Apostila de Farmacologia PDF
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MÓDULO I
CAPÍTULO 1
Introdução
Referências
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro,
Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
2 Farmacologia I – UNIRIO
CAPÍTULO 2
Farmacodinâmica
vários tipos). Essas proteínas hidrolizam o trifosfato de acetilcolina e, desta forma, levar à contração muscular. A
guanosina (GTP) a difosfato de guanosina (GDP). As nicotina, por exemplo, age desta forma. As substâncias que
proteínas G transmitem a ativação de vários receptores a uma interagem com um receptor e, com isso, desencadeiam uma
etapa seguinte em uma série de reações. Em muitos casos, a resposta celular, são chamadas agonistas. Assim, a
etapa seguinte envolve a enzima adenilciclase. Vários acetilcolina e a nicotina são agonistas dos receptores da placa
hormônios, fármacos etc. estimulam ou inibem a terminal muscular esquelética (receptores nicotínicos). Por
adenilciclase em vários tipos de receptores através das outro lado, há substâncias que, apesar de serem semelhantes à
proteínas G diversas (inibitória ou estimulatória). A acetilcolina, o são em menor grau. Essas substâncias
adenilciclase catalisa a transformação de ATP em AMPc. interagem com o receptor, mas não são capazes de induzir
O AMPc ativa enzimas chamadas quinases que irão uma alteração no receptor necessária para provocar a entrada
fosforilar diversas proteínas, resultando na resposta celular de Na+ na célula. Com isso, a contração da fibra não é
como abertura de canais Ca+2 e ativação de outras enzimas. desencadeada. Mas, por ocupar o sítio ativo do receptor, a
As proteínas G podem, também, ativar outras enzimas ou agir substância inibe a interação da acetilcolina com o mesmo.
diretamente em canais iônicos. Os receptores para adrenalina Este tipo de fármaco é chamado de antagonista.
e noradrenalina são acoplados à proteína G.
VARIÁVEIS DA FARMACODINÂMICA
LIGAÇÕES QUÍMICAS
Afinidade. Mede a força de ligação entre droga e receptor e é
Os fármacos combinam-se com os receptores de várias determinada pelos tipos e número de ligações químicas.
formas e diversos tipos de ligações químicas participam na Reflete a tendência de um fármaco se ligar ao receptor.
formação inicial do complexo fármaco-receptor. Entre elas,
ligações covalentes, iônicas, de pontes de hidrogênio e van Eficácia. Ou “efeito máximo”, é a resposta máxima produzida
der Waals. pelo fármaco. Depende de quantos complexos fármaco-
A ligação covalente é forte e estável. É responsável pela receptor são formados e da eficiência com que o receptor
estabilidade na maioria das moléculas orgânicas. É ativado produz a ação celular. Ou seja, enquanto a afinidade é
irreversível à temperatura corporal e só pode ser desfeita com a tendência de um fármaco se ligar ao receptor, a eficácia é a
muita energia ou na presença de um agente catalítico, como tendência de, uma vez ligado, esse fármaco modificar a
uma enzima. Estão presentes em ligações de certos fármacos função do receptor desencadeando uma resposta.
anticancerígenos e quelantes. Independentemente da concentração do fármaco, atinge-se um
A ligação iônica resulta da atração eletrostática que ponto além do qual não ocorre mais nenhum incremento na
ocorre entre íons de cargas opostas. A força dessa ligação é resposta. Tem-se, aí, resposta ou efeito máximo.
bem menor que a da ligação covalente. A maioria dos
receptores macromoleculares apresenta vários grupamentos Potência. Ou sensibilidade, é a medida de quanto fármaco é
que se ionizam e interagem com fármacos ionizados. necessário para desencadear uma determinada resposta.
A ligação de pontes de hidrogênio é muito positiva, Quanto menor a dose necessária para gerar tal resposta, mais
podendo se ligar a um átomo fortemente negativo e, ainda potente é o fármaco. É calculada pela dose de fármaco que
assim, aceitar mais um elétron de outro átomo doador desencadeia 50% da resposta máxima (EC50 [effective
eletronegativo como o nitrogênio ou oxigênio. Forma-se, concentration 50%] ou DE50). Em geral, os fármacos de alta
assim, uma ponte com esses átomos doadores. São forças potência apresentam alta afinidade pelos receptores, ocupando
fracas mas, se muitas, podem estabelecer uma reação estável uma proporção significativa destes, mesmo em baixas
– embora reversível – entre o fármaco e o receptor. Parece concentrações.
desempenhar um papel importante na definição da
seletividade e especificidade das ligações fármaco-receptor.
As forças de van der Waals são muito fracas, mas AGONISMO
parecem ser importantes na determinação da especificidade
fármaco-receptor. Com base na resposta farmacológica máxima (eficácia) que
Inicialmente, o fármaco forma ligações iônicas com o ocorre quando todos os receptores estão ocupados, os
receptor que conferem certa estabilidade ao complexo. Essa agonistas podem ser divididos em três classes:
ligação é reforçada por ligações do tipo van der Waals e
pontes de hidrogênio antes que ocorra uma ativação Agonistas integrais. Ou agonistas plenos, constituem os
significativa do receptor. A não ser que tenham sido agonistas clássicos que, quando em concentrações suficientes,
formadas ligações covalentes, o complexo fármaco-receptor provocam a resposta máxima desencadeada pelo receptor.
dissocia-se. Neste momento, a ação do fármaco cessa.
Agonistas parciais. Mesmo com uma ocupação total dos
receptores, produzem uma resposta menor do que os agonistas
INTERAÇÕES FÁRMACO-RECEPTOR integrais. Além disso, por competirem com os agonistas
integrais, desviam a curva para a direita.
Uma substância química semelhante à acetilcolina pode ser
quimicamente atraída ao receptor da mesma forma que a
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ambos agonistas
para a direita, mas o efeito máximo continua a ser possível.
Contudo, é necessária uma concentração maior de agonista
agonista parcial para alcançá-lo. A atropina (ver Cap. 12) é um exemplo de
antagonista reversível da acetilcolina.
A B C
EC50 EC50 EC50
100
log [agonista]
Resposta (% max.)
Figura 2.2 Agonista Parcial 50
Figura 2.3 Agonista Inverso * Esse tipo de antagonismo é, por alguns autores, denominado não-
competitivo. Todavia, nesta apostila, consoante Rang et al., o termo “não-
competitivo” se reserva para o antagonismo que não envolve a ocupação do
sítio receptor. Ou seja, o antagonista não-competitivo não compete pelo sítio
ANTAGONISMO de ligação do agonista (comparar Figs. 2.5 e 2.6).
agonista
FARMACODINÂMICA CLÍNICA
+
antagonista não
competitivo Índice terapêutico. É a razão entre a dose que produz
toxicidade e a dose que produz a resposta clinicamente
EC50
desejada. É uma medida de segurança do fármaco, calculada
log [agonista] em termos da relação enter a média das doses mínimas
eficazes e a média das doses máximas toleradas em
determinado grupo de indivíduos.
Figura 2.6 Antagonista Não-Competitivo
Quadro 2.2 Fórmula do Índice Terapêutico
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004
(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro,
Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Hardman, Joel G. & Limbird, Lee E.: Goodman & Gilman’s The
Basic Pharmacological Basis Of Therapeutics. 9th ed., The
McGraw-Hill Companies, Inc, 1996.
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CAPÍTULO 3
Absorção
Nos processos passivos, não há interferência ativa das O percentual de biodisponibilidade depende da taxa de
membranas e nem gasto de energia. São exemplos: absorção do fármaco e quanto do mesmo é metabolizado antes
de chegar à circulação sistêmica. Dessa forma, a
Difusão lipídica. É o processo mais freqüente de absorção. biodisponibilidade leva em consideração fatores de absorção e
As moléculas do soluto se distribuem a partir de qualquer metabolização. Para penetrar da luz do intestino delgado para
região em que estejam mais concentradas para as regiões em a circulação, o fármaco deve passar não só pela mucosa
que estejam menos concentradas segundo um gradiente de intestinal, mas por várias enzimas que podem inativá-lo ainda
concentração. As moléculas do soluto, para atravessarem as na parede intestinal e no fígado. Fatores que limitam a
membranas biológicas por difusão simples, precisam absorção irão limitar a biodisponibilidade.
apresentar as seguintes características: serem apolares,
lipossolúveis e possuir peso molecular pequeno o suficiente Metabolismo hepático de primeira passagem. Os fármacos,
para ser compatível com a membrana lipídica. após serem absorvidos pelo trato gastrintestinal, passam pela
circulação porta antes de atingir a circulação sistêmica. β-
Difusão aquosa. Ocorre através de poros aquosos formados bloqueadores como propranolol, por exemplo, sofrem extensa
por proteínas da membrana chamados aquaporinas. Nela, biotransformação durante uma única passagem pelo fígado, o
tanto o solvente quanto os solutos se difundem. O solvente, que limita consideravelmente sua biodisponibilidade.
geralmente a água, transporta consigo moléculas Chamamos isso de efeito de primeira passagem. Outros
hidrossolúveis de pequeno tamanho, moléculas polares e exemplos de fármacos com efeito hepático de primeira
certas apolares. As forças responsáveis pelo transporte são a passagem muito importante são as catecolaminas, morfina,
pressão hidrostática e a pressão osmótica. verapamil, isoniazida e aspirina. Fármacos como o
clonazepam também podem ser metabolizados pela flora
Nos processos ativos, há interferência das membranas e gasto intestinal, contribuindo para seu efeito de primeira passagem.
de energia. São exemplos: Contudo, há casos em que a capacidade metabólica do
fígado pode sofrer alterações (para cima ou para baixo),
Transporte ativo. O soluto combina-se com a proteína gerando variações na biodisponibilidade. Isso ocorre:
transportadora presente na membrana celular e move-se
contra seu gradiente de concentração. Para isso, existe a 1. Quando há uma redução no fluxo sangüíneo hepático,
necessidade de energia, que é fornecida pela célula. É um como na cirrose hepática ou no uso de beta-bloqueadores.
processo seletivo e pode haver inibição seletiva. Neste caso, há aumento da biodisponibilidade.
2. Quando há diminuição na atividade metabólica das
Transporte vesicular (pinocitose e fagocitose). São os enzimas hepáticas, como na insuficiência hepática ou com o
processos de absorção nos quais a membrana celular se uso de fármacos inibidores das enzimas do metabolismo
invagina e evagina, respectivamente, em torno de uma ou hepático. Neste caso, também há um aumento da
mais pequenas moléculas do meio extracelular e as engloba. biodisponibilidade.
Em seguida, formam-se vesículas intracelulares que se 3. Quando há fármacos, como os barbitúricos, que
destacam da membrana. Por esse modo, fagócitos alveolares aumentam a atividade de enzimas metabólicas do fígado. Com
removem partículas que atingem os alvéolos. isso, há diminuição da biodisponibilidade.
BIODISPONIBILIDADE BIOEQUIVALÊNCIA
Biodisponibilidade é a fração do fármaco administrado que Biodisponibilidade é um conceito conveniente para fazer
alcança a circulação sistêmica quimicamente inalterada. Em generalizações. Porém, falha quando se tenta utilizá-lo com
outras palavras, é a fração de fármaco que atinge o seu local uma precisão numérica. A razão desta falha é que trata-se de
de ação ou fluido biológico, a partir do qual o fármaco tem um conceito que não depende só do fármaco. É um valor que
acesso ao seu local de ação. Assim, se 100 mg de um certo será afetado por variações no pH estomacal, nas atividades da
fármaco são administrados por via oral e 70 mg chegam parede intestinal e do fígado etc. Ou seja, varia de indivíduo
inalterados ao sangue, sua biodisponibilidade é de 70%. A para indivíduo. Dessa forma, não podemos simplesmente falar
biodisponibilidade é determinada comparando-se os níveis da biodisponibilidade de um fármaco, mas sim de um fármaco
plasmáticos do fármaco após determinada via de em determinado indivíduo em determinadas circunstâncias.
administração (no exemplo supracitado, a via oral) com os Além disso, biodisponibilidade é um conceito falho por
níveis plasmáticos após administração intravenosa. Isso pois, não levar em conta a velocidade de absorção. Portanto, a não
na administração intravenosa, 100% do fármaco administrado ser que a metabolização e excreção de determinada droga
atinge o plasma. Analisando-se as concentrações plasmáticas aumentem na proporção necessária, se essa droga for
contra o tempo em um gráfico, pode-se calcular a área sob a absorvida rapidamente, ela atingirá uma concentração
curva (ASC), que reflete a extensão da absorção do fármaco. plasmática mais elevada e, portanto, causará um efeito maior
Por definição, esta é de 100% para fármacos dados por via do que se fosse absorvida lentamente. Por essas razões,
intravenosa. quando se quer, por exemplo, licenciar produtos genéricos a
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produtos já comercializados, usa-se a bioequivalência. Para Cápsulas. Uma cápsula é um invólucro duro de gelatina e,
que produtos sejam bioequivalentes, devem apresentar as para garantir a estabilidade física, usam-se compactantes
seguintes características: como a lactose para preencher a cápsula. Usam-se, também,
desintegrantes como o amido que, após o início da dissolução
1. Mesmas áreas sob a curva (concentração x tempo) da cápsula e em contato com o meio aquoso, intumescem e
após a administração de formulações diferentes; causam a ruptura da cápsula.
