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Os mouros vistos por cronistas peninsulares do século

XV: Pero Carrillo de Huete e Lope de Barrientos e


Gomes Eanes de Zurara

JULIETA ARAÚJO1
Universidade de Lisboa

RESUMO: Olhar para o século XV peninsular pode criar a ilusão de que a geografia política correspondia
às divisões dos reinos separados pelos credos religiosos, mas esta aparência é uma forma simplista de abordar
esta temática. Um olhar mais atento revela que a teia política e diplomática é cheia de nuances, muito mais
complexo do que aparenta e onde reinos cristãos podem se guerrear enquanto têm tréguas com o reino
muçulmano de Granada. O longo convívio de séculos entre religiões trouxe guerra, mas também paz e
destes tempos ficaram vários testemunhos de cronistas, de que vamos estudar três: Pero Carrillo de Huete,
Frei Lope de Barrientos e Gomes Eanes de Zurara.
Palavras-chave: Idade Média, Península Ibérica, Cronistas

ABSTRACT: Looking at the XV century in the Iberian Peninsula in a simplistic way can separate the
kingdoms in presence by the different religions. But a closer look reveals that the political and diplomatic
web is full of nuances, much more complex than it appears and where Christian kingdoms are at war while
having truce with the Muslim kingdom of Granada. The long coexistence of centuries between religions has
brought war, but also peace and from these times there are several testimonies by chroniclers, of which we
will study three: Pero Carrillo de Huete, Friar Lope de Barrientos and Gomes Eanes de Zurara.

Keywords: Middle Ages, Iberian Peninsula, Chroniclers

1 Docente do Departamento de História e Investigadora do Centro de História da Faculdade de Letras da


Universidade de Lisboa. Especialista em Idade Média Peninsular e História dos Descobrimentos e Expan-
são. [email protected]
Autores, obras e época

A Península Ibérica no século XV era palco de conflitos entre os vários reinos, fossem
cristãos ou muçulmanos. Deles ficaram vários testemunhos, visão dos acontecimentos da época
dada pelos vários cronistas que completam as informações obtidas através da documentação
oficial.

São esses olhares que vamos analisar neste trabalho, procurando ver até que ponto a
diferença religiosa interfere na descrição dos acontecimentos. Os cronistas tentam manter-se
isentos na sua descrição dos acontecimentos ou não?

Procurámos três autores coevos e que se complementam e optámos por escolher dois
castelhanos e um português, Pero Carrillo de Huete, autor da “Crónica del Halconero”,
Frei Lope de Barrientos, autor da “Refundición de la Crónica del Halconero” e Gomes
Eanes de Zurara na sua obra “Crónica do Conde D. Duarte de Meneses”.2 Escolhemos, dos
muitíssimos capítulos que cada um deles dedica à guerra com os mouros, um ou outro, que
mostrassem o seu olhar sobre o adversário. Temos consciência dos limites desta amostragem
pois não reflete todas as observações que estes autores fazem sobre os mouros. 83

Cada autor tem um estilo de escrita próprio, uns mais adornado, outros mais directo. A
obra de Pero Carrillo de Huete, que tem uma visão mais directa, por seu lado o Bispo Lope
de Barrientos que vai utilizar a obra de Huete e lhe vai acrescentar vários tipos de informação
principalmente de carácter cortesão, pormenores dos meandros da corte, os quais o Bispo
conhecia profundamente, dando informações referentes a anos anteriores e seguintes. A
obra de Huete é muito informativa e abarca essencialmente os anos de 1420 a 1440, mas Frei
Lope de Barrientos, autor da Refundición del Halconero vai acrescentar anos, principalmente
após 1441. Através da pena destes dois cronistas vemos delinear-se perante os nossos olhos a
sociedade castelhana do século XV, com as lutas políticas e jogos pelo poder. Algumas destas
obras beneficiaram mais tarde do desenvolvimento da imprensa desenvolvimento tecnológico
que foi muito usado para difundir as Bulas de Cruzada, como refere Ladero Quesada. “Pero,
sobre todo, la imprenta era un medio formidable para la comunicación de doctrina y lo

2 “A sua vida coincidiu com o tempo histórico que foi objecto do seu estudo, ou seja, da conquista de Ceuta,
em 1415, à morte de D. Duarte de Meneses, em 1464. Podemos assim defender que Zurara trata de acon-
tecimentos vivos na sua lembrança, não lhe sendo difícil reconstituir uma época histórica de que se conside-
rava, ao mesmo tempo, criatura e testemunha” (SERRÃO, 1990, p. 31).
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empleó para perpetuar escritos que habían nacido al calor de situaciones concretas pero que
tenían un valor duradero” (LADERO QUESADA, 2017, p. 259).

