Carlos Montaño - Identidade e Classe Social
Carlos Montaño - Identidade e Classe Social
Carlos Montaño - Identidade e Classe Social
“IDENTIDADE”
E CLASSE SOCIAL
Carlos Montaño
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Carlos Montaño
Sumário
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
A MODO DE CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
6
INTRODUÇÃO
* * *
Dividimos nosso texto em duas partes.
10
PRIMEIRA PARTE
1 “Você diz que quer uma revolução [...]. Todos nós queremos mudar o mundo [...].
Mas quando você fala de destruição. Você não sabe que não pode contar comigo? [...]. Você
me diz que é a instituição [...]. Em vez disso é melhor você libertar sua mente [...]. Mas se você
ficar carregando fotos do presidente Mao [...]. Você não vai convencer ninguém de jeito
nenhum [...].
17
Percebe-se que, para o autor, “ser sujeito de sua própria história” não
exige a “ruptura com a alienação”, tratando-se, assim, de processos de curto
prazo, nas esferas quotidianas e locais e no âmbito sócio-cultural. Desta forma,
Evers define a identidade como o “faça-você-mesmo”, onde o movimento social
realiza um “trabalho de formiga” (idem, p. 19).
Justamente, para o autor, quanto mais um movimento social atua em
torno do poder político, menos identidade, mais alienação e menor potencial
sócio-cultural ele terá (idem, p. 22).
Em síntese, trata-se de uma análise que tende a diferenciar os
movimentos sociais tradicionais, notadamente o movimento operário ou
sindical, centrado na contradição de classes e focado na luta política, dos
chamados “novos movimentos sociais”, centrados nas identidades dos atores,
e tendo como esfera de ação a dimensão sócio-cultural (ver MONTAÑO e
DURIGUETTO, 2010, p. 117-120 e 337 e ss.), reduzindo para estes últimos,
senão suprimindo, a centralidade da classe. Não obstante isso, nesta
abordagem há ainda um caráter universal – o “princípio de totalidade” (para
Touraine) e a finalidade no combate à alienação (para Evers) –, o qual dá um
certo horizonte de maior alcance, e onde se insere e adquire sentido a
identidade específica.
Desta forma, na análise acionalista dos chamados NMS, a identidade
passa a substituir a classe, porém, ainda voltados num projeto transformador,
orientado pelo princípio de totalidade (Touraine) ou de superação da alienação
20
desdobramento de uma única ‘causa’ ou ‘lei’” (idem, p. 16). Para Laclau, como
recupera Hall, “as sociedades da modernidade tardia [ou da pós-modernidade]
[...] são caracterizadas pela ‘diferença’” (ibidem).
Conforme Hall, ainda apoiado em Laclau, o sujeito pós-moderno
representa “uma concepção de identidade muito diferente e muito mais
perturbadora e provisória do que as duas anteriores [do Iluminismo e da
Modernidade]”, porém, se esse “deslocamento” do sujeito, por um lado,
“desarticula as identidades estáveis do passado”, por outro, “também abre a
possibilidade de novas articulações: a criação de novas identidades, a
produção de novos sujeitos” (idem, p. 17-18).
Com isto, segundo Hall, a classe social perderia sua centralidade e seu
papel de organização das lutas políticas. Conforme afirma, agora seguindo
Mercer, na sociedade contemporânea, considerada como “modernidade tardia”
ou como “pós-modernidade”, “as pessoas não identificam mais seus interesses
sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir [mais]
como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual
todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas
possam ser reconciliadas e representadas”, o que mostraria uma “erosão da
‘identidade mestra’ da classe e da emergência de novas identidades,
pertencentes à nova base política definida pelos novos movimentos sociais”
identitários (idem, p. 20-21).
Neste sentido, a identidade perde o caráter rígido, fixo, e até natural,
próprios das sociedades anteriores, tornando-se flexível, construídas de forma
transitória pelos indivíduos, e múltiplas e contrárias “identidades”, agora
fundadas nas “diferenças”. Como ele afirma:
Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é
interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode
ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo é, às
vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de
identidade (de classe) para uma política de diferença (idem, p. 21).
A) Liberalismo e cidadania.
A forma com que a “identidade” é tratada política e juridicamente pelo
liberalismo, ou seja, na história da ordem burguesa, foi a da sua diluição no
conceito formal e indiferenciado de “cidadania”, relegando para o (livre jogo do)
mercado a resolução das divergências e diferenças.
O conceito de “cidadania” contém uma noção indiferenciada e abstrata
dos sujeitos, tratados como “iguais” a partir do acesso a direitos comuns,
direitos nacionais e/ou direitos humanos. Thomas Humphrey Marshall,
sociólogo liberal que desenvolveu as bases do conceito de “cidadania”, se
referindo ao seu homônimo Alfred Marshall, afirma que: “a desigualdade do
sistema de classes sociais pode ser aceitável desde que a igualdade de
cidadania seja reconhecida” (1967, p. 62). Em outras palavras, as
desigualdades próprias das diferentes condições e capacidades individuais,
configurando diversas classes sociais, poderiam ser equalizadas a partir da
intervenção do Estado num processo de igualação (formal) de acesso aos
direitos dos cidadãos. Assim, afirma: “a igualdade humana básica da
participação” associa-se a “um conjunto formidável de direitos”, “identificada
com o status de cidadania” (ibidem).
29
2. DA “IDENTIDADE” AO “IDENTITARISMO”: A
“LÓGICA IDENTITARISTA” PÓS-MODERNA
COMO FUNDAMENTO DE ARTICULAÇÃO E
POLARIZAÇÃO POLÍTICA
se tornar uma figura fora da esfera pública, própria do privado, do lar, enquanto
o homem cuidava da vida pública, das suas propriedades e/ou do sustento de
cada dia.
Neste sentido, juntamente com Marx, afirmam que “a primeira divisão do
trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos”,
acrescentando agora: “o primeiro antagonismo de classe que apareceu na
história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a
mulher na monogamia; e a primeira opressão de classe, com a opressa do
sexo feminino pelo masculino” (idem, p. 65-66).
Desta forma, na síntese que realiza o autor, “a monogamia nasceu da
concentração de grandes riquezas nas mesmas mãos – as de um homem – e
do desejo de transmitir essas riquezas, por herança, aos filhos deste homem
[...]. Para isso era necessária a monogamia da mulher, mas não a do homem”
(idem, p. 75).
Temos, portanto, a origem, não só do matrimônio e a família
monogâmicos, mas também da desigualdade e da atribuição de papeis rígidos
homem/mulher, em função de ser o homem o único proprietário de bens,
incluído os filhos e as mulheres, para cuja hereditariedade a vida pública das
mulheres, isto é, sua liberdade, lhes devia ser furtada. Garantindo que esta só
tenha contato com seu marido, dentro do âmbito privado do lar, se afastariam
as eventuais dúvidas sobre a paternidade e consanguinidade da sua prole,
possibilitando que a herança de suas posses fosse só para os filhos legítimos.
Há aqui a origem da dominação e opressão da mulher pelo homem, da
caracterização de papeis sociais rigidamente determinados para os homens e
para as mulheres, do confinamento da mulher ao lar, do roubo da sua
liberdade. Temos, assim, a origem do patriarcalismo e do machismo.
Para o autor, o capitalismo reconfigura e refuncionaliza estas bases. Na
sociedade burguesa o contrato matrimonial não pode mais expressar uma
relação de posse, mas deve constituir um “livre contrato” (idem, p. 79), que nos
setores dominantes da burguesia continuou atrelado à questões econômicas e
patrimoniais, mas que para as classes trabalhadoras (despossuídas) foi cada
vez mais sustentado em vínculos afetivos (idem, p. 80-81).
Engels, portanto, entendendo a gênese do matrimônio monogâmico
baseado em contratos, atrelada à necessidade de hereditariedade da
51
“classe” como ricos ou pobres trata de uma diferença (de poder aquisitivo,
como a interpretação weberiana) mas não de uma contradição, e ainda,
enquanto a classe mostra a contradição fundada na divisão social do trabalho,
o povo e a cidadania a escondem; as lutas de classes remetem a um processo
de conflito (manifesto ou latente) que enfrenta as classes antagônicas, mas a
ação social via de regra está ligada à colaboração ou parceria entre classes, e
induz o ocultamento de tais antagonismos e contradições, supondo uma
abstrata comunhão de interesses; o imperialismo remete a uma ordem mundial
marcada pelo monopolismo, pela fusão do capital bancário e industrial, pelo
desenvolvimento desigual e combinado (países de centro e periferia, em
relação de dependência), sendo que a chamada “globalização” esconde um
processo histórico, o naturaliza e oculta o sujeito; a sociedade civil remete
(mesmo com tratamentos diferentes por autores de diversas tradições teóricas)
a uma esfera da totalidade social saturada de contradições e lutas, enquanto o
chamado “terceiro setor” supõe sua desarticulação da totalidade e sua
homogeneidade e harmonia; a transformação significa a superação estrutural
da ordem burguesa, do MPC, mas as “mudanças” remetem a alterações dentro
do sistema vigente.
As categorias e os conceitos representam o arsenal heurístico, as
ferramentas de pesquisa do cientista social, apontando aonde e o que vai se
observar da realidade. Portanto, o grau e tipo de conhecimento alcançado
dependem do tipo de categorias e conceitos observados e analisados.