2. Concentração plasmática máxima equivalentes; As cápsulas de invólucro mole podem conter líquidos.
3. Tempo para atingir essas concentrações plasmáticas Com isso, fármacos de baixa solubilidade podem ser
máximas semelhantes. solubilizados, aumentando sua absorção. A absorção é igual
ou maior do que a obtida pela administração de uma solução
de fármaco.
VIAS DE ADMINISTRAÇÃO
Comprimidos. É o meio mais usado para administração de
fármacos. A compressão do fármaco e excipientes faz dele
Oral uma apresentação conveniente e eficaz. A dissolução e,
conseqüentemente, a solubilidade poderiam limitar a
A absorção de fármacos dados via oral é regulada por fatores velocidade do fornecimento de um fármaco para a circulação
do paciente como superfície de absorção e fluxo sangüíneo sistêmica.
no local de absorção e por características da droga como
estado físico, solubilidade e concentração no local de Drágeas. Pode-se, ainda, acrescentar um revestimento
absorção. adicional para melhorar o gosto, aspecto ou estabilidade
Fármacos que são ácidos fracos são mais bem absorvidos físico-química. Contudo, a destruição de tal revestimento
a partir do estômago (pH 1-2) que do intestino alto (pH 3-6) e pode limitar a velocidade global de absorção. O revestimento
vice-versa para fármacos que são bases fracas. No entanto, entérico é projetado para retardar a desintegração até que a
independentemente do pKa do fármaco, ele será sempre formulação atinja o intestino delgado. Isso pode ser feito seja
melhor absorvido a partir do intestino delgado devido à sua para proteger o fármaco do meio ácido do estômago, seja para
grande superfície de absorção (± 200 m2). Assim, qualquer proteger o estômago do fármaco.
fator que facilitar o esvaziamento gástrico, aumentará a
absorção, e vice-versa.
As formas farmacêuticas orais encontradas incluem Sublingual
soluções, suspensões, cápsulas, comprimidos e drágeas. O
fornecimento dos fármacos costuma ser mais rápido no caso Os fármacos que são destruídos pelos líquidos gastrintestinais
de soluções e mais lento no caso de drágeas. ou os que ficam sujeitos a uma degradação pré-sistêmica
importante, podem ser administrados sob a forma de
Soluções. As fórmulas líquidas, como soluções e suspensões, comprimidos a serem colocados na cavidade bucal sob a
são úteis na administração de fármacos a crianças ou outros língua. Os comprimidos orais são projetados para se dissolver
pacientes que não queiram ou não possam ingerir drágeas ou lentamente. Os comprimidos sublinguais são pequenos e se
cápsulas. É a forma mais rápida de fornecimento de fármacos dissolvem rapidamente. Essas formulações permitem ao
via oral porque as etapas iniciais de liberação do fármaco fármaco difundir-se para a trama capilar mucosa e, daí, para a
(desintegração e dissolução) são desnecessárias. A absorção circulação sistêmica. Há a vantagem de se evitar o intestino e
de um fármaco é mais rápida no intestino proximal, e a etapa o fígado. Logo, o fármaco foge a seus metabolismos. A
que limita a velocidade de absorção global de um fármaco em absorção da nitroglicerina (trinitrato de glicerila) é eficaz via
solução é o esvaziamento gástrico. Nem todos os fármacos sublingual porque ela é lipossolúvel e não-iônica. Assim, sua
são solúveis em água, devendo, pois, ser convertidos em uma absorção é muito rápida. Como a drenagem venosa da boca se
forma solúvel (como um sal) ou acrescidos de um co-solvente faz para a veia cava superior, o fármaco fica protegido do
como álcool. Um inconveniente é que alguns fármacos metabolismo hepático, que é suficiente para inativá-lo
possuem sabor desagradável quando em solução. totalmente quando este fármaco é dado via oral.
hidromiscível, ele precipitará no seio do músculo ao lipossolubilidade, uma vez que a pele comporta-se como uma
proceder-se a injeção. Essa precipitação in situ ocorre pois a barreira lipídica. No entanto, a derme é livremente permeável
água do tecido muscular mistura-se com o solvente injetado, a muitos solutos, o que faz com que a absorção sistêmica de
diminuindo o coeficiente de solubilidade do fármaco (visto fármacos seja muito maior quando a pele está escoriada,
que este tem baixa ou nula solubilidade em água). Este tipo queimada etc. Além disso, a inflamação, por aumentar o fluxo
de injetáveis proporcionará a obtenção de um verdadeiro sangüíneo cutâneo, também potencializa a absorção. Algumas
depósito do fármaco no seio da massa muscular, de onde irá vezes, a absorção de substâncias altamente lipossolúveis pela
ser absorvido muito lentamente. Exemplo característico são pele, como inseticidas dissolvidos em solventes orgânicos,
os hormônios sexuais; fármacos insolúveis na água, mas causa efeitos tóxicos. A absorção pela pele pode ser
miscíveis com o trietilenoglicol (hidrossolúvel). potencializada suspendendo-se o fármaco em um veículo
oleoso e friccionando-se a suspensão na pele.
Suspensões. A absorção do fármaco em suspensão processa-
se lentamente. A penicilina procaínica, por exemplo, é Mucosas. Os fármacos são aplicados nas mucosas da
solúvel na proporção de 800 U/ml de água, enquanto que a conjuntiva, nasofaringe, orofaringe, vagina, cólon, uretra e
penicilina benzatínica dissolve-se no mesmo volume, mas bexiga para efeitos principalmente locais. Algumas vezes, o
apenas numa quantidade correspondente a 200 U. O objetivo é a absorção sistêmica, como na aplicação de
coeficiente de solubilidade dos dois antibióticos ocasiona o hormônio antidiurético na mucosa nasal. A absorção pelas
diferente comportamento dos dois injetáveis. Embora mucosas é rápida e, algumas vezes, anestésicos locais causam
aplicando-se ambos em suspensão intramuscular aquosa, a efeitos sistêmicos.
penicilina procaínica é mensurável no sangue apenas até
cerca de 24 horas após a injeção, enquanto que a penicilina Olho. Utilizada quando se quer um efeito local (p. ex., creme
benzatínica ainda é evidenciável mesmo decorridos 10 a 15 ou atropina no globo ocular). A absorção sistêmica pelo canal
dias. Vê-se, pois, que a velocidade de absorção do fármaco nasolacrimal é, geralmente, um efeito indesejado e o fármaco
suspenso depende, fundamentalmente, de suas características absorvido dessa forma não sofrerá o efeito de primeira
de solubilidade na água. passagem. Assim, colírios que contêm fármacos β-
adrenérgicos podem causar efeitos sistêmicos indesejáveis
(ver Cap. 9). Os efeitos locais, em geral, precisam da absorção
Subcutânea (ou hipodérmica) pela córnea. Quando esta estiver danificada, a absorção será
maior. A descoberta recente de implantes oculares permitiu a
Depois de injetada por baixo da pele, a droga alcança os liberação contínua de pequenas quantidades de fármaco com
pequenos vasos e é transportada pela corrente sangüínea. É pouca perda pela drenagem nasolacrimal e,
uma via mais lenta que a intravenosa e seus riscos são conseqüentemente, poucos efeitos sistêmicos.
menores. Costuma ser usada para medicamentos protéicos
que poderiam ser digeridas pelo trato gastrintestinal.
Cápsulas sólidas de contraceptivos e bombas mecânicas Intratecal
programáveis de insulina são exemplos de fármacos
utilizados dessa forma. É importante lembrar que os locais de A barreira hematoencefálica – formada por uma camada
injeção devem ser alternados para se evitar reações. contínua de células endoteliais unidas por junções firmes
A adrenalina, por seus efeitos vasoconstritores, pode ser (tight junctions) – geralmente impede ou retarda a entrada de
administrada pela via subcutânea para limitar a área de fármacos no sistema nervoso central (SNC). Apenas os
atuação de outro fármaco, como o anestésico local lidocaína fármacos com alta lipossolubilidade conseguem transpor essa
(ver Cap. 14). barreira íntegra (inflamações, p. ex., podem rompê-la). Essa
barreira faz com que, algumas vezes, se injetem fármacos
diretamente no espaço subaracnóideo vertebral quando se
Tópica desejam efeitos locais e rápidos nas meninges ou no eixo
cerebromedular, como na raquianestesia ou em infecções
Pele. A medicação administrada por via transdérmica entra agudas do SNC.
no organismo através da pele, podendo ser administrada sob a
forma de cremes ou pomadas. É utilizada quando se quer uma
liberação lenta e constante do fármaco pois é limitada pela Intraperitoneal
velocidade com que a substância atravessa a pele,. Apenas
medicamentos que devem ser administrados em doses diárias A cavidade peritoneal oferece uma grande superfície de
relativamente pequenas podem ser dados por essa via. Alguns absorção a partir da qual os fármacos entram rapidamente na
exemplos são: nitroglicerina (para angina), escopolamina circulação, em especial, através da veia porta. Dessa forma,
(contra o enjôo de viagem – ver Cap. 12), nicotina (para a ocorrem perdas pelo efeito de primeira passagem no fígado. A
cessação do fumo), clonidina (contra a hipertensão) e fentanil injeção intraperitoneal é um procedimento laboratorial
(para o alívio da dor). comum, mas raramente empregado na clínica por perigo de
Não obstante, poucos fármacos penetram de forma rápida infecção.
a pele íntegra. A absorção daqueles que o fazem é
proporcional à área de superfície aplicada e à sua
Farmacologia I – UNIRIO 11
Os fármacos gasosos e voláteis podem ser inalados e Refere-se à reabsorção de um fármaco ou metabólito ativo a
absorvidos pelo epitélio pulmonar e pelas mucosas do trato partir do intestino após ser excretado pelo fígado. Fármacos
respiratório. O acesso à circulação é rápido por essa via podem ser excretados inalterados pelo fígado ou este pode
porque a área de superfície é muito grande. Além disso, gerar metabólitos ativos que são, então, excretados na bile.
soluções de fármacos podem ser atomizadas e as finas Como a bile é reabsorvida durante a digestão, o fármaco ou
gotículas suspensas no aerossol, inaladas. As vantagens são a metabólito ativo é reabsorvido também, o que resulta num
absorção quase instantânea do fármaco para o sangue, a aumento em sua duração de ação.
eliminação da perda pela primeira passagem hepática e, no
caso de enfermidades como a asma, a aplicação do fármaco
no local desejado. As principais desvantagens são a pequena
capacidade de ajustar a dose, métodos de administração
trabalhosos e a irritação do epitélio pulmonar.
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology.
9ª ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt.
Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
12 Farmacologia I – UNIRIO
CAPÍTULO 4
Distribuição
INTRODUÇÃO
reversível a proteínas plasmáticas seqüestra fármacos do
A distribuição é o processo pelo qual um fármaco abandona – plasma. Com isso, são mantidos na forma de compostos não
reversivelmente – a corrente circulatória, passando para o difusíveis, retardando sua transferência para fora do
interstício e/ou interior das células. Depende do fluxo compartimento vascular. A ligação é relativamente não-
sangüíneo, da permeabilidade capilar, das características seletiva quanto à estrutura química, ocorrendo em sítios da
químicas (polaridade/hidrofobicidade) do composto e do grau molécula protéica aos quais se ligam compostos endógenos,
de ligação do fármaco a proteínas plasmáticas e teciduais. como a bilirrubina. À medida que a concentração do fármaco
livre decai por eliminação devida ao metabolismo ou
Fluxo sangüíneo. Varia de órgão para órgão. É maior, por excreção, o fármaco ligado se dissocia da proteína. Isso
exemplo, no cérebro, fígado e rins, e menor no tecido mantém a concentração do fármaco livre como fração
adiposo. constante do fármaco total do plasma. A maior parte dos
fármacos ácidos se liga à albumina e a maior parte dos
Permeabilidade capilar. No cérebro, a estrutura do capilar é fármacos básicos à α-1-glicoproteína.
contínua, não havendo fendas. Portanto, para ultrapassar a Dessa forma, uma albuminemia devido a desnutrição ou
barreira hematoencefálica, os fármacos precisam transpor as doenças hepáticas aumentará a concentração plasmática de
células endoteliais dos capilares do sistema nervoso central fármacos ácidos livres. Por outro lado, câncer, artrite e infarto
(SNC), ou serem transportados de modo ativo. Por exemplo, agudo do miocárdio aumentam a concentração plasmática de
um carregador de aminoácidos neutros transporta levodopa α-1-glicoproteína, resultando em efeito oposto em fármacos
para o cérebro. básicos.
Já fármacos lipossolúveis penetram facilmente no SNC, Muitos fármacos acumulam-se em tecidos em
mesmo na ausência de fendas entre as células endoteliais concentrações mais altas que aquelas dos fluidos
adjacentes. Isso ocorre devido ao caráter lipofílico da extracelulares e sangue. Essa acumulação pode ser resultado
membrana celular. de transporte ativo ou ligação tecidual a proteínas
(citoplasmáticas ou nucleares) ou fosfolipídeos e, geralmente,
Ligação de fármacos a proteínas. No plasma, em é reversível. Uma grande parte do fármaco no corpo pode ser
concentrações terapêuticas, muitos fármacos encontram-se, ligada deste modo e este mecanismo cria um reservatório que
principalmente, na forma ligada a proteínas. A fração não- prolonga a ação do fármaco, seja no próprio tecido, seja nos
ligada constitui a forma farmacologicamente ativa. A ligação demais tecidos que possam ser atingidos pela circulação.
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004
(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Farmacologia I – UNIRIO 13
CAPÍTULO 5
Biotransformação
INTRODUÇÃO
forma, enzimas envolvidas em reações de oxidação. O sistema
Fármacos pequenos ou que apresentam características oxidativo microssomal também metaboliza ácidos graxos
polares, são facilmente eliminados pelos rins (ver Cap. 6). exógenos e esteróides.
Entretanto, os fármacos em sua forma ativa tendem a ser Em alguns casos, o fármaco só se torna
lipofílicos, a permanecerem não ionizados e, com freqüência, farmacologicamente ativo após ter sofrido metabolização. Por
ligados a proteínas. Substâncias com essas características são exemplo, o enalapril é hidrolisado em sua forma ativa
dificilmente excretadas na urina. Dessa forma, um processo enaprilat.
alternativo que pode levar ao término da atividade da droga é
o metabolismo. Por exemplo, barbitúricos lipofílicos, como o Reações de fase I. Consistem em oxidação, redução ou
tiopental, teriam uma meia-vida muito longa, não fosse sua hidrólise, e convertem o fármaco original num metabólito
conversão metabólica em compostos hidrossolúveis. Assim, mais polar. Os produtos destas reações são, freqüentemente,
muitos fármacos, para serem excretados, necessitam sofrer mais reativos quimicamente. Portanto, algumas vezes, os
transformações químicas. metabólitos da fase I são mais tóxicos ou carcinogênicos que
o fármaco original. São reações, por assim dizer, preparatórias
para as sínteses de fase II.
METABOLISMO As reações de fase I mais freqüentes são reações de
oxidação catalisadas pelo sistema citocromo P450 (ver
As biotransformações dos fármacos constituem processos Quadro 5.1).
complexos de interação entre fármaco e organismo que Contudo, nem todas as reações de oxidação envolvem o
ocorrem em algum ponto entre a absorção e a eliminação sistema citocromo P450. Há enzimas nas mitocôndrias ou
renal. Embora todos os tecidos tenham capacidade de solúveis no citosol que são responsáveis pela metabolização
metabolizar fármacos, o fígado é o principal órgão envolvido de um pequeno número de compostos. O etanol, por exemplo,
no metabolismo. Outros tecidos que apresentam atividade é metabolizado por uma enzima citoplasmática solúvel, a
metabólica importante incluem o trato gastrintestinal, pele, álcool desidrogenase. Outras exceções são a tirosina
rins e plasma sangüíneo. O metabolismo envolve, hidroxilase que hidroxila a tirosina em DOPA (ver Fig. 9.2) e
basicamente, dois tipos de reações bioquímicas conhecidas a monoamina oxidase – MAO (ver Cap. 9), importante no
como reações de fase I e fase II. metabolismo das aminas simpaticomiméticas.
Essas reações ocorrem principalmente por meio de As reduções de fase I também ocorrem tanto no sistema
enzimas localizadas no retículo endoplasmático (R.E.) microssomal quanto não microssomal do metabolismo, sendo
agranular hepático. Como os fármacos hidrossolúveis de ocorrência menos freqüente que as reações de oxidação.
demoram a chegar no R.E. – a não ser que disponham de Um fármaco metabolizado por redução microssomal é o
sistemas de transporte específicos – o metabolismo hepático é cloranfenicol, e por não microssomal, hidrato de cloral.
mais importante para fármacos lipossolúveis. Até porque, O metabolismo por hidrólise também ocorre em ambos os
como dito, fármacos hidrossolúveis são facilmente excretados sistemas microssomal e não microssomal. Como exemplo,
pelos rins. temos as reações com esterases inespecíficas de fármacos
As enzimas encerradas nos R.E.s também são chamadas como a acetilcolina (ver Cap. 11).
enzimas “microssômicas”. Durante centrifugações, os R.E.s
se rompem e, como suas membranas tendem a se soldar, Reações de fase II. Envolvem a conjugação, resultando,
durante a homogeneização, formam-se vesículas chamadas geralmente, em compostos inativos. Com freqüência, as
microssomos. O grupo de enzimas microssômicas mais reações de fase I introduzem um grupo relativamente reativo,
importante no metabolismo de fármacos faz parte do sistema como uma hidroxila, na molécula (funcionalização), que
citocromo P450. Uma família de enzimas que possuem um servirá como ponto de ataque para o sistema de conjugação
grupamento heme (como os citocromos da cadeia fixar um substrato endógeno como, por exemplo,
respiratória) e, por isso, se ligam ao oxigênio. São, dessa glicuronídio. Como outros exemplos de grupos funcionais de
14 Farmacologia I – UNIRIO
substâncias endógenas, temos metila, ácido acético, ácido enzimas presentes. Isto é denominado “indução metabólica de
sulfúrico e aminoácidos. Em geral, ambas as etapas enzimas” e uma droga que apresenta este efeito é o etanol.
diminuem a lipossolubilidade, aumentando, assim, a Há fármacos, por exemplo, capazes de induzir aumento
eliminação renal do fármaco que, caso contrário, poderia nos níveis de citocromo P450, o que provoca aumento da
ficar indefinidamente no organismo. velocidade de metabolização do fármaco indutor, bem como
Se o metabólito oriundo da fase I for suficientemente de outros fármacos biotransformados pelo sistema P450. Por
polar, será eliminado pelos rins. Entretanto, muitos outro lado, muitos fármacos podem inibir o sistema P450 e,
metabólitos são lipofílicos demais para ficarem retidos nos assim, potencializar as ações de outros fármacos que são
túbulos renais. Uma reação de conjugação subseqüente com metabolizados pelas enzimas do citocromo (p. ex., quinidina).
um substrato endógeno resulta no aparecimento de compostos
mais polares. Em geral, mais hidrossolúveis e
terapeuticamente inativos. A glicuronidação é a reação mais FATORES QUE AFETAM O METABOLISMO
comum e mais importante de conjugação. Os recém-nascidos
são deficientes deste sistema de conjugação, o que os torna 1. Genéticos;
particularmente vulneráveis a fármacos como o cloranfenicol. 2. Idade (efeitos tóxicos mais comuns em muito jovens e
Fármacos que já possuem um grupamento OH, HN ou idosos);
COOH podem passar diretamente ao metabolismo de fase II. 3. Diferenças individuais (há variações de até 30 vezes no
Os conjugados de fármacos, altamente polares, podem, então, metabolismo de uma droga);
ser eliminados pelos rins. 4. Fatores ambientais (p. ex., fumo);
A isoniazida (ácido isonicotínico) é uma exceção e sofre 5. Propriedades químicas dos fármacos;
uma reação de fase II (acetilação) antes de passar por uma 6. Via de administração;
reação de fase I, sendo, então, hidrolizada a ácido nicotínico. 7. Dosagem;
8. Sexo;
9. Doença (p. ex., hepatite crônica, cirrose, câncer
INTERAÇÃO FARMACOLÓGICA hepático);
10. Interações entre fármacos durante o metabolismo
Alguns fármacos agem nas enzimas que os metabolizam, (barbitúricos podem ocasionar a necessidade de doses maiores
aumentando a atividade ou o número de moléculas de de cumarínicos para manter o tempo de protrombina elevado).
A oxidação microssômica de fármacos necessita do um próton e outro elétron da NADPH-P450 redutase para
citocromo P450, da enzima NADPH-citocromo P450 formar um complexo Fe2+OOH·DH. Esse complexo combina-
redutase e do oxigênio molecular (O2). se com outro próton, produzindo água e um complexo oxeno
O P450, que contém ferro na forma férrica (Fe3+) em seu férrico (FeO)3+·DH. O (FeO)3+ extrai um átomo de hidrogênio
heme, combina-se com uma molécula da droga (DH). Então, da DH, com formação de um par de radicais livres de vida
recebe um elétron da NADPH-P450 redutase, que reduz o curta, liberação da droga oxidada (DOH) do complexo e
ferro a (Fe2+). Depois, combina-se com o oxigênio molecular, regeneração da enzima P450.
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Junqueira L. C. e Carneiro J.: Biologia Celular e Molecular.
7ª ed., Rio de Janeiro, RJ, Guanabara Koogan, 2000.
Farmacologia I – UNIRIO 15
CAPÍTULO 6
Excreção
INTRODUÇÃO
seletivos. Um deles transporta ácidos e, o outro, bases
Os fármacos podem ser eliminados inalterados ou, como orgânicas. Esses sistemas podem reduzir a concentração
visto no capítulo 5, convertidos em metabólitos. Os órgãos plasmática do fármaco a quase zero, transportando-o contra
excretórios (com exceção dos pulmões) eliminam substâncias um gradiente químico. Como, pelo menos, 80% do fármaco
polares com mais facilidade. que chega ao rim é apresentado ao transportador, a secreção
A via excretória mais importante é a renal, por meio da tubular representa o mecanismo mais eficaz para eliminação
urina. Outras vias excretórias incluem a bile, o intestino, os de fármacos pelos rins.
pulmões, o leite etc. A probenecida compete pelo mesmo sistema de
transporte que a penicilina, diminuindo, dessa forma, sua
eliminação.
ELIMINAÇÃO RENAL DE FÁRMACOS
Difusão pelo filtrado. À medida que o filtrado glomerular
Filtração glomerular. Os fármacos penetram nos rins pelas atravessa o túbulo, a água é reabsorvida, sendo que o volume
artérias renais, as quais se dividem para formar o plexo que emerge como urina é apenas 1% daquele filtrado. Se o
capilar glomerular. Os fármacos livres (não ligados a túbulo fosse livremente permeável a moléculas de fármacos,
proteínas) atravessam a rede capilar para o espaço de 99% do fármaco seriam reabsorvidos passivamente. De forma
Bowman como parte do filtrado glomerular. que fármacos com alta lipossolubilidade e, portanto, elevada
Os capilares glomerulares permitem a difusão de permeabilidade tubular, são excretados lentamente. Ou seja,
moléculas de fármacos com peso molecular inferior a 20.000 fármacos lipossolúveis são mais reabsorvidos por
(moléculas pequenas) no filtrado glomerular. Raros fármacos, atravessarem mais facilmente as membranas das células
como a heparina, são retidos. Como a albumina não atravessa tubulares.
livremente a barreira, quando um fármaco se liga Se, por outro lado, o fármaco for polar, o mesmo
consideravelmente à albumina plasmática, sua concentração permanecerá no túbulo e sua concentração aumentará até ficar
no filtrado é menor que a concentração plasmática. Um cerca de 100 vezes mais alta na urina que no plasma (p. ex.,
fármaco como a Varfarina liga-se em 98% à albumina e só digoxina e antibióticos aminoglicosídeos). Muitos fármacos,
2% permanecem no filtrado. Portanto, a depuração por por serem ácidos fracos ou bases fracas, alteram sua ionização
filtração será muito reduzida. com o pH, o que afeta sua excreção renal. O efeito de
aprisionamento de íons, significa que um fármaco básico é
Secreção e reabsorção tubulares. Até 20% do fluxo mais rapidamente excretado na urina ácida, visto que o pH
plasmático renal são filtrados através do glomérulo, de modo baixo no interior do túbulo favorece sua ionização e, portanto,
que, pelo menos 80% do fármaco podem passar para os inibe sua reabsorção. Por outro lado, os fármacos ácidos são
capilares peritubulares do túbulo proximal. Neste local, os mais facilmente excretados se a urina for alcalina. A
fármacos são transferidos para a luz tubular mediante dois alcalinização da urina, por exemplo, é usada para acelerar a
sistemas transportadores independentes e relativamente não excreção da aspirina em casos de superdosagem.
