visa dar a possibilidade de formao complementar para
agentes pblicos e se inscreve dentro dalgica de proteo de direitos e desen-
volvimento da cidadania para pessoas LGBT. Entretanto essa discusso no
pode ser desvinculada de uma anlise micropoltica das relaes de poder.
Essa relao se inscreve na origem das prticas discriminatrias, seja para LGBT
ou para outros grupos subalternalizados, sendo impossvel pensar uma soluo
para o problema da violncia sem que se pense o nvel mais baixo nessa cadeia,
qual seja o estgio das relaes interpessoais.
Nos relatos de Francisca e Berlin, possvel extrair que grande parte do
enfrentamento para a construo das polticas pblicas e a continuidade das
atividades do Comit se deve a uma cultura de preconceito que naturaliza situ-
aes discriminatrias contra pessoas LGBT.
Por meio de sua atuao, o Comit possibilitou a visibilidade e o enfren-
tamento a pautas antes ignoradas. As formaes com agentes e servidores do

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Sistema de Segurana Pblica do Estado do Par se inscrevem dentro dessa


cadeia de relaes de poder e afetam diretamente a relao entre os sujeitos.
Os avanos aqui discutidos foram possveis com a articulao mais pr-
xima entre os rgos de segurana pblica e os representantes da sociedade
civil, entretanto no se pode acreditar que apenas a institucionalizao das
lutas ser capaz de abarcar todas as demandas dos sujeitos LGBT. Como bem
exposto pelos interlocutores, as articulaes de sujeitos sensveis as demandas
do movimento LGBT so fundamentais para que as polticas pblicas sejam
criadas e as demandas atendidas. Mas isso no seria possvel sem uma articula-
o forte do prprio movimento LGBT.

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Referncias

BORRILLO, Daniel. Homofobia: histria e crtica de um preconceito. Belo Horizonte:


Autntica Editora, 2010.

BUTLER, Judith. Problemas de Gnero: feminismo e subverso da identidade. Rio de


Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

FIGARI, Carlos. @s outr@s cariocas: interpelaes, experincias e identidades


homoerticas no Rio de Janeiro: sculos XVII ao XX. Belo Horizonte: Editora da
UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2007.

FOUCAULT, Michael. Histria da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro:


Edies Graal, 1988.

ONU. Livres & Iguais: Naes Unidas pela igualdade LGBT. 2012. Disponvel em:
<https://www.unfe.org/system/unfe-42-sm_violencia_homofobica.pdf>. Acesso: 07
jan. 2016.

SALIN, Sara. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2015.

WITTIG, Monique. O Pensamento Htero. The Straight Mind and other Essays.
Boston: Beacon, 1992.

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O DIREITO E AS MULHERES

Laura de Almeida Schefer


Graduanda do 6 perodo de Direito das FIVJ
[email protected]

GT 27 - Diversidades Sexuais e de Gneros: dinmicas e interaes na vida social

Resumo

Um olhar atento para o ordenamento jurdico de um Estado uma fonte valiosa


de estudo para entender os retrocessos e desafios da mulher na sociedade atual.
A legislao brasileira, durante muito tempo, encarou as mulheres como fracas,
frgeis e incapazes de fazer suas prprias escolhas, porm, felizmente, essa
viso arcaica vem sendo superada ao longo dos anos. Diante do avano das
bancadas conservadoras no Congresso Nacional, o movimento feminista deve,
a cada dia mais, reforar a luta por uma sociedade mais justa e igualitria. Uma
grande aliada nessa empreitada a CF\88, que trouxe uma ideia revolucionria
de igualdade.
Palavras-chave: ordenamento jurdico brasileiro; mulher brasileira; feminismo;
poder feminino; Direito.

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Introduo

A partir da anlise da frase: Ningum nasce mulher: torna-se mulher


da grande filsofa francesa, Simone de Beauvoir (1967, p.9), pode-se concluir
que as diferenciaes entre homens e mulheres no so de natureza biolgica,
contudo puramente social. Como afirma:
Nenhum destino biolgico, psquico, econmico define a forma
que a fmea humana assume no seio da sociedade; o conjunto da
civilizao que elabora esse produto intermedirio entre o macho
e o castrado que qualificam de feminino. (BEAUVOIR,1967, p.9).

O enfrentamento da desigualdade entre homens e mulheres na


Constituio de 1988

A poltica brasileira marcada por um forte conservadorismo, e as mulhe-


res acabam assumindo um papel secundrio na elaborao das leis, como
consequncia disso surge uma legislao ultrapassada, que no respeita e valo-
riza os direitos femininos. Um efeito na prtica da falta de representatividade
das mulheres a atual composio da Cmara dos Deputados, com cerca de
10% de parlamentares do sexo feminino.
Conforme a CF\88 preconiza, em seu artigo 5 inciso I, homens e mulhe-
res so iguais em direitos e obrigaes nos termos desta Constituio. Dessa
forma, vedado qualquer tipo de discriminao positiva, que vise estabele-
cer diferenciaes entre homens e mulheres. Na opinio de Leonardo Martins
(2013, p.235):
A nica distino com embasamento fisiolgico que no se choca
contra o dispositivo em pauta a distino necessria em torno dos
fenmenos da gravidez, do nascimento e da maternidade que tm
o condo de constituir direitos e obrigaes diferentes para ambos
os sexos.

Brasil: uma terra machista e desigual

O Cdigo Civil de 1916 previa que, caso a mulher tivesse contrado matri-
mnio deflorada, o marido poderia anular a unio em at dez dias. No CC\16
incumbia ao cnjuge:

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Representar legalmente a famlia; administrar os bens do casal e os


bens particulares da mulher, mesmo no regime de separao total
dos bens, alm de lhe competir exclusivamente, o direito de fixar
o domiclio da famlia e a obrigao de lhe prover a manuteno.
(BARRETO 2010).

Segundo o entendimento da professora Vlia Bomfim Cassar (2015), os


artigos da CLT que continham diferenciaes entre trabalhadores e trabalhado-
ras, como a imposio de um descanso de quinze minutos para que a mulher
possa iniciar jornada extraordinria de trabalho, no foram recepcionados pela
CF\88. Por outro lado, os preceitos legais que trazem diferenciaes com base
em critrios biolgicos, como amamentao e maternidade, foram recepciona-
dos pela CF\88, pois so necessrios para a proteo da mulher no mercado
de trabalho.
Ademais, o Cdigo Penal, em sua redao original, previa tipos penais,
como de rapto e seduo,que visavam tutelar os costumes e o ptrio poder,
sempre com enfoque na sexualidade da mulher, que deveria se manter casta.
De acordo com Nelson Hungria (1947, p.139):
A vtima deve ser mulher honesta, e como tal se entende, no
somente aquela cuja conduta, sob o ponto de vista da moral sexual,
irrepreensvel, seno tambm aquela que ainda no rompeu com
o minimum de decncia exigida pelos bons costumes. S deixa
de ser honesta (sob o prisma jurdico-penal) a mulher francamente
desregrada, aquela que inescrupulosamente, multorum libidini
patet, ainda no tenha descido condio de autntica prostituta.

Com o advento da Lei11.106/05, houve a descriminalizao das condutas


que faziam aluso ao termo mulher honesta, extinguindo assim a punibilidade
daqueles indivduos que tivessem praticado s condutas previstas na lei.
At o ano de 2009, o CPB tinha a seguinte previso do crime de estupro:
constranger mulher conjuno carnal, mediante violncia ou grave ameaa.
O tipo penal exigia uma relao heterossexual e era imprescindvel a introdu-
o do pnis na vagina, mesmo que de forma parcial, sendo que somente a
mulher poderia ser vtima do crime e apenas o homem sujeito ativo. J o aten-
tado violento ao pudor, exigia a presena de atos libidinosos para configurar o
tipo penal.

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Aps a entrada em vigor da lei 12.845\09, o Titulo VI do CPB passou a


tutelar a Dignidade Sexual, e no os costumes como anteriormente. Depois de
2009, os tipos penais do estupro e do atentado violento ao pudor foram unifi-
cados, surgindo, a partir da, uma nova configurao para o crime de estupro:
Constranger algum, mediante violncia ou grave ameaa, a ter conjuno
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Nesse caso, o estupro um crime comum, que no exige qualquer qualidade
pessoal do sujeito ativo e passivo.
oportuno lembrar que Nelson Hungria (1947, p.115) defendia a tese que
o estupro marital no seria crime O estupro pressupe cpula ilcita (fora do
casamento) a cpula intra matrimonium recproco dever dos cnjuges. Caso
o marido abusasse sexualmente da esposa no seria punido, pois estaria abar-
cado pelo exerccio regular de direito, que uma causa excludente de ilicitude.
Fernando Capez (2015, p.311) adverte que:
Segundo conhecida frmula de Graf Zu Dohna, uma ao juridi-
camente permitida no pode ser, ao mesmo tempo, proibida pelo
direito. Ou, em outras palavras, o exerccio de um direito nunca
antijurdico.

Aborto uma realidade sombria e no discutida

Nota-se que as incongruncias apresentadas acima j foram superadas


ao longo dos anos, porm atualmente ainda h a luta do movimento feminista
para que o Estado brasileiro descriminalize a prtica do aborto, que a quinta
maior causa de mortalidade materna no pas. Infelizmente, o aborto ainda um
tabu a ser quebrado, e somente o debate pode romper todos os estigmas em
torno desse tema. A criminalizao do aborto extremamente cruel, pois retira
das mulheres o direito de dispor livremente de seu corpo, e leva as mesmas a
agirem na ilegalidade, recorrendo a procedimentos inseguros.
Em suma, o direito brasileiro pune aquela gestante que realiza o aborto
em si mesma ou permite que outro lhe provoque, com pena de 1 a 3 anos de
deteno. J o terceiro, que realiza o procedimento com consentimento da ges-
tante, est tipificado no artigo 126 do CPB com pena de 1 a 4 anos de Recluso.
A gestante apenas poder realizar a interrupo da gravidez de forma segura
pelo SUS nas trs hipteses elencadas abaixo:

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Aborto necessrio: o procedimento s pode ser realizado pelo mdico, e


no necessita de consentimento da gestante.
No caso, ambos os bens (vida da gestante e vida do feto) so juridi-
camente protegidos. Um deve perecer para que o outro subsista. A
lei penal, portanto, escolheu a vida da gestante ao invs da vida do
feto. (GRECO, 2015, p.246).

Aborto humanitrio: nos casos de violncia sexual, apenas o mdico pode


realizar o procedimento, e imprescindvelque haja o consentimento da ges-
tante ou, se menor, de seu representante legal.
Aborto de feto anencfalo: o objetivo do crime de aborto tutelar a vida
em formao, porm segundo entendimento do STF o feto anencfalo uma
vida invivel, e por isso a gestante poderia realizar um parto antecipado tera-
putico sem incorrer no crime tipificado no artigo 124 do Cdigo Penal.

Um pequeno passo rumo ao fim da violncia domstica e


familiar no Brasil:

A propsito, a violncia domstica e familiar ainda uma realidade no


Brasil, e os algozes em sua maioria so maridos, namorados, companheiros ou
pais, enfim as agresses so praticadas onde as mulheres deveriam se sentir
seguras. Felizmente, as vtimas esto rompendo o silncio e denunciando os
agressores com a ajuda de uma grande aliada, a Casa da Mulher Brasileira, que
oferece diversos servios como: Defensoria Pblica e Ministrio Pblico.
Em relao s garantias previstas na lei, atenta-se para o fato de que a
mulher que for vtima de violncia fsica, sexual, patrimonial, psicolgica e moral
no ambiente domstico ou familiar poder requerer medidas protetivas, com
intuito de salvaguardar sua integridade fsica e psquica. Pode haver a requisio
de afastamento do agressor do lar, proibio de comunicao com a ofendida,
familiares e testemunhas, proibio de frequentar determinados lugares, dentre
outros pedidos.
A lei do feminicdeo foi sancionada em 2015 pela ento presidenta da
Repblica, Dilma Rousseff, e qualificou o crime de homicdio com previso de
12 a 30 de Recluso para casos em que as vtimas foram mortas pelo simples
fato de serem mulheres. Atente-se para o fato de que apenas a punio do

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agressor no garantia de que a violncia nunca mais ir ocorrer, mas sim um


dos inmeros exemplos da poltica macia de encarceramento.

Consideraes finais

Como foi disposto acima, a luta das mulheres por igualdade ainda no
est no fim, o Brasil ainda necessita percorrer um longo caminho para extin-
guir toda forma de violncia contra a mulher, e a soluo seria o investimento
macio em educao de meninos e meninas, para que acabem com essa viso
sexista de ver o mundo. Os tempos so outros, e as mulheres assumem, cada
vez, mais um papel de destaque na sociedade. Sendo assim, hora do Brasil
encarar o poder feminino.

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GNERO E SEXUALIDADES NA FORMAO DE PEDAGOGOS/


AS: DILOGOS ACERCA DE ENTENDIMENTOS E PRTICAS
DISCENTES

Apolnia de J. Ferreira Silva


Pedagoga (UFV/DPE)
Mestranda em Educao (UFOP/ Projeto Caleidoscpio)
[email protected]

Prof. Dr. Marco Antonio Torres


Professor Adjunto II (UFOP/Projeto Caleidoscpio).
[email protected].

Resumo

A pesquisa busca analisar como estudantes do curso de Licenciatura em


Pedagogia de uma universidade pblica da regio sudeste do Brasil tem se
apropriado da categoria gnero e das noes das sexualidades. De carter qua-
litativo, a investigao fez um levantamento terico para contextualizao do
trabalho e tem utilizado de entrevistas e questionrios com discentes regular-
mente matriculados/as no stimo perodo. Os esteretipos de gnero e referentes
s sexualidades aparecem nas entrevistas, indicando que estes ainda so um
desafio no campo educacional. Compreender como os fazeres e saberes des-
tes discentes se produzem um passo importante para entender a resistncia
diante de propostas que compreendam gnero e as sexualidades numa pers-
pectiva menos heteronormativa.
Palavras-chave: Diversidade; Formao inicial; Gnero; Pedagogia; Sexualidades.

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Introduo

A partir das experincias como discente e docente no curso de Licenciatura


em Pedagogia, foi possvel perceber que nem sempre a academia atende as
demandas referentes aos Estudos de gnero e das sexualidades em sua grade
curricular. Nesse sentido, consideramos importante enfatizar a ausncia de con-
tedos e prticas que possibilitem um dilogo mais preciso entre professores/as
e alunos/as acerca desta discusso. Por outro lado reconhecemos que existem
discursos que sustentam compreenses heteronormativas no ambiente da for-
mao discente. Diante disso, este trabalho apresenta os caminhos e anlises
de uma pesquisa que se encontra em andamento em um Programa de Ps-
graduao em Educao. A investigao se prope a analisar a maneira com a
qual, graduandos/as do curso de Licenciatura em Pedagogia articulam em seus
discursos a categoria gnero e noes referentes s sexualidades. Consideramos
dois aspectos que justificam nossa pesquisa: as polticas pblicas em educao
e a produo de conhecimentos que analisam como a heteronormatividade tem
sido problematizada nos ambientes educacionais.
Acreditamos ser necessrio enfocar que a problemtica deste trabalho
acontece no momento em que convivemos com os/as graduandos/as como
sujeitos que possivelmente, podem desconhecer e/ou reprimir a prpria sexu-
alidade e se deparam com contedos didticos abrangentes da rea, os quais
devem ser trabalhados em sala de aula. Aqui localizamos a relevncia acad-
mica, a produo de conhecimento que analisem a heteronormatividade. Ela
est diretamente relacionada com o contexto social apresentado. Inicialmente
temos as questes emergentes acerca do gnero e das sexualidades que aden-
tram cada vez mais educao e especificamente formao docente. As
questes chegam via discursos religiosos, mdicos, acadmicos, polticos e dis-
ponibilizados pelas diversas mdias. Consideramos importante compreender
como o gnero e as sexualidades so produzidos nestes discursos, sendo que
a princpio parecem se mesclar. Abordagens que variam desde perspectivas da
educao sexual at aquelas que produzem uma crtica poltica, numa perspec-
tiva de desconstruo da matriz heterossexual. Assim, pode-se analisar quais
discursos so produzidos entre os/as graduandos/as em Pedagogia e como estes
sujeitos se posicionam no cenrio atual, como se apropriam ou no de discus-
ses acadmicas da rea educacional

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As posies que assumem professores/as diante de seus discentes, nas ins-


tituies educacionais como a escola e a Universidade, se referem aos modos
que eles/as legitimam discursos numa disputa que tem crescido na sociedade:
grupos que lutam pela pertinncia do debate de gnero na educao escolar
e aqueles contrrios a qualquer debate que envolva as diversidades na escola.
Assim, consideramos que o perodo de graduao dos sujeitos desta pesquisa
est matizado tambm por fatores que contribuem no surgimento de lacunas no
que diz respeito diversidade, incluso e s prticas educativas relacionadas
s questes de gnero e das sexualidades.

Caminhos percorridos at o momento no campo de pesquisa

O trabalho est sendo desenvolvido no Instituto de Cincias Humanas


e Sociais, localizado na cidade de Mariana, Minas Gerais, onde o curso de
Licenciatura em Pedagogia ministrado por meio de uma Universidade Pblica.
At o momento, foram produzidas entrevistas com trs alunas com idades entre
21 e 23 anos, matriculadas no stimo perodo do curso, o que equivale ao
ltimo ano de graduao, por acreditar que nesse semestre, as estudantes j
estariam inseridas e familiarizadas com o curso. Sendo assim, para a elaborao
da pesquisa, adotamos como linha de pesquisa os Estudos de gnero, intera-
gindo diretamente com as prticas polticas, sociais e culturais. Inicialmente, foi
realizado uma pesquisa bibliogrfica e uma reviso de literatura, uma vez que
elas serviram como suporte pesquisa.
Revisando a literatura acadmica, foi possvel perceber que Richard
Miskolci (2009) localiza o conceito de heteronormatividade no trabalho de
Michael Warner, em 1991, noo que consideramos necessria para a com-
preenso acerca das questes propostas neste estudo. Este autor indica estudos
referentes s noes das sexualidades discutidas por Michel Foucault, espe-
cificamente nas anlises discursivas relacionadas famlia, reproduo e
heterossexualidade. Michael Warner, Judith Butler, entre muitos/as autores/as
elaboraram anlises sociais retomando Michel Foucault, especificando a sexu-
alidade como um dispositivo de poder da modernidade ocidental, isto , como
forma de regulao social.
Diversas anlises (CASTRO, 2008; LOURO, 1995; 2000 e LOURO et.al.
2001 e 2003), apontam que as sexualidades, vm adquirido formas variadas.
Pesquisadores/as indicam que oficinas e palestras no so ainda suficientes a

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ponto de se tornarem efetivas para os meios discentes e docentes em ques-


to. Soma-se a isto uma ambincia social em que a palavra gnero tem sido
eliminado do Plano de Educao ao redor dos debates em que fundamentalis-
tas tm chamado de Ideologia de gnero. Considero que os/as graduandos/
as dialogam com essa ambincia a partir dos conhecimentos que acessam
na Universidade, mas tambm so profundamente marcadas pelos fazeres e
saberes em suas famlias, nos grupos religiosos que participam, nos crculos
de amizade, entre outros. A existncia de corpos nos limites das definies de
homem e mulher tomada na comunidade escolar como perigosa e/ou acin-
tosa aos valores morais, estes corpos muitas vezes so execrados, impedidos,
desclassificados, pois indicam uma sexualidade que no ganha inteligibilidade
nos discursos heteronormativos. Sujeitos que apresentem identidades sexuais
e de gnero alm das normas de gnero tm se constitudo como ameaa e
motivo de retaliaes pblicas dentro e fora dos sistemas educacionais. Pelas
normas de genero toma-se como fundamento a heterossexualidade compuls-
ria, o dimorfismo sexual e o privilgio do masculino (Butler, 1999).
No atual contexto das polticas pblicas em educao, muito se discutiu
da temtica referente identidade de gnero e a orientao sexual, conforme
propostas das polticas de direitos humanos defendidas nos Principios de
Yogyakarta (CORREA & MUNTARBHORN, 2006) e no Plano Nacional de
Promocao da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT (BRASIL, 2009).
Durante as reunies de estudo do Plano Nacional de Educao (PNE) essas
temticas ganharam corpo, juntamente com as questes etnorraciais. Contudo,
questionamentos de grupos religiosos, majoritariamente, sustentados por ban-
cadas da Cmara e pelo Senado Nacional, reorientaram o PNE e dele retiraram
quaisquer referncias a gnero e as chamadas diversidades. Isto se deu nas trs
esferas da federao de modos diferentes, contudo reiterando as normas de
gnero, evitando qualquer indagao da hegemonia da heterossexualidade.
Quanto relevncia social da pesquisa importante considerar que de
acordo com estudos voltados para as Cincias Sociais, as pessoas so social-
mente treinadas para manterem um relacionamento afetivo-amoroso com outra
do sexo1 oposto, demarcando assim um carter biologicista reproduzido pela

1 Utilizo o termo sexo, ao me referir a conformao fsica, orgnica, que permite distinguir o homem e
a mulher, atribuindo-lhes um papel especfico na reproduo e enfatizando caractersticas biolgicas

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heteronormatividade. Nesse sentido, tudo o que foge s normas de gnero,


pode ser considerado estranho ou anormal. Via um conjunto de discursos temos
a tentativa de regulacao/normalizacao da triade corpo-genero-desejo na escola,
na famlia, no mundo do trabalho, enfim, em toda parte. Por isto compreender
a produo de discurso na formao docente se caracteriza como relevante,
uma vez que os/as professores/as inseridos/as em um contexto escolar devem
atentar para a reproduo mesmo que involuntariamente da matriz heterosse-
xual em um cenrio em que a lsbicas, gays, transexuais, travestis, entre outros/
as demandam por reconhecimento. .
Tanto os questionrios como as entrevistas foram dirigidos s alunas com
o intuito de apreender como o discurso entre elas e os/as seus/suas familiares
em relao ao gnero e as noes de sexualidades, veculos e agncias que pre-
tendem utilizar na inteno de esclarecer possveis duvidas dos/das seus/suas
alunos/as, questionamentos a respeito da suposta Ideologia de gnero, pre-
sentes no PNE conforme defendem aqueles/as contrrios discusso de gnero
e sexualidades nas escolas, entre outros/as. Vale destacar que entre os objetivos
propostos por essa possvel Ideologia de gnero, estaria ampliar a divulgao
dos temas, para que o controle da evaso escolar e o enfrentamento as discri-
minaes de gnero fossem efetivas.

Os enunciados das entrevistas piloto

De acordo com as anlises de Michel Foucault (1993), cedo ou tardia-


mente, as discusses acerca do gnero e das sexualidades surgem, ora no
mbito escolar, em casa ou na rua, contudo, o modo que so operacionali-
zadas e/ou articuladas que indica a problemtica que a formao da Pedagogia
deva enfrentar. Seja com amigos/as, com a prpria famlia ou por meio de ve-
culos ou agncias miditicas, conversas formais ou informais, influenciam direta
ou indiretamente na constituio do sujeito e de suas identidades, sejam elas
sexuais e/ou de gnero. Eu tive as primeiras informaes sobre sexo na escola e
acho que acabei conversando mais com os amigos do que com a minha prpria
famlia (Joaquina Silveira). Entretanto, caber ao/a estudante de Licenciatura
levar em considerao a grande responsabilidade em pensar o espao da escola

atribudas as suas genitlias.

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como algo que no pode ser monopolizado por interesses de grupos e/ou movi-
mentos que no reconheam o direito de LGBT, impedindo-os/as de usufrurem
das possibilidades sociais disponibilizadas a todos/as. Competir ao/a profes-
sor/a incubncia de promover um melhor manuseio da matriz heterossexista,
dialogando e/ou reconhecendo a legitimidade das diferenas.
A internet por diversas vezes apareceu no decorrer das entrevistas como
uma forte aliada no que tange aos Estudos de gnero e as sexualidades, de
maneira que foi o meio mais citado quando a interrogao foi sobre vecu-
los e agncias utilizados para orientar e/ou informar. Acredito que todos os
meios so amplos, mas o principal a internet [...] hoje um meio tecnolgico
que possibilita buscarmos vrias temticas para trabalhar com nossos alunos
at mesmo sobre o gnero e a sexualidade (Bernadete Matarazzo). Diante
disso, no prosseguimento da pesquisa, pretendemos tentar entender e explorar
o que essas estudantes percebem na internet, que a torna to imprescindvel,
ampliando ainda mais o debate.
At o momento, as entrevistadas se consideraram despreparadas com a
possibilidade da discusso envolvendo o gnero e as sexualidades em mbito
escolar mesmo j estando prestes a conclurem a graduao. Segundo elas, o
fato de no terem desfrutado da oportunidade de um maior dilogo no decor-
rer do curso, contribuiu fortemente para o que consideram como inaptido.
Para Dalva Uzay, No estou preparada! Acho que me faltou muita base na
disciplina que cursei [...] e me falta base ainda hoje! No caso especfico do
debate acerca da Ideologia de gnero, foi notado por meio das entrevistas,
que mesmo no final da graduao e j tendo cursado disciplinas especficas, as
estudantes demonstraram desconhecer toda a discusso apresentada no decor-
rer nos ltimos meses. Tal ocorrncia acaba por provocar um sinal de alerta
com o intuito de chamar ateno aos discursos produzidos nas Universidades.

Consideraes Finais

O andamento deste trabalho, no que tange a anlise de como estudantes


do curso de Licenciatura em Pedagogia de uma Universidade Pblica pensam
os assuntos relacionados categoria gnero e as noes das sexualidades, tem
demonstrado ser um movimento de profundas expectativas. Segundo os refe-
renciais tericos com os quais dialogamos, os indivduos se organizam a partir
de infinitas experincias sociais, demonstrando que a escola, a famlia, bem

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como os meios de comunicao, em especial a internet, articulam e colocam


em movimentos inmeros discursos que acabam por reforar a permanncia da
heteronormatividade.
Nesse seguimento, at o presente, est sendo possvel notar que a busca
por elucidaes questo Como os/as estudantes de Licenciatura em Pedagogia
pensam a categoria gnero e as noes das sexualidades, tendem a ser muito
mais expressivas do que se possa imaginar. Cogitar o gnero e as sexualidades
possibilita um emaranhado de alternativas que oportuniza a continuidade desta
investigao.

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AS LIMITAES DO DIREITO AO LIVRE EXERCCIO


DA PESSOALIDADE E A IDENTIDADE DE GNERO:
DESCONSTRUINDO A NORMATIVIDADE DE GNERO

Mateus Oliveira Barros


Graduando de Direito pela UFMG
[email protected]

Paula Rocha Gouva Brener


Graduanda de Direito pela UFMG
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

O presente artigo se prope a refletir sobre o papel da identidade de gnero


para formao da personalidade do indivduo diante do atual ordenamento
ptrio. Partindo de uma anlise da eficcia horizontal dos direitos fundamentais,
busca evidenciar como o conceito atual dos direitos da personalidade elenca-
dos no Cdigo Civil brasileiro engessam as possibilidades individuais e projetos
de vida, atingindo diretamente a pessoalidade do sujeito. A limitao propiciada
por essas normas se apresenta anacrnica frente ao contexto atual, devendo,
portanto, discutir a desconstruo da normatividade de gnero, enquanto passo
necessrio para a emancipao dos sujeitos em relao a uma percepo bina-
rista e conservadora de gnero.
Palavras-chave: gnero; direitos fundamentais; personalidade; identidade; efi-
ccia horizontal.

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Introduo

inegvel a influncia exercida pelo ordenamento jurdico sobre a iden-


tidade das pessoas, em especial quando normatiza limites pessoalidade e s
possibilidades de uso dos direitos da personalidade. A atual estrutura normativa
ptria impe limitaes ao livre uso do corpo e aos demais direitos de persona-
lidade, conformando um cenrio de engessamento e imutabilidade que cerceia
a liberdade individual e afeta gravemente a formao da identidade de gnero.
De forma alguma se quer negar o valor da normatizao das garantias
fundamentais. De fato, a constitucionalizao desses direitos um importante
passo para a livre formao identitria e para a realizao das pessoas em
sociedade. Os direitos fundamentais se referem queles direitos e garantias da
pessoa humana constitucionalmente positivados cujo respeito uma imposio
universal.
Ademais, no se afirma aqui que a identidade de gnero e a liberdade em
relao pessoalidade sejam somente limitadas juridicamente. A sociedade,
medida em que determina o que considera um padro tico e aquilo que se
denomina bons costumes, fixa uma hegemonia e exerce tambm enorme
papel na represso da pessoalidade.
Entretanto, enquanto elemento central da cultura, o Direito e as balizas
que ele impe ao livre desenvolvimento da personalidade representam um
desafio que deve tambm ser enfrentado e mesmo descontrudo.
Diante disso, o presente trabalho discute, num primeiro momento, como
a normatizao do conceito de identidade de gnero est inserida no rol dos
direitos da personalidade no Cdigo Civil; em seguida, ser discutido o papel da
eficcia horizontal dos direitos fundamentais nesse cenrio, como uma via para
menor restritividade da personalidade; e, por fim, proporemos uma descons-
truo da normatizao de gnero, como um primeiro e fundamental avano
nesse contexto.

1. A identidade de gnero e o direito civil da personalidade

Gnero, segundo Jesus, no se limita percepo biolgica do sexo, mas


algo construdo culturalmente, algo que vem da autopercepo e de como a
pessoa se expressa socialmente. A formao da identidade de gnero, desse
modo, algo que traz valores socialmente construdos e as percepes do

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prprio sujeito sobre seu corpo e suas expresses enquanto parte da sociedade.
(JESUS, 2012)
As identidades de gnero no so estruturas imutveis, visto que a per-
sonalidade humana se modifica e se adapta, como bem mostram os estudos
contemporneos da Psicologia e da Sociologia. mais acertado, como nos mos-
tram Carvalho e Stancioli, falar em status de gnero: as expectativas sociais de
apresentao comportamental, gestual, lingustica, emocional e fsica diferen-
ciada conforme aos sexos e, consequentemente, a aparncia corporal. Gnero,
a partir desse conceito, envolve papis, esteretipos, representaes e constru-
es simblicas e materiais (STANCIOLI, CARVALHO, 2011).
Esse conceito, no entanto, apresenta um problema central, uma vez que
atribui ao conceito de gnero uma derivao externa, referente a papis e no
subjetividade. Melhor seria conceituar o termo como um elemento identitrio
prprio, fluido, referente s prprias noes de adequao de si, valorizando a
autopercepo em detrimento dos padres socialmente impostos.
A doutrina brasileira defende que entre os direitos fundamentais no h
hierarquia, visto que todos so inerentes personalidade humana. Desse modo,
h de se perceber que eles no so absolutos e que deveria caber pessoa a
possibilidade de reduzi-los ou afast-los mediante prpria vontade. Entretanto,
no o que se verifica no Cdigo Civil Brasileiro que, em seu artigo 11, postula
que os direitos da personalidade so irrenunciveis, no podendo o seu exer-
ccio sofrer limitao voluntria1.
Essa norma, por mais breve que parea, exerce enorme impacto no exer-
ccio dos direitos da personalidade. A partir dela, tais direitos, que deveriam
operar enquanto uma proteo liberdade e autonomia do indivduo, aca-
bam por se reduzir a um rol fixo, pr-estatudo e irrenuncivel de prerrogativas
individuais e intrnsecas, descritas no artigo 11 CC (LOPES, 2014).
Outro exemplo do engessamento est no artigo 13, caput, do Cdigo
Civil , que inviabiliza o livre uso do corpo. Conforme Las Lopes, isso se deve
2

1 Com exceo dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade so intransmissveis e irrenun-
civeis, no podendo o seu exerccio sofrer limitao voluntria.

2 Salvo por exigncia mdica, defeso o ato de disposio do prprio corpo, quando importar dimi-
nuio permanente da integridade fsica, ou contrariar os bons costumes.

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a uma noo implcita na norma de que haveria uma essncia nos corpos a ser
mantida, preservada em sua forma original (LOPES, 2014).
A importncia dessa limitao imposta pela norma no pode de forma
alguma passar despercebida. Os direitos da personalidade, em especial quando
tocam a identidade, consistem nos aspectos de formao do prprio indivduo.
Desse modo, proibir a renncia ao exerccio de direitos da Personalidade
inviabilizar a prpria existncia pessoal! (STANCIOLI, CARVALHO, 2011,
p.270).
Resta claro o anacronismo do ordenamento brasileiro quando a ele se
integram, ainda hoje, determinaes vinculantes como a do Conselho Federal
de Medicina, que considera a transexualidade como patologia (exposio de
motivos da resoluo CFM n 1.652/2002). No obstante a crescente realizao
das cirurgias de redesignao sexual, a abordagem da resoluo no reconhece
a liberdade da identificao de gnero, mas determina requisitos vinculados a
uma absurda ideia de patologizao3.
Essa limitao grave na medida em que impe ao sujeito uma limitao
do seu prprio eu. No apenas devido ao papel psicolgico da identidade, mas
tambm dos aspectos fsicos e sua influncia na subjetividade. Afinal: de fato,
o corpo se tornou o lugar da identidade pessoal. Sentir vergonha do prprio
corpo seria sentir vergonha de si mesmo (PROST, VINCENT, 2009, p.105).

2. Eficcia Horizontal dos Direitos Fundamentais

A identidade humana um conjunto caractersticas da pessoa que a


fazem um ser nico e individual, que atua modificando a sociedade e por ela
modificado. A formao desta identidade est permeada por vrios fatores e
nunca para de se desenvolver, estando includa entre os direitos de personali-
dade. Consistem eles, segundo Stancioli, em:

3 Art. 3 Que a definio de transexualismo obedecer, no mnimo, aos critrios abaixo enumerados:
1) Desconforto com o sexo anatmico natural; 2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as
caractersticas primrias e secundrias do prprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3) Permanncia
desses distrbios de forma contnua e consistente por, no mnimo, dois anos; 4) Ausncia de outros
transtornos mentais., CFM n 1.652/2002.

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direitos subjetivos que pem em vigor, atravs de normas cogentes,


valores constitutivos da pessoa natural e que permitem a vivncia
de escolhas pessoais (autonomia), segundo a orientao do que
significa vida boa, para cada pessoa, em um dado contexto histri-
co-cultural e geogrfico. (STANCIOLI, 2010, p.02)

A garantia desses direitos, bem como de preceitos que primam pela digni-
dade, autonomia, respeito e individualidade, visa proteger o espao da pessoa
de poder formar e expressar sua identidade. No entanto, a forma como foram
construdos os direitos de personalidade no Cdigo Civil, limitando de forma
absoluta seu livre uso e revogao, ocasiona conflitos com as normas constitu-
cionais de liberdade, autonomia e dignidade.
Frente a isso, uma possvel soluo a aplicao da teoria da eficcia
horizontal dos direitos fundamentais. Segundo a qual, medida que coloca os
direitos em um mesmo patamar de importncia, questiona situaes conflitan-
tes entre princpios fundamentais. Nesse casos, Alexy explica:
Se dois princpios colidem - o que ocorre, por exemplo, quando
algo proibido de acordo com um princpio e, de acordo com o
outro, permitido -, um dos princpios ter de ceder. Isso no sig-
nifica, contudo, nem que o princpio cedente deva ser declarado
invlido, nem que nele dever ser introduzida uma clusula de
exceo. Na verdade, o que ocorre que um dos princpios tem
precedncia em face de outro sob determinadas condies. Sob
outras condies a questo da precedncia pode ser resolvida de
forma oposta.(ALEXY, 2008, p. 93/94)

Dessa forma, considera-se que os impeditivos estatudos no Cdigo Civil


no impediriam a plena constituio das identidades, uma vez sopesados com
os princpios constitucionais da intimidade, autonomia, liberdade e dignidade.
Frente a isso, inegvel que, a exemplo, o direito fundamental do livre
uso do corpo deve implicar a acessibilidade a tcnicas mdicas de manipula-
o, como a cirurgia de transgenitalizao, a ser franqueadas na esfera pblica.
(STANCIOLI, CARVALHO, 2011, p.286).

Consideraes finais: a desconstruo da normatizao de


gnero como um primeiro passo

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H ainda um longo caminho a ser percorrido at a plena liberdade dos


direitos da personalidade. No entanto, a desconstruo do seu aspecto nor-
mativo representaria um grande avano, libertando aqueles que atualmente
dispendem esforos hercleos e mesmo se sacrificam para transgredir as nor-
mas e serem eles mesmos.
De fato, como afirma Foucault, h uma moral orientada para a tica e
moral orientada para o cdigo. No entanto, so elas igualmente importantes
e cooriginais, ou seja, uma influncia, modifica e/ou conforma a outra. Diante
disso, a desconstruo dessas limitaes em mbito normativo so um passo
importante, na medida em que influencia tambm as construes ticas da
sociedade (FOUCAULT, 2014).
Claramente isso j representaria uma libertao no que concerne ao
aspecto formal desses direitos, que, uma vez no balizados pela norma, pode-
riam se efetivar sem deixar argumentos para amparar o conservadorismo.
Diante disso, importante abordar a inovao ao conceito de pessoa para
o direito civil, trazida por Stancioli que destaca a alteridade como um de seus
elementos centrais. Naturalmente, a identidade s se constri na presena do
outro e por isso necessrio que haja o reconhecimento pblico das diversas
formas de vivncia sexual (STANCIOLI, CARVALHO, 2011, p.286).
Interessante as observaes de Cysneiros acerca do conjunto de expec-
tativas que se formam sobre os corpos ainda no concebidos. A lgica binria
conforma um conjunto de caractersticas esperadas do sujeito que vir ao
mundo antes mesmo de sua concepo, sendo a identidade de gnero e a
sexualidade campos de uma batalha que se inicia antes mesmo da sua existn-
cia (CYSNEYROS, 2013, p.197).
As limitaes impostas pelo direito obstaculizam o livre desenvolvimento
da pessoalidade, lado a lado com esse conjunto de expectativas apriorsticas da
sociedade, colocando-se como mais uma barreira a ser enfrentada e rompida.
Diante desse cenrio, acreditamos que um passo essencial a descons-
truo dessa normatizao de gnero, que perpassa pela transgresso dessas
normas. Mais do que isso, preciso se apropriar dessas normas e conceitos,
desde j derrubando as barreiras por eles impostas com os argumentos da efi-
ccia horizontal dos direitos. Vale ressaltar que:
Tal aporte passa pela poltica de autoafirmao de identidades
possveis (homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade,

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pansexualidade, celibato, etc.) e nunca limitadas heteronomativa-


mente como forma de bem viver4 (STANCIOLI, CARVALHO, 2011,
p.286).

Diante dos princpios constitucionais de direito intimidade, autonomia,


dignidade e liberdade, no h porque aceitar as imposies limitadoras da pes-
soalidade impostas pelas demais normas do ordenamento. Por bvio que o
cenrio ideal perpassa pela revogao dessas normas estticas e, tambm, pela
mudana de concepo da sociedade. Mas at que se alcance esse patamar
ideal, essencial assegurar a livre formao da subjetividade conforme a iden-
tificao de gnero individual.

4 Importante aqui ressaltar a discordncia dos autores da classificao do celibato enquanto identida-
de. Trata-se de um comportamento e no uma identidade sexual. Melhor seria dizer assexualidade,
caso este em que o desinteresse pela prtica sexual conforma a identidade no consistindo em mero
hbito comportamental.

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Thrler. Salvador: EDUFBA, 2013. P.193 a 218.

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Thereza da Costa Alburqueque. So Paulo: Paz e Terra, 2014.

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LOPES, Las Godoi. Corpos e prticas da pessoalidade: a emergncia e a desconstru-


o da identidade de gnero. In: Dissertao de Mestrado. Belo Horizonte, 2014

PROST, Antoine; VINCENT, Grard. Histria da Vida Privada 5: Da Primeira Guerra a


nossos dias. Traduo Denise Bottmann, 7 reimpresso. So Paulo: Companhia das
Letras, 2009.

STANCIOLI, Brunello; CARVALHO, Nara. Da integridade fsica ao livre uso do corpo:


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RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Org.). Manual de Teoria Geral do Direito Civil. Belo
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STANCIOLI, Brunello. Renncia ao Exerccio de Direitos da Personalidade ou Como


Algum se Torna o que Quiser. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

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LGBTTRABALHADORES: OS FORA DA NORMA


INSERIDOS NO MERCADO DE TRABALHO

Rafael Paulino Juliani


Mestrando em Psicologia
Universidade Federal de So Carlos UFSCar
[email protected]

Rosemeire Aparecida Scopinho


Doutora em Sociologia
Professora Associada no Departamento de Psicologia da Universidade Federal
de So Carlos UFSCar
[email protected]

GT 11 - We Can Do It - a desconstruo homocultural das prticas nas relaes de


trabalho

Resumo

Por conceber sexo, gnero e sexualidade baseados em sistemas binrios, natu-


rais e fixos e por organizar as prticas sociais a partir da premissa de que a
heterossexualidade a nica e correta forma de viver a sexualidade, diz-se que
nossa sociedade hegemonicamente heteronormativa. Marginalizam-se, assim,
todas as outras formas de configurao e vivncia das identidades de gnero e
sexualidades que permeiam os extremos binrios (masculino/feminino, htero/
homossexual). Desta forma, percebe-se a excluso psicossocial de pessoas
LGBT (lsbicas, gays, bissexuais e transgneros) em diversos mbitos da vida
social, impactando significativamente tambm nas suas relaes de trabalho.
Este cenrio acirra-se desde a dcada de 1990, quando as profundas mudanas
ocorridas no mundo do trabalho vm dificultando ainda mais o acesso e per-
manncia de pessoas que, visivelmente, fogem do padro posto no mercado
de trabalho formal. Este trabalho pretende analisar as representaes de um
grupo de pessoas que destoam dos padres heteronormativos, quer seja por

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orientao sexual ou identidade de gnero, acerca de suas trajetrias de vida


e suas relaes com o trabalho. Adota-se uma metodologia qualitativa, entre-
vistas semiestruturadas como instrumento de coleta de dados, analisados por
meio de anlise temtica. Os dados apontam para vivncias de preconceito nos
mbitos familiares, escolares e profissionais que impactam na forma como os
sujeitos percebem a si mesmos e aos outros e condicionam a maneira como
se relacionam socialmente. A escola e o trabalho adquirem sentido de local de
constrangimento, sofrimento, luta, mas tambm de superao, realizao, utili-
dade e exerccio da cidadania.
Palavras-chave: Heteronormatividade, trajetrias de vida, excluso psicossocial,
sentidos do trabalho.

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Introduo

A sociedade contempornea , hegemonicamente, heteronormativa.


Organiza a sexualidade e o gnero de forma binria e fixa e elege a heterosse-
xualidade como modelo correto, natural e nica forma de viver a sexualidade e,
consequentemente, de organizar a dinmica das relaes sociais. Butler (2003),
a esse respeito, argumenta que gnero no algo que somos e sim que faze-
mos; no algo natural, mas scio e culturalmente construdo por meio de
discursos e de aes, de maneira performativa.
Porm, ao optarmos por manter o reducionismo de gnero ao carter
unicamente biolgico de ter pnis ou vagina (LEITE JNIOR, 2012), damos
continuidade a um processo de patologizao de todas as identidades que se
constituem fora desse mesmo modelo e exclumos aquelas pessoas que des-
toam dos padres heteronormativos de diversos mbitos da vida social como:
a famlia, escola e tambm o mundo do trabalho que, apesar das crises que o
envolvem, ainda possui importncia fundamental na organizao da vida mate-
rial e simblica dos sujeitos sociais.
A partir da dcada de 1990, no caso brasileiro, intensificou-se no mundo
do trabalho uma profunda reestruturao produtiva do capital. Assim, muitos
dos paradigmas at ento utilizados para organizar a produo e o trabalho
das grandes empresas foram ento substitudos (LOPES, 2009; MATTOSO e
POCHMANN, 2010). Os empregos formais existentes foram, em parte, substi-
tudos por novas e mais flexveis formas de contratao da fora de trabalho.
Porm, grande parte desta fora de trabalho no possui qualificao profissional
e/ou o nvel de escolaridade exigidos para reinserir-se nas novas configuraes
das empresas. Alm destas, encontram-se em situaes cada vez mais exclu-
dentes aquelas pessoas que no possuem as qualidades sociais exigidas pelas
organizaes. o caso de negros, idosos, pessoas com necessidades especiais,
pessoas LGBT (lsbicas, gays, bissexuais e transgneros), com barreiras ainda
maiores para travestis e transexuais.
No Brasil, pas que mais mata travestis e transexuais no mundo (TGEU
- TRANSGENDER EUROPE, 2015), o preconceito em forma de transfobia difi-
culta o acesso de pessoas transgnero ao mercado formal de trabalho, a uma
fonte segura de renda e a uma srie de outros benefcios materiais e simblicos,
o que impacta na forma como estas pessoas percebem-se e so percebidas, no
apenas pelo mercado de trabalho em si, mas pela sociedade de forma geral.

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Frente ao exposto, este trabalho tem por objetivo analisar as representaes


sociais de um grupo de pessoas que destoam dos padres heteronormativos,
quer seja por orientao sexual ou identidade de gnero, acerca de suas traje-
trias de vida e suas relaes com o trabalho.

Mtodo

Utilizando mtodos qualitativos, foram realizadas realizou, at o presente


momento, quatro entrevistas semiestruturadas com pessoas que, visivelmente,
destoam dos padres heteronormativos, quer seja por orientao sexual ou
identidade de gnero. Todos residiam no estado de So Paulo e concordaram
em participar da pesquisa de forma voluntria e livre, tendo tambm assinado
um termo de consentimento livre e esclarecido.
Abaixo, segue a descrio da forma como os entrevistados, apresentados
com nomes fictcios, se identificavam, com relao s suas orientaes sexuais,
identidades de gnero, suas idades e profisses dos mesmos:
- Anderson: homem transexual, heterossexual, 43 anos, segurana;
- Brbara: transgnero, homossexual, 37 anos, esteticista;
- Valentina: travesti, homossexual, 42 anos, enfermeira; e
- Letcia: mulher cisgnero, lsbica, 40 anos, tapeceira.
As entrevistas foram, integralmente, gravadas e, posteriormente, transcri-
tas. Os dados foram analisados por meio do mtodo de anlise temtica de
contedos, segundo Minayo (1999).

Resultados e discusso

O pai de Valentina, mesmo antes de ela sentir-se atrada afetiva-sexual-


mente por homens, trabalhava no sentido de enquadr-la em uma norma de
comportamentos masculinos que julgava ser a correta. Para tanto, valeu-se,
diversas vezes, da fora fsica para obrig-la, por exemplo, a tirar a camisa con-
tra sua vontade para que pudesse fazer parte do time sem camisa nas partidas
de futebol.
Brbara conta que, no perodo escolar, passou por situaes de perse-
guio, xingamentos e ameaas fsicas (alunos de outra sala a encurralaram e
tentaram queim-la com um isqueiro enquanto a xingavam de veadinho). Por
esta razo, diz ter sido uma criana mais solitria, com medo de se enturmar

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com os demais e ficar vulnervel a novas situaes de violncia, sendo sempre


mais introspectiva nesta fase de sua vida.
Segundo Junqueira (2012), a escola brasileira, ao longo de sua histria,
estruturou-se com base em um conjunto de valores e crenas responsveis por
reduzir a figura do outro, do diferente e, consequentemente, inferior, per-
vertido, contagioso, todos aqueles que destoam do ideal social masculino,
heterossexual, branco, fsica e mentalmente normais. Situaes como as
relatadas por Valentina e Brbara so exemplos de um regime de vigilncia e
controle do gnero e da sexualidade aplicados em diversos contextos (no ape-
nas escolares, mas familiares e at mesmo profissionais) na tentativa de manter
uma ordem heterossexual das relaes sociais. Estes processos de normatizao
impactam, direta ou indiretamente, na formao e perspectivas acadmico-
-profissionais destes sujeitos, j que a escola tambm local privilegiado da
preparao tcnica e moral para a vivncia no mundo do trabalho.
Assim como nas famlias e nas escolas, o ambiente de trabalho tambm
pode tornar-se local de enquadramento dos sujeitos, seus corpos e desejos,
naquilo que se entende como legtimo e adequado ao mundo produtivo.
Anderson conta que, no perodo de treinamento de um dos empregos que
teve (entregador de frios), o supervisor responsvel por ensinar-lhe as rotinas da
funo que desempenharia desviou-se desta tarefa e empreendeu esforos para
ensinar-lhe algo que julgava ser mais pertinente ao contexto de trabalho:
A presso foi to grande em cima daquilo que em nenhum
momento ele me ensinou como preencher uma ficha, como fazer
um pedido, como mexer no equipamento. No! Ele ficou toda
hora falando que mulher tem que se maquiar, a mulher bonita a
mulher que tem o cabelo assim. Ou seja, no ia trabalhar l, no
ia conseguir. Voltei a vender bala em boteco (Anderson homem
transexual).

Conforme Butler (2003) e Pereira (2012), o rompimento com o binarismo


de gnero/a multiplicidade de configuraes dos corpos TTs, choca e causa
incmodo sociedade, o que no ocorre apenas nas relaes cotidianas, mas,
principalmente, naquelas mais marcadas pelo conservadorismo e pela moral,
como o contexto do trabalho. Assim, os trabalhadores LGBT, mais visivelmente
fora dos padres heteronormativos, vivenciam violaes e discriminaes que,

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no raramente, acarretam desmotivaes, depresses e, em casos mais severos,


tentativas de suicdio. O entrevistado Anderson o fez por trs vezes:
Porque eu ia trabalhar, tinha sempre algum que falava sapa-
to! Pega po l para mim!. E era cliente! macho! Voc no
macho? Pega l aquela caixa de cerveja l para mim!. Quer dizer,
eu nunca fui funcionrio, eu nunca fui a pessoa, o vendedor, nada.
Eu fui: Sapato! (Anderson homem transexual).

Para os entrevistados, o trabalho adquire sentidos diversos, contradit-


rios ou mesmo compensatrios. Anderson compreende o trabalho como uma
necessidade/obrigao, como local de constrangimentos, de humilhao, de
desespero, de luta, provao de valores socialmente reconhecidos, mas tam-
bm como local de superao, realizao profissional e exerccio de direitos.
Tambm Brbara reconhece o trabalho como fator para sentir-se social-
mente til, alm de orientar e sanar algumas das incertezas que possua quanto
ao seu futuro:
Eu sinto que nessa poca eu era muito perdida. Eu no tinha nada,
meus pais no podiam pagar uma faculdade para mim. Nessa
poca eu fiquei desempregada, at me prostitui. Voc no sabia o
que voc ia fazer, o que ia ser. E quando eu comecei a desenvol-
ver esse trabalho (designer de sobrancelhas) comeou a dar certo,
sabe? Ento eu fiquei muito feliz, voc se sente til para alguma
coisa. Parece que voc serve para alguma coisa. At ento, voc
sempre se sente a escria da sociedade. (Brbara transgnero)

Nardi (2003) afirma que o processo de filiao do sujeito a uma comu-


nidade salarial o insere em uma estrutura coletiva que o integra na dinmica
social e possibilita o exerccio da cidadania, a vivncia de cdigos morais da
sociedade, alm tambm de inscrev-lo na lgica protetora do Estado, com
as garantias e benefcios materiais e simblicos que lhe permitem planejar seu
futuro e manter a vida. Para Dubar (2012), a pertena a um trabalho conduz ao
aprendizado e ao engajamento subjetivo, o que permite ao trabalhador pensar
seu futuro. Para alm da obteno de renda, exercer uma atividade laborativa
implica em presena no mercado de trabalho e na dinmica das relaes sociais,
significa dizer: Eu existo e possuo utilidade social. Este ato, que tambm

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poltico, oferece ao sujeito trabalhador uma perspectiva emancipatria e a pos-


sibilidade de autogovernar-se e ser um cidado (SENNETT, 2009).
De forma geral, os entrevistados avaliaram positivamente as suas trajetrias
de trabalho. No entanto, Anderson chamou a ateno para algo que acredita
teria lhe auxiliado a ter ido mais alm:
Eu acho que eu teria a oportunidade de buscar muito mais coisas.
No tive realmente por falta de apoio, mas no apoio de pai e
me, amigos, no. Apoio legal. Apoio de voc ter o direito de ir ao
banheiro, de por a roupa que voc quer por. Eu deixei de trabalhar
em lojas porque o uniforme era saia, lencinho. No M. L. (um de seus
empregos) as meninas usavam saia e lencinho. Eu briguei de uma
forma que eu usava a cala dos meninos e acabou. E foi assim em
todos os meus servios. Ento onde eu pude fazer assim eu fiz e
trabalhei. Mas a partir do momento que eu no tive esse apoio eu
no consegui (Anderson homem transexual).

Este trecho da fala de Anderson questo basal para justificar e reforar


a necessidade da criao e efetiva prtica de cultura e polticas organizacionais
que estejam voltadas incluso e, talvez mais fortemente, permanncia de
pessoas que destoam dos padres heteronormativos nos contextos de trabalho.
Ditas prticas so, justamente, o apoio que Anderson solicitou para somar-se
fora que estes sujeitos demonstram possuir em suas trajetrias de vida para
lidar com uma sociedade que, ainda hoje, se choca com as diversas formas de
se expressar o gnero e viver a sexualidade.

Consideraes finais

Trs dos quatro entrevistados estavam exercendo atividade laboral remu-


nerada quando da realizao das entrevistas. Este fato evidenciou que, em
alguma medida, os sujeitos entrevistados conseguiram ter acesso ao mercado de
trabalho, quer seja em um contexto privado, pblico ou ainda como autnomos
e micro empresrios, entretanto, no de maneira isenta de preconceitos e cons-
trangimentos. Assim, entende-se que a reflexo possibilitada por esta pesquisa
nos coloca o desafio de pensar em conjunto, academia/mundo do trabalho,
prticas e polticas organizacionais em duas direes. A primeira refere-se
incluso de pessoas LGBT no mercado formal de trabalho, visto que parte desta
populao ainda no compem os quadros de funcionrios das empresas, at

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mesmo por questes mais anteriores como a expulso do ncleo familiar e a


possibilidade de formao bsica e profissional; a segunda, diz respeito, princi-
palmente, s aes direcionadas permanncia daqueles sujeitos LGBT que se
inserem na dinmica do mercado formal de trabalho e que com bravura ques-
tionam as normas sociais, ainda bastante conservadoras, e que lhes indicam a
margem como local de existncia. Enfrentar este desafio, em ltima instncia,
significa confrontar os discursos empresariais, que se autodenominam moder-
nos e socialmente inclusivos, e as prticas gerencias que, pautadas nos mais
tradicionais mtodos de gesto da fora de trabalho, buscam a racionalidade
que garanta a sobrevivncia no mercado.
A presena destes sujeitos no mercado de trabalho lhes confere visibili-
dade social, no somente para aqueles que esto dentro da norma (pretensos
acolhedores da diferena/diversidade), mas significativamente para outros
LGBT. So, assim, modelos de representatividade para a populao LGBT por
contrariarem as limitaes da excluso social, que lhes indicam a margem como
nica possibilidade de existncia.

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Referncias

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DUBAR, Claude. A construo de si pela atividade de trabalho: a socializao pro-


fissional. Traduo Fernanda Machado. Cadernos de Pesquisa, v.42, n.146, p.351-367,
2012.

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matividade, heterossexismo e homofobia no cotidiano escolar. In: MISKOLCI, Richard;
PELCIO, Larissa (Orgs.). Discursos fora da ordem: sexualidades, saberes e direitos.
So Paulo: Annablume, 2012.

LEITE JNIOR, Jorge. Transitar para onde? Monstruosidade, (des) patologizao,


(in)segurana, social e identidades transgneras. Revista de Estudos Feministas,
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MATTOSO, Jorge Eduardo Levi; POCHMANN, Mrcio. Globalizao, concorrncia e


trabalho. Cadernos do Cesit, Campinas, UNICAMP, 2010.

MINAYO, Maria Ceclia de Souza (Org.). Pesquisa Social: teoria, mtodo e criatividade.
14 ed. Petrpolis: Vozes, 1999.

NARDI, Henrique Caetano. A propriedade social como suporte da existncia: a crise


do individualismo moderno e os modos de subjetivao contemporneos. Psicologia
& Sociedade, v. 15, n. 1, p. 37-56, jan./jun., 2003.

PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. Queer nos Trpicos. Apontamentos margem sobre
ps-colonialismos, feminismos e estudos queer. In: Contempornea Revista de
Sociologia da UFSCar, So Carlos, v. 2, n. 2, p. 371-394, 2012.

SENNETT, Richard.El Artesano.Barcelona: Anagrama, 2009.

TGEU - TRANSGENDER EUROPE (Alemanha). Trans Murder Monitoring (TMM) pro-


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jan. 2016.

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DO DIAGNOSTICO DE TRANSTORNO DE GNERO


CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAO: UMA REVISO
BIBLIOGRFICA E DOCUMENTAL A PARTIR DAS
CONSIDERAES DA TEORIA QUEER

Juliana Perucchi
Universidade Federal de Juiz de Fora, Cincias Humanas e Psicologia
[email protected]

Helena Santos Braga de Carvalho


Universidade Federal de Juiz de Fora, Cincias Humanas e Psicologia
[email protected]

Lucas Barbosa da Silva


Universidade Federal de Juiz de Fora, Cincias Humanas e Psicologia
[email protected]

GT 04 -
Travestilidades, transexualidades, lesbianidades e homossexualidades:
transgresses e resistncias

Resumo

No presente trabalho, sob a luz da Teoria Queer, apresentada uma anlise


documental das portarias n 457, de 19 de Agosto de 2008, e n 2.803, de 19 de
novembro de 2013, ambas do Ministrio da Sade, e tambm da Resoluo n
1.955/2010 do CFM (Conselho Federal de Medicina), no intuito de demonstrar a
discriminao, o reducionismo biolgico e a necessidade imposta de patologi-
zao no chamado Processo Transexualizador conduzido pelo Sistema nico
de Sade (SUS), o qual regulado pelos instrumentos normativos supramencio-
nados. Almeja-se elucidar os dispositivos normativos que compem o processo

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que desencadeia uma srie de exigncias de cuidados em sade, no nvel da


ateno primria at a alta complexidade com a cirurgia de transgenitalizao.
Palavras-chave: Transexualidade; Processo Transexualizador; Reducionismo
Biolgico; Patologizao; Hormonioterapia.

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Introduo

No estudo em voga nos preocupamos em entender aspectos complexos


do Processo Transexualizador do SUS,como a necessidade do diagnstico
como condio de ingresso, passando pelos tratamentos hormonais, psicol-
gicos, psiquitricos at o momento da cirurgia de mudana de sexo, levando
em considerao a definio de sexo utilizada por Foucault como um ideal
regulatrio e os ensinamentos da Teoria Queer, segundo os quais a orientao
sexual e o conceito de gnero fazem parte de um constructo social materiali-
zado nos corpos.
Dividiu-se o estudo em duas partes.
A primeira consiste em uma anlise tcnica e minuciosa das portarias
do Ministrio da Sade n 457, de 19 de Agosto de 2008, e n 2.803, de 19 de
novembro de 2013 e a Resoluo 1.955/10 do Conselho Federal de Medicina,
com o intuito de destacar trechos e recortes desses dispositivos normativos
com o propsito de evidenciar a falta de sensibilidade com a comunidade T
durante o processo transexualizador, destacando o reducionismo biolgico pre-
sente, a patologizao de um determinado grupo e as consequncias geradas.
Na segunda parte do estudo feita uma reviso bibliogrfica com rele-
vncia no que se refere ao tratamento hormonal, que se inicia logo no incio
do processo aps o diagnstico de transtorno de identidade de gnero. Por ser
um assunto de grande importncia e por se tratar da primeira fase do processo
a causar mudanas slidas nos corpos dos indivduos a ele submetidos, deu-se
destaque a hormonioterapia, a fim de transparecer todas as implicaes desse
tratamento, tanto corporal quanto social.

Da anlise documental

Constata-se que o que se convencionou chamar de processo transe-


xualizador do SUS busca, nos dispositivos normativos acima mencionados,
patologizar a transexualidade, utilizando ainda o termo transsexualismo. Como
exemplo, pode-se citar a segunda considerao da Resoluo n 1.955/10 do
CFM, que diz que o paciente transexual, para fins do processo transexualiza-
dor, deve ser portador de desvio psicolgico permanente de identidade sexual,
com rejeio do fentipo e tendncia automutilao e/ou autoextermnio.

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Um dos pontos de destaque a necessidade do diagnstico psiquitrico


de Transtorno de Identidade de Gnero como condio ao ingresso do pro-
cesso que desencadeia na trangenitalizao; a respeito desse diagnstico, a
filsofa Judith Butler diz:
O diagnstico refora formas de avaliao psicolgica que pressu-
pem que a pessoa diagnosticada afetada por foras que ela no
entende. O diagnstico considera que essas pessoas deliram ou
so disfricas. Ele aceita que certas normas de gnero no foram
adequadamente assimiladas e que ocorreu algum erro ou falha. Ele
assume pressupostos sobre os pais e as mes e sobre o que seja ou
o que deveria ter sido a vida famlia normal. Ele pressupe a lingua-
gem da correo, adaptao e normalizao. Ele busca sustentar as
normas de gnero tal como esto constitudas atualmente e tende
a patologizar qualquer esforo para produo do gnero seguindo
modos que no estejam em acordo com as normas vigentes...
(BUTLER, 2009, p. 97).

Nesse sentido percebeu-se ao discorrer da anlise feita que o reducio-


nismo biolgico presente nos dispositivos normativos supramencionados, tem o
intuito de relacionar o gnero feminino e masculino aos seus rgos biolgicos,
vagina e pnis, respectivamente, alm de materializar a esttica tanto masculina
quanto feminina a pretexto de consolidar a ordem binria dos sexos, a exem-
plo disso cita-se as cirurgias presentes no processo transexualizador, alm da
cirurgia de transgenitalizao: plstica mamria reconstrutiva bilateral incluindo
prtese mamria de silicone bilateral, histerectomia c/ anexectomia bilateral e
colpectomia em usurias sob processo transexualizador, mastectomia simples
bilateral, tireoplastia, cirurgias complementares de redesignao sexual(consiste
em cirurgias complementares tais como: reconstruo da neovagina realizada,
meatotomia, meatoplastia, cirurgia esttica para correes complementares
dos grandes lbios, pequenos lbios e clitris e tratamento de deiscncias e
fstulectomia).
Os estudos queer tem mostrado cada vez mais a multiplicidade que a cate-
goria gnero pode ter, quando se insiste em um sistema binrio, e um processo
que ajuda a reproduzir esse mesmo sistema binrio para manter a sujeio
dos corpos, negar a diversidade sexual e corporal existente em nossa sociedade
e docilizar o corpo do indivduo. Nesse contexto onde at mesmo a escolha do
transexual ou travesti colocada em interesse, Butler diz:

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Num certo sentido, precisamos nos desfazer para que sejamos ns


mesmas: precisamos ser parte de um extenso tecido social para
criar quem ns somos. Este , sem dvida, paradoxo da autono-
mia, um paradoxo que intensificado quando as regulaes do
gnero funcionam para paralisar a capacidade de ao do gnero
em vrios nveis. At que essas condies sociais tenham mudado
radicalmente, a liberdade requerer no-liberdade, e a autonomia
estar enredada em sujeio. (BUTLER, 2009, p. 122).

Medicalizao, medicamentalizao e hormonizao de pessoas


transexuais no processo transexualizador:

O processo transexualizador previsto pelo sistema nico de sade (SUS)


contm em seus procedimentos o tratamento hormonal (hormonioterapia) que
se inicia logo aps o diagnstico e mantido ao longo de suas etapas agregadas
aos acompanhamentos clnicos especializados. O processo caracterizado por
impor regulamentaes e seguir regras rgidas pautadas em literaturas mdicas
patologizantes que excluem dos processos aqueles que no as seguirem, dessa
forma a populao T se sujeita e fica assujeitada ao SUS.
A relao de transexuais e travestis com a hormonioterapia rodeada por
uma idealizao das mudanas corporais e sociais atravs da medicalizao
visto que o uso de hormnios considerado como um dos primeiros passos
para o incio da transformao e construo dos corpos. Nesse sentido, h um
esforo de fabricar um corpo que legitime as identidades afim de obter reco-
nhecimento e pertencimento social, o que revela uma concepo nitidamente
fundada no binarismo biolgico.
Visto que existem grandes divergncias entre as concepes mdicas e a
dos transexuais e travestis acerca do processo transexualizador, muitas pessoas
no tem acesso a acompanhamento mdico adequado para a hormonizao
que em muitos casos se inicia atravs da automedicao. Esta tem como impul-
sionador o repasse de informaes, que atualmente tem tido como facilitador a
Internet, possibilitando a criao de redes de produo e divulgao de conhe-
cimento de forma colaborativa por pessoas no processo de transexualizao,
como tambm espaos de resistncia.
Neste sentido, trata-se de fazer valer os saberes locais, descont-
nuos, desqualificados, ilegtimos, contra e em negociao com

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as instncias tericas que pretendem filtr-los, hierarquiz-los,


orden-los em nome de um conhecimento nico, que se apresenta
como verdadeiro e aplicvel a qualquer um (FOUCAULT, 1977).
Deslocamentos de saberes dominantes em direo a saberes locais
e minoritrios (HARAWAY, 1991) sero bem- vindos e devem ser
incorporados na gesto de novas polticas. (ARAN; MURTA,
2009, p.34)

Consideraes finais

A populao T no Brasil um dos grupos que se encontra em maior


grau de vulnerabilidade social, estando constantemente exposto a agresses
fsicas, insultos transfbicos, alm da dificuldade de imerso do transexual no
contexto social, a exemplo dos obstculos construdos a sua socializao em
ambientes pbicos e na busca por um emprego, fazendo com que muitos aca-
bem optando por um caminho mais rpido como a prostituio. A respeito
destas dificuldades insuperveis, cite-se ainda que a alterao do nome social
em documentos oficiais demasiadamente demorada, sendo que tal mudana,
muitas vezes somente realizada aps a cirurgia de mudana de sexo, poderia
facilitar o acesso dos transexuais ao convvio social com o devido reconheci-
mento de seu gnero.
Nessa conjuntura, percebemos que o processo transexualizador emerge
para poder normatizar aqueles que, segundo a Resoluo n 1.955/2010 do
CFM, possuem desvio psicolgico permanente de identidade sexual, alm de
patologizar um determinado grupo que no pertence s normas binrias do
sexo e materializar a diferena sexual a pretexto de consolidar a normativa
heterossexual. Em suma, o processo de mudana de sexo, do modo como ainda
desenvolvido, se torna uma alternativa aos considerados desviantes de se ade-
quarem ao tradicional sistema binrio dos sexos, uma forma de manter o statu
quo ante.

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HARAWAY, D. Simians, Cyborgs, and Women. The Reinvention of Nature. London:


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GNERO, SEXUALIDADES E ADOLESCNCIAS:


INTERSECES IDENTITRIAS POSSVEIS FORA DO(S)
ARMRIO(S)? REFLEXES A PARTIR DA EXPERINCIA NUM
CENTRO DE CIDADANIA LGBT

Silvana Marinho
Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Servio Social/UERJ
[email protected]

GT 15 - Interseces entre gnero, sexualidade e o curso da vida

Resumo

Este artigo discutir as relaes de gnero, sexualidades e adolescncias como


categorias em articulao, ou seja, como categorias concretas que expressam
interseces identitrias e constituem a existncia dos sujeitos, sob um corte
de classe. Questiona-se a existncia dessas identidades interseccionais fora dos
armrios que atravessam a vida de adolescentes no heteronormativos a partir
da experincia num Centro de Cidadania LGBT. O artigo provocar considera-
es de que essas interseces compem o quadro de hierarquias de poder na
teia social consubstanciando processos de discriminao e violao de direitos,
como tambm espelham os mltiplos processos de diferenciao, identidades
e resistncias.
Palavras-chave: gnero; sexualidades; adolescncias; classe; interseccionalidades.

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Introduo

As discriminaes de gnero, classe e sexualidade incidem de forma


distinta sobre adolescentes, o que merece ateno. Nesse sentido, a partir de
um corte de classe, discutiremos as relaes de gnero, sexualidades e adoles-
cncias como categorias em articulao, ou seja, como categorias concretas
que expressam interseces identitrias e constituem a existncia dos sujeitos
adolescentes.
Entendemos o gnero como construo social do masculino e do femi-
nino. Como construo social, o gnero tambm uma construo histrica, o
que indica que h uma pluralidade do conceito, j que diversas so as formas
de se constituir masculino e feminino historicamente, de acordo com a cultura,
a sociedade, a classe, a raa, a idade etc. Este um ponto importante para
contrapor os argumentos essencialistas sobre gnero, descontruir polaridades e
reconhecer pluralidades de pertencimentos de gnero (LOURO, 1996).
Gnero uma forma de classificao social que, articulada a outras vari-
reis classificatrias, desenha relaes sociais de poder, mas tambm como um
conceito plural, se refere s vivncias mltiplas de sujeito. O termo identidade
de gnero permite abranger um leque identitrio para alm do binmio homem
e mulher, contemplando identidades travestis e transexuais1, bem como formas
de masculinidade e de feminilidade com as identidades de gays, bissexuais e
lsbicas.
Heilborn (2010) infere que os padres de gnero nos impelem a pensar
sob uma determinada moralidade de gnero que incide na sexualidade, a qual
se trata de um domnio social que implica em aprendizagens sucessivas de
cdigos sociais relativos ao contexto da vida sexual. Portanto, uma esfera de
modelao sociocultural, tal qual como o gnero, e tambm funciona como um
marcador social que, em virtude das relaes de poder, sustenta discriminaes
e desigualdades.

1 As vivncias da travestilidade e da transexualidade so experincias identitrias no terreno do g-


nero. O pertencimento de gnero dessas pessoas no condiz com as expectativas sociais impostas
sua genitlia de nascimento. Conforme Bento (2006), a transexualidade quebra os paradigmas que
traduzem a construo social de gnero necessariamente associada anatomia da genitlia do in-
divduo, sendo, portanto, uma experincia de conflito com as normas de gnero. A transexualidade
expressa, assim, mltiplas vivncias de masculinidades e feminilidades.

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Dito isto, o questionamento disparador deste artigo a possibilidade de


existncia dessas identidades interseccionais fora de tantos armrios2 que atra-
vessam a vida de adolescentes no heteronormativos, a partir da experincia
no Centro de Cidadania LGBT Niteri (CC LGBT)3, um servio do Programa
Estadual Rio sem Homofobia4, vinculado Secretaria de Assistncia Social e
Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, no qual a autora em tela atuou
como assistente social.
Ao olhar para os processos de diferenciao no somente como desigual-
dade e opresso, mas tambm como afirmao de identidade e diversidade, sem
perder de vista que essas relaes esto inscritas na sociabilidade do capital,
provocaremos consideraes de que tais interseces ao mesmo tempo em que
compem o quadro de hierarquias de poder na teia social consubstanciando
processos de discriminao e violao de direitos, espelham tambm identida-
des e resistncias, ampliando o mosaico dos marcadores sociais e culturais.
Trata-se de um debate interseccional que exige uma reflexo terica
conjugada realidade cotidiana. A interseco de marcadores sociais e cul-
turais indica a multiplicidade de diferenciaes em articulao e tem status
terico indissocivel luta feminista, denominando-se interseccionalidades ou

2 Chamamos de armrios os diversos processos de invisibilizao, assujeitamento e aniquilamento das


expresses de gnero e de sexualidades de adolescentes, na mesma proporo em que se constituem
nas relaes sociais as vigilncias de gnero e o controle dos corpos atravs dos discursos e prticas
que educam para padres heteronormativos e ecoam em diversos espaos, como a famlia, a escola,
a religio, as politicas pblicas etc.

3 Os CCs LGBT so servios de atendimento jurdico, social e psicolgico para LGBTs (lsbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais) e seus familiares e amigos, funcionando tambm como centros de
irradiao de informaes. Nos CCs busca-se atender casos de discriminao e violncia homoles-
bobitransfbica; orientar sobre direitos; formar e ou fortalecer a rede de apoio social; sensibilizar e
capacitar gestores pblicos e segmentos da sociedade sobre homofobia e cidadania LGBT e contri-
buir para a formulao de polticas pblicas.
4 O Programa Rio sem Homofobia tem como proposta de ao a disseminao de informaes sobre
direitos e a defesa e garantia de direitos como formas de combate homolesbobitransfobia. Dentre
seus principais servios esto o Disque Cidadania LGBT 0800 0234 567 um servio de atendimen-
to telefnico gratuito, com funcionamento dirio, 24h/dia e os Centros de Cidadania LGBT (CCs
LGBT) que funcionam de forma regionalizada no mbito estadual, a saber: Capital - Rio de Janeiro
(Regio Metropolitana); Nova Friburgo (Regio Serrana I); Duque de Caxias (Baixada I); Niteri (Re-
gio Leste).

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categorias de articulao. O termo interseccionalidade5 possui diferentes abor-


dagens no pensamento feminista6. Iremos nos debruar sobre a linha chamada
construcionista, tendo em vista a maneira como essa abordagem se apropria de
diferena, poder e margens de agncia (agency) dos sujeitos.
Como assinala Piscitelli (2008), as leituras construcionistas tratam dos
aspectos dinmicos e relacionais da identidade social e examinam a diferena
como experincia, como relao social, como subjetividade e como identidade.
Sob este olhar, a identidade se altera como resultado de prticas de articulao
entre os marcadores, no apenas como formas de categorizao exclusivamente
limitantes.
Nessas leituras, a diferena nem sempre se constitui como um marcador
de hierarquias ou opresso, podendo ser vista como diversidade e formas de
agncia poltica. Nessa abordagem h distines entre categorias de diferen-
ciao e sistemas de discriminao, entre diferena e desigualdade (PISCITELLI,
2008, p. 268).
Alm disso, sob a tica construcionista o poder no unilateral, ao con-
trrio, ressalta-se a importncia de se apreender o poder como relao, e,
portanto, como potencial para formas de resistncia e como possibilidade de
agenciamento do sujeito, ou seja, sua capacidade de agir, mediada cultural e
socialmente.
Diante do exposto, essa abordagem ser uma importante chave para
mediar o nosso desafio de apreender os processos identitrios inscritos numa
realidade macrossocial de dominao e explorao prpria da ideologia bur-
guesa, mas tambm no campo da cultura, que opera, contraditoriamente,

5 Trata-se de um termo inicialmente proposto no interior do feminismo negro por Kimberl Crenshaw,
uma jurista da Universidade de Columbia, no sentido de refletir acerca da complexidade da intera-
o entre raa, gnero e classe, demonstrando a desigualdade estrutural que mulheres negras viven-
ciam (PISCITELLI, 2008).

6 Piscitelli (2008), ao fazer uma breve aproximao a esses conceitos, sinaliza que h duas linhas
de abordagem no pensamento feminista, uma linha chamada sistmica e outra construcionista. A
centralidade da contestao entre elas a apropriao de diferena, poder e margens de agncia
(agency) em cada uma. A linha sistmica deu o pontap inicial ao debate da interseccionalidade
com Kimberl Crenshaw.

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ideologias opressoras (sexistas, homofbicas, adultocntricas, racistas entre


outras) e resistncias.

1. E quando o assunto diversidade sexual e de gnero na(s)


adolescncia(s)?

Adolescncia tambm uma construo social e tambm se refere a


um conceito plural, com determinantes histricos, sociais e culturais. Portanto,
temos no cenrio social diferentes adolescncias, permeadas por diferentes
marcadores sociais, como classe social, gnero, raa/etnia, orientao sexual,
religio, regio, territorialidade etc.
Para Leite (2013) a compreenso comum espraiada sobre adolescncia
aquela que a v como uma etapa de preparao para a vida adulta, uma fase
de maturao tanto das capacidades biolgicas como das socioculturais. Se
consultarmos os documentos brasileiros norteadores de polticas pblicas para
esse segmento social7, veremos que convergem com esse entendimento acres-
cido da ideia de que se trata tambm de uma fase de relativa independncia
econmica, o que nos convoca a refletir sobre as suas condies concretas de
um lugar social mais subalternizado no conjunto das relaes sociais de poder.
Adolescncias expressam uma plataforma de direitos sexuais. Tal defesa
respalda-se pelo Estatuto da Criana e do Adolescente ECA, Lei Federal
8069/90, e tambm pelo arcabouo terico e legal nos planos nacional e inter-
nacional em relao aos direitos sexuais de adolescentes.
Os direitos sexuais podem ser lidos como o direito a ter controle sobre seu
prprio corpo e direito de exercer sua sexualidade sem sofrer discriminaes ou
violncia (VENTURA, 2004, p. 20). Esses direitos emergem no cenrio inter-
nacional na dcada de 1990 com a Conferencia Internacional sobre Populao
e Desenvolvimento - CIPD (Cairo, 1994) e a IV Conferncia Mundial sobre a
Mulher - CMM (Pequim, 1995). No documento final do Programa de Ao da
CIPD (1994), h o reconhecimento da sexualidade de adolescentes:

7 A rea da sade vanguarda no campo desses direitos. Destacam-se: Marco Legal. Sade, um direito
de adolescentes (Ministrio da Sade, 2005); Marco Terico e Referencial. Sade Sexual e Sade
Reprodutiva de Adolescentes e Jovens (Ministrio da Sade, 2006).

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Deve-se prestar muita ateno promoo de relaes de respeito


mtuo entre os gneros e, em particular, a satisfao das neces-
sidades em matria de educao dos adolescentes e de servios
para que possam lidar de maneira positiva e responsvel com a sua
sexualidade ( FNUAP, 1995 , p.17).

O Brasil signatrio desses instrumentos internacionais, entretanto, a


materializao desses direitos para mulheres e para a populao LGBT ainda
no est no plano que se espera, e para o segmento adolescente, considerando
as relaes de poder geracionais, a incorporao desses direitos ainda mais
distante e enfrenta reaes mais conservadoras.
Seus corpos so cerceados do direito de expressar suas prprias inter-
pretaes de gnero diferentes do padro normativo para sua genitlia e suas
sexualidades so aniquiladas quando no atendem s expectativas heteronorma-
tivas. H uma representao social sobre eles, consubstanciada pelas ideologias
dominantes classista, sexista, homofbica e adultocntrica, como se no fossem
sujeitos de direitos e de desejos.
Cabe nos preocuparmos com o que se constata no 2 Relatrio Sobre
Violncia Homofbica no Brasil, da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidncia da Repblica, datado em 2012, (p.07):
[...] Confirmando os dados de 2011, em 2012 o relatrio continua
a apontar que jovens e adolescentes continuam sendo as maiores
vtimas de violncia homofbica no Brasil, ou seja, 61,43% das vti-
mas esto na faixa etria entre 13 e 29 anos.

2. A dimenso interseccional no cotidiano de um Centro de


Cidadania LGBT

A partir de um breve levantamento documental nas planilhas de aten-


dimentos do CC LGBT Niteri no perodo de julho de 2012 a abril de 2015,
perodo no qual a autora em tela atuou como assistente social do referido
rgo possvel dizer que com relao idade de usurixs atendidxs no ser-
vio, a populao adolescente e jovem, que corresponde faixa etria de 12 a

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29 anos8, expressiva, constituindo mais da metade dos atendimentos (63,2 %


dos casos).
No entanto, ao desagregarmos esse perodo de idade de 12 a 29 anos em
trs faixas-etrias, teremos o seguinte retrato: adolescentes, de 12 a 17 anos,
representam apenas 3,5%; j os/as jovens que esto saindo recentemente da
adolescncia (18 a 21 anos) correspondem a um total de 20% dos atendimen-
tos; e o segmento jovem adulto (22 a 29 anos) alcana 39% dos atendimentos.
Considerando esse percentual ainda tmido de atendimentos de 3,5% de
adolescentes importante indagar onde esto os/as adolescentes que sofrem
diversas violncias em razo da sua expresso sexual e de gnero no heteronor-
mativa. Por que essas situaes no tm tido expressividade nos atendimentos
do CC LGBT Niteri?
Podemos argumentar que a cultura dos armrios fechados que se ins-
titucionaliza nas diferentes polticas sociais, isto , a cultura da invisibilizao
dessas interseces identitrias, colocando para debaixo do tapete, ou melhor,
para dentro do armrio, o assunto.
No que diz respeito interveno da equipe tcnica do CC LGBT Niteri
com adolescentes, ela se d em camadas, ou seja, os atendimentos se desdo-
bram num movimento de: aproximao com a famlia; acionamento da rede
de servios; visitas domiciliares; visitas institucionais para estudos de caso; ati-
vidade educativa na escola; envio de relatrios tcnicos de atendimento do CC
LGBT aos rgos do Sistema de Garantia de Direitos para dar cincia do acom-
panhamento, registrar o olhar da equipe sobre o caso e, assim, no se perder de
vista a temtica LGBT em sua complexidade.
Vale dizer, tambm, que os estudos de caso interinstitucionais buscam dar
relevo ao assunto da diversidade sexual e de gnero, que intrnseco aos casos,
embora comumente seja mantido dentro do armrio por profissionais da rede
de servios. Tais estudos de caso, portanto, permitem que o assunto da diversi-
dade no fique subsumido na compreenso das demandas, sobretudo quando

8 O Estatuto da Juventude, lei 12.852/13, abrange a juventude entre 15 a 29 anos de idade e o ECA,
lei 8069/90, compreende a adolescncia a partir dos 12 anos. Assim, utilizamos o perodo de idade
que vai desde a adolescncia prevista no ECA at o limite de idade da juventude previsto no Estatuto
da Juventude.

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das situaes de conflito familiar, j que o motor dos conflitos a no aceitao


familiar da expresso sexual e/ou de gnero do/a adolescente.
Desse modo, a interveno em camadas cumpre uma funo pedag-
gica que permeia todo o fazer profissional das equipes. Numa perspectiva
crtico-dialtica, a concepo do que significa educar confere um componente
poltico ao no horizonte da garantia de direitos.
H que se refletir, ainda, que todas essas camadas se fazem necessrias
tendo em vista os desafios de se afirmar a sexualidade e a expresso de gnero
de adolescentes no heteronormativxs, que so mantidos em armrios a sete
chaves. Com a experincia no CC LGBT Niteri, tomando como referncia a
observao participante, possvel denunciar que os direitos sexuais de adoles-
centes so comumente desrespeitados e negligenciados, inclusive por prticas
institucionais e profissionais fundamentadas no plano da moralidade e no da
tica profissional e do estatuto legal. Adolescentes LGBTs sofrem vrios tipos
de violncias (fsica, verbal, sexual, psicolgica) cotidianamente, tanto no seio
familiar, como no ambiente comunitrio e escolar, e ainda violncias institucio-
nais perpetradas pelo prprio poder pblico. So diminudos/as, rejeitados/as e
cerceados/as no terreno das suas identidades e subjetividades.
As estudiosas das abordagens das interseccionalidades chamam a ateno
para a necessidade de se olhar as interseces identitrias no cotidiano e nas aes
programticas dos servios relacionados s diversas polticas pblicas setoriais, e,
sobretudo, no mbito da interveno do trabalho profissional das equipes que
neles atuam. Afinal, as intersees identitrias conformam sujeitos concretos, que
existem na realidade concreta; elas contribuem para a vulnerabilidade de diferen-
tes grupos, uma vez que o cruzamento, por exemplo, do machismo, do sexismo,
do adultocrentrismo, do racismo e da homofobia iro criar lugares sociais e pol-
ticos desiguais para alguns grupos, como o caso do segmento adolescente. Esse
contexto sugere, portanto, o uso do conceito de interseccionalidade.

Consideraes finais

Diante de um cenrio de cerceamentos das possibilidades de ser adoles-


cente em sua pluralidade, reflete-se aqui sobre os mais variados armrios que
precisam ser abertos para que possamos afirmar a existncia das expresses de
gnero e de sexualidades de adolescentes. O chamado sair do armrio do seg-
mento adolescente um processo que, atravessado pela ideologia adultocntrica,

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esbarra com tantos outros armrios no percurso, como a famlia, a escola, a reli-
gio, a mdia etc, que obriga esse grupo social a procurar diferentes chaves a
fim de abrir armrios grandes, pequenos, largos, de ferro, de madeira, antigos,
mofados e por a vai. A busca por essas chaves se expressa de diferentes formas.
So vrias as estratgias de sobrevivncia e de resistncia que adolescentes
se apropriam no cotidiano das discriminaes e sofrimentos pelos quais passam.
Reconhecer o poder de agncia do sujeito adolescente, suas possibilida-
des histricas, suas prticas de resistncia e contra-hegemonias, seja no mbito
macropoltico ou no microssocial, pois tambm esfera onde se operam ruptu-
ras ideolgicas e se quebram paradigmas, fundamental para o distanciamento
de um olhar tutelar para com esse segmento social.

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Referncias

BENTO, Berenice. A reinveno do corpo: sexualidade e gnero na experincia tran-


sexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.

BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criana e do Adolescente


ECA.

______. Lei 12.852 de 05 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude.

______. Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica. 2 Relatrio


Sobre Violncia Homofbica no Brasil. Disponvel em: http://www.sdh.gov.br/assun-
tos/lgbt/dados-estatisticos. Acesso em: maio/2016.

FNUAP. Resumo do Programa de Ao CIPD94. Braslia: FNUAP Fundo de


Populao das Naes Unidas, 1995.

HEILBORN, M. L. Sexualidade e Orientao Sexual. [Videoaula em DVD]. Curso de


Especializao em Gnero e Sexualidade (EGeS) CLAM/IMS/UERJ. Rio de Janeiro:
CEPESC; Braslia, DF: Secretaria de Polticas para as Mulheres, 2010.

LEITE, V. Sexualidade Adolescente como direito? A viso de formuladores de polticas


pblicas. Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2013.

LOURO, G. L. Nas redes do conceito de gnero. In: LOPES, M.J.M, MEYER, D. E. e


WALDOW, V. R. (Orgs). Gnero e Sade. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996.

PISCITELLI, A. Interseccionalidades, categorias de articulao e experincias de


migrantes brasileiras. Sociedade e Cultura, v.11, n.2, jul/dez. 2008. p. 263 a 274.

VENTURA, Miriam. Direitos Reprodutivos no Brasil. FNUAP, 2004.

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SOBRE SER TRAVESTI, PUTA E MORAR EM CASA COM


A FAMLIA: NOTAS SOBRE OS CASOS DE EVITAO
NOS RELACIONAMENTOS FAMILIARES

Marcos Mariano Viana da Silva


Doutorando em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
[email protected]

Mikelly Gomes da Silva


Doutoranda em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
[email protected]

Mikarla Gomes da Silva


Mestranda em Cincias Sociais
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
[email protected]

GT 15 - Interseces entre gnero, sexualidade e o curso da vida

Resumo

Este trabalho objetiva problematizar a manipulao das identidades (MOORE,


2000) no convvio familiar de pessoas trans, usando como estudo de caso a his-
tria de vida de uma travesti e sua famlia que concordaram em colaborar com
a pesquisa, assim como tambm utilizando referncias comparativas para con-
frontar a forma como outros trabalhos, por exemplo: Don Kulick (2008), Larissa
Pelcio (2009) e Hlio Silva (1993) abordaram as relaes familiares das travestis
e/ou transexuais. O trabalho tambm aborda os casos de evitao ocorridos no
ambiente familiar de acordo com a concepo de Sarah Schulman (2010).
Palavras-chave: Famlia; identidade; gnero; travesti; evitao.

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Introduo

Este trabalho almeja problematizar a manipulao das identidades


(MOORE, 2000) no convvio familiar de pessoas trans, usando como estudo
de caso a histria de vida de uma travesti e sua famlia que concordaram em
colaborar com a pesquisa1. Pretende-se tambm abordar os casos de evitao
ocorridos no ambiente familiar de acordo com a concepo de Sarah Schulman
(2010).
O caso em questo o de Sheila2, uma travesti negra com 31 anos de
idade que mora com seu companheiro no bairro do Alecrim em Natal-RN. A
famlia de Sheila mora bem prximo, no mesmo quarteiro e o contato com a
sua famlia dirio. Na casa dos pais residem sua me, seu pai e dois irmos
mais novos. Um dos irmos de Sheila amigo de um dos autores e foi atravs
dele que se deu a aproximao com Sheila e sua famlia. Houve vrias conver-
sas informais, entrevistas sem e com o uso do gravador com Sheila, assim como
tambm bate-papos e entrevistas gravadas com a sua me, seu irmo do meio
e seu companheiro.

Sobre ser travesti, morar em casa e consumir.

H uma diferena entre o gnero imposto e o gnero construdo (MOORE,


2000), at porque o indivduo assume vrias posies de sujeito. Como fazer
programa, voltar pra casa e ser recebida pela sua me? E como no ter dinheiro
para comprar acessrios e roupas para o investimento na sua identidade de
gnero?
A discusso trazida por Moore (2000) levanta o tema que no existe um
s modo de viver a nossa identidade. Somos homens, mulheres, travestis e tran-
sexuais vivendo em nossas variedades de existncias e nos diferenciando graas
aos nossos contextos sociais. Maria Luiza Heilborn (1996), tambm problema-
tiza sobre essa questo em outros termos quando apresenta a noo do ser ou

1 Esse trabalho um recorte da dissertao: Entre lembranas, desejos e moralidades, de Marcos


Mariano Viana da Silva apresentada ao Programa de Ps Graduao em Cincias Sociais, 2016, sob
a orientao de Berenice Bento.

2 Todos os nomes usados nesse trabalho so fictcios.

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estar homossexual. Pretendemos problematizar sobre como ser filha, como


estar puta, como namorar macho, comer viado e morar na mesma casa
que a sua me. Nas conversas com a me de Sheila, ela se mostrou bastante
preocupada com o fato da filha se prostituir, afirmando que tinha pavor de tal
atitude e que fazia de tudo para a filha no recorrer prostituio. Percebemos
com isso uma tenso nas relaes familiares, o fato de que a filha preferir se
prostituir para ganhar dinheiro e investir no prprio corpo algo que estremece
as relaes de poder no espao domstico.
Kulick (2008) na sua etnografia em Salvador acompanha os investimentos
corporais que as travestis assumem, como por exemplo, a aplicao de silicone
industrial, a importncia na arrumao dos cabelos, a compra de roupas e at
mesmo o fato de algumas travestis sustentarem seus parceiros fixos. Sheila argu-
menta que se prostitui para comprar coisas de sua necessidade e desejo, como
fazer a unha, o cabelo, comprar roupas e acessrios que segundo ela so caros
e que no daria para comprar com um salrio mnimo.
Quem escolhe essa vida de prostituio... uma vida arriscada.
Eu no gosto, o pai no gosta, mas uma coisa que dela que-
rer, ento isso a gente no gosta, mas voc no pode fazer nada
(Entrevista realizada com a me de Sheila em 01/10/2015).

Porque eu tenho minha profisso de cabelo, mas no t dando,


mas o que aparecer, uma faxina, alguma coisa, eu fao, mas se
aparece um programa, a pessoa t precisando eu vou mesmo,
mainha no gosta, mas eu vou... (Entrevista realizada com Sheila
em 01/10/2015).

Devido preocupao da me com a atividade de Sheila se prostituir,


Sheila confessou que costuma no falar tudo pra sua me para no assust-
-la e preocup-la ainda mais, mesmo ficando evidente durante o processo de
pesquisa que Sheila e sua me nutrem uma pela outra um vnculo de amizade,
afeto e cumplicidade bem intenso.
Tm coisas que a gente esconde, n? No pode. Nem a faca
entrando voc diz, mas assim, noventa e oito por cento, tudo dito
a ela. Pra ela tambm no tem como esconder no, se eu tiver
muito calada, comear a estralar o dedo, ela diz: porque t to
nervosa?, eu: mulher, pelo o amor de Deus! Bote a carta e vire

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as cartas! Pelo o amor de Deus!. Ela presta ateno, ela repara em


tudo, em tudo, em tudo, em tudo ela repara.
Mas o que voc esconde, voc esconde por qu? (pesquisador).
Ah, certas coisas assim, pessoas que eu saio no programa, s vezes
brigas com Daniel do nada... Certas coisas assim, entendeu? Ou o
que algum disse de mim, pra ela tambm no ficar machucada,
magoada, que tem certas coisas que querendo ou no, vai magoar
a sua me, mas fora isso. Eu digo: eu te amo, ai, que mulher
chata, dou cheiro, abrao e falo: olha, Leoa! no sei o qu(En-
trevista realizada com Sheila em 27/10/2015).

Em comparao com os casos estudados em pesquisa anterior3, a histria


de vida de Sheila marcada pela aceitao familiar quase que incondicional,
pois mesmo quando Sheila morava na casa dos pais, ela ouvia reclamaes
sobre o ato de se prostituir, mas nunca foi impedida de trabalhar como profis-
sional do sexo. Sheila no foi expulsa de casa e mesmo quando decidiu morar
junto com Daniel, seu companheiro, frequenta a casa da me diariamente. Na
ltima conversa que o pesquisador teve com a me de Sheila, ela relatou em
tom de brincadeira: ela se mudou, mas a mesma coisa que nada porque vive
aqui, passa o dia todinho aqui. Ela usa a casa dela como dormitrio. Porm,
importante frisar que essa aceitao familiar no to comum entre as traves-
tis e transexuais, apesar de ocorrer com mais frequncia em comparao com
geraes passadas, como pode ser visto no estudo de Luma Andrade (2012) que
relata alguns casos das suas colaboradoras de pesquisa que residem na mesma
casa dos pais e passaram por todo o processo de transio entre os seus fami-
liares. Em contrapartida, em geraes passadas como descrito por Kulick (2008)
em sua etnografia com travestis em Salvador na dcada de 1990, por exemplo,
pde-se observar:
[...] apesar da rejeio inicial, as famlias (e particularmente a
me) acabam eventualmente aceitando a condio de travesti e s
vezes, nas breves visitas, as recebem com boas vindas. Entretanto,
so poucas as travestis que se deixam enganar por tal recepo,
supondo que seja incondicional. A maioria sabe que a aceitao

3 Relaes familiares de travestis e transexuais em Natal-RN, de Marcos Mariano Viana da Silva. Mo-
nografia apresentada coordenao do curso de bacharelado em Cincias Sociais da UFRN, 2013.

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da famlia dura enquanto durarem os presentes e o suporte material


que podem oferecer. No momento em que o dinheiro acaba, as
portas da casa natal tornam a se fechar para as travestis (KULICK,
2008, p. 194).

Outra caracterstica encontrada na vivncia familiar de Sheila e que tam-


bm foi citada em outras etnografias como Kulick (2008) e Andrade (2012)
a prtica de alguns familiares chamarem a pessoa trans ainda pelo nome
civil, mesmo afirmando reconhecer que assumem a sua identidade de gnero
feminina.
A coisa que mais difcil na minha relao com a minha irm
questo de chamar pelo nome porque eu continuo chamando ela
pelo nome... Enfim, muito tempo chamando a pessoa pelo mesmo
nome.
Mas ela se incomoda ou no? (Pesquisador).
No, eu acho que no, mas enfim, eu entendo que na frente das
pessoas eu no deva fazer isso (Entrevista realizada com o irmo
de Sheila em 01/11/2015).

De fato, Sheila relatou que no se incomoda quando os familiares a


chamam pelo nome dado no nascimento dentro de casa, mas no atende se
qualquer pessoa cham-la pelo nome masculino em pblico. A me de Sheila
a chama pelos dois nomes, o civil e o social, e a trata s vezes por ele, por
ela. Para as travestis e transexuais serem tratadas no feminino indica para elas,
existirem com inteligibilidade de gnero, a partir do momento que em casa elas
tm a identidade feminina reconhecida, os laos familiares so fortalecidos e
elas sentem que tm o apoio familiar para ser o que so como travestis e/ ou
transexuais.

A evitao nos relacionamentos familiares

Sheila e o seu irmo relataram nas entrevistas no sofrer preconceito das


pessoas que formam seu ncleo familiar mais prximo, ou seja, o pai, a me e
o irmo mais novo. Porm, h uma parte da famlia que os discrimina por con-
siderarem que os dois tem uma conduta social desviante, uma vez que o irmo
de Sheila homossexual. Quando foi perguntado Sheila se a sua famlia tinha

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mudado de atitude desde que ela se assumiu como travesti a resposta foi a
seguinte:
Mudou da parte da minha tia, da filha dela, meio preconceituosa,
porque como eu disse, o povo tem uma viso de travesti, voc sabe
qual , n? Drogas, sexo e Rock and Roll, e vida de travesti no
isso, vida de uma travesti que se preze no s glamour como
voc abre o Face4 de muitas e v s academia, festas, no. Voc
tem uma vida diria, ento vamos contar a vida diria, o que que
voc enfrenta? As pessoas que viram a cara pra voc, que cos-
pem quando voc passa, que lhe apontam, entendeu? Mas, tirando
isso, o negcio meu pai, minha me me aceitando e meu irmo...
Beijo no p porque no ombro luxo. No dou nem cabimento
(Entrevista realizada com Sheila em 27/11/2015).

E o irmo acrescenta:
Tem um preconceito enorme, viu? A famlia tambm tem pre-
conceito. A gente acabou que eu e meu irmo no participamos
mais dos eventos familiares se no for aqui, n? Porque a famlia da
gente essa, mas tem as outras partes, n? No vai porque os trajes
no podem, porque no sei o qu, imagina o constrangimento, n?
Ontem, inclusive, a gente tava falando sobre isso: no, porque
voc precisa ser o macho alfa, n? Ou ento, o viado que t ali
no armrio, que ningum quer saber e fica aquela coisa, como se
voc precisasse esconder alguma coisa e como se algum tivesse
sempre alguma coisa pra lhe ofender com isso, n?

Os eventos familiares vocs no vo porque vocs no querem ir


ou porque no so convidados? (Pesquisador)

No, nem convidado. E s vezes o convite assim, pra no dizer


que no chamou, n? Se quiser, no sei o qu, no rola, no rola
(Entrevista realizada com o irmo de Sheila em 01/11/2015).

Pode-se perceber nos relatos narrados por Sheila e seu irmo as tentati-
vas de anulao por parte de alguns familiares do acesso dos dois ao convvio
familiar de uma maneira quase velada, como no exemplo descrito pelo o irmo

4 Rede social Facebook.

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de Sheila, atravs da inexistncia de convites para participar de eventos fami-


liares ou como a forma dos convites citados: pra no dizer que no chamou.
Essas tentativas de anulao das identidades trans do convvio social podem ser
definidas como casos de evitao, tal qual caracterizados por Sarah Schulman
(2010), ou seja, um fenmeno mais comum e mais fcil de ser executado do
que a homofobia e/ou a transfobia. A evitao acontece quando as pessoas so
cortadas, excludas de participarem em conversaes, comunidades, estruturas
sociais, quando no permitida qualquer voz sobre como elas mesmas so
tratadas, no podendo falar ou retrucar. A evitao uma forma de crueldade
mental que desenhada para que se finja que a vtima no existe ou nunca
existiu. A evitao um fenmeno diferente e ao mesmo tempo inerente
homofobia e/ou transfobia, existe no no aspecto de rejeitar, de destruir ou matar
o outro, mas de tentar atribuir a esse outro uma capa de invisibilidade perante
o mundo (SCHULMAN, 2010). Segundo Schulman, a evitao multiplicativa
porque pode ocorrer em vrios lugares, na escola, na igreja, no trabalho, nas
relaes pessoais e tambm no ncleo familiar. A evitao diz respeito a uma
estratgia de invisibilizao do outro de um modo no explcito para a socie-
dade, maquiando assim o preconceito e a homofobia e/ou transfobia.

Consideraes finais

Em suma, esse trabalho visou problematizar, a partir da apresentao das


narrativas de Sheila e sua famlia sobre o trnsito entre as fantasias de identidade
(MOORE, 2000) de Sheila entre ser filha e garota de programa, assim como
tambm sobre os casos de evitao sofridos em situaes familiares pelo fato
de ser travesti e morar em casa com a famlia. Pensando comparativamente
com os estudos de Kulick (2008), Hlio Silva (1993) e Larissa Pelucio (2009) e
usando como fonte secundria o trabalho de Andrade (2012), podemos sugerir
que a aceitao familiar por parte da famlia se tornou menos cruel, dando pos-
sibilidades de surgimento de brechas capazes de atravessar a barreira excluso,
invisibilidade e violncia das pessoas trans no convvio familiar.

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Referncias

ANDRADE, Luma Nogueira de. Travestis Na Escola: Assujeitamento ou Resistncia


Ordem Normativa. Tese de Doutorado. Programa de Ps-Graduao em Educao.
Fortaleza, 2012.

HEILBORN, Maria Luiza. Ser ou Estar Homossexual: dilemas de construo da iden-


tidade social In: PARKER, Richard e BARBOSA, Regina. Sexualidades Brasileiras. Rio
de Janeiro: Relume Dumar, 1996, p. 136-145.

KULICK, Don. Travesti- prostituio, sexo, gnero e cultura no Brasil. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 2008.

MOORE, Henrieta L. Fantasias de poder e fantasias de identidade: gnero, raa e vio-


lncia. (Traduo: Plnio Dentzien; Reviso: Adriana Piscitelli.). In: Cadernos Pagu, n.
14, 2000).

PELCIO, Larissa. Abjeo e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preven-
tivo de aids. So Paulo: Annablume; Fapesp, 2009.

SCHULMAN, Sarah. Homofobia Familiar: uma experincia em busca de reconheci-


mento. Traduo: Felipe Breno Martins Fernandes. In: Revista Bagoas (v. 4, n. 5, jan./
jun. 2010).

SILVA, Hlio R. S. Travesti: a inveno do feminino. Rio de Janeiro: Relume- Dumar/


ISER, 1993.

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(HOMO)SEXUALIDADES FEMININAS E A GINECOLOGIA

Ana Rita da Silva Rodrigues


Mestranda emAntropologia Social Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
[email protected]

GT 12 - Diversidade sexual e de gnero, polticas pblicas e servio social

Resumo

Neste trabalho procuro explorar o tema da homossexualidade feminina


no campo da sade, do corpo e degnero. Realizo tambm uma breve refle-
xo sobre as polticas pblicas voltada para este pblico, em especial aps
o PAISM(Programa de Assistncia Integral Sade da Mulher) na dcada de
80, promovidas pelo Ministrio da Sade. O trabalho est dividido em 2 par-
tes: uma primeira mais voltada para a invisibilidade da lesbianidade na rea da
sade. J a segunda foca na epidemia de HIV e suas consequncias, alm de
noes de corpo e gnero.
Palavras-chave: lesbianidade; sade pblica; corpo; gnero; ginecologia.