Mas estas categorias, mais universais no MPC, não ajudam a
compreender apenas a estrutura social mais ampla. Seu emprego no processo
de conhecimento dos fenômenos particulares – a questão do Estado, as
políticas sociais, a desigualdade de gênero, a questão étnica, assim como as
questões “identitárias” etc. – ou até singulares e locais – questões num grupo,
numa família, num território determinados –, também é fundamental para o
conhecimento crítico que consiga captar a essência desses fenômenos no
interior da totalidade social.
Em sentido contrário, as correntes de pensamento formalistas e
abstratos (positivismo e neopositivismo), tratam dos fenômenos e das
particularidades na sua dimensão abstrata, isto é, como processos autônomos
da totalidade social, prescindindo das categorias universais, ou mediante
66
mesmo atributo que cria a “identidade” num grupo (“nós”), é aquele que
constitui a diferença com os outros (“eles”).
Porém, como vimos, por se tratar, via de regra, de uma relação de
desigualdade, discriminação e opressão, na análise pós-moderna, todo e cada
sujeito diferente passa a ser visto e tratado, individual e pessoalmente, como
“opressor”, como “inimigo”, como “vitimário”, real ou potencial. Assim, a relação
“identidade”/“diferença” passa a ser considerada a partir da polarização entre
“nós” e “eles”, “vítimas” e “vitimários”, “identitários” e “inimigos”. A análise pós-
moderna opera uma dada polarização, onde cada sujeito diferente será visto,
real ou potencialmente, como inimigo.
Assim, neste processo analítico, da estrutura e da cultura racista,
machista etc., se passa para a pessoa e o indivíduo racista, machista etc.,
onde toda pessoa branca será vista, real ou potencialmente, como inimiga da
pessoa negra, onde todo homem será considerado, real ou potencialmente,
como vitimário e agressor da mulher etc. O inimigo, e portanto o alvo da luta,
deixa de ser a estrutura, a cultura, e passa a ser a pessoa, o indivíduo
diferente.
Há, portanto, nesta racionalidade, que despreza as macro-teorias e a
análise estrutural, uma individualização e pessoalização na polarização entre
“nós” e “eles”, entre o “identitário” e o “diferente”, a partir do qual se funda uma
“lógica identitarista”.
O pensamento “identitarista” pós-moderno centra-se na diferença entre
as formações ou grupos sociais. A relação estrutural é substituída pela
oposição (ou polarização) inter-pessoal.
Há aqui um par dialético “identidade/diferença” (trataremos das dialéticas
“identidade/diferença” e “igualdade/desigualdade” no item 6.1). É neste sentido
que, tratando do “pós-modernismo e a louvação da diferença”, Kenan Malik
atribui ao pensamento pós-moderno o fato de tratar “o sentido das formas
sociais não em relações, mas em diferenças” (in WOOD e FOSTER, 1999, p.
125).
A partir desta identidade/diferença, que identifica o “nós” e o diferencia
do “eles”, o pensamento pós-moderno estabelece uma articulação, uma
vinculação entre os sujeitos que compartilham o mesmo atributo, a mesma
“identidade”, e uma polarização, uma antagonização entre “nós” e “eles”. A
72
É neste sentido, também, que Asad Haider vai questionar o que chama
da “divina trindade” identitarista: “raça, gênero e classe”, na medida em que
cada uma trata de um tipo de relação social inteiramente diferente (HAIDER,
2019, p. 36).
Porém, reconhecer a real existência de atributos e identidades dos
sujeitos não significa afirmar a “lógica identitarista”. A “identidade” (como
condição ou como percepção do real) não equivale a “identitarismo”, ou à
“lógica identitarista”; pois enquanto a “identidade” expressa uma realidade
(objetiva ou subjetiva) das pessoas, a “lógica identitarista” representa a sua
compreensão pós-moderna.
Há aqui, na apropriação pós-moderna, a passagem da categoria de
“identidade”, enquanto construção simbólica da auto-representação do
sujeito, individual ou coletivo, a partir de uma relação social de opressão, em
alguns casos estrutural (ver item 2.3-A), para o de “identitarismo”, fundado
no que chamamos de uma “lógica identitarista”.
Assim, a “lógica identitarista” pós-moderna (que alguns autores tratam,
a partir da experiência norte-americana, como “política identitarista”, como
HAIDER, 2019, p. 31, LILLA, 2018 e WOOD, 2006, p. 205), reduz a questão da
“identidade” a apenas uma delas, isolando-a das outras, e do sistema social
mais amplo, além de operar uma individualização, pessoalização e
subjetivação da “identidade”. É aqui, no isolamento e individualização de uma
única “identidade” dos indivíduos, que esta passa a ser tratada, no pensamento
pós-moderno, a partir da “polarização”: “nós”/“eles”.
A “lógica identitarista” pós-moderna, portanto, transforma a oposição (da
qual trata Touraine, ver item 1.1-A) em torno de uma cultura, de uma estrutura
(machista, racista, xenofóbica, homofóbica etc.) em oposição entre indivíduos
(como expressões dessa cultura), abandonando, ainda mais, o princípio
80
feminismo foi acabar com o mito da ‘mulher’ [...] [e] desbiologizar as diferenças
sociais. O que o machismo, o racismo [...] fazem [...] é a tentativa de dizer ‘é
assim porque [...] nasceu assim”,7 atribuindo papeis e lugares sociais a partir
da sua condição biológica.
Na verdade, do que se trata é de superar a biologização das diferenças
(de raça, de sexo, étnicas etc.) como pretexto para as desigualdades sociais e
a opressão.
Desta forma, conforme afirmam Petras e Veltmeyer, neste “novo modo
(pós-moderno) de fazer política”, há uma “política do antipoder, com o fim de
evitar a confrontação e não se dirigir contra as estruturas de poder econômico
e político, mas sim de construir o capital social dos pobres [ou das “minorias”]
para se comprometer em projetos de desenvolvimento local nos espaços
disponíveis dentro da estrutura de poder” (2004, p. 330).
Assim, essas lutas ou pautas identitárias, a partir da “lógica identitarista”
pós-moderna, acabam sendo subsumidas à própria dinâmica do capital, presa
ao Estado e ao direito burgueses. É o que sustenta, segundo Haider, a
feminista Judith Butler, para quem o termo “sujeito” carrega um duplo sentido:
significa, por um lado, capacidade de protagonismo e ação, e por outro,
sujeição e subordinação a outro ou a um poder externo. Assim, em função
disso, “a política no liberalismo se caracteriza por nos tornarmos sujeitos que
participam na política através da sujeição ao poder” (in HAIDER, 2019, p. 35).
Neste sentido, Butler sugere que “o que chamamos de política identitária é
produzida por um Estado que só pode dar reconhecimento e direitos a sujeitos
totalizados pela particularidade que constitui seu status de demandante” (apud
HAIDER, 2019, p. 35).
Desta forma, se para Butler “a afirmação de direitos e reivindicações de
benefícios só podem ser feitas com base numa identidade singular lesada”
(apud HAIDER, 2019, p. 35), então, conforme afirma Haider, “se podemos
reclamar que somos de algum modo lesados com base em nossa identidade
[...], [então] podemos demandar reconhecimento do Estado com base nisso. E,
uma vez que são a condição da política liberal, as identidades se tornam cada
vez mais totalizantes e reducionistas. Nossa capacidade de ação política
identitarista”), então aqueles que não podem se organizar, falar e lutar por seus
direitos, ficarão fora dos mesmos, excluídos do status de cidadãos, pois, nesta
“lógica”, ninguém pode lutar pelos direitos alheios, de outrem.
Como, então, uma comunidade ribeirinha, de baixa instrução e elevado
isolamento social (o que dificulta até de trata-la como “comunidade”) vai lutar
contra o desmatamento ou poluição das águas? Como uma comunidade
indígena vai reivindicar por demarcação de terras, por proteção contra
garimpos, ou até por respiradores no meio da pandemia de Covid 19? Como
um pequeno povoado do sertão vai demandar e lutar por acesso à água
potável? Como crianças vão lutar contra a prática da alienação parental e por
seus direitos de convivência familiar e construção de identidade?
Crianças, povos originários, portadores de transtornos psicológicos e
mentais, pessoas analfabetas etc. etc., serão abandonados a sua própria sorte
e capacidade de luta. Nada mais neoliberal do que isto: deixar os indivíduos
concorrerem “livremente” no mercado, sem interferência estatal, a partir das
suas capacidades (ver HAYEK, 1990, p. 58 e 1985, p. 88).
2) Quem lutará pelos valores, direitos e demandas universais, comuns,
humano-genéricos?
Estamos falando, aqui, de questões que não envolvem aspectos
particulares de um grupo específico, mas que são comuns à toda a
humanidade, tal como a preservação meio-ambiental, o avanço e socialização
do conhecimento científico, a socialização da riqueza socialmente existente, a
luta contra a desigualdade social, a saúde pública, a educação pública, a
defesa da democracia etc. etc.
Questões que, como podemos observar, estão fora das “pautas
identitárias”, por não tratar das causas específicas de cada grupo identitário. E
que de fato estão perdendo força, teórica e política, nos processos de lutas
sociais. Basta observar as manifestações populares por estas questões,
insignificantes ao lado das manifestações populares de grupos identitários.
