Capítulo 1 - Ebook - Matriz

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 18

1.

UMA INTRODUÇÃO À DEMOGRAFIA

Objetivos

1.Identificar os aspetos fundamentais do objeto de estudo da Demografia;

2. Compreender a razão pela qual a Demografia atual é simultaneamente una e


diversa;

3. Compreender o fenómeno do crescimento demográfico e a distribuição da


População.

1.1. O QUE É A DEMOGRAFIA?

O termo demografia foi utilizado pela primeira vez por Achille Guillard (1799-1876), em
1855 – Éléments de statistique humaine ou demographie comparée – (Bandeira, 2004)
inventando o nome de Demografia Comparada dando destaque ao seu aspeto
quantitativo (estatístico) (Nazareth, 2004).

Este autor dá a seguinte definição de Demografia: “Em sentido amplo, abrange a


história natural e social da espécie humana; em sentido restrito, abrange o
conhecimento matemático das populações, dos seus movimentos gerais, do seu estado
físico, intelectual e moral” (Guillard, 1855, conforme citado em Nazareth, 2004, p. 43).

Do grego: dêmos δημος – demos – (povo ou população) e gráphein γραφια – grafia –


(ação de descrever ou escrever), Demografia, etimologicamente, significa “escritos
sobre população” ou “descrição da população” (Nazareth,2004; Rollet, 2007).

Mas antes da invenção do termo demografia por Achille Guillard, o comerciante inglês
John Graunt (1620-1674) já apresentava no seu livro Natural and Political Observations
upon the Bills of Mortality (1662), a primeira tábua de mortalidadade – dando início a
uma era da abordagem numérica dos factos da vida humana como o nascimento, a
doença, a morte, medidos e analisados a partir de dados de observação em registos
paroquiais (Bandeira, 2004).

No seu Traité de Démographie, publicado em 1945, Adolphe Landry considera


essencial a relação entre demografia e estatística, destacando o seu cariz de
demografia “quantitativa” - estudo das populações sob o aspeto quantitativo, “cujo
objeto essencial será o estudo dos movimentos que se produzem nas populações”, que

9
se renovam “através do jogo dos nascimentos, dos óbitos e dos movimentos
migratórios” (citado em Bandeira, 2004, p. 59).

A relação da demografia com a “qualidade” é também de realçar. No século XIX,


William Farr (1807-1883) coloca a questão da qualidade a propósito das causas de
mortalidade ou do estudo da fecundidade por Mathews Duncan em 1866 na sua
análise da influência da idade da mãe sobre o peso do recém-nascido (Bandeira,2004).

Em Poston e Bouvier (2017, pp.3-4) é referido que a “a Demografia como


ciência das populações é a ciência social que estuda e examina:

1. O tamanho e a composição das populações, a distribuição da população


humana numa determinada área e num ponto específico do tempo de acordo
com diversos critérios, tais como a idade, a etnia, o sexo, a união (estado civil
ou coabitação), o nível de escolaridade e a distribuição espacial;

2. As mudanças no tamanho e composição da população e os processos


dinâmicos do curso de vida que mudam essa composição, ou seja, os
componentes dessas mudanças/variáveis (fecundidade, mortalidade e
migrações);

3. As relações entre a composição e a mudança populacional, e o ambiente


social e físico em que existem.

4. Os fatores que afetam esses componentes e as consequências das mudanças


em tamanho da população, composição e distribuição, ou nos próprios
componentes.”

Acompanhar a evolução das populações no tempo e no espaço é, no essencial, o


escopo da demografia. A compreensão desses processos torna visíveis importantes
aspetos sociais, económicos, políticos, questões ambientais, e os impactos, tais como o
crescimento da população, a urbanização, a mudança das estruturas familiares, a
imigração, a saúde humana e a longevidade.

Um dos aspetos mais interessantes da Demografia é que quase todos os tópicos são
relevantes para algo que já se vivenciou ou ainda se irá vivenciar em algum momento
da vida.

Vejamos alguns exemplos, através das seguintes perguntas:

1. Quando e onde nasceu?

2. Qual é o seu género (sexo)?

10
3. Qual é a probabilidade de casar-se, de divorciar-se, de voltar a casar-se ou ainda de
poder vir a ser-se viúvo/a?

4. Vai ter filhos? Quantos filhos irá ter? Vai ter netos? Irá estar vivo para ver, caso os
tenha, os seus netos e/ou os seus bisnetos?

5. Quantas vezes irá mudar de residência na vida? Irá mudar-se para o exterior do
país?

6. Por quanto tempo terá saúde na sua vida? Quando vai morrer? Como vai morrer?

Cada uma destas questões remete para uma questão demográfica relevante
(Lundquist, Anderton, Yaukey, 2015).