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A invisibilidade da lesbianidade na rea da sade

Discusses sobre a sexualidade da mulher incluindo aspectos da


sua vidasexual e do prazer, para alm da sua funo reprodutiva, so rela-
tivamente recentes.Somente depois da dcada de 1980 com a reformulao
do PMI(ProgramaMaterno-Infantil), com a criao do PAISM(Programa de
Assistncia Integral Sade da mulher) e com as Conferncias de Cairo(1994) e
Pequim(1995) que as dimenses da sexualidade e da reproduo comearam
a ser problematizadas na qualidade de esferas individuais e autnomas, res-
saltando que caberia mulher tomar suas prprias decises sobre as questes
relativas sua sade sexual e reprodutiva, livre de coero, discriminao e
violncia.
O PAISM foi implementado no Brasil em 1983 pelo Ministrio da
Sade numa tentativa de romper com a viso tradicional do sistema mdico
da mulher/me/reprodutora, tendo como objetivo oferecer uma assistncia
mulher em todas as fases de sua vida. O programa fruto da discusso sobre
os direitos reprodutivos e sexuais a partir da atuao do movimento de mulhe-
res e profissionais de sade(RODRIGUES & SCHOR, 2010). Assim, iniciou-se
no cenrio brasileiro uma mudana conceitual no campo da sade quanto
forma de apreender a mulher: da mulher-me, nos programas de sade mater-
no-infantil, mulher-sujeito, mulher como individualidade prpria, e assim,
dotada de necessidades de sade para alm da tarefa de gerar filhos.
H tambm uma crtica medicalizao do corpo feminino. A mulher
assistida na, e a favor da, sua sade. E desta forma, a sade deixa de ser enten-
dida como um consumo de servios mdicos. Neste sentido, o programa busca
garantir s pacientes seus direitos, enquanto mulheres, no exerccio pleno e
consciente de sua sexualidade e no apenas na sua funo reprodutiva.
Embora seja um programa vitorioso na tica das polticas pblicas de
sade, o PAISM encontra barreiras para sua concretizao. Avaliaes recen-
tes demonstram que, contrrio s suas bases conceituais, o Programa passou
a prestar ateno quase que exclusiva sade reprodutiva e sexual, no indo
alm de umas poucas experincias isoladas e descontnuas (AGUIAR, 2004).
Em 2003 teve incio a construo da Poltica Nacional de Ateno Integral
Sade da mulher - Princpios e Diretrizes (PNAISM)-, quando a equipe tcnica
de sade da mulher avaliou os avanos e retrocessos alcanados na gesto
anterior. Em maio de 2004 o Ministrio da Sade lanou a PNAISM, construda

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a partir da proposio do SUS de equidade, universalidade e integralidade


ampliando as aes para grupos historicamente alijados das polticas pbli-
cas, nas suas especificidades e necessidades, como o de mulheres lsbicas
(AGUIAR, 2004).
A ideia de instrumentalizao das mulheres sobre seus corpos e sua sade
para que elas possam tomar suas prprias decises, inclusive acerca de sua
sexualidade, mobilizou uma reivindicao pelo auto domnio do corpo. Tal pos-
tura colocou em evidncia os diferentes tipos de expresso sexual e a deciso
dos sujeitos sobre a escolha de suas prticas sexuais, levantando questionamen-
tos sobre a heterossexualidade como nico padro fixo de sexualidade.
Porm, para que as decises reprodutivas e sexuais sejam realmente
livres necessrio que existam certas condies de materiais e de infraestru-
tura, tais como transporte, creches, servios de sade acessveis, humanizados
e bem equipados. Portanto, no basta existir um conjunto de direitos que defen-
dam a integridade e autonomiados corpos das mulheres, necessrio construir
uma rede de infraestrutura, com intervenes sociais, que possibilite que tais
direitos sejam de fato usufrudos (RODRIGUESe SCHOR, 2010).
O comportamento homossexual feminino, de forma ainda mais acentuada
que a sexualidade feminina heterossexual, tendeu historicamente invisibili-
dade no discurso mdico-ginecolgico e no campoa cadmico. A nfase que
a epidemia da AIDS deu nos anos de 1980 s prticas homossexuais mascu-
linas como alvo de transmisso do vrus HIV contribuiu para a crena de que
mulheres lsbicas seriam o nico corpo inofensivo infeco pelavia sexu-
al(ALMEIDA, 2009).

Aids, corpo e gnero

O grande paradoxo da experincia da doena que ela tanto a mais


individual quanto a mais social das coisas. tambm difcil discernir se sade
e doena pertencem ao domnio privado ou ao pblico. Os laos entre esses
dois domnios no so imutveis e, no campo da sade e da doena, passaram
por transformaes frequentes. No entanto, o corpo ainda pertence ao domnio
privado(HERZLICH, 2004).
Embora a era em que as tradies religiosas faziam do corpo um
tabu seja agora um passado distante, as sensaes do corpo so

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ainda assuntos da intimidade, envolvendo at mesmo sigilo e ritu-


ais individuais cotidianos. Prestar ateno a estados corporais
uma atividade que diz respeito a relacionamentos fundamentais:
a famlia que ainda est profundamente implicada na preserva-
o da sade e em seus cuidados. Alm disso, a sade e a doena
afetam vrios aspectos da vida privada, em especial o amor e a
sexualidade (HERZLICH, 2004).

Contudo, no podemos falar de doena, corpo e sade sem tambm-


consider-los como fenmenos pertencentes a esferapblica. Dessaforma, na
construo simblica e discursiva, adoena econsequentementea sade
refletetodo umcontexto histrico, social e cultural.
Portanto, inegvel que a cincia interfere na constituio da ideia de
corpo do indivduo, do que normal e do que patolgico. Isto significa dizer
que a produo de qualquer conhecimentos e d sempre atravs de um pro-
cesso que coletivo, onde cincia, indivduo e sociedade esto em constante
articulao, numa construo e desconstruo mtuas (AGUIAR, 2004).
As primeiras associaes que o senso comum estabelece com a Aids a
ideia de que esta uma doena relacionada a uma sexualidade promscua, com
a consequente discriminao da pessoa infectada. A permanncia da represen-
tao dicotmica entre mulher/me/esposa (moas boas)e mulher/prostituta
(moas ms epromscuas) contribuiu significativamente para que as mulheres
no fossem identificadas, de imediato, como vulnerveis Aids. Isto fez com
que, no final da dcada de 1980, o aumento da incidncia da epidemia na
populao feminina ocidental se desse de forma rpida e silenciosa.
Esta dificuldade em reconhecer a vulnerabilidade das mulheres diante de
uma epidemia revela o retrato de uma sociedade quer e fora a desigualdade
nas relaes sociais de gnero, alimentando, entre outros aspectos, a perpe-
tuao de uma duplamoral quanto ao comportamento sexual de homens e
mulheres, na esfera pblica e privada. O homem permanece culturalmente
significado como um sujeito com uma sexualidade ativa que independe de
relaes afetivas ou reprodutivas e, mulher, por sua vez, cabe ser o oposto,
com uma sexualidade passiva voltada para a reproduo: a mulher/esposa/me,
tal como definida pelo modelo biomdico (GIFFIN, 1999). E, associados a isto,
esto barreiras psicolgicas, sociais e culturais, como o desconhecimento da
mulher de seu prprio corpo, o pudor no que se refere a estetipo de conheci-
mento e concepes religiosas de cunho ideologicamente patriarcal.

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Portanto, mais do que compreender uma enfermidade com base em suas


representaes sociais, preciso compreender como essas representaes so
utilizadas, transformadas e construdas de acordo com o estoque de conheci-
mento que se tem acerca da doena e do adoecer. Logo, esta construo passa
necessariamente pelos conceitos de sade e doena, de normale patolgico
que vigoram em nossa sociedade.

Mulheres com relaes homoerticas, ginecologia e formas de


preveno

Em estudos conduzidos na cidade de SoPaulo, observa-se que 18% a


35% de populao de mulheres que fazem sexo com mulheres nunca haviam
realizado o exame de Papanicolaou. (FACHINNI, 2009). Essas estimativas so
maiores do que as encontradas para a populao geral feminina residente na
mesma cidade, 13, 9%. Tais da dos sinalizam que um contingente significativo
de mulheres que fazem sexo com mulheres encontra-se excludo dos servios
de ateno/cuidado sade. Com isso podemos dizer que o princpio de uni-
versalidade quanto os de integralidade e equidade adotados pelo Sistema nico
de Sade esto sendo descumpridos, visto que h um contingente de mulheres
excluda da assistncia e que elas tendem a ser vistas de modo unidimensional
e, muitasvezes, so discriminadas e desestimuladas a acessar servios de sade.
A bibliografia sobre o tema aponta a relao da primeira ida ao gineco-
logista com a primeira experincia sexual, esta sendo heterossexual. Tal fato
revela a importncia de fatores associados a convenes de gnero, pois as
primeiras vias de acesso esto ligadas principalmente ao incio da vida heteros-
sexual e a maternidade (FACHINNI, 2009).
Outro aspecto relacionado frequncia a servios ginecolgicos levan-
tado por Facchini diz respeito aos atributos e posturas corporais. Todas as
mulheres, independentemente de suas inseres scio-econmicas, quese refe-
riram como mais masculinizadas ou mais masculina esto entre aquelas que
tiveram frequncia baixa e irregular de realizao de exames ginecolgicos e
de Papanicolau, ou nunca os realizaram. A ida ao ginecologista pode ser com-
preendida como uma afirmao de necessidades femininas, e, portanto, uma
conduta para as mulheres lsbicas que se percebem como femininas. Para as
mulheres que possuem atributos e posturas corporais masculinizadas, a con-
sulta adquire um significado de explicitar os trejeitos desviantes, que somado s

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representaes de que o envolvimento lsbico no oferece riscos nem requer


aes especficas com a sade, tornam a busca por cuidados ginecolgicos
especialmente complexo e difcil.
Outro fator que destacado o relato da orientao sexual para o/a pro-
fissional de sade. Tal fato parece estar relacionado, para aquelas mulheres que
frequentam periodicamente o ginecologista, como uma forma de direcionar
a consulta sua experincia, evitando perguntas desnecessrias ou que no
fazem sentido a sua vivncia(FACHINNI, 2009).
A literatura sobre o tema relata vrios episdios de tratamento ina-
dequado relacionados ao relato da orientao sexual.Os episdios envolviam
mudana de atitude por parte do/a profissional, comentrios preconceituosos,
ausncia de oferta de exames clnicos, de mamas ou Papanicolaou. A queixa
mais comum refere-se ao fato de o/a profissional, aps o relato, agir como se
no tivesse recebido a informao ou como se no tivesse nada a comentar ou
orientar a respeito(FACHINNI, 2009).
Por fim, chamo a ateno para as diversas formas de homossexualidade
feminina e das experincias homoerticas. Dessa forma, no podemos consi-
derar que uma mulher que tenha identidade sexual lsbica nunca tenha tido
uma relao heterossexual ou que nunca mais a ter. Da mesma forma que
uma mulher que tenha identidade sexual heterossexual nunca tenha tido uma
experincia homossexual ou que nunca venha a ter. Assim, a categoriamu-
lher exclusivamente homossexual ou heterossexual desaparece dando lugara
um cenrio mais dinmico onde mulheres transitam por diferentes experincias
afetivo-sexuais.

Consideraes finais

A partir das questes exploradas no decorrer deste texto, podemos afir-


mar que, com a emergncia da epidemia de AIDS, observou-se uma crescente
preocupao com a sexualidade, particularmente questes referentes homos-
sexualidade masculina. O tema da homossexualidade feminina e sua relao
com a sade mantiveram-se marginais a todo esse processo.

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Notou-se uma escassa produo cientfica abordando a temtica sade e


homossexualidade femininano Brasil, a inexistncia de polticas de sade con-
sistentes para o enfrentamento das dificuldades e necessidades desta populao,
o parco conhecimento sobre suas demandas e a ausncia de tecnologias de cui-
dado sade adequadas aliados persistncia de prenoes e preconceitos
convertem-se, no mbito da sade pblica, em desperdcio de recursos, em
constrangimento durante o atendimento, em assistncia inadequada e, muito
provavelmente, em um grande contingente de mulheres com problemas de
sade no diagnosticados e no tratados.

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Referncias

ALMEIDA, G. Argumentos em torno da possibilidade de infeco por DST e Aids


entre mulheres que se auto definem como lsbicas. Physis: Revista de Sade Coletiva.
Rio de Janeiro, v.19, n.2, 2009.

AGUIAR, J.M. Mulher, aids e o servio de sade: interfaces. 2004. 150p. Dissertao
de Mestrado apresentada Escola Nacional de Sade Pblica. FIOCRUZ, Rio de
Janeiro.

BARBOSA, Maria Regina. Mulheres que fazem sexo com mulheres: algumas estima-
tivas para o Brasil. In: Cad. Sade Pblica, vol22, n 7, Rio de Janeiro, 2006.

COELHO, LeilaMachado. A Representao Social da Homossexualidade Feminina


nos Ginecologistas do Ponto de Vista das Mulheres Lsbicas e Bissexuais. In: Revista
Tesseract, ISSN 1519-2415, edio 4, 2001.

FACHINNI, Regina. Mulheres, diversidade sexual, sade e visibilidade social.


In: Homossexualidade: produo cultural, cidadania e sade/organizadores
LusFelipeRios... [etal.]. - Rio de Janeiro: ABIA, 2004.

.Acesso a cuidados relativos sade sexual entre mulheres que fazem sexo com
mulheres em SoPaulo, Brasil. In: Cad. Sade Pblica, Rio de Janeiro, 25 Sup 2:S291
- S300, 2009.

GIFFIN, K., 1999. Poder e Prazer: consideraes sobre o gnero e a sexualidade


feminina. In: Ribeiro, M. O Prazer e o Pensar. Cores/Editora Gente.

HERZLICH, C. Sade e doena no incio do sculo XXI: entre a experincia privada


e a esfera pblica. In: Physis: Rev. Sade Coletiva, Rio de Janeiro, 2004.

RODRIGUES, Juliana & SCHOR, Nia. Sade sexual e reprodutiva de mulheres lsbi-
cas e bissexuais. In: Fazendo Gnero 9: Disporas, Diversidades, Deslocamentos, 2010.

WELZER-LANG, Daniel. A construo do masculino: dominao das mulheres e


homofobia, 2001.

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ME D LICENA QUE EU T CORTANDO PRA EXU:


MARCAS DA DIFERENA E CONSTRUO DA
RESISTNCIA NOS ESPAOS DE TRADIES
AFRO-AMERNDIAS DE CAMPINA GRANDE PB

Lucas Gomes de Medeiros


Graduando em Histria
Bolsista ic.
Universidade Estadual da Paraba
[email protected]

Jussara Carneiro Costa


Profa. Doutora
Departamento de Servio Social
Orientadora ic.
Universidade Estadual da Paraba
[email protected]

GT 20 - Espao, Sociabilidade, Sexualidade.

Resumo

O estudo se preocupa com a anlise da articulao entre os marcadores sociais


da diferena (a exemplo de sexualidade, gnero e credo religioso) cujos discur-
sos de dio que os envolvem so acionados hegemonicamente na composio
de abjees e limitao de direitos que marcam espaos e praticantes das reli-
gies de tradio afro-amerndia em Campina Grande, no estado da Paraba.
Frente ao fundamentalismo crescente, esses mesmos espaos de abjeo so
tambm produtores de resistncias e estratgias mltiplas que, questionando
normas e dispositivos de controle, elaboram outras lgicas de compreenso de
corpos, espaos e sociabilidades.
Palavras-chave: marcadores sociais da diferena, abjeo, resistncia, religies
afro-amerndias, espaos.

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Introduo

Em abril de 2012, ano de eleies municipais, o vereador Olmpio Oliveira


(PMDB) props em plenrio a proposta de Projeto de Lei n 059/2012, que
visava proibir peremptoriamente em todo o territrio municipal e distritos a
imolao ritual1 de animais. Na ocasio, o vereador afirmou que em Campina
Grande, assim como no resto do pas, rituais dos mais cruis contra os animais,
movidos por tipos fanticos e por religies de matriz africana repetem-se sob a
pecha impune de serem prticas de cunho religioso2.
O apelo do vereador continuou insistindo na impossibilidade de a
sociedade aceitar a convivncia com prticas sacrificais religiosas. Estas inevita-
velmente se desenrolam, segundo ele, nas mais variadas formas de maus-tratos
e crueldades com o nico intuito de satisfazer caprichos de praticantes de sei-
tas religiosas. A pena imputada aos infratores poderia variar de dez at trinta
Unidades Ficais de Campina Grande (UFCG) por cada cabea de animal morto,
ficando a fiscalizao sob responsabilidade da Coordenao de Meio Ambiente
do municpio.
Alm de toda a defesa do projeto, o vereador Olmpio Oliveira autorizou
a circulao de um panfleto que reforava imageticamente a sua cruzada contra
as casas de Jurema Sagrada, Umbanda e Candombl. Na imagem (Fig. 1), ani-
mais fogem desesperados das mos assassinas de um homem completamente
vestido de branco, circundados por palavras de ordem e apelos pelo fim da
utilizao de animais em cultos religiosos.

1 A imolao ritual, vulgarizada como sacrifcio animal, consiste na utilizao de certos animais
especficos, tais como aves, caprinos, bovinos e raramente sunos, alm de outros alimentos, nas
cerimnias de obrigao, tal como so chamados os rituais que alimentam Orixs, Nkisis e enten-
didades da Jurema Sagrada.

2 As aspas so do prprio vereador Olmpio Oliveira em seu pronunciamento. Cf.: No Candombl:


Vereador de CG quer proibir o sacrifcio de animais em rituais religiosos. In: < http://www.paraiba.
com.br/2012/04/20/31382-vereador-de-cg-quer-proibir-o-sacrificio-de-animais-em-rituais-religio-
sos-de-candomble>. ltimo acesso: 12/07/2016.

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Figura 1. Panfleto da campanha do vereador Olmpio Oliveira pela aprovao do Projeto de Lei n
059/2012.

A argumentao do vereador ainda recorre Declarao Universal dos


Direitos dos Animais da UNESCO de 1978. Acionando o artigo 11: Todo o
ato que implique a morte de um animal sem necessidade um biocdio, isto
, um crime contra a vida, o texto proibicionista considera que as prticas de
imolao ritual em terreiros de tradio afro-amerndia so desnecessrias e
destitudas de significado e valorao cultural. Apesar de toda a dura campanha
empreendida pelo vereador, o projeto de lei no conseguiu votos necessrios
para sua aprovao, porm, no chegou a ser totalmente arquivado.
Cabe perceber a partir dos fatos relativos ao referido projeto de lei que
as comunidades de terreiro de Campina Grande, apesar de uma insistncia
do vereador em ter um mandato na rua, foram completamente alienadas de
qualquer participao ou discusso a respeito do texto e de suas implicaes
legais. Yalorixs, babalorixs, juremeir@s e outr@s membr@s das comunidades
de terreiro, porm, reagiram. Nessas reaes e resistncias que vamos nos
apoiar na discusso que decorre do texto ora introduzido.
Me Goretti de Oxum Opar, juremeira e yalorix da Tenda de Umbanda
Boiadeiro Z Firmino / Il Ax Oxum Opar no bairro Rocha Cavalcanti, foi
uma das lderes religiosas que acompanharam de perto todo o desenrolar do
projeto de lei. Certa ocasio, o vereador Olmpio Oliveira passava por uma
rua prxima de onde reside Me Goretti. Inflamada pelos constantes ataques

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realizados pelo vereador tanto na cmara quanto em redes miditicas s prti-


cas do povo de santo, a sacerdotisa se dirigiu a ele em tom de ironia: O senhor
por acaso vegetariano? ; o vereador respondeu-lhe virando as costas.
Usando como provocao esse projeto de lei hoje quase esquecido,
inclusive entre @s praticantes das religies de terreiro, pretendemos realizar
uma anlise que valorize a interseco entre os marcadores sociais da diferena
de gnero, sexualidade, e outros, e sua articulao com a criao de espaos
de abjeo que podem ser reapropriados e ressignificados por sujeit@s como
espaos de sociabilidade e de resistncia.
Pretendemos falar das experincias do povo de santo fazendo o esforo
de perceber que discursos como o do vereador em questo, longe de se preocu-
parem unicamente com questes bioticas, apontam para o alinhamento com
agendas religiosas conservadoras que cada vez mais tem ocupado espao na
poltica e na sociedade, em detrimento de prticas religiosas que no se orga-
nizam segundo o modelo judaico-cristo de compreenso da relao homem/
natureza.
Interessa, dessa forma, atentar para a maneira como os terreiros de Jurema
Sagrada, Umbanda e Candombl de Campina Grande aparecem nos discursos
que classificam os espaos da cidade, tendo em vista que estes esto localiza-
dos nas zonas mais perifricas e de difcil acesso, independendo de seu status
financeiro. Da mesma maneira, importa perceber quais os marcadores sociais
da diferena que estes espaos congregam, assim como a maneira pela qual
esto articulados na produo das abjees para com as religies afro-ame-
rndias e seus praticantes. Objetivamos tambm compreender como estes so
estrategicamente acionados nos discursos que naturalizam os ataques (verbais e
fsicos) aos espaos de sociabilidade dos terreiros.
Anteriormente falamos em resistncia, e retornamos a ela para expor a
ltima nuance que perpassa este texto. Da mesma forma que discursos poltico-
-religiosos se articulam em meio s relaes de poder, organizaes e prticas
de sociabilidade e resistncia tambm aparecem como reposta e reivindicao
de espao na cidade. Assim, desejamos tambm saber como os terreiros de
Campina Grande organizam sua resistncia para continuar existindo em meio
ao contexto apresentado.

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Marcadores sociais da diferena e as experincias de abjeo nos


terreiros

No percurso de nossas experincias e pesquisas nos terreiros, conhece-


mos dados mantidos ainda de forma pouco organizada por algumas federaes
de cultos espritas e de Umbanda em Campina Grande, que nos informam ter a
cidade aproximadamente quatrocentas comunidades de terreiro, nas suas mais
diversas tradies e naes3. Esse nmero considervel de templos religiosos se
distribui entre os diversos bairros perifricos, bem como adjacncias rurais, e
evidentemente subnotificaes devem ser consideradas nessa cifra.
Em uma leitura pouco cuidadosa da forma de organizao da cidade
desconsideraramos o fato de os terreiros se localizarem onde esto. Como
apontamos, no h exceo se o terreiro possui uma sede moderna e rica, seu
espao de atuao restrito pela prpria necessidade de resguardar com segu-
rana o culto.
Tanto alto o nmero de comunidades de terreiro que ainda resistem,
quanto o de ataques violentos aos seus cultos e sociabilidades. Me Goretti,
Me Yara e Pai Antunes, praticantes de ramos diversos das religies de santo,
compartilham em comum a experincia da abjeo e da resistncia. A primeira,
de casa de Candombl Nag Egb com a Jurema Sagrada, e @s ltim@s dirigen-
tes de casas de Candombl Angola com Ketu.
Me Goretti, h alguns anos, teve sua casa apedrejada e objetos religiosos
danificados, alm de insultos constantes e um abaixo assinado que reuniu mil
e duzentas assinaturas para retirar o seu terreiro do bairro. Me Yara, moradora
do bairro do Arax, j teve o telhado do terreiro e de sua casa apedrejados
diversas vezes e objetos d@s filh@s de santo roubados. Pai Antunes vtima,
desde a fundao do seu terreiro no bairro Jardim Borborema, de sequenciais
ataques e insultos com discurso de dio; s no ano passado a casa do sacerdote
foi atacada com coquetis molotov e pedradas trs vezes em menos de um
ms e meio. Ironicamente, um desses ataques ocorreu no exato dia em que a

3 Nao se refere, no Candombl, tradio africana da qual o terreiro descende. As mais predomi-
nantes em Campina Grande so casas que cultuam os Orixs da nao Nag Egb, ketu e Nkisis da
nao Angola. A maioria desses terreiros, majoritariamente os de tradio Nag Egb, se configuram
como cruzamento com a Umbanda, e com a religio local de tronco indgena, a Jurema Sagrada.

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OAB-PB e o Frum de Diversidade Religiosa da Paraba se reuniam na casa de


Pai Antunes para discutir medidas contra os ataques sofridos.
O Il Ax Bab Ob Igb, que tem Pai Antunes como zelador, foi o mais
atacado. A casa majoritariamente frequentada por sujeit@s que apresentam
dissidncias sexuais e de gnero; a associao dessas ao espao de margem
que a religio ocupa aumenta ainda mais a abjeo experimentada pel@s pra-
ticantes. Isso fica evidenciado em citaes do tipo: Alm de macumbeiro
bixa, entre outras classificaes a ele atribudas (MEDEIROS; SOUZA, 2015).
Resistindo, Pai Antunes encara o fato de ser e acolher essas pessoas como um
tipo de misso.
presena recorrente de corpos dissidentes nesses espaos, atribumos
ao fato de tais prticas apresentarem uma concepo de universo que rompe
com as dicotomias que caracterizam o judaico-cristianismo. A saber, corpo e
alma, sagrado e profano, material e espiritual, masculino e feminino etc., se
apresentando como loci de sociabilidade e resistncia diante de uma cidade
conservadora.
Entendemos, a partir de Foucault (2015), que o dispositivo da sexualidade
uma dinmica de poder que se baseia na regulamentao de corpos, afetos,
desejos, para determinar quais as categorias de sujeit@s so ou no viveis; este
sendo incorporado no discurso mdico, judicial, religioso e outros, penetra nos
corpos de maneira cada vez mais detalhada e controla as populaes de modo
cada vez mais global.
Na ausncia de concepes moralizantes acerca da sexualidade, ques-
tionando o lugar de masculinidades e feminilidades nos transes ritualsticos e
mostrando formas mais horizontais na maneira de conectar-se ao sagrado, essas
prticas no atestam apenas as falhas do dispositivo da sexualidade, elas pro-
blematizam as sobreposies entre os gneros, questionam as centralidades e
verdades que perpassam o discurso religioso fundamentalista etc.
Conectando questes de gnero, sexualidade, credo e outras, essas pr-
ticas questionam as vrias formas de organizao e classificao d@s sujeit@s,
que se baseiam em processos de normatizao caractersticos das sociedades
ocidentais modernas e que fazem viger a linha da abjeo. A norma, anun-
ciada por Foucault como elemento referendado pela articulao dos saberes no
Ocidente, o elemento que rege a ordem discursiva que se apresenta vigente;
a mesma opera por meio de processos de normalizao, ou seja, estabelece

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um padro de conduta a ser seguido e classifica como anormal e, portanto,


abjeto, aquel@ que dele dissidente (GADELHA, 2013, p. 11-73).
Compreender de que maneira os marcadores sociais da diferena natu-
ralizam os ataques aos terreiros fica fcil medida que entendemos como
essa articulao corresponde a um padro normativo hegemonicamente
estabelecido.

Consideraes finais

Todos os espaos que compem a cidade so perpassados por discursos


que os classificam e hierarquizam. As comunidades de terreiro de Campina
Grande tm se fortalecido continuamente como referncia nos lugares mais
perifricos e esquecidos da cidade, sendo por esse e outros motivos procurados
pelos mais diversos tipos de sujeit@s que expressam dissidncias s normas de
gnero, sexualidade e outras. Quando um projeto de lei como o do vereador
Olmpio Oliveira ganha tanta expresso, para ns sinal de que os discursos
que o fundamentam no se expressam sozinhos, mas esto articulados com
outros discursos que miram sujeit@s e prticas consideradas desviantes.
A violncia que caracteriza a intolerncia religiosa produto direto dos
processos que acabamos de elencar, e esta pode se expressar em agresses
morais, cerceamento das liberdades ou evoluir para formas mais agressivas,
como nos casos registrados nas casas d@s trs lderes religios@s. Na cidade, um
clima de silncio impune para com a situao do povo do ax se instaura, a intro-
jeo da norma chega ao ponto de permitir que qualquer macumbeir@ possa
ser identificad@ como praticante de religies satnicas, como sacrificador@s
de animais indefesos ou at de criancinhas, espritos confusos necessitad@s de
converso.
Certa vez, nos contou Pai Antunes, estando com outro babalorix momen-
tos antes de alimentar Exu, um pregador evanglico lhes bate porta na tentativa
de pregar a palavra de Deus, antes de responder, Pai Antunes foi antecipado
por Pai Carlos de Oxum, que respondeu (mal) humorado: Pode pregar a na
parede e me d licena que eu t cortando pra Exu.

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Referncias

FOUCAULT, Michel. Histria da Sexualidade I: a vontade de saber. Traduo de


Maria Thereza da C. Albuquerque e J.A. Guilhon Albuquerque. 2 edio. Rio de
Janeiro/So Paulo: Paz &Terra, 2015.

GADELHA, Sylvio. Biopoltica, governamentalidade e educao: introdues e


conexes a partir de Michel Foucault. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2013.

MEDEIROS, L. G.; SOUZA, Rebeca de A. Chuta, duas vezes, que macumba e de


veado. Anais do II Seminrio Internacional Desfazendo Gnero. Salvador: UFBA, 2015.
Disponvel em: << http://www.desfazendogenero.ufba.br/>>. Acesso em: 14/12/2016.

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A RESISTNCIA DA IDENTIDADE DE GNERO DE UMA


TRAVESTI NO ESPAO DE TRABALHO.

Dr. Lus Antonio Bitante Fernandes


Prof. Adjunto III do ICHS/CUA/UFMT
[email protected]

GT 11 - We Can Do It a desconstruo homocultural das prticas nas relaes de


trabalho.

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo estabelecer um dilogo com as prticas


sociais de uma mulher trans em suas relaes de trabalho. Com foco em leitu-
ras de propostas queer, da qual se utiliza da desconstruo como metodologia
de anlise das relaes em sociedade, debateremos e contextualizaremos o
presente estudo que contempla pesquisas na interseco das reas de Relaes
de Gnero, Sexualidades e Identidades, em conexo com as prticas discursi-
vas que destacam os corpos e as corporalidades como elementos relevantes.
Corpos e corporalidades produzidos, identificados e interpretados socialmente
como contraditrios, mas que, ao mesmo tempo, levantam indcios de integra-
rem um conjunto de tcnicas de normatizao e subordinao numa leitura
foucaultiana.
Palavras-chave: gnero; mulher trans; identidade de gnero; homocultura.

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Introduo.

Como parte do projeto de pesquisa - Identidades Possveis: uma anlise


da perspectiva de gnero e sexualidade1 - que vem sendo desenvolvido na
cidade de Barra do Garas - Mato Grosso, junto a Universidade Federal de
Mato Grosso, Campus do Araguaia, este trabalho trs um recorte de pesquisas
que se propem a um debate acerca das relaes de trabalho e as estratgias
de usos de identidades dissidentes que transitam entre a identidade de gnero
feminina e o uso do corpo masculino como dispositivos de preservao da dig-
nidade nas relaes de trabalho.
Na primeira fase de desenvolvimento da pesquisa, ouvimos duas travestis,
utilizando-se da tcnica de Histria de Vida, que relataram suas experincias
e percepes de sentimentos em corpos no reconhecidos e, portanto, vistos
como estranhos. Neste artigo utilizaremos as experincias de uma delas em seu
espao de trabalho e como ela usa de dispositivos de estratgias para I can!,
assim they can!; We Can Do It!2. Sua incorporao ao sistema de trabalho
formal d a ela certa visibilidade, esta no menos carregada de preconceitos,
mas que ao se sentir respeitada, em seu ambiente de trabalho, torna sua iden-
tidade de gnero invisvel. Neste contexto, vale ressaltar que a subalternidade
torna-se expressiva e a voz daquelas(es) que no as possuem, so significante-
mente importantes.

Dispositivos de poder e a desconstruo.

Enquanto mtodo utilizado para o desenvolvimento da pesquisa, utili-


zamos as narrativas de nossa colaboradora, coletada por meio da tcnica da
Histria de Vida e, dentro desta perspectiva, o uso da tcnica de roteiro sexual
do qual se compreende como o [...] lugar da sexualidade na construo da
pessoa em distintos contextos culturais de uma sociedade complexa e hete-
rognea (Heilborn 1999, p. 40) e o local de onde se afirmam a existncia de
vnculos entre a esfera sexual, as relaes de gnero e a subjetividade (Heilborn,
1999).

1 Projeto cadastrado na UFMT com apoio do CNPq (MCTI/CNPq/Universal/ 2014) e FAPEMAT (Edital
Universal/003/2014)

2 Numa traduo simples: Eu posso!, eles podem!; Ns podemos fazer isso!.

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Para anlise, tomamos como referencial Michel Foucault e os Estudos


queer. Foucault trs a ideia de dispositivos de poder, ou seja, um conjunto hete-
rogneo de discursos e prticas sociais, uma verdadeira rede que se estabelece
entre elementos to diversos, como a literatura, enunciados cientficos, insti-
tuies e proposies morais. Esses dispositivos so elaborados e sustentados
pelo discurso sobre o sexo e das tecnologias de normatizao das identidades
sexuais como formas de controle da vida (Foucault, 1999).
A contribuio de Judith Butler (2003), aos Estudos de Gnero e aos
Estudos Feministas, se do por meio de ideias reflexes que iro problemati-
zar a categoria Gnero. Essa problematizao s possvel no dilogo com o
mtodo da desconstruo proposto por Jacques Derrida (2011). Nesta proposta
a desconstruo passa pela elaborao do conceito de suplementaridade, do
qual os significados so organizados por meio de diferenas em uma dinmica
de presena e ausncia, ou seja, o que parece estar fora de um sistema j est
dentro dele, e o que parece natural histrico. Para tal, o procedimento analtico
mostra o implcito dentro de uma oposio binria, o que leva a desconstruo
e, portanto, ao explicitar o jogo entre presena e ausncia no deslocamento dos
binarismos.

Do Gnero s estruturas do poder: pensando na identidade de


gnero.

A categoria Gnero, enquanto categoria historicamente instituda no


cenrio das lutas polticas de mulheres surge na chamada segunda onda do
Feminismo para combater as posies daqueles que justificam as desigualdades
sociais entre homens e mulheres, remetendo-se, geralmente, as caractersticas
biolgicas.
imperativo, ento, contrapor-se a esse tipo de argumentao.
necessrio demonstrar que no so propriamente as caractersticas
sexuais, mas a forma como essas caractersticas so representa-
das ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai
constituir, efetivamente, o que feminino ou masculino em uma dada
sociedade e em um dado momento histrico. (LOURO, 1997, p.21)

Rejeitando o determinismo biolgico, implcitos em discursos dos quais


utilizam-se de termos como sexo ou diferena sexual, gnero aparece como o

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carter fundamentalmente social das distines baseadas no sexo (Scott, 1995).


Desta forma, para Scott, o gnero serve como uma ferramenta analtica e, ao
mesmo tempo, uma ferramenta poltica. E mais, podemos pensar na subalter-
nidade das mulheres que, segundo Spivak (1988), estariam desprovidas de uma
gramatica prpria na construo de suas falas.
Observa-se que para o fato de que as caracterizaes de social e rela-
cional, para Louro (1997), no se devem levar a conferir categoria gnero a
construo de papis masculino e feminino. O fato de remetermos o carter
social para o gnero, no se nega que o mesmo se constitui com ou sobre
corpos sexuados e que, portanto, a prtica social se dirige aos corpos. Numa
perspectiva estruturalista implica na compreenso da alteridade, ou seja, a exis-
tncia do masculino est associada ao seu oposto, o feminino. Assim, o gnero
se constri sobre o seu corpo biolgico, que sexuado. Temos, ento, a possi-
bilidade de vrios masculinos e femininos.
Para os ps-modernos, gnero pode ser mutvel, assim temos a presena
de mltiplos gneros e no somente o masculino e o feminino. Macho e fmea
como uma contingncia que pode ser mudado graas s novas tecnologias.
O conceito passa a exigir que se pense de modo plural, dentro da fluidez que
as relaes permitem, acentuando que os projetos e as representaes sobre
mulheres, homens e outros so diversos. Assim o gnero ir se diferir no ape-
nas entre as sociedades ou a dados momentos histricos, mas estar demarcado
no interior das sociedades ao considerar os diversos grupos que a compem,
como tnicos, religiosos, raciais, de classe e outros.
Para Butler, em Problemas de Gnero, desenvolve o argumento que o
gnero a estilizao repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no
interior de um quadro regulatrio altamente rgido que se cristaliza ao longo do
tempo para produzir a aparncia de substncia, de uma espcie de ser natural
(2003).
Numa superao da categoria gnero, a teoria queer avana na anlise
focando na anlise do discurso enquanto produtor de saberes sexuais por meio
do mtodo desconstrutivista. Queer mantm sua resistncia aos regimes de
normalidade, mas reconhece a necessidade de uma epistemologia do abjeto,
baseado em investigaes interseccionais. Desse modo, no so os sujeitos
que tem experincias, mas, ao contrrio, so experincias que constituem os
sujeitos.

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Foucault (1999), em sua obra, busca produzir uma histria dos diferentes
modos de subjetivao do ser humano dentro da nossa cultura, a cultura oci-
dental. Na medida em que seu trabalho vai tomando formas diversas de abordar
o tema, destacamos duas categorias de interpretao do mesmo problema: a
objetivao e a subjetivao. a partir destas categorias que entenderemos a
categoria de sujeito e as relaes de poder.
Assim, quer pensando na objetivao do sujeito como sujeito falante, pro-
dutivo e vivente, realizada por modos de investigao que procuravam obter
um estatuto de cincia; quer estudando a objetivao do sujeito enquanto divi-
dido no interior de si prprio e perante os outros, Foucault, em uma passagem
da Microfsica do Poder, coloca que:
Queria ver como este problema de constituio podiam ser resol-
vidos no interior de uma trama histrica, em vez de remet-los a
um sujeito constituinte. preciso se livrar do sujeito constituinte,
livrar-se do prprio sujeito, isto , chegar a uma anlise que possa
dar conta da constituio do sujeito na trama histrica. isto que
eu chamaria de genealogia, isto , uma forma de histrica que d
conta da constituio dos saberes, dos discursos, dos domnios de
objeto, etc., sem ter que se referir a um sujeito, seja ele transcen-
dente com relao ao campo de acontecimento, seja perseguindo
sua identidade vazia ao longo da histria. (1999, p.7)

Se Foucault trabalha a questo do indivduo e do sujeito, porque a


eles so atribudos significados diferenciados e aqui cabe entender esta dife-
renciao. Esta diferenciao aparece quando trabalhados os processos de
objetivao e subjetivao que concorrem conjuntamente na constituio do
indivduo, sendo que os primeiros constituem-se enquanto objeto dcil e til e
os segundos, enquanto sujeitos e estes, enquanto indivduos presos a uma iden-
tidade que reconhecem como sua.
Esses processos de subjetivao do indivduo enquanto sujeito, sobre-
posto aos processos de objetivao vo explicitar por completo a identidade
do indivduo moderno como objeto dcil, til e sujeito. Sendo assim, sempre
que houver referncias aos processos de objetivao e subjetivao sero em
relao ao indivduo e o termo sujeito expressar o resultado da constituio do
indivduo ante os mecanismos de subjetivao presentes na atualidade.
A ideia de Foucault (FONSECA; 2002) mostrar que as relaes propem
avanar na compreenso de uma nova economia das relaes de poder, que

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consiste na ligao entre as formas de resistncia aos diferentes tipos de poder.


Uma vez que tais formas seriam capazes de evidenciar as relaes de poder e
ver onde se inscrevem, de descobrir seus pontos de aplicao e os mtodos que
utilizam. O que vemos que podemos pensar nas relaes de poder a partir do
confronto das estratgias de poder/resistncia.
O processo dessa subjetivao nasce do poder e do saber, criando uma
dimenso da subjetividade que no depende deles, mas que devem ser consi-
derado nas relaes de poder tratadas por Foucault.
Fonseca coloca que:
[...] uma vez que o poder analisado segundo a perspectiva das estra-
tgias de que ele se utiliza em domnios diversos da vida cotidiana
dos indivduos, impossvel pensar a seu respeito sem se estar
pensando na prpria constituio do sujeito, em decorrncia da vin-
culao direta e necessria entre essa constituio e os domnios da
vida cotidiana investidos pelas relaes de poder. (2003, p.30)

Poder um termo relacionado a um correlato definido, a um objeto ou


uma ideia definida e que possam ser nomeados por uma palavra: poder. Mas,
ele cria uma concepo de poder que se diferencia de uma ideia de poder
como um objeto definido e possvel de ser identificado, localizado, manipulado
e, por fim, nomeado.
Nessa concepo, pode-se verificar a presena e ausncia do poder, uma
concepo ontolgica que se ope a sua ideia de relaes de fora. Assim, o
poder no existiria, mas o que encontramos so feixes de relaes de poder, de
relaes de fora.
Essa operacionalidade se apresenta muito mais na produo do que pela
represso, como caractersticas das relaes de fora, isto , se desenvolvem
nas relaes de fora e se apoia nos mecanismos de produo das ideias, das
palavras e das aes.
Nas palavras de Foucault tem-se:
[...] o estudo desta microfsica supe que o poder nela exercido
no seja concebido como uma propriedade, mas como uma estra-
tgia, que seus efeito de dominao no sejam atribudos a uma
apropriao, mas a disposies, a manobras, a tticas, a tcnicas,
a funcionamentos; que se desvende nele antes uma rede de rela-
es sempre tensas, sempre em atividades, que um privilgio que

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se pudesse deter; que lhe seja dado como modelo antes a batalha
perpetua que o contrato que faz uma cesso ou a conquista que se
apodera de um domnio. (2002, p.26)

com base nesse carter relacional que compreenderemos algumas


estruturas das relaes de gnero presentes nas sociedades, a partir de locais
historicamente constitudos, locais de produo de saber e poder.

O corpo til na estratgia de subverso do poder.

Trazemos um pequeno recorte da fala de uma de nossas colaboradoras.


Em seus registros de experincia de vida ela relatou sobre a sua condio de
atividade de trabalho atualmente. Como vermos em suas palavras, ela d uma
significativa importncia ao modo como se veste para desempenhar sua ativi-
dade de labor.
Ao fazermos a juno de nossas observaes e sua fala, percebemos que
a vestimenta determina uma prtica de relao de poder que esto naturaliza-
das nas relaes cotidianas. Durante as trs entrevistas realizadas ficaram claro
que diante de ns estava uma pessoa que se travestiu para, estrategicamente,
sobreviver no mundo do trabalho, fazendo de seu corpo algo til e dcil.
Ao perguntarmos como ela se percebe enquanto travesti, sua resposta nos
leva a pensar o que Foucault chama de estratgias de poder que se constituem
em espao micro, vejamos:
Entrevistador: Voc se v como trans? Como travesti?

Colaboradora3: - Eu me vejo sim. Como uma trans. Como uma,


olha s. A travesti ela se v tanto, at em determinado momento
eu posso me considerar at como uma travesti, mas eu acho que a
travesti se v tanto incomodada com essa personalidade de gnero
que ela quer mostrar pra sociedade que ela mulher. Por isso, ela
vive vinte quatro horas, vinte e quatro horas, vestida como mulher.
Porque ela acha que a sociedade no est vendo ela. E verdade.
Verdade, a sociedade fecha os olhos. J a pessoa que se sente como
trans, o jeito que a gente v, a pessoa no v. No importa se ele

3 A colaboradora hoje trabalha em uma escola do municpio como coordenadora pedaggica, mas
por muito tempo trabalhou nas ruas.

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est vestido do modo de trabalho, como eu estou vestido aqui pra


trabalhar, trabalhar em servio formal, no um servio que envolve
prostituio, um servio formal, concurso e tudo, mas ela se acha
uma mulher. Por que ser mulher, elas entendem, alguma das traves-
tis tambm entendem, ser mulher no est na roupa, no est em
voc sair vestido pela sociedade, vestido na rua, gritando eu sou
mulher. Est na mente, e a mente faz o corpo. Estou me sentindo
aqui uma mulher, fazendo uma avaliao, fazendo uma participa-
o em um projeto de graduao. Projeto que eu j passei por isso,
no pretendo parar, vou dar continuidade. Estou continuando, pre-
tendo fazer especializao. Sou especialista. E vou continuar. Mas
eu vou continuar desse meu jeito aqui. Eu me sinto uma mulher.

O destacado em sublinhado demonstra toda a sua concepo de travesti;


travesti aquela que se veste para ser vista como mulher. No caso dela, sua per-
cepo de mulher j superou a necessidade de visibilidade, assim se considera
uma mulher trans, pois se sente como mulher, independente de sua vestimenta.
Na objetivao de seu corpo ela se traveste em homem como estratgia de
sobrevivncia.
Essa estratgia constri um imaginrio em que o reconhecimento e res-
peito s de do pelo fato de que, em seu local de trabalho, o corpo aparece
travestido de masculino. Em seu jaleco o nome de nascimento vem estampado
no bolso superior esquerdo. Nome atribudo conformidade em relao ao seu
sexo atravessa sua identidade de gnero.
Para subjetivao de seu corpo em uma identidade de gnero da qual se
percebe, ela elabora todo um discurso de desconstruo da norma heterocom-
pulsria. Est na mente e a mente faz o corpo.

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A VALORIZAO DAS IDENTIDADES SEXUAIS EM SITUAES


DE CRCERE: ENTRE DESAFIOS E PROPOSTAS PEDAGGICAS

Viviane Conceio Antunes


Doutora em Letras Neolatinas - UFRRJ
rea de interesse: Variao Sinttica, cidadania
e africanidade no ensino de Espanhol
[email protected]

Pedro Giorgio de Souza Rodrigues


Licenciando em Letras Portugus/Espanhol
rea de interesse: Identidades sexuais e cidadania
[email protected]

GT 09 - Gnero, sexualidades e educao em sistemas de privao de liberdade

Resumo

No tocante relao entre sexualidade, gnero e educao em regime fechado,


ressaltamos que h trs lados bem marcados: o de aceitao/aproximao,
o de repdio e o de silenciamento. Baseando-nos nos estudos de WALSH
(2009), SORIANO AYALA (2002) e NELSON (2006), propomos: i) discutir as
possibilidades de compreenso e de mudanas com relao negociao das
identidades sexuais no entorno educativo prisional; e ii) com vistas a vislumbrar
sadas pedaggicas plausveis, analisar dois materiais audiovisuais: a entrevista
do professor Marcelo Souza - Suzy Brasil - que atua como professor no com-
plexo de Gericin em Bangu, Rio de Janeiro - e o Programa Profisso Reprter
tangente ao presdio Central de Porto Alegre. Concebemos que a integraliza-
o, a respeitabilidade e as estratgias de reintegrao dos que se encontram
em regime prisional precisam da interferncia sria da educao, num grande
movimento de ao e mudana.
Palavras chave: formao cidad; sexualidade; crcere.

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Primeiras palavras: identidades sexuais e entornos de


aprendizagem

Neste artigo, nos propomos a apresentar como o tema da orientao


sexual tratado nos documentos da educao brasileira, bem como as pro-
postas de atuao concernentes a seu mover em situaes de crcere. Estamos
atentos a uma perspectiva intercultural crtica, que se desvela num processo de
carter poltico, descolonizador e de mudana, baseada no fortalecimento da
representatividade, autonomia e auto-identificao dos agentes sociais.
La interculturalidad entendida crticamente an no existe, es algo por cons-
truir (WALSH, 2009:4) e essa construo no depende apenas da valorizao
das diferenas. Entendemos que dar aulas significa, sobretudo, interferir crtica
e positivamente no olhar dos estudantes sobre o mundo. Segundo ANTUNES
(2010), a promoo do ensino-aprendizagem j realiza esse processo, mas
a partir da inerncia da transversalidade na formao cidad, requerida nos
documentos educacionais brasileiros (PCN (1998); OCN (2006); DCN (2013)),
cabe-nos levar os sujeitos a repensarem verdades absolutas concernentes
sexualidade e suas diversas formas de opresso.
As DCN (2013:298), ao fazer meno educao no crcere, registram
que tanto o trabalho como as atividades educacionais no atendem grande
maioria dos apenados. Valendo-se de dados do Info/PenDEPEN/MJ (2009), des-
tacam que somente 9,68% dos internos (39.653) estudam. Segundo a Lei de
Execuo Penal Brasileira n 7.210/841, concernente Assistncia Educacional,
nos mostra os caminhos da educao dentro dos regimes de recluso e obriga-
es dos rgos competentes acerca das condies para que sejam ministradas
as aulas. A Resoluo n 03, de 11 de maro de 2009 e as Diretrizes Nacionais
para a Oferta de Educao nos estabelecimentos penais tambm reforam seus
direitos.
Entretanto, o sentimento de pertencimento precisa ser levado em con-
siderao nas tarefas reflexivas de histria, filosofia, sociologia e geografia;
na compreenso dos textos escritos e orais em portugus, espanhol, ingls;
nas situaes desveladas nos problemas de matemtica, fsica e qumica; no
desenvolver do olhar esttico nas artes plsticas e na literatura; no cuidado,

1 Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm. Acesso: jun. 2016.

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entendimento dos seres nas aulas de biologia e de educao fsica. Este sen-
timento deve ser vivenciado dentro e fora da sala de aula, dentro e fora do
ambiente prisional. A aculturao escolar um grande empecilho, uma vez que
apaga a diversidade e a diferena (KLEIMAN:1998, 269).
No estamos embandeirando um indito movimento de mudana, mas
procurando retirar as vendas da hipocrisia e do silncio de diversos setores
governamentais, muitas escolas e universidades que no do o devido destaque
s absurdas violncias cometidas dentro e fora de seu entorno, por conta da
questo sexual. As taxas continuaro acontecendo e aumentando enquanto no
se derem conta de sua responsabilidade diante do problema.

Para LOURO (1999), os indivduos no vivem em seus corpos naturalmente


da mesma maneira. A sexualidade, neste sentido, no se restringe ao corpo,
permeada por rituais, linguagens, representaes, convenes que a carac-
terizam. Em nossa concepo, a escola tem que preparar os estudantes para
aproximar-se dessa questo e compreend-la. Passos como esses configuram
uma formao de cidados responsveis capazes de atuar ativa e democrati-
camente numa sociedade de cunho multicultural (SORIANO AYALA, 2002:9)

2 Disponvel em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2016/06/cada-28-horas-um-homossexual-


-morre-de-forma-violenta-no-brasil.html.

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A negociao das identidades sexuais no entorno educativo


prisional

No tocante relao entre sexualidade, gnero e educao em regime


fechado, ressaltamos que h trs lados bem marcados: o de aceitao/aproxima-
o, o de repdio e o de silenciamento.Dos trs, consideramos o silenciamento
o mais complexo, pois pressupe a total anulao de pessoas, em seu sentido
mais amplo. No tocar no assunto, ou fazer que as pessoas o tomem como algo
j resolvido, esvazia a prpria essncia da discusso.
Para ampliarmos nosso tema, voltemos ao termo identidade. Para Fabrcio
e Lopes (2004:16), o conceito de identidade est pautado em prticas advin-
das de contextos sociais especficos, responsveis pela atribuio de sentidos e
articulao de consequncias que se estabilizaram, acomodaram e so dadas
como verdades absolutas. A relao entre a entrevista de J Soares ao profes-
sor de biologia Marcelo Souza (2011) e o programa Profisso Reprter sobre
o Presdio Central de Porto Alegre (2015) se d justamente por conta da refe-
rncia s lacunas supracitadas, da presena do debate sobre sexualidade e da
divergncia entre a normalidade e a transversal das escolhas sexuais. Trs
vises sobre o assunto sobressaem em sua anlise: as questes concernentes
dicotomia aceitao/aproximao, ao repdio e ao silenciamento. Quando
enfatizamos uma realidade, diferente da que estamos acostumados, nos gera
certa estranheza, mas esta no pode ser alheia nem superior a um olhar sem
distines, com igualdade de direitos, de cultura, verdade e visibilidade.
Diversos fatores nos levaram a uma anulao do diferente, empurrando o
que era considerado profano para margem da sociedade. Era fcil e importante
descartar o que no se podia explicar ou no se queria valorizar. A matriz colo-
nial de poder precisava ser resguardada (Walsh, 2012). E hoje? Vamos continuar
a mant-la?
Quem comete crime e este comprovado precisa cumprir pena, mas pre-
cisa, antes de tudo, ser tratado como cidado e ter direito defesa, como todos
deveriam ter. Quantas vezes perguntaram ao um gay ou lsbica agredida como
tudo comeou? Quantos so os casos se julgam como importantes e no viram
nmeros estatsticos? Os danos so irreparveis.

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Em todas essas idas e vindas de grupos sociais ditos minoritrios, surge,


junto luta feminista, um novo ideal ou um novo olhar para os movimentos;
emerge a Teoria Queer. Esta traz consigo o lado social e cidado dos no-
-heteros, com novas diretrizes no caminho da conquista por um espao, por
voz e reconhecimento de sua identidade, uma sociedade sem rtulos e sem
separaes. O que realmente nos importa nesse momento como se podem
conceber as identidades sexuais na educao (NELSON, 2006:216).

Gneros e diferenas nas carceragens brasileiras: materiais


audiovisuais em anlise

Comunidades carcerrias vivem uma realidade muito diferente do que


a lei descreve e do que se costuma relatar. A carceragem no Brasil sofre com
superlotaes, ocasionado muitas vezes por negligncia dos rgos respons-
veis pelo seu controle e operao. Seguindo esse mesmo caminho, cavilemos:
h preocupao com o indivduo, com a(s) identidade(s) de gnero de um
presidirio? As entidades LGBTs do lado de fora dos muros precisam lutar
incansavelmente: no desistem e buscam ser ouvidos por meio da mdia, como
ocorreu no Profisso Reprter gravado na penitenciria em Porto Alegre.
No Presdio Central de Porto Alegre, vemos que se delimitou quem tem
voz, quem pode ser reinserido, quem tem direitos ou mais privilgios dentro
do xadrez. Durante a reportagem, vemos diversas alas dentro da priso, trs
em especial destaco aqui neste trecho: LGBT, dos trabalhadores e da cozinha.
Nestas trs alas, vemos um dos grandes problemas de seleo dentro do crcere,

3 Rio - Imagens chocantes, nas quais a travesti Vernica Bolina aparece com o rosto desfigurado.
Disponvel em: http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-04-16/prisao-de-travesti-sera-inves-
tigada.html.

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na ala dos trabalhadores e na cozinha no vemos gays e travestis presidirios;


so isolados de funes, acomodaes mais confortveis e de instrumentaliza-
o para o futuro retorno sociedade.
Quando relacionamos a educao tcnica dentro das escolas prisionais,
observamos que os ndices no mudam, algo que tambm no visto no pro-
grama do IDDD (Instituto de Defesa ao Direito de Defesa4). No h transex e
ou representantes de grupos LGBTs nas palestras ministradas. Ocorre um apa-
gamento desses cidados, sua presena no se faz perceptvel e nem se fala
a respeito. Outra questo sria no que tange insero dos no-heteros na
comunidade prisional a falta de convvio dos familiares e dos agentes peniten-
cirios. Vivenciamos nas cadeias nacionais uma segregao vista aqui fora, o
isolamento em vez de aproximao.
Hoje, temos alguns presdios no Brasil que possuem alas LGBTs, um passo
no avano a integridade fsica destes prisioneiros. As travestis nas carceragens
servem de mulas ou recurso sexual de presidirios que no recebem visitas nti-
mas, triste realidade. O mais espantoso e que h, na grande maioria dos casos,
um silenciamento desses crimes contra a integridade fsica e mental do grupo
em destaque. Na educao, esta viso fica bem marcada como vemos na entre-
vista do professor Marcelo Souza, dada no Programa do J (2011).
Existe um distanciamento entre os internos e tambm entre educadores
e reclusos. A distoro do real, a inverso dos fatos e a brusca mudana da
realidade atravs dos novos acontecimentos, como o conhecimento da perso-
nagem Suzy Brasil, interpretada pelo docente, geram um distanciamento e a
represso direta ou indireta entre as partes em questo. Temos, ento, um fator
importante: a fora que o rtulo da sexualidade causa, o estranhamento e a
transformao dos sujeitos a partir do rtulo.
Marcelo Souza (2015) conta que alunos, ao descobrir sua personagem,
deixam de frequentar as aulas e pensam em afastar-se do ensino no Complexo
de Gericin, com o aumento da fama da Suzy. Olhamos agora, por outro ngulo,
a histria: temos um graduado que tem sua sexualidade oculta, silenciada no
ambiente de trabalho para que o mesmo possa ser exercido sem repdio e da
mesma maneira no trabalha o tema, pois pode ser visto como um incentiva-
dor para a causa. reprimido no somente pelos detentos, mas tambm pela

4 Dsponvel em: http://www.iddd.org.br/. Acesso: jun.2016.

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equipe educacional da instituio. Vemos que o silenciamento muito mais


doloroso e egosta. No d a oportunidade de ser discutida a questo afim de
que consideraes sejam postas em xeque. O repdio pode ser combatido com
mudanas de pensamentos, com viabilidade de novos caminhos pedaggicos
interculturais, pois visvel, tangvel. Mas... no podemos esmorecer. A denn-
cia o caminho.

A modo de concluso

A primeira mudana para uma educao verdadeiramente inclusiva e de


ampla discusso no haver maiores ou menores, certos ou errados, desiguais
(LINS e ESCOURA, 2016), o debate deve ser levado a outro patamar, patamar
esse de igualdade de direitos e de visibilidade, numa crtica de cunho intercul-
tural. Despertar o interesse pela ocupao das mentes, pela agentividade tica,
por debates, pela efetiva insero da educao no crcere nos ajudam a por em
pauta o tema deste trabalho nas salas de aulas.
preciso que a discusso travada aqui no se encerre, no seja silenciada.
Um olhar para as identidades sexuais num universo de educao carcer-
ria, atravs da interculturalidade crtica, imprescindvel. Faz-se necessria a
exposio das realidades, o acesso a leituras e a conhecimentos diversos que
demonstrem diferentes culturas provenientes dos guetos, dos grupos ditos mino-
rizados, e figure novas realidades.
Urge que a integralizao, a respeitabilidade e as estratgias de rein-
tegrao dos que se encontram em regime prisional sejam ancoradas nas
interferncias ticas e srias da educao. essencial a existncia de um grande
movimento de ao e mudana reais, principalmente em termos educacionais.
Nesse debate, devem inserir-se e dialogar o poder pblico, as especificidades
do sistema prisional e as demandas da sociedade como um todo.

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Em: SORIANO AYALA, Encarnacin. Interculturalidad: fundamentos, programas y
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A PREP E A MEDICALIZAO DOS CORPOS SOS

Denise Portinari
Doutora em Psicologia Clnica
Professora Adjunta Departamento de Artes e Design PUC-RIO.
[email protected]

Simone Wolfgang
Doutora em Design
Professora Adjunta Departamento de Design da UNICARIOCA
[email protected]

GT 21 - Polticas pblicas, processos educativos e subjetividades: reinvenes,


potencialidades e tenses na temtica da diversidade sexual

Resumo

Em julho de 2014, a Organizao Mundial da Sade recomendou a homens


homossexuais aderir a PrEP, profilaxia pr-exposio1 como forma de preven-
o ao HIV. A Prep o uso de uma medicao anti-HIV, por seronegativos com
fins preventivos. A maioria dos estudos PrEP se concentrara em populaes
LGBTT, sob o argumento de uma utilizao relativamente simples, aliada a
uma alta eficcia preventiva. Todavia, a ingesto dessa medicao no passa
inclume ao corpo humano, os possveis e severos efeitos colaterais so uma
realidade pouso estudada. Ainda assim, pesquisadores vm afirmando que eles,
seriam um um pequeno preo a pagar, tendo em conta a proteo contra o HIV
oferecida por essas molculas.
Alm dos aspectos relacionados com a sade das populaes listadas acima,
h tambm questes mais subjetivas por trs da recomendao anti-retrovi-
ral pela OMS, estamos diante de uma mudana de paradigma do advento da

1 Prep a utilizao da droga anti- HIV Truvada por seronegativos para fins preventivos

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preveno? Seria essa uma passagem das polticas de sexo seguro, calcada na
abstinncia, para um modo mais contemporneo de biopoltica, envolvendo a
medicalizao do corpo saudvel e prticas de controle biolgico e o controle
do comportamento sexual de populaes LGBTT?
Palavras-chave: Aids; homosexualidade; biopoltica; PrEP; homocultura.

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Introduo

Nosso trabalho, trata de uma nova modalidade de preveno ao HIV/


Aids, a profilaxia PrEP. Ela consiste em uma srie de estudos para avaliar se a
utilizao de uma plula que combina duas drogas anti-retrovirais, comerciali-
zadas sob o nome de Truvada, pode reduzir significativamente a propagao do
HIV entre pessoas soronegativas. Em suma, a PrEP o uso dirio de uma droga
antiHIV, o Truvada com o objetivo de prevenir infeces pelo vrus HIV.
No Brasil, o estudo realizado pelo Instituto Nacional de Doenas Infecciosas
Evandro Chagas Fundao Oswaldo Cruz .
O principal objetivo desse artigo, explorar as possibilidades e conse-
quncias da recomendao do uso de PrEP , atravs de uma breve anlise do
discurso da mdia , literatura e artigos cientficos sobre o assunto.
Para conduzir nossos argumentos sobre PrEP , vamos tentar entender as
razes que levaram ao surgimento e asceno deste mtodo de preveno
e colocar algumas perguntas sobre eventuais problemas da gesto da sade
pblica relacionados ao HIV/Aids, ligadas a popularizao dessa profilaxia .
A PrEP chamou a nossa ateno, quando em Julho de 2014, a Organizao
Mundial de Sade, lanou uma recomendao sugerindo a todos os homens
homossexuais e mulheres trans a usarem a profilaxia pr-exposio como uma
estratgia para prevenir o HIV.

A PrEP e o universo da preveno ao HIV

A PrEP surgiu em um universo de preveno ao HIV que por quase trs


dcadas foi povoado essencialmente por mensagens de sexo seguro. Se a pro-
filaxia se consolidar como poltica de sade pblica, ser necessrio desenvolver
novos conceitos tericos relacionados PrEP de forma a orientar a concepo
desse novo mecanismo de preveno, que ao contrrio das polticas de sexo
seguro, no se baseia no uso do preservativo, e sim no uso de uma droga.
Diante de uma possvel mudana terica to drastica, relativizar a PrEP
absolutamente necessrio. As prticas ligadas a profilaxia devem ser levantadas,
assim como um questionamento dos aspectos mais fracos da terapia, como,
os efeitos colaterais, escolha de populaes alvo e nidices de sucesso, por
exemplo.

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Do ponto de vista das cincias humanas e sociais, isso pode ser feito de
diferentes maneiras. Podemos comear, por exemplo, analizando os protocolos
de estudo e manuais para a implementao da PrEP e seus resultados. Outra
maneira de fazer isso recolher informaes das pesquisas que esto sendo
conduzidas, tanto com voluntrios, quanto com pesquisadores e, para poder
cruzar essas informaes com a literatura relacionada com a questo da sade
pblica, sociologia da sade e medicina social.

Estamos diante de uma real mudana no paradigma da


preveno ao HIV?

A recomendao da OMS foi amplamente divulgada pela mdia em dife-


rentes partes do mundo, marcando a entrada da PrEP no dispositivo central
de preveno ao HIV/Aids, proporcionando a promoo de uma mudana
paradigmatica drstica (marcada por um esquema de preveno, que estava
em operao desde a dcada de 1990) centrada quase exclusivamente em
mensagens de sexo seguro. No Brasil, a maioria das campanhas de preveno
abordam, essencialmente, a recomendao do uso do preservativo, portanto,
aps duas dcadas de sexo seguro, de repente, surgiu um novo recurso rela-
cionado preveno: as terapias medicamentosas.
Este movimento paradigmtico mostra como uma mudana no domnio
prtico da gesto de risco ligados ao vrus HIV com a utilizao de uma
molcula qumica para evitar a contaminao podendo assim, alterar drasti-
camente a cobertura terica de preveno. Outro ponto crucial para se pensar
esse movimento na forma de se conceber a preveno, o deslocamento para-
digmatico, que falava quase sempre do lugar das prticas de abstinncia e vai
aos poucos trazendo com a PrEP, um modelo de gesto de riscos, bio-poltica.
Pode-se pensar nas polticas de sexo seguro como uma representao das
prticas de abstinncia e/ou o controle direto do comportamento sexual atravs
da disciplina, quase sempre a partir de uma sentena obrigatria de uso do
preservativo masculino.
A adoo de PrEP seria, portanto, uma forma contempornea de ges-
to de sade, onde se destacam os mecanismos de segurana e de gesto de
riscos, baseados no biocontrole e na medicalizao individual. H tambm,
uma intensificao dos mecanismos de biopoltica na passagem do modelo de
sade das polticas de abstinncia para o controle comportamental/ social. Por

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enquanto, h um completo abandono do modelo preventivo anterior, o que


vemos hoje o incio de uma convivncia entre as duas estratgias; estratgias
de disciplina/ abstinncia e preveno medicamentosa do HIV com o uso de
drogas em populaes especficas. De acordo com Foucault, no interior das
formas disciplinares que surgem as formas de biopoltica. Em o O nascimento
de biopoltica Foucault disse:
Aqu tambm, por snal, basta ver o conjunto legislativo as obr-
gaces disciplinares que os mecanismos de segurana modernos
incluem, para ver que no h urna sucesso: le, depois disciplina,
depois seguranca, A seguranca urna certa maneira de acrescen-
tar, de fazer funcionar, alm dos mecanismos propriamente de
seguranca, as velhas estruturas da lei e da disciplina. Na ordem
do direito, portante, na ordem da medicina, e poderia multipli-
car os exemplos. ()Trata -se da emergencia de tecnologias de
seguranano interior seja de mecanismos que sao propriamente
mecanismos de controle social, dos mecanismos que tm por fun-
o modificar em algo o destino biolgico da espcie. (Foucault,
2004 pp14-15)

A recomendao da OMS sobre PrEP e seu uso como uma poltica de


sade pblica como um movimento de medicalizao, com base na adoo
de uma tecnologia de segurana como um meio de proteo e limitao de
riscos. Nesta operao, ha a garantia de um corpo aparentemente saudvel a
partir da ingesto de uma partcula qumica, o que pode trazer vantagens uma
segurana a mais e desvantagens (efeitos secundrios, toxicidade cumulativa,
etc).
De acordo com (LeBreton 2003 p65), em Adeus ao Corpo, esse movi-
mento de medicalizao do corpo, se trata de uma modulao qumica dos
comportamentos e dos afetos ou, no caso de PrEP, do erotismo que mani-
festam uma dvida fundamental com relao ao corpo que convm manter
nossa merc por meio da molcula apropriada.
Pode-se tambm pensar na PrEP como um mecanismo de controle
social, se mostrando como uma nova faceta dos dispositivos de preveno
que, se por um lado, trouxe algo de novo para um universo carente de possi-
bilidades, por outro, pode promover a reduo de caractersticas teraputicas
especficas relacionadas com a sexualidade humana e preveno a Aids.

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Neste contexto, o sistema educativo/preventivo ligado ao HIV/Aids, que


deveria promover a educao e o dilogo na busca de preveno e cuidados/
tratamento, est sendo reduzido a ingesto uma droga como medida profiltica
em detrimento da promoo do conhecimento dos detalhes da doena e da
melhora nos cuidados de sade e a conscincia com o cuidado de si. A pre-
veno vem passando da prescrio comportamental - use sempre camisinha
que no deixa de trazer consigo algum nvel de dilogo, para prescrio de
medicamentosa um comprimido por dia para prevenir a Aids, fazendo assim
a excluso de de toda uma dinmica subjetiva ligada ao HIV/Aids.

As razes da PrEP a doena inscrita no corpo so.

Precisamos refletir sobre as razes da recomendao da OMS estar


centrada em certas parcelas da populao LGBTT em detrimento de toda a
populao sexualmente ativa. O argumento oficial atravessa a economia os cus-
tos altos da PrEP, inviabilizando sua aplicao ampla, e a crena epidemiolgica
de que a incidncia de contagio pelo HIV maior em homens que fazem sexo
com homens, em detrimento do resto da populao.
No entanto, o relatrio anual do Departamento da Sade do Brasil (em
relao a Aids e Hepatites Virais) de 2013 mostra uma imagem diferente, entre
pessoas do sexo masculino, a transmisso heterossexual foi responsvel por
mais de 40% das contaminaes, enquanto as contaminaes relacionada a
relacionamentos homossexuais e bissexuais se reporta a pouco mais de 30%
dos casos registrados.
A preparao de uma estratgia preventiva enraizada na PrEP deve ser
analisada com cuidado de forma a no incentivar a estigmatizao ligada ao
HIV/Aids, que atualmente um dos principais fatores problemticos para a pre-
veno. A segmentao dos protocolos PrEP pode nutrir a convico de que
apenas as populaes LGBTT esto susceptveis a infeco pelo HIV.
Pode-se dizer que existem duas grandes opinies sobre a utilizao da
PrEP. Por um lado esto as organizaes que apoiam a recomendao da OMS,
apoiada por mdicos e pesquisadores da profilaxia, as empresas farmacuticas
que patrocinam e apoiam este tipo de estudo fornecendo drogas. Nesses casos,
as razes para apoiar a PrEP, so semelhantes s descritas pela OMS como a
sensibilidade e a vulnerabilidade de grupos socialmente marginalizados, alm

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da falta de apoio para uma preveno eficaz, sendo ento a PrEP uma maneira
simples de se evitar novas contaminaes com apenas um comprimido por dia.
A OMS justifica a recomendao afirmando que a PrEP uma maneira
rpida e segura para melhorar os servios de sade na preveno do HIV / SIDA
entre os grupos vulnerveis, como profissionais do sexo, homens homossexuais
e mulheres transexuais. A agncia afirma que essas pessoas tm uma tradio
histrica de ausncia de servios de sade especializados na preveno.
A recomendao da OMS tambm se apoia nos resultados dos vrios
estudos de PrEP realizados desde 2006 por diferentes instituies governamen-
tais em parceria com as empresas farmacuticas e fundaes que conduzem
estudos tradicionalmente relacionadas com a sade. Alguns desses estudos
mostram uma alta taxa de sucesso entre 80 e 90%, muito embora as primeiras
contaminaes entre pessoas que estavam em uso da PrEP comearam a surgir
em 2015 e 2016 em artigos da mdia. Registrada primeira infeco de HIV por
usurio de PrEP (Caparica, 2016).
Do outro lado esto aqueles que no apoiam a iniciativa ou a apoiam
com reservas, tais como organizaes no governamentais, coletivos LGBTT
e grupos de defesa dos direitos humanos , que questionam a validade dessa
medida como um mecanismo preventivo legtimo.
As reivindicaes desses grupos so diversas, e vo desde as questes de
segurana relacionadas com a medicao, at os aspectos subjetivos ligados a
uma preveno que se foca quase que exclusivamente em populaes minori-
trias. Sabe-se que efeitos colaterais graves podem ser uma realidade no uso do
Truvada, e que, por hora, ainda no houve tempo para testar possveis danos
a longo prazo, ou, ainda se a exposio prolongada de indivduos saudveis a
uma droga vlida, uma vez que essa exposio ao vrus pode no acontecer.
Algumas pessoas esto mais vulnerveis do que outras e escolher quem deve
correr o risco de sofrer os efeitos colaterais de PrEP deve ser feito de forma per-
sonalizada e no randomica.
Deve-se questionar se a PrEP de fato uma forma rpida e segura de
melhorar os servios de sade na preveno do HIV/Aids entre os grupos vul-
nerveis como apontado pela OMS, e se no se trata simplesmente de reforar
algumas questes problemticas que esto diretamente ligadas a epidemia de
HIV tais como a estigmatizao de parcelas LGBTT, reforando a noo de
grupos de risco e a crena de que a Aids uma doena limitadas a certos seg-
mentos da populao.

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Concluso

A recomendao da PrEP para determinados gruposalvo pode ter um


enorme impacto na forma como as pessoas percebem a Aids. Aprovar e divul-
gar sem distino um mtodo de preveno que tem como principal alvo as
populaes LGBTT, pode perpetuar a ideia de que os homens gays so o prin-
cipal vetor da doena. A desconstruo deste tipo de estigma absolutamente
necessrio para educar a populao em geral sobre o HIV/Aids e torn-la cons-
ciente de que qualquer um pode ser suscetvel infeco pelo virus.

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Referncias

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CAPARICA, M. Registrada primeira infeco de HIV por usurio de PrEP em http://


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LeBRETON, D. Ladieu au corps, France, Metailie, 2013.

OMS, Recommandations sur la PrEP en 2014. OMS Media Center 2014.

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A VISO DE MUNDO E A DIVISO SEXUAL DO


TRABALHO DAS PRODUTORAS RURAIS PARTICIPANTES DA
MARCHA DAS MARGARIDAS DO MUNICPIO
DE PORTEIRINHA - MG1

Soraia M. Guimares
Mestranda em Educao Tecnolgica - Bolsista CEFET
[email protected]

Raquel Quirino
Ps-Doutora em Educao.
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG.
[email protected]

Resumo

O presente artigo apresenta um breve histrico acerca do movimento, suas


reivindicaes e conquistas, entre outros aspectos, a fim de evidenciar a sua
importncia na constituio das mulheres como sujeitos histricos e sociais,
discutir as contribuies do movimento social denominado Marcha das
Margaridas na vida das produtoras do meio rural. O estudo busca discutir as
alteraes na constituio de viso de mundo e na prtica social dessas mulhe-
res participantes da marcha. Escolheu-se como unidade de pesquisa o meio
rural da cidade de Porteirinha, situada no norte de Minas Gerais. Os resultados
evidenciam que a inserono movimento social Marcha das Margaridas, tem
levado a alteraes substanciais na realidade prtica e simblica dessas produ-
toras rurais.
Palavras chave: Marcha das Margaridas. Movimento Social Rural. Mulher do
Campo. Lavradoras. Relaes de Gnero no meio rural.

1 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG


PROPESQ e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG.

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Introduo

O presente artigo aborda as relaes de gnero e a diviso sexual do


trabalho no meio rural em interlocuo com movimento social rural feminino
denominado Marcha das Margaridas, no municpio de Porteirinha, Estado de
Minas Gerais. Identifica e analisa, em seus limites, as contribuies do movi-
mento na constituio da viso de mundo de mulheres lavradoras participantes
da marcha.
No meio rural a realidade scia histrica das mulheres marcada pela
excluso social, haja vista que nesse contexto destacam-se, historicamente, a
dominao masculina, revelada pela disparidade econmica, poltica e social,
na qual a mulher tem direitos muito aqum dos homens. Nesse contexto des-
tacam-se as lutas e movimentos sociais em defesa dos direitos da trabalhadora
do campo, tais como a Marcha das Margaridas, que segundo Fernandes (2012,
p.31), surgiu da grande necessidade que as mulheres trabalhadoras rurais do
campo e da floresta tm pela igualdade de gnero.
A Marcha acontece bienalmente como movimento social de base femi-
nista e rural, contribui para a quebra de paradigmas enraizados na sociedade e
altera a forma de pensar, a viso de mundo e propicia conquistas substanciais
para as mulheres do campo.

A Diviso sexual do trabalho no meio rural

Nas sociedades pr-histricas j havia um padro de organizao social


baseado na repartio distinta de tarefas entre homens e mulheres. Para Hritier
(1997, p.24), tal diviso [...] nasce de limitaes objetivas e no de predispo-
sies psicolgicas de um ou outro sexo para tarefas que desse modo lhe so
atribudas e apresenta-se como duas esferas de trabalho distintas: uma esfera
masculina externa ao meio domstico e uma esfera feminina limitada ao meio
privado.
Segundo Quirino (2011, p. 43),
[...] evidencia-se, ainda que no de forma declarada, certo determi-
nismo biolgico, pelo qual se deduziria que as mulheres no trabalho
so inferiores por natureza e que a sua submisso na sociedade tem
uma base concreta na sua conformao biolgica. Portanto, difcil
ou mesmo impossvel de ser suplantada.

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Tambm Engels (1977, p. 70-71) afirma que, [...] a primeira diviso do tra-
balho a que se fez entre o homem e a mulher para a procriao dos filhos e
j ressalta a opresso de classes e de sexos. Porm, Quirino (2011, p. 44) refora
que a questo da opresso da mulher deixa de ser do domnio da biologia e
inserida no domnio da histria, da cultura, tornando possvel assim vislumbrar
a sua superao por meio da ao poltica, pois se no algo natural, pode ser
superada.
Para Hirata e Krgoat (2001, p. 599), as atividades realizadas pelas mulhe-
res no espao privado so consideradas como trabalho de pouca importncia e
sem relevncia econmica, vistas como ajuda e, assim, a atividade de trabalho
produtivo algo que no lhe cabe.
Tambm no meio rural evidencia-se a diviso sexual do trabalho, pois,
desde muito cedo os meninos e as meninas aprendem determinadas funes
especficas (SCHWENDLLER, 2002, p. 2).
Atestam Salvaro (2004) e Melo (2001) que nos assentamentos destaca-se
a dupla e/ou tripla jornada de trabalho da mulher assentada. Nesse contexto, a
mulher trabalha o dia todo e no fim da tarde retorna ao seu lar com afazeres da
casa e os cuidados das crianas. Isto quando no est inserida nos movimentos
sociais, que por sua vez, leva a mulher a uma tripla jornada de trabalho.
Segundo Abramovay (2000, p. 348), nessa diviso de trabalho a mulher
responsvel pela reproduo social do seu grupo familiar, tanto no trabalho
domstico, quanto na fora de trabalho produtivo. No entanto, no obstante h
uma relevncia na produo agrcola, seu trabalho ainda permanece invisvel
(ABRAMOVAY, 2000:349).
Entretanto, diante do avano cientfico e tecnolgico que tem facilitado o
acesso informao e aos movimentos sociais rurais, sobretudo os que lutam
pelos direitos femininos, a viso de mundo das mulheres lavradoras, vm se
alterando ao longo do tempo, fato que foi contatado na presente pesquisa.

A Marcha das Margaridas

A produtora Rural Margarida Alves destacou-se na luta pelos direitos


das mulheres do campo nas dcadas de 1970-1980. Nasceu em 05 de Janeiro
de 1933, em Alagoas Grande, Estado de Pernambuco. Era sindicalizada e foi
eleita como presidente do Sindicato Rural em 1973. Em 12 de Agosto de 1983,
Margarida foi assinada e, tal fato, comoveu produtores rurais e a opinio pblica

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de todo o pas. A partir de ento, Margarida Alves tornou-se o smbolo de luta


das mulheres rurais.
Realizada pela Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CONTAG, Federaes e Sindicatos, a Marcha da Margaridas se firmou na
agenda do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
MSTTR. Realizada a partir do ano 2000 se consolidou na luta contra a fome,
a pobreza e a violncia sexista no campo apresentando uma pauta de reivin-
dicaes para negociao contando com milhares de mulheres participantes
(CONTAG, 2015).
O movimento apresenta a partir de uma perspectiva feminista uma crtica
ao modelo de desenvolvimento hegemnico. Contribuindo para a democrati-
zao das relaes sociais no MSTTR e nos demais espaos polticos visando a
superao das desigualdades.

Conquistas da Marcha das Margaridas

No decorrer das cinco manifestaes da Marcha das Margaridas realizadas


no Brasil, as trabalhadoras rurais conseguiram algumas conquistas no campo de
disputa da sociedade2. Para garantir o acesso terra e sua documentao, dar
apoio s mulheres assentadas e produo da agricultura familiar, foi criado o
Programa Nacional de Documentao da Trabalhadora Rural PNDTR (com
unidades mveis em todos os estados), por meio do qual foram atendidas mais
de um milho de mulheres.
Dentre as maiores conquistas das mulheres por meio da Marcha das
Margaridas destacam-se:
Titulao Conjunta Obrigatria da Terra Edio da Portaria 981 de 2
de outubro de 2003. Em decorrncia, hoje, mais de 70% dos ttulos de
terra emitidos tm a mulher como primeiro titular;
A criao e funcionamento do Frum Nacional e Estadual de Elaborao
de Polticas para o enfrentamento Violncia contra as Mulheres do
Campo e da Floresta e a elaborao e insero de diretrizes na Poltica
Nacional de Enfrentamento Violncia contra as mulheres voltadas
para o atendimento das mulheres rurais.

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Viso de mundo das mulheres participantes da Marcha das


Margaridas

A quinta Marcha das Margaridas foi realizada no ms de agosto de 2015,


saindo da cidade de Porteirinha, situada na regio norte do Estado de Minas
Gerais, rumo Braslia. Aproximadamente 40 mulheres seguiram de nibus
fretado pelo sindicato e viajaram cerca de 810 quilmetros at chegar a capital
federal para mostrar sua fora e determinao na luta pelos seus direitos sociais
e para se constiturem como sujeitos protagonistas da prpria histria.
As afirmaes de Ambramovay (2000, p. 351) evidenciam os limites
atribudos s mulheres, sobretudo em relao ao acesso terra, ao crdito,
assistncia tcnica, capacitao profissional e a outros direitos civis e sociais.
Tais questes so corroboradas por duas entrevistadas: Maria de Lourdes, uma
pequena produtora rural de 52 anos, casada e me de 03 filhos, que desde o
incio participa da Marcha das Margaridas e Maria Socorro, 46 anos, casada,
me de 03 filhos e h 05 anos participa do movimento. As entrevistadas relatam
o quanto participar da Marcha contribuiu para sua mudana de vida e d pistas
das profundas alteraes ocorridas em suas vises de mundo. Os desabafos
visivelmente crticos e politizados revelam mulheres conscientes de seus direi-
tos, atentas a uma agricultura sustentvel:
Eu digo que j melhorou muito, sabe? Principalmente a luta das
mulheres j melhorou muito a situao. Tem os emprstimos,
acesso ao crdito... deu uma melhorada, mas ainda falta muita
coisa. (Maria de Lourdes. Produtora Rural - Coordenadora do
Coletivo de Mulheres do Norte de Minas Gerais).
Nesses espaos ajuda a despertar quanto aos nossos direitos e ajuda
tambm nos nossos deveres, isso graas ao nosso coletivo e nossas
Marchas e a ns conseguimos diferenciar uma coisa da outra. O
direito de ser cidado, o direito de ir i vir e o direito das polticas
pblicas que antes a gente no conhecia e hoje a gente tem mais
conhecimento. Temos que melhorar muito, ainda desejamos muito
mais, isso melhorou muito depois de nossa participao. (Maria do
Socorro. Produtora Rural).

J o discurso de Maria Jos, 45 anos, casada, com filhos, revela que hoje
se sente empoderada para bater de frente com quer que seja que coloque
em risco seus direitos:

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Ah... Pra mim mudou muitas coisas! Tive um conhecimento muito


aproveitativo. Muitas vezes a gente no conhecia e no sabia dos
direitos que a gente tinha. s vezes, a gente ficava calada diante
das situaes, a gente no tinha como responder. Hoje, a gente tem
um conhecimento e pode bater de frente com a situao. (Maria
Jos, produtora rural).

Nos discursos apresentados, evidencia-se que a vivncia no movimento e


os conhecimentos advindos dessa experincia tm levado as mulheres partici-
pantes da Marcha das Margaridas a mudarem sua prtica social, posicionando-se
mais criticamente diante da realidade que as cercam. Isso se deve s ampliaes
realizadas em suas vises de mundo diante da constatao das inmeras possi-
bilidades que o mundo oferece alm dos muros de suas casas.

Consideraes finais

Nesse artigo evidenciam nos estudos tericos que a as relaes de gnero


e a diviso sexual do trabalho so construtos simblicos, culturais e materiais
que permanecem ao longo do tempo e trazem em seu bojo a dominao mas-
culina e a desvalorizao do trabalho da mulher.
Entretanto, os discursos das entrevistadas, mulheres lavradoras, subsumi-
das nas relaes de trabalho, revelam em seu labor dirio um trabalho duplicado
ao cuidar da casa, do marido e, quase sempre, de inmeros filhos, alm de tra-
balharem no servio pesado da lavoura. Relegadas a apndices dos maridos,
pais e filhos, essas mulheres so oprimidas por sua condio feminina e explo-
radas economicamente, seus direitos sobre a terra, capacitao profissional,
e outros, so negados, perpetuando as relaes conflituosas entre homens e
mulheres na sociedade.
Todavia, as lutas dos movimentos sociais, sobretudo a Marcha das
Margaridas tm oferecido a essas mulheres oportunidades de aprendizado e
de socializao, promovendo alteraes definitivas na conscincia coletiva e
em suas vises de mundo.

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Referncias

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Nacional de Trabalhadores Rurais (CONTAG). In: ROCHA, Maria Isabel Baltar (Org.)
Trabalho de Gnero: mudanas, persistncias e desafios. So Paulo: Editora 34, 2000.
p. 347- 375.

COMISSO NACIONAL DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS- CNMTR.


Revista da Marcha das Margaridas 2007. CONTAG, Maro de 2008.

ENGELS, Friedrich. A Origem da Famlia, da Propriedade Privada e do Estado. Trad.


Leandro Konder. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1977.

FAZENDA, Ivani, Metodologia da Pesquisa Educacional/Ivani Fazenda (org.) In:


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Disponvel em: <www.cdn.ueg.br> Acesso em: 06 Abril 2015.

HRITIER, Franoise. Masculin/Fminin: la pense de la diffrence. Paris: Ed. Odile


Jacob, 1997.

<https://www.contag.org.br/index.php?modulo=portal&acao=interna&codpa-
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<http://www.fetaesc.org.br/index.php/marcha-das-margaridas/> Acesso em: 25 Abr.


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KRGOAT, Danile. Novas Configuraes da diviso Sexual do Trabalho, In: Caderno


de Pesquisa, v. 37, n. 132, p. 595, set. dez.2007.

HIRATA, Helena. Nova Diviso Sexual do Trabalho: Um Olhar Voltado para Empresa
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In: Revista Pegada Eletrnica. V.2, n 2, outubro, 2001.

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Contrapartes Novib / SOS CORPO Gnero e Cidadania, 2002.

QUIRINO, Raquel. Minerao tambm lugar de mulher! Desvendando a (nova?!)


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SCHWENDLER, S.F. A construo do feminino na luta pela terra e na recriao


social do assentamento. Disponvel em: <http://www.landless-voices.org>, University
of Nottingham: Inglaterra, 2002. Acesso em: 27 Mai. 2015.

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EQUIDADE DE GNERO NO MUNDO DO


TRABALHO DA ENGENHARIA1

Rodrigo Salera Mesquita


Mestrando em Educao Tecnolgica Bolsista CEFET.
[email protected]

Raquel Quirino
Ps-Doutora em Educao.
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG
[email protected]

Resumo

Abordam-se nesse artigo discusses tericas e indicadores sociais que denotam


a crescente participao das mulheres nos processos de escolarizao e no
mundo do trabalho em reas historicamente pouco usuais atuao feminina,
tais como as engenharias. Destacam-se as relaes de gnero no programa de
mobilidade estudantil internacional Cincias sem Fronteiras, tendo como locus
de pesquisa o Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais, desta-
cando suas contribuies para a insero social e profissional das mulheres no
mundo do trabalho da engenharia.
Palavras chave: Mulher na engenharia. Relaes de gnero; Cincia Sem
Fronteiras.

1 Pesquisa realizada com recursos da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais
FAPEMIG.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1307 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Introduo

Discute-se questes relacionadas s relaes e equidade de gneros


nos espaos educacionais e no mundo do trabalho, a participao feminina
nos espaos pblicos, sua crescente escolarizao e a conquista de uma rea
de atuao pouco usual ao pblico feminino: a engenharia em dilogo com
o Programa Cincia Sem Fronteiras, criado pelo Governo Federal em 2011.
Evidencia-se como as relaes de gnero no Programa esto ocorrendo, tendo
como unidade de pesquisa o Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas
Gerais - CEFET-MG e questiona at que ponto a participao em tal programa
de mobilidade internacional contribui para a insero e as atividades profissio-
nais das mulheres no mundo do trabalho da engenharia.
Estudos empreendidos por Quirino (2011), sobre a atuao de mulheres
no segmento de minerao; Resende (2012) sobre o trabalho feminino na cons-
truo civil; Lombardi (2004) sobre a atuao feminina nas reas de engenharia
evidenciam um avano das pesquisas acadmicas sobre as relaes de gnero
em reas tradicionalmente masculinas. Porm, a problematizao de algu-
mas reas pouco usuais, historicamente, atuao feminina ainda de suma
importncia.

Participao feminina no mercado de trabalho das engenharias

Evidencia-se no Brasil uma mudana no perfil das trabalhadoras nas lti-


mas dcadas com o aumento da escolaridade. Dados do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP) demonstram que entre
os anos de 2010 e 2014, as mulheres j representam a maior frao entre os
estudantes matriculados nas universidades brasileiras. Em 2010, elas represen-
tavam 56,3% do total de matrculas e 62,4% do total de graduados no ensino
universitrio. O percentual mdio de ingresso de mulheres at 2013 foi de 55%
do total em cursos de graduao presenciais. Se o recorte for feito por con-
cluintes, o ndice sobe para 60%. Desse total aproximado de 7,2 milhes de
matrculas, 3,9 milhes foram de mulheres, contra 3,2 milhes do sexo oposto
(Brasil, 2013).
Porm, Melo, Lastres e Marques (2004) ao traarem um quadro da inser-
o das mulheres no sistema cientfico, tecnolgico e de inovao no Brasil,
evidenciam que a participao feminina na produo do conhecimento e no

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ensino, relacionados ao campo da tecnologia e da inovao, ainda est aqum


da presena feminina na Universidade. H um crescente nmero de mulheres
profissionais engajadas em atividades cientficas e este contingente de pesquisa-
dores avana na direo da maior qualificao profissional embora, por razes
histricas, permanea menor a presena feminina em reas tradicionalmente
ocupadas por homens, especialmente nos setores das engenharias e na pes-
quisa tecnolgica aplicada.
Entre as profisses menos procuradas pelas mulheres esto aquelas das
reas da engenharia. No Brasil, at 2002, por exemplo, apenas 14% dos empre-
gos formais nessa rea eram ocupados por mulheres, ao passo que nas reas de
sade, tais como odontologia, 51% eram ocupados por elas. (OLINTO, 2009).
Evidencia-se, assim, nessa polaridade de escolhas das mulheres por determi-
nadas reas em detrimento de outras, denominado de fenmeno do labirinto
de cristal, que por sua vez, contribui para o fenmeno do teto de vidro, que
se refere sub-representao das mulheres em postos de prestgio e poder,
mesmo nas carreiras consideradas femininas.
Em 2004, as ocupaes da engenharia no Brasil somavam 147.231,
tendo variado 39,6% no perodo entre 2004 e 2009, alcanando
205.604 em 2009. (BRASIL, 2004, 2009). As vagas no mercado for-
mal de trabalho ocupadas por mulheres representavam 14,6%. Essa
participao evoluiu para, em 2009, 17,8% das ocupaes totais da
engenharia 3,2% pontos percentual maior que em 2004. Esses
indicativos sinalizam um processo de feminizao no mercado da
engenharia em nvel nacional.

Segundo os dados da RAIS, em 2009, havia 41.207.546 ocupaes no


mercado formal de trabalho no Brasil. Desses, 205.604 so ocupaes da enge-
nharia, representando 0,5% do total de vnculos formais no Brasil. As ocupaes
da engenharia concentram-se na Regio Sudeste, representando 62,4% do total
no Brasil.
Tradicionalmente a engenharia uma profisso masculina, segundo
demonstram os dados da RAIS no perodo 2004-2009, entretanto,
possvel notar um crescimento contnuo da participao das
mulheres nas ocupaes da engenharia. No Brasil, a participao
das mulheres evoluiu de 14,4% em 2004 para 16,2% em 2009; 1,8
pontos percentual maior, conforme RAIS 2004-2009.

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No perodo pesquisado o aumento das matrculas femininas nos cursos de


engenharia foi de 84%, em comparao ao masculino. Esses nmeros permitem
inferir que est havendo um movimento em que a engenharia est lentamente
sendo includa nas escolhas profissionais das mulheres.
Um exemplo que indica a incluso da engenharia no rol de possibilidades
profissionais das mulheres vem da Escola Politcnica da USP. No espao de
quarenta anos, entre 1950 e 1980 formaram-se 536 engenheiras e somente na
dcada de 1990, formaram-se 764. Ou seja, em dez anos, formaram-se 30% a
mais engenheiras que nas quatro dcadas anteriores (FACCIOTTI, 2004).

O Rograma Cincia Sem Fronteiras no CEFET-MG

Com o objetivo de apresentar uma resposta s demandas sociais pela


busca do desenvolvimento tecnolgico e de fomentar uma melhor qualificao
de sua fora de trabalho nas reas cientficas tecnolgicas, em meados do ano
2011, o Governo Federal criou o Programa Cincias sem Fronteiras (CsF).
O Programa propunha promover, consolidar, expandir e internacionali-
zar a CT&I no Brasil, com aes de formao de recursos humanos em CT&I
apostando na internacionalizao da educao, por meio da mobilidade de
estudantes ao exterior, para a troca recproca de conhecimentos. O Programa
CsF previa a oferta de 101 mil bolsas em quatro anos, para o intercmbio de
estudantes, desde a graduao at o ps-doutorado, e estgios em universida-
des e empresas de diversos pases.
O CsF priorizou aes nas reas consideradas estratgicas para o desenvol-
vimento tecnolgico e industrial do pas, que abrange as engenharias e demais
reas tecnolgicas.
Em 2012 o CEFET-MG foi credenciado no Programa Cincia sem
Fronteiras e at o segundo semestre de 2014 enviou cerca de 700 aluno/as para
a mobilidade estudantil internacional. Dentre os pases escolhidos pelos alunos
destacam-se, por ordem de prioridade, os Estados Unidos, seguidos pelo Reino
Unido, Alemanha e Canad.
Confirmando as estatsticas oficiais da predominncia masculina nas reas
tecnolgicas, dos quase 700 alunos/as enviados pelo CEFET-MG, para a mobili-
dade estudantil pelo CsF, 63% so do sexo masculino e 37% do sexo feminino.
Todavia, esse percentual feminino participante do CsF considervel, quando
comparado ao nmero de mulheres matriculadas nos curso de engenharia.

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Podemos assim, inferem que existe um grande interesse das mulheres pela qua-
lificao internacional oferecida pelo CsF.
Sobre as dificuldades, discriminaes e preconceitos pela sua condio
feminina, os relatos de algumas das egressas do Programa so animadores:
No sofri nenhum preconceito quando participei do processo sele-
tivo, tampouco quando fazia o curso no exterior. Pelo contrrio, os
alemes so muito receptivos e incentivam muito a gente. (Aluna
do curso de Engenharia de Materiais, na Alemanha).

Apesar de me sentir um pouco um peixe fora dgua numa sala


em que s havia duas mulheres, fui bem tratada l fora. Tive certo
medo, o que normal em uma situao nova, mas foi tudo muito
legal. (Aluna do curso de Engenharia Mecnica, na Inglaterra).

Sobre o aprendizado advindo da experincia, as alunas entrevistadas tam-


bm focam no desenvolvimento de competncias comportamentais, tais como
autonomia, autoconfiana e ainda nas questes tursticas, culturais e aprendi-
zado do idioma.
O maior aprendizado foi pessoal. Aprendi a ser mais independente,
resolver meus problemas, ser mais paciente, j que para me fazer
ser entendida precisava ser por meus sentimentos em outra lngua,
o que exigia muita calma. Tambm aprendi a ter mais pontualidade,
disciplina e foco. So atos que com qualquer alemo voc aprende.
So muito determinados e focados, hora de trabalho trabalho,
pausa pausa (no continuam falando de trabalho) e horrio, sem-
pre chegar no horrio. (Aluna do curso de Engenharia de Materiais,
na Alemanha).

Os depoimentos coletados podem inferir que as relaes de gnero esto


sendo bem dirimidas no mbito do CsF. Porm, aes que incentivem mais
mulheres a se interessarem pelos cursos das reas tecnolgicas ainda preci-
sam ser viabilizadas, tanto em nvel de polticas pblicas quanto na prpria
instituio.
Em um trecho de uma entrevistada, realizada em novembro de 2015 com
uma jovem Engenheira Mecnica, graduada em 2014, que atua como coorde-
nadora de suprimentos e equipamentos numa indstria pode-se perceber que
seguir na carreira da engenharia um desafio ainda maior para as mulheres:

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No tive apoio nenhum de meus familiares para a escolha da enge-


nharia. Quando perguntei meu pai o que ele achava de eu fazer
engenharia civil ele disse, timo, voc vai ser uma boa pedreira.
Na viso dele eu no tinha nada que me meter com essa profisso.
Era coisa de homem. Eu tinha que buscar algo mais feminino.

Tambm, para avaliar a eficcia do objetivo do programa de possibili-


tar uma formao com qualidade de uma fora de trabalho tcnico-cientfica
altamente especializada, voltados para o aprendizado de novas tecnologias e
inovao ser necessrio um aprofundamento nas metodologias adotadas por
parte das instituies responsveis.

Consideraes finais

Foram evidenciados as dificuldades, os desafios, os avanos e oportu-


nidades experimentados por essas estudantes que, no obstante a lgica da
excluso feminina das reas tcnicas e tecnolgicas vem desafiando a cultura
patriarcal e traando um novo perfil mais feminino da Cincia e Tecnologia no
Brasil. No entanto, observa-se que as fronteiras da desigualdade de gneros na
rea de CT&I esto se deslocando, mas ainda esto longe de serem rompidas.
inegavelmente que a educao importante para o desenvolvimento econ-
mico e social do mundo moderno e tem sido apontada como uma das questes
que podem possibilitar a reduo das disparidades sociais e econmicas de um
pas ou regio.
Pesquisas indicam que, no Brasil, cresce cada vez mais a participao
feminina nas atividades da Cincia, Tecnologia e Inovao (CT&I) e nas enge-
nharias. Infere-se, tambm, que polticas pblicas, por exemplo, o CsF, que vm
sendo desenvolvidas no Brasil nos ltimos anos esteja facilitando o acesso da
mulher Educao Profissional, ao Ensino Superior e a insero nas reas de
C&T. Porm, a diviso sexual do trabalho no algo novo, o que tem mudando
so as faces dessa diviso em determinados segmentos nos quais predomi-
nam a fora de trabalho masculina ou feminina (QUIRINO, 2011).
A superao das diferenas entre homens e mulheres na educao, no
trabalho em geral, e na rea de engenharia, em particular, requer o incentivo a
estudos que possam focalizar os diversos aspectos da diviso sexual do trabalho
que se estabelece na mais tenra idade na definio de tarefas domsticas at
as diferenas que se determinam ao longo da experincia escolar e ocupacional,

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incluindo as posies ocupadas nas mais altas hierarquias profissionais, assim


como na busca pela igualdade e equidade de gneros.
A maior participao feminina nas engenharias pode implicar em transfor-
maes sociais e econmicas com impactos favorveis para toda a sociedade,
por representar um maior contingente de fora de trabalho disponvel e pela
crescente escolarizao evidenciada nesse grupo social.
Se de fato o Brasil pretende desenvolver-se economicamente, de forma
sustentvel, necessrio um investimento massivo em setores como educao
e C&T. Alm disso, torna-se fundamental estimular que metade da fora de tra-
balho economicamente ativa participe desses setores estratgicos para o pas.
Aps o exposto, podemos inferir que, no Brasil, atuar na rea de engenha-
ria um desafio, principalmente para as mulheres. Sendo, ento, a engenharia
uma rea tradicionalmente masculina e que enfrenta tantos desafios, o que leva
uma mulher a escolher essa profisso? Certamente, uma questo de difcil
resposta, que demanda mais estudos para ser compreendida no tocante s
subjetividades e objetividades que encerram os processos de escolarizao e
escolhas profissionais desse grupo social especfico. Espera-se que as infor-
maes e reflexes contidas no presente artigo possam fomentar o debate e
incentivar novas pesquisas na temtica.

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MULHERES PIONEIRAS NA TECNOLOGIA DA INFORMAO1

Daniela Teixeira Rezende


Mestranda em Educao Tecnolgica
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
[email protected]

Raquel Quirino
Ps-Doutora em Educao
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG
Departamento de Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
[email protected]

GT 16 - Relaes de gnero, diversidade sexual, trabalho, tecnologia e educao


profissional: interlocues, dilogos e desafios contemporneos.

Resumo

O tema abordado traz um resgate histrico acerca da participao e atuao


das mulheres na rea de Tecnologia da Informao (TI), importante mos-
trar que as mulheres tiveram papel imprescindvel no desenvolvimento da rea
deInformtica. O objetivo deste artigo fornecer modelos femininos na rea
de TI, apresentando mulheres pioneiras que tiveram importante participao no
desenvolvimento da computao. parte integrante de um projeto de pesquisa2
que busca identificar como se d a formao e a qualificao profissional em

1 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG


PROPESQ e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG

2 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG


PROPESQ e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG

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TI; as principais reas de atuao desse profissional e discute a presena femi-


nina nesse mercado de trabalho. Espera-se contribuir para o debate e reflexes
sobre as relaes de gnero no trabalho, visando uma participao igualitria
dos gneros na rea de TI.
Palavras chave: tecnologia da informao; mulheres na TI; as pioneiras da TI;
relaes de gneros.

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Introduo

At o final do sculo XIX, leis em todo o mundo impediam que mulheres


possussem propriedade em seus nomes, inclusive intelectual. Mesmo com a
mudana nas leis, a sociedade d pouca nfase nas contribuies femininas na
cincia e tecnologia (VASCOUTO 2015).
Matsura (2016) alerta que projetos recentes tentam recolocar na hist-
ria nomes de programadoras que criaram o sistema do primeiro computador
eletrnico digital. Elas so minoria na indstria de tecnologia, mas, sem seu
trabalho, provavelmente os computadores no existiriam como so hoje. Foi
pelas mos femininas que o primeiro algoritmo para computador foi escrito, no
sculo 19. Mulheres como Ada Lovelace e Grace Hopper foram fundamentais
para o avano dos softwares. O sistema que serviu como base para o celular
foi criao de uma atriz de Hollywood. Seis programadoras do projeto ENIAC
criaram o sistema do primeiro computador eletrnico digital, e ficaram relega-
das a segundo plano.
Segundo Lindamir Casagrande, citada por Matsura (2016) a histria da
participao das mulheres na Cincia e Tecnologia na ainda no foi escrita. Ada
Lovelace e Grace Hopper at conseguiram algum reconhecimento, mas elas
no foram as nicas que produziram cincia e tecnologia na rea de TI.
Assim, na tentativa de resgatar as contribuies dessas mulheres e dar
visibilidade aos seus trabalhos na rea de TI, segue-se um breve histrico de
cada uma delas.

