Práticas de Ensino para A Educação Especial Numa Perspectiva Inclusiva

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Práticas de Ensino para a

Educação Especial Numa


Perspectiva Inclusiva
1. Conceitos Gerais em Educação Especial 5
O que é deficiência? 6
Ter uma deficiência é necessariamente
ter uma incapacidade? 7
O conceito de deficiência é uma
invenção dos tempos modernos? 9
Como tratar pessoas com deficiência
independentemente do rumo da história? 10

2. Origens da Educação Especial 13


Quais as origens da educação especial? 13
Há boas oportunidades de educação
especial disponíveis? 16

3. A Educação Especial Atual 19


O que é a educação especial? 19
Quem fornece os serviços
de educação especial? 20
Oportunidades para um século XXI melhor 20

4. Por que a Educação Especial se Tornou Polêmica? 26


Preocupação: A educação especial
é ineficaz e desnecessária? 27
Preocupação: A educação especial
segrega os alunos com deficiência do
convívio com colegas sem deficiência? 27
Preocupação: A educação especial
inclui muitos alunos? 28
A educação especial é muito onerosa,
aumentando exageradamente as
despesas das escolas estaduais,
municipais e distritais? 29

02
Preocupação: A educação especial
torna-se onerosa quando os funcionários
de escola têm que lidar com
comportamento difícil ou violento de alunos? 31

5. O Lúdico na Prática Pedagógica com


Crianças com Deficiência Intelectual Moderada 33

6. Referências Bibliográficas 37

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04
PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

1. Conceitos Gerais em Educação Especial

A pesar de resultados significa-


tivos alcançados por crianças
com deficiências e por suas famílias,
crianças com deficiências e com
problemas escolares também têm
aumentado.
a educação especial tem sido criti- Embora não haja consenso em
cada há algum tempo como sendo relação às atitudes a serem tomadas
imoral, ineficaz, racista, onerosa e para enfrentar os problemas da
injusta. As críticas advêm de várias educação especial, muitos profissio-
frentes - políticos, familiares de alu- nais, membros da imprensa e da
nos com deficiências, pessoas com comunidade de pessoas com defici-
deficiências, membros da imprensa ência acreditam que os entraves
e toda a comunidade da educação. possam ser superados. Responder
Debates sobre a eficiência da inteligentemente a tais questões
educação especial – quem deveria exigirá reflexão, assim como um
recebê-la, como e onde ela deveria debate dirigido.
ser implementada e quem deveria Em um primeiro olhar, muitas
implementá-la – ganham força. Pre- questões parecem simples e diretas,
ocupações relativas ao número de mas resista à tentação de ser

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

enganado por essa ilusão. Elas são ponto de partida é pensar sobre o
complicadas e complexas. Resista à conceito de deficiência e sobre os
tendência de pensar em “preto no desafios que ela pode apresentar.
branco”, de supor que todas essas
questões podem ser respondidas O que é deficiência?
com “sim ou não” e de esperar por
debates que convencionem clara- É possível pensar que para a
mente “este ou aquele lado”. Lem- pergunta “O que é uma deficiência?”
bre-se que pessoas e culturas têm haja uma resposta simples e direta.
diferentes visões sobre questões Mas não há. Nada é absoluto na
complexas. condição humana, nem mesmo to-
Nenhum de nós vive, de fato, dos os conceitos são compatíveis
em um mundo em preto-e-branco; através das culturas. Muitas respos-
em muitos aspectos, vivemos em tas foram sugeridas para resolver
“cinza e em espaços em branco”. esse impasse. As definições de defi-
Como Hungerford sabiamente salie- ciência divergem em razão das dife-
ntou, há mais de 50 anos, “apenas o renças entre atitudes, crenças, ori-
destemido considera o cinza em entação, áreas de estudo e cultura.
relação ao que não podemos explicar Por exemplo, variadas áreas de estu-
com facilidade”. Pare um momento do oferecem definições diversas de
para ponderar todas as possi- deficiência, e algumas delas incluem
bilidades de quanto tempo você análise das características comuns
dispende de sua vida acadêmica no de um grupo de indivíduos (por
desenvolvimento de um enten- exemplo, habilidades cognitivas e
dimento próprio sobre educação comportamentos estereotipados).
especial, sobre os alunos e as Outras definições têm uma visão
famílias aos quais ela atende. Ao mais sociológica e divergem em sua
examinarmos tais aspectos impor- construção social – mais como uma
tantes, não vamos perder de vista o função do sistema social do que
fato de que estamos refletindo sobre individual.
pessoas, que são importantes Não só as interpretações sobre
membros da sociedade. o conceito de deficiência variam,
Para ser um participante ativo mas também as opiniões em relação
na busca de resultados para os à frequência com que a deficiência
alunos com deficiências, é neces- prejudica a habilidade da pessoa na
sário entender os serviços de que vida em sociedade. Alguns conceitos
eles e suas famílias precisam. Um de deficiência sustentam que ela

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

desapareceria se a sociedade fosse comum – incomum, usual – excep-


organizada de outra forma. Evi- cional. Os termos que usamos
dências de outras culturas, como refletem o que pensamos sobre as
muitas culturas indígenas, confir- deficiências, posicionando-nos fren-
mam essa posição. Por que a reação te aos indivíduos envolvidos.
à deficiência não é a mesma entre as
culturas? Alguns estudiosos dizem Ter uma deficiência é
que o conceito de deficiência é uma necessariamente ter uma
necessidade política e econômica de incapacidade?
sociedades que requerem uma es-
trutura de classes. Outros não Nós aprendemos nos movi-
aceitam a posição de que a mentos de direitos civis, na década
deficiência é o resultado de uma de 1960, que a discriminação e o
sociedade estratificada e rejeitam a preconceito podem “segregar” gru-
ideia de que todos devem ser pos de indivíduos ou mantê-los
tratados do mesmo modo. De acordo participando ativamente na socie-
com Jim Kauffman, uma neces- dade. Um debate sobre a relação
sidade extrema por “semelhança” entre deficiências e incapacidade
nos leva a minimizar a deficiência, não é apenas primordial, como
talvez até a negar sua existência. também é interessante e conveni-
Outra explicação refere-se à neces- ente. A maneira como as pessoas são
sidade de as pessoas focarem o tratadas pode limitar sua indepen-
conceito de “diferença” e de fazerem dência e suas oportunidades. No
julgamentos de valor. Ainda uma entanto, estamos ainda preocu-
outra explicação sobre o modo como pados com o fato de os termos
as pessoas com deficiências são deficiência e incapacidade serem ou
tratadas na sociedade refere-se à não sinônimos. Se eles são sinô-
discriminação institucional e ao nimos, deficiência pode então ser
preconceito. vista como uma diferença, uma
Nem sempre questões simples característica que coloca um indi-
têm respostas simples. Pense sobre víduo à parte de todos os outros,
estes pontos, comparando os termos algo que o torna ou menos capaz ou
frequentemente usados para descrê- inferior. Muitas profissões (medi-
ver a deficiência ou referir-se a ela: cina, psicologia) definem a defici-
capaz – não-capaz, normal – anor- ência como um desvio de um mo-
mal, típico – atípico, perfeito – delo, ou seja, há um contraste entre
defeituoso, funcional – disfuncional, a maioria da população, que é

