Lingua e Linguagem Joana Darc de Andrade Freitas. Tcc. Licenciatura em Letras - Língua Portuguesa. 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES


UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA

JOANA DARC DE ANDRADE FREITAS

LÍNGUA E LINGUAGEM: UMA ABORDAGEM ENTRE O NORMATIVO E A


VARIAÇÃO

CAJAZEIRAS-PB
2015
JOANA DARC DE ANDRADE FREITAS

LÍNGUA E LINGUAGEM: UMA ABORDAGEM ENTRE O NORMATIVO E A


VARIAÇÃO

Monografia apresentada ao Curso de


Licenciatura Plena em Letras do Centro de
Formação de Professores da Universidade
Federal de Campina Grande, como requisito
parcial para obtenção do título de Licenciada
em Letras – Língua Portuguesa.

Orientador: Prof. Dr. Jorgevaldo de Souza


Silva.

CAJAZEIRAS-PB
2015
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação - (CIP)

André Domingos da Silva - Bibliotecário CRB/15-730

Cajazeiras - Paraíba

F866l Freitas, Joana Darc de Andrade

Língua e linguagem: uma abordagem entre o normativo e a variação.


/ Joana Darc de Andrade Freitas. Cajazeiras, 2015.

45f.

Bibliografia.

Orientador (a): Prof. Dr. Jorgevaldo de Souza Silva.

Monografia (Graduação) - UFCG/CFP

–81’ 6=1 .6
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por me fortalecer e não me abandonar nos momentos


de dificuldade.

À minha família, que me deu forças para continuar quando eu pensei em desistir, com
o desejo de me ver realizada profissionalmente e acima de tudo feliz.

Ao meu orientador, Jorgevaldo Souza, pelas sugestões, pela força e paciência.

Aos amigos que compreenderam minha ausência durante a elaboração desse trabalho,
quando o que eu mais queria era estar perto deles.

Aos colegas de curso que dividiram os momentos de ansiedade, quando tudo parecia
estar perdido.

Agradeço a todos os professores do curso, com os quais tive a oportunidade de


aprender muito, e por terem despertado em mim a vontade de querer saber sempre mais.

Enfim, agradeço a todos que, de forma direta ou indireta, contribuíram para o meu
amadurecimento pessoal e profissional.
“O objetivo da escola, no que diz respeito à
língua, é formar cidadãos capazes de se exprimir
de modo adequado e competente, oralmente e por
escrito, para que possam se inserir de pleno
direito na sociedade e ajudar na construção e na
transformação dessa sociedade.”

(Marcos Bagno)
RESUMO

O ensino tradicional de Português há muito tempo tem considerado a gramática normativa


essencial para que possamos usar a língua adequadamente, o que leva os alunos a acreditarem
que existe uma forma “correta” e outra “errada” de falar. Como consequência dessa postura,
exclui-se da sociedade classes sociais de falares estigmatizados, por utilizarem sua língua
materna em desacordo com as regras gramaticais preservadas pela escola. Além disso, esse
tradicionalismo não permite alcançar alguns dos objetivos do ensino, como o de formar
usuários competentes da língua. Nesse contexto, objetiva-se incentivar os professores de
língua portuguesa a considerarem a variação linguística, abordando esse fenômeno na
linguagem em suas múltiplas modalidades, sem concentrarem-se apenas nas estruturas
formais da língua. Para tanto, discorremos sobre aspectos abordados na concepção de língua e
linguagem no ensino normativo, que considera a língua como um sistema de regras e a
confunde com a gramática tradicional, diferentemente da Linguística que concebe a língua
como um sistema de signos e sentenças que os falantes são capazes de produzir, como
propõem os pressupostos da Sociolinguística que apresentam a língua de forma variável, que
sofre influências dos contextos sociais, culturais e históricos. Nosso trabalho se deu por
pesquisa bibliográfica, com a utilização dos preceitos de Alckmin (2011), Bagno (1999,
2001), Bortoni-Ricardo (2004), Camacho (2011), Neves (2002, 2011), Saussure (2012) entre
outros. Acreditamos que o ensino de língua portuguesa deve ter seus métodos revistos,
passando a abordar a variação e a considerar a diversidade linguística dos alunos,
esclarecendo que os falantes podem falar adequadamente de acordo com cada situação de
interação, sem esquecer da gramática que é necessária em determinadas situações.

PALAVRAS-CHAVE: Língua Padrão. Gramática. Variação Linguística. Ensino.


ABSTRACT

The traditional teaching of Portuguese, long since, has considered the normative grammar as
essential for us to use the language properly, which leads students to believe that there is a
"right" way and other "wrong" way of speaking, as a consequence of this attitude, the social
classes of stigmatized dialects are excluded from society because they use their mother tongue
at odds with the grammatical rules preserved by the school, in addition, that traditionalism
does not allow achieving some of the teaching goals, as to educate competent language users.
In this context, the purpose is to encourage Portuguese-speaking teachers to respect the
linguistic variation, addressing this phenomenon in the language in its many forms, not only
concentrating on the formal structures of the language. Therefore, based on the aspects
addressed about the conception of language and speech in the normative education, which
considers language as a system of rules and confuses it with the traditional grammar, unlike
Linguistics, which conceives language as a system of signs and sentences that speakers are
capable of producing, as proposed by the assumptions of Sociolinguistics that presents the
language from a variable form, which is influenced by the social, cultural and historical
contexts. Our work occurred by literature research, using the precepts of Alckmin (2011),
Bagno (1999, 2001), Bortoni-Ricardo (2004), Camacho (2011), Snow (2002,2011), Saussure
(2012) among others. We believe that the Portuguese language teaching should review its
methods, dealing with the variation and respecting the linguistic diversity of the students,
explaining that speakers can use the language properly according to each interaction situation,
without forgetting grammar that it is required in certain situations.

KEYWORDS: Standard Language. Grammar. Linguistic Variation. Education.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1 CONCEPÇÕES SOBRE LÍNGUA E LINGUAGEM...................................................... 13
1.1 NOÇÃO DE LINGUAGEM ........................................................................................... 15
1.2 NOÇÃO DE LÍNGUA.................................................................................................... 16
2 BREVE HISTÓRIA DA GRAMÁTICA ........................................................................... 22
2.1 ESTABELECIMENTO DE UM PADRÃO LINGUÍSTICO ......................................... 23
2.2 A NOÇÃO DE GRAMÁTICA ....................................................................................... 25
2.3 O ENSINO DA GRAMÁTICA ...................................................................................... 29
3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA X ESCOLA ........................................................................ 33
3.1 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO: A POSSIBILIDADE DE MUDANÇAS .... 36
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 42
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 44
INTRODUÇÃO

O ensino de língua portuguesa tem sido alvo de muitas reflexões nos últimos anos.
Isso vem ocorrendo porque os pesquisadores estão cada vez mais preocupados com a
ineficácia desse ensino, apontada pelos índices nas avalições oficiais como o Enem, Ideb, etc.,
por não estar formando cidadãos capazes de se expressarem efetivamente através da fala ou
escrita, resultados percebidos através das provas de avaliação da educação.
Um dos possíveis fatores que influencia nisso é que, desde cedo, o professor de
português ensina aos alunos que existe uma maneira “correta” e outra “errada” de falar.
Assim, delimitam por meio da gramática o que pode e o que não pode na língua, conduzindo
os usuários a pensarem que não sabem falar, que não sabem português, e que essa disciplina é
muito difícil, o que provoca, desta forma, outro problema: o preconceito linguístico com as
classes estigmatizadas que não dominam essa língua que é ensinada nas escolas.

[...] o que vemos é esse preconceito ser alimentado diariamente em


programas de televisão e de rádio, em colunas de jornal e revista, em livros e
manuais que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”, sem falar,
é claro, nos instrumentos tradicionais de ensino da língua: as gramáticas
normativas e boa parte dos livros didáticos disponíveis no mercado.
BAGNO (1999, p.23)

Quando nos comunicamos estamos em contato com diferentes pessoas e diferentes


formas de falar. Assim, a nível de exemplificação, uma pessoa que mora no Sudeste não fala
igual a alguém que mora no Nordeste. Essas diferenças na língua são conhecidas como
variação linguística, pois ela possui natureza heterogênea. Mas, nem sempre as formas de usar
a língua, de cada pessoa são aceitas. Geralmente, a variedade linguística de uma pessoa sem
escolarização é criticada, sendo esta vítima de zombaria por parte daqueles que tem o domínio
da norma culta.
O ensino tradicional pode ser um dos principais responsáveis por esse preconceito
persistir na sociedade, pois persevera a ideia de que existe apenas uma forma correta de usar a
língua, que é a língua padrão, a qual se baseia nas regras gramaticais. Esse problema se dá
porque a língua é confundida com a gramática normativa, como se elas fossem uma coisa
única. Além disso, existe também a falta de base teórica nas práticas de ensino dos
professores.
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Diante do exposto, o trabalho objetiva propor uma reflexão aos professores de