As pioneiras da TI Atuao feminina desde o sculo XIX

Apesar da ideia de que as mulheres no possuem competncia para a tec-


nologia, elas foram importantes para o desenvolvimento da informtica, como
pode ser visto pelo trabalho realizado pelas pioneiras, que tiveram importante
participao para o desenvolvimento da informtica e, na maioria das vezes,
permanecem invisveis.
As pioneiras aqui apresentadas so Ada Byron (Lady Lovelace), a primeira
mulher considerada programadora da histria; e Grace Murray Hopper pela sua
contribuio no desenvolvimento da linguagem de programaCOBOL, utilizada
at hoje e pelo desenvolvimento do primeiro compilador. Tambm so apresen-
tadas as mulheres que participaram do desenvolvimento do ENIAC, o primeiro

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computador eletrnico e algumas outras mulheres que tiveram participao sig-


nificativa para o desenvolvimento da informtica.
Para Santino (2015) a histrica de Ada Lovelace, como popularmente
conhecida a primeira programadora da histria, Augusta Ada King contada
por Santino (2015). Nascida em 1815, conhecida como Condessa de Lovelace
ajudou o colega, Charles Baggage, no desenvolvimento da primeira mquina
de clculo e responsvel pelo algoritmo que poderia ser usado para calcu-
lar funes matemticas. Suas notas sobre a mquina analtica de Babbage,
primeiro modelo de computador, que foram republicadas mais de cem anos
depois foram reconhecidas como o primeiro algoritmo especificamente criado
para ser implementado em um computador.
Filha do Lord Byron com Anne Isabella Byron, teve criao cientfica
desde cedo porque sua me era uma estudiosa de matemtica e influenciou a
filha com o objetivo de no deix-la trilhar a rota de seu pai na poesia que no
era um bom exemplo. Um ms aps o nascimento de Ada deixou sua me e
acabou abandonando a Inglaterra para sempre, morreu quando a garota tinha
apenas oito anos.
Ao casar com William King-Noel, baro que acabou se tornando o Conde
de Lovelace, passou a receber o tratamento Condessa de Lovelace. Faleceu em
1852 de cncer no tero.
Em 1982, uma linguagem de programao estruturada ganhou o nome
Ada como referncia a uma das personagens mais representativas da histria
da tecnologia.
Na segunda tera-feira de outubro comemorado o Ada Lovelace Day
que tem como objetivo lembrar os feitos do sexo feminino nas cincias, tecno-
logia, engenharia e matemtica, assim como encorajar as mulheres a seguirem
esse caminho.
Segundo os escritos histricos de Cruz (2015), a austraca Hedy Lamarr,
radicada nos Estados Unidos, era atriz em Hollywood e foi considerada a mulher
mais bonita do mundo na dcada de 1940. Era casada com um industrial do
setor de armamentos e, assim, adquiriu conhecimentos sobre o poder de fogo
usado na Segunda Guerra e, com muito talento na matemtica, uniu foras com
George Antheil para ajudar o esforo de guerra aliado e desenvolver princpios
da tecnologia. Desenvolveram uma ideia de usar sinais de rdio emitidos para
torpedos submarinos impossveis de serem encontrados por radar, o que serviu
de base para a telefonia celular mvel e deu origem a quase todas as formas

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de redes sem fio conhecidas hoje em dia, tais como: Bluetooth, GPS e Wi-Fi.
Usando os princpios de notas musicais no piano, Hedy e Antheil criaram um
sofisticado aparelho que causava interferncia em rdios para despistar radares
nazistas. Em 1940, patentearam o projeto frequency hopping e Hedy usou o
seu verdadeiro nome: Hedwig Eva Maria Kiesler.
CARDOSO (2007) escreveu sobre Grace Murray Hopper Formada em
Fsica e Matemtica, enfrentou difcil situao nos EUA por querer ir mais alm
do que casar e ser dona de casa, o que era comum para mulheres da poca.
Em 1934 j era Ph.D. em matemtica e uma carreira slida como professora.
Com a 2 Guerra Mundial se alistou na Waves, diviso criada espe-
cialmente para mulheres, que cuidariam das reas burocrticas, enquanto os
homens lutavam nas linhas de frente. Conquistou o 1 lugar na turma, se for-
mando Tenente e sendo designada para o projeto de computao de Harvard,
programando o Mark I, um dos primeiros computadores do mundo.
Com o fim da guerra, continuou em Harvard trabalhando para a Marinha
at 1949, depois de ter ido para a Reserva Naval. Desenvolveu o Univac I
modelo mais prximo de um computador de verdade e criou o compilador, que
mudou o mundo da informtica. Sua ideia no foi levada a srio, computadores
eram mquinas que calculavam, no compilavam. A ideia de um programa
que interpretasse uma linguagem mais prxima do ingls do que cdigo de
mquina era aliengena para os profissionais e cientistas da poca. Em 1959 seu
trabalho j era reconhecido, resultando em boa parte das especificaes do
Cobol.
Nos anos 1960/1970 pesquisou e definiu conceitos como padres e
certificaes para homologao de softwares, implementando o uso e a padro-
nizao do Cobol na Marinha. Deu baixa em 1986, aos 79 anos, no posto de
Contra-Almirante. Imediatamente contratada pela empresa Digital como con-
sultora snior, uma das maiores mentes femininas da Cincia da Informao,
faleceu em 1992 aos 85 anos. (CARDOSO, 2007).
Alcantara (2008) escreveu sobre As seis programadoras do ENIAC tambm
conhecidas como as pioneiras do ENIAC. O primeiro computador eletrnico
Eniac (Electronic Numerical Integrator and Computer) foi criado em 1946 e
projetado para fazer clculos de artilharia para o exrcito americano e sua pro-
gramao foi feita por mulheres. Foi utilizado pela primeira vez para calcular
trajetrias balsticas. Estrutura gigantesca: 18000 vlvulas, pesando 27 toneladas
era a primeira mquina capaz de ser programada para execuo de clculos

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diferentes para objetivos diferentes. Em 1947 o Eniac recebeu um upgrade de


memria se tornando a primeira mquina capaz de armazenar um programa
para execuo posterior.
De um grupo de 80 matemticas que trabalhavam para fazer clculos
balsticos na Universidade da Pensilvnia, foram selecionadas Kathleen McNulty,
Mauchly Antonelli, Jean Jennings Bartik, Frances Synder Holber, Marlyn Wescoff
Meltzer, Frances Bilas Spence e Ruth Lichterman Teitelbaum para automatizar
o processo. Quando entrou em operao apenas os engenheiros tiveram cr-
dito; elas no. Ficaram conhecidas apenas como as computadoras (moas
que computavam), termo pejorativo escolhido pelo exrcito americano como
uma forma de separar as mulheres dos verdadeiros matemticos. Atuaram
desenvolvendo programas balsticos durante a guerra, treinando novos progra-
madores e criando rotinas para melhorar a eficincia do trabalho de programar
a mquina. Algumas faleceram antes de ter seu trabalho reconhecido publica-
mente (ALCANTARA 2008).

O que afastou as mulheres da TI?

Segundo Castro (2015), antes da popularizao dos computadores pes-


soais, entre 1970 e 1984, as mulheres eram muito ativas na rea de TI. Em
1984 cerca de 37% dos cargos em cincia da computao eram ocupados
por mulheres. Em 2011, esse nmero caiu para 12 %. Os pesquisadores Caitlin
Kenney e Steve Henn tentaram desvendar o mistrio em torno da debandada
das mulheres da cincia da computao.
Para ela, os responsveis por esse fenmeno eram os esteretipos de
gnero, especialmente no que diz respeito a brinquedos infantis e o marketing
que os envolve. Os primeiros computadores pessoais foram quase que exclu-
sivamente comercializados para homens e meninos. Com a popularizao dos
computadores e o nascimento de uma nova cultura geek3, os programas de TV,

3 Geek umagria da lngua inglesacujo significado algum viciado em tecnologia, em computa-


dores e internet. A subcultura geek se caracteriza como um estilo de vida, no qual os indivduos se
interessam por tudo que est relacionado a tecnologia e eletrnica, gostam de filmes de fico cien-
tfica (Star Wars, Star Trek e outros), so fanticos por jogos eletrnicos e jogos de tabuleiro, sabem
desenvolver softwares em vrias linguagens de programao e, na escola, se destacam dos outros
colegas pelos conhecimentos demonstrados.

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filmes, videogames e outros jogos passaram a reafirmar o domnio masculino


no campo da cincia da computao.
Castro (2015) afirma que, em 1984, a primeira gerao de alunos que
poderia ter um computador em casa entrou no colgio. Quando essa gerao
chegou a faculdade, os rapazes j tinham muito mais experincia de programa-
o do que as garotas. A jovens mulheres descobriram que j estavam muito
distantes de seus pares masculinos. Assim, nos cursos voltados para a progra-
mao, a maioria das mulheres j comeou em desvantagem em relao aos
companheiros de classe e o desnimo foi o grande responsvel pelas desistn-
cias femininas nesta rea de estudo e atuao. Para mudar este quadro seria
necessrio estimular nas meninas o interesse por tecnologia e instig-las a pro-
gramar, uma vez que a maioria das crianas s interage passivamente com a
tecnologia, assim como incentivar brinquedos e jogos que introduzam concei-
tos de eletrnica ou engenharia para crianas. Para Castro,
atitude eficaz para combater o esteretipo de gnero inspirar as
meninas com histrias de mulheres bem-sucedidas na tecnologia
e incentiv-las a escolher carreiras que as interessem, ainda que
o mercado diga que so de maioria masculina (CASTRO, 2015,
p.128).

Consideraes finais

No h como ignorar a participao das mulheres na produo da


Cincia e Tecnologia no Brasil, no entanto, anda existe em alguns segmen-
tos da sociedade um discurso aparentemente neutro que permanece na lgica
das desigualdades de gnero: Tecnologia no coisa para mulher. Ainda se
v muita discriminao, com formas sofisticadas de manifestao, tais como o
reduzido nmero de mulheres em cargos de comando em empresas de tec-
nologias, assim como na direo de rgos de pesquisa como o Ministrio da
Cincia e Tecnologia, CNPq, FAPEMIG entre outros. Quando inseridas nas car-
reiras tecnolgicas ainda recebem menos do que os homens e no universo das
pesquisas cientficas tem mais dificuldades para conseguir recursos.
A rea da Tecnologia Informao no exceo a essa regra. Embora
historicamente tenha revelado inmeros talentos femininos no mbito do desen-
volvimento de tecnologia de ponta que revolucionaram o mundo e servem de
base para tantas outras recentemente criadas, as mulheres da TI permanecem

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invisveis no emaranhado das tramas sociais e raramente ocupam destaque na


mdia ou nos eventos cientficos e tecnolgicos e de cunho acadmico.
Pesquisas que estimulem o debate acadmico e que visem dar visibilidade
participao feminina em reas cientficas e tecnolgicas se fazem necessrias,
na medida em que derrubam esteretipos, incentivam meninas em processo de
formao a escolher tais carreiras e objetivam lograr uma mudana social de
forma que as diferenas no sejam traduzidas em desigualdades.

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> Acesso em: 10 abr. 2016.

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Doodle. Site techtudo. 2015. Disponvel em < http://www.techtudo.com.br/noticias/
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MATSURA, Srgio. Hoje minoria na indstria de tecnologia, mulheres foram funda-


mentais na gnese da computao.Jornal O GLOBO, Rio de Janeiro, 2016. Disponvel
em < http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/hoje-minoria-na-industria-de-tecno-
logia-mulheres-foram-fundamentais-na-genese-da-computacao-15336779 > Acesso
em: 10 abr. 2016.

SANTINO, Renato. Conhea Ada Lovelace, a 1 programadora da histria. Olhar


Digital. 2015. Disponvel em < http://olhardigital.uol.com.br/noticia/conheca-ada-lo-
velace-a-1-programadora-da-historia/40718 > Acesso em: 10 abr. 2016.

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em < http://www.nodeoito.com/mulheres-inventoras/ > Acesso em: 13 abr. 2016.

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A PERSPECTIVA DE RELAES DE GNERO, DESAFIOS PARA


ERGONOMIA: ATIVIDADES DA MULHER TRABALHADORA
QUE OCUPA CARGOS TRADICIONALMENTE MASCULINOS1

Mislene Aparecida Gonalves Rosa


Mestranda em Educao Tecnolgica - Bolsista CNPq
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
[email protected]

Raquel Quirino
Ps-Doutora em Educao.
Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG.
Departamento de Educao
Programa de Ps-Graduao em Educao Tecnolgica
[email protected]

GT 16 - Relaes de gnero, diversidade sexual, trabalho, tecnologia e educao


profissional: interlocues, dilogos e desafios contemporneos.

Resumo

Este artigo, de natureza terica e emprica, descreve e aborda algumas con-


dies de trabalho da mulher trabalhadora, sob a perspectiva de relaes de
gnero e intervenes ergonmicas. A partir da dcada de 1970, intensificou-
-se a participao da mulher no mercado de trabalho e, nos ltimos anos elas
deixaram de atuar somente naquelas reas tipicamente femininas para ocupar
espao em profisses ditas masculinas que exigem fora e resistncia. Os pro-
blemas abordados so as dificuldades encontradas pelas mulheres trabalhadoras

1 Pesquisa realizada com recursos do Programa Institucional de Fomento Pesquisa do CEFET-MG


(PROPESQ) e da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG.

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entrevistadas nesses ambientes laborais e a necessidade de adaptaes ergon-


micas dos postos de trabalho, de forma a atender as suas necessidades pessoais
para a execuo de suas atividades de forma eficiente e segura.
Palavras-chave: RELAES DE GNERO; ERGONOMIA; DIVISO SEXUAL
DO TRABALHO.

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Introduo

Reflexes sobre as relaes de gnero e a ergonomia so apresentadas do


ponto de vista da mulher trabalhadora e as principais dificuldades enfrentadas
por elas em reas e profisses tipicamente masculinas, sob o aspecto ergon-
mico do trabalho.
Realizou-se um levantamento terico a partir de trabalhos cientficos que
discutem a insero da mulher no mercado de trabalho selecionando trechos
de entrevistas realizadas por suas autoras para correlacion-los com a teoria
estudada. Tambm foram realizadas observaes diretas das atividades de tra-
balho de mulheres operrias, valorizando as informaes obtidas em conversas
informais.
Na dcada de 1970 observou-se um forte movimento de incorporao
das mulheres no mercado de trabalho e, nos ltimos anos, tem-se registrado a
tendncia do ingresso de mulheres em cargos tradicionalmente ocupados por
homens (DIEESE, 2012). No entanto a mera descrio de um cargo no equi-
vale quilo que realmente feito pelo (a) trabalhador (a), pois, a subjetividade
humana faz com que, mesmo quando homens e mulheres exercem as mesmas
atividades, as tarefas realmente realizadas na prtica, so diferentes. Por isso a
abordagem ergonmica, a partir da perspectiva de relaes de gnero, torna-se
fundamental para analisar as situaes de trabalho, desvelando a vivncia das
trabalhadoras em relao organizao do trabalho e evidenciar aquilo que
fonte de presses, de dificuldades e de desafios, suscetveis de gerar o adoeci-
mento e acidentes da mulher operria.
Apesar de j estarem presentes em setores industriais tipicamente mascu-
linos, tais como a minerao (QUIRINO, 2011) e a construo civil (RESENDE,
2012), as mulheres enfrentam, alm das dificuldades culturais e sociais, as
dificuldades de ordem fsica, por esses setores serem fundamentalmente assen-
tados em atividades pesadas e que exigem fora. Nesse cenrio necessrio
discutir como a ergonomia pode contribuir para melhorar a qualidade de vida
no trabalho em uma perspectiva de relaes de gnero, porque, por mais
que a igualdade de direitos seja respeitada, homens e mulheres tm subjeti-
vidades e necessidades biolgicas distintas no ambiente laboral, quer seja nas
condies ergonmicas, na organizao do trabalho, ou na especificao dos
Equipamentos de Proteo Individual (EPI) necessrios atividade desenvolvida.

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Diviso sexual do trabalho e relaes de gnero

Hirata e Kergoat (2008) defendem que a diviso sexual do trabalho


resultante das relaes sociais, que destinam aos homens o servio produtivo e
s mulheres o reprodutivo e, simultaneamente, a apropriao pelos homens das
funes com maior valor social adicionado, nas quais as as ompetncias ditas
femininas no so reconhecidas nem remuneradas; so consideradas atributos
naturais da mulher, na medida em que no foram adquiridas pela formao
profissional.
No entanto, tal assertiva foi negada por Quirino (2011) quando, em sua
pesquisa, constatou que as competncias ditas femininas so extremamente
valorizadas no mundo do trabalho da minerao. Porm, no obstante a essa
pseudo valorizao das competncias femininas concluiu que tais habilida-
des, construdas nas relaes sociais travadas no ambiente domstico, no tm
sido levadas em considerao para a promoo delas a cargos de comando,
prestgio e poder.
Embora observe-se o predomnio das mulheres nas reas estereotipa-
das como femininas (servios domsticos, educao, sade e servios sociais,
por exemplo), destaca-se o expressivo percentual de mulheres ocupadas na
indstria de transformao (12,4%), setor tipicamente masculino, conforme
pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos
Socioeconmicos, DIEESE (2012, p. 217).
Portanto, analisar as condies ergonmicas sob o ponto de vista da
mulher trabalhadora em empresas de grau de risco elevado, para identificar pos-
sveis elementos discriminatrios na perspectiva de relaes de gnero, torna-se
importante para a promoo da igualdade de oportunidades entre homens e
mulheres.

Ergonomia

Conforme Daniellou (2004) a Ergonomia ao mesmo tempo um conjunto


de conhecimentos sobre o ser humano fisiologia, psicologia, funcionamento
cognitivo e uma prtica de ao, sendo assim pode-se entender a Ergonomia
como sendo o estudo cientfico da relao entre o (a) trabalhador (a) e seus
meios, mtodos e espaos de trabalho. Os trabalhos em Ergonomia tm uma
dupla vertente: desde a redefinio de especificaes da compra de mobilirio

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e ferramentas de trabalho - Ergonomia fsica; at a compreenso dos aspectos


mentais da atividade de trabalho das pessoas, homens e mulheres.
No posto de trabalho as ferramentas e elementos devem estar de acordo
com as dimenses fsicas do ocupante do posto de trabalho, pois, a inadequa-
o antropomtrica produz um desequilbrio postural expondo o (a) trabalhador
(a) posies desconfortveis, repetitividade dos gestos, maior esforo despen-
dido, fatores causais das doenas ocupacionais (VIDAL et al., 2000).
Todavia a organizao do trabalho tambm deve ser considerada, enten-
dendo a Ergonomia como uma disciplina para ao sobre o real (LIMA, 2011,
p.36). Em princpio, a Ergonomia organizacional encontraria muitas dificulda-
des, pois no est fundamentada numa objetividade plena, no entanto, constitui
o campo no qual o (a) trabalhador (a) percebido como um agente competente
e organizado num sistema de produo, gerando assim maior satisfao no
trabalho.
Em sua atividade de trabalho o ser humano interage com os diversos
componentes do sistema de trabalho, com os equipamentos, instrumentos,
mobilirios e questes subjetivas como hierarquia e gesto organizacional.
Sabe-se que os (as) trabalhadores (as) toleram mal as tarefas fragmentadas, com
tempos curtos para execuo, principalmente quando esse tempo imposto
por uma mquina ou pela gerncia; sentem-se bem quando solicitado a resol-
verem problemas ligados execuo das tarefas; logo a Ergonomia busca tratar
o (a) trabalhador (a) como um ser que pensa e age, no apenas como mero
executor e extenso da mquina (VIEIRA et al., 2008).

Adaptao das condies de trabalho

Segundo Santos e Fialho (1998), postos de trabalho devem estar em harmo-


nia com a caracterstica fsica do ocupante, tambm a Norma Regulamentadora
17 no item 17.1, determina parmetros que permitam a adaptao das condi-
es de trabalho (NR-17, 1990). Nesse sentido, o primeiro questionamento das
empresas deveria ser: quem este ou quem so esses (as) trabalhadores (as)
para quem vou adaptar o trabalho?
Hirata e Kergoat (1994) afirmam que a classe operria tem dois sexos, esta
afirmao contraria a tendncia em apresentar uma imagem de classe operria
relativamente homognea. As autoras afirmam que as condies de trabalho
dos trabalhadores e das trabalhadoras so quase sempre assimtricas, portanto

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analisar em termos de unidade de classe operria sem considerar o sexo social


poder levar a um conhecimento falso das relaes de trabalho.
Segundo Quirino (2011), o setor de minerao vem gradualmente inserindo
mulheres em suas reas tcnico-operacionais. Conforme entrevista realizada
pela autora com um Gerente de Recursos Humanos e um Diretor Operacional,
No h na empresa nenhuma formalizao quanto contrata-
o de homens ou mulheres para quaisquer reas ou funes. A
deciso final do gestor, dono da vaga. Na maioria das vezes o
supervisor que escolhe com quem quer trabalhar. A varivel sexo
no est presente nas formalizaes de contratao da empresa.
(Gerente de RH)

A adequao de espaos fsicos no justificativa para a no con-


tratao de mulheres na indstria mineral. preciso apenas definir
diretrizes claras para contratao e adequao desses espaos.
Quanto se tem o olhar voltado para os resultados, o que importa o
talento, a competncia da pessoa. No se homem ou mulher. Os
investimentos em espaos fsicos adequados so mnimos quando
comparados ao retorno que se pode obter. (Diretor Operacional)

A partir dos relatos dos entrevistados por Quirino (2011) h de se refletir


at que ponto preocupaes de natureza ergonmica se fazem presentes nas
polticas de contratao de mulheres pelas empresas. Constata-se que apesar
de os entrevistados afirmarem que no existe impedimento para contratao
de mulheres, a autora adverte que devido a inadequao dos espaos fsi-
cos tornou-se um hbito contratar apenas homens para as reas operacionais
(QUIRINO, 2011, p.75). O que, certamente, compromete a insero das mulhe-
res nesse setor produtivo.
Resende (2012, p.22), discute a insero de mulheres nos canteiros de
obras da Construo Civil. Segundo a Norma Regulamentadora 18, referente
s condies e meio ambiente de trabalho na indstria da Construo Civil,
canteiro de obra definido como rea de trabalho fixa e temporria, onde se
desenvolvem operaes de apoio e execuo de uma obra. A autora questiona
as entrevistadas sobre como trabalhar no canteiro de obras na Construo
Civil:
Facilidades tipo assim, a mulher ela mais detalhista, entendeu?
Ento a gente para fazer um esquadro, para puxar um ponto de

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nvel, a gente olha mais detalhe a gente faz a coisa mais bem feiti-
nha, entendeu? Agora a dificuldade a questo de peso, entendeu,
porque voc no pode escolher trabalho, entendeu? Hoje, voc t
aqui tirando um pontinho, mas est chapando uma massa, enten-
deu? A dificuldade o peso. (Pedreira)

O ponto fraco, voc pega muito peso. cansativo, n? muito


estressante. O ponto positivo, assim, que voc entra no mer-
cado... mulher pedreira, gente uma coisa do outro mundo. Voc
aprende coisas que voc jamais sonharia em aprender, entendeu?
O difcil mesmo o peso. mais pesado, entendeu? (Servente)

No que se refere s tarefas exercidas no canteiro de obras, os relatos


citados esto de acordo com Tomasi (1999) quando enfatiza que as tarefas so
perigosas, insalubres e demandam uma mo de obra jovem, forte, corajosa e
de boa vontade no s para conviver com essas condies, como tambm para
adquirir os conhecimentos necessrios para a sua execuo.
As entrevistadas tambm confirmam os pressupostos de Antunes (1999)
ao afirmar que as empresas se apropriam intensificadamente da polivalncia e
multiatividade do trabalho feminino, da experincia que as mulheres trabalhado-
ras trazem das suas atividades realizadas na esfera do trabalho reprodutivo. Para
o autor, ainda que no tenham conscincia desse fato, as prprias trabalhadoras
exaltam tais competncias: detalhamento, agilidade, destreza, preciso, fineza,
obedincia, pacincia, disciplina, responsabilidade, dedicao, delicadeza.
Enfim, as mulheres tm acesso a postos de trabalho tradicionalmente mas-
culinos, mas as relaes de trabalho aumentam a precariedade e a instabilidade
de uma grande proporo da fora de trabalho feminina, criam e/ou reprodu-
zem condies de trabalho precarizada e um dos resultados desse processo
que para terem xito na profisso a mulher precisa ser considerada homem.
Constata-se que no basta identificar as desigualdades, preciso problematizar
as relaes sociais de sexo travadas no ambiente laboral de forma coerente e
promover aes coordenadas para transformar as prticas sociais.

Consideraes finais

A preocupao com a ergonomia nos ambientes de trabalho tem assumido


relevncia nas empresas, pois a definio da ergonomia coloca em primeiro
plano seu objeto (interao trabalhador (a) e atividade no contexto de trabalho)

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e seu objetivo de propor medidas concretas para uma melhor adaptao dos
meios tecnolgicos de produo e dos ambientes de trabalho, contribuindo
para a produtividade e para a qualidade de vida do (a) trabalhador (a).
A opo pelo estudo terico e pesquisa qualitativa acerca dos temas
necessrios compreenso do fenmeno estudado - relaes de gnero no
ambiente de trabalho e fatores ergonmicos -, permitiu identificar e analisar
as percepes de mulheres sobre suas prprias condies de trabalho. Visa
tambm contribuir para que aes promotoras de uma real adaptao das
condies de trabalho s caractersticas psicofisiolgicas dos trabalhadores, de
modo a proporcionar um mximo de conforto, segurana e desempenho efi-
ciente, sejam implantadas, conforme os parmetros estabelecidos na Norma
Regulamentadora 17.

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Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, 2011.

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Administrao) Programa de Mestrado Acadmico em Administrao, Faculdade
Novos Horizontes, Belo Horizonte, 2012.

SANTOS, Neri dos; FIALHO, Francisco. Manual de anlise ergonmica do traba-


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Obras.Belo Horizonte: Fafich UFMG/CNPq, 1999.

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EXPERINCIAS DE VIDA DE VIADOS DO INTERIOR.


SILNCIO E RESILINCIA

Maurcio Pereira Gomes


Mestre em Histria Cultural pela Universidade
Federal de Santa Catarina UFSC
[email protected]

GT 13 - Por uma nova histria do gnero e da sexualidade

Resumo

Nesta comunicao reuno alguns aportes tericos da pesquisa que estou desen-
volvendo sobre a trajetria de vida de homens homossexuais de minha gerao,
que vivem em pequenas cidades do interior do Estado de Santa Catarina, no
Brasil. Explorando suas experincias, procuro identificar, entender e problema-
tizar como, na trajetria de vida de cada um deles, em meio a determinadas
condies histricas e sociais, houve o desenvolvimento de formas alternati-
vas de subjetivao, negociao, resistncia e agncia, desafiando uma cultura
heterossexual hegemnica. Ao final, sinalizo algumas impresses preliminares
tomadas no trabalho de campo (entrevistas) que ainda est sendo realizado,
com realce s vivncias de silncio e resilincia que marcaram e persistem em
suas trajetrias.
Palavras-chave: viados; experincias; interior; silncio; resilincia.

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Introduo

A permanncia no interior. Experincias de vida uma gerao. Os viados.

Compreedendo a sexualidade como algo constitudo na sociedade e na


histria, e permeada por relaes de poder, que se estabelecem mediante prti-
cas e relaes e cujos conflitos se do no campo discursivo (FOUCAULT, 2011),
meu projeto de tese comporta uma escolha deliberada pelo estudo da trajetria
de sujeitos homossexuais que vivem em cidades do interior. Assim, leva em
conta e em alguma medida pretende desafiar a noo difundida no mbito
das cincias sociais de que o contexto urbano, por propiciar o anonimato e/ou
ampliar uma rede de sociabilidades, pode oferecer mais liberdade e, com isso,
aumentar o poder de agncia dos homossexuais.
Estou particularmente interessado em homossexuais que integram a
minha gerao, categoria que uso aqui no sentido de um coletivo de indiv-
duos que vive uma determinada poca ou tempo social, tem aproximadamente
a mesma idade e compartilha alguma forma de experincia, ou vivncia, ou
tem a potencialidade para tal (BRITO DA MOTTA, 2010, p. 229); mas, com a
cautela proposta por Camilo Braz (2015), segundo o qual preciso evitar uma
suposta homogeneidade de experincias e memrias de uma mesma gerao,
uma vez que as atuaes de distintos marcadores sociais da diferena evocam
sempre diferentes condies de existncia (p. 518).
Atento lio de que a ns, intelectuais das cincias sociais e humanas,
cabe o desafio de produzir um saber insurgente ao sul do equador (MISKOLCI,
2014), e assumindo minha condio de homossexual, me aproprio da expresso
viado - corrente em minha gerao, ouvida, temida e, ao mesmo, tempo dita
em minha infncia, juventude e idade adulta. E, ao lado de seu substantivo - a
viadagem - a coloco em discurso, incorporando-as como categorias tericas
centrais em minha tese. Assim proponho levando em conta a lio de Judith
Butler (1997):
Uma pessoa no apenas determinada pelo nome que chamada.
Ao ser chamada por um nome de insulto, uma pessoa humilhada
e menosprezada. Mas o nome contm outra possibilidade tam-
bm: ao ser insultada, pessoa dada, paradoxalmente, uma certa
possibilidade para a existncia social, iniciada na vida temporal
da linguagem que excede o objetivo prvio que anima o insulto.

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Assim, a injria pode aparecer para fixar ou paralisar, mas tambm


produz uma inesperada e capacitada resposta. Ser chamado ser
interpelado, logo o insulto corre o risco de inaugurar um sujeito no
discurso que usa a lngua para reagir ofensa (BUTLER, 1997, p.2).1

Antevejo nesta proposta a dupla vantagem de abandonar a expresso gay,


to vulgarizada, mas pouco problematizada, colada que com a noo de
identidade que est integrada (de modo conservador) nas camadas mdias; e,
tambm, de dar relevo e centralidade nossa realidade local, ao contexto social
e cultural brasileiro, nossa experincia marginal (PELCIO, 2014). Justamente
por isso importante destacar e refletir sobre essa peculiaridade especfica do
termo viado em comparao com seu congnere queer, outro maldito, mas da
cultura anglo-saxnica:
Queer um nome da lngua inglesa que tambm um insulto res-
significado. Mas queer nunca possuiu essa histria de erro e desvio
que o nome viado possui. Queer sempre foi estranho/esquisito e
continua a ser (apesar do uso poltico mais conotado atualmente).
Viado no perdeu o sentido de insulto nem o posto de maior ofensa
atribuda a um homem. Queer no palavro de escolha para
insultar algum como viado ainda . Essa diferena s engendra
polissemia em nossa lngua, portanto em nossa prpria cultura. Ns
precisamos nos haver com o fato de nossa sociedade reservar a
algumas pessoas uma ontologia do menosprezo baseada na injria,
no erro, no desvio e na desumanizao (SILVA, 2014, p. 5).

Resistncia a uma convocao heteronormativa.

Meu corpus de pesquisa, composto por homens de minha gerao que


vivem em cidades do interior e que so abertamente homossexuais, est se reve-
lando rico para um estudo interessado em entender como em suas experincias
de vida resistiram convocao para uma padronizao heteronormativa, tal
como teorizado por Michel Warner e Lauren Berlant (2002), cabendo, aqui,
considerar o estudo de um conceito fundamental em minha futura tese:
Por heteronormatividad entendemos aquellas instituciones, estruc-
turas de comprensin y orientaciones prcticas que hacen no slo que la

1 Traduo de Leandro Soares da Silva (2014, p.2).

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heterosexualidad parezca coherente es decir, organizada como sexualidad


sino tambin que sea privilegiada. Su coherencia es siempre provisional y su
privilegio puede adoptar varias formas (que a veces son contradictorias): pasa
desapercibida como lenguaje bsico sobre aspectos sociales y personales; se
la percibe como un estado natural; tambin se proyecta como un logro ideal o
moral (BERLANT; WARNER, 2002, p. 230).
Richard Miskolci (2009, p. 182) aprofunda a exata compreenso do termo
explicando que a heterossexualidade - vista como um modelo a ser seguido - pas-
sou por dois perodos histricos. Um primeiro, que se estendeu desde o final do
sculo XIX a meados do sculo passado, em que a homossexualidade atravs dos
dicursos mdicos e legais foi inventada, patologizada e criminalizada, sendo a hete-
rossexualidade considerada compulsria. E um segundo momento, iniciado com a
descriminalizao da homossexualidade em diversos pases, em meados do sculo
XX e que ainda vivenciado, em que prevalece a heteronormatividade. Com ela,
a cobrana social e cultural no mais para que os homossexuais deixem de s-lo,
mas que vivam como os heterossexuais, o que leva o professor a afirmar:
Muito mais do que o aperu de que a heterossexualidade com-
pulsria, a heteronormatividade um conjunto de prescries que
fundamenta processos sociais de regulao e controle, at mesmo
aqueles que no se relacionam com pessoas do sexo oposto.
Assim, ela no se refere apenas aos sujeitos legtimos e normaliza-
dos, mas uma denominao contempornea para o dispositivo
histrico da sexualidade que evidencia seu objetivo: formar todos
para serem heterossexuais ou organizarem suas vidas a partir do
modelo supostamente coerente, superior e natural da heterosse-
xualidade (MISKOLCI, 2009, p. 156-157).

A necessria problematizao dialoga com o paradoxo apontado por


David M. Halperin (2012) e que tambm foi vivenciado no Brasil no processo
histrico de formao e afirmao de identidades homossexuais: ao mesmo
tempo em que houve uma constante tenso entre um anseio por reconheci-
mento e integrao social, com a atuao de processos de normalizao e
controle, por outro lado, uma cultura renitente em sua relao com as experi-
ncias de rejeio e abjeo,2 se reelaborou de modo contnuo, agregando e

2 Na anlise cultural, a noo de abjeto estendida para abarcar tudo aquilo que ameaa o conforto
da sensao de identidade e mesmidade: o monstruoso, o corpo feminino, o homossexual, a deca-

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fazendo novos usos de produtos culturais mltiplos, muitos dos quais de uma
cultura hegemnica, branca e heterossexual.
So experincias que no sero encaradas como uma prova incontestvel
e uma explicao acabada do que era a viadagem. Esta seria uma abordagem
nada queer, eis que teria por pressuposto a existncia de uma identidade dada
de antemo e fixa. Alm disso, redundaria na percepo da experincia como
uma evidncia para o modo diferente de ser e agir dos viados, como se isso
fosse algo igualmente dado, pronto e acabado. Pelo contrrio, como explicado
por Joan Scott (1998, p. 301), ao invs de tomarmos a experincia como a
evidncia que sustenta uma explicao, devemos ter em mente que a prpria
experincia algo resultante de um conjunto de circunstncias, ou seja, cons-
truda, social, histrica e discursivamente (atravs da linguagem).
Tais pressupostos levam Richard Miskolci (2009) a afirmar:
[...] No so sujeitos que tm experincias, mas, ao contrrio, so
experincias que constituem os sujeitos. Assim, elas criam sujeitos
marcados por processos sociais que precisam ser reconstitudos,
explicados e analisados pelo pesquisador. A invisibilidade da expe-
rincia esconde sua criao social e histrica: os sujeitos marcados
pela diferena (p. 173).

A viadagem e as experincias daqueles homossexuais so encaradas,


assim, como resultantes de processos sociais e culturais especficos, localizados
e datados. Processos contnuos e interligados de normalizao que, mediante
lgicas classificatrias e interrelacionadas de inferiorizao, criaram e criam a
regra (os sujeitos naturais e normais) e as excees, os outros (no caso os via-
dos), marcados pela diferena e estigmatizados (MISKOLCI, 2009, p. 172-173).
Essas so ferramentas importantes para se pensar e pesquisar a constru-
o de subjetividades viadas, tal como pretendo na minha pesquisa. Afinal, ao
se apropriar das noes de experincia e dos processos de normalizao, dou
destaque s prticas sociais e s relaes de poder que nelas esto implicadas,
s formas de sujeio e controle, mas, ao mesmo tempo, ao que mais me inte-
ressa, aos espaos de resistncia e agncia.

dncia, o corrompido e o ptrido, o desfigurado, o canibalismo, a perverso e a morte, o horroroso


(SILVA, 2000, p. 13).

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Consideraes finais

O trabalho de campo at aqui realizado est revelando uma complexi-


dade muito maior daquela imaginada, com diferentes vivncias e estratgias
no convivio e eventual desafio a processos permanentes de normalizao. De
modo preliminar e mais genrico, j posso afirmar que, na maioria das traje-
trias de vida que tive oportunidade de ouvir e (pr) analisar, no obstante os
espaos e visibilidades conquistadas h a presena constante, tanto no passado
como no presente, das prticas relacionadas com o silncio (no referncia
homossexualidade). Talvez essas tais circuntncias estejam a indicar a necessria
conjugao da noo de resistncia de resilincia, realando os componente
de tenacidade e elastecidade constantes da primeira. Categorias tericas que
devero ser desenvolvidas e problematizadas.

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PELCIO, Larissa. Tradues e tores ou o que se quer dizer quando dizemos queer
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VIOLNCIA DE GNERO: UM TRAUMA CULTURAL

Martina Von Mhlen Poll


Mestrandas em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria;
[email protected]

Fernanda de Oliveira Alves


Mestrandas em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria;
[email protected]

Cludia Maria Perrone


Doutora, prof. no curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]

GT 08 - Gnero, diversidade sexual, emoo e moralidade.

Resumo

A violncia de gnero est presente na sociedade ao longo de sua histria, h


a existncia de um padro moral repetitivo de violncia contra grupos minori-
trios como o caso da mulher, dos homossexuais e pessoas transexuais que
permeia as relaes de gnero e poder na sociedade contempornea. Esse
problema constitui um trauma cultural. O presente estudo tem o objetivo de
analisar e discutir a violncia entendida sob a forma de um trauma cultural de
gnero. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que se realiza uma reflexo
com base na teoria psicanaltica. A sociedade contempornea no desenvolveu
um olhar para as questes do trauma, o que aponta para o fato de que a vio-
lncia contra estas minorias constitui o ponto cego da cultura, na qual o trauma
no reconhecido.
Palavras-chave: trauma; violncia de gnero; cultura; normatividade;
invisibilidade.

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Introduo

A violncia de gnero est presente na sociedade ao longo de sua histria,


constituindo uma questo complexa e multifacetada que viola os direitos huma-
nos das vtimas. No Brasil, as mulheres que sofrem violncia possuem como
amparo a Lei Maria da Penha, que constata como violncia domstica e familiar
contra a mulher cinco tipos de violncias s quais as mulheres esto submeti-
das. Essas so: violncia fsica, psicolgica, sexual, patrimonial e moral (BRASIL,
2006). Esta lei no se refere proteo s mulheres transexuais, ficando a cargo
subjetivo de alguns juzes entenderem que violncias sofridas por estas tam-
bm se classificam como violncia domstica e devem ser abarcadas pela lei.
Soma-se a isso a luta do movimento LGBT em transformar a homofobia em
crime para que assim exista amparo legal para os indivduos que sofrem violn-
cias de gnero.
Felman (2014) observa que a violncia de gnero no cometida somente
contra a sua vtima direta, ferindo toda a sociedade, uma vez que viola as leis
estabelecidas para o respeito mtuo entre os cidados. Assim, questionamo-nos
sobre as consequncias da violncia para a vtima, para as relaes que ela
estabelece e para a sociedade. Na busca por ampliar o olhar sobre a temtica e,
principalmente sobre seu encadeamento com a cultura e como as relaes de
gnero se configuram nela, somos levados as consideraes feitas por Felman
(2014), o qual, ao fazer uma relao entre os estudos de trauma, violncia e
histria, situa a violncia de gnero como um trauma cultural.
Freud, em seus escritos a partir de 1920, traz o trauma como sendo o
resultado de um excesso pulsional no psiquismo que se sobrepe a capaci-
dade de ligao e elaborao. Essa energia pulsional incapaz de obedecer ao
princpio do prazer e permanece, ento, sob a sua forma no ligada, no con-
seguindo transformar-se em uma representao e assim ser dotada de sentido
e significado. Esse excesso pulsional pode ser causado por um evento externo,
como o caso de um ato de violncia. Assim, o trauma no pode ser transmi-
tido por meio de palavras na forma de um relato organizado, o que lhe confere
um carter de invisibilidade perante a cultura (FREUD, 1920).
Alm disso, a cultura ao no ver o trauma, repete-o, pois assim est
reafirmando seu carter de irrepresentabilidade e invisibilidade, refletindo na
estrutura repetitiva da violncia de gnero dentro das relaes estabelecidas
na sociedade. Acrescentamos ainda que, ao no conseguir ver e reconhecer o

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trauma, ele se torna, assim, um trauma cultural que diz respeito ao inconsciente
da cultura (FELMAN, 2014).
Com base nessas consideraes e tendo em vista a importncia e a neces-
sidade de debater sobre a amplitude das questes que perpassam as relaes
de gnero, o presente estudo tem o objetivo de analisar e discutir a violncia
contra a mulher, transexuais e homossexuais, entendida sob a forma de um
trauma cultural de gnero. Para tanto, consiste em uma pesquisa qualitativa,
com a busca de autores que abordam a temtica. Realizou-se uma reflexo em
cima do que os autores trazem sobre o assunto tendo como guia para isso a
teoria psicanaltica.

O trauma da violncia de gnero

Para compreender a complexidade da violncia de gnero preciso que


tenhamos o entendimento de gnero como algo desnaturalizado e no perten-
cente s diferenas biolgicas. Entendemos gnero como uma relao poltica
que gerada no campo discursivo como um efeito da linguagem, compreen-
dendo tambm as relaes de poder construdas historicamente (NARVAZ e
KOLLER, 2007). Dentre as possveis consequncias da violncia, traremos, aqui,
o trauma psicolgico.
Freud (1920) fala que o trauma causado por um evento que rompe todas
as defesas do aparelho psquico. Dessa forma, o psiquismo invadido por uma
sobrecarga de energia pulsional que excede sua capacidade de ligao. Tal
energia permanece no ligada a nenhuma representao, no sendo reconhe-
cida e associada pelo psiquismo (LEJARRAGA, 1996). A no representao faz
com que a experincia traumtica no consiga ser assimilada como uma mem-
ria constituinte do sujeito e, portanto, incapaz de ser organizada e transmitida
sob a forma de uma narrativa tradicional (MALDONADO e CARDOSO, 2009).
Assim, os acontecimentos traumticos no conseguem ser articulados e dotados
de sentido pelos sujeitos, no havendo palavras capazes de transmitir a dimen-
so do que foi vivido, bem como, no conseguem ser convertidos em emoes
fidedignas magnitude do que vivenciaram.
Com base nessas consideraes, observamos a dificuldade de transmitir o
trauma e de compartilh-lo socialmente por meio da emoo e da linguagem, o
que lhe confere um carter de invisibilidade perante as relaes e sociedade,
apesar de se manifestar sob vias que no as representacionais e trazer graves

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repercusses. Nesse sentido, Felman (2014) fala de uma cegueira cultural em


ver o trauma de gnero, refletindo em uma sociedade que no v suas evidn-
cias nem seus danos causados, to pouco consegue dimension-los. Pelo fato
de no conseguir ser representado e significado no momento em que ocorre,
o trauma pleno em ressonncias, sinalizando a falta do elemento temporal
(LEJARRAGA, 1996). Assim, as marcas deixadas pelo evento traumtico insta-
lam no psiquismo um presente contnuo.
Com isso ressaltamos a gravidade da violncia de gnero, visto que o
sofrimento desencadeado se estende ao longo da vida da vtima. O invisvel do
trauma corresponde a uma falha de comunicao dentro de relaes de gnero
e se manifesta na dinmica e nos acontecimentos das relaes sociais.
Podemos refletir que uma das razes para tal a posio ocupada por
estas minorias na cultura. Como exemplo, Kehl (1998) aponta que a relao
entre a mulher e a feminilidade foi pautada, desde suas origens em nossa socie-
dade, na determinao de um lugar social comum ao feminino na famlia e no
espao domstico. Diante disso parece no haver uma preocupao da cul-
tura com as questes relacionadas vida pblica da mulher. Outro aspecto
importante que entra em questo nesta invisibilidade do trauma causado pela
violncia de gnero a objetificao e opresso do corpo da mulher, que por
vezes passa a ser colocado em um lugar de livre disponibilidade perante seu
agressor.
Homossexuais e transexuais tambm so colocados pela cultura em uma
posio diferente ao padro heteronormativo hegemnico, no qual h uma no
aceitao destas identidades. Arn (2006) traz que a transexualidade, por ser a
no conformidade entre sexo e gnero, ainda tratada como patologia pelos
discursos da sade e tambm pela psicanlise. Entendemos que estes discursos
constroem saberes e padres normativos que dizem respeito a uma moralidade
do que aceitvel e do que no o . Com isso podemos pensar que a no
aceitao destas identidades corre o risco de se refletir como violncia e por
consequncia como um trauma de gnero na cultura.
O trauma no comporta a possibilidade de esquecimento. Maldonado e
Cardoso (2009) ressaltam o carter literal das manifestaes do trauma, fazen-
do-se presente nos atos e nas manifestaes corporais. Em termos de cultura
esse trao tambm cabe, visto a restrio da linguagem e das emoes para se
referir violncia de gnero e a literalidade das falas que se prendem aos fatos
concretos (FELMAN, 2014).

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Felman (2014) aponta para uma cegueira cultural em ver o trauma, refle-
tindo em uma sociedade que no v o trauma de gnero e, alm disso, vira as
costas para suas manifestaes e consequncias. Assim, o discurso das vtimas
e da cultura sobre os traumas de gnero permanece, at a atualidade, um dis-
curso esvaziado, onde a capacidade de representao no se d e a repetio
dos casos de violncia de gnero ocorre diariamente.

O trauma de gnero na cultura

A partir destas constataes nos questionamos sobre o que esse fato diz
sobre a nossa cultura e as relaes de gnero nela construdas. Entendemos que
as razes disso podem ser encontradas na estrutura da cultura que construda
por moralidade e normatividade que dizem sobre as condutas dos sujeitos e
que possuem repercusses no viver e na forma de construo e de acolhimento
das emoes pela sociedade.
A violncia de gnero acaba por ser legitimada por parte da sociedade,
muitas vezes encobrida sobre o vu do casamento, no qual as relaes de
gnero so vivenciadas de maneira traumtica, visto que a violncia sofrida
acaba por ser abafada e vista como naturalizada por seus membros e pela
sociedade (FELMAN, 2014). Assim, torna-se um tema que no discutido com
a profundidade necessria. Tanto mulheres quanto homossexuais e transexu-
ais esto submetidos a um julgamento social que manifesta uma estranheza
quanto manifestao destas identidades na cultura, o que aumenta mais ainda
a cegueira em reconhecer o que de fato significa o trauma de gnero e o que
de fato ele diz sobre as relaes e a sociedade.
Okin (2008) aponta que nos debates contemporneos sobre gnero h
uma tendncia a separar questes pblicas de questes privadas, separando-se
assim o pessoal do poltico. Para a autora tal percepo chega ao ponto de o
poltico e o pblico serem discutidos de maneira isolado ao que privado ou
pessoal. Esta dicotomia entre pblico e privado est presente originalmente na
diviso de trabalho, que designava ao homem as ocupaes da esfera pblica,
econmica e poltica e s mulheres a esfera privada da domesticidade e repro-
duo (OKIN, 2008). O que acaba por colaborar com a ideia de que os traumas
sofridos dentro de relaes privadas, como o casamento por exemplo, aca-
barem por no serem reconhecidos como questes que devem ser discutidas
coletivamente, reforando, assim, a invisibilidade da violncia de gnero.

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Soma-se a isso a ideia de que grande parte da experincia real das pes-
soas enquanto elas viverem em sociedades estruturadas por relaes de gnero,
de fato depende de qual seu sexo (OKIN, 2008, p.310). Para Narvaz e Koller
(2007) as prticas e produes discursivas acabam por legitimar desigualdades
de gnero e normalizar papis e lugares de gnero nas relaes sociais dos
sujeitos, sendo estas sexuais, afetivas ou familiares.
Felman (2014) fala que o ato de ver vai alm do fisiolgico e torna-se
um ato inconscientemente poltico. Com base nisso, refletimos o que habita o
inconsciente cultural que confere a cultura a sua deficincia em ver os traumas
de gnero. O autor aponta o fato de existir uma espcie de prescrio poltica
para no ver a violncia de gnero, refere, ainda, que tal prescrio que enco-
bre a viso motivada pelo dio. Assim, o dio que no reconhecido pela
cultura como tal e encontra sua forma de expresso na violncia psicolgica,
fsica e sexual, por exemplo.
O dio permanece de forma latente na cultura o que dificulta a construo
de discusses por parte da sociedade sobre o que est no cerne da violncia
de gnero que habita as relaes de gnero e a sociedade contempornea.
Entendemos que este dio nasce das concepes culturais do certo e do errado,
entendimentos estes calcados em construes morais que podem gerar o dio
contra o que desvia do considerado certo. Este dio que exclui o considerado
diferente, exclui tambm da viso a violncia que sofrem.
Para Birman (2012) tambm entra em questo o narcisismo da nossa cul-
tura, na qual o imperativo o individualismo e as vivncias solipsistas, nas quais
o outro considerado um inimigo e um rival, sendo assim, no h vivncias de
solidariedade e de alteridade. Esta questo colabora com os posicionamentos
polticos e sociais perante as violncias de gnero.

Consideraes finais

Conclui-se que a violncia de gnero constitui um trauma dentro das


relaes e na cultura contempornea, visto que diz respeito a algo que no
consegue ser representado e significado, o que se nota pelos seus discursos
coletivos esvaziados sobre a violncia de gnero e na sua repetio histrica.
No h espaos na cultura para que o trauma seja representado e dotado de
emoes que realmente expressem a amplitude do que foi vivido, negando-se a
dimenso de sua existncia e de seus efeitos nas vivncias subjetivas e coletivas

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do sujeito que o vivenciou. Tambm negado s mulheres, homossexuais e


transexuais espaos de construo e reconhecimento de sua importncia na
vida pblica. Esse cenrio refora a necessidade do debate sobre a violncia de
gnero na cultura contempornea ser posto em questo, com o questionamento
dos padres morais e no caminho da construo de um dilogo necessrio
sobre as questes que esto na raiz da violncia e que tambm encobrem sua
viso.

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MALDONADO, G. CARDOSO, M. R. O trauma psquico e o paradoxo das narrativas


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n.2. 2008.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1349 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

ENTRE A TCNICA E A MORAL:


PENSANDO A SEXUALIDADE NO DIREITO

Andressa Regina Bissolotti dos Santos


Mestranda em Direitos Humanos e Democracia
Universidade Federal do Paran
[email protected]

Dhyego Cmara de Arajo


Mestrando em Direito do Estado
Universidade Federal do Paran
[email protected]

GT 06 - Afetos, erotismos, novas/outras conjugalidades: sexualidades (re)inventadas


nas vivncias no heteronormativas

Resumo

O presente trabalho busca explicitar os meandros do jogo travado pelas e a partir


das subjetividades LGBT no interior do Direito, sobretudo levando-se em con-
siderao os modos de fabricao dessas identidades atravs da economia de
discursos relacionados aos saberes psi, biolgicos, morais e jurdicos. Nessa com-
plexa rede de saber-poder, verifica-se que o debate pretensamente tcnico do
discurso jurdico fortemente carregado pelas regras e padres de carter moral,
sobretudo quando se discute no judicirio direitos relativos a pessoas LGBT, cujo
nvel de discriminao sofrido varia de acordo com a posio moralmente aceit-
vel que ocupa o indivduo ou grupo em questo. Vislumbra-se a atuao do direito
como ator de depurao da sexualidade, ao tratar da homossexualidade atravs do
conceito jurdico de homoafetividade, espao subjetivo higienizado que se tornou
baliza do reconhecimento de direitos, tanto mais restringidos ao tratar de direitos
de pessoas trans. Todo esse cenrio a demonstrar que certas mudanas puderam
e podem ser efetivadas via judicializao, mas preciso atentar para os efeitos
deflagrados por esse jogo, que tem no seu bojo uma moral institucionalizada.
Palavras-chave: direito; moral; sexualidade; homoafetividade; pessoas trans.

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Introduo

Precisamos verdadeiramente de uma verdadeira identidade?


Parafraseando Michel Foucault, que ao invs de identidade, havia nos questio-
nado a respeito de um verdadeiro sexo, as duas questes, no limite, apontam
para o mesmo sentido: o sexo enquanto construtor de uma identidade fixa
pautada na sexualidade dos corpos, isto , os corpos enquanto identidades
sexuadas.
A fabricao dessas subjetividades tidas como verdadeiras e, portanto,
imutveis, se d atravs de uma rede complexa de saberes interligados entre
si capaz de instaur-las sob o manto de certezas cientficas pelos discursos psi
e biolgicos, dispostas em uma hierarquia poltica e social de acordo com as
regras morais que passam a habitar o mbito jurdico como corpos sexualizados
construdos por todos esses aparatos discursivos em conjunto.
O presente trabalho pretende abordar as formas a partir das quais so
consideradas tais subjetividades no campo do direito, demonstrando o carter
higienizante na homoafetividade, conceito jurdico depurado da sexualidade
presente na palavra homossexualidade, para, em seguida, adentrar no debate
a respeito das identidades trans, corpos que no adentraram o ambiente clean
criado pela juridicidade dos laos homoafetivos e que, por tal razo, ainda
habitam os espaos subjetivos de marginalizao, promiscuidade, violncia e
degenerao.

A sexualidade no discurso jurdico da famlia homoafetiva

Nos corredores das Faculdades de Direito do pas corre uma novidade:


ela foi chamada de Direito Homoafetivo. Responsvel por congregar as discus-
ses acerca da existncia jurdica das relaes afetivo-sexuais entre pessoas do
mesmo sexo, esse novo ramo do Direito surgiu aps a concretizao de um
processo de luta judiciria que se estendeu por toda a primeira dcada deste
sculo, culminando na deciso proferida na ADPF 132/ADI 4277, a qual decla-
rou: as famlias homoafetivas tm existncia jurdica. Na academia os trabalhos
que abordam as homossexualidades so considerados old school: a manifesta-
o j foi dada, pessoas homossexuais se casam e adotam crianas, no h mais
do que se falar.

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Pensemos a trajetria desse novo campo do Direito. Em 2001 o PL


1151/1995, de autoria da ento deputada Marta Suplicy, foi definitivamente
arquivado. Com a perda da esperana no Legislativo, o Judicirio acabou se
tornando em espao privilegiado de lutas: o ento movimento GLBT girou seus
esforos de articulao para advogados, juzes, promotores (MELLO, 2005).
Um pouco antes Maria Berenice Dias cunhara o termo homoafetividade,
ao qual fez referncia pela primeira vez em obra intitulada Unio homossexual:
o preconceito e a justia, publicada no ano 2000, que em sua quarta edio
passou a se chamar Unio homoafetiva: o preconceito e a justia. Em constan-
tes manifestaes, a autora declarou que a cunhagem do termo tinha a inteno
de destacar o aspecto afetivo dessas relaes, afastando a imagem de promis-
cuidade que recaa sobre elas.
A adoo dessa estratgia no meio jurdico veio de parelha com as cam-
panhas de alguns grupos do prprio Movimento LGBT, no sentido de promover
uma imagem mais socialmente aceitvel de homossexual, que foi acompanhada
por uma prtica de desvalorizao de aspectos mais marginais das existncias
gays e lsbicas (MISKOLCI, 2007).
Esse movimento facilmente identificvel no discurso jurdico da famlia
homoafetiva: os argumentos doutrinrios e jurisprudenciais correntemente utili-
zam o elemento da quase correspondncia com a norma como forma de pautar
direitos. Nesses termos, defendia-se que as relaes homossexuais deveriam ser
juridicamente reconhecidas porque nelas nada havia de diferente em relao
s heterossexuais o que requeria, claro, que a visibilidade se centralizasse
em sujeitos especficos, relegando a uma nova margem aquelas composies
incapazes de se assemelharem norma.
Nesses termos, grande parte da produo doutrinria que acompanhou
o formato do Direito Homoafetivo caracterizada por uma forte idealiza-
o das relaes familiares como um todo, acompanhada da celebrao do
amor romntico e da pureza das relaes amorosas injustiadas que se busca
reconhecer. O prprio voto do Ministro Ayres Britto, relator da ADPF 132,
constante em sua celebrao da famlia nuclear como espao natural e primeiro
de realizao e de afetividade.
A sexualidade foi retirada no apenas do termo: toda a argumentao
precisou ser dela depurada, para que fosse juridicamente aceita. Curiosamente,
a traduo em termos tcnicos e/ou jurdicos das demandas do movimento no

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campo das conjugalidades e parentalidades passou muito mais por uma higieni-
zao (RIOS, 2013) do que por uma tecnicizao.
OLIVEIRA (2007), ao entrevistar magistrados brasileiros acerca de suas
posies quanto s conjugalidades homoerticas, apontou para a proeminncia
de argumentos morais e religiosos, sobre quaisquer argumentos tcnicos. Foi
s noes morais dos magistrados que a advocacia defensora dessas teses teve
de apelar; a discusso no se deu em termos de liberdade, ou legalidade, mas
sim em termos do que poderia ou no ser considerado normal e/ou legtimo no
comportamento sexual humano1.
No fim, inobstante o giro de um campo eminentemente poltico o
Legislativo para um campo supostamente tcnico o Judicirio a discusso
permaneceu sendo travada em termos morais e religiosos. O Judicirio parece,
assim, ser to poltico quanto as demais instncias que se propem a discutir a
sexualidade.

A discusso em torno do uso dos banheiros por pessoas Trans

Chegou recentemente ao Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinrio


845.779/SC, cuja discusso gira e torno do debate sobre as expresses de
gnero, mais especificamente no que diz respeito s mltiplas questes relacio-
nadas identidade de transexuais, travestis e transgneros, posto que se atribuiu
efeitos de repercusso geral, mas que, no caso em questo, dizia respeito ao
direito de Ama Filho frequentar banheiro pblico feminino.
O ministro relator Luiz Barroso, acompanhado pelo voto do ministro Edson
Fachin, afirmou tratar-se de questo de ponderao entre o direito de uso de
banheiro feminino de acesso ao pblico por parte de pessoas mulheres-trans e
o direito de privacidade das mulheres-cis, afirmando que o suposto constran-
gimento das ltimas no se compara com o desconforto sofrido por aquelas
obrigadas a utilizarem banheiros masculinos, em razo de que, nesse caso, a
agresso seria dirigida natureza dessas pessoas, uma agresso identidade
dessas pessoas, ao modo como elas se percebem, ao modo como elas vivem
suas vidas.

1 Essa uma tendncia, fique claro, no s brasileira: Butler (2003) ao abordar a discusso dos Pactos
Civis na Frana, observa o mesmo movimento.

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Muito embora se posicionem de modo favorvel afirmao dos direitos


ali discutidos, os votos dos ministros citados ainda se reportam noo de
identidade ou s expresses de gnero como algo fixo, radicado no mbito da
natureza humana, que diria respeito, portanto, a uma imutabilidade, posto que
se trataria de algo que se . Armado sob essa mesma justificativa naturalizante,
cujo sinal, entretanto, fora invertido, encontra-se o argumento do ministro Luiz
Fux, que requisitou vistas do processo na medida em que a anlise de tais temas
suscitam desacordo moral to expressivo.
Acrescentando que existe pessoas que se vestem de mulher para praticar
pedofilia ou abuso sexual, Fux argumentou: Imagine como ficar o pai mais
conservador que tem uma filha, sabendo que ela est numa escola e qualquer
pessoa com gnero idntico ao dela vai poder frequentar o mesmo banheiro
que a filha. Na mesma linha assinalou o ministro Lewandowski ao sublinhar
sua preocupao com a proteo da intimidade e da privacidade de mulheres
e crianas do sexo feminino que esto numa situao de extrema vulnerabili-
dade quando esto no banheiro.
Vislumbra-se, nos argumentos contrrios, a construo dessas subjetivi-
dades sob uma chave interpretativa que as compreende a partir de categorias
essencializadoras, ou melhor, num entrecruzamento entre a biologia e a moral,
que apontam para um terreno no qual se pressupe como filtro de inteligibili-
dade desses corpos suas identidades sob suspeita, ou mesmo perigosas, pelo
simples fato de sua expresso de gnero no corresponder norma heterosse-
xual e cisgnero estabelecida. Norma que se credita como estvel e que atribui
tal carter a todos os corpos tidos em relao a ela como anormais, que por sua
vez, por transitarem por uma zona de ambiguidade de nomes, de genitlias,
de comportamentos sugere[m] uma ambiguidade maior e, por isso, mais
perigosa ou capaz de causar desordem simblica. A ideia de que a verdadeira
identidade est oculta ou confusa, impedindo a dignidade e personalidade
exigidas [...] (CARRARA; VIANNA, 2006, p. 244).
A evocao de uma verdadeira identidade nos remete clssica pergunta
de Michel Foucault ao prefaciar o dossi sobre Herculine Barbin: Precisamos
verdadeiramente de um verdadeiro sexo? (FOUCAULT, 1982, p. 1 grifos do
original). Para o autor, a afirmativa obstinada essa pergunta tem suas razes
cravadas na modernidade, e o seu desenrolar fez com que, para barrar os aci-
dentes da natureza ou mesmo da dissimulao consciente dos indivduos que se
aproveitavam de certas estranhezas anatmicas, houvesse um grande interesse

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moral no diagnstico mdico do verdadeiro sexo (FOUCAULT, 1982, p. 3 gri-


fos no original).
nesse contexto que se v confluir duas categorias at ento distintas,
quais sejam, o monstro e o desviante sexual, que passam a se comunicar entre si,
processo cuja traduo se deu na emergncia do monstro sexual (FOUCAULT,
2001, p. 76). De incio, uma monstruosidade que dizia respeito uma mistura
dos sexos, a uma transgresso dos limites naturais do corpo, superado, pos-
teriormente, pela condenao de gostos perversos, aparece a atribuio de
uma monstruosidade que no mais jurdico-natural, que jurdico-moral; uma
monstruosidade que a monstruosidade da conduta, e no mais a monstruosi-
dade da natureza (FOUCAULT, 2001, p. 91).
Seja pela monstruosidade da natureza, porque vistos como aqueles capa-
zes de subverter a ontologia de uma verdadeira identidade primeira ou de um
sexo nico; seja pela monstruosidade dos comportamentos, porque represen-
tadas no bojo das aes jurdicas sob uma imagem de desordem urbana, em
que o duplo desvio sexual (homossexualidade e prostituio) aparece conec-
tado pobreza, ao trfico e s favelas (CARRARA, VIANNA, 200, p. 245),
ou como figuras perigosas cuja presena em banheiros pblicos deixariam os
que ali se encontrassem em estados de vulnerabilidade, a fabricao dessas
subjetividades operacionalizada por todo esse enredo complexo construdo
pelos saberes mdicos, biolgico e psi emaranhados na moral, em uma estreita
parceira com o direito.
Tais reflexes revelam o forte teor moral higienizante em que esto mer-
gulhados os debates jurdicos a respeito de gnero e sexualidade, sobretudo
quando se discute direitos relativos a transexuais, travestis e transgneros, que
carregam em seus corpos e condutas que confundem os olhares discriminat-
rios algo que para esses estaria no nvel da perverso, da degenerescncia e
da periculosidade: monstros sexuais do sculo XXI sobre os quais recaem os
efeitos de um preconceito institucional porque embaralham as noes de um
verdadeiro sexo.

Consideraes finais

No clssico Histria da Sexualidade Foucault (2014) retrata as formas atra-


vs das quais o Direito passou a se relacionar com a sexualidade, regulando-a
nos termos de normas de natureza e funcionamento extra-jurdicos. A esfera

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jurdica passou a operar em circularidade de sentido com a esfera normalizadora/


disciplinar (FONSECA, 2002) e a sexualidade sempre um ponto de convergn-
cia nesses esquemas: convergncia entre disciplina e biopoltica, entre moral e
Direito. Entre regular o acesso s possibilidades legtimas de relaes humanas
e criminalizar as expresses desviantes da norma sexual, o Direito permaneceu
como um dos saberes-poderes capazes de dizer a verdade sobre o sexo.
Com as recentes conquistas judiciais em prol dos direitos LGBT, atores
do campo jurdico e mesmo dos movimentos LGBT passaram a enxergar e
tematizar o Direito principalmente o campo judicial de forma diversa: como
espao de lutas, de garantia de direitos. De fato, certas mudanas puderam ser
efetivadas atravs da judicializao. Mas preciso atentar para os termos em
que essas mudanas se deram.
O fato que o modo de operar do Direito em relao sexualidade pouco
mudou. Ele permanece detendo o poder de dizer da legitimidade das relaes
humanas, tendo apenas expandido o nmero de relaes em seu bojo; mas as
experincias e vivncias excludas permanecem existindo, permanecem resis-
tindo. A sexualidade permanece sendo esse espao de confluncia de poderes
e discursos; esse espao em que a pretensa tcnica jurdica revela-se em sua
verdadeira face: a de uma moral institucionalizada.

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Referncias

CARRARA, Srgio. VIANNA, Adriana R. B. T l o corpo estendido no cho...: a vio-


lncia letal contra travestis no municpio do Rio de Janeiro. Physis: Revista de sade
coletiva, n. 16, Rio de Janeiro, 2006, p. 233-249.

FONSECA, Mrcio Alves da. Michel Foucault e o Direito. So Paulo: Editora Max
Limonad, 2002.

FOUCAULT, Michel. Herculine Barbin: o dirio de um hermafrodita. (Traduo de


Irley Franco). Rio de Janeiro: F. Alves, 1982.

______. Os anormais. Curso no Collge de France (1971-1975). (Traduo de Eduardo


Brando) 1 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2001.

_____. Histria da Sexualidade: A vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa


Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 1 ed. So Paulo: Paz e Terra, 2014.

MELLO, Luiz. Novas Famlias: Conjugalidade homossexual no Brasil contemporneo.


Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

MISKOLCI, Richard. Pnicos morais e controle social reflexes sobre o casamento


gay. In: Cadernos Pagu, n. 28, Campinas: Jun/Jul 2007. p. 101-128. Disponvel em:
<http://www.academia.edu/288793/Panicos_Morais_E_Controle_Social>. Acesso em:
28/10/13.

RIOS, Roger Raupp. As unies homossexuais e a famlia homoafetiva: o direito


de famlia como instrumento de adaptao e conservadorismo ou a possibilidade de
sua transformao e inovao. Civilista.com. ano2. n.2. 2013. Disponvel em: <http://
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Acesso em: 04/10/2014.

OLIVEIRA, Rosa Maria Rodrigues de. Isto contra a natureza...: acrdos judiciais
e entrevistas com magistrados sobre conjugalidades homoerticas em quatro esta-
dos brasileiros. IN: GROSSI, Miriam Pillar; MELLO, Luiz; UZIEL, Anna Paula (orgs.).
Conjugalidades, parentalidades e identidades lsbicas, gays e travestis. Rio de
Janeiro: Garamond, 2007. Pp.131-152.

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SEXUALIDADE E PRECONCEITO:
INTOLERNCIA E DISCRIMINAO DENTRO
DA PRPRIA COMUNIDADE LGBT

Nathlia Hernandes Turke


Discente do curso de Cincias Biolgicas da Universidade Estadual de
Londrina (UEL)
[email protected]

Caroline Pianta de Paula


Discente do curso de Psicologia da UniCesumar Campus Maring
carol.pianta13@ hotmail.com

Virgnia Iara de Andrade Maistro


Doutora em ensino de Cincias e Educao Matemtica pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL)
Docente da UEL das disciplinas: Metodologia e Prtica de Ensino de Cincias
Biolgicas e Estgio Supervisionado Obrigatrio da Licenciatura em Cincias
Biolgicas e Sexualidade/Sade. Docente do Curso de Ps-Graduao em
Ensino de Cincias Biolgicas na disciplina Educao Sexual/Sexualidade.
[email protected]

GT 08 - Gnero, diversidade sexual, emoo e moralidade

Resumo

Em uma sociedade oriunda de preconceitos enraizados historicamente, a qual


ignora episdios de excluso e segregao de minorias, a comunidade LGBT+
luta por seus direitos, contribuindo para maior justia e igualdade. Contudo, se
dentro da populao h preconceito, o que se espera de uma comunidade espe-
cfica? Objetivou-se fazer um levantamento do preconceito existente (ou no)
dentro da prpria comunidade LGBT+ atravs da aplicao de um questionrio
online para 87 pessoas, destacando os principais alvos desta discriminao, bem

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como as justificativas para tal. Notou-se enorme intolerncia mesmo dentre as


minorias, sendo a maior parte voltada para pessoas bissexuais e transexuais,
revelando que h necessidade de maior conhecimento e respeito por parte de
toda a sociedade.
Palavras-chave: Identidade de gnero; orientao sexual; heteronormatividade;
padres sociais; homofobia.

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Introduo

Aprende-se desde cedo que h diferenas entre as pessoas, onde nota-se


que os amigos, os familiares, entre outros, apresentam caractersticas que os
tornam nicos. Ao crescer, descobre-se que as diferenas vo alm todos
possuem pensamentos, atitudes, crenas, valores e gostos diferentes e, como
biopsicossociais, h a criao de afinidades entre as singularidades, formando
grupos com objetivos em comum, surgindo uma sociedade.
O contexto histrico, social, cultural e poltico so determinantes para a
criao de valores, crenas e pensamentos preconceituosos dirigidos s pessoas
LGBT (Lsbicas, Gays, Bissexuais e Transgneros), os quais se enraizaram na his-
tria como a herana dos colonizadores europeus. Apesar da modernizao de
um pas com mais de 500 anos de histria, bem como transformaes sofridas
em mais de cinco sculos, ainda h costumes que insistem em no se modifi-
car. Mesmo sendo o preconceito negado na maioria das esferas da sociedade,
onde pessoas dizem que o mesmo est deixando de existir por conta de uma
mudana social relacionada com a valorizao dos direitos legais da comu-
nidade LGBT, esta populao continua a ser alvo de discriminao a diversos
nveis (COSTA et al., 2010).
O preconceito a forma mais vil de discriminao, de no respeitar o
simples direito do outro de existir e ser da forma que ele quiser. Segundo Ramos
e Carrara (2006), desde a dcada de 80, o movimento homossexual brasileiro
divulga o termo homofobia para designar crimes motivados pela orientao
sexual, sendo caracterizado, de acordo com Leony (2006, p.1), como o dio
explcito, persistente e generalizado; manifesta-se numa escala de violncia
desde as agresses verbais (...) at os extremados episdios de violncia fsica,
consumados com requintes de crueldade.
Clarke et al. (2010) destaca que apesar de existir certa partilha na discri-
minao entre identidades categorizadas, as pessoas bissexuais e transexuais
so alvo de diferentes experincias e preconceitos, onde muitos pensam que
ser bissexual possuir certo grau de confuso de identidade, sendo proms-
cuos, possuindo vrios parceiros ao mesmo tempo; e transexuais fogem s
regras de uma sociedade onde o gnero visto de forma rgida e binria, e por
isso excludente. A sociedade evoluiu, porm, diversas vezes, se esqueceu dos
ensinamentos da infncia sobre as diferenas, do respeito ao outro. Portanto,
nota-se que as pessoas caminham a passos curtos, de forma lenta em direo

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a um futuro onde as singularidades possam ser o que une uma comunidade e


no o que a separa.
Se dentro de uma sociedade h preconceito, o que dizer dentro de um
grupo, de uma comunidade especfica? A comunidade LGBT+ historicamente
conhecida por sempre lutar por seus ideais, buscar seus direitos e contribuir
para uma sociedade mais justa e igualitria. Diante disto, esse trabalho teve por
finalidade constatar se h preconceito dentro da prpria comunidade LGBT+ e,
se sim, quais os principais alvos desta discriminao (homossexuais, bissexuais
e/ou transexuais), bem como os motivos existentes para tal.

Metodologia

A presente pesquisa foi realizada com a aplicao online de um question-


rio para 87 pessoas LGBT+ (homossexuais, bissexuais, transexuais e assexuais).
O questionrio foi dividido em duas partes, sendo a primeira necessria para
o conhecimento do sexo (masculino ou feminino), gnero (cisgnero ou trans-
gnero) e orientao sexual (heterossexual, homossexual, bissexual, pansexual,
assexual ou no definido).
A segunda parte foi composta por quatro perguntas de cunho pessoal,
onde o entrevistado deu sua opinio acerca de algo real ou pde escrever
sobre situaes que j aconteceram consigo mesmo, sendo as questes: Curto
macho, corpo e jeito de homem. Se fosse pra ficar com um viadinho (afemi-
nado) prefiro ficar com mulher. Qual a sua opinio sobre essa afirmao?, Eu
no ficaria com um/uma bissexual porque so pessoas promscuas, que esto
em cima do muro. No sabem o que querem e, se eu tentar um relacionamento,
com certeza eu vou ser trado/a por algum do sexo oposto. Qual a sua opinio
sobre essa afirmao?, Em um debate em uma comunidade no Facebook,
alguns gays no aceitaram a entrada de travestis, por afirmarem que as mesmas
mancham, denigrem a imagem dos homossexuais, enfatizando que as travestis
so bizarras, medonhas e que para ser gay no precisa virar mulher. Qual a
sua opinio sobre o ocorrido?, Se quer uma mulher que se parea com um
homem, por que no fica logo com um cara? O que acha dessa afirmao?.
Os questionrios foram avaliados mediante as seguintes questes: H
preconceito dentro da prpria comunidade LGBT+? Quais as justificativas das
pessoas preconceituosas para tal?.

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Resultados e Discusso

Com relao primeira parte do questionrio, teve-se como resultado


que, dentre as 87 pessoas entrevistadas, 44 so do sexo masculino e 43 do sexo
feminino, tendo ficado equilibrada a proporo de homens e mulheres. Em rela-
o ao gnero, 73 pessoas so cisgneros, enquanto 14 so transgneros, sendo
11 transexuais homens e 3 transexuais mulheres. No que se refere orientao
sexual, obteve-se 1 assexual, 4 heterossexuais, 12 pansexuais, 22 bissexuais, 47
homossexuais e uma pessoa no possui o sexo definido.
A segunda parte do questionrio, composta por perguntas de cunho
pessoal, teve como finalidade avaliar se h preconceito dentro da prpria
comunidade LGBT+ e, se sim, foram feitas as seguintes questes ao analisar
os resultados: Qual a intensidade?. Quem sofre o maior preconceito? Gays
afeminados? Lsbicas masculinas? Transexuais? Bissexuais?. Por parte de
quem esse preconceito mais intenso?.
A primeira questo da segunda parte do questionrio teve como finalidade avaliar
se h preconceito contra homens homossexuais afeminados 6 pessoas concorda-
ram com a afirmao preconceituosa , sendo dois homens, cisgneros, homossexuais,
com ensino mdio completo; dois homens, cisgneros, bissexuais, com ensino mdio
completo; duas mulheres, cisgneros, bissexuais, com ensino mdio completo. Alm
disso, duas pessoas afirmaram que um dia concordaram com essa afirmao (um
homem, cisgnero, homossexual, com o ensino superior incompleto e uma mulher,
cisgnero, homossexual, com ensino superior incompleto) , mas que, ao obter mais
informaes sobre o assunto, percebeu quanto equivocada ela .

Quadro 1 Respostas dos entrevistados para a primeira pergunta da segunda parte do questionrio.
Resposta para a sexta questo: Curto macho, corpo e jeito de homem.
Pessoa
Se fosse pra ficar com um viadinho (afeminado) prefiro ficar com
entrevistada
mulher. Qual a sua opinio sobre essa afirmao?
Entrevistado o preconceito que foi inserido na cabea de homossexuais ou bissexuais.
35 Apesar de terem a mesma orientao sexual, o preconceito prevalece.
Entrevistado Misgina, heteronormativa e infelizmente muito comum, principalmente no
59 meio gay.
Precisei de muita instruo pra no falar mais isso, coisa que fazia aos 15/16
Entrevistado
anos. Hoje acho ridculo dizer isso, mas pode ser uma questo de falta de
69
informao.
Entrevistado H um tempo eu diria que concordo com essa frase. Hoje sinto vergonha de
75 um dia ter concordado com isso.

Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nas respostas dos entrevistados

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Com relao segunda pergunta, a qual diz respeito bifobia, das 87


pessoas entrevistadas, 8 demonstraram, explicitamente, preconceito contra
bissexuais, sendo 1 mulher cisgnero homossexual e 7 homens cisgneros
homossexuais, e 3 afirmaram que j sentiram isso um dia.
A terceira pergunta tratou da transexualidade e o preconceito envolvido
no apenas pela orientao sexual de uma pessoa transexual, mas tambm por
sua identidade de gnero. Apenas 4 pessoas concordaram com a afirmao
(direta ou indiretamente), porm a maioria respondeu que o preconceito sofrido
por travestis e transexuais continua sendo imenso no apenas pela sociedade
em geral, mas dentro da prpria comunidade LGBT+.

Quadro 2 Respostas dos entrevistados para a oitava pergunta da segunda parte do questionrio.

Resposta para a oitava questo: Em um debate em uma


comunidade no Facebook, alguns gays no aceitaram
a entrada de travestis, por afirmarem que as mesmas
Pessoas
Descrio mancham, denigrem a imagem dos homossexuais,
entrevistadas
enfatizando que as travestis so bizarras, medonhas e
que, para ser gay, no precisa virar mulher. Qual a sua
opinio sobre o ocorrido?
Cada um se sente bem como quiser ser. O problema a
Entrevistado Homem, cisgnero,
baguna ou o fatos que a MAIORIA denigre a imagem
25 homossexual
dos gays.
Existe muito preconceito dentro da prpria comunidade
LGBT+. aquela famosa frase: Quando a educao
Entrevistado Mulher, cisgnero,
no libertadora, o sonho do oprimido ser opressor.
39 homossexual
Vejo que algumas pessoas da prpria comunidade ainda
reproduzem pensamentos heteronormativos.
Homem,
Entrevistado Acho que muitas travestis e transexuais sofrem diversos
transgnero,
50 preconceitos dentro da prpria comunidade LGBT+.
pansexual
Entrevistado Homem, cisgnero, Temos que lutar muito contra a transfobia, inclusive no
70 transexual meio LGBT+. A heterocisnormatividade ainda prevalece.
Mulher, Ai... Ainda tem muito gay que pensa assim, n? Chega
Entrevistado
transgnero, a ser triste. Uma pena que at os gays reproduzam
78
homossexual homofobia.

Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nas respostas dos entrevistados

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A ltima pergunta levantou opinies sobre mulheres lsbicas que se ves-


tem com roupas masculinas, as chamadas lsbicas bofes. Felizmente, apenas
duas pessoas demonstraram preconceito ao dar sua opinio sobre a afirmao:
Se quer uma mulher que se parea com um homem, por que no fica logo
com um cara? entrevistado 36: Faz um pouco de sentido (mulher, cisg-
nero, bissexual) e entrevistado 44: Eu concordo. Sou mulher e no fico com
caminhoneira, questo de gosto. Respeito quem goste, mas confesso que no
entendo (mulher, cisgnero, homossexual).
Atravs dessa pesquisa, observou-se que o grupo que menos sofre pre-
conceito dentro da prpria comunidade LGBT+ so as lsbicas bofes, contudo,
as propores de pessoas homofbicas (quando se fala em gay afeminado) e
transfbicas so maiores do que se imaginava; e a maior parte vem de homens
e mulheres cisgneros e bissexuais (homofobia contra gays afeminados) e de
homens cisgneros homossexuais (bifobia e transfobia).

Consideraes finais

A maior parte deste preconceito ainda existe por conta de uma questo
histrica, onde se eleva a heteronormatividade, impondo o que certo (homens,
msculos e fortes e mulheres, femininas e delicadas) perante a sociedade, bem
como por falta de informao sobre os diferentes grupos da comunidade LGBT+.
E este modo heteronormativo de pensar, este preconceito, tambm refletido
dentro da prpria comunidade LGBT+.
O que no se pode esquecer que se hoje em dia a sociedade est
comeando a se tornar mais flexvel, diminuindo este tabu imposto anos atrs,
porque, em dado momento, travestis, transexuais, lsbicas bofes e gays afe-
minados foram s ruas e deram a cara a tapa para conseguir um pouco de
respeito. Levanta-se, ento, a questo: Se o preconceito continua sendo to
grande dentro do movimento LGBT+, no havendo, muitas vezes, respeito dos
prprios membros para com a minoria, como querem que toda a sociedade
os respeite?.

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Referncias

CLARKE, E., ELLIS, S., PEEL, E., RIGGS, D. Lesbian, Gay, Bisexual,
TransandQueerpsychology: na introduction. Cambridge: Cambridge University
Press, 2010.

COSTA, C. G., PEREIRA, M., OLIVEIRA, J. M. de, NOGUEIRA, C. Imagens sociais das
pessoas LGBT. In C. Nogueira & J. M. de Oliveira (Eds.). Estudo sobre a discrimina-
o em funo da orientao sexual e da identidade de gnero (p. 93-147). Lisboa:
Comisso para a Cidadania e a Igualdade de Gnero, 2010.

LEONY, M. C. Homofobia, controle social e polticas pblicas de atendimento.


Pernambuco. 2006. Disponvel em: <http://www.adepol-se.org.br/Download/Artigo_
homofobia_Publica%C3%A7%C3%A3o2%5B1%5D.doc>. Acesso em: 12 abril 2016.

RAMOS S., CARRARA, S. A constituio da problemtica da violncia contra


homossexuais: a articulao entre o ativismo e a academia na elaborao de polticas
pblicas. PHYSIS: Rev. Sade Coletiva, 16(2), 185-2005. 2006.

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A AUTOAGRESSO REGULATRIA:
CONSIDERAES PRELIMINARES

Danilo Arajo de Oliveira


Aluno regular do Programa de Ps-Graduao em Educao, mestrado em
Educao
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]

Ramon Ferreira Santana


Aluno regular do Programa de Ps-Graduao em Letras, mestrado em
Estudos Literrios
Universidade Federal de Sergipe
[email protected]

GT 01 - Gnero (s), sexualidade (s), multiplicidade (s): micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

Este trabalho apresenta algumas consideraes preliminares relacionadas ideia


de autoagresso regulatria a partir do levantamento terico das discusses
mais recentes de gnero, especialmente tomando-se como referncia Butler
(2016), Louro (2011), Scott (1995) e Rich (2010). Esses apontamentos, no entanto,
atendendo aos requisitos do prprio feminismo de matriz ps-estruturalista, no
se limitam tratar somente as questes ligadas s mulheres, mas outras tambm
relacionadas s demais minorias sociais, como exemplo, os homossexuais. A
partir de uma reviso bibliogrfica, evidencia-se que as discusses relacionadas
a esta ideia de autoagresso regulatria, em uma sociedade que, atravs de
seus inmeros recursos de dominao, impe-nos a conduta heterossexual, so
extremamente necessrias.
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; gnero; homocultura; autoagresso
regulatria.

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Introduo

O objetivo do presente trabalho apresentar algumas consideraes


preliminares acerca do conceito de autoagresso regulatria, tomando como
referncia os mais recentes estudos relacionados ao feminismo de matriz ps-
-estruturalista, bem como os estudos ligados homocultura e diversidade
sexual. A necessidade de que este conceito seja melhor compreendido se d
pelo fato de vivermos, todos ns, em uma sociedade que, atravs dos seus
inmeros mecanismos de dominao, impe a conduta heterossexual como
referncia basilar na formao dos sujeitos. No entanto, a partir das conside-
raes apontadas por Butler (2016), Louro (2011) Scott (1995) e Rich (2010),
cada vez mais as questes de gnero e de sexualidade tm sido amplamente
discutidas em diversos mbitos, seja sob o vis da filosofia, da antropologia, da
sociologia, entre outros.
Para isto, este trabalho estar dividido em trs partes, sendo elas: 1) a
questo de gnero na contemporaneidade, que trata, em linhas gerais, acerca
de algumas das principais teorizaes relacionadas ao conceito de gnero na
atualidade; 2) a heterossexualidade compulsria e os mecanismos de domina-
o, que trata de como a sociedade da qual fazemos parte nos impe, seja de
modo inconsciente ou mesmo atravs do uso de diversos tipos de violncia,
a conduta heterossexual; e 3) a autoagresso regulatria, que trata especifica-
mente de uma anlise, ainda que parcial, do conjunto a que se refere o presente
conceito.
Convm ressaltar que em tempos de mudanas to profundas e necess-
rias, pensar a maneira como ns nos comportamos, nessa chamada modernidade
tardia, no sentido que Stuart Hall (2014, p. 14) coloca, bem como a prpria
maneira como ns nos constitumos ainda extremamente necessrio, posto
que as incertezas so tambm uma referncia e, por isso, um vis de constantes
anlises e reanlises do que est sendo construdo teorica e metodologicamente.

A questo de gnero na contemporaneidade

O termo gnero hoje tem adentrado inmeros espaos, no somente no


mbito das teorias sociais especficas ou mesmo nos discursos acadmicos rela-
cionados sexualidade: falamos aqui tambm de espaos fsicos as escolas,

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as assembleias ou mesmo o plenrio que fazem toda discusso relacionada a


este conceito entrar em enorme ebulio.
No Brasil, devemos a Guacira Lopes Louro (2011) algumas das conside-
raes mais apropriadas a que se refere a ideia de gnero, posto que as suas
pesquisas, bem como as tradues por ela feitas de textos basilares relaciona-
dos a essa questo, foram amplamente difundidas nos espaos acadmicos e
escolares. O conceito de gnero evidenciado por Louro (2011, p. 18) est dire-
tamente ligado histria do feminismo contemporneo, implicado lingustica e
politicamente em suas lutas.
Por feminismo contemporneo, convm ressaltar, compreende-se toda
mobilizao acadmica que, a partir de 1968, tem sido fortemente influen-
ciada pelos movimentos feministas em suas duas primeiras ondas e por suas
produes, sejam atravs de livros, jornais, revistas, bem como atravs de suas
marchas, seus protestos pblicos e suas aes polticas.
Com isso, efetuadas as desconstrues relacionadas aos binarismos
homem/mulher, masculino/ feminino, macho/fmea, faz-se necessrio que se
adote outro termo que no se limite aos determinismos biolgicos que o termo
sexo impe, mas implique tambm todas as questes relacionadas ao carter
fundamentalmente social das distines baseadas no sexo (SCOTT, 1995, p.
72). Da a adoo do termo gnero, inicialmente utilizado pelas feministas
americanas.
Neste sentido, conforme ainda aponta Louro (2011, pp. 25-26), quando se
enfatiza o carter fundamentalmente social do gnero, no se est excluindo sua
construo biolgica. O que se busca, atravs da constituio deste conceito,
pensar o quanto as relaes sociais, as formaes ideolgicas e as relaes de
poder influenciam diretamente a significao daquilo que, ainda que proviso-
riamente, constitui nossas identidades, sejam elas de natureza tnica, racial ou
sexual.
Dessa maneira, chegamos concepo de gnero apontada por Judith
Butler (2016, p. 69), quando esta afirma que o gnero a estilizao repetida
do corpo, ou seja, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura
reguladora altamente rgida, a qual se cristaliza no tempo, para produzir a apa-
rncia de uma substncia, de uma classe natural de ser.
Logo, todo discurso que considera o gnero uma estrutura meramente bio-
lgica e natural, cuja construo amplamente orientada pelo meio social do
qual fazemos parte, desmembra-se, visto que o mapeamento genealgico dos

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parmetros polticos que norteiam o modo como essa ontologia construda,


ratificam como essas estruturas so criadas e policiadas atravs das inmeras
relaes de poder que se estabelecem no interior da sociedade. Com isso, rati-
fica-se que os gneros se produzem, portanto, nas e pelas relaes de poder
(LOURO, 2011, p. 45).
Sob este prisma, infere-se que, tomando como referncia as considera-
es de Butler (2016, pp. 25-26), a distino entre sexo e gnero atende tese
de que, por mais que o sexo parea intratvel em termos biolgicos, o gnero
culturalmente construdo e, consequentemente, no nem o resultado causal
do sexo nem tampouco to aparentemente fixo quanto o sexo.

A heterossexualidade compulsria e os mecanismos de


dominao

Mediante o descompasso existente entre a performatividade dos gne-


ros, conforme possvel observar atravs de uma leitura mais cuidadosa deste
conceito, e as estruturas sociais altamente reguladoras e rgidas, adentramos na
anlise de um mecanismo que tem sido amplamente estudado por tericos que
tratam da sexualidade, dos corpos e das culturas minoritrias: a heterossexuali-
dade compulsria.
Para isto, um dos principais artigos relacionados ao termo , sem dvi-
das, o texto de Adrienne Rich, publicado originalmente em 1980, Compulsory
Heterosexuality and Lesbian Existence. Nele, a poeta e ensasta estadunidense
prope a ideia da heterossexualidade como uma instituio poltica que retira
das mulheres o seu poder.
Atravs das inmeras instituies que compem a nossa sociedade, sejam
elas o casamento, a igreja, a famlia, a maternidade etc., o homem no caso,
branco, heterossexual e cristo faz uso de diversos mecanismos que no ape-
nas retiram das mulheres a possibilidade de controlarem elas prprias as suas
vidas e tomarem as suas decises, como tambm impem compulsoriamente a
sua heterossexualidade. Para Rich (2010, p. 19), as mensagens da Nova Direita
dirigidas s mulheres tm sido, precisamente, as de que elas so parte da pro-
priedade emocional e sexual dos homens e que a autonomia e a igualdade
dessas mulheres ameaam a famlia, a religio e o Estado.
Logo, as instituies pelas quais as mulheres tradicionalmente so controla-
das, como dito, a maternidade no contexto patriarcal, a explorao econmica,

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a famlia nuclear, a heterossexualidade compulsria, entre outras, todas elas tm


se fortalecido enormemente atravs de legislaes, discursos religiosos, imagens
miditicas e esforos de censura (RICH, 2010, p. 19). Todos esses mecanismos
de dominao ratificam, deste modo, a estratificao hierrquica existente entre
homens e mulheres em nossa sociedade estratificao ainda mais violenta
quando consideramos, por exemplo, a existncia das lsbicas.
Os referidos mecanismos de dominao esto intimamente relacionados
chamada economia dos bens simblicos de Pierre Bourdieu (2014, p. 115)
quando este afirma que um outro fator determinante da perpetuao das dife-
renas entre os homens e as mulheres a permanncia que a economia dos
bens simblicos, do qual o casamento em sua estrutura tradicional pea cen-
tral, deve sua autonomia relativa, que permite dominao masculina nela
perpetuar-se, acima das transformaes dos modos de produo econmica.
Isto se d inclusive, ainda de acordo com o terico francs, com o apoio per-
manente e explcito que a famlia, principal guardi do capital simblico, recebe
das Igrejas e do Direito.
Assim, Rich (2010, p. 31) infere ainda que a ideologia do romance hete-
rossexual nos imposto desde muito cedo, por meio das histrias infantis, os
contos de fada, o cinema, a televiso, a literatura, a msica, as pompas do
casamento etc., apagando, consequentemente, qualquer comportamento que
esteja desvinculado dessa lgica heterossexual. Em outras palavras, as fbu-
las de gnero estabelecem e fazem circular a denominao errnea de que o
gnero se limita a fatos naturais (BUTLER, 2016, p. 13). Com isso, a heterosse-
xualidade compulsria o mecanismo que nos doutrina que somente o amor
heterossexual tem valor em nossa sociedade e em nossa cultura.
Consequentemente, as mulheres so as maiores vtimas dessa mentira
criada pela lgica da heterossexualidade compulsria, pois ela cria a profunda
falsidade, a hipocrisia, e a histeria no dilogo heterossexual, pois toda relao
heterossexual vivida atravs do nauseante estroboscpio dessa mentira que
coloca um sem-nmero de mulheres aprisionadas dentro de um roteiro pres-
crito, uma vez que elas no podem olhar para alm do parmetro do que
aceitvel (RICH, 2010, p. 41).
Se considerarmos a falta de privilgios que aflige as mulheres em nossa
sociedade, observaremos que a homossexualidade masculina e a homosse-
xualidade feminina possuem diferenas significativas, pois, para as lsbicas,
como se no bastasse a estratificao social mediante o fato de elas serem,

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biologicamente, mulheres, ainda as assola o fato de elas serem mulheres


homossexuais.

A autoagresso regulatria

Para que possamos adentrar, finalmente, ideia de autoagresso regula-


tria, faz-se necessrio mais uma vez retomar o que coloca Rich (2010, p. 28)
quando esta, ao tratar das questes ligadas heterossexualidade compulsria,
aponta para o fato das mulheres que, mediante sua desvantagem econmica,
procuram escapar dos inmeros tipos de violncia estejam eles ligados ao
local de trabalho dessas mulheres, ou mesmo a outras instituies sociais ,
voltam-se para o casamento como uma forma esperada de proteo.
Diz-se que estas mulheres, vtimas da imposio social que exige a afirma-
o da sua sexualidade atravs do casamento, cometem a chamada autoagresso
regulatria, pois, ao passo que elas no veem outra possibilidade de insero
na sociedade seno atravs do casamento, elas se lanam ao matrimnio como
ferramenta de sustentao da sua prpria sobrevivncia. H ainda casos mais
delicados quando as prprias lsbicas, impedidas de vivenciarem a sua sexuali-
dade, tambm so socialmente obrigadas a inserirem-se no seio de uma famlia
erguida nos moldes tradicionais da heterossexualidade compulsria.
Alm desta ser uma agresso que as mulheres so obrigadas a exercer
sobre si mesmas, por isso o prefixo auto, possvel inserir este tipo de agres-
so a um conjunto denominado por Butler (2016, p. 43) de prticas reguladoras,
pois so elas as responsveis pela formao e pela diviso de gnero na cons-
tituio da identidade e na coerncia interna do sujeito, ainda que o que se
concebe como identidade, coerncia e sujeito, na contemporaneidade,
possa sofrer inmeras alteraes ou descontinuidades.
Logo, a autoagresso regulatria acaba por ser o mecanismo de escape
que inmeros gays, lsbicas, bissexuais, entre outras minorias, fazem uso no
intuito de atenderem heterossexualidade compulsria que a sociedade da
qual fazemos parte exige que atendamos. Esta uma tentativa desesperada de
aderir a uma estrutura familiar que no atende de modo pleno a maneira como
sua prpria sexualidade se comporta. No entanto, na ausncia de outros meca-
nismos que lhe proporcionem uma insero social mais aceitvel, somado ainda
ao discurso do medo, conforme indicou Wittig (1992), o matrimnio dentro de

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um modelo tradicional se torna o escudo protetor das exigncias, dos coment-


rios e dos olhares preconceituosos.

Consideraes finais

Esta somente uma sutil contribuio para que melhor possamos com-
preender o modo como o problema da autoagresso regulatria merece maior
ateno, dado o dilogo que ele prope com o que se tem pesquisado acerca
das questes de gnero e da heterossexualidade compulsria. A necessidade
dessa compreenso mais ampla acerca do que somos, ainda que provisoria-
mente, posto que de um instante para o outro, possvel que passemos a ser
algo totalmente diferente, se d para que se atenuem os descompassos exis-
tentes entre a maneira como se comporta a nossa sociedade e a diversidade
presente no seio dessa prpria sociedade.
Assim, quando a visibilidade dessas questes atingirem os espaos que
lhes so convenientes as escolas, por exemplo , a enorme barreira que o
preconceito construiu talvez possa comear a ser desconstruda. Com isso, a
formao de uma conscincia coletiva atenta a essas questes ser o remdio
mais eficaz para que todos os seres humanos independentemente de qualquer
classificao de natureza social, tnica ou racial, possa viver com a dignidade
que lhe de direito.

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Referncias

BOURDIEU, Pierre. A dominao masculina. Traduo para o portugus de Maria


Helena Khner. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

BUTLER, Judith. Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade. Traduo


para o portugus de Renato Aguiar. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2016.

FOUCAULT, Michel. Histria da sexualidade 1: a vontade de saber. Traduo para o


portugus de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 2.
ed. So Paulo: Paz e Terra, 2015.

HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. Traduo para o portugus


de Tomaz Tadeu da Silva & Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2014.

LOURO, Guacira Lopes. Gnero, sexualidade e educao: uma perspectiva ps-estru-


turalista. 13. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2011.

RICH, Adrienne. Heterossexualidade compulsria e existncia lsbica. Bagoas. Natal,


vol. 4, n. 5, 2010, pp. 17-44.

SCOTT, Joan Wallach. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao &
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, n 2, jul./dez. 1995, pp. 71-99.

WITTIG, Monique. The straight mind and others essays. Boston: Beacon, 1992.

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AS REZADEIRAS DO CARIRI PARAIBANO: RELATOS DE


RESISTNCIA, POTNCIA E CUIDADO

Rebeca Arajo de Souza


Graduanda em Servio Social - UEPB - CCSA
[email protected]

Jussara Carneiro Costa


Professora Doutora - UEPB - CCSA
[email protected]

Maria Luiza Pereira Leite


Mestranda em Direitos Humanos, Cidadania e Polticas Pblicas UFPB - PPGBH
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s), micropoltica, performances e


prticas discursivas

Resumo

O presente artigo trata da prtica da reza em Boa Vista PB, analisando a sua
constituio desde os primrdios da fundao da cidade, e atravs das influ-
ncias de origem catlica europia, indgena, africana. Acentuando a potncia
subversiva da reza frente norma e a sua constituio como uma prtica recon-
figurada que subverte a fora normativa dos dogmas na religao com o divino.
Problematizando como as mulheres desenvolveram mecanismos de cuidado
de si, aumentando suas subjetividades. Constituindo um cuidado sobre/ para
o outro/ a de forma que destoam e desconstroem a lgica do farmacopoder.
Ressaltando como o oficio da reza representa um lugar de refgio, notabili-
dade e voz para as mulheres em outras pocas e nos dias de hoje diante da
heteronormatividade.
Palavras-chave: Potncia; Memria; Cuidado; Resistncia; Mulheres

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Introduo

O presente trabalho pretende localizar o oficio da reza como cenrio de


resistncia das mulheres ao longo do tempo, representando uma prtica de
cuidado. E como a reza se constitui como discurso reconfigurado que subverte
a norma, sendo um retrato da construo da memria das mulheres que sobre-
viveram e transformaram os seus espaos cotidianos.

Boa Vista: a reza e os saberes subalternos

As prticas indgenas, de origem africana e o distanciamento da Igreja a


vrios pontos das capitanias, seja devido distncia de localidade ou pela pr-
pria negligncia da Igreja, construram um contexto propcio a uma gerao de
costumes que vingam at os nossos dias. So os/as nossos/as curandeiros/as, can-
tadores/as, boiadeiros/as, rezadeiras/es que guardam poderosas oraes, rezas e
benditos transmitidas pela tradio oral e, por isso, cada vez mais raros/as.
Boa Vista foi fundada por andarilhos que penetravam at o interior em
busca de fincar uma sesmaria, os Oliveira Ldo, por meados do sculo XVI.
No municpio nasceram minha av Laura Gonzaga, seus irmos e irms e meu
av Valfredo Gomes. Como lcus afetivo, Boa Vista sempre me nutriu muitas
inquietaes, mas foram os aportes epistemolgicos com que estive em con-
tato nos ltimos tempos que me possibilitaram delinear e dar corpo s minhas
inquietaes.
Refiro-me de modo mais especifico aos saberes subalternos que, con-
forme observa o socilogo Richard Miskolci (2014) questionam a inflexo entre
saber/ poder no ocidente, desde o filosofo grego Plato (348/347 a.C) em torno
da ciso dicotmica entre natureza e razo, fixando uma dicotomia que divide
o que do mundo ideal do mundo fsico, sendo uma relao onde um ponto
oposto sempre ser inferior ao outro. Foucault (1999/ 1980-1988/ 1990/ 2008)
traz uma abordagem que nos apresenta como o poder de dominao extrai sua
fora atravs do estabelecimento da norma pelos processos de normatizao
dos corpos e da medicalizao das condutas. Na inflexo entre saber/poder
podemos identificar as especificaes e desenrolamentos sobre o poder de
Michel Foucault que argumenta o mesmo como uma rede tensionada e que se
estende de forma micro em diversas instncias da sociedade, pelas quais pos-
svel perceber o poder como um exerccio. Como desdobramento da analtica

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proposta por Foucautl, Gilles Deleuze aponta a sociedade de controle, carac-


terizada pelo capitalismo sobre produo com foco no consumo. J o filosofo
queer Beatriz Preciado (2011) enfatizar a existncia de um farmacopoder dis-
correndo sobre os processos de medicalizao das condutas e corpos.
A preocupao com o tipo de tica construda derivada de tal modelo
levou o filsofo Friedrich Nietszche a questionar os seus efeitos individu-
ais e coletivos na vida das pessoas. Retomadas pelo tambm filosofo Michel
Foucault (1994) as provocaes nietzscheanas apontaram para uma construo
de cuidados sobre si e assim para com os outros, so condutas de vida para se
preservar e aumentar a prpria subjetividade. Foucault (1994) argumenta que
o funcionamento dessa engrenagem do poder torna as subjetividades fracas e
governveis, e que preciso desenvolver uma esttica e cuidado de si o que
est ligado a inmeras prticas, disciplinas, organizao de vida que visam nos
ajudar a vivenciar o mundo, o presente. Preciado (2011) dir que os corpos que
esto localizados na fronteira, os subalternos, tem grande potncia de vida para
se colocar frente norma.
Foi assim que me reencontrei com Boa Vista e as rezadeiras, ressignifica-
das para mim como lugar de resistncia das mulheres com a prtica da reza.
Atravs da anlise argumento que as prticas por elas desenvolvidas integram
um conjunto de tcnicas de si que se elaboram transformando-se e atingindo
um determinado modo de ser e de agir se construindo como uma arte do cui-
dado de si e do cuidado com os outros.