Não se trata aqui, novamente o afirmamos, de desestimar a importância
destas últimas manifestações e lutas particulares, as quais, como já
sustentamos, são necessárias, justas e urgentes. Trata-se sim de mostrar
como a “lógica identitarista”, que polariza, pessoaliza e isola as causas
(transformadas em “pautas”) e lutas identitárias (reduzidas a ações pontuais e
91
esquerda quanto para mobilizar e engajar para a luta política, tanto para
orientar a ação política dos mobilizados e engajados como para oferecer
justificativas de superioridade moral para a ação praticada (2019, p. 3).
por si mesmo, o subalterno não precisa ser representado por outros, pois ele
próprio se auto-representará.
Desta forma, a origem da expressão “lugar de fala” se vincula à
necessidade dos subalternos terem voz própria, de falarem por si mesmos, a
partir das suas vivências concretas, dos seus lugares. Que os subalternos
tenham direito a sua própria voz constitui um aspecto fundamental no processo
civilizatório no caminho para a igualdade social e política, nas conquistas
progressistas.
No entanto, se a origem da expressão visa reivindicar o direito de voz e
fala dos subalternos, das chamadas “minorias”, dos dominados e “excluídos”,
hoje podemos dizer que o mesmo sentido – de que só aquele pertencente à
“identidade” pode falar por “nós” – existe nos grupos de “identidades”
dominantes, sejam eles ligados a questões raciais, religiosas, de gênero etc.
Isto é, de uma bandeira exclusiva dos setores subalternos, dos silenciados,
agora passou a ser apropriado pelos grupos dominantes, perdendo qualquer
orientação progressista.
Por outro lado, se o “lugar social”, isto é, o lugar que os sujeitos ocupam
em uma dada situação de poder, e que compartilham com um coletivo, não
significa que só esse grupo identitário pode tratar do tema, nem que todos
tenham uma mesma experiência, e nem que essa experiência (ou esse lugar
de subalternidade que ocupa numa relação de poder) determina consciência
crítica, então o que seria “lugar de fala”? Este termo tão polêmico apenas
expressaria que se trata de “falar desde um lugar”?
Definitivamente o uso deste termo, apropriado pela razão pós-moderna,
de fato não se restringe a isso, particularmente quando efetivamente se trata
de trocar o silêncio dos subalternos pelo silêncio dos dominantes, e caindo num
isolamento das falas (cada um fala para os “seus”), quando se trata, ainda, de
fazer do “lugar social”, da experiência, uma fonte de consciência homogênea
(para todos os membros) e necessariamente crítica, como se a mera vivência
basta-se para uma compreensão dos fundamentos do fenômeno em questão.
Porém, compreender o “lugar de fala” como “falar desde um lugar”
parece ser o entendimento de Ribeiro quando, ao diferenciar o “lugar de fala”
(falar por si) da “representatividade” (falar por outro) (idem, p. 82), afirma: “uma
travesti negra pode não se sentir representada por um homem branco cis, mas
esse homem branco cis pode teorizar sobre a realidade das pessoas trans e
travestis a partir do lugar que ele ocupa [...] A travesti negra fala a partir de sua
localização social, assim como o homem branco cis” o faz a partir da sua
(idem, p. 82-83).
Então se trataria de afirmar que todos podem falar, mas cada um fala,
sempre e irremediavelmente, desde seu lugar, não podendo, na sua fala, “sair”
do mesmo. O homem branco cis sempre falará como tal, enquanto a travesti
negra o fará inalteradamente desde o próprio. Não haveria como fugir disso.
Portanto, um, o que ocupa o lugar dominante, sempre falará como dominador,
opressor, enquanto o outro, que ocupa o lugar subalterno, sempre falará como
dominado, oprimido.
Isto é, a fala do dominante sempre será entendida como expressão,
manifestação e perpetuação dessa dominação, a qual o subalterno, que visa
combater essa relação de opressão, deverá necessária e permanentemente
repelir.
99
Ora, e se o homem branco cis, por exemplo, tiver um filho travesti? Essa
experiência não poderia mudar sua vivência, sua percepção, sua
compreensão, seus valores e seu posicionamento?
O “outro” nem sempre fala como dominador, opressor.
A noção de “lugar de fala” leva, em primeiro lugar, à absolutização da
vivência ou do “lugar social”, como se esta experiência fosse suficiente para
uma compreensão crítica da mesma, como se a consciência crítica fosse um
mero reflexo da vivência, numa clara apropriação dos fundamentos pós-
modernos sobre a relação entre vivência e verdade.
Mas, ainda, em segundo lugar, o “lugar de fala” se aplica para uma
relação determinada (para uma “identidade” específica) dentre as diversas
relações, “identidades”, lugares e circunstâncias que fazem parte da vida dos
sujeitos. E esse lugar garantiria um “ponto de vista” comum. Assim, seria esse
lugar único, específico, que estaria determinando toda a compreensão do
sujeito sobre um assunto. Por exemplo, em todo o texto sobre o “lugar de fala”,
nenhuma única vez se menciona a “classe social” à que pertence o sujeito,
como se ela não tivesse nada a ver tanto com o “lugar social” quanto com a
“compreensão” das pessoas, enquanto trabalhador assalariado ou como
burguês, nas diversas outras dimensões ou relações de sua vida: de gênero,
racial etc. É como se ser operária ou burguesa em nada incidisse sobre o
“lugar de fala” de mulher.
Em terceiro lugar, o conceito de “lugar de fala” remete a uma noção de
identidade unidimensional, significando que a “localização social” desde onde
falamos estaria constituindo uma determinação única e absoluta sobre a
compreensão das coisas, deixando sem qualquer efeito o papel da ideologia,
da formação de consciência crítica, dos valores, das crenças religiosas, dos
projetos sociais universais, da capacidade de suspensão do cotidiano, dos
meios e grupos que frequenta, do acesso a conhecimento teórico crítico, das
outras vivências etc. Tudo isto, na verdade, pode fazer com que um “homem
branco cis” possa questionar e até combater o machismo, o racismo, a LGBT-
fobia etc.
Isto é, nem ocupar o lugar dominante numa relação específica impede
uma compreensão crítica do processo, e nem ocupar um lugar subalterno na
mesma garante tal compreensão. Há uma multiplicidade de fatores, de
100
A) Verdade e “pós-verdade”.
Da “alegoria da Caverna” de Platão à “Matrix”, passando por Descartes,
Kant, Hegel, Marx etc. etc., o conceito de verdade está em questão: o que é o
real?, o que é o conhecimento verdadeiro?
O conceito de “verdade” remete a dois momentos, ou possui duas
dimensões fundamentais. Por um lado, representa a realidade objetiva,
material, a realidade dos fatos, o ser-realmente-existente; trata-se da “verdade
das coisas”, representando a dimensão concreta, material, objetiva. Por outro
lado, diz respeito ao conhecimento que temos sobre essa realidade, e a como
esse conhecimento expressa, reflete ou reproduz a mesma no nosso
pensamento, ou seja, em que medida ele representa um “conhecimento
verdadeiro”, fiel ao real, representando aqui a dimensão cognitiva, intelectiva,
subjetiva.
Estas dimensões objetiva e subjetiva constituem, portanto, dois
momentos da “verdade”, certamente relacionadas, porém notoriamente
110
B) Os fundamentos da “pós-verdade”.
É a partir dessa caracterização que o conceito de “pós-verdade” ganha
notoriedade e força, expressando um fenômeno que recentemente assume
relevância cognitiva e política. Não se trata de um termo pós-moderno, mas
que certamente expressa como o irracionalismo pós-moderno concebe e lida
com a verdade, passando a constituir vivamente a sua “lógica identitarista”.
Comecemos pois, salientando alguns aspectos dessa corrente de pensamento,
para em seguida tratar diretamente do significado e alcance da “pós-verdade”.
a) O irracionalismo pós-moderno. Conforme aponta D’Ancona, a “pós-
verdade” tem “uma base na filosofia pós-moderna do final do século XX” (2018,
p. 84), claramente orientada para a “esquerda desiludida” (idem, p. 88), ou para
“classe média frustrada” da qual fala Umberto Eco (2018, p. 50). Já para
Christian Dunker (in DUNKER, TEZZA et alii, 2018), mesmo que “fica claro que
a pós-verdade não pode ser pensada apenas como expressão e
desdobramento de uma cultura pós-moderna” ‒ estando também presente em
vertentes neoliberais e ultraconservadoras ‒, no entanto ele também afirma
que “a pós-modernidade é a condição ideológica a partir da qual a pós-verdade
pode emergir como uma espécie de reação regressiva”, se aproveitando “de
uma percepção social de que há um excesso de indefinições contido em
termos como: politicamente correto, relativismo, multiculturalismo, igualitarismo,
coletivismo, ecologismo e secularismo” (idem, p. 40-41). Para ele, “a pós-
verdade é o falso contrário necessário do pós-modernismo” (idem, p. 12), como
uma “espécie de segunda onda do pós-modernismo” (idem, p. 13).
Portanto, os fundamentos da “pós-verdade” podem, em parte, ser
encontrados nos fundamentos da razão pós-moderna.
113
10 Ver: <https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2020/09/22/veja-o-que-e-fato-ou-fake-
no-discurso-de-bolsonaro-na-onu.ghtml>, acesso em: set. de 2020.
119
afirma, “uma comunidade sem confiança acaba se tornando não mais do que
um atomizado conjunto de indivíduos” (ibidem).
Por sua vez, este “colapso de confiança” das pessoas está ligado às
crises institucionais e financeiras (ver idem, p. 45) e sua consequente
desconfiança nos políticos, nas instituições, nos experts financeiros, nos
cientistas.