Para Piché (2013), a Demografia é uma ciência social e, como tal, partilha com as
outras ciências sociais o estudo de uma parte da vida em sociedade.

Pela proposta de um estudo sistemático e científico das populações humanas, a


Demografia interessa-se: pelos mecanismos que estão na base da renovação das
populações; pelo sistema de entradas e de saídas que contribuem para o aumento
(nascimentos, imigração) ou para a diminuição (mortalidade, emigração) da população.
Por exemplo, ao fim de um ano, a população de um país (ou de outra região
geográfica) terá aumentado graças aos novos nascimentos e aos novos imigrantes,
mas terá igualmente diminuído por causa das mortes e da partida de emigrantes.

Uma parte do estudo da Demografia consiste em fazer o acompanhamento dos níveis


dos três fenómenos demográficos (fecundidade, mortalidade e migração) e
eventualmente propor hipóteses de projeções da população.

Pode ainda ser definida, de forma mais ampla, como o estudo científico do tamanho,
composição e distribuição das populações humanas e as suas mudanças resultantes da
fecundidade, mortalidade e migração.

Com efeito, a ciência demográfica preocupa-se com a dimensão das populações; como
as populações são compostas de acordo com a idade, sexo, etnia, estado civil e outras
características; como as populações estão distribuídas fisicamente no espaço (por
exemplo, se os meios são mais urbanos ou mais rurais) nas mudanças ao longo do
tempo no tamanho, na composição e na distribuição das populações humanas e como
estas resultam dos processos de fecundidade, mortalidade e migração (Poston &
Bouvier, 2017).

A opinião pública parece limitar a Demografia a uma análise estritamente quantitativa,


uma “contabilidade de homens” (Sauvy, 1976, p. 16). Ora a Demografia envolve não

11
só elementos estatísticos, mas também tem em conta as realidades económicas,
sociológicas. Vejamos algumas definições de Demografia que encontramos nos
principais manuais e dicionários especializados.

“A Demografia é a ciência que tem por objeto o estudo científico das


populações humanas no que diz respeito à sua dimensão, estrutura, evolução e
características gerais analisadas principalmente do ponto de vista quantitativo”
(Henry, 1981, conforme citado em Nazareth, 2004, p. 44).

“A Demografia pode ser definida em sentido restrito e em sentido lato. A


Demografia formal consiste na colheita da análise estatística e na apresentação
técnica dos dados da população; baseia-se no ponto de vista de que o
crescimento da população é um processo autoestruturado, com uma
interligação mais ou menos fixa entre fecundidade, mortalidade e estrutura por
idades”. (Petersen, 1986, conforme citado em Nazareth, 2004, p. 44).

“A Demografia é o estudo quantitativo das populações humanas e das


mudanças nelas ocorridas devido à existência de nascimentos, óbitos e
migrações. Quando se consideram as determinantes biológicas, sociais,
económicas ou legais, esta disciplina toma o nome de estudos de população”
(Ross, 1982, conforme citado em Nazareth, 2004, p. 44).

A Demografia “deve ser considerada como ciência precursora do grande


movimento que, durante o séc. XIX, irá conduzir à invenção das ciências do
homem e da sociedade.” (Bandeira, 2004, p. 24)

Vimos que existe uma Demografia quantitativa cujo objeto essencial é o estudo dos
movimentos que se produzem numa população, acompanhado dos resultados desses
movimentos; mas também existe uma Demografia qualitativa que se ocupa das
qualidades dos seres humanos e que diz respeito aos aspetos qualitativos do fenómeno
social das populações e ainda à genética demográfica ou biologia das populações, à
biometria (estatística aplicada à investigação biológica).

Para Wunsch e Termote (1978) “Demografia é o estudo da população, do seu


aumento através dos nascimentos e imigrantes, da sua diminuição através dos
óbitos e dos emigrantes” (conforme citado em Nazareth, 2004, p. 45).

António Barreto (2004, p.2), por sua vez, observa que “Se queremos perceber
os conteúdos das políticas de população de um governo, de um Estado ou de
um grupo de Estados, somos obrigados, as mais das vezes, a detetar as
implicações demográficas das políticas públicas, nomeadamente das políticas

12
sociais, nos planos das intenções, dos objetivos, dos meios utilizados e dos
resultados, a fim de compreender as políticas implícitas de população”.

Em Shryock e Siegel (1976) encontramos a seguinte definição: “como na maior


parte das ciências, a Demografia pode ser definida em sentido restrito e em
sentido lato; o sentido restrito é a Demografia Formal, que se preocupa com
questões como a dimensão, a distribuição, a estrutura e a mudança das
populações; em sentido amplo, inclui outras características tais como as
étnicas, as sociais e as económicas” (conforme citado em Nazareth, 2004, p
45).