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considerada normal, e o deficiente, gem oral e na de sinais. Geração


que é colocado à parte. Nessa visão, após geração, a prevalência de
é a deficiência que restringe a habi- surdos na ilha aumentou de modo
lidade do indivíduo de alcançar seu excepcional, na proporção de 1:4 em
potencial, em vez de o indivíduo uma pequena comunidade e de 1:25
estar em desvantagem pelas atitudes em outras. Provavelmente, em razão
da sociedade. E o que dizer dos da alta taxa e incidência de surdez
indivíduos superdotados com talen- em quase todos os membros de uma
tos excepcionais e com intelecto família, as pessoas surdas não eram
notável? A atitude das pessoas tratadas como deficientes pela co-
frente às suas diferenças coloca-os munidade do continente. Elas eram
em desvantagem e os impede de integradas à sociedade em todas as
desenvolver seu potencial? atividades e nas situações de lazer.
Há algumas evidências que Logo, quais eram os resultados
podem ajudar na solução deste dessa integração e da adaptação da
dilema, ou podem complexificá-lo sociedade às necessidades das pes-
ainda mais. Podemos citar por soas com essa deficiência, em vez da
exemplo o caso dos primeiros habi- adaptação das pessoas com defici-
tantes de Martha’s Vineyard, de ências ao modo de vida daqueles
americanos surdos que não eram sem deficiências? Os indivíduos
estigmatizados por seu grupo social. eram livres para se casar com quem
Sem o fardo dos preconceitos, eles desejassem. Das pessoas Surdas de
tinham experiências de sucessos e Martha’s Vineyard nascidas antes de
insucessos, similares a qualquer ou- 1817, 73% casaram-se, em contraste
tra pessoa, mostrando que a manei- com os 45% de pessoas surdas ame-
ra como as pessoas são tratadas ricanas. Apenas 35% dos Surdos de
influencia sua vida. Vineyard casaram-se com outras
Os moradores de Martha’s pessoas surdas, comparados com
Vineyard vieram de Kent, Inglater- 79% de surdos do continente. De
ra, no século XVII. Aparentemente, acordo com registros de pensões,
eles carregavam consigo genes eles, em geral, tinham rendimentos
recessivos da surdez e a habilidade médios ou acima da média, e alguns
de usar a linguagem de sinais. se tornavam profissionais bastante
Pessoas com audição normal viviam prósperos. Esses indivíduos tam-
na ilha, eram bilíngues e desde bém eram ativos em todos os
muito cedo desenvolviam, ao mês- aspectos nas tarefas da igreja. As
mo tempo, habilidades na língua- pessoas surdas tinham algumas

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vantagens em relação a vizinhos e tha’s Vineyard foi uma aberração.


membros não-surdos da família. Ela é tão peculiar, que não devemos
Eles tinham melhor educação do tomá-la como base para outras situ-
que a população em geral, porque ações? Talvez a história fosse
recebiam assistência educacional diferente se os primeiros habitantes
para frequentar a escola para surdos tivessem uma deficiência cognitiva
em Connecticut. De acordo com de causa genética em vez de surdez.
registros de seus descendentes, Logicamente, o que aconteceu em
eram capazes de ler e escrever e há Martha’s Vineyard não foi comum.
numerosos registros sobre pessoas De qualquer forma, o que você deve
não-surdas que pediam a seus considerar é o modo como você
vizinhos surdos que lessem ou desenvolveu sua visão sobre defici-
escrevessem algo para elas. ência, o significado, os impactos e as
implicações na responsabilidade so-
cial. Pensando sobre tal experiência,
é possível que a deficiência e a
resposta para ela – educação
especial – sejam fenômenos do
século XX?

O conceito de deficiência é
uma invenção dos tempos
modernos?
A vida dos habitantes ingleses
de Martha’s Vineyard mostra como A resposta para a pergunta é
a surdez, deficiência historicamente bastante direta: não. Há muitas
considerada muito séria, não afetou evidências de que as deficiências
a rotina ou as realizações daqueles fazem parte da condição humana.
que moravam na ilha. Por mais de Os primeiros registros escritos
uma centena de anos, a vida nesse apresentam apontamentos sobre a
ambiente relativamente restrito e existência de pessoas com defici-
confinado foi muito normal tanto ência. Algumas, particularmente as
para os que tinham como para os que eram cegas, surdas, “um pouco
que não tinham tal deficiência. excêntricas”, ou as que se tornaram
Hoje em dia, contudo, deficientes depois de adultas foram
devemos avaliar se a experiência dos consideradas em tais registros. Na
primeiros habitantes da ilha Mar- verdade, alguns (como o antigo

