Conceit o
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Conceit o
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Q[Micas]
Alice Ribeiro Casimiro Lopes
A seo Conceitos Cientficos em Destaque engloba artigos que abordam de forma nova e/ou crtica conceitos qumicos ou de interesse direto dos qumicos. Neste artigo, tratamos das reaes qumicas dos fenmenos e de suas representaes, as equaes qumicas. reao qumica, equao qumica, fenmeno
m nossa linguagem cotidiana, fenmeno significa acontecimento extraordinrio, no corriqueiro. Dentro do campo cientfico, fenmeno assume significado oposto: cientistas trabalham cotidianamente com fenmenos ou transformaes variadas. E mais: a forma de concebermos o fenmeno cientfico associa-se diretamente a nossa prpria concepo de cincia. Quando consideramos fenmeno tudo aquilo que acontece na natureza, associamo-nos a uma concepo filosfica que entende o processo de fazer cincia como observar fenmenos, constatar suas regularidades, elaborar experimentos capazes de reproduzi-los, formular hipteses e concluir leis que descrevam esses fenmenos e/ou teorias que os expliquem. Dentro dessa concepo, denominada genericamente empricopositivista, a objetividade do cientista to maior quanto menor for sua interferncia sobre o objeto de estudo, ou seja, quanto maior for a separao sujeitoobjeto. Na cincia contempornea, essa concepo se modifica radicalmente. Cientistas j no so meros contempladores da natureza, aqueles e aquelas que estudam os fenmenos dados pela natureza. Hoje em dia, cientistas constroem fenmenos que sequer existem naturalmente, transcendendo ao objeto dado. Isso facilmente constatado na qumica: qumicos produzem substncias sintticas
tem sua reverso com a variao da temperatura facilmente observada, j que endotrmica. Outra forma que muitos livros didticos utilizam para distinguir fencom propriedades completamente menos fsicos e qumicos a variao novas, constroem molculas com de propriedades macroscpicas das caractersticas apropriadas a determisubstncias. Tambm a podemos ennados fins. Esse processo de conscontrar problemas. A vaporizao da truo se faz por uma dupla via, instrugua e a dissoluo de acar em gua 7 mental e terica: h um instrumento acarretam grandes diferenas nas promediando a relao sujeitoobjeto e priedades macroscpicas e no entanto uma teoria capaz de permitir a comno costumapreenso do fenmeno e do mos classificar instrumento. Cientistas j no so as mudanas de Analisaremos neste artigo meros fase e as dissocomo essa concepo de contempladores da lues como fefenmeno capaz de nos natureza. Hoje em nmenos qumifazer repensar as tradicionais dia, eles constroem cos. classificaes dos fenmenos fenmenos que Se essas e em fsicos e qumicos, evidensequer existem outras formas ciando suas limitaes, bem naturalmente, de classificao como permitindo a melhor transcendendo ao se mostram compreenso das reaes objeto dado equivocadas, qumicas e das formas como porque nos as representamos e classificamos. prendemos a elas? Deixamos de Reaes qumicas perceber que, mesmo do ponto de vista energtico, os limites entre os Alguns livros didticos permanefenmenos comumente classificados cem com uma classificao antiga, como fsicos e qumicos no so nada distinguindo os fenmenos em reverrgidos. Por exemplo, o processo de sveis (fsicos) e irreversveis (quhidratao do sulfato de cobre, em micos). Isso porque os fenmenos que h passagem do branco ao azul fsicos so considerados superficiais, intenso, um fenmeno fsico ou transformaes ligeiras, e os fenmequmico? nos qumicos profundos, transformaes mais definitivas. CuSO4 (s) + 5H2O (l) CuSO4.5H2O (s) Essa diferenciao mostra-se equibranco azul vocada, porque a reversibilidade no um critrio cientfico de distino dos Alm do mais, de maneira geral diferentes fenmenos. Dobrar uma trabalhamos com processos tradiciobarra de ferro ou rasgar uma folha de nalmente classificados tanto como papel, por exemplo, no so atos que qumicos quanto como fsicos, muitas impliquem a constituio de novas
N 2, NOVEMBRO 1995
vezes acontecendo conjuntamente. Na reao do hidrxido de sdio slido com cido clordrico aquoso h dissoluo, reao e hidratao de ons. Em outros processos tambm ocorrem, paralelamente, mudanas de fase. Assim sendo, torna-se muito mais importante que os alunos compreendam a multiplicidade de fenmenos com que trabalhamos, sabendo reconhec-los, descrev-los e explic-los com base em modelos cientficos, ao invs de se prenderem a classificaes mecnicas (o artigo apresentado na seo Aluno em foco, neste nmero de Qumica Nova na Escola, apresenta outros argumentos que reforam essa concluso). Com esses pressupostos, podemos compreender que na cincia contempornea a reao qumica no apenas o fenmeno qumico que ocorre naturalmente, produzindo novas substncias: tambm um pro8 grama artificial de produo de novas substncias. O qumico pesquisa quais reaes sero capazes de produzir substncias com as propriedades desejadas. E o processo reacional s pode ser compreendido mais claramente se associamos as transformaes das substncias s transformaes energticas, de forma dinmica, evitando a abordagem mecnica mero jogo de armar que normalmente conferimos ao ensino das reaes atravs de suas representaes: as equaes qumicas.