Em Sauvy (1976b) existem igualmente duas definições de Demografia: a Demografia


pura ou análise demográfica, que é uma contabilidade de homens e a Demografia
alargada, que estuda os homens nas suas atitudes e comportamentos, esta preocupa-
se com as causas e as consequências dos fenómenos demográficos.

Em Population (Sauvy,1984) encontramos a definição: “a ciência da população


estuda as coletividades humanas enquanto tal; não considera apenas o aspeto
estático e mensurável (Demografia quantitativa) mas também o aspeto causal e
relacional (Demografia qualitativa)” (conforme citado em Nazareth, 2004, p.
45).

Todos nós somos atores populacionais, realizamos atos demográficos nas nossas
vidas diárias através da criação de um filho, da mudança para um novo lugar, da
escolha de um estilo de vida saudável ou da obtenção de escolaridade. A Demografia
estuda estes eventos da vida, como nascimentos, mortes, casamentos, divórcios e
migrações (Poston & Bouvier, 2017).

Todos somos atores populacionais e devemos refletir sobre isso. Os nossos pais
realizaram um ato demográfico ao conceber-nos. Por sua vez, nós realizamos atos
demográficos semelhantes quando decidimos ter (ou não ter) filhos. Em algum
momento, ao longo da vida, podemos mudar-nos uma ou talvez várias vezes para
outro local de residência. Estes são todos atos demográficos. E, por fim, morreremos.
A morte não será do mesmo tipo de ato como a tomada de decisão dos nossos pais
quando fomos concebidos, dado que não se decide durante quanto tempo se vai viver
e quando se vai morrer. No entanto, podemos ter muito a dizer sobre quantos anos
teremos quando morrermos, ou seja, temos diversas opções que podem, ou não,
aumentar a probabilidade de estender as nossas vidas. Estas incluem comportamentos
como parar ou nunca começar a fumar, limitar a ingestão de álcool, manter uma dieta
saudável e praticar exercício.

13
Outro comportamento muito importante que surge associado à probabilidade de
prolongamento das nossas vidas é o investimento na carreira escolar. De acordo com
estudos já realizados, podemos verificar, por exemplo, que com a idade de 25 anos,
espera-se que, os indivíduos com diploma universitário, vivam mais cinquenta e sete
anos enquanto, para os indivíduos com ensino médio, espera-se uma sobrevivência de
cinquenta e um anos, ou seja, estamos perante uma diferença de seis anos, em função
do nível de ensino (Poston & Bouvier, 2017).

Em suma, somos todos atores da população e estamos muito envolvidos com a


demografia no nosso dia-a-dia, embora nem sempre percebamos isso, sendo a
Demografia o estudo de alguns dos eventos mais importantes das nossas vidas.

Como o eminente demógrafo Samuel Preston afirmou: “O estudo da população oferece


algo para todos: o dia a dia, sexo e morte, política e guerra; o entrelaçamento de
indivíduos em todos os seus níveis e grupos e os confrontos da natureza e da
civilização” (conforme citado em Poston & Bouvier, 2017, pp. 4-5).

1.2. OS ASPETOS FUNDAMENTAIS E OBJETO DE ESTUDO DA


DEMOGRAFIA

Definimos Demografia no início deste capítulo como o estudo sistemático e


científico das populações humanas ou como o estudo de três processos básicos -
fecundidade, migrações e mortalidade, chamados de processos demográficos. Quando
a população muda em tamanho, composição ou distribuição, as mudanças dependem
unicamente de um ou mais desses três processos.

Em sentido geral, uma população pode ser encarada como um conjunto de indivíduos
ou de unidades que podem ser de natureza muito diversa. Numa perspetiva
demográfica, as populações humanas são consideradas como detentoras de
características específicas, num espaço limitado e com um certo significado social.

No que respeita às características, as unidades de observação que compõem a


população de referência (ou de observação) devem ser naturalmente, de seres
humanos no seu sentido lato (homens ou mulheres). Neste contexto, o termo genérico
“população” será utilizado designando uma “população humana”.

Relativamente à delimitação espacial, esta diz respeito ao território claramente


identificável, isto é, o conjunto de indivíduos que vivem num determinado espaço
delimitado e constituem a população considerada.

14
No que diz respeito ao significado social, a população considerada deverá ter um
elemento claro de coerência social.

Apesar da preocupação com os problemas da população remontar à Antiguidade, a


Demografia como ciência apenas aparece na segunda metade do século XVIII.

Com base em inúmeras definições, observamos que a Demografia tem por objeto o
estudo científico da população. Mas o que é exatamente o estudo científico da
população?

