TRANSCICLOPEDIA FINAL (12968) - Versão Final Gráfica
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EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
DANTE AUGUSTO GALEFFI
MARIA INÊS CORRÊA MARQUES
MARCÍLIO ROCHA-R AMOS
(ORGANIZADORES)
TR ANSCICLOPÉDIA
EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Salvador – 2020
Copyright © Quarteto Editora, 2020
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sejam quais forem os
meios empregados, a não ser com a permissão escrita do autor e da editora,
conforme a Lei no 9610, de 19 de fevereiro de 1998.
Projeto gráfico Capa Editor
Quarteto Editora Helga Sant Anna José Carlos Sant Anna
Conselho Editorial
Célia Marques Telles — Universidade Federal da Bahia
Dante Augusto Galeffi — Universidade Federal da Bahia
Edleise Mendes — Universidade Federal da Bahia
João Carlos Salles — Universidade Federal da Bahia
Sérgio Mattos — Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Rita Maria Bastos Vieira — Universidade do Estado da Bahia
A
1. Acesso à Informação................................................................................ 27
José Francisco Barretto Neto
Thiago Rodrigues
Ana Maria Ferreira Menezes
2. Africanidades.......................................................................................... 32
Eduardo Oliveira
3. Algoritmo ............................................................................................... 33
Alvaro Adriazola Uribe
7. Anarquismo Epistemológico.................................................................... 90
Jose María Barroso Tristán
14.Autoconhecimento................................................................................. 134
Alexsandro da Silva Marques
B
16. Biomimética ......................................................................................... 175
Javier Collado-Ruano
C
18. Cidadania Multidimensional e Multirreferencial .................................. 189
Isabelle Pedreira Déjardin
Dante Augusto Galeffi
D
28. Deriva................................................................................................... 261
Eduardo Oliveira
E
37. Educação em saúde................................................................................ 333
Margarete Moraes
Alexandre Ghelman
G
49. Gamificação ......................................................................................... 451
Thiago Novais Rodrigues
H
51. Hibridismo Educacional........................................................................ 461
Gilberto Pereira Fernandes
I
52. Incomensurabilidade ............................................................................ 479
Jose María Barroso Tristán
L
61. Leituras.com.......................................................................................... 533
Marcílio Rocha-Ramos
M
62. Mercado de Capitais e Redes................................................................. 545
José Garcia Vivas Miranda
Tatiana Gargur dos Santos
N
67.Níveis de Realidade e as três Éticas (segundo Stéphane Lupasco) ........... 589
Dante Augusto Galeffi
O
68. Oráculo Iorubano................................................................................. 617
Leonor Franco de Araújo
P
69. Perdurância........................................................................................... 631
Ginaldo Gonçalves Farias
R
71. Raciocínio Baseado em Casos................................................................ 649
Márcio Vieira Borges
S
79. Saberes ................................................................................................. 685
Amilton Alves de Souza
T
82. Tecnologia Social ................................................................................. 707
Juçara Freire dos Santos
V
89. Vigilância ............................................................................................. 807
Eledison Sampaio
X
93. Xirê: Um Olhar Estético ...................................................................... 837
Alessandro Malpasso
Dante Augusto Galeffi
W
94. Website ................................................................................................. 861
Thiago Novais Rodrigues
APRESENTAÇÃO
Por que publicar uma Transciclopédia em Difusão do Conhecimento?
Afinal, ninguém pode viver a vida do outro como se fosse a sua, porque a vida
do outro nunca será a vida igual ao outro que era igualzinho ao outro que também
tinha outro que era igual ao outro sem fim. E por isso podemos seguir com altivez
e alegria e propalar nossa vitória parcial sobre o caos de nossas vidas entrelaçadas.
Sempre cantando uma nova canção!
24
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
A
1. Acesso à Informação
Visando a esse objetivo, a LAI, no Art. 8, parágrafo 3°, direciona os requisitos das
informações para dados abertos, devendo possibilitar a gravação de relatórios em diversos
formatos eletrônicos, inclusive que sejam em formato aberto e não proprietários, como
planilhas e processadores de textos, bases de dados estruturados ou semiestruturados,
de modo a facilitar a análise das informações. Dessa forma, possibilita que não apenas
um segmento da população utilize os dados, e não somente para leitura, mas viabili-
zando a repórter, geógrafo, empresário, analista de sistema, economista, pesquisador,
estudante ou qualquer outro segmento minerar as informações, automatizar e aplicar
às mais ricas possibilidades. Dados abertos com qualidade para ter real significância
de utilidade e reuso, possibilitando melhores análises, divulgações de perspectivas,
decisões baseadas nas informações, levando a uma maior participação e cocriação da
sociedade conectada aos governos. O que torna o acesso a dados abertos algo muito
mais poderoso para o cidadão do que a transparência por si só.
Como diz a Instrução Normativa nº 4, de 12 de abril de 2012, que institui a
Infraestrutura Nacional de Dados Abertos — INDA,
[...] considerando que a adoção de meios eletrônicos para a disponibilização
de dados públicos necessita de que esses dados sejam publicados de forma
que facilite seu reuso e permitam o acesso simplificado para os seus usuários,
premissas presentes nos princípios de dados abertos (BRASIL, 2012, s/p).
Para Mendel,
[...] la tecnología informática ha aumentado la capacidad general de la ciu-
dadanía común de controlar la corrupción, de exigir rendición de cuentas a
sus líderes, y de dar insumos a los procesos de decisión. Esto a su vez, o para
decirlo con más precisión, paralelamente ha llevado a mayores demandas de
que se respete el derecho a la información (MENDEL, 2009, p. 4).
No mesmo sentido, Villaneuva (2006, p. 12) afirma que “[...] o acesso à in-
formação é um pressuposto para o exercício da democracia, se constituindo em um
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 31
direito instrumental para o exercício de outros direitos, sendo a sua garantia, a regra;
e a sua restrição, a exceção.
Cabe ao Estado proporcionar os meios que permitam a plena satisfação do direito
de acesso à informação, em um curto espaço de tempo ou por meio da transparência
ativa. O Estado também deve desenvolver políticas e práticas de conservação, gestão
e difusão das informações custodiadas ou produzidas por seus agentes públicos, de
modo que contribua com a ampliação dos mecanismos de participação social.
Desse modo, nota-se a relevância do direito de acesso às informações públicas
para o cidadão garantir outros direitos fundamentais, bem como proporcionar a
difusão do conhecimento para o acompanhamento das políticas públicas e a capa-
citação para a tomada de decisões.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Instrução Normativa SLTI/MP. N. 4, de 12 de abril de 2012. Institui a
Infraestrutura Nacional de Dados Abertos — INDA. Portal Brasileiro de Dados
Abertos: 2012, Disponível em: <http://dados.gov.br/pagina/instrucao-normativa-
da-inda>. Acesso em: 24 fev. 2018.
Eduardo Oliveira
2. PARTES DE UM ALGORITMO
Embora anteriormente tenham sido nomeadas duas, Ferrari e Cechinel (2008)
indicaram que um algoritmo está conformado por três partes (Fig. 1):
• Entrada de dados: aqui entram as informações necessárias para que o
algoritmo seja executado. Os dados são fornecidos quando o programa é
executado ou podem estar inseridas nele.
• Processamento de dados: nesta etapa são avaliadas as expressões algébri-
cas, relacionais e lógicas, bem como as estruturas de controle existentes
no algoritmo (condição e/ou repetição).
• Saída de dados: aqui os resultados do processamento (ou parte deles) são
enviados para um ou mais dispositivos de saída, como: monitor, impressora,
ou mesmo a própria memória do computador.
Adaptado de http://liessin.com.br/receita-do-bolo-de-feijao-sucesso-entre-as-criancas/
5. PROCESSO COMPLETO
Como está dito no capítulo sobre a definição de algoritmo, de forma resumi-
da se procura determinar os passos necessários para a solução de um problema. O
processo completo que resulta em um programa computacional capaz de solucionar
determinado tipo de problema pode ser dividido em cinco etapas, segundo as reco-
mendações realizadas por Carvalho e Castro (2002) a seguir:
• Estabelecimento do problema: estabelecer os objetivos do trabalho. O
problema deve ser bem definido para que o trabalho de elaboração do
algoritmo seja facilitado.
• Desenvolvimento de um modelo: influencia diretamente na solução do
problema. Nos modelos mais complicados se gasta mais tempo para serem
resolvidos e estão mais sujeitos a erros.
• Criação do algoritmo: elaborar o algoritmo propriamente dito.
• Avaliação do algoritmo: testar o algoritmo. Avaliar as possíveis entradas
e verificar se as soluções geradas são corretas. Avaliar também os casos de
exceção.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 39
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Daniela; CASTRO, Evandro. Desenvolvimento de Algoritmos.
Universidade Federal de Viçosa, 2002. ftp://ftp.ufv.br/dea/Disciplinas/Evandro/
Eng691/Material%20Didatico/ApostilaAlgorit mos.pdf
INTRODUÇÃO
Os ambientes multirreferenciais de aprendizagem surgem na fronteira Norte
de Uruguai como resultado da implantação a partir de 2007 da implementação de
uma política de Tecnologia da Informação e Comunicação — TIC que apresenta três
particularidades importantes: i) a universalidade na educação pública; ii) a provisão
de computadores para todos os estudantes de ensino básico e médio; iii) o livre acesso
às TIC para todas as famílias do país. Desta forma, a aprendizagem mediada não se
restringe ao ambiente institucional educativo porque se possibilita o uso do recurso
no processo de aprendizagem e se promove a inserção da telemática na vida cotidiana.
Nesse cenário, a Universidade da República acompanha o processo político
com um projeto que tem dois objetivos fundamentais: i) contribuir para a formação
dos estudantes universitários comprometidos com a realidade do país e ii) colaborar
com o desenvolvimento dessa política, gerando espaços inter/transdisciplinares de
formação e intervenção.
Na fronteira do Uruguai com Brasil, este processo adquire características
especiais em relação direta com as particularidades culturais da região. A integra-
ção de docentes e estudantes pertencentes a diferentes áreas de conhecimento tem
possibilitado diversas formas de aproximação dos territórios; no entanto, em todos
os grupos, é possível identificar três fases de trabalho: a diagnóstica, a intervenção
e o encerramento/avaliação.
No Espaço Interdisciplinário (EI) da UdelaR, relatando a experiência docente
em FDC, Cisneros e Casnati (2010, p. 40-41) especificam a natureza das relações
com as comunidades sustentadas na participação, interação e diálogo de saberes.
As autoras consideram que estes são atributos fundamentais para compreender
e mobilizar as comunidades em relação à suas necessidades ou demandas.
Nos grupos, busca-se aprender, acompanhar e aproveitar a experiência para gerar
espaços de reflexão1 que facilitem a compreensão da complexa realidade; também
1
Considera-se que SE promove e se estimula a reflexão porque incentiva e impulsiona a formação
42 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
CONCEITO DE AMBIENTE
O ambiente pode ser definido, de acordo com o Dicionário de la Real Academia
Espanhola, como um compêndio de valores sociais, naturais e culturais existentes
em um lugar e em um momento determinado que influem na vida material e psi-
cológica do ser humano. Atualmente, frente ao surgimento dos ambientes virtuais
de aprendizagem, de aprendizagem em rede e em comunidades de aprendizagem,
a educação aparece descentrada de seus cenários habituais: as aulas nas instituições
educativas e as modalidades estabelecidas por anos de exercício.
Quando se investiga o conceito de ambiente, observa-se que são várias as
disciplinas que confluem e analisam o significado, especialmente relacionadas ao
de um cidadão ativo, crítico, que reconhece a realidade, conhece suas prerrogativas, participa
na tomada de decisões; um cidadão ativo que vincula seu projeto individual ao projeto coletivo
expandindo o exercício da cidadania às esferas política, social e econômica.
2
A interdisciplinaridade, para Susana Mallo (2010, p. 18), é uma forma de conhecer, significa
desenvolver estratégias específicas para construir um processo cognitivo, o que supõe abordar o
objeto de estudo de forma integral, outorgando parcelas de saber que supera a somatória discipli-
nar exigida para investigar o objeto de estudo definido.
3
A multirreferencialidade (ARDOINO, J.,1998, p. 4) constitui uma resposta à complexidade das
situações sociais e educativas para explicar de forma intencionalmente rigorosa uma realidade
plural, esquiva, diversa e complexa como uma alternativa potencial de resistência à segregação
sociocognitiva (BURNHAM, T. F., 2012, p. 101).
4
No presente trabalho, considera-se que o ambiente aparece como resultado da interação dos
sujeitos no seu contexto natural e habilita uma concepção dinâmica das atividades pedagógicas.
Pensar os ambientes educativos desde perspectivas multirreferenciais enriquece as interpretações
epistemológicas, habilitando novas possibilidades de estudo, procurando acontecimentos emer-
gentes, articulando e gerando novas unidades de análise a partir de um marco conceitual que ajuda
a compreender melhor os fenômenos de construção de conhecimento e as relações com o saber.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 43
5
Remete-se às linhas de investigação de Froes Burnham, T.. Cf. Sobre Currículo, trabalho e cons-
trução do conhecimento: relação vida no cotidiano na escola, ou utopia de discurso acadêmico? 1992,
1996; Demandas /Impactos da globalização e das Tecnologias da Informação e Comunicação na for-
mação do cidadão-trabalhador, 1997.
44 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
6
Para a autora, esses termos estão inspirados nos referenciais de aprendizagem significativa
(AUSUBEL; 1968; NOVAK, 1977; cognição situada (LAVE, 1988); e mente incorporada
(VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003)
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 45
7
Esta categoria se construiu coletivamente em uma das reuniões da Mesa Territorial Oeste onde se
apresentaram os avanços da presente investigação. Esta situação corrobora, entre outras, a justifi-
cativa de investigação-ação-participativa.
