1 Financiamento Do Enfrentamento Da Covid No Brasil

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Os desafios do financiamento do enfrentamento à COVID-19 no

SUS dentro do pacto federativo


Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes ¹
Blenda Leite Saturnino Pereira ²
¹ Fundação Getulio Vargas / Escola de Administração de Empresas de São Paulo, São Paulo / SP – Brasil
² Universidade de São Paulo / Faculdade de Saúde Pública, São Paulo / SP – Brasil

O aprimoramento das regras de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) em estados e municípios é um dos
grandes desafios da saúde pública no Brasil. O objetivo deste artigo é contribuir para este amplo debate, analisando
a resposta governamental ao desafio de combate à COVID-19, sob o prisma do financiamento público dos serviços
de saúde dos governos subnacionais brasileiros. Uma abordagem quali-quantitativa é adotada, mesclando-se
análise documental e análise de regressão. Resultados mostram que não houve mudança substantiva nos critérios
de repasse, pouco sensíveis a fatores epidemiológicos. Ajustes nas normas de aplicação foram realizados para dar
maior agilidade aos gastos. Tamanho populacional, produção de riquezas locais e número de leitos de internação
parecem ser os principais fatores que definem a distribuição dos recursos. O desenho de financiamento do combate
à COVID-19, assim como o volume de recursos parecem ser insuficientes frente à dimensão da crise.
Palavras-Chave: COVID-19; saúde; administração pública; finanças públicas; federalismo.

Los desafíos de la financiación del enfrentamiento a la COVID-19 en el SUS dentro del pacto federativo
La mejora de las normas de financiación del Sistema Único de Salud (SUS) en los estados y municipios es uno
de los principales desafíos de salud pública en Brasil. El propósito de este artículo es contribuir a este amplio
debate, analizando la respuesta del gobierno al desafío de combatir COVID-19, bajo el prisma de la financiación
pública para los servicios de salud de los gobiernos subnacionales brasileños. Se adopta un enfoque cualitativo
cuantitativo, que combina el análisis documental y el análisis de regresión. Los resultados muestran que no hubo
cambios sustanciales en los criterios de transferencia, poco sensibles a los factores epidemiológicos. Se hicieron
ajustes a las reglas de aplicación para acelerar el gasto. El tamaño de la población, la producción de riqueza local
y el número de camas de hospital parecen ser los principales factores que definen la distribución de los recursos.
El diseño de financiamiento para combatir COVID-19, así como el volumen de recursos, parece ser insuficiente
en vista de la magnitud de la crisis.
Palabras clave: COVID-19; salud; administración pública; finanzas públicas; federalismo.

The challenges of funding the Brazilian health system in fighting the COVID-19 pandemic in the context
of the federative pact
The improvement of rules to fund the Brazilian health system (SUS) in states and municipalities is one of the
major public health challenges in Brazil. The purpose of this article is to contribute to this broad debate, analyzing
the government's response to the challenge of combating COVID-19, from the perspective of public financing
of health services of Brazilian subnational governments. A qualitative and quantitative approach is adopted,
combining documentary analysis and regression analysis. The results show that there was no substantive change
in the criteria for transfers, which are not sensitive to epidemiological factors. Adjustments to the application rules
were made to speed up spending. Population size, production of local wealth, and the number of hospital beds are
the main factors that define the distribution of resources. The funding design for combating COVID-19, as well
as the volume of resources, are insufficient in view of the scale of the crisis.
Keywords: COVID-19; health; public administration; public finance; federalism.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-761220200290 ISSN: 1982-3134


Artigo recebido em 01 maio 2020 e aceito em 25 jun. 2020.

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1. INTRODUÇÃO
O combate aos efeitos da COVID-19 tornou-se uma urgência global (Wang, Horby, Hayden, & Gao,
2020). Desde o início do surto na China, diversos países foram acometidos, com enorme impacto
na economia e, sobretudo, em seus sistemas de saúde. Estas primeiras experiências têm sido de vital
importância para os países acometidos em seguida; entre eles, o Brasil.
Legido-Quigley et al. (2020) enumeram os aprendizados com o caso da Espanha. Em primeiro
lugar, recursos financeiros adicionais são necessários para apoiar governos subnacionais. Em segundo
lugar, o subfinanciamento em saúde prejudica sua capacidade tanto nos aspectos humanos como
materiais. Boa coordenação federativa é fundamental para o enfrentamento eficaz, o que também foi
observado no caso da Itália (Anderson, Heesterbeek, Klinkenberg, & Hollingsworth 2020).
Em virtude da doença, são necessários ajustes imediatos do sistema de saúde tendo em vista o
incremento da oferta de determinados serviços (Grasselli, Pesenti, & Cecconi, 2020). Em influente
estudo do Imperial College, Walker et al. (2020) indicam um cenário de colapso dos sistemas de
saúde em virtude do pico de demanda, levando ao extremo o número de mortes. No Brasil, Araújo,
e Morais (2020), com dados do Ceará, já apresentam sinais nesta direção. Para Walker et al. (2020),
medidas de mitigação, tais como distanciamento social, são extremamente necessárias, gerando
melhores condições para o sistema de saúde.
Diante disso, uma resposta imediata é o aumento dos gastos em saúde (Legido-Quigley
et al., 2020). No entanto, neste aspecto, o cenário brasileiro não é favorável. Vieira e Santos (2018),
analisando dados da execução do Ministério da Saúde (MS) entre 2002 a 2015, constatam que os
limites autorizados de pagamento foram insuficientes para fazer frente aos gastos em cada exercício,
ilustrando a insuficiência de recursos. Marques (2017) mostra que o subfinanciamento do SUS no
Brasil é estrutural, não havendo forte apoio político para a destinação de maiores recursos ao sistema.
Com dados mais recentes, Pereira e Faleiros (2019) mostram que renúncias fiscais nos últimos anos,
além da própria crise econômica, vêm reduzindo os montantes disponíveis para o SUS.
Assim, a despeito da forte restrição de receitas no nível federal, repasses são justamente a principal
fonte de recursos para a execução dos serviços de saúde no SUS (Leite, Lima, & Vasconcelos, 2012;
Santos, 2018; Lima & Andrade, 2009). No entanto, as regras utilizadas têm intensificado a desigualdade
no sistema, além de não guardar necessariamente conexão com fatores epidemiológicos ou sociais.
Para Lima (2007), por exemplo, falta planejamento das regras que definem a distribuição dos recursos
para o financiamento do SUS. Neste aspecto, a pandemia impõe uma série de desafios ao sistema em
virtude das características da doença.
Propõe-se, neste trabalho, investigar a compatibilidade das regras de financiamento adotadas com
as idiossincrasias da COVID-19. Trata-se de uma contribuição importante para os estudos do tema,
considerando-se a possiblidade de uma nova pandemia, ou surtos epidêmicos em diversas regiões do
país, sendo fundamental o aperfeiçoamento das regras de financiamento do SUS na formulação de
políticas públicas de saúde. Por conseguinte, o objetivo deste artigo é analisar a resposta governamental
da União ao desafio de combate à COVID-19, mediante o financiamento público dos serviços de
saúde dos governos subnacionais brasileiros, que administram as principais estruturas de resposta
à enfermidade.
Este trabalho é composto por sete seções. Segue-se a esta introdução, uma breve revisão da
literatura sobre financiamento do SUS, culminando na hipótese de pesquisa. Na seção seguinte,