português sobre o ensino normativo que prescreve o uso da gramática, inclusive nas situações
informais, sem contribuir para a competência comunicativa dos alunos. Procura incentivar,
também, a trabalhar com as variedades linguísticas, passando a respeitar a diversidade
linguística dos alunos, abandonando a visão tradicional de língua como sistema rígido,
estático, invariável. Por isso, pretende-se também conscientizar os profissionais da língua e
futuros professores a tratarem das variedades linguísticas com maior respeito, para que não
ensinem somente a gramática, mas todos os usos da língua, se adequando a cada contexto.
Enfim, pretende-se chamar a atenção para esse problema, gerando debate entre os educadores
afim de encontrar possíveis soluções.
Para isso, no primeiro capítulo, discutimos sobre a noção de língua e linguagem, a
partir das abordagens da Linguística, que define esses dois elementos de forma
interdependentes. A linguagem possui um campo amplo, que permite muitas formas de
manifestação para se comunicar, e a língua, como parte menor, constitui um desses campos.
Deste modo, nós humanos já nascemos com a linguagem que permite nossa comunicação
através da língua. Esta última é um sistema de convenções que a sociedade determina e que
está em constante evolução. Assim como a sociedade muda, as línguas também acompanham
essas transformações.
Em contrapartida com a ciência da linguagem, a visão normativa concebe a língua
como um sistema de regras rígidas, quase imutáveis e estáticas. Assim, a língua que é
ensinada na escola não condiz com aquela que de fato se usa, acarretando em uma confusão
entre gramática e língua.
No segundo capítulo, aborda-se o surgimento da gramática à partir dos gregos na
Antiguidade. Estes, para preservar a língua da época, que estava sendo „contaminada‟ por
barbarismos, passaram a se inspirar nas obras dos Clássicos para constituírem o padrão
linguístico. A gramática, como um sistema de regras rígidas, que não faz parte da realidade da
língua dos falantes, configura-se como o principal objeto do ensino normativo obrigatório em
todas as situações.
No terceiro e último capítulo apresentamos uma forma diferente de ver a nossa língua,
ou seja, através da Sociolinguística em contraponto com o ensino normativo. Falamos da
variação linguística e da possibilidade de ser trabalhada em sala de aula para que se perceba
que a língua não é um sistema exclusivamente de regras que o ensino conserva, mas um
conjunto de sentenças, as quais todos os falantes têm a capacidade para usar a fala em
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qualquer situação, pois possuem uma gramática interna, diferente daquela que encontramos na
escola.
A realização do trabalho se deu por pesquisa bibliográfica com ajuda dos pressupostos
de Saussure, Marcos Bagno, Marcuschi, Bortoni Ricardo, Moura Neves, Antunes etc., que
concebem a língua como um sistema de signos, no qual todo falante é capaz de usar
efetivamente.
Embora já existam tentativas de modificar as falhas que se encontram no ensino de
língua portuguesa, os docentes e os professores em formação, devem procurar refletir essa
ineficácia. Em outras palavras, eles devem se atualizar através de leituras, pesquisas, cursos,
palestras, e assim por diante, de modo que continuem sua formação, pois um bom professor
deve ser um eterno aprendiz. Eles também devem deixar de se ater somente ao livro didático,
porque estes deixam muito a desejar, uma vez que o conteúdo da variação linguística é muito
limitado. Enfim, os professores devem buscar outras fontes, indo além das exigências da
escola.
Para que o ensino de língua materna não se concentre apenas na gramática é preciso
que os professores tenham conhecimento da natureza heterogênea da língua, de forma a
respeitar a diversidade linguística dos alunos, trabalhando-a nas aulas. Mostrando, por
exemplo, as formas de usar a língua, na tentativa de desconstruir a ideia de que existe uma
forma certa e outra errada de falar. Assim, chegando ao objetivo de desenvolver a
competência comunicativa dos aprendizes e a habilidade de se comunicar em qualquer
situação com segurança.
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1 CONCEPÇÕES SOBRE LÍNGUA E LINGUAGEM

As atividades na sociedade, a exemplo da comunicação com o outro, só são possíveis


com o uso da linguagem, pois precisamos dela para mediar nossas relações com as pessoas.
Embora usemos a linguagem desde o nascimento, foi somente com a evolução da sociedade e
a origem da escrita que surgiram as condições para o estudo dos fenômenos linguísticos.
A língua e a linguagem são muitas vezes confundidas. Nos manuais de ensino, a
definição de linguagem vem sempre acompanhada do conceito de língua apenas para
diferenciar uma da outra, como se estas fossem independentes. Até que, a partir das propostas
de Saussure, esses fenômenos são redimensionados e mais bem esclarecidos. Assim, suas
propostas abriram caminhos para novas teorias que apareceram posteriores ao seu trabalho,
como o Gerativismo de Chomsky e outras que trazem hoje grande contribuição para o ensino
de língua portuguesa.
Para Saussure (2012, p.41), a língua surge das diversas convenções formadas nas
relações entre os indivíduos, em que estes se apropriam dessas convenções para se
comunicarem. Já a linguagem é um campo mais amplo da língua. Possui muitas formas de
uso, e pertence tanto ao domínio individual quanto social, já que se constitui tanto da língua,
que acontece no coletivo, como da fala, que é particular. A linguagem também abriga outras
manifestações de comunicação, por exemplo, os sinais de trânsito, os gestos etc. Para o
fundador da Linguística, a língua é apenas uma parte essencial do campo da linguagem, bem
como resultado do conjunto de convenções necessárias, adotadas pela sociedade que permite
o exercício da linguagem nos indivíduos.
Para Saussure (2012, p. 45-51), o estudo da linguagem se constitui de duas partes: o
primeiro objeto é a língua que é essencialmente construída no coletivo; a outra tem por objeto
a parte individual da linguagem, que é chamada de fala. Esses dois objetos estão ligados e se
relacionam mutuamente. A fala precisa da língua para produzir todos os seus efeitos e esta
última precisa da primeira para se estabelecer. O autor nomeia a fala de parole, que acontece
individualmente e jamais é realizada pela massa. Ela é essencial ao ser humano que faz a
escolha do que irá enunciar. A língua, por sua vez, é chamada de langue, constituindo-se
como acessório resultante da prática da fala pelos indivíduos de uma mesma comunidade,
pois é por meio da fala que a língua, enquanto sistema de convenções, se estabelece.
Língua e fala se relacionam mutuamente na medida em que uma precisa da outra. Para
que a fala aconteça o usuário terá que se submeter as convenções da língua que foram
14

estabelecidas no coletivo. As formas de uso das convenções da língua se insurgem tanto na


fala como na escrita. Assim, ao falarmos ou escrevermos precisamos dessas convenções.
Ainda sobre o referido autor (2012, p.41-42), a linguagem faz parte de uma faculdade
que é internalizada em nós, dada pela natureza. Já a língua é algo adquirido e convencional,
que deveria respeitar o instinto, mas adianta-se a ele. Mais à frente o autor chega a afirmar
que “não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de constituir uma língua”.
A linguagem então, é constituída da língua e da fala e de muitos outros tipos de manifestações
de comunicação.
Mikhail Bakhtin (apud Weedood, 2002, p.149-150) critica as duas grandes concepções
de língua e de linguagem, chamada por ele de tendências universal e particular dos
fenômenos linguísticos. A primeira dessas concepções de língua é considerada um
“subjetivismo idealista”. Aqui a língua é uma “atividade mental”, em que o psiquismo
individual é a fonte dela. Para o teórico, essa concepção “nega” as ideologias e o social, pois é
uma atividade individual que não envolve a interação social, ficando conhecida como
expressão do pensamento. A segunda concepção de língua Bakhtin chama de “objetivismo
abstrato”, considerada como um sistema de regras sujeitas a descrição. (Grifos da autora).
Bakhtin dirige a crítica ao modelo estruturalista nascido dos postulados de Saussure,
afirmando que essa teoria se concentrava numa construção abstrata, homogênea, impossível
de se verificar. Essa concepção é sintetizada pelo crítico como um modelo individual, estável,
imutável, sistema fechado, sem valores ideológicos, na qual sistema e história não se
vinculam. Bakhtin discorda de Saussure sobre a fala ser uma manifestação individual, ele a
considera de natureza social que está ligada aos processos de comunicação. Sobre a língua ele
consagra como um sistema homogêneo. Para Weedood,(2002, p.151) “[...]Bakhtin opõe a
urgência de se considerar a língua como uma atividade social, em que o que importa não é o
enunciado, o produto, mas sim a enunciação, o processo verbal”. É no processo de interação
com o outro que a língua aparece para atender as necessidades de comunicação, o que importa
não é o uso da língua em si, mas a atividade social.
Embora Saussure seja alvo de críticas por valorizar a estrutura da língua, ele
contribuiu extremamente para os estudos nessa área, sendo o precursor que abriu novos
caminhos para a Linguística. Ele fez com que pudéssemos estar hoje conhecendo o
funcionamento de nossa própria língua e percebendo que ela não é um “bicho de sete
cabeças” que a gramática aparenta mostrar. Talvez essas concepções da Linguística possam
mudar a visão das pessoas que veem na língua um sistema de regras muito difícil de ser
seguido.
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1.1 NOÇÃO DE LINGUAGEM

Para Cunha e Cintra (1985, p.1), a linguagem é um conjunto de processos, produto de


uma atividade psíquica totalmente determinada pela vida social que torna possível a aquisição
e o emprego de uma língua qualquer. A linguagem também designa todo o sistema de sinais
que serve de meio de comunicação entre os indivíduos.
A linguagem por ter o campo muito abrangente não se resume somente a escrita e a
fala. A língua, sendo menor, é constituída de um sistema de sinais. Já a linguagem, como
afirmaram os referidos autores, designa esse sistema e ainda permite a aquisição de uma
língua. Sobre a linguagem, Costa, Cunha & Martelotta (2009, p.15-17) dizem que esse termo
“é mais comumente empregado para referir-se a qualquer processo de comunicação, como a
linguagem dos animais, a linguagem corporal, a linguagem das artes, a linguagem da
sinalização, a linguagem escrita, entre outras”.
A linguagem então, é qualquer processo de comunicação que não está associado
somente ao uso da língua pela fala e escrita, mas todos os tipos de linguagens que permitem a
comunicação. A definição de Saussure sobre linguagem é mais restrita. Para ele, esta é a
faculdade que permite a comunicação através do uso da língua, sem fazer referência a outros
tipos de comunicação.
Para Bloomfield (apud KENEDY, 2009) a linguagem humana era interpretada como
um condicionamento, uma resposta do organismo humano produzida pelos estímulos da
interação social. Essas respostas, produzidas ao serem repetidas constantemente, permitiam a
habituação do falante, caracterizando, dessa forma, seu comportamento linguístico. Assim, o
autor, a nível de exemplificação, informa o seguinte:

Cada criança que nasce num grupo social adquire hábitos de fala e de
resposta nos primeiros anos de sua vida. (...) Sob estimulação variada, a
criança repete sons vocais. (...) Alguém, por exemplo, a mãe, produz, na
presença da criança, um som que se assemelha a uma das sílabas de seu
balbucio. Por exemplo, ela diz doll [boneca]. Quando esses sons chegam aos
ouvidos da criança, seu hábito entra em jogo e ela produz a sílaba de
balbucio mais próxima, da. Dizemos que nesse momento a criança começa a
imitar. (...) A visão e o manuseio da boneca e a audição e a produção da
palavra doll (isto é, da) ocorrem repetidas vezes em conjunto, até que a
criança forma um hábito. (...) Ela tem agora o uso de uma palavra.
(BLOOMFIELD apud KENEDY, 2009, p. 128).
16

Para o referido estudioso, a linguagem é aprendida quando a criança tem contato com
o externo. Quando alguém fala uma palavra desconhecida para uma criança acontece a
estimulação nesta, permitindo a produção de uma resposta a esse estímulo. Assim, a criança
irá repetir e, dessa forma, adquirir a linguagem pela interação com o social.
Segundo Kenedy (2009, p.128) Chomsky apresentou uma crítica a esse modelo de
linguagem defendida pelos behavioristas numa resenha em 1959, sobre o livro
“Comportamento verbal” escrito por Skinner, teórico behaviorista. O crítico proferiu que o
indivíduo humano sempre age criativamente quando usa a linguagem, ou seja, constrói frases
novas a todo momento, jamais ditas antes pelo falante que as produziu ou por outras pessoas.
Chomsky (apud Kenedy, 2009, p.128) esclarece que “a criatividade é o principal aspecto
caracterizador do comportamento linguístico humano”.
Para este teórico, o pensamento do behaviorismo, de que o comportamento linguístico
de um indivíduo deve ser visto como uma resposta previsível, precisava ser abandonado, uma
vez que não havia eventos criativos, pois Bloomfield defendia que a linguagem era adquirida
no contato com o social, enquanto que Chomsky concebe a linguagem como algo que não se
adquire, já que todo usuário da língua pode criar frases novas, sem ter que, necessariamente,
se interagir com o outro.