50 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
1. Articulação de saberes
A multirreferencialidade questiona o conhecimento disciplinar a instâncias das
atividades desenvolvidas com outros a partir de um problema próprio e apropriado
(GALEFFI, 2010). Os aportes disciplinares específicos exigem que o principal desafio
seja a construção de uma linguagem que questione os conceitos e pontos de partida
para a compreensão de um problema. Por fim, exige uma abordagem crítica, capaci-
dade reflexiva para articular diferentes níveis organizativos e de gestão , levando em
conta que os espaços de encontro para a construção de acordos têm um rol importante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os AMA na Região Nordeste de Uruguai contribuem na construção univer-
sitária a partir dos atributos descritos a continuação:
1. O conhecimento é construído e transmitido indiretamente como se trans-
fere uma informação.
La idea es que los propios actores nos muestren a nosotros cómo es el territorio, qué
es lo que más les gusta, qué cosas son las que menos les gusta y qué cosas cambiarían
de su barrio o localidad para desde ahí extraer en un diálogo las necesidades y
potencialidades del mismo”. Proposta do Estudante.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs, v. 2. São Paulo: Ed. 34, 1999.
RIFKIN, J. The end of work: the decline of global force and the doawn of the
Posmarket Era. N.Y.:Putnam.1995.
E explicita que
[...] uma sociedade é democrática na proporção em que prepara todos os
seus membros para com igualdade aquinhoarem de seus benefícios e em que
assegura o maleável reajustamento de suas instituições por meio da interação
das diversas formas da vida associada” (1959, p. 106).
60 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
8
Doutorado em Filosofia, University of Southampton, Inglaterra. Análise Contrastiva: memória
da construção de uma metodologia para investigar a tradução de conhecimento científico em
conhecimento público. Datagramazero, Revista de Ciência da Informação, www.dgz.org.br, Rev.
eletrônic, v. 3, n. 3, 2002.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 65
1. Mediação
• Entre um corpo de conhecimento formalmente estruturado, legitimado
e autorizado por uma comunidade científica e um grupo de SAs para o
qual aquele corpo de conhecimento está sendo disponibilizado por meio de
interações que objetivam a apropriação desse conhecimento, via assimilação
na estrutura cognitiva, por esses sujeitos.
66 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
2. Tradução
• De uma estrutura simbólica (conhecimento)
• Termos, conceitos, sistemas de proposições, signos e símbolos não-verbais etc.
• Complexa e específica da comunidade de conhecimento, em outro tipo
de estrutura (conhecimento acadêmico), mais ainda aproximada do
“conhecimento comum”, através de termos, conceitos, signos e símbolos
não-verbais, significativos para o grupo de estudo.
• Estabelecimento de relações com conhecimentos anteriormente assimilados,
de modo a construir novos ou ampliar/aprofundar aqueles já existentes na
sua estrutura cognitiva.
3. Organização
• Da estrutura simbólica, por meio da articulação de processos e recursos
pertinentes.
• Objetiva a construção de lastros para a compreensão e apropriação daquele
conhecimento pelo grupo.
E resulta em:
análise cognitiva, não raro, surge de maneira processual nova consciência integradora
possibilitadora da atitude, do cuidado e da plena expressão coincidente com o que
a autora descreve como bases para a construção da Metodologia
• Compreender o fluxo:
• Informação --> tradução --> conhecimento
• Método de análise comparativa constante
• Análise das informações registradas em campo
Compreendendo a ação humana pesquisadora e a desmistificação da existência
de seres e de energias que conduzem e mentalizam os processos de conhecimento
independentemente da racionalidade exacerbada, que se revela constante durante todo
o processo da pesquisa da atividade da análise comparativa constante, convergindo
o olhar para os aspectos seguintes:
• Principal objetivo
• Intenção da Pesquisa
• Compreensão do processo de tradução do conhecimento científico
• Diferentes fontes de informação
• Diversas formas de organização do conhecimento
• Referenciais científicos
• Textos escolares
• Conhecimento comum, dos quais o SM lançava mão
• Circunstâncias da situação em foco
Nesse viés, o Estado da arte do Campo da Análise Cognitiva se dá pela Análise
Contrastiva. Esta coincide com o método científico de modelagem e testagem, como
ciência que investiga a estrutura, evolução e composição desse campo; como forma e
organização dos dados desse universo e no desenvolvimento das diferentes fases é que
se chega à composição pela (re)organização dos dados resultantes. Como o mapa da
cosmologia é âncora das ciências cognitivas, ligando as linhas de mediação epistemoló-
gica, conexionismo, enacionismo, saindo do disciplinarismo e da dualidade disciplinar,
o que possibilita afirmar a análise cognitiva como um novo campo de conhecimento
estelar, ao mesmo tempo, inter/trans disciplinar, multirreferencial complexo que elege
a energia como ferramenta tecnológica do pensamento e da imaginação e canaliza a
tecnologia da emoção e oração alinhando o cérebro/coração e o cosmos.
Análise Cognitiva mediante a Análise Contrastiva interroga a própria di-
mensão do campo de conhecimento, suas condições e o status do sujeito/indivíduo
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 69
que conhece. Análise Cognitiva não se confunde com uma tradição reflexiva da
consciência e do empirismo, a busca não é de encontrar a gênese, nem o laço, nem a
superfície de contato. A tarefa que se pressupõe em AnCo é ir além de uma terceira
e quarta dimensões, a que reconhece o que envolve a percepção e o corpo inteiro
no seu sentir, na sua função transcendente prospectiva, de maneira que as ciências
envolvidas, os fenômenos e as diversas formas de pensar e de fazer a história sejam
substratos empreendedores do sistema cognitivo do pensamento complexo.
Fróes Burnham, autora do projeto e coordenadora da pesquisa em AnCo, cria
o objeto de pesquisa que é o estado da arte do campo da análise cognitiva que se
desenvolve no componente AnCo I, no Doutorado Multi-institucional e Multirre-
ferencial em Difusão do Conhecimento (DMMDC).
Neste caso, a autora segue inicialmente fluxos necessários para se lançar no
trabalho da investigação que caracteriza o Estado da Arte da Análise Cognitiva
concebido. A referência do exemplo prático, enquanto terreno de experiência para
pesquisa/análise, levanta os problemas epistemológicos e teóricos encontrados.
1. A existência do campo da AnCo. Quais conhecimentos dão conta deste
campo? AnCo se desenvolveu ou se desenvolve em que época? Desde
quando? Em que se basearam e quais foram as tentativas? Esses conheci-
mentos respondiam a quais exigências e condições ? Econômicas? Histó-
ricas? Às mudanças nas dimensões, nas formas, nas normas? No sistema
de conhecimento? Os processos das análises cognitivas eram receptivos a
que conhecimentos?
2. AnCo nos discursos científicos: é preciso ver as passagens, as transfor-
mações, os limites. O ponto chave, diríamos, é evidenciar qual transfor-
mação foi realizada antes, dentro e em torno para que AnCo pudesse ter
status e função de conhecimento cientifico. O intuito para isto é buscar
na determinação a origem desse conhecimento, é de pesquisar seu projeto
fundamental e suas condições radicais de possibilidades.
3. AnCo: por quais canais e códigos se registram os processos de Análise
Cognitiva. Como a Análise cognitiva tem se tornado receptiva a processos
cognitivos estranhos, como, por exemplo, uma expressão de um conhe-
cimento produzido em um espaço de aprendizagem, ou em um dos seus
níveis de aprendizagem pode ser transmitida e produzir efeitos.
Assim a busca é pelo status desse conhecimento. A tentativa é de descrevê-lo ao
mesmo tempo que se questiona, se perquire na sua amplitude, limites, instrumentos e
70 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio
de janeiro: Zahar, 2003.
VARELA, F.; SHEAR, J. The view from within first-person approaches to the
72 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
I. INTRODUÇÃO
Nas suas múltiplas atividades, qualquer profissional precisa decidir, interatu-
ar, dialogar com as percepções dos usuários/clientes e, também, decidir e resolver
diversos problemas que se apresentam cotidianamente.
Para Neisser (1976), a forma que o sujeito se aproxima da realidade é mediada
por um complexo de sistemas que interpretam e reinterpretam a informação sen-
sorial. A partir desta proposta, a cognição pode ser definida como um conjunto de
processos pelos quais a informação sensorial é transformada, elaborada, armazenada
ou utilizada. A sensação, percepção, imaginação, lembrança e solução de problemas
são etapas ou ações da cognição.
Gallegos e Goroztegui1 entendem a cognição como um conjunto de processos
mentais produzidos a partir da recepção de estímulos e sua posterior resposta,
configurando funções complexas que operam sobre as representações perceptivas
ou significações recobradas da memória de longo prazo. As estruturas mentais
organizadoras influem na interpretação da informação, mediando na configuração
fixada e evocada na memória de longo prazo, determinando em parte a resposta da
conduta. Portanto, os processos cognitivos são processos estruturais inconscientes
que derivam de experiências do passado, facilitam a interpretação dos estímulos e
afetam a orientação de condutas futuras, existindo múltiplas representações para
distintas situações. Os principais processos cognitivos inerentes à natureza humana
maturam, em consonância com certa ordem no decorrer do crescimento do sujeito.
As experiências podem acelerar ou retardar os processos cognitivos, configurando
desse modo uma situação de aprendizagem.
O âmbito de análise cognitiva (AnCo) se constitui, inicialmente, em um campo
cognitivo/epistemológico, que enfoca o estudo do conhecimento a partir dos seus
processos de construção, transdução e difusão, considerando a compreensão da lin-
1
-/ebookbrowse.com/p/procesos-cognitivos-soledad-gallegos-maria-elena-gorostegui,as-
ses.6/5/2011.
74 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
2
Tradução da autora
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 75
a) Fundamentação
Em sua obra, Morin (1999) explica que as estratégias cognitivas por intermé-
dio das quais o sujeito adquire o conhecimento, emergem unicamente quando ele
escolhe, confronta, arrisca e tenta um diálogo com algo novo. Isto coincide com
as asseverações de Varela (1996, p. 13), o qual afirma que “[...] a chave da cognição
radica precisamente na capacidade de expressar o significado e as regularidades; a
informação deve aparecer não por sua ordem intrínseca, mas como ordem emergente
de suas próprias atividades cognitivas” (VARELA, F., 1996, p. 13).
Reitera-se então a ideia de conhecimento como emergência; como relação entre
ação e saber, entre quem conhece e o que é conhecido. O conhecimento como atividade
da mente não pode existir separado do sujeito e está ligado ao comportamento, que,
por sua vez, o corpo executa a ação de conhecer por intermédio de uma atividade
do sistema nervoso integrado a outros sistemas do organismo humano.
A AnCo, enquanto campo complexo, está fundamentada na ideia de comple-
xidade e de sistemas complexos reivindicada por investigadores como Morin (1977),
Le Moigne (1977), Prigogine y Stengers (1984) em resposta a uma abordagem
cartesiana, que exige simplicidade, estabilidade e objetividade como forma de faci-
litar a compreensão. Nesse sentido, Vasconcelos (2002) também apresenta críticas
à tendência quanto a especialização da ciência e, para superá-las, propõe práticas
interdisciplinares e transdisciplinares capazes de dialogar e criar pontes entre diversos
campos do conhecimento.
Os ambientes humanos são complexos porque seus componentes e interações
sofrem modificações constantemente, o que impede estabelecer descrições ou re-
presentações que possam ser consideradas definitivas. Logo, é fundamental fazer
uso de uma variabilidade de métodos e de ferramentas teórico-metodológicas que
possibilitem pensar e interagir com outros desde a perspectiva dos pensadores con-
temporâneos, que se apoiam na reflexão e na ação.
Como campo complexo, pode-se afirmar ainda que a AnCo busca conhecer
e traduzir as significações dos sujeitos a partir do princípio de que, segundo Roger
(2010), para se conhecer as partes, é preciso conhecer o todo em que se situam, e
vice-versa, uma vez que o todo é muito mais do que a soma das partes.
Assim, Roger (2010, p. 89), ao fazer referência ao pensamento de Edgar Morin,
destaca a complexidade como espaço metodológico no qual “[...] separar e distinguir
nunca é cortar; e unir e conjugar nunca é totalizar, mas sim pensar a globalidade
junto com a retroatividade e a recursividade entre o global e o parcial. [...] Trata-se
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 77
de pensar junto. [...] Foge tanto do reducionismo a uma parte como do reducionis-
mo ao todo”. Martins (2004, p. 89), ao citar Morin e Ardoino, destaca que “[...] a
complexidade não está no objeto, mas no olhar que o pesquisador se utiliza para
estudar seu objeto, na maneira como ele aborda os fenômenos”.
Para Souza (2011, p. 82), quanto ao propósito do pensamento complexo, afir-
ma que se trata de “[...] contextualizar, globalizar e ressaltar o desafio da incerteza,
baseado em princípios que guiam seus procedimentos cognitivos”; nessa comple-
xidade do olhar sobre os fenômenos se encontra uma das bases epistemológicas da
análise cognitiva. A outra base epistemológica fundamentado no campo de AnCo
é a multirreferencialidade.
Segundo Burnham (2012), a AnCo também emerge como campo multirrefe-
rencial, estando fundamentada na multirreferencialidade e interculturalidade que
contribuem para uma análise que considera diferentes perspectivas e saiba buscar
sinergias entre fenômenos, conceitos e campos disciplinares diferentes.
A partir do campo da AnCo, uma análise desde a multirreferencialidade,
conforme Lage, Burnham e Michinel (2012, p. 80), se dá
[...] a partir de múltiplos sistemas de referências — poesia, arte, política, ética,
religião, ciência — igualmente significativos, todos irredutíveis uns aos outros
e sem pretensão de síntese, de conhecimento acabado — antes uma bricolagem
de visões que leva a uma compreensão.
Com isso, o analista cognitivo deve ter uma postura amparada na compreen-
são da linguagem como um espaço de relações; de expressão de um pensar e agir a
78 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Estamos [...] ante um processo histórico objetivo mais construído sobre uma
objetividade profundamente viciada. Nesse sentido a Globalização é uma
ideologia com nome próprio, do Neoliberalismo com teóricos conhecidos.