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é apresentada a metodologia utilizada. Na quarta seção, são analisadas as regras de aplicação,


assim como as recentes mudanças. Em seguida, discutem-se a origem dos recursos e, depois, o
processo de alocação no nível subnacional. Na sexta seção – seguida da conclusão –, o perfil dos
repasses é analisado, indicando-se na prática o quadro geral do financiamento do enfrentamento
à pandemia.

2. O PROBLEMA DO FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE


O financiamento das ações e serviços públicos de saúde, por força constitucional, é de responsabilidade
das três esferas de gestão do SUS. No entanto, desde sua institucionalização o financiamento
deste sistema sempre foi uma pauta de disputa intensa. Para Mendes (2014), concorrem com a
implementação da saúde como direito social a tensão decorrente do discurso de contenção de gastos
e a asfixia de recursos.
Mendes e Marques (2009) verificam que entre os anos 1990 e 2000 não houve aumento relevante
de financiamento do setor; pelo contrário, ocorreram diversas tentativas de desvinculação. Scatena,
Viana, e Tanaka (2009), analisando registros municipais, apontam um crescente descompasso entre
receitas e despesas, com forte majoração dos gastos.
Mais recentemente, examinando dados de 2008-2009 e de 2015-2016, Contarato, Lima, e Leal
(2019) observam que houve crescimento per capita dos gastos, a despeito da crise econômica, sugerindo
a existência de um efeito protetor da vinculação. De todo modo, a recorrente redução do aporte do
governo federal, especialmente após a Emenda Constitucional n. 95 (2016), acabou por pressionar
os orçamentos dos demais entes, gerando a necessidade de fontes alternativas de receita (Funcia,
2019; Pereira, Oliveira, & Faleiros, 2019). No período, contudo, estudos evidenciaram a perda da
capacidade da oferta de recursos, como mostra O’Dwyer, Graever, Britto, Menezes, e Konder (2019)
em um estudo com municípios fluminenses.
Neste contexto, repasses federais têm sido fundamentais à execução dos serviços de saúde no
âmbito do SUS, dada a fragilidade das fontes de recursos estaduais e municipais (Lima & Andrade,
2009; Leite et al., 2012; Santos, 2018). Vazquez (2011) aponta, ainda, para um papel indutor dos
gastos locais por parte das transferências condicionais federais. Para Lima (2007), contudo, a falta
de um planejamento integrado entre os critérios que regem a redistribuição dos recursos para
o financiamento do SUS acaba por reforçar os padrões de assimetria existentes. Piola, França e
Nunes (2016) mostram que, mesmo em períodos de crescimento de receita em todos os níveis,
como visto no período de 2000 a 2010, as desigualdades regionais, em termos de gasto per capita,
praticamente não se modificaram.
Transferências originadas de emendas parlamentares também têm sido uma fonte alternativa de
recursos. Porém, Baptista et al. (2012), analisando recursos de emendas de 1997 a 2006, apontam que
os critérios seguem muito mais uma lógica política do que um planejamento dos serviços de saúde.
Nesse sentido, Santos (2018) aponta a debilidade da ação do próprio MS na melhoria da coordenação
regional do SUS pelos estados.
Battesini, Andrade, e Seta (2017), analisando a distribuição de recursos federais da vigilância
sanitária de 2005 a 2012, indicam que a adoção de critérios per capita unificados para todo o país
levou ao aumento da iniquidade entre os territórios. A reforma dos critérios, contudo, não parece ser
tarefa simples. Cabreira, Ritter, Aguiar, e Celeste (2018), com dados de municípios do Rio Grande do

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Sul, indicam que os gasto com saúde parecem estar mais vinculados às políticas federais de indução
do que aos fatores associados com a demanda em saúde, como o perfil demográfico e epidemiológico.
Resultados similares para municípios baianos são encontrados por Teles, Coelho, e Ferreira (2016).
Harzheim et al. (2020), por sua vez, sugerem um sistema de distribuição de repasses baseado em
indicadores de vulnerabilidade socioeconômica, de aspectos demográficos, além do pagamento por
desempenho por meio de indicadores, endossando as críticas aos critérios atuais.
O problema da fragilidade do financiamento dos serviços prestados pelo SUS é recorrente. No
caso de uma pandemia causada por uma doença nova, ainda carente de grandes estudos, o desafio é
ainda maior. Segundo Weiss e Murdoch (2020), cerca de 19% das pessoas com COVID-19 necessitam
de hospitalização, enquanto a taxa de mortalidade de casos de infecção é de aproximadamente 2,2%
(Chan et al., 2020). Comunidades densas correm um risco próprio, uma vez que o vírus pode ser
transmitido por meio de aerossóis, fica comprometida uma das ferramentas mais importantes para
combater a pandemia, o distanciamento social. Para mitigar as consequências da pandemia, são
necessários ajustes imediatos no sistema de saúde que aumentem a oferta de serviço de modo a
atender à demanda excepcional da infecção pelo vírus (Anderson et al., 2020; Grasselli et al., 2020).
Em um estudo influente no Imperial College, Walker et al. (2020) indicam um cenário de colapso
dos sistemas de saúde devido ao pico de demanda, levando ao extremo o número de mortes.
Por conseguinte, conforme o panorama de iniquidade da repartição de recursos do SUS e as
características da COVID-19, chega-se à hipótese desta pesquisa.
Hipótese: o modelo de financiamento do SUS dentro do pacto federativo brasileiro foi modificado
em razão das necessidades de enfrentamento da COVID-19.
Em outras palavras, busca-se inferir se o volume de recursos e as regras empregadas no custeio das
políticas de combate à COVID-19 foram influenciados diretamente pelas características da pandemia,
dentro da lógica de financiamento do SUS no pacto federativo brasileiro.
Como destacado nesta breve revisão de literatura, critérios de alocação de recursos para
transferências com base em número de habitantes ou de usuários dos serviços de saúde prestados são
frequentes no SUS. Não obstante, as características da COVID-19, assim como o contágio heterogêneo
em um país de tamanho continental como o Brasil impõem uma série de desafios de ordem prática.
Na Espanha, por exemplo, o sistema nacional de saúde é caracterizado por forte descentralização,
com grande atuação das comunidades autônomas (Pereira et al., 2019). Entretanto, o enfrentamento
da pandemia impôs uma centralização do sistema de saúde sem precedentes no país, modificando,
ao menos temporariamente e de modo profundo, a sua dinâmica de funcionamento (Legido-Quigley
et al., 2020).

