Livro Prisoes - v01
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Rio de Janeiro
2020
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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Ricardo Lodi Ribeiro
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Bruno Zilli
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
ISBN 978-65-00-03028-0
1. Sexualidade - Políticas públicas. 2. Sexo (Psicologia). 3. Prisão. 4. Gênero. I. Uziel,
Ana Paula. II. Série.
CDU 159.922.1:342.7
APRESENTAÇÃO
O GÊNERO DA PRISÃO
Manuela Ivone P. da Cunha
DO EXÍLIO AO AUXÍLIO
João Luis da Silva
NAÎTRE EN PRISON
Bernard Larouzé
DEFENDENDO O (IN)DEFENSÁVEL
Everton Rangel Amorim
Cunha, Manuela Ivone da. Entre o bairro e a prisão: trá co e trajectos. Lisboa: Fim de Século, 2002.
Davis, Angela. “How gender structures the prison system”. In Are prisons obsolete? Nova York: Seven
Stories Press, 2003, p. 60-83.
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Editora Vozes, 2001.
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NOTAS
1
Sobre a travesti Verônica, que foi estuprada, espancada e torturada pelos policiais do 2.º Distrito Policial
do Bairro de Bom Retiro na cidade de São Paulo, ver Renan Quinalha: “Presa, negra e travesti:
devemos ser todas Verônica”. Ponte Jornalismo, 15 abr. 2015. Disponível em http://ponte.org/presa-
negra-e-travesti-devemos-ser-todas-veronica/.
2
Workshop Internacional: “Prisões, sexualidades, gênero e direitos: desa os e proposições das pesquisas
contemporâneas”.
INTERSECCIONALIDADES E OS DISPOSITIVOS JURÍDICO-
PRISIONAIS(SEXUALIDADES, GÊNERO, RAÇA DA FORMA-PRISÃO)
O GÊNERO DA PRISÃO1
PERMANÊNCIAS E VARIAÇÕES
Num outro lugar (Cunha, 1994 e 2018) descrevi como, quando da criação
do EPT em meados do século passado, o programa de tratamento
penitenciário de mulheres se conjugava explicitamente com ideologias de
gênero ao procurar proceder ao levantamento moral daquelas por meio da
domesticidade e da maternidade. As presas eram consideradas duplamente
desviantes, isto é, como membros da sociedade e do seu gênero. No caso das
mulheres, reabilitar delinquentes signi cava reconduzi-las aos eixos de um
desempenho feminino de que supostamente se teriam transviado. O programa
de tratamento penitenciário organizava-se assim, sobretudo, em torno de dois
eixos. O primeiro era o desenvolvimento de hábitos e aptidões domésticas. O
leque de ocupações prisionais disponíveis, fossem de produção ou de
manutenção do estabelecimento, eram um prolongamento da ordem
doméstica. Essa predominância de atividades ditas femininas manter-se-ia por
muito tempo, mesmo que depois deixasse de aparecer como método
programático e re etisse, sobretudo, a inércia dessas instituições (Goffman,
1999 [1961]).
Um segundo eixo do programa de levantamento moral determinado por
ideologias de gênero consistia na tentativa de cultivar nas reclusas sentimentos
de responsabilidade maternal. Por exemplo, a permissão para conservar os
lhos em baixa idade na cadeia era, de início, justi cada institucionalmente
pela intenção programática de formar as mães. Mais tarde, as considerações
morais generizadas seriam expurgadas do regime prisional e o enfoque
deslocar-se-ia da regeneração moral das presas para a proteção do interesse das
crianças. Tal não signi ca que as disposições de gênero tivessem desaparecido
do regime prisional. Estas continuariam ainda a perpassar as práticas e as
interações informais com os agentes institucionais. As presas, por exemplo,
mostravam-se cientes de que a sua dupla condição de mãe e de presa se
encontrava de certa forma fundida, e de que a sua relação intraprisional com os
lhos estava entramada na lógica disciplinar da instituição total, suspeitando
que eram avaliadas e julgadas como mães.
A geogra a de gênero continuaria, por isso, a marcar o regime prisional,
mesmo que agora não nos programas e disposições legais. Não deixava, porém,
de ser um paradoxo o fato de essa geogra a presidir explicitamente a uma
intenção programática de tratamento penitenciário precisamente quando era a
conformidade – não o desvio – às de nições convencionais de gênero o que
transparecia nas socialidades reclusas. Em nais dos anos 1980, essa socialidade
era muito atomizada. Em geral, as presas não se reconheciam nem agiam como
um todo e desenvolviam uma retórica re nada de desquali cação mútua.6 A
socialidade centrava-se essencialmente em relações mãe-criança ou em casais
homoafetivos. Embora as presas expressassem a importância dessas relações
diádicas na linguagem do afeto e das emoções, o apoio que essas relações
proporcionavam comportava também um aspeto identitário que as inscrevia
nos papéis relacionais considerados marcadores normativos do seu gênero,
como os de “mãe” ou de parceira amorosa. A identidade de gênero emergia em
lugar de destaque na cena prisional, quer pela maneira como era
desempenhada – “performada” – no contexto dessa socialidade, quer pelo
modo como era reiterada nas falas prisionais, que se centravam sobretudo nas
crianças ou parceiros, e no quanto a separação deles estava no topo das
privações da cadeia.
No caso das mães reclusas com crianças na prisão, as narrativas expressavam
uma autoimagem maternal altamente idealizada e focalizavam um tema
recorrente: o quanto a presença dos lhos as preenchia e as ajudava a suportar a
experiência prisional. Nessas falas, re ro-me aqui sobretudo às narrativas de si,
ao modo de se contar e à persona assim projetada, em que as próprias se
reconhecem, não tanto às práticas propriamente ditas nem às práticas
discursivas (o que se diz no contexto dessas práticas e por relação a elas), nas
quais podem transparecer realidades nem sempre coincidentes com as
projetadas por essas personae. O regime generizado da prisão era, pois,
ampli cado pela construção discursiva de gênero das presas e pelo modo como
estas geriam as suas identidades estigmatizadas.
O ambiente prisional presta-se de fato a uma outra vivência da maternidade
e à criação de novas subjetividades por meio das quais as presas mães podem
também ressigni car as suas experiências anteriores de parentalidade (Cunha e
Granja, 2014; Palomar 2007, p. 372). Protegidas que estão das pressões
imediatas da sobrevivência quotidiana, da pobreza e da violência, com mais
tempo disponível para as crianças e expostas na prisão a uma panóplia de
discursos pedagógicos especializados, as presas mães podem experimentar a
ligação com os lhos com uma intensidade sem precedentes, atribuindo-lhe
um sentido que se torna doravante central. Num tal contexto, a maternidade é
hiperbolizada nas narrativas da identidade pessoal, inclusive na maneira como é
percebida retrospetivamente ou como é projetada no futuro.
As prisões de mulheres tendem, com efeito, a suscitar e a promover uma
exaltação da maternidade não apenas pelo peso de uma história que deu
especial relevo à reprodução e à domesticidade, mas também porque a noção
de “presos pais” continua a ser tão estranha às organizações prisionais
masculinas (e.g., não é usual a existência de creches em tais estabelecimentos)
quanto a noção de “presas mães” é central nas femininas (bem como aquilo que
as organizações internacionais apelidam de “necessidades especiais” das
prisioneiras). As prisões promovem essa exaltação da maternidade também
porque o seu ambiente realça a maternidade e a relação mãe-criança de um
modo altamente idealizado e desconectado das experiências reais e do
quotidiano dessas mulheres. Nesse sentido, tais instituições participam da
essencialização da maternidade como um aspeto naturalizado do gênero e,
sobretudo, como um ideal que di cilmente está ao alcance das populações que
encarceram. É apenas atrás das grades que as mulheres encontram o tempo, a
estrutura e os recursos para poderem estar à altura dele.
Em contrapartida, é também atrás das grades que esse ideal contribui para
agudizar sentimentos de culpa, de inadequação e de disfuncionalidade no
desempenho do papel de mãe. Embora as presas invoquem esse papel como
motivo e justi cação do crime, numa espécie de “técnica de neutralização”
(Sykes e Matza, 1957) generizada – eu z isso pelos meus lhos; eu tinha de
dar de comer aos meus lhos –, tendem a culpar-se a si próprias e a serem
culpadas pelos funcionários prisionais não só por terem delinquido, mas
também por terem falhado nas responsabilidades maternais.
Acontece que a maternidade na prisão, além de se constituir como uma
fonte de sentido que contribui para moldar, recriar ou reinventar a identidade
pessoal, por altura do meu primeiro campo, ela comportava um outro efeito
identitário ainda. Constituía-se também como uma âncora de uma identidade
social “não desviante”. Nessa década, a adesão a papéis de gênero convencionais
apresentava-se como uma via para proteger a identidade social do estigma da
prisão e como um meio viável para negociar e exorcizar esse estigma. A
importância narrativa da “boa mãe” era incorporada à narrativa de
distanciamento de uma identidade “não desviante” e invocada como sinônimo
de boa cidadã.
Uma década mais tarde, quando da minha segunda estadia de campo, a
maternidade como marcador de gênero passou a ser menos enfatizada na
gestão identitária na cena prisional. Em primeiro lugar, o hiperencarceramento
que se deu nessa época como resultado da forte repressão de bairros urbanos
conotados com a pequena economia da droga acompanhou-se de fenômenos
de coencarceramento alargado de parentes e membros do círculo de
proximidade de cada presa, o que veio complexi car as formas sociais e as
categorias de identidade na prisão (Cunha, 2002 e 2013).
Desde então, as constelações familiares intraprisionais tornaram-se mais
diversi cadas, deixando de se limitar às díades mães- lhos. A sociogra a da
relacionalidade (no sentido de noção de relatedness (Carsten, 2000)) e a ética
do cuidado antes associada às mães passaram a envolver círculos mais alargados
de relações. Familiares copresas e outras conhecidas passariam a participar
coletivamente na responsabilidade pelo cuidado intraprisional das crianças,
partilhando comida, afeto e assistência.
Além disso, acontece agora que mães e lhas coencarceradas sejam ambas
adultas, e que a ética do cuidado envolva em simultâneo mais de duas gerações
(mães, lhas, netas, sem contar as parentes colaterais). Por esse motivo, essa
ética especí ca passou a ser incorporada a uma ética mais alargada de respeito,
reciprocidade e obrigações morais entre familiares, comparativamente mais
neutra do ponto de vista do gênero (Cunha, 2002 e 2013). Supõe-se que tanto
lhas como lhos adultos respeitem e apoiem os pais na prisão, dentro ou fora
dela, por meio de visitas e outros apoios. Dentro ou fora da prisão, é
desrespeitoso não lhes mostrar lealdade, deferência ou reciprocidade no
cuidado que receberam de seus pais quando crianças.
Em segundo lugar, o estigma da prisão deixou de ser vivido como um
problema crucial. A prisão passou apenas a rati car uma marginalização
estrutural e simbólica que agora se institui como montante dela, afetando essas
populações como um todo e de modo mais profundo do que antes. O estigma
deixou de ser negociável, fosse por meio da conformidade de gênero ou outra.
Por m, a saliência da identidade de gênero na cena prisional daria lugar a
um novo sentido de identidade coletiva, baseada na proveniência comum dos
mesmos territórios urbanos estigmatizados, em laços de parentesco e
vizinhança e numa posição partilhada na base da estrutura de classes.
Solidariedades coletivas com base na pertença de classe e no bairro de origem
passariam a ganhar proeminência na cena prisional, tornando-se uma faceta
importante na identidade social reclusa. Emergiria uma retórica inédita de
“comunidade”, constantemente a rmada nas falas prisionais, a reiterar a
perceção de que estamos todas no mesmo barco. A noção de um destino
comum era agora sublinhada e enfatizada em detrimento de outras
identidades, tanto de gênero como de etnicidade-raça (Cunha, 2010). Perante
a a rmação pujante dessas categorias coletivas de identidade e agencialidade
com que as prisioneiras reagiam a uma marginalização comum, outros níveis
de identidade, como a de gênero, eram secundarizados e tornavam-se menos
salientes na vida prisional.
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Pub, 2003.
NOTAS
1
Projeto AAC 02/SAICT/2017, n. 032676. Agradeço a Anna Uziel e equipa organizadora da conferência
Prisões, Sexualidades, Gênero e Direitos: Desa os e Proposições de Pesquisas Contemporâneas pelo
enriquecimento que proporcionaram das discussões na base de versões anteriores deste texto, as quais,
no essencial, foram objeto de publicações em língua inglesa (“Onstage and off: the shifting relevance of
gender in women’s prisons”. In Gomes, S. e Duarte, V. (eds.). Female crime and delinquency in Portugal:
in and out of the Criminal Justice System. Palgrave Macmillan, 2018, p. 57-73) e francesa (“La saillance
variable du genre dans le monde carcéral: une perspective diachronique-comparative”. In Chetcuti-
Osorovitz, Natacha e Paperman Patricia (eds.). Genre et monde carcéral: perspectives éthiques et
politiques, Actes de la Maison des Sciences de L’Homme, Paris-Saclay, 2019).
2
Não se incluem aqui, evidentemente, programas vocacionados para o tratamento de problemas
especí cos, cuja valia não está em questão.
3
Estabelecimento Prisional de Tires (EPT), onde conduzi dois trabalhos de terreno de longa duração
intervalados por uma década (1987-1989, 1997). Nesse intervalo, a população prisional tornou-se
social e penalmente muito homogênea. Em 1997, 76% das mulheres estavam presas lá por trá co de
drogas, contra 37% dez anos antes, e os delitos contra os bens não representavam mais de 13%. A
maioria das condenadas (69%) cumpriam penas superiores a cinco anos. As presas provinham cada vez
mais de segmentos sócio-espaciais desfavorecidos, em especial, de alguns territórios urbanos
estigmatizados. Uma proporção importante tinha familiares e vizinhos presos no mesmo
estabelecimento ou noutras prisões.
4
É o caso, por exemplo, da prisão de Santa Cruz do Bispo (EPSCB), que foi mais recentemente objeto
de uma comparação controlada com a de Tires (Cunha e Granja, 2014).
5
Os regulamentos prisionais incorporaram os princípios de neutralidade e igualdade de gênero, muito
embora a sua implementação seja ainda desigual, sobretudo em questões de parentalidade
intraprisional.
6
Por exemplo, uma presa podia justi car o seu crime como um percalço singular produzido por um
conjunto de circunstâncias excepcionais, ao mesmo tempo que essencializava os das suas codetidas
como a expressão de uma natureza criminal.
7
Tendo em conta que foi sobretudo em torno do eixo da droga que se operou a reorganização das leiras
prisionais, as razões para isso prendem-se com a homogeneidade na sociogra a dos contingentes de
presas, que é bem mais marcada que nos de presos. Estes distribuem-se por diferentes tipos de crime de
maneira mais equilibrada. No caso das mulheres, a concentração é comparativamente muito superior.
Em 1997, 46% dos reclusos estavam condenados por crimes contra o patrimnio e 34% por crimes de
droga, contra 16% e 69% no que respeita às reclusas, respetivamente (Estatísticas da Justiça, Ministério
da Justiça, 1997). No EPT, por exemplo, 76% das reclusas estavam presas por trá co. Em termos
proporcionais – não em termos absolutos –, as mulheres são, com efeito, muito mais condenadas a
penas de prisão por crimes de trá co do que os homens.
IMPERFEITAS TESSITURAS: PATRÍCIA, OS REBOCOS HISTÓRICOS DA
PENITENCIÁRIA FEMININA DA CAPITAL
Eu nunca tive a oportunidade de saber o que é estar viva, abrir meu coração.
Todas as boas oportunidades da vida caram para trás. São 27 anos, para quem
nunca matou ninguém, essa é uma pena muito forte. Quantos nais de ano só
eu acreditei que podia receber um indulto. Me preparava, me arrumava,
arrumava minhas coisas e nunca consegui passar um nal de ano com a minha
família. Hoje eu sinto muito ódio, minha cabeça está bagunçada. É muita
ansiedade, foram muitos recursos, muitas promessas, muitas mentiras, nada
nunca aconteceu. Eu peço a Deus para sair daqui com vida. Eu não me
importaria de ser monitorada pelo resto da minha vida, podem colocar chips no
meu corpo inteiro, eu não me importo. Eu só quero uma chance. (Patrícia, 3 de
outubro de 2008).
Parecer físico e biográ co: Nasceu de parto normal a domicílio. Nega relações
sexuais. É tabagista moderada. Nos exames foram constatados: algumas
cicatrizes lineares nos braços, hímen íntegro, pequeno plicma anal na posição de
vinte e quatro horas (Trechos de pareceres técnicos sobre Patrícia de 1985).
Tive muita raiva! Ódio mesmo. Não tenho mais, mas deixei de con ar nas
pessoas. Eu só estou presa até hoje por causa da Sandra. Por ela eu z muitas
coisas que me deixaram marcada no sistema (Conversa descrita em caderno
de campo – 2008).
Patrícia dizia ter passado a ser especialmente vigiada. Em sua opinião, todas
as suas atitudes eram interpretadas de acordo com o seu passado, tendo sido o
presente ignorado. Para ela, eram os juízes que mais se prendiam ao passado
para julgarem a sua pena. Ainda no ano de 1990, a despeito de os laudos
técnicos produzidos pelas assistentes sociais e psicólogas da penitenciária serem
favoráveis a Patrícia, tendo notas como: “conseguiu elaborar frases difíceis de
forma construtiva, mantendo condições de auto-análise e autocrítica” e
“mantém sob controle sua impulsividade, canalizando suas energias de forma
positiva”, o juiz indeferiu o pedido de uni cação dos 26 processos por furto
quali cado de Patrícia.5
De 1990 até 1996, não há qualquer registro de falta disciplinar no
prontuário de Patrícia. O único registro contra ela data de quatro de fevereiro
de 1996. Registro de falta amplamente questionada por defensoras públicas,
que sugerem uma sindicância para apurar as verdadeiras razões pelas quais
Patrícia estava sendo punida. A parte de infração refere-se à reação de Patrícia
diante do impedimento da entrada de uma bermuda listrada, presente de outra
presa e de seu marido para Patrícia, para que ela pudesse usá-la como pijama.
Em seu prontuário constam diversas cartas enviadas por Patrícia à direção. Ela
reclamava de ser o pijama, disponibilizado pela unidade prisional, transparente.
Além disso, pedia informações sobre as suas roupas apreendidas no processo de
inclusão da unidade. Não existe, todavia, registro de resposta às suas demandas.
Ao saber da interdição da entrada da bermuda, Patrícia brigou com a diretora
disciplinar que registrou um auto de infração por “desacato com palavras de
baixo calão”. As defensoras, ao pedirem a anulação da parte de infração,
expuseram que os critérios de permissão para a entrada de roupas diferentes do
uniforme na unidade não estavam claros, de modo que outras presas podiam
receber livremente pijamas e outras peças de roupas de suas famílias e amigos.
As advogadas seguem a defesa explicitando que Patrícia já havia cumprido mais
de dez anos de pena, e que ela vinha cumprindo as normas do sistema
penitenciário, o qual “furtou-se do seu dever de fornecer-lhe elementos
indispensáveis para as transformações morais e éticas que almeja”. Para as
defensoras, Patrícia cumpria todos os seus deveres e, assim, era inconcebível
que os seus direitos não fossem respeitados.
“Eu nunca tive um homem na minha vida. Eu sou virgem. Eu sou uma
idiota, vivi minha vida inteira aqui dentro” (Patrícia, 3 de outubro de 2008).
Patrícia entrou na Penitenciária Feminina da Capital com 24 anos de idade.
Seus cabelos eram compridos, chegando a alcançar a cintura. Quando foi
transferida para o Manicômio Judiciário, porém, teve a cabeça raspada e não
conseguiu mais deixar os cabelos crescerem. No momento da pesquisa, Patrícia
tinha 53 anos e seus cabelos cacheados chegavam timidamente aos seus
ombros. Ela os deixava soltos e largos. Patrícia se dizia homossexual, mantinha
relações com outras mulheres desde a adolescência. Antes de Sandra, tivera
outros dois relacionamentos sérios. Nos anos da pesquisa, estava com Marcela,
mas não pretendia continuar a relação depois que conseguisse a liberdade.
Dizia que queria ter sido mãe e que também gostaria de ter experimentado a
sensação de fazer sexo com um homem.
Durante uma conversa, rindo, Patrícia disse ser sapatão. Foi a única vez que
ela se localizou segundo uma “identidade sexual” que, por anos, lhe foi
atribuída na penitenciária. Patrícia se pensava mulher, uma mulher sapatão que
se apaixonou, amou, viveu e gozou com mulheres. Patrícia não usava
maquiagem, brincos ou qualquer artefato socialmente marcado como
feminino. Ela também não tinha cabelos raspados, não usava cueca ou nome
masculino.6
Perante as regras que constituíam as “identidades” na prisão, Patrícia não
era sapatão, assim como não era mulher. Como grande parte das pessoas presas
na Penitenciária Feminina da Capital, ela não atendia plenamente às exigências
para preencher qualquer uma das de nições sexuais ou de gênero da cadeia,
mas ocupava os espaços que existem entre as categorias. Contava que a
“alcunha sapatão” lhe foi imputada pelas funcionárias da penitenciária que
estavam em exercício no momento de sua inclusão, as mesmas que assinalaram
a qualidade “masculinizada” entre os itens das “peculiaridades físicas” a serem
preenchidos na cha de descrição do formulário de inclusão. Outras agentes
penitenciárias descreviam Patrícia como “muito bonita” e lembravam-se dos
seus cabelos compridos que tanto chamavam a atenção. Assim como ocorreu
com a cor de Patrícia, os atributos de gênero que a localizavam ante as relações
estabelecidas por ela com a prisão eram produzidos pelas interpretações de
quem “preenchia os papéis” (Ferreira, 2013) que a replicavam e de quem falava
sobre ela. Desse modo, a paixão de Patrícia por Sandra pôde ser interpretada de
diversas formas. Se, por vezes, o sentimento aparecia como “evidência de sua
qualidade masculina”, por tantas outras vezes, foi caracterizado como próprio
da “imaturidade romântica”, esta tipi cada como feminina.
Na fala de Patrícia, Sandra foi seu grande e único amor. Contava que, antes
de ser presa, sequer pensava na possibilidade de fazer sexo com homens, mas
que, com os anos, sentiu vontade de ser mãe e de se relacionar com homens.
Dizia que, se fosse mais nova, teria lhos depois de sair da prisão, mas
lamentava a sua idade, suas condições físicas, nanceiras e emocionais. Atribuía
ao longo tempo da sua prisão o fato de não ter experimentado diferentes
formas de se relacionar afetiva e sexualmente, mas considerava que, depois de
tantos anos, não conseguiria mais estabelecer vínculos com ninguém “na rua”.
Só quero car comigo mesma. Quero saber quem eu sou fora daqui. Sempre
sustentei as mulheres com quem vivi, foi por essa razão que fui roubar. Não
quero que isso se repita (Trecho de entrevista em 16 de julho de 2009).
Patrícia dizia sempre ter ocupado posturas ativas no que se refere aos ganhos
materiais e às situações de risco. Ela se reconhecia como aquela que assumia
uma suposta “posição masculina do casal”. Em oposição à Sandra, que, em sua
fala, era sempre vinculada à mulher sedutora, Patrícia ocupava a posição da
hombridade, da justiça e da impulsividade agressiva. A paródia de Patrícia não
era tão evidente quanto à travestilidade das sapatões: ela parodiava atributos de
gênero com o que considerava serem valores da masculinidade.
Patrícia, mesmo que personi casse masculinidades, não deixava de transitar
pelos gêneros. Ela não era uma “identidade”, ela transitava por entre desejos,
vestimentas e corpos, por vezes, marcadamente masculinos e, por outras,
femininos. Rompia radicalmente com a linearidade das categorias
sexo/gênero/desejo (Butler, 2010), atuando em cada uma dessas três esferas de
modo muito particular. Mas, por não atender a nenhum dos padrões de
normalidade e de identidade estabelecidos na penitenciária, Patrícia desa ava a
instituição. Guardas, assistentes sociais, diretoras e presas procuravam
interpretá-la ou, ainda, recriá-la de modo que conseguissem enquadrá-la em
alguma de suas de nições. Ao serem constantemente produzidos, os discursos
sobre Patrícia permitiam criar personagens um tanto quanto monstruosas, que
costuravam em um só corpo muitas falas difusas vindas de diversos espaços e
temporalidades. Por outro lado, a produção dessa gura é a resposta dada à
Patrícia pela sua insubmissão, sua indocilidade, sua identi cação insubmissa.