1.2 NOÇÃO DE LÍNGUA

Para Cunha e Cintra (1985, p.1), a língua é um sistema gramatical que pertence aos
indivíduos. É a expressão da coletividade, e o modo como concebemos e agimos sobre o
mundo. A língua é a utilização da faculdade da linguagem, que não é imutável, mas está em
constante evolução.
Já Saussure (2012) define a língua como um sistema de signos, ou seja, um conjunto
de elementos que formam um todo. Para explicar esse sistema, ele definiu o signo linguístico
como uma entidade psíquica de duas faces: significante (imagem acústica) e o significado
(conceito). O significante é a imagem que vem a nossa mente quando alguém fala sobre
determinada coisa. O significado é o nome que foi convencionado entre os homens que
conceitua a imagem pensada.
Cunha e Cintra (op. cit.) concebem a língua como uma gramática que pertence ao
indivíduo, ou seja, já nascemos com um sistema gramatical interno que é expresso no
17

coletivo. Concepção semelhante a de Saussure, que defende a língua como a expressão do


coletivo e as convenções que são adquiridas em conjunto.
Outro linguista que se dedicou ao estudo da língua foi Chomsky, propondo uma teoria
diferente. Enquanto Saussure diz que a língua é um sistema de signos, Chomsky defende que
a língua é um conjunto de sentenças.
Chomsky criou a teoria da Gramática Gerativa que permite gerar um número infinito
de frases por meio de um número limitado de regras. É uma teoria que parte do abstrato, do
sistema de regras, para o nível concreto, ou seja, as frases que existem na língua. Ele não tem
a finalidade de ditar normas, mas abranger as frases gramaticais pertencentes a língua. Não
importa a descrição detalhada de uma frase já produzida, porque isso não comtempla a
produtividade e criatividade, característica que Chomsky julga indispensável, mas deve-se
procurar compreender a natureza do sistema que o falante possui para poder produzir frases
infinitas. (ORLANDI, 1986, p.38).
Chomsky apud Orlandi (1986, p.39-40) diz que todo falante/ouvinte tem a capacidade
de produzir/compreender todas as frases da língua. É o que ele chama de competência. Esse
falante também sabe comparar estruturas sintáticas, separar frases que fazem parte ou não da
língua. Tendo isso em vista, não interessa a performance, que é o desempenho do falante
específico em situações concretas, mas a capacidade que todo falante/ouvinte ideal possuem.
(Grifos da autora). A partir dessa visão, ele define a língua como um conjunto infinito de
frases, o que explica sua natureza criativa e dinâmica. Chomsky diz que a língua não se define
só pelas frases existentes, mas também pelas frases a serem criadas, mesmo as que nunca
foram ouvidas a partir das regras que estão internalizadas na mente humana.
Chomsky apud Kenedy (2009, p. 129) diz que a capacidade de compreender e falar
uma língua deve ser entendida como resposta de um dispositivo inato, internalizado no ser
humano, a qual deve estar dentro da mente, que constitui a competência linguística do falante
e é nomeada de faculdade da linguagem.
Na gramática tradicional, para o falante saber usar adequadamente a língua, ele deve
dominar todas as regras gramaticais que são impostas, como se a língua precisasse ser
adquirida. Já nos postulados da Linguística, pela teoria de Chomsky, o falante de uma língua
pode produzir qualquer enunciado com sucesso, pois ele tem a natureza criativa. A gramática
não comtempla a possibilidade de gerar frases novas, mas considera somente os conceitos e
regras que já existem.
Orlandi (1986, p.41-42) afirma que a teoria da Gramatica Transformacional de
Chomsky promoveu a formalidade dos estudos linguísticos e tinha o propósito de impor duas
18

regras: as sintagmáticas, que geram estruturas abstratas e as de transformação, que convertem


essas estruturas em sequências, que são as frases da língua. Essas transformações podem ser
obrigatórias ou optativas, mudam a ordem, acrescentam e apagam elementos e palavras das
frases. Nessa teoria instituiu-se a estrutura superficial e a estrutura profunda que se
relacionam por meio de transformações. A primeira são unidades tal como aparecem nas
frases. A segunda é representada nas formas abstratas e é implícita a estrutura superficial.
(Grifos da autora).
De acordo com ORLANDI (2006, p.48) “os recortes e exclusões feitos por Saussure e
Chomsky deixam de lado a situação real do uso para ficar com o que é virtual e abstrato.” Ou
seja, não houve interesse pela parte concreta, o uso em si, que seria mais interessante e estaria
mais próximo da realidade da língua, mas concentraram-se somente na estrutura, no abstrato.
Porém, se esses linguistas não tivessem dado o passo inicial nos estudos da linguagem, não
teríamos acesso hoje a essas teorias.
A análise da língua no seu uso real é defendida por Marcuschi (2010, p. 16-17), o qual
não estava interessado no fato de a faculdade da linguagem ser um fenômeno inato, como
Chomsky dizia. O que importa para ele é o que fazemos com esta capacidade, ou seja, ele
passa a analisar os usos e as práticas sociais, representando uma nova concepção de língua e
de texto, pois “são as formas que se adequam aos usos e não o inverso”.
O uso da língua é feito através de duas modalidades, a fala e a escrita. Para Marcuschi
(2010, p. 17) estabelecer as relações entres as duas é impossível a partir do código, mas é
viável encontrar as semelhanças e diferenças por meio do uso. Afirma que a justificativa de
que aprendemos a falar antes de escrever não é motivo para a fala ser mais importante que a
escrita, e muito menos de que a fala é a derivação da outra. Sobre a aquisição da fala e escrita
ele estabelece o seguinte:

A fala (enquanto manifestação da prática oral) é adquirida naturalmente em


contextos informais do dia a dia e nas relações sociais e dialógicas que se
instauram desde o momento em que a mãe dá seu primeiro sorriso ao bebê.
[...] Por outro lado, a escrita (enquanto manifestação formal do letramento),
em sua faceta institucional é adquirida em contextos formais: na escola. Daí
também seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável. (2010,
p.18)

A fala é adquirida quando começamos a ter contato com as pessoas. Quando ainda
criança vemos o outro falar, acabamos aprendendo. Assim, a língua falada e escrita são
empregadas e adquiridas ao nos comunicarmos na sociedade, nas práticas do dia a dia. A
19

escrita é adquirida na escola, na disciplina de língua portuguesa, de tal modo que ela recebe
maior privilégio, pois promove a ascensão social.
O papel da fala se mistura com o papel da escrita e esta é vista como a representação
daquela. “A língua tem, pois, uma tradição oral independente da escrita e bem diversamente
fixa; todavia, o prestígio da forma escrita nos impede de vê-lo” (MARCUSCHI, 2010, p. 17).
A escrita não é mais importância que a fala, e nenhuma é melhor que a outra, pois cada uma
dessas modalidades da língua cumpre seu papel em cada situação discursiva específica. Mas o
que aconteceu pela força da tradição, como Marcuschi (op. cit.) expõe, é que os usos da
escrita, quando conseguem um valor arraigado na sociedade, tornam-se superior a fala.
A aquisição da escrita na escola faz parte de um dos tipos de práticas de letramentos.
Letramento é um processo histórico representado pela alfabetização regular e institucional.
Mas ele é reduzido no ensino que supõe existir apenas um tipo, que é aquele que ainda iremos
adquirir, no caso, a escrita, pois acredita-se que a fala é algo que já nascemos sabendo e não
precisamos aprender mais nada sobre ela. (MARCUSCHI, 2010, p.19).
É nessa norma que a língua é dividida em língua falada e língua escrita. Dessa forma,
essa dicotomia forneceu um modelo encontrado nos manuais de ensino que deu origem à
maioria das gramáticas que estão em uso hoje. Separam forma e conteúdo, língua e uso. A
língua é caracterizada como um sistema de regras que faz com que o ensino se detenha
somente nas normas gramaticais que devem ser seguidas ao pé da letra. (MARCUSCHI,
2010, p.27).
A oposição entre essas duas modalidades da língua deve ser evitada, pois estigmatiza a
fala, colocando-a em um nível inferior a escrita. Segundo Marcuschi (2010, p.28) “a
perspectiva da dicotomia estrita o inconveniente de considerar a fala como o lugar do erro e
do caos gramatical, tomando a escrita como o lugar da norma e do bom uso da língua.”
Essa visão distorcida se manifesta até hoje na sociedade, embora esteja sendo
combatida pelos linguistas modernos. BAGNO (1999, p.68) diz que “existe uma tendência
muito forte no ensino da língua de querer obrigar o aluno a pronunciar „do jeito que escreve‟,
como se essa fosse a única maneira „certa‟ de falar português”. Mas a língua falada é um
instrumento básico de sobrevivência. A escrita é artificial, exige memorização e não é a
representação da fala, porque não escrevemos igual falamos.
Em suma,a oralidade sempre existirá junto à escrita. Ela é inerente ao ser humano e
não será substituída por nenhum outro meio de expressão. Será sempre o fator que define
nossa identidade.
20

A escrita, de certo modo, não revela quem somos socialmente, culturalmente, pois ao
usar uma norma padrão para escrever qualquer tipo de texto, não dá para identificar qual o
sotaque, dialeto, a variante linguística de quem escreve. Já ao falar por meio de um texto,
ficará claro quem é o indivíduo.
Assim, Marcuschi (2010, p.43) esclarece que as diferenças entre as duas modalidades
da língua podem ser percebidas no uso e não no sistema delas. Para se entender a relação
entre fala e escrita ele defende o uso do código, ressalvando o seguinte:

[...] partindo da noção de língua e funcionamento da língua tal como


concebidos aqui, surge, como hipótese forte, a suposição de que as
diferenças entre fala e escrita podem ser frutiferamente vistas e analisadas na
perspectiva de uso e não do sistema. E, neste caso, a determinação da relação
fala-escrita torna-se mais congruente levando-se em consideração não o
código, mas os usos do código.