Segundo Nazareth (2004), pode-se considerar como sendo cinco os aspetos


fundamentais da Demografia:

Em primeiro lugar, é a análise de conjuntos de pessoas delimitadas espacialmente e


com um certo significado social. Esta análise é feita observando, medindo e
descrevendo a dimensão, a estrutura e a distribuição desses conjuntos de pessoas. A
dimensão significa o volume da população (x milhões de habitantes); a estrutura
significa a sua repartição por subconjuntos específicos (x solteiros, y casados, z viúvos
e divorciados); a distribuição diz respeito à sua repartição no espaço. Ao conjunto
destes três elementos chama-se o estado da população.

Em segundo lugar, este estudo científico preocupa-se em descrever o estado da


população num determinado momento no tempo (aspeto estático), mas também em
saber quais as mudanças ocorridas e qual será a intensidade e a direção dessas
mudanças.

Em terceiro lugar, analisa os fatores, ou as variáveis demográficas que são


responsáveis pelas variações ocorridas no estado da população: natalidade,
mortalidade e migrações. Esta última variável demográfica, abrange três situações
distintas – emigração, imigração e migrações internas. A nupcialidade não é uma
variável demográfica autêntica porque a sua variação não contribui diretamente para a
modificação do estado da população, mas atua através da natalidade/fecundidade.
Assim, no estado da população encontra-se implicada uma determinada dimensão,
estrutura e distribuição espacial porque no âmbito dos conjuntos de pessoas
acontecem nascimentos, óbitos e migrações.

Em quarto lugar, a Demografia trata também dos efeitos que cada uma das variáveis
demográficas tem nos aspetos globais e estruturais da população, bem como o inverso
(por exemplo, até que ponto um aumento da natalidade modifica estruturalmente a
população ou em que medida uma mudança estrutural da população se reflete na
modificação da evolução da natalidade).

15
Finalmente, a Demografia também se preocupa com questões relacionadas com os
determinantes dos comportamentos demográficos e com as consequências da
evolução do estado da população.

1.3. UNIDADE E DIVERSIDADE DA DEMOGRAFIA

A Demografia é uma Ciência Social, tal como a sociologia, a etnologia, a história. Faz
parte das Ciências que têm por objeto os diferentes aspetos das sociedades humanas.

O estudo da Demografia insere-se nesse contexto mais vasto das Ciências Sociais,
exigindo que à partida haja uma clarificação dos principais conceitos. No entanto,
sabemos que não é possível traçar fronteiras entre as diversas ciências sociais, tendo
todas elas o Homem ou o ser humano como objeto de estudo. Nesta ótica, a
Demografia não difere das outras ciências sociais. O seu objeto de estudo também é o
comportamento do Homem em sociedade e também necessita das informações das
outras ciências sociais.

A Demografia não é uma Ciência natural, e envolve dois aspetos: por um lado, tem
como fundamento realidades suscetíveis de serem facilmente quantificadas (os
nascimentos, os casamentos, as mortes, as ruturas de união, as deslocações de
pessoas); por outro lado, para compreender as causas e as consequências das
evoluções quantitativas destes eventos, a Demografia deve aceder a outros tipos de
conhecimentos como os relativos aos denominados eventos demográficos elementares.
Em causa aqui, está o estudo dos fatores determinantes associados a esses eventos,
como os efeitos derivados das quantidades e das evoluções, o estudo dos
comportamentos e dos dados psicossociológicos (Dumont, 1993).

De facto e numa primeira abordagem, a Demografia aparece-nos como uma resposta


científica a um conjunto de questões relacionadas com a descrição da população
humana. Mas, para além disso, a Demografia estuda aspetos relacionados com o
ordenamento espacial da população, a alteração de estruturas familiares, as
consequências do envelhecimento demográfico no futuro da segurança social, a
composição da população ativa, as necessidades e a localização de equipamentos
sociais. A Demografia contribui também para a resolução de algumas questões
importantes noutras áreas científicas. Temos, por exemplo, o planeamento dos
recursos humanos, a questão ambiental, a saúde pública e as projeções
demográficas.

16
A procura de um grande rigor na medição dos fenómenos demográficos desenvolveu
um vasto número de métodos e técnicas de análise, próprios da ciência demográfica, o
que veio reforçar ainda mais a construção do objeto de estudo da Demografia.