É o corpo de Patrícia que padece com o ardil da instituição penitencial em
identi cá-la. É, ao mesmo tempo, seu corpo que Patrícia oferece aos processos
de governo da vida. Que ponham chips nela, que a monitorem, que a
vasculhem, que a apalpem, que a experimentem, já não importa mais. Ela quer
ser identi cada, ela quer ser esquadrinhada. E, por m, Patrícia é
entomologizada pelo dispositivo prisional. Mas tal entomologização se faz por
técnicas bem mais ordinárias que os tecnológicos artefatos de segurança. O é
pelas tessituras narrativas produzidas ardilosamente dia após dia. Em 2009,
Patrícia, com mais de cinquenta anos, morena, com cabelos cacheados, torna-
se a velha delinquente parda de cabelos carapinhas do passado,7 de um passado
fundamentador da Penitenciária Feminina da Capital.
Patrícia torna-se um nó de discursos bem amarrados sobre classe, raça,
gênero, sexualidade e temporalidade. Ela é o trabalho do tempo de
testemunhos (Das, 1999) desconexos, até mesmo dissonantes. Quanto mais
escapava às verdades que lhe imputavam, mais Patrícia tornava-se sujeito de
investigação. Mais intensos eram os esforços que rasgavam seu corpo buscando
vasculhar sua biologia na, cromossômica. A busca, entretanto, não termina
em um profundo buraco cavado, mas na sobreposição de camadas que
esculpem, ajeitam, encaixam, costuram carne e sangue em papéis. A
personagem Patrícia é o Frankenstein produzido pelas perpétuas espirais
(Foucault, 1979) cheias de arestas. Esferas imperfeitas como o corpo e o amor
de Patrícia.
São as imperfeições das espirais que abrem caminho ao desencaixe. Relações
de poder e prazeres se fazem sem que seja possível saber ao certo quem são
ativos e passivos. Patrícia pagou por produzir ativamente a história da
Penitenciária Feminina da Capital; por rebocar, com a sua história de amor, as
paredes da instituição.
REFERÊNCIAS
1
Suraya Daher assumiu a direção da Penitenciária Feminina da Capital em outubro de 1977. Foi a
responsável pela transição de todo o corpo diretivo e técnico das freiras que fundaram a unidade em
1942 para funcionários públicos. Considerada ousada por seu estilo administrativo, que contava com
atividades de artes e excursões para a praia com as, então, 128 presas da unidade, foi destituída do
cargo em 1985 e substituída por Carmen Lúcia, que exercia o cargo de diretora penal (ou de
disciplina) na Penitenciária Feminina do Tremembé. Em 1985, o grupo de teatro das presas se
apresentou pela última vez, e a principal atividade de “reabilitação” passou a ser o trabalho. Grandes
indústrias como a Embramed, produtora de descartáveis médicos que é, até hoje, a maior o cina da
unidade, foram trazidas por Carmen Lúcia para dentro penitenciária feminina. A terceira diretora da
PFC, Maria da Penha Risola Dias, fez parte da equipe de funcionárias durante a gestão de Suraya
Daher e se manteve no cargo até a saída de Carmen Lúcia, em 2000, quando assumiu o posto de
diretora geral da unidade. Formada em assistência social pela PUC de São Paulo, Penha ajudou na
implantação do projeto de estágio e de avaliação “bio-psico-social” das presas da PFC. Em sua fala,
marcada pelo uso da palavra “técnica”, ela chegou a descrever todas as etapas necessárias para a
preparação de uma festa junina em uma unidade penal de modo que o evento atendesse aos “objetivos
e parâmetros técnicos da ressocialização”. Por m, Ivete Barão Halasc, atual diretora da Penitenciária
Feminina da Capital, assumiu o cargo em 2006, dois anos após as rebeliões do Primeiro Comando da
Capital na unidade. Sobre as especi cidades das diretoras dessa unidade penitencial, ver: Padovani,
2010.
2
Junto de cada laudo era anexada uma cha com itens a serem preenchidos para o detalhamento das
descrições físicas. Caracteres como “cor”, “corpo”, “cabelos” e “dentes” constam entre os principais
itens, mas o que mais chama atenção são as denominadas “peculiaridades físicas”. Estas eram divididas
em 32 subcategorias, que vão de “canhoto” e “lábios leporinos” a “masculinizadas” e “gogó exagerado”.
A complexidade e o detalhamento da cha e do Relatório Interdisciplinar ilustravam como as presas
passaram a ser estudadas e pesquisadas minuciosamente para, só então, serem classi cadas e trabalhadas
pelas psicólogas e assistentes sociais, que se fundamentavam nas informações que o laudo apontava
para de nirem uma “identidade” especí ca.
3
Até meados da década de 1980, as celas eram individuais.
4
Patrícia tentava se comunicar com outras presas por meio de bilhetes amarrados em teresas, cordas feitas
de lençol ou outros materiais encontrados nas celas.
5
Deve-se salientar que a sua pena resultava da soma de todas as penas imputadas a cada um de seus
processos particularmente, de modo que, caso o juiz aceitasse unir os processos, haveria uma redução
signi cativa do tempo que Patrícia deveria permanecer presa, além da simpli cação da sua vida
processual. O procurador do Estado, em exercício na época, escreveu ao juiz responsável pelo
indeferimento, argumentando que ele apenas iria “afastar a sentenciada das práticas terapêuticas”,
perguntando, ainda, por que outras presas na mesma condição de Patrícia haviam conseguido a
uni cação e ela não. A argumentação do procurador não surtiu efeito no processo, que seguiu com o
indeferimento da união da pena, o qual parece ter sido fundamentado nas várias faltas anteriores a
1987, assim como na fuga de Patrícia e Sandra, principal razão apontada pelo juiz em sua justi cativa.
6
O uso do termo sapatão, para se referir a uma identidade reconhecida pelas internas, decorre da inversão
da carga pejorativa da palavra amplamente presente nas falas da polícia e de guardas das unidades
penais femininas, que costumavam chamar todas as internas que mantinham relações homossexuais de
sapatões. O termo, relacionado à imposição violenta de identidades heterônomas, foi sendo cooptado
pelo vocabulário das presas, que passaram a relacioná-lo às corporalidades de atributos socialmente
vinculados ao masculino.
7
Os produzidos entre 1941 até 1985 trazem, majoritariamente, a descrição física “de cor preta e cabelo
carapinha”. Estas eram “opções” a serem assinaladas nas chas de detalhamento da descrição física das
ingressas.
A HOMOSSEXUALIDADE FEMININA NO CÁRCERE: NOTAS PARA UMA
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SEXUALIDADES ENCARCERADAS: NOTAS ETNOGRÁFICAS SOBRE A VIDA
DE MULHERES PRESAS NO CORTIÇO-PRISÃO
Eu e ela não tínhamos visita de ninguém, viramos uma a família da outra aqui
dentro [...] Eu dava meu jeito, era muito danada, eu fazia com ela mesmo, eu
não tava me importando pra nada. Fazia um pouco ‘pra’ que ninguém
percebesse entende? Porque lá era muito lotado, era muito casal, então ninguém
ia car prestando atenção. A gente dava uns truquezinhos (Severina).
A gente vai algemada, ‘vai’ seis meninas, algema uma na outra. Quando a
pessoa que chega lá, que passa pelas revistas e tudo, que sobe o corredor, a pessoa
nem lembra que é presa, nem lembra, nem lembra da cadeia, nem lembra de
ninguém (Sebastiana).
‘Tô’ presa vai fazer três anos, caí levando droga ‘pro’ presídio. Me envolvi com
uma pessoa e eu pensei que ele gostava de mim. Ele me pediu uma prova de
amor e a prova seria levar essa droga. Quando eu levei a droga, os agentes
descon aram e zeram uma denúncia. Me levaram para a revista e me pediram
‘pra’ tirar a droga de dentro de mim, eu fui tirei a droga de mim que ‘tava’
injetada e entreguei, ‘era’ cinquenta gramas de maconha prensada e cem gramas
de cocaína. Levei dentro da vagina. Assim, foi difícil, porque eu nunca tinha
feito. É constrangedor, mas a pessoa gosta tanto da outra pessoa que aceita
qualquer coisa (Francisca).
Tem mulheres aqui dentro que são casadas, mas os companheiros não vêm, a
gente vai. Se você for na frente da penitenciária masculina você não consegue
contar o número de pessoas na la, mas aqui você conta nos dedos e quando vai
ver é uma mãe, uma irmã, são contados os companheiros que vem (Conceição).
Em razão dessa grande quantidade de mulheres que visitam seus
companheiros, os encontros íntimos por lá geralmente acontecem com mais de
um casal por cela. As mulheres e homens presos vão recompondo as limitações
impostas pelo pequeno espaço destinado às relações afetivo-eróticas, arranjando
intimidades e privacidade da forma que lhes é possível, como nos mostram
Sebastiana e Raimunda a partir de suas falas:
Lá tem tipo essa cama, com a outra em cima, aí tem outra cama com outra em
cima e tem essa, cada cama daquela. Eles ‘arrodea’ de pano. Eles ‘faz’ tipo ‘uns
varais, manda furar com a furadeira no chão, coloca aquele gancho ‘pra’
amarrar o cordão por dentro, pronto, coloca aquelas cortinas, cada um ca com
seu espacinho, do quadradinho, bem pequeninho, só dá mesmo pra duas pessoas
car, aí pra ninguém escutar a zoada de nada, aí cada um liga um som, liga
uma televisão, um DVD bem alto (Sebastiana).
Lá todo mundo liga o seu som, o cabaré tá pronto! [risos]. Cada um ca na sua
jega, quando é ‘pra’ sair ‘pra’ ir no banheiro avisa que tá saindo, todo mundo se
respeita (Raimunda).
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NOTAS
1
O termo cair, em uma linguagem nativa, “de cadeia”, diz respeito ao momento da prisão.
2
Os dados aqui colocados são provenientes do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
(Infopen), do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Ministério da
Justiça. Esses relatórios têm servido como algumas das principais fontes de dados estatísticos sobre a
realidade prisional do país e são alimentados pelos dirigentes das unidades prisionais brasileiras. Por
conseguinte, destaca-se a possibilidade de subnoti cações nas informações aqui apresentadas.
3
A correria, em uma linguagem nativa, diz respeito aos pequenos serviços do cotidiano, de dentro e de
fora da prisão. Nos cenários de articulação com o trá co de drogas, o termo também denota o ato de
movimentar algum tipo de substância ilícita de um canto a outro.
4
Termo nativo que designa os pequenos bilhetes compartilhados na prisão (Diniz, 2015).
5
Os vasos comunicantes (pessoas, objetos, artefatos tecnológicos), segundo Godoi (2010), “operam a
conexão da prisão com outros territórios, e de algumas estruturas societárias que são produzidas em
função dessas conexões” (p. 60). A partir desses, opera-se um uxo de informações com a vida de fora,
que propiciam articulações diversas que vão desde a manutenção de vínculos afetivo-sexuais, familiares
e até mesmo conexão com atividades ilícitas, como o trá co de drogas, armas, sequestros e outros tipos
de práticas.
SEXUALITÉ, JUSTICE ET CONTRÔLE MIGRATOIRE
Cette intervention discutera des façons dont la sexualité est affectée par le
traitement policier et pénal en matière de contrôle migratoire. Elle s’inspire de
plus de quinze ans de recherches ethnographiques et d’entretiens biographiques
ainsi que d’une expérience professionnelle en tant que juriste dans le domaine
du droit des étrangers. En prison et à l’extérieur, dedans et dehors, j’ai défendu
des étrangers qui allaient être expulsés vers leur pays d’origine suite à une
condamnation pénale pour des faits de droit commun ou pour des faits liés à
leur statut migratoire (voir Boe, 2016; Boe, 2019; Boe et Fischer, 2010).
L’analyse se nourrit également du travail mené avec le collectif Cette France-là
(Barthélémy et ali., 2009, 2010, 2012)
Aujourd’hui, à travers les parcours de trois couples bi-nationaux, je vais
analyser trois façons dont les lois migratoires et leur application produisent des
injonctions qui poussent citoyens étrangers et français à faire preuve de
performances particulières de leur vie de couple et de leur sexualité. Les
pratiques du contrôle des mariages bi-nationaux effectués aux consulats
français à l’étranger “s’exercent en amont de la frontière physique et avant
l’arrivée sur le territoire d’immigration, à la frontière étatique délocalisée qu’est
le consulat” (Infantino, 2013, p. 79). Depuis le milieu des années 2000, les
employés de consulat sont sommés de considérer chaque mariage bi-national
comme suspect (Ferran, 2009; Infantino, 2013; Neveu Kringelbach, 2013).
Dans un mouvement parallèle, la multiplication des contrôles d’identité par la
police, les arrestations de personnes en situation irrégulière en vue de leur
éloignement du territoire, leur placement en centre de rétention administrative
et le contrôle migratoire au sein des institutions carcérales participent à la
constitution de “frontières internes” au sein même des frontières externes de
l’état-nation (De Genova, 2002; Boe, 2016, 2019). Sur le territoire français, les
lois et discours qui régissent les mariages entre bi-nationaux depuis le début des
années 2000 transforment, de fait, des agents de l’état, en “gardes-frontières de
la nation”, comme l’a formulé Myriam Ticktin (2011). Ainsi, de nombreux
agents de l’état – policiers, maires ou employés de consulats – se rendent juges
de la sexualité de citoyens et de leurs partenaires étrangers, selon des normes
plus ou moins dé nies par la loi (voir aussi Cimade, 2008; Ferran, 2009,
Infantino, 2013; Maskens, 2013).
La généralisation du contrôle migratoire au sein des pratiques policières et
pénales, crée des situations où, pour citer l’anthropologue états-unienne Susan
Bibler Coutin, “le statut légal prend la même importance que l’ethnicité, le
genre et la classe sociale” (Coutin, 2000, p. 52, ma traduction).
Après cette courte introduction, et pour discuter cette affirmation par Susan
Bibler Coutin, je vais commencer par analyser le parcours de deux jeunes,
Jennyfer et Jean-Christian.
Il m’a tout de suite dit qu’il était en situation irrégulière. Avant de le rencontrer,
je ne connaissais personne qui vivait dans la clandestinité. J’ai découvert
combien c’est dur de vivre tout le temps la peur au ventre. Un jour, la police
arrêtait toutes les voitures pour faire des contrôles d’identité. On s’est arrangé
pour le faire sortir discrètement de la voiture. Ça m’a fait peur, peur pour lui, et
peur de me faire arrêter avec un sans-papiers dans la voiture.
Je voudrais, après ces deux aperçus des suspicions qui entourent les couples
mixtes et leur criminalisation, ainsi que de la centralité de certaines
performances de la sexualité comme preuve de la légitimité d’un couple, qui
peuvent se décliner très différemment selon des normes prescrites par les états,
évoquer un dernier exemple empirique, celui de omas et Betty jeune couple
séparé d’abord par la prison et ensuite par la frontière.
J’ai rencontré Betty, jeune ivoirienne, à la maison d’arrêt de Fresnes, où je
travaillais pour l’association la Cimade et où j’apportais une aide juridique aux
étrangers incarcérés. Lorsque nous nous sommes rencontrées la première fois,
Betty m’a expliqué qu’il lui restait deux mois de prison avant d’être libérée. Elle
faisait l’objet d’une “interdiction du territoire” de trois ans, peine
supplémentaire prononcée par le juge qui l’avait condamnée. Cette interdiction
signi ait en pratique que le jour de sa libération de prison, une escorte de
policiers viendrait la chercher et l’amènerait soit directement à l’aéroport d’où
elle serait expulsée vers Abidjan, soit en centre de rétention administrative.
Dans ce lieu d’enfermement pour étrangers en procédure d’expulsion ou
d’éloignement du territoire français, elle pouvait être retenue
administrativement après sa peine de prison pendant quelques jours ou
quelques semaines en attendant d’être expulsée.
Betty m’a expliqué que omas, son petit-ami français qu’elle avait connu
avant son incarcération, avait fait des démarches avec elle a n que le couple
puisse se marier en prison. Ils espéraient ainsi arrêter son expulsion. Les
démarches pour se marier en prison sont cependant longues, et ne pouvaient
aboutir avant la libération de Betty. J’ai alors appris à Betty que le mariage avec
un citoyen français à quelques semaines de son expulsion ne suffirait
probablement pas à empêcher son expulsion, car il y a une exigence de vie
commune. Il ne suffit pas d’être marié, encore faut-il avoir vécu ensemble dans
un même foyer pendant une période qui a augmenté de six mois à trois ans,
après les changements de loi successifs des années 2000 (Ferran, 2009).
Betty m’a demandé si je pouvais rencontrer son petit-ami, omas, à
l’extérieur, a n de le conseiller sur les solutions possibles – se marier à Abidjan
après l’expulsion de Betty? Attendre trois ans qu’elle ait le droit de redemander
un visa au consulat français d’Abidjan pour la France, en tant que conjoint de
citoyen français? Je lui ai donné mon numéro de téléphone a n que omas
prenne rendez-vous avec moi, s’il le souhaitait. J’ai ensuite quitté la détention
et j’ai rejoint le bureau des assistantes sociales de la prison a n de leur parler
des démarches à faire pour aider les différents prisonniers de nationalité
étrangère que j’avais rencontrés ce jour-là.
Lorsque j’ai évoqué Betty, les assistantes sociales ont longuement débattu
du cas de omas et Betty. omas était-il un “sauveur” ou une “menace” pour
Betty? Était-il un jeune homme éperdument amoureux, qui se faisait peut-être
manipuler par une femme étrangère en vue d’un mariage “gris”? Ou bien était-
il impliqué dans l’affaire qui avait valu à Betty d’être incarcérée? Était-elle une
femme manipulée et exploitée? Cette discussion était vive parmi les assistantes
sociales, mais la majorité d’entre elles parlaient de omas dans des termes
positifs. A la prison des femmes, il est rare qu’un petit ami vienne voir sa
compagne à tous les parloirs et soit à tel point présent pour elle (voir aussi
Rostaing, 1997; Diaz-Cotto, 2006; Comfort, 2008; Ricordeau, 2008; sur la
sexualité et les prisons voir, Ricordeau et Schlagdenhauffen, 2016).
Le temps de la peine de Betty ne permettant pas d’organiser un mariage en
détention, le couple a essuyé un refus à leur demande de passer devant le maire
avant la libération/l’expulsion de Betty. omas m’appelle pour me l’annoncer
et pour me demander que l’on se rencontre. Je lui donne rendez-vous à la
terrasse d’un café. J’arrive à l’heure, mais sur la table, les tasses vides et le
cendrier rempli de mégots révèlent qu’il m’attend déjà depuis un moment. Il
est très agité, il fait monter et descendre son genou de façon rythmique,
frénétique sous la table, il saute presque sur sa chaise. Je commande un café et
dès que le serveur s’est éloigné, omas se penche sur la table pour s’approcher
de moi et me souffler:
J’ai eu une idée. J’ai amené une seringue en plastic, une seringue de cheval.
Juste avant d’aller au parloir, je l’ai remplie de sperme. Je l’ai passé à Betty sous
la table du parloir et lui ai dit de s’inséminer avec le plus vite possible. J’ai lu
que le sperme reste vivant 24H, mais il vaut mieux ne pas perdre de chances. Si
elle est enceinte d’un français, ils ne vont pas quand même pas l’expulser?
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MEMÓRIAS DO APRISIONAMENTO DAS MULHERES NO BRASIL: COMO
PUNIR E O QUE VIGIAR?1
INTRODUÇÃO
Gênero é a organização social da diferença sexual. Mas isso não signi ca que o
gênero re ita ou produza diferenças físicas e naturais entre homens e mulheres;
mais propriamente, o gênero é o conhecimento que estabelece signi cados para
diferenças corporais. [...] Não podemos ver as diferenças sexuais a não ser como
uma função de nosso conhecimento sobre o corpo, e esse conhecimento não é
puro, não pode ser isolado de sua implicação num amplo espectro de contextos
discursivos (Nicholson, 2000, p. 34).
Õ
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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NOTAS
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
2
Tradução livre.
3
Tradução livre.
4
Tradução livre.
ESTAR, VIVER, ATRAVESSAR A PRISÃO – IMPLICAÇÕES POLÍTICAS E
REDES DE ATIVISMO
ATORES INSTITUCIONAIS E A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
CARCERÁRIAS: FRONTEIRAS FICTÍCIAS ENTRE “ESTADO”, “SOCIEDADE
CIVIL” E “ATIVISMO” EM MEIO A PROCESSOS DE ESTADO GENERIFICADOS
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NORMATIVAS:
1
Os termos nativos estão escritos no trabalho em itálico, ao passo que as citações diretas virão entre
aspas.
2
O mestrado foi realizado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense, sob a orientação do Prof. Dr. Daniel Hirata.
3
Para um estudo que privilegie as trajetórias e tenha como principais interlocutoras pessoas
representantes da população LGBT encarcerada, ver Boldrin (2014, 2017), Sander (2016), Zamboni
(2017), Ferreira (2014) e Passos (2014).
4
O Presídio Evaristo de Moraes, ou “galpão” da Quinta, como é popularmente chamado – devido a suas
paredes não alcançarem o teto, à semelhança de um galpão –, localiza-se no bairro de São Cristóvão, na
zona norte da capital uminense, entre a Quinta da Boa Vista e o morro da Mangueira. Nesse presídio,
reúnem-se, além de minorias, acusados e condenados por crimes sexuais, assassinatos e por outras
tipi cações consideradas “odiosas” que, como disseram em mais de uma ocasião os agentes
penitenciários, constituem a “escória do crime”. São aqueles que, ou pelos crimes em que foram
enquadrados, ou por terem traído alguma das grandes facções – notadamente, o Comando Vermelho
(CV), a Amigos dos Amigos (ADA) e o Terceiro Comando, no Rio de Janeiro –, precisavam estar no
seguro, caso contrário, correriam risco de morte. A edi cação desse presídio como “modelo”, por sua
vez, é produzida pelo discurso subjacente dos direitos humanos da vulnerabilidade e do risco, pela
narrativa de necessidade de um espaço seguro para os novos sujeitos de direitos vulneráveis, a
“população LGBT privada de liberdade”. Essa edi cação, assim, traz, por um lado, um status de
“sucesso” ante o sabido fracasso do Sistema Penitenciário nacional, sucesso este que necessita ser
intensamente visibilizado. Por outro lado, o encarceramento dessa população LGBT é produzido como
um fenômeno externo às instituições masculinistas; externo aos aparelhos de Estado.
5
A inserção nesse presídio, durante o segundo semestre de 2016, deu-se na condição de assistente e
estagiária de uma defensora pública responsável pela realização de uma pesquisa, uma vez que o acesso
via autorização da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária não se formalizou. A pesquisa
da defensora pretendia, por um lado, traçar um per l das pessoas autoidenti cadas como transexuais e
travestis no presídio Evaristo de Moraes, apontando-se dados numéricos, cor, faixa etária, tipo de
crime, se presas provisórias ou não, além de questões mais especí cas, como sexo biológico, nome
social, gênero com o qual se identi ca e realização de cirurgia de transgenitalização. Após essa
sistematização, a proposta era, por meio de sondagens estatísticas comparativas, delimitar a população
trans aprisionada no Evaristo de Moraes em relação à totalidade de presos no Sistema Penitenciário
uminense. Além disso, com o preenchimento de um questionário e da observação do espaço
prisional, a pesquisa buscava um diagnóstico sobre o cumprimento das disposições contidas na
Resolução 558, de 2015, da SEAP (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) – que
estabeleceu diretrizes e normativas para o tratamento da população LGBT no Sistema Penitenciário do
Estado do Rio de Janeiro.