Bagno (2001, p.24) afirma que uma das principais inovações introduzidas pela
Linguística foi dar à língua falada a importância que sempre lhe fora esquecida durante todo o
tempo de ensino da Gramática Tradicional, pois a língua falada é a verdadeira língua natural,
a língua que cada pessoa aprende em convívio com a sociedade.
A Linguística descreve a língua como ela é, não questiona e nem faz propostas de
como deveria ser, pelo contrário, a examina livre de preconceitos sociais, reconhecendo o
valor que todo uso da língua possui. Dessa forma, essa ciência se torna essencial para o ensino
de Língua Portuguesa, pois dá aparato teórico ao professor e facilita seu trabalho. Esse
professor ao utilizar esses preceitos, passa a ver a língua com outros olhos e transfere isso
para os alunos, que precisam saber que não existe nenhuma língua melhor ou pior que outra,
fazendo com que o preconceito seja amenizado.
O ensino de Português comtempla apenas o uso da língua que obedece as regras da
gramática, que está totalmente distante das teorias linguísticas. Como os linguistas defendem,
a língua é um sistema de signos e regras, mas são regras internas ao ser humano, diferente das
regras gramaticais. Assim, todos os usuários da língua dominam sua gramática interna.
Ensinar a norma culta na escola também é necessário, pois como expõe Franchi (2006,
p.29), o objetivo da escola é levar a criança a dominar a modalidade culta de sua língua, e
principalmente, oferecer condições para que elas tenham acesso às diferentes formas
linguísticas e operar sobre elas. Ou seja, ensinar aos alunos as maneiras de se comunicar,
fazendo uso da escrita, da oralidade, da língua formal, informal, de acordo com a situação
comunicativa, se adequando a cada contexto de uso, sempre respeitando a diversidade
21

linguística dos alunos, sem querer desprezar a gramática, porque esta também é necessária nas
situações mais formais.
Nascemos com a capacidade para usar a nossa língua e desenvolve-la para nos
comunicarmos melhor. A língua é vista pelo viés da gramática como um sistema de regras
rígido, por consequência do estabelecimento de um padrão linguístico que prescreve como se
deve escrever e falar bem, levando as pessoas a acreditarem que existe apenas uma língua
digna de ser considerada a verdadeira, a língua culta, excluindo, assim, as outras variedades
linguísticas.
A nossa língua deve deixar de ser vista como algo que ainda iremos adquirir, e deve
passar a ser reconhecida como algo que faz parte de todos nós seres humanos, pois nascemos
com a capacidade para desenvolvê-la e usa-la como quisermos, pois cada um é quem escolhe
como usar a língua, devendo ficar, todavia, consciente que será sempre julgado pelas pessoas,
uma vez que desfazer essa visão preconceituosa nas pessoas não é tarefa fácil.
Agora passaremos a conhecer um pouco sobre como surgiu a gramática que persiste
até hoje na escola, e como se estabeleceu um padrão para a língua que exclui todas as outras
variedades da língua, causando o preconceito linguístico entres seus falantes e não permitindo
que o ensino de língua portuguesa forme cidadãos proficientes em leitura e escrita.
22

2 BREVE HISTÓRIA DA GRAMÁTICA

A primeira vez que nos deparamos com a gramática é quando entramos na escola. Lá
pensamos que iremos aprender a escrever e falar “bem” e de forma “correta”. Segundo a
tradição, se não obedecermos às regras gramaticais estamos usando a língua de forma errada.
Quando saímos da escola acredita-se que sabemos escrever e falar perfeitamente, mas na
verdade é o oposto que acontece, não conseguimos dominar nem um terço dessas regras.
Tendo em vista esse fracasso escolar, no qual a maioria das pessoas tem dificuldade
para escrever e ler, recentemente houve a necessidade de discutir-se sobre o assunto. Com
essa reflexão percebeu-se que o que vem acontecendo é um ensino de Português totalmente
voltado para uma gramática que não contempla as variedades linguísticas e nem amplia a
competência dos alunos, já que o ensino de língua materna, segundo Travaglia (2009, p. 17)
se justifica pelo objetivo de desenvolver a competência comunicativa dos falantes da língua,
ou seja, a capacidade de empregar adequadamente a língua nas variadas situações de
comunicação.
Para saber como as práticas dos docentes de língua materna se focou até os dias de
hoje somente na gramática e para entender como se formou essa tradição, iremos abordar de
forma breve a história da gramática, como foi estabelecido um padrão para a língua, e como o
ensino normativo a trata.
A gramática tradicional, muito conhecida por nós, surgiu, inicialmente, no Ocidente,
com os estudos dos fenômenos da linguagem no século V a.C., na Grécia, como ramo da
filosofia, pelos romanos, pelos trabalhos especulativos da Idade Média e pelo estudo dos
gramáticos do período seguinte. (LOBATO, 1986, p.77-79).
Os estudos clássicos e a constituição da tradição gramatical começou quando os
filósofos Platão e Aristóteles tiveram interesse pela língua. Esse interesse foi despertado
quando se questionaram sobre a nossa existência e o nosso pensamento, e não sobre questões
relacionadas exclusivamente à língua. Eles a estudavam com o objetivo de compreender o
pensamento humano. Assim, as obras de Platão e Aristóteles retomavam estudos sobre a
linguagem, refletidas do ponto de vista filosófico. Ou seja, nesse período, a língua era
entendida como expressão do pensamento e, portanto, estudar a língua implicava desvendar o
pensamento humano.(CIRÍACO, 2012, p.2).
Os gregos se dedicarem ao estudo gramatical com a finalidade de preservar a língua
grega, pois esta estava sendo contaminada por barbarismos. Eles tinham receio que as
23

diferenças que estavam acontecendo com a língua no local a modificassem, por isso criaram
uma gramática dessa língua, para que os moradores seguissem um padrão linguístico. (LIMA,
2006, p.36).
Na linha de pensamento dos filósofos, Neves (2002, p.18) diz que “[...] a imagem do
usuário – que é o homem que fala – precedeu a da gramática. Ela está nele: na sua fala há uma
gramática, que ele possui”. Ou seja, o homem é dotado da gramática, nasce com ela. Mas no
ensino tradicional existe o equívoco de que ela é adquirida somente nos manuais, e o
professor por não saber direito o que é gramática acaba confundindo-a com a língua.
Segundo Bagno (2001, p. 15), os estudos da linguagem eram feitos com a língua
literária, usada pelos escritores antigos, chamados de “os clássicos da língua”. Os filólogos
descreveram as regras gramaticais que eram empregadas por esses autores clássicos, servindo
de modelo para quem quisesse escrever obras literárias em grego. A gramática da época, de
acordo com Inês Duarte (2010, p.11), era como a “porta” de acesso ao estilo dos poetas e
prosadores, inaugurada por Dionísio de Trácia, que escreveu a “Arte da Gramática”, e a
escola Alexandria.
Lyons apud Bagno (2001, p.15-16) critica os gramáticos alexandrinos por cometeram
“dois equívocos fatais”: primeiro ao separar a língua escrita da língua falada; o segundo,
encarar a mudança das línguas como “ruína” e “corrupção”. Esse equívoco é visto até hoje no
ensino de língua que concentra-se na escrita, prescrevendo a forma de usa-la bem, através das
normas gramaticais, esquecendo totalmente da fala, como se esquecessem que aprendemos a
falar antes mesmo de escrever, como diz Saussure.

2.1 ESTABELECIMENTO DE UM PADRÃO LINGUÍSTICO

Segundo Bagno (2011), o estabelecimento do padrão linguístico tinha como objetivo


regularizar a língua na modalidade escrita. Estipulou-se a esta como sendo a única correta,
que era utilizada pela classe dominante, o que reflete o fortalecimento das diferenças sociais.
Assim, a linguagem usada por cada pessoa refletia qual era sua condição social. Se a língua
escolhida fosse a culta o indivíduo teria respeito na sociedade, pelo contrário, se usasse a
língua que não fosse essa, ele sofreria preconceito. A linguagem passou a ser um fator que
dividiria a sociedade entre os que pertencem a classe culta e o que estão fora dela.
24

Os registros desse padrão datam, como já foi mencionado, desde os estudos de


filólogos na Alexandria, que visavam encontrar as normas linguísticas que regiam as
principais obras literárias da língua grega, com a finalidade de fazerem dela modelo a ser
seguido naquela língua, o que fez surgir as primeiras gramáticas normativas. A norma
linguística ficou ligada à gramática normativa com o propósito de padronizar o uso da língua
escrita, portanto, a gramática nasce como objetivo didático.
Para Neves (2011, p.50), as normas emergem dos usos linguísticos, por isso estas não
podem ligar-se a nenhuma noção de autoridade, pois é do próprio uso que surgem os padrões
de adequação, padrões que os gramáticos não têm autoridade de dita-los como modelo, mas
sim examinar e registrar a natureza e o uso.
Vilela e Koch (2001, p.32) dizem que a teoria gramatical encontra um problema na
relação entre sistema, norma e uso. O sistema da língua compreende elementos que
constituem entre si relações que formam uma estrutura. Já a norma, no interior dos elementos
e relações dentro do sistema, se escolhem determinados elementos e relações como
obrigatórios. Para os autores, a norma é resultado do que foi determinado historicamente pelo
uso e pelas instituições.
Já para Neves (2011, p. 43) o termo norma tem duas significações básicas no campo
da linguagem: norma como a modalidade “normal”, estabelecida pela frequência de uso, sem
valorização de usos, mas que reparte a noção de norma por todas as variedades. Na segunda
concepção, a norma é o uso de regras, como a modalidade que “alguns” sabem, outros não.
Neste caso, é contemplado a modalidade “padrão” no uso linguístico, com juízo de valor, na
qual, algumas variações são mais prestigiadas que outras.
Na primeira concepção, o que está em jogo é o uso, assim como na segunda, mas
nesse a relação com a sociedade envolve todos os usos da sociedade (aglutinação). Na
segunda, trata-se do bom uso relacionado com a sociedade que aponta para discriminação,
criando estigmas e exclusões. (NEVES, 2011, p.43).
O bom uso se fixou na modalidade escrita, fazendo da linguagem falada um território
que pode abrigar as “transgressões” como se essa não tivesse norma. Na escola foi criado um
abismo entres essas duas modalidades, instituindo que a fala (modalidade do aluno) é
imperfeita, e a língua escrita (modalidade do professor) é a meta a ser atingida, como se não
houvesse um padrão na fala, que não é desejável. (NEVES, 2011, p.44).
O estabelecimento de um padrão linguístico, para Neves (2011, p.66), é uma questão
primordialmente social, e não linguística, pois raramente alguém aponta razões quanto à
25

organização das línguas para discriminar alguns usos dos falantes. Também diz que essa
fixação ocorreu pelo fato de que as línguas naturais mudam, decorrente da variação existente.