Terra de coronel, mulheres protagonistas

No caso do nordeste brasileiro, como possvel perceber na anlise


desenvolvida pelo historiador Durval Muniz de Albuquerque Junior (2007),
podemos encontrar muitas caractersticas de um sistema patriarcal rgido. A
ordem superior de cada sesmaria era o pai, chamado de patriarca da fam-
lia, abaixo de suas ordens estava todo o funcionamento do local, embora as
mulheres organizassem o cotidiano, cuidando dos filhos, culturas, animais
e empregados/as no tinham esse destaque, salvo alguns poucos exemplos.
Quando o patriarca morria sua viva exercia algum poder de comando reco-
nhecido na casa, mas apenas como representante do patriarca. Dessa forma,
embora reconhea o perigo representado pelo uso do termo patriarcado, pela
superficialidade advinda da pretenso a universalidade que o enreda, ainda se

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faz til para a compreenso de alguns mecanismos de opresso como nos fala
Adriana Piscitelli (2008).
Em Boa Vista-PB muitas dessas mulheres adquiriram notabilidade assu-
mindo a responsabilidade pela organizao da vida religiosa de cada localidade,
por meio de rezas e novenas. Muitas capelas tinham difcil acesso, outras no
tinham proco, constituindo-se, na ausncia da instituio religiosa no local, em
verdadeiros locais de resistncia das mulheres numa sociedade regida por rgi-
dos princpios heteronormativos, com traos acentuadamente patriarcais. Era o
lugar onde elas exerciam autoridade e tinham voz, formando beatas, rezadeiras,
curandeiras.
A regio do Cariri, pelo seu mltiplo cenrio, construiu crenas peculia-
res com razes em vrias culturas e que eram praticadas, principalmente, pelas
mulheres, e Boa Vista se destaca at os dias de hoje por esse movimento de
constituio de crenas e saberes. So simpatias, rezas, curas de enfermidades
que dificultavam a lida cotidiana para abrir os caminhos por onde passavam
saberes resguardados pela tradio oral, passados de mes para filhas, de avs
para netas e assim por diante, atravs dos tempos.
Dona Ritinha, rezadeira da regio a qual entrevistei, narra suas estrias,
sempre risonha, enfatizando a alegria de ser patrimnio imaterial histrico de
Boa Vista, ttulo recebido da Cmera de Vereadores local. Mesmo com a sade
debilitada, pede para nos rezar e nos orienta para pegarmos alguns galhos da
accia que sombreia a sua casa. O ramo parte importante da reza, serve
como um tipo de im que suga para si os maus fludos, por isso tem que ser
verde vioso. Dona Ritinha prepara cuidadosa, o galho verde, pede para que eu
me sente com postura ereta no banco sua frente e descruze braos, pernas e o
cabelo, pois assim o mau olhado sair de mim sem se prender em nenhum n.
A reza um momento de interao. Quem rezado/a participa respon-
dendo as perguntas da rezadeira e recebe conselhos e receitas de banhos, chs
e infuses. Ao longo do dia, ainda percorrendo a cidade, a madrinha Lidinha de
minha me conta que D.Ritinha apagara at incndio de curral, ia aonde fosse
chamada, costurava mortalhas para os defuntos que no tinham posses, levando
uma vida de muitas andanas e muito trabalho, o que se confirma nos relatos da
prpria Dona Rita, cujas narrativas parecem lhe emprestar mais vigor ao corpo
envelhecido quando, seguida de gestos animados, transforma sua experincia
numa fonte de cuidados, conselhos e orientaes para se levar uma boa vida.
Dona Rita atualiza para mim a face da personagem O Narrador de Walter

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Benjamim (1994), pois suas estrias, vivncias so recriadas atravs de sua fala
e de seu jeito de falar, atualizando-se nas nossas vidas como aprendizado.
Outra rezadeira da regio Rosa, esposa de um sobrinho de minha av.
Rosa me fala que aprendeu a reza com sua me, conta que: antigamente o
povo tinha muita crena, mas hoje em dia com mdico e remdio o povo no
tem mais (21/03/15). Ela me explica que preciso pegar trs galhinhos verdes
de alguma planta e assim comea: com dois te botaram e aponta com o
dedo para os seus prprios olhos, com trs eu te tiro aponta para os galhos.
Em seguida nos orienta: depois reza trs Ave Maria, trs Pai Nosso, oferecido
as cinco chagas de Cristo (21/03/15).
Rosa fala que o pai era curado de cobra porque alguma rezadeira havia
lhe benzido quando uma cobra o feriu e ele tinha sarado. Sendo assim bas-
tava que cuspisse na boca de algum animal ou pessoa picada que o veneno
se transformava em fora para o corpo e a pessoa/ou animal se reabilitava, a
cura de cobra pela rezadeira um rito complexo, um copo de gua pego e
dentro colocado areia fina e limpa, manda-se que o doente beba um pouco
da gua, a areia serve para filtrar o veneno, depois o doente fica em completo
isolamento, pois seu corpo est frgil e qualquer pessoa mal intencionada pode
derrub-lo apenas com os seus maus sentimentos. Seu pai ainda contava que
muito usado para curar picada de serpente era o pinho roxo, pois quando um
tejuau lagarto mdio da regio tambm conhecido como tejo ou ti era
picado recorria ao pinho e assim voltava e batia na cobra, repetindo isso mui-
tas vezes, at que vencia a briga.
Rosa criou toda uma famlia base da reza, rezava tambm seus animais,
seu rebanho de leite, quando ainda o tinha. Ela me explica que: mau olho faz a
gente ficar pra baixo, muito desanimado e s a reza capaz de tirar, o mdico
essas coisas no resolve. E o mau olho pega em tudo, de beb, planta a animal,
seja gente considerada feia ou bonita. E quando a pessoa a ser rezada est
muito carregada, preciso esconder um galhinho no peito para que no passe
para si. Tem que se rezar de frente a uma porta aberta por aonde o quebranto o
mau olho v embora, e depois se pega o ramo e se joga o mais longe possvel
(Dirio de campo, 18/12/15 e 21/03/15).
A prtica de cura pela reza destoa dos processos de medicalizao da
medicina moderna, a pessoa a ser rezada como: um todo que faz parte de
um todo maior a vida onde cada criatura tem seu lugar e amada em um
ciclo sem fim como me disse Dona Ritinha (21/03/15).

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Na reza no existe oposio entre corpo e alma: a doena que est no


meu corpo est na minha alma, e o que est na minha alma est no meu corpo
(depoimento de D. Rita, 21/03/2015). Enquanto na reza para carne criada tor-
es, inchaos ou ossos quebrados - um pano costurado a reza sussurrada,
aos poucos a toro se esvai, o fastio, a tristeza. A reza se constitu como uma
prtica reconfigurada que subverte a fora normativa dos dogmas na religao
com o divino, um cuidado de si e para com o outro, destruindo dicotomias,
repassando vivncias e aprendizado, demonstrando ser uma potncia efetiva
de vida que resiste com as mulheres e as mulheres por toda histria com ela.

Consideraes finais

Talvez os motivos que mantenham a reza ainda viva tenham a ver com
aquilo que tenta apag-la, como se tenta fazer com todos os lcus de prticas
sociais que alimentam a potncia de ao dos sujeitos e uma fora de subver-
so. A potncia da reza aparece com vigor nas narrativas das rezadeiras. Homi
Bhabha (1992), autor ps-colonial indiano nos dir que o que est em jogo a
luta pela posse da narrativa histrica, a tentativa da norma de apagar a outra
verso que se compreende em uma narrativa rica e muito difcil de contrapor,
preciso que as diferenas, os subalternos, as multides queer contem suas
experincias, insurreies e memria. Jos Jorge de Carvalho (2001) nos fala da
incorporao dessas experincias/ narrativas orais, os balbucios, seus gestos,
seus silncios para inscrever uma verso mltipla e sem mscaras da histria.
Essa questo que me alimenta para voltar atrs de minhas memrias desde
Bete e Inha, primas segunda, com quem passei boa parte da infncia e que
me contavam suas experincias de vida, de f, de sobrevivncia. preciso que
essas narrativas no se percam, preciso no se calar, preciso que se conte a
prpria vivncia.
Nietzsche argumenta sobre o corpo como um fio condutor, sendo o
corpo o nosso guia mais seguro e efetivo para elucidarmos a tudo, ele ainda
nos diz que o corpo, os sentidos, os instintos e os afetos nos permitem habitar e
compreender nitidamente a realidade, e assim o o corpo da rezadeira em exer-
ccio, suas mos que se erguem com o ramo em sinal de cruz, rastreando-nos
a expulsar o mal, sua voz sussurrada, seus olhos firmes. Se a vida e o humano
so vontade de potncia, assim o so essas mulheres que mediante uma prtica
de oralidade reconfigurada reafirmam a completude do corpo, do devir e dos

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afetos afeto aqui como potncia interpretativa do mundo. A potncia dessas


mulheres adensa sua resistncia frente ao aspecto da heteronormatividade que
se revela com mais fora. Essa potncia vem de muito tempo atrs e assim
vigora at hoje.

Referncias

BHABHA, Homi K. (Org.). O local da cultura. Belo Horizonte, UFMG, 1998.

CARVALHO, Jos Jorge de. O olhar etnogrfico e a voz subalterna. Horiz. antropol.,
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PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulao e experincias


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274. (Disponvel em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/view/5247/4295)

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REFLEXES SOBRE O PAPEL DO PODER JUDICIRIO


E DO MOVIMENTO LGBTT NO RECONHECIMENTO
DE DIREITOS AOS HOMOSSEXUAIS.

Tatiana Sada Jordo Araujo


Doutoranda em Poltica Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
Mestre em Poltica Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
Procuradora Federal lotada na Procuradoria Regional Federal da 2 Regio.
Universidade Federal Fluminense
[email protected]

GT 08 - Gnero, diversidade sexual, emoo e moralidade

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo analisar o papel do Poder Judicirio no


reconhecimento de direitos aos homossexuais. Pretende demonstrar que a deci-
so do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu como entidade familiar a
unio entre pessoas do mesmo sexo, desde que preenchidos os requisitos exigi-
dos para o reconhecimento da unio estvel entre homem e mulher, representa
uma grande vitria para a democracia e serve de paradigma para esse novo
olhar que a sociedade impe que se tenha sobre os direitos sociais como um
todo. Ao faz-lo, ir procurar demonstrar, ainda, que as movimentaes jurdi-
cas que levaram a isso dependeram, em alguma medida, do protagonismo do
movimento LGBTT (lsbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e trangne-
ros) brasileiro.
Palavras-chave: homossexualidade, unio estvel, entidade familiar, movimento
LGBTT; Poder Judicirio.

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Introduo

Na poca em que a Constituio da Repblica de 1988, denominada


por Ulisses Guimares de Constituio Cidad, foi elaborada, diferentes movi-
mentos sociais, no s o movimento homossexual, buscavam transportar para a
esfera pblica diversas questes antes consideradas de mbito privado, dentre
elas questes relativas ao gnero e sexualidade. O reconhecimento da equidade
de gnero e da existncia de diversas formas de famlia como direitos consti-
tucionais so resultados claros da presso de grupos feministas e de mulheres.
(CARRARA, 2010).
Quanto aos direitos relacionados orientao sexual e identidade de
gnero, adverte Srgio Carrara (2010) com propriedade que:
a no incluso na nova Carta constitucional da orientao sexual
e da identidade de gnero entre as diversas situaes de discri-
minao a serem combatidas pelos poderes pblicos evidencia o
quanto o contexto poltico daquele momento era desfavorvel para
o ento chamado Movimento Homossexual Brasileiro, ou, como se
designa atualmente, Movimento LGBT. (CARRARA, 2010, p. 134).

Contudo, ressalta o autor que, mesmo com eventuais derrotas, a estru-


tura geral da Constituio, a includo seus princpios fundamentais, admite que
o Poder Judicirio analise o caso concreto e garanta o exerccio de certos direi-
tos, contribuindo ainda para a criao de novas leis relativas a essa minoria
social. (CARRARA, 2010).
Muitos direitos que, no passado, eram negados aos homossexuais foram
reconhecidos ao longo do tempo. E esse reconhecimento de direitos contou
com a forte participao do Poder Judicirio, influenciado por alguns atores,
como o movimento LGBTT (lsbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e
trangneros).
O marco histrico da participao do Judicirio nessa temtica pode ser
atribudo ao clebre julgamento realizado pelo STF em que por unanimidade de
votos se reconheceu como entidade familiar a unio homoafetiva.
Ao destacarmos o papel desempenhado pelo movimento LGBTT nessa
luta pelo reconhecimento de novos direitos, no pretendemos desconsiderar a
importncia dos demais atores sociais. O prprio Estado um ator importante

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nesse processo de reconhecer gradativamente os direitos de minorias que at


boa parte dos anos de 1980 estava inviabilizada.
Contudo, o protagonismo do movimento homossexual brasileiro teve
fundamental importncia para a conquista no mbito judicial de diversos direi-
tos negados aos homossexuais e para a construo e o fortalecimento de uma
identidade, j que ao longo do tempo foi se fortalecendo, tornando-se um inter-
locutor respeitado no espao pblico. importante salientar que a influncia do
movimento ocorreu em meio s presses contrrias de outros atores, como os
grupos religiosos. Mas mesmo com todas essas presses o STF conseguiu dar a
sua contribuio para o reconhecimento de uma ordem jurdica plural.

A Importncia do Movimento LGBTT para a Conquista dos


Direitos Civis, Polticos e Sociais.

Em termos gerais, possvel desdobrar a cidadania em trs nveis: direitos


civis (direito vida, liberdade, propriedade, igualdade), direitos polticos
(direito do cidado participao no governo da sociedade) e direitos sociais
(direito sade, assistncia social, previdncia social, ao trabalho, ao salrio
justo).
De acordo com a teoria de T. A. Marshall (apud CARVALHO, 2008, p.
10), a conquista desses direitos, na Inglaterra, se deu de forma bastante lenta.
Primeiramente, foram introduzidos os direitos civis, no sculo XVIII; um sculo
depois foram introduzidos os direitos polticos. Por fim, no sculo XX, foi a
vez dos direitos sociais. Para Marshall essa uma ordem no s lgica, mas
tambm cronolgica. Assim, para o autor a inverso dessa ordem ocasionar a
alterao da prpria natureza da cidadania.
Em que pese essa sequncia estabelecida por Marshall, os pases segui-
ram seus prprios caminhos. E com o Brasil no foi diferente. Pelo menos duas
diferenas merecem destaque quando se compara a sequncia proposta por
Marshall e a experincia brasileira. Aqui os direitos sociais precederam os
outros, bem como foi dada maior nfase a esses direitos.
O protagonismo do movimento homossexual brasileiro teve fundamental
importncia para a conquista de diversos desses direitos negados aos homosse-
xuais e para a construo e fortalecimento de uma identidade, j que ao longo
do tempo foi se fortalecendo, tornando-se um interlocutor respeitado no espao
pblico.

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O tema da identidade se destaca como questo central relacionada


sexualidade. Castells (2002) destaca que a construo de identidades se utiliza
de materiais fornecidos pela histria, geografia, biologia, pelas instituies pro-
dutivas e reprodutivas, pela memria coletiva e por fantasias pessoais, pelos
aparatos de poder e revelaes de cunho religioso. Contudo, esses materiais
so processados e tem seus significados reorganizados por grupos sociais, indi-
vduos e sociedades em funo de tendncias sociais e culturais enraizadas na
estrutura social e no seu quadro de espao e tempo.
Atualmente, fala-se na chamada crise de identidade como consequn-
cia de um amplo processo de mudana que vem transformando a sociedade
moderna desde o final do sculo XX. Nesse vis, velhas identidades que durante
muito tempo estabilizaram o mundo social esto em declnio, fazendo surgir
novas identidades e a fragmentao do indivduo, que antes era visto como
sujeito unificado (HALL, 2006, p. 07).
As sociedades da modernidade tardia se caracterizam como sociedades
em mudana constante, rpida e permanente, diferentemente das sociedades
tradicionais. (GIDDENS, 1999, p. 44).
Na modernidade as prticas sociais esto sendo sempre reformuladas na
velocidade em que as informaes sofrem mutaes. Assim, os modos de vida
produzidos nas sociedades modernas so totalmente diferentes daqueles pro-
duzidos pelas sociedades tradicionais. A modernidade tardia trouxe uma nova
concepo do sujeito individual e sua identidade. Dessa forma, as identidades
que eram impostas pelas tradies culturais e formadas de acordo com valores
transmitidos, como, por exemplo, a famlia formada por um homem e uma
mulher e seus filhos, so reformuladas. H uma verdadeira desarticulao das
identidades estveis do passado.
Nesse contexto, inegvel que o movimento homossexual possui con-
sidervel relevncia para a construo da identidade homossexual. Foucault
(2005) defende a ideia de que a identidade no algo esttico, estando em
permanente construo nos diversos espaos pblicos por onde os indivduos
circulam, negociam e renegociam com os outros.
Atualmente, o termo oficialmente usado para designar o movimento homos-
sexual brasileiro movimento LGBTT por ser mais genrico e abarcar todos os
segmentos: lsbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e trangneros.
possvel afirmar que ao longo da sua existncia o movimento foi incor-
porando diferentes temas sua agenda e tornando-se um interlocutor respeitado

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em diferentes espaos polticos. Atravs de diferentes grupos, o movimento


LGBTT tem demandado o respeito aos direitos e atendimento s necessidades
da populao homossexual. Entre tais direitos encontra-se o do reconhecimento
da legitimidade da unio entre pessoas do mesmo sexo.

A Participao Do Poder Judicirio no Reconhecimento da Unio


Estvel Entre Pessoas do Mesmo Sexo como Entidade Familiar

O Poder Legislativo fechou os olhos para a realidade social desse seg-


mento de indivduos deixando de legislar sobre o tema. Nesse contexto,
aparece o Poder Judicirio como um importante ator capaz de garantir o reco-
nhecimento de direitos aos homossexuais. Sabe-se que o Legislativo tende a
ser mais cauteloso na exposio de suas opinies, principalmente em razo de
seus integrantes serem escolhidos diretamente pelo voto popular. Com efeito,
acaba ficando cargo do Judicirio, que possui independncia e autonomia
outorgadas pela Constituio, a importante tarefa de assumir uma postura mais
progressista em assuntos polmicos como esse.
O socilogo Carlos Alberto Almeida (2007), em sua obra A cabea do
Brasileiro, sustenta que o Congresso Nacional representa o brasileiro mdio
e que os membros do Judicirio so oriundos de camadas mais escolarizadas.
Assim, conclui o autor que os integrantes daquele Poder so mais conservado-
res em razo do elemento cultural e da baixa escolaridade.
Pierre Bourdieu (2013) tambm atribui educao familiar e educao
escolar o gosto ou as preferncias de determinado grupo social. Tais prefe-
rncias tem o poder de unir aqueles que so produto de condies objetivas
parecidas, distinguindo-os daqueles que, estando fora do campo socialmente
institudo das semelhanas, propagam diferenas inevitveis. Assim, podemos
afirmar que a postura assumida pelos integrantes do Judicirio, por serem deten-
tores de um elevado capital cultural, ope-se aos integrantes do Legislativo que,
de acordo com a Pesquisa Social Brasileira realizada por Carlos Alberto, repre-
sentam o brasileiro mdio pertencente a uma classe mais baixa de escolaridade.
Grande parte dos obstculos encontrados pelos homossexuais para terem
seus direitos reconhecidos e efetivados decorre da divergncia de posiciona-
mento acerca da definio de entidade familiar. O conceito de entidade familiar
ao longo do tempo sofreu profundas transformaes que esto diretamente
relacionadas com as constantes mudanas de costumes de nossa sociedade.

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Tradicionalmente, o conceito de entidade familiar apresentava um perfil


hierarquizado e patriarcal, sendo certo que todas as Constituies anteriores a
de 1988 vinculavam a ideia de famlia ao instituto do casamento1. Contudo, a
vigente Constituio no vincula o conceito de famlia ao casamento. Essa des-
vinculao est em consonncia com as transformaes sociais que ocorreram
ao longo do tempo. Na atualidade o vnculo afetivo passa a ser mais valorizado
nas relaes familiares. Dentro dessa nova concepo de famlia, o afeto, o
carinho e o amor so valores que promovem a dignidade e o desenvolvimento
da personalidade no seio familiar.
Segundo Gustavo Tepedino (2008, p. 394) o elemento finalstico de prote-
o estatal a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade. Nesse
prisma, todas as normas formais de direito devem obedecer essa perspectiva,
em particular aquelas que disciplinam o direito de famlia. Assim, devem ser
abandonadas todas as posies doutrinrias que, no passado, vislumbraram
em institutos do direito de famlia uma proteo supra-individual seja em favor
de objetivos polticos, atendendo a ideologias autoritrias, seja por inspirao
religiosa (TEPEDINO, 2008, p. 394). A famlia tem o importante papel de pro-
mover a dignidade humana. Por isso, a anlise das entidades familiares depende
da concreta verificao do entendimento desse elemento finalstico. Dessa
forma, merecer proteo jurdica e do Estado a entidade familiar que promover
a dignidade e a realizao da personalidade de seus integrantes.
O Supremo no julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
4277 e da Arguio de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132
reconheceu como entidade familiar a unio estvel entre pessoas do mesmo
sexo, desde que preenchidos os requisitos exigidos para o reconhecimento da
unio estvel entre homem e mulher.
Nesse julgamento, foi salientado que a evoluo do direito que cabe
aos homossexuais teve incio h anos, j que com a promulgao do Cdigo

1 Constituio de 1937: Art. 124 A famlia, constituda pelo casamento indissolvel, est sob a pro-
teo especial do Estado. s famlias numerosas sero atribudas compensaes na proporo de
seus encargos. Constituio de 1946: Art. 163 A famlia constituda pelo casamento de vnculo
indissolvel e ter direito proteo especial do Estado. Constituio de 1967: Art. 167 A famlia
constituda pelo casamento e ter direito proteo dos Poderes Pblicos. Emenda Constitucional
1/1969: Art. 175 A famlia constituda pelo casamento e ter direito proteo dos Poderes Pbli-
cos.

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Napolenico deixou de ser considerado crime a prtica homossexual. Frisou-se


ainda que todos os pases da Europa ocidental possuem esse entendimento;
que, recentemente,a Argentina tambm aprovou legislao no mesmosentido;
e, que o Canad e a frica do Sul obtiveram o mesmo avano mediantedeci-
so jurisdicional. Trata-se de um marco histrico na caminhada da comunidade
homossexual.
A deciso do Supremo representa uma grande vitria para a democra-
cia e serve de paradigma para esse novo olhar que a sociedade impe que se
tenha sobre os direitos sociais como um todo. Cabendo destacar que esse posi-
cionamento assumido pela mais alta Corte dependeu, em alguma medida, do
protagonismo do movimento LGBTT brasileiro. sobre isso que discorreremos
a seguir.

Consideraes finais

O Supremo Tribunal Federal, rgo do Poder Judicirio considerado extre-


mamente conservador, ao longo do tempo, vem buscando atuar de maneira a
concretizar a justia social. Isso pode ser visto, de forma bastante clara, na deci-
so em que esse Tribunal reconheceu a legitimidade da unio entre pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar.
Contudo, importante esclarecer que essa mudana de paradigma para
se pensar o conceito de entidade familiar, como toda grande mudana, precisou
de tempo razovel para ser efetivada. Com efeito, foi preciso realizar uma ver-
dadeira reforma de mentalidade dos magistrados, superando-se a ultrapassada
viso puramente formalista de aplicao do Direito. Dessa forma, aos poucos
a Judicirio vem se reinventando, despindo-se dos modos tradicionais de agir e
pensar e reconhecendo que muitos dos seus conhecimentos tcnicos no so
suficientes para revelar a soluo mais adequada. E toda essa reforma contou
com a importante participao do movimento homossexual.
Assim, podemos afirmar que o movimento homossexual possui conside-
rvel relevncia para a construo da identidade homossexual. O protagonismo
desse movimento exerceu fundamental participao para a conquista dessa
importante vitria para democracia que o reconhecimento da legitimidade da
unio entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

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CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil. O Longo Caminho. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 2008.

CASTELLS, M. O Poder da Identidade. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2002.

FOUCAULT, Michel. Histria da Sexualidade, vol.01. Rio de Janeiro, Graal, 2005.

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HALL, S. A identidade cultural na ps-modernidade. 11 Ed. DP&A, Rio de Janeiro,


2006.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro, Renovar, 2008.

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 1388 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

MUDANA DE PARADIGMA NA REALIZAO DO DIREITO


DOS HOMOSSEXUAIS: O CASO DO CDIGO PENAL MILITAR.

Tatiana Sada Jordo Araujo


Doutoranda em Poltica Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
Mestre em Poltica Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
Procuradora Federal lotada na Procuradoria Regional Federal da 2 Regio.
Universidade Federal Fluminense
[email protected]

GT 01 - Gnero(s), sexualidade(s), multiplicidade(s): micropoltica, performances e


prticas discursivas.

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo analisar a mudana de paradigma na rea-


lizao do Direito que ocorreu no mbito do Poder Judicirio. Essa mudana,
ainda que precise ser aperfeioada, tem contribudo para um melhor desem-
penho da nossa democracia Iremos demonstrar como o Poder Judicirio foi
derrubando as barreiras para reconhecer direitos aos homossexuais, investi-
gando de que maneira e em que medida o movimento LGBTT influenciou nesse
processo. Com vistas a viabilizar a adequada anlise dessa questo iremos fazer
um estudo de caso, julgado no Supremo Tribunal Federal. Nesse julgamento foi
determinado a remoo de termos preconceituosos contra homossexuais do
Cdigo Penal Militar, ante o reconhecimento do direito liberdade de orienta-
o sexual como liberdade existencial do indivduo.
Palavras-chave: homossexualidade, movimento LGBTT, Poder Judicirio,
Supremo Tribunal Federal, Cdigo Penal Militar.

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Introduo

O reconhecimento de direitos aos homossexuais vem encontrando obst-


culos para serem efetivados. So obstculos de diversas naturezas, como moral
e religiosa, que impedem os homossexuais de terem seus direitos assegurados.
Histrias de discriminao, preconceito, violncia e excluso so viven-
ciadas cotidianamente pelos homossexuais. O processo de estigmatizao que
comea dentro da prpria famlia se propaga para os diversos espaos pblicos,
como o mercado de trabalho, as escolas, os servios de sade, previdncia e
assistencial social, os espaos de lazer, os espaos de consumo, os espaos
religiosos e etc. Nesse processo de estigmatizao desenvolvido uma tcnica
de desvalorizao que faz com que os homossexuais se coloquem em uma
posio de inferioridade e percam a sua autoestima, prejudicando dessa forma
a sua socializao.
Esse trabalho pretende analisar como, gradativamente, o Poder Judicirio
foi derrubando as barreiras para reconhecer direitos aos homossexuais, investi-
gando de que maneira e em que medida o movimento LGBTT (lsbicas, gays,
bissexuais, travestis, transexuais e trangneros) influenciou nesse processo.
Com vistas a viabilizar a adequada anlise dessa questo iremos fazer
um estudo de caso, qual seja, da Arguio de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 291 ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) questio-
nando a constitucionalidade do artigo 235 do Cdigo Penal Militar que tipificava
como crime a pederastia ou outro ato de libidinagem, punindo com pena de
deteno de seis meses a um ano o militar que praticar ou permitir que com
ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou no, em lugar sujeito adminis-
trao militar.

Mudana de paradigma na realizao do Direito: a


inconstitucionalidade do Cdigo Penal Militar.

A crescente apresentao de demandas ao Poder Judicirio relaciona-


das com os direitos interditados dos homossexuais guarda uma ntima relao
com significativas mudanas nos modos de operao do Direito no Brasil. Tais
mudanas, ainda que precisem ser aperfeioadas, tm contribudo para um
melhor desempenho da nossa democracia.

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Uma das principais funes do Direito est relacionada prestao juris-


dicional. A efetiva prestao jurisdicional s se torna possvel se houver uma
verdadeira reforma de mentalidade dos magistrados e da estrutura de opera-
cionalizao do Direito. Isso implica em problematizar a continuidade de um
Poder Judicirio atrelado a tradies que h muito deveriam estar superadas.
Essas tradies compreendem no s a solenidade dos atos, a linguagem rebus-
cada e at os trajes dos julgadores, como tambm a maneira de julgar e a forma
de solucionar os conflitos de interesses.
O exagerado formalismo utilizado por muitos magistrados no condi-
zente com o nosso atual estgio de desenvolvimento. Tal formalismo consiste
no apego quase fantico a pormenores das formalidades legais, mesmo quando
isso evidentemente inoportuno, injusto ou acarreta graves conflitos sociais.
(DALLARI, 2008, p.3).
Com efeito, foroso reconhecer que o juiz deve exercer uma funo cria-
tiva, no sendo mero aplicador da lei. Isso porque, caso a soluo da demanda
no esteja prevista integralmente na norma, ele ter que recorrer a elementos
externos ao direito posto, em busca do justo, do bem, do legtimo. Ou seja, sua
atuao ter de se valer da filosofia moral e da filosofia poltica. (BARROSO,
2010, p. 26).
Dalmo Dallari (2008) verifica que de fato muitos juzes esto assumindo
uma postura mais consciente de seu papel social e de sua responsabilidade,
iniciando um processo de reformas que tem por objetivo dar ao Judicirio a
organizao e a postura necessrias para que cumpra a funo de garantidor
de direito e distribuidor de Justia. Esse processo de reformas, denominado de
movimento renovador e democratizante, teve incio na Frana e na Itlia na
dcada de setenta do sculo XX e encontra muitos seguidores no Brasil. Entre
ns, a Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul (AJURIS) 1 um exemplo
desse movimento reformador no mbito da nossa magistratura. Essa associao

1 Alm de atender s finalidades inerentes a toda entidade de classe, a Ajuris tem participado intensa-
mente dos grandes debates nacionais e da discusso de temas relacionados com o exerccio pleno da
cidadania. Essa linha de atuao apoia-se no pressuposto de que a manuteno de uma sociedade
democrtica exige constante vigilncia, aliada ao exerccio permanente do juzo crtico sobre todas
as instituies, e no apenas sobre o Poder Judicirio, e particularmente necessria nos tempos que
correm. (ASSOCIAO DOS JUZES DO RIO GRANDE DO SUL, 2012).

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busca conseguir que o Judicirio saia da acomodao e procure assumir um


papel proativo na busca da justia. (DALLARI, 2008).
inegvel que setores considerveis do Poder Judicirio, mesmo aqueles
considerados extremamente conservadores, ao longo do tempo, vm bus-
cando atuar de maneira a concretizar a justia social. Isso pode ser visto ao
examinarmos a recente deciso do STF que determinou a remoo de termos
preconceituosos contra homossexuais do Cdigo Penal Militar (Decreto-Lei
1.001/1969).
A Procuradoria-Geral da Repblica (PGR) ingressou com a Arguio de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 291 no STF questionando a
constitucionalidade do artigo 235 do Cdigo Penal Militar que tipificava como
crime a pederastia ou outro ato de libidinagem, punindo com pena de deten-
o de seis meses a um ano o militar que praticar ou permitir que com ele se
pratique ato libidinoso, homossexual ou no, em lugar sujeito administrao
militar.
De acordo com a PGR, o mencionado dispositivo violava os princpios da
isonomia, da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da pluralidade e do
direito privacidade. Alm do mais, a norma impugnada foi editada em 1969,
em um contexto histrico marcado pelo autoritarismo e pela intolerncia s
diferenas, em plena ditadura militar.
A Advocacia-Geral da Unio (AGU) defendeu o posicionamento de que
a hiptese no era de declarao de invalidade de todo o texto, uma vez que
a proibio da prtica de atos libidinosos tem como objetivo assegurar que as
instalaes militares estejam integralmente voltadas execuo das finalidades
prprias s Foras Armadas. Alm disso, ela preserva a ordem, hierarquia e
disciplina militares, fundamentos indissociveis do funcionamento das Foras
Armadas e resguardados pelo prprio texto constitucional.
De acordo com a AGU, apenas o uso das expresses pederastia e
homossexual ou no desnecessrio e confere norma contedo discrimina-
trio, incompatvel com os princpios constitucionais da igualdade, da liberdade,
da dignidade da pessoa humana e da pluralidade. Com efeito, a supresso dos
termos em nada alteraria o mbito do tipo penal em exame, que abrange a pr-
tica de todo e qualquer ato libidinoso praticado em rea sujeita administrao
militar.
Por oito votos a dois, prevaleceu o entendimento da AGU. Segundo o
relator, Ministro Roberto Barroso, a prtica de atos libidinosos, ainda que

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consensuais, no local de trabalho, caracteriza-se como conduta imprpria, seja


no ambiente civil ou militar. Tanto assim que permite-se a resciso do contrato
de trabalho por justa causa nessa hiptese e a demisso do servidor pblico
civil. Portanto no est em discusso a possibilidade de se sancionar questo de
conduta imprpria no local de trabalho e sim a natureza e o grau da sano.
(SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016).
Barroso afirmou, ainda, que o Cdigo Penal Militar promove uma crimi-
nalizao excessiva nesse caso, e que o direito penal o ltimo e mais drstico
mecanismo punitivo a ser aplicado pelo Estado.
Como se sabe, o direito penal constitui o ltimo e mais drs-
tico instrumento de que se pode valer o Estado. Da porque a
criminalizao de condutas somente deve ocorrer na medida do
estritamente necessrio, quando no houve outro modo de tutelar
bens jurdicos relevantes. Este o princpio da interveno mnima
do direito penal, tambm aplicvel na seara militar. (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, 2016).

importante destacar que inmeras presses foram exercidas pela tomada


de uma deciso que privilegiasse a lgica da ampliao da cidadania, levando o
Judicirio a adotar essa posio extremamente inovadora. Tal presso foi exer-
cida, dentre outros atores, pelo movimento LGBTT.
As presses e a legitimidade poltica do movimento LGBTT certamente
influenciaram na difuso da ideia de que as expresses pejorativas e discrimi-
natrias utilizadas no Cdigo Penal Militar so manifestaes inadmissvel de
tolerncia que atinge grupos tradicionalmente marginalizados.

A importncia do movimento LGBTT para a conquista dos


direitos interditados dos homossexuais

Ao destacarmos o papel desempenhado pelo movimento LGBTT nessa


luta pelo reconhecimento de novos direitos, no pretendemos desconsiderar a
importncia dos demais atores sociais. O prprio Estado um ator importante
nesse processo de reconhecer gradativamente os direitos de minorias que at
boa parte dos anos de 1980 estava inviabilizada.
Contudo, o protagonismo do movimento homossexual brasileiro teve fun-
damental importncia para a conquista no mbito judicial de diversos direitos

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negados aos homossexuais e para a construo e o fortalecimento de uma


identidade, j que ao longo do tempo foi se fortalecendo, tornando-se um inter-
locutor respeitado no espao pblico. importante salientar que a influncia
do movimento ocorreu em meio s presses contrrias de outros atores, como
os grupos religiosos. Mas mesmo com todas essas presses conseguiu dar a sua
contribuio para o reconhecimento de uma ordem jurdica plural.
No Brasil, o movimento homossexual teve como ponto de partida a dcada
de 1950, apesar de nessa poca ainda no haver movimento social organizado.
A organizao poltica comeou a se consolidar na passagem da dcada de
1970 para a de 1980. corrente o entendimento de que o movimento homosse-
xual brasileiro teve incio nas pginas do jornal Lampio de Esquina, publicado
pela primeira vez em abril de 1978, na cidade do Rio de Janeiro. De acordo
com Facchini (2009), o movimento passou por transformaes, apresentando
diferentes momentos, que podem ser chamados de ondas renovatrias.
A primeira onda surgiu nos anos 1970 como um projeto de politizao da
questo da homossexualidade, contrastando com o gueto e outras associaes
anteriores, tidas pelos primeiros militantes como no-politizada, voltada apenas
para a sociabilidade. Facchini (2009) afirma que o grupo SOMOS, fundado
em So Paulo em 1978, inspirado no movimento argentino Nuestro Mundo
da Frente de Libertacin Homossexual (FLH), foi o primeiro a ser reconhecido
por possuir uma proposta de politizao da homossexualidade. Esse grupo, de
acordo com a autora, adquiriu notoriedade em razo de ser o primeiro grupo
brasileiro, bem como pelo impacto de sua atuao, tornando-se referncia
para centenas de pessoas que se envolveram em suas atividades e pela extensa
documentao produzida.
A segunda onda teve incio durante o processo de democratizao dos
anos 1980 e de mobilizao da Assembleia Constituinte, poca tambm do
surgimento da epidemia da Aids chamada peste gay ou cncer gay. Segundo,
Facchini (2009) nessa fase houve a institucionalizao do movimento homos-
sexual. O movimento centraliza suas foras na garantia do direito diferena.
H uma tendncia a estabelecer organizaes de carter mais formal do que
comunitrio. As ideias de contracultura, de grupos com concepes poltico-re-
volucionrias so afastadas. Percebe-se um menor envolvimento do movimento
com projetos de transformao social, passando a se dedicar de forma mais
ativa s aes pragmticas, voltadas a garantia do direito a no-discriminao.

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Por fim, foi na segunda onda renovatria que o movimento brasileiro se aproxi-
mou do internacional.
A partir dos anos 1990 inicia-se a terceira onda, havendo uma prolifera-
o de identidades polticas no interior do movimento. Facchini (2009) chama
esse perodo de reflorescimento do movimento. Nesse perodo h um apro-
fundamento da redemocratizao atravs da implementao de uma poltica
de preveno s Doenas Sexualmente Transmissveis/Aids, baseada na ideia
de parceria entre o Estado e a sociedade civil e no incentivo s polticas de
identidade. Verifica-se verdadeira parceria com o Estado e com o mercado
segmentado.
possvel afirmar que ao longo da sua existncia o movimento foi incor-
porando diferentes temas sua agenda e tornando-se um interlocutor respeitado
em diferentes espaos polticos, como no Judicirio. Atravs de diferentes aes,
o movimento LGBTT tem demandado o respeito aos direitos e atendimento s
necessidades da populao homossexual.
Nesse contexto, o Judicirio vem, atravs de decises judiciais cada vez
mais flexveis proferidas pelo pas afora, atualizando o direito e garantindo o
seu reconhecimento aos homossexuais. A determinao feita pelo STF de que
seja removido do Cdigo Penal Militar termos e expresses considerados dis-
criminatrios a homossexuais, demonstra claramente a efetiva participao do
Judicirio na concesso desses novos direitos.

Consideraes Finais

O Judicirio vem assumindo, a cada dia de forma mais acentuada, uma


funo fundamental na efetivao do Estado Democrtico de Direito. Vem
cumprindo de modo mais efetivo seu papel de guardio da Constituio e,
por conseguinte, colaborando para a preservao dos valores e princpios que
a fundamentam essa Carta Magna. Ainda que de forma gradativa e parcial, a
magistratura brasileira aos poucos se reinventa. Vai se valendo da criatividade,
da abordagem multiprofissional e de um novo senso tico. Torna-se, como nos
ensina Lus Roberto Barroso (2007, p. 9), co-participante do processo de cria-
o do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valoraes de
sentido para as clusulas abertas e ao realizar escolhas entre solues possveis.
Tudo isso se d luz da ideia de maior relevncia que reside em adotar a solu-
o mais apta a alcanar os fins socialmente colimados.

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Essa dinmica renovadora pde ser observada na deciso do Supremo


Tribunal Federal que determinou a remoo de termos preconceituosos contra
homossexuais do Cdigo Penal Militar. Esse Tribunal, rgo do Poder Judicirio,
considerado extremamente conservador, atuou de maneira a concretizar a jus-
tia social. Para tanto contou com a influncia de alguns atores, dentre os quais
destacamos o movimento homossexual. O protagonismo desse movimento
exerceu fundamental participao para a conquista de mais essa importante
vitria para essa minoria historicamente discriminada, qual seja, a remoo
de termos preconceituosos contra homossexuais de uma legislao datada de
1969.

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Referncias

ADPF 291/DF. Acrdo publicado em 11 mai. 2016. Disponvel em: http://www.stf.jus.


br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp. Acesso em 21 jun. 2016.

BARROSO, Lus Roberto. Constituio, Democracia e Supremacia Judicial: Direito


e Poltica no Brasil Contemporneo. Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado,
nmero 23, setembro, outubro, novembro de 2010. Disponvel em: http://www.direi-
todoestado.com/revista/RERE-23-SETEMBRO-2010-LUIS-ROBERTO-BARROSO.pdf.
Acesso em 01 jun. 2016.

_______. Neoconstitucionalismo e Constitucionalizao do Direito. O triunfo tardio


do Direito Constitucional no Brasil. Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado,
nmero 9, maro, abril, maio 2007. Disponvel em: http://www.direitodoestado.com/
revista/RERE-9-MAR%C7O-2007-LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf. Acesso em
01 jun. 2016.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juzes. So Paulo: Editora Saraiva, 2007.

FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-ris: do movimento homossexual ao LGBT. So


Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo, 2009.

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CONSERVADORISMO RELIGIOSO NA ARENA POLTICA:


DESAFIOS E IMPASSES PARA AS POLTICAS PBLICAS
E OS ATIVISMOS LGBT

Graziela Ferreira Quinto


Mestre e doutoranda em Poltica Social /UFF
Assistente social do Ministrio Pblico/RJ
[email protected]

Joo Bsco Hora Gis


Doutor em Servio Social PUC-SP/Boston College
Professor Associado IV /UFF, Pesquisador 1B /CNPq
[email protected]

GT 18 - Ativismos e produes acadmicas LGBT, feministas e queer em tempos de


ascenso conservadora no Brasil

Resumo

Nos ltimos anos, vem ocorrendo uma srie de embates entre defensores dos
direitos LGBT e ativistas dos movimentos religiosos - especialmente as lide-
ranas de denominaes evanglicas. Utilizando a retrica da liberdade de
expresso, esses segmentos religiosos desqualificam e combatem a diversidade
sexual, adentrando a arena poltica atravs de seus representantes no Congresso
Nacional, que se articulam compondo frentes parlamentares e interferindo na
agenda do movimento LGBT. Este trabalho prope examinar as particularida-
des do enfrentamento do movimento LGBT com os segmentos evanglicos, a
partir de episdios recentes envolvendo parlamentares da Frente Parlamentar
Evanglica, que tiveram repercusso na mdia e geraram controvrsias.
Palavras-chave: homofobia religiosa; arena poltica; produo de polticas para
populao LGBT; Frente Parlamentar Evanglica; movimento LGBT.

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Introduo

No contexto das lutas em torno da definio do que seja uma sexuali-


dade legtima e de quais pessoas esto socialmente autorizadas a exerc-la,
mesmo em Estados de longa tradio democrtica, por vezes tem sua laicidade
explicitamente colocada em xeque, sendo este um fenmeno particularmente
preocupante no mbito de democracias de frgil tradio, como a brasileira,
onde os debates sobre direitos sexuais e reprodutivos so marcados por forts-
sima oposio religiosa. (MELLO et al., 2012)
No movimento da democracia representativa, todos os grupos sociais
devem ter o direito de participar das decises do poder. Assim como ocorre
com movimentos sociais de trabalhadores, de minorias tnicas, de mulheres,
de homossexuais e outros, os grupos religiosos tambm se articulam a fim de
influenciar a agenda de polticas pblicas e a proposio de leis. Nesse sentido,
uma importante estratgia utilizada pelos segmentos evanglicos (neo) pen-
tecostais1 tem sido eleger parlamentares que representem seus interesses na
arena poltica, como forma de proteger os preceitos morais de sua comunidade
religiosa.
Visando contribuir para a construo de conhecimento e estratgias de
enfrentamento por pesquisadores e ativistas LGBT, apresentamos algumas refle-
xes e construes argumentativas acerca dos dados iniciais da pesquisa de
doutorado Homofobia religiosa evanglica e os embates na produo de polti-
cas para a populao LGBT.2
No presente trabalho, buscamos examinar as particularidades do enfrenta-
mento do movimento LGBT com as lideranas evanglicas, a partir de episdios
recentes, que tiveram repercusso na mdia e geraram controvrsias. Como
recurso metodolgico, fazemos referncia aos discursos e debates proferidos em

1 O termo (neo) pentecostal ser utilizado aqui para englobar tanto as denominaes evanglicas
pentecostais quanto as neopentecostais, considerando a proximidade das suas concepes terico-
-doutrinrias acerca da homossexualidade.

2 O objetivo central desta pesquisa visa apreender os nexos entre a expanso da produo de polticas
e direitos igualitrios para a populao LGBT no Brasil, na ltima dcada, e as reaes conservado-
ras dos setores evanglicos na arena poltica, focalizando as percepes e aes dos parlamentares
da Frente Parlamentar Evanglica (FPE), no Congresso Nacional.

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audincias pblicas derivadas de proposies legislativas e projetos de decreto


constitucional apresentados na Cmara Federal, assim como aes e programas
governamentais federais voltados para a populao LGBT, que sofreram inter-
rupes ou foram vetados em decorrncia de presses dos setores evanglicos.
Como fonte de consulta, utilizamos os vdeos das referidas audincias pblicas,
complementadas pelas notas taquigrficas, notcias e matrias de veculos midi-
ticos, condizentes s mesmas.

As Particularidades do Enfrentamento do Movimento LGBT com


os Segmentos Evanglicos

A participao dos evanglicos no sistema poltico brasileiro ocorre, princi-


palmente, no poder legislativo. Os primeiros embates entre o ento movimento
homossexual brasileiro (MHB) e a bancada evanglica no Congresso Nacional
ocorreram na Assembleia Nacional Constituinte de 1987-19883, tendo um dos
membros da bancada evanglica, ainda em formao no Congresso Nacional,
o deputado Jos Viana (PMDB-MA), contestado a evidncia cientfica de que
homossexualidade no doena. O termo orientao sexual foi aceito pelas
duas subcomisses, mas excludo pela Comisso de Sistematizao, e defini-
tivamente rejeitado pelo plenrio, em janeiro de 1988. Apesar da derrota, as
reivindicaes do movimento tinham recebido muita publicidade, e nos anos
seguintes, vrios Estados e municpios incorporaram medidas contra a discrimi-
nao por orientao sexual na sua legislao bsica. (HOWES, 2003)
Em 2003, foi criada a Frente Parlamentar Evanglica (FPE) do Congresso
Nacional, com o objetivo de congregar, por meio de cultos semanais, os par-
lamentares evanglicos. Atravs desses cultos, poderia ser engendrada uma
mobilizao estratgica em torno de bandeiras de luta da FPE quanto pro-
moo e converso evanglica no mbito do legislativo. (DUARTE, 2012)
Como ocorre em outras frentes parlamentares, o pluripartidarismo foi
uma estratgia de atuao adotada pelos dirigentes da FPE, que abarca tendn-
cias ideolgicas afins para defender demandas conjunturais. Constitui-se em
um modo de atender reivindicaes de determinados segmentos, rompendo as

3 Joo Mascarenhas foi o primeiro representante do MHB a se apresentar no Congresso Nacional, ante
duas Subcomisses da Constituinte. (CMARA, 2015)

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barreiras das estruturas dos partidos polticos. A FPE defende os interesses da


comunidade evanglica, fazendo oposio aprovao de projetos que ferem
os preceitos bblicos, o que significa que a oficializao do homossexualismo
deveria ser combatida e, portanto, no receber o apoio sob a forma da lei, por
ser nociva sociedade, moral e aos bons costumes. Reaes religiosas que
desqualificam a diversidade sexual so insufladas por sujeitos que percebem
a expanso dos direitos dos homossexuais e a visibilidade e aceitao desta
parcela da populao como ameaadora de seus valores e da prpria ordem
social. (NATIVIDADE & LOPES, 2009, p. 79).
Presses exercidas por parlamentares da FPE culminaram no cancela-
mento do programa Escola Sem Homofobia, que ficou conhecido como kit gay.
O programa foi alvo da intensa mobilizao dos setores conservadores, dentre
eles, parlamentares da FPE, a partir da desqualificao do contedo e qualidade
de seu material, assim como o pblico a que se destinava, aproveitando de
uma situao poltica especfica pelos seus adversrios. Em entrevista coletiva,
concedida a veculos miditicos, a presidente Dilma Rousseff justificou seu posi-
cionamento contrrio e deciso de interrupo do referido projeto dizendo que
No aceito propaganda de opes sexuais. No podemos intervir
na vida privada das pessoas. O governo pode, sim, ensinar que
necessrio respeitar a diferena e que voc no pode exercer pr-
ticas violentas contra os diferentes. uma questo que o governo
vai revisar, no haver autorizao para esse tipo de poltica de
defesa A, B ou C. Agora, lutamos contra a homofobia. (UOL
EDUCAO, 2011)

Foi noticiado, entretanto, que parlamentares evanglicos pressionaram a


Presidente, colocando em jogo a possibilidade de ser instaurada uma comisso
parlamentar de inqurito na rea da educao por causa do projeto do material
que seria distribudo s escolas para promover a diversidadee de convocao
do ento ministro da Casa Civil, Antnio Palocci, para esclarecer a multiplica-
o de seu patrimnio. O governo, porm, negou que esses tenham sido os
motivos do cancelamento do projeto (idem).
Destacamos tambm o debate sobre a criminalizao da homofobia,
decorrente da tramitao do Projeto de Lei da Cmara PLC 122/2006. Desde
o incio de sua trajetria, essa proposta enfrenta oposio de setores religiosos
conservadores, envolvendo a reproduo de estigmas e a desqualificao dos

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homossexuais (NATIVIDADE & LOPES, 2009). Militantes religiosos tm se posi-


cionado na esfera pblica, contra a aprovao da criminalizao da homofobia,
utilizando argumentos que ressaltam o direito liberdade religiosa. Isto porque
o direito dos grupos religiosos de expressar opinio contrria homossexuali-
dade estaria cerceado, inclusive, no mbito da atuao em trabalhos pastorais
de reverso da homossexualidade. Ao longo da tramitao da PLC 122/2006,
evidenciou-se um jogo de foras entre os representantes dos movimentos dos
homossexuais e segmentos religiosos. Em 2011, a senadora Marta Suplicy pro-
ps uma nova redao para o projeto, a fim de deixar expresso que no se
criminalizaria a manifestao pacfica de pensamento fundada na liberdade de
conscincia e de crena. Contudo, no houve adeso dos opositores ao pro-
jeto, que passou por vrias redaes. Em 20 de novembro de 2013, a presso
de parlamentares evanglicos retirou o PLC 122/2006 da pauta da CDHM, com
o pretexto de se buscar novamente um texto de consenso, at que foi arqui-
vado em janeiro de 2015, e apensado ao projeto de reforma do Cdigo Penal.
(ESTADO, 2015)
Tais embates evidenciam que as tenses no ocorrem apenas na oposi-
o ao projeto apresentado, mas envolvem a atuao dos movimentos sociais
e contextos especficos, como perodos eleitorais e a disposio dos ocupantes
de cargos no poder Executivo em reconhecer a legitimidade dos direitos de
minorias sexuais.
Outro episdio recente envolvendo um parlamentar evanglico gerou gran-
des controvrsias. A eleio do deputado (e pastor evanglico) Marco Feliciano
(PSC/SP) para a presidncia da Comisso de Direitos Humanos e Minorias da
Cmara dos Deputados (CDHM) gerou uma onda de manifestaes contrrias
em redes sociais, campanhas e passeatas de grupos organizados e ativistas dos
movimentos LGBT, em decorrncia do fato de ter o deputado Marco Feliciano
expressado opinies consideradas racistas e homofbicas4 - alm do mesmo
no ter um histrico de atuao na temtica dos direitos humanos. Lderes
evanglicos o apoiaram e o pastor evanglico Silas Malafaia (conhecido por
suas declaraes contrrias homossexualidade) escreveu em uma rede social:

4 O deputado Marco Feliciano havia postado numa rede social, que africanos descendem de ancestral
amaldioado por No. Isso fato. E tambm, que a podrido dos sentimentos homoafetivos leva ao
dio, ao crime, rejeio. Alm de ter associado a Aids a uma doena gay. (NATIVIDADE, 2013)

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ns no pautamos nossas aes pelo que a mdia quer ou grupos de pres-


so do ativismo gay. O PSC no pode dar mole. Sendo assim, o deputado
Marco Feliciano foi eleito presidente da CDHM, em maro de 2013. Houve
manifestaes e atos de protestos nas ruas, assim como nas primeiras sesses
da Comisso presididas pelo mesmo, que reagiu, aprovando um requerimento
para restringir o acesso do pblico s reunies do colegiado. (FOLHA DE SO
PAULO, 2013)
A gesto do deputado Marco Feliciano na CDHM foi marcada pela apro-
vao de propostas de teor anti-homossexual. A primeira ao de enfrentamento
pelo deputado foi a votao do projeto conhecido como cura gay5, que pre-
tendia derrubar trechos de uma resoluo do Conselho Federal de Psicologia,
que estabelece normas para os psiclogos em relao questo da orientao
sexual, vedando a atuao dos mesmos em eventos e servios que proponham
tratamento e cura da homossexualidade. Foi realizada uma audincia pblica
proposta pelo Deputado Feliciano, para discutir o direito de deixar a homos-
sexualidade, e na ocasio, palestraram a psicloga Marisa Lobo, e o pastor
evanglico Silas Malafaia defensores do referido PDC. As narrativas de defesa
construdas pelos mesmos tm o sentido de legitimar o discurso religioso na
arena poltica, a partir da apropriao (sem um rigor cientfico) de conhecimen-
tos do campo da psicologia, psicanlise, gentica, etc, ocorrendo um processo
de transfigurao desse discurso puramente religioso, que ganha contornos
seculares (RORTY, 1996).
O que se pretende ressaltar o fato de tais discursos e prticas, derivados
de certas interpretaes teolgicas e exegeses bblicas particulares, no se limi-
tarem aos templos religiosos, programas de rdio e televiso, mas adentrarem
a arena poltica atravs dos parlamentares evanglicos que representam essas
denominaes religiosas, ferindo os princpios constitucionais da laicidade esta-
tal. Zylbersztajn (2012) sustenta que a laicidade do Estado brasileiro no plena,
e que o processo de consolidao da laicidade histrico e construdo, tal como
ocorre com os demais direitos fundamentais. De acordo com Pierucci (2008),
pessoas livres (re) querem Estados laicos. O autor refere-se enfaticamente

5 Trata-se do Projeto de Decreto Constitucional (PDC 234/11), apresentado pelo deputado federal Joo
Campos (PSDB-GO), que havia sido arquivado a pedido de seu prprio proponente, devido, entre
outras razes, a presses internas do seu prprio partido.

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secularizao do Estado com seu ordenamento jurdico, e menos seculariza-


o da vida, considerando que esta pode refluir, mas a do Estado no.

Consideraes finais

Como afirmaram Mello et. all (2014, p. 315), nunca se teve tanto, e o que
h praticamente nada, referindo-se ao paradoxo sobre as polticas pblicas
para a populao LGBT no Brasil.
Conforme vimos, ao movimento LGBT na atualidade, so colocados obs-
tculos que se referem produo de polticas pblicas e ampliao de direitos
civis para essa populao. Uma possibilidade de superao de tais obstcu-
los parece estar no enfrentamento de seus opositores na arena poltica, o que
implica, em utilizar as estratgias dos mesmos, mobilizando as bases de seu
movimento a fim de eleger parlamentares que representem seus interesses na
arena poltica. E ainda, uma melhor articulao de parlamentares (das frentes
parlamentares pr LGBT e outras frentes que os representem) pela aprovao
de projetos de lei favorveis populao LGBT, assim como a criao de novas
frentes parlamentares atravs da unio de representantes setoriais LGBT de par-
tidos polticos diversos, que atuem de forma a superar divergncias partidrias,
garantindo o trabalho em conjunto e criando assim, possibilidades de enfrenta-
mento da onda conservadora no Congresso Nacional.

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Referncias

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do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, n. 9, 2015.

DUARTE et al.(orgs). Valores Religiosos e Legislao no Brasil. A tramitao de projetos


de lei sobre temas morais controversos. Garamond, Rio de Janeiro, 2009.

ESTADO. Projeto que criminaliza a homofobia ser arquivado no Senado. So Paulo,


jan. 2015. Disponvel em http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,projeto-que-crimi-
naliza-homofobia-sera-arquivado-no-senado,1617260. Acesso em 05 jun 2016.

FOLHA DE SO PAULO. Pastor organiza abaixo-assinado para presidir comisso


na Cmara. So Paulo, mar 2013. Disponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/
poder/2013/03/1240319-pastor-organiza-abaixo-assinado-para-presidir-comissao-de-
-direitos-humanos.shtml> Acesso em 20 de mar 2014.

HOWES, R. Joo Antnio Mascarenhas (1927-1998): pioneiro do ativismo homosse-


xual no Brasil. Cad. AEL, v.10, n.18/19, 2003

MELLO, L. et al.. Polticas pblicas para a populao LGBT no Brasil: notas sobre
alcances e possibilidades. Cadernos Pagu (39), julho-dezembro de 2012. Disponvel
em <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n39/14.pdf> Acesso em 20 mar 2014.

________________ ..Polticas Pblicas de Segurana para a populao LGBT no


Brasil. Estudos Feministas, Florianpolis, 22(1), jan-abr, 2014.

NATIVIDADE, M. & LOPES, P. V. L..O direito das pessoas GLBT e as respostas religio-
sas: da parceria civil criminalizao da homofobia. In DUARTE et al.(orgs). Valores
Religiosos e Legislao no Brasil. A tramitao de projetos de lei sobre temas morais
controversos. Garamond, Rio de Janeiro, 2009.

RORTY, R. Religion as a conversation stopper. In: Philosophy and social hope. Penguin
Books, 1999.

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UOL Educao. No aceito propaganda de opes sexuais. Da Redao, So Paulo,


mai, 2011. Disponvel. em <http://educacao.uol.com.br/noticias/2011/05/26/nao-a-
ceito-propaganda-de-opcoes-sexuais-afirma-dilma-sobre-kit-anti-homofobia.htm>
Acesso em 20 mar 2014.

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UTILIZAO (OU NO) DO NOME SOCIAL:


(TRANS) SUBJETIVIDADES EM MBITO ACADMICO

Nathlia Hernandes Turke


Discente do curso de Cincias Biolgicas da Universidade Estadual de
Londrina (UEL)
[email protected]

Fbio Augusto Joinhas


Discente do Curso de Cincias Biolgicas da Universidade Estadual de
Londrina (UEL)
[email protected]

Julin Asaff Azevedo


Discente do Curso de Educao Fsica da Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT)
[email protected]

GT 04 -
Travestilidades, Transexualidades, Lesbianidades e Homosexualidades:
Transgresses e Resistncias

Resumo

Identidade de gnero um conceito extremamente abrangente e que atualmente est


conquistando grande visibilidade em discusses referentes sexualidade. Quando
tratado em mbito acadmico, algo posto prova, principalmente no que se refere
a pessoas transexuais e o direito ao uso do nome social. A presente pesquisa foi
realizada com a aplicao online de um questionrio para 13 pessoas transexuais,
bem como atravs de uma entrevista com uma mulher transexual, tendo por obje-
tivo principal mostrar as dificuldades e preconceitos que estas pessoas esto sujeitas
ao tentar mudar seu nome de registro para o nome social em mbito acadmico.
Percebeu-se a extrema importncia do tratamento de pessoas transgnerxs pelo
nome social, evitando constrangimento e humilhao por parte dxs mesmxs.
Palavras-chave: Identidade de gnero; transexualidade; preconceito; padres
sociais; escola/universidade.

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Introduo

Identidade de gnero pode ser definida como a experincia interna


e individual sentida por cada pessoa em relao ao gnero, a qual pode, ou
no, corresponder ao sexo atribudo ao nascimento, estando incluso o senti-
mento pessoal do corpo, incluindo o modo de se vestir, falar e agir, o que nada
tem a ver com a orientao sexual de cada indivduo relaciona-se com a
capacidade de cada pessoa de sentir atrao emocional, afetiva ou sexual por
indivduos de gnero diferente, do mesmo gnero ou de mais de um gnero
(PRINCPIOS DE YOGYAKARTA, 2007).
Em termos de gnero, os seres humanos so identificados como cisg-
nerxs (cis), sendo indivduos que se identificam com o sexo ao qual nasceram,
ou transgnerxs (trans), xs quais no se reconhecem pelo sexo biolgico (defi-
nido ao nascimento). Levando-se isso em considerao, destaca-se que uma
pessoa transgnerx pode ser assexual, heterossexual, homossexual, bissexual
ou pansexual.
Quando se fala em incluso social de pessoas transexuais, deve-se levar
em conta que nem sempre h respeito com relao ao direito do uso do nome
social, principalmente dentro do ambiente acadmico, o qual garantido por
lei, segundo a resoluo n 12, de 16 de janeiro de 2015. Ressalta-se que o
nome social definido como o nome pelo qual pessoas transexuais se identi-
ficam independentemente do sexo e nome encontrados em seu registro civil.
Ao refletir sobre a importncia da escola perante a sociedade, surge a
questo relativa ao preconceito enfrentado por aqueles que desafiam as normas
de papis masculinos e femininos no espao escolar (VIEIRA & NETO, 2015).
Pereira (2008) destaca que toda pessoa tem direito ao nome, erigindo-o a um
direito inerente personalidade do indivduo, no podendo jamais ser motivo
e fonte de humilhao e ofensas, situaes constrangedoras e preconceituo-
sas. Porm, muitos professores ainda se negam a tratar xs alunxs transexuais
pelo nome social, no aceitando mudar seu nome na chamada, insultando x
estudante.
De acordo com Zambrano (2003), a permisso para a troca de nome e
sexo no registro civil, independentemente da realizao da cirurgia, resolveria o
problema mais agudo da vida cotidiana dxs transexuais. A conquista do direito
ao nome social cria mais oportunidades de ensino e aprendizado na escola.

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Sendo assim, esse trabalho teve o objetivo de conhecer as dificuldades e


preconceitos que pessoas transexuais esto sujeitas ao tentar mudar seu nome
de registro para o nome social em ambiente acadmico (escolar e universitrio),
bem como compreender a importncia da utilizao, por parte de todas as pes-
soas, do nome social ao se dirigir a homens e mulheres transgnerxs.

Metodologia

A presente pesquisa foi realizada com a aplicao online de um ques-


tionrio para 13 pessoas transexuais, as quais foram selecionadas atravs de
conversas em redes sociais, bem como atravs de uma entrevista com uma
mulher transexual. O questionrio foi dividido em duas partes, sendo a primeira
necessria para o conhecimento do gnero (masculino, feminino ou no bin-
rix), orientao sexual (heterossexual, homossexual, bissexual, pansexual ou
assexual), idade e escolaridade dx entrevistadx. A segunda parte foi composta
por perguntas pessoais sobre sua trajetria desde a infncia at a juventude ou
idade adulta, bem como sua dificuldade em mudar, em mbito acadmico, o
nome de registro para o social, incluindo a importncia da utilizao do nome
social por parte da sociedade.

Quadro 1 Perguntas aplicadas na segunda parte do questionrio


Nmero da Questo Perguntas aplicadas
Questo 01 Quando se descobriu transexual?
J assumiu para o mundo que transexual? Se sim, com qual idade?
Questo 02
Se no, por qu?
Fale um pouco sobre como foi sua passagem da infncia para a
Questo 03
adolescncia (mudana no corpo e afins).
J sofreu preconceito na escola/universidade por ser transexual? Se
sim, esse preconceito ocorre, na maioria das vezes, por outros alunos
Questo 04 da escola (colegas de sala, de outras salas e afins...) ou por parte dos
professores e coordenao pedaggica (supervisores, coordenadores,
diretores...)?
Na escola/universidade, colocaram seu nome social na chamada? Ou
Questo 05
continuam te tratando pelo nome de registro?
Questo 06 Como se sente quando te tratam pelo seu nome de registro?
Acha importante todos os locais aceitarem mudar seu nome de registro
Questo 07
para o nome social? Por qu?
Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nas questes propostas

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Os questionrios foram avaliados mediante as seguintes questes: A


maioria das pessoas entrevistadas usa seu nome social em mbito acadmico
ou continua utilizando o nome de registro?, Quais os preconceitos sofridos
por uma pessoa transexual na escola/universidade?, Por que to importante,
para estas pessoas, a mudana do nome de registro para o social?.

Resultados e discusso

Com relao primeira parte do questionrio, teve-se como resultado


que, dentre as 14 pessoas entrevistadas, 11 so transexuais masculinos, 2 so
transexuais femininos e 1 transexual no binrix. Com relao orientao
sexual, 5 so heterossexuais, 4 pansexuais, 3 bissexuais e 1 homossexual.

Quadro 2 Estatstica do sexo e gnero e orientao sexual de cada participante da entrevista


Gnero/ Transexual no
Transexual Masculino Transexual Feminino
Orientao Sexual binrix
Homossexual 01 (7,14%)
Bissexual 03 (21,43%)
Pansexual 03 (21,43%) 01 (7,14%)
Heterossexual 04 (28,57%) 02 (14,28%)

Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nas respostas dos entrevistados

Houve variao na faixa etria, tendo quatro entrevistados (30,80%) 16


anos, dois (15,40%) 18 anos e oito (57,14%) mais que 18 anos. No que diz res-
peito escolaridade, 5 (38,50%) esto cursando o ensino mdio, sendo que 3
estudam em escola pblica e 2 em escola particular, enquanto que 9 (64,28%)
cursam o ensino superior todxs graduandxs de universidades pblicas.
A segunda parte do questionrio foi composta por questes de cunho
pessoal, tendo as trs primeiras o objetivo de conhecer um pouco sobre x entre-
vistadx. Ao serem questionadxs sobre quando se descobriram transexuais,
todxs foram unnimes ao dizer que sempre se sentiram diferentes das demais
pessoas, mas no sabiam os motivos disso ou qual nome dar a esta diferena.
Muitxs comearam a entender o que ser transexual e passaram a se identificar
como tal atravs de palestras, conversas com amigos e pesquisas na internet a
maioria, apenas por volta dos seus 15 anos ou aps adentrar na universidade,

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como expe o entrevistado 11, transexual masculino, ao falar sobre as mudan-


as ocorridas em seu corpo entre a infncia e a juventude, expondo como
apenas pde ser ele mesmo quando chegou faculdade:
Foi a poca mais horrvel da minha vida, pra ser sincero foi ali que
eu morri, que meu corpo sem traos comeou a ser rotulado pela
sociedade. Sempre questionava por que tinha nascido assim, por
que meus irmos nasceram homens no corpo certo e eu no, s
imaginava que era um castigo. Lembro de rezar para morrer assim
que entendi que meu corpo no seria como imaginava, que ele teria
intrusos (seios) e outras coisas. Mas por questes religiosas, imagi-
nava que nada do que fizesse me tornaria um homem e que deveria
me aceitar como era. Passei ento a tentar ser uma mulher, mas
era sempre algo que no conseguia manter por muito tempo. At
chegar na faculdade e ver que no era bem assim, que poderia ser
eu, ser homem. (Entrevistado 11)

Dxs 14 entrevistadxs, 10 j assumiram para o mundo sua transexualidade,


variando apenas no momento em que isto ocorreu alguns se exibiram com o
sexo oposto ao que nasceu entre 10 e 23 anos, enquanto que dois disseram que
apenas o fizeram aps os 30 anos de idade. Quando indagadxs sobre como foi
sua passagem da infncia juventude, mais de 80% dxs entrevistadxs disseram
que j no se achavam mais normais ao adentrar na puberdade, momento
onde o corpo comea a se transformar, e que estas mudanas foram as mais
constrangedoras e assustadoras de toda a sua vida.

Quadro 3 Respostas dos entrevistados para a terceira pergunta da segunda parte do questionrio

Respostas referentes questo: Fale um pouco


Pessoa
Descrio sobre como foi sua passagem da infncia para a
entrevistada
adolescncia (mudana no corpo e afins).
Sofri muito bullying e era extremamente antissocial.
Entrevistadx Transexual masculino
Eu odiei a menstruao e os peitos, mas tentei me
05 universidade pblica.
conformar.
Entrevistadx Transexual masculino Odiava meu corpo, raramente me olhava no espelho
13 de escola pblica. e era muito depressivo.
Foi no momento que descobri que meu corpo era
Entrevistadx Transexual feminina diferente dos das minhas amigas e por no menstruar
08 universidade pblica. entendi que no tinha o que precisava pra ser uma
menina.

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Entrevistadx Transexual masculino Foi repleta de momentos constrangedores, ao tentar


04 escola particular. esconder as curvas e intrusos.
Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nas respostas dos entrevistados

Nove dxs quatorze entrevistadxs asseguraram continuar sendo tratados


pelo nome de registro em mbito acadmico, ou seja, xs professorxs no muda-
ram seu nome para o social na hora da chamada. Xs cinco que disseram serem
tratadxs pelo nome social j esto na universidade e afirmaram que s foi pos-
svel a mudana de nome ao solicit-lo, legalmente, ao coordenador do curso,
como expe o entrevistado 07: Colocaram depois que eu mandei uma carta
para a coordenadora do curso com a lei do MEC, que eu tinha direito e a
entrevistada 08: Pude solicitar o nome graas conquista de um grupo de
pessoas e tambm porque j havia uma travesti na universidade.
Todxs xs entrevistadxs foram unnimes ao dizer que de suma impor-
tncia todos os lugares aceitarem mudar seu nome de registro para o social,
expondo que se sentem desconfortveis ao serem tratadox pelo sexo de registro
utilizaram palavras como tristes, nervosos, desconfortveis, incomodados,
com vergonha, constrangidos, um lixo, ofendidos, ao expressar seus senti-
mentos quanto a isso. Alguxs at enfatizaram que, quando isso ocorre, no
respondem, fingem que no com elxs.

Quadro 4 Respostas dos entrevistados para a stima pergunta da segunda parte do questionrio

Respostas referentes questo: Acha importan-


Pessoa
te todos os locais aceitarem mudar seu nome de
entrevistada Descrio
registro para o nome social? Por qu?
Lgico que sim. O uso do nome de registro
Entrevistadx Transexual masculino deslegitimar o gnero das pessoas, a forma como
10 universidade pblica queremos que a sociedade nos veja. Sem falar no
constrangimento, no preconceito, nas agresses.

um direito bsico ser chamada pelo nome, artigo


Entrevistadx Transexual feminina com qual me identifico. A situao do nome de
08 universidade pblica registro muito constrangedora e priva as pessoas
trans de circularem pelos espaos sociais.
Sim. Meu sonho entrar pra faculdade no prximo
Entrevistadx Transexual masculino
ano com meu nome social, poder conseguir meu
03 escola particular
trabalho usando o meu nome social.

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Acho importante no somente por ser uma questo


trans, mas por saber que seu nome est relacionado
Entrevistadx Transexual no binrio
com sua identidade subjetiva, que cabe somente a
11 universidade pblica
mim fazer esse tipo de escolha, de como quero ser
tratada.
Entrevistadx Transexual masculino Sim, pois a minha imagem no me representa com o
07 universidade pblica nome de registro.
Fonte: Dados organizados pelos autores, com base nas respostas dos entrevistados

Atravs disso, possvel observar que todxs xs entrevistadxs que ainda


esto na escola no tiveram o direito de mudar seu nome de registro para o
social e isto ocorre, provavelmente, porque a maioria dxs professorxs no acei-
tam esta mudana mesmo nas universidades, no bastou x alunx pedir para
ser tratadx por outro nome; isso apenas foi possvel atravs de um pedido oficial
ao colegiado do curso.

Consideraes finais

Atravs dessa pesquisa, foi possvel notar que h enorme dificuldade, por
parte de indivduos transexuais, em mudar seu nome e sexo definidos no regis-
tro civil pelo social em ambientes pblicos e privados, principalmente dentro de
escolas e universidades. Isso ocorre por conta da no aceitao da maioria das
instituies em alterar o nome sem um pedido judicial. Nem todxs xs entrevis-
tadxs so tratadxs pelo nome social em ambiente acadmico, ressaltando que
xs que o so apenas conseguiram este direito ao entrar com um pedido formal
ao colegiado do curso, destacando estarem amparadxs por lei, ou seja, perce-
be-se que a maioria dos professores ainda se nega a mudar o nome na hora da
chamada.
Conclui-se que de extrema importncia o tratamento de pessoas trans-
gnerxs pelo nome social, evitando assim o constrangimento e a humilhao
por parte dxs mesmxs, seja publicamente como individualmente.

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Referncias

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Resoluo n. 12, de janeiro de 2015. Dirio Oficial da Unio, Poder Executivo, Braslia,
12 mar. 2015. Seo 1, p. 3.

PEREIRA, R. D. B. O transexualismo e a alterao do registro civil. 2008. Disponvel


em: <http://jus.com.br/artigos/11211/o-transexualismo-e-a-alteracao-do-registro-
-civil#ixzz3SlfxNeCs>. Acesso em: 30 mar. 2016.

PRINCPIOS DE YOGYAKARTA: princpios sobre a aplicao da legislao internacio-


nal de direitos humanos em relao orientao sexual e identidade de gnero. Trad.
Jones de Freitas. Rev. tcnica Sonia Corra e Angela Collet. Yogyakarta/Indonsia,
2007.

VIEIRA, T. R.; NETO, F. C. Direito adequao do nome do transexual no ambiente


escolar. In: IV Simpsio Internacional de Educao Sexual, 2015, Maring, PR, Brasil.
Anais... Maring: Universidade Estadual de Maring, 2015 p.2.

ZAMBRANO, E. Trocando os documentos: um estudo antropolgico sobre a cirur-


gia de troca de sexo. Dissertao de Mestrado no publicada, Instituto de Filosofia
e Cincias Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS,
2003.

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SUMRIO

A FORMAO CIDAD POR MEIO DOS LETRAMENTOS: REFLETINDO SOBRE


PERFORMANCES DE GNEROS NA ESCOLA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1418
Amanda Cordeiro Quintella | Alexandre Jos Cadilhe

MDIA E MULHER ATLETA O PRECONCEITO AINDA IMPERA?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1422


Ana Clara de Melo Villaa | Gabriela Teixeira Paula | Selva Maria Guimares Barreto

A CONSTRUO LINEAR SEXO, GNERO, SEXUALIDADE:


POR UMA DESCONSTRUO QUE LIBERTE A PESSOA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1426
Daniel Paulino da Silva

A PRESENA FEMININA NA REA DESPORTIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1431


Gabriela Teixeira Paula | Ana Clara de Melo Villaa | Selva Maria Guimares Barreto

O IMPACTO DO NOME SOCIAL E COTIDIANO ESCOLAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1435


Katrini Alves da Silva | Leandro Leal de Freitas

AQUI DENTRO COISA SRIA! (TRANS)PONDO O USO DO BANHEIRO


E DO NOME SOCIAL NA EDUCAO BSICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1439
Matheus Moura Martins | Ronaldo Batista de Arajo | Sandro Prado Santos

ROUPA E PERFORMANCE COMO POSICIONAMENTO SOCIAL DA


IDENTIDADE DE GNERO DOS ARTISTAS CONTEMPORNEOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . 1443
Paula Parra Alves de Oliveira

LINHAS E TRAADOS DAS EXPERINCIAS TRANS SOBRE CORPO HUMANO


NO CAMPO DO ENSINO DE BIOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1446
Sandro Prado Santos | Elenita Pinheiro de Queiroz Silva

DIVERSIDADE SEXUAL NA EDUCAO EM UMA


SOCIEDADE HETERONORMATIVA E PATRIARCAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1450
Roberto Pacobahyba Rodrigues | Aderine Moutinho de Paula | Amaro Crispim de Souza

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 1416 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

ILUMINANDO MENTES INTOLERANTES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1454


Roberto Pacobahyba Rodrigues | Matheus Almeida Felix
Francine Nascimento de Oliveira

POR QUE GNERO E SEXUALIDADE NA AULA?


QUESTES DE SEXISMO E VIOLNCIA NA ESCOLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1459
Matheus Couto Hotz | Rbia Dias Botelho | Alexandre Jos Cadilhe

TEORIA QUEER E PSICANLISE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1464


Natlia de Andrade de Moraes | Fernanda de Oliveira Alves | Claudia Maria Perrone

BATUCLAGEM DIVERSAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1468


Ana Maria Dietrich | Daniele da Silva Benicio | Felipe Borges Debossam Moreira

REPENSANDO DIREITOS HUMANOS NA ESCOLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1472


Ana Maria Dietrich | Juliana Fabbron Marin Marin

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ISBN 978-85-61702-44-1 1417 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

A FORMAO CIDAD POR MEIO DOS


LETRAMENTOS: REFLETINDO SOBRE
PERFORMANCES DE GNEROS NA ESCOLA

Amanda Cordeiro Quintella


Graduanda em Letras UFJF
[email protected]

Alexandre Jos Cadilhe


Doutor em Estudos da Linguagem UFF
Prof. Adjunto Departamento de Educao da UFJF
[email protected]

Introduo

A presena de temas como gnero e sexualidades no contedo esco-


lar tem sido discutida e considerada necessria por profissionais da educao.
Ainda assim, surgem dvidas sobre como trabalhar esses temas presentes no
cotidiano dos professores. Deste modo, neste estudo, buscamos refletir sobre
este problema, bem como propor uma atividade que alinhe Letramentos e
Teoria Queer na sala de aula da Educao Bsica.
Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Lngua Portuguesa do
terceiro e do quarto ciclos do Ensino Fundamental buscam orientar a prtica
docente em sala de aula. Nesse documento, so apresentados objetivos gerais
do ensino, sendo um deles:
Conhecer e valorizar a pluralidade do patrimnio sociocultural
brasileiro, bem como aspectos socioculturais de outros povos e
naes, posicionando-se contra qualquer discriminao baseada
em diferenas culturais, de classe social, de crenas, de sexo, de
etnia e outras caractersticas individuais sociais. (p.7)

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Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Esse objetivo est em concordncia com a Declarao dos Direitos


Humanos (DUDH), como perceptvel no seguinte trecho: 2- A instruo ser
orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamen-
tais. (Artigo XXVI).
Alm destes documentos, Bentes (2014) destaca a importncia de cons-
truo e formao de sujeitos capazes de conhecer, respeitar e solidarizar-se
com as diferenas (p.44), j que so constantes os conflitos no ambiente esco-
lar diante de indivduos considerados fora do padro construdo socialmente.
Portanto, considerando que na DUDH toda pessoa tem capacidade para
gozar os direitos e as liberdades estabelecidos (Artigo II) e que toda pessoa
tem direito instruo (Artigo XXVI), esta instruo necessita seguir os obje-
tivos propostos pelos documentos norteadores e ser usada como instrumento
de diminuio da violncia gerada pelos preconceitos e como caminho para a
formao de sujeitos crticos e que respeitem as alteridades.

O trabalho com gnero e sexualidades por meio de prticas de


letramento

Moita Lopes (2010) busca solues para a abordagem dos temas sexua-
lidades e gnero em sala de aula sugerindo o uso da teoria queer. Segundo o
autor:
A posio queer acarreta o entendimento da sexualidade como
dinmica e cambiante, o que implica compreender que os objetos
de desejo podem mudar durante a vida ou em prticas discursivas
diferentes: nossas performances de sexualidade podem ser mut-
veis. Essa percepo envolve a concepo da sexualidade como
algo que nunca est pronto ou que est sempre se fazendo e que
pode ser construda e re-construda discursivamente. (p.141)

Logo, a teoria colaboraria com a desconstruo das vises de sexuali-


dades e gnero padronizadas e difundidas como nicas no meio social. Alm
disso, os alunos refletiriam sobre as diferenas e atravessamentos identitrios
variados individuais, como explica o autor por meio de exemplos (p.137).
J em Moita Lopes & Fabrcio (2010), os autores alinham teoria queer e
estudos sobre Letramentos, considerando que as prticas de letramento so

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prticas discursivas envolvendo qualquer tipo de conversa sobre texto (p.290),


nas quais os participantes de posicionam. Sendo assim, pelo fato de gnero e
sexualidades constiturem assuntos que permeiam o meio social, esto presen-
tes em textos (sejam orais ou escritos) que podem ser usados para promover
conversas e questionamentos sobre os temas.
Desta forma, apresentamos uma sugesto para abordar questes de
gnero em uma turma de 6 ano do ensino fundamental a partir de uma prtica
de Letramento com o uso de trs tiras, sendo duas de Maurcio de Souza e uma
do cartunista Jean Galvo, que abordam a questo de brincadeiras que so indi-
cadas como de menino ou de menina. O objetivo da prtica de letramento
realizada de questionar os/as estudantes sobre essa questo de forma crtica e
reflexiva. Alm disso, a atividade inicial proposta pode ser continuada por meio
de outros textos e de produes feitas pelos alunos, como, por exemplo, listas
de brincadeiras e brinquedos classificados como de menina e de menino,
que podem ser refeitas aps as discusses visando retirada das classificaes.

Consideraes finais

A atividade indicada constitui uma possibilidade da promoo de prti-


cas de letramento alinhada teoria queer para trabalhar gnero e sexualidades
na escola, contribuindo com a formao de cidados mais ticos, assim como
orientam os PCNs, e colaborando com a melhoria do espao escolar, como
sugere Moita Lopes (2010):
Que a escola seja um lugar de re-criar e politizar a vida social, de
compreender a necessidade de no separar cognio e corpo, de
se livrar de discursos binrios aprisionadores, de se questionar inin-
terruptamente e de se preocupar com justia social e tica! (p. 144 )

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Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Referncias

BENTES, A.C. Oralidade, Poltica e Direitos Humanos. In ELIAS, V. (org.). Ensino de


Lngua Portuguesa: oralidade, escrita e leitura. So Paulo: Contexto, 2014.

BRASIL. Parmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino funda-


mental: lngua portuguesa/ Secretaria de Educao Fundamental: Braslia: MEC/SEF,
1998. 106 p.

FABRICIO, B.F. & MOITA LOPES, L.P. A dinmica dos (re)posicionamentos de sexua-
lidade em prticas de letramento escolar. In MOITA LOPES, L.P. & BASTOS, L.C. Para
alm da identidade: fluxos, movimentos e trnsitos. Belo Horizonte: Ed. Da UFMG,
2010.

MOITA LOPES, L.P. Sexualidades em sala de aula: discurso, desejo e teoria queer. In
MOREIRA, A.F. & CANDAU, V.M. (org.). Multiculturalismo: diferenas culturais e pr-
ticas pedaggicas. Petrpolis: Vozes, 2010.

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MDIA E MULHER ATLETA O PRECONCEITO AINDA IMPERA?

Ana Clara de Melo Villaa


Graduanda na Faculdade de Educao Fsica e Desportos
Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

Gabriela Teixeira Paula


Graduanda na Faculdade de Educao Fsica e Desportos Universidade
Federal de Juiz de Fora
[email protected]

Selva Maria Guimares Barreto


Doutora em Educao
Professora na Faculdade de Educao Fsica e Desportos
Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

Introduo

Nunca foi fcil para as mulheres adentrarem prtica esportiva pois quase
sempre havia empecilhos que dificultam o avano a sua insero sistematizada,
sendo um grande exemplo disso os Jogos Olmpicos que, por muitos anos, no
reconheceram as modalidades femininas (VALPORTO, 2006).
No Brasil, nas primeiras dcadas no incio do sculo XX, a natao, assim
como as ginsticas, o vlei e o tnis, foram incorporados como esportes volta-
dos para as mulheres, tendo como base os conceitos e interesses impostos pelo
Estado visando mulher saudvel, a beleza esttica valorizando a feminilidade
e, tendo como princpio norteador, a reproduo da espcie gerando filhos
fortes e saudveis (DEVIDE, 2003; 2004; GOELLNER, 2005). Porm, no final do
mesmo sculo, surgem as atletas olmpicas da Alemanha Oriental, causando,
um choque cultural muito realado pela imprensa.
Assim, vem sendo percebido atravs da influncia que a imprensa escrita
proporciona com relao a exaltao do corpo da mulher no decorrer dos

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tempos, que, a esttica e a exaltao do corpo feminino aparecem em maior


evidncia do que o sucesso do desempenho, habilidade e eficincia na pr-
tica esportiva, que no caso, deveriam receber maior destaque (DEVIDE, 2003;
GOELLNER, 2005; ALTMANN, 2015).
Sendo assim, o presente trabalho visa fomentar uma discusso inicial
sobre o poder que a mdia exerce perante as prticas esportivas de mulheres
atletas, seja na exaltao do belo ou de preconceitos.

Metodologia

Trata-se de um artigo de reviso bibliogrfica sistemtica com vis na


reviso integrativa onde foram coletados notcias de mulheres no esporte e
os preconceitos que sofreram em mdias virtuais, chegando at a atual notcia
envolvendo a tenista Maria Sharapova. A anlise e coleta de dados foram rea-
lizadas, atravs de revises de matrias ou jornais on-lines no perodo entre os
dias 8 a 12 de junho de 2016.

Resultados

Elencamos para anlise, notcias que falassem de 3 atletas brasileiras sendo


elas, a jogadora de futebol Marta quase sempre denominada de Pel de saias,
a jogadora de vlei Keila e a judoca Edinanci denominada de hermafrodita, e 2
estrangeiras, as tenistas Serena Williams usualmente comparada a um gorila e a
Maria Sharapova que mereceu a seguinte manchete: Quase perfeita - Maria
Sharapova supera a chuva, mas no a celulite, e arrasa rival em Roland Garros
(CORREIO BRASILIENSE, 2009; SOARES, 2013; MANCHETE FOLHA DE SO
PAULO, 2013; SILVA, 2014; DESMOND-HARRIS, 2015).

Consideraes finais

A mdia estabelece padres e os diferentes corpos sociais, de forma acrtica


e irresponsvel, os acata, perpetuando e estimulando em uma cultura calcada
em algumas ideias e comportamentos enraizados, arcaicos e preconceituosos
visto que, ainda hoje, vivemos em uma sociedade patriarcal, machista e sexista
que apenas observa a prtica da mulher de forma esttica e no profissional.

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Felizmente pode-se notar uma crescente onda de questionamentos e pro-


testos em relao ao padro estabelecido como ideal pela mdia/sociedade,
o que fomenta discusses em diversas reas e est diretamente ligado com o
movimento feminista e mudana de paradigmas na prtica esportiva feminina
e seus esteretipos.
Cabe a todos os povos a construo, a vivncia e manuteno de um
olhar mais crtico sobre o que perpassa em sua cultura e sociedade, alm de
estimular as diferenas e igualdades entre os sexos, haja vista o fato de que a
exaltao do corpo da mulher vir antes do resultado obtido pelo desempenho
desportivo da mesma, diferentemente do que acontece no mbito da prtica
esportiva masculina, o que denota uma segregao na prtica esportiva entre
homens e mulheres.

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Referncias
ALTMANN, H. EDUCAO FSICA ESCOLAR relaes de gnero em jogo. So Pau-
lo: Cortez, 2015. 174 p.

CORREIO BRASILIENSE. A difcil vida de uma atleta hermafrodita. Correio bra-


siliense, 23 nov. 2009. Disponvel em: <http://www.pbagora.com.br/conteudo.
php?id=20091123105235>. Acesso em: 09/06/16.

DESMOND-HARRIS, J. Cada vitria de Serena Williams vem acompanhada de racis-


mo e sexismo revoltantes. Geleds, So Paulo, 12 jun. 2015. Disponvel em: <http://
www.geledes.org.br/cada-vitoria-de-serena-williams-vem-acompanhada-de-racis-
mo-e-sexismo-revoltantes/>. Acesso em: 09/06/16.

DEVIDE, F. P. Histria das Mulheres na natao brasileira no sculo XX: das ade-
quaes s resistncias sociais. 2003. 347f. Tese (Doutorado em Educao Fsica e
Cultura) - Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2003.

____________. A natao como elemento da cultura fsica feminina no incio do s-


culo XX: construindo corpos saudveis, belos e graciosos. Movimento, Porto Alegre,
v. 10, n. 2, p.125-144, maio/ago., 2004.

GOELLNER, S. Mulher e esporte no Brasil: entre incentivos e interdies elas fazem


histria. Revista Pensar a Prtica, v.8, n.1, p.85- 100, jan/jun. 2005.

MANCHETE. Quase perfeita - Maria Sharapova supera a chuva, mas no a celuli-


te, e arrasa rival em Roland Garros. Folha de So Paulo, So Paulo, 01 jun. 2013.
Disponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/paywall/signup-colunista.shtml?ht-
tp://www1.folha.uol.com.br/fsp/corrida/111839-5-minutos.shtml>. Acesso em:
08/06/16.

SILVA, G. C. A feminilidade em teste no esporte. Xadrez verbal, So Paulo, 12 dez.


2014. Disponvel em: <https://xadrezverbal.com/2014/12/12/a-feminilidade-em-tes-
te-no-esporte/>. Acesso em: 09/06/16.

SOARES, L. Jogadora Marta conta como foi difcil entrar para o futebol; leia entre-
vista. Folha de So Paulo, So Paulo, 29 jun. 2013. Disponvel em: <http://www1.
folha.uol.com.br/folhinha/2013/06/1302974-jogadora-marta-conta-como-foi-di-
ficil-entrar-para-o-futebol-leia-entrevista.shtml>. Acesso em: 09/06/16.

VALPORTO, O. Atleta, substitutivo feminino: vinte mulheres brasileiras nos Jogos


Olmpicos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006.

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Sexual e de gnero
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A CONSTRUO LINEAR SEXO, GNERO, SEXUALIDADE:


POR UMA DESCONSTRUO QUE LIBERTE A PESSOA

Daniel Paulino da Silva1


Graduando em Direito
Universidade Federal de Juiz de Fora - Campus Governador Valadares
[email protected]

Resumo

A sociedade marcada por uma linearidade sexo, gnero, sexualidade, que


engessa e limita a pessoa no desenvolvimento integral de sua pessoalidade. Este
trabalho parte da anlise de uma reflexo histrica, tratando da influncia crist
nesta linearidade, bem como o reflexo que ocorre no Direito brasileiro. A pessoa
construda socialmente e culturalmente dotada assim de uma imutabilidade
de caractersticas previamente institudas a ela antes do seu prprio desenvol-
vimento da pessoalidade. Assim importante uma viso plural e ampla, que
propicie uma desconstruo da linearidade exposta, para que a pessoa possa
construir o ser pessoa em uma essncia transcendental, com a consequente
absoro pelo Direito, de uma maneira no limitadora.
Palavras-chave: sexo, gnero, sexualidade, imutabilidade, desconstruo

1 Graduando em Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora Campus Governador Valadares


Bolsista do Projeto de Extenso Observatrio do Oramento Pblico de Governador Valadares
UFJF-GV
Voluntrio do Projeto de Pesquisa Teoria da Deciso Judicial e Jurisdio Constitucional -UFJF/
PROPESQ
Integrante do Grupo de Estudo A Histria do Direito vista pelo processo de constitucionalizao
brasileiro da UFJF-GV

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Um Direito orientado pela moral crist: a linearidade sexo,


gnero e sexualidade

O Direito fruto de um fenmeno social, que regula as diversas situaes


e relaes das pessoas. Assim sendo, o Direito dotado de uma historicidade,
vale ressaltar, a influncia direta que o Direito brasileiro recebeu do Direito
Cannico. O registro civil de pessoas naturais uma influncia direta da Igreja
Catlica, que o estado incorporou essa funo. Influncias que vigoram ainda
no Direito Contemporneo, exemplo direto, a Lei brasileira nmero 6.015 de
1973, que trata dos registros pblicos, em seu artigo 54, II traz:
II. o sexo do registrado

O exposto corrobora com a viso de que o direito brasileiro tratou e ainda


trata a pessoa, influenciado por uma moral crist naturalizada, que aprisiona o
ser pessoa na lgica relao engessada: sexo, gnero e sexualidade.

O ser pessoa em sexo, gnero e sexualidade: influncia externa

Na sociedade cada pessoa nascida rotulada logo ao nascimento atravs


de caractersticas biolgicas, se nasce com pnis pertencente ao sexo mascu-
lino, se nasce com vagina pertencente ao sexo feminino. Esta anlise biolgica
dos corpos incorpora-se ao Direito, sendo a pessoa j no registro civil, caracte-
rizada de acordo com seu sexo, este passa a ser uma caracterstica apriorstica.
O Direito dispe assim de um modo de ser pessoa, com caractersticas
pr-constitudas. No artigo 11 do Cdigo Civil brasileiro de 2002, estatui que:
Art. 11. (...) os direitos da personalidade so intransmissveis e irre-
nunciveis, no podendo o seu exerccio sofrer limitao voluntria.

Isso corrobora com a viso limitadora que o Direito tem da pessoa, que
fica limitada em sua pessoalidade, com riscos ao no desenvolvimento pleno de
sua prpria identidade de gnero e identidade sexual.

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Uma construo social da ideia de sexo e gnero e a


hierarquizao cultural do gnero

Em uma abordagem da matriz da inteligibilidade, possvel ter uma ideia


de que a identidade de gnero uma construo de adequao ao contexto
social, para a representao de papeis, o ser homem e o ser mulher. O gnero
no papel que assume uma caracterstica que aprisiona a pessoa em sua essn-
cia, dotado de um ideal de imutabilidade sendo pr-definido socialmente.
(BUTLER, 2003, p. 200)
O gnero mostra-se como um reflexo da identidade pessoal, que fica
impossibilitada para um desenvolvimento que fuja aos padres, ou seja, o que
determinado socialmente.
Os moldes sociais so limitadores da pessoa, a construo que se faz da
noo de identidade de gnero o reflexo cultural de uma sociedade voltada
hierarquizao em torno dessa estrutura.
Cabe ressaltar a importncia de Simone de Beauvoir em seus estudos
que ope natureza e cultura em torno desta construo. Representando a forte
influncia cultural que existe na construo do corpo, sendo este o puro reflexo
da linearidade j exposta, sexo, gnero e sexualidade, sendo um aparato para
desigualdades socialmente construdas. Desigualdades que se mostram na dis-
paridade entre o homem e a mulher e tambm quanto representao cultural
da heterossexualidade frente aos movimentos LGBTi2. (BEAUVOIUR 1980, v. 2).

Consideraes finais

Atravs da anlise do exposto, observa-se que a linearidade sexo, gnero e


sexualidade uma construo social, que possu razes ligadas ao cristianismo,
campo das cincias biolgicas e chega a ter reflexo identitrio com tendncia
ao aprisionamento pelo direito, que no abarca tal complexidade. Porm a pes-
soalidade no se desenvolve no sentido unvoco que a pessoa submetida, a
pessoalidade possui mltiplas facetas.
A desconstruo que quebre com o processo naturalizado do gnero
importantssimo para um desenvolvimento pleno e integral da pessoalidade,

2 o acrnimo para lsbicas, gays, bissexuais, transgneros, travestis e intersexuais.

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refletindo em uma transcendncia alm da prpria pessoa. Devendo assim o


Direito incorporar essa tendncia, para que a pessoa no fique limitada a um rol
de caractersticas que so atribudas com base em anlises superficiais, como
na determinao do sexo por exemplo.
A desconstruo destes dados apriorsticos e limitadores que so: sexo,
gnero, sexualidade, vem a levantar o enfoque de um desenvolvimento pleno
da pessoa, colocando em pauta uma prpria reconstruo do que ser pessoa.

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Referncias

BRASIL. Lei n 10.406, de 10 de jan. de 2002. Cdigo Civil. Dirio Oficial da Unio
Seo 1 11/01/2002, Pgina 1.

BRASIL. Lei n 6.015, de 31 de dez. de 1973. Lei de registros pblicos. Dirio Oficial
da Unio Seo 1 31/12/1973, Pgina 13528.

BUTLER, Judith. Problemas de gnero: Feminismo e subverso da identidade. Traduo


de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2 Ed., 2003.

DE BEAUVOIR, Simone. O Segundo sexo. V. 2. Traduo de Srgio Milliet. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

LOPES, Las Godoi. Corpos e prticas da pessoalidade: a emergncia e a desconstru-


o da identidade de gnero. Dissertao Faculdade de Direito e Cincias do Estado,
UFMG, Minas Gerais, 2014.

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A PRESENA FEMININA NA REA DESPORTIVA

Gabriela Teixeira Paula


Graduanda na Faculdade de Educao Fsica e Desportos
Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

Ana Clara de Melo Villaa


Graduanda na Faculdade de Educao Fsica e Desportos Universidade
Federal de Juiz de Fora
[email protected]

Selva Maria Guimares Barreto


Doutora em Educao Professora na Faculdade de Educao Fsica e
Desportos Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

Introduo

A presena esportiva feminina no algo muito recente, sendo registrada


h alguns sculos, porm, somente a partir das primeiras dcadas do sculo XX
que as mulheres conquistaram maior espao, ganhando mais visibilidade neste
territrio tido como tipicamente masculino (GOELLNER, 2005).
At recentemente existia o entendimento de que o suor excessivo, o
esforo fsico, as emoes fortes, os msculos definidos, a liberdade de movi-
mentos, a leveza das roupas e a seminudez, realidades comuns ao universo da
cultura fsica eram associados ao pblico masculino (GOELLNER, 2005).
Sendo a corporalidade feminina limitada reproduo humana, j que,
a verdadeira feminilidade era a meiga, gentil e fisicamente frgil mulher
domstica.

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No incio do sculo XX, uma nova abordagem sobre o bem-estar fsico


j considerava a prtica de algumas formas de atividade esportiva e exerccio
fsico leves como atitudes benficas para a sade das futuras mes e esposas.
Mesmo com essa ideia e havendo uma prescrio limitante de quais os esportes
que se consideravam adequados s mulheres, estes deviam ser praticados s
por mulheres jovens e solteiras (ADELMAN, 2003).
Desta forma, considerando os fatos, o objetivo do trabalho constitui em
desvelar as relaes de sexo e a presena de mulheres no esporte, sendo atle-
tas, ou integrantes de equipes, nas comisses tcnicas e de gesto na atualidade
de esportes de alto desempenho, por exemplo.

Metodologia

O procedimento metodolgico consistiu em uma anlise de referencial


terico, com reviso bibliogrfica sendo que a amostra foi composta por anlise
dos artigos: A baixa representatividade de mulheres como tcnicas esportivas
no brasil; As narrativas sobre o futebol feminino- o discurso da mdia impressa
em campo; Feminismos, mulheres e esportes: questes epistemolgicas sobre
o fazer historiogrfico; Futebol coisa para macho? pequeno esboo para
uma histria das mulheres no pas do futebol; Mulheres atletas: re-significa-
es da corporalidade feminina; Mulheres e futebol no brasil: entre sombras e
visibilidades, referentes ao tema (presena da mulher no esporte) e anlise de
mdia escrita onde foram retirados em sites esportivos notcias e depoimentos
de mulheres que sofreram preconceito ou passaram por dificuldades no esporte.

Dados coletados

Muitas so as dificuldades encontradas por mulheres no alto rendimento,


alguns fatos podem ser relatados sobre a realidade do mundo esportivo atual:
Elas so to boas quanto eles, mas na hora de buscar patrocnio a
diferena do sexo pesa. Do boxe ao golfe, as mulheres escreveram
seu nome na histria dos esportes, mas os salrios ainda no acom-
panharam (PSSA, 2016).

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ISBN 978-85-61702-44-1 1432 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Na lista dos 100 atletas mais bem pagos do mundo, em 2015, h apenas
duas mulheres. Ambas tenistas: em 26 lugar, Maria Sharapova, e a americana
Serena Williams na 47 posio do ranquing (PSSA, 2016).
... O Brasil conhecido como o pas do futebol sim, o mascu-
lino. S. Aqui falta o apoio das empresas, dos governos, e uma
divulgao melhor. Tem gente que d a desculpa de que o futebol
feminino no d o mesmo retorno que o masculino. Mas se nin-
gum mostrar, como podero conhecer para falar se possui retorno
ou no? O futebol no tem um clube que seja s de mulheres...
(AMORIM, 2013).

Essa desigualdade entre homens e mulheres no esporte provoca questio-


namentos, e deve ser discutida para que as dificuldades continuem diminuindo
gradualmente, pela busca da igualdade de direitos e visibilidade no esporte.

Consideraes finais

A situao em que se encontram as mulheres no meio esportivo clara.


O acesso e a visibilidade foram aumentando gradativamente durante os anos,
j se tem uma melhora, porm, o pblico feminino ainda encontra diversas
dificuldades no meio esportivo. Elas precisam conviver com diferenas salariais,
vulgarizao, crticas aparncia fsica e imposio de esteretipos e questio-
namentos sobre suas competncias.
A excluso que a mulher ainda sofre nesse meio no por conta de uma
possvel falta de habilidades, ou incompetncia, mas por suas caractersticas
femininas. Para alcanar os altos cargos, preciso que elas consigam superar
todos esses empecilhos.
A gesto esportiva realizada em sua maioria por homens, que tendem a
contratar outros homens para os diversos cargos presentes nos esportes, o que
refora a prevalncia masculina nesse espao. Por isso, contata-se que uma das
barreiras encontradas pelas mulheres a falta de oportunidade. A funo de
mulheres permanece restrita s aes de menor expresso, como em categorias
de base e em esportes considerados mais apropriados s mulheres, como as
ginsticas e o nado sincronizado, possuindo assim, maior aceitao.
Embora as dificuldades sejam grandes, as mulheres atualmente encon-
tram nos resultados, nas suas qualidades, no apoio da famlia, amigos e outras

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ISBN 978-85-61702-44-1 1433 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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pessoas de confiana , na sua entrega e motivao para o trabalho os meios


de superar os obstculos e devem continuar fazendo para que haja conquistas
cada vez maiores no espao esportivo.

Referncias

ADELMAN, Miriam. Mulheres atletas: re-significaes da corporalidade feminina.


Estudos Feministas, Florianpolis, v. 11, n. 360, jul/dez. 2003

AMORIM, Quzia. Mulheres no esporte: falta divulgao e sobra preconceito:


Conhea o trabalho do Centro Olmpico, opo diferenciada para mulheres que
desejam praticar esporte em So Paulo. 2013. Disponvel em: <http://www.prefeitura.
sp.gov.br/cidade/secretarias/esportes/noticias/?p=157732>. Acesso em: 28 jun. 2016.

GOELLNER, Silvana Vilodre. Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilida-


des. Rev. Bras. Educ. Fs. Esp, So Paulo, v. 19, n. 2, p.143-151, abr/jun.2005

NANNA, Pssa, Salrio menor para mulheres tambm realidade no esporte.