6
Tanto a primeira Conferência Nacional como a Estadual do Rio de Janeiro foram convocadas
utilizando-se a sigla “GLBT”. Durante a Conferência Nacional, após decisão da plenária nal, a sigla
foi alterada para “LGBT”, no intuito de fomentar a visibilidade de mulheres lésbicas, representadas
pela letra “L”. Facchini (2005) faz uma discussão aprofundada sobre a dinâmica das mutações de siglas
e termos ao longo das últimas décadas.
7
No livro Retratos da política LGBT no estado do Rio de Janeiro, partes da entrevista com Claudio
Nascimento, então coordenador do Programa Rio Sem Homofobia, conduzida por Silvia Aguião,
exempli cam o fazer Estado por meio do fazer cena de Estado, tal como: “C.N.: [...] Nesse ínterim, a
gente vinha também, desde 2010, negociando o lançamento da campanha do Rio Sem Homofobia,
que era uma reivindicação da conferência: fazer uma campanha publicitária para todo o estado,
envolvendo anúncio de TV, anúncio de rádio, material grá co, lançamento em várias partes do estado
[...] A gente lançou em maio e também com uma grande cerimônia aqui – com a presença da senadora
Marta Suplicy, do então secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Rodrigo Neves, e
do governador Sérgio Cabral”; e também: “C.N.: Teve o projeto da campanha publicitária em 2009 e
2010, e em 2011 já zemos. E a campanha, só de exibição em televisão e rádio, são R$ 4,4 milhões –
fora os lançamentos, mais os materiais grá cos, mais o pagamento da empresa que realizou e tudo
mais, quase R$ 7 milhões. Fora o orçamento de 2011, da execução das ações aqui; então, realmente, o
orçamento de 2011 foi um orçamento bem gordo, foram quase R$ 10 milhões. E se a gente pensar, em
se tratando de uma política especí ca, de um segmento único, nem a política da mulher, a da
igualdade racial, a de setores especiais – isso fazendo um comentário lateral – tiveram esse aporte”
(Carrara et al., 2017, p. 223-225).
8
Em “História da sexualidade I”, Foucault (2015) mostra um sexo colocado em discurso à exaustão, e
não um sexo reprimido e silenciado, colocando-se além da hipótese repressiva. Por “hipótese
repressiva”, refere-se a ideia de que a repressão do sexo seria uma evidência histórica, indicando a
instauração ou acentuação, a partir do século XVII, de um regime de repressão ao sexo. O autor opõe-
se a essa hipótese não indicando sua falsidade, mas a recolocando “numa economia geral dos discursos
sobre o sexo no seio das sociedades modernas a partir do século XVII” e questionando a singularidade
da interdição do sexo na constituição da sexualidade do sujeito moderno (Foucault, 2015, p. 15-17).
UM EXEMPLO DE LUTA: PRISÃO, GÊNERO E ATIVISMO EM UMA
ASSOCIAÇÃO DE FAMILIARES DE PRESOS
Eu nunca achei que ia estar nessa situação. | Antes a gente tirava a roupa e
entrava lá às 10 horas. Hoje tem uma máquina e a gente entra só às 14h30. |
Por que as carteirinhas da SAP não são feitas no Poupatempo? Por que a gente
tem que car na la?
Ah, porque dizem que nunca deu nada. Nunca deu nada antes. Mas agora a
gente não tá fazendo barraco, a gente tá indo pela lei. | A gente convenceu que
nós precisaríamos fazer um movimento na legalidade. | Já zemos denúncia em
muitos lugares. Ministério Público, Brasília, Condepe, CNJ. Todos os órgãos
que devia nós já chegamos. Daqui a pouco a Carmen Lúcia vê isso e eles entram
na parada. Escreve o que eu tô falando. | Já fui pra Brasília, já conversei com
Erika Kokay, com assessor da Carmen Lúcia e só escuto uma coisa das bocas: a
união das famílias pra vencer! | Esse pacto de São José da Costa Rica... leva pra
audiência de custódia que durou três minutos, eu estava lá. Ninguém foi solto.
A decisão já estava pronta. Carmen Lúcia já falou que [trá co] não é crime
hediondo, mas não adianta. | Quero pedir a todos, Eduardo Suplicy... que são
maiores que a gente, que nos socorram.
O GIR passou o cassetete no ânus do preso. Isso é uma humilhação. | O GIR é
um bando de covarde. COVARDE! São uns homens mascarados que não têm
coragem de mostrar a cara.
Meu marido me ligou ontem chorando (Trechos de falas das participantes da
audiência. As marcações são minhas).
Õ
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1
As palavras, expressões e frases em itálico são ditas pelas pessoas com quem converso em campo.
2
Este texto é tributário de minha participação no workshop “Prisões, sexualidades, gênero e direitos”,
realizado em 2018, na UERJ. Agradeço às organizadoras do evento e aos participantes pela
interlocução e debates aí ocorridos. Também agradeço a Christiano Tambascia, Isadora Lins França e
Marcio Zamboni pelas generosas leituras e sugestões.
3
A pesquisa é desenvolvida sob orientação de Júlio Assis Simões e com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
4
A revista vexatória (chamada de revista íntima pela administração prisional) consiste em veri car os
corpos das pessoas que entram nos estabelecimentos prisionais e ocorre sob a alegação de que podem
esconder objetos proibidos/ilegais (como celulares e drogas). A revista requer o desnudamento e a
exposição das partes íntimas – vagina e ânus – e pode incluir agachamentos aliados a algum esforço
físico (tossir, por exemplo) para que eventuais objetos escapem das cavidades corporais.
5
Não uso pseudônimos para me referir às integrantes da Amparar. Suas trajetórias são públicas e
reconhecidas, e trocar seus nomes me parece apagar a atuação que elas buscam construir. As familiares
que transitam pelas atividades organizadas na associação e os integrantes de outras instituições que
aparecem no texto têm seus nomes trocados ou omitidos.
6
A Fundação CASA, antes conhecida por FEBEM, é a responsável pelas medidas socioeducativas de
privação de liberdade voltadas a adolescentes acusados de cometerem atos infracionais e previstas no
Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990, art. 112, itens V-VI).
7
Exploro em outro trabalho a trajetória de Railda e o seu envolvimento com o tema das prisões. Ver:
Lago, 2017b.
8
A Pastoral Carcerária é ligada à Igreja Católica e atua no campo prisional, oferecendo assistência
religiosa a prisioneiros e intervindo na defesa de direitos de pessoas encarceradas. Mais informações
podem ser encontradas em pesquisas que tiveram algum nível de articulação com as ações da Pastoral
(Lago, 2014; Godoi, 2015 e Padovani, 2015) ou no próprio site da organização:
http://carceraria.org.br/. Acesso em 22 fev. 2019.
9
A organização da audiência envolveu algumas instituições: o Núcleo Especializado de Situação
Carcerária (NESC) da Defensoria Pública do Estado de SP, a Escola da Defensoria Pública (EDEPE), a
Ouvidoria da Defensoria Pública, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), o Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a Conectas Direitos Humanos e a Amparar.
10
Trecho extraído de reportagem sobre o GIR produzida e publicada pelo portal de notícias do estado de
São Paulo. Disponível em http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/sistema-prisional-tem-tropa-de-
elite-para-atuar-nas-penitenciarias/. Acesso em 02 fev. 2019.
11
A resolução em questão é a Resolução SAP-155, de 2009.
12
As cenas exibidas pela reportagem de 2014 foram gravadas pelo próprio GIR em 2008. O vídeo pode
ser visto no endereço: https://tvuol.uol.com.br/video/video- agra-agentes-penitenciarios-espancando-
detentos-em-sp-04024C99316AD4915326. Acesso em 02 fev. 2019.
13
O Conselho da Comunidade é previsto na Lei de Execuções Penais (LEP) e deve “representar a
sociedade” na scalização do sistema penitenciário. Seus integrantes (que se candidatam e têm a
candidatura aceita – ou não – pelos demais membros) têm a prerrogativa de visitar as unidades
penitenciárias da comarca onde o Conselho se situa.
14
Movimento paralelo ao explorado por Isadora Lins França em sua discussão sobre a produção da
categoria “refugiado LGBTI” (França, 2017).
15
A tese de Rafael Godoi (2015) explora a dimensão do tempo envolvida na realização de uma visita, e
de como as las para entrada na penitenciária se iniciam na cidade de origem da pessoa que viaja
centenas de quilômetros para encontrar o familiar preso.
16
Trata-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, documento assinado pelo Brasil. Para lê-lo
na íntegra, ver: http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/c.Convencao_Americana.htm. Acesso em 18
fev. 2019.
17
Vale lembrar que há ilegalidade também em impedir o contato das pessoas presas com seus familiares –
revelada, por exemplo, na inexistência de telefones públicos nas prisões brasileiras.
MICROPOLÍTICA DO COTIDIANO, GÊNERO E ENCARCERAMENTO
FEMININO1
Fabíola Cordeiro
Imagina o meu irmão, que com tanto sacrifício não me deixava faltar nada,
tava ali sempre comigo, chegar e me ver com a cara daquele jeito. Por quê?
Porque eu tava varrendo a cela e ela não quis tirar o pé do chão pra me deixar
varrer. O que eu podia dizer pra ele? [...] É que é muito difícil de explicar. É...
É porque lá dentro [no TB] tudo muda de proporção, entendeu? [...] Lá tudo se
resolve na gritaria, na discussão, na porrada, confusão. Então, você já tá
naquele ritmo. Não tinha como ele, uma pessoa que tá aqui fora, entendeu?
[...] tô sem falar com minha mãe. Ela vacilou e tá chateada, fazendo coisa
errada. Meu pai largou dela por isso. Mas, ela me prometeu, me prometeu que
não ia mais cheirar [fazer uso de cocaína]. Fui na cela dela falar sobre cigarro e
tava lá com o nariz todo branco. Fala! Tentou esconder, mas, não dava. A gente
brigou, eu xinguei ela, chamei de lha da puta. Fiquei com muita raiva porque
ela tinha me prometido... Aí, me deu um tapa na cara, fala! Nunca ninguém
tinha dado na minha cara. Me deu um ódio! Só num dei de volta, porque ela é
minha mãe, né? Eu não ia dar na cara dela! Tá toda arrependida. Mas, num
quero falar com ela, não.
Para mim, foi surpreendente o grau de comprometimento de Jacqueline
para com sua família de cadeia; o respeito13 e a reverência que tinha por aqueles
pais que conhecia a não mais que um ano. Ela fez ainda questão de destacar
que cuida bem do pai, arruma suas coisas, prepara sua comida, não lhe dá
trabalho como muitos dos outros lhos e lhas de cadeia. Um desses lhos, que
era como seu irmão, trazia preocupações constantes. Estava “sempre metido em
confusão”, com dívidas por drogas. Segundo ela, “o menino” já havia sido
jurado de morte, e seu pai, um dos sapatões mais antigos e temidos em todo o
sistema prisional, teve de intervir, usar de seu contexto para protegê-lo. Por m,
deu uma surra no lho para que parasse de “fazer merda”.
Não obstante, é necessária a ressalva de que as famílias de cadeia, embora
sejam um importante mecanismo de resistência no cárcere, proporcionando
aos sujeitos sentido de pertencimento e uma rede de afetos e cuidados, não são
estereótipos de um modelo idealizado de família heterossexual. Como contou
Maria, muitas internas não gostam de participar das relações de parentesco na
cadeia. Algumas fazem no máximo irmãs de cadeia, mas não lhos e lhas, ou
pais e mães. Segundo ela:
É pouca vergonha! Eu acho muito estranho. Não são bem famílias, não. Pô, tá
lá todo mundo dizendo que é parente e, de repente, tu vê pai pegando lha,
irmão com irmão, ou o pai tem mais de uma mulher. E todo mundo lá
misturado! [risos].
Bem feito para a Karen, é uma idiota mesmo. Nunca vi isso! Vai car tratando
presa como se fosse babá? Se fosse eu, tinha logo sacado a arma e mandado a
lha da puta descer. Se viesse de gracinha, já dizia logo: ‘então, vou considerar
que você tá tentando fugir e atirar na sua cara, você quer?’. Ela [Karen] pelo
menos registrou no livro?” – bradou uma agente que trabalhava na direção em
meio a acenos de aprovação dos colegas com quem discutia o caso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo busca contribuir para a discussão sobre encarceramento
feminino e opressão a partir das narrativas de mulheres que cumpriram parte
de suas penas na Penitenciária Talavera Bruce. Nos depoimentos analisados,
sobressaem estratégias de (re)construção de si que permitem dar coerência e
sentidos variados às experiências das entrevistadas na prisão. Os dispositivos
disciplinares que constituem a prisão são, como apontou Foucault (2006
[1976]), um conjunto heterogêneo de mecanismos e estratégias de poder que
se exercem sobre o tempo e sobre as mentes e os corpos.
O cotidiano no TB é marcado por tensões permanentes entre o “dentro” e o
“fora”, que se expressam em con itos, vínculos e continuidades entre relações
econômicas, políticas e afetivas. Relações essas sempre perpassadas por práticas
institucionais e por organizações e esquemas (legais e ilegais) – como
demonstra o que denominei de “o problema da droga”. Nesse sentido, analisar
a micropolítica da vida em uma penitenciária como a Talavera Bruce permite
identi car a importância de estratégias e mecanismos de resistência enquanto
“o outro termo nas relações de poder”, “seu interlocutor irredutível” (2011
[1972], p. 29, grifo meu).
A construção de mecanismos de estabilização da vida e previsibilidade se
traduz em uniões conjugais, famílias de cadeia, religiosidades, práticas de
intercâmbio material e simbólico e redes de ajuda mais ou menos estáveis.
Entre burocracias, sociabilidades e favores, revela-se a porosidade do Estado; os
interstícios que podem conferir à pessoalidade um lugar central nas práticas de
gestão da vida e na conformação de instituições. Analisar o banal, o cotidiano,
desvela inevitavelmente con itos, bem como possibilidades e práticas de
resistência, constitutivos dos jogos de poder.
REFERÊNCIAS
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[1976].
Vilaça, Aparecida. O parentesco como um fato da cosmologia na Amazônia. Trabalho apresentado no GT
“Uma notável reviravolta: antropologia (brasileira) e loso a (indígena)”, do XXV Encontro Anual da
ANPOCS. Caxambu, Minas Gerais – Brasil, 2001.
NOTAS
1
Deixo registrados meus sinceros agradecimentos às organizadoras e aos participantes do workshop
“Prisões, sexualidades, gênero e direitos: desa os e proposições das pesquisas contemporâneas”,
realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entre 11 e 13 de abril de 2018. O
encontro foi marcado por intensas trocas e re exões, sendo fundamental para os avanços em meu
trabalho.
2
Agradeço à Bila Sorj pela generosidade no processo de orientação de tese e às companheiras do
NESEG/PPGSA/UFRJ pelo apoio e pelas ricas discussões ao longo do desenvolvimento da pesquisa.
3
“e notion of ‘managing sexuality’ involves two dimensions. e rst is the subjection of inmates’
sexuality to institutional monitoring and intervention by the deployment of disciplinary mechanisms.
e second dimenson concerns the exercise of sexuality and inmates’ sexual and emotional relations
while in jail. Drawing on my research at the Talavera Bruce facility I aim to understand how these
disciplinary practices operate within the web of social relations and everyday life in prison, as well as
their efects on the ways sexuality is exercised by the inmates” (Cordeiro, 2013, p. 225).
4
Saskia Wieringa é antropóloga e professora sênior na Universidade de Amsterdã, Holanda.
5
SEAP-RJ é a sigla utilizada pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro.
6
Janaína não participava das ações da ONG dentro do sistema prisional.
7
ISAP é a sigla para Inspetor de Segurança e Administração Penitenciária.
8
Para mais informações sobre as instalações e conformação socioespacial da Penitenciária Talavera Bruce,
ver Cordeiro, 2016.
9
Como destacam Diuana et al. (2017, p. 732), “Após a prisão, as gestantes e mulheres com lhos são, em
geral, transferidas das unidades prisionais onde estavam presas, localizadas, quase sempre, na
proximidade de suas residências e de suas famílias, para a capital, o que aumenta os gastos e o desgaste
da família para visitá-las, di cultando as trocas e interações com suas redes de sociabilidade e o acesso a
recursos sociais de apoio e proteção. Tudo isto restringe sua capacidade de ação e as coloca em situação
de dependência perante a administração penitenciária tanto para cuidar dos lhos que estão longe,
como daqueles que estão com elas”.
10
O termo sapatão empregado aqui é uma categoria própria ao sistema prisional feminino para referir
prisioneiras com performances de gênero masculinas que se relacionam exclusivamente com mulheres
autoidenti cadas como heterossexuais. É importante ressaltar que não necessariamente essas pessoas se
enquadram ou se identi cam com a categoria transexual utilizada pela academia e os movimentos
sociais. Mas, frequentemente, os sapatões usam um nome social masculino no interior da unidade,
adotam técnicas corporais e uma estética associada ao masculino, além de serem referidos como
meninos por outras internas.
11
Vilaça (2001) destaca que, a partir dos anos 1990, sob a in uência do feminismo, os estudos sobre
parentesco deixaram de se voltar para a relação entre o social e o biológico, para explorar a
complexidade do que é concebido como biológico. As análises voltam-se para as noções “nativas” do
corpo e da consubstancialidade, que deixa de ser pensada como uma relação condicionada pelo
nascimento, e sim como um processo que se produz por meio de “atos de partilha” – em especial, da
comensalidade e ao cuidado mútuo.
12
A noção de multinaturalismo ou perspectivismo de Viveiros de Castro (1996) para expressar o modo
como os ameríndios concebem a natureza foi uma contribuição importante nesse cenário.
13
Cabe pontuar que a noção de respeito que emerge na fala de Jacqueline sobre a relação com seus
familiares de cadeia se assemelha àquela que Claudia Fonseca (2000) identi cou entre mulheres
populares em seu estudo Família, fofoca e honra: etnogra a de relações de gênero e violência em grupos
populares. E isso pode ser a rmado também para as demais entrevistadas envolvidas em relações de
parentesco por a nidade no cárcere.
14
Utilizo aqui a expressão “fazer informantes” por entender que essas relações de caguetagem envolvem
expedientes que implicam a construção intersubjetiva de alianças, cumplicidades, interesses e
conhecimentos.
DO EXÍLIO AO AUXÍLIO
INTRODUÇÃO
[...] efetuar, com seus próprios meios ou com a ajuda de outros, um certo
número de operações em seus próprios corpos, almas, pensamentos, conduta e
modo de ser, de modo a transformá-los com o objetivo de alcançar um certo
estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou imortalidade (Foucault,
2004, p. 323-334).
Ou seja, relacionar-se afetiva e/ou sexualmente com outras pessoas na prisão
produz dobraduras – em si, nos outros, nas relações de poder, nas instituições
Segurança e Prisão – que envergam, modi cam, transformam as relações de
poder. É nesse sentido que pensar o jogo estabilidade/instabilidade da
Segurança a partir dessas relações faz ver a dinâmica que produz outras
subjetividades, que (re)produz subjetividades que poderiam ser chamadas de
hegemônicas, en m, que articula saberes, regimes de verdade, relações de
poder, resistências e capturas na produção do cotidiano da prisão.
Pode ser também interessante pensar essa discussão a partir de Judith Butler
(2010) e da ideia de que toda norma contém em si forças capazes de destruí-la,
rompê-la. Ou seja, instituir essa Segurança-com-S-maiúsculo signi ca,
concomitantemente, engendrar uma determinada ordem, uma determinada
norma, e a possibilidade de resistir a ela:
Mesmo que a prisão atue de modo a moldar os corpos dos sujeitos às normas por
ela engendradas, o estabelecimento de uma norma envolve, necessariamente, a
possibilidade de quebrá-la, visto que ela só se a rma enquanto norma em face
de sua própria destrutibilidade, pela con rmação de sua vulnerabilidade. É
possível, assim, ir além da construção de novos marcos e normas que regem a
organização social, rompendo os marcos existentes e criando novos arranjos,
novos movimentos. As instituições de privação de liberdade, nesta perspectiva,
podem ser entendidas como dispositivos que, ao mesmo tempo em que operam
cristalizações das normas, podem engendrar a criação de novas estratégias de
existências (D’Angelo, 2017, p. 104).
Õ Ó
CONCLUSÕES PROVISÓRIAS
1
Opto por fazer a exão de gênero e não me ater à categoria “presa” por entender que as prisões
femininas contemplam experiências de gênero muito diversas, que não podem ser classi cadas sob os
termos “mulher” ou “presa”. Há mulheres, homens trans, sapatões, lésbicas, mulherezinhas,
mulheríssimas etc., e essas categorias são acionadas para designar expressões e experiências de gênero
distintas entre si, de modo que pressupor uma homogeneidade que possa ser resumida à “mulher presa”
não dá conta de acompanhar todas essas performatividades. Dessa forma, a opção por usar “presa/o” é
uma tentativa de chamar a atenção para essa multiplicidade que não se restringe à experiência de
feminilidade(s).
2
O Projeto Vida é um projeto da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro
por meio do qual professoras(es), pesquisadoras(es) e pro ssionais, de maneira voluntária, propõem
atividades, o cinas e palestras em unidades prisionais masculinas e femininas sobre temáticas
relacionadas ao tema guarda-chuva “Saúde e Cidadania”.
3
Uso, aqui, a noção de que as pessoas presas em prisões femininas são necessariamente mulheres, uma
vez que é essa a percepção institucional a respeito das pessoas privadas de liberdade em unidades
femininas, ainda que, conforme apontado, a categoria “mulher” não dê conta de descrever a
multiplicidade das experiências de gênero que habitam unidades prisionais femininas. Ou seja, mesmo
quando há reconhecimento institucional das performatividades e experiências de pessoas que não se
enquadram nas feminilidades, há ainda a percepção institucional de que se trata de mulheres que,
circunstancialmente, atendem por nomes tidos como masculinos e reivindicam experiências tidas como
masculinas.
ETNOGRAFIA EM DIAS DE VISITA: O TRÂNSITO E AS INTERAÇÕES NAS
FRONTEIRAS POROSAS DE PRISÕES FEMININAS
INTRODUÇÃO
Este foi meu primeiro estudo etnográ co. Esta estreia se deu em campos
desa adores: os espaços de fronteiras de duas prisões femininas de regime
fechado. Nesses cenários que margeiam as prisões, conheci e interagi com
visitantes, as referências mais óbvias, quando pensamos nas porosidades das
instituições prisionais. Eles são pontes, “vasos comunicantes” (Godoi, 2015)
que conectam sicamente os lados de dentro e de fora do cárcere.
Para além dessas delimitações territoriais, há a ocupação simbólica da
fronteira, nas quais diferentes identidades cruzam-se e somam-se (Anzaldúa,
2012). Trata-se de “estar no limite, viver em um cenário em que os sujeitos
cruzam constantemente fronteiras de identidade [...] implica um caráter
transitório, inde nido na formação da individualidade social e cultural, resulta
instabilidade identitária” (Figueiredo e Hanna, 2018, p. 11). Nesse sentido,
todos os que estão transitando nas margens acionam diferentes percepções,
muitas delas contraditórias.
Para as instituições prisionais, os visitantes despertam suspeitas: tudo neles e
deles deve ser revistado. Ao mesmo tempo, a eles foi deslocada a
responsabilidade estatal de fornecimento de alimentação, vestuário e materiais
de higiene. Logo, os visitadores são, simultaneamente, depositários de
descon anças e de exigências do Estado e da sociedade.
Melissa e Nelci também estão na fronteira. Ambas estabelecem genuínos
laços de amizade e afeto com os visitantes, mas necessitam da existência – e até
mesmo do aumento – da população prisional para tirar seu sustento. É uma
contradição inerente ao trabalho delas.
Eu, igualmente, estou nessa margem, no “entre-lugar” (Anzaldúa, 2012)
fronteiriço. Em meu crachá, demostrava minha intenção de ser vista como uma
estudante, mas essa identi cação, por muitas vezes, parecia servir apenas a
mim, considerando as mais distintas percepções e expectativas que despertei
em meus interlocutores. Nesse sentido, meu deslocamento nos cenários do
entorno das prisões parecia decisivo. Quando estava em volta dos comércios,
minhas investidas com os visitantes eram facilitadas; eu era mais bem-recebida.
Melissa e Nelci eram fundamentais, pois legitimavam minha presença e minhas
intenções acadêmicas. Já nas proximidades da sala de revista, eu era mais
facilmente associada à equipe de segurança, e as descon anças aumentavam.