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004
(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
16 Farmacologia I – UNIRIO
CAPÍTULO 7
Farmacocinética Clínica
INTRODUÇÃO
velocidade de eliminação por todas as vias, normalizada em
Uma hipótese fundamental da farmacocinética clínica é que relação à concentração do fármaco (C) em algum fluido
existe uma relação entre os efeitos farmacológicos de um biológico.
fármaco e a concentração acessível desse fármaco (no sangue
ou plasma). As diferentes variáveis fisiológicas e Quadro 7.1 Equação de Depuração
fisiopatológicas que determinam o ajuste de dosagem em
pacientes individuais muitas vezes acontecem em função de Taxa de Eliminação
parâmetros farmacocinéticos. CL =
Os quatro parâmetros farmacocinéticos mais importantes C
são: depuração (uma medida de eficiência do organismo em
eliminar um fármaco); volume de distribuição (uma medida
do espaço aparente para conter o fármaco do corpo); VOLUME DE DISTRIBUIÇÃO
biodisponibilidade (fração do fármaco inalterado a atingir a
circulação sistêmica. Ver Cap. 3) e meia-vida de eliminação Volume é o outro parâmetro fundamental quando se considera
(uma medida da velocidade de remoção do fármaco do processos de distribuição de fármacos. O volume de
organismo). distribuição (Vd) relaciona a quantidade total de fármaco no
corpo (Q) com a concentração do fármaco (Cp) no plasma (ou
no fluido medido). Esse volume não se refere a um volume
DEPURAÇÃO (ou clearance) fisiológico identificado, mas meramente ao volume de fluido
que seria necessário para armazenar todo o fármaco contido
Assumindo uma biodisponibilidade completa, o estado de no corpo na mesma concentração presente no plasma.
equilíbrio será atingido quando a velocidade de eliminação
do fármaco igualar sua velocidade de administração. Quadro 7.2 Equação de Volume de Distribuição
Assim, se um desejado estado de equilíbrio dinâmico é
conhecido, a velocidade de depuração do fármaco pelo
paciente determinará a velocidade com que o fármaco deve Q
ser administrado. É um conceito muito útil porque seu valor Vd =
Cp
para um determinado fármaco é usualmente constante nos
limites de concentração utilizados clinicamente. Isto é, a
eliminação não é, normalmente, passível de saturação e a taxa Nessa equação, estamos considerando o corpo como um
de eliminação de uma droga é diretamente proporcional à sua compartimento homogêneo. Nesse modelo de um só
concentração. compartimento, todo o fármaco administrado o é diretamente
Esse tipo de eliminação é denominado eliminação de no compartimento central e a distribuição do fármaco é
primeira ordem. Isso acontece porque os mecanismos de instantânea pelo volume. A depuração do fármaco desse
eliminação do fármaco não estão saturados. Quando os compartimento ocorre segundo cinética de primeira ordem.
mecanismos de eliminação saturam (p. ex., etanol e aspirina), Quer dizer, a quantidade de fármaco eliminada por unidade de
a cinética torna-se uma cinética de saturação (também tempo depende da quantidade (concentração) de fármaco no
chamada de ordem zero). Ou seja, a droga é removida numa compartimento do corpo.
velocidade constante, que independe da concentração O volume de distribuição varia de acordo com sexo, idade,
plasmática. Com isso, se a dose administrada superar a doenças etc. Os benzodiazepínicos como o diazepam, por
capacidade de eliminação, não será possível alcançar um exemplo, devido à sua alta lipossolubilidade, acumulam-se
estado de equilíbrio dinâmico: a concentração continuará gradualmente na gordura corporal. Com isso, pacientes
aumentando enquanto continuar a administração da droga. idosos tendem a acumular drogas lipossolúveis em maior
Clearance (CL) de um fármaco, de modo simples, é a quantidade.
Farmacologia I – UNIRIO 17
Quadro 7.4 Evolução para um Estado de Equilíbrio (baseado em doses de 100 mg)
1ª t½ 2ª t½ 3ª t½ 4ª t½
0 mg + 50 mg + 75 mg + 87,5 mg + 93,75 mg ...
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
18 Farmacologia I – UNIRIO
MÓDULO II
CAPÍTULO 8
Sistema Nervoso Autônomo
INTRODUÇÃO
O sistema nervoso pode ser analisado segundo duas O sistema nervoso central é constituído por encéfalo e medula
importantes divisões: (1) divisão anatômica e (2) divisão espinhal (neuro-eixo).
funcional. Para o estudo da Farmacologia I, focaremos a O sistema nervoso periférico é constituído, basicamente,
divisão funcional. Mais precisamente, o componente eferente pelos nervos. Estes são cordões de células nervosas que unem
do Sistema Nervoso Visceral, também chamado Sistema o sistema nervoso central aos órgãos periféricos. São ditos
Nervoso Autônomo. Interessa-nos, particularmente, a cranianos caso essa união se dê com o encéfalo e espinhais
fisiologia de seus componentes simpático e parassimpático. caso com a medula.
Existem certas dilatações nos nervos constituídas,
principalmente, de corpos de neurônios chamadas gânglios.
DIVISÕES DO SISTEMA NERVOSO
Baseada em Critérios Funcionais. Quanto à funcionalidade,
Baseada em Critérios Anatômicos. Quanto aos critérios o sistema nervoso pode ser dividido em sistema nervoso
anatômicos, a divisão desses sistemas se baseia na sua somático (da vida de relação) e sistema nervoso visceral (da
localização em relação ao esqueleto axial (cavidade craniana vida vegetativa). Ambos apresentam componentes aferentes e
e canal vertebral). O sistema nervoso central está dentro e o eferentes.
periférico, fora. Contudo, há exceções como gânglios dentro
do esqueleto axial. Além disso, os nervos e suas raízes Quadro 8.2 Divisão Funcional*
devem, obviamente, penetrar no esqueleto axial para fazer
conexão com o sistema nervoso central.
Sistema aferente
Quadro 8.1 Divisão Anatômica Nervoso
Somático eferente
Sistema encéfalo
Nervoso
Central medula espinhal Sistema aferente
Nervoso simpático
Visceral eferente
(ou S.N. autônomo) parassimpático
nervos
Sistema
* Cumpre ressaltar que os termos “simpático” e “parassimpático” são
Nervoso gânglios anatômicos e não dependem do tipo de transmissor químico liberado pelas
Periférico terminações nervosas nem mesmo do tipo de efeito – excitatório ou inibitório
– produzido pela atividade do nervo. Ou seja, resultam de uma subdivisão
terminações nervosas anatômica dentro da divisão funcional “sistema nervoso autônomo”.
Farmacologia I – UNIRIO 19
ANATOMIA
NEUROTRANSMISSORES
A inervação do sistema autônomo é usualmente dupla.
Todavia, um sistema costuma predominar. No coração, por A neurotransmissão é um exemplo de comunicação química
exemplo, a freqüência cardíaca é controlada marcadamente entre células. E no caso do sistema nervoso autônomo
pelo parassimpático. Há casos, ainda, em que a inervação de (simpático e parassimpático), as fibras nervosas secretam,
determinados órgãos é limitada a um dos sistemas. Por principalmente, acetilcolina e noradrenalina (termo britânico
exemplo, medula adrenal, rim e ações fisiológicas como o para norepinefrina).
controle de pressão arterial são áreas limitadas à influência do Os neurônios são células individualizadas e, tanto a sua
sistema simpático. comunicação entre si como com outras células é mediada por
neurotransmissores. Esses se difundem através da fenda
Sistema Simpático. As fibras simpáticas pré-ganglionares, sináptica e agem sobre receptores pós-sinápticos. Podem,
cujos corpos celulares estão localizadas dentro do sistema também, voltar e agir em receptores pré-sinápticos. Os
nervoso central, abandonam o mesmo a partir de T1 a L2 neurotransmissores são muito hidrofílicos e seu efeito é
(toracolombares). Passam, então, pela cadeia simpática e mediado por receptores específicos na célula alvo.
seguem para os tecidos e órgãos pelos neurônios pós-
ganglionares. Quadro 8.3 Neurotransmissores Autonômicos
As cadeias simpáticas são cadeias de gânglios
Neurotransmissor Área de Ação
paravertebrais simpáticos dispostos dos dois lados da coluna
vertebral. Neles, há a sinapse dos neurônios pré-ganglionares Todos os neurônios pré-
com os corpos celulares dos neurônios pós-ganglionares. Acetilcolina ganglionares
Uma exceção ocorre nas adrenais (ou supra-renais). Neste Neurônios parassimpáticos
caso, as fibras pré-ganglionares passam sem fazer sinapses pós-ganglionares
desde a medula espinhal até atingirem células neuronais Medula das adrenais
modificadas nas medulas das adrenais que secretam Nervos somáticos
adrenalina e noradrenalina.
Neurônios simpáticos pós-
Sistema Parassimpático. As fibras parassimpáticas Noradrenalina* ganglionares
(craniossacrais) abandonam o sistema nervoso central pelos * As fibras nervosas simpáticas pós-ganglionares para as glândulas
nervos cranianos III, VII, IX e X e pela terceira e quarta sudoríparas, para os músculos eretores dos pêlos (piloeretores) e para
alguns dos vasos sangüíneos são colinérgicas.
raízes espinhais sacrais. Contudo, cerca de 75% de todas as
fibras nervosas parassimpáticas estão nos dois nervos vagos
Acetilcolina. Se a transmissão autonômica é mediada por
que proporcionam uma extensa inervação toracoabdominal
acetilcolina, o neurônio é dito colinérgico. E todos os
Uma diferença quanto às fibras simpáticas é que as fibras
neurônios pré-ganglionares são colinérgicos. Dessa forma, a
parassimpáticas pós-ganglionares, na grande maioria das
acetilcolina medeia a transmissão nervosa dos gânglios
vezes, encontram-se nas paredes dos órgãos.
autonômicos, tanto simpáticos como parassimpáticos. Além
disso, é, também, o neurotransmissor na medula adrenal
20 Farmacologia I – UNIRIO
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th
ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Hardman, Joel G. & Limbird, Lee E.: Goodman & Gilman’s The
Basic Pharmacological Basis Of Therapeutics. 9th ed., The
McGraw-Hill Companies, Inc, 1996.
Guyton, Arthur C., Hall, John E.: Textbook of Medical Physiology.
10ª ed., Philadelphia, PA, W.B. Sauders Company, 2000 (trad.
pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2002).
Machado, Ângelo: Neuroanatomia Funcional. 2ª ed., São Paulo
Editora Atheneu, 2000.
Farmacologia I – UNIRIO 21
CAPÍTULO 9
Agonistas Adrenérgicos
Figura 9.2 Biossíntese das Catecolaminas Ação Indireta. Anfetamina e tiramina agem liberando
noradrenalina do citosol ou vesículas. Esta noradrenalina
A noradrenalina liberada liga-se a receptores pós- comporta-se como na ativação neuronal.
sinápticos do órgão efetor, mas também a receptores pré-
sinápticos no próprio neurônio (α2). A ligação com os Ação Mista. Efedrina e metaraminol combinam os dois
receptores leva à ativação de segundos mensageiros como o mecanismos.