Pedro Carrilho de Huete ou Albornoz, foi o falcoeiro-mor do rei D. João II de Castela


e figura muito presente na corte devido à proximidade com o rei e a obra de Huete tem sido
estudada por autores como Torres Fontes (1961). Huete dá informações sobre as grandes
figuras da nobreza, mesmo as mais controversas, o que podemos constatar quando refere
a figura do Condestável Alvaro de Luna; Huete critica-o da mesma maneira que faz em
relação ao resto da nobreza. Desde a infância de João II vários nobres procuraram impor-
se-lhe, principalmente os filhos de D. Fernando, de Aragão, D. João e D. Henrique que
até entraram em guerra na busca de quem conseguia influenciar mais o jovem monarca
(GOMEZ IZQUIERDO, 1968, p. 13).

O Bispo Dom Lope de Barrientos, figura muito ativa da política castelhana, é talvez
dos que ataca menos a Álvaro de Luna, como refere Mata de Carriazo Barrientos revela-se
um protetor do poder real, tal como tinha sido Álvaro de Luna (BARRIENTOS, 1946, p.
84 XV). D. Álvaro, o condestável de D. João II de Castela, procurou cerrar fileiras ao serviço do
monarca e serviu de estabilizador frente aos grupos que queriam governar, reunindo em si os
ódios gerais, o que acabou por pagar com a vida.

O reinado abordado pela obra de Huete e Barrientos é o de D. João II de Castela, altura


conturbada com grandes nobres, como D. Fernando, o de Antequera, futuro rei de Aragão. As
disputas da nobreza dividiam-se sob a forma de clientelas para apoiar um ou outro partido,
grandes nobres procuram impor-se ao monarca castelhano de forma governar por ele e assim
favorecer todos os que o apoiavam, outros procuravam apoiar o rei e ser recompensados por
tal. Eram distribuídos os cargos, as rendas e benefícios entre os escolhidos.

O Bispo Lope de Barrientos teve um papel ativo na política castelhana da época tendo
sido objecto de vários estudos e refere Juan de Mata Carriazo no seu Estudo preliminar
da Refundición que Lope de Barrientos foi um dos personagens mais influentes da política
castelhana em meados do século XV e entre vários papéis que desempenhou foi conselheiro
do rei (BARRIENTOS, 1946, p. XV).

Temos informação de vários aspetos da sua vida, alguns até referidos na obra de Huete,
mas salientamos apenas alguns; como quando D. Leonor, rainha viúva de Duarte de Portugal,
esteve recolhida em Castela, em busca de apoios para recuperar o trono. Em junho de 1441
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(HUETE, 1946, p. 404.) as contendas entre os partidos em Castela continuavam, pelo que
a rainha de Castela, o príncipe e a rainha viúva de Portugal, que estavam no Mosteiro de las
Dueñas, pediram ao rei a intercessão de D. Lope de Barrientos, para resolver este assunto. D.
Lope de Barrientos vai apresentar uma solução ao rei de acordo com as rainhas de Castela
e Portugal, o que D, João II aceitou ponderar de acordo com o seu Conselho (HUETE,
1946, p. 585). Salientemos que Barrientos também tem lugar na Inquisição, o que justifica
a sua biografia na obra de Pedro Monteiro, história da Santa Inquisição (MONTEIRO,
MDCCL, p. 410).

