1097 - Luís Da Silva Mouzinho de Albuquerque e Os Açores. As Luzes, As Guerras Liberais e o Pensamento

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LUÍS DA SILVA MOUZINHO DE ALBUQUERQUE E OS AÇORES:

As Luzes, as Guerras Liberais e o Pensamento


Luis Mascarenhas Gaivão
Mestre em Lusofonia e Relações Internacionais.
Doutorando em Pós-colonialismos e Globalização.
Ex-adido cultural em Luanda, Luxemburgo e Bruxelas. Escritor.

1. Enquadramento histórico.
É, ainda, de certa forma incompreensível, o mistério que parece rodear o silenciamento da história
relativamente a Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, quando são sobejamente tratadas e conhecidas
as biografias e os estudos que contemplam os intérpretes principais da luta pela instauração diplomática,
militar e política do liberalismo, em Portugal.
O marquês de Fronteira (D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto), escreveu as suas memórias
militares e políticas pelo próprio punho, o conde de Lavradio (D. Francisco de Almeida Portugal) deixou,
igualmente, as suas memórias diplomáticas e políticas, o marquês de Sá da Bandeira (Bernardo de Sá
Nogueira de Figueiredo) encontrou ilustres historiadores para as suas intervenções militares e políticas, o
Duque de Palmela (Pedro de Sousa Holstein) tem, igualmente, abundante historiografia a ele relativa, o
mesmo sucedendo relativamente ao Duque da Terceira (António José de Sousa Manuel e Meneses
Severim de Noronha), e ao duque de Saldanha (João Carlos de Saldanha Oliveira e Daun) e a tantos
outros políticos, militares, diplomatas, que a história registou como figuras importantes no período da
instauração do liberalismo até à regeneração.
Pinheiro (1992, p.8) escreve: Na edição de 1913 do catálogo do Museu Militar, se procurarmos as campanhas da
liberdade e lermos a descrição do tecto de Columbano, veremos que no grupo da esquerda figuram D. Pedro, o duque
de Saldanha, o duque da Terceira, Sá da Bandeira, o conde das Antas, José Jorge Loureiro e o marquês de Fronteira.
Ao centro estão Mouzinho da Silveira, Silva Carvalho, Palmela e Garrett. Num dos dois grupos, ou simultaneamente
nos dois, Luís Mousinho devia estar. Mais condecorado, e tendo participado mais tempo na guerra civil do que o
marquês de Fronteira, Luís Mousinho foi também mais tempo ministro do que Mouzinho da Silveira e secretário de
Estado único da Regência da Terceira. Deveria em qualquer caso ter lugar à frente de Garrett, que não foi senão
secretário de alguns dos ministros e não se distinguiu durante a guerra civil.

Certo é que se torna difícil encontrar as razões que justifiquem o esquecimento a que este vulto da maior
importância da história do liberalismo parece encontrar-se votado, pois, na maior parte da bibliografia
sobre o liberalismo e o período das guerras liberais só aqui e ali é mencionada a ação notável de Luís da
Silva Mouzinho de Albuquerque nos diversos campos em que se produziu e, de algum modo, sempre na
sombra dos restantes companheiros que, com ele, partilharam, no mesmo campo ou, algumas vezes, no
do adversário, os complicados e difíceis acontecimentos da época.

2. Apontamento histórico-biográfico e genealógico.

Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque foi o 5º filho de João Pedro Mouzinho de Albuquerque (1736-
1815), fidalgo cavaleiro da Casa Real, corregedor da Corte, desembargador do Paço e comendador da
Ordem de Cristo e de sua mulher, Luiza Gutierrez da Silva e Ataíde (1763-1819), de Leiria.
Nasceu em 1792, na freguesia de São Vicente, em Lisboa.
Os avós paternos eram Pedro Mamede Mouzinho de Albuquerque e Isabel Margarida de Almeida do
Amaral e do lado materno Luís da Silva de Ataíde, 6º morgado da Casa do Terreiro em Leiria e Isabel
Gutierrez de Tordoya Maraver y Silva.
Casou com Ana Mascarenhas de Ataíde filha de José Diogo Mascarenhas Neto, superintendente geral
dos Correios, aderente das ideias pró-liberais e acusado, em 1808, de traidor, o que o fez emigrar para
1
Paris, onde viveu muitos anos e veio a fundar e a ser diretor dos Annaes das Sciencias, das Artes e das
Letras, (revista publicada de 1818 a 1822) e de Maria Luiza Maraver Silva Ataíde.
Voltando à casa onde nasceu Luís Mouzinho, sabemos que era frequentada por homens de letras e era
vizinha do mosteiro de São Vicente de Fora e que seu padrinho, o marquês de Ponte de Lima foi o
fundador da Real Biblioteca Pública (1796). Como 5º filho, tinha-lhe sido destinada uma carreira
eclesiástica na Ordem de São João de Jerusalém ou na de Malta, mas aos 16 anos (1808) recusou essa
via para seguir as ideias do seu Tio (futuro sogro) José Diogo Mascarenhas Neto que, entretanto,
recebera ordem de prisão pelo seu pró-francesismo.
É que as tropas de Napoleão, comandadas por Junot, provocaram a retirada da corte para o Brasil (29 de
Novembro 1807) que, segundo Pinheiro (1992, p. 31-32) deixou: ordens para os governadores do Reino
receberem bem o exército francês e evitarem desnecessários derramamentos de sangue. Uma deputação dos
governadores, encarregada de cumprimentar Junot, foi seguida de outros oficiais e de notáveis. O cardeal-patriarca de
Lisboa, os bispos do Porto e do Algarve saudaram, nas suas pastorais, o grande exército que viera em socorro dos
Portugueses.
O Conselho de Regência integrou nas suas sessões o delegado francês Herman mas sem direito a voto. A ficção só
terminou, por ordem de Napoleão, a 1 de Fevereiro de 1808. Em Maio o Governo do Regente declarou guerra à França
e o manifesto, por essa altura publicado, marcou uma viragem evidente na política externa portuguesa.
Em Leiria, onde Luís Mouzinho agora vivia, as filhas de José Diogo Mascarenhas Neto passeavam a
cavalo com oficiais franceses e a atitude dos liberais pró-afrancesados considerava mais primordial a
instauração das novas ideias do que a própria fidelidade ao Rei. Este facto, aliado à vaga nacional de
rebelião contra as invasões francesas, levou à perseguição e prisão de muitos liberais, à denúncia de
serem maçons e à Setembrada.
Na realidade, os conflitos de Junot com os liberais portugueses e a Maçonaria começaram quando, relata
Lopes (2008, p.15) a bandeira portuguesa foi substituída pela bandeira francesa (…) também porque, rejeitado
pela Maçonaria portuguesa como seu representante, Junot começou também a expressar ambições pelo trono
português, promovendo, inclusivé um partido que solicitou a Napoleão a aplicação em Portugal de uma constituição de
tipo francês.
Após a tomada de Almeida pelos franceses, na terceira invasão, comandada por Massena, e na sua
sequência, na noite de 10 para 11 de Setembro de 1810 houve grande repressão sobre a Maçonaria,
acusada de simpatizante dos franceses, e, então, foram presos 48 indivíduos, depois embarcados na
fragata Amazonas, que zarpou do Tejo a 18 e chegou a Angra, Terceira, a 25, local do seu desterro.
Lopes (2008, p.15) é perentório: (…) Este facto fez esquecer a Maç:. Em Portugal por algum tempo; mas apesar
d’elle a Maç:. Se propagou depois; a melhor parte da Officialidade Portuguesa e os varões mais distinctos do pais lhe
pertenceram (…)1
Os ingleses, entretanto, com o apoio da fragata Lavínia, transportaram vários destes deportados para
Portsmouth, onde chegaram a 19 de Outubro, como exilados. Nestas aventuras, entre outros importantes
liberais ia José Diogo Mascarenhas Neto, enquanto um seu filho, João, incluído na expedição de
Massena, foi feito prisioneiro e executado (11 de Março de 1811). Este facto teve consequências na vida
de Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, pois provocou o reforço dos laços familiares, decorrendo daí
o casamento (em 1816) com sua prima Ana de Mascarenhas de Ataíde, enquanto o seu irmão
primogénito, Pedro Mouzinho de Albuquerque, casava com a outra irmã, Henriqueta Júlia de
Mascarenhas de Ataíde, ambas elas, por sua vez, irmãs do sentenciado.

