Modos de Regulação Do Sistema Educativo Ao Nível Meso - Reguleducnetwork - WP07

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Projecto REGULEDUCNETWORK Centro de Estudos da Escola, Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao, Universidade de Lisboa

REGULEDUCNETWORK Changes in regulation modes and social production of inequalities in education systems: a European comparison

Deliverable 8

Modos de regulao do sistema educativo ao nvel meso: estudo de caso da Direco Regional de Educao de Lisboa e de um municpio

Relatrio produzido por: Joo BARROSO Natrcio AFONSO Joo PINHAL Sofia VISEU Equipa do projecto: Joo BARROSO (coord.) Natrcio AFONSO Lus Leandro DINIS Berta MACEDO Ana NASCIMENTO Joo PINHAL Sofia VISEU Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao Universidade de Lisboa

Agosto, 2003

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ndice
Introduo............................................................................................................................................................ 1 1. A interveno do municpio na regulao local da educao .......................................................................... 4 1.1. Territrio e organizao........................................................................................................................... 4 1.1.1. Algumas caractersticas scio-demogrficas.................................................................................... 4 1.1.2. Escolas, alunos e professores ........................................................................................................... 5 1.1.3. Organizao interna ......................................................................................................................... 5 1.1.4 Pessoal e categorias profissionais da CM ......................................................................................... 6 1.2. Competncias, funes e polticas em educao ..................................................................................... 7 1.2.1. Lugar dos municpios na Administrao Pblica portuguesa .......................................................... 7 1.2.2. Atribuies e competncias das cmaras municipais na educao .................................................. 8 1.2.3. Politica educativa do municpio em estudo...................................................................................... 9 1.3. Prticas e discursos dos actores ............................................................................................................. 13 1.3.1. Concepo e planeamento do sistema educativo ........................................................................... 14 1.3.2. Construo e gesto de equipamentos e servios........................................................................... 19 1.3.3. Apoio aos alunos e s escolas ........................................................................................................ 23 1.3.4. As no competncias .................................................................................................................. 28 1.4. Sntese: a regulao municipal da educao .......................................................................................... 30 2. A interveno da Direco Regional de Educao de Lisboa na regulao local da educao ..................... 33 2.1. Territrio e organizao......................................................................................................................... 33 2.1.1. Algumas caractersticas scio demogrficas.................................................................................. 34 2.1.2. Escolas, alunos e professores ......................................................................................................... 34 2.1.3. Organizao interna ....................................................................................................................... 35 2.1.4. Pessoal e categorias profissionais da DREL .................................................................................. 37 2.2. Competncias, funes e polticas em educao ................................................................................... 39 2.2.1. Atribuies e competncias genricas das DRE ............................................................................ 40 2.2.2. Poltica educativa da DREL ........................................................................................................... 41 2.3. Os actores da regulao intermdia na direco regional de educao.................................................. 43 2.3.1. Caracterizao e percurso profissional........................................................................................... 43 2.3.2. A auto-imagem sobre funes e desempenhos............................................................................... 45 2.3.3. O discurso do poder sobre as prticas de regulao....................................................................... 49 2.3.4. A imagem institucional da direco regional ................................................................................. 56 2.4. Sntese: A DREL como instncia de regulao intermdia ................................................................... 59 3. Concluses gerais .......................................................................................................................................... 63 3.1. A regulao intermdia ...................................................................................................................... 64 3.2. Os modos de regulao .......................................................................................................................... 66 3.3. As hipteses do estudo ....................................................................................................................... 67

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INTRODUO
O presente relatrio corresponde ao Relatrio Nacional de Portugal relativo ao Workpackage 7 do projecto de investigao Changes in regulation modes and social production of inequalities in educational systems: a European comparasion (Reguleducnetwork). Este WP tem como finalidade estudar a emergncia de novos modos de regulao do sistema educativo ao nvel meso (entre o nvel central e local). Nesse sentido, importa analisar o possvel surgimento ou modificao do papel das instituies que operam a esse nvel no sistema educativo visvel, nomeadamente, pelo desenvolvimento do trabalho de acompanhamento, superviso, controlo e avaliao. Para tal, foram construdos dois objectivos de investigao, acordados entre os parceiros do projecto. Em primeiro lugar, analisar a emergncia de novos instrumentos de regulao de nvel meso e, em segundo lugar, estudar o papel das instituies de regulao de nvel meso na produo desses novos modos de regulao. Atravs do estudo, procuraram-se tambm averiguar e discutir os seguintes pressupostos de partida, que resultam da anlise dos modos de regulao institucional dos pases europeus envolvidos no estudo: Existe um aumento da retrica e das preocupaes com as questes da qualidade nos sistemas educativos, com o consequente aumento da ateno sobre os resultados das escolas e do trabalho dos professores; Assiste-se a uma tendncia do aumento da produo de instrumentos e prticas de avaliao dos resultados dos alunos, professores e escolas, atravs de sistemas de pilotagem e estatstica descritiva; Como consequncia dos pontos anteriores, existe um aumento do trabalho de superviso e proximidade com o trabalho dos professores e da coordenao inter e intra escolas. Apesar das tendncias apontadas, possvel observar a sobreposio e manuteno de modelos organizacionais diferenciados (por exemplo, os modelos participativos e os modelos burocrticos); Finalmente, e no quadro da experincia colectiva, possvel o desenvolvimento de modos de regulao autnoma.

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De acordo com os objectivos do projecto, seleccionamos a Direco Regional de Educao de Lisboa (DREL) e um municpio da rea metropolitana de Lisboa como as instituies de nvel meso do sistema educativo. A DREL uma estrutura desconcentrada, de mbito regional, do Ministrio da Educao, com autonomia administrativa; o municpio uma pessoa colectiva dotada de autonomia administrativa e financeira, com rgos eleitos pela populao local e com poderes prprios relativamente ao poder central Para esta escolha, atendemos a dois critrios essenciais, acordados entre os parceiros do projecto. Em primeiro lugar, das vrias instituies que existem a nvel meso, so estas duas que do ponto de vista institucional e formal maior peso detm. Em segundo lugar, ambas operaram sobre o territrio em estudo no WP5, ainda que a sua rea de aco seja muito superior em termos geogrficos. Na sequncia deste segundo critrio, importa, pois, sublinhar que a caracterizao das duas instituies tenha sido feita de um modo geral e para todo o territrio em que actuam, e no se tenha centrado exclusivamente no territrio do WP5. Para o desenvolvimento do estudo foram desencadeadas trs fases metodolgicas. Num primeiro momento, a abordagem foi sobretudo de carcter quantitativo e implicou a recolha documental com dois objectivos. Em primeiro lugar, a caracterizao dos territrios em que as instituies operam, nomeadamente ao nvel demogrfico e social, dos alunos, professores e escolas que existem no territrio. Em segundo lugar, a recolha de documentos produzidos pelas instituies em estudo ou outros que contribussem para a sua caracterizao interna, nomeadamente atravs de legislao sobre as suas competncias, organogramas, pessoal e funes, planos e relatrios de actividades, oramentos, etc. (ver anexo 1). Num segundo momento, a abordagem seguida assumiu caractersticas mais qualitativas, atravs da realizao de entrevistas aos actores que trabalham nas instituies em anlise, com o objectivo de recolher informao sobre o entrevistado e o seu trabalho, bem como recolher a sua opinio sobre a instituio e os modos de regulao que exerce no territrio (ver guio de entrevista no anexo 2).

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O quadro que se segue d conta das entrevistas realizadas em funo da categoria profissional a que pertencem os entrevistados.
Quadro 1 Entrevistas realizadas Categorias de pessoal Nvel regional- DREL Director Adjunto 1; Gestores de topo Chefe de departamento Tcnicos superiores Tcnicos/ pessoal de proximidade Director Adjunto 2; Coordenador de um CAE Chefe de departamento Tcnicos da DREL e CAE Chefe de departamento Tcnicos da CM 3 10 3 Nvel Local- CM Entrevistas

Membros das assembleias de escola

Num terceiro momento, foram realizadas duas monografias de aprofundamento de um exemplo concreto da aco sobre o sistema educativo ao nvel do territrio em que operam as instituies em estudo. No caso da cmara municipal foi realizado um estudo sobre os Projectos Scio Educativos e no caso da Direco Regional de Educao a sua interveno na aplicao do Regime de Autonomia, Administrao e Gesto das escolas (ver anexo 3 e 4). O relatrio est estruturado em trs captulos. No captulo 1, a interveno do municpio na regulao local da educao, so descritas as caractersticas demogrficas e a oferta escolar do territrio de aco do municpio, como est organizado internamente o municpio, quais as suas competncias em matria de educao e as suas polticas educativas, bem como uma anlise das prticas e discursos dos actores que trabalham na autarquia. feita uma pequena sntese conclusiva para a discusso sobre o municpio como uma instituio de regulao de nvel meso. No captulo 2, a interveno da direco regional de educao na regulao local da educao, faremos, semelhana do ponto anterior, uma apresentao das principais caractersticas do territrio e da instituio em estudo. Segue-se uma anlise os discursos e prticas dos actores sobre a sua aco e sobre o papel da DRE no territrio em estudo. No captulo 3, ser feita uma sntese final sobre os modos de regulao dos sistemas educativos ao nvel meso, com base nas instituies analisadas.

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1. A INTERVENO DO MUNICPIO NA REGULAO LOCAL DA


EDUCAO
Este captulo tem como objectivo apresentar a cmara municipal (CM) em quatro pontos. No primeiro ponto, iremos descrever o territrio de aco do municpio bem como a sua organizao interna. Num segundo ponto, daremos conta das competncias, funes e polticas do municpio. No terceiro ponto faremos uma anlise do discurso dos actores que trabalham na cmara na rea da educao, por ns entrevistados, sobre as suas prticas e sobre a interveno do municpio. Finalmente, no quarto ponto, faremos uma sntese e reflexo sobre o papel do municpio na regulao local do sistema educativo.

1.1. Territrio e organizao


Neste ponto iremos salientar algumas caractersticas scio-demogrficas do territrio de influncia da CM, apresentar dados relativos aos alunos, professores e escolas do territrio de aco da CM em termos comparativos com o territrio nacional e, por fim, descrever alguns elementos da organizao interna da CM, nomeadamente no que se refere ao sector responsvel pela educao. 1.1.1. Algumas caractersticas scio-demogrficas1 O municpio estudado um dos 19 municpios da rea Metropolitana de Lisboa, ocupando uma superfcie de 46 Km2 e a sua populao era, segundo o Censo de 2001, de 162124 habitantes (3536 hab/Km2). Na composio da populao residente conjugam-se, entre outros, dois factores antagnicos. Por um lado, h uma populao de classe mdia, ou mesmo mdia/alta, mais associada ideia que tradicionalmente se tem deste municpio. O territrio do municpio foi, no passado, ocupado por importantes palcios e quintas de recreio de ilustres famlias nobres portuguesas e tornou-se, desse modo, atractivo para a alta e mdia burguesia, bem como para muita populao de Lisboa que foi tendo que abandonar a cidade, empurrada pelos escritrios e pelos estabelecimentos das empresas de bens e servios. Por outro lado, h reas circunscritas de populao imigrante, em grande parte de imigrao externa, composta

Para mais informao sobre o municpio, consultar o anexo 1, que contm dados de natureza estatstica ou o captulo 1 do relatrio do WP5. 4

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sobretudo por pessoas provenientes dos pases africanos de lngua oficial portuguesa, sendo algumas dessas reas de gnese clandestina ilegal. 1.1.2. Escolas, alunos e professores Pode dizer-se que, em termos globais, o municpio tem taxas de frequncia dos nveis de ensino semelhantes s mdias nacionais, ainda que se note, no secundrio, valores mais elevados que no territrio nacional, o que se explica pela sua composio demogrfica e social; a regio em que est includo das mais escolarizadas do pas.
Quadro 2 Nmero de alunos do municpio e em Portugal nos anos de 1998 e 2001 1998 2001 Municpio Pr-escolar (1-3 anos) % Ensino Bsico (4-15 anos) % 1 Ciclo % 2 Ciclo % 3 Ciclo % Ensino Secundrio (16-18 anos) % Total % 3504 13,9% 15157 60,0% 6408 25,4% 3374 13,4% 5375 21,3% 6586 26,1% 25247 Portugal 176822 9,5% 1407148 75,2% 613578 32,8% 354631 19,0% 438939 23,5% 286114 15,3% 1870084 Municpio 3989 16,9% 11896 50,5% 5903 25,1% 5993 25,4% 7656 32,5% 23541 Portugal 224575 13,6% 1139402 68,9% 494105 29,9% 256547 15,5% 388750 23,5% 289363 17,5% 1653340 100,0%

100,0% 100,0% 100,0% (Dados fornecidos pelo Ministrio da Educao)

No ano lectivo 2001/02 funcionavam no municpio 68 estabelecimentos de ensino da rede pblica de ensino, onde trabalhavam 965 professores e educadores. A rede privada tem significativa expresso no que se refere educao pr-escolar, pois dos 78 estabelecimentos existentes, 74,4% so jardins de infncia. 1.1.3. Organizao interna De acordo com o respectivo organograma, a CM est organizada em direces municipais, departamentos, divises e gabinetes, todos unidades orgnicas directamente associadas ao presidente do municpio. Contudo, vrias destas unidades orgnicas encontram-se sob a responsabilidade mais directa de vereadores, mediante processos de delegao de competncias.

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Figura 1 Organograma da CM

Presidente

Direco Municipal Administrao e Finanas

Departamento de Assuntos Sociais e Culturais

Direco Municipal Planeamento e Habitao

Gabinete para desenvolvimento municipal

Direco Municipal de Obras e Ambiente

Outros Gabinetes (directamente dependentes da presidncia: auditoria, proteco civil, relaes institucionais, comunicao.)

no Departamento dos Assuntos Sociais e Culturais, responsvel pelas actividades de apoio social e cultural e gesto das estruturas destinadas infncia, juventude e terceira idade, que esto includos os servios de educao. A Diviso de Educao, a unidade orgnica em que se centrou o estudo, tem como incumbncia assegurar a prossecuo das atribuies do Municpio no mbito do sistema educativo, nomeadamente atravs do desenvolvimento de aces de apoio aos alunos e escolas, programao da construo de equipamentos educativos e da promoo de campanhas de educao cvica junto das escolas. 1.1.4. Pessoal e categorias profissionais da CM Nos ltimos seis anos o pessoal que trabalha na CM aumentou em cerca de 13%, ainda que a distribuio do pessoal em termos de categorias profissionais tenha vindo a manter-se (ver anexo 1). Devido existncia de um nmero significativo de operrios e auxiliares (que conjuntamente e ao longo dos anos, somam cerca de 50% do pessoal que trabalha na CM), no de estranhar que, em termos de habilitaes acadmicas, mais de 50% do pessoal no tenha concludo o ensino obrigatrio. No que se refere s carreiras tcnicas, importa no entanto realar que se verificou um aumento do nmero de pessoas com habilitaes superiores.

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Na Diviso de Educao, durante o ano de 2001, trabalhavam 14 pessoas, distribudas do seguinte modo pelas categorias profissionais e funcionais:
Quadro 3- Pessoal que desempenha funes na diviso de educao em 2001 Categoria N. Funes Principal Coordenao da diviso e articulao com outros servios; Chefe de diviso 1 dar cumprimento s orientaes do departamento Tcnicos superiores 5* Avaliao e financiamento de projectos de escola; Tcnicos ** 1 Acompanhamento de projectos da CM; Representao em Assembleias de Escola; Tcnicos profissional** 2 Propostas para subsdios; funcionamento dos refeitrios, auxlios econmicos a alunos e transportes escolares Estagirios 2 Colaborao na execuo de programas da CM Auxiliares administrativos 3 Apoio aos tcnicos e expediente geral *Dois tcnicos requisitados ao Ministrio da Educao e um com contrato de avena ** Desempenha na ntegra funes de tcnico superior

1.2. Competncias, funes e polticas em educao


Este ponto tem como objectivo situar a CM do ponto de vista formal e legal a trs nveis: o lugar ocupado pelos municpios na administrao pblica portuguesa em geral; as atribuies e competncias dos municpios em matria de educao; e, finalmente, as linhas da poltica educativa do municpio em estudo. 1.2.1. Lugar dos municpios na Administrao Pblica portuguesa As autarquias locais portuguesas so pessoas colectivas pblicas de populao e territrio, dotadas de autonomia administrativa e financeira relativamente ao poder central. A nica forma de tutela a que esto sujeitas uma tutela de legalidade, a exercer por uma autoridade central nos termos definidos pela lei, e destinada a verificar a correco dos procedimentos da gesto autrquica e no o mrito da substncia das suas decises. Como pessoas colectivas pblicas, cabe-lhes satisfazer um numeroso conjunto de necessidades pblicas, de que depende, em grande parte, a qualidade de vida dos cidados. As autarquias locais efectivamente constitudas em Portugal so os municpios e as freguesias, cuja existncia se perde nos confins da histria de Portugal. Um terceiro tipo de autarquia previsto constitucionalmente as regies administrativas , criado depois da revoluo de 25 de Abril de 1974, no chegou a ter efectividade at ao presente momento. Os municpios so, pois, as autarquias de maior dimenso e com maior capacidade de interveno. Cabe-lhes intervir num vasto conjunto de atribuies, que vo desde o ordenamento do territrio, o urbanismo e a habitao, at educao, cultura, desporto e tempos livres, passando pelo equipamento rural e urbano, a energia, os transportes e as

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comunicaes, a sade e a aco social, a defesa do ambiente e do consumidor, o saneamento bsico, a proteco civil, a polcia e a cooperao externa. Para tanto, os municpios so dotados de uma estrutura poltica que inclui uma assembleia deliberativa e fiscalizadora a Assembleia Municipal e um rgo executivo a Cmara Municipal , ao qual compete pr em prtica o programa poltico local aprovado pela Assembleia. Em termos estratgicos, o programa de desenvolvimento do territrio de um municpio consta do Plano Director Municipal, elaborado e aprovado pelos rgos do municpio, mas que carece de ratificao do governo central. Anualmente, a Assembleia Municipal aprova um Plano de Actividades e um Oramento municipais, que lhe so propostos pela Cmara Municipal, e que explicitam as aces previstas para cada ano, no mbito de cada uma das atribuies do municpio. A estrutura poltica dos municpios executa as suas decises atravs de uma estrutura orgnica tcnica, administrativa e operria, adstrita obviamente Cmara Municipal, o rgo executivo do municpio. Nos termos da lei, esta estrutura fixada, para cada municpio, por regulamento prprio, o qual publicado no jornal oficial do Estado Portugus, o Dirio da Repblica. 1.2.2. Atribuies e competncias das cmaras municipais na educao Como j ficou clarificado noutras fases do projecto, o sistema educativo portugus bastante centralizado. administrao central cabem as competncias essenciais para a conformao e regulao do sistema educativo, definidas na lei de bases do sistema educativo do seguinte modo: concepo, planeamento e definio normativa do sistema educativo; coordenao global e avaliao da execuo das medidas da poltica educativa a desenvolver de forma descentralizada ou desconcentrada; inspeco e tutela, em geral, com vista, designadamente, a garantir a necessria qualidade do ensino; definio dos critrios gerais de implantao da rede escolar, da tipologia das escolas e seu apetrechamento, bem como das normas pedaggicas a que deve obedecer a construo de edifcios escolares; garantia da qualidade pedaggica e tcnica dos vrios meios didcticos, incluindo os manuais escolares. As Direces Regionais de Educao so rgos desconcentrados do Ministrio da Educao, aos quais compete integrar, coordenar e acompanhar a actividade educativa. A interveno dos municpios na rea da educao , em Portugal, relativamente recente. Ela decorre do aumento da autonomia local consagrado nas leis superiores da Repblica aprovadas depois da revoluo de 1974. No tempo da ditadura, a nica competncia educacional dos municpios era a construo, conservao e manuteno das escolas

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primrias, mas ainda assim com subsdios provenientes, caso a caso, do governo central. Depois de 1974, o panorama foi sendo gradualmente alterado no sentido de uma maior e mais significativa interveno, sendo hoje, as seguintes, as competncias educacionais dos municpios, segundo diversa legislao em vigor:
-

Competncias relativas concepo e ao planeamento do sistema educativo:

Criar os conselhos locais de educao Elaborar a carta educativa do municpio Propor ou dar parecer sobre a constituio de agrupamentos de escolas Integrar as assembleias de escola e de agrupamento Intervir, como parte, na celebrao de contratos de autonomia de escolas e agrupamentos

Competncias relativas construo e gesto de equipamentos e servios:

Construir, apetrechar e manter os jardins-de-infncia e as escolas do ensino bsico da rede pblica Assegurar a gesto dos refeitrios dos jardins-de-infncia e das escolas do ensino bsico da rede pblica Gerir o pessoal no docente da educao pr-escolar e do 1. ciclo do ensino bsico

Competncias relativas ao apoio aos alunos e aos estabelecimentos:

Assegurar os transportes escolares Garantir alojamento aos alunos do ensino bsico, quando deslocados obrigatoriamente da sua zona de residncia Comparticipar na aco social escolar Apoiar actividades complementares de aco educativa na educao pr-escolar e no ensino bsico Participar no apoio educao extra-escolar

Para alm das competncias que lhes esto consignadas por lei, os municpios acabam por intervir em outros aspectos do funcionamento do sistema educativo. Procurando corresponder s necessidades locais e ao que interpretam como sendo a sua obrigao moral, como muitos afirmam, registam-se intervenes nos domnios referenciados acima, mas em nveis de ensino da responsabilidade da administrao central, e ainda outras intervenes em domnios completamente estranhos sua competncia. 1.2.3. Politica educativa do municpio em estudo A crescente interveno municipal na rea da educao e da formao no uma decorrncia directa e linear da evoluo da legislao sobre a administrao do sistema

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educativo. Antes pelo contrrio, a legislao pareceu ir sempre a reboque de experincias que, entretanto, os agentes locais, designadamente os municpios, j iam levando a cabo. Com efeito, as carncias do sistema educativo e a incapacidade revelada pelo ministrio da educao para responder, de modo contextualizado, aos problemas das diferentes regies e localidades do pas, levaram os autarcas a envolverem-se no sistema educativo mais do que seria de exigir, tendo em vista a letra da lei. A resposta a desejos e necessidades urgentes da populao e a conscincia crescente do valor da educao como condio do desenvolvimento local explicam que esse envolvimento tenha ganho uma expresso considervel em muitos municpios, nem sempre pelos montantes envolvidos, mas sobretudo pela natureza das intervenes realizadas a mais. No caso do municpio em estudo isso tambm assim foi. Embora no tendo aumentado o peso relativo do sector educao nas despesas do municpio (antes pelo contrrio), aumentou muito o valor absoluto dessas despesas e, sobretudo, diversificou-se a interveno e a natureza das aces desenvolvidas. O quadro seguinte mostra a evoluo das despesas do municpio na ltima dcada (com os valores de 1991 e 1996 actualizados a uma taxa de inflao mdia de 3% e convertidos em euros).
Quadro 4 Despesas municipais (valores em euros) Despesa Total (A) 1991* 1996 2002 ** *Valores da conta de gerncia **Valores do oramento Fontes: Questionrio aos Municpios Portugueses (J. Pinhal, 1998); Plano de Actividades e Oramento para 2002 41742345 29911228 173442733 Despesa com Educao (B) 2459363 1405732 7258581 Relao B/A 5,9 % 4,7 % 4,2 %

Como pode ver-se, h um incremento enorme da actividade municipal nos ltimos anos, atestado pela evoluo das despesas totais (e isto mesmo admitindo que as despesas oramentadas para 2002 possam estar empoladas). Em 1999, houve um reforo das competncias municipais, com a transferncia para o poder local de novas responsabilidades de investimento em vrios domnios, e isso poder explicar em parte o incremento das despesas. Note-se que o peso das despesas com a educao nas despesas totais maior noutros municpios do que no municpio que temos em estudo. Embora a nossa autarquia assuma que a poltica municipal de educao decorre da poltica traada pelo governo central, sobretudo quanto a matrias que envolvam a requalificao da
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escola, a cmara no deixa de garantir que depois de aferidas as atribuies e competncias prprias do municpio, no que concerne a educao, este ter que se posicionar para programar, realizar e avaliar, com a autonomia que por lei lhe conferida, as decises tomadas, como pode ler-se no documento interno Observatrio da Educao, relativo ao ano 2002. Nesse documento explica-se tambm que a poltica de resposta imediata ou de curto prazo poder, ainda que harmonize as tenses prevalecentes, no corresponder aos problemas que se afiguram como mais importantes, sendo necessrio, para os colmatar ou para os reduzir, que o municpio defina as suas opes estratgicas quanto a metas a atingir, coordenando e desenvolvendo iniciativas com a principal finalidade de programar transformaes que as permitam alcanar. V-se, pois, que a cmara municipal se insere na lgica nacional, sem deixar de atender s especificidades locais por si identificadas, e que se preocupa com o desenvolvimento estratgico do sistema educativo, certamente em relao com as suas concepes sobre o desenvolvimento local. Os grandes objectivos da poltica municipal na rea da educao so definidos deste modo: 1. - Facultar Escola, numa atitude concertada com outros parceiros nas reas sociais, culturais, desportivas e de juventude, a oportunidade dela prpria desenvolver ao mximo as suas capacidades, com a finalidade de conseguir a qualidade; 2. - Investir numa Escola onde todos possam, de facto, ter as mesmas oportunidades de acesso ao conhecimento, sendo este sustentado, quer por uma educao formal, quer por uma educao no formal; 3. - Reconhecer a necessidade de se investir no reforo da dimenso cvica, familiar e comunitria da Escola. (Observatrio da Educao, 2002) Eis algumas das designadas opes estratgicas da interveno educacional do municpio em estudo: Preparar para a cooperao e interdisciplinariedade, tirando partido de parcerias e intercmbios; Estimular a aceitao da diferena, atravs do desenvolvimento da multiculturalidade e da multiperspectividade; Construir espaos educativos com qualidade como resposta s necessidades e requalificar espaos j existentes;

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Basear as decises em previses fundamentadas e programar, realizar e avaliar para reformular estratgias.

Ou de modo mais especfico: Propor ou apoiar o desenvolvimento de programas de educao e defesa do ambiente; Implantar um Observatrio da Educao; Criar o Conselho Municipal de Educao; Colaborar com centros de formao de professores; Evocar a memria do municpio; Incentivar projectos promovidos pelas vrias unidades orgnicas do municpio.

dentro deste quadro orientador que se desenvolve a aco educacional da autarquia em estudo. No plano de actividades para o ano de 2002, apresenta-se uma parte justificativa que destaca as aces a realizar durante o ano e que so relacionadas com: A qualificao, manuteno e conservao dos edifcios dos estabelecimentos; O apoio a projectos pedaggicos e a actividades socio-educativas das escolas; A dinamizao de programas educativos prprios da autarquia; O apoio a organizaes no escolares da comunidade educativa, visando facilitar o desenvolvimento dos seus projectos. Nestes destaques no esto includas as aces de apoio aos alunos, que conhecemos pela designao genrica de aco social escolar, apesar das preocupaes de princpio que merece este aspecto do sistema. Como poder ver-se abaixo, estas aces pesam pouco financeiramente, mas tm uma importncia fundamental para a garantia da escolaridade dos alunos mais carenciados do concelho, sobretudo dos que residem nos bairros sociais do municpio. Atravs de uma anlise ao Plano de Actividades, separando as aces relacionadas com o exerccio das competncias legais do municpio, das restantes aces cuja realizao no exigvel ao municpio, mas que, ainda assim, este realiza (no competncias), verificou-se que so as competncias legais que tomam a parte de leo das despesas do sector (90 %) (ver anexo 1). Dentro destas, continuam a ser as despesas relacionadas com a construo,

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conservao e manuteno de edifcios e equipamentos que representam a parcela mais significativa, o que mostra como a poltica educativa autrquica est ainda muito presa aos problemas infra-estruturais do sistema. Quanto ao apoio aos alunos e aos estabelecimentos de educao e ensino, que representa 4,5% do plano, so os transportes escolares a maior parcela, ou seja, ainda uma competncia basicamente instrumental, pese embora tambm incluir subsdios aos alunos. Note-se que este municpio tinha uma carta escolar, elaborada pela prpria Diviso de Educao. Neste momento, a carta est em reviso, mas no ano de 2002, no houve despesas suportadas com este instrumento de planeamento. Por outro lado, no existe conselho municipal de educao, embora j em 2002 se tivesse pensado na sua criao. O que h de especialmente interessante na actividade deste municpio, para alm da importncia do bom desempenho das competncias instrumentais definidas na lei, acaba por se encontrar no que temos vindo a designar por no-competncias. a que encontramos a influncia directa da autarquia no currculo, atravs da concepo e oferta de experincias educativas relevantes, bem como o reforo da interveno de apoio aos alunos, atravs da concesso de bolsas de estudo e de prmios. Tudo no ultrapassando 10% do plano de actividades, mas no deixando de mostrar que o municpio no quer manter-se dentro do estrito quadro legal estabelecido.

1.3. Prticas e discursos dos actores


Apresentadas as competncias, funes e poltica geral do municpio em estudo no domnio da educao, iremos analisar agora o modo como elas so efectivamente concretizadas e qual a representao que diferentes tcnicos tm das actividades exercidas. Conforme foi referido na metodologia, esta anlise baseia-se fundamentalmente nas entrevistas realizadas a quadros dirigentes e tcnicos dos servios de educao da Cmara Municipal, bem como na recolha e tratamento de documentao produzida por esses servios. A informao foi organizada em quatro grandes categorias construdas a partir da agregao funcional das principais competncias atribudas ao municpio no domnio da educao: concepo e planeamento do sistema de ensino, ao nvel local; construo e gesto de equipamentos e servios; apoio aos alunos e escolas; iniciativas fora das competncias legalmente atribudas (no-competncias).

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Para cada uma destas categorias feita uma breve resenha da informao disponvel com o fim de pr em evidncia a especificidade da aco do municpio em estudo por comparao com as competncias universais que a lei atribui a esta estrutura da administrao educativa. 1.3.1. Concepo e planeamento do sistema educativo As actividades mais significativas relacionadas com este domnio so as seguintes: criao do conselho municipal de educao; elaborao da carta educativa do concelho; constituio dos agrupamentos de escolas; participao nas assembleias de escolas. Criao do conselho municipal de educao

Os conselhos so definidos, na legislao, como instncias de coordenao e consulta, que visam, a nvel municipal, a coordenao da poltica educativa, articulando a interveno, no mbito do sistema educativo, dos agentes educativos e dos parceiros sociais interessados, analisando e acompanhando o funcionamento do referido sistema e propondo as aces consideradas adequadas promoo de maiores padres de eficcia e eficincia do mesmo. As suas competncias legais so bastante importantes, indo desde intervenes nos processos de planeamento da proviso local de educao at definio de regras relativas ao funcionamento corrente dos estabelecimentos de educao e ensino. Embora s agora (2003) se tenha tornado obrigatria a criao destes conselhos pelos municpios, a ideia mais antiga (1988) tendo tido concretizaes espontneas em vrios municpios que criaram rgos destes para os ajudarem a desenvolver as suas polticas educativas e para constiturem sedes de concertao entre os parceiros educativos locais. Esses rgos tinham composies variadas e dedicaram-se a diferentes tarefas, de municpio para municpio, obedecendo a lgicas determinadas pelas dinmicas educativas locais. Num estudo realizado no incio de 2001, apurou-se que 30% dos municpios tinham j criado um rgo desta natureza e outros 40% estavam a preparar a sua criao, antecipando-se assim regulamentao legal. Este no foi o caso do municpio em estudo, que s agora, depois da regulamentao sada, est a proceder criao do conselho municipal de educao. H, contudo, certas reservas em relao a este rgo entre o pessoal tcnico do sector da educao. Embora o conselho seja considerado uma boa ideia do ponto de vista de uma abordagem conjunta democrtica, h dvidas sobre a sua operacionalidade perante a quantidade e diversidade de pessoas

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presentes (Chefe de Diviso). Por outro lado, h quem saliente que se trata de mais uma estrutura que se organiza dentro do sistema, que j tem muitas inrcias (Tcnico D). Elaborao da carta educativa do concelho

A carta educativa presentemente definida como um instrumento municipal de planeamento e ordenamento prospectivo de edifcios e equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as ofertas de educao e formao que seja necessrio satisfazer, tendo em vista a melhor utilizao dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento demogrfico e socio-econmico previsto. Para alm dos edifcios e equipamentos, a carta tem ainda por objecto a identificao prospectiva das ofertas educativas da educao pr-escolar, dos ensinos bsico e secundrio da educao escolar, incluindo as suas modalidades especiais, e da educao extra-escolar. Apesar da elaborao da carta educativa pelo municpio s ser obrigatria desde 1999, alguns municpios anteciparam-se e realizaram por sua iniciativa este tipo de planeamento, como foi o caso do municpio em estudo, onde ela existe desde 1997. Trata-se sobretudo de uma carta de equipamentos, muito pormenorizada, que foi feita exclusivamente pelos servios municipais, designadamente pela Diviso de Educao (ao contrrio de muitas cartas que tm sido encomendadas a organismos externos). No dizer do Chefe de Diviso, as previses ento realizadas tm vindo a confirmar-se, o que mostra a qualidade do trabalho de planeamento realizado. Sendo uma carta de equipamentos, no se encontra includa qualquer previso de fileiras ou de ofertas educativas (no ensino secundrio) a desenvolver no futuro na rea do municpio. Entretanto a carta comeou agora a ser revista luz da nova regulamentao, que estendeu o conceito a todos os equipamentos educativos (e no apenas escolares) e tambm s ofertas educativas. Quanto ao planeamento de curto prazo, ou seja, da rede educativa anual, o municpio intervm ao nvel da educao pr-escolar e do 1. ciclo do ensino bsico, j que nos outros nveis de ensino a cmara apenas observadora (Chefe de Diviso), no podendo intervir, por exemplo, nas ofertas vocacionais das escolas secundrias. Na educao pr-escolar e no 1. ciclo do ensino bsico, a cmara prope, estuda e decide e a direco regional autoriza, no que respeita abertura, s condies de funcionamento e ao encerramento de estabelecimentos de educao e ensino. O processo de deciso sobre estas matrias inclui sempre a realizao de reunies com a comunidade educativa, para explicar as decises

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sobre a rede, e nessas reunies preciso um bocado de arte negocial, de diplomacia (Chefe de Diviso). Alis, o contacto com a comunidade educativa parece ser uma tarefa muito comum na actuao do chefe da diviso de educao, no apenas por motivos referentes ao planeamento da rede educativa. Raro o dia que no sai da diviso, e quase sempre para ir a uma escola. Constituio de agrupamentos de escolas

O agrupamento de escolas corresponde a uma nova unidade orgnica de gesto escolar que rene diferentes estabelecimentos de ensino (de diferentes nveis e graus de escolaridade, em especial do ensino bsico obrigatrio), segundo critrios de proximidade geogrfica e de rentabilizao de equipamentos j existentes. As escolas pertencentes a um mesmo agrupamento dispem de projecto educativo, regulamento interno e oramento comuns e esto subordinadas aos mesmos rgos de gesto. A constituio de agrupamentos de escolas pretende proceder ao reordenamento da rede escolar com o fim de favorecer um percurso sequencial e articulado dos alunos da escolaridade obrigatria (que em Portugal se encontra dividida em diferentes ciclos e tipos de escola), superar situaes de isolamento de estabelecimentos, prevenir a excluso social e permitir um melhor aproveitamento dos recursos humanos e materiais existentes a nvel local. Aquando do incio do processo de agrupamento de escolas, na cmara municipal em estudo acompanhou-se a tentativa desesperada do Ministrio da Educao de criar agrupamentos fora (Tcnico C). Este tcnico achou absurdo o que eles queriam fazer, considerando que no se pode impor coisas s pessoas quando elas no querem. A ento vereadora do pelouro, recebendo o director regional de educao para tratar deste assunto, ter-lhe- dito, baseando-se na lei, que a cmara dar todo o apoio s escolas que se propuserem agruparse, mas que no a cmara que vai dizer s escolas que tm que se agrupar (Tcnico C) Como resultado lgico, a direco regional no foi capaz de proceder constituio de agrupamentos. Actualmente, corre nova tentativa de criar agrupamentos no concelho, mas ainda por conta exclusiva da direco regional de educao. Desta vez, a direco regional, que tem novos responsveis, ter conseguido convencer alguns dirigentes escolares a aceitarem a criao de agrupamentos verticais, ou seja, agrupamentos que incluem uma escola dos 2. e 3. ciclos do ensino bsico, uma ou vrias escolas do 1. ciclo e um ou vrios estabelecimentos de educao pr-escolar.

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Participao nas assembleias de escola

No actual regime jurdico da autonomia, administrao e gesto dos estabelecimentos pblicos de educao pr-escolar e dos ensinos bsico e secundrio, a assembleia de escola o rgo de participao da comunidade educativa na definio do programa educacional da escola, cabendo-lhe discutir e aprovar o projecto educativo e o regulamento interno, entre outras importantes competncias. A sua composio inclui, para alm de professores, alunos e funcionrios, dois representantes dos pais e um representante do municpio, podendo ainda haver uma representao das organizaes culturais, artsticas, cientficas, ambientais e econmicas locais, com relevo para o projecto educativo de escola. O municpio em estudo faz-se representar em todas as assembleias de escolas existentes no seu territrio. A representao est a cargo dos tcnicos dos servios municipais, que repartem entre si esse trabalho. Aquando das reunies internas da Diviso, os tcnicos relatam o que se passou nas reunies das assembleias, sobretudo o que possa implicar alguma interveno da cmara, e desencadeia-se o processo dessa interveno. A postura escolhida pela cmara para a sua participao nas assembleias a de no interferir em assuntos internos da escola e apenas intervir quando solicitada ou quando as actividades em debate tenham a ver com o municpio, ou para limitar e enquadrar um pouco a iniciativa que est a ser proposta pela escola (Chefe de Diviso). Isso confirmado por vrios tcnicos dos servios, salientando a dificuldade em ir mais alm, mas mostrando uma certa abertura para uma participao mais activa: Ns no interferimos na gesto das escolas, at por uma questo de promovermos a autonomia das pessoas. Tambm no fazemos bem figura de corpo presente, porque algumas escolas gostam muito que a gente l v. s vezes pode ser til, pode haver coisas que a gente possa desbloquear (Tcnico C); Em termos prticos, quando vamos discutir o projecto educativo ou o oramento da escola, muitas vezes temos dificuldade em intervir, porque no estamos c para ver se o projecto est ou no a ser cumprido. E se no nos distribuda documentao para podermos avaliar essas coisas, entramos mudos e samos calados (Tcnico A); Posso dizer que represento a cmara nas escolas desde o incio e que a indicao que foi dada aos tcnicos que iam participar nas assembleias foi de absteno. Depois no se falou mais nisso, as representaes correram bem e cada um vota nas reunies conforme acha (Tcnico A);

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Critiquei o plano de actividades de uma escola e disseram-me para apresentar uma proposta. Eu apresentei a proposta, reformulei algumas coisas e foi aceite (Tcnico D) A presena do municpio nas assembleias de escola vista, muitas vezes, pelas prprias escolas, como um modo de mais rapidamente poderem apresentar as suas reivindicaes e pedidos junto da autarquia, mesmo que a autarquia no tenha competncia legal para os atender. uma viso utilitarista, frequentemente referenciada em estudos que temos vindo a fazer sobre esta realidade, e que os entrevistados do municpio do presente estudo tambm focaram: Mas sinto-me impotente [para atender aos pedidos] perante as competncias que a cmara tem, porque a cmara no tem competncias nenhumas, para alm da atribuio de verbas...E sinto-me impotente tambm porque sou um mero tcnico, se fosse um vereador acho que me sentiria melhor, podendo dizer Isso preciso fazer, faz-se!. (Tcnico C) Acho que as escolas encaram os representantes da cmara como se fossem a prpria cmara e, quando chegamos s reunies, pedem tudo e mais alguma coisa (Tcnico A) Por sua vez, a posio de reserva que os municpios tm adoptado nesta matria (e no s o municpio do nosso estudo) no compatvel com o fim visado pela sua incluso na composio das assembleias de escola. Se este o rgo de participao de toda a comunidade educativa na definio do projecto educativo da escola e das orientaes da decorrentes, espera-se que os participantes tenham todos uma palavra a dizer sobre esse assunto. No se trata de intervir no campo de aco prprio e exclusivo dos professores, mas de ajudar a definir as grandes metas que traduzem a especificidade do programa de cada escola, dentro do quadro nacional em que se insere. Mas o envolvimento de actores externos na administrao das escolas ainda est longe de ser consensual. E os municpios nunca gostaram de se meter no campo dos professores. Contratos de autonomia