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

poeta grego – Esopo – que era cego) em palácios e cortes reais na Idade
foram respeitados como sábios. Média e na Renascença. Embora
“Lições Morais de Esopo” ou “Fá- pensemos que eles eram tratados
bulas de Esopo” são lidas ainda hoje injustamente, pois tinham a função
nas escolas. É possível que as defi- de proporcionar diversão para a
ciências não sinalizem um problema realeza, eram, na verdade, prote-
social que mereça atenção? Talvez o gidos e viviam em melhores com-
fator relevante não seja a existência dições que pessoas comuns daquela
das deficiências, mas, ao contrário época. Era costumeiro deixar crian-
disso, como as pessoas reagem a ças com deficiência nas florestas ou
elas? Se todos são tratados da atirá-las no rio. Para muitos que
mesma maneira e podem desen- chegaram à idade adulta, o trata-
volver seu potencial com pouco mento era cruel. Balbus Balaesus, o
auxílio, talvez a sociedade, assim Gago, que viveu na Roma antiga, foi
como nós, esteja gastando energia preso e colocado em exibição na
onde não é necessário. Então, estrada Appian a fim de divertir os
examinemos como as pessoas com viajantes que achavam engraçado o
deficiência têm sido historicamente seu modo de falar. Algumas pessoas
tratadas. Essa análise pode nos eram internadas em hospícios ou
ajudar a entender melhor a natureza monastérios; outras eram julgadas
das deficiências e a situação em que bruxas, pois acreditava-se que esta-
essas pessoas se encontram. vam possuídas por demônios.
Você talvez cogite a ideia de
Como tratar pessoas com que tais acontecimentos fazem parte
deficiência independente- da antiguidade. Atualmente, muitas
pessoas com deficiência são incluí-
mente do rumo da his- das no convívio social. Elas têm a-
tória? cesso a prédios públicos, encontram
acomodações adaptadas quando
A resposta é inconsistente e viajam e assumem papéis ativos na
desfavorável. Como você já obser- sociedade. Infelizmente, a história
vou, exemplos da forma de trata- moderna não oferece só bons
mento humano podem ser docu- exemplos. Em meados do século
mentados. Temos, a partir de então, passado, a Alemanha nazista enviou
uma outra perspectiva a ser com- milhões de judeus, de pessoas com
siderada: pessoas com deficiência deficiência e de membros de outros
apresentadas como “bobos da corte” grupos perseguidos para a morte

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

nos campos de concentração. Isso considerado uma deficiência


foi há mais de 50 anos; você pode grave em uma sociedade talvez
achar que nada parecido ocorra não impeça os esforços de uma
pessoa no desenvolvimento de
ainda. Todavia, muitos casos docu-
seu potencial em outra.
mentados de abuso e abandono de
 As deficiências sempre exis-
crianças com deficiência ocorrem tiram. Elas não são criação ou
ainda hoje. Muitos relatos, sobre- fenômeno da sociedade atual.
tudo no Terceiro Mundo e em países  A situação é terrível para
em desenvolvimento (incluindo muitas crianças com deficiên-
membros da ex-União Soviética), cia, e o tratamento cruel com-
revelam as péssimas condições dos tinua ainda hoje.
orfanatos e das instituições onde
crianças com deficiência são man-
tidas até a sua morte. Contudo, o
tratamento desumano em relação às
pessoas com deficiência não é um
problema crescente apenas fora do
nosso país. Pense sobre adultos com
doenças mentais que recebem pouca
assistência, perambulam pelas ruas
e são presos por pequenos delitos.
Ao construir um conceito de
deficiência, pense a respeito das
informações que você pode usar
visando à defesa de soluções eficazes
e considere quais programas edu-
cacionais incluir, lembrando-se do
seguinte:
 A definição de deficiência é
variável porque as pessoas não
compartilham de atitudes,
crenças, orientações, valores e
culturas iguais. Logo, não há
uma natureza absoluta para a
deficiência.
 Preconceitos e discriminações
influenciam os resultados das
pessoas, de modo que o que é

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

2. Origens da Educação Especial

E mbora muitos acreditem que a


educação especial tenha come-
çado nos Estados Unidos em 1975,
Em 1799, uma criança – que
provavelmente por ter deficiência
fora abandonada à morte nas flores-
com a aprovação da lei nacional que tas do sul da França – foi encontrada
agora é chamada de IDEA, na por alguns fazendeiros. Preocupa-
verdade, a educação especial come- dos com o bem-estar da criança,
çou há mais de 200 anos. descobriram um médico em Paris
especialista no tratamento de crian-
Quais as origens da edu- ças surdas. Levaram-na até ele: era
cação especial? Jean-Marc-Gaspard Itard, conside-
rado o pai da educação especial. O
A lenda sobre o começo da nome dado ao garoto por Itard foi
educação especial não é apenas fa- Victor. Por achar que o garoto era
mosa, mas também verdadeira! uma “criança selvagem”, intocada
pela civilização, o médico costumava

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referir-se a Victor como “o menino notórios com Victor. O garoto a-


selvagem de Aveyron”. prendeu muitas habilidades básicas
Era possível que o garoto na vida, mas nunca se tornou “nor-
tivesse um retardo mental, bem co- mal”. Victor foi incapaz de desen-
mo carências ambientais. Muitas volver a linguagem oral além de
pessoas achavam que não havia es- poucas palavras e não aprendeu
perança para o caso, mas Itard, todas as formas de comportamentos
acreditando na força da educação, socialmente aceitáveis. Itard pensou
responsabilizou-se pela tarefa de que havia falhado, talvez porque
ensinar a Victor tudo o que as seus objetivos eram irreais e tam-
crianças aprendiam, seja em casa bém porque Victor viveu longe dele,
seja na escola. Ele, com cautela, em outro estado, com uma empre-
usou técnicas de desenho para gada doméstica que o assistia.
ensiná-lo a falar algumas poucas Ainda que Itard não tenha
palavras, andar na posição vertical, avaliado positivamente seus grandes
comer fazendo uso de pratos e esforços com Victor, seu trabalho
talheres e interagir com outras semeou uma nova era para crianças
pessoas. com deficiência: anunciou o princí-
Felizmente, Itard escreveu um pio de um período positivo quando
relatório detalhado sobre suas téc- se pensou que a educação era uma
nicas e filosofias, bem como sobre o resposta aos problemas associados à
progresso de Victor. Muitas dessas deficiência.
técnicas são aplicadas ainda hoje na Edouard Seguin, um aluno de
educação especial. A seguir, estão Itard, trouxe tais ideais para os
elencados cinco objetivos da “edu- Estados Unidos. Seguin publicou,
cação moral e mental de Victor”: em 1846, The Moral Treatment, Hy-
1º objetivo: estimulá-lo para a vida giene, and Education of Idiots and
social. Other Backward Children, o primei-
2º objetivo: ampliar sua bagagem ro tratado de educação especial
intelectual. voltado às necessidades das crianças
3º objetivo: orientá-lo ao uso da com deficiência. Ele acreditou que
fala. os exercícios sensório-motores po-
4º objetivo: fazê-lo exercitar as diam ajudar no estimulo da apren-
operações mentais básicas. dizagem de crianças com deficiência
As medidas de sucesso são (uma crença que alternadamente
subjetivas. Atualmente, nós daria- ganha e perde popularidade desde
mos créditos a Itard pelos ganhos então). No ano de 1876, Seguin