AMPc, ou o ciclo dos fosfoinositídeos, que irão transformar o
sinal em efeito. A noradrenalina pode passar para a
circulação geral, pode ser metabolizada pela enzima catecol-
O-metiltransferase (COMT) ou ser transportada de volta ao I. CATECOLAMINAS
neurônio de forma ativa. Transporte este que é inibido por
imipramina e cocaína, que, ao aumentarem a concentração de
noradrenalina no espaço sináptico, potencializam a ação ADRENALINA
adrenérgica.
Após reentrar no citoplasma, a noradrenalina pode ser Natureza. Catecolamina de ação direta.
transportada para as vesículas, ficar no pool citoplasmático Fisiologia. É sintetizada na medula adrenal pela metilação da
ou ser oxidada pela monoamina oxidase (MAO) na noradrenalina. Age tanto em receptores α quanto β. No
mitocôndria. São metabólitos da noradrenalina eliminados na sistema vascular, os efeitos α (vasoconstrição) predominam
urina: ácido vanilmandélico, metanefrina e normetanefrina. com doses altas. Contrai as arteríolas da pele e vísceras (efeito
α1), e o resultado é um aumento de pressão mais sistólico do
Quadro 9.1 Receptores Adrenérgicos / Efeitos que diastólico. Com doses baixas, todavia, os efeitos β
predominam na vasculatura (vasodilatação). Nas vias aéreas, a
Receptor alfa Receptor beta adrenalina causa potente broncodilatação (β2). No coração,
Vasoconstrição Taquicardia (β1) devido a suas ações nos receptores β1, a adrenalina tem efeitos
Dilatação da íris Aumento da força do inotrópico e cronotrópico positivos (aumento da força e da
Relaxamento intestinal miocárdio (β1) velocidade de contração, respectivamente). Dilata os vasos do
Contração dos Vasodilatação (β2) fígado e musculatura esquelética (β2). Apresenta efeito
esfíncteres intestinais Broncodilatação (β2) hiperglicemiante em razão de estimular a glicogenólise
Contração pilomotora Relaxamento intestinal hepática e muscular (β2). Causa um aumento na liberação de
Contração do esfíncter (β2) glucagon (β2) e diminuição na liberação de insulina (α2). No
da bexiga Relaxamento do útero tecido adiposo, a adrenalina estimula a lipólise (β3). É
(β2) metabolizada pela COMT e MAO.
Relaxamento da parede Usos terapêuticos. É usada em broncoespasmos, glaucoma,
da bexiga (β2) choque anafilático e parada cardíaca. No choque anafilático, a
Termogênese (β2) adrenalina constitui o agente de escolha devido à vasta prática
Glicogenólise (β2) experimental e clínica com a droga na anafilaxia, e por sua
Lipólise (β3) propriedade de ativar os receptores α, β1 e β2, que podem ser
todos importantes para reverter o processo fisiopatológico
Farmacologia I – UNIRIO 23
subjacente à anafilaxia. Além disso, como veremos no Usos terapêuticos. É o fármaco de escolha em tratamento de
capítulo 14 – Anestésicos Locais, devido a seu efeito choque.
vasoconstritor, é usada em solução com anestésicos locais por Efeitos adversos. Doses altas reproduzem uma ação
diminuir o risco de efeitos sistêmicos, bem como a dosagem semelhante à hiperativação simpática.
de anestésico necessária.
Efeitos adversos. Alterações psíquicas, hemorragia cerebral
por seus efeitos pressores, arritmias – principalmente na DOBUTAMINA
presença de digitálicos (ver Quadro 9.3) – e edema pulmonar
devido à hipertensão pulmonar. Natureza. Catecolamina sintética de ação direta.
Interações. Efeitos aditivos em hipertireoidismo e uso de Fisiologia. É uma agonista direta de receptores β1 (agonista β1
cocaína. seletivo). Não é absorvida via oral e apresenta meia-vida de 2
minutos quando administrada via intravenosa.
Usos terapêuticos. Usada em insuficiência cardíaca por
NORADRENALINA aumentar o débito cardíaco sem afetar a freqüência.
Efeitos adversos. Deve ser usada com cautela em fibrilação
Natureza. Catecolamina de ação direta. atrial. Possui outros efeitos adversos semelhantes aos da
Fisiologia. É o neurotransmissor adrenérgico fisiológico, adrenalina. Além disso, pode gerar tolerância.
mas, na prática, quando administrado em humanos, apresenta
ação α-adrenérgica. Causa vasoconstrição generalizada e,
conseqüentemente, aumento da pressão sistólica e diastólica. II. OUTROS SIMPATICOMIMÉTICOS
Devido ao reflexo barorreceptor, a pressão cardíaca
aumentada leva à estimulação vagal reflexa e, com isso,
desenvolve-se bradicardia. O resultado final é que a FENILEFRINA
noradrenalina, in vivo, mesmo possuindo ação inotrópica
positiva, não causa estimulação cardíaca. Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação direta.
Usos terapêuticos. Choque (complexa síndrome Fisiologia. É um adrenérgico sintético que se liga a receptores
cardiovascular aguda), hipotensão durante cirurgia.
α, principalmente α1. Como não se trata de um derivado
Efeitos adversos. Semelhantes aos da adrenalina.
catecólico, não é metabolizada pela COMT e, por isso, possui
uma duração de ação maior que a adrenalina, com efeitos
semelhantes, mas mais fracos. É um vasoconstritor que
ISOPROTERENOL
aumenta tanto a pressão sistólica quanto diastólica, causando
bradicardia reflexa.
Natureza. Catecolamina sintética de ação direta.
Usos terapêuticos. É usada topicamente em mucosas nasais e
Fisiologia. É um agonista muito potente dos receptores β
em soluções oftálmicas para provocar midríase.
(tanto β1 quanto β2), mas exerce pouco efeito sobre os Efeitos adversos. Altas doses provocam hipertensão e
receptores α. Dessa forma, trata-se de um potente arritmias.
vasodilatador. Atua em receptores β2 na musculatura
esquelética, provocando vasodilatação periférica. Além disso,
apresenta ações cronotrópica e inotrópica positivas (β1). METOXAMINA
Produz rápida e intensa broncodilatação. Causa lipólise, com
liberação de ácidos graxos livres (AGLs) (β3). Há, também, Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação direta.
um aumento na secreção de insulina (β2). Sua absorção oral Fisiologia. Adrenérgico que, de forma semelhante à
não é confiável. fenilefrina, se liga a receptores α, principalmente α1. É usada
Usos terapêuticos. Usado em emergências cardíacas e como para interromper episódios de taquicardia supraventricular
broncodilatador. paroxística e crises de hipotensão provocadas por halotano.
Efeitos adversos. Semelhante aos da adrenalina. Efeitos adversos. Causa vômitos e crise hipertensiva.
DOPAMINA ANFETAMINA
Natureza. Catecolamina de ação direta (precursor metabólico Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação indireta.
imediato da noradrenalina). Fisiologia. Penetra com muita facilidade no sistema nervoso
Fisiologia. É um neurotransmissor no SNC e medula adrenal. central, onde exerce efeitos estimulantes acentuados sobre o
Em doses mais altas, causa estimulação α1 e, em doses humor e o estado de alerta, com efeito depressor sobre o
baixas, estimula receptores cardíacos β1. Causa aumento da apetite. Suas ações periféricas são mediadas, primariamente,
pressão sistólica. Liga-se, também, a receptores D1 e D2 pela liberação de catecolaminas. Atua, também, como
existentes em leitos mesentéricos e renais, causando estimulante de receptores β1 no coração.
vasodilatação em doses baixas e moderadas. Em doses altas,
provoca vasoconstrição (α1) com perda da função renal.
24 Farmacologia I – UNIRIO
Usos terapêuticos. É usada em depressão, distúrbio de estiver tomando inibidores de MAO, a tiramina não será
hiperatividade com déficit de atenção (DHDA) em crianças, metabolizada, o que pode levar a crises hipertensivas graves.
narcolepsia e controle do apetite.
Efeitos adversos. Seu uso crônico leva a um estado de
esquizofrenia paranóide. Não deve ser usada em gravidez. EFEDRINA
* Os efeitos adversos dos agonistas adrenérgicos constituem, basicamente, extensões de seus efeitos farmacológicos no sistema cardiovascular e no sistema
nervoso central. Contudo, catecolaminas ou drogas como a fenilefrina raramente provocam toxicidade no SNC (ao contrário de anfetaminas e cocaína).
Digitalis é o nome do gênero da família de plantas (p. ex., Os digitálicos aumentam a contratilidade cardíaca e
Digitalis purpurea) que fornecem a maioria dos glicosídios encurtam a duração do potencial de ação. O aumento da
cardíacos (ou cardenolídios) de utilidade clínica, como a intensidade da interação dos filamentos de actina e miosina
digoxina. Aliás, esta é o protótipo dos cardenolídios. do sarcômero cardíaco ocorre após aumento da
Fato curioso, é que alguns sapos apresentam glândulas concentração de cálcio livre nas proximidades das proteínas
cutâneas capazes de elaborar compostos semelhantes aos contráteis durante a sístole.
cardenolídios
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th
ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Guyton, Arthur C., Hall, John E.: Textbook of Medical Physiology.
10ª ed., Philadelphia, PA, W.B. Sauders Company, 2000 (trad.
pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2002).
Farmacologia I – UNIRIO 25
CAPÍTULO 10
Bloqueadores Adrenérgicos
Efeitos cardiovasculares. O tônus arterial e venoso depende Beta-bloqueadores podem ser usados, após o bloqueio α,
da ativação de receptores α no músculo liso vascular. para minimizar os efeitos simpáticos no coração. Mas nunca
Portanto, antagonismo de α-receptores causa uma diminuição antes, porque poderiam levar a um aumento na pressão
na resistência vascular periférica e pressão arterial. No caso arterial por deixar a estimulação vasoconstritora α1 periférica
de se usar concomitantemente um agonista com efeito tanto sem nenhuma estimulação compensatória vasodilatadora β2.
α quanto β (adrenalina, por exemplo), os antagonistas α, ao
bloquearem apenas os efeitos α, convertem a resposta da Hiperplasia prostática benigna. Fenoxibenzamina reverte a
adrenalina de hipertensora para hipotensora, o que é chamado contração muscular da próstata aumentada e do colo da
de reversão vasomotora da adrenalina. Ou seja, o bexiga. Tamsulosina é um antagonista de receptores α1 que
antagonista α-seletivo bloqueará a ação α, mas os efeitos β quase não possui efeito colateral na pressão arterial. Prazosin,
vasodilatadores do agonista permanecem ativos. por outro lado, pode ser indicado em pacientes hipertensos
Como os antagonistas de receptores α relaxam as fibras com hipertrofia prostática.
dos músculos lisos vasculares, eles podem causar hipotensão
postural e taquicardia reflexa. A contração de veias (mediada Hipertensão crônica. Fármacos da família do prazosin
por estimulação simpática α1) é muito importante para a (prazosin, terazosin, doxazosin) são usados no tratamento de
capacidade de levantar-se. A taquicardia reflexa é ainda mais hipertensão leve a moderada. A hipotensão postural é o maior
acentuada com antagonistas que bloqueiam também os efeito colateral destes fármacos. Diferentemente da
receptores α2 pré-sinápticos no coração – como fentolamina fenoxibenzamina e fentolamina, exercem pouco efeito na
– , porque a liberação aumentada de noradrenalina estimulará função renal, débito cardíaco e fluxo sangüíneo renal.
ainda mais os receptores β1 cardíacos. O uso crônico de
antagonistas α resulta em um aumento compensatório de
volume sangüíneo. FÁRMACOS ESPECÍFICOS
Outros efeitos. Os efeitos de menor importância que indicam Fentolamina. A diminuição na resistência periférica que ela
bloqueio dos receptores α em outros tecidos incluem miose e causa está associada ao antagonismo α1 e α2 no músculo liso
congestão nasal. O bloqueio dos receptores α1 da base da vascular. Causa uma estimulação simpática cardíaca em
bexiga e da próstata está associado a uma redução da resposta a mecanismos barorreflexos compensatórios
resistência ao fluxo de urina. induzidos pela queda de pressão arterial. O antagonismo de
receptores pré-sinápticos α2 leva a um aumento na liberação
de norepinefrina, o que estimula os receptores cardíacos β1.
FARMACOLOGIA CLÍNICA DOS ALFA- Fentolamina também é antagonista a receptores de serotonina
BLOQUEADORES e um agonista dos receptores histamínicos H1 e H2. Tem sido
usada em feocromocitoma e disfunção erétil masculina.