1
Reorganização da Maçonaria Portuguesa, in O Malhete, nº 41. Lisboa, 1882, p.483.

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Ainda solteiro, Luís Mouzinho mantinha um vivo interesse pelo conhecimento das ciências, que praticava:
colecionava minerais, insetos, produtos químicos, conhecia os autores clássicos e manifestava inclinação
para a poesia.
Em 1809 integrava a Brigada Real de Marinha, passo necessário para poder integrar a companhia dos
Guardas-Marinhas, no Rio de Janeiro onde se encontrava a Corte, uma ambição que ficou por cumprir,
frequenta a Real Academia de Marinha, em 1812 completa o curso de Matemáticas, habilita-se a oficial
engenheiro e, dado considerar à altura alguma fragilidade do seu corpo (conhecem-se três períodos de
doença) e a frugalidade do seu estilo de vida, solicita trabalhar no Observatório Real de Lisboa, lugar
onde, contudo, o montante que ganhava não era suficiente para poder vir a casar.
Parte, então, para o Fundão onde trabalha, com a ajuda de um parente, como agricultor e, aos 24 anos,
casa com sua prima Ana Mascarenhas de Ataíde, como já foi mencionado.
Escreve (de 1816 a 1819) os elogios duma vida bucólica no poema didático Geórgicas Portuguesas, que
viria a ser publicado, nos Anaes das Sciencias, das Artes e das Letras, onde Cândido Xavier redige uma
recensão muito elogiosa e parte para Paris nesse ano, ao encontro do tio e sogro e dos liberais
refugiados, juntamente com a mulher e os dois filhos já nascidos: Fernando Luís e Isabel Gabriela
Mouzinho de Albuquerque.
Pinheiro (1992, p. 36) descreve: Em Paris, Mascarenhas Netto tornara-se director dos “Anais das Ciências, das
Artes e das Letras”. À revista, onde o tio publicara um «Catecismo do Agricultor», se deve a edição das «Geórgicas
Portuguesas». Cândido Xavier recenseou o livro de forma extremamente elogiativa e Mascarenhas Netto terá visto no
sobrinho um potencial colaborador. Exilados desde o período das invasões, os redatores da revista teriam então em
Paris amplos contactos quer no mundo da cultura e da ciência quer mesmo no da política. O abé Grégoire contava-se
entre os amigos de Mascarenhas Netto e o próprio Lafayette se relacionava com os portugueses.
Em Paris Luís Mouzinho completa a sua formação literária e científica, frequenta os laboratórios de
química do Jardin des Plantes e assiste aos cursos de Vauquelin, ilustre farmacêutico e químico francês,
colabora ativamente nos Anaes e na sua forte ação de difusão e desenvolvimento cultural e científico.
Em 1822 faz uma viagem à Suíça e regressa, então, a Portugal, em 1823.
Oferece ao parlamento as suas Ideias sobre o Estabelecimento da Instrução Pública. Dedicadas à nação
portuguesa e offerecidas a seus representantes, um primeiro esboço de reforma educativa para habilitar o
Reino. Escrevia nela: “É a ignorância que torna o Homem perverso; a educação e a instrução são as
bases do edifício social”.
Foi bem recebido por Palmela, Ministro dos Negócios Estrangeiros, que o nomeou provedor da Casa da
Moeda, onde também lecionou uma cadeira de química. Redigiu, nesse âmbito um compêndio de Física e
Química, foi sócio correspondente da Academia das Ciências, desde 27 de Abril de 1823, a quem,
segundo Pinheiro (1992, p.38) ofereceu 12 quadros das reações químicas que já tinham merecido no Instituto de
Paris um relatório positivo de Gay Lussac.
Em Novembro de 1824, torna-se sócio efetivo da Academia, na classe de Ciências Naturais, e já em
1825, desloca-se aos Açores, donde resulta a publicação das Observações sobre a Ilha de S. Miguel
Recolhidas pela Comissão enviada à mesma Ilha em Agosto de 1825 e regressada em Outubro do
mesmo ano, o primeiro trabalho de caráter científico publicado em português sobre a hidrogeologia
açoriana.
Desde 1823 fez parte da Comissão de Pesos e Medidas e é encarregado de coligir informações
científicas sobre o Reino (1826). Gozava, finalmente, de prestígio e de estabilidade económica. Vê, então,
recusada a publicação, por dois censores da Academia, de uma memória sobre a Importância das
Ciências e das Artes para o Progresso das Nações e pede a devolução da mesma memória, reafirmando
tudo o que nela escreveu.
3
Conhecido como poeta e homem de ciência, perfilhando as ideias do iluminismo e imbuído de um
romantismo natural, a partir de 1824 vêmo-lo, logo a seguir à Vilafrancada (27 de Maio de 1823 e à
Abrilada (30 de Abril de 1824) , alinhar com Palmela de quem era amigo. Tinha, então, a patente de
tenente do Real Corpo de Engenheiros.
D. João VI morre (10 de Março de 1826) e D. Pedro, no Brasil, a 29 de Abril, concede a Carta
Constitucional ao Reino de Portugal, abdica da coroa portuguesa em favor de sua filha D. Maria da Glória
em 2 de Maio, a mesma Carta Constitucional é jurada nas Cortes a 31 de Julho e daí em diante, Luís
Mouzinho torna-se um seu acérrimo defensor. Em 11 de Dezembro de 1826 está nomeado engenheiro no
quartel-general do governador das armas da Beira Alta, o general Azeredo.
Em 22 de Fevereiro de 1828 D. Miguel desembarca em Lisboa e o país recebe-o em apoteose. Em 29
nomeia um ministério absolutista, dissolve as Cortes a 13 de Março, e é aclamado em 25 de Abril, como
rei absoluto, pelo povo, no Terreiro do Paço.
Levanta-se uma perseguição implacável contra os liberais e muitos exilam-se no estrangeiro. Lopes(2008,
p.41) relata: Em alguns locais do país as Lojas maçónicas enquadram a revolta contra o poder miguelista, mas sem
sucesso imediato, o que levou muitos maçons ao exílio, primeiro em Inglaterra, França, Estados Unidos ou Brasil, mas
posteriormente convergindo para os Açores, tornados baluarte dos defensores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Luís Mouzinho consegue obter uma licença para partir para o estrangeiro a 14 de Maio. Deixa a família e
a filha recém-nascida (Maria Luíza) e chega a Londres (28 de Maio), a 27 de Julho parte para Falmouth,
local donde sai a 10 de Agosto para o Brasil, via Madeira (onde desembarcariam vários oficiais e
dinheiro) e Cabo Verde, para, refere Pinheiro, (1992, p. 59): entregar cartas e convencer o Imperador a suster a
causa da filha e da Carta Constitucional.
Esta viagem não corre muito bem e Luís Mouzinho, provavelmente devido a intrigas entre emigrados de
diferentes posicionamentos liberais-maçónicos junto da corte de D. Pedro; parece desanimado.
Palmela, em Londres toma conhecimento e escreve ao Ministro das Relações Exteriores e da Marinha do
Brasil, Aracati (marquês de Aracati, João Carlos Augusto de Oyenhausen-Gravenburg, marido da
Marquesa de Alorna) que Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque é um conselheiro que deve ser ouvido.
O Imperador, no entanto, acolhe-o com frieza, enquanto Luís Mouzinho lhe entrega uma memória sobre
as medidas para o restabelecimento da Carta Constitucional, a que o Imperador não dá resposta. Em 7
de Janeiro de 1829 está de regresso a Londres, onde a situação dos liberais era desesperada, entre os
exilados de Plymouth.
O Duque de Wellington (Arthur Wellesley), então Primeiro Ministro inglês e conservador, queria acabar
com o campo de exilados liberais portugueses, ao mesmo tempo que se opunha ao desembarque dos
mesmos na Terceira. Saldanha fora impedido de desembarcar nessa ilha açoriana pela armada inglesa.
No entanto, 600 homens conseguem chegar à Terceira, em 6 de Março, transportados nos navios
Blanche, Hope e Edward.
Luís Mouzinho (era Secretário do conde de Vila Flor, com quem estabeleceu uma amizade e fidelidade
até ao fim da vida) parte de Brest em 5 de Junho com Vila Flor e chegam a Vila da Praia a 22 de Junho
de 1829 e ainda nesse mesmo dia a Angra. Refere Pinheiro (1992, p. 61) Para se subtraírem ao bloqueio
tinham sido obrigados a passar do brigue para uma pequena escuna. A ilha estava bloqueada pela armada de D.
Miguel e vigiada pelos Ingleses, mas a chegada de Vila Flor dava novo alento aos seus defensores, que logo a 11 de
Agosto de 1829 foram atacados pela esquadra miguelista.