Não nos alargando muito e salientando apenas os principais aspetos da sua vida
referimos que foi Bispo, Chanceler mor de D. João II, seu Confessor, e Mestre do príncipe e
futuro rei, Henrique IV. Foi Inquisidor e está ligado à destruição dos livros de D. Henrique
de Vilhena, que mandou queimar por serem contra a fé. Foi autor de várias obras algumas
contra a Necromancia, e Quiromancia e Mata de Carriazo, refere no seu estudo preliminar,
que Lope de Barrientos foi teólogo e moralista e que a sua maior vocação foi para a política
ativa (BARRIENTOS, 1946, p. XV).
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Tendo sido o mestre do príncipe de Castela, D. Henrique “notando no discípulo
algumas leviandades nos seus divertimentos, que também desagradava a seu Pay, o livrou
dellas com discretas admoestaçoens”, talvez por isso, não se esquecendo do ocorrido, quando
D. Henrique se torna rei não o beneficia, pelo contrário. Teve uma vida longa e activa tendo
também fundado conventos da sua ordem, os dominicanos (MONTEIRO, MDCCL, p.
409).

Gomes Eanes de Zurara, o grande cronista da presença portuguesa no Norte de África


dedica vários capítulos das suas obras à guerra e investidas dos mouros e contra os mouros.
Refere Serrão sobre a vida de Zurara “Aparece na Corte de D. Afonso V, onde, a partir
de 1446, teria beneficiado da presença de Mateus de Pisano, preceptor do jovem monarca”
(SERRÃO, 1990, p. 27).

Autor de várias outras obras teve a proteção do monarca português D. Afonso V e


era conhecedor do Norte de África a onde se deslocou para fazer inquéritos e conhecer os
locais sobre os quais escrevia. José de Bragança na introdução que faz à edição da Crónica da
Guiné refere que do percurso militar de Zurara não ficou vestígios e “entra já maduro para
a vida das letras, num momento crítico da política da nação. É logo a seguir a Alfarrobeira,

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onde se consumou a revindicta de uma facção ambiciosa e insofrida contra a superioridade
de nascimento, de cultura e de poderio do Infante D. Pedro” (ZURARA, 1973, p. XXXIX).

Os contactos entre religiões

A presença dos muçulmanos na península é relatada desde a sua entrada em 711, refere
Adeline Rucquoi “Les musulmans dominent une partie de la Péninsule entre 711 et 1492.
Dans cet al-Andalus - indépendamment de son extension territoriale - qui varia selon les
époques” (RUCQUOI, 2002, p. 94).

Esta presença vai dar origem a várias referências em obras, algumas mesmo tendo como
tema central a reconquista cristã na Península, obras de carácter épico, refere Zurara como a
obra castelhana, “Crónica ou Leyenda de las Mocedades del Cid” que ele usa como inspiração
para a sua crónica da Guiné. Salienta que esta obra que se justificava por causa de grandeza
dos feitos dos portugueses no Norte de África, tal como as Mocedades del Cid, se justificara
pela luta contra os muçulmanos.
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A motivação oficial nestas obras é a expansão da fé e a necessidade de passar para escrito
tais façanhas de forma a que estas não se percam no tempo. Zurara continua a discorrer sobre
a importância da sua obra pois que esta obra é para fazer recordar os grandes acontecimentos
tal como o rei Ramiro “desejando de não escorregar da memória dos Espanhoes a grande
ajuda que lhe fez o bemaventurado apostolo Santiago, quando os livrou do poderio dos
Mouros e prometeu de ser nosso ajudador em todalas batalhas que com eles houvéssemos...”
pelo que tudo mandou escrever (ZURARA, 1973, p. 9). E Zurara faz o mesmo em relação
aos feitos dos portugueses e é neste contexto que temos que inserir a sua obra Crónida de D.
Duarte de Menezes.

O contacto entre religiões foi uma constante durante a Idade Média na Península
Ibérica, as relações alternavam entre guerra aberta e pazes dependendo do equilíbrio de
forças. A guerra estava ligada à expansão territorial e ocorria quer entre reinos cristãos, quer
entre reinos cristãos e muçulmanos. Refere Veríssimo Serrão:

A vizinhança da Mauritânia e o facto de ter suportado cinco séculos de domínio


muçulmano davam a Portugal vantagens de ordem política e estratégica para
manter esse combate. Acresce que, no início do século XV, os árabes de Granada

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ocupavam ainda uma parte da Andaluzia, o que representava uma grave ameaça para
a integridade dos reinos da Península Ibérica, já duramente batidos pelo processo da
Reconquista cristã (SERRÃO, 1990, p. 21).