Nos termos da legislao actualmente em vigor, o reforo da autonomia das escolas faz-se por contrato a firmar entre a escola, a administrao central e a administrao local (municpio), onde figurem os direitos e os deveres que estas trs partes assumem. Esto considerados dois nveis de reforo da autonomia da escola, sendo que a passagem para o segundo nvel (com maior capacidade de deciso) requer uma avaliao favorvel sobre o desempenho no primeiro nvel por parte da administrao central e tambm da administrao local. A recente legislao sobre conselhos municipais de educao determina que caber a

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estes rgos participar na negociao e execuo dos contratos de autonomia. Contudo, o dispositivo contratual nunca foi regulamentado at hoje, pelo que no se encontra em execuo. Nesta conformidade, os municpios no tiveram, at hoje, qualquer interveno nesta matria, incluindo naturalmente o municpio que estamos a estudar. Alis, foi patente o relativo desconhecimento de alguns dos nossos entrevistados sobre o que est previsto relativamente aos contratos de autonomia. 1.3.2. Construo e gesto de equipamentos e servios As actividades mais significativas relacionadas com este domnio so as seguintes: construo, conservao e manuteno de edifcios escolares; gesto de refeitrios escolares; gesto de pessoal no docente em servio nas escolas. Construo, conservao e manuteno de edifcios escolares

A construo de escolas a mais antiga competncia educacional dos municpios embora estivesse confinada ao antigo ensino primrio (hoje, 1 ciclo do ensino bsico) e s depois do restabelecimento do regime democrtico (em 25 de Abril de 1974) fosse exercida de forma verdadeiramente descentralizada. Actualmente, e de acordo com legislao recentemente aprovada (em 2003), os municpios so exclusivamente responsveis pela construo, conservao e manuteno das escolas do 1 ciclo e dos estabelecimentos de educao prescolar da rede pblica, ao passo que para as escolas dos 2. e 3. ciclos do ensino bsico essas competncias so exercidas conjuntamente pelas administraes central e local, no quadro de contratos a estabelecer caso a caso. O municpio em estudo assume por inteiro estas competncias, dedicando ao seu cumprimento uma parte muito importante dos recursos destinados ao sector educativo. No plano de actividades para o ano 2002, as despesas associadas ao cumprimento desta competncia (4.842.454 euros) correspondiam a cerca de 67% das despesas do plano para a educao, mostrando como esta ainda a grande competncia municipal neste domnio. O peso desta competncia nas despesas municipais parcialmente associado idade dos edifcios onde esto instaladas as escolas do 1. ciclo do ensino bsico: Estes ltimos trs anos tm sido anos de grandes chuvas, e isso nota-se muito no nosso parque escolar, porque um parque escolar velho, com uma mdia de idades de

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aproximadamente vinte anos. Uma casa com vinte anos uma casa a precisar de ser restaurada, no ? (Chefe de Diviso) A apreciao que feita sobre o estado fsico das escolas do 1 ciclo e dos seus equipamentos, aliada preocupao da cmara em proporcionar boas condies de aprendizagem aos estudantes do concelho, explica a necessidade de apostar em obras de qualificao e conservao e no fornecimento de equipamentos. Ao longo da dcada de 90, registou-se uma clara diminuio do nmero total de alunos neste ciclo de ensino, estabilizando-se esse nmero nos ltimos anos da dcada. Portanto, a maior necessidade no propriamente a construo de mais escolas, mas sim a melhoria das existentes. Quanto aos estabelecimentos de educao pr-escolar da rede pblica, a verba gasta com a sua construo, ampliao e beneficiao aproxima-se bastante da verba relativa s escolas do 1. ciclo. Isso no dever dever-se idade dos edifcios, mas ao facto de estar ainda em instalao o sistema pblico de educao pr-escolar, que foi uma novidade introduzida com a instaurao da democracia. Neste municpio, de resto, os estabelecimentos de educao prescolar da rede privada e das instituies de solidariedade social so largamente maioritrios (ao contrrio do que se passa com os ensinos bsico e secundrio), tendo recebido 83% das crianas no ano lectivo de 2000/2001. So os seguintes os valores previstos para esta competncia no plano de actividades da cmara municipal para 2002:
Quadro 5 Construo, apetrechamento, qualificao e manuteno dos jardins de infncia e das escolas do 1. ciclo do ensino bsico (Valores em euros) Jardins-de-infncia: Projectos de arquitectura 3 794 Construo, ampliao e beneficiao 2 082 982 Equipamento 42 882 Material didctico 11 674 Limpeza, materiais de consumo e expediente 16 657 Total Escolas do 1. ciclo Projectos de arquitectura Construo, ampliao e beneficiao Equipamento Material didctico Limpeza, materiais de consumo e expediente Total Total Fonte: Plano de actividades (2002). 2 157 989

2 463 2 477 695 143 334 1 571 59 402 2 684 465 4 842 454

Embora as verbas mais significativas sejam naturalmente as relativas construo e qualificao dos edifcios, essa no a tarefa que mais ocupa os tcnicos da diviso de
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educao. As questes da conservao e manuteno das instalaes e do fornecimento de mobilirio e outro equipamento de apoio impem-se praticamente todos os dias aos tcnicos que tm essa tarefa entre mos. As escolas esto constantemente a reclamar obras e o fornecimento de material, sendo necessrio convenc-las a fazer as coisas faseadamente, como diz o Chefe de Diviso, que raro o dia em que no vai escola para conferir se precisam do que pedem. Gesto de refeitrios escolares

Segundo a legislao em vigor, cabe aos municpios a gesto dos refeitrios dos estabelecimentos de educao pr-escolar e do 1. ciclo do ensino bsico, mas no lhes cabe a sua construo e equipamento. Trata-se de uma situao bizarra, que h-de evoluir rapidamente, mas que, por agora, provoca dvidas e hesitaes, quando no um jogo de empurra entre os diferentes nveis de administrao da educao. Neste quadro algo volvel, vrios municpios tm ido alm da mera gesto dos refeitrios. Por sua vez, a gesto dos refeitrios est associada basicamente a duas tarefas: a disponibilizao de um servio de refeies e a contratao e gesto de pessoal de cozinha e auxiliar que garanta o funcionamento dos refeitrios. Estas tarefas podem ser assumidas directamente pelas cmaras municipais, mas tambm podem ser entregues a empresas especializadas, que as executam sob a orientao e o financiamento do municpio. Na cmara municipal em estudo, o servio de refeies nos estabelecimentos de educao pr-escolar e do 1. ciclo do ensino bsico garantido por uma empresa contratada para o efeito, mediante concurso pblico, a qual disponibiliza tambm todo o pessoal necessrio ao funcionamento do servio. Exceptua-se desta regra o servio de refeitrio relativo a duas escolas do 1. ciclo e ao prolongamento de horrio dos jardins-de-infncia (servio de apoio s famlias, consistindo no prolongamento do funcionamento dos jardins de infncia para alm do seu horrio normal), que garantido pelas associaes de pais respectivas. A cmara tem uma tcnica expressamente destacada para gerir a interveno municipal nesta rea, a qual, no seu prprio dizer, faz o controlo da empresa que fornece as refeies, a anlise da facturao e das receitas dos refeitrios, o controlo de qualidade e a seleco dos meninos carenciados que beneficiam do servio de almoo. Apesar do seu interesse pela funo, a tcnica reconhece que ocorrem frequentemente, semana sim, semana sim, muitos problemas de comunicao entre os envolvidos, designadamente entre a escola e os pais. A cmara trata dos assuntos relacionados com os

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refeitrios com a empresa fornecedora, por um lado, e com as escolas, por outro. Cabe, depois, s escola atender os pais que pretendam falar ou informar-se sobre a matria. Mas as tais dificuldades de comunicao acabam por trazer os pais cmara: Ainda esta manh tivemos pais que queriam esclarecimentos sobre os almoos. Mas a nossa metodologia reunirmos com a direco das escolas e as escolas com os pais. Mas temos muitas reclamaes (Tcnica B) O principal requisito que o tcnico tem de ter um bocadinho de calma e...ouvir. Embora lidemos sempre com as escolas, muitas vezes temos aqui encarregados de educao a queixarem-se porque no tiveram subsdios, e normalmente no fcil lidar com essas pessoas (Tcnica A) No plano de actividades para 2002, as despesas previstas para o exerccio desta competncia correspondiam a 18,7% do total das despesas do plano, sendo que a maior parte (1.271.705 euros, correspondente a 17,5%) se referia ao fornecimento de refeies nas escolas do 1. ciclo do ensino bsico. Gesto de pessoal no docente em servio nas escolas

Esta uma das mais recentes competncias dos municpios, embora se encontre largamente por esclarecer, nomeadamente no que se refere aos aspectos financeiros. A matria, alis, tem sido objecto de divergncias e disputas entre o governo e os municpios, na medida em que estes tm sido envolvidos em actividades que requerem o reforo do pessoal no docente das escolas, sem que fique claro a quem compete contratar e gerir este pessoal. Vrios municpios, reconhecendo a utilidade dessas actividades para as populaes que representam, tm acabado por admitir pessoal para as levar a cabo, onerando deste modo os seus oramentos, muitas vezes sem as justas contrapartidas. No municpio em estudo, h 18 auxiliares e assistentes de aco educativa dos 14 jardinsde-infncia da rede pblica que fazem parte do pessoal adstrito Diviso de Educao do municpio. Trata-se de pessoal que desenvolve o seu trabalho no horrio normal dos jardinsde-infncia, j que o pessoal relativo aos perodos de prolongamento de horrio tem sido da responsabilidade das associaes de pais. Saliente-se ainda que tm trabalhado no servio de refeitrios alguns reformados, que ajudam na organizao do servio. No plano de actividades para 2002, o trabalho destes reformados tinha uma verba afecta que rondava os 15 mil euros.

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1.3.3. Apoio aos alunos e s escolas As actividades mais significativas relacionadas com este domnio so as seguintes: transportes escolares; alojamento de alunos; auxlios econmicos directos; apoios a projectos das escolas; educao extra-escolar. Transportes escolares

O servio de transporte escolar disponibilizado a todos os alunos dos ensinos bsico e secundrio que residam a mais de 3 km da escola (ou de 4 km, no caso de a escola no ter refeitrio). A lei determina qual o montante do subsdio de transporte a atribuir aos alunos dos diferentes graus de ensino, estando previstas redues das suas contribuies em funo de eventuais situaes de carncia das respectivas famlias, a demonstrar num processo de candidatura. Cabe aos servios municipais receber as candidaturas a subsdios provenientes das escolas, proceder sua anlise e determinar o valor dos subsdios a atribuir, luz dos parmetros e critrios de anlise definidos na lei e nos regulamentos prprios. No municpio em estudo o transporte escolar no tem expresso no 1. ciclo do ensino bsico, visto que os alunos moram, em geral, muito perto da escola que frequentam e so os pais que os conduzem escola e os vo recolher. Nos restantes ciclos de ensino, aplicam-se as normas da legislao nacional, mas h as inevitveis adaptaes s realidades dos alunos e do municpio: A legislao muito antiga e, como tal, a maioria das cmaras adopta critrios mais de acordo com a realidade actual e para abranger mais meninos. Por exemplo, a cmara paga o subsdio de transporte aos alunos do secundrio que no tm a rea vocacional desejada na escola da sua rea de residncia (Tcnica A). Em contrapartida, a cmara no atende a certas pretenses dos pais relacionadas com a escolha da escola dos filhos: H muitos pais que vo colocar os filhos fora do concelho. Ns temos muitas escolas limtrofes, no limite do concelho, e h alunos que residem nessas reas e que, em vez de irem para as nossas escolas, saem do concelho, mas querem subsdio de transporte. Ns recusamos, porque j esto fora do concelho. Os pais muitas vezes vm aqui e eu explico-lhes os critrios e porque que no tiveram direito ao subsdio e a resposta dos pais que no colocaram o filho na nossa escola porque no presta, tem m fama, no vou pr o meu filho ali (Tcnica A).

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Os transportes escolares tm um peso relativamente pequeno no cmputo geral das despesas municipais com a educao. No plano de actividades para 2002, a verba inscrita para pagamento do servio de transportes foi de 219.471 euros, o que correspondia a 3% do montante total das despesas previstas. Esta verba inclui as despesas com transportes relativas aos casos especiais j referenciados que, em rigor, deveriam ser consideradas nocompetncias, mas que no foi possvel separar. Alis, o seu valor muito baixo. Saliente-se, ainda, que o valor por aluno das despesas com transportes aumentou nos ltimos anos, embora de forma ligeira, como pode ver-se no quadro abaixo:
Quadro 6 Transportes Escolares Nmero de alunos 1996 2002 30 811 23 180 Despesa em transportes escolares 256 786 219 471 8,33 9,47 Despesa por aluno

Valores em euros, estando o valor de 1996 actualizado taxa de Inflao mdia de 3 % Fontes: Questionrio aos Municpios Portugueses (J. Pinhal, 1998); Plano de Actividades e Oramento para 2002

Alojamento de alunos

Compete aos municpios, nos termos da lei, garantir alojamento aos alunos do ensino bsico, quando deslocados obrigatoriamente da sua zona de residncia. Isso pode implicar a construo e a gesto de residncias estudantis. Trata-se de um dispositivo que j teve maior importncia do que tem hoje e cuja efectividade se verificou, sobretudo, nas regies do interior do pas. No municpio em estudo, esta competncia no teve qualquer concretizao nos anos mais recentes. Auxlios econmicos directos

Incluem-se aqui as prestaes sociais destinadas a cobrir, designadamente, os gastos com refeies, livros e material escolar, que so atribudas s famlias de mais fracos recursos, tendo em conta o princpio da gratuitidade da escolaridade obrigatria. O sistema de determinao dos benefcios a conceder bastante semelhante ao que usado para os transportes. Com base em documentao sobre os rendimentos das famlias, so seleccionados os alunos a quem devida esta contribuio social, os quais so repartidos por dois escales, com regalias diferentes. de salientar que muitos municpios acabam por ter normas prprias mais generosas do que a lei prev. Como o financiamento que recebem do Estado se baseia no quadro legal
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estabelecido, pode dizer-se que esses municpios optam por canalizar para a aco social escolar uma parte das suas receitas prprias, em obedincia, certamente, a imperativos de natureza social. Como j foi dito noutro ponto deste relatrio, uma parte da populao do municpio em estudo econmica e socialmente bastante carenciada, tendo sido objecto de um programa de erradicao de barracas levado a cabo pela cmara municipal ao longo dos ltimos anos. Neste programa insere-se uma vertente de aco social escolar, a qual implica uma relao frequente e colaborante entre a diviso de educao e as divises de habitao social e de gesto social. ligada a esta vertente de reinsero social que se pode encontrar a especificidade da poltica de aco social escolar deste municpio, j que, em relao restante populao, so aplicadas as regras definidas na legislao nacional: eu acho que h uma grande peculiaridade nesta cmara. H um bairro de realojamento em que foi construda uma escola muito perto que serve toda aquela populao, so oitocentos fogos, e dos 120 alunos da escola, 99% tem iseno de pagamento de almoo (Chefe de Diviso). O benefcio de que se fala na citao anterior , em geral, aplicvel aos auxlios econmicos directos, em que estes alunos podem ter um regime mais favorvel que a restante populao. Quanto mais no seja porque no apresentam papis, escusado pedir-lhes. No que respeita aos auxlios econmicos directos, o que diz a lei. No entanto, ns depois temos uma parte que so os subsdios excepcionais, para os quais no existe legislao especfica. o caso, por exemplo, de alunos transferidos de outros municpios, onde eram considerados carenciados, que ns tambm consideramos assim, e de alunos a quem faleceu o pai, ou a me ou cujos pais se separam. Depois, temos uma srie de meninos de bairros sociais, para a 90%, mas que no preenchem qualquer tipo de documento no prazo devido. So oriundos de famlias desorganizadas, e temos que ser ns, em conjunto com a direco da escola e com a diviso de habitao, a fazer a anlise dos casos (Tcnica B). Em 2002, as transferncias correntes para as famlias foram oradas em 108 mil euros. Este valor refere-se aos subsdios e reembolsos concedidos no mbito da aco social escolar relativa educao pr-escolar e ao 1. ciclo do ensino bsico (transportes escolares, livros e material escolar e apoio alimentar), embora inclua tambm os subsdios e bolsas que se encontram fora da competncia estrita da cmara municipal.

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Apoio a projectos das escolas

Cabe aos municpios, nos termos da lei, dar apoio a actividades complementares de aco educativa, na educao pr-escolar e no ensino bsico. Esta tem sido uma zona de grande ambiguidade na partilha de competncias entre as administraes central e local, no domnio educativo. Em princpio, fica excluda da formulao legal a possibilidade de a cmara municipal intervir directamente nas escolas atravs de actividades educativas de sua iniciativa. Contudo, mesmo que restrito ao simples apoio, o exerccio desta competncia pode constituir uma importante maneira de o municpio intervir no currculo real da escola. que h muitos tipos de apoio (materiais, financeiros, humanos, logsticos) e h, sobretudo, regras prprias de cada municpio para a sua concesso. Isso condiciona o lanamento e desenvolvimento dessas actividades, acrescentando importncia ao papel do municpio enquanto regulador do sistema educativo local. Segundo o Chefe da Diviso de Educao do municpio em estudo, a poltica da cmara em relao a projectos socio-educativos estimular, acarinhar, acompanhar aqueles que vm da parte das escolas e... promover tambm alguns. Interessa-nos nesta parte do relatrio relevar a interveno da cmara nos projectos dos estabelecimentos de educao pr-escolar e do 1. ciclo do ensino bsico, que so aqueles relativamente aos quais a cmara assume a competncia de interveno Neste municpio, os apoios aos projectos das escolas so decididos aps um processo de candidatura que a escola apresenta cmara municipal. Este processo decorre segundo um conjunto de regras formais, constante de regulamento prprio, aprovado pelo municpio, e que as escolas conhecem. O trabalho de anlise das candidaturas e de preparao da deciso final est entregue a um tcnico superior da diviso de educao, por sinal o mais antigo da diviso: Esta regra de pedirmos s escolas os seus planos de actividades, a fim de darmos uma verba global, surgiu para acabar com os pedidos avulsos das escolas. Ao princpio havia uma grande quantidade de pedidos de apoio, para visitas de estudo, para festas de Natal, para celebraes de determinado dia. Agora isso acabou, porque avaliamos e quantificamos os planos de cada escola. (...) No sei se antes faziam planos ou no, sei que no vinham para a cmara. Ns nem temos legitimidade para pedir os planos de actividades...Mas agora todas mandam os planos e posso dizer-lhe que, se no mandarem, eu fao um telefonema a pedir (Tcnico C).

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De entre as actividades habitualmente inseridas nos planos das escolas, e que recebem subsdios municipais, contam-se actividades de preenchimento de tempos livres dos alunos, de ndole desportiva. Estas actividades, uma vez propostas pelas escolas, recebem um subsdio anual, integrado no subsdio geral concedido ao plano de actividades da escola. O parmetro de avaliao mais relevante para a determinao do montante a conceder a cada escola acaba por ser o nmero de alunos da escola: Por muito que queiramos dar-lhe a volta, acabamos por ir ter ao nmero de alunos. Tambm temos em conta duas ou trs escolas que tm um meio particularmente difcil. Portanto, isto no uma regra, nem directamente proporcional, nem inversamente proporcional, uma ponderao do conhecimento que ns temos da realidade socioeducativa das escolas (Tcnico C). Quanto ao modo como estes projectos so efectivamente concretizados, o tcnico do municpio faz o acompanhamento, quando convidado, para ver o que os professores andam a fazer, como esto a ser empregues os apoios. Interessa-lhe ver o grau de envolvimento da escola, dos professores, dos alunos, se o conselho executivo participa, como divulgado. No h, pois, uma avaliao sistemtica da aplicao dos apoios dados pela cmara municipal, mas apenas uma avaliao casustica, nos casos em a cmara convidada a assistir s realizaes associadas ao projecto. Alis, o prprio tcnico quem diz: Ns temos uma falha nas avaliaes, no sei se sou s eu, se o nosso servio, ou se uma questo da mentalidade portuguesa, ns avaliamos muito pouco, tudo muito mais intuitivo (Tcnico C). No plano de actividades para 2002, o valor inscrito para o apoio s actividades complementares de aco educativa dos jardins-de-infncia e das escolas do 1. ciclo do ensino bsico foi de 78.600 euros, o que representa apenas 1,1% do total de despesas previstas no plano de actividades. Essa verba repartia-se pelos projectos pedaggicos dos estabelecimentos (65.132 euros) e pelo apoio organizao das tais actividades de tempos livres (13.468 euros). Trata-se de uma verba equivalente que o plano previa para apoio a actividades similares nos ciclos seguintes do ensino bsico e no ensino secundrio, que no consideramos dentro da competncia municipal. Como se v, no obstante o valor educativo desta interveno e o que ela significa de capacidade para influenciar o currculo real das escolas, o peso que esta competncia representa nas despesas com a educao diminuto.