Dele escreveu o conde de Vila Flor e marquês de Fronteira um elogio da simplicidade, citado por Pinheiro
(1992, p.39): «Luís Mousinho abandonara o lugar de provedor da Casa da Moeda pela defesa da Liberdade e havia
poucas semanas que integrava o exército com a patente de tenente do Real Corpo de Engenheiros». Apesar de o

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posto não condizer com a idade, o prestígio permitia-lhe «ser ouvido de igual para igual pelos generais», o que se
devia à facilidade e elegância com que se exprimia, o que lhe era possível devido ao seu talento e vasta instrução”.2

3. Os Açores.
3.1. A 1ª viagem. Observações sobre a Ilha de S. Miguel.
Nas Observações sobre a ilha de S. Miguel, Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque escreve uma
saborosa narrativa do descobrimento das Ilhas (1826, p. 3): O Infante D. Henrique, tão conhecido pelo
poderoso impulso que dêo á Navegação, e Commercio dos Portuguezes, mandou no anno de 1431, da Villa de Sagres
no Algarve, o Cavalleiro da Ordem de Christo Frei Gonçalo Velho Cabral, correr os mares para o Oeste, em descoberta
de terras, de que em nome de ElRey de Portugal, e da Ordem de Christo, de que era Grão Mestre, tomasse noticias, e
posse.
Tendo o referido Navegante encontrado os baixos, que denominou, e ainda hoje chamâmos as “Formigas”, situados
entre as Ilhas de Santa Maria, e S. Miguel, não dêo fé nem de huma, nem de outra das Ilhas, e voltou a Portugal a dar
parte ao Infante d’aquella observação.
Esta notícia não fez desistir o Infante d’aquella Indagação; antes parece que, animado com a certeza da existência
d’aquelles baixos, e penedos, logo no anno seguinte tornou a mandar o mesmo Navegante Frei Gonçalo com ordem de
explorar os mares vizinhos aos baixos das “Formigas”. Partido Cabral segunda vez de Sagres navegou para o Oeste
com próspera rota, e no dia 15 de Agosto de 1432 descobrio, e aportou a huma Ilha deserta, a que dêo o nome de
Santa Maria, e que foi a primeira descoberta no grupo dos Açores...(…) Gostôso o Infante com as noticias, que o
Navegador Cabral lhe dêo no regresso (…) lhe fez mercê de Capitão Donatário de Santa Maria, e o authorisou para
recolher Colonos, até na sua própria casa, que com ele partissem a povoar a Ilha.

Embora a versão possa ser contestada por estudos históricos mais recentes, não deixa de ser uma
descrição pitoresca e romântica, ao estilo do autor. Curiosa, também, a versão dos primeiros passos na
descoberta da segunda ilha, sendo curta a distância, “12 légoas”, que separa uma ilha da outra, o que se
terá passado, para que, só em 8 de Maio de 1444, tal facto se vir a dar? Refere o autor que, tendo S.
Miguel serros elevados poderia ser vista de longe, mas para a explicação duma demora de 13 anos,
encontra justificações nos factos de que os colonos da Santa Maria teriam povoado primeiro a costa
oposta a S. Miguel e o facto desta última ser, à época, coberta de espessos arvoredos e com terrenos
pantanosos que produziam muitas névoas condensadas sobre ela fazendo considerar que seria uma
acumulação de vapores na borda do horizonte e não uma ilha.
Conta, depois, que, (o.c. p. 4) seguindo o Padre Fructuoso, que hum escravo negro, tendo fugido a seu Senhor
Colono em Santa Maria, e caçando em hum dia claro nos altos d’aquella Ilha, observou ao longe a de S. Miguel; e,
julgando com esta notícia obter o perdão de seu dono, voltou a ele, dêo-lhe parte da sua observação, que sendo
verificada pelos habitantes de Santa Maria foi por eles transmitida ao Infante.

Foi, então, somente à segunda tentativa que Gonçalo Velho Cabral tomou a segunda ilha que, por ter sido
no dia 8 de Maio, como se disse, ficou com o nome de S. Miguel. E continua Luís Mouzinho (o.c. p.4): e
deixados alli hum certo número de Africanos da Casa do Infante, que para esse fim conduzia a seu bordo, se partio
gostoso para Portugal (…)[e tendo] observado que nas duas pontas tinha a referida Ilha picos agudos, e muito
elevados.

Luís Mouzinho descreve, igualmente, uma outra viagem de Gonçalo Cabral a S. Miguel, subsequente à
primeira, para efeitos de concretização da colonização, e refere que nessa viagem, os africanos que lá
haviam deixado, se encontravam aterrorizados com uma variedade e intensidade de fenómenos
vulcânicos que nunca tinham presenciado, tais como estampidos de explosões, tremores de terra muito
violentos, bancos de pedra pomes na água, ramos e troncos de árvores a boiar e que os movimentos
tectónicos haviam modificado o interior da ilha, e que só não teriam fugido, por não terem meios de
navegar.
Após mais algumas narrativas bastante bem humoradas sobre estes primeiros tempos da colonização,
Luís Mouzinho descreve, numa primeira aproximação, a geologia, a flora (muito arvoredo, cedros, e faias)

2
In Revista de História das Ideias. Vol. VII. Instituto de História e Teoria das Ideias.Araújo, Ana Cristina, “Revoltas e
Ideologias em Conflito Durante as Invasões Francesas”, em Revoltas e Revoluções, p. 68. Instituto de História e Teoria
das Ideias. Coimbra. (http://rhi.fl.uc.pt/pesquisa)

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e fauna (não havia répteis nem quadrúpedes, somente ratos, pombos bravos, milhânos, melros e
canários) da ilha, com rigor científico, tendo percorrido praticamente todos os locais do litoral e do interior.
E, desse modo, desde a primeira povoação em Vila Franca do Campo onde o trigo se deu bem e outras
culturas foram introduzidas, vai descrevendo o que observa, relativamente à sociedade que, entretanto,
se foi sedimentando até à data das observações.
E salienta, por diversas vezes, algumas críticas ao que constata na sociedade: (o.c., p.7-8) Esta distribuição
junta com a instituição dos Vinculos, e Capellas, que os proprietários nobres e poderosos, quasi sem excepção,
deixarão por sua morte, contribuio desde o começo da desenvolução da povoação em S. Miguel, para concentrar a
propriedade rural nas mãos de poucos, para fundar hum pequeno número de casas opulentas no meio de huma
povoação indigente, e miserável.
Os primeiros Colonos foram de necessidade ativos, e industriosos; obrigados pela necessidade, e pelo desejo de fazer
fortuna; o luxo por huma parte, e pela outra a indolência, e a incúria lhes fôrão completamente desconhecidos. Não
acontecêo porem assim aos successores dos Vincullos por eles estabelecidos: nascidos e criados na opulência, a
necessidade cessou de estimula-los ao trabalho; e o luxo e a indolência tomarão o lugar da atividade. Esta a razão,
pela qual se vê a Ilha de S. Miguel fazer nos primeiros 100 annos, depois da Colonisação, agigantados progressos, e
passar pouco depois a hum estado estacionário, e talvez até decadente.