(REBELLATO, 2000, p. 44)
dos sujeitos involucrados nas pesquisas. Como ouvintes sensíveis, eles não julgam,
não comparam, porém eles compreendem sem identificar às opiniões dos outros. A
escuta sensível afiança a congruência do pesquisador.
Entretanto, o profissional analista cognitivo precisa ter um corpo teórico epis-
temológico que dará base para sua análise. Os conhecimentos da ciência cognitiva
dão sustentação teórica, mais também um olhar atento aos conhecimentos sobre os
fatos ou objetos de análise (outras disciplinas envolvidas, contexto, temporalidade
etc.) são necessários para a realização de estudos no campo da análise cognitiva.
Ao realizar pesquisas no campo da AnCo, o analista assume uma posição
frente ao que está analisando (expõe conceitos, lógicas, linguagens que vê que estão
presentes no panorama analisado). Portanto, é preciso sistematizar e explicitar as
ações do processo que é analisado.
A análise cognitiva é feita dentro de um corpo ideológico e político e se presta
para três finalidades principais: 1) Tornar o conhecimento que é produzido em
comunidades fechadas de acesso ao domínio público; 2) Tornar os léxicos dessas
comunidades compreensíveis; 3) Permitir a interação e fluidez entre os discursos
produzidos nas várias comunidades epistêmicas.
Também a estrutura cognitiva do analista, obviamente, é importante para a
análise realizada. Não existe impessoalidade em uma análise cognitiva, apesar do
analista tentar descobrir que sentido(s) o autor dá à obra que está sendo analisada.
O analista cognitivo precisa fazer um diagnóstico do panorama analisado,
talvez com o propósito de intervir no cenário, e logo poder promover a interação
entre sujeitos na medida em que promove a difusão dos conhecimentos produzidos
por comunidades epistêmicas, de forma que todos possam compreender diferentes
linguagens e sentidos. As reflexões resultantes constituem a práxis da interação.
Do exposto, e tentando apreender a análise cognitiva através da comparação,
se é que isso é possível, pode-se refletir sobre as semelhanças e as diferenças entre a
análise cognitiva e a análise feminista perspectivista, que é apresentada por Sandra
Harding (1996). A autora identifica uma abordagem que investiga a vida cotidiana
das pessoas pertencentes a grupos oprimidos com o objetivo de coligar as fontes
de sua opressão nas práticas conceituais das normas epistêmicas que a sustentam e
estruturam (HARDING, 1996).
A análise feminista perspectivista, assim como a análise cognitiva, exige a
“intencionalidade”. Tanto na análise feminista perspectivista, como na análise cog-
nitiva, a intenção é colocada/situada, ou seja, é “explicita e ambas têm uma postura
ética justificada no parágrafo anterior. Norteada pelo princípio da desconstrução,
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 85
REFERÊNCIAS
ACOSTA, Y. Las nuevas referencias del pensamiento crítico en América
Latina: Ética y ampliación de la sociedad civil. Montevideo: FHCE, 2003.
Esta afirmação de Feyerabend rendeu muitas críticas ao seu trabalho teórico, pois
atacava o intocável centro da comunidade científica, o método. Isto lhe deu o apelido
de “o mais perigoso inimigo da Ciência” (THEOCHARIAS; PSIMOPOULOS,
1987, p. 596). Aliás, a crítica de Feyerabend ao método não é tão simples como
alguns críticos têm pretendido mostrar2, ao ser mal interpretado, devido a uma
leitura parcial da sua obra, o conceito do “tudo vale”3 que a teoria feyerabendiana
1
As citações utilizadas de livros escritos em espanhol ou em inglês estão traduzidas para o portu-
guês.
2
Para se aprofundar nas críticas recebidas por Feyerabend desde interpretações equivocadas reco-
mendamos a leitura de DAMASIO; PEDUZZI (2015).
3
Utilizaremos o termo “tudo vale”, que se encontra em nossa edição de Contra el método (1987).
Fazemos o esclarecimento, pois temos encontrado o termo em diferentes formas como “tudo
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 91
Aqui ele confere um significado histórico, uma vez que, após mostrar que em
determinados episódios do conhecimento, este evoluiu por não obedecer às regras
metodológicas existentes, considerando que o único princípio universal, para alguém
serve” ou “qualquer coisa vale”. Por isso, usaremos o “tudo vale”, para dar uniformidade ao texto.
4
Especialmente, salientam as observações feitas pelo professor Bunge, que qualifica Feyerabend
como “a criança terrível da filosofia do século XX” (p. 25), “[...] foi um aficionado em tudo o que
ele fez. Em toda sua vida, ele foi inquieto, um rebelde sem causa, exagerado” (p. 26), misturando-
-as com críticas autoritárias, ao carecer de um diálogo com Feyerabend, pois não cita suas referên-
cias. Ele diz, “[...] cada qual pode afirmar tranquilamente o que ele quiser; que as provas empíricas
não têm valor e, sobretudo, que tampouco tem valor a lógica, de modo que teria que ser tolerada a
contraindução e o non sequitur. Ou seja, que o ser humano não se diferenciaria pela racionalidade”
(p. 26), “[...] que não vale a pena estudar nada a sério e com rigor, já que “tudo vale” (p. 30) ou,
“[...] Não tudo vale por igual. Portanto, não tem motivos para permanecer indiferente ante o erro
e a injustiça. Pelo contrário, tem motivos para trabalhar pela verdade e pela justiça” (p. 30). Esta
última é particularmente interessante já que, além de fazer uma crítica sobre uma definição errada
do “tudo vale”, dá a entender que ele possui a descrição objetiva de termos tão subjetivos quanto
a injustiça, justiça e verdade.
5
“[...] Se é verdade que ‘tudo vale’ (anything goes) — como nos diz a primeira regra de seu anar-
quismo epistemológico” (p. 39) ou “[...] em certo sentido é verdade que ‘tudo vale’ para algo, mas
também é certo que nada serve para tudo e que tem coisas que valem quase para nada” (p. 42).
6
“[...] de uma observação correta, todas as metodologias têm seus limites”, Feyerabend pula para
uma conclusão totalmente falsa: ‘tudo vale’ (p. 90) e, “[...] que critério aceitável para F
eyerabend
estaria sendo infringido? Não nos diz ele que ‘tudo vale’? Seu relativismo metodológico é tão
radical que, tomado literalmente, se autorefuta. Sem um mínimo de método — racional —, é
impossível inserir sequer, uma apresentação meramente histórica dos fatos” (p. 93).
92 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
que quer se ater a algum deles, e que quer ser coerente com a História da Ciência,
seria, por tanto, o princípio do “tudo vale”.
Por outro lado, o usa como uma crítica irônica contra os racionalistas ao dizer:
Tudo vale não expressa nenhuma convicção minha, senão que é um compêndio
cômico dos apuros de um racionalista: se você quer critérios universais, se não
pode viver sem princípios cuja validez esteja acima da situação, a forma do
mundo, as exigências da pesquisa e as peculiaridades temperamentais, então
eu te forneço um desses princípios. Será inútil, vazio e bastante ridículo, mas
será um princípio. Será o princípio tudo vale (FEYERABEND, 1998, p. 223).
Como podemos comprovar com o “tudo vale”, ele ironiza a pretensão dos
racionalistas de encontrar critérios universais, oferecendo-lhes um princípio uni-
versal, o “tudo vale”. Vemos como o qualifica de “inútil, vazio e bastante ridículo”,
lançando por terra com estas palavras as críticas de todos aqueles que se basearam no
“tudo vale” para realizar uma crítica totalmente descontextualizada do anarquismo
epistemológico que ele propõe.
Devido à ingente quantidade de críticas que recebeu (e segue recebendo por
pesquisadores que não se dignaram a lê-lo, mas sim criticá-lo) por um princípio
que ele mesmo não assume, o próprio Feyerabend teve que explicitar sua rejeição
ao princípio do “tudo vale”:
Isto é uma explicação em si já clara, mas ainda se pode ler de duas formas: eu
adoto esse lema e sugiro que se use como base do pensamento; eu não adoto
ele, mas descrevo simplesmente o destino de um amante dos princípios que
toma em consideração a história: o único princípio que ficará será o tudo vale.
[...] Tenho recusado explicitamente a primeira interpretação (FEYERABEND,
1984, p. 28).
Agora, veremos qual o princípio fundamental do anarquismo epistemológico,
o núcleo que lhe dá coerência ao resto da teoria através do qual se articulam os
diferentes elementos que proporcionam para fazer avançar o conhecimento:
“Minha intenção não é substituir um conjunto de regras gerais por outro
conjunto: pelo contrário, minha intenção é convencer o leitor de que todas
as metodologias, incluídas as mais óbvias, têm seus limites”. (FEYERABEND,
1986, p. 17).
Dessa forma, a pesquisa estabelece-se como “[...] um guia que é parte da ativida-
de que faz parte da atividade dirigida e que é modificada por ela” ( FEYERABEND,
1998, p. 33). É dizer que o pesquisador começa como um orientador do processo
que vai ser realizado, porém aberto por completo a modificá-lo para adaptá-lo ao
que a prática lhe mostra. A teoria se encontra viva, em constante transformação,
oferecendo um resultado imprevisível por conta desta interação. Isto entraria em
conflito com a ideia de conhecimento científico, pois, como diz José (2006), “[...]
sendo o conhecimento científico sistemático, sua estrutura deve ser lógica, é dizer,
coerente; e coerente é aquilo que não admite contradição”.
No entanto, rejeitamos a ideia de que o conhecimento não admita contra-
dição, pois
a ideia de que as coisas estão bem definidas e de que não vivemos em um
mundo paradoxal conduz ao critério de que nosso conhecimento deve ser
coerente. As teorias que contenham contradições não podem fazer parte da
Ciência (FEYERABEND, 1998, p. 36).
Para evitar esta hegemonia ideológica, seria necessária uma discussão profunda
sobre a Ciência que mostre sua história, tanto os logros como os erros, que habitual-
mente se escondem, que aconteceram sob a razão científica, expondo as debilidades
98 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Lisboa:
Presença, 1980.
Oswald propõe uma transvaloração de valores que pode ser compreendida pela
valorização dos aspectos inconscientes da realidade vivida, negados como tabu e, por
isso, desconhecidos ou ocultados, que são reavaliados como aspectos importantes
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 103
A antropofagia pode então ser pensada como uma apropriação seletiva que
interpreta a realidade a partir do instinto antropofágico de devoração e incorpora-
ção dos saberes e práticas que potencializam as forças vitais. E são essas forças que
104 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
A filosofia antropofágica foi repensada por outro filósofo, Sílvio Gallo, que
retoma a perspectiva antropofágica para considerar a experiência multicultural bra-
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 107
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria Cândida Ferreira de. Tornar-se outro: o topos canibal na
literatura brasileira. São Paulo: Annablume, 2002.
Maristela Miranda
Maria Inês Correia Marques
PODER, palavra proveniente do latim potere que significa ser capaz de. Possui
diversas derivações, entre elas, apoderar e empoderar, palavras estas que guardam
relação de sentido entre si. Derivadas do mesmo radical, apoderar significa “dar
posse a; tomar posse; conquistar” (AURÉLIO, 2020), enquanto empoderar signifi-
ca “investir-se de poder, a fim de promover ações que possam provocar mudanças
positivas no grupo social” (MICHAELIS, 2020).
Ainda que os dicionários apresentem diversas significações para a expressão
apoderar, é muito comum o uso desse termo com o significado restrito a tomar para
si algo que não lhe pertence. Por outro lado, a expressão empoderar ou empodera-
mento, ganhou um sentido positivo ao ser utilizada para sugerir um processo de
emancipação de um grupo ou coletividade.
Conquanto a utilização de um termo possa se tornar trivial em um dialeto, é
fato que o costume gera ausência de reflexão sobre os porquês e significações do que
se repete, podendo ter um forte vínculo com o desenvolvimento de paradigmas que
agem como princípios organizadores supremos capaz de gerar mitos, que, por sua vez,
geram crenças e todo um sistema de valores fortemente ligados a fatores culturais e/
ou ambientais. Como lembra Morin (2015), ao afirmar que as palavras estão dire-
tamente ligadas à memória coletiva, reproduzindo-se e perpetuando-se na memória
individual, sendo expressas através de saberes, experiências, normas e informações.
Dito isto, busca-se nesse ensaio o convite a uma reflexão sobre a expressão
apoderar, acreditando na existência de uma significativa importância no contexto
das ações de empoderamento dos grupos produtivos da Economia Solidária.
O termo apoderar remete ao desenvolvimento de uma autoridade própria, a
fim de possuir o domínio de algo e, nesse sentido, um poder de. A palavra poder
guarda em si inúmeros significados, indo desde as intenções mais puras, às mais
nocivas, principalmente sob a perspectiva das relações de poder. Neste viés, serviu
(e ainda serve) de pano de fundo para grandes discussões, elaboradas por diversos
pensadores ao longo da história.
Proclama-se que o poder deve ser perseguido e conquistado (MAQUIAVEL,
2010); que por ele o homem se torna o lobo do homem (HOBBES, 2003). O poder
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 111
se manifesta através das macroestruturas sociais (MARX, 1996), ou através das rela-
ções sociais (WEBER, 2007). A democracia e a liberdade são discutidas sob a ótica
do poder (TOCQUEVILLE, 2005), assim como o individualismo (NIETZSCHE,
2012). Gramsci (2002) revela uma fenomenologia do poder, para além do aspecto
puramente economicista, enquanto Hannah Arendt (2000) estuda o poder sob a
égide do totalitarismo. Foucault (1979, 1987) expõe o poder exercido em rede e
Bourdieu (2015) traz o poder simbólico, o poder ignorado que movimenta uma
série de outros poderes.
São muitas as elaborações para explicar o poder ou as relações de poder. De
acordo com a vasta literatura sobre o tema, e consoante o olhar por vezes diver-
gente de cada autor, o poder pode ser exercido, transferido, defendido, sentido e,
não obstante, adquirido. Todavia, os discursos convergem para um lugar comum e
bastante visível, nas mãos de quem se encontra o poder e todas as possibilidades de
utilizá-lo, contra ou a favor de outrem.
