Politicas - Curriculares - Ino Vaçoes - Format (1) Livro

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POLÍTICAS

CURRICULARES
E AS INOVAÇÕES
(NEO)CONSERVADORAS

(TRANS)BORDAMENTOS,
DESAFIOS E
RESSIGNIFICAÇÕES
Conselho Editorial Educação Nacional
Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani – USP
Prof. Dra. Anita Helena Schlesener – UFPR/UTP
Profa. Dra. Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira – Unicamp
Prof. Dr. João dos Reis da Silva Junior – UFSCar
Prof. Dr. José Camilo dos Santos Filho – Unicamp
Prof. Dr. Lindomar Boneti – PUC / PR
Prof. Dr. Lucidio Bianchetti – UFSC
Profa. Dra. Dirce Djanira Pacheco Zan – Unicamp
Profa. Dra. Maria de Lourdes Pinto de Almeida – Unoesc/Unicamp
Profa. Dra. Maria Eugenia Montes Castanho – PUC / Campinas
Profa. Dra. Maria Helena Salgado Bagnato – Unicamp (in memorian)
Profa. Dra. Margarita Victoria Rodríguez – UFMS
Profa. Dra. Marilane Wolf Paim – UFFS
Profa. Dra. Maria do Amparo Borges Ferro – UFPI
Prof. Dr. Renato Dagnino – Unicamp
Prof. Dr. Sidney Reinaldo da Silva – UTP / IFPR
Profa. Dra. Vera Jacob – UFPA

Conselho Editorial Educação Internacional


Prof. Dr. Adrian Ascolani – Universidad Nacional do Rosário
Prof. Dr. Antonio Bolívar – Facultad de Ciencias de la Educación/Granada
Prof. Dr. Antonio Cachapuz – Universidade de Aveiro
Prof. Dr. Antonio Teodoro – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Profa. Dra. Maria del Carmen L. López – Facultad de Ciencias de la Educación/Granada
Profa. Dra. Fatima Antunes – Universidade do Minho
Profa. Dra. María Rosa Misuraca – Universidad Nacional de Luján
Profa. Dra. Silvina Larripa – Universidad Nacional de La Plata
Profa. Dra. Silvina Gvirtz – Universidad Nacional de La Plata
Ana Cláudia da Silva Rodrigues
Ângela Cristina Alves Albino
Franklin Kaic Dutra-Pereira
Maria Zuleide da Costa Pereira
Rute Pereira Alves de Araújo
Saimonton Tinôco
(organizadores)

POLÍTICAS
CURRICULARES
E AS INOVAÇÕES
(NEO)CONSERVADORAS

(TRANS)BORDAMENTOS,
DESAFIOS E
RESSIGNIFICAÇÕES
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Políticas curriculares e as inovações (neo)conservadoras :
(trans)bordamentos, desafios e ressignificações / organização
Ana Cláudia da Silva Rodrigues...[et al.]. – 1. ed. -- Campinas,
SP : Mercado de Letras, 2021.

Vários autores.
Outros organizadores: Ângela Cristina Alves Albino, Franklin
Kaic Dutra-Pereira, Maria Zuleide da Costa Pereira, Rute
Pereira Alves de Araújo, Saimonton Tinôco.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7591-599-8

1. BNCC – Base Nacional Comum Curricular 2. Educação


– Currículos 3. Educação – Currículos – Aspectos sociais
4. Políticas curriculares I. Rodrigues, Ana Cláudia da Silva.
II. Albino, Ângela Cristina Alves. III. Dutra-Pereira, Franklin
Kaic. IV. Pereira, Maria Zuleide da Costa. V. Tinoco,
Saimonton. VI. Araújo, Rute Pereira Alves de.

21-92274 CDD-372.981
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : Políticas curriculares : Educação 372.981

capa e gerência editorial: Vande Rotta Gomide


preparação dos originais: Editora Mercado de Letras
revisão final: dos autores
bibliotecária: Eliete Marques da Silva – CRB-8/9380

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:


© MERCADO DE LETRAS®
VR GOMIDE ME
Rua João da Cruz e Souza, 53
Telefax: (19) 3241-7514 – CEP 13070-116
Campinas SP Brasil
www.mercado-de-letras.com.br
[email protected]

1a edição
2022
IMPRESSÃO DIGITAL
IMPRESSO NO BRASIL

Esta obra está protegida pela Lei 9610/98.


É proibida sua reprodução parcial ou total
sem a autorização prévia do Editor. O infrator
estará sujeito às penalidades previstas na Lei.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO POR MUITAS MÃOS


MESMO DISTANTES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

capítulo 1
Um currículo para Douglas e suas
amigas viadas: Precariedade e micropolítica
queer na infância. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
João Paulo de Lorena Silva e Marlucy Alves Paraíso

capítulo 2
OLHARES DOCENTES SOBRE A BASE NACIONAL
COMUM CURRICULAR EM TEMPOS DE PANDEMIA:
UMA EXPERIÊNCIA EXTENSIONISTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Ângela Cristina Alves Albino, Diego Miranda da Silva,
Sheila Costa de Farias e Anne Karoline Cantalice Sena

capítulo 3
CURRÍCULOS-DOCÊNCIAS-MENORES E PESQUISAS
COM OS COTIDIANOS ESCOLARES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Carlos Eduardo Ferraço e Marco Antonio Oliva Gomes

capítulo 4
O “CURRÍCULO MERCANTE” DA BNCC EM TEMPOS
DE “DESENTENDIMENTO” E “ERA DO VAZIO”: PORQUE
O ÓDIO PODE PARECER TÃO BOM!. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Damião Rocha
capítulo 5
A FLEXIBILIZAÇÃO CURRICULAR E SUA RELAÇÃO
COM A REFORMA DO ENSINO MÉDIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Max Alexandre da Silva, Adriana Aparecida de Souza e
Dante Henrique Moura

capítulo 6
FLEXIBILIZAÇÕES CURRICULARES:
DO QUE ESTAMOS FALANDO?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Antônio Ferreira e Lucilia Vernaschi de Oliveira

capítulo 7
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: ANÁLISES
SOBRE AS INFLUÊNCIAS, DISPUTAS E NEGOCIAÇÕES
NO PROCESSO DE SUA CONSTRUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Gessica Mayara de Oliveira Souza, Nathalia F. Egito Rocha e
Maria Zuleide da Costa Pereira

capítulo 8
O DIREITO À EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DE PANDEMIA (COVID-19) NO BRASIL: PROJETOS
DE FORMAÇÃO EM DISPUTA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
Vanessa Campos de Lara Jakimiu

capítulo 9
CURRÍCULOS OFICIAIS EM ANÁLISE (2010 E 2017):
APRENDIZAGEM, AVALIAÇÃO OU COMPETÊNCIAS?. . . . . . 143
Natálya Rubert Wolff Camy

capítulo 10
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DECOLONIAL E A
REVERSÃO DE ESQUECIMENTOS E SILENCIAMENTOS. . . . . 157
Josimere Serrão Gonçalves e Joyce Otânia Seixas Ribeiro

capítulo 11
DIFERENÇA CULTURAL, POLÍTICA E CURRÍCULO:
ENUNCIAÇÕES COM HOMI K. BHABHA. . . . . . . . . . . . . . . . 169
Jorge Luis Umbelino de Sousa, Jessýca Priscylla de Oliveira
Nascimento e Ana Cláudia da Silva Rodrigues
capítulo 12
A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
E O CURRÍCULO UNIVERSITÁRIO: QUESTÕES
E TEMÁTICAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
Marcos Antonio Batista da Silva

capítulo 13
EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
E CURRÍCULOS ANTIRRACISTAS: “O CAMINHO SE
FAZ ENTRE O ALVO E A SETA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Michele Guerreiro Ferreira e Janssen Felipe da Silva

capítulo 14
CURRÍCULO, DIFERENÇA E EDUCAÇÃO ESPECIAL:
PERCEPÇÕES DE DOCENTES SOBRE O CURRÍCULO
PARA ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA. . . . . . . . . . . . . . . . . 215
Maria Carolina da Silva Caldeira, Ana Luísa Alves e
André Henrique Faria

capítulo 15
A (RE) INTERPRETAÇÃO DA BNCC NO CONTEXTO
DAS PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO
CARIRI PARAIBANO – DESAFIOS E
RESSIGNIFICAÇÕES CURRICULARES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229
Rute Pereira Alves de Araújo, Rayane Pereira dos Santos,
Kátia Patrício Benevides Campos e Crisliane Boito

capítulo 16
LICENCIATURA EM QUÍMICA NO RECÔNCAVO
BAIANO: DIÁLOGOS, OLHARES E REFLEXÕES
SOBRE A EVASÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245
Mateus Fonseca dos Santos, Vinícius Moreira S. de Jesus e
Rafaela dos Santos Lima

capítulo 17
PROJETO DE VIDA (?): INFLUÊNCIAS E
IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO PARAIBANO. . . . . . . . . . . . . 261
Thamyres Ribeiro da Silva, Maria Beatriz da Silva Santos,
Saimonton Tinôco e Franklin Kaic Dutra-Pereira
capítulo 18
CURRÍCULOS BICHA”: APAGAMENTO OU FAZIMENTO? . . 277
Kléber Neves Marques Júnior, Ana Thamiris B. de Farias e
Joseval dos Reis Miranda

capítulo 19
POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA O ENSINO
DE CIÊNCIAS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA . . . . . . . . . . . . . . 291
Francisca Helena Batista Ribeiro e Clívio Pimentel Júnior

capítulo 20
ALUNOS COM DEFICIÊNCIA E AULAS REMOTAS EM
TEMPOS DE PANDEMIA: ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO. . . . . . 307
Lindalva José de Freitas

capítulo 21
A INVERSÃO DO VETOR DAS POLÍTICAS CURRICULARES
E A ESTRUTURA DOCUMENTAL DO MOVIMENTO DE
REORIENTAÇÃO CURRICULAR DE FREIRE. . . . . . . . . . . . . . . 323
Júlio César Augusto do Valle

capítulo 22
O NÃO-LUGAR DA MULHER NEGRA NAS TIPOLOGIAS
IMAGÉTICAS DOS TEXTOS CURRICULARES DO BRASIL
E DA COLÔMBIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337
Camila Ferreira da Silva

capítulo 23
OS SABERES E AS CULTURAS NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353
José Diógenes dos Santos Filho, Matheus Vieira da Silva e
Givanildo da Silva

capítulo 24
OLHARES DOS CONTEXTOS ÉTNICO-RACIAIS
A PARTIR DOS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS EM
TESSITURA COM A INTERSECCIONALIDADE. . . . . . . . . . . . . 369
Eunice Pereira da Silva

SOBRE AUTORAS E AUTORES DO(S) CURRÍCULO(S) . . . . . . 383


APRESENTAÇÃO POR MUITAS
MÃOS, MESMO DISTANTES

2020... ano que o mundo parou pela chegada de um vírus


desconhecido. A ciência voltou-se a estudar e identificar os desafios
da doença causada pelo SARS-Cov-2, da família coronavírus; a
economia ficou estagnada; a cultura e arte, vezes parada ou apenas
de modo virtual; a Educação – e nós, que a fazemos –, não pudemos
e nem tivemos o direito de parar. Reflexo da pandemia em meio
ao caos político, que sustenta a necropolítica, o neoliberalismo e,
sobretudo, a banalização da vida versus morte.
Reflexo também de um contexto neoconservador, que nos
põe em xeque pensar sobre as adversidades da/na educação. E é
neste sentido, ou melhor, de encontrar sentido, na tentativa de (trans)
bordar, trazer à tona os desafios e pensar algumas ressignificações,
que os textos deste livro se inserem.
Um livro que traz marcas, identidades, reflexões... Um livro
que, por ser científico, apresenta, anuncia e denuncia, diversas
histórias, memórias, pesquisas, culturas, diversidades, indagações,
pensamentos, convergências e divergências de diferentes regiões
do Brasil, sobre as Políticas curriculares e as inovações (neo)
conservadoras.
Deste modo, pensamos este livro, para dar vida-voz-vez
aos trabalhos que foram apresentados e discutidos no IX Colóquio

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 9


Internacional de Políticas e Práticas Curriculares, sediado pela
Universidade Federal da Paraíba, realizado pelo Grupo de Estudos
e Pesquisa em Políticas Curriculares (GEPPC), no formato remoto,
apoiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba -
FAPESQ-PB. Por isso, aqui apresentam-se diversos textos, de modo
que horas se imbricam, em outras se opõe.
De início, João Paulo de Lorena Silva e Marlucy Alves
Paraíso, apresentam em seu texto Um currículo para douglas e suas
amigas viadas: precariedade e micropolítica queer na infância,
argumentam nas teorizações curriculares pós-críticas, que as crianças
viadas que povoam o currículo escolar fazem da precariedade um
lugar de alianças micropolíticas, desenhando as possibilidades de um
currículo sensível e habitável para seus corpos e vidas.
Caminhando no livro, encontraremos o texto Olhares
docentes sobre a base nacional comum curricular em tempos de
pandemia: uma experiência extensionista de Ângela Cristina
Alves Albino, Diego Miranda da Silva, Sheila Costa de Farias e
Anne Karoline Cantalice Sena, em que apresentam um recorte das
ações de um projeto de extensão que têm por objetivo desenvolver
seminários formativos, a partir das expectativas e percepções dos
docentes da educação básica, a respeito da política educacional
vigente. Além disso, analisam o processo de socialização da
produção da BNCC nas escolas de educação básica, por meio das
vozes docentes, bem como, destacaram algumas competências
importantes para a reflexão da prática pedagógica.
Encontramos no texto de Carlos Eduardo Ferraço e Marco
Antonio Oliva Gomes, Currículos-docências-menores e pesquisas
com os cotidianos escolares, as discussões sobre os cotidianos
escolares, problematizando, a partir de um arcabouço pós-crítico de
pensar-fazer currículo, as redes de saberes-fazeres, que são tecidas
pelos sujeitos praticantes e meio as multiplicidades de docências-
currículos que acontecem nos cotidianos, a partir das teorias-
práticas criadas por educadores e por estudantes.
Em O ‘currículo mercante’ da bncc em tempos de
‘desentendimento’ e ‘era do vazio’: porque o ódio pode parecer tão

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bom!, Damião Rocha da Universidade Federal do Tocantis, discute
a impossibilidade de um conhecimento poderoso ser consolidado
na/pela escola com um currículo mercante imposto na Base
Curricular e na Base de Formação, porque a polarização reforça
o desentendimento e o vazio, tornando a área social, cultural,
educacional. Destaca dessa forma, uma espécie de ringue belicoso
de disputas de narrativas e de projetos, impossibilitando a construção
de consensos mínimos no entorno da qualidade social referenciada
de um currículo que faça justiça social na escola básica.
Max Alexandre da Silva, Adriana Aparecida de Souza
e Dante Henrique Moura em: A flexibilização curricular e sua
relação com a reforma do ensino médio, analisam a proposta de
implantação das escolas de tempo integral, tendo como referência
a Lei nº 13.415/2017, e suas implicações na flexibilização do
currículo a partir da BNCC do ensino médio.Os autores constatam
que a flexibilização do currículo de acordo com as novas regras da
reforma do ensino médio, promovida nessa lei, fragiliza a formação,
pois as escolas públicas estaduais não possuem as condições reais
e necessárias para a efetividade da implementação da Reforma do
ensino médio, impedida pela PEC do teto dos gastos EC nº 95/2016.
No texto Flexibilizações curriculares: do que estamos
falando? Antônio Ferreira e Lucilia Vernaschi de Oliveira,
compreendem que “refletir e falar sobre currículo é interagir com
um artefato múltiplo, que agrega uma gama de definições”, por essa
razão defendem que o processo de flexibilização curricular seja
precedido por adaptações que subsidiam a flexibilização curricular.
No artigo intitulado Base nacional comum curricular:
análises sobre as influências, disputas e negociações no processo
de sua construção, Gessica Mayara de Oliveira Souza, Nathalia
Fernandes Egito Rocha e Maria Zuleide da Costa Pereira,
apresentam os resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica
no biênio 2016-2017 e de uma dissertação concluída no ano de
2016 cuja problemática anunciada evidencia que os professores não
se sentiram participantes do processo de construção da BNCC e
consideraram não dispor de condições para tal participação. Dentre

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os dados construídos ao longo dessa pesquisa ficou evidente que
há uma forte influência do setor privado nas políticas educacionais,
especialmente nas que formam o corpus de análise dessa pesquisa.
Em seguida, encontramos a autora Vanessa Campos de
Lara Jakimiu, com o texto O direito à educação no contexto de
pandemia (covid-19) no brasil: projetos de formação em disputa,
na qual apresenta um quadro teórico acerca dos desdobramentos
da pandemia (COVID-19) para a garantia do direito à educação
no Brasil. Desta forma, a autora constata que as iniciativas
governamentais apresentadas diante do contexto de pandemia não
só não avançam na garantia do direito à educação, como fazem o
seu contrário, retrocedem.
Em Currículos oficiais em análise (2010 e 2017):
aprendizagem, avaliação ou competências? Natálya Rubert Wolff
Camy discute o conceito de “Competências” mediante análise
de alguns documentos oficiais, os resultados obtidos revelam
uma descontinuidade nos conceitos de aprendizagem e avaliação
enquanto isso o conceito de competência ganhou centralidade e
destacou-se como ideário a ser seguido na educação brasileira.
Josimere Serrão Gonçalves e Joyce Otânia Seixas Ribeiro
em O currículo na perspectiva decolonial e a reversão de
esquecimentos e silenciamentos, fazem um cruzamento entre o
longa-metragem “Viva: a vida é uma festa”, e algumas reflexões
teóricas pertinentes para o contexto do currículo numa perspectiva
decolonial, nesse sentido, o mundo é uma inesgotável diversidade
de experiencia, sendo, portanto, uma ecologia de saberes.
Jorge Luis Umbelino de Sousa, Jessyca Priscylla de
Oliveira Nascimento e Ana Cláudia da Silva Rodrigues discutem
em Diferença cultural, política e currículo: enunciações com
Homi k. Bhabha, o pós-colonialismo como uma perspectiva
epistemológica para problematizar as relações entre as minorias e
seus movimentos de luta pela diferença cultural, para isso destacam,
o pós-colonialismo presente na obra de Bhabha, como motor à
compreensão da diferença cultural e categoria importante para
problematizar a noção de diversidade cultural.

12 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Trazendo para o centro das discussões curriculares, as relações
étnicos-raciais, Marcos Antonio Batista da Silva, se dispôs a discutir
A educação das relações étnico-raciais e o currículo universitário:
questões e temáticas. O autor indaga em seu texto quais desafios
enfrentamos no estudo sobre raça e (anti)racismo em universidades
públicas no Brasil? Além disso, questiona as práticas educacionais,
pois como a construção do currículo têm procurado desafiar o
paradigma eurocêntrico através das diferenças representadas pelas
experiências históricas da população negra e dos povos indígenas?
Tal estudo faz parte da revisão de literatura do projeto POLITICS - A
política de (anti)racismo na Europa e na América Latina: produção
de conhecimento, decisão política e lutas coletivas (2017-2022), em
desenvolvimento, na Universidade de Coimbra.
Michele Guerreiro Ferreira e Janssen Felipe da Silva,
discutiram sobre Educação das relações étnico-raciais e currículos
antirracistas: “o caminho se faz entre o alvo e a seta”. Os autores,
apresentam uma síntese dos resultados de uma década de estudos
sobre Currículo e Educação das Relações Étnico-Raciais, na
qual discutem o percurso histórico do contexto que desencadeou
a política curricular para a educação das relações étnico-raciais,
analisam como os sujeitos curriculantes concebem e enfrentam o
racismo em suas práticas curriculares e, por fim, apontam elementos
para um currículo antirracista.
Maria Carolina da Silva Caldeira, Ana Luísa Alves e André
Henrique Faria apresentam em: Currículo, diferença e educação
especial: percepções de docentes sobre o currículo para estudantes
com deficiência, discussões reflexivas a partir da análise de grupos
focais, em que são desveladas as concepções que docentes de uma
escola pública federal de Belo Horizonte têm acerca do currículo e
da inclusão. Partindo de uma perspectiva multiculturalista, o estudo
defende que a deficiência é uma construção cultural, permeada por
relações de poder.
Na sequência Rute Pereira Alves de Araújo, Rayane
Pereira dos Santos, Kátia Patrício Benevides Campos e Crisliane

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 13


Boito, apontam em A (re) interpretação da BNCC no contexto
das práticas da educação infantil no cariri paraibano – desafios
e ressignificações curriculares, resultados iniciais de um projeto
de pesquisa que tem início a partir de uma ação extensionista
desenvolvida com professores que atuam na educação infantil de
quinze municípios do Cariri paraibano, as autoras procuram entender
como os documentos curriculares, da política nacional, reverberam
e são (re) interpretados nesses contextos, tendo como base reflexiva
o Ciclo Contínuo de Políticas de Stephen Ball, buscam superar o
hiato entre produção e implementação curricular.
Mateus Fonseca dos Santos, Vinícius Moreira Sousa de
Jesus e Rafaela dos Santos Lima, trazem no texto,Licenciatura em
química no recôncavo baiano: diálogos, olhares e reflexões sobre
a evasão, as dificuldades e a evasão encontrada e enfrentadas pelas
instituições de ensino superior que ofertam cursos de Licenciatura
em Química, sobretudo no Recôncavo da Bahia. Percebem que as
dificuldades financeiras, acadêmicas, precariedade do ensino básico
e perfil para a docência, são os propulsores para a desistência.
Sobre a Educação Básica, Thamyres Ribeiro da Silva; Maria
Beatriz da Silva Santos; Saimonton Tinôco; Franklin Kaic Dutra-
Pereira, apresentam no texto PROJETO DE VIDA (?): influências
e implicações no contexto paraibano, as mudanças políticas e
curriculares que estão acontecendo no estado da Paraíba, sobretudo
nas escolas, com o Programa de Educação Integral Paraibano,
que é um pareceria resultante entre o público e privado. Desse
modo, os autores analisaram de que modo a disciplina Projeto de
Vida influencia nas escolhas, decisões, conquistas e/ou caminhos
percorridos pelos egressos de uma Escola Cidadã Paraibana
localizada no Sertão do estado.
Kléber Neves Marques Júnior, Ana Thamiris Batista de
Farias e Joseval dos Reis Miranda, autores do texto Currículos
bicha”: apagamento ou fazimento?, apresentam os silenciamentos,
apagamentos, despersonalização e constante vigilância, que a
escola busca garantir que meninos-homens não sejam gays e,

14 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


menos ainda, afeminados, e garantem que o currículo é um de seus
dispositivos garantidores. Nesse contexto, a partir da perspectiva
pós-estruturalista dos estudos curriculares, refletem a possibilidade
de um movimento que não está predito ou está unicamente alinhado
ao “engajamento” de professores ou instituições escolares sobre
as discussões de gênero e sexualidade como um conteúdo a ser
abordado. Dessa forma, para os autores, os “currículos bicha” se
fazem nos corpos dos gays afeminados que encontram nas “brechas”
de poder-saber-subjetividade deixadas pelo discurso hegemônico
sobre “ser homem” a possibilidade de formar instâncias discursivas
que convocam a todos a pensar de outra forma.
A autora Francisca Helena Batista Ribeiro e o autor Clívio
Pimentel Júnior, apresentam no texto Políticas de currículo para
o ensino de ciências: uma análise discursiva a compreensão dos
eventos políticos curriculares desde a perspectiva pós-estrutural e
pós-fundacional da Teoria Política do Discurso (Laclau; Mouffe
2015), focalizando políticas voltadas ao ensino de ciências. Para
tanto, realizam análises de textos relacionados a educação científica,
cujo objetivo é conhecer as políticas curriculares (inter)nacionais
que orientam as práticas de ensino de ciências, e desenvolver
habilidades de organização de atividade em propostas de ensino
baseadas nas abordagens.
Em Alunos com deficiência e aulas remotas em tempos de
pandemias: acessibilidade e inclusão, Lindalva José de Freitas
questiona se as atividades desenvolvidas em aulas remotas
funcionam para os alunos com deficiência? De base no tripé da
inclusão: “Acesso, Permanência e Aprendizagem”, a autora constata
a partir de muitos depoimentos, constituintes da pesquisa, situações
de vulnerabilidades, invisibilidade e acessibilidade dos alunos com
deficiência, sejam elas de natureza sensorial intelectual, mental
e físico, revelando assim o aumento nos níveis de desigualdade
vividos pelas pessoas com deficiência em tempos de pandemia.
No artigo A inversão do vetor das políticas curriculares e a
estrutura documental do movimento de reorientação curricular de

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 15


Freire, Júlio César Augusto do Valle, faz uma análise da política
curricular inaugurada por Paulo Freire frente da Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo na gestão Erundina. De acordo com o
autor essa escolha permitiu uma possibilidade, se não singular, pelo
menos rara, de que um intelectual, autor de uma teoria educacional
densa e consistente, desempenhasse a função de administrador
público de uma rede de escolas.
  Camila Ferreira da Silva, no texto O não-lugar da mulher
negra nas tipologias imagéticas dos textos curriculares do brasil e da
colômbia, trata das tipologias imagéticas da Mulher Negra no não-lugar
presentes nos Textos Curriculares do Brasil e da Colômbia. Filiada
nas Abordagens Teóricas do Feminismo Negro Latino-Americano e
dos Estudos Pós-Coloniais, na qual desafiam as estruturas de poder e
de produção dos modos de ser, de pensar e de produzir conhecimento,
colocando em xeque a racionalidade eurocêntrica e evidenciando
outros modos de re-existir no sistema mundo capitalista/patriarcal/
moderno/colonial ocidentalizado/cristianizado.
No texto Os saberes e as culturas na educação de jovens,
adultos e idosos, os autores José Diógenes dos Santos Filho, Matheus
Vieira da Silva e Givanildo da Silva, apresentam a reflexão sobre os
saberes e as culturas da Educação de Jovens, Adultos e Idosos no
contexto da escola pública e na atuação docente, fruto de um projeto
de extensão, dialogando com os valores que há nas vivências, para a
construção de uma educação democrática, acolhedora e inclusiva, que
esteja ligada à vida dos estudantes dentro e fora do ambiente escolar.
E no capítulo que encerra esse livro intitulado: Olhares
dos contextos étnico-raciais a partir dos estudos pós-coloniais
em tessitura com a interseccionalidade, Eunice Pereira da
Silva, apresenta dados, de uma pesquisa em andamento, que
intenta compreender de que formas a participação em atividades
desenvolvidas em grupo de pesquisa contribuem para as(os)
professoras(es) envolvidas(os) no enfrentamento do racismo em
sala de aula, a partir dos dados iniciais se depreende que o projeto
decolonial emerge do ativismo das Mulheres Negras enquanto
projeto de reexistência tanto individual quanto coletiva.

16 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 1
Um currículo para Douglas e suas amigas
viadas: Precariedade e micropolítica
queer na infância

João Paulo de Lorena Silva


Marlucy Alves Paraíso

Introdução

“Quem defende a criança queer?” (Preciado 2020, p. 69).


Esta pergunta-manifesto abre um texto do filósofo espanhol Paul
B. Preciado, publicado, originalmente, em janeiro de 2013, sob o
calor e a tensão das manifestações reacionárias que tomaram as
ruas de Paris e reivindicavam a proibição da adoção de crianças
por casais homossexuais. Trata-se de uma pergunta dirigida a
todas/os/es nós, uma pergunta que atravessa o espaço-tempo e
continua a nos interpelar, produzindo fissuras nos regimes de
poder, desestabilizações nas verdades instituídas sobre a infância,
dissidências políticas e epistemológicas nas tecnologias de governo
dos corpos e modos de vida infantis. Quem defende a vida das
crianças viadas, dos meninos afeminados, das meninas que se

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 17


rebelam contra as normas de gênero? Quem defende a vida das
crianças trans, dos corpos infantis que não se reconhecem no
gênero sobre eles investido? O currículo escolar é um aliado ou um
dificultador dessas vidas?
Este artigo, de natureza cartográfica, acompanha as linhas e
os traçados da vida escolar de Douglas, uma criança de 10 anos, e
de suas amigas viadas. Crianças que povoam um currículo do 5º ano
do ensino fundamental, em uma escola pública de Belo Horizonte.
Crianças cujos corpos são, desde muito cedo, constituídos como
precários e desprovidos de inteligibilidade. Crianças que precisam
cavar estratégias para sobreviver e existir na multiplicidade que as
constitui. Essas crianças e suas infâncias queer movimentam-se
pelo currículo, criando e disseminando modos de vida transviados.
Tais modos de vida não se constituem como uma identidade ou
representação. Em vez disso, funcionam como um devir, uma
estética da existência desviante e em trânsito, uma linha de fuga que
produz fissuras nos currículos-extratos, fazendo a vida vazar por
todos os lados.
Uma cartografia, conforme aprendemos com Deleuze
e Guattari, é a arte de fazer um mapa aberto, “conectável em
todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de
receber modificações constantemente” (Deleuze e Guattari 2011,
p. 30). Desse modo, em uma cartografia o que está em jogo não
são os pontos, mas as linhas, as conexões, os agenciamentos, as
criações. O que realmente importa não é o fim, mas o meio. É no
meio que as coisas se passam, que os processos são vivenciados,
que as resistências se esboçam. Paraíso (2018) explica que o “que
costumamos chamar de fim ou mesmo de resultado é sempre um
fim de algo que continua de outra forma, portanto, é a linha de uma
mudança que habitualmente chamamos fim” (Paraíso 2018, p. 28).
Nesse sentido, “indivíduos ou grupos, somos feitos de
linhas, e tais linhas são de natureza bem diversas” (Deleuze e Parnet
1998, p. 145). Algumas linhas que nos atravessam e constituem
são segmentárias e duras. Trata-se de linhas que nos recortam em

18 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


“segmentos bem determinados”, tais como: a família, a escola, o
currículo, o trabalho, o exército, a fábrica, a aposentadoria, o hospital,
a clínica, a história, o direito, entre outras. Molares, essas linhas nos
fixam em um território, operando de modo a estancar os fluxos e os
devires. Há, contudo, uma segunda espécie de linhas, moleculares
e flexíveis. Essas linhas “traçam pequenas modificações, fazem
desvios, delineiam quedas ou impulsos” (Deleuze e Parnet 1998,
p. 145). Elas dizem respeito às conexões e aos acontecimentos que
se passam, mesmo entre as linhas duras e segmentárias. Por fim,
um território também é povoado por linhas de fuga, linhas que nos
arrastam e fazem fugir alguma coisa. Sobre essas terceiras linhas
“estão os devires que escapam ao controle, as minorias que não
param de ressuscitar e de resistir” (Deleuze 2013, p. 195).
Considerando que o que conta em um currículo, “o que
conta em um caminho, o que conta em uma linha é sempre o meio e
não o início nem o fim” (Deleuze e Parnet 1998, p. 38), este artigo
instala-se nos interstícios do território curricular para mapear os
movimentos de crianças que, escapando às normas de gênero e
sexualidade, criam possibilidades de vida outras. Situando-nos nas
teorizações curriculares pós-críticas, argumentamos que as crianças
viadas que povoam o currículo escolar fazem da precariedade um
lugar de alianças micropolíticas, desenhando as possibilidades
de um currículo sensível e habitável para seus corpos e vidas.
Operamos, desse modo, com um conceito ampliado de currículo,
entendendo-o como “território de multiplicidades de todos os tipos,
de disseminação de saberes diversos, de encontros ‘variados’, de
composições ‘caóticas’, de disseminações ‘perigosas’, de contágios
‘incontroláveis’ [...]” (Paraíso 2010, p. 15).
Em um currículo, como na vida, muitas são as coisas que
podem acontecer. Isso porque um currículo é pura possibilidade,
é território de reinvenção da vida, lugar onde forças se agenciam e
desfazem as formas. É verdade que um currículo também pode ser um
dificultador para muitas vidas, pode ser território de normalizações,
controles, diferenciações, hierarquizações e tristezas. Entretanto,

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 19


por se tratar de um “espaço incontrolável”, sempre há lugar “para
os encontros que escapam ao controle, que resistem e extrapolam
ao planejado, que se abrem para a novidade (Paraíso 2016, pp. 389-
390). Afinal, como temos aprendido em nosso professorar e fazer
curricular, “apesar de todos os poderes que insistem em mostrar a
infertilidade das coisas, as dificuldades da vida, as faltas de saídas,
as cercas dos currículos [...], o solo que pisamos é fértil, assim
como a vida é grávida de nascimentos e o currículo prenhe de
possibilidades” (Paraíso 2018, p. 49).
Para apresentar e discutir a cartografia realizada, este artigo
está dividido em três partes, sendo a primeira esta introdução. Na
segunda parte, entramos no território do currículo cartografado,
mapeando os extratos e linhas de fuga que atravessam e constituem
os percursos curriculares de Douglas e de suas amigas viadas.
Mostramos, assim, como a precariedade se torna um lócus de
resistência e micropolítica queer na infância, bem como os
efeitos produzidos no currículo escolar. Por fim, na terceira parte,
apresentamos algumas considerações finais, desenhando algumas
pistas que podem nos ajudar a pensar na criação de currículos
habitáveis às vidas de todas as crianças. Antes de prosseguir,
informamos que, por razões éticas, os nomes das crianças desta
cartografia foram substituídos por nomes fictícios.

“Um menino afeminado” no currículo: encontros


dissidentes e a criação de possíveis

Douglas é uma criança que gosta de “coisas alegres”1 e diz


sonhar em ser artista. Anda sempre com um caderno de desenhos e,

1. Os trechos entre aspas e que não são referenciados como citação direta são
registros do Diário de Campo da pesquisa cartográfica que subsidiou este
artigo. Trata-se de falas registradas em conversas informais, registros de

20 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


quando questionado sobre a pasta preta que carrega nos braços para
todos os lados, explica que são as suas “obras de arte”. Douglas
quase sempre está sorrindo e carrega um brilho nos olhos que nos
encantou desde a primeira vez que o vimos. A vida de Douglas,
entretanto, está sob risco. Sua professora explica que “o menino não
sabe se defender”, “é delicado demais”, é “um menino afeminado”.
Ela nos conta que, desde o 3º ano, quando o garoto chegou à escola,
“ele costumava aparecer maquiado, com batom e pó no rosto. Todo
mundo ria dele e a gente fazia o que podia para ele parar com isso”.
Sobre esses episódios, Douglas explica que não sabe a
razão de meninos não poderem se maquiar. Certa vez, por chegar
à aula usando batom, foi insultado por outras crianças. “Bichinha”,
gritaram-lhe assim que se sentou. Algumas crianças riram. A
professora, sem saber o que fazer, encaminhou-o à coordenação
pedagógica, pedindo que, antes, passasse no banheiro e lavasse o
seu rosto. Os olhos do menino se encheram de lágrimas. Naquele
dia, conversando com a coordenadora, Douglas implorou que não
contassem nada à sua família. “O meu pai vai me bater muito”,
explicou com a voz embargada pelo choro. A coordenadora, mesmo
achando “errado” um menino andar maquiado, ficou comovida e
não comunicou o episódio à família do menino. Douglas tornou-
se, a partir de então, uma criança vista como problemática ou, nas
palavras de Judith Butler (2015), um “problema de gênero”.
É importante destacar que “a criança problemática é tão
produzida quanto o discurso que faz dela um problema, e, junto
dela, gritam infinitas palavras para afirmarem-na no lugar em que
ela nem sequer sabia estar: bichinha, viadinho, macaco, piranha [...]”
(Rodrigues, Prado e Roseiro 2018, p. 27). As palavras de ofensa
e injúria, invocadas para marcar os corpos que não correspondem
aos padrões normativos de gênero e sexualidade, funcionam
como linhas duras que operam para instituí-los como precários,

entrevistas semiestruturadas, observações em sala de aula e nos intervalos,


registros de sensações e de rodas lúdicas de conversa.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 21


ininteligíveis e abjetos. Butler (2015b) explica que “o ‘ser’ do corpo
[...] está sempre entregue a outros, a normas, a organizações sociais
e políticas que se desenvolvem historicamente a fim de maximizar
a precariedade para alguns e minimizar a precariedade para outros”
(Butler 2015b, p. 15). Desse modo, instituições como a escola e
o currículo são fundamentais para que uma vida seja reconhecida
como vivível ou abjeta.
No imaginário social, a escola, o currículo, assim como a
família, são instituições bastante idealizadas. Imaginamos a escola
como um lugar de aprendizagens, acolhimento, crescimento e
descobertas, na qual as crianças podem se sentir seguras e queridas.
Entretanto, percursos escolares como o de Douglas e os de muitas
outras crianças nos mostram que a escola e o currículo também são
territórios de normalização e controle. A escola, de acordo com
Preciado (2020), é “o primeiro espaço de aprendizado da violência
de gênero e sexual” (Preciado 2020, p. 195). Foi na escola que
Douglas escutou, pela primeira vez, a palavra “bicha” como atributo
de sua existência. Foi em uma aula de Arte que ele foi ridicularizado
por dois meninos que chamaram a atenção da turma para fazer
“chacota” com o “viadinho da escola”, após ele ter se pintado com
tintas guache e ter feito para si brincos de papel crepe.
Preciado (2020) argumenta que “a escola é uma fábrica de
machinhos e de bichas, de gostosas e de gordas, de espertos e de
retardados” (Preciado 2020, pp. 195-196). Douglas, nessa mesma
direção, conta que “por ser gordinho” e “ter os seios grandes” também
o chamam de “mulherzinha”. “Esse ano, eu estava saindo da sala pro
recreio, Mateus veio e apertou os meus peitos”, desabafa o menino.
“Hoje, eu não ligo muito porque tenho os meninos comigo. Tem o
Gabriel, a Laiane... é, os meninos me ajudam”, explica, comentando
sobre o seu grupo de amizade. Ao longo de sua trajetória escolar,
as linhas de força da história de Douglas se encontram com outras
linhas e se agenciam com elas. Gabriel, Laiane, Rodolfo e Luíza são
estudantes na mesma turma que Douglas e também são vistos/as
com estranheza e preocupação. Bicha, mulherzinha, Maria-homem,

22 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


bichinha, piriguete e Maria-sapatão são alguns dos adjetivos
que circulam no território curricular com o objetivo de ofendê-
las/os. Seus corpos (des)viados estão sob suspeita. As crianças
lutam. Homossexuais? Más-influências? Uma fase? Interrogam os
corpos-adultos. Entre os corpos-crianças, fascínio, desejo, medo e
rejeição se misturam, como em um emaranhando de linhas duras e
de fuga que os atravessam por todos os lados. Um bando é criado
para (sobre)viver. Em uma espécie de devir coletivo, a amizade é
acionada como estratégia micropolítica.
As cinco crianças se conheceram na escola – algumas delas
no primeiro ano do ensino fundamental – e foi no terceiro ano que
suas existências dissidentes se conectaram. Tornaram-se amigas
viadas. Todas elas, nesse período, começaram a perceber alguma
diferença que fez com que os seus corpos infantis existissem sob
o signo da precariedade. De acordo com Butler (2019), “quando
corpos se juntam na rua, na praça ou em outras formas de espaço
público (incluindo os virtuais), eles estão exercendo um direito
plural e performativo de aparecer [...]”. Direito esse que, conforme
explica a filósofa, “afirma e instaura o corpo no meio do campo
político e que, em sua função expressiva e significativa, transmite
uma exigência corpórea por um conjunto mais suportável de
condições econômicas, sociais e políticas, não mais afetadas pelas
formas induzidas de condição precária” (Butler 2019, p. 17).
Em um território atravessado e constituído por linhas de
precariedade, faz-se necessário forjar modos de sobreviver e
resistir. Os corpos infantis em dissidência se juntam e se agenciam.
A amizade aparece como um lugar de alianças micropolíticas.
Em sala de aula, a professora separa as cinco crianças por meio
de um mapa de sala, estratégia de poder que tem o objetivo de
separá-las. Ainda que distantes umas das outras, as crianças se
comunicam estrategicamente, enquanto a professora escreve no
quadro. Cochicham, falam com os olhos, riem, debocham, brincam.
Durante o recreio, movimentam-se juntas pelo pátio. Compartilham
o lanche, a música, o funk, o riso, a vida, as dores, as alegrias. Suas

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 23


vidas não são fáceis. Desde muito cedo, são obrigadas a conviver
com o olhar desconfiado, a piadinha, o empurrão para a fila das
meninas, a correção de postura, a bala da norma cravada no peito,
ardendo...
Em uma de suas crônicas sobre a infância, Preciado (2020)
explica que as normas de gênero e sexualidade são franco-atiradores
silenciosos que colocam “uma bala no coração das crianças que
brincam nos pátios, sem se importar se são filhos de reacionários ou
progressistas”, nas “crianças que se olham no espelho” e nas “que
contam os passos quando caminham”. Rememorando a sua infância
e o dia em que sentiu pela primeira vez o ardor da bala, o filósofo
conta:

Eu tinha três anos quando senti pela primeira vez o peso da


bala. Senti que a carregava quando ouvi meu pai chamar duas
meninas estrangeiras que caminhavam de mãos dadas pela rua
de sapatonas nojentas. Na mesma hora, senti o peito queimar.
Naquela noite, sem saber por quê, imaginei pela primeira vez
que fugia da cidade e ia para um lugar estrangeiro. Os dias que
se seguiram foram os dias do medo, da vergonha. (Preciado
2020, p. 107)

Assim como Preciado, as crianças que compõem esta


cartografia também carregam uma bala no peito. Laiane sentiu
a ardência da bala, pela primeira vez, quando foi chamada de
“piriguete” por ter um corpo mais “desenvolvido” que o de outras
meninas da escola. Também quando recebeu o nome de “Maria-
homem” por gostar de jogar futebol nas aulas de Educação Física
e ser, nas palavras dela, “melhor goleira que muitos meninos”.
Luíza, por sua vez, sentiu a bala cravejada quando lhe disseram
“Além de macaca, é sapatão!”. Sua história, como menina preta,
carrega as marcas da violência racial, de gênero e sexualidade.
Gabriel, menino preto, “afeminado” e, na descrição das professoras,
o que “influencia negativamente o grupo”, sentiu o peso da bala

24 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


quando apanhou de “meninos mais velhos” na escola. O motivo?
“A gente não quer viadinho aqui, não!”, disseram-lhe enquanto o
empurravam para um lado e para o outro. Rodolfo, o mais tímido
do grupo, foi acolhido pelas outras crianças viadas porque não tinha
amigos e vivia sempre “no canto”. Solidárias a ele, as crianças o
chamaram para lanchar com elas. Desde então, o menino passou a
acompanhar o grupo e, por isso, também passou a ser chamado de
“bicha”. A bala estava ali. Douglas, sentiu-a quando percebeu que a
sua maquiagem, experimentação artística que gostava de fazer, era
motivo de risos, piadas e “chacota”.
A amizade, em um contexto de sofrimento, exclusão e dor,
pode ter “um papel reparador: a amizade pode criar espaços afetivos
que curam feridas infligidas por normas sociais” (Cornejo 2015,
p. 137). Por meio da amizade, micropolítica queer, as crianças
viadas nos ensinam que, apesar de o currículo ser um território de
normalização e controle, é sempre possível agenciar forças capazes
de fissurar as formas, produzir bons encontros, aumentar a potência
dos corpos, criar saídas, fazer vazar alguma coisa, existir na
multiplicidade imanente à vida. Douglas explica que foi com suas
amigas que ele aprendeu, pela primeira vez, que não “há nada de
errado em se maquiar e essas coisas, que todo mundo tem o direito
de ser o que quiser”. O menino passou a se sentir “mais forte”
quando percebeu que não estava sozinho.
Em A Hora da Micropolítica (2016), Suely Rolnik chama
a atenção para alguns dos modos pelos quais a nossa subjetividade
apreende o mundo ao seu entorno. A autora nomeia como “fora-
do-sujeito” ou “extrapessoal” um tipo de experiência que se dá na
relação com “as forças que agitam o mundo enquanto corpo vivo e
que produzem efeitos em nosso corpo em sua condição de vivente”
(Rolnik 2016, p. 10). Trata-se de uma experiência que não pode
ser representada, pois não se dá no domínio da identidade ou de
um espaço da imagem do pensamento (Deleuze 1988). Isso porque
tem a ver com o fora, “o espaço do pensamento sem imagem,
que é pluralista, heterodoxo, ontológico, ético, trágico, imanente”

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 25


(Machado 2009, p. 26). Essa experiência com ofora, em termos
deleuzianos, acontece no entre-lugar de um encontro, capaz de
efetuar perceptos, “novas maneiras de ver e ouvir”, e afectos, “novas
maneiras de sentir” (Deleuze 2013, p. 208). Desse modo, quando as
crianças se juntam, em uma espécie de bando, em um devir coletivo,
uma conexão com o fora se estabelece, os corpos se agenciam em
alianças de solidariedade e proteção, um encontro se instaura.
Um encontro pode ser entendido, na perspectiva deleuziana,
como “a mesma coisa que um devir ou núpcias [...]. Encontram-
se pessoas [...], mas também movimentos, ideias, acontecimentos,
entidades” (Deleuze e Parnet 1998, p. 14). É no encontro que uma
micropolítica queer, isto é, uma política menor ou molecular das
dissidências de corpo, gênero e sexualidade, pode se efetuar. Foi
no encontro cotidiano de seus corpos e existências que Douglas,
Gabriel, Laiane, Luíza e Rodolfo conseguiram forjar saídas para
sobreviver a um currículo não poucas vezes insensível aos seus
modos de vida. Em encontros dissidentes, as crianças viadas criaram
possíveis para que pudessem existir na diferença e na multiplicidade
que as constitui.
Percebemos e sentimos esses possíveis quando, durante
o recreio, ao ser chamado de “bicha”, Gabriel é defendido por
Laiane e Luíza. Ao verem o menino em apuros, suas amigas
entram em ação. Gritando, Laiane pergunta qual é o problema.
Gabriel, sentindo-se fortalecido, com o corpo povoado por linhas
emaranhadas de medo, tensão e força, bate no peito e dispara: “Sou
bicha mesmo, e daí?”. Luíza aplaude. O menino que tentou ofendê-
lo fica desconcertado e se afasta. Também quando, no banheiro
feminino da escola, escondendo-se do olhar heteronormativo de
um currículo, Douglas maquia a si mesmo e às suas amigas. O
espelho do banheiro se torna, naquele momento, um camarim, onde
pequenas divas podem se montar, tornando-se o que quiserem ser.
Rapidamente, ressonâncias são produzidas em outros espaços da
escola. A supervisora pedagógica é avisada que as bichas mirins
estão se montando no banheiro. Um tumulto de gênero emerge e

26 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


agita os corpos-adultos que temem o espalhamento da viadagem
entre as outras crianças. A “polícia do gênero” (Preciado 2020) é
acionada e se põe em ação para verificar o que está acontecendo e
punir os/as responsáveis. As pequenas viadas são emparedadas e
interrogadas sobre o episódio. Tarde demais! A maquiagem estava
pronta. O lacre havia começado...
A amizade criada e nutrida por Douglas e suas amigas
viadas nos mostra, conforme explica Megg Oliveira (2020), que “os
caminhos que uma bicha percorre, mesmo que num plano simbólico,
se interseccionam com os de outras. Experiências individuais
tornam-se coletivas quando encontram eco na experiência de
outras” (Oliveira 2020, p. 115). Evidência disso é a explicação
que Gabriel dá sobre o fato de ser uma criança de 10 anos que tem
consciência de ser “gay”. “Assim, hoje a gente tem contato com um
montão de coisas no YouTube, no Insta, na Internet, né? Eu sigo
um youtuber, o Luba, que é gay e sofreu preconceito. Aí ele falou
disso no canal dele. Eu... Tipo assim, eu me vi nele, sabe? A gente
sempre fala sobre isso entre a gente também”. Perguntamos sobre
o que conversam. “Ah, sobre tudo! Sobre crush, meninos, meninas,
tudo...”, explica em tom reticente. Luíza o interrompe e explica:
“Hoje em dia a gente tá cansado de saber que a gente pode ser o que
quiser. Que esse negócio de preconceito, homofobia, é errado. Tem
vários youtubers que falam sobre isso e, tipo assim, é muito idiota
ser preconceituoso”.
A fala de Luíza e de Gabriel evidenciam que uma pequena
revolução está em curso nas infâncias. Por mais que, no atual contexto
vivenciado em nosso país, ofensivas antigênero, promovidas por
grupos reacionários e conservadores, tentem coibir e criminalizar
o debate de gênero e sexualidade na escola, as crianças acessam
outros espaços, fazem aliança com discursos que circulam no
ciberespaço, e trazem para o currículo suas aprendizagens. A bicha
está saindo do armário cada vez mais cedo. As crianças estão se
empoderando e assumindo com resistência criativa as divas que
de fato são. Destemidas e determinadas, juntam-se umas com as

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 27


outras, fazem motim, organizam o bando. Utilizam, para resistir,
aquilo que conhecem muito bem: a cultura digital, a formação de
redes e o brincar como possibilidade de viver. Quando necessário,
para sobreviver às normas de gênero e sexualidade, brincam de
esconde-esconde, entram novamente no armário até que a poeira
baixe e a polícia de gênero as deixem em paz. Sonham com o dia
em que poderão livrar-se completamente dos armários empoeirados
das normas de gênero e sexualidade, destruindo-os e remontando-os
em forma de palco, de modo que o brilho de suas vidas seja visto
por todas/os/es. O dia em que poderão, finalmente, olhar no espelho,
subir em um salto, soltar seus cabelos, vestir-se de lantejoulas e
existir com alegria apaixonante.

Considerações finais

Nestas últimas palavras que, longe de instituírem um


ponto, são linhas que se conectarão a outras, produzindo novos
encontros e acontecimentos, queremos nos dirigir às crianças
que fomos e que continuam em nós, às crianças que choram com
medo da violência de gênero, àquelas que se sentem sozinhas e
não tiveram amigas como as de Douglas, àquelas que ferida pela
bala da heterocisnormatividade temem por suas vidas e lutam.
Dirigindo-se a vocês, “crianças da bala”, afirmamos: “a vida é
maravilhosa, estamos esperando vocês, nós, os caídos, os amantes
do peito perfurado. Vocês não estão sós” (Preciado 2020, p. 108).
Com vocês e por vocês lutamos por currículos sensíveis, abertos,
habitáveis. Currículos capazes de hospedar a vida em seu devir, a
multiplicidade e o movimento.
Nesta luta, aprendemos com Douglas e com suas amigas
viadas que um currículo que se abre à potência da amizade pode ser
lugar de alianças de solidariedade e cuidado. Na micropolítica de
suas trajetórias, as crianças do currículo cartografado nos ensinaram
que há sempre a possibilidade de existir de um outro modo, de forjar

28 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


uma pequena resistência capaz de desestabilizar as normas e fazer
a diferença proliferar. Com elas, aprendemos que ainda há muito
a ser feito. É preciso inventarmos os currículos que sonhamos.
Os possíveis não existem a priori, necessitam ser inventados.
Aprendemos que “as crianças dissidentes de nosso tempo já não
aguentam o sufoco da dominação adulta, mas não querem sucumbir
e reinventam sua existência para viver outramente” (Gallo 2018,
pp. 215-216).
Essas crianças, desde os seus corpos desviados e desordeiros,
nos dizem da necessidade de desfazer raciocínios, práticas e normas
que subtraem a vida e estancam os fluxos da diferença no currículo.
Trata-se de crianças de nosso tempo. Crianças “em bando, onde, umas
com as outras, se arriscando em fronteiras de gênero, sexualidade,
raça e território, se colocam em cenas que fazem gênero e sexualidade
ruir” (Rodrigues, Prado e Roseiro 2018, p. 14). Com elas, misturadas/
os/es às linhas de suas vidas, sonhos, desejos, fabulações, podemos
criar currículos-em-fuga, currículos menores, currículos que não
operem para fixar, normalizar, diferenciar e controlar. Em vez
disso, que funcionem “como uma heterotopia compensatória capaz
de proporcionar o cuidado necessário para permitir a reconstrução
subjetiva e social dos dissidentes político-sexuais e de gênero”
(Preciado 2020, p. 199). Imaginar um currículo assim, um currículo
para Douglas e suas amigas viadas, um currículo onde todas as crianças
possam existir como uma fagulha, um clarão, um acontecimento,
pode parecer uma utopia inalcançável, um sonho distante. Contudo,
como as crianças viadas, pedagogicamente nos ensinam, o porvir
pode ser criado quando estamos juntas, juntos e juntes! Viva!

Referências

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 29


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da identidade. 8ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
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dissidência: narrativas desobedientes da infância. Salvador:
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(r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas
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PARAÍSO, Marlucy A. “Currículo e Diferença”, in: PARAÍSO,
Marlucy A. (org.) Pesquisas sobre Currículos e Culturas:
temas, embates, problemas e possibilidades. Curitiba:
Editora CRV, 2010, pp. 15-30.

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Currículo sem fronteiras, vol. 16, nº 3, set/dez, 2016, pp.
388-415.
________. “Fazer do caos uma estrela dançarina no currículo:
invenção política com gênero e sexualidade em tempos do
slogan ‘ideologia de gênero’”, in: PARAÍSO, Marlucy Alves
e CALDEIRA, Maria Carolina da Silva (orgs.) Pesquisas
sobre currículos, gêneros e sexualidades. Belo Horizonte:
Mazza Edições, 2018.
PRECIADO, Paul B. Um apartamento em Urano: Crônicas da
Travessia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
RODRIGUES, Alexsandro; PRADO, Caio e ROSEIRO, Steferson
Zanoni. “Para te assombrar, aqui estamos: corpos não
recomendados de crianças demasiadamente reais”, in:
RODRIGUES, Alexsandro (org.) Crianças em dissidência:
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Devires, 2018, pp. 11-34.
ROLNIK, Suely. A hora da micropolítica. São Paulo: n-1 edições,
2016. “Série Pandemia”

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 31


capítulo 2
OLHARES DOCENTES SOBRE A BASE NACIONAL
COMUM CURRICULAR EM TEMPOS DE PANDEMIA:
UMA EXPERIÊNCIA EXTENSIONISTA

Ângela Cristina Alves Albino


Diego Miranda da Silva
Sheila Costa de Farias
Anne Karoline Cantalice Sena

Introdução

No campo de políticas curriculares, a BNCC – Base Nacional


Comum Curricular, aprovada pelo CNE em 2017, normatiza o
documento como um referencial nacional obrigatório nos currículos
escolares e nas práticas pedagógicas. Nela, discorre uma proposta
curricular segmentada em habilidades e competências a serem
desenvolvidas durante toda educação básica. Diante das diversas
realidades brasileiras, o desenvolvimento de uma base nacional
comum curricular tensiona, não só o currículo, mas toda estrutura
desigual escolar existente.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 33


Em tempos de desmonte do Estado de Direito, consideramos
importante enxergarmos essa política com a profundeza que o debate
exige, entendendo o currículo não como parte limitante na prática
pedagógica, mas como um elemento que transborda para além do
arcabouço de conteúdos curriculares. Analisar e discutir os impactos
e efeitos da BNCC abre espaço para os sujeitos se empoderarem
de conhecimentos acerca dessa política, que atinge diretamente a
ação pedagógica dos professores, como também reflete na formação
cidadã dos estudantes. Nessa perspectiva, discorremos:

É possível falar em um “currículo nacional” sem recair na ideia


de uma determinação que desconsidera a realidade que insiste
em ser não linear e desigual? Diante de todos os cuidados em se
tomar a diferença como elemento central nas proposições sobre
currículo, respeitando a multiplicidade de formas de se viver a
infância e a juventude, a proposta de Base Nacional Comum
Curricular vai justamente em sentido oposto ao entendimento
de que enfrentar as desigualdades passa por respeitar e atentar
para a diferença e diversidade de todos os tipos, desde a
condição social até as diferenças étnico-raciais, de gênero,
sexo etc. A padronização é contrária ao exercício da liberdade
e da autonomia, seja das escolas, seja dos educadores, seja dos
estudantes em definirem juntos o projeto formativo que alicerça
a proposta curricular da escola. Nesse sentido, as Diretrizes
Curriculares Nacionais exaradas pelo Conselho Nacional de
Educação, dado seu caráter norteador e menos prescritivo, já
não seriam suficientemente definidoras e capazes de respeitar
as diferenças regionais, culturais etc.? (Silva 2016, p. 375)

No aflorar dessas indagações, muitas reflexões surgem de


interesse da sociedade civil, mas principalmente na instância dos
protagonistas que “atuam” diretamente no “chão da escola” que
questionam como será essa implementação do documento. Nesse
tocante, alguns movimentos defendem a BNCC, alegando que
a desigualdade surge pelo fato de existirem diversas propostas

34 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


curriculares atuantes, em diversas realidades. Essa visão reducionista
de um problema que é maior e complexo reduz as experiências,
necessidades individuais e saberes a uma padronização dita como
“justa” e “competente”, mas para quem serve essa semântica de
justiça e competência?

A pretensão de que todas as escolas sigam a mesma proposta


curricular e a mesma orientação pedagógica com a ideia de que,
com isso, as metas de aprendizagem serão garantidas, tende a
ocultar a problemática de que a desigualdade social associada
à educação não é decorrente de um registro intrinsecamente
pedagógico. Se há desigualdades no sistema educativo – e
essas desigualdades existem – isso se deve ao investimento
diferenciado na carreira do professor e nas condições de trabalho
nas escolas, nas condições de vida das famílias e nas condições
de estudo dos alunos e alunas. (Aguiar et al. 2018, p. 25)

Entendemos que a discussão no campo de políticas


curriculares sempre será complexa e necessariamente debatida,
por envolver vários temas capilares que resultaram na qualidade e
emancipação, ou não, dessa proposta de educação e formação que
queremos. Sobre essas disputas de poder e ausência de autonomia
docente, Albino (2018) reflete:

O que nos parece problemático é a forma como esses textos


chegam na ausência de outras políticas importantes para
fortalecer a autonomia nos momentos de decisão curricular.
Se, a autonomia aparece ainda sob a forma de “autorização”
em algumas práticas, como imprimir as “necessidades locais”
na proposição da Base Nacional comum? Se os educadores
estão submersos numa rotina automática e de jornada tripla de
trabalho, em que tempo vão adequar os conteúdos da Base às
necessidades e latências da desigualdade e diferença? (Albino
2018, p. 191).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 35


Nesse sentindo, a autonomia docente não pode ser
desconsiderada perante qualquer política curricular vigente, a
autonomia imprimi em si a carência local e o fazer crítico de seu
trabalho. Desse modo, a autora imprimi:

A autonomia docente pode ser enfraquecida, cada vez mais, se


a política de formulação da Base Nacional Comum Curricular
continuar significando o currículo de forma polarizada entre os
professores que estão na base (chão da escola) e os especialistas
que o elaboraram. As vozes parecem continuar sufocada frente
às formulações políticas no âmbito de produção/construção
curricular. (Albino 2018, p. 191)

Assim, o Projeto extensionista “Base Nacional Comum


Curricular: olhares docentes” têm por objetivo desenvolver
seminários formativos, a partir das expectativas e percepções dos
docentes da educação básica, a respeito da política educacional
vigente. Como também, analisar o processo de socialização da
produção da BNCC nas escolas de educação básica, por meio
das vozes docentes, bem como, destacar algumas competências
importantes para a reflexão da prática pedagógica.

Desenvolvimento

Este trabalho trata-se de uma ação do projeto de extensão


“Base Nacional Comum Curricular: olhares docentes” da
Universidade Federal da Paraíba – UFPB, no qual, envolve
processos de formação docente através de seminários temáticos
com temas que consideramos importantes a serem comtemplados,
ou não, nos currículos escolares. De cunho qualitativo, o trabalho
busca compreender processos discursivos das vozes docentes sobre
a implantação de uma política curricular vigente, na qual trata a
Base Nacional Curricular Comum.

36 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Trabalhamos com a perspectiva de Análise Crítica do
Discurso – ACD que compreende a prática discursiva a partir de
Fairclough (2001, p.126) como um “modo de luta hegemônica, que
reproduz, reestrutura ou desafia as ordens de discurso existentes”.
A Análise Crítica do Discurso (ACD) de Fairclough (2001, 2003)
que é um linguista britânico pode ser entendida, ao mesmo tempo,
como uma teoria e um método de análise. Suas proposições indicam
que questões sociais e políticas-chave têm um caráter parcialmente
linguístico-discursivo. Percebemos a teoria de Fairclough (2001)
como dialética, à medida que considera o discurso, por um lado,
moldado pela estrutura social e, por outro, constitutivo da estrutura
social. O autor define que:

Seu objetivo é mostrar como a linguagem atua em processos


sociais. Ela [a análise] é crítica no sentido de que seu objetivo
é mostrar caminhos não-óbvios pelos quais a linguagem se
envolve em relações de poder e dominação e em ideologias.
(Fairclough 2001, p. 229)

Nessa perspectiva, a análise do discurso das vozes docentes


foi desenvolvida posteriormente a cada seminário temático, onde
eles puderam participar, colocando suas inquietações, experiências
e dúvidas. No primeiro semestre do ano de 2020, o presente projeto
se dividiu em momentos distintos, tratados por especialistas em cada
área proferida: a) Currículo educacional: ensino remoto e tempos
futuros; b) As competências de argumentação e comunicação em
tempos de fakenews; c) Desafios de pensar os campos de experiência
na educação infantil; d) A importância da Sociologia e Filosofia
para o livre pensar; e) Círculo dialógico: inédito viável, educação e
conhecimento em Paulo Freire; f) Diferença no currículo: desafios
de pensar as relações étnico-raciais; e g) Ensino remoto: sujeitos
e vozes da Educação Básica. Os seminários formativos foram
conduzidos por meio da plataforma Google Meet em sincronia
com a plataforma de compartilhamento de vídeos YouTube. E as

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 37


inscrições dos participantes foram realizadas previamente no
Sistema Integrado de Gestão da UFPB – SIGEventos.
Os seminários tiveram ampla participação, em média de 150
inscritos por seminário, atingindo diversas regiões do Brasil, que
se dispuseram a dialogar sobre a necessidade de transformações
nos currículos escolares, priorizando as necessidades das vozes dos
sujeitos da educação básica.
A coleta dos dados ocorreu por meio das participações no chat
das plataformas citadas acima e pelos diálogos construídos durante
as palestras. As falas colocadas pelos participantes vislumbram
o protagonismo dos reais desafios e das injustiças existentes no
“chão da escola”, que ressignifica um conceito de currículo, não
só limitado a uma Base Nacional Comum Curricular, mas a um
currículo que transborda em si. Nessa perspectiva, muitos teóricos
assumem posições sobre o que é um conceito de currículo. Segundo
Tadeu (2005), o currículo é específico para cada local, cada escola,
cada indivíduo. E, ainda, de acordo com Silva (2005, p. 150):

[...] O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação


de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo
é autobiografia, curriculum vitae: no currículo se forja nossa
identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O
currículo é documento de identidade.

Como mencionado, um conceito de currículo é complexo


e transborda para além do contexto escolar, consequentemente, o
discurso em torno do currículo deve ser amplo. Assim, é importante
considerar e problematizar a BNCC a partir das vozes docentes,
respeitando a realidade escolar. Desse modo, problematizamos
temas que são urgentes e marginais ao currículo.
A palestra de abertura “Currículo educacional: ensino remoto,
tempos futuros”, proferida pela professora Drª. Ângela Albino, foi
pertinente em discutir e unir diversas vozes do meio educacional
que estavam interessadas com a temática, bem como preocupadas

38 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


com as novas situações advindas da pandemia. Percebemos isso
através das falas (VD=vozes docentes). Para VD1:

VD1: A BNCC por ser um documento padronizado,


prescritivo, nega as diferenças! É importante que o professor
ressignifique esse currículo unificado no contexto real de sala
de aula.

Além disso, há muitos elementos que devemos considerar.


Segundo Neto (2020), a BNCC reduz a formação humana à
homogeneização e centralização, ignorando as realidades locais
e contextuais, e mais, ignorando a diversidade humana e a sua
complexidade. Em concordância, VD2 ressalva a exista da miopia
do Estado no ensino remoto para os estudantes da zona rural:

VD2: Os alunados da zona rural me chamam atenção,


justamente por falta de recursos tecnológicos, e como os
professores estão tendo que se virar se não são acostumados
com a tecnologia, pois a mesma não é acessível a todos.
Como é esse ensino remoto para todos eles?

O discurso de equidade por meio de uma Base Nacional


Comum em um país de desigualdades, principalmente no tocante ao
aspecto educacional, não serve para a construção de justiça. Nessa
perspectiva, VD3 questiona:

VD3: Em relação à educação de jovens e adultos. Já


imaginamos os variados empecilhos que contribuem pra a
evasão desses alunos em aulas presenciais. Tendo em vista
toda essa desigualdade social que já é um marco da maioria
desse público, o que se pode esperar da EJA durante e após
esse período de crise sanitária?

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 39


O momento atual é elucidativamente doloroso e exaustivo,
tanto na vida social, como nos processos educacionais. Essa situação
caótica, recai e agrava mais ainda aqueles que estão submersos nas
injustiças sociais. Os docentes tiveram que se apropriar de uma
lógica de ensino diferente de forma abrupta, o que resultou em uma
tomada de tempo exaustiva em seu cotidiano. Percebemos isso nas
vozes:

VD4: O melhor currículo é o que nasce de “dentro para fora”.


Precisamos inclusive, fazer com que o corpo escolar aprenda
e internalize isso.

VD5: A gente foi pra casa. Dormiu e já acordou dando aula


em casa. Vivemos em tempos de muita cobrança... Se a
problematização não acontecia em sala, como vem ser agora?

VD6: A crise sanitária deixou ainda mais evidente esse abismo


entre educação para os pobres e a educação para os ricos.

A palestra “As competências de argumentação e comunicação


em tempos de fakenews”, proferida pelo professor Dr. Wilson
Xavier, uniu indagações em torno das fakenews, desdobrando-
se nos valores definidos nas competências de argumentação e
comunicação. Abordou implicações sociais, relações democráticas
e práticas pedagógicas. Essa discussão coletiva resultou na seguinte
colocação:

VD7: Como incentivar a problematização em sala de aula?


Já que esta é uma prática ausente em sala de aula (...)
Como incentivar essa problematização para que crianças e
adolescentes possam identificar fakes news e dessa forma
contribuir para a formação de uma sociedade com maior
vinculação de informação que sejam fato e não fake?

40 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


As competências de comunicação e argumentação consistem
em temáticas importantes a serem trabalhadas para a amplificação do
diálogo democrático, sobretudo, em tempos de desmonte do Estado
de direito. Entretanto, quando analisamos as concepções referentes
à alfabetização e ao diálogo, que são pontos indissociáveis para a
construção de tais competências, percebemos visões reducionistas
no documento da BNCC. Vejamos:

Nesse processo, é preciso que os estudantes conheçam o


alfabeto e a mecânica da escrita/leitura – processos que visam a
que alguém (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga “codificar
e decodificar” os sons da língua (fonemas) em material gráfico
(grafemas ou letras), o que envolve o desenvolvimento de uma
consciência fonológica (dos fonemas do português do Brasil
e de sua organização em segmentos sonoros maiores como
sílabas e palavras) e o conhecimento do alfabeto do português
do Brasil em seus vários formatos (letras imprensa e cursiva,
maiúsculas e minúsculas), além do estabelecimento de relações
grafofônicas entre esses dois sistemas de materialização da
língua. (Brasil 2017)

O diálogo elimina a linguagem dogmática e promove o


princípio de pluralidade descrido na Constituição e na LDB. Visto
isso, percebemos que o diálogo é pouco aprofundado e quando é
apresentado, traz um valor pragmático para tal. Essas concepções
vazias abrem espaços para promoção de uma linguagem dogmática,
intolerante e fortalece as fake news e construções de pós-verdade.
A palestra “Os campos de experiência na Educação Infantil”,
proferida pelo professor Dr. Saimonton Tinôco, trouxe a proposta
da BNCC para a educação infantil e concepções teóricas do campo
subjetivo. Segundo Rodari (1976), na educação o concreto é a
criança: não é o projeto educativo, nem o programa escolar e nem a
técnica de didática em si.
O professor apresentou um breve percurso histórico
das políticas Educacionais para a Educação Infantil, expondo

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 41


importantes conquistas, como tais: Em 1988, a Constituição que
definiu creche/pré-escola como direito de família e dever do Estado
em oferecer esse serviço; Em 1996, a criação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB), que reconhece e agrega a educação
infantil como parte integrante a educação básica; Em 1998, é criado
RCNEI (Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil),
um documento referencial para nortear o trabalho na Educação
infantil; Em 2009, a publicação da emenda constitucional nº59, que
torna obrigatório a educação infantil ás crianças de 4 e 5 anos.
Em 2017, no contexto da BNCC, a educação infantil é definida
como uma parte integrante da educação básica, juntamente com o
Ensino Fundamental e o Ensino Médio, no qual são estabelecidas
as 10 competências gerais que orientam as práticas pedagógicas.
Assegurado os direitos de aprendizagem, desenvolvimento e os
campos de experiências para educação infantil.
Acerca do exposto, VD8, VD9 e VD10 questionam:

VD8: pensando no alcance e continuidade estética do


processo pedagógico, como desenvolver atividades contínuas
que permitam uso da imaginação como modelo educacional?

VD9: No campo idealidade a proposta de educação descrita


promove o desenvolvimento da semente (criança), embora na
realidade o Estado nunca levou a educação como prioridade.
Como o senhor vê isso?

VD10: Do ponto de vista do contexto social de criança que


estão em locais de violência constante, racismo, fome, como
encaramos essas questões presentes no cotidiano de muitas
famílias?

Segundo o professor Saimonton, precisamos sair de uma


gramática do concreto para uma gramática da fantasia. Em seus
termos: “Estamos acostumados com uma escolarização preocupada
com o conteúdo e com o currículo socialmente referendado (...).

42 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Devemos resinificar à formação pedagógica por uma razão sensível
ao invés de uma formação enciclopédica (...). Temos uma visão de
educação engessada em um modelo tecnicista e operacional”.
A palestra “A importância da Filosofia e Sociologia para
o livre pensar”, proferida pelos professores Dr. Marcos Pequeno
e Me. Cauby Dantas possibilitou analisar esses dois campos
disciplinares, os quais são áreas subalternizadas dentro desse
currículo oficioso. Marcos Pequeno, em seus termos elucida: “A
Filosofia é filha da liberdade e do tempo, alguém já disse que a
filosofia é coisa de gente grande, concordo plenamente. A filosofia
é antes de qualquer coisa, um exercício de autonomia intelectual,
alimentado pelo espanto, curiosidade, perplexidade, indignação,
dúvida, desconfiança, ignorância, medo, insistência, incertezas etc.
A finitude e a complexidade do humano movem a Filosofia. Ser
autônomo intelectualmente pressupõe o ato de liberdade, no qual a
pessoa delibera, decidi e busca ser o senhor mental de si mesmo”.
Acerca disso, VD11 e VD12 questionam:

VD11: Nossas lideranças governamentais colocam as


Ciências sociais e humanas em um local sem privilégios na
educação, retirando a sociologia e a filosofia dos currículos,
será que eles têm medo do livre pensar promover revoluções
a partir do livre pensamento?

VD12: Segundo Bauman em seu livro Cegueira Moral,


estamos vivendo uma perda da sensibilidade na modernidade
liquida. As Ciências Sociais perderam seu caráter humano?

O livre pensar abomina qualquer aprisionamento e fortalece


a emancipação do sujeito, a ausência do pensar criticamente é
por contrapartida, o caminho para a dominação e autoritarismo.
A sociologia e filosofia são comprometidas com coletivo e, deste
modo, implica se enxergar no outro, bem como, a educação se
constrói com o outro. Essas aproximações são defendidas na

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 43


Pedagogia do Oprimido, quando Paulo Freire (1970[1998]), elucida
que, “ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os
homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Esse caráter
dialógico faz com que as Ciências Sociais não percam seu caráter
humano.
O “Círculo Dialógico: Inédito Viável, Educação e
Conhecimento em Paulo Freire”, conduzida pelas professoras Drª.
Ângela Albino e Drª Roseane Cunha, juntamente com o professor
Dr. José Luiz, vislumbrou os pensamentos de Paulo Freire, narrando
experiências e leituras acerca desse estudioso extremamente
importante na construção de uma educação emancipadora. Nesse
círculo dialógico, vejamos algumas colocações:

VD13: Paulo Freire se eterniza em casa ser que educamos


para uma realidade crítica, emancipadora e acima de tudo
descolonizar os colonizados das políticas opressoras e
massificados. De uma mídia doutrinadora. Paulo Freire é o
educador da educação como prática da liberdade. Ele não
doutrinou. Porém, libertou e ensinou outros a transformar a
realidade.

VD14: Digamos que o inédito viável seja a formação de uma


realidade que vá de encontro a transformação e ultrapassar
a situação limite, a ação é uma possibilidade de mudança...

Nessa perspectiva o pensamento de Freire (1992) sobre o


“inédito viável”, transpassa pelo princípio de liberdade e autonomia.
Conceituando como:

O inédito viável é na realidade uma coisa inédita, ainda não


conhecida e vivida, mas sonhada e quando se torna um percebido
destacado pelos que pensam utopicamente, esses sabem,
então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se
tornar realidade. Assim, quando os seres humanos conscientes

44 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


querem, refletem e agem para derrubar as situações limites
que os e as deixaram a si e a, quase todos e todas limitados
a ser menos, o inédito viável não é mais ele mesmo, mas a
concretização dele no que ele tinha antes de inviável. Portanto,
na realidade são essas barreiras, essas situações-limites que
mesmo não impedindo, depois de percebidos-destacados, a
alguns e algumas de sonhar o sonho, vêm proibindo à maioria
a realização da humanização e a concretização do ser mais.
(Freire 1992, pp. 206-207)

A palestra “Diferença no currículo: desafios de pensar as


relações étnico-raciais” proferidas pelo Professor Dr. Rosivaldo
Sobrinho, somou em abordar o currículo desnudado de uma visão
eurocêntrica e colonialista. Em seus termos: “A discussão da
etnicidade passa despercebida, tratar todos como iguais é contribuir
para proliferação das desigualdades, as escolas precisam trabalhar
as diferenças e enxergarem a diferença”. De tal modo, VD15 e
VD16 expressam:

VD15: No Brasil infelizmente os povos Africanos foram


submetidos ao lugar da Subalternidade, mas mesmo com
toda opressão, genocídios, epistemicídios o povo resistiu e
resiste até os dias atuais. A Cultura Popular é exemplo dessa
resistência.

VD16: A visão infelizmente ainda é essa, tem muita gente


que acredita ser melhor, pelos privilégios que carregam.