Assim, conforme o autor, na “pós-verdade” “o que importa não é a
ponderação racional, mas a convicção arraigada” (idem, p. 36), sustentada na
noção de que “a verdade é uma questão de crença. [...] Essa coisa de fatos
não existe” (ibidem).
Desta forma, a chamada “pós-verdade” não é sinônimo de, nem
corresponde necessariamente à mentira, falsidade ou fake news. Ela diz
respeito à forma subjetiva como os discursos são apropriados pelos sujeitos,
muito mais em função de suas convicções, crenças e sentimentos, do que na
veracidade comprovada dos fatos. Porém, não sendo sinônimo de falsidade ou
fake news, a “pós-verdade” pode lhe outorgar status de “verdade”, quando o
sujeito acredita e confia num discurso falso ou mentiroso; nesse caso, o falso
será aceito como (pós) verdadeiro.
e) Conhecimento engajado da verdade não é “pós-verdade”. Como
já vimos, há em Marx, como em diversos outros autores, a convicção de que
todo conhecimento é fundado em valores, perspectivas e visões de mundo, e
orientado ideológica e politicamente.
Não há conhecimento desprovido de valores, de interesses, pois, sendo
a realidade material, objetiva, a apropriação dela pelo conhecimento só pode
ser carregado de subjetividade. A realidade é objetiva, pois diz respeito a uma
existência concreta (o ser-precisamente-assim) que independe do
conhecimento que dela se tenha, mas o conhecimento é permeado por
subjetividade, na medida em que remete à apropriação, pelo sujeito, do real,
transformado-o em conhecimento, em representação intelectiva, ideal, sendo
esse conhecimento da realidade, portanto, um processo permeado por toda a
subjetividade, valores, interesses, perspectivas, do indivíduo cognoscente.
Particularmente, o método de conhecimento materialista-histórico e
dialético, o método marxista, funda-se na “perspectiva de revolução”, que visa
conhecer para transformar a realidade. Assim, contrariamente à neutralidade
123
15 O caso foi tratado no filme “Negação” (2016, dirigido por Mick Jackson e escrito por
David Hared).
16 Ver em: <https://veja.abril.com.br/politica/doze-vezes-em-que-bolsonaro-e-seus-
filhos-exaltaram-e-acenaram-a-ditadura/>; acesso em: ago. de 2020.
17 Ver em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/toffoli-diz-que-hoje-prefere-
chamar-ditadura-militar-de-movimento-de-1964.shtml>; acesso em: ago. de 2020.
128
18 Ver em:<https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/portugueses-nem-pisaram-
na-africa-diz-bolsonaro.shtml>; acesso em: ago. de 2020.
19 Ver em: <https://istoe.com.br/chefe-de-fundacao-palmares-fala-em-escravidao-
benefica-para-descendentes/>; acesso em: ago. de 2020.
20 Ver em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/03/ernesto-araujo-diz-a-canal-
de-youtube-que-nazismo-foi-movimento-de-esquerda.shtml>; acesso em: ago. de 2020.
21 Ver em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/04/02/no-memorial-do-
holocausto-bolsonaro-diz-que-nazismo-era-de-esquerda.ghtml>; acesso em: ago. de 2020.
129
religiões, apenas dos evangélicos, que tem uma especial opção de articular
religião com poder de Estado.22
O uso político do fundamentalismo religioso é evidente e especialmente
constatável no Brasil atual, quando “pastores” de igrejas definem em quem
devem votar os fieis, que tipo de valores ou posições devem defender, gerando
uma intransigência incompatível com a dinâmica da atividade política: como
negociar com um político algo que é tido como determinação divina, segundo
expressa o “pastor”, representante de deus na igreja?
d) A moralização dos fatos. Em parte derivado da questão religiosa,
mas não restrita a ela, há uma profunda moralização dos fatos, onde se
condena, mediante a disseminação de fake news criando uma “pós-verdade”
sobre os mesmos, desde a “educação sexual” na escola – como se fosse uma
forma de indução à vida sexual, à mudança de sexo etc. –, a “ideologia de
gênero” – como algo “contra-natura” ou pagão ‒, o “aborto na gravidez
indesejada ou de risco” ‒ como algo amoral ‒, entre tantos e infindáveis outros
exemplos.
Novamente a internet e as “redes sociais” virtuais são exemplo do
volume de opiniões apenas sustentadas em juízos de valor, moralistas.
Desta forma, os detentores da “moral”, sejam eles de uma religião, ou de
uma tendência política, ou de um determinado grupo social, irão determinar o
pensamento, opinião e julgamento das pessoas, comandando plenamente suas
“identidades”.
e) A expansão das teorias conspiratórias. D’Ancona, a partir do texto
de Richard Hofstadter, “The Paranoid Style in American Politics” (“O estilo
paranoico na política norte-americana”), publicado em 1964, trata das “teorias
conspiratórias” como uma “paranoia” contemporânea (2018, p. 61). Porém, a
paranoia conspiratória atual tem uma importante novidade em relação àquela
descrita por Hofstadter nos anos 60, meio século antes: a atual teoria
conspiratória, da “era da pós-verdade”, não é mais um “fenômeno psíquico”
que afeta a uma pequena “minoria modesta da população” (idem, p. 62), mas
24 Ver, por exemplo, o filme “Teoria da Conspiração” (de 1997, dirigido por Richard
Donner, com Mel Gibson e Julia Robert).
132
28 Defensora Pública no Rio de Janeiro desde 1979 e Juíza Penal de 1982 a 1990,
caracterizando-se por absolver acusados por posse de drogas para uso pessoal, sob o
fundamento da inconstitucionalidade de leis criminalizadoras de condutas que não atingem
direitos de terceiros. Por tal motivo, foi transferida em 1990 para a Justiça de Família. Autora
dos livros: “De Crimes, Penas e Fantasias” (Niterói, Luam, 1993), “Competência no Processo
Penal” (SP, RT, 2005); “Juizados Especiais Criminais – A Concretização Antecipada do Poder
de Punir” (SP, RT, 2004). Membro da Diretoria de Law Enforcement Against Prohibition (LEAP)
e Presidente da Associação dos Agentes da Lei Contra a Proibição (LEAP BRASIL); membro
do Conselho Consultivo de Students for Sensible Drug Policy (SSDP); membro do Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto Carioca de Criminologia (ICC) e da
Associação Juízes para a Democracia (AJD).
29 Filósofa francesa nascida em 1944, é uma das vozes mais importantes e polêmicas
do movimento feminista francês. Autora dos livros: “Um amor conquistado: o mito do amor
materno”, “Um é o Outro. O Que é uma Mulher”, “O Conflito – a Mulher e a Mãe” (2011) e
“Rumo equivocado”.
138
30 Ver: <https://revistaforum.com.br/noticias/violencia-opressor-e-reacao-oprimido/>;
acesso em: set. de 2020.
142
incluído, mas diz respeito de um sistema (capitalista) que, para sua superação,
deve ser transformado (trataremos disso no item 6.3).
Ora, a inclusão, como “meio”, certamente é muito importante e em
muitos casos estas atividades representam avanços que não podem ser
desprezados, porém, incluir necessariamente significa a aceitação do lócus, do
sistema, aonde quer se incluir. Isto é, a “inclusão” significa incluir dentro da
ordem burguesa, da sociedade capitalista.
É também neste sentido que Haider afirma que: “reivindicar inclusão na
estrutura da sociedade como ela é significa se privar da possibilidade de
mudança estrutural” (2019, p. 48). Isto é, o objetivo da inclusão na sociedade
estabelecida, nas suas regras sociais, nos direitos civis, pode, em algum grau e
no imediato, representar um objetivo progressista, incorporando os setores
subalternos aos direitos, amenizando em certos aspectos a desigualdade, o
que não pode ser desprezado ou desqualificado; porém, também não pode
desconhecer-se que “incluir” tem como pressuposto a manutenção da
estrutura, e portanto sua legitimação. Não teria nenhum sentido, a não ser
como algo transitório, reivindicar a “inclusão” em algo que é rejeitado e se
procura transformar.
Assim, conforme Wendy Brown – cientista política norte-americana e
autora, entre outros, de “Regulating Aversion: Tolerance in the Age of Identity
and Empire” e “States of Injury”, e companheira de Judith Butler –, a política
identitária visa a inclusão social, tendo na classe média “o ideal ao qual as
identidades que não são de classe” devem se orientar (apud HAYDER, 2019,
p. 48). Desta forma, continua, “o que temos chamado de política identitária é
parcialmente dependente da perda de uma crítica do capitalismo e dos valores
culturais e econômicos burgueses” (apud HAYDER, 2019, p. 47),
complementando que, quando ausentes de uma crítica ao capitalismo:
as políticas identitárias [...] aparecerão não como um complemento da
política de classe, não como uma expansão das categorias de esquerda de
opressão e emancipação, não como uma ampliação enriquecedora de
formulações progressistas sobre poder e pessoas [...], mas como
vinculadas a uma ideia de justiça que reinscreve um ideal burguês
(masculinista) como sua medida (apud HAIDER, 2019, p. 47).
visão, combater a fome passa por uma ação “solidária” que reúne todos os
cidadãos (independentemente de classe, e de instituição, ONG, fundação
empresarial e Estado) num objetivo e causa (supostamente) comum. Inicia-se o
processo de deseconomização e desclassamento da ação (a)política.