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participou da fundação da maior e À medida que os esforços na


mais antiga associação profissional educação especial ganharam desta-
interdisciplinar no campo da defi- que nos Estados Unidos, ela se
ciência mental, que agora é chamada tornou popular na Europa. Na Itália,
de American Association on Mental Montessori trabalhou, inicialmente,
Retardation (AAMR). As atitudes com crianças que apresentavam
pouco a pouco mudaram. Os profis- deficiências cognitivas. Ela mostrou
sionais da área e o público que crianças pequenas eram aptas a
abandonaram a crença de que as aprender por meio de experiências
pessoas com deficiência deviam ser concretas, oferecidas por ambientes
evitadas e aderiram à ideia de que ricos em materiais manipuláveis.
elas deviam ser protegidas, cuida- Em 1817, Thomas Hopkins Gallau-
das, educadas, mesmo que esse ato det foi à Europa para trazer
significasse um extraordinário novamente aos Estados Unidos es-
esforço. pecialistas em educação de surdos,
Entende-se, desse modo, que com o objetivo de implementar o
elas devem ser libertadas, forta- modelo de programas de educação.
lecidas e habilitadas a assumir seu Samuel Gridley Howe, o famoso
lugar ao lado das pessoas sem defici- abolicionista e reformador ameri-
ência, mesmo que isso implique cano, fundou o New England Asy-
muito trabalho e inúmeros desafios. lum for the Blind (mais tarde,
Paul Marchant, da ARC (uma orga- Instituto Perkins), em 1832. Além
nização fundada pelos pais que disso, criou a Massachusetts School
buscam apoio para seus filhos com for Idiotic and Feeble-Minded
retardo mental), afirma que todos os Children em 1848.
locais de trabalho segregado deve- Continuamente, um estado
riam ser fechados, mesmo que os após o outro iniciou programas
indivíduos com deficiência prefiram educacionais para alunos com
trabalhar em lugares isolados. Ele deficiência. Muitos deles seguiram o
acredita nisso, ainda que alguns modelo de Howe e Gallaudet e fun-
adultos se sintam mais confortáveis daram escolas residenciais; outros
trabalhando com outras pessoas seguiram o modelo de Elizabeth
com deficiência, em lugares onde o Farrell (1898), promovendo progra-
ambiente oferece mais apoio e mas em escolas públicas. Os anos de
proteção, do que em ambientes 1800 foram movimentados e repre-
competitivos de trabalho. O que sentaram uma mudança efetiva nas
você acha disso?

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

atitudes relativas a muitos alunos lugar, não havia salas de aula


com deficiência e seus familiares. suficientes. Depois, muitas crianças
foram excluídas das escolas públicas
Há boas oportunidades de porque não preenchiam os requi-
educação especial disponí- sitos exigidos – não sabiam usar o
veis? banheiro, não andavam ou não
falavam. O que aconteceu com elas?
Como muitos de nós hoje, os Muitas ganharam espaço, de alguma
profissionais do final do século XIX forma, em suas comunidades, raras
acreditavam no valor individual dos vezes encontravam trabalho e
alunos, independentemente de suas viviam com seus pais. Outras entra-
necessidades especiais de aprendi- ram forçosamente no isolamento,
zagem. Eles foram preparados para segregadas em instituições. Com
trabalhar com seriedade na conquis- certeza, algumas morreram por falta
ta de uma realidade que envolvesse de cuidados, enquanto outras foram
todos os alunos. Percebeu- se, dessa escondidas por suas famílias, as
forma, que os professores da educa- quais temiam a discriminação e o
ção especial precisavam também de preconceito.
treinamento específico para desem-
penhar esta importante atividade. A
primeira oportunidade de treina-
mento para profissionais da área
aconteceu em 1905 em New Jersey,
na Training School for Feeble-
minded Boys and Girls. Em 1907,
um curso de verão sobre educação
especial, com duração de seis sema-
nas, custava US$ 25.
Todavia, a era do otimismo
não durou. As aulas nas instituições Embora as escolas-residências
públicas não eram comuns, e as criadas no final do século XIX
escolas-residências foram vistas tenham sido consideradas “educa-
como repressivas. Para uma última cionais”, elas se tornaram depósitos
avaliação sobre a educação de pes- onde pessoas eram isoladas da soci-
soas com deficiência, é aconselhável edade. Possivelmente, como ocorreu
entender as razões para essas com Itard, profissionais e público
mudanças de atitudes. Em primeiro em geral desiludiram-se com a edu-

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

cação especial, pois ela era incapaz Reconhecidamente, as atitu-


de “remover” deficiências, “curar” des modificaram-se durante os
crianças ou torná-las “normais”. últimos 50 anos. O fim da Segunda
Crianças com deficiência, pelo que Guerra coincidiu com um tempo de
se percebe, não eram dignas de mais oportunidades para todos os
investimento. Ao contrário disso, americanos, conduzindo-os, então,
eram vistas como uma fonte de ao movimento dos direitos civis nos
problemas: causa de crimes, eram anos de 1960 e aos movimentos a
um grupo que levaria a sociedade à favor das pessoas com deficiência na
falência. As crenças negativas sobre década seguinte. Surgiram, com
pessoas com deficiência continua- isso, preocupações sobre como
vam nas primeiras décadas do garantir um tratamento adequado
século XX. A educação básica era tanto para deficientes quanto para
obrigatória para crianças sem defi- superdotados.
ciência, mas aquelas que a possuíam
eram impedidas de ter acesso à
instrução. As justificativas apresen-
tadas para tal exclusão são cho-
cantes para os padrões atuais. O
Supremo Tribunal de um Estado
americano justificou a exclusão de
um garoto com paralisia cerebral,
sob a alegação de que ele “produzia
efeitos depressivos e nauseantes nos
professores e nas crianças”.
O preconceito contra pessoas
com deficiência resistiu até meados
do século XX. Os programas de edu-
cação especial em residências muda-
ram, deixando-se de oferecer educa-
ção intensiva. Do início do século XX
até o final da Segunda Guerra Mun-
dial, a proposta era proteger a
sociedade daqueles que eram
diferentes.