Nesse horizonte, o espaço da escola deve ser conduzido ao


debate humanitário. Nessa concepção, o silêncio a essas questões tem
que ser constantemente descontruído. Nesse tocante, concordamos:

O silêncio sobre o racismo, o preconceito e a discriminação


raciais nas diversas instituições educacionais contribui para
que as diferenças de fenótipo entre negros e brancos sejam

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 45


entendidas como desigualdades naturais. Mais do que isso,
reproduzem ou constroem os negros como sinônimos de seres
inferiores. O silêncio escolar sobre o racismo cotidiano não só
impede o florescimento do potencial intelectual de milhares de
mentes brilhantes nas escolas brasileiras, tanto de alunos negros
quanto de brancos, como também nos embrutece ao longo de
nossas vidas, impedindo-nos de sermos seres realmente livres
“para ser o que for e ser tudo” – livres dos preconceitos, dos
estereótipos, dos estigmas, entre outros males. (Cavalleiro
2005b, p. 11)

A palestra “Ensino Remoto: Sujeitos e Vozes da Educação


Básica” proferida pelas professoras da Educação Básica Mona
Alves, Kadydja Menezes, Elizete Alves e com a participação da
estudante da rede pública de ensino, Vitória Silvino. Foi um espaço
de diálogo diretamente com os atores das escolas públicas sobre um
olhar de suas experiências e realidades.
Os relatos da aluna Vitória revelam um movimento reflexivo
e esperançoso acerca da educação que almejamos em sua fala ela
elucida: “A luta por uma educação justa e de qualidade não é só
responsabilidade dos professores ou gestores da escola, mas é uma
responsabilidade minha, é responsabilidade de nós estudantes,
e assim espero que nós possamos nos unir a esse grito por uma
educação melhor para que um dia ela seja justa e digna para
todos”. Nessa expectativa, assumimos o pensamento de esperançar
freiriano:

É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar;


porque tem gente que tem esperança do verbo esperar.
E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera.
esperança é se levantar, esperança é ir atrás, esperançar é
construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante,
esperançar é juntar-se com os outros para fazer de outro modo
(....) (Freire 1992[1997])

46 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


A professora Mona Alves colocou sua visão enquanto
professora e gestora da rede pública de ensino diante da situação
das aulas remotas: “Eu percebi que esse processo de ensino remoto
causou estranheza pelos professores, na forma te falar, a forma de
usar as ferramentas, a forma de gravar um vídeo. E, a queixa maior
é sobre a carga horaria, estamos trabalhando duas vezes mais do
que trabalhávamos antes”. Em concordância, VD17 pondera:

VD17: Essa questão do EAD gera muito comentário sobre


invasão da privacidade dos educadores, uma vez que
pode haver a gravação de falas dos professores de maneira
descontextualizada.

Em meio a esse panorama assustador e conturbado devido


a pandemia, a redes escolares tiveram se desdobrar e reinventar,
entretanto, esses processos estão longe de ser justo para os sujeitos.
Perante, as diversas exclusões e relegações, relembramos na
constituição que trata no Art. 205. “A educação, direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”.

Conclusões

Na idealização da BNCC, a implementação de um documento


curricular comum para todas as localidades do território nacional,
em um país marcado por desigualdades, está longe de promover
justiça. Isso fica evidente na negação da multiculuturalidade e
carências existentes em diversas realidades brasileiras, seja pela
impossibilidade da autonomia docente, como, pela exclusão nas
provas em largas escalas e nas entradas em instituições públicas. A

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 47


partir das vozes docentes, percebemos que os sujeitos anunciam a
ausência de processos formativos sistematizados em suas redes de
ensino, bem como revelam, ainda o sentimento de não pertencer
ao processo de produção curricular. Isso se dá pelo fato de não
terem participado efetivamente da produção do referencial, que
em tese, deveria ser democrática. Portanto, esse trabalho apresenta
potencialidade de diálogo com os docentes, com a pretensão de
trazer para o debate sujeitos que estão no “chão da escola” e que
estão em constantes movimentos de silêncios.
Toda a trajetória percorrida fortaleceu reflexões acerca de
temas subalternizados dentro da BNCC, bem como um espaço de
socialização endereçado à realidade docente sobre uma política em
curso. A partir das vozes docentes, afirmamos que o currículo não
é apenas o dito como oficial, mas ele está presente no cotidiano da
escola, nos discursos dos professores, na diversidade dos alunos. O
projeto tem atingido um público-alvo considerável. São mais de cem
participantes por formação e, apesar de serem realizadas no período
noturno, os professores ficam na sala virtual após às 22h. Isso
demonstra interesse e iniciativa própria na formação continuada. Os
temas envolvendo as competências são relevantes, sobretudo, para a
compreensão do que é importante ou não, no sentido de contemplar
o currículo escolar, a partir das realidades locais.

Referências

AGUIAR, M. A. S. e DOURADO, L. F. A BNCC na contramão do


PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. Recife: ANPAE,
2018.
ALBINO, Â. C. A. Currículo e autonomia docente: enunciações
políticas. 1ª ed. Curitiba: Appris, 2018.
BRASIL Base Nacional Comum Curricular – BNCC, versão
aprovada pelo CNE, novembro de 2017. Brasília: MEC.

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Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/
wpcontent/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf. Acesso
em: 01/03/2020.
CAVALLEIRO, E. Educação antirracista: caminhos abertos pela
Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
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na obra de Gianni Rodari, 2011.
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Terra.
________. (1970[1998]). Pedagogia do Oprimido. 25 ª ed. Rio de
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________. Pedagogia da Esperança. 13ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1992
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disputas.” Retratos da Escola, vol. 9, nº 17, 2016.
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do currículo. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 49


capítulo 3
CURRÍCULOS-DOCÊNCIAS-MENORES E PESQUISAS
COM OS COTIDIANOS ESCOLARES

Carlos Eduardo Ferraço


Marco Antonio Oliva Gomes

Introdução: ou sobre nossa aposta nos


currículos-docências-menores

Em nossas pesquisas com os cotidianos das escolas (Ferraço


2003, 2016) temos buscado problematizar (Revel 2004) as redes
de saberes-fazeres (Alves 2001) tecidas pelos sujeitos praticantes
(Certeau 1994), em meio às multiplicidades (Deleuze e Guattari
1996) de docências-currículos que acontecem nesses cotidianos, a
partir das teorias-práticas (Ferraço 2011) criadas por educadores e
por estudantes com as imagens-narrativas que eles produzem em suas
tentativas de realização dos ditos currículos-docências, mas não só.

• A discussão do currículo nunca acaba. Já participei de


muitos momentos de formação desde quando a prefeitura
tinha sua própria lista de conteúdos até agora com a base.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 51


E quer saber? Não dou muita bola para essas coisas. Faço
meu trabalho na sala e pronto. Já sei o que ensinar em
cada ano...
• Mas, se você não participa, não se atualiza dizem que
você é tradicional, que você ficou no tempo...
• Mas eu me atualizo (rs). Me atualizo na própria sala
de aula. Estou sempre conversando com meus alunos
para saber o que eles têm de interesse. Eles me trazem
coisas superinteressantes, que motivam eles na minha
disciplina. Quer atualização melhor? A vida atualiza
você! Os alunos atualizam você!

Nesse sentido, faz-se necessário destacar nosso objetivo


de cartografar processos que envolvem as imagens-narrativas e as
teorias-práticas que são afetas às docências-currículos, as quais, ao
mesmo tempo em que estão sujeitas aos mecanismos de controle
presentes nos espaços estriados impostos pelo Estado nas escolas
a partir, por exemplo, da tentativa de realização de uma Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) para a diversidade de escolas
brasileiras, também pressupõem possibilidades de escapes, isto é, de
invenção de artimanhas desviacionistas (Certeau 1994) nos espaços
lisos que irrompem nos cotidianos dessas escolas por dentro dos
referidos espaços estriados.
Ou seja, estamos partindo da ideia de que ao mesmo
tempo em que as imagens-narrativas que criam as teorias-práticas
afetas aos currículos-docências reforçam os mecanismos de
controle-opressão do Estado, também estariam sendo produzidas
possibilidades de transgressões desses mecanismos, em meio
às multiplicidades que caracterizam esses processos. Como
argumentam Deleuze e Guattari (1996), as multiplicidades seriam
a própria realidade, não pressupondo nenhuma unidade, totalidade
ou, ainda, a identificação ou remissão a um sujeito, tomado em sua
subjetividade-individualidade.
Com isso, não entendemos possibilidades de escape e
mecanismos de control como oposições, mas como traduções e

52 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


hibridizações complexas (Bhabha 1998), que acontecem com as
intensas trocas entre os espaços lisos e os estriados. Para os autores
(2007, p. 180) “[...] Os dois espaços só existem, de fato, graças às
misturas entre si: o espaço liso não para de ser traduzido, transvertido
num espaço estriado; o espaço estriado é constantemente revertido,
devolvido a um espaço liso”.
Ainda com Deleuze e Guattari (2007), temos que uma das
funções do Estado estaria, então, na tentativa de “[...] Estriar o
espaço sobre o qual reina, ou utilizar os espaços lisos como um
meio de comunicação a serviço de um espaço estriado (p. 59)”,
tendo como referência os embates entre as máquinas de guerra e os
aparelhos do Estado.

Note-se que a guerra não está incluída nesse aparelho. Ou bem


o Estado dispõe de uma violência que não passa pela guerra:
ele emprega policiais e carcereiros de preferência a guerreiros,
não tem armas e delas não necessita, age por captura imediata,
‘agarra’ e ‘liga’, impedindo qualquer combate [...]. Quanto
à máquina de guerra em si mesma, parece efetivamente
irredutível ao aparelho do Estado, exterior a sua soberania,
anterior a seu direito: ela vem de outra parte. (Deleuze e
Guattari 2007, p. 12)

Essa condição de exterioridade da máquina de guerra


em relação aos aparelhos de Estado faz com que ela só exista
nas suas próprias metamorfoses, nos seus próprios movimentos
e deslocamentos, e não como uma entidade fixa e dada a priori,
deixando evidente que “A máquina de guerra é de uma outra
espécie, de uma outra natureza, de uma outra origem que o aparelho
do Estado (p. 13)”.

• Mais uma vez, estamos discutindo currículo nas escolas,


agora por conta da base. A ideia é de se ter uma referência
comum para todos e eu acho isso muito importante.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 53


• Por que? Você não acha que nos já sabemos o que é
preciso ensinar?
• Mas tem professor que não está nem aí. Ensina o que
dá na cabeça dele. E aí como o aluno fica quando, por
exemplo, muda de escola?
• Mas, se você não tiver um norte, um objetivo você fica
perdido e acaba não cumprindo seu conteúdo e nisso a
base vai ajudar muito. Vai ajudar a você saber se está
fugindo do que precisa ser ensinado.
• Conta outra. Quando você entra na sala você não tem
ideia do que te espera, do que pode acontecer. Você
não consegue não se deixar afetar. Pelo menos eu não
consigo.

A dimensão de exterioridade da máquina de guerra é,


segundo Deleuze e Guattari (2007), confirmada pela epistemologia,
deixando pressentir que existiria a perpetuação de uma ciência
menor, uma ciência nômade que acontece por dentro de uma ciência
maior ou do Estado.
Assim, poderíamos pensar na BNCC como tentativa de
realização de uma ciência maior associada, nesse caso, a um
currículo maior, e as redes de saberes-fazeres cotidianas como
expressões de uma ciência nômade ou menor caracterizando, desse
modo, um currículo menor.

Há um gênero de ciência, ou de tratamento da ciência, que


parece muito difícil de classificar, e cuja história é difícil de
seguir. Não são ‘técnicas’, segundo a acepção costumeira.
Porém, tampouco são ‘ciências’, no sentido régio ou legal
estabelecido pela História [...]. As características de uma tal
ciência excêntrica seriam as seguintes: 1) Teria inicialmente
um modelo hidráulico, ao invés de ser uma teoria dos sólidos;
[...] 2) É um modelo de devir e de heterogeneidade que se opõe
ao estável, ao eterno, ao idêntico, ao constante. (Deleuze e
Guattari 2007, pp. 24-25)

54 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Quando discorrem sobre as ciências régia e nômade, os
autores (2007) afirmam que a ciência do Estado sempre busca
impor sua forma de soberania às invenções da ciência nômade, só
retendo dela aquilo de que pode apropriar-se, por isso, “[...] O mais
importante talvez sejam os fenômenos fronteiriços onde a ciência
nômade exerce uma pressão sobre a ciência do Estado, e onde,
inversamente, a ciência do Estado se apropria e transforma os dados
da ciência nômade” (p. 27).

Estamos diante de duas concepções de ciências, formalmente


diferentes; e, ontologicamente, diante de um só e mesmo campo
de interação onde uma ciência régia não para de apropriar-se
dos conteúdos de uma ciência nômade ou vaga, e onde uma
ciência nômade não para de fazer fugir os conteúdos da ciência
régia. (Deleuze e Guattari 2007, p. 27)

Gallo (2003, 2007) amplia essa discussão ao propor o


conceito de “educação menor” que, segundo ele, possibilitaria
pensar o processo educativo comprometido com a singularização
e os valores libertários, a partir da busca por um devir-Deleuze na
educação. A educação menor não seria uma educação inferior, mas
a educação que uma minoria constrói dentro da educação maior, de
modo a se constituir como forma de resistência, de subversão. Uma
versão menor da educação dentro de uma versão maior.

• Esses dias eu estava vendo a propaganda da base na


televisão. Que enganação. Aqueles jovens de classe
média interessadíssimos em saber se vão poder estudar
essa ou aquela matéria (rs)... Como se estivessem com
medo de não ter mais esse ou aquele conteúdo...
• Verdade! Você falando, não tinha visto por esse lado.
É como se eles estivessem muito preocupados com o
currículo e quisessem garantir que todas as disciplinas
fossem dadas.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 55


• Por exemplo, na minha sala que tem muito jovem
trabalhador de periferia o interesse é muito maior pelos
assuntos relacionados ao que pode ajudá-los a sobreviver,
a conseguir um trabalho e até mesmo a diversão e lazer
do que se isso tem a ver com essa ou aquela matéria.

Partindo, então, das três características propostas por


Deleuze e Guattari (2003) a serem observadas para que pudéssemos
identificar uma literatura menor, a saber, “desterritorialização da
língua”, “ramificação política” e “valor coletivo”, Gallo (2003)
desloca essa discussão para o campo educacional ao questionar:
Como poderíamos conceber uma educação maior, instituída pelo
Estado, e uma educação menor, máquina de resistência, produzida
nas ações cotidianas? Para o autor (2003, p. 78):

A educação maior é aquela dos planos decenais e das políticas


públicas de educação, dos parâmetros e das diretrizes, aquela
da constituição e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
nacional, pensada e produzida pelas cabeças bem-pensantes
a serviço do poder. A educação maior é aquela instituída e
que quer instituir-se, fazer-se presente, fazer-se acontecer. A
educação maior é aquela dos grandes mapas e projetos.
Uma educação menor é um ato de revolta e de resistência.
Revolta contra os fluxos instituídos, resistência às políticas
impostas; sala de aula como trincheira, como a toca do rato,
o buraco do cão. Sala de aula como espaço a partir do qual
traçamos nossas estratégias, estabelecemos nossa militância,
produzindo um presente e um futuro aquém ou para além de
qualquer política educacional. Uma educação menor é um ato
de singularização e de militância.

Como dito, podemos pensar, então, a BNCC como uma forma


de educação maior no campo do currículo, isto é, um currículo maior
expresso em termos de uma macropolítica idealizada por burocratas
e sustentada por uma perspectiva empresarial; e os saberes-fazeres

56 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


dos praticantes das escolas como fluxos, como redes de “currículos-
docências menores” tecidas em meio às ações micropolíticas
cotidianas. Mais uma vez, com Deleuze Guattari (2007), entendemos
essas formas de educação não como oposições, binarismos, mas
como planos lisos e estriados, como macro e micropolíticas que se
interceptam, que se hibridizam e se transformam continuamente.
Assim, mesmo considerando a força impositiva nos
cotidianos das escolas de diferentes textos prescritivos oficiais, que
buscam fechar os sentidos de currículo, interessa-nos cartografar
e problematizar o que Deleuze e Guattari (2007) entendem
por “fenômenos fronteiriços”, isto é, os espaços-tempos de
acontecimentos onde as ciências nômades, os currículos-docências-
menores, as redes de saberes-fazeres cotidianas exercem pressão
sobre as ciências do Estado e, inversamente, as ciências do Estado,
a educação maior, os currículos prescritivos como a BNCC buscam
se apropriar, capturar e transformar as ciências nômades.
Ou seja, interessa-nos cartografar e problematizar os usos,
as traduções, as fronteiras, as negociações, os entre lugares, as
composições, os hibridismos que são produzidos com as prescrições,
mais não só, de modo a potencializar a ideia de currículo como
acontecimento, como criação cotidiana, como fluxo que não se
deixa capturar, nem traduzir por completo porque é da ordem do
devir.
Propomos, assim, pensar currículo buscando romper com a
possibilidade de sua representação fixa/definitiva, indo ao encontro
de sua condição de fluxo, de redes, de nomadismo, de composições
e deslizamentos, de minoridade e campos de disputas de sentidos,
fazendo vazar toda e qualquer possibilidade de um significado
fixo ou de um determinismo conceitual como pretende a BNCC.
Pensamos em currículo como fluxo e não apenas como forma, ou
produto que pode ser objetificado e comercializado. Apostamos
na ideia de currículo como intensidades produzidas em meio às
relações de poder que se colocam nos planos lisos e estriados dos
cotidianos das escolas.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 57


Nesse sentido, interessa-nos a constituição de um campo
problemático que insurge com as questões que, como sugerem
Deleuze e Guattari (2007) se situem no entre dos fenômenos
fronteiriços, isto é, nos entrelugares, nos limites, nas fendas, nas
fissuras, nos movimentos de hibridização e de tradução, nos
intermezzos, no ...e...e..., nos vazios e brechas que acontecem
nesses cotidianos. São nessas situações fronteiriças que os escapes
acontecem. Sem idealizações porque são da ordem do acaso, do
caos e do acontecimento. Para Deleuze e Guattari (2007, p. 34),
não faz sentido perguntar sobre o sentido do acontecimento, pois o
acontecimento é o próprio sentido.

Em todo acontecimento, há de fato o momento presente da


efetuação, aquele em que o acontecimento se encarna em
um estado de coisas, um indivíduo, uma pessoa, aquele que
é designado quando se diz: pronto, chegou a hora; e o futuro e
o passado do acontecimento só são julgados em função desse
presente definitivo, do ponto de vista daquele que o encarna.
Mas há, por outro lado, o futuro e o passado do acontecimento
tomado em si mesmo, que esquiva todo presente porque está
livre das limitações de um estado de coisas, sendo impessoal
e pré- individual, neutro, nem geral nem particular, eventum
tantum... (Deleuze e Guattari 2007, p. 177)

Campo problemático: ou sobre nossa aposta


nas pesquisas com os cotidianos

Como apontado, os processos experienciados nos cotidianos


das escolas durante nossas pesquisas nos forçaram a pensar os
currículos-docências-menores como efeitos e expressões dos
movimentos de nomadismo, resistência e escape em relação às
tentativas de homogeneização e de padronização decorrentes da
ideia de que é possível se ter uma base nacional comum para os
currículos que se diferenciam nos cotidianos das escolas.

58 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Para tanto, foi necessário investir em uma atitude de pesquisa
que considerasse no lugar da representação e da estabilidade
previstas-idealizadas na proposta da BNCC, as dimensões de acaso
e caos dos cotidianos como potências para a constituição do plano
de imanência e, por efeito, de nosso campo problemático. Para
Deleuze e Guattari (2001, p. 68), “[...] O plano de imanência toma
do caos determinações, com as quais faz seus movimentos infinitos
ou seus traços diagramáticos”.
Clareto (2011) nos ajuda nessa discussão quando problematiza
as relações entre pesquisa, conhecimento e verdade na produção de
um campo problemático. Ao destacar a existência de uma narrativa
da modernidade que produz um modelo de mundo das formas
onde conhecer significa representar, a autora nos dá pistas para que
possamos questionar uma imagem de pesquisa-bolha que se pauta
pela busca de verdades ao se lançar no mundo das luzes produzindo
inteligibilidades em uma narrativa que descreve a criação da bolha
como lugar do conhecimento verdadeiro, da certeza e da segurança.
Para Clareto (2001, pp. 18-19), de acordo com esse modelo:

Fazer pesquisa é buscar conhecimentos, é produzir


conhecimentos, sempre se pautando por regras estabelecidas
pelo método investigativo. Assim, a pesquisa é regida por uma
questão que pede resposta ou um problema a ser resolvido. O
que garante o sucesso da empreitada é o uso correto do método
que se estabelece, a priori, como condição de se atingir a
verdade daquela investigação. Morte do mistério, da dúvida.

A pesquisa assim planejada quer destruir o labirinto


onde prevalece o caos das águas quentes-frias-claras-escuras, as
incertezas e acasos operando sempre com o “ou”: ou privilegia
as águas sempre-frias ou sempre quentes, ou sempre claras ou
sempre translúcidas. Como observa a autora (2001, p. 19), “[...] De
preferência águas sempre-claras, translúcidas. Transparência total.
E sempre-quentes. Conforto total”.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 59


Com isso, mesmo sendo guiados pelo modelo de pesquisa-
bolha-lugar da segurança, a autora nos força a pensar sobre os
processos que, na realização de nossas investigações, resistem ao
modelo representacional e escapam das nossas previsões. Como
infere Clareto (2011, p. 19) “A representação se presta a esta
categorização: ela purifica, reduz as formas uma identidade. Mas
existe aquilo que resiste à representação e insiste em uma condição
de ‘e’.
As inferências de Clareto (2001) vão ao encontro de
nossas apostas de pesquisas com os cotidianos, na medida em
que substituem o “ou” das dicotomias pelo “e” que, como já
dissemos, nos forçam a não ficar acomodados a uma representação
confortável dos currículos-docências-menores que acontecem nos
cotidianos escolares e, com isso, estimulam a nos situar em meio
às multiplicidades e aos fenômenos fronteiriços, porque é ali que os
acontecimentos adquirem velocidade.
Defendemos, então, uma atitude de pesquisa que possa
fluir no fluxo das águas quentes-frias-claras-escuras dos cotidianos
escolares, assumindo as dimensões de devir e de multiplicidades
desses cotidianos e, ainda, seus praticantes como produtores de
teorias-práticas curriculares, potencializando a dimensão ético-
político-epistemológica dos acontecimentos das escolas. Só assim
será possível perceber as possibilidades de escapes frente aos
mecanismos de controle da BNCC, uma vez que é nessa dimensão
das micropolíticas cotidianas, isto é, dos planos lisos onde são
produzidos os currículos-docências-menores que esses escapes
acontecem com mais intensidade

Fenômenos fronteiriços: pistas sobre possibilidades de escape

Como dito, durante a produção dos dados fomos


acompanhando nas escolas movimentos de escape frente aos

60 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


mecanismos de controle do Estado, a partir da produção dos
currículos-docências-menores, que insurgiam por entre os usos que
os praticantes faziam dos documentos curriculares prescritivos. Com
isso, pensamos na possibilidade de trazer, aqui, pistas que pudessem
mostrar alguns movimentos da cartografia realizada e, por efeito, das
situações que favoreceram a produção de possibilidades de escapes
nos cotidianos das escolas, em meio aos planos lisos e estriados
que, como observado, se hibridizavam constantemente. Dentre as
principais apostas e/ou movimentos realizados que conseguimos
cartografar destacam-se:

a) A problematização dos acontecimentos


no lugar de analisá-los

Ao falar dos trabalhos de Foucault nos anos 80, Revel (2004.


p. 67) o percebe como um autor “[...] Fundamentalmente interessado
pelos processos de subjetivação e pela redefinição de um modelo
ético no quadro do que ele nomeia de uma ‘ontologia crítica da
realidade’”. Ao tentar, então, entender a noção de problematização
na obra do autor, Revel (2004, p.81) conclui que os temas da
descontinuidade e da diferença geram no autor um último tipo de
análise, que só é tematizado nos últimos anos de sua pesquisa, mas
que já se faz presente em filigrana no texto de 1970 consagrado
a Deleuze. Trata-se da noção de problematização. Para a autora
(2004, pp. 81-84),

“[...] Com efeito, nos dois últimos anos de sua vida, Foucault
utiliza cada vez mais o termo ‘problematização’ para
definir sua pesquisa. Por problematização ele não entende a
reapresentação de um objeto preexistente nem a criação pelo
discurso de um objeto que não existe, mas o ‘conjunto de
práticas discursivas ou não discursivas que faz algo entrar no
jogo do verdadeiro e do falso e o constitui como objeto para
o pensamento [...]. A problematização é, portanto, a prática

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 61


da filosofia que corresponde a uma ontologia da diferença, ou
seja, o reconhecimento da descontinuidade como fundamento
do ser.

A partir de Foucault, problematizar os acontecimentos


cotidianos em nossa pesquisa significou tentar superar, na produção
dos dados, qualquer pretensão de uma busca por explicações ou
soluções para os referidos acontecimentos e, sobretudo, para os
currículos-docências-menores que emergiam nas práticas-teorias
produzidas pelos praticantes. De fato, nossa atitude de pesquisa
buscou privilegiar a instauração de uma distância para que a crítica
pudesse ser feita, assumindo os currículos-docências-menores em
sua condição de multiplicidade, descontinuidade e provisoriedade.

b) As conversas como dispositivos que


nos permitem pensar com e não sobre

A atitude de pensar com o Outro nos levou à pista deixada


por Certeau (1994, p. 50), em termos do uso que ele fazia das
conversas em suas pesquisas, assumindo-as como “[...] práticas
transformadoras de situações de palavra, onde o entrelaçamento
das posições locutoras instaura um tecido oral sem proprietários
individuais”. Giard (1994), ao se referir a esse uso, destaca a
preocupação que ele tinha em, ao conversar com os sujeitos
ordinários, tentar estabelecer uma condição de empatia fora do
comum, ao mesmo tempo em que não dedicava uma atenção
diretiva. Sempre encorajando as pessoas a se colocarem, buscava
escutá-las atestando a riqueza das palavras ditas.
Esta busca por estabelecer uma proximidade com o Outro na
pesquisa não resulta em uma abordagem centrada no indivíduo, mas
vai ao encontro do que se passa “entre” as pessoas, isto é, privilegia
as relações que se estabelecem com os encontros, dedica especial
atenção ao que é tecido entre elas. Mais uma vez, o “...e ...e ...e”.
Ou seja, não nos interessou pensar “para” ou “sobre” os sujeitos
praticantes e os acontecimentos cotidianos, mas “com” eles.

62 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


c) Os encontros como possibilidades
de nos forçar a sentir-pensar

No texto “Um gosto pelos encontros” Orlandi (2014),1


partindo de Deleuze, infere que todo encontro ordinário está exposto
à possibilidade de uma reviravolta instantânea que pode projetar
tudo para fora dos eixos. Para o autor (2014, p. 3):

“É como se a própria vida se sentisse abalada por esse vinco


em que uma experiência ordinária é dobrada junto a outra,
a extraordinária. Pressentimos que a efetiva complexidade
da experiência dos encontros depende do que se passa nessa
dobra, razão pela qual é preciso buscar sua explicitação. Cada
um sente e exprime a seu modo essa ocorrência simultânea de
linhas divergentes, a estranha dobradura na qual os juntados
experimentam seu próprio vínculo como sendo aquilo que os
lança num tempo fora dos eixos”.

Falar de encontros como possibilidades de agenciamentos


coletivos não significa priorizar os encontros físicos, mas pensar
em qualquer tipo de encontro com imagens, sentimentos, ideias,
discursos e, inclusive, pessoas, uma vez que, para Orlandi (2014),
a experiência provocada pelo encontro depende do que se passa
na dobra, onde os “juntados” experimentam seus vínculos. Como
pensa o autor (2014, p. 7):

A cada instante, um problemático alvoroço de encontros


vai percutindo o meio da nossa imersão vital. Dentre as
redes de linhas que nos ligam à experiência dos encontros,
duas delas gozam de um privilégio do qual filósofo algum
pode livrar-se. Trata-se de sentir e pensar. Quando Deleuze
peneira conceitualmente os encontros que o tocam, notamos

1. Disponível em: http://deleuze.tausendplateaus.de/wp-content/uploads/2014


/10/Um-gosto-pelos-encontros-Artigo-de-Luiz-Orlandi1.pdf.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 63


que ele elabora uma singular conexão entre sentir e pensar.
O que o atrai nessa nova elaboração? O que o atrai é aquilo
que determina seu destino, sua fortuna, seu fado, sua sorte
na história da filosofia: a problemática das diferenciações
complexas implicadas nos encontros. As conexões produtivas
entre sentir e pensar são decisivas nessa nova problemática.
(Orlandi 2014, p. 7)

Nesse sentido, uma das apostas metodológicas mais potentes


da cartografia realizada, além das conversas, foi a possibilidade de
encontrar com os acontecimentos e os praticantes sem prejulgamento
ou idealização que pudesse criar expectativas. Dar-se ao encontro
com o Outro, em sua condição de abertura para a novidade do
mundo, foi significativo para nos forçar a pensar e a confabular
possibilidades de escapes.
d) As traduções-hibridizações como marcas dos currículos-
docências-menores
Outra pista importante da cartografia realizada refere-se ao
pressuposto de que, com seus múltiplos e diferenciados modos de
usar os textos curriculares prescritivos nos cotidianos, os praticantes
das escolas produzem práticas-teorias-discursos-narrativas que têm
como marca fundamental o hibridismo.
Ou seja, além de se constituírem como também autores de
teorias-práticas curriculares, os praticantes das escolas imprimem a
marca do hibridismo em suas produções, inclusive nas possibilidades
de escape, à medida que ressignificam, recontextualizam, traduzem,
criam deslocamentos ou fazem vazar outros sentidos para os textos
dos documentos governamentais.
Para qualquer uma dessas situações, não há originalidade
nem autenticidade, isto é, as teorias-práticas curriculares se tecem,
se hibridizam nos cotidianos escolares, não havendo uma autoria
nem única nem localizada sendo, assim, impossível de serem
identificadas-classificadas em suas características próprias.

64 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Faz-se necessário, aqui, trazer a noção de hibridação para
falar dos currículos-docências-menores em suas possibilidades de
escape. Em uma entrevista concedida a Rutherford (1996), ao falar
sobre sua ênfase na ideia de diferença cultural, em oposição à ideia
de diversidade cultural, Bhabha associa à diferença as noções de
tradução e de hibridação. Entendendo que o ato de tradução cultural
nega o essencialismo de uma cultura antecedente e original e, ainda,
que todas as formas de cultura estariam sempre em um contínuo
processo de hibridação, o autor (1996, p. 36) infere:

Para mim a importância da hibridação não é ser capaz de rastrear


os dois momentos originais dos quais emerge um terceiro, para
mim hibridação é o ‘terceiro espaço’ que permite a outras
posições emergir. Esse terceiro espaço desloca as histórias
que o constituem e gera novas estruturas de autoridade, novas
iniciativas políticas, que são inadequadamente compreendidas
através do saber recebido.

Com a noção de hibridação de Bhabha (1999), entendemos


que os currículos-docências-menores não são nem sínteses nem
outras teorias curriculares que oporiam aos discursos que os
antecederam. As hibridações realizadas entre os discursos sobre
currículo tecidas nas redes, trazem vestígios dos sentidos desses
discursos anteriores, também híbridos, ao mesmo tempo em que ao
deslocá-los produzem outros discursos.
Como afirma o autor (19987), eles são, concomitantemente,
novos e irreconhecíveis. Deslocam documentos, textos, programas,
propostas, histórias que os constituíram. Subvertem princípios,
metas, objetivos que os embasaram, ao mesmo tempo em que
preservam um pouco de cada uma dessas coisas.

e) As teorias-práticas cotidianas como políticas


de currículos-docências-menores

Outra pista fundamental refere-se ao fato de que as teorias-


prática-narrativas-imagens curriculares cotidianas, inventadas pelos

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 65


sujeitos praticantes das escolas, além de hibridizadas, traduzidas e
negociadas nas complexas redes de saberes-fazeres são, também,
expressões de políticas de currículo.
Esta atitude nos tem levado a buscar uma noção de política
mais complexa do que aquela sistematizada pelos documentos
governamentais. De fato, se é urgente perceber que as práticas são,
também, teorias, e vice-versa, (também por isso escrevemos teorias-
práticas ou práticas-teorias) é também urgente perceber que elas
são, sobretudo, políticas. A esse respeito, Veiga-Neto (1996, p. 170)
pondera que:

Nossas construções e nossos entendimentos do que seja a


realidade se dão necessariamente numa dimensão política.
Tudo sendo resultado de acordos discursivos, tudo é político.
O ser humano não é um ser biológico e social e econômico e
psicológico e político; isso é, não há uma dimensão política ‘ao
lado’ das demais dimensões. O político não é uma dimensão a
mais, senão que o político atravessa constantemente todas as
demais. Isso se dá de tal maneira que até o acesso que temos a
nós mesmos está determinado pelo político. Eu não posso ser
um sujeito social sem ser um sujeito político; eu não posso ser
um sujeito ético sem ser um sujeito político; eu não posso ser
um sujeito epistemológico – isso é, eu não posso nem mesmo
pensar ou falar sobre o mundo ou sobre mim mesmo – sem ser
um sujeito político.

Entender as práticas-teorias curriculares cotidianas também


como políticas de currículo implica não só questionar as dicotomias
excludentes herdadas pela educação do discurso hegemônico
da ciência moderna, tais como, sujeito/objeto, teoria/prática,
quantidade/qualidade, entre outras, mas, implica, sobretudo, colocar
sob suspeita toda e qualquer proposta de fazer com que a prática se
torne política.

66 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


(In)conclusões

Por fim, concluímos que as pistas aqui provisoriamente


esboçadas como possibilidades de identificar alguns movimentos de
escape frente aos mecanismos de opressão do Estado se constituem,
como já dito, em meio à realização de uma aposta de pesquisa que
busca dar visibilidade e potencializar a dimensão teórico-político-
ético-epistemológica dos cotidianos das escolas.
Ou seja, sem desconsiderar a importância das discussões e
análises que são realizadas no âmbito do próprio texto governamental,
defendemos a necessidade de, com nossas pesquisas, fortalecer os
movimentos de resistência e de escape que acontecem na microfísica
dos cotidianos escolares, nos diferentes espaços-tempos intersticiais
das escolas, nas tensões que emergem com seus planos de imanência
e nas multiplicidades daquilo que é vivido no dia a dia, por entender
que também são nesses fenômenos fronteiriços (Deleuze 2011), que
a vida se reinventa.
Ao discutir “Locais da cultura”, Bhabha (1998, p. 20) nos
ajuda nessa defesa quando entende que “[...] É na emergência
dos interstícios – a sobreposição e o deslocamento de domínio da
diferença – que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação
[nationnes], o interesse e o valor cultural são negociados”.
Para ele (1998, p. 27), muito próximo do que pensa Deleuze, é
exatamente nesses interstícios, nas fronteiras que as coisas começam
a se fazer presentes em um movimento ambivalente, uma vez que
“[...] O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com ‘o
novo’ que não seja patê do continuum do passado e presente. Ele
cria uma ideia do novo como ato insurgente de tradução cultural”.
Por isso, insistimos na aposta de uma pesquisa que possa
compor com os cotidianos das escolas assumidos em sua dimensão
político-epistemológica. Por isso nossa defesa da condição de
autores de teorias-práticas curriculares para os praticantes dos
currículos, pois, como defende Bhabha (1998, p. 29) “[...] É o

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 67


espaço da intervenção que emerge nos interstícios culturais que
introduz a invenção criativa dentro da existência”.

Referências

ALVES, Nilda. “Redes educativas ‘dentrofora’ das escolas,


exemplificadas pela formação de professores”, in: DALBEN,
Ângela; DINIZ, Júlio; LEAL, Leiva e SANTOS, Lucíola
(orgs.) Convergências e tensões no campo da formação e
do trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, pp.
49-66.
________. “Decifrando o pergaminho: o cotidiano das escolas nas
lógicas das redes cotidianas”, in: OLIVEIRA, Inês Barbosa
de e ALVES, Nilda (orgs.) Pesquisa no/do cotidiano das
escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A,
2001, pp. 13-38.
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POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 69


capítulo 4
O “CURRÍCULO MERCANTE” DA BNCC
EM TEMPOS DE “DESENTENDIMENTO” E
“ERA DO VAZIO”: PORQUE O ÓDIO PODE
PARECER TÃO BOM!

Damião Rocha

Introduzindo a questão do “conhecimento poderoso” em currículo

Na abordagem de Young “conhecimento poderoso” é


um conhecimento especializado que deve ser produzido pela
escola. Em tempos de disputas de narrativas na qual elucubrações
negacionistas fazem barulho, reverberam nos professores e
pasmam os cientistas, defender o “conhecimento poderoso” em
meio às inovações conservadoras, nos parece ser importante para
curriculistas debaterem o “currículo mercante” imposto na BNCC
e na BNC – FORMAÇÃO nos anos 2000. Trata-se de Pesquisa
Bibliográfica de Revisão Teórica com fundamentação de autores
como: Jacques Rancière (2018), Gilles Lipovetsly (2011, 2016),
Michael Aplle (2003), Michael Young (2000, 2007) com base
nas investigações do último quadriênio no/do Grupo de Pesquisa

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 71


Gepce/PPGE/UFT. Concluímos entendendo que há impossibilidade
de um conhecimento poderoso ser consolidado na/pela escola com
um currículo mercante imposto na Base Curricular e na Base de
Formação, porque a polarização reforça o desentendimento e o
vazio, tornando a área social, cultural, educacional, um ringue
belicoso de disputas de narrativas e de projetos, impossibilitando
a construção de consensos mínimos no entorno da qualidade social
referenciada de um currículo que faça justiça social na escola básica.
Para que servem os currículos? a formação de professores?
para que servem as escolas? parafraseando Young (2007), são
questões que nos impomos neste texto, por entendermos que
estamos vivendo todos nós, uma curricularização mercantilista, da
graduação, da extensão, da formação de professoras, num momento
da realidade brasileira que parece se pautar no “desentendimento”
pelo “vazio” e nos sugestionando o ódio parecer bom.
O texto é um estudo teórico com base na concepção de
“conhecimento poderoso”, resultante das pesquisas que vimos
desenvolvendo no PPGE/UFT no último quadriênio sobre currículos
diversos, escola, formação de professoras.
Nosso objetivo é refletir a conjuntura sócio-político-
educacional dos tempos atuais, considerada aqui como tempos
de “desentendimento” e do “vazio”, para que como curriculistas
possamos debater o “currículo mercante” imposto na BNCC e na
BNC-FORMAÇÃO, a partir de 2015, com a aprovação das diretrizes
curriculares para a formação de professores, não implementada, mas
revogada pelas diretrizes curriculares para formação de professores
de 2019, especificamente nos referindo as duas resoluções que
definem os cursos de licenciaturas (inclusive o curso de Pedagogia)
e a formação de professores no Brasil.

Desenvolvendo sobre conservadorismo,


autoritarismo na coisa pública

Para entendermos a presentividade da educação, da escola,


da formação de professoras e neste contexto a BNCC e a BNC-

72 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


FORMAÇÃO, a partir de 2015, com a aprovação das diretrizes
curriculares para a formação de professores, parece que é importante
compreendermos que estamos vivendo os dois lados de uma situação
anunciada do “eu avisei”, a partir das eleições presidenciais de 2018,
numa espécie de revanche contra aqueles que não acreditavam
que o governo federal tomaria os rumos do conservadorismo e do
autoritarismo como discurso de governo, aqui no Brasil.
No Brasil atualmente se fala abertamente na mídia, até pelos
membros do Supremo Tribunal Federal, da existência do “gabinete
do ódio” no palácio do Planalto, sede do governo federal.
É perspicaz entendermos que o ódio não se manifesta apenas
pela violência física, mas também por meio da violência verbal,
no plano das palavras e dos discursos. Se fizermos uma busca na
internet sobre “ofensas na internet” e “discursos de ódio”, teremos o
panorama da expressão do ódio pelo qual estamos passando.
A frequência com que ocorrem os atos de ódio é grande e na
mesma proporção são os danos físicos e/ou psicológicos causados a
pessoa, a grupos e instituições.
E por que o ódio pode parecer tão bom?! Tratar dessa questão
passa pela reflexão do neoconservadorismo, populismo autoritário,
Deus, moralidade e mercados como diz Apple (2003), pensando a
sociedade estadunidense. E responde sobre essas razões explicando
como agem as religiões conservadoras e o seu rigor. E por serem tão
exigentes oferecem mais significados aos seus seguidores. Por outro
lado, diz ele, os grupos religiosos menos exigentes requerem menos
sacrifício e disciplina e por isso têm menos condições de parecer
relevantes em toda a vida de uma pessoa

Ao reduzir o nível do rigor e criar uma atmosfera do que poderia


ser chamado de igrejas “cordiais”, o evangelismo possibilita à
pessoa caminhar pela corda esticada da religiosidade em todas
as esferas da vida. Ajuda a pessoa a lidar com a tarefa de não se
manter pura por estar afastada do mundo, mas por entrar nele e
transformar a própria alma deste mundo. (Aplle 2003, p. 198)

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 73


Essa análise mostra o que entendemos hoje como teologia
da prosperidade. É de domínio comum, conforme a Wiki, que a
“teologia da prosperidade” ou “Evangelho da prosperidade” é uma
doutrina religiosa cristã que defende que a bênção financeira é
o desejo de Deus para os cristãos”, e nesse sentido a doação em
dinheiro e o pagamento dizimal mensal, é trabalhado num discurso
positivo em que estas doações para os ministérios cristãos irão
“sempre aumentar a riqueza material do fiel cristão depositário.
A política partidária e a gestão do Governo dos EUA é
exemplar dessa teologia da prosperidade envolto em nacionalismo-
ultraconservador. Recentemente Barack Obama, o ex-presidente
dos EUA, chegou a dizer no início do segundo semestre de 2020,
na Convenção dos Democratas, se referindo ao atual governo de
seu país, que o presidente da República, Donald Trump, “não leva
a Presidência a sério” e trata o cargo de Presidente como “mais um
reality show”, além de falar de muitos que acreditaram que Trump
sentiria o peso do gabinete e que tivesse respeito pela democracia:
uma acachapante ilusão.
Se analisamos o Governo de Bolsonaro, veremos que esse
modus operandi de fazer política, muito associada a “necropolítica”
(“mecanismos técnicos para conduzir as pessoas à morte” e a
“eliminação dos inimigos do Estado”) do Governo Trump, é
praticamente análoga a do Brasil dos tempos de agora.
A chamada “onda conservadora”, por outro prisma, revela
a conjuntura na qual estamos imersos. Fenômeno político surgido
por volta de 2010 na América do Sul como reação à “guinada da
esquerda”, que iniciou a sua (re)organização política nos anos 1990
na América Latina.
No Brasil a crise econômica de 2014, os escândalos de
corrupção, intensificaram a eclosão de movimentos conservadores
em oposição às políticas sociais da esquerda.
Em 2000, Marilena Chauí publicou Brasil: mito fundador e
sociedade autoritária, no qual se contrapõe a imagem de uma nação

74 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


“ordeira e pacífica, de uma gente alegre, ingênua e sensual, cujo
caráter festivo compensa uma suposta inação para o trabalho”. A
autora, há muito tempo, interroga-se e interpela-nos sobre o sentido
da democracia.
Em Educando à direita, Michael Apple, já em 2001, ao tratar
das “agendas conservadoras”, “escolas sem Deus”, as estruturas
afetivas do populismo autoritário”, “como o ódio pode parecer tão
bom?”, dentre tantas outras reflexões, procura mostrar a influência
destas e de tantas outras questões sobre a sociedade, a política e a
prática educacional norte-americana.
No Brasil de 2014, se viu a mudança na vida social e
econômica da população trabalhadora, reascender o pânico dos
privilegiados, da direita conservadora e moralista brasileira, e
reaparecer um outro perfil na conjuntura sociopolítica: o fascista,
que “ao lado do ódio ao saber, o fascista revela medo da liberdade”
(Tiburi 2016, p. 14). Eles os fascistas,

Não suportam a democracia, entendida como concretização dos


direitos fundamentais de todos, como processo de educação
para a liberdade, de governo através do consenso, de limites ao
exercício do poder e de substituição da força pela persuasão.
Essa mistura de pouca reflexão (o fascismo, nesse particular,
aproxima-se dos fundamentalismos, ambos marcados pela ode
à ignorância) e recurso à força (como resposta preferencial para
os mais variados problemas sociais) produz reflexos em toda a
sociedade. (Tiburi 2016, p. 13)

O Brasil de democracia recente, com um passado histórico


de práticas autoritárias arraigadas, ainda naturaliza a desigualdade,
nega o racismo estrutural, o patriarcalismo, o mandonismo, o
heterossexismo, a misoginia, e continua provocando na atualidade,
o ódio às minorias sociais, como se privilegiados fossem por
reivindicarem direitos individuais e coletivos.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 75


Do “desentendimento” e a “era do vazio”

Utilizamos essas duas categorias de análise do


“desentendimento” de Jacques Rancière (2018) e “era do vazio” de
Gilles Lipovetski (2005) para entender a conjuntura atual de uma
recente democracia liberal, como a brasileira, que sufoca a cada dia,
o Estado Democrático de Direitos.
É interessante a ideia de desentendimento em Rancière
(2018), porque contrariando o sentido dicionarizado de que
“desentendimento” significa “falta de entendimento” ou “falta de
compreensão correta”, para ele, “desentendimento” é quando em
uma situação “um dos interlocutores ao mesmo tempo entende e não
entende o que diz o outro”. Ou seja, não há falta de entendimento,
mas o conflito existente entre elas faz com que mesmo que digam a
mesma coisa, não dão a mesma significação para essa mesma coisa,
o que não se pode dizer que exista um desconhecimento.

O desentendimento não é o desconhecimento. O conceito de


desconhecimento pressupõe que um ou outro dos interlocutores
ou os dois – pelo efeito de uma simples ignorância, de uma
dissimulação concertada ou de uma ilusão constitutiva – não
saibam o que um diz ou o que diz o outro. Tampouco é o
mal-entendido produzido pela imprecisão das palavras. Uma
velha sabedoria, hoje particularmente em alta, lamenta que
as pessoas se entendem mal porque as palavras trocadas são
equívocas. E demanda – pelo menos quando a verdade, o bem e
a justiça estão em jogo – que se cuide de atribuir a cada palavra
um sentido bem definido que o distinga das outras, e se deixe
de lado as palavras que não designam nenhuma propriedade
definida ou as que não podem escapar a uma confusão
homonímica. (Rancière 2018, p. 10)

Na minha perspectiva isso explica porque as atitudes


negacionistas, desprezíveis do governo brasileiro em relação

76 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


a questão econômica, ambiental, social, da saúde pública, da
educação, e o próprio ódio destilado, parece ser bom. Ou seja, o
grau de tensão, de polarização no Brasil é tão grande nestes tempos,
que mesmo não havendo desconhecimento dessas ofensivas,
inclusive contra a democracia, tensionada pelo próprio Presidente
da República, se tenha muita gente ovacionando o Bolsonaro e o
bolsonarismo como mito.
Já Lipovetski (2011) fala de “vazio” partindo do
individualismo contemporâneo e da cultura do hiperconsumo. Diz
ele que essa “revolução individualista” explicam as atitudes de
perda de importância da coisa pública e consequentemente perda de
importância das instituições que resguardam a democracia, cedendo
espaço ao individualismo do tipo narcísico e hedonista.
Penso que precisamos entender essa apatia nossa e de muitos
e um certo refluxo dos próprios movimentos sociais pelo viés do
“desentendimento” e do “vazio’.

“Conhecimento poderoso” e currículo mercante” da/na BNCC

O substantivo “mercante” é um referente ao mercador, ao


próprio comercio, à mercadoria, ao interesse comercial. A inovação
conservadora do “novo currículo nacional” implementado por
meio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sintetiza o
quanto o movimento mercantil está contemplado no planejamento
e gestão deste “currículo mercante” pela efetividade de organismos
multilaterais, institutos privados, organizações não-governamentais
nos governos de Temer e Bolsonaro. E o aparelhamento das
licenciaturas e da formação de professores na BNC-FORMAÇÃO
é consequente, resultante deste movimento pela mercantilização da
educação, da escola, da formação, da atuação profissional.
Isso nos indaga sobre o sentido da escola, da formação
na sociedade do hiperconsumo, quando até a educação passa a

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 77


ser mercadoria e a relação ensino e aprendizado passa a ser uma
relação de consumidores, praticamente gestada pelo Procon e não
pelo ministro da educação, Mec e CNE. Todavia, há que se debater
uma nova síntese entre a educação tradicional e o melhor do novo
modelo de educação para evitarmos extremismos. Vejamos com
Lipovetsky (2011), o que ele nos diz sobre:

Na educação tradicional, o polo central sempre foi o da


autoridade do mestre. Tanto o mestre como o aluno evoluíam
em um sistema em que cada um tinha um lugar reconhecido.
Esse lugar se perdeu. E isso cria problemas.
Agora há necessidade de restabelecer o que se poderia chamar
de legitimidade do aluno, fixando-lhe um lugar claro, que não
é o daquele que sabe, mas o daquele que aprende. Dizer-lhe que
ele não precisa mostrar-se original, mas que deve começar por
adquirir um saber, condição necessária para a expressão futura
de sua criatividade. Levá-lo a aprender tanto no antigo quanto
no novo, mas aprender. (Lipovetsky 2011, p. 154)

A Base foi instituída pelo Conselho Nacional de Educação


(CNE), por meio da Resolução nº 2, de 22 de dezembro de 2017,
documento que orienta a sua implantação e justificada pelo governo,
como necessária, por fazer parte de um plano nacional de educação.
Asseguram que a Base foi gestada e debatida nas conferências de
educação. A Conferência Nacional de Educação (Conae) realizada
em 2010, 2014 e 2018 se constituiu como espaço democrático aberto
pelo Poder Público e articulado com a sociedade para que todos
pudessem participar do desenvolvimento da educação nacional.
Foram precedidas por etapas preparatórias, de conferências livres e
conferências ordinárias municipais e/ou intermunicipais, estaduais e
distrital. Todavia, as mudanças no CNE, nas versões do documento,
desrespeitam, suprimem, retiram questões importantes de uma
educação que se quer com currículo que faça “justiça curricular”.
As condições legais para as mudanças curriculares,
especialmente, na educação básica, têm sua gênese na Constituição

78 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Federal de 1988, é verdade, em que previu no seu Artigo 210, fixar
“conteúdos mínimos” para o ensino fundamental, e definiu também,
no Artigo 205, que a educação é “direito” de todos, “dever” do
Estado e da família, mas o documento final tornou estes princípios e
diretrizes em currículo nacional obrigatório, apesar de dizerem que
a Base não é currículo.
Outro marco importante do ordenamento jurídico
educacional é a Lei nº 9.394 de 1996, que fixa diretrizes e bases da
educação (LDB), que no seu Artigo 26, determinou que os currículos
do ensino fundamental e médio devem ter uma “base nacional
comum”. Sim um importante marco legal, entretanto, da educação
infantil ao ensino médio, uma Base que prescinde de competências
com descritores numerados para sua implementação, tornou os
currículos nacionais, em detrimento dos currículos regionais, dos
currículos diversos.
Lembremos e faremos destaque que em 1997, foi elaborada
uma coleção de dez volumes que compunham os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), referentes às quatro primeiras séries
do ensino fundamental, que objetivava a renovação e reelaboração
da proposta curricular, e que cada escola formulasse seu projeto
educacional. Em 1998, foram consolidados, os dez volumes
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino
Fundamental, do 6º ao 9º ano. Nos anos 2000, foram lançados os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM),
em quatro partes, com o objetivo de cumprir o duplo papel de
difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor,
na busca de novas abordagens e metodologias.
Nessa trajetória de questões de currículo, de 2008 a
2010 foi instituído o “Programa Currículo em Movimento” que
visava a melhoria da qualidade da educação básica por meio do
desenvolvimento do “currículo da educação infantil”, do “currículo
ensino fundamental” e do “currículo ensino médio”. Outros
programas governamentais foram implementados nesse período
como o “Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 79


(PNAIC) de 2012 e o “Pacto Nacional de Fortalecimento do Ensino
Médio” (PNFEM) de 2013. Ações governamentais que sempre
visaram definir um currículo.
Em 2014, outro marco legal importante foi a aprovação
da Lei 13.005, de 2014, que regulamentou o “Plano Nacional de
Educação” (PNE), com vigência de 10 (dez) anos, com 20 metas,
que preveem a melhoria da qualidade da educação básica, e que 4
(quatro) delas tratam da BNCC.
A trajetória da Base governamental não demonstra suas
controvérsias, contradições, mas o vínculo e o interesse de
fundações de organização familiar sem fins lucrativos, organizações
não-governamentais criada por família de empresários e institutos
que acreditam no “poder transformador da educação”, isso a Base
do governo operacionalizou num “currículo oculto”.
Nesse sentido, entidades e associações de pesquisas vem
marcando posição ao se manifestarem afirmando que a BNCC,
“em seus princípios e metodologia de elaboração sem consulta
à comunidade educacional” afronta a gestão democrática dos
currículos diversos da educação básica.
A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPEd) e a Associação Brasileira de Currículo (ABdC),
sempre se manifestaram no momento de elaboração da Base
governamental, em especial, no momento em que foi aprovada
pelo CNE, a sua quarta versão, reafirmando o “avanço das políticas
golpistas” do governo Temer.
Todavia, o campo do currículo não está moribundo! As
posições e manifestações das associações/entidades representativas
de classe e de pesquisas estão vivas e no contradiscurso de forma
propositiva, a exemplo da Anpae, Anped, ABdC, CNTE, Anfope,
Forundir e tantas outras. Precisamos também repetir: os curriculistas,
o campo do currículo está vivo, não está morto!

Na década de 1970, Schwab, curriculista, criticava que os


currículos não contribuíam para o avanço da educação.

80 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Todavia, quando William Doll elaborou uma interpretação de
algumas ideias mais profundas de nosso tempo em uma nova
visão de currículo, anunciou: “o campo do currículo não está
mais moribundo”, referindo-se ao debate em relação a classe,
raça, gênero. Nessa perspectiva, pensa-se num currículo
não linear, construtivo, que emerge da ação e interação dos
participantes. “Quanto mais rico o currículo, mais haverá
pontos de intersecção, conexões, e mais profundo será seu
significado”. Um currículo que faz “justiça social”. (Rocha
2018: Apresentação)

Aqui chamo ao debate o “conhecimento poderoso” de


Young (2007). O “conhecimento poderoso” é especializado em
sua produção e transmissão, e esta especialização é expressa nas
fronteiras entre disciplinas e conteúdos, que definem o foco e objetos
de estudo. Defendemos que a escola, a formação de professores, o
currículo deem ênfase e centralidade ao “conhecimento poderoso”,
todavia, com uma BNCC que impõe um “currículo prático”
nacional, centrado em competências, campos de experiências
e desenvolvimento desde a educação infantil ao ensino médio,
alijando os sujeitos da educação da produção desse “conhecimento
poderoso”, haveremos de ter muita (im)possibilidades de um
currículo que faça “justiça curricular”.

Considerações conclusivas para novo debate

Consideramos que há efetivamente no Brasil, no atual


governo, uma (im)possibilidade de um “conhecimento poderoso”
a ser consolidado, construído na/pela escola, em função de um
“currículo mercante” imposto na Base Nacional Curricular e na Base
de Formação, de forma compulsória através de resoluções aprovadas
pelo CNE, porque a polarização reforça o desentendimento e o vazio,
tornando a área social, cultural, educacional, da saúde coletiva no

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 81


Governo Bolsonaro, um “ringue belicoso” de disputas de narrativas
e de projetos, repito (im)possibilitando a construção de consensos
mínimos no entorno da qualidade social referenciada de um
currículo que faça justiça social na escola básica. Entretanto, a força
da sociedade civil organizada representada em suas associações/
entidades de classe e de pesquisa, é capaz de barrar/enfrentar a
direita política conservadora.
Se os pesquisadores considerados da esquerda se pautam na
teorização crítica em suas análises, os partidários da direita seguem
os ditames de um “poderoso bloco hegemônico” como dirá Apple
(2003), formado por diversas facções aliadas de “neoliberais,
neoconservadores, conservadores religiosos” e não só estes, mas
também de “populistas e autoritários e alguns membros da nova
classe média empresarial” (Aplle, 2003: 80).
É bom que se diga que os “direitistas” não são tudo aquilo
que muitos adjetivam, nem muito menos patetas, fantoches, “idiotas
culturais”: eles acreditam nas suas posições e eu diria eles são
devocionais de suas pautas, portanto, se quisermos superar a apatia
e o cinismo, a eficiência da restauração conservadora e transformar
nosso discurso, e a agenda direitista da educação e outros campos
sociais e da ciência, muito mais pessoas precisam estar envolvidas,
concordando com Michael Aplle, para articular alternativas, criticar
construtivamente e construir currículos não mercantes.

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POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 83


capítulo 5
A FLEXIBILIZAÇÃO CURRICULAR E SUA
RELAÇÃO COM A REFORMA DO ENSINO MÉDIO

Max Alexandre da Silva


Adriana Aparecida de Souza
Dante Henrique Moura

Introdução

Nosso trabalho analisa o estudo da Reforma do ensino


médio, a partir da Lei nº 13.415 de 2017, e suas implicações na
flexibilização do currículo proposto pela Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) para o ensino médio. Para entender essa
dinâmica, nosso estudo utiliza o pensamento histórico-crítico e
como metodologia, além da pesquisa bibliográfica, fundamentada
em estudiosos como Frigotto, Ciavatta e Ramos e Moura, utiliza
a pesquisa documental com os seguintes documentos: Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394/1996; Plano
Nacional de Educação (PNE 2014 – 2024); a Lei da Reforma do
Ensino Médio e a BNCC.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 85


Nesse sentido, as constantes mudanças políticas ocorridas
nas últimas décadas, evidenciam um campo de disputas por
projetos societários distintos que resultam em alterações periódicas
das políticas públicas, principalmente no campo da Educação
Profissional. Sendo assim, ora proporcionam avanços em relação à
garantia dos direitos da classe trabalhadora, ora retrocessos desses
direitos. Essa lógica é alimentada pelo pensamento neoliberal do
capital, que produz exclusões e desigualdades num ciclo vicioso.
De acordo com Moura, Lima filho e Silva (2015), a
Educação Básica (EB) na rede pública do Brasil sofre com a falta
de infraestrutura que garanta um funcionamento de qualidade
do ensino. E defendem que os motivos reais para uma reforma
do ensino médio que seja coerente com a realidade da sociedade
brasileira deveriam ser de infraestrutura das escolas brasileiras
e não de currículo. Destacam ainda que as escolas tradicionais
não comportam uma integralidade de permanência de sete a nove
horas na escola. Pois as estruturas físicas dos prédios são antigas,
desgastadas e precárias, o que garante no máximo cinco horas por
dia. As necessidades de alojamentos, bibliotecas, espaços para
atividades esportivas/culturais/artísticas, alimentação, laboratórios,
ou melhor, áreas mais atrativas para os alunos e uma estrutura capaz
de comportar uma permanência maior em escola, ficam a desejar.
Compreendemos que são necessárias mudanças
significativas no Ensino Médio para que as escolas se tornem
atrativas para os alunos. Corroborando esse pensamento, Araújo
(2019) destaca que existem no Brasil mais de 2 milhões de jovens
entre 15 a 17 anos que se encontram fora da escola, e os motivos
vão desde a falta de matrícula até a necessidade de trabalho. Essa
necessidade é enfatizada quando analisamos os dados da Pesquisa
por amostragem do (Brasil 2019) que divulgaram em 2018, sobre
a realidade dos jovens e apresentaram que 62% dos jovens com 19
anos que deveriam concluir o EM, ou ingressar no Ensino Superior
(ES), abandonaram os estudos, ou nunca frequentaram a escola e
os 38% restantes ainda estão na escola. Entre esses que ainda estão

86 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


na escola: 9,8% estão no ensino fundamental; 6,5% na Educação
de jovens e adultos/ensino fundamental; 66,6% estão no ensino
médio; 17% na Educação de jovens e adultos/ensino médio e 0,1%
estão na alfabetização de jovens e adultos. Ainda de acordo com
o IBGE, quatro em cada dez jovens de 19 anos não concluíram o
ensino médio.
Desse modo, entendemos que a intenção para a implantação
da escola em tempo integral não visa à melhoria do Ensino Médio,
pois para isso é necessário proporcionar as condições materiais para
que o anunciado se concretize, o que inviabiliza a consecução das
intenções anunciadas pela BNCC, se tivermos como parâmetro as
mudanças no Ensino Médio em vigor, promovidas pela Reforma
com a Lei nº13414/2017.

A BNCC nas escolas no âmbito da reforma do Ensino Médio

Para pensarmos a universalização do acesso e permanência


no ensino básico para a juventude, é necessária uma reflexão sobre
nossas leis. A nossa Constituição Federal de 1988, que estabelece
o direito à educação como uma obrigação do estado, abre essa
discussão (Brasil 1988).
Com base nesse direito universal, destacamos a Meta 3 do
PNE (2014-2024), a qual declara a universalização do atendimento
escolar para toda a população jovem de 15 a 17 anos, até o final do
período de sua vigência, e da taxa líquida de matrícula no ensino
médio para 85%. Já a Meta 6 do PNE (2014-2024), enfatiza a
implantação do tempo integral. E ainda enuncia que esse aumento
de tempo na escola é para aproveitamento da cultura, da arte, do
esporte, da ciência e da tecnologia. Assevera também que para
alcançar melhores resultados nos exames nacionais é fundamental
ampliar a jornada de tempo das disciplinas em que os alunos têm

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 87


mais deficiência e estruturar condições concretas para facilitar a
aprendizagem dessas disciplinas.
Para tanto, a Lei nº 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, em
seu art. 13 reza a continuidade da implementação das escolas de
tempo integral, como cita o artigo: “Fica instituída, no âmbito do
Ministério da Educação, a Política de Fomento à implantação das
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral” (Brasil 2017).
Essas novas diretrizes curriculares orientam a elaboração dos
novos currículos do ensino médio e, ao mesmo tempo, servem de
parâmetro para a definição da BNCC – etapa do ensino médio que
divide o currículo em duas partes (uma comum dentro da BNCC
e outra itinerário formativo), conforme especificado no Quadro 1.

Quadro 1 – Nova organização curricular


conforme a Reforma do Ensino Médio

Parte Comum (art. 3º) Parte Flexível (art. 4º)


I) Linguagens e suas tecnologias I) Linguagens e suas tecnologias
II) Matemática e suas tecnologias II) Matemática e suas tecnologias
III) Ciências da Natureza e suas III) Ciências da Natureza e suas
tecnologias tecnologias
IV) Ciências Humanas e Sociais IV) Ciências Humanas e Sociais
aplicadas aplicadas
V) Formação Técnica e Profissional

Fonte: Lei nº 13.415/2017.

Essa estrutura de organização curricular se baseia em 2 eixos,


um comum e outro flexível, previstos na Lei de Diretrizes e Base da
Educação (LDB), Lei nº 9.394/1996, em seu artigo 26:

Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental


e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e em cada
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida
pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura,
da economia e dos educandos. (Brasil 1996)

88 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Assim, são estabelecidos os conhecimentos comuns e
indispensáveis a todos os currículos nas diferentes etapas da
educação básica, complementados por uma parte diversificada,
destinada ao atendimento das peculiaridades dos diferentes espaços
educacionais. Entendemos que essa organização é necessária
tendo em vista a grande diversidade regional, cultural e social que
caracteriza o nosso país.
Entretanto, ao analisar o contexto atual, percebemos que
a criação da chamada parte flexível do currículo ou “itinerários
formativos”, diferente da flexibilidade já antevista pela LDB,
estabelece uma separação entre a parte comum e a flexível, de
modo que o estudante, após cumprir a carga horária relativa à parte
comum, fará a sua escolha entre os itinerários formativos, para dar
continuidade à sua formação.
Dessa forma, a carga horária destinada ao cumprimento da
parte comum do currículo, que antes da reforma era de 2400 horas,
para o conjunto das quatro áreas do conhecimento e suas respectivas
disciplinas, passa a ficar limitada, de acordo com o inciso 5º do art.
35-A da LDB (incluído pela Lei nº 13.415/2017), em que determina
que a “carga horária, destinada ao cumprimento da BNCC, não
poderá ser superior a 1800 horas do total da carga horária do ensino
médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino” (Brasil
2018).
Logo, temos uma diminuição de 600 horas do conjunto
das áreas da parte comum (formação geral), o que fere em nossa
compreensão o conceito de educação como “direito de todos”,
assegurado pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), bem como,
uma das finalidades da educação básica, defendidas no artigo 22 da
LDB que assegura ao estudante “a formação comum indispensável
para o exercício da cidadania” (BRASIL, 1996). Assim, atender
às necessidades da formação geral, indispensáveis ao exercício da
cidadania não se faz diminuindo a carga horária. Esse problema
percebido com a leitura do quadro se torna mais agravante com
a possibilidade da diminuição referida ser maior que 600 horas,

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 89


visto que a Lei estabelece apenas um teto máximo de 1800 horas,
podendo os sistemas de ensino, a seu critério, ofertar menos que
esse quantitativo.
A referida Lei (13.415/2017) ainda estabelece, em seu art.
1º, um aumento progressivo da carga horária do ensino médio para
1400 horas anuais, entretanto, esse pretendido aumento é pensado
para se dá nos itinerários formativos, a parte onde o estudante fará a
sua formação em área(s) específica(s), isto é, privilegiando uma(s)
área(s) em detrimento de outra(s), caracterizando-se, assim, uma
formação fragmentada (Brasil 2017).
Dessa forma, acreditamos que contraria a ideia de formação
integral defendida nos documentos da reforma, já que, a pretexto
de atender ao que trata de “muitas juventudes”, fragmenta-se o
acesso ao conjunto global do conhecimento, e tem por traz uma
intencionalidade em oferecer uma formação minimalista para os
estudantes de classes mais pobres, pois são os que mais dependem
da educação pública.
Para quantificarmos nossa crítica, em nível de informação
estatística, nos utilizamos inicialmente dos dados do Censo Escolar
(2018) que registra o número de matrículas no ensino médio do
Brasil de 7.709.929, e desse total 84,65% são matrículas oriundas da
rede estadual. Logo, podemos dizer que a implantação da Reforma
do Ensino Médio afeta significativamente a educação destinada
à classe trabalhadora. Essa realidade é piorada se levarmos em
consideração a infraestrutura dessas escolas. Como enfatizado por
Moura, Lima Filho e Silva (2015, p. 119) falta infraestrutura que
garanta o funcionamento correto das escolas públicas e destacam:

Ausência de instalações físicas adequadas, bibliotecas,


laboratórios, espaços para a prática de esportiva e de atividades
artístico-culturais; inexistência de quadro de professores e
demais trabalhadores da educação contratados por concurso
público; planos de carreira e de formação, salários dignos e
condições de trabalho adequadas.

90 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Entendemos que seja necessário melhorar em termos de
qualidade o ensino na rede pública estadual. Contudo, os motivos
alegados para a reforma do ensino médio segundo os analistas do
governo são outros, como: organização curricular, flexibilização do
currículo, fortalecimento do currículo e propor atratividade para o
aluno.
Corroborando esse pensamento, Araújo (2019) enfatiza
que essas mudanças curriculares só poderiam ser enfrentadas
sem a fragmentação. O autor ainda acrescenta (2019, p. 76) que:
“conferindo às escolas públicas das redes estaduais de ensino
a função de preparar força de trabalho para atividades laborais
simples”. Desse modo, as escolas da rede estadual possuem
problemas estruturais, falta de professores, falta de infraestrutura
digna para materialização da qualidade do ensino. Ou seja, a
formação oferecida para os jovens da classe trabalhadora serve para
atender os interesses do capital.
Compreendemos que o sucateamento e barateamento do
investimento da educação para as grandes massas é um modelo
educacional neoliberal vigente em países capitalista. Enquanto,
os filhos da classe trabalhadora têm uma educação fragmentada
e fragilizada, a elite tem acesso a uma educação completa. Esse
fato fortalece cada vez mais a dualidade educacional ao invés de
combater a diferença de oportunidade de uma educação igualitária,
laica e de qualidade para todos. É importante destacar que estamos
refletindo sobre as ações que garantirão o futuro da grande massa
menos favorecida do Brasil, isto é, dos jovens da classe trabalhadora,
a qual se destina o oferecimento do ensino médio regular.
Ao analisar as ações do governo sobre o novo direcionamento
da educação brasileira, nos deparamos com algumas incoerências,
por exemplo, a portaria nº 1.145/2016 que cita a melhoria do ensino
médio e a perspectiva de universalização do acesso e permanência
de todos os jovens entre 15 a 17 na educação básica. Entretanto, essa
medida é incoerente com a Emenda Constitucional (EC nº 55/2016)
que congela os investimentos e gastos públicos por duas décadas,

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 91


nos setores como saúde e educação. Esse posicionamento acaba
por desconstruir os caminhos para o crescimento e a construção da
cidadania das classes mais necessitadas da sociedade brasileira.
Outra contradição é referente ao conceito entre a escola de
tempo integral e a escola de formação integral. As escolas de tempo
integral na realidade brasileira apresentam uma série de carências
de cunho estrutural, material, profissional e de investimentos.
Compreendemos que se o governo realmente tivesse o interesse em
investir na educação integral do ser humano optaria pela formação
integral dos alunos, modelo esse desenvolvido e oferecido pela rede
federal de educação.
Compreendemos que esse ensino visa uma formação
humana integral do ser humano, e nessa proposta tem como
conceito básico o trabalho como princípio educativo. Isto é, uma
educação que tem como objetivo uma formação crítica, baseada no
pensamento reflexivo. Uma educação que vá além de uma formação
para o exercício das atividades produtivas (Moll 2014). Desse
modo, entendemos que a rede estadual embora seja responsável
pelo ensino médio regular, precisa ser norteada por um currículo
o qual integre o ensino propedêutico ao ensino profissional técnico
de nível médio, gerando assim o ensino integrado que é necessário
para uma formação humana completa.
Esse pensamento também é partilhado por (Frigotto, Ciavatta
e Ramos 2005, p. 43) quando dizem que: “O ensino médio integrado
ao ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma
condição necessária para a “travessia” em uma nova realidade”.
Ou seja, para de fato, permitir que a educação seja transformadora
da realidade dos alunos é necessário que ela seja ampla. Ciavatta
(2012, p. 84) completa dizendo que:

A respeito de formação integrada como sendo a educação


geral inseparável da educação profissional: seja nos processos
produtivos, educativos, formação inicial, tecnológica ou
superior. E que significa que devemos buscar o enfoque no

92 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


trabalho como princípio educativo para formar trabalhadores
capazes de exercer sua cidadania.

Acreditamos, portanto, que a educação no modelo do ensino


integrado contribui para uma formação crítica, reflexiva e cidadã.
E nessa lógica, para alcançarmos uma melhoria da educação,
no sentido de efetiva qualidade da formação destinada à classe
trabalhadora é necessária uma formação que, além da educação
científica e profissional se fundamente também, em valores morais e
éticos. Seguindo esse pensamento, Moura; Lima Filho; Silva (2015)
enfatizam a importância de também promover as condições materiais
e os incentivos à qualificação e à valorização dos profissionais da
área que são pontos-chave em uma política pedagógica.
Assim, entendemos que a Reforma do ensino médio vai
na contramão desse modelo de educação humana integral, pois
a flexibilização do currículo desobriga o governo a dar acesso
aos jovens oriundos da classe trabalhadora à totalidade dos
conhecimentos, negligenciando assim um direito fundamental.

Considerações finais

Nosso artigo buscou analisar a proposta de implantação


das escolas de tempo integral, tendo como referência a Lei nº
13.415/2017, e suas implicações na flexibilização do currículo a
partir da BNCC do ensino médio. Nesse sentido, constatamos que
a flexibilização do currículo de acordo com as novas regras da
reforma do ensino médio, promovida nessa lei, fragiliza a formação,
pois as escolas públicas estaduais não possuem as condições reais
e necessárias para a efetividade da implementação da Reforma do
ensino médio, impedida pela PEC do teto dos gastos EC nº 95/2016.
Bem como, a proposta de permitir que o itinerário flexível
sem relação com a base comum segue os interesses do grande

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 93


capital. Outro ponto importante a ser destacado é que a Reforma
não prevê a contratação e nem a qualificação dos professores para
atender essa nova demanda.
Desse modo, a Reforma visa ampliar a dualidade entre o
ensino propedêutico e a educação profissional, ampliando ainda
mais o abismo entre a educação destinada à classe trabalhadora
e a educação destinada à elite. Assim, diante da importância da
educação de nível médio como etapa que contribui para a definição
dos percursos profissionais dos jovens, acreditamos que a qualidade
dessa etapa formativa demanda muito mais reformas estruturais do
que flexibilização curricular.
E concluímos que a melhor alternativa para a Reforma do
ensino médio seria um longo período de debates entre as partes
envolvidas na reforma, com uma perfeita homogeneidade nas
diversas necessidades específicas de cada região do Brasil. De
forma a atender a todos os jovens de forma igualitária e completa,
com acesso a todas os recursos educacionais e condições iguais de
ensino e aprendizagem.

Referências

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diferenciação escolar e reprodução das desigualdades
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Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20
de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação, a Consolidação da CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943,
e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a
Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de
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24782015206313.

96 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 6
FLEXIBILIZAÇÕES CURRICULARES:
DO QUE ESTAMOS FALANDO?

