Breves Considerações Sobre A Pena de Morte
Breves Considerações Sobre A Pena de Morte
Breves Considerações Sobre A Pena de Morte
An t ó n i o de Al me id a Si m õ e s
I — Anotação preliminar
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Como que a detectar resíduos de um direito geral de punir, talvez
associado à ideia de retribuir e desafrontar o mal do crime, citam-se exemplos
do castigo sobre a árvore que caiu e matou o homem e da destruição do
machado, da pedra ou do pau, enfim, dos objectos que acidentalmente
causaram o mesmo resultado.
No «Exodo» afirma-se que se algum boi escornear homem ou mulher
e estes morrerem, o boi será apedrejado e a sua carne não poderá ser
comida.
Não conta Michelet o caso do juiz de Chartres que em pleno século xvi
ditou sentença contra um porco que matara uma criança, condenando-o
a ser enforcado num poste, no lugar do crime?
A caminhada do homem ao longo do tempo, mesmo quando só inves-
tigada no aspecto da evolução do seu complexo aparelho de defesa da vida,
da honra ou da fazenda, não consente mais do que um esboço: — ficará
sempre larga margem de insegurança em que a conjectura toma, a cada
passo, o lugar da certeza, da verdade documentalmente comprovada nos
monumentos coevos.
Aí está um assunto extraordinàriamente rico de sugestões em que a
intuição, de preferência a outro método de pesquisa, ganhará indiscutível
primado !
A própria palavra, oralmente transmitida de geração para geração
ou que o homem reduziu a qualquer sistema de escrita, ganha dimensões
diferentes de época para época, sobretudo porque variam no tempo os
esquemas mentais que possam ajustar-se-lhe.
Há até expressões que ,passados séculos, não têm senão remota corres-
pondência, quando não perdem o conteúdo pelas arestas do tempo.
É que as palavras não têm sentido e uso a não ser pelos valores que
representam em dada sociedade humana.
Isso mesmo acontece no âmbito das instituições criminais.
Recorde-se, por exemplo, uma civilização tão evoluída e conhecida
como a do Egipto dos Ramsés : existem documentos designativos de castigos
a aplicar durante a investigação criminal cujo significado se esqueceu
inteiramente.
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e arbitrárias.
Ainda em Janeiro de 1759, no famigerado processo dos Távores,
foram os réus Luís Bernardo, Jerónimo, José Maria, Braz José, João Miguel
e Manuel Alvares condenados à morte no cadafalso «no qual depois de
haverem sido estrangulados e de se lhe haverem sucessivamente rompido
as canas dos braços e das pernas, serão também rodados e os seus corpos
feitos por fogo em pó e lançados ao mar na sobredita forma», enquanto
que o Duque de Aveiro» depois de ser rompido vivo, quebrando-se-lhe as
oito canas das pernas e dos braços, seja exposto em uma roda para satis-
fação dos presentes e futuros vassalos deste Reino e a que depois de feita
esta execução seja queimado vivo».
A reacção contra tal estado das instituições veio, como se sabe, do
iluminismo mas foi o marquês Cesar Beccaria Bonesana quem primeira-
mente elaborou uma crítica de conjunto do sistema penal então em
vigor.
Ë certo que já no século xvi se nota espírito de compreensão pela
sorte dos homens colhidos nas malhas da lei.
Assim, Montaigne, por 1571, escrevia nos «Ensaios» que, embora
fosse costume em certos crimes atormentar o paciente, mutilando-o antes
de lhe dar a morte, para impressionar o público, melhor seria fazê-lo com
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o criminoso morto pois que o público ficaria impressionado da mesma forma
e evitava-se o sofrimento do condenado.
O estudo crítico de Beccaria publicado em 1764 sob o título «Dos
delitos e da penas» não surgiu, portanto, como fenómeno esporádico, mera
consequência do humanitarismo do seu autor: foi o resultado, como quase
sempre acontece, do labor concordante de outros homens, no caso, de
filósofos e juristas, designadamente, de escritores franceses contempo-
râneos e de pensadores corno o inglês David Hume.