Segue-se uma completa descrição geológica de S. Miguel, bem como à sua divisão administrativa civil,
com quadros dos funcionários e militares, rendas públicas, e, no respeitante à agricultura, traça um retrato
do mau estado em que se encontrava: atrasada tecnicamente, socialmente distorcida, desflorestada, mal
irrigada, embora reconheça a boa qualidade dos solos. Depois, trata da navegação e comércio e da falta
de estruturas portuárias, bem como da reduzidíssima variedade de produtos para exportação. E faz
considerações sobre a distribuição da propriedade e suas consequências.
Poder-se-ia, então, afirmar que os princípios iluministas e liberais preenchem o seu pensamento e, se
transpusermos as suas muito frequentes observações e reflexões sociais, económicas e políticas, para os
dias de hoje, logo acharemos o quão atuais elas são: (o.c., p.32) Accumulando os principais povoadores todos
os seus haveres nas mãos solitárias dos administradores dos Vinculos, que instituirão, estes nascerão já opulentos
com o trabalho alheio: fartos, não só do necessário, mas do supérfluo, nada os estimulou á aplicação; poderão
impunemente tornar-se indolentes, orgulhosos, e ignorantes, porque tinhão gôsos sem trabalho, esplendor sem mérito,
e consideração sem luzes, nem merecimento. Estas as razões, pelas quais degenerarão da atividade, e da industria
dos Fundadores

Luís Mouzinho considera, igualmente, que as obras despesistas [uma pecha nacional, já na época e tal
como hoje], são de evitar: (o.c., p.35): Todas as vezes que nestas obras [tratava-se de abrigos para a navegação,
pequenos portos] como deveria fazer-se, se atendesse tão somente à segurança, e comodidade, sem dar ao luxo, ou
elegância das construcções, a Fazenda Real teria de fazer para elas módicos sacrifícios, e os Póvos da Ilha receberião
prósperos resultados.

Propõe, ainda, planos para a construção de estradas, a partir da abertura de uma estrada geral de Este a
Oeste, ao longo da cadeia central da Ilha, da qual partiriam pequenos ramos para as principais
povoações, tendo em vista o aumento da produção agrícola e escoamento de produtos.
Da pág 37 à pág.43, elabora o capítulo Observações sobre o Valle das Furnas e aguas, que nele brotão,
onde , cientificamente, descreve os solos, as montanhas, os picos, as crateras, as lagoas, as “Solfatáras”
que (o.c., p.39) estão sempre ensopados pelo vapôr aquoso, que se condensa, e se precipita ao sair da bôcca, e
cobertos de efflorescencias de enxofre, e de sulfato de alumina; esta emissão de vapores he acompanhada de hum
som rouco, e majestoso, que resôa a huma grande zabumba, tocando a distancia.
Acaba as Observações com os quadros da composição química das três águas do Vale das Furnas.
Resumida esta sua primeira abordagem, de caráter científico, aos Açores, continuemos, agora, pela linha
traçada de outras ligações açorianas do liberal Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque.

3.2. Os principais eventos liberais nos Açores.

6
D. João VI e a Corte haviam regressado a Portugal em 3 de Julho de1821, Dom Pedro proclama a
independência do Brasil em 7 de Setembro de 1822 que só a 15 de Novembro de 1825 vem a ser
reconhecida por D. João VI.
Dão-se, entretanto, os episódios da Vilafrancada (1823) e Abrilada (1824), já referidos, com o patrocínio
da Rainha Carlota Joaquina, da Igreja e dos absolutistas, comandados por D. Miguel. A situação política é
completamente instável e, na reviravolta que D. João VI protagonizou, quando recebe a bordo do navio
inglês Windsor Castle o infante D. Miguel, demite-o de «Generalíssimo» e o envia para Viena de Áustria,
os liberais encontram alguns momentos de trégua, coisa pouca, pois a morte surpreende D. João VI em
1826.
O sucessor é D. Pedro, Imperador do Brasil, o qual abdica da Coroa Portuguesa em favor de sua filha D.
Maria da Glória, que por ora, tem 7 anos de idade (viria a ser D. Maria II). Elabora uma Carta
Constitucional (1826), de modo semelhante ao que tinha feito no Brasil, e, com a finalidade de tecer
pontes entre os partidários do absolutismo (D. Miguel) e os liberais, nomeia o irmão D. Miguel para
“Generalíssimo” das Forças Armadas Portuguesas, como seu pai já havia feito.
Exilado em Viena de Áustria, D. Miguel regressa a Portugal, via Londres, a 23 de Fevereiro de 1828 e
promove um golpe de estado, dissolve as Cortes, suspende a Carta Constitucional e é aclamado Rei
Absoluto. A divulgação desta proclamação chega à Ilha Terceira em 17 de Maio de 1828, e o Capitão-
general dos Açores, Manuel Vieira Albuquerque Touvar e a Câmara aclamam o novo monarca.
Entretanto, José Quintino Dias, comandante do Batalhão de Caçadores 5, apoiado por liberais, em 12 de
Julho de 1828, promove um golpe e toma a Fortaleza de São João Baptista da Ilha Terceira, reúne a
Câmara e declara fidelidade a Maria II de Portugal, restaura a Carta Constitucional, nomeia um governo
interino e expulsa os miguelistas, inclusive o Capitão-general Touvar, que se refugia em S. Miguel.
D. Miguel, ignorando, ainda, estes eventos, nomeia, entretanto, em Lisboa, para Capitão-general dos
Açores, o vice-Almirante Henrique da Fonseca de Sousa Prego, o qual, ao chegar a Angra (15 de Julho
de 1828) foi impedido de desembarcar e viu as suas bagagens serem-lhe retiradas e vendidas em hasta
pública, tendo-se retirado para Ponta Delgada e daí para Lisboa, onde D. Miguel o reconfirma no posto e
lhe confia uma armada para tomar à força a Terceira e, de caminho, a Madeira, também em poder dos
liberais.
Em Angra, Cipriano da Costa Pessoa consegue unir os liberais, um tanto desanimados, e força a Câmara
a manter a fidelidade à causa liberal, convoca voluntários para a defesa, expulsa os apoiantes do
absolutismo, enquanto se reforçam as fortificações da ilha e D. Pedro envia apoios, por meio de Palmela
(em Londres), que nomeia Diocleciano Leão de Brito Cabreira para General das Armas dos Açores. Este
chega a Angra em 5 de Setembro de 1828 e forma-se, então, uma Junta Provisória do Governo dos
Açores que, a 28 de Outubro se proclama Governo Legítimo de Portugal e declara Angra como capital do
Reino de Portugal. São nomeados ministros de estado e passa-se a chamar Regência de Angra, logo de
seguida mudada para o nome de Junta Governativa Provisória.
A situação é deveras instável, a Regência executa julgamentos excessivos (condenações à morte) contra
alguns dos absolutistas e D. Pedro permuta, então o Governador Militar e General de Armas dos Açores:
sai Cabreira e entra Saldanha que, não conseguindo desembarcar na Terceira (…. ), impedido pelo
bloqueio naval inglês (a Inglaterra apoiava, nesta altura, D. Miguel), tem de o realizar em França. Esta
notícia provoca indignação internacional e leva a Inglaterra a levantar o bloqueio naval à Terceira.
Pelo lado absolutista, Sousa Prego toma, com facilidade, a Madeira aos liberais e dirige-se para Ponta
Delgada (1 de Novembro de 1828), com o objetivo de conquistar a Terceira. Falhadas tentativas