Antônio Ferreira
Lucilia Vernaschi de Oliveira

Introdução

Inicialmente queremos esclarecer ao leitor de que lugar


estamos falando, pois entendemos que isto contribuirá para que este
compreenda melhor o que estamos indicando neste diálogo.
Somos educadores há mais de vinte (20) anos e mais da
metade deste tempo voltado para a luta em defesa de uma educação
inclusiva.
É envolto neste universo de resistência que buscamos através
da nossa prática no chão da escola pública e da pesquisa contribuir no
processo de materialização do processo de flexibilização curricular.
Nossa vivência como educadores e pesquisadores nos
conduziu a outras maneiras de observar o currículo, bem como
o surgimento de novas indagações. Desse modo, constituíram-

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 97


se novas possibilidades de conceber o currículo e suas distintas
relações com o saber acadêmico e escolar, ou seja, desenvolvia-se a
discussão em torno do currículo em outro patamar de reflexão.
Em outras palavras, trata-se de trazer à baila a questão da
flexibilização curricular que vem sendo desenvolvida no Instituto
Federal do Paraná (IFPR).
Por outro lado, é mister destacar que foi, a partir do ano
de 2018, que o debate sobre a flexibilização curricular no IFPR
começou a ser discutido de forma oficial mediante a organização
de um grupo de educadores com encontros específicos para discutir
a temática.
O currículo pode ser entendido como um produto cultural,
que vai moldando a identidade, formando sujeitos de acordo com
a proposta de determinada sociedade. Mas, Bauman (1999) adverte
que “o campo de batalha é o lar natural da identidade. Ela só vem
a luz no tumulto da batalha [...] é uma luta simultânea contra a
dissolução e fragmentação” (Bauman 1999. p. 83). É possível
inferir que talvez a batalha também seja o “lar natural” do currículo.
O currículo é marcado por conflitos, negociações, disputas que
estão diretamente vinculados às relações de poder. Assim, currículo,
cultura e identidade estão implicados de forma permanente em
lutas pela afirmação e legitimação de vozes silenciadas, visto que,
grupos subordinados tentam resistir à imposição de significados que
mantêm os interesses dos grupos hegemônicos.
Daí que, refletir e falar sobre currículo é interagir com um
artefato múltiplo, que agrega uma gama de definições, portanto,
demanda escolher dentre os vários autores e pesquisadores da área
do currículo aqueles que possibilitam contextualizar os significados
do currículo dentro dos objetivos elencados na pesquisa. Assim,
o currículo não é somente uma seleção de saberes, mas, também
um produtor contínuo de conhecimentos e sentidos, em tempo e
sociedade.
O currículo escolar é constituído por um tripé articulado entre
conhecimento cultural, escola e sociedade e deve ser atualizado

98 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


constantemente, considerando as transformações socioculturais que
o compõe. A construção de um currículo precisa ser uma atividade
coletiva e seguir critérios rigorosos que observem as características
filosóficas da instituição de ensino, considerando o movimento
dialético implicado no processo de formação humana, sempre
situando a sociedade, o homem e o estudante que se pretende
formar, demarcados em um momento sócio-histórico globalizado.
No atual momento contemporâneo em que o processo
de inclusão escolar e social é uma realidade necessária, pensar a
construção e organização curricular é apostar de forma análoga em
sua forma flexível de se realizar de maneira democrática e justa.
Com o propósito de discutir o currículo e as necessárias
flexibilizações curriculares em ambientes escolares inclusivos,
traçamos o objetivo de discutir as concepções de flexibilizações
curriculares e suas consequências no contexto escolar, com o
intuito de refletirmos sobre a confusão no uso de terminologias
que caracterizam o ato de “ajustar” o currículo às necessidades de
educandos que não conseguem se valer das formas convencionais
estabelecidas na apropriação de conhecimentos socioculturais
ensinados em forma de conteúdos escolares.
Com a finalidade de cumprir nossa proposição, nos valemos
de estudos teóricos em uma perspectiva crítica de conhecimento,
também realizamos um breve levantamento temporal de dispositivos
legais que orientam a necessidade de modificação curricular para
que a escola se torne, de fato, inclusiva, no sentido de fomentar as
variáveis que envolvem a formulação e concretização do currículo
escolar, seu conceito e as várias dimensões epistemológicas que
assume, conforme o referencial teórico utilizado no processo de
flexibilização curricular, como alternativa de promoção humana.
Desde a década noventa do século XX assistimos à
intensificação de debates acerca da inclusão, deflagrado após o
encontro em Jomtiem, na Tailândia com a Educação para Todos,
seguindo-se Salamanca discutindo a Educação Inclusiva, Guatemala
e Montreal, para destacar somente os principais.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 99


Currículo e flexibilizações curriculares

O currículo escolar é um instrumento de construção histórica


e cultural, no qual são organizados sistematicamente os conteúdos
culturais objeto de ensino e aprendizagem, a serem trabalhados em
uma determinada etapa ou nível de ensino.
Enfim, estamos familiarizados com a expressão “o currículo
norteia o trabalho escolar”, pois ele comporta os saberes a serem
ensinados, tanto em sua dimensão teórica quanto na prática, além
de valores que fazem parte da formação humana.
Não é nossa preocupação neste texto discutirmos
exaustivamente as teorias curriculares, mas entendemos
conveniente situarmos que, a concepção de currículo que permeia
nossa discussão filia-se à perspectiva crítica, por possibilitar
questionar e problematizar as formas dominantes de conhecimento
e práticas escolares, e por defender a formação crítica dos sujeitos
e lhes habilitar para intervir e transformar condições ideológicas e
materiais de subordinação.
Diante do exposto, entende-se que o estudo sobre o currículo
escolar na perspectiva da inclusão, é um campo emergente na
pesquisa acadêmica, portanto, exige dos pesquisadores novas
maneiras de olhar e interpretar os fenômenos sociais que permeiam
essas realidades, e, sobretudo formular interrogações que permitam
conceber as relações entre os estudantes com necessidades
específicas e o currículo escolar. Como diz Albuquerque Jr. (2000,
p. 119) sobre outras maneiras de construir o conhecimento, é
preciso aprender a olhar para o “desenho de bordas, de limites, de
fronteiras, que marca e demarca cada corpo, cada pensamento, cada
prática, cada discurso”.
Para Goodson (1998, p. 9):

100 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Aquilo que é considerado currículo num determinado momento,
numa determinada sociedade, é o resultado de um complexo
processo no qual, considerações epistemológicas puras ou
deliberações sociais racionais e calculadas sobre conhecimento
talvez não sejam nem mesmo as mais centrais e importantes.

O currículo traz consigo disputas das mais diversas, em que


além das disputas existem trocas. Assim, a construção curricular
envolve diferentes intenções, sendo um espaço de enunciação
cultural, isto é, uma fronteira onde culturas híbridas interagem com
outras culturas também híbridas, resultando no hibridismo cultural.
Nesse sentido, na construção institucional de um currículo
precisamos observar diversas dimensões, como a filosófica, política,
histórica, econômica, social, cultural e outras, além de características
que definem a sua efetiva aplicabilidade, como a sua organicidade,
dinamicidade e adaptabilidade à realidade, à proposta pedagógica
e teórico-metodológica de uma determinada instituição de ensino.
Considerar um currículo inclusivo, é sobretudo, considerar
as necessidades específicas dos estudantes. É preciso ficar claro
qual o ritmo de trabalho se propõe para uma determinada turma e,
principalmente, de que forma será respeitado o ritmo daqueles que
por características próprias (deficiências, dificuldades acentuadas,
transtornos e outros) não conseguem aprender ao mesmo tempo e
de forma semelhante aos colegas de turma. Essa atitude pedagógica
não significa “sub-currículo” minimizando-o, significa que sua
padronização nem sempre atinge a todos os aprendizes, e que
flexibilizá-lo é uma alternativa necessária para atender esse tipo de
aprendizagem.
Em se tratando de currículo para todos, a seguir tecemos
considerações sobre alguns marcos históricos presentes em
dispositivos legais internacionais e nacionais que recomendam
e asseguram mudanças nas atitudes didático-pedagógicas para a
conformação do currículo, numa perspectiva inclusiva.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 101


Em 1990, a Declaração Mundial sobre Educação para
Todos, realizada em Jomtien/Tailândia, tida como forte marco de
educação inclusiva, já sinalizava e alertava sobre a necessidade de
as instituições escolares realizarem adaptações curriculares.
Em 1993, a Resolução 48/98 da ONU, orienta em sua alínea
b, da regra 6, em seu item 5 que cabe às instituições de ensino
“Permitir a flexibilidade e adaptabilidade dos planos curriculares,
bem como a possibilidade de introdução de novos elementos nesses
mesmos planos”.
Por sua vez, em 1994, a Declaração de Salamanca, realizada
em Salamanca/Espanha, reitera a premência de repensar o currículo
rígido, ao asseverar sobre a adaptação curricular às especificidades
de aprendizagem do aluno e não o contrário.
Em 2007, assinada em Nova York, a Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, também traz em seu bojo a
recomendação sobre a modificação curricular em seu art. 24, item
1, letra c: “Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades
individuais sejam providenciadas”.
Outro marco legal internacional que assegura um currículo
inclusivo, portanto flexível, é a Declaração de Incheon/Coréia
do Sul (2015), decorrente do Fórum Mundial de Educação que
elencou uma agenda conjunta de educação de qualidade e inclusiva.
Como resultado deste documento, a Unesco elaborou Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, no qual dispõe de dezessete (17)
objetivos a serem cumpridos até 2030.
No item 5º, por exemplo, podemos observar que a educação
inclusiva deve “promover oportunidades de aprendizagem a todos”,
afirmativa que remete à necessidade de consonância entre o Projeto
Político Pedagógico (PPP), o currículo escolar e suas adequações,
conforme as demandas individuais de sala de aula. No item 10º,
reforça o compromisso de uma educação para todos, pois “é
importante que se ofereçam percursos de aprendizagem flexíveis”.

102 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Em âmbito nacional, a atual Constituição Federal preconiza
sobre o desenvolvimento pleno do estudante, o direito de igualdade
de acesso e permanência na escola, e dadas as condições de
algum impedimento de aprendizagem, o atendimento educacional
especializado (Brasil 1988, Artigos 205, 206, 208).
De forma consonante, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB 9394/1996), em seu artigo 59, estabelece
vários aspectos que os sistemas de ensino devem assegurar aos
estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
(atual Transtornos do Espectro Autista - TEA) e altas habilidades/
superdotação, dentre eles no inciso I dispõe sobre “currículos,
métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos,
para atender às suas necessidades”. Esse inciso assevera o papel
da escola para, de acordo com sua proposta pedagógica, realizar
adaptações e flexibilizações às necessidades do alunado da educação
especial.
Como políticas públicas, o Ministério da Educação (MEC)
lançou em 1999 os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN
“Adaptações Curriculares”, o que, em sua essência, esse documento

[…] busca dimensionar o sentido e o alcance que se pretende


dar às adaptações curriculares como estratégias e critérios de
atuação docente” (Brasil 1999, p. 15). De natureza similar, dois
outros volumes foram lançados pelo MEC em 2000, descritos
dessa forma: Projeto Escola Viva: garantindo o acesso e
a permanência de todos os alunos na escola: alunos com
necessidades educacionais especiais: adaptações curriculares
de Pequeno Porte. Projeto Escola Viva: garantindo o acesso
e a permanência de todos os alunos na escola: alunos com
necessidades educacionais especiais: adaptações curriculares
de Grande Porte.

A Resolução nº 2 de 2001 (CNE/CEB) institui as Diretrizes


Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, no

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 103


inciso III, do art. 8º orienta sobre a necessidade de “adaptações
e flexibilizações curriculares” na organização do ensino, com
base no PPP da escola. O artigo 17, reitera que o atendimento
educacional especializado deve promover a “flexibilização
e adaptação do currículo”. O art. 18, § 2º dispõe que os
professores da educação especial são especializados para
definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de
estratégias de “flexibilização, adaptação curricular [...]”.

Em 2003, é recorrente em materiais da Secretaria de Educação


Especial/MEC (Coleção Saberes e práticas da inclusão) o termo
flexibilização curricular, pois anteriormente a esse período era
comum o uso da terminologia adaptação curricular nesse tipo
de cartilha. Em relação à formação docente, ao final do módulo
quatro (4), o professor deveria:1. Dissertar sobre o conceito
de educação para todos […]; 2. Descrever os diferentes níveis
de adaptação possíveis e necessários para a flexibilização da
prática educacional […] (Brasil 2003, p. 7).

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da


Educação Inclusiva (2007), apesar de não mencionar diretamente
sobre as definições adaptações/flexibilizações curriculares, afirma
que o docente de educação especial deve “elaborar e organizar
recursos pedagógicos e de acessibilidade”, o que subentende a
prática de adaptações e flexibilizações curriculares.
A Resolução nº 4 de 2009 (CNE/CEB) institui Diretrizes
Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado
na Educação Básica, na modalidade de Educação Especial, da
mesma forma que a documento anterior, não se atém diretamente
às adaptações/flexibilizações curriculares, porém no art. 2º, em seu
§ único salienta sobre a necessidade de se promover “condições
de acesso ao currículo”, aspecto que diz respeito à participação do
estudante com deficiência nas atividades escolares. Assim como
no art. 7º afirma sobre o enriquecimento curricular voltado aos
estudantes com altas habilidades/superdotação.

104 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


A Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – Institui a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência), em seu art. 28, inciso III estabelece a
organização do,

[…] projeto pedagógico que institucionalize o atendimento


educacional especializado, assim como os demais serviços
e adaptações razoáveis, para atender às características dos
estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao
currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista
e o exercício de sua autonomia. (grifo nosso)

Além dos dispositivos legais, a literatura que trata do


currículo e de suas formas de conformação com as demandas
dos estudantes da educação especial e inclusiva evidencia que há
uma “confusão” no uso dos termos adaptações e flexibilizações
curriculares. Concordamos com a ideia de que o uso do termo
adaptação curricular requer “[...] uma reflexão maior porque adaptar
nos remete à ideia de ajuste mecânico, físico, localizado” (Floriani e
Fernandes 2008), enquanto a flexibilização curricular é uma decisão
político-pedagógica, pois assegura aos estudantes condições
conceituais de se apropriar do conhecimento.
Fonseca (2011) e Scherer (2015) discutem a falta de clareza
no uso, muitas vezes tomados como sinônimos ou equivalentes para
designar a ação de adaptar, no sentido de prover condições didático-
pedagógicas estruturais pontuais, e flexibilizar, por sua vez, assume
o caráter de priorizar o cerne dos conteúdos a serem ensinados, no
sentido de possibilitar a real inclusão escolar do estudante. Ou seja,
é preciso compreender o trânsito de “[…] mudança de ênfase de
adaptações para flexibilizações curriculares” (SCHERER, 2015,
p. 83), aspecto que carece de muitas reflexões para que realmente
aconteça na prática inclusiva.
Antun (2017) declara que;

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 105


[…] flexibilizações e adaptações curriculares não são a mesma
coisa. Mais do que isso, a diferença entre ambas é basilar. A
própria expressão “adaptado” denuncia que se trata de um
“remendo”, uma mudança pontual, específica para alguns: os
“diferentes”. Como se os demais fossem todos iguais. (Antun
2017, p. 3)

Considerando que as práticas de inclusão estão vinculadas a


garantia do direito a diferença e da igualdade do direito a educação.
E, é nesta perspectiva que se torna pertinente indicar o que
defendemos por flexibilização curricular.
Flexibilizar é opor-se aquilo que é fixo, dogmático,
intransigente, intolerante, em se tratando do processo de ensino
aprendizagem, entendemos que na prática do exercício da
flexibilização curricular estamos buscando garantir uma organização
curricular que contemple em sua base estrutural e operacional as
características sociais, culturais e individuais dos estudantes.
Nesta esteira de compreensão, Sacristán (1999), nos indica
que,

O currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à


escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados e
a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e
aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições.
(Sacristán 1999, p. 61)

Daí que, refletir e falar sobre currículo é interagir com um


artefato múltiplo, que agrega uma gama de definições, portanto,
demanda escolher dentre os vários autores e pesquisadores da área
do currículo aqueles que possibilitam contextualizar os significados
do currículo dentro dos objetivos elencados na pesquisa. Assim,
o currículo não é somente uma seleção de saberes, mas, também
um produtor contínuo de conhecimentos e sentidos, em tempo e
sociedade.

106 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Considerações finais

Conforme propusemos no presente texto, tecemos algumas


considerações que julgamos imprescindíveis na compreensão do
currículo e na sua necessária organização para atender estudantes
público-alvo da educação especial e outros que nem sempre
aprendem com a mesma intensidade de
seus colegas de turma, pois o currículo não deve ser
engessado e matematicamente realizado, do contrário assume um
caráter excludente e massificador.
Considerando a complexidade com que o currículo escolar
em ação se apresenta em grande parte das escolas públicas,
acreditamos que outros estudos precisam compreender essa
temática, em especial na relação formação inicial e continuada do
professor, seja para os do ensino comum ou especial, com a intenção
de que todos os estudantes sejam beneficiados, independentes de
suas condições de aprendizagem.
Defendemos que o processo de flexibilização curricular seja
precedido por adaptações, pois, entendemos que estas subsidiam a
flexibilização curricular.
Enfim entendemos que as medidas pedagógicas que precisam
ser tomadas dizem respeito, como assinalamos, de se (re) pensar
criticamente o currículo, sua construção e execução aos diferentes
tipos de estudantes e suas distintas formas de lidar com o processo
de conhecimento.
Constatamos que após décadas de orientações sobre a
necessidade de adaptações/flexibilizações curriculares, ainda
prevalecem confusões tanto no uso adequado dessas terminologias
quanto na efetiva atividade pedagógica de propiciar ao estudante
que se beneficie de “ajustes” que possibilitem diferentes formas e
tempos de aprendizagem.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 107


Referências

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de todos os alunos na escola. Alunos com necessidades
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de todos os alunos na escola. Alunos com necessidades
especiais, nº 6 – Adaptações de Pequeno Porte. Brasília:

108 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


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110 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 7
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR:
ANÁLISES SOBRE AS INFLUÊNCIAS, DISPUTAS
E NEGOCIAÇÕES NO PROCESSO DE SUA
CONSTRUÇÃO

Gessica Mayara de Oliveira Souza


Nathalia Fernandes Egito Rocha
Maria Zuleide da Costa Pereira

Introdução

Atualmente as discussões sobre a Base Nacional


Comum Curricular (BNCC) assumem centralidade nos debates
educacionais por, minimamente, duas razões. A primeira delas é por
considerarmos a importância do currículo escolar e das definições
quanto aos objetivos e finalidades da escola (Ball 1987). Por outro
lado, e consequentemente, destacamos as disputas em torno dessas
definições e dos resultados aí repercutidos (Freitas 2014).
A BNCC é defendida como o resultado de um trabalho
coletivo. Afirma-se que “seu processo de elaboração foi conduzido
pelo MEC, CONSED, UNDIME e CNE, com a participação da

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 111


sociedade civil, de professores e de gestores” e que “houve três
etapas de revisão, a partir de sugestões de aprimoramento feitas
por especialistas, por educadores e pela sociedade” (Brasil 2018,
s/p). Além disso, o CNE (CNE/CP nº 2/2017, p. 3), sobretudo,
considerando as audiências públicas realizadas em alguns estados
brasileiros, afirma que “os mais diversos segmentos da sociedade
tiveram real oportunidade de participação, e efetivamente
ofereceram suas contribuições”.
Todavia, percebemos através da pesquisa de Rocha (2016)
que o processo de participação, sobretudo dos docentes, se deu em
termos formativos. Isto é, os professores e professoras do contexto
analisado, não tiveram real acesso às tomadas de decisões. Desta
forma, questionamos: Como as discussões sobre a política de base
chegaram à escola? Ou ainda: essas discussões partiram da escola
e das ideias e subjetividades dos profissionais que vivenciam o ato
pedagógico? Através de um estudo de caso no Município de João
Pessoa e com base nos estudos de Bowe, Ball e Gold (Ball et al.
1992, p. 178), a autora coloca sob suspeita a fonte ou o momento
das tomadas de decisões que envolvem a escola.
Entende-se, a partir da citada pesquisa, que, como Ball
(1987, p. 144) afirmou as decisões fundamentais concernentes à
BNCC foram tomadas fora da escola. E, além disso, a linguagem
dos discursos exprimem “a oposição e antagonismo consciente
de interesses entre “os de baixo” e os elaboradores da política.
Percebemos, dessa forma, que a cultura política da BNCC “se baseia
em uma concepção limitada de democracia e participação” (Ball
1987, p. 142). Além disso, Rocha (2016) analisou que as condições
para que essa atividade fosse realizada não foram garantidas e que
os próprios docentes não se sentiram partícipes do processo de
tessitura da política curricular.
Em vistas disso, identificamos a importância de analisar
e refletir sobre a BNCC, principalmente no que diz respeito ao
momento de produção, pois para Peroni e Caetano (2015, p. 341),
a “disputa pelo currículo torna-se importante, pois nele pode ser

112 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


impresso o conteúdo e a direção a ser dada à educação e à escola”.
Com esse objetivo, grupos, sejam através de instituições públicas
e/ou privadas, organizaram-se a fim de se articularem, através de
debates e seminários, para as tomadas de decisões do futuro da
educação do Brasil.
Nesse sentido, a BNCC se tornou um campo de disputas
na educação brasileira, na qual diferentes sujeitos individuais
e/ou coletivos vêm se articulando para buscar espaço em uma
área fundamental da educação e da escola: o currículo. Desta
forma, através de Peroni e Caetano (2015), identificamos alguns
protagonistas nesse empreendimento. A respeito dos interesses e das
participações na construção do documento da BNCC, destacou-se
o grupo do Movimento pela Base Nacional Curricular (MBNCC),
como um dos grupos que mais influenciaram na construção do
documento.
Com base nos estudos de Ball et al. (1992), percebemos que
o MBNCC pode ser considerado como um significativo espaço de
manobras e lutas em torno dessa política. O grupo afirma em seu
site, que se constituí de um coletivo de especialistas em Educação
que se reuniu para discutir a adoção de uma BNCC para o Brasil
desde o ano de 2013. O objetivo do MBNCC, conforme dito foi de
promover debates, produzir estudos e pesquisas, investigar casos de
sucesso em vários países e entrevistar alunos e professores.
Portanto, esse texto tem por propósito apresentar e refletir
sobre os resultados e discussões de uma pesquisa de conclusão de
curso (Souza 2017), através da qual buscamos investigar e analisar o
processo de elaboração da BNCC, destacando a atuação e influência
do MBNCC nas definições dos objetivos do documento.
A pesquisa assume o caráter qualitativo, porque “preocupa-se
com a compreensão, com a interpretação do fenômeno, considerando
o significado que os outros dão as suas práticas, o que impõe ao
pesquisador uma abordagem hermenêutica” (Gonsalves 2003, p.
68) e exploratório, por objetivar “proporcionar uma visão geral, de
tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (Gil 2008, p. 27).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 113


Além disso, caracterizamos a presente pesquisa como bibliográfica,
pois “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos” (Gil 2008, p. 50).
Além disso, pautamo-nos no referencial teórico metodológico
de Ball et al. (1992), pela possibilidade que o ciclo de políticas nos
dá de entender a política de forma não linear, compreendendo-a
enquanto um ciclo contínuo. Portanto, não se reduz à dimensão
prescritiva e, sendo um processo dinâmico, assume significados
diversos em diferentes espaços/contextos. Dessa forma, através
do ciclo de políticas podemos perceber momentos de produção da
política ainda no seu estágio de ideação, a materialização da proposta
no texto legal, a repercussão dessa política na prática, além de seus
efeitos, resultados e estratégias. Esses contextos são interligados,
embora cada um tenha suas especificidades.
Assim sendo, através deste texto buscamos realizar uma
síntese da investigação realizada. A seguir analisaremos o contexto
em que políticas como a BNCC são produzidas e posteriormente
adentraremos sobre as influências das relações público-privadas nas
definições das políticas curriculares destacando o papel exercido
pelo Movimento pela Base na produção da BNCC. E finalmente,
traremos nossas últimas considerações finais.

Políticas de currículo e neoliberalismo: dilemas e reflexões

A discussão sobre qual conhecimento deve ser considerado


válido foi, segundo Macedo e Frangella (2016), por muito tempo,
uma preocupação central do campo do currículo. Por conseguinte,
a discussão atual de uma base nacional comum mobiliza toda uma
história, sendo as experiências internacionais fortes marcas nas
discussões atuais de uma base.
As autoras destacam que não é apenas no Brasil que o desejo
de controle nacional dos currículos vem sendo posto em pauta

114 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


desde a década de 1990. Esse momento, influenciado por políticas
de cunho neoliberal, interessava-se pelo aperfeiçoamento de um
sistema de avaliação externa e do controle direto dos currículos,
“justificando-o por supostos baixo nível da educação e formação
deficiente de professores” (p. 14).
Apple (2001, p.56) destaca que, na Inglaterra, “um currículo
nacional, introduzido pela primeira vez no governo Thatcher,
está agora amplamente implantado”. Esse currículo consiste em
disciplinas básicas e fundamentais, criados a partir de grupos de
trabalho que determinaram objetivos padronizados, baseados em
metas a serem atingidas. Apple (2001) acrescenta que tudo isso veio
acompanhado de um sistema nacional de avaliação, levando-nos a
acreditar que devemos seguir o modelo e nos sujeitarmos à liderança
de outras nações, pois a existência de um currículo nacional seria
essencial para “elevar os padrões” e tornar as escolas responsáveis
pelo bom rendimento.
Apple (2001, p. 57) ainda destaca que “muitas pessoas de um
amplo leque de posições políticas e educacionais estão envolvidas
na luta por melhores padrões, currículos mais rigorosos em nível
nacional e um sistema nacional de avaliação”. Mas, cabe aqui nos
perguntar: que grupo está liderando esses esforços de reforma?
Quem se beneficia e quem perde com o resultado de tudo isso?
Ball (2001, p. 100) afirma que existe um “conjunto de
problemáticas conceptuais e um quadro de questões empíricas
relacionadas com o surgimento de um novo paradigma de governo
educacional”. Para o autor, isso acontece porque tem a globalização
como sustentação para tal quadro. Ball (2001, p. 100) destaca que há
um “desaparecimento gradual da concepção de políticas específicas
do Estado Nação nos campos econômicos, social e educativo e,
concomitantemente, o abarcamento de todos estes campos numa
concepção única de políticas para a competitividade econômica”.
Concordamos ainda com Dale (2009, p. 24) que “a
globalização neoliberal pode ser vista como um conjunto de arranjos
políticos e econômicos para a organização da economia global,

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 115


impulsionada mais pela necessidade de manter o sistema capitalista
do que por quaisquer valores”.
Dessa forma, Escarião (2011) destaca que de acordo com a
amplitude deste fenômeno de globalização, ela tece um jogo entre
empresas nacionais e internacionais que acontece de acordo com
os interesses da realidade do mundo competitivo e do mercado
especulativo, que geram repercussões em vários âmbitos e em
especial na educação para o maior atendimento aos interesses
dominantes.
Portanto, Ball (2001) argumenta que concomitante ao
surgimento do fenômeno de globalização, surgiu também um novo
paradigma de governo educacional; com a busca pela união dos
Estados-nação e o paradigma de qualidade internacional, surge
também uma política de competitividade em busca de alcançar
essa qualidade de mercado, que começa a afetar os campos sociais,
econômicos e educativos. Por esse motivo surgem as reformas
educacionais, pois se percebe que é através da escola que se pode
alcançar esse padrão estabelecido e, para se chegar à escola, atua-se
necessariamente no currículo. Dessa forma, o mercado passa a ser
visto como “um mecanismo para a oferta da educação mais eficaz,
ágil e eficiente” (Ball 2001, p. 109).
Nesse sentido, Dale (2009, p. 23) afirma que no contexto de
globalização, o currículo é visto como “uma ratificação ritual de
normas e convenções educacionais mundiais. Pois, é visto como o
meio pelo qual os Estados-nações conseguem ajustar seus sistemas
educacionais para atender às demandas e preferências em constante
mudança”. Nesse contexto e junto com o pacote de reformas, surge
a necessidade de um currículo nacional. Dale (2009) destaca que a
definição de quais conhecimentos devem ser ensinados nas escolas
são, nessa perspectiva, determinações que vêm de fora.
Desta forma, o Estado intervém nas políticas como agente
regulador de modo enfático e centralizado, muito embora com
um discurso de Estado mínimo e descentralizador. Peroni (2012)
destaca que as políticas educacionais são parte da materialização

116 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


do Estado e que, dessa forma, é parte de um movimento histórico
em um período particular do capitalismo, “portanto, o Estado
não é entendido como uma abstração; é construído por sujeitos
individuais e coletivos em um processo histórico de correlação de
forças” (2012, p. 20).
Segundo Hypólito (2010. p. 1340), trata-se de discursos
que desempenham uma variedade de políticas em diferentes
lugares, com o objetivo de criar uma noção de que as reformas
são uma necessidade natural, constituem-se em parte inevitável da
globalização e do mercado internacional e de uma economia cada
vez mais baseada no conhecimento e que, portanto, exige mudanças
radicais na forma de organizar, conceber e desenvolver a educação.
O autor afirma que o neoliberalismo em educação deve ser
bem mais compreendido como uma política de regulação do Estado
do que como uma política de governo. Assim, para Peroni (2012), as
mudanças na gestão pública são partes de alterações em sociedades.
“Em uma sociedade hegemonizada pelo capital, a gestão pública
sempre teve como parâmetro o mercado, mas diferentes organizações
da produção interferem de diferentes formas na gestão do trabalho e
nos parâmetros para o setor público, em particular, para a educação”
(p. 20). Outro fator que contribui para uma mudança nos parâmetros
da gestão pública é a proposta de quase mercado vinda da corrente
neoliberal que propõe uma aproximação cada vez maior entre as
escolhas públicas e os parâmetros de mercado.
Nesse contexto, a BNCC se tornou um campo de disputas
na educação brasileira, na qual diferentes sujeitos individuais e/
ou coletivos vêm se articulando para buscar espaço em uma área
fundamental da educação e da escola: o currículo. Dessa forma,
dentro de uma discussão a respeito de um currículo nacional, o qual
decidirá o que os alunos devem ou não aprender na educação básica
pública, cabe aqui nos perguntar: qual conhecimento? Quem decide
o que ensinar? Peroni e Caetano (2015) afirmam ficar claro em suas
pesquisas que o privado define o conteúdo do público, tanto nos
aspectos de gestão quanto nos aspectos pedagógicos.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 117


O público-privado nas políticas de currículo: o caso da BNCC

Segundo Barreiros (2017), todo o processo de construção


de um ator coletivo, no processo de elaboração de uma política
educacional nacional, envolve o que o MEC chama de diálogo com
a área, o qual consiste na realização de reuniões com especialistas
de universidades e professores de educação básica de diferentes
áreas do conhecimento. Além desses grupos, há também parcerias
e discussões com instituições privadas, como é o caso dos bancos:
Bradesco, Itaú (Unibanco), Santander; grupos empresariais:
Gerdau, Natura, Volkswagen e grupos privados da área educacional:
Fundação Victor Civita, Fundação Roberto Marinho, Fundação
Lemann, CENPEC, Todos pela Educação e Amigos da Escola.
No documento da BNCC e através das publicações
midiáticas, afirma-se que a política curricular é fruto de um amplo
debate e desenvolveu-se a partir da contribuição da sociedade civil
em geral e, especialmente, dos professores. A partir dos nossos
estudos a respeito dos interesses e das participações na construção
do documento da BNCC, destacou- se o grupo Movimento pela Base
(MBNCC). Por esse motivo, nosso interesse é analisar a influência
desse grupo na tessitura do documento da BNCC.
Com base nos estudos de Ball et al. (1992), percebemos
que o grupo MBNCC pode ser considerado como um significativo
espaço de manobras e lutas em torno dessa política. Mas, cabe-nos
perguntar neste trabalho: qual o interesse de grupos como esse em
investir e fazer parte da construção desse documento? De que forma
eles podem se beneficiar? Para Freitas (2015), trata-se de garantir
o controle ideológico da escola e o acesso ao conhecimento básico
para a formação do trabalhador, objetivando “adaptar as escolas
as novas exigências da reestruturação produtiva e da promoção do
aumento da produtividade empresarial” (Freitas 2014, p. 1090).
Segundo Peroni e Caetano (2015), o Movimento pela
Base é composto por instituições privadas que vêm se articulando

118 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


com instituições educacionais globais; visa promover mudanças
na educação do país “especialmente no currículo e avaliação e,
consequentemente, na formação docente, entre outros” (p. 344),
mudanças essas baseadas em reformas de outros países, como por
exemplo, Estados Unidos, Austrália, Chile e Reino Unido.
As autoras também destacam que ao mapear os sujeitos que
fazem parte do Movimento, encontram-se basicamente os mesmos,
como por exemplo, CONSED E UNDIME, enquanto instâncias
públicas, e a Fundação Lemann, que vem articulando especialmente
eventos sobre a BNCC com os Secretários de Educação (CONSED)
e Secretários Municipais de Educação (UNDIME).
Conforme as autoras, a Fundação Lemann tem uma página
nas redes sociais de apoio ao MBNCC. Além dessas empresas, o
Movimento Todos pela Educação também aparece como parceiro
desses eventos “que se tornam, em diferentes momentos, porta
de entrada para que essas instituições atuem com seu projeto
hegemônico de sociedade e de educação” (p. 345).
É importante salientar o que Macedo (2014, p. 1540) afirma
referente a estes grupos, para a autora a maioria dessas redes é

constituída por instituições filantrópicas, grandes corporações


financeiras que deslocam impostos para suas fundações,
produtores de materiais educacionais vinculados ou não às
grandes empresas internacionais do setor, organizações não
governamentais.

A autora destaca ainda que “entre os muitos projetos


desenvolvidos pela rede, constam, recentemente, inúmeras
referências ao currículo da educação básica, com destaque para
a defesa de uma base comum nacional para os currículos” (idem,
1540).
Em relação à BNCC, o Movimento pela Base mostrou-se
totalmente interessado nos discursos e se caracterizou como uma

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 119


das arenas com mais influências na construção do documento,
chegando até a eleger sete princípios para a orientação do
documento da BNCC, sendo eles: foco nos conhecimentos e
habilidades, clareza e objetividade, fundamentação em pesquisas
nacionais e internacionais, obrigatoriedade, diversidade, autonomia
e construção coletiva (União, Estados, Municípios e consultas
públicas).
Entendemos, consoante Rocha (2016), que esta fase da
investigação evidenciou-se para nós como o que Ball et al. (1992)
chama de contexto de influência, o qual é caracterizado como o
momento em que a política é iniciada. Em conformidade com esse
autor, entendemos que a política não é iniciada a partir do texto
legislativo, mas que ela é fruto de lutas entre partidos interessados
em influenciar as definições e os propósitos sociais da Educação e,
neste caso em específico, a BNCC.
Destacamos, ainda, que “arenas privadas de influências são
baseadas em redes sociais dos e em torno dos partidos políticos, do
e em torno do Governo e do e em torno do processo legislativo”
(Rocha 2016, apud Ball et al. 1992, p. 19). É nesse contexto que
os “conceitos políticos chave são estabelecidos e adquirem as
condições para iniciação da política.” (ibidem).
Portanto, de acordo com Rocha (2016), que também analisa
as influências privadas no documento da BNCC com base nos
estudos de Ball et al. (1992), o MBNCC se caracteriza como uma
“arena pública formal” ou um lugar de influências e controle sobre o
documento da BNCC. Mas, também entendemos que o movimento
se caracterizou como um texto político ou como uma “narrativa de
segunda mão”, que “teve como objetivo ser fonte de informação e
entendimento da política de BNCC” (Rocha 2016, apud Ball et al.
1992).
No entanto, não queremos afirmar que o MBNCC é o único
agente influenciador na política da BNCC, “mas, o consideramos
como um significativo espaço de manobras e lutas em torno da
política” (Rocha 2016, p. 75). Dentre os grupos citados neste

120 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


trabalho que compõe o Movimento pela Base, alguns se destacam
como os que mais tiveram influência na construção do documento,
como é o caso da Fundação Lemann. Segundo Peroni e Caetano, o

[...] relatório Anual 2014, informa que houve a intensificação


na interlocução e parcerias com Undime, Inep, Capes, MEC, e
secretarias estaduais e municipais. Em relação à Base Nacional
Comum, o mesmo relatório apresenta que a Fundação Lemann
participou ativamente da construção de um grupo plural que
se mobilizou pela criação de uma Base Nacional Comum da
Educação para o Brasil. (2015, p. 346)

Para as autoras, a Fundação Lemann atuou fortemente para


dar direção ao processo de construção da base e é integrante do
Movimento pela Base. Outro grupo que destacamos aqui é o Todos
pela Educação, que se articula com instituições apoiadoras do
Movimento pela Base e, conforme Peroni e Caetano (2015), vários
de seus membros tiveram assento no Fórum Nacional de Educação,
criado pela Portaria MEC nº 1.407/2010.
Destaca-se também que a CONSED E A UNDIME estão
lado a lado com esse movimento que “visa fortalecer, no meio
empresarial, a importância de um organismo com capacidade para
defender interesses de classe e intervir na definição de políticas
educacionais do Estado” (p. 346).
Como afirmamos anteriormente, nossa proposta inicial foi de
analisar quais os grupos de interesse participaram das negociações
e formulação da BNCC direta ou indiretamente. Dessa forma, ao
decorrer das análises foi possível observar que algumas empresas
privadas, articuladas ao Movimento pela Base, tiveram grande
influência no processo de construção dessa política e até mesmo
no processo de produção do texto, entendidos por nós, através de
Ball et al. (1992), como textos ou narrativas de segunda mão, vários
dos quais tidos, em relação à BNNC, pelo Movimento pela Base,
a exemplo do próprio site do movimento, como também o site da

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 121


Fundação Lemann que, além de alguns textos referentes à política,
contém também alguns vídeos.
Ainda no contexto de influência, foi perceptível ver a
participação de alguns grupos como, por exemplo, a Fundação
Lemann, entendida como a principal apoiadora da proposta
curricular, e o grupo chamado de Todos pela Educação que, segundo
Peroni e Caetano (2015), assegurou a alguns de seus membros
assento no Fórum Nacional de Educação criado pela portaria do
MEC n° 1.407/2010. Além de discussões iniciadas pelo MBNCC,
desde o ano de 2013, e a participação de alguns de seus membros
em espaços formais de discussões a respeito da base.
Já no âmbito da produção do texto, o principal espaço
analisado por nós foi o próprio site do Movimento, que contém
vários discursos a respeito do que seja a Base, como ela vai atuar
junto às escolas, qual a sua importância, guia de entendimento da
Base, entre outros. Analisamos que a própria Fundação Lemann tem
uma parte em seu site dedicado apenas à BNCC. Além de vídeos
explicativos sobre a BNCC e, mais recentemente, o próprio MBNCC
criou uma cartilha orientando as escolas a como organizarem seus
Projetos Políticos Pedagógicos a partir da nova Base.
Foi possível observar, a partir da análise, tanto no contexto
da influência como no de produção de texto, comparando os
sentidos do MBNCC com os do MEC, que há um tom de tecnicismo
relacionado à BNCC, quando percebemos suas semelhanças com os
estudos curriculares desenvolvidos por Tyler há alguns anos. Além
de tirar a autonomia do professor da própria construção do PPP da
escola que, de acordo com Veiga (1995), deve ser construído no
chão da escola com a participação de todos que atuam nesse espaço.
É importante destacar que a autora não rejeita uma referência
teórica, mas argumenta que esse referencial deve partir das
necessidades da escola. Percebemos também uma forte tendência
voltada para as questões trabalhistas, quando o MBNCC e o MEC

122 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


dão ênfase às competências e habilidades e acabam não privilegiando
outras questões importantes para a formação do educando, que estão
postas na legislação: a questão da cidadania e da importância dos
estudos posteriores.
Foi perceptível, ainda, um discurso de qualidade de educação.
Mas, como já visto acima, a preocupação se dá nesta “qualidade”. Ao
analisarmos Gentili (1995), entendemos que esta qualidade se refere
ao mercado, uma busca por um padrão de mercado já estabelecido
que passa a ser medido pelas avaliações externas, desprezando todo
o processo de aprendizagem do aluno, com vistas apenas a um fim
já inicialmente calculado pelos objetivos propostos.

Conclusões

A partir do estudo desenvolvido concluímos que houve uma


influência de empresas e instituições no processo de construção da
BNCC, que agiram significando o documento através de participação
nos momentos de ideação da política e na criação de narrativas
de segunda mão. Como mencionamos no início deste trabalho,
identificamos que as discussões sobre a BNCC e as oportunidades
de participação não chegaram à escola. Todavia, destacamos a
partir dessas análises que o processo de formulação curricular não
apenas esteve ausente da escola, mas, sobretudo, não partiu dela, ou
seja, dos interesses dos profissionais que nela atuam, e não foram
consideradas as experiências exitosas nela já desenvolvidas.
Não buscamos questionar tampouco defender ao longo de
nossas pesquisas, a importância e/ou necessidade de uma Base
Nacional Comum Curricular para a Educação básica brasileira.
Mas, preocupamo-nos, sobretudo, com os encaminhamentos de uma
política curricular que se apresenta enquanto tutorial e coloca em
risco princípios como criatividade, reflexão e autonomia docente.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 123


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126 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 8
O DIREITO À EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DE PANDEMIA (COVID-19) NO BRASIL:
PROJETOS DE FORMAÇÃO EM DISPUTA

Vanessa Campos de Lara Jakimiu

Introdução

Devido à pandemia provocada pela doença COVID-19


estudantes do mundo tiveram suas aulas substituídas pelo ensino
remoto emergencial. No Brasil, a adoção do ensino remoto
emergencial torna-se complexo uma vez que a educação enquanto
direito social se funda historicamente a partir da negação do direito e
profundamente marcado pelas desigualdades sociais. Neste sentido,
o presente estudo tem como objetivo apresentar um quadro teórico
acerca desdobramentos da pandemia (COVID-19) para a garantia
do direito à educação no Brasil.
Metodologicamente o estudo adota os moldes da pesquisa
teórico bibliográfica de cunho qualitativo fundamentando-se na
abordagem dialética a qual abrange “[...] o sistema de relações que
constrói, o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 127


as representações sociais que traduzem o mundo dos significados”
(Minayo 2001, p. 24).
Quanto à estrutura organizativa, inicialmente o estudo
apresenta uma discussão acerca das ações governamentais
implementadas no contexto de pandemia para a organização da
educação brasileira. Em seguida, problematiza as implicações
destas ações para o campo das políticas educacionais evidenciando
projetos de formação em disputa. Por fim, o estudo apresenta
teorizações no sentido de evidenciar a necessária (res)significação
da educação tendo em vista a superação dos desafios impostos e/ou
já existentes na educação e reforçados pelo contexto de pandemia.

As ações do Governo Federal para a educação brasileira


no contexto de pandemia: implicações no campo das
políticas educacionais

No início do mês de março de 2020, seguindo as orientações


da Organização Mundial da Saúde (OMS) o Ministério da Saúde
brasileiro, como forma de enfrentamento da pandemia provocada
pela COVID-19, declarou a necessidade de, dentre outras medidas,
implementar o distanciamento social.
Neste sentido, após a publicação das Portarias 343/2020
e 345/2020, as universidades se mobilizaram para discutir a
implementação da substituição das disciplinas presenciais por aulas
que utilizassem meios e tecnologias de informação e comunicação,
no entanto, já nas primeiras incursões foram encontradas
fragilidades estruturais, pedagógicas e humanas que impediram
esta implementação culminando na suspensão das atividades
acadêmicas.
Do ponto de vista estrutural a referida implementação
acabaria por evidenciar as desigualdades sociais que marcam nosso

128 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


país, revelando fragilidades de base, como o fato de que nem todos
os acadêmicos possuem recursos tecnológicos e/ou acesso à internet.
Em nota justificando a suspensão das atividades acadêmicas,
o Reitor Alfredo Macedo Gomes da Universidade Federal do
Pernambuco (UFPE) se fundamenta na lei 12.711/2012 (Brasil
2012), a qual estabelece a destinação de 50% das vagas dos cursos
de graduação para o ingresso de estudantes oriundos de famílias
com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita.
No entendimento do mesmo a implementação das orientações
normativas do MEC não garantiriam o princípio da isonomia.
A realidade vivenciada pela UFPE é a mesma de todas as
demais universidades públicas já que a lei mencionada pelo reitor
se trata de uma lei federal aplicável à todas as universidades, assim
sendo, as desigualdades sociais estão presentes de forma maior ou
menor em todas as universidades dos estados brasileiros.
Mesmo diante do posicionamento das universidades tendo
deliberado pela suspensão dos calendários acadêmicos, no dia 1
de abril, o Poder Executivo apresenta a Medida Provisória (MPV)
934 que emite a primeira normatização para a implementação do
ensino não presencial voltado também para a Educação Básica.
Além disso, no dia 28 de abril, o Conselho Nacional de Educação
(CNE) aprova por unanimidade o Parecer CNE/CP 5/2020 prevendo
orientações para a “[...] reorganização do calendário escolar e da
possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de
cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia
da COVID-19” (Brasil 2020c) e no dia 31 de março de 2020, um
dia antes da publicação da MPV 934/2020, o Conselho Nacional de
Educação (CNE) expede nota informativa sobre a reorganização do
calendário (Brasil 2020).
O CNE, tanto no texto do parecer quanto no texto da nota
informativa, basicamente induz as instituições de ensino a adotarem
as “atividades não presenciais” e explicita em sua nota informativa
que “àquelas que não optarem por esta modalidade deverão repor os
conteúdos e os dias letivos” (Brasil 2020, s/p).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 129


Tal iniciativa não só desconsidera o percurso percorrido pelas
universidades como também evidencia fragilidades estruturais,
tecnológicas, pedagógicas e humanas próprias.
A implementação do ensino remoto emergencial na educação
básica tem como primeiro entrave as desigualdades sociais e
educacionais da realidade brasileira, na qual sequer estão supridas
as demandas tecnológicas nos próprios sistemas de ensino.
De acordo com dados do Censo Escolar de 2019, embora
o ensino fundamental possua o maior número de escolas e de
matrículas1 é a etapa que dispõe de menos recursos tecnológicos.
Com relação específica ao acesso à internet pelos estudantes os
dados revelam que a acessibilidade dos estudantes desta etapa de
ensino é de 83,0% na rede federal, 57,2% na rede estadual, 21,1%
na rede municipal e 44,0% na rede privada (Brasil 2019).
Apesar de todos estes aspectos e outros apresentados pela
cultura escolar consolidada, algumas instituições da educação
infantil também passaram a implementar práticas educativas não
presenciais, desconsiderando os preceitos previstos pela LDBEN
9.394/96 (Brasil 1996) e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil (DCNEI), (Brasil 2010), no que tange à
especificidade da educação a ser ofertada para bebês e crianças.
Não obstante o cenário apresentado, mesmo diante do
aumento do número mortes devido à contaminação por COVID-19,
iniciativas advindas dos governos estaduais estão se direcionando
no sentido de implementar o retorno às aulas colocando a vida de
estudantes e profissionais da educação em risco.

1. 8,9 milhões de matrículas na educação infantil, 26,9 milhões de matrículas


no ensino fundamental e 7,5 milhões de matrícula no ensino médio (Brasil
2019).

130 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


O contexto educacional brasileiro em tempos de pandemia
(COVID-19): projetos formativos em disputa

Em um país com profundas desigualdades sociais e


educacionais implementar o ensino remoto emergencial de forma
acrítica vai justamente na direção da precarização e substituição
permanente do ensino presencial pelo ensino não presencial “[...]
como forma de barateamento (e sucateamento) da educação básica
e superior no futuro.” (Bandeira e Pasti 2020, s/p).
Tal contexto é evidenciado, por exemplo, pela tentativa de
implementação do Homeschooling no Brasil. O Homeschooling,
enquanto projeto de formação, ao mesmo tempo em que promove a
precarização do ensino, fundamenta-se justamente na precarização
do ensino para justificar sua implementação.
Em maio de 2019, o na época Ministro da Educação.2
Abraham Weintraub, defendeu o ensino em casa argumentando que
a opção de escolha é dos pais. De acordo com Weintraub a família
é quem coloca os filhos no mundo, assim sendo, tem que ter a
primazia na educação: “Se o pai e a mãe estão educando bem os
seus filhos, quem somos nós para interferir?”
Em nome de um pretenso respeito à livre escolha dos pais,
Weintraub defende retrocessos para o campo educacional uma vez a
implementação do Homeschooling transfere a responsabilidade pela
garantia da educação do Estado para as famílias, cabendo ao Estado,
apenas um papel subsidiário.
Além do retrocesso do ponto de vista do direito, o
Homeschooling precariza a educação e desvaloriza a profissão
docente, uma vez que os pais não possuem qualificação para
ensinar. A proposta de Homeschooling, portanto, desconsidera

2. “Em vídeo publicado nas redes sociais nesta quinta-feira [18 de junho de
2020], o economista Abraham Weintraub anunciou sua saída do cargo de
ministro da Educação, que ocupava desde abril de 2019.” (Vilela 2020, s/p).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 131


que os professores são profissionais especializados e possuem
tanto conhecimento específico quanto conhecimento pedagógico,
dois aspectos distintos, porém, intrinsecamente relacionados e
fundamentais para o exercício da docência.
O Homeschooling também não promove a socialização
interferindo na garantia plena do direito à educação a partir da
perspectiva do desenvolvimento integral. Além disso, retira da
criança e do adolescente a proteção integral prevista pelo Estatuto da
Criança e Adolescentes (ECA), especialmente no caso de violência
intrafamiliar (Brasil 1990).
O Homeschooling está em discussão desde 2019 no
Congresso Nacional, tendo já sido criada, em 02 de abril de
2019, a “Frente Parlamentar em Defesa do Homeschooling”.
Atualmente encontram-se tramitando vários projetos de lei3 para a
implementação do Homeschooling,projetos que não só transferem
a responsabilidade da educação para as famílias como também
estabelecem práticas de caráter excludente à exemplo do PL
6188/2019, de autoria de Geninho Zuliani, que prevê a educação
em casa para os estudantes da educação especial caso se constate
“[...] a inadequação ou a impossibilidade de inclusão do educando
na rede regular de ensino [...]” (PL 6188, 2019, s/p).
O ensino remoto emergencial promove a precarização e
fortalece e naturaliza a concepção instrumental da escola e da
educação. O conhecimento entendido na perspectiva instrumental
limita a escola à uma finalidade prática, útil, ou seja, de uma escola
que “serve para alguma coisa”, de um conhecimento que “serve
para alguma coisa”. No entendimento de Silva (2012) enquanto
predominar o sentido exógeno da educação e da escola, ou seja,
destas como um meio para outros fins, como passar no vestibular,

3. Sendo no âmbito da Câmara dos Deputados o PL 3179/2012 (Lincoln Por-


tela), o PL 3261/2015 (Eduardo Bolsonaro), o PL 10185/2018 (Alan Rick),
PL 6188/2019 (Geninho Zuliani) e o PL 2401/2019 (Poder Executivo) e no
Senado Federal o PL 490/2017 (Fernando Bezerra Coelho) e o PL 28/2018
do mesmo autor. (Portais Institucionais da Câmara do Deputados e do Sena-
do Federal, 2020, grifo nosso).

132 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


arrumar um trabalho, ascender socialmente etc., a educação se
limitará às “recompensas” que escola pode oferecer.
Esta concepção tem a ver com a lógica do capital, ou seja,
é orientada pelas relações de produção focalizando a produtividade
e os resultados. Quando num cenário social mundial, diante da
morte de milhares de vítimas da COVID-19 a preocupação das
pessoas que estão relacionadas com a educação é com “o conteúdo
a ser vencido”, com “o fim do ano letivo”, com o “diploma”, com
as “férias”, fica claramente evidenciada a compreensão da escola
a partir de sua dimensão instrumental. As instituições de ensino,
em sua maioria, teoricamente, se negam a formar a partir da lógica
do mercado, mas contraditoriamente, estão operando a partir
desta lógica ao localizar o fim do seu fazer na produtividade e nos
resultados: no conteúdo “repassado”, na “aula dada” etc.
Tal perspectiva está associada a um determinado projeto
neoliberal de formação claramente articulado com o capital e que
coloca o lucro em detrimento da vida instaurando-se a partir de uma
ideologia alienante que exerce “[...] uma pressão tão imensa sobre
as pessoas, que supera toda a educação” (Adorno 1993, p. 143).
O capital, enquanto lógica de organização da sociedade e da
educação, evidencia a alienação e barbárie ao localizar dimensões
individuais como prioritárias em contextos que deveriam requerer
humanização e solidariedade. A preocupação com a não previsão
do retorno às atividades escolares é ínfima quando se considera o
contexto social mais amplo (Freitas 2020).
Ainda que as tecnologias, a internet e o conhecimento
para utilizá-la fossem acessíveis à todas as pessoas (o que é uma
realidade muito distante) caberia problematizar a relação ética,
estética e ontológica estabelecida entre educação e sociedade, e
sobretudo, da educação na sociedade. A defesa de que “A educação
não pode parar” é tão bárbara quanta a defesa de que “O Brasil não
pode parar”.4

4. A campanha foi veiculada no final do mês de março em canais oficiais do


Governo Federal e depois foi excluída com a justificativa de que tratava-

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 133


A questão central a ser considerada aqui, é justamente sobre
momento que estamos vivendo e a forma como estamos pensando o
conhecimento, a educação e a escola neste contexto. A escola tem
sim um compromisso com a sociedade, que não se restringe à simples
transmissão (e cobrança) de conteúdos. As desigualdades sociais
no Brasil são tão constrangedoras que em meio a pandemia muitas
famílias continuarão indo até as escolas para acessar os programas
sociais, sobretudo, àqueles relacionado à alimentação escolar.
No entendimento de Freitas (2020, s/p), “[...] o melhor
a fazer é reconhecer esta realidade e começar a lidar com ela, ao
invés de criar uma maquiagem via “ensino através de práticas não
presenciais”.
Os recursos tecnológicos são importante se utilizados para
além de uma perspectiva restrita, conteudística e instrumental. Os
recursos tecnológicos possibilitam a interação entre professores
e equipes gestoras para promover discussões sobre o contexto de
pandemia para que possam adensar o entendimento da realidade
vivida e produzir conhecimento sobre. Os recursos tecnológicos
podem contribuir para a interação entre gestores, professores e
estudantes (e família destes) seja para promover a aproximação
afetiva tão necessária, especialmente para as crianças, quanto para
promover a escuta de acolhimento visando identificar àqueles em
situação de vulnerabilidade e/ou necessitando de atendimento
psicológico. Ou seja, os recursos tecnológicos podem contribuir, a
partir de múltiplas possibilidades, para (res)significar a educação e
a escola e sua relação com sociedade.

se de publicação em “caráter experimental”. Diante desta iniciativa o “[...]


ministro Luís Roberto Barroso concedeu pedido liminar para vedar a pro-
dução e circulação, por qualquer meio, de qualquer campanha que pregue
que “O Brasil Não Pode Parar”. A liminar ainda impede que se sugira que a
população deve retornar às suas atividades plenas, ou, ainda, que expresse
que a pandemia constitui evento de diminuta gravidade para a saúde e a vida
da população. [...] A campanha motivou, também, uma ação levada ao STF
pela OAB contra a postura do presidente Jair Bolsonaro” (Vital 2020, s/p).

134 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


O contexto de pandemia, portanto, exige humanização
e garantia dos direitos sociais (saúde, alimentação, moradia,
segurança pública, educação etc.) de modo a amenizar as possíveis
consequências causadas pela pandemia.

As implicações da negação do direito à Educação: por uma outra


lógica organizativa da vida em sociedade e da Educação

Nunca antes na história do Brasil (e do mundo) ficou tão


evidente que as implicações da negação do direito à educação são
complexas e interferem tanto na dimensão individual da vida das
pessoas quanto na dimensão coletiva/social da vida em sociedade.
A negação do direito à educação, pelo seu sentido de
ausência, faz com que a educação, e consequentemente, o
conhecimento (científico) não seja reconhecido. Importa, nesta
perspectiva, reconhecer que há uma relação intrínseca e dialética
entre a garantia do direito à educação e o reconhecimento da ciência
enquanto produtora de conhecimento e orientadora das práticas e
vivências individuais e coletivas da/na vida em sociedade.
As normatizações brasileiras no que concerne ao direito
à educação revelam que a educação enquanto um direito social é
uma conquista histórica e que assentir intervenções governamentais
frágeis e de cunho claramente neoliberal seria destituir de sentido
todo o caminho de declaração e garantia do direito constituído até
aqui. Os tempos de pandemia indicam do ponto de vista sociológico
a necessária reinvenção das formas de viver que estabeleçam uma
outra relação de sentido com a vida em sociedade que não se limitem
à lógica instrumental fundamentada nas relações de mercado.
No entendimento de Krenak (2020, 2020a) a pandemia
é uma reação do planeta à destruição e argumenta que é preciso
mudar a sociedade. Em suas teorizações anteriores à pandemia o

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 135


autor sempre questionou as relações estabelecidas entre o homem
e a natureza e a nocividade dos ditames do capital (Krenak 2019).
Do ponto de vista educacional, importa, portanto, não apenas
ressignificar a escola enquanto espaço epistemológico, mas como
espaço político e fundamento da cidadania. É importante, pensar em
uma escola capaz de promover uma educação crítica e emancipadora
(Freire 1998, Giroux 1986) sempre a partir das dimensões políticas,
afinal, como coerentemente afirma Gerbase (2020) não dá pra
defender o estado mínimo e a educação pública ao mesmo tempo.
A pandemia, portanto, nos coloca diante da reflexão sobre
a educação enquanto definidora da vida em sociedade e evidencia
o quanto o aspecto político e de humanização e de hominização é
dimensão fundante do processo formativo e da garantia do direito
à educação.

Considerações finais

Do estudo empreendido, é possível constatar que as


iniciativas governamentais apresentadas diante do contexto de
pandemia não só não avançam na garantia do direito à educação,
como fazem o seu contrário, retrocedem.
As normatizações do governo federal evidenciam seus
efeitos nocivos, não só pelo fato de apresentar normas legais
impraticáveis no contexto educacional brasileiro reforçando ainda
mais as desigualdades sociais já existentes no Brasil, mas também
por deixar a educação exposta às políticas educacionais de cunho
neoliberal que caminham na direção da precarização da educação
pública e retrocedem na garantia da declaração e efetivação do
direito à educação.
Tais normatizações evidenciam mais do que projetos
formativos em disputa, evidenciam também a tentativa de

136 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


implementação de uma suposta “normalidade” diante da morte
de milhares de pessoas, naturalizando não só as desigualdades
sociais como também a barbárie. Naturalizar a morte é normalizar a
barbárie. Normalizar a barbárie é desumanizar a educação.
Não é possível ignorar o contexto de pandemia e a dor gerada
pelas mortes causadas por ela. Educação se recupera, vidas não. A
crise humanitária provocada pela pandemia (COVID-19) evidencia
a necessária ressignificação da educação e da sociedade tendo em
vista a promoção de uma educação humanizadora.

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142 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 9
CURRÍCULOS OFICIAIS EM ANÁLISE (2010
E 2017): APRENDIZAGEM, AVALIAÇÃO OU
COMPETÊNCIAS?

Natálya Rubert Wolff Camy

Introdução

Documentos curriculares oficiais são apresentados e assumem


um caráter de prescrição, delineados por determinações fundantes
para os objetivos, a avaliação e os direcionamentos didáticos para
sua operação. Dito isso, entendemos documentos curriculares como
parâmetros, referenciais, diretrizes e/ou programas com caráter de
formação escolar, isto é, com objetivos educativos explícitos e ação
intencional institucionalizada, estruturada e sistemática.
Deste modo, o currículo, que toma forma nos documentos
curriculares e constitui-se em um dos conceitos centrais deste
trabalho, pode ser entendido como:

[...] de um lado, projetos com itinerários de formação, projetos


culturais com identidades no tempo histórico e no espaço

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 143


social da sua construção; projetos ideológicos que ocorrem
no contexto de uma dada organização; e por outro, ligado à
distribuição de conhecimento, a partir da operação da lógica
de escolarização e escolaridade (im) posta pela sociedade, para
a qual a escola é um lugar privilegiado. (Pacheco 2005, p. 8)

No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988 (CF)


e, sobretudo, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) de 1996, a organização e publicação
de documentos curriculares atende aos dispositivos:

Art. 210 da CF faz referência aos conteúdos mínimos para


o Ensino Fundamental, assegurando uma formação básica
comum.
Art. 26 da LDBEN menciona que os currículos de todos os
níveis da Educação Básica devem ter uma base nacional
comum.

Diante desses dispositivos, parâmetros, diretrizes,


referenciais e outros documentos curriculares foram homologados
e publicados; contudo, nos limites que esta proposta alcança,
analisaremos as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica (DCNEB), homologada em 2010, e a posterior
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de dezembro de 2017.
São, ambos, documentos complementares e não excludentes, uma
vez que as DCNEB oferecem a estrutura a ser seguida na elaboração
curricular, enquanto a BNCC preenche os currículos com a noção de
como os alunos devem aprender e desenvolver-se ano a ano.
Nada obstante, a competência ganha centralidade neste
último documento curricular enquanto os conceitos de aprendizagem
e avaliação parecem perder-se no mesmo.
De acordo com Perrenoud (2000, p. 15) o conceito de
competência designa a “capacidade de mobilizar diversos recursos
cognitivos para enfrentar um tipo de situações”. Mas, para alcançá-
la é preciso saber que

144 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


a tomada de decisão (expressar conflitos, oposições), a
mobilização de recursos (afectivos e cognitivos) e o saber agir
(saber dizer, saber fazer, saber explicar, saber compreender)
são as características principiais da competência. Estas
características permitem entender este conceito como uma
forma de controlar (simbolicamente) as situações da vida.
(Dias 2010, p. 75)

Assim sendo, trabalhamos neste texto com a procura pela


resposta a tal questionamento, isto é, o conceito de competência como
conteúdo dos conceitos de aprendizagem e avaliação, propondo-
se condutor da compreensão dos princípios de democracia, de
cidadania, de equidade e de qualidade. E, para tanto, traçamos um
caminho de análise sobre os conceitos de aprendizagem e avaliação
apresentados na BNCC (2017), ancorados no debate delineado
bibliograficamente, bem como aproximando-nos da etapa de ensino
fundamental, como território de recontextualização desse debate.

Aprendizagem e avaliação como conteúdos


do debate curricular (2010 E 2017)

Para aprender sabemos, experiencialmente, que se faz


necessário mais do que apenas ter acesso a informações cotidianas
e/ou científicas. Maia (2014) explica que “aprender representa
uma mistura complexa de diversos elementos: pedagógicos,
emocionais, culturais e biológicos” (p. 13) e que ao integrarem-se
todos estes aspectos de forma harmônica as aprendizagens podem
verdadeiramente ser constituídas. Em concordância, o neurocientista
Mora (2017), aponta que aprender deve envolver, também, a
empatia entre os agentes em educação, o envolvimento emocional
com o objeto estudado, a curiosidade que desperte o interesse nos
alunos, a atenção e as interações com o meio em geral.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 145


Contudo, a despeito dos elementos essenciais anteriormente
mencionados, Sampaio (1998) esclarece que existe na atualidade
um modelo bastante mecanicista de educação, que mesmo sem
impedir a aprendizagem dos conteúdos, não possibilita muito
mais do que o seu entendimento, fixação e memorização, isto é,
aquele desempenho satisfatório exigido nas avaliações. Segundo
este modelo, as apropriações dar-se-iam durante a exercitação,
através das repetições, memorizações e mecanizações, “então,
a aprendizagem se explicaria por adestramento e o treino é que
tornaria possível reter conteúdos e adquirir hábitos de estudo e
atenção” (1998, p. 84).
Com isso, ainda com Sampaio, criam-se dois alertas iniciais.
O primeiro com relação à formulação dos currículos que, no intuito
de atender à amplitude de alunos, acabada por relegar a aprendizagem
a um segundo plano; e, o segundo, para o ato comumente observado
de tomar ensino e aprendizagem como processos coincidentes
e da mesma natureza, dado que aprender vai além de acumular e
encadear significados. Assim, observa-se que o currículo apenas
define para o professor como ele deve ensinar, mas não como deve
levar os alunos a aprender, tornando-o “aquele que explica, treina e
avalia” enquanto o aluno “ouve, repete, ‘devolve’” – aperfeiçoando
o que recebeu sem que ninguém lhe diga como. Confia-se, antes,
que este processo ocorrerá por desenvolvimento natural ou por
aquisições externas que a aluno venha a obter. Consequentemente,
o panorama da exclusão seletiva facilmente se delineia, uma vez
que afasta aqueles que não possuem recursos culturais acrescidos
e marginaliza aqueles que dependem unicamente da escola para
aprender e adquirir conhecimentos.
Diante disso, compreendemos o papel que a avaliação tem
cumprido no debate curricular, isto é, a busca pela devolução do
que deve ter sido aprendido por parte do aluno, mas que quiçá
tenha sido apenas decorado por um processo de repetição e, desta
forma, mantido como “memória de trabalho”. De acordo com
Mora (2017, p. 105), a manipulação temporal desta informação

146 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


permite apenas fisgar conceitos para torná-los pensamento, sem
que efetivamente culmine o aprendizado. Ademais, para Luckesi
(2005), a avaliação educativa não deve julgar a prática de forma
estratificada, quer dizer, como se houvesse um ponto decisivo de
chegada; o objeto da avaliação – a aprendizagem – é dinâmico e,
com avaliações definitivas não há modo de retornar à prática para
lhe dar continuidade.
No que tange aos documentos curriculares aqui trazidos
para discussão, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para
a Educação Básica (2010), elaboradas pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE), apresenta a aprendizagem mediada pela
interdisciplinaridade, que facilita a transversalidade de temas
por meio de redes de conhecimentos. Declara que os recursos
midiáticos devem entremear todas as atividades da aprendizagem
levando à interação de dois âmbitos: o que serve como base nacional
comum (organizada por áreas do conhecimento, disciplinas e eixos
temáticos) e a parte diversificada (que engloba as particularidades
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
comunidade escolar). Diante disso, afirma que a aprendizagem não
implica apenas o desenvolvimento de conhecimentos, mas, ainda,
de “habilidades, valores e práticas” (2013, p. 34) e que é tarefa
da escola e do professor criar situações que provoquem o desejo
de “pesquisar e experimentar situações de aprendizagem como
conquista individual e coletiva” (2013, p. 39).
Em relação à avaliação, destaca dois tipos: a de nível
operacional (que tem como referência o conjunto de habilidades,
conhecimentos, princípios e valores projetados pelo e para o
educando conforme os valores definidos para a Educação Básica
em cada uma de suas etapas); e a avaliação de nível institucional
interna (para revisão anual do conjunto de objetivos e metas
estipulados) e externa (realizada periodicamente, por órgãos
externos à escola e que sinalizam para a sociedade se a escola possui
qualidade suficiente para prosseguir seu funcionamento). No que
diz respeito à avaliação da aprendizagem ressalta que de acordo com

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 147


recomendações do CNE, esta deve apresentar um caráter formativo
– de progresso individual – que predomine sobre o quantitativo e
o classificatório. “A esse respeito é preciso adotar uma estratégia
de progresso individual e contínuo que favoreça o crescimento do
estudante, preservando a qualidade necessária para a sua formação
escolar” (Dcneb 2013, p. 52).
Por sua vez, a Base Nacional Comum Curricular (2017),
vem apresentar as discussões de aprendizagem e avaliação em outra
perspectiva, isto é, como “competência”. De acordo com o seu corpo
textual, a BNCC “é um documento de caráter normativo que define
o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais
que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e
modalidades da Educação Básica” (Brasil 2017, p. 7, grifo do
documento). A seguir, expõe que “as aprendizagens essenciais [...]
devem concorrer para assegurar aos estudantes o desenvolvimento
de dez competências gerais, que consubstanciam [...] os direitos de
aprendizagem e desenvolvimento” (2017, p. 8, grifo do documento).
A partir destes excertos, infere-se, pois, que as aprendizagens
essências requeridas para as crianças brasileiras, agora estão
subjugadas e devem guiar-se pelo novo conceito de competência e
pelas próprias competências citadas como aspirações.
Quanto à avaliação, a BNCC expõe que “considerando a
autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das instituições
escolares, como também o contexto e as características dos alunos”
(2017, p. 16), estas devem

Construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de


processo ou de resultado que levem em conta os contextos
e as condições de aprendizagem, tomando tais registros
como referência para melhorar o desempenho da escola, dos
professores e dos alunos. (Brasil 2017, p. 17)

Por sua vez,

148 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Compete ainda à União [...] promover e coordenar ações e
políticas em âmbito federal, estadual e municipal, referentes
à avaliação, à elaboração de materiais pedagógicos e aos
critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno
desenvolvimento da educação (Brasil 2017, p. 21, grifo nosso)

Com isto, entende-se que a BNCC vem direcionar os


currículos ao cumprimento dos marcos propostos para a educação
nacional e que, para mensurar o andamento e cumprimento destes
objetivos, realizará avaliações de larga escala. Desta forma, torna-se
possível a mensuração da qualidade educacional das redes de ensino
e dos educandos, por meio do estabelecimento de provas constantes
que visem avaliar os conhecimentos e habilidades dos alunos.
Ademais, esta mensuração torna possível o entendimento claro aos
gestores, educadores e a todos os cidadãos em geral, o favorável
ou desfavorável andamento das unidades educativas, incentivando
a adequação contínua por escolas de melhor qualidade.
Gesqui (2015) explica esta questão afirmando que

“Transformar” o conceito de qualidade educacional em uma


variável observável e passível de mensuração, ou seja, em
indicadores que permitam ao leigo estabelecer a relação direta de
que quanto maior o valor absoluto de indicador maior qualidade
ele representa foi a solução encontrada. (2015, p. 235)

No entanto, de acordo com o mesmo autor, “um dos maiores


desafios para a atual escola pública [...] reside no fato de [...] busca
exacerbada pelo cumprimento de metas estatísticas anualmente
propostas” (Gesqui, 2015, p. 243). Eis, pois, um importante cuidado
que deve-se ter como instituição e colaboradores desta: não tomar o
resultado por objetivo, mas dar-lhe as devidas dimensões de forma
a contribuir para o alcance dos objetivos educacionais maiores, isto
é, distribuir conhecimentos científicos transformando-os em saberes
consolidados e factíveis.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 149


Aprendizagem e avaliação como conteúdos das competências

Iniciamos esta seção, a partir de uma argumentação necessária


para incursionar pelo conceito de competência como conteúdo dos
conceitos de aprendizagem e avaliação no debate curricular, uma
vez que são consideradas úteis e definidas desde o Relatório Jacques
Delors (1999):

Definindo as competências cognitivas e afetivas que devem


ser desenvolvidas, assim como o corpo de conhecimentos
essenciais que devem ser transmitidos pela educação básica,
os especialistas em educação podem fazer com que todas
as crianças, tanto nos países em desenvolvimento como nos
países industrializados, adquiram um mínimo de competências
sobre os principais domínios das aptidões cognitivas. É esta a
concepção adotada na Conferência de Jomtien: Toda a pessoa
— criança, adolescente ou adulto –deve poder beneficiar de
uma formação concebida para responder as suas necessidades
educativas fundamentais. Estas necessidades dizem
respeito tanto aos instrumentos essenciais de aprendizagem
(leitura, escrita, expressão oral, cálculo, resolução de
problemas), como aos conteúdos educativos fundamentais
(conhecimentos, aptidões, valores e atitudes) de que o ser
humano tem necessidade para sobreviver, desenvolver todas
as suas faculdades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente no desenvolvimento, melhorar a qualidade de sua
existência, tomar decisões esclarecidas e continuar a aprender.
(Artigo I – I) (Declaração Mundial sobre Educação para Todos
e Quadro de Ação para Responder às Necessidades Educativas
Fundamentais, 1990). (Delors 1999, p. 126)

As competências, desse modo, estão propostas/pensadas


para modelar os sujeitos a fim de torna-los aptos a participar
ativamente da vida em sociedade. Contudo, partimos do princípio
que tal aptidão começa a ser desenvolvida durante a educação

150 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


fundamental, uma vez que abraça os anos promissores da vida dos
sujeitos, entre a primeira fase da infância e antes do ingresso no
mercado de trabalho.

Na BNCC, competência é definida como a mobilização de


conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades
(práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (Brasil 2017,
p. 8)

Por sua construção em torno de objetivos (BNCC), os


conteúdos a serem desenvolvidos, ou mesmo as práticas de
distribuição desses, estão fundadas no trabalho que os professores
devem desenvolver ao ensinar, quais os meios que podem ser
utilizados para promover as aprendizagens essenciais e formar
indivíduos competentes.
Pouco mais é especificado além de que “ao dizer que
os conteúdos curriculares estão a serviço do desenvolvimento
de competências, a LDB orienta a definição das aprendizagens
essenciais, e não apenas dos conteúdos mínimos a ser ensinados”
(Brasil 2017, p. 11), mas, de fato, o que isto esclarece para os
profissionais e instituições que deverão elaborar seus próprios
documentos curriculares em cada unidade educativa do Brasil?
O que esclarece aos docentes que embasarão suas práticas neste
conceito de competência?
Perrenoud (2000), explica esta situação justificando que

Quando a escola se preocupa em formar competências, em


geral dá prioridade a recursos. De qualquer modo, a escola se
preocupa mais com ingredientes de certas competências, e bem
menos em colocá-las em sinergia nas situações complexas. [...]
Quando se faz referência à vida, apresenta-se um lado muito
global: aprende-se para se tornar um cidadão, para se virar na
vida, ter um bom trabalho, cuidar da sua saúde. [...] Os alunos

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 151


acumulam saberes, passam nos exames, mas não conseguem
mobilizar o que aprenderam em situações reais, no trabalho e
fora dele (família, cidade, lazer etc.). (p. 19 apud Coan, p. 7)

Naturalmente, esta condição contribui significativamente


para a manutenção das desigualdades sociais. Assim, o mesmo autor
considera que desenvolver competências

requer o trabalho a partir de problemas e projetos capazes de


oportunizar aos alunos a mobilização dos próprios conhecimentos
no sentido de complementá-los. Caso contrário, os professores
“não desenvolverão competências se não se perceberem como
organizadores de situações didáticas e de atividades que têm
sentido para os alunos, envolvendo-os, e, ao mesmo tempo,
gerando aprendizagens fundamentais. (apud Coan, p. 11)

Por tanto, mesclar os aprendizados e as práticas mostra-se


um passo fundamental para concretizar os saberes. De fato, os três
pilares da educação postos pelo Relatório Jacques Delors (2010) são
o aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a ser, buscando
uma formação integral dos indivíduos. Mas o que fazer quando as
competências gerais postas pela BNCC concedem mais importância
a dois destes pilares em detrimento do outro? Como alcançar o
equilíbrio?
Dentre estas competências gerais estabelecidas como
objetivos predominam, por meio dos verbos de ação utilizados,
os pilares do “aprender a fazer” (utilizar, exercitar, investigar,
criar, fruir, participar, argumentar, exercitar, agir) e do “aprender
a ser” (valorizar, compreender, conhecer-se, apreciar-se, cuidar[-
se]). Englobados nestes verbos estão todas as dez competências
delineadas pela BNCC para os educandos. Pois bem, aonde encontra-
se o “aprender a conhecer”? A prática não pode subentender e/
ou suplantar a teoria e esta última parece ter sido esquecida na
construção de competências da BNCC.