2.2 A NOÇÃO DE GRAMÁTICA

A língua é confundida a todo tempo com a Gramática que é ensinada na escola, mas
para tentar esclarecer esse equívoco, no primeiro capítulo falamos que a língua é constituída
dela mesma e da fala. A primeira é social e a outra individual. Aquela é fruto da convenção
em sociedade, a outra é particular, na qual o falante escolhe o que enunciar sem obrigação de
usar regras. Já a gramática inventada pelos gregos se baseou nas obras dos clássicos com o
intuito de estabelecer um padrão da língua para quem quisesse escrever igual aos escritores da
época, não havia discriminação com as outras formas de usar a língua. Mas,
equivocadamente, hoje há uma má interpretação da normatização da língua e acabou-se
excluindo as outras variedades por não saberem o que é língua e acharem que ela é a mesma
coisa que a gramática.
As concepções sobre a gramática são variadas. Numa visão mais tradicional ela é tida
como um manual de regras rígidas, no ponto de vista mais reflexivo ela é um sistema
gramatical que o falante já nasce com ele. Travaglia (2009, p. 24-27) apresenta três definições
diferentes sobre gramática. Na primeira concepção, ela é como um manual de regras para o
bom uso da língua para aqueles que querem se expressar de forma adequada. A segunda
concepção é a de gramática descritiva, que descreve a estrutura e funcionamento da língua, da
forma e função. Nesse sentido, esse tipo de gramática é feito de acordo com as teorias
estruturalistas que privilegiam a descrição da língua oral, etc. A terceira concepção de
gramática é o conjunto de regras que o falante aprendeu e as quais usa ao falar. Essa
gramática é o objeto de descrição, não existe em livros, por isso é conhecida como gramática
internalizada.
Das três concepções abordadas, pode-se concluir que a primeira delas, é a que mais
está presente no ensino. Essa gramática é a que privilegia a forma correta de usar a língua, e
se não seguir suas regras não estará “certo”. A segunda gramática estabelece regras de
funcionamento para cada variedade da língua seja ela culta ou não. A terceira concepção
abriga todas as variedades linguísticas utilizadas pela sociedade de acordo com o contexto de
uso. Essa gramática é inata no ser humano, não é adquirida, mas desenvolvida.
26

Para muitos, saber a gramática é uma condição para se tornar um excelente falante.
Um exemplo de pensamento normativo que reforça essa ideia é o de Jepersen (apud
DUARTE, 2010, p. 13), informando que, segundo ele, o gramático é alguém que legisla sobre
como o uso linguístico de cada um deve ser, alguém que conhece a etimologia das palavras da
língua, alguém que convive com as obras do cânone literário, aprendeu e reproduz as formas
corretas do bem escrever e do bem falar.
Ou seja, o autor defende que o gramático é quem estabelece o que pode e o que não
pode na língua. Embora este último estude, pesquise sobre a língua, ele não tem autonomia
para isso, o que ele pode fazer é se basear no uso da língua que toda a população faz e não
somente escolher o uso que acha mais adequado.
A concepção tradicional de gramática normativa do uso da língua é definida por
Franchi (2006, p. 16) da seguinte forma:

A gramática é um conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever,


estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado
pelos bons escritores. Dizer que alguém “sabe gramática” significa dizer que
esse alguém “conhece essas normas e as domina tanto nocionalmente
quando operacionalmente”.

Assim, a gramática é vista tradicionalmente como instrumento para quem quer falar
bem e escrever, o que exclui as outras formas de usar a língua, na medida que não existe uma
forma mais bonita. Como diz Neves (2011, p. 61) “nenhuma palavra ou construção é em si e
por si perfeita ou autêntica, e, é, portanto, modelar; nenhum modo de dizer é, em si e por si, o
melhor ou o único a merecer uso [...]”. Por isso, o que importa não é qual o uso mais correto,
mas sim qual o uso que mais se adequa ao contexto, já que não existe nenhum melhor ou
único.
Muitos acreditam que existe “erro” na língua, mas o que está em jogo é a comunicação
e a compreensão do que está sendo dito. Portanto, quando pensamos que estamos cometendo
erro na língua, na verdade são só construções que não estão de acordo com as normas
gramaticais. Ninguém fala errado, as pessoas falam diferente. Sobre isso, Bagno (2011, p. 26)
expõe:

Quando se trata de língua, só se pode qualificar de erro aquilo que


comprometa a comunicação entre os interlocutores. Se uma pessoa disser os
menino tudo veio, ninguém, por mais preconceituoso e tradicionalista que
seja, vai poder alegar que “não entendeu” o que aquela pessoa quis dizer.
27

Franchi (2006, p.22) considera a noção de gramática normativa como constituída de


um sistema de noções, de descrições de estruturas e regras que permitem descrever a língua,
dizer como ela funciona na comunicação e mostrar como se fala e escreve nessa língua. Mais
à frente traz uma definição de gramática de carácter descritivo, bem diferente da definição
anterior. No processo descritivo a gramática é um sistema de noções que descrevem os fatos
de uma língua, que associa a cada expressão dessa língua, uma descrição estrutural e
estabelece as regras de uso, de forma que separa o que é gramatical do que não é. Acrescenta
que a gramática descritiva parece mais neutra, mais científica do que a normativa, mas esta
última pode ser introduzida na outra. Pois na descrição da língua é possível que desconsidere
os fatos da linguagem popular como tivessem que ser rejeitados.
À primeira vista a gramática descritiva descreve os fatos da língua, não reforça os
preconceitos da gramática normativa ocorridos na escola e fora dela, mas esta última acaba
incorporando na descrição da língua e levando ao preconceito de que existe maneiras
adequadas e não adequadas de usar a língua.
Uma definição de Gramática do ponto de vista mais descritivo é apresentada por
Moura Neves (2000, p.21) que se baseia na ideia de que o aprendiz da língua é quem dirige as
atividades da gramática, pois julga as obras do passado, procura seus vícios e virtudes e
aponta a todos os usuários com a finalidade de mostrar modelos a serem seguidos. Esses
modelos explicitam um sistema, e por método estuda-se os seus elementos e descreve as
estruturas. Segundo a autora, a gramática é o sistema regulador da combinação de elementos
linguísticos, constituindo o modelo da combinação dos gêneros. Portanto, é importante que os
usuários conheçam seus vícios na língua, conheçam as regras, dominem tanto a língua
informal como a língua formal, tendo consciência que a gramática não deve ser um modelo a
ser seguido em toda situação, mas impreterivelmente nos contextos formais, tendo sempre em
vista que é ele quem escolhe como quer usar a língua.
Como já dissemos, para Saussure a língua é um sistema de signos linguísticos
constituídos pelo significante e significado. A noção de gramática segundo Vilela e Koch
(2001, p.17), se baseia a partir do sistema da língua. Para os autores, na comunicação entre
falante e ouvinte acontece a troca de representações da realidade com a ajuda de signos
linguísticos. Esses signos são sons ou sequências de sons, ou suas correspondências gráficas
que estão ligados com significados ou conteúdo. Os signos armazenam de modo estável o
saber adquiridos de uma comunidade linguística. São unidades mínimas, isoláveis,
combináveis, arquivadas na memória coletiva. Para os autores, essas unidades chamam-se de
28

morfemas e lexemas. Da combinação dos dois elementos resultam grupos de palavras, frases e
textos.
Podemos dizer que a comunicação entre falante e ouvinte ocorre por meio desses
signos que são adquiridos na realidade e são arquivados na nossa memória. Os signos,
portanto, são os morfemas e os lexemas que, quando se juntam, produzem frases, textos etc.
Nessa mesma perspectiva, Orlandi (2006, p.40) afirma que a gramática tem forma
dupla: é um sistema de regras que o falante possui e, também, é o artefato constituinte para
caracterizar esse sistema pelo linguista. É também um modelo psicológico de atividades do
falante e uma máquina que gera frases.
A referida autora segue a linha de pensamento de Chomsky, dizendo que a gramática é
um sistema de regras que o falante já possui e que é desenvolvida no decorrer das interações
com o outro, nas quais, não existe erros de gramática, pois o falante domina sua gramática
interna, ao contrário do conceito tradicional que valoriza as regras prescritas nos manuais,
como se a língua ainda precisasse ser adquirida.
Os signos linguísticos, ainda de acordo com Vilela e Koch (2001, p.19), constituem-se
de dois planos linguísticos que são interdependentes entre si: o plano semântico (conteúdo) e
o plano fonológico (forma). A forma transporta os efeitos comunicativos, compreende
elementos registráveis. Já o conteúdo é abstrato e invariável do conhecimento ou
reconhecimento de um objeto, ou de uma relação da realidade como está sendo arquivada na
memória de uma comunidade linguística. O plano semântico surge a partir de esquemas
cognitivos em que a sociedade construiu a realidade extralinguística. A menor unidade desse
plano é o sema. Ele interfere na construção do conteúdo de morfemas e lexemas (sememas).
O plano fonológico é formado por sons. O elemento menor é o traço distintivo que quando
combinados formam os fonemas: menores unidades distintivas de conteúdo. (Grifos dos
autores).
Existem outros planos linguísticos, dentre eles estão o plano morfemático, que é
formado por signos linguísticos que, quando combinados entre si, desempenham diferentes
funções. A menor unidade portadora de significado é o morfema. O plano lexical ou
lexemático compõe-se de signos linguísticos relativamente autônomos, isolados. As unidades
são lexemas, tanto palavras compostas de um ou vários morfemas, como também os grupos
de palavras. No plano sintático as unidades básicas são os grupos de palavras e as frases.
Essas unidades no plano lexical são colocadas em relação entre si e também as unidades
sintáticas menores relacionadas com as maiores; o plano textual e discursivo são compostos
29

por resultados de ações comunicativas ou textemas. (Grifos dos autores) VILELA E KOCH
(2001, p.20-21).
A gramatica tradicional que era para ser apenas uma forma de usar a língua foi se
generalizando e fazendo com que acreditássemos que devíamos usá-la em toda situação.
Como afirma BAGNO (2001, p. 17): “A GT sai „colonizando‟ todo o resto, criando um
império de ideias, noções e preconceitos sobre o que é ou não é „língua‟ [...]”. O que vemos
hoje é um ensino de língua Portuguesa pautado na escrita, pois a gramática impõe isso. O
referido autor ainda conclui que “ao se dedicar exclusivamente a língua escrita, a GT deixou
de fora toda a língua falada”. Isso se deveu a sociedade elitista que detinham todo o poder, era
uma cultura letrada, e por isso ditavam as normas do que a população inteira deveria fazer, em
todos os aspectos da vida social. A gramática tradicional foi criada para servir de regras para a
escrita literária, mas passou a ser usada para regras de todo e qualquer uso linguístico. (p.16-
18).
Os docentes precisam ter conhecimento do surgimento da gramática e saber que ela se
originou muito depois da língua, por isso não há motivos para a gramática se sobrepor a
língua. Já que esta é um produto inato e a gramática é só um sistema de regras que
escolhemos quando usar. Diante disso, percebemos que o papel que a gramática tem hoje na
escola é igual ao daquela época, que era de repassar as regras da língua culta para o povo.
Como consequência a gramática é considerada hoje a língua verdadeira e oficial. Quem não a
segue em todas as situações é discriminado por aqueles que não possuem conhecimento
linguístico.