Disponvel em: <http://www.ebc.com.br/esportes/2016/03/salario -menor-para-mulhe-
res- tambem-e-realidade-no-esporte>. Acesso em: 25 de julho de 2016

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O IMPACTO DO NOME SOCIAL E COTIDIANO ESCOLAR

Katrini Alves da Silva


Mestranda em Educao (PPGE/UFSCar)
Licenciada em Cincias Sociais (UNESP Araraquara)
[email protected]

Leandro Leal de Freitas


Doutorando em Educao (PPGE/UFSCar)
Mestre em Cincia Poltica (PPGPol/UFSCar)
[email protected]

GT 02 - Educao escolar, diversidade de gnero e sexual

O presente trabalho derivado de uma pesquisa em fase inicial, cujo


objetivo central investigar como as escolas pblicas do interior do Estado de
So Paulo1 agenciam o reconhecimento de crianas e adolescentes transgne-
ros atravs da obrigatoriedade do uso do nome social.
Como docentes no ensino bsico, estabelecemos contato direto e cons-
tante com alunas e alunos LGBTTs. No cotidiano, observamos tenses, no s
em relao s sexualidades dos estudantes, mas tambm em relao s identida-
des trans2, como a dificuldade de gestores e docentes em tratar as pessoas pelo
gnero ao qual elas se identificam, ou dar o mesmo tratamento a relaes homo-
afetivas como dado s relaes heteroafetivas. Nesse contexto, encontramos
um problema prtico, qual seja a falta de formao e informao dos docentes
e gestores ao lidar com essas temticas, pautados pelo desconhecimento e por,

1 Como recorte espacial, estabelecemos como foco as escolas pertencentes circunscrio da Direto-
ria Regional de Ensino de Jaboticabal.
2 Neste projeto, chamo os sujeitos transexuais tambm pelos termos trans ou transgneros. Este
ltimo que aponta para alm das questes que envolvem o debate biolgico e de mudana de sexo,
mas que ressalta as questes de identidade e identificao de gnero.

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muitas vezes, moral conservadora. Tal fato contribui para a perpetuao de vio-
lncias em um espao que deveria ser de incluso e cidadania.
A democratizao da escola pblica uma demanda que no foi conso-
lidada e desde a constituio de 1988 estamos na construo de uma escola
mais plural. Importante pensar como o reconhecimento da diversidade vai
mexer com a cultura escolar institucional, isso a partir da educao inclusiva
para reforo da cidadania. Parte da dificuldade da aplicao das polticas inclu-
sivas advm, inclusive, da maneira como as dissidncias sexuais e de gnero so
frequentemente silenciadas na e pela escola, uma vez que as
Minorias sexuais e de gnero tambm so temas ausentes no tocante
aos Parmetros Curriculares Nacionais. Embora estes ressaltem a
necessidade de se tratar a sexualidade como tema transversal, nada
mencionado, mais especificadamente, em relao homossexu-
alidade(...). Sem uma referncia explcita ao tema da discriminao
contra homossexuais e outras diversidades sexuais (como travestis,
transexuais, bissexuais etc.) no espao escolar, resta ao/ educa-
dor/a apenas a interpretao da necessidade ou no da incluso
do tema a partir da leitura dos objetivos, j que pode interpret-
-los apenas como a necessidade de questionar as representaes
sociais acerca do masculino e do feminino, sem mencionar outras
prticas sexuais que sejam divergentes da norma heterossexual.
(DINIS, p; 2008, p. 480).

A ideia da educao inclusiva surgiu visando inserir na escola regu-


lar os portadores de deficincias fsicas e cognitivas (BARRETO; REIS, 2011).
Posteriormente, a noo de incluso se ampliou para garantir a conservao na
escola de todos e todas que tivessem sua permanncia ameaada, como o
caso das travestis e transexuais.

Contextualizao

Em 2014, Geraldo Alckmin, atual governador do estado de So Paulo, outor-


gou a deliberao 126/14 do CEE (Conselho Estadual de Educao) que determina
que as escolas tratem pelo nome social as crianas e adolescentes identificados
como transexuais e travestis. Posteriormente a este decreto, o Governo Federal
tambm outorgou uma exigncia similar a todo territrio nacional. Em 2015,

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dados da Secretaria Estadual de Educao3 apontam que triplicou o nmero de


matrculas de crianas e adolescentes trans na escola pblica.
Ao pensar esse processo outorgado de uso do nome social, tanto no
mbito estadual quanto no federal, estamos debatendo a poltica de Escola
Inclusiva. Tal ideia encontra-se pautada na LDB (Lei de Diretrizes e Bases), que
rege o ensino bsico desde 1996. O estado de So Paulo, em geral, tem se man-
tido muito resistente ideia de escola inclusiva, estando quase sempre atrs do
Governo Federal, que precisava imputar e insistir na aplicao de decretos que
privilegiavam a diversidade e diferena. Segundo Sanfelice (2010), a Secretaria
de Estado to conservadora que em alguns pontos chega a contrariar a Lei de
Diretrizes e Bases. Tanto a LDB (1996) quanto a Constituio de 1988 garantem
liberdade para as escolas definirem seus currculos pedaggicos; o estado de
So Paulo, contrariando essa normativa, cria uma diretriz geral que todas as
instituies estaduais devem seguir (SANFELICE, 2010). Contudo, na questo do
nome social de pessoas trans, o estado de So Paulo se antecipou, pautando o
decreto antes do Governo Federal.

Consideraes finais

Quem so os responsveis pela implementao, na escola pblica, das


polticas inclusivas? Gestores e professores. No entanto, existe uma lacuna
entre a aplicabilidade das polticas e a disposio do corpo gestor e docente.
Com base na experincia de pesquisa e na experincia profissional, entende-
mos que h resistncia na aplicao das resolues, no s para a poltica
de nome social, mas vrias outras propostas inclusivas, como por exemplo,
as que vigoram tanto sobre questes de gnero e sexualidade, como tambm
sobre questes raciais, dentre outras diferenas. Isto posto, deve-se compreen-
der de onde vem a resistncia desses atores em relao implementao dessas
normativas. Dessa forma, a contribuio da pesquisa se coloca na atuao da
gesto e do corpo docente, com vistas a promover um debate para que se per-
mita pensar uma escola realmente democrtica e inclusiva. Vislumbramos uma

3 De maro a junho de 2015 o nmero de pedidos de incluso do nome social nos documentos escola-
res aumentou de 44 para 127. Disponvel em: <http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/educacao-fe-
cha-o-semestre-com-tres-vezes-mais-alunos-que-adotaram-nome-social>. Acesso em 10 ago. 2016.

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escola promovedora de igualdade, onde essas minorias no sejam mais oprimi-


das ou suprimidas dentro desses espaos de formao.

Referncias

BARRETO, C.S.G. REIS, M.B.F. Educao inclusiva: do paradigma da igualdade para o


paradigma da diversidade. Polyphona, v. 22/1, jan./jun. 2011, p. 19-32.

DINIS, N. F. Educao, relaes de gnero e diversidade sexual. Educao &


Sociedade, Campinas, vol. 29, n. 103, p. 477-492, maio/ago. 2008.

SANFELICE, J. L.; A poltica educacional do Estado de So Paulo: apontamentos,


01/2010. Nuances: Revista do Curso de Pedagogia, Vol. 17, pp.145-160, Presidente
Prudente, SP, Brasil, 2010.

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AQUI DENTRO COISA SRIA! (TRANS)PONDO


O USO DO BANHEIRO E DO NOME SOCIAL NA
EDUCAO BSICA

Matheus Moura Martins


Graduando em Cincias Biolgicas FACIP/UFU. Bolsista CAPES/PIBID
[email protected]

Ronaldo Batista de Arajo


Graduando em Cincias Biolgicas FACIP/UFU. Bolsista CAPES/PIBID
[email protected]

Sandro Prado Santos


Drn. Educao (PPGED/FACED/UFU)
[email protected]

Esse texto prope reflexes em composio com as preocupaes que


se ocupam o Simpsio Temtico: Gneros e sexualidades nas escolas: polticas,
prticas e poderes em disputa. Retomamos duas investigaes realizadas no
mbito de um projeto de Graduao (Licenciatura/Cincias Biolgicas) intitulado
Dilogos com travestis: (Trans)formao inicial e continuada de professores/as
da Educao Bsica e de um Trabalho de Concluso de Curso Cenas escolares
vivenciadas por travestis da cidade de Ituiutaba/MG: lembranas, aproximaes
e distanciamentos dos processos de estigmatizao (BARBOSA, 2013). Esses
possibilitaram aes de ensino, pesquisa e extenso (2013-2015) com travestis e
professores/as de Biologia.
A partir dos questionamentos apresentados pelo ST supracitado - Quem
so as pessoas que importa falar e dar visibilidade na escola? Quais corpos
so considerados como possibilidades de vidas vivveis nos/pelos currcu-
los escolares? realizamos uma articulao entre as narrativas de travestis e

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professores/as Biologia escolar do municpio de Ituiutaba/MG1 na tentativa de


refletir acerca do uso do banheiro e do nome social por sujeitos trans no espao
da Educao Bsica e seus efeitos/ressonncias nos modos de (Re)existir nesse
espao generificado.
Uma investigao realizada na cidade de Ituiutaba/MG (BARBOSA, 2013)
aponta que as travestis enfrentam srias dificuldades de ter suas identidades
respeitadas, sobretudo, ao fazer uso dos banheiros e utilizar o nome social. No
entanto, posteriormente, o Conselho Nacional de Combate Discriminao
e Promoes dos Direitos de Lsbicas, Gays, Travestis e Transexuais decretou
a Resoluo n 12 de 16 de Janeiro de 2015 (BRASIL, 2015) que regulamenta
parmetros para a garantia das condies de acesso e permanncia de pessoas
travestis e transexuais nos sistemas e instituies de ensino, formulando orien-
taes para operacionalizao do tratamento pelo nome social (Art. 2) e o uso
do banheiro (Art. 6).
Assim como Cruz (2011, p.86): O que a escola est dizendo para alunos e
alunas sobre a travesti quando se diz que no h lugar para seu xixi?. O que a
escola estar dizendo para professores/as comunidade? E o que estar dizendo
para a travesti sobre si mesma? Alm disso, percebemos ser um problema a
utilizao do nome social pelas travestis.
Os/as professores/as ao sentirem inquietados/as pela utilizao do banheiro
pelas travestis, apontam aes, tais como: o uso do banheiro dos/as professores/
as, funcionrios/as e da direo, a criao de um terceiro espao e banhei-
ros que tenham pouco/nenhum fluxo de alunos/as. Outros posicionam como
no permissivos a utilizao do banheiro por sujeitos que borram as fronteiras
de gnero. Tais posicionamentos so reiterados na fala das travestis. E o que
isso significaria? O banheiro dos/as professores/as, funcionrios/as, o terceiro
banheiro, da direo, espaos de pouco fluxo seriam territrios assexuados?
Nos depoimentos das travestis so preponderantes as insistncias dos/
as professores dirigirem-se a elas por meio do nome de batismo, registrado
nos documentos oficiais (identificao civil) em detrimento do nome social em
consonncia com a forma em que se reconhecem e identificam nas relaes
sociais. Alguns docentes desqualificam a utilizao do nome social ajustando-o

1 As investigaes configuram-se em estudo qualitativo em Educao. Utilizamos como ferramentas


para produo dos dados narrativos, entrevistas semiestruturadas.

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no campo de apelidos, fantasias e falta de seriedade, ao passo que outros reco-


nhecem esse Direito garantido pela lei, mostrando preocupaes de como
identific-las em instrumentos escolares. Ao persistir na utilizao do nome de
registro da travesti a escola aprisiona a norma, (re)produzindo constrangimento
e situao vexatria e humilhante permanentemente (BENTO, 2008).

Consideraes finais

As duas investigaes denunciaram a instituio escolar como um espao


guardio e um campo disputado de regulamentao das normatividades de
gnero e sexualidade, sendo qualificada por uma professora como um espao
de coisa sria, desqualificando as transexperincias - como um modo ilegal de
(re)existir. O banheiro e o nome social so dispositivos que capturam as tran-
sexperincias para o campo da (a)normalidade/(i)legalidade, territorializando-as
em espaos estigmatizados, de irregularidade, de pouco fluxo, de fantasia, de
imoralidade, dentre outros. Dessa forma, a figura da travesti problemtica,
indesejada, intempestiva, disparatada e bagunada, ou seja, uma presena
desafiadora e desassossegadora no espao escolar. Esse contexto trouxe res-
sonncias em aes desenvolvidas pelo Programa Institucional de Bolsa de
Iniciao Docncia PIBID Subprojeto Biologia e (re) significaes do com-
ponente curricular Corpo, Gnero e Sexualidade do curso de Licenciatura em
Cincias Biolgicas da referida instituio.

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Referncias

BARBOSA, L. C. F. de F. Cenas escolares vivenciadas por travestis da cidade de


Ituiutaba/MG: lembranas, aproximaes e distanciamentos dos processos de estig-
matizao. 60f. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Cincias Biolgicas)
- Faculdade de Cincias Integradas do Pontal, Ituiutaba, 2013.

BENTO, B. A. de M. O que transexualidade. So Paulo: Brasiliense, 2008.

BRASIL. Dirio Oficial da Unio. Resoluo n 12 de 16 de Janeiro de 2015. Conselho


nacional de combate discriminao e promoes dos direitos de lsbicas, gays, tra-
vestis e transexuais, n. 48, seo 1, p.3, mar.2015. ISSN: 1677-7042.

CRUZ, E. F. Banheiros, travestis, relaes de gnero e diferenas no cotidiano escolar.


Psicologia Poltica, v. 11, n. 21, jan/jun, 2011, p. 73-90.

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ROUPA E PERFORMANCE COMO POSICIONAMENTO


SOCIAL DA IDENTIDADE DE GNERO DOS ARTISTAS
CONTEMPORNEOS

Paula Parra Alves de Oliveira


Integrante do MidCid
Programa de Ps Graduao em Comunicao e Cultura - UNISO
[email protected]

A heterossexualidade ainda o modelo hegemnico nas sociedades oci-


dentais. Mas a partir das discusses feministas dos anos 1960, esse modelo
sofre fratura que se d, principalmente, pelo questionamento do que deve ser
privado ou pblico, ao alegar que o pessoal poltico (ANDREU 2014). Esse
questionamento enfatizou como somos formados e produzidos sujeitos generi-
ficados, o que permitiu uma expanso para incluir a formao das identidades
sexuais e de gnero (HALL, 2002).
As identidades sociais contemporneas, entretanto, so deslocadas e frag-
mentadas, e o sujeito perde o sentido de si. No h uma identidade fixa ou
permanente, o que permite assumir identidades que no so unificadas e podem
ser contraditrias (HALL, 2002). Em outras palavras, no h mais uma identidade
nica para sustentar o sujeito multifacetado, assim como a representatividade
por meio da legitimao e excluso se torna insustentvel, pois o sujeito se
reconhece em fragmentos representativos, e no em uma representao nica.
Com isso, no contemporneo, o sujeito passa a agenciar e negociar suas vivn-
cias com o que o outro, podendo permear-se entre diferentes identidades e
construir um espao hbrido, o campo das possibilidades e impossibilidades
denominado entre-lugar (BHABHA, 1988).
A identidade de gnero pode ser verificada como a relao entre sexo,
gnero, prtica sexual e desejo (BUTLER 2002). O gnero, por sua vez, se
mostra performativo, resultante de um regime que regula as diferenas de
gnero. Neste regime, os gneros se dividem e hierarquizam de forma coerci-
tiva (BUTLER, 2008). Portanto, pode-se dizer que a teoria da performatividade
demonstra como a repetio das normas, muitas vezes feita de forma rituali-
zada, cria sujeitos que so o resultantes dessas repeties.

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Nesse cenrio, artistas contemporneos trazem a performance de gnero


como forma de levar ao pblico alm da mensagem na msica, a subjetividade
de seus corpos e roupas, os quais remetem a esse lugar entre o masculino e o
feminino. Terno e barba dividem espao do figurino com saias, blusas cropped,
roupas coladas ao corpo e maquiagem. Os gestos, movimentos e expresses
que evocam a feminilidade confrontam com vozes masculinas, roucas e inten-
sas. Essa composio hbrida causa, aos olhos do outro o estranhamento.
Artistas como Jaloo, Liniker e Johnny Hooker utilizam a imagem do sujeito
hbrido e multifacetado como forma de questionar a construo social do que
ser homem no Brasil. Artistas esses que reiteram outros artistas, de geraes
passadas, como Ney Matogrosso e Dzi Croquetes, os quais, no palco, com ves-
tes femininas ou animalescas e maquiagem pesadssima, como uma mscara,
vinham a discutir a mesma posio e performance de gnero na sociedade.
Na construo histrica da sociedade brasileira, um homem usar saia e/
ou maquiagem ainda remete, ao padro hegemnico, algo degradante. O posi-
cionamento da performance de gnero desses artistas, portanto, respondeu em
um passado prximo e continua a responder de forma provocativa a esse padro:
ser mais feminino no desvaloriza a pessoa como ser humano, e portanto no h
motivos para se sentir inferior ao se aproximar da imagem da mulher na sociedade.
Essa discusso tem se afirmado em diferentes mbitos da sociedade e encon-
tra na moda o espao de grande reverberamento. Estilistas conceituados como
Marco Marco trouxeram para as passarelas da NYC e LA Fashion Week de 2016 a
diversidade de corpo e gnero: Travestis, transexuais, drag queens e homossexuais.
Corpos magros e gordos, altos e baixos, protagonizam o desfile, o que rompe com
o padro Fashion. Agambem (2009) define moda por introduzir no tempo uma
peculiar descontinuidade. No momento, o presente se divide entre um no mais
e um ainda no, o que (des)constri o padro hegemnico de forma atualizada,
mas revitaliza as discusses e performances sobre gnero na moda do ps-punk,
final da dcada de 80, que coincide com as discusses da teoria queer.
Essa reiterao das performances de gnero tambm remete ao fenmeno de
tradio e traduo, discutido por Hall (2002). Emergem as identidades culturais que
no so fixas e que obrigam o agenciamento dessas novas culturas com o padro, em
uma traduo das identidades, uma fuso, um hibridismo. Ao mesmo tempo, tambm
existe fortes tentativas para reconstruir as identidades purificadas, para restaurar a coe-
so, o fechamento e a tradio. V-se a confirmao disso no pronunciamento de
alguns lderes e formadores de opinio da dita famlia tradicional em seus discursos,
contra essa possibilidade de no existir uma diferenciao do gnero para as roupas.

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Referncias

AGAMBEM, Giorgio. O que contemporneo? e outros ensaios. Chapec: Arcos,


2009.

ANDREU, Oscar G. Por uma perspectiva social e poltica de gnero e Sexualidade.


In: Bagoas: Revista de estudos gays / Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Centro de Cincias Humanas, Letras e Arte V. 8, n.11. Natal: EDUFRN, 2007.

BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

BUTLER, Judith. Crticamente subversiva. In: JIMNEZ, Rafael M. Mrida. Sexualidades


transgresoras. Una antologa de estudios queer. Barcelona: Icria editorial, 2002.

BUTLER, Judith. Problemas de Gnero. Feminismo e subverso da identidade. Rio de


Janeiro: Civilizao Brasileira, 2008.

HALL, Stuart. Identidade cultural ps-moderna. 5 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

MARCO, M. #MarcoMarcoShow - Collection Four Pt 1 at NY Style Fashion Week at


Gotham Hall. Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=FDV3hzdBAVo>.
Acesso em: 27 mai 2016.

MARCO, M. #MarcoMarcoShow - Collection Four Pt 2 at LA Style Fashion Week.


Disponvel em: <https://www.youtube.com/watch?v=71hrVZLoIxs>. Acesso em: 27
mai 2016.

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LINHAS E TRAADOS DAS EXPERINCIAS TRANS SOBRE


CORPO HUMANO NO CAMPO DO ENSINO DE BIOLOGIA

Sandro Prado Santos


Drn. Educao (PPGED/FACED/UFU) Ensino de Cincias e Matemtica
Universidade Federal de Uberlndia FACIP/UFU
[email protected]

Elenita Pinheiro de Queiroz Silva


Doutora em Educao Universidade Federal de Uberlndia - Educao
[email protected]

Este trabalho apresenta o desenho de uma pesquisa, em andamento, para


uma tese de doutoramento sobre os modos de significao e experimentao
de corpos trans vivenciados por sujeitos trans e professores/as de Biologia no
espao escolar. Nesse sentido, problematizamos: O que os corpos trans tm a
ensinar aos textos da Biologia escolar? As transexperincias podem ser tomadas
como [...] importantes especialmente porque tratam de descolar/desconstruir
as narrativas hegemnicas acerca do corpo - deste corpo que temos dito ser
branco, masculino, heterossexual, jovem, etc., e a partir do qual todos os outros
so comparados e tomados como diferentes (SANTOS, 2007, p. 143, destaque
do autor).
Nessa investigao utilizamos o conceito de experincia que se aproxima
daquele proposto por Larrosa (2002) em que define a experincia como (...)
o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca (p. 21). Esse conceito
atravessado pela ideia da transexualidade como experincia nos faz dizer da
transexperincia. Esta revela traos estruturantes das verdades para gneros,
para as sexualidades e subjetividades (BENTO, 2009). Nesse contexto, com-
preendemos o corpo como um espao de produo e reinveno de si que
nunca est acabado, mas sempre em processo, um constante devir atraves-
sado por perspectivas biolgicas, psicolgicas, sociais, culturais e temporais (LE
BRETON, 2013).

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ISBN 978-85-61702-44-1 1446 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Inspirados nos estudos, deleuzianos e foucaultianos, consideramos que os


corpos trans e a disciplina escolar de Biologia compem territrios marcados
por diferentes linhas que se cruzam, por meio de relaes de poder e produ-
es de significados sobre o corpo humano. Utilizamos o termo trans para
expressar as vivncias que atravessam e vazam a naturalizao dos corpos, a
biologizao das identidades, o binarismo dos gneros e os enquadramentos
classificatrios, principalmente as experincias travestis e transexuais. Falar de
experincias trans e seus modos de articulao com o ensino do corpo humano
em Biologia so tarefas que exigem uma composio cartogrfica (DELEUZE;
GUATTARI, 1995). Por tal natureza, significaes, experimentaes e subjetiva-
es o acompanhamento dos fluxos processuais uma exigncia do estudo em
pauta. Assim, encontramos na Cartografia, formulada por Gilles Deleuze e Flix
Guattari (DELEUZE; GUATTARI, 1995), pistas para praticar o estudo da compre-
enso dos sentidos e experimentao de corpos trans, vivenciados por sujeitos
trans e professores/as de Biologia, no espao escolar e suas ressonncias nas
formas de ensinar Biologia na escola. Tomamos a escola como investimento bio-
poltico de produo e controle dos corpos e das subjetividades. Consideramos
que os corpos trans e a disciplina escolar de Biologia compem territrios mar-
cados por diferentes linhas que se cruzam, por meio de relaes de poder e
produes de significados, assim como a composio de uma cartografia. A
utilizao da Cartografia possibilita a composio do problema de investigao,
as estratgias e os modos de constituio analtica da investigao que pro-
cura traar linhas e acompanhar movimentos corporais para esboar um mapa
do corpo trans e registrar as orientaes, direes e criaes das experincias
trans. Os traados esboados por este estudo, portanto, tm por objetivo mos-
trar os mapas formados pelas experincias trans sobre corpo humano que, com
base na perspectiva aqui adotada, evidenciam expanses, fraturas, conquistas e
aberturas nos estudos convencionalmente produzidos no campo do ensino de
Biologia. Tomaremos como material de anlise, as vozes de sujeitos trans, bem
como professores/as de Biologia que convivem/conviveram com as experin-
cias trans no espao escolar. Ao utilizarmos um mtodo cartogrfico de carter
inventivo, apostamos na potencialidade do corpo-mapa criado pelos sujeitos
trans ao campo do ensino de Biologia.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1447 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Consideraes finais

Apostamos que uma investigao das ressonncias de corpos trans no


espao escolar potencializar deslocamentos e pluralidades na discusso do
ensino de Biologia, bem como no campo da Formao de Professores/as de
Cincias/Biologia, contribuindo para a pesquisa na grande rea da educao.
A anlise da pesquisa deve nos informar a respeito do quo interessante
foram os efeitos produzidos nas noes de corpos em circulao no espao
escolar a partir das transexperincias vivenciados por sujeitos trans e profes-
sores/as de Biologia e quais foram as articulaes engendradas que podem
potencializar outros textos sobre corpo humano a partir das transexperincias
no espao do ensino de Biologia.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1448 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Referncias

BENTO, Berenici. A diferena que faz a diferena: corpo e subjetividade na transexu-


alidade. Bagoas, n.4, 2009, p. 95-112.

DELEUZE, Gilles.; GUATTARI, Flix. Mil Plats, v. 1. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.

LARROSA, Jorge. Tecnologias do Eu e educao. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. O Sujeito
da Educao: Estudos Foucaultianos. 5. ed. Petrpolis: Vozes, 2002. p. 35 86.

LE BRETON, David. Adeus ao corpo: Antropologia e sociedade. Campinas: Papirus,


2013.

SANTOS, Lus Henrique Sacchi dos. O corpo que pulsa na escola e fora dela. In:
WORTMANN, Maria Lcia Castagna et al (Orgs.). Ensaios em estudos culturais, educa-
o e Cincia: a produo cultural do corpo, da natureza, da cincia e da tecnologia:
instncias e prticas contemporneas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007, p.
131-146.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1449 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

DIVERSIDADE SEXUAL NA EDUCAO EM UMA


SOCIEDADE HETERONORMATIVA E PATRIARCAL

Roberto Pacobahyba Rodrigues


Ps-graduao Cultura de Tecidos Vegetais - UFLA
CEIA Baro de Langsdorff
[email protected]

Aderine Moutinho de Paula


Graduao em Letras-Literatura
CEIA Baro de Langsdorff
[email protected]

Amaro Crispim de Souza


Mestre em Filosofia - UERJ
CEIA Baro de Langsdorff
[email protected]

A questo da Identidade de gnero e diversidade sexual, embora tenha


sido objeto de srios estudos, ainda no foi suficientemente discutida pela nossa
sociedade, sendo ainda um tema tabu e de difcil assimilao. Cultuamos valo-
res, conceitos e preconceitos que foram criados e sistematizados ao longo da
nossa histria. Nesse sentido, podemos afirmar que a nossa sociedade carac-
teriza-se pela negao da diversidade e peculiaridades das expresses sexuais.
Temos a falsa ideia de que esse preconceito de uma minoria, quando na ver-
dade est enraizado no tecido social. Independentemente da sua capacidade
intelectual ou aptides fsicas, os indivduos que se enquadram nesse perfil
sero sempre vistos como prias que devem ser excludos a todo custo.
Este ser dicotomizado, cindido, esvaziado e depauperado psiquicamente,
obrigado a metamorfosear-se num outro ser completamente diferente, para
no sucumbir em um meio hostil. Essa distoro o leva a negar sua condio,
alienando-se num emaranhado de valores que o impedem de afirmar-se como

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ISBN 978-85-61702-44-1 1450 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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diferente, induzido a se perceber como fazendo parte de uma sociedade iguali-


tria e que ser respeitado da mesma forma que os indivduos em conformidade
com essa sociedade heteronormativa e patriarcal. Esta igualdade aparente tem
sido motivo de muitos equvocos, pois esconde as reais condies em que vive
esse grupo em nosso pas.
Mediante ao papel da escola na socializao, construo e difuso do
conhecimento, foi inserido no Projeto Poltico Pedaggico de 2016 do Centro
de Ensino Integrado Agroecolgico Baro de Langsdorff, localizado em Mag,
RJ, o Projeto Diversidade Sexual na Educao. O projeto foi dividido em 4 eta-
pas e subtemas considerados importantes para a compreenso da diversidade
e seus desdobramentos:
1 - Construo do Grupo de Trabalho: foi realizada de forma democr-
tica e de livre adeso ao projeto, sendo composto por um professor
orientador, cinco professores colaboradores e alunos das turmas
do 1, 2 e 3 ano do ensino mdio, com objetivo de unir o corpo
docente e discente para a discusso e articulao das aes posterio-
res do projeto.
2 - Diversidade Sexual, esta oficina foi realizada no dia sete de abril de
2016 e foram abordados os seguintes subtemas pela Assistente Social,
Suellen Arajo: O que Diversidade Sexual? Foi apresentada a
diversidade sexual, explicando ao corpo discente as diferentes orien-
taes sexuais; Mitos e Verdades sobre o tema da diversidade sexual:
neste momento foram desconstrudas e discutidas diversas questes
referentes a temtica. As turmas participaram com entusiasmo, apre-
sentando opinies e questionamentos dando um feedback positivo a
proposta de trabalho; Direitos e Avanos Legais: nesta fase da oficina,
foram apresentados os direitos e avanos legais do movimento LGBT
aos alunos e o vdeo E se fosse com voc. Para finalizar a oficina
foi proposto um abrao coletivo, para enfatizar a seguinte mensagem:
Nossas diferenas nos fazem especiais e que juntos somos mais
fortes.
3 - Dia Internacional contra Homofobia, esta oficina foi realizada em
dois dias, 16 e 17 de maio de 2016, pelo grupo de trabalho do pro-
jeto, para marcar o Dia Internacional contra Homofobia. Dividida
da seguinte maneira: Explicou-se aos alunos que a data do Dia
Internacional contra a Homofobia, foi escolhida para marcar uma

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ISBN 978-85-61702-44-1 1451 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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importante conquista, lembrando a excluso da Homossexualidade


da Classificao Estatstica Internacional de Doenas, realizada
pelaOrganizao Mundial da Sade(OMS) em 17 de maio de1990,
oficialmente declarada em 1992. Foi apresentada tambm a reali-
dade da comunidade LGBT ao redor do mundo, desde os pases que
j legalizaram o casamento homoafetivo e adoo de crianas at
aqueles em que a homossexualidade punida com pena de morte.
Em seguida foi apresentado o vdeo: Campanha contra Homofobia
na Rssia, desenvolvido pela organizao Russia Freedom Fund. Ao
finalizar o primeiro dia de trabalho foi sugerido aos alunos a confec-
o de cartazes contra a Homofobia para a montagem de um mural
na escola, que ficou exposto durante uma semana, com cartazes de
todas as turmas do colgio. No segundo dia de trabalho foi pedido
aos alunos que viessem ao colgio de camisa preta em protesto a
violncia e em solidariedade a todas as pessoas que j sofreram direta
ou indiretamente o peso da homofobia. Cada turma registrou seu
protesto com fotos e vdeos, e criaram legendas para estas, que foram
divulgados nas redes sociais.
4 - Formao da Identidade, Estrutura de Sociedade, Rtulos e
Preconceitos: a culminncia do projeto foi realizada em dois dias, no
dia 28 de junho foi celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBT,
atravs da construo de um mural exposto durante a semana e os
alunos se pintaram com as cores da bandeira do movimento LGBT.
No dia 01 de julho, foi realizado uma mesa redonda com a seguintes
temticas: Formao da Identidade, Estrutura de Sociedade, Rtulos
e Preconceitos. Debatendo-se como a diversidades tnica, racial, cul-
tural, religiosa e sexual, conseguem sobreviver em uma sociedade
heteronormativa e patriarcal. Finalizando a culminncia, foi enfati-
zada com os alunos a seguinte mensagem: Respeito ao prximo, a
palavra chave para uma vida em sociedade.

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Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Referncias

Diversidade Sexual na Educao, Rogrio Diniz Junqueira (organizador), Braslia:


Ministrio da Educao, UNESCO, 2009.

Declarao Universal dos Direitos Humanos, ONU, 1948.

Lei n. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, Lei de Diretrizes e Bases da Educao.

AUAD, Daniela. Educar meninos e meninas: relaes de gnero na escola. So Paulo:


Contexto, 2006.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1453 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
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ILUMINANDO MENTES INTOLERANTES

Roberto Pacobahyba Rodrigues


Ps-graduao em Cultura de Tecidos Vegetais - UFLA
CEIA Baro de Langsdorff
[email protected]

Matheus Almeida Felix


Estudante Secundarista
CEIA Baro de Langsdorff
[email protected]

Francine Nascimento de Oliveira


Estudante Secundarista
CEIA Baro de Langsdorff
[email protected]

Diante do anseio de construirmos uma sociedade e uma escola mais jus-


tas, solidrias, livres de preconceito e discriminao, necessrio identificar e
enfrentar as dificuldades que temos tido para promover os direitos humanos
e, especialmente, problematizar, desestabilizar e subverter a homofobia. So
dificuldades que se tramam e se alimentam, radicadas em nossas realidades
sociais, culturais, institucionais, histricas e em cada nvel da experincia coti-
diana. Elas, inclusive, se referem a incompreenses acerca da homofobia e de
seus efeitos e produzem ulteriores obstculos para a sua compreenso como
problema merecedor da ateno das polticas pblicas. Ao mesmo tempo em
que ns, profissionais da educao, estamos conscientes de que nosso trabalho
se relaciona com o quadro dos direitos humanos e pode contribuir para ampliar
os seus horizontes, precisamos tambm reter que estamos envolvidos na tessi-
tura de uma trama em que sexismo, homofobia e racismo produzem efeitos e
que, apesar de nossas intenes, terminamos muitas vezes por promover sua
perpetuao. (UNESCO, 2009)
Mediante ao papel da escola no combate a homofobia, foi realizado na
III Feira Multidisciplinar do Centro de Ensino Integrado Agroecolgico Baro de

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Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Langsdorff, em Mag, RJ, um trabalho sobre a Diversidade Sexual na Escola,


esclarecendo mitos, apresentando a temtica e trazendo questes comuni-
dade escolar e comunidade do entorno.

Metodologia

A III Feira Multidisciplinar que teve como tema Haja Luz no Mundo foi
realizada no dia 25 de novembro de 2015, e foram organizados 12 stands divi-
dindo as turmas em diferentes subtemas.
O stand que trabalhou o subtema diversidade sexual foi composto por
alunos do 1, 2 e 3 anos do ensino mdio regular e integrado. Durante o
evento a comunidade escolar e do entorno, realizavam visitas aos stands sendo
dividido em grupos.
Chegando ao stand Iluminando Mentes Intolerantes, os visitantes eram
recepcionados com duas mensagens, uma na parede com o pedido: Ao entrar,
deixe seu Preconceito abaixo, com uma seta indicando a lixeira e outra na
porta com um desenho feito por um aluno, com uma mistura da esttua da jus-
tia com a esttua da liberdade, indicando uma unio entre justia e liberdade
em prol ao Movimento LGBT. Aps entrarem os visitantes iam passando pelas
diferentes etapas que compunham o stand:

1 - O que Diversidade Sexual?


Nesta etapa foi esclarecido e debatido a sociedade heteronormativa e a
realidade das mltiplas orientaes.

2 - Orientaes Sexuais
Nesta etapa foram esclarecidas cada uma das orientaes sexuais: gay,
lsbica, bissexual, intersex, transexual, pansexual e assexual.

3 - A Bandeira LGBT
Nesta etapa foi ilustrado e comentado o sentido de cada uma das cores
da bandeira do Movimento LGBT.

4 - Quadro Up e Down
Nesta etapa foram debatidos alguns termos que foram substitudos ao longo
dos anos por termos mais atualizados e corretos, dentro da temtica LGBT.

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5 - Um Retrato da AIDS no Brasil


Nesta etapa com auxlio de um banner foi apresentado um levantamento
da AIDS no Brasil, onde fica desconstrudo Homossexualidade como sin-
nimo da doena. (Fonte: Boletim Epidemiolgico - Ministrio da Sade
- Tabela 16 - Casos de AIDS notificados no Sinan em indivduos com 13
anos de idade ou mais, segundo categoria de exposio hierarquizada,
por sexo, ano de diagnstico e regio de residncia. Brasil, 2013-2015).

6 - Nosso Sangue Salva Vidas


Nesta etapa foi trabalhado o porqu de homossexuais no poderem doar
sangue, questionando a igualdade, respaldada na Declarao Internacional
dos Direitos Humanos.

7 - Mapa Mundi e os Direitos LGBT


Nesta etapa um banner apresentava a realidade da Comunidade LGBT no
mundo. (Fonte ILGA)

8 - O que Famlia?
Nesta etapa os participantes eram questionados: O que representa Famlia
para voc? A partir da eram apresentadas e discutidas frases e fotografias
de famlias heteroafetivas e homoafetivas, bem como famlias compostas
s pela me ou pai, ou avs.

9 - Consideramos Justa toda Forma de Amor


Nesta etapa os participantes eram expostos a um painel montado com
fotos de diversos casais compreendendo toda a diversidade dentro do
tema Amor.

10 - Pesquisa de Opinio
Ao fim da visita ao stand, era realizada uma pesquisa de opinio para
avaliar o nvel de homofobia da comunidade escolar, bem como, da
comunidade do entorno que visitou a feira. Foram confeccionadas cdu-
las, e os visitantes votavam entre as quatro alternativas possveis: Aceito;
Aceito e Apio; No Aceito, Mas Respeito; No Aceito e Nem Respeito.

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Consideraes finais

Com base na pesquisa de opinio realizada ao longo da Feira, obtivemos


o seguinte resultado, aps contagem dos votos.

No Aceito, No Aceito,
Aceito Aceito e Apoio
Mas Respeito No Respeito
Comunidade CEIA 18 20 22 3
Visitantes 9 4 9 2
Total 27 24 31 5

Conclui-se, portanto que a homofobia no se encontra instalada na uni-


dade escolar, principalmente entre o corpo discente, apesar de alguns casos
isolados ocorridos no colgio, que fomentou a necessidade de trabalhar a tem-
tica na escola.

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Referncias

Diversidade Sexual na Educao, Rogrio Diniz Junqueira (organizador), Braslia:


Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e
Diversidade, UNESCO, 2009.

Declarao Universal dos Direitos Humanos, ONU, 1948.

Lei n. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, Lei de Diretrizes e Bases da Educao.

ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia; SILVA. Juventudes e sexualidade.


Braslia: UNESCO, 2004.

AUAD, Daniela. Educar meninos e meninas: relaes de gnero na escola. So Paulo:


Contexto, 2006.

Boletim Epidemiolgico - AIDS e DST - ISSN: 1517-1159 - Ministrio da Sade -


Secretaria de Vigilncia em Sade - Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais.

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POR QUE GNERO E SEXUALIDADE NA AULA?


QUESTES DE SEXISMO E VIOLNCIA NA ESCOLA

Matheus Couto Hotz

Rbia Dias Botelho

Alexandre Jos Cadilhe

Resumo

Temas transversais como o gnero, a sexualidade e a diversidade tem sido tpi-


cos de debate j h algum tempo. O objetivo do trabalho foi observar como
uma escola, atravs do seu corpo docente, se posiciona diante da emergncia
destes temas na sala de aula, bem como na manuteno ou na quebra dos
paradigmas relacionados a essas questes. A partir de observaes na sala de
aula, pudemos destacar a influncia das masculinidades hegemnicas na per-
formance de estudantes, alm da percepo da necessidade de uma formao
continuada do profissional da educao.

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Introduo

A seguinte anlise tem como propsito construir uma compreenso sobre


questes de gnero e sexualidade em aulas de Lngua Portuguesa. Trata-se de
um estudo exploratrio realizado a partir da disciplina de Prtica em Saberes
Escolares de Lngua Portuguesa, no curso de Letras da UFJF espao curricular
destinado a reflexes sobre a escola e o ensino, a partir da qual somos orienta-
dos a observar aulas de lngua portuguesa em uma escola em Juiz de Fora - MG.

Objetivo

Em nossa insero na escola,buscamos observar como o professor e a


instituio atuam em prol de um ambiente que opera na direo da hetero-
geneizao e da diferena (Moita Lopes, 2010, pg. XX), notando tambm a
percepo do aluno como um ser descorporificado e, portanto, em abstrao,
s existe na sala de aula, normalmente nos discursos nos quais a voz dos/as
professores/as central (Idem, 2010, pg. XX).

Mtodos

Nesta pesquisa, apresentamos duas anlises frente a situaes vividas no


ambiente escolar, sendo elas trs entrevistas com professores e uma ocorrncia
em sala de aula. Usamos da situao de sala de aula para discutir o conceito de
masculinidade hegemnica (Connell, 1995), que notamos fortemente presente
no ambiente escolar em questo. Tambm discutimos, a partir das entrevistas,
a necessidade de uma formao continuada. luz do conceito de multicul-
turalismo em vertente intercultural (Candau, 2010), buscamos problematizar a
situao da escola na qual formos inseridos, que, a partir de sua lgica mono-
cultural, refora padres dominantes e excludentes.

Anlise dos dados

Atravs de perguntas direcionadas s questes de gnero, sexualidade e


diversidades, investigamos at que ponto os professores estavam orientados a
transpor estes temas para a sala de aula. Observamos tambm a como dos
professores de agir com as diferenas e situaes ligadas a tais questes. A

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situao, descrita no dirio abaixo, foi uma ocorrncia de machismo durante


uma de nossas observaes, na qual destacamos no s as atitudes dos alunos
quanto o posicionamento tomado pela professora.

Durante uma das observaes na turma de 7 ano da Escola Muni-


cipal Clarice Lispector, nos deparamos com uma situao na qual a
professora de portugus teve de atender a um chamado a porta. Du-
rante sua ausncia foi pedido que houvesse silncio e que os alunos
focassem em uma atividade lingustica. Uma das alunas levantou-se
e foi apontar o lpis, ao voltar para sua carteira passou por um dos
alunos, o qual j havia apresentado problemas de indisciplina, que
a assediou fisicamente. Diante disso outro aluno incomodou-se com
a situao e repreendeu o colega, que usou de uma expresso chula
(veadinho) para desmoraliz-lo. A professora frente a tal situao
enviou o aluno responsvel pela agresso diretoria

P: Em seu tempo como professor (a), com que frequncia aborda


temas transversais, alm dos contedos tradicionais da sua matria?
R: Professor 3: Trs vezes por ano.
P: Na sua percepo a escola lida bem com a diversidade? H algum
exemplo que possa citar?
R: Professor 2: Pedagogicamente sim, porm os alunos no se respei-
tam quanto a raa a que pertencem e nem quanto a opo sexual.
Houve um episodio de uma aluna cuja me assumiu ser lsbica. A
aluna passou a sofrer discriminao por parte dos colegas de escola.
Os professores das turmas trabalharam os temas que envolviam a
questo da discriminao e do bullying porm no tiveram tanto
xito.
P: O que voc compreende por gnero?
R: Professor 3: Cada ser humano se v de uma forma, os heterosse-
xuais so a maioria, mas sabemos que existem homens e mulheres
que no se identificam com seu sexo de nascimento por isso o so-
frimento, a aceitao e a mudana que lenta e gradual. Ainda no
tive um aluno transexual, apenas homossexuais.

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Concluso

Acreditamos na necessidade de uma discusso mais ampliada de temas


relativos diversidade de gnero esexualidade para que a escola adote uma
tica mais abrangente e multicultural, seguindo uma viso menos monocultu-
ral, que privilegie masculinidades hegemnicas e atitudes machistas na sala de
aula. Tambm destacamos a importncia da formao continuada dos profis-
sionais envolvidos na construo da escola. No somente ela o bastante para
a criao de um ambiente mais inclusivo, mas j extremamente significativa.
Dessa forma, reconhecemos a necessidade da informao no s na criao de
um ambiente escolar menos opressor, mas tambm na contribuio da forma-
o de um profissional sempre preocupado em tornar a educao uma melhor
experincia.

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Referncias

CANDAU, V.M. Multiculturalismo e educao: desafios para as prticas pedaggicas.


In MOREIRA, A.F. & CANDAU, V.M. (org.). Multiculturalismo: diferenas culturais e
prticas pedaggicas. Petrpolis: Vozes, 2010.

CONNELL, R. Polticas da masculinidade. In Educao & Realidade. Rio de Janeiro,


20[2], 1995.

MOITA LOPES, L.P. Gnero, sexualidade, raa em contextos de letramentos escolares.


In MOITA LOPES, L. P.(Org.). Lingustica aplicada na modernidade recente. So Paulo:
Parbola, 2013.

MOITA LOPES, L.P. Sexualidades em sala de aula: discurso, desejo e teoria queer. In
MOREIRA, A.F. & CANDAU, V.M. (org.). Multiculturalismo: diferenas culturais e pr-
ticas pedaggicas. Petrpolis: Vozes, 2010.

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TEORIA QUEER E PSICANLISE

Natlia de Andrade de Moraes


Mestranda em Psicologia (UFSM)
[email protected]

Fernanda de Oliveira Alves


Mestrandas em Psicologia (UFSM)
[email protected]

Claudia Maria Perrone


Doutora em Letras (PUCRS)
Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Psicologia
[email protected]

A inveno da psicanlise produziu uma diversidade de tensionamentos


no social, sobretudo no que diz respeito ao campo da sexualidade. Associada
ao desejo, a sexualidade foi demarcada por Freud como o fundamento da vida
psquica e a essncia da atividade humana. Atravs de um deslocamento produ-
zido pela escuta de pacientes, o psicanalista aproximou o sexual do campo do
pulsional, ampliando sua abrangncia e afastando-o do sexo animal, biolgico.
Assim, para a psicanlise, o campo do sexual faz referncia pulso, ao desejo
e ao gozo, indicando sua constituio na experincia com o Outro1.
Como teoria que versa sobre o sexual, a psicanlise tem sido chamada a
discorrer cada vez mais sobre as atuais transformaes no campo da sexuali-
dade, seja quanto aos deslocamentos nos lugares do feminino e do masculino,
quanto diversidade de expresses do sexual (CECCARELLI, 2012), sobre as
novas configuraes familiares (ARN, 2009), etc. A posio dos psicanalistas,

1 Em Lacan, o Outro o espao da alteridade, o campo da linguagem. Como discurso do inconscien-


te, o lugar de onde vm as determinaes simblicas da histria do sujeito, o arquivo dos ditos dos
outros que foram importantes para ele, desde antes do seu nascimento (QUINET, 2012).

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

tal como o campo terico psicanaltico, no homognea; enquanto alguns


autores propem uma leitura normativa da teoria freudiana, outros buscam pro-
blematiz-la de modo a acolher as novas formas de subjetivao.
Ocorre que, ainda que seja subversiva em relao a questes como a
sexualidade infantil e a posio desejante da mulher, a psicanlise marcada
pelas variantes scio-histricas que determinaram seu tempo, o que inclui
os discursos sobre a sexualidade. Nesse sentido, em que medida a produo
psicanaltica tem se mantido como prtica clnica e teoria crtica que permite
reconhecer e acolher as diversas manifestaes da sexualidade (ARN, 2009).
Considerando a produo cientfica da rea, pode-se identificar o deli-
cado lugar ocupado por psicanalistas e psiclogos frente a expresses plurais
da sexualidade, que vo desde leituras normativas a posturas preconceituosas
(GAVARINI, 2008; PERRONI; COSTA, 2008). Nesse sentido, faz-se necessrio
rever e atualizar as concepes psicanalticas; problematizao que se torna
possvel a partir da abertura ao dilogo com outras teorias e reas do conhe-
cimento, tal como a Teoria Queer. Neste estudo, prope-se indicar alguns
caminhos na construo desse dilogo, centralizando a questo nas mltiplas
possibilidades de ser sujeito.
De acordo com Salih (2012), a Teoria Queer traz reflexes sobre a for-
mao do sujeito e percebe a subjetividade e a identidade como um processo
sem fim, no sendo possvel definir e nem determinar uma forma de ser nica
e esttica. Ainda segundo a autora, a obra de Butler, importante expoente do
pensamento queer, permeada por leituras psicanalticas, foucaultianas e femi-
nistas que se relacionam. Diante disso necessrio articular a psicanlise nesse
discurso para que seja possvel expandir as percepes e posicionamentos sobre
as questes de gnero no discurso psicanaltico.

Dilogos entre Psicanlise e Teoria Queer

O termo queer traduz-se do ingls como adoentado, esquisito, estra-


nho. Admite, ainda, a traduo de homossexual, indicando um uso ofensivo
da palavra. A escolha pelo termo Movimento Queer indica a apropriao do
insulto homofbico para positiv-lo. Enquanto movimento, o Queer no se res-
tringe luta contra a homofobia, aliando-se a todas as causas e lutas de pessoas
e grupos marginalizados, perseguidos, tornados invisveis e, assim, despidos de
direitos.

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Sexual e de gnero
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Enquanto teoria, o Queer vem questionar igualmente esses limites e as


possibilidades de existncia diversa em um mundo que exclui e deslegitima o
que destoa do que se supe regra. No caso da diversidade sexual, Judith Butler
busca desmontar as ideias pr-concebidas de sexo, gnero, identidade e pr-
ticas sexuais, bem como suas articulaes naturais. Para a autora, trabalhar
com uma noo binria de gnero empobrece a capacidade de lidar com o
outro, este que ser incessantemente comparado a um ideal (Porchat, 2013).
Para Butler (2015), o poder, logo, o discurso, o que opera na produ-
o de uma estrutura binria, sendo a linguagem o que produz a construo
fictcia de sexo que sustenta os regimes atuais. Nesse processo, o corpo no
determinante, mas determinado; o meio sobre o qual se inscrevem os valores
e significados culturais. Assim, tal como na psicanlise, para a Teoria Queer o
corpo necessita de interpretao, no sendo um fim em si mesmo. O que sig-
nifica que: o que se diz de um corpo no apenas descreve, mas constitui esse
corpo.

Consideraes finais

A Teoria Queer e a Psicanlise tm em comum um discurso sobre o sujeito


e suas diferentes formas de subjetivao e expresso no mundo. Entende-se
diante disso que essa teoria est, tal como a psicanlise, intimamente associada
ao desejo, sem definir padres de comportamentos especficos ao sistema sexo/
gnero de cada sujeito. Ao sair das delimitaes do binarismo sexual, possvel
pensar a pessoa com identificaes mltiplas em seu desenvolvimento.

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Referncias

ARN, M. A psicanlise e o dispositivo da diferena sexual. Estudos Feministas, v.17,


n.3, p.653-73, 2009.

BUTLER, J. Problemas de Gnero: feminismo e subverso da identidade. 10.ed. Rio de


Janeiro: Civilizao Brasileira, 2016.

CECCARELLI, P.R. O que as homossexualidades tm a dizer psicanlise (e aos psica-


nalistas). Bagoas, n.8, p.103-123, 2012.

GAVARINI, L. Novas normas e formas de lao social: a sexualidade na sombra. Estilos


da Clnica, v.13, n.25, p.54-59, 2008.

PERRONI, S.; COSTA, M.I.M. Psicologia Clnica e homoparentalidade: desafios con-


temporneos. In Fazendo Gnero 8 Corpo, Violncia e Poder. 2008.

PORCHAT, P. Tpicos e Desafios para uma psicanlise Queer. In: FILHO, F. S. T. [et
al] (org.). Queering : problematizaes e insurgncias na psicologia contempornea.
Cuiab: EdUFMT, 2013

QUINET, A. Os outros em Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012.

SALIH, S. Judith Butler e a Teoria Queer. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2012.

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BATUCLAGEM DIVERSAS

Ana Maria Dietrich


Docente da UFABC
[email protected]

Daniele da Silva Benicio


Discente de Engenharia de Gesto UFABC
[email protected]

Felipe Borges Debossam Moreira


Discente do Bacharelado de Cincias e Humanidades - UFABC
[email protected].

O Programa apresenta-se como uma continuidade do projeto extenso


Batuclagem implementado de 2011 at 2016 pela Pro-Reitoria de Extenso
da UFABC. No incio a ao extensionista principal foi a realizao de ofici-
nas voltadas para a educao ambiental e ensino de prticas musicais ligadas
a percusso na quadra da Escola de Samba Tradio de Ouro (Bairro Santa
Terezinha, Santo Andr - SP), que atuou como parceira no projeto. Nos anos
subsequentes o projeto se expandiu e chegou a um pblico de 7000 pessoas,
realizou oficinas em escolas da Rede Pblica de Ensino, bem como em insti-
tuies sociais. Atuou em Santo Andr, So Bernardo e Mau. Tendo como
metodologia a Arte-educao, o objetivo era inserir as tenras geraes nas pre-
ocupaes ambientais atuais. Por meio da contao de histrias, da elaborao
de instrumentos com materiais reciclveis, de jogos didticos e brincadeiras,
estimular, de forma ldica, que tal pblico desenvolva reflexes e mudanas
de postura sobre suas prticas cotidianas quanto ao meio ambiente, ajudando
assim a formar cidados conscientes. A contao de histria instiga a imagi-
nao, a criatividade, a oralidade, incentiva o gosto pela leitura, contribui na
formao da personalidade da criana envolvendo o social e o afetivo.

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A contao de histrias atividade prpria de incentivo imagina-


o e o trnsito entre o fictcio e o real. Ao preparar uma histria
para ser contada, tomamos a experincia do narrador e de cada
personagem como nossa e ampliamos nossa experincia vivencial
por meio da narrativa do autor. Os fatos, as cenas e os contex-
tos so do plano do imaginrio, mas os sentimentos e as emoes
transcendem a fico e se materializam na vida real. (RODRIGUES,
2005, p. 4).

na educao Infantil e Fundamental que se tem o incio do processo de


educar do indivduo para tomar o seu lugar na sociedade. A questo principal
de conscientizar o aluno, ou seja, a criana e torn-lo um agente multiplicador
da informao. Na atual verso, pretende-se promover a contao de histrias
ligada a literatura infanto-juvenil com objetivo de se difundir informaes e
reflexes sobre o patrimnio imaterial brasileiro de lendas brasileiras, afro-bra-
sileiras, alm de trabalhar as mltiplas diversidades incluindo a de orientao
sexual, gnero, gerao e etnia. Temos como pano de fundo a sensibilizao
para as questes sobre diversidades e direitos humanos, afim de promover for-
mas de pensar e de se refletir diferentes das hegemnicas, e ao mesmo tendo
difundindo a contao de histrias com vistas de se valorizar a tradio oral.

Experimentando a diversidade

A diversidade das narrativas presentes nesses em contos e lendas afro-bra-


sileiras deve ser explorada como forma de se aprofundar o conhecimento do
patrimnio imaterial brasileiro de origem africana, alm de sensibilizar nosso
pblico alvo, tenras geraes e a Terceira Idade, s questes relativas a diversi-
dades e a promoo de Direitos Humanos.
Lembramos que o objetivo inicial do projeto - a reflexo e promoo de
valores relativos a Educao ambiental, no ser deixado de lado, uma vez que
haver a problematizao dessas questes nas narrativas das lendas e contos,
pensando-se por exemplo, se os recursos naturais so respeitados, de que forma
so vistos e inseridos em prticas cotidianas.
Segundo o Manual de aplicao de Educao Patrimonial (IPHAN, 2013),
entende-se oralidade a principal forma de comunicao de um grupo, sua
prpria lngua por meio da qual pessoas diferentes e com modos de vidas diver-
sos, se entendem e podem partilhar de um referencial de sentidos e significados.

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Quando pensamos em narrativas de histrias infanto-juvenis logo nos


vem a cabea contos da tradio europeia como a Branca de Neve. S que tais
contos pouco tm a ver com a cultura brasileira, alm de promover uma fragili-
zao do feminino. Assim, pensa-se em recuperar narrativas afro-brasileiras por
meio de pesquisa em bibliografia especializada e tambm por meio da pesquisa
direta na comunidade. Visa-se com isso combater a naturalizao do precon-
ceito (Ibid., p. 79). Essa naturalizao parte de padres sociais e esteretipos, da
inquestionvel prtica de conceitos negativos. A partir das presses realizadas
pelo Movimento Negro em busca de transformaes, frente as desigualdades
sociais e educacionais entre brancos e negros no Brasil, na segunda metade da
dcada de 1990, o governo federal adotou algumas alteraes em livros didti-
cos que apresentavam imagem estereotipadas de negros e indgenas.
Nesse sentido, os mitos e esteretipos que cercam noes naturalizadas
pelo senso comum de juventude e velhice, o corpo jovem definido em opo-
sio ao corpo idoso. O primeiro ganha atributos ligados ao que definimos na
sociedade capitalista como fora e sade, tais como agilidade fsica e men-
tal, rapidez, coordenao motora; enquanto que o segundo visto quase sem
qualidades, ao contrrio, defeituoso, decadente, fraco, lerdo, descoordenado,
doente.

Consideraes finais

Acredita-se que a partir da oralidade, em especial, da contao de his-


trias, possvel problematizar esteretipos da cultura hegemnica, branca,
patriarcal e masculina. Ideias muitas vezes difundidas como o padro esttico
branco louro europeu, a viso da mulher fragilizada (princesa) perto de rapazes
super heris (prncipes), o casamento hetero-afetivo como sinnimo de finais
felizes, entre outros esteretipos to largamente difundidos, podem ser pro-
blematizados sendo consideradas outras possibilidades a partir da valorizao
das diferenas e das diversidades. Isso est em consonncia para se pensar as
mltiplas possibilidades de uma educao em direitos humanos desde as tenras
idades.

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Referncias

RODRIGUES, Edvnia Braz Teixeira. Cultura, arte e contao de histrias. Goinia,


2005.

Educao Patrimonial: Manual de aplicao: Programa Mais Educao / Instituto do


Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. - Braslia, DF: Iphan/DAF/Cogedip/Ceduc,
2013.

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REPENSANDO DIREITOS HUMANOS NA ESCOLA

Ana Maria Dietrich


Ps-Doutora pelo Departamento de Sociologia do IFCH da Unicamp
Universidade Federal do ABC
[email protected]

Juliana Fabbron Marin Marin


Mestranda em Polticas Pblicas
Universidade Federal do ABC
[email protected]

Acreditamos, na linha do PNEDH/2003 que educar em direitos humanos


fomentar processos de educao formal e no formal, de modo a contribuir
para a construo da cidadania, o conhecimento dos direitos fundamentais, o
respeito pluralidade e diversidade sexual, tnica, racial, cultural, de gnero
e de crenas religiosas. Formar cidados que incorporem os conceitos de
Direitos Humanos no ambiente escolar algo imensamente prioritrio, pois a
escola um espao de sociabilizao e formao, que potencializa o encontro
das diversidades, da aprendizagem e da construo. Esse pensamento vai de
encontro concepo contempornea dos Direitos Humanos que promove um
dilogo entre esses e os conceitos de cidadania democrtica, cidadania ativa
e cidadania planetria, por sua vez inspiradas em valores humanistas e emba-
sadas nos princpios da liberdade, da igualdade, da equidade e da diversidade,
afirmando sua universalidade, indivisibilidade e interdependncia (Ibid).
O Projeto de Curso proposto de Educao em Direitos Humanos se
articula com um Grupo de Pesquisa do CNPQ certificado pela UFABC, o
Laboratrio de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade. Os objetivos deste
Projeto so implantar e ofertar um curso de Aperfeioamento em Educao em
Direitos Humanos que fornea subsdios para formar profissionais da educa-
o bsica e profissionais ligados s reas do Plano Nacional de Educao em
Direitos Humanos (mdia, educao no-formal e justia e segurana); propor

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uma atuao pedaggica voltada promoo, consolidao e difuso dos


direitos humanos, com foco na promoo de prticas democrticas, na disse-
minao do contedo dos direitos humanos e na orientao de prticas de no
discriminao. O curso visa, tambm, fornecer subsdio para a realizao de
prticas pedaggicas voltadas consecuo da cultura dos direitos humanos no
ambiente escolar e elaborao de materiais didticos especficos de educao
em direitos humanos.
H nesse Curso a construo do conhecimento a partir da articulao
entre o conhecimento acumulado no mbito acadmico, pelos movimentos
sociais e por educadores e educandos a partir de sua experincia.
Os cursistas so orientados a realizar atividades pedaggicas prticas (aulas
experimentais, atividades de sensibilizao e mobilizao da equipe da escola,
reorganizao do espao escolar, atividades de pesquisa e vivncia dentro da
comunidade escolar, entre outras) em seus espaos educacionais de atuao,
preferencialmente no desenvolvimento prprio de suas funes, investindo na
articulao entre formao e trabalho. Estas atividades so acompanhadas e
avaliadas pela equipe do curso - luz das diretrizes conceituais, legais e meto-
dolgicas - sendo entendidas como laboratrio de novas prticas pedaggicas
e estratgia de consolidao e multiplicao dos conhecimentos.
A metodologia trata dos contedos com foco no perfil de cada cursista e
da comunidade escolar a qual est inserido. Para tanto, so realizados encon-
tros presenciais e atividades em educao a distncia - na plataforma Tidia -,
onde so disponibilizados os contedos em pesquisa e vivncia comunitria.
Em nossa concepo pedaggica, atividades em educao a distncia so
aquelas relacionadas aos contedos disponibilizados na plataforma Tidia, mas
tambm compreendem atividades de pesquisa e de vivncia comunitria que
propiciem um trabalho concreto no enfrentamento das temticas dos cursos.

Consideraes finais

Na concretizao do curso de aperfeioamento Educao em Direitos


Humanos, mesmo com a abordagem de destaque que a questo de diversidade
foi vista, inclusive com um Mdulo voltado a essa temtica, houve pouqussi-
mos projetos de interveno dos cursistas apresentados sobre a temtica LGBT.
Sobre gnero, houve maior nmero de trabalhos finais, porm, ainda ficou
muito aqum do tema mais estudado: africanidades.

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Baseados na experincia de apresentao dos trabalhos durante o


Simpsio, acreditamos que essa invisibilidade do movimento LGBT nos traba-
lhos finais se deu pela falta de conhecimento de metodologias apropriadas e de
linguagem especfica voltada para o pblico infantil. Isso mostra a importncia
de se pensar estratgias e instrumentos metodolgicos para que os professores
de ensino bsico, principalmente do Fundamental I, consigam tratar questes
LGBT j com os alunos mesmo em sua tenra idade (5 a 11 anos) e descontruam
a educao sexista que at ento imposta.

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Referncias Bibliogrficas

BRASIL. Plano Nacional de Educao em Direitos Humanos. PNDH. Comit Nacional


de Educao em Direitos Humanos. Braslia: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, Ministrio da Educao, Ministrio da Justia, UNESCO, 2006

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RELATOS DE
EXPERINCIA

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SUMRIO

EXPERIMENTAES DISSIDENTES EM GNERO E SEXUALIDADE NO


COTIDIANO DA EDUCAO INFANTIL: PRTICAS PEDAGGICAS COMO
PRTICAS DE LIBERDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1480
William Scheidegger Moreira | Fernando Altair Pocahy

O EMBODIMENT DA POLTICA NA BELEZA DO CERTAME MISS T BRASIL . . . 1485


Aureliano Lopes da Silva Junior

ATUAO DE MEMBROS DA COMISSO DA DIVERSIDADE SEXUAL E


DE GNERO DA OAB-PR NA DISCUSSO DOS PLANOS DE EDUCAO
MUNICIPAIS E ESTADUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1492
Rafael dos Santos Kirchhoff | Ligia Ziggiotti de Oliveira
Andressa Regina Bissolotti dos Santos

DESENHOS ANIMADOS: (RE) PENSANDO GNERO E ESTTICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . 1499


Andr Luiz Bernardo Storino

DESCOLANDO GNERO E SEXUALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1506


Barbara Orsi | Eva Clem | Natasha Ribas

VIOLNCIA CONTRA MULHER, MASCULINIDADES E FEMINILIDADES . . . . . . . . . 1515


Beatriz Hiromi da Silva Akutsu | David Emmanuel da Silva Souza

O ATRAVESSAMENTO DA VIOLNCIA EM OFICINAS DE GNERO E


SEXUALIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1521
Bruna da Silva Paulino | Angelina Costa Baron | Amana Mattos

RELATO DE EXPERIMENTAO DE AULA VISANDO DESCONTRUO DE


ESTERETIPOS HOMOLESBOTRANSFBICOS POR MEIO DE FERRAMENTA
DIALGICA, EM CLASSE DE ALUNOS ESTUDANTES DE DIREITO . . . . . . . . . . . . . . . . . 1529
Irapoan Nogueira Filho

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COLETIVO DUAS CABEAS: A EXPERINCIA DA LUTA AO DILOGO. . . . . . . . . . . 1536


Juber Marques Pacfico

PAPIS DE GNERO E VIOLNCIAS CONTRA A MULHER . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1544


Natalia Caroline Soares de Oliveira | Beatriz Hiromi da Silva Akutsu

FACEBOOK E HOMOFOBIA: A VIOLNCIA COMO


INIBIDORA DA HOMOAFETIVIDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1551
Rodrigo Luiz Nery

SEM DVIDAS ESSE TRABALHO DEIXOU MARCAS: ESTUDANTES DO ENSINO


MDIO E SUAS VIVNCIAS NA SEMANA DE COMBATE LGBTTIFOBIA . . . . . . . . . 1559
Rosalinda Carneiro de Oliveira Ritti

PLEGARIA ROSA LGBTI EL SALVADOR: RECUPERANDO LA DIGNIDAD


HUMANA A TRAVS DEL DUELO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1567
Amaral Palevi Gmez Arvalo

VIOLNCIA DE GNERO E MAPEAMENTO DA LGBTFOBIA EM TERRITRIO


NACIONAL: TEM LOCAL, UMA PLATAFORMA COLABORATIVA COMO UM
RETRATO DO PROBLEMA NO BRASIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1575
Antonio Carlos Pinto da Fonseca Junior

RELATO DA OFICINA DE ENFRENTAMENTO VIOLNCIA CONTRA MULHER


REALIZADA COM MULHERES ENCARCERADAS EM REGIME SEMIABERTO . . . 1583
Beatriz Hiromi da Silva Akutsu | Natalia Kleinsorgen

PERFORMANCE/INSTALAO & INTERATIVIDADE: GNERO, SEXUALIDADE,


DIREITO E DEMOCRACIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1590
Gabriel Cerqueira Leite Martire | Gustavo Agnaldo de Lacerda
Mariana de Vasconcellos Tauil

GEOGRAFIA, GNERO E EDUCAO: A UTILIZAO DE TEMAS TRANSVERSAIS


NA ELABORAO/APLICAO DE PROJETOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1600
Bruno de Freitas

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DINMICAS DOS INSULTOS COMO FERRAMENTA DE FORMAES


EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1609
Flvia Luciana Magalhes Novais | Diego Carrilho da Silva

SOBRE EU NO QUERO VOLTAR SOZINHO EM SALA DE AULA.. . . . . . . . . . . . . . . 1616


Ldia Lobato Leal

GRUPOS DE FAMILIARES DE PESSOAS TRANS: CONSTRUINDO SABERES E


POSSIBILITANDO ENCONTROS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1621
Eric Seger de Camargo | Fernanda Carrion da Silva | Flvia Luciana Magalhes Novais

DISCUTINDO GNERO E SEXUALIDADE NO ENSINO MDIO: AMPLIANDO O


DIALGO ENTRE FUTUROS PROFESSORES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1626
Julio Cezar Pereira Araujo

A EXPERINCIA DO FESTIVAL DAS DIVERSIDADES PRISMA E A


VISIBILIDADE E O EMPODERAMENTO DOS LGBTIS NA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ABC UFABC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1634
Juliana Fabbron Marin Marin | Raimundo Nonato Braz Neres

PROJETO EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS UFABC. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1639


Ana Maria Dietrich | Daniele da Silva Benicio

RELATO DE EXPERINCIA DO EIXO ACOLHIMENTO DO CRDH: GRUPO DE


VIVNCIAS PARA PESSOAS TRANS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1644
Flvia Luciana Magalhes Novais | Hellen Santos | Diego Carrilho da Silva

SE A GENTE NO CONTINUAR COM ESSA LUTA, VAI SER CADA VEZ PIOR
[...] LEITURAS DE UMA VIVNCIA FORMATIVA SOBRE DIVERSIDADE DE
GNERO E SEXUAL EM UMA ESCOLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1651
Idlia Lino dos Santos | Roniel Santos Figueiredo | Marcos Lopes de Souza

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EXPERIMENTAES DISSIDENTES EM GNERO E


SEXUALIDADE NO COTIDIANO DA EDUCAO INFANTIL:
PRTICAS PEDAGGICAS COMO PRTICAS DE LIBERDADE

William Scheidegger Moreira


Graduando em Pedagogia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]

Fernando Altair Pocahy


Doutorado em Educao
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]

Relato de experincia

O presente trabalho consiste em um relato de experincia sobre uma


atividade formativa na graduao em pedagogia, articulada a uma proposta
de acompanhamento de trabalho docente em Educao Infantil. Trata-se de
observao de prticas docentes, realizada em uma creche municipal loca-
lizada em uma comunidade da zona norte do Rio de janeiro. A experincia
a ser problematizada foi produzida a partir do encontro com uma turma de
maternal II, frequentada por 25 crianas com faixa etria de 3 a 4 anos de
idade. A turma era conduzida por uma professora regente, duas agentes de
educao infantil, que atuavam na turma em horrios distintos, sendo uma auxi-
liar responsvel pelo auxlio pedaggico no turno da manh e uma auxiliar
responsvel pelo auxlio pedaggico no turno da tarde, e um professor subs-
tituto, que assumiria a turma aps um ms acompanhando a classe, a contar
do primeiro dia do estgio de observao. O estudo em tela teve como obje-
tivo a problematizao das atividades de sala de aula, a partir de um olhar

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Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

interessado sobre as relaes de gnero e sexualidade, apoiado em reflexes


de estudiosas feministas e queer como Louro (2012), entre outras. Com o apoio
de leituras endereadas s questes de gnero em perspectiva interseccional,
procedeu-se a observaes de prtica de/em pesquisa-interveno, tomando
como objeto privilegiado discursos-prticas que regulam, normatizam e padro-
nizam as performances de crianas na creche. Na turma em que o trabalho foi
realizado era comum a separao de espaos, demarcados como femininos
e masculinos, como por exemplo, os lugares onde as mochilas eram pendu-
radas e a chamada de classe, que se apresentava aos alunos com um lugar
especfico para nomes de meninos, impressos em papel branco e colados em
papel azul como plano de fundo, bem como lugares especficos para nomes de
meninas, impressos em papel branco e colados em papel rosa como plano de
fundo. Essas cores que, socialmente, so utilizadas para demarcao de papeis
sociais e delimitaes de performances femininas/masculinas antes mesmo de
nascermos, frequentemente faziam-se presentes no cotidiano da instituio,
assumindo um carter conservador e separatista. Ao longo do trabalho, foram
observadas tambm as formas de circulao das crianas pelos espaos da ins-
tituio, que tambm eram apresentadas de maneira dicotmica, evidenciando,
ainda que sutilmente, que pessoas do gnero masculino ocupam determina-
dos espaos fsicos e simblicos e pessoas do gnero feminino ocupam outros
espaos fsicos e simblicos. Esses espaos no permitem tensionamentos ou
desestabilidades e, desde muito cedo, discursos movimentam as prticas de
profissionais da Educao, interpelando de forma normativas experimentaes
discentes que ganhavam/produziam corpo em sala de aula. Esses discursos de
poder orientam crianas de creche sobre sua forma correta de sentar ou se por-
tar ou a escolha do brinquedo ideal, dotado de masculinidade para meninos e
feminilidade para meninas, entre outras formas de experimentao do ldico.
Essa pedagogia dos corpos (Louro, 2012) aplica-se de forma direta e visvel,
atravs de discursos e prticas, e de maneira indireta e sutil, como na separa-
o entre meninos e meninas em filas para a merenda e em representaes de
situaes e/ou informes em murais - que constantemente vinham representados
por casais heteronormativos, como no caso dos murais informativos para festa
junina, sempre compostos por um menino e uma menina como par ideal, ves-
tindo roupas de caipira, o que terminava por invisibilizar outras representaes
de arranjos sexuais e de gnero.

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Um olhar diferenciado para as questes de gnero

A partir de situaes como as descritas acima, o trabalho buscou com-


preender os efeitos dos ideais regulatrios de gnero e sexualidade nas prticas
docentes, suas repercusses nas experimentaes pedaggicas e no brincar-co-
nhecer das crianas, tanto quanto refletir sobre posturas e situaes cotidianas
vivenciadas por crianas e profissionais de Educao no dia a dia da educao
infantil. Alguns estudiosos afirmam que a escola delimita espaos. Servindo-se
de smbolos e cdigos, ela afirma o que cada um pode (ou no pode) fazer, ela
separa e institui. Informa o lugar dos pequenos e dos grandes, dos meninos e
das meninas. (Louro, 2012) Considerando a creche como instituio dotada
de especificidades prprias e envolta de polticas educacionais que buscam o
desenvolvimento integral dos sujeitos infantes, contextualiz-la a atual conjun-
tura escolar pode significar uma legitimao ainda mais ampla do atual status
quo, que garante o sujeito heterossexual e cis gnero como participante social
de maior valia nos arranjos sociais por estarem dentro dos padres socialmente
estabelecidos como normais e morais. O mtodo de apoio em pesquisa con-
siste em uma observao inspirada em modelos de pesquisa participativa e os
achados analisados em perspectiva discursivo-desconstrucionista, notadamente
fundamentos nos estudos foucaultianos queer. Os achados do estudo indicam
a proliferao e a permanncia de posies conservadoras e prticas hetero-
normativas e sexistas tecendo o cotidiano escolar, sendo vivenciadas com forte
apelo s representaes binrias de gnero. Esta evidncia nos aponta para uma
perniciosa margem expanso de expresses e fazeres cotidianos regulados
por discursos heteronormativos. No entanto, por outro lado, o estudo revela
prticas de resistncia no cotidiano. Mesmo com o forte carter conservador de
alguns profissionais da instituio, algumas poucas crianas mantinham posicio-
namentos polticos de reivindicao das prprias prticas de circulao pelos
espaos da creche, assim como de reivindicao das brincadeiras e experi-
mentaes que gostariam de protagonizar. Ainda que, em alguns casos, essas
reivindicaes e enfrentamentos das polticas normativas sexuais e de gnero
surgissem como demanda advinda das crianas, frequentemente essas deman-
das eram ignoradas ou interpretadas como condutas desviadas sob a ptica
de alguns professores, professoras e auxiliares de educao infantil. Durante a
experincia, essas prticas de resistncia puderam ser observadas durante ati-
vidades desenvolvidas pela professora regente da turma que acompanhamos.

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Com a entrada do professor substituto, percebemos um tensionamento produ-


tivo em termos de uma dissidncia s condutas docentes at ento vigentes,
balizadas fortemente por normas de gnero e sexualidade. Isto , se algumas
atividades pedaggicas eram explicitamente heteronormativas. Antes da subs-
tituio entre os professores, eram comuns atividades pedaggicas com cores
especficas para meninas e cores especficas para meninos. Os brinquedos ofe-
recidos aos alunos durante os horrios de atividades livres, frequentemente
eram distribudos separadamente, sendo meios de transporte e bonecos de
ao endereados apenas para meninos e jogos de panelas, bonecas e bolsas
apenas para meninas. Durante os impasses entre as crianas, por disputas de
brinquedo, a representao social do brinquedo disputado sempre tinha maior
peso frente as decises de apaziguamento dos docentes. Se a disputa era dada
entre pares dois meninos ou duas meninas promovia-se uma conversa para
que se pudesse chegar a concluso de quem estava com o brinquedo primeiro.
Entretanto, se os impasses se davam entre um menino e uma menina, frequen-
temente o carter social do brinquedo era levado em considerao. No era
perguntado aos alunos quem havia encontrado primeiro aquele brinquedo,
independente do ocorrido, se o objeto em disputa fosse um carro, o menino
teria direito a ele, se fosse uma boneca, o direito seria da menina. entrada
do professor substituto, percebemos um fazer pedaggico em preocupao cr-
tica, evidenciando algumas atividades e preocupaes com a interpelao de
gnero. Essas passaram a ser repensadas e (re)formuladas (por exemplo, as ativi-
dades de diviso e ocupao do espao de sala foram redefinidas, brincadeiras
e atividades educativas passaram a ser revistas e repensadas, etc). Ao aplic-las
de maneira no tradicional, percebeu-se como resposta da maioria dos alu-
nos certo grau de resistncia, o que ousaramos ponderar tratar-se de algum
estranhamento. Com as mudanas estruturais nas atividades pedaggicas, as
crianas passaram a denunciar, de maneira compulsria, atos e/ou comporta-
mentos de outras crianas que cruzavam as linhas de diviso entre meninos e
meninas que antes lhes eram impostas. Os lugares da chamada de classe, j no
eram mais demarcados como um lado para meninas e um lado para meninos,
entretanto, ainda que o discurso pedaggico, naquele contexto, tivesse trans-
cendido ao binarismo sexual e de gnero, antes importo como regra irrefutvel
s crianas, os discentes permaneciam, por si s, conservando a ideia de um
lado s para meninas e um lado s para meninos. As poucas crianas que ten-
tavam transcender a regra que j no era mais docente, recebiam crticas de
outras crianas, muitas vezes seguidas de denncias ao professor.

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Consideraes finais

Ao longo de um ms, tantos os discursos quanto as atividades pedag-


gicas comeam a sofrer certa reconfigurao nos termos de conduta docente
mais ampla, buscando atender a pluralidade do grupo e a preocupao com
as resistncias. Ao desenvolver do trabalho, sentiu-se a necessidade de aes
explicativas a respeito de questes sexuais e de gnero, no apenas voltado
ao corpo discente, mas que tambm contemplasse o corpo docente. Com o
passar do tempo, foi apresentado a alguns docentes e a algumas auxiliares de
turma diferentes pontos de vista em relao s condutas estabelecidas por eles/
elas prprios/as no dia a dia da instituio. Aos poucos, os murais informativos
passaram a propor outras representatividades que no fosse s a heterossexual,
branca e cis gnero, abrangendo maiores possibilidades de arranjos familiares
e de identidades sexuais e de gnero. As prticas machistas/ (hetero)sexistas
verbais e no verbais passaram a ser repensadas com a turma, com bons
efeitos no cotidiano. Ao longo do perodo de um ms, as falas sexistas/machis-
tas entre os alunos diminuram consideravelmente. Em contraponto, o respeito
entre os discentes ampliou de maneira perceptvel, com uma reduo sens-
vel de comentrios e provocaes preconceituosas. Consideramos, pois, que
os efeitos de uma posio crtica e voltada compreenso da diversidade e
da importncia das interpelaes de gnero no cotidiano, pode repercutir nos
termos do alargamento de experimentaes pedaggicas comprometidas com
posturas democrticas e sensveis diversidade.

Referncias

LOURO, G.L., In: O corpo educado: pedagogia da sexualidade. Belo Horizonte,


Autntica: 2000

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O EMBODIMENT DA POLTICA NA BELEZA DO CERTAME MISS


T BRASIL

Aureliano Lopes da Silva Junior


Doutor em Sade Coletiva
Laboratrio Integrado em Diversidade Sexual e de Gnero,
Polticas e Direitos/UERJ
[email protected]

GT 04 -
Travestilidades, Transexualidades, Lesbianidades e Homossexualidades:
Transgresses e Resistncias

Resumo

O presente trabalho analisa o concurso de beleza voltado para travestis e mulhe-


res transexuais, o qual foi organizado pela Associao de Travestis e Transexuais
do Rio de Janeiro/ASTRA-Rio em parceria com o Programa Rio Sem Homofobia
da SUPERDir/SEASDH-RJ. Concebido como uma ao poltica e cultural em
prol de travestis e mulheres transexuais, o Miss T Brasil levou ao palco entre os
anos de 2012-2015 temas como sade, cidadania, direitos, poltica, entre outras.
Atravs do mote da beleza, tais temas estiveram em pauta para afirmar uma
identidade trans e visibiliz-la publicamente de uma forma que este coletivo
concebia como positiva.
Palavras-chave: Miss T Brasil; Concurso de Beleza; Beleza; Travestilidade;
Transexualidade.

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Introduo

Este trabalho apresenta algumas reflexes e provocaes advindas da tese


de doutorado intitulada Linda, doce, fera: a construo de corporalidades
polticas no concurso de beleza Miss T Brasil (IMS/UERJ, 2016). Utilizando-me
do mtodo etnogrfico, realizei trabalho de campo nos anos de 2012, 2013 e
2014 no concurso de beleza Miss T Brasil, realizado desde 2012 na cidade do
Rio de Janeiro. Organizado pela Associao de Travestis e Transexuais do Rio
de Janeiro/ASTRA-Rio em parceria com o Programa Rio Sem Homofobia da
Superintendncia de Direitos Coletivos, Individuais e Difusos da Secretaria de
Assistncia Social e Direitos Humanos do governo do estado do Rio de Janeiro
SUPERDir/SEASDH-RJ e utilizando-se do mote da beleza, entendida pelo dis-
curso nativo como cultura trans e algo prprio e encarnado (embodiment)1
na constituio de si deste coletivo, o Miss T Brasil concebia-se como uma
ao cultural e poltica que buscava construir modelos de representao para
travestis e mulheres transexuais alternativos queles marcados pelo preconceito
e marginalidade no imaginrio social.
O lugar a mim delegado pelo campo nos trs anos desta etnografia foi
o de algum que estaria registrando acadmica e fotograficamente o projeto
Miss T Brasil, de modo que pude ter acesso tanto ao seu palco como aos seus
bastidores. Principalmente neste segundo espao, atuei como um auxiliar da
organizao e pude ter acesso a um ambiente de produo de um concurso
de beleza. Nos anos de 2013 e 2014, tambm acompanhei as candidatas deste
certame brasileiro que foram enviadas para participao no mundial Miss
International Queen, realizado anualmente deste 2004 na cidade de Pattaya,
Tailndia. Neste concurso tido como o Miss Universo para travestis e mulheres
transexuais, desempenhei a funo de um follower, ou seja, fui o acompanhante
das candidatas brasileiras, auxiliando-as nas mais diversas tarefas necessrias,
como traduo do ingls para o portugus, auxlio com suas bagagens e vesti-
mentas, etc.

1 Fao uso deste termo e conceito no mesmo sentido de Ochoa (2014) e Connel (2012), as quais o
utilizavam para falar de processos de construo de determinada corporalidade e sua

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Produzindo a beleza feminina trans

A ideia inicial de transformar um concurso de beleza em tema da tese veio


da suposio de que ao se falar sobre beleza, grupos sociais diversos tambm
estavam dizendo sobre concepes de si, de corpo e/ou de sujeito; e de que o
formato concurso de beleza poderia ser utilizado de forma estratgica na cria-
o de uma imagem pblica exemplar segundo esta concepo que tais grupos
faziam de si. Deste modo, a figura da Miss T, concebida como representante da
dita populao trans2, parecia apresentar-se como uma verso ideal e mode-
lar do que uma mulher trans era ou poderia/deveria ser: o corpo construdo
para um concurso de beleza parecia maximizar espetacularmente prticas coti-
dianas de produo de si de sujeitos femininos que de alguma forma encarnam
o padro majoritrio de beleza da sociedade ocidental contempornea, o qual
muitas vezes concebido como o prprio feminino ou o feminino universal,
nos dizeres de Ana Maria Batista (1999) ou uma feminilidade hegemnica,
segundo conceituao de Marcia Ochoa (2014).
Neste sentido, a hiptese de que sob a rubrica da beleza este grupo de tra-
vestis e mulheres transexuais (como diversos outros possveis) tambm estavam
falando sobre noes de corpo, sujeito e sade mostrou-se pertinente: saberes
sobre cuidados, prticas e servios em sade eram constantemente construdos
e reconstrudos nos bastidores e, aqui, destacavam-se aqueles mais diretamente
relacionados s modificaes corporais, cirurgias plsticas e recursos e ser-
vios voltados para a construo de seus corpos femininos. Temas correntes
no campo da sade de travestis e mulheres transexuais, como as cirurgias de
transgenitalizao e o protocolo oficial que gira em torno deste procedimento,
ocupavam um plano secundrio neste grupo, sendo os tratamentos esttico-
cosmticos e cirurgias para colocao de prteses de silicone e feminizao
facial as que pareciam ser as mais desejadas e discutidas, o que coloca sob tal
rubrica da beleza o que este grupo concebia como uma imagem encarnada de
si que, de forma modelar, seria visibilizada para outrem em um concurso de
beleza.

2 Forma como este coletivo tem sido nomeado na Poltica LGBT brasileira. Para uma anlise desta
temtica, ver Aguio (2014).

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Mostrar-se para uma cmera e deixar-se ser fixada nesta imagem ia ao


encontro tanto do que o discurso oficial apregoava como seu regime de visibi-
lidade como da forma como as candidatas desejavam ser registradas, ou seja,
como belas, femininas e em um evento que aparentemente goza de legitimidade
no meio social. De acordo com os discursos proferidos por Majorie Marchi, ide-
alizadora e organizadora do Miss T Brasil, no palco das edies de 2013 e 2014
deste certame:
com imensa emoo que mais uma vez, pelo segundo ano, que
a gente com toda humildade, com todo carinho se coloca nesse
importante espao de cultura de nosso estado pra celebrar o nosso
orgulho. Nosso orgulho com muita honra em existir e provocar
cotidianamente a sociedade. extremamente emocionada que
comemoro dois anos do nosso projeto. Um projeto que comeou
desacreditado, como ns, discriminado, como ns, que as pessoas
riam do projeto, como riem de ns. As pessoas no acreditavam
que travestis e transexuais podiam ser visibilizadas longe do risvel,
longe de pginas policiais ou longe do vitimismo e do sofrimento
que tambm comum ao nosso segmento. Mas ns tambm somos
felizes, somos vitoriosas, temos orgulho de existir e esse projeto per-
mite esse dialogo, essa visibilidade massiva. Eu tenho muito orgulho
de poder contar com o carinho, a credibilidade desse grupo de
lindas meninas que confiaram no projeto e foram cuidadosamente
garimpadas de todas as regies do pas. Uma salva de palmas
pras representantes... [palmas] no representantes de travestis e
transexuais, mas como eu digo desde a primeira edio, legtimas
representantes da beleza feminina brasileira (MISS T BRASIL, 2013).

Mas hoje vamos ter uma misso importante, de escolher a repre-


sentante ldica da beleza, da feminilidade e de orgulho trans. Hoje
esse ano especialmente o tema escolhido por ns se chama O
orgulho de existir, porque ns temos orgulho. E como eu venho
dizendo desde a primeira edio, ah, mas tanta coisa que as tran-
sexuais e travestis sofrem e concurso de Miss? Eu tenho direito ao
ldico, o belo tambm me pertence. E at o ftil se eu quiser, mas
o importante saber que a gente no quer s comida, a gente quer
comida, diverso e arte [palmas] (MISS T BRASIL, 2014).

O grande objetivo do Miss T Brasil era criar uma imagem para travestis
e mulheres transexuais vista por elas como positiva, nomeada como visibili-
dade positiva. A visibilidade positiva mostrava-se como ferramenta poltica

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na construo de um regime de visibilidade alternativo quele geralmente pre-


sente no imaginrio social, que associa transgeneridade com marginalidade e/
ou patologia (Carvalho, 2015). Como afirmava Majorie Marchi, ali elas eram
legtimas representantes da beleza feminina brasileira ao mesmo tempo em
que reiteradamente afirmavam sua identidade trans. Tpicas como a celebrao
de uma identidade feminina trans e o orgulho de visibiliz-la publicamente de
uma forma vista como legtima por este grupo juntamente com o enquadre
de uma linguagem e universo que giravam em torno de ideias de direitos e cida-
dania, dados, por exemplo, pela j mencionada ASTRA-Rio, nomeada como
organizadora do certame, e pelo apoio institucional do Governo do estado do
Rio de Janeiro atravs do Programa Rio Sem Homofobia e tambm da j men-
cionada parecia politizar e nobilitar (Rahier, 1998) a beleza feminina trans:
utilizando-se de um formato considerado por muitas pessoas como reiterativo
de um ideal normativo de feminilidade e beleza (cisgneras), o Miss T promovia
a produo deste mesmo corpo ideal para mulheres cisgnero para travestis e
mulheres transexuais, porm, ao tambm sobrepor a este sujeito modelar os
anseios e desejos deste grupo e/ou populao trans e no negar as inmeras
discriminaes e violncias a que so vulnerveis, talvez estivesse levando ao
palco uma espcie de resposta, ou um perverso ato de vingana, nos dizeres
de Juana Rodriguez (2015), contra um mundo que reiteradamente define como
abjeto (Butler, 2002), no legtimo (Namaste, 2000) e/ou objeto de permanente
escrutnio social (Connell, 2012) o lugar social ocupado por travestis e mulheres
transexuais. No foi toa que os temas/slogan escolhidos para cada um dos
anos do Miss T condensassem tais ideias de visibilidade positiva e criao de
determinado sujeito poltico atravs da beleza: A beleza em prol da cidadania
(2012); A beleza contra a transfobia (2013); e Pelo orgulho de existir (2014).

Consideraes finais

Constituindo-se paradoxalmente tanto como um local de reiterao de


determinado ideal normativo de beleza feminina universal ao mesmo tempo
em que rompe tal ideal ao trazer a dita beleza trans para o seu centro, o Miss
T Brasil parece ter produzido algo nico tanto na vida daqueles e daquelas que
dele fizeram parte como no imaginrio social relacionado travestis e mulheres
transexuais. Este certame conjugou direitos, cidadania e beleza; exaltou deter-
minada corporalidade feminina ao mesmo tempo em que no negava todas

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as outras possibilidades fora deste padro ideal; promoveu um espelhamento


entre cisgeneridade e transgeneridade; em seus bastidores, discutiu temas como
sade e trabalho, entre tantos outros. Enfim, promoveu um espetculo baseado
em uma corporalidade reconhecida socialmente como bela e a nobilitou com
as identidades, vivncias e histrias daquelas travestis e mulheres transexuais
que passaram pelo seu palco.
O Miss T Brasil como foi aqui brevemente apresentado aconteceu entre
os anos de 2012 e 2015 (edio esta que no acompanhei para a tese). No in-
cio de 2016, Majorie Marchi, a grande responsvel por este projeto e tudo que
ele mobilizava, faleceu. O Miss T Brasil certamente continuar, mas talvez no
da forma como foi construdo nestes primeiros anos: com uma cara, um corpo
e uma identidade fortemente identificvel, mas um tanto quanto difcil de ser
classificado como reiterativo, transgressor ou qualquer adjetivo que apressada-
mente tente dar conta do que esttica, poltica e afetivamente se passou em seu
palco.

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Referncias

AGUIO, Silvia. Fazer-se no Estado: uma etnografia sobre o processo de constitui-


o dos LGBT como sujeitos de direitos no Brasil contemporneo. Tese (Doutorado),
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2014.

BATISTA, Ana Maria Fonseca de Oliveira. O telefone sem fio, a sobrinha do presi-
dente e as duas polegadas a mais concepes de beleza no concurso Miss Universo.
Dissertao (Mestrado em Antropologia Social) Centro de Filosofia e Cincias
Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 1997.

BUTLER, Judith. Cuerpos que importan. Sobre los lmites materiales y discursivos del
sexo. Buenos Aires: Paids, 2002.

CARVALHO, Mrio Felipe de Lima. Muito prazer, eu existo!: Visibilidade e


Reconhecimento no Ativismo de Pessoas Trans no Brasil. Tese (Doutorado), Instituto
de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

CONNELL, Raewyn. Transsexual women and feminist thought: Toward new unders-
tanding and new politics. Signs, v. 37, n. 4, p. 857-881, 2012.

NAMASTE, Viviane. Invisible lives: The erasure of transsexual and transgendered peo-
ple. Chicago: University of Chicago Press, 2000.

RAHIER, Jean Muteba. Blackness, the Racial/Spatial Order, Migrations, and Miss
Ecuador 1995-96. In: American Anthropologist, v. 100, n2, p.421-430, 1998.

RODRGUEZ, Juana Mara. Sexual Futures, Queer Gestures, and Other Latina Longings.
Nova York: NYU Press, 2014.

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ATUAO DE MEMBROS DA COMISSO DA DIVERSIDADE


SEXUAL E DE GNERO DA OAB-PR NA DISCUSSO DOS
PLANOS DE EDUCAO MUNICIPAIS E ESTADUAL

Rafael dos Santos Kirchhoff


Coordenador da rea Jurdica do Grupo Dignidade
Presidente da Comisso de Diversidade Sexual e de Gnero da OAB/PR
[email protected]

Ligia Ziggiotti de Oliveira


Doutoranda em Direitos Humanos e Democracia
Universidade Federal do Paran
Membra da Comisso de Diversidade Sexual e de Gnero da OAB/PR
[email protected]

Andressa Regina Bissolotti dos Santos


Mestranda em Direitos Humanos e Democracia -
Universidade Federal do Paran
Membra da Comisso de Diversidade Sexual e de Gnero da OAB/PR
[email protected]

GT 02 - Ativismos e movimentos sociais

Introduo

No decorrer da primeira dcada do sculo XXI, o Judicirio se tornou


ponto nevrlgico de pautas LGBTI. Demandas como o casamento gay migra-
ram dos espaos do Poder Legislativo cuja linguagem evidentemente poltica
para o espao do Poder Judicirio cuja linguagem se pretende exclusiva-
mente tcnica , e galgaram determinadas conquistas. MELLO (2005) traou os
termos da virada ainda no incio desse processo.
A segunda dcada deste novo sculo, contudo, parece reservar surpresas.
Iniciamos nosso apoio militncia LGBTI quando o Legislativo deixava de ser

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visto como campo de lutas estril e passava a ser visto como uma constante
ameaa de retirada de direitos.
Ilustra-se tal reflexo. Em 2013, de um lado, o Conselho Nacional de
Justia aprovava a Resoluo n 175, que tornaria obrigatrio aos cartrios cele-
brarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo. De outro, o pastor Marcos
Feliciano (PSC-SP) assumia o cargo de Presidncia da Comisso de Direitos
Humanos e Minorias no Congresso Nacional. No Paran, as eleies de 2014
colocariam o PSC (Partido Social Cristo) entre os partidos com mais cadeiras
na Assembleia Legislativa.
Tal o cenrio paradoxal que compe o pano de fundo de experincia
relatada. Parte-se da atuao de uma das dezenas de Comisses em funciona-
mento na atual gesto da OAB-PR. Trata-se da Comisso da Diversidade Sexual
e de Gnero (CDS), constituda nesta Seccional em 2013. Narra-se o papel
do grupo no debate dos Planos de Educao municipais e estadual, em 2015,
quando se articularam, com xito, determinados setores polticos para a retirada
e, em determinados municpios, mesmo para a proibio de abordagens
afeitas a gnero, orientao sexual e identidade de gnero nas escolas
atravs das diretrizes curriculares.
O trajeto de construo de nossas iniciativas, ainda em curso, descrito.
Transita-se, como detalhado a seguir, pela atuao dos(as) membros(as) como
interlocutores(as) em dilogo com as escolas, com a mdia, com grupos religiosos
e demais personagens ligadas ao debate; como agentes capazes de influenciar
as decises legislativas ocasio dos embates parlamentares; e como potenciais
provocadores(as) de posicionamento judicial no sentido de barrar a violao
dos direitos da populao LGBTI.
A anlise refletida dos resultados obtidos e do redirecionamento conjunto
em face de perspectivas futuras permite abordar os limites e as possibilidades
do espao ocupado pela CDS da OAB-PR diante do atual contexto poltico e
jurdico para a adequada tratativa da temtica.

1. A experincia de advocacy da Comisso da Diversidade Sexual


e de Gnero no debate anunciado

Desde 2013, a Ordem dos Advogados do Brasil passou a instalar Comisses


de Diversidade Sexual nos Conselhos Federal, Estaduais e nas subsees. No
Paran, a Comisso correlata foi instalada no mesmo ano.

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Estranhamentos iniciais com a abordagem de direitos da populao


LGBTI pela advocacia foram paulatinamente superados com a atuao da ento
Comisso de Diversidade Sexual do Conselho Seccional do Paran atualmente
Comisso de Diversidade Sexual e de Gnero em auxlio a reais demandas
tanto da prpria advocacia, carente de especialistas para tratar de temas cada
vez mais comuns no cotidiano da profisso, e mesmo da instituio1, quanto
dos movimentos sociais e do Poder Pblico.
Por ocasio das votaes dos Planos de Educao estadual e municipais,
a OAB/PR congregou esforos para barrar retrocessos atravs das Comisses de
Diversidade Sexual (CDS), de Estudos Sobre Violncia de Gnero (CEVIGE) e de
Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), em ateno ao efeito cascata da retirada
de metas de combate discriminao por gnero, orientao sexual e identi-
dade de gnero do Plano Nacional de Educao PNE (Lei n. 13.005/2014)
e aos movimentos de grupos ultraconservadores com significativa representa-
o poltica e grande poder de mobilizao. Temia-se justificadamente, como
demonstrado ao longo do trabalho a aprovao de emendas ao texto original,
nos demais mbitos federativos, com vis ainda mais radical do que a mera
retirada das metas especficas.
Desfavoravelmente, a votao dos planos em mbito estatual e municipal
se deu em curtssimo espao de tempo. O plano nacional estabelecia o prazo
de um ano da sua publicao para que estados e municpios aprovassem os
correspondentes locais. O resultado foram aprovaes atropeladas pelas Casas
Legislativas, as quais, em geral, receberam a mensagem com o texto original
dos respectivos Poderes Executivos j ao final do prazo. Mesmo assim, um
conjunto de aes imediatas e de mdio prazo foi gestado e executado por
referidas Comisses.
Em sntese, distriburam-se as etapas de atuao da CDS no debate dos
Planos de Educao em trs frentes: 1. Interlocuo com a comunidade envol-
vida com a temtica, compreendidas as personagens atuantes em escolas,
em lideranas religiosas e entre os meios formadores de opinio; 2. Influncia
sobre agentes polticos em exerccio de atividade legislativa, para acompanha-
mento do posicionamento quanto educao, gnero e diversidade sexual; 3.

1 Por exemplo, os servios prestados a companheiras e companheiros de profissionais homossexuais


pela entidade de classe e o reconhecimento da identidade social de trans com a implantao do
nome social no mago da OAB.

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Sexual e de gnero
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Articulao para se exigirem providncias judiciais, em especial no mbito do


Supremo Tribunal Federal (STF), para a aferio da inconstitucionalidade de
Planos de Educao.
A idealizao dessas frentes de atuao se apresentaram em concomitn-
cia, mas, com a derrota no mbito legislativo, destrinchada no ltimo tpico,
a terceira via se projeta como perspectiva futura, ao passo que a primeira se
fortalece desde o incio da atuao efetiva da Comisso.
Dentre as estratgias de interveno no contexto das escolas, das lide-
ranas religiosas e dos meios formadores de opinio, citam-se trs momentos
ilustrativos: 1. Estruturao do Projeto Jovens Multiplicadoras de Cidadania, por
iniciativa e por execuo da CEVIGE, em parceria com a CDS2; 2. Reunio,
em 19 de junho de 2015, com estas duas Comisses, da CDDH, e ainda a da
Mulher Advogada, a da Liberdade Religiosa, a de Direito de Famlia, em con-
junto com lideranas religiosas3; 3. A realizao do chamado Ciclo de Reunies
Abertas, ao longo do segundo semestre de 2015, sobre Educao, Gnero e
Diversidade Sexual, organizado pela CEVIGE, pela CDDH e pela CDS4.
Dentre as estratgias de interveno no contexto legislativo, buscou-se
negociar com os(as) atores(as) polticos(as) envolvidos(as) no processo de revi-
so dos Planos. No mbito estadual, na Assembleia Legislativa do Estado do
Paran, e, no mbito municipal, na Cmara Municipal de Curitiba, entregaram-
se pareceres a vereadores(as) e deputados(as) estaduais delineando contornos
da relevncia da abordagem de gnero e de sexualidade nas escolas.
Realizaram-se falas nas audincias pblicas e, em conformidade com a
disponibilidade de agenda dos(as) representantes eleitos(as), reunies pessoais
com a Presidncia das Comisses para esclarecimentos adicionais. Nesta opor-
tunidade, destacou-se o desconhecimento generalizado e a resistncia quanto
aos direitos LGBTI. Por fim, dividiram-se os(as) membros(as) das Comisses para
acompanhar as votaes tanto na Assembleia Legislativa quanto na Cmara

2 Objetiva-se formar lideranas em debates sobre gnero e sexualidade entre alunas da rede pblica
do ensino mdio local. A ideia se concretizou, at o presente momento, no Colgio Costa Viana de
So Jos dos Pinhais.
3 Objetivava-se esclarecer aes tomadas pela instituio no tocante aos Planos de Educao.
4 Este evento, de ampla divulgao, objetivava reproduzir o formato de audincias pblicas e ouvir
especialistas sobre determinado tema, bem como a prpria advocacia, representantes do Poder P-
blico e da sociedade civil organizada.

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Municipal, no dia 22 de junho de 2015, quando aprovada a grande maioria das


emendas aos Planos.
As manifestaes ultraconservadoras invadiram estes espaos com carta-
zes ofensivos a mulheres e populao LGBTI. O peso institucional da OAB,
neste mago, revelou-se importante, pois os espaos de presso ao Legislativo
se encontravam tomados por discordantes da chamada ideologia de gnero,
de modo a limitar o ingresso da maioria dos(as) defensores(as) da preserva-
o dos Planos. Em resposta, a Presidncia da Seccional paranaense emitiu
nota pblica repudiando as distores observadas nas discusses legislativas
em torno do termo gnero e conclamou as partes racionalidade, ao respeito
e ao dilogo. Dentre outras recomendaes, defendeu a manuteno do texto
original dos projetos de lei enviados pelos respectivos Poderes Executivos.
Diante do debate exacerbado e de denncias aparentemente infundadas
sobre a distribuio de cartilhas com materiais imprprios nas escolas, levadas
a cabo pelo deputado estadual Gilson de Souza (PSC-PR) por ocasio da vota-
o do Plano Estadual de Educao na Assembleia Legislativa, as Comisses
protocolaram pedido de providncias junto ao Ministrio Pblico Estadual, soli-
citando investigaes. Esta atuao j aporta ltima frente de atuao traada
pelos(as) membros(as) da CDS.
Dentre as estratgias de interveno no contexto judicial, a CDS, con-
juntamente com a CEVIGE e com a CDDH, produziu parecer fundamentado
no ordenamento jurdico ptrio e nas normativas internacionais em defesa da
inconstitucionalidade dos Planos de Educao Municipais de Cascavel e de
Paranagu. Nestes casos, alteraram-se os Planos de Educao para proibir,
expressamente, o emprego dos termosgnero, orientao sexual e identi-
dade de gnero nos ambientes escolares.
A inconstitucionalidade teratolgica flagrada no mbito daqueles entes
federativos parece ampliar as chances de xito junto ao STF, o que se pretende
alcanar, futuramente, por proposio do Conselho Federal da OAB.