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

3. A Educação Especial Atual

A educação especial é um com-


ceito envolvente, o qual tem
sido descrito, definido e explicado
pode perceber por meio das his-
tórias sobre quem seria um “pro-
fessor ideal”, as percepções do papel
de muitas formas. Essas diferentes do educador mudaram com o
percepções sobre o que é a educação tempo. A educação especial podia
especial nasceu das experiências e também ser definida como um
das orientações de diversas pessoas. serviço ou como parte do apoio ao
Ela deve ser entendida como uma sistema educacional, na qual haveria
lista de passos para serviços e consultas a outros profissionais, ori-
resultados cada vez mais adequados entações e colaboração àqueles que
aos estudantes com deficiências. também lecionam e trabalham para
alunos com deficiência. Assim como
O que é a educação nós encontramos respostas para
especial? muitas das questões que estamos
investigando há muito tempo, a
Um dos modos pelos quais a educação especial tem diferentes
educação especial é definida diz significados, dependendo do profis-
respeito a professores que se dedi- sional a que se referir.
cam a esta área. Contudo, como você

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

Quem fornece os serviços educação vocacional e coordenado-


de educação especial? res de estudo do trabalho.

Os serviços de educação espe- Oportunidades para um


cial são oferecidos aos alunos com século XXI melhor
deficiências e às famílias por um
grupo de bons profissionais que Ainda que haja muito trabalho
trabalham com diferentes discipli- a ser feito em favor das pessoas com
nas. O maior grupo desses profis- deficiências para sua completa par-
sionais é o de professores da edu- ticipação nas escolas e na sociedade,
cação especial, os quais têm as já houve um progresso considerável.
primeiras responsabilidades de as- Muitos sinais de uma nova era já es-
segurar que os alunos com defici- tão visíveis. Um deles, por exemplo,
ências estejam recebendo uma edu- é a determinação de que estudos das
cação apropriada. O segundo maior deficiências sejam um objeto im-
grupo é o de fonoaudiólogos, que prescindível de muitas faculdades e
fornecem serviços para corrigir as universidades. Igual aos estudos re-
dificuldades de fala ou de linguagem lativos às mulheres, aos povos lati-
dos alunos. Outros serviços corre- nos e à raça negra, este proeminente
latos são fornecidos por professores tema representa uma pesquisa in-
de adaptação, especialista de tecno- terdisciplinar da história e da
logias de apoio, audiologistas, pes- cultura de um grupo de pessoas.
soal de apoio para diagnóstico e Paul Longmore, um pioneiro no
avaliação, intérpretes para surdos, movimento de defesa da deficiência,
terapeutas de família, terapeutas fundou o Institute on Disabilities at
ocupacionais (TO’s), especialistas San Francisco State University. Na
em orientação e mobilidade, para- sua visão, os portadores de defi-
profissionais (paraeducadores e ciências sofrem preconceitos insti-
professores de apoio), fisioterapeu- tucionais e discriminação. Os cursos
tas (F’s), psicólogos, terapeutas de que focalizam a história das pessoas
recreação e recreacionistas, conse- com deficiências informarão melhor
lheiros de reabilitação, conselheiros a sociedade acerca das questões e
escolares, enfermeiras escolares, das políticas sociais que precisam
escola de assistentes sociais, super- ser adotadas.
visores e administradores, especia- Uma atitude interessante e
listas em transporte, professores da pertinente é que alguém deve estar

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

na posição de deficiente para ser comunidades, uma realidade muito


visto como um especialista no diferente daquela que prevaleceu em
campo dos estudos sobre defici- torno da década de 1950, quando
ências. foram feitos grandes esforços para
Talvez a sociedade, estimulada esconder do público o uso de
pelas políticas nacionais, reflita muletas e de cadeira de rodas pelo
atualmente um modo de enten- presidente Franklin D. Roosevelt. A
dimento mais sensível com respeito nova estátua deste presidente de-
às referências sobre o grupo monstra mudanças nas atitudes em
minoritário que inclui crianças e relação às deficiências e às pessoas
adultos com deficiências. Essas com deficiências.
pessoas são membros visíveis das

As pessoas com deficiências eram usados com frequência, e não


expressam fortes sentimentos sobre eram ofensivos. Outras referências
palavras e expressões utilizadas para que hoje achamos cruéis vêm e vão.
descrevê-las. A linguagem reflete Em muitos casos, elas não eram
mudanças nos conceitos e nas cren- originalmente tidas como uma ofen-
ças. O que é socialmente aceitável sa, mas acabaram ganhando cono-
em um certo ponto da história pode tações negativas. Como um resul-
ser visto como engraçado ou ofen- tado da luta da sociedade, pessoas
sivo em outra época. Por exemplo, com deficiências e suas famílias têm
no início do século XX, termos como influenciado a linguagem que usa-
imbecil, abobado, retardado mental mos para nos referir a elas. Esse

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

aspecto é muito relevante para as Lembre-se, contudo, de que nem


pessoas com deficiências, pois as todos os membros de um grupo
palavras carregam uma mensagem a concordam unanimemente em to-
nosso respeito. Embora muitos de das as questões; algumas pessoas
nós tentamos ser politicamente cor- com deficiências podem discordar
retos o tempo todo, às vezes usamos das regras de linguagem descritas. E
linguagem ofensiva. as regras certamente mudarão com
O modo de falar preferido o passar do tempo. Não se esqueça
pelas pessoas com deficiências pode de que é responsabilidade de todos
ser confuso, porque grupos e ficar atentos a isso.
indivíduos têm preferencias diferen-
tes. Mesmo que haja algumas exce-
ções (sobretudo para surdos), exis-
tem duas regras básicas a serem
seguidas:

1. Coloque a pessoa em primeiro


lugar.
2. Não confunda a pessoa com a
deficiência.

Portanto, à luz dessas regras, é


apropriado dizer: “alunos com retar-
do mental”, “indivíduos que têm
distúrbios de aprendizagem”. Dois
grupos de indivíduos com deficiên-
cias preferem uma descrição dife-
rente: os surdos (que preferem tal
termo como um reflexo de sua he-
rança e de sua cultura) e os cegos,
que fazem parte das exceções encon-
tradas na terminologia aceitável das Fonte: Deborah Deutsch Smith em
deficiências. Você pode encontrar Introdução à Educação Especial
exemplos na Figura “Fale e Não
Fale” para o uso da linguagem
relativa à deficiência e suas exceções
– pelo menos nos dias de hoje.