152 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Outro ponto, ainda, merece destaque no texto da base.
A BNCC rememora que “[...] o PNE afirma a importância de
uma base nacional comum curricular para o Brasil, com o foco
na aprendizagem como estratégia para fomentar a qualidade da
Educação Básica em todas as etapas e modalidades (meta 7)”
(Brasil 2017, p. 12). Pois bem, a aprendizagem é posta, então, como
estratégia para a qualidade educacional, mas o que viria a ser essa
qualidade almejada? Segundo Oliveira (2006)

[...] nem a atual Constituição Federal estabelece o que


consistiria ou quais elementos integrariam o padrão de
qualidade do ensino brasileiro, ou seja, como afirmar se ele
está presente ou não, ou ao menos mensurá-lo, se não temos
claro o que é ensino de qualidade? (apud Gesqui 2015, p. 236)

Deste modo, salienta-se que a questão qualitativa da


educação reside não apenas em si mesma, mas na complexidade
e diversidade de realidades presentes no território brasileiro. A
BNCC reconhece em seu texto esta diversidade cultural e amplas
desigualdades sociais e, diante disto, assevera que

Nesse processo, a BNCC desempenha papel fundamental, pois


explicita as aprendizagens essenciais que todos os estudantes
devem desenvolver e expressa, por tanto, a igualdade
educacional sobre a qual as singularidades devem ser
consideradas e atendidas. [...] São amplamente conhecidas as
enormes desigualdades entre os grupos de estudantes definidos
por raça, sexo e condição socioeconômica de suas famílias.
[...] Para isso, o sistema e redes de ensino e as instituições
escolares devem se planejar com um claro foco na equidade,
que pressupõe reconhecer que as necessidades dos estudantes
são diferentes (Brasil 2017, p. 15, grifo do autor)

Este conjunto de ideias admite, por tanto, que os sistemas e as


redes escolares dos Estados e Municípios, que devem construir seus
próprios currículos, bem como as propostas pedagógicas elaboradas

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 153


pelas instituições escolares, devem preparar seus documentos
a partir da noção, não explicitada, de qualidade educacional,
mas adequando-se às particularidades regionais e considerando/
atendendo a diversidade e desigualdade entre os grupos de
estudantes por meio da equidade (como?). Ademais, devem
orientar suas práticas no sentido de proporcionar a apropriação
das competências gerais delineadas pelo documento da base,
propiciando a articulação e integração dos três pilares da educação
de forma equilibrada, mesmo que a própria BNCC não reflita tal
equilíbrio. Tudo isso, respondendo satisfatoriamente às demandas
constantes das avaliações externas de larga escala. Percebe-se que
se trata de um trabalho extremamente complexo e exigente.

Considerações finais

Os resultados obtidos revelam uma descontinuidade nos


conceitos de aprendizagem e avaliação quando parte-se para o
último documento curricular homologado, a BNCC; desta forma, a
análise evidenciou que, em detrimento destes dois últimos conceitos
mencionados, o conceito de competência ganhou centralidade
e destacou-se como ideário a ser seguido na educação brasileira.
No entanto, esta competência perde-se nos três pilares básicos da
educação e deixa questionamentos quanto à qualidade que preconiza.
Compreendendo que todo documento curricular não
pode estar dissociado da cultura na qual está inserido e que, por
isto, apresenta propostas condizentes com a sociedade presente e
anelada, percebemos que os conceitos de aprendizagem e avaliação
são necessários para guiar a prática docente.
A noção de competência, sob nosso ponto de vista, foi
empregada a tempo de construir uma educação que se mostre útil aos
indivíduos para enfrentar os problemas e desafios da vida cotidiana
atual e futura dos sujeitos; contudo, a forma como foi apresentada
não ampara devidamente a sua implementação. Motivo adicional
para que este conceito não seja tomado por substituto dos conceitos

154 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


de ensino, aprendizagem e avaliação. Ademais, outras discussões
adjacentes fazem-se presentes.
Nota-se a tentativa de alcançar padrões de qualidade aliados
à busca por alcançar competências gerais que permitam aos
educandos melhor desenvolvimento em suas vidas; porém descuida-
se o equilíbrio entre os três pilares básicos da educação.
Por fim, há a proposta de conceder aos sistemas e redes de
ensino ampla autonomia para decidir e construir seus currículos e
práticas, bem como atender às múltiplas diversidades, singularidades
e diferenças presentes na realidade escolar quando estes podem nem
sempre estar inteiramente preparados para tal tarefa. Sem mais,
ponderamos que, embora crítico, não houve a pretensão de dar a
este artigo um viés unicamente de críticas, embora ponderações
desta natureza fizeram-se necessárias.
Consideramos, assim, que a BNCC, mesmo com o intuito
de construir bases sólidas e comuns à educação básica nacional
(educação infantil e ensino fundamental), apresenta lacunas em
sua estrutura textual, que dificultam e prejudicam sua compreensão
global.

Referências

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a Base. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME, 2017.
________. Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
________. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação
Básica. Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica, Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília:
MEC/SEB/DICEI, 2013.
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ensino fundamental na articulação entre teoria e prática.
Disponível em: http://coral.ufsm.br/sifedocregional/images/

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 155


Anais/Eixo%2007/Ivonete%20Benedet%20Fernandes%20
Coan.pdf. Acesso em: 17/08/2020.
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século XXI. Brasília: Unesco, 2010.
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Campinas, maio/ago. 2009, pp. 201-215.
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resultados das avaliações externas em larga escala.” Revista
Práxis Educacional, vol. 11, nº 20, Vitória da Conquista, set/
dez. 2015, pp. 229-245.
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proposições. 17ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.
MAIA, H. (org.) et al. Neuroeducação e ações pedagógicas. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Wak Editora, 2014. (Coleção Neuroeducação,
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ama. 2ª ed. Madrid: Alianza Editorial, 2017.
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da educação. Porto: Porto Editora, 2005.
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Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Editora Artes
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1998.
SILVA, M. R. da. Currículo e competências: a formação
administrada. São Paulo: Editora Cortez, 2008.

156 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 10
O CURRÍCULO NA PERSPECTIVA
DECOLONIAL E A REVERSÃO DE
ESQUECIMENTOS E SILENCIAMENTOS

Josimere Serrão Gonçalves


Joyce Otânia Seixas Ribeiro

O Filme: “Viva: a vida é uma festa”

O contato inicial com a produção midiática “Viva: a vida é


uma festa” deu-se em julho de 2019. O primeiro interesse foi apenas
no âmbito do entretenimento, porque na produção o enredo trazia um
menino protagonista que buscava sua história para compreender o
seu interesse pela música, quando na esfera familiar todos rejeitavam
qualquer vinculação com a arte musical. Em um segundo olhar para o
texto midiático, agora não mais pelo simples viés do entretenimento
percebemos que o filme possui uma poderosa teia discursiva, para
problematizar as questões da colonialidade do saber, memorias
coletivas, apagamentos e silenciamentos da história assim como um
diálogo com a decolialidade como valorização de histórias outras.
“O cinema ou a tv ou ainda mais as diversas manifestações da arte,

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 157


tais como a literatura, o teatro, e etc. se constitui em uma rica e
poderosa teia discursiva (Felipo 2014, p.39). Por isso, este trabalho
busca fazer este cruzamento entre o texto midiático, a exploração
teórica e algumas reflexões pertinentes para o contexto do currículo
numa perspectiva decolonial.
O longa-metragem “Viva: a vida é uma festa” conquistou o
prêmio de melhor filme de animação-Globo de Ouro 2018 e venceu
também na categoria de melhor filme de animação e melhor canção
original pela música “lembre de mim” no Oscar de 2018. A obra foi
lançada no ano de 2017 pelo Pixar Animation Studios, distribuído
pela Walt Disney. A produção retrata a história de um menino de
doze anos chamado Miguel Rivera, que apaixonado por música
adentra ao mundo dos mortos em busca de seus antepassados
para compreender porque seus familiares não aceitam e repudiam
veemente sua relação com a arte musical. No enredo, a família
assentada em uma estrutura matriarcal impede que o menino tenha
qualquer ligação com a música, devido a família carregar um trauma
por acreditar que, o tataravô de Miguel tivesse abandonado a esposa
e os filhos pequenos para seguir o seu sonho de ser um artista.
Assim a família passou a destinar sua rejeição não ao homem que
os abandonou, mas sim a arte de que este mais gostava: a música,
a guitarra, o violão, o canto. A história faz um tributo a cultura
mexicana destacando o tema da morte - o dia dos mortos. Porém, a
trama faz um apanhado não apenas da morte natural, mas também
apresenta a morte por acidente, por assassinato, reflete sobre a morte
simbólica, o esquecimento, o silenciamento, pontos que queremos
destacar mais adiante em nosso diálogo. Miguel percorrendo a
aventura da travessia para o mundo dos mortos reencontra seus
antepassados, recolhe fatos, acontecimentos, memórias e assim
desfaz o mistério sobre sua vida. Seu tataravô não abandonou a
família, ele foi assassinado por seu melhor amigo que compunha
dupla musical, porque o amigo pretendia ficar com as composições
de seu tataravô, para sozinho conseguir tornar-se um famoso cantor.
O plano dera certo, o amigo o envenenou, pegou as canções, e sem

158 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


identificação, sem história, sem identidade foi enterrado como
indigente. Miguel recompõe as memórias, percebe que muitas
histórias são silenciadas e esquecidas. As histórias que são contadas
e perpetuadas são aquelas que compõem a história dominante,
dos sujeitos considerados importantes, grandes personalidades da
sociedade. Ao voltar a vida dos vivos, traz à tona a outra versão
dos fatos, do real motivo que levou seu tataravô a não retornar a
família. O pequeno protagonista recompõe a parte rasgada da foto
que estava faltando e assim recoloca o tataravô no lugar de valor na
memória social da família. Miguel tem assim o aval para seguir o
sonho de tornar-se um grande artista.

A colonialidade do saber e o apagamento de história outras

Miguel: E o que houve


Hector: Ele foi esquecido. Quando nenhuma pessoa no mundo
dos vivos se lembra de você, desaparece desse mundo. Esse é
o fim da linha
Miguel: e qual o destino
Hector: Eu não sei
Miguel: Mas eu vou lembrar, quando eu voltar para meu
mundo, eu posso lembrar,
Hector: não funciona assim. Mas as lembranças têm que ser
passadas por quem nos conheceu em vida, nas histórias que
contam de nós, mas não há ninguém vivo para contar as
histórias de Tite
(Miguel e Hector em Viva: a vida é uma festa)

“O esquecimento e os silêncios da história são reveladores


desses mecanismos de manipulação da memória coletiva” (Le Goff
2003, p. 419). O trecho que trazemos do diálogo de Miguel e Hector
evidencia que para uma memória permanecer, ela necessita ser
lembrada, contada. As histórias que não são contadas, deixam de

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 159


existir como foi a de Tite. Veremos que a colonialidade do saber
foi um desses mecanismos utilizados para silenciar e promover
o esquecimento de muitos povos e sujeitos, empurrados para a
categoria de invisibilidades por encontrar-se do outro lado- a dos
colonizados.
O colonialismo foi uma forma de dominação exercida pelas
metrópoles sobre as colônias. Esse controle ocorreu tanto na esfera
territorial, na exploração de recursos, na produção do trabalho, na
administração, na política e também no âmbito cultural.

Era característico do cololialismo que as potencias


conquistadoras vissem os povos colonizados como pessoas
sem a menor relação com eles mesmos. O pressuposto dos
colonizadores era o de que os colonizados eram tão diferentes
física e culturalmente que não tinham nada em comum com
eles: os colonizados eram os Outros. [...] sustentavam que
apesar de os nativos serem humanos, eles se encontravam em
uma posição tão baixa na escala de categorias das civilizações
que levariam gerações ate chegar a seus pés. (Cashmore 2000,
p. 131)

Para Lander (2005), a forma de organização tanto do ser como


da sociedade seguiu dispositivos colonizadores de conhecimento e
nesta, algumas sociedades tiveram seus conhecimentos considerados
arcaicos, em um estágio de desenvolvimento inferior.

Uma forma de organização e de ser da sociedade transforma-


se mediante este dispositivo colonizador do conhecimento
na forma “normal” do ser humano e da sociedade. As outras
formas de ser, as outras formas de organização da sociedade, as
outras formas de conhecimento, são transformadas não só em
diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais,
pré-modernas. São colocadas num momento anterior do
desenvolvimento histórico da humanidade (Fabian, 1983), o
que, no imaginário do progresso enfatiza sua inferioridade.

160 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Existindo uma forma “natural” do ser da sociedade e do ser
humano, as outras expressões culturais diferentes são vistas
como essencial ou ontologicamente inferiores e, por isso,
impossibilitadas de “se superarem” e de chegarem a ser
modernas (devido principalmente a inferioridade racial).
(Lander 2005, pp. 13-14)

Considerados sujeitos outros, humanos (indígenas e


negros são não-humanos), inferiores na categoria de civilização,
seus conhecimentos são postos na inexistência, sem relevância,
que não precisam ser compreensíveis. O que opera nesta visão é
a colonialidade do saber (Lander 2005) que privilegia apenas os
conhecimentos dos dominadores, como epistemes verdadeiras,
superiores e comprovadas. Para Santos (2010, p. 32) na teorização
do pensamento abissal, o colonizado é “[...] apenas inexistência,
invisibilidade e ausência”. Sua história é apagada.
Nesta narrativa, o Outro colonizado foi representado como
aquele a quem falta algo: inferior, selvagem, inculto, irracional,
indolente, rude, sem capacidade cognitiva, violento, bruto, sem
modos, sem controle da sexualidade, enfim, não humano. Os povos
violentamente colonizados foram negativamente representados e seus
saberes foram ignorados pela razão colonial. (Ribeiro 2019, p. 146)
O colonialismo se encerrou. Não há mais corridas por
conquistas de terras para sustentar as nações imperiais. Entretanto,
as mentalidades coloniais sobrevivem no imaginário e confirmam
que para a visibilidade de uns poucos, Outros precisam estar na
invisibilidade, no esquecimento.

A visibilidade assenta na invisibilidade de formas de


conhecimento que não encaixam em nenhuma destas formas
de conhecer. Refiro-me aos conhecimentos populares,
leigos, plebeus, camponeses, ou indígenas do outro lado da
linha. Eles desaparecem como conhecimentos relevantes ou
comensuráveis por se encontrarem para além do universo do
verdadeiro e do falso. (Santos 2010, p. 34)

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 161


As histórias lembradas nesta proposição são aquelas
merecedoras de serem representadas em monumentos e deste
modo se perpetuam na memoria social. “Os monumentos são
sempre as obras com que o poder político consagra as pessoas e
os acontecimentos fundadores do Estado” (Canclini 1998, p.
8). Na história de Miguel, este também toma como referencia o
maior cantor da cidade, que tem um monumento erguido na praça
principal. Em frente ao monumento ele declara “É ele, Ernesto de
la Cruz, o maior músico de todos os tempos”, na cena seguinte
a guia turística conta aos turistas a história, vida e conquistas da
personalidade que teve sua história perpetuada em um monumento
erguido na praça da cidade referenciada no enredo. “A apreensão da
memória depende deste modo do ambiente social [...] e político[...]:
trata-se da aquisição de regras de retórica e também da posse de
imagens e textos (cf. imaginação social, imagem, texto) que falam
do passado, em suma, de um certo modo de apropriação do tempo
(cf. ciclo, gerações, tempo/temporalidade)” (Le Goff 2003, p. 419).
A colonialidade do saber determinou o apagamento da
memória social, privilegiando a história dos colonizadores em
detrimento da história dos colonizados. Neste campo, modelos
educativos, seguiram currículos que determinaram padrões de
conhecimentos para a formação dos sujeitos. A história contada,
portanto, não era os dos povos nativos pertencentes aos territórios
locais conquistados, mas ao contrário, seus referentes estavam nas
personalidades heroicas da conquista.

Perspectiva decolonial: valorização de conhecimentos outros

Miguel, nosso protagonista do enredo ora apresentado, sai


em busca de sua história. Ao fazer este percurso e adentrar no mundo
dos mortos lhe é revelado que quando a foto de seus antepassados
não está na oferenda, logo estes não conseguem atravessar a ponte.

162 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


A foto na oferenda, significa, memória, lembranças, histórias. Em
um novo diálogo com Hector, Miguel percorre uma área periférica
da cidade dos mortos, casas de palafitas, com pouco recursos em
busca de um violão para realizar uma apresentação, então observa o
local, seus sujeitos e pergunta:
Miguel: Essas pessoas são da sua família

Hector: somos os que não tem fotos, nem oferendas, nem


famílias nos esperando, quase esquecidos, sacou.
(Miguel e Hector Viva: a vida é uma festa)

O projeto colonial procurou desenhar narrativas mestras, que


determinavam a submissão dos povos colonizados. Para estes povos
assim como nos mostra Hector neste diálogo, sujeitos esquecidos,
sem fotos não possuem oferendas. Mais Miguel não se acomoda, ele
segue o seu percurso e institui um novo trajeto, o de dar visibilidade
aqueles que estavam na invisibilidade, os retira do silenciamento,
do esquecimento, e deposita a foto, a memória, na oferenda.
O que Miguel realiza? Ele faz um percurso decolonial. Busca
história outras, aquelas que não foram contadas, que não estavam
nos monumentos, que não compunham as narrativas mestras, que
não se referenciavam em grandes personalidades. Ele descobre que
invisibilidade e o silenciamento são partes de uma teia de relações
de poder (Foucault 1987) que determinaram o apagamento da
história de seu tataravô. O enredo de “Viva: a vida é uma festa”,
nos instiga a pensar que os fatos podem ter outras versões, outras
verdades, outros pontos de partidas que não simplesmente aquelas
reveladas nas primeiras impressões.
Numa perspectiva decolonial, as explicações epistemológicas
dominantes precisam ser questionadas e problematizadas, pois o
saber pode ser pensado de diferentes perspectivas e produzido em
diferentes lugares e tempos. Promover estas novas vias de diálogos,
eis uma questão necessária, como nos aponta Santos e Menezes.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 163


Abrem-se, assim, pontes insuspeitadas de intercomunicação,
vias novas de diálogo. No plano epistemológico, tal como
noutros, o mundo não se pode contentar com breves resumos
de si próprios, mesmo sabendo da ‘versão completa e integral’
é impossível. A energia deve centra-se na valorização da
diversidade dos saberes para a intencionalidade e inteligibilidade
das práticas sociais seja mais ampla e democrática. (Santos e
Menezes 2010, p. 26)

Assim, construir novas pontes de diálogo e intercomunicação


em diversas dimensões, é o desafio capaz de colocar em cena a
diversidade.

Por um currículo decolonial

A colonialidade do saber como vimos anteriormente,


assentada na diferença colonial, assumiu práticas seculares de
violenta dominação para com os povos colonizados, usurpou
territórios, estabeleceu uma língua e uma religião padrão, dividiu os
sujeitos em seres humanos e não-humanos, superiores e inferiores,
e por meio de relações de poder/saber impôs uma cultura e uma
episteme padrão.
Algumas vertentes passaram a revisitar as epistemologias
modernas nas diferentes áreas de conhecimento (Ribeiro 2014) para
reencontrar os conhecimentos produzidos nas bordas, nas margens,
nos entrelugares. Para esta outra forma de se pensar a condição
constitutiva da vida social denominou-se de “virada cultural”.

A ‘virada cultural’ esta intimamente ligada a esta nova atitude


em relação a linguagem, pois a cultura não é nada mais do
que a soma de diferentes classificações e diferentes formações
discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado as

164 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


coisas. [...] o termo refere-se tanto a produção de conhecimento
através da linguagem e da representação, quanto ao modo como
o conhecimento é institucionalizado, modelando práticas sociais
e pondo novas práticas em funcionamento. (Hall 1997, p. 10)

Nesta perspectiva, as mudanças ou novas configurações


aconteceram no campo da linguagem, nas artes, nas produções
literárias, rupturas no universo teórico, mas também na compreensão
de que as práticas culturais são por sua vez práticas também discursivas.
Na América Latina o ponto de partida para esta reconfiguração deu-
se a partir do ‘giro decolonial’ no início dos anos 90, quando se
questionou o conhecimento padrão até então estabelecido, edificado
na teorização europeia, que não poderia ser deslocado para a realidade
Latino Americano devido sua especificidade histórica. Neste sentido
argumenta Ribeiro (2014, p. 69):

O giro decolonial é, nesse sentido,


indissociadamente um movimento teórico, ético, e político
ao questionar as pretensões de objetividade do conhecimento
dito científico dos últimos séculos e, no que nos diz respeito
diretamente, das ciências sociais. [...] Sob uma capa de pretensa
neutralidade, as ciências sociais se constituíram como discursos
legitimadores de opções político-econômico-ideológicas que
fizeram da experiência particular de modernidade o padrão
universal inconteste. Agora, trata-se de reivindicar dos
cientistas sociais uma postura distinta, a de reveladora dessa
histórica cumplicidade ao mesmo tempo em que de artífices do
que Mignolo chamou de gramática da descolonialidade, em que
se abre espaço para o aprendizado continuo a partir do outro,
mantendo uma postura desestabilizadora e decisiva na releitura
dos construtos discursivos que moldaram obstinadamente o
pensamento ocidental.

Ao colocar em xeque a suposta pretensão de objetividade


do conhecimento ditos científicos, busca-se trazer à tona como fez

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 165


Miguel a outra parte da história, dos fatos não contados, inserindo
na história o outro subalterno, que no projeto de submissão colonial
ficou invisibilizado. Na perspectiva decolonial a escola e o currículo
podem ser reinventados, mas para isso, se faz necessário a “ crítica
dos currículos centrados no chamado “cânon ocidental” (Silva
2011, p. 126) e focalizar nas manifestações artísticas e literárias
dos próprio povos subjugados e neste encontrar suas narrativas de
resistências.

Conclusão

Santos (2010) argumenta que não existe uma unidade


de conhecimento, certos conhecimentos podem envolver o
conhecimento de outros. Aprender outros conhecimentos não deve
significar esquecer os seus próprios, por isso, critica o pensamento
abissal, de divisão do mundo e do conhecimento em dois polos - os
superiores e o inferiores, os que tem conhecimento e os que não
os tem. Argumenta que o mundo é uma inesgotável diversidade de
experiencia. É, portanto, uma ecologia de saberes.
Visto desta forma, não podemos limitar a compreensão do
mundo apenas por uma lente. A história única, a episteme padrão,
invisibilizou realidades outras, sepultou conhecimentos, encobriu as
experiencias múltiplas presentes no mundo.

O mundo real melhor lembraria figuras geométricas de


várias faces que se combinam com outras figuras também de
incontáveis possibilidades de configurações a ponto de, numa
vista panorâmica, deslumbrarmos desenhos ao infinito que
encarcerados nos pobres e estigmatizadores binômios da razão
moderna desdenham da riqueza do mundo e o renegam em
verdade quando se propõe a estudá-lo. (Ribeiro 2014, p. 70)

166 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Talvez uma utopia, mas Ribeiro assim como Miguel nos
apresentam uma paisagem colorida, repleta de possibilidades.
Miguel no retorno a cidade dos vivos, recompõem sua história de
vida e apreende que as memórias, os conhecimentos quando não
são valorizados, partilhados, rememorados, lembrados podem ficar
no esquecimento e por fim desaparecer. Ao conhecer as histórias
de seus antepassados, sua pertença, passa a valorizar a cultura e
os conhecimentos que a cercam. Ribeiro (2014) por sua vez, nos
apresenta assim como Santos (2010) que o apagamento da história
e os fatos contados apenas pela vertente dos conquistadores limitam
a visão e impossibilitam os múltiplos desenhos e configurações
do mundo real. Nossas escolas, assim como seus currículos tem
um papel primordial na desconstrução das histórias únicas, na
problematização do conhecimento eurocentrado, para que os sujeitos
que dela façam parte tenham sim a oportunidade de descobrir outras
ecologias de saberes, por meio do diálogo com outros sujeitos e seus
conhecimentos.

Referências

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entrar e sair da modernidade. Trad. Heloísa P. Cintrão e Ana
Regina Lessa. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 1998.
CASHMORE, Ellis et al. (orgs). Dicionário de relações étnicas e
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de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 167


HALL, S. “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções
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Disponível em: http://páginas.uepa.br/seer/index.php/cocar.
Acesso em: 26/08/2020.
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SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma
introdução às teorias do currículo. 3ª ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2011.

FILMOGRAFIA

• ‘VIVA: A VIDA É UMA FESTA’(EUA, 105 min,2017).


Roteiro de Adrian Molina e Matthew Aldrich.Produtores:
Darla K Anderson e John Lasseter. Direção: Lee Unkrine.

168 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 11
DIFERENÇA CULTURAL, POLÍTICA E CURRÍCULO:
ENUNCIAÇÕES COM HOMI K. BHABHA

Jorge Luis Umbelino de Sousa


Jessýca Priscylla de Oliveira Nascimento
Ana Cláudia da Silva Rodrigues

Introdução

A discussão sobre a diferença cultural nas políticas de


currículo não se caracteriza como algo novo nos discursos
contemporâneos da pesquisa em educação. Desde há um tempo,
alguns/algumas pesquisadores/as brasileiros/as vêm tecendo
análises que se relacionam com esse objeto de estudo. Com
algumas perspectivas diferenciadas, essas pesquisas se ancoram em
referenciais teóricos muito diversos que passeiam por diferentes
campos de estudo.
Em nossas reflexões, temos nos assentados em perspectivas
pós-estruturalistas, pós-colonialistas e, mais recentemente,
fenomenológicas, com vistas a permitir uma interlocução teórico-
analítica que considere as questões da identidade, da diversidade

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 169


e da diferença nos estudos sobre políticas curriculares. Portanto,
a postura que assumimos é fortemente entrelaçada pelos estudos
culturais em relação com o campo das políticas educacionais, mais
precisamente em sua esfera curricular.
A escolha por estabelecer um certo diálogo com a obra
do crítico Homi K. Bhabha se dá pelas conexões teóricas com o
seu pensamento pós-colonial sobre a questão da cultura e das
identidades em lugares de fronteira. A escolha também se faz pelo
fato de estabelecermos aproximações com estudos de pesquisadoras
brasileiras no campo do currículo que também transitam por análises
em torno da cultura e da política curricular.
Neste texto, buscamos apresentar o pós-colonialismo como
uma perspectiva epistemológica para problematizar as relações
entre as minorias e seus movimentos de luta pela diferença cultural.
Em seguida, destacamos o pós-colonialismo presente na obra de
Bhabha, fazendo uma análise do seu entendimento de diferença
cultural como categoria para problematizar a noção de diversidade
cultural. E, por conseguinte, apontamos uma propositura de se
pensar o currículo como redes discursivas de enunciação da
diferença cultural, a partir de uma problematização das políticas
curriculares como texto e como discurso, atravessado por vozes
que, muitas vezes, são deslocadas (em apagamentos) do processo
de significação do currículo.

Homi K. Bhabha e o pós-colonialismo

O pós-colonialismo abriga uma gama heterogênea de visões


e reflexões, em dados momentos, contraditórias entre si. Portanto,
qualquer movimento de definição conceitual seria incompleto e nos
limiares da tentativa, demonstrar-se-ia inútil. Tal reconhecimento
não implica em uma tentativa de fuga da produção de conceitos
para o que entendemos como pós-colonialismo, uma vez que para o

170 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


desenvolvimento deste trabalho se faz necessário operacionalizar o
termo para a reflexão epistemológica na qual nos envolvemos.
Sendo assim, entendemos por pós-colonialismo

Um conjunto de correntes teóricas e analíticas, com forte


implantação nos estudos culturais, mas hoje presentes em
todas as ciências sociais, que têm em comum darem primazia
teórica e política às relações desiguais entre o Norte e o Sul
na explicação ou na compreensão do mundo contemporâneo.
[...] A perspectiva pós-colonial parte da ideia de que, a partir
das margens ou das periferias, as estruturas de poder e de
saber são mais visíveis. Daí o interesse desta perspectiva pela
geopolítica do conhecimento, ou seja, por problematizar quem
produz o conhecimento, em que contexto o produz e para quem
o produz. (Santos 2004, p. 9)

Pensar o pós-colonial é uma tarefa um tanto, discursivamente


complexa e, portanto, nos termos de Derrida, operamos sob rasura.
O que constatamos nesse cenário de narrações pós-coloniais é que o
desafio se encontra na tentativa de construir uma definição que seja
simultaneamente teórica e ao mesmo tempo histórica. Como aponta
Hall (2003, p. 118) tomando como base os estudos de Hulme, “o
pós-colonial se distingue de todos os outros ‘pós’ ao tentar ser
epistêmico e cronológico”. Não se trata apenas de ser posterior ao
colonial, mas de apresentar uma dimensão temporal que se desdobra
entre a ideia de colônia e de estado pós-colonial, bem como de
compor uma dimensão crítica por meio de um conjunto de teorias
que se movimentam dentro de um campo de forças de poder-saber.
Para Stuart Hall (2003), o pós-colonialismo se caracteriza
como um discurso pós-estruturalista e pós-fundacionista que
vem sendo enunciado por intelectuais deslocados do Terceiro
Mundo. Alguns teóricos que são pontuados de forma recorrente
nesse entrelaçamento epistemológico são Edward Said, Homi
Bhabha e Spivak. Como referência comum na obra desses

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 171


autores, encontramos uma crítica ao discurso da modernidade,
uma desconstrução de essencialismos e uma revisão profunda dos
marcos hegemônicos do conhecimento. Torna-se evidente que o
discurso pós-estruturalista fornece o fundamento filosófico e teórico
da perspectiva pós-colonial.
Como afirma Lopes (2013, p. 14) “o pós-colonialismo
questiona as noções hierarquizadas e verticalizadas entre
colonizador/colonizado nas ciências humanas e sociais”. O termo
não se restringe a descrever uma determinada sociedade ou
época, mas “relê a colonização como parte de um processo global
essencialmente transnacional e transcultural [...]” (Hall 2003, p.
109). Com a produção de uma reescrita descentrada, diaspórica ou
global, o pós-colonialismo permite releituras das grandes narrativas
imperiais do passado, centradas na nação. Há, portanto, uma
temporalidade problemática quando nos referimos a sua forma de
periodização.
O rompimento com o colonialismo e a transição para o
pós-colonialismo se embaraçam na ideia de que toda colonização
é uma negociação com o Outro e que o colonial não está morto,
pois sobrevive através de seus efeitos secundários. Contudo, o pós-
colonial em termos de periodização apresenta algumas ambiguidades,
uma vez que não se trata apenas de identificar o momento posterior
à colonização em deslocamentos nas relações globais. Segundo Hall
(2003), o termo também é cunhado sob uma narrativa alternativa
frente às declarações da narrativa clássica da modernidade.
O pós-colonial é um tempo de diferenças marcado por
hibridismo, entrelugares, formas de tradução, duplas inscrições,
enfim, assim como nos demonstra Bhabha (2003) estamos diante de
um “ir além” para inscrever no prefixo “pós” um certo movimento
intelectual crítico ao ocidentalismo e ao discurso colonial.
Nesse embate de forças travado pela relação entre poder
e conhecimento o pós-colonialismo contribui para pensarmos a
crítica à modernidade ocidental e ao capitalismo, problematizando
as relações entre Norte e Sul, bem como para enunciar a experiência

172 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


social dos marginalizados pelo processo de colonização. Esse
debate epistemológico atravessa diferentes campos de estudo,
dentre os quais o terreno das políticas educacionais, do currículo e
da diferença cultural, enfocadas neste trabalho.
A necessidade de tornar o pós-colonialismo uma matriz teórica
para sustentar nossas reverberações merece destaque no discurso
político e científico, uma vez que limites teórico-metodológicos são
encontrados nos interstícios de pesquisas. Como observamos, ainda
existe uma escassez de referencial teórico para lidar com categorias
que dialoguem com o pós-colonialismo. Desafio já superado,
por exemplo, pelos acadêmicos literários que se utilizam do pós-
colonialismo relutando em romper as barreiras disciplinares.
Homi K. Bhabha é um desses pesquisadores, considerado
um teórico crítico de nacionalidade indobritânica, sendo um dos
nomes mais influentes do pós-colonialismo. O autor contribui para
o pensamento sobre a subjetivação nos cenários contemporâneos
da identidade e a sua teorização pós-colonial, tensiona um debate
cultural que propõe uma crítica às formas culturais herdadas do
sistema colonial. Em seus estudos, são evidentes influências de
autores como: Fanon, Derrida, Freud e Foucault. Com formação
na Índia, Bhabha traz em suas análises, marcas das diferenças
culturais presentes nos entrelugares indianos, seja na literatura ou
em outras narrativas históricas. Destacamos, ainda, a sua atuação
como membro no conselho do Relatório Mundial da Unesco sobre
Diversidade Cultural.

Interrogando a diferença cultural

O conceito de diferença cultural, formulado pelo crítico


Homi Bhabha em seus estudos sobre a cultura, torna-se potente para
a análise que desenvolvemos em nossos estudos. Bhabha analisa os
processos de mudança e transformação cultural, mais precisamente

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 173


em um ensaio que intitula “Commitment to Theory” (Compromisso
com a teoria). Para o autor, torna-se necessário o empreendimento
da distinção entre diversidade cultural e diferença cultural, ao
mesmo tempo em que enfatiza a diferença para apresentar noções
de tradução e hibridação.
No livro “O local da cultura”, que reúne ensaios do autor,
dentre os quais o citado anteriormente, são formuladas algumas
categorias que nos permitem analisar práticas culturais em
processos de enunciação, problematizando os interstícios da cultura
entre ambivalências e fronteiras. No bojo de suas análises, estão
categorias como entre-lugares, estereótipos, vidas duplas, terceiro
espaço, dentre outras.
A questão da cultura para Bhabha, situa-nos em um
“presente” marcado por sensações de sobrevivência, de viver em
fronteiras. Esse movimento parece não ter um nome próprio, a
não ser pelo uso do prefixo pós, na medida em que formulamos
pós-modernismo, pós-colonialismo, dentre outros termos. Para
“ir além”, nesse momento de trânsito, nos espaços-tempos onde a
diferença e a identidade são interrogadas, é preciso “passar além
das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e focalizar
aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação
de diferenças culturais” (Bhabha 1998, p. 20).
Como já mencionamos, a cultura é produtiva, é enunciação.
Todavia, o que seria, no rastro da teoria de Bhabha, a diferença
cultural? Torna-se necessário, evidenciar sua formulação de
duas facetas da cultura: uma pedagógica e a outra performática.
A primeira é pensada como tradição que se dissolve em sentidos
partilhados, enquanto que a segunda reavalia a dicotomia
reprodução/produção por meio da noção de incomensurabilidade. A
cultura entendida como atividade significante e simbólica, permite
que nunca o original se conclua ou se complete em si mesmo. Para
Bhabha (1990, p. 36), “o originário sempre estará aberto à tradução,
portanto nunca pode ser dito que tenha um momento antecedente,
totalizado de sentido ou de ser – uma essência”.

174 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Ao desenvolver o conceito de diferença, Bhabha repousa
no pensamento pós-estrutural, na psicanálise, no marxismo pós-
althusseriano e na obra de Fanon. Seu intento é se afastar de
uma perspectiva liberal relativista que vislumbre as sociedades
democráticas como pluralistas e incentivadoras de uma acomodação
da diversidade cultural. Nesse percurso de traçar caminhos para a
redefinição de conceitos, a noção de diferença cultural

concentra-se no problema da ambivalência da autoridade


cultural: a tentativa de dominar em nome da supremacia cultural
é ela mesma produzida apenas no momento da diferenciação.
E é a própria autoridade da cultura como conhecimento da
verdade referencial que está em questão no conceito e no
momento da enunciação. (Bhabha 1998, p. 64)

Analisando os contextos atuais da esfera pública, a


diferença cultural emerge numa noção de política que se assenta
em “identidades políticas desiguais, não uniformes, múltiplas
e potencialmente antagônicas” (Bhabha 1990, p. 35). Por isso,
Bhabha em entrevista concebida a Jonathan Rutherford (1990, p.
35), pontua que “o multiculturalismo representou uma tentativa
de responder e ao mesmo tempo controlar o processo dinâmico
da articulação da diferença cultural, administrando um consenso
baseado numa norma que propaga a diversidade cultural”.
Tensionando a teoria crítica, um outro território de enunciação
vai sendo reterritorializado/desterritorializado para se construir
um engajamento diferente na política. Por meio dessa leitura
oposicional, na qual ideias pós-estruturalistas colocam em evidência
“a questão do sujeito” ou “a construção discursiva da realidade”,
Bhabha (1998, p. 61) advoga que só podemos “recolocarmos as
exigências referenciais e institucionais desse trabalho teórico no
campo da diferença cultural – e não da diversidade cultural”.
Na revisão da história da teoria crítica,

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 175


a diversidade cultural é um objeto epistemológico – a
cultura como objeto do conhecimento empírico – enquanto a
diferença cultural é o processo da enunciação da cultura como
‘conhecível’, legítimo, adequado à construção de sistema de
identificação cultural. [...] A diferença cultural é um processo
de significação através do qual afirmações da cultura ou sobre
a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a produção
de campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade.
(Bhabha 1998, p. 63)

A diversidade cultural é uma categoria que Bhabha reconhece,


todavia se aproxima mais da noção de diferença cultural. Segundo o
autor, a diversidade cultural adota costumes e conteúdos pré-dados
incutidos em um enquadramento temporal relativista, originando
noções liberais de multiculturalismo. Esse endosso dado à diversidade
cultural, por meio de uma política de educação multicultural, apresenta
dois problemas. O primeiro, bastante óbvio, dá-se na medida em
que embora existam acolhida e estímulo à diversidade cultural,
sempre haverá uma correspondente contenção dela. Essa sociedade
hospedeira ou cultura dominante trata “essas outras culturas” apenas
dentro de seus próprios circuitos. Bhabha (1990, p. 35) afirma que é
isso o que pretende dizer quando se refere “à criação da diversidade
cultural e à contenção da diferença cultural”.
Inspirado em Jacques Derrida, Bhabha destaca que o ato de
enunciação é atravessado pela différance, de modo que o sentido
nunca será mimético ou transparente. Portanto, toda identidade
cultural é fundamentalmente híbrida e os sentidos do enunciado
não são nenhum nem outro. Como construções linguísticas, as
identidades são deslocadas. Para o autor,

qualquer performance cultural é dramatizada no relato


semiótico comum da disjunção entre sujeito de uma proposição
e o sujeito da enunciação, que não é representado no enunciado,
mas que é o reconhecimento de sua incrustação e interpelação

176 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


discursiva, sua posicionalidade cultural, sua referência a um
tempo presente e a um espaço específico. (Bhabha 1998, p. 66)

Essa hibridação, no movimento da interpretação, nunca


poderá ser um simples ato de comunicação entre o Eu e o Você.
Esses lugares propositivos e enunciativos são deslocados na
passagem de um Terceiro Espaço que se nota na ambivalência
no ato da interpretação. Para Bhabha (1990, p. 37) “este terceiro
espaço desloca as histórias que o constituem e gera novas estruturas
de autoridade, novas iniciativas políticas, que são inadequadamente
compreendidas através do saber recebido”.
O Terceiro Espaço é, portanto, um lugar que possibilita
novas posições e negociações de sentido e de representação.
Comparando com o trabalho fronteiriço da cultura, esse movimento
da diferença cultural “renova o passado, refigurando-o como um
‘entrelugar’ contingente, que inova e interrompe a atuação do
presente. O ‘passado-presente’ torna-se parte da necessidade, e
não da nostalgia, de viver” (Bhabha 1998, p. 27). Entendemos,
através do discurso crítico contemporâneo modalizado pelo pós-
colonialismo de Bhabha, que a ênfase na cultura como enunciação
e na negociação da diferença cultural desestabiliza a agência social,
colocando em pauta a relação entre identidade, posição de sujeito e
mudança social.

Currículo como redes discursivas de


enunciação da diferença cultural

Nosso foco se concentra na busca incessante por um currículo


entendido nos nuances da cultura como enunciação. Esse desafio
político se insere nos debates recorrentes sobre a necessidade de
políticas curriculares que tendem a favorecer uma centralização e
homogeneização curricular.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 177


Ao pensarmos o currículo como redes discursivas, em
meio a esses jogos de interesse que se dão nos contextos macro
e micropolíticos, entendemos que redes de significação são
estabelecidas e que as práticas social e cultural são negociadas
através das relações de poder (Pereira 2009, p. 170). Sendo assim,
afastamo-nos de um “simplismo discursivo de afirmar que a escola
e o professor resistem a algumas práticas reguladoras verticalizadas
da política educacional no sentido restrito de oposição” (Albino et
al. 2012, p. 32).
Nessa perspectiva, Pereira (2009) assume que o currículo
precisa ser entendido como um significante vazio. Ancorando-se
em recursos teóricos da Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe, a
autora problematiza a ideia de se construir um discurso de coesão
e de aceitação da formulação e implantação de um currículo
nacional, o qual “poderia resgatar o bom nome da escola pública,
consequentemente, o sucesso escolar” (PEREIRA, 2009, p. 175).
Com os currículos diferenciados no jogo pela lógica da equivalência,
um currículo nacional só se tornaria possível se a equivalência
subvertesse a diferença. Nesse caso, a significação do currículo
acaba não se tornando passível de fechamento, completude ou
“fixação”.
Como um significante vazio surge da necessidade de se
nomear um objeto que se apresenta impossível e necessário,

quando pensamos o currículo hoje, estamos falando de um


termo literal deslocado que na sua incomensurabilidade trata
das questões gerais da organização do conhecimento, mas,
que no seu sentido figurativo, metafórico, produz inúmeras
totalizações parciais de novos sentidos de tempo e lugar.
(Pereira 2009, p. 176)

Assim, ainda que as políticas de currículo articulem “pontos


nodais” diversos, ao longo de suas trajetórias, são deslocadas
continuamente mesmo que a pluralidade de discursos possa criar e

178 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


normatizar os textos das políticas. Constatamos que todas as práticas
discursivas que resultam dessa tensão negociada entre os agentes
sociais e políticos, apresentam-se ambivalentes, contingentes e
fluidas. Dessa forma, podemos pensar em um currículo como “redes
de significação do processo cultural de pertencimento de diferentes
grupos sociais [...] ele tem a seu favor a oportunidade de assumir
o poder enquanto uma estratégia significativa de negociação [...]
(Pereira 2009, p. 171). Tal movimento de negociação produz
mudanças de reconhecimento e de legitimidade dos grupos sociais
nas sociedades multiculturais.
Segundo Albino et al. (2012, p. 37),

estamos falando de um currículo por nós entendido como


redes discursivas. Isto significa que o currículo se faz através
de redes polissêmicas de sentidos e significados nos diferentes
tempos e espaços, que às vezes se tocam e até se hibridizam,
mas às vezes também apontam em direções distintas, quiçá,
antagônicas. Portanto, o currículo encontra-se sempre em
processo de construção. O movimento que lhe caracteriza traz,
a nosso ver, inúmeros discursos não antes revelados ou lidos.

Nessas redes discursivas, defendemos a necessidade de


pensarmos o currículo como espaço-tempo de enunciação cultural
para além de dicotomias enraizadas no bojo de discursos “circulantes”
no cenário educacional. Tais discursos perpassam tanto a teorização
curricular, como as políticas e os episódios curriculares vivenciados
no contexto das escolas. Fortemente, temos destacado a ideia de um
currículo formal e de um currículo em ação, o que caracteriza um
hiato entre a propositura curricular e a sua aplicação.
Como forma alternativa de entender o currículo e superar
a prescrição, bem como de compreender a educação como projeto
contemporâneo, levando em consideração as relações entre o global
e o local nas dimensões da cultura, defendemos o currículo como
um espaço-tempo de fronteira cultural (Macedo 2006). O conceito

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 179


desenvolvido pela autora é abarcado em nosso estudo, apesar dos
riscos e desafios assumidos, como o entendimento basilar para
problematizar a diferença cultural que “vaga” nos entre-lugares
das fronteiras, envolvendo saberes, experiências e os sujeitos da/
na escola. Queremos enfatizar que tal perspectiva nos afasta de
uma discussão que assume a cultura como um diálogo possível no
currículo e na escola e lançamos mão da “negociação agonística”
articulada em torno da ideia de tradução entre as culturas para
pensar esse “Outro currículo” (alternativo?).
Por isso, o currículo como espaço-tempo de fronteira
cultural não argumenta que os currículos oficiais são expressões
das culturas globais onde a colonização é um princípio, nem que
os currículos vividos são os espaços de “culturas locais”. Macedo
(2006) rechaça que ambos devem ser tratados como espaços-tempos
de colonização. “Uma colonização que não é operado pelo professor
sobre o aluno, [...] mas como um híbrido Iluminismo/mercado sobre
outros sistemas culturais” (Macedo 2006, p. 292).
Como somos todos agentes desse colonialismo, é preciso
mudar a forma de enxergar a relação entre o hegemônico e o
subalterno. De acordo com Bhabha (1998), levando em consideração
o agente pós-colonial, a contingência do sujeito como agente e
da cultura como enunciação, precisamos pensar fora da sentença
de modo que a cultura dominante jamais pode minar os sistemas
culturais locais e nem mesmo esses sistemas podem ficar imunes
das “cenas” do colonialismo. Portanto, as culturas negociam sua
existência no currículo. Esse processo envolve uma interpretação
cultural que exige tradução. Mas não se trata de uma ação simples
nem mesmo passível de realização completa.
Toda essa teorização, a qual entendemos ainda estar em
movimento, em enunciação, parece não dá conta das lutas recorrentes
de professores e de professoras pela igualdade e pela diferença.
Macedo (2006, p. 108) já nos indica que “não é possível transpor de
forma automática as discussões de Bhabha para entender as relações
entre culturas presentes no currículo pensado como espaço-tempo

180 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


de fronteira”. Porém, acredita ser “útil” e, portanto, muito mais do
que possível, pois permite pensar as relações de poder colonial e de
diferença cultural no âmbito da escola e do currículo. Concordamos
com a autora, por acreditarmos que essa luta pela igualdade,
numa perspectiva liberal, tenta normalizar a diferença cultural
e transformar a pressuposição de respeito cultural mútuo em um
reconhecimento do valor cultural mútuo, no qual não se reconhece
as temporalidades disjuntivas e fronteiriças das culturas.
Essa discussão nos leva a enxergar as lutas pela afirmação
de identidades particulares no currículo ainda muito relacionada à
dicotomia universal/particular, fazendo com que a luta seja sempre
vencida pelo global, mascarando a diferença. Em meio as tradições
globalizantes, torna-se fundante, ler o universal como contingente
e perceber a rearticulação de saberes e culturas que resistem às
tentativas de totalização. De acordo com Macedo (2006, p. 294),
nos tempos-lugares híbridos de sentido, “o ato da tradução cultural
impede que as culturas globais vejam a si mesmas como completas,
definitivas, e impõe as culturas subalternas como elemento que
redesenha o global”.

Considerações finais

O diálogo com Bhabha nos direcionou a entender a diferença


cultural sob outros aspectos que ainda se fazem “embaraçados” nas
análises no campo das políticas educacionais. O trabalho do autor é
demarcado pela desconstrução de alguns fundamentos que poderiam
tornar a teorização sobre a cultura estancada numa definição,
num conceito fechado. Tratar da significação e da enunciação é
justamente dilacerar qualquer ideia de cultura como repertórios de
linguagens e signos delimitados por uma natureza e história que se
repete ou se demostra nas relações sociais.
O pensamento de Bhabha no terreno da cultura merece
destaque pelo giro emblemático que o autor intentou nos últimos

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 181


anos, tentando apontar para um posicionamento franco no lugar
discursivo da militância por uma nova concepção das ciências
humanas, entendidas como espaço virtual no qual se entrecruza
uma pluralidade de discursos sociais e demandas díspares e
incomensuráveis. Tais demandas podem ser traduzidas numa busca
pela universalidade sempre contingente e funcional, articulando
projetos emancipatórios em cada caso que se apresenta.
Neste texto, buscamos fazer uma releitura da categoria
da diferença cultural, a partir da obra de Bhabha, com o intuito
de permitir uma reflexão sobre as políticas curriculares em suas
relações com outros significantes. Descentrando o conhecimento do
jogo, a ideia de conhecimento “puro”, essencial, preciso, guiamos
nossas análises para o debate do currículo como enunciação
da cultura nos lugares contextuais. Portanto, reconhecemos a
necessidade de possibilitar reverberações cada vez mais fecundas,
bem como justificamos que é possível debater o conhecimento sob
outras perspectivas diferentes de um realismo e transparência. Este
estudo é, indubitavelmente, trajetória para se pensar o que tem nos
provocado neste momento: o aspecto performativo da produção da
identidade.

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VII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais,
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POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 183


capítulo 12
A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
E O CURRÍCULO UNIVERSITÁRIO: QUESTÕES E
TEMÁTICAS

Marcos Antonio Batista da Silva

Introdução

A presente comunicação apresenta uma breve revisão de


literatura, sobre o estudo das relações étnico-raciais no campo da
educação, em especial, no ensino superior, envolvendo a estrutura
curricular que historicamente está fundada como um espaço de
reprodução da “branquitude” (Schucman 2014; Cardoso 2010;
Bento 2002; Piza 2002). “A branquitude é um lugar de privilégios
simbólicos, subjetivos, objetivo, isto é, materiais palpáveis que
colaboram para construção social e reprodução do preconceito
racial, discriminação racial “injusta” e racismo (Cardoso 2010, p.
611). Lourenço Cardoso (2010) chama à atenção para o fato de
que o pioneirismo na discussão da identidade racial branca caberia,
inicialmente a William Du Bois, em seguida, a Frantz Fanon.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 185


No Brasil, na década de 50, Alberto Guerreiro Ramos (1957)
já chamava à atenção a temática, como pudemos observar no
ensaio Patologia social do branco brasileiro. Ramos (1957)
frisa que “problema do negro brasileiro” seria, na verdade, uma
“patologia do branco”, e chamava a atenção para os elementos
da branquitude que vão embasar o trato da questão racial no
Brasil. O autor se pronunciou diversas vezes defendendo o
caráter indefinível não apenas da pessoa humana em geral, mas
do próprio negro, como ser dinâmico e indecifrável. Esse é o
sentido, por exemplo, de passagens como a seguinte, do seu
ensaio, em que o autor distingue entre as categorias negro-vida
e negro-tema. “Como tema, o negro tem sido, entre nós, objeto
de escalpelação perpetrada por literatos [...]. Como vida ou
realidade efetiva, o negro vem assumindo o seu destino, vem
se fazendo a si próprio, segundo lhe têm permitido as condições
particulares da sociedade brasileira” (Ramos 1957, p. 171).
Embora os termos “branquitude” e “branquidade” tenham
sido utilizados para falar da situação de privilégio que o branco
detém nas sociedades estruturadas pelas hierarquias raciais, a
pesquisadora Edith Piza (2005) propõe um outro modo de pensar
estas nomenclaturas.

Branquitude não diz respeito aos discursos


ingênuos que afirmam: «somos todos iguais perante Deus, ou
perante as leis»; ao contrário, reconhece que «alguns são mais
iguais do que os outros» e reverte o processo de se situar no
espaço dos mais iguais para reivindicar a igualdade plena e de
fato, para todos. É primeiramente o esforço de compreender
os processos de constituição da branquidade para estabelecer
uma ação consciente para fora do comportamento hegemônico
e para o interior de uma postura política anti-racista e, a
partir daí, uma ação que se expressa em discursos sobre as
desigualdades e sobre os privilégios de ser branco, em espaços
brancos e para brancos; e em ações de apoio à plena igualdade.
(Piza 2005, n.p, grifo nosso)

186 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Ainda segundo Piza (2005)

Creio que a branquidade, como expressão social e cultural


hegemônica, no mundo ocidental, conforma traços das
identidades de brancos e negros, igualmente. Para brancos, a
branquidade incorpora traços de racismo, mesmo quando não
consciente, não manifesto ou reprimido. Para negros apresenta-
se como uma barreira para a construção de uma identidade
racial positiva (a negritude), já que os modelos de humanidade
positiva são brancos. (Piza 2005, n.p, grifo nosso)

Compreendemos que o espaço educacional nas sociedades


contemporâneas, com raras exceções, continua a ser um lugar
de preservação de hierarquias raciais. O racismo atravessa a
universidade por meio de ideologias, práticas e discursos que se
articulam para dar sustentação à hegemonia branca. O processo
de definição do que é saber e do que é conhecimento científico,
e de quem é de fato o sujeito do conhecimento na modernidade é
produzido a partir da “branquidade” que tem estabelecido padrões
culturais e sociais numa perspectiva civilizatória de sociedade
(Cardoso 2010; Schucman 2014; Piza 2005; Bento 2002).
Desde a década de 2000, pós Conferência de Durban, uma
série de demandas históricas, movimentações e políticas, ganharam
novos impulsos, principalmente pelo movimento sociais negros em
diversos países. No Brasil, no campo educacional, por exemplo,
políticas públicas educacionais foram implementadas visando
ampliar o acesso da população negra e indígena nas universidades
públicas. Compreendendo que a educação das relações étnico-raciais
no ensino superior visa a produção de conhecimentos, “ que eduquem
cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes
de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos,
respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da
consolidação da democracia brasileira” (Brasil 2004, p. 31).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 187


Para tanto, é necessário para além da inclusão da população
racializadas (negros, indígenas) na universidade, uma (re) educação
dos discursos, bem como reconhecimento da história da cultura e
do pensamento dos africanos, afro-brasileiros e povos indígenas,
buscando-se desconstruir o mito da democracia racial na sociedade
brasileira, bem como das desigualdades sociais e educacionais,
que são atribuidas à herança do passado escravista, à política de
branqueamento da passagem do século XIX para o XX, à histórica
condescendência das elites brasileiras com desigualdades sociais e
ao racismo estrutural (Almeida 2019). Reafirmamos que por uma
questão de justiça social necessitamos democratizar os espaços
sociais que, historicamente foram ocupados por grupos influentes
como, por exemplo, ocorre na universidade.
Neste sentido, algumas perguntas guiam nossa reflexão:
que desafios enfrentamos no estudo sobre raça e (anti)racismo em
universidades na sociedade brasileira.?As práticas educacionais,
como a construção do currículo têm procurado desafiar o paradigma
eurocêntrico através das diferenças representadas pelas experiências
históricas da população negra e dos povos indígenas?
O debate apresentado corresponde a discussões iniciais
do (Projeto 725402 – POLITICS – ERC-2016-COG), junto a
Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Sociais, propõem
aprofundar o conhecimento sobre antirracismo, proporcionando uma
maior compreensão sobre a forma como as inustiçãs historicamente
enraizadas esta a ser questinadas por instituições e movimento
sociais de base. O referencial teórico-metodológico desse texto
dialoga ccom a proposta do projeto POLITICS, ancorado pela
teoria crítica de raça e racismo (Essed 1991; Quijano 2005; Moreno
Figueroa 2010; Gomes 2012; Almeida 2019), entre outros.
A Coleta de dados qualitativos dialoga com a análise crítica
do discurso (Van Dijk, 1993). Os métodos incluem: a investigação
de documentos; as entrevistas em profundidade, que possibilitem
a análise de interpretações concorrentes e relações de poder e
conhecimento. O nosso foco principal é estabelecer um diálogo

188 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


com o ensino da história e cultura afro-brasileira, incluida na rede
de ensino no Brasil por intermédio da Lei nº 10.639/2003 e suas
Diretrizes Curriculares (Brasil 2004).
O texto está dividido em 3 seções. Na primeira seção,
apresentamos algumas considerações sobre o conhecimento no
currículo. Na segunda seção, destacamos a importância da educação
étnico-racial nos currículos universitários. Na terceira seção,
apresentamos nossas “considerações finais”.

O conhecimento no currículo: algumas considerações

O tema da educação, em especial, o currículo educacional, já


era uma preocupação da Assembleia Nacional Constituinte de 1987
no Brasil, “ a rigor, a discussão versava sobre as formas de inclusão
do negro como sujeito na História do Brasil. Essa inclusão, [...]
permitiria a composição de um conteúdo crítico em relação à ótica
hegemônica e eurocentrada” (Gomes e Rodrigues 2018, p. 936).
Assim, ressaltamos a importância do movimento negro, bem como
seus interlocutores políticos que se oraganizaram para influenciar no
conteúdo de legislações que iriam orientar as políticas educacionais
da Constituição Federal de 1988, bem como a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional na sociedade brasileira. Desse modo,
constituem exemplos, as Leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, que
instituíram a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-
brasileira, Indígena, e uma educação das relações étnico-raciais no
sistema educacional brasileiro (Silva e Ribeiro 2019).
A questão racial é um dos desafios fundamentais a serem
superados para o enfrentamento das profundas desigualdades do
Brasil, e se manifestam, entre outros, nos âmbitos econômico,
político, jurídico, educacional. No campo da educação, como bem
destacou Barcellos (2018, p. 4), “tem sido desafiado a repensar e
a desconstruir o racismo nas escolas, universidades e na produção

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 189


do conhecimento. [...] tem questionado a formação docente que se
veem desafiadas a modificar seus referenciais epistemológicos”.
Apesar de desde os anos 70 registrarmos os primeiros trabalhos
acadêmicos voltados à discussão sobre as desigualdades de raça e a
reprodução daquelas desigualdades no ambiente educacional, será
a partir dos anos 2000 que teremos uma produção mais sistemática
acerca da relação potente entre currículo e educação antirracista,
como pudemos observar nos estudos de : Costa (2012); Young
(2014); Chagas (2017); Coelho e Coelho, 2018; Carvalho e Castro
(2017); Ferreira (2018); Osaniiyi, Brito e Noguera (2019); Regis e
Basilio (2018). Porém, localizamos poucos trabalhos que discutem
diretamente currículo universitário relações raciais a educação das
relações étnico-raciais e o ensino superior, como pudemos observar
no trabalho de Regis e Basilio (2018). Vale ressaltar a contribuição
de Ferreira (2018) que investigou a temática do currículo e relações
raciais do curso de Pedagogia em algumas universidades públicas
do Rio de Janeiro.
Nas palavras de Young (2014), “o currículo foi associado
por tempo demais apenas a escolas. Faculdades e universidades
também têm currículos. Portanto, a teoria do currículo aplica-se a
toda instituição educacional” (p. 192). Ao discutir sobre a história
do currículo, o autor faz um resgate histórico através do contexto
de dois países: Estados Unidos e Inglaterra. Young (2014) assinala
que esses países iniciaram com formas muito restritas, mas muito
diferentes de teoria do currículo. “Nos Estados Unidos, essa teoria
derivou do gerenciamento científico [...] e, em seguida, foi aplicada
às escolas, de maneira que os teóricos do currículo podiam dizer aos
professores o que ensinar, como se fossem trabalhadores manuais”
(ibidem, p.193).Na Inglaterra, ocorreu uma tradição diferente:
“era uma visão elitista e complacente do que deveria ser ensinado
nas escolas, conhecida como “educação liberal”. Partia de duas
premissas: a primeira, de que uma teoria não era necessária; e a
segunda, de que se os alunos não aprendiam era porque lhes faltava
inteligência” (ibidem, p.193). Entretanto, essas tradições perderam

190 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


muito de sua credibilidade a partir da década de 1960. O autor relata
algumas linhas de evolução no campo dos estudos dos currículos,
todas críticas as referidas tradições anteriores: “a interação entre
a tradição anglo-estadunidense e as tradições alemã e do norte da
Europa de teorias educacionais; o desenvolvimento da teoria crítica
do currículo, que levou ao rompimento com as tradições inglesa e
estadunidense” (ibidem, p. 193).
Young (2014), ao refletir sobre o papel crítico e o papel
normativo da teoria do currículo, evidência que por um lado,
“como críticos, nossa tarefa deveria ser a análise das premissas e
dos pontos fortes e fracos dos atuais currículos, além de analisar
também os modos como o currículo conceitual é usado” (p. 194). E
questiona: “o que deve significar exatamente essa noção de crítica?”
(ibidem, p. 194). Por sua vez, quando dá enfâse ao papel normativo
do currículo, o autor sublinha dois pontos: as normas que orientam
a elaboração e a prática do currículo; e para que estamos educando.
No que tange ao currículo como conceito educacional, Young (2014)
frisa que “o currículo é o conceito mais importante que emergiu do
campo dos estudos educacionais (ibidem, p.194).
Nenhuma outra instituição – hospital, governo, empresa
[...] – tem um currículo no sentido em que escolas, faculdades
e universidades têm”. Nas palavras do autor, as instituições
educacionais pressupõem dispor de um conhecimento ao qual outros
têm direito de acesso e empregam pessoas que são especialistas em
tornar esse conhecimento acessível, isto é, os professores (Young
2014). Entretanto, Yonug (2014) nos alerta que “o objeto da teoria
do currículo deve ser o currículo - o que é ensinado (ou não), seja
na universidade, na faculdade ou na escola. Assim, o currículo
sempre é nas palavras do autor, “um sistema de relações sociais e
de poder com uma história específica; isso está relacionado com a
ideia de que o currículo pode ser entendido como “conhecimento
dos poderosos” (ibidem, p. 201).
Sempre é também um corpo complexo de conhecimento
especializado e está relacionado a saber se e em que medida um

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 191


currículo representa “conhecimento poderoso” – em outras palavras,
é capaz de prover os alunos de recursos para explicações e para
pensar alternativas, qualquer que seja a área de conhecimento e a
etapa da escolarização (ibidem, p. 201).
Segundo Young (2014), “a teoria do currículo não estabeleceu
um bom equilíbrio entre esses dois aspectos. Concentrou-se
demasiadamente no currículo como “conhecimento dos poderosos”
- um sistema concebido para manter as desigualdades educacionais
- e negligenciou o currículo como “conhecimento poderoso”. Desse
modo, resulta-se que algumas questões sobre o conhecimento são
evitadas, por exemplo, “o que há de poderoso no conhecimento que
é característico dos currículos das escolas de elite? [...]. O que há de
poderoso nesse “conhecimento poderoso”? (p.201).

A questão étnico-racial e o currículo:


reconhecimento e valorização

A questão racial permeia toda a história social, cultural


e política no Brasil e afeta a todos, independentemente do
pertencimento étnico-racial, neste sentido o movimento negro
tem realizado constantemente reivindicações e contruído práticas
pedagógicas, a fim de introduzir essa discussão nos currículos,
desde os anos iniciais da educação básica, ao ensino superior/pós-
graduação (Gomes 2012, 2017). Temos observado que a produção
bibliográfica sobre educação antirracista tem apresentado reflexões
sobre o racismo e à colonialidade do poder, como pudemos observar
no dossiê , O que quer um currículo, negro?, organizado por
Osaniiyi, Brito e Noguera, (2019). O trabalho:

[...] apresenta um conjunto de pesquisas interessadas em


descolonizar o currículo e combater injustiças cognitivas.
[...]. Traz à tona práticas escolares e estudos que

192 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


contestam um currículo historicamente eurocentrado, [...].
Problematiza o lugar das comunidades negras, [...], estudantes,
[...] profissionais da Educação, com seus saberes identitários,
políticos e estético-corpóreos, promove a visibilidade de
currículos afrodiaspóricos (p. 12).

Desse modo, foi possível captar um conjunto analítico acerca


da produção em torno da discussão sobre currículo e educação
antirracista. De modo geral, os estudos discutiram: as identidades
fixadas por meio de normativas e teorias escolares no contexto da
juventude negra (Brito 2019); as relações étnico-raciais, Ciências
e formação docente (buscaram combater o racismo institucional e
colaboram para o fortalecimento da autoestima de cientistas negros
e negras), como indicados nos trabalhos de Morais e Santos (2019),
Nunes et al. (2019), Silva e Pinheiro (2019); a questão racial e o
ensino de Língua Portuguesa (descolonização epistemológica
do ensino de Língua Portuguesa), como evidenciado por Lobo
et al. (2019); o uso artístico de tecnologias (comunicação como
instrumento político que visam se opor contra práticas de ensino
racistas), como destacou Freitas (2019); os estudos que valorizam
a cultura afro-brasileira e africana, evidenciado por Rufino (2019).

Finalizando ...

Em particular no Brasil, entendemos que a reivindicação


pelo acesso ao ensino superior para a população negra, indígena
e egressa da escola pública no Brasil, constitui uma mobilização
política, vinda em especial, do movimento negrro, dos jovens que
se autodeclaram como como negros, descendentes de escravizados
africanos. Vivemos na atualidade, pois, um momento ímpar da
agenda das políticas educacionais, as políticas de Ação Afirmativa no
Brasil. Daí nossa proposta nesta comunicação: sistematizar algumas

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 193


informações e reflexões sobre o debate e as práticas contemporâneas
sobre uma educação antirracista na sociedade brasileira, situando-a
no contexto de conhecimentos sobre relações raciais e educação,
como por exemplo: os estudos sobre raça, e racismo; o movimento
negro brasileiro como educador ; e as plíticas públicas educacionais
e o currículo universitário.
Outro ponto a ser observado, como bem destacou Denise
Carreira (2018) refere-se a “necessidade de maior engajamento de
pessoas brancas e das instituições comprometidas com a promoção,
defesa e garantia dos direitos humanos na luta antirracista”.
Contudo, este texto foi orientado pelo questionamento de como
construir uma educação antirracista, considerando a centralidade
que a educação adquiriu históricamente nas lutas antirracistas nas
sociedades contemporâneas. “E será que esse momento pode ser
compreendido como parte de um processo de descolonização dos
currículos?” (Gomes 2012, p. 108).

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198 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 13
EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E
CURRÍCULOS ANTIRRACISTAS: “O CAMINHO
SE FAZ ENTRE O ALVO E A SETA

Michele Guerreiro Ferreira


Janssen Felipe da Silva

Introdução

O presente trabalho é uma apresentação de parte dos


resultados de uma década de estudos sobre Currículo e Educação
das Relações Étnico-Raciais que culminaram na elaboração de uma
dissertação e uma tese. Vale mencionar que as duas investigações
foram pesquisas de campo, uma na Educação Básica e a outra no
Ensino Superior, em cursos de Formação de Professoras/es. Ambas
obedeceram a critérios para seleção do campo e dos sujeitos. Os
dados foram coletados por meio de questionários, entrevistas,
registros fotográficos e diário de campo e foram analisados via
Análise de Conteúdo Temática (Bardin 2011; Vala 1990), para
atender ao critério do anonimato do texto não vamos referenciar as
pesquisas aqui.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 199


Tais estudos foram motivados, inicialmente, pela curiosidade
ingênua, na acepção de Paulo Freire (2005), sobre a alteração à
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) provocada
pela promulgação da Lei nº 10.639/2003 que tornaria obrigatório o
estudo de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos sistemas
de ensino do país.
Consideramos uma curiosidade ingênua porque não
fazíamos ideia dos processos de lutas antirracistas, das tensões
societais que estavam por trás daquele ato, que foi a primeira Lei
assinada pelo então presidente Lula em 09 de janeiro de 2003. No
entanto, modificar a LDB naquele momento tão delicado em que o
país acabava de assumir-se como um país racista, ao mesmo tempo
em que a sociedade ainda debatia se se era contra ou a favor das
cotas raciais nas universidades, indicava mudança importantes,
fissuras na estrutura em relação ao tema do racismo. Afinal, a Lei nº
10.639/2003 não representava apenas a inclusão de novos conteúdos
sobre a História e a Cultura de africanas/os e afro-brasileiras/os, mas
visava a promoção da Educação das relações étnico-raciais no país.
Tal curiosidade ingênua foi se transformando em curiosidade
epistemológica (Freire 2005), quando passamos a refletir sobre o
silenciamento a respeito das relações raciais que habitou toda a nossa
formação. Questionamos por que sabíamos tão pouco sobre nossos
ancestrais africanos e sobre suas contribuições na constituição
de nosso país, de nossa História e de nossa Cultura, ao passo que
sabíamos tanto sobre a história e cultura da Europa e dos europeus?
Assim, começamos a pesquisar sobre Currículo. Desde
o que é o currículo até o que ele é capaz de fazer (Silva 2000).
Posteriormente, além das teorias curriculares, debruçamo-nos
sobre as políticas e sobre as práticas curriculares e cada vez mais
íamos percebendo que a alteração à LDB estava relacionada com as
demandas da sociedade, especialmente do Movimento Negro. Fomos
compreendendo que uma política curricular também representa as
tensões societais e que estas políticas se reconfiguram nas práticas
curriculares (Ball 2001; Lopes e Macedo 2011; Mainardes 2006).

200 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Desse modo, como diz a canção de Pedro Abrunhosa, popular
na voz de Maria Bethania, “alguém me gritava com voz de profeta
que o caminho se faz entre o alvo e a seta”, era preciso compreender
esse caminho entre a educação das relações étnico-raciais (o alvo)
e o currículo antirracista (a seta). Assim, o objetivo do presente
trabalho é apresentar uma parte dos resultados obtidos nesses
estudos, focando nos elementos que contribuem para constituir um
currículo antirracista. Para tanto, tomamos como lentes teóricas o
Pensamento Decolonial (Fanon 2008; Quijano 2005; Mignolo 2008)
que nos auxiliou a compreender como e quando foram forjadas a
ideia e a estratégia de racialização da sociedade que desencadeiam
no racismo como o conhecemos hoje. Assim como, nos possibilita
vislumbrar um horizonte decolonial, ou seja, reconhecer os
processos em curso de ruptura com o padrão estabelecido no âmbito
do colonialismo e que vigora até os dias atuais.
Dividimos o texto em três sessões: na primeira apresentamos
um breve percurso histórico do contexto que desencadeou a política
curricular para a educação das relações étnico-raciais; na segunda,
analisamos como os sujeitos curriculantes (professoras/es e
estudantes que participaram das pesquisas que estamos analisando)
concebem e enfrentam o racismo em suas práticas curriculares e,
por fim, apresentamos nossas considerações finais que apontam
elementos para um currículo antirracista.

Lei nº 10.639/2003 – ponto de chegada e ponto de


partida de uma luta histórica contra o racismo

Para entendermos por que a Lei nº 10.639/2003 representa


um ponto de chegada de uma luta histórica contra o racismo é preciso
explicitar o que é o racismo. Para Quijano (2005), a colonialidade
do poder é um sistema de classificação social da população mundial
baseada na ideia de “raça” que constitui um padrão de poder o

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 201


qual se funda a partir da articulação dos pilares da racialização/
racionalização que caracterizam formas de controle do trabalho, de
seus recursos e de seus produtos.
Num primeiro momento, esses pilares se constituem com
o objetivo de estabelecer as relações de dominação dos povos
conquistados no âmbito do colonialismo, mas depois tal padrão
de poder foi expandido para todo o mundo. Quijano (Ibid.) mostra
como as identidades se tornaram identidades “raciais” e como
passaram a servir para classificar e dividir a sociedade, “sendo a
raça branca a dos dominantes/superiores ‘europeus’ e os índios e
negros, as raças dos dominados/inferiores ‘não europeus’” (Ferreira
Silva 2015, p. 16).
Assim, temos o sujeito colonial (Fanon 2008) que é aquele
sobre o qual lhe imputam, arbitrariamente, uma identidade racial,
um lugar (ou não lugar) no ciclo produtivo (de recursos, produtos e
também de conhecimentos) e um padrão de ser a ser perseguido (o
“branco”, viabilizado pelos ideais de branqueamento, pelas teorias
da mestiçagem ou pelo próprio mito da democracia racial). No
entanto, apesar de tudo isso que a colonialidade, em seus diversos
eixos, inflige ao sujeito colonial ele habita os dois lados da fronteira,
o lado colonizado (que em alguma medida absorve ou se rende à
colonialidade) e o lado que a colonialidade não alcança, o lado da
resistência, das ressignificações, das lutas anticoloniais/imperiais,
da busca da decolonialidade.
Podemos entender este outro lado da fronteira com o
discurso de Fausto Reinaga (apud Mignolo 2008 p. 290), que nos
ajuda a compreender o íntimo destas lutas quando afirma em uma
conferência: “Danem-se, eu não sou um índio, sou um Aymara. Mas
você me fez um índio e como índio lutarei pela libertação”.
O intelectual Aymara reconhece a força da colonialidade
do poder ao classificar o seu povo, assim como vários outros, em
uma categoria homogeneizadora e subalternizada (índios), a qual
será, ela mesma, usada na sua luta pela libertação, pela demarcação
de suas terras, entre outros direitos que constituem suas agendas

202 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


políticas e epistêmicas. A mesma atitude tem sido uma estratégia
do Movimento Negro, tanto no Brasil como em outros países, que
recusam termos eufêmicos, ressignificam e adotam o termo negro
para lutar por sua libertação e confrontar o racismo.
Enquanto o ideal de branqueamento ou as teorias da
mestiçagem louvavam o clareamento da população negra no
Brasil, uma pauta do Movimento Negro da década de oitenta do
século XX vai reverberar em políticas afirmativas no século XXI,
ao tomarem como negros as pessoas que se identificam como
pretas, mas também, como pardas. Negros de pele clara (pardos)
que como Fanon na França reconhecem que não é um francês, ou
seja, que não é branco, ao se somarem com os pretos representam
mais de cinquenta por cento da população brasileira, elevando
potencialmente o poder mobilizador de políticas que ampliem
direitos e restrinjam privilégios.
Notamos que esta é uma atitude decolonial, isto é, assumir a
identidade subalternizada como identidade de luta para conquistar
justiça social, direito epistêmico e valorização e reconhecimento
de sua identidade, história e cultura. O desafio do antirracismo
representa um posicionamento diante da luta pela libertação do
padrão de poder, que pode ser materializada em políticas de ação
afirmativa necessárias para a horizontalização das relações raciais,
para o giro epistêmico que promova a valorização das Histórias e
Culturas Outras, bem como para o aprofundamento da democracia.
Assim faz-se necessário reconhecer que resistências e lutas
antirracistas sempre existiram e remontam ao início de todo esse
processo. Estão presentes desde o ato de não esquecer sua história
e cultura até às fugas, desobediências, revoltas, suicídios, abortos.
Estão presentes também na capoeira, nas manifestações religiosas,
nas Irmandades, no Teatro Experimental do Negro (TEN), nos
atos e manifestações, nas caminhadas e conferências nacionais e
internacionais, entre tantas outras formas que passo-a-passo foram
denunciando o racismo estrutural da sociedade brasileira e anunciando
os alcances dessas lutas, como por exemplo: a criminalização do

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 203


racismo, a edição do Estatuto da Igualdade Racial, a lei de cotas nas
universidades e concursos públicos. São conquistas importantes, que
apesar de certas fragilidades representam um esforço colossal para
corrigir as distorções históricas provocadas pelo racismo.
Nesse contexto de alcances e limites, após a quase
universalização da educação fundamental no final da década de 1990
e a diminuição das assimetrias de cor/raça no acesso à educação
(Paixão 2010), foi que se percebeu que não basta ter escola e um
currículo colonizado/colonizador (Ferreira e Silva 2015), ou seja,
um currículo que não valorize outras histórias e culturas que não
a do colonizador branco/europeu/cis-heterossexual/urbano/cristão.
É nesse sentido que a Lei nº 10.639/2003 representa um ponto
de partida na luta histórica contra o racismo, porque ela representa o
início de mudanças na política curricular nacional para viabilizar a
valorização das histórias e culturas excluídas e promover a educação
das relações étnico-raciais. Como ponto de partida, logo no ano
seguinte, em 2004, são promulgadas as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação das Relações Étnico-Raciais e em 2008 mais
uma alteração à LDB pela Lei nº 11.645/2008 que complementa seu
Art. 26A, tornando obrigatório o estudo de história e cultura afro-
brasileira, africana e indígena nos sistemas de ensino do país.
Estas medidas mobilizaram diversas ações, mesmo aquelas
que partiam de iniciativas pessoais de professoras/es que já eram
sensíveis à questão do racismo, agora se viam acobertados por
lei para agirem pedagogicamente (Oliveira 2020). Como também
iniciativas institucionais desde a criação da SECADI em 2004
(que infelizmente hoje não desempenha seu papel como no início),
a produção de materiais didáticos, a inclusão da educação das
relações étnico-raciais nos Projetos Políticos-Pedagógicos das
escolas de educação básica, a oferta de disciplinas sobre as relações
étnico-raciais nas universidades, inicialmente como optativas e que
gradualmente vêm ocupando o status de disciplinas obrigatórias
nos diversos cursos superiores. Na próxima sessão apresentamos os
caminhos percorridos por sujeitos curriculantes na busca de atingir
o alvo de promover a educação das relações étnico-raciais.

