Hipot - Funcionalidade Na Perspectiva Das Redes de Apoio No Puerpério

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ARTIGOS ORIGINAIS

Funcionalidade na perspectiva das redes de apoio no puerpério

Aline Bernardes Alves 1 Mariana Chaves Aveiro 3


https://orcid.org/0000-0002-1605-4201 https://orcid.org/0000-0003-0444-3178

Thalita Rodrigues Christovam Pereira 2 Fernanda Flávia Cockell 4


https://orcid.org/0000-0002-5886-7972 https://orcid.org/0000-0003-4422-2935

1
Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva. Universidade Federal de São Paulo. Campus Baixada Santista. Rua Silva Jardim, 136. Térreo Vila Mathias. Santos,
SP, Brasil. CEP: 11.015-020. E-mail: [email protected]
2-4
Departamento de Ciências do Movimento Humano (DCMH). Universidade Federal de São Paulo. Santos, SP, Brasil.

Resumo

Objetivos: investigar como o suporte social pela família nuclear, família estendida e extrafamiliar
influenciam nos índices de funcionalidade das puérperas do Estado de São Paulo.
Métodos: a coleta de dados ocorreu via formulário online, divulgado em grupos de maternidade
em redes sociais. Foi utilizado um questionário estruturado para a identificação do perfil da puérpera
e de sua rede de apoio, bem como o Whodas 2.0 para avaliação da funcionalidade.
Resultados: o suporte do marido/companheiro (p=0,012), outros familiares (p=0,001), amigos/
vizinhos (p=0,003) representaram melhor funcionalidade da puérpera, enquanto o apoio virtual
(p=0,043) estava relacionado a piores índices nos domínios contemplados pelo Whodas 2.0. Em
relação aos profissionais da saúde, o resultado não foi significativo (p=0,721), indicando frequência
baixa deste tipo de apoio (12%).
Conclusão: a presença de apoio atuou positivamente na funcionalidade da mulher no puerpério.
Palavras-chave Período pós-parto, Apoio social, Promoção da saúde, Determinantes sociais da
saúde, Classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative http://dx.doi.org/10.1590/1806-9304202200030013
Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer
meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant., Recife, 22 (3): 675-681 jul-set., 2022 675
Alves AB et al.