A reconquista era acompanhada pelos restantes reinos na época, mas a presença


muçulmana na península tinha características próprias e o reino de Granada ganhara uma
certa independência face ao resto do mundo muçulmano e possuía um elevado grau de
sofisticação.

Em fins do século XIII, os Cristãos haviam reconquistado toda a península, com a


única excepção da cidade e província de Granada, onde durante cerca de mais de
dois séculos continuou no trono luna dinastía muçulmana. Foi aí, à luz do ocaso do
Islão espanhol, que se ergueu a fantasia magnífica e esplendorosa do Alhambra, a
última e suprema expressão do seu génio criador (LEWIS, 1990, p. 143).

Mas a questão territorial colocava outra questão, o que fazer com os muçulmanos que
habitavam nos territórios conquistados pelos cristãos? Houve dois tipos de reação da parte 87
dos muçulmanos:

En los medios jurídicos de rito malikí-el predominante en Andalus, Sicilia y el


norte de África- algunos llegarán a opinar que si el gobernante cristiano toleraba
el ejercicio libre de la religión y permitía a los creyentes vivir de acuerdo con las
prescripciones de la ley coránica, en tal caso, los musulmanes tenían un derecho
legítimo a permanecer en sus lares (COCA CASTAÑER, p. 241).

Outra posição era considerar que tinham de abandonar os territórios perdidos e partir
para Granada. Por parte dos cristãos as reações também eram distintas, mas vemos por parte
dos monarcas cristãos, legislação no sentido de proteger os mouros que ficavam no território.

A importância dos feitos bélicos

Segundo o ideário da Idade Média o monarca devia proteger o reino e a sua população
dos inimigos, assim uma das principais obrigações de um monarca era fazer a guerra, quer

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defensiva quer ofensiva, isto explica que uma das maiores obrigações de um monarca seja uma
obrigação de caráter militar (fuero, Alfonso X). Tal, era um denominador comum aos reinos
cristãos peninsulares e cada um procurava demonstrar aos Papas o seu labor na expansão da
Fé, em simultâneo para um jovem da nobreza se poder tornar cavaleiro necessitava de realizar
um feito bélico e ainda mais desejável se fosse feito contra os infiéis. Mas não esqueçamos
outros fatores, como o proveito que advinha das conquistas.

Esta obrigação militar aparece refletida nas crónicas do século XV e Barrientos refere
como era difícil manter diversas frentes de batalha, pelo que, por vezes, era necessário fazer
tréguas com um reino para se poder guerrear outro. Como exemplo, em 1405 (BARRIENTOS,
1949, p. 11). Henrique III de Castela faz pazes com o rei português, para partir para Toledo
com seu irmão, D. Fernando seu irmão, e outros grandes nobres como Rui Lópes de Avalos,
e com João de Ylescas, bispo de Siguença, para fazer guerra aos mouros.

O esforço de expansão da fé de ambos os lados era muito complexo e caminhava a par


com os tratados e acordos, pois nem em todas as épocas esse desejo de proselitismo tem a
88 mesma intensidade.

Desta diversidade da sociedade islâmica ressalta um segundo traço característico,


particularmente surpreendente para o observador europeu - a sua relativa tolerância.
Contrariamente aos seus contemporâneos do Ocidente, o muçulmano medieval
raramente sentiu necessidade de impor o seu credo pela força a todos aqueles que
se encontravam subjugados à sua autoridade. Tal como eles, ele sabia perfeitamente
que, na devida altura, aqueles que acreditavam em algo diferente sofreriam as penas
do Inferno (LEWIS, 1990, p. 159).

O reacender do conflito

Mas no início do século XV reacendesse o conflito entre Castela e Granada e sabemos


que tal, também tem a ver com as circunstâncias internas de Granada.