7
negociais, patrulha durante um mês as águas da ilha e regressa a S. Miguel (12 de Dezembro de 1828),
indeciso no ponto de desembarque.
A partir de Ponta Delgada, Sousa Prego efetua, com a sua armada, um bloqueio severo, mas
inconsequente, à Terceira, local onde os liberais aproveitaram a demora das indecisões absolutistas para
reforçarem a presença na ilha de muitos emigrados vindos da Inglaterra e da França e mantendo
comunicação com o Brasil, enquanto Palmela continuava a enviar homens e equipamento militar para
reforçar a sua defesa.
O mesmo Palmela, por reconhecer alguma falta de entendimento entre as chefias político-militares em
Angra, extingue a Junta Provisória e nomeia o General António José Severim de Noronha (Conde de Vila
Flor e futuro Duque da Terceira) como Governador e Capitão-general dos Açores.
Este chega, então, à ilha acompanhado de um numeroso grupo de emigrados (a 29 de Junho de 1829),
nos quais se inclui Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, dando início ao segundo contacto deste com
os Açores.
Assim, a Capitania-geral dos Açores passa a ter, a partir de Junho de 1829, dois titulares, um por cada
partido: Sousa Prego em Ponta Delgada e Vila Flor em Angra.
D. Miguel decide, em Julho de 1829, ordenar o ataque à Terceira, e assim envia a sua armada (sob o
comando de José Joaquim da Rosa Coelho) e trava a Batalha da Praia (11 de Agosto de 1829), com a
derrota miguelista, facto que levantou, decisivamente, o moral dos liberais e lhes deu credibilidade
internacional. O topónimo Praia foi alterado, na sequência dos factos, para Praia da Vitória.
Palmela consegue, então, desembarcar na Terceira (15 de Março de 1830) e é nomeado por D. Pedro
para Presidente da Regência, enquanto Vila Flor é nomeado Marechal de Campo e Comandante Militar
da Terceira. Mouzinho de Albuquerque é escolhido para Secretário de Estado de todas as repartições da
Regência de Angra (equivale a Primeiro Ministro), e, mais tarde, em 2 de Julho de 1831, pede a
exoneração do cargo para se dedicar mais à ação militar, como ajudante de campo de Vila Flor. São
nomeados, igualmente, embaixadores da Regência em Londres e Paris.
Em 7 de Abril de 1831, Vila Flor e os liberais, partem de Angra decididos a conquistar as restantes ilhas: a
Ilha do Pico é ocupada sem resistência, seguindo-se a de S. Jorge, onde se dá o recontro da Ladeira do
Gato (10 de Maio de 1831), com vitória liberal, seguindo-se o Faial, o que foi conseguido à 2ª tentativa, e,
logo de seguida,a Graciosa. As ilhas de Flores e Corvo reconheceram sem oposição o governo liberal.
Os miguelistas detinham, unicamente, S. Miguel e Santa Maria. São Miguel caiu para os liberais em 3 de
Agosto de 1831, depois de uma tentativa de resistência no chamado combate de Ladeira da Velha. Santa
Maria rende-se, logo de seguida.
Com o arquipélago em seu poder, Palmela viajou para Londres a fim de convidar D. Pedro a ir para os
Açores e daí, planear o assalto a Portugal. Começou, então, o recrutamento para o exército liberal.
D. Pedro chega a Ponta Delgada em 22 de Fevereiro de 1832, vindo de França (Belle Isle) com 7000
soldados. Aí aportara em Junho de 1831 e fora muito bem recebido, proveniente do Brasil, donde partira
em Abril do mesmo ano) e, em 2 de Março (1832) viaja de de Ponta Delgada para Angra. Aqui, nomeou
novo governo, constituído por Palmela, Mouzinho da Silveira e José Freire, enquanto para a marinha
nomeou o general Sartorius como Comandante-em-Chefe das Forças do Mar e Vila Flor para as de Terra,
visitou a cidade da Horta, e, na ilha de são Jorge, os voluntários constituíram o “batalhão Sagrado” que
seguiu, pouco tempo depois, com D. Pedro para o Continente. Em 26 de Abril D. Pedro segue para S.
Miguel onde se fez a concentração das forças.
E a 27 de Junho de 1832, partiu para Portugal a esquadra composta pelas fragatas Rainha de Portugal e
D. Maria II, a corveta Amélia, os brigues Regência, Conde de Vila Flor e Liberal, as escunas Faial,

8
Graciosa, Terceira, Coquette, Esperança, Eugénia, e Prudência e mais outro navio, 50 transportes com o
Batalhão de Oficiais, o Corpo de Guias, os Regimentos de Infantaria 3, 6, 10 e 18, os Batalhões de
Caçadores 2, 3, 5 e 12, o 1º Batalhão de Artilharia, o Batalhão Académico, o Batalhão de Voluntários da
Rainha, o Batalhão de Marinha e o Batalhão de Atiradores Portugueses.
Eram 7500 homens de armas, os 7500 bravos do Mindelo que iam decididos a lutar pela causa do
liberalismo. Entre eles, seguia Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque.

3.3. O soldado liberal.


Sabemos que Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque desembarcou em Angra, com Vila Flor, em 22 de
Junho de 1829, como ficou mencionado.
Logo em 11 de Agosto toma parte na defesa da Ilha Terceira, na Batalha da Praia. As forças eram
desniveladas. A armada miguelista, comandada por Rosa Coelho, tinha 22 velas: uma nau, três fragatas,
duas corvetas, quatro brigues e quatro charruas. Bordejam a costa e os defensores liberais tentam
adivinhar onde será o desembarque, guarnecem os pontos mais acessíveis (certamente com o recurso
aos conhecimentos do engenheiro militar Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque), e estes percebem que
iria ser desencadeado na vila da Praia. Concentram-se no forte de S. Sebastião.
Relata Henriques (s/d, p.43): Vêm embarcados na esquadra do almirante Sousa Prego, e são para cima de sete
mil. Nós não temos mais do que dois mil e quinhentos homens, a maior parte deles guerrilhagem local. Mas temos o
Conde de Vila Flor, e eles não… A nossa defesa está baseada nos fortes de Santa Catarina, São José, Santa Cruz do
Porto, São João, Luz, Chagas e São Francisco, e muito embora alguns deles não tenham artilharia, sempre dão bons
cobertos e abrigos à infantaria e não vão ser fáceis de tomar… a vitória do conde de Vila Flor na Vila da Praia, daí em
diante conhecida como Praia da Vitória, constituiu um golpe tremendo na Causa Miguelista. As tropas liberais,
magnificamente entrincheiradas e conduzidas por jovens da têmpera de Moura Coutinho, Manuel Meneses, Almeida
Pimentel e Queirós Sarmento, repeliram todos os assaltos das forças de desembarque, causaram-lhes enormes perdas
em mortos e feridos e prisioneiros, e obrigaram a esquadra miguelista a retirar.

E ainda sobre este feito que terá virado, definitivamente o rumo da história portuguesa, eis o relato de um
dos generais: ao romper do dia 11, escreve Pinheiro (1992, p. 61) «Seja-me permitido fixar a atenção de
V.Ex.ª sobre o espetáculo que se me apresentou, quando cheguei ao campo de batalha» - escreveu Terceira a
Palmela -, «espetáculo o mais belo que pode encontrar-se na guerra e que talvez se não apresente em um só sobre mil
combates. Os canhões da esquadra batiam por toda a parte a praia e colinas adjacentes, e os nossos fortins, com um
limitadíssimo número de canhões, servidos por artilheiros da costa, respondiam a centenares de bocas de fogo que os
atacavam, e no alto da escarpa a pequena linha de voluntários desenvolvia simultaneamente o máximo valor e a mais
sublime generosidade.»3

Entretanto, Luís Mouzinho, tendo sido nomeado Secretário de Estado de todas as repartições da
Regência de Angra, assinou, com Palmela, o conde de vila Flor e José António Guerreiro a célebre
Proclamação da Regência de Angra aos Portugueses datada de 20 de Março de 1830, no teor da qual se
pode, com facilidade, descortinar o estilo patriótico e romântico da sua pena.
Participa ativamente na criação da Escola Militar provisória de Angra, criada em 10 de Abril de 1830, de
que é Primeiro Diretor e autor do Regulamento. Era uma escola aberta, e destinava-se a aumentar os
conhecimentos dos militares desocupados quando não havia combates.
Enes (2008, p. 619)) escreve que (…) a regência liberal em Angra de 1828 a 1832, nos decretos de Abril de 1830 e
de Abril e Junho de 1832, preconizou uma reforma preambular para os Açores4enquanto não se fizesse a reforma geral
no reino. É de relevar o empenho demonstrado por Mouzinho de Albuquerque e pelo então marquês de Palmela nos
relatórios justificativos. Em 1830 é criada a Escola Militar Provisória, para o desenvolvimento das ciências matemáticas
e suas aplicações à arte da guerra.