Disfunção sexual masculina. Fentolamina, junto com o
vasodilatador inespecífico papaverina, quando administrados Fenoxibenzamina. Liga-se de forma covalente e irreversível
conjuntamente, causam ereção masculina. Fentolamina tem a receptores α2 pré-sinápticos e α1 pós-sinápticos. É um
sido sugerida como fármaco a ser usado em disfunção erétil bloqueio irreversível e suas ações prolongam-se por 24 horas.
masculina. Por antagonizar os receptores α1 causa vasodilatação, mas sua
ação nos receptores α2 cardíacos, aumenta o débito cardíaco,
Excesso de vasoconstritores locais. Fentolamina é usada em tornando seu uso em hipertensão ineficaz. O uso de
casos de intensa vasoconstrição local provocada por acidentes fenoxibenzamina faz com que a resposta hipertensora à
com aplicações locais de norepinefrina durante cirurgias. adrenalina transforme-se em hipotensora (ação
vasoconstritora α1 da adrenalina é bloqueada, mas não a β2
Feocromocitoma. Maior uso da fenoxibenzamina vasodilatadora, ocasionando a reversão vasomotora da
(irreversível) e fentolamina (reversível). Feocromocitoma é adrenalina).
um tumor da medula adrenal que libera, anormalmente,
noradrenalina e adrenalina. Os pacientes apresentam sinais de Prazosin. É altamente seletivo para receptores α1 e, por isso,
excesso de catecolaminas como hipertensão, taquicardia e usado no tratamento da hipertensão. Por não se ligar muito a
arritmias. Infusões de fentolamina eram recomendadas no receptores α2 pré-sinápticos, causa pouca taquicardia. A sua
passado como mecanismo de diagnóstico de feocromocitoma meia-vida é de 3 horas e é muito metabolizado no fígado
porque, nestes pacientes, ela causa uma diminuição mais humano. Aproximadamente, apenas 50% fica disponível após
acentuada de pressão do que em pessoas normais. Hoje em administração oral devido ao efeito de primeira passagem que
dia, usa-se a análise de catecolaminas e metabólitos de reduz sua biodisponibilidade. Um de seus efeitos colaterais
catecolaminas como método diagnóstico de feocromocitoma. importantes é a hipotensão postural significativa que aparece
O manejo cirúrgico de feocromocitoma pode levar a uma em suas primeiras doses.
elevação abrupta de pressão, que deve ser controlada com
nitroprussiato de sódio ou fentolamina. Fenoxibenzamina Alcalóides do esporão de centeio (ergotamina,
também é usada na pré-cirurgia de feocromocitoma. metilsergida). Atuam como bloqueadores fracos, tendo
alguma ação agonista em receptores α e são, também,
Farmacologia I – UNIRIO 27
as concentrações de LDL não são afetadas. Portanto, Outras doenças cardiovasculares. Aumentam a fração de
possuem um efeito potencialmente aterosclerótico. Isso não é ejeção em pacientes com miocardiopatia obstrutiva. Tornam
tão verdadeiro para β-bloqueadores com atividade simpática mais lenta a ejeção ventricular e diminuem a resistência ao
intrínseca. Interessantemente, antagonistas de receptores α, fluxo de saída. São úteis em aneurisma dissecante da aorta por
como prazosin, têm sido associados a aumento na diminuir a pressão sistólica.
concentração plasmática de HDL. Contudo, os mecanismos
que participam na modulação plasmática de lipídios por Glaucoma. Tópica e sistemicamente, diminuem a pressão
fármacos adrenérgicos não são conhecidos. intra-ocular. Timolol é recomendado topicamente. Deve-se,
no entanto, tomar cuidado com efeitos sistêmicos do fármaco,
Efeitos não relacionados ao β-bloqueio. Não se sabe até que que pode potencializar, por exemplo, a ação bloqueadora do
ponto o efeito simpático intrínseco (β-bloqueadores com verapamil – um bloqueador de cana de Ca2+ no nódulo A.V..
agonismo parcial) é realmente benéfico. Há sugestões de que
a atividade simpática intrínseca beneficiaria os pacientes com Hipertireoidismo. Propranolol tem uma ação muito boa
doenças nas vias respiratórias. Eles parecem ser úteis em sobre a ação catecolamínica exagerada do hipertireoidismo.
pacientes que desenvolvem broncoespasmos ou bradicardia Ele é muito eficaz na “tormenta tirotóxica” do
com β-bloqueadores puros. A ação anestésica local, também hipertireoidismo agudo, e é usado para prevenir taquicardias
conhecida como ação estabilizadora de membrana, é uma supraventriculares que, freqüentemente, precipitam
ação típica de muitos bloqueadores β e é uma ação típica de insuficiência cardíaca nestes pacientes.
bloqueio dos canais de Na+, que não parece ser muito
importante na prática pois as concentrações necessárias para Doenças neurológicas. Os β-bloqueadores reduzem a
atingir este efeito não são alcançadas farmacologicamente. freqüência e intensidade de episódios de enxaqueca (são
usados propranolol e metoprolol). Reduzem, também,
tremores e manifestações somáticas de ansiedade. Além disso,
FARMACOLOGIA CLÍNICA DOS BETA- são usados na doença do pânico.
BLOQUEADORES
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Farmacologia I – UNIRIO 29
CAPÍTULO 11
Agonistas Muscarínicos e
Colinesterásicos
deste efeito no cérebro está, provavelmente, associada à Bloqueio de despolarização. Nas sinapses colinérgicas,
demência. Além disso, estão envolvidos no aumento da ocorre quando os receptores nicotínicos excitatórios são
secreção do ácido gástrico e motilidade gastrintestinal. persistentemente ativados por agonistas nicotínicos,
resultando em uma diminuição na excitabilidade elétrica pós-
M2 (cardíacos). São encontrados no coração e terminações sináptica.
pré-sinápticas dos neurônios (periféricos e centrais). Exercem
efeitos inibitórios e a ativação dos receptores M2 é
responsável pela inibição vagal do coração e inibição pré- I. COLINOMIMÉTICOS DE AÇÃO DIRETA
sináptica no sistema nervoso.
São agonistas de receptor. Alguns desses fármacos
M3 (glandulares / musculares lisos). Produzem efeitos apresentam alta seletividade para os receptores muscarínicos
excitatórios como estimulação das secreções glandulares ou nicotínicos. Muitos possuem efeitos sobre ambos os
(salivares, brônquicas, sudoríparas etc.) e contração da receptores, como a acetilcolina.
musculatura lisa visceral. São, também, responsáveis pelo
relaxamento da musculatura lisa vascular em resposta ao
óxido nítrico proveniente de células endoteliais adjacentes. AGONISTAS MUSCARÍNICOS
Como dito, todos os receptores muscarínicos pertencem à São chamados parassimpaticomiméticos em virtude de seus
família dos receptores acoplados à proteína G. Os de número efeitos se assemelharem à estimulação parassimpática. A
ímpar (M1, M3 e M5) atuam pela via de inositol (fosfolipase acetilcolina e outros ésteres relacionados à colina são
C), enquanto que os receptores pares (M2 e M4) inibem a agonistas tanto nos receptores muscarínicos quanto
adenil-ciclase, reduzindo o AMPc. nicotínicos. Porém, são mais potentes em receptores
muscarínicos. Apenas o betanecol e a pilocarpina são
utilizados clinicamente.
FISIOLOGIA DA TRANSMISSÃO COLINÉRGICA
Efeitos. Diminuem freqüência e débito cardíaco e causam
A acetilcolina é sintetizada na terminação nervosa a partir da vasodilatação generalizada devido à liberação óxido nítrico. O
colina captada por um sistema de transporte ativo. Ao resultado final é uma queda importante na pressão arterial.
contrário do sistema de transporte da noradrenalina, este A musculatura lisa visceral sofre contração, aumentando a
sistema transporta só o precursor – colina – e não a atividade peristáltica do trato gastrintestinal, podendo gerar
acetilcolina. Portanto, não participa no término de ação do cólica. Ocorrem contrações também na bexiga e músculo liso
neurotransmissor. A colina, no citoplasma das terminações brônquico. Além disso, aumentam a secreção brônquica,
nervosas, é acetilada pela enzima colina acetiltransferase. A salivação, lacrimejamento e sudorese.
maior parte da acetilcolina sintetizada é acondicionada em No olho, reduzem a pressão intra-ocular em pacientes com
vesículas a partir das quais ocorre liberação por exocitose, glaucoma, com pouco efeito sobre o indivíduo normal.
desencadeada pela entrada de cálcio na terminação nervosa.
A acetilcolina acumula-se nas vesículas pela ação de um Uso clínico. Pilocarpina é utilizada no tratamento do
transportador específico, diferente do transportador de colina glaucoma na forma de gotas oftálmicas. Betanecol é utilizado,
(que é por transporte ativo). O processo que limita a ocasionalmente, para ajudar no esvaziamento da bexiga ou
velocidade de síntese da acetilcolina parece ser o transporte estimular a motilidade gastrintestinal.
de colina que, por sua vez, é regulado pela taxa de liberação
da acetilcolina. A colinesterase presente nas terminações
nervosas pré-sinápticas faz com que a acetilcolina seja
II. COLINOMIMÉTICOS DE AÇÃO INDIRETA
constantemente hidrolisada e ressintetizada.
Após sua liberação, a acetilcolina sofre difusão através da São inibidores da colinesterase. A ação da acetilcolina é
fenda sináptica para se combinar com receptores na célula interrompida por sua hidrólise pela enzima acetilcolinesterase.
pós-sináptica. Uma parte é hidrolisada pela
Essa enzima está presente em altas concentrações nas sinapses
acetilcolinesterase situada entre as membranas pré e pós-
colinérgicas. Os colinomiméticos de ação indireta exercem
sinápticas.
seus efeitos, principalmente, sobre os sítios ativos dessa
enzima. Dessa forma, os inibidores da colinesterase, ou
Eventos elétricos na transmissão da sinapse colinérgica. A anticolinesterásicos, aumentam a concentração de acetilcolina
acetilcolina, ao atuar na membrana pós-sináptica, provoca endógena nos receptores colinérgicos.
acentuado aumento na entrada de cátions, particularmente, Existem dois tipos de colinesterases, que são semelhantes
sódio e potássio. A conseqüente despolarização é
estruturalmente, mas diferem em suas funções, distribuição e
denominada “potencial de placa terminal” (ppt) se ocorre em
especificidade de substrato. São elas a acetilcolinesterase e a
uma fibra muscular esquelética, e “potencial excitatório pós-
butirilcolinesterase.
sináptico rápido” (peps rápido) se ocorre na sinapse A acetilcolinesterase encontra-se tanto na fenda sináptica,
ganglionar. onde hidrolisa o transmissor liberado, como nas terminações
nervosas colinérgicas, onde influi na concentração de
Farmacologia I – UNIRIO 31
A miastenia grave é uma doença que afeta as junções Os achados freqüentes incluem ptose (queda) palpebral,
neuromusculares dos músculos esqueléticos. Um processo diplopia (visão dupla), dificuldade na fala e deglutição e
auto-imune leva à produção de anticorpos, diminuindo o fraqueza nos membros. A doença grave pode acometer todos
número de receptores nicotínicos funcionais nas placas os músculos, inclusive os necessários à respiração.
terminais pós-juncionais (ver Fig. 2.1).