2. Resultados e perspectivas futuras

Ao Plano Municipal de Curitiba, encaminhado pelo Executivo para anlise


da Cmara, 61 emendas foram apresentadas. 49 (80%) pleiteavam a retirada de

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termos como diversidade e gnero das diretrizes curriculares5. A votao se


realizou durante a tarde do dia 22 de junho de 2015, e inobstante o advocacy
realizado, todas as referncias queles termos foram retiradas.
O Plano Estadual de Educao paranaense foi votado no mesmo dia, em
duas sesses plenrias: uma extraordinria e uma ordinria. As emendas pro-
postas pela Comisso de Constituio e Justia da Assembleia Legislativa do
Estado, que em grande medida conduziam retirada daqueles mesmos termos,
foram aprovadas por 43 votos. Apenas 3 foram contrrios. Na segunda sesso,
o texto final obteve 37 votos favorveis e 4 votos contrrios6. Absorve-se tal
resultado como vitria dos setores conservadores.
Apesar desta concluso, possvel pinar pontos menos negativos: a
atuao das Comisses levou tomada de posio institucional da Seccional
da OAB/PR no debate; a mobilizao gerada pelo Ciclo de Reunies Abertas
revelou significativa adeso da comunidade acadmica, da sociedade civil
organizada e mesmo do Poder Pblico, apesar de no ressoar em apoio popu-
lar; o possvel ajuizamento de ao perante o STF contra os referidos planos
municipais, visando aferio da inconstitucionalidade7, permite colher um
posicionamento razovel da Corte, responsvel pela ltima palavra no mbito
judicial, sobre a questo.

Consideraes finais

Abre-se um universo de discusses sobre a importncia do espao escolar


no aprendizado do fazer o gnero. Se o gnero no um ser, mas um fazer, que
espao pode ser mais central do que a escola? Dele no possvel se retirar
gnero nem sexualidade.
O gnero est na educao fsica, nas brincadeiras de intervalo, nos cor-
redores, mas se apaga e se naturaliza. Por isso, salta aos olhos apenas aquele
que funciona como desvio, como abjeo (BUTLER IN: LOURO, 2013) e passa
a denunciar a artificialidade de todos os processos generificadores.

5 Conforme publicado no stio eletrnico da Cmara Municipal de Curitiba no informePME:ques-


tes gnero e diversidade compem 80% das emendas.
6 Conforme publicado no stio eletrnico da Assembleia Legislativa do Estado do Paran no informe
Assembleia deve concluir nesta tera-feira (23) a votao do Plano Estadual de Educao.
7 Iniciativa semelhante, alis, aprovou-se pela Seccional de Tocantins.

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Como millitantes pelos direitos humanos de mulheres e pessoas no


cis-heterossexuais, colhemos da experincia relatada a impresso de que o
avanado debate nas academias tem valor limitado. O direito, como espao de
disputa, tem sido editado nos termos daqueles que defendem permanncias ou
mesmo retrocessos.
Que o Judicirio continue identificado como aliado ao combate desses
retrocessos no nos parece algo dado. hora de se olhar para trs e se percebe-
rem os riscos dos caminhos tomados; perceber o necessrio retorno da disputa
em termos polticos e no apenas tcnicos. Assim, quem sabe, possamos nos
realinhar e rumar direo desejada: adiante.

Referncias

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. IN: LOURO,
Guacira Lopes (org.). O Corpo Educado: pedagogias da sexualidade. Trad. dos artigos
Tomaz Tadeu da Silva. 3. ed. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2013. Pp. 151-172.

MELLO, Luiz. Novas Famlias: Conjugalidade homossexual no Brasil contemporneo.


Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

DESENHOS ANIMADOS: (RE) PENSANDO GNERO E


ESTTICA.

Andr Luiz Bernardo Storino


Mestrando em Educao, Cultura e Comunicao em Periferias Urbanas.
FEBF/EURJ
Ncleo de Estudos e Pesquisa Diferenas, Educao, Gnero e Sexualidades
NuDES.
Secretaria de Estado de Educao do Rio de Janeiro-SEEDUC
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e de formao docente

Uma escola de periferia composta, na sua maioria, de adolescentes e


jovens negras/os que presenciam diariamente diferentes formas de violncia
desde simblica, verbal e at mesmo fsica por diversos fatores: cor da pele,
aquisio econmica, gnero, identidade de gnero e orientao sexual. Mas
indagados sobre tais violncias acreditam no as ter sofrido, devido banaliza-
o e naturalizao das mesmas.
Analisando as prticas, os discursos e discusses durante as aulas de filo-
sofia que pude constatar uma postura intolerante, preconceituosa e at mesmo
discriminatria, seja em algumas falas, como em aes que envolviam discus-
ses de gnero como questes de representatividade e padro de beleza, cujo
padro aambarca a juno dos seguintes marcadores: branco, magro e heteros-
sexual. Resultando identidade de gnero e de beleza dadas, prontas, acabadas
e padronizadas, onde no se concebe outro tipo de beleza e excluem qualquer
identidade que no se coaduna com a padronizada.
Este relato de experincia resultado do Projeto didtico-pedaggico ela-
borado no curso de especializao em Gnero e Sexualidade, da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, como trabalho de concluso de curso, e que foi apli-
cado, em parte, nas aulas de filosofia, para as turmas do terceiro ano do ensino
mdio, na Escola Estadual Monteiro Lobato, localizada no bairro de Xerm, 4
Distrito do municpio de Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro, no ano

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Sexual e de gnero
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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

de 2015. Escola, na qual atuo como docente da disciplina de filosofia para as


turmas do ensino mdio.
O contedo do segundo bimestre, Natureza e Cultura, enseja a discusso
acerca da essencializao e naturalizao, sobre a formao e manuteno dos
esteretipos de beleza como os marcadores do gnero e da sexualidade, uma
vez que esta atribuio das diferenas natureza negligencia o processo de
socializao e seus modelos decididos previamente, cujos aparatos ideolgicos
se encarregam de informar e fiscalizar. (CARRARA, 2010) A compreenso do
conceito gnero como uma construo social que distingue a dimenso biol-
gica (mesmo sabendo que esta figura dentro de disputas polticas) da dimenso
social, pois embora a diversidade biolgica configure-se como produto da natu-
reza (SILVA, 2014), ser homem e ser mulher advm da relao cultural, ou seja,
homem e mulher so produtos da realidade social e no decorrncia da ana-
tomia de seus corpos (CARRARA, 2009, p.42), so categorias socialmente
construdas e no podem ser considerados naturais, fixos ou predeterminados
(MOORE, 1997, p.3).
O caminho para discutir a essencializao e naturalizao desses mar-
cadores sociais foram os desenhos animados. Partindo deles, neles e com eles
repensar as (des) construes sobre gnero e padres de beleza, pois a cons-
truo do gnero tambm se faz por meio de sua desconstruo (LAURETIS
apud. LOURO, 2014, p. 39). A proposta ganhou corpo para repensar as corre-
laes de fora e as associaes que so sugeridas explicitamente entre gnero
e beleza pela mdia, que robustecem as opinies do senso comum: de que h
uma normalidade simtrica entre ser heterossexual branco e possuidor de
fsico nas propores miditicas da beleza.

Caminhos percorridos

O objetivo foi refletir sobre a (des) construo de gnero e beleza impos-


tos pela sociedade utilizando-se dos desenhos animados e conhecer os seus
mecanismos de propagao e persuaso. A fim de analisar de que modo esses
discentes da periferia, a partir de seus discursos e prticas, assumiam, recha-
avam ou ressignificam estes modelos estereotipados de gnero e beleza. Um
desafio para que se possa repensar no s a formao das alunas e dos alunos
como tambm reconhecer, e at mesmo construir, ferramentas que possam ser
teis nas situaes cotidianas.

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Passeamos, num primeiro momento, pelos conceitos que as/os discentes


traziam como representao do que seria ter gosto e ser bela/o e formas
corretas de se viver o gnero entendido como modos de ser homem e ser
mulher. Visitamos o conceito de cultura, de forma bem ampla, pensado como
meio em que o sujeito ao mesmo tempo formado e formador. Pensamos
como, nesta mesma ideia de cultura, so construdos os modelos de gnero, os
padres de beleza, os discursos das essncias e naturalizao como seus meca-
nismos de manuteno.
Feitas as anlises de alguns desenhos (a saber: Scooby Doo, He-Man e
She-Ra, Famlia Jackson, Capito Planeta, Trs Espis Demais, Cavaleiros dos
Zodacos, Mulan , Caverna do Drago entre outros), foi possvel identificar os
modelos predominantes de mulher-feminina e o homem-masculino, ou seja, os
traos considerados delicados so sempre atribudos ao feminino, mesmo que
este feminino tenha a mesma fora fsica que o masculino. (RAEL, 2013).
Algumas falas foram marcantes, pois ao discutir a representao da mulher
em Mulan, um dos alunos refletiu que mesmo sendo ela uma herona, neces-
sitou de um Homem, o imperador, para validar os seus feitos: professor, mas
se no fosse o imperador perdoar ela o que seria? Outra aluna, muito espon-
taneamente, pondera, que nunca tinha pensado assim, achava que era natural
a mulher cuidar da casa. Mesmo que tais mulheres possam ser guerreira, o
servio ainda mantido sob seus domnios.
Os desenhos animados tambm nos permitiram pensar a representao
da esttica negra, que quando no est ausente, faz-se presente em um ntido
processo de branqueamento, a qual perceptvel pelos traos, o cabelo um
exemplo. Uma fala marcante encontra-se nesta fala meu cabelo bom, a
tentativa de uma aluna afirmar que no era negra, pois mesmo sendo a sua pele
escura, o seu cabelo no ruim, crespo. As representaes povoam os ima-
ginrios de uma boa parte das/dos discentes que no querem ser identificadas/
os como negras/os, pois pensam ser a/o negra/o aquilo que dela/e foi feito pela
sociedade e pelos meios de comunicao: marginal ou servial ou boal.
De um modo geral, nas revistas impressas, comerciais de TV, filmes e,
sobretudo, nos desenhos animados, h predominncia da cor clara, dos cabelos
lisos e traos finos associados pessoa branca, enquanto o negro associado
e caricaturado como mal e feio, o servial ou o meliante. Seus lugares so
sempre aqueles da chacota, os quais, na maior parte das vezes, s se prestam
para manter, no jogo poltico, os esteretipos e alimentar os preconceitos. A

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relao de poder entre aquelas/es que produzem estas representaes e aque-


las/es que so representadas/os retrata a posio em que a/o negra/o ainda
ocupa na sociedade, de um modo geral, relao esta estrutural e politicamente
institucionalizada.
Para amarrar as discusses suscitadas pelas analises dos desenhos anima-
dos acerca das discusses de gnero assistimos ao vdeo Acorda Raimundo...
Acorda, que levanta a discusso sobre os papeis sociais entre mulher e homem.
As questes de representaes tnico/racial foram rematadas com a exibio do
vdeo Pele Negra, Mscara Branca.
Em O Riso dos Outros, documentrio de Pedro Arantes, trabalhamos
os mecanismos de manuteno dos esteretipos e sua interseccionalidade, que
nestas relaes que so corroboradas por prticas adocicadas como parecem ser
as prticas do humor, as quais no questionam a manuteno da discriminao
racial, como tambm de gnero, entre outras, e a promoo de preconcei-
tos por meio das piadas e brincadeiras que se supem neutras e ingnuas.
Estas prticas so apenas alguns dos degraus das estruturas de conservao que
camuflam e reforam posturas e prticas preconceituosas e discriminatrias seja
em relao ao gnero e/ou raa, construdas e veiculadas midiaticamente nas
representaes miditicas.
A representao miditica cria uma espcie de manuteno e propagao
dos esteretipos de beleza, ao mesmo tempo em que os associa ao gnero e
orientao sexual reforando, seja no aluno e na aluna, como tambm nos
grupos aos quais eles pertencem, uma espcie de discurso nico que sustenta
a orientao sexual heterossexual como nica, natural e normal e a beleza
branca como a padro. (LOURO, 2013)

Caminhos de retorno

A proposta contida no projeto balizou-se na ideia de repensar o ponto de


vista sobre o gnero e os padres de beleza miditicos possibilitando no s
ampliar o entendimento do assunto por parte dos alunos e das alunas, como a
partir delas/es, seja individual ou coletivamente, desenvolver aes que favore-
am a construo de ambiente acolhedor das diferenas, no qual a diferena
entendida como caminho seguro para a equidade. A diferena pela diferena,
a diferena na multiplicidade. (GALLO, 2014)

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Como atividade de avaliao, depois da diviso dos grupos de trabalho,


foi proposto dois dias para as apresentaes das atividades que consistiram em
uma apresentao em forma de seminrio e a outra em exibio de um curta
produzido por elas e eles utilizando os recursos de seus celulares.
Alguns grupos apresentaram, a partir dos vdeos, situaes cotidianas que
acontecem envolvendo tanto relaes de gnero como de raa, atualizando
assim a discusso. Diversos foram os trabalhos e pontos de vista, contudo um
dos mais marcantes se deu na produo de um grupo que resolveu realizar uma
releitura do curta Acorda Raimundo. Acorda... O filme apresenta a troca de
papis e de funes que ocorre entre o masculino e feminino, desnaturalizando
as funes como lugares fixos e denunciando a construo dos papis preesta-
belecidos tanto para a mulher quanto para o homem.
Um dos grupos criou um vdeo nos mesmos moldes. Assim, aps mos-
trarem a inverso dos papis como no filme original, cuja mulher assume as
funes ditas masculinas; e o homem, as ditas femininas, aparecem todas
as meninas jogando baralho, enquanto os meninos preparavam o lanche.
Subvertendo, dessa forma, o que a maioria delas/es presencia, quase sempre,
em suas prprias casas, cuja comida preparada pela me (mulheres), enquanto
o pai e amigos (homens) a esperam.
Assim como no vdeo original, a ltima cena a volta aos papis ditos
normais: homem saindo para o trabalho e mulher fazendo os servios da cozi-
nha (caf). Neste momento, no vdeo das/os discentes, aparecem os meninos
jogando baralho e as meninas na cozinha e todas, em coro de indignao,
entoam a seguinte frase: Bem que poderia ser verdade. Esta frase foi suficiente
para fomentar uma discusso acerca dos meios de manuteno desses papis e
a sua desnaturalizao.
Ao final da exibio do vdeo produzido por elas e eles e a frase Bem
que poderia ser verdade ecoando na sala, o grupo levantou uma discusso
quase que exigindo saber quais seriam os meios para que aquela situao, cuja
mulher se encontra, seja desfeita. Bom, esse o desejo de quase todas/os ns
que trabalhamos na perspectiva dos Estudos de Gnero e Sexualidade. A equi-
dade viesse o quanto antes, mas ainda teremos que realizar muitas discusses
como esta.

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Consideraes finais

Precioso saber que esto construindo um novo olhar para estas rela-
es, um olhar diferente, questionador, que, gosto de pensar, no voltar a
ser o que era antes, um olhar impulsionador de novas prticas, com novos
saberes e fazeres. Saber que foi possvel se debruar em conceitos tais como
heteronormatividade, machismo, sexismo, feminismo, diferena, identidade,
racismo, cotas, cidadania, direitos humanos, entre outros mais, que apareceram
em alguns comentrios, os quais, sutilmente, nos permite repensar nossa prtica
docente frente s representaes hegemnicas. Gosto de acreditar que as falas,
que foram muitas, traz em si mesmas uma capacidade de mudana, de aban-
dono das narrativas totalizantes.
Saber ainda que as/os discentes foram protagonistas do conhecimento,
discutiram, questionaram, colocaram sobre suspeita algumas verdades que
teimam em se manter de p, mas as quais as pernas esto bambas. Produziram
saberes com outros fazeres.

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Referncias

CARRARA. Sergio et al. (orgs.). Curso de Especializao em Gnero e Sexualidade.


V2. Rio de Janeiro: CEPESC; Braslia, DF: Secretaria Especial de Polticas para as
Mulheres, 2010.

______. Gnero e diversidade na escola: formao de professores/as em Gnero,


Orientao Sexual e Relaes tnico-Raciais. Livro de contedo. Rio de Janeiro:
CEPESC; Braslia: SPM, 2009.

GALLO, Silvio. Diferena, multiplicidade, transversalidade: para alm da lgica identi-


tria da diversidade. In: RODRIGUES, Alexsandro; DALLAICULA, Catarina; FERREIRA,
Srgio Rodrigo da S.. Transposies: lugares e fronteiras em sexualidade e educao.
Esprito Santo: EDUFES, 2014.

LOURO, Guacira Lopes. Currculo, gnero e sexualidade: O normal, O diferente e


o excntrico. In: LOURO, Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre
(Orgs). Corpo, gnero e sexualidade: um debate contemporneo na educao. 9 ed..
Petrpolis, RJ: vozes, 2013.

______. Gnero, sexualidade e educao: Um a perspectiva ps-estruturalista.16


ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2014

MOORE, Henrietta, Compreendendo sexo e gnero. Trad. Jlio Assis Simes. Londres:
Routledge, 1997, p. 813-830. Disponvel em: http://e-clam.net/moodle/course/view.
php?id=10 Acesso em: 20 de junho de 2013. (arquivo para uso interno do curso de
Especializao em Gnero e Sexualidade/EGEs-EURJ)

RAEL, Claudia Cordeiro. Gnero e sexualidade nos desenhos da Disney. In LOURO,


Guacira Lopes; FELIPE, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs). Corpo, gnero e
sexualidade: um debate contemporneo na educao. 9 ed.. Petrpolis, RJ: vozes,
2013.

SILVA, Tomaz Tadeu da (Org). Identidade e diferena a perspectiva dos estudos


culturais. 14 ed., Petrpolis, RJ: Vozes, 2014.

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Sexual e de gnero
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DESCOLANDO GNERO E SEXUALIDADE

Barbara Orsi
Graduanda - PUC-Rio.
Design, Corpo e Sexualidade
[email protected]

Eva Clem
Graduanda - PUC-Rio.
Design, Corpo e Sexualidade
[email protected]

Natasha Ribas
Graduanda - PUC-Rio.
Design, Corpo e Sexualidade
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e de formao docente

Como bolsistas de Iniciao Cientfica em Design, no LARS - Laboratrio


de Representao Sensvel, sob orientao da professora Denise Portinari, temos
direcionado ao longo dos ltimos semestres nossos estudos para questes de
gnero e sexualidade e a prtica da Pesquisa Criativa1.
No segundo semestre de 2015, comeamos a buscar meios atravs dos
quais pudssemos investigar mais a fundo os Estudos de Gnero, e resolve-
mos juntar a investigao desses temas em uma pesquisa prtica, explorando

1 Os Mtodos de Pesquisa Criativa Participativa so abordagens de pesquisa nas quais os participan-


tes so convidados a se expressar em meios no tradicionais, como atravs da construo de um
objeto 3D, 2D, ou compartilhando a experincia atravs da fala ou escrita. [...] Uma linha paralela
da atividade pode ser encontrada dentro da arte e do design, onde pesquisadores esto pedindo a
participantes para criar coisas fsicas, visuais e experimentais como parte do processo de pesqui-
sa. Traduo livre, retirado de https://creativeresearchmethods.wordpress.com/

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desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

a percepo de questes de gnero e sexualidade. Conservando a opo pelo


desenvolvimento de uma metodologia de Pesquisa Criativa, decidimos aplicar
a alunas/os calouras/os de Design na disciplina de Psicologia e Percepo na
PUC-Rio, uma oficina de colagens manuais no 1 semestre de 2016.
A prtica da Pesquisa Criativa como forma de problematizao e de
investigao de questes ligadas a corpo, gnero e sexualidade pode trazer
contribuies qualitativas para os estudos da rea. importante lembrar que
trata-se de uma forma de pesquisa que enfatiza a participao, o envolvimento,
o questionamento e a transformao de todos os participantes no prprio
processo, e que no visa a produo de um conhecimento objetivo (o que
constitui via de regra a finalidade dos mtodos de pesquisa mais tradicionais).
Os resultados da pesquisa criativa so ao mesmo tempo materiais e imateriais;
visa-se tanto proporcionar aos participantes uma experincia de subjetivao
atravs do questionamento e da facilitao da produo de novas formas de
expresso em relao aos temas pesquisados, quanto a produo propriamente
dita dessas formas de manifestao e a sua difuso como forma de interveno
nas questes e temas abordados. Considerando as especificidades da prtica e
dos objetivos da Pesquisa Criativa, algumas ressalvas e cuidados metodolgicos
se impem ao planejamento desta proposta de pesquisa. preciso lembrar
tambm que trata-se de uma pesquisa cujas questes, desdobramentos e ins-
trumentos especficos vo sendo evidenciados no prprio decorrer da pesquisa.
O objetivo principal aqui o de envolver pesquisadores e interlocutores em
um processo integrado de desenvolvimento de atividades criativas a partir da
discusso de relatos e perspectivas individuais relacionadas s questes con-
temporneas de gnero e sexualidade. Esse objetivo primeiro duplo, pois
envolve tambm uma pesquisa metodolgica sobre os princpios e as prticas
da Pesquisa Criativa. Ao mesmo tempo, h tambm um objetivo secundrio,
relacionado aos efeitos esperados do prprio processo de pesquisa, consistindo
na sensibilizao dos participantes da pesquisa para tais questes e para o papel
poltico desempenhado pelo Design na configurao de ideias e valores que as
concernem. Finalmente, h tambm que se considerar o objetivo da produo
material e audiovisual decorrentes da experincia da pesquisa e de suas formas
de compartilhamento e de difuso. Com a finalidade de atender aos requisitos
colocados pelos dois primeiros objetivos, decidiu-se que os interlocutores da pri-
meira experincia (colagem) seriam voluntrios selecionados entre as alunas/os
calouras/os de Design da disciplina Psicologia Percepo. A razo da escolha

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desse perfil deve-se ao fato de que 1) so sujeitos que esto iniciando a sua tra-
jetria de formao em Design, momento propcio para o desenvolvimento da
prtica da reflexo crtica como parte integrante e necessria dessa formao; 2)
encontram-se em um momento de transio entre os espaos escolar e universi-
trio que traz consigo a abertura de novas perspectivas e vivncias em relao
s questes de gnero e de sexualidade; e 3) a disciplina em questo prope o
exame da noo de que as nossas percepes so construdas a partir de deter-
minaes scio-culturais, ambientais e polticas e que so sempre passveis de
transformao o que torna a pesquisa proposta uma extenso prtica das
noes examinadas no curso.

Colagem: uma prtica poltica

As primeiras produes artsticas a utilizarem materiais do cotidiano (como


folhas de jornal, revista, pedaos de madeira e embalagens reaproveitadas)
foram criadas por dois grandes nomes do Cubismo: Pablo Picasso e Georges
Braque, ambos criando em territrio francs no comecinho da dcada de 1910.
Isso, ao menos, o que consta na maioria das publicaes sobre Colagens.
Entretanto, no se pode negar que tal prtica esteve presente em diferentes
momentos histricos em diversos continentes. Gerald Brommer (1994, p. 12)
nos afirma j haver resqucios da colagem no sculo XII no Japo, ou em emble-
mas tribais da frica e no sculo XV na regio da Prsia e Turquia. Entretanto a
Colagem apenas assumiria o patamar de Arte quando os pintores cubistas a
incorporaram em seus trabalhos.
Ao trazer elementos inapropriados para suas telas de pintura, Pablo
Picasso estaria propondo tambm uma tenso nos fundamentos tradicionais da
Pintura, e no s isso, estaria tambm propondo novas visualidades ao dialogar
com o crescimento da imprensa (meios de comunicao massivos e populares).
Segue o que Anna Fabris (2003) disse sobre isso:
Ao utilizar materiais que eram desprezados pelos defensores da
arte pura recortes de jornal sobre acontecimentos sociopolti-
cos contemporneos, fico romntica serializada, anncios ,
Picasso e outros artistas acabam por tornar instveis os limites con-
vencionais entre arte e cultura de massa. (FABRIS, 2003, p. 12).

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Como sabemos muitas das produes feministas nas artes em geral (para
citar algumas: pintura, literatura, design e zines) acabam por no serem reco-
nhecidas, ou ao menos citadas na maioria das pesquisas e publicaes oficiais
nesse campo. Uma das colagistas atuando no movimento de resistncia (des)
artstica Dadasmo que recebeu esse apagamento, foi Johanne Hch, ou
como preferia ser chamada, Hannah Hch. Com intensa produo no perodo
entre 1910-1960, Hanna desenvolveu2 uma srie de fotocopiartes, fotomonta-
gens e colagens na regio da Alemanha.
Foi em um momento particularmente crtico, marcado por uma inflao
desenfreada e por fortes tenses sociais que o Dadasmo se constitui. Na pas-
sagem de 1918-1920 (perodo em que o Dadasmo esteve mais ativo) ainda se
sentia o fim da Primeira Guerra Mundial, a forte tradio artstica e violncias
sociais. RoseLee Goldberg (2006), nos conta sobre sua forte inclinao poltica
na cidade de Berlim, Nova Iorque, e Barcelona, mais precisamente sobre sua
intensa movimentao cultural nas noites de Zurique no Cabar Voltaire. Entre
as passagens que mais chamam ateno desse perodo a descrio de uma
das noites nesse cabar dadasta.
Nessa taberna festiva - como tambm era chamado o Cabar Voltaire - as
palavras eram inventadas, os poemas escritos em versos sem sentido, as vogais
equilibravam-se em poemas sonoros, ali haviam mscaras e figurinos sendo
criados. Segue um trecho das escritas que Goldberg (2006, p. 50): transcreve a
partir das anotaes de Arp3 um dos jovens dadastas criadores do espao,

No palco de uma taberna festiva, multicor e heterognea, vem-


-se vrias figuras peculiares e bizarras representando Tzara, Janco,
Ball, Huelsenbeck, madame Hennings e esse humilde servo. Um
pandemnio total. As pessoas ao nosso redor esto gritando,

2 Em uma de suas passagens pelo Mar Bltico, quando alugou um pequeno apartamento nessa regio,
Hannah se deparou com uma oleografia emoldurada nas paredes desse apartamento. Fabris (2003)
nos conta que essa oleografia continha a pintura do Imperador Guilherme II e em seus ombros um
jovem artilheiro. Curiosamente havia uma pequena fotografia (a do proprietrio da casa) fixada no
capacete do artilheiro. Havia com essa fotografia um elo entre as geraes, entre as hierarquias e
tambm a interveno fotogrfica de uma pessoa no envolvida na tela da pintura. Essa mistura de
materiais e ousadia a profanar a tela, influenciaria grande parte do trabalho de Hannah Hch.
3 Arp escreveu a nota para o quadro Cabar Voltaire, pintado por Janco, tambm dadasta da poca.
Marcel Janco, Cabaret Voltaire, (1916).

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gargalhando e gesticulando. Nossas respostas so suspiros de amor,


saraivadas de soluos, poemas, mugidos, e miaus (...). Tzara est
forando as ndegas para trs com uma danarina oriental. Janco
est tocando um violino invisvel, e parece exagerar em mesurar e
trejeitos. Madame Hennings, com o rosto de madona, est sentada
com as pernas em spaccato. Huelsenbeck est batendo sem parar
no grande tambor, com Ball acompanhando-o ao piano, plido
como um fantasma. Deram-nos o ttulo honorrio de niilistas.
(GOLDBERG, 2006, p. 49).

Diante desse panorama, Fabris (2003) nos chama ateno para o que interessava
aos Dadastas inclusive a Hannah Hch , com a produo de colagens e
fotomontagens.
Era, sobretudo, com o rompimento da uniformidade de superfcie na
representao. E isso, graas multiplicao dos pontos de vista da colagem e
sua interpenetrao nos diferentes fragmentos de imagens, cuja objetividade
deveria ser interpretada num duplo sentido: como tomada de posio contra o
expressionismo ps-futurista, caracterizado pela falta de engajamento e pelo
vazio conceitual, e como visualizao irnica dos acontecimentos polticos
contemporneos. E, mais que isso, a criao Dadasta no se tratava de postu-
lar novas leis estticas, mas sim de buscar novos contedos que pudessem ser
traduzidos por novos materiais.
A partir dessas reflexes, podemos ainda pensar com a criao das
Colagens Dadastas as suas principais caractersticas: o fragmento, os restos,
os vestgios, elos quebrando a linearidade do tempo e seus rasgados papeis.
Rasgos que no se tratavam apenas do corte fsico, mas tambm do valor sim-
blico que possua como ruptura com o passado, com a linearidade.

Queerizando a cultura material no Design

A oficina foi realizada com cerca de 40 alunos, sendo coordenada pela


estagiria de docncia Camila Olivia-Melo4, utilizando o espao da disciplina
PSI1130 - Psicologia e Percepo, que ministrada a calouros do curso de

4 Colagista do coletivo feminista Maracuj Roxa e doutoranda em Design na PUC-Rio.

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Design por Denise B. Portinari5. Na sala em que a atividade foi feita, procura-
mos expor diversos tipos de materiais do cotidiano, visando a abertura que os
alunos teriam ao escolh-los, relacionando-os as suas experincias particula-
res. Entre os materiais utilizados, disponibilizamos revistas de diversos assuntos,
retalhos de tecido, botes, pedaos de madeira, lantejoulas, papis de bala e
afins.
A atividade iniciou-se com uma breve apresentao sobre o surgimento
das colagens no movimento dadasta e seus principais precursores, com o
intuito de servir como um referencial para a turma, visto que a maioria no
havia tido experincias posteriores com essa prtica artstica. Em seguida distri-
bumos folhas de papel ofcio, e pedimos que os alunos fizessem uma colagem
que expressasse as percepes pessoais e individuais de cada um sobre gnero
e sexualidade suas prticas, manifestaes, sentimentos, posio poltica e
qualquer outro aspecto que desejassem expressar sobre o assunto. Pedimos que
utilizassem os primeiros quinze minutos para observar os materiais, idealizar a
colagem e juntar tudo que fosse interessante para eles. Seguido disso, demos
vinte e cinco minutos para cortarem e montarem as colagens, e mais quinze
minutos para colarem.
Aps realizada a dinmica, fomos ao Laboratrio de Fotografia e Estdio
da PUC-Rio para fotografar as colagens produzidas para que, posteriormente,
pudessem ser compiladas na forma de uma revista online6 com os resultados
grficos.

Descolando gnero e sexualidade: Resultados

Passadas algumas semanas aps a oficina de colagem, a turma se reuniu


para uma sesso de debate sobre o resultado da atividade. Primeiramente, a
estagiria Camila Olivia-Melo mostrou s alunas/os a revista digital que mostra
os resultados da oficina, que consiste em uma compilao dos trabalhos realiza-
dos em sala, com seus devidos crditos a cada autora(o) das colagens. Feito isso,
ao passar as pginas da revista, as alunas/os foram reconhecendo suas obras e

5 Doutora em psicologia clnica e professora adjunta no Curso de Graduao em Design e no Progra-


ma de Ps-Graduao em Design da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.
6 A revista online est disponvel em: https://issuu.com/camilamelopuni/docs/colagens_cor/1

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as/os convidamos a dar uma breve explicao sobre quais foram as motivaes
para o uso dos materiais e das imagens e qual era a mensagem que desejavam
transmitir.
Nesse momento, pudemos notar que temas que estavam em voga no
momento como o caso da menina de dezesseis anos que foi estuprada por
trinta homens no Rio de Janeiro foram recorrentes nas colagens, bem como a
questo do corpo da mulher fragilizado e indefeso que nos quase imposta
goela baixo pela sua reproduo exaustiva e incessante nos veculos miditi-
cos. Seguem alguns relatos7 desse momento em sala:
No dia que a gente foi fazer a colagem tinha tido aquele estu-
pro coletivo uns dias atrs e eu tava bem com isso na cabea.
(Entrevistada 1)
Quando eu vi essa imagem, eu lembrei de um texto que eu tinha
lido sobre como a linguagem corporal da mulher parece sempre
estar se protegendo de alguma coisa. (Entrevistada 2)
[a colagem est falando sobre] essa ideia da mulher estar sempre
feliz e esconder essa parte emocional e, por exemplo, no poder
falar o que ela pensa, nem o que ela sente na sociedade sem ser
oprimida. (Entrevistada 3)

A partir disso, pode-se observar que os assuntos que permeiam o dia-a-


dia vieram tona quando se d a liberdade para criar dentro do campo das
artes e do design. A fora visceral com que as emoes atravessam, dobram,
rasgam, picotam, fazem e se desfazem no papel, a raiva, o dio, o amor e, prin-
cipalmente, a inconformidade com questes recorrentes vividas nos cotidianos
de cada um se manifestam da maneira mais transparente possvel na colagem.

Consideraes finais

Em um momento em que os paradigmas metodolgicos que devem nor-


tear a produo cientfica vem sendo cada vez mais discutidos nas disciplinas
sociais e humanas, a rea do Design empenha-se para ampliar o reconheci-
mento e a validao de suas formas prprias de produo do conhecimento, os

7 Neste relato de experincia, optamos por no divulgar os nomes dos entrevistados.

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estudos de gnero, por sua vez, constituem um campo especialmente aberto


a novas abordagens e renovao metodolgica, constituindo historicamente
uma rea que questiona as divises tradicionais entre sujeito e objeto de pes-
quisa, promovendo a pesquisa como experincia vivida de transformao e
subjetivao.
Esperamos ter contribuido para a trajetria formativa de designers atra-
vs de um mtodo de pesquisa criativa que simultaneamente investigativo
e pedaggico, crtico e produtivo, e que coloca em cena o papel poltico do
Design como agente de produo das configuraces materiais e imateriais da
sociedade.
A conscientizao acerca das implicaes polticas do Design deveria
constituir uma orientao importante na formao de todos os jovens estu-
dantes da rea uma vez que o design molda as formas culturais da visibilidade,
refletindo em suas abordagens os valores de uma cultura orientada pela domi-
nao do masculino sobre o feminino, e do normal sobre o desviante.

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Referncias

BIRMINGHAM INSTITUTE OF ART & DESIGN (Reino Unido). Creative Research


Methods: supporting academic researchers using participatory creative research
methods. 2013. Disponvel em: <https://creativeresearchmethods.wordpress.com/>.
Acesso em: 19 nov. 2015

BROMMER, Gerald. Collage Techniques: A Guide for Artists and Illustrators. Nova
York: Watson-guptill Publications, 1994. 160 p.

FABRIS, Annateresa. A fotomontagem como funo poltica. Histria, vol. 22, n.1,
p.11-57. 2003.

GOLDBERG, RoseLee. A arte da Performance: do Futurismo ao Presente. So Paulo:


Martins Fontes, 2006.

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VIOLNCIA CONTRA MULHER, MASCULINIDADES E


FEMINILIDADES

Beatriz Hiromi da Silva Akutsu


Mestranda no Programa de Ps-graduao em Sociologia e Direito (PPGSD)
da Universidade Federal Fluminense
[email protected]

David Emmanuel da Silva Souza


Mestrando no Programa de Ps-graduao em Sociologia e Direito (PPGSD)
da Universidade Federal Fluminense
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e de formao docente

O presente relato tem por objetivo discutir a experincia de docncia


na disciplina optativa Violncia contra a mulher, masculinidades e feminilida-
des no curso de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) no primeiro
semestre do ano de 2016. Para isso, abordaremos a nossa trajetria acadmica,
o motivo pelo qual escolhemos esse tema, bem como a escolha do caminho
metodolgico. Ao final, registraremos as nossas impresses pessoais.
Somos formados em Direito e iniciamos o mestrado no Programa de Ps-
graduao em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense em
maro de 2015. Escolhemos a linha de pesquisa Direitos Humanos, Governana
e Poder, porque desde a graduao j trabalhvamos com temticas relaciona-
das sexualidade e gnero e tal linha a que nos possibilita dar continuidade
s nossas pesquisas sobre violncia contra a mulher e masculinidades.
Em cumprimento ao estgio docncia obrigatrio, no segundo semestre
de 2015, tivemos a experincia de dividir a disciplina Direito e Sexualidade,
da graduao em Direito, com o professor Eder Fernandes. Acreditando que a
temtica da violncia contra a mulher e seus reflexos possuem alta relevncia e,
por essa razo, precisam ser debatidos com os futuros profissionais do direito,

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decidimos, no semestre seguinte, ofertar a disciplina optativa Violncia contra a


mulher, Masculinidades e Feminilidades.
Levando em considerao que a violncia contra a mulher uma expres-
so da assimetria de poder nas relaes de gnero, e que o poder no algo
esttico, mas dinmico e relacional, exercido tanto pelo homem quanto pela
mulher, embora em propores diferentes, e que, alm disso, so os homens e
as mulheres que produzem os seus papis sociais que legitimam a violncia, no
planejamento das aulas, procuramos escolher temas que discutissem a temtica
em uma perspectiva relacional dos gneros. Assim, buscamos refletir de que
forma as construes sociais das feminilidades e das masculinidades podem
estar relacionadas com a prtica da violncia contra a mulher.
No total, foram 15 encontros, cada um deles com durao de duas horas.
A maior parte deles consistiu na discusso de artigos por ns disponibilizados.
Os alunos, que j haviam lido o texto, eram divididos em pequenos grupos e
tinham tempo suficiente para a discusso. Escolhemos esse formato por acre-
ditarmos que pequenos grupos fomentam a participao de todos e de todas,
ao contrrio do que pode ocorrer na disposio da aula tradicional - em que
o professor se coloca na frente e expe o tema para os alunos - ou em rodas
de discusso com a totalidade da turma, quando apenas alguns ou algumas se
sentem confortveis para expor sua opinio.
Inicialmente, com o objetivo de fornecer um panorama geral sobre os
movimentos feministas, disponibilizamos um texto que tratava das principais
correntes, suas caractersticas e reivindicaes centrais. A escolha desse tema se
deu por algumas razes. Primeiro, porque sabemos que nem todas as pessoas
tm acesso discusso e, principalmente, por considerar que o feminismo foi
e determinante para o enfrentamento da violncia contra a mulher e para a
desconstruo de esteretipos de gnero.
Na aula seguinte, por acreditar que no possvel abordar a violncia
contra a mulher sem discutir a socializao violenta dos homens, uma vez que
seu principal elemento formador de subjetividade o repdio ao feminino,
discutimos os estudos de masculinidades. A escolha dessa temtica revela-se
importante porque acreditamos que o enfrentamento da violncia contra a
mulher s possvel quando os homens forem capazes de refletir e transformar
suas prticas, condutas e privilgios, para que, a partir disso, possamos cami-
nhar no sentido da redistribuio de oportunidades e alcance da justia.

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Um ponto de destaque para o segundo dia de aula foi a discusso sobre


a utilizao do banheiro feminino por mulheres transexuais. A discusso se
estendeu sobre aspectos sociais, cultura de estupro e essencializao da mulher
a partir de determinantes biolgicos. Levantamos a discusso, portanto, do que
ser mulher. Dentre as respostas dadas, por exemplo, um aluno questionou
agora vocs vo dizer que trans mulher?, enquanto que uma aluna disse
no ter problema contra mulheres trans, mas, por se considerar feminista radi-
cal (nos termos precrios que teve acesso), entendia que permitir a entrada
de mulheres com rgos genitais masculinos favorecia a prtica de violncia
perpetrada contra mulheres de verdade. Obviamente as afirmaes do aluno
e da aluna causaram tumulto em sala de aula. Diante das defesas apresentadas
por outros alunos e alunas do acesso ao banheiro feminino pelas mulheres
trans enquanto consagrao da identidade de gnero e da dignidade, pudemos
aprofundar a questo sobre o que ser mulher e iniciamos a discusso sobre a
desnaturalizao dos corpos e dos padres de feminilidades, a fim de recons-
truir a histria dos esteretipos de gnero, tornando visveis as distines entre
sexo, gnero, identidade de gnero, orientao sexual e prticas sexuais.
Nas aulas que se seguiram, discutimos as teorias sobre a violncia contra
a mulher, com enfoque na teoria relacional. Essa teoria, sem desprezar a assime-
tria de poder existente nas relaes de gnero, procura problematizar o binmio
vtima e algoz, que trata as relaes de forma universal, como se todas elas
fossem essencialmente iguais. Assim, na perspectiva relacional, defendida a
compreenso da mulher em situao de violncia como sujeito, capaz de trans-
formar a sua situao. No encontro subsequente, exibimos o filme Preciosa
(2009), seguido da discusso de um artigo sobre violncia intrafamiliar, que
retomou o debate relacional da violncia, como ato comunicacional entre as
partes. As aulas posteriores foram dedicadas exibio de documentrios e
filmes que versavam sobre o tema, tendo uma delas sido dedicada discusso
sobre violncia contra a mulher transexual.
No ltimo encontro, voltado para a discusso sobre a incluso das mulhe-
res trans na abrangncia da Lei Maria da Penha, restou incontroversa a cobertura
a ser aplicada a essas mulheres, pois consideram que a identidade de gnero
prevalece sobre o discurso mdico e biolgico. Os alunos compreenderam a
importncia de acobertar as mulheres trans por entenderem que se a Lei Maria
da Penha constitui uma proteo s mulheres, as mulheres trans esto tambm
inseridas. Ademais, surgiu o questionamento sobre a incluso dos homens trans

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na cobertura da referida lei. Por entenderem que por mais que os homens trans
devam ter sua identidade masculina respeitada, a violncia cometida contra
eles decorre do fato de j terem sido mulheres. Portanto, por mais que possa
soar desconsiderao quanto identidade masculina, na verdade a incluso
restaria por entender que estes homens, em especfico, permanecem sofrendo
violncias provocadas pelo exerccio do poder patriarcal e do machismo de
outros homens.
Durante o curso, percebemos o quo difcil romper com o discurso
hegemnico. No incio de um dos encontros, propomos a seguinte dinmica:
faramos duas colunas no quadro: (i) homem; (ii) mulher, e cada um deveria
dizer caractersticas que considerasse femininas e masculinas. Aps a organi-
zao das caractersticas nas colunas correspondentes, os escritos homem e
mulher seriam trocados: no lugar de mulher passaria a constar homem e
vice-versa. Aps a realocao, faramos o seguinte: se sensibilidade foi asso-
ciado inicialmente mulher, perguntaramos existe homem sensvel?. Caso
a resposta fosse positiva, a caracterstica seria riscada. O objetivo dessa din-
mica demonstrar que as caractersticas consideradas tipicamente femininas
ou masculinas, com exceo de alguns aspectos biolgicos, so construdas
socialmente.
Para a nossa surpresa, todos e todas responderam que era difcil - ou
quase impossvel - realizar a atividade, j que durante as aulas o que fizemos
foi exatamente o oposto, ou seja, estimulamos a desconstruo de esteretipos
de gnero. Assim, continuamos a aula com a discusso de relatos de homens
e mulheres que vivenciaram situaes de violncia. No entanto, no decorrer
do debate, percebemos que algumas pessoas apresentavam discursos que
desconstruam esteretipos de gnero, mas outras ainda defendiam seus argu-
mentos com base em aspectos biolgicos. Com isso, notamos que nem sempre
a resposta pergunta direta expressa a realidade, pois as pessoas tm a tendn-
cia de dar respostas ideais, de acordo com os seus valores e vises de mundo.
No que se refere s avaliaes, procuramos escolher um modelo que no
obrigasse as pessoas a estar em sala de aula, mas que as estimulasse a frequen-
tar os encontros. Assim, a avaliao foi dividida em trs partes: (i) participao
nas discusses e nos filmes; (ii) entrega do artigo escrito (em grupo); (iii) apre-
sentao do artigo em sala (em grupo). Para obter a mdia final, todas as notas
foram somadas e divididas por trs. O trabalho deveria versar sobre algum
dos temas discutidos, bem como utilizar algumas das bibliografias indicadas

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para leitura. Para a apresentao dos artigos, propomos que os trabalhos fos-
sem circulados, com uma semana de antecedncia, entre os professores e os
alunos, para que todas e todos tivessem tempo suficiente para ler. No dia da
apresentao, propomos a formao de uma roda de conversa, de forma que
esse formato propiciasse a discusso horizontal dos artigos. Assim, aps cada
grupo se apresentar, foi aberto o debate entre todos e todas presentes. Na nossa
experincia enquanto alunos da graduao do curso de Direito, notamos que a
pesquisa pouco estimulada na universidade. Ento, o que queremos com esse
tipo de formato no cumprir uma mera formalidade, como o lanamento de
notas, mas sim fomentar o interesse pelo debate e pela reflexo.
Com relao metodologia das aulas conforme j comentado acima
tivemos o cuidado de escolher um formato diferente do tradicional que prio-
rizasse a participao de todos e de todas, assim como o debate horizontal.
Somadas a isto, as nossas preocupaes centrais eram: introduzir no curso de
Direito discusses anteriormente relegadas esfera domstica; romper com a
ideia de que o gnero se resume s questes das mulheres; desconstruir este-
retipos de gnero; ressignificar o conceito de violncia; democratizar a esfera
privada; e empoderar os alunos e as alunas para o enfrentamento dessas ques-
tes na vida cotidiana e em outros espaos dentro da faculdade.
A utilizao desse tipo de dinmica trouxe resultados satisfatrios. Embora
tenhamos percebido que, nas aulas de discusso de textos, nem todas as pes-
soas tinham lido o que era pedido, notamos que a falta de leitura no impedia
o debate, uma vez que eles se estendiam s reflexes sobre notcias de jornais,
propagandas, filmes, msicas e outros conhecimentos j adquiridos. Isso nos
fez perceber que mais importante do que seguir um rgido cronograma pre-
viamente estabelecido - semelhante s metodologias tradicionais utilizadas em
salas de aula - estimular o hbito de questionar o que est posto e transportar
essas crticas a outros espaos.
Alm disso, notamos que proporcionamos um espao horizontal e plu-
ral para diversas discusses, que, embora sejam necessrios, nem sempre so
encontrados nas universidades. Como exemplo, podemos citar a manifesta-
o de um aluno, que nos agradeceu por propiciar um espao como aquele
para assuntos to importantes; assim como outra aluna, que sugeriu que a aula
tivesse durao de trs horas. Por outro lado, notamos, tambm, que levar esse
tipo de discusso Faculdade de Direito pode provocar incmodos, como no
caso de um aluno que se manifestou, em voz baixa, para outro companheiro

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Sexual e de gnero
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da sala, durante a exibio do documentrio sobre uma mulher transexual no


acredito que eles (ns, no caso) perdem uma aula com essa besteira. S existe
XX ou XY.
Diante de situaes como essa, fica ainda mais evidente para ns que a
desconstruo de esteretipos de gnero e a desnaturalizao de violncias
uma tarefa que demanda tempo e pacincia. Assim, por considerar que esse
um processo lento e contnuo, julgamos imprescindvel discutir essa questo
desde a educao infantil.

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O ATRAVESSAMENTO DA VIOLNCIA EM OFICINAS DE


GNERO E SEXUALIDADE NO AMBIENTE ESCOLAR

Bruna da Silva Paulino


Estudante de Graduao
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Psicologia
[email protected]

Angelina Costa Baron


Estudante de Graduao
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Psicologia
[email protected]

Amana Mattos
Professora do Instituto de Psicologia e do Programa de Ps-Graduao em
Psicologia Social
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e de formao docente

Zona Sul do Rio de Janeiro, com vista para o mar e com morros como
plano de fundo: este o cenrio no qual se localiza uma escola pblica de
educao bsica do municpio do Rio. Conhecida na regio como uma escola
que recebe estudantes problema transferidos por outras instituies pblicas
de ensino, a escola tem como caracterstica o corpo discente majoritariamente
composto por pessoas de classe baixa que residem em favelas e a presena de
projetos de acelerao da aprendizagem de estudantes.
O presente Relato de Experincia se baseia no trabalho feito pela equipe
PIBID de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro1, formada

1 Apoio Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes).

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por cinco estagirias, uma professora orientadora e uma professora supervisora


do colgio. Neste projeto, trabalhamos as temticas de gnero e sexualidade
em oficinas semanais.Desenhos de corpos, confeco de vaginas e pnis com
massinha de modelar, dinmicas sobre esteretipos de gnero e preconceitos
foram algumas das atividades realizadas, das quais j participaram cerca de 120
estudantes da escola. As oficinas tm sete encontros semanais com cada grupo.
Neste trabalho, discutimos o tema da violncia que atravessou o trabalho
com uma turma composta por adolescentes de 13 a 15 anos, acompanhada
pelo mesmo professor desde o incio do ano letivo. Abordamos episdios e
falas ocorridas nos encontros e descritos nos relatrios de campo. Seguindo
a concepo de Libardi e Castro (2014), compreendemos a violncia em suas
diversas formas de manifestao. Entretanto, priorizaremos o que as autoras
nomeiam como violncias sutis, que por vezes passam despercebidas aos
olhos de quem a pratica, de quem a recebe e de quem observa.

As violncias sutis nas oficinas com jovens


Enquanto uma aluna expunha algumas conversas que teve com
homens homossexuais na praia, alguns garotos da sala comearam
a cham-la de sapato!e, enfurecida, ela dizia: Cala a boca! Pede
exame ento pra ver se eu sou sapato mesmo!. (Istvn Bacsa,
estagirio PIBID, em relatrio da atividade)

Iniciamos com este breve registro da primeira conversa com a turma,


quando apresentamos o projeto. Como na maioria das turmas, a meno das
palavras gnero e sexualidade deram vazo a diversas colocaes, dvi-
das, opinies diversificadas, por vezes bem cristalizadas, alm de manifestaes
orais e corporais de entusiasmo e resistncia, o que nos faz pensar como nessa
escola a discusso de gnero e sexualidade convoca os e as estudantes para os
debates. Percebemos tambm a importncia de organizarmos as atividades de
forma que a configurao da sala, as falas da equipe e as propostas sejam o
mais horizontal possvel, para que todos/as consigam se sentir confortveis para
se colocarem.
Assim, por diversas vezes a atividade acabou tomando um rumo diferente
do que foi previamente pensado pela equipe, tornando-a imprevisvel e repleta
de trocas e reflexes. Como possvel observar na citao acima, estas colo-
caes nem sempre so compartilhadas pelos membros da equipe. Contudo,

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defendemos que o silenciamento dos/as participantes descaracterizaria a ideia


de uma atividade pensada para ser democrtica, tornando-a uma mera trans-
misso de conhecimentos e posicionamentos da equipe, numa lgica de levar
o saber ao outro.
O que ser tomado como violncia nesse relato foi caracterizado como
tal pela equipe a partir do entendimento de que a violncia deve ser direta-
mente relacionada com contexto social, histrico e cultural no qual se insere e
de que existem diversos agentes implicados em situaes de violncia, dentre
eles o que observa posio ocupada pela equipe. Libardi e Castro (2014)
apontam que uma situao caracterizada como violenta por algum dos agen-
tes envolvidos principalmente receptor e observador quando os mesmos
identificam na ao uma inteno do emissor de causar algum incomodo ou
afetao negativa no receptor. Ainda segundo as autoras, o trao comum com-
partilhado pelos diversos tipos de violncias seria, portanto, o prejuzo causado
ao agente receptor da ao, seja este prejuzo de carter fsico, psicolgico ou
social. Alm disso, evidencia-se a importncia de percebermos que muitas das
falas dos e das estudantes so sustentadas por cdigos e condutas culturais, o
que torna as situaes comuns e na maioria das vezes faz com que o sujeito
agente da violncia no a perceba como tal, assim como o receptor (LIBARDI,
CASTRO, 2014). Analisa-se, portanto, as colocaes com o cuidado necessrio
para no rotular os seus falantes e seus receptores como essencialmente sendo
violentos e violentados.
Nesse sentido, j no primeiro encontro, a violncia se apresentava de uma
forma bem sutil, atravs do que comumente considerado como brincadeira ou
zoao entre os e as estudantes: a utilizao de rtulos ou identidades que em
sua maioria so consideradas socialmente como depreciativas. Entendemos que
o termo sapato fora utilizado para causar desconforto na menina e torn-la
motivo de riso, o que traz em si violncia. Entendemos tambm que a reao
da aluna de se defender veementemente da acusao dos colegas, evidencia
o desconforto da mesma com a suposta brincadeira e ainda a possvel consci-
ncia da inteno negativa dos meninos ao utilizarem tal rtulo.
Ao surgir nos encontros falas ou aes entendidas pela equipe como vio-
lncias, como o uso pejorativo do termo sapato supracitado, a postura inicial
a da escuta. Contudo, em alguns momentos,esta se torna mais difcil devido
ao nvel da colocao, como por exemplo, em um encontro em que levamos
perguntas feitas por eles e elas e em uma questo sobre a pessoa ter ou no

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direito de agredir o prximo por conta de cime, um dos alunos afirmou que
puxava sua namorada pelos cabelos quando a via conversando com outros
meninos. Nestes momentos, apesar das intervenes da equipe irem na dire-
o de entender melhor o que foi dito, a postura corporal, expresso facial e
at mesmo entonao de voz, por vezes acabamos demonstrando bastante afe-
tao com o que foi colocado. O tema da violncia, nesse sentido, mostrou-se
extremamente delicado, levando para as supervises as posturas e intervenes
da equipe, em um trabalho de constante reflexo e mudana.

A violncia presente nos dispositivos de manuteno da ordem


escolar
Cheguei ao colgio por volta das nove e quinze da manh. Logo
na entrada me deparei com um cartaz comunicando o bito de
um ex-aluno que atualmente era funcionrio da escola, mais tarde
soube que este havia falecido aps ser atingido por uma bala per-
dida em um tiroteio na comunidade, o cartaz lamentava o ocorrido
e as palavras vinham carregadas de solidariedade e dor (Thamara
Guilherme, estagiria PIBID, em relatrio de atividade)

Trazemos acima um excerto de relato de um dos dias mais difceis e agita-


dos no trabalho com a turma. Neste episdio de bito do ex-aluno, vivenciado
diretamente pela escola, a violncia surge em sua forma em sua forma mais
visvel, a qual, segundo Libardi e Castro (2014), pode ser caracterizada como
violncia fsica, onde h uma agresso e um dano direto ao corpo.
J no comeo da atividade, que foi iniciada sem que a equipe se ativesse
situao, a resistncia da turma era grande, com forte agitao das e dos par-
ticipantes. Em determinado momento, os meninos da turma se envolveram em
uma briga com meninas de outra turma, como mostra o relato a seguir:
percebi uma grande agitao na porta do auditrio, gritos e xin-
gamentos surgiram e a maioria dos meninos correu em direo
confuso. Ao chegar porta percebi que estava acontecendo
uma briga generalizada entre os meninos e um grupo de meninas
que no conhecamos, mas que aparentavam estar no recreio,
elas e eles se socavam e chutavam mutuamente enquanto profe-
riam alguns xingamentos impossveis de serem entendidos (Bruna
Paulino, estagiria PIBID, em relatrio de atividade)

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Por conta desse acontecimento, dois meninos da turma foram levados


secretaria por uma funcionria, que se identificou como a professora das
meninas envolvidas no episdio, para que fossem advertidos. Os meninos que
continuaram conosco relataram que as meninas haviam comeado a provo-
c-los e agredi-los, e diziam que elas no tinham desvantagem na briga por
serem mulheres. De fato, como presenciado por um estagirio, as meninas pare-
ciam no apenas ter incitado como tambm sustentado a briga com a mesma
vontade que os meninos at o fim. Contudo, a punio disciplinar recaiu sobre
dois participantes da oficina, causando bastante revolta em um deles. Aqui,
uma movimentao que fugia completamente ordem da escola foi imediata-
mente advertida e os dois alunos levados foram identificados pela professora
que os buscou como os que tinham batido nas meninas. Uma anlise mais
aprofundada sobre o acontecido no foi feita pelo colgio, e apesar de todo
corpo docente saber o quanto os e as estudantes estavam afetados/as com o
bito do funcionrio, o mecanismo utilizado foi o da represso desordem.
Segundo Bispo e Lima (2014), retomando alguns autores como Benjamin
e Freud, a violncia tambm pode ser observada nas prticas de algumas ins-
tituies sociais, tendo como uma de suas caractersticas a legitimidade dada
por normas e leis baseadas na manuteno de uma considerada ordem cul-
tural. Essa violncia, descrita pelos autores como institucionalizada, tambm
est presente no ambiente escolar, onde alguns dispositivos institucionais de
controle so evocados quando os e as estudantes apresentam algum comporta-
mento que v de encontro a esta ordem institucionalizada. Com a experincia
na escola, percebemos que o dispositivo de controle mais acionado em casos
de desordem da lgica escolar a direo, a qual habitualmente responde
a essas demandas com advertncias, suspenses e solicitando a presena dos
pais. Assim, observamos que as posturas adotadas pela direo acabam, tam-
bm, se caracterizando como uma violncia sutil, j que utiliza da autoridade
para punir os e as estudantes que no correspondem s suas normas.
Normas que por vezes so tambm perpassadas por outros discursos que
causam dano ao prximo e/ou a um grupo especfico, como mostra o relato
de falas da diretora direcionadas a dois alunos que entraram no site xvideos
(website de vdeos pornogrficos) durante uma de nossas atividades, no com-
putador em que estava sendo utilizado pela equipe. Os alunos foram levados
direo pela professora supervisora do projeto, que acompanhava a atividade:

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Mas de todas as falas, duas falas da diretora causaram em mim


e Angelina espanto, vontade de sair da reunio, por completa
desnecessidade de serem feitas. A primeira foi quando a diretora
perguntou se um dos alunos queria entrar pra mesma vida que fez
o irmo dele ser assassinado no morro. Voc quer?. E o menino de
cabea baixa dizia que no. A segunda foi quando a diretora, agora
falando com o outro aluno, perguntou: O que voc tem entre as
pernas? Uma vagina? No! Ento honre o que voc tem!. (Istvn
Bacsa, estagirio PIBID, em relatrio da atividade)

Novamente, a afetao dos estagirios mostra-se presente, s que dessa


vez direcionada direo do colgio. O que torna mais difcil o debate sobre
o que est sendo dito, a forma como est sendo dito e o efeito que pode cau-
sar naqueles que escutam. H, ento, um trabalho para criarmos estratgias
de conduo em relao a esses episdios sem que a equipe desautorize
(palavra muito utilizada pela professora supervisora) as falas do corpo docente.
Alm disso, torna-se notvel o quanto que a escola pode recorrer violncia
institucional em suas tentativas de encaixar os e as estudantes em suas nor-
mas de comportamento e postura, (re)produzindo, muitas vezes, discursos de
extrema agresso aos e s estudantes, como ao perguntar se o menino queria
ser assassinado como seu irmo havia sido, e tambm a grupos especficos,
por exemplo, ao reproduzir o discurso de que homens devem honrar aquilo
que tm entre as pernas, o que no somente tem como base o machismo como
tambm a transfobia.

Consideraes Finais

Ao longo do trabalho de campo, fomos convocadas, a todo tempo, a


refletir o quanto o debate sobre gnero e sexualidade dispara outras questes
nas pessoas que participam sejam estudantes ou estagirias. Especificamente
neste trabalho, a escolha pelo atravessamento da violncia nas atividades de
campo se motivou principalmente pela forma como estes episdios violentos
so observados no s entre os e as estudantes na maioria das vezes por meio
de brincadeiras ou de relatos de vivncias , como tambm pela forma que a
violncia tomada pelasescolas como uma estratgia de combate e de repres-
so s aes e falas do corpo discente que fogem quilo que esperado pela
escola muito baseado no que institucionalmente e socialmente considerado
adequado.

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Assim, refletir sobre o tema da violncia imprescindvel para que pos-


samos dar continuidade ao nosso trabalho de forma satisfatria, at mesmo
porque, como foi possvel observar nos exemplos utilizados, boa parte dessas
falas e atitudes violentas acabam sendo diretamente relacionadas s identidades
de gnero e s sexualidades, e com isso tornam-se um forte meio de propaga-
o de posies sexistas e LGBTfbicas. Por fim, consideramos que tal discusso
mostra a importncia de oficinas e atividades que busquem debater gnero e
sexualidade no ambiente escolar, j que em muitas escolas no h espaos
voltados para a escuta e acolhimento das demandas e dvidas de estudantes.
Reafirmamos a importncia de nos mantermos, enquanto equipe, em constante
reflexo, para que essas conversas e atividades busquem ao mximo dialogar
com a realidade experienciada, para que se sintam implicados/as e confortveis
para levarem seus questionamentos, posicionamentos e impresses.

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Referncias

BISPO, Fbio Santos; LIMA, Ndia Lagurdia de. A violncia no contexto escolar:
uma leitura interdisciplinar.Educ. rev., Belo Horizonte , v. 30, n. 2, p. 161-180,
jun. 2014. Disponvel em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0102-46982014000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 28 jun. 2016. http://
dx.doi.org/10.1590/S0102-46982014000200008.

LIBARDI, Suzana Santos; CASTRO, Lucia Rabello de. Violncias sutis: jovens e gru-
pos de pares na escola.Fractal, Rev. Psicol., Rio de Janeiro , v. 26,n. 3,p. 943-962,
Dec. 2014. Disponvel em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1984-02922014000300943&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 28 Junho 2016.
http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1237.

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RELATO DE EXPERIMENTAO DE AULA


VISANDO DESCONTRUO DE ESTERETIPOS
HOMOLESBOTRANSFBICOS POR MEIO DE
FERRAMENTA DIALGICA, EM CLASSE DE ALUNOS
ESTUDANTES DE DIREITO

Irapoan Nogueira Filho


Doutor em Psicologia Social
Professor Adjunto (Instituto Trs Rios - UFRRJ)
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e de formao docente

O presente trabalho constitui na exposio de uma experincia ainda em cons-


truo/andamento desde o ano de 2011, no exerccio da disciplina Psicologia
Aplicada ao Direito, no Instituto Trs Rios da Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro. Trata-se de uma proposta de exerccio de anlise coletiva dos discur-
sos produzidos pela turma, acerca da identidade de gnero e orientao sexual
das pessoas. Tendo em vista tratar-se de um fenmeno que ocorre no exerccio
profissional do autor, opta-se aqui pela escrita em primeira pessoa. Procuro, por
meio da escrita em primeira pessoa, descrever as condies segundo as quais
surge a proposta de ensino aqui apresentada, sua execuo, bem como efeitos
nos estudantes e no professor.

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Incio

No segundo semestre de 2011 ocorreu a primeira vez em que lecionei a


disciplina Psicologia Aplicada ao Direito, para alunos do segundo perodo do
curso. Aps tomar conhecimento da ementa, e realizar dilogo com os membros
representantes do colegiado do curso de Direito, apresento uma proposta de
uma disciplina onde os alunos aprendam efetivamente assuntos da Psicologia,
mas aplicados ao Direito. Minha inteno era construir uma ementa que os alu-
nos conseguissem instrumentalizar em suas futuras prticas profissionais. Desta
maneira, a disciplina ficou dividida em duas partes: 1) introduo s Psicologia
Jurdica e Forense; 2) abordagens de temas que so comuns prtica do Direito,
e objetos de estudo da Psicologia, a saber: juventude, produo social de rela-
es de gnero, produo social de relaes de raa, crime, trabalho, loucura
e Sade Mental, identidade de gnero, e orientao sexual, performatividade
sexual. Essa proposta foi apreciada e aprovada pelos membros do colegiado, e
foi ento posta em exerccio.
Todavia, ao chegar nas aulas referentes identidade de gnero e orienta-
o sexual, os alunos apresentavam muitas dvidas e questionamentos sobre o
contedo, contra argumentando com expresses de senso comum sobre quem
seriam os travecos, as bichas e as sapates. Eu necessitava demostrar para
eles como havia discursos preconceituosamente estereotipantes acontecendo
na classe, mas desejava sobretudo modificar a percepo dos alunos sobre esse
tipo de discurso. Avaliei que uma mudana na percepo seria mais eficaz do
que uma mera avaliao corretiva da fala emitida. Pensei, ento, na preparao
de uma aula-interveno, com o intuito de provocar efeitos de desnaturalizao
de suas prprias atividades discursivas.

A proposta

Para desenhar esta proposta de ensino-interveno, primeiramente tracei


as seguintes premissas-objetivo a serem transmitidas:
- Existe diversos modos de existncia;
- Estes distintos modos de existncia guardam semelhanas e diferenas
entre si;
- As diferenas quanto a identidade de gnero e orientao sexual so
diferenas como outras quaisquer.

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E, a partir da, duas concluses-objetivo a serem transmitidas:


- Pessoas de diferentes orientaes e identidades podem ter aspectos
semelhantes entre si.
- equivocado um discurso sobre o outro como exoticidade estereotipada.
Eu tinha ento premissas e objetivos traados. Fazia-se necessrio pensar
como auxililos a percorrer esse caminho, dentro de suas prprias ferramentas
subjetivas, afetivas e cognitivas. Pareceu-me interessante ento, abordar suas
fbulas pessoais acerca daquilo que dentro de suas respectivas territorialidades
se compusesse enquanto campo de alteridade, de desconhecido. No caso, as
fbulas tecidas nas narrativas sobre quem seriam os LGBTTI.
Michel de Certeau (1994) aponta a presena, na operao de criao de
regimes de alteridade, da composio de uma posio de fbula para o outro,
e esse outro seria definido segundo o contexto de sua fbula. Esta fbula no
somente gerada, mas concebida enquanto irregular, fora da Norma, e que
precisa pela Norma ser interpretada para ser enquadrada e/ou controlada.
As Normas, no caso da populao aqui atendida, so aquelas do Homem
(DELEUZE & GUATTARI, 1997): o pensamento a partir da perspectiva do
homem-branco-heterossexualurbano-classe mdia-cristo. Modelo de pensa-
mento que tomado por modelo de pensamento padro, normativo, mas que
no exercido de forma homognea. Aquilo que foge ao modelo -quando
percebido- colocado como irregular, foi dito. E a fbula , portanto, operao
e produto. Serve para aparar, traduzindo os modos heterogneos de existncia
gerando contornos que sirvam ao modelo dominante, corroborando seu modo
de existncia, e por ltimo e no menos importante gerando manuteno
de modos de relaes (e de relaes de poder) (psico)sociais.
A interveno por mim pretendida era de, ento, retirar estes contornos
e podas, de tornar possvel para aqueles alunos o dilogo com modos hetero-
gneos de existncia. Para isto, faz-se necessrio provocar ruptura no modelo,
gerando protruso naquilo que d base possibilidade da fbula. Utilizando uma
das possibilidades apontadas por Certau (1994), o pensamento Esquizoanaltico
(DELEUZE & GUATTARI, 1995a, 1995b, 1997) pde fornecer ferramentas para
este acontecimento pretendido.
Um conceito interessante mobilizado dentro da Esquizoanlise (DELEUZE
& GUATTARI, 1995b) o de palavra de ordem. Eles criam este conceito para
explicar que a principal funo da linguagem dar ordens, incitar novas coor-
denadas semiticas: antes de comunicar uma informao, a linguagem antes

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ordena s pessoas a agirem de determinada maneira, e esta maneira so as


coordenadas. Quando se diz: No h farinha, no se informa que falta fari-
nha. D-se uma ordem para que haja como se no houvesse farinha. E, ainda,
quando se cria um esteretipo (p.ex., a fbula da travesti), tem-se uma ordem
de possveis e impossveis aes em relao travesti.
E - importante reiterar- a funo da fbula construir/constituir campo
de alteridade domesticada para servir ao modelo vigente. Da se resulta discur-
sos contraditrios, como por ex: a femininizao do homem homossexual e a
masculinizao do tratamento travesti. Mas tantos os homens homossexuais
quanto as travestis no so grupos, membros de uma espcie, mas so duas
populaes bem heterogneas, cujas singularidades so apagadas pelo estere-
tipo da fbula: a bicha, o traveco.
A estratgia por mim escolhida para desmantelar este esteretipo foi a de
dar aos alunos uma tarefa cuja realizao tornasse invivel o funcionamento da
fbula, e no apenas isso colocasse a mesma em curto-circuito, apontando
a mesma de volta para eles. A realizao da estratgia apresentada a seguir.

A aula-interveno

Reuni, em uma folha, a descrio de 10 pessoas distintas, separadas em


espectros masculinos e no-masculinos. A descrio de cada uma destas pes-
soas apenas omitia orientao sexual e identidade de gnero. Organizei a turma
em grupos, distribui as folhas, e explicitei a tarefa:
1. Vocs receberam uma folha com 10 pessoas1. Eu quero que vocs
observem as descries, como se fosse na vida comum. Na primeira
srie de 5 pessoas eu quero que vocs digam se essa pessoa uma
mulher heterossexual, bissexual, homossexual, ou uma travesti. Na
segunda, eu quero que digam se essa pessoa um homem heteros-
sexual, bissexual, homossexual, e se for o caso se abusador de
crianas2.

1 Algumas famosas, outras de meu convvio pessoal.


2 Em tempo: em toda lista que ministro h de fato um homem, heterossexual, que foi preso por abusar
vrias crianas. O espectro feminino era composto majoritariamente por travestis, porque transfobia
(discurso de o travesti/traveco assim pra se prostituir) tinha sido reincidente, quando em aulas
anteriores eu abordei produo social de relaes de gnero.

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2. Aps cada grupo discutir e anotar, ns vamos passar a discusso pes-


soa por pessoa, e ver o que cada grupo nomeou, e analisar o porqu
da deciso.
Observei os dilogos, passando pelos grupos, sem interferir na discusso.
E aps encerradas todas as nomeaes em todos os grupos, abri para discusso
ampla.

Discusso

Quando eles escutavam as justificativas, inevitavelmente algum ques-


tionava cada justificativa, porque se identificava com aquela pessoa. E, eles
prprios apontavam como era equivocado cada julgamento que estava sendo
realizado. Por exemplo, uma aluna de mais idade questionava o fato de outros
alunos dizerem que uma das pessoas enumeradas era uma mulher homossexual
por causa de uma de suas caractersticas enumeradas ser usar cabelo curto. A
mesma aluna utilizava cabelo curto, e ela dizia que a deixava mais jovem, e se
identificava enquanto heterossexual. Enfim, conforme as anlises foram progre-
dindo, eles foram apontando como estava sendo estereotipado e como havia
julgamento nos discursos porque foram se sentindo ofendidos com as decla-
raes. As narrativas que sustentavam os esteretipos (as
fbulas) atingiram uns aos outros. Fogo cruzado discursivo.
Depois de passar sem pressa, pela anlise do discurso de todos os gru-
pos acerca de cada uma das pessoas, eu descrevi quem essas pessoas eram
-incluindo, agora, sua identidade de gnero e orientao. E por fim fiz a ltima
solicitao do exerccio:
- O que vocs acham de suas falas agora?
Neste momento, o desejado era um processo reverso, que de fato ocor-
reu: eles criticaram os discursos proferidos quando se identificavam com
aquela pessoa. E agora descobriram que aquela pessoa em questo eles tra-
tavam usualmente como um outro, estranho, extico, tipificado. As narrativas
que sustentavam os esteretipos (as fbulas) se voltaram contra eles mesmos. A
narrativa no fazia mais sentido.
A reao dos alunos foi de inicialmente silncio, por vezes olhando-se
entre os membros do prprio grupo, por vezes com olhar vago. Manifestaes
comearam, aos poucos, a surgir, mas desta vez apontando o prprio julga-
mento, tanto pela descoberta de identificar-se com algum que era tratado num

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campo de alteridade distante, como tanto por descobrir o quo equivocado


estava o prprio julgamento estabelecido.

Consideraes finais

O debate se estendeu durante a aula seguinte, movido por perguntas e


falas dos alunos. At o final da disciplina, os discursos apresentaram falas equi-
vocadas suas prprias, de amigos, de parentes, e at de outros professores do
curso. Outras falas aplicavam questes LGBTT em contedos de outras dis-
ciplinas. Alguns alunos LGBTT tm se exposto de forma mais amena, menos
receosos (sadas do armrio). Repliquei a mesma aula-interveno nas 4
vezes posteriores em que apliquei a disciplina (a mesma ofertada uma vez
ao ano). Desde ento houve alunos interessados em discutir Direito e questes
LGBTT, e chegamos a fazer um seminrio para discutir homolesbotransfobia,
com trabalhos de alunos e palestrantes externos. Dois alunos da ltima turma se
incomodaram com questes relativas ao direito de escolha acerca de realizao
de cirurgia reparatria para populao intersexual, e estamos no momento
produzindo pesquisa sobre o assunto.
Este instrumento tem sido refletido e modificado por mim, no sentido de
tentar uma abrangncia de um espectro de pessoas o mais heterogneo pos-
svel. A quantidade de tempo inerente disciplina (2 horas por semana), bem
como a no possibilidade institucional de modificar sua carga horria tm sido
outros limitadores. Uma questo que ainda se faz necessrio trabalhar - e para
qual ainda no tenho ferramenta formalizada a desnaturalizao da vida
dentro do armrio fenmeno que mostrado pela mdia sob uma tica hete-
ronormativa e heterocntrica, resultando em uma abordagem humorstica -e
equivocada- do fenmeno.

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Referncias

CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrpolis: Vozes,


1994. DELEUZE, G. GUATTARI, F. Mil plats -capitalismo e esquizofrenia, vol.1. Rio
de Janeiro, Ed. 34, 1995.

DELEUZE, G. GUATTARI, F. Mil plats -capitalismo e esquizofrenia, vol.2. Rio de


Janeiro, Ed. 34, 1995b.

______. Mil plats -capitalismo e esquizofrenia, vol.4. Rio de Janeiro, Ed. 34, 1997.

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COLETIVO DUAS CABEAS: A EXPERINCIA DA LUTA AO


DILOGO

Juber Marques Pacfico


Graduando em Cincias Sociais - UFJF
Coletivo Duas Cabeas - Militante
[email protected]

GT 02 - Ativismos e os movimentos sociais

Introduo

A apresentao deste trabalho busca ressaltar a importncia que tem


a militncia para as conquistas sociais e polticas de uma comunidade, bem
como, mostrar as dificuldades que existem para se efetivar direitos queles (as)
que no esto inseridos (as) na norma. Busco demonstrar os caminhos per-
corridos pelo Coletivo Duas Cabeas que possibilitaram debates, discusses e
aes que resultaram em polticas institucionais para LGBTIs1 de dentro e fora
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Este relato captura nossas aes e motivaes, nossas inquietudes e inter-
locues, e principalmente mostra como a experincia da militncia possibilitou
uma transformao na maneira de ver o mundo. Em um mundo em que cada
vez mais as experincias parecem perder o seu valor, aproveitamos para reafir-
mar o nosso olhar para as coisas que nos transformam e que nos possibilitam
tambm transformar o outro. Larrosa (2002) nos ensina que:
A experincia o que nos passa, o que nos acontece, o que nos
toca. No o que se passa, no o que acontece, ou o que toca. A
cada dia se passam muitas coisas, porm, ao mesmo tempo, quase
nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa est organi-
zado para que nada nos acontea. Walter Benjamin, em um texto

1 Sigla que abrange Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais. Alm disso, quan-
do ultilizamos LGBTI estamos considerando como inseridos na representao no-binrios.

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clebre, j observava a pobreza de experincias que caracteriza o


nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experincia
cada vez mais rara. (Larrosa, 2002, p. 21)

As experincias que esto demonstradas nesse trabalho foram as que


me tocaram, que me aconteceram e que me transformam. O Coletivo Duas
Cabeas possibilitou que todos ns nos enxergssemos, nos sensibilizssemos
e lutssemos pelo grupo e exatamente nessa busca que nos encontramos, em
nossa sensibilidade e empatia. Em um mundo onde so cada vez mais raras as
experincias, podemos iniciar nosso trabalho dizendo ser ele um relato simples
de uma experincia valiosa.

A emergncia histrica do coletivo

Nossa histria comea em meados de 2014. Ao sentir a necessidade da


existncia de grupos que discutissem a LGBTIfobia2 na (UFJF), fizemos algumas
reunies com outros estudantes e idealizamos a criao de um Coletivo LGBTI
durante a realizao do estamPARANDO a homofobia, ato de repdio ocorrido
no dia 6 de junho de 2014 no Restaurante Universitrio (RU) da UFJF. Tal ato
foi motivado por um episdio de lesbofobia ocorrido com uma aluna da uni-
versidade em uma casa noturna da cidade, durante a festa de encerramento das
olimpadas da instituio.
Nos reunimos em um encontro com a presena de estudantes da comu-
nidade LGBTI, bem como pessoas de fora do ambiente acadmico, e criamos
o Coletivo Duas Cabeas. O nome foi sugerido por um participante que se
identifica como homossexual. Duas Cabeas o nome de um Exu e que na
umbanda simboliza o fim da inrcia, dando movimento, trazendo mudanas e
abrindo caminhos. O Exu Duas Cabeas representado por uma cabea femi-
nina e outra masculina, simbolizando a parte feminina que h em todo homem
e a parte masculina de toda mulher. O nome chama a ateno, pois possui forte

2 Optamos por usar o termo LGBTfobia no lugar o termo homofobia pois acreditamos que tal
termo consiga abarcar de forma mais completa a violncia que sofrem as pessoas cuja sexualidade
e identidade de gnero sofrem ataques psicolgicos, fsicos e sociais. Acreditamos que LGBTfobia
represente todas as formas de assdios que ocorrem contra Gays, Lsbicas, Bissexuais, Travestis e
Transexuais , no binrios e intersexuais.

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significado e foi pensado exatamente porque ns, LGBTI, assim como as religi-
es africanas, temos um lugar perifrico na sociedade.
O lanamento oficial do Coletivo se deu no dia 28 de agosto de 2014
com a mesa de debates Coletivo Duas Cabeas: contra o racismo, o machismo
e a homofobia. Houve uma significativa mobilizao dos grupos de militncia
que apoiaram e participaram do evento. O Coletivo da Diversidade Sexual e de
Gnero Duas Cabeas nasceu com a misso de promover aes que garantam
a cidadania e os direitos humanos da comunidade LGBTI e no binrios3, con-
tribuindo para a construo de uma sociedade democrtica, na qual nenhuma
pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminao, coero e vio-
lncia em razo de sua orientao sexual e identidade de gnero, conforme
estabelecido pelo Estatuto do Coletivo4.
Com o passar do tempo, o Coletivo Duas Cabeas se tornou referncia de
luta, resistncia e combate s variadas formas de discriminao que acontecem
diariamente na UFJF. Mas tambm foi s ruas e, atravs de inmeras aes, s
quais citaremos abaixo, ganhou notoriedade no municpio de Juiz de Fora como
Coletivo que luta pela diversidade.

A integrao dos diferentes atores

O Coletivo aberto a todas as pessoas, independente de sua orientao


sexual e/ou identidade de gnero. Atualmente o integram cerca de 30 partici-
pantes, em sua maioria estudantes de diversos cursos da UFJF, com variadas
orientaes sexuais e identidades de gnero. As reunies acontecem sema-
nalmente, sempre ao ar livre, possibilitando uma verdadeira interao com as
pessoas que transitam pelo espao universitrio, com discusses acerca das
aes organizadas pelo grupo.
Mesmo sendo um Coletivo formado na maioria por homens gays, as mili-
tantes transexuais se tornaram referncia do movimento, sendo assim a maioria
das pautas do Coletivo foram norteadas para a buscar de direitos de pessoas
trans, como Nome Social e a Campanha Libera Meu Xixi, campanhas que

3 Designamos como no binrios os indivduos que no possuem identidade de gnero masculina ou


feminina, indivduos cuja identidade de gnero no se posiciona na lgica binria.
4 O Estatuto do Coletivo fora aprovado no dia 23 de janeiro de 2016 em assembleia geral, com a
representao de toda a sigla LGBTI.

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discutiremos a seguir. Com isso, nossa imagem est sempre atrelada s lutas
das trans e travestis. Uma das participantes trans e figura de grande destaque na
militncia Bruna Leonardo. Nas palavras dela:
J participava de outros movimentos, j militava antes de entrar no
Coletivo, mas foi depois que eu entrei no Coletivo que eu ganhei
visibilidade e que as pautas das trans tambm ganharam visibili-
dade. Quando cheguei no grupo me senti muito bem acolhida por
todos . (Bruna Leonardo, 2016)

Luta e dilogo: o equilbrio que buscamos

Nossas lutas so para garantir a conquista de direitos humanos plenos


para todas as pessoas, principalmente queles relativos orientao sexual ou
identidade de gnero que divergem da heteronormatividade5 e da cisnorma-
tividade6 e contra quaisquer formas de preconceito e discriminao a esses
indivduos, sejam individuais ou coletivos, de natureza social, poltica, jurdica,
religiosa, cultural ou econmica. Para possibilitar uma maior discusso sobre os
temas correlatos, realizamos mesas de debates, encontros e rodas de conversas.
Uma dessas atividades foi a mesa As experincias trans e suas intersec-
es com os sistemas de sade e jurdico: reflexes acerca da (des)legitimao
de identidades, ocorrida no dia 11 de dezembro de 2014. Fizemos um debate
sobre as vivncias trans e as interseces com os sistemas de sade e jurdico.
Contamos com a participao da integrante do Coletivo Duas Cabeas e do
grupo Visitrans7, Bruna Leonardo; do advogado Joo Beccon; a psicloga do
Servio de Assistncia Especializada em AIDS Glucia David; e Thiago Nery,
homem trans e integrante do grupo Visitrans.

5 Diz-se da matriz, conjunto de normas e regras, social e culturalmente construdas que instituciona-
lizam a heterossexualidade como padro normal para a sexualidade humana.
6 Refere-se matriz, relacionada heteronormatividade, que institui como normais indivduos com
as identidades de gnero cis, ou seja, pessoas que se identificam com o gnero que lhes foram desig-
nados no nascimento ou antes dele.
7 Visitrans um grupo formado por vrias pessoas que atuam em Juiz de Fora na promoo da visibili-
dade e dos direitos de transexuais, travestis, intersexuais e no-binrios. coordenado pela professora
Dra. Juliana Perucchi e financiado pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais
FAPEMIG.

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Ao perceber que era necessrio fazer uma militncia focada tambm em


questes a nveis municipais, realizamos em setembro de 2015 a Conferncia
Municipal dos Direitos LGBTI de Juiz de Fora com apoio da DIAAF Diretoria
de Aes Afirmativas. O evento contou com a participao da Presidenta da
Comisso de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Cristina Couto Guerra; com o Presidente do Movimento Gay de Minas (MGM)
Marco Trajano; o vereador Juclio Maria; a Diretora de Aes Afirmativas da
UFJF, Carolina Bezerra; a militante transexual Bruna Leonardo e o Coordenador
Especial de Polticas de Diversidade Sexual do Governo do Estado de Minas
Gerais, Douglas Miranda. Conseguimos propor medidas que possibilitem a
defesa dos direitos fundamentais e humanos da populao LGBTI de Juiz de
Fora e aes para o Governo do Estado de Minas Gerais, atravs da Secretaria
de Direitos Humanos. Alm disso, elegemos delegados (as) que representaram o
municpio na Conferncia Estadual dos Direitos LGBT, que aconteceu em Belo
Horizonte, em novembro de 2015.
Alm desses eventos, so realizados encontros informais entre os participan-
tes e no-participantes do Coletivo Duas Cabeas, chamados de diversinique8,
com o objetivo de promover integrao e a sociabilidade com base no respeito
s diferenas. Nos encontros, os participantes conversam sobre temas rela-
cionados s suas vivncias, experincias e acontecimentos causados pela sua
orientao sexual ou identidade de gnero. Este um momento-chave para a
quebra de preconceitos, pois possibilita o contato e a troca de experincias com
as mais diferentes vivncias. Com uma proposta mais ldica, os Diversiniques
nos proporcionam momentos em que as barreiras so deixadas de lado. O
Coletivo Duas Cabeas em pouco mais de um ano e meio de existncia con-
seguiu vitrias importantssimas para os alunos e alunas da UFJF. Partiu de ns
o movimento pelo uso do nome social na instituio. Foram muitas reunies,
coletas de mais de mil assinaturas em um abaixo assinado e manifestaes para

8 Os diversiniques foram idealizados pela militante Bruna Leonardo e logo se tornaram um sucesso.
Ele constitui uma oportunidade de interao entre seus participantes e todos os espaos disponveis
no campus universitrio. A importncia desse encontro est exatamente na questo da ocupao dos
espaos, nossa presena no bosque da UFJF cria impacto visual, pois sempre levamos a bandeira da
diversidade e penduramos em uma das arvores para demarcar espao e para mostrar nossa presena
do diferente em um meio onde antes s havia a imagem da heteronormatividade.

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que consegussemos a aprovao do nome social como um direito dos alunos


e das alunas da UFJF.
Outra campanha da qual estamos participando a Libera Meu Xixi, criada
pela Diretoria de Aes Afirmativas para que a identidade de gnero seja respei-
tada nos banheiros da instituio. O Coletivo j possui importantes conquistas,
bem como reconhecimento pelas vrias campanhas realizadas com o intuito de
estabelecer dilogos entre a sociedade e o poder pblico buscando a efetivao
dos direitos da comunidade LGBTI.
A Campanha Libera Meu Xixi significa uma possibilidade de discusso
sobre a normatividade existente nos corpos. Causou-nos grande indignao os
relatos das travestis e transexuais que ficavam horas sem ir aos banheiros por
medo de serem hostilizadas, muitas s usavam os banheiros de casa, nico
lugar onde se sentiam seguras. Muitas delas relataram ainda, que j na adoles-
cncia, no utilizavam os banheiros da escola por medo de agresso dos outros
indivduos.
Aqui a questo do corpo central, pois indivduos so podados de at
mesmo realizar suas necessidades fisiolgicas por puro preconceito e discrimi-
nao. Por isso, quando estudamos gnero entendemos:
como norma, como o mecanismo por meio do qual so produzidas
e naturalizadas as noes de masculino e de feminino. O efeito do
gnero como substncia, como classe de ser, estabelecido pela
reiterao de uma srie de gestos, movimentos e estilos corporais,
que criam a ideia de um corpo com gnero constante. A normati-
vidade do gnero refere-se a propsitos, aspiraes, preceitos que
norteiam as aes dos sujeitos e, tambm, ao processo de normali-
zao, que a maneira como ideias e ideais dominam os corpos e
estabelecem os critrios para a definio de um homem e de uma
mulher normal. (PARASO, 2014, p. 238)

A Campanha tem objetivo desafiador que discutir tais preceitos de gnero


para descontruir formas de pensar onde as transexuais e travestis representam
risco dignidade alheia. Alm disso, mais uma vez discutimos tais preceitos
luz dos direitos fundamentais, onde discriminar qualquer pessoa se torna um
crime contra a prpria sociedade.

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Concluso

Parece-nos importante salientar que movimentos de mudana social


necessitam de organizao e militncia, ou seja, a experincia do Coletivo Duas
Cabeas s pde ser realizada e continuar sendo porque houve uma organiza-
o e muito comprometimento por parte dos militantes.
Aos que leem essas linhas que possam pensar ser fcil a criao e manu-
teno de um Coletivo, eu digo que a tarefa rdua. Reunir em um mesmo
grupo opinies e vivncias completamente diferentes e realidades desiguais
um exerccio que exige dilogo e empatia. A violncia que pessoas trans sofrem
diariamente no a mesma que os gays sofrem, que no a mesma violn-
cia que atinge as lsbicas. O grande sucesso do Coletivo consistiu no fato de
que, mesmo diante de diferenas, at mesmo ideolgicas, estabeleceram-se
consensos e neles estavam as nossas lutas contra as discriminaes dirias que
sofremos.
A participao das pessoas, principalmente as vtimas dos preconceitos,
essencial para a transformao que tanto buscamos. O Coletivo Duas Cabeas
nos mostrou que preciso resistncia para combater agresses, coragem para
transformar as situaes e dilogo para buscar entendimento.

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Bibliografia

BONDA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experincia e o saber de experincia. Revista


Brasileira de Educao, So Paulo: 2002, p. 20 - 28.

PARASO, Marlucy Alves. Normas de gnero em um currculo escolar: a produ-


o dicotmica de corpos e posio de sujeito meninos-alunos. Estudos Feministas,
Florianpolis: 2014, p. 237 256.

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PAPIS DE GNERO E VIOLNCIAS CONTRA A MULHER

Natalia Caroline Soares de Oliveira


Mestranda no Programa de Ps-graduao em Sociologia e Direito (PPGSD)
da Universidade Federal Fluminense
[email protected]

Beatriz Hiromi da Silva Akutsu


Mestranda no Programa de Ps-graduao em Sociologia e Direito (PPGSD)
da Universidade Federal Fluminense
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e de formao docente

O presente relato tem por objetivo descrever e discutir a nossa experin-


cia da realizao da oficina de enfrentamento violncia contra a mulher, que
ocorreu durante o evento Sexualidade e Gnero: desafiando esteretipos, em
um Colgio Estadual em Niteri/RJ, que preferimos no identificar, no dia 27 de
junho de 2016.
Tal oficina faz parte do Projeto Corporalidades, Dilogo e Acolhimento:
aes contra violncias, que um conjunto de aes de extenso que bus-
cam contribuir para o empoderamento, mobilizao e emancipao de grupos
vulnerveis, numa perspectiva participativa e dialgica, tendo como objetivo
central o combate violncia, discriminao e ao preconceito. Esse Projeto
surgiu a partir do trabalho do nosso grupo de pesquisa Sexualidade, Direito e
Democracia da Universidade Federal Fluminense e da urgncia de se pensar
aes efetivas de enfretamento aos estigmas sociais que diversos grupos como
mulheres, pessoas negras, gays, lsbicas e transexuais sofrem. O formato princi-
pal de atuao se d atravs de oficinas, compostas, basicamente, das seguintes
atividades: rodas de conversa, dinmicas de grupo, atividades ldicas, e prticas
corporais.

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Em meados de maio de 2016, fomos convidadas pela professora Carolina


Bertassoni para realizar uma palestra na referida escola sobre feminismo e vio-
lncia contra a mulher. No entanto, como acreditamos que esse formato no
favorece a concentrao e participao de todos e de todas - principalmente,
quando se trata de adolescentes - propusemos a realizao de uma oficina.
O evento estava marcado para o incio de junho, mas por um impedimento
da direo da escola - no sabemos ao certo o que ocorreu -, foi cancelado.
Diante dessa situao, a professora Carolina, ao informar sobre a impossibili-
dade, pediu-nos desculpa e prometeu fazer um esforo para remarcar outra
data. Dias depois, recebemos a notcia de que a nova data estava prevista para
o dia 27 de junho e que o evento ocorreria em apenas um dia, ao contrrio da
primeira proposta, que previa dois dias de atividade.
Inicialmente, a oficina seria coordenada por trs mulheres: ns duas e Natalia
Kleinsorgen. No entanto, por um imprevisto, Natalia Kleinsorgen no pde estar
presente no dia, embora tenha nos ajudado com a preparao das dinmicas.
A professora Carolina havia nos informado que o pblico alvo da oficina
seria alunos e alunas do oitavo ano - em torno de 30 pessoas -, que haviam
sido escolhidos por terem tido bom desempenho durante o semestre e por
no terem, em geral, oportunidade, de participar de eventos extraclasse, j que
esses eram reservados s pessoas do ensino mdio. Alm disso, informou-nos
que a violncia era uma realidade na vida de muitas das participantes, e, que,
por essa razo, tal tema tinha sido por elas solicitado.
Durante a preparao das atividades, a nossa preocupao era escolher
dinmicas que proporcionassem as seguintes situaes: deixassem as pessoas
vontade para falar e estimulasse a concentrao e a discusso.
O evento foi iniciado s 08h da manh com palestras sobre temas diversos.
A nossa oficina estava marcada para as 10h. No entanto, minutos antes do seu
incio, fomos avisadas por Carolina que a professora responsvel por cuidar da
turma que participaria da nossa oficina havia perdido os alunos e as alunas.
Diante dessa situao, sugerimos Carolina a possibilidade de recrutar quaisquer
pessoas que estivessem livres na escola e interessadas em participar da atividade.
Para a nossa surpresa, quase todas as pessoas com as quais falamos se
interessaram em participar. Assim, comeamos a oficina com 30 minutos de
atraso e tivemos 2 horas para desenvolver as atividades. A oficina foi composta
por aproximadamente 15 pessoas, entre 13 e 34 anos, dentre elas estavam duas
mulheres responsveis pela limpeza do colgio e o diretor adjunto.

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Dinmica da mmica

Com a finalidade de deixar o clima mais descontrado, propusemos uma


dinmica de apresentao, na qual cada um/uma, aps dizer o seu nome, diria
algo que gosta de fazer comeando pela primeira letra do nome e seguido de
mmica, por exemplo: meu nome Natlia e eu gosto de nadar (fazendo a mmica).

Dinmica dos papis de gnero

Aps as apresentaes, com a inteno de desconstruir os papis de


gneros, entregamos um papel em branco para cada um/uma. O objetivo era
que os meninos escrevessem uma caracterstica que considerassem tpica femi-
nina e as meninas, uma masculina. Enquanto isso, dividimos a lousa em duas
partes, em um lado escrevemos mulher, e, no outro, homem. Aps todos e
todas entregarem os papis escritos, colamos com um durex as caractersticas
nos lados correspondentes. Depois disso, no lado que estava escrito mulher
colocamos homem e vice-versa. As caractersticas voz suave, sensveis,
cuidadosa, maquiadas, delicadas, foram associadas s mulheres, enquanto
as caractersticas nojentos, chatos, bagunceiros, agressivos, usar cueca,
legais, grossos, mal criados, ignorante, safados e insensveis foram
relacionadas aos meninos. Em seguida, iniciamos as perguntas. Por exemplo,
voz suave foi associada, inicialmente, mulher, e, ao trocarmos, tivemos que
perguntar pode um homem ter a voz suave?, ou usar cueca foi inicialmente
uma caracterstica dos meninos, ao trocarmos perguntamos mulheres pode-
riam usar cuecas? ao que todos responderam afirmativamente. A cada resposta
afirmativa, a caracterstica era riscada. E, assim, a dinmica seguiu at esgota-
rem todas as perguntas. Ao final, notamos que todas as caractersticas haviam
sido riscadas, o que indica que tudo que havia sido considerado tipicamente
masculino ou feminino, na verdade, no tinha gnero.

Dinmica da linha da violncia

Nessa atividade, s as mulheres participaram, enquanto os homens fica-


ram sentados observando. Traamos uma linha azul no cho e metade das
participantes ficou de um lado e a outra metade do outro. Levamos situaes
sexistas de senso comum, que muitas mulheres costumam ouvir, como, por

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exemplo: em um almoo de famlia, um tio seu pergunta e o namorado? ;


quando as pessoas acham que por voc ser bonita no pode ser inteligente,
quando acaba de acordar e um parente seu diz que voc tem que arrumar o
cabelo; voc tem um irmo, mais ou menos da sua idade, e ele pode sair ou
levar a namorada pra casa e voc no. A cada frase lida, se as mulheres tives-
sem vivenciado ou conhecido outra mulher na mesma situao, tinham que
dar um passo frente. Caso isso no fosse verificado, permaneciam no lugar.
Inicialmente, observamos que embora elas tivessem vivenciado ou conheces-
sem mulheres em tal situao, muitas delas no deram o passo a frente, no
entanto, ocorreram diferentes manifestaes, como conversas paralelas e frases
como : quem nunca viu isso?. Logo aps algumas frases serem lidas e com
um pouco mais de descontrao e conforto entre todas, a dinmica prosseguiu
e elas conseguiram dar um passo a frente quando achavam que deveria. O
objetivo dessa dinmica era demonstrar que todas as mulheres esto expostas a
diversas situaes de violncia, que so naturalizadas como parte do cotidiano.
O fato de estarem de frente umas para as outras s reforou a ideia de que
todas as mulheres, independente de suas diferenas, sofrem - ou j sofreram -
em alguma medida violncia.

Dinmica violncia ou no ?

Nessa dinmica tanto os homens quanto as mulheres participaram.


Levamos outras frases do senso comum que costumamos ouvir e reproduzir no
nosso cotidiano, como, por exemplo, meu namorado no gosta que eu tenha
amigos homens, Piriguete no sente frio, Amigo de mulher viado. Lemos
uma por vez, procurando discutir se o que est ali ou no uma situao de
violncia contra a mulher. Essa atividade foi a que mais estimulou o debate. A
seguir, elencaremos algumas das que mais suscitaram discusses.
Em briga de marido e mulher, ningum mete a colher.
Quando lemos essa frase, as pessoas convergiram em um ponto: se a situ-
ao fosse muito grave, a mulher teria que ser ajudada. No entanto, essa mulher
teria que demonstrar um interesse em ser ajudada, porque, muitas vezes, a
pessoa que oferece ajuda - nos casos em que a mulher reata o relacionamento
- acaba sendo vista como intrometida ou algum que quer atrapalhar a rela-
o. As nossas intervenes procuraram ser sempre no sentido de no impor
verdades, mas lev-los a pensar, a questionar a situao a que estavam sendo

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apresentados. Ento, diante de manifestaes como tem mulher que gosta de


apanhar porque no separa do marido, procuramos responder com provoca-
es, no seguinte sentido ser mesmo que alguma mulher gosta de apanhar?
Vocs no acham que as relaes violentas envolvem outras questes, como
dependncia econmica, afetiva, filhos...?. Entre uma discusso e outra, uma
das mulheres que trabalhava na escola, voluntariamente, manifestou-se e con-
tou a sua histria. Em sntese, ela disse que o ex-marido, com o qual tinha
uma filha e havia sido casada por anos, havia ameaado-a. Diante da primeira
ameaa, ela nos contou que o denunciou, pois no deixaria qualquer situao
de violncia passar impune. Em meio s discusses e depoimentos como o
dessa mulher, embora todos tivessem concordado com o fato de que a mulher
tem que ser ajudada, ouvimos muitos comentrios no sentido de que, quando
ajudamos e defendemos uma vtima de violncia e logo aps ela volta para o
companheiro, a pessoa que ajudou fica conhecida como a ruim da histria, e,
muitas das vezes, perde at a amizade ou qualquer tipo de relao que pudesse
existir.
Mulher que anda de roupa curta quer aparecer.
Ao lermos essa frase, prontamente as mulheres se manifestaram de
maneira contrria, e muitas delas argumentaram que mesmo que a roupa curta
fosse usada para aparecer, ningum, a no ser ela prpria, teria algo a ver com
isso.
Piriguete no sente Frio
Logo em seguida, essa frase foi levantada e a associao de roupa curta
vulgaridade foi realizada. O momento que gerou mais polmica foi quando o
diretor adjunto, manifestou-se com o seguinte exemplo quando a mulher est
vestindo uma roupa curta e sobe em um nibus ou uma escada no shopping,
ela precisa tomar certos cuidados, ela puxa a saia, por exemplo, para baixo.
Com isso, o diretor pretendeu dizer que quando a mulher veste roupas mais
compridas, que cobrem o corpo, no precisa se preocupar com essas situaes.
Ainda na discusso dessa frase, o diretor - olhando-a dos ps cabea - referiu-
se, de forma inconveniente e constrangedora, Natalia Oliveira que conduzia
a oficina, afirmando que, se ela estivesse na praia de biquni, ele no pode-
ria ser impedido de olha-la. Tal fato logo gerou certo incmodo e levantou o
debate entre ele e outro participante da oficina que tambm faz parte do nosso
grupo de pesquisa Sexualidade, Direito e Democracia da Universidade Federal
Fluminense, Gustavo Lacerda. Assim, Gustavo, contrapondo o exemplo dado

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pelo diretor, indagou-lhe o seguinte: se ele estivesse andando pela praia, sem
camisa, ficaria incomodado se um gay o cantasse ou olhasse para ele somente
pelo fato de estar sem camisa? Em resposta, o diretor disse que sim, que se sen-
tiria incomodado. Aps essa conversa, a mensagem que parece ter sido captada
por todos e todas que, independente do gnero, das roupas que veste - sejam
elas curtas, decotadas, ou compridas at o p - as pessoas tem que se sentir
livres para ser o que quiserem ser e para estar como quiserem estar. Essa dis-
cusso gerou muitos comentrios, principalmente pelo fato de a maioria serem
mulheres, que, de alguma forma, j sofreu algum tipo de assdio devido a roupa
que estava usando. As mulheres relataram como ficaram e ficam incomodadas
com certos olhares na rua, e que, alm disso, o corpo pertence somente elas,
e, por isso, tm a liberdade para ditar as prprias regras.

Dinmica de fechamento

Pedimos para que todos e todas escrevessem nas fichas entregues o que
acharam da oficina e o que poderamos melhorar. Dentre vrios comentrios,
surgiram: No no, cara!; Adorei, porque trabalha com reflexes para pen-
sar solues de combater s relaes verticais de poder; A oficina foi tima
para esclarecer assuntos antes no falados, e tambm para nos ensinar que
independente de tudo temos que ter todos os mesmos direitos; prazeroso,
estimulante, esclarecedor, empatia com quem sofre.
Notamos pelos comentrios que, de uma forma geral, os/as participantes
gostaram da atividade e tiveram espao para discutir questes fundamentais da
atualidade, e que, alm disso, o debate e a interao de todos e de todas pro-
porcionou uma maior compreenso da importncia de rever e pensar sobre a
violncia contra a mulher.
Logo em seguida, passamos o vdeo da CAMTRA (Casa da Mulher
Trabalhadora), que mostrou a campanha de enfrentamento violncia contra
a mulher, realizada pelo Ncleo de Mulheres Jovens. O objetivo do vdeo era
fechar a oficina com um momento ldico e de relaxamento, que no deixasse
de abordar questes relacionadas com o combate da violncia contra a mulher.
A experincia de realizar essa oficina foi muito importante para ns no
somente pela relao com nossas pesquisas de mestrado e com o grupo de
pesquisa do qual fazemos parte, mas, principalmente, pelo retorno e carinho
que todos nos demonstraram; pela conscientizao e debates que as dinmicas

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proporcionaram; e, por visualizar, ainda que em um horizonte distante, que esse


um dos possveis caminhos para a transformao das estruturas tradicionais da
sociedade que mantm as desigualdades entre os gneros

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FACEBOOK E HOMOFOBIA: A VIOLNCIA COMO


INIBIDORA DA HOMOAFETIVIDADE

Rodrigo Luiz Nery


Especialista em Gnero e Diversidade na Escola
Universidade Federal de Lavras
[email protected]

A Internet, atravs das redes sociais, tem sido uma grande disseminadora
de informaes, enunciados e opinies acerca dos mais diversos temas. Atravs
do Facebook, muitos movimentos debatem e defendem seus ideais, porm, h
inmeros/as usurios/as que utilizam deste espao para expressarem suas opini-
es e semearem discrdias, compartilhando informaes de todas as espcies,
e tudo isso de uma forma mais fcil, direta e sem receios de um contato real.
A legislao acerca dos crimes virtuais vm ganhando destaque, mas, mesmo
assim, o povo virtual quer falar, expressar e lutar por suas ideologias.
As temticas que envolvem os/as LGBTT1 tm ganhado cada vez mais
espao nas redes sociais e, com isso, so crescentes as discusses acaloradas
entre esse pblico e aqueles/as mais conservadores/as, que tentam justificar
com inmeros argumentos o porqu da no-aceitao da orientao sexual
que divirja da heterossexual.
A homofobia, no Facebook, compartilhada, curtida e comentada o
tempo todo. Problematizar o que leva esses sujeitos a incitarem dio e discrimi-
nao importante para passarmos a entender o que motiva essa disseminao
de preconceito e, a partir da, levar s escolas e ambientes de trabalho debates
que faam os/as alunos/as e colaboradores/as a refletirem sobre essas temticas,
formando cidads/os que sejam crticos/as e que tambm possam contribuir
para o combate a esse tipo de intolerncia.