Desta forma, segundo afirma Fontes, surge a “nova tática burguesa de
‘administração’ de conflitos”, que leva a transformação “da demanda de
igualdade para o terreno da ‘inclusão’” (idem, p. 275).
Deixa de se pensar a pobreza como uma manifestação da desigualdade
estrutural, que relaciona e opõe acumulação e pobreza (MONTAÑO, p. 278 e
ss.), e portanto a ação passa a centrar-se no resultado imediato – pois, como
afirma o slogam da campanha “quem tem fome tem pressa” 38 –, abandonando-
se a luta pela transformação estrutural, perpetuando-se o fundamento da
desigualdade, a exploração.
Neste processo, as lutas sociais e de classes contra os fundamentos da
desigualdade são reduzidas à institucionalização de conflitos, orientada a
ações multiclasses por (supostas) “metas comuns”; assim, conforme Fontes, “a
proposta da redução democrática à gestão de conflitos imediatos se
disseminava” (idem, p. 281). Neste sentido, a autora mostra que assim
“deslocara-se a articulação entre as lutas, que até então mantinham uma
unidade tensa em torno da configuração das classes sociais no Brasil, para o
terreno mercantil-filantrópico [...] voltado para a pobreza [...]. A pobretologia – e
não um estudo da relação entre as classes e destas com as formas específicas
da acumulação de capital – se difundia” (idem, p. 347). Conforme ela, neste
processo “aprofundava-se um ativismo estéril ao lado do apassivamento diante
da precarização das condições de trabalho” (ibidem).
Desta forma, no plano imediato, a pauta inclusivista sustenta-se no
acesso, mediante o direito e as políticas de tipo compensatórias e/ou
afirmativas, a bens e serviços, à maior presença e ingresso institucional, e à
condição formal de plena cidadania.
Por um lado, do ponto de vista institucional, o processo de inclusão é
realizado a partir das chamadas políticas e ações “afirmativas”.
“ações afirmativas” são questionadas, tanto por setores dominantes como por
grupos subalternos da população, por não compreender o papel do princípio de
“discriminação positiva”, como representando privilégios. Certamente os
fundamentos neoliberais assim o compreendem,42 porém, este entendimento
aparece em outros grupos sociais subalternos e precarizados, nos estratos
sociais mais baixos da população trabalhadora.
Neste sentido, as políticas e ações “afirmativas” carregam uma certa
ambiguidade ou dualidade intrínseca: por um lado, elas visam compensar,
reparar ou diminuir as desigualdades geradas a partir das diferenças de
gênero, étnico-raciais etc., constituindo políticas ou ações específicas
orientadas a certos grupos historicamente subalternos e desfavorecidos, mas
por outro lado, elas precisam afastar o risco de reforçar os fundamentos dessa
discriminação e desigualdade atrelados a essas diferenças.
Assim, as chamadas políticas ou ações “afirmativas” enquanto
processos institucionais, táticos e compensatórios imediatos são certamente
positivas, quando dentro de uma estratégia de luta estrutural mais ampla contra
a opressão e pela igualdade. Porém, se transformadas em finalidades, elas
podem vir a se tornar funcionais à manutenção da ordem, perpetrando os
fundamentos da desigualdade social. Por tal motivo, as políticas e ações
afirmativas precisam ser desenhadas com os cuidados e o zelo para não
induzir a reprodução e legitimação das discriminações e desigualdades que
visam superar.
Por outro lado, do ponto de vista sistêmico, a inclusão tem por base o
direito e a norma jurídica, que permita a plena condição e exercício da
cidadania.
Há aqui, por exemplo, as demandas de casamento igualitário, do
movimento LGBT, de descriminalização do aborto, do movimento feminista, de
legalização do imigrante etc.
Estas demandas, da mesma forma que as demandas trabalhistas por
limitação da jornada de trabalho, ou por melhores salários etc., só podem ser
garantidas por meio do direito... do direito burguês!
Falar de “direito burguês” não significa que seja da “classe burguesa”,
mas é da “ordem burguesa”, e como tal, representando a correlação de forças
sociais, as lutas de classes, dentro e a partir da hegemonia burguesa (da
“classe burguesa”), e portanto, funcional a este modo de produção e de
relações de produção.
Desta forma, não temos um direito “neutro”, imparcial, equidistante (ver
PACHUKANIS, 2017)... nem uma justiça realmente “cega”. Mas um direito
constituído e funcional à base econômica, às necessidades do capital e às
lutas de classes.
Ora, para Marx, a “superestrutura jurídico e política” (MARX, 1977, p.
24), na qual se situa o direito, eleva-se a partir e em função da “estrutura” ou
“base econômica” (ou infraestrutura), que chama de “sociedade civil” ou
“sociedade burguesa” – esfera na qual se criam as “condições materiais de
vida” e se desenvolvem as relações de produção.
Neste sentido, conforme afirma Engels, “o Estado, o regime político [e
jurídico: a superestrutura], é o elemento subordinado, e [...] as relações
econômicas [ou de produção: a base ou estrutura econômica], é o elemento
determinante (in MARX e ENGELS, 1975, p. 111). Assim, como ambos
afirmam em A Ideologia Alemã:
A estrutura social e o Estado nascem [...] do processo de vida de
indivíduos determinados [...] tal e como atuam e produzem materialmente
e, portanto, tal e como desenvolvem suas atividades sob determinados
limites, pressuposto e condições materiais, independentes de sua vontade
(MARX e ENGELS, 1993, p 36).
Isto é, para Marx e Engels, “não é o Estado que molda a sociedade mas
a sociedade que molda o Estado. A sociedade, por sua vez, se molda pelo
170
É por isso que Almeida afirma que o direito, neste processo, deve ser
um “meio e não fim”, orientado para a “consecução de objetivos políticos e para
a correção do funcionamento institucional, como o combate ao racismo por
meio de ações afirmativas, por exemplo” (2019, p. 135).
Assim, conforme afirma Almeida ao prefaciar o livro de Haider (2019), a
“armadilha” da esquerda não está na “identidade” em si, mas no fato de reduzir
as lutas e políticas às “identidades específicas” (ver Almeida, in HAIDER, 2019,
p. 12), paralisando a esquerda, e “tornando-a refém da política identitária”, seja
quando só se fala de “identidade”, seja quando se recusa a falar de
“identidade” (idem, p. 14).
Quando só se fala da “identidade”, como é o caso da pauta da esquerda
pós-moderna, afirma Almeida:
a esquerda restringe-se a movimentos dentro dos estreitos limites do
sistema, esperando que ele [o sistema] atenda à suas reivindicações na
forma de “direitos”. No fim das contas, a política identitária limita as
organizações de esquerda ao figurino jurídico da luta por “mais direitos”
(idem, p. 14).
posse de poder para fazer algo, é ser capaz, é ser potente” (1983, p. 133, ou
1980, p. 186).
A primeira forma de poder remete a uma relação social, uma relação
homem-homem. A segunda forma trata do indivíduo (ou grupo) consigo
mesmo, numa relação homem-necessidades.
O poder como “relação social” é o poder político. Já o poder “sobre si”
chamaremos de poder subjetivo, como “potenciação” ou auto-poder.
● Assim, o poder político, nas diversas e polêmicas perspectivas do
pensamento político, econômico, sociológico e filosófico, tem sido associado à
capacidade de tomada de decisão, à correlação de forças sociais, à hegemonia
ou à dominação. Sempre, portanto, o poder político foi conceituado como uma
dada desigual relação social ou correlação de forças.
Sem pretensão de nos adentrarmos na concepção geral de poder em
cada um dos autores, apenas salientando a questão do “poder político” como
“relação social”, vejamos alguns exemplos disto:
Maquiavel (1996), iniciando a “ciência política” no estudo sistemático do
poder, deu lições de como o Príncipe (e o Estado) pode exercer seu poder
sobre os súditos, impondo o “temor” e/ou o “amor” (p. 97-100): os súditos
aceitarão seu poder na medida em que temerem e/ou amarem seu soberano.
O poder, como relação de dominação/subordinação, pode ser exercido tanto
pelo temor (dominação) como pelo amor ao Príncipe (aceitação). Para o autor,
o poder remete à relação do Príncipe (o Estado) com seus súditos.
Por sua vez, Marx e Engels (2010), ao tratarem dos fundamentos do
capitalismo, se debruçam na relação contraditória entre as classes
fundamentais: capital e trabalho. Tal relação expressa o desigual poder de
cada classe, fundando as lutas de classes. No entanto, eles não concebem o
“poder” como categoria abstrata, ou como conceito universal, mas tratam do
poder como uma particularidade do Modo de Produção Capitalista (MPC), ou
seja, como relação entre as classes sociais, envolvendo a exploração, a
dominação, a alienação e a ideologia, como aspectos constitutivos das
relações de poder entre as classes. Para Marx o poder envolve, assim, não
apenas uma dimensão econômica (exploração), como também política
(opressão) e ainda cultural (alienação, ideologia).
174
<http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/a_pdf_dht/cartilha_politicamente_correto.pdf>, acesso
em: abr. de 2020.
189
46 Oportunismo contra o qual lutaram, entre outros, Marx e Engels, Lênin, Luxemburgo
e Lukács.
190
Parece muito mais uma clara, e muito efetiva, estratégia dos setores
dominantes de promover a auto-destruição, a “implosão” da unidade e do
movimento dos trabalhadores.