A forma como a sociedade vem fazendo uso do poder, ao longo da história,
torna-se uma discussão profunda e, na maioria das vezes, aponta para dominação.
Deixar-se dominar é condição provável para quem não detém o poder. De outra forma,
o caminho possível seria o de apoderar-se, tomar para si, conquistar, tomar posse.
Posse, etimologicamente, provêm do latim e significa possum – ser capaz de – poder.
Apoderar-se tem o sentido de tomar para si. Tomar para si remete a deter o
poder, conquistar, dominar algo ou alguém, uma história, memórias, contextos.
Enfim, tomar posse de algo, visando autoridade sobre o mesmo.
No contexto da Economia Solidária, movimento introduzido no Brasil na dé-
cada de 1980, a partir da concepção de um novo modo de produção que possibilita
oportunidade a todos (SINGER, 2002), cabe assinalar o uso do termo apoderar
como caminho possível para que o indivíduo, suas comunidades e grupos produtivos
desenvolvam a autoridade necessária, a fim de atuar enquanto sujeito de um processo.
Sujeito ativo e não passivo, capaz de se submeter, acatar e aceitar o poder que vem
de fora. Esse poder pode estar impresso a partir de diversas formas, nas palavras,
instruções, estratégias, textos, ferramentas, metodologias, ideias, subsídios, editais,
programas, sugestões, orações e intenções. Em suma, todas as possíveis formas de
influenciar para algum fim específico.
Apoderar, neste sentido, destoa da ideia de apossar-se de algo que não lhe
pertence, mas sim alcançar o domínio de sua condição, de sua história e contexto,
desenvolvendo consciência de si. Uma autocrítica necessária para delimitar o seu
espaço, a partir do reconhecimento dos aspectos que alicerçam o seu estar no mundo,
112 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2000.
Embora ajude, é exígua a informação que define um ato tão valorizado. Ao fazer
o mesmo exercício da procura da definição de aprendizagem, agora nas muitas vezes
preconceituosamente pouco valorizada, e comumente utilizada, que é a enciclopédia
colaborativa, universal e multilíngue, conhecida na internet sob o nome Wikipédia
(2017). Lá encontramos a seguinte definição:
Aprendizagem é o processo pelo qual as competências, habilidades, conhecimentos,
comportamentos ou valores são adquiridos ou modificados, como resultado de
estudo, experiência, formação, raciocínio e observação. Este processo pode ser
116 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Ao falar das bases neurológicas da aprendizagem é difícil não citar uma das
figuras mais importantes na neurologia, Santiago Ramón y Cajal, cientista que
há mais de cem anos defendeu uma das teorias mais aceitas sobre o mecanismo
de funcionamento do cérebro para a aprendizagem (PORTERA; YUSTE; 2004).
Santiago Ramón y Cajal (2007) diz que nos neurônios individuais ou nos
circuitos que os integram, se produzem sem cessar mudanças anatômicas ou fisio-
lógicas, que traduzem em lembranças mais ou menos permanentes as experiências
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 117
Figura 1
a) Anatomia do sistema ner-
voso central. b) Seção coronal
do cérebro, onde é possível
olhar o córtex. c) Imagem
por microscopia com tinção
violeta de cresilo do córtex,
enfoque central em neurônio
que ressalta a grande ramifi-
cação dendrítica. d) Imagem
com a microscopia a laser com
dois fótons do neurônio. e)
Imagem aumentada da seção
assinalada em imagem d, é
possível olhar espinha e filopó-
dio dendrítico. In: Espinas y
filopodias en el cérebro
(PORTERA; YUSTE,
2004).
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 119
Figura 2
Motilidade de espinhas e filopódios. Na série
da esquerda (P3), se registra o caso de um
rato de três dias de idade: muitos filopódios
(magros, compridos e sem cabeça na ponta)
sobressaem e desaparecem em escassos minu-
tos do talo dessa dendrite. Na série do centro,
se trata de um rato de 11 dias de idade
(P11); nessa dendrite se observam mudanças
na forma das espinhas, com espículas que
sobressaem de suas cabeças, e esses apêndices
são mais estáveis que os filopódios. Final-
mente, na direita, outro rato de 18 dias de
idade (P18), quase adulto: nessa dendrite
madura, a densidade de apêndice é maior,
embora não se observem movimentos na ca-
beça, nem mudanças na longitude do “pes-
coço” dessas espinhas. Os números em branco
indicam o tempo transcorrido (em minutos)
no filme. Paisajes Neuronales. Homenaje
a Santiago Ramón y Cajal (DeFelipe,
Markam e Wagensberg, 2007).
120 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Processo da aprendizagem
O processo de aprendizagem é uma atividade individual que se desenvolve num
contexto social e cultural. É o resultado de processos cognitivos individuais pelos
quais se assimilam e interiorizam novas informações (fatos, conceitos, procedimen-
tos, valores), se constroem novas representações mentais significativas e funcionais
(conhecimentos), que logo podem ser aplicadas em situações diferentes aos contextos
onde foram aprendidas. Aprender não consiste só em memorizar informação, é
também a assimilação de outras operações cognitivas que implicam em conhecer,
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 121
Teorias da aprendizagem
Por fim, como parte integrante do conceito de aprendizagem, estão as descri-
tas na literatura atual como teorias da aprendizagem. O que, sendo um benefício,
às vezes, dificulta unificar critérios para conseguir entender as diferentes vertentes
desenvolvidas. Félix Díaz (2011) traz uma ajuda simplificadora ao indicar que as
diferentes correntes que pretendem explicar o homem e seu processo de aprendi-
zagem podem ser agrupadas em três teorias históricas do conhecimento humano:
REFERÊNCIAS
DE ZUBIRÍA, M. Fundamentos de pedagogía conceptual. Bogotá: Plaza &
Janes, 1989.
Mínima distância
Processamento de Linguagem Natural (Natural Language Processing)
Redes Neurais Artificiais (Artificial Neural Networks),
REFERÊNCIAS
BLUM, Avrim L., and PAT Langley. Selection of relevant features and
examples in machine learning. Artificial intelligence 97.1-2 (1997): 245-271.
• Boltzman Machine
• Deep feedforward Networks
• Recurrent Neural Networks (RNNs)[Long Short Term Memory]
• Deep Belief Network (DBN)
• Convolutional Neural Networks (CNNs)
• Auto Encoder (AE)
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 129
Fonte https://www.asimovinstitute.org/author/fjodorvanveen/
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 131
REFERÊNCIAS
ABADI, Martín et al. Tensorflow: Large-scale machine learning on
heterogeneous distributed systems. arXiv preprint arXiv: 1603.04467, 2016.
CHOLLET, François et al. Keras: Deep learning library for theano and
tensorflow. URL: https://keras. io/k, vol. 7, p. 8, 2015.
Marcílio Rocha-Ramos
1
Do verbo grego antigo μετανοεῖν, metanoein: μετά, metá, ‘além’, ‘depois’; νοῦς, nous, ‘pensa-
mento’, ‘intelecto’.
136 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
GALEFFI, Dante. Recriação do educar epistemologia do educar
transdisciplinar. Salvador: Inédito, 2011.
elementos de construção não fazem nenhum sentido. Assim, para aqueles que podem
perceber com quantos elementos se faz uma casa o esquematismo pode justamente
possibilitar uma construção para ser habitada e para servir aos viventes.
A figura abaixo apresenta um campo articulador da avaliação polilógica,
tendo o que se pode chamar de Filosofia da Diferença como âmbito teórico e o que
se projeta como Educar Transdisciplinar como âmbito acional do avaliar. Formar,
ou transformar na Diferença como Diferença é o horizonte ontológico do avaliar
polilógico: correlação de comum-pertencimento total.
fazer valer. O —a‖ ao suspender não altera o sentido da palavra —valorar‖: avalorar,
avaliar. Mas o —a‖ provoca uma desaceleração do valorar. Avaliar aparece, assim,
como ato retroativo e reflexivo do valorar? Avaliar é, portanto, investigar o valor de
alguém em seu acontecimento onto-sócio-genético-ambiental? Mas, para que isso
— em qual regime produtivo? Qual é, portanto, o projeto humano para o qual faz
sentido avaliar no sentido criador?
Galeffi questiona: Ora, quando já se viu algo como ter amor no processo avalia-
tivo instituído? O que significa, por exemplo, “valorar o que vale”? E o que quer dizer
“corresponder ao outro”? E “potencializar” o que? “Partilhar” com quem? Ter estima
de que? Valorizar o outro por que, para que? Acolher a diferença em nome de quem?
Avaliar agora mudou de figuração, por mais que se procure reagir a isso:
“Apesar de tudo, se move!” Avaliar lida com o nome e a nomeação em uma
atribuição de valor, no ato de a-valorar, estimar o que vale. Avaliar pressupõe uma
tríade: Avaliador, Avaliado, Avaliação. De modo dialógico, há uma relação de agentes,
em que não há o que ensinou e aquele que aprendeu, e sim o que se aprendeu em
um processo dialógico construtivo.
Nessa perspectiva de avaliação, ninguém é excluído do processo. O que se
avalia não é a adequação a um modelo predefinido e formalizado, mas a efetivida-
de do florescimento singular. De maneira ampla, cada um aprende na medida de
sua expansão e de sua conexão com suas circunstâncias existenciárias. Cada um é
holograma da totalidade vivente em seu próprio e único lugar.
cuidado é pouco no trato com a Diferença de cada um. Uma Diferença, entretanto,
que é uma igualdade originante. O Avaliador aparece desse modo como um esperto,
um artesão em sua arte de educar. O Avaliado se presentifica como agente avaliado.
Trata-se de um reconhecimento de valor. Entretanto, o que é o valor que se deve
reconhecer no agente avaliado?
Seguramente, trata-se de um valor pertencente a uma determinada tradição
histórica. Há história em toda valoração. O Avaliador é mediador da espécie segundo
determinado modo cultural. O Avaliado é o indivíduo que se reconhece implicado
na espécie a partir do seu lugar único — próprio e apropriado. O aprender em que
está implicada a avaliação polilógica diz respeito ao processo de individuação que
sempre ocorre em relação com o outro e com a totalidade Mundo.
Com essa ressignificação do conceito de avaliação, é necessário reconhecer que
o que se faz regularmente com o que se chama avaliação, não avalia nas dimensões
propostas, mas examina e classifica segundo as normas de uma regulação monológica
e rígida, excludente e classificatória.
O que Galeffi chama de Avaliação Polilógica, pressupõe outra ação de racionalidade:
a compreensão plural dos sentidos implicados. Pressupõe um educar completamente
outro, um educar no vivervivente.
E por onde começar? Da descrição do que não se encontra dado nem objetivamente
nem subjetivamente, mas se encontra velado em seu próprio evento necessitando de
uma elucidação apropriadora. Por isso, é sempre necessário interpretar e traduzir para
a língua própria os ditos e feitos históricos. E todo dito será sempre passagem, será
sempre outro na mesmidade do que é. Quando nasce a escola formal nasce também o
modo de avaliar coercitivo, autoritário, subordinador. E quando nasce a escola formal?
Galeffi diz que nos moldes conhecidos, a escola formal é um acontecimento da
modernidade europeia e dos estados totalitários aí constituídos. Entretanto, suas raízes
são medievais e antigas. Medievalmente, ela toma para si o modelo escolástico. Da
Antiguidade, ela extrai a moralidade exemplar das fábulas pedagógicas e seu influxo
determinista na psique humana (o medo, o temor, o pavor, a submissão simbólica a
falsa transcendência). Da Escolástica, a escola moderna tira para si o princípio de auto-
ridade externa e a relação de subordinação mestre-discípulo. Nesse âmbito, a avaliação
é uma prova e uma provação, um exame do aprendizado, um julgamento moral severo,
e se baseia no aprendizado da submissão à repetição do dito autorizado. A prova é um
instrumento moral de coerção e disciplinamento conveniente. A avaliação da potência
do outro e da singularidade é impensável, pois o educar consiste em transmitir um
cabedal de conhecimentos autorizados e dogmáticos.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 153
Para Galeffi, isso projeta também a triunidade do aprender que se vai avaliar:
a reunião dos termos capacidades, competências e habilidades em uma articulação
polilógica. Pode-se, assim, tirar partido dos termos capacidade, competência, habili-
dade. Na síntese dos elementos operada pela intuição MVM-SupraMVM, capaci-
dade é poder-ser, competência é saber-ser, habilidade é aprender-fazer-ser. Reunindo a
triunidade do aprender, sem potência não pode haver ser, sem saber não pode haver
competência, sem aprender e fazer não pode haver habilidade. Assim, a triunidade
do aprender se abre para uma polilógica acional. Trata-se de uma ação de poder, de
saber e de aprender a fazer. Poder é capacidade, saber é competência, aprender-fazer
é habilidade. Reunindo capacidade, competência e habilidade se projetar um único
feixe de sentido: aprender que é um poder e um saber.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 155
Trata-se de realizar a avaliação polilógica, tendo-se presente que não se irá com
isso aquilatar o chamado rendimento relativo à aquisição de um dado conhecimento
técnico ou conteudístico. Nesse sentido, o exercício tem por fim a concretização
vivencial de uma possibilidade em construção: a realização do avaliar como ato de
aprendizado amoroso do ser-no-mundo-com, estruturando-se em quatro campos
complementares: o ontológico, o epistêmico, o ético e o estético.
Tudo isso implica em outros horizontes para o educar daqui por diante, pois não
se trata de remendo e arranjo sem-arte, e sim de coragem e altivez de espírito, de força e
de maleabilidade, de vigor e compaixão, criatividade e justeza, integridade e esperteza,
concretude e paixão pelo viver-com-arte — na conjuntura do Simples. O Complexo!