Segundo Barrientos o reacender da guerra foi causada pela tomada, por parte dos
mouros em tempo de tréguas, de um castelo de D. Álvaro Perez de Guzmão, denominado
Ayamonte, e que tendo sido requerido pelo monarca castelhano, não fora devolvido.

É importante salientar que a guerra não pode ser apenas motivada pela diferença
religiosa segundo o direito medieval e os acordos tinham que ser respeitados.

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Havia quem acusasse o rei de não querer mover-lhes guerra, mas tendo os mouros
entrado por Baeça, Pero Manrique adiantou-se de Leão, e com Día Sanchez de Benavides,
caudilho do bispado de Jaén, e outros cavaleiros, saíram a fazer-lhes frente. A batalha longa
e sangrenta ficou indecisa, havendo muitas mortes de ambas as partes. Assim, o rei Henrique
dirigiu-se a Toledo, onde juntou as suas gentes e reuniu cortes para tratar dos assuntos da
guerra. A descrição dos confrontos por parte do cronista é de caracter militar sem fazer
avaliações de caracter.

O rei castelhano sentindo-se enfermo, tomou os sacramentos, fez testamento e preparou-


se para bem morrer “como fiel cristiano” (BARRIENTOS, 1949, p. 12). A morte de Henrique
III de Castela deixava o príncipe D. João, seu filho, com apenas vinte e dois meses, e como
tutores ficaram, o infante D. Fernando, irmão do rei, e a rainha D. Catarina, sua viúva.

O motivo da falta de interesse de Henrique III em atacar Granada deve ter a ver com o
facto de este reino pagar párias a Castela, o que economicamente era muito vantajoso, já que
o ouro muçulmano era dos mais puros que circulava. Esta ligação era também de carácter
jurídico já referida na época de Afonso X, e respeitada pois o incumprimento enquadra-se 89
como num tipo de traição, refere:

“La cuarta (tipo de traição) es cuando algún rey o señor de alguna tierra que es fuera
de su señorío quiere dar al rey la tierra de donde es señor, o le quiere obedecer dándole
parias o tributos, y alguno de su señorío lo estorba de hecho o de consejo”.3 Esta questão
refere Mitre Fernández quando reflete sobre a presença nas Cortes de Castela e Leão,
dos príncipes estrangeiros vassalos dos monarcas de Castela. Realmente com a conquista
do vale do Guadalquivir também os monarcas nazaríes ficaram como vassalos. (MITRE
FERNÁNDEZ, 1968, p. 66).

No século XV, realmente, o difícil equilíbrio entre os reinos peninsulares cristãos e


muçulmano é alternado entre tréguas e pazes e acordos vários. Tal é salientado por Adeline
Rucquoi “Au sud, l’émirat de Grenade est le dernier bastion des musulmans en Espagne. Ses
souverains, installés à Grenade, entretiennent avec la Castille des relations qui oscillent entre
l’entrée en vassalité et le conflit” (RUCQUOI, 2002, p. 82).

As conquistas e os tratados, no entanto, não asseguram um controlo completo

3 http://www.pensamientopenal.com.ar/legislacion/33312-vii-partidas-alfonso-sabio
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da circulação da população cristã ou muçulmana, mas o controlo da população era uma
preocupação intemporal dos monarcas pois só assim podiam prever quanto receberiam de
impostos. Por vezes há um esforço para que estas questões fiquem logo acordadas, como
exemplo temos a negociação em dois acordos entre Aragão e Granada sobre o abandono dos
territórios aragoneses por parte dos muçulmanos.

En mayo de 1326, a punto de expirar esta tregua, el nuevo emir, Muhammad IV,
renovaba las paces con Aragón por otros cinco años, consiguiendo mantener una
cláusula similar a la anterior. Dice así: “Otra de las condiciones es que no prohibiréis a
los musulmanes mudéjares, residentes en vuestros dominios, que salgan hacia nuestro
país con sus bienes, sus familias y sus hijos, y que no se les hará objeto de ninguna
violencia ni se les exigirán más tributos que los establecidos por la costumbre en
cada caso, sin añadir nada más” Gracias a una correlación de fuerzas favorables, los
nazaríes lograron en los años veinte que los reyes de Aragón continuaran tolerando
la emigración de sus vasallos mudéjares (COCA CASTAÑER, p. 245).