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A educao extra-escolar

Segundo a Lei de Bases do Sistema Educativo, a educao extra-escolar tem como objectivo permitir a cada indivduo aumentar os seus conhecimentos e desenvolver as suas potencialidades, em complemento da formao escolar ou em suprimento da sua carncia, integrando-se numa perspectiva de educao permanente e visando a globalidade e a continuidade da aco educativa. Compete ao Estado promover a realizao de actividades extra-curriculares e apoiar as que, neste domnio, sejam da iniciativa de outras entidades, designadamente das autarquias. Para a concretizao desta responsabilidade, o Estado, atravs do ministrio da educao, mantm uma estrutura desconcentrada, com delegaes ao nvel de cada municpio as coordenaes concelhias do ensino recorrente. No municpio em estudo, d-se justamente apoio a esta coordenao concelhia do ensino recorrente. Esse apoio consiste na cedncia de instalaes para o funcionamento dos respectivos servios e no pagamento das despesas gerais relativas a essas instalaes, bem como na concesso de um subsdio anual destinado realizao de actividades de formao de adultos. O plano de actividades para o ano de 2002 previu uma verba de 3.601 euros como valor para este subsdio. Nesta rea, no se registam iniciativas desenvolvidas directamente pela cmara municipal. 1.3.4. As no competncias Como j foi salientado, o exerccio das competncias educacionais toma 90% do valor do plano de actividades de 2002 para a rea da educao. Os restantes 10% so ainda actividades de concepo e planeamento do sistema educativo local, ou de construo e gesto de equipamentos e servios ou de apoio aos alunos e aos estabelecimentos, que o municpio no teria que desenvolver, por no serem da sua competncia. A interveno dos municpios em actividades fora do seu quadro de competncias deve-se crescente conscincia da importncia da rea da educao para o desenvolvimento das comunidades locais, por um lado, e a alguma insuficincia do ministrio no exerccio das suas competncias prprias, por outro. Alm disso, enquanto pessoas colectivas pblicas a quem compete prosseguir os interesses e aspiraes das populaes respectivas, os municpios so objecto de mltiplas solicitaes das organizaes locais, a quem pouco importa a questo da repartio das competncias pelos nveis da administrao. Tendo legitimidade para intervir na defesa e promoo do seu territrio e sendo, em princpio, um interlocutor privilegiado do

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poder central, os municpios acabam por se tornar charneiras no tratamento de todo e qualquer problema local. Para o Chefe da Diviso de Educao da cmara municipal, a autarquia excede aquilo a que estava obrigada na rea da educao, correspondendo a uma poltica social que tenta combater as desigualdades. Um dos tcnicos da diviso (Tcnico C), acha que a autarquia se tornou referencial em muitas coisas, referindo-se sobretudo a esse combate contra as desigualdades que decorreu da poltica municipal de habitao e de aco social e da sua relao com a poltica educativa municipal. Este tcnico encontra um outro fundamento principal para a aco do municpio, considerando que a cmara deve dar um certo contexto local aos currculos, contribuir para reforar a identificao das pessoas sua terra, rua em que vivem, e acha que o municpio em estudo est a procurar fazer isso. Embora a verba global prevista para o exerccio das no competncias no passe, no municpio em estudo, de 728.525 euros (ano de 2002), o conjunto de actividades que ela permite realizar revela-se de importncia para a melhoria do sistema educativo local. Algumas dessas actividades confirmam a tendncia para a interveno crescente dos municpios na rea do currculo, o que constitui certamente a mais significativa alterao, talvez subliminar, essncia organizativa do sistema educativo portugus. Referimo-nos em especial aos projectos socio-educativos concebidos e realizados pela prpria cmara municipal e propostos s escolas e s organizaes educativas em geral e que foram objecto de uma anlise mais detalhada, no quadro do presente estudo (ver anexo 3). Os projectos principais so apenas trs, porque as escolas j tm muito que fazer (Tcnico C), mas so considerados muito importantes pela cmara municipal: um projecto de educao ambiental, focalizado sobretudo na problemtica do tratamento dos resduos slidos urbanos, embora abra para outros aspectos da educao ambiental; um projecto de educao pela arte, baseado na criao de relaes entre as escolas e uma galeria municipal de arte; a promoo do ensino da educao fsica e da natao nos estabelecimentos de educao pr-escolar e do 1. ciclo do ensino bsico. Por outro lado, o municpio tambm assume intervenes na rea da construo, conservao e manuteno de escolas, para as quais no legalmente competente. o que se passa, designadamente, com instalaes de escolas bsicas dos 2. e 3. ciclos e do ensino secundrio. Assim, o plano de actividades para 2002 previa despesas com a construo e melhoramento de pavilhes desportivos e com a ampliao de instalaes. o que se passa tambm com a construo e equipamento de cozinhas em refeitrios de escolas do 1. ciclo.

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Estas intervenes representavam 3,5% do montante geral de despesas do plano de actividades. Um montante relativamente prximo (2,9%) quanto representa a previso da interveno extra-competncia na rea do apoio aos alunos e aos estabelecimentos. Esta rea inclui, contudo, algumas aces importantes, pelo valor simblico que tm, enquanto manifestao da inteno interventiva do municpio no sistema educativo. o caso das aces insertas na poltica de bolsas e prmios, concedidos a alunos de todos os graus de ensino (1,5% do plano) e dos apoios concedidos s escolas bsicas dos 2. e 3. ciclos e s escolas secundrias para o desenvolvimento dos seus projectos prprios (1,3%). Note-se que a poltica de bolsas e prmios, sem deixar de contemplar os casos de carncia econmica de alunos, est muito ligada a consideraes de mrito relativas ao desempenho dos candidatos. Muitos dos prmios concedidos chamam-se mesmo Prmios de Excelncia, o que no deixa de ser significativo tratando-se de uma no competncia. Saliente-se ainda que o municpio em causa tem uma poltica de geminaes, que inclui aces de mbito educacional desenvolvidas com uma cidade de um pas africano de lngua oficial portuguesa. Essas aces traduzem-se na disponibilizao de lares para jovens dessa cidade poderem estudar em Portugal e na concesso de bolsas de estudo a esses estudantes (uma despesa de 41.556 euros, correspondente a 0,6% do plano).

1.4. Sntese: a regulao municipal da educao


O estudo efectuado permitiu descrever de maneira pormenorizada as funes e actividades (estruturas, instrumentos e prticas) de um municpio da rea metropolitana de Lisboa, no domnio da regulao local da educao, confrontando aquilo que so normas gerais e legais com as polticas e aces concretas dos decisores e tcnicos locais. Os dados obtidos so relevantes, no s pelo dfice de informao existente em Portugal sobre esta matria, mas tambm porque eles permitem esclarecer o modo como uma estrutura da administrao descentralizada (neste caso o municpio) interfere no processo de regulao institucional do sistema educativo, ao nvel local. Como j foi referido, a descrio e a anlise da interveno municipal refere-se a uma rea que integra, mas mais ampla do que o territrio em estudo no mbito do projecto Reguleducnetwork. Contudo, ela permite ilustrar, de maneira empiricamente sustentada, o tipo de influncia que, em Portugal, uma regulao intermdia (com as caractersticas

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apontadas) exerce num territrio de interaco e concorrncia tal como foi definido no relatrio do WP5. Importa, por isso, nesta sntese, pr em relevo, ainda que de maneira necessariamente esquemtica, quais as principais caractersticas dos modos de regulao institucional do municpio, enquanto forma de coordenao ou impulso das polticas e da aco educativa, num determinado espao de aco (definido pela sua rea formal de influncia). - Uma regulao local centralmente condicionada Grande parte da interveno formal do municpio na educao resulta de um processo de transferncia de atribuies e competncias em domnios marginais do funcionamento do sistema escolar, sujeita a normativos constrangedores da autonomia de execuo e com carncia de meios e recursos. No admira portanto que essa regulao se confine, no essencial, a aspectos instrumentais e operacionais do sistema escolar, reduzindo, muitas vezes, a autarquia a um mero operador local de normas emanadas do poder central e por ele (directa ou indirectamente) reguladas. Contudo, mesmo tratando-se de uma regulao local centralmente condicionada, isso no impediu que o municpio desenvolvesse modos peculiares de cumprir as competncias em causa, como por exemplo: estabeleceu redes e regras de transporte escolar; criou rotinas e procedimentos sobre a conservao e manuteno das instalaes e equipamentos educativos; favoreceu os alunos mais carenciados, na aco social escolar; e disciplinou a concesso de subsdios s escolas. difcil apurar o impacto que estes modos peculiares tiveram nas escolas, na aco dos directores, no trabalho dos professores, no rendimento dos alunos e nas condies de igualdade de oportunidades. Contudo, tratando-se de reas de interveno relativamente marginais (sem interferir no currculo nuclear, no recrutamento e aco dos professores, ou avaliao dos alunos), envolvendo recursos limitados (os valores mais significativos esto confinados aos equipamentos e aco social escolar), em sectores restritos do sistema educativo (predominantemente a educao pr-escolar e o 1 ciclo do ensino bsico obrigatrio), de pressupor que a sua influncia muito residual. - Uma regulao educativa nas margens das escolas A ambiguidade existente, desde h vinte anos, no processo de transferncia de atribuies e competncias entre a administrao central e a administrao local e a indefinio poltica que tem presidido ao processo de descentralizao em Portugal fazem com que a interveno dos municpios na regulao do sistema educativo se transforme num terreno de negociao, disputa e jogo poltico

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permanente, entre a administrao central e local. De um modo geral, o municpio em estudo ( semelhana de muitos outros municpios) enjeita qualquer intromisso na gesto das escolas, na contratao e superviso dos professores, no controlo das aprendizagens dos alunos e na avaliao das escolas, apesar de, formalmente, existirem alguns espaos de interveno que possibilitariam essa aco, como por exemplo, a participao de representantes do municpio nas Assembleias de Escola. Isto deve-se, por um lado, ao receio de que essa interferncia se transforme, na prtica, em novas competncias, no regulamentadas, sem a correspondente transferncia de verbas para a sua execuo. Por outro lado, continuando o sistema educativo a ser, no essencial, regulado pela administrao central ou desconcentrada, os municpios tm receio de ficarem com os problemas, sem disporem dos meios necessrios sua soluo. Neste sentido, e exceptuando algumas aces como o programa de educao fsica para as escolas do 1 ciclo, o municpio em estudo, quando toma iniciativas prprias neste domnio, privilegia as aces que evitem uma excessiva entrada na escola e um confronto com as orientaes, normas e regulaes da administrao central ou com o campo especfico da autonomia da gesto escolar. - Uma regulao informal difusa As duas caractersticas anteriores no impedem, contudo, que o municpio em estudo surja, efectivamente, como uma instncia de regulao intermdia e tenha vindo a aumentar, progressivamente, a sua influncia. Ele intervm, de uma maneira difusa e fora do contexto de uma poltica educativa municipal claramente expressa, em vrios campos da aco educativa, nomeadamente atravs do que designamos pelo exerccio das no competncias, com particular destaque para os projectos scios educativos, ou para a extenso a outros nveis de escolaridade de competncias que lhe esto formalmente atribudas para um determinado nvel. no contexto destas iniciativas que mais visvel a emergncia de uma regulao institucional distinta da regulao central, embora os municpios no disponham de um real poder de tutela sobre as escolas, sua gesto e funcionamento. No caso do municpio em estudo, esta regulao intermdia faz-se atravs de dois processos. Um processo claramente dirigido ao pblico escolar, atravs da oferta de programas educativos ou outro tipo de iniciativas que funcionam como referncia do que seria uma orientao desejada para a prestao do servio educativo local, como por exemplo: os programas scio-educativos; as bolsas de mrito (Prmio de Excelncia); etc. Um processo mais abrangente no quadro de uma poltica global do municpio, atravs da articulao de

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iniciativas dirigidas s escolas e aos alunos com outras iniciativas mais gerais de mbito municipal, como sejam: a reabilitao urbana; as bibliotecas municipais; a animao sociocultural; a educao ambiental; etc. Estas iniciativas pr-figuram aquilo que poderia ser uma orientao poltica divergente no funcionamento local do sistema educativo, caso existisse em Portugal uma efectiva descentralizao educativa. Contudo, na situao actual em que ainda se verifica a permanncia de uma administrao educativa fortemente centralizada estas iniciativas, mesmo que avulsas e limitadas, reforam o carcter hbrido da regulao do sistema. Este tipo de aco municipal favorece, assim, a complexidade das multirregulaes locais, introduzindo factores de ambiguidade e de adaptao na regulao central, criando novos espaos de aco estratgica dos diferentes actores, com o consequente desenvolvimento de processo de regulao autnoma.

2. A INTERVENO DA DIRECO REGIONAL DE EDUCAO DE LISBOA NA REGULAO LOCAL DA EDUCAO


Este captulo tem como objectivo apresentar a Direco Regional de Educao de Lisboa (DREL) em quatro pontos. No primeiro ponto, iremos descrever o territrio de aco da DREL e a sua organizao interna. Num segundo ponto, descreveremos as competncias, funes e polticas da DREL. No terceiro ponto faremos uma anlise do discurso dos actores que trabalham na DREL sobre as suas prticas e sobre o papel da DREL na regulao local do sistema educativo. Finalmente, no quarto ponto, ser feita uma sntese interpretativa dos dados apresentados.

2.1. Territrio e organizao


Neste ponto iremos apontar algumas caractersticas scio-demogrficas do territrio de influncia da DREL, apresentar alguns dados relativos aos alunos, professores e escolas do seu territrio de aco e, finalmente, iremos descrever alguns elementos da sua organizao interna.

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2.1.1. Algumas caractersticas scio demogrficas A DREL abrange 51 concelhos e 525 freguesias numa rea de 11931 km2, o que corresponde a 12,8% do territrio nacional. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatstica de 2001, residiam na rea de influncia DREL cerca de 3,5 milhes de habitantes, o que representa 33,5% da populao nacional. De facto, a rea apresenta uma elevada densidade populacional, quando comparada com os valores nacionais; (esse valor de 294,7 no territrio da DREL enquanto que de 112,4 no territrio nacional). Acrescenta-se ainda que nos ltimos 10 anos, assistiu-se a um aumento na ordem dos 5,4% da populao residente. Este crescimento da populao tambm se traduziu num aumento do parque habitacional, que cresceu 19,1% nos ltimos 10 anos. Em 35% do territrio esto concentradas as reas predominantemente urbanas, onde reside 86% da populao (Comisso de Coordenao da Regio de Lisboa e Vale do Tejo, 2003). Esta tambm corresponde rea mais desenvolvida do pas do ponto de vista econmico: aqui que se situam 38% das empresas do pas, 35,4% da populao activa e, em 2000, o Produto Interno Bruto do territrio era 34% superior mdia nacional. As reas de actividades so sobretudo do sector tercirio: 71,0% do emprego do territrio est associado a esse sector de actividade. Em 2001 a taxa de desemprego fixou-se nos 7,4%, um valor um pouco superior mdia nacional (6,9%). Em termos de nvel de instruo atingido pela populao da rea da influncia da DREL possvel concluir que assumem valores globalmente superiores aos valores nacionais; em 2001, 20,0% da populao havia concludo o ensino secundrio e 14,4% o ensino superior, enquanto que esses valores eram de 16,0% e 10,6% ao nvel nacional. Contudo, esta regio tambm se caracteriza pela existncia de contrastes sociais internos, descritos no Plano de Actividades de 2001: observam-se evidentes riscos de excluso social, com repetidos fenmenos de vandalismo do espao, isolamento urbano (), crescimento de bairros perifricos desqualificados. Estas situaes reflectem-se no dia a dia da vida escolar (Plano de Actividades da DREL, 2001). 2.1.2. Escolas, alunos e professores O territrio de aco da DREL representa cerca de 30% do territrio nacional no que se refere a alunos, professores e escolas, o que no de estranhar, considerando os dados demogrficos j apresentados. O quadro que se segue apresenta dados relativos a 1996 e 2001

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do nmero de alunos no territrio da DREL e no territrio nacional (para ver os dados relativos a escolas e professores, consultar anexo 1).
Quadro 7 Nmero de alunos no territrio da DREL e percentagem a que corresponde no total nacional em 1996 e 2001 1996 % do total Territrio nacional Pr-escolar (1-3 anos) Ensino Bsico (4-15 anos) 1 Ciclo 2 Ciclo 3 Ciclo Ensino Secundrio (16-18 anos) Total 62359 398107 161708 89380 147019 178132 33,4% 32,5% 32,3% 31,4% 33,6% 40,7% 2001 % do total Territrio nacional 75848 376827 166563 83649 126615 137868 33,8% 33,1% 33,7% 32,6% 32,6% 47,6% 35,7%

638598 34,6% 590543 (Dados fornecidos pelo Ministrio da Educao)

A tendncia para esta maior concentrao de alunos, professores e escolas nesta DREL em comparao com as restantes tem sido uma tendncia que se tem mantido ao longo do tempo. 2.1.3. Organizao interna A DREL composta por dois rgos: o director regional e o conselho administrativo. De acordo com o Decreto Lei n. 168/96, o director regional coadjuvado por dois directores regionais adjuntos. O conselho administrativo um rgo deliberativo no que se refere gesto financeira e patrimonial da DREL, sendo presidido pelo director regional e no qual participam ainda um director regional adjunto e o chefe da repartio da administrao geral.
Figura 2 Organograma da DREL em 2003 Directores Regionais Adjuntos Director Regional Conselho Administrativo

Direco de Servios de Recursos Humanos Repartio da Administrao Geral

Direco de Servios de Recursos Materiais

Diviso de Instalaes Escolares Diviso de Pessoal

Diviso de Equipamento s Educativos

Direco de Servios de Assuntos TcnicoPedaggicos, Aco Social e Desporto Escolar

3 Centros da rea Educativa: Lezria e Mdio Tejo Oeste Pennsula de Setbal

Seco de Apoio Tcnico

Seco de Administrao Financeira Patrimonial

Seco de Pessoal, Expediente e Arquivo

Diviso TcnicoPedaggica

Diviso Aco Social e Desporto

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Desde o incio do trabalho emprico que a DREL j teve trs organogramas publicados na sua pgina da Internet. As mudanas quanto estrutura orgnica dizem respeito: - diminuio do nmero dos Centros de rea Educativa (CAE): numa primeira verso, a meio do ano de 2002, eram 6, numa segunda verso, no final de 2002 eram 5 e, data actual, so apenas 3; - alterao dos nomes dos directores regionais, de departamento e chefes de diviso. Da estrutura orgnica da DREL houve dois servios sobre os quais o estudo desenvolvido se debruou com maior intensidade: a direco de servios de assuntos tcnico-pedaggicos, aco social e desporto escolar e o CAE. - A direco de servios de assuntos tcnicos-pedaggicos, aco social e desporto escolar Esta direco de servios visa cumprir as competncias das DREL em matria tcnicopedaggica, das quais destacamos:
Promover e coordenar as aces educativas e pedaggicas; Prestar apoio tcnico e pedaggico s escolas; Organizar e assegurar a coordenao das equipas de educao especial integradas; Assegurar a maior rentabilizao dos meios disponveis; Assegurar e acompanhar o apoio social escolar; Assegurar e acompanhar as actividades de educao fsica e desporto escolar.

Nesta direco de servios colaboravam, data de recolha dos dados, 42 pessoas, organizadas em gabinetes de trabalho especializados nos diferentes nveis de ensino (prescolar, 1 ciclo do ensino bsico, 2 e 3 ciclo do ensino bsico, ensino secundrio,) e em reas educativas (educao especial, servio de psicologia e orientao, ). - Os Centros de rea Educativa Atravs do Decreto-Lei n. 141/93 foram criados seis Centros de rea Educativas (CAE) na DREL em estudo, semelhana do que sucedeu noutras DRE. A estes servios foi atribuda a competncia de assegurar a coordenao, orientao e apoio aos estabelecimentos de educao e de ensino no superior, sendo delegadas pelo director regional de educao as competncias especficas de cada coordenador; no fundo, os CAE representam uma estrutura desconcentrada das DRE.