A proposta de Galeffi não se harmoniza, apesar de poder parecer, com a teoria
das inteligências múltiplas porque crê na diferença como diferença, isto é, a ideia de
inteligências múltiplas é uma representação imprecisa da complexidade gerativa da
natureza humana. Nesse sentido, antes de inteligências múltiplas, estamos falando
de condição de origem múltipla — condição ontológica: a diferença como fundante
da igualdade partilhada — o ser-no-mundo-com: passagem, fluxo, acontecimento,
ser-sendo na partilha incondicional. Desse modo, a ação avaliativa polilógica implica
em disposição aprendente radical: seu foco é a aprendizagem com-sentido: aprendizagem
própria e apropriada. Ela pode ser realizada em qualquer campo de conhecimento,
inclusive de treinamento para situações de risco permanente, desde que conte com
educadores realizadores de vida criadora. Essa é a única condição desta proposta: a
existência dos que são capazes de cuidar criativamente, amorosamente do educar
vivervivente: Educar com arte na bondade além de bem e de mal: doação do livre.
Uma bondade que sabe cortar e que em seu vigor possui a violência dos gestos livres.
Galeffi fala de quatro critérios projetados no âmbito polilógico do ser-no-mundo-com:
o afetivo, o conceitual, o ético e o poético: Homo sapiens-demens — Homo polilogicus.
valeo, valere, valor, ter valor, valer, avaliar tem pelo menos seis acepções recorrentes:
1ª — ser forte, vigoroso, valente; 2ª — estar com saúde, passar bem, estar em bom estado;
3ª — ter força, ter crédito, exceder (em alguma coisa), levar vantagem, estar em voga;
prevalecer; ter bom resultado, surtir efeito; ser eficaz; cumprir-se; ter influência, contri-
buir para; ser capaz de, poder; 4ª — Ser bom, eficaz (ter medida), ter esta ou aquela
virtude, ser medicinal; 5ª — Valer (em relação ao dinheiro); valer um preço; 6ª — Ter
esta ou aquela significação, significar. Avaliar, portanto, aponta para o ter afeto, ter
estima. valorizar o outro, acolher a diferença, corresponder ao outro, valorar o
que vale, reconhecer, potencializar, atualizar, dialogar, partilhar, ter amor etc.
O horizonte delineado por Galeffi, a pré-compreensão considerada, aponta
para o éthos da avaliação polilógica: abertura para o aberto na proveniência do ser
como fluxo e passagem, nem início e nem fim.
Com essa ressignificação do conceito de avaliação, é necessário reconhecer que
o que se faz regularmente com o que se chama de avaliação educacional, não avalia
nas dimensões propostas, mas examina e classifica segundo as normas de um deter-
minado regime de signos, de uma determinada regulação burocrática instituída e
hegemônica — monologicamente autocêntrica e excludente. O que Galeffi chama de
A avaliação pressupõe uma outra forma de racionalidade: a compreensão polilógica
dos sentidos implicados. Pressupõe um educar completamente outro, um educar
com-avida, um educar fluxante.
Reunindo o sentido, o autor compreende por avaliação polilógica uma rela-
ção-vivência dialógica própria e apropriada, um correlacionar-se com o advento
dialógico. Advencial, a avaliação é um encontro com o sentido mostrando-se no
outro. O outro receberá sempre do outro a emanação de sua florescência. Neste ser
passagem consiste na avaliação. Avalia-se o fluxar no acontecimento dialógico. A
avaliação é o advento da dialogicidade comum. Avalia-se o acontecimento do outro
no caminho de sua vida, conjuntamente. Avaliação polilógica é deixar ser o outro
o caminho de sua vida.
Para Galeffi, isso pressupõe uma revolução humana necessária. Revolução
no nosso modo de ser. Essa revolução não pode ser pensada senão a partir das cir-
cunstâncias de cada realização. Uma utopia, sem dúvida. Portanto, algo que só se
realiza no instante eternal do tempo presente, o desconhecido enquanto aconteci-
mento: abertura para o aberto. O diálogo é o lugar da avaliação polilógica, diálogo
da mente velha condicionada com a mente nova criadora: reconhecimento do modo
de ser-nomundo e efetuação da vida abundante; compreensão do instituído e do
instituinte, do ente e do ser, do tempo e do instante, do lugar e da morada. Diálogo
172 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
como confluência do ser e do ente unidos no mesmo sem-fundo, pois o ser dispõe
para o ente sua abertura originária. O diálogo acontece na apropriação do ser e do
pensar: comum-pertencimento de tudo. Assim, a diferença ontológica rasga o véu
do ser em sua constituição própria: sua abertura germinal.
Galeffi afirma que ser-no-mundo é a condição para o acontecimento apropria-
dor do diálogo: avaliação do acontecimento em seu fluxar. O diálogo dialoga. O
diálogo é uma realização do encontro do ente com sua abertura para o ser. O diálogo
é uma escuta primordial. O diálogo é atentivo e amoroso em sua disposição para o
acontecimento na confluência do simples encontrar-se ouvinte do que diz o lógos,
em sua intensividade própria. Dialogar é escutar o lógos em seu alternar-se e ater-se
ao simples fluxar de tudo. Dialogar é ser-com intensidade abertura para o aberto.
Avaliar é o mesmo que dialogar no mais implicado sentido do termo.
A Avaliação Polilógica se mostra como um meio adequado para a ação transfor-
mativa transdisciplinar e se encontra aqui delineada em suas conexões e possibilidades
de ação criadora. O seu desenvolvimento se dará a partir de sua prática efetiva, o
que pede a presença dos que ousam experimentar o inusitado em sua simplicidade
incorrigível de Acontecimento.
REFERÊNCIAS
GALEFFI, Dante Augusto. Recriação do Educar. Epistemologia do Educar
Transdisciplinar. Berlin: Novas Edições Acadêmicas, 2017, 270p.
Javier Collado-Ruano
de retorno dos produtos usados para que seus materiais possam se purificar
e se reutilizar” (BENYUS, 2012, p. 318). A lição aprendida, portanto, é
construir uma economia na qual as artérias e as veias tenham a mesma
importância, o que acarretaria a imitação de uma ecologia de sistemas de
ciclo fechado que reutiliza os recursos. Segundo Benyus (2012, p. 319),
um exemplo de cooperação pré-competitiva é constituído pelas marcas
estadunidenses Chrysler, Ford e General Motors ao desenvolverem alianças
para a fabricação de materiais padronizados que lhes permitam utilizar as
peças mutuamente.
6. A natureza conta com a diversidade: o enorme desenvolvimento da diversi-
dade da natureza deve-se a sua experiência de bilhões de anos em “ensaio
e erro”. A natureza caracteriza-se pelo enfoque multirreferencial que a
aleatoriedade produzida pela entropia (ruptura da ordem) tem permitido
com sua grande abertura flexível a novas anomalias. Essa flexibilidade
ecobiológica tem permitido uma grande variedade de animais e plantas
ao longo de bilhões de anos em todo o habitat do planeta Terra. Portanto,
a lição que aprendemos da natureza é a de que nosso sistema industrial
deve ser flexível para se adaptar às necessidades emergentes da cidadania
planetária, e ser tão diverso como o seu próprio meio e contexto para res-
peitar a singularidade regional, cultural e material do lugar.
7. A natureza demanda tecnologia local: geralmente, os ecossistemas naturais
estão conectados de maneira relativamente próximos no espaço-tempo.
Existe uma rica biodiversidade nos ecossistemas locais em que muitas
espécies locais coevoluem conjuntamente para se adaptarem às mudanças.
A tendência capitalista atual é uma economia global sem fronteiras na
qual os produtos manufaturados elaboram-se em países muito separados
geograficamente. Nesse sentido, devemos aprender da experiência e conhe-
cimento local que os povos indígenas possuem, já que “[...] a ideia de una
economia que se adéqua à terra e tira partido dos seus atributos locais nos
aproximaria mais dos organismos que têm evoluído para se converterem
em experts locais” (BENYUS, 2012, p. 339).
8. A natureza freia os excessos desde dentro: “[...] A biosfera (a capa de ar, terra
e água que sustenta a vida) é um sistema fechado, o que significa que não
importa e nem exporta materiais (com exceção dos travessos meteoritos)”
(BENYUS, 2012, p. 332). O caráter autopoiético da biosfera consegue que
a vida mantenha as condições que lhe são necessárias para se autorregular
180 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Sem dúvida, a identificação que Benyus (2012) faz dos nove princípios opera-
cionais básicos que a vida desenvolve na natureza, são totalmente incompatíveis com
a ordem socioeconômica capitalista atual. “[...] Se poderia dizer que o capitalismo
é a antítese metafórica dos processos naturais da vida: nele primam a exclusão, o
esbanjamento, a desregulação e as hoje chamadas deslocalizações, assim como os
fluxos especulativos alheios à produção real de bens e serviços”, escreve o filósofo
da natureza Luciano Espinosa (2007, p. 66), em comparação aos sistemas naturais
da biosfera nos quais “[...] operam circuitos que incluem todos os membros da rede,
os quais estão apegados ao terreno, ligados à satisfação das necessidades básicas e à
reciclagem constante de matéria e energia”. Essa comparação supõe, efetivamente,
a compreensão biocêntrica da vida na sua complexidade multidimensional. Uma
compreensão biocêntrica que deve ser promovida em todos os níveis educativos
para fazer frente às dinâmicas tecnoeconômicas globalizadoras que estão acabando
com a vida no planeta. A visão biomimética é uma ferramenta política, educativa e
epistemológica capaz de modificar o metabolismo socioecológico através de novas
simbioses entre os ecossistemas naturais e os sistemas culturais humanos de produção.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 181
REFERÊNCIAS
BENYUS, Janine. Biomímesis. Cómo la ciencia innova inspirándose en la natu-
raleza. Barcelona: Tusquets editores, 2012.
.
17. Bitcoins
REFERÊNCIAS
GREVE, Fabíola. Blockchain e seu impacto para a sociedade. In: Seminário Salvador
Cidade Inovadora, 2018. Workshop. Salvador: Bahia, 2018.
ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na Era Digital. São Paulo: Mises Brasil,
2014.
fontes e saberes outros. Mesmo com os desafios da humanidade que não cessam de
aumentar, como a busca por uma melhor qualidade de vida para as populações e
a efetiva responsabilidade com o meio ambiente, não se devem desconsiderar, em
pleno século XXI, os significativos avanços que a ciência produziu para a humani-
dade ao longo dos últimos cem anos, impactando a qualidade de vida das pessoas
e o acesso às novas tecnologias.
Se, por um lado, aumentaram as chances de se ter uma vida mais longeva e
livre de enfermidades, por outro, aumentaram os índices de violência, desordem e
sofrimento humano, em virtude da fome e da miséria entre os povos, que disputam
cotidianamente espaço por serviços mínimos e recursos da natureza que lhes deem
a devida dignidade para a sobrevivência, acarretando mais desigualdades sociais,
ambientais, culturais e territoriais.
Para Galeffi (2011, p. 28), esses significados representam um traço fundamental
da expansão atual do conhecimento, do conhecimento do desconhecimento e do
desconhecimento do desconhecimento:
Sabe-se como há muito a ser feito para a sustentabilidade da vida compreen-
dendo a presença humana em seu processo aberto e impactante, pois, para que
ocorra o desenvolvimento humano, condições complexas são imprescindíveis.
É preciso garantir os meios sustentáveis do desenvolvimento humano global,
sabendo-se ser este um projeto de longa duração (GALEFFI, 2011, p. 44).
estudado, mas respeitar suas diversas dimensões [...] não devemos esquecer
que o homem é um ser biológico-sociocultural e que os fenômenos sociais
são, ao mesmo tempo, econômicos, culturais, psicológicos etc. Dito isto, ao
aspirar a multidimensionalidade, o pensamento complexo comporta em seu
interior um princípio de incompletude e de incerteza (MORIN, 1996, p. 177).
REFERÊNCIAS
BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é, o que não é. Petrópolis: Vozes,
2012.
Marcílio Rocha-Ramos
1. CONCEITO
O termo Cinemação naturalmente vem do cinema. Sua significação e formas
de fazer estão relacionadas às proposições educomunicativas de autoria coletiva. Ao
utilizarmos o conceito ação conjugada à cinema, queremos dizer que o Cinemação
é linguagem para tomada de atitude, intervenção, movimento. A ação é a produção
de produtos audiovisuais em filmes e reportagens em rodas dialógicas, cujas práticas
estão alicerçadas numa bricolagem de desejos por intervenção social, comunicação,
participação, educação, guerrilhas. As dialogias em grupo é que deflagram os proces-
sos criativos do Cinemação. No segundo momento — após a captação das palavras
geradoras, temas geradores, situações críticas-reflexivas — ocorre a pesquisa focada,
aprofundamento das temáticas, roteiragem e organização da produção. O terceiro
momento do Cinemação é justo a autoria coletiva, quando de fato emerge em curtas
metragens o processo produtivo de tematização, pesquisa e filmagem.
Com efeito, ao unir cinema com ação — Cinemação — visei ao ativismo com
produção de mídias digitais, tirando partido do potencial de conexão das máquinas
filmadoras para desenvolver uma contracorrente — ou seja, novas linguagens, no-
vos protagonismos com os jovens. De forma especial, trata-se também de produzir
novas relações com as linguagens audiovisuais que, na escola, são utilizadas quase
tão somente em exposição, download como “imersão” no cinema.
O Cinemação é ação autoral com as linguagens cinematográficas, tendo o
protagonismo de jovens vivenciando suas realidades como seu motor produtivo.
Não é somente assistir, somente comentar — é sobretudo, fazer. E fazer por meio
de processos de subjetivação em grupos com pequenas máquinas filmadoras ou de
celular, tematizando o que sangram, animam e fazem redes de participação. Den-
tro das escolas, o Cinemação é prática de currículos em ação, em multimídias, em
multimeios, em novos espaços de aprendizagem. O Cinemação também pode ser
praticado em movimentos sociais em defesa do meio ambiente, qualidade de vida ou
mesmo como uma forma de “mídia ninja” — a mídia rizomática dos jovens ativistas.