A Demografia enquanto estudo da população está associada a um conjunto de aspetos


relacionados com a população humana e, naturalmente, nos aspetos que dizem
respeito à sua saúde. Se nos debruçarmos sobre o percurso que a produção científica
em demografia construiu em Portugal, teremos forçosamente que nos referir ao
contributo de Ricardo Jorge – de algum modo, representativo da forma como
principiou o “fazer” demografia em Portugal no seu livro Demografia e Higiene da
Cidade do Porto. Clima – População – Mortalidade, 1899, um trabalho demo-
topográfico cujo sucesso científico e institucional motivou a produção de outros na sua
continuidade (Baptista, 2007). Trabalhos estes que constituem, no seu conjunto, a
parte inicial do percurso da demografia em Portugal, marcado sobretudo pela iniciativa
de alguns médicos ou estudantes de medicina motivados pelas preocupações
higienistas e sanitárias muito próprias da época.

Posteriormente, a temática higienista-sanitária, em articulação com a da mortalidade,


será uma das mais contempladas pelos estudos demográficos que se produzirão a
partir dos anos 40, já na dependência do Instituto Nacional de Estatística (INE),
instituição que centrará, durante algumas décadas, em Portugal, a maior parte da
produção científica em demografia (Baptista, 2007). Este enquadramento institucional
dos estudos demográficos, que ia de par com o que se verificava também a nível
internacional, deveu-se ao controlo exercido sobre os resultados dos apuramentos
estatísticos essenciais relativos à “vida da nação” que se efetuavam no âmbito quase
exclusivo do INE. Situação que dotava, à partida, este instituto de condições
privilegiadas para proceder a comparações e análises desses elementos estatísticos em
torno de temáticas que envolvessem os comportamentos da população portuguesa.
Pelo que em março de 1944 surge mesmo o Centro de Estudos Demográficos do INE,
ao qual se diz competir “o estudo dos problemas da população, nomeadamente os
relativos à demografia, à higiene e à vida social e económica” (Baptista, 2007, p. 541).

Embora o INE continue a deter o poder sobre a maior parte dos dados estatísticos
sobre a população portuguesa, matéria-prima necessária aos estudos demográficos,
perde, no entanto, a capacidade de determinar o sentido que o percurso da produção
científica em demografia toma em Portugal, dado que os estudos demográficos passam
a ser produzidos, sobretudo, pelas universidades, a partir dos anos de 1970 (Baptista,
2007). Tal mudança traz consigo um forte aumento em produção científica que
envolve o cruzamento das variáveis demográficas com as questões sociais e

17
económicas que passam a afetar os comportamentos da população portuguesa. De
facto, as novas realidades, como o envelhecimento demográfico, a acentuada queda
da fecundidade e a coexistência de um país de emigração com um país de retorno e de
imigração, dominam a problemática demográfica das três últimas décadas. (Baptista,
2007)

Finalmente e segundo Baptista (2007), fazendo uma breve e primária análise


quantitativa dos estudos em demografia até ao início do século XXI, pode concluir-se
que existiu uma forte tendência para o crescimento do seu volume, a partir dos anos
1970, com especial incidência nos anos 1980 e 1990. Em termos mais específicos, a
mortalidade, o estado da população — estruturas demográficas — e as migrações
envolveram os fenómenos que maior desenvolvimento conheceram. Por outro lado, a
nupcialidade surgiu como a variável menos estudada. De notar ainda que os
comportamentos ao nível da população ativa e escolar foram realidades que, até ao
inicio dos anos 2000, ainda aguardavam um maior interesse por parte dos demógrafos
portugueses (Baptista, 2007).

Como vimos e como qualquer fenómeno social, o estudo da Demografia é de grande


complexidade estando associado a múltiplos fenómenos que vão desde a saúde, à
política, à cultura, aos aspetos económicos e à educação. Enquanto ciência que tem
por objeto de estudo a população humana, a Demografia assume assim, naturalmente,
um papel fundamental nas ciências sociais.

O fenómeno demográfico pode ser ilustrado da seguinte forma:

Figura 1. O fenómeno demográfico

Variáveis “comportamentais” Variáveis de “estado”

Evolução dos
Evolução dos
Mortalidade  Dinâmica Volumes populacionais
Volumes
(óbitos)
Natural
 populacionais
Natalidade/ fecundidade
(nados- vivos)
 
 Evolução da
Mobilidade Populacional Dinâmica Estrutura

(migrações)  Migratória Etária

18
Destas cinco variáveis demográficas, duas tratam do estado (volumes e estrutura
etária) e as outras três referem-se aos comportamentos que influem diretamente sobre
as alterações observadas no “estado” da população (mortalidade, natalidade/
fecundidade, mobilidade populacional).

Embora a Demografia seja, classicamente, encarada como o estudo quantitativo da


população humana, esta ciência tem desenvolvido, ao longo do tempo, os seus
métodos de trabalho e de análise que atualmente ultrapassa o aspeto puramente
descritivo.

Existe uma Demografia Formal ou Análise Demográfica, onde se analisam apenas as


variáveis demográficas dependentes (macro demográficas) e independentes (micro
demográficas).