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
32 Farmacologia I – UNIRIO
CAPÍTULO 12
Antagonistas Muscarínicos
Sistema nervoso central. Nas doses habitualmente Cinetose. Por sua alta lipossolubilidade, a escopolamina
utilizadas, a atropina exerce efeitos estimulantes mínimos atravessa mais fácil e rapidamente a barreira
sobre o sistema nervoso central, com efeito sedativo lento e hematoencefálica, distribuindo-se pelo sistema nervoso
duradouro sobre o cérebro. A escopolamina, possui efeitos central. A escopolamina é um dos remédios mais antigos para
centrais mais pronunciados, produzindo sonolência quando o enjôo no mar e é tão eficaz quanto qualquer fármaco
administrada nas doses recomendadas, bem como amnésia recentemente introduzido. Tem forte ação anti-cinetose
nos indivíduos sensíveis. Foi usada em anestesia por essas (distúrbio vestibular que causa tontura ou enjôo do
propriedades depressivas e amnésicas. Em doses tóxicas, a movimento).
escopolamina e, em menor grau, a atropina podem causar
excitação, agitação, alucinações e coma. Parkinson. O tremor da doença é reduzido pelos
O fármaco anticolinesterásico fisostigmina é um antídoto antimuscarínicos de ação central, como a escopolamina, útil
eficaz no envenenamento por atropina pois diminui a como terapia adjuvante em alguns pacientes.
degradação de acetilcolina e esta desloca a atropina segundo
o antagonismo competitivo reversível. Pneumologia. São usados em rinite com coriza. As misturas
de anti-histamínicos devem sua ação contra resfriados,
Trato respiratório. Tanto o músculo liso quanto as provavelmente, às suas propriedades anticolinérgicas.
glândulas secretoras das vias aéreas recebem inervação vagal Tiotrópio e ipratrópio são utilizados em inalações no
e contêm receptores muscarínicos. A atropina, portanto, tratamento de asma e DPOC (doença pulmonar obstrutiva
promove relaxamento muscular (broncodilatação) e crônica).
diminuição das secreções. Esses efeitos são muito mais Por inibir secreções do nariz, boca e faringe, os
significativos em indivíduos com doença das vias aéreas. antagonistas muscarínicos também podem ser usadas como
Apesar disso, os antimuscarínicos não são tão úteis quanto os pré-anestésicos.
fármacos estimulantes dos receptores β-adrenérgicos (ver
Cap. 9). Gastroenterologia. Escopolamina pode proporcionar alívio
no tratamento da diarréia do viajante por promover o
Trato gastrintestinal. O interesse no uso destes fármacos relaxamento da musculatura lisa gastrintestinal. Na
vem de suas ações antiespasmódicas e no tratamento da atualidade, agentes antimuscarínicos são raramente utilizados
úlcera péptica. A atropina abole a ação da acetilcolina e para úlcera péptica nos Estados Unidos.
outros colinérgicos na motilidade e secreção gastrintestinais.
Mas não inibe completamente os estímulos vagais. Esta
diferença de ação se mostra mais acentuada na motilidade do
intestino e se deve à ação de outros transmissores excitatórios
como serotonina. A pirenzepina (antagonista M1-seletivo) age
nos receptores M1 presentes no estômago e inibe a secreção
de ácido gástrico.
34 Farmacologia I – UNIRIO
A atropina e seus congêneres de ocorrência natural consistem Pupilas dilatadas eram consideradas esteticamente
em ésteres alcalóides de amina terciária do ácido trópico. A desejáveis durante a renascença, explicando o nome beladona
atropina (hiosciamina) é encontrada na planta Atropa (em italiano, “mulher bonita”) dado à planta e a seu extrato
belladonna, também conhecida como beladona, e na Datura ativo, devido ao uso do extrato como gotas oftálmicas
stramonium, também conhecida como figueira-do-inferno. Já naquela época.
a escopolamina (hioscina) ocorre em Hyoscyamus niger ou
meimendro negro.
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Farmacologia I – UNIRIO 35
CAPÍTULO 13
Bloqueadores
Neuromusculares
CAPÍTULO 14
Anestésicos Locais
Anestesia local é a perda de sensação em uma parte do corpo Os anestésicos locais bloqueiam reversivelmente o início e a
sem a perda da consciência ou prejuízo do controle central propagação dos potenciais de ação da condução nervosa,
das funções vitais (perturbações fisiológicas associadas a uma impedindo o aumento na condutância ao sódio dependente de
anestesia geral). Quando aplicados localmente no tecido voltagem. Sua principal ação consiste em bloquear os canais
nervoso em concentrações adequadas, os anestésicos locais de sódio, o que fazem bloqueando fisicamente o poro
bloqueiam, reversivelmente, os potenciais de ação transmembranar, interagindo com radicais da hélice
responsáveis pela condução nervosa. Eles agem em qualquer transmembrana S6.
parte do sistema nervoso e em qualquer tipo de fibra nervosa, A atividade anestésica local é dependente do pH, sendo
podendo causar paralisia tanto motora quanto sensorial na aumentada em pH alcalino (quando as moléculas estão pouco
área inervada. A vantagem prática dos anestésicos locais é ionizadas). Isso se deve à necessidade de a substância penetrar
que sua ação é reversível em condições clínicas e seu uso é a bainha do nervo e a membrana do axônio para alcançar a
seguido pela recuperação completa da função nervosa sem extremidade interna do canal (onde residem seus sítios
evidência de dano a fibras nervosas ou células. Sigmund ligantes).
Freud estudou a fisiologia da cocaína no século XIX e Karl No entanto, uma vez no interior do axônio, é a forma
Koller (1884) a introduziu na prática clínica como anestésico ionizada da molécula anestésica que se liga ao canal. Essa
local em cirurgias oftálmicas. Foram as primeiras dependência em relação ao pH pode ser clinicamente
observações do uso de anestésicos locais. Por seus problemas importante, visto que os tecidos inflamados são
relacionados à dependência e toxicidade, logo começou a freqüentemente ácidos e, portanto, não permitem a entrada do
procura por substitutos sintéticos para a cocaína, que resultou anestésico, sendo levemente resistentes a anestésicos locais.
na síntese de procaína (1902), a qual foi o protótipo de Muitos anestésicos locais também exibem a propriedade
anestésicos locais por meio século. de bloqueio dos canais de sódio dependentes de uso. A
dependência de uso significa que, quanto mais os canais estão
abertos, maior o bloqueio. Este fenômeno ocorre porque a
QUÍMICA molécula penetra mais facilmente no canal quando ele está
aberto. Os anestésicos lipossolúveis, por comparação, podem
Um anestésico local consiste de uma porção hidrofóbica causar bloqueio mesmo quando o canal não está aberto. Neste
separada de uma porção hidrofílica por uma ligação amida ou caso, a molécula bloqueadora não apresenta carga e penetra
éster. O grupo hidrofílico é, geralmente, uma amina no canal diretamente a partir da membrana.
secundária ou terciária e a parte hidrofóbica deve ser O canal pode existir em três conformações: em repouso,
aromática. A lipossolubilidade aumenta tanto a potência aberto e inativado. Os anestésicos locais ligam-se mais ao
quanto a duração de ação dos anestésicos locais. Isto estado inativado do canal. Assim, em qualquer potencial de
acontece porque a lipossolubilidade aumenta o transporte do membrana, o equilíbrio entre canais em repouso e inativado
fármaco a seus locais de ação e diminui seu metabolismo por será deslocado – na presença de um anestésico local – em
esterases plasmáticas e enzimas hepáticas. favor do estado inativado, e este fator contribui para o efeito
Os anestésicos locais amídicos são quimicamente estáveis bloqueador geral. A passagem de um potencial de ação faz
e são os que mais fornecem dados de farmacocinética. Os com que os canais passem pelo estado aberto e inativado de
ésteres são rapidamente hidrolisados pela butirilcolinesterase seu ciclo, os quais têm maior possibilidade de ligar-se a
plasmática e seus estudos são mais limitados. moléculas de anestésicos do que o estado em repouso.
Farmacologia I – UNIRIO 37
Os anestésicos locais bloqueiam a condução na seguinte Músculo liso. Relaxamento, em geral. Deprimem a
ordem: B C A contratilidade do intestino delgado, músculo liso vascular e
brônquico (embora pequenas doses possam produzir
contração).
PROLONGAÇÃO DE AÇÃO POR
VASOCONSTRITORES (ADRENALINA) Hipersensibilidade a anestésicos locais. Pode se manifestar
como uma dermatite alérgica ou um ataque típico de asma.
A duração de ação de um anestésico local é proporcional ao Parecem estar limitadas a anestésicos do tipo éster, e não aos
tempo em que ele está em contato com o nervo. Portanto, do tipo amida.
manobras que mantêm o fármaco junto ao nervo, prolongam
a anestesia. A cocaína, por inibir o transporte da
noradrenalina de volta ao neurônio, causa vasoconstrição pois METABOLISMO
potencializa a ação da norepinefrina. Desta forma, previne
sua própria absorção. Em condições clínicas, preparações de A velocidade de absorção pode ser muito reduzida pela
anestésicos locais, freqüentemente, contêm um incorporação de um vasoconstritor. Visto que a toxicidade é
vasoconstritor, geralmente adrenalina. O vasoconstritor, ao relacionada à concentração do fármaco livre, a ligação do
diminuir a velocidade de reabsorção, restringe o anestésico ao anestésico a proteínas no plasma e tecidos reduz a toxicidade
local desejado e reduz sua toxicidade sistêmica. Alguns dos do fármaco. Alguns dos anestésicos comuns (p. ex.,
agentes vasoconstritores podem ser absorvidos ocasionando tetracaína, procaína, benzocaína, cocaína) são ésteres. Eles
reações secundárias indesejáveis e também podem causar são hidrolisados e inativados pela butirilcolinesterase
atraso na cicatrização de feridas, edema tecidual e, mesmo, plasmática, enquanto a ligação amídica é resistente à
necrose. Assim, seu uso é contra-indicado em locais com hidrólise. Devido a isso, a procaína, por exemplo, possui uma
circulação colateral limitada. meia-vida plasmática de menos de um minuto.
Pelo fluido espinhal conter pouca colinesterase, a anestesia
produzida pela injeção intratecal de um agente anestésico
EFEITOS INDESEJÁVEIS DE ANESTÉSICOS persistirá até o anestésico ser absorvido pela circulação.
LOCAIS Os anestésicos que possuem uma ligação amida (lidocaína,
mepivacaína, bupivacaína, etidocaína, prilocaína) são, em
SNC. Podem causar estimulação, produzindo inquietude e geral, degradados pelo retículo endoplasmático do fígado
tremores que podem evoluir para convulsões. Em geral, (desalquilação e subseqüente hidrólise) e devem ser
quanto mais potente o anestésico, mais facilmente ocorrem administrados com cuidado em pacientes com doença
convulsões. Pode ou não haver uma estimulação central hepática. Os anestésicos locais com ligação amida são
inicial que é seguida por depressão e morte por insuficiência extensivamente ligados a proteínas plasmáticas,
respiratória. Na realidade, o mecanismo parece ser depressivo particularmente α-1-glicoproteína ácida. Muitos fatores
e a fase excitatória é conseqüência da inibição de neurônios aumentam a concentração desta proteína plasmática (câncer,
cirurgia, trauma, infarto do miocárdio, fumo, uremia) ou
38 Farmacologia I – UNIRIO
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004
(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro,
Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Farmacologia I – UNIRIO 39
CAPÍTULO 15
Anestésicos Gerais
Em 1800, Humphrey Davy sugeriu o uso de óxido nitroso Os anestésicos inalatórios incluem substâncias completamente
(N2O) em cirurgias ao observar que o mesmo causava diversas quimicamente e a forma e configuração eletrônica da
euforia, analgesia e perda da consciência. O óxido nitroso molécula não parecem ser muito importantes. A ação
começou a ser usado em apresentações públicas como gás farmacológica está relacionada a determinadas propriedades
hilariante e Horace Wells realizou uma extração de dentes físico-químicas. Devido à inespecificidade química, deve-se
usando este gás em 1846. No mesmo ano, ocorreu a primeira pensar não em receptores específicos, mas em uma ação mais
extração dentária em Boston e, logo a seguir, a primeira diversa na célula. Os anestésicos gerais parecem atuar
cirurgia com uso de éter dietílico por William Morton. Menos principalmente sobre a membrana celular e, em conseqüência,
de um ano após, o clorofórmio foi introduzido por James as teorias da anestesia se relacionam a interações com os dois
Simpson para aliviar a dor do parto. A anestesia moderna principais componentes da membrana, as proteínas e os
data da década de 1930, quando foi introduzido o barbitúrico lipídios.