nica. Seu objetivo maior era um dia poder expressar as afinidades dos elementos nas substncias tal como se expressavam foras mecnicas. Quando utilizamos as equaes qumicas e suas classificaes indistintamente para meio aquoso e no-aquoso, estamos simplesmente seguindo Berzelius, sem atentar para desenvolvimentos posteriores da qumica Berzelius desenvolve o sistema dualstico dos compostos qumicos, tendo por base sua viso de afinidade e sua teoria eletroqumica. A ligao qumica concebida como tendo natureza eltrica, e as substncias so representadas por pares em que uma das partes eletricamente positiva e a outra eletricamente negativa. Exemplo: Na 2SO 4 era o Na 2O.SO3, cujas unidades podiam ser mais uma vez divididas em componentes eletropositivo e eletronegativo. Com essa teoria, Berzelius explica claramente as reaes de dupla troca (AB + CD = AD + CB) ou de deslocamento (AB + C = CB + A), nas quais a polaridade eltrica se encontra mais bem neutralizada nos produtos. Como ele estabelecera uma escala de eletropositividade1 das substncias, a partir de experimentos eletrolticos, podia-se concluir logicamente quais reaes deveriam ocorrer. Hoje, quando utilizamos as equaes qumicas e suas respectivas classificaes indistintamente para meio aquoso e no-aquoso, estamos simplesmente seguindo Berzelius, sem atentar para desenvolvimentos posteriores da qumica, como por exemplo a teoria da dissociao eletroltica de Arrhenius e as teorias da ligao qumica. Seno, vejamos: a reao de neutralizao do NaOH pelo HCl considerada de dupla troca, quando em soluo aquosa deveria ser considerada como sntese da gua, a partir de hidrnio2 e hidroxila. Isso porque a soluo aquosa de NaOH uma soluo contendo ons Na + e OH dissociados e a soluo aquosa de
HCl uma soluo contendo ons H3O+ e Cl. Assim sendo, a reao se d apenas entre hidrnio e hidroxila. Os ons Na+ e Cl permanecem dissociados. Da mesma forma, a reao de deslocamento entre Zn 0 e CuSO 4 deveria ser considerada uma oxireduo em soluo aquosa, uma troca de eltrons entre o metal zinco e os ons Cu2+, formando Zn2+ e cobre metlico. Os ons sulfato no participam da reao, permanecendo dissociados. Em resumo, no h trocas ou deslocamentos quando tratamos de ons dissociados em soluo aquosa. E mesmo que no nvel fundamental no trabalhemos com teorias de dissociao, perde o sentido nos preocuparmos com classificaes que no tm utilidade nem na vida prtica nem no campo cientfico. Com isso, no apenas mantemos nossos alunos com um conhecimento obsoleto, mas dificultamos sua compreenso das espcies inicas e dos processos de equilbrio. Por exemplo, quando repetimos o grande erro de muitos livros didticos ao expressarem equaes como: NaCN + H2O HCN + NaOH Nesse caso, os livros didticos levam alunos a pensar nesse processo como sendo uma possibilidade de formao do NaOH. A dissoluo em gua do cianeto (comumente conhecido como cianureto, veneno letal que origina o gs ciandrico, utilizado nas cmaras de gs para execuo de condenados) expressa dessa forma desconsidera que este a soma de dois processos com extenses diversas: a dissoluo do sal NaCN (tendendo a 100%) NaCN (s) + H2O (l) Na+ (aq) + CN (aq) e a protonao3 do cianeto pela gua (extenso mnima) CN (aq) + H2O (l) HCN (aq) + OH (aq)
Consideraes finais
Em face das discusses apresentadas acima, percebemos que precisamos nos preocupar menos com
certos formalismos que enfatizam as classificaes em detrimento do desenvolvimento dos conceitos. Em seus primeiros contatos com a qumica, uma aluna ou um aluno precisa compreend-la como o estudo das reaes qumicas, reaes essas que definem as propriedades qumicas das substncias. importante, no s para o entendimento da qumica mas tambm para a formao do pensamento cientfico de alunos e de alunas de maneira mais ampla, desenvolvermos a noo de propriedade como fruto de uma relao entre substncias, como foi discutido no artigo O mito da substncia, no primeiro nmero desta revista. Para tanto, a conceituao de fenmeno, sem considerar classificaes limitadas em fenmenos fsicos e qumicos, permite que encaremos a transformao no sentido mais amplo; no apenas natural, no apenas observvel, mas
produzida, programada, construda pela via experimental e terica. Talvez seja difcil mudar assim que fomos ensinados e assim que pensamos at hoje, mas a clareza racional e a melhor aprendizagem de nossos alunos certa-
Notas
1. Trata-se de um conceito que se diferencia de nossa atual concepo de eletropositividade. Para Berzelius, a eletropositividade era medida a partir de processos eletrolticos, estando mais prxima do conceito que hoje temos para potencial de eletrodo. Para conhecer com mais detalhes essa escala de eletropositividade de Berzelius, bem como sua teoria eletroqumica, sugerimos a leitura do livro de Rheinboldt, citado na bibliografia. 2. O hidrnio representado simplificadamente como H3O+, mas o prton atrai mais molculas de gua, podendo formar o H9O4+. 3. Protonar significa receber o prton, o on hidrognio (H+), da gua ou de outra espcie que atue como cido de BronstedLwry.
Referncias Bibliogrficas
LOPES, ALICE R.C. Livros didticos: obstculos ao aprendizado da cincia qumica. Dissertao (Mestrado em Educao) Rio de Janeiro: IESAE, FGV, 1990. RHEINBOLDT, H. Histria da balana e a vida de J.J. Berzelius. So Paulo: Nova Stela/EDUSP 1988. ,
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