Pessoalmente, foi uma experiência enriquecedora, que me fez ressigni car o
que eu já conhecia sobre as prisões. Transitar no entorno das cadeias me fez
perceber que junto às dores e às di culdades de realizar visitas há também a
formação de redes de apoio, mesmo que construídas informalmente. É nos
espaços de espera, nos arredores do cárcere, que se tecem a maior parte dessas
redes. E, de algum modo, para algumas mulheres, eu fazia parte desse suporte,
mesmo que nem sempre percebesse isso. Esta, na realidade, foi a descoberta
mais reveladora: preciso ser escudo.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
1
O interesse pela temática surgiu na época em que eu trabalhava como psicóloga em uma prisão
exclusivamente masculina. Impressionava-me a quantidade de mulheres que visitavam seus
companheiros presos e que com eles tinham lhos.
2
Segundo a bibliogra a encontrada, a maior parte das mulheres presas não recebe visitas de seus parceiros
(Barcinski, 2012; Bassani, 2016; Brasil, 2008; Diniz, 2015; Diuana et al., 2016; Frinhani e Souza,
2005; Lopes, 2007; Minayo e Ribeiro, 2016; Modesti, 2013; Pereira, 2016 e Soares et al., 2014).
3
Ser visitante, ter algum ente preso.
4
Sacola é o conjunto de materiais que os visitantes levam às mulheres presas.
5
Todos os nomes apresentados são ctícios.
6
De acordo com o órgão estadual responsável pela execução administrativa das penas privativas de
liberdade, não são autorizadas nas prisões: “roupas curtas ou transparentes, shorts, bermudas e saias
acima do joelho, regatas, babylook, meia calça, sutiã com enchimento ou armação, perucas, apliques,
joias, bijuterias, chapéus, bonés, toucas, velas, cintos e outros adornos metálicos e/ou pontiagudos”.
Ainda, somente é permitida a entrada se a pessoa estiver usando “calçado ou tênis (solado baixo, não
acolchoado, sem metal, sem amortecimento, estilo futsal)”.
7
Desde 2010, uma prisão masculina, com capacidade para abrigar 672 homens, está sendo construída no
terreno ao lado da penitenciária feminina.
8
Visitantes assíduos e de longa data.
9
Para conhecer melhor a investigação conduzida com os homens visitantes, ver: “Masculinidades no
cárcere: homens que visitam suas parceiras privadas de liberdade” (Lermen e Silva, 2018).
PORQUANTO PORTAR-SE PORTÃO: PERMUTAS E TRÂNSITOS
INSTITUCIONAIS NO ATRAVESSAR DA VIDA
Natalia Negretti
Uma praça com WiFi e um posto móvel da polícia militar. Alguns troncos
verticais altos, outros horizontais em bancos. Carros da polícia civil beiram o
arredondado largo, que dá passagem a hotéis, brechós, hospital, restaurantes,
mercado de ores e um prédio da Secretaria de Educação. O largo dá também
caminho a outras partes conhecidas do centro de São Paulo. Em um percurso
possível, o Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania faz parte do
marchar rumo aos Campos Elísios. Em frente ao departamento, e de onde
ainda se pode ver o Largo com outras instituições de governo, há mais um
prédio, para o qual Junquilho retornou após quatro anos (Diário de Campo,
janeiro de 2019).
Este texto1 pretende se dedicar a uma re exão sobre trânsitos institucionais.
A partir de uma etnogra a realizada para minha tese de doutorado,2 nesta
ocasião reúno a interlocução com Junquilho, sua menção à “engrenagem”,
levantamento documental e bibliográ co, para me debruçar num duplo
exercício: cadenciar a relação entre prisão e centros de acolhida especiais para
idosos no município de São Paulo e apresentar o curso da vida como
instituição fundamental para a trajetória desse interlocutor sob o entendimento
de duas de nições relacionais da noção de governamentalidade (Foucault, 1979
e 2006). O texto está dividido na apresentação da categoria pública do tipo de
instituição na qual esse interlocutor se encontra hoje, seguida de parte de sua
trajetória.
Tenho buscado, por meio de um trabalho etnográ co, aproximar-me de
trânsitos institucionais e trajetórias sociais, partindo da interlocução com
moradores de centros de acolhida especiais para idosos, cuja sigla paulistana é
CAEI. A começar de um CAEI primordial para a pesquisa, que denomino de
Guarida Lia, localizado em São Paulo e gerido por uma Instituição Religiosa
Católica conveniada com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e
Assistência Social de São Paulo (SMADS), a circulação de alguns interlocutores
pela rede socioassistencial3 pôde ser acompanhada, assim como outros
“serviços”, conforme descrição da Secretaria, conhecidos.
Alocados como sujeitos no trânsito social daquelas populações construídas
como vulneráveis por diferentes políticas públicas, e que se concentram hoje em
CAEI, os interlocutores de pesquisa, a depender da situação, podem ser
descritos pelo trânsito entre diferentes regimes de instâncias governamentais, a
partir de terminologias com distintos cunhos, mas que convivem umas com as
outras, tais como: população em situação de rua, sem-teto, egressos do sistema
prisional, trabalhadores informais, idosos, velhos, abandonados, dependentes
químicos, marginais, moradores de rua.
Desse modo, como lugar primordial da pesquisa de campo, a Guarida Lia
tem sido um lugar-chave (França, 2010) para além do acesso a outros CAEI e
“serviços” da rede socioassistencial, mas, em conjunto com esse trânsito, às
ambiguidades das categorias vulnerabilidade e envelhecimento, ao acesso das
ssuras entre amparo e controle a partir das práticas de convivência e regras em
centros de acolhida e ao curso da vida como instituição nas políticas públicas
gestadas em grande parte pela SMADS. As atribuições de sentido de tais
políticas constroem também esses lugares.
Analisar as agendas públicas e empreender um trabalho etnográ co que
envolve esses temas acarretou, além de um passeio pelas estratégias distintas
voltadas para a gestão de determinadas populações – que se diferenciam no
curso da vida –, um esforço para relacioná-los. A noção de governamentalidade,
de Michel Foucault, permite a análise de um “conjunto de instituições,
procedimentos, análises e re exões, cálculos e táticas que pretendem exercer
esta forma bastante especí ca de poder, que tem por alvo a população, por
forma principal de saber, a economia política e, por instrumentos técnicos
essenciais, os dispositivos de segurança” (Foucault, 1979, p. 291). Do mesmo
modo, para analisar trajetórias sociais, é importante tomar mais uma noção da
arte de governar de Michel Foucault:
As portas de um só corpo
No embalo da mala, embalagem vendendo
Vedando, minhas portas, meus sentidos
Minha chave, meu segredo, mil cuidados, não ter medo
Pisca, pisca, em ti e em mim, coisas assim
– A mala, Ednardo
Aos setenta anos, Junquilho está na rede socioassistencial desde 2012. Uma
das primeiras apresentações que fez a mim sobre sua trajetória foi acerca de seu
período preso. Esteve em privação de liberdade pela primeira vez entre 1986 e
1991. Transitou entre uma unidade prisional em Sorocaba, o Carandiru e uma
colônia penal. Até a segunda prisão, morou em distintas cidades e se casou pela
segunda vez. Com a última separação, foi morar com sua irmã na região leste
do município de São Paulo. Em 2011, foi preso novamente. Na segunda
prisão, cou um ano e três meses e, em 2012, ao retornar para a casa da irmã,
então falecida, foi impedido pelo seu irmão de permanecer. Desde então,
transita em diversos centros de acolhida especiais para idosos.
Junquilho retornava para um dos centros de acolhida especiais para idosos
(CAEI) em que morou quatro anos antes. Nesse mesmo deslocamento, uma
nova de nição que Junquilho passava a trazer em nossa conversa, ao se referir
àquele espaço, parecia, longe de uma confusão de terminologia, uma
compreensão sobre a violência do CAEI ao compará-lo com uma instituição
pela qual também já passou. Substituía, assim, o termo “acolhida” por
“acolhimento” num exercício de observar as relações entre escuta e vínculo
estimuladas na área da Assistência Social ao mesmo tempo que conectava o
CAEI à prisão:
Pessoal personalizado e capacitado para lidar com idosos. Aí eles põem agressores
aí; funcionários que já trabalhou de carcereiros [...] lá no Centro Dunas8 dois
que trabalham a noite são carcereiros até me reconheceram... um falou ‘Seu
Junquilho, eu já vi o senhor’... aí depois que ele falou ‘o senhor morava no 56
ali na, no Castelinho, em Franco da Rocha... agora que eu lembrei... o senhor
trabalhava num escritório que tinha embaixo da escada quando vai para a
administração’ (Junquilho, 2019).
O olhar ao egresso prisional que sofre preconceitos e é mal visto por uma
sociedade preconceituosa que intitula todos os egressos como: vagabundos,
mendigos, zumbis, craquentos, bandidos, etc. Entretanto, quando se trata de
egresso prisional em situação de rua, o preconceito é maior ainda pela população
e por parte de alguns pro ssionais.
Pra mim, é pior que um semiaberto porque eu posso sair e não quero sair
porque eu tenho medo de morar na rua. Eu não sobreviveria na rua. Então pra
mim, trabalhar em que? [...] é que também não tem como pegar emprego né?
Que ninguém vai dar emprego pra quem mora em albergue né? Cê tem que
levar a carta de referência daqui, aquela coisa toda, então não tem nem jeito
mesmo (Junquilho, 2019).
Aqui todos nós fazemos parte de um sistema, de uma ‘engrenagem’ viciada né?
Porque não vai, não tá surtindo efeito. Não tem efeito porque a nalidade
mesmo aqui seria pra gente viver com dignidade né? Com... e não atinge isso aí
não. A gente é humilhado direto aqui. É horrível. Isso aqui eu falei que é pior
que cadeia. Cadeia eles tratam a gente dessa forma (Junquilho, 2019).
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NOTAS
1
Criado a partir de material apresentado no workshop “Prisões, sexualidades, gênero e direitos: desa os e
proposições das pesquisas contemporâneas”, realizado na UERJ em 04/2018.
2
Sob os olhos de Lia: gerações institucionais, gênero e trajetórias de mais idade, orientada pela Professora
Doutora Isadora Lins França, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – Unicamp,
nanciamento da CAPES.
3
“A Rede Socioassistencial é uma política social constituída por um conjunto de serviços, programas,
projetos e benefícios que compõem o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e são prestados
diretamente ao cidadão ou por meio de convênios com organizações sem ns lucrativos”. Disponível
em
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/rede_socioassistencial/index.php?
p=3200.
4
“Generalizando posteriormente a já amplíssima classe dos dispositivos foucaultianos, chamarei
literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar,
determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos
dos seres viventes. Não somente, portanto, as prisões, os manicômios, o panóptico, as escolas, as
con ssões, as fábricas, as disciplinas, as medidas jurídicas etc., cuja conexão com o poder e em um
certo sentido evidente, mas também a caneta, a escritura, a literatura, a loso a, a agricultura, o
cigarro, a navegação, os computadores, os telefones celulares e – porque não – a linguagem mesma, que
é talvez o mais antigo dos dispositivos” (Agamben, 2005, p. 13).
5
Daniel de Lucca (2007), em sua dissertação de mestrado, ao analisar o fenômeno da população em
situação de rua como questão social, parte da de nição de Michel Foucault de dispositivo: “em suma é
o dispositivo da população em situação de rua – o jogo de seus discursos, agentes, instituições e
regulamentos – que de ne esta realidade. Por conseguinte, é somente a partir deste jogo de forças que
os agentes podem contestá-lo, deslocá-lo e jogar com ele” (De Lucca, 2007, p. 25).
6
“Não só a prisão não é mais um intervalo social, como pensava Goffman – já que, ao ser presa, uma
pessoa não é mais cortada das suas relações exteriores, ou anteriores à prisão –, como a trama social da
prisão se tornou verdadeiramente translocal por via das redes que a atravessam e a ligam
permanentemente ao exterior” (Cunha, 2008, p. 26). Esse texto da autora está num percurso de análise
que iniciou anos antes, ao se debruçar, em suma, pelas relações intra e extramuros e problematizar o
conceito de Instituição Total de Erving Goffman (1961). Tal percurso analítico, assim como outros
temas de análise da autora, foram articulados em, entre outros, trabalhos sobre o sistema prisional
paulista que referenciam, direta e indiretamente, este artigo (Lago, 2014; Negretti, 2015 e Padovani,
2015). Por conta das possibilidades de extensão deste texto e de acordo com seu foco, detenho-me à
dissertação de mestrado de Rafael Godoi (2010). Por vasos comunicantes, o autor ressalta o vai e vem da
prisão, com articulação e referência aos textos anteriores da autora, e que circunscreve a interlocução de
Junquilho em relação ao CAEI e sua passagem pela prisão: “é possível conceber também a própria saída
de um preso do ambiente institucional, sua volta para a localidade de origem, como o traçado de um
vaso comunicante, que coloca aquele território para onde o egresso se dirige em contato com a prisão,
através da sua mediação” (Godoi, 2010, p. 71).
7
SIS se refere ao SisRua, sigla do Sistema de Atendimento do Cidadão em Situação de Rua –
Acolhimento: “o SisRua é um sistema que permite a inserção, atualização e controle dos dados dos
usuários da rede socioassistencial em situação de rua, o sistema armazena os dados dos usuários que
cam vinculados aos serviços conveniados (no caso centros de acolhida). Estes são obrigados a
alimentar este sistema e realizar a movimentação diária que diz respeito à frequência do usuário no
serviço” – Dados Abertos – PMSP. Disponível em http://dados.prefeitura.sp.gov.br/dataset/sisrua-
sistema-de-atendimento-do-cidadao-em-situacao-de-rua-acolhimento.
8
Nome ctício.
9
“Sabe-se que há uma intensa e contínua circulação entre diferentes instituições” (Almeida et al., 2008,
p. 119).
10
Por diretrizes, parto de um conjunto de tratados, cartas, legislações e estatutos em torno do
envelhecimento. Já a Gerontologia, no site da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia
(SBGG), é de nida em dois parágrafos distintos. O primeiro deles informa que gerontologia “é o
estudo do envelhecimento nos aspectos – biológicos, psicológicos, sociais e outros. Os pro ssionais da
Gerontologia têm formação diversi cada, interagem entre si e com os geriatras”. Já o segundo
caracteriza a gerontologia como “campo cientí co e pro ssional dedicado às questões
multidimensionais do envelhecimento e da velhice, tendo por objetivo a descrição e a explicação do
processo de envelhecimento nos seus mais variados aspectos. É, por esta natureza, multi e
interdisciplinar. Na área pro ssional, visa a prevenção e a intervenção para garantir a melhor qualidade
de vida possível dos idosos até o momento nal da sua vida”. Disponível em
https://sbgg.org.br/espaco-cuidador/o-que-e-geriatria-e-gerontologia.
SALUD MENTAL Y CONDICIONES DE EXISTENCIA EN LA CÁRCEL DE
VILLAHERMOSA, CALI
INTRODUCCIÓN
Sí, porque me aleja de las personas que más quiero y con sólo pensar que no
tengo la libro movilidad de desplazarme libremente (Sujeto 1).
Por la separación con mi madre y tenerle a ella igual en cautiverio, estar ligado
a unas normas y estilo de vida que no es el de uno, estar perdiendo el tiempo y
que los años pasan y no vuelven (Sujeto 2).
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NOTAS
1
El Pluma es el jefe de cada patio, que respalda su poder en un grupo de presos. Estos grupos son el
poder real al interior de cada pabellón.
HUMANIZAÇÃO E SUJEITOS POLÍTICOS DE DIREITOS: DO FAZER
PRISÃO AO FAZER POLÍTICA E PESQUISA NA PRISÃO – DESAFIOS
POLÍTICO-METODOLÓGICOS
(IN)HUMANIZAÇÃO E SUJEITOS DE (NÃO) DIREITOS: UMA REFLEXÃO
SOBRE AS PRISÕES A PROPÓSITO DO MODELO DE GESTÃO CARCERÁRIA
APAC
Laura Ordóñez-Vargas
INTRODUÇÃO
A APAC dá o que o sistema comum não dá, ou seja, aqui a gente é tratada com
dignidade, como a Lei diz. Aqui realmente a nossa dignidade é preservada e
somos tratados como seres humanos. Temos um prato para comer, uma cama
onde dormir, não somos xingados o tempo todo e o melhor, sabemos que no
outro dia vamos amanhecer vivos. Lá embaixo éramos 76 presos em menos de 6
metros quadrados (Diário de Campo, Itaúna, jun. 2007).
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NOTAS
1
Lei de Execução Penal n.º 7.210. Congresso Nacional da República Federativa do Brasil. Brasília, Brasil,
11 de julho de 1984. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm.
2
Regras Mínimas para Tratamento dos Presos (1995) – adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações
Unidas sobre a Prevenção do Crime e do Tratamento de Infratores, Genebra.
3
A primeira, entre 2004 e 2005, na Penitenciária Feminina de Brasília, inscrita na minha pesquisa de
mestrado sobre o papel da religião intramuros. A segunda experiência, entre 2006 e 2008, em duas
prisões femininas de Belo Horizonte, Minas Gerais: Penitenciária Industrial Estevão Pinto (PIEP) e
Presídio Feminino José Abranches Gonçalves (PJAG), sobre a prática sistemática da medicalização de
remédios psiquiátricos à população feminina presa.
4
Neste sentido, aclaro que as cifras apresentadas sobre as APACs e o sistema penitenciário estão
atualizadas.
5
Atualmente (2018), existem 120 APACs constituídas juridicamente em treze estados do país, das quais
nove são femininas. Existem 47 APACs funcionando em sede própria, sem a presença da polícia e com
a aplicação total do método, entre as quais 38 localizam-se no estado de Minas Gerais, seguido pelo
estado de Maranhão (seis), Paraná (duas) e Rio Grande do Norte (uma). As 73 APACs restantes estão
em processo de implementação, ainda não funcionam em sede própria ou o Método funciona de
maneira parcial. Ver em: http://www.fbac.org.br/.
6
Existem APACs em diversas fases e formas de implementação, em diversos países do mundo, como:
Nicarágua, Colômbia, México, Paraguai, Bolívia, Portugal, Alemanha, Itália, Costa Rica e Coreia do
Sul. Ver em: http://www.fbac.org.br/.
7
A FBAC – Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados – é o órgão que congrega, orienta,
scaliza e zela pela unidade e uniformidade das APACs do Brasil, além de assessorar a aplicação do
Método APAC no exterior. Está liada à Prison Fellowship International (PFI), organização consultora
da ONU para assuntos penitenciários.
8
Atos Normativos. Projeto Novos Rumos na Execução Penal, Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
novembro de 2007.
9
Curso de gestores, de plantonistas, de voluntários, Jornada de Libertação com Cristo, curso de
aperfeiçoamento do Método, seminário para juízes, entre outros eventos a que assisti durante o
trabalho de campo.
10
Uma máxima normativa da APAC – “apaqueana”.
11
As APACs, durante a pesquisa (2010) albergavam 2.044 presos, dos 48.687 do estado de Minas Gerais,
ou seja, representavam 4% do total da população prisional mineira.
12
Terá direito à transferência de uma cadeia do sistema comum para os Centros de Reintegração geridos
pela APAC o preso condenado à pena privativa de liberdade, nos regimes fechado, semiaberto e aberto,
independentemente da duração da reprimenda e do crime cometido (grifos meus) (Portaria Conjunta
n.° 084, de 22/08/2006. Atos Normativos. Projeto Novos Rumos na Execução Penal, Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, novembro de 2007).
“COM OLHOS DE LINCE E PERNAS DE AVESTRUZ” - BREVES
CARTOGRAFIAS NECROPOLÍTICAS POR ENTRE PROCESSOS DE
CRIMINALIZAÇÃO-INCRIMINAÇÃO DE TRAVESTIS
Céu Cavalcanti
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho
INTRODUÇÃO
Eles se vestem de mulher, tomam conta de vários pontos espalhados pela cidade,
são violentos e chegam a matar. No começo, seu estranho comportamento não
chegou a causar muitos problemas. Hoje, as notícias sobre assaltos, brigas,
escândalos e assassinatos já deixam a cidade com medo. Há poucos dias, um
antiquário foi jogado debaixo de um carro na República do Líbano e morreu,
na frente da mulher e dos lhos. O que a cidade, a polícia e a Justiça têm a
dizer sobre os travestis? O ESTADO mostra o problema, em matéria especial,
sexta e sábado (O Estado de São Paulo, p. 35, 25 mar. 1980).
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NOTAS
1
Doutorado vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e com nanciamento pela CAPES.
2
O Lampião da Esquina foi um jornal abertamente autodeclarado homossexual que circulou entre os
anos de 1978 e 1981, tendo sua sede na cidade do Rio de Janeiro. O acervo digitalizado pode ser
acessado em http://www.grupodignidade.org.br/projetos/lampiao-da-esquina/?
fbclid=IwAR1XGiSPIRAD5oTzYSnyLkckriXD6yIsqgnU9njGWWFHcnAtAWsQrOhRsh8
3
Verbete resgatado do dicionário Michaelis. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/busca?
id=aK0XO.
4
O processo de criminalização se esforça, segundo Misse, por um contexto em que a acusação passa a
propor relações diretas entre a transgressão e o sujeito transgressor. A incriminação seguiria aqui um
trajeto racional-legal no qual, dentro de uma dinâmica acusatorial pautada na impessoalidade do
procedimento legal, ocorre a construção da verdade da acusação (Cavalcanti et al., 2018, p. 184).
5
Disponível em http://www.adepolrj.com.br/adepol/noticia_dinamica.asp?id=20881.
6
Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-segue-no-primeiro-lugar-do-ranking-de-
assassinatos-de-transexuais-23234780.
IMAGENS GENERIFICADAS E MASCULINIDADES HEGEMÔNICAS:
REFLEXÕES SOBRE UM CAMPO CIENTÍFICO E ALGUNS PROCESSOS
SOCIAIS
Martinho Silva
INTRODUÇÃO
ENCARCERAMENTO EM MASSA
SAÚDE PENITENCIÁRIA2
CRIMINALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA
Õ
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NOTAS
1
Agradeço a Helena Salgueiro Lermen pelo estímulo no sentido de criar uma disciplina sobre o assunto.
2
Para uma leitura alternativa dessa bibliogra a sobre saúde penitenciária, mais focalizada nas condições
de possibilidade da atuação do psicólogo no sistema prisional, ver: Nascimento e Bandeira (2018).
3
No Brasil, há propostas de telepsiquiatria para atendimento de “detentos”, um recurso que “otimiza de
maneira relevante os custos dispensados” (Rosar, 2016, p. 174), dada a “carência de especialistas” em
um “país de dimensões continentais”.
OS DISPOSITIVOS LEGAIS DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA E SEUS
DESAFIOS NA CONJUNTURA ATUAL BRASILEIRA
Destacamos a importância do art. 9.º, inciso III, dessa lei, pois dá a esse
órgão a prerrogativa de “requerer à autoridade competente que instaure
procedimento criminal e administrativo mediante a constatação de indícios da
prática de tortura e de outros tratamentos e práticas cruéis, desumanos ou
degradantes”, sendo seus relatórios peças fundamentais nesses procedimentos.
Apesar da vinculação administrativa ao Ministério dos Direitos Humanos, o
MNPCT é um órgão autônomo, uma prerrogativa estabelecida tanto no
Protocolo Facultativo da ONU quanto na Lei 12.847/2013, em seu art. 8.º, §
2.º: “ Os membros do MNPCT terão independência na sua atuação e garantia
do seu mandato, do qual não serão destituídos senão pelo Presidente da
República nos casos de condenação penal transitada em julgado, ou de
processo disciplinar, em conformidade com as Leis n.os 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, e 8.429, de 2 de junho de 1992”.
Segundo o Relatório Anual do MNPCT/2015-2016 (p. 19), tal autonomia
vem sendo respeitada de acordo com a legislação, porém há que se pensar em
estratégias para a autonomia plena do Mecanismo, pois estar subordinado ao
orçamento de um Ministério é sempre problemático, principalmente em
tempos de cortes e redução orçamentária para ações de defesa dos direitos
humanos.