Introdução nas respostas de um formulário estruturado online. Este


foi divulgado em grupos de uma rede social voltados
O ciclo gravídico-puerperal modifica a funcionalidade e às gestantes e/ou maternidade. Este foi divulgado em
a rotina da mulher por diversos fatores biopsicossociais.1 aproximadamente 25 grupos voltados às gestantes e/
No puerpério, o retorno às condições pré-gestacionais ou maternidade da rede social Facebook. A postagem
interfere na saúde a partir de oscilações hormonais e inicial também foi compartilhada na rede social por perfis
da readaptação corporal. 2 Os riscos de vulnerabilidade diversos. Logo, não foi possível mensurar a repercussão
emocional também se incluem nessa perspectiva, já que final da publicação inicial.
ansiedade, estresse, medo, instabilidade e cansaço são Foram incluídas mulheres maiores de 18 anos,
elementos presentes,3 junto à adaptação da nova rotina e aos moradoras do Estado de São Paulo e que estavam entre
cuidados do neonato.4 Não obstante, o meio físico e social o 10º e o 180º dia do puerpério. Todas as participantes
em que se convive geram reações que, dependendo do do estudo concordaram com o Termo de Consentimento
contexto, podem ser negativas ou positivas.5 É necessário, Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídas do estudo
portanto, entender os determinantes e condicionantes da as participantes que responderam de forma incompleta os
saúde da puérpera e como os aspectos físicos, sociais e formulários e que não atendiam aos critérios de inclusão
atitudinais influenciam a saúde no puerpério, desta forma, do estudo (período pós-parto).
distanciando-se do modelo biomédico ainda utilizado por O formulário online era composto por questões abertas
profissionais da saúde.6 sobre o perfil das puérperas, contendo idade, gênero, raça,
Conforme Marin e Piccinini,7 além da rede de apoio, escolaridade, cidade, estado civil, renda familiar, questões
o perfil da mulher também modifica a atuação no papel relacionadas à gestação, tipo de parto, período do pós-
materno e a saúde da mulher. Entre outros fatores, o nível parto, número de filhos e gestações anteriores, retorno ao
socioeconômico, a idade, a etnia e a escolaridade são trabalho, tipo de amamentação e o uso de bicos artificiais
determinantes sociais capazes de gerar a desestabilização para a compreensão dos determinantes e condicionantes
emocional e limitação da criação do vínculo parental entre de saúde das puérperas.
mãe-bebê.7 Para compreensão sobre a presença ou não da rede
A rede de apoio pode ser constituída pela família, de apoio, o formulário online contava com perguntas
amigos, vizinhos, profissionais da saúde, dentre outros. estruturadas sobre o apoio emocional, financeiro, nas
Engloba-se a família nuclear (marido/companheiro e atividades domésticas, nos cuidados com o bebê e para
filhos) e a família extensa (outros familiares) como um sair de casa, tendo como opções pré-estabelecidas: família
suporte disponível a se recorrer, quem traz significado nuclear (marido/companheiro), família estendida (pais
e é considerado e quem realmente está presente.8 Já os e outros familiares) e extrafamiliar (amigos, vizinhos,
profissionais da saúde têm sido considerados apenas alguém contratado, profissionais da saúde, apoio virtual).
como agentes informantes, afastados de um possível Para avaliar a funcionalidade, foi aplicado a versão de
vínculo.9 Para a saúde, o bem-estar da mulher e a eficácia 36 questões auto administradas do questionário Whodas
das relações com o novo integrante da família, a rede de 2.0, sendo as atividades qualificadas entre “nenhuma”,
apoio se apresenta com um papel positivo, o apoio social “leve”, “moderada”, “grave” e “extrema ou não consegue
ajuda a amenizar ou superar as dificuldades e no lidar dos fazer”. Este instrumento contempla os domínios baseados
cuidados com o bebê.8 na Classificação Internacional de Funcionalidade,
Para tanto, o objetivo deste estudo foi investigar a Incapacidade e Saúde (CIF) perante a mobilidade,
funcionalidade de puérperas conforme a assistência das comunicação, autocuidado, relações interpessoais,
redes de apoio da família nuclear, família estendida e atividade de vida e participação social. Maiores pontuações
extrafamiliar, e como contribuem para um novo olhar significam prejuízos na funcionalidade.
das condições de saúde no puerpério e de estratégias de A variável-resposta considerada para o dimensionamento
cuidado na Rede Materno-Infantil para além do recém- amostral foi o questionário Whodas 2.0 e os dados do estudo
nascido. de Silveira et al.2 que utilizou este instrumento em população
semelhante à do presente estudo para avaliar a morbidade
Métodos materna. O cálculo amostral foi baseado no tamanho do efeito
e no desvio padrão, resultando 64 indivíduos para cada grupo
Este é um estudo transversal, com abordagem quantitativa dos períodos do puerpério.
e descritiva e foi aprovado pelo Comitê de Ética em A amostra total alcançada foi de 209 puérperas, sendo
Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de divididas em dois grupos: puerpério tardio e remoto. Os
São Paulo (CEP-UNIFESP - parecer 1206/2017, CAAE resultados dos grupos foram avaliados de acordo com o
78025717.4.0000.5505). O presente estudo baseou-se tempo de dias após o parto. Do 10º ao 45º dia após o parto

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Funcionalidade na perspectiva das redes de apoio no puerpério