A Demografia formal é o estudo de populações humanas num determinado momento


em relação ao tamanho, à distribuição e à estrutura da população. A Demografia
formal também analisa as mudanças que ocorrem na população, ao longo do tempo,
principalmente o crescimento populacional. A maior ou menor ocorrência de
nascimentos, óbitos e migrações são as causas básicas do crescimento populacional.
Assim, há interesse em estudar os dois tipos de variáveis demográficas.

A análise demográfica estuda os fenómenos demográficos observados em populações


concretas. O tamanho da população é simplesmente o número total de pessoas na
população. A distribuição da população é o número de pessoas na população por
unidade geográfica. A estrutura ou composição da população é o número de pessoas
na população por género (masculino; feminino) e/ou por grupo de idade (em geral, de
5 em 5 anos).

As variáveis natalidade, mortalidade e migração referem-se a um determinado espaço


geográfico e a um determinado período de tempo e fazem parte da dinâmica
demográfica. Na análise demográfica formal, também é estudada a inter-relação entre
as variáveis da análise estática e da dinâmica demográfica. Por um lado, a natalidade,
a mortalidade e a migração são fatores que modificam a população. Por outro lado,
esses fatores modificadores dependem fortemente dos aspetos gerais da população.

Um ramo da Demografia que rapidamente ganhou autonomia a partir do fim da


Segunda Guerra Mundial foi a Demografia histórica. Esta apresenta-se como o
estudo retrospetivo das populações numa determinada época, pertencente ao passado,
e particularmente daquela em que não existem estatísticas do tipo moderno
(estatísticas demográficas ou recenseamentos), ou seja, cujos dados disponíveis não
foram produzidos com fins demográficos. Neste contexto, utilizam-se, entre vários

19
tipos de fontes, normalmente registos paroquiais, listas nominativas e genealógicas.
Em Portugal, este ramo da demografia representou cerca de 31% do total de
referências encontradas em estudos demográficos, para o período de 1970 a 2005
(Baptista, 2007).

Landry publica em 1945 o seu Tratado de Demografia e Sauvy, em 1946, lança a


revista Population. Mas o que verdadeiramente se passou de novo foi o aparecimento
do método científico baseado na reconstituição das famílias, inventado quase
simultaneamente por P. Goubert e L. Henry (1958) (Nazareth, 2004). Landry é dos
primeiros a tomar consciência da questão da necessidade de um rigor quantitativo, o
que fez com que a Demografia rapidamente se afirmasse como ciência. No confronto
com o malthusianismo e a teoria da transição demográfica, Landry ocupa uma posição
charneira (Nazareth, 2004).

A Demografia histórica, mais do que qualquer outra ciência social, tornou-se


particularmente atenta à qualidade dos dados. A Demografia histórica deixou de ser
uma ciência auxiliar, para passar a uma ciência autónoma com métodos e técnicas
próprias, diferentes das outras ciências, inclusive da própria Demografia.

Recentemente, os demógrafos desenvolveram métodos para inferir o comportamento


demográfico e a estrutura populacional de épocas passadas a partir de outros dados
históricos. Uma fonte importante de dados para a Europa são registos paroquiais de
batismos, casamentos e enterros por clérigos católicos e protestantes. Esses registos
assinalam não apenas o evento e a sua data, mas também informações dos nomes dos
respetivos participantes.

Um método fecundo de análise de tais registos paroquiais é a reconstituição familiar.


Através da ligação entre datas de nascimento, casamento e morte dentro das famílias,
os eventos vitais podem ser narrados de modo a criar muitas variáveis demográficas
importantes. Isso inclui intervalos de nascimento, dimensão e composição da família,
idade das pessoas no casamento, idades das mulheres no nascimento dos filhos,
mortalidade infantil e fecundidade dentro do casamento. A construção de histórias de
vida do indivíduo a partir de registos tão antigos, um tanto incompletos e sempre
difíceis de ler, é uma tarefa tediosa e demorada. Felizmente, as tecnologias digitais
estão a transformar esses recursos em bancos de dados abrangentes e vinculados,
levando ao uso de dados históricos inovadores de famílias, anteriormente inexplorados.

A Demografia histórica também aplica uma variedade de outros métodos a várias


fontes de dados tais como testamentos, genealogias, enumerações familiares e
registos organizacionais, todos contendo valiosos dados demográficos sobre

20
populações no passado. Muito do que sabemos sobre o papel do casamento e da
limitação da fecundidade dentro do casamento, durante o início do declínio da
fecundidade europeia, vem desses estudos em demografia histórica (Lundquist,
Anderton, Yaukey, 2015).

