Booklet Entrevista Com Andres Ramos

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PROJECTO 3—A ÉTICA DOS OUTROS

Entrevista ao Ilustrador e Storyboarder Andres Ramos

Eu e Andres nos conhecemos em 2016 no lançamento de um livro


que ele ilustrou sobre o universo ficcional escrito pelo seu Amigo, o
autor brasileiro Eduardo Spohr, também meu autor favorito. Assim
tivemos uma pequena conversa ao início da entrevista sobre o que
aconteceu em nossas vidas nos últimos anos e também o expliquei
sobre o objetivo da entrevista, saber mais sobre a ética de trabalho
e princípios de um profissional.

Anselmo
Na sua opinião e na sua experiência, o que é o melhor para um cara
que acaba de sair da faculdade fazer? Entrar numa agência especia-
lizada, em uma empresa ampla e setorizada como a TVE ou cair no
freelance e tentar a vida por aí?
Andres
Cara, então, essa é uma
grande pergunta, porque
são estilos de vida diferen-
tes. Você trabalhar dentro
de uma [empresa] estatal,
você tem uma estabilidade
sensorial maior, porque você
está numa empresa estatal,
as coisas vão funcionar às
vezes, de repente, não tão
da maneira que deveriam,
mas elas vão funcionar.
(Anselmo Oliveira, Lançamento FdE: UE, 11/12/2016, acervo particular) Você vai fazer seu trabalho
e você não fica com a sensação que tem uma faca no pescoço, que
se você errar, você vai ser mandado embora.
Não estou dizendo que é mais tranquilo, mas ainda mais para para
designers e ilustradores que, enfim, precisam desse espaço mental
para poder criar, você trabalhar num lugar estressante é complicado.
Porque eu estou falando isso, porque quando eu era estagiário nessa
empresa de design, não é que eu sentia que a faca estava no meu
pescoço, mas sim um erro era um grande problema, mas “eu sou
estagiário, eu to aqui pra aprender.”
Mas eu acho que saindo da faculdade é legal entrar em uma
empresa para sentir o que o mercado está querendo. Isso você tem
contato com outros profissionais e você vai trabalhar com alguém
que conhece alguém, entendeu? E aí você se sente mais à vontade,
até, entre aspas, a cometer erros né. Porque se você é freelancer e
você comete um erro no começo, cara, o que você tem é a tua
imagem, a sua palavra, e se você não cumprir, cara, é devastador. Eu
vi um rapaz que prometeu um negócio no Catarse (plataforma de
crowdfunding) e ele não conseguiu lançar, as pessoas não receberam
um produto e ele está fazendo a segunda campanha e o pessoal
está falando “Pô, bicho, mas você não entregou nem na primeira,
como é que eu vou pagar a segunda?” Então é assim, eu trabalharia
para uma empresa, faria estágio, ganharia experiência para depois
me lançar como freelancer. Eu acho que seria um caminho menos
tortuoso.

Anselmo
Você levantou a questão aí das pessoas que você conhece[...] da
indústria do entretenimento, que a gente até ouve várias histórias
também na internet,[...]não tem fim de semana, a galera dorme no
escritório, e assim, uma folha de pagamento grande e um reconheci-
mento só porque é uma marca grande. Vale realmente esse tipo de
condição de trabalho ou você acha que isso deveria ser revisto?

Andres
Eu tenho dois pontos de vista em relação a isso, um é o ponto de
vista político, [...] e isso aí eu acho que não tem a ver com o que a
gente está conversando, mas que é a exploração absurda da mão de
obra, de trabalho,[...] versus a experiência de você estar num fronte
de batalha, que eu acho importante também. Na faculdade eu tinha
um mês para pensar no meu projeto, cara, no mundo real, você tem
12 horas para entregar uma proposta. Então, assim, apesar de eu
achar draconiano esse tipo de postura das empresas, do sistema que
a gente vive, eu também acho bom, porque você fica safo. Você vai
se virar com o que você tem, com as ferramentas que você tem e aí
eu acho que você se torna mais qualificado. Só que, infelizmente,
tudo atualmente nessa área é sobre isso, sobre rapidez e qualidade.
Então, não importa se você vai trabalhar no final de semana 48
horas. E aí eu acho isso um problema, que é o problema do capital,
enfim, do capitalismo que a gente vive dessa loucura

Anselmo
Que é abusivo.