1 LGBTT: Sigla para denominar as Lsbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgneros.
Porm, neste trabalho, a problematizao ser em torno das orientaes sexuais, e no em torno das
questes de gnero; sendo assim, essa sigla, durante a leitura, deve ser associada aos gays, lsbicas
e bissexuais.

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necessrio entender o que faz esses sujeitos no aceitarem que a homos-


sexualidade no uma opo, mas sim uma orientao, da qual o indivduo
no tem capacidade de escolha, conforme CARRARA et al. (2009, p. 127):
Muitos cientistas e ativistas no consideram correto, hoje em dia,
referir-se homossexualidade ou bissexualidade como opes,
dado que, em se tratando de escolhas, seria mais fcil optar pela
heterossexualidade, que aceita como normal, ao invs de optar
pela homossexualidade, que discriminada e perseguida. O que se
sabe que a orientao sexual existe sem que a pessoa tenha con-
trole direto sobre ela. No se trata, portanto, de algo que se escolhe
voluntariamente ou se modifique segundo as convenincias.

A maioria dos discursos que violentam verbalmente o pblico LGBTT


composta de afirmativas das quais do a entender que o sujeito est homos-
sexual porque quer, e no porque ele assim o . Este texto parte de um
relato de experincia intitulado Facebook e Homossexualidade: Enunciados e
Preconceito na Rede Social, aprovado como trabalho de concluso de curso na
especializao em Gnero e Diversidade na Escola, pela Universidade Federal
de Lavras.

Anlise dos discursos homofbicos:

A crena em que atos de carinho entre pessoas do mesmo sexo devem


ser repudiados faz com que os/as homofbicos/as defendam a violncia contra
os/as homossexuais. Quando um indivduo sofre violncia fsica (ou verbal),
motivada por homofobia, muitos/as argumentam que este indivduo fez por
merecer ao se expor em pblico.
No dia em que a Suprema Corte dos Estados Unidos liberou a unio
entre pessoas do mesmo sexo em todo o pas, o Facebook criou um aplica-
tivo para colorir a foto dos/as usurios/as que apiam a causa LGBTT. Um
dia depois, o usurio Vagner publicou o seguinte texto: Quem viu a foto de
Mark Zuckerberg e de outros CEOs, empresas e celebridades no dia de hoje
certamente notou uma diferena: todas elas esto coloridas em celebrao
aprovao do casamento gay nos Estados Unidos. Isso porque, em homenagem
ao dia que marca a deciso da Suprema Corte norte-americana, o Facebook

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ISBN 978-85-61702-44-1 1552 de Estudos sobre a Diversidade
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criou a pgina CelebratePride. Com ela, qualquer usurio da rede social pode
manifestar seu apoio ao movimento LGBT e sua conquista.
Em seguida, Vagner comenta, em sua prpria publicao, uma imagem
com as cores do arco-ris: O arco-ris nunca representar outra coisa para
minha vida a no ser a aliana de Deus para com o homem, o que passar disso
o diabo tentando roubar o smbolo que Deus patenteou. Nessa frase, Vagner
critica a utilizao do arco-ris como smbolo dos movimentos LGBTT, visto
que, na Bblia, h a utilizao do arco-ris como a marca de uma aliana de
Deus com o mundo, simbolizando que no ocorreria outro dilvio no planeta.
A seguir, veremos os enunciados de alguns/as usurios/as da rede social a partir
dessa publicao:
Carla: Fato, nascemos de um fruto conjugal de um homem e de
uma mulher, que denominamos Pai e Me, herana de Deus, que
chamamos de famlia... Nunca pessoas do mesmo sexo sero capa-
zes de se reproduzirem formando a to sonhada e desejada famlia...
Vagner: Falou tudo terceira [referindo-se a Carla], no a toa que
voc sargento!!!! E um dia tbm ser primeira como eu, quem sabe
oficial.
Vagner: Sodoma e Gomorra revolta total.
Peter: o fim dos tempos. E tem gente que apia essa pouca
vergonha.
Natan: E a ira do Senhor est chegando.
Jairo: Eu sou muito contra! Um dia eu estava em um restaurante,
tinha dois sujeitos, se acariciando, minha filha perguntou pai pq o
senhor est bravo e quer ir embora, eu falei no quero que vc veja
este tipo de abominao. Um deles levanto e pergunto pra mim o
que vc tem contra, eu olhei bem pra ele e falei, tenho uma ponto
40 e dois pentes, e estou louco para usar, quer ser o primeiro [?] ele
olhou bem pra mim e saiu de perto.
Vagner: Eu estou doido para usar meu teyser!!!!
Adilson: Pouca vergonha!!!

A usuria Carla traz sua posio contra a unio homoafetiva com o dis-
curso de que seres do mesmo sexo jamais podero se reproduzir e conclui que
isso faz com que seja impossvel formar-se, ento, uma famlia. Vagner elogia a
posio da colega de trabalho (ambos so membros do Exrcito Brasileiro), enal-
tecendo-a, e em seguida outros enunciados surgem com usurios que tambm

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no concordam com a unio homoafetiva, chamando esse tipo de relaciona-


mento de pouca vergonha, insinuando que o fim dos tempos.
Porm, os enunciados mais graves viro a seguir, quando Jairo e Vagner
declaram o dio e a vontade de usar do poder que possuem, em suas posies
no Exrcito, para acabar com homossexuais que se assumem e vivem suas
vidas em pblico. Jairo relata sobre um episdio no restaurante. Jairo ameaou
utilizar sua arma (instrumento de trabalho) para agredir um casal homoafetivo
por estar trocando carcias no local. Vagner, ento, mostra seu desejo em utili-
zar seu teyser (escreve-se taser), que se trata de uma arma de eletrochoque
utilizada para imobilizar o alvo. O que torna esses comentrios mais preocu-
pantes o fato de serem disseminados por pessoas que trabalham nas Foras
Armadas, que divulgam publicamente seu desejo por violncia contra os/as
homossexuais.
De fato, sabemos que as Foras Armadas so extremamente radicais e
avessas homossexualidade. Inclusive, o Exrcito contra o projeto de lei
7582/2014, da deputada Maria do Rosrio (PT-RS), quecriminaliza crimes de
dio e intolerncia contra minorias e grupos religiosos e migrantes, tendo como
ponto principal a homofobia.
Vale lembrar o caso ocorrido em 2008, quando o militar Laci Marinho
de Arajo assumiu seu relacionamento homoafetivo e foi acusado de desero
e expulso da corporao. Comprova-se, assim, o quanto difcil quebrar esse
preconceito dentro das corporaes das Foras Armadas.
Vagner um disseminador de discursos homofbicos no Facebook. Em
outra postagem, ele critica um caso que gerou uma enorme onda de precon-
ceito, em agosto de 2015: numa foto, publicada no Facebook, um cabo, vestindo
sua farda, beija seu suposto namorado. Vagner fica indignado e publica em seu
perfil um texto homofbico incitando o dio e pedindo para que outros mem-
bros do Exrcito repudiassem o ato: COMPLETAMENTE INDIGNADO. UM
CABO DO EXERCITO DO O 12 GAC QUE EST SEDIADO EM JUNDIA (SP)
TIRAR UMA FOTO FARDADO COMETENDO ATO LIBIDINOSO E DEPOIS VAI
DIZER QUE DIREITO DOS LGBT GLS PARA O INFERNO F.D.P QUER FAZER
SELF SEU VIADO TIRA GLORIOSA FARDA QUE TANTO AMO; E RESPEITO
VAMOS DIVULGAR E BOTAR ESTE VERME NO LUGAR QUE ELE MERECE
A publicao de Vagner causou tanta polmica, que est em diversos sites
na Internet. Abaixo, iremos observar os enunciados gerados a partir do compar-
tilhamento desta publicao de Vagner:

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Bencio: a vida privada dele ningum tem que se intrometer, se


ele quiser fazer sexo fardado com outro homem ele pode mas a
questo : A foto se tornou pblica e isso transgresso disciplinar
e vai contra o regulamento interno do Exrcito, se ele quer dar uma
de aparecido ento que aparea apenas para o namorado dele e
no desrespeite a instituio. Essa fotografia exposta dessa maneira
passvel de expulso do militar da incorporao, como eu disse, o
Exrcito no admite o homossexualismo, isso desde que o Exrcito
existe e ningum vai mudar essas leis, ento o soldado deveria ter
pensado duas vezes antes de se expor dessa maneira. Eu sou hetero
e no tenho absolutamente nada contra os gays, e assim como eu
respeito minha instituio, ele no diferente de mim tambm e
deve respeit-la. Abraos.
Thas: Me diga os artigos do regulamento do exrcito que probe
homossexuais e que probe demonstrao de afeto FORA DO
QUARTEL. Voc pelo jeito trabalha l deve saber mais do que eu.
Difamar e ameaar os outros que deveria ser passvel de expulso,
mas infelizmente o comportamento que mais ocorre nas institui-
es militares e passa pela impunidade.
Dnis: Exrcito no admite homossexualismo exatamente por
isso q o pais vai pra frente! Em pleno sculo XXI ainda ter d depa-
rar c/ esse tipo d ignorncia. Desde quando a orientao sexual
d algum muda carter? Cada um continua sendo do jeito q ,
e sempre foi. Independente da sua sexualidade!! Tanta coisa mais
importante para se preocupar. Eu sou gay, e tenho absolutamente
nada contra os heteros! S acho q um pensamento retrgrado, e a
unanimidade?! Se resume em burrice!! #Fato
Bencio: Me errem, no vou perder meu tempo discutindo com os
senhores, civis no entendero o esprito do militarismo. #BRASIL
ACIMA DE TUDO, DE TUDO MESMO. Conversar com gente igno-
rante dar murros em ponta de faca.
Thas: Cad os artigos do regulamento? Seja inteligente e mostre,
j que trabalha l.
Bencio: No preciso provar nada aos senhores. Passar bem.
Thas: Como identificar uma pessoa que no sabe debater e apre-
sentar argumentos slidos? Pelos comentrios e pela indisposio
de provar o contrrio. Fui.
Bencio: Beleza o intelectual coisa ridcula, todos aqui esto a
teu favor pois voc est numa pgina de pessoas da sua ndole, vai
la no quartel e pergunta pra todos os militares se eles concordam

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com sua opinio, coisa tosca! Para de mimimi, o exrcito no vai


mudar por causa da lamentao dos senhores ento fica com meu
FODA-SE.
Leandra: T comeando a expor bem os argumentos...
Bencio: Leandra,no e darei o prazer da minha resposta porque
quanto mais mexe com bosta mais ela fede kkkkk voc no mnimo
deve ser um lgbt que fica seguindo modinha pra postar foto colo-
rida no face e se passar por vtima dizendo que a sociedade
homofbica. D at preguia de comentar essa pag ekkkkkkk vai
catar coquinho minha filha, pra ser educado.
Leandra: Verdade. Quanto mais pedimos pra nos mostrar o artigo
que mostra onde est que ele no pode beijar quem ele quiser
fora do local de trabalho desrespeito ao exrcito mais revoltadi-
nho voc fica. No sigo modinha alguma, luto pela minha causa
e pode ter certeza que tenho muito mais carter que pessoas que
enxem a boca pra falar de Deus, mas no faz nada para demonstrar
amo ao prximo. Nunca me fiz de vtima para nada e voc no
me conhece. No sabe nada de minha vida. Ento defenda seus
princpios com seus argumentos embasados porque quando voc
faz comentrios como acima fica parecendo aqueles moleques que
no tem o que dizer e comea procurar coisas pessoais pra atacar.
Pra ser educada contigo, vai estudar pra ver se expande essa mente
pequenina que voc carrega.

Percebemos que os enunciados acima giraram em torno de Dnis, Thas e


Leandra contra Bencio. Este no tem argumentos para responder as indagaes
a ele impostas, e parte para violncia verbal, inferiorizando os trs comenta-
ristas por serem homossexuais/simpatizantes da causa LGBTT. Em momento
algum, Bencio comprovou em qual regulamento est clara a afirmativa que fez
no seu primeiro comentrio sobre a proibio de um militar manifestar publica-
mente sua orientao sexual. Mesmo que existisse alguma coisa subentendida
a respeito disso, fica evidente que Bencio no a conhece, ele segue um dis-
curso que, certamente, disseminado nas instituies militares, comprovando
o quanto estes/as servidores da ptria, em sua maioria, so preconceituosos/as
e agressivos/as a tudo que contrrio a heteronormatividade.
Segundo BORGES e MEYER (2008, p.60), cerca de 150 pessoas morrem
por ano no Brasil em decorrncia da violncia por discriminao sexual, e o pas
o campeo de crimes contra sexualidades consideradas no-hegemnicas,

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j que se comprovou que a cada trs dias ocorre um assassinato. Essa esta-
tstica no s acerca de assassinatos contra homossexuais, mas a qualquer
crime motivado por considerar algum inferior, contrrio ou anormal diante do
que o/a assassino/a considera como padro, e concluem que comportamentos
homofbicos variam desde a violncia fsica da agresso e do assassinato at a
violncia simblica, em que algum considera lcito afirmar que no gostaria de
ter um colega ou um aluno homossexual.
As redes sociais esto impregnadas de publicaes e enunciados que ins-
tigam a violncia contra os/as homossexuais, a maioria delas insinuando que
seria uma forma eficaz de endireitar o indivduo, tornando-o heterossexual
fora; outros acreditando que se o indivduo deseja viver sua homossexuali-
dade, este deve viv-la de forma privada, s escondidas, sendo merecedor/a de
ataques fsicos e verbais caso ultrapasse as paredes de sua casa para vivenci-la
em um ambiente pblico, como j exposto em um dos comentrios analisados.
Evidencia-se a necessidade de medidas protetoras e de polticas pblicas que
defendam os Direitos Humanos, evitando violncias, cada vez mais frequentes,
e propiciando mais liberdade s/aos LGBTT, sem que estes/as vivam sob a pre-
dominncia da insegurana.
O Facebook possui uma ferramenta para denunciar qualquer publicao
considerada ofensiva, e funciona com muita preciso. Cabe a ns, enquanto
humanos/as e educadores/as, lutar por uma sociedade em que todos/as possam
amar e se respeitarem pelo que so enquanto participantes ativos desta comu-
nidade, e no pelos papis exercidos em suas intimidades, num contexto sexual.

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Referncias

BORGES, Zulmira Newlands; MEYER, Dagmar Estermann. Limites e Possibilidades


de uma Ao Educativa na Reduo da Vulnerabilidade Violncia e Homofobia.
Ensaio: Avaliao e Polticas Pblicas Educacionais. Rio de Janeiro, v. 16, n 58, p.
59-76, janeiro/maro, 2008.

CARRARA, S. L. (Org.); HEILBORN, Maria Luiza (Org.); ARAJO, L. (Org.); ROHDEN,


Fabola (Org.); BARRETO, A. (Org.). Gnero e Diversidade na Escola - Formao de
Professoras/es em Gnero, Sexualidade, Orientao Sexual e Relaes tnico-Raciais.
Rio de Janeiro; Braslia: CEPESC; Secretaria de Polticas para as Mulheres, 2009.

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SEM DVIDAS ESSE TRABALHO DEIXOU MARCAS:


ESTUDANTES DO ENSINO MDIO E SUAS VIVNCIAS NA
SEMANA DE COMBATE LGBTTIFOBIA

Rosalinda Carneiro de Oliveira Ritti


Doutora em Educao
Universidade Federal de Juiz de Fora
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e formao docente

Resumo

Este texto objetiva relatar a experincia de um trabalho realizado durante a


Semana de Combate LGBTTIfobia (16 a 20 de maio) a partir das aulas de
Filosofia para o Ensino Mdio em uma escola pblica federal de Juiz de Fora. As
atividades do trabalho contaram com o protagonismo dos/as estudantes tanto
nas propostas quanto na execuo. Foram realizadas em quatro dias da semana
e depois tiveram avaliao atravs de debate e escrita individual. As avaliaes
indicam a satisfao da turma com a realizao do trabalho e trazem refle-
xes bastante significativas com relao s experincias vivenciadas, como, por
exemplo, a importncia das discusses sobre o tema no mbito escolar.
Palavras-chave: LGBTTIfobia. Semana de Combate LGBTTIfobia. Experincia.
Escola. Educao.

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Como professora de Filosofia em uma escola pblica na cidade de


Juiz de Fora e envolvida nas discusses de relaes de gnero e sexualida-
des no Grupo de Estudos e Pesquisas em Gnero, Sexualidade, Educao e
Diversidade (GESED), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), trago o
compromisso de constantemente inserir tais discusses em minhas aulas. Neste
ano (2016), por ocasio da Semana de Combate LGBTTIfobia (de 16 a 20
de maio), momento em que o GESED programava intervenes no mbito da
UFJF visando sensibilizao e problematizao do tema junto comunidade
acadmica, decidi estender a ao para a escola em que atuo como professora.
Inicialmente, pensava em algo que abrangesse a escola toda, envolvendo todos
os segmentos de ensino1. No entanto, dificuldades iniciais como o pouco tempo
para mobilizao de colegas e, at mesmo, a percepo de certo desinteresse
por parte de algumas pessoas com as quais procurei iniciar a proposta, fize-
ram-me repensar e, assim, direcionar as aes para um mbito menor. Dessa
maneira, contando com o apoio da Coordenao do Ensino Mdio e de colegas
que atuam nas disciplinas de Histria e Sociologia, desenvolvemos alguns deba-
tes em nossas aulas. No presente relato, no entanto, foco no trabalho realizado
em uma turma de segundo ano do Ensino Mdio, na disciplina de Filosofia, cuja
orientao ficou sob minha responsabilidade, mas que contou com um grande
protagonismo dos/as estudantes, tanto na idealizao das atividades quanto na
execuo das mesmas. Esta turma foi escolhida entre as cinco nas quais leciono
(trs de segunda srie e duas de primeira) porque possui um grupo de estu-
dantes bastante interessados e participativos, destacando-se das demais nesse
sentido, condio que me inspirou confiana na realizao das atividades.

A proposta, o trabalho

A proposta do trabalho surgiu aps uma aula em que me dediquei s


discusses que ressaltam os aspectos construcionistas e diversos das sexuali-
dades, trazendo reflexes acerca da necessidade do respeito s diferenas e
do reconhecimento dos direitos de todas as pessoas, independentemente de
suas orientaes sexuais e identidades de gnero. As atividades do trabalho

1 A escola conta com o primeiro e o segundo segmentos do Ensino Fundamental (1 ao 5 e 6 ao 9


anos), o Ensino Mdio e a Educao de Jovens e Adultos, ocupando os trs turnos.

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deveriam envolver pesquisas sobre os temas em sites confiveis e precisaria tra-


zer propostas de intervenes na escola no decorrer da Semana em que alguns
segmentos da sociedade lutavam contra a LGBTTIfobia. Sugeri, ainda, que tal
atividade pudesse ser parte das avaliaes que comporiam a nota trimestral
dos/as estudantes, o que aconteceria atravs de um processo de autoavalia-
o. A turma se entusiasmou de imediato. Dos/as 26 estudantes, 22 acataram
a proposta. Os demais alegaram problemas diversos para cumprimento das
tarefas (tempo, sade e transferncia de escola). Sugeri intervenes artsticas,
cinema e confeces de cartazes como exemplos, mas deixei em aberto para
que a turma desenvolvesse as propostas, oferecendo-me para orientao das
mesmas e enfatizando o protagonismo da turma que deveria trazer e executar
as ideias buscando todos os recursos necessrios para seu desenvolvimento. E
assim aconteceu. Em poucos dias os/as estudantes se ocuparam das pesquisas,
discutiram as ideias em momentos que extrapolavam os horrios das aulas,
buscaram os recursos e fizeram suas propostas. Assim tivemos:
1. Confeco de cartazes que foram espalhados por toda a escola
(segunda e tera-feiras): Os cartazes foram confeccionados em carto-
linas coloridas contendo frases com questionamentos e provocaes
diversas, alm de propagar a semana de combate LGBTTIfobia. Para
a confeco dos cartazes os/as estudantes utilizaram o turno inverso
ao de suas aulas, alm do espao de uma aula de Filosofia e uma de
Sociologia que, no caso, foi solicitada professora.
2. Voc sabia? (quarta-feira): Os/as estudantes colocaram frases
complementando a pergunta: Voc sabia? em folhas de papel no
formato A4 e, atravs de um barbante penduraram no pescoo. As
frases faziam meno violncia sofrida em funo da LGBTTIfobia,
apontavam gestos discriminatrios, exemplificavam atitudes precon-
ceituosas, desconstruam imagens. Os/as estudantes circularam assim
pela escola, sentindo a curiosidade das pessoas que s vezes faziam
alguma pergunta as quais procuravam responder.
3. Dia temtico Nem homem, nem mulher (quinta-feira): Chegaram
escola e mudaram a roupa misturando os figurinos masculinos e femi-
ninos. Tomaram o cuidado de no reforar esteretipos, criando, assim,
visuais diversos que ao embaraar os gneros, provocavam olhares
curiosos e espantados. Nesse dia tambm distriburam panfletos que

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levei da campanha feita pelo GESED na UFJF, contendo fotos e infor-


maes sobre a diversidade sexual e de gnero.2
4. Desenho com giz de corpos pelo cho representando a violncia con-
tra pessoas LGBTTI. Essa atividade no foi executada porque, deixada
para o ltimo dia (sexta-feira), contou com o desnimo da turma, que
se sentiu desprestigiada pela escola em seu movimento.
A primeira aula de Filosofia que se seguiu aos eventos foi dedicada a
uma avaliao das atividades da semana produzida pelas/os estudantes. Foi um
momento em que cada um registrou suas impresses e trouxe seus sentimentos
com relao experincia vivenciada. Em outra aula, produziram a autoavalia-
o orientada por algumas questes propostas por mim (disponibilidade para
pesquisa do tema; disponibilidade para os encontros e preparao das tarefas;
esforo para reflexo sobre o tema; o que ficou/marcou do/no trabalho). Dessas
duas aulas ficaram registradas, em udio e texto escrito, respectivamente, as
falas que trago a seguir.

O que ficou/marcou?

Esta foi uma pergunta feita na autoavaliao, mas que, de certa forma,
apareceu tambm na conversa que tivemos para a avaliao das atividades
desenvolvidas. Nenhum/a estudante deixou de expressar algo nesse sentido e,
como pontos que marcaram a importncia do trabalho, aparecem a possibili-
dade de construrem conhecimentos, de refletirem sobre o tema e de estenderem
a discusso para alm da escola.
Aprendi muito com esse trabalho, aprendi muito alm de uma
matria da escola, realmente foi um aprendizado que foi muito alm
dos muros do colgio. Aprendi pra vida o respeito ao prximo..
Comecei a refletir muito mais depois das intervenes e comparti-
lhei alguns sentimentos com pessoas prximas..
Problematizei, conversei sobre o tema em casa, com meus pais,
que tambm primordial o conhecimento e um nvel de respeito
que digno dos LGBTTI da parte deles..

2 Na foto: estudantes que aparecem com tarja no rosto no apresentaram autorizao de responsveis
para publicao de fotos. Por esse motivo tm suas identidades preservadas.

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Importante tambm foi perceberem o que pessoas LGBTTI passam por


serem diferentes do que a sociedade autoriza ou espera delas. Destaco, nesse
momento, a possibilidade te terem vivenciado situaes em que puderam sen-
tir na pele o preconceito e o desprezo.
Aprendi coisas que nem imaginava. Tentei me sentir do mesmo
jeito que os que sofrem com a LGBTTIfobia, porm acho que isso
muito difcil.
O garoto passou por mim e disse: lsbica, ?. E eu pensei: Deve
ser horrvel viver isso todo dia! Desprezo, preconceito....
O trabalho fez com que os alunos se colocassem no lugar dos
LGBTTI, que sofrem, sim, com preconceitos e discriminaes.

Em suas falas e escritas, os/as estudantes trazem a vontade de mudar,


olhando com outros olhos e mudando suas atitudes. Muitos/as j assumem tal
mudana.
O que ficou? Mais respeito diversidade, aos LGBTTI..
Aprendi a realmente tentar medir a minha fala, temos que respei-
tar, independente do gnero..
Bom, para mim, foi um trabalho muito produtivo para o meu
mundo e o mundo externo. Acredito que refletir e ver meus cole-
gas refletindo (fazendo-me questionar) me fez bem e, com certeza,
mudou muita coisa..
Me fez refletir muito sobre muitas coisas que eu achava que eram
bobas, e no tinha noo de que eram imensas..
Quero acabar com meus prprios preconceitos..

As atividades desenvolvidas propiciaram s/aos estudantes o contato


no s com suas prprias concepes, suas ignorncias e preconceitos, como
tambm com concepes, ignorncias e preconceitos alheios. Ao misturarem
os gneros nas vestimentas, ao distriburem panfletos e colarem cartazes pela
escola, o olhar e a fala do outro trouxeram desconforto, espanto e at mesmo
indignao. Refletiram sobre as reaes das pessoas e puderam perceber a gra-
vidade desse tipo de discriminao.
A gente tava panfletando e vendo as pessoas rasgarem o papel.
Tipo assim: Ah! Por que vocs to fazendo isso? T feio!.

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A gente foi colar os cartazes e certa pessoa achou que no pre-


cisava e falou: Nossa! A aula de vocs isso? Tipo: Ah! Essa
uma questo que no importa! O que importa Fsica, Qumica,
Matemtica... isso importa. Mas voc falar de homofobia... a maio-
ria das pessoas no se importa!.
Voc t fantasiada de que? De sapato?.
Pude ver que em um colgio com uma diversidade enorme de
pessoas e pensamentos, ainda existem muitos pensamentos homo-
fbicos, ofensivos e invasivos. Para mim foi o que mais me marcou
de que maneira esse assunto tratado pelos professores e alunos.
Talvez por ser minoria? Ou por no ser meu problema? De tanto
no ser meu problema as pessoas se tornam ignorantes..
Percebi que falar de LGBTTIfobia um tabu. Pessoas quando
percebem que o movimento sobre isso, se retraem. Acho que o
preconceito est mais presente do que pensvamos.
Mesmo com tantas discusses atualmente, pude perceber quanta
ignorncia e intolerncia existe por a..

Nesse sentido, aparece a decepo dos/as estudantes por no se sentirem


apoiados pela escola. Eles/as esperavam algum envolvimento por parte de seus/
suas professores/as. Foram unnimes ao afirmar que se sentiram muito solit-
rios/as em suas aes.
Fiquei um pouco decepcionada com a atitude dos professores que
no deram importncia e no apoiaram como eu achei que iria ser,
mas mesmo assim, valeu a pena.
Esperava mais participao dos professores.
Fiquei chateada com o pouco apoio da instituio.
Foi uma coisa feita pelos cantos. Parecia que era s do 2B e acho
que todo mundo tinha que querer se envolver..

Ao mesmo tempo, consideraram que o trabalho possibilitou o incmodo e


provocou um pensamento sobre o tema, alm de terem percebido que algumas
pessoas se sentiram contempladas com as atividades realizadas.
Acho que ficou uma boa ideia da mensagem que queramos pas-
sar. Talvez tenhamos conseguido mudar a opinio de bastantes
pessoas, ou, no mnimo, incomod-las e mostrar que h outras for-
mas de olhar para os LGBTTI..

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No nosso colgio, pessoas se sentiram mais livres....

Eu acho que conseguimos dar um certo impacto, mesmo eu vendo


que as pessoas, no geral, nos olharam de um jeito de desprezo e
achando que no tnhamos motivos para protestar..
Cara! Se uma pessoa conseguiu se sentir mais feliz nessa semana
porque algum deu importncia ao que ela ... P! Valeu, cara!

De tudo isso, ficou a vontade de continuar, entrar na luta, fazer algo para
mudar o que entenderam como realidade das pessoas LGBTTI e ver o tema
sendo tratado na escola.
Eu espero que esse trabalho no acabe aqui. Espero que a gente
fale mais, informe mais, faa mais....
Desse trabalho ficou o esprito de acabar com a homofobia, o
esprito de luta.
Precisamos falar mais da LGBTTIfobia e esse trabalho, pra mim, foi
uma inspirao para estudar e entender muito mais o assunto, alm
de lutar contra a homofobia..
Sentia alm do desprezo, um pouco de falta de informao. Por isso
acho que a escola tinha que trabalhar desde o Ensino Fundamental,
falar mais do preconceito, da LGBTTIfobia....

Consideraes finais

A experincia desse trabalho foi muito gratificante para mim. Percebi tam-
bm o quanto se trata de uma luta importante que precisa ser cada vez mais
assumida por ns, educadoras e educadores. Primeiro porque o preconceito e
a desinformao ainda so muito arraigados em nossa cultura e precisam ser
enfrentados intensamente. Segundo porque pequenas aes, como julgo terem
sido as propostas realizadas pelo trabalho em questo, tm potencial para trans-
formaes que possam ser bastante significativas.
Como maior dificuldade apontada pelos/as estudantes, fica o no envolvi-
mento de outros/as professores/as nas atividades, embora eu tenha esclarecido
que se tratava de uma proposta particular de minha parte e no tenha solicitado
nenhuma parceria nesse sentido. Mesmo assim, eles/as esperavam mais parti-
cipao ou pelo menos comentrios de incentivo, que tambm dizem no ter
acontecido. Este foi o motivo para que no realizassem o que programaram

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para o ltimo dia da semana. Ainda quanto s dificuldades, apontaram tambm


o pouco tempo para a realizao das atividades alm da observao de que,
mesmo entre eles/as algumas aes ainda precisam se concretizar no cotidiano,
citando como exemplo piadinhas constantes direcionadas por alguns colegas a
uma pessoa que est assumindo sua orientao sexual em sala de aula.
Lembro que esse trabalho no foi imposto turma, mas proposto. Proposta
que contou com a adeso de 22 estudantes em uma turma de 26, mesmo que
tal adeso tenha, a princpio, trazido alguma dificuldade: Adorei participar das
intervenes. Sair pelos corredores, na minha opinio, foi uma deciso difcil
porque todos vo te julgar, porm, quando decidi ir, tomei a melhor deciso
de no me importar com a opinio malvada e preconceituosa. A proposta
sugeria pesquisas e aes que foram feitas com seriedade e prazer: foi um
prazer pesquisar, no um fardo. Ao observ-las/los em nosso debate, pude
perceber as expresses de indignao, de espanto e tambm de felicidade pelas
experincias vivenciadas. Senti o quanto queriam falar do que sentiram e o
quanto ficaram tocados, reconhecendo que eu tambm passei por momentos
como os deles/as e entendendo que no fcil implementar atividades assim
no ambiente escolar: Gostaria de parabenizar a professora, pois teve pulso
para fazer esse trabalho e, assim como os alunos, tambm ouviu comentrios
(positivos e negativos).
Finalizo esse relato dizendo do meu prazer em ter vivenciado esses
momentos e da minha vontade em permanecer na luta. Trabalhar as questes
de gneros e sexualidades na educao de nossos jovens e de nossas crianas
algo que no se pode deixar para amanh. Formar docentes que se incluam
nessa luta de fundamental importncia para a construo de uma sociedade
em que todas as pessoas possam existir.

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PLEGARIA ROSA LGBTI EL SALVADOR: RECUPERANDO LA


DIGNIDAD HUMANA A TRAVS DEL DUELO

Amaral Palevi Gmez Arvalo


Doctor en Estudios Internacionales en Paz, Conflicto y Desarrollo
Rede O Istmo
[email protected]

GT 02 - Ativismos e os movimentos sociais

Padre Santo tambin te pedimos por todos nuestros hermanos y


hermanas que ya partieron por la injusticia, por el odio y por la
discriminacin

V Plegaria Rosa LGBTI 2016

A manera de introduccin

Todos los aos en El Salvador son asesinadas lesbianas, gay, bisexuales,


personas trans e intersexuales (LGBTI) con un alto conato de violencia y tor-
tura (Mendizbal, 2015; Linares, 2014). Estos hechos son desapercibidos por la
mayor parte de la poblacin. Por una parte, los altos ndices de violencia que
experimenta El Salvador encubren estos crmenes de odio fundamentados en la
orientacin sexual y expresin de gnero de sus vctimas. Ya que en la mayora
de veces, parafraseando las palabras de Judith Butler (2010), las vidas de perso-
nas LGBTI al interior de El Salvador, no son suficientemente vidas dignas de ser
reconocidas y menos an lloradas en un duelo.
Ante la situacin anterior la Asociacin Salvadorea de Derechos
Humanos Entre Amigos, primera organizacin que defiende los derechos
humanos de personas gay, lesbianas, bisexuales y trans desde 1994, promueve
como parte de sus acciones de visibilidad y de incidencia poltica actividades
para recordar a las personas LGBTI muertas por crmenes de odio. La primera

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actividad de este tipo se registra en 1995 y consisti en la colocacin de velas


en la Plaza Morazn para recordar a un grupo de travestis asesinadas en el
contexto de la guerra. En 1998 en la realizacin de la segunda Marcha del
Orgullo Gay-Lsbico se colocaron velas para denunciar los crmenes de tra-
vestis y homosexuales que incrementaron entre la realizacin de la primera
y segunda marcha (AP ARCHIVE, 1998). As tambin se recuerda la misa de
accin de gracias que se realiz en 2003 en el marco de la Marcha del Orgullo
Gay (Comisin Internacional de Derechos Humanos para Gays y Lesbianas,
2004).
El objetivo de este relato de experiencia es realizar un proceso de siste-
matizacin y anlisis inicial de las Plegarias Rosa LGBTI realizadas entre 2012 a
2016, destacando que dicha actividad ejecuta tanto una gestin poltica de la
perdida y de la violencia homofbica como tambin fomenta un espacio para
que parejas, madres y amigos de vctimas de crmenes de odio por orientacin
sexual y expresin de gnero dispongan de un momento para recordar la vida
de personas LGBTI asesinadas.

Surgimiento

Como se coment anteriormente, ofrecer un espacio de duelo ha sido


parte de las acciones que ha promovido Entre Amigos desde el surgimiento
de la asociacin. No obstante, la primera Plegaria Rosa no se convoca desde
esta perspectiva tradicional catlico.
El 18 de mayo de 2012, el Sistema de las Naciones Unidas en El Salvador
y UN-Globe (iniciativa mundial de funcionarias y funcionarios de Naciones
Unidas en apoyo a la comunidad LGBT), en el marco de la conmemoracin del
Da Internacional contra la Homofobia y la Transfobia realizan un Cine Frum
de la pelcula Plegarias por Bobby (Prayers for Bobby) en el auditorio del Museo
Nacional de Antropologa Dr. David J. Guzmn MUNA.
Inspirados por la temtica de la pelcula y con el objetivo de recordar a
personas LGBTI asesinadas por medio de un acto poltico a travs del duelo,
Entre Amigos promueve la primera Plegaria Rosa, como un acto de duelo
pblico y colectivo para demandar de forma pacfica al Estado Salvadoreo
una respuesta pronta y efectiva contra los crmenes de odio que padecen las
personas LGBTI.

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Descripcin

La primera Plegaria Rosa se realiza el da 23 de junio de 2012. Por parte


de Entre Amigos nombr esta actividad como Acto Ecumnico para conme-
morar a las vctimas producto de los crmenes de odio. Para su organizacin
se reconoce la colaboracin del Comit 28 de Junio (el cual se encargaba de
organizar las actividades de junio diverso) y posiblemente un patrocinio del
American Jewish World Service. El acto consisti en colocar veladoras de colores
sobre una manta blanca formando la palabra LGBTI. El lugar de realizacin fue
la Plaza de El Salvador del Mundo. Se realiz un performance de dos hombres
y una mujer trans asesinados, a los cuales les rodeaba una cinta amarilla, siendo
la representacin de una accin pericial de la polica ante una escena de homi-
cidio. Se realiz una lectura de versculos de la Biblia, existiendo representantes
religiosos, entre los cuales uno manifest que Dios es tambin diversidad. Una
madre realiza una invocacin por el asesinato de las diferentes personas LGBTI
y acto siguiente enciende la primera veladora, luego todos los participantes
colaboran en encender las dems. Se colocan mensajes escritos con nombre de
las personas LGBTI asesinadas sobre la manta blanca.
En el ao 2013 esta accin adquiere el nombre de Plegaria Rosa LGBTI
El Salvador. Se realiz el 22 de junio de 2013, en la Plaza de El Salvador del
Mundo. En ese ao se inaugura la colocacin de un lema identificativo para
cada ao. En esta oportunidad el lema fue: Una vela de Esperanza. En una mesa
cubierta por banderas del arcoris se colocaron veladoras blancas. La Iglesia
Evanglica Protestante de El Salvador (IEPES) tuvo una participacin muy visible
en esta actividad. La mayora de participantes vestan camisetas negras alusivas.
Sobre la plaza se coloc un banner de fondo blanco con el mapa de El Salvador
rellenado con los colores de la bandera del arcoris y adentro de aquel la sigla
LGBTI elaborada por medio de fotografas de personas. Ordenadamente cada
uno de los participantes colabor en colocar y encender las veladoras blancas
alrededor del mapa de El Salvador. Cuando se finaliz de rodear el mapa de
veladoras, dos madres recordaron sus hijos, un momento muy emotivo para
todos los asistentes. Para el cierre se realiz una oracin colectiva en la cual
los participantes se tomaron de las manos para recordar a las personas LGBTI
asesinadas.
La Tercera Plegaria Rosa LGBTI se realiz el 14 de junio de 2014, en la
Plaza de El Salvador del Mundo. El lema de ese ao fue: En memoria de las

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vctimas por crmenes de odio. Varias personas ondean banderas del arcoris
alrededor de la Plaza. Se coloc un banner en la Plaza con el logotipo diseado
para ese ao que fueron tres velas de contorno blanco sobre un fondo rosado,
y sobre ellas se colocaron veladoras blancas. A la par de este banner se coloc
otro con diferentes fotografas de personas LGBTI muertas en El Salvador. Luego
de las palabras de los lderes religiosos, entre las cuales reson en muchas
ocasiones la palabra impunidad, se procedi a encender las veladoras. Para
finalizar se realiz una liberacin de globos en la plaza.
Esta Tercera Plegaria profundiza en su sentido poltico, ya que se emite un
comunicado. Entre las demandas se pueden nombrar (Asociacin Salvadorea
de Derechos Humanos Entre Amigos, 2014):

1. Creacin de polticas pblicas que brinden y garanticen la seguridad


en el cumplimiento de los derechos humanos de las personas que for-
man parte de la Diversidad Sexual.
2. Capacitacin y sensibilizacin hacia los funcionarios de las entidades
de seguridad pblica sobre temticas de Diversidad Sexual.
3. Colocar un alto a la impunidad de los crmenes de odio de personas
LGBTI.
4. Creacin de una Ley de Identidad y/o Expresin de Gnero.
5. Creacin de una Ley de No Discriminacin por Orientacin Sexual,
Identidad y/o Expresin de Gnero.

La cuarta Plegaria Rosa LGBTI se realiz el 20 de junio de 2015, en la Plaza


de El Salvador del Mundo. El lema de ese ao fue: Porque mientras los Crmenes
de Odio sigan impunes, no habr Justicia en El Salvador. El equipo organiza-
dor portaba camisetas blancas con el lema Dignidad para Todos y Todas, en
la parte frontal. El acto tuvo modificaciones respecto a los aos anteriores. La
primera de ellas fue que los banners identificativos se colocaron verticalmente y
las veladoras blancas tradicionalmente utilizadas dieron paso a velas de colores
tipo cirios. Tambin en esta oportunidad se coloc un nfasis especial en recor-
dar a activistas LGBTI muertos en el ltimo ao. Se realizaron unas palabras
alusivas por parte del sector religioso que se hizo presente. Dos madres repre-
sentando a familiares de personas LGBTI asesinadas estuvieron presentes. A
cada uno de los participantes se les entreg una vela, al encenderlas se solicit

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levantarlas en alto, representando una plegaria de justicia para que las muertes
de todas las personas LGBTI no continen impunes.
La Quinta Plegaria Rosa LGBTI se realiz en la Plaza de El Salvador del
Mundo, el 18 de junio de 2016. En est ocasin se aprovech la actividad para
hacer un homenaje a las personas muertas en Orlando (EE. UU.), aparte de
recordar y denunciar las muertes de personas LGBTI en El Salvador. El lema prin-
cipal de la actividad estuvo representado por el hashtag #EsteEsNuestoFuturo,
el cual marc las actividades polticas de diversidad sexual entre mayo y junio
de 2016. Este hashtag se origin por la prohibicin de una campaa publicitaria
de una compaa telefnica que apelaba a las diferencias como una condicin
de los seres humanos. El movimiento de diversidad sexual se apropi de ese
mensaje.Como lema secundario se utiliz una frase de Eduardo Galeano: Los
muros de la desigualdad estn empezando a desmoronarse. Esta afirmacin,
nace del coraje de ser diferente.
Existieron nuevos elementos simblicos que se incorporaron a la activi-
dad entre los que destacaron fue la colocacin de cruces blancas con manchas
rojas alrededor de la plaza, la colocacin de una rainbow flag sobre el csped
y la utilizacin de farolitos1 para proteger las velas. Como en otros aos, una
madre en representacin de familiares de personas muertas dio su testimonio,
en su discurso manifest que: La violencia me quit un hijo, pero me quedaron
todos ustedes. Se realiz una plegaria en nombre de las personas fallecidas. Un
representan religioso dio su mensaje. Un coro ejecut varias piezas musicales.
Las velas se encendieron y los presentes rodearon la bandera del arcoris, levan-
tando sus velas y las cruces manchadas de sangre.

Reflexin

Un primero punto, que esta actividad resalta es la realizacin de un acto


ecumnico con diversos representantes de la iglesia anglicana. Tradicionalmente
se tiene una perspectiva de desconexin entre los sectores religiosos y temas de
diversidad sexual. La presencia y el oficio ministerial que estos representantes
realizan al interior de la actividad, rompe este estereotipo de separacin.

1 Los farolitos son cubiertas elaboradas con papel celofn. Son representativos de la fiesta catlica del
7 de septiembre que se realizan en las ciudades de Ahuachapn y Ataco en el occidente del pas.

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En segundo lugar, se debe mencionar el importante espacio creado por


medio de la Plegaria Rosa, para que familiares de personas LGBTI asesinadas
por crmenes de odio tenga un espacio tanto individual y colectivo para devol-
ver la dignidad humana a sus familiares asesinados. No obstante, destaca la
participacin de madres en este acto de luto, lo cual conlleva a sugerir que el
duelo por la muerte de personas LGBTI tiene gnero, y en este caso es feme-
nino. As surgen las preguntas Dnde estn los padres? Cul es el luto que los
hombres realizan?
Respecto a los activistas y otras personas LGBTI presentes en la actividad,
ms que ser una accin de trabajo, ya que algunos estn al interior del equipo
organizador, igual que las madres presentes, para ellos y ellas se vuelve tam-
bin un espacio de luto para recuperar la dignidad humana de sus amistades
asesinadas.
En tercer lugar, la Plegaria Rosa se transforma en un espacio de memoria
colectiva para la comunidad de diversidad sexual en El Salvador. Planificado o
no, en la Plegaria Rosa se realiza un proceso de remembranza de las personas
LGBTI asesinadas, y por medio de este acto el olvido de sus vidas, sus cuerpos
e ideales no se realizan. En cuarto lugar, la Plegaria Rosa es un espacio para la
lucha poltica y reivindicacin de ciudadana por medio de la realizacin de un
duelo pblico y colectivo, que adquiere un sentido de protesta pacfica ante el
Estado.
Quiero resaltar el lugar simblico de realizacin de este acto: El Salvador
del Mundo. La Plaza de El Salvador del Mundo es el cono por antonoma-
sia que representa al sujeto salvadoreo (LPEZ, 2011). La realizacin de la
Plegaria en esta plaza acciona a nivel simblico que todo el pas se encuentra
en luto por estas vidas LGBTI que fueron muertas por crmenes de odio. As, la
Plegaria Rosa promueve un mecanismo de denuncia ante la violencia de Estado
representada por sus omisiones al mantener en la impunidad los crmenes de
personas LGBTI cometidos por su orientacin sexual, identidad y/o expresin
de gnero.
La Plegaria Rosa divisa recuperar y reconstruir la Dignidad Humana de las
personas LGBTI asesinadas por crmenes de odio, por medio de la realizacin
de un duelo pblico y colectivo mostrando que las personas LGBTI son vidas
tan dignas como cualquier otra que merecen ser recordadas en un duelo. Al
mismo tiempo se promover una gestin poltica de la violencia asesina homo-
-lesbo-bi-transfbica que se experimenta en el pas.

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Para finalizar es necesario hablar sobre los retos de la Plegaria Rosa al


interior de El Salvador. En primer momento, el cmo masificar la participa-
cin a esta actividad, para que se vuelva igual de importante que la Marcha
por la Diversidad Sexual que rene entre 6,000 a 7,000 personas. Retomando
palabras de Butler (2006), considero relevante reflexionar: Cmo fortalecer la
diversidad sexual en El Salvador como una comunidad poltica por medio de la
realizacin del duelo al interior de la Plegaria Rosa LGBTI?

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Referencias

AP ARCHIVE. El Salvador: Gay protesters demand right to plice protection. 1998.


Disponible en: http://www.aparchive.com/metadata/youtube/fd7561369dd34996b-
36d83925a704ecc Acceso en: 19 de Jun. 2016.

ASOCIACIN SALVADOREA DE DERECHOS HUMANOS ENTRE AMIGOS.


Comunicado Tercera Plegaria Rosa. San Salvador: Asociacin Entre Amigos, 2014.

BUTLER, Judith. Vida precaria: El poder del duelo y la violencia. Buenos Aires:
Paids, 2006.

______. Marcos de Guerra. Las vidas lloradas. Buenos Aires: Paids, 2010.

Comisin Internacional de Derechos Humanos para Gays y Lesbianas (IGLHRC).


Resumen GLTBI Amrica Latina y el Caribe 2003. New York: IGLHRC, 2004.

LINARES, Mnica. Informe de El Salvador sobre Derechos Humanos de las Personas


Trans. San Salvador: Asociacin Solidaria para Impulsar el Desarrollo Humano, 2014.

LPEZ, Carlos. Mrmoles, clarines y bronces. Fiestas cvico-religiosas en El Salvador,


siglos XIX y XX. Soyapango: Editorial Universidad Don Bosco, 2011.

MENDIZBAL, Modesto. Informe sobre la situacin de los Derechos Humanos de


las mujeres trans en El Salvador. San Salvador: Procuradura para la Defensa de los
Derechos Humanos, 2015.

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VIOLNCIA DE GNERO E MAPEAMENTO DA LGBTFOBIA


EM TERRITRIO NACIONAL: TEM LOCAL,
UMA PLATAFORMA COLABORATIVA COMO UM
RETRATO DO PROBLEMA NO BRASIL

Antonio Carlos Pinto da Fonseca Junior


Bacharel em Comunicao Social com habilitao em Publicidade e
Propaganda
UNITAU Universidade de Taubat - SP
[email protected]

GT 02 - Ativismos e Movimentos Sociais

A violncia de gnero foca a performance das pessoas sob a identidade e


orientao sexual. Pessoas cis tm o sexo atribudo como natural, condizente
identidade, sofrendo tipos de agresso enquanto se apresentam como homem
ou mulher atrelados sua orientao sexual. Pessoas trans, que no adequam
o sexo atribudo naturalmente sua identidade sofrem agresses sendo homem
ou mulher trans. Fora da diviso homem X mulher, pessoas que se identifi-
cam no-binrias so vtimas em outra esfera. Assim no podemos retratar a
violncia comunidade LGBT simplesmente como homofobia. Para que se
possam criar aes de enfrentamento, assim como reconhecer cada perfor-
mance de gnero preciso identificar o que as faz distintas como o que as
faz semelhantes. Ao criar uma sigla que represente o mximo da sexualidade
no-heterossexual em identificaes contemporneas, coloca-se, muitas vezes,
anseios de cada grupo apagados por alguma identidade. LGBT - Lsbicas, Gays,
Bissexuais e Transexuais - e tambm completada com IQA+ - Intersexuais,
Queer (ou no-binrios), Assexuais - e o smbolo de +, indicando que outras
identificaes iro surgir ou sair da invisibilidade, confirmam a dinmica sexual
humana, como mostra a Escala de Sexualidade de Alfred Kinsey (1948) e Escala
de Orientao Sexual de Henry Benjamim (1960). Ressalta-se que o termo Gay,
apesar de englobar homens e mulheres no heterossexuais, designa homens

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homossexuais, apagando o feminino, obrigando as homossexuais femininas a


reforarem sua definio como Lsbica.
Pretendo problematizar que a raiz da violncia aos LGBT est na miso-
ginia, o dio ao feminino, porm analiso caso a caso como a misoginia se
projeta, distanciando-me do significado central da palavra, averso s mulheres.
Na sociedade brasileira atual, em que o masculino ainda dado como gnero
superior, reproduz-se na naturalizao dos corpos, aqueles aceitos e aqueles
considerados abjetos. Na gestao h a primeira violncia de gnero, a nome-
ao do sujeito, como mostra Fbio Figueiredo Camargo, em seu artigo Da
Violncia Perptua:
nessa humanizao que sofremos nossa primeira violncia, per-
petrada por interesses do estado, mas incentivada e acatada pela
famlia. Uma criana sem nome, e portanto, sem gnero, impen-
svel no universo familiar ainda hoje. Somos marcados pelo gnero
e desde ento condenados a seguir os padres estabelecidos pelos
entes que nos amam. (CAMARGO, 2017)

Aps o estgio social de identificao menino e menina, se constri


a idealizao heteronormativa da performance do indivduo, seja com base
na religio ou no status quo, culpabilizando-o pela negao, pois o macho
tomado como dominante e a fmea dominada. Pessoas que no se enqua-
dram nesse modelo estariam sistematicamente corrompendo a norma e por isso
causam desconforto, o qual corroboraria para as agresses.
A plataforma de mapeamento da LGBTfobia Tem Local funciona no
endereo temlocal.com.br e est disponvel gratuitamente. uma ferramenta
que recebe dados de agresso pela prpria pessoa ou um expectador do ato,
criando um raio-x da violncia mais aprofundada que pesquisas j existentes,
as quais no qualificam a vtima por sua identidade de gnero e orientao
sexual. Atravs de um sistema de coleta, em que a vtima seja identificada pela
sua identidade cis ou trans e sua orientao sexual, pode-se mapear de apro-
fundadamente como ocorre a violncia de gnero no pas. Nos relatos contidos
na Plataforma visvel a violncia ao feminino descrita pelas vtimas, direta ou
indiretamente, assim como a crueldade maior quando a vtima se comporta
de forma feminizada.
A plataforma se diferencia da coleta de dados de ONGs e rgos de segu-
rana devido no utilizao do termo homofobia, por no contemplar toda a

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comunidade. Na prtica significa que uma pessoa transexual identificada por


seu sexo de registro, ao relatar uma violncia, menos um dado contabilizado
para o diagnstico da transfobia. Assim como uma lsbica caracterizada como
homossexual um apagamento de caractersticas da violncia mulher. Tem
Local se prope a receber informaes do usurio, o qual se identifica con-
forme sua performance, com isso o banco de dados se torna mais completo e
direciona os tipos de violncia, podendo gerar aes especficas de combate a
cada fobia da comunidade.
Dos relatos recebidos destaco alguns que ilustram como a diferena das
identidades e gneros geram violncias distintas porm da mesma raiz:
Um cara com sotaque carioca estava intimidando as mulheres ls-
bicas, falando que iria estupra-las porque isso era falta de pnis e
que iria matar os gays. Os seguranas presentes no local no fize-
ram nada.
http://temlocal.com.br/Relatos/Visualizar?b=1136

Analisando mulheres cis lsbicas ou bissexuais podemos identificar que a


misoginia ocorre pelo julgamento de mulheres que no esto se comportando
como deveriam, pois elas fogem do escopo da performance esperada de uma
mulher heterossexual. A lesbofobia tem como fator determinante o caso da
pessoa ser menos mulher, e exercida por agresses verbais ou fsicas, pois a
lsbica tomada como algum que merece ser punida e corrigida, como pode
ser observado no relato que incita o estupro corretivo. Isso tambm se faz em
xingamentos, assdio e fetichizao de sua sexualidade a servio do opressor,
que costuma ser um homem cis. O ataque s lsbicas ocorre na invalidao do
feminino, pois espera-se que mulheres sejam submissas ao masculino. Atrelado
a isso h o sentimento de competitividade com o homem, que sendo um ser
flico, julga ser mais completo e apto a corresponder ao desejo feminino. Desse
modo, lsbicas so julgadas, primeiramente, por, supostamente, invadirem o
territrio que deveria ser de exclusividade masculina e, em seguida, so pen-
sadas enquanto falhas por no terem o rgo masculino e serem incapazes
de copular com outra mulher. A misoginia divide espao entre a vtima ser o
feminino passvel de dio e o no cumprimento da norma pr-estabelecida. Em
casos em que a vtima masculinizada ou sem os trejeitos que se espera de
uma mulher, a agressividade pode ser ainda maior.

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No caso de homofobia, ataques aos homens cis gays, teremos outra din-
mica. Segue um relato:
Voltava pra casa caminhando e um cara comeou a conversar
comigo. Viemos conversando por uns 10 minutos. O Aterro uma
rea de cruising. Quando chegamos altura da minha casa atraves-
samos uma das passarelas e paramos numas rvores entre as pistas.
Al ele me estrangulou, eu desmaiei. Acordei com a lngua cortada
e dores pelo corpo. Acho que ele me chutou.
http://temlocal.com.br/Relatos/Visualizar?b=51

A misoginia pode ser percebida quando esse corpo masculino na prtica


sexual faz o papel feminino para o prazer masculino, devendo ser punido por
isso. Cruising, como a vtima descreve, so locais em que ocorre a popular
pegao, ou encontro furtivo muito disseminado entre homens gays, cujo ato
sexual ocorre em espao pblico. No h comprovao do ato em si entre eles,
porm, o agressor, por estar presente no parque conhecido pela prtica, mostra
seu dio a homossexuais quando ataca sua vtima com um estrangulamento
seguido de chutes. A agresso ao homossexual pretende retirar o feminino
desse corpo.
Nos casos em que h ameaa de morte v-se um tom de higienizao por
parte do agressor, como pode-se ler no trecho a seguir;
Segunda feira, dia 9/05/2016, o agressor criou uma situao no 2
andar da biblioteca da UFU, (...) Uma colega tentou solucionar o
caso quando ele disse: vou matar todos os gays da biblioteca. A
bibliotecria pediu pra ele se acalmar e ele disse no vou me acal-
mar... estou avisando vou matar os gays da biblioteca. (...) hoje, dia
11/05/2016, no banheiro, ele disse pra um aluno que adentrou o
local: que foi... por que t me olhando? falou de forma agressiva.
A vtima se assustou porque o agressor veio pra cima dele.
http://temlocal.com.br/Relatos/Visualizar?b=1147

O agressor quando esbraveja querer matar todos os gays passa a ideia de


que gays carregam em si algo que deva ser exterminado. Na viso do agressor,
o homem gay abre mo do seu privilgio masculino ao ter sua parte feminina
aflorada, seja em trejeitos, vestimenta ou prtica sexual. A misoginia contamina

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e diminui o sujeito, fazendo com que ele seja visto como homem de menor
valor.
Quando analisamos a bifobia temos que ressaltar que parte dos ataques
sofridos acontecem na prpria comunidade LGBT que no se isenta de ser
tambm preconceituosa. O ataque suposta e frequente anlise da indeciso
deste indivduo, usando agresses que vo desde homem ou mulher bissexual
ser tratado(a) como uma pessoa falha, ao no ser nem homo ou heterossexual, e
ser incapaz de confiana, at a ataques que a/o aproxima da homo/lesbofobia.
O bissexual a orientao sexual mais apagada. No trecho a seguir, a vtima,
de performance descrita como afeminada, sofre ataques que se aproximam da
homofobia:
Estava (...) afeminado (...), estava maquiado, de unhas pintadas e
uma camisa bem chamativa. (...) decidi ir pela rua da Papa G por
ter mais chances de estar movimentada, j o sair decidi a andar
perto de um grupo de afeminados, e percebi olhares, ao chegar
perto da estao mercado um grupo de senhores falavam alto
sobre Os viados passando do outro lado que tnhamos que mor-
rer e que estavam todos no bar gay fazendo suruba que ali era
um lugar de orgias (...)passou um carro preto cheio de homens e
comeou a andar devagar, (...) s ouvi eles gritarem Viado, Bicha
e me chamando para fazer sexo com eles, fiquei (...).
http://temlocal.com.br/Relatos/Visualizar?b=75

Vemos que a misoginia, intrnseca s agresses ao homem bissexual, se


aproximam da homossexualidade do homem cis gay, o que visto como desis-
tncia da masculinidade naturalizada socialmente e aceitao de caractersticas
femininas, sejam elas evidentes e performticas ou apenas sugeridas ao gay
assumido, mesmo que heteronormativo, por no exercer sua masculinidade
plena. O dio ao feminino feito pela dispensa do poder masculino dito pela
sociedade heteropatriarcal como norma. Podemos transpor a mesma lgica
mulher bissexual, sendo ela alvo de ataques que se aproximam da lesbofobia.
Apesar de estar na mesma sigla e no mesmo conjunto de preconceitos
de ordem sexual, as pessoas transexuais exercem, alm de sua identidade de
gnero, uma performance distinta das pessoas cis. Se tratarmos exclusivamente
de orientao, a sigla no deveria contemplar essa comunidade, porm, por
serem ainda tratadas em sua formao sexual como homoerticas, se enqua-
dram no grupo em questo. As pessoas transexuais no so rigorosamente

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homossexuais, afinal, a partir da aceitao de seu gnero, sua orientao recai


na heterossexualidade, se relacionando com frequncia com o sexo oposto
seja ele cis ou trans. A misoginia aqui redobrada quando o dio ao femi-
nino tem desdobramentos que vo desde o homem biologicamente definido,
que se identifica como mulher, e por isso sofre a violncia ao negar absoluta-
mente caractersticas do macho, quanto mulher biologicamente definida que
se identifica como homem e no cumpre seu papel de fmea. , sem sombra
de dvidas, a identidade que mais sofre violncia, tendo casos alarmantes de
assassinatos, alm da negligncia sofrida desde sua excluso social. No trecho
abaixo podemos comprovar a violncia:
J so 14 as pessoas assassinadas em Tubaro este ano. O tra-
vesti Adriano Mendes dos Santos, 28 anos, foi morto a pedradas
e teve o rosto completamente desfigurado ontem de madrugada.
O crime ocorreu em um terreno baldio, na avenida Padre Geraldo
Spettmann, prximo a rodoviria, no bairro Dehon. O seu corpo
foi encontrado por um casal que passava pelo local ontem pela
manh, por volta das 7 horas. Adriano era natural de Paranagu
(PR) e estava hospedado na casa de outros travestis.
http://temlocal.com.br/Relatos/Visualizar?b=1110

Podemos observar que no basta a morte da transexual para demonstrar


a misoginia intrnseca sob o corpo feminino que renega sua identidade compul-
sria de nascimento. necessria que a violncia perpetue com desfigurao
e outros artifcios para eliminar sua feminilidade. comum que mulheres trans
sejam humilhadas em seus assassinatos, trazendo tona o que h de mascu-
lino, cortando seus cabelos, arrancando as prteses ou retirando os vestgios do
feminino existentes. A prpria matria, tratando a vtima no masculino e gra-
fando seu nome de registro, corrobora a violncia, deixando claro que a morte
resultado de uma farsa cometida pela vtima. Homens trans passam por um
processo parecido sendo expostos nus ou estuprados, forando esses corpos
lembrana de que nunca sero masculinos, demonstrando que a misoginia
ataca ao fortalecer o no pertencimento desses corpos ao grupo dos machos.

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Consideraes finais

A plataforma disponibiliza uma ferramenta de fcil acesso ao usurio pela


qual qualquer um possa fazer denncias. Os criadores, Marcus Lemos, Thiago
Bassi e Antonio K.valo (codinome do autor deste artigo) atuam em defesa de
direitos humanos LGBT no Rio de Janeiro. A partir da houve uma grande expo-
sio do projeto na mdia e denncias chegaram de diversos locais, comeando,
assim, o mapeamento. Como a plataforma colaborativa e aberta, cria-se uma
ao de coleta de dados junto a coletivos. Estes, ligados a caractersticas espec-
ficas de sua localidade, alm de denunciar, prestam algum tipo de acolhimento
s vtimas. A articulao com advogados, psiclogos, e casas que acolhem pes-
soas expulsas de suas famlias, faz com que a plataforma se torne atrelada a
coletivos j existentes nas cidades. O projeto quer disseminar esse atendimento,
incentivando aes coletivas que possam enfrentar a violncia.
Os dados registrados esto disponveis para consulta. O Tem Local se
prontifica a registrar o maior nmero de dados com o objetivo de traar um
diagnstico da violncia no pas para que sejam criadas polticas pblicas refe-
rentes aos casos. Enquanto houver apenas o foco da homofobia no haver
debate aprofundado de gnero no pas.

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Referncias

BUTLER, Judith. Problemas de gnero: feminismo e subverso da identidade. Trad.


Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO,
Guacira Lopes. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Trad. Tomaz
Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autntica, 2000.

CAMARGO, Fbio Figueiredo. Da violncia perptua. Conferncia apresentada no IV


SINAGI em 20/05/2016. (No prelo)

TEM LOCAL. http://temlocal.com.br. Acesso em 29/06/2016

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RELATO DA OFICINA DE ENFRENTAMENTO


VIOLNCIA CONTRA MULHER REALIZADA COM
MULHERES ENCARCERADAS EM REGIME SEMIABERTO

Beatriz Hiromi da Silva Akutsu


Mestranda no Programa de Ps-graduao em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense
[email protected]

Natalia Kleinsorgen
Mestra em Mdia e Cotidiano pelo Programa de Ps-graduao em Mdia e
Cotidiano da Universidade Federal Fluminense.
[email protected]

GT 02 - Ativismos e os movimentos sociais

O relato que segue sobre uma experincia com mulheres encarceradas


em regime semiaberto. Em maio de 2016, fomos convidadas pela professora da
rea de humanas para falar sobre o tema da violncia contra mulher, no Centro
de Progresso Penitenciria (CPP) Feminino Dra. Marina Marigo Cardoso de
Oliveira de Butantan, da capital paulista, no perodo das 18h s 21h.
Considerando a pesquisa Mulheres e crianas encarceradas: um estudo
jurdicosocial sobre a experincia da maternidade no sistema prisional do Rio
de Janeiro, de autoria de Luciana Boiteux, Mara Fernandes, Aline Pancieri e
Luciana Chernicharo (2015), que apontava para padres de violncia sofridas
por mulheres encarceradas antes da priso, optamos por falar sobre o tema
de maneira abrangente. Elegemos, portanto, a metodologia de oficinas, tendo
como norte aproximao, escuta e acolhimento das mulheres participantes.
Nunca havamos tido a experincia de falar com mulheres encarceradas, e
sequer havamos estado em alguma unidade prisional. Nossa principal preo-
cupao era promover um ambiente minimamente acolhedor do incio ao fim,

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diante do peso da existncia naquele lugar e da prpria proposta, que era falar
sobre violncia dentro de um espao desumanizado.
Depois de algumas conversas, chegamos concluso de que nossa
expectativa era mais sobre o que poderamos aprender do que ensinar. Afinal,
qualquer atividade de escuta entre mulheres, de troca de experincias entre
pessoas do sexo feminino, extremamente engrandecedora: quanto mais ouvi-
mos, mais conseguimos nos identificar nos relatos e projetar solues juntas.

Dinmica de apresentao Quem sou eu + massagem

Assim que entramos na sala de aula, dissemos que tnhamos uma


proposta diferente para a apresentao de todas ns sentadas nas prprias
cadeiras, convidamos todas a fechar os olhos. Enquanto isso, ns estaremos cir-
culando na sala. Vocs sabero que a hora de se apresentar quando sentirem
que esto sendo massageadas nas costas. O tempo de apresentao ser igual
ao tempo de recebimento da massagem. Vocs podem falar o que quiserem
sobre vocs.
Assim, iniciamos as apresentaes: as mulheres fecharam os olhos, cada
uma de ns ficou em um lado da sala e comeamos a revezar as massagens,
uma por vez. Em virtude da quantidade de pessoas e da disponibilidade de
tempo, pedimos que uma das professoras cronometrasse 30 segundos para
cada massagem. Para que pudssemos identificar as pessoas que j haviam
se apresentado, entregamos, ao final de cada massagem, um papel A4 para a
atividade seguinte.
Na maior parte das apresentaes, as mulheres diziam o nome, a idade
- entre 21 e 60 anos - e a quantidade de filhos que tinham. Praticamente todas
elas eram mes. Nos impressionou o fato de que cada vez que falavam sobre
suas famlias, parecia que nunca tinham sido afastadas do convvio, embora
soubssemos que a maioria no recebe visita do companheiro e dos filhos.
Ouvimos frases como tenho uma famlia linda me esperando.
Ainda sobre a pesquisa (BOITEUX et. al, 2015) que traou o perfil das
mulheres grvidas encarceradas no Rio de Janeiro, os dados apontam que apenas
14% recebiam visitas frequentes dos familiares. Alm disso, uma comparao
entre o interesse de presos masculinos e femininos aponta que o principal ques-
tionamento entre os homens sobre o andamento dos processos, enquanto que
para as mulheres sobre os filhos que esto do lado de fora. Este panorama nos

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mostra algumas semelhanas entre a nossa experincia e o resultado apresen-


tado pelas pesquisadoras cariocas.
Atendendo s nossas expectativas, notamos que essa dinmica propiciou
um clima de relaxamento e unio entre elas, chegando, at mesmo, a estimular
que fizessem massagem umas nas outras.

Dinmica Desencaixando a violncia + roda de conversa

Aproveitando o ambiente de relaxamento, propiciado pela dinmica ante-


rior, demos incio a segunda parte da oficina, que denominamos Dinmica
desencaixando a violncia + roda de conversa. Espervamos que esse fosse o
momento mais tenso e delicado do encontro. A nossa proposta, nesse momento,
era a de falar o menos possvel e ouvir o mximo que pudssemos.
Assim, para essa dinmica foram dedicadas duas horas. Nos primeiros
vinte minutos, falamos sobre a importncia de discutir esse tema; sobre os tipos
de violncia contra a mulher, bem como sobre quem so os principais perpetra-
dores desse tipo de ao: os homens. Durante a nossa fala, procuramos explicar
cada tipo de violncia dando exemplos de situaes encontradas na vida real.
Quando mencionamos a violncia institucional, uma das reeducandas
perguntou se as agresses que elas sofriam dentro do CPP feminino poderiam
ser enquadradas nessa classificao, ao que respondemos afirmativamente. As
denncias foram: deboche por parte das agentes, agresses fsicas, alimentos
estragados, descaso com a sade, falta de remdio e de atendimento mdico,
etc.
J nesse primeiro momento, algumas histrias sobre agresses vividas por
elas l dentro comearam a surgir - tanto as praticadas entre as prprias ree-
ducandas, quanto as que eram perpetradas pelas agentes penitencirias. Foram
vrios os relatos sobre estupros de meninas recm chegadas, ao mesmo tempo
em que algumas veteranas demonstraram preocupao em proteger as mais
novas; outros diziam respeito ausncia de confiana na relao entre elas -
ora voc tem uma amiga, ora ela pode se voltar contra voc. Segundo elas,
esse clima de desconfiana que favorece a desunio. Nesse momento, um dos
relatos mais impactantes referia-se uma lsbica que foi fazer uma saidinha
no dia das mes e acabou tendo suas partes genitais e membros decepados por
se envolver dentro do CPP feminino com a namorada de um traficante.

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Em meio s intervenes, tivemos que nos manter firmes durante a expo-


sio do tema, para que a discusso no se estendesse muito nesse momento,
j que a segunda parte seria dedicada ao debate. Aps a exposio da tem-
tica, apresentamos a nossa proposta: pedimos que cada uma delas, utilizando
o papel A4 recebido na dinmica anterior, escrevesse ou desenhasse, em 20
minutos, alguma situao de violncia vivenciada por uma mulher conhecida.
Ao final do tempo estimado para a atividade, comeamos a leitura dos
papis, sorteando. Uma de ns pegava um do bolo e lia, depois a outra e,
assim, sucessivamente. As meninas se mostravam apreensivas a cada sorteio,
o que viemos entender ser um misto entre expectativa de ter seu material
exposto - apesar de annimos -, e ter que ouvir algo obscuro e triste sobre as
companheiras. Ns tambm nos tornvamos apreensivas a cada papel, e ten-
tvamos conversar sobre eles com calma, sem deixar transparecer muito da
nossa emoo, embora em muitos momentos tenha permanecido um silncio
constrangedor e uma atmosfera pesada que parecia interminvel e, ao mesmo
tempo, insustentvel.
De uma maneira geral, os escritos e os desenhos relatavam situaes de
estupros (inclusive corretivo, institucional, de vulnervel e familiar), sequestro,
espancamento, todo tipo de agresso por parte de familiares - principalmente,
pelos companheiros -, alienao parental, calnia, etc.
Um dos casos, por causa da caligrafia, no conseguiu ser compreendido,
mesmo com a ajuda das professoras, e a autora acabou se identificando e con-
tando pessoalmente o ocorrido. Ela contou que aos 14 anos, poca em que
era muito pressionada pela comunidade por no corresponder aos padres de
feminilidade, mandou um papel de carta para o sobrinho de um policial. Ao ter
acesso ao bilhete, o tio, abusando de sua autoridade institucional, resolveu estu-
pr-la como forma de ensin-la a ser mulher. Ao trmino de sua histria, ela
nos disse que, durante a explanao do tema sobre estupro corretivo, conseguiu
perceber o quanto essas situaes so recorrentes, o que a encorajou a com-
partilhar com as outras a sua histria. Nesse momento catrtico, percebemos
que muitas mulheres se solidarizaram e a consolaram, o que nos fez pensar em
abandonar a dinmica.
Mais dois papis foram abertos, mas percebendo que a situao estava
insustentvel, resolvemos perguntar se elas queriam continuar com o processo:
algumas responderam que sim, mas outras demonstraram vontade de parar. A
mnima quantidade de mulheres desconfortveis nos fez decidir interromper a

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atividade e antecipar o intervalo. Ocupamos menos tempo do que havamos


programado, e, por isso, lanamos mo de uma das dinmicas alternativas, que
tnhamos pensado.
De incio, a nossa impresso era de equvoco sobre a metodologia esco-
lhida, at porque muitas mulheres reclamaram de termos proposto algo to
pesado e desgastante, para um ambiente que em geral j carrega todas essas
caractersticas. Apesar da sensao de que tnhamos errado, tentamos argu-
mentar que o nosso objetivo era que elas se enxergassem nas experincias das
companheiras, ainda que soubssemos o quo difcil a tarefa poderia ser.

Dinmica Vantagens de ser mulher

Depois do intervalo que precisamos fazer, assim que acabamos a segunda


dinmica, foi o momento de tentarmos recuperar a autoestima das mulheres,
que ainda estavam bastante abaladas pelo momento anterior.
A proposta desta terceira dinmica era dividir as mulheres em grupos.
A partir da, solicitamos que escrevessem as vantagens e desvantagens de ser
mulher na sociedade. Depois, elas apresentariam o resultado da reflexo, esco-
lhendo uma representante do grupo para, na frente da turma, expor. Assim elas
o fizeram.
Ao longo do processo de reflexo, passvamos pelos grupos perguntando
se precisavam de ajuda e supervisionando como andavam os trabalhos. Este
contato com elas foi muito importante, para que sentssemos a resposta sobre
as atividades, at ento. Para ns, a tomada de conscincia de que todas as
mulheres j sofreram algum tipo ou muitos tipos de violncia na vida, era
um reflexo da dinmica anterior, uma maneira de se entenderem, e nos enten-
derem, como parte de uma classe socialmente explorada e violentada. Para ns,
era importante que vissem nas companheiras uma espcie de espelho, e que,
neste processo, descobrissem que so mais parecidas do que imaginavam, e
que podem contar umas com as outras mais do que imaginavam. Ouvir delas
essas concluses nos fez comear a pensar que a proposta estava dando certo.
Ainda durante este processo dos grupos, uma menina perguntou porque
no fazamos este tipo de atividade com as agentes enquanto estvamos na
sala, em dois momentos distintos, as autoridades entraram para fazer a conta-
gem. O clima era pssimo. Se havia falatrio, todas se calavam e ajeitavam a
postura. Quando as profissionais saam, voltava a atmosfera de descontrao e

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os deboches: ser que ela finalmente aprendeu a contar?, brincavam as meni-


nas. Sim, por que no fazer com as representantes do Estado? Nos perguntamos
tambm. Assunto para outro momento, porm, foram elas a nos trazerem essa
demanda. Se as agentes passassem por situaes como essa, certamente nos
tratariam de forma mais humana, reclamou uma delas. Ns tnhamos nossas
dvidas, se era possvel humanizar o tratamento das que trabalhavam l, mas,
de qualquer maneira, a denncia e a proposta ficaram registradas.
Comearam, finalmente, as leituras do que haviam elencado como vanta-
gens e desvantagens de ser mulher. No meio do processo da apresentao do
primeiro grupo, decidimos que leramos apenas as vantagens. Apesar de ter sido
importante elas refletirem tambm sobre as desvantagens, achamos que seria
mais interessante darmos destaque ao que elas consideravam bom. Para ns,
e para elas, j no eram mais necessrios momentos de desconforto e pesar. Era
momento de unio. Todas concordaram com a deciso. Ser me; no precisar
se alistar; ser guerreira; ser forte; ser sensvel; ser vaidosa; ser compreensiva; ser
maravilhosa foram algumas das caractersticas comentadas. A cada grupo que
se apresentava, aconteciam palmas e comemoraes, tornando a sala de aula
em algo parecido com uma torcida de futebol. Foi, definitivamente, um espao
necessrio e catrtico no sentido de celebrar a existncia enquanto mulher.

Dinmica Abrao domin + abrao coletivo

Levando em considerao o impacto da discusso desse tema na reali-


dade de todas ns, tivemos o cuidado de escolher uma dinmica que nos desse
o retorno das atividades realizadas - com a impresso que ficou nas participan-
tes, como elas estavam se sentindo -; que proporcionasse alvio e acolhimento
atravs do abrao; que sassemos todas - participantes, facilitadoras e professo-
ras - mais fortalecidas; e que encerrasse a noite com chave de ouro.
Fizemos um crculo com as 52 mulheres presentes, e, sem que tivssemos
proposto, todas deram as mos. Sugerimos que uma por uma falasse em duas
ou trs palavras sobre como estava se sentindo. Aps cada depoimento, essa
pessoa seria abraada pela do lado e, assim, sucessivamente. A primeira mulher
que se voluntariou a falar foi a que relatou sua experincia pessoal sobre o
estupro pelo policial, agradecendo a nossa presena ali e oportunidade de des-
cobrir que outras mulheres tambm passam por situaes similares. A partir da,
escutamos as mais variadas consideraes sobre a atividade, desde eu estou

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sentindo fome e sono at eu no saberia que tinha passado por situaes


violentas at ouvir a palestra de hoje. Quase todas agradeceram por estarmos
ali, alegando sentirem-se aliviadas, mais conectadas umas com as outras e, em
alguns momentos, livres.
Aps todas serem ouvidas - inclusive ns e as professoras - propomos um
abrao coletivo. Nossa ideia era que pulssemos e gritssemos algum grito de
guerra juntas, mas fomos alertadas para a impossibilidade de fazer barulho.
Decidimos, ento, aproximarmos ao mximo dentro desse abrao e falarmos
uma frase escolhida por elas, que tivesse fora suficiente, mesmo sem ser gri-
tada. Para a nossa surpresa, depois de umas duas sugestes aleatrias, logo
existiu um consenso: a frase escolhida foi liberdade para todas.

Referncias bibliogrficas

Boiteux, Luciana et al. Mulheres e crianas encarceradas: um estudo jurdico-social


sobre a experincia da maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro, Grupo
de Pesquisa em Poltica de Drogas e Direito Humanos do Laboratrio de Direitos
Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ), Rio de Janeiro, 2015.
Disponvel em: <https://drive.google.com/file/d/0B6311AmqcdPVRmlXb25wakx2TVE/
view> Acesso em: 07/06/2016

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 1589 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

PERFORMANCE/INSTALAO & INTERATIVIDADE: GNERO,


SEXUALIDADE, DIREITO E DEMOCRACIA

Gabriel Cerqueira Leite Martire


Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito
Universidade Federal Fluminense (UFF),
atuante nas reas: pesquisa, arte e direito
[email protected]

Gustavo Agnaldo de Lacerda


Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito
Universidade Federal Fluminense (UFF),
atuante nas reas: pesquisa, direito e movimento LGBT
[email protected]

Mariana de Vasconcellos Tauil


Graduanda em Cincias Sociais
Universidade Federal Fluminense (UFF),
atuante nas reas: gesto de projetos culturais e polticas pblicas
[email protected]

Este relato de experincia envolve uma atividade que intitulamos


Performance/Instalao & Interatividade. Trata-se de uma produo artstica
que trabalhou com teoria e prtica. Essa produo foi realizada em praa
pblica, onde foi possvel transpor para o plano material alguns contedos e
conceitos que foram estudados na linha de pesquisa em direitos humanos. Tal
abordagem faz parte do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito
da Universidade Federal Fluminense UFF, que possibilitou o surgimento do
grupo de pesquisa Sexualidade, Direito e Democracia, tendo como ideali-
zador e coordenador o professor Dr. Eder Fernandes Monica. Assim, o grupo
vem reunindo estudos sobre diversidade, desigualdade e marcadores sociais da
diferena em termos de classe, raa, gnero e sexualidade.

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Sexual e de gnero
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O projeto teve como objetivo geral combater discursos, relaes e con-


figuraes verticalizadas de poder. Por isso, os objetivos especficos tiveram
como eixos algumas dinmicas capilares de provocao participativa, que sero
melhor observadas ao longo desse relato, bem como em relao ao desenvol-
vimento da parte metodolgica.
Quanto viabilidade para realizao da obra Performance/Instalao &
Interatividade, esta teve como facilitador sua insero no Circuito das Artes.
Nessa ocasio, esse evento estava ocorrendo na Praa Getlio Vargas em Icara,
Niteri RJ.
O Circuito das Artes de Niteri reuniu moda, msica, gastronomia e
diversas outras manifestaes artsticas, criando uma rede de interaes entre
diversas produes e pblicos distintos. Essas atraes so circulantes, ou seja,
de tempos em tempos transitam pelas diversas praas da cidade de Niteri.
O Circuito das Artes um evento que no cobra a entrada do pblico,
assim como dos artesos e artistas integrantes, por isso necessita de colabo-
raes e patrocnios pblicos e privados para funcionar. Cabe ressaltar que o
Circuito desvinculado de dependncias partidrias. Isso porque, o objetivo
criar uma ocupao cultural que visa democratizar os espaos pblicos da
cidade, atravs da manifestao de redes de encontros. Assim, artistas de diver-
sos segmentos e pequenos empreendedores podem participar dessa ocupao
cultural. Isso facilita as inseres e as autorizaes para a criao de atividades
diversas, individuais ou em grupos, nos espaos pblicos.

Bases tericas

A proposta desenvolver uma breve abordagem sobre determinadas


perspectivas tericas em torno do contedo trabalhado na produo artstica.
Sendo assim, impossvel, metodologicamente, no cair em alguns descuidos
generalizantes diante do universo terico que envolve questes de diversidade,
desigualdade e marcadores sociais da diferena.
Para algumas autoras que desenvolvem estudos na temtica de gnero
e sexualidade, como Donna Haraway (2004), MacKinnon apontada por sua
crtica terica nos processos de representao e anlise da violncia em termos
de gnero. Para MacKinnon, a utilizao da figura de mulheres coisificadas
sexualmente implicam na construo social da sexualidade.

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Outra autora, Scott (1990), contribui para a anlise da discusso temtica


a partir do desenvolvimento da conceituao de gnero ao longo da histria.
Desse modo, Scott explora a amplitude dos papis sexuais e do simbolismo
sexual nas vrias sociedades e pocas, achar qual o seu sentido e como fun-
cionavam para manter a ordem social e para mud-la (1990, p. 3). Nessas
expresses de gnero, observou-se que as relaes sociais estabelecem divises
de poderes, cujas hierarquias criam um simbolismo de controle e dominao.
Esses estudos mostravam que deviam ser desconstrudas vises conserva-
doras e deterministas, para se impulsionarem movimentos tanto no mbito das
experincias pessoais e subjetivas, quanto nas atividades pblicas e polticas.
As diferenas no devem ser transformadas em hierarquias. Para isso
sugere-se a implementao de espaos mais abertos de discusso, evitando que
o conceito de gnero se torne limitado e alvo de controle. Em suma, diferenas
existem e fazem a complexidade da vida. Preocupante , quando as diferenas
se tornam marcadores de desigualdades.
Gnero, raa e sexualidade entraram na pauta de profundos debates,
principalmente, para questionar as relaes de poder, os entrelaamentos e
a explorao que se fazem dessas categorias, hoje em dia, por exemplo, no
amplo mercado de consumo. A retomada dessas categorias, para a discusso
na produo artstica que foi realizada, pretende problematizar a normatizao
das formas como os corpos devem agir.
Com efeito, as imagens, por exemplo, buscam definies da sexualidade
como se elas fossem verdades. Contudo, os significados que damos sexuali-
dade e ao corpo so socialmente organizados, sem dizer o que o sexo , ou o
que ele deve ser (WEEKS, 2000).
Uma das formas de perceber tais questes despertar a conscincia para
a forma como as coisas so realizadas. Ao perceber discursos funcionam, como
eles se transformam ao longo da histria e das manifestaes culturais, possivel-
mente conseguiremos questionar por que as coisas so como so hoje em dia.
A sexualidade est sujeita modelagem sociocultural [...]. Isso contraria bas-
tante a nossa crena normal de que a sexualidade nos diz a verdade definitiva
sobre ns mesmos e sobre nossos corpos (WEEKS, 2000).
Alguns dos fatores que vm ajudando a desmistificar os tradicionais con-
ceitos essencialistas so os debates e pesquisas em torno do construtivismo.
Outros avanos so alcanados em razo dos esforos das aes feministas,

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LGBT, raciais, dentre outras polticas de afirmao, visualizao e formalizao


de direitos para o acesso horizontal nas relaes de poder.
No sentido de avanar ainda mais o aprofundamento sobre as relaes de
poder em termos de gnero, raa e sexualidade, a Teoria queer ganha lugar de
destaque na problematizao. Isso porque, ela se insere nas novas formas de
percepo sobre as estruturas pr-estabelecidas e naturalizadas socialmente.
As novas perspectivas de embates envolvendo gnero, raa e sexualidade
tendem a questionar arranjos fixos de identidades. Por outro lado, pensar no
sujeito requer solues possveis para que as identidades possam ser reconhe-
cidas e flurem sem que isso determine formas de excluso, discriminao e
desigualdade. Emerge assim um pensamento queer, no-normalizador, uma
teoria social no heterossexista e que, portanto, reconhece a sexualidade como
um dos eixos centrais das relaes de poder em nossa sociedade (PELCIO,
2015, p. 2).
Nesse sentido, tem-se por base a crtica s estruturas impostas pelos
discursos binrios ou assimilacionistas em distintos campos. Por isso, no
h identidade de gnero por trs das expresses do gnero; essa identidade
performativamente constituda, pelas prprias expresses tidas como seus
resultados, como afirma a filosofa Judith Butler (2003, p. 48).
nesse contexto que se toma por referncia os estudos queer, visto que
os deslocamentos permitiram, ainda, que as identidades sociais fossem desna-
turalizadas e interrogadas. [...] No mbito dos estudos queer, identidades so
contextuais, no so fixas (PELCIO, 2015, p. 6).
Nesses termos, preciso observar o modo como as fbulas de gnero
estabelecem e fazem circular sua denominao errnea de fatos naturais
(BUTLER, 2003, p. 12).
Em termos de classes que se constituem, trazer essas reflexes para a
lgica de consumo implica a criao de um modelo de cincia econmica
crtica, que integre em nvel mais profundo, o reexame de conceitos e mode-
los econmicos que lidem com o sistema de valores subjacente e reconhea
sua relao com o contexto cultural (CAPRA, 1982, p. 172). A lgica que vem
impregnando o sistema econmico alimentada por uma cultura com razes
em valores masculinos e de orientao yang.
A lgica de mercado vem sendo arquitetada segundo a lei de oferta e
demanda (FLORES, apud WOLKMER, 2004, p. 361-362). Contudo, Joaqun
Herrera Flores parece compartilhar o entendimento de Fritjof Capra, ao dizer

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que os problemas culturais esto estritamente interconectados com os proble-


mas polticos e econmicos (FLORES, apud WOLKMER, 2004, p. 363)
Por isso, qualquer ao que se espera transformadora na direo do exer-
ccio constante por prticas de incluso, respeito e igualdade, requer a vigilncia
crtica sobre modelos de produo e reproduo de submisses, discriminaes
e opresses.
Assim, as bases tericas abriram espao para o desenvolvimento da pro-
duo artstica na medida que foi possvel compreender como so moldadas as
identidades e como se procedem as relaes de poder nas sociedades.

Provocando o lugar de encontro: o ativismo na performance/


instalao

As imagens em anexo representam uma ponte com os relatos que se tra-


duzem aqui de modo quase literrio.
Preferimos apresentar os relatos assim, porque para ns as experincias
foram sentidas de forma quase potica. No colhemos nomes das pessoas
que interagiram com a produo artstica, apenas vivenciamos e trocamos
conhecimentos.
Assim, o incio dos trabalhos na manh de domingo comearam como
uma pgina em branco. Nessa pgina foi preciso riscar para dar vida ao que
antes estava s no campo das ideias.
A vida se faz...no s, mas com a colaborao das vidas que fluem nos
corpos, nas sensibilidades, na natureza.
O olhar que se encanta, que atrai, que vive, que pulsa e flui nas pincela-
das da vida. Eis que as pessoas chegam, cada uma com a sua inquietao.
Estava l...vendendo balas na praa, e algo me encantou...Vim de Caxias,
ps em contato direto com o cho, vivendo na pobreza, quase na misria.
No fui oferecer bala para aquelas pessoas que pintavam al. Aproximei-me por
curiosidade. Parece que foi um encantamento e fiquei admirando o que via. O
que esto fazendo? O que isso? (Perguntou a pessoa). E l fomos ns explicar
e oferecer uma oportunidade para a pessoa interagir na produo artstica.
Largou as balas em um banco e pegou no pincel. Sua primeira aula
e parecia que fez aquilo sua vida inteira...Encantou-nos. No queria
mais parar, mas o trabalho nas ruas chamava, e precisava retomar

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a venda das balas. O mundo urbano e a luta por dinheiro pareciam


tomar seus sonhos agora.
Tivemos a certeza que aquele dia fez muita diferena em sua vida.
Enquanto pessoas manifestavam nas ruas, algum se sentia agora
cidad.
Nada aconteceu de forma programada...O destino nos revelou
muito mais que uma lio no domingo do dia 16 de agosto de 2015.
Pintei flores e razes...Uma no vive sem a outra.

Estava observando aquelas pessoas pintando...Algo me chamou ateno!


Algo me impulsionava! O que esto fazendo? (Assim revelava e perguntava
outra pessoa) Estamos fazendo arte! Voc gostaria de participar? (Perguntamos)
Claro! (Respondeu a pessoa) Ento, vamos pedir que pinte esse cabelo aqui.
(Dissemos) E fez com todo zelo e muita vontade. No se contentou...Depois
de uma volta pela praa, e muitas observaes, teve que voltar algumas horas
depois para dar um retoque final...Ser que a identidade, o gnero, a vontade
de agir e a conscincia da pessoa que conquistou o direito de usar os espaos
pblicos, o direito de trabalhar em cargos antes exclusivos de alguns, tudo isso
motivou a pessoa inconscientemente!? No sabemos.
Momento mgico! Quando vemos essas pessoas interessadas e partici-
pando por livre vontade, ou talvez por encantamento, por curiosidade.

Consideraes finais

O Circuito das Artes abriu espao para se pensar formas diferenciadas de


interao entre pessoas. Nessas relaes, foi possvel integrar pesquisas desen-
volvidas sobre marcadores sociais da diferena com dinmicas para o pblico.
As atividades realizadas com o pblico que se encontrava na praa gerou
uma srie de acontecimentos positivos. Alguns desses casos foram exemplifica-
dos, conforme expomos nos registros constantes neste relato.
Por fim, optou-se aqui por resumir o relato de modo diferenciado dos
padres formais. Isso porque, tentou-se evitar criar rtulos ou identificaes
para pessoas que viveram a atividade. Frequentemente so criadas definies
para pessoas, como se pudssemos determinar o que elas so.
Assim sendo, tal abordagem tem como proposta somar os momentos e situ-
aes que marcaram a vivncia com a Performance/Instalao & Interatividade.
Ao mesmo tempo, a dinmica sugeriu a abertura das pesquisas acadmicas

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para dialogar teorias com o pblico, buscando maior proximidade e linguagens


mais acessveis.
Talvez seja interessante pensar no incmodo sugerido pela escrita do
relato, que evita ao mximo a identificao dos corpos, o que, com um olhar
mais atencioso, possvel perceber quem so as pessoas que participaram das
atividades, atravs das imagens constantes no anexo.
Acredita-se que esse acontecimento tenha contribudo para se pensar
novas estratgias de poder a partir de dentro das relaes j existentes, cons-
truindo uma conscincia subversiva ou de resistncia. Logo, pensamos que a
arte pode ser utilizada tambm como mecanismo de combate s desigualda-
des, caso seja construda com tal objetivo.

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Referncias

BUTLER, Judith. Problemas de Gnero: Feminismo e Subverso da Identidade. Rio de


Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

CAPRA, Fritjof. O impasse da economia. In: CAPRA, Fritjof. O ponto de mutao. So


Paulo: Cultrix, 1993.

FLORES, Joaqun Herrera. Direitos Humanos, Interculturalidade e Racionalidade da


Resistncia. Traduzido por Carol Proner. Cap. 11, in: WOLKMER, Antonio Carlos. Org.
Direitos humanos e filosofia jurdica na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2004.

HARAWAY, Donna. Gnero para um dicionrio marxista: a poltica sexual de uma


palavra. Traduo de Mariza Corra; Reviso de Iara Beleli. Artigos: Cadernos Pagu
(22) 2004, pp. 201-246. Disponvel em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n22/n22a09.
pdf>. Acessado em 19 de junho de 2016.

LOURO, Guacira Lopes. Gnero, sexualidade e educao: uma perspectiva ps-estru-


turalista. Petrpolis, RJ: Vozes, 1997. Disponvel em: <https://bibliotecaonlinedahisfj.
files.wordpress.com/2015/03/genero-sexualidade-e-educacao-guacira-lopes-louro.
pdf>. Acessado em: 15 de maro de 2016.

PELCIO, Larissa. Teoria Queer/Estudos Queer. In: CARRARA, Srgio...[et al]. (Org.).
Curso de Especializao em Gnero e Sexualidade. Rio de Janeiro: CEPESC; Braslia,
DF: Secretaria Espacial de Polticas para as Mulheres, 2015.

SCOTT, Joan. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao e Realidade,
v.16, n.2, jul./dez. 1990, p. 5-22.

WEEKS, Jeffrey. O corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo
educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autntica, 2000.

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Anexo Fotografias da performance/instalao feitas durante a atividade.

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GEOGRAFIA, GNERO E EDUCAO:


A UTILIZAO DE TEMAS TRANSVERSAIS NA
ELABORAO/APLICAO DE PROJETOS

Bruno de Freitas
Doutorando, Programa de Ps-graduao em Geografia, IG/UFU.
[email protected]

GT 01 - Prticas Escolares e de Formao Docente

Resumo

O objetivo do presente relato apresentar os resultados obtidos pela execuo


de uma atividade prtica em uma turma do 8 Ano do Ensino Fundamental da
Rede Bsica de Ensino, no Centro Educacional de Santa Vitria, MG. A atividade
consistia em possibilitar a compreenso crtica da mulher no mundo contem-
porneo. Do ponto de vista metodolgico ressalta-se que prtica estruturou-se
anteriormente sua aplicao, pois a Universidade possibilitou inmeras leitu-
ras e discusses, por meio das aulas tericas. Considera-se que a realizao da
presente atividade possibilitou que os alunos dessem incio compreenso das
questes femininas de forma crtica e reflexiva.
Palavras-Chave: Ensino de Geografia. Gnero. Temas Transversais.

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Introduo

O objetivo do presente relato apresentar os resultados obtidos por meio


da execuo de um projeto em uma turma do 8 Ano do Ensino Fundamental
da Rede Bsica de Ensino. A atividade realizada consistia em possibilitar a com-
preenso crtica do papel da mulher no mundo contemporneo em Geografia,
se pautando nos Temas Transversais Orientao Sexual e Pluralidade Cultural.
Do ponto de vista metodolgico ressalta-se que o presente trabalho estruturou-
se anteriormente aplicao desta atividade em sala de aula, uma vez que a
Universidade possibilitou inmeras leituras e discusses, por meio das aulas
tericas, bem como a elaborao do projeto que a ser executado.
Alm disto, foi realizado de um levantamento fotogrfico na internet, com
imagens relacionadas temtica trabalhada, elaborao de material didtico
com o objetivo de nortear os alunos na execuo do trabalho, ressalta-se que
todas as atividades realizadas foram acompanhadas diretamente no campo de
execuo. Neste sentido, foi proposto que a partir da realizao destas ativida-
des, os alunos pudessem participar e observar s questes que os circundam,
contribuindo para a formao do cidado crtico, reflexivo.

Utilizao dos Parmetros Curriculares Nacionais em Prticas


Educativas em Geografia

A utilizao dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) na elaborao


do projeto se justifica, pois este documento prope orientaes gerais sobre o
currculo bsico. Ressalta-se que se priorizou para na anlise a utilizao dos
PCNs: Geografia, Pluralidade Cultural e Orientao Sexual para o desenvolvi-
mento da temtica elegida, bem como seu desenvolvimento no mbito escolar.
De acordo com o PCN os Temas Transversais:
Ao lado do conhecimento de fatos e situaes marcantes da rea-
lidade brasileira, de informaes e prticas que lhe possibilitem
participar ativa e construtivamente dessa sociedade, os objetivos
do ensino fundamental apontam a necessidade de que os alunos
se tornem capazes de eleger critrios de ao pautados na justia,
detectando e rejeitando a injustia quando ela se fizer presente,
assim como criar formas no violentas de atuao nas diferentes
situaes da vida (BRASIL, 1998a, p.35).

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Considera-se que as questes que envolvem a mulher no contexto con-


temporneo, devem ser tratadas sob uma abordagem plural, sendo as mesmas
corroboradas pelos PCNs ao enfatizarem a necessidade de se trabalhar ques-
tes de gnero em seus diversos aspectos, alm da valorizao de caractersticas
tnicas e culturais destas mulheres.
Sobre o ensino de Geografia, interessante compreender como as abor-
dagens de gnero se relacionam com esta cincia e com os temas transversais.
Portanto, torna-se elementar analisar o PCN Temas Transversais, pois refern-
cia formal dos contedos para a escola. De acordo com o PCN de Geografia, o
tema transversal Orientao Sexual recomenda que o professor transmita valo-
res em relao sexualidade, na perspectiva de gnero, por exemplo, ao tratar
de questes relativas populao e suas desigualdades. De acordo com este
tema possvel perceber o papel da Geografia ao trabalhar a perspectiva de
gnero:
Ao estudar movimentos migratrios em Geografia, podem-se
incluir as perspectivas de gnero, analisando as consequncias das
migraes nos arranjos familiares, nas ocupaes profissionais e
na ocupao de espaos A Geografia pode representar a muitas
mudanas na esfera domstica refletem mudanas nas relaes de
gnero, mostrando a mulher menos confinada ao lar, o homem
mais comprometido na esfera domstica e na paternidade, o que
acaba gerando novas configuraes familiares e a reviso de papis
sexuais (BRASIL, 1998c, p. 304).

Isto porque, muitas mudanas na esfera domstica refletem nas relaes


de gnero, mostrando a mulher menos confinada ao lar, o homem mais com-
prometido na esfera domstica e na paternidade, o que acaba gerando novas
configuraes familiares e a reviso de papis sexuais.
A Geografia assume seu papel ao defender a prpria histria das mulhe-
res, suas lutas pela conquista de direitos e as enormes diferenas que podem ser
encontradas ainda hoje nas diversas partes do globo. De acordo com os PCN
de Geografia, interessante situar em um mesmo patamar os papis desem-
penhados por homens e mulheres na construo da sociedade contempornea
ainda encontra barreiras que ancoram expectativas bastante diferenciadas com
relao ao papel futuro de meninos e meninas (BRASIL, 1998b, p. 45).
No entanto, a escola, enquanto formadora de cidados, no pode rea-
firmar os preconceitos em relao capacidade de aprendizagem de alunos

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de diferentes sexos. Alm disto, no ambiente escolar manifesta-se preconceitos


relativos diversidade de raa, etnia e cultura. Neste sentido, o tema transversal
Pluralidade Cultural (1998d), contribui no sentido de fazer com que os alunos
percebam as diferenas presentes no espao. Ressalta-se que para fins deste
projeto ser dada ateno s questes culturais relativas s mulheres:
A temtica da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento
e valorizao de caractersticas tnicas e culturais dos diferentes
grupos sociais que convivem no territrio nacional, s desigualda-
des socioeconmicas e crtica s relaes sociais discriminatrias
e excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao
aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um pas com-
plexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal (BRASIL, 1998d,
p. 121).

Neste sentido, a Geografia subsidiar o entendimento do papel da mulher


no mundo contemporneo, por meio do reconhecimento das especificidades
existentes, entre cada regio global. Alm disto, constitui tema de estudo, alm
de poder explicar os avanos progressivos do movimento de mulheres ao longo
do tempo no que se refere maior participao das mulheres na esfera pblica
em todos os aspectos: na poltica, cultura, trabalho remunerado e outros. Por
isso, a Geografia deve desmistificar esteretipos ligados ao gnero.

Detalhamento das Atividades Desenvolvidas

No primeiro momento utilizou-se de dois mapas fixados na lousa com


as principais regies geogrficas: Amrica do Norte, Amrica Central, Amrica
do Sul, frica, Europa, sia, Oriente Mdio e Oceania. Neste sentido, a din-
mica consistia em ilustrar estas grandes regies globais. Este preenchimento se
deu por meio da utilizao de imagens obtidas na internet que diziam respeito
diversidade socioeconmica, tnica, cultural e religiosa de indivduos com
gnero feminino. Estas imagens referiam s representaes de mulheres negras,
brancas, pardas, indgenas, de baixo e alto poder aquisitivo, lideranas polticas,
etc.
As respectivas imagens foram entregues aleatoriamente aos alunos, quando
foi recomendado que os alunos preenchessem o mapa de acordo com a viso
que tinham acerca das caractersticas sociais, culturais, econmicas e religiosas

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das mulheres, de acordo com cada uma das grandes regies globais repre-
sentadas no mapa. Isto porque, objetivava-se saber quais eram as concepes
regionais femininas da turma, no que diz respeito s variveis socioeconmicas,
tnicas, culturais e religiosas da mulher ao longo do espao global.
Aps o preenchimento do mapa, foi possvel perceber que o mesmo
representava de forma homognea as caractersticas tnicas, socioeconmicas,
culturais e religiosas de cada regio global. Neste sentido, foi possvel perceber
que os alunos representaram estas caractersticas de forma muito bem distintas
de acordo com cada regio, mesmo se considerando que os mesmos sabiam
que existiam heterogeneidades por entre as regies.
Neste sentido, foi possvel observar que as representaes na Amrica do
Norte havia a concentrao de mulheres brancas com cargos executivos, lde-
res polticas (ainda que estas fossem de outras regies do mundo), mulheres que
exercem funes profissionais vinculadas ao militarismo. Esta representao
tambm ocorreu na Europa, sendo que o que diferia era que estas mulheres so
louras. Em oposio a esta concepo por parte dos alunos, foi possvel perce-
ber que os alunos entendem que a frica composta por mulheres negras, de
baixo poder aquisitivo e que ocupavam posies rudimentares no mercado de
trabalho, ou at mesmo que trabalham na lavoura para o prprio sustento.
Foi possvel perceber que o entendimento dos alunos no que se refere s
mulheres asiticas se restringia s suas caractersticas tnicas. Neste sentido, os
alunos afirmaram que as mulheres da sia so brancas e possuem os olhos
puxadinhos(Ernesto1, 2013). Alm disto, possvel afirmar que a representao
das mulheres no Oriente Mdio estava vinculada s representaes religiosas,
por meio do reconhecimento de vestimentas, tais como a burca. Percebeu-se
que na Oceania no havia nenhuma caracterstica que fosse capaz de fazer
com que os alunos tivessem uma representao acerca das questes abordadas
nesta atividade.
Interessante ressaltar que a nica regio que foi representada de forma
heterognea foi a Amrica do Sul, pois nesta regio continha negras, brancas,
lderes polticas, mulheres com cargos executivos e vinculados agricultura.
Chama-se a ateno de que este fato se deve por entenderem que o Brasil

1 Os sujeitos de pesquisa foram identificados por codinomes, com o objetivo de preservar a identida-
de dos sujeitos envolvidos na pesquisa.