A política do SNPCT também incentiva e aponta para a criação de
mecanismos e comitês estaduais, bem como a inserção de organizações da
sociedade, movimentos sociais, redes e fóruns da sociedade civil, além de outras
instâncias do poder público estadual e municipal. Ainda em 2013, foi
promulgado o Decreto n.º 8.154, cuja função foi a de regulamentar o
funcionamento do SNPCT, normatizar a composição e o funcionamento do
CNPCT e dispor sobre a composição e o trabalho do MNPCT. De acordo
com esse decreto, a escolha de peritos e peritas caberá ao CNPCT, que dará
ampla divulgação e transparência ao processo seletivo, buscando representar a
diversidade de raça, cor, etnia, gênero e região. Nos anos de 2014 e 2015 foram
nomeados os primeiros peritos e peritas do MNPCT, portanto é um órgão
recente. O processo seletivo vem sendo conduzido por uma Comissão de
Seleção formada por membros do CNPCT, conforme estabelece o SNPCT.
Entre as várias atribuições do CNPCT, estão a avaliação e a supervisão da
política de prevenção e combate à tortura, o acompanhamento de processos de
tortura e da tramitação de propostas legislativas referentes à temática, o
acompanhamento e a articulação de projetos de cooperação internacional, a
proposição e a recomendação de realização de estudos e pesquisas, o incentivo à
realização de campanhas, o apoio à criação de comitês e mecanismos estaduais,
entre outras.
A estrutura do CNPCT, com atribuições estratégicas, diversidade em sua
composição e capilaridade de seus membros, permite que o órgão possa
ampliar, repercutir e difundir as ações não só do MNPCT, mas também de
tantos outros órgãos ligados direta e indiretamente a ações preventivas
relacionadas à tortura.
TRAGÉDIAS ANUNCIADAS
Não tem sido fácil cumprir essas atribuições num momento político tão
conturbado, com inúmeras violações de direitos, penas cruéis, degradantes e
situações de tortura, principalmente no contexto prisional. Em um curto
intervalo de tempo, ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2017 o
massacre no Complexo Anísio Jobim (COMPAJ), em Manaus, onde cerca de
67 pessoas presas morreram. Do mesmo modo, na Penitenciária de Alcaçuz no
Rio Grande do Norte, com 26 presos mortos e muitos outros desaparecidos,
cujos corpos ainda não foram encontrados para desespero dos familiares. Em
Rondônia, na Penitenciária de Monte Cristo, cerca de 51 pessoas morreram, e
a situação vem se agravando com prisões de imigrantes venezuelanos que
tentam sobreviver no pequeno varejo da droga.
O Relatório do MNCP, apresentado após a visita ao COMPAJ em 2015, já
sinalizava a possível ocorrência da chacina em razão das péssimas condições do
encarceramento e da omissão do Estado, fazendo uma série de recomendações
para que os poderes Executivo e Judiciário tomassem providências para evitar a
tragédia.3
Um ano depois do massacre, em fevereiro de 2018, foi realizada uma
inspeção conjunta de monitoramento com representantes do Comitê Nacional
de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) e do Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) na cidade de Manaus, da qual
participei, para acompanhar as medidas tomadas pelo poder público,
considerando as recomendações do MNPCT já expressas em relatório após o
massacre. Foi observado, nessa ocasião, que algumas iniciativas do Poder
Executivo, como, por exemplo, a constatação da administração prisional feita
por empresa privada (Umanizzare), trouxeram mais problemas do que
soluções, com custos muito mais altos para o Estado. Várias pesquisas
realizadas sobre prisões privatizadas nos Estados Unidos, no início dos anos
2000, já apontavam que tal modelo não prosperou.4 Segundo o Secretário de
Administração Penitenciária do Amazonas, reconhecendo o fracasso da
administração terceirizada, não só do ponto de vista da segurança, mas também
nanceira, informou em reunião com a comitiva que já estava sendo
providenciado um edital de concurso público para agentes penitenciários.
Do mesmo modo, foi realizada a inspeção conjunta CNPCT e MNPCT de
monitoramento às unidades prisionais de Alcaçuz (RN) e de Monte Cristo
(RR). Nessas unidades, as recomendações não foram cumpridas e, no estado de
Roraima, constatou-se uma realidade ainda pior em relação ao que foi
veri cado em 2016, conforme relatório apresentado em 2018.5
No início do ano de 2018, ocorreu a chacina no bairro Cajazeiras, no
Ceará, causando a morte de dez homens que estavam presos na cadeia pública
de Itapajé. Também em janeiro de 2018, no Complexo Penitenciário de
Aparecida de Goiânia, houve a morte de nove presos e quatorze feridos, assim
como a rebelião no Centro de Inserção Social de jovens infratores, também em
Goiás.
Esses episódios trazem à tona um desa o recorrente na gestão da segurança
pública brasileira: a necessidade de melhorias no sistema de justiça criminal e
do sistema socioeducativo. Torna-se imperioso investir nas ações para o
desencarceramento, com a aplicação das medidas e alternativas à pena de prisão
(monitoramento eletrônico), investimento nas Audiências de Custódia, pois já
há entendimentos jurídicos para sua aplicação pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ).6 Tais audiências poderão reduzir signi cativamente a taxa de
presos provisórios, que, há algum tempo, está na casa dos 40% (presos não
sentenciados).
Também em 2018, considerando as inúmeras intercorrências de violações
de direitos humanos, o CNPCT, em suas reuniões plenárias, tomou posições
importantes, manifestadas por meio de notas públicas disponíveis no site do
então Ministério dos Direitos Humanos (MDH),7 destacando a intervenção
militar no Rio de Janeiro.
Nesse mesmo ano de 2018, foi lançado o Relatório da Inspeção Nacional
em Comunidades Terapêuticas8 realizadas em outubro de 2017, nas cinco
regiões do Brasil, por iniciativa do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e da
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal
(PFDC/MPF). A ação conjunta foi inovadora e mobilizou cerca de cem
pro ssionais, em vistorias que aconteceram simultaneamente em 28
estabelecimentos nos estados de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará,
Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa
Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal.
O Relatório (p. 18) apontou inúmeras práticas de castigo, punições e
torturas em boa parte das instituições visitadas, das quais, das 28 comunidades
terapêuticas, dezoito informaram receber algum tipo de recurso ou doação de
órgãos públicos, e questionou a capacidade desses estabelecimentos de prestar
serviços que respeitem as linhas gerais das políticas voltadas à saúde e possam
ser referendados pelo Estado a título de políticas públicas .
Portanto é de fundamental importância o funcionamento dos órgãos de
controle e scalização para que venha a público, para a sociedade, o que ocorre
no interior dessas instituições. Segundo o Relatório (p. 9), “é necessário
quali car o debate acerca do modelo de cuidado ofertado a pessoas com
transtornos mentais decorrentes do uso de álcool e outras drogas – um desa o
que envolve gestores públicos, pro ssionais de saúde e instituições voltadas à
promoção e proteção de direitos”.
Também, do dia 3 a 5 de julho de 2018, foi realizado, em Brasília, o III
Encontro Nacional de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à
Tortura, que resultou no documento “Carta de Brasília”,9 na qual estão
registradas as principais propostas para atuação dos Comitês e Mecanismos
estaduais, entre elas, uma nova reunião no ano de 2019, para tratar do II Plano
de Ações Integradas de Prevenção e Combate à Tortura e estruturar
formalmente a política para o enfrentamento à prática da tortura.
Portanto, mais do que nunca, é preciso resistir para que não se retroceda às
lutas arduamente conquistadas no campo dos direitos humanos. Não nos
faltam leis e resoluções; falta-nos vontade política dos poderes judiciário e
executivo. Mais do que isso, parece-nos que o que está em curso é uma
tentativa de aniquilar qualquer movimento de defesa dos direitos humanos,
pois, como dizia o Presidente da República Jair Bolsonaro em sua campanha
eleitoral: “Conosco não haverá essa politicalha de direitos humanos”. Também
no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, já como presidente eleito,
declarou: “Vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos”, dando
a entender a existência de direitos humanos falsos.14
Diante de um desmonte dos movimentos de defesa dos direitos humanos,
acreditamos que somente a força desses movimentos e dos setores mais
progressistas da sociedade poderão reverter esse grande retrocesso que atinge o
estado democrático de direito.
O CNPCT certamente se constituirá, em breve, em um bom campo de
pesquisa para indagarmos sobre os avanços e as di culdades encontradas para a
efetividade de suas ações na prevenção e combate à tortura.
As palavras de Bertold Brecht (1898-1956) atualizam as inquietações desse
novo tempo: “[...] em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer
natural, nada deve ser impossível de mudar”.
É preciso resistir, “ car atento e forte, não devemos temer a morte”, já dizia
Caetano Veloso. A existência desses importantes órgãos de controle e
scalização de prevenção e combate à tortura, CNPCT e MNPCT, é
fundamental para a permanência da democracia em nosso país.
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Ministério de visitar prisões no CE”. Disponível em https://carceraria.org.br/sem-categoria/mecanismo-
nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-foi-impedido-por-ministerio-de-visitar-prisoes-no-ce. Acesso
em 25 mar. 2019.
Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular do Estado do Maranhão. “Manifesto em favor do
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”. Disponível em
http://www.sedihpop.ma.gov.br/2019/02/15/manifesto-em-favor-do-mecanismo-nacional-de-prevencao-
e-combate-a-tortura/. Acesso em 25 mar. 2019.
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos. “Ceará: Nota Pública e pedido de providências”.
Disponível em http://smdh.org.br/ceara-nota-publica-e-pedido-de-providencias/. Acesso em 25 mar.
2019.
NOTAS
1
Extraído do Relatório Anual do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) de
2015-16. Disponível em http://www.mdh.gov.br/sobre/participacao-social/sistema-nacional-de-
prevencao-e-combate-a-tortura-snpct/mecanismo/mecanismo-nacional-de-prevencao-e-combate-a-
tortura-relatorio-anual-2015-16. Ver também o Relatório 2016, disponível em:
//www.mdh.gov.br/noticias/pdf/mecanismo-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-lanca-
relatorio-anual-2016-2017-2.
2
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12847.htm.
3
Disponível em http://www.mdh.gov.br/noticias/2017/janeiro/mecanismo-nacional-de-prevencao-e-
combate-a-tortura-reitera-observacoes-e-recomendacoes-de-relatorio-de-2016-sobre-o-sistema-
prisional-do-amazonas.
4
Ver:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/30857/penitenciarias+privadas+batem+recorde+de+l
ucro+com+politica+do+encarceramento+em+massa.shtml# e
http://www.ucamcesec.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2011/06/Controle-da-
criminalidade_mitos-e-fatos.pdf.
5
Disponível em https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-social/mecanismo-
nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-
mnpct/copy2_of_MecanismoNacionaldePrevenoeCombateTortura.pdf.
6
Disponível em http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia.
7
Ver: http://www.mdh.gov.br/sobre/participacao-social/comite-nacional-de-prevencao-e-combate-a-
tortura/representantes/notas-e-mocoes.
8
Disponível em https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/06/Relat%C3%B3rio-da-
Inspe%C3%A7%C3%A3o-Nacional-em-Comunidades-Terap%C3%AAuticas.pdf.
9
Disponível em https://www.mdh.gov.br/todas-as-
noticias/2018/julho/Carta nalIIIEncontroNacionaldeComitseMecanismosdePrevenoeCombateTortur
a.pdf.
10
Disponível em https://apublica.org/wp-content/uploads/2019/02/comunicado-publico-no-01-
mnpct.pdf.
11
Disponível em https://site.cfp.org.br/em-defesa-do-comite-e-do-mecanismo-nacional-de-prevencao-e-
combate-a-tortura/.
12
Disponível em http://www.iddd.org.br/index.php/2019/01/18/nota-conjunta-contra-o-veto-ao-
projeto-de-lei-no-12572014/.
13
Disponível nos sites: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/ministerio-recebe-prazo-de-dez-dias-para-
informar-sobre-efetivo-funcionamento-de-conselhos-de-direitos-humanos; e
http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/informativos/edicoes-2019/fevereiro/orgao-de-combate-a-tortura-e-
impedido-de-inspecionar-unidades-no-ceara-e-procuradoria-pede-esclarecimentos-ao-governo-federal/;
e http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/informativos/edicoes-2019/fevereiro/apos-governo-de-sp-vetar-orgao-
antitortura-subcomite-da-onu-pede-ao-brasil-que-cumpra-obrigacoes-legais-internacionais/.
14
Disponível em https://vladimirherzog.org/os-ataques-aos-direitos-humanos-no-1o-mes-do-governo-
bolsonaro/.
O DIREITO À EDUCAÇÃO EM CONTEXTOS DE RESTRIÇÃO E PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE
INTRODUÇÃO
À GUISA DE CONCLUSÃO
1
Resolução CNPCP n.º 3, de 2009.
2
Resolução CNE/CEB n.º 2, de 2010.
3
Segundo Goffman (2015), são estabelecimentos fechados, em que o seu caráter total é simbolizado pela
barreira à relação social com o mundo externo.
4
Compreende que a prisão e as unidades socioeducativas são “instituições sociais”, como a escola e o
hospital.
5
Reconhecidamente como uma experiência educativa marcada pela classe social e voltada, portanto, para
a consciência de classe e a emancipação humana. Para Paulo Freire (2001), um dos principais
intelectuais da “educação popular”, ela é uma educação contra-hegemônica. É uma educação crítica e
conscientizadora, cuja intencionalidade é contribuir para que educandos e educadores reconheçam (a si
e ao Outro) como sujeitos históricos.
PENSANDO NO EMARANHADO DOS DIREITOS REPRODUTIVOS:
MATERNIDADE E PRISÕES FEMININAS
MATERNIDADE NA PRISÃO: DISCURSOS E PRÁTICAS
Vilma Diuana
INTRODUÇÃO
OS DIREITOS REPRODUTIVOS
Diuana, Vilma et al. “Direitos reprodutivos das mulheres no sistema penitenciário: tensões e desa os na
transformação da realidade”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 7, p. 2.041-2.050, jun. 2016.
______ et al. “Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições
da maternidade”. Physis, v. 27, n. 3, p. 727-747, 2017.
Diniz, Débora. “Bioética e gênero”. Revista Bioética, v. 16, n. 2, p. 207-216, 2008.
Foucault, Michel. A ordem do discurso [L’Ordre du discours, Leçon inaugurale au Collège de France
prononcée le 2 décembre 1970, Éditions Gallimard, Paris, 1971. Trad. Edmundo Cordeiro com a ajuda
para a parte inicial de António Bento].
Leal, Maria do Carmo et al. “Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil. Ciência Saúde
& Coletiva, v. 21, n. 7, p. 2.061-2.069, jun. 2016.
Ventura, Miriam et al. “Maternidade atrás das grades: em busca da cidadania e da saúde: um estudo sobre
a legislação brasileira”. Cad. Saúde Pública, v. 31, n. 3, p. 607-619, mar. 2015.
GOVERNO DA VIDA E POLÍTICA SOCIAL: PRODUÇÕES DA MATERNIDADE
NA PRISÃO
INTRODUÇÃO
Eu não esqueço nunca do dia que o meu lho foi embora. Eu olhava de cima da
janela, eu olhava embaixo da porta, uns 80 metros de distância só via o
pezinho da minha mãe e o pé dela [ lha de 15 anos, hoje]. Aí eu pensei:
‘minha mãe chegou e agora?’. Desci com as coisas do meu lho, pus nos braços
da minha mãe e eu nem olhei pra trás, eu já voltei morta pra dentro. Eu me
lembro da roupa que ele estava vestindo e isso tem 11 anos, mas eu me lembro
como se fosse ontem, eu entregando o meu lho pra minha mãe. Quando a
guarda falou ‘volta, Desirée’ eu não olhei para trás mais e fui, fui.9
Õ É
CONSIDERAÇÕES FINAIS: É PRECISO ESTAR ATENTA E FORTE
Atenção
Precisa ter olhos rmes
Pra este sol
Para esta escuridão13
Boiteux, Luciana et al. Mulheres e crianças encarceradas: um estudo jurídico-social sobre a experiência da
maternidade no sistema prisional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: LADIH, 2015.
Braga, Ana Gabriela Mendes. “Entre a soberania da lei e o chão da prisão: maternidade encarcerada”.
Revista Direito GV, v. 11, p. 523-546, jul.-dez. 2015.
______ e Angotti, Bruna. “From hyper-maternity to hypo-maternity in women’s prisons in Brazil”. Sur –
Revista Internacional de Direitos Humanos (impresso), v. 1, p. 229-239, 2015.
______ e Franklin, Naila Ingrid Chaves. “Quando a casa é a prisão: uma análise de decisões de prisão
domiciliar de grávidas e mães após a Lei12.403/2011”. Quaestio Iuris, v. 9, n. 1 , p. 349-375, 2016.
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Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres. Brasília: Ministério da Justiça, Depen, 2014. Disponível em
http://www.justica.gov.br/noticias/estudo-traca-per l-da-populacao-penitenciaria-feminina-no-
brasil/relatorio-infopen-mulheres.pdf. Acesso em 17 nov. 2015.
______. Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por
mulheres em situação de prisão. Brasília: Ministério da Justiça; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,
2015. (Série Pensando o Direito, n. 51).
Diniz, Debora. “Perspectivas e articulações de uma pesquisa feminista”. In Stevens, Cristina et al. (orgs.).
Estudos feministas e de gênero: articulações e perspectivas. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2014, p. 11-21.
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Foucault, Michel. “Sobre a história da sexualidade”. In ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro:
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______. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 2005.
Helpes, Sintia. Vidas em jogo: um estudo sobre mulheres envolvidas com o trá co de drogas. São Paulo:
IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2014.
Lago, Natália Bouças do. Mulheres na prisão: entre famílias, batalhas e a vida normal (dissertação).
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Padovani, Natália Corraza. Sobre casos e casamentos: afetos e “amores” através das penitenciárias femininas em
São Paulo e Barcelona (Tese). Unicamp, 2015.
Santos, Raquel C. Maternidade no cárcere: re exões sobre o sistema penitenciário feminino (Dissertação).
Universidade Federal Fluminense, 2011.
Simas, Luciana et al. “A jurisprudência brasileira acerca da maternidade na prisão”. Revista Direito GV, v.
11, n. 2, p. 547-572, jul. 2015.
Smart, Carol. Woman, crime and criminology: a feminist critique. 2. ed. Grã-Bretanha: Fletcher & Son
Ltd., 1976.
Wacquant, Loic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2009.
NOTAS
1
A pesquisa coordenada por mim, com co-coordenação de Bruna Angotti, foi realizada entre os anos de
2013 e 2014. Relatório disponível em: http://pensando.mj.gov.br/wp-
content/uploads/2016/02/PoD_51_Ana-Gabriela_web-1.pdf. Acesso em 26 jul. 2017.
2
Chamada pública simpli cada IPEA/PNPD n.º 131/2012.
3
Nos últimos anos, tivemos uma série de pesquisas importantes sobre o sistema penal feminino realizada
especialmente por mulheres. Como exemplos nos campos do direito e da antropologia: Angotti, 2012;
Lago, 2014; Helpes, 2014; Diniz, 2015; Padovani, 2015; Ventura et al. 2015; Simas et al., 2015;
Boiteux et al., 2016; Braga e Franklin, 2016; Simas e Simas, 2017.
4
Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias – Mulheres (Brasil, 2014)
5
Naquele momento, a substituição cava condicionada a outros requisitos previstos no Artigo 318 do
Código de Processo Penal: ii) imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de
idade ou com de ciência; ou iv) gestante a partir do 7.º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
6
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=311830379&tipoApp=.pdf. Acesso em 27
jul. 2017.
7
Tradução nossa. No original: “is rationale is based on the assumption that the woman who accepts
her traditional role, who is passive, gentle and caring, is also non- criminal”.
8
Apesar das mulheres em situação de prisão (ou egressas) entrevistadas não serem identi cadas por
pressupostos éticos, Desireè Mendes Pinto tem seu nome revelado por ter se tornado uma referência
em entrevistas jornalísticas e debates sobre aprisionamento feminino e maternidade. Na pesquisa está
referenciada como especialista, uma vez que é uma especialista da prática. Autorizou-nos expressamente
a identi cá-la nas produções referentes e subsequentes à pesquisa.
9
Trecho de entrevista gravada pela equipe da pesquisa em março de 2014, em São Paulo.
10
Conversa com mãe no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade Vespasiano/MG.
Caderno de campo, 28 de outubro de 2013.
11
Essa aproximação diz respeito especi camente às mães presas que têm acesso às unidades materno-
infantis. No Brasil, a população presa, em geral, e mesmo a população livre, segue sem qualquer tipo
de assistência estatal, como: acesso a médicos, exames, alimentação adequada, espaços salubres.
12
Caderno de campo, 14 de janeiro de 2014
13
Trecho de Divino Maravilhoso, canção composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil em 1968,
eternizada pela voz de Gal Costa.
MATERNIDADE, PRISÕES E MEDIDAS DE DESENCARCERAMENTO:
RESULTADOS DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NO RIO DE JANEIRO
Luciana Simas
Miriam Ventura
METODOLOGIA
Foram analisadas todas as audiências de custódia realizadas no Rio de
Janeiro, no período de 18/09/2015 até 17/03/2017, tendo como critério de
inclusão censitário a participação de uma mulher gestante como ré. A opção
metodológica da pesquisa documental foi adequada para coletar as informações
o ciais registradas pelo Tribunal de Justiça acerca das audiências, identi cando
os mecanismos punitivos empregados em relação à garantia do direito à
maternidade. Os aspectos principais captados são relacionados à determinação
proferida na audiência (liberdade provisória, relaxamento da prisão, decretação
da prisão preventiva ou prisão domiciliar), medidas cautelares diversas da
prisão, tipi cação do delito imputado, encaminhamentos e conteúdos
decisórios.
Considerando os limites estruturais do direito penal e da prisão para a
efetivação de direitos, a resposta estatal foi observada a partir da hermenêutica
crítica (Santos, 2012; Nobre, 2008), abordando-se os argumentos e a
fundamentação utilizados pelo Poder Judiciário nas audiências de custódia.
Posteriormente foram analisadas as demais informações processuais dos atos de
instrução probatória e decisórios, para que fosse possível ter uma dimensão
longitudinal do processo observado.
A prisão realmente se encontra reduzida a um “espaço de neutralização e de
extermínio indireto”, como assevera Vera Andrade. Sua função real não é o
combate à criminalidade, “não é a ‘ressocialização’, mas, inversamente, a
‘construção’ [seletiva] dos criminosos. [...] mais que um sistema de proteção, é
um sistema de violação de direitos humanos, [...] a começar pelo princípio da
presunção de inocência” (Andrade, 2012, p. 285).
Problematizar o referencial ideológico da suposta “ressocialização” é um dos
desa os político-metodológicos com os quais nos deparamos, notadamente em
discursos conservadores legitimantes da pena. Zaffaroni alerta que se trata de
um discurso falso e oco em sua própria essência; é um absurdo, pois nunca
acontecerá, por ser contra toda lógica.1 O ponto central de sua re exão é a
recusa ao próprio modelo de encarceramento como ressocializador,
denunciando um verdadeiro con ito na atuação cotidiana dos agentes do
sistema: diante de seus olhos, uma realidade que inviabiliza a ressocialização em
contraposição a um discurso que lhe exige a função de ressocializar. A
produção de sofrimentos desnecessários repercute, em diferentes níveis, para
todos os envolvidos, sejam presas, familiares ou pro ssionais do sistema
penitenciário, destacando-se que:
RESULTADOS E DISCUSSÃO
DESDOBRAMENTOS PROCESSUAIS
Ficando somente autorizada a sair de casa para realizar atos relativos a exames
para seu lho e referentes a sua gestação. Poderá ainda sair quando intimada
para comparecer em juízo. Fica ainda autorizada a se deslocar no dia xxx à 5.ª
DP para buscar medicação apreendida quando foi presa em agrante delito.
Expedido mandado de prisão com validade de 12 anos e sem restrições.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Andrade, Vera Regina Pereira de. “Política criminal e crise do Sistema Penal: utopia abolicionista e
metodologia minimalista-garantista”. In Batista, Vera Malaguti (org.). Loïc Wacquant e a questão penal no
capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro: Revan, 2012.