3. MÉTODOS
Para responder a questão levantada por esta pesquisa, sobre a compatibilidade entre as regras de
financiamento adotadas pelo SUS e as idiossincrasias da COVID-19, emprega-se uma estratégia de
métodos mistos (McNabb, 2002). Em uma primeira etapa, é realizada uma ampla análise documental
sobre a legislação que define as regras de financiamento do combate à COVID-19. O Esquema 1
detalha o processo.

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3. MÉTODOS

Para responder a questão levantada por esta pesquisa, sobre a compatibilidade entre as regras de
financiamento adotadas pelo SUS e as idiossincrasias da COVID-19, emprega-se uma estratégia de
métodos mistos (McNabb, 2002). Em uma primeira etapa, é realizada uma ampla análise
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documental sobre a legislação que define as regras de financiamento do combate à COVID-19. O
Esquema 1 detalha o processo.
ESQUEMA 1 FASES DA ETAPA QUALITATIVA
Esquema 1
Fases da etapa qualitativa

Fonte: Elaborado pelos autores. Fonte: Elaborado pelos autores.

Preliminarmente foi realizado um levantamento da legislação envolvida nos sítios eletrônicos do


MS e também na Imprensa Oficial da União de 01 de fevereiro até 12 de junho de 2020, abordando
o financiamento das políticas de enfrentamento da COVID-19 no nível subnacional. Num segundo
passo, foram selecionadas as normas que abrangem especificamente a definição das regras e a
autorização dos desembolsos. Encerrando a fase qualitativa, examinaram-se as regras e os recursos
desembolsados, o que permitiu desenhar o modelo de financiamento implícito.
Na segunda etapa da pesquisa, foram analisados os desembolsos efetivamente recebidos pelos
municípios, buscando inferir se o modelo de financiamento do SUS, dentro do pacto federativo
brasileiro, é consistente em relação às características epidemiológicas da COVID-19. Assim, estimamos
uma função linear pelo método dos mínimos quadrados ordinários, com estimadores robustos
(Greene, 2002):

Equação 1
yi = α0 + α1Xi + α2Zi + α3Ci + u0

A variável dependente indica o total de repasses recebidos pelo município i. Os dados foram
obtidos do portal da transparência do Fundo Nacional da Saúde (FNS) (https://painelms.saude.
gov.br/extensions/TEMP_COVID19/TEMP_COVID19.html). Por sua vez, é um vetor de variáveis
que descreve o potencial de expansão da doença. Assim, seguindo Feng et al. (2020) e Wang et al.
(2020), usou-se a densidade populacional do município, conforme o papel do adensamento no grau
de contágio, assim como a distância até a respectiva capital estadual e até Brasília, como proxy para
captar o impacto em virtude de o município estar próximo aos principais pontos de entrada do estado
afetado pela COVID-19 – dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Supondo
que as regras de financiamento sejam consistentes com as características da doença, busca-se inferir
se ambos os coeficientes são positivos e estatisticamente significantes.
Já reflete um conjunto de variáveis explicativas que buscam avaliar o potencial de expansão do
SUS local para suprir a demanda excessiva decorrente da enfermidade. Com este propósito, utilizam-se
o gasto por saúde per capita, o número de leitos de internação e de tratamento intensivo.
Também são incluídas variáveis de controle () que descrevem as condições socioeconômicas dos
municípios, como a produção de riquezas no município (PIB), o número de habitantes, se se trata
de capital estadual e, por fim, o grau de mortalidade infantil (Araújo, Gonçalves, & Machado, 2017;
Kilsztajn, Rossbach, Câmara, & Carmo, 2003). Todos os dados foram obtidos do Banco de Dados
do Tesouro Nacional (FINBRA), FNS/MS, do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
(CNES) e do IBGE. Destaca-se a confiabilidade dos dados coletados no Fundo Nacional de Saúde, que
registram os repasses fundo a fundo e permitem o acompanhamento dos saldos bancários das
respectivas contas vinculadas.

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4. RESULTADOS

4.1 Regras básicas de aplicação: mudanças e consequências


As normas de transferências de valores para governos subnacionais estão regulamentadas na Portaria
de Consolidação n. 6 (2017). Os recursos federais são repassados na modalidade fundo a fundo, ou
seja, do FNS para os respectivos fundos de saúde de estados e municípios. O sistema de financiamento
da saúde pública possuía seis blocos distintos até 2017, tendo sido reduzido a apenas dois blocos: o de
custeio das ações e serviços e o de investimento na rede de serviços públicos. A evolução normativa
é descrita na Figura 1.