A Casa Grande, para perpetrar seu poder e dominação absolutos,
promove o conflito na Senzala!
Haider também aponta como a política identitária, contrariamente aos
seus objetivos, passa a constituir “uma parte integral da ideologia dominante”
(2019, p. 68), fragilizando qualquer tipo de análise e luta não afinadas à “lógica
identitarista”.
Ela é intrínseca e duplamente divisionista, pulverizando a “maioria da
classe trabalhadora” em diversas “minorias identitárias”. A ação política
derivada disso será um fracasso anunciado.
O pós-estruturalista Stuart Hall aponta um exemplo bem eloquente sobre
este processo. Conforme descreve:
Em 1991, o então presidente americano, Bush, ansioso por restaurar uma
maioria conservadora na Suprema Corte americana, encaminhou a
indicação de Clarence Thomas, um juiz negro de visões políticas
conservadoras. No julgamento de Bush, os eleitores brancos (que podiam
ter preconceitos em relação a um juiz negro) provavelmente apoiaram
Thomas porque ele era conservador [...], e os eleitores negros (que apoiam
políticas liberais em questões de raça) apoiariam Thomas porque ele era
negro. Em síntese, o presidente estava “jogando o jogo das identidades”.
Durante as “audiências” em torno da indicação, no Senado, o juiz Thomas
foi acusado de assédio sexual por uma mulher negra [...]. As audiências
causaram um escândalo público e polarizaram a sociedade americana.
Alguns negros apoiaram Thomas, baseados na questão da raça; outros se
opuseram a ele, tomando como base a questão sexual. As mulheres
negras estavam divididas, dependendo de qual identidade prevalecia: sua
identidade como negra ou sua identidade como mulher. Os homens negros
também estavam divididos, dependendo de qual fator prevalecia: seu
sexismo ou seu liberalismo. Os homens brancos estavam divididos,
dependendo, não apenas de sua política, mas da forma como eles se
identificavam com respeito ao racismo e ao sexismo. As mulheres
conservadoras brancas apoiavam Thomas, não apenas com base em sua
inclinação política, mas também por causa de sua oposição ao feminismo.
As feministas brancas, que frequentemente tinham posições mais
progressistas na questão da raça, se opunham a Thomas tendo como
base a questão sexual. E, uma vez que o juiz Thomas era um membro da
elite judiciária [...], estavam em jogo,nesses argumentos, também questões
de classe social.
A questão da culpa ou da inocência do juiz Thomas não está em discussão
aqui; o que está em discussão é o “jogo de identidades” e suas
consequências políticas (HALL, 2006, p. 18-20).
192
Hall não consegue “resolver” esta equação, pois ele mesmo assume que
não há, na complexa sociedade contemporânea, pós-moderna, um “dispositivo”
ou categoria aglutinador, nem a classe social (idem, p. 20-21), mas consegue
apontar claramente o problema, e seu impacto político destas “‘políticas’ da
fragmentação ou ‘pluralização’ de identidades” (idem, p. 18).
Com isto, podemos observar o desdobramento deste divisionismo,
próprio da “lógica identitarista” pós-moderna, nos seguintes aspectos; a saber:
Em primeiro lugar, o dito “lugar de fala” impede que alguém não
pertencente a esse “lugar” possa tratar, falar, sobre a questão que em tese
“não o envolve” – assim, que um branco pense a questão racial, que um
homem fale sobre a questão de gênero, que um heterossexual analise a
questão LGBT, que um europeu estude as sociedade latino-americanas. Nesta
lógica, o conhecimento só poderia ser produzido pelo membro da “identidade”,
pelo pertencente a “nós”, descartando todo conhecimento alheio, elaborado por
“eles”. Com isto há um descarte, e/ou um desprezo, de todo conhecimento
“alheio”. Marx, por exemplo, enquanto homem branco e europeu, deveria ser
prontamente descartado. Ora, isto parece ser tudo o que os grupos dominantes
querem!
Assim, imaginemos se Marx tivesse rejeitado os textos e análises de
Smith e de Ricardo, por pertencerem a outro “grupo identitário”, por não ocupar
o mesmo “lugar de fala” que Marx. Imaginemos se a classe trabalhadora
inglesa tivesse rejeitado a obra de Marx por ele não pertencer à classe
trabalhadora, por não ter o “lugar de fala” dado pela condição de classe, por
não ter a mesma “identidade” dos trabalhadores operários, do proletariado.
Imaginemos a rejeição à obra marxiana por se tratar de um pensador de
origem judaica. Imaginemos, ainda mais, se os trabalhadores e intelectuais
latino-americanos rejeitassem a obra de Marx por não ter esta “identidade”
regional.
Porém, ao vincular o “lugar de fala” (que descarta a “fala”, o
conhecimento, do “alheio”, dos “outros”, do “eles”) com a chamada “pós
verdade” (que afinca a noção de verdade, não nas provas, na materialidade,
na objetividade, mas na crença, na opinião, a partir da afinidade identitária),
cada grupo, o “nós” e o “eles”, terá a sua própria versão da realidade, a sua
própria “verdade”. Funda-se aqui um “diálogo de surdos”! Cada um fala para os
193
“seus”, e ignora/rejeita a fala dos “outros”. Não só você não pode falar a meu
respeito, como ainda, tudo o que você falar será ignorado ou rejeitado. Com
esta base, jamais o conhecimento se somará, jamais o entendimento se
alcançará.
Esta lógica não está presente apenas na esquerda, dividindo-a em
múltiplas frações enfrentadas, mas também no campo da direita, a exemplo do
atual governo Bolsonaro, onde o presidente não articula com partidos, não fala
e responde à imprensa, não governa para toda a nação, mas apenas se
comunica unidirecionalmente por suas redes sociais, falando suas “verdades”
(sobre a pandemia, sobre as queimadas, sobre as milícias etc.) apenas para o
seu público de seguidores, para os “seus”.
Porém, este divisionismo não fica apenas no plano teórico, do discurso,
da “fala”, mas opera também no plano de ação política.
Assim, em segundo lugar, a “lógica identitarista” também faz com que no
plano da ação política a maioria, articulada em torno da classe, se pulverize em
diversas minorias desarticuladas. Desta forma, por exemplo, uma mulher
branca e uma mulher negra, uma mulher trabalhadora e uma mulher
empresária, podem se reunir para lutar pela questão de gênero, pelos direitos
igualitários das mulheres contra a violência de gênero. Porém, na polarização
operada pela “lógica identitarista”, um homem não pode se somar à luta
feminista, pois ele é o “outro”, o adversário, o alvo da luta. Uma pessoa branca
não pode se somar à luta contra o racismo, pela igualdade racial. De igual
forma, o heterossexual não pode se fazer presente na luta LGBT. E nesta
lógica, não teria sentido que Marx, e especialmente Engels, não pertencendo
ao proletariado, possam fazer parte das lutas operárias. Nesta lógica, a
solidariedade entre as diversas “identidades”, dentro da classe trabalhadora,
por parte daqueles que se somam às diversas causas civilizatórias e
emancipatórias, se torna impraticável.
Assim, a “lógica identitarista” pós-moderna, atrelada ao “lugar de fala”, à
“pós-verdade” e ao “punitivismo” na esquerda, fragilizam ao extremo a
necessária unidade (na diversidade) da classe trabalhadora, que passa a se
enfrentar internamente, a se multifragmentar, e a destruir a vida de indivíduos
(trabalhadores militantes) que nesta racionalidade passam a ser considerados
“inimigos” (antagonizados a esta ou àquela “identidade”), comprometendo e
194
visão comum de mundo [..., por outro] elas às vezes se mostram obstáculos
incontornáveis para a ação estratégica” (2019, p. 3).
A funcionalidade política da “lógica identitarista” manifesta-se, ainda,
como uma polarização, tanto dentro da esquerda identitarista, como da direita.
Como foi tratado, se há uma “lógica identitarista” de esquerda (e certamente de
orientação progressista), há também um “identitarismo” de direita (centrado no
nacionalismo extremo, no fundamentalismo religioso, no machismo e no
racismo, todos eles expressando uma identidade conservadora, até
reacionária). Assim, a “lógica identitarista” se expressa nos dois lados, na
esquerda e na direita, no “nós” e no “eles”; se há uma “identidade” que unifica o
“nós”, o “eles” também se aglutina a partir de uma outra “identidade”.
Isto é claro e expressivo na realidade brasileira contemporânea, o que
explica o surgimento e expansão do “bolsonarismo” (sua vertente militarista-
fascista, sua vertente evangélica, e sua vertente “olavista” ou “ideológica”) é a
reunião, a partir do anti-petismo e do combate ao “marxismo cultural”,
fanatizada porém tensa, destas “identidades” diversas em torno dessas
vertentes. É o que afirma o colunista da Revista Cult, Wilson Gomes: “O
bolsonarismo [...] é também um movimento importante no jogo da política
identitária” (2018, p. 2), sendo que “ambos os lados, o bolsonarismo ou a
esquerda identitária, satanizam o seu inimigo predileto” (idem, p. 5). Isto é, na
direita ou na esquerda, a lógica polarizadora do “identitarismo” pós-moderno
sustenta-se na satanização do outro, tido como inimigo, o qual precisa ser
exterminado.