O Cinemação foi inicialmente rascunhado dentro da Redepect — uma rede de
pesquisa vinculada à Pós-graduação em Educação na Universidade Federal da Bahia,
198 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
1
Ver Ramos, Marcílio Rocha. Educomunicação & Mídia Radical: uma pedagogia revolucionária
com as tecnologias da Informação e da Comunicação. 2005. 169f. Dissertação (Mestrado em
Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 199
1.1 Contexto
Podemos dizer que o Cinemação é uma corrente da sociedade-rede (criação-up
load) e uma contracorrente do download (Cinema-representação). No cinema, há
uma radical divisão do trabalho. No cenário de impérios da imagem sobre a fluidez
de conteúdos, multiplicidades e conexões — que produzem linhas de fugas dos rei-
nados das palavras e dos textos —, a “escrita” com vídeos é induzida pela oferta de
máquinas que, ao mesmo tempo, são emissoras e receptoras de mensagens cada vez
mais acessíveis a todos os públicos. Tais equipamentos liberaram forças criadoras,
manipulando máquinas antes restritas aos especialistas.
O poder fotografar, filmar, criar redes vem no mesmo fascínio do se expor,
intervir, enunciar a opinião — condição apresentada também como caracteres do
que se chama de “pós-moderno”. Gianni Vattimo (1992) em à Sociedade Transparente
sinaliza como marca das pós-modernidade o tomar a palavra pelos grupos os mais
diversos. Não por acaso, o selfie e os videoselfies são hoje as mídias principais dos
jovens ativistas das redes. E não só dos jovens ativistas, também de movimentos que
percebem as potências do agir em rede2.
2
Ver verbete Educomunicação: revolução molecular.
3
As referências dessa coluna estão no livro de Marques (2007): Ideias em movimento: produzindo e
realizando filmes no Brasil e Kellison (2007): Produção e direção para TV e vídeo: uma abordagem
prática.
200 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
4
No geral, o produtor executivo é o dono da empresa produtora, do dinheiro, do filme; ele é o topo
da pirâmide, é quem contrata todo mundo.
5
Autores mais referenciados nestas linhas de pensamentos são: Vygotsky (1993), Piaget (1971,
1974, 1976), Seymour Papert (1994).
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 201
2. PROCESSOS PRODUTIVOS
O Cinemação não é uma ação do tipo do-it-yourself, slogan do ativismo do
YouTube. Optamos por façamos nós juntos — porque a razão da sua modelagem é a
dialogia como revolução molecular, ebulição nas quais as roteirizações das histórias
emergem das falas dos seres ali presentes — sujeitos e atores das suas próprias nar-
rativas — por meio do compartilhamento de experiências, vivências e avaliações. O
Cinemação parte da utilização de tecnologias ao alcance dos agentes envolvidos nos
processos de produção — celulares, filmadoras, gravador, softwares de edição da
plataforma Windows ou de softwares livres — tendo a roda dialógica como espaço-
-momento de pré-produção. Os conceitos, códigos e palavras-mídias que ocorrem
nas falas vão deflagrar outro processo — a pesquisa focada e a autoria coletiva.
6
O método foi um instrumento utilizado para o desenvolvimento de uma educação dialógica, par-
ticipativa, tendo o universo social como campo da abordagem complexa da realidade para cons-
trução dos percursos educativos. O método pode ser pesquisado em diversas das suas publicações,
tais como: Educação como Prática da Liberdade (1980), Alfabetização e Conscientização (1963) e
Pedagogia do Oprimido (1974). No entanto, o método está bem sistematizado no livro de Brandão
(2004): O que é o método Paulo Freire, coleção Primeiros Passos, do qual extraímos suas descrições.
202 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
7
Exemplo: a palavra geradora “cabelo” pode gerar o tema “cabelo ruim, cabelo bom”. Desse tema,
podem ser desenvolvidas argumentações como: “cabelo bom é o cabelo liso”; “‘nego’ tem o cabelo
ruim na visão do branco” etc. De uma série de argumentações sobre a realidade dos participantes,
nasce o argumento do filme e seu roteiro, como, por exemplo, sobre uma história de uma garota
afrodescendente que quer ter um “cabelo bom”. Os filmes ocorrem preferencialmente em torno
dos problemas reais que acontecem nas rotinas produtivas. O humor, a crítica, a paráfrase, a cari-
caturização das coisas fazem parte do olhar profundo das estéticas das criações.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 203
2.1 Pré-produção
No cinema, a pré-produção é a preparação para a realização da produção: o
plano de ação, roteiro, elenco, equipe técnica e o cronograma de filmagens, como
definem Kellison (2007) e Marques (2007). No Cinemação é quando ocorre os en-
contros dos grupos para conceitualização, nas rodas dialógicas. É também o momento
da formação educomunicativa — implicação entre teoria e prática. A formação
ocorre em oficinas de criação presenciais e, também, com ações on-line — troca
de experiências, exposição, fóruns de debates e pesquisa. Para a concretização da
formação, faz-se necessário a definição de algumas estratégias que possibilitem, em
um primeiro momento, a sensibilização.
• Oficinas de pré-produção: esta etapa ocorre com o lançamento do Projeto
e tem como objetivo a sensibilização para práticas educomunicativas e
produção de roteiros.
• Oficina de produção: Nesta etapa ocorrem oficinas de “como filmar”. Estas
oficinas — realizadas por profissionais em audiovisual — estão voltadas
para a utilização de equipamentos.
• Oficina de pós-produção: as oficinas de pós-produção ocorrem com base
nas próprias filmagens realizadas pelos protagonistas do Projeto. Nesta
etapa, faz-se uma pré-edição dos filmes.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Camila. Desconectados: sem supervisão, computadores nas escolas
brasileiras mais distraem do que ensinam. Veja, São Paulo, ano 40, edição 2020,
n.31, p.102, 8 ago. 2007.
Desde o início dos tempos, o homem teve que enfrentar a dificuldade de poder
se comunicar com “o diferente”. A quantidade de línguas e culturas, que existem
e tem existido no mundo, obstaculizaram em muitas ocasiões a estabilidade das
relações entre os grupos humanos. De qualquer forma, o homem sempre conseguiu
solucionar esses problemas comunicativos por meio da criação de novas línguas ou
pelas negociações de significados entre os falantes.
Nos últimos anos, vivemos uma “revolução” da informação iniciada e propulsada
pelo uso das novas tecnologias. A globalização e os movimentos migratórios são dois
fatores importantes para compreender a nova realidade que nos envolve. O fluxo de
pessoas e de comunicações é muito maior que em épocas anteriores. Os espaços, a
quantidade e velocidade de interação comunicativa têm mudado consideravelmente
nos últimos anos e diante desse novo panorama, os estudos sobre comunicação
intercultural têm a cada vez uma relevância maior.
As equipes de trabalho são mais qualificadas e competitivas como também mais
heterogêneas e diversas, compostas por pessoas procedentes de lugares diferentes o
que leva prever e solucionar possíveis mal-entendidos culturais.
A paz global e a interpessoal, a satisfação de poder estabelecer uma relação
intercultural de forma equilibrada e o autoconhecimento, que gera ter um contato
mais profundo com o outro, são alguns dos motivos para nos interessar pela Co-
municação Intercultural.
A tradição terminológica europeia do conceito de interculturalidade perpassa
por outros conceitos como multiculturalidade e pluriculturalidade. O documento
normativo sobre o ensino e aprendizagem de línguas Quadro Europeu Comum de
referência para as línguas (2001) sugere que os usuários de uma Segunda Língua (L2)
desenvolvam habilidades comunicativas a partir de suas experiências e dos contatos com
outras línguas. É assim que o documento busca incentivar usuários se aproximarem
de outras comunidades ou regiões e, desse modo, movimentem processos econômicos,
educativos ou cotidianos que ajudem a reforçar à pluriculturalidade e o plurilinguismo.
Cabe destacar que o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas
(2001) é quase um documento excepcional em matéria educativa, pois é o único que
208 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
BENNETT, M. J. A developmental approach to training intercultural
sensitivity. In: J. Martin (Guest Ed.), Special Issue on Intercultural Training,
International Journal of Intercultural Relations, V. 10 (2), p.179-186, 1986.
Conceito é uma palavra derivada do latim conceptus e significa ação de conter, ato
de receber, germinação, fruto, feto, pensamento, indicando em geral o ato de conceber.
Como toda palavra, conceito tem múltiplos sentidos e usos na linguagem ordinária,
sendo para a filosofia talvez a palavra conceito mais abrangente e nuclear, a partir
da qual se pode interpretar toda a história do pensamento especulativo nascido na
Grécia e desenvolvido até a contemporaneidade. É precisamente o problema central
da filosofia: O que é um Conceito? É também uma palavra que exprime um pro-
cesso histórico limitado ao mundo dominante que se tornou a cultura europeia e
sua diáspora ocidentalocênntrica em seu meme replicante, ignorando os modos como
outras culturas humanas tratam algo que para elas poderia se dizer “conceito” como
palavra nuclear.
É preciso atentar para o fato de que os sentidos atribuídos à palavra “conceitos”
são sempre sentidos situado em ambientes vitais dos falantes. O que caracteriza o ser
humano como pertencente ao mundo da vida com sua propriedade de pensamento
distinto dos modos de pensamento das outras espécies vivas em sua multiplicida-
de operante, ativa. E como a palavra conceito é um signo linguístico humano que
tem datação histórica na cultura grega e usos nas línguas modernas neolatinas ou
anglo-germânicas, contempla o sentido de uma questão fundamental em todas
as ciências praticadas por cientistas e investigadores do mundo da vida e suas leis,
limites e possibilidades. A pergunta por aquilo que um conceito é a procura pelo
sentido atual de um Conceito de Conceito.
É preciso ter presente se tratar do “conceito de um conceito”, podendo constituir
um poderoso meio de ação de compreensão de sentidos vitais reunidos em conceitos
de uso corrente nas práticas epistemológicas de produtores de conhecimento e seus
contextos vitais, sua ecologia própria (ambiental-social-mental).
Antes de apresentar sentidos do “conceito de um conceito”, é útil a indicação
dos diversos usos da palavra em nossa língua portuguesa ordinária. Sendo o pro-
duto da faculdade de conceber, conceito quer dizer também a “faculdade intelectiva
e cognoscitiva do ser humano” e, por extensão, mente, espírito, pensamento. Indica
igualmente a compreensão do que alguém tem de uma palavra, indicando a noção, con-
212 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
cepção, ideal. Indica também opinião, ponto de vista, convicção, podendo ser também
um dito original e engenhoso, ditado, máxima, sentença. É amplamente usado como
conclusão moral de um conto ou narrativa, moral da história. Apresenta uma ideia ou
dito conciso, resumo, conceituação de algo. Nas relações interpessoais quer significa a
reputação que goza uma pessoa por parte do grupo no qual trabalha ou convive, ou do
público, da sociedade etc., a fama de alguém.
A palavra é também vastamente usada no sistema de avaliação simplificada,
cujo foco avaliativo recai no aproveitamento e na conduta dos alunos, expressa pelas
cinco primeiras letras do alfabeto: A, B, C, D, E, em escala decrescente, o que cor-
responde a uma nota classificatória e comparativa. No campo específico da filosofia,
o uso genérico indica “a representação mental de um objeto abstrato ou concreto,
que se mostra como instrumento fundamental do pensamento em sua tarefa de
identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade”.
Na tradição racionalista, desde Platão (427-348 a. C. até Hegel (1770-1831),
“conceito” é a “manifestação da essência ou substância do mundo real”. Em outra
linha, mais tradicional que compreende o estoicismo grego, o nominalismo medieval
e o empirismo moderno, a palavra indica “um signo ou representação linguística
que mantém uma relação significacional, não ontológica, com os objetos do conhe-
cimento. Neste sentido, indica a noção abstrata contida nas palavras de uma língua
para designar, de modo generalizado e estável, as propriedades e características de
uma classe de seres, objetos ou entidades abstratas”. Desse modo, um conceito possui
a ideia de extensão e compreensão, sendo a extensão o número de elementos da classe
definida (animal é mais extenso do que vertebrado), e a compreensão, o conjunto dos
caracteres que constituem determinada definição (vertebrado, não incluindo todos
os animais, detalha melhor). Em alguns jogos, como nas charadas, nos logogrifos e
outros semelhantes, é a palavra, expressão ou frase que indica a sua solução.
A palavra latina conceptos possui o elemento de composição cap-, antepositivo
do verbo capio,is,cepi,captum, capere, significando tomar, agarrar, pegar, apanhar,
apossar-se, como também sofrer, padecer, ser impedido, ganhar, cativar, chamar a si,
seduzir, enganar, iludir, bem como escolher, eleger, conter, encerrar, levar, admitir,
comportar, conceber, entender, ganhar, alcançar, chegar a, obter e outros. Essas
possibilidades do antepositivo cap- pode apresentar os seguintes radicais: a) radical
vulgar cab- (em uso a partir do século XI d. C.) gerando palavras como cabaz,
cabazada, cabazeiro, cabear, cabeio, caber, cabida, cabimento, cabível, cabo, corda,
amarra e outros; b) radical culto cap- (em uso desde o século XV d. C.) compondo
as palavras capacidade, capacimetria, capacímetro, capacimétrico, capacíssimo,
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 213
a capturar seu sentido polissêmico e polilógico inevitável, pois o conceito uma vez
dito e expresso é meio de possíveis desenvolvimentos rizomáticos na apreensão de
um devir-conceito. É quando os conceitos se tornam “próprios e apropriados” (veja-se
Filosofia própria e apropriada). Escolhemos Deleuze & Guattari como pretexto para
se conceber um conceito a partir de uma apropriação de sentido em sua dinâmica de
relação e de acontecimentos irredutível e incomparável. Seguir-se-á o texto apresen-
tando-o sempre em itálico para proporcionar maior grau de sedução em sua possível
compreensão apropriadora.
Não há conceito simples. Eis uma primeira afirmação abrindo o campo de pos-
sibilidades do que se segue como composição do sentido ou sentidos de um conceito.