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

sentam as pessoas com deficiências


de forma positiva; ao contrário, ou
eram as vilãs, ou demônios, ou
punidas por Deus por intermédio de
suas deficiências, ou recebiam
tratamento áspero ou resignado.
Outro tema usado foi o
milagre da medicina moderna, no
qual pessoas com paralisia ou ce-
gueira podiam ser curadas. Compa-
rações de algumas aclamadas obras
premiadas deixam claro que a
mensagem mudou. Durante um sé-
culo de filmes como Frankenstein
(1931), Os melhores anos de nossas
vidas, (1946), Meu pé esquerdo
(1989), Shine (1996), Garota inter-
rompida (1999), Uma mente bri-
lhante (2001), nota-se que nem
todos os roteiros a respeito de defici-
ências, encontrados na filmografia
ao longo dos anos, são negativos, e
alguns filmes esforçam-se para ofe-
Fonte: Deborah Deutsch Smith em recer representações reais de como é
Introdução à Educação Especial a vida de muitas pessoas com defi-
ciências. Apesar de importantes um-
Outra forma de mensurar e danças na retratação e da inclusão
avaliar como um grupo de pessoas é na sociedade, o estigma e os precon-
visto pela sociedade é analisar como ceitos levarão muito tempo para se-
ele é retratado em filmes, os quais rem eliminados. Portadores de defi-
refletem as atitudes públicas e têm o ciências e observadores da socie-
poder de influenciar o modo como dade em todo o mundo concordam
as pessoas pensam e interagem com com Kitchin quando ele diz que as
os outros (Safran, 1998, 2000). “pessoas com deficiências são mar-
Podem também perpetuar estereó- ginalizadas e excluídas da vida social
tipos. Os filmes produzidos no início (...) Pessoas com deficiências repre-
do último século raramente repre-

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

sentam um dos grupos mais pobres pessoas com deficiências, as quais


na sociedade ocidental”. formam um grupo minoritário, têm
que lutar por seus lugares na socie-
dade americana agora devem estar
claros. Porém, para alcançar um
nível maior de participação e de
reconhecimento, as pessoas com
deficiências precisam de preparação
para tais responsabilidades, as quais
começam na escola com a educação
adequada.

Definitivamente o número a-
larmante de pessoas com deficiên-
cias que saem da escola e estão
desempregadas ou subempregadas é
muito maior do que o número de
pessoas sem deficiências, além de
que enfrentam discriminação no lo-
cal de trabalho e na comunidade.
Pense novamente nos adultos com
doença mental que não têm lar e
estão nas ruas porque as mudanças
nas políticas públicas os fizeram
vulneráveis à negligência.
O clima de defesa de seus
direitos, a atmosfera de sensibi-
lidade e o conhecimento de que as

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

4. Por que a Educação Especial se Tornou


Polêmica?

É impossível ignorar o fato de


que a educação especial é polê-
mica no mundo inteiro.
censurada por muitos problemas
encontrados na escola pública.
De fato, sentimentos razoável-
Mesmo que a educação não mente recentes, mas esmagadora-
seja mais negada a nenhuma criança mente negativos, sobre a educação
e os resultados dos alunos com especial afetaram por muito tempo a
deficiências tenham melhorado sig- sociedade americana, sendo uma
nificativamente desde os primeiros das importantes heranças do século
tempos, as reclamações sobre a XX. Eis algumas das principais
educação especial, sobre seus custos preocupações e questões que devem
e sobre suas práticas continuam ser solucionadas.
presentes na imprensa, em conver- Muitos estão preocupados
sas informais com o público e no com o fato de a educação especial:
congresso. A educação especial é  ser ineficaz e desnecessária;

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

 segregar os alunos com defi- gradual dos alunos com deficiência,


ciência do convívio com outros os quais são obscuros. Embora os
alunos sem deficiências; números estejam evoluindo, somen-
 incluir muitos alunos; te 57% dos alunos com deficiências
 ser onerosa, elevando o atualmente deixam o sistema edu-
orçamento das escolas estadu-
cacional com um diploma-padrão do
ais e municipais;
 sobrecarregar os profissionais ensino médio, comparados aos 83%
da escola quando os alunos de alunos sem deficiências. Os dados
com comportamentos difíceis variam de modo considerável, de-
ou violentos são a eles em- pendendo da categoria da defi-
caminhados. ciência em que se encontram (por
exemplo, 75% dos alunos apresen-
Analisemos brevemente tais
tam deficiências visuais, 63% défi-
pontos para formar conceitos que
cits de aprendizagem, 47% autismo
possam conduzir a soluções eficazes.
e 42% deficiência mental).

Preocupação: A educação Preocupação: A educação


especial é ineficaz e especial segrega os alunos
desnecessária? com deficiência do con-
Os debates sobre a eficácia da
vívio com colegas sem
educação especial são frequente- deficiência?
mente emocionais e irracionais. Há
Não há duvida de que esta
uma grande confusão a respeito dos
questão foi um problema histórico;
critérios que devem ser aplicados
para muitos, continua a ser um pro-
para mensurá-la. Os objetivos para a
blema ainda hoje. Quando a edu-
educação especial são subenten-
cação especial começou, os poucos
didos, e não-específicos. Muitos le-
serviços disponíveis eram oferecidos
gisladores, educadores e pais tam-
primeiramente em ambientes segre-
bém parecem confusos com suas
gados. Algumas vezes, estes serviços
expectativas para a educação espe-
eram oferecidos em escolas espe-
cial. Acreditam que ela é eficaz
ciais dentro da escola do distrito,
apenas se “cura” ou “controla” a de-
mas, muito frequentemente, tam-
ficiência. Se isso altera o critério que
bém oferecidos em escolas-residên-
mensura a eficácia dos serviços da
cias, as quais, em muitos casos,
educação especial, então é valido
tornaram-se instituições abominá-
analisar os dados de progressão