é considerado puerpério tardio, após o 46º até o 180º dia Tabela 1


após o parto é o puerpério remoto. Características referentes ao puerpério (n=209).
Variáveis N %
Para a análise dos dados foi utilizado o teste
Período do puerpério, n(%)
de normalidade de Shapiro-Wilk para identificar a Tardio 66 31,6
distribuição das variáveis. Para a análise da influência Remoto 143 68,4
do apoio sob a funcionalidade, as variáveis ordinais Via de parto, n(%)
não paramétricas obtidas pelo Whodas 2.0 foi utilizado Cesárea 121 57,9
Vaginal 88 42,1
o teste de Mann-Whitney U e as variáveis numéricas
Nº filhos, n(%)
referentes ao índice de funcionalidade nos domínios 1 144 68,9
do Whodas 2.0 de mulheres com ou sem apoio foram 2 55 26,3
apresentadas em medianas e interquartis.. As demais Acima de 3 10 4,8
informações de variáveis categóricas foram representadas Amamentação, n(%)
Aleitamento materno 157 75,1
por porcentagens e frequências. Para todos os testes, o
Leite artificial 10 4,8
nível de significância considerado foi de 5% (p<0,05). Misto 42 20,1
Bicos artificiais, n(%)
Resultados Não usa 99 47,4
Mamadeira e chuquinha 24 11,5
Chupeta 49 23,4
Inicialmente 369 puérperas responderam os instrumentos
Mamadeira/chuquinha + chupeta 37 17,7
do estudo, porém, foram excluídos 10 formulários Redes de Apoio, n(%)
incompletos e 150 pelo critério de “período de pós-parto” Marido/ Companheiro 191 91,4
fora do puerpério tardio (10 à 45 dias) e remoto (45 à 180 Pais 151 72,2
Amigos/ vizinhos 116 55,5
dias). A amostra final contou com 209 puérperas, sendo
Outros familiares 102 48,8
que 68,4% (n=143) estavam no período do puerpério Apoio virtual (redes sociais) 86 41,1
remoto (46º ao 180º dia após o parto). Alguém contratado (ajudante empregada
50 23,9
O perfil da amostra caracterizou-se por puérperas doméstica, etc.)
Serviços de saúde e profissionais de saúde 25 12,0
com faixa etária mediana de 31 anos de idade (entre 27 a
34 anos), com ensino superior completo (52,2%, n=109),
casada ou em união estável (85,6%, n=179) e com renda incapacidades de acordo com o Whodas 2.0 pela condição
familiar per capita maior que 3,75 salários mínimos de saúde observada no período pós-parto.
(53,6%, n=112). As puérperas que tiveram o apoio da família
Em relação à maternidade, os dados demonstraram nuclear, família estendida e extrafamiliar atingiram
maior número para partos via cesárea (57,9%) quando escores menores, isto é, melhor funcionalidade quando
contraposto ao de via vaginal (42,1%). Já no que diz comparadas a ausência do suporte.
respeito à amamentação, a prevalência foi do leite Além de proporcionar estabilidade no período de
materno (75,1%), contudo, é visível a substituição ou transformação da mulher à maternidade,8 a rede de apoio
suplementação pelo leite artificial (Tabela 1). torna-se também um facilitador a partir das orientações, do
Para além da maternidade, a presença do apoio apoio emocional, do auxílio nos cuidados com o bebê, na
influenciou os índices de funcionalidade dos domínios alimentação, dentre outro.10 Logo, mostra-se a importância
do Whodas 2.0. As participantes demonstraram melhor do fortalecimento das redes que fomentem condutas de
desempenho de atividades/participação quando declararam promoção e prevenção em saúde, evitando-se situações
apoio de “marido/companheiro”, “outros familiares”, de morbidades e agravamento da saúde.11
e “amigos/vizinhos”. Entretanto, demonstraram pior Quando há a presença ativa da figura paterna para
desempenho quando declararam que buscaram “apoio além da estruturação econômica do lar, os índices de
virtual” (Tabela 2). funcionalidade da mulher são melhores. É visto que os
domínios de mobilidade, participação social e autocuidado
Discussão apontaram menores índices quando comparados à ausência
deste apoio.
O perfil da amostra do presente estudo é representativo da A funcionalidade da puérpera é facilitada quando a
classe média da população do Estado de São Paulo, onde figura paterna dispende cuidados com a mulher e o bebê,
a maioria informou ter ensino superior completo (52,2%, auxiliando em afazeres da rotina doméstica, no transporte
n=109) e renda familiar per capita maior que R$ 3.748, 00 e no deslocamento para locais públicos e consultas
(53,6%, n=112). É notável que, apesar de estarem distantes médicas.10,12 Do mesmo modo, o entendimento paterno
das condições de vulnerabilidade, as mesmas apresentaram de que a lactação demanda tempo e dedicação ao bebê