204 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


(Des)caminhos entre o alvo (educação das relações
étnico-raciais) e a seta (currículos antirracistas)

Como vimos na seção anterior, o racismo é decorrência de um


padrão de poder que estrutura as relações subjetivas e intersubjetivas
apesar das lutas para a sua superação. Também vimos que a Lei nº
10.639/2003 é um ponto de chegada e de partida da luta histórica
contra o racismo porque embora desencadeie importantes medidas
para descolonizar os currículos ainda há muitas estruturas a fissurar
até desconstruí-las.
Nesta sessão apresentaremos dados de duas pesquisas, uma
de mestrado e uma de doutorado, mas para garantir o anonimato
neste texto, como já mencionamos, não vamos referenciar as
pesquisas, vamos caracterizando os dados na medida em que forem
sendo citados.
Ao contrário do que se possa imaginar o caminho entre
o alvo e a seta (ao menos nesse caso) não é necessariamente
uma trajetória certeira, ligeira, reta e breve. Construir currículos
antirracistas e promover a educação das relações étnico-raciais
passa por caminhos tortuosos, idas e vindas para romper estruturas
já consolidadas constituídas pelo racismo e pelo racismo/sexismo
epistêmico. Mas, alteração à LDB vai tocar nessas estruturas
ao determinar a obrigatoriedade do estudo da história e cultura
afro-brasileira, africana e indígena como já mencionamos, essa
determinação já arranha o eurocentrismo até então hegemônico nos
currículos brasileiros.
Como já mencionamos a inclusão de conteúdos por si só é
insuficiente para romper com o racismo epistêmico. Ao questionar
que conteúdos sugeridos pelas DCN (Brasil 2004 A e B) eram
selecionados por professoras/es de História, Arte e Português
dos anos finais das escolas que foram apontadas pela Secretaria
Municipal de Educação da cidade onde a pesquisa foi realizada
como aquelas que se destacavam positivamente na promoção da

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 205


educação das relações étnico-raciais, percebemos que apenas quatro
dentre os vinte e três conteúdos não foram selecionados pelas/os
professoras/es. E ainda um professor de Português que também
ministrava aulas de Inglês nos informou que trabalhava o Black
English com o intuito de promover conteúdos da cultura afro.
Mas, ao aprofundarmos a questão sobre o trato desses
conteúdos, considerando o tempo (previsto e não previsto no
planejamento pedagógico), o espaço (dentro e fora da escola), e a
forma (decolonial ou colonizadora, ou seja, problematiza ou silencia
as tensões raciais manifestadas) percebemos que:

• O tempo previsto para o trato dos referidos conteúdos


se concentrava na disciplina de História que corresponde
a um terço da disciplina de Português. Embora seja
relevante que a maioria dos conteúdos propostos
possam ser abordados pela disciplina História o tempo
para aprofundamento é prejudicado, inclusive com a
diminuição gradativa da disciplina que de 3 passou para
2 aulas semanais no ensino fundamental e que com a
reforma do novo ensino médio passou a ser facultativa.
• Sobre o uso do espaço percebemos que o trabalho com
esses conteúdos ultrapassa o limite da sala de aula, os
sujeitos curriculantes (professoras/es e estudantes das
escolas estudadas) utilizam vários espaços dentro e até
fora da escola para vivenciar tanto os conteúdos previstos
como os não previstos nas DCN.
• Em relação à forma foi onde encontramos uma maior
ambiguidade no trato dos conteúdos. Uma/um mesma/o
professora/or desenvolve, em um momento, uma prática
decolonial e antirracista e, em outro, uma atitude
colonizadora, que reforça o racismo. E isto passa pelas
referências pessoais, profissionais e acadêmicas que estes
sujeitos curriculantes mobilizam para desenvolver sua
prática. Estas referências estão ligadas a suas histórias

206 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


de vida e, vivendo em uma sociedade estruturalmente
racista, estas marcas influenciam sua prática como
podemos ver no trecho a seguir:

Porque eu digo todo dia na sala de aula: “pra mim não


tem nem preto, nem branco, nem rico, nem pobre”.
Todos são iguais e eu amo do mesmo jeito. Do jeito
que eu dou um cheiro no preto, eu dou no branco, é a
mesma coisa, entendeu? Pra mim, não tem diferença. Eu
mesmo sempre gostei de um neguinho, né? (a professora
dá uma gargalhada), eu fui apaixonada por um neguinho
(diz rindo), mas eu, na verdade não tenho preconceito.
(Professora de Arte)

A tentativa de expor uma prática justa na qual trata a todos da


mesma maneira, guarda resquícios do mito da democracia racial que
nega as diferenças ao, mesmo, tempo que a reconhece ao afirmar
que não tem preconceito porque já gostou de uma pessoa negra,
entre outros aspectos que poderíamos analisar.
As questões identificadas nas práticas curriculares mostram
as tensões vivenciadas na e pela diferença colonial. Como já
mencionamos a/o mesma/o professora/or que quer combater o
racismo através da educação das relações étnico-raciais é fortemente
influenciado pela herança colonial e ratifica a colonialidade do
poder e do ser em suas práticas. Foi a partir dessas ambiguidades
identificadas nas práticas curriculares das/os professoras/es naquele
momento (2011-2013) que questionamos sobre as dificuldades em
trabalhar com a questão da educação das relações étnico-raciais.
As/os professoras/es responderam que entre as dificuldades
estão o desconhecimento sobre as temáticas e a dificuldade em
trabalhar diretamente com as identidades negras. Este foi o gatilho
para dirigirmos nossa investigação aos cursos de formação de
professoras/es.
Fizemos vários levantamentos sobre os cursos de formação de
professoras/es no Brasil, especialmente nas universidades públicas.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 207


Percebemos que aos poucos disciplinas que abordavam as questões
raciais de eletivas ou optativas iam se tornando obrigatórias,
vimos a importância dos NEAB e NEABI (Núcleos de Estudos
Afro-Brasileiros e Indígenas) e teríamos uma série de elementos a
destacar. Mas elegemos a Universidade da Integração da Lusofonia
Afro-Brasileira (UNILAB) como campo da pesquisa de doutorado
com o intuito de compreender como o racismo é abordado tanto
como prática social e educativa, quanto como objeto de ensino no
processo formativo docente.
Ao nos dirigir para a referida IES não podíamos imaginar
a complexidade do problema do enfrentamento do racismo,
o aprofundamento do contato com o campo, revelou algumas
fragilidades, mas apontou que nas Licenciaturas analisadas (Letras,
História, Pedagogia e Sociologia), o enfrentamento do racismo foi
identificado nos respectivos Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC),
nas ementas e referências bibliográficas das disciplinas, assim como
foram apontadas pelos sujeitos curriculantes que também aparece
nas aulas, na pesquisa e na extensão. E assim concluímos que o
enfrentamento do racismo é componente curricular e é trata do
pedagogicamente de forma intencional.
Apesar de não ter sido objetivo desta pesquisa ranquear
os cursos que mais ou menos enfrentam o racismo, vale destacar
que o PPC de História chamou nossa atenção o referencial teórico
adotado que rompe frontalmente com o eurocentrismo. No PPC
de Letras identificamos um maior silenciamento em relação a um
posicionamento mais contundente de enfrentamento do racismo,
inclusive epistêmico.
O PPC de Pedagogia foi aquele que manteve uma maior
coesão entre suas diversas partes, pois desde a construção do curso
não apenas professoras/es da academia estavam presentes, mas
também representantes dos saberes afrocentrados, foram chamados
a participar de sua elaboração, como sujeitos curriculantes que
são. Além de toda a fundamentação apresentada ao longo do PPC,

208 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


as disciplinas surpreendem pela disponibilidade em enfrentar o
racismo em suas diversas acepções.
Este é um dado relevante porque remete ao enfrentamento do
racismo epistêmico que é um dos responsáveis pela construção de
nossas memórias sobre a história e cultura da África, de africanas/os e
afro-brasileiras/os. E aparecia como uma das principais dificuldades
apresentadas pelas/os professoras/es da primeira pesquisa.
Ao aprofundar nossos estudos, percebemos que é importante
entender as concepções de racismo dos sujeitos para compreender
os elementos que podem ser considerados em seu enfrentamento.
Por ser forjado pela colonialidade que é o lado avesso da
modernidade, aquele que não se mostra, o racismo também assume
essa característica que torna difícil a formulação de uma explicação
para este fenômeno que parece ser autoexplicativo. Tal subterfúgio é
uma das ferramentas utilizadas para camuflar sua ação, por exemplo,
quando se diz que uma atitude racista era apenas uma brincadeira.
Todavia, não encontramos esta dificuldade entre os sujeitos
da pesquisa de doutorado em 2018. Houve uma unanimidade na
definição de racismo como uma hierarquização racial baseada em
traços fenotípicos, com algumas considerações que ampliavam tal
hierarquização para outras dimensões, igualmente subalternizadas
pela colonialidade, como as questões de gênero, território, sexualidade.
Esta compreensão dos sujeitos curriculantes fundamenta-
se na força que foi atribuída ao elemento fenotípico na exploração
do trabalho a partir da ideia de “raça”. Dessa forma, identificamos
como definição a hierarquização fenotípica, seja restrita ou
ampliada, que tem como características ser letal (como comprovam
as estatísticas), subalternizador (inferioriza os sujeitos racializados),
dissimulado (apresenta subterfúgios para não se revelar) e mais
presente no Brasil do que nos países africanos de onde provêm parte
significativa das/os estudantes da UNILAB.
Então, percebemos que os tipos de enfrentamento podem ser
de origem teórica, prática ou empática e devem ser direcionadas

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 209


a todos os sujeitos como educação das relações étnico-raciais. De
maneira sintética, o enfrentamento do racismo de origem teórica
se relaciona à compreensão do fenômeno do racismo a partir de
discussões teóricas, leituras, formações etc.; a de origem prática, diz
respeito às marcas e experiências vivenciadas pelos próprios sujeitos
racializados/epidermizados; a de origem empática também se
relaciona com as marcas e experiências, mas nesse caso, observadas
por quem não as viveu diretamente, masque a identificam como
racismo.
Estas formas de enfrentamento mostram que o processo
educativo tanto pode ensinar o que é o racismo, como oferecer
referências para enfrenta-lo. Nesse sentido, ratificamos a
importância em curricularizar e pedagogizar o racismo como meio
para superá-lo.

Considerações finais

Diante do que vimos até aqui o primeiro elemento que temos


que considerar para construir currículos antirracistas e promover a
educação das relações étnico-raciais é o comprometimento com a
luta antirracista. Esta é uma disponibilidade dos sujeitos coloniais
que já tomaram consciência dos efeitos da colonialidade, que se
posicionam contra e se dispõem a iniciar as fraturas no sistema
moderno-colonial-patriarcal. Desse modo elegemos dois fatores
que se articulam e sintetizam a constituição de uma práxis curricular
de enfrentamento do racismo: a) compromisso e; b) conhecimento.
Observamos que o compromisso ocorre em dois níveis: a)
global e; b) pessoal dos quais derivam ações pedagógicas como
podemos visualizara seguir:

Necessariamente, nem todos os sujeitos curriculantes


alcançam os dois níveis do compromisso, mas o nível global que

210 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


é influenciado ao âmbito da política curricular para a educação
das relações étnico-raciais imputa ao menos a não omissão diante
do tema. Representa quebrar o silenciamento, reconhecer e se
posicionar diante da ferida colonial. Dos níveis do compromisso
decorrem ações pedagógicas saber ouvir, não se omitir, respeitar o
lugar de fala e intervir são pilares de uma ação que não minimiza
o racismo e que busca elementos por meio da escuta atenta para
intervir pedagogicamente promovendo a educação das relações
étnico-raciais.
Passando para o conhecimento um dos grandes desafios
a enfrentar é superar o eurocentrismo ainda hegemônico nos
currículos brasileiros, obviamente tal atitude está semeada no campo
das disputas. Disputas por espaço, por tempo, por reconhecimento.
São inúmeros os desafios diante da velha questão o que conta como
conhecimento no currículo? São inúmeros os desafios para se romper
com os paradigmas hegemônicos, os quais são universalizantes e
homogeneizadores e promover um saber diferenciado. As DCN
(Brasil 2004A e B) apontam eixos e conteúdos a ser considerados,
assim como é importante as universidades incorporarem aos PPC de
seus cursos e nos componentes curriculares conteúdos e referências
bibliográficas que valorizem os conhecimentos produzidos para
além do Norte-global.
Por fim, é importante saber que promover a educação das
relações étnico-raciais requerem ações coletivas porque não se
faz uma mudança estrutural isoladamente. Sabemos que estas
ações são tensionadas porque em vários momentos surgem uma
série de empecilhos que precisam ser atravessados para vencer a
ignorância sobre o tema, a arrogância daquelas/es que não querem
mudar e promover trocas inter-epistêmicas, ao valorizar saberes que
foram silenciados mas que têm muito a dizer. E saber equilibrar as
ambiguidades porque o processo de decolonialidade está em marcha.
Ainda não alcançamos o nível de abrangência que extirpasse o
racismo. O importante é manter o foco no alvo e manter a esperança
dos quilombos.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 211


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________. CNE/CP. Parecer nº 3, de 10 de março de 2004a. Dispõe
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das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
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Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
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FERREIRA, Michele Guerreiro e SILVA, Janssen Felipe da. “Brasil/
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LOPES, Alice Casimiro e MACEDO, Elisabeth. Teorias de
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POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 213


capítulo 14
CURRÍCULO, DIFERENÇA E EDUCAÇÃO
ESPECIAL: PERCEPÇÕES DE DOCENTES
SOBRE O CURRÍCULO PARA ESTUDANTES
COM DEFICIÊNCIA

Maria Carolina da Silva Caldeira,


Ana Luísa Alves
André Henrique Faria

Introdução

A inclusão de estudantes público-alvo da educação especial


(PAEE) na escola comum tem produzido uma série de debates para
o campo curricular. O movimento que vem desde a década de 1990
indicando que educandos/as com “deficiência, transtorno global de
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação”, caracterizados
como público-alvo da educação especial (Brasil 1996) não estejam
mais em um sistema de ensino segregado, mas desenvolvam seu
processo educativo nas escolas comuns, traz debates para se pensar
no “que ensinar e como ensinar”. Tal debate gera diferentes políticas

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 215


e propostas curriculares, bem como dúvidas e inseguranças para os
sistemas de ensino, para as escolas e para os/as docentes.
De um lado, há uma demanda expressa na legislação para
que os currículos das escolas sejam reestruturados, como aponta o
artigo 59 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no
qual se determina que os sistemas de ensino deverão assegurar
aos/às educandos/às PAEE “currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos e organização específicos, para atender às suas
necessidades”. De maneira semelhante, essas práticas têm também
demandado a reestruturação dos currículos de formação docente, já
que é necessário garantir “professores com especialização adequada
em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem
como professores do ensino regular capacitados para a integração
desses educandos nas classes comuns” (Brasil 1996).
Por outro lado, pesquisadores/as têm mostrado os desafios
encontrados por docentes para produzir mudanças curriculares
e construir currículos inclusivos (Mantoan e Lima 2017; Lopes
e Fabris 2017; Nunes e Manzini 2020). Esses desafios envolvem
aspectos diversificados, que vão desde a lógica moderna segundo
a qual há uma hierarquia nos saberes escolares que exclui aqueles/
as que não estão dentro de certa norma (Mantoan e Lima 2017),
passam pela estrutura escolar muitas vezes precária e chegam às
concepções que os/as docentes têm acerca do que é o currículo,
do que é a inclusão e de como o processo de ensino aprendizagem
deve ser organizado. Nesse sentido, Vieira, Ramos e Simões (2019,
p. 1) afirmam que “as narrativas de professores e pedagogos têm
indicado pistas para compreensão sobre a maneira como os alunos
com deficiência vêm sendo significados e como essa significação
tem produzido barreiras para o acesso ao currículo escolar”.
Neste artigo,1 algumas narrativas de professores/as que
atuam no Centro Pedagógico da UFMG serão analisadas para

1. Este artigo baseia-se em informações produzidas em uma pesquisa desen-


volvida pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Inclusiva e Diver-
sidade (NEPED), do Centro Pedagógico (CP) da UFMG.

216 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


compreender que concepções de currículo são expressas em suas
falas. O Centro Pedagógico da UFMG é um Colégio de Aplicação
que atende ao ensino fundamental (1º ao 9º ano) e desenvolve suas
atividades em tempo integral. O ingresso na escola se dá por meio
de sorteio público de cinquenta vagas para crianças ingressantes no
Ensino Fundamental (1º ano). Dessas, há uma reserva de 5% das
vagas para estudantes público-alvo da educação especial (PAEE).
Além da reserva de vaga, há ingressantes pela ampla concorrência
que podem ter alguma deficiência ou que identificam essa deficiência
posteriormente ao ingresso na escola, fazendo com que o número de
educandos/as PAEE nessa escola seja bastante significativo.
Em 2019 (ano em que foi realizada a produção das informações
da pesquisa), estavam matriculados no ensino fundamental de
tempo integral do CP 18 estudantes público-alvo da educação
especial, com as seguintes especificidades: Paralisia Cerebral
(2 estudantes), Síndrome de Down (2 estudantes), Transtorno do
Espectro Autista (10 estudantes), Deficiência auditiva (1 estudante),
Albinismo visual/Baixa Visão (1 estudante), Altas habilidades
(1 estudante), Visão Monocular (1 estudante). Para compreender
o processo de inclusão desses/as educandos/as, é desenvolvido o
estudo “Inclusão na Escola Regular de Tempo Integral: principais
desafios para o cotidiano escolar e para a formação docente”. Uma
ação desenvolvida nesta pesquisa refere-se à realização de grupos
focais com os/as docentes da escola para investigar suas concepções
a respeito da inclusão. Este artigo analisa alguns excertos desses
grupos focais, para compreender como esses/as docentes percebem
as questões curriculares na escola. Nesse processo, é possível
perceber as representações que eles/as têm acerca da inclusão e
dos/as estudantes PAEE. A pesquisa mostrou que as concepções
de docentes podem ser agrupadas em duas vertentes. A primeira
procura compreender qual o sentido que a presença na escola tem
para aqueles/as educandos/as que demandam grandes adaptações
curriculares. Já a segunda, ressalta a necessidade de modificar o
currículo considerando a diferença de cada estudante. Em ambos

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 217


os grupos, é possível perceber a problematização feita aos saberes
tradicionais e ao seu lugar em uma escola que pretende ser inclusiva.
Para mostrar como isso ocorre, este trabalho está dividido
em quatro partes, além desta introdução. A primeira parte explica
a metodologia utilizada na pesquisa. Na segunda, explicita-se o
referencial teórico, abordando os conceitos de currículo, diferença
e inclusão. A terceira parte analisa as informações produzidas. Por
fim, são apresentadas as conclusões do trabalho.

Metodologia

O estudo foi desenvolvido em 2019 no CP localizado no


campus Pampulha da UFMG, em Belo Horizonte/MG. Os grupos
focais se caracterizam por se constituírem de “um conjunto de
pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir
e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua
experiência pessoal” (Powel e Single 1996, p. 499 apud Gatti 2005,
p. 7). É considerado mais eficaz que outros métodos, pois cruza
diferentes pontos de vistas e gera pensamentos e discussões que em
uma entrevista ou questionário, por exemplo, não seriam possíveis.
No ano de 2019, o CP contava com uma equipe de 64
professores/as e os grupos focais tinham o objetivo de atingir pelo
menos 20% da equipe. Em sua fase inicial, foi feito um convite a
todos/as os/as professores/as do CP para participação nos grupos
focais e definidos dias e horários diferentes para atingir um público
maior. Foram realizados cinco grupos focais, que atingiram 40%
do corpo docente da escola. O número de participantes variou de
três a sete, além dos/as moderadores/as e da bolsista de iniciação
científica. Em todos os encontros, foi feita uma breve apresentação
do grupo de pesquisa, a caracterização do estudo e cada professor/a
contou sua experiência com inclusão, os desafios vivenciados e as
aprendizagens construídas.

218 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Após a coleta de dados, os grupos focais foram transcritos e
enviados a cada um dos professores/as participantes que revisaram
e aprovaram o texto, para assim partir para uma categorização que
aconteceu no primeiro semestre de 2020. Os/as pesquisadores/as
analisaram os excertos dos grupos focais e produziram as categorias
que subsidiarão as análises.

Referencial teórico

Quando pensamos em um currículo inclusivo diferentes


questões podem ser abordadas. Como apontado anteriormente,
a LDBEN enfatiza a necessidade de adaptar o currículo para
atender às necessidades dos educandos PAEE. Nessa direção,
Pires e Mendes (2019) apontam que há duas categorias acerca
das adaptações curriculares. Elas podem ser entendidas como de
pequeno e grande porte. As de pequeno porte são aquelas que o/a
próprio/a professor/a pode realizar dentro de sala. São estratégias
que envolvem pensar em modos que melhor atendam o/a estudante
público-alvo da educação especial sem alterar a estrutura física
do local, os objetivos de ensino mais amplos e a lógica avaliativa
como um todo. As adaptações de grande porte devem ser realizadas
por uma outra esfera de poder, que foge à alçada da escola, já que
elas implicam em uma mudança muito significativa. Trata-se de
mudanças estruturais, como, por exemplo, reformas no ambiente ou
mesmo alguma legislação para mudança no currículo de uma rede.
As autoras citam Mesquita (2010, p. 313) que afirma que “o
ponto de partida da inclusão deve ser um currículo acessível a todos
os estudantes. Assim, teria muito mais sentido falar em diferenciação
do que em adaptação curricular”. Isso porque a adaptação seria uma
espécie de “bricolagem” que ajuda momentaneamente, mas não
resolve a gênese do problema que seria pensar em um currículo
que valorize a diferenciação. Por isso, “as defesas em torno da

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 219


inclusão escolar desse público, advogam na defesa da modificação
do currículo, da sala de aula, do espaço escolar, e dos processos
de ensino” (Mendes e Pires 2019, p. 391). O porquê ensinar e
se o ensino está sendo ofertado de forma inclusiva devem ser a
principal prerrogativa nesse assunto, por isso as autoras defendem o
movimento de diferenciação curricular.
As perspectivas pós-críticas de currículo, particularmente
aquelas vinculadas ao multiculturalismo, trazem aportes importantes
para se pensar a relação entre educação especial e diferenciação
curricular. Segundo Silva (2010) o multiculturalismo representa um
poderoso instrumento de luta política, que busca observar novas
perspectivas que são dissonantes da tradicional. Esse movimento,
que se iniciou nos países dominantes do Norte, tem por finalidade
derrubar paradigmas estabelecidos em nossa cultura, e por isso
também é necessário em um currículo, para fazer mudanças nas
estruturas tradicionais. No campo do multiculturalismo, a questão
da diferença e da representatividade que isto traz é de fundamental
importância para se pensar em um currículo. Como aponta Silva
(2010, p. 89), o multiculturalismo “pretende substituir o estudo das
obras consideradas como de excelência da produção intelectual
ocidental pelas obras consideradas intelectualmente inferiores
produzidas por representantes das chamadas “minorias” – negros,
mulheres e homossexuais”. Compreendemos que, nessa mesma
direção, os conhecimentos e as perspectivas das pessoas com
deficiência também devem ser inseridos nos currículos.
Nessa perspectiva, a diferença tem um caráter central. Não
se trata apenas da constatação de que todos são diferentes, mas do
processo segundo o qual algumas diferenças “são vistas como mais
importantes que outras, especialmente em lugares particulares e
em momentos particulares” (Woodward 2009, p. 11). É por meio
das relações de poder em determinados contextos que algumas
diferenças são consideradas como mais significativas, de forma
que podem gerar exclusões de determinados grupos sociais. Nas
análises que partem dessa concepção, “não é apenas a diferença que

220 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


é resultado das relações de poder, mas a própria definição daquilo
que se pode considerar humano” (Silva 2001, p. 87). Portanto, mais
do que respeitada, a diferença deve ser aquilo que movimenta o
currículo, pois por meio do reconhecimento da diferença é possível
representar diferentes grupos culturais incluindo no currículo os
seus saberes, rompendo com a hierarquia cultural, para construir
uma equidade cultural.
Romper com a lógica hierárquica significa deixar de lado o
discurso da normalidade que está presente fortemente dentro das
escolas. Para que isso mude Mantoan (2003) aponta que se deve
romper com o velho modelo escolar com uma reviravolta.

Essa reviravolta exige, em nível institucional, a extinção


das categorizações e das oposições excludentes — iguais X
diferentes, normais X deficientes — e, em nível pessoal, que
busquemos articulação, flexibilidade, interdependência entre
as partes que se conflitavam nos nossos pensamentos, ações e
sentimentos. (Mantoan 2003, p. 16)

Para promover essa reviravolta, é necessário compreender a


maneira como os/as docentes significam o currículo e a diferença.
Vieira, Ramos e Simões (2018, p. 1) mostram que “o modo como as
pessoas se relacionam com a diferença e significam a deficiência”
tem um impacto direto em como se faz a inclusão. Na pesquisa
desenvolvida por Vieira, Ramos e Simões (2018, p. 8) “as narrativas
dos professores revelaram que havia uma preocupação em padronizar
saberes e comportamentos, em tornar ‘normal’” os estudantes
PAEE. Essa preocupação acabava por limitar as possibilidades
de ações curriculares desenvolvidas junto a esse público. Nesse
sentido, consideramos pertinente compreender o modo como os/as
docentes da escola investigada compreendem o processo curricular
e inclusivo. Isso porque “a inclusão não se efetiva por imposição,
mas por ações que possibilitem sua viabilidade e pela disposição
das pessoas em aceitar a diversidade como condição inerente à

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 221


sociedade” (Monteiro e Manzini 2008, p. 35). Desse modo, discutir
as concepções docentes acerca do currículo para estudantes PAEE
parece ser um aspecto importante para a pesquisa curricular.

Resultados e discussão

A partir da análise dos grupos focais foi possível identificar


questões que se referem ao currículo da escola regular e à formação
de estudantes público-alvo da educação especial. As diferentes
questões foram agrupadas em duas grandes categorias que mostram
concepções distintas, porém articuladas, em torno do currículo. O
primeiro desses grupos é aquele que procura compreender qual o
sentido que o currículo tem para estudantes que demandam grandes
adaptações curriculares. O segundo grupo é composto por aquelas
concepções que defendem a necessidade de modificar o currículo
considerando a diferença de cada estudante.
No primeiro grupo, reflete-se sobre o sentido de crianças
com deficiências mais severas, como paralisia cerebral e síndrome
de Down, estarem na escola. As narrativas dos/as profissionais
da escola são carregadas de preocupações sobre o sentido que a
aprendizagem exerce na formação de cada um dos alunos. Podemos
perceber isso na fala de uma professora:

Qual é o sentido do Aluno A estar em sala? Eu tô pensando


no sentido pra ele, porque para nós, nós vamos construindo
o sentido: “- Ah, é importante pra ele tá, porque faz parte do
processo de inclusão”, a gente tem todas essas explicações
né, macro assim, pra falar. “É importante ele tá aqui porque é
um direito dele, e tá num espaço de aprendizado, nos pares
né, as crianças nas idades deles, enfim”. A gente tem todas
as explicações da importância disso, mas para ele, qual é
o sentido de ele estar ali? Nós não sabemos, será que nós
vamos saber? Quer dizer isso faz um sentido para além desse

222 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


sentido, que nós construímos, como adultos, professores e que
acreditamos que isso é inclusão? [...] Enfim, a gente construiu
uma dinâmica onde ele, consegue ficar na sala, ele tá ali. Mas
pra ele, isso tem algum sentido? Porque se a gente for pensar
até no papel da escola, o papel da escola é o que assim, são
muitos né, mas se a gente for pensar em um específico que é
desenvolver processo de ensino aprendizagem, nós estamos
desenvolvendo processos de ensino e aprendizagem que são
adequados para o aluno A? (Professora 1, GF 1)

Esse excerto nos ajuda a pensar a respeito do significado que


a inclusão tem para os/as diferentes envolvidos/as nesse processo.
A docente aciona a representação usual de escola, que a considera
como o espaço por excelência no qual se desenvolvem os processos
de ensino e aprendizagem de saberes historicamente acumulados
pela humanidade, e questiona qual o sentido da permanência na
escola para um estudante que não acessará a esse currículo. Para
além dos sentidos criados pelos adultos/as e das justificativas legais,
qual seria a razão dessa permanência?
O excerto acima remete a duas possibilidades de interpretação.
A primeira delas se relaciona à necessidade de repensar a função e
a lógica da escola para esses/as educandos/as. Afinal, como essa é
uma instituição “provinda de um projeto educativo monocultural e
monolítico, inspirado em ideias e interesses colonialistas do ponto de
vista político sociocultural” (Mantoan e Lima 2017, p. 825), é preciso
repensar seu papel para, de fato, produzir a inclusão. A docente mostra
as limitações de um processo de mera integração, no qual o estudante
está na escola sem que esta se modifique para recebe-lo.
Ainda que a fala pareça remeter a uma ideia de que talvez
a escola não seja o lugar mais adequado para esses educandos/as,
ela aponta ainda um segundo aspecto: a necessidade de modificar
o currículo para criar este significado do qual a docente sente
falta. Nessa direção, a discussão a respeito de como adaptar os
saberes escolares para essas crianças, considerando que, em alguns
momentos, esses podem não corresponder ao que será trabalhando

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 223


na sala, mostra a concepção docente que se tem a respeito do que
seja incluir, como mostra esse trecho do Grupo Focal 3, a seguir:

[…] É preciso fazer uma adaptação curricular da educação infantil


com habilidades lá da educação infantil para essa criança. Bom,
para além disso, essa criança, a gente teve um primeiro ano da
adaptação que deixava ela mais livre e que foi um momento,
assim, que aí entrou muito em evidência as concepções de cada
um dos professores, das docentes que atuavam com ele: é mais
livre, totalmente livre ou vamos, assim, minimamente trazendo
ele para essa rotina? (Professora 2, GF3)

A fala da professora mostra duas preocupações. A primeira se


relaciona à necessidade de adaptar os saberes escolares, adequando-
os, talvez, a níveis anteriores de escolarização. Ainda que esta fala
remeta à preocupação já expressa em diferentes estudos que mostra
o risco de que os currículos para estudantes PAEE sejam meras
simplificações dos saberes de etapas anteriores de escolarização,
percebe-se a preocupação em fazer uma adaptação curricular que
assegure as demandas específicas dessa criança. Nesse sentido, é
importante considerar que “as adaptações/flexibilizações (aqui
tomadas como sinônimo) não podem ser tomadas como uma escolha
ruim por parte da escola, mas como possibilidade de aprendizagem
para os alunos com deficiência” (Pires e Mendes 2019, p. 393).
Assim, a estratégia de recorrer a saberes que foram sistematizados
como mais adequados a outras etapas de escolarização não deve
ser considerada, de antemão, como um problema, pois é preciso
compreender as especificidades de cada educando/a.
O segundo aspecto que a fala da docente evoca remete à
ideia de que o modo como lidar com educandos/as PAEE (mais livre
ou mais próximo da rotina dos/as outros/as educandos/as) reflete
a concepção de educação que se tem. Dessa forma, é importante
debater sobre essas concepções a fim de construir coletivamente
o sentido que o currículo tem para os/as educandos/as PAEE e as

224 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


adequações curriculares necessárias. Essa perspectiva apareceu no
debate no grupo focal e pode ser sintetizada no excerto a seguir:

Mas se a gente pensar, os conteúdos pedagógicos, seja de


diferentes disciplinas e aí pensar isso com o Aluno A... Bom,
os conteúdos dele são outros. E aí quando eu disse que
coletivamente para cada um o que precisa é a gente pensar isso:
“olha o que que é, então, o ensino fundamental para o Aluno
A?” Quais vão ser essas habilidades, essas competências, o
que que ela vai construindo aí? durante todo percurso dele, o
percurso dele diante das situações... são diferentes, mas que
ele vai ter sim, é... se a gente chamar de habilidade, não sei
o que nós vamos chamar... Mas ele vai ter as que ele vai se
desenvolvendo ao longo... E tem muitos ganhos e tem muitos
desenvolvimentos. (Professora 3, GF1)

Essa fala remete ao segundo grupo analítico aqui apresentado,


na medida em que mostra a necessidade de modificar o currículo
considerando a diferença de cada estudante. Essa perspectiva coaduna
com ideias que apontam a “importância de currículos mais abertos
para atender às trajetórias diferenciadas de aprendizagem dos alunos”
(Vieira, Ramos e Simões 2018, p. 11). Segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997), “atender necessidades singulares de
determinados alunos é estar atento à diversidade: é atribuição do
professor considerar a especificidade do indivíduo”. A fala dessa
professora relaciona-se a essas ideias, na medida em que aponta a
necessidade de mudanças curriculares para garantir o processo de
escolarização de um estudante. O trecho a seguir segue a mesma
direção ao narrar as estratégias adotadas com determinado aluno:

[…] Se tivesse redação ele não passava porque a questão dele


era a escrita. Eu lembro que ele estava no terceiro ciclo, o
Professor E falou [...] “eu acho que eu vou fazer um negócio com
esse menino aqui, porque não tem jeito com esse menino”. E
passou a trabalhar com ele mais oralidade. Aí deslanchou. Aí ele

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 225


conseguiu tirar nota boa no portfólio de Português... Aí sim. Ele
não ia para frente porque ele não escrevia. Então, foi um negócio
bom para ele. (Professora 4, GF 2)

Na fala percebe-se que o currículo deve atender o singular


e não o todo. A professora lembra da dificuldade de um aluno na
escrita, mas ressalta que, por meio de um trabalho específico, foi
possível construir uma outra estratégia, que considerasse o seu
modo de pensar e aprender e, ao mesmo tempo, garantisse o acesso
ao currículo tradicionalmente pensado pela escola.
Essas mudanças acabam por beneficiar todos os outros
estudantes. Segundo Mantoan (2003, p. 16) “a inclusão implica uma
mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos
com deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender, mas
todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa
geral”. Algumas falas dos/as professores reafirmam o benefício de
rever a forma de ensinar conteúdos, sempre buscando aprimorar
conhecimentos e táticas, saindo de uma zona de conforto.

Eu acho que o impacto é muito positivo porque me fez


sempre reavaliar na prática daquele lugar confortável que a
gente sente de fazer as coisas que a gente já tá acostumada
pra um outro de replanejar e como que essas novas coisas
que a gente vai propondo muitas vezes vão auxiliar também
outros estudantes que têm outras formas de aprender que
difere um pouquinho daquela que a escola tá acostumada
a lidar melhor, da lógica linguística... Então, eu acho que é
muito positivo nesse sentido de nos forçar a revisar as nossas
práticas. (Professora 5, GF 5)

Essa fala, assim como outras que emergiram nos grupos


focais, mostram a potencialidade da educação inclusiva. Apontam,
também, a necessidade de um repensar constante das práticas
educativas e dos currículos a fim de garantir a presença da diferença
no espaço curricular.

226 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Conclusões

Este estudo procurou mostrar, por meio da análise de grupos


focais, as concepções que docentes de uma escola pública federal
de Belo Horizonte têm acerca do currículo. Partindo de uma
perspectiva multiculturalista, o estudo defende que a deficiência é
uma construção cultural, permeada por relações de poder. Entende,
ainda, que o currículo exerce um papel que pode ser de exclusão,
na medida em que hierarquiza os saberes que serão ensinados,
priorizando um modo único de pensar.
As falas dos/as docentes mostram as dúvidas que ainda
permeiam a escola e o processo inclusivo, sobretudo no que se
refere aos saberes que serão disponibilizados por meio do currículo
escolar. Por um lado, há um incômodo quanto às adaptações
curriculares necessárias, já que aquilo que se ensina para alguns/
algumas estudantes parece ser “pouco escolar”. Esse processo
faz com que se questione o papel da escola e o sentido que essa
instituição tem para alguns/algumas educandos/as. Por outro lado,
há também a percepção de que essas adaptações são capazes de
promover mudanças importantes e facilitar o aprender de educandos/
as que não se constituem como PAEE. Este estudo – que ainda
está iniciando o seu processo de análise – permitiu compreender
um pouco mais das questões relacionadas ao currículo escolar e às
mudanças necessárias para uma prática inclusiva. Permitiu também
compreender o papel central que os/as docentes têm nesse processo,
pois, como dito anteriormente, nenhuma mudança se opera na escola
sem a efetiva participação dos/as professores/as e sem a mudança na
concepção que eles/as têm em torno da educação, da inclusão e do
currículo.

Referências

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília:


MEC, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/LEIS/L9394.htm. Acesso em: 15/08/2020.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 227


________. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/
SEF, vol. 1, 1997, p. 63.
MANTOAN, Maria Teresa Egler e LIMA, Norma Silva Trindade de.
“Notas sobre inclusão, escola e diferença.” ETD – Educação
Temática Digital, vol. 19, nº 4, 6 out. 2017, pp. 824-832.
LOPES, Maura Corcini e FABRIS, Eli Henn. Inclusão & educação.
Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
NUNES, Vera Lucia e MANZINI, Eduardo José. “Concepção do
professor do ensino comum em relação à aprendizagem,
currículo, ensino e avaliação do aluno com deficiência
intelectual.” Revista Educação Especial, vol. 33, 2020, pp. 1-20.
VIEIRA, Alexandro Braga; RAMOS, Inês de Oliveira e SIMÕES,
Renata Duarte. “Narrativas de professores e pedagogos sobre
a deficiência: implicações no acesso ao currículo escolar.”
Revista Educação Especial, vol. 32, 2018, pp. 1-16.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma
introdução às Teorias de Currículo. 3ª ed. Belo Horizonte:
Editora Autêntica. 2010.
MANTOAN, Maria Teresa Egler. Inclusão escolar: O que é? Por
que? Como fazer?. São Paulo: Moderna, 2003.
SAAD, Suad Nader. “Preparando o caminho da inclusão: dissolvendo
mitos e preconceitos em relação à pessoa com Síndrome de
Down.” Revista Brasileira de Educação Especial, vol. 9, nº
1, Marília, 2003, pp. 57-58.
GATTI, Bernadete Angelina. Grupo Focal na Pesquisa em Ciências
Sociais e Humanas, vol. 10, 2005, pp. 7-41.
MENDES, Giovana Mendonça Lunardi e PIRES, Yasmin Ramos.
“Adaptar, adequar, diferenciar: reflexões a partir das políticas
curriculares para o público-alvo da Educação Especial.” Rev.
Espaço do Currículo (online), vol. 12, nº 3, João Pessoa, set/
dez. 2019, pp. 390-403.

228 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 15
A (RE) INTERPRETAÇÃO DA BNCC NO
CONTEXTO DAS PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO
INFANTIL NO CARIRI PARAIBANO – DESAFIOS
E RESSIGNIFICAÇÕES CURRICULARES

Rute Pereira Alves de Araújo


Rayane Pereira dos Santos
Kátia Patrício Benevides Campos
Crisliane Boito

Introdução

Prestar assessoria e apoio às redes municipais de educação


do Cariri vem sendo, nos últimos anos, uma importante articulação
que temos desenvolvido enquanto Universidade Federal de
Campina Grande – UFCG, Unidade Acadêmica de Educação –
UAEd e Unidade Acadêmica de Educação Infantil – UAEI. A
articulação faz parte do nosso compromisso com os princípios da
UFCG (Resolução nº 5/2002), especialmente no que se refere à
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (Art.10, inciso
I) e a garantia da transdisciplinaridade do conhecimento e de suas

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 229


concepções pedagógicas, no exercício da liberdade de ensino,
pesquisa e extensão, difundindo e socializando o saber (Art.10,
inciso VI).
Nesta perspectiva, a pesquisa em andamento, se consolida a
partir de dois aspectos principais:

• as recentes mudanças relacionadas à implementação da


Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL,
2017), para todas as etapas da Educação Básica e a
indicação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996) de que os currículos
devem ser complementados em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar por uma parte diversificada;
• nossas vivências a partir do desenvolvimento do Curso de
extensão “A Base Nacional Comum Curricular – BNCC
e o cotidiano das Instituições de Educação Infantil”.
(FLUEX/UFCG, 2019)

A ação extensionista desenvolvida apontou, a partir dos


posicionamentos verbais e avaliações escritas pelas (os) cursistas, a
necessidade de aprofundamento dos fundamentos preconizados pela
BNCC. As incompreensões identificadas envolviam tanto quesitos
da prática pedagógica, diretamente implicada no fazer docente
no cotidiano das instituições, quanto da elaboração de Propostas
Pedagógicas Municipais, apoiadas na normativa da BNCC (Brasil
2017) e da Proposta Curricular do Estado da Paraíba (Paraíba
2018), por parte das gestões municipais, bem como algumas
incompreensões acerca dos conceitos de currículo, em nossa ótica,
um campo múltiplo, multifacetado.
Diante do exposto, a pergunta que norteia a pesquisa em
desenvolvimento é: Como a abordagem do ciclo de políticas de
Stephen J. Ball, no que tange os documentos curriculares, colabora
para melhor compreensão da construção curricular da Educação
Infantil – no contexto de alguns municípios do Cariri paraibano?

230 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Este artigo, portanto, dialoga entre os dados gerados em
nossa participação do projeto de extensão “A Base Nacional Comum
Curricular e o cotidiano das instituições de Educação Infantil”
(2019/2) e formulações iniciais da pesquisa em andamento, já
apresentada, com vigência de 2020.2 a 2023.1 – ou seja três anos.

A BNCC e o Cariri Paraibano – contexto da ação extensionista

A Base Nacional Comum Curricular – BNCC é uma


normativa vigente no Brasil, entre concordâncias e discordâncias,1
prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN (Brasil 1996), desde 2013. Naquele momento a redação da
Lei 12.796/13 apontava que:

Art. 26. – Os currículos da Educação Infantil do ensino


fundamental e do ensino médio devem ter base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e dos educandos.

Em junho de 2015, iniciou-se o processo de elaboração da


BNCC e ainda em setembro neste ano foi disponibilizada a 1ª de
três versões da normativa (2ª versão – maio de 2016; 3ª versão
– abril de 2017). Em dezembro de 2017 o Conselho Nacional de
Educação – CNE “Institui e orienta a implantação da Base Nacional

1. Na área da Educação Infantil, professoras e pesquisadoras ainda não tem


consenso sobre a existência de uma BNCC para a etapa. Muitas são as ar-
gumentações. Atualmente, versam predominantemente sobre o quanto a
elaboração de uma BNCC pode servir para editoras de Livros Didáticos
elaborarem tais materiais e venderem ao Programa Nacional de Livro Didá-
tico – PNLD brasileiro.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 231


Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das
etapas e respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica”
(Resolução CNE/CP nº 2/2017).
Posto um pouco do processo de elaboração deste documento,
é importante ressaltar que sua elaboração foi realizada por assessores
e especialistas de cada etapa da educação básica e, entre uma versão
e outra, foram realizados encontros estaduais a fim de discutir e
pautar sobre o documento. Além disso, foram abertas consultas
públicas virtuais objetivando envolver a comunidade brasileira.
Embora se reconheça um esforço, especialmente por parte
dos assessores da Educação Infantil, em pautar ao máximo junto
da comunidade sobre a elaboração do documento, devido ao tempo
escasso, muitos foram os municípios, especialmente do interior
do Brasil, que não tiveram aprofundado conhecimento sobre esta
normativa legal.
Em encontros do Fórum do Agreste Paraibano de Educação
Infantil – FAPEI, realizados na UFCG, frequentemente as
participantes,2 retornavam a esta pauta que, sempre que possível, foi
aberta e discutida. No entanto, notando a necessidade tão pulsante, e
demandas explícitas de muitas secretárias e técnicos municipais de
educação, professoras da Unidade Acadêmica de Educação – UAEd,
da Unidade Acadêmica de Educação Infantil – UAEI e da Unidade
Acadêmica de Educação do Campo – UAEDUC articularam-
se e elaboraram o Curso de Extensão “A Base Nacional Comum
Curricular e o cotidiano das Instituições da Educação Infantil”.
No referido curso, foram envolvidos 15 municípios do Cariri
Paraibano, divididos em três polos:

2. Em muitos momentos neste texto manteremos os substantivos no sujeito fe-


minino visto que, na etapa da Educação Infantil é predominante a presença
de mulheres, tanto nas discussões, ações docentes, representatividades em
coordenações e secretarias da etapa etc.

232 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


• Polo 1: São João do Cariri, Parari, Serra Branca, São José
dos Cordeiros;
• Polo 2: Caraúbas, São João do Tigre, Congo, Camalaú,
Prata;
• Polo 3: Amparo, Ouro Velho, Sumé, Zabelê, Monteiro,
São João do Umbuzeiro;

O projeto de extensão contou com uma equipe de 20


formadoras e oportunizou a formação de 198 cursistas, tendo
a participação de secretárias, coordenadoras e professoras das
redes municipais de educação, com foco na Educação Infantil, em
encontros mensais no segundo semestre de 2019. Naquele período
notamos que os sistemas municipais possuíam um conhecimento
bastante limitado sobre a BNCC, suas particularidades e articulação
real sobre sua implementação e elaboração de propostas em suas
redes.
Buscando compreender melhor sobre as possibilidades
formativas naqueles contextos, elaboramos um questionário,
que foi respondido por 103 respondentes,3 destas: apenas 9,77%
(13) informaram nunca terem participado de nenhuma formação
continuada e 7,52% (10) não responderam a questão. As demais
relataram cursos mensais (50,38%), formações de uma semana
(9,02%), formações quinzenais (0,75%), formações de um dia
(19,55%) e formação com duração de 18 meses (0,75%), e outros
(2,26%).
Sobre as temáticas as cursistas indicaram um leque amplo de
possibilidades, como podemos observar na sequência:

3. O questionário era de preenchimento voluntário e foi disponibilizado no


último encontro de cada polo.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 233


A importância do brincar; Alfabetização – Linguística, Matemática; Práti-
cas de ensino crianças especiais; Projetos Pedagógicos; Papel do professor;
Aprendendo com o lúdico; Letramento; Meio ambiente; Atividades lúdicas;
BNCC; Campos de experiência; Ciclos de alfabetização; Leitura e escrita;
Educação do campo; Movimentos Sociais e Tecnologias do campo; Identi-
dade; Literatura infantil; Formação de jogos e brinquedos; Merenda escolar/
transporte escolar.

Fonte: Campos; Boito; Silva; Relatório de Extensão/ UFCG, 2020.

Como podemos observar a BNCC e os Campos de


Experiências compõem a gama de assuntos abordados em
formações anteriores ao Curso de Extensão. No entanto, a partir das
vivências junto do coletivo de cursistas, vimos que ainda se faziam
necessárias conhecer os fundamentos provocados pela BNCC para
a Educação Infantil, bem como a própria compreensão do currículo
como campo de disputas – nunca neutro.
As inquietudes geradas no contexto da ação extensionista nos
provocaram a aprofundar estudos sobre as concepções de currículo
que se forjam no terreno dessas práticas, bem como as formas que
o currículo, em sua forma prescrita, é (re) interpretado na Educação
Infantil, para isso utilizamos a abordagem do ciclo de políticas de
Ball (2011) conforme discorremos a seguir.

Da extensão à pesquisa: a BNCC para Educação Infantil em foco

Mediante os dados que nos inquietaram, a partir das


avaliações dos cursistas após a realização da ação extensionista e
a insegurança notória observada, no que tange a abordagem dos
campos de experiências em suas práticas pedagógicas na Educação
Infantil, conforme já apontamos anteriormente, objetivamos com
essa ação investigativa – conhecer os projetos curriculares para
Educação Infantil de doze municípios4 do Cariri paraibano, a partir

4. Foram os quinze municípios participantes da extensão, mas por razões in-


ternas aos municípios, tivemos aceite de doze municípios para a realização
da pesquisa.

234 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


da Base Nacional Comum Curricular para Educação Infantil e
da Proposta Curricular do Estado da Paraíba, bem como analisar
no contexto do texto do projetos curriculares dos municípios a
implementação da BNCC e da Proposta Curricular do estado da
Paraíba.
A pesquisa tem como principal referência a abordagem
qualitativa, por esta permitir conhecer processos e fenômenos que
não podem ser somente quantificados. A abordagem qualitativa
investiga crenças, valores, atitudes, significações trazidas pelo
cotidiano, por meio das relações e processos mais profundos que não
podem ser explicados por variáveis exatas com base em uma razão
absoluta. Contrariamente, compreendemos que existem variáveis
subjetivas que comportam os sujeitos, a exemplo das histórias, das
experiências vivenciadas, dos contextos políticos, econômicos e
culturais de cada um (Severino 2007; Minayo, Deslandes e Gomes
2008).
Nesse contexto, essa pesquisa incorpora a pesquisa
documental, a qual se dará a partir de documentos legais norteadores
da Educação Infantil, nos municípios pesquisados: projeto
curricular, planos de educação, entre outros. Documentos que serão
analisados como matéria prima, um dos elementos orientadores
das práticas educativas de professoras nesta etapa da educação
(Severino 2007). Utilizaremos para sistematização dos dados
documentais a Linguística de corpus,5 assim para o agrupamento
dos dados obtidos, tendo como ferramentas de auxílio o word list,
e concord, disponíveis no programa Wordsmith Tools (Sheperrd,
Sardinha e Pinto 2012).

5. A Linguística de Corpus ocupa-se da coleta e exploração de corpora, ou


conjuntos de dados linguísticos textuais que foram coletados criteriosamen-
te com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade
linguística. Como tal, dedica-se à exploração da linguagem através de evi-
dências empíricas, extraídas por meio de computador (Sheperrd, Sardinha e
Pinto 2012).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 235


Para uma sistematização mais estruturada dos dados
pesquisados, ficharemos as fontes bibliográficas levantadas
caminhando para a interpretação dos dados obtidos, conforme
propõe Minayo (2009), ou seja, faremos uma leitura compreensiva
do material selecionado, explorando-o para conseguinte elaboração
da síntese interpretativa que servirá de sustentáculo as ideias aqui
discutidas.
Para a análise de corpora, conforme citado acima, utilizaremos
a linguística de corpus, através da ferramenta WordSmith Tools 6,
que nos auxiliará no mapeamento quantitativo das palavras mais
recorrentes utilizadas nos documentos estudados. Assim, através
do Word List, bem como do Concord poderemos saber com maior
rapidez como ou a quê a palavras – que nos é expressivamente
significativa como: Currículo – BNCC e Educação Infantil –
se atrelam no contexto dos documentos, listados, bem como a
frequência das palavras contidas nos documentos, evidenciando
àquelas que são mais recorrentes nos documentos analisados
(Sheperrd, Sardinha e Pinto 2012). É válido salientar que o uso
da ferramenta não nos isentará da obrigatoriedade de ler todos os
documentos em sua inteireza.
O software consiste na verdade de uma ‘suíte’ de diferentes
programas, que se destinam a várias aplicações, que compreendem o
pré-processamento, a organização de dados, e a análise propriamente
dita de corpora ou textos isolados. O programa oferece ferramentas
para a consecução de tarefas essenciais, como listas de palavras
(através do programa WordList) e de concordâncias (por meio do
Concord) (Sheperrd, Sardinha e Pinto 2012, p. 8). Assim, através da
análise documental com uso do software será possível realizar uma
lista das palavras mais frequentes nos documentos analisados que
constituem a corpora linguística dessa pesquisa.
Nesse sentido, a relevância social desta pesquisa se dá
uma vez que este estudo além de campo fértil de pesquisas busca
colaborar qualitativamente com os fazeres pedagógicos vividos
cotidianamente nas instituições de Educação Infantil de municípios
do Cariri paraibano tendo como objeto a análise normativas legais
orientadoras desta etapa.

236 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Concepções de currículo: desafios e ressignificações

O currículo compreendido em sua forma mais ampla está


estreitamente relacionado às estruturas econômicas e sociais, pois
“o currículo não é um corpo neutro, inocente e desinteressado
de conhecimentos” (Silva 2003, p.46). Com base nessa máxima
entendemos em concomitância que ele não é neutro no que tange
os conhecimentos e propostas curriculares nele contidos e validados
dentro do contexto educacional como um todo.
Compreendemos que o currículo é resultado de processos
de decisões e deliberações políticas que refletem interesses de
classe e grupos dominantes. Nesse sentido, a visão crítica de
currículo, defendida por Apple,6 aponta a necessidade de se
questionar os “porquês”, os motivos pelos quais, no processo de
discussão e construção curricular, determinados conhecimentos
são politicamente validados em detrimento de outros, assim como
algumas etapas da educação parecem mais relevantes que outras.
Nessa perspectiva, não seria suficiente questionar apenas
os “porquês” com vistas à respostas verdadeiras ou falsas, mas
sobretudo, é relevante saber como o currículo é constituído, quais
as manobras e forças políticas que forjam esses currículos nos

6. Michael Whitman Apple aborda o currículo a partir de uma pedagogia crí-


tica que se baseia nas relações existentes entre a escola e a sociedade. Para
Apple, o currículo não pode ser resumido apenas à série de conteúdos e
informações objetivas que serão transmitidas nas escolas através de seus
programas, pois os conhecimentos ali disseminados são frutos de grupos
sociais majoritários que têm o poder de decidir o que será transmitido e
quais os conhecimentos válidos. Mediante essa compreensão, não ingênua,
de currículo é que se pode pôr em xeque o modelo tecnicista de educação,
a partir de questionamentos mais críticos que deverão brotar dos próprios
educadores na tentativa de se compreender qual saber é elegido e porque
este e não outro conhecimento. Em suma, para Apple o saber não pode ser
entendido como algo dado, mas como uma realidade que deverá sempre ser
pensada/refletida criticamente.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 237


contextos micro e macro, bem como as formas como o currículo
prescritivo é interpretado no campo das práticas pedagógicas.
Pereira (2010) reflete que a organização curricular atual
está mais preocupada com a padronização do “currículo” e essa
atitude implica a negação da diversidade humana e cultural que
temos, podendo ser traduzida como um mecanismo de força e
poder, cuja tentativa maior é homogeneizar as camadas socialmente
desfavorecidas, negando a diferença expressas por diferentes
marcadores sociais: classe, raça, gênero, geração, entre outros.
As questões nascentes, que aqui expomos, bem como as
inquietudes geradas no decurso do projeto de extensão, anteriormente
apresentado, reverberam na questão formulada por Bhabha (2013,
p. 20) que questiona “De que modo se formam sujeitos nos ‘entre-
lugares’, nos excedentes da soma das partes da diferença (geralmente
expressas como raça/classe/gênero etc.)?”. Corroborando com
Brabha podemos pensar o currículo e as questões identitárias do
pedagogo, especialmente os professores e professoras que atuam
na Educação Infantil, nesse espaço de formação que se constrói de
maneira fluída, de corrente movimento, não fixa, como pensada
anteriormente pelas concepções mais tradicionais.
Nesta perspectiva, trata-se de compreender os espaços de
formação do pedagogo como lugares transitórios de mudanças e
questionamentos perenes, como espaços e tempos deslizantes que
não permitem mais conceituações polarizadas (Araújo e Pereira
2012).
Lopes e Macedo (2011) refletem que as discussões no campo
do currículo por vezes oscilam entre o relativismo e aceitação dos
múltiplos saberes como igualmente válidos, ou até mesmo sobre
a existência de alguns saberes que possuem valor de verdade que
superam os demais saberes. As autoras prosseguem essa reflexão
afirmando que os critérios que legitimam certos tipos de saberes
em detrimento dos demais, nem sempre são fundamentados sob
o crivo dos mesmos critérios, ou seja, na concepção das autoras,
esses critérios podem ser de ordem acadêmica, instrumental,

238 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


pragmática, científica, historicamente situada, atreladas à
capacidade de libertação humana ou à capacidade de mudanças para
a estrutura social e/ou econômica. Enfim, esses debates acontecem,
pois significados teóricos e práticos estão presentes nesse jogo
constituindo a significação do mundo.
Mediante o exposto entendemos o currículo como uma
produção cultural, deste modo almejamos nos afastar de constituições
curriculares que trazem em sua gênese reducionismos que o
interpretam apenas como documento, ou conjunto de saberes que se
alocam em saberes disciplinares e institucionais, mas entendendo-o
como produção cultural não o distanciamos da perspectiva política
que o subjaz. (Lopes, Dias e Abreu 2011).
Compreendemos currículo na Educação Infantil se constitui
a partir de experiências e vivências significativas que as crianças
estabelecem e constroem no cotidiano das creches e pré-escolas.
De base dessa compreensão de currículo as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI (2009) sinalizam um
avanço histórico na compreensão da infância e suas peculiaridades,
ao romper com o viés escolarizante e assistencialista, põe no centro
da organização curricular das Creches e Pré-escolas às crianças e
suas necessidades de interações e brincadeiras. Assim, mediante os
princípios éticos, estéticos e políticos são traçados objetivos que
expressam a inteireza da criança, nessa etapa da educação, tornando
evidente um currículo que se forja no chão das especificidades
infantis e suas culturas nos mais distintos contextos.
A concepção de criança que as DCNEI sustentam a coloca
como sujeito de direitos que se desenvolve em suas múltiplas
interações, por isso desde o nascimento o bebê é capaz de interagir
e se comunicar com seus parceiros e os que estão em seu entorno.
(Oliveira 2014). Desse modo, o foco do trabalho pedagógico/
curricular nos primeiros anos de vida da criança se volta aos
processos de como elas se relacionam com elas mesmas, com outras
crianças, com os adultos e com o mundo. Na Educação Infantil,
observar e registrar para depois interagir qualitativamente com a

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 239


criança é o motor curricular da Educação Infantil e parte constitutiva
do fazer docente nessa etapa da educação (Fochi 2015).
As DCNEIs e a BNCC são composições curriculares
nacionais (documentos) que entendem a Educação Infantil como
espaço que acolhe a criança, possibilitando o seu desenvolvimento
integral – ou seja, percebe a criança em sua inteireza e não em uma
visão compartimentada.
Na BNCC (2017) a partir da constituição dos campos de
experiências o currículo é construído na complexidade do itinerário
diário das crianças, seus espaços e culturas, bem como nas relações
e interações que elas estabelecem de forma sistêmica, nesse sentido,
conforme defendem Barbosa e Horn (2008) é imperativo superarmos
composições simplistas acerca dos significados dos conhecimentos
que se propalam e se constroem no âmbito da Educação Infantil,
pois “conhecer é estabelecer diálogo com a incerteza”. (Barbosa e
Horn 2008, p. 24).

Considerações

Com base nas discussões, aqui tecidas, sobre currículo e


Educação Infantil, especialmente no que tange a BNCC sentimos
a necessidade de compreender, junto aos professores que fazem a
Educação Infantil desses 12 municípios do Cariri paraibano, como os
documentos curriculares, da política nacional, reverberam e são (re)
interpretados nesses contextos. Para isso, acreditamos que o ciclo
contínuo de políticas de Stephen Ball, propiciará aporte reflexivo, já
que em sua gênese, suas formulações buscam superar o hiato entre
produção e implementação curricular. É necessário entender a inter-
relação dos contextos de influência, de produção do texto político e
da prática, sabendo que não há hierarquia nesses contextos, mas que
ele tem configuração contínua. (Ball e Mainardes 2011)

240 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


O ciclo contínuo de políticas7 busca articular a macro e a
micropolítica, aqui, especificamente, no contexto da análise das
constituições curriculares dos 12 municípios do Cariri paraibano que
compuseram a formação em extensão da BNCC para a Educação
Infantil. Entender como essa formação tem reverberado no contexto
da formulação de currículos desses municípios é condição sine qua
non para compreensão da política macro e o quê o documento da
BNCC tem influenciado nas políticas de currículo.
Os textos políticos são textos complexos codificados e
decodificados de modo complexo em meio a lutas, negociações e
acordos, espelhado na historicidade, sabendo que nesse processo
constitutivo de construção do texto político há troca constante de
sujeitos/ autores – polifonia do texto curricular (Lopes e Macedo
2011) – é assim na tessitura da atual BNCC para a Educação Infantil
– contexto do texto político – e as formas como, no contexto das
práticas, o documento é (re) interpretado.

Referências

ARAÚJO, Rute Pereira Alves de e PEREIRA, Maria Zuleide da


Costa. “Literatura Infantil e Currículo – repensando a
formação de Pedagogos.” Revista Espaço do Currículo,
UFPB, vol. 5, nº 1, 2012, pp. 117-129.
BALL, Stephen J. e MAINARDES, Jefferson. (orgs.) Políticas
educacionais: questões e dilemas. São Paulo: Cortez, 2011.

7. Este estudo é um recorte da pesquisa, “A BNCC no contexto das práticas


curriculares da Educação Infantil no Cariri paraibano”, vigência 2020.2
-2023.1. No contexto mais amplo, o ciclo contínuo de políticas busca arti-
cular a macro e a micropolítica, a partir das constituições curriculares dos
15 municípios, bem como no contexto das práticas.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 241


BARBOSA, Maria Carmem Silveira e HORN, Maria da Graça
Souza. Projetos pedagógicos na Educação Infantil. Porto
Alegre: Artmed, 2008.
BHABHA, Homi K. O local da Cultura. Trad. Myriam Ávila,
Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves.
2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília:
Congresso Nacional, Diário Oficial da República Federativa
do Brasil, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
CCIVIL_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 26/02/2016.
________. Parecer 20, de 11 de novembro de 2009. Revisão
das Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação
Infantil. Brasília: CNE/CEB. Disponível em: http://
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman
&view=download&alias=2097-pceb020-09&category_
slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192. Acesso em:
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________. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da
Educação, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.
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________. Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental. Disponível em: http://
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CAMPOS, Katia Patrício Benevides; BOITO, Crisliane e SILVA,
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Nacional Comum Curricular e o cotidiano das instituições
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Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/

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FOCHI, Paulo. Afinal o que os bebês fazem no berçário:
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contexto de vida coletiva. Porto Alegre: Penso, 2015.
LOPES, Alice Casimiro e MACEDO, Elizabeth. “Contribuições
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in: BALL, Stephen J. e MAINARDES, Jefferson (orgs.)
Políticas educacionais: questões e dilemas. São Paulo:
Cortez, 2011.
LOPES, Alice Casimiro; DIAS, Rosanne Evangelista e ABREU,
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MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.) Pesquisa Social: teoria,
método e criatividade. 28ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de (org.) O trabalho do
professor na Educação Infantil. 2º ed. São Paulo: Biruta,
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SHEPHERD, Tania G.; SARDINHA, Tony Berber e PINTO,
Marcia Veirano. (orgs.) Caminhos da Linguística de Corpus.
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SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE.
Resolução nº 5/2002 – Estatuto da Universidade de Campina
Grande. Disponível em: https://portal.ufcg.edu.br/estatuto.
html. Acesso em: 17/06/2020.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 243


capítulo 16
LICENCIATURA EM QUÍMICA NO RECÔNCAVO
BAIANO: DIÁLOGOS, OLHARES E REFLEXÕES
SOBRE A EVASÃO

Mateus Fonseca dos Santos


Vinícius Moreira Sousa de Jesus
Rafaela dos Santos Lima

Introdução

A Química, uma Ciência da Natureza que tem como objetivo


estudar e explicar fenômenos naturais. Pode ser compreendida
como uma Ciência teórico-experimental que dialoga entre interfaces
educacionais, históricas, filosóficas, sociológicas, matemáticas e
físicas para expressar os seus diferentes campos de pesquisa.
De acordo com Cabral (2011) os cursos dessa área nas
Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras vêm sofrendo
nos últimos anos problemas de desempenho acadêmico, que
consequentemente influencia diretamente no aumento da evasão nas universidades. Essa
alta taxa de evasão pode contribuir para a desvalorização das universidades

perante ao Ministério da Educação (MEC).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 245


O MEC é o órgão governamental responsável pela
administração da Educação no Brasil, além disso. Este órgão realiza
a análise das universidades, dentre os aspectos observados tem-se o
índice de evasão.
O estudo realizado por Barbosa, Araújo e Fonseca (2014)
sobre a evasão no curso química na Universidade Federal da
Paraíba identificou que entre os anos de 2007 a 2012 a evasão foi de
37%. De acordo com os autores, os motivos das desistências podem
estar associados a problemas pessoais, dificuldades em matemática,
identificação com o curso, dificuldades financeiras, e até mesmo por
não ter interesse em seguir carreira educacional.
É importante destacar que

Do ponto de vista dos estudos educacionais, nos últimos


anos a evasão escolar tem sido estudada, sobretudo, em
países do primeiro mundo, em que tais pesquisas têm
demonstrado a intensidade desse fenômeno, bem como relativa
homogeneidade de comportamento em certas áreas do saber,
apesar das divergências entre as instituições de ensino e das
particularidades sociais, econômicas e culturais de cada país.
(Brasil 1997)

Segundo Ferreira (2011) a evasão escolar passou a ser


estudada a partir do momento que se observou prejuízos econômicos
e sociais, pelo grande investimento do governo sem o devido retorno.
De acordo com o Núcleo de Gestão Técnica e Acadêmica
(NUGTEAC) do Centro de Formação de Professores (CFP) da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) o curso
de Licenciatura em Química apresenta alta taxa de evasão. A
partir desse cenário, este trabalho busca identificar os principais
fatores que determinam a desistência e a permanência no curso de
Licenciatura em Química da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia referentes às turmas dos anos de 2009 a 2019. Para isso,
buscamos i) analisar a evasão do curso de Licenciatura em Química;

246 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


ii) inferir sobre as consequências para a universidades frente o
aumento da taxa de evasão.
Acreditamos que é de fundamental importância perceber
elementos que ocasionam a evasão no contexto educacional, a fim de
que a partir dessas investigações possam ser elaboradas estratégias
de enfrentamento à problemática.

Um pouco sobre a evasão e as causas

As definições do termo evasão variam de acordo com cada


instituição. A fim de estabelecer parâmetros metodológicos e
garantir a comparabilidade e exatidão de dados a Comissão Especial
de Estudos sobre Evasão do Sesu/MEC definiu a evasão no curso
superior como sendo aquela em que

[...] o aluno se desliga do curso superior em situações diversas


tais como: Abandono, desistência, transferência, exclusão
por norma institucional; Evasão da instituição, quando
o estudante se desliga da instituição na qual está
matriculado; Evasão do sistema, quando o estudante
abandona de forma definitiva ou temporária o ensino
superior. (Brasil 1996, p. 56)

De modo geral, a evasão classifica-se como o desligamento


de uma instituição de ensino, seja pública ou privada, sem que essas
instituições tenha o controle do mesmo.
A evasão não está relacionada a uma única variável, esta pode
ocorrer a partir de fatores internos e/ou externos. São considerados
fatores internos aqueles ligados a estrutura do curso e fatores
externos que estão relacionados a variáveis econômicas, sociais,
culturais ou individuais que de algum modo modifica a trajetória
universitária do estudante (Brasil 1996).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 247


Segundo Cunha, Tunes e Silva (2001) um dos fatores
internos que colabora para o crescimento da evasão é o fato da
universidade não envolver seus alunos em projetos de pesquisa e
extensão. Assim, o autor recomenda a inserção em ambientes que
aproxime o estudante da Universidade, por exemplo,

[...] a participação dos estudantes em projetos de pesquisa dos


professores aparece como iniciativa favorável a diminuição
da evasão e melhoria da graduação, a adaptação deve ser boa
para que o discente permaneça no curso, para isso é de estrema
importância um boa recepção da universidade. (Cunha, Tunes
e Silva 2001, p. 17)

Outra situação a ser considerada é que grande parte da


população brasileira possui uma renda mensal baixa, jovens
universitários que vêm de famílias humildes muitas vezes precisam
trabalhar no mercado informal para conseguir manter-se ou até
mesmo ajudar os familiares, nesse contexto é muito difícil conciliar
o curso superior e o trabalho, ao longo do tempo o desgaste é
alto, tornando-se muito cansativo o que ocasiona a desistência da
Universidade.

Os modos de fazer o estudo

Tendo em vista os objetivos propostos neste estudo foi


realizado uma pesquisa qualitativa e documental. A pesquisa
qualitativa pode ser definida como um tipo de investigação
aprofundada, buscando determinar e analisar dados que podem
ou não ser representados numericamente e documental (Silveira e
Córdova 2009). Já a pesquisa documental segundo Schneider, Fujii
e Corazza (2017) é um tipo de pesquisa que utiliza fontes primárias,
isto é, dados e informações que ainda não foram tratados científica ou

248 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


analiticamente. O método da pesquisa documental permite realizar
análises qualitativas e quantitativas em fenômenos específicos.
A pesquisa foi realizada por meio da análise de documentos
fornecidos pelo NUGTEAC e de um questionário online enviado
aos discentes do curso investigado. Os dados dos documentos e dos
questionários foram analisados de modo sistemático utilizando a
Análise de Conteúdo (Bardin 1995).

Da UFRB ao curso de licenciatura em química

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) é


uma instituição de ensino superior pública, criada pela Lei 11.151 de
29 de julho de 2005, por desmembramento da Escola de Agronomia
da Universidade Federal da Bahia, com sede e foro na cidade de
Cruz das Almas e unidades instaladas nos municípios de Amargosa,
Cachoeira, Feira de Santana, Santo Amaro e Santo Antônio de
Jesus. O Centro de Formação de Professores (CFP) trata-se de um
dos seis Centros de Ensino da UFRB, localizando-se na cidade de
Amargosa. Como o próprio nome sugere, o CFP tem como objetivo
formar professores que irão atuar em escolas de nível básico e
médio, os profissionais formados nessa instituição possuem uma
base ampla e generalista em sua área de formação.
Atualmente no Centro em questão são oferecidos sete
cursos de graduação, sendo eles, Licenciatura em Química, Física,
Matemática, Letras, Filosofia, Educação Física e pedagogia. Além
desses cursos de graduação são ofertados cursos de pós-graduação
lato sensu e stricto sensu (nível de mestrado).
O curso de Licenciatura em Química da UFRB deu-se início
no segundo semestre de 2009. A Licenciatura em Química tem
como objetivo

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 249


formar professores que irão atuar em escolas de nível básico e
médio, tendo como base uma formação generalista, mas sólida
e abrangente em conteúdo dos diversos campos da Química
e de áreas afins na atuação profissional como educador, além
de seguir carreira acadêmica o profissional pode trabalhar em
alguns cargos específicos de empresas ou indústrias. (Brasil
2011,p. 5)

Destaca-se que no recôncavo baiano, este é o primeiro curso


de licenciatura em química, sendo uma importante conquista para
a formação de professores qualificados para atuarem na Educação
Básica.

Conhecendo a realidade da evasão em 10 anos dos cursos de química

A partir dos documentos cedidos pela UFRB-CFP,


construímos a Tabela 1 que apresenta o quantitativo de estudantes
ingressantes, ativos, desistentes e egressos no período de 2009 a
2019 no Curso de Licenciatura em Química,

Tabela 1 – Integralização do curso de Licenciatura em Química

Ano – Período Ingressantes Ativos Desistentes Egressos


2009.2 33 0 22 11
2010.1 51 0 36 15
2011.1 57 1 43 13
2012.1 41 0 26 15
2013.1 55 4 41 10
2014.1 54 10 33 11
2015.1 42 9 29 4
2016.1 38 13 25 0
2017.2 51 32 19 0

250 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


2018.1 1 0 1 0
2018.2 25 15 10 0
2019.2 35 33 2 0
Total 483 117 287 79

Fonte: UFRB – CFP.

Percebe-se por meio dos dados apresentados que a evasão no


curso pode ser considerada alta. Graficamente,

Gráfico 1 – Dados do curso de Licenciatura


em Química da UFRB em 2019

ativos

egressos
24%
60% desistentes
16%

Fonte: UFRB – CFP

Os dados apresentados manifestam uma realidade bastante


preocupante e prejudicial para a Universidade, por se tratar de uma
instituição pública é exigido um retorno considerável em relação ao
investimento que é feito com o dinheiro público. Segundo Alavarse
(2009), quando um curso apresenta evasão ou índices de reprovação
muito altos à instituição pode sofrer punições, ou até mesmo em
casos mais graves o encerramento do curso no campus em questão.

Um índice tão alto mostra a necessidade de um balanço e uma


reflexão crítica sobre o que se está ofertando. Sempre que se

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 251


abre uma vaga, o poder público se prepara para arcar com
os custos dela. Então, qualquer vaga não ocupada ou que foi
abandonada representa desperdício. (Alavarse 2009 p. 38)

O investimento para as universidades públicas, segundo


o Ministério da Educação, trata-se de um valor médio por aluno
universitário de aproximadamente R$ 3.170 (três mil cento e setenta
reais) por mês.
Além da alta evasão, é perceptível que os números de
ingressantes são relativamente baixos, sendo um agravante ao
problema, em que, entra poucos alunos e acaba não preenchendo o
número total de vagas ofertadas o que consequentemente culmina
em vagas ociosas.
De acordo com Barbosa, Araújo e Fonseca (2017) os
maiores índices de evasão ocorrem no primeiro e segundo semestre
do curso, pois segundo eles essa é a etapa de adaptação do aluno
à universidade, além disso, afirmam a grande maioria dos que
desistem do curso reprovaram pelo menos uma vez nas disciplinas
de Cálculo I, II, Física I e Introdução a Estatística, destacando que
essas são as disciplinas do primeiro e segundo semestre com os
maiores índices de reprovação.
Denota-se que essas disciplinas com os maiores índices de
reprovação exigem conhecimento básico em matemática, desta
forma pode-se evidenciar a precarização do ensino básico brasileiro,
onde por não ter uma base sólida os alunos não conseguem
acompanhar os assuntos da universidade.

Diálogos sobre a evasão

Por meio do questionário enviado aos estudantes, foi


possível analisar como os discentes percebem a evasão no Centro
de Formação de Professores, além de elencar possíveis motivos
para a desistência dos seus pares. Dos 117 alunos ativos no curso de
Licenciatura em Química, 43 responderam ao questionário.

252 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Tabela 4 – Resultados do questionário

Satisfeito com o seu curso?

Muito 8 (18,6%)

Razoavelmente 25 (58,1%)

Pouco 10 (23,3%)

Considera a evasão do curso?

Alta 36 (83,7%)

Média 5 (11,6%)

Baixa 2 (4,7%)

Esse curso era sua primeira opção?

Sim 15 (34,9%)

Não 28 (65,1%)

Em qual semestre se encontra?

1° semestre 17 (39,5%)

3° semestre 7 (16,3%)

5° semestre 10 (23,3%)

7° semestre 6 (14,0%)

Acima do 8° semestre 3 (7,0%)

Pretende mudar de curso?

Sim 17 (39,5%)

Não 8 (18,6%)

Talvez 18 (41,9%)

Já teve dificuldade em se manter na Universidade por conta de sua renda?