Silva Carvalho, que não nutria simpatia por Luís Mousinho, achava despropositada esta instituição, antes
fossem ensinadas disciplinas estritamente militares. Daqui se pode observar, uma vez mais, o espírito
original, iluminado e comprometido de Mouzinho, entretanto participante de uma Regência, em situação
um tanto precária, cujos membros, ao mínimo desaire, teriam o destino da forca, perante o adversário.
Palmela defendeu Mouzinho. Pinheiro conta (1992, p. 63): Escreveu que não havia Português que o excedesse

3
Pinheiro (1997, p 190), Nota (1) Sá da Bandeira, Diário da Guerra Civil, vol.2, p. 52
4
Collecção de Decretos da Regência do reino em 1829 e 1830 e Collecção de Decretos de Execução Permanente da
Regência do Reino de 1830-1832.
9
em «talento e atividade nem em conhecimentos gerais e ainda menos em desinteresse»5 Não podendo atacar Palmela,
Silva Carvalho centrava os seus ataques num dos seus mais próximos colaboradores.

É nessas funções que, em nome da Regência, se desloca a Londres (de 14 de Janeiro de 1831 a 16 de
Maio) para tentar obter o empréstimo que permitiria a sobrevivência liberal nos Açores, dada a situação
desastrosa na Terceira: faltavam bens agrícolas, não havia dinheiro para pagamentos dos militares,
mantinha-se o bloqueio naval, a situação internacional era favorável a D. Miguel devido aos governos
conservadores em França e Inglaterra. As negociações não obtém o resultado esperado, já que a
situação internacional era desfavorável à precária situação dos liberais nos Açores e apoiava, claramente,
D. Miguel.
Só com a revolução de Julho de 1831 em Paris, onde fora deposto Carlos X (absolutista) substituído por
Luís Filipe (liberal), ao mesmo tempo que em Inglaterra, no fim do ano, com a queda do governo Tory
(conservador) as condições se alteraram, a aceitação da causa liberal de D. Pedro começa a ter
apoiantes internacionais e o empréstimo se vem a realizar.
Ao regressar (16 de Maio de 1831), Luís Mouzinho vem adoentado, mas quer participar nos movimentos
militares como oficial de estado-maior e ajudante de campo do conde de Vila Flor. Estará já recuperado a
24, e a 27 está presente na conquista do Faial (o referido recontro da Ladeira do Gato), enquanto em
Angra se desenvolvem alguma instabilidade e intrigas entre os liberais (haviam várias obediências
maçónicas e também carbonárias) e tinham aparecido, entre os liberais, dois partidos: Cartista (dentro do
pensamento de Palmela) e Setembrista (mais de acordo com Saldanha), sendo frequentes os boatos e
insinuações, e onde se falava, até, de subversão do governo.
A 1 de Junho a Water Wich apanha, no Pico, Luís Mouzinho que, com o major José Joaquim Pacheco
(encarregado das tropas de desembarque) e a ajuda de Guilherme Avelar, profundo conhecedor da Ilha,
elaboraram um plano para a conquista de S. Miguel.
Em 2 e 27 de Julho, efetua os reconhecimentos a esta ilha, para determinação dos locais do
desembarque, assunto complexo, devido aos fortins de defesa construídos ao longo da costa e ao facto
da ronda permanente de uma corveta miguelista.
Atentemos na descrição dos factos em Pinheiro (1997, p. 66): «A navegação, porém foi conduzida com tal
acerto, e felicidade» - escreveu a Regência a Abreu e Lima - «e as medidas, que se haviam previamente tomado para
se reconhecer as costas da ilha, e saber ao certo o lugar em que se achava ancorada a corveta, foram tão bem
concertadas que no dia primeiro do corrente, ao amanhecer, se acharam todas as nossas embarcações próximas à
costa de NE de São Miguel, e efetuaram o desembarque num ponto distante, pouco mais ou menos oito léguas da
cidade de Ponta Delgada, o qual por ser de mui difícil acesso, e protegido por montanhas escarpadas, se não achava
protegido por tropas mas sim por paisanos armados».6
O avanço para Ponta Delgada foi rápido, apesar das duas colunas inimigas que derrotaram. O exército estabeleceu,
nesse dia, o campo nas alturas que dominam o lugar da Maia, em frente a uma ravina.

E deu-se, então, a Batalha da Ladeira da Velha (1 de Agosto de 1831) com a derrota completa dos
miguelistas, uma batalha sangrenta. As forças militares abandonaram Ponta Delgada (3 de Agosto), o
Capitão-general Prego fugiu para uma barca inglesa e os liberais entraram na cidade.
Luís Mousinho trouxe, como secretário militar do general Vila Flor, a notícia à Regência, na Praia.
Vinha, entretanto, desde que chegara à ilha Terceira trabalhando na realização de uma mapa da ilha
(chamou, sempre, à Terceira «um rochedo inclinado e escorregadio», numa aceção de subtil ironia, dadas
as contínuas intrigas que ali fervilhavam), e pretende dar-lhe a continuação possível, o que o leva a uma
viagem pela ilha, acompanhado dos instrumentos necessários às costas de duas bestas. Mas a situação

5
Pinheiro (1997, p. 190) Nota (4) Correspondência de Palmela com Luís António de Abreu e Lima, 25 de Maio de
1830.
6
Arquivos dos Açores, vol. VI, p. 98. Carta da Regência para L.A.A., p. 390.

10
altera-se com os preparativos para a viagem de D. Pedro do Brasil para os Açores, via Paris, com o intuito
da expedição a Portugal e não há memória da conclusão da obra.
Palmela está de acordo com Luís Mouzinho: era necessário que, antes de rumar ao continente, a armada
liberal deveria conquistar a Madeira. D. Pedro não está convencido. Luís Mouzinho fora nomeado a 11 de
Março Governador da Madeira e a 18 já se encontravam nas águas da Madeira a fragata D. Maria II, o
brigue Vila Flor e duas embarcações ligeiras. Luís Mouzinho intima à rendição mas as autoridades afetas
a D. Miguel não aceitam e os liberais na ilha não são muitos. Então conquistam Porto Santo. O governo
muda de ideias e manda regressar a fragata aos Açores e Luís Mouzinho permanece em Porto Santo,
com reduzidíssimas forças (40 homens), em situação de ser, a todo o instante, trucidado, até que um
barco os vem buscar de regresso a Angra, tanto mais que a esquadra miguelista já tinha partido de
Lisboa e vinha a caminho. Mas este facto teria bastante importância: aos olhos estrangeiros, “o bloqueio
da Madeira” serviria para desbloquear o empréstimo aos liberais.
Entretanto, em Angra, D. Pedro nomeara Mouzinho da Silveira para construir o novo edifício legal liberal,
demolindo o do antigo regime, dando maior racionalidade às reformas que já haviam sido encetadas no
vintismo.
Curiosamente, estes dois homens, um legislador e o outro mais guerreiro e militar, escreve Pinheiro
(1992, p. 69) provinham da mesma família de Castelo de Vide mas opunham-se por diferenças de cultura e
temperamento. Incomparavelmente mais culto e brilhante, Luís da Silva pouco terá contribuído para a obra legislativa
revolucionária. Mais profundamente liberal, não acreditava nas reformas súbitas e planeadas em gabinete, preferindo-
lhe as reformas graduais, baseadas em aturada investigação estatística e discutidas pelo parlamento.
O destino era agora Portugal e Luís Mouzinho teria ainda muito que batalhar até vir tomar conta do Governo da
Madeira, em 1834.