Durante o século XV há reclamações por parte da nobreza sobre a partida dos mouros
90 pelo que se endurecem as leis. Assim o rei Martin de Aragão, em agosto de 1405 assina
um tratado de paz com Muhammad VII de Granada, mas não aceitou uma das cláusulas
pedidas, a liberdade de emigração dos muçulmanos de Aragão para Granada.

El fuero de 1403 había, sido redactado en unos términos tales que podía entenderse
que la prohibición de abandonar Valencia también incluía a estos comerciantes. De
hecho, sería modificado en 1407 para permitir que pudieran salir del reino tanto los
mercaderes y marinos mudéjares como los excautivos de origen granadino y magrebí
que deseaban volver a sus hogares (COCA CASTAÑER, p. 250).

A partida por parte de muçulmanos de territórios cristãos para Granada ou Norte de


África, sem estar enquadrado em tratados era considerada como abandono e desta forma
revertiam para a coroa. Na Chancelaria D. Afonso V há documentos que ilustram esta
situação:

Dom Afonso etc. A quantos esta nosa carta virem fazemos saber que nos diserom
que Armeiro Castellar mouro morador que foy em esta villa de Samtarem poderia
aver (em branco) annos que se partira e a que pera o reino de Graada o quall mouro
atee hora ... despois tornou pella quall rezam se asy he como nos diserom per bem

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de nosas ordenaçoes en tall caso feictas ho dicto mouro perde pera nos quaeesquer
beens asy movees como de raiz que se achar elle teer em quaeesquer lugares de nosos
reynos e nos de direito os podemos dar a quam nosa merçe4 (…)

Voltemos para Castela, onde, por D. João de tão tenra idade, um numeroso grupo de
nobres e eclesiásticos preferia aclamar como rei, o infante D. Fernando, mas este não havia
consentido em tal, sendo “noble y virtuoso, com el amor grande que touo al rrey don Enrrique”
(BARRIENTOS, 1946, p. 16).

Colocados os pendões reais nas torres de Toledo, partiram os nobres e prelados para a
cidade de Segóvia, onde se encontrava o rei e a rainha D. Catarina sua mãe, pois fora ali que
os deixara o rei D. Henrique antes de partir para a fronteira dos mouros.

Em Segóvia, como referi, foram nomeados tutores e governadores do reino a rainha


D. Catarina, mãe do rei, e o infante D. Fernando, seu tio. O pequeno rei ficava à guarda
de Diego López de Stúñiga e de Juan de Velasco, pois assim ordenava o testamento real.
Ao chegarem a Segóvia, beijaram as mãos do pequeno rei, “como a su rrey y señor natural”
91
(BARRIENTOS, 1946, p. 16) e revelaram à rainha os termos do testamento relativo à
guarda da pessoa do rei. Como aos grandes senhores desagradava que apenas dois tivessem
essa honra, ficou acordado que tal função coubesse à rainha.

A cidade estava repleta de gente vinda para beijar a real mão, procuradores das cidades
e vilas do reino, nobres e muito povo. Depressa surgiram divergências entre a rainha e o
infante D. Fernando sobre a forma de governação do reino e as funções que caberiam a cada
qual. Por fim, entre outras coisas, coube ao infante a governação de Córdova, para continuar
a guerrear os mouros, ficando a rainha com a de Burgos.

A conquista de Antequera

Outro capítulo da obra de Barrientos, o capítulo quinto, refere a conquista de Antequera

4 (…) for e o querendo nos fazer graça e merçe a Lopo d’Almeida do noso conselho e veedor de nosa fa-
zenda teemos por bem e fazemos lhe merçe de todollos dictos beens que se acharem em noso reynos do
dicto mouro. Dada em Santarem XXVIII dias de Fevereiro. El Rey o mandou per Gonçalo Vaaz de Castelo
Branco do seu Conselho e veedor da sua fazenda. Gonçalo Rodriguiz a fez. Anno de mill IIIIc LXVIII.
Contanto que avendo ho dicto Lopo ... que as nom posa mais teer que ... nosa ordenaçom. Arquivo Nacional
da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Afonso V, Folio I, V.
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por D. Fernando e apesar de ser apresentado como uma grande vitória, Antequera não tinha
a importância estratégica que se lhe é dada.