2.3 O ENSINO DA GRAMÁTICA

A gramática escolástica hoje é retomada por algumas correntes linguísticas que


criticam essa metodologia retrógrada, pois o ensino desta não tem contribuído para que o
objetivo de ampliar a competência comunicativa dos alunos seja alcançado. Segundo Bechara
(1986, p. 34) o ensino de língua materna passou pelos gregos, romanos na Idade Média e no
Renascimento, e até hoje é sempre confundido com a aprendizagem da gramática ensinada na
escola. Iremos tomar conhecimento das deficiências que o ensino traz por considerarem a
gramática a única forma de usar a língua.
30

A função da escola, mais precisamente do ensino de língua portuguesa, é ensinar o


aluno a ler e escrever. Para chegar a esses objetivos os professores prescrevem que é preciso
seguir as normas da gramática, esta última passa a ser protagonista da história, fazendo com
que os objetivos iniciais do ensino sejam esquecidos.
Sobre o estabelecimento desse ensino gramatical na escola, Bechara (1986) diz que a
escola através do aprendizado da gramática procurava ensinar a língua materna e as
estrangeiras. Os alunos aprendiam mais a língua que não era natural do que as regras
gramaticais. “Esse ensino acabava dando frutos entres os alunos, muito mais pela participação
consciente e adesão a um sistema linguístico diferente daquele a que poderíamos chamar
natural, do que pela manipulação das regras e conceitos aprendidos na aula de gramática”
(BECHARA, 1986, p. 35).
A gramática não faz do aluno um conhecedor de sua língua, pois a língua que ele usa
apresenta diferenças da que é ensinada na escola. Sobre esse equívoco, Bechara (1986, p.39)
diz que o estudo da gramática tendo fim em si mesmo, não ministra alunos, através do
conhecimento das normas gramaticais, o conhecimento da língua, muito menos a habilidade
expressiva.
Toda essa valorização da gramática nas aulas se deu, segundo Antunes (2001, p.41),
pela ideia de que gramática e língua são confundidas e tidas como sendo a mesma coisa.
Assim, a escola ensina a gramática como se estivesse ensinando a língua. A gramática é
apenas uma das partes que constitui a língua e que a regula através das regras estabelecidas na
ortografia.
Entretanto, é quase impossível, no ensino de língua portuguesa, não pensar na
gramática, ao deparar com a necessidade de estudar a leitura e a escrita, por isso atribuímos
involuntariamente o aprendizado desses dois ao aprendizado da gramática. Supõe-se que o
mesmo ocorre com os professores que por não possuírem formação adequada, acreditam que
para dominar a língua é preciso saber a gramática, resultando no fracasso linguístico dos
alunos, que não estudam a língua em seu funcionamento, mas estudam a gramatica isolada.
Mas, o estudo da gramática deve acontecer, pois o aluno conhecendo as estruturas da
língua irá utilizá-la de maneira mais consciente (LIMA, 2006). Todavia, esse ensino não deve
ser precipitado como vem ocorrendo. Como declara BAGNO (1999, p. 52) “é claro que é
preciso ensinar a escrever de acordo com a ortografia oficialmente, mas não se pode fazer isso
tentando criar uma língua falada „artificial‟ e reprovando como „erradas‟ as pronúncias que
são resultado natural das forças internas que governam o idioma”. Esse ensino deveria ser
precedido pelo estudo da língua em suas verdadeiras condições de uso, com o objetivo de
31

proporcionar aos alunos o conhecimento e domínio das diferentes formas de comunicação,


incluindo as diferentes tipologias textuais existentes e não apenas a norma culta e sua
gramática, para que no “fim do processo” os mesmos sejam capazes de optar pela linguagem
que mais se adapte a situação vivenciada. Pois como esclarece FRANCHI (2006, p.24) “a
linguagem não é algo que se aprende ou que se faz: é algo que desabrocha e se desenvolve
como uma flor, que amadurece no curso dos anos[...]”.
É necessário que os alunos tenham conhecimento da natureza da linguagem, saber que
ela possui variações, e que a forma que eles falam não está errada. Entretanto, eles também
precisam aprender uma outra forma de usar a língua, por meio da norma culta, e, sobretudo,
devem saber que cada situação comunicativa requer um tipo de língua. E o ensino gramatical
não dá conta sozinho de alcançar o objetivo de ampliar a competência do aluno.
Como expõe Perini (2006, p. 27-28), ninguém conseguiu até hoje levar um aluno fraco
em leitura ou redação a melhorar seu desempenho apenas por meio do ensino gramatical.
Muito pelo contrário, tudo isso nos parece mostrar que entre os pré-requisitos para o estudo da
gramática estão, primeiro, uma habilidade de leitura fluente e, depois um domínio razoável da
língua padrão. Assim, para estudar gramática com produtividade, é preciso saber ler. Isso
exclui a possibilidade de se utilizar a gramática como um dos caminhos para a leitura.
O ensino deve partir do conhecimento gramatical, da língua materna que os alunos já
possuem, pois ao conviver com diversas pessoas que já estudaram e dominam a gramática, o
estudante aprende algumas regras, mesmo sem ao menos ter estudado elas ainda. O ensino
deve aprofundar esse conhecimento a partir do que o aluno já sabe sobre sua língua. O foco
do ensino de Português é na língua e na gramática, pois ambas andam juntas, uma
complementa a outra, já que estão intimamente ligadas. Não se deve ensinar apenas uma delas
de forma separada.
Para o docente mudar sua prática, ele deve ter consciência de que exercícios de análise
de frases soltas não contribuem em nada para que o aluno assimile os processos de leitura e
produção textual, e esse método tradicional se configura apenas em práticas que decodificam
a língua que, por consequência, torna a prática insignificante para a construção da
aprendizagem.
Vimos que a língua é concebida na tradição como uma estrutura rígida e invariável.
Mas, veremos a seguir, que a língua não é estável. Ela está em constante transformação e não
pode ser separada da sociedade. Embora Saussure tenha estudado a língua com o fim em si
mesma, outros pesquisadores descobriram que língua e sociedade são indissociáveis.
Portanto, abordaremos, a seguir, a possibilidade do ensino de português tratar da variação
32

linguística que é muitas vezes ignorada, simplesmente por falta de preparo do docente, que
não respeita a diversidade linguística dos alunos.
33

3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA X ESCOLA

A Língua em qualquer parte do mundo é falada de formas diferentes pelas pessoas, o


que a faz ser heterogênea. Assim, não existe uma única maneira de se falar em um país,
estado, região, comunidade, pois cada pessoa usa a língua de maneira própria, que é
determinada por fatores sociais, pela faixa etária, sexo, grau de escolaridade, entre outros
fatores. Esse fenômeno é conhecido por variação linguística, no qual língua e sociedade não
se separam.
A sociedade está intimamente ligada à língua, pois na comunicação tem que haver a
relação entre as duas. Esta relação está ligada, de acordo com Alkmim (2001, p.23) à
determinação do objeto da Linguística. Assim, essa ciência foi importante na questão da
relação linguagem-sociedade com a introdução do estudo de Saussure, que concebe a língua
como um fenômeno em si mesmo, que não está relacionada com o social, cultural e histórico.
Posterior a isso, surgiram trabalhos que identificaram que a língua está intimamente vinculada
à sociedade. Assim como Bemuniste (apud ALKMIM, 2001, p.26) afirma, a sociedade e o
indivíduo só existem pela língua. A língua é a manifestação concreta da faculdade da
linguagem. Dessa forma, é com a utilização da língua em sociedade que construímos a relação
com o meio e os homens, pois “língua e sociedade não podem ser concebidas uma sem a
outra.”

Qualquer língua, falada por qualquer comunidade exibe sempre variações.


Pode-se afirmar mesmo que nenhuma língua se apresenta como uma
entidade homogênea. Isso significa dizer que qualquer língua é representada
por um conjunto de variedades. ALKMIN (2001, p.33).