4. O pensamento e a personalidade.
Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque recebeu uma educação emanada da filosofia das luzes e a essa
ideologia de liberdade, fraternidade e igualdade emprestou toda a sua vida de luta militar, científica e
política, acrescentando-lhe uma tonalidade de certo romantismo.
Publicou poemas, memórias, relatórios, manuais e cartas, mas por certo haverá por encontrar mais
material suscetível de ser interessante para uma compreensão biográfica mais aprofundada, quer em
arquivos públicos como particulares.
O interesse revelado e perseguido por observações e questões científicas, de acordo com os padrões da
época, foi a alavanca que lhe proporcionou um espírito permanente de observação da sociedade nos
aspetos sociais e económicos e o fez intervir em diversos domínios científicos, como os da geologia,
química, matemática, agricultura, educação, ou no domínio militar, em estratégia, manutenção, ciência
naval, e no domínio político em que ocupou, por numerosas vezes, as maiores responsabilidades, como
Ministro, Governador ou deputado. Em todos esses desempenhos, destemido, publicitou as suas frontais
opiniões, demarcando mais intensamente a veia romântica nas obras literárias de que, também, foi autor.
Em 1823, publica em Paris e oferece ao Parlamento as suas Idéas sobre o estabelecimento da instrucção
publica, dedicadas á nação portuguesa, e offerecidas a seus representantes, como mencionado. Em
1824, já como provedor da Casa da Moeda, redige um compêndio Curso elementar de Physica e de
Chimica, seguindo-se-lhe (1826) as também já mencionadas Observações sobre a Ilha de S. Miguel,
umas outras Observações para servirem à história geológica das ilhas da Madeira, Porto Santo e
Desertas, vários Relatórios como Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, Relatórios
vários sobre as obras públicas e inspeções, um Guia do engenheiro na construcção das pontes de pedra
(1840), e, numa primeira iniciativa nacional de recuperação do património arquitetónico, Memória inédita
acerca do edifício monumental da Batalha (1854).

11
No campo literário, publicou o poema O Dia, (1813), as Georgicas portuguesas, (já referido), dedicadas a
sua mulher D. Ana Mascarenhas de Ataíde (Paris, 1820), obra que encontrou sucesso e a quem Garrett
elogia no seu Bosquejo da História da Literatura Portuguesa de 1825, o conto Ruy, o escudeiro (Lisboa,
1844), a mais romântica das suas obras, e o poemeto A Gloria das conquistas (publicado no Jornal de
Coimbra).
No que se refere à personalidade, aquando, no parlamento foi apodado de «sentimental», Luís Mousinho
não o renega e responde da seguinte maneira em (D.C.D. 1836. Vol.VI, pp. 116-120): homens haverá talvez
que, apesar de possuídos duma impressão profunda, possam tirar-lhe a tinta que lhe é própria, possam fazer cair sobre
o painel uma geada fria, uma névoa pesada, e que lhe amorteça a intensidade das suas cores; mas nós, filhos do sol
do meio-dia, quem poderá privar-nos do calor que a natureza imprimiu na nossa organização?

Escreve o filho José Diogo Mouzinho de Albuquerque (pai de Joaquim Augusto Mouzinho de
Albuquerque, herói de Chaimite) que o acompanhou no último combate (Arquivo privado): Os que o não
conheciam o reputavam soberbo, com ideias senão absurdas pelo menos exageradas e inexplicáveis, duro e pouco
amável; pelo contrário, aqueles que com ele tiveram relações mais íntimas, ainda que mesmo por pouco tempo,
reconheciam e admiravam a sua franqueza, a simplicidade e retidão das suas ideias, a lealdade do seu caráter, e
sempre ficaram seus amigos, cativados pela afabilidade do seu bom coração.

Em 1843, declara no parlamento que nunca foi rico e que os funcionários honestos jamais enriqueceriam,
o que está perfeitamente de acordo com a atitude tomada em Angra de recusar receber o ordenado de
ministro, pois apenas queria receber o seu soldo de militar, com o posto de tenente.
Para ele, a virtude privada e a moral pública são indissociáveis do progresso da pátria, e só alcançadas
através da educação (de que foi um entusiástico promotor) e «da promoção pelo trabalho, que
7
conduziriam [os homens] a uma sociedade em que reinaria o mérito e a virtude».
Ao apresentar, na Câmara dos Deputados, em 1842, uma lei contra as sociedades secretas, (de que fazia
8
parte, como a quase totalidade dos liberais ,) expressou a opinião de que o cristianismo era uma religião
eminentemente liberal e fazia a defesa da amnistia dos vencidos, pois para ele o regime liberal tinha que
se diferenciar do absolutista, garantir eleições livres, evitando perseguições e vinganças, enquanto no que
diz respeito à política fiscal do Estado, afirmava que o cidadão só deve pagar em impostos o estritamente
necessário para o bem comum, sendo tudo o mais considerado um abuso e um roubo.
Cremos que, através do fio do seu pensamento e personalidade, Luís Mouzinho se encontraria já um
tanto cansado dos jogos políticos, fomentados em redor do seu conceito de liberalismo puro e sem
concessões.
Finalmente, parece-nos importante anotar o quanto é atual o pensamento de Luís da Silva Mouzinho de
Albuquerque, no que respeita à colonização e à interculturalidade, à lusofonia. São estes conceitos
contemporâneos, inexistentes há quase duzentos anos, mas que revelam a inteligência e a visão
prospetiva deste grande intelectual e militar.
Referindo-se a D. João I e seus filhos sepultados no mosteiro da Batalha, escreve, conhecedor da
história, (Albuquerque,1854, pp VIII-.IX): As cinzas veneraveis que alli repousam, se são nossas mais
particularmente, em geral pertencem tambem ao genero humano, porque foi d’ellas que partiu o impulso, que se por
ventura desvairado em alguma das suas epochas, espalhou em regiões remotas o terror e a desolação, terminou por
ligar a humanidade inteira por vinculos de mutuas relações e reciprocos interesses de que as idades anteriores não
haviam concebido nem sequer a ideia.

E acrescenta, agora referindo-se à construção do chamado «império português», (cuja fraqueza


9
administrativa reconhecia) mas donde resultou a lusofonia: O pequeno Reino de Portugal, estendendo os
seus estabelecimentos ao longo das costas Ocidental e Oriental da África e pelas da Ásia e Ilhas adjacentes até ao

7
D.C.D., 1843 vol. 1, p. 62.
8
Nas atas da carbonária terceirense, L.da S. Mouzinho de Albuquerque é escolhido, em substituição de J. B. da Silva
Leitão de Almeida Garrett para deputado pelos Açores. In Fundo dos Condes da Praia, maço 1 doc.6. Biblioteca e
Arquivo Regional de Angra do Heroísmo. Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque era membro da Loja 11 de 1829 e da
barraca 22 de junho.
9
Memória enviada à Rainha em resposta ao convite para governador da Índia. In Pinheiro (1992, p.192), nota 2 de
«Um olhar sobre as colónias».
12
Japão, nunca pôde lançar nesta imensa linha senão pontos mui distantes separados por enormes intervalos, sem
intensidade em parte alguma.

Portugal, em sua opinião, nunca soube administrar-se a si próprio nem às suas colónias, que assim,
rapidamente foram parar às mãos de outras potências.
10
Lúcido, reflete : A perda completa da sua marinha de guerra, e mercante seguida à retirada do senhor D. João VI
para o Brasil, o enfraquecimento do Reino pela guerra da independência e suas consequências, pela separação das
possessões americanas [Brasil] e pelas nossas desastrosas e prolongadas dissensões civis, finalmente a destruição
súbita e não preparada de todo o antigo regímen colonial, substituído por outro e por outros improvisados a capricho, e
sem relação alguma com a índole, necessidade, nem estado de civilização daquelas possessões reduziu-as ao estado
de maior confusão e abatimento.

E critica, duramente, a política colonial, no mesmo texto: Quando nós legislamos em relação às colónias
queremos porventura que elas sejam mudas; queremos calar a voz das suas necessidades, e calcar as prevenções e
paixões que lhe são próprias, e sem as quais elas não poderiam pugnar pela sua justa independência e igualdade.

Mais à frente, revela a sua visão de justiça, liberdade e igualdade, pondo a mão na ferida: A Europa – disse
ainda – tem exercido por muito tempo um Poder por assim dizer tirânico sobre as outras regiões do Globo, que tem
submetido ao seu domínio. Os habitantes, os naturais daquelas regiões, olham o Europeu como essencialmente activo
e disposto a considerá-los e tratá-los como inferiores; portanto quando tais homens se pretendem tornar irmãos, como
a Carta [Constitucional de 1826] os tornou, é preciso não estabelecer princípios que despertem este ciúme fazendo
entre os ultramarinos e nós distinções, por onde se possa entender que existe a menor desigualdade.