FIGURA 1 LEGISLAÇÃO: REGRAS BÁSICAS DE APLICAÇÃO

Publicação Port. n. 204 - Criação Alteração Port. n. 3992 e Publicação


dos Blocos de Financiamento: Revogação Port. n. 204 e Publicação Port. n. 828 - Blocos passam a
Atenção Básica, Atenção de Média Port. n. 3992 - Criação: Bloco de ter nova nomeclatura: Bloco de
e Alta Complexidade Ambulatorial Custeio das Ações e Serviços Manutenção das Ações e Serviços
e Hospitalar, Vigilância em Saúde, Públicos de Saúde; Bloco de Públicos de Saúde , Bloco de
Assistência Farmacêutica, Gestão do Investimento na Rede de Serviços Estruturação da Rede de Serviços
SUS Públicos de Saúde Públicos de Saúde

• 29 de janeiro de 2007 • 28 de dezembro de 2017 • 20 de abril de 2020

Fonte: Elaborada pelos autores com base em Imprensa Nacional.

Esta divisão estabelece que os recursos que compõem cada bloco de financiamento devem ser
aplicados estritamente nos itens de despesa pertencentes ao próprio bloco e de acordo com a portaria
que originou o repasse. Assim, os entes subnacionais devem organizar-se e atender, para recepção
dos incentivos federais, as normas de aplicação definidas pelo ente transferidor, tendo como uma de
suas vedações a não autorização de quaisquer remanejamentos de valores entre os blocos; as sobras
de valores devem ser mantidas em aplicação financeira de resgate automático até a sua data de utilização.
A ausência de discricionariedade trouxe dificuldades para a gestão dos recursos no enfrentamento
da COVID-19, que foram mitigadas apenas com a edição da Portaria n. 828 (2020), em 17 de abril de
2020. Na fase inicial do combate à pandemia, era expressamente vedado o uso de recursos recebidos
no bloco de custeio para adequação da estrutura já existente, devendo qualquer modificação necessária
ser paga com montantes do bloco de investimento.
A repercussão dos efeitos da ausência de discricionariedade é um fator relevante. De acordo
com dados do FNS, foram disponibilizados a estados, Distrito Federal e municípios um total de
R$ 9,570 bilhões para as ações de enfrentamento da COVID-19. Como a integralidade destes valores
foi alocada no então bloco de custeio e posteriormente nomeado como Bloco de Manutenção, as
possibilidades de gasto com as adaptações do aparelho de saúde ficaram reduzidas.

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A título de ilustração, com os recursos recebidos do governo federal, os governos subnacionais


podem adquirir equipamento de proteção individual, como luvas, máscaras. No entanto, por meio
dos recursos do Bloco de Manutenção, não é permitida a compra de novas camas hospitalares, de
bomba de infusão para uso com os respiradores, nem de monitor cardíaco, eletrocardiógrafos, dentre
outros itens, mesmo que necessários. A análise, por exemplo, do portal de dúvidas do Conselho
Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems, 2020) indica a recorrência da solicitação
de esclarecimentos neste sentido. Portanto apenas após meados de abril, com a edição da referida
portaria, tais dificuldades foram mitigadas.

4.2 Os recursos de combate à COVID-19


Até meados de junho, sete medidas provisórias – relacionadas no Diagrama 1 – haviam sido publicadas,
abrindo crédito extraordinário em favor do MS para enfrentamento da pandemia da COVID-19,
totalizando 38,96 bilhões. Parte deste recurso tem como origem o remanejamento interno do
próprio orçamento da pasta, dado que, em 2020, o total de recursos disponíveis do ministério é de
172,3 bilhões, um valor 21,95% superior à dotação inicial (134,7 bilhões) e equivalente a 20,12% da
dotação atualizada do ano anterior.
A análise das medidas provisórias mostra que os créditos extraordinários abertos possuem diversas
fontes de recursos. Destaca-se o cancelamento de parte de despesas fixadas em ações orçamentárias
destinadas a emendas parlamentares individuais. Neste caso, foram R$ 4,8 bilhões que anteriormente
eram destinados ao Incremento Temporário ao Custeio dos Serviços de Assistência Hospitalar e
Ambulatorial (R$ 1,63 bilhões) e ao Incremento Temporário ao Custeio dos Serviços de Atenção Básica
em Saúde (R$ 3,16 bilhões). Além disso, também foi relevante a anulação de dotações orçamentárias
relativas a emendas de bancada estadual, de execução obrigatória de outros órgãos (R$ 2,0 bilhões),
e recursos novos originários, em sua maioria, de operações de créditos das fontes vinculadas.

DIAGRAMA 1 EVOLUÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS PUBLICADAS ATÉ 12 DE JUNHO DE 2020


Diagrama 2
Evolução das medidas provisórias publicadas até 12 de junho de 2020

Março Abril Maio Junho

•Medida Provisória nº 924, •Medida Provisória nº 940, de •Medida Provisória nº 967, •Medida Provisória nº 976,
de 13 de março de 2020 2 de abril de 2020 - de 19 de maio de 2020 - de 4 de junho de 2020 -
- 4.838.795.979,00 9.444.373.172,00 5.566.379.351,00 4.489.224.000,00
•Medida Provisória nº 941, de •Medida Provisória nº 969,
2 de abril de 2020 -
2.048.736.866,00 de 20 de maio de 2020 -
•Medida Provisória nº 947, de 10.000.000.000,00
8 de abril de 2020 -
2.600.000.000,00

Fonte: Elaborado pelos autores com baseFonte: Elaborado


em Imprensa pelos autores com base em Imprensa Nacional.
Nacional.

Conforme dados apurados no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo


Federal (SIOP), de 14 de junho de 2020, a maior parcela dos valores destinados ao enfrentamento
da COVID-19 divide-se em duas fontes majoritárias: Títulos de Responsabilidade do Tesouro
Nacional e Outras Aplicações
REVISTA e Recursos
DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA | Rio de às
Destinados Atividades
Janeiro Finsjul.da
54(4):595-613, Seguridade
- ago. 2020 Social.
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Por seu turno, a taxa de execução orçamentária tem sido relativamente lenta, especialmente
se considerada a estratégia de preparar o sistema de saúde para a curva epidêmica por meio do
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Conforme dados apurados no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo


Federal (SIOP), de 14 de junho de 2020, a maior parcela dos valores destinados ao enfrentamento da
COVID-19 divide-se em duas fontes majoritárias: Títulos de Responsabilidade do Tesouro Nacional
e Outras Aplicações e Recursos Destinados às Atividades Fins da Seguridade Social.
Por seu turno, a taxa de execução orçamentária tem sido relativamente lenta, especialmente se
considerada a estratégia de preparar o sistema de saúde para a curva epidêmica por meio do tempo
ganho com o seu achatamento via adoção de medidas de afastamento social (Anderson et al., 2020).
Nota-se uma velocidade muito maior de execução na transferência dos recursos dedicados aos
municípios e estados, sendo a menor taxa verificada no nível federal.

