R-G-Viviane Cruz - 2

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 65

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

VIVIANI APARECIDA CRUZ

O PAPEL DE UMA ONG MOÇAMBICANA NO COMBATE A VIOLÊNCIA


SOCIAL: ASSOCIAÇÃO MOÇAMBICANA PARA O DESENVOLVIMENTO DA
FAMÍLIA (AMODEFA)

MATINHOS

2021
VIVIANI APARECIDA CRUZ

O PAPEL DE UMA ONG MOÇAMBICANA NO COMBATE A VIOLÊNCIA SOCIAL:


ASSOCIAÇÃO MOÇAMBICANA PARA O DESENVOLVIMENTO DA FAMÍLIA
(AMODEFA)

Trabalho de Conclusão de Curso - TCC


apresentado ao curso de Graduação em Saúde
Coletiva, Setor Litoral, Universidade Federal do
Paraná, como requisito parcial à obtenção do
título de Bacharel em Saúde Coletiva.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Claudio Signorelli

MATINHOS

2021
TERMO DE APROVAÇÃO

Errata: Ata de defesa pública do trabalho de conclusão de curso,


documento SEI nº 3354507.

Deve-se considerar a seguinte redação:

ATA DE DEFESA PÚBLICA DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE


CURSO

Aos 05 dias do mês de março de 2021, através da plataforma Jitsi no


endereço https://meet.jit.si/GrupodepesquisasTeDiS, às 10h00, reuniu-se
virtualmente a banca examinadora do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna
Viviani Aparecida Cruz, GRR 20177777, intitulado “O PAPEL DE UMA ONG
MOÇAMBICANA NO COMBATE A VIOLÊNCIA SOCIAL: ASSOCIAÇÃO
MOÇAMBICANA PARA O DESENVOLVIMENTO DA FAMÍLIA (AMODEFA)”.

A banca foi constituída pelo professor Dr. Vinicio Oliveira da Silva e o


professor Me. Baltazar Samuel Muianga, sob a presidência do professor
orientador do Trabalho Dr. Marcos Claudio Signorelli.

Após reunião em sessão, a Banca Examinadora deliberou e decidiu pela


aprovação do referido trabalho, divulgando o resultado formalmente aos alunos e
demais presentes.

São recomendações da banca para a versão final: atender as sugestões


feitas pela banca durante a apresentação oral.

Os alunos terão o prazo de 15 (quinze) dias para fazer as correções


solicitadas pela banca e apresentá-las ao Professor Orientador com a finalidade
de entrega definitiva do Trabalho de Conclusão de Curso.

Eu, na qualidade de Presidente da Banca, lavrei a presente ata que será


assinada por mim, pelos demais examinadores e pelos acadêmicos.

Matinhos, 05/03/2021

Professor Orientador: Dr. Marcos Claudio Signorelli


Bancas: Dr. Vinício Oliveira da Silva

Bancas: Baltazar Samuel Muianga

Discente: Viviani Aparecida Cruz


Dedico esse trabalho aos meus ancestrais e sucessores. A todas as vítimas
de violência, seja ela qual for. A todas as ONGS e entidades voltadas a acolher as
vítimas e minimizar as mazelas ocasionadas.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço as DEUSAS e aos meus ORIXÁS, por me


fornecerem força, sabedoria e paciência, em todo o processo acadêmico. Minha diva
mãe que sempre me apoia, independente da minha loucura, me ensinou a ser
corajosa e ganhar o mundo com um sorriso no rosto, e não aceitar menos do que eu
mereço, se não fosse você, eu jamais teria tanto gosto pelos estudos como eu tenho,
tudo que eu conquistei é por nós. Minha avó Maria, por me ensinar a ter fé e não
desistir. E a mim mesma, por ser forte, responsável e conseguir manter a sanidade
mental mesmo quando achei que não fosse conseguir. Por ser a primeira pessoa da
minha família a entrar em uma universidade pública, e ser um orgulho para os meus
ancestrais e esperança para os próximos que viram.
A Universidade Federal do Paraná setor Litoral, por me aprovar e acolher
academicamente e financeiramente. Por ser uma universidade diferenciada e que me
proporcionou conhecimentos e autonomia para me expressar da maneira que sou,
sem afetar meu potencial. Além de me render projetos de pesquisa e principalmente
pela oportunidade de ser escolhida pelo Programa de Mobilidade Acadêmica
Internacional, me permitindo ir para Moçambique, um país que sempre quis conhecer,
e com isso pude estudar na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, e
consequentemente realizar um estágio no hospital regional de Maputo e voluntariado
na ONG AMODEFA, do qual colhi frutos para esse trabalho. Uma das maiores
experiências da minha vida, até o momento.
A ONG AMODEFA, por me abrir as portas e me ensinar muito, sobre suas
culturas e éticas. E a Universidade Eduardo Mondlane, professores e colegas, por me
receberem e acolherem, com amor, carinho e respeito.
Agradeço a todos os meus professores da graduação, em especial ao meu
orientador Marcos Signorelli, por respeitar meu espaço, meu processo criativo, e
escolhas, tanto na iniciação cientifica quanto no TCC. Me promovendo conhecimentos
e experiências dos quais não imaginava ter um dia. Você é incrível e um exemplo para
mim.
Aos meus amigos, companheiro, e família, por estarem comigo quando
preciso e entenderem minha ausência, respeitarem minhas escolhas e acima de tudo
não me abandonar. A Lorena, por sempre me abraçar e alegrar minhas idas para
casa. A Vanessa e Waltinho, por alegrarem meus dias em casa e me perturbar
também. Ao meu pai, que apesar de tudo, eu sei que se orgulha de mim. A Irenita, por
nunca me abandonar, e estar sempre comigo em Cotia ou Matinhos, por me
aconselhar, me alertar sobre o que é errado, ser a inspiração de mulher guerreira preta
da qual quero continuar tendo em minha vida. A Andréa, por não me abandonar e
continuar na minha vida e me presentear com a Laysa, por ser a melhor amiga que
alguém poderia ter, por ser a mulher preta mais corajosa que já vi. Ao Guilherme, por
tornar meus dias mais calorosos, alegres, afetuosos, aprendo com você todos os dias,
obrigada por ter o sorriso mais gostoso e o abraço mais quentinho que existe, você é
muito especial. A Jackeline, por ser parte de mim durante toda a estadia acadêmica,
você significa muito para mim, e sem dúvidas você é o presente mais bonito que a
UFPR me deu, obrigada por ser a alegria dos meus dias ruins, por cada segundo de
conversa, choro, malhação... obrigada por existir. A Joyce, por ser o acolhimento em
pessoa e passar de cria de Cotia a cria de Matinhos junto comigo, você é mais forte
do que pensa, obrigada por confiar em mim, dividir um lar e uma história comigo, você
é única. A Dra. Valquíria, que é mais que uma Dra. É uma amiga, mulher preta, forte,
empoderada, que todos deveriam conhecer, com um coração enorme, obrigada por
tudo. A Ingrid mulher baiana porreta, que não quero ficar sem na minha vida, obrigada
pelas conversas, confiança, pelo cuidado, companheirismo, dança e alegria você e
barril. A Joana, carioca mais gente boa que eu pude conhecer e dividir as pistas de
Maputo e me alegrar muito em Moçambique, você é perfeita mulher, obrigada por
dividir uma história comigo, te amo vovó Jojo. A Linda, italiana mais brasileira que eu
conheço, de coração tão lindo quanto seu nome, obrigada por dividir um quarto e uma
história comigo em Moçambique. Ao Mateus Fachin por tudo que causamos em
Moçambique, e por ser esse ser de luz, bonito e inteligente, te quero muito em minha
vida. Ao Wesllen, por me ajudar na matricula desse grande sonho e estar presente
em toda a trajetória. E a todas as pessoas que fizeram meus dias na Universidade
mais leve e feliz: Nicolly, Larissa e Gabriele, Rhodrigo e Aline, Ricardo, eterna Jurema,
Gabrielly, Jessica, Eduarda, Fernanda, Adriana, Raul, Maria Rocha, vocês são seres
de luz que não sabem o quanto alegraram meus dias durante as manhãs UFPR, pelas
conversas, deboches, e por existirem. E a todos meus colegas de turma. A todas as
pessoas que contribuíram com minhas rifas e vakinha rumo a Moçambique.
UBUNTU!!!
KANIMAMBO – OBRIGADA!!!
Quero ver quilombolas junto com tribos indígenas, quero um pajé presidente, sem
coronéis em Brasília. (Helber Ladislau, 2014, p.49)
RESUMO

A violência social é um fator universal que ronda todas as organizações


societárias, consequência de diversos fatores que envolvem as relações sociais e de
poder. O presente trabalho é uma pesquisa etnográfica, onde utilizei entrevista através
de questionário, observação in loco, e pesquisa bibliográfica. Levando em conta um
intercâmbio realizado em Maputo – Moçambique, vi a necessidade de estudar o papel
das ONGs – (Organizações Não Governamentais). Em especial a AMODEFA –
(Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Família), que vem ocupando
um espaço a fim de minimizar as mazelas sociais enraizadas, considerando a alta
vulnerabilidade social que Moçambique carrega. Este estudo baseia-se nos alicerces
do curso de saúde coletiva, onde, buscamos atuar na promoção, prevenção e
recuperação da saúde das coletividades, nas diferentes esferas da vida (sociocultural,
política, educacional, ambiental, organizacional, econômica e biológica). Com esse
estudo podemos observar os desafios no cotidiano da AMODEFA, desde recursos
básicos em materiais para atuação até desafios como arrumar novos apoiadores da
causa. Apesar de todos os desafios encontrados, conseguem desenvolver trabalhos
que possibilitam minimizar a gravidez na adolescência e consequentemente a
transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Esse estudo nos auxilia
a um novo olhar para as políticas públicas comparadas a um país em desenvolvimento
como o Brasil e as possíveis formas como as ONGs nacionais se mobilizam,
contribuindo para a promoção da saúde e redução de violências.

Palavras-chave: Violência. Violência Social. Saúde. ONG. Moçambique.


ABSTRACT

Social violence is a universal factor that surrounds all corporate organizations, a


consequence of several factors that involve social and power relations. The present
work is an ethnographic research, where I used interviews through a questionnaire,
on-site observation, and bibliographic research. Taking into account an exchange held
in Maputo - Mozambique, I saw the need to study the role of NGOs - (Non
Governmental Organizations). In particular AMODEFA - (Mozambican Association for
the Development of the Family), which has been occupying a space in order to
minimize the deep-seated social ills, considering the high social vulnerability that
Mozambique carries. This study is based on the foundations of the collective health
course, where we seek to act in the promotion, prevention and recovery of the health
of communities, in different spheres of life (sociocultural, political, educational,
environmental, organizational, economic and biological). With this study, we can
observe the challenges in the daily life of AMODEFA, from basic resources in materials
for action to challenges such as finding new supporters of the cause. Despite all the
challenges encountered, they manage to develop jobs that make it possible to
minimize teenage pregnancy and consequently the transmission of sexually
transmitted diseases (STDs). This study helps us to take a new look at public policies
compared to a developing country like Brazil and the possible ways in which national
NGOs are mobilized, contributing to health promotion and violence reduction.

Keywords: Violence. Social Violence. Health. NGO. Mozambique.