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Nesta investigao, foi escolhido para estudo o CAE cuja rea de aco contem o territrio do WP5 que, semelhana de outros CAE, assume sobretudo funes de gesto de recursos humanos e materiais e funes de mbito tcnico-pedaggico. So responsveis, nomeadamente, pela afectao dos professores s escolas; pela colocao de pessoal auxiliar e administrativo nas escolas; pelo levantamento de necessidades quanto a docentes de apoio educativo; pela implementao de cursos de Ensino Bsico Recorrente; e, finalmente, pelos servios de aco social escolar. Importa contudo realar dois aspectos. Em primeiro lugar, com a nova Lei Orgnica do ME os CAE esto em processo de extino e que dos seis inicialmente criados s esto em funcionamento trs; o CAE que participou neste estudo j foi extinto. Neste quadro, as competncias so novamente assumidas pela DREL, num processo de recentralizao de poderes e de esvaziamento de uma ligao mais directa s escolas. Em segundo lugar, dar conta da reduzida percentagem do oramento do CAE face DREL; se em 1991 o oramento do CAE correspondia a 6,3% do oramento da DREL, em 2001 esse valor era apenas de 0,9%. 2.1.4. Pessoal e categorias profissionais da DREL A DREL conta com um total de 636 funcionrios, entre dirigentes, tcnicos superiores e tcnicos, pessoal administrativo e auxiliar e docentes, sendo estas as suas principais categorias profissionais. Para este estudo, importa contextualizar melhor as categorias profissionais de dirigentes de topo e os quadros tcnicos. No que se refere aos dirigentes de topo da direco regional de educao (o director e os seus trs directores adjuntos), e tal como acontece na generalidade dos servios da administrao pblica central, so livre e directamente nomeados pelo Governo (despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do Ministro da Educao para o director, e apenas do Ministro da Educao para os adjuntos). O recrutamento destes dirigentes tem-se efectuado tradicionalmente entre os professores dos ensinos secundrio ou superior ou entre os quadros superiores do prprio ministrio ou de outros ministrios. Ocasionalmente, tambm tm sido recrutados quadros oriundos das empresas pblicas ou privadas. Os dirigentes intermdios (directores de servios e chefes de diviso) so nomeados na sequncia de seleco decorrente de concurso pblico documental e entrevista. Trata-se de um procedimento recente introduzido na dcada de 90. As primeiras nomeaes procedentes de concursos realizaram-se no final da dcada, e, em geral, recaram sobre os candidatos que j

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exerciam os respectivos cargos por nomeao livre efectuada anteriormente entrada em vigor do novo regime. A maioria destes dirigentes recrutada entre os professores das escolas secundrias ou entre os quadros superiores do ministrio. As nomeaes de todos os dirigentes so efectuadas em regime de comisso de servio por perodos de trs anos renovveis. Mudanas nos titulares dos cargos polticos no ministrio (ministro e secretrios de estado) no obrigam substituio dos dirigentes. No entanto, habitual que os dirigentes de topo, nomeadamente os directores, coloquem os respectivos cargos disposio do novo ministro, o que em geral se traduz numa efectiva substituio da maioria dos dirigentes. J no que se refere aos tcnicos superiores, so carreiras verticais cujo acesso implica um diploma de grau superior (licenciatura), uma nomeao vitalcia aps um primeiro ano probatrio, e uma progresso centrada na antiguidade e na existncia de vagas nos lugares disponveis de cada nvel da carreira. No ME, a maioria destes quadros superiores so oriundos da carreira docente dos ensinos bsico e secundrio, isto , trabalharam em escolas como professores durante mais ou menos anos antes de se integrarem na carreira tcnica superior. Os quadros superiores que no so oriundos da carreira docente constituem uma pequena minoria e concentram-se em reas especficas de interveno (juristas, psiclogos, arquitectos, engenheiros). Para alm destes funcionrios superiores de nomeao definitiva, o Ministrio da Educao integra ainda um nmero muito significativo de professores dos ensinos bsico e secundrio requisitados anualmente s respectivas escolas, por escolha discricionria dos dirigentes dos servios. Em alguns departamentos, nomeadamente nos de criao mais recente como as direces regionais de educao, estes professores requisitados constituem mesmo a grande maioria dos quadros superiores em servio. O estatuto precrio destes quadros, sujeitos a uma nomeao temporria e discricionria favorece situaes de dependncia poltica e pessoal face aos dirigentes, e gera elevada mobilidade associada s mudanas de liderana poltica no ministrio. Em termos quantitativos, 34,9% do pessoal so professores, que trabalham na DREL por requisio a outros servios do ME, nomeadamente escolas. Os tcnicos superiores e o pessoal administrativo so as segundas categorias profissionais da DREL que contam com mais colaboradores, ambas com 20%.

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Associada elevada percentagem de professores que trabalham na DREL est o facto de ser uma instituio fortemente feminizada, pois 74, 4% do pessoal so mulheres. Contudo, as mulheres ocupam apenas 46,2% dos lugares dirigentes. A mdia de idades do pessoal de 49 anos, sendo que 44,0% dos profissionais se encontram entre os 45 e os 54 anos de idade e, no que se refere situao profissional, foi possvel concluir 50,5% do pessoal tem mais de 25 anos de servio; existe pois um forte envelhecimento dos efectivos da DREL. Em relao s habilitaes acadmicas, e considerando que a maioria dos profissionais so professores, no de admirar que 45,6% do pessoal tenha a licenciatura e 16,8% o bacharelato ou um curso mdio.

2.2. Competncias, funes e polticas em educao


Este ponto tem como objectivo descrever as competncias formais da DREL e as principais linhas da sua poltica educativa. As direces regionais de educao foram criadas em 1987, a partir da aglomerao de servios desconcentrados de diversos departamentos centrais do Ministrio da Educao. Estes servios desconcentrados tinham sido anteriormente criados numa lgica de procura de proximidade face ao terreno e s escolas, no contexto da expanso rpida da oferta escolar naquela poca. Desde a fundao at 1993 recolhe-se a imagem de uma fase crtica, marcada por indefinies na repartio de competncias com os departamentos centrais, e pelas dificuldades decorrentes da disperso por diversas instalaes resultantes da referida aglomerao funcional. a partir de 1993 que a instituio se consolida e adquire o perfil actual. Um bom indicador desta evoluo consiste na anlise dos oramentos das DREL nos ltimos anos em relao ao Ministrio da Educao, tal como se pode observar no quadro seguinte:
Quadro 8 Peso relativo das despesas das direces regionais no conjunto das despesas do ME (valores em milhares de euros, actualizados taxa mdia anual de 3%) (A) (B) Anos (B)/ (A) x 100 Ministrio da Educao 1991 1996 2001 3 589 042 * 4 795 804* 6 681 493 Direces Regionais 8 099 270 169 385 205 0,2% 5,6% 5,8%

Fonte: Oramento Geral do Estado. Os dados assinalados com * referem-se Conta Geral da Nao

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2.2.1. Atribuies e competncias genricas das DRE Do ponto de vista legal existem neste momento dois documentos essenciais que estabelecem as atribuies e competncias genricas das DRE. Um documento consiste na Lei orgnica das DRE, em vigor desde 1993. O outro corresponde recente Lei Orgnica do Ministrio da Educao (ME) que data de 2002. De acordo com a Lei Orgnica das DRE de 1993, estes organismos so identificados como servios regionais do Ministrio da Educao, dotados de autonomia administrativa, [que] asseguram a orientao, coordenao e apoio s escolas de ensino no superior ao nvel regional (Decreto-Lei n 141/93). A publicao deste diploma decorreu durante um perodo em que ao nvel do discursos poltico se visava, se no a descentralizao, pelo menos a desconcentrao dos servios da administrao pblica. Contudo, a publicao recente de uma nova Lei Orgnica para o ME implicar, certamente, uma nova definio legal das DRE. De facto, a identificao do papel das DRE descrita na actual Lei Orgnica destes servios, contrasta com a nova Lei Orgnica do ME, onde as DRE surgem como servios regionais do ME, mas como rgos de administrao desconcentrada. Em termos de competncias, a Lei Orgnica do ME prev s DRE no mbito das circunscries territoriais respectivas, funes de administrao desconcentrada, relativas as atribuies do ME e s competncias dos seus servios centrais, assegurando o apoio e informao aos utentes do sistema educativo, a orientao e coordenao do funcionamento das escolas e o apoio s mesmas, bem como a articulao com as autarquias locais no exerccio das competncias atribudas a estas na rea do sistema educativo (Decreto-Lei n. 208/02, Artigo 22). No territrio nacional, existem cinco DRE: Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve. De acordo com a Lei orgnica do ME, as DRE tm como funes, nomeadamente, - Prestar apoio e informao aos utentes do sistema () propondo (...) a adopo de regras de funcionamento relativas ao ingresso nas escolas e transferncia entre escolas, avaliao dos alunos e acesso aos apoios e complementos educativos (); - Orientar e coordenar o funcionamento das escolas e apoi-las, promovendo o desenvolvimento e a consolidao do regime de autonomia, administrao e gesto das escolas e a correcta utilizao dos recursos humanos, materiais e financeiros; - Analisar os factores de insucesso escolar e promover (...) medidas melhoria do acesso e sucesso escolares ();

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- Promover (...) todas as aces de planeamento e execuo do ordenamento das redes da educao pr-escolar e da educao escolar - Gerir o pessoal docente e no docente das escolas; - Elaborar e executar () planos () de aquisio e construo, ampliao, remodelao e conservao de instalaes escolares e equipamentos educativos; - Recolher a informao necessria gesto do sistema educativo e sua avaliao. Em relao lei orgnica da DRE ainda em vigor, possvel concluir ainda que existe uma tendncia para enfatizar, ao nvel normativo, as competncias associadas avaliao do sistema educativo, a relao com a aco das autarquias locais e finalmente, na relao com os utentes do sistema atravs da prestao de informaes. 2.2.2. Poltica educativa da DREL De acordo com o Plano de Actividades de 2001, so apontados seis objectivos estratgicos: - Reforar a relao alunos/ professores/ associaes de pais/ autarquias; - Acompanhar as escolas com grande nmero de jovens provenientes dos meios menos favorecidos, visando o combate excluso escolar e social; Apoiar actividade a implementao do regime de gesto e autonomia das escolas de modo a racionalizar recursos e reforar a relao escola/ meio; - Colaborar empenhadamente com as escolas na reorganizao curricular do ensino bsico e da reviso curricular do ensino secundrio; - Prosseguir o reordenamento da rede e o investimento na construo e conservao do parque escolar (...) dentro de um quadro de progressiva racionalidade; - Contribuir para uma cultura de segurana, bem-estar e estabilidade na escola. Traduzindo estes seis objectivos, o plano de actividade foi organizado em torno de seis programas de aco: - Programa de reordenamento da rede compreende a gesto da rede escolar, no sentido da elaborao de propostas para extino, criao ou agregao de escolas envolvendo projeces demogrficas, planos directores municipais e de urbanizao. - Programa para a oferta de educao e formao Envolve o acompanhamento pedaggico s escolas, bem como a superviso das suas condies de funcionamento em funo dos diferentes nveis de ensino e das modalidades de educao e formao

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alternativas (currculos alternativos, cursos de educao e formao inicial, gesto flexvel dos currculos, ). - Programa de recursos e complementos educativos Visa a integrao escolar, atravs dos servios de aco social escolar, servios de psicologia e orientao, animao e mediao culturais, apoios educativos. - Programa de gesto e formao de recursos humanos Gesto do pessoal docente e no docente das escolas ao nvel da formao, mobilidade e progresso na carreira. Contudo, a realizao de aces de formao para pessoal docente no realizada directamente pela DREL que assegura, antes, o acompanhamento dos Centros de Formao. - Programa do parque escolar O Programa est relacionado com a construo, manuteno e conservao dos edifcios escolares. - Programa de desenvolvimento organizacional, associado organizao interna da DREL, prende-se com a gesto administrativa da DREL, da formao do pessoal, informatizao dos servios, O quadro que se segue d conta de cada um desses programas e dos custos previstos para a sua realizao, sendo possvel concluir que a gesto do parque escolar e a oferta de educao e formao so aqueles que mais recursos financeiros envolvem.
Quadro 9 Custos previstos na DREL em 2001 por programa Euros Programa 1 Reordenamento da rede Programa 2 Oferta de educao e formao Programa 3 Recursos e complementos educativos Programa 4 Parque escolar Programa 5 Gesto e formao de recursos humanos Programa 6 Desenvolvimento organizacional Total (Dados fornecidos pela DREL) 3 200 69 321 000 26 340 000 52 689 000 677 500 167 500 149 198 200

% 0,00% 46,46% 17,65% 35,31% 0,45% 0,11% 100,00%

Atravs de uma anlise das actividades da DREL durante 2001, foi possvel concluir que o servio mais solicitado por entidades externas foi a repartio de Administrao Geral com 22,8% da procura registada, relacionado com a prpria administrao interna da DREL o que pode constituir um bom indicador do seu peso burocrtico, seguida da Direco dos Recursos

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Materiais, com competncias no domnio da gesto da rede escolar (19,5%) e da Diviso dos Assuntos Pedaggicos (19,1%), includa na direco de servios estudada2. Em termos de metodologias de trabalho, realam-se a realizao de reunies, sendo de frisar que 67,8% das reunies externas efectuadas em 2001 incluram a participao da Direco de Servios Tcnico Pedaggicos e Aco Social e Desporto Escolar. No entanto, como iremos ver mais adiante, de acordo com estudos j realizados nesta e noutras DRE e, apesar do Plano de Actividades sugerir uma aco pr activa em relao aplicao e desenvolvimento das suas competncias, em termos de actividades, na prtica, observamos que as actividades da DREL, sobretudo no domnio tcnico-pedaggico, assumem um carcter reactivo em relao a solicitaes exteriores, nomeadamente das escolas.

2.3. Os actores da regulao intermdia na direco regional de educao


Neste ponto iremos apresentar o discurso dos actores que entrevistamos na DREL sobre as suas prticas e sobre o papel da DREL na regulao local do sistema educativo. Num primeiro momento, faremos uma breve caracterizao das pessoas que entrevistamos. No segundo momento, apresentaremos a imagem que os entrevistados possuem sobre as suas funes e desempenhos. Num terceiro momento, analisaremos o discurso do poder sobre as prticas de regulao, incidindo sobre os modos de actuao da DREL. Num quarto momento, ser descrita a imagem institucional que os actores detm sobre a DREL. 2.3.1. Caracterizao e percurso profissional Este ponto visa uma breve caracterizao dos entrevistados em termos profissionais, de forma a melhor situarmos os testemunhos recolhidos. Em primeiro lugar faremos uma apresentao do pessoal dirigente e em segundo lugar dos quadros superiores. - Os dirigentes No mbito da presente investigao foram entrevistados dois dirigentes de topo e trs dirigentes intermdios. Os dois dirigentes de topo (directores adjuntos), do sexo feminino,

Note-se que grande parte das solicitaes externas passa pelo Gabinete de Comunicao e Modernizao. As percentagens aqui apresentadas excluem esse procedimento. Para mais detalhes, consultar anexo 1. 43

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eram quadros superiores seniores do Ministrio da Educao, oriundos da carreira docente do ensino secundrio. Foram convidados para os respectivos lugares pelo director nomeado na sequncia da mudana de governo ocorrida em 1995, e ambos se demitiram em 2002, na sequncia da substituio do director, entretanto ocorrida. Os respectivos percursos profissionais revelam passagens por outros servios do ministrio: ensino bsico, educao recorrente, educao pr-escolar, aco social escolar. Um dos entrevistados estava afecto direco regional de educao desde a sua criao, nos anos oitenta, e era dirigente intermdio (chefe de diviso) data do convite para o lugar de director adjunto, convite que interpretou como um sinal de confiana por parte do director. O outro entrevistado integrava o quadro de outro servio do ministrio e aceitou o convite para o lugar com base no conhecimento pessoal do director com quem anteriormente trabalhara nesse servio, avaliando positivamente o seu modo de agir. Os trs dirigentes intermdios eram professores do ensino secundrio e ingressaram ao servio da direco regional de educao na sequncia das mudanas de dirigentes de topo ocorridas em 1995. Um deles desempenhava o cargo de director de servios, responsvel pelo sector pedaggico, e fora anteriormente presidente do conselho directivo de uma escola secundria durante 7 anos. Os outros dois entrevistados asseguravam a direco (coordenador e coordenador adjunto) de um dos organismos sub-regionais da direco regional de educao, designado por Centro de rea Educativa (CAE). O coordenador tinha sido adjunto de um outro CAE a partir de 1996, e aceitara depois o convite do director regional para coordenar este CAE recentemente criado, referindo que tal aceitao resultara da confiana e afinidade pessoal em relao ao director da altura. O seu longo percurso profissional inclui passagens por empresas pblicas e privadas, e mais recentemente, aps a entrada na carreira docente, alguns anos na presidncia do conselho directivo de uma escola secundria. O coordenador adjunto, com uma experincia profissional mais curta, fora nomeado na sequncia de convite do coordenador com quem trabalhara no anterior centro de rea educativa. Em 2002, ambos se encontravam na expectativa de terminar as respectivas funes em virtude da substituio do director regional entretanto ocorrida. - Os quadros superiores Foram efectuadas entrevistas a cinco quadros superiores, dois no servio central da direco regional e trs no centro de rea educativa (CAE). Apenas um destes cinco elementos era funcionrio superior do Ministrio da Educao, exercendo a sua actividade na rea da

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orientao escolar e profissional, e tendo anteriormente passado pela carreira docente numa escola secundria. Ingressara na direco regional em 1996 a convite de um dos directores adjuntos com quem j tinha trabalhado num outro departamento do Ministrio da Educao. Os outros quatro elementos, mais jovens que os dirigentes e os funcionrios superiores, eram professores do ensino secundrio requisitados por uma ano s respectivas escolas. Tinham sido recrutados por convites baseados no conhecimento pessoal dos dirigentes intermdios de que dependiam e entendiam a sua situao como uma oportunidade de desenvolvimento profissional no mbito da respectiva carreira docente. 2.3.2. A auto-imagem sobre funes e desempenhos A imagem que os entrevistados detm sobre as suas funes e desempenhos est associado a quatro dimenses: a dimenso profissional, na qual a profisso de professor constitui o principal referencial de identidade profissional; a dimenso de equipa, na qual a constituio de equipas de trabalho se releva um processo atravs do qual cada dirigente procura rodear-se de quadros de confiana recrutados no exterior; a dimenso do trabalho de equipa, aqui valorizado pelos entrevistados; finalmente, uma dimenso poltica, que envolve dar a cara pelo ministrio. - Dirigentes e quadros: o professor como referente de identidade profissional De um modo geral, predomina entre os entrevistados uma concepo do trabalho tcnico na administrao da educao como um extenso do trabalho de gesto escolar e do prprio trabalho docente considerado em sentido lato. So muito frequentes as referncias indispensabilidade da experincia docente, nomeadamente na gesto escolar de topo ou intermdia para um adequado desempenho tcnico ao servio da direco regional de educao. Assim, por exemplo, um dos dirigentes entrevistados de opinio que para ser tcnico, ou para se trabalhar num gabinete, eu acho que os princpios fundamentais so estes: ser professor em primeiro lugar, e depois de preferncia ter experincia de gesto na escola () ou como conselho directivo e executivo ou ento como coordenador de directores de turma. No mesmo sentido, a propsito da gesto da informao que circula entre as escolas e os servios da direco regional, outro dirigente afirmou: essa mais valia que eu tenho em relao s escolas porque quem fala comigo sabe que eu sei o que l se passa, no por me dizerem, mas eu sei o que gerir a escola, em termos de pessoal, em termos de rgos [de gesto], em termos de secretaria.