Propõe, então, como princípio de solução para os problemas ultramarinos, a nomeação da figura dum
Comissário Régio com a missão de diagnosticar a situação de cada uma das colónias, e que não se
esquecesse de, em África, investigar com a maior atenção e escrúpulo quais os meios mais próprios e eficazes de
acabar efectivamente e de facto com o iníquo, desumano e abolido tráfico da escravatura, [em 1836 por Sá da
Bandeira], de coibir e punir as infrações das Leis a tal respeito; e de substituir este extinto comércio por algum outro
recurso lícito e praticável que pudesse fornecer meios de existência e novos mananciais de prosperidade àquelas
possessões.11

5. O percurso final
Os objetivos deste trabalho são primordialmente voltados para a relação mantida por Luís Mouzinho com
os Açores.
Esta relação passou pelo envolvimento fortíssimo da sua pessoa, nos mais diversos campos de interesse
e trabalho: os estudos geológicos, económicos e sociais numa primeira estada e a inteligência militar, a
estratégia, a educação e a formação, a sua capacidade negociadora e o seu comprometimento em todas
as frentes de combate, nas estadas seguintes, entrecortadas com missões da maior relevância. Conhecia
muito bem as ilhas açorianas, e esta experiência constituiu a base de sabedoria do seu percurso posterior
como militar, político e homem dos mais altos valores liberais .
Por esse motivo, não podemos desenvolver outros mil episódios biográficos interessantes, após a sua
definitiva saída dos Açores. Faremos, no entanto, um brevíssimo resumo:
A 7 de Julho de 1832, faz o reconhecimento do ponto de desembarque (era um especialista) juntamente
com o almirante Sartorius e Balthasar d’Almeida Pimentel, entre as praias de Arnosa e Pampelido, o qual
é efetuado a 8. A entrada no Porto dá-se a 9 de Julho, seguida de expedições e combates. O Porto
estava cercado e Luís Mouzinho é um dos «bravos do Mindelo» e participa neles, mesmo sendo Ministro
da Marinha, enquanto Palmela vai a Londres pedir reforços.
Intrigas e incompreensões levam à exoneração de Vila Flor 8 (de Comandante das forças) e de Luís
Mouzinho (de Ministro da Marinha), continuando, no entanto, como Ministro do Reino.
Segue, mais uma vez, com Palmela, integrando uma equipa de negociadores para obtenção de um
empréstimo em Inglaterra e, mais uma vez, devido às intrigas entre liberais em Portugal e a dificuldade na
obtenção do empréstimo, provocam as demissões dos negociadores.

10
D.C.D., 1843, Vol. III, pp 219/224.
11
Vide nota 9

13
Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque participa, depois, no desembarque no Algarve (20 de Junho de
1833) e na expedição até Lisboa (24 de Julho), onde os liberais são aclamados pela população e a
Raínha D. Maria II é, igualmente, aclamada, tal como a Carta Constitucional e D. Pedro como Regente.
Participa, igualmente, nas campanhas do Norte e Estremadura até Évora Monte (3 a 26 de Maio de
1834.)
Em 3 de Agosto de 1834 chega à Madeira como Prefeito (acumulação de Governador civil e militar),
donde regressa a Lisboa em Novembro de 1835 por ter sido nomeado para uma comissão longínqua:
governador da Índia. Em 1840 é de novo repetido este convite, que recusa.
Nos anos de 1835 a 1846 é empossado, por 3 vezes, como Ministro do Reino, como Ministro da Marinha,
como Ministro da Justiça, por diversas vezes é nomeado Inspector Geral das Obras Públicas, igualmente
por diversas vezes é distinto parlamentar, e, dada a excessiva turbulência dos golpes políticos
sucessivos, por mais duas vezes se exila em Paris e outro tempo se exila em Leiria, na Quinta da Várzea,
entregando-se a cuidados domésticos, onde, igualmente o vêm buscar para governador do Distrito, lugar
que não ocupou, por ter ido novamente, para Ministro do Reino.
D. Maria II demite o governo (golpe palaciano da Emboscada, a 6 de Outubro de 1846). Este facto
provoca a ira dos anti-cabralistas e Luís Mouzinho passa a apoiar a facção moderada do setembrismo e,
desencadeada a guerra civil, colocou-se ao lado de Sá da Bandeira e Lavradio, na Patuleia e
posicionava-se, agora, contra Saldanha e a Rainha. As eleições foram adiadas e Saldanha solicita
intervenção externa.
Era, então coronel e acompanhou o general Valdez, conde de Bonfim, em Torres Vedras. Graduado em
brigadeiro do Real Corpo de Engenheiros, ficou no comando do castelo da vila. E, a 23 de Dezembro de
1846, uma bala provinda do exército de Palmela, atinge-o de morte, vindo a falecer 4 dias depois, a 27 de
Dezembro. Tinha 54 anos. O duque de Palmela, defendendo a posição da Rainha, seu aliado de sempre,
era agora, o inimigo e o vencedor.
Cremos radicar aqui o relativo esquecimento que referimos no início. Imbuído pelos nobres ideais de
liberdade constitucional que sempre defendeu, Luís Mouzinho não aceitou um golpe antidemocrático e
ditatorial, visceralmente apoiante de um governo que unicamente poderia sair das eleições. Só a
regeneração recuperaria as ideias da Carta (em 1851), porque tanto se bateu.
Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque foi moço fidalgo da Casa Real, do Conselho de Sua Majestade
Fidelíssima, ministro de Estado honorário, cavaleiro de Honra e Devoção da Ordem de São João de
Jerusalém, grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, grã-cruz militar de Avis e
comendador da Ordem da Torre e Espada. Era sócio de diferentes associações científicas nacionais e
estrangeiras, incluindo a Academia Real das Ciências de Lisboa e o prestigioso Institut de France.

Bibliografia:
. Albuquerque, L.M. (1826). Observações sobre a Ilha de S. Miguel recolhidas pela Comissão enviada à
mesma Ilha, em Agosto de 1825. Lisboa: Impressão Régia.
. Albuquerque, L.M. (1854). Memoria Inedita ácerca do Edificio Monumental da Batalha. Leiria:
Typographia Leiriense.
. Dias, Maduro (1985). A cidade de Angra na Ilha Terceira que está em 39 graos. Angra do Heroísmo:
Edição comemorativa dos 450 anos da Cidade de Angra.
. Enes, Maria Fernanda (2008). As novas formas de aprendizagem laica e religiosa. In «História dos
Açores. Do descobrimento ao século XX (Vol.I)». Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura.

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. Henriques, A. F. (coronel) (1978?). Os Oficiais do Exército de Dom Pedro. Lisboa: Comissão Portuguesa
de História Militar.
. Lopes, António (2008). A Maçonaria Portuguesa e os Açores (1792-1935). Lisboa: Ensaius-Gabinete de
Comunicação e Investigação Histórica.
. Monjardino, A. Et alii (2008). História dos Açores. Do descobrimento ao século XX (Vol.I). Angra do
Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura.
. Pinheiro, Magda (1992). Mouzinho de Albuquerque, um Intelectual na Revolução. Lisboa: Quetzal. Ed.
Fundação Maria Manuela e Vasco de Albuquerque d’Orey.
. Riley, Carlos G (2004). Das luzes pombalinas às encruzilhadas liberais nos Açores: o caminho de S.
Miguel. Porto: Faculdade de Letras. In “Estudos em Homenagem a Luís António de Oliveira Ramos”, p.
917-924.

Webgrafia:
Consultas (Wikipédia/Infopédia) dos temas: Ilha de Santa Maria; Belenzada; Revolta dos Marechais; Dom
Pedro nos Açores; Setembrismo; Patuleia; Luis da Silva Mouzinho de Albuquerque; Marquês de Aracati;
Decretos e proclamações da Regência de Angra; Duque de Terceira; José da Silva Carvalho; História dos
Açores; Conde de Lavradio;

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