Ballesteros, Paula R. Implementação das audiências de custódia no Brasil: análise de experiências e
recomendações de aprimoramento. Brasília: Depen/Ministério da Justiça e PNUD, 2016. Disponível em
http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/alternativas-penais-
1/arquivos/implementacao-das-audiencias-de-custodia--no-brasil-analise-de-experiencias-e-
recomendacoes-de-aprimoramento-1.pdf. Acesso em 04 fev. 2018.
Cappello, Nina et al. “Que audiência de custódia queremos?”. Justi cando, 04/01/2018. Disponível em
http://justi cando.cartacapital.com.br/2018/01/04/que-audiencia-de-custodia-queremos/.
Conectas Direitos Humanos. Tortura blindada: como as instituições do sistema de Justiça perpetuam a
violência nas audiências de custódia. São Paulo: fev. 2017.
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Audiência de Custódia, Prisão Provisória e Medidas Cautelares:
obstáculos institucionais e ideológicos à efetivação da liberdade como regra (Sumário Executivo). Série Justiça
Pesquisa – Direitos e Garantias Fundamentais. Brasília: CNJ, 2017. Disponível em
http://www.forumseguranca.org.br/wp-
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Diuana, Vilma et al. “Direitos reprodutivos das mulheres no sistema penitenciário: tensões e desa os na
transformação da realidade”. Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 7, jul. 2016.
______ et al. “Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições
da maternidade”. Physis Revista de Saúde Coletiva, v. 27, n. 3, p. 727-747, 2017.
Ferreira, Carolina Costa. “Audiências de custódia: instituto de descarcerização ou de rea rmação de
estereótipos?” Justiça do Direito, v. 31, n. 2, p. 279-303, maio-ago. 2017.
Foucault, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 25. ed. Petrópolis: Vozes,
1987.
IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Monitoramento das audiências de custódia em São
Paulo. São Paulo: Open Society Foundations, maio 2016.
Leal, Maria do Carmo et al. “Nascer na prisão: gestação e parto atrás das grades no Brasil”. Ciência &
Saúde Coletiva, v. 21, n. 7, 2016. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-8123-csc-21-
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Melossi, Dario. “‘Carcere e Fabbrica’ rivisitato: penalità e critica dell’economia politica tra Marx e
Foucault”. Studi sulla Questione Criminale, Nuova serie di “Dei delitti e delle pene”, Carocci Editore,
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Nobre, Marcos. A teoria crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
Santos, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da Justiça. 3. ed. Rio de Janeiro: Cortez Ed.,
2012.
Zaffaroni, Eugenio Raúl. “A criminologia como instrumento de intervenção na realidade”. I Fórum de
Debates sobre Processo de Prisionização, Escola de Serviço Penitenciário do Rio Grande do Sul e PUC/RS,
p. 51-83, mar. 1990.
NOTAS
1
Zaffaroni (1990) exempli ca: “Tentar a ressocialização na cadeia é como tentar o ensino da natação sem
água. [...] Tirar o homem da sociedade para tentar o ensino de viver em sociedade é absurdo e não faz
sentido [...] a função da cadeia é a deteriorização da pessoa”.
2
O percentual de liberdade garantido às mulheres grávidas também foi constatado em São Paulo
(Cappello et al., 2018), onde 81% das 43 audiências de custódia observadas resultaram em liberdade
para as gestantes.
MULHERES E POPULAÇÃO LGBT PRESAS COMO SUJEITOS
ESPECÍFICOS DE DIREITOS OU SEXUALIDADES E GÊNERO COMO
DISPOSITIVOS? DESAFIOS POLÍTICO-METODOLÓGICOS
CENAS DE UMA PRISÃO FEMININA: DESAFIOS ÉTICOS, ESTÉTICOS,
POLÍTICOS, METODOLÓGICOS E INSTITUCIONAIS
CONHECENDO AS UNIDADES
Bakhtin, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Barcinski, Mariana. “Expressões da homossexualidade feminina no encarceramento: o signi cado de se
‘transformar em homem’ na prisão”. Psico-USF, v. 17, p. 437-446, 2012.
Foucault, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
Leite, Maynar Patrícia Vorga. “Cartografar (n)a prisão”. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 14, n. 3, p.
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Lima, Vanessa Pereira de. O que papai do céu não deu, a ciência vende: feminilidades de mulheres trans e
travestis em privação de liberdade. (Dissertação). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2019.
Padovani, Natália Corazza. “No olho do furacão: conjugalidades homossexuais e o direito à visita íntima
na Penitenciária Feminina da Capital”. Cadernos Pagu, UNICAMP, p. 185-218, 2011.
Portelli, Alessandro. Ensaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010.
Sarti, Cynthia Andersen. “O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória”. Revista
Estudos Femininos, v. 12, n. 2, Florianópolis, maio-ago. 2004.
______. “A família como ordem simbólica”. Revista de Psicologia da USP, p. 11-28, 2004.
NOTAS
1
Por uma questão de facilidade, os trâmites internos correram pela Coordenação de Psicologia. Desde o
início, tínhamos psicólogas do sistema na equipe de pesquisa, entre elas uma pessoa que estava na
coordenação, o que facilitou imensamente o trabalho.
2
Termo que, historicamente, é utilizado para designar relações e práticas sexuais entre um homem e um
rapaz mais novo. No entanto, a pederastia aparece no sistema prisional feminino de maneira
recorrente, no que tange ao exercício da sexualidade entre mulheres e outras guras das unidades
femininas.
PROTOCOLIZAR A DIFERENÇA? PROCESSOS DE DETENÇÃO E
DISPOSITIVOS DE [DES]SUBJETIVAÇÃO NA ARGENTINA
Andrea Lacombe
rede nir as relações entre Estado, mercado e sociedade em prol de modi car as
condições de pobreza e desigualdade. O foco esteve em forjar um papel ativo do
Estado no fornecimento de direitos sociais e econômicos baseado no modelo
extrativista, na perseguição estatal de crimes contra a humanidade e na
promoção de uma agenda de governo com perspectiva de direitos. A última
administração, encabeçada por Cristina Fernández de Kirshner, entretanto, foi
alvo de críticas por sua gestão vertical e personalista (Tabush, 2016, p. 27)
Talvez não seja desejável o sexo feminino ser inacessível pela força, continua
Despentes (2018, p. 57): “É preciso que continue aberto e temeroso: mulher.
De outro modo, o que de niria a masculinidade?”.
Quando Vianna (2009, p. 8) indaga sobre a localização das
homossexualidades na linguagem/plataforma dos direitos sexuais, pergunta se
Despentes, Virginie. Teoría King Kong. Buenos Aires: Literatura Random House, 2018 [2006].
Lamm, Eleonora. “Gestación por sustitución y género: repensando el feminismo”. In García Manrique,
Ricardo. El cuerpo diseminado: estatuto, uso y disposición de los biomateriales humanos. Editorial
Aranzadi/Civitas, 2018.
Tabbush, Constanza et al. “Matrimonio igualitario, identidad de género y disputas por el derecho al
aborto en Argentina. La política sexual durante el kirchnerismo (2003-2015)”. Sexualidad, Salud y
Sociedad, n. 22, p. 22-55, 2016.
Vianna, Adriana. Limites da menoridade: tutela, família e autoridade em julgamento (Tese). UFRJ, 2002.
______. “(trans)posições: notas sobre políticas de reconhecimento em sexualidade”. Apresentação no
Seminário Territórios Sensíveis. Rio de Janeiro, mimeo, 2009.
______. “Introdução: fazendo e desfazendo inquietudes no mundo dos direitos”. In ______ (org.). O
fazer e o desfazer dos direitos: experiências etnográ cas sobre política, administração e moralidades. Rio de
Janeiro: E-Papers, 2013, p. 15-34.
Zamboni, Marcio. “Travestis e transexuais privadas de liberdade: a (des)construção de um sujeito de
direitos”. Revista Euroamericana de Antropologia (REA), n. 2, 2016.
NOTAS
1
O peronismo é um fenômeno político muito particular. Destaca-se por ser “uma ‘realidade histórica
mutante’ de grande amplitude ideológica, por interpelar os setores populares, e por oscilar entre
períodos de resistência e de integração. Existem setores do peronismo alinhados à esquerda, e outros, à
direita ou ao conservadorismo. O peronismo, por sua vez, organiza-se não só na política
institucionalizada, mas também em movimentos sindicais, territoriais e nas comunidades. Desse modo,
nem a divisão clássica entre esquerda e direita nem a separação entre sociedade civil e política
representativa se apresentam como evidentes para o caso argentino” (Tabush, 2016, tradução minha).
2
O termo “população LGBT” será utilizado aqui como categoria rasa, reconhecida socialmente e
politicamente para identi car sujeitos cujas identidades estão atreladas a práticas sexoafetivas
denominadas dissidentes e estabilizada pelo Estado por meio de iniciativas de inclusão ou intervenção.
Para uma análise mais pormenorizada, ver Aguião, 2018.
3
Disponível em http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/285000-289999/285663/res1149-
1.pdf.
4
Disponível em https://www.pagina12.com.ar/74807-represion-a-la-orden-del-dia.
5
Disponível em https://www.pagina12.com.ar/72764-detener-trans-pero-en-orden.
6
Disponível em http://www.per l.com/sociedad/expertos-alertan-el-cambio-de-doctrina-tras-el-caso-
chocobar.phtml.
7
Em janeiro de 2018, um turista foi esfaqueado no bairro de La Boca, em Buenos Aires. O agente Luis
Chocobar começou a perseguição de um dos agressores que estava desarmado e, diante da
impossibilidade de alcançá-lo, disparou nas costas. O jovem morreu logo depois. O policial foi
indiciado por homicídio agravado pelo uso de armas de fogo em excesso do cumprimento de seu dever,
mas o Poder Executivo apoiou seu acionar, impulsando reformas para a proteção das forças de
segurança: http://www.per l.com/sociedad/expertos-alertan-el-cambio-de-doctrina-tras-el-caso-
chocobar.phtml.
8
Disponível em https://www.clarin.com/ciudades/marcha-orgullo-gay-tino-color-reclamos-avenida-
mayo_0_Bk4n7rCyM.html.
9
Disponível em https://www.pagina12.com.ar/13888-todxs-contra-una.
10
O apelido faz referência ao mítico goleiro colombiano, Higuita. Ela é goleira em times de futebol
feminino e reconhecida por utilizar a técnica do escorpião, atribuída a Higuita, para pegar a bola.
11
Disponível em https://www.pagina12.com.ar/44355-para-higui-la-libertad.
12
Caso Rodríguez Guido vs. Nogoya. A Câmara Penal considera legítima defesa a agressão para evitar o
estupro.
PRESOS LGBT: COMO SE (DES)FAZ UM SUJEITO DE DIREITOS?
Marcio Zamboni
PARÂMETROS DE ACOLHIMENTO
ALAS ESPECIAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Angotti, Bruna. Entre as leis da Ciência, do Estado e de Deus: o surgimento dos presídios femininos no Brasil
(Dissertação). USP, 2011.
Beatie, Peter. “Cada homem traz dentro de si sua tragédia sexual: visitas conjugais, gênero e A questão
sexual nas prisões, de Lemos Britto”. In Maia, C. et al. História das prisões no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco,
2009, v. 2, p. 215-248.
Cunha, Manuela Ivone da. “A prisão segundo o gênero”. In Moreira, Anabela (org.). Educar o outro: as
questões de gênero, dos direitos humanos e da educação nas prisões portuguesas. Lisboa: Publicações Humanas,
2007.
Fassin, Éric. “A double-edged sword: sexual democracy, gender norms, and racialized rhetoric”. In Butler,
Judith e Weed, Elizabeth (orgs.). e question of gender: Joan W. Scott’s critical feminism. Bloomington:
Indiana University Press, 2001, p. 143-158.
Ferreira, Guilherme Gomes. Travestis e prisões: experiência social e mecanismos particulares de
encarceramento. Curitiba: Multidéia, 2015.
Lago, Natália. Mulheres na prisão: entre famílias, batalhas e a vida normal (Dissertação). USP, 2014.
Padovani, Natália Corazza. “No olho do furacão: conjugalidades homossexuais e o direito à visita íntima
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Passos, Amilton Gustavo da Silva. Uma ala para travestis, gays e seus maridos: pedagogias institucionais da
sobrevivência no Presídio Central de Porto Alegre (Dissertação). UFRGS, 2014.
Sander, Vanessa. “‘O melhor lugar para arrumar marido’: conjugalidades e afetos entre travestis em
privação de liberdade”. Anais do VI SAPPGAS, Museu Nacional, Rio de Janeiro, 2016.
Sanzovo, Natália Macedo. O lugar das trans na prisão: um estudo comparativo entre o cárcere masculino (São
Paulo) e alas LGBT (Minas Gerais). (Dissertação). USP, 2017.
Vianna, Adriana (org.). O fazer e o desfazer dos direitos: experiências etnográ cas sobre política,
administração e moralidades. Rio de Janeiro: E-Papers, 2013.
Vieira, Vanessa Alves. Direitos de travestis e transexuais no Brasil: mapeamento normativo e análise crítica
(Dissertação). USP, 2018.
Zamboni, Marcio. “Travestis e transexuais privadas de liberdade: a (des)construção de um sujeito de
direitos”. Revista Euroamericana de Antropologia (REA), n. 2, 2016.
______. O barraco das monas na cadeia dos coisas: notas etnográ cas sobre a diversidade sexual e de gênero no
sistema penitenciário. Aracê – Direitos Humanos em Revista, n. 5, 2017.
Zamboni, Marcio e Lago, Natália. “O sexo das prisões: gênero e sexualidade em contextos de privação de
liberdade. In Saggese, Gustavo Santa Rosa et al. Marcadores Sociais da Diferença: gênero, sexualidade, raça e
classe em perspectiva antropológica. São Paulo: Terceiro Nome, 2018, p. 227-250.
NOTAS
1
Ao longo deste artigo, coloquei em itálico todas as expressões que correspondem a categorias êmicas –
tanto os jargões jurídicos mobilizados pelo Estado quanto as gírias utilizadas nas prisões. Usarei aspas
para citações diretas de trechos ou expressões mais longas.
2
Realizada no PPGAS-USP sob a orientação da Professora Doutora Laura Moutinho e com o
nanciamento da FAPESP.
3
O workshop foi realizado entre os dias 11 e 13 de abril de 2018, na UERJ. Agradeço o convite das
organizadoras, bem como as ricas trocas que ocorreram com outros participantes ao longo do evento.
Na preparação deste texto para a publicação, agradeço as leituras cuidadosas de Natália Lago e Gibran
Teixeira Braga.
4
Referência a “Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais”. Existe uma signi cativa variedade de
siglas para contemplar a diversidade de orientações sexuais e de identidades de gênero. Ao longo deste
texto, utilizarei a sigla LGBT, preferida atualmente pela maior parte dos pesquisadores e ativistas.
5
Até o presente momento, todas as alas especiais para essa população se encontram em unidades
masculinas.
6
Artista performática e ativista LGBT, Marina Garlen (1966-2016) foi uma liderança histórica do
movimento de travestis e transexuais na Bahia. Na ocasião de sua inesperada morte, ocupava o cargo de
Assessora de Cultura LGBT no MinC (agora extinto). Em diversas ocasiões, relatou sua passagem por
uma prisão na Itália (onde trabalhava ilegalmente) e sobre as suas diversas visitas a amigas travestis e
transexuais presas no Brasil.
CORPOS DÓCEIS NA PRISÃO EM TEMPOS DE ENCARCERAMENTO EM
MASSA E PEDAGOGIA BICHA
INTRODUÇÃO
O poder que espreitava essas vidas, que as perseguiu, que prestou atenção, ainda
que por um instante, em suas queixas e em seu pequeno tumulto, e que as
marcou com suas garras, foi ele que suscitou as poucas palavras que disso nos
restam; seja por se ter querido dirigir a ele para denunciar, queixar-se, solicitar,
suplicar, seja por ele ter querido intervir e tenha, em poucas palavras, julgado e
decidido. Todas essas vidas destinadas a passar por baixo de qualquer discurso e
a desaparecer sem nunca terem sido faladas só puderam deixar rastros – breves,
incisivos, com frequência enigmáticos – a partir do momento de seu contato
instantâneo com o poder.
Andrade, Sandra dos Santos. “O que fazer no ano que vem? Articulações entre juventude, tempo e
escola”. Educação em Revista, v. 33, p. 1-26, jun. 2017. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/0102-
4698158274.
Butler, Judith. Quadros de guerra quando a vida é passível de luto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2015.
Danin, Renata Almeida. “Encarceramento em massa como política social na contemporaneidade”. Revista
Sem Aspas, v. 6, n. 2, p. 125-133, jun. 2017.
Fassin, Didier. Prison Worlds Cambridge: Polity Press, 2016.
Foucault, Michel. “A vida dos homens infames”. Ditos & escritos IV. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2003.
______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Porto Alegre: Editora Vozes, 2014.
Garland, David. A cultura do controle. São Paulo: Editora Revan, 2008.
Passos, Amilton Gustavo da Silva. Uma ala para travestis, gays e seus maridos: pedagogias institucionais da
sobrevivência no Presídio Central de Porto Alegre (Dissertação). Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, 2015.
Sallin, Vinícius Ricardo. As facções e o grupo da segurança no Presídio Central de Porto Alegre: relações em
um sistema social complexo (Dissertação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2008.
Seffner, Fernando e Passos, Amilton Gustavo da Silva. “Uma galeria para travestis, gays e seus maridos:
forças discursivas na geração de um acontecimento prisional”. Sexualidad, Salud y Sociedad (Rio de
Janeiro), n. 23, p. 140-161, ago. 2016. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/1984-
6487.sess.2016.23.06.a.
Silva, Gabriela Baptista e Pizzinato, Adolfo. “Políticas identitárias e de conjugalidades: trajetória de
pesquisa na Galeria GBTT do Presídio Central de Porto Alegre”. Seminário Internacional Fazendo Gênero
11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), v. 11, p. 1-11, nov. 2017.
Silva, Tadeu Tomaz da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. São Paulo:
Autêntica, 2000.
Zamboni, Marcio. “O barraco das monas na cadeia dos coisas: notas etnográ cas sobre a diversidade
sexual e de gênero no sistema penitenciário”. Aracê: Direitos Humanos em Revista, v. 5, n. 4, p. 93-115,
fev. 2017.
NOTAS
1
Enfrentar a distribuição prisional feita a partir das facções produz reação intensa, como foi possível
veri car recentemente no Estado do Ceará, a partir da tentativa de diretriz que não reconhecia as
facções como marca de alocação dos presos, conforme se pode ver em
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46789403.
2
Até o ano de 2018, a Cadeia Pública de Porto Alegre era chamada de Presídio Central de Porto Alegre.
3
Esta pesquisa submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da Superintendência de Serviços
Penitenciários do Estado do Rio Grande do Sul.
4
Categoria êmica que designa as pessoas que ocultam materiais ilícitos dentro de si. Por vezes, as visitas
dos apenados são utilizadas como mulas para transportar drogas, celulares ou até mesmo armamento
para o interior das prisões. Ocorrem relatos numerosos de travestis que foram forçadas a introduzir
materiais de todo tipo no ânus para que não fossem con scados em revistas de cela.
5
Neste ponto, gostaríamos de fazer duas ressalvas: 1. queremos nos afastar da hipótese de que os muros
da prisão delimitam um espaço totalmente separado da cultura, dos saberes e dos discursos que
circulam extramuros. Não nos parece que seja possível considerar o contexto prisional como uma
sociedade à parte. Ao contrário, a prisão tanto é atravessada pelas redes que constituem a sociedade
como é uma instituição de grande impacto na con guração do próprio tecido social. Entretanto
também não podemos a rmar que para qualquer categoria que emerge no interior do contexto
prisional possa ser traçada uma correspondência no contexto extramuros; 2. quando falamos de uma
pedagogia bicha, estamos nos referindo não aos ideais de ressocialização apontados como um suposto
objetivo da prisão, mas a tudo que se pode aprender como sujeito institucionalizado.
A DISTÂNCIA EXISTENTE ENTRE AS NORMAS CONSTANTES DA
RESOLUÇÃO SEAP/RJ 558/15 E A REALIDADE EXPERIMENTADA NO
CÁRCERE PELAS MULHERES TRANSEXUAIS E TRAVESTIS
Letícia Furtado
INTRODUÇÃO
Mulheres transexuais e travestis são pessoas que se identi cam com o gênero
feminino, apesar de terem nascido com características biológicas do sexo
masculino, assumindo um gênero diferente daquele designado ao nascimento
em razão da genitália. Segundo Judith Butler, em sua obra Problemas de gênero:
feminismo e subversão da identidade, a ideia de gênero como construção
sociocultural foi concebida para questionar a formulação de que biologia é
destino e, consequentemente, de que o sexo seria intratável. Discorre a autora:
Nesse contexto fático, o Brasil até hoje não se preocupou em editar leis de
proteção à população trans*. Não há lei especí ca regulando a pretensão de
alteração de nome ou gênero com base na transexualidade/travestilidade, não
há norma especí ca tipi cando crimes de ódio motivados por transfobia, não
há disposição na Lei Maria da Penha estabelecendo a sua aplicação
explicitamente em favor de mulheres transexuais e travestis – embora haja
projeto de lei do Senado tramitando sob o n.º 191/2017 com esse propósito –,
tampouco há previsão de que estas possam ser vítimas de crime de feminicídio.
Eventuais conquistas de direitos costumam se dar por meio de decisões do
Poder Judiciário, como ocorreu no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4.275, do Supremo Tribunal Federal, ocorrido em 1.º de
março de 2018, em que foi dado provimento ao pedido para permitir a
reti cação do nome e do gênero no assento de registro civil
independentemente da realização de procedimento cirúrgico de redesignação
de sexo, de apresentação de laudos médico e psicológico e de processo judicial.
Nesse vácuo legal, no entanto, há resoluções federais e estaduais que
regulam a vida das pessoas trans no cárcere.
CONCLUSÃO
Bento Berenice. “Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal”. Revista de
Sociologia da UFSCAR Contemporânea, v. 4, n. 1, p. 165-182, jan.-jun. 2014.
______ e Pelúcio, Larissa. “Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas”. Revista
Estudos Feministas, v. 20, n. 2, p. 559-568, ago. 2012.
Brasil. Portaria n.º 2.836, de 1.º de dezembro de 2011. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). Ministério da Saúde. Disponível em
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2836_01_12_2011.html. Acesso em 21 mai.
2017.
______. Resolução Conjunta n.º 1, de 15 de abril de 2014. Disponível em
http://www.lex.com.br/legis_25437433_RESOLUCAO_CONJUNTA_N_1_DE_15_DE_ABRIL_DE_
2014.aspx. Acesso em 21 mai. 2017.
______. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder
Executivo. PDC 395/2016. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ chadetramitacao?
idProposicao=2085024. Acesso em 20 mai. 2017.
Butler, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 9. ed. Civilização Brasileira, 2015.
Classi cação DSM-IV. Códigos e categorias dos eixos I e II. Disponível em
http://www.psiquiatriageral.com.br/dsm4/dsm_iv.htm. Acesso em 02 jul. 2017.
Classi cação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde – CID 10. Disponível em
http://www.medicinanet.com.br/cid10/1554/f64_transtornos_da_identidade_sexual.htm. Acesso em 20
mai. 2017.
Conselho Federal de Psicologia. Luta pela despatologização da identidade trans. Novembro, 2014.
Disponível em http://www.cfp.org.br. Acesso em 22 maio 2017.
De Jesus, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. Guia técnico sobre
pessoas transexuais, travestis e demais transgêneros, para formadores de opinião. 2. ed., ver. e ampl., Brasília,
2012. Disponível em http://www.diversidadesexual.com.br/wp-
content/uploads/2013/04/G%C3%8ANERO-CONCEITOS-E-TERMOS.pdf. Acesso em 20 mai.
2017.
Ferreira, Guilherme Gomes. Travestis e prisões: a experiência social e a materialidade do sexo e do gênero sob
o lusco-fusco do cárcere (Dissertação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014.
Rio de Janeiro. Resolução n.º 558, de 29 de maio de 2015. Disponível em
http://www.riosemhomofobia.rj.gov.br/ les/pdf/70efdf2ec9b086079795c442636b55fb.pdf?