Politicamente, ainda, a “identidade” cumpre uma função eleitoral,
organizando nichos eleitorais aos quais os candidatos devem se orientar nos
seus discursos e propostas pré-eleitorais, como, nos EUA, os eleitores latinos,
negros, mulheres etc. Mas, como aponta Lilla (2018), fazer campanha dirigida a
um público (de certa “identidade”) acaba afastando os outros, o que, segundo
ele, favoreceu a eleição de Donald Trump contra Hillary Clinton. Porém, no
caso brasileiro, esta questão é superada, na medida em que o processo
eleitoral é sobre pessoas, e não chapas ou listas eleitorais, podendo cada
candidato escolher seu nicho eleitoral, aquela “identidade” que vai atender no
seu discurso e propostas; aqui cada Partido, através de seus candidatos
individuais, poderá direcionar sua campanha aos mais diversos setores da
198
escritórios hoje nos EUA, Malásia e Brasil. Em 2016, a Cambridge Analytica vai
participar dos processos eleitorais de Donald Trump, nos EUA, e do “Brexit”, na
Inglaterra, dentre outros cenários, como o plebiscito sobre as FARCs na
Colômbia. Seu enorme sucesso eleitoral, em todos estes casos, teve como
eixo o uso (criminoso) dos dados de perfis do Facebook (de 50 milhões de
pessoas só nos EUA), a partir de um supostamente “inocente” teste de
personalidade, chamado “thisisyourdigitallife” (“esta é a tua vida digital”),
elaborado pelo professor de psicologia Aleksandr Kogan, a partir de um
aplicativo. Mediante esse aplicativo, os usuários forneciam à Cambridge
Analytica os dados pessoais, como identidade, localização, preferências,
costumes, valores, consumos etc., além das listas dos contatos. Em posse
desses perfis, a Cambridge Analytica passou a relacionar esse “estudo de
personalidade” com as preferências ideológicas, políticas, e por fim, eleitorais.
Com isto inicia-se o caminho para influenciar o voto da população alvo
(considerada passível de ser manipulada e levada para o campo da direita
ultraconservadora) a través de: a) uma onda de fake news, b) “teorias
conspiratórias” e c) indução ao “medo” e ao “ódio” mediante a extrema
polarização social e a sensação de ameaça. Toda esta operação criminosa foi
revelada, após a delação de um dos principais técnicos diretamente envolvidos,
Christopher Wylie, conjuntamente pelos jornais The New York Times e o The
Observer (do The Guardian), e apresentada no documentário “Privacidade
Hackeada” (de 2019).
Assim, conforme aponta D’Ancona, para compreender o processo
eleitoral nos EUA, não basta “registrar as mentiras contadas por Trump”.
Devemos atentar para o fato de que ele “não recorreu a dados verificáveis, mas
a ressentimentos e medos” (2018, p. 115). Isto é, a mentira do comunicador
deve ter uma pessoa receptiva, disposta a acreditar, para o qual a frustração, o
ressentimento e o medo são os vetores fundamentais.
No Brasil de 2018, após o golpe institucional de Estado que depós a
presidenta eleita Dilma Roussef, em 2016, pondo fim ao “ciclo do PT”, a disputa
política parece coincidir com a mesma estratégia antes descrita. Vejamos:
Temos Jair Bolsonaro, um irrelevante deputado do “baixo clero” por quase três
décadas, que fora capitão expulso e mandado a retiro do Exército, que de
repente surge com uma enorme força eleitoral, representando a ultradireita e o
206
49 Ver: <https://oglobo.globo.com/mundo/as-figuras-chave-do-escandalo-da-
cambridge-analytica-22512997>; <https://tecnoblog.net/236612/facebook-cambridge-analytica-
dados/>; <https://www.cartacapital.com.br/politica/as-pistas-do-metodo-201ccambridge-
analytica201d-na-campanha-de-bolsonaro/>;
<https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/opinion/1539892615_110015.html>;
<https://www.brasildefatopr.com.br/2018/11/05/bannon-e-bolsonaro-a-democracia-hackeada>;
acessos em: maio de 2020.
207
espaço público (que tem como núcleo as redes sociais digitais ...): um e
outro operam no âmbito do reconhecimento, mais do que naquele das
transformações institucionais diretas (2017, p. 71).
51 Tal como registra Engels em cartas a Bernstein (em 03/11/1882) e a Schmidt (em
05/08/1890). Ver em: <http://www.marxists.org/archive/marx/works/1882/letters/82_11_02.htm>
e <https://www.marxists.org/archive/marx/works/1890/letters/90_08_05.htm>, acessos em: jun.
de 2020.
214
SEGUNDA PARTE
ANTIOPRESSIVAS
219
[...] como bandeira de luta dos movimentos de esquerda” (1990, p. 14; 2000, p.
28). E, continua,
daí que esta atmosfera pós-moderna que hoje muitos de nós respiramos
nos ambientes de esquerda, essa onda de celebração neobarroca das
diferenças, de apego às singularidades culturais, de apologia da
irredutibilidade das particularidades e especificidades culturais, sociais e
ambientais, tudo isso assusta muito pouco as cabeças de direita [...].Trata-
se de um discurso absolutamente palatável e familiar à direita popular
(1990, p. 14; 2000, p. 28-29).
52 O Art. 5º da Constituição brasileira estabelece que “Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade”. Ver em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>;
acesso em ago. de 2020.
234
sem considerar a totalidade social concreta que a contêm e determina, constitui uma
abstração.
239
sociedades], a fim de que a unidade [...] não nos faça esquecer a diferença
essencial” entre as diversas formas de organização social (1977, p. 203).
Então, o que é que distingue cada “modo de produção”, constituindo o
fundamento, aquilo que peculiariza cada organização social, determinando e
condicionando (mesmo que não plenamente) o conjunto das relações sociais?
Conforme afirma Marx em O Capital, “o que distingue as diferentes
épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de
trabalho se faz” (MARX, 1980, p. 204). Isto é, não é o tipo de produto ou de
mercadoria o que vai caracterizar cada sistema social, mas sim, primeiramente,
os meios utilizados para produzi-las.
Por outro lado, e em segundo lugar, são fundamentalmente as relações
de produção/usurpação o que diferencia as sociedades uma das outras.
Como afirma Marx, “só a forma em que se extrai do produtor imediato, do
trabalhador, esse trabalho excedente distingue as diversas formações
econômico-sociais, a sociedade da escravidão, por exemplo, da sociedade do
trabalho assalariado” (MARX, 1980, p. 242-243).
No feudalismo é o pagamento de impostos, na escravidão é a
propriedade e posse do trabalhador, no capitalismo é a exploração, a partir da
compra e venda da força de trabalho, da relação salarial.
Isto é, a exploração é o mecanismo central e fundante do MPC, a través
do qual o capitalista (que compra a força de trabalho, mediante pagamento do
salário) se apossa de parte de valor (a mais-valia) produzido pelo trabalhador
assalariado. A exploração é, assim, componente central das relações de
produção, fundamento da sociedade capitalista, que distingue e peculiariza
esta sociedade das outras.
A exploração, ainda, é insuprimível, ineliminável, na sociedade
capitalista. Sem exploração de mais-valia não há capitalismo. Isto é, o MPC se
funda na exploração da mais-valia produzida por um (o trabalhador) e
apropriada por outro (o capitalista), a partir da relação salarial, onde o
trabalhador aliena sua força de trabalho (e o produto da mesma) em troca de
um salário.
Sendo insuprimível, a exploração, por último, não expressa uma mera
“diferença” entre as classes, mas uma contradição entre as classes: uma
produz valor, enquanto a outra o usurpa. Derivado desta relação de
260
isso sim, que para os fundamentos e a estrutura do capitalismo elas não são
essenciais. O capitalismo subsistirá sem essas formas de opressão.
Portanto, quando classe e “identidade” são vistas como equivalentes
tende-se, com isso, a substituir ou equalizar a contradição de classe por/com
as desigualdades a partir das “identidades”, e as lutas de classes passam a ser
secundarizadas ou abandonadas pelas ações identitaristas. Note-se,
reafirmamos, que não estamos falando de que as lutas particulares e suas
causas não sejam importantes e fundamentais, mas de que elas devem ser
travadas para superar uma cultura, e não para eliminar o suposto “inimigo”.
É preciso, portanto, apontar o erro conceitual e político de, na melhor
das hipóteses, equiparar as desigualdades oriundas das “identidades” com a
contradição de “classes”, e, na pior das hipóteses, substituir a segunda com a
primeira.
Ora, como apontamos, entre as classes burguesa e proletária não há
apenas diferenças, não há somente uma desigualdade; há sim uma
contradição. Contradição esta insuprimível no MPC. Trata-se, portanto, não de
um aspecto cultural, mas fundante da ordem burguesa. Contrariamente, a
pesar de todas as diferenças e desigualdades existentes em uma cultura
racista, homofóbica e machista, não há contradição insuperável nas questões
de gênero, de raças, de orientação sexual etc.
É por isso que, para superar a contradição de classes é condição a
superação da ordem capitalista, mas a superação das culturas racista,
machista etc. e as formas de discriminação e desigualdade oriundas delas,
podem sim ser alcançadas ainda dentro da ordem social vigente. As “lutas
particulares” constituem portanto embates fundamentais no caminho da
emancipação política e no avanço civilizatório e dos “direitos humanos”.