LISTA DE ABREVIATURAS

AMODEFA – Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Família


APS – Atenção Primária à Saúde
CES – Centro de Estudos Sociais
CIT – Comissão de Intergestores Tripartite
CMB – Casa da Mulher Brasileira
CSP – Cuidados de Saúde Primários
DST – Doença Sexualmente Transmissível
ESF – Estratégia Saúde da Família
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC – Iniciação Cientifica
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDS – Inquérito Demográfico e de Saúde
INE - Instituto Nacional de Estatística
LGBTI – Lesbica, Gay, Bixessual, Trans e Intersexo
ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONG – Organização Não Governamental
ONGD – Organização Não Governamental para o Desenvolvimento
ONU – Organização das Nações Unidas
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RDH – Relatório de Desenvolvimento Humano
SES – Secretaria Estadual de Saúde
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SNS – Serviço Nacional de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
TEDIS –Território, Diversidade e Saúde
UEM – Universidade Eduardo Mondlane
UFPR – Universidade Federal do Paraná
US – Unidades de Saúde
VBG – Violência Baseada no Gênero
VD – Visitas Domiciliares
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 16
1.1 JUSTIFICATIVA............................................................................................ 18
1.2 OBJETIVOS ................................................................................................. 19
1.2.1 Objetivo geral ............................................................................................... 19
1.2.2 Objetivo Específico ....................................................................................... 19
2 REVISÃO DE LITERATURA........................................................................ 21
2.1 TIPOLOGIA DA VIOLÊNCIA ........................................................................ 22
2.1.1 Violência Social ............................................................................................ 24
2.1.2 Estabilidade Familiar .................................................................................... 25
2.1.3 Direitos Sexuais e Reprodutivos ................................................................... 25
2.2 MOÇAMBIQUE: CONTEXTO HISTÓRICO, VIOLÊNCIA E SAÚDE ............ 27
2.2.1 Contextualização da Violência em Moçambique .......................................... 31
2.2.2 Sistema de Saúde em Moçambique: entendendo políticas de Estado para
compreender o papel das ONGs ............................................................................... 33
2.3 SURGIMENTO DAS ONGS EM MOÇAMBIQUE E SEU PAPEL
SINERGISTA NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PÚBLICAS ........ 36
2.4 AMODEFA - ASSOCIAÇÃO MOÇAMBICANA PARA O
DESENVOLVIMENTO DA FAMÍLIA .......................................................................... 37
3 MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................. 38
4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ..................................................... 41
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 60
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 63
1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho de conclusão de curso estudei a violência social na cidade de


Maputo, capital do país, localizada no sul de Moçambique (continente africano), a
oeste da Baía de Maputo, no Estuário do Espírito Santo.
Interesse surgido a partir de um intercâmbio realizado na Universidade
Eduardo Mondlane em Maputo-Moçambique, do qual pude compreender melhor o
curso de serviço social, e a importância do mesmo, embora não seja a minha área na
graduação1. No início, nos primeiros contatos com a comunidade local, pude observar
algumas limitações e desigualdades sociais, levantando vários questionamentos,
sendo eles, como seria o tratamento de saúde? Quem teria acesso? Esses serviços
seriam gratuitos? E o saneamento básico, como funciona? Quais são os direitos das
mulheres, crianças, jovens, idosos? Qual o papel do homem e da mulher nessa
sociedade? O que o governo faz para minimizar as problemáticas sociais? Será que
o governo ajuda a todos? Será que a população periférica tem acesso aos recursos
básicos de sobrevivência? E a desnutrição? As doenças sexualmente transmissíveis?
E o HIV/AIDS ou HIV/SIDA como é conhecido por lá, como era lidado? Enfim, as
perguntas eram várias, e precisavam de respostas, mesmo sabendo das minhas
limitações em encontrá-las, não hesitei a conseguir responder algumas, das quais
serão abordadas no decorrer deste trabalho.
Ao tentar encontrar respostas para as diversas perguntas, encontro no meio
do caminho uma ONG (Organização Não Governamental) chamada AMODEFA,
(Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Família), da qual será relatada
no decorrer do texto, possibilitando entender melhor a dinâmica do Estado. Pude
observar que as ONGs têm um papel fundamental na ajuda humanitária e
desenvolvimento de um país, me levando a querer saber mais sobre ela e sua
importância em meio a esse contexto de violência social. Segundo Gullo (1998), a
violência social é um fato universal, levando em conta cada singularidade e
manifestação em cada sociedade, ou seja, sendo considerado a cultura, valores,
ideologias e situações históricas, a violência social é o resultado da própria sociedade.

1 Infelizmente ainda o curso de saúde coletiva não é ofertado na Universidade Eduardo Mondlane, do
qual fui realizar o intercâmbio. Desse modo escolhi outro curso (Serviço Social) com temáticas e
disciplinas parecidas ao curso de saúde coletiva.
17

O objetivo da pesquisa, basicamente, foi facilitar a compreensão da sociedade


moçambicana, que é tão complexa, um mosaico de povos e de culturas, tão cheia de
tensões sociais, sendo necessário estar no terreno para melhor compreensão. Lancei-
me em trabalho de campo, o que foi possível com o apoio da AMODEFA para
observar, verificar e analisar a sociedade, e assim definir o recorte específico como
objetivo do TCC, que foi compreender o papel da ONG AMODEFA, que trabalha com
saúde da família, fazendo visitas domiciliares em seu projeto de Planeamento
Familiar, mas também busca contribuir para estabilidade familiar2, indo além da
questão da saúde. Neste processo de combate à violência, a AMODEFA transita por
diversas áreas, influenciando os órgãos competentes para assegurar o apoio na
legislação, regulamentação e implementação das leis existentes. Nesse processo de
mediação, busca pela diminuição da violência social, estabilidade familiar (não só por
questões econômicas, sociais e religiosas, mas também por afeto e carinho), direitos
reprodutivos3. Neste contexto é que se encontra nosso objeto de pesquisa.
O estudo buscou conciliar repertórios teóricos oriundos tanto da área de
Comunicação quanto da Antropologia Social, partindo-se da perspectiva que o
emprego do método etnográfico tem contribuído de modo significativo para
desenvolver estudos aprofundados com grupos considerados vulneráveis pela
sociedade.
Outro ponto importante é o Estado e a ineficiência das políticas públicas, o
que abre um espaço para o surgimento de ONG’s, como é o caso da AMODEFA, que
tenta atuar para potencializar políticas públicas em parcerias com o Estado e/ou
atuando nos lugares sem uma presença forte do Estado.

2 Para esse estudo, o conceito de estabilidade familiar está sendo relacionado ao fator econômico das
famílias, onde será melhor descrito ao longo do texto. Por conta dos salários baixos, ou até mesmo
o desemprego, faz com que haja uma instabilidade no núcleo familiar. (Da Costa, 2007).
3 Segundo a OMS - Organização Mundial da Saúde (2002). A saúde sexual é fundamental para o físico
e saúde emocional e bem-estar de indivíduos, casais e famílias e, em última análise, para as questões
sociais e econômicas do desenvolvimento de comunidades e países. Contudo, a capacidade dos
indivíduos de atingir a saúde sexual e o bem-estar depende de eles terem: acesso a informações
sobre sexualidade; conhecimento sobre os riscos que enfrentam e sua vulnerabilidade ao adverso
consequências da atividade sexual; acesso a boa qualidade cuidados de saúde sexual; e um
ambiente que afirma e promove a saúde sexual. Leis e políticas nacionais, ambos os que regem a
prestação de serviços de saúde (incluindo informação e educação) e criminal, civil e as leis
administrativas que são aplicadas a questões relacionadas à sexualidade, desempenham um papel
fundamental na promoção ou impedimento saúde sexual, e na promoção e proteção das pessoas
direitos humanos relacionados à saúde sexual. (Slegh, Mariano Roque e Barker, p. 15, 2017).
18

A busca por remediar, diminuir e eliminar a violência social, com foco na


atenção à família, parte de vários segmentos da sociedade. Demonstrando, de certa
forma, que o combate a violência não é responsabilidade única do Estado. É válido
ressaltar a importância que é entender a violência e a sua complexidade. Segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU, 2018), a violência é um fator humano e social,
sendo assim, não se conhece nenhuma sociedade totalmente isenta de violência,
tornando-se uma questão de saúde pública "porque afeta a saúde individual e
coletiva", (ONU, 2018). Há diferentes tipos de violência, e encontra-se sociedades
mais violentas que outras. A OMS sistematizou uma tipologia da violência
caracterizando os diferentes tipos de violência existentes, dos quais serão abordados
adiante. Combater a violência, como já dito acima, não é apenas papel do Estado,
talvez por isso seja tão importante estudar esse ator emergente nas relações de
combate a violência: as ONGs.

1.1 JUSTIFICATIVA

Levando em conta o intercâmbio realizado em um país pouco desenvolvido,


que ainda está aprendendo a andar com os próprios pés, e naturaliza a violência, vi a
necessidade de estudar o papel que as ONGs vêm ocupando a fim de minimizar as
mazelas sociais enraizadas.
Considerando a alta vulnerabilidade social que Moçambique carrega, as
ONGs se tornam muito importantes na dinâmica social, não sendo apenas um ator
coadjuvante na política moçambicana. Segundo o Relatório de Desenvolvimento
Humano (2020) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
os dados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Moçambique
correspondem a (0,456), ficando entre os 10 mais baixos do Continente. Em
comparação com alguns outros países do Continente Africano, temos ocupando a
primeira posição Maurícia (0,804), com o IDH mais alto, seguido por Seicheles (0,796).
A África do Sul corresponde ao 7° lugar com o IDH de (0,709). O primeiro país ainda
no Continente a ocupar o ranking dos dez IDH mais baixos é Niger (0,394). Já o Brasil
ocupa a 79° posição do ranking mundial com IDH igual a 0,761.
Então escolher uma ONG como objeto de estudo justifica-se pelo contexto
social onde ela está inserida, pela alta vulnerabilidade social e pela importância dela
na atuação ao combate da violência dentro da Cidade de Maputo - Moçambique.
19

Ressaltando também, que a temática da violência está presente em meu


cotidiano. Iniciei meu interesse a temática a partir do meu Projeto de Aprendizado (PA)
presente na grade horária do curso da graduação, onde busquei trabalhar a violência
doméstica contra as mulheres, desenvolvendo um trabalho na Casa da Mulher
Brasileira de Curitiba (CMB)4. Também tive contato com outros tipos de violência no
Estado do Paraná a partir da minha Iniciação Cientifica (IC), relatando diversas
violências cometidas contra a população LGBTI (Lesbica, Gay, Bixessual, Trans e
Intersexo). Não me limitando a esses trabalhos, também ingressei no grupo de
pesquisa Território, Diversidade e Saúde (TeDiS/CNPQ) da (UFPR) Universidade
Federal do Paraná - Litoral, desenvolvendo trabalhos sobre violência em diversas
formas, auxiliando os colegas pesquisadores do grupo. Observa-se que esse meu
interesse sobre a violência não se limita a esse trabalho, mas sim sendo um estopim
para a realização do mesmo.
Esse estudo, então, nos auxilia a um novo olhar para as políticas públicas
comparadas a um país em desenvolvimento como o Brasil e as possíveis formas como
as ONGs nacionais se mobilizam para apoiar as políticas de estado, levando para
possíveis novos estudos.

1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
O objetivo da pesquisa foi identificar e compreender as atividades realizadas
pela AMODEFA para o enfrentamento da violência social, e refletir sobre as limitações
e competências adquiridas pela ONG no apoio à implementação de políticas públicas
de estado.

1.2.2 Objetivo Específico


Compreender o papel de uma ONG (Organização Não-Governamental)
chamada Associação Moçambicana para o Desenvolvimento da Família (AMODEFA)
enquanto apoiadora de políticas de estado no trabalho com a saúde da família,

4 A Casa da Mulher Brasileira realiza atendimento às mulheres vítimas da violência doméstica em


Curitiba. É referência nacional ao acolhimento de mulheres e filhos, reunindo todos os serviços
públicos necessários para que elas possam sair do ciclo de violência.
20

fazendo visitas domiciliares, intervenções de promoção e prevenção da saúde e que


também busca contribuir para estabilidade familiar.
21

2 REVISÃO DE LITERATURA
Um dos eternos problemas da teoria social e da prática política e relacional
da humanidade é a violência. Não se conhece nenhuma sociedade onde a violência
não tenha estado presente. Pelo contrário, a dialética do desenvolvimento social traz
à tona os problemas mais vitais e angustiantes do ser humano, levando filósofos,
como Engels, a afirmar que "a história é, talvez, a mais cruel das deusas que arrasta
sua carruagem triunfal sobre montões de cadáveres, tanto durante as guerras como
em período de desenvolvimento pacífico" (ENGELS, 1981: p. 187).
A violência está presente nas relações influenciando as dinâmicas sociais e,
por vezes, ela é uma forma de comunicação, como diria Minayo (2006), “a partir do
momento em que cada pessoa se considera e é considerada “cidadã” que a sociedade
reconhece seu direito à liberdade e à felicidade, é que a violência passa a ser um
fenômeno relacionado com o emprego ilegítimo da força física, moral ou política,
contra a vontade do outro. ”
É possível dizer que, segundo Assis (2011), a violência não é desencadeada
exclusivamente por fatores econômicos, ela pode corresponder a um fator sentimental
de se sentir inútil socialmente, de não ser reconhecido, de sofrer discriminação racial
e cultural, sentimentos correspondentes a incapacidade de se construir perante a
sociedade, do qual o sujeito se define em relação ao outro (ASSIS, 2011, p.24).
A violência objetiva e subjetiva preenche então um vazio deixado em relações
sociais e políticas enfraquecidas, dando lugar a relação conflituosa traduzida a
existências de problemas sociais que não são transformados em debates e em
conflitos de sociedade. Assim, a violência nesses casos, manifesta a distância entre
as demandas subjetivas e a oferta política, econômica, social e simbólica, trazendo a
marca da subjetividade negada e é o instrumento do sujeito não reconhecido.
(WIEVIORKA, 1997, p. 37).
A área da saúde tem, tradicionalmente, concentrado seus esforços em
atender os efeitos da violência: a reparação dos traumas e lesões físicas nos serviços
de emergência, na atenção especializada, nos processos de reabilitação, nos
aspectos médico-legais e nos registros de informações. (VETHENCOURT, 1990).
Ultimamente, sobretudo em relação a alguns agravos, como violência contra a criança
e a mulher, começa a haver uma abordagem que inclui aspectos psicossociais e
psicológicos, tanto em relação ao impacto sobre as vítimas. Como no tocante aos
fatores ambientais e à caracterização dos agressores (COSTA, 1986).
22

Através de ONGs de muitos países em desenvolvimento, Moçambique é


apoiado pelo resto do mundo. Devido às dificuldades de gestão da ajuda externa e da
desigualdade da comunidade local, as ONGs fragmentam o sistema de assistência
médica primária do país, estabelecido pelo governo moçambicano após a
independência de Portugal. Citada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como
modelo para países em desenvolvimento. O pesquisador de saúde Pfeiffer (2003),
argumenta que, além de instalar uma nova estratégia de gestão da ajuda, um novo
paradigma de cooperação deve ser constituído, a fim de facilitar o intercâmbio entre
os trabalhadores humanitários e os trabalhadores de saúde locais no mundo em
desenvolvimento. O novo paradigma vai ajudar a promover um impacto positivo
duradouro sobre as instituições de saúde locais e fortalecer o relacionamento
profissional entre os trabalhadores da saúde.
A análise geral do setor de saúde em Moçambique constata que a pobreza é
um dos maiores problemas de saúde no país, no entanto também nota-se que o setor
saúde contribui no desenvolvimento sócio-económico de Moçambique. Segundo o
Centro de Apoio á Informação e Comunicação Comunitária (2020), há um alto custo
implicados no combate e prevenção de doenças como Malária, considerada a primeira
causa de morte no país, Cólera, Tuberculose e HIV/SIDA que se estima estar
infectando cerca de 500 pessoas por dia, com uma taxa de soro prevalência a rondar
os 16.2%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística de 2005.