Assim, todo conceito tem componentes e se define por eles. Tem, portanto, uma cifra. É
uma multiplicidade, mas nem toda multiplicidade é conceitual. Não há conceito de
um só componente, não há um primeiro conceito simples porque mesmo aquele que
dá início ao surgimento da filosofia grega é um conceito com antecedentes e partes
distintas em sua composição, apresentando-se sempre em perspectiva, um ponto de
vista ou determinada razão.
Cada filósofo começa sua atividade pensante de um conceito próprio, portan-
to, sempre diferente do conceito inicial de outros filósofos, e nenhum deles tem o
mesmo conceito de começo. Todo conceito é ao menos duplo ou triplo, ou quádruplo,
ou décuplo ou duodécuplo, ou qualquer outra variação numérica. Não há conceito
completo, pois assim ele seria um puro e simples caos, mesmo os pretensos universais,
como conceitos últimos, devem sair do caos circunscrevendo um universo que os explica
(contemplação, reflexão, comunicação...).
O contorno de todo conceito é irregular, definido pela cifra de seus componentes.
Por isso, entre os filósofos, de Platão a Bergson, se encontra a ideia do conceito como
articulação, corte e superposição. É um todo porque totaliza seus componentes, mas um
todo fragmentário, infinitesimal. E sendo fragmentário pode sair do caos mental, que
não cessa de espreitá-lo, de aderir a ele, para reabsorvê-lo. Mas, sob quais condições um
conceito é primeiro, não absolutamente, mas com relação a um outro? Os exemplos
dados esclarecem a direção do questionamento. Quem vem primeiro o outro (outrem)
ou o eu? A resposta depende da posição dos componentes. O outro (outrem) é para
um eu, um eu é também outro. Desse modo, todo conceito remete a um problema, a
problemas sem os quais não teria sentido, e que só podem ser isolados ou compreendidos
na medida de sua solução.
Diante do problema do outro se evidencia um problema atinente à pluralidade
dos sujeitos em suas relações e apresentações recíprocas. E para os autores, tudo muda
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 215
É importante dizer que todo conceito tem uma história. Por exemplo, o conceito
de outrem delimitado na citação acima remete a Leibniz, aos seus mundos possíveis
e à mônada como expressão de mundo. Mas não se trata do mesmo problema porque
os possíveis de Leibniz não existem no mundo real. Outrem também remete à lógica
modal das proposições, mas, diferentemente do modo como Deleuze e Guattari
compreendem por outrem, a lógica modal das proposições não confere aos mun-
dos possíveis a realidade correspondente a suas condições de verdade (mesmo quando
Wittgenstein encara as proposições de medo ou de dor, não vê nelas modalidades expri-
míveis numa posição de outrem porque deixa outrem oscilar entre um outro sujeito e um
objeto especial). Os mundos possíveis têm uma longa história. Assim, todo e qualquer
conceito tem uma história, mesmo sendo uma história recortada e acidentada em
seus desdobramentos, cruzando outros problemas ou outros planos diferentes. Num
conceito há, no mais das vezes, pedaços ou componentes vindos de outros conceitos, que
respondiam a outros problemas e supunham outros planos. De qualquer modo, cada
conceito opera um novo corte, assume novos contornos, deve ser reativado ou recortado.
Por outro lado, um conceito possui um devir concernente a sua relação com
conceitos situados no mesmo plano. Neste caso, os conceitos se acomodam
uns aos outros [...], compõem seus respectivos problemas, pertencem à mesma
filosofia, mesmo se têm histórias diferentes. Todo conceito tem um número
finito de componentes, e por isso bifurcará sobre outros conceitos, compostos
de outras maneiras, constituindo diferentes regiões do mesmo plano e respon-
dem a problemas conectáveis, participando de uma cocriação. Um conceito
exige, além de um problema sobre o qual remaneja ou substitui conceitos
precedentes, uma encruzilhada de problemas em que se alia a outros conceitos
coexistentes. O exemplo dado esclarece a posição inventada:
No caso do conceito de Outrem, como expressão de um mundo possível
num campo perceptivo, somos levados a considerar de uma nova maneira os
componentes deste campo: outrem, não mais sendo nem um sujeito de campo,
nem um objeto no campo, vai ser a condição sobre a qual se redistribuem, não
somente o objeto e o sujeito, mas a figura e o fundo, as margens e o centro,
o móvel e o ponto de referência, o transitivo e o substancial, o comprimento
e a profundidade. Outrem é sempre percebido como um outro, mas, em
seu conceito, ele é a condição de toda percepção, para os outros como para
nós. É a condição sob a qual passamos de um mundo a outro. Outrem faz o
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 217
mundo passar, e o “eu” nada designa senão um mundo passado (“eu estava
tranquilo...”). Por exemplo, Outrem basta para fazer, de todo comprimento,
uma profundidade possível no espaço, e inversamente, a tal ponto que, se
este conceito não funcionasse no campo perceptivo, as transições e invenções
se tornariam incompreensíveis, e não necessariamente de nos chocar contra
as coisas, o possível tendo desaparecido. Ou ao menos, filosoficamente, seria
necessário encontrar uma outra razão pela qual nós não nos chocamos... É
assim que, a partir de um plano determinável, se passa de um conceito a um
outro, por uma espécie de ponte: a criação de um conceito de Outrem, com
tais componentes vai levar à criação de um novo conceito de espaço perceptivo,
com outros componentes, a determinar (não se chocar, ou não se chocar demais,
fará parte de seus componentes). (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 30-31)
9
No pensamento de Duns Scotus (1265-1308), há o caráter particular, individual, único de um
ente, que o distingue de todos os outros; ecceidade, ipseidade. O termo foi recuperado no século
XX pelo heideggerianismo. (HOUAISS, 2005).
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 219
O conceito é infinito por seu sobrevoo ou sua velocidade, e finito pelo movi-
mento que traça o contorno dos seus componentes. A maneira pela qual um conceito
permanece absoluto é a maneira pela qual o conceito criado se põe nele mesmo e
com outros.
A relatividade e a absolutidade do conceito são como sua pedagogia e sua on-
tologia, sua criação e sua autoposição, sua idealidade e sua realidade. Real sem
ser atual, ideal sem ser abstrato... O conceito define-se por sua consistência,
endoconsistência e exo-consistência, mas não tem referência: ele é autorrefe-
rencial, põe-se a si mesmo e põe seu objeto, ao mesmo tempo que é criado.
O construtivismo une o relativo e o absoluto.
Enfim, o conceito não é discursivo, e a filosofia não é uma formação discursiva
porque não encadeia proposições. É a confusão do conceito com a proposi-
ção que faz acreditar na existência de conceitos científicos e que considera a
proposição como um verdadeiro “intensão” (o que a frase exprime): então, o
conceito filosófico só aparece, quase sempre, como uma proposição despida
de sentido. Esta confusão reina na lógica e explica a ideia infantil que ela
220 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
como “criação de conceitos”. A ciência cria funções, a filosofia cria conceitos, a arte
cria perceptos e afetos, a mística cria fusões e intuitos (este último modo de criação
foi acrescentado por Galeffi em sua teoriação polilógica. (Cf. o verbete Teoriação
Polilógica neste compêndio).
O fato é que falamos sempre de nomes próprios quando falamos de uma dada
criação: o Teorema de Pitágoras, a Geometria de Euclides, as Coordenadas de Car-
tesio, o Número de Hamilton, a Função de Lagrange, a Ideia de Platão, o Cogito
de Descartes, a Relatividade de Einstein etc. Entretanto, há uma diferença entre os
nomes próprios da ciência e da filosofia. Os nomes próprios das ciências são másca-
ras para outros devires, servem apenas como pseudônimos de entidades singulares
mais secretas, mais misteriosas. E se as proposições tratam de observadores parciais
extrínsecos e que são cientificamente definíveis em relação a eixos de referência, os
conceitos são personagens conceituais intrínsecos que impregnam os seus planos de
consistência. E mesmo exprimindo-se por frases, a filosofia não extrai das frases em
geral apenas proposições, como afirmam Deleuze e Guattari:
Por enquanto dispomos apenas de uma hipótese muito ampla: das frases ou
de um equivalente, a filosofia tira conceitos (que não se confundem com ideias
gerais ou abstratas), enquanto a ciência tira prospectos (proposições que não
se confundem com juízos), e a arte tira perceptos e afetos (que também não se
confundem com percepções ou sentimentos). Em cada caso, a linguagem é
submetida a provas e usos incomparáveis, mas que não definem a diferença
entre as disciplinas sem constituir também seus cruzamentos (DELEUZE;
GUATTARI, 2000, p. 37).
Afinal, haveria um melhor plano para os conceitos, eles poderiam ser compa-
rados e hierarquizados? Seu plano é melhor do que o de outrem? Em que medida
existiria os melhores planos? É inútil dizer algo sobre a comparação classificatória de
conceitos, só revelaria um jogo de privilégios, jogo pelo poder “para si”: afirmação
do diferente da diferença, como dizem os autores:
Os planos, é necessário fazê-los, e os problemas, colocá-los, como é necessário
criar os conceitos. O filósofo faz o que pode, mas tem muito a fazer para saber
se é o melhor, ou mesmo se interessar por esta questão. Certamente, os novos
conceitos devem estar em relação com problemas que são os nossos, com nossa
história e sobretudo com nossos devires. Mas que significam os conceitos de
nosso tempo ou de um tempo qualquer? Os conceitos não são eternos, mas
são por isso temporais? Qual é a forma filosófica dos problemas deste tempo?
Se um conceito é “melhor” que o precedente, é porque ele faz ouvir novas
variações e ressonâncias desconhecidas, opera recortes insólitos, suscita um
Acontecimento que nos sobrevoa. Mas não é já o que fazia o precedente? E se
222 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Para os autores, é por isso que os filósofos não encontram prazer em discutir.
Todo filósofo foge quando ouve a frase: vamos discutir um pouco. As discussões são
boas para as mesas-redondas, mas é sobre uma outra mesa que a filosofia joga seus
dados cifrados (p. 41). O problema é que os interlocutores nas discussões nunca fazem
avançar a criação de um novo conceito porque cada um fala de coisas diferentes e, na
maioria das vezes, ninguém se ouve. É diferente do diálogo em que o que importa é
fazer avançar a criação de novos conceitos compartilhados pelos dialogantes. Para os
autores, a comunicação vem sempre cedo demais ou tarde demais, e a conversação
está sempre em excesso com relação a criar.
Fez-se da filosofia também uma imagem de comunicação, como quando
se propala uma “racionalidade comunicativa” ou uma “conversação democrática
universal”. A inexatidão aqui é total porque quando um filósofo critica um outro é
sempre a partir de problemas e de um plano que não são do outro e nem os convo-
ca a investigá-los. Na crítica, antigos conceitos são fundidos, como se pode fundir
um canhão para fabricar novas armas. Ninguém se encontra no mesmo plano que
outro. Por isso, criticar é somente constatar que um conceito se esvanece, perde seus
componentes ou adquire outros novos que o transformam, quando mergulhado
em novo meio. Os que criticam sem criar são a chaga da filosofia. Animados pelo
ressentimento, os discutidores/comunicadores só falam de si mesmos confrontando
generalidades vazias. A figura de Sócrates é paradigmática em relação ao conceito. Ele
fez do amigo o amigo exclusivo do conceito, e do conceito o impiedoso monólogo
que elimina um após o outro, todos os rivais. Para os autores,
Em toda parte, reencontramos o mesmo estatuto pedagógico do conceito:
uma multiplicidade, uma superfície ou um volume absoluto, autorreferentes,
compostos de um certo número de variações intensivas inseparáveis, segundo
uma ordem de vizinhança, e percorridos por um ponto em estado de sobrevoo.
O conceito é o contorno, a configuração, a constelação de um acontecimento
por vir. Os conceitos, neste sentido, pertencem de pleno direito à filosofia
porque é ela que os cria, e não cessa de criá-los. O conceito é evidentemente
conhecimento, mas conhecimento de si, e o que ele conhece é o puro acon-
tecimento, o que não se confunde com o estado de coisas no qual se encarna
(DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 46).
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 223
REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? 2.ed. Rio de Janeiro:
Editora 34, 2000.
REFERÊNCIAS
BRAIT, Beth. O texto nas reflexões de Bakhtin e do Círculo. In: BATISTA,
Ronaldo de Oliveira (Org.). Texto e seus conceitos. São Paulo: Parábola, 2016,
p. 13-30.
CONCLUSÃO
No seu artigo Connectivism: A Learning Theory for the Digital Age, George
Siemens apresenta uma teoria alternativa de aprendizagem, adaptada à nova realidade
tecnológica e à sociedade em rede. O Conectivismo postula que o conhecimento se
constrói através de uma rede de conexões, sendo a aprendizagem a capacidade de
construir conhecimento em conexão. Nesse sentido, o conhecimento está disponível
por meio de redes, e o ato de aprender não é mais do que a capacidade de construir
uma ampla rede de conexões.
Para o conectivismo, ensinar, além de ser a capacidade de fazer com que o
sujeito seja capaz de ativar o conhecimento conhecido até o ponto da aplicação,
é também mediar situações para que o sujeito encontre o que necessita. Aprender
significa que o conhecimento é distribuído por meio de uma rede de conexões e,
portanto, a aprendizagem consiste na capacidade de construir e percorrer essas redes.
Para Siemens (2004), aprendizagem e conhecimento apoiam-se na diversidade
de opiniões e posições, que seriam possíveis por meio das conexões realizadas em rede.
No contexto atual, o ensino e a aprendizagem estão sendo desafiados como
nunca, com informações, conhecimentos múltiplos e diferentes visões de mundo.
Dessa forma, educar se tornou atividade desafiadora, acompanhando a complexidade
da sociedade. É necessário repensar a educação, reaprender a ensinar, a participar
com os alunos da construção de novos conhecimentos. Precisa-se de uma escola que
possa aceitar o desafio das mudanças e possa atender as necessidades de formação
de uma geração que já se encontra vivenciando o mundo midiático.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 229
REFERÊNCIAS
SIEMENS, George. Connectivism: A Learning Theory for the Digital Age.