1454152813. Acesso em 21 maio 2017.
NOTAS
1
Ver o site do Conselho Federal de Psicologia, http://www.cfp.org.br, onde é possível assistir aos vídeos
da campanha.
2
Rio de Janeiro. Resolução n. 558, de 29 de maio de 2015. Disponível em
http://www.riosemhomofobia.rj.gov.br/ les/pdf/70efdf2ec9b086079795c442636b55fb.pdf?
1454152813. Acesso em 21 mai. 2017.
3
Serviço de Operações Especiais da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro
– SEAP.
PESQUISANDO PERFORMATIVIDADES DE GÊNERO: NOTAS INICIAIS SOBRE
UM PERCURSO EM UNIDADES PRISIONAIS DO RIO DE JANEIRO
Os homens dentro da prisão vê a gente como mulher mesmo. Esse lugar é muito
maluco. É muito estranho [fala isso rindo]. É um mundo novo, diferente. Acaba
criando sentimento. Porque é um lugar sofrido, mas ca carente. Mas o amor é
verdadeiro porque a gente se une para enfrentar junto e não temos nada mais.
Arán, Márcia. e Peixoto, Carlos Augusto. “Subversões do desejo: sobre gênero e subjetividade em Judith
Butler”. Cadernos Pagu, n. 28, p. 129-147, 2007.
Butler, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
D’Angelo, Luisa Bertrami et al. “Performatividades de gênero em unidades prisionais femininas do Rio de
Janeiro”. Psicologia: Ciência e Pro ssão (online), v. 38, p. 44-59, 2019.
Foucault, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.
Lima, Vanessa Pereira. O que papai do céu não deu, a ciência vende: feminilidades de mulheres trans e
travestis em privação de liberdade (Dissertação). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2019.
Mallart, Fábio e Rui, Taniele “Cadeia ping-pong: entre o dentro e o fora das muralhas”. Ponto Urbe, v.
21, 2017.
Mbembe, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Trad. Renata
Santini. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
Pozzana, Laura. e Kastrup, Virginia “Cartografar é acompanhar processos”. In Passos, Eduardo et al.
(orgs.). Pistas do método da cartogra a: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. 4. ed. Porto
Alegre: Sulina, 2015, p. 52-75
Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Resolução SEAP n.º 558, de 29 de maio de 2015.
Estabelece diretrizes e normativas para o tratamento da população LGBT no sistema penitenciário do
Estado do Rio de Janeiro.
NOTAS
1
Pesquisa realizada em parceria com o INSERM e nanciada pela ANRS, ambas instituições francesas.
2
A aplicação dos questionários por pessoas trans teve importantes implicações quanto à efetividade do
diálogo e à localização de possíveis entrevistadas/os. Dos 391, apenas três foram aplicados por pessoas
cisgênero.
3
Consideramos que existe uma forte porosidade entre o “dentro” e o “fora” da prisão (ver D’Angelo,
2017) para além das idas e vindas de parte da população que tem várias passagens pelo sistema
carcerário. No entanto, ao utilizar os termos “fora” e “dentro” neste texto, referimo-nos às grades que
impedem a circulação física dessas pessoas e que exigem de nós uma autorização para entrar. Embora
algumas das pessoas entrevistadas “fora” tenham relatado momentos de encarceramento em suas vidas,
neste texto, considerando as especi cidades temporal e espacial implicadas nessa experiência, tratamos
exclusivamente de quem nos concedeu a entrevista cumprindo pena de privação de liberdade.
4
Cabe ressaltar que, por exigências burocráticas, a autorização só foi possível para professoras/es e
estudantes da UERJ, não sendo possível a entrada da equipe de entrevistadores/as trans e travestis.
Assim, diferentemente do que ocorreu na pesquisa ampla, éramos apenas pessoas cis aplicando o
questionário, o que certamente marcou o campo.
5
Em razão da existência de feminilidades nas unidades entendidas como masculinas e o contrário,
utilizaremos aspas ao longo do texto quando nos referirmos às três unidades.
6
Utilizamos o termo transmasculinidades aqui por ser aquele que vem se estabelecendo no movimento
político de homens trans e transmasculinos, de modo a ampliar as categorias e performatividades de
gênero masculinas dessa população.
7
Vanessa Lima (2019) chama essa unidade de “mista”, por considerar contraditório chamar de
“masculinas” as unidades que a própria SEAP considera referências para travestis e mulheres trans,
minimamente reconhecendo as identidades femininas dentro dela. Cabe então pensar as dimensões
desse reconhecimento que vão desde a constatação de que são performatividades femininas até mais
uma forma de controle da gestão da população encarcerada.
8
Desde 2015, o estado do Rio de Janeiro conta com a Resolução n.º 558/2015 da SEAP, que “estabelece
diretrizes e normativas para o tratamento da população LGBT no Sistema Penitenciário do Estado do
Rio de Janeiro” (SEAP, 2015). Entre os itens normatizados nessa resolução, estão o impedimento de
tratamento diferenciado e a discriminação por conta de orientação sexual ou identidade de gênero;
direito assegurado de escolha para qual tipo de unidade prisional deseja ser encaminhada (se feminina
ou masculina); respeito à performatividade de gênero com o qual se identi ca (como uso de
vestimentas, cabelo, etc.); uso do nome social; entre outros.
9
Em pesquisas anteriores, nas quais procurávamos entrevistar mulheres presas, deparamos com pessoas
que se de niam como “sapatão” e que não se identi cavam como mulheres nem como lésbicas. Ver
mais sobre essas classi cações em D’Angelo e colaboradoras, 2019.
PATOLOGIZAÇÕES E CRIMINALIZAÇÕES: SAÚDE, GÊNERO E
SEXUALIDADE COMO DISPOSITIVOS DE GOVERNAMENTALIDADE
NAÎTRE EN PRISON
Bernard Larouzé
INTRODUCTION
CONTEXTE
MÉTHODES
SANTÉ
DROIT
ARCHITECTURE
RÉSULTATS
MODULE SANTÉ
L’étude a porté sur 495 femmes détenues (206 femmes enceintes et 289
mères vivant avec leur enfant dans les UMI). Il s’agissait de femmes jeunes
(72% avaient entre 18 et 29 ans) avec, le plus souvent (88%), une scolarité
incomplète. Plus de la moitié d’entre elles (56%) vivaient sans compagnon et
près d’un tiers (30%) étaient cheffes de famille. Près des deux tiers (62%)
étaient en prison pour la première fois et 40% en attente de jugement. Ces
femmes étaient en majorité (83%) multipares et 39% d’entre elles avaient plus
de 3 enfants dont, pour 4%, un ou plusieurs enfants nés en prison. Pour la
plupart (90%), elles étaient déjà enceintes lors de leur arrestation.
Un tiers seulement des 241 mères avaient béné cié d’un suivi prénatal
conforme aux prescriptions du ministère de la santé et un nombre non
négligeable d’entre elles (7%) n’en avaient eu aucun. La majorité (70%)
n’avaient pas été testées pour le VIH ni pour la syphilis. Pour les mères testées,
les taux de positivité étaient supérieurs à ceux des femmes enceintes de la
population générale (respectivement 3% contre 0,5% pour le VIH et 9%
contre 1% pour la syphilis).
De nombreuses mères (63%) n’avaient pas reçu de visite de leurs proches au
cours de leur grossesse. Plus d’un tiers (37%) d’entre elles ont été conduites à la
maternité dans des voitures de police, menottées dans la plupart de cas. Un
tiers d’entre elles ont été menottées pendant leur séjour à la maternité parmi
lesquelles 62% avant l’accouchement, 8% pendant l’accouchement et 92%
dans le post partum.
Dans 90% des cas, les familles n’ont pas été avisées du transfert à la
maternité et les femmes ont presque toujours (97%) accouché sans
accompagnant. Une femme sur cinq (22%) n’a pas reçu de visite à la
maternité. L’accouchement a été réalisé par voie vaginale dans les deux tiers des
cas, souvent avec perfusion d’ocytocine (65% des cas, contre 37% dans l’étude
Nascer no Brasil) et sans anesthésie.
Quant aux nouveaux nés, les petits poids de naissance (12% versus 9%) et
les cas de syphilis congénitale (6% vs 0,5%) étaient plus fréquents parmi les
enfants de femmes détenues par comparaison avec les femmes de la population
générale. La majorité des nourrissons (77%) avait un livret de santé mais dans
les deux tiers des cas, aucune mesure de poids n’y gurait. Dans 77% des cas
les vaccinations n’étaient pas à jour.
ARCHITECTURE
Les UMI actuelles, lorsqu’elles ne sont pas localisées dans l’une des ailes
d’une prison pour femmes, bruyante et potentiellement violente, le sont dans
des locaux indépendants, plus ou moins salubres, pour la plupart sans aucune
végétation ni espace de jeu pour les enfants, locaux dont les grilles rappellent la
destination pénitentiaire.
La proposition de M. Santos et V. Diuana relève d’une autre logique: les
UMI du futur devraient être séparées des autres unités carcérales et disposer
d’une entrée indépendante. Elles seraient disposées autour d’un patio central,
jardin sur lequel s’ouvriraient des chambres individuelles et des espaces de vie
collective (notamment salle de jeu, salle de réunion, biberonnerie) et le poste
de santé. La partie administrative de l’UMI et le poste de sécurité des gardes,
regroupés à la périphérie du bâtiment, ne seraient pas visibles depuis le patio,
l’idée étant que la présence du carcéral soit réduite au minimum. Sans
compromettre la sécurité, les fenêtres ne seraient pas grillagées ce que
permettrait l’organisation du bâtiment autour du patio central. Les salles pour
la visite des familles, décorées de façon conviviale, seraient situées à proximité
de l’entrée de l’UMI.
DISCUSSION
Ces résultats montrent clairement que les femmes incarcérées dans les
prisons brésiliennes ne béné cient pas de l’assistance médicale qui leur est due
alors que, selon la constitution brésilienne, la santé est “un droit des citoyens et
un devoir de l’Etat”. Etant donné les insuffisances du suivi prénatal et la façon
dont est réalisé l’accouchement, ces femmes incarcérées et leur enfant, qui sont
sous la responsabilité de l’Etat, encourent des risques importants. Notre
évaluation de la situation sanitaire a été partielle: à l’occasion de nos enquêtes
sur le terrain, nous avons constaté que l’on ne disposait d’aucune donnée
systématisée sur l’issue de chacune des grossesses en milieu carcéral, sur la
morbidité et la mortalité maternelles, sur la morbidité et la mortalité des
enfants. Dans bien des cas, les dossiers des mères et des enfants, quand ils
existent, sont incomplets.
Les enfants nés pendant la détention qui sont de fait incarcérés avec leurs
mères encourent de grands risques. Comme le montrent les données que nous
avons recueillies, le fait que l’infection VIH et la syphilis ne soient pas
systématiquement dépistées chez les femmes enceintes conformément aux
normes du ministère de la santé expose ces enfants à des infections congénitales
susceptibles de les affecter pendant leur vie entière. A la naissance, leur état de
santé, notamment le poids de naissance, est moins bon que celui des enfants
nés de femmes libres de même niveau socioéconomique et leur vulnérabilité est
également accrue par la façon aléatoire dont sont respectés le calendrier
vaccinal et celui du suivi de puériculture.
L’absence d’autonomie des mères et la crainte que quelque demande
insistante de leur part ait des conséquences disciplinaires qui pourraient aller
jusqu’au retrait de leur enfant ne leur permet pas d’organiser librement le suivi
de leur enfant. Souvent considérées par les personnels pénitentiaires comme
des mères qui ne peuvent être de “bonnes mères”, puisqu’elles sont en prison,
leurs demandes d’assistance pour leur enfant sont d’autant plus ignorées
qu’elles conçoivent souvent leurs pratiques maternelles en matière notamment
de nutrition et de santé selon des référentiels différents des personnels qui les
surveillent.
Tout particulièrement dans les unités dans lesquelles elles sont regroupées
en n de grossesse, situées dans les régions métropolitaines des états et souvent
éloignées du domicile de leur famille, ces femmes enceintes vivent dans la
solitude la n de leur grossesse qui devrait être un moment de convivialité.
Cette solitude derrière les grilles, dans un milieu con né et hostile, ampli era
leur anxiété lorsque viendra le moment d’accoucher. La gardienne qui les
surveille tiendra-t-elle compte de leur demande d’aller à l’hôpital lorsque
commencera le travail? L’escorte arrivera-t-elle rapidement? Dans quelles
conditions seront-elles transportées à la maternité? Comment seront-elles
accueillies à la maternité, elles et leurs escortes policières, par les autres
parturientes et par le personnel? Leur famille aura-t-elle été prévenue et pourra-
t-elle les accompagner lors de l’accouchement comme le prévoit la loi?
Ces craintes sont justi ées comme le montrent les résultats de notre
enquête. En particulier, les humiliations et les violences qui commencent
fréquemment par un transfert menottes aux poignets, parfois même dans un
fourgon cellulaire, continuent à la maternité, ces femmes étant souvent
considérées comme menaçantes pour la sécurité des autres mères et des
personnels de santé. S’explique alors la présence fréquente d’une gardienne
dans la salle de travail mais aussi le fait que les femmes soient souvent
menottées pendant leur passage à la maternité sans compter les violences
verbales ou même physiques auxquelles elles peuvent être soumises pendant
leur accouchement. S’explique également l’absence des familles, sans doute liée
à la crainte, de la part des personnels pénitentiaires et médicaux, de situations
difficiles à gérer. Il aura fallu rien moins qu’un décret présidentiel pour que soit
interdit l’usage de menottes pendant le travail et l’accouchement ce qui,
d’ailleurs, n’a pas nécessairement mis n à l’emploi de cette méthode de
contention.
L’incarcération de ces femmes, pour bon nombre d’entre elles cheffes de
famille, sans mari ni compagnon, a un impact important sur les enfants restés à
la maison qui dépendent de solidarités familiales ou de voisinage qui ne jouent
pas toujours simplement. Ainsi, comme c’est le cas pour le nourrisson qui
débute sa vie dans la réclusion, la peine que subissent les mères incarcérées,
dont 40% sont des prévenues, de ce fait présumées innocentes, atteint leurs
familles avec des conséquences qui vont bien au-delà de la période
d’incarcération.
Bien évidemment, considérer que ces femmes incarcérées puissent
s’exprimer, comme elles l’ont fait lors des entretiens réalisés dans le cadre de
l’étude architecturale, sur la façon dont elles souhaiteraient être hébergées par
l’administration pénitentiaire apparaîtra surréaliste à plus d’un.
CONCLUSION
Diuana, Vilma. et al. “Women’s reproductive rights in the penitentiary system: tensions and challenges in
the transformation of reality”. Cien. Saúde Colet., v. 21, n. 7, p. 2.041-2.050, 2016 (versions anglaise et
portuguaise).
______ et al. “Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições
da maternidade”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 27, n. 3, p. 727-747, 2017.
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Leal, Maria do Carmo et al. “Birth in prison: pregnancy and birth behind bars in Brazil”. Cien. Saúde
Colet., v. 21, n. 7, p. 2.061-2.070, 2016 (versions anglaise et portuguaise).
Simas, Luciana et al. “A jurisprudência brasileira acerca da maternidade na prisão”. Revista Direito GV, v.
11, n. 2, p. 547-572, 2015.
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Diretrizes para a Convivência Mãe- lho/a no Sistema Prisiona. Coordenação e redação: Renata Barreto
Preturlan e Rosângela Peixoto Santa Rita. Document résultant de l’atelier qui s’est tenu à Brasilia les 1 et
2 mars 2016, avec la participation de : Alexandra Sanchez, Ana Cristina Faulhaber, Ana Gabriela Mendes
Braga, Ana Paula de Lima Nascimento, Bernard Larouze, Bruna Angotti, Carmen Lúcia Gomes Botelho,
Daniela Ferreira Vieira, Janaína Rodrigues, Juliana Medeiros Paiva, Maíra Fernandes, Petra Silvia Pfaller,
Renata Barreto Preturlan, Rita de Cássia Porto Naumann, Tatiana Costa Gonçalves, Valdirene
Daufemback, Verônica dos Santos Sionti e Vilma Diuana de Castro. Departamento Penitenciário
Nacional, Ministério da Justiça do Brasil, Brasília, 2016. Disponível em http://www.justica.gov.br/seus-
direitos/politica-penal/politicas-2/mulheres-1/normativos.
Supremo Tribunal Federal. “Habeas Corpus Coletivo n.º 143.641”, Secundo Turma. Min. Relator
Ricardo Lewandowski, 2018.
VIDÉOS
O CLITÓRIS DE SÍSIFO
acaba agindo de formas que são consideradas masculinas não apenas porque ela
desa a a lei, mas também porque ela assume a voz da lei ao cometer seu ato
contra esta. […] Ela [Antígona] assume a masculinidade ao vencer a
masculinidade, porém somente vence ao idealizá-la (Butler, 2014, p. 30-31).
Tamanha idealização não pode ser reduzida a um discurso sobre si para si,
nem mesmo a um modo austero de se relacionar promovido por uma
defensora especí ca, ainda que, certamente, nenhuma dessas dimensões deva
ser ignorada. Na medida em que o “clitóris na mesa” é para Fabiana uma
metáfora do exercício de poder, pode-se dizer que Estado e gênero são
produzidos em movimento enunciativo comum, isto é, emergem coproduzidos
na percepção de si, da relação com o outro e do funcionamento da própria
administração pública. Em termos analíticos, vale sinalizar que, ainda que
Fabiana possa ver a si mesma lutando no feminino contra uma unidade de
poder monolítica/masculina, o que ela nos conta, a partir da construção dessa
relação de tensão entre feminino e masculino, é que as relações de gênero
fazem o Estado, e vice-versa. Ao chamarem atenção ao “duplo fazer do Estado e
do gênero”, Vianna e Lowenkron (2017) demarcam justamente a relevância da
não essencialização analítica do Estado como, por excelência, masculino por
um motivo bastante objetivo: é preciso atentar aos diferentes modos de
articulação dessa relação fundamental, pois, do contrário, sujeita-se ao risco de
alocar representações correntes como um dever ser do Estado, espécie de a
priori que nubla as especi cidades dos contextos, das performances e dos atos.
Ainda que se abatesse sobre a psicóloga como excesso, força vista como
desmedida, a autoridade jurídica generi cada se realizava, do ponto de vista da
defensora, como engajamento: um meio de combater a escassez de recursos ou
provocar a redistribuição de “bens”. “Enxugar gelo” era a expressão de uso
corrente que melhor designava a sensação de trabalho inesgotável, imperfeito e
cansativo. Ou seja, por mais que existisse esforço no sentido do agir
burocrático engajado, sabia-se que o trabalho estava condenado a se repetir
continuamente. Sempre haveria novas pessoas engordando a la de espera que
se sabia que, mesmo após ter sido ligeiramente encurtada, tornaria a crescer.
Manter-se de pé nesse contexto parecia requerer que Fabiana imaginasse a si
mesma a partir da metáfora de alívio que diversas vezes mencionou. Tal como
Sísifo, na mitologia grega, foi condenado a rolar uma pedra de mármore morro
acima, do cume, vê-la despencar e então descer para subi-la novamente, a
defensora se via condenada a lutar por direitos “in nitamente”. Ela comparava
a devoção de Sísifo a uma tarefa eterna ao seu próprio engajamento diante do
que chamava de “absurdo dos direitos humanos”. “Toda a alegria silenciosa de
Sísifo consiste nisso. Seu destino lhe pertence. A rocha é sua casa. [...] A
própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É
preciso imaginar Sísifo feliz” (Camus, 2010, p. 124).
Se Camus (2010) quer que imaginemos Sísifo feliz com a sua pedra,
Fabiana quer que imaginemos a sua luta como autorrealização. Posicionar-se
no lado humanitário da força judiciária era uma maneira de con uir prazer,
dor e poder. Dito de outro modo, se há sofrimento no engajamento
burocrático, há também felicidade, e ela pode estar localizada precisamente na
fruição do exercício de poder que não se distingue da defesa obstinada,
incessante ou estimulante dos direitos e valores humanitários. Onde as tarefas
se multiplicam, metáforas de poder (clitóris) e alívio (Sísifo) tornam-se cruciais,
pois viabilizam que se siga em frente fomentando gozos e utopias. Buscar não
se tornar a burocrata indiferente, mais ou menos como aquela desenhada por
Mônica em suas acusações, parecia ser o que Fabiana intencionava em seu
apelo à mitologia grega. A questão analítica relevante, como espero ter
demonstrado, não é de nir se há alguém certo ou errado nem mesmo delimitar
quem é per se Mônica ou Fabiana, e sim perceber o que cada ângulo de
visualização ilumina a respeito do cotidiano burocrático marcado pelo que se
entende como engajamento. Se, conforme varia o ângulo de observação, varia
também o que pode ser dito sobre pessoas, procedimentos e casos, torna-se
ainda mais compreensível a aposta em descrever como querelas morais, afetivas
e políticas – em uma palavra, relacionais – dão forma às modalidades de gestão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Butler, Judith. O clamor de Antígona: parentesco entre a vida e a morte. Florianópolis: Editora da UFCS,
2014.
Camus, Albert. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.
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Herzfeld, Michael. e social production of indifference: exploring the symbolic roots of Western bureaucracy.
Chicago: Chicago Press, 1993.
Jimeno, Myriam. “Emoções e política: a vítima e a construção de comunidades emocionais”. Mana, v. 16,
n. 1, p. 99-121, 2010.
Lacerda, Paula. “Polícia e Movimento em Altamira, Pará: o ‘caso dos meninos emasculados’”. In Vianna,
Adriana (org.). O fazer e desfazer dos direitos. Rio de Janeiro: E-papers, 2013.
Lowenkron, Laura. O monstro contemporâneo: a construção social da pedo lia em múltiplos planos. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 2015.
Ministério Público Federal. Parecer sobre medidas de segurança e hospitais de custódia e tratamento
psiquiátrico sob a perspectiva da lei 10.216/2001. Brasília: Ministério Público Federal, 2011.
Silva, Martinho. “Condições de possibilidade do caso Damião Ximenes: uma análise da primeira
condenação do Brasil por violação de direitos humanos”. In Vianna, Adriana (org.). O fazer e desfazer dos
direitos. Rio de Janeiro: E-papers, 2013.
Vianna, Adriana e Lowenkron, Laura. “O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões,
materialidades e linguagens”. Cadernos Pagu, v. 51, 2017.
NOTAS
1
Grosso modo, sanção penal aplicada àqueles que praticam crimes e são considerados portadores de
doença mental.
2
O projeto é um documento geralmente produzido por psicólogos e pro ssionais do serviço social que
circula pelo judiciário, delimitando e comunicando os caminhos da desinternação dos presos/pacientes.
3
Faço uso dessa categoria porque era a mais utilizada no cotidiano e porque o meu objetivo não é o de
adentrar as discussões da psicologia, da psicanálise e da psiquiatria sobre psicopatia, sociopatia e
transtornos da personalidade antissocial. Segundo o parecer, “[…] no território jurídico, a grande
discussão se trava, ainda, em torno de outras dimensões do fenômeno psíquico, pois a nalidade é
imputar ou não a culpa, imputar pena retributiva ou medida de segurança, concluir, en m, se o
criminoso é doente ou apresenta um transtorno e se à sua doença pode ser atribuído o ato criminoso”
(Ministério Público Federal, 2011, p. 38-39).
4
Dito de maneira vulgar, existem três categorias jurídicas relativas à responsabilidade penal: 1) imputáveis
são aqueles a quem se impõe pena; 2) inimputáveis são aqueles que recebem medida de segurança; e 3)
semi-imputáveis são aqueles que recebem pena que pode ser substituída por medida de segurança.
TRAJETS D’AUTEURES, TRAJETS DE PEINES, UNE CONTRADICTION
CARCÉRALE: RÉCIT DE SOI ET DISPOSITIF DE PARCOURS D’EXÉCUTION DE
PEINES DE FEMMES INCARCÉRÉES1
Natacha Chetcuti-Osorovitz
Les années passent sans laisser de traces signi catives. On attend toujours
quelque chose, dans un temps qui n’est jamais présent. Qui, parfois, fuit, glisse,
mais demeure presque toujours irrémédiablement immobile. En aucun cas, il ne
vous appartient, comme toujours quand la vie est vécue ailleurs (Balzerani,
Barbara. Camarade Lune. Paris: Editions Cambourakis, 2017, p. 99).