2.1 TIPOLOGIA DA VIOLÊNCIA


Em sua resolução WHA49.25 de 1996, em que declarava a violência como
um importante problema de saúde pública, a Assembleia Mundial da Saúde convocou
a OMS para desenvolver uma tipologia da violência que caracteriza os diferentes tipos
de violência e os elos que os conectam. Há poucas tipologias existentes, e nenhuma
é muito abrangente, a OMS define a violência como o uso de força física ou poder,
em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou
comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico,
desenvolvimento prejudicado ou privação. A tipologia aqui proposta segundo o
Relatório Mundial de Violência e Saúde (Dahlberg, Krug et al, 2006), divide a violência
em três amplas categorias, segundo as características daqueles que cometem o ato
violento: a) violência contra si mesmo (autoprovocada ou auto infligida); b) violência
23

interpessoal (doméstica e comunitária); e c) violência coletiva (grupos políticos,


organizações terroristas, milícias).
A categorização inicial estabelece uma diferença entre a violência que uma
pessoa inflige a si mesma, a violência infligida por outro indivíduo ou por um pequeno
grupo de indivíduos e, a violência infligida por grupos maiores, como estados, grupos
políticos organizados, grupos de milícias e organizações terroristas.
Estas três categorias amplas são ainda subdivididas, a fim de melhor refletir
tipos mais específicos de violência.
Violência Auto Infligida: é subdividida em comportamento suicida e agressão
auto infligida. O primeiro inclui pensamentos suicidas, tentativas de suicídio – também
chamadas em alguns países de "para-suicídios" ou "auto injúrias deliberadas" – e
suicídios propriamente ditos. A autoagressão inclui atos como a automutilação.
(Dahlberg, Krug, 2006).
Violência Interpessoal: divide-se em duas subcategorias: 1) violência de
família e de parceiros íntimos – isto é, violência principalmente entre membros da
família ou entre parceiros íntimos, que ocorre usualmente nos lares; 2) violência na
comunidade – violência entre indivíduos sem relação pessoal, que podem ou não se
conhecerem. Geralmente ocorre fora dos lares. (Dahlberg, Krug, 2006).
O primeiro grupo inclui formas de violência tais como abuso infantil, violência
entre parceiros íntimos e maus-tratos de idosos. O segundo grupo inclui violência da
juventude, atos variados de violência, estupro ou ataque sexual por desconhecidos e
violência em instituições como escolas, locais de trabalho, prisões e asilos. Dahlberg,
Krug, 2006.
Violência Coletiva: acha-se subdividida em violência social, política e
econômica. Diferentemente das outras duas grandes categorias, as subcategorias da
violência coletiva sugerem possíveis motivos para a violência cometida por grandes
grupos ou por países. Dahlberg, Krug, 2006.

A violência coletiva cometida com o fim de realizar um plano específico de


ação social inclui, por exemplo, crimes carregados de ódio, praticados por
grupos organizados, atos terroristas e violência de hordas. A violência política
inclui a guerra e conflitos violentos a ela relacionados, violência do estado e
atos semelhantes praticados por grandes grupos. A violência econômica
inclui ataques de grandes grupos motivados pelo lucro econômico, tais como
ataques realizados com o propósito de desintegrar a atividade econômica,
impedindo o acesso aos serviços essenciais, ou criando divisão e
fragmentação econômica. É certo que os atos praticados por grandes grupos
podem ter motivação múltipla. Dahlberg, Krug, p. 1166. 2006.
24

O modelo ecológico apresentado na figura 1, representa muito bem a


diversidade das violências, e suas categorizações. Modelo esse apresentado no
relatório mundial sobre violência e saúde.

Fonte: OMS, 2002.

O primeiro nível (individuo) do modelo ecológico, corresponde aos fatores


biológicos como a história de cada pessoa, história anterior de agressão e
abuso, que possam vir a tornar um indivíduo vítima ou um perpetrador de
violência. Fatores como baixo nível educacional, e ingestão de substâncias
químicas, também são consideradas. O segundo nível (relações), tem a ver
com fatores relacionados ao ciclo social mais próximo à pessoa, que possa
moldar seu comportamento e suas experiências, correlacionando com
parceiros íntimos e membros da família. O terceiro nível (comunidade), busca
observar o envolvimento social em escolas, trabalho e vizinhança, que sejam
associados a pessoa que se torna uma vítima ou um perpetrador de violência
sexual e violência pelo parceiro íntimo. O quarto e último nível do modelo
ecológico (sociedade), inclui os fatores mais amplos e em nível macrossocial
que influenciam a violência sexual e a praticada pelo parceiro íntimo, tais
como desigualdade de gênero, sistemas de crenças religiosas ou culturais,
normas sociais e políticas econômicas ou sociais que criam ou sustentam
lacunas e tensões entre grupos de pessoas. Dahlberg, Krug, 2006.

A utilização do modelo ecológico ajuda a promover o desenvolvimento de


políticas e programas intersetoriais de prevenção ao ressaltar os vínculos e as
interações entre os vários níveis e fatores.

2.1.1 Violência Social


Violência social é qualquer tipo de violência cometida por indivíduos ou pela
comunidade, com uma finalidade social. Esses atos violentos assumem formas
diversas, dependendo do país, incluindo conflitos armados, violência de gangues,
terrorismo, remoção forçada e segregação. A exposição à violência pode ser direta
25

(por exemplo, ser vítima de um ato violento) ou indireta (por exemplo, ouvir falar sobre
violência ou testemunhar violência envolvendo outras pessoas).

Considera-se como violência social todas as formas de relações, de ações


ou omissões realizadas por indivíduos, grupos, classes, nações que
ocasionam danos físicos, emocionais, morais e espirituais a si próprio ou aos
outros. Ela se manifesta nas discriminações e preconceitos em relação a
determinados grupos que se distinguem por sua faixa etária, raça, etnia, seu
gênero, suas necessidades especiais, sua condição de portadores de
doenças e de pobreza. (Souza e Jorge, 2006).

Entretanto, a violência social é uma questão de estudo especialmente


importante durante esse período de desenvolvimento específico, que influencia o
desenvolvimento da criança em múltiplos aspectos (físico, social, neurológico e
emocional) e em diferentes níveis.

2.1.2 Estabilidade Familiar


As múltiplas faces da violência social têm impacto direto sobre as famílias,
afetando desde crianças, adolescentes, adultos e idosos. Por outro lado, algumas
famílias estão propensas a ser agentes da violência potencializando o fenômeno na
sociedade.
Antes de tudo precisamos saber que a família é uma unidade social
constituída de indivíduos que compartilham afeições, atividades, circunstâncias
sociais e econômicas, culturais e históricas. Com tudo isso, a conceituação de família
pode ser feita de várias maneiras, segundo Assis (2011), elas podem ter vínculos de
consanguinidade (mediante um ancestral comum), de alianças (casamento,
coabitação) ou de convivência (compadres e agregados).
As funções econômicas de uma família podem surgir como o estopim de uma
estabilidade ou instabilidade familiar. Para Da Conta (2007), face aos salários baixos,
ao desemprego, à ausência e/ou precariedade das estruturas de proteção social, a
família tem mais possibilidade de garantir a sobrevivência, quando consegue manter
no grupo familiar um elevado número de membros a realizar tarefas distintas.

2.1.3 Direitos Sexuais e Reprodutivos


Segundo a OMS (2002), a saúde sexual e reprodutiva é um estado de
completo bem-estar social, físico e mental em todos os aspectos relativos ao sistema
reprodutivo, significando que cada pessoa é capaz de ter uma vida sexual satisfatória
26

e segura, com capacidade de se reproduzir, e ter liberdade para decidir quando e


quantas vezes faze-lo. Mantendo a saúde sexual e reprodutiva, através de
informações concisas e métodos contraceptivos seguros, eficazes, acessíveis,
aceitáveis a sua escolha, devendo ser informados de maneira que possam se proteger
de doenças sexualmente transmissíveis, e tendo filhos que as mulheres possam ter
acesso aos serviços básicos de saúde, lhes ajudando a garantir uma gravides e parto
seguros, assegurando assim, o direito de cada indivíduo em fazer suas próprias
escolhas sobre a saúde sexual e reprodutiva.
Baseando-se nos estudos da pesquisadora Célia Sitoe, em Moçambique
existe os Ritos de Iniciação, o ritual é conhecido por “Okaka Ntupi”, o que se traduz
por “sacudir a poeira”, sua prática se aplica a meninas de 12 a 16 anos, como forma
de marcar a passagem da infância para a idade adulta.

Resultando em abandono da escola, gravidez precoce, contração de doenças


sexualmente transmissíveis, e complicações na hora do parto. Geralmente as
meninas passam pelo rito após a primeira menstruação, e os meninos ao
apresentarem os primeiros sinais da puberdade. Assim são encaminhados a
um espaço isolado sob a orientação de matronas e mestres, dos quais
passaram como serem adultos/as, ensinando-os os papeis e as funções
sociais de cada sexo, através de canções, danças e entre outras atividades
que lhes forneçam conselhos de como serem homens e mulheres. Sitoe
(2020)

Ainda em Sitoe (2020), como parte dos ritos de iniciação para a vida adulta,
no último dia das cerimónias iniciáticas, as meninas/moças são obrigadas a manterem
relações sexuais desprotegidas e com homens geralmente desconhecidos, sob o mito
que diz que, “falhando este ato, as adolescentes correm o risco de não conceberem,
na vida adulta, perderem o cabelo e ou ficarem com os pés e a barrigada inchados,
ou mesmo perderem a própria vida”, elas são obrigadas a aceitarem.
Outro Rito de Iniciação é o “Lobolo” como práticas que colocam as mulheres
em uma situação de vulnerabilidade e desrespeito aos direitos sexuais e reprodutivos
das mesmas. O Lobolo é um costume cultivado até hoje no Sul de Moçambique,
segundo esta tradição, a família da noiva recebe dinheiro (dote) pela perda que
representa o seu casamento e a ida para outra casa. O lobolo é o dote que a família
do noivo paga à família da noiva para poder casar com ela. Uma tradição que existe
há séculos. É a família da noiva que decide quanto dinheiro e quantas vacas pretende
pedir, mas o valor pago é diferente de cultura para cultura.
27

2.2 MOÇAMBIQUE: CONTEXTO HISTÓRICO, VIOLÊNCIA E SAÚDE


Sendo importante dar um panorama para apresentar às condições materiais
da localidade onde o estudo foi desenvolvido, usaremos dados da pesquisa que foi
desenvolvida e liderada pelo Instituto Promundo5 e pela Universidade Eduardo
Mondlane, em colaboração com o Centro de Estudos Sociais6 (Universidade de
Coimbra, Portugal), o Centro de Estudos Sociais Aquino de Bragança, e as ONG CÁ-
PAZ7 e Sonke Gender Justice8. Então em um contexto geral, vamos apresentar
questões diversas para melhor localizar nosso local de pesquisa, conforme o estudo
descreve:
O país está dividido em 11 províncias, sendo, Zona Norte: Niassa, Cabo
Delgado, Nampula, Zona Centro: Zambézia, Tete, Manica, Sofala, e Zona Sul:
Inhambane, Gaza, Maputo-Província e Maputo-Cidade, 128 distritos e 33 municípios.
A cidade de Maputo tem o estatuto de província. (INE, 2009).