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Tambm entre os quadros superiores se manifesta a mesma perspectiva. Por exemplo, um dos entrevistados considera relevante a sua anterior experincia como membro do conselho directivo de uma escola porque me revejo muito nas preocupaes de quem telefona, de quem vem [considerando que] difcil algum que no tenha passado por uma escola e que venha para aqui A mesma representao sobre a experincia docente como requisito de um desempenho adequado transparece numa referncia aos diferentes estilos de interveno de tcnicos e de professores requisitados a respeito da evoluo do trabalho de coordenao da rede escolar: quando a rede escolar passa para o CAE que funciona essencialmente com professores requisitados, pela experincia de leccionao e vivncia das escolas, deixou-se de considerar os alunos como mera quantidade () e passa-se a atender a outras circunstncias. Uma imagem convergente surge entre os mais jovens, dirigentes e quadros, que tendem a consideram o seu trabalho tcnico na direco regional como uma oportunidade de aprendizagem, como uma experincia diferente de enriquecimento profissional enquanto professores, entendendo o servio como um local de passagem no respectivo percurso profissional. Assim, um dos entrevistados comenta deste modo o convite para ingressar na direco regional: era um desafio interessante porque eu podia enriquecer muito em termos humanos e no s, em termos de conhecimento, o que de facto se veio a verificar (); bvio que eu no estou aqui para ficar () achei e sempre acho que estes so locais de passagem; acho que nos fazem sempre bem, () aqui dentro ficamos com uma perspectiva. Em suma, dominante entre os entrevistados uma imagem da administrao educativa construda a partir das organizaes escolares e da perspectiva dos professores. No se recolhe evidncia significativa de uma construo identitria slida e autnoma entre estes quadros e dirigentes. A docncia constitui-se como o referencial dominante na expresso da identidade profissional destes actores. - A equipa de trabalho: captura e colonizao da burocracia educacional A fragilidade identitria da organizao e dos seus actores reforada pela elevada mobilidade resultante do predomnio de critrios de confiana poltica no recrutamento e seleco de dirigentes e quadros. Mudanas na liderana poltica do Ministrio da Educao do origem a uma sequncia de mudanas em cascata, imediatas ou diferidas consoante os dispositivos formais a ter em conta, desde o director e seus adjuntos, passando pelos dirigentes intermdios e acabando nos professores requisitados anualmente s escolas.

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Este processo identificado pelos actores como a constituio de uma equipa de trabalho, significando que cada dirigente procura rodear-se de quadros de confiana recrutados no exterior, em outros servios do ministrio, ou, preferencialmente, nas escolas. Assim, um dirigente refere que mais de metade das pessoas que passaram por l, so pessoas que eu conheo, umas que vieram comigo do [servio anterior], outras que eu conheo das escolas. A propsito de nova mudana ministerial refere outro dirigente: ns entrmos para uma equipa que era a da [direco regional] onde nos conhecemos e temos uma confiana que j resulta de um trabalho passado com determinadas pessoas, e agora vm outras e ns podemos estar dispostos ou no a partilhar. Ou, como refere outro dirigente, quando eu convidei as pessoas para virem para aqui () bvio que as convidei porque as conhecia, isso para mim fundamental. Em consequncia, este processo configura uma situao da burocracia da administrao da educao que no v reconhecida a sua autonomia e a sua identidade, e capturada por lgicas de aco centradas na ocupao poltica do territrio da administrao pblica. Assim, um dos dirigentes refere a propsito da substituio recente do director eu disse-lhe que saa quando [ele] sasse, disse que ele poderia naturalmente estar sujeito a presses para substituir, portanto eu punha o meu lugar disposio, mas que estava disposta a ficar enquanto ele ficasse. Por outro lado, tal captura d origem a sucessivas ondas de professores requisitados que passam transitoriamente pelo servio, colonizando-o com as suas prticas, a sua viso da educao e das escolas, em suma, impondo a sua cultura profissional. Como referiu um entrevistado, estas coisas de Ministrio so muito boas para aprendermos muita coisa, mas depois acho que nos comeamos a distanciar demais e comea a ser perigoso, e portanto eu gosto muito da escola, sou professor, gosto muito de dar aulas, gosto muito da minha profisso. - O estilo de gesto: o trabalho de equipa e a informalidade Em geral os entrevistados transmitem uma imagem das prticas de gesto marcada pela informalidade e a colegialidade, havendo mesmo quem sublinhe o contraste com prticas anteriores mais formais e autoritrias: a fase que ns encontrmos quando entrmos era um bocadinho mais autoritria, em que as pessoas tinham relaes muito formais, esperavam de ns um chefe que dizia como que se fazia, pronto, e o tempo fez com que as relaes se modificassem um bocadinho e as pessoas aprendessem a trabalhar mais com argumentao.

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A informalidade das relaes de trabalho sublinhada por dirigentes e tcnicos atravs de referncias convergentes gesto de porta aberta significando o acesso imediato e informal aos gabinetes dos dirigentes, opo pelo despacho presencial do expediente como indicador de maior proximidade e confiana entre os diversos nveis de deciso, valorizao do contacto directo, pessoal ou telefnico, entre dirigentes e quadros para o estudo e resoluo de problemas concretos, e importncia atribuda prpria presena assdua dos dirigentes nos locais de trabalho dos quadros como sinal de colegialidade e abandono do distanciamento hierrquico tpico das burocracias clssicas. A valorizao do trabalho de equipa sublinhada pela diviso de trabalho entre dirigentes, de acordo com os respectivos perfis profissionais, pela diviso de trabalho entre os quadros em funo das necessidades de servio, de que so exemplo as frequentes referncias organizao de escalas para o atendimento telefnico considerado como uma das tarefas mais pesadas e exigentes. So tambm frequentes as referncias realizao de reunies de trabalho peridicas com o objectivo de trocar informao e aferir modos de relacionamento com o exterior, nomeadamente com as escolas. Como refere um dirigente a propsito dos objectivos das reunies mensais de coordenao com todos os quadros do servio: um informar, isto , para que todos os gabinetes possam estar informados relativamente ao trabalho desenvolvido pelos outros () e por outro lado para haver tambm uma aferio da forma de trabalhar, dos mecanismos informais de funcionamento (), porque h uma parte () que da responsabilidade do tcnico, que a ligao ao exterior e pelo telefone a qualquer cidado (); essa resposta no possvel de ser controlada por qualquer chefe, portanto ao tcnico que compete, dentro da sua margem de liberdade, dar a resposta (); portanto estas reunies servem um pouco tambm para isso, para saber como que se lida com o exterior. - Poltica: dar a cara pelo ministrio As representaes dominantes sobre o quotidiano das prticas centram-se num registo tcnico e reactivo perante as solicitaes do exterior que deixa na sombra a dimenso poltica e estratgica da interveno da direco regional na administrao da educao, nomeadamente no que diz respeito ao relacionamento com as escolas. O discurso mais frequente sublinha duas vertentes principais, quer numa lgica de prestao de servios ao pblico e s escolas (aconselhamento na deciso, esclarecimentos de dvidas sobre legislao, encaminhamento de assuntos pendentes) quer numa lgica de tutela administrativa pouco

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relevante (encaminhamento de expediente para deciso de outras entidades, autorizaes formais sem contedo real). Contudo surgem tambm referncias que apontam para a tomada de conscincia da dimenso poltica do exerccio de cargos e funes aparentemente descritos com meramente tcnicos e executivos. Assim, por exemplo, um dirigente salienta a preocupao do director com a imagem pblica do servio, nomeadamente perante as escolas, a propsito de decises tcnicas correntes e consensuais no servio: tinha uma informalidade demasiada porque deitava abaixo as convices todas das pessoas (), dizia 'Voc nunca esteve numa escola, no sabe o que uma escola', e as pessoas ficavam 'No sei o que uma escola? Oh dr.!' [e o director insistia] No sabe, isso no assim! (...)! E ele tinha razo, muitas vezes tinha razo. Num registo mais explcito e referindo-se s interaces com os responsveis pela gesto das escolas, outro entrevistado refere que um bom dirigente aquele que capaz de estabelecer uma relao prxima e capaz de distanciar-se quando tem que transmitir directivas e que no pode dar margem de folga. Sublinhando a dificuldade da assuno de uma postura exclusivamente tcnica, o mesmo entrevistado refere que ns aqui damos a cara! por uma poltica educativa que podemos no defender; podemos pensar 'eu sou uma tcnica, estou aqui numa funo tcnica' () mas por vezes isso um bocado difcil. Reconhece tambm, mais adiante, que a sua entrada na direco regional e a aceitao de funes dirigentes se relacionou com a sua adeso s orientaes da poltica educativa da altura, referindo expressamente a reforma curricular no ensino secundrio e a reorganizao da rede escolar. 2.3.3. O discurso do poder sobre as prticas de regulao Neste registo, os entrevistados sublinharam a importncia da introduo de lgicas de modernizao dos servios da DREL; no sentido de ajudar e de se aproximar das escolas e das dificuldades que encontram face a uma burocracia avassaladora. Como modo de gerir esta contradio e como uma forma pr activa da DREL na regulao do sistema educativo, os entrevistados descreveram o lanamento de campanhas de interveno poltica. - A modernizao e o dilogo O modo de actuao da direco regional surge representado pelos entrevistados num registo optimista marcado por ganhos de eficcia, de acrescida capacidade de resposta face s solicitaes das escolas. A modernizao e racionalizao dos procedimentos administrativos

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e a informatizao, assim como uma maior proximidade e mais dilogo com as escolas so apontadas como estratgias que tero produzido um desempenho mais satisfatrio em relao s expectativas existentes nas escolas. Um dos dirigentes compara a situao anterior, que conhecera enquanto responsvel pela gesto de uma escola, com a situao presente de que o principal responsvel: H uns anos o CAE era muito diferente () estava muito distante das escolas; eu fazia parte do secretariado dos conselhos directivos () e vinha s reunies com a [direco regional] e achava que era muito mais distante (); a sensao que tinha que eles no sabiam muito bem o que era a escola, ali, aquele territrio () eu conheo muito bem as escolas aqui () mais do que fisicamente, conheo as pessoas que l esto, como funcionam, e tambm sei com o que conto. Outro dirigente sublinha a mesma ideia de abertura, dilogo e proximidade: as escolas telefonam para c e sentem que tm maior abertura para falar (); enquanto que as escolas, se calhar antigamente ao mandarem um ofcio levariam 15 dias ou 3 semanas para receberem o ofcio de resposta () agora no, agora so respondidos salvo rarssimas excepes e tem que haver uma justificao qualquer para isso no ter acontecido. O contraste entre o perodo anterior e o presente tambm sublinhado com nfase por outro dirigente a propsito das medidas de racionalizao administrativa que desenvolveu: O que se veio encontrar foi alguma desorganizao, e uma mecanizao muito forte do trabalho (); no havia uma coisa que eu considero fundamental num servio que a informatizao (), era tudo feito mo, () de memria, de cabea (); os cd-rom, os computadores, as disquetes eram objectos raros, costumava dizer-se que as pessoas andavam procura dos papis um dia inteiro (); portanto quando cheguei, uma das primeiras coisas que tentamos () foi uma pequena base de dados para que consegussemos saber o percurso dos documentos (); hoje funcionamos essencialmente com material informtico. - Ajudar as escolas: resolver problemas e gerir conflitos O discurso de todos os entrevistados sobre as suas prticas do quotidiano profissional marcado por referncias recorrentes e enfticas ajuda e apoio s escolas como um eixo estruturante da misso da direco regional. A caracterizao do relacionamento com as escolas numa lgica de aconselhamento e apoio no surge apenas num registo descritivo da actividade desenvolvida. Aparece tambm num discurso poltico e normativo enquadrado na retrica da promoo da autonomia das escolas: ns no estvamos ao servio do senhor ministro (), claro que estvamos porque foi ele que nos ps l (), mas sobretudo

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estvamos numa perspectiva de ajudar a construir () aquela ideia extraordinria da autonomia das escolas. Tal autonomia entendida num registo prospectivo de desenvolvimento organizacional apoiado pela direco regional, numa lgica em que a escola devia assumir as responsabilidades pela suas opes e no andar sempre l a inspeco, a direco regional, o departamento central a dizerem 'faa assim, faa acol', e a escola sempre a perguntar. Uma grande parte da actividade diria de dirigentes e tcnicos parece concentrar-se na resposta a solicitaes concretas e avulsas oriundas das escolas, nomeadamente dos seus rgo de gesto de topo e intermdia (conselhos executivos, directores de departamentos, coordenadores de directores de turma). O carcter informal e reactivo destas interaces com as escolas bem sublinhado pelas referncias abundantes ao peso do atendimento telefnico no conjunto das tarefas quotidianas. Conforme refere um dirigente, os telefonemas, aquilo que os tcnicos dizem que a principal preocupao dos gabinetes (), digamos que durante um dia os telefones esto sistematicamente a trabalhar, se fizermos uma mdia de 10 minutos por conversa, em sete horas de trabalho . A presso para assegurar o atendimento telefnico constitua um elemento estruturante da organizao do trabalho nos diversos sectores e equipas de tcnicos, a ponto de se formalizarem rotinas centradas em escalas rotativas para o desempenho de tal tarefa considerada particularmente exigente e sensvel: ns no nosso gabinete somos trs elementos, e para que o outro consiga responder por escrito nesse dia s questes que tem, e temos uma certa diviso de pelouros, fazemos uma escala; de manh est a pessoa X e a pessoa Y a atender o telefone, portanto a outra finge que no est a ouvir as campainhas e tenta escrever. A preocupao de dirigentes e tcnicos como o atendimento telefnico (e tambm por fax e correio electrnico) revela a importncia atribuda ao tratamento casustico e personalizado da interaco com o exterior, nomeadamente com os gestores escolares e professores, num registo discursivo que procura distanciar-se dos procedimentos formalizados e impessoais tradicionais nas burocracias da administrao pblica: um dia tpico muitas respostas ao telefone; muito do acompanhamento que feito s escolas via telefone; () os coordenadores dos cursos, os conselhos executivos tm o nosso nmero de telefone directo, o nosso e-mail, e o fax () e o acompanhamento feito, ns tentamos que a administrao tenha um rosto, tentamos! A valorizao desta lgica de relacionamento com as escolas

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decorre do predomnio de uma perspectiva centrada nos problemas percepcionados a partir das escolas e da satisfao das necessidades dos gestores escolares: quando estava na escola sempre me interessei muito por esta parte dos alunos do ensino secundrio e foi de facto nessa altura que eu constru a imagem do que achava que a [Direco Regional] devia ser (), as pessoas no terreno tm que ter uma estrutura que as apoie e que seja at capaz de lhes dizer 'neste momento no tenho aqui uma resposta pronta para lhes dizer (), mas fique descansado que eu telefono assim que puder (), vamos tentar ajud-lo'; este tipo de resposta que eu penso que as pessoas esperam, porque quando eu estava no conselho directivo [da escola] precisava. Para alm do atendimento telefnico, este tipo de interveno casustica e reactiva concretizava-se tambm atravs de visitas s escolas ou entrevistas com gestores, professores, pais e autarcas, a pedido destes, numa lgica de procura de solues para problemas especficos. Estas intervenes caracterizavam-se pela urgncia e pelo imperativo de minimizar efeitos negativos na prestao do servio, sendo habitualmente designadas por apagar incndios na gria dos dirigentes e tcnicos. Exemplos destas actividades foram as intervenes referidas a propsito da necessidade de assegurar a continuidade dos rgos de gesto das escolas em situaes de ruptura ou conflito interno, ou as intervenes destinadas a gerir conflitos locais entre pais e professores, implicando por vezes o encerramento temporrio de escolas e o consequente impacto na comunicao social. - A burocracia avassaladora A preferncia pela informalidade e pelo tratamento casustico e personalizado dos problemas tem como contraponto uma lamentao generalizada e recorrente contra o peso excessivo dos procedimentos administrativos, formalizados em rotinas dirias enfadonhas e em resmas de papel que diariamente era preciso ler e encaminhar, no deixando tempo para pensar. Num registo crtico sobre a irrelevncia poltica de muitas competncias formais atribudas direco regional, uma dos dirigentes comenta: h coisas que vo direco regional que no tm nada que ir () coisinhas pequeninas que nem se percebe porque que a gente est ali a! pr assinaturas, no serve rigorosamente para nada, no adianta nada, [mas] que d imenso trabalho e que tem um trabalho por detrs que ningum imagina. Na realidade, muitos destes procedimentos rotinizados concretizam dispositivos de regulao burocrtica centrados na verificao da conformidade normativa de actos avulsos

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de gesto escolar corrente, como por exemplo, a utilizao do crdito global de horas lectivas atribudo s escolas ou a realizao de visitas de estudo fora do pas. Noutros casos, a acumulao de processos para deciso administrativa formal, sem contedo relevante, decorre da concentrao na direco regional de actos de gesto de recursos humanos das escolas, de que era exemplo a situao dos animadores pedaggicos das escolas: o que que a direco regional faz com os animadores? Faz o pagamento do subsdio mensal, e para [isso] preciso controlar a assiduidade, e ento a este gabinete chega uma mdia de 600 a 700 papis por ms; mas so coisas que passam por aqui para irem depois para os servios administrativos, para lhes pagarem. Reflectindo sobre a dificuldade em aliviar a direco regional destas atribuies formais consideradas irrelevantes e contraproducentes em termos de uma efectiva capacidade de regulao, comentava outro dirigente: as pessoas agarram-se quilo que so as suas competncias e no largam (); um director regional tem muito presente aquilo que o seu espao, o seu territrio, e no larga mesmo sabendo que isso o vai aliviar. Porque, sabe Deus, se fica to aliviado, to aliviado que perde o seu posto de trabalho! Outras referncias crticas centram-se no elevado volume de tarefas de tratamento de informao escrita formalizada em processos administrativos. Trata-se em geral da anlise de situaes ou problemas, que so objecto de informaes e pareceres tcnicos preparatrios de deciso superior na prpria direco regional ou na direco poltica do Ministrio da Educao. Em geral este trabalho no visto como gratificante para o dirigente ou tcnico, e a respectiva substncia no considerada relevante, tendo em considerao que a lgica de aco dominante privilegia a relao informal de ajuda com os actores no terreno por parte de uma administrao com rosto, e que d a cara perante as escolas. Na gesto do quotidiano laboral dos tcnicos e dirigentes, difcil a compatibilizao entre a presso desta burocracia avassaladora e a preferncia por abordagens ao trabalho centradas na informalidade e no contacto pessoal e directo. Em geral, a soluo encontrada passa pela consagrao da maior parte da jornada de trabalho s tarefas nobres da ajuda e apoio (reunies, entrevistas, visitas s escolas, atendimentos de telefonemas) remetendo-se a papelada para incio ou o fim do dia (antes das 9 horas ou depois das 18 horas) ou mesmo para trabalho em casa noite.