Disponível em http://www.elearnspace.org/Articles/connectivism.htm. Acesso em
1.nov. 2017.
só foi possível porque Freud pensou primeiro. Crescimento e evolução somente são
possíveis, se houver uma gênese.
Freud tentava proteger-se, pois mudanças de paradigma de forma geral despres-
tigiam não o pensamento, nem a ciência, mas o cientista que a defende e a sustenta,
por isto há resistência às mudanças.
Recentemente, li o livro A estrutura das revoluções científica, de Thomas Khun
(2013) e me identifiquei com seus postulados em vários aspectos. Sua trajetória
incomum, de físico para historiador, e depois filósofo, fez com que eu me sentisse
a vontade, pois também tenho uma trajetória múltipla, tendo migrado de Arquite-
tura para Nutrição, áreas distintas e agora estou na docência em Educação. Khun
graduou-se físico e logo depois passou a integrar uma congregação de estudos em
Harvard, período que ele próprio designa como oportunidade para estudar sobre
vários temas. Assim está acontecendo comigo no doutorado que estou cursando, o
melhor que poderia fazer, em área diferente da nutrição com possibilidade de fazer
contato com áreas do conhecimento que a nutrição não me proporcionaria. Agradeço
aos meus discentes pela oportunidade de buscar múltiplos saberes.
Khun testou sua concepção de ciência que ainda estava em desenvolvimento.
Em 1952, ele foi convidado para lecionar História da Ciência e agradeceu aos es-
tudantes pela oportunidade que teve para estudar. Em 1959, recebeu um convite
para escrever um ensaio para a Behavioral Sciences. Para tanto, ele teve contato com
cientistas sociais. A partir do ensaio, nasceu o livro: A estrutura das revoluções cientí-
ficas, no qual ele afirma que uma nova teoria não substitui uma antiga por ser mais
verdadeira, e sim por causa de uma mudança de concepção de mundo.
Ao longo do livro, o autor faz uma análise do papel dos fatores exteriores à
ciência, que proporcionaram, em momentos de crise, o surgimento de novos para-
digmas e a transformação do pensamento científico e da prática correspondente.
Vive-se um momento de intensas e rápidas mudanças. Alguns profissionais das áreas
sociais, humanas e de saúde estão preocupados com a repercussão dessas mudanças
nas estruturas sociais. O número crescente de distúrbios psicológicos e doenças de
ordem emocional, principalmente na população mais jovem, exige uma reflexão:
seria este um momento de mudança de paradigma?
Khun cita Kant como tendo sido, antes de si mesmo, o introdutor da ideia de
revolução científica, conceito que ele vai usar muitas vezes em seu livro, só não o
fazendo mais do que a palavra paradigma. Ele destaca que novas teorias, como a teoria
quântica e a teoria da relatividade, que hoje parecem naturais, na ocasião causaram
reações turbulentas e perturbadoras. Seu ensaio apresenta uma crítica ao trabalho da
232 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Ciência Normal, como sendo teorético, que, em sua base, essa Ciência não objetiva
inovar-se, que os problemas de pesquisa não visam produzir efetivas novidades.
O autor provoca os cientistas ao declarar que as descobertas precisam de pessoas
que se aventurem fora dos limites normais de sua especialidade (interdisciplinaridade),
que aceitem colocar em risco sua carreira, trabalhar sozinhos. Comenta como resultado
de suas observações que, em alguns casos, os cientistas inovadores têm medo de dizer
aos colegas o que estão estudando, pelo receio de serem excluídos. Alguns cientistas
se acomodam, outros continuam observando e fazendo novos questionamentos que,
por sua vez, vão violar expectativas arraigadas e levar à evidência de que o projeto
da Ciência Normal tem que ser refeito! Neste momento, observações provocam
o surgimento de outro fator que consiste na emergência gradual e simultânea do
reconhecimento de novos planos conceituais. Movimentos científicos acontecem
simultaneamente em vários laboratórios que acabam preparando o caminho para as
mudanças. Finalmente, acontecem as mudanças de categoria e procedimentos. As
novas descobertas ampliam domínios, modificam campos existentes. Um estranho
mundo novo se configura. Tudo que é novo produz, de forma geral, certo temor nas
pessoas. De forma diferente, Jung preferiu correr riscos e não teve medo de expressar
suas ideias, trazendo a luz para a ciência da Psicologia.
Khun identificou que, durante o processo de mudança, existe um período
pré-paradigmático, marcado por debates. Existe a percepção do que ele denomina
como anomalia: “[...] acontece algo quando não deveria acontecer”, para o qual não
se encontram explicações. As especulações indicam a consciência da anomalia e
a percepção de algo errado é o prelúdio da descoberta. Depois vem um período de
transição que produz novas escolas e não acordos, pois os debates continuam durante
novo paradigma. Existem revoluções grandes e pequenas, algumas mudanças de
paradigma acontecem em subgrupos de uma ciência (como aconteceu na psicologia).
Esse momento de percepção gera resistência, a Ciência Normal vai aumentando a
precisão do método na busca de responder aos questionamentos que vão surgindo,
fazendo ajustes. Esse processo de ampliação é importante na consciência da anomalia
e consequente processo da descoberta.
Segundo o autor, percebe-se que a anomalia precisa ser muito grande para
desencadear uma crise. Em geral, os pesquisadores mais jovens e novatos são pouco
comprometidos com as regras tradicionais da Ciência Normal e tendem a questionar.
Considerando que os jovens e adolescentes de hoje estão sendo pouco motivados a
refletir, pergunto: Qual será o ‘tipo’ de ciência ou de atitude científica que teremos
daqui a alguns anos?
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 233
e, segundo Khun (2013), “[...] a verdade surge mais facilmente do erro do que da
confusão”. Aparentemente, parecia ser um erro Jung argumentar com Freud, mas
foi esse posicionamento que permitiu o surgimento da psicologia cognitiva.
Na contemporaneidade, a chamada Ciência Normal se encontra fechada em suas
categorias e teorias, enquanto as Humanidades (Filosofia e demais ciências humanas)
estão analisando os seres humanos, suas individualidades, emoções e articulações
sociais, muitas vezes desconsiderando aspectos biológicos e físicos.
Morin (2007) propõe uma abertura e uma articulação entre essas áreas do
conhecimento, com objetivo de compreender a complexidade da vida humana, do
planeta e das interações que são produzidas entre as pessoas e delas com o meio am-
biente. Os problemas em nosso planeta, em todos os seus aspectos, são transversais.
A desconsideração da multiplicidade de relações que existe entre os seres humanos,
seus equipamentos construídos e o meio ambiente, da existência de um planeta e
das interações produzidas pelo ser humano sobre este lugar de morada, provocou
desastres ecológicos e ambientais devastadores, para não falar de problemas emo-
cionais decorrentes desse estranho e admirável mundo novo.
Faz-se necessário o pensamento do contexto e do complexo, que capte as relações,
inter-relações, fenômenos multidimensionais, realidades solidárias e conflitivas e o
respeito à diversidade. Khun já falava da racionalidade e do cientificismo complexi-
ficado (KHUN, 2013). Compreender que a nossa lucidez depende da complexidade
do mundo e da organização de nossas ideias. Assim como Khun, Morin inclui e faz
conexões com Kant, ao citar sua frase: “[...] educação depende de luzes, no mesmo
tempo que as luzes dependem da educação”. Cabe ao educador lançar luzes sobre os
caminhos que levarão o estudante ao processo de conhecimento. O conhecimento que
precisa ser vivenciado e construído é complexo. Em seu significado mais profundo, a
palavra complexidade significa abraçar. O educador precisa abraçar, demonstrar amor
por seus estudantes e para com a matéria e o conteúdo que ensina; precisa estimular
o aprender. Ligando esses talentosos pensadores, Morin (2007) cita o contemporâneo
Mandelbrot que afirma que “[...] uma das ferramentas mais poderosas da ciência, a
única verdadeiramente universal, é o contrassenso manejado por um investigador
de talento”, a exemplo de Thomas Khun e Edgar Morin.
Esses autores produziram conhecimento a partir de suas vivências e reflexões
ao mesmo tempo em que buscaram se aproximar de áreas diferentes. Apropria-
ram-se do conhecimento produzido pela observação de outros estudiosos na busca
de solucionar questões e problemas com os quais se confrontavam. Expressaram
inquietações, pensamentos e, dessa forma, puderam contribuir e produzir mais
236 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
conhecimento. Cada pessoa possui múltiplas habilidades. Todo sujeito precisa ser
motivado a refletir, ser confrontado com problemas que o façam buscar soluções.
Convém que essa experiência seja em grupo, de forma interativa, compartilhada por
meio da vivência, troca de ideias, da colaboração e da cooperação para que possam
produzir conhecimento e encontrar soluções práticas para os problemas com os quais
os indivíduos, a comunidade e o planeta têm se confrontado.
REFERÊNCIAS
GALEFFI, Dante Augusto. Recriação do educar. Epistemologia do educar
rransdisciplinar. Berlin: Novas Edições Acadêmicas, 2017.
GLEICK, James. Caos: a criação de nova ciência. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
REFERÊNCIAS
ARDOINO, J. Abordagem Multirreferencial (plural) das situações educativas
e formativas. In: BARBOSA, Joaquim (Coord.). Multirreferencialidade nas
ciências e na educação. Tradução de Rosângela B. de Camargo. São Carlos:
EdUFSCar, 1998. p. 24-41.
Lela Queiroz
1
Embodied
240 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
2
Gerald Edelman neuro Darwinism.
3
“Development is not simply the realization of an internal program: it is not an unfolding. The outside
matters.” Tradução da autora,.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 241
rando a visão externalista do fenômeno — de fora para dentro — bem como a visão
internalista do fenômeno — de dentro para fora, refutando uma concepção dualista,
redutora para corpo e mente, presa à estrutura diádica sujeito e objeto.
Corporalizar implica mudança expressiva sobre a compreensão fenomênica,
por significar uma transformação macro em que o corpo vivo se configura um sis-
tema em que uma constelação de combinatórias vem necessária e estruturalmente
acopladas ao ambiente. Macrossistema corpo vivo abarca o genótipo e fenótipo de
sistemas corporais, multidimensionados, em fluxo inestancável, em trânsito dentro-
-fora-dentro,4 na circuitação entre meios. Nessa perspectiva, sistemas vivos são da
ordem do complexo, movimento é percepção e informação dos sistemas corporais,
sinalizantes no ambiente (QUEIROZ, 2009). Processos Soma no organismo implica
que se deem de forma não linear, pelo parâmetro de mudança, em auto-organização.
Sem progressão linear, o caos faz parte do processo, em ondas que se sobrepõem
em cada padrão e se integram e são modificados pela emergência de novos
padrões. Possivelmente todos os padrões podem estar contidos em cada um
dos outros (COHEN, 1993: 1).
Apontados o caos e a não progressão linear por ondas sobrepostas, afirma-se
o dinamicismo. Tal forma de compreender a emergência de padrão, podendo se
tornar altamente estável no organismo ou permanecer instável, afirma o princípio
de estabilidade-mobilidade. “[...] Essa auto-organização, nós sustentamos, é um
traço essencial do comportamento dos sistemas biológicos em todos os níveis de
organização”.5 (THELEN, 1995:83).
A emergência de um novo padrão se dá como uma mudança de categorização
interna, que assume regime atrator próprio, e fortalece-se em ocorrência, por um
tempo, ou desmantela-se sem atrator, sem o que o sustente. Quando é sustentado
pelo organismo, assume regularidade como padrão, se torna parte da rotina cognitiva,
consciente ou não, no organismo.
Nesse sentido, corporalizar difere radicalmente de incorporar, corporificar, en-
carnar, personificar, ficando mais próximo do domínio dos processos de transdução,
transmutação e transformação do que dos imperativos do domínio de crença, transmissão
e recepção. Para a definição do conceito, está implicada a poética da transformação dos
sistemas corporais de BMC®, vertente experiencial, não linear, indeterminista, múltipla
e plural de conhecimento, sendo, a Corporalização em movimento, a sua práxis.
4
fora para dentro, dentro para fora, de fora para dentro para fora, de dentro para fora para dentro,
variáveis em circuitações.
5
“This self-organization, we maintain, is an essential feature of behavior of biological systems at any level
of organization”. Tradução da autora.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 243
6
‘Embodiment is not what you think it is’.
7
Título do projeto de pesquisa do GPDC-3 entre 2011 e 2013, relativo à operação entre confabu-
lar e copular, um termo inventado para falar do processo de auto-organização em curso no corpo.
Corpulação, da autora.
8
Defendida como hipótese da autora em “Corpo, Mente, Percepção: Movimento em BMC® e
Dança”, tese de doutorado da autora publicada com apoio da FAPESP pela Annablume, 2009.
244 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
George Lakoff afirma que o inconsciente cognitivo abrange 95% dos processos
que ocorrem conosco. São processos que ocorrem abaixo do nível cognitivo cons-
ciente, em estado de vigília, rápidos demais para prestarmos atenção. Estes 95% são
responsáveis por boa parte dos preparos, conexões e disparos, mapeamentos e cate-
gorizações, antecedendo a margem do que se torna consciente em nós. São operações
vitais e indispensáveis, que se dão em profusão espalhadas pelo corpo. A hipótese
9
Filósofos de Berkeley, formuladores da filosofia da carne.
246 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
COHEN, Bonnie. Uma Introdução ao Body Mind Centering. Tradução de
Patrícia Lima Caetano. In: GIPE-CIT, n.18, p. 36, Salvador, 2008.
HARTLEY, Linda. Wisdom of the body moving. Berkeley: Ed. North Atlantic
Books, 1989
No início do século XX, a invasão colonial belga, chefiada por Leopold II, na
bacia do Congo, teve como objetivo exterminar fisicamente e estruturalmente as
comunidades bantu ali estabelecidas, resultando num dos maiores genocídios pra-