Beccaria aponta, com especial respeito, o nome de Montesquieu e
há, na verdade, nas «Cartas persas» a LXXX, datada de 1715, sobre a exce-
lência da suavidade e os inconvenientes da severidade das penas, que sem
dúvida exerceu influência em alguns capítulos da sua obra.
Todavia, Montesquieu não hesita em declarar a necessidade da pena
de morte que ele considera uma espécie de talião por meio do qual a
sociedade recusa a segurança a um cidadão que a tirou ou a quis tirar a
um outro homem.
O mérito do escritor milanês está não tanto nas razões que aponta
para contestar a legitimidade da pena de morte em geral mas por ter sido
o primeiro publicista que corajosa e frontalmente pôs em dúvida o direito
de matar e propugnou decididamente pela sua supressão. II
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A pena capital é, pois, inconciliável com os fundamentos de qualquer
concepção individualista do Estado, até quando o criminoso aceitasse a
condenação como justa expiação, porquanto seria sempre de distinguir a
pena imposta, da expiação desejada pelo réu.
A verdade, porém, é que o individualismo, radicado na filosofia do
século XVIII e que veio a impregnar a Revolução Francesa, não teve o poder
de expansão que se lhe augurava.
É perante outra ou outras realidades históricas que o problema da
legitimidade da pena de morte deve ser hoje posto.
Esta, como outras questões que afligem o homem ou só lhe despertam
a atenção, há-de lograr resposta mais por adesão a determinado ponto de
vista do que através de argumentos jurídicos laboriosamente alinhados num
ou noutro sentido.
Pode ter que atingir-se a conclusão de que a sociedade necessita, para
sobreviver ou apenas para se defender, da pena capital, um tanto à semelhança
da legítima defesa privada, faculdade originária do homem que o direito
deixou geralmente intacta.
Mas num plano jurídico-filosófico dificilmente serão colhidas razões
que transportem uma solução do problema.
Sabe-se que exigências de justiça ou de protecção, conservação e
defesa de certos interesses, impõem a existência de reacções criminais
mas serão sempre considerações estranhas ao mundo do direito que deter-
minarão o legislador a optar por uma tabela punitiva em que incluirá ou
não a pena de morte.
E vem, afinal, à lembrança este preceito do positivismo : quando numa
colectividade existe um supremo governante, o que ele ordenar deve ser
obedecido.
Todavia, quem se debruçar sobre o homem, na sua vacilante passagem
na terra, pressentirá um sentido de progresso moral, de constante aspiração
para o justo a que o direito — obra do homem — não pode ficar alheio,
até porque colaborou para isso, como fenómeno cultural que é.
A caminhada do homem em toda a extensão que a história consegue
investigar indicia uma constante de aperfeiçoamento em que o respeito
pela vida, honra e bens do seu semelhante é factor inestimável.
Às fórmulas bárbaras da vingança ao sistema grosseiro de mutilar e
supliciar o criminoso para depois lhe suprimir a vida, sucederam reformas
criminais que acompanharam directivas religiosas e filosóficas.
Pois se a humanidade cada vez mais ganhou em lisura e dignidade se
melhor soube robustecer e generalizar a sua carga ética, a que vem manter-se
essa velha, ultrapassada e inútil pena de morte?
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Os argumentos decisivos contra a pena capital bem podem ser
procurados quer em considerações de ordem moral e religiosa, quer em
considerações de natureza psicológica e nos dados estatísticos, tudo a
demonstrar a sua inutilidade.
Mas não interessará desenvolver o assunto, até porque para nós,
portugueses, a discussão a tal respeito perde sentido e dimensão prática.
É o que facho que intrèpidamente Beccaria empunhou nos meados
do século XVIII também veio a passar para mãos portuguesas.
Aqui o mantivemos desde esse mesmo século xvm e à sua luz, moldada
pela nossa índole, fomos afeiçoando as instituições criminais e dos primeiros
a abolir a pena de morte.
Evidente preocupação de melhorar o direito criminal português está
ainda na recente publicação do Decreto-Lei n.° 43 499 e no encargo que
em boa hora foi cometido a um Professor da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra tarefa que o Mestre Ilustre já cumpriu,
elaborando o projecto do novo Código Penal—.
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