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- As prioridades da interveno poltica A retrica da ajuda e do acompanhamento gesto escolar e aos professores traduz um entendimento das prticas de regulao numa lgica de aco casustica e reactiva que tende a deixar na penumbra a efectiva interveno pr-activa da direco regional e dos seus dirigentes e tcnicos, ao servio de finalidades e prioridades polticas governamentais claramente definidas. Com efeito, no relacionamento com as escolas, o discurso sobre o apoio, o esclarecimento de dvidas, a resoluo de problemas e de conflitos reporta-se no apenas s questes da gesto escolar corrente, mas sobretudo s dificuldades supervenientes da aplicao de medidas concretas de poltica educativa habitualmente designadas de reformas e que veiculam as prioridades polticas das equipas governamentais que se sucedem no Ministrio da Educao. Na lgica da organizao do trabalho da direco regional, a concretizao destas prioridades polticas assume a forma de campanhas de interveno que se sucedem cronologicamente, mobilizando parte importante dos recursos humanos e da logstica disponvel. Em geral, um trao dominante destas reformas a expectativa de um acolhimento relutante ou pouco entusistico por parte dos gestores escolares e dos professores, pelo que o apoio e acompanhamento se enquadram habitualmente em estratgias de marketing poltico (mais ou menos dialogantes ou autoritrias, consoante o estilo governativo do momento e o clima poltico dominante), destinadas a conseguir que nas escolas se concretizem os actos de gesto necessrios efectiva aplicao das referidas reformas. O discurso dos actores permite identificar a sequncia destes processos de mobilizao de meios a partir do ano lectivo de 1996/1997. Assim, um primeiro objectivo estratgico identificado refere-se a um plano de expanso da oferta de educao pr-escolar lanado naquele ano, implicando novos dispositivos de financiamento, a definio e ampla divulgao de orientaes curriculares especficas para o sector e a negociao de protocolos de cooperao com entidades locais pblicas e privadas. Em conformidade, nessa altura o sector da educao pr-escolar na direco regional viu os seus recursos humanos e financeiros muito reforados, aps o que, passado o mpeto inicial da reforma regressou a um registo de interveno mais discreto. Como refere um dirigente, neste momento funciona um pouco com trabalho mais rotineiro, est em velocidade de cruzeiro. A segunda grande campanha de interveno (mais detalhadamente analisada no anexo 4) surge a partir de 1998, associada publicao de um novo enquadramento legal para o regime

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de administrao das escolas bsicas e secundrias pblicas, atravs do qual se anunciava o desenvolvimento da autonomia das escolas face administrao da educao nacional. A nova legislao implicava um complexo processo de reformulao da estrutura e dos rgos de gesto das escolas, incluindo a elaborao de regulamentos internos e a organizao de diversos processos eleitorais envolvendo professores, outros funcionrios, alunos e pais, e ainda o envolvimento das autoridades municipais e de outros agentes comunitrios locais. Na direco regional, este processo mobilizou a ateno prioritria dos dirigentes e deu origem organizao de uma task-force constituda por elementos retirados dos diversos sectores e directamente dependente do director, a chamada equipa da autonomia, qual competia a superviso dos processos de reconfigurao organizacional e gestionria em curso nas escolas. A mobilizao seguinte, a partir de 1999, centrou-se numa iniciativa de reforma curricular no ensino bsico, e o seu objectivo principal consistia numa tentativa de flexibilizao do currculo nacional uniforme e muito regulamentado, implicando a possibilidade de adaptaes na carga horria semanal das diversas unidades curriculares pr-definidas, e a adopo de novas reas curriculares no disciplinares (estudo acompanhado e trabalho de projecto). Na direco regional, os sectores dos diversos ciclos do ensino bsico estiveram envolvidos no lanamento experimental da reforma num nmero reduzido de escolas seleccionadas, e depois no processo da sua generalizao a todas as escolas. Neste campo, a interveno de ajuda e apoio s escolas centrou-se na elaborao de normativos internos de regulao e na mediao de conflitos entre professores, resultantes da flexibilizao e da introduo das referidas reas no disciplinares. Seguiu-se nova reforma curricular, desta vez no ensino secundrio, apresentada com a finalidade de reforar a componente profissionalizante deste nvel de ensino. Foi a vez do respectivo sector da direco regional se desdobrar em mltiplas iniciativas de divulgao e de preparao logstica das mudanas anunciadas, incluindo um estudo para a reformulao da oferta educativa das escolas secundrias com base nos recursos humanos e nos equipamentos existentes. A mudana de governo ocorrida em 2002 implicou a suspenso e posterior alterao desta reforma, com as consequentes reorientaes da interveno dos servios da direco regional. Finalmente, durante o ano em que decorreu o trabalho de campo deste estudo, e que coincidiu com a entrada em funes do novo governo sado das eleies da Primavera de 2002, a promoo de agrupamentos verticais de escolas, em esboo desde 1998 foi

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transformada em objectivo poltico prioritrio, numa lgica de modernizao e de racionalizao da administrao da educao a que no alheia a conjuntura de aperto oramental nas finanas pblicas. O apoio s escolas surge agora num registo mais imperativo, prprio do posicionamento mais conservador da orientao poltica governamental, e traduz-se, por exemplo, na promoo sistemtica de reunies com as escolas onde os professores e gestores so confrontados com a argumentao modernizadora da optimizao de recursos e da articulao curricular entre os vrios ciclos de ensino: no ano passado ns tentmos que na escola se constitusse uma comisso instaladora j de um agrupamento, e no da escola (), fizemos uma reunio com todas as directoras das escolas e jardins para as sensibilizar para a constituio do agrupamento, mas h aquelas resistncias velhas que so sempre as mesmas, no e? E no ano passado, das treze escolas houve seis que no queriam integrar o agrupamento, este ano s h duas que no querem. 2.3.4. A imagem institucional da direco regional No que se refere imagem institucional que os entrevistados detm da DREL, importa atender a dois nveis de aco: a administrao da educao no seio do sistema educativo e a relao com as escolas e o pblico. - No mbito da administrao da educao A imagem da direco regional abundantemente veiculada pelos entrevistados remete para um servio de natureza eminentemente executiva, com a funo de assegurar a administrao corrente do sistema educativo, numa lgica de complementaridade em relao a outros servios da administrao educacional. Assim, caberia aos departamentos centrais do Ministrio da Educao o estudo e a concepo das medidas concretas de poltica educativa, de acordo com as orientaes governamentais, enquanto que direco regional compete a garantia da efectiva concretizao dessas polticas nas escolas do respectivo territrio. Neste conceito de medidas de poltica educativa tanto se incluem as decises de administrao corrente destinadas a garantir as rotinas da prestao do servio educativo, como as decises que configuram reformas, ou seja, mudanas mais ou menos significativas em aspectos especficos da organizao do sistema. Em termos organizacionais, as primeiras so asseguradas pelo dispositivo estrutural que cobre os diversos sectores de interveno (educao pr-escolar, ensino bsico, instalaes e equipamento, aco social escolar, etc.), enquanto para as segundas podem ser organizadas equipas de interveno que desenvolvem a

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sua actividade numa lgica de projecto, como o objectivo de assegurar a concretizao formal das referidas reformas num prazo determinado, em funo da agenda poltica definida ao nvel governamental. Neste contexto organizacional os centros de rea educativa so entendidos como extenses sub-regionais sem qualquer autonomia, justificados numa lgica de acrescida proximidade em relao s escolas, de modo a optimizar a aco executiva da direco regional, no acompanhamento da gesto escolar corrente e na aplicao das reformas. Esta estratgia de articulao no interior do Ministrio da Educao envolve tambm as outras direces regionais, para aferio e uniformizao de critrios e normas de interveno, atravs de reunies peridicas entre os respectivos dirigentes (Conselho Restrito dos Directores Regionais), e a Inspeco Geral da Educao para onde so enviadas as situaes difceis susceptveis de aco disciplinar, e donde remetida informao sobre situaes irregulares detectadas pelos inspectores nas escolas. Estas interaces com os outros servios da administrao da educao no esto isentas de dificuldades e problemas. Na relao com os departamentos centrais de concepo referemse questes de definio de fronteiras (nas situaes concretas muitas vezes difcil a destrina entre aquilo que a competncia dos servios centrais e aquilo que deve ser a competncias das direces regionais), e dificuldade na circulao da informao: tendncia para aqueles departamentos ignorarem a direco regional na formulao de medidas e na sua divulgao junto das escolas, com prejuzo da respectiva adequao s condies concretas do terreno, e da capacidade da direco regional na sua concretizao. No que respeita aos servios de inspeco, a principal dificuldade identificada decorre de leituras divergentes na interpretao de legislao e de normativos, implicando a formulao de juzos de avaliao diferentes sobre as situaes detectadas nas escolas: fiz reunies antes do arranque [do ano lectivo, com a inspeco] e chegmos concluso que a direco regional e a inspeco tinham maneiras diferentes de encarar a mesma legislao, aquilo que para ns era normal, para a inspeco era um desvio. Destas discrepncias resultam margens acrescidas de ambiguidade na relao entre as escolas e a direco regional, porque uma escola que recebe um inspector que diz o contrrio daquilo que ouviu da direco regional, aproveita a resposta que lhe interessa mais.

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- Nas relaes com as escolas e o pblico A imagem institucional insistentemente veiculada a de um servio vocacionado para o apoio s escolas, numa lgica de proximidade, o que supostamente garante o conhecimento concreto das situaes, e uma maior facilidade na resoluo dos problemas com base no relacionamento pessoal com gestores e professores. O que sistematicamente se valoriza a responsiveness, ou seja, a garantia de um dispositivo reactivo capaz de responder s solicitaes, dvidas e dificuldades gestionrias expressas pelos actores escolas: uma das nossas principais funes acudirmos de certa forma quilo que as escolas necessitam. Tal ajuda concretiza-se em todos os planos da gesto escolar, como o esclarecimento de dvidas sobre interpretaes da legislao ou de outros normativos, a gesto de conflitos internos (entre membros das equipas de gesto, entre professores, entre professores e pais), a realizao de pequenas reparaes, a orientao nos contactos com empresas (fornecimento de gs, servio de refeies, etc.). Transparece deste discurso de apoio s escolas uma imagem da direco das escolas sem autonomia nem viso estratgica, com dfices de liderana e de competncias tcnicas de natureza gestionria. A mesma perspectiva reactiva, em termos de dar resposta, surge no relacionamento com o pblico, em geral alunos e pais que procuram informao e orientao sobre opes de cursos ou de escolas, ou sobre o modo de agir perante problemas ou situaes de conflito. No se detectam portanto sinais de uma viso mais abrangente e estratgica em termos da gesto do servio educativo no plano regional. Estamos assim perante a imagem de um servio com uma misso definida de modo redutor em termos meramente operacionais. Contudo, por detrs da insistncia na retrica da interveno de apoio, surgem referncias a uma interveno mais pr-activa, centrada na veiculao de informao oriunda dos departamentos centrais ou da prpria direco poltica do Ministrio da Educao, e na presso para o cumprimento da legislao e dos normativos. Este tipo de interveno apresentado como uma inevitabilidade, como uma funo difcil e incmoda a que no se pode fugir: uma papel ingrato que o papel de fazermos cumprir a legislao como mximo rigor. Todavia, a preocupao central a de assegurar a imagem de uma relao amigvel com os professores e as escolas, definindo claramente um limite que atribui a fiscalizao e o controlo aos servios de inspeco: ns quando vamos s escolas, no vamos l com o objectivo de inspeccionar seja o que for (), as escolas vm em ns um amigo, aquele que vem c para nos ajudar a construir () sempre um papel de orientao, de aconselhamento.

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A ambiguidade resultante da coexistncia entre o papel ingrato de impor a obedincia lei e aos normativos, e o papel do amigo que orienta e d conselhos tende a ser resolvida atravs do recurso ao dilogo e negociao concretizada geralmente no decurso de visitas s escolas, reunies ou entrevistas. O objectivo desta estratgia negociadora consiste em vencer a resistncia dos gestores escolares em relao a questes especficas (rede escolar, nmero de alunos por turma, constituio de agrupamentos), persuadindo-os a acatarem as orientaes superiores, no pressuposto implcito de que a alternativa (supostamente no desejada por ningum) ser o encaminhamento da questo para os servios inspectivos: devemos ter conscincia das situaes, se at acharmos que no esto conforme, e se at acharmos que as escolas, depois de alertadas continuam a fazer o mesmo erro, ou se continuam a insistir no mesmo tipo de procedimento, at podemos alertar a inspeco (), e portanto isso um discurso que ns passamos sempre escola.

2.4. Sntese: A DREL como instncia de regulao intermdia


Este ponto visa sintetizar os dados apresentados e reflectir sobre a aco da DREL enquanto instncia de regulao intermdia. O discurso dos actores transmite a imagem de uma instituio frgil em termos identitrios, dominada, por lgicas dominantes de ocupao poltica da administrao educacional e de colonizao profissional a partir dos professores. patente uma viso da misso organizacional e das prticas profissionais num registo retrico de ajuda e apoio s escolas, atravs dos quais a regulao poltica se concretiza de modo predominantemente informal, pela via da negociao, da presso pessoal, do dilogo persistente, de uma certa cumplicidade para evitar o mal maior da interveno inspectiva. Deste modo, as dificuldades da direco poltica do Ministrio da Educao em impor as suas reformas so retoricamente transformadas em dificuldades das escolas em as aplicar. Consequentemente, a ajuda poltica s autoridades governamentais transforma-se em ajuda tcnica s escolas e aos professores. Importa por isso apresentar alguns exemplos da aco reguladora da DREL e do discurso dos actores entrevistados sobre quatro temas que dominam a agenda da poltica educativa: a avaliao das escolas e os rankings, a carta escolar e a livre escolha da escola, a descentralizao da administrao e autonomia das escolas; e, finalmente, a referncia a certas dinmicas locais no territrio do WP5.

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- A avaliao das escolas e os rankings De um modo geral, a imagem que se recolheu sobre a avaliao externa das escolas atravs da elaborao e publicao de rankings a de uma certa ambivalncia. Por um lado, salientou-se que se trata de um bom princpio que favorece a transparncia do servio pblico e corresponde satisfao do direito informao por parte dos alunos e das famlias, constituindo ainda um ponto de referncia para que as escolas possam melhorar o seu desempenho. Por outro lado, quase todos os entrevistados salientaram as perversidades inerentes elaborao deste tipo de rankings baseado nos resultados escolares que geralmente acaba por no reconhecer o trabalho desenvolvido nas escolas situadas em contextos socio-econmicos mais difceis. Os efeitos perversos so tambm referidos a propsito do impacto da avaliao na motivao dos professores que trabalham com populaes mais carenciadas e que se sentem injustiados pela aplicao de critrios cegos baseados nos resultados escolares. Outro efeito indesejvel consiste no facto de os rankings premiarem e legitimarem as prticas discriminatrias das escolas que seleccionam ilegalmente os seus alunos rejeitando aqueles que tm um currculo escolar marcado pelo insucesso acadmico, ou por problemas disciplinares. Outro tipo de crticas salientou sobretudo a fragilidade tcnica dos rankings elaborados nos ltimos anos, referindo tambm concluses da investigao educacional sobre a eficcia das escolas que apontam para a pouca estabilidade dos resultados escolares em termos de sustentabilidade no tempo (os resultados da mesma escola variam muito de ano para ano) e em termos da elevada disperso interna por ano de escolaridade e por turma (na mesma escola os resultados variam muito, no mesmo ano lectivo, entre os alunos dos vrios anos e das vrias turmas). Referindo-se diversidade de factores que devero ser tidos em conta e perversidade da exposio meditica, um entrevistado manifestou mesmo o seu cepticismo sobre a possibilidade de uma avaliao justa: acho muito complicado, se queremos fazer uma avaliao das escolas, ou feita com muito cuidado, e eu no estou a ver qual o critrio de justia que consiga pr isto tudo l dentro, e ento acho que deve haver outro tipo de avaliao da escola, mais sria que no seja () uma coisa meditica. - A carta escolar e a livre escolha da escola Parece generalizada uma posio de princpio favorvel livre escolha da escola pelos pais, embora tal opinio aparea matizada pela conscincia das consequncias potencialmente negativas de tal opo, tanto em termos de justia e equidade, como no plano das dificuldades

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tcnicas da resultantes no que respeita gesto da rede escolar. O exerccio deste direito pelos pais entendido como uma prtica corrente, e aceita-se com naturalidade que os pais recorram a atestados de residncia fabricados para ultrapassarem as determinaes da carta escolar, nos casos das escolas mais reputadas onde a procura superior oferta. Assim, para reforar a sua perspectiva sobre a legitimidade da escolha, um dos entrevistados deu o seu prprio exemplo afirmando ter recorrido a esta prtica para matricular um dos seus filhos na escola que pretendia e que no correspondia rea da sua residncia. As estratgias conduzidas em algumas escolas para seleccionar alunos com base no estatuto socio-econmico, na origem tnica, ou no mrito escolar anterior merecem censura generalizada, embora se reconhea a dificuldade em combater tais prticas geralmente conduzidas de forma clandestina e a coberto de critrios aparentemente legais. A gesto da carta escolar efectuada em reunies sectoriais que envolvem grupos de escolas que partilham a mesma rea, e onde se acerta a operacionalizao dos critrios de distribuio de alunos com base nas reas de residncia e nas ofertas de cada escola. No entanto, posteriormente, a direco regional no exerce qualquer espcie de controlo sobre a aplicao desses critrios nas admisses efectivamente realizadas por cada escola, com excepo das situaes de excesso de procura onde se torna necessrios redistribuir excedentes, e das situaes pontuais resultantes de queixas de pais contra as escolas onde lhes foi recusada a matrcula dos seus filhos. Nestas situaes pontuais, quando a reclamao entendida como procedente, o assunto geralmente resolvido informalmente atravs de um telefonema para a escola. S muito raramente e em situaes extremas de conflito, o problema abordado em termos formais, atravs de comunicao aos servios de inspeco. - Descentralizao da administrao e autonomia das escolas O discurso dos entrevistados tende a valorizar positivamente a desconcentrao da administrao da educao, defendendo uma lgica de maior proximidade em relao s escolas, de modo a optimizar o conhecimento dos problemas e a capacidade de interveno na sua resoluo. Neste sentido, a criao das direces regionais, e dentro destas, dos centros de rea educativa de mbito sub-regional, entendida como tendo constitudo um avano na melhoria da prestao do servio de educao. J no que diz respeito municipalizao da administrao da educao as perspectivas no so to claras. Por um lado, salientam-se as vantagens de maior proximidade e pertinncia para se considerar vantajosa uma acrescida interveno municipal. Por outro lado, considera-se que no existem condies polticas para

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que tal evoluo se concretize, no s porque falta inteno poltica inequvoca no Ministrio da Educao, como tambm porque as autoridades locais no se mostram disponveis para aceitar tais responsabilidades. J no que diz respeito promoo da autonomia das escolas parece existir uma convico generalizada sobre as suas vantagens, havendo mesmo entrevistados que manifestaram grande entusiasmo e satisfao pela sua participao na aplicao da legislao sobre organizao e gesto escolar publicada em 1998, apresentada poca como um poderoso instrumento de desenvolvimento da referida autonomia. Esta reforma ou novo modelo de administrao escolar implicou a reorganizao da gesto das escolas, pressionando no sentido da juno de escolas de pequenas dimenses em agrupamentos com uma estrutura de gesto nica. Dada a complexidade do processo, e a previso de mltiplas resistncias locais quanto sua efectiva concretizao, foi constituda na direco regional uma task-force na dependncia directa do director, a quem coube dinamizar (isto , pressionar e enquadrar) os processos que a legislao preconizava deverem ser conduzidos autonomamente nas escolas. Assim, o discurso dos entrevistados expressa o paradoxo da interveno da direco regional nesta matria: para promover, nas escolas, a concretizao da legislao que supostamente refora a sua autonomia, preciso pressionar, negociar, insistir, convencer, vencer resistncias, isto , torna-se necessrio aumentar a presso e o controlo sobre as mesmas escolas. - Dinmicas locais no territrio do WP5 A imagem transmitida sobre a rea urbana estudada no mbito doWP5 revela um territrio marcado por fortes contrastes em termos socio-econmicos, envolvendo bairros e condomnios da classe mdia e mesmo mdia-alta, e outras reas ocupadas por populaes muito carenciadas de origem maioritariamente africana, em bairros de origem clandestina, ou em habitaes sociais resultantes de realojamentos. As dinmicas detectadas na gesto da oferta escolar so assim marcadas por estes contrastes. Num contexto demogrfico marcado pela reduo da natalidade, o territrio beneficia de um claro excesso de oferta escolar, nomeadamente no ensino secundrio. A situao facilita estratgias de escolha das escolas pelos pais, principalmente pelos pais da classe mdia, situao claramente documentada no WP5, e a que um dos entrevistados se refere comentando que os pais se do ao luxo de poder escolher. Em consequncia, e como refere outro entrevistado, no sem algum exagero, o panorama da rede escolar o de escolas muito cheias e escolas vazias, isto , as escolas mais reputadas (merecida ou imerecidamente) tendem a beneficiar de um excesso de procura,

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enquanto que as escolas que acolhem os alunos das populaes carenciadas ficam muito aqum da sua capacidade de acolhimento. Por outro lado, o excesso de procura em algumas escolas favorece estratgias de seleco dos alunos, nessas escolas, as quais tendem a resultar na rejeio dos alunos das minorias tnicas ou com deficiente currculo acadmico ou disciplinar, e que acabam por ser concentrados nas outras escolas menos prestigiadas. Assim, a gesto dos fluxos escolares acaba por acentuar ainda mais a segregao social j existente e patente da diferenciao do habitat no seio do territrio em causa. Para isso se combinam dois fenmenos convergentes: a fuga dos alunos da classe mdia de algumas escolas (as menos reputadas), e a expulso dos alunos problemticos das escolas mais reputadas. Estas dinmicas esto claramente identificadas pelos dirigentes e tcnicos e so abordadas numa lgica de inevitabilidade, parecendo entender-se que nada de significativo se poder fazer para alterar a situao, para alm de contrariar pontualmente uma ou outra deciso a partir de queixas ou reclamaes concretas. O lema parece ser: as desigualdades esto a e esto para ficar.

3. CONCLUSES GERAIS
O presente estudo teve como principal objectivo descrever a organizao, funcionamento e processos de regulao de duas instncias de coordenao intermdia da administrao do sistema educativo, em Portugal, com interveno nas escolas e no espao de interdependncia definidos como objecto de investigao no WP5 (no mbito do projecto Reguleducnetwork). Essas instncias so, como j foi referido, uma Direco Regional de Educao (estrutura desconcentrada do Ministrio da Educao) e um Municpio (estrutura descentralizada da administrao pblica). Estas instncias operam claramente num nvel intermdio entre a administrao central e os estabelecimentos de ensino, em reas geogrficas distintas mas que se cruzam e integram o territrio em estudo (WP5), definido pela rea de influncia e de interdependncia de nove escolas do ensino bsico e secundrio. Nas presentes concluses gerais iremos sistematizar as informaes recolhidas em funo de trs dimenses analticas que decorrem do quadro de referncia estabelecido para o WP7 no mbito da coordenao do projecto Reguleducnetwork.