de como o Infante dom Fernando partiu de Segóvia para a fronteira dos mouros e a
guerra e o dano que é lá fez acabadas as cores em Segóvia não Fernando falou com
alguns dos grandes novos que ali se encontravam e disse-lhe que desejava ir para a
fronteira com os mouros para lhes fazer guerra uma vez que tinha acordado isso com
o seu irmão dom Henrique e apesar de alguns destes nobres não quererem que ele
é fosse fazer esta empresa é acabaram por dizer que sim que iriam com ele. Ficaram
de se reunir com todas as hostes em Toledo (BARRIENTOS, 1946, p. 17).

No ano de 1410, o Infante D. Fernando retoma a guerra contra os mouros e em Maio


cercou a vila de Antequera. “Y allí pasó muy grand trabajo y peligros, él y los cavalleros que
com él estauan”. Estando a vila cercada veio em seu socorro gentes de Granada liderados por
dois infantes irmãos do rei de Granada, Çid Alí e Çid Hamede que assentaram arraial perto
do arraial cristão e prepararam-se para lutar com grande pressa. A luta durou do meio dia até
às vesperas e não estava claro quem estava a ganhar.
92
Um dos aspetos que Huete refere no capítulo “De cómo binieron nuebas cómo era
tomada vna villa que llaman Ximena, que era de moros; la qual tomó Pero Garçía, mariscal”
(HUETE, 1946, p. 89) é um dos motivos principais da guerra, ou seja, o saque. Aquando da
toma de Ximena pelos cristãos em 1431, o cronista considera que foi uma ótima aquisição
por parte de D. João II de Castela por ser uma boa vila e muito forte e em tão bom lugar
pela proximidade a Gibraltar. Refere “E fué puesto el logar a rrobo” (HUETE, 1946, p. 89).
O enriquecimento pela guerra é uma das formas de ascensão social e não beneficiava só a
nobreza. “La richesse, acquise fait du Cid l’égal d’un roi, de Pero Niño au XVie sièclel’epoux
d’une infante portugaise” (RUCQUOI, 2002, p. 90).

Mas que não se pense que só de guerra eram feitas as relações entre Castela e Granada,
pois houve vários casamentos de mulheres da alta nobreza castelhana com infantes granadinos;
“Don Juan era además padre de otra hija llamada Elvira de Sandoval, desposada curiosamente
con otro ‘infante’ granadino, don Pedro de Granada, más conocido por su nombre musulmán
Cidi Yahya Alnayar (1435?-1506)” (MARTÍN QUIRANTES, 2011-2013, p. 456).

Noutro ataque aos mouros, neste caso muito perto de Granada, refere Huete “De cómo
entró el Rey en la vega de Granada, e de cómo se fizo la vatalla”. No ano de 1431, a 28 de

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Junho, o rei D. João II de Castela atacou Granada para “Pelear com los enemigos de la sancta
ffe”. E ao descrever a batalha refere que tiveram ajuda da divina graça e a do apóstolo Santiago
(HUETE, 1946, p. 105). É muito interessante que Huete refere que o monarca castelhano,
enviou a Pero Carrillo de Huete, falcoeiro-mor, ou seja ele, ao Real para se preparar a sua
entrada vitoriosa.

A perspetiva de Zurara

Escolhemos a Crónica do Conde D. Duarte de Menezes e analisamos num dos capítulos