Porém, se as “lutas antiopressiva” particulares são fundamentais e
confluem com as “lutas de classe”, no entanto, a “lógica identitarista” fragmenta
a classe trabalhadora e pulveriza sua luta, criando uma lógica internamente
devastadora, opondo e enfrentando a classe em torno das “identidades”,
antagonizando-os: homem x mulher, negro x branco, heterossexual x LGBTI,
pressupondo constituírem elas relações de antagonismo na mesma base que a
relação contraditória entre as classes: capital x trabalho.
266
Como afirma a autora, “se se fizer das reformas um fim em si, não só estas não
conduzem à realização do objetivo final socialista, mas precisamente
conduzirão ao seu contrário” (ibidem), à legitimação e reprodução da ordem
social vigente.
É aqui que o marxismo, como método de análise científica dos
fundamentos do capitalismo, e fundamento do “socialismo científico” (não
utópico) (ver ENGELS, in MARX e ENGELS, 1975, p. 5 e ss.), assim como “o
ponto de vista da classe” trabalhadora, tornar-se-ão cada vez mais em
obstáculos ao projeto reformista, em função e “a partir do momento em que os
resultados práticos imediatos venham a constituir a finalidade principal. A
consequência direta será a adoção de uma ‘política de compensações’ [...] uma
‘política de barganha’, e uma atitude conciliacionista” (LUXEMBURGO, 2003, p.
61).
O objetivo reformista, transformado em finalidade, não está mais na
superação das contradições do capitalismo, particularmente a exploração, mas
a atenuação das mesmas e um paliativo para as sequelas do capitalismo
(idem, p. 63 e 68). Ainda conforme a autora, as reformas, no fundo, “não
tendem elas à realização da ordem socialista, mas unicamente à reforma da
ordem capitalista, não à supressão do assalariado, mas à diminuição da
exploração, em suma, [à] supressão dos abusos do capitalismo, e não do
próprio capitalismo” (idem, p. 97).
Tal abandono do projeto socialista, da luta anticapitalista, transformando
meios (reformas) em finalidades, sustenta-se no também abandono da
contradição de interesses de classes. Isto é, se a finalidade é melhorar,
“humanizar” o capitalismo, então o que é uma contradição de classes – a
exploração de uma por outra (insuprimível na ordem burguesa) –, é
transformada em diferenças entre as classes (passíveis de alterar mediante as
reformas dentro da ordem).
Desta forma, como se estivesse concordando com o conceito de classe
em Weber (ver item 6.3-A-c), assim como com o “identitarismo” pós-moderno
(ver item 2.6), “Bernstein não entende por capitalista uma certa categoria da
produção, mas sim do direito de propriedade, não uma unidade econômica,
mas uma unidade fiscal, e por capital, não um fator da produção, mas
simplesmente certa quantidade de dinheiro” (idem, p. 72), “transportando a
273
Ou seja, o Estado pode ser livre, ainda que o cidadão não o seja; o
Estado pode se emancipar da religião (um Estado laico), mesmo que os
homens e mulheres possuam e pratiquem suas religiões; o Estado anula a
propriedade privada, constituindo a propriedade pública, mesmo existindo a
propriedade privada na sociedade civil (ibidem). Desta forma, continua Marx:
A emancipação política de fato representa um grande progresso; não
chega a ser a forma definitiva de emancipação humana em geral, mas
constitui a forma definitiva da emancipação humana dentro da ordem
283
mundial vigente até aqui. Que fique claro: estamos falando aqui de
emancipação real, de emancipação prática.
O homem se emancipa politicamente da religião, banindo o direito público
para o direito privado. Ela não é mais o espírito do Estado (idem, p. 41).
E continua:
o comunismo é a posição [a fase] como negação da negação, e por isso o
momento efetivo necessário da emancipação e da recuperação humanas
para o próximo desenvolvimento histórico (idem, p. 114).
287
C) Exploração e opressão.
O debate político, particularmente de esquerda, muitas vezes tentou
contrapor a categoria de exploração e a de opressão, como se uma, a primeira,
estivesse vinculada meramente à questão econômica, concebendo uma
superioridade da classe social, enquanto a outra, a segunda, fosse
representante apenas de fenômenos políticos, representando uma supremacia
de outros sujeitos, como movimentos sociais, família, partidos, e “identidades”.
Certamente, uma falsa, e nociva, contraposição, já que, na ordem
burguesa, exploração e opressão são fenômenos necessária e constantemente
complementares. Um não pode ser compreendido sem referência ao outro. Só
de forma abstrata pode se conceber, na sociedade capitalista, um sem o outro.
Ainda mais, e como já tratamos (item 6.3), falar de centralidade de
classe não significa uma maior importância desta em relação a outras
dimensões e relações sociais. Da mesma forma, e em decorrência disso, a
centralidade da exploração, não deve secundarizar a relevância das diversa
formas de opressão social. Trata-se, com a centralidade da exploração, de
igual forma que a classe social, de constituírem o fundamento que peculiariza o
MP capitalista, e portanto são as ferramentas heurísticas com maior explicativo.
Assim, vejamos em quê consistem a “opressão” e a “exploração”, para
em seguida tratamos dos seus nexos e articulações.
290
afirma que “uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada
no antagonismo entre classes” (1985a, p. 159).
Porém, conforme afirma Marx, a produção capitalista diferencia-se da
pré-capitalista, em parte, em função de que, entanto a última baseia-se em
relações diretas de dominação, servidão e escravidão, a produção capitalista
pressupõe o trabalhador assalariado livre, que vende sua força de trabalho ao
capital (1980, p. 383). Na ordem burguesa, a opressão direta não é central
(como na escravidão ou no feudalismo) para garantir a usurpação do valor, já
que o trabalhador, despojado de todo meio de produção, aceita livremente
(compelido pela necessidade) em vender sua força de trabalho, cedendo todo o
resultado de sua produção, em troca de um salário.
Isto é, a exploração (ou usurpação do valor) do trabalhador assalariado,
no MPC, se dá a partir de um “livre” 57 contrato de compra e venda de força de
trabalho, e não de uma relação tipicamente de opressão. Se a opressão está
presente nas relações de exploração é certo, mas aquela não é, no
capitalismo, nas relações salariais, fundamento para esta.
Por outro lado, Engels, ao tratar das relações de gênero (para usarmos a
linguagem atual) próprias da família monogâmica, desde a antiguidade até o
presente, citando “A Ideologia Alemã”, afirma que “a primeira divisão do
trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos”
(2002, p. 65), sendo que “o primeiro antagonismo de classes que apareceu na
história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a
mulher na monogamia” (idem, p. 65-66), e completa afirmando que, portanto, “a
primeira opressão de classes [coincide] com a opressão do sexo feminino pelo
masculino” (idem, p. 66).
A “opressão” ainda aparece como categoria nas análises marxistas
sobre a questão racial (Florestan Fernandes), sobre a Teoria do Dependência
(Caio Prado Jr, Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank,
58 Ver:
<https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160118_riqueza_estudo_oxfam_fn>,
acesso em: abr. de 2020.
305
Por tudo isto, podemos afirmar que as lutas de classe (em torno da
exploração) e lutas “identitárias” particulares (em torno das formas de
opressão) respondem a formas diferentes de relação social.
identidade racial, pessoas negras e brancas são tidas como inimigas, como um
trabalhador-negro poderia ocupar um mesmo espaço político e compartilhar
uma mesma plataforma política com um trabalhador-branco? Igualmente, se
dada essa “lógica identitarista” polarizam-se, como inimigos, o homem e a
mulher, como uma trabalhadora-mulher se articularia na luta comum com um
trabalhador-homem?
Mas a divisão da maioria da classe, pulverizada em minorias, segue o
caminho da hiperfragmentação: como uma mulher-trabalhadora-negra poderia
compartilhar sua luta com uma mulher-trabalhadora-branca? Ainda mais: como
uma mulher-trabalhadora-negra-imigrante poderia se unir na luta com uma
mulher-trabalhadora-negra-local? Seguindo nesta direção multifragmentadora:
como uma mulher-trabalhadora-negra-imigrante-muçulmana poderia
desenvolver uma luta comum com uma mulher-trabalhadora-negra-imigrante-
evangêlica?
É como se dois trabalhadores, que ocupam cargos diferentes na mesma
empresa, ou cujos salários e condições contratuais são diferentes, em lugar de
se articularem na luta contra a exploração capitalista comum, se enfrentassem
visando as diferenças pontuais que há entre eles.
É neste sentido que Wilson Gomes, em artigo jornalístico, afirma que “o
mundo da luta identitária acaba se tornando um conjunto de peças que nunca
formam um mosaico, porque há superposições e há colisões, em que cada
pauta identitária tende a se fragmentar em um processo infinito” (2018, p. 2).
● A “lógica identitarista” assume que se há opressão e desigualdade
para um grupo identitário, é porque todos e cada indivíduo do grupo contrário
seriam opressores. Assim, cada homem é necessariamente visto como
opressor das mulheres, cada heterossexual é considerado discriminador dos
grupos LGBTs, cada pessoa branca é por definição tido como racista e
“supremacista”. A “lógica identitarista” identifica o “diferente” como
necessariamente inimigo.
Como já foi afirmado, a constatação de uma estrutura machista e
patriarcal, ou racista etc., não faz de cada homem um inimigo natural da
mulher, nem de cada indivíduo branco um inimigo natural da pessoa negra. As
desigualdades e a opressão nessas relações são históricas, e não naturais, ou
constitutivas dos sujeitos; gêneros, etnias, orientações sexuais diversas podem
316
A MODO DE CONCLUSÃO.
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