TABELA 1 VELOCIDADE DE EXECUÇÃO DO COMBATE À COVID-19

%Desp.
% Desp. atualizada/
Modalidades de Aplicação Dotação Atual % Dt. AT Desp. Paga Paga paga

Transferências a Estados e ao
Distrito Federal - Fundo a Fundo 9.970.237.045,00 25,59 3.886.107.282,34 34,49 38,98

Transferências a Municípios 96.246.041,00 0,25 - 0,00 0,00

Transferências a Municípios -
Fundo a Fundo 16.800.581.107,00 43,11 5.640.948.966,55 50,07 33,58

Transferências a Instituições
Privadas sem Fins Lucrativos 12.000.000,00 0,03 5.000.000,00 0,04 41,67

Transferências ao Exterior 542.294.000,00 1,39 432.376.875,00 3,84 79,73

Aplicações Diretas 11.589.288.382,00 29,74 1.302.728.873,03 11,56 11,24

Total 38.967.509.368,00 11.267.161.996,92 28,91

Em reais.
Fonte: Elaborada pelos autores com base em SIOP/ME.

Consoante dados do SIOP/ME, do total previsto, aproximadamente 29% seriam aplicados pelo
próprio MS, devendo a maior parte ser repassada aos governos subnacionais para o combate à
enfermidade. No entanto, tomando como medida os valores efetivamente pagos até a data de obtenção
dos dados, apenas 38,9% do montante destinado aos estados foram transferidos, porcentagem que cai
para 33,5% em relação aos municípios. No nível federal, a execução foi de apenas 11,24%. Os valores
são praticamente idênticos se calculados com base nos montantes liquidados.

4.3 Processo de alocação entre estados e municípios


A Lei 8080 (1990) determinou a descentralização no que concerne ao dever do Estado, expresso
na Constituição Federal, de promover políticas sociais e econômicas para a promoção, proteção
e recuperação da saúde. Sendo assim, parte dos recursos federais para financiamento das ações e
serviços de saúde é transferida aos demais entes subnacionais como cofinanciamento de suas ações.

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O modelo de enfrentamento da COVID-19 segue a mesma lógica e por isso tem os governos
subnacionais como agentes fundamentais para sua operacionalização. Isto está claro na própria
alocação de recursos, visto que 68,95% dos valores foram repassados a estados e municípios,
correspondendo a 84,5% do total executado. Não obstante, a realidade de governos subnacionais é
muito distinta, sendo fundamental a análise das regras de alocação adotadas, definidas por meio de
portarias pelo MS.
Até meados de junho, para atender às medidas provisórias publicadas, diversas normas foram
editadas pelo MS, que definiu regras para apoio ao financiamento das ações de enfrentamento da
COVID-19 e criou o Programa de Trabalho 10.122.5018.21C0.6500 – Enfrentamento da Emergência
de Saúde Pública de Importância Internacional Decorrente do Coronavírus. Até o momento
destacam-se sete portarias, detalhadas na Tabela 2, pelas quais são transferidos recursos para ações
de enfrentamento à pandemia, autorizados por meio de medidas provisórias ou lei específica. Os
recursos foram enviados dentro do Bloco de Manutenção, identificados por um grupo específico
para acompanhamento destes repasses: COVID-19.
A portaria n. 395 (2020) repassou um total de 424,15 milhões de reais provenientes do MS aos
Fundos Estaduais de Saúde (FES). Os valores foram distribuídos tendo como base o número de
habitantes de cada estado e, como regra, R$ 2,00 per capita. O FNS realizou o repasse total aos FES,
determinando que a distribuição do recurso no âmbito intraestadual deveria ser pactuada por meio
das Comissões Intergestores Bipartite (CIB), considerando o respectivo Plano de Contingência. Não
obstante, somente os estados de Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina repassaram
parte ou o valor total da verba do ministério aos municípios. Assim, a maior parte desses recursos
permaneceu nos cofres estaduais.
Em 23 de março de 2020, o MS publicou a Portaria n. 480, destinando R$ 600 milhões aos estados
e municípios. Ao contrário, contudo, do documento anterior, o MS definiu um novo método de
distribuição. Novamente a pactuação deveria ser por meio da CIB, observando-se, porém, sempre
um mínimo de R$ 2,00 per capita, de acordo com as estimativas de população do IBGE de 2018 para
repasse aos municípios. Uma importante inovação foi garantir o repasse de recursos para prefeituras.
Assim, a portaria definiu que os estados que já repassaram recursos oriundos da Portaria
n. 395 (2020) aos municípios poderiam recebê-los desde que pactuados em CIB. Por sua vez, os
governos estaduais que não tinham ainda transferido valores aos municípios deveriam desta vez,
obrigatoriamente, fazê-lo, tendo sua respectiva alocação pactuada em CIB, além de priorizar as
redes assistenciais com maior potencial para enfrentamento da COVID-19. Foi estabelecido, ainda,
um valor entre R$ 2,00 a R$ 5,00 per capita para distribuição aos municípios. O MS determinou um
prazo de 24 horas para formalização da distribuição interestadual dos recursos, que seriam então
utilizados pelo FNS para o repasse. Neste segundo repasse, 68,29% do auxílio provindo do MS foram
destinados aos municípios.
Já na terceira portaria publicada, n. 774 (2020), a metodologia de distribuição foi alterada. Por meio
desta norma foram destinados 3.944.360.945,06 bilhões de reais às demais esferas de governo, utilizando
como critério o repasse de uma parcela extra do Piso de Atenção Básica (PAB) para um conjunto de
municípios, e para outro grupo de municípios a parcela referente a 1/12 (um doze avos) do Limite
Financeiro anual do Grupo de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar, dependendo da
sua gestão local, desconsiderando, desta forma, as desigualdades regionais e vazios assistenciais existentes.
Do total da verba transferida, 66,9% da quantia foram destinados aos munícipios.