Andres
Que é completamente abusivo, ridículo, a verdade é que é ridículo.
Eu tenho dores nas costas, também porque eu parei de fazer
exercício né, vamos ser sinceros, mas eu fiquei com uma dor nas
costas crônica, porque eu ficava 48 horas sentado no computador
durante anos, isso acabou com as minhas costas.
Mas assim, eu acho que tem que ter em mente que a gente não tem
que sofrer para ter sucesso. Eu acho que a minha grande questão
hoje é que, não vou dizer que eu brigo, mas que eu comento com as
pessoas, é que, gente não é para reproduzir [comportamentos
abusivos]. Se você apanhou na profissão, você não vai bater no outro
cara.
Não é para reproduzir isso, é pra reproduzir outra coisa, entendeu?
Essa reprodução da exploração excessiva e dessa violência empresa-
rial e que tem no trabalho, a gente tem que interromper isso. Eu vivi
muito isso no storyboard, as pessoas, reproduziam um padrão
violento de comunicação e de prazo. Até uma hora que eu comecei
[a dizer] “cara, com esse diretor eu não trabalho, com esse diretor eu
não trabalho e com esse diretor eu não trabalho.”
Desculpa meu francês, mas foda-se que eu ia perder dinheiro.

Anselmo
E numa visão também de negar trabalho. Eu tenho uma pergunta
aqui que é sobre a questão de princípios. vamos imaginar que por
uma razão do caos no universo que a Disney fechou com o Bolsonaro
para fazer uma animação e te ligaram “Andres, 10 milhões de Euros!”
Como que você se comporta nesse sentido?

Andres
Cara, deixa eu te falar um negócio. Todo mundo tem um preço.
É que assim,[...] a sua palavra, o que você diz é o que você é, e o que
você tem. Se você perde isso, cara, você perde 99% de quem você é.
Então, se a Disney me ligar e falar “Olha, eu quero que você faça um
trabalho por 10 milhões para o Bolsonaro” eu vou falar “Não, não vou
fazer.” Agora, talvez se eu estivesse com meus filhos passando fome
e a minha esposa doente, eu iria falar “cara, o que eu faço?” E aí a
gente volta, sem querer falar de política, a gente volta na questão
do capitalismo e do bem estar social, a falta do bem estar social,
dessa proteção de todo mundo faz com que você tenha, às vezes,
que fazer coisas não éticas, às vezes, nem porque você é um FDP,
mas porque você falou “cara, se eu não fizer isso…”
Meu filho vai morrer de fome e aí, eu vou deixar meu filho morrer de
fome? Aí você pode fazer outra pergunta, “É, mas se você for fazer
uma campanha da Disney para o Bolsonaro, que vai criar uma
geração de crianças proto-fascistas no mundo, que pode transformar
o mundo num lugar pior.” É verdade, e eu faço o que?

Anselmo
Você acha que o designer tem algum dever, uma responsabilidade
global com a sociedade?

Andres
Você já se fez essa pergunta, qual é a nossa função como designer?

Anselmo
Olha a cara, seria comunicar, fazer com que a comunicação seja feita
de forma efetiva e clara para o público alvo.

Andres
Então seria a ligação entre o consumidor e [...] como que a empresa
quer que aquele produto chegue no consumidor, será, então, assim?
Basicamente, a nossa função é deixar o consumo mais suave, mas
mais direto na cara que tudo isso. Eu já me fiz essa pergunta mais
sobre um outro olhar, sobre a questão da fetichização da mercado-
ria, que a nossa função é essa como designer, comunicar que aquele
produto serve para um determinado meio, determinado fim e o
consumidor tem aquilo. Eu acho que a gente tem uma participação
grande na maneira como as pessoas ficam obcecadas pelo consumo.
Quando a gente faz rebranding das coisas e aí deixa tudo mais
apelativo,[...]. Eu fico me perguntando se a gente dentro do que você
falou, da questão da ética e moral, será que a gente está fazendo
bem? De certa forma, eu acho que sim e não. Eu acho que sim, sim,
porque tem muita coisa legal. Tem, tem, tem muitos produtos bons.
O mundo é movido por isso, pelo pelo consumo, mas acho que não
por causa que está muito exagerado. Está tudo muito exagerado.

Anselmo
Vamos dizer que você tem bastante tempo e duas empresas do
mesmo ramo entram em contato com você para fazer uma animação.
Elas são diferentes, mas elas vão ser lançadas mais ou menos na
mesma época.Você trabalha nos dois projetos, mesmo que sendo
empresas concorrentes. Como que você fica em conflito?

Andres
Depende. Elas pediram para eu trabalhar só para elas?

Anselmo
Então não existe nada de exclusividade.

Andres
Então, se no contrato não tem, eu acho que você tem que comunicar
isso para as duas pessoas do RH e perguntar “Olha, eu também fui
contactado pela Dreamworks e estão me pedindo também para
fazer um character design para um filme deles, isso entra em conflito
com a política da Pixar?” “Entra.” “Então tudo bem. Então eu vou ter
que fazer uma escolha.” Porque na vida profissional tudo tem que ser
muito transparente, porque é aquilo que eu estou te falando, é sua
palavra. Se você sujar o teu nome, é muito difícil você recuperar ele,
é muito difícil, a não ser que você seja um milionário safado, que tem
por aí, que dá mil esquemas de golpes. Mas não é o nosso caso,
nossa palavra é a coisa mais importante que você vai levar na sua
profissão. Então [...]esses trabalhos eles entram em conflito entre si
pela política das empresas? “Entra.” Então você vai ter que escolher,
se não entra, não tem nenhum problema, nenhum problema.