PRÉSENTATION DU TERRAIN
Cette étude n’est pas à lire comme une enquête générale sur les femmes
incarcérées pour de longues peines. Notre parti pris, inscrit dans une
pratique de la monographie, permet de comprendre comment se construit le
parcours carcéral localement à l’intérieur d’un contexte précis, ici d’un
établissement pénitentiaire en France non réservé aux femmes, dans un
quartier femmes de 90 places et sous partenariat privé public.5
L’enquête conduite en 2017 et 2018 a permis de réaliser 96 entretiens au
total auprès de 41 détenues, dont 22 entretiens longitudinaux. Les
prisonnières rencontrées sont âgées de 27 à 70 ans, et pour une grande partie
d’entre elles occupaient des métiers d’aide à la personne ou des fonctions
d’employées avant leur temps carcéral. Pour un quart d’entre elles, elles
étaient au chômage ou en situation de grande précarité économique et
sociale. Une minorité d’entre elles étaient cadres dans la fonction publique
ou dans une entreprise privée. En n, une autre partie des femmes
rencontrées sont issues de trajectoires politiques en tant que membres de
l’ETA (Euskadi Ta Askatasuna).
Les entretiens longitudinaux, répétés sur les 18 mois du terrain, ont été
l’occasion pour les femmes détenues de revenir ré exivement sur leur
parcours et leurs expériences de détention.
Le centre pénitentiaire a été construit dans le cadre du programme
immobilier de la loi d’orientation et de programmation de la justice du 9
septembre 2002 (programme dit 13200). Con é à l’agence publique pour
l’immobilier de la justice (APIJ), la loi a introduit le nouveau système de
nancement et de gestion dans le cadre de partenariats public-privé (PPP).
En ce qui concerne ce centre pénitentiaire, l’Etat verse un loyer à
l’entreprise Bouygues depuis sa mise en service en 2011, et ce, pour une
durée de 30 ans. Les partenaires privés sont émis Facility Management
(émis FM), liale de Bouygues, Elior, Préface, Onet. Le corps
professionnel du centre se répartit entre les agents de la fonction publique:
personnels de direction, personnels de surveillance, personnels
administratifs, conseillers pénitentiaires d’insertion et de probation (CPIP),
personnels techniques, psychologues d’exécution de peine.
Concernant l’ensemble des personnels, nous avons réalisé 40 entretiens:
personnel hospitalier, personnel de l’éducation nationale, éducateur sportif,
personnel du pôle emploi, personnel des aumôneries, personnel de
l’administration pénitentiaire : cadres, service pénitentiaires d’insertion et de
probation (SPIP), cellule partenariat privé/public, surveillant-e-s, personnels
de la gestion privée : Elior, Preface, émis-FM.
Moi, j’ai un problème avec ça (reconnaître la peine), non, moi je dis, je me suis
défendue, je ne suis pas auteure de violences, je me suis défendue. Ils me disent,
vous avez quand même utilisé une arme? Mais dans le contexte où je me
défendais, j’ai pas été, moi l’agresseure, je me suis défendue! Et ça, je reconnais
pas (elle insiste et parle fort), être auteure de violences conjugales! Je ne suis pas
auteure, je me défends, non mais ça m’énerve!
Quand ils me disent, mais vous êtes auteure. Non je ne suis pas auteure de
violences conjugales!
Ici ce qui est demandé c’est de reconnaître la quali cation juridique des faits?
Mais moi, je ne suis pas d’accord avec ces termes, je m’en fous s’ils ne me
donnent pas les RPS,7 même s’ils me donnent pas trois mois, je m’en fous, moi je
changerai pas mon… Moi, je veux que le syndrome de la femme battue soit
reconnu en France, et l’effet post-traumatique aussi. Il n’y a pas de raison pour
que ça ne soit pas entendu, et je me battrai pour cela. Je vais me battre pour
cela, parce que ça suffit de me faire passer pour… Parce que si vous voulez
vraiment que je vous montre ce que c’est que d’être auteur, mais je vais vous
montrer, moi ce que c’est d’être auteur, non c’est trop facile, ça me met en colère!
Moi, je veux que la légitime défense soit reconnue, et qu’une femme n’a pas à
aller en prison, parce qu’elle s’est défendue! C’est quoi? Moi, ça me rend folle, ça
me rend malade. [….] Même si ça me porte préjudice, je m’en fous, je ne
bougerai pas de ma position.
Une autre détenue intervient dans la discussion:
Toutes les femmes qui ont été battues, elles ne devraient pas être derrière les
barreaux.
Corinne: Et de toute façon, ça ne suffit pas de reconnaître ce que l’on a fait, il
faut dire je le regrette. Il faut ajouter à cela pas de rétribution judiciaire, si vous
n’allez pas voir la psychologue…(Corinne, 53 ans, célibataire, 2 enfants, 2ème
incarcération, 1 année effectuée)
Et votre justice, moi j’ai envie de leur dire, moi avant, je n’ai jamais été
reconnue comme victime, je n’ai jamais été reconnue comme victime
Et là?
Ah là, c’est la fatalité. Un juge m’a dit ça, ben tout ça ce qui m’est arrivé, que
j’ai pas pu obtenir justice, c’est la fatalité! Ah mais, moi j’ai entendu des trucs.
C’est pour ça, moi, il faut que je le médiatise, quand je sors, je vais aller dans
une assos, ça va bouger! Je vais aller devant le palais de l’Elysée, mais comme je
l’ai déjà fait, ils m’ont envoyée à Saint-Anne (rires). (Corinne, 53 ans,
célibataire, 2 enfants, 2ème incarcération, 1 année effectuée)
Alemany, Carme “Violences”. In HIRATA, Hélèna et al. (dirs.). Dictionnaire critique du féminisme. Paris:
PUF, 2000, p. 245-250.
Balzerani, Barbara. Camarade Lune. Paris: Editions Cambourakis, 2017.
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Tabet, Paola. La grande arnaque: sexualité des femmes et échange économico-sexuel. Paris: L’Harmattan,
2004.
NOTAS
1
Le présent chapitre a fait l’objet d’une première publication dans les Actes de la MSH-Paris-Saclay, n.°
4, 2019.
2
L’enquête a été réalisée par Natacha Chetcuti-Osorovitz (Sociologue, Centrale Supélec et IDHES-ENS-
Paris-Saclay) et Patricia Paperman (Sociologue, Université Paris 8 et LEGS-Paris Lumières).
3
Gradés pénitentiaires, chefs de détention, psychologues d’application des peines, psychiatres, juges
d’application des peines, conseillers pénitentiaires d’insertion et de des peines (CPIP).
4
Tiscini G., Communication: “L’institutionnalisation et le sens de la peine”, Colloque Prison et peine:
droit, sujet, politique, Paris, Palais Bourbon, 25 janvier 2019.
5
Je veux indiquer ici que dans le cadre la rédaction de cet article, toutes les précisions géographiques du
centre pénitentiaire observé ne seront pas mentionnées. Je respecterai également l’anonymisation de
l’ensemble des personnes ayant participé à l’enquête.
6
Consultable sur le site de l’INA : https://www.ina.fr/video/CPF07006187.
7
RPS, réduction de peine supplémentaire. Toutes les personnes détenues ont droit au même nombre de
jours : pour une année complète : 3 mois, pour une année non complète 7 jours / mois. La réduction
supplémentaire de peine s’ajoute au crédit de réduction de peine et elle en est indépendante. Selon les
termes de l’administration pénitentiaire : la réduction de peine supplémentaire peut être accordée aux
condamné-e-s qui manifestent des efforts sérieux de réadaptation sociale, notamment en passant avec
succès un examen scolaire, universitaire ou professionnel traduisant l’acquisition de connaissances
nouvelles ; en justi ant de progrès réels dans le cadre d’un enseignement ou d’une formation ; en
s’investissant dans l’apprentissage de la lecture, de l’écriture et du calcul ; en participant à des activités
culturelles, et notamment de lecture ; en suivant une thérapie destinée à limiter les risques de récidive ;
en s’efforçant d’indemniser leurs victimes.
“O PROBLEMA SÃO OS HÉTEROS”: GÊNERO E SEXUALIDADE COMO
TENSIONADORES DE “CRISES” NO SISTEMA PRISIONAL
Vanessa Sander
A BOMBA RELÓGIO
Tendo ouvido por tanto tempo sobre as alas LGBTs como uma política
modelo de gestão penitenciária, fui surpreendida ao entrar em campo e ter a
situação atual dessa arquitetura institucional apresentada por membros da
Secretaria de Defesa Social (SEDS) como uma “bomba relógio”. O diretor da
unidade prisional a rmava que o pavilhão estava passando por um momento
de desequilíbrio e pedia auxílio para acalmar a “situação caótica”. O caos de
que falavam foi apontado como o re exo de uma crise penitenciária mais
ampla, que atinge todo o sistema carcerário brasileiro. Ainda que em escala
distinta, essa crise chega também às cadeias mineiras e, consequentemente, às
alas LGBTs – espaços antes descritos por sua relativa tranquilidade e “ambiente
feminino”, como explicitam suas descascadas paredes rosadas. Para esses
agentes de Estado, a referenciada “crise penitenciária” (descrita pela crescente
superlotação, infraestrutura precária, contingenciamento de recursos e pelo
aumento dos con itos entre facções criminosas e gangues no interior dos
presídios) trouxe uma situação peculiar para a ala: o acirramento dos con itos
internos na prisão fez com que um número cada vez maior de detentos passasse
a se declarar homossexual para aceder às alas LGBTs. Dessa maneira, eles
poderiam car separados do convívio3 dos demais presos, sem a necessidade de
irem para o seguro, espaço conhecido pelo grande controle dos agentes
institucionais. Além disso, as alas eram descritas como possuidoras de
infraestrutura menos de ciente que o restante da prisão, com mais vagas,
limpeza e não obrigatoriedade do uso do uniforme, o que é muitas vezes
tratado como “um privilégio”. Isso tornaria estratégica a assinatura dos
documentos que promovem o acesso a essas celas, tendo em vista a crescente
precarização e superlotação do sistema carcerário brasileiro.
Assim, foi essa con guração que supostamente alterou o equilíbrio das alas,
já que, para os gestores penitenciários, a estada desses “héteros que se passam
por gays ou que usam as travestis” aumentou os con itos nesses espaços e
trouxe a presença, antes reduzida, de drogas e armas. Além disso, os agentes
penitenciários a rmavam constantemente que a presença ostensiva de
determinados atributos e corpos masculinos haviam descaracterizado o projeto.
Diante disso, vemos como as relações se rede nem o tempo todo nos embates e
nas circunstâncias cotidianas da gestão tensa e con ituosa das penitenciárias, de
tal modo que é o próprio universo institucional que se reordena nas suas
práticas e nos seus agenciamentos internos, assumindo con gurações distintas à
medida que se deslocam os jogos de poder que aí se processam, conforme
propõe Mallart (2014).
A superlotação das alas e os con itos atribuídos à presença dos héteros
criaram impasses para a administração penitenciária e geraram uma série de
debates entre os diversos atores envolvidos. De início, a SEDS acordou que a
solução mais simples seria retirar os homens4 das alas, de modo que travestis e
homossexuais tivessem preferência para ocupar as vagas disponíveis nesses
espaços. A prioridade seria dada para as travestis, sob a justi cativa de que são
elas as mais “vulneráveis” e maiores vítimas de violência sexual na prisão. Trata-
se de um contexto discursivo em que gênero e sexualidade se entrecruzam com
a noção de vulnerabilidade, encontrando articulações provisórias na construção
de certos sujeitos como vítimas merecedoras da proteção do Estado.
Rumores sobre essa possível decisão chegaram ao conhecimento das(os)
integrantes da ala LGBT, e não foram bem recebidos, causando brigas e
descontentamentos, como me foi descrito por Suzana, travesti que reside na ala
há três anos.
Aqui estando lotado eles quiseram dar preferência pras trans, né? É ala das
bichas, das gays, depois dos gays masculinos e depois do resto. E qual foi a
solução que apresentaram pra nós? ‘Vamos tirar os bofes’ [Risos]. Aí a casa caiu.
As bichas caram loucas, todo mundo causando aqui dentro porque os maridos
iam embora. E pronto! Deu briga entre elas de tanto babado que era. E briga
de travesti é que nem briga de cachorro grande, não é bonito de ver não. Briga
de faca e tudo teve. E uma ainda veio e cortou o cabelo da outra. Agora você
imagina o que é cortar o cabelo de uma travesti. Você é mulher e com esse
cabelão sabe o que um picumã5 representa pra gente. Ainda mais aqui dentro.
Além disso, a priorização para alocação das travestis sob a retórica da
proteção gerou uma série de dúvidas e obstáculos para os agentes institucionais,
visto que os detentos e detentas residentes nas alas – um grupo tão
radicalmente heterogêneo – desa a classi cações fáceis. Os termos usados por
Suzana já evidenciam: travestis e bichas não são categorias identitárias fechadas
e simples de distinguir, mas fazem parte de enunciados contingentes,
relacionais e não necessariamente excludentes, situados no contexto prisional.
Especialmente nesse contexto, é importante notar que as diferenças de gênero
são frequentemente pensadas em termos de sexualidade e vice-versa (Lago e
Zamboni, 2016). Nesse cenário, a separação completa entre identidade de
gênero e orientação sexual não parece fazer muito sentido, e as dinâmicas de
identi cação giram em torno, principalmente, da valorização de certas noções
de feminilidade e corporalidade especí cas, ainda que não se esgotem em
enunciados de gênero e sexualidade. Os maridos das travestis eram os
personagens mais polêmicos para os agentes de estado: tipicamente viris, eram
por vezes classi cados como heterossexuais, possíveis fraudes na política de alas.
Mas logo surgiam os questionamentos dessa heterossexualidade, visto que se
relacionavam com travestis, de feminilidade considerada precária, e o
embaralhamento e a confusão persistiam.
Nessa perspectiva, as travestis eram primeiramente identi cadas pelos
gestores entre aquelas pessoas com os corpos mais transformados: silicone
industrial, próteses, cabelos compridos, hormonização avançada. Determinadas
corporalidades eram tomadas como preferencialmente violáveis, como se
quanto mais evidentes e voluptuosas fossem as formas femininas mais elas
atrairiam os desejos incontroláveis dos homens. No entanto, uma série de
presas e presos com corpos sem tantas intervenções, mas visivelmente
femininos ou andróginos, pleiteavam a necessidade de serem mantidos nas alas,
fazendo uso estratégico da retórica da necessidade de refúgio espacial contra a
violência sexual. Outros detentos que se identi cavam como homossexuais e
possuíam corpos e performances vistas como masculinas também expressavam
a preocupação de serem preteridos na reorganização do espaço e considerados
menos urgentes de proteção “simplesmente por não terem peito”. Nesse
manejo de identidades possíveis, entre corpos identi cáveis e imensuráveis
(Padovani, 2011), vemos como eixos de classi cação sempre circunstanciais,
contextuais e relacionais são produzidos, objetivados e cristalizados na
produção governamental de políticas direcionadas para determinados sujeitos
(Aguião, 2014).
Para solucionar as controvérsias geradas pelo possível rearranjo da ala
LGBT, a Coordenadoria de Diversidade Sexual da Secretaria de Direitos
Humanos (CODS) foi acionada pela administração penal. Seus membros
realizaram algumas visitas técnicas às unidades penitenciárias, nas quais
acionaram uma lógica organizada em torno de identidades políticas a nadas
com os direitos humanos e os movimentos sociais. Assim sendo, cogitaram a
possibilidade de transferir as presas travestis e transexuais para os presídios
femininos, alegando que essa decisão concordaria com suas identidades de
gênero. Ou seja, se se identi cam com o feminino, deveriam ser enviadas para
as penitenciárias femininas, onde, inclusive, estariam supostamente a salvo da
violência sexual. Entretanto, tal possibilidade foi recebida pelas integrantes da
ala com um sonoro “Deus me livre!”
As tramas institucionais parecem cada vez mais complexas: as alas
progressivamente lotadas tornam-se estratégia de fuga dos presos ante os
con itos e as di culdades do convívio. E a subida dos héteros para esses espaços
é automaticamente associada ao aumento da presença ostensiva do crime,6 por
meio do trá co de drogas e de con itos violentos. Seus atributos de
masculinidade são sempre vinculados à agressividade. Ao passo que, se antes o
ambiente das alas era descrito como relativamente organizado e calmo,
articulado a certa domesticidade atribuída ao feminino, ele passou a ser
considerado uma “bomba-relógio”, prestes a explodir a qualquer momento. E
as soluções imaginadas pelos agentes institucionais – fossem eles representantes
da Segurança Pública ou dos Direitos Humanos – geravam disputas e
mobilizavam argumentos discordantes entre as partes do Estado. Enquanto os
últimos tentavam entender qual seria o espaço mais adequado para o
encarceramento LGBT, seguindo noções cristalizadas de identidade de gênero e
orientação sexual, os primeiros reclamavam da impossibilidade de provar a
“opção sexual” dos detentos que solicitavam abrigo nas alas.
Esse desejo de descobrir uma suposta “verdade” da identidade sexual
expressa a preocupação com o resguardo das alas como aparato de proteção
contra a violência sexual e com o sucesso de uma política pública vista como
modelo e referência. Por isso, a inibição de fraudes que possam fragilizar esse
instrumento, considerado fundamental para a garantia da “integridade física”
de certos sujeitos, acaba por produzir presos LGBTs legítimos (e de proteção
mais ou menos urgente) e delinear um conjunto de pessoas que não se
enquadram nas possibilidades precárias de salvaguarda oferecidas pelas prisões
(França, 2017).
A noção de tramas institucionais (Gregori e Silva, 2000; Rui, 2014) aqui
empregada se refere justamente a essas incompreensões mútuas e desencontros
cotidianos da prática dos agentes de Estado e ao campo de forças que esses
atores compõem, pautado por disputas por recursos, poder e legitimidade. Por
isso, não é raro que soluções mais efetivas mostrem-se muito difíceis de serem
alcançadas. Dessa forma, é possível pensar o funcionamento da prisão, e
também do próprio Estado, por intermédio do sentido processual,
performático e gurativo da administração pública (Souza Lima, 2002):
analisando como certos direitos corpori cam certas identidades (e vice-versa) e
evidenciando as compreensões imiscuídas em rotinas administrativas de
governo. Além disso, vemos como as tensões, descontentamentos e “brigas de
faca” acontecidas no interior das alas, que despontaram antes mesmo que
qualquer medida institucional de reorganização fosse efetivada, mostram a
importância de observar essas “sensações de crise” como uma criação que gera
pânico, sugere comparações entre os grupos e manipulação dos rumores,
operando como componente fulcral na reelaboração das narrativas sobre
sujeitos, espaços e eventos (Das, 2004).
Aguião, Silvia. Fazer-se no “Estado”: uma etnogra a sobre o processo de constituição dos “LGBT” como sujeitos
de direitos no Brasil contemporâneo (Tese). Universidade Estadual de Campinas, 2014.
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Vianna, Adriana e Lowenkron, Laura. “O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões,
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NOTAS
1
Esse número me foi informado por um dos gestores da prisão nos primeiros meses de 2019. Essa
quantia é bastante utuante, tendo crescido exponencialmente desde que iniciei as visitas à unidade,
em 2017.
2
Os comentários de Padovani (2017) atentaram-me para como essas categorizações nunca são
contraditórias, ao contrário, são por onde se fazem os processos de gestão dos corpos
“perigosos/vulneráveis”.
3
Adoto o itálico para expressões êmicas, colhidas durante o trabalho de campo, e para nomes próprios
ccionais, que protegem as identidades de algumas interlocutoras e interlocutores.
4
Masculinidades e feminilidades são produzidas aqui em articulação e também em contraste, de modo
que os homens, bofes, héteros, ou homens de verdade – os detentos da “massa carcerária” – são tidos como
masculinos, em oposição ao grupo heterogêneo de bichas, travestis, veados e mulheres de cadeia, tidas
como femininas.
5
No pajubá, picumã signi ca cabelo.
6
Conforme proposto por Gabriel Feltran, a expressão “mundo do crime”, ou simplesmente “o crime”, é
tomada aqui em sua acepção nativa. designando o conjunto de códigos e sociabilidades estabelecidas,
no âmbito local, em torno da prática de atividades ilícitas.
7
O insight de pensar a ideia de crise por intermédio de Victor Turner veio da comunicação oral de
Ronaldo Almeida na 31.ª Reunião Brasileira de Antropologia, durante o Simpósio Especial “Gênero e
sexualidade: conservadorismos, violências e ativismos”, em 2018. Ressalto que não pretendo, com isso,
de nir e delimitar a complexidade dos problemas de gestão da Ala LGBT e da crise do sistema
prisional à conceituação de drama social de Turner. Tal modelo opera aqui apenas como forma de
instigar o olhar para o curso de acontecimentos envolvendo o pavilhão desde sua implementação.
8
Para descrições e análises sobre a ala LGBT de Porto Alegre, ver o trabalho de Ferreira (2015).
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
Andrea Lacombe
Doutora e mestre em Antropologia Social (PPGAS); desenvolve suas
pesquisas nas áreas da Antropologia de Gênero e Sexualidade e dos Estudos da
Dissidência, com um intenso trabalho de campo e re exão sobre sociabilidades
lésbicas, geração, espacialidades e masculinidades dissidentes.
Bernard Larouzé
Médico especialista em Saúde Pública; Directeur de Recherche Emerite à l
´INSERM (France); membro do Grupo de Pesquisa “Saúde nas Prisões” da
ENSP/FIOCRUZ, no âmbito do qual desenvolve pesquisas, principalmente,
sobre óbitos, tuberculose e maternidade nas prisões.
Céu Cavalcanti
Psicóloga, mestre em psicologia pela UFPE, Doutoranda em psicologia pela
UFRJ
Fabíola Cordeiro
Cientista social e mestre em Saúde Coletiva pela UERJ; doutora em
Sociologia pela UFRJ; pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos de
Sexualidade e Gênero (NESEG)/PPGSA/UFRJ.
Letícia Furtado
Defensora pública coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade
Sexual e dos Direitos Homoafetivos do Estado do Rio de Janeiro; presidenta do
Conselho dos Direitos da População LGBT do Estado do Rio de Janeiro;
especialista em Direito e Gênero pela Escola de Magistratura do Estado do Rio
de Janeiro/EMERJ.
Marcio Zamboni
Pesquisador vinculado ao NUMAS/USP; doutor pelo PPGAS/USP; mestre
pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de
São Paulo – PPGAS/USP; bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de
Filoso a, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo –
FFLCH/USP.
Mariana Barcinski
Doutora em Psicologia Social pela Clark University; pesquisadora em
Gênero e Violência, com foco na experiência do encarceramento feminino.
Martinho Silva
Graduado em psicologia pela UNB; especialista em Saúde Mental pela
ENSP/FIOCRUZ; doutor em Antropologia pelo MN/UFRJ; mestre em Saúde
Coletiva pelo IMS/UERJ, instituição na qual é professor; coordenador da
Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde na ABRASCO (2017-
2019).
Miriam Ventura
Professora adjunta do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva/UFRJ;
advogada; doutora e mestre em Saúde Pública (Fiocruz); docente nos
Programas de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva e
em Saúde Coletiva (UFRJ).
Natacha Chetcuti-Osorovitz
Socióloga; professora de Sociologia do Departamento Sciences Humaines et
Sociales – Centrale Supélec Paris; membra permanente do laboratório IDHES
de l’Ecole Normale Supérieure de Paris Saclay. Trabalha sobre questões de
violência, gênero e experiências carcerárias.
Vanessa Sander
Graduada em Ciências Sociais pela UFMG; mestre em Antropologia Social
pela UNICAMP; doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais (PPGCS) da mesma universidade.
Vilma Diuana
Psicóloga; doutora em Ciências da Saúde pelo PPGBIOS/UERJ; foi
psicóloga da Sec. de Administração Penitenciária/RJ; professora de Psicologia
do Instituto Superior de Educação do Estado do Rio de Janeiro,
ISERJ/FAETEC.