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Alves AB et al.

Tabela 2
Comparação da funcionalidade em relação à rede de apoio.
Redes de apoio
Referência Domínios Whodas 2.0 p
Sim Não

Nº de participantes 191 18
Comunicação e Compreensão 25 (17-38) 33 (21-48) 0,378
Mobilidade 15 (05-30) 33 (15-35) 0,019
Marido/ Companheiro Autocuidado 13 (0-31) 31 (22-38) 0,014
Relações Interpessoais 20 (10-35) 25 (20-58) 0,204
Atividade de Vida 47 (25-63) 56 (44-31) 0,064
Participação Social 25 (16-38) 31 (31-52) 0,044
Escore total 27 (16-36) 35 (28-48) 0,012

Nº de participantes 58 151
Comunicação e Compreensão 25 (17-38) 33 (19-40) 0,474
Mobilidade 15 (05-30) 20 (10-30) 0,171
Autocuidado 13 (0-31) 19 (06-31) 0,165
Pais
Relações Interpessoais 20 (10-35) 25 (10-40) 0,296
Atividade de Vida 44 (22-60) 50 (33-69) 0,061
Participação Social 28 (16-38) 28 (17-42) 0,256
Escore total 27 (16-36) 27 (20-43) 0,180

N° de participantes 102 107


Comunicação e Compreensão 25 (13-38) 29 (21-38) 0,009
Mobilidade 15 (0-30) 15 (10-30) 0,034
Autocuidado 06 (0-31) 19 (06-31) 0,004
Outros familiares
Relações Interpessoais 20 (10-35) 25 (10-35) 0,053
Atividade de Vida 44 (22-63) 47 (28-66) 0,035
Participação Social 25 (16-34) 28 (19-44) 0,001
Escore total 25 (15-36) 28 (20-37) 0,001

N° de participantes 123 86
Comunicação e Compreensão 33 (21-38) 25 (13-38) 0,028
Mobilidade 18 (05-30) 15 (05-30) 0,693
Autocuidado 19 (06-30) 13 (0-31) 0,276
Apoio virtual
Relações Interpessoais 28 (15-40) 20 (05-35) 0,035
Atividade de Vida 50 (35-66) 41 (19-63) 0,045
Participação Social 30 (19-38) 25 (13-38) 0,289
Escore total 29 (23-36) 22 (15-36) 0,043

N° de participantes 116 93
Comunicação e Compreensão 25 (17-38) 29 (17-38) 0,090
Mobilidade 10 (05-30) 20 (06-30) 0,002
Autocuidado 13 (06-31) 13 (02-31) 0,103
Amigos/ Vizinhos
Relações Interpessoais 20 (10-30) 30 (11-40) 0,001
Atividade de Vida 44 (25-59) 50 (29-72) 0,038
Participação Social 25 (16-38) 28 (16-43) 0,073
Escore total 27 (15-34) 29 (19-39) 0,003

N° de participantes 50 159
Comunicação e Compreensão 25 (17-38) 29 (17-38) 0,376
Mobilidade 15 (10-30) 15 (05-30) 0,873
Autocuidado 19 (06-31) 13 (0-31) 0,528
Alguém contratado
Relações Interpessoais 25 (10-35) 20 (10-40) 0,917
Atividade de Vida 47 (31-64) 47 (24-63) 0,933
Participação Social 28 (19-34) 28 (16-41) 0,950
Escore total 28 (19-33) 27 (16-36) 0,760