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Num primeiro ponto iremos definir em que consiste o carcter intermdio da interveno das duas instncias de regulao que so objecto do presente estudo. Para isso, iremos situar a sua aco, enquanto estruturas da administrao da educao, quer em relao s macroestruturas de regulao nacional quer em relao s micro-estruturas de regulao intra ou inter estabelecimentos de ensino. Num segundo ponto, iremos relembrar os aspectos essenciais das concluses sobre os modos de regulao de cada um dos organismos em anlise, com o fim de detectar as especificidades que resultam da sua posio intermdia na administrao do sistema (uma desconcentrada e outra descentralizada). Finalmente, num terceiro ponto, iremos retomar as hipteses enunciadas pela equipa coordenadora deste WP7, para verificar da sua consistncia e congruncia para a realidade portuguesa, em funo dos resultados obtidos com este estudo

3.1. A regulao intermdia


A Direco Regional de Educao e o Municpio constituem instncias pblicas de coordenao e de influncia que exercem a sua aco em territrios intermdios do sistema escolar, a um nvel infra-nacional e supra-estabelecimento de ensino. O carcter intermdio da sua aco no resulta apenas da natureza especfica deste tipo de organizaes e das suas funes, mas tambm da posio relativa que os seus territrios de influncia ocupam entre o nvel macro e o nvel micro do sistema escolar e da sua administrao. Neste sentido podemos dizer que o que intermdio o territrio definido pelo mbito de influncia de cada um dos dois organismos e no o tipo de regulao que praticado. Importa ainda acrescentar que os espaos de regulao definidos por estes dois organismos (rede de escolas com certas dependncias da Direco Regional e do Municpio) se sobrepem parcialmente e se cruzam com outros espaos de regulao nacionais, regionais ou locais que exercem a sua aco em funo de outros domnios de competncias (para l das que so exercidas pelos dois organismos em causa), ou a partir de outras fontes de legitimidade (que no exclusivamente a administrao pblica). Isto significa que as escolas que integram o territrio de referncia definido para este estudo (WP5) pertencem a mltiplas e distintas redes de regulao, o que no s complexifica os processos (multirregulao), mas tambm provoca um efeito de sistema. Este efeito resultado da aco combinada de diferentes regulaes (provenientes de instncias diferentes) num mesmo espao ou escola.

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A visualizao deste complexo jogo de influncias e da localizao intermdia das instncias de regulao em estudo apresentada na figura seguinte:
Figura 3 Regulao Nacional Ministrio da Educao (WP2)

Administrao desconcentrada

Administrao directa centralizada

Administrao descentralizada

Direco Regional de Educao (WP7) Rede de escolas (WP5)

Municpio (WP7)

Regulao intra (WP9) e inter escolas (WP5)

Como foi referido no relatrio, a administrao da educao em Portugal continua bastante centralizada, sendo conduzida pelas estruturas centrais do Ministrio da Educao, nomeadamente nos aspectos nucleares do funcionamento do sistema educativo: alocao de recursos, colocao de professores, definio do currculo e programas, avaliao. A aco da Direco Regional exerce-se no acompanhamento e controlo das escolas e na mediao das aces polticas conduzidas a partir do centro. Quanto aco do Municpio ela exerce-se formalmente em zonas operacionais e de apoio ao funcionamento do sistema escolar (planeamento e construo escolar, pessoal no-docente, aco social escolar), estando quase exclusivamente reduzida (para j) educao de infncia e 1 ciclo do ensino bsico (quatro primeiros anos de escolaridade). As direces das escolas exercem a sua aco na prestao directa do servio educativo (ensino e avaliao de alunos) e na organizao do trabalho docente e no-docente. Esta partilha formal de poderes muito condicionada, na prtica, pelas caractersticas das diferentes organizaes e do seu pessoal, pela maior ou menor autonomia que os responsveis da Direco Regional e das escolas conquistam ao poder central, pela prpria poltica municipal, pela existncia ou no de outras instncias de regulao informal, pela prpria dinmica das relaes que os diferentes agentes estabelecem entre si, etc. Por isso, o crescimento da regulao intermdia pode ter sentidos e efeitos diferentes, conforme os contextos e as caractersticas de cada Direco Regional e de cada Municpio. No caso presente, como iremos ver de seguida, a importncia deste tipo de regulao resulta mais de
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processos informais do que das competncias formalmente atribudas e, embora as influncias destas estruturas e dos seus agentes estejam a aumentar, elas esto longe de configurar uma mudana radical dos processos de regulao burocrtica e centralizada, ainda dominantes na administrao do sistema educativo portugus.

3.2. Os modos de regulao


No final de cada um dos pontos relativos ao municpio (1.3) e direco regional (2.3.) apresentaram-se as principais caractersticas dos modos de regulao desenvolvidos por cada uma destas instncias de administrao intermdia. Importa recordar aqui unicamente os aspectos que so significativos para perceber at que ponto eles configuram, ou no, uma regulao emergente distinta da exercida pela administrao central e qual o seu efeito sobre o funcionamento das escolas e a problemtica das desigualdades. Quanto ao municpio, vimos que, no contexto em que se tem desenrolado o processo de descentralizao em Portugal, existe uma enorme distncia entre, por um lado, uma prtica de transferncias de competncias limitadas e centralmente controladas e, por outro lado, um discurso oficial que, h mais de 20 anos e em sucessivos governos, vem louvando as vantagens de uma maior interveno municipal no domnio da educao. Isto significa que no existe (do ponto de vista legal) a massa crtica suficiente para o municpio assumir uma interveno alternativa administrao central, com a adopo de modos de regulao distintos, em funo de prioridades e objectivos prprios, mesmo que integrados na poltica nacional para o sector. Como vimos, quando nos referimos s caractersticas da interveno do municpio em estudo, estamos em presena de: uma regulao local centralmente controlada; uma regulao educativa nas margens das escolas; uma regulao informal difusa. esta ltima caracterstica que aponta para uma eventual emergncia de novos modos de regulao, privilegiando intervenes estratgicas mais dirigidas para uma poltica de cidade, incentivando o desenvolvimento de projectos nas escolas que possam induzir objectivos e modos de aprendizagem diferentes, onde no falta o discurso da promoo da qualidade e do mrito, dos alunos e das escolas. J no que se refere problemtica das desigualdades na educao, ela est pouco presente (excepto nas medidas de reabilitao urbana, e nos critrios de subsdios da aco social escolar) e assume, quase sempre, uma inteno paliativa dos efeitos da marginalidade e da excluso social e no de alterao estrutural das condies que lhe deram origem.
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Quanto Direco Regional vimos que as caractersticas deste organismo desconcentrado do Ministrio da Educao induzem uma regulao intermdia com particularidades prprias que importa relembrar na apresentao destas concluses. Em primeiro lugar, a cultura profissional docente dominante no pessoal de enquadramento (pela sua origem ou vnculo). A maior parte deste pessoal assume uma certa mestiagem profissional na sua relao com as escolas, jogando, conforme os casos e as resistncias, com a imagem do funcionrio que controla e a do colega que apoia. Em segundo lugar, atendendo s funes essencialmente executivas que estes organismos desenvolvem, verifica-se que a regulao intermdia adquire uma ambivalncia significativa entre o processo descendente da orientao normativa emanada dos servios centrais e o processo ascendente de contextualizao das polticas nacionais aos contextos locais. Apesar de terem sido criadas h pouco tempo, as Direces Regionais viram aumentar enormemente a sua importncia formal e informal. Por um lado, enquanto estruturas regionais desconcentradas (directamente dependentes do Ministro e dos Secretrios de Estado) possibilitam uma aplicao mais contextualizada e um controlo mais apertado da execuo das polticas nacionais. Por outro lado, enquanto estruturas de regulao de proximidade, dominadas por quadros tcnicos profissional e culturalmente prximos dos professores e das escolas, elas funcionam como instrumento de persuaso junto das comunidades educativas locais, ajudando o governo a convencer as escolas e ajudando as escolas a cumprir as directivas do governo. Resta dizer que, fora destas formas de regulao intermdia exercidas pelo municpio e pela direco regional, fica toda a interveno direccionada para a superviso do trabalho docente e regulao pedaggica da escola. Embora, no caso da Direco Regional, a sua funo mediadora de programas de inovao (ou reforma) emanados da administrao central lhes d uma possibilidade de interveno nesse domnio, essa no a sua vocao institucional. A regulao, nestes domnios, sobretudo da responsabilidade das Direces-Gerais pedaggicas que funcionam ao nvel da administrao central ou das prprias escolas (atravs do conselho pedaggico).

3.3. As hipteses do estudo


Conforme foi dito no incio do relatrio, o presente estudo foi orientado por um conjunto de hipteses definidas pela coordenao do projecto, tendo em vista facilitar a comparao internacional entre os diversos estudos nacionais. A partir dessas hipteses, foi identificado

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um conjunto de questes transversais a que iremos tentar responder de maneira breve, de acordo com os dados obtidos. - O desenvolvimento das instncias intermdias de regulao Em Portugal, o desenvolvimento de agentes ou instncias intermdias de regulao no domnio educativo relativamente recente. No caso dos municpios, que ainda tm competncias muito reduzidas neste domnio, houve, contudo, uma significativa ampliao legislativa, em 1998, a qual no foi levada prtica at ao presente momento, por ter sido regulamentada h pouco tempo. Por isso, necessrio dar importncia aco mais informal do municpio (no quadro das chamadas no competncias). A evoluo da interveno educacional depender da orientao poltica do municpio, da sua sensibilidade aos problemas da educao e da igualdade de oportunidades e dos recursos disponveis. No caso do municpio em estudo, sem se ter verificado um aumento significativo do valor relativo dos meios atribudos educao, estabilizou-se e consolidou-se um certo modo de interveno, embora a influncia na regulao das escolas e na promoo da igualdade de oportunidades na educao continue a ser diminuta. Quanto outra estrutura intermdia de regulao que foi estudada a Direco Regional de Educao a sua criao igualmente recente (1987), mas conheceu um forte crescimento a partir de 1993 (em termos de financiamento e pessoal). Este crescimento tem vindo a ser acompanhado por sucessivas reformulaes orgnicas, a ltima das quais ocorreu em 2002. De acordo com esta alterao, as direces regionais preservam as suas funes executivas, como estruturas desconcentradas do Ministrio da Educao, com responsabilidade na orientao, coordenao e acompanhamento das escolas que pertencem sua rea de influncia, mas vem reforadas as suas competncias no domnio da recolha de informao e avaliao do sistema educativo. Para alm destas competncias legais, a importncia das direces regionais de educao como instncias intermdias de regulao tem vindo a aumentar, como resultado do seu protagonismo na aplicao local de vrias reformas em curso, bem como do papel mediador que os responsveis e tcnicos adoptam nas relaes entre as escolas e o poder poltico e viceversa. O facto deste tipo de intervenes no estar regulamentado e depender muito das caractersticas e iniciativas dos dirigentes e tcnicos, bem como das caractersticas de outros agentes de regulao, como os municpios e a direco das escolas, faz com que exista uma

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zona de indeterminao e incerteza propiciadora de processos de regulao autnoma e de efeitos de multirregulao. - Motivaes polticas para o desenvolvimento das instncias intermdias de regulao Tratando-se de estruturas diferentes do ponto de vista da sua relao de dependncia com o poder poltico central e sua administrao (descentralizao e desconcentrao) verifica-se que o maior ou menor desenvolvimento de uma ou de outra instncia tem significados diferentes. Assim, o carcter limitado da interveno municipal na educao significa que, em Portugal, a descentralizao tem funcionado essencialmente como figura retrica para justificar outros modos de regulao: na prtica, o poder central teme perder o controlo sobre o sistema e o poder local teme receber competncias sem recursos. Em contrapartida, a criao e desenvolvimento das direces regionais insere-se numa lgica de reforo do poder central, atravs de um controlo e acompanhamento de proximidade, mesmo que, no incio, e no discurso poltico, estas medidas de desconcentrao fossem anunciadas como formas de transio para processos de descentralizao mais avanados. De um modo geral, as motivaes que presidiram criao destas estruturas esto ligadas ao discurso da modernizao da administrao pblica, melhoria da sua eficcia e ao controlo e promoo da qualidade. As razes especificamente ligadas igualdade de oportunidades e ao combate excluso no so muito evidentes, excepto na argumentao utilizada para justificar as vantagens de uma administrao mais prxima dos utilizadores, bem como da necessidade de adoptar o princpio da subsidiariedade na administrao do sistema. Contudo, na prtica, e conforme os dados obtidos no presente estudo mostram, no se verificaram grandes inovaes nos processos burocrticos tradicionalmente utilizados, embora haja um certo reforo dos dispositivos de racionalizao e estandardizao dos procedimentos adoptados pelos professores e pelas escolas, principalmente a partir de impulses das autoridades centrais de que a prpria direco regional e o seu pessoal so mediadores. Convm lembrar que as medidas que visam a racionalizao do trabalho docente e do funcionamento das escolas, o desenvolvimento de dispositivos e instrumentos de avaliao, a melhoria da qualidade e eficcia, tm origem, sobretudo nas estruturas centrais do Ministrio da Educao e so dirigidas directamente s escolas. O mesmo acontece com programas de interveno destinados a combater as desigualdades e a excluso social na escola, promover o multiculturalismo, etc. Por isso, a funo da direco regional, enquanto instncia

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intermdia de regulao, est muito limitada ao papel de mediador entre o nvel central e local. Esta mediao valoriza, simultaneamente, o papel de controlo e de apoio para a execuo de diferentes programas de reforma de iniciativa central. Os dirigentes e tcnicos podem enfatizar diferentes aspectos das reformas e, por vezes proceder a interpretaes diferentes, mas raramente tomam iniciativas autnomas nestes domnios. Quanto ao municpio, ele est, como vimos, margem destes processos que implicam um envolvimento directo na administrao das escolas, mas isso no o impede de, atravs de iniciativas prprias (apoio ou promoo de projectos e aces educativas dirigidas s crianas e jovens) procurar intervir na formao pessoal e social dos alunos das escolas e desenvolver os valores da qualidade, da excelncia, da igualdade de oportunidades (embora mais com efeitos simblicos do que reais, atendendo ao reduzido investimento que feito nestes programas). - Lgicas de regulao, formas de organizao e papel dos quadros (dirigentes e tcnicos) O desenvolvimento de instncias intermdias de regulao insere-se, aparentemente, na tentativa de introduo de modelos de administrao ps-burocrtica e justificado, muitas vezes, com argumentos baseados numa adeso aos princpios da regulao pelo mercado. Contudo, na prtica, como vimos, predomina uma tenso entre dois tipos de regulao: a persistncia de uma regulao burocrtica, baseada num extenso e complexo sistema de rotinas e procedimentos administrativos que condicionam o dia a dia das duas organizaes; a existncia de bolsas de inovao ligadas construo e desenvolvimentos de projectos que, de acordo com a prpria metodologia deste tipo de trabalho, valorizam uma regulao participativa e por resultados, com grande autonomia de processos. Podemos dizer que, do ponto de vista dos princpios e das estruturas, continua a persistir, quer no municpio quer na direco regional, um modelo de regulao burocrtica (centrada na prescrio e controlo de regras e procedimentos) amenizada pela existncia de programas especiais que justificam organizaes e processo de trabalho excepcionais. Quanto regulao pelo mercado, apesar de haver um reforo, a nvel central, da sua promoo retrica (como vimos no relatrio do WP2), ela no est interiorizada nos tcnicos destas organizaes. Um elemento fundamental que refora o carcter hbrido da regulao existente (entre a regulamentao burocrtica e a orientao normativa por resultados) resulta, igualmente, do facto de subsistir uma grande proximidade (profissional, cultural e de estatuto) entre os

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quadros que trabalham nestas organizaes (em particular na direco regional) e os actores nas escolas (direco e professores). Neste sentido, no se verifica, no nosso pas, a hiptese de um aumento das distncias sociais e tcnicas entre os responsveis e os alvos do enquadramento, nem um reforo da sua profissionalizao. Finalmente, como foi referido a propsito da interveno da direco regional de educao na aplicao do regime de autonomia e administrao das escolas (anexo 4) a coexistncia neste tipo de estruturas da funo de execuo e controlo, por um lado, e da funo de apoio e acompanhamento, por outro, permite adoptar formas de regulao hbridas e mais flexveis, jogando no efeito persuasivo (e de legitimao) que o discurso do apoio pode ter sobre a prtica do controlo. Do mesmo modo, e como acontece sobretudo no municpio, a utilizao do projecto como dispositivo de regulao permite garantir o controlo sobre elementos concretos de definio e aplicao de uma determinada poltica educativa, substituindo a subordinao normativa e hierrquica, pela adeso voluntria a um projecto suficientemente persuasivo (pelo tema ou condies de financiamento). Como sabido estas novas formas de regulao permitem tirar partido da dimenso simblica que a participao adquire neste contexto, ao mesmo tempo que produzem ganhos de produtividade, pelas externalidades dos custos de controlo, uma vez que os prprios agentes comprometidos com o projecto se controlam a si mesmos. - O desenvolvimento de regulaes autnomas e a multirregulao Como se escrevia na sntese do Relatrio WP2, sobre a evoluo dos modos de regulao institucionalizada, em Portugal: (...) a diversidade de fontes e modos de regulao faz com que a coordenao, equilbrio ou transformao do funcionamento do sistema educativo resultem mais da interaco dos vrios dispositivos reguladores do que da aplicao linear de normas, regras e orientaes oriundas do poder poltico. Por isso, mais do que falar de regulao seria melhor falar de multirregulao j que as aces que garantem o funcionamento do sistema educativo so determinadas por um feixe de dispositivos reguladores que muitas vezes se anulam entre si, ou pelo menos, relativizam a relao causal entre princpios, objectivos, processos e resultados. Os ajustamentos e reajustamentos a que estes processos de regulao do lugar, no resultam de um qualquer imperativo (poltico, ideolgico, tico) definido a priori, mas sim dos interesses, estratgias e lgicas de aco de

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diferentes grupos de actores, atravs de processos de confrontao, negociao e recomposio de objectivos e poderes. O presente estudo, realizado sobre duas instncias intermdias de regulao, confirma, como vimos, a existncia deste efeito de multirregulao que resulta da aco conjugada de diferentes plos de regulao institucionalizada actuando sobre o mesmo espao de interdependncia (ver ponto 1 destas concluses). Mas alm desta diversidade de instncias de regulao de controlo preciso contar, igualmente, com a regulao autnoma (para utilizar a terminologia de Reynaud) que resulta do livre jogo dos actores no prprio contexto da aco. Esta regulao autnoma traduz-se na construo a posteriori de novas racionalidades que, por um lado, adaptem ou substituam as racionalidades a priori das normas emanadas das autoridades centrais, e por outro, produzam novas orientaes adaptadas s opes estratgicas dos actores e s condies especficas do seu terreno de aplicao. No caso do municpio, esta regulao autnoma favorecida pelo facto de haver uma forte ambiguidade na distribuio de competncias entre o poder central e o poder municipal, o que determina uma margem de arbtrio, nos responsveis polticos locais e nos tcnicos, ao sabor da luta e das afinidades polticas e dos processos de negociao em curso. No caso da direco regional de educao, esta regulao autnoma intensificada por duas razes. Em primeiro lugar, pela importncia que o apoio e o acompanhamento adquirem como dispositivos de persuaso para o desenvolvimento de programas de reforma emanados das autoridades centrais. Trata-se de um dispositivo pouco regulamentado, muito sujeito s prprias dinmicas de interaco entre os tcnicos e as escolas, e nesse sentido susceptvel de produzir orientaes divergentes. Em segundo lugar, a proximidade profissional, j referida, entre os tcnicos da direco regional e os actores de base nas escolas, cria uma relao, muitas vezes cmplice que favorece a existncia de interpretaes favorveis cultura profissional docente por oposio cultura polticoadministrativa que predomina nas instncias centrais. Finalmente, importa sublinhar que, se entendermos a regulao do sistema educativo como um sistema de regulaes, a importncia destas instncias de regulao no resulta, tanto, da sua posio intermdia (numa perspectiva de ligao de dependncia vertical entre as autoridades centrais e as escolas), mas do facto de se constiturem como estruturas formais ou informais de mediao, traduo, passagem de vrios fluxos reguladores. Neste sentido as relaes que os agentes destas estruturas estabelecem com cada uma das escolas

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(ou conjunto de escolas) funcionam como uma espcie de ns da rede dum processo mais vasto de multirregulao local. A anlise deste processo constitui, por isso, um dos objectivos da fase seguinte do projecto de investigao (WP9), tomando como objecto de estudo duas das escolas que integram o campo emprico do projecto.

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