Sim 30 (69,8%)

Não 13 (30,2%)

Fonte: Os autores (2019).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 253


O número de pessoas satisfeitas com o curso é relativamente
baixo, (18,6%), enquanto 58,1% razoavelmente e 23,3% pouco
satisfeitos. A maioria das pessoas insatisfeitas estão nos primeiros
semestres do curso, isso corrobora com o que Barbosa, Araújo e
Fonseca (2017) apontaram que a taxa de desistência se acentua nos
primeiros anos de curso. Normalmente, quando um aluno não está
se sentido bem no curso, as chances de desistência são bem maiores,
nessa perspectiva é possível observar um dos motivos para a evasão
ser maior no início do curso.

Percepções sobre a evasão

Sobre como estudantes percebem a evasão no curso 83,7%


dos entrevistados consideram a evasão alta, 11,6% média e 4,7%
baixa. Quando questionados sobre quais fatores podem direcionar
para a evasão, 27,9% das pessoas afirmaram que a evasão não
está ligada apenas a universidade, mas também ao ensino básico
precário, justificando as altas reprovações nas disciplinas de Cálculo
I, Introdução à Estatística, Física I e Físico-Química I, disciplinas
essas ministradas nos primeiros semestres do curso. Observando a
fala de P1 traz uma questão importante de ser refletida pela IES,
“Levando em consideração somente as pessoas que escolheram tal
curso por uma vontade verdadeira de cursa-lo [sic]. Creio que seja
o desânimo por conta das disciplinas mais difíceis como Cálculo,
Estatística, Física, Físico-química, etc. E também por situação
financeira. Como por exemplo, nesse semestre de 2019.2 que não
teve edital aberto para bolsa de auxílio permanente” (P1, grifo
nosso).
Quando a instituição deixa de ofertar e/ou atrasa os processos
de editais de auxílio pode impactar diretamente na permanência
do estudante no curso. Dos entrevistados 69,8% afirmaram que
já tiveram dificuldades em se manter na universidade por conta

254 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


de sua renda. A maioria dos estudantes universitários da UFRB-
CFP é de realidade campesina, oriundos de famílias sem muitos
recursos financeiros, chegando a ser, em grande parte, os primeiros
a ingressarem no ensino superior. Infelizmente, atualmente, devido
aos inúmeros cortes orçamentários nos recursos destinados à
Educação muitos não prosseguem a vida acadêmica por questões
financeiras. Na ausência do suporte econômico por parte dos
familiares o universitário é forçado a ingressar no mercado de
trabalho informal e muitas vezes não consegue conciliar trabalho e
estudo, tornando-se assim um agravante para a evasão.
Além das questões financeiras apresentadas como propulsor
para a desistência outro fator destacado que deve-se levar em
consideração é a precariedade do ensino básico, conforme apontado
por P2 e P3, respectivamente,

“Ensino básico precário.” e “Falta de base, ou seja, não tem


uma preparação prévia no ensino médio.”

Muitos estudantes chegam ao ensino superior com


deficiências em matemática e língua portuguesa o que ocasiona
em dificuldades em interpretar questões e resolver problemas que
envolvem matemática, diante dessas limitações e a ausência dessa
percepção e didática por parte dos docentes, conforme fala de P4,
P5 e P6, respectivamente, muitos estudantes desistem,

“As dificuldades nas matérias de matemática como Cálculo


e Estatística.”, “A dificuldade em algumas disciplinas, falta
de ajuda dos professores e baixa renda.” e “A didática dos
professores da área da matemática...”

Destaca-se que 39,5% dos alunos afirmaram que pretendem


mudar de curso, 41,9% talvez e apenas 18,6% estão convictos que
encontram-se no curso certo e não há pretensão de mudança.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 255


Os cursos de licenciatura de modo geral são desvalorizados,
a maioria das pessoas buscam salários mais remunerados, almejam
cursos que são mais valorizados, diante disso, poucos escolhem a
licenciatura, outros entram nos cursos com vistas a realizar mudança
posteriormente. De acordo com Aranha e Souza (2013, p. 80)

[...] se não forem modificadas as condições gerais da docência,


para fazer dela uma carreira atrativa, há fortes indícios de
que não teremos professores para atuar na universalização da
educação \básica, conforme prevê o PNE.

Diante disso, torna-se crucial refletirmos sobre os caminhos


para o combate a evasão no campo da formação de professores.

Reflexões sobre o combateà evasão

Segundo Oliveira (2014) o ensino de qualidade é essencial


para manter um jovem na universidade, quando se apresenta uma
boa estrutura acadêmica e profissionais qualificados a adaptação
a universidade é muito mais rápida e abrangente. Um ensino de
qualidade além de reduzir a evasão também dá a universidade
privilégios, reconhecimento e investimento maior por parte dos
órgãos que as mantém.
A implantação de programas sociais na universidade é
uma excelente saída para a permanência do aluno. A Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM), apresentou no ano de 2008 um
percentual abaixo dos 23%, sendo que a média das Universidades
Federais era de 36%, a universidade fez a implantação do Programa
de Equidade de Acesso e Permanência na Educação Superior
(PEAPES) (Ferreira 2017).
Além da implementação de programas sociais as IES podem
investir na qualificação dos programas como Programa Institucional

256 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e o Residência Pedagógica
(RP) no intuito de estabelecer e/ou fortalecer vínculos com a docência,
o que pode culminar na diminuição da taxa de evasão.
De modo mais abrangente com vistas a diminuição da evasão
no ensino superior é preciso voltar-se para a educação básica, de
modo que a formação básica dê subsídios para que ao adentrar
na universidade esses jovens não tenham tantas dificuldades em
disciplinas que requer conhecimento específico de disciplinas do
nível básico.

Algumas considerações

Por meio da pesquisa foi possível perceber o índice e as


decorrências da evasão recorrente no curso de Licenciatura em
Química. Dentre os possíveis motivos de desistência apontados pelos
alunos de Química da IES investigada destaca-se as dificuldades em
relação às disciplinas, motivos pessoais, problemas financeiros e o
interesse em cursar outro curso.
Observa-se que os participantes da pesquisa, de modo geral,
não citaram dificuldades nas disciplinas diretamente relacionadas a
química, isso nos leva a inferir sobre a necessidade de pensarmos
estratégias que dêem suporte aos estudantes que entram na
universidade com limitações em áreas afins.
Destacamos que para resolver os problemas da evasão nas
IES torna-se essencial o trabalho de modo conjunto com a educação
básica, investimentos financeiros por parte do Estado, assim como
a oferta de formação continuada para os professores da Educação
Básica de modo que se tenha mudança nas estratégias de ensino que
direcione à aprendizagem do estudante.
Diante desse contexto, esperamos que estas questões possam
gerar novas investigações e medidas para diminuir a evasão no curso
de Licenciatura em Química da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia – Centro de Formação de Professores.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 257


Referências

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da Universidade Federal de Minas Gerais. Dissertação de
Mestrado. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
Gerais, 2009.
ALAVARSE, O. M. “A organização do ensino fundamental em
ciclos: algumas questões.” Revista Brasileira de Educação,
vol. 14, nº 40, São Paulo, 2009, pp. 35-50.
ARANHA, A. V. S. e SOUZA, J. V. A. de. “As licenciaturas na
atualidade: nova crise?” Educar em Revista, nº 50, Curitiba,
2013, pp. 69-86.
BARBOSA, N.; ARAÚJO, A. e FONSECA, M. „A evasão no curso
de Licenciatura em Química da Universidade Federal da
Paraíba.” Conedu, Paraíba, 2008, pp. 1-12.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995.
CABRAL, C. G. L. “Evasão escolar: o que a escola tem a ver com
isso?” Revista Uniedu, vol. 23, nº 8, Santa Catarina, 2011,
pp. 137-164.
CUNHA, A. M.; TUNES, E. e SILVA R. R. da. “Evasão do curso
de química da Universidade de Brasília: a interpretação do
aluno evadido.” Química Nova, vol. 24, nº 1, Brasília, 2001,
pp. 262-280.
DIAS, E. C. M.; THEÓPHILO, C. R. e LOPES, M. A. S. “Evasão
no ensino superior: estudo dos fatores causadores da evasão
no curso de Ciências Contábeis da Universidade Estadual de
Montes Claros – Unimontes – MG.” Anais... Congresso USP
De Iniciação Científica Em Contabilidade, Montes Claros,
2010, pp. 1-16.
FERREIRA, J. M. Um olhar sobre a evasão no curso Licenciatura
em Física da Universidade Estadual do Centro-Oeste.
Monografia de Trabalho de Conclusão de Curso. Guarapuava:
Universidade Estadual Do Centro Oeste, 2017.

258 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


FIALHO, M. D. A Evasão Escolar e a Gestão Universitária: o
caso da Universidade Federal da Paraíba. Dissertação de
Mestrado em Gestão nas Organizações Aprendestes. João
Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2014.
KUSSUDA, L. Um estudo sobre a evasão em um curso Licenciatura
em Física: discursos de ex-alunos e professores. Dissertação
de Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade Estadual
Paulista, 2011.
MACHADO, M. C. T. “Perfil dos estudantes da UFG: Uma análise
a partir do processo seletivo 2002.” Sociedade e Cultura,
vol. 5, nº 2, Goiânia, 2002, pp. 137-145.
MASSI, L. e VILLANI, A. “Um caso de contratendência:baixa
evasão na licenciatura em química explicada pelas
disposições e integrações.” Educação e Pesquisa, vol. 41, nº
4, São Paulo, 2015, pp. 975-992.
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no curso de Física da Universidade Estadual de Maringá:
modalidade presencial versus modalidade a distância.”
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SCHNEIDER, E. M.; FUJII, R. A. X. e CORAZZA, M. J. “Pesquisas
quali-quantitativas: contribuições para a pesquisa em ensino
de ciências.” Revista Pesquisa Qualitativa, vol. 5, nº 9, São
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UFRB. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura Em
Química. Amargosa: UFRB, 2012. Disponível em:https://
w w w. u f r b . e d u . b r / p o r t a l / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _
chronoforms5&chronoform=ver-graduacao&id=41>.
Acesso em: 30/09/2019.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 259


capítulo 17
PROJETO DE VIDA (?): INFLUÊNCIAS E
IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO PARAIBANO

Thamyres Ribeiro da Silva


Maria Beatriz da Silva Santos
Saimonton Tinôco
Franklin Kaic Dutra-Pereira

Introdução

O neoliberalismo invadiu as escolas brasileiras. Podemos


designar como escola neoliberal aquelas instituições que consideram
a educação como um bem privado, colocando a economia como
valor maior. A responsabilidade pelo direito à cultura deixa de ser
vista como um bem social e passa a ser apontado como algo privado
e capitalizado, advindo da sociedade tais recursos. A autonomia dos
sujeitos é posta como um objetivo essencial, responsabilizando-os
por seu sucesso ou fracasso, visando atender demandas cada vez
mais particulares e mercadológicas (Laval 2019).
Apple (2005) afirma que o neoliberalismo anseia por criar
pessoas cada vez mais empreendedoras, competitivas e ousadas

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 261


que buscam cumprir metas, realizar tarefas complexas e que são
responsáveis por suas escolhas e caminhos. Inúmeras instituições
brasileiras ganharam e estão ganhando essas feições neoliberais
nos últimos anos, mas destacaremos nessa pesquisa a realidade
do Estado da Paraíba, mais especificamente das Escolas Cidadãs
Integrais.
As Escolas Cidadãs Integrais (ECI) e Escolas Cidadãs
Integrais Técnicas (ECIT) surgiram por meio de dois decretos: o de
nº 36.409/2015 e o de nº 36.408/2015 respectivamente. Reforçando
o surgimento dessas instituições, surgiu a Medida Provisória
nº 267, de 07 de fevereiro de 2018 que instituía oficialmente o
Programa de Educação Integral na Paraíba, formado por ECI,
ECIT e Escolas Cidadãs Integrais Socioeducativas (ECIS), que
posteriormente se transformaria na Lei nº 11.100, de 06 de abril
de 2018, corroborando com os objetivos que o Governo da Paraíba
traçara anteriormente como requisito para a melhoria da qualidade
do ensino e restruturação do Ensino Médio (Rodrigues 2019). Essa
última lei foi retificada posteriormente pela ementa nº 11.314, de 11
de abril de 2019 (Paraíba 2019).
A implementação foi gradual, iniciando no ano de 2016 com
8 escolas Estaduais. Atualmente o programa conta com cerca de 270
instituições que foram sendo inseridas entre os anos de 2016 a 2020,
de acordo com dados disponibilizados pelo Governo do Estado
da Paraíba em seu site oficial.1 O Programa de Educação Integral
Paraibano é resultado de uma parceria entre os setores público e
privado: o governo do Estado e o Instituto de Corresponsabilidade
da Educação (ICE), sendo este último autônomo para que sua
filosofia pedagógica, seu projeto escolar, pedagógico, curricular e de
infraestrutura fossem implantados nas escolas estaduais paraibanas
(Leite 2018; Rodrigues e Honorato 2020).

1. De acordo com as informações disponibilizadas pelo Governo do Estado da


Paraíba através do site https://paraiba.pb.gov.br/diretas/secretaria-da-educa-
cao-e-da-ciencia-e-tecnologia/escolas-integrais. Acesso em: 11/09/2020.

262 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


A base teórica e metodológica defendida pelo ICE baseia-se
no caderno de formação do modelo Escola da Escolha, estruturado
pelo mesmo instituto e acrescido das ideias apresentadas na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), dispondo de conteúdos
pedagógicos, metodológicos, didáticos e administrativos próprios
(Rodrigues 2019).
Mudanças significativas ocorrem nos mais diversos aspectos
dentro dessas instituições de ensino, assim como aponta Leite
(2018) em seus estudos. Porém é importante destacar que uma das
mais consideráveis é a curricular, já que coloca o aluno como um
ser autônomo, capaz de escolher os conteúdos complementares que
deseja cursar, além de ter a responsabilidade de traçar seu projeto de
vida, o que coloca a ideia de protagonismo estudantil em destaque,
passando a ser eixo central das ações da escola, como podemos
verificar através dos objetivos gerais e específicos dispostos no
artigo 3º da ementa da Lei nº 11.314/2019.
São objetivos das escolas que compõem o Programa de
Educação Integral:

I. objetivos gerais:
a) ofertar ensino integral para todas as etapas de
ensino da educação básica;
b) formar cidadãos solidários, socialmente ativos e
competentes;
c) desenvolver aptidões individuais dos estudantes;
d) conscientizar os estudantes acerca de suas
responsabilidades individuais e sociais; e,
e) proporcionar um ambiente de aprendizagem
interdimensional.
II. objetivos específicos da ECI, ECIT e ECIS:
a) desenvolver processos formativos para fomentar o
protagonismo juvenil;
b) prover as condições para a redução dos índices de
evasão escolar, de abandono e de reprovação, bem

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 263


como acompanhar a sua evolução no âmbito das
escolas em tempo integral;
c) ampliar o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica – IDEB, tanto no componente de fluxo
quanto no de proficiência, de acordo com as metas
estabelecidas no Plano de Ação da Secretaria de
Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia; e,
d) aplicar metodologias, estratégias e práticas
educativas inovadoras introduzidas e consolidadas
pela equipe de implantação do Programa de
Educação Integral, assegurando aos estudantes as
condições para a construção dos seus Projetos de
Vida. (Paraíba 2019, p. 1)

Por esses objetivos acima dispostos vemos claramente que


além da ideia de protagonismo, surgem também conceitos como
responsabilidades individuais e sociais, aptidões e competências
que permeiam as propostas centrais das Escolas Cidadãs Integrais
Paraibanas. E isso não é à toa. Segundo Laval (2019) esses elementos
são vistos como essenciais ao mercado de trabalho, que exige cada
vez mais a formação de jovens qualificados, maleáveis, que anseiem
por capacitação, competitivos e que explorem as tecnologias. Além
disso, é necessário que esses sejam capazes de estabelecer e cumprir
metas, qualidade indispensável a um profissional responsável e
competente, ideia essa que é “ensinada” e incentivada através da
elaboração dos Projetos de Vida de cada aluno e aluna.
Apple (2003) afirma que essa postura é sustentada pela visão
mercadológica, que enxerga os estudantes como capital humano,
já que esses serão os futuros trabalhadores e que precisam desde
cedo se qualificar e aprender a competir de forma eficiente e eficaz.
Por isso, nosso objetivo com essa pesquisa é analisar de que modo
a disciplina Projeto de Vida influenciou nas escolhas, decisões,
conquistas e/ou caminhos percorridos pelos egressos de uma Escola
Cidadã Paraibana.

264 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


A construção e análise dos dados

Esta pesquisa caracteriza-se como um estudo qualitativo e


para a construção dos dados utilizamos o método de etnografia de
rede que, segundo Ball (2014, p. 28) consiste em “um mapeamento
da forma e do conteúdo das relações políticas em um campo
particular”. Ball (2014) complementa que esse método consiste
em utilizar métodos virtuais e eletrônicos de comunicação a fim de
prover mais informações que permitem enfatizar e compreender o
fluxo de pessoas, de ideias, econômicas e políticas.
Para análise dos dados construídos faremos uso do Ciclo
Contínuo de Políticas de Bowe, Ball e Gold (1992), que consideram
a natureza da política enquanto algo complexo e controverso. Como
nossas análises tratam sobre as aulas da disciplina Projeto de Vida,
faremos um recorte do contexto de influência e do contexto da
prática. O contexto de influência, de acordo com Lopes e Macedo
(2011) pode ser definido como o ambiente onde as ideias principais
da política são hegemonizadas e legitimadas pelos diversos atores
que compõem esse ambiente, que vai de partidos políticos, grupos
do governo, empresas e organizações diversas.
Já o contexto da prática pode ser entendido como o momento
em que a política será interpretada, recriada e produzirá efeitos e
consequências que podem ou não trazer mudanças e transformações
significativas na política original, assim como apontam Bowe, Ball
e Gold (1992).
Os dados dessa pesquisa foram construídos a partir de
questionários com 9 questões subjetivas, presentes na Tabela 1,
elaborado através da plataforma Google Forms, sendo este enviado
junto com o Termo de Consentimento a alunos e alunas que
concluíram o Ensino Médio no ano de 2019 em uma Escola Cidadã
Integral Técnica, localizada no Sertão Paraibano.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 265


Tabela 1 – Perguntas do questionário enviado aos alunos e alunas

Nº da Questão
questão
1 O que você lembra da disciplina de Projeto de Vida?
2 E como contribuiu em sua passagem no Ensino Médio?
3 Que tipo de atividades você desenvolvia nas aulas de Projeto de
Vida?

4 Quem definia os objetivos do seu projeto de vida?


5 De forma geral, como você resume essa disciplina?
6 Na sua opinião, o que de POSITIVO tinha na disciplina? A quem
ou a que você atribui isso?

7 Na sua opinião, o que de NEGATIVO tinha na disciplina? A quem


ou a que você atribui isso?

8 O que você mudaria na disciplina de Projeto de Vida?


9 Como era avaliado seu Projeto de Vida?

Fonte: os autores.

Considerando a quantia e a riqueza das respostas recebidas,


destacaremos nessa pesquisa as questões 1, 2, 3, 4, 6 e 7. Dos
100 estudantes que receberam o questionário, 35 responderam
e autorizaram o uso de suas respostas para a escrita desse artigo.
Não foi solicitado nenhum tipo de identificação dos alunos e alunas
(nome, idade, e-mail, etc.). Assim, os nomes que porventura forem
utilizados serão pseudônimos usados para tornar o texto mais
compreensível.

Propostas, direcionamentos e resultados


da disciplina Projeto de Vida

Tomando por base os estudos de Rodrigues e Honorato


(2020) para entendermos os fluxos e influências que permeiam
a Educação Integral Paraibana compreendemos que empresas,
instituições nacionais e internacionais, bancos, órgãos dos governos

266 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


federal e estadual, organizações não-governamentais, estão por trás
de todas essas mudanças que tem ocorrido.
Para informações sobre as rede de influências e fluxos da
Política de Educação Integral da Paraíba ver Rodriges e Honorato
(2020, p. 23).
A ideia de unir o público e o privado surge como uma
alternativa política para superar o “fracasso” do Estado em suas
ações – já que um discurso cada vez mais popular é de que tudo
que é público é falho –, sendo necessário para obtenção do tão
almejado “sucesso” o auxílio dessas organizações particulares que
parecem deter quase todas as soluções e respostas. Ball (2014, p.
34) destaca que “novas redes e comunidades de políticas estão
sendo estabelecidas por meio das quais determinados discursos e
conhecimentos fluem e ganham legitimidade e credibilidade”
Ball (2014) destaca que essa dependência mútua entre Estado
e empresas privadas é necessária para que as práticas neoliberais
dentro das escolas sejam efetivadas, apesar de por vezes essa relação
parecer antagônica. A implantação e expansão do neoliberalismo
depende do Estado, que será alterado em sua forma e modalidades.
Ao mesmo tempo, o Estado controla os limites mercadológicos,
criando as condições para que este possa se expandir cada vez mais.
O que constatamos ao analisar a rede de influência que
permeiam a educação paraibana é que inúmeras conexões são
estabelecidas, apesar de muitas delas não se apresentarem
claramente. Assim como apontam Rodrigues e Honorato (2020) ao
analisarmos o Instituto Natura, por exemplo, vemos que este liga-se
a outras instituições como os Institutos Ayrton Senna, Votorantim
e Unibanco e as Fundações Lemann e Roberto Marinho. Ou seja,
a rede de organizações que se vinculam a essa parceria apresenta
tantas outras camadas e muitos atores, todos eles influenciando
direta ou indiretamente na formação de estudantes paraibanos.
Ball (2014, pp. 29-30) destaca que:

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 267


Participações são multifacetadas e formas de relacionamento
são variadas: atores individuais podem estar envolvidos nas
redes em uma variedade de diferentes formas, por exemplo,
patrocínio, contratação, e assim por diante.
Esse controle e influência que agem de forma direta na
formação desses estudantes é um dos grandes objetivos dos
meios econômicos, garantindo além da eficácia econômica e
formação dinâmica, um mercado próspero a essas empresas,
já que a educação é vista não apenas como um investimento
para formação de mão-de-obra, mas como algo que tem custo
e retorno, como uma mercadoria qualquer que é comprada
(Laval 2019).

Essas ideias corroboram com o surgimento da disciplina


Projeto de Vida, já que a ideia, como dito anteriormente, é fazer
com que os alunos e alunas de hoje aprendam a estabelecer e
cumprir metas, serem competitivos e competentes, pois eles serão
a mão-de-obra de amanhã. Ao nos atermos as respostas dadas pelos
estudantes egressos da Escola Cidadã Integral Técnica do sertão
paraibano compreendemos melhor como essas ideias neoliberais se
apresentam dentro da sala de aula.
Quando questionados sobre o que lembravam da disciplina
Projeto de Vida, a grande maioria dos alunos e alunas afirmou
que lembravam das reflexões que eram feitas sobre seus futuros e
sonhos, que tratavam quase sempre em se autoconhecer e ter uma
carreira acadêmica e profissional, como mostram os três trechos a
seguir:

Era uma disciplina na qual disponibilizava a pessoa se auto


conhecer, se auto confiar como também o que desejaria para
o futuro. Maria, 2020.
Era uma disciplina que nos ajudava na escolha da formação
acadêmica e nos dava uma perspectiva de metas para
alcançar. Pedro, 2020.

268 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Lembro que fazia a gente refletir muito na nossa vida, e no
nosso maior sonho, que era fazer alguma faculdade ou até
mesmo viajar pra fora do Brasil. Adriana, 2020.

As falas acima apontam que o futuro é a maior preocupação


e o eixo central dos projetos de vida, estando estes muito voltados
a metas que devem ser alcançadas e a qualificação que deve ser
adquirida, assim como aponta Apple (2005) e Ball (2014) em seus
estudos. Essas respostas corroboram também com as ideias de
Laval (2019, p. 39) ao afirmar que:

Mais do que nunca a economia ocupa o centro da vida


individual e coletiva, os únicos valores sociais legítimos são a
eficiência produtiva, a mobilidade intelectual, mental e afetiva,
e o sucesso pessoal.

Nas respostas são comuns o discurso pautado na centralização


dos modos operandi de fazer, da produtividade, do se estabelecer,
das metas e até mesmo das realizações pessoais. São perspectivas,
sobretudo ideológicas, centradas apenas na visão do capital humano
e das concepções neoliberais, pois tudo está voltado ao “dar-se bem
na vida” ou “ser alguém na vida”. Inclusive é este o discurso comum
dentro da disciplina de projeto de vida, conforme aponta as falas.
Ao serem questionados como essa disciplina contribuiu na
passagem pelo ensino médio, as respostas dos discentes tratavam
sempre sobre o futuro, que necessita de persistência e de objetivos
definidos, como apontam as falas a seguir destacadas:

Me ajudou a me aceitar como sou e a entender que não é ruim


ser diferente, que podemos traçar nosso próprio caminho, e
que as coisas que fazemos hoje irá refletir no nosso futuro.
João, 2020.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 269


A disciplina de projeto de vida me tornou uma pessoa bem
mais confiante e persistente naquilo que quero. Que devo
batalhar e nunca desistir do meu sonho. Carem, 2020.
Contribuiu negativa e positivamente. A parte negativa é
que a disciplina acaba trazendo um pouco de pressão sobre
o aluno acerca do que ele deve escolher para si mesmo. A
parte positiva é que permite o aluno se conhecer um pouco
mais através de algumas reflexões durante as aulas, e também
(quando há) algumas práticas com profissionais voluntários.
Matheus, 2020.

As respostas trouxe termos como motivação, metas, sonhos,


autoconhecimento, objetivos, profissão, acrescidos agora de uma
noção de responsabilidade que, muitas vezes, pesa sobre os ombros
desses jovens, como podemos ver na fala de Matheus. A ideia de ter
que pensar no futuro parece assustar em alguns momentos, já que
dúvidas e incertezas são tão comuns nesses momentos de transição
para a vida adulta.
Rodrigues e Honorato (2020) apontam que as bases
pedagógicas que permeiam a Educação Integral Paraibana defendem
fatores econômicos, visando formar profissionais atuantes no
mercado de trabalho, resumindo a educação a apropriação de meras
competências que acabam por subordinar os sujeitos a economia.
Quando questionados sobre o tipo de atividade que
desenvolviam na disciplina Projeto de Vida, praticamente todos
os egressos responderam que eram testes vocacionais, filmes que
serviam de inspiração, conversas com profissionais das áreas de
interesse dos estudantes, cartas para o eu do futuro, atividades
empreendedoras, etc., como evidenciamos nas seguintes respostas:

Atividades reflexivas, exemplos de vida dentro da profissão


que eu almejava seguir, exercícios para exposição dos meus
talentos. Laura, 2020.

270 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Além dos filmes que serviam de inspiração para nunca
desistirmos dos nossos sonhos, também eram passadas
algumas perguntas que envolviam muito sobre o que
queríamos ser, o que somos, e se o caminho que queremos
seguir nos levaria ao nosso sonho. Ícaro, 2020.
Além de conversas e meditações, nós fazíamos planos para
o futuro, escrevíamos cartas para nós mesmo do futuro,
pesquisava sobre profissões, ouvíamos palestras e relatos de
pessoas que conseguiram vencer na vida, além de atividades
práticas que fazia com que a gente construísse toda segurança
que já foi citada. Aparecida, 2020.

Ao nos atermos a essa última resposta percebemos que


é utilizado o termo “pessoas que conseguiram vencer na vida”,
provavelmente para identificar sujeitos que trabalham e tem algum
tipo de bem material. Percebemos então que as conquistas financeiras
e empregatícias são vistas como símbolo de sucesso e recompensa
aos esforços, incentivando assim quem ouve tais depoimentos a se
empenhar para que possa obter o mesmo resultado. Apple (2003, p.
85) afirma que:

(...) têm como base as opções racionais dos sujeitos individuais.


Desse modo, os mercados e a garantia de recompensas pelo
esforço e pelo mérito devem ser conjugados para produzir
resultados ‘neutros’, mas positivos. Portanto, devem ser postos
a funcionar os mecanismos que dêem destaque à eficiência e
competência empresarial.

Sobre os objetivos do projeto de vida, todos os alunos e


alunas responderam que são traçados por eles mesmos, sendo
auxiliados pelas aulas, atividades realizadas em sala e pela docente
da disciplina. Essa realidade corrobora com um dos objetivos
específicos dispostos na ementa da Lei nº 1.314/2019, ao qual
destacaremos mais uma vez.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 271


(...) aplicar metodologias, estratégias e práticas educativas
inovadoras introduzidas e consolidadas pela equipe de
implantação do Programa de Educação Integral, assegurando
aos estudantes as condições para a construção dos seus Projetos
de Vida. (Paraíba 2019, p. 1)

No entanto essa decisão não se trata de algo simples, como


aponta Rodrigues (2019, p. 149) ao afirmar que:
Destaca-se o interesse em discutir, nesse modelo de escola, o
termo protagonismo, por entendê-lo associado a ideia de jovem
como partícipe em todas as ações institucionais. Ora, atribuir
ao jovem uma responsabilidade que está além de seu poder
de decisão, para promover um discurso de participação
ativa e social em uma sociedade injusta e desigual, é
contribuir para a ilusão de que a sua participação promoverá
melhorias pessoal e social.

Em outras palavras, é oferecido esse espaço para o


protagonismo dos estudantes, mas se ignora totalmente as questões
sociais que influenciam e contribuem diretamente na concretização
desses objetivos e metas, frustrando os sujeitos que se dedicam a
pensá-lo e elaborá-lo.
Por fim, ao serem questionados sobre os pontos positivos
e negativos da disciplina Projeto de Vida os estudantes fizeram
apontamentos importantes, como dispostos na Tabela 2.

Tabela 2 – pontos positivos e negativos apontados


pelos estudantes sobre a disciplina Projeto de Vida

PONTOS POSITIVOS PONTOS NEGATIVOS

“O encorajamento, a força e a garra “A parte negativa é que a gente não


que aprendemos a ter para poder obtinha tanta eficiência na disciplina
correr atrás de nossos objetivos. Sem pelo fato da pressão psicológica que
dúvidas também, um ponto positivo a mesma nos trás; uma certa obriga-
foi o laço de união da turma que se ção de “ter um projeto de vida e ter
tornou bem mais forte”. Laura, 2020. que conseguir colocar aquilo no pa-
pel”. Ricardo, 2020.

272 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


“A sensatez da professora, a leveza “Basicamente não teve influência em
com que ela me aconselhava e mos- minha vida”. Lívia, 2020.
trava um lado bom nas coisas quando
eu achava que não tinha mais solu-
ção, simplesmente uma profissional/
amiga espetacular”. Beatriz, 2020.

“Ajudar ao aluno a “acordar para “Nada”. 14 estudantes.


vida” e que dali pra frente ele será
o único culpado dos seus atos e que
terá que tomar decisões certas”. Hei-
tor, 2020.

Fonte: os autores.

Os egressos da escola apontam, em muitas respostas, que


a ideia de estabelecer metas ajuda a “acordar pra vida”, ou seja,
a ganhar consciência sobre as responsabilidades existentes, que
só aumentam com a vida adulta e que isso é um ponto positivo.
Porém, assim como Ricardo, tantos outros sentem-se pressionados
a ter que traçar seu futuro de forma quase que obrigatória. Vale
destacar na fala do aluno Heitor a ideia de culpabilização do sujeito
frente as decisões tomadas, visto como a consequência de não se
fazer as melhores escolhas. Mas quem tem apontado o que é certo
e o errado? As empresas e organizações que estão por trás dessas
políticas, influenciando de forma tão eficaz que seus ideais têm se
tornado senso comum, como aponta Apple (2005, p. 49):

Infelizmente, as linguagens de privatização, da mercantilização,


e da avaliação constante foram progressivamente saturando
o discurso público. De forma diversas, tornaram-se senso
comum (...)

Ball (2011) aponta que essa liberdade de escolha posta e


ativa assegurará que o setor público seja cada vez mais responsivo e
eficaz, libertando as ideias empreendedoras e competitivas que são
vistas como “naturais” em todos os sujeitos, “anulando” a ideia de

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 273


dependência para dar espaço a autoajuda e a autorresponsabilidade.
Ou seja, o coletivo deixa de ser visto e considerado para que dê
lugar as ideias e preocupações individuais.
Vale destacar também que assim como a resposta da Beatriz,
muitos estudantes apontaram o trabalho da professora como ponto
positivo, revelando que esta sabia conversar e ajudava-os nas
soluções de seus problemas e que as aulas funcionavam quase
como uma terapia, auxiliando-os na melhora de sua relação com
os colegas de sala e na compreensão de suas capacidades e anseios.
A docente era vista como um suporte a esses alunos e alunas, que
também gostavam dos momentos da aula porque se diferenciavam
daquelas das demais disciplinas, já que tinham filmes, palestras,
textos motivacionais, etc. Provavelmente por esses motivos, muitos
discentes disseram que não enxergavam nada de negativo dessa
disciplina.
Quanto aos pontos negativos, ainda tivemos egressos como a
Lívia que afirmaram que o Projeto de Vida não influenciou em nada,
o que nos sugere que algo que não era desejado ocorreu, podendo
ser o não cumprimento das metas estabelecidas, a falta de condições
para que esse processo ocorresse ou o antagonismo entre o que
estava posto no papel e a realidade, sendo muitos desses pontos
agravados pelas diferenças de classes sociais, gêneros e raças assim
como nos apontam Apple (2003).

Considerações finais

De forma geral, podemos compreender que inúmeras


“vozes” e atores estão por trás da Política Educacional Paraibana
que conta não apenas com organizações nacionais, mas com grandes
empresas, organizações e bancos internacionais, que atuam também
em outros países. Essas influências tem afetado as finalidades da

274 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


escola – que agora se volta ao mercado financeiro – e os objetivos
dos estudantes, que agora são instigados a pensarem em Projetos de
Vida que darão o direcionamento ao seu futuro, ajudando-os a serem
ativos, protagonistas, empreendedores e que conseguem estabelecer
e cumprir metas, assim como exige o mercado de trabalho.
É importante destacar, porém, que essas ideias tem feito com
que alunos e alunas estabeleçam planos para si quem nem sempre se
concretizam especialmente pelo imenso número de desigualdades
existentes em nossa sociedade, causando a essas pessoas frustação
e culpa, já que acreditam que são as únicas responsáveis por suas
conquistas e fracassos, discurso esse muito difundido por essas
corporações de poder. A falsa ideia de protagonismo proposta pela
disciplina Projeto de Vida pode ser entendida como uma forma
eficaz de treinar esses estudantes para as demandas que encontrarão
na vida adulta, sobretudo em sua carreira profissional.

Referências

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desigualdades. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo;
revisão técnica de Antônio Eustáquio Romão. São Paulo:
Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003.
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e opondo-se ao neoliberalismo. Rio de Janeiro: DP&A
Editora, 2005.
BALL, S. J. Educação global S. A.: novas redes políticas e o
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2014.
BALL, S. J. “Sociologia das políticas educacionais e pesquisa
crítico-social: uma revisão pessoal das políticas educacionais
e da pesquisa em política educacional”, in: BALL, S. J. e

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 275


MAINARDES, J. (orgs.) Políticas Educacionais: questões e
dilemas. São Paulo: Cortez, 2011.
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changing schools: case studies in Policy Sociology. Londres:
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ataque ao ensino público. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2019.
LEITE, M. E. P. “O embate entre sociedade e governo na
implementação de uma política pública: uma análise sobre
a implementação do Programa Escola Cidadã Integral
no Município de João Pessoa – PB.” Revista Sociologias
Plurais, vol. 4, nº especial 3, Paraná, nov. 2018, pp. 45-66.
LOPES, A. C. e MACEDO, E. “Contribuições de Stephen Ball
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PARAÍBA. Lei n. 11.314, de 11 de abril de 2019. Altera a Lei nº
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pdf. Acesso em: 25/09/2019.
RODRIGUES, A. C. S. “Escola Cidadã Integral: proposições
curriculares para jovens do ensino Médio.” Revista Espaço
do Currículo, vol. 12, nº 1, João Pessoa, jan/abr. 2019, pp.
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RODRIGUES, A. C. S. e HONORATO, R. F. S. „Redes de
política de educação integral da Paraíba: fluxo e influências
neoconservadoras e neoliberais.” Roteiro, v. 45, Joaçaba,
jan/dez. 2020, pp. 1-32.

276 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 18
CURRÍCULOS BICHA”: APAGAMENTO
OU FAZIMENTO?

Kléber Neves Marques Júnior


Ana Thamiris Batista de Farias
Joseval dos Reis Miranda

Introdução

A partir de silenciamentos, apagamentos, despersonalização


e constante vigilância, a escola busca garantir que meninos-homens
não sejam gays e, menos ainda, afeminados, e o currículo é um de
seus dispositivos “garantidores”; não o currículo material/gráfico/
prescrito, aquele que se pode ler e constatar que a escola é “inclusiva”,
mas aquele oculto (Silva 2002), dos gestos, movimentos, olhares,
falas, escutas, preferências, arranjos espaciais, dentre outros
aspectos.
A escola “sutilmente” demarca os copos masculinos e
femininos, territorializando-os, estabelecendo limites corporais
para os meninos e para as meninas. Por isso é “natural” visualizar
um menino forte, viril, jogador de futebol e uma menina comedida,

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 277


delicada e frágil que prefere a dança ao esporte como êxito das
competências curriculares.
A imagem do arranjo menino-homem-gay-afeminado na
escola que “mescla” indumentárias, experimenta (e não ritualiza)
elementos que contestam a masculinidade do perfil-tipo “macho
heterossexual brasileiro”1 é a transgressão dos limites do gênero
e da sexualidade, eles “[...] provocam a ansiedade masculina e
despertam medo de que o feminino no “outro” também possa estar
nele próprio” (Green 2019, p. 157, grifos nossos). Nesse contexto,
são vítimas de “gozações”, xingamentos e exclusão.
Esse é o cenário comumente debatido no âmbito do que se
convenciona como “estudos curriculares”, contudo, como mostrou
a pesquisa de Ranniery (2017) e as investigações de Green (2019),
esses sujeitos historicamente não se preocupam, “via de regra”,
em se manter cautelosos em obediência às “prisões normativas e
binárias” traduzidas aqui nas “prisões curriculares” do “[...] não
espaço da escola para a “masculinidade gay” em seu repertório
cultural” (Connell 2016, p. 151, grifos nossos). Eles querem tornar a
escola um lugar possível e muitas vezes tais “prisões” são anuladas
por uma “consciência profunda de si” e pelo reconhecimento do
valor dos seus “desvios”. São construções controvertidas da ordem
heteronormativa partindo de outros discursos que nascem sobre ser
gay e afeminado.
Dessa forma, temos como objetivo refletir sobre como o
currículo não é somente um lugar de normatização, considerando
seu efeito produtivo nas auto interpretações e auto narrativas de
meninos-homens gays e afeminados. Queremos problematizar,

1. Pensamos a heterossexualidade de acordo com Connell (2016, pp. 142-


143), quando afirma que “[...] tornar-se heterossexual envolve um aprendi-
zado complexo – como lidar com potenciais parceiras, o que pensar sobre
si, e também o aprendizado de técnicas sexuais. Tornar-se heterossexual
demanda que outras possibilidades sexuais sejam marginalizadas, principal-
mente o erotismo homossexual.

278 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


portanto, aquilo que os “ensaios de fala” não hegemônicos podem
insinuar e criar.
Vale mencionar, “antemão”, que essa certamente não é
uma visão romantizada sobre ser um sujeito gay e afeminado,
mas sim uma tentativa de falar em uma possibilidade/pedagogia
queer (Louro 2020) de não pensar o currículo somente em um
contexto de “autoaversão internalizada”, nos termos de Green
(2019), de produção de diferença em seu negativo, mas em perceber
nas relações de poder-saber-subjetividade2 onde se negociam
performances e o potencial político-curricular-pedagógico que
esses corpos afeminados provocam.
Para tanto, recorremos a uma pesquisa de natureza qualitativa
e, de acordo com o objetivo, de caráter exploratório, buscando
discutir a noção daquilo que chamamos de “currículos bicha”,3

2. Para Foucault (2015), o poder não é uma instituição, uma coisa, mas um
exercício que, muitas vezes, é assimétrico e não discursivizado, de modo
que os processos de interação parecem espontâneos e individuais. O poder
é uma relação capilar que circula no entremeio das relações sociais, atua
em rede sobre os corpos, em todos os lugares. Nesse sentido, buscamos
nesse trabalho colocar os corpos gays e afeminados no seio das questões
normalizadoras; buscamos destacar que mesmo em condições desiguais
o poder pode ser exercido e questionado. Conforme Soares (2013, p. 85),
“Tal negociação não é nem assimilação, nem colaboração. Ela possibilita o
surgimento de um agenciamento “intersticial”, que recusa a representação
binária do antagonismo social.”.
3. Chamamos no plural, pois, estamos considerando a ideia de que os currícu-
los não “se fazem” / funcionam somente no espaço textual do documento
curricular, bem como, que essa construção precisa ser tomada nos espaços
das interações/relações de poder-saber-subjetividade e na perspectiva da
multiplicidade. Isso quer dizer que há várias condições espaciais e até sen-
timentais para a construção de um currículo, seja na escola, em um espaço
cibernético, em um grupo comunitário e até mesmo a prática cotidiana de
si. É nessa perspectiva que se dá também o uso das aspas, pois, não estamos
indicando, naturalizando ou engessando uma forma de “fazer” o currículo
e, ao passo que o definimos, também o indefinimos, deixamos “em aberto”
para que seja pensado na interação.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 279


proposta que parte do entendimento de que no currículo não somente
se traçam competências e formas de conhecimento que visam a
“fabricação”/produção de um sujeito masculino e heterossexual,
mas, imediatamente, cria um discurso gay e afeminado de estar no
mundo.

O currículo é pensado “a partir” dos gays afeminados

É estando nada ocultos que os gays afeminados revelam os


dispositivos que fossam seus corpos ao currículo heterocentrado,
pois os pressupostos da organização curricular estão pautados na
masculinidade hegemônica e na heterossexualidade compulsória,
enquanto pilares de sustentação de um processo de interação
humana que “se movimenta” em uma ordem de gênero binária. Isso
quer dizer que quando o currículo se constitui nessa perspectiva,
antes mesmo de “criar” a heterossexualidade masculina, ele “cria”
a homossexualidade afeminada, porque se antes era apenas uma
forma de “se fazer”, agora, se tem muito claro quem é esse sujeito,
engendrando, então, uma identidade.
Na organização curricular esse sujeito terá um lugar de párea,
ele faz parte daquela ordem de gênero, de modo que o arranjo menino-
homem-masculino-hétero sexual já seria uma “redundância”. Logo,
currículo, enquanto estratégia identitária, e homossexualidade
afeminada não são situações que se opõem totalmente. O currículo
é um lugar importante e valioso para discursos afeminados.
Na contramão, os gays afeminados têm sido pensados
nesse debate em uma noção paternalista do que suas vivências
implicam. Conforme afirma Ranniery (2017, p. 5), “[...] este tipo
de pensamento que funde currículo à normatividade pode estar
apagando os modos de produção de vida, de ocupar o tempo e viver
corpos nas escolas.”. É um grande desafio, pois, “[...] deslocar o
foco da rigidez estrutural para os espaços de liberdade, da ontologia

280 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


do sujeito para as redes de subjetividades que os constituem, dos
atores para as ações sociais e para o que elas produzem [...]” (Soares
2013, p. 84, grifos nossos).
Nesse ínterim, Silva (2000) salienta a necessidade de se
pensar em uma perspectiva de radicalização, isto é, não abordar
esse multiculturalismo, expresso na produção e na reprodução
das identidades e da diferença, em uma perspectiva “reformista”,
na promoção do respeito e da tolerância a diversidade, pois
estaríamos, “ingenuamente”, operando mudanças dentro da ordem,
isto é, admitindo a existência de um tolerante dominante e de um
tolerado dominado. A multiculturalidade nessa perspectiva reduz
a capacidade de enxergarmos a produção e a reprodução das
identidades como algo cultural, metamórfico, como uma produção
social e, mais ainda, como processos que desenvolvem relações de
poder e dominação.
Os enunciados do documentário “Bichas:4 ressignificar para
(re)existir” (2016), controversamente a esse ideal, mostram que os
desdobramentos de um “investimento queer”a um “novo sentido”
as homossexualidades existem e foram “impulsionados” pelo “[...]
clima de liberdades individuais e políticas, somadas à organização
da sociedade civil, às facilidades tecnológicas de comunicação

4. O termo “bicha” comumente é utilizado para definir o homem afeminado e


há uma forte possibilidade de que ele tenha surgido da própria “subcultura
homossexual” no Brasil dos anos 1930. Trata-se de uma adaptação do termo
francês “biche” (feminino de “veado”), que era utilizado como um termo
afetuoso para uma jovem mulher. A intenção de seu emprego por homens
que se afirmavam como heterossexuais ou que simplesmente precisavam
afirmar sua identidade masculina e seu distanciamento do feminino era a de
ironizar o caráter pejorativo do termo “viado” (Green 2019). Existem outras
tantas definições, contudo, adotamos tal entendimento considerando sua po-
tência simbólica de contestação a uma intenção discriminatória e violenta.
Nos termos de Preciado (2011, p. 15): “As identificações negativas como
“sapatas” ou “bichas” são transformadas em possíveis lugares de produção
de identidades resistentes à normalização, atentas ao poder totalizante dos
apelos à “universalização”.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 281


e difusão de ideias [...] (Pelúcio 2011, p. 124). Os corpos gays
afeminados chegam à escola e modificam a cultura das hegemonias
rompendo pensamentos abissais. São corpos que alcançam
inteligibilidade por meio das normas (Butler 2013), mas também
as embaralham.É um momento em que “[...] podemos compreender
os corpos e as identidades dos anormais como potências políticas,
e não simplesmente como efeitos dos discursos sobre o sexo”
(Preciado 2011, p. 12).
Outros “espaços curriculares bichas” de re(existir) à
masculinidade hegemônica podem ser percebidos no documentário
“O Silêncio dos Homens” (2019), que traz um discurso alternativo
ao arranjo homem-poder, mostrando que sua vida “interior” está
sempre sendo diminuída. O documentário nos faz pensar, dentre
outras questões, que toda brutalidade homofóbica praticada por
aqueles que pensam estar defendendo a honra que é ser homem-
masculino-heterossexual, é também uma enunciação, para usar a
expressão de Connell (2016, p. 105, grifos nossos), dos “[...] efeitos
tóxicos da ordem de gênero sobre eles [...]”, que se expressam em
sofrimento mediante a imposição do silêncio quanto as barreiras de
comportamento e sentimentos em prol da manutenção do título de
“homem verdadeiro”.
Nessa perspectiva, podemos pensar que o cuidado de si
discutido por Foucault (2014) imprime uma relação de resistência
do sujeito a essa maquinaria de poder em uma prática de si que pode
apresentar novas formas de produzir-se/fazer-se humano. O cuidado
de si, então,

[...] tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se


comportar, impregnou formas de viver; desenvolveu-se em
procedimentos, em práticas e em receitas que eram refletidas,
desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas; ele constituiu, assim,
uma prática social, dando lugar a relações interindividuais,
a trocas e comunicações e até mesmo a instituições; ele
proporcionou, enfim, um certo modo de conhecimento e
elaboração de um saber. (Foucault 2014, p. 58)

282 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Isso quer dizer que a “moralidade dos comportamentos”
pressupõe não somente obediência, mas também interdição,
bifurcações e resistência e, dessa forma, o sujeito “[...] estabelece
para si um certo modo de ser que valerá como realização moral
dele mesmo; e, para tal, age sobre si mesmo, procura conhecer-
se, controlar-se, põe-se à prova, aperfeiçoa-se, transforma-se”
(Foucault 2014, p. 29).
Conforme reflete Butler (2003), a matriz heterossexual
precisa ser atendida de alguma forma, de modo que qualquer
experiência, mesmo as transgressoras, em alguma medida, passa
a ser por ela “estabilizada”. Logo, a resistência perpassa pelas
relações de poder e as expressões afeminadas na escola em seu grau
de “consciência de si” tal como se verifica nas narrativas de Bichas
(2016), é resultado de tensões com “[...] as estratégias abertas e
as técnicas racionais que articulam o exercício dos poderes [...]”
(Foucault 2014, p. 189). Em outras palavras, dentro da própria
ordem de gênero esses sujeitos encontram capacidades de performar
um gênero que lhe atribua reconhecimento. Quer dizer, esses
sujeitos dependem de sua capacidade de performar um gênero, mas
não racializa essa tentativa de reconhecimento.
Nessa direção, as ontologias generificadas e sexualizadas
que o currículo provê são partes condicionantes e fundantes
da constituição de sujeitos gays afeminados. Nesse contexto, o
currículo não informa, mas seus corpos informam suas próprias
condições de produção, pois a performance normativa, cria também
outras cenas possíveis de reconhecimento.
A “retórica erótica” do “tira e bota” conteúdo no currículo,
usando os termos de Ranniery (2020), que trata gênero como um
conteúdo, foi expressa na batalha discursiva em torno da construção
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017,
de modo que a versão final para a Educação Infantil e o Ensino
Fundamental fala da sexualidade em sua dimensão estritamente
biológica. Esse movimento estava calcado em um “pânico moral”
(Miskolci 2007), na perspectiva de supostamente impedir o

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 283


espraiamento das enunciações sobre esses corpos gays afeminados
e diversos ou, em termos conservadores, impedir a “ideologia de
gênero”.
Contudo, ainda que tais questões não estejam textualmente
nomeadas, as expressões de gays afeminados não serão
despersonalizadas, pois, é a performance que produz o perfomer
e, sendo assim, há “brechas” de poder-saber-subjetividade que
consideram sentimentos e emoções em “textos curriculares vivos”.
A política está sendo feita nos corpos e os sujeitos estão evocando
suas próprias instâncias discursivas e culturais a pensar no efeito de
suas posições na (re)produção de privilégios.

“Currículos bicha”: a “ordem” é desconhecer

Conforme discutimos acima, é no movimento do fazer-se que


podemos conhecer o que são nossas identidades, formas e proporções.
De alguma maneira, o próprio currículo revela que a todo momento
estamos em disputa na busca pelo nosso reconhecimento enquanto
humano e, de alguma outra maneira, sem uma explicação temporal
ou diacrônica, que é no não reconhecimento que encontramos o
reconhecimento.
Como fala Butler (2018), diante da precarização dos corpos
periféricos, o seu exercício público, que aqui podemos considerar
como a “desmasculinização”, já é um grande movimento político
desestabilizador.
No Brasil, historicamente, há uma confusão com relação
a gênero e sexualidade. Green (2019) mostra aspectos da
homossexualidade masculina no século XX marcados por esse
embaralhamento binário nas noções de “bicha-passiva” e “bofe-
ativo”, penetrador (o homem verdadeiro) e o receptor (homem
feminino e sujeito de desvalor). Entretanto, a realidade mostrava-
se ainda mais complexa: alguns homens, embora afeminados, não

284 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


eram passivos; outros homens retinham a imagem masculina, mas
isso não significava que ele era sexualmente ativo e ainda havia
aqueles que preferiam penetrar e ser penetrado também.
Nessa construção, Green (2019) destaca também que nesse
período roupas e outros indicadores criavam uma identidade social
comum para esses sujeitos que, apesar de todo desprezo que tangia
o homoerotismo, bem como, as práticas corpóreas não normativas,
expressas no uso de roupas mais apertadas e de pó de arroz, que
eram classificadas como “atentado ao puder” e “vadiagem”,
por exemplo, já se percebia resistência para manutenção de seus
comportamentos e formas de socialização no que se delineava
como uma “subcultura”. Já existiam lugares espacais, linguagens
corporais, códigos de vestimenta que indicavam a “autoconfiança”
de suas identidades e a paródia que faziam desse binarismo.
Oliveira e Ferrari (2020) exploraram o funcionamento
do currículo do grupo “LGBTQI+ resistência pela democracia”
organizado no espaço cibernético do Facebook e, de acordo com suas
análises, lá encontraram discursividades desestabilizadoras quanto
as noções normativas de “família”, “saúde mental”, “natureza”,
“sorodiscordância”, sexualidades, dentre outros temas. Para o autor:

As resistências, nesse currículo, acontecem, quando se pode


interpelar e mover o pensamento para conhecer de outra forma
aquilo que já está posto, dado e na ordem do verdadeiro, o que,
como efeito, possibilita o outramento. (Oliveira e Ferrari 2020,
p. 116)

Um “currículo bicha” provoca rupturas e mutações


epistemológicas sobre construções “súbitas” de gênero e sexualidade,
introduz “novos poderes” a cena do reconhecimento, não alienando
os sujeitos afeminados de suas experiências mais originais.

Parece-nos que há, nas fendas desse currículo, uma pedagogia


que não está presa ao conhecimento que está posto, já

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 285


construído, ao mesmo tempo em que anseia por outras formas
de conhecimento e, conjuntamente e, ao mesmo tempo, cobiça
um outro sujeito. O sujeito desse currículo é, pois, um sujeito
que questiona constantemente sobre tudo aquilo que organiza
a si mesmo e sua sexualidade. (Oliveira e Ferrari 2020, p. 118)

Nessa perspectiva, não estamos apenas questionando os


investimentos disciplinares do currículo, estamos pensando o
“impensado”, aquilo que se forja nas vísceras das pretensões de
produção de um sujeito universal. Os “currículos bicha” convocam
um currículo não estático como uma estrutura consolidada, mas
o pensa enquanto posição imaginária de vários discursos em que
várias lógicas operatórias vão se produzindo.
De acordo com Connell (2016), esses jovens que
“publicizam” suas identidades não normativas de formas simbólicas
específicas, que criam, nas palavras de Ferrari (2020), essa “estética
da existência”, expressas no jeito de vestir, falar, arrumar e pentear o
cabelo, a acústica da voz, o universo vocabular, dentre outros, fazem
parte do que hoje podemos chamar de “subcultura jovem”, um
ponto de pertencimento social. Nesse espaço, “[...] a masculinidade
[...] não é mais vista sempre como uma masculinidade “durona”,
de protesto [...], e isso se deve a um “estilo queer” que tem se
afirmado cada vez mais e permitido a coletividade desses grupos o
que implica em um maior entendimento e aceitação de si (Connell
2016, p. 152).
Os “currículos bicha” fortalece essas “subculturas” e os gays
afeminados nessa conjuntura já não são mais vistos somente como
inferiores por não se apresentarem em moldes hegemônicos e o
“mais importante” é dizer que o potencial de suas representações é
a não ontologização do gênero.
Nessa perspectiva, “currículos bicha” são aqueles grupos
de meninos gays afeminados que aparecem no interior das escolas
mesmo sabendo que as tecnologias disciplinares os desumanizarão
e resistem em suas formas: “eu sou bicha sim!” (Bichas 2016). São

286 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


as “infâncias queer” que pedem um olhar mais acolhedor e rompem
com a ideia de criança enquanto sujeito dependente, retirando sua
capacidade de agenciamento (Preciado 2013).
Esse movimento indica que esses sujeitos estão produzindo
algo que ainda não está tão claro quanto ao que costumamos interpretar
como o “real rompimento de paradigmas”, algo que elimine,
de uma vez por todas, todos os tipos de preconceito e vislumbre
uma sociedade sem desigualdades a partir da educação. Insistimos
em afirmar que não se trata de um alheamento as dificuldades
enfrentadas por gays afeminados na escola, mas queremos dizer,
ainda, que eles não estão totalmente desmobilizados, mas que estão
construindo, narrando-se, negociando, dialogando e interagindo
com quem os ouve, abrindo espaços e discursos ancorados em suas
auto interpretações.

Conclusão

Certamente, os corpos periféricos dos gays afeminados seguem


enfrentando a higienização de suas formas e continua sendo difícil
existir dentro de uma proposta político-curricular da desumanização.
Contudo, longe de pensamentos abissais, os “currículos bicha”
mostram que os gays afeminados não somente ocupam o âmbito da
abjeção o que, como já dito, não anula as tensões hierárquicas, assim
como, não anula a negociação e as alianças.
Os “currículos bicha” apontam para uma abordagem
relacional em gênero e sexualidade, tendo sua gramática inscrita nas
práticas sociais/interações e na experiência corporificada que criam
e fazem pedagogias funcionar. Pensar “currículos bicha”, portanto,
é não “enviesar” o debate para uma proposta tecnicista sobre como
responder quando esses tipos sujeitos surgem em uma escola de
mecanismos curriculares generificados e sexualizados. É sobre não
esperar por um “receituário” conteudista.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 287


Em outros termos, é preciso prestar atenção nos corpos
que não parecem interessados em carregar o peso das expectativas
curriculares, aqueles que inscrevem em si elementos de um tipo
de sujeito que não está cristalizado, que assumem um devir e não
performam os roteiros “gravados” sobre se tornar homem ou mulher.
Com isso, queremos dizer que, sem que necessariamente
exista um professor “engajado” em materializar um projeto de
intervenção ou proferir palestras que falem sobre “gênero e
diversidade sexual” ou, ainda, colocar gênero como tema transversal
das disciplinas e atividades; sem que se intitule esse movimento
como algo “elaborável” ou não, os “currículos bicha” mostram
que estão se fazendo outros modos de existência que convoca
continuamente a desestabilização daquilo que prediz os discursos
sobre o debate em torno do currículo. Não é somente retirar ou
colocar no texto curricular aquilo que se deve ou não discutir, é
preciso criar as condições para uma prática total de si e, além disso,
perceber que há uma proliferação de currículos que não é tangível a
saberes curriculares dos normais.

Referências

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290 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 19
POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA O ENSINO
DE CIÊNCIAS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA

Francisca Helena Batista Ribeiro


Clívio Pimentel Júnior

Introdução

Em nossos estudos, vimos investigando políticas curriculares


em uma perspectiva pós-estrutural baseada na teoria do discurso.
Mais especificamente, o objetivo deste trabalho é compreender os
eventos políticos curriculares na perspectiva tanto das teorias de
currículo de base pós-estrutural e pós-fundacional (Lopes e Macedo
2011), quanto da Teoria Política do discurso (Laclau 2013; Laclau e
Mouffe 2015), aliada ao seu modo de compreensão dos fenômenos
políticos curriculares (Lopes e Oliveira 2018), focalizando as
abordagens do ensino de ciências.
O currículo tem sido definido de várias maneiras e muitas
dessas formas de definições estão presentes no que denominamos de
currículo escolar. O currículo tem significado entre outros, “a grade
curricular com disciplinas/atividades e cargas horárias, o conjunto

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 291


de ementas e os programas das disciplinas/atividades, o plano de
ensino dos professores, as experiências propostas e vividas pelos
alunos” (Lopes e Macedo 2011 p. 19). O que há em comum a todos
esses termos no contexto escolar é a ideia de organização prévia, ou
não, de experiências, seleção e organização do conhecimento escolar,
possibilitando inúmeras significações, gerando novos sentidos.
Esses estudos curriculares buscam responder aos questionamentos
relacionados ao tipo de conhecimento que deve ser selecionado e
ensinado na escola.Dependendo das finalidades da escolarização e
da concepção de conhecimento defendida, diferentes respostas são
elaboradas em função do contexto histórico. Assim sendo, pode-
se dizer que “o currículo é sempre o resultado de uma seleção: de
um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se
aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo” (Silva
2005, p. 15). Nas políticas de currículo do ensino das ciências, essas
questões que envolvem seleção e organização de conhecimento para
formação de identidades específicas é também comum e envolve
abordagens diversas de ensino. Lopes e Macedo (2011) nos dizem
que o currículo é uma prática cultural. Entender o currículo como
cultura implica negociar sua definição, tornando-se um terreno
de luta política pela sua significação. São tentativas de produção
estabilidade, provenientes da instabilidade cultural existente,
constituídas como atos de poder. Apresentamos, a seguir, como as
abordagens de ensino das ciências vêm participando dessa luta a
partir das políticas que fundam para a educação científica escolar.

Apectos teórico-metodológicos da pesquisa

Amparamos nossos estudos e compreensões na perspectiva


pós-estrutural de currículo e de política. A perspectiva pós-
estrutural vem ampliando os estudos por meio de abordagens
discursivas, modificando a compreensão de currículo e tornando-o

292 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


um significante em disputa (Laclau e Mouffe 2015; Lopes e Macedo
2011). Pensar em políticas curriculares na perspectiva desses
autores significa considerar a impossibilidade do fechamento do
social, bem como considerar a linguagem como constituinte social
que nos permite compreender políticas públicas de educação, seus
sentidos produzidos a partir de discursos (mecanismos que criam
o social) através de relações de poder e hegemonia (Mendonça e
Rodrigues 2014). A teoria do discurso não propõe a validação
ou rejeição de hipóteses teóricas buscando elaborar prescrições,
tampouco se assenta em uma metodologia padronizada, como se
pudesse certificar a produção de verdades e/ou realidades a partir
de um modelo único. O que existe são combinações de diversas
formas de abordagem dependentes do poder de articulação e crítica
do próprio discurso, ou seja, a realidade, na perspectiva da teoria
do discurso de Laclau e Mouffe e do pós-estruturalismo é sempre
discursiva (Lopes 2018).
Essas teorias foram estudadas durante a minha participação
no Projeto Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC),
cujo objetivo era focar tanto nos aspectos específicos das teorias de
currículo, quanto da teoria do discurso. Para isso, realizamos leituras,
discussões e sínteses dos textos políticos curriculares, destacando
o currículo escolar e seus desdobramentos como o planejamento
curricular, a cultura, a política, e, Identidade e diferença. Na teoria
do discurso, enfatizou-se as demandas discursivas que participam na
hegemonização de discursos para o ensino das ciências e/ou discursos
envolvidos na significação do que vem a ser uma boa qualidade
da educação científica, visando uma compreensão das noções
estruturantes do espaço político (hegemonia, articulação, lógica da
diferença e equivalência, antagonismos, significantes vazios etc.),
subsidiando na caracterização pedagógica dos discursos envolvidos
na significação das políticas curriculares para o ensino das ciências.
Após esses movimentos iniciais da pesquisa, buscamos
compreender os discursos pedagógicos presentes nas abordagens
de ensino das ciências, a partir da análise de quatro abordagens

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 293


de ensino: Sequência de Ensino por Investigação – SEI; Tema
Gerador – TG; Ciência Tecnologia Sociedade e Ambiente – CTSA;
e Questões Sociocientíficas – QSC. O estudo dessas abordagens
de ensino das ciências faz parte dos conteúdos curriculares
desenvolvidos na disciplina Didática das Ciências, cujo objetivo
principal é priorizar aspectos teóricos das abordagens de ensino,
buscando entender as demandas políticas que planejam para o
currículo de ciências mediante as abordagens didáticas estudadas.
Além disso, esse componente faz parte do curso de licenciatura em
ciências biológicas, ao qual estou vinculada enquanto estudante.
Da leitura dos artigos e materiais de estudo dessas abordagens,
extraímos trechos para compor a análise, com o intuito de identificar
alguns aspectos constituintes das propostas de ensino de ciências:
(i) objetivos educacionais, (ii) currículo escolar, (iii) perfil dos
sujeitos e (iv) finalidade social. Esses aspectos identificados foram
relacionados com os aportes teóricos de base pós-estrutural e
discursivos, visando uma compreensão das políticas curriculares
no processo de disputas discursivas em torno da hegemonização,
práticas articulatórias e antagonismos, na política curricular,
estabelecendo relação com o ensino de ciências. Apresentamos,
na próxima seção, alguns trechos destacados em nossas pesquisas,
destacando as categorias acima relacionadas, buscando entender
como elas participam na configuração da proposta curricular de
cada abordagem para o ensino das ciências.

Abordagens de ensino das ciências

As abordagens e metodologias de ensino no campo disciplinar


das ciências são múltiplas e contemplam diversos aspectos
pedagógicos, transitando desde aulas expositivas conceituais, até
aulas de campo, laboratório, experimentação entre outros. Em
comum entre elas, está uma das premissas básicas de construção de

294 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


conhecimento científico: a necessidade do problema na orientação
dos estudos e novas aprendizagens escolares de ciências (Cachapuz
et al. 2005; Delizoicov, Angotti e Pernambuco 2011; Carvalho e
Gil-Pérez 2011; Carvalho 2013; Conrado e Nunes-Neto 2018). A
centralidade do problema como dispositivo educacional presente
nas mais diversas abordagens de ensino justifica-se pelo papel que
ele assume na própria construção do conhecimento científico, isto é,
pela ideia de que a construção do conhecimento na ciência não se dá
de forma espontânea, gratuita, desorientada por questões importantes
que forneçam à uma comunidade de praticantes da ciência um
caminho investigativo possível (Bachelard 2002; Cachapuz et al.
2005). Trata-se de uma premissa da teoria da ciência que se espraia
entre as mais diversas abordagens de ensino, buscando traduzir
essa orientação filosófica no cotidiano dos processos educativos.
Apesar dos aspectos comuns, as abordagens de ensino apresentam
uma diversidade de referências epistemológicas e pedagógicas que
configuram distintamente as políticas curriculares que produzem
para a educação científica, abordamos algumas delas a seguir.

RR Sequência de Ensino por Investigação – SEI

[...] propomos as sequências de ensino investigativas (SEIs),


isto é, sequências de atividades (aulas) abrangendo um tópico
do programa escolar em que cada atividade é planejada,
do ponto de vista do material e das interações didáticas,
visando proporcionar aos alunos: condições de trazer seus
conhecimentos prévios para iniciar os novos, terem ideias
próprias e poder discuti-las com seus colegas e com o
professor passando do conhecimento espontâneo ao cientifico
e adquirindo condições de entenderem conhecimentos ja
estruturados por gerações anteriores. (Carvalho 2013, p. 9)

[...] na maioria das vezes a SEI, inicia-se por um problema,


experimental ou teórico, contextualizado, que introduz os alunos
no tópico desejado e ofereça condições para que pensem e

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 295


trabalhem com as variações relevantes do fenômeno científico
central do conteúdo programático. (Carvalho 2013, p. 9)

[...]após a resolução do problema, uma atividade de


sistematização do conhecimento construída pelos alunos. [...]
uma atividade importante e a que promove a contextualização
do conhecimento no dia a dia dos alunos, pois, nesse momento,
eles podem sentir a importância da aplicação do conhecimento
construído do ponto de vista social. (Carvalho 2013, p. 9)

As sequências de ensino investigativas pressupõem relações


entre conhecimentos prévios e conhecimentos científicos, em uma
relação mediada por problemas de investigação. Numa visão pós-
estrutural e discursiva, essa forma de relacionar saberes prévios
e científicos pressupõe certa estabilidade na luta política: a ideia
de que os saberes estão fixados na cultura prévia do sujeito e no
conhecimento científico, e a consequente posição dos que têm seus
saberes legitimados e dos que não têm. Essas posições fixas de
saberes e sujeitos constroem também antagonismo fixos entre uns e
outros, constituindo discursos que estabilizam certas significações
de currículo, qualidade da educação, docência e escola (Lopes 2018).
Para a autora, o currículo é uma prática discursiva, uma prática
de poder, mas também uma prática de significação, de atribuição
de sentidos e projeção de identidades. Para a teoria do discurso,
a identidade e sujeitos são constituídas em relações contextuais,
tornando-se assim impossível dizer o que o sujeito é, o que uma
identidade significa e o que o currículo deve ser (Lopes 2018).
Assim, pensar o currículo como discurso é pensar nas relações
de poder, nas práticas de significação que formam o currículo que
numa perspectiva pós estruturais é fundamental para pensarmos
um projeto educacional não-fixo (Silva 1999). A perspectiva pós-
estrutural, se opõe ao caráter prescritivo do currículo, visto como
um planejamento das atividades da escola segundo critérios e
objetivos estritamente científicos. Dessa forma, considerando essa
perspectiva, na teoria curricular, talvez, não haja possibilidade de

296 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


pensar em um resultado a partir do planejamento de uma atividade
escolar baseada em investigação e nos passos a serem seguidos.
No entanto, tais atividades planejadas a partir da ação dos sujeitos
podem ser direcionadas para o conhecimento que seja significativo
para os mesmos. “Desplanejar não significa agir sem planejar, mas
agir segundo um planejamento que no mesmo ato é desmontado”
(Lopes e Macedo 2011, p. 69).

RR Tema Gerador no ensino de Ciências –TG

[...] Paulo Freire defende o ensino dialógico e problematizador,


em que a escola pode deixar de ser mero transmissor do
conhecimento para ser agente transformador da realidade e da
sociedade. O ensino dialógico proporciona o desenvolvimento
do processo de ensino e aprendizagem, no qual a atuação
educativa é embasada na construção, criação e recriação do
conhecimento. (Miranda et al. 2017, p. 74)

[...] Delizoicov (1990), sistematizou a investigação temática


em cinco etapas: 1a – levantamento preliminar da realidade, 2a
– análise das situações e escolha das codificações, 3a – círculo
de investigação temática, 4a – Redução temática, seleção dos
conteúdos necessários para a compreensão do tema gerador e
5a - desenvolvimento do programa em sala de aula. (Miranda
et al. 2017, p. 74)

[...] ao contrário de uma educação que enaltece a


memorização, a fragmentação e é desconectada da realidade,
a concepção educacional proposta por Freire está pautada na
conscientização, problematização e dialogicidade em torno
da realidade e contradições vivenciadas pelos educandos.
A proposta da concepção educacional Freireana é estimular
a participação responsável dos indivíduos nos processos
culturais, sociais, políticos e econômicos do mundo em que
vivem. (Miranda et al. 2017, p. 74)

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 297


O processo de ensino e aprendizagem mediado pela
problematização e dialogicidade, favorece a formação de sujeitos
que possam atuar de forma crítica na sociedade, transformando
a realidade em que vivem. (Miranda et al. 2017, p. 90)

O tema gerador está muito articulado a uma visão crítica


e inovadora da educação escolar, que tem como uma de suas
particularidades a base curricular associada ao trabalho de temas
(Delizoicov, Angotti e Pernambuco 2011). O tema gerador tem como
finalidade superar a fragmentação do saber em função de um padrão
científico verticalizado distantes das demandas atuais da sociedade.
Paulo Freire, é considerado um educador popular progressista,
sendo criador e difusor de uma pedagogia crítico transformadora
(Miranda et al. 2017). É por intermédio das discussões críticas
que o conhecimento deixa de ser um dado neutro e problematiza
o que conta como conhecimento escolar, considerando as relações
entre saberes legitimados e não legitimados no currículo (Lopes
e Macedo 2011). Os seus pressupostos vão contra as políticas
neoliberais, mecanicistas e tecnicistas de educação, que segundo o
autor, privilegiam a formação de pessoas sem criticidade, reduzindo
a capacidade de interação entre si e com o mundo para a busca de
respostas para os impasses presentes. Essa relação antagônica entre
a perspectiva crítica e perspectiva tradicional de ensino pressupõe
a impossibilidade de um discurso constituir-se plenamente, pois, a
presença constante de um ameaça a constituição completa do outro
(Mendonca e Rodrigues 2014). As constituições identitárias são
sempre incompletas e contingentes. Para Paulo Freire, o processo de
ensino deve ser transformador, viabilizando a interação dos sujeitos
com os aspectos sociais, políticos e econômicos que os cercam. Ele
parte da concepção de que os seres humanos são históricos, vivem
realidades concretas em situação de opressão. Pensar nos saberes
associados a essa realidade implica conceber a possibilidade de
inserção crítica e de transformação dessa mesma realidade em um
processo tanto intelectual quanto político (Lopes e Macedo 2011).
Para a teoria do discurso, tudo na realidade humana está atravessado

298 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


pelos processos discursivos que produzem a realidade possível.
Os discursos identificados na realidade - políticos, acadêmicos,
midiáticos, religiosos, educacionais, etc. - passam a ser percebidos
com formações específicas e parciais, com fronteira usualmente
pouco definidas inseridas em um campo de discursividade
amplamente aberto e instável (Oliveira 2018). Não há uma posição
de classe social na qual possamos fixar e categorizar de um sujeito
como dominado, em oposição a um dominante que sempre será o
mesmo em qualquer contexto, em cujo saber será também o mesmo
em qualquer contexto e relação de poder. Desse modo, o currículo
numa visão pós estrutural é a própria luta tanto pela produção do
significado, quando pela produção de cultura e nos convida a pensar
o currículo não mais como uma seleção de conteúdos dados visando
a uma transformação social, também ela, fixada em um projeto
de poder teleológico mas como uma produção sem direção fixa.,
Assim, embora a abordagem dos temas geradores traga aspectos
importantes para o ensino de ciências, continua a advogar por uma
política curricular que carrega, ainda marcas de instrumentalismo e
de essencialismo nas relações educativas.

RR Abordagem Ciência Tecnologia Sociedade e Ambiente – CTSA

No âmbito do movimento CTSA, a educação sob esta


perspectiva (educação CTSA) busca, a partir de maior
contextualização, interdisciplinaridade e criticidade, alcançar
um ensino mais humanitário e menos tecnocrático, em especial
no âmbito da educação científica e tecnológica [...] (Conrado e
Nunes-Neto 2018, p. 82)

A proposta curricular de CTS corresponderia, portanto, a uma


integração entre educação científica, tecnológica e social, em
que os conteúdos científicos e tecnológicos são estudados
juntamente com a discussão de seus aspectos históricos, éticos,
políticos e socioeconômicos. (Mortimer e Santos 2002, p. 113)

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 299


Partir de um tema que favoreça uma abordagem que permita
ao estudante desvendar estas nuances relacionadas a CTSA
requer uma amplitude com relação à maneira com que o tema
se relaciona com outros conhecimentos, por ter em sua própria
natureza epistemológica relação com vários campos do saber.
(Andrade et al. 2018 p. 126)

[...] uma educação CTSA orientada para a transformação social


positiva deve promover condições para que os estudantes
avaliem criticamente valores e interesses das estruturas sociais,
engajando-se em ações para a promoção de uma sociedade
mais justa e ambientalmente mais sustentável [...] (Conrado e
Nunes-Neto 2018, pp. 86-87)

A partir desses pressupostos, entendemos que é preciso


compreender os vínculos entre a ciência, tecnologia sociedade e o
ambiente na perspectiva dos aspectos sociais se desejarmos atingir
a autonomia dos estudantes. A partir dos estudos pós-estruturais
e discursivos (Lopes e Macedo 2011), podemos compreender que
essas tendências teóricas entendem a escola como uma instituição
que tem a finalidade de formar cidadãos capazes de gerar um
benefício mais amplo para a sociedade, na luta contra desafios
sociais complexos. A formação de competências especializadas,
na perspectiva CTSA, concebe a escola como local de formação
de cidadãos capazes de agir socialmente e transformar condições
concretas. Isso, para o pensamento pós-estruturalista, viabiliza em
alguma medida a perspectiva instrumental do conhecimento, ou
seja, o conhecimento científico a serviço de um saber-fazer do agir
no mundo para sua transformação. Em função dessa finalidade, o
conhecimento a ser direcionado para o currículo deve estar vinculado
a formação de habilidades e de conceitos necessários a ação social
de transformação. o que problematizamos é justamente o aspecto
instrumental da perspectiva, embora ela entrelace dimensões
importantes da educação em ciências capazes de ressignificar a
política de currículo dessa área disciplinar.