As variedades linguísticas presentes no nosso meio estão relacionadas a fatores que


influenciam a sua existência, são eles: fatores culturais, sociais, históricos, etc. Para o referido
autor, essas variedades se classificam em dois parâmetros básicos: a variação geográfica
(diatópica) e a variação social (diastrática).
A variação geográfica está relacionada às diferenças linguísticas que fazem parte do
espaço dos falantes de origens distintas. Nessa variação, em cada região de um determinado
país, por exemplo, os usuários da língua falam diferente dos outros que não moram no mesmo
espaço. Por exemplo, o pão francês em alguns estados é conhecido por cacetinho,
34

carioquinha, pão aguado, pão de sal etc. Ou seja, em cada espaço geográfico, como o estado
ou região do país, a língua apresenta variações.
A variação social, segundo Alkmim (2001, p.34), relaciona-se com fatores de classe
social, idade, sexo, situação ou contexto social, relacionado com a identidade dos falantes e
com a organização da comunidade da fala. Ou seja, a língua pode variar quando é falada por
um homem ou por uma mulher, por um jovem ou por um idoso, por uma pessoa alfabetizada
ou por uma não-alfabetizada, por uma pessoa de classe alta ou classe baixa.
Dentro dessa variação encontram-se outros tipos de variações, entre elas podemos
destacar: a variação histórica, a regional e a situacional. A variação histórica corresponde a
mudança da língua no decorrer do tempo. Há transformações no som, na pronúncia, forma, e
no significado, pois a língua está sempre se renovando, uma vez que ela acompanha o
processo de mudanças no contexto social. A variação regional são as diferenças que uma
língua apresenta nas diversas regiões em que é usada. Uma língua, como o português, é usada
em todo o território do nosso país, mas em cada região ela apresenta particularidades: o nível
de escolaridade, por exemplo, uma pessoa analfabeta não usa palavras formais, ao contrário
de uma pessoa escolarizada. A variação situacional ou estilística, por sua vez, corresponde aos
usos das diferentes variedades linguísticas de acordo com a situação. Por exemplo, ao
participar de uma entrevista, não podemos usar a mesma linguagem que usamos em casa ou
no bate-papo das redes sociais, como o facebook.
Segundo Alkmim (2011, p.40), existem também as variedades de prestígio e
variedades não prestigiadas nas sociedades. Assim, existe uma variedade padrão que é mais
valorizada, requerida em situações formais, e que é mais imposta em todos os contextos pelas
pessoas que a dominam. É por meio da fala, inclusive, que acontece julgamento sobre a
identidade de um indivíduo, o seu grau de conhecimento, e principalmente a sua posição na
escala social. Por exemplo, quando alguém fala sem preocupação em usar a norma-padrão,
logo é vista como uma pessoa “burra”, sem conhecimento, já por outro lado, se alguém falar
de acordo com o padrão da língua, esta é imediatamente valorizada e imagina-se que tem boas
condições financeiras. Existem variedades que são tidas como superiores à outras, vistas
inferiormente. Para Camacho (2011), a variante padrão ou de prestigio é aquela que adquire
valor na sociedade pelo poder e autoridade que os falantes possuem nas relações. O autor cita
como exemplo a marca do plural no sintagma nominal, que é tida como detentora de prestígio
social, enquanto a ausência dessa marca é conhecida como não padrão ou estigmatizada.
Existe o preconceito que reforça a existência de apenas uma língua, na qual devemos
se espelhar quando formos interagir com o outro, a língua padrão, de modo que a tradição
35

preconiza seu uso em todas as situações, até mesmo as que não são exigidas uma linguagem
mais formal. Neste caso, quando alguém fala “pranta” e alguém rir dessa forma de falar, por
exemplo, está cometendo o preconceito linguístico.

O preconceito linguístico está ligado, em boa medida, à confusão que foi


criada, no curso da história, entre língua e gramática normativa. Nossa tarefa
mais urgente é desfazer essa confusão. Uma receita de bolo não é um bolo, o
molde de um vestido não é um vestido, um mapa-múndi não é o mundo...
Também a gramática não é a língua.(BAGNO, 1999, p.09).

Alkmim (2011, p.40) ressalva que a variedade padrão não é como todos pensam, ou
seja, que é a língua verdadeira, original. Essa variedade é resultado dos modos de falar
selecionados entre os vários usos existentes numa comunidade, de outro modo, é resultado do
estabelecimento de um conjunto de normas que definem o que é “correto” na fala. São fatores
históricos, políticos que provocam o prestígio à determinadas variedades regionais,
alimentando a rejeição em relação a outras variedades. Portanto, a responsabilidade é da
escola de combater esse preconceito. (BORTONI, 2004, p.34).
Não existe uma maneira certa e outra errada de usar a língua, o que existe é a
adequação desta a cada situação comunicativa. A variante que o usuário irá se utilizar é a
variação estilística. Nesse aspecto, Alkmim (2001, p.38) esclarece que “os falantes
diversificam sua fala – isto é, usam estilos ou registros distintos – em função das
circunstâncias em que ocorrem suas intenções verbais”.
Para Alkmim (2011, p.41), a avaliação social das variedades é feita em todas as
comunidades de fala. As pessoas usam termos como língua inferior para referir-se as línguas
que não estão de acordo com a norma. Mas, a autora confirma que “toda língua é adequada à
comunidade que a utiliza, é um sistema completo que permite a um povo exprimir o mundo
físico e simbólico em que vive.”
Essa discriminação com a língua materna é cada dia mais reforçado pela mídia, pela
escola, pelos livros didáticos e o ensino tradicional. Esse preconceito que nos rodeia, a
respeito do uso da língua que fazemos, é antes de tudo social. A língua padrão é vista como
meio para crescer socialmente, para se ter status e alcançar sucesso e prestígio na sociedade.
Quem não a utiliza é desvalorizado e estigmatizado.

As circunstâncias da aquisição dessa ou daquela forma linguística, do


controle dessa ou daquela pronúncia só aparentemente são linguísticas. A
competência que se encontra por trás desse domínio é uma competência
36

social, assim como são sociais os benefícios que se pode extrair


dela.(CALVET, 2002, p.80).

Um exemplo de variante que sofre bastante preconceito linguístico é a do nordestino.


Dizem que o sotaque das pessoas do local é feio, errado, que não sabe falar direito, é “burro”,
etc., como também outras regiões são afetadas por esse tipo de preconceito. Mas há
explicações para a existência dessas variedades, dentre elas está o fato de o Brasil ter sofrido
influências dos imigrantes de outros países, e eles tiveram participação na construção de nossa
identidade, inclusive linguística. Portanto, as palavras que são consideradas “erradas” nos dias
de hoje, em uma determinada época não eram, pois as línguas mudaram e estão em constante
transformação por causa de fatores culturais e históricos. Assim, o que é considerado errado
hoje, amanhã pode não ser mais.
Para Antunes (2001, p.104), a variação linguística é normal e existem não porque as
pessoas não sabem falar ou são ignorantes, mas porque as línguas são fatos sociais. A língua
sofre influências de diversos fatores que constroem suas características. Ainda para a referida
autora, a norma da região de cada um é uma marca de identidade de seu grupo. Assim, mudar
a fala própria dos falantes é descaracterizá-los, tirando a sua originalidade.

3.1 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO: A POSSIBILIDADE DE MUDANÇAS

A sociedade está em constante transformação juntamente com a língua. Assim como a


sociedade, as línguas também mudam. Mas, de acordo com o ensino normativo, a língua
continua a mesma, e o ensino ainda não reconheceu isso e continua com a velha visão
tradicional de que a língua é aquela que a gramática prescreve, como uma estrutura de regras
definitivas.
A ineficiência da abordagem prescritivada língua provoca inúmeros entraves dos quais
podemos citar: repugnância nos alunos por trabalhar fora do contexto deles, o que acaba os
assustando, pois são muitas regras, as quais são impossíveis de aprender-se todas; a prescrição
de que a gramática é a língua que os alunos deviam aprender, o que provoca o esquecimento
da língua que o aprendiz traz consigo quando entra na escola; a exclusão social, pois para
poder viver na sociedade a escola exige que o aluno fale sempre de acordo com as regras
gramaticais, e por ele não saber dominar as regras, acaba ficando quieto e sem participar das
37

atividades sociais, levando este a falar pouco para errar menos, pelo receio de não saber se
expressar.
Partindo do pressuposto de que a língua é variável e está relacionada a fatores sociais,
buscaremos abordar a possibilidade de se trabalhar com a variação contraposta com o ensino
tradicional de língua portuguesa, que enfatiza a norma-padrão, no qual os docentes devem
revisar o método de ensino, passando a valorizar a diversidade linguística de seus alunos.

A tradição [...] na prática de quem educa [...] há somente uma língua correta
e eficaz a todas as circunstâncias de interação, que se define como norma.
Essa variedade de linguagem é, com efeito, uma forma institucionalizada de
imposição e que, por isso, adquire o direito de ser a língua, restando às
demais variedades cuidados repressivos. (CAMACHO, 2001, p. 68).

Assim, o ensino se baseia na dicotomia do certo e do errado para selecionar a melhor


língua, estigmatizando aquela que é o bem cultural e a identidade de um povo, a sua variedade
linguística. “[...] Ao impor um modelo de linguagem, sem nenhum direito à apelação, com
exclusividade e em substituição à variedade que o aluno já domina, como se simplesmente
nada dominasse, a escola parece simplesmente ignorar a variação linguística.” O ensino
tradicional quer substituir a variante não-padrão que o aluno traz consigo, pela variante
padrão. Mas, a Sociolinguística propõe conscientizar o aluno à adequação das situações de
comunicação, para isso é preciso repensar as práticas de ensino dos professores.
Segundo Bagno (1999, p. 15), o mito de que a língua portuguesa no Brasil é unificada
é prejudicial à educação, porque impõe uma norma linguística como se ela fosse a língua dos
160 milhões de brasileiros, sem levar em conta a idade, origem geográfica, a situação
socioeconômica, e o grau de escolarização, etc., pelo fato de não reconhecer a verdadeira
diversidade do português falado no nosso país. Por isso “achamos que português é uma língua
difícil: porque temos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós”
(p.35).
A escola ao querer tornar os alunos proficientes em leitura escrita, acredita que apenas
com o conhecimento das regras gramaticais eles conseguirão produzir textos de qualidade.
Mas o conhecimento da gramática não é suficiente em uma redação, pois o que será levado
em conta também são os conhecimentos do assunto abordado, a criatividade, a coesão e
coerência, e outros critérios. Assim, essas nomenclaturas da língua que persistem no ensino
parecem que querem formar professores de gramática, e não usuários eficientes da língua,
pois quem deve saber de todas as regras gramaticais é o professor de português, os alunos
apenas precisam ser bons usuários da língua.
38