Quando se consideram as relações entre as variáveis demográficas e as outras


variáveis económicas, sociais, culturais, biológicas, num determinado momento do
tempo surge a Demografia social, que é o estudo das relações entre o estado da
população ou movimento da população e a vivência das sociedades. A Demografia
social faz uma interpenetração disciplinar preocupando-se com as questões da
população enquanto causas ou consequências dos fenómenos da sociedade. Trata
assim do sistema demográfico de uma forma abrangente encarando as relações com
os outros sistemas (economia, política, saúde, educação, religião, etc.…).

Assim, sem pretendermos ser exaustivos, podemos dizer que as grandes preocupações
da Demografia Social nos dias de hoje são as seguintes:

• As causas e as consequências do declínio da natalidade;

• Os efeitos das migrações no sistema demográfico e social;

• As consequências demográficas e sociais da luta contra a morte;

• A desigualdade sexual e social face à morte;

• Os progressos científicos, bioéticos e os equilíbrios demográficos;

• A defesa, segurança e estratégia face às mutações demográficas;

• As desigualdades regionais e ordenamento do território;

• As consequências do envelhecimento demográfico;

• As consequências sociais da mutação das estruturas familiares;

• A Demografia escolar;

• A Demografia face ao processo de urbanização.

Para além destes dois principais ramos da Demografia (histórica e social) existem
outros dois domínios importantes nos quais a Demografia tem um papel fundamental:
nas Políticas Demográficas e na Ecologia Humana.

O objetivo teórico das Políticas Demográficas consiste em atuar sobre os modelos (ou
sobre os efetivos) tendo em conta determinados objetivos económicos e sociais. A

21
ideia de atuar sobre o movimento demográfico a fim de que este se adapte a
imperativos económicos e sociais é uma preocupação de muitos países. Mas até que
ponto esta preocupação se traduziu na existência de autênticas políticas demográficas?

A Ecologia Humana parte do princípio que existem dois sistemas em interação


constante: o sistema-Homem (que recebe e descodifica a informação) e o sistema-
Ambiente que elabora uma ação de resposta. A população, na perspetiva da Ecologia
Humana, é um conjunto de indivíduos num sistema interdependente de atividades.
Cada atividade produz um output e os ingredientes utilizados na produção desses
outputs são os inputs de outra atividade. Esta rede complexa que assim se estabelece
é um processo específico da Ecologia em geral e da Ecologia Humana em particular: o
ecossistema.

A Demografia caminhou de uma unidade inicial, onde a sua problemática era


formulada em termos simples, para uma crescente diversidade e complexidade.

Também as suas ligações com as outras ciências alargaram a sua problemática. A


Demografia tem a vantagem de ser simultaneamente uma das ciências sociais mais
exatas e de ser o ponto de encontro das ciências sociais e humanas com a Biologia, o
Direito, a Economia e as Ciências Políticas.

A Demografia utiliza métodos e técnicas de tratamento demográfico dos dados com o


objetivo de descrever e analisar de uma forma rigorosa o estado das populações, ou
seja, os seus efetivos e a sua composição segundo vários critérios (idade, sexo,
localização geográfica); os diversos fenómenos que influem diretamente sobre essa
composição e evolução da população (natalidade, fecundidade, mortalidade,
migrações); e as relações recíprocas que existem entre estado/evolução da população
e os fenómenos demográficos.

De acordo com Lundquist, Anderton, Yaukey, (2015, p.2-3) “os termos Demografia
pura e Demografia formal às vezes são usados para distinguir interesses mais restritos
na composição da população e dinâmica demográfica, lidando inteiramente com
variáveis demográficas. Uma abordagem mais ampla está implícita nos estudos
populacionais, onde se acrescenta o estudo das relações entre varáveis demográficas e
não demográficas”.

O alcance das variáveis demográficas noutras disciplinas geraram amplo interesse em


campos de estudo como a Demografia social, Demografia económica, Demografia
antropológica, Biodemografia e Demografia histórica.

22
Um dos pontos fortes da Demografia é que nos permite ver como o indivíduo e as suas
experiências se encaixam no quadro demográfico mais amplo do mundo. A Demografia
lida com populações, e as características das populações são medidas contando as
pessoas na população total, ou em segmentos dela (Lundquist, Anderton, Yaukey,
2015).

1.4. CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO E DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

O tamanho da população pode ser abordado segundo três perspetivas: o tamanho


absoluto, a distribuição e a densidade.

O tamanho absoluto da população mundial e de acordo com projeções, atingiu os 8


bilhões (ou os 8 mil milhões) de pessoas em 20221.