os seus comentários. Zurara escreve sobre os mouros do Norte de África e não sobre os de
Granada pois as conquistas e os feitos de guerra para Portugal tinham que ser feitos no Norte
de África, já que a conquista de Granada pertencia a Castela. Zurara dedica várias obras à
expansão portuguesa pelos territórios africanos deixando para a posteridade a sua descrição
da conquista de Ceuta, descrevendo os nobres da família Menezes como as figuras centrais,
como D. Pedro ou D. Duarte.
93
“Como dom Duarte começou de filhar armas E como foi feito Caualleiro” (ZURARA,
1978, p. 51). Menciona que em 1415, altura em que o rei D. João I de Portugal conquista
Ceuta e a entrega a D. Pedro de Meneses, como fronteiro, D. Duarte, filho de D. Pedro, só
tinha nove meses, mas, a pedido do pai, cedo vai ser enviado com os irmãos para Ceuta para
lá serem criados. Este jovem nobre estava inicialmente destinado à vida religiosa, mas muito
cedo se perceberam que D. Duarte tinha outros interesses: “ca nunca podya fallar senom
em cauallos e armas” (ZURARA, 1978, p. 51). Salientemos que mesmo Huete foi feito
cavaleiro na altura da tomada de Antequera por D. Fernando, Infante de Castela e futuro
rei de Aragão. O mesmo costume de fazer cavaleiros por atos de guerra contra os mouros
ocorre em Portugal com a Tomada de Ceuta em 1415 em que são feitos cavaleiros os infantes
portugueses presentes.

Depois Zurara descreve de que forma D. Duarte de Menezes salvou o seu cunhado D.
Fernando de Noronha de morrer em um ataque dos mouros a Ceuta. Salientemos que D.
Duarte era filho de D. Pedro de Menezes, fronteiro em Ceuta e muito experiente na arte da
guerra na qual fora educado por seu pai.

Inicia-se o capítulo com a indicação de que o conde D. Pedro, fronteiro de Ceuta, estava

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a dar maior honra a seu filho D. Duarte e que este se esforçava por corresponder e que a irmã
D. Beatriz se tinha casado com D. Fernando de Noronha que tinha chegado recentemente
a Ceuta.

Refere que no dia de Santa Maria, em Setembro, deve referir-se a 8 de Setembro, houve
um ataque, refere “vieram 400 mouros a cavalo e 1600 a pé. Mas D. Duarte que era precavido
já estava à espera pelo que já tinha avisado todos para que não saíssem da fortaleza”.

“E esto sabya elle por que trazya antre eles suas enculcas e como os mouros som gente
cobijçosa por pequeno preço lhe dauam grandes auisamentos”.

Outro comentário é “Os mouros que já estauam enfadados ou per uentura constrangidos
do diuinal Juizo começaram logo de se descobryr de todallas cilladas em que Jaziam”
(ZURARA, 1978, p. 55).

Mas se Zurara faz críticas aos mouros, mas também as faz aos cristãos pois colocaram-
se em perigos depois de terem sido avisados várias vezes pelo Conde D. Duarte para que não
saíssem da fortaleza e o ataque dos mouros resulta de “e chegarom aos mouros os quaaes logo
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no começo começarom de fazer uolta com voontade de fogyr mas quando algunns daquelles
principaaes voltarom os rostros e vyram tam poucos pareceolhe uergonha mostrarense
uencidos de tam pequena soma” (ZURARA, 1978, p. 57). Zurara faz uma série de reflexões
sobre a escravatura entre os mouros, noutra crónica, citando o arcebispo D. Rodrigo de
Toledo e outros (ZURARA, 1973, p. 85).

Em conclusão

Os três autores dos capítulos usados geralmente descrevem os acontecimentos bélicos com
maior pormenor, como os intervenientes e o número de envolvidos, mesmo que naturalmente
tenham tendência para aumentar o número dos inimigos. Fazem esporadicamente referencias
de teor religioso sempre no sentido de serem os verdadeiros crentes contra os inimigos da
verdadeira fé.

Os capítulos que usamos como amostra fazem esporadicamente críticas e ataques


ao comportamento dos mouros, quanto às suas características morais ou militares usando
generalizações, sendo o mais critico de todos, Zurara. No entanto este autor também faz

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críticas aos cristãos, principalmente quanto às falhas militares. Todos referem os saques e
comportamentos menos corretos por parte de cristãos no momento de obter despojos. No
entanto temos que ter em conta que esta amostragem não reflete a totalidade das obras
mas serve para reforçar a ideia que as relações entre os reinos cristãos e os muçulmanos são
complexas e não podem ser analisadas apenas pela diferença religiosa.

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