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

veis, geograficamente isoladas em um lado está o argumento de que,


áreas rurais do estado. sendo educados em ambientes com
Como os programas da escola alunos da mesma idade, sem defi-
pública tornaram-se prontamente ciência, aqueles com deficiência têm
disponíveis e os direcionamentos fo- a oportunidade de aprender com
ram limitados, os alunos com seus colegas as habilidades sociais
deficiência, muitas vezes, ficavam apropriadas à idade.
em escolas isoladas ou em salas de Os núcleos residenciais vão na
aula separadas, distantes das crian- direção contrária, impossibilitando
ças da vizinhança. Os conceitos de a oferta de uma educação indivi-
ambientes menos restritivos (revisa- dualizada, condizente com as
dos anteriormente) e educação obrigações do currículo e com salas
totalmente inclusiva são orientados de aula do ensino regular. Assim, os
pelos princípios de normalização. debates sobre os ambientes institu-
O resultado é que muitos cionais (escolas, residências, etc.)
alunos com deficiências (por volta continuam, sobretudo entre os pro-
de 96%) frequentam as escolas de fissionais e os legisladores, mas é
suas comunidades e que quase me- importante ouvir outras pessoas.
tade recebe mais de 79% da sua Por exemplo, de acordo com a pes-
educação nas salas de aula do ensino quisa de opinião pública do instituto
regular. A porcentagem de alunos Gallup/Kappan, dois terços (66%)
com deficiência que estão sendo dos americanos pensam que alunos
incluídos, em sua grande maioria, com problemas de aprendizagem
em escolas regulares, aumentou devem estar em salas de aulas sepa-
consistentemente desde 1985, cres- radas (Rose & Gallup, 1998). E
cendo de 25%, em 1985, para 47%, muitos (mas nem todos), entre os
em 1999. No entanto, para muitos próprios estudantes, preferem rece-
pais e profissionais, essa taxa de ber educação fora das escolas de
participação é insuficiente. ensino regular.
Por outro lado, observando as
escolas (onde os alunos recebem sua Preocupação: A educação
educação) averiguar-se-á que há especial inclui muitos
muita variação, dependendo do apo- alunos?
io para a inclusão total nas salas de
aula do ensino regular e para a O número de participantes da
confirmação do período integral no educação especial aumentou desde
núcleo (residencial) das escolas. De 1975. Enquanto toda a população

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

estudantil na última década do pectativas para o ensino regu-


século XX aumentou por volta de lar implicará um número
14%, a matrícula na educação espe- maior de falhas escolares
cial aumentou 30%. Este cresci-
As preocupações a respeito do
mento é normal? Primeiramente,
aumento de estudantes recebendo
reflitamos sobre a identificação dos
educação especial poderiam resultar
alunos com deficiência. A preva-
em um baixo limite da porcentagem
lência é o termo profissional usado
de estudantes possíveis de serem
para referir-se ao número total de
incluídos ou poderiam criar mais
casos em um dado período de
alternativas às opções de ensino
tempo, mas, para fazer comparações
regular e educação especial exis-
acertadas, é melhor pensar em pro-
tentes.
porções ou porcentagens de
indivíduos em vez de pensar em
números absolutos. A educação especial é
Embora a porcentagem de alu- muito onerosa, aumentan-
nos atendidos pela educação espe- do exageradamente as
cial esteja abaixo das estimativas despesas das escolas esta-
iniciais, muitos administradores e duais, municipais e distri-
legisladores acham que o número é tais?
bastante alto. Os números e as
proporções poderão ainda crescer Muitas escolas estaduais e
pelas seguintes razões: distritais acreditam que os custos
 os avanços médicos estão para os serviços da educação espe-
propiciando a sobrevivência cial reduzem os fundos disponíveis
de um número maior de cri- para os alunos do ensino regular,
anças com deficiências leves e pois a atual contribuição federal em
graves;
relação aos gastos da educação
 uma quantidade maior de cri-
anças com deficiência, anteri- especial é insuficiente.
ormente educadas nas escolas Muitos administradores de
residenciais, tem sido trans- escolas e a mídia acreditam que as
ferida para a escola pública verbas para as escolas são injustas.
regular; Hoje em dia, os custos com a
 um número crescente de pré- educação de alunos com deficiência
escolares com deficiência cres- são 1,9 vezes maiores que os custos
ceram frequentando os pro-
da educação de um aluno sem
gramas regulares da escola;
 o aumento de regras e de ex- deficiência. Se as adaptações são

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

incluídas, o índice aumenta para alizados, mas também atendimento


2,08 vezes. Por conseguinte, gasta- de saúde para alunos com pro-
se em média duas vezes mais para blemas graves de saúde. Esta ação
educar um aluno com deficiência do talvez resulte em suscetibilidade ao
que um aluno normal. aumento de despesas.
É claro que as despesas variam A nação deve avaliar seus
de estado para estado; deve-se com- investimentos educacionais com
siderar também a gravidade da todo o corpo discente. É impossível
deficiência do aluno. É interessante saber se os gastos com alunos com
que essas despesas têm decrescido deficiência realmente reduzem o
nos últimos anos em relação às da orçamento disponível para alunos
educação de alunos sem defici- sem deficiência, mas o que sabemos
ências: em 1985, os gastos para é que os custos da educação especial
educar um aluno com deficiência era têm crescido muito em relação aos
2,28 vezes maior do que os gastos do ensino regular.
para educar um aluno sem defi- Um estudo feito em Massa-
ciência. chusetts ajudou a entender algumas
razões para o crescimento de gastos
da educação de alunos com defici-
ência. O grande número de alunos
com deficiência de moderadas a
graves, cujo custo para educar é
maior, indica a primeira razão.
Outros fatores incluem gastos para a
educação das crianças que são
Por que a educação especial transferidas das instituições para as
custa mais? Muitos fatores são cau- escolas públicas, escolas particu-
sas para o aumento de gastos. Por lares caras, deslocamento para
exemplo, os custos legais oriundos instituições fora do município e
das disputas entre pais e escolas fornecimento de serviços médicos
distritais sobre os serviços que as aos funcionários. Porém, estamos
crianças com deficiência têm direito cientes de que a melhoria na quali-
a receber aumentam as despesas. Os dade do ensino está associada às
maiores gastos com cuidados de despesas e ao tamanho reduzido de
saúde atualmente são obrigações salas de aula, sobretudo em relação
das escolas, porque as escolas devem aos alunos de baixa renda e de
fornecer não só serviços especi- diferentes origens. Também sabe-

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

mos que muitos acreditam que as portamental como parte de seu


despesas com a educação especial programa de educação individuali-
não são interessantes para os alunos zada. Alguns especialistas acreditam
sem deficiência. que tais procedimentos são com-
plicados e podem, às vezes, ser uma
Preocupação: A educação carga que o ensino regular tenha que
especial torna-se onerosa assumir. Em relação a tais mudan-
quando os funcionários de ças, muitos congressistas permane-
escola têm que lidar com cem insatisfeitos com os resultados
dos regulamentos disciplinares e
comportamento difícil ou
continuam a propor outras leis para
violento de alunos?
equalizar os padrões.
A incidência de conduta im-
própria grave é três vezes mais alta
entre os alunos da educação espe-
cial, sendo que 7 de cada 10 destes
casos resultam em brigas. Os admi-
nistradores públicos, a imprensa e
muitos membros do Congresso ain-
da acham que as crianças com ne-
cessidades especiais, em particular
aquelas com distúrbios emocionais
ou comportamentais, são responsá-
veis pelo aumento da violência e
pelos problemas na escola pública.
Em que grau os alunos com defi-
ciências são responsáveis pelo maior
número de atos violentos não está
claro, ainda que, no momento, a
opinião pública coloque boa parte da
culpa justamente neles.
Embora os alunos com defi-
ciência – mesmo aqueles com dis-
túrbios emocionais ou comporta-
mentais – possam, a partir disso, ser
suspensos ou expulsos, eles devem
ter um plano de intervenção com-

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PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

5. O Lúdico na Prática Pedagógica com Crianças


com Deficiência Intelectual Moderada

T oda criança necessita brincar.