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representa a Amrica do Sul e neste pas haver grande diversidade tnica, socio-
econmica, cultural e religiosa.
Deu-se incio aos questionamentos a partir da atividade realizada, quando
o executor da oficina questionou o porqu da concentrao em cada regio de
mulheres com caractersticas semelhantes. Os alunos responderam que este
fato se deve por existir pessoas da mesma etnia e que h lugares mais desen-
volvidos do que os outros (Antnia, 2013).
Os alunos afirmaram que este fato se deve por questes de explorao
destas regies e a mesmas no serem desenvolvidas, no caso a frica. A pro-
fessora regente explicou que esta regio caracterizada por ndices de pobreza
elevados e ao mesmo tempo possuem mulheres, ainda que em menor intensi-
dade que ocupam altos cargos e outras que so brancas. E que neste sentido,
devem-se analisar as questes espaciais de forma complexa.
Foi explicado aos alunos que no porque uma mulher habite um pas
desenvolvido, seja sinnimo de que a mesma tenha os mesmos acessos obtidos
pela grande maioria da populao. Isto porque ao mesmo tempo as regies
vistas enquanto desenvolvidas, tambm h problemas socioeconmicos e as
regies pobre tambm h parcela da populao que possuem de significativo
poder econmico.
Sobre as questes tnicas foi explicado que estas regies existem dife-
renas e, por exemplo, podem existir mulheres asiticas em outros lugares do
mundo, da mesma forma que podem existir negras em outras regies do espao
global. Sobre as questes religiosas foi afirmado que as religies so bem dis-
tribudas ao longo do espao global o que no significa dizer que cada regio
possui caractersticas completamente delimitadas espacialmente.
Finalizou-se esta dinmica questionando aos alunos percebem a composi-
o socioeconmica, tnica, cultural e religiosa da mulher por entre as regies
globais. Alm disto, foi questionado se h possibilidade de ser diferente, se ana-
lisado a representao do mapa preenchido por eles. Os alunos apresentaram
que nas grandes regies h diferenas, mesmo que em pequenas propores.
Neste sentido realizou-se outra dinmica acerca da representao por imagens
no outro mapa sem preenchimento.
Neste sentido, os alunos iniciaram a atividade, mas desta vez com um
olhar mais complexo no que se refere s temticas trabalhadas tangem s
questes femininas contemporneas pelo espao global. Na realizao da ati-
vidade os alunos reforavam que na frica existem mulheres brancas, louras,

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representatividades polticas e da mesma forma que na Europa existem mulhe-


res negras e com caractersticas tnicas asiticas e outras variveis.
Por meio da realizao da presente atividade, foi possvel observar que
as variveis socioeconmicas, tnicas, culturais e religiosas se apresentaram de
forma heterognea no mapa. Mas ressalta-se que mesmo os alunos tendo esta
conscincia no desvincularam os esteretipos e representavam as diversidades
em menor intensidade nas regies, neste sentido considera-se a atividade rea-
lizada relevante, pois possibilitou outro olhar por parte dos alunos, no que ser
refere a estas questes.
Neste sentido o executor da oficina questionou se os alunos sabiam
alguns dos motivos que so responsveis por esta complexidade. Os mesmos
responderam que pelo prprio processo de colonizao fez com que houvesse
deslocamentos de mulheres de algumas regies do mundo para outras e este
fator fez com que existisse esta miscelnea socioeconmica, tnica, cultural e
religiosa ao longo das regies globais.
Foi questionado se este fato que ocorreu neste perodo foi capaz de dar-se
incio a esta diversidade no espao global, e como ocorre este processo na atu-
alidade. Os alunos afirmaram que na contemporaneidade estes fluxos ocorrem
com maior intensidade, em funo da prpria facilidade de deslocamentos que
algumas pessoas detm, o que possibilita que as mesmas se desloquem com
mais frequncia pelas mais variadas regies do mundo.
Alm disto, foi discutido por meio das respostas obtidas em outro momento
da dinmica, quando os alunos pontuaram que a mulher desvalorizada no
mercado de trabalho (Manoela, 2013). O executor da oficina questionou aos
alunos se os mesmos sabiam o porque desta desvalorizao da mulher em
suas posies de trabalho e sociais. Neste sentido os alunos afirmaram que a
mulher vista enquanto fraca e no podem assumir profisses masculinas e que
era vista enquanto capaz de cuidar apenas da casa, dos filhos e do marido
(Narciso, 2013). Isto fez com que a mulher no ocupasse papis importantes
na sociedade por causa do machismo (Antonieta, 2013).
Aps este momento o executor da oficina explicou que, as prprias con-
cepes machistas que a sociedade tem, faz com que a mulher seja alvo destas
consequncias negativas. E que por isso devem ser repensadas as concepes
destas questes pelos alunos e que isto reflita na famlia e na sociedade como
um todo. O executor da oficina terminou esta atividade afirmando que h a

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necessidade das mulheres se reconhecerem enquanto capazes de ocupar e


atuar em qualquer rea de nossa sociedade.

Consideraes Finais

possvel afirmar que as atividades realizadas com o alunos da rede


bsica de ensino foram capazes de abarcar diversas questes e discusses rea-
lizadas na Universidade, sendo no que se refere ao entendimento das questes
socioeconmicas, polticas, culturais da mulher ao longo do espao geogrfico.
Alm disto, possvel afirmar que a utilizao dos temas transversais, possibili-
tou a realizao de um trabalho complexo, que refletiu na formao crtica dos
alunos envolvidos nas atividades realizadas.
Alm disto, foi capaz de abarcar de forma abrangente a prpria temtica
trabalhada no projeto executado. Neste sentido, as atividades desenvolvidas
contriburam efetivamente, pois possibilitaram a representao feminina de
forma subjetiva despertando a criatividade, fazendo com que estes alunos des-
fizessem ideias preconcebidas e dessem incio ao entendimento das questes
femininas como algo rico e valioso.

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Referncias

BRASIL - Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros Curriculares Nacionais:


Apresentao dos temas transversais. Braslia: MEC/SEF, 1998a.

_________. Parmetros curriculares nacionais: Geografia. Braslia: MEC/SEF, 1997b.

_________. Parmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais: Orientao


Sexual. Braslia: MEC/SEF, 1998c.

_________. Parmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais: Pluralidade


Cultural. Braslia: MEC/SEF, 1998d.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1608 de Estudos sobre a Diversidade
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DINMICAS DOS INSULTOS COMO FERRAMENTA DE


FORMAES EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS

Flvia Luciana Magalhes Novais


Mestranda em Psicologia Social e Institucional UFRGS
[email protected]

Diego Carrilho da Silva


Graduando em Enfermagem UFRGS

GT 02 - Ativismos e Movimentos Sociais

Trazer luz assuntos que tratem especificamente sobre diversidade sexual


e relaes de gnero torna importante dentre muitas razes, devido ao grande
nmero de violncias ocorridas contra a populao LGBT. Assim, aes que
visem o enfrentamento contra essas violncias se tornam fundamentais na
efetivao da cidadania e a garantia dos direitos humanos dessa populao.
Neste contexto o Ncleo de Pesquisas em Sexualidade e Relaes de Gnero
(NUPSEX), vinculado ao Programa de Ps Graduao de Psicologia Social e
Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cria o
Centro de Referncia em Direitos Humanos, Relaes de Gnero, Diversidade
Sexual e de Raa (CRDH).
O CRDH um programa de extenso universitria que tem por objetivo
a articulaes de projetos de extenso que atuem com a promoo de direitos
humanos de mulheres (cis, travestis e trans), pessoas lgbt e polulao negra. O
programa composto por quatro projetos divididos em dois eixos principais
de atividades. Um dos eixos atua no acolhimento de pessoas em situao de
violncia devido a sua orientao sexual, identidade de gnero ou raa, bem
como o acompanhamento e encaminhamento dessas pessoas para rede de
apoio especializada. O segundo eixo foca na formao em unidades de sade
e comunidade em geral sobre as temticas abordadas pelo CRDH, assunto que
ser o foco deste relato de experincia.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1609 de Estudos sobre a Diversidade
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O projeto envolvido no eixo das formaes intitulado Formao Para a


Rede de Sade e da Educao Sobre Diversidade Sexual e Relaes de Gnero.
O seu objetivo qualificar profissionais que atuam na rede de sade, segurana,
assistncia social e educao, sobre diversidade sexual e corporal nas relaes
de gnero, atravs de espaos coletivos de discusso terico-metodolgica. As
atividades desenvolvidas pelo projeto tem como foco a sensibilizao das rela-
es de gnero e sexualidade atravs de formaes presenciais ou a distncia.
Nas formaes presenciais so realizadas oficinas com abordagem da educao
popular de Paulo Freire (1987), que objetiva a educao para a conscincia pol-
tica. Bem como considera o educando como gerador de sua prpria educao,
criando relaes entre o seu objeto de estudo e a realidade.
Outro conceito fundamental o de gnero que, para a norte-americana
Joan Scott (1995), como uma maneira de constituir as relaes sociais atravs
de diferenas associadas aos sexos e uma das primeiras formas de significar
as relaes de poder. Sobre estas relaes de poder, essencial o entendimento
que o preconceito gera representaes sociais que colocam alguns grupos em
situao de vulnerabilidade, gerando privaes e violaes de direitos individuais
e de grupos. E estas situaes de privaes e violaes podem ser reproduzidas
em instituies ligadas a sade e a educao. Sendo assim, necessrio que os
agentes destas reas saibam desnaturalizar as relaes de poder que aliceram
atitudes discriminatrias.
Uma das oficinas realizadas pelo projeto a Oficina dos Palavres. A
dinmica da atividade consiste em um momento no qual os participantes so
convidados a trazer para o grupo todos os tipos de insultos que conhecem e
ento estes so escritos em um local visvel para todos. A partir dos palavres
so questionados os porqus destas palavras serem ofensivas, quem elas ofen-
dem e de qual maneira. Quase sempre as ofensas envolvem manifestaes de
homofobia, sexismo, racismo, classismo, entre outros. A partir da anlise de
uma destas oficinas propomos uma discusso a cerca das identidades que so
colocadas como ofensas e quais os mecanismos envolvidos na atribuio destas
identidades.
Bicha, viado, sapato, po com ovo, poc poc, bunita, barbie, fancha,
sapa, caminhoneira, tia, irene, cafuu. Muito comumente utilizadas, estas pala-
vras nos apresentam identidades (Oliveira, 2015, Aguio, 2008, Filho e Palheta,
2008) ou modos de expressar o gnero e a sexualidade nos meios de sociabi-
lidade homossexual. Estes termos, muito mais que definir grupos distintos com

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caractersticas em comum, podem fixar posies de sujeitos hierarquizadas e


normatizadas atravs de marcaes sociais e culturais de diferena.
Quando queremos descrever algo que no sabemos denominar, procura-
mos salientar caractersticas que apontam para especificidades determinantes
do objeto. Assim, a partir de definies do que e do que no , com o que
se parece e com o que no se parece, se bom ou ruim, criamos as refern-
cias para que ento nosso interlocutor possa interpreta-las e formular o objeto
que tentamos nos remeter. No processo de nomeao das identidades sexuais,
descritas acima, o processo semelhante. Quando identificamos algum por
alguma das categorias acima, estamos associando caractersticas baseadas nos
diversos marcadores sociais da diferena para descrever quem a pessoa , de
onde ela vem, o que ela faz ou deixa de fazer. Entre os marcadores sociais
de diferena que aparecem nesses processos de negociao identitria esto
classe, raa, gnero, corporalidade, idade, para citar apenas alguns entre tantos.
O processo de identificao, tanto por auto atribuio ou atribuda por
outrm, significa fazer diferenciaes (Silva, 2004), ou seja, numa sociedade
onde as relaes sociais so desiguais essas diferenciaes criaro grupos valo-
rizados ou desvalorizados, de acordo com o tipo de relaes estabelecidas.
Portanto grupos podero ser desvalorizados em relao a outros e desta forma
podero ocorrer discriminaes e consequentemente a violao de direitos
humanos. Relaes desiguais aqui nos remetem s normas sociais que colocam
um padro de cidado de classe mdia, branco, heterossexual, cisgnero por
exemplo, como o modelo a ser seguido, e o que for diferente disso sendo os
outros ou os diferentes.
As relaes que perpassam essas nomeaes podem ser percebidas
quando analisamos qual (ou quais) marcador(es) esto imbricados no processo
de nomeao e ao que eles remetem socialmente. Por exemplo, a identidade
atribuda como bicha po com ovo remete a um gay pobre que se veste mal
(Carvalho-Silva e Schilling, 2010). Logo, ao definir um gay como bicha po com
ovo, o que est em jogo, pensando nos marcadores de diferena, a marcao
de uma pessoa pertencente classe baixa com pouco poder aquisitivo, asso-
ciando tambm a uma desvalorizao em relao a pessoas de classe mdia
ou pessoas ricas com mais poder aquisitivo. Em estudo onde foram analisadas
as interaes sociais nos meios de sociabilidade homossexual, Frana (2010)
relata que, em determinada boate de So Paulo, a vestimenta utilizada pelos fre-
quentadores definia os tipos de relaes que aconteceriam entre eles. Podemos

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pensar, a partir disso que, ao identificar um gay como bicha po com ovo, alm
de o estarmos desqualificando por seu contexto de origem, estaremos tambm
delimitando suas possibilidades de aes em determinados contextos.
Vale destacar que no somente a classe que opera nessas marca-
es e delimitaes. Outros marcadores tambm estaro presentes, de forma
concomitante, definindo privaes e privilgios de acordo com as relaes esta-
belecidas. Se pensarmos tambm que as bichas po com ovo podem ser ou no
associadas com comportamentos ditos como afeminados, podemos perceber
que, junto com a classe, estaro em anlise as formas como esse gay age na
sociedade. Portanto tambm sero classificadas de acordo com sua performati-
vidade de gnero, ou seja, os modos como expressam o gnero (Butler, 1991). A
referncia s bichas poc poc ou qu qu como extremamente afeminadas,
com voz fina e geralmente mais novas tambm fornece pistas sobre essas dife-
renciaes. Estas identidades so extremamente rechaadas e normalmente so
considerados como modelo aos esteretipos do gay nos meios de comunicao
e entretenimento (Arajo, 2008). Estas configuraes de marcadores tambm
atuaro nas relaes estabelecidas quando os objetivos forem as possibilidades
de interao afetivo-sexual.
No que tange aos comportamentos sexuais, deparamo-nos com uma
hierarquia na qual os comportamentos so classificados conforme se aproxi-
mam ou se distanciam das normas sociais de masculinidade e feminilidade. Os
comportamentos que so tidos como remetendo feminilidade, como o papel
passivo no ato sexual (as passivas), so comumente vistos como inferiores se
relacionados aos papeis ativos relacionados a masculinidade (os ativos). Em
diversos estudos sobre a pegao e prostituio entre homens, a masculini-
dade tida como moeda de troca importante (Perlongher, 1987, Frana, 2014)
e define as configuraes dos pares que atuaro no ato. Conforme forem apre-
sentado comportamentos que se distanciem da figura do macho, os mesmos
vo sendo menos desejveis e ento sofrero penalidades (Oliveira, 2015) que
definiro aqueles que conseguiro mais ou menos parceiros.
O cafuu (Soares, 2012) identidade que associa gays com classe social
baixa, mas com uma corporalidade tida como desejvel (musculoso e pegada
forte), acaba tendo maior notoriedade por ser uma identidade atribuda uma
masculinidade considerada viril, o que o coloca num nvel de desejabilidade
alto por apresentar as caractersticas do macho ideal (Oliveira, 2015). Essa cate-
goria normalmente atribuda no s a homossexuais como tambm se refere

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a heterossexuais com as mesmas caractersticas. Entretanto as identidades no


so fixas e apresentam certa fragilidade. A problemtica desta identidade ficaria
relacionada questo da raa, pois o termo remete a uma hipersexualizao do
corpo negro, impondo que estes somente sero so aceitos nos jogos erticos
caso apresentem, alm das caractersticas associadas masculinidade, compor-
tamento sexual ativo e possuir um pnis grande, reafirmando o esteretipo do
homem negro (Souza, 2009).
Entretanto, ainda em Silva (2004) vemos que as identidades apresentam
fronteiras que podem ser subvertidas dependendo da forma como so elas so
delimitadas. As questes da hipersexualizao inscrevem esses corpos em rela-
es ambguas quando consideradas as articulaes entre desejo, classe social
e raa. Em estudo sobre as homossexualidades negras em favelas do Rio de
Janeiro, Moutinho (2006) constatou que apesar dos preconceitos e da sujei-
o do homem negro s desigualdades sociais, estes apresentam uma maior
gama de possibilidades de circulao em meios privilegiados e maior chance
de novas experincias vividas em comparao a mulheres lsbicas negras e
homens heterossexuais negros.

Consideraes Finais

A dinmica dos insultos se torna importante no trabalho destas identida-


des, pois ela traz os mecanismos de atribuio que bem marcado a partir dos
marcadores sociais da diferena e as formas de hierarquias criadas por elas. A
naturalizao destas nomenclaturas que ocorre no meio homossexual confunde
essa discriminao em forma de humor terminando por ser aceita por toda
comunidade. Nas atividades propostas pelo centro, que envolvem formao a
partir de rodas de conversas, tratar destas identidades importante para, alm
de desnaturalizar esse humor, tambm utilizar da ambiguidade que elas pos-
sam ter e assim apresentar as diversas formas de expressar as sexualidades e o
gnero, para que tambm se desnaturalizem as possveis rigidez em expresses
esperados por normas sociais.

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Referncias

AGUIO, SILVIA. Cenas da circulao: fragmentos de uma etnografia sobre homos-


sexualidade, gnero, cor e mestiagem em uma favela do Rio de Janeiro. Sexualidad,
Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana. n.9 - pp.61-90. Dec. 2011.

BUTLER, Judith. Fundamentos contingentes: o feminismo e a questo do ps-


modernismo. Cadernos Pagu, n. 11, p. 11-42, 1998. Traduo de Pedro Maia Soares
para verso do artigo Contingent Foundations: Feminism and the Question of
Postmodernism, no Greater Philadelphia Philosophy Consortium, em setembro de
1990.

CARVALHO-SILVA, HAMILTON HARLEY DE, SCHILLING, FLVIA. Fronteiras Da


Sexualidade, Fonteiras Do Consumo: Sobre Jovens Homossexuais Do Subrbio De
So Paulo. Seminrio Internacional Fazendo Gnero 9 : Disporas, Diversidades,
Deslocamentos. - Florianpolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2010.

FILHO, MILTON RIBEIRO DA SILVA, PALHETA, SANDRA PEREIRA. Ser Ou No


Ser? Os Gays Em Questo: Uma Leitura Antropolgica Das Grias Utilizadas Pelos
Homossexuais De Belm-Pa. In: 26a. Reunio Brasileira de Antropologia, 2008,
Porto Seguro. 26a. Reunio Brasileira de Antropologia, 2008.

FRANA, Isadora Lins. Consumindo lugares, consumindo nos lugares: homossexu-


alidade, consumo e produo de subjetividades na cidade de So Paulo. Tese de
doutorado (Cincias Sociais). Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas,
Unicamp, 2010.

MOUTINHO, LAURA. Negociando com a adversidade: Negociando com a adversi-


dade: Negociando com a adversidade: reflexes sobre raa, reflexes sobre raa,
reflexes sobre raa, (homos)sexualidade e (homos)sexualidade e desigualdade
social no Rio de desigualdade social no Rio de Janeiro Janeiro. Estudos Feministas,
Florianpolis, 14(1): 336, janeiro-abril/2006.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos culturais/
Tomaz Tadeu da Silva (org.) Stuart Hall, Kathryn Woodward. Petrpolis, RJ: Vozes,
2000.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1614 de Estudos sobre a Diversidade
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SCOTT, Joan Wallach. Gnero: uma categoria til de anlise histrica. Educao &
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, n 2,jul./dez. 1995, pp. 71-99.

SOUZA, ROLF RIBEIRO DE. As Representaes do Homem Negro e suas consequn-


cias. Revista Forum Identidades. Ano 3, Volume 6 | jul-dez de 2009.

OLIVEIRA, TIAGO DE LIMA. Viado No, Canibal: masculinidade, sexualidade e


produo de cidade a experincia do homoerotismo em Joo Pessoa PB. Revista
Latino-americana de Geografia e Gnero, Ponta Grossa, v. 6, n. 2, p. 235 - 249, ago.
/ dez. 2015.

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SOBRE EU NO QUERO VOLTAR SOZINHO


EM SALA DE AULA.

Ldia Lobato Leal


Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Gois- IFG,
Doutoranda do Grupo OLHO/FE/UNUCAMP.

A presente reflexo se d a partir de um mdulo de aulas da disciplina


Arte, realizada no Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia Gois
-Campus Goinia, em 2015. O mdulo era Quem sou eu? e foi aplicado em
turmas do 1 ano do Ensino Tcnico Integrado ao ensino mdio em Eletrotcnica,
Instrumento musical e Controle Ambiental.
Na modalidade Tcnica Integrada ao Ensino Mdio, o/a discente estuda as
disciplinas bsicas do ensino mdio formal integrado s disciplinas da formao
profissional que est vinculado/a via prova de acesso.
A disciplina Arte, no IFG oportunizada aos/as discentes tendo como
proposta as quatro linguagens da arte ( dana, teatro, msica e artes visuais)
que por estarem apenas no 1 ano do ensino mdio so trabalhadas pelos/as
professores/as especializados/as em cada uma das linguagens, no prazo de um
semestre.
Dentro deste mdulo Quem sou eu?, busquei trabalhar, em artes visuais,
com os atravessamentos que a pergunta gera. Com as produes de sentidos
amparadas pela diversidade tnica, de gnero, sexual e religiosa. Os objetivos
eram: experimentar/fruir, debater e produzir imagens (fotogrficas e vdeos) que
deveriam ser debatidas novamente quando de sua exibio em sala de aula.
Alm das referncias bibliogrficas de artes, tambm utilizei refern-
cias visuais com obras de Sammy Sfoggia, Yasumasa Morimura e Frida Khalo.
Referncias udio visuais foram: Uma histria de amor e Fria1, Eu no quero

1 Luis Bolognesi, animao, Brasil, 2013

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voltar sozinho2 e trechos de Yndio do Brasil3. Todas essas referncias buscavam


alinhavar a proposta da experimentao em arte, do debate sobre o tema quem
sou eu? expandindo para uma educao pela diversidade atravs da exibio
dos trabalhos dos alunos e das imagens (tanto paradas quanto vdeos/filmes).
Quando o filme de 17 minutos Eu no quero voltar sozinho foi apre-
sentado em sala de aula, especificamente na turma do curso de Eletrotcnica,
tnhamos visto imagens de Yasumasa Morimura, travestido de Frida khalo na
semana anterior, era uma fotografia onde o artista reelabora, a partir de todo
um reposicionamento de sentidos, a si mesmo como Frida Khalo. A discusso
sobre este trabalho de Morimura solicitou dos alunos um esforo de trans-
bordamento de subjetividades para entender as conexes sobre este quem
sou eu-outro? que cada um de ns pode ser. Conversamos sobre arte, sobre
feminismo, sobre sexualidade, sobre ser gente, sobre as peles craqueladas que
teimam em ser contidas nos cubculos cartesianos, aquelas peles que se esgar-
am para alm desses limites e os possveis porqus de Morimura escolher
aquela forma de expresso para sua arte.
Na semana em que trabalhamos com a obra de Morimura, os/as discentes
tinham que trazer uma atividade de colagem que deslocasse algum de sua posi-
o de conforto e convencionalismo da produo de subjetividades cultural e
social. Fomos ver as colagens produzidas e mais uma vez muitas questes foram
expostas, sempre nos pautando pelo respeito diversidade humana em suas
formas de expresso. Mas principalmente eu buscava me basear no agridoce
prazer da experimentao (TADEU, 2004, p.12) e propunha queles/as jovens
tambm embrenharem-se no jardim rizomtico proposto por Gilles Deleuze.
Nessa atividade vimos corpos distorcidos, coloridos, maravilhosos e tam-
bm assustadores, todos eles foram frudos por todos os alunos presentes e
foram expostas as formas de fazer, mas, principalmente as experincias e possi-
bilidades que aquelas imagens apontavam.
A surpresa se deu quando fomos assistir Eu no quero voltar Sozinho,
onde inverti a ordem de experimentao para iniciar com um exerccio de frui-
o, o que muito comum em se tratando do ensino de arte. (Ateno: spoiller)
Exatamente na cena pice do filme (beijo entre os dois personagens principais)

2 Daniel Ribeiro, Brasil, 2010.


3 Sylvio Back, Brasil, 1995.

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um aluno comea a xingar e falar alto que ele no era obrigado a ficar na sala
vendo pouca-vergonha, ficou muito nervoso e saiu. Eu no parei o filme, nem
fui atrs para tentar conversar com ele, pois fiquei preocupada em como a
turma reagiria situao. Era uma turma de 26 alunos do curso de eletrotcnica,
em sua maioria meninos. Ento aps o fim do filme fomos realizar o debate
tanto sobre o ocorrido quanto sobre os possveis porqus de tal reao. Ouvi
dos alunos que era mesmo difcil ver um filme onde meninos da idade deles se
beijavam que isso contrastava com o que tinham aprendido em casa, mas que
estavam percebendo que amor, amor, independente de ser entre meninos
com meninos ou meninas com meninas. Confessaram que existe uma enorme
presso da parte da famlia e da sociedade para que sigam padres preestabele-
cidos e que era muito difcil viver seguindo tais expectativas. Foi uma conversa
muito enriquecedora, pois aqueles adolescentes sentiram, experimentaram a
possibilidade de expressarem as presses a que esto expostos.
Depois tentei conversar com o aluno que saiu da sala, mas ele nunca
mais voltou minha aula. E ainda hoje fico me perguntando se segui por um
caminho que retirou da aula de arte um adolescente ou se os que ficaram
que aprenderam algo sobre o que viver nesse mundo Demasiado Humano.
Ainda ronda sobre mim esta sombra que aflige muitos docentes. Eu pode-
ria ter utilizado metodologias mil para trabalhar o filme, talvez devesse ter
preparado mais os/as fruidores/espectadores para aquela aula, mas isso eu acho
que nunca saberei. O que sei que este acontecimento est sempre em minha
mente quando estou preparando um mdulo de aulas, uma aula especfica e
buscando imagens e filmes para compor um repertrio. Mas, como busquei
trabalhar pela filosofia da diferena utilizo um quase-mantra: faa rizoma, no
enraze, nem plante (DELEUZE e GATTARI, 1995). Isso me faz pensar que existe
uma complexidade na relao que se estabelece entre o/a fruidor/espectador de
uma obra e a obra em si, essa complexidade ativa foras criativas, subjetivas que
podem revelar pulses, metforas, abstraes e poticas das mais variadas for-
mas, oportunizando transformao em todos os envolvidos no processo ( ROSSI,
2003). Ou poderamos ainda nos refugiar em Herdoto para lembrar que nunca
mais seremos os mesmos aps nos banharmos no rio e nem o rio ser o mesmo.
Busco refletir este acontecimento pela vertente de partilha do sensvel
proposto por Jaques Rancire (2009) onde o poltico atua nas subjetividades,
onde somente se participa da sociedade, da cultura, da arte, da poltica pelo
engajamento, do rudo e do silncio como forma de experincia. Ento, quando

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aquele aluno xingou, no era a mim que ele queria atingir, mas atingiu, porque
no passamos por esse tipo de situao ilesos. Seus gritos representavam silen-
ciamentos sucessivos de como deveria se comportar, do que era esperado dele
enquanto menino htero. Aquela reao representou sua experincia de estar
no mundo e ser pressionado por anos a fio a fazer o que se esperava dele: Uma
reao violenta ao que diferente do que lhe fora ensinado em casa. Cabe
sociedade como um todo assumir a responsabilidade da fratura e da descons-
truo a essas expectativas tanto para o que masculino quanto para o que
feminino, para a sexualidade CIS ou no.
Como a arte, atravs das imagens que disponibiliza, pode ser agente de
ao nas frestas? A resposta, suponho, est na prpria pergunta. Nas frestas!
Nos entre lugares, na partilha de subjetividades outras, que no esto dispostas
nas prateleiras dos conhecimentos enlatados a que muitos professores se acos-
tumaram, seja atravs dos livros didticos, dos artistas consagrados neoclssicos
_e at modernos, ou nos filmes cheios de clichs que muitas vezes so exibidos
em sala para passar o tempo.
Diz-nos Rancire (2009) que, as prticas estticas se vinculam s praticas
artsticas que intervm nas maneiras de distribuio, nos fazeres, nas suas rela-
es com maneiras de ser e formas de visibilidade, ou seja, a arte possibilita outras
intervenes, fazeres, maneiras de ser e tambm contribui para uma elaborao
e novos repertrios de visibilidade. Em resumo: Compe-se poltica com ima-
gens, pois elas revelam/escondem/ampliam/esvaziam as possibilidades de estar
no mundo. Essa partilha da sensibilidade corroborada por Judith Butler no nos
termos que Rancire nos apresenta, mas pelo seu carter poltico, a saber: O
poder que a princpio parece externo, pressionado sobre o sujeito, pressionando
o sujeito subordinao, assume uma forma psquica que constitui a identidade
do sujeito (BUTLER, 2011, p. 13- traduo nossa). Dentro dos mecanismos que
constituem as subjetividades do sujeito e sua identidade, esto as imagens com
as quais este sujeito se relaciona cotidianamente e que lhe conferem tambm
subjetividades e identidades. Com suas voltas especulares sobre si mesmas, as
imagens podem promover as fratura de nossas certezas ontolgicas.
Qui isto tenha acontecido no percurso desta aula que relatei, pois espero
que tanto para minha prtica docente, quanto para os discentes que ali se encon-
travam e principalmente para aquele que interrompeu o processo de fruio do
filme aos gritos e xingamentos, tenham todos passado pelo processo, pela expe-
rimentao, pela inquietao, pela dor de ser confrontado e de ter as certezas
sacudidas.

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Referncia Bibliogrficas

BUTLER, Judith. Mecanismos Psquicos del Poder - Teoras sobre la sujecin. 3 ed.
Barcelona-ES: Ediciones Ctedra, 2011. Trad. Jacqueline Cruz.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Plats- capitalismo e esquizofrenia. Volume I.


Rio: Editora 34, 1995. Trad. Aurlio Guerra Neto.

RANCIRE, Jacques. A Partilha do Sensvel- esttica e poltica. 2 ed. Rio: Editora 34,
2009. Trad. Mnica costa Netto.

ROSSI, Maria H. Wagner. Imagens que Falam- Leitura da arte na escola. 2 ed. Porto
Alegre: Editora Mediao, 2003.

TADEU, Tomaz. A Filosofia de Deleuze e o Currculo. Goinia: Faculdade de Artes


Visuais, 2004. 74p. (coleo Desenrdos).

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GRUPOS DE FAMILIARES DE PESSOAS TRANS: CONSTRUINDO


SABERES E POSSIBILITANDO ENCONTROS

Eric Seger de Camargo


Graduando em Educao Fsica da UFRGS
[email protected]

Fernanda Carrion da Silva


Mestranda em Psicologia Social e Institucional UFRGS
[email protected]

Flvia Luciana Magalhes Novais


Mestranda em Psicologia Social e Institucional UFRGS
[email protected]

GT 02 - Ativismos e Movimentos Sociais

O Centro de Referncia de Direitos Humanos (CRDH) um projeto de


extenso vinculado ao Ncleo de Pesquisa em Sexualidade e Relaes de
Gnero (NUPSEX) no qual pensam-se as aes de acolhimento s pessoas vio-
ladas em seus direitos referentes a gnero, sexualidade e raa, enquanto uma
escuta qualificada de sujeitos que vivenciam violncias e discriminaes asso-
ciadas homofobia, lesbofobia, transfobia, racismo e sexismo. Dentre as muitas
atividades realizadas, podemos destacar acompanhamentos e encaminhamen-
tos para a rede de ateno s polticas pblicas e espaos de direitos humanos,
alm da execuo semanalmente de uma roda de conversas com/entre familia-
res de pessoas trans11, que ser o tema deste relato.
As aes do CRDH tem como foco principal a promoo do respeito s
mais variadas formas de expresso da sexualidade, tendo uma atuao focada

1 Pessoas que no se identificam com o sexo e gnero correspondente ao que lhes foram designados
no momento de seu nascimento.

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em atividades de cunho educativo dentro do espao universitrio, na rede de


polticas pblicas e tambm na sociedade civil como um todo. Contando com
uma equipe multidisciplinar composta de estudantes e profissionais de reas
da Psicologia, Servio Social, Educao Fsica, Enfermagem, pensam-se aes
baseadas nos preceitos da Clnica Ampliada do SUS, cujo foco se d na pre-
veno da sade e promoo da qualidade de vida, fazendo uma crtica ao
modelo mdico/hospitalocncrito/curativo/tecnolgico (Brasil, 2009). Ou seja,
percebe-se o homem como um todo, considerando suas dimenses psicol-
gica, biolgica, social, histrica e poltica e dando voz ao sujeito para que ele
participe ativamente de seu processo de sade.
De acordo com Peres (2010), o dilogo com outros saberes surge como
possibilidade de uma escuta clnica e institucional que vai alm do recorte
psicolgico, para se compor com os processos psicossociais, polticos e cul-
turais, de modo a tomar as cenas e discursos como complexidades que so
constitudas por diversos componentes de subjetivao na feitura dos sujeitos
contemporneos.
A partir dos acolhimentos realizados por membros do grupo junto a pes-
soas trans, percebeu-se que muitos dos embates nas vidas dessas pessoas se
relacionava com a dificuldade de compreenso de suas famlias acerca de suas
identidades de gnero. Muitas das vezes a falta de compreenso sobre o tema,
dvidas e incertezas so determinantes para que muitos familiares/responsveis
por jovens trans no consigam acolh-los e dar algum tipo de suporte, o que
dentre muitas outras coisas est relacionado situao de vulnerabilidade e
abandono que muitas dessas pessoas encontram-se.
A roda de conversa proposta pelo CRDH surgiu como a possibilidade de
criar um espao onde familiares e/ou responsveis por pessoas trans possam
trocar experincias, com o objetivo de que assim todos possam conhecer muito
mais sobre a temtica, longe de julgamentos carregados de preconceito. A idia
que a partir do acompanhamento desses encontros, a equipe do CRDH ajude
a esclarecer algumas dvidas e fomentar as discusses , alm de dar apoio aos
participantes e seus familiares ou responsveis.
A importncia desse tipo de espao tido a partir da possibilidade de
repassar informaes acerca do tema das transexualidades, bem como dar
suporte familiares que estejam em processo de muito sofrimento - que
causado muitas das vezes pela total falta de conhecimento acerca do tema.
So encontros onde os familiares e/ou responsveis trazem tona dvidas,

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incertezas, medos e curiosidades sobre a populao trans. A troca de experin-


cias uma ferramenta muito importante para a compreenso da transexualidade
no como uma patologia, e na construo de uma sociedade mais tolerante e
diversa, j que esses familiares, uma vez que fortalecidos, podem se configurar
em multiplicadores da discusso acerca das identidades de gnero para alm
do binarismo hegemnico.

O grupo

O grupo formado pela CRDH se caracteriza por ser aberto, o que implica
que as pessoas no precisam estar presentes em todas as reunies e que pes-
soas novas podem ser integradas ao mesmo durante a sua execuo. Outra
caracterstica que esse grupo tambm hegemnico, ou seja, as famlias que
iro participar das reunies no passam por uma triagem prvia e no se cons-
tituem critrios de incluso e de excluso para as pessoas integrarem o grupo.
Desse modo, tem-se a peculiaridade de que durante os encontros h a presena
de diferentes pessoas ao longo dos encontros, em diferentes nveis de contato e
engajamento com movimentos transativistas, o que cria rico espao para con-
versas e debates entre as famlias que o compe.
Os primeiros trs encontros do grupo foram pautados por conversas livres
entre as famlias que o compe. As pessoas ocupavam o tempo narrando suas
trajetrias com a/o familiar transexual e, principalmente, compartilhando infor-
maes, experincias e modos de facilitar o processo transexualizador de suas/
seus familiares. Entretanto, a equipe percebeu um esvaziamento de pautas aps
trs semanas dessa modalidade de encontros, as mesmas pessoas falando de
forma a ocupar todo o momento do grupo, alm das/os componentes do grupo
solicitarem por algumas respostas da equipe.
Desse modo, foi proposto que os integrantes do grupo, juntamente com
a equipe facilitadora, montassem um cronograma de assuntos de interesse das
famlias a serem debatidos nos encontros seguintes. Chegou-se s seguintes
temticas: questes geracional, de orientao sexual e de identidade de gnero;
mudanas corporais e visuais decorrentes do processo transexualizador; invisi-
bilidade de homens trans; cisgeneridade e cissexismo; diagnstico de loucura
e disforia de gnero; procurando sinais/pistas/causas das identidades transexu-
ais; movimentos de despatologizao das identidades transexuais; adaptao
da famlia com os nomes e pronomes que as pessoas revogam durante e aps

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o processo de transexualizao; processo de culpa evergonha ao revelar para a


famlia ampliada e conhecidas/os da famlia acerca do processo transexualiza-
dor de um/a familiar; e, preocupaes das/os integrantes do grupo com o futuro
e relaes pessoais/profissionais de sua/seu familiar transexual. Vale ressaltar
que essas temticas so abordadas pelas/os integrantes do grupo, de modo a
compartilharem suas experincias de acordo com os tpicos estipulados.
As demandas que mais aparecem por parte das pessoas que integram
o grupo durante os encontros esclarecimentos acerca de nomenclaturas de
cisgeneridade, transexualidade, binarismo, no-binarismo e para que as famlias
narrem como o processo transexualizador de sua/seu familiar. A equipe faci-
litadora dos encontros estimula que as/os integrantes do grupo debatam acerca
das questes e se posiciona de modo pontual, com o intuito de fomentar os
debates e possibilitar que se criem identificaes entre as pessoas.

Consideraes finais

Percebe-se que, durante os encontros do grupo, as pessoas criam redes


de apoio, alargando ou modificando suas percepes acerca de sua dinmica
familiar e sobre sua relao com sua/seu familiar transexual. Quando as/os inte-
grantes do grupo compartilham suas experincias e recebem retornos de pessoas
que passam por situaes parecidas, acabam por compreender de forma mais
congruente como podem modificar suas percepes patolgicas acerca da
transexualidade. Para alm, a potncia mais evidente durante os encontros a
aceitao que essas famlias esto sentindo em relao ao processo transexua-
lizador de sua/seu parente.

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Referncias

BRASIL, Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Poltica Nacional de


Humanizao da Ateno e Gesto do SUS. Clnica ampliada e compartilhada /
Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Poltica Nacional de Humanizao
da Ateno e Gesto do SUS. Braslia : Ministrio da Sade, 2009.

PERES, Willian Siqueira. Cartografias clnicas, dispositivos de gneros, Estratgia Sade


da Famlia. Estudos Feministas, Florianpolis, 18(1): 288, janeiro-abril/2010.

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DISCUTINDO GNERO E SEXUALIDADE NO ENSINO MDIO:


AMPLIANDO O DIALGO ENTRE FUTUROS PROFESSORES

Julio Cezar Pereira Araujo


Graduando em Licenciatura Plena em Pedagogia
Univerisdade Federal Fluminense - Bolsista PIBID/CAPES
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e de formao docente

Introduo

Este trabalho tem como objetivo relatar uma interveno realizada em


uma escola Estadual, no municpio de Santo Antnio de Pdua/Rio de Janeiro,
durante atividades do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciao
Docncia), onde discutimos questes de gnero e sexualidade no ambiente
escolar. Como metodologia fez-se uso de oficinas, vdeos e dinmicas de gru-
pos, desenvolvidos com alunos do 3 ano do Ensino Mdio Curso Normal
(Modalidade Formao de Professores) com 22 alunos (17 meninas e 5 meninos)
entre 17 a 23 anos.
As atividades propostas (PIERRO; ORTIZ, 2011), atravessaram as ativida-
des que estavam sendo desenvolvidas de acordo com o cronograma do projeto.
O projeto inicial, visou uma prtica pouco difundida nas escolas pblicas bra-
sileiras: a orientao profissional com formandos do ensino mdio de formao
de professores. Nossa insero se justificou pelo fato de que, ao realizarmos
atividades do PIBID/CAPES, verificamos que os alunos desta escola demonstra-
vam desnimo e pouco interesse em seguirem na carreira docente aps os trs
anos de formao integral. Ao iniciarmos os encontros da orientao profissio-
nal fundamentada na abordagem scio histrica (BOCK, 2002), possibilitamos
aos participantes um espao para refletir sobre quem so, o que querem, seus
medos e angustias quanto a suas escolhas e principalmente visualizar os desa-
fios futuros com mais conscincia e responsabilidade.

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Ao percurso que se foi construindo as discusses, a temtica de gnero e


sexualidade revelou-se. Durante o perodo de execuo do projeto, duas alunas
foram vistas no banheiro da escola se beijando, e ao entrarem no banheiro, duas
colegas presenciaram a cena. Velozmente, a situao foi propagada pelo col-
gio, ampliando o nmero dos sujeitos que estavam sabendo do ocorrido. Toda
a cena, ocasionou constrangimentos as alunas, que foram pressionadas pela ins-
tituio escolar a contarem o ocorrido aos seus familiares. O caso encerrado
com a transferncia escolar das duas meninas (por uma livre espontaneidade).
Ao meu ver, a escola no um espao para que estas prticas sejam realizadas
(relaes afetivas), mas se compreendermos a atitude binria que est por trs
deste contexto, perceberemos que se fosse um casal heterossexual, a situao
no teria se propagado desta forma, pois est naturalizado em nosso cotidiano
a ideia da sexualidade, envolvendo apenas o homem e mulher. A escola est
situada em uma cidade do interior do Rio de Janeiro, ao qual, consideramos
conservadora. Em sua maioria, a equipe escolar composta por catlicos e
evanglicos, tornando o conservadorismo uma prtica constante na escola.
Percebendo a necessidade de levantamento do tema, tivemos como obje-
tivo, desmitificar um tabu de resistncia encontrada no mbito escolar, no que
diz respeito as discusses de gnero e sexualidade nas escolas, pois os mesmos
encontram-se em formao, sendo fundamental para a construo identitria
do professor.

Gnero enquanto campo de disputa

Desde os primrdios, a categoria de gnero apresentada com atribui-


es distintas. O ser feminino, deve possuir uma trajetria de me, mulher
prendada, doce, sem ambio profissional, recatada e do lar. J a trajetria
masculina, deve ser voltada para a competividade, liderana, fora bruta e com
o impedimento de demonstrar suas fraquezas, derrotas ou at mesmo chorar.
Estas fundamentaes nas diferenas, esto diretamente ligadas a produo de
hierarquias de gnero (Meyer, 1996).
Portanto, desempenhar um papel de menino/a ou homem/mulher, so
atributos construdos perante a vivncia sociocultural que estabelecemos com
o meio em que vivemos. Joan Scoot define o gnero como um elemento cons-
titutivo de relaes sociais baseado nas diferenas percebidas entre os sexos, e
o gnero uma forma primeira de significar as relaes de poder (1995, 86).

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Atualmente, as relaes de gnero viraram um campo de disputa, seja


ela social, individual, poltica, familiar, religiosa, etc. Como no poderia ser
diferente, a escola no est desassociada destes grupos sociais. Devemos reco-
nhece-la enquanto um dispositivo que no neutro. A mesma, encontra-se
atrelada a conceitos pr-produzidos e reproduzidos. Fica visvel o quanto os
assuntos voltados para o gnero e sexualidade se evidenciam no cotidiano
escolar, mas discutir estas temticas em um curso de formao de professo-
res, ainda um tabu a ser enfrentado. Mesmo como futuros professores, eles
no possuem nenhuma discusso terico-metodolgica, ou leituras relevantes
a temtica. Partindo desta anlise, que decidimos iniciar as atividades, trans-
pondo as atividades iniciais da orientao profissional.

Relatando a experincia: gnero e sexualidade em disputa

No incio, refletir sobre as atividades que poderiam ser aplicadas foi


uma tarefa rdua. No estvamos produzindo com crianas, onde o ldico
se faz presente e eficaz. Neste caso, estvamos com adultos, que j possuem
conceitos moldados pela sociedade. Seguramente, estes futuros professores,
encontraro episdios que necessitaro de uma reflexo sobre as temticas.
Como organizao metodolgica, foram realizadas oficinas, vdeos e dinmi-
cas de grupos. Neste relato, elucidarei trs atividades que foram desenvolvidas
durante o projeto.

Atividade 1 - Aparelho excretor reproduz?

Objetivo: Discutir o tema da homofobia, a fim de tirar as dvidas dos


educandos, promovendo nos alunos, uma tomada de conscincia em relao a
seus estigmas e pr-conceitos.
Desenvolvimento: Exibimos alguns vdeos que trataram da questo de
gnero na escola e como algumas atitudes influenciam na gerao futura e como
trabalhar com estas questes nas escolas. Em seguida, focamos no assunto da
homofobia onde exibimos o vdeo Levy Fidelix e o aparelho excretor Bee
comenta
Resultados alcanados: A partir dessa atividade, conseguimos alcanar
uma srie de reflexes que fizeram os alunos repensarem seus preconceitos de
gnero e de sexualidade.

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Atividade 2 - Concordo e discordo

Objetivo: Identificar as percepes dos/as jovens sobre as relaes de


gnero no cotidiano e, a partir disso, debater com o grupo sobre as questes e
pontos de vista mais polmicos.
Desenvolvimento: Dinmica do concordo e discordo.
Apresentao de fichas com frases para que possam ser lidas e discutidas
pelos alunos.
Exemplos:
Hoje em dia, os homens esto menos machistas do que antigamente.
As garotas de hoje desejam encontrar um homem para casar e tm
medo de ficar sozinhas.
Existem coisas s para meninos, como futebol, e coisas s para meni-
nas, como cozinhar e danar ballet.
Resultados alcanados: A principal inteno foi alcanada, que era gerar
discusso sobre os assuntos abordados e gerar uma reflexo sobre o nosso posi-
cionamento perante a sociedade ao qual estamos inseridos.

Atividade 3 - Mural interativo: tem gente de todo o tipo

Objetivo: Contribuir para a ampliao do repertrio dos alunos sobre


as masculinidades e feminilidades possveis, bem como estimular o respeito
diversidade no espao educativo.
Descrio da atividade: A ideia desta atividade construir, junto com os/as
alunos/as, um painel com imagens de homens e mulheres realizando atividades
que rompam com o modelo comum de masculinidade e feminilidade, com
o qual outros/as alunos/as e funcionrios/as possam interagir. Posteriormente,
produzimos uma discusso sobre os resultados da atividade. Sua realizao
consiste em trs etapas:
1 ETAPA: Os alunos foram convidados a procurar imagens que retratem
situaes pouco comuns (aquelas que rompem com a concepo tradicional
dos papis de homens e mulheres), como, por exemplo: homem cozinhando
para uma mulher; mulher exercendo cargos predominantemente masculinos;
homens danando ballet; mulher grafitando; homens usando saia.
2 ETAPA: Os alunos organizaram as imagens selecionadas no painel de
cartolina e pensaram com eles poderiam estimular os outros a refletir sobre o

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que estava sendo exposto. Cada grupo recebeu uma lista com diversos adje-
tivos. Estes adjetivos foram usados para nomear as figuras trazidas por eles.
Exemplos:

BONITO/A CORAJOSO/A MODERNO/A


FORTE ESTILOSO/A CUIDADOSO/A

3 ETAPA: A discusso com os/as alunos/as tratou dos preconceitos exis-


tentes em relao a estilos, comportamentos e atitudes das pessoas. Por que
um homem bailarino taxado de bonita? Um homem pode gostar de andar
de skate e costurar ao mesmo tempo? Uma mulher pode trabalhar como piloto,
manobrista ou mecnica? Como ela vista pela sociedade? H situaes na
escola/instituio em que os meninos so considerados veados, ou as meninas
so consideradas mulher-macho? Incitar o respeito diversidade e a negao
de prticas discriminatrias foi o objetivo final desta atividade.
Resultados alcanados: A produo desta atividade, gerou uma tima
reflexo e discusses sobre as imposies de feminilidades e masculinidades.
Alm disso, a desconstruo de esteretipos foi levantada a todo momento,
dando espao a novas concepes e novos olhares sobre o outro.

Exposio do trabalho final produzido por alunos do 3 ano do Ensino Mdio.

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Anlise e discusso dos resultados

O projeto que se iniciou com a abordagem da orientao profissional,


precisou ser interrompido para que as discusses de gnero e sexualidade
entrassem em cena. Os/as alunos/as foram solcitos as demandas existentes.
Mas, discutir est temtica, uma tarefa rdua. As atividades nos evidenciam
que os sujeitos carregam consigo trajetrias, convices e conceitos pr-estabe-
lecidos que lhes foram atribudos.
A atividade 1, surgiu para evidenciar uma normalidade, nas discusses
sobre a homossexualidade. Aps a exibio do vdeo intitulado: Levy Fidelix
e o aparelho excretor, discutimos sobre a polmica levantada pelo candidato
Levy Fidelix em campanha Presidncia da Repblica. Os/as alunos/as se
posicionaram de forma clara e respeitosa, frente aos assuntos discutidos. No
tivemos a inteno de converter pensamentos, ou muito menos, tornar as
ideias um parmetro, mas levar os/as alunos/as, a refletiram sobre o que os
tocavam naquele momento, sobre o social, sobre o que a escola no aborda.
Para Larrosa (1994, p.36), o mais importante no que se aprenda algo exte-
rior, um corpo de conhecimentos, mas que se elabore ou reelabore alguma
forma de relao reflexiva ao educando consigo mesmo.
A influncia religiosa de muitos/as alunos/as fez-se presente e algumas das
falas eram reproduzidas da tica social. A discusso foi sustentada, por perce-
ber que precisamos dar visibilidade as minorias (homossexuais, travestis, trans.) e
principalmente, respeit-los. Enquanto futuros professores, tentamos realizar uma
reflexo para o mbito educacional, mostrando que a sexualidade um processo
natural do conhecimento do corpo. Para Schindhelm (2011, p. 5) a sexualidade
produto de um trabalho permanente de ocultao, de dissimulao ou de misti-
ficao na escola, um reflexo do que se produz da mesma forma na sociedade.
A meu ver, a atividade 2 foi uma atividade simples e sucinta, no que se
diz respeito a atingir os objetivos. Notoriamente, alguns/mas alunos/as reprodu-
ziram discursos do senso comum, como exemplo: Eu acho que a mulher deve
sim ficar em casa cuidando da casa e dos filhos; Os homens so assim, por
que eles nasceram assim. Mas, outros discursos vinham para contrapor estes
pensamentos: Eu no acho. Eu no quero ficar em casa cuidando apenas do
meu marido e dos meus filhos. Quero trabalhar, ser independente e ter o meu
prprio dinheiro; Ns homens, tambm amamos e temos sentimentos, apesar
de as meninas no conseguirem perceber.

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Os discursos explicitados, nos mostra como o posicionamento de cada


sujeito, se reproduz a partir da prpria vivncia social. Um grupo de alunos/
as conservadores se mantinham um discurso de famlia, submisso, pecado,
religio, Deus. J outros os/as alunos/as, conseguiam perceber que estas discus-
ses, vo para alm de instituies sociais, que impem uma norma. A escola
assim, um espao com diversas redes sociais. Assim como uma rede, temos
grupos que enquadra e normaliza [...] dentro de padres, reproduzindo dico-
tomias e polticas da verdade entre certo/errado, normal/anormal, verdadeiro/
falso, natural/antinatural Schindhelm (2011, p. 6).
Na atividade 3, o processo de construo foi o mais produtivo.
Problematizamos os adjetivos nomeados. Aplicar o adjetivo ousado ao casal
gay, carinhosa ao casal de lsbica e corajoso e forte a um menino prati-
cando ballet foram alguns dos que mais nos debruamos a discutir. Ao analisar
o ousado na foto do casal gay, reflito sobre a norma binria que a sociedade
tenta nos impor. Para Milhomem (2012, p. 12) de formas sutis e variadas e
sempre de maneira insidiosa a homofobia faz parte de nossas rotinas dirias.
Ela consentida e ensinada em nossas escolas.
Defendemos que estas discusses sejam intensificadas no ambiente esco-
lar, gerando respeito, igualdade entre os gneros e um desenvolvimento social.

Consideraes Finais

Aps o trmino do projeto, demonstramos a minha imensa satisfao com


o trabalho realizado e produzido em parceria com os/as alunos/as. Semana aps
semana, tentamos desmitificar um tabu de resistncia encontrada no mbito
escolar, no que diz respeito s questes de gnero e sexualidade na escola.
Sabemos que a escola possui um papel de suma importncia na formao des-
tes futuros/as professores/as, trazendo tona assuntos poucos discutidos, mas
que os mesmos habitam em discursos reproduzidos do senso comum. Gerar
criticidade, a fim de entender os processos e discusses existentes e de poder
questionar o nosso prprio comportamento e nossas prprias convices
sempre um desafio a ser enfrentado (LOURO, 2013). Alm disso, questionamos
e refletimos sobre a importncia da temtica na formao de professores/as,
para que esses/essas possam discutir de maneira crtica, os discursos e prticas
reproduzidos.

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ISBN 978-85-61702-44-1 1632 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Referncias bibliogrficas

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sujeito da Educao: estudos Foucaultianos. Petrpolis: Vozes, 1994.

LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 3. ed. Belo


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SEXUALIDADE NA ESCOLA: experincias vividas na rede municipal de Palmas
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ISSN 1807-6211. Ano V, n 16. Novembro, 2011. Disponvel em: <http://www.uff.br/
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YOUTUBE. Levy Fidelix e o aparelho escretor. Vdeo (14min05s). Disponvel em:


<https://www.youtube.com/watch?v=KZC2Tsn_DLE>. Acesso em: 12/07/2016.

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A EXPERINCIA DO FESTIVAL DAS DIVERSIDADES


PRISMA E A VISIBILIDADE E O EMPODERAMENTO DOS
LGBTIS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC UFABC

Juliana Fabbron Marin Marin


Mestranda em Polticas Pblicas
Universidade Federal do ABC
[email protected]

Raimundo Nonato Braz Neres


Graduando em Planejamento Territorial
Universidade Federal do ABC
[email protected]

GT 02 - Ativismo e os movimentos sociais

No espao universitrio informaes so facilmente difundidas e o seu


acesso por parte de quem cotidianamente se encontra neste ambiente facili-
tado. Discutir questes relativas a gnero, orientao sexual e os recortes dentro
destes aspectos algo que acontece de forma reiterada. Todavia, o acesso a
informaes e discusses no necessariamente inibe a prtica de preconceito e
discriminao.
Em 2015, na Universidade Federal do ABC, localizada no Estado de So
Paulo, na regio do Grande ABC, LGBTIs, mulheres feministas, negras e negros
foram vtimas de ameaas LGBTfbicas, machistas e racistas. Pichaes foram
feitas em locais mais vulnerveis da universidade, ameaas verbais foram pro-
feridas falando sobre mortes de LGBTIs e o antigo estigma, que vem desde a
dcada de 80, de que a AIDS atribuda a LGBTIs se perpetuou nas pichaes.
LGBTIs da Universidade, reunidos em um grupo de integrao chamado
PRISMA Diversidades UFABC, sentiram a necessidade de transformar o que
antes era um grupo de integrao em um Coletivo, adquirindo carter de mili-
tncia, com o intuito de combater as aes LGBTfbicas e promover projetos
de incluso social.

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Uma das primeiras aes realizadas pelo Coletivo, alm do combate


LGBTfobia decorrente das pichaes foi o planejamento de uma Semana das
Diversidades, que mais tarde se tornou Festival em funo do nmero de even-
tos pensados. O Primeiro Festival realizado contou com algumas atividades nos
mais diferentes mbitos; aconteceram desde eventos acadmicos at artsticos
e esportivos.
A partir deste evento a maturidade do coletivo cresceu e a visibilidade
aumentou, o que permitiu uma base mais slida para a construo do 2
Festival das Diversidades, evento foco de discusso e reflexo deste relato de
experincia.

O 2 Festival das Diversidades Prisma UFABC

No ano de 2016, o Coletivo realizou o 2 Festival das Diversidades Prisma


UFABC, entre os dias 11 e 17 de junho, almejando ser mais inclusivo do que
o ano anterior e abordar temticas que mesmo dentro do movimento ainda
parecem invisibilizadas. O Festival teve incio em um sbado, dia 11 de junho,
com o lanamento do Observatrio LGBT que est sendo construdo a partir
da iniciativa de integrantes da UFABC. Outras atividades realizadas no festi-
val foram interveno artstica e cultural de abertura do evento; seminrio de
abertura do Festival com a presena do Eduardo Suplicy, Alessandro Melchior
(coordenador do programa Transcidadania) e Silmara Concho (secretria da
Secretaria de Polticas para as Mulheres de Santo Andr); participao de ONGs
e Movimentos Sociais em Stands, nos quais podiam expor seu trabalho; pales-
tra sobre Sexo, Sade e Preveno; bate-papo com Janana Leslo, escritora
dos Livros A princesa e a costureira e Joana princesa; LGBTs no Mercado de
Trabalho,seminrio e workshop com empresas; atividades culturais, intervenes
e exposies artsticas, com a participao de artistas plsticas e performance
da Drag Queen Leandra Gitana; sarau com a presena do cantor Lineker; Cine
Purpurina: transmisso e debate sobre o documentrio Bichas; roda de capo-
eira; dana circular; palestra sobre gnero, diversidade e sociedade; roda de
bate-papo genero e raa; seminrio referente as diversidades sobre a sexuali-
dade: bissexualidade, pansexualidade e assexualidade; pea teatral Meninos
tambm amam, abordando a afrohomossexualiadade; roda de bate-papo sobre
gnero e religio; queimada finssima: jogo de queimada em espao aberto da

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Universidade; seminrio de encerramento chamado TRANSformao Cidad;


festa de encerramento do Festival das Diversidades.
As atividades propostas para o Festival ultrapassam as discusses acad-
micas. LGBTIs se encontram em uma condio de vulnerabilidade social, mas
ser LGBTI vai muito alm do espao que somos colocados, o espao de sujeitos
que sofrem preconceitos e discriminaes. Ser LGBTI mais um fator que se
soma a diversos outros na compreenso das nossas identidades. Queremos cul-
tura, diverso e arte. Queremos espaos na academia e tambm no mercado de
trabalho, no teatro, no esporte, nas mais variadas expresses artsticas.
Assim, o Festival das Diversidades Prisma surge como um contraponto
vulnerabilidade e ao espao que somos aceitos na sociedade. Ele iniciado
com o objetivo de ser um espao de voz e empoderamento de LGBTIs, que se
concretiza por meio de intensa visibilidade, tanto para a comunidade acad-
mica quanto para a comunidade civil das cidades do Grande ABC, de forma
que LGBTIs se tornam agentes e protagonistas das diversas atividades e eventos
culturais, artsticos, acadmicos, expositivos e interativos realizados. O foco so
os sujeitos que em suas vivncias teoricamente transgridem o ideal de socie-
dade heterocisnormativa que nos imposta. Somos guetificados, alocados em
determinados espaos sociais para sermos aceitos, mas na realidade, estamos
em todos os lugares. Estamos na academia, na militncia, nas empresas, na roda
de capoeira. Somos artistas ou escritores, esportistas, professores. Ns estamos
em todos os lugares, em todas as profisses, em todos os espaos, mas o que
nos dado o espao do sofrimento, da dor, do constante debate das dificul-
dades em ser LGBTI e do enfrentamento a preconceitos e discriminaes.
O Festival das Diversidades Prisma na Universidade Federal do ABC passa
a atuar buscando a ruptura do padro que rege o cenrio social. Os sujeitos
que no representam a sociedade heterocisnormativa ainda so marginalizados,
sofrem diversos tipos de violncias fsicas, psicolgicas, simblicas, a ns so
atribudos espaos especficos e restritos. Transformar esta condio requer a
ampliao de oportunidades e de representatividade destes sujeitos nas mais
variadas esferas, como sociais, culturais, polticas e acadmicas.
Com a concretizao do Festival mostramos para esta sociedade opres-
sora e excludente que a Universidade sim o lugar de mulheres transexuais,
homens trans, travestis, transgneros, lsbicas, gays, bissexuais e intersexuais.
A Universidade um lugar de todas e todos, independente de gnero, orien-
tao sexual, raa e classe. LGBTIs em condio de extrema vulnerabilidade

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social, que sequer tm a oportunidade ou at mesmo possibilidade de acesso ao


ambiente universitrio, passam a ocupar um espao que ainda protagonizado
pelo padro heterocisnormativo e que carece de representao da populao
LGBTI.
A educao e a cultura so pontos fundamentais quando se discutem
questes relativas a gnero e diversidade sexual. Pensar no ambiente em que
a educao se dissemina, como a universidade, reafirma a ideia de que todos
devem ter acesso a ela. A representatividade destes sujeitos vulnerveis social-
mente dentro das universidades ainda baixa, seno quase nula, pois o acesso
se torna mais difcil quanto mais vulnerveis forem os sujeitos, vez que precon-
ceitos, discriminaes e violncias se tornaram parte de sua trajetria de vida
e impedem ou dificultam sua ascenso no que tange ao acesso a educao,
ao trabalho e at mesmo nas relaes interpessoais. Neste sentido, o Festival
mostrou que atravs de muita luta podemos, sim, resistir e ocupar estes espaos
das mais variadas formas e ao mesmo tempo desconstruir os padres hetero-
cisnormativos impostos pela sociedade, resistir ao preconceito, discriminao
e homolesbobitransfobia, quebrar tabus, paradigmas, ousar e estabelecer a
Universidade Federal do ABC-UFABC como um lugar que se tem diversidades
e no qual so desconstrudos padres de forma interseccional, abordando o
machismo, a misoginia, o racismo, a gordofobia, os recortes de classe, a diver-
sidade sexual e de gnero nas suas mais variadas nuances.
importante levar em considerao que existem lutas que se interseccio-
nam, mas cujo protagonismo deve ser respeitado. Em muitos pontos lutas do
movimento feminista, LGBTI, negro, ou de classe se cruzam, entretanto, as expe-
rincias e vivncias so distintas, de forma que o dilogo entre os movimentos
tende a somar, a elevar a compreenso das interseces e propiciar ambientes
mais inclusivos. Com o intuito de reafirmar todas as lutas e a importncia delas,
o Festival se fez com a participao do Coletivo Negro e do Coletivo Feminista
Interseccional da Universidade, ativistas independentes, movimentos sociais e
Organizaes No Governamentais LGBTIs, representando diversas cidades do
Grande ABC, ampliando, assim, as discusses e experincias ao levar em con-
siderao diferentes recortes.

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Consideraes finais

O 2 Festival das Diversidades consolidou a ocupao do espao univer-


sitrio tanto pela comunidade acadmica, quanto pela sociedade civil LGBTI
e pr-desconstruo do padro heterocisnormativo de gnero e orientao
sexual, promovendo a luta por direitos, pela visibilidade e pela representativi-
dade, atravs da participao de diversas pessoas que foram protagonistas de
suas vivncias, de suas histrias e de suas habilidades. Negras, travestis, homens
trans e cis, professores, gays, assexuais, crianas, lsbicas, intersexuais, trabalha-
dores, pansexuais, transgneros, negros, mulheres transexuais e cis, adultos, no
binrios, alunos, heterossexuais trans e cis, funcionrios terceirizados, bissexu-
ais, acadmicos, jovens, representatividades de todas as formas e que muitas
vezes se cruzam, todos juntos, todos com vozes, expondo, explicitando suas
vivncias, suas histrias, interagindo com todos e pautados na horizontalidade.
Uma ilha de aparente utopia sendo concretizada, por apenas alguns dias, mas
com um poder avassalador e capaz de gerar muitas transformaes naqueles
que participaram da experincia.
Contudo, temos cincia que a luta rdua, sabemos que por mais que
tenha acontecido a conquista de determinados espaos de forma temporria, de
maneira ousada para afirmar nossas existncias, muitos sujeitos se mostraram
incomodados com isso, at mesmo se sentindo constrangidos e ameaados, por
verem tanta diversidade, tanta pluralidade. Samos do lugar restrito que nos
imposto e conquistamos um espao que muitas vezes nos tirado. Desta vez
os marginalizados, excludos, violentados, agredidos, com direitos cerceados e
com a dignidade da pessoa humana afligida foram ouvidos.
Estamos vivendo em um perodo de extremo conservadorismo poltico
e social e a ocupao de espaos por LGBTIs se faz mais do que necess-
ria, pois espaos como os de Universidades Federais vo muito alm de uma
representao meramente acadmica; as Universidades Federais so tambm
espaos polticos e de socializao, de interao com o mundo e com a socie-
dade, e de empoderamento. E que venham nos prximos anos o 3, o 4, o 5
Festival das Diversidades e assim sucessivamente, perpetuando-se este como
um evento que alm de necessrio, faz parte do dilogo, da histria e da luta na
Universidade Federal do ABC UFABC.

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PROJETO EDUCAO EM DIREITOS HUMANOS UFABC

Ana Maria Dietrich


Docente da UFABC
[email protected]

Daniele da Silva Benicio


Discente de Engenharia de Gesto UFABC
[email protected]

GT 01 - Prticas Escolares e de Formao Docente

Segundo o PNEDH/ 2003: educar em direitos humanos fomentar pro-


cessos de educao formal e no formal, de modo a contribuir para a construo
da cidadania, o conhecimento dos direitos fundamentais, o respeito plurali-
dade e diversidade sexual, tnica, racial, cultural, de gnero e de crenas
religiosas. Formar cidados que incorporem os conceitos de Direitos Humanos
no ambiente escolar algo imensamente prioritrio, pois a escola um espao
de sociabilizao e formao, que potencializa o encontro das diversidades,
da aprendizagem e da construo. Visando esta linha do PNEDH, a Professora
Doutora Ana Maria Dietrich coordenou o projeto de ensino, pesquisa e exten-
so Educao em Direitos Humanos (EDH), criado pela Universidade Federal
do ABC em parceria com o Ministrio da Educao e Cultura (MEC) /Secretaria
de Direitos Humanos de So Paulo.
O projeto articulou-se com o Grupo de Pesquisa do CNPQ certificado
pela UFABC, com liderana da Ana Maria Dietrich, Laboratrio de Estudos
e Pesquisas da Contemporaneidade. Tambm vinculou-se ao Laboratrio
Memria dos Paladares, sediado na UFABC, campus de Santo Andr e que
mantm o Centro de Documentao homnimo.
Seus objetivos foram contribuir para a consolidao de uma cultura dos
direitos humanos e combater as formas de preconceitos, excluso e violncia
no ambiente escolar. Sua ao se fez por meio de cursos semipresenciais de
formao continuada voltados para educadores. Pretendeu-se tambm elaborar

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materiais didticos e de pesquisa acadmica, alm de fortalecer o dilogo entre


os movimentos sociais, ONGs, associaes de Direitos Humanos e a univer-
sidade. O curso forneceu subsdio para a realizao de prticas pedaggicas
voltadas consecuo da cultura dos direitos humanos no ambiente escolar.
Dessa forma, contribuiu-se para a formao de profissionais da educa-
o bsica e profissionais ligados s reas do Plano Nacional de Educao em
Direitos Humanos, enfatizando uma atuao pedaggica voltada promoo,
consolidao e difuso dos direitos humanos, com foco na promoo de pr-
ticas democrticas, na disseminao do contedo dos direitos humanos e na
orientao de prticas de no discriminao.
O pblico alvo foi de professores/as de Educao Bsica da Rede pblica
de Ensino da cidade de So Paulo, demais profissionais da rede pblica de
Educao Bsica e outros pblicos interessados. O curso foi oferecido na moda-
lidade semipresencial pela plataforma Tidia. A proposta didtica do curso levou
em conta os diferentes perfis de cursistas, tanto no que diz respeito diver-
sidade de funes entre trabalhadores da educao, como tambm aqueles
profissionais de outras reas que atuam na escola, na rede de proteo ou em
movimentos sociais.
Os cursistas foram orientados a realizar atividades pedaggicas prticas
(aulas experimentais, atividades de sensibilizao e mobilizao da equipe da
escola, reorganizao do espao escolar, atividades de pesquisa e vivncia dentro
da comunidade escolar entre outras) em seus espaos educacionais de atuao,
preferencialmente no desenvolvimento prprio de suas funes, investindo na
articulao entre formao e trabalho. Estas atividades foram acompanhadas e
avaliadas pela equipe do curso - luz das diretrizes conceituais, legais e meto-
dolgicas - sendo entendidas como laboratrio de novas prticas pedaggicas
e estratgia de consolidao e multiplicao dos conhecimentos. Privilegiou-se
uma avaliao final diferenciada que teve como foco a atuao orgnica dos
educadores. Assim, o trabalho final foi um projeto de interveno em educao
em direitos humanos, apresentado em forma de pster no I Simpsio Nacional
de Pesquisa de Educao em Direitos Humanos, realizado no dia 4 de junho
no Campus So Bernardo da UFABC. O evento tambm ficou marcado pela
formatura de 300 alunos do curso de Aperfeioamento EDH UFABC.

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Encontros presenciais

Foram realizados quatro encontros presenciais. A cada um dos encontros


presenciais foram abordados de forma transversal, todos os fundamentos e con-
ceitos bsicos tratados em cada um dos cursos, dialogando com o perfil dos
cursistas e de suas comunidades escolares. Os encontros presenciais tambm
abordaram conhecimentos para que os cursistas venham a utilizar as tecnolo-
gias de informao e comunicao, interagindo com a plataforma de educao
a distncia com todos os contedos e atividades disponibilizados, conforme
seus interesses, suas necessidades de aprofundamento terico e de desenvol-
vimento prtico, ao unir as atividades de pesquisa e vivncia comunitria com
as de elaborao de trabalhos requeridos pelo curso (memorial, diagnsticos,
relatrios, proposta de interveno e auto avaliao processual).
O curso realizado estava dividido em mdulos temticos conforme seo
a seguir.

Mdulos

Foram trabalhados os seguintes mdulos:


Modulo I Introduo e Fundamentos filosficos e histricos dos
Direitos Humanos e a construo dos marcos regulatrios
Modulo II A educao como construtora de uma cultura de Direitos
Humanos
Modulo III Direitos Humanos e o Projeto Poltico Pedaggico da
escola
Mdulo IV Direitos Humanos, Diversidades e a Escola
Mdulo V Direitos Humanos e materiais didticos
Mdulo VI Plano de Ao Educacional e Avaliao

As questes de gnero e diversidade sexual foram discutidas no Mdulo


4. Esse mdulo discutiu temticas transversais e a correlao com o ensino/
educao. Foram analisados os conceitos de igualdade, diferena e diversidade
e sua importncia como elementos referenciais de uma prtica docente em
Direitos Humanos.
Dentro da dinmica escolar foi discutido o respeito e valorizao das dife-
renas e combate ao preconceito e discriminao com base na raa/etnia,

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relaes de gnero, linguagem, religio, poltica ou opinio, origem nacional,


geracionais, condies fsicas ou mentais, entre outras.
Por ltimo, foi analisado a trade escola, participao e emancipao
social, sendo que a escola foi vista como tempo e espao de realizao de
Direitos Humanos e de promoo e valorizao da diversidade.

Projetos de interveno

No I Simpsio Nacional de Pesquisa de Educao em Direitos Humanos,


realizado no dia 4 de junho no Campus So Bernardo da UFABC, evento mar-
cado pela formatura de 300 alunos do curso, foi apresentado o trabalho final
projeto de interveno em educao em direitos humanos, apresentado em
forma de pster.
Dentre os 300 trabalhos apresentados, alguns destacam-se pelos resul-
tados obtidos. No pster Refletindo sobre a questo de gnero na educao
infantil - A influncia da escola e da famlia na construo da identidade de
gnero da criana discutiu-se o processo de construo das identidades de
gnero nas atividades dirias da educao infantil, analisando as prticas e os
discursos para discutir e desconstruir preconceitos lingusticos em relao ao
gnero e proporcionar momentos de reflexo e troca de experincias com as
famlias. Inicialmente foram distribudos aleatoriamente brinquedos s crianas,
para observao de suas reaes, alm de anlise dos espaos da escola para
refletir sobre as relaes de como os meninos e as meninas so representados.
Aps a realizao do projeto, notou-se a importncia do papel da escola no tra-
balho da desconstruo de esteretipos e do preconceito de gnero. A escola
deve oferecer diversas opes de brinquedos e brincadeiras que oportunizem
o desenvolvimento das crianas, dando voz a elas, provocando-as, trabalhando
para que desenvolvam sentimento de empatia e respeito ao prximo. Fazer
reflexes constantes sobre suas prticas pedaggicas, alm de discusso com
as famlias.
J no trabalho As relaes de gnero: uma anlise sobre alguns danos do
machismo causado s mulheres, homo e transexuais na sociedade brasileira teve
como objetivos apresentar aos estudantes os nmeros alarmantes sobre os pre-
conceitos e s violncias causadas a este pblico, debatendo o papel da mulher
na sociedade, a violncia sexual e a domstica, incentivando atitudes positivas
de aceitao, respeito e solidariedade com o prximo, alm de analisar sobre

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acolhimento familiar, preconceito e a importncia do dilogo entre os familiares


sobre o tema. Foram utilizadas anlises de filmes, textos e documentrios, den-
tre eles o filme Transamrica, documentrio No gosto de meninos e o vdeo
de performance da atriz Viviane Bellabone que se crucificou na 19 Parada Gay
de So Paulo. Aps a prtica, os alunos passaram a reconhecer e respeitar a
diversidade e as identidades dos demais.
Em Esse brinquedo de menina. Com quais brinquedos brincar? Os
objetivos foram ampliar os conceitos relativos ao brincar e ao faz-de-conta na
educao infantil, mostrando que a criana, ao se divertir, fantasia, imagina e
cria, desconstruindo-se os preconceitos nos funcionrios e pais. Tambm foram
criados brinquedos e formas de brincar que representem os papis que homens
e mulheres assumem em nossa sociedade para construo um ambiente de res-
peito e tolerncia aos direitos da criana, como a direo de brincadeiras com
objetos que representassem, por exemplo, os utilizados em um salo de beleza.
Na Educao Infantil, o brincar constante. As crianas do significado a todo
tipo de objeto e at mesmo aos movimentos do corpo. Foi possvel observar
que desenvolver respeito e tolerncia ao diferente tambm uma construo
contnua.

Consideraes finais

Mesmo com a abordagem de destaque que a questo de diversidade foi


vista no curso de aperfeioamento Educao em Direitos Humanos, inclusive
com um Mdulo voltado a essa temtica, houve pouqussimos projetos de
interveno dos cursistas apresentados sobre a temtica LGBT. Sobre gnero,
houve maior nmero de trabalhos finais, porm, ainda ficou muito aqum do
tema mais estudado: africanidades.
Baseados na experincia de apresentao dos trabalhos durante o
Simpsio, acreditamos que essa invisibilidade do movimento LGBT nos traba-
lhos finais se deu pela falta conhecimento de metodologias apropriadas e de
linguagem especfica voltadas para o pblico infantil. Isso mostra a importncia
de se pensar estratgias e instrumentos metodolgicos para que os professores
de ensino bsico, principalmente do Fundamental I, consigam tratar questes
LGBT j com os alunos mesmo em sua tenra idade (5 a 11 anos) e descontruam
a educao sexista que at ento imposta.

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RELATO DE EXPERINCIA DO EIXO ACOLHIMENTO DO CRDH:


GRUPO DE VIVNCIAS PARA PESSOAS TRANS

Flvia Luciana Magalhes Novais


Mestranda em Psicologia Social e Institucional UFRGS
[email protected]

Hellen Santos
Doutoranda em Psicologia Social e Institucional UFRGS
[email protected]

Diego Carrilho da Silva


Graduando em Enfermagem UFRGS
[email protected]

GT 02 - Ativismos e Movimentos Sociais

O relato de experincia a seguir, situa as aes de acolhimento s pessoas


violadas em seus direitos referentes a gnero, sexualidade e raa, enquanto uma
escuta qualificada de sujeitos que vivenciam violncias e discriminaes asso-
ciadas homofobia, lesfobia, transfobia, racismo e sexismo. Acompanhamentos
e encaminhamentos para a rede de ateno s polticas pblicas e espaos de
direitos humanos, alm da execuo semanalmente de um grupo de vivncias
de pessoas trans binrias e no binrias constitui umas das principais estratgias
de acolhimento executada por uma equipe de professores, alunos de ps gradu-
ao e graduao integrantes do Centro de Referncia em Direitos Humanos em
relaes de gnero, sexualidade e raa (CDRH), enquanto programa de exten-
so do Ncleo de pesquisa em sexualidade e Relaes de gnero (NUPSEX) da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no decorrer dos anos 2011- 2016.
O CDRH tem por objetivo promover o respeito liberdade em relao
s expresses da sexualidade, gnero e raa, por meio de aes educativas no
espao universitrio, na rede de polticas pblicas, assim como na sociedade
civil. Deste modo, complementar s aes do Eixo Acolhimento, foco do nosso

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relato, so executadas dentro do projeto do CDRH formaes de capacitao


e sensibilizao nos servios e espaos escolares, de sade, assistncia social e
de proteo social. Apenas encaminhar os sujeitos em vulnerabilidade devido
aos preconceitos e estigmas naturalizados nem sempre garante o acesso inte-
gral e humanizado, o que nos convoca a refletirmos sobre a Clnica Ampliada
enquanto um conceito da sade coletiva, potente para ultrapassar a noo de
indivduo medicalizado e reduzido a individualidade, com vistas a compreen-
der o homem em seu contexto scio-histrico.
Conforme Brasil (2009), a clnica ampliada , ento, uma crtica ao modelo
mdico/hospitalocntrico/curativo/tecnolgico e visa focar a preveno da
sade e a promoo da qualidade de vida. A superao da clnica tradicional
necessria para que se estabelea uma relao de encontro entre sujeitos,
caracterizando uma coproduo de compromissos singulares que nega qual-
quer elemento a priori para que as experincias de cada um sejam levadas em
considerao em todos os procedimentos dentro da sade pblica. A clnica
ampliada prope, enfim, enxergar o homem como um todo, considerando suas
dimenses psicolgica, biolgica, social, histrica e poltica e dando voz ao
sujeito para que ele participe ativamente de seu processo de sade.
Assim, a clnica ampliada pressupe o compartilhamento e co-responsa-
bilidade da ateno aos sujeitos entre a equipe e entre equipes de trabalho. So
diversas as formaes universitrias dos envolvidos na equipe do CDRH, de
maneira que nossas aes de acolhimento pautam-se na lgica da integralidade
e transversalidades de saberes. Segundo Peres (2010), o dilogo com outros
saberes surge como possibilidade de uma escuta clnica e institucional que vai
alm do recorte psicolgico, para se compor com os processos psicossociais,
polticos e culturais, de modo a tomar as cenas e discursos como complexida-
des que so constitudas por diversos componentes de subjetivao na feitura
dos sujeitos contemporneos.
Neste sentido, pautamo-nos como referencias para produzirmos espaos
de encontros da diferena e diversidade, tanto ao reconhecer as singularidade,
trajetrias de vida e acesso a redes de apoio dos sujeitos que nos procuram,
como produzir outros modos de ampliar, facilitar o acesso e produzir tecnolo-
gias de cuidado humanizadas e integradoras s demandas da populao. Peres
(2010) assinala o modo como se cruza o plano das diferenas sociais, polticas
e culturais mais amplas e o plano das experincias particulares, lembrando que
entre esses dois nveis no possvel uma oposio distinta determinada por

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uma contradio, pois as lutas sociais so pessoais e coletivas. A idia promo-


ver uma clnica ampliada e intercessora, que dialogue com mltiplos saberes e
processos de subjetivao, em especial os estudos sobre gnero e sexualidades.
Ou seja, como afirma Benevides (2002), clnica e social so indissociveis
e mais uma questo a ser tratada no registro tico-poltico do que no jurdico
ou simblico. Trata-se de tomar clnica e social como linhas em regime de
variao contnua, mesclando-se de tal maneira que s caberia pensar em opo-
sio complementao se as tomarmos como universais. A clnica-dispositivo
pode intervir de modo a tornar a histria pessoal como uma das linhas que
atravesssam e so atravessadas pela enunciao de uma poca, produzidas por
um coletivo-multiplicidade que no pode ser reduzido a noo de molar social.
Grupo de Vivncia para pessoas Trans: possibilidade de vivncias
Como dito anteriormente, o Centro de Referncia em Direitos Humanos,
o CRDH, tem como princpios bsicos o direito liberdade e o respeito diver-
sidade nas formas de vivncia e constituio dos indivduos. Com uma atuao
que teve incio em 2011, o CRDH trabalha com diversas situaes de violaes
de direitos humanos ligadas s questes de gnero, orientao sexual, raa e
classe.
Para o enfrentamento dessas questes de violao de direitos humanos
em vrios mbitos como raa, identidade de gnero, classe, orientao sexual,
o CRDH tem como conceito central o de interseccionalidade (Crenshaw, 2002,
Carneiro 2001). Dessa forma, no reconhecimento de que cada sujeito for-
mado por uma rede de relaes formadas por marcadores sociais de diferena.
Ou seja, reconhece-se que as relaes sociais so formadas por hierarquizaes
onde gnero/sexo/sexualidade, raa/etnia, classe social, religio, entre outros,
so articulados, criando vulnerabilidades. (SILVEIRA Et al, 2015)
As relaes de poder so estabelecidas de forma desigual dependendo de
quais dos marcadores sociais atravessam as vivncias. Pensa-se num sujeito a
partir dos preceitos de Foucault (1983), onde este no existe de forma anterior
e definitiva, ou seja, este criado e recriado historicamente. Supera-se tambm
algumas dicotomias que so calcadas nas atuaes de maneira geral, como a
de indivduo-sociedade, sade-doena, sujeito-coletivo. Tais binarismos, bem
como a valorizao de explicaes biolgicas dicotomizantes e crenas reli-
giosas muito conservadoras produzem discursos que colocam em cheque a
existncia de certos indivduos e a garantia de seus direitos bsicos. As diferenas
entre os corpos, a partir desses discursos, so transformadas em desigualdades,

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onde mulheres travestis e pessoas trans so colocados como patolgicos ou


anormais, Silveira ( 2015)
A prtica cotidiana do acolhimento no CRDH se d a partir da valoriza-
o da trajetria de vida, pensando nele como uma maneira de construir um
encontro entre as pessoas ligadas diretamente equipe formada por docentes,
estudantes e profissionais voluntrios, e as pessoas que buscam ajuda a par-
tir dos servios do centro. Nesse sentido, pensa-se o acolhimento como uma
possibilidade de promover encontros capazes de construir processos e produ-
zir novas possibilidades de vida, onde a garantia dos direitos humanos seja
exercida.
Assim, o ato ou efeito de acolher a partir dos preceitos da Poltica Nacional
de Humanizao (Brasil, 2006), tem como pressuposto o de construir uma atu-
ao baseada na incluso. Dessa forma, o acolhimento feito pela equipe do
CRDH tem o compromisso com o reconhecimento do outro, respeitando seus
objetivos, seus modos de viver e s suas demandas.
A partir dos encontros possibilitados pelos acolhimentos especialmente
relacionados questes de violao de direitos pessoas trans, com casos de
transfobia em escolas, centros de sade, problemas familiares ligados essa
temtica e levando em considerao tambm outros marcadores sociais como
raa e classe, percebeu-se a necessidade da criao de um espao onde sujeitos
pudessem trocar experincias e construir vnculos, foi construdo o Grupo de
Vivncias para pessoas trans binrias e no binrias.
Entende-se o grupo como uma forte ferramenta para a construo de
possibilidades de vida e contrapondo tendncias onde grupo visto como
subproduto, tratamento mais barato e acessvel populao com poucos
recursos financeiros, ou tratamento indicado para servios pblicos de sade,
pelas mesmas razes econmico-financeiras e/ou por atender mais gente em
menos tempo Benevides (2002), pensando especialmente na ruptura com pr-
ticas de cunho psicoanalticas a qual a imagem do trabalho com grupos estava
associada.
Ou seja, grupo como dispositivo de interveno como possibilidade de
superar movimentos contemporneos individualizantes e privativas da experin-
cia subjetivo-poltica (Benevides, 2002), com o intuito de superar conceituaes
patologizantes acerca da vivncia trans, e possibilitar o encontro, construir for-
mas de ao e superao de violncias relacionadas a transfobia.

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Pensa-se o grupo como um importante ferramenta para criao de novas


possibilidades de vida para alm do sofrimento, da excluso, da transfobia. As
questes de vulnerabilidades que se atravessam em cada um dos participantes
so valorizadas, pensando no encontro - tanto com a equipe do CRDH como
com os demais como uma ferramenta para se pensar em formas de enfren-
tamento do preconceito, novas maneiras de viver e possibilidades de vida. O
grupo aberto, ou seja, qualquer pessoa que se identifique como trans (binrio
ou no binrio) pode participar. Como parte da equipe do CRDH, duas coorde-
nadoras acompanham as reunies, construindo junto com os participantes um
espao de trocas e vivncias, desenvolvendo um trabalho coletivo composto de
reciprocidades e respeito.
A partir de reunies semanais, os participantes do grupo trazem em suas
falas inquietaes do cotidiano, tenses familiares, dvidas, angstias. Para alm
de um espao da terapia, o grupo pensa em solues para alguns problemas,
novas formas de perceber e enxergar as situaes, respeitando as limitaes e
os processos de cada um.
O cotidiano dos participantes do grupo permeado pela constante luta
no reconhecimento de sua identidade de gnero, porm nossas atividades nos
apontam para uma perspectiva positiva com relao ao enfrentamento das ten-
ses cotidianas ocasionadas pela discriminao e preconceito. Em feedback
recente, realizado com os participantes para avaliao do desempenho do
grupo, alguns dos relatos demonstram maior facilidade nas questes do dia
a dia com a famlia e nas suas relaes interpessoais, bem como tambm em
iniciativas de aes cotidianas antes no pensadas. Alguns membros relataram
que aps o inicio de sua participao no grupo conseguiram diminuir as tenses
com seus familiares quando abordadas as questes de identidade de gnero e
outras minorias, bem como na aproximao dos mesmos com estes assuntos,
para que ento possam continuar no seu processo de transio de forma no
annima. Outros membros tambm apontaram para uma melhora na sua auto
estima e inclusive no incentivo da confeco do nome social, mesmo sem o
conhecimento de familiares sobre sua identidade.
Outra dificuldade relatada em algumas falas gira em torno da transio,
normalmente relacionada a ambiguidade identitria, onde o contexto muitas
vezes obrigue a definio de qual identidade pode ser acessada. Em ambientes
tidos como inseguros assume-se a que est relacionada ao gnero atribudo
(o que normalmente causa muito constrangimento e violncia) no havendo

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espao para expresso de sua real identidade. O acompanhamento de cada


processo demonstra que tambm s gradativamente os membros relatam uma
maior confiana no enfrentamento destes tipos de situaes, e conseguindo
expor sua identidade pelo seu gnero de identificao e no o designado no
seu nascimento. O grupo um espao de trocas de vivncia para alm do mero
compartilhamento de dor e sofrimento: uma possibilidade de encontros e for-
talecimento, produzindo vidas e redefinindo as trajetrias desses sujeitos que a
cada dia percebem que suas vidas so possveis de serem vividas para alm da
marginalizao e do silncio.

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ou falsa dicotomia? In: Rauter, C., Passos, E. & Benevides, R. (Eds.), Clnica e Poltica:
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BRASIL, Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Poltica Nacional de


Humanizao da Ateno e Gesto do SUS. Clnica ampliada e compartilhada /
Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Poltica Nacional de Humanizao
da Ateno e Gesto do SUS. Braslia : Ministrio da Sade, 2009.

CARNEIRO, A.S. Enegrecer o Feminismo: a situao da mulher negra na Amrica


Latinaa partir de uma perspectiva de gnero. Revista LOLA, Press n16, novembro de
2001.

CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos de discrimi-


nao racial relativos ao gnero. Revista Estudos Feministas. Vol. 10, n1. Florianpolis.
Janeiro de 2002.

FOUCAULT, M. Historia da Sexualidade - v. I - A vontade de saber 1977. Rio de


Janeiro: Graal, 1984

SILVEIRA, R. S., MACHADO, P. S., NARDI, H.C. Diversidade Sexual e Relaes de


Gnero nas Polticas Pblicas: o que a laicidade tem a ver com isso?. Porto Alegre:
Deriva/Abrapso, 2015.

PERES, Willian Siqueira. Cartografias clnicas, dispositivos de gneros, Estratgia Sade


da Famlia. Estudos Feministas, Florianpolis, 18(1): 288, janeiro-abril/2010.

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SE A GENTE NO CONTINUAR COM ESSA LUTA,


VAI SER CADA VEZ PIOR [...] LEITURAS DE UMA
VIVNCIA FORMATIVA SOBRE DIVERSIDADE DE
GNERO E SEXUAL EM UMA ESCOLA

Idlia Lino dos Santos


Especialista em Antropologia com nfase em Culturas Afro-Brasileiras
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Campus de Jequi (UESB)
[email protected]

Roniel Santos Figueiredo


Biolgo, Mestrando do Programa de Ps Graduao em Relaes tnicas e
Contemporaneidade da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
[email protected]

Marcos Lopes de Souza


Doutor em Educao, Professor Titular da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia
[email protected]

GT 01 - Prticas escolares e de formao docente

Palavras iniciais

A escola foi produzida enquanto uma instituio intencionada na uni-


formizao e controle dos corpos, dos gneros e das sexualidades delegando
o lugar da margem para quem ousasse transgredir as fronteiras estabelecidas
pelas normatizaes. Segundo Junqueira (2012), para quem escapa das normas
de sexo, gnero e de sexualidade, nossas escolas ainda se pautam em duas
pedagogias: a do insulto e a do armrio. Na primeira os/as alunos/as que no
se enquadram no modelo hegemnico so ofendidos/as por insultos, apelidos
e vexaes, conduzindo-os/as segunda pedagogia, submetendo estes/estas

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discentes ao esconderijo do segredo e dos silenciamentos de suas aes que


so tidas como nefastas e perniciosas em uma sociedade heteronormativa.
Esses discursos de dio esto incutidos no ambiente escolar de diversas
formas no apenas nas atitudes dos/as alunos/as, mas tambm dos/as professo-
res/as que fomentam e alimentam preconceitos e discriminaes. essa relao
da docncia com as questes de gnero e sexualidade que buscamos discutir
neste trabalho. Nesse sentindo, destacamos a necessidade de um processo de
formao permanente que discuta gnero e sexualidade em uma perspectiva
que reconhea as diferenas.
Souza (2016) realizou um curso de extenso com professoras/es e gradu-
andas/os e percebeu que, apesar do discurso religioso ser uma amarra para o
desenvolvimento da formao, aps o curso a maioria das/os participantes se
reconheceu mais segura e motivada para discutir a temtica na escola. Borges
e Meyer (2008) investigaram uma ao de formao continuada realizada com
docentes da educao bsica e perceberam que o curso contribuiu para que
as educadoras repensassem em suas prticas educativas, especialmente, em
suas posturas preconceituosas. As autoras tambm identificaram que muitas/os
docentes no participaram do curso para no serem vistas/os como lsbicas ou
gays, ou mesmo com receio de serem reconhecidas/os como um/a defensor/a
das ditas minorias.
Diante do exposto, este trabalho objetiva relatar e analisar uma vivncia
formativa sobre diversidade sexual e de gnero assumida por uma professora
de uma escola estadual no interior baiano e com o apoio do Ncleo de Estudos
em Diversidade de Gnero e Sexual da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia UESB. A autora deste artigo professora da escola, compe o ncleo e
foi quem assumiu essa proposta formativa na escola.
Este estudo toma como base os referenciais ps-crticos ligados aos
gneros e s sexualidades buscando, desta maneira, problematizar, borrar e
questionar as verdades postas e prontas, compreendendo o quanto so limita-
das as explicaes e os modelos generalistas e voltando, portanto, a ateno
para as mincias, que escapam e subvertem a ordem naturalizante e naturali-
zada (PARASO, 2012).

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Relatos sobre o caminho construdo para o desenvolvimento da


proposta formativa

O processo formativo foi realizado em uma escola estadual da cidade


de Jequi-BA. O primeiro encontro ocorreu durante a jornada pedaggica, em
maro de 2015. Neste dia houve uma participao maior de docentes, bolsistas
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia (PIBID) e tambm
da equipe gestora da escola, talvez por ser uma atividade obrigatria para todas/
os. Neste encontro foi exibido o curta-metragem Vestido Novo (2007) do dire-
tor e roteirista espanhol Sergi Prez. Este artefato narra a histria de Mrio, um
garoto que vai para o colgio, no dia do Carnaval, com um vestido rosa e as
unhas pintadas e o quanto isso perturba a sala de aula e a equipe gestora da
escola. Aps a exibio, houve debates sobre diversidade de gnero e seus
atravessamentos no espao escolar.
O segundo encontro aconteceu em abril, no perodo noturno, pelo fato
de muitos/as professores/as no terem disponibilidade no diurno. Fizemos essa
tentativa, na esperana de termos mais pessoas no encontro, mas apenas duas
professoras participaram. Neste dia exibimos o curta-metragem brasileiro Eu
no quero voltar sozinho (2010) do diretor Daniel Ribeiro. Nosso propsito foi
questionar o discurso da heterossexualidade como algo natural e o destino de
todas as pessoas, inserindo as discusses de diversidade sexual no processo
formativo. Aps a exibio foram levantados apontamentos sobre a homofobia
na escola.
No terceiro dia, ocorrido em maio, houve a apresentao do filme
Oraes para Bobby (2009), dirigido por Russell Mulcahy. O longa-metragem
conta a histria de Bobby, um garoto que se suicida muito jovem por no con-
seguir lidar com a rejeio da famlia, especialmente da me, em relao
sua homossexualidade. A repulsa da me em relao homossexualidade do
filho pautada no discurso religioso cristo. Aps a projeo do filme, abrimos
para a discusso entre as/os participantes. Neste dia o nmero de professoras/
es tambm foi pequeno, mas algo nos chamou a ateno: a diretora tinha mar-
cado uma reunio no mesmo horrio com alguns/as professores/as e todos/as
estavam presentes, porm aps o trmino da reunio, nenhum/nenhuma deles
quis participar do encontro formativo.

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Este foi o ltimo dos encontros ocorridos, talvez a baixa adeso por parte
dos/as docentes tenha desestimulado a continuidade do trabalho. De qualquer
forma, os momentos tocaram as pessoas que os vivenciaram.
Neste relato traremos algumas questes que foram mais instigantes
durante os trs encontros ocorridos. Para a construo e anlise dos dados,
utilizamos dos registros elaborados durante as observaes dos encontros e
tambm de alguns escritos produzidos pelos/as participantes em relao aos
artefatos culturais.

As adversidades e afrontamentos ocorridos ao longo do trabalho

Uma situao que causou incmodo na autora deste artigo foi quando no
primeiro encontro, um professor da escola disse no concordar com aquilo, que
via como uma coisa da mdia e que a rede Globo agora estava exibindo gays
bonzinhos. Ele disse ser evanglico, no aprovava essas atitudes e ainda relatou
que ele e os pastores no concordavam, pois eram fundamentalistas e que tudo
isso era uma falta de respeito. Aps a fala dele, todas/os ficaram calados/as e,
em seguida, uma colega perguntou ao professor: Se aquele garoto [se referindo
a Mrio personagem do curta Vestido Novo] fosse seu filho, o que voc faria?
Perguntou duas vezes e ele silenciou. A discusso foi retomada, o professor che-
gou a falar outras coisas e depois se ausentou.
A presena do discurso religioso na fala do professor algo recorrente
nos trabalhos com a temtica em questo. O professor fala de um lugar e uti-
liza da autoridade das igrejas protestantes para se posicionar. Neste caso ele
reitera que h um incentivo ou investimento por parte das mdias televisivas
em colocar a homossexualidade como uma possibilidade de vivncia da sexu-
alidade e entendemos que isso incomoda os discursos normativos pautados na
heteronormatividade. Dialogar sobre as ditas minorias sexuais, no caso, lsbi-
cas, gays, bissexuais, travestis, transgneros e intersexuais no espao escolar
entendido, pelo professor como falta de respeito. Este desrespeito se refere a
no seguir uma determinada lgica fundamentada no discurso judaico-cristo
que compreende as outras expresses de gnero e sexualidade como demon-
acas, antidivinas e contrrias aos valores da famlia tradicional (NATIVIDADE;
OLIVEIRA, 2013).
Por outro lado, interessante perceber como a sua colega o inquietou
quando lhe perguntou sobre a possibilidade de Mrio ser seu filho. O silncio

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foi a resposta dada pelo professor. Ressaltamos este aspecto apontando que h
outros posicionamentos sobre diversidade de gnero e sexual que no esto em
conformidade com as normatizaes. A professora problematizou estas ques-
tes ao se colocar daquela maneira.
No segundo encontro, uma das professoras retomou o episdio ocorrido
no primeiro dia e comentou que, ao se falar sobre gnero e sexualidade, as pes-
soas levam tudo para o lado religioso e que, portanto, se a gente no continuar
na luta, pode ser cada vez pior. Esta outra professora tambm destoa do pri-
meiro docente e passa a questionar: por que o discurso religioso to potente
quando se fala destas questes? Porque esse incmodo to grande por parte de
algumas pessoas?

As potencialidades dos artefatos culturais nas discusses sobre


gnero e sexualidade

Durante o processo formativo, os artefatos culturais contriburam, em


especial, para suscitar os discursos das/os docentes sobre as questes de gnero
e sexualidade. Por exemplo, na anlise dos escritos de algumas pessoas sobre
o curta Vestido Novo, percebemos discursos naturalizantes e essencialistas do
que ser feminino e masculino, considerando reprovvel a atitude do garoto
em ir para a escola com um vestido rosa, pois se estaria quebrando as regras
daquele ambiente. Outro discurso diz respeito necessidade de anunciar a
famlia, a atitude de Mrio, ou seja, chamar os familiares para irem at a escola,
como se ele estivesse feito algo considerado anormal ou errneo e que, por-
tanto, precisava ser corrigido.
Os artefatos tambm instigaram as/os participantes a perceberem o quanto
as questes de gnero e sexualidade atravessam continuamente o ambiente
escolar, mesmo quando no so convidadas e que, os/as docentes esto assu-
mindo posies sobre essas temticas todos os dias em sua vivncia profissional.
O que os vdeos permitem problematizar que, geralmente, tomamos decises
com base em muitas das nossas verdades e, poucas vezes, ouvimos as/os outras/
as pessoas, mormente, nossos/as estudantes e, talvez, muitas dessas verdades
tm produzido dor e sofrimento em muitas pessoas. Uma professora relatou,
por exemplo, que o curta lhe permitiu perceber a sua falta de preparo em lidar
com essas situaes sem constranger a criana. Como dito por Louro (2012, p.
91) [...] parece impossvel tratar da educao da sexualidade de nossos alunos

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e alunas como se essa no nos afetasse: somos todos e todas arrastados nesse
processo.
Por meio dos vdeos, as/os participantes relataram situaes em que as
sexualidades ditas excntricas adentravam a escola, mas eram silenciadas, ou
seja, a escola no agia diante de processos de discriminao, preferindo calar-se
ou mesmo adiar as intervenes. Uma professora trouxe o caso de uma estu-
dante lsbica que deixou a escola e no voltou mais. Estas produes culturais
tambm provocaram as/os participantes a pensarem em fatos que ocorreram
na famlia ou com amigas/os, como a histria narrada por uma licencianda do
PIBID em que seu amigo ainda tem medo de se assumir para a famlia e de ser
desprezado pela sua igreja. Logo, os artefatos seduziram e mobilizaram as/os
participantes em se colocarem frente aos debates sobre gnero e sexualidade.

Desistir, recuar, resistir..., o que fazer?

Neste processo formativo elaborado e desenvolvido na escola, em vrios


momentos, ocorreram situaes de insegurana, medo e frustrao, sobretudo
em relao participao das/os professoras/es da escola. Para a autora do
artigo e tambm docente do colgio, foi muito inquietante ver seus/suas colegas
no valorizando o trabalho realizado, inclusive da prpria equipe gestora que
apenas esteve presente no primeiro dia. Mesmo porque, ela mobilizou as/os
colegas, estudantes e pesquisadoras/es do Ncleo de Estudos em Diversidade
de Gnero e Sexual da Universidade, que assumiram o trabalho conjuntamente.
Salientamos que foram feitas a divulgao de cada encontro duas sema-
nas antes, enviando e-mail, colocando avisos nos murais da escola e na sala
dos/as professores/as, alm dos convites informais, divulgando as datas aos/
s colegas, porm, algumas vezes percebia-se o silncio ou at o deboche de
alguns/algumas pessoas. Uma questo permaneceu: Por que houve pouca ade-
so das/os docentes, mesmo a formao ocorrendo na escola?
Apesar de o trabalho ter sido finalizado em maio e no terem ocorridos
outros encontros, duas pessoas, uma professora e um professor (este assumida-
mente protestante), conversaram com a autora do artigo e disseram que mesmo
com as dificuldades, ela no deveria desistir do trabalho. Talvez a autora ainda
se sinta s neste lugar, sem apoio de fato ou mesmo algum para desabafar. s
vezes o silncio ou o medo nos enclausura.

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Compreendemos que apesar das amarras e percalos, interessante per-


sistir, insistir no trabalho, mesmo que ocorram derrotas, que muitos/as no nos
escutem, ou talvez no queiram ouvir e que tenhamos de recuar algumas vezes.
Como diz Louro (2007), discutir gnero e sexualidade, nesse tipo de aborda-
gem, uma posio poltica, assumir uma postura que caminha na contramo
dos discursos hegemnicos a respeito da temtica e, portanto, muitos/as no
desejaro que coloquemos esses discursos sob suspeita.

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VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 1658 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero
ABEH e a construo de um campo de Pesquisa e Conhecimento:
desafios e potencialidades de nos re-inventarmos

Realizao

Apoio
Constitucional

Organizao

VIII Congresso Internacional


ISBN 978-85-61702-44-1 1659 de Estudos sobre a Diversidade
Sexual e de gnero

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