5 Fundado no Rio de Janeiro, Brasil, em 1997, o Promundo trabalha para promover a equidade de
gênero e construir um mundo livre de violência envolvendo homens e meninos em parceria com
mulheres e meninas. O Promundo é um consórcio global com membros no Brasil, Estados Unidos,
Portugal e República Democrática do Congo que colaboram para levar a cabo esta missão através
da realização de pesquisas aplicadas que criem a base de conhecimento sobre masculinidades e
igualdade de género; do desenvolvimento, avaliação e alargamento de intervenções e programas
transformadores do género; e da realização de ações de advocacia nacional e internacional com vista
a alcançar a igualdade de género e a justiça social. (Slegh, Mariano Roque e Barker, p. 6, 2017).
6 O Centro de Estudos Sociais (CES) é uma instituição privada sem fins lucrativos dedicada à pesquisa
em ciências sociais e humanidades. O CES promove novas epistemologias e estimula a interação
cultural de ideias e a investigação inovadora, nas relações Norte-Sul, com especial destaque para a
cooperação com os países de língua portuguesa e na Europa. Também apoia o aprofundamento
progressivo dos direitos humanos e da democracia em todo o mundo. (Slegh, Mariano, Roque e
Barker, p. 6, 2017).
7 A CÁ-PAZ é uma ONG moçambicana com sede na Matola, Província de Maputo, Moçambique, que
presta apoio psicossocial a mulheres, homens e famílias expostas à violência doméstica. Fundada
em 2007, a sua principal ação é o empoderamento das comunidades, implementando o modelo de
Bons Vizinhos para a proteção das mulheres e crianças, combate e prevenção da violência
doméstica. (Slegh, Mariano, Roque e Barker, p. 6, 2017).
8 A Sonke Gender Justice é uma organização sem fins lucrativos, com sede na África do Sul que,
trabalha em toda a África para fortalecer o governo, a sociedade civil e a capacidade dos cidadãos
de promover a igualdade de gênero, prevenir a violência doméstica e sexual e reduzir a propagação
e o impacto do HIV e AIDS. (Sonk Gender Justice, 2020).
28

“Moçambique está situado no sudeste de África, cobrindo uma superfície


terrestre total de 800.000 quilômetros quadrados. É limitado pelo Oceano
Índico a leste, a Tanzânia ao norte, o Malawi e a Zâmbia a noroeste, o
Zimbabwe a oeste e a África do Sul e a Suazilândia a sudoeste. Moçambique
é um país étnico e linguisticamente diverso, misturando línguas indígenas de
origem bantu com o português e outras línguas estrangeiras. O português,
escolhido como língua oficial após a independência em 1975, é usado
principalmente nas cidades e raramente nas zonas rurais. (...)” (Slegh,
Mariano, Roque e Barker, p. 15, 2017).

Imagem 1: Mapa de Moçambique: fronteiras internacionais e os Estados com suas capitanias e de


capital nacional.

Fonte: Mapas do Mundo, 2014.

Inicialmente, os portugueses fixaram-se no litoral onde construíram as


fortalezas de Sofala (1505), e Ilha de Moçambique (1507), só mais tarde através de
processos de conquistas militares apoiadas pelas atividades missionárias e de
comerciantes, penetraram para o interior onde estabelecerem algumas fronteiras
como a de Sena (1530), e Quelimane (1544). (Moçambique, 2020).
29

No contexto moçambicano as populações macúa-lómué foram as mais


sacrificadas pela escravatura. Muitos deles foram traficados para as ilhas
Mascarenhas, Madagáscar, Zanzibar, Golfo Pérsico, Brasil e Cuba. Até cerca de
1850, Cuba constituía o principal mercado de escravos Zambezianos. (Moçambique,
2020).
Na luta pela independência, a opressão secular e o colonial fascismo
português acabaria por obrigar o Povo moçambicano a pegar em armas e lutar pela
independência. A luta de libertação Nacional, foi dirigida pela FRELIMO (Frente de
Libertação de Moçambique). (Moçambique, 2020).

Dirigida por Eduardo Chivambo Mondlane, a FRELIMO iniciou com a luta de


libertação nacional a 25 de setembro de 1964 no posto administrativo de Chai
na província de Cabo Delgado, sendo o primeiro presidente da FRELIMO.
Eduardo Mondlane, morreu assassinado em 3 de fevereiro de 1969, levando
Samora Moisés Machel a sua sucessão que proclamou a independência do
país em 25 de junho de 1975. (Moçambique, 2020).

Depois de Moçambique ter conquistado a sua independência em 1975, a


adaptação do planejamento central, a nacionalização de grandes empresas e a guerra
civil, resultaram quase que um colapso da produção e serviços públicos, bem como
na destruição de uma parte significativa da infra-estrutura pública (por exemplo,
estradas, hospitais e portos). Slegh, Mariano, Roque e Barker, 2017.

As elevadas taxas de migração de homens para trabalhar na indústria de


mineração da África do Sul complicaram as relações de gênero e o trabalho
em Moçambique. Essa migração tem-se registrado consistentemente há mais
de um século e meio e é hoje reforçada pela falta de oportunidades de
emprego ― não só para os homens, mas também para as mulheres. Um
grande número de mulheres, jovens e crianças atravessa a fronteira para a
África do Sul em busca de melhores oportunidades para o auto-sustento e o
das suas famílias, muitas vezes usando canais ilegais de migração que os
deixam vulneráveis a múltiplas formas de exploração (Mariano, Braga e
Moreira, 2016).

Tratando-se da cultura, Moçambique sempre se afirmou como polo cultural


com intervenções marcantes, de nível internacional, no campo da arquitetura, pintura,
música, literatura e poesia. Nomes como Malangatana, Mia Couto, Noémia de Sousa,
José Craveirinha, entre outros, ultrapassaram as fronteiras Nacionais. Também na
área do desporto se destacou em várias modalidades, designadamente no atletismo
com Lurdes Mutola. Importante também e representativo no espírito artístico e criativo
30

do povo moçambicano é o artesanato que se manifesta em várias áreas, destacando-


se as esculturas em pau-preto dos Macondes do Norte de Moçambique.

Moçambique é caracterizado por uma considerável diversidade religiosa,


fundindo religiões importadas (nomeadamente o cristianismo e o islamismo)
com crenças religiosas tradicionais que se centram na veneração dos
antepassados. Para muitos moçambicanos, incluindo os que são cristãos ou
muçulmanos, os espíritos ancestrais são tradicionalmente vistos como as
principais fontes para restaurar a saúde e o bem-estar, com implicações nas
relações de gênero. (Slegh, Mariano, Roque e Barker, 2017).

Também é importante conhecer a realidade social do país, para isso também


aproveitando dados da pesquisa Liderada pelo Instituto Promundo e Universidade
Eduardo Mondlane, onde diz:

“Embora os últimos anos tenham sido positivos para a economia


moçambicana – o PIB cresceu 7,6 por cento em 2014 e 7,5 por cento em
2015, com uma previsão de crescimento de 8 por cento em 2016 – a maioria
dos moçambicanos ainda vive abaixo da linha de pobreza. Cerca de 55 por
cento tem uma renda abaixo de US$ 0,60 por dia, valor que está abaixo dos
parâmetros de subsistência internacionalmente aceites de US$ 1 e US$ 2 por
dia. O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2015 do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) classificou Moçambique em
180º luga 188 países, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de
0,416. Os baixos níveis de escolarização, as elevadas taxas de desemprego
e os elevados níveis de participação na economia informal caracterizam as
experiências de trabalho da maioria dos homens e mulheres de Maputo e
Matola. O país continua a ser um dos mais pobres do mundo, com alguns dos
piores indicadores sociais em termos de educação e saúde” (Slegh, Mariano,
Roque e Barker, p. 15, 2017).

A tabela 1, desenvolvida na pesquisa da Promundo, já citada acima, ajuda a


contextualizar a realidade do país.
31

Outro ponto importante é entender a violência e a sua complexidade, como


abordaremos adiante.

2.2.1 Contextualização da Violência em Moçambique


Entendendo a violência como um fenômeno sócio histórico, multifacetado de
causalidade complexa e que tem suas significações e justificativas no tempo e espaço,
compreende-se que sempre haverá no âmbito das culturas, algumas violências
toleradas e outras condenadas, ao ser constitutiva da sociedade a violência está
presente nas relações influenciando as dinâmicas sociais e por vezes sendo uma
forma de comunicação.
Moçambique é um país marcado por uma história de violência política que
inclui a opressão colonial, a luta pela independência de Portugal e violentos conflitos
pós-coloniais. De 1976 a 1992, a guerra entre a força política dominante, a Frente de
Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a maior oposição e antigo grupo rebelde, a
Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), assolou o país. Os movimentos de
pessoas deslocadas e refugiados dentro e fora do país eram intensos e alteraram
significativamente as condições de vida. Maputo, enquanto capital e maior centro
urbano, registou um drástico aumento da sua população durante o período de guerra
civil devido à migração interna de refugiados (Espling, 1999). A violência extrema
durante o conflito incluiu sequestros, recrutamento forçado, estupro e mutilação, o que
contribuiu para um trauma prolongado (Braga, 2012). A conjugação de vários fatores,
incluindo o stress e o trauma pós-conflito, a pobreza e as desigualdades económicas,
32

contribui para a perpetuação da violência de gênero e de outras formas de violência


no contexto pós-guerra. Em 2011, o Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS) incluiu
pela primeira vez perguntas sobre experiências de violência doméstica. Os resultados
do IDS indicaram que 33% das mulheres e 25% dos homens tinham sido vítimas de
alguma forma de violência física desde os 15 anos de idade e 25% das mulheres e
11% dos homens relataram ter sido vítimas de violência física nos últimos 12 meses.
Para os que já sofreram violência, os perpetradores mais comuns de violência física
foram parceiros íntimos: aproximadamente 85% das mulheres e 40% dos homens
foram vítimas de violência física cometida por um parceiro antigo ou atual. No total, o
IDS constatou que 46% das mulheres e 48% dos homens tinham sido vítimas de
violência física, sexual ou emocional cometida por parceiros ou ex-parceiros (INE,
2011). Simultaneamente, Moçambique está atualmente a registrar um aumento de
grupos criminosos organizados que são vistos como um “poder paralelo” ao Estado
(Shabangu, 2012). Os sistemas de justiça penal e de segurança pública do país são
de um modo geral fracos e não dispõem de recursos suficientes e de pessoal
devidamente treinado (Shabangu, 2012; Goredema, 2013). Da mesma forma, apesar
de algumas melhorias no apoio jurídico e psicossocial aos sobreviventes da violência
baseada no gênero (VBG) nos últimos anos, esta continua a apresentar uma
prevalência relativamente elevada e muitas vezes é normalizada em Moçambique.
(Zacarias e et al, 2012; INE, 2011).
Após observar os dados podemos perceber que a situação social e econômica
de grande parte da população e o contexto de violência atual tem conexões, que
iremos utilizar durante a escrita deste trabalho. Desse modo podemos perceber que
os indicadores de desenvolvimento, o contexto econômico e social do país e a
dificuldade de implementação de políticas públicas, acaba por se tornar um
emaranhado de relações complexas. Assim fica evidente a amplitude de atuação do
nosso objeto de pesquisa, a AMODEFA, onde parte de um ponto específico (a defesa
da família) e atua nas mais diferentes áreas, como veremos no decorrer deste
trabalho.
33

2.2.2 Sistema de Saúde em Moçambique: entendendo políticas de Estado para


compreender o papel das ONGs
Segundo o Ministério da Saúde de Moçambique (2007), os ministérios
setoriais, tais como os de serviços econômicos e sociais, incluindo o setor da saúde,
estão representados a nível provincial e distrital.
O setor saúde em Moçambique obedece a estrutura político-administrativa, e
é composto por três níveis: Central, Provincial e Distrital cujas funções permitem a
prestação de cuidados de saúde à população moçambicana. Moçambique (2007).
O Nível Central, é um órgão orientador, pois realiza funções de definição de
políticas, normas, regulamentos, etc, sendo este nível onde é feita a planificação
estratégica do setor como um todo, e são delineadas as principais estratégias do setor
que servirão de orientação para a planificação provincial e distrital, e define as
principais intervenções por níveis. Moçambique (2007).

No nível Central encontra-se centralizada a gestão financeira de bens de


capital como os grandes investimentos na rede secundária, terciária e
quaternária, aprovisionamento de transporte, equipamento bem como as
despesas com medicamentos. É de referir, que esta centralização da gestão
de fundos a nível central, tem a sua razão de ser pois na prática, a
concentração é apenas aparente pois são ações de carácter específico (ex.:
medicamentos, equipamento médico), que carecem de uma atuação
acertada por pessoal qualificado para que se garanta o aprovisionamento dos
mesmos a todos níveis. De realçar que esta função exercida pelo nível central
tem o seu impacto nos níveis provincial e distrital. Moçambique (2007).

O Nível Provincial realiza funções de planificação provincial tendo em linha de


conta as orientações estratégicas definidas centralmente, mas adequando-as à
situação real de cada província. Moçambique (2007).

A este nível são coordenadas as atividades de saúde dos distritos, através


de planos anuais com metas estabelecidas para os vários programas
prioritários. Este nível garante a armazenagem e distribuição de materiais e
medicamentos para toda a rede sanitária da província e garante que sejam
cumpridas as normas e regulamentos definidos pelo nível central.
Moçambique (2007).