N° de participantes 25 184
Comunicação e Compreensão 21 (17-38) 29 (17-38) 0,814
Mobilidade 25 (05-35) 15 (05-29) 0,779
Autocuidado 19 (0-31) 13 (05-29) 0,968
Serviços de saúde
Relações Interpessoais 15 (10-35) 20 (10-40) 0,558
Atividade de Vida 56 (44-66) 44 (25-63) 0,413
Participação Social 28 (19-44) 25 (16-38) 0,140
Escore total 31 (27-34) 26 (17-37) 0,721
Os dados referentes ao escore do Whodas 2.0 para cada domínio são expressos em mediana (intervalo interquartil). Teste de Mann-Whitney U. Nível de significância de
p<0,05.

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Funcionalidade na perspectiva das redes de apoio no puerpério

oportuniza o prosseguimento da amamentação materna autopercepção da realidade.9 Além do mais, o contexto


exclusiva.12 socioeconômico e atitudinal podem ampliar os sentimentos
É notável a interferência na funcionalidade da de ansiedade, medo e insegurança.14 Quando confrontado
mulher quando o apoio paterno é ineficaz ou ausente, os benefícios do apoio virtual, é visto que, geralmente está
pois esta passa a se dedicar exclusivamente aos cuidados atrelado à busca por um espaço de interação, desabafo,
e desenvolvimento do filho. Porém, quando criado o compartilhamento de informações e dúvidas.15
suporte social com outros personagens da vida da puérpera, No entanto, esse recurso também pode disseminar
são criadas novas estratégias e adaptações frente às mitos e crenças culturais baseados em informações
dificuldades geradas pela ausência da figura paterna.7 errôneas de autopercepção e de experiências individuais.16
De acordo com os resultados do presente estudo, Dentro da maternidade, as supostas “fakenews” são
constatou-se a relevância do apoio de outros familiares e capazes de interferir nos processos de adaptação entre
de amigos/vizinhos. Estes contribuíram para a mobilidade, a díade mãe-filho, por exemplo, na amamentação e na
autocuidado, relações interpessoais, atividades de vida criação baseada da teoria do apego.4
e participação social quando comparados ao grupo sem No presente estudo, foi verificada a baixa frequência
apoio. No estudo de Silveira et al.,2 mulheres no puerpério da presença de profissionais e serviços de saúde, na qual
com e sem morbidade materna severa alcançaram apenas 12% das mulheres do presente estudo relataram ter
pontuações altas de incapacidade nos mesmos domínios esse tipo de apoio. O puerpério demanda conhecimentos
do Whodas 2.0 que o presente estudo, todavia, os autores para além do modelo biomédico. Nesse período, o
não analisaram como o apoio social poderia melhorar profissional de saúde deve se aproximar da mulher para
tais índices. ajudá-la.11 Apesar disso, os resultados demonstram uma
Na Etiópia, a cultura atua como um facilitador do distância entre a relação profissional de saúde e usuárias
apoio durante os primeiros meses do puerpério e, em do serviço.17
consequência disso, as mulheres tende a se recuperar Os resultados do presente estudo não foram suficientes
rapidamente.13 Logo, é possível perceber como o apoio para que se façam inferências sobre a alta prevalência de