Anselmo
Você tem alguma definição do que seria uma ética profissional? Nem
que seja pessoal? Você tem alguma regra que você realmente não
passa?

Andres
Cara, tudo o que envolva coisas ilícitas, eu nunca me envolvi. [...]
então tudo o que passa por contravenção ou mesmo passar por cima
de gente, esse tipo de coisa não funciona, não dá porque você vai
deitar [...]a cabeça no travesseiro e você vai ficar pensando nisso.
Você vai ficar te corroendo, mas tem gente cara que encara isso com
uma normalidade, a ética profissional é dar rasteira nos outros,
derrubar para ascender profissionalmente, isso na minha educação
não tem lugar[...] não foi a maneira que eu fui criado. Então, assim,
tudo o que eu ficava desconfortável, eu evitava. Para se ter uma
ideia, eu não estou querendo pagar de moralista não, porque eu tive
isso muito forte educação. Para você tem uma ideia, uma vez a gente
foi fazer um filme em Saquarema, em Saquarema, eu peguei uma
condução(transporte) lá com a equipe de filmagem tipo 04h30 da
manhã.
Desenhei o storyboard com o diretor, mas diretor já estava mama-
do(bêbado) de manhã. Enfim, aí no final da tarde ele falou “vamos
parar para comer ali numa churrascaria no Aterro”, uma churrascaria
cara. Aí eu desci do carro, aí eu falei “Mas eu vou comer também?”
Na minha cabeça [eu estava pensando] eu tenho que ir pra casa
acabar o trabalho. [E o diretor disse] “Não, pode comer aqui.” [Então
perguntei] “Mas eu posso comer, mas eu vou pagar?” [E ele disse]
“Não, isso aqui está na conta da produção, a galera que saiu hoje
para fazer externa tem dinheiro para poder comer e eu escolhi
comer aqui.” “Então, se você escolheu comer aqui, eu não tenho nada
a ver com isso.” [E só assim comi], depois para poder trabalhar foi
horrível, barriga cheia também, tomei umas cervejas e de madrugada
tendo que desenhar.
Mas é porque acho que a gente não pode dar espaço para interpre-
tarem ou botarem em questão a sua honestidade, não dá. E as
pessoas vão fazer isso você sendo honesto e correto. Então, assim,
você já sendo corretinho vão tentar, [se você] você sendo um FDP,
porra, você pode se ferrar bastante... ou não, sei lá, o mundo é
escroto nisso.

Anselmo
Na sua opinião, teria alguma coisa que você diria que é um mau
design? Se é que existe isso para você.

Andres
Eu acho que o mau design é o design que não comunica o que o
produto tem a oferecer, vou dar um exemplo. Tinha uma época que
tinha várias sequências de fotografias, de cartazes, de flyers, as
paradas tosca com um nenenzinho pixelado colado em cima da logo,
mas assim, você via que era um flyer [um serviço] de fazer brigadeiro
para festa de criança recém nascida, você via aquilo, então aquele
design funcionou. Está feio? Sim, mas ele funcionou. O lance é que
você tem camadas da população que veem coisas que são mais
focadas [na realidade delas]. Então, assim, se você pegar um design
ultra minimalista rebuscado e lindo e colocar numa parte da popula-
ção que não enxerga isso no seu cotidiano, aquilo vai passar
despercebido e ainda farão piada. Vou dar um exemplo clássico, a
logo do Carrefour aqui na França, no Brasil é um peixinho, aquilo é
um peixinho.
Orador 1
Ou um palhaço, eu sempre acreditei que era um palhaço.

Andres
E o Carrefour é uma das maiores redes de supermercado da França,
tá mundo inteiro e tem aquele logo tosco, que parece um peixinho,
eu sempre vi um peixinho. Então assim, o mau design para mim, ele
ocorre quando você, na tarefa de comunicar o produto, você não
comunica, você cria um ruído, daí a pessoa vê outra coisa, mas assim
em termos de gosto de estética, porra, eu gosto de coisa trash, eu
sou meio Rogério Skylab às vezes do design, gosto das paradas bem
esquisitas.

Anselmo
Muito obrigado por me atender cara.

Andres
Eu que agradeço, ótimo papo. E precisando, qualquer coisa me
manda mensagem, a gente se fala se precisar de ajuda.

Anselmo
Quando eu for aí, te chamo para tomar um café

Andres
Por favor, se você vier, café não, a gente toma uma birita(álcool),
café, a gente senta aí e toma uma cerveja beleza? Grande abraço,
Feliz Natal para você, caro. Abração.

Anselmo
Feliz Natal e feliz ano novo.

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