Pois brincar é um momento
indispensável à saúde física, emo-
as outras crianças, por necessitar de
muito mais estímulos para desen-
volver suas habilidades cognitivas,
cional e intelectual da criança. motoras e sensoriais.
O brinquedo e os jogos infantis Os jogos e brincadeiras para as
ocupam uma função importante no crianças com deficiência intelectual
desenvolvimento, pois são as prin- constituem atividades primárias que
cipais atividades da criança durante trazem grandes benefícios do ponto
a infância. de vista físico, intelectual e social.
Com a criança deficiente inte- A arte de brincar pode ajudar a
lectual não é diferente. Embora a- criança com necessidades educati-
presente atrasos em seu desenvolvi- vas especiais a desenvolver-se, a
mento cognitivo e motor, também comunicar-se com os que a cercam e
necessita de atividades lúdicas no consigo mesma.
seu dia a dia. Talvez até mais do que

33
FUNDAMENTOS E CONTEXTOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E DA INCLUSÃO ESCOLAR

Através dos jogos e brinca- tre elas mesmas ou com os adultos


deiras a criança com deficiência (pais e professores).
intelectual pode desenvolver a ima- A utilização do jogo como
ginação, a confiança, a autoestima, o recurso didático pode contribuir pa-
autocontrole e a cooperação. Os ra o aumento das possibilidades de
jogos e brincadeiras proporcionam o aprendizagem da criança com defi-
aprender fazendo, o desenvolvimen- ciência intelectual, pois através
to da linguagem, o senso de desse recurso, ela poderá vivenciar
companheirismo e a criatividade. corporalmente as situações de ensi-
Considera-se o jogo como no aprendizagem, exercendo sua cri-
exercício e preparação para a vida atividade e expressividade, intera-
adulta. A criança aprende brincando gindo com outras crianças, exercen-
e assim desenvolve suas potenci- do a cooperação e aprendendo em
alidades, pois é um ser em grupo.
desenvolvimento, e cada ato seu, O professor poderá possi-
transforma-se em conquistas e bilitar à criança com deficiência
motivação. intelectual o acesso ao conheci-
Educar através do lúdico con- mento através da vivência, da troca,
tribui e influencia na formação da da experiência, propiciando uma
criança e do adolescente com defi- educação mais lúdica e significativa.
ciência intelectual, favorecendo um Aprender pode e deve ser extre-
crescimento sadio, pois possibilita o mamente agradável e motivador
exercício da concentração, da aten- para a criança.
ção e da produção do conhecimento; A importância do jogo no
promovendo ainda, a integração e a universo infantil e na vida escolar,
inclusão social. tem sido evidenciada por vários
Desse modo a criança defi- estudiosos da aprendizagem e do
ciente intelectual, com a ajuda do desenvolvimento infantil, como um
brinquedo, terá a possibilidade de fato indiscutível, pois o jogo cons-
relacionar-se melhor com a socie- titui um dos recursos mais eficientes
dade na qual ela convive, já que o de ensino para que a criança adquira
brinquedo busca o desenvolvimento conhecimentos sobre a realidade.
cognitivo e oportunidades de cres- Durante o jogo a criança esti-
cimento e amadurecimento. Tamb- mula o pensamento através da orde-
ém através do jogo comprova-se a nação do tempo, espaço e movi-
importância dos intercâmbios afeti- mento, como também o respeito
vos e interpessoais das crianças em- pelas regras. Trabalha com o cogni-

34
FUNDAMENTOS E CONTEXTOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E DA INCLUSÃO ESCOLAR

tivo, o emocional e o motor, cons- Jogando com os amigos, aprende a


truindo através dessa interação o conviver, a criar e a respeitar as
seu conhecimento. regras.
Os jogos e brincadeiras são Sob o ponto de vista do desen-
instrumentos metodológicos através volvimento da criança com defi-
dos quais os educadores de crianças ciência intelectual, a brincadeira
com necessidades educativas espe- traz vantagens sociais, cognitivas e
ciais podem estimular o seu afetivas.
desenvolvimento cognitivo, afetivo, Ter consciência de que a crian-
social, moral, linguístico e físico- ça com deficiência intelectual é um
motor; como também propiciar todo integrado, é condição básica
aprendizagens curriculares específi- para o êxito do seu desenvolvimento
cas. com o brinquedo. E o professor que
Porém, as atividades lúdicas assume uma postura metodológica
devem ser orientadas de acordo com pautada no lúdico deverá organizar
os objetivos que se quer alcançar. o seu trabalho de forma a estimular
Podendo ser o desenvolvimento das ao máximo o desenvolvimento das
habilidades motoras, habilidades habilidades do seu aluno, estando
perceptivas ou a noção de tempo e sempre ao seu lado, participando,
espaço. Em outro momento pode mediando e orientando-o nas ativi-
dar ênfase na formação de noções dades realizadas com o brinquedo.
lógicas, como seriação, conservação
e classificação. O objetivo também
pode ser o trabalho em grupo, como
forma de desenvolver a cooperação e
a socialização.
O lúdico possibilita que a
criança com deficiência intelectual
se torne cada vez mais autônoma,
melhorando a autoestima e a cons-
ciência corporal. Pelo jogo, a criança
aprende, verbaliza, comunica-se
com as pessoas, internaliza novos
comportamentos e,
consequentemente, se desenvolve.
Brincando, a criança desen-
volve seu senso de companheirismo.

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36
PRÁTICAS DE ENSINO PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

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5ª Edição – Porto Alegre - RS. Editora
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