300 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


RR Abordagem das Questões Sócio-científicas – QSC

[...] QSC são problemas ou situações controversas e


complexos, que podem ser transpostos para a educação
científica, por permitir uma abordagem contextualizada de
conteúdos interdisciplinares ou multidisciplinares, sendo os
conhecimentos científicos fundamentais para a compreensão e
a busca de soluções para estes problemas (Conrado e Nunes-
Neto 2018, p. 87)

[...] além de diferentes habilidades, valores e atitudes, pois


a proximidade com situações do contexto real aumenta o
interesse, o diálogo e o engajamento dos estudantes. Quando
associado, em algumas medidas ações sociopolíticas, podemos
considerar que o ensino a partir de QSC se classifica como uma
metodologia ativa ou participativa. (Conrado e Nunes-Neto
2018, p. 87)

As QSC podem ser transpostas para o ensino, no âmbito de


uma estratégia didática ou um método de ensino que permita
aos estudantes mobilizar e aprender sobre determinados
conteúdos, de modo contextualizado, assim como compreender
criticamente a Natureza da Ciência e desenvolver habilidades
relacionadas ao pensamento crítico. (Conrado e Nunes-Neto
2018, p. 88)

No contexto da aplicação das propostas de ensino baseadas em


QSC, a aprendizagem de ciências para a formação de cidadãos
mais autônomos e participativos deve considerar não apenas o
conhecimento científico, mas também conhecimentos prévios
e valores socioculturais do entorno do sujeito. (Conrado e
Nunes-Neto 2018, p. 89)

A partir dos trechos acima, percebemos que as QSCs têm como


objetivos educacionais principais, formar cidadãos mais autônomos
e participativos visando superar a relação estudante passivo e
receptor de informação, com o professor centralizador e transmissor

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 301


da informação, para uma relação em que os estudantes constroem
ativamente seus conhecimentos, estimulados para mobilizar dados,
teorias técnicas e valores para solução de um problema real que
lhe interessa. Trata-se de um método de aprendizagem a partir da
ação. Hodson (2018) nos traz a denominação de comunidade de
aprendizagem, a qual depende, para seu próprio funcionamento,
do esclarecimento de regras ou normas sociais como respeito,
responsabilidade, tolerância e boa vontade. O currículo baseado
em QSC busca abordar as questões sociais, ambientais e políticas
relacionadas, de forma equivalente, aos conhecimentos científicos,
instigando os estudantes a assumirem uma postura política, crítica e
de luta, frente às questões democráticas sociais e socioambientais.
Ou seja, o conhecimento a ser selecionado para o currículo
deve estar vinculado a formação de habilidades e de conceitos
necessários a produtividade social e econômica. Percebe-se,
portanto, um discurso para a formação de sujeitos ativos, criação
de uma identidade científica, visando uma mudança social e/ou
futuro desejável. Essas identidades formadas, correspondentes a
um determinado mundo social, na visão de Stuart Hall (2006), estão
em declínio, visto que a sociedade não pode mais ser vista como
determinada, mas em contínua mutação e movimento, fazendo com
que novas identidades apareçam continuamente em um processo de
fragmentação do indivíduo. Para a teoria do discurso, é importante
apostar na possibilidade de se negociar o que há para ser dito, de
se produzir a interlocução no currículo, evitando a centralização de
demandas e identificações fixas. Deve-se proporcionar um ambiente
aberto para a diferença, possibilitando a formação de um sujeito
descentrado, o qual possui infinitas possibilidades de identificação.
Assim, ao apostar na inovação curricular pela ação e na formação de
ativistas sociais, a abordagem das questões sócio-científicas acaba
por ditar, em alguma medida, os projetos de vida em formação na
escola, abrindo pouco espaço para a diferença e o engajamento em
outras ações sociais.

302 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Conclusão

A partir das análises realizadas, percebemos que as propostas


curriculares para o ensino de ciências possuem bases teóricas
distintas, mas que em função do modo de articular o conhecimento
científico na sociedade com os interesses humanos e a relação
de poder elas se aproximam entre si. Aproximam-se também,
em alguma medida, pelo caráter instrumental do conhecimento
científico, servindo a propósitos distintos de ação e formação dos
sujeitos. Defendem uma formação para o exercício da cidadania,
reflexão crítica e aptidões para ações responsáveis relacionados para
problemas de relevância social de forma mais ativa e conforme uma
determinada situação, o que traz algum nível de identitarismo às
proposições políticas. Além disso, sugerem que a educação científica
é um empreendimento capaz de instrumentalizar sujeito para a
ação social, tomada de decisão, desenvolvimento de raciocínio
crítico e transformação social. Dessa forma, concordamos com
Lopes (2004), sobre a importância de não se render a educação
aos fundamentos sejam eles sociais, econômicos e/ou ao mercado
produtivo. Assim, torna-se necessário levar em consideração a
educação como produção cultural de pessoas com especificidades
humanas, preparados para atuarem tanto a nível global, quanto
local em luta contra a desigualdades e exclusões sociais, mas que
produzam suas próprias identidades, e não que elas sejam fixamente
antecipadas em propostas políticas. Portanto, essas abordagens
tornam-se equivalentes no momento em que criam como situação
a ser superada a crise na educação científica, configurando-a
discursivamente como a prática incapaz de produzir os efeitos
formativos esperados, o que cria uma mola propulsora de políticas
instrumentais de teor identitário.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 303


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304 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


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POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 305


capítulo 20
ALUNOS COM DEFICIÊNCIA E AULAS
REMOTAS EM TEMPOS DE PANDEMIA:
ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO

Lindalva José de Freitas

Introdução

A Pandemia, o novo coronavírus (Covid-19), gerou inúmeros


impactos no âmbito educacional, ocasionando urgentemente uma
nova forma de ensinar para os professores e aprender dos alunos.
As plataformas digitais tornaram-se aliados dos professores neste
novo cenário. Entretanto é pertinente repensar como os alunos com
deficiência estão acompanhando esse novo processo de ensino.
Para que o processo de ensino aprendizagem não sofresse
interrupção, as secretarias de educação tanto do âmbito estadual
como municipal orientaram a realização de aulas remotas. Neste
contexto, surge a questão: Em tempo de distanciamento social e
ensino remoto, videoaulas e atividades com vídeos se tornaram
frequentes nas aulas online, mas será que essas ferramentas
funcionam para os alunos com deficiência? A aulas disponibilizadas

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 307


de forma remota contemplam esse público levando em conta as suas
especificidades?
Assim, este estudo faz uma reflexão nesses tempos de
Pandemia, como está sendo garantido o direito a uma educação
de qualidade, inclusiva e equidade para os alunos com deficiência
como rege a LDB, a Constituição e a Declaração dos Direitos da
Pessoa com Deficiência.
O Sistema de Ensino Estadual de Pernambuco conta com
1.060 escolas distribuídos em seus diversos municípios. De acordo
com o Globo–G1(09/06/2020), “quase 40% dos alunos de escolas
públicas de Pernambuco não têm computador ou tablet em casa.
Esse percentual mostra um precário cenário quanto ao acesso a
internet, além de mostrar a fragilidade da realidade brasileira no que
concerne as aulas remotas. Aulas que se configuram em desafio a
cada dia tanto para o professor como para o aluno, o que agravou a
situação de invisibilidade para os alunos com deficiências.
Diante desse contexto, os alunos com deficiência ficaram
“esquecidos” nessa nova realidade. Além da situação precária da
maioria dos alunos da escola pública, em não ter uma internet de
qualidade, um aparelho de celular ou computador para acompanhar
as aulas, os alunos com deficiência estão sendo esquecidos nesse
novo panorama da educação.
A pandemia e o distanciamento social escancaram a
desigualdade social no Brasil e, com isso, muitos alunos foram
prejudicados, especialmente por conta da dificuldade de acesso à
internet e a dispositivos eletrônicos.
Diria que em tempos de pandemia, de distanciamento social,
os alunos com deficiência não foram apenas “esquecidos, mas,
foram ‘apagados” do processo educacional, deixando de ser agente
participe do processo para serem relegados a invisibilidade.
Assim, o distanciamento tem potencializado as diferenças
sociais e a desigualdade de acesso, afinal a migração para o modelo
remoto exige acesso à internet e equipamento, o que está longe de
ser uma realidade para muitos dos alunos.

308 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Para melhor compreender esse momento de invisibilidade
e falta de acesso dos alunos com deficiência ao novo processo
de ensino em tempos de distanciamento social, foi realizado um
questionário com três coordenadoras pedagógicas, duas da rede
estadual e outra da rede municipal de ensino, um professor, dois
alunos e quatro mães de alunos com deficiência.
O diálogo foi norteado em saber como está acontecendo a
participação, a interatividade e a efetiva inclusão desses alunos nas
aulas remotas. Visto que, essas aulas estão sendo realizadas através
de aplicativos e plataformas digitais.
A presente pesquisa reflete sobre o papel dos sistemas
de ensino, a escola como um espaço inclusivo, concebendo a
acessibilidade como um direito de todos, condição indispensável
para uma educação inclusiva.

Metodologia

A base metodológica adotada é de natureza qualitativa e


exploratória, que possiblita um recorte ativo e critico. Diante dos
poscionamentos do diversos atores, é possivel a busca por um novo
olhar no que concerne aos alunos com deficiência na interatividade
educacional nesse tempo de pandemia e distanciamento social.
É relevante a construção de novos conceitos e valores a
partir da participação coletiva dialógico-dialética dos alunos com
deficiência, verdadeiros personagens que compeoem a pluralidade
do processo ensino e aprendizam.
Exploratório porque teve o intuito de obter como resultados
informações que possam esclarecer e indicar caminhos para a
melhoria do trabalho realizado com os alunos com deficiência, bem
como contribuir para que se efetive o que assinalam as políticas
públicas na área da inclusão.
Conforme Gil (2008), uma pesquisa exploratória tem como
objetivo familiarizar-se com um assunto ainda pouco conhecido, pouco
explorado, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 309


Para Prodanov e Freitas (2013), a pesquisa segue uma
abordagem qualitativa por não requerer o uso de métodos e técnicas
estatísticas e por oferecer subsídios para a reflexão sobre a realidade.
O estudo foi realizado através de um questionário com
diferentes sujeitos do processo educativo, foram eles: um professor,
três coordenadoras pedagógicas, dois alunos e quatro mães de
alunos com deficiência como uma espécie de laboratório, onde se
percebem as necessidades e a realidade dos alunos com deficiência,
na tentativa de perceber as lacunas e a invisibilidade desses
alunos quanto ao acesso as aulas e atividades que estão sendo
disponiblizadas pelas instituições de ensino.
“Minayo (2001), a pesquisa qualitativa trabalha com o
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações,
dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.

Referencial teórico

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência


da ONU, de 2006, diz que: pessoas com deficiência são aquelas
que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas. Esse é o primeiro
tratado internacional de direitos humanos a ser incorporado pelo
ordenamento jurídico brasileiro. A Convenção, ratificada como
emenda constitucional no país em 2008 e promulgada em 2009,
fundamenta a Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146, de janeiro de
2016).
Quando se fala em acessibilidade, isso nos leva a um
ponto importante que é a inclusão digital, sobre isso Campbell

310 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


(2016, pág.170) afirma, “A inclusão digital deve está integrada
aos conteúdos curriculares, o que requer um redesenho do projeto
pedagógico da grade curricular”.
Esse redesenho curricular é relevante diante o momento que
estamos vivendo de pandemia. Um redesenho que em todos os
níveis de ensino para que todos os alunos, principalmente os alunos
com deficiência seja um agente construtor de seu conhecimento.
Falando em educação inclusiva, pode-se dizer que de uma forma
crescente a inclusão tem sido potencializada visando entre outras
conquistas, minimizar os prejuízos e as inúmeras exclusões geradas
pelas práticas que exploram e discriminam segmentos da população
ao longo da história (Lopes e Fabris 2013, p. 21).
É necessário nesse tempo de pandemia, de distanciamento
social, tratar os alunos com deficiência como agentes do processo
de ensino, garantindo seu acesso a um ensino de qualidade
contextualizado com sua realidade, pois os mesmos já possuem uma
condição de vulnerabilidade, entretanto é através da educação que
essas desigualdades devem ser erradicadas.

Acessibilidade e inclusão

A discussão sobre acessibilidade na escola ganha importância


pelo desafio do acesso, da permanência e da participação de todas
as pessoas, sem que haja nenhuma exclusão. Tem-se a Constituição
de 1988 (Brasil 1988) como fundamento de validade para a defesa
da inclusão, preconizada nos princípios da dignidade da pessoa
humana, da cidadania, da não discriminação e da solidariedade.
Ainda na Constituição Federal de 1988, fala da acessibilidade
como,

A preposição de não descriminação, da garantia de direitos


sociais, da integração, inclusão das pessoas com deficiências.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 311


Um olhar ampliado acerca da questão de que os suportes e
tecnologias diferenciados são necessários para a efetivação da
acessibilidade. (Fernandes e Orrico 2012, p. 71)

Do latim accessibilitas, átis “livre acesso, acessibilidade,


possibilidade de aproximação. Assim, podemos afirmar, que
acessibilidade é aproximação, facilidade no trato, não restringe-se
apenas aos aspectos físicos, mas também nos aspectos vinculados
ao trato e as relações sociais (Fernandes e Orrico 2012, pp. 14-15).
Na visão de Fernandes e Orrico (2012.pág. 99),” Atualmente
a acessibilidade abrange todas as formas de entendimento
de acessibilidade, inclusão e qualidade de vida, incluindo a
comunicação, informação e conhecimento e atitudes”.
Fernandes e Orrico (2012, p. 13) destacam,

Acessibilidade para a convivência com a diversidade desde os


primórdios da existência humana. Acessibilidade, palavra que
expressa possibilidades, alcance de objetivos, cumprimento de
metas e justiça social.

A compreensão da acessibilidade em suas várias dimensões


e no espaço de luta política se adequa ao modelo social da
deficiência, que aponta a responsabilidade da sociedade e das
escolas na modificação do paradigma educacional. Acessibilidade
passa a ser entendida como sinônimo da aproximação, um meio
de disponibilizar a cada estudante conexões que respeitem suas
necessidades e especifidades.
O direito à educação inclusiva é garantido tanto pela
Constituição, quanto pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa
com Deficiência da ONU, e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de nº
13.146/2015. Em relação ao contexto específico da pandemia, consta
no parecer nº. 5/2020 do CNE (Conselho Nacional de Educação) a
necessidade de dar continuidade a esse direito, garantindo qualidade
e equidade. Isso significa que todas as escolas, sejam públicas ou

312 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


particulares devem cumprir as determinações dessa lei no sentido
de aprimorar seus sistemas de ensino, visando garantir condições
de acesso, permanência, participação e aprendizagem a todas as
pessoas com deficiência.
A escola inclusiva é uma realidade atual em nosso contexto
educacional, a lei é bem incisiva em seu cumprimento, no qual
a instituição escolar e seus colaboradores tem que nos processos
pedagógicos de trabalho incluir aquele estudante com alguma
limitação, seja intelectual, sensorial ou física.
À luz dos preceitos legais, no artigo 7 da Convenção da
ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência estabeleceu o
compromisso com a adoção de medidas necessárias para assegurar
às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidade
com as demais.
Conforme Feltrin (2011, p. 87),

Hoje a escola, para caminhar no rumo de uma verdadeira


inclusão, deve ter compromisso com a mudança. Isso quer
dizer que devem ser revistos valores, normas, modelos de
aprendizagem, atitudes dos professores, relações interpessoais
existentes, expectativas, a participação de pais e alunos,
a comunidade entre todos os elementos da comunidade
educativa.

Nesse sentido, é fundamental que a escola esteja atenta à


maneira como o seu espaço e as suas práticas podem ser adaptadas
para atender alunos com deficiência, adaptar os meios pedagógicos,
é primordial nesse período de pandemia e distanciamento social.
Nessa perspectiva, Fernandes e Orrico (2012, p. 126-127)
afirmam que,

A inacessibilidade não se justifica a não ser pelo desinteresse


pela busca de soluções tecnológicas já de algum modo

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 313


conhecidas os princípios de acessibilidade estão mesmo que
subliminarmente, postos na construção do conhecimento
da ciência atual. A não utilização de recursos tecnológicos
existentes podem revelar a presença de atitudes sociais
desfavoráveis em relação a inclusão da pessoa com deficiência
naquele ambiente social.

Os instrumentos digitais utilizados como proposta de ensino


nesse tempo de pandemia e distanciamento social, devem ser
ferramentas acessíveis não só a uma parcela dos estudantes, mas a
todos, especialmente aos alunos com deficiência.
Sabe-se que é fundamental o engajamento das famílias,
mas é papel da escola estimular e proporcionar condições para
que o aluno com deficiência desenvolva suas potencialidades com
autonomia e igualdade. Assim, mesmo diante do desafio imposto
pelo Covid19, os alunos com deficiência não podem ser lançados na
invisibilidade de outrora.
Ainda sob o olhar de Fernandes e Orrico (2012, p. 127),
“Acessibilidade, a qualidade de vida, e a funcionalidade são os
paradigmas norteadores da atualidade, no que concerne a questão
das pessoas com deficiências”.
Finalizando Fernandes e Orrico (2012, p. 138) concluem,

A oferta da acessibilidade e os recursos existentes devem


ser disponibilizados e as lacunas existentes ser preenchidas
por meio de desenvolvimento de tecnologias e metodologias
eficazes para atender as necessidades singulares que muitas
vezes são identificadas na relação interpessoal entre as pessoas
com deficiências e os familiares, profissionais de saúde,
educação e demais do convívio.

Proporcionar condições de equidade para o acesso ao ensino


dos alunos com deficiência, não é favor, é prioridade é direito
garantido na LDB. De acordo com o Artigo 58 da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB), a educação especial é definida como
a “modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na

314 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


rede regular de ensino, para educandos com deficiências, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.”
Sobre isso argumenta, Drago (2014, p. 89),

A literatura atual mostra que é possível que se tenha a plena


inclusão de pessoas com deficiências no contexto educacional
em qualquer nível, desde que se tenha como prerrogativa
essencial a busca constante da qualificação profissional,
pessoal, afetiva, intelectual e social de todos os envolvidos
nesse processo, ou seja, pais, professores, escola, comunidade,
sociedade civil organizada, Poder Público, dentre outros.

Corroborando com esses pressupostos, Baptista e Jesus


(2015, p. 221) afirmam,

Ademais, o desafio da escola comum não é somente a inclusão


de pessoas com deficiência, mas o de uma transformação na sua
totalidade pedagógica, tendo em vista as diferenças de todos
os alunos. Daí os inúmeros desafios frente às contradições
que demarcam as diferentes realidades do contexto nacional
se acreditamos na educação como processo de mudança e de
transformação.

O que fica evidente nesses tempos de Pandemia, de


distanciamento social é a falta de equidade em estratégias e políticas
públicas que contemplem efetivamente o ensino para alunos com
deficiência.

Resultados e discussão

Os resultados dos relatos demonstraram um quadro


preocupante na integração e inclusão dos alunos com deficiência
nesse novo modelo de ensino.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 315


De acordo com os diversos depoimentos, pode-se afirmar que
não há acessibilidade, nem condições de interatividade dos alunos
com deficiência nas aulas disponibilizados pelas instituições de
ensino através das ferramentas digitais.
Em tempos de pandemia, de distanciamento social, ficou
evidente que os alunos com deficiência ficaram esquecidos no “canto
da sala”, invisíveis no novo cenário das aulas remotas, propostas
pelos sistemas de ensino. Esse “esquecimento” da educação para
com os alunos com deficiência mostra de forma gritante a fragilidade
e ineficácia das aulas remotas.
Nesse perspectiva vejamos alguns depoimentos

Coordenadora 1: “...No início, as professoras começaram as


aulas virtuais como uma ação individual, depois que veio as
ações institucionais. No entanto, o nosso maior desafio é a
falta de acesso à tecnologia, seja pela falta de equipamentos,
seja pela internet, de muitas famílias”.
Coordenadora 2:“...Entregamos as famílias um bloco com
atividades para os nossos alunos com deficiência fazerem
em casa”.
Coordenadora 3: Questionada sobre o tipo de atividades desse
bloco, a mesma respondeu: São atividades padronizadas para
todas as escolas da rede. É um mesmo tipo de atividades para
todos os alunos com deficiência.”
Professor 1: “... Na minha turma temos alunos com
deficiência, porém considerando as limitações deles, estou
preparando aulas para a maioria sem deficiência.
Mãe 1: “... Peguei uma vez as tarefas na escola”. Indagada
sobre o tipo de tarefa, a mãe responde: “São tarefinhas de cobrir
e pintar”. (Mãe de aluno com deficiência intelectual/2020)
Mãe 2: “... No início do isolamento, recebi um bloco de
tarefinhas para colorir. Depois disso, não houve mais
atividades.” (Mãe de aluno com TA/2020)
Mãe 3: “... Agora que veio um bloco de tarefinhas para
pintar”. (Mãe de aluno deficiência intelectual/2020)

316 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Mãe 4: “ Após quase 40 dias da pandemia , foi disponiblizado
videoaulas, meu filho não conseguiu compreender, as aulas
eram complexas. Não são aulas que levam em consideração
a deficiênça dele. Ficou triste e não quer assistir. ( Mãe de
aluno com síndrome de Down/2020)
Aluno 1:” Moro na zona rural, a internet não pega,
infelizmente não acompanho as aulas remotas”. (Aluno com
deficiência auditiva/2020)
Aluno 2” ...Não consigo acompanhar as aulas remotas, tenho
muita dificuldade em compreender os conteúdos, ás vezes
a internet não pega e o assunto é complicado”. (Aluno com
deficiência auditiva/2020)

Diante essas diferentes vozes, pode-se observar que não há


uma sequência de atividades, nem adaptações dos materiais para
cada aluno de acordo com suas necessidades. Quanto ao acesso aos
recursos exigidos para a aplicação das aulas online são limitados em
boa parte das famílias, não existem ou existem de maneira precária.
Mais uma vez na história o aluno com deficiência é deixado
no “canto da sala”, sujeito oculto sem visibilidade e sem acesso a
uma educação de qualidade como garante os instrumentos legais
que regem a educação brasileira.
De acordo com os depoimentos, as aulas não são planejadas,
não levam em consideração as diferentes especificidades dos
alunos. Não há um atendimento personalizado. O que evidencia a
falta de acessibilidade e a desigualdade para com os alunos com
deficiência.
A pandemia, o distanciamento social evidenciou a
invisibilidade dos alunos com deficiência como partícipes do
processo de aprendizagem nos espaços escolares, ainda aquém de
uma efetiva educação inclusiva.
Para os alunos com deficiência nesse momento de
distanciamento social, são disponibilizadas algumas “tarefinhas para
pintar” e videoaulas para um público uniforme desconsiderando

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 317


todos os pilares do processo ensino aprendizagem, o que apenas
aumentou o alto índice de desigualdades.
Enviar tarefa para casa, disponiblizar vídeoaulashomogêneas,
não é suficiente, é necessário um planejamento que priorize
as particularidades de cada aluno, para que nesse período de
distanciamento social, longe do espaço físico da escola, não haja
regressão. É através da educação que as desigualdades devem ser
extintas do cotidiano e das vivências dos alunos.
É importante rever o tripé da inclusão: Acesso, Permanência
e Aprendizagem. Esse direito já está posto. Portanto, é preciso
garantir a permanência entre os alunos com deficiência e contato
com a escola, espaço de ensino, pois não existe mais o percuso
diário de ida para escola. É imprescindível o resgate dessa
permanência para o aluno.
Os depoimentos nos aponta a necessidade de criar pontes
para que nenhum aluno fique sem acesso a aprendizagem, asim
como, é primordial que o professor planeje busque caminhos , pois
o acesso precisa ser garantido.
Assim, fica evidente as situações de vulnerabilidades,
invisibilidade e acessibilidade dos alunos com deficiência, seja
de natureza sensorial intelectual, mental e físico, o que apenas
aumentou os níveis de desigualdade vividas em todos os âmbitos.
De acordo com os depoimentos não há um trabalho
personaliado, planejado a partir das especificidades de cada aluno. É
necessário um diálogo com os alunos para saber de suas dificuldades.
O trabalho personalizado proporciona ao professor uma forma de
atender a cada um de seus alunos em suas peculiariedades.
O termo interatividade, tão proclamado nas redes sociais
, não está alcançando os alunos com deficiência, para esses uma
politica de inclusão nesses tempos de pandemiae e distanciamento
social ainda não faz parte da realidade dos sistemas de ensino.

318 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Considerações finais

O estudo realizado nos leva a concluir que políticas públicas


voltadas à Educação de Pessoas com Deficiência durante o período
da pandemia do novo coronavírus precisam considerar que,
independentemente da complexidade do momento, a preservação
do
direito à Educação deve ser a premissa prioritária para a
criação de quaisquer medidas e procedimentos.
A pandemia e o distanciamento social chama a atenção
da sociedade, de alguma maneira, para repensarmos a questão da
diversidade e da inclusão das minorias. Os alunos com deficiência
não devem ser excluídos, devem ser estimulados a participarem
das mesmas atividades que os colegas de turma, para isso a escola
precisa adaptar as atividades das aulas remotas (aulas online)
para acesso de todos. É responsabilidade dos sistemas de ensino,
da escola, prevenir contra consequências discriminatórias e de
aprofundamento das desigualdades.
Todos os alunos, sem exceção, têm o direito de participar das
atividades propostas pela escola, sejam presenciais ou remotas. O
momento atual, do distanciamento social, da pandemia, não deve
ser utilizado como justificativa de exclusão e retrocesso para os
alunos com deficiência.
A falta de acessiblidade das aulas remotas, das vídeoaulas,
aos novos espaços de aprendizagem, denuncia uma triste lacuna
na realidade dos alunos com deficiência, mostra a negação do
direito ao acesso a um ensino efetivo que atenda suas dificuldades
e especificidades. Demonstra que o ensino remoto é para alguns e a
enificácia no atendimento e permanência do aluno com deficiência.
É preocupante a falta de acessibilidade dos alunos com
deficiência as aulas remotas, ao acompanhamento do currículo, é
urgente a construção de estratégias de inclusão desses alunos, uma

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 319


nova política pública se faz necessário. No momento atual o aluno
com deficiência assume um papel de invisibilidade nas políticas
públicas.
É necessário e urgente ressignificar o papel social da escola,
assumindo o desafio de ensinar todos os alunos, compreendendo-os
como diferentes uns dos outros, porém considerando a importância
da acessibilidade, desenvolvimento de habilidades intelectuais e
sociais, assim como a intencionalidade de desenvolver os campos
de experiência e respeitar os direitos de aprendizagem.

Referências

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Cf. Despacho do Ministro, publicado no D.O.U. de 1º/6/2020,
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Pesquisa e do Trabalho Acadêmico. 2ª ed. Rio Grande do
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Links

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quase-40percent-dos-alunos-de-escolas-publicas-nao-
tem-computador-ou-tablet-em-casa-aponta-estudo.
ghtml. Acesso em: 01/08/2020.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 321


capítulo 21
A INVERSÃO DO VETOR DAS POLÍTICAS
CURRICULARES E A ESTRUTURA DOCUMENTAL
DO MOVIMENTO DE REORIENTAÇÃO
CURRICULAR DE FREIRE

Júlio César Augusto do Valle

Introdução

E por que aceitei ser secretário da Educação da cidade de São Paulo?


Em primeiro lugar, porque sou secretário de uma administração
do Partido dos Trabalhadores e particularmente da prefeita Luiza
Erundina. Isto é, porque posso dizer, em programas de TV e aos
jornais e rádios, que, na Secretaria da Educação, “cartão” e injunções
políticas não se sobrepõem ao direito de ninguém. Em segundo lugar
porque, se não tivesse aceito o convite honroso que fez Erundina,
teria, por uma questão de coerência, de retirar todos os meus livros
de impressão, deixar de escrever e silenciar até a morte. E este era um
preço muito alto. Aceitar o convite é ser coerente com tudo o que disse
e fiz, era o único caminho que eu tinha. (Freire 1999, p. 62)

A escolha, feita por Erundina, de Paulo Freire para a


Secretaria Municipal de Educação permitiu uma possibilidade, se
não singular, pelo menos rara, isto é, de que um intelectual, autor

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 323


de uma teoria educacional densa e consistente, desempenhasse a
função de administrador público de uma rede de escolas.
Nosso propósito, neste texto, consiste em elucidar aspectos
da política curricular praticada no momento em que Freire assume a
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, de 1989 a 1992, a
partir dos documentos orientadores do que chamou de “Movimento
de Reorientação Curricular”. Fundamentado em seu pressuposto de
que o conhecimento pedagógico somente se produz no movimento
ação-reflexão-ação, tal movimento consistiu em uma ampla
proposta para que escolas interessadas aderissem à forma que seria
apresentada de construção participativa e crítica de fazer currículo.
Houve, de início, uma preocupação fundamental por parte
de Freire no sentido de identificar, no âmbito das escolas, o que se
pensava a respeito do que se fazia. Coerentemente com sua obra,
Freire orientou sua equipe a descobrir quais eram os “saberes de
experiência feito” que circulavam entre professores, alunos, pais
e mães, a partir dos quais poderia potencialmente trabalhar para
a superação desse currículo classificado como reprodutivista ou
tecnicista. Esse entendimento atribuído ao significado do currículo,
considerado como rompimento paradigmático em relação ao que
havia sido produzido até então, foi central nas políticas mobilizadas
durante a gestão.
Para isso, considerou-se que “currículo é a política, a
teoria e a prática do quefazer na educação, no espaço escolar e nas
ações que acontecem fora desse espaço, numa perspectiva crítico-
transformadora” (Saul e Saul 2013, p. 110). Indiscutivelmente, a
concepção freireana de currículo revelou-se mais abrangente do que
aquelas mobilizadas até então – na maior parte das vezes entendido
somente como grade e tópicos de conteúdo. Entendeu-se o currículo
como o conjunto de “decisões sobre o quefazer na educação”, que
envolvem necessariamente questões como: “Que escola queremos?
A favor de quem fazemos educação? Que ser humano queremos
formar? Que sociedade queremos?” (p. 110). Sob essa perspectiva,
a pedagogia crítica se aplicaria justamente à realidade paulistana,

324 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


uma vez que, conforme registrado em um dos primeiros documentos
da gestão de Freire, chamado Educação na cidade de São Paulo:
um ato de coragem, “o povo de São Paulo vem de muitos anos de
silêncio”. Mais detalhadamente, lemos no documento:

Um silêncio que é construído também nas escolas, onde


professores e alunos são negados enquanto seres humanos
capazes de reinventar o mundo, um silêncio construído quando
os mais pobres são expulsos da escola; quando é negado a 150
mil crianças entre 7 a 14 anos o direito à escola básica; quando
milhares de paulistanos adultos são privados deste instrumento
básico de sobrevivência: a leitura e a escrita. A Secretaria
Municipal de Educação está lutando, corajosamente, para
quebrar este silêncio. (PMSP/SME 1989a, p. 1)

Elucidaremos, a partir da concepção de currículo de Freire,


com maior precisão, a estrutura do Movimento de Reorientação
Curricular realizado em São Paulo, fundamentando-nos, primeiro,
nos documentos orientadores desse processo que são, também,
registros relevantes das próprias ações desencadeadas pelo
movimento.

Os documentos do Movimento de Reorientação Curricular

Conforme se registrou nestes documentos orientadores, o


movimento estava estruturado em quatro eixos básicos:

a) a construção coletiva, que deve se expressar através de


um amplo processo participativo nas decisões e ações
sobre o currículo;
b) o respeito ao princípio da autonomia da escola,
permitindo que sejam resgatadas práticas valiosas, ao

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 325


mesmo tempo que sejam criadas e recriadas experiências
curriculares que favoreçam a diversidade na unidade;
c) a valorização da unidade teoria-prática que se traduz na
ação-reflexão-ação sobre experiências curriculares. É
fundamental que a prática em situações pontualizadas
anteceda a ampliação gradativa do processo de construção
curricular para as escolas da rede. Esta perspectiva
permitirá o aprendizado do processo antes de expandi-
lo, possibilitando, ao mesmo tempo, a sistematização
tanto do processo como dos resultados da reconstrução
curricular;
d) a formação permanente dos profissionais de ensino que
deve partir, necessariamente, de uma análise crítica do
currículo em ação, ou seja, a partir do que efetivamente
acontece na escola, buscando-se, através da consciência
de acertos e desacertos, localizar os pontos críticos que
requerem maior fundamentação, revisão de práticas e
superação das mesmas. (PMSP/SME 1991a, pp. 7-8)

O movimento estruturou-se, do ponto de vista documental,


em uma série enumerada de seis documentos publicados ao longo
dos quatro anos da gestão. O Documento 1, de 1989, define,
fundamenta e encaminha os primeiros momentos do Movimento.
Nos termos desse documento, “inaugura uma série que busca definir
e fundamentar o processo de reorientação curricular”. Assim, os
documentos “pretendem abrir o debate e estimular a reflexão e
discussão sobre o currículo, instrumento organizador da escola
almejada” (PMSP/SME 1989b, p. 5).
Seus objetivos envolviam igualmente provocar e também
sistematizar o próprio movimento, que ocorreria em três momentos:
primeiro, “a problematização do currículo que envolve a descrição,
a crítica e a expressão das expectativas”, envolvendo professores,
alunos, especialistas e conselhos de escola por meio de plenárias
pedagógicas das quais participaram também pais e representantes
dos movimentos sociais; segundo, “a organização dos produtos

326 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


obtidos no primeiro momento, que a equipe coordenadora do
processo de reorientação curricular sistematizará”; e, terceiro, “o
retorno, para as escolas dos rumos do trabalho pedagógico gerados
nos momentos anteriores” (PMSP/SME 1989b, pp. 7-8).
O Documento 2, de 1990, dando continuidade ao anterior,
“visa garantir a continuidade do debate, revitalizar a discussão e a
reflexão sobre a ação pedagógica em desenvolvimento na escola - o
currículo em ação- na direção de uma escola popular e democrática”
(PMSP/SME 1990, p. 3). O documento retoma, então, “num
trabalho exaustivo, mas nunca definitivo, as informações apontadas
na problematização e dá início ao segundo momento da reorientação
curricular, a organização” e elucida:

A sistemática dessas informações foi prevista em dois níveis.


Num primeiro nível a sistematização, ora encaminhada através
deste documento, foi feita pelas equipes de educadores que
atuam nos órgãos da Administração. Num segundo nível, a
sistematização envolverá cotejamento crítico das informações,
resultante do confronto dos demais segmentos que se articulam
na discussão do currículo: os especialistas das diferentes áreas
do conhecimento e a comunidade. (PMSP/SME 1990, pp. 3-4)

Em 1991, publicou-se o Documento 3, que consistia na


sistematização do que foi dito e observado durante o momento
de problematização da escola, na perspectiva dos educadores, dos
educandos e dos pais. Pautou-se na concepção de que “a circulação
de informações entre os envolvidos no processo educacional é
uma das condições necessárias ao processo de democratização da
gestão” (PMSP/SME 1991a, p. 2).
No mesmo ano, publica-se o Documento 4, tratando da
metodologia dialógica, que abordou a linguagem expressiva
utilizada pelos alunos e pelas alunas, sinalizando maneiras de se
estabelecer a relação que se pretendia dialógica, sem a qual não
seria possível conduzir de maneira exitosa o movimento curricular
(PMSP/SME 1991b).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 327


Em seguida, no ano de 1992, são publicados os dois últimos
documentos da série. Já sob a orientação do sucessor de Paulo Freire,
Mário Sérgio Cortella, ambos se inserem no terceiro momento
proposto pelo movimento. Ambos os documentos, além disso, são
compostos por um conjunto de documentos, publicados, inclusive,
em cadernos distintos, adotando a divisão das disciplinas do
currículo da rede municipal da época. Nos dois casos, estudaremos
o volume correspondente à matemática.
O Documento 5 sistematizou a visão de área de cada uma
das disciplinas. Particularmente, para a finalidade deste trabalho,
cabe considerar que esses cadernos foram publicados com um duplo
objetivo: “ampliar a discussão sobre o ensino de Matemática nas
nossas escolas e propor parâmetros para a construção de programas
pelos educadores” (PMSP/SME 1992a, p. 1). Como consta no
documento, no ano anterior, foi produzido um documento preliminar
com a visão de cada área, “entendida como a concepção de área e
como ela se apresenta no currículo, passou por seguidas discussões
com os educadores da Rede – coordenadas pelos Núcleos de Ação
Educativa e pela Diretoria de Orientação Técnica” (p. 1).
Logo em seguida, o Documento 6 apresentou os relatos das
práticas realizadas nas escolas da rede municipal, em cada disciplina.
Esse caderno de relatos, diz o documento, “resgata algumas práticas
de educadores que vêm empreendendo a reorientação curricular
através da sua ação cotidiana na sala de aula” (PMSP/SME 1992b,
p. 1). Importante observar que “cada relato vem acompanhado de
algumas reflexões e referências nas quais as equipes dos NAE,
DOT e Assessoria das Universidades enfatizam alguns aspectos
fundamentais das concepções delineadas nos Documentos de Visão
de Área” (p. 1). Ademais, cumpre-nos sublinhar que não consistia
em propósito desse último caderno se tornar um “livro de receitas”
ou, como consta no próprio documento, “divulgar aulas modelo”.
O propósito consistia em, ao invés disso, “divulgar algumas
experiências, dentre as muitas que existem na Rede, que auxiliem
os educadores a refletir, pesquisar e criar seus próprios caminhos a
partir do que outros já percorreram” (p. 2).

328 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Uma construção crítica e coletiva do currículo

Descritos, os documentos que registraram o movimento a


que nos dedicamos, podemos sintetizar alguns dos argumentos que
nos fazem defender a hipótese de que houve, naquele momento,
a ruptura de um paradigma de política pública educacional,
particularmente do currículo, a partir de especificidades do contexto.
Partimos da premissa, concordante com o que foi registrado nos
documentos oficiais, de que “reorientar o currículo das escolas na
perspectiva de construir uma escola pública popular e democrática
envolveu uma nova forma de pensar currículo e fazer currículo”
(PMSP/SME 1991a, p. 3). Caracterizada conceitualmente por seus
propositores como currículo em processo, “a partir de análise do
próprio currículo em ação, reorientando-o numa perspectiva crítico-
transformadora”.
Os primeiros documentos, como vimos, ofereceram os
subsídios necessários para que fosse possível a cada escola
problematizar sua realidade, seu cotidiano, sua infraestrutura e
tanto mais, junto de sua comunidade. Para isso, “a reorientação
curricular iniciou-se com um cuidadoso e planejado momento
de problematização da escola, entendida como a descrição e a
expressão das expectativas de educadores, educandos, e pais”, como
descreve Saul (2012, p. 400). As famílias participaram de plenárias
pedagógicas, junto de representantes de movimentos sociais e
pessoas relacionadas à vivência cotidiana no território em que a
escola está inserida. A prática dessas plenárias buscava efetivar o
direito à escuta das vozes de quem vive dia após dia o cotidiano
da escola. Nas palavras de Saul, “houve o necessário registro
desse momento de escuta sensível da escola em documentos que
buscaram apresentar o que se chamou de ‘retrato sem retoques’ do
currículo em ação”.
Para uma das idealizadoras do movimento, o momento inicial
de problematização objetivava engajar toda a comunidade escolar

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 329


em torno da reflexão sobre a escola que desejavam ter, passando
pela identificação dos obstáculos que os impediam de conquistá-
la. Engajar comunidades inteiras por meio das plenárias opunha-se
severamente à inexperiência democrática que vinha caracterizando
a sociedade brasileira e, em particular, a paulistana:

Então vamos fazer uma problematização da escola na voz,


vamos trazer as vozes dos educadores e atores que trabalham
na gestão da escola, vamos trazer as vozes dos alunos, das
famílias para que a gente possa ver o que vai bem, o que não
vai bem na leitura de realidade deles, que leitura de realidade
eles fazem da escola e a partir daí nós podemos encontrar vozes
que estejam em sintonia com essa perspectiva e manter o que
é bom e buscar alterar o que não está tão bom e trabalhar no
sentido de formação dos educadores para que a gente consiga
avançar nessa perspectiva. (...) Vamos fazer perguntas chave
para os professores responderem e era do tipo assim: “o que
vai bem?”, “o que vai bem com o seu trabalho?”, “o que vai
bem na escola?”, “o que não vai bem?”, “o que você gostaria
de mudar?”, “o que precisaria para ficar melhor o que você
faz?”. (...) Com os alunos fizemos perguntas junto com o povo
dos NAEs, perguntas que as crianças pudessem responder e
que os alunos pudessem responder. O tom era mais ou menos
esse, só que para as crianças a gente usava: “o que você gosta
da escola?”, “o que você não gosta?”, “o que você gostaria que
a escola tivesse?”, “o que você aprende aqui na escola?”. (Saul
apud Valle 2019, p. 124)

O relato da educadora acima nos sinaliza para o potencial da


escuta realizada, do registro levantado e, igualmente, da prática de
mobilização cujo propósito é construir coletivamente uma reflexão
sobre a escola que cada comunidade gostaria de ter. Uma leitura
atenta dos documentos demonstra que não somente elementos
curriculares foram trazidos à discussão, mas, especialmente, aspectos
da infraestrutura física e da escassez de recursos disponibilizados
para o trabalho pedagógico.

330 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Também na concepção dos propositores do movimento, a
construção do currículo dessa maneira evidenciou a importância da
questão “quem faz o currículo?”. Sob a nossa perspectiva, conforme
discutimos anteriormente, essa questão também tem se mostrado
fundamental à crítica do currículo prescrito, em sua natureza.
Questão que também nos remete à constatação de que nenhum dos
seis documentos que de alguma maneira orientaram o Movimento
de Reorientação Curricular apresentou-se sequer próximo daquilo
que concebemos como currículo prescrito.

A priori não haveria um conteúdo programático escolar pronto,


mas sim conhecimentos científicos acumulados historicamente
que seriam selecionados, e que deveríamos socializar, enquanto
direito do educando deles se apropriar. Os conhecimentos,
então selecionados, se tornariam conteúdos programáticos
desenvolvidos na educação escolar. Nosso objetivo se constituía
em construir programas a partir da investigação temática e da
consequente redução temática, garantindo o caráter dialógico
quer da programação a ser construída, quer da sua abordagem
na sala de aula com os alunos. (Delizoicov 1991, p. 177)

Não havia, então, como vemos no excerto anterior, listas


de conteúdos, programas, prazos e isso, além de inédito, também
corrobora a hipótese de que se trata efetivamente de uma ruptura
paradigmática em relação às formas tradicionais de se conceber
currículo e também às políticas públicas de sua implementação.
Trata-se, inclusive, de um dos pontos de tensão a que nos dedicamos
refletir neste trabalho, uma vez que estruturar o currículo a partir
dos temas geradores representa uma escolha outra em detrimento
da tradicional escolha em favor das disciplinas e de seus conteúdos.
Esses continuam sendo relevantes, porém, reconhecendo que não
há importância intrínseca, o critério de relevância passa a ser social
e, assim, as disciplinas e seus conteúdos perdem a primazia de que
desfrutam nos currículos tradicionais.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 331


Reconstruir o currículo pela via da interdisciplinaridade se
mostrou, nesse sentido, outra escolha interessante para discutirmos.
Afinal, a proposta colocada em pauta buscava enfrentar o cenário
de coisas que já descrevemos, utilizando-nos a referência de
Cortella, dentre as quais se destacava a reprodução de conteúdos
fragmentados, o uso de livros didáticos como instrumentos únicos
do fazer pedagógico e práticas autoritárias associadas à falta de
poder de intervenção nos rumos de cada unidade.
Era possível observar, com certa preocupação segundo o
texto do Documento 2, “a desarticulação entre intenções e ações:
uma proposta pedagógica que apenas acena para uma escola crítica”
(PMSP/SME 1990b, p. 39). Utilizar-se da via da interdisciplinaridade
demonstrava, portanto, a escolha da administração de se contrapor
ao cenário encontrado.
Parece-nos que essa escolha também opera no sentido de
romper com o paradigma vigente. Com efeito, encontramos em
todos os seis documentos trechos que reiteram essa perspectiva,
análogos ao que segue:

A reorientação curricular proposta opõe-se às formas


tradicionais de construção e reformulação de currículo, onde
as elites intelectuais tomam decisões arbitrárias e autoritárias
sobre a natureza do saber que deve ser adquirido pelos alunos
e de ações que devem ser desenvolvidas na escola. Por isso,
as decisões sobre o currículo resultarão de um movimento de
ação-reflexão-ação, desenvolvido coletivamente por diferentes
grupos em interação no processo educacional. (PMSP/SME
1991c, p. 8)

Outra característica, constante e marcante em todos os


documentos referentes ao currículo publicados durante a gestão,
fundamental à hipótese que construímos, é a própria abordagem dada
nesses documentos que não se detém no trabalho pedagógico, isto
é, pelo trabalho realizado pelo professor em sala de aula. O debate

332 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


sobre o currículo, inclusive por ser pedagógico, envolve, segundo
o entendimento adotado, todas as dimensões do trabalho que se
realiza na escola. Sob essa perspectiva, a leitura dos documentos
demonstra que efetivamente não se pode falar sobre currículo
sem falar da própria escola. Discute-se, nesses documentos, desde
a infraestrutura da escola até a condição salarial dos professores,
passando evidentemente pelas questões relativas ao conhecimento e
ao papel social da escola.
Finalmente, um último elemento faz-se necessário
acrescentar aos demais argumentos em favor da hipótese de que há
uma ruptura em relação ao paradigma que orientava – e, de algum
modo, ainda orienta – as políticas públicas de currículo: trata-se de
uma inversão na própria estrutura da política na ordem dos seus
procedimentos.

Conclusão

Em uma concepção tradicional do currículo na educação


pública, a construção da prática ocorreria na medida em que,
primeiro, os especialistas discutem sobre como imprimir as diretrizes
político-pedagógicas – marcadamente ideológicas, embora se
assumam “neutras” ou isentas de vieses –, do grupo no poder, nas
práticas de sala de aula das escolas de sua região correspondente –
município, estado ou país. Elaboram-se os documentos oficiais, o
currículo prescrito, a partir dessa discussão – que podem envolver,
minimamente ou não, grupos de professores, mas que ignoram
severamente a totalidade ou a diversidade da classe.
Elaborado o currículo oficial, operam as políticas de estímulo
à elaboração e à publicação de materiais didáticos relacionados à
proposta ao mesmo tempo em que também se estruturam e passam
a ocorrer as formações de professores na perspectiva adotada pela
proposta. A partir disso, espera-se que o professor passe a executar

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 333


aquela determinada prática, uma vez que as avaliações são coerentes
com todo o processo e medirão, de alguma forma, o desempenho
do professor em criar adesão à proposta – traduzida, segundo essa
perspectiva, pela medida do desempenho dos alunos. Aperfeiçoa-se
o processo e apura-se cada etapa, promovendo maior rigor e controle
para que seja possível atingir os resultados esperados até que outro
grupo político assuma o poder e reinicie o mesmo procedimento,
mas pautado em suas bases ideológicas (Pires 2005).
Todo o processo se repete, como narra a autora a seguir:

O processo de elaboração das propostas curriculares oficiais tem


sido via de regra moroso, de sorte que, não raro, o trabalho vem
a público na sua forma definitiva tão somente no final da gestão,
ou, em estado avançado de sistematização, não chega a ser
publicado pela administração que o iniciou. Com a alternância
no poder, sói acontecer que propostas recém divulgadas por
governos anteriores caiam no ostracismo na gestão seguinte
quando há mudança de partido no governo, sendo substituídas
por outras orientações. Registram-se casos também em que
a nova gestão limita-se a fazer pequenas alterações e publica
em seu nome o trabalho realizado por equipes anteriores. É
porém frequente que o grupo que assume o poder, por falta
de identificação com o trabalho realizado na gestão anterior,
ou levado sobretudo pela motivação de deixar marca própria
que o diferencie dos anteriores, não faça empenho maior em
implementar na rede as orientações preconizadas nos textos
oficiais elaborados por outros. (Barreto 1995, p. 3)

No Movimento de Reorientação Curricular realizado


na gestão de Freire, houve uma inversão significativa desses
momentos, entendidos como dimensões do currículo, o que
revela, portanto, uma efetiva mudança na concepção do currículo.
Afinal, conforme descrevemos anteriormente, não há, de início,
prescrição oficial. Há, ao invés disso, um convite, uma provocação,
sujeita à adesão de poucas escolas – de acordo com a capacidade

334 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


real de acompanhamento do projeto –, a partir da qual houve a
problematização da escola e do currículo. Temos insistido, portanto,
na possibilidade inscrita por Freire na história das políticas
curriculares brasileiras de que as escolas possam ser auxiliadas em
seu processo de construção curricular autônoma e criticamente.

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Paulo: Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,
2019.

336 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


capítulo 22
O NÃO-LUGAR DA MULHER NEGRA NAS
TIPOLOGIAS IMAGÉTICAS DOS TEXTOS
CURRICULARES DO BRASIL E DA COLÔMBIA

Camila Ferreira da Silva

Introdução

Este trabalho trata das tipologias imagéticas da Mulher


Negra no não-lugar presentes nos Textos Curriculares do Brasil e
da Colômbia. Filiamo-nos as Abordagens Teóricas do Feminismo
Negro Latino-Americano e dos Estudos Pós-Coloniais, ambas
desafiam as estruturas de poder e de produção dos modos de ser,
de pensar e de produzir conhecimento, colocando em xeque
a racionalidade eurocêntrica e evidenciando outros modos de
reexistir no sistema mundo capitalista/patriarcal/moderno/colonial
ocidentalizado/cristianizado.
Diante do exposto, compreendemos que as instituições de
ensino, bem como os materiais pedagógicos, em especial o livro
didático (LD), que perpassa e/ou integra o ato formativo das/
dos discentes carrega marcas latentes deste sistema mundo. De

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 337


acordo com Bonafé; Rodríguez (2013), o LD não é, unicamente,
um instrumento de apoio utilizado pelas/pelos docentes no
desenvolvimento das aulas, estes trazem conteúdos sociais, culturais,
políticos, epistêmicos e históricos que passam a ser ensinados e, em
sua grande maioria, naturalizados nas experiências escolares

a imensa maioria dos livros didáticos ainda hoje continua


incorporando uma filosofia de fundo que considera que
somente existem no mundo homens de raça branca, de idade
adulta, que vivem em cidades, estão trabalhando, são católicos,
de classe média, heterossexuais, magros, são musculosos.
(Santomé 2013, p. 240)

Em face do exposto, compreendemos que os LD desempenham


grande influência no processo de ensino e de aprendizagem tendo
em vista que por meio de seus conteúdos, códigos e formas tendem
a in-formar sobre quais conhecimentos serão considerados válidos
ou não na vivência escolar de estudantes. Por isso, compreendemos
o LD enquanto um Texto Curricular uma vez que este é portador de
um sistema de valores que indica entre o que deve ser aceito e o que
deve ser rejeitado, entre o que deve ser lembrado e o que deve ser
esquecido pelas/os discentes no decorrer da sua formação escolar.
Para Silva (2011, p. 101),

o texto curricular, entendido aqui de forma ampla – o livro


didático e paradidático, as lições orais, as orientações
curriculares oficiais, os rituais escolares, as datas festivas
e comemorativas – está recheado de narrativas nacionais,
étnicas, de gênero e raciais. Em geral, essas narrativas
celebram os mitos de origem nacional, confirmam o privilégio
das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas
como exóticas ou folclóricas (grifo nosso).

Nessa direção, os LD se configuram como um veículo do


currículo oficial, pois possuem um status prescritivo tecido por

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distintos níveis institucionais, recortes culturais e ideológicos que
não são neutros, mas trazem significados e funções que são alterados
a depender das epistemologias e dos sujeitos que os constituem. De
posse de um LD, basta observarmos uma imagem que tendemos
a atribuir a ela valores, correlações, classificações do que está
presente e do que está ausente, isto por que a imagem comporta em
si uma carga simbólica de significados que passam a ser ensinados/
vivenciados no dia a dia da sala de aula (Bonafé e Rodrigues 2013).
Assim, o Livro/Texto Curricular é constituinte e constituidor
de uma memória curricular herdada, uma vez que cumpre a função
de informar às novas gerações quais os lugares, as funções e as
condições dos sujeitos no sistema mundo. Por sua vez, reiteramos
que esta memória curricular herdada pode se mostrar racista/sexista
celebrando as marcas da colonialidade, como também pode estar
associada ao resgate da ancestralidade do Corpo Feminino Negro.
Dito isso, para cumprirmos com o objetivo deste trabalho
elegemos como fontes de análise os LD do território campesino
(TC) do Brasil e da Colômbia. No que concerne ao Brasil elegemos
a Coleção Novo Girassol – Saberes e Fazeres do Campo, tendo
em vista que esta foi a única Coleção selecionada e aprovada por
meio do Edital de Convocação para o Processo de Inscrição e de
Avaliação de Obras Didáticas para o Programa Nacional do Livro
Didático do Campo por dois triênios seguidos, neste caso o PNLD
Campo 2013-2016 e 2016-2018. Em relação a Colômbia realizamos
o levantamento nos países da América Latina, sendo este o único
país que apresenta livros didáticos específicos para os anos iniciais
do TC, assim como o Brasil.
Para nos debruçarmos sobre esses documentos utilizamos a
pesquisa documental e a análise de conteúdo. A pesquisa documental
analisa diversos tipos de documentos através do desenvolvimento
de métodos e técnicas, visando apreender o conteúdo expresso
nos documentos (Sá-Silva, Almeida e Guindani 2009). Ademais,
fizemos uso da análise de conteúdo (Bardin 2011); via análise
temática (Vala 1990) a qual se realiza em três fases, a saber: pré-
análise, exploração dos dados, tratamento e inferências.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 339


Neste trabalho estas fases aconteceram da seguinte maneira:
na pré-análise fizemos leituras flutuantes das fontes e usamos as
regras da exaustividade; da representatividade; da homogeneidade
e da pertinência. Na regra da exaustividade, reunimos todos
os documentos que remetessem ao atendimento do objetivo
do trabalho, nesse caso os LD do TC do Brasil e da Colômbia.
Após a primeira reunião dos documentos, utilizamos a regra da
representatividade, isto é, selecionamos as tipologias imagéticas que
fossem representativas para dar resposta ao objetivo pretendido. Em
seguida agrupamos as tipologias imagéticas por meio da regra da
homogeneidade, ou seja, as tipologias da imagem que possuíssem a
mesma natureza. Por fim, selecionamos as tipologias imagéticas via
regra da pertinência, constituindo assim o nosso corpus documental.
No tocante à segunda fase, exploração dos dados,
realizamos leituras minuciosas do corpus documental buscando
classificar e categorizar os dados de forma que respondessem ao
objetivo pretendido. Finalmente, na última fase, tratamos os dados
classificados e categorizados e realizamos inferências, subsidiados
pela Abordagem do Feminismo Negro Latino-Americano e os
Estudos Pós-coloniais.
No processo, fizemos uso de alguns elementos da
Antropologia Visual, isto é, as tipologias imagéticas atrelado ao pré-
texto, o texto e o signo. No que diz respeito às tipologias imagéticas,
estas perpassam distintos espaços socioculturais, dentre eles, a
escola e em especial os LD que é atravessado por distintas tipologias,
a saber: ilustração, fotografia, desenho, charge, caricatura, gravura,
entre outros. Logo, dentro de um quadro generalista de imagens,
temos tipologias, tipos imagéticos que nos dizem antes mesmo das
figuras (sujeitos e locais) que as compõem o lugar de enunciação.
Assim, a tipologia imagética como toda forma narrativa carrega
uma natureza simbólica e modos de estruturação, determinando, em
sua grande maioria, não só o objetivo do que está sendo transmitido,
mas também, o lugar e o papel da figura anunciada (Berger 2000).

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Ademais, na Antropologia Visual, a natureza simbólica da
imagem pode ser percebida a partir de três elementos: pré-texto,
texto e signo. O pré-texto diz respeito às impressões iniciais que
a observadora e o observador captam da imagem; são as suas
impressões iniciais a partir do dito. O texto é o portador de um
discurso que o faz por meio de uma determinada representação
social, cultural, histórica, política, econômica, epistêmica, dentre
outros aspectos. O signo corresponde à construção ideológica de um
universo simbólico que foi tecido a partir de um ou mais pré-texto e
texto (Ribeiro 2005).
Portanto, a imagem na Antropologia Visual apresenta
características que vão além da qualidade instrumental de
documentar, posto que é atravessada de natureza simbólica e assim
construindo narrativas a partir dos Signos que carrega. Neste viés,
a imagem condensa uma série de elementos do diverso que podem
ser apropriados das mais diferentes formas pelos sujeitos que a ela
têm acesso.
Diante exposto, a título de organização, este trabalho é
constituído por três seções, além da introdução e das referências, são
elas: Feminismo Negro Latino-Americano e Estudos Pós-Coloniais:
a tessitura de movimentos heterotópicos; As tipologias imagéticas
da Mulher Negra no não-lugar e considerações finais.

Feminismo negro latino-americano e estudos pós-coloniais:


a tessitura de movimentos heterotópicos

A invasão empreendida pelo imperialismo português, no


século XV, demarcou a criação de uma linha abissal na qual se
estabeleceram os territórios, os sujeitos e as epistemes de referência.
Assim, o sujeito autocriado (homem branco, europeu, heterossexual
e cristão) sem localização espaço-temporal nas relações de poder
mundial inaugura o mito de autoprodução da verdade moderna

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 341


e eurocentrada, na qual as suas referências (sociais, culturais,
políticas, epistêmicas e econômicas) passam a ser consideradas
válidas e universais para explicar cientificamente a realidade.
Nessa linha de pensamento, Grosfoguel (2010), aponta que o
sujeito autocriado tem a sua localização geopolítica marcada por uma
existência como colonizador/conquistador em que o ego conquistus
é materializado na figura do homem branco. Logo, os sujeitos
situados no extremo desta representação passam a ocupar não só
os espaços periféricos de representação, mas passam, também, a ser
silenciadas/os, subalternizadas/os por este ego conquistus do sujeito
colonizador.
Por sua vez, o ego conquistus está firmado na Racialização
e Racionalização (Quijano 2005). A primeira, se dá a construção
mental da ideia de raça, especificamente: brancas/os, negras/os e
índias/os, ao mesmo tempo que categorizou os sujeitos foi tecido
sobre as/os mesmas/os uma hierarquização, colocando no topo
homem branco, seguido da mulher branca, o homem negro e, por
fim a Mulher Negra.
Nesta tessitura, a Racialização e a Racionalização é forjada a
partir de uma pertença hierarquizada de desigualdade e de exclusão
do ego conquistus que no tempo-espaço-histórico demarcou sua
Geo-Corpo Política do Conhecimento enquanto una e universal.
Assim, estas estruturas de poder coadunam com a Colonialidade,
uma vez que se funda na imposição de um padrão de poder branco-
cêntrico, arbitrário de dominação e exploração, no qual o ideário
colonial penetra as estruturas sociais tanto na dimensão objetiva
quanto na dimensão subjetiva dos povos subjugados. Para Quijano
(2005), há três eixos da Colonialidade: do Poder, do Saber e do Ser.
A Colonialidade do Poder diz respeito à classificação e à
hierarquização racial dos povos em inferiores e superiores ao mesmo
tempo que demarca a distribuição e o controle do trabalho dos
povos subalternizados. Nesse ordenamento social a Mulher Negra
se situa na base da pirâmide social, enquanto o ser mais explorado
e submisso, visto que representa a antítese do ser hegemônico: o

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homem branco, europeu, heterossexual e cristão e a antítese do ideal
feminino: a mulher branca.
Atrelada a esta Colonialidade, temos a Colonialidade do
Saber que implica na negação e na invalidação dos conhecimentos
dos sujeitos situados na linha abissal. Dessa maneira, este eixo da
Colonialidade legitima uma razão que produz um conhecimento
neutro, hegemônico, eurocêntrico, masculino, universal e, por tal
tido enquanto válido. Como resultado, o sujeito autocriado, na
condição de sujeito epistêmico, narra a sua história, exaltando e
validando seus conhecimentos em detrimento das demais formas de
produção de conhecimento.
A Colonialidade do Ser denota a internalização da
subalternidade do não europeu, que passa a aceitar a imagem do
colonizador como sua, ocultando assim a dominação colonial. De
acordo com Silva (2018) este eixo da Colonialidade tece uma projeção
do que é ser mulher, ancorada no ideal de mulher branca a qual a
Mulher Negra passa a acolher como sua. Logo, o Corpo Feminino
Negro passa a se situar no espaço do ainda-não, do que ainda não
existe concretamente, ela ainda não é o ideal de mulher branca, mas
também não é mais o que era antes. A perversidade da Colonialidade
do Ser modifica profundamente a alteridade racial e de gênero da
Mulher Negra, visto que há um acoplamento dos marcadores raciais e
sexuais que passam a garantir a submissão da Mulher Negra.
Diante do exposto, compreendemos que as Heranças
Coloniais (Colonialidade do Poder, do Saber e do Ser), coadunam
com o Patriarcado e a Interseccionalidade, simultaneamente. Isto
ocorre por que há um reforço das relações hierárquicas entre os
sujeitos em virtude do gênero, mas também pela raça, aprofundando
as formas de subjugação sobre a Mulher Negra, uma vez que porta,
concomitantemente, ambos os marcadores de opressão raça e gênero,
podendo ainda aglomerar outros, tais como: classe, sexualidade,
território, entre outros (Werneck, Iraci e Cruz 2012).
Deste modo, devido a própria Interseccionalidade de
opressões a Mulher Negra passa a ser silenciada não só pela raça

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 343


e pelo gênero, mas suas produções também adentram nas formas
de silenciamento e subjugação. Basta pensarmos no processo de
escolarização: no currículo escolar, nos próprios livros quantas
vezes ouvimos, lemos ou ao menos soubemos da existência teóricas
negras, tais como: Lélia González, Maria Firmino dos Reis, Maria
Nazareth Fonseca, Petronilha Beatriz Gonçalvez, Nilma Lino
Gomes, Sueli Carneiro, Bell Hooks, Patrícia Hill Collins, Edna
Roland, Deise Benedito, Margareth Menezes, Maria Inês Barbosa,
Maria Beatriz Nascimento, Jurema Werneck, Fernanda Lopes, Luiza
Bairros, Ilma Fátima que produziram/produzem conhecimento em
seus diferentes campos: na academia, na música, no terreiro, na
comunidade, na política, nas ruas.
Diante disso, entendemos que a constituição do sistema/
mundo, por meio do processo de colonialismo/colonização, foi
e/é forjado no e pelo Patriarcado, este entendido enquanto um
sistema fundante de desigualdade e de opressões balizado na
oposição e superioridade do gênero masculino sobre o feminino.
Portanto, o Patriarcado, dentre outras coisas, tende a valorizar os
conhecimentos produzidos pelos homens-brancos na mesma medida
que desqualifica os desenvolvidos por mulheres, principalmente as
Mulheres Negra, tecidas enquanto a antítese do sujeito branco.
Cabe destacar que a exterioridade colonial situada nas
fronteiras, físicas e imaginárias do sistema/mundo, não eram e
não são seres passivas/os, mas há tensões e fraturas constantes
das Heranças Coloniais, evidenciando a Diferença Colonial que
consiste na resposta epistêmica das/os subalternas/nos ao projeto
eurocêntrico da modernidade que tende ao determinismo, ao
controle e à subalternização. A Diferença Colonial, em outras
palavras, é a resposta político/epistêmica da exterioridade colonial
ao projeto eurocêntrico da modernidade calcado no determinismo,
no universalismo e no controle da condição de ser e de estar. Logo,
a Diferença Colonial caminha de mãos dadas com às formas de
resistência, os modos de ser, de pensar e de reexistir que a Mulher

344 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Negra teceu historicamente e tece diariamente frente às amarras
raciais e euro-hetero-normativas.

As tipologias imagéticas da mulher negra no não lugar

Nesta subseção, no primeiro momento apresentamos as


tipologias imagéticas da Mulher Negra identificadas nos LD do TC
do Brasil e da Colômbia, na sequência de posse dessas tipologias
discorremos a respeito do Pré-texto, do Texto e das construções
Signas que perfazem as imagens. Frisamos que o não-lugar diz
respeito as imagens sem contexto, isto é, são tipologias em que não
é possível identificar o lugar geográfico em que a Mulher Negra está
situada, apenas a sua imagem está sendo retratada, dissociada de
um espaço físico, como por exemplo: escola, trabalho, casa, dentre
outros espaços.
As imagens da Mulher Negra nos materiais em questão
foram identificadas nas referidas tipologias: ilustração, fotografia,
colagem, pintura e desenho, totalizando 124 imagens. Deste
universo 76 compõem os LD do Brasil e 48 os LD da Colômbia.
Vejamos no Quadro 1:

Quadro 1 – Não lugar Brasil e Colômbia

Tipologias Brasil Colômbia Total por Função Condição


tipologia (Pré-Texto) (Texto)

Ilustração 59 38 97

Fotografia 12 06 18 Ilustrativo Não Prestígio


Colagem 04 12 06

Pintura 01 01 02

Desenho -- 01 01

Total 76 48 124

Fonte: a autora.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 345


Com base nos dados do Quadro 01, identificamos uma
hierarquia tipológica, não só pelo quantitativo majoritário de
ilustrações em relações aos demais tipos, mas por que na Antropologia
Visual o tipo imagético anuncia uma natureza representativa
daquilo que porta. No Quadro 01, por exemplo, podemos notar uma
frequência maior de ilustrações, seguida por fotografia, colagem,
pintura e desenho. A representação da Mulher Negra na ilustração
(como também na colagem, pintura e desenho), anuncia tipologias
imagéticas que tem enquanto função e/ou objetivo sintetizar ou
simplesmente decorar um texto, isso ocorre por que estes tipos são
produções visuais atreladas ao ainda-não, atuando na dualidade,
pois podem estar representando uma realidade ou é apenas uma
construção imaginária daquela/e que a produziu, diferentemente da
fotografia que nos diz de um registro real/vivo (Berger 2000).
Neste caso, tais tipologias demarcam uma Geo-Corpo Política
do Conhecimento firmada no Patriarcado na qual a representação da
Mulher Negra carrega uma representação Signa de mero recurso
ilustrativo, visto que a sua natureza é a de acompanhar, explicar,
acrescentar informação, sintetizar ou simplesmente decorar um
texto. Assim, temos uma tipologia imagética que tece um Signo sobre
as imagens da Mulher Negra de recurso ilustrativo, evidenciando as
Heranças Coloniais na tessitura das tipologias que portam a imagem
da Mulher Negra.
Ademais, destacamos que as tipologias imagéticas da mulher
branca apresentam o caminho inverso. Nesse caso, as fotografias
totalizam 33, as ilustrações 13, as pinturas 02. Esse conjunto de
imagens evidencia uma inversão na qual a fotografia apresenta
um quantitativo maior de imagens da mulher branca. Assim, os
tipos imagéticos quando retratam o sujeito localizado na ponta da
pirâmide o fazem a partir do tipo fotografia, um recurso visual que
goza de prestígio por trazer memórias visuais de sujeitos reais, de
situações reais e não inventivas (Silva 2018).

346 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Nesta linha de pensamento, a Racialização também se faz
presente nas tipologias imagéticas, interferindo diretamente no
tipo de imagem que o sujeito Racializado pode ser representado.
Logo, a lógica colonial determina quem é o sujeito de direito que
pode ser representado em tipologias de prestígio e em tipologias de
não prestígio e nesta lógica o tipo de imagem permitida à Mulher
Negra é a ilustração. Dito isso, entendemos que as tipologias
imagéticas e a sua frequência coadunam com as Heranças Coloniais,
intersecionalizando os marcadores de opressão, como podemos
identificar nas imagens da Mulher Negra, a seguir:

No não-lugar foi identificado o pré-texto: a) recurso


ilustrativo, conjuntamente com um texto de não prestígio, forjando
um signo sobre o Corpo Feminino Racializado de sujeito submisso e
ornamental. No que diz respeito ao signo de submissa, nas ilustrações
01 e 02, podemos notar que a Infante Negra é o sujeito da escuta e
o menino branco é o sujeito da fala. Esta representação mantém
as estruturas hierárquicas de poder firmadas na Colonialidade do
Poder e do Saber, conjuntamente. Na Colonialidade do Poder, a

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 347


classificação e a hierarquização entre o homem branco e a Mulher
Negra são mantidas seja pela posição dos corpos, seja pelo direito
de se pronunciar, e na Colonialidade do Saber o menino branco é
aquele que ensina/explica e a Infante Negra permanece silenciada.
Portanto, embora a figura do menino branco seja retratada em
um não-lugar e vigore como um recurso ilustrativo, assim como
a Infante Negra, as relações patriarcais são mantidas, visto que o
primeiro ocupa uma posição de superioridade em relação à segunda.
No que concerne ao signo da Mulher Negra como um
ornamento, localizamos nas Tipologias em duas situações. Na
primeira, as imagens figuram uma situação didática, como nas
ilustrações 01 e 02, de maneira a ilustrar o exercício que está sendo
proposto. Na segunda, a figura da Mulher Negra é utilizada para
enfeitar o início de uma unidade, tema e/ou atividade que será
trabalhada, como pode ser visto nas ilustrações 03 e 04.
Diante disso, entendemos que as Heranças Coloniais que
regem a constituição dos LD permitem a inserção da imagem dos
sujeitos Racializados, em especial da Mulher Negra, mas a partir
de uma lógica que continua a inferiorizar, considerando que 44%
das imagens da Mulher Negra figuram como um recurso ilustrativo.
Esta porcentagem nos remete as Heranças Coloniais que não só se
reconfiguram para manter as estruturas de poder, mas se expande
progressivamente, ocupando cada vez mais espaço e tendendo a
silenciar os modos de ser, de pensar e de produzir conhecimento
da exterioridade colonial. Diante disso compreendemos que
o LD é colonizado uma vez que seu eixo estruturador tende,
majoritariamente, a apresentar uma supremacia dos ideais de homem
branco/europeu/heterossexual/cristão e militar. Como também, o
LD é colonizador considerando que no contexto da sala de aula
pode cristalizar e naturalizar determinadas enquanto inferiores e/
ou superiores.

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Considerações finais

Este trabalho teve enquanto objetivo analisar as tipologias


imagéticas da Mulher Negra no não-lugar presentes nos textos
curriculares do Brasil e da Colômbia, tendo enquanto lentes teóricas
o Feminismo Negro Latino-Americano e os Estudos Pós-coloniais
que atuam dentro de movimentos heterotópicos, no qual os sujeitos,
mulheres e homens, subalternizadas/dos pelo egoconquitus,
evidenciam/tecem formas outras de ser, pensar e de reexistir que
reside na Diferença Colonial.
Ademais, ressaltamos que entendemos os livros didáticos
enquanto textos curriculares, uma vez que este é portador de um
conjunto de valores (sociais, culturais, políticos, econômicos,
históricos, educacionais, dentre outros), que indica o que deve ser
lembrado e o que deve ser esquecido pelas alunas e pelos alunos no
decorrer de sua formação. Por tal, o livro didático não é um recurso
didático neutro, imparcial, mas ele atua no processo de ensino e
aprendizagem, podendo ser uma ferramenta fundante no construto
de formas outras de ser, produzir e reexistir dissociada da razão
eurocêntrica e, simultaneamente, tecendo as Diferenças Coloniais.
Nessa linha de pensamento, no que se refere aos livros
didáticos do território campesino do Brasil e da Colômbia, no
não-lugar, identificamos marcas latentes da Racialização do Corpo
Feminino Negro, visto que há uma predominância de ilustrações.
Isto é, tipologias imagéticas que situam a Mulher Negra na condição
do ainda-não. Para mais, as figuras da Mulher Negra nas tipologias
denotam a presença da Colonialidade do Poder, do Saber e do Ser,
bem como do Patriarcado. Essas formas de subjugação ocasionam
uma Interseccionalidade de opressões que continuam subjugando
a exterioridade colonial, em especial a Mulher Negra, situada na
base da pirâmide social, ocupando os espaços de menor prestígio e
remuneração social.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 349


Diante do exposto, compreendemos que a plasticidade
das Heranças Coloniais não cessa, mas permanecem tecendo
formas de reprodução dos modelos de ser, de pensar e de produzir
conhecimentos balizados nos preceitos eurocêntricos que acabam
por invisibilizar os aspectos sócio-histórico-político-culturais da
Mulher Negra. Logo, influindo diretamente nos textos curriculares,
por meio das tipologias imagéticas que, também, ensinam e
conformam aprendizagens no processo de ensino-aprendizagem.

Referências

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POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 351


capítulo 23
OS SABERES E AS CULTURAS NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS

José Diógenes dos Santos Filho


Matheus Vieira da Silva
Givanildo da Silva

Introdução

A Educação de Jovens, Adultos e Idosos no Brasil contou


com a influência do educador Paulo Freire (1921-1997), o qual foi
um defensor da área, tendo experiência com a educação popular. Os
princípios defendidos por Freire apresentam aspectos pedagógicos
que têm o sujeito como centro do processo da educação, exercitando
a cidadania e o preparando para a sua atuação na sociedade, em suas
múltiplas dimensões.
O ambiente escolar é um lugar constituído por indivíduos de
diferentes classes sociais, raças, culturas e crenças. Assim, para a
construção de uma pedagogia democrática, acolhedora, educativa
e significativa, faz-se necessário considerar que a Educação de
Jovens, Adultos e Idosos (EJAI) não é apenas uma modalidade de

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 353


caráter escolar, mas que também está envolvida em outros aspectos
da sociedade (Streck e Santos 2011), contribuindo para a construção
da identidade de seu público e favorecendo diferentes oportunidades
aos envolvidos.
Cabedestacar que se os conhecimentos construídos pelos
alunos da EJAI, ao longo da vida, forem acolhidos, valorizados e
desenvolvidos no cenário escolar, através da articulação entre os
entendimentos populares e os ensinamentos acadêmicos, assim
como a construção de um espaço que possibilite a troca de saberes
e a construção coletiva do conhecimento, valores significativos
podem ser agregados aos processos de ensino e de aprendizagem.
Segundo Oliveira (2012, p. 168), em muitas realidades
educacionais brasileiras, o processo de formação de professores para
a modalidade da EJAI apresenta um método pedagógico desprovido
de cidadania, “que desconhece a realidade socioambiental da
comunidade e não considera a necessidade de articular a vida
escolar com a cultura local dos sujeitos da EJA”, sendo, assim, um
dos desafios postos na modalidade escolar.
A concretização do presente texto originou-se por meio do
projeto de extensão intitulado como: Saberes e Culturas na Educação
de Jovens, Adultos e Idosos. O projeto de extensão tem vigência
de 18 meses e está sendo elaborado por professores e alunos da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL) em uma escola na cidade
de Maceió.
O objetivo do artigo é refletir sobre os saberes e as culturas
da Educação de Jovens, Adultos e Idosos no contexto da escola
pública e na atuação docente, dialogando comos valores que há na
vivênciados saberes e culturas na EJAI para a construção de uma
educação democrática, acolhedora e inclusiva, que esteja ligada à
vida dos estudantes dentro e fora do ambiente escolar.
O texto está dividido em duas sessões com o propósito
de dialogar com as perspectivas abordadas, além da introdução e
das considerações finais. No primeiro momento, apresentamos

354 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


a organização da Educação de Jovens, Adultos e Idosos, o que
ela representa, quem são seus alunos e qual a função dela no
desenvolvimento educativo e social dos estudantes. Na segunda
sessão, evidenciamos a configuração dos saberes e culturas aplicados
na EJAI, o que são e de onde surgem os aprendizados populares
que os sujeitos adquirem, como também os valores e significados
oriundos de sua vivênciana modalidade escolar.