é fundamental para estabilidade e restabelecimento da apoio virtual e associação com a ausência de outros tipos
funcionalidade no puerpério. de apoio, especialmente de profissionais de saúde. Estudos
Quando analisados os escores de funcionalidade do futuros que analisem se a busca do apoio virtual pode ter
Whodas 2.0 em relação ao apoio virtual, identificamos associação com ausência de suporte dos profissionais e
índices maiores nos domínios comunicação, relação serviços de saúde, considerando as diferenças regionais
interpessoal, atividade de vida e escore total. Foram da Rede de Atenção à Saúde do(s) Município(s),
pontuadas as dificuldades em concentrar-se, evocar serviços complementares da rede privada e o perfil dos
memórias, resolver problemas, aprender novas tarefas, participantes, seriam importantes para defesa de políticas
compreender e manter um diálogo, lidar com desconhecidos, de educação permanente para apoio a amamentação.
manter uma amizade, relacionar-se com pessoas próximas, De acordo com o estudo de Corrêa et al.,17 onde foram
fazer novas amizades, ter relações sexuais, dificuldades entrevistadas 18 puérperas assistidas pela Estratégia Saúde
para concluir responsabilidades domésticas e ocupacionais da Família da cidade de Recife, a atenção ao período
com primor e velocidade necessárias. puerperal tem sido ineficaz. Como um dos motivos, o
O estudo de Kaufmann et al., 14 analisou se os estudo apontou que, no puerpério, a atenção tem sido
determinantes de saúde e a frequência do uso do Facebook focada apenas nos cuidados ao neonato. Ademais, a
estavam relacionados com os níveis de saúde mental. A dinâmica entre os fluxos de atendimentos domiciliares
pior condição econômica e menor qualidade de saúde e consultas agendadas e a maneira que é estabelecida a
mental foram associadas ao maior uso de redes sociais. A relação entre profissional-puérpera têm sido insuficientes.
diminuição da funcionalidade não está, necessariamente, Para Jordão et al.,9 o puerpério proporciona fatores
como um efeito causal do uso das redes sociais, ao de riscos para a mulher: adaptação inadequada à
contrário, quanto menor a qualidade da saúde mental, mais mudança, autocontrole insuficiente, ambivalência do
frequente era usufruto do Facebook. Contudo, não foram papel, ansiedade, depressão, estratégias inadequadas de
investigados os motivos pelas quais o uso dessa rede social enfrentamento, impotência, insatisfação com o papel
interferiu negativamente na saúde mental da amostra. materno, motivação insuficiente, pessimismo, tensão
A responsabilidade exigida pela maternidade faz da responsabilidade. Por esse motivo, é preciso que
com que a mulher passe por uma desestruturação da haja visitas domiciliares frequentes por profissionais
própria identidade, muitas vezes causando conflitos da saúde, principalmente no puerpério imediato, para o
internos sobre os próprios desejos e anseios inconscientes acolhimento e escuta aprimorada das dúvidas referentes
do papel materno projetado para o mundo versus à à saúde da mulher-mãe e do filho.17 Quando detectados