Em termos de distribuição, em 2023, os dez países com as maiores populações do


mundo (por ordem decrescente) são a Índia, a China, os Estados Unidos, o Paquistão,
a Nigéria, a Indonésia, o Brasil, o Bangladesh, a Rússia e o México (Quadro 1). Estes
dez países juntos contam mais de metade (4,5 mil milhões) da população mundial.
Tanto a China quanto a Índia têm mais de mil milhões de pessoas, cada uma, e em
ambos os casos, o tamanho da população teve efeitos significativos sobre a política,
cultura e desenvolvimento económico dessas nações.

Quadro 1. Os dez países com as maiores populações do mundo,2023

População Superficie Densidade


Países
(milhões) (km2) ( hab./Km2)
Índia 1428,6 2973190 480,5
China 1425,6 9600013 149,1
Estados Unidos 340,0 9147420 37,17
Indonésia 277,5 1916907 145,24
Paquistão 240,4 770880 311,96
Nigéria 223,8 910770 245,73
Brasil 216,4 8358140 25,89
Bangladesh 172,9 130170 1328,68
Fed.Russa 144,4 16376870 8,82
México 128,4 1964375 65,56

Fonte : https://population.un.org/dataportal/home ;
https://databank.worldbank.org/home.aspx

Fonte: https://www.unfpa.org/8billion
1

23
Com efeito, ao compararmos as populações, observa-se que a China e a Índia juntas
têm mais de um terço de toda a população mundial. Embora os Estados Unidos sejam
o terceiro maior país em tamanho da população, representa apenas cerca de um
quarto da população da Índia.

Quanto à densidade, uma das principais consequências de grandes proporções e


distribuição populacional desigual é a que pode levar a aglomeração ou a regiões
densamente povoadas por referência à relação entre o tamanho da população e o
espaço no qual está localizada. Uma relação que explica, no âmbito dos 10 países mais
populosos do mundo, o facto de a Rússia apresentar a mais fraca densidade
populacional e o Bangladesh a mais forte.

Ao medir a densidade em pessoas/habitantes por quilómetro quadrado (Lundquist,


Anderton, Yaukey, 2015) observa-se que entre a Índia e a China, os dois países mais
populosos do mundo, é o tamanho do território que determina a clara diferenciação
em termos de densidade populacional. Contudo, é sabido que tanto estes dois países
como os Estados Unidos, o Brasil e a Rússia têm partes dos seus territórios inabitáveis
ou difíceis de habitar, concentrando a maior parte da sua população em grandes áreas
urbanas com enorme densidade populacional.

O tamanho de uma população só pode mudar através da frequência de três eventos ou


acontecimentos: nascimentos, mortes e migrações. Um dos factos fundamentais sobre
a mudança populacional é que as populações só podem mudar por meio de um
número limitado e contável de eventos. Com efeito, existem apenas duas maneiras de
alterar a população: entrar nela (nascer ou imigrar) ou sair dela (morrer e emigrar).

Países como México, China, Índia e as Filipinas são chamados de países remetentes.
Têm mais pessoas que saem dos seus países do que as que entram e, portanto, são
caracterizados pela migração internacional líquida negativa. As Filipinas enviam cerca
de 1,5 milhão de pessoas para o exterior todos os anos, incluindo 300.000 que
trabalham em navios em todo o mundo. Cerca de 10% da população do país vive no
exterior (Martin, 2013).

A nível interno, no entanto, existem muitas variações significativas na equação


demográfica dos países. O fenómeno de diminuição natural é de importância e de
relevância crescente nos Estados Unidos e especialmente na Europa. Para ilustrar, em
2008, mais da metade de todos os países da Europa tiveram mais mortes do que
nascimentos. Isso inclui quase todas as províncias da Alemanha, Hungria, Croácia,
Roménia, Bulgária, Estados Bálticos, Grécia e Itália.

24
“A longo prazo a continuação da diminuição natural resultará na diminuição
contínua da população, e eventualmente ao seu desaparecimento, a menos que
o excesso de óbitos sobre os nascimentos seja compensado pela migração
líquida” (Poston & Bouvier, 2017, p. 7).

Destes exemplos, podemos confirmar que os três processos demográficos


(fecundidade, mortalidade e migrações) têm um papel determinante, não só no
tamanho como na composição de qualquer população humana. As mudanças nas
variáveis são o resultado do nosso comportamento enquanto atores populacionais. O
cerne da Demografia é compreender como estes diversos fatores causam mudanças no
comportamento demográfico e que as consequências destes comportamentos estão
todas interrelacionadas (Poston & Bouvier, 2017).

25
ATIVIDADE FORMATIVA

1.Uma definição aprofundada de Demografia, comporta cinco elementos fundamentais.


Quais são?

2.Por que todos nós somos atores da população?

3.Distinga os diferentes ramos da Demografia: Demografia formal, Demografia


histórica e Demografia social.

26

Você também pode gostar