Metodologia

A metodologia desenvolvida no trabalho foi a abordagem


qualitativa, ancorada na pesquisa bibliográfica, com um viés
teórico-reflexivo. As estratégias utilizadas para a compreensão dos
principais aspectos estiveram centradas nas leituras e discussões de
textos acadêmicos pesquisados em livros e periódicos, de modo que
favorecessem uma análise crítico-reflexiva.
A revisão da literatura foi o caminho inicial para a realização
das discussões sobre a temática. De acordo com Fonseca (2002, p.
32), a revisão da literatura:

Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa


bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se
estudou sobre o assunto. Existem, porém, pesquisas científicas
que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica,
procurando referências teóricas publicadas com o objetivo
de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o
problema a respeito do qual se procura a resposta.

Além da revisão da literatura, também foi desenvolvida


a pesquisa documental, tendo como referências as Diretrizes
Operacionais da EJA e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, 9.394, de 20 de dezembro de 1996. A busca nesses

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 355


respectivos dispositivos legais foi objeto de estudo, com a finalidade
de reconhecer e evidenciar a importância dos saberes e culturas na
educação EJAI, evidenciando como essas experiências podem ser
promovidas no cenário escolar.

A organização da Educação de Jovens, Adultos e Idosos

A Educação de Jovens, Adultos e Idosos é uma modalidade


da educação básica na qual se trabalha o ensino fundamental e
médio, ofertando a possibilidade de inserção, na escola, das pessoas
que, em sua infância ou adolescência, não tiveram a oportunidade
de frequentá-la, devido diversos fatores que o influenciaram no
passado. Na visão de Vóvio (2012, p. 12 ):

São pessoas com diferentes trajetórias e biografias, encontram-


se tanto no campo como na cidade, são adolescentes, jovens,
adultos e idosos, inseridos ou não no mercado de trabalho,
com ocupações, desempregados ou aposentados, pertencentes
a diferentes etnias, entre outras características. No entanto,
um aspecto os aproxima: o fato de não corresponderem às
expectativas sociais decorrentes da escolarização e dos diversos
usos da modalidade escrita da língua, o que afeta suas vidas,
a possibilidade de usufruir de certas produções culturais e de
obter recursos para interagir nos mais variados âmbitos sociais.
Identificadas como “analfabetas” ou pouco escolarizadas, são
reconhecidas socialmente de modo diferente, discriminadas e
estigmatizadas em inúmeras instituições e circunstâncias.

A EJAI é vista como uma modalidade voltada a parcela


pobre da população (Streck e Santos 2011), devido às frágeis
situações de desigualdade social no país. A expressão Educação de
Jovens e Adultos e Idosos, no meio acadêmico, designa um campo

356 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


de conhecimento e de prática social que diz respeito às condições e
oportunidades educacionais relacionado as pessoas desfavorecidas
econômica e socialmente.
Por acolher pessoas excluídas e desfavorecidas socialmente, a
configuração da EJAI se “designa como um campo de conhecimento
e de prática social que diz respeito às condições e oportunidades
educacionais relacionados às pessoas desfavorecidas econômica
e socialmente” (Streck e Santos 2011, p. 24). Pensando nisso, a
EJAI trabalha se orientando nos princípios como aautonomia,
aresponsabilidade, asolidariedade e orespeito, também se baseando
nos princípios éticos, políticos e sociais.
Um dos pensadores sobre a Educação de Jovens, Adultos
e Idosos é o educador americano Malcolm Knowles (1913-1997),
que defendia firmemente sua teoria sobre a andragogia.1 Ela surgiu
como uma proposta que buscava sempre as maneiras propícias,
envolvendo técnicas e ferramentas para se educar os jovens e
adultos, levando em consideração as problemáticas que afetaram
esse aluno no passado e as que o afeta atualmente.
A educação de Jovens, Adultos e Idosos está relacionada
a um modelo andragógico, que se baseia em saber para qual a
finalidade que se está aprendendo, em facilitar a aprendizagem
por meio das experiências. A ideia de que o ensino é a resolução
dos problemas, motivação e experiência que os educadores trazem
consigo. Segundo Knowles (1980), a distinção entre adultos e
crianças dá-se pelas experiências que estes adultos portam consigo.
Nesse sentido, é importante que o papel da EJAI e dos
educadores aconteça em uma perspectiva dialógica, de modo que
o educador valorize os saberes dos estudantes e apresente novas

1. Andragogia tem sua origem na língua grega que significa: “ensinar para
adultos”. A aplicação do termo é realizada com o objetivo de construir uma
educação voltada para a necessidade do saber, autonomia, valorização das
experiências oriundas das práticas sociais e o desenvolvimento da vivência
cotidiana no ambiente escolar.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 357


visões para eles, através do que já vivenciam no seu dia a dia,
trazendo praticidade e dinamismo nas aulas (Barros 2018).Desse
modo, a educação não deve se preocupar com as formas comuns
de dominação de conteúdo, ela deve se reinventar e trazer novas
possibilidades para estes diferentes alunos, mostrando que a EJAI
é um direito, como está previsto na LDB/1996, em seu artigo 4, ao
advogar que:

Art. 4. O dever do Estado com educação escolar pública será


efetivado mediante a garantia de:
VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições
do educando;
VII – oferta de educação escolar regular para jovens e
adultos, com características e modalidades adequadas às suas
necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem
trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola.

Com o objetivo de edificar uma pedagogia acolhedora,


assegurar a frequência dos alunos e disponibilizar condições
necessárias para sua permanência e participação no ambiente
escolar, cabe ao docente desenvolver ferramentas que estimulem o
interesse dos alunos, associando os seus conhecimentos populares
ao currículo escolar. Nesse sentido, como menciona Fonseca (2015,
s/p.), é importante que os professores:

Conheçam os saberes e as habilidades que os alunos


desenvolvem em função do seu trabalho no dia a dia e no seu
cotidiano; assim, cada vez mais, os professores da EJA têm
de lidar com várias situações: a especificidade socioeconômica
do seu aluno abaixa a autoestima decorrente das trajetórias de
desumanização, a questão geracional, a diversidade cultural,
a diversidade étnico-racial, as diferentes perspectivas dos
alunos em relação à escola, as questões e os dilemas políticos
da configuração do campo da EJA como espaço e direito do
jovem e adulto, principalmente os trabalhadores.

358 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Sendo assim, a relação entre aluno e professor é um aspecto
importante para ser analisado, uma vez que o docente necessita
de uma formaçãode qualidade para trabalhar com a modalidade
(Oliveira 2012) e consequentemente promover o desenvolvimento
profissional, social, cultural e educativo dos envolvidos.
A maioria dos alunos da EJAI vem de um longo dia cansativo
de trabalho, em busca de uma aprendizagem que lhes possibilite
vivenciar experiências diferenciadas, portanto, a atuação dos
profissionais da EJAI tem um importante papel na construção de
um elo no qual todos sintam-se bem no espaço escolar e valorizados
com a sua presença.
Nessa ótica, para a edificação de um sistema de ensino que
auxilie na superação dos desafios que dificultam a inserção dos sujeitos
na escola e na sociedade, a “solução exige que as responsabilidades
sejam compartilhadas com o poder público, com os gestores escolares
e professores das escolas” (Oliveira 2012, p. 70).
Mas para ter essa funcionalidade, é necessário que a
organização escolar faça seu papel, trazendo um corpo docente com
formação especializada para se trabalhar com jovens, adultos e
idosos levando em consideração suas características, facilitando o
trabalho contra a rigidez e homogeneidade das ofertas escolares.
Além disso, cabe estabelecer planos pedagógicos que estejam de
acordo com as normas no sistema de ensino.
A Constituição Federal de 1988, no inciso VII do artigo 206,
estabelece os princípios basilares para ministrar o ensino e dentre
esses é preceituada a gestão democrática do ensino público (Brasil
1988). Deste modo, a organização deve ser democrática, contando
com atividade de todos os envolvidos com a EJAI, criando uma
relação entre eles que são os protagonistas na organização da escola.
É papel da organização, também, implementar formas de ensino
que direcionem os professores para formarem cidadãos autônomos
e participativos. As Diretrizes Operacionais da EJA (2013, p. 362)
evidenciam que:

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 359


[...] A Comissão da Câmara de Educação Básica apresenta as
Diretrizes Operacionais Nacionais de EJA que visam nortear
o desenvolvimento da Educação de Jovens e Adultos, no
contexto do sistema nacional de educação, compreendendo-a
como educação ao longo da vida e garantindo unidade na
diversidade. Dessa forma, a garantia da oferta de EJA deve
se configurar, sobretudo, como direito público subjetivo, o
que pressupõe qualidade social, democratização do acesso,
permanência, sucesso escolar e gestão democrática.

Dessa maneira, torna-se significativo que no ambiente


escolar, os alunos tenham liberdade e oportunidade para expressar
seus saberes e culturas, compartilhando suas histórias e experiências
de vida, de forma que seus aprendizados populares, provenientes
das relações sociais, possam contribuir para as práticas escolares
na mesma proporção que os estudos acadêmicos contribuem para o
dia a dia deles.

Os saberes e as culturas da Educação de Jovens e Adultos

Embora tenham sido excluídos e depois de algum tempo


ingressaram no cenário escolar, os sujeitos da EJAI não devem ser
considerados como atrasados, mas pessoas que não desistiram de
obter escolarização mesmo em meio à adversidade e à desigualdade
social, de forma que, ao decorrer de suas experiências pessoais, estão
vivenciando experiências e saberes significativos ao decorrer da
vida, que se forem valorizados e partilhados podem agregar valores
ao ambiente escolar. A LDB/1996, em seu artigo 1, apresenta:

Art. 1. A educação abrange os processos formativos que se


desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais.

360 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do
trabalho e à prática social.

Os conhecimentos dos alunos da EJAI são diversificados e


múltiplos, originados de diferentes realidades sociais e expressados
de diferentes formas, sendo construídos por meio das vivências
cotidianas que adquiriram ao longo do convívio com a comunidade
local, como por exemplo as relações no trabalho, os costumes
familiares, os aprendizados nas ruas, suas respectivas crenças
religiosas e outras relações sociais.
Sendo a escola uma via da troca de saberes, realizações
culturais e atividade sociais (Vóvio 2012), os alunos não só têm
o que aprender, mas também o que ensinar, pois como advoga
Freire (1998, p. 68) “não há saber mais ou saber menos, há saberes
diferentes”. Assim, torna-se viável a construção de um currículo
escolar que reconheça as trajetórias de cada um dos estudantes, com
a finalidade de valorizá-los em diferentes perspectivas.
Tendo em vista essa concepção, vale ressaltar que no âmbito
educacional seja comum que a realidade dos alunos faça parte das
atividades estudantis e que a singularidade de cada indivíduo seja
trabalhada como parte da diversidade brasileira. Fantinato e Rosa
(2014, pp. 34-35) dialogam que:

No campo da Educação, é muito recorrente a ideia de que o


ensino deve partir da realidade dos alunos. Podendo assumir
várias versões, como partir do cotidiano, do contexto, do dia
a dia, dos saberes prévios dos educandos, este discurso pode
utilizar termos sinônimos a primeira vista, mas que refletem
diferentes visões de mundo, homem, de conhecimento ou de
aprendizagem. Apesar de ser consensual na Educação básica
de um modo geral, este enunciado é particularmente presente
na EJA, tanto entre os atores envolvidos, como nas políticas
educativas.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 361


É importante que os conhecimentos oriundos das práticas
sociais sejam valorizados e acolhidos no cenário escolar, uma vez
que, ao iniciar a aplicação desse viés, a relação entre os alunos e a
escola desenvolve um caráter socioeducativo e contribui para que a
educação não só esteja presente dentro da instituição, mas também
na rotina de seus respectivos estudantes. De acordo com Vóvio
(2012, p. 17):

O ponto de partida e ancoragem dos processos de aprendizagem


reside na identificação e no reconhecimento do que os sujeitos
desses processos educativos já sabem, do que são capazes
de fazer e dos conhecimentos e modelos culturais situados
de que lançam mão para agir no mundo. Esta diversidade se
expressa de variadas formas: no modo como se manifestam,
nos significados que atribuem ao processo de aprendizagem,
na maneira como percebem a si e aos outros, em seus
interesses, nas questões que afetam suas vidas e no modo
como as percebem, bem como na maneira como se posicionam
socialmente. Reconhecer essa diversidade e considerá-la
como fundamento das ações educativas implica também
compreender que, diante de novos aprendizados, as pessoas
se reposicionam socialmente, modificando o modo como são
vistas e aceitas e os modos como veem a si mesmas, o que traz
consequências para suas identidades.

Trabalhar os saberes e as culturas dos estudantes da EJAI no


processo de ensino e de aprendizagem, pode representar a construção
de um elo entre a sociedade e a instituição de ensino, como também
evidenciar o papel da função pedagógica além dos limites da sala
de aula. Como salientam Streck e Santos (2011, p. 29), a utilização
dos conhecimentos populares dos estudantes no ambiente escolar
“implica em alargar o modo de conceber a educação, resgatando e
enfatizando sua função social e política, na história, na cultura e nas
relações intergeracionais”.

362 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Seguindo essa linha de raciocínio, as práticas de ensino
devem adaptar-se a realidade dos estudantes, moldando-se à
variadas versões, com o objetivo de associar os saberes populares
com os conhecimentos acadêmicos. Dessa forma, vivenciar as
metodologias da educação popular na perspectiva da EJAI, requer
considerar as bases culturais e históricas de seus respectivos alunos
como elementos importantes para o processo de desenvolvimento
educacional, profissional e social. A LDB/1996, em seu artigo 2,
menciona:

Art. 2. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos


princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana,
tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho.

As aprendizagens devem fazer sentido dentro e fora da


escola, de forma que os alunos possam vivenciar os conhecimentos
populares no âmbito escolar e os saberes científicos na sociedade.
Um exemplo desse aspecto é a utilização de atividades do
cotidiano deles na explicação de um determinado assunto, o que
pode contribuir para que sintam-se acolhidos e reconhecidos pelos
educadores.
Para a realização desses métodos, é viável que os professores
apropriem-se de metodologias pedagógicas que sejam dinâmicas e
interativas, associadas às realidades dos alunos da EJAI, criando
ambientes em prol da interação, através do diálogo e do respeito
às diferenças, proporcionando a partilha e a aprendizagem coletiva,
mediada pela troca de saberes e que “seja um processo do qual todos
devam participar, independente do momento de vida em que estejam,
da condição social, de sexo, etnia, do grupo a que pertencem, dos
locais onde residem, de sua ocupação e renda” (Vóvio 2012, p. 12).
Devido à pluralidade cultural, os docentes devem adotar
vários instrumentos e metodologias educativas que representem

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 363


a diversidade e, ao mesmo tempo, a singularidade dos alunos,
como projetos, palestras, debates, rodas de conversa, dinâmicas
educacionais e práticas pedagógicas que garantam a participação
ativa de todos nas atividades escolares, dando oportunidades de
partilharem seus saberes e culturas de forma que uns aprendam com
os outros, desde os alunos aos profissionais da escola.
Nessa perspectiva, os processos de ensino e de aprendizagem
tornam-se significativos para os alunos, pois na construção de
novos conhecimentos, seus saberes são valorizados. Além disso, a
aplicação dos saberes e culturas na Educação de Jovens, Adultos e
Idosos também promove a cidadania, práticas de convivência e o
respeito aos princípios alheios, como enfatiza a LDB/1996, em seu
artigo 3, ao declarar que:

Art. 3. O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar
a cultura, o pensamento, a arte e o saber; IV – respeito à
liberdade e apreço à tolerância; X – valorização da experiência
extra-escolar; XI – vinculação entre a educação escolar,
o trabalho e as práticas sociais; XII – consideração com a
diversidade étnico-racial; XIII – garantia do direito à educação
e à aprendizagem ao longo da vida.

Assim, uma educação com perspectivas de inclusão, de


participação democrática e dinamismo político-pedagógico é um
direito de todos (Streck e Santos 2011), visando à valorização da
trajetória do educando, à promoção da igualdade e o respeito às
diferenças que cada um representa, através do diálogo e da partilha,
tornando o processo de aprendizagem tão significativo quanto seus
resultados na vida dos envoldidos.

364 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Considerações finais

A partir das reflexões realizadas, entendemos que a Educação


de Jovens, Adultos e Idosos é reconhecida na Constituição Federal
como direito social para todos que não tiveram oportunidade em sua
idade própria. Além disso, ela é importante para interação como os
aspectos básicos sociais, como ler e escrever. Apesar do diploma ser
um dos objetivos dos que ingressam na EJAI, os alunos voltam para
a instituição esperando muito mais do que ler e escrever, buscando
sempre a oportunidade para terem um futuro melhor, além de um
senso crítico e social próprio.
Um dos objetivos da criação da EJAI é dar voz e visibilidade
para parcela da população que foi excluída dos meios educacionais
e que está recebendo a oportunidade que não houve no passado para
adentrar o âmbito educacional. De forma que, através dos princípios
freirianos, aos poucos, em algumas instituições de ensino, seus
saberes e culturas, que foram adquiridos nas vivências do dia a dia,
estão sendo valorizado e vivenciados no cenário escolar.
Com a vivência dentro deste campo do ensino, percebe-se
que a educação voltada para este público, deve ser reinventada e
pensada para esse modelo, já que, os interesses e as necessidades
que este público requer é diferente do público infantil. Portanto,
a função do educador é estar preparado para enfrentar diversos
problemas e elaborar estratégias que lidem melhor com os desafios
cotidianos.
Em meio às discussões sobre os saberes e as culturas
dos sujeitos da EJAI, surgem diferentes desafios que devem ser
elucidados com a finalidade de contribuir para o debate e, também,
viabilizar caminhos para futuras pesquisas acadêmicas, destacando-
se a formação dos professores, as histórias de vida dos integrantes
da EJAI, a gestão escolar noturna, as políticas educacionais voltadas
à EJAI, enfim são inúmeras possibilidades e inquietações que a
discussão despertou.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 365


Apesar de ser um direito garantido por lei, muito ainda tem
que ser feito para que todos tenham acesso à educação pública de
boa qualidade, principalmente os estudantes da EJAI. Desta forma,
torna-se importante a utilização de diversas estratégias pedagógicas
pelo professor, para se trabalhar diferentes atividades diariamente
em sala. Desse modo, é necessário que os órgãos competentes
também estejam dispostos a oferecer melhores condições, fazendo
da escola o lugar para a construção do conhecimento coletivo, da
troca de saberes e da relação entre escola e comunidade, não só
pensando em uma ascensão na carreira do indivíduo, mas também
em sua autonomia e no seu crescimento individual e coletivo dos
sujeitos da EJAI. Eis, portanto, o desafio!

Referências

BARROS, Rosana. “Revisitando Knowles e Freire:Andragogia


versus pedagogia, ou o dialógico como essência da mediação
sociopedagógica.” Educ. Pesqui., vol. 44, São Paulo, 2018,
pp. 1-19.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (1996).
Biblioteca Digital da câmara dos deputados. Lei nº 9.394 de
20 de dezembro de 1996.
________. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
de Jovens e Adultos- EJA. Parecer CNE/CEB, 11/2000 de
junho. Brasília: Ministério da Educação do Brasil, 2000.
FANTINATO, Maria Cecilia e ROSA, Thais. “Articulações
entre saberes de jovens e adultos nas pesquisas em
Etnomatemática.” Boletim do LABEM, ano 5, nº 9, Rio de
Janeiro, jul/dez de 2014.
FONSECA, João José Saraiva da. Metodologia da pesquisa
científica. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2002.

366 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


FONSECA, Solange Gomes da. “Uma viagem ao perfil e a
identidade dos alunos e do professor da Educação de Jovens
e Adultos (EJA).” Pedagogia Online, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1987.
KNOWLES, Malcolm S. The modern practice of adult education:
from pedagogy to andragogy. Cambridge: Adult Education,
1980.
OLIVEIRA, Maria Olivia de Matos. “Tornar visível o cotidiano
da escola: Experiências na EJA.” Revista da FAEEBA –
Educação e Contemporaneidade, vol. 21, nº 37, Salvador,
jan./jun. 2012, pp. 163-172.
STRECK, Danilo R. e SANTOS, Karine. “Educação de Jovens
e Adultos: diálogos com a Pedagogia Social e Educação
Popular.” EccoS Revista Científica, nº 25, jan./jun. 2011, pp.
19-37.
VÓVIO, Cláudia Lemos. “Desconstruindo dicotomias: a articulação
de saberes na escolarização de pessoas jovens e adultas.” Eja
em Debate, vol. 1, nº 1, Florianópolis, nov. 2012.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 367


capítulo 24
OLHARES DOS CONTEXTOS ÉTNICO-RACIAIS
A PARTIR DOS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS EM
TESSITURA COM A INTERSECCIONALIDADE

Eunice Pereira da Silva

Introdução

O presente capítulo, se apresenta enquanto produto de


pesquisa de dissertação de mestrado em andamento, que tem
como objetivo compreender de que formas a participação em
atividades desenvolvidas em grupo de pesquisa contribuem
para as(os) professoras(es) envolvidas(os) no enfrentamento do
racismo em sala de aula. Na qual, a partir da temática discutidas
de interseccionalidade, nos permitiu exercitar reflexões expostas no
tecer deste movimento de escrita.
O conceito de interseccionalidade, vem sendo área de
destaque dentro de diversas vertentes de feminismos, em especial
ao que diz respeito o feminismo negro. Nesse sentido, podemos
citar a obra interseccionalidade de autoria de Carla Akotirene
(2019) publicada em adição à coleção Feminismos plurais a fim de

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 369


socializar ao grande público questões caras referentes ao diversas
vertentes de Feminismos.
Nesse empreendimento, a categoria de raça possui especial
atenção, com isso, nesse exercício de escrita discutiremos de forma
breve as aproximações entre o Feminismo negro com enfoque a
interseccionalidade em aproximação aos Estudos Pós-Coloniais.
Realizamos também aproximações com leituras associadas a outras
pensadoras que se debruçam sobre a produção do pensamento
Feminista Negro. Em associação a reflexão proposta no objeto de
pesquisa da dissertação que tem enquanto objetivo compreender
as práticas desenvolvidas por professoras(es) vinculados a Grupos
de Pesquisas comprometidos com a formação para Educação
antirracista.

Desenvolvimento

Ao adotarmos enquanto lentes Teóricas o Feminismo Negro


e os Estudos Pós-Coloniais, se faz na possibilidade que enxergamos
com essas Abordagens a possibilidade de realizar deslocamentos
em direção as margens, visto que advém dos sujeitos que no tempo-
espaço-histórico estiveram na periferia social, cultural, política e
epistêmica.
A seleção pela tessitura da reflexão de escrita a partir destes
campos teóricos metodológicos, se âncora na perspectiva que essas
abordagens nos favoreçam pensar a partir dos modos de ser, de
pensar e de produzir conhecimento dos povos que sofreram e/ou
sofrem tentativas de silenciamento e subalternização no contexto
histórico. Construindo assim modos de resistência propositiva com

enfoques epistemológicos e sobre as subjetividades


subalternizadas. Supõe o interesse por outras produções de
conhecimento distintas da modernidade ocidental. O que se

370 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


produz fora da modernidade epistemológica eurocêntrica, por
sujeitos subalternizados, pode ser identificado como diferença
colonial. (Cruz e Oliveira 2016, p. 123)

A fim de organizar nosso raciocínio teórico, inicialmente


seguiremos sistematizações dos Estudos Pós-Coloniais nesta seção
com três características que Mignolo (2005) considera principais
para leitura crítica Pós-colonial para então nos entrelaçarmos com
o Feminismo Negro. A partir do caminho que concerne em: I)
um discurso crítico que revela a colonialidade do poder que rege
o moderno sistema mundial; II) um discurso que problematiza a
relação entre lugares/histórias locais e fluxos globais em termos
de episteme cultural e produção de saber; III) formas e práticas de
agenciamento e de razão subalterna que desconstroem o paradigma
da razão moderna.
Nesse ponto de vista, as construções teóricas de Anibal
Quijano constituem uma das fontes principais, ao problematizar
a colonialidade do poder como império político-econômico e
sociocultural do Ocidente sobre o resto do mundo. Neste caso,
identificamos a construção de um novo lócus de produção de
conhecimento, questionando o padrão de poder mundial.
Na mesma direção, Quijano pontua que a “a américa
constitui-se como o primeiro espaço/tempo de um padrão de poder
e vocação mundial e desse modo e por isso, como a primeira
identidade da modernidade” (2007, p. 227). Apresentando dois
processos históricos fundamentais para os eixos do novo padrão de
poder: primeiro, a codificação das diferenças entre conquistadores e
conquistados na ideia de raça como uma suposta estrutura biológica
que marcava uns em situação de inferioridade em relação a outros.
Essa estrutura, se arquitetou como fundante para o regime de poder
e exploração. Segundo a articulação das formas de controle do
trabalho, recursos, produtos e capital.
Em que a Modernidade e a Colonialidade apresentam a
característica de que “a colonialidade é constitutiva da modernidade,

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 371


e não derivada” (Mignolo 2005, p. 75). Na qual, com a colonialidade,
a Europa instaurou modelos únicos de ciências, cultura, religião,
sexualidade, beleza e outros. Dentro da lógica única e universal, na
tentativa de colocar o ocidente enquanto epistemologia subjugada.
Nessa trama, Quijano (2007) ressalta que o colonialismo e
a colonialidade são conceitos que estão relacionados, mesmo que
apresentem suas distinções. O colonialismo se refere a um padrão
de dominação e exploração no qual Oliveira e Vera Candau assinala
que “o Colonialismo é, obviamente, mais antigo; no entanto a
colonialidade provou ser, nos últimos 500 anos, mais profunda e
duradoura que o colonialismo” (2007 p.17). É nesse determinante
contexto, que raça e identidade racial vai sendo estabelecida
como instrumento de classificação social da população, com as
dominações impostas.
Ademais, a ideia de raça e, consequentemente de identidade
racial vai sendo estabelecida como instrumento de classificação
social da população, com as dominações impostas como aponta
Quijano (2005). Alicerçado nesse padrão global de poder em que
“a colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos
do padrão mundial do poder capitalista. Se funda na imposição de
uma classificação racial/étnica da população mundial como pedra
angular deste padrão de poder” (Quijano 2007, p. 93). Desse modo,
os imaginários produzidos quanto aos papéis e lugares sociais, a
divisão racial silenciosa do trabalho que se mantém no passado-
presente colonial para a população negra.
Em que, o racismo epistêmico Grosfoguel (2007) se entrelaça
neste emaranhado de violência “O racismo epistêmico é um dos
racismos mais invisibilizados no sistema-mundo capitalista/patriarcal/
moderno/ colonial. O racismo epistêmico considera os conhecimentos
não-ocidentais como inferiores aos conhecimentos ocidentais” (2007,
p. 32). Ligado a necessidade estratégica de dominação das faculdades
cognitivas dos sujeitos socializados dentro do contexto de racialização
e racionalização. O racismo epistêmico oprime outras epistemologias
com pensamento crítico e/ou científico.

372 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Com esta organização de dominação foi construída uma
tradição de pensamentos ocidentais, tidos como válidos, superiores
e universais. Assim, analisar aspectos quanto as práticas de
enfrentamento do racismo, requer reflexão quanto as estruturas
sistematizadas como instrumentos de manutenção das amarras
raciais.
Esta relação, que não é só temporal, Grosfoguel (2007) nos
alerta que o colonialismo é mais antigo que a colonialidade no
sistema-mundo, pois embora a colonialidade, tenha uma estreita
relação com o colonialismo, não se esgota nele, visto que o
colonialismo se refere a um padrão de dominação e exploração não
restrito ao espaço geográfico, mas as relações de poder ambientadas
no sistema/mundo pois,

considerar o sistema mundo como moderno-colonial é deixar


que o espaço fale, haja vista que é o espaço-mundo como um
todo que se conforma, e não o mundo visto como se fosse
estágios distintos da Europa e, assim, um evolucionismo em
que os lugares e as regiões do mundo são silenciados. (Quental
2012, p. 63)

Contudo a colonialidade, embora tenha uma estreita relação


com o colonialismo, não se esgota nele. Visto que o colonialismo
se refere a um padrão de dominação e exploração. Ao pensar a
Colonialidade do Poder, a partir das reflexões sistematizadas por
Quijano, cravamos os conflitos de estruturas de poder dentro de um
marco e processo histórico.
Em que, recebe destaque a noção e hierarquização de
diferença racial enquanto condição de subalternidade. Que nos
inquieta pensar, as marcas dessas Heranças coloniais nos sistemas
educacionais de ensino. Como estão articuladas as relações de poder
e suas práticas e formas de controle de diversos âmbitos da existência
social e a violência epistêmica? Logo que, com a colonialidade e
seus processos de hierarquização dominação, o colonizador destrói

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 373


o imaginário do outro, o invisibilizando e o subalternizando no
processo de reafirmação do próprio imaginário se expressando pelos
eixos da Colonialidade do ser, do saber e do poder.
Os estudos produzidos por Quijano (2007), também nos
ajudam a sistematizar uma compressão quanto a Colonialidade do
Poder na estrutura de classificação hierarquizante social no processo
de formação tanto identitária quando profissional. Com isso,
podemos perceber que quanto aos processos de Colonialidade do
Poder atrelado aos processos de subjetividades dos sujeitos sociais,
prioritariamente os considerados marginalizados (mulheres negras,
mulheres indígenas, homens negros, homens indígenas e outros)
pelos processos coloniais necessitam pensar historicamente a noção
de raça de forma sistemática, de realização individual e coletiva.
Dessa forma, as pautas das lutas feministas nos alertam para
necessidade de que as mulheres negras vivenciem o movimento
formativo de reconhecimento da perspectiva de marginalidade e de
forma intencional e organizada realizar o que nos diz Lorde (2009)
a respeito de que,

solo en el marco de la interdependencia de diversas fuerzas,


reconocidas em un plano de igualdad, pueden generarse el
poder de buscar nuevas formas de ser em el mundo y el valor
y el apoyo necesario para actuar em un territorio todavía por
conquistar. (2009, p. 117)

Em que, ao se apropriar e fazer uso dessa perspectiva para


criticar a dominação racista, classista e a hegemonia sexista, bem
como colaborar na luta contra hegemonia. O Exercício de reflexão
em como as opressões se aproxima, se encontram e até mesmo se
entrecruzam, que de forma transgeracional podendo produzir outras
formas de opressão.
A interseccionalidade, se propõe enquanto estratégia teórico-
metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo
e cisheteropatriarcado ainda podendo ser incluídas outras categorias

374 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


como território, geração e religiosidade. Nas quais, as mulheres
negras são atingidas pelo cruzamento e sobreposição de raça, gênero
e classe modernos aparatos coloniais como afirma Carla Akotirene
(2018), no qual, o projeto feminista negro desde sua fundação
trabalha o marcador racial para superar estereótipos de gênero,
privilégios de classe e cisheteronormatividades articuladas em nível
global, tendo a interseccionalidade como subsídio para trabalhar
essas questões e o fluxo entre a teoria, metodologia e as práticas.

do meu ponto de vista, é imperativo aos ativismos, incluindo


o teórico, conceber a existência duma matriz colonial moderna
cujas relações de poder são imbricadas em múltiplas estruturas
dinâmicas, sendo todas merecedoras de atenção políticas.
(Akotirene 2018, pp. 13-14).

Mulheres negras, vêm historicamente e de forma resistente


pensando a categoria mulher de forma não universal e crítica,
entendendo que nossas pluralidades e confluências trilhando
caminhos para a necessidade de se sistematizar as possibilidades
de ser mulher. Em contrapartida, a Colonialidade do Saber alicerça
os conhecimentos branco-cêntricos enquanto única forma de
conhecimento válido, determinando referenciais que colocam saberes
em categorias duais: prestígio ou não prestígio. Em que a repressão
de outras formas de produção de conhecimento não-eurocêntricos,
nega o legado intelectual e histórico de povos indígenas e africanos.
Neste processo, é silenciado e/ou negado formas e origens outras de
produções e socializações de conhecimentos.
Na Colonialidade do Ser se estrutura um padrão branco-
referencializado do sujeito, minando assim, nem sempre de forma
silenciosa, aquelas e aqueles que não se enquadrem no padrão
hegemônico branco e euro-referencializado. Em que no processo
de Colonialidade do Ser, o conhecimento de si, enquanto cultura
e identidade vão se desvalorizando junto com a vida humana.
Neste contexto as resistências dos Movimentos sociais negros se

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 375


manifestam de maneira contra hegemônica ao reivindicarem suas
identidades culturais e sociais. Dessa maneira, os movimentos sociais
demarcam seu valor epistêmico nas lutas sociais. Entendemos que
os movimentos sociais apresentam um valor epistêmico intrínseco,
sendo produtores de um conhecimento gestado na luta.
Dessa forma, entendemos que a Colonialidade do Poder, do
Saber e do Ser se configuram enquanto conceitos centrais para os
Estudos Pós-coloniais. Em que a partir do exercício constantes de
reconhecimento e emancipação destes nos interessa refletir quanto a
Diferença Colonial, terreno fértil nas experiências das comunidades
marginalizadas no processo de colonialidade, sobretudo a
Colonialidade do Poder na invenção e estruturação do mundo
moderno/colonial. Conceito introduzido por Mignolo (2003), nos
convida a pensar a partir das ruinas, das experiências e das margens
criadas pela colonialidade quanto ao mundo moderno colonial como
possibilidade de intervenção/construção de um novo horizonte
epistemológico, que nos mobiliza a pensarmos a partir das ruinas.
Em que, um dos aspectos que os Estudos Pós-coloniais
nos possibilitam é a ruptura com a lógica cartesiana de passado
e presente, como pontua Spivak (1999) ao propor que a partir
dessas lentes teóricas possamos romper com as relações antigas e
atuais de colonizador(a) e colonizado(a) e tantas outras formas de
dominador(a) e dominado(a). Sobre tudo, a necessidade que alerta
Oliveira e Candau, quanto ao exercício de autoexame das relações
sociais em que,

a perspectiva da diferença colonial requer um olhar sobre


enfoques epistemológicos e sobre as subjetividades
subalternizadas e excluídas. Supõe interesse por produções
de conhecimento distintas da modernidade ocidental.
Diferentemente da pós-modernidade, que continua pensando
tendo como referência o ocidente moderno, a construção de um
pensamento crítico “outro”, parte das experiências e histórias
marcadas pela colonialidade. (2010, pp. 23-24)

376 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Logo, nos levando a perceber, aspectos também apontados
por Catherine Walsh (2014) em que a autora sistematiza produções
quanto aos processos educacionais a partir de conceitos como:
pensamento-outro, Decolonialidade enquanto processo que
possibilita visibilizar as diversas lutas contra a colonialidade,
idealizadas por sujeito de práticas epistêmicas e políticas e
Pensamento Crítico de Fronteira na proposta de mobilizar a
visibilidade de lógicas outras de Ser e de Saber, diferentes da lógica
eurocêntrica dominante. Como o sentir, pensar e repensar o agora
a partir e sobre as luzes e rachaduras, posicionando-nos a esse
respeito e reflexivamente dentro da própria trajetória de militância e
ativismos intelectual saímos do pessimismo.
Com isso, pensando o processo de construção em que se
alicerça a modernidade Grosfoguel ressalta que “La idea de raza
organiza la división internacional del trabajo, define quién recibe
mayor riqueza o mejores salarios y quién hace los peores trabajos”
(2007 p, 4). E é sobre esse contexto que ainda se expressam análises
referentes a população negra na categoria trabalho.
Nesse sentido, refletimos quanto a construção da categoria
teórica subsidiada pelos estudos de Walsh (2012,2014) que elabora
a noção de Pedagogia Decolonial, enquanto uma práxis baseada
numa insurgência educativa propositiva, em que nos interessa
por não se limitar a atividade denunciativa. Uma prática, voltada
para (re)construção de novos Sul’s sociais, políticos, culturais e
epistemológicos de forma que a

pedagogia decolonial é expressar o colonialismo que


construiu a desumanização dirigida aos subalternizados pela
modernidade europeia e pensar na possibilidade de crítica
teórica a geopolítica do conhecimento. Esta perspectiva é
pensada a partir da ideia de uma prática política contraposta
a geopolítica hegemônica monocultural e monorracional, pois
trata-se de visibilizar, enfrentar e transformar as estruturas e
instituições que têm como horizonte de suas práticas e relações

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 377


sociais a lógica epistêmica ocidental, a racialização do mundo e
a manutenção da colonialidade. Enfim, para iniciar um diálogo
intercultural “autêntico” tem que haver uma visibilização das
causas do não diálogo, e isto passa, necessariamente, pela
crítica à colonialidade e a explicitação da diferença colonial.
(Cruz e Oliveira 2016, pp. 124-125)

Em que, o processo educativo pedagógico se ocupa de seu


caráter humanizatório e política cultural. Como nos lembra Freire
“o papel do trabalhador social se desenvolve num domínio mais
amplo, no qual a mudança é um dos aspectos. O trabalhador social
atua, com outros, na estrutura social” (2007, p. 44). No que diz
respeito ao papel do trabalhador social no processo de mudança.
Desse modo, entendemos que compreender as práticas
desenvolvidas por professoras(es) vinculados a Grupos de Pesquisas
comprometidos com a formação para Educação antirracista como no
caso de nosso Campo de Pesquisa; Grupo Geperges Audre Lorde.
Se faz possível sistematizarmos reflexões quanto a contribuição de
espaços Decoloniais para o enfrentamento do racismo em sala de aula.
Possibilitando reflexões quanto as marcas tanto relacionadas
à Colonialidade do Ser, Colonialidade do Saber e Colonialidade do
Poder, ao galgar ou ocupar lugares sociais do saber como o caso da
profissão docente. o termo “lugar” a partir do que nos inquieta Walter
(2012), em que “lugar” pode ser definido de maneira geográfica,
ambiental, fenomenológica (ao ligar ‘corpo’ e ‘lugar’) e genealógica
(ao ligar ‘ancestralidade com ‘território’). Que os estudos pós-
coloniais têm utilizado o conceito de “lugar” para problematizar
narrativas temporais de progresso impostas por poderes coloniais.
Uma vez que nos debates em torno da Lei 11.645/08, podemos
sistematizar aproximações com os estudos desenvolvidos quanto
a Colonialidade do Poder, do Saber e do Ser e as possibilidades
teóricas para a emergência da diferença colonial na educação
brasileira a partir de uma proposta de Interculturalidade Crítica e
de uma Pedagogia Decolonial. Quanto a Intelectualidade Crítica

378 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


e a Pedagogia Decolonial, Walsh (2012) em seus escritos propõe
um giro epistêmico, a fim de produzir/visibilizar saberes outros
questionando processos de invisibilização dos conhecimentos que
não compõem os cânones ocidentais. Propondo conexões através da
Pedagogia Decolonial com debates educacionais.
Nos pares conceituais Colonialidade e Interseccionalidade,
podemos identificar em Gonzalez (2011) as estruturas de
desigualdade e de exclusão que tem caracterizado a vida das
Mulheres Negras. No qual, a outra face da Colonialidade pode se a
Decolonialidade enquanto projeto Decolonial, tecendo movimentos
de resistências e de reexistência que tem marcado a trajetória política
das comunidades afrodiasporicas. Desse modo, os marcadores raça,
gênero e classe que operaram, por meio da Colonialidade gerando
desigualdades, desvantagens, vulnerabilidade e opressões no projeto
Decolonial são acionados para o empoderamento.

Conclusão

Nessa direção, entendemos que o projeto decolonial que


emerge, nesse contexto, do ativismo das Mulheres Negras enquanto
projeto de reexistência tanto individual quanto coletiva. Em outras
palavras, somam em um projeto Decolonial que supere a formação
moderno/colonial e sua estrutura social que as diferenciações de
gênero, raça e classe não atuem criando opressões, mas que se
configurem enquanto integralidade no contexto social.
No entrelaçamento de proposta favoráveis a perspectiva
Decolonial, o diálogo com o Feminismo Negro que como sistematiza
Patrícia Collins (2019) margeia as experiências compartilhadas
pelas mulheres negras, que simultaneamente confronta com as
diretrizes hegemônicas da produção do conhecimento.
Em contraponto com os paradigmas referenciais investigativos
e analíticos com da interseccionalidade, ao sistematizar sobre o

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 379


Pensamento Feminista Negro, Collins (2019) propõe a desconstrução
do pensamento intelectual hegemônico nos lembrando que nem todas
as intelectuais ocupam os espaços acadêmico.
Dessa forma, nos aproximarmos do cenário afrobrasileiro,
no que diz respeito as mulheres que somaram/somam aos projetos
de reflexão política em prol de justiça social na luta antirracista
em especial a que acontece dentro das salas de aulas Collis (2018)
sensibiliza olhar para três dimensões. São elas: I) as mulheres negras
enquanto coletividade perpassadas por opressões interseccionais
agenciam a sua própria autodefinição e; II) reagem coletivamente ou
individualmente ao sistema de dominação patriarcal, heterossexista
e racista; onde elaboram respostas diferentes aos desafios; (iii)
gestam o ponto de vista coletivo, entretanto, tal pressuposto não se
propõe universal nem se aparta de outras coletividades oprimidas,
pelo contrário, confirma experiências e programas de justiça social
em conexões transnacionais e globais.
Temas centrais segundo a autora, para reflexão do pensamento
Feminista Negro, no que diz respeito aos pensamentos gestados
pelas ativistas negras e as epistemologias dessas mulheres. Em
que, os paradigmas interseccionais possam se configurar enquanto
cenário de conexões, conhecimentos e empoderamento.
Por entendermos as categorias teórico metodológicas dos
Estudos Pós-Coloniais e do Feminismo Negro, enquanto projetos
propositivos na luta pela justiça social da/para sociedade acreditamos
que realizarmos aproximações neste projeto de pesquisa entre os
campos teóricos, a fim de pensar os padrões de silenciamento,
repressão e sobretudo refletir sobres as estratégias e espaços em que
representam campos de potência para desarticulação das estruturas
de opressões.

Referências

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli


Carneiro; Pólen, 2019.

380 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Tradução Luís Antero
Reto e Augusto Pinheiro. 70ª ed. Universidade de France,
2004.
COLLINS, Patricia Hill. Pensamento Feminista Negro:
conhecimento, consciência e a política do empoderamento.
Tradução Jamille Pinheiro Dias. 1ª ed. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2019.
CRUZ, Eliane Almeida de Souza e OLIVEIRA, Luiz Fernandes
de. “Penso, mas não existo! Invisibilidade da África nos
currículos de história do Rio de Janeiro.” Gavagai, Erechim,
vol. 3, nº 1, jan/jun. 2016, pp. 119-141.
CURIEL, Ochy. Descolonizando el feminismo: una perspectiva
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GONZALEZ, Lélia. “Por um Feminismo Afro-latino-Americano.”
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GROSFOGUEL, Ramón. “Entrevista a Ramón Grosfoguel.” Polis,
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(Realizada por Angélica Montes Montoya e Hugo Busso).
Recebido el 23.12.07, aceito em 29.12.07, 2007.
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática
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2005.

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QUENTAL, Pedro de Araújo. “A latinidade do conceito de América
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QUIJANO, Aníbal. “Colonialidad del poder y clasificación social”,
in: CASTROGÓMEZ, S. e GROSFOGUEL, R. (orgs.) El
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más allá del capitalismo global. Bogotá: Universidad
Javeriana-Instituto Pensar, Universidad Central-IESCO,
Siglo del Hombre Editores, 2007, pp. 93-126
SPIVAK, Gayatri Ch. A Critique of Postcolonial Reason: Toward a
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1999.
WALSH, Catherine. Interculturalidad crítica y (de) colonialidad
ensayos desde Abya Yala Ecuador, diciembre, 2012.
WALSH, Catherine. “Interculturalidad crítica y pedagogía
decolonial.” Repositorio Rede de intercuturalidade, 2014.

382 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


SOBRE AUTORAS E AUTORES

Adriana Aparecida de Souza – Possui graduação em Ciências Sociais


pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2005), mestrado
em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (2008) e doutorado em Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(2013). É Pós Doutora pelo Programa de Pós Graduação em Educação
Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de Sociologia,
com ênfase em Direitos Humanos e Ética, atuando principalmente
nos seguintes temas: violência, Juventude e Políticas públicas em
Educação. ORCID; https://orcid.org/0000- 0001-6933-1121.

Ana Cláudia da Silva Rodrigues – Possui em Licenciatura em Pedagogia


pela Universidade Federal da Paraíba (1994), graduação em Ciências
Agrárias pela Universidade Federal da Paraíba (2003), mestrado em
Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2003) e doutorado em
Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2012). Atualmente é
professora do Magistério Superior da Universidade Federal da Paraíba.
Tem experiência na área de Educação com ênfase em Currículo,
atuando principalmente nos seguintes temas: políticas educacionais,
currículo, educação integral, educação do campo e formação de
professores. Editora da Revista Espaço do Currículo. Ana Luísa Alves
– Graduanda em Matemática (Licenciatura) pela UFMG. Foi aluno de
Iniciação Científica na pesquisa “Inclusão na Escola Regular de Tempo
Integral: principais desafios para o cotidiano escolar e para a formação
docente”. É membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação
Inclusiva e Diversidade (NEPED/CP/UFMG).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 383


Ana Thamiris Batista de Farias – Pedagoga, pela Universidade Estadual
do Vale do Acaraú -UVA, Psicopedagogia Institucional e Clínica e
Especialista em Educação Especial, Mestranda em Educação pela
UFPB. Atua como Professora, Psicopedagoga Clínica, ministrante de
cursos, oficinas e palestras.

André Henrique Faria – Graduando em Geografia (Licenciatura) pela


Universidade Federal de Minas Gerais. Possui interesse nas áreas
de Geografia Humana, Geografia Política com ênfase em América
Latina e Brasil, projetos de pesquisa sobre tempo integral, educação
e inclusão escolar. Participou do Programa de Imersão à Docência e
do Programa de Monitoria da Graduação do Centro Pedagógico da
UFMG. Atualmente, participa de uma Iniciação Científica: Práticas
curriculares para inclusão de estudantes público-alvo da educação
especial em uma escola de tempo integral: percepções de crianças e
docentes sobre a diferença. Além de membro do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre Educação Inclusiva e Diversidade (NEPED/CP/UFMG).

Ângela Cristina Alves Albino – Professora da Universidade Federal da


Paraíba – UFPB. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas
Curriculares – GEPPC. Editora da Revista Espaço do Currículo.
Doutora em Educação, na linha de Políticas Educacionais (UFPB). Tem
mestrado em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
(2010) e Mestrado Interdisciplinar em Ciências Da Sociedade, pela
Universidade Estadual da Paraíba (2006). Especialista em Formação
do Educador (UEPB). Graduada em Pedagogia e muito tempo de vida
como Professora da Educação Básica.

Anne Karoline Cantalice Sena – Graduanda em Pedagogia pela


Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Membro do Grupo de
Pesquisa Currículo e Práticas Educativas (GPCPE) do Centro de Ciências
Humanas, Sociais e Agrárias (CCHSA/UFPB) e Grupo de Estudo e
Pesquisa em Políticas Curriculares (GEPPC) do Centro de Educação da
UFPB – campus I. Integrante da comissão executiva da Revista Espaço
do Currículo (2019-2020). Bolsista da Assessoria de Apoio Estudantil
(AAPE) CE/UFPB.

Antônio Ferreira – Docente da Educação Básica, Técnica e Tecnológica


e da Formação de Professores do Instituto Federal do Paraná, Campus
Paranaguá. Possui graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (1994), graduação em Pedagogia pela Universidade

384 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Tuiuti do Paraná – UTP (1997), mestrado em Educação pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná – PUCPR (2005) e doutorado em
Educação: Currículo (Programa de Pós-Graduação em Educação:
Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUCSP (2014). É professor efetivo do Instituto Federal do Paraná, com
dedicação exclusiva.

Camila Ferreira da Silva – Professora da Educação Básica na Rede


Municipal (2019). Doutoranda em Educação pela Universidade Federal
de Pernambuco-Centro de Educacão (2019). Mestra em Educação
(2018) pela Universidade Federal de Pernambuco-Centro de Educação.
Pedagoga (2015) pela Universidade Federal de Pernambuco-Centro
Acadêmico do Agreste. Faz Parte do Grupo de Estudos Pós-Coloniais
e Teoria da Complexidade em Educação, coordenado pelo Prof. Dr.
Janssen Felipe da Silva PPGEdu/PPGEDUC – UFPE/CAA. Pesquisadora
do Grupo de Pesquisa em Educação Raça, Gênero e Sexualidade – Audre
Lorde, coordenado pela prof. Dr. Denise Maria Botelho UFRPE/DED.

Carlos Eduardo Ferraço – Possui Licenciatura Plena em Física pela


Ufes (1981), Mestrado em Educação pela UFF (1989), Doutorado em
Educação pela USP (2000) e Pós-Doutorado em Educação pela Uerj
(2008, 2015). É professor titular aposentado da Ufes, atuando nos
Cursos de Mestrado e Doutorado em Educação na Linha de Pesquisa
Docência, Currículo e Processos Culturais. Desenvolve pesquisas
no campo do currículo desde 1999, em suas composições com as
Pesquisas com os Cotidianos e a Filosofia da Diferença. É bolsista de
produtividade de pesquisa do CNPq 1-D, e atua como Líder do GRPes
Currículos, cotidianos, culturas e redes de conhecimentos (Ufes-2007)
e membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Currículos e Culturas
(Nupec) do Centro de Educação da Ufes.

Clívio Pimentel Júnior – Doutor em Educação. Professor na Licenciatura


em Ciências Biológicas e no Programa de Pós-Graduação em Ensino da
Universidade Federal do Oeste da Bahia. Líder do Grupo de Pesquisa
Políticas de Currículo, Diferença e Educação em Ciências. Desenvolve
pesquisas nas áreas de Políticas de Currículo, Educação em Ciências
e Formação de Professores, priorizando enfoques discursivos pós-
estruturais e pós- fundacionais. E-mail: [email protected].

Crisliane Boito – Professora na Unidade Acadêmica de Educação


Infantil da Universidade Federal de Campina Grande, UFCG. Pedagoga
e Mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 385


(UFRGS). Pesquisadora colaboradora do CLIQUE – Grupo de Pesquisa
em Linguagens, Currículo e Cotidiano de bebês e crianças pequenas/
UFRGS, do GEIN – Grupo de Estudos de Educação Infantil/UFRGS e
do GRÃO – Grupo de Estudos e Pesquisas Infâncias, Educação Infantil
e Contextos Plurais. É integrante do Conselho Municipal de Educação
do município de Campina Grande/Paraíba (2018-2020) e do Fórum do
Agreste Paraibano de Educação Infantil – FAPEI. Tem experiência na
área de Educação, com ênfase em Educação Infantil.

Damião Rocha – Pós-Doc./UEPA. Doutor em Educação/UFBA. Mestre


em Educação Brasileira/UFG. Docente do Doutorado em Educação na
Amazônia – PGEDA/UFPA/UFT. Docente do PPGE/UFT. Coordenador
do Mestrado Profissional em Educação PPPGE/UFT. Pesquisador
do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia:
UEPA,UFRN, UFT (Procad/2018). É Professor Associado do curso de
Pedagogia/UFT. Tem experiência na gestão superior da Universidade,
coordenação de curso de graduação e de programa de pós-graduação.
Líder de grupo de pesquisa plataforma Lattes/CNPq Gepce/Minorias na
área de currículo .

Dante Henrique Moura – É Técnico em Eletrotécnica pela Escola


Técnica Federal do Rio Grande do Norte (1979), atual Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
(IFRN). Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (1986) e tem doutorado em Educação pela
Universidade Complutense de Madri (2003). É professor do IFRN desde
1986, onde leciona disciplinas do núcleo de Formação Pedagógica nas
licenciaturas oferecidas pela Instituição. É pesquisador em educação,
atuando principalmente em Políticas Educacionais e Trabalho e
Educação, com ênfase na educação profissional e em sua integração
com a educação básica e com a educação de jovens e adultos.

Eunice Pereira da Silva – Mestranda em Educação pelo Programa de


Pós-Graduação em Educação Contemporânea (PPGEduc/UFPE/CAA).
Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal
de Pernambuco/Centro Acadêmico do Agreste – UFPE/CAA. Integrante
do Grupo de Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos, Teoria da
Complexidade e Educação coordenado pelo Prof. Dr. Janssen Felipe
da Silva PPGEduc/UFPE/CAA e do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação, Raça, Gênero e Sexualidades Audre Lorde coordenado pela
Profª. Drª. Denise Maria Botelho PPGECI-UFRPE/DED.

386 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Francisca Helena Batista Ribeiro – Graduanda em Ciências
Biológicas pela UFOB, graduada em Bacharelado Interdisciplinar
em Humanidades pela UFBA. Já atuou como bolsista no Sistema
Permanecer – SISPER, pela UFBA, no Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), e no Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC), ambos pela UFOB. Atuou
como participante voluntária no Projeto de Pesquisa Fitossociologia
e Modelos Experimentais em Ecologia da Restauração pela SEMA/
UFOB. Atualmente, integra o grupo de Pesquisa Políticas de Currículo,
Diferença e Educação em Ciências (CCBS/UFOB). Interessa-se por
Currículo, Formação de Professores, Ensino de Ciências e Biologia.

Franklin Kaic Dutra-Pereira – Curriculista das Ciências da Natureza.


Um dos doutores mais jovens do Brasil em Ensino de Ciências e
Matemática (UFRN). Curioso por me/se tornar professor de Química
(UFCG/CES). Semeou saberes, defendeu a ciência e combate o
negacionismo enquanto professor da Educação Básica (2017) e hoje
professor do curso de Licenciatura em Química do Centro de Formação
de Professores da UFRB. Persistente na defesa da democracia, da
universidade, da escola, da diversidade e da formação docente em
Química na UFRB/CFP. Líder do Coletivo Universitário de Pesquisa em
Representação Social, Narrativas [(auto).bio.gráficas] e Argumentação
em Educação Cientícia – RESSONAR/UFRB. Membro do GEPPC/
UFPB. Sócio da ABRAPEC e da SBEnQ.

Gessica Mayara de Oliveira Souza – Mestre em Educação pelo


Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da
Paraíba – PPGE/UFPB (linha de pesquisa de Políticas Educacionais).
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares
– GEPPC da UFPB; Membro do corpo executivo da Revista Espaço
do Currículo; Áreas de interesse: Currículo; Políticas educacionais;
Educação de jovens e adultos.

Givanildo da Silva – Professor do Centro de Educação e do


Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal
de Alagoas. Doutor em Educação (2019) pela Universidade Federal
da Paraíba, Mestre em Educação (2015) e graduado em Pedagogia
(2012) pela Universidade Federal de Alagoas. Possui especialização
em Organização Pedagógica da Escola: Gestão Escolar pelo Centro
Internacional Universitário UNINTER e Estratégias Didáticas na

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 387


Educação Básica com uso das TIC pela UFAL. Tem experiência
profissional como docente na educação básica e no Ensino Superior.
Integrante do grupo de Pesquisa Gestão e Avaliação Educacional
(GAE) UFAL/CNPq; e do Grupo de Pesquisa e Estudos sobre a criança
(GRUPEC) UFPB/CNPq.

Janssen Felipe da Silva – Pedagogo pela FAFIRE (1995), Mestre (2001)


e Doutor (2007) em Educação pela UFPE. Professor Associado III do
Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da UFPE nos Cursos de licenciatura
em Pedagogia e Intercultural Indígena. Professor Permanente dos
Programas de Pós-graduação em Educação do Centro de Educação
(CE) e em Educação Contemporânea do CAA. Pesquisador dos
Grupos de Pesquisa: a) Ensino-Aprendizagem e Processos Educativos;
b) Laboratório de Estudos Antropológicos (vice líder); c) Grupo de
Pesquisa e Estudos sobre Infoinclusão Docente GPEINFO; d) Formação
de Professor e Profissionalização Docente. Coordena o Grupo de
Estudo Pós-Coloniais e Teoria da Complexidade em Educação.

Jessyca Priscylla de Oliveira Nascimento – Graduanda em Licenciatura


em Pedagogia pela UFPB, Bolsista do PIBIC-CNPq e Pesquisadora no
Grupo de Estudos em Políticas e Práticas Curriculares – GEPPC/CNPq.

João Paulo de Lorena Silva – Graduado em Filosofia pelo Instituto


Santo Tomás de Aquino (ISTA), mestre e doutorando em Educação pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisador no Grupo
de Estudos e Pesquisas sobre Currículos e Culturas (GECC/UFMG) e
membro da Associação Brasileira de Currículo (AbdC). Atualmente, é
professor no Colégio Marista Padre Eustáquio. Interessa-se, no campo
do currículo, pelos seguintes temas: infâncias em dissidência de gênero
e sexualidade, filosofias da diferença e teoria queer.

Jorge Luis Umbelino de Sousa – Mestre em Educação (Linha de


Pesquisa em Políticas Educacionais/PPGE/UFPB). Especialista em
Gestão da Educação Municipal (MEC/SEB/PRADIME/UFPB). Possui
Licenciatura Plena em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa
pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Cursa Graduação em
Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Desenvolve
estudos e pesquisas na área de políticas educacionais com foco nas
políticas de currículo, diferença cultural e ensino de língua portuguesa
na escola. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas
Curriculares (GEPPC/UFPB).

388 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


José Diógenes dos Santos Filho – Graduando do curso de Pedagogia
pela Universidade Federal de Alagoas. Integrante do grupo de Pesquisa
Gestão e Avaliação Educacional (GAE/CNPq) e do Projeto de extensão
Saberes e Culturas na Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI).
E-mail: [email protected].

Joseval dos Reis Miranda – Doutor em Educação pela Universidade de


Brasília (UnB). Professor da Universidade Federal da Paraíba, Centro de
Educação, Departamento de Metodologia da Educação. Atua também
como Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação-
PPGE, campus I e do Programa de Mestrado Profissional em Letras
– PROFLETRAS, campus IV. E-mail: [email protected].

Josimere Serrão Gonçalves – Pedagoga, Especialista em Coordenação


e Organização do Trabalho Pedagógico- CUBT/UFPA; Especialista em
Relações Raciais para o Ensino Fundamental- UNIAFRO/UFPA. Técnica
em Educação na Rede Estadual de Ensino (SEDUC/PA). Integrante
do GEPEGE: Grupo de Pesquisa em Gênero e Educação (Campus
Universitário de Abaetetuba/Baixo Tocantins, UFPA). Mestranda do
Programa de Pós- graduação em Cidades, Territórios e Identidades/
PPGCITI-UFPA, na linha de pesquisa Identidades: linguagens, práticas
e representações.

Joyce Otânia Seixas Ribeiro – Graduada em Pedagogia pela UFAM,


Mestre e doutora em Educação pela UFPA, com estágio pós-doutoral
na UPLA/Chile. É professora associada da Faculdade de Educação e
Ciências Sociais/Campus Universitário de Abaetetuba/UFPA e do
Programa de Pós- Graduação em Cidades: territórios e identidades, na
linha de pesquisa Identidades: linguagens, práticas e representações. É
líder do Grupo de Estudos e Pesquisa Gênero e Educação/CNPq.

Júlio César Augusto do Valle – Professor do Instituto de Matemática e


Estatística da Universidade de São Paulo (IME- USP), universidade onde
se graduou em Licenciatura em Matemática, além de Mestre (2015) e
Doutor (2019) em Educação. É especialista em Políticas Públicas para
a Igualdade Social na América Latina pelo Consejo Latinoamericano
de Ciencias Sociales (CLACSO). É membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Etnomatemática (GEPEm) desde 2012, da Faculdade
de Educação da Universidade de São Paulo. Em Janeiro de 2017,
aceitou o convite para se tornar Secretário de Educação e Cultura de
Pindamonhangaba, tornando- se, em 2019, Secretário Municipal de

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 389


Educação, após a reorganização administrativa das áreas, cargo que
exerceu até Março de 2020.

Kátia Patrício Benevides Campos – Graduada em Licenciatura Plena


em Pedagogia – UFPB (2000), Mestre em Ciências Sociais – UFRN
(2007), Doutora em Educação – UERJ (2012). Professora Associada I
da Universidade Federal de Campina Grande/UAEd, atuando na área
de educação infantil e educação inclusiva. Integra o Grupo de Estudos
e Pesquisas Infâncias, Educação Infantil e Contextos Plurais (Grão),
cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil/CNPq. Integra
o Mestrado Acadêmico do programa de Pós- Graduação em Educação
– PPGEd/CH/UFCG, na Linha Práticas Educativas e Diversidade.

Kléber Neves Marques Júnior – Possui graduação em Serviço Social pela


Faculdade Internacional da Paraíba – FPB (2018), tendo desenvolvido
a monografia (Des)continuidade no espaço educativo: reflexões sobre
a trajetória escolar/acadêmica de travestis e transexuais usuários
(as) do Centro de Cidadania LGBT de João Pessoa/PB. Atualmente é
mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE pela
Universidade Federal da Paraíba – UFPB, na linha de Estudos Culturais
da Educação, tendo como objeto de estudo as masculinidades não
hegemônicas no Ensino Médio. É graduando do curso de Pedagogia
também pela UFPB.

Lindalva José de Freitas – Ph.D. em Gestão e Inovação Educativa.


Doutora em Ciências da Educação. Mestrado em Psicologia da
Educação. Especialização em Formação de Professores. Graduação
em Licenciatura Plena em Letras/Inglês. Professora e Coordenadora
Pedagógica aposentada da Rede Estadual de Ensino de PE e da Rede
Municipal de Limoeiro. Professora dos Cursos de Administração,
Ciências Contábeis, Letras e Pós-Graduação da Faculdade Luso-
Brasileira (FALUB/ Carpina, PE). Coordenadora do GIPELLUB (Grupo
Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Linguagem da FALUB).
Professora visitante nos cursos de mestrado na área de Avaliação,
Planejamento e Tecnologias Educacionais.

Lucilia Vernaschi de Oliveira – Doutora em Educação pela


Universidade Estadual de Maringá, UEM (2019); Mestre em Educação
pela Universidade Estadual de Maringá, UEM (2009); Graduada em
Pedagogia pela Faculdade de Ciências, Filosofia e Letras de Umuarama
(1989); Graduada em Fonoaudiologia pelo Centro Universitário

390 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


de Maringá (2004); Especialista em Orientação, Supervisão e
Administração Escolar (2001); Psicopedagogia Institucional e Clínica
(2007); Gênero e Diversidade na Escola (2016); e, Educação Especial
e Inclusiva (2019); Professora PDE 2010/2012 -SEED/PR; Integrante do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Escola, Família e Sociedade (GEPEFS/
UEM) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Especial e
Inclusiva do IFPR (GEPEEIN/IFPR). Atualmente é docente EBTT de
Educação Especial no IFPR – Campus Umuarama.

Marco Antonio Oliva Gomes – Doutor em Educação (PPGE-


UFES/2012) na área de Currículo, Cultura e Formação de Educadores;
Mestre em Educação (PPGE-UFES/2008) na área de Diversidade e
Práticas Educacionais Inclusivas; Graduado em Educação Artística/
Artes Visuais (UFES/2004), Graduado em Pedagogia (UNIUBE/2013) e
Pesquisador do GRPEs/CNPq “Currículos, cotidianos, culturas e redes
de conhecimentos”. Desenvolve investigações com ênfase nos campos
do “Currículo”, “Formação de Educadores” e “Processos Inclusivos”
(Educação Especial, Educação Inclusiva, Questões de Gênero, Questões
Étnico-Raciais e Questões Multiculturais) e “Cotidiano Escolar”. Atua
como Professor Titular na Universidade Vila Velha (2013 até a presente
data) e como Professor Efetivo de Artes em escolas da Rede Estadual do
Espírito Santo (2009 até a presente data).

Marcos Antonio Batista da Silva – Doutor em Psicologia Social pela


PUC-SP, com Mestrado e Graduação em Psicologia. Atualmente
realiza Pós-doutorado no Centro de Estudos Sociais, Universidade
de Coimbra, no âmbito do projeto POLITICS – A política de (anti)
racismo na Europa e na América Latina: produção de conhecimento,
decisão política e lutas coletivas (Projeto 725402 – POLITICS – ERC-
2016-COG). Professor colaborador da Faculdade de Ciências e Letras
– Campus de Araraquara-Unesp. Interessa-se pelo campo da Educação
para as relações étnico-raciais: juventude, ensino superior e currículos.

Maria Beatriz da Silva Santos – Graduada em Pedagogia pela


Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professora da Rede Municipal
de Ensino da cidade de Pilar – PB. Integrante do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Políticas Curriculares – GEPPC. Editora da Revista Espaço
do Currículo (REC). E-mail: [email protected].

Maria Carolina da Silva Caldeira – Graduada em Pedagogia pela


UFMG, Mestre e Doutora em Educação pela mesma instituição. É

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 391


professora do Centro Pedagógico e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFMG, no qual orienta dissertações e teses relacionadas
aos temas currículo, gênero, alfabetização e inclusão. É membro do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículos e Culturas (GECC/FaE/
UFMG) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Inclusiva
e Diversidade (NEPED/CP/UFMG).

Maria Zuleide da Costa Pereira – Professora titular da UFPB, vinculada


ao Departamento de Habilitações Pedagógicas desde 1994. Licenciada
em Educação Física pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e
em Pedagogia pela UFPB. Mestre em Educação pela Universidade
Federal da Paraíba. Doutora em Educação pela Universidade Metodista
de Piracicaba – SP. Pós Doutorado pela Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ). Atualmente é professora da disciplina Currículo
e Trabalho Pedagógico nos cursos de Licenciaturas e atua na área
de Políticas Educacionais (PE) no Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE). Pesquisa as políticas curriculares da Educação Básica
transversalizadas por questões que envolvem o currículo. Membro
do GEPPC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares).
E-mail: [email protected].

Marlucy Alves Paraíso – Fez Estágio Sênior na Universidade de


Barcelona – ES (2015), com Bolsa CAPES. Fez Pós-Doutorado (PHD)
em Educação na Faculdad de Filosofia y Ciências de la Educación de
la Uiversidad de Valência ES (2009) com bolsa CAPES; Doutorado
em Educação pela UFRJ (2002); Mestrado em Educação pela UFRGS
(1995) e Graduação em Pedagogia pela UFV (1992). É professora
Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (onde atua desde 1995) e do Programa de Pós-graduação em
Educação da mesma universidade (desde 2003). Seus trabalhos de
ensino, pesquisa, extensão e orientação têm como foco os currículos da
educação básica, currículo e diferença, currículo e culturas, currículo,
gênero e sexualidades, currículos e outros artefatos.

Mateus Fonseca dos Santos – Possui formação no curso Técnico em


Agropecuária pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia
Baiano – Campus Santa Inês (2019). Atualmente está cursando
Licenciatura em Química pela Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia – Centro de Formação de Professores (UFRB – CFP). Bolsista
no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID).
Voluntário no Projeto de Iniciação Científica: Desenvolvimento de
um fotoreator em escala laboratorial para a degradação de potencias
poluente ambientais.

392 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


Matheus Vieira da Silva – Graduando do curso de Pedagogia pela
Universidade Federal de Alagoas. Integrante do grupo de Pesquisa
Gestão e Avaliação Educacional (GAE/CNPq) e do Projeto de extensão
Saberes e Culturas na Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI).
E-mail: [email protected].

Max Alexandre da Silva – Professor de Química do Estado do Rio


Grande do Norte (RN) que cursou Licenciatura em Química e Física na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e se formou na
Universidade Potiguar (UNP – 2003). Possui Especialização em Ensino
de Química no Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Ensino de
Ciências Naturais e Matemática (PPGCNM) (UFRN 2004.1 – 2005.2)
e Mestrado em Ciências da Educação no Programa Multidisciplinar
de Pós-Graduação em Ciências da Educação da Faculdade de Brasília
(ISEL – 2014). No Ensino Superior, atuou como Professor Substituto do
Departamento de Química / UFRN e Professor da Especialização de
Professores na Faculdade de Natal (FAL) Polo Jorge Ubirací. Atualmente
faz parte do quadro de professores efetivos do Governo do Estado do
Rio Grande do Norte.

Michele Guerreiro Ferreira – Graduada em Ciências Sociais e


Especialista em História do Brasil pela FAFICA; Mestra em Educação
Contemporânea e Doutora em Educação pela UFPE. Professora de
História da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco; Associada da
ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadoras/es Negras/os) e da
ALAS (Associação Latino-Americana de Sociologia); Integrante do
NUPEFEC (Núcleo de Pesquisa, Extensão e Formação em Educação do
Campo – UFPE), do Instituto de Estudos da América Latina (IAL-UFPE);
e do Grupo de Estudo Pós-Coloniais e Teoria da Complexidade em
Educação – CAA/UFPE.

Natálya Rubert Wolff Camy – Acadêmica do Curso de Mestrado,


Programa de Pós-graduação em Educação – FAED/UFMS. E-mail:
[email protected].

Nathalia Fernandes Egito Rocha – Pedagoga, Mestre e Doutora


em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal da Paraíba – PPGE/UFPB, na linha de pesquisa
em Políticas Educacionais. Professora Adjunto A do DHP/UFPB
Áreas de interesse: Currículo; Políticas Curriculares; Projeto Político
Pedagógico; Tecnologias e Educação ; Avaliação e Gestão.

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 393


Rafaela dos Santos Lima – Licenciada em Química pela Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia – Centro de Formação de Professores
(UFRB – CFP). Especialista em Docência do Ensino Superior pela
Universidade Cândido Mendes (UCAM). Mestra em Educação
Científica e Formação de Professores pela Universidade Estadual
do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutoranda em Ensino, Filosofia e
História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia a (UFBA).
Coordenadora Pedagógica da Faculdade de Educação Social da
Bahia (FAESB). Membro do Coletivo Universitário de Pesquisa em
Representação Social, Narrativas [(auto).bio.gráficas] e Argumentação
em Educação Cientícia – RESSONAR/UFRB.

Rayane Pereira dos Santos – Graduada em Pedagogia pela UFPB,


Especialista em Desenvolvimento Humano e Educação Escolar
pela UEPB e mestranda em Educação pela UFPB. Já atuou como
coordenadora de Educação infantil na Secretaria de Educação do
município de Casserengue -PB. Atualmente, atua como professora de
Educação Infantil de uma escola da rede privada do município de João
Pessoa/PB.

Rute Pereira Alves de Araújo – Possui graduação em Pedagogia (UEPB);


Especialização em Educação (UFCG), mestrado em Letras – Literatura
e Ensino – (UFCG) e doutorado em Educação (PPGE/UFPB), com
pesquisa desenvolvida na linha de Políticas Educacionais/currículo.
Professora Adjunta II da Unidade Acadêmica de Educação da UFCG
– Campina Grande/PB.Tem experiência na área de Educação, com
ênfase em Educação Infantil, atuando principalmente nos seguintes
temas: ensino, currículo, políticas curriculares, metodologia, leitura
literária infantil e juvenil, lúdico e educação infantil. É pesquisadora
integrante: do GEPPC/UFPB – Grupo de Estudos e Pesquisas em
Políticas Curriculares e do Grão/UFCG – Grupo de estudos e pesquisas
infâncias, educação infantil e contextos plurais. Integrante do Fórum
do Agreste Paraibano de Educação Infantil (FAPEI).

Saimonton Tinôco – Curioso por conhecer as questões do


desenvolvimento e da aprendizagem nos humanos, começou
ensinando às crianças e agora se dedica aos professores na UFPB,
Campus II, Areia/PB. Graduado em Pedagogia (UFRN), Doutor em
Educação Especial (UFSCar). Líder do Grupo Interinstitucional de
Pesquisa A[travessa]mentos (UFPB/IFSP) e membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares – GEPPC (UFPB). Entende
que a Ciência, sozinha, não dá conta de respostas, por isso tem se

394 Editora Mercado de Letras – EDUCAÇÃO


aproximado da Arte e da Filosofia enquanto campos de estudo que
dialogam com a Educação. Sonha com um mundo melhor, por isso
não apoia o governo que está comandando o Brasil e nem as posturas
fascistas que têm se manifestado fortemente na atualidade.

Sheila Costa de Farias – Possui Graduação em Licenciatura Plena em


Letras e Especialização em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua
Inglesa, ambos pela Universidade Federal de Campina Grande;
Mestrado em Letras e Doutorado em Linguística, pela Universidade
Federal da Paraíba, com Estágio Doutoral na Universidade Concórdia
(Concordia University), no Canadá. Atualmente, é Professora da
Universidade Federal da Paraíba – Campus Areia. Tem experiência
na área de Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas:
inglês instrumental e bilinguismo.

Thamyres Ribeiro da Silva – Licenciada em Química pela UFPB-


Campus II, Mestranda em Educação na linha de Políticas Educacionais-
PPGE/UFPB. Curiosa e defensora das Ciências, atua como professora
de Química da Educação Básica e defende que estas, sobretudo a
Química, deve ser ensinada-aprendida como uma forma de emancipar
os sujeitos, que a edificam diariamente. Além disso, defende que
a educação é uma poderosa forma de transformação de vidas,
sobretudo ao entender que as pessoas que a constroem têm sonhos,
conhecimentos diversos, anseios e histórias. Interessa-se pelas políticas
de Educação Integral e em Tempo Integral, Políticas Curriculares e
Ensino de Ciências.

Vanessa Campos de Lara Jakimiu – Graduada em Pedagogia pela


Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória –
PR. Mestre e Doutora em Educação na linha de Políticas Educacionais
pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Membro da Red de
Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa – ReLePe.
Membro da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais no
Brasil (ANFOPE). Professora nos anos iniciais do ensino fundamental
da rede pública de ensino do município de União da Vitória- PR.
Professora no Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná
– Campus União da Vitória sob regime de contratação temporária.

Vinícius Moreira Sousa de Jesus – Licenciando em Química pela


Universidade Federal do Recôncavo Baiano, membro do grupo de
Pesquisa Ensino Extensão em Educação Química (PEQUI).

POLÍTICAS CURRICULARES E AS INOVAÇÕES (NEO)CONSERVADORAS 395

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