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RAP | Os desafios do financiamento do enfrentamento à COVID-19 no SUS dentro do pacto federativo

Mais recentemente, a edição da portaria 827, publicada em 15 de abril de 2020, incluiu o


procedimento de complementação de valor de sessão de hemodiálise, bem como seu financiamento, em
pacientes com suspeição ou confirmação da COVID-19 na Tabela de Procedimentos, Medicamentos,
Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS. O pagamento é feito por uma Autorização de
Procedimento Ambulatorial (APAC) e visa ao atendimento da determinação da ANVISA referente
ao uso único das linhas de diálise e dialisadores, por sessão, em pacientes suspeitos ou confirmados
de infecção pelo novo coronavírus.
A portaria n. 430, de 19 de março de 2020, estabeleceu incentivo financeiro federal de custeio no
âmbito da Atenção Primária à Saúde, de março a setembro de 2020, para apoiar o funcionamento
em horário estendido das Unidades de Saúde da Família (USF) ou Unidades Básicas de Saúde (UBS)
no país.
Já a portaria n. 568 (2020) é a base para abertura das habilitações de leitos de Unidade de Terapia
Intensiva Adulto e Pediátrica para atendimento exclusivo dos pacientes com a COVID-19. Os critérios
para habilitação abrangeram dados epidemiológicos (paciente x leitos) e rede assistencial disponível
nos estados. A partir da data de edição desta portaria, foram habilitados 8590 leitos, detalhados por
estado na Quadro 1.

QUADRO 1 DISTRIBUIÇÃO DE LEITOS HABILITADOS EM UTI PARA COVID-19 ATÉ 12 DE JUNHO DE 2020

ESTADUAL MUNICIPAL
Total Geral
UF UTI UTI UTI UTI VALOR habilitado
de Leitos
ADULTO PEDIÁTRICA ADULTO PEDIÁTRICA
AC 30 30 4.320.000,00
AL 61 93 154 22.176.000,00
AM 186 8 194 27.936.000,00
AP 32 32 4.608.000,00
BA 111 147 17 275 39.600.000,00
CE 185 6 186 15 392 56.448.000,00
DF 175 10 185 26.640.000,00
ES 88 77 165 23.760.000,00
GO 20 139 159 22.896.000,00
MA 149 89 238 34.272.000,00
MG 38 365 403 58.032.000,00
MS 15 152 167 24.048.000,00
MT 114 10 124 25 273 39.312.000,00
PA 270 14 52 336 48.384.000,00
PB 84 80 6 170 24.480.000,00
PE 535 15 84 10 644 92.736.000,00
PI 10 241 10 261 37.584.000,00
PR 141 297 35 473 68.112.000,00
RJ 50 585 16 651 93.744.000,00
RN 102 10 44 156 22.464.000,00
RO 53 7 16 76 10.944.000,00
RS 215 404 5 624 89.856.000,00
SC 162 190 20 372 53.568.000,00
SE 40 14 54 7.776.000,00
SP 718 1.342 4 2064 297.216.000,00
TO 36 6 42 6.048.000,00
Total Geral 3.620 86 4.721 163 8590 1.236.960.000,00
R$ em milhões
R$ em milhões.
Fonte: Elaborada pelos autores com base em Imprensa Nacional.
Fonte: Elaborada pelos autores com base em Imprensa Nacional.

Em maio de 2020 foi sancionada a Lei 13.995/20, destinando, por meio dos fundos estaduais
eREVISTA
municipais, R$ 2 bilhões como
DE ADMINISTRAÇÃO auxílioRio
PÚBLICA |
financeiro às 54(4):595-613,
de Janeiro Santas Casas jul.
e aos
- ago.hospitais
2020 filantrópicos,
sem fins lucrativos, com o objetivo de ajudá-los a atuar de forma coordenada no combate à COVID-
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19. A distribuição dos recursos foi realizada em duas parcelas, por meio das portarias 1393 e 1448,
publicadas em 21 e 29 de maio de 2020, respectivamente, e teve como base o quantitativo de leitos
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Em maio de 2020 foi sancionada a Lei 13.995/20, destinando, por meio dos fundos estaduais e
municipais, R$ 2 bilhões como auxílio financeiro às Santas Casas e aos hospitais filantrópicos, sem
fins lucrativos, com o objetivo de ajudá-los a atuar de forma coordenada no combate à COVID-19.
A distribuição dos recursos foi realizada em duas parcelas, por meio das portarias 1393 e 1448,
publicadas em 21 e 29 de maio de 2020, respectivamente, e teve como base o quantitativo de leitos
do SUS do CNES até a data de 12 de maio de 2020, das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos
constantes nos Planos de Contingências dos estados e Distrito Federal, e dos situados nos municípios
que possuem presídios, atribuindo proporcionalmente ao número de leitos de cada estabelecimento
o valor da parcela definido.
Os demais repasses, até o momento, foram destinados às propostas aprovadas por emendas
parlamentares, tendo como
presídios, critério
atribuindo a destinação
proporcionalmente do parlamentar
ao número e as
de leitos de cada propostas odevalor
estabelecimento financiamento
da parcela
apresentadas pordefinido.
estados e municípios no Sistema de Gerenciamento de Objetos e Propostas do FNS.
Os demais repasses, até o momento, foram destinados às propostas aprovadas por emendas
parlamentares, tendo como critério a destinação do parlamentar e as propostas de financiamento

QUADRO 2 apresentadas por


DISTRIBUIÇÃO DOS estados e municípios
RECURSOS no SistemaPARLAMENTAR
DE EMENDA de Gerenciamento PARA
de Objetos e Propostas
APOIO do FNS.
À COVID-19
ATÉ 12.06
Tabela 3
Distribuição dos recursos de emenda parlamentar para apoio à COVID-19 até 12.06
Quantidade de Munic./UF
Valor Pago FAF recebedores de emenda Valor Repasse
UF Estadual enfrentamento covid-19 Municipal por UF Valor total por UF
AC 28.075.527,00 - 28.075.527,00
AL 3.500.000,00 60 70.244.211,00 73.744.211,00
AM 6.500.000,00 54 110.334.308,00 116.834.308,00
AP 35.457.173,00 14 23.774.304,00 59.231.477,00
BA 54.869.588,00 138 72.035.310,00 126.904.898,00
CE 105.970.421,00 135 74.995.919,00 180.966.340,00
DF 50.437.829,00 - 50.437.829,00
GO 18.607.688,00 158 58.195.820,00 76.803.508,00
MA 43.336.600,00 95 82.239.642,00 125.576.242,00
PB 4.800.000,00 21 10.800.000,00 15.600.000,00
PE 54.921.718,00 31 30.159.782,00 85.081.500,00
RJ 3 97.697.820,00 97.697.820,00
RN 25.316.244,00 22 13.694.130,00 39.010.374,00
RO 30.991.725,00 - 30.991.725,00
RR 27.000.000,00 8 22.014.018,00 49.014.018,00
RS 48.518.312,00 37 15.349.225,00 63.867.537,00
SE 38.650.461,00 2 7.534.650,00 46.185.111,00
SP 152.861.216,00 23 61.438.417,00 214.299.633,00
TO - 2 2.000.000,00 2.000.000,00
Total Geral 679.376.673,00 804 802.945.385,00 1.482.322.058,00