intravenoso tiopental. Uma década depois, utilizou-se o
curare para obtenção do relaxamento muscular esquelético. Teoria lipídica. Overton e Meyer mostraram, no início do
Halotano, o primeiro hidrocarboneto halogenado moderno, século XX, que existe uma estreita correlação entra a potência
foi introduzido em 1956 e tornou-se o padrão de comparação anestésica e a lipossolubilidade da droga, usando compostos
para novos fármacos anestésicos. Até o advento dos orgânicos simples e não-reativos. Os estudos de Overton-
anestésicos gerais, os cirurgiões usavam técnicas de operar Meyer não sugerem qualquer mecanismo específico, mas
em alta velocidade e a maioria das cirurgias constava de revelam uma correlação muito forte que deve ser levada em
amputações. consideração. A partição óleo/água deve prever a partição nos
lipídios da membrana em concordância com as evidências de
que a anestesia é causada por alterações na função da
CONCEITO DE ANESTESIA membrana. Há algumas evidências de que a expansão de
volume é o mecanismo ligado à ação anestésica e especula-se
Anestesia geral refere-se a um conjunto de analgesia, que ocorra anestesia quando o volume da fase lipídica é
amnésia, perda de consciência, inibição dos reflexos expandido em cerca de 0,4% pela intrusão da molécula
sensoriais e autônomos e, em muitos casos, relaxamento dos anestésica, mas esta teoria é muito controversa. Outra hipótese
músculos esqueléticos. O grau com que determinado sugere que a ação anestésica seria conseqüência de um
anestésico individual exerce esses efeitos depende do aumento na fluidez por desorganização de fosfolipídios da
fármaco, dose e circunstâncias clínicas. Os anestésicos gerais membrana, embora isso só ocorra com concentrações elevadas
são administrados sistemicamente, exercendo seu efeito sobre de anestésicos.
o sistema nervoso central, ao contrário dos anestésicos locais,
que agem por bloquear a condução dos impulsos nos nervos Teoria protéica. Os anestésicos podem ligar-se a proteínas
sensoriais periféricos. Para que um fármaco seja útil como assim como a lipídios, tendo sido provado que anestésicos
anestésico, ele deve ser prontamente controlável, de modo interagem com proteínas funcionais da membrana,
que a indução e a recuperação sejam rápidas, permitindo um particularmente com canais iônicos acionados por ligantes.
ajuste do nível de anestesia de acordo com as necessidades Muitos anestésicos são capazes de, em concentrações obtidas
durante a cirurgia. A inalação continua sendo a via mais durante anestesia, inibir receptores excitatórios como os de
comum de administração de anestésicos, embora a indução glutamato inotrópicos, acetilcolina ou de serotonina, além de
seja geralmente executada com agentes intravenosos. potencializar a função de receptores inibitórios como GABAA
e glicina. Estudos com receptores obtidos por engenharia
genética mostram que existem sítios moduladores específicos
na proteína receptora por meio dos quais os anestésicos
exercem seus efeitos sobre a função do canal. A comprovação
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definitiva de que estes sítios medeiam a ação dos anestésicos Manutenção. É o período de tempo no qual se mantém
será feita quando se criarem camundongos transgênicos com anestesiando o paciente durante a cirurgia. Ocorre
mutações nesses sítios. monitorização dos sinais vitais e da resposta a vários
Existem grupos que preconizam uma teoria intermediária, estímulos para ajustar a profundidade da anestesia.
na qual os anestésicos encontrariam-se na interface lipídio-
proteína dentro da membrana, afetando o funcionamento das Recuperação. É a interrupção do fornecimento do anestésico
proteínas aí localizadas.. É provável que mais de um tipo de e retorno da consciência.
interação contribua para os efeitos dos anestésicos.
Os anestésicos individuais diferem em suas ações e
afetam a função celular de várias maneiras, sendo improvável PROFUNDIDADE DA ANESTESIA
para alguns teóricos, uma teoria unitária simples que explique
seu funcionamento. Quando um anestésico de ação lenta é administrado sozinho,
transpõem-se certos estágios bem definidos conforme sua
concentração sangüínea aumenta:
EFEITOS DOS ANESTÉSICOS SOBRE O SISTEMA
NERVOSO Estágio 1 – Analgesia. O indivíduo está consciente, porém,
sonolento. A resposta a estímulos dolorosos está reduzida. O
No nível celular, os anestésicos inibem a transmissão grau de analgesia varia de acordo com os agentes anestésicos.
sináptica, não sendo, na prática, importante qualquer efeito
sobre o axônio. A inibição da transmissão sináptica pode ser Estágio 2 – Excitação. O indivíduo perde a consciência e não
devido a uma redução na liberação de transmissores, inibição responde mais a estímulos indolores. Porém, responde de
da ação do transmissor ou redução da excitabilidade da célula maneira reflexa a estímulos dolorosos. A respiração fica
pós-sináptica. Os mecanismos que diminuem a liberação do irregular e a P.A. aumenta.
transmissor e uma resposta pós-sináptica diminuída parecem
ser os mais importantes. Há uma diminuição na liberação de Estágio 3 – Anestesia Cirúrgica. A respiração torna-se
acetilcolina em sinapses periféricas e uma sensibilidade regular e leve. Alguns reflexos e o tônus muscular continuam
reduzida aos transmissores excitatórios, tanto nas sinapses apreciáveis. Com o aprofundamento da anestesia, os reflexos
periféricas como nas centrais, com o uso de anestésicos. desaparecem e os músculos relaxam.
A ação das sinapses inibitórias pode ser aumentada ou
reduzida pelos anestésicos. Seu aumento ocorre Estágio 4 – Paralisia Bulbar. A respiração e controle
principalmente com o uso de barbitúricos e anestésicos vasomotor desaparecem.
voláteis.
A região do cérebro onde ocorre a ação dos anestésicos Na prática, agentes anestésicos dificilmente são utilizados
não está completamente esclarecida. As mais sensíveis sozinhos e a progressão por esses estágios raramente é
parecem ser os núcleos de transmissão sensoriais talâmicos e observada. O estágio anestésico para fins clínicos consiste em
a camada profunda do córtex, onde projetam-se estes núcleos três componentes principais: (1) perda da consciência; (2)
(é a via seguida pelos impulsos sensoriais – portanto a analgesia; e (3) relaxamento muscular. Essa tríade de efeitos
inibição pode resultar em uma falta de informação da geralmente é conseguida pela combinação de fármacos.
aferência sensorial). A função hipocampal também parece
estar envolvida e ser responsável pela amnésia de curto
prazo. EFEITOS DOS ANESTÉSICOS
Quando, porém, a concentração anestésica é aumentada,
são afetadas todas funções cerebrais, incluindo controle Sistema cardiovascular. Todos diminuem a contratilidade
motor, atividades reflexas e regulação da respiração cardíaca, mas os efeitos sobre o débito cardíaco e a P.A.
autônoma. Portanto não é possível identificar um local alvo variam devido a ações concomitantes no SNC. Alguns agentes
crítico e específico no cérebro responsável por todo efeito da (p. ex., o óxido nítrico) aumentam a descarga simpática e
anestesia geral. tendem a aumentar a P.A.. Outros exercem efeito contrário (p.
ex., halotano). Além disso, podem causar arritmia,
principalmente, extra-sístoles (p. ex., halogenados), podendo
ESTÁGIOS DA ANESTESIA levar à fibrilação ventricular em alguns casos em decorrência
da excessiva secreção de catecolaminas.
Indução. Caracteriza o lento início da ação do anestésico até
o desenvolvimento da anestesia cirúrgica do paciente. Sistema respiratório. Causam depressão acentuada da
Normalmente, a anestesia geral é induzida com um anestésico respiração e aumentam a PCO2, à exceção do óxido nitroso e
intravenoso e cerca de 25 segundos após a injeção, ocorre a da quetamina.
inconsciência. A partir deste momento, pode ocorrer a
complementação com drogas inalatórias ou intravenosas para
levar à profundidade necessária.
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Geralmente, são usados para manter o estado anestésico após São usados para a rápida indução de anestesia, a qual é, então,
administração de um agente intravenoso. A indução e a mantida com um agente inalatório. Isso porque, mesmo o
recuperação com o uso dos inalatórios são rápidas, mais rápido agente inalatório leva alguns minutos para agir.
permitindo um controle flexível sobre a profundidade da Dessa forma, causa, a princípio, um período de excitação
anestesia. A concentração sangüínea do anestésico varia antes da anestesia. Os agentes intravenosos agem
rapidamente em relação à dose administrada pois a passagem rapidamente, produzindo inconsciência tão logo o fármaco
dos anestésicos, pequenas moléculas insolúveis, pela atinja seu local de ação (em geral, cerca de 20 segundos).
membrana alveolar é rápida. Porém, por sua eliminação corpórea lenta, não são
A solubilidade dos anestésicos inalatórios é expressa satisfatórios para manutenção de uma anestesia.
como coeficiente de partição, definido como a relação da
concentração do agente em equilíbrio nas duas fases:
sangue/gás. Agentes com coeficiente sangue/gás baixos FÁRMACOS ESPECÍFICOS
produzem indução e recuperação rápidas. Por outro lado,
agentes com coeficiente sangue/gás altos produzem indução e Tiopental. Anestésico intravenoso mais utilizado. Sua alta
recuperação lenta. lipossolubilidade explica seu efeito rápido e transitório, além
de sua redistribuição (a responsável pelo fim de sua função).
Tal redistribuição gera a “ressaca” de longa duração. Além
FÁRMACOS ESPECÍFICOS disso, doses intravenosas repetidas causam períodos
progressivamente mais longos de anestesia, pois o platô na
Óxido nitroso. Analgésico eficaz (usado, p. ex., para reduzir concentração sangüínea torna-se progressivamente mais
a dor no trabalho de parto) mas anestésico fraco. Sua baixa elevado quanto mais o fármaco acumula-se no corpo. Por essa
potência faz com que raramente seja usado isoladamente. razão o tiopental não é usado para manter anestesia cirúrgica.
Normalmente usa-se combinado como adjuvante dos O tiopental liga-se à albumina (70% do conteúdo
anestésico voláteis. Possui uma rápida indução/recuperação e sangüíneo), sendo a fração ligada menor em estados de
não causa efeito adverso sobre sistema respiratório. desnutrição, doença hepática e renal e em pacientes com
qualquer fator que ocasione hipoalbuminemia, o que interfere
Halotano. É o agente de escolha em crianças. Não é na dose necessária para induzir anestesia.
analgésico, sendo, porém, um potente anestésico. Como leva É um hipotensor leve e causa broncoespasmo. As suas
a um relaxamento na musculatura uterina, não é usado em ações sobre SNC são semelhantes às dos anestésicos
trabalho de parto. Não é irritante e a indução/recuperação são inalatórios, embora não cause analgesia.
relativamente rápidas. A concentração administrada deve ser
cuidadosamente calculada a fim de evitar falência respiratória Quetamina. Ou Ketamina, possui efeito mais lento que o do
e cardiovascular. Mesmo em concentrações normais o tiopental, causando uma anestesia dissociativa, na qual o
halotano causa queda da P.A. (devido à depressão miocárdica paciente parece estar acordado, não perdendo inteiramente a
e vasodilatação) e arritmias. Dois efeitos adversos raros, mas consciência, mas ocorrendo analgesia, perda sensorial,
preocupantes, do uso desse agente são a necrose hepática e amnésia e paralisia dos movimentos. Igualmente diferente de
hipertermia maligna. outros anestésicos, causa aumento da pressão arterial e do
débito cardíaco. O sistema respiratório não é afetado. Sua
Metoxiflurano. Mais potente anestésico inalatório. principal desvantagem é a ocorrência de alucinações e de
Nefrotoxicidade pelo fluoreto. Portanto, pouco usado na comportamentos irracionais no paciente em recuperação. Tais
prática atual. Usado em obstetrícia por não relaxar o útero. efeitos são menos marcantes em crianças (é mais usada em
procedimentos curtos em crianças).
Enflurano. Alternativa ao metoxiflurano, pois gera pequena
concentração de fluoreto. Menos potente que o halotano, mas Etomidato. É preferível ao tiopental pela maior margem entre
com indução e recuperação mais rápidas. Pode causar a dose anestésica e a dose necessária para produzir depressão
convulsão durante a indução ou após a recuperação, além de respiratória ou cardíaca. Além disso, também é metabolizado
haver risco, em comum com outros agentes halotanos, de mais rapidamente, produzindo uma “ressaca” menor. Sua
desencadear hipertermia maligna. utilização prolongada pode causar supressão adrenocortical.
Isoflurano. Anestésico volátil mais utilizado e recente. É Propofol. É um sedativo/hipnótico usado na indução ou
pouco tóxico e sem o efeito convulsivo do enflurano. manutenção da anestesia (sem a necessidade de um agente
Hipotensor e vasodilatador coronariano, pode causar, inalatório). Tem o metabolismo muito rápido, não havendo
paradoxalmente, isquemia miocárdica em pacientes com “ressaca”. Muito usado em cirurgias ambulatoriais.
doenças coronarianas.
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).