O erro do ensino normativo é quererdar uma língua aos alunos, como se eles não a
possuíssem, como se eles entrassem na escola sem saber falar. A língua que o aluno possui é
ignorada pela escola que oferece uma língua ao usuário. Segundo Camacho (2001, p. 68), a
pedagogia da língua impõe um modelo de linguagem para substituir a variedade que o aluno
já domina, a escola ignora a variação linguística. Mas, “todo falante nativo de uma língua
sabe essa língua. Saber uma língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer
intuitivamente e empregar com naturalidade as regras básicas de funcionamento dela”.
(BAGNO, 1999, p. 35).
Sobre o ensino da variação, Faraco (2008, p.177) aponta que os livros abordam a
variação como um erro. A variação mais encontrada nos manuais é a geográfica, por ser a
mais fácil de ser trabalhada. O autor ressalta que esses fenômenos não são apresentados como
expressões das línguas pertencentes a comunidade de cada região.
No ensino, é trivial vermos professores corrigindo os alunos quando falam sua língua
materna por não estarem de acordo com a gramática. Mas essa correção não deve acontecer,
já que existem outros caminhos para mostrar que não está errado a maneira como o aluno fala,
mostrando que existe outra maneira de falar a mesma coisa. Para Bortoni (2004, p.37) os
“erros” de português que os professores acreditam que os alunos cometem, não é nada menos
que as diferentes variedades da língua. Essas diferenças estão entre as variedades usadas no
lar, como o uso da oralidade e a variedade ensinada na escola, pelo letramento.
A correção feita pelo professor não é uma atitude positiva, pois ele estará reforçando
que a língua que o aluno usa é errada. Uma forma de desconstruir o preconceito com as
variantes dos alunos é a intervenção do professor, como sugere Bortoni (2004, p.42): diante
do uso da regra não-padrão pelo aluno, o professor deve identificar e conscientizar a
diferença. Embora a identificação possa ser prejudicada pelo desconhecimento daquela regra,
mesmo que o professor a tenha em seu repertório, às vezes não a percebe na linguagem do
aluno. Quanto a conscientização, é necessário conscientizar o aluno sobre as diferenças para
que ele passe a monitorar seu estilo.
Essas intervenções no momento da fala do aluno devem ser feitas com muito cuidado
e no momento oportuno, pois como a referida autora diz, o trato inadequado pode levar à
insegurança, revolta e perda de interesse. Pois o professor não está ensinado para corrigir os
alunos sobre o que pode e o que não pode na língua, mas sim, segundo Bortoni (2004, p.78),
desenvolver a competência comunicativa dos alunos para que eles possam usar com
segurança os recursos de comunicação, para que se tenha um bom desempenho nos contextos
de interação.
39

Segundo Bagno (1999, p.107-108), o ensino tradicional não incentiva o uso das
habilidades linguísticas do aluno, não os deixam expressarem-se livremente, para que só
depois o professor possa corrigir suas falas ou produções escritas. Na verdade, o professor
interrompe a expressão natural com a atitude corretiva, por consequência cria um sentimento
de incapacidade e de incompetência no aprendiz. Assim, o professor deve mostrar a maneira
de se expressar bem em cada situação, em um contexto mais formal deve-se usar a língua
culta, e em uma situação informal, deve-se usar a língua sem preocupação com a gramática,
mas isso fica a critério do falante, ele quem escolhe como falar. Camacho (2011, p.72) diz que
a variedade padrão não precisa ser substituída. O professor quem deve fornecer aos alunos a
possibilidade de perceber as diferenças de valor social, e selecionar a mais adequada. “A
ciência linguística defende que o bom uso da língua é aquele que é adequado às condições de
uso”. ANTUNES (2001, p. 104)
A variação linguística é o bem cultural do povo, e não uma característica que faz uns
serem melhores ou piores que outros. Para Antunes (2001, p.109) o convívio com as
diferenças de expressão é uma oportunidade de se conhecer as variedades dos falares que
existem no país, sem valorizar mais uma do que outra, para gerar respeito às expressões dos
falantes.
Estudar a variante de cada região é necessário,na medida em que as pessoas estão
constantemente em contato com outras que não falam de maneira igual entre si. Então, para
que não aconteça o preconceito, nada melhor do que ter conhecimento sobre a variante do
outro, para conviver com as diferenças e aprender a respeitar o próximo.
Os PCNs (p.52)de língua portuguesa do ensino médio propõemas competências e
habilidades que:

Permitem inferir que o ensino de Língua Portuguesa, hoje, busca


desenvolver no aluno seu potencial crítico, sua percepção das múltiplas
possibilidades de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo
dos mais diversos textos representativos de nossa cultura. Para além da
memorização mecânica de regras gramaticais ou das características de
determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e
articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas
inúmeras situações de uso da língua com que se depara, na família, entre
amigos, na escola, no mundo do trabalho.

Assim, de acordo com os Parâmetros curriculares, o ensino deve desenvolver o senso


crítico, e o conhecimentodas diferentes formas de expressão da língua, capacitando o aluno
para a leitura de qualquer texto das diferentes culturas do país. Não devendo se concentrar
40

apenas nas regras gramaticais ou nos movimentos literários, sobretudo, deve-se desenvolver a
competência do aluno em agir com a língua nas diversas situações, formais ou informais.
Os PCNs (p. 54-55) ainda ressaltam que o desenvolvimento da competência não
acontece simplesmente pela memorização de regras de ortografia da gramática normativa ou
prescritiva. Mesmo que a abordagem gramatical esteja presente no ensino de línguas, as
sequências linguísticas, que o aluno já possui internamente e pela qual faz uso nas situações
cotidianas, devem ser consideradas. De forma a desenvolver, a partir dos níveis morfológico,
lexical e sintático da língua, as habilidades em conjunto para a aquisição de uma competência
gramatical mais abrangente.
A melhor maneira de estudar os usos da língua é por meio de textos, pois nossa
comunicação só se realiza com eles. O estudo do texto contribui significativamente para a
capacitação do aluno de usar a língua com mais eficiência em todas as situações, desde o
contexto formal ao informal, podendo ser textos orais ou escritos. Além de dar a oportunidade
de se trabalhar com as diversas variedades da língua. Segundo os PCNs (p.55):

Os textos são a concretização dos discursos proferidos nas mais variadas


situações cotidianas. O ensino e a aprendizagem de uma língua não podem
abrir mão dos textos, pois estes, ao revelarem usos da língua e levarem a
reflexões, contribuem para a criação de competências e habilidades
específicas. Entre elas: reconhecer, produzir, compreender e avaliar a sua
produção textual e a alheia; interferir em determinadas produções textuais
(por exemplo, em sua própria ou na de colegas), de acordo com certas
intenções; incluir determinado texto em uma tipologia com base na
percepção dos estatutos sobre os quais foi construído e que o estudante
aprendeu a reconhecer (saber que se trata de um poema, de uma crônica, de
um conto).

De acordo com os PCNs, o ensino eficiente da língua deve ser pautado nos estudos dos
gêneros textuais, já que a nossa comunicação só ocorre por meio destes. Deveriam ser
prioridade, já que possibilitam aos alunos o domínio de sua língua para depois dominar a
gramática desta, mas o inverso acontece e não se aprende efetivamente nenhum dos dois.
Portanto, deve-se explorar as variedades e refletir sobre a língua, conhecer seu
funcionamento e seu uso, pensando na sua adequabilidade dependendo de cada contexto.
Faraco (2008, p. 180) ressalta que o nosso grande desafio é construir um ensino de variação
linguística que valorize a realidade da língua do país, reconhecendo que ele é multilíngue,
sem tratar como estereótipo a variação, encontrar, portanto, a norma culta comum nas práticas
sociais, abandonar a valorização da norma-padrão, etc.
41

Para o referido autor, nós falamos um português que não é uniforme. Sua realidade é
diversificada tanto no espaço social e geográfico. Essa diversidade “constitui, [...] um
patrimônio histórico e cultural, um bem de que temos de nos orgulhar e não de nos
envergonhar: ela é um retrato de nossa história como sociedade”. (FARACO, 2008, p. 181).
É necessário que os docentes e professores em formação adotem uma postura
inovadora frente ao ensino de língua portuguesa, com o propósito de formar cidadãos
conscientes e críticos, frente a realidade da sociedade, de modo que eles possam se pronunciar
em qualquer situação sem receio de que não sabem falar. Ou seja, seguros, portanto, de que
estão usando a língua adequada para o contexto.
Diante disso, é dever da escola levar o aluno à compreensão da essência heterogênea
da língua. A missão do professor de língua materna é transformar o seu aluno em alguém
capaz de produzir e compreender todas as variantes da sua língua e saber escolhê-las
adequadamente. Eles também devem levar a conscientização de que a variedade padrão tem
um certo valor e prestígio na sociedade. Portanto, não devem reforçar esse preconceito, mas
ajudar a descontruir.
Percebe-se o esforço das instituições, dos PCNs, quanto a reorientação no ensino de
língua por uma escola mais integradora e eficiente. Mas ainda não está sendo o suficiente, é
necessário um maior empenho da escola, do professor e da própria elaboração dos livros
didáticos para um ensino mais contextualizado. Apesar das mudanças já feitas, a escola ainda
não é capaz de formar leitores adequados, nem pessoas para se expressarem coerentemente.
42

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Travaglia (2009, p.21), a maneira como o professor concebe a natureza


fundamental da linguagem e da língua altera em muito a estrutura do trabalho com a língua e
o seu ensino. Saber o que é a linguagem é tão importante quanto a postura que se tem diante
da educação.
Língua e gramática não se equivalem, por isso o ensino de português não pode se
constituir apenas em lições de gramática. Com o enfoque das concepções de língua e
linguagem, percebemos com os avanços dos estudos nessa área que a nossa língua deve ser
uma atividade interativa, considerada como prática social dentro da realidade dos falantes.
Os docentes precisam ter conhecimento do surgimento da gramática e saber que ela se
originou muito depois da língua, por isso não há motivos para a gramática se sobrepor a ela, já
que esta é um produto inato e a gramática é só um sistema de regras que escolhemos quando
usar. Diante disso, percebemos que o papel que a gramática tem hoje na escola é igual ao da
época do surgimento dessas normas. Como consequência disso, a gramática é considerada
hoje a língua verdadeira e oficial. Quem não a segue em todas as situações é discriminado por
aqueles que não possuem conhecimento linguístico sobre variação.
Sem dúvida, a Linguística trouxe noções essenciais para nossa compreensão de que
todo falante tem a capacidade de produzir frases criativas, apenas com a ajuda da gramática
interna, ou seja, todo usuário domina sua língua, diferente da ideia do ensino normativo que
estabelece que os alunos devem aprender uma nova língua.
Ainda assim, percebe-se que a cultura dominante prevalece até mesmo no ensino, o
qual é norteado a ensinar a língua prestigiada. Assim, o ensino continua prescrevendo a norma
padrão, perpetuando um dos mitos de que é preciso saber gramática para falar e escrever bem.
A solução possível para que o ensino normativo da gramática deixe de imperar na
escola, seria a atuação do professor, como formador de opinião, tentando combater o
preconceito linguístico e não alimenta-lo. Um passo importante a ser tomado seria refletir
com os alunos acerca da variação linguística e desprender-se dessa tradição falha. Deve-se
conscientizar que língua e gramática não são a mesma coisa, e repassar essa verdade para os
alunos. Mas, não se propõe excluir a gramática do ensino de língua, mas mostrar que ela
sozinha não é suficiente para formar falantes competentes. “Se tivermos de incentivar o uso
de uma norma culta, não podemos fazê-lo de modo absoluto, fonte do preconceito. Temos de
43

levar em consideração a presença de regras variáveis em todas as variedades, a culta


inclusive”. (BAGNO, 1999, p. 51).
44

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