O Nível Distrital constitui a entidade implementadora dos planos concebidos


a nível distrital de acordo com as prioridades definidas pelo setor e harmonizadas com
o nível provincial. Moçambique (2007).
34

O distrito através da sua rede sanitária, permite a prestação de cuidados de


saúde primários às comunidades mais recônditas, fornecendo igualmente uma
atenção diferenciada nas sedes distritais. Moçambique (2007).
O Sistema de Saúde em Moçambique é composto pelo setor público, setor
privado com fins lucrativos, o setor privado com fins não lucrativos. Destes, até agora,
o setor público que é o Serviço Nacional de Saúde (SNS) constitui o principal prestador
de serviços de saúde à escala nacional. Moçambique (2007).
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) está organizado em quatro níveis de
atenção, segundo o Ministério da Saúde de Moçambique (2007).
● O nível primário corresponde aos Centros de Saúde e têm como função
executar a estratégia de Cuidados de Saúde Primários (CSP). Estas
Unidades de Saúde (US) constituem o primeiro contato da população
com os Serviços de Saúde. Moçambique (2007).
● O nível secundário é composto pelos Hospitais Distritais, Rurais e
Gerais e têm como função prestar Cuidados de Saúde Secundários e
constitui o primeiro nível de referência para os doentes que não
encontram resposta nos Centros de Saúde. Moçambique (2007).
● O nível terciário é composto pelos Hospitais Provinciais e constituem a
referência para os doentes que não encontram soluções ao nível dos
Hospitais Distritais, Rurais e Gerais bem como dos doentes
provenientes de Hospitais Distritais e Centros de Saúde que se situam
nas imediações do Hospital Provincial e que não tem Hospital Rural
nem Geral para onde possam ser transferidos. Moçambique (2007).
● O nível quaternário é composto pelos Hospitais Centrais, e constitui a
referência para os doentes que não encontram soluções ao nível dos
Hospitais Provinciais, Distritais, Rurais e Gerais bem como dos doentes
provenientes de Hospitais Distritais e Centros de Saúde que se situam
nas imediações do Hospital Provincial e que não tem Hospital
Provincial, Rural nem Geral para onde possam ser transferidos.
Moçambique (2007).

Comparando-se ao sistema de saúde brasileiro, o Sistema Único de Saúde


(SUS), composto pelo Ministério de Saúde (nível federal), Secretaria Estadual de
Saúde (nível estadual) e Secretária Municipal de Saúde (nível municipal).
35

O Ministério da Saúde é o gestor nacional do SUS, formulando, normalizando,


monitorando, avaliando políticas e ações, junto ao Conselho Nacional de Saúde.
Atuando no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) para pactuar o Plano
Nacional de Saúde. Integram sua estrutura: Fiocruz, Funasa, Anvisa, ANS, Hemobrás,
Inca, Into e oito hospitais federais. (MISAU, 2020).

A nível da União. A gestão federal da saúde é realizada por meio do Ministério


da Saúde. O governo federal é o principal financiador da rede pública de
saúde. Historicamente, o Ministério da Saúde aplica metade de todos os
recursos gastos no país em saúde pública em todo o Brasil, e estados e
municípios, em geral, contribuem com a outra metade dos recursos. O
Ministério da Saúde formula políticas nacionais de saúde, mas não realiza as
ações. Para a realização dos projetos, depende de seus parceiros (estados,
municípios, ONGs, fundações, empresas, etc.). Também tem a função de
planejar, elaborar normas, avaliar e utilizar instrumentos para o controle do
SUS. (Saúde, 2020)

A Secretaria Estadual de Saúde (SES), participa da formulação das políticas


e ações de saúde, presta apoio aos municípios em articulação com o conselho
estadual e participa da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) para aprovar e
implementar o plano estadual de saúde. (MISAU, 2020).

Á Nível de Estados e Distrito Federal. Os estados possuem secretarias


específicas para a gestão de saúde. O gestor estadual deve aplicar recursos
próprios, inclusive nos municípios, e os repassados pela União. Além de ser
um dos parceiros para a aplicação de políticas nacionais de saúde, o estado
formula suas próprias políticas de saúde. Ele coordena e planeja o SUS em
nível estadual, respeitando a normatização federal. Os gestores estaduais
são responsáveis pela organização do atendimento à saúde em seu território.
(Saúde, 2020).

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS), planeja, organiza, controla, avalia e


executa ações e serviços de saúde em articulação com o conselho municipal e a
esfera estadual para aprovar e implantar o plano municipal de saúde. (Saúde, 2020).

A nível dos municípios. São responsáveis pela execução das ações e


serviços de saúde no âmbito do seu território. O gestor municipal deve aplicar
recursos próprios e os repassados pela União e pelo estado. O município
formula suas próprias políticas de saúde e também é um dos parceiros para
a aplicação de políticas nacionais e estaduais de saúde. Ele coordena e
planeja o SUS em nível municipal, respeitando a normatização federal. Pode
estabelecer parcerias com outros municípios para garantir o atendimento
pleno de sua população, para procedimentos de complexidade que estejam
acima daqueles que pode oferecer. (Saúde, 2020).
36

Investir na Saúde é investir nas pessoas, pois a saúde é um direito de todos os


cidadãos, necessário para constituir uma política social que contribua para uma
sociedade justa e solidária, é essencial que todos, sem exceção, tenham acesso aos
melhores cuidados de saúde sempre que deles necessitem, mas o fundamental é
garantir às pessoas um atendimento de qualidade, em tempo útil, com eficácia e com
humanidade.

2.3 SURGIMENTO DAS ONGS EM MOÇAMBIQUE E SEU PAPEL


SINERGISTA NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

As ONGs em Moçambique surgiram após a Segunda Guerra Mundial, com o


intuito de minimizar as mazelas ocasionadas pela crise mundial que se estendia a
nível global, dificultando os processos de pacificação entre os refugiados de guerra.
Após a independência, as ONGs assumiram um papel fundamental para o
desenvolvimento e a atitude do poder político. Em 1975, não era permitida a criação
de ONGs nacionais por conta da afiliação à política socialista. (Mauri, 2013).

Em 1984, devido à crise económica e social que se arrastava desde o final


dos anos setenta, foi implementado um programa de ajustamento estrutural
e o país aceitou receber as ONGs estrangeiras, permitindo uma maior
abertura, a fim da legalização das ONGs nacionais na preparação da nova
Constituição moçambicana de 1990. (Mauri, 2013).

Considerando as ONG’s um fenômeno recente, surgindo depois da Segunda


Guerra Mundial, proporcionou uma evolução durante a década de Setenta, passando
de ONG humanitárias a ONG para o Desenvolvimento (ONGD), tornando o trabalho
humanitário do qual tinha como foco ajudar os refugiados a uma denúncia da pobreza
como consequência da ordem econômica mundial, ficando então as ONGD mais
políticas. (Mauri, 2013).
Em Moçambique as ONGs têm um papel fundamental no desenvolvimento
socioeconômico, nos cuidados primários de saúde, na participação comunitária e na
atenção aos determinantes sociais da saúde. Diferentemente das ONGs brasileiras,
que vemos uma participação mais acanhada, no tocante a saúde, pois contamos com
o Sistema Único de Saúde que abrange toda a população de forma gratuita,
independente da classe social. Podemos dizer que as ONGs, em Moçambique, podem
acabar ocupando o espaço do próprio Estado.
37

Observando as atividades realizadas pelas ONGs fica-se com a impressão


que fazem um pouco de tudo por todos os lados. Envolveram-se logo após o
fim da guerra massivamente na reabilitação de infra-estruturas sociais, no
reagrupamento e fixação das populações e na distribuição de alimentos e
instrumentos agrícolas. Mais tarde passaram a implementar projetos de
desenvolvimento em várias áreas, tais como microcréditos, alfabetização,
formação formal e informal e gestão de recursos naturais. A diversidade das
atividades do conjunto das ONGs estende-se para dentro exclusivamente de
cada organização. Todas as ONGs combinam que se dedicam a várias
atividades, às vezes dentro do mesmo ramo, outras vezes trata-se de
atividades de diferentes setores. (Eys, 2002).

Em um país como Moçambique, à beira do desenvolvimento, analisar a


relação entre as ONG e o estado permite perceber quanto é importante a presença
das ONG’s no território e ainda a abertura do poder político à ajuda externa. (Mauri,
2013). Após a independência Moçambique demonstrou-se uma das democracias mais
sólidas da África (Marraziti 2012:20), é muito aberta a ajudas externas, bilaterais e
multilaterais, neste contexto as ONGs tiveram um papel importante.

2.4 AMODEFA - ASSOCIAÇÃO MOÇAMBICANA PARA O


DESENVOLVIMENTO DA FAMÍLIA

A AMODEFA, segundo os documentos públicos da mesma, é uma associação


moçambicana para o desenvolvimento familiar, foi criada em 15 de junho de 1989, e
hoje, conta com perto de 600 voluntários em todo território nacional, sendo uma
instituição de utilidade pública desde 2003.
A AMODEFA tem por objetivos contribuir para a estabilidade da família
através de ações de informação, educação e comunicação, de modo a promover uma
relação mais coesa entre os vários membros da família e destes para com a
sociedade. A partir de uma visão em ter a sociedade moçambicana livre do HIV/SIDA,
onde todos tenham acesso aos serviços integrados de Saúde Sexual e Reprodutiva
de qualidade, sem qualquer discriminação, gozando de todos os seus direitos sexuais
e reprodutivos e, bem-estar. Por meio da missão de liderar, advogar e assegurar os
direitos e acesso aos serviços sexuais e reprodutivos integrados e de qualidade de
forma inclusiva, em especial para adolescentes e jovens, numa abordagem baseada
nos direitos, prezando a Inclusão social na diversidade, Paixão, Voluntariado,
Integridade, Transparência, Honestidade e Confiança.
38

3 MATERIAIS E MÉTODOS
Para a realização deste trabalho, utilizei da metodologia de pesquisa
etnográfica, utilizando entrevistas semi-estruturadas, observação in loco, e pesquisas
bibliográficas.
Literalmente, etnografia significa descrição cultural de um povo (do grego
ethnos, que significa nação e/ou povo e graphein, que significa escrita). Essa
metodologia foi escolhida porque, se define como uma pesquisa realizada nas
instituições baseada na observação participante e/ou em registros permanentes da
vida diária nos locais e contextos em que ela naturalmente acontece.
Geertz (1973) argumenta que etnografia não é definida pelas técnicas que
emprega, como observação participante e entrevistas, mas por um tipo particular de
esforço intelectual que ele descreve como uma “descrição consistente”.
O método etnográfico tem a finalidade de desvendar a realidade através de
uma perspectiva cultural (Segovia, 1988). Sendo uma metodologia das ciências
sociais, principalmente da disciplina de antropologia, em que o principal foco é o
estudo da cultura e o comportamento de determinados grupos sociais.’’ (Angrosino,
2009). Segundo Kendall (1984), o conhecimento das informações culturais de uma
determinada comunidade fornece subsídios valiosos para projetos de ação em
assistência primária. Malinowsky (1953) considera a cultura como um todo integrado
ou global do qual os elementos culturais singulares são as partes constitutivas. Só a
análise funcional está à altura de descobrir e de compreender os significados dos
elementos culturais individuais, porque os vê nas suas relações com o todo da cultura.
O reflexo da totalidade do fenômeno cultural sobre os aspectos elementares e normais
do viver humano, era evidenciado pelo autor. Em sua visão de pesquisador,
considerou o evoluir dinâmico da realidade em correspondência com a condição
humana. (CAPRARA et.al, 2008)
O foco da etnografia é definido por LAPLANTINE (2007) como
microssociológico, mais preocupado em entender o cotidiano das populações do que
analisar feitos de “grandes homens” ou sistemas maiores, como faz a História ou até
a própria Sociologia:
39

A abordagem etnológica consiste precisamente em dar uma atenção toda


especial a esses materiais residuais que foram durante muito tempo
considerados como indignos de uma atividade tão nobre quanto a atividade
científica. [...]. Assim, a atenção do pesquisador passa a interessar-se para
as condutas mais habituais e, em aparência, mais fúteis: os gestos, as
expressões corporais, os hábitos alimentares e higiene, a percepção dos
ruídos das cidades e dos ruídos dos campos... (LAPLANTINE, 2007, p.152-
153).

Se as metodologias específicas da etnografia são importantes para a melhor


compreensão dela, neste momento o mais relevante para esta pesquisa é a
visualização das dimensões desta prática. Assim, se “praticar a etnografia é
estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar
genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante” (GEERTZ, 1978,
p.15), ela também pode ser definida como uma “descrição densa” – que ultrapassa os
limites das atividades automatizadas e da coleta de dados e tenta compreender o
funcionamento social de estruturas culturais complexas sobrepostas umas às outras.
A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências
teóricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou como
parte de pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca conhecer e
analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existentes sobre um
determinado assunto, tema ou problema.
Foram realizadas visitas à unidade da ONG AMODEFA em Maputo –
Moçambique, caracterizando-se em voluntariado, em um período de um mês, durante
o segundo semestre de 2019. Através do método de pesquisa etnográfica, baseando-
se no que ela representa, no tocante a aprofundar-se a um grupo a fim de procurar
compreender sua realidade. Para tal objetivo, utilizei de um questionário, com
perguntas claras e objetivas, realizado com a coordenadora da AMODEFA, coletando
informações pertinentes à ONG. Infelizmente, não tive tempo hábil para aplicar o
questionário pessoalmente e para mais pessoas, também pelo fato dos dias serem
muito agitados/cheios para cada pessoa da ONG, então o questionário foi enviado por
e-mail, e devolvido da mesma forma, não diminuindo o resultado obtido por esse
estudo. Ações como Visitas Domiciliares (VD), eram recorrentes, aconteciam às
quintas-feiras. Acompanhei a rotina junto a uma enfermeira da ONG que realizava um
atendimento de atenção primária à saúde, com o auxílio de algumas voluntárias
ativistas. Junto ao cronograma de atividades confiado a mim, continha atividades a
serem realizadas nas feiras de saúde, atividades essa que eram ministradas pelas
40

jovens ativistas sociais, envolvendo um diálogo com a população esclarecendo


duvidas pertinentes a relações sexuais, como, doenças sexualmente transmissíveis,
gravidez, uso de preservativos e anticoncepcionais. As enfermeiras também faziam
parte das feiras de saúde, realizando atendimentos do planejamento familiar, incluindo
a distribuição de camisinhas, e anticoncepcionais, além de expandir as ações
educativas sobre a saúde sexual e a saúde reprodutiva.
Todos os procedimentos éticos em pesquisa da Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde, incluindo aspectos relacionados com a
confidencialidade, o consentimento informado, o anonimato e o cuidado a “não
prejudicar” foram seguidos. Medidas que visam a segurança, direitos e deveres dos
envolvidos durante a pesquisa, foram adotadas. Esse trabalho se assegura no inciso
II, dentre os termos e definições da resolução. Foram adotados procedimentos
envolvendo protocolo de pesquisa, e instituição coparticipante de pesquisa,
procurando respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos,
como também os hábitos e costumes, bem como descrito na resolução.
41

4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS


Através do questionário aplicado na AMODEFA, obtive algumas informações
relevantes para esse trabalho, com perguntas e respostas objetivas e diretas, sendo:
Tabela 2 – Entrevista feita com a gestora da ONG
PERGUNTAS RESPOSTAS
A missão da AMODEFA é: liderar,
advogar e assegurar os direitos e acesso
aos serviços sexuais e reprodutivos,

Qual trabalho elabora essa ONG? integrados e de qualidade, de forma


inclusiva. Em especial para
adolescentes e jovens, numa
abordagem baseada nos direitos.
Sim, de vários países. Na verdade, ela

A ONG tem ajuda financeira? tem vários projetos com doadores


diferentes, mas com objetivo comum.
A AMODEFA é membro da IPPF
(International Planned Parenthood
Federation). Uma organização que apoia
em 60% dos recursos, para a
Como a ONG se mantém?
manutenção da AMODEFA.
E tem uma clínica que ajuda na criação
de renda (ela gera renda cobrando os
serviços prestados).
Sim. Vários parceiros, nacionais e
Tem parcerias?
internacionais.
São 93 funcionários, sendo 58 mulheres
São quantos colaboradores dentro da e 35 homens, dos quais, 1 é menor de
ONG?
24 anos e, 92 com mais de 25 anos.
São muitos voluntários, mais de 800
Possui quantos voluntários? voluntários em todo o país onde tem
delegações, (7 delegações).
Existe assalariados na ONG? Pagos Sim, existe. Assalariados e voluntários.
por quem? Os assalariados são pagos pelos
42

diferentes projetos em que os


colaboradores trabalharam.
Faz-se um concurso, quando existe um
projeto novo, depois são contratadas as
pessoas específicas para aquele projeto,
quando o projeto termina o contrato
também termina.
Os fundos chegam mediante os
Como chegam os fundos? concursos dos projetos que a
organização concorre.
Qual foi a necessidade de criar essa Defesa e promoção dos direitos de
ONG? saúde sexual e reprodutiva.
Sim, tem. Algumas delas são: Políticas
de proteção de denúncias, Código de
conduta da AMODEFA, Políticas
anticorrupção da AMODEFA, Políticas
Tem algum código de conduta? salvaguarda (ações de prevenção),
Diretrizes de Gestão de relações de
Clientes, Políticas para a proteção dos
trabalhadores vivendo com HIV/SIDA),
entre outros.
Não, está em 9 províncias de um total de
A AMODEFA está presente só em
11, só não está presente em Niassa e
Maputo?
Inhambane.
Tem alguma relação com o Governo? Sim. Parceria, Complementaridade.
Qual? Como funciona?
Sempre há. Porque a ONG não deve ser
estática, deve acompanhar os
Há algo que deve ser melhorado na
progressos do país. Melhorando os
ONG?
salários, as instalações, material de
trabalho, as condições no geral.
Temos:
Como funciona o sistema interno?
1.Direção executiva (composto
pelo Diretor executivo) e Conselho
43

Diretivo Nacional (por um grupo de 5


voluntários membros).
2.SMT (senior management time)
Diretores – Programa,
Finanças Conselheiro da direção.
3.Oficiais de programas (cada
programa com o seu oficial).
4.Coordenadores das delegações
provinciais.
5.Staff colaboradores
(contabilistas, digitadores de dados,
enfermeiras, agentes de apoio,
voluntários seniores, ativistas jovens,
guardas, motoristas).
Sim, faz. Até porque, tem um pilar
chamado Advocacy9, mas também tem
nos nossos projetos, componentes
(transmissão radiofônica e televisivo)
A ONG faz publicidade para seus onde, vamos fazer não só publicidade
projetos?
dos nossos serviços, mas também,
atividades de sensibilização, promoção
e das diferentes atividades de cada
projeto.
Sim, somos unidos para trabalhar.
Temos redes de organizações, com
Há solidariedade de uma ONG para
outra? diferentes temas de ações e
intervenções.
Depende de cada ONG, da área de
Quais os objetivos principais da intervenção em que cada uma trabalha.
ONG?
Mas na maioria é contribuir em tanto

9 Advocacy é um conceito ainda em construção cujo significado preciso varia conforme o contexto
social e político de cada nação. Esse conceito está adquirindo novos conteúdos e significados à
medida que diferentes grupos sociais vão se envolvendo no trabalho de incidência política. (Libardoni,
2000).
44

(número), para a erradicação, para ter


informação, para tratamento…
Claro que não apoiamos nenhum tipo de
violência. Dependendo dela, damos
sempre seguimento, encaminhando
para as instituições competentes para a
Como a ONG lida com a violência resolução. Se for preciso, aparecer ao
social?
público, marchar ou qualquer outro tipo
de manifestação, estamos lá. O que não
fazemos é envolvermos em ações
políticas, isso não.
Somos uma ONG de caráter social, logo
todos os inventos que ferem a nossa
visão e missão estamos lá,
para defender. Nós trabalhamos para a
Como a ONG intervém no meio sociedade, e por outro lado temos ações
social?
humanitárias que, em alguns momentos,
somos solidários com a comunidade.
Prestamos apoio humanitário em
situações que precisem de nós.
São muitos, e bons. Por exemplo:
estamos a intervir dentro de escolas com
adolescentes a partir dos 10 anos, onde
existiam números de raparigas
(meninas) com gravidez precoce, e hoje
na mesma escola não tem nenhuma.
Quais os resultados obtidos através Os cantos de aconselhamento escolar
das ações promovidas?
de SSR (Saúde Sexual e Reprodutiva),
cada dia ficam mais cheios, com jovens
à procura de serviços de
aconselhamento e contracepção. O
número de raparigas, a usarem os
métodos de contracepção de longo
45

prazo, aumentou, e o número de mortes


por gravidezes indesejadas diminuiu.
São respostas do nosso trabalho de
sensibilização no campo.
Muito bom, gratificante. Principalmente
quando tens bons resultados. Mas não é
fácil, principalmente quando se está a
mexer com a parte sensível das famílias,
os hábitos culturais, religiosos, a
educação trazida de geração em
geração, entre outros.
Por exemplo: existem culturas, em que a
rapariga aos 12 anos, vai a um rito de
iniciação (uma prática onde os mais
velhos ensinam como cuidar da casa, do
homem, o que fazer na cama para
satisfazer o homem, como ser “mulher,
mãe, esposa”), daí na maior parte das
Como é o trabalho na prática?
vezes, as raparigas saem
comprometidas, prontas para casar, logo
o casamento é prematuro e, muitas
vezes com homens bem mais velhos e
escolhidos pelos pais.
Viu como é difícil intervir nessa zona?
Mas, pouco a pouco, já se está a fazer
um trabalho de consciencialização dos
direitos que as raparigas têm, sobre o
seu corpo, de escolher com quem quer
casar, quando quer casar e ter filhos.
São desafios que atravessamos, mas
que com trabalho conjunto, redes,
consegue-se ultrapassar.

Tem algum relatório de gestão? Sim.


46

Várias, (riso). Pessoal de apoio, material


de trabalho, equipamento de campo,
Quais as dificuldades encontradas, transporte.
tanto para manter a ONG, quanto Por isso, nós hoje não chamamos
para realizar as ações? dificuldades, chamamos desafios,
porque queremos ultrapassar para
conseguir atingir a nossa meta.
Fonte: a autora, 2020.

Para acontecer as diversas atividades que a AMODEFA realiza, eles contam


com mais de 800 voluntários espalhados em 7 delegações diferentes pelo país, e 93
funcionários, entre 58 mulheres e 35 homens. Analisando a entrevista semi-
estruturada aplicada com a gestora da AMODEFA, e as ações da ONG em geral,
observa-se uma variedade de atividades que a mesma desenvolve, não se limitando
apenas a uma só. Mesmo que não tenha sido disponibilizado o relatório de gestão e
os dados estatísticos das atividades realizadas, observou-se que as ações
desenvolvidas têm beneficiando adolescentes e jovens, mulheres e homens em idade
fértil, pessoas vivendo com o HIV/SIDA, criança vulneráveis, pessoas com deficiência
e população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexual, Trans). Porém o fator econômico se
destaca, ao perceber que uma parte da renda vem de fundos concedidos dos
doadores como forma de apoio e estabelecer uma relação de parceria e necessidades
da ONG. Para Gouveia (2007), as ONGs bem administradas têm mais chances de
criar geração de renda, propondo modelos econômicos, atrelados ao
desenvolvimento humano. Demonstrando a necessidade de se ter mais de um projeto,
facilitando apoio de mais doadores diferentes com os mesmos propósitos. Observa-
se também que os assalariados da ONG são pagos pelos colaboradores de cada
projeto, voltando a importância de cada doador, apoiador, patrocinadores e
colaboradores.
Segundo Albasini (2017, p. 42), o Governo Moçambicano incorporou em seu
Plano Quinquenal 2015-2019 os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Organização das Nações Unidas (ONU), como compromisso de eliminar as
desigualdades de gênero, e a busca por desenvolvimento sustentável e inclusivo. O
ODS é uma agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável.
47

Nesta agenda estão previstas ações mundiais nas áreas de erradicação da


pobreza, segurança alimentar, agricultura, saúde, educação, igualdade de
gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões
sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades
sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas
terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura, industrialização,
entre outros. ODS (2020).

A AMODEFA se assegura nos princípios do ODS, adaptados de acordo com


as especificidades de Moçambique. Havendo a AMODEFA, o objetivo de defesa e
promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, procuram em meio a violência social,
lidar de forma que atenda cada especificidade, baseando-se em dois, dos princípios
do ODS, sendo ODS 3 – Saúde e Bem-Estar, como o foco na saúde da população, e
o ODS 5 – Igualdade de Gênero, focando no empoderamento de meninas e mulheres.
A partir disso lidam de forma humanitária, nas comunidades e onde precisarem deles,
fornecendo suas ações de caráter social, através de atividades desenvolvidas de
planejamento familiar, nas escolas, em centros de saúde, visitas domiciliares, entre
outros. Através dessas estratégias, é possível promover o crescimento sustentável e
inclusivo nas comunidades, tornando-se um fator indispensável para a redução da
pobreza, levando acesso à educação, saúde, melhorias da qualidade de vida e justiça.
Devolvendo possivelmente a dignidade e tranquilidade de viver livres do medo e da
violência.
As atividades realizadas nas escolas, também se asseguram no ODS, como
forma de alcançar a igualdade de gênero priorizando o empoderamento das meninas
(raparigas) e mulheres. Albasini (2017), revela que infelizmente as mulheres ainda
sofrem exclusão sociocultural, tanto a nível político, social, quanto a nível de
oportunidades.“Essa exclusão em grande parte dos casos tem a sua origem nas
nossas práticas culturais e tradicionais que tem a discriminação de género enraizada
e socialmente as mulheres são tratadas de forma desigual aos homens”. (ALBASINI,
2017, p. 47).
Jovens voluntárias ativistas sociais, orientam outros jovens a terem uma vida
sexual responsável e segura, direcionando a conversa para os tipos de
contraceptivos, o aborto (que é um tabu para muitos), doenças, e prazeres tanto
masculino quanto feminino. Com isso a diminuição de casos de gravidez precoce
diminuiu, e a procura por métodos seguros de contracepção e aconselhamentos, tem
tido aumento.
48

Como ferramenta aos Cuidados Familiares, são realizadas Visitas


Domiciliares (VD) às pessoas e seus familiares vivendo com HIV/SIDA, Tuberculose,
pessoas vulneráveis, de baixa renda, com dificuldades de locomoção, que sofra de
alguma doença crônica ou não, essas visitas foram ministradas por uma enfermeira e
algumas voluntárias, auxiliando no atendimento. Para Drulla, et al (2009), a VD é
essencial como estratégia Saúde da Família, pois permite conhecer as condições de
vida, trabalho, habitação das famílias, além das relações externas com a comunidade,
a fim de estabelecer uma linha tênue, facilitando tomadas de decisões quanto a
promoção da saúde e fortalecimento familiar.
Levando em conta que a VD faz parte de uma Atenção Primária à Saúde
(APS), ela pode ser definida como um conjunto de ações de saúde voltadas para o
atendimento tanto educativo como assistencial, Mattos (p.35-9.1995). O espaço
domiciliar se torna uma ponte para a reflexão das relações de usuário e trabalhador
de saúde, evidenciando uma humanização no atendimento, na prestação de
assistência à saúde na medida em que possibilita o convívio do profissional com a
realidade vivenciada pelo usuário/família, tornando horizontal essa relação e não um
modo hierárquico, colocando o profissional da saúde no topo, assim, a visita é um
importante instrumento, do qual proporciona ao profissional o conhecimento das
condições socioeconômicas, culturais e ambientais de cada indivíduo.
Essa atividade desenvolvida pelo profissional enfermeiro, chama a atenção a
importância da visita domiciliar na prática, semelhante aos serviços da Estratégia
Saúde da Família (ESF) do Sistema Único de Saúde (SUS), traçando-se um paralelo
com a realidade brasileira. De forma similar, também permite uma proximidade com
as famílias para se desenvolver ações destinadas à promoção e recuperação da
saúde, tornando-se a visita domiciliar como tecnologia de interação no cuidado à
saúde, sendo um instrumento de intervenção fundamental utilizado pelas equipes de
saúde como meio de inserção e de conhecimento da realidade de vida da população,
favorecendo o estabelecimento de vínculos com a mesma e a compreensão de
aspectos importantes da dinâmica das relações familiares.
Para Radovanovic, Cecílio e Marcon (2013), a VD é uma forma de promover
um ambiente familiar mais saudável, por meio de ações planejadas pelo enfermeiro,
fazendo com que as ações de cuidado e promoção à saúde se tornem parte do
cotidiano das famílias, considerando a realidade socioeconômica familiar.
49

As Atividades de Planejamento Familiar foram realizadas em eventos da Feira


da Saúde no Centro de Saúde 1°de Maio em Maputo (em alusão ao Dia do/a
Trabalhador/a), e outra no Mercado Zimpeto, principal mercado abastecedor da
cidade de Maputo. O planejamento familiar é um direito humano essencial à igualdade
de gênero e ao empoderamento das mulheres, além de reduzir a pobreza, UNFPA
(2020). O intuito dessas feiras foi trazer para a comunidade os serviços de promoção
à saúde e prevenção de doenças, com atendimentos com enfermeiras para testes
rápidos de DST (Doença Sexualmente Transmissível), e distribuição de
anticoncepcional. As Feiras de Saúde são realizadas com uma equipe composta por
voluntários, e profissionais da área de saúde, junto com o Ministério da Saúde e outras
instituições de saúde. O evento atende muitas pessoas a cada realização, os quais
podem obter serviços clínicos, preventivos e palestras oferecidas, sendo todas as
atividades enquadradas na atenção primária à saúde de forma gratuita.
As Feiras de Saúde são realizadas em comunidades vulneráveis ou em locais
de grande fluxo de pessoas, praças públicas, escolas, mercados, centros de saúde e
igrejas, entre outras localidades previamente estabelecidas de forma que atenda o
maior número de indivíduos. Os enfermeiros e profissionais da saúde,
responsabilizam-se pelos serviços de medição da pressão arterial e exames rápidos
de DTS. Aos profissionais de Odontologia orientações quanto à escovação, higiene
dos dentes e gengivas além de promover a conscientização a respeito do câncer de
boca. As palestras versam sobre contraceptivos e hipertensão arterial, câncer de pele
e mama, doenças sexualmente transmissíveis, tabagismo e alcoolismo, planejamento
familiar, orientação sobre e o uso correto de medicamentos, podendo ser coordenadas
junto aos voluntários. A elaboração de ações de promoção e educação em saúde são
atividades essenciais com visão integralizada do processo saúde – doença,
direcionado ao desenvolvimento de um sistema de saúde universal, justo e integral.
Segundo Borsari e Cassab (2010), as ONGs atuam com a população no
acesso de bens e serviços, nas áreas educacionais, na saúde, habitação, segurança
e em outros inúmeros segmentos, buscando soluções para a questão social e suas
sequelas.
50

As ONGs são resultado das novas relações políticas entre o Estado e a


sociedade civil, mantém relação diferenciada de convivência com as
questões sociais, através do fazer político e da prestação de serviços à
comunidade. Representam forte identidade social e elementos fundamentais
para a constituição de redes de proteção social, objetivando sempre a o
exercício da cidadania. (Borsari e Cassab, 2010).

Sabemos que só boas intenções não são suficientes para manter uma ONG,
precisamos pensar sobre as dificuldades enfrentadas, como identificar fontes de
financiamento, elaborar propostas consistentes, captar recursos e gerir as
organizações e seus projetos. Pensando nisso e em formas de como essas ONG’s se
planejam financeiramente, para a construção do pensar e agir, podemos analisar em
outros estudos como em Tenório, (2009), que as ONG’s são voltadas para o
atendimento de necessidades da sociedade civil, e algumas vezes podendo até
complementar ações do Estado. Ressalta também em seus estudos, que o
planejamento das ONG’s depende da fonte do financiamento, ou seja, necessitam de
apoio externo para concretizarem suas ações. Dessa forma podemos ver a relação
que tem com a AMODEFA, assim como outras organizações, ela depende de ajuda
de parceiros, e voluntários financiando seus projetos, para assim terem recursos para
alcançar mais comunidades. Precisando aprender a elaborar bons projetos e
parcerias, conhecendo as empresas interessadas em financiar seus projetos sociais,
para obtenção de recursos para os projetos a longo prazo. Gouveia, 2007.
Outro ponto importante a ser frisado é a interferência que a violência social
pode vir a ter na saúde de um indivíduo e de sua comunidade. Minayo (1994), diz que
a violência não é um problema somente da saúde pública, mas que também afeta
diretamente a saúde. Agudelo (1990), afirma que a violência representa um grande
risco no processo vital humano, ameaçando vidas, alterando a saúde, ocasionando
enfermidades e provocando mortes, como realidade ou como possibilidade próxima.
Analisando dessa forma, a atuação da AMODEFA em defesa da promoção de saúde,
lutando pela justiça social, através do processo de atuação da causa e efeito da
violência, cumpre seu papel, contribuindo de maneira que atenda a necessidade das
pessoas e diminua as violências sociais.
Apesar das ONG’s se fazerem necessárias, elas “são alvos de críticas
daqueles que percebem nesse âmbito oportunidades para desvios de verbas,
lavagem de dinheiro ilícito e outras desonestidades”, demonstrado por Álvares (2000).
Em Gomes (2015), acrescenta que apesar das ONG’s serem criadas para atender as
51

políticas públicas de forma social, também é possível tornarem-se um “instrumento


nas mãos de corruptos, utilizando-se do ideal social em proveito próprio, utilizando de
forma indevida fundos públicos, desviando e lavando ativos, bens e valores,
corrompendo pessoas e instituições, apossando-se indevidamente da coisa pública”.
Ainda assim, as ONG’s têm uma atribuição relevante na conjuntura mundial.

Apesar de sua grande variedade, as ONGs são organizações com


características próprias que se diferenciam de outras organizações da
sociedade civil, como associações de caridade ou fundações: é um fenômeno
que surgiu com grande força nas últimas décadas do século 20. São
formadas por voluntários, sem fins lucrativos, com objetivo de representar a
sociedade para resolver problemas, incentivar posturas éticas e cidadãs,
desenvolver projetos. Pinto, 2008.

A evolução dos movimentos sociais e a organização das ONGs em redes de


ajuda mútua indicam o nascimento de uma nova sociedade, mais pluralista e menos
dependente do Estado. Álvares, 2000.

REGISTROS DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS:

Imagem 2: Visitas Domiciliares com enfermeira e voluntárias da AMODEFA, paciente e seu filho.
Foto: Própria e autorizada pelos envolvidos – 2019.
52

Imagem 3 e 4: Visitas Domiciliares com enfermeira e paciente 1.


Foto: Própria e autorizada pelos envolvidos – 2019.

Imagem 5 e 6: Visitas Domiciliares, paciente 2 e 3.


Foto: Própria e autorizada pelos envolvidos, 2019.
53

Imagem 7 e 8: Ruas da comunidade visitada.


Foto: Própria, 2019.

Imagem 9: Feira da Saúde em Unidade do Centro de Saúde 1°de maio


Foto: Própria, 2019.
54

Imagem 10: Feira da Saúde em Centro de Saúde 1°de maio – Junto a Jovens Voluntárias Ativistas
Sociais da ONG AMODEFA – Foto: Epi Manjate, 2019.

Imagem 11 e 12: Feira da Saúde em Centro de Saúde 1°de maio – Matérias de divulgação de direitos
sexuais e reprodutivos. Foto: Própria, 2019.
55

Imagem 13: Feira da Saúde no Mercado Zimpeto – Foto: Própria, 2019.

Imagem 14: Feira da Saúde no Mercado Zimpeto – Foto: Própria, 2019.


56

Imagem 15: Feira da Saúde no Mercado Zimpeto – Foto: Própria, 2019.

Imagem 16: Feira da Saúde no Mercado Zimpeto, Atendimento com Enfermeira –


Foto: Própria, 2019.
57

Imagem 17 e 18: Feira da Saúde no Mercado Zimpeto, Orientações de uso de preservativos


femininos e masculinos – Foto: Própria, 2019.

Imagem 19: Feira da Saúde no Mercado Zimpeto, Carreta de atendimento a testes rápidos de DST –
Foto: Própria, 2019.
58

Imagem 20 e 21: Feira da Saúde no Mercado Zimpeto, Mercado Zimpeto –


Foto: Própria, 2019.

Imagem 22: Feira da Saúde no Mercado Zimpeto, Carro da AMODEFA e Eu –


Foto: Própria, 2019.
59

Imagem 23: Registro da AMODEFA


Foto: AMODEFA, 2019.
60

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência se torna um fator pesado ao ser lidado em uma sociedade. Tendo
em vista que a violência social é uma violência advinda de uma construção social,
desconstruir esse paradigma não é fácil. Moçambique possui um histórico de
violências desde a colonização, seu processo de luta pela independência, deixando
resquícios dessa violência pós-guerra, como pobreza, desigualdades econômicas e
perpetuação da violência de gênero, tornando visível a conexão entre a violência, a
economia, a saúde e a situação social da maior parte da população.
Pode-se observar que o serviço nacional de saúde moçambicano é público, e
fornece os serviços necessários para a população, desde cuidados primários até os
mais complexos, porém, demonstra uma precariedade quanto a pobreza, tornando-se
uma problemática da saúde no país, impulsionando no amadurecimento
socioeconômico de Moçambique, afetando diretamente nos custos ao combate e
prevenção de doenças como a malária, cólera, tuberculose e ao HIV/AIDS/SIDA .
Atentando às necessidades do país, se vê a importância e necessidades que
as ONGs têm, ao assumir a responsabilidade perante a deficiência na saúde. Depois
da constituição de 1994 surgiram as primeiras ONGs em Moçambique, dentre elas
está a AMODEFA, cujo objetivo se dá na criação de ambientes seguros e sadios para
jovens e mulheres, trabalhando no apoio ao planejamento familiar através da garantia
de fornecimento confiável de contraceptivos de qualidade, advocacia para políticas de
apoio ao Planejamento Familiar, e assim gerando o aumento do acesso ao
planejamento familiar.
Através do ativismo social que a AMODEFA realiza, milhares de jovens,
mulheres e famílias tem um retorno positivo ao acompanhamento do tratamento de
HIV/SIDA, através de clínicas comunitárias vinculadas aos cuidados domiciliares, se
beneficiam também com a diminuição de gravides prematura, contando com
programas de saúde sexual e reprodutiva, fornecidos aos jovens, nas escolas e outros
centros que abram oportunidades de abordar a temática.
Sobretudo ainda há limitações e desafios à diversas ONGs, para lidar e
continuar atuando junto a essas problemáticas e com a AMODEFA não é diferente.
Contar com pessoal de apoio, material de trabalho, equipamento de campo,
transporte, não são tarefas fáceis e nem baratas. Dessa maneira a AMODEFA
consegue minimizar a problemática da violência social, contribuindo no quesito saúde
61

e garantindo atendimento humanizado, para jovens e famílias de baixa renda, lhes


devolvendo o direito de viver, tendo em conta que a saúde é um direito para todos.
Outro grande desafio encontra-se no relacionamento com as instituições
públicas, se houvesse uma boa comunicação com as instituições públicas, e essas
cumprissem com o dever diante a população realizando os trabalhos do qual seja sua
responsabilidade, a AMODEFA poderia ser capaz de colaborar com o Estado, com
visões revolucionárias nos projetos, com o potencial de contribuir com experiências
reais das comunidades, e porque não criando também condições para a formação e
capacitação técnica dos funcionários destas instituições, humanizando o contato com
a população.
Esse estudo limitou-se a estudar apenas uma ONG dentre as várias atuantes
em Moçambique. Por motivos de afinidade (social e cultural que representa) e pelo
pouco tempo que o intercâmbio me proporcionou, levando em conta outras atividades
que também tive que realizar no mesmo período. Vale ressaltar que houve uma
limitação de participação voluntária dos respondentes (gestora da ONG) e a falta de
dados estatísticos, entretanto, a falta de dados não significa necessariamente que os
resultados sejam inválidos, mas sim que não há como demonstrar isso
estatisticamente. As ações realizadas pela AMODEFA, e outras ONGs representam
um fator fundamental na saúde para Moçambique, contribuindo de maneira
representativa nas comunidades rurais e periféricas, onde o estado não tem um papel
ativo. Fornecem acesso à atenção básica de saúde, tornando acessível um direito de
todos. Contribuindo com os cuidados do HIV, com as visitas ao domicílio, usualmente
prestados pelas ONGs com o apoio de ativistas e enfermeiros, médicos, especialistas
e cia. Lidando de maneira aberta com os jovens, minimizando a gravidez na
adolescência, e consequentemente diminuindo a transmissão de doenças
sexualmente transmissíveis.
Concluindo, o objetivo do presente trabalho foi refletir sobre o papel das ONGs
no tangente da violência social. A contribuição deste estudo é induzir doadores,
voluntários e amantes da luta, a cooperar com parcerias, de modo a reconhecer o
papel das ONGs como parceiras ao combate da violência social, estabelecendo uma
conexão desse agir, notadamente no que concerne a critérios para transparência e
participação da comunidade. Esse estudo nos auxilia a um novo olhar para as políticas
públicas comparadas a um país em desenvolvimento como o Brasil e as possíveis
62

formas como as ONGs nacionais se mobilizam, levando para um possível novo


estudo.
63

REFERÊNCIAS

AGUDELO, S. F. La Violencia: un problema de salud pública que se agrava en la


región. Boletim Epidemiológico de la OPS, 1990, p. 01-07.

ALBASINI, F. R. O casamento prematuro como legitimação do abuso sexual de


menores no contexto da agenda de desenvolvimento de Moçambique. 2017.
Dissertação (Mestrado em Cooperação e Desenvolvimento) - Faculdade de Direito,
Faculdade Eduardo Mondlane. Maputo, Moçambique, 2005. Disponível em:
https://cutt.ly/rjHBVwe. Acesso em: 18 jan 2021.

ANGROSINO, M. Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed,


2009.

ASSIS, S. G. et al - Impactos da Violência: Moçambique e Brasil. Rio de Janeiro,


RJ. Fio Cruz/Ensp/Claves, 2011, p. 24 - 85.

BORSARI, L. C.; CASSAB, L. A. ONGS: O enfrentamento à violência contra a


mulher. Universidade Estadual de Londrina, 24 e 25 de junho de 2010. GT 2. Gênero
e movimentos sociais. Disponível em:
http://www.uel.br/eventos/gpp/pages/arquivos/6.LeticiaBorsari.pdf. Acesso em: 15 jan
2021.

BRAGA, C. Death is Destiny”: Sovereign Decisions and the Lived Experience of


HIV/AIDS and Biomedical Treatment in Central Mozambique (Doctoral
dissertation), State University of New York at Buffalo. 2012.

CAPRARA, A. et.al. Etnografia: uso, potencialidades e limites na pesquisa em


saúde. Interface (Botucatu) v.12 n.25 Botucatu abr./jun.2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1414-
32832008000200011&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 21 jan 2021.

CENTRO DE APOIO Á INFORMAÇÃO COMUNITÁRIA. Disponível em:


https://www.caicc.org.mz/index.php/sociedade-civil/2012-05-15-10-05-
53/saude/noticias/1702-a-saude-em-mocambique. Acesso em: 21 jan 2021.

CONSELHO DE SAÚDE. RESOLUÇÃO Nº 466, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2012.


https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf.
64

COSTA, J. F., 1986. Violência e Psicanálise. 2ª ed. Rio d e Janeiro: Graal.

DA COSTA, A. B. O Preço da Sombra. Maputo: livros e horizontes, 2007.

DAHLBERG, L. L.; and KRUG, E. G. 2006. Violência: um problema global de saúde


pública. Ciência & Saúde Coletiva, 11 (Sup):1163-1178,2006.

DRULLA, A. da G.; et al. A VISITA DOMICILIAR COMO FERRAMENTA AO


CUIDADO FAMILIAR. Cogitare Enfermagem, vol. 14, núm. 4, outubro-dezembro,
2009, pp. 667-674. Universidade Federal do Paraná Curitiba - Paraná, Brasil.
https://www.redalyc.org/pdf/4836/483648977012.pdf.

ENGEL, F., 1981. Teoria da violência. In: Engels, p.187, São Paulo: Ática.

ESPLING, M. Women’s Livelihood Strategies in Processes of Change: Cases


from Urban Mozambique. Department of Human and Economic Geography:
University of Göteborg, Goteborg. 1999.

EYS, T. V. Solidariedade com os pobres ou comércio no mercado do


desenvolvimento? As organizações não governamentais em Moçambique. In:
Lusotopie, n°9, 1e semestre 2002. Les organisations non gouvernementales en
Lusophonie. Terrains et débats. pp. 145-159; https://www.persee.fr/doc/luso_1257-
0273_2002_num_9_1_1480.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

GOMES, A. C. CORRUPÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: A CPI “DAS ONGS” -


Revista Jus Populis - n. 1, v. 1, jan/jun 2015.

GOREDEMA, C. Getting Smart and Scaling Up: The Impact of Organized Crime
on Governance in Developing Countries – A Case Study of Mozambique.
Responding to the Impact of Organized Crime on Developing Countries. Center on
International Cooperation, New York University (CIC NYU). 2013.
65

GOUVEIA, F. ONGs enfrentam desafios e ocupam espaço da ação pública. Cienc.


Cult. vol.59 no.2 São Paulo Apr./June 2007. Disponível em:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
67252007000200003&script=sci_arttext. Acesso em: 15 dez 2020.

GULLO, Á. A. S. Violência urbana: um problema social. Tempo social; Rev. Sociol.


USP, S. Paulo, 10 (1): 105-119, maio de 1998.

IBGE - Países em desenvolvimento. Disponível em:


https://paises.ibge.gov.br/#/dados/mocambique. Acesso em: 10 jan 2021.

IDS - Inquérito Demográfico e de Saúde. 2011. Pdf. Disponível em;


http://www.ine.gov.mz/operacoes-estatisticas/inqueritos/inquerito-demografico-e-de-
saude/mocambique-inquerito-demografico-e-de-saude-2011.pdf/view. Acesso em: 01
nov 2020.

INE - Instituto Nacional de Estatística. 2a edição do retrato da província de Maputo.


Editora do INE, Maputo. 2009.

INE - Instituto Nacional de Estatística. Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS).


Maputo. 2011.

KENDALL, C. et al. Ethnomedicine and oral rehydration therapy: a case of study


of ethnomedical investigation and program planning. Soc. Sci. Med., v. 19, n. 3,
p. 253-60, 1984.

LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2007.

LIBARDONI, M. Fundamentos teóricos e visão estratégica da advocacy. Estudos


Feministas. CFH/CCE/UFSC. V.8 n.2. 2000. PDF. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/11936/11202. Acesso em: 25 jan
2021.

MALINOWSKY, B. Sex and repression in a savage society. London: Routledge e


Kegon, 1953.
66

MARIANO, E., BRAGA, C., & MOREIRA, A. Estudo sobre o Tráfico de órgãos e
partes do corpo humano na Região Sul de Moçambique. CAFOD-CEMIRDE,
Maputo. 2016.

MATTOS, T. M. Visita domiciliária. In: Kawamoto EE, Santos MCH, Mattos TM.
Enfermagem comunitária. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária; 1995. p. 35-
9.

MAURI, G. Organizações Não Governamentais e Desenvolvimento Análise do


trabalho de algumas ONG em Moçambique. Lisboa, 2013. Disponível em:
https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/6178/1/_tesi%20da%20stampare_ver
sione25marzo_Pdf.pdf. Acesso em: 30 set 2020.

MINAYO, M. C. S. A Violência Social sob a Perspectiva da Saúde Pública. Cad.


Saúde Pública. Rio de Janeiro, 10 (suplemento1): 07- 18, 1994.

MINAYO, M.C.S. A inclusão da violência na agenda da saúde: trajetória histórica.


Ciência & Saúde Coletiva, v. 11, n. 2, p.375-383, 2006.

MINISTÉRIO DA SAÚDE DE MOÇAMBIQUE. Disponível em:


https://www.misau.gov.mz/index.php. Acesso em: 01 out 2020.

MISAU, Plano Estratégico do Sector da Saúde (PESS). 2014-2019.

MOÇABIQUE, Governo de. Portal do Governo de Moçambique. Disponível em:


https://www.portaldogoverno.gov.mz/. Acesso em: 18 set 2020.

ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Estratégias ODS. Disponível:


https://www.estrategiaods.org.br/. Acesso em: 24 set 2020.

OMS - Organização Mundial da Saúde. Desenvolvendo programas de saúde


sexual: uma estrutura para a ação. Genebra.2010.
67

OMS - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Relatório mundial sobre violência


e saúde. Brasília: OMS\OPAS, 2002.

ONU. Organização Não Governamental. Disponível em: https://brasil.un.org/.


Acesso em: 01 out 2020.

PFEIFFER, J (2003). « ONGs internacionais e cuidados primários de saúde em


Moçambique: a necessidade de um novo modelo de colaboração ». Social
science & medicine (1982). 56 (4): 725–38.

PINTO, C. R. J. ONGs. In AVRITZER, L.; BIGNOTTO, N; GUIMARÃES, J.;


STARLING, H. M. M. (org). Corrupção. Ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2008, p. 441-442.

RADOVANOVIC, C. A. T.; CECILIANO, H. P. M.; MARCON, S. Avaliação estrutural,


desenvolvimental e funcional da família de indivíduos com hipertensão arterial.
Ver. Gaúcha Enferm. Rio Grande do Sul, v.34, n.1, p.45-54, 2013.

SAÚDE, MINISTÉRIO DA. Sistema Único de Saúde (SUS): estrutura, princípios e


como funciona. Disponível em: https://antigo.saude.gov.br/sistema-unico-de-saude.
Acesso em: 30 set 2020.

SEGOVIA, H, M. Risco e segurança do trabalho desde o ponto de vista de um grupo


de trabalhadores de uma agência de distribuição de energia elétrica. In: ENCONTRO
INTERAMERICANO DE PESQUISA QUALITATIVA EM ENFERMAGEM, I. São
Paulo. Trabalhos. São Paulo: Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo/
Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina, 1988. p.
63-9.

SHABANGU, T. A comparative inquiry into the nature of violence and crime in


Mozambique and South Africa. Institute for Democracy in Africa (IDASA): Pretoria.
2012.

SITOE, C. 2020. Ritos de iniciação obrigam raparigas a manterem relações


sexuais com homens desconhecidos em Meconta. Disponível em:
http://www.civilinfo.org.mz/files/Ritos%20de%20iniciacao%20obrigam%20rapariga%
68

20a%20manterem%20relacoes%20sexuais%20com%20homens%20desconhecidos
%20em%20Meconta.pdf. Acesso em 15 jan 2021.

SLEGH, H.; MARIANO, E.; ROQUE, S., & BARKER, G. Ser Homem em Maputo:
Masculinidades, Pobreza e Violência em Moçambique: Resultados do Inquérito
Internacional sobre Homens e Igualdade de Género (IMAGES). Washington, DC e
Rio de Janeiro: Promundo. 2017.

SONK GENDER JUSTICE. Disponível em: https://genderjustice.org.za/. Acesso em:


15 jan 2021.

TENÓRIO, F. G. Gestão de ONGs: Principais funções gerenciais. 11°ed. – Rio de


janeiro. Editora FGV, 2009.

UNFPA BRASIL. Planejamento Familiar. Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-


br. Acesso em: 25/09/2020.

VETHENCOURT, J. L. Psicología de la violencia. Gaceta de la Asociación de


Profesores de la Universidad de Venezuela, 11: 05-10. 1990.

WIERVIORKA, M. O novo paradigma da violência. In: Tempo Social. Revista da


USP, São Paulo. p.37, maio de 1997.

ZACARIAS, A. E; MACASSA, G.; SVANSTROM, L.; SOARES, J. F.; & ANTAI, D. Z.


Violência por parceiro íntimo contra mulheres na cidade de Maputo,
Moçambique. BMC International Health and Human Rights, 12:35. 2012.

Você também pode gostar