R$ emR$ em milhões
milhões.
Fonte: Elaborada
Fonte: Elaborada pelospelos autores
autores comcom baseem
base emFNS
FNS (2020).
(2020).

4.4 Análise dos Recursos Recebidos

4.4 Análise dos Recursos Recebidos


A análise da distribuição das transferências das portarias publicadas mostra que na esfera estadual a
A análise da distribuição
divisão dos das transferências
recursos seguiu diversosdas portarias
critérios, publicadas
destacando-se mostra
a dimensão que na aesfera
populacional, estadual
presença de
a divisão dos recursos seguiu diversos critérios, destacando-se a dimensão populacional, a presença
de rede instalada e também fatores políticos, evidenciados nas emendas parlamentares. A Tabela 2
sintetiza os repasses aos governos estaduais e municipais para o enfrentamento da COVID-19.

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TABELA 2 DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS POR NORMA PUBLICADA - R$ EM MILHÕES

Forma de Distribuição de recursos Est. Mun. Total

Emenda Parlamentar 729,81 752,51 1.482,32


Habilitação Leito de UTI para COVID-19 486,36 586,81 1.073,17
Port. 480 186,96 413,04 600,00
Port. 395 424,15 424,15
Port. 430 0,41 8,33 8,73
Port. 774 1.305,57 2.638,93 3.944,50
Port. 827 12,30 24,43 36,72
Port. 1393 e 1448 /2020 752,77 1.247,23 2.000,00
Total Geral 3.898,34 5.671,26 9.569,59

Fonte: Elaborada pelos autores com base em FNS (2020).

Para inferir o impacto deste desenho institucional, regrediu-se o total de transferência recebida
por cada município atualizando-o até 12 de junho de 2020, cujos dados estão disponíveis no
FNS/MS, em um conjunto de fatores socioeconômicos e geográficos, por meio do método dos
mínimos quadrados ordinários com estimadores robustos (Greene, 2002). Para isto, empregou-se a
especificação definida na Equação 1.

TABELA 3 ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS

Variável N. Média Mín. Máx.

Transf. Rec. por Mun. 5568 R$ 1.012.714 R$ 1.041 R$ 278.761.609


Gasto Saúde Per Capita 5564 R$ 889 R$ 0 R$ 5.562
Densidade Pop. 5566 126 4 25.977
População 5501 37.167 812 12.106.920
PIB Municipal 5561 R$ 1.168.620 R$ 12.992 R$ 699.288.352
Leitos 5570 55,16 0 15.502
Leitos UTI 5570 3,89 0 1906
Capital 5570 0,00 0 1
Mort. Infantil 5570 12,26 9,9 19,60
Dist Brasília (em Km) 5507 1.076 0,75 2.868
Dist. Capital (em Km) 5507 253 0 1.476

Fonte: IBGE (2020), FNS (2020), CNESS (2020), e FINBRA (2020).

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A Tabela 3 mostra as principais estatísticas das variáveis utilizadas. Todos os dados foram obtidos
do Banco de Dados do Tesouro Nacional, o FINBRA, do FNS, do CNES, do IBGE. A cidade de São
Paulo foi o município que recebeu o maior repasse, equivalente a R$ 278.761.608,69, seguida de Belo
Horizonte, com R$ 168.920.165,01, e Fortaleza, com R$ 111.806.582,03. Por sua vez, Quixaba-PE, que
recebeu apenas R$ 1.041,43, Bora-SP, com R$ 2.415,73, e Engenho Velho-RS, com R$ 2.614,18, são as três
cidades com menos recursos recebidos para combate à COVID-19. Aproximadamente 1443 municípios
receberam no máximo R$50.000,00. O gasto per capita mais alto em saúde no Brasil é registrado no
município gaúcho de Santa Maria, com R$ 5.561,87 per capita, e o menor em Alvinópolis, com menos
de R$ 1,00 por habitante. As demais variáveis seguem o padrão de grande heterogeneidade no Brasil.

TABELA 4 RESULTADOS

Transf. Recebidas para Enfrentamento COVID-19


Log Saúde Hab -0,503 -0,359 -0,071
[-8,893]*** [-9,515]*** [-1,967]*
Log Leitos UTI 0,551 0,306
[29,688]*** [14,345]***
Log Leitos 0,496 0,221
[52,022]*** [21,169]***
Log Dens. Hab. 0,187 -0,011
[9,352]*** [-0,796]
Log. Dist Brasília (em Km) 0,202 -0,048
[6,252]*** [-2,415]*
Log Dist. Capital (em Km) -0,244 0,015
[-7,299]*** [0,873]
Log População 0,250 0,203
[11.930]*** [8,658]***
Log PIB 0,787 0,497
[42.980]*** [25,331]***
Log Mort. Infantil 3,118 2,509
[30.660]*** [21,837]***
Capital 0,440 -0,589
[1.630]* [-2,322]*
Constante 15.248 13.024 11.156 -7,969 -2.233
[40,373]*** [50,727]*** [52,994]*** [-26,360]*** [-4,409]***
R2 0,014 0,559 0,064 0,629 0,675
Observações 5563 5563 5559 5495 5485

Obs. 1: t-valores nos parênteses.


Obs. 2: # p<0.1; * p<0.05; ** p<0.01; *** p<0.
Fonte: Elaborada pelos autores.