Rev. Bras. Saúde Mater. Infant., Recife, 22 (3): 675-681 jul-set., 2022 679
Alves AB et al.

os riscos de saúde desde a primeira semana do pós-parto, da Escala de Avaliação de Incapacidades da Organização
a partir da escuta qualificada, da criação de vínculo Mundial de Saúde (WHODAS 2.0) para o Português.
paciente e profissional e pela detecção das barreiras e dos Rev Assoc Med Bras. 2013; 59 (3): 234-40.
facilitadores de promoção em saúde, é possível intervir e
2. Silveira C, Parpinelli MA, Pacagnella RC, Andreucci
evitar agravos da funcionalidade da mulher.11,17
CB, Ferreira EC, Angelini CR, et al. A cohort study of
Compreender a dinâmica das redes de apoio no
functioning and disability among women after severe
puerpério contribui para o desenvolvimento de um olhar
maternal morbidity. Int J Gynecol Obstetr. 2016 Jul; 134
ampliado e humanizado sobre as condições de saúde da
(1): 87-92.
mulher e da efetividade da rede de atenção em saúde.8,11 A
implementação da ação em saúde promove o aleitamento 3. Benítez NS. La experiencia de lamaternidad en mujeres
materno e maior segurança para os cuidados com o bebê, feministas. Nómadas. 2016; 44: 255-67.
além de sensibilizar os indivíduos em torno da mulher 4. Hernandez BP. Alteraciones en el vínculo materno infantil:
sobre suas atuais condições de saúde.12 Possibilita, ainda, prevalencia, factores de riesgo, criterios diagnósticos y
a desconstrução da visão biomédica estruturada dentro estrategias de evaluación. Rev Univ Ind Santander Salud.
dos serviços de saúde e exercida sobre a Rede Materno- 2016; 48 (2): 164-76.
Infantil.
O apoio é capaz de empoderar a mulher às questões 5. Castro SS, Castaneda L, Araújo ES, Buchalla CM. Aferição
da maternidade, principalmente na amamentação de funcionalidade em inquéritos de saúde no Brasil:
materna exclusiva. 12 Ademais, a seguridade favorece discussão sobre instrumentos baseados na Classificação
a criação de vínculo entre o binômio mãe-bebê, por Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
consequência, diminui a insegurança nos cuidados com (CIF). Rev Bras Epidemiol. 2016; 19 (3): 679-87.
o bebê e propicia melhor desenvolvimento infantil. 13 6. Brasil ACO. Promoção de Saúde e a Funcionalidade
Estratégias facilitadoras durante todo o ciclo gravídico- Humana. Rev Bras Prom Saúde. 2013; 26 (1): 1-4.
puerperal devem ser construídas em conjunto à uma
7 . Marin A, Piccinini CA. Famílias uniparentais: a mãe solteira
equipe multiprofissional, tendo a família a ser constituída
na literatura. Psico. 2009 [acesso em 2020 jul 27]; 40
como protagonista dessa ação. 9 É preciso que as
(4): 422-9. Disponível em: https://revistaseletronicas.
práticas acolhedoras sejam estimuladas, estabelecendo a
pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/2683
humanização nos serviços de saúde e até mesmo dentro
do suporte social ao redor de uma mulher-mãe.17 8. Rapoport A, Piccinini CA. Apoio social e experiência da
A partir dos resultados apresentados concluímos maternidade. J Hum Growth Dev. 2006; 16 (1): 85-96.
que a rede de apoio presencial favorece uma melhor
9. Jordão RRR, Cavalcanti BMC, Marques DCR, Perrelli
funcionalidade no período puerperal. Porém, são
JGA, Mangueira SO, Guimarães FJ, et al. Acurácia
necessários mais estudos com outros perfis de mulheres,
das características definidoras do diagnóstico de
principalmente das que se encontra em vulnerabilidade
enfermagem Desempenho do Papel Ineficaz. Rev Eletr
social, tendo como base, coletas que também incluam as
Enf. 2017 [acesso em 2020 jul 27]; 19: 1-10.
puérperas sem acesso à Internet.
10. Cremonese L, Wilhelm LA, Prates LA, Paula CC,
Contribuição dos autores Sehnem GD, Ressel LB. Social support from the
perspective of postpartum adolescents. Esc Anna Nery.
Alves AB ficou responsável pela elaboração do projeto de 2017; 21 (4): e20170088.
pesquisa, pela coleta dos dados, tabulação das variáveis,
11. Li Y, Long Z, Cao D, Cao F. Social support and
interpretação e análise dos dados, escrita e revisão do
depression across the perinatal period: a longitudinal
artigo. Pereira TRC e Aveiro MC ficaram responsáveis
study. J Clin Nurs. 2017 Sep; 26 (17-18): 2776-83.
pela análise dos dados e revisão da escrita final. Cockell
FF foi orientadora e supervisora do projeto, contribuindo 12. Rêgo RMV, Souza AMA, Rocha TNA, Alves MDS.
no delineamento do estudo, revisão da escrita e análise Paternidade e amamentação: mediação da enfermeira.
dos dados. Todos os autores aprovaram a versão final do Acta Paulista Enferm. 2016; 29 (4): 374-80.
artigo e declaram não haver conflito de interesse. 13. Senturk V, Hanlon C, Medhin G, Dewey M, Araya M,
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Recebido em 18 de Outubro de 2020


Versão final apresentada em 13 de Maio de 2022
Aprovado em 7 de Junho de 2022

Rev. Bras. Saúde Mater. Infant., Recife, 22 (3): 675-681 jul-set., 2022 681

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