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A Tabela 4 apresenta os resultados. O primeiro modelo mostra que os municípios com menores
gastos per capita em saúde foram contemplados com repasses maiores. No último modelo, com todos
os controles, para cada 1% de queda no gasto per capita em saúde, o município recebeu 0,071% a
mais de repasses. Todavia os valores absolutos médios repassados foram relativamente pequenos.
No entanto, quando se leva em conta o número de leitos e de unidades de tratamento intensivo,
infere-se forte correlação positiva. De fato, a habilitação de leitos foi uma importante forma de
repartição de recursos e isso é claramente captado no segundo modelo. Este resultado permanece
quando são adicionados todos os controles. Ou seja, dentro da estrutura preexistente, concentraram-se
os repasses justamente nos locais em que há hospitais com leitos, especialmente, de UTI. Desse modo,
vale lembrar que a portaria n. 568 (2020) teve como critério de repasse a abertura das habilitações de
leitos de Unidade de Terapia Intensiva Adulto e Pediátrica.
Municípios com maior densidade demográfica, ou mais próximos de Brasília e das respectivas
capitais estaduais, não foram contemplados com mais recursos. Apesar do terceiro modelo indicar
este resultado, ao se introduzirem mais controles rejeita-se a significância estatística. Por conseguinte,
variáveis epidemiológicas com base nas características da doença, que potencialmente visassem
conter a expansão da doença, por meio de prevenção, foram preteridas por indicadores relacionados
ao aumento da capacidade de tratamento da COVID-19 (Anderson et al., 2020; Feng et al., 2020;
Grasselli et al., 2020; Wang et al., 2020).
Por seu turno, municípios com maior população foram beneficiados com maiores transferências.
Em especial, o peso da produção de riquezas municipais mostrou-se relevante, sendo estatisticamente
significante em todos os modelos: municípios mais ricos receberam maiores valores. É importante
destacar que não foi incorporada desigualdade no modelo, de sorte que cidades mais ricas podem
ser desiguais, possuindo uma parcela grande de população vulnerável. Nesta direção, aponta a
mortalidade infantil, visto que localidades com maiores índices receberam importâncias maiores.
Com efeito, para cada 1% de crescimento da taxa de mortalidade infantil, o município recebeu
2,51% a mais.
Em suma, os resultados da análise indicam que o modelo de financiamento do SUS não foi
modificado em virtude das necessidades de enfrentamento da COVID-19, predominando a lógica
de desigualdade preexistente e o viés político (Baptista et al., 2012; Battesini, Andrade, & Seta, 2017;
Piola et al., 2016; Santos 2018).

5. CONCLUSÃO
O enfrentamento da COVID-19 é o maior desafio do sistema de saúde brasileiro em décadas. No
entanto, em dissonância com as experiências da Itália e da Espanha, manteve-se a situação de
subfinanciamento dos serviços de saúde pública. O total de gastos em saúde pública no Brasil cresceu
relativamente pouco em termos reais, além de o repasse per capita para a maior parte dos municípios
brasileiros ser relativamente pequeno.
Considerando as portarias já publicadas, a habilitação de leitos de UTI e o incentivo destinado
à ampliação de horário para atendimento nas USFs, evidenciou-se a priorização dos recursos para
Atenção Básica e Especializada. Já as demais portarias de apoio financeiro foram destinadas a quaisquer
ações e serviços públicos de saúde para enfrentamento da COVID-19, permitindo maior liberdade
de ação aos entes subnacionais, apesar dos impedimentos da categoria de despesa existente. Assim,

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a desvinculação de destinação junto com a recaracterização dos blocos de financiamento ampliou a


autonomia da gestão local para atender às demandas existentes.
No tocante à distribuição dos recursos, a coordenação e a forma de alocação ainda demandam
aprimoramento. Até o momento, a maior parcela de distribuição de recursos foi por meio do apoio
financeiro previsto na portaria n. 774 (2020), com distorções na alocação dos municípios, tendo em
vista os critérios estabelecidos. Também foram muito relevantes as emendas parlamentares, muito
embora uma parte considerável de municípios não tenha recebido recursos por critérios eminentemente
políticos. Em síntese, a lógica de financiamento causou forte desigualdade de destinação dos recursos
para apoio ao combate à COVID-19. A habilitação de leitos de UTI ampliou a capacidade instalada
nas regiões; contudo, considerando a evolução dos casos em alguns locais, estes leitos podem não
atender à totalidade da demanda.
Um importante limitador desta pesquisa é o ineditismo da pandemia. São raros os estudos voltados
à apreensão das necessidades de financiamento dos serviços de saúde quando há expressivo aumento
da demanda. Além disso, a doença ainda é um fenômeno novo, cujos efeitos devem ser sentidos por
muito tempo no SUS. Desse modo, é preciso que novos estudos sejam feitos, avaliando as medidas
tomadas relativamente aos dados que ainda serão coletados.
Não obstante, no caso brasileiro, o novo se encontra com o velho, conforme a recorrência de
questões já anotadas na literatura sobre financiamento do SUS, dentro do pacto federativo. Em síntese,
o modelo de financiamento do SUS não foi modificado diante das necessidades de enfrentamento da
COVID-19. Repetem-se, portanto, a lógica de desigualdade preexistente e o viés político, conforme já
documentado na literatura (Baptista et al., 2012; Battesini, Andrade, & Seta, 2017; Piola et al., 2016;
Santos, 2018). Trata-se de um importante resultado, pois, a despeito do tamanho da crise imposta pela
pandemia, não houve mudança qualitativa no desenho das regras de financiamento, o que intensificou
também os problemas de subfinanciamento.
É verdade que houve ajustes nas regras de aplicação nos blocos de financiamento para permitir
mais agilidade na adequação da estrutura de enfrentamento e liberação de recursos. No entanto,
comparativamente às medidas tomadas por outros países, fortemente coordenadas, as ações no Brasil
parecem ser insuficientes diante do desafio enfrentado por sua sociedade.

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RAP | Os desafios do financiamento do enfrentamento à COVID-19 no SUS dentro do pacto federativo

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Crise e federalismo: tendências e padrões regionais
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Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes

https://orcid.org/0000-0001-8281-390X
Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP); Professor da Escola de Administração de Empresas
de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). E-mail: [email protected]

Blenda Leite Saturnino Pereira

https://orcid.org/0000-0002-7831-0258
Doutoranda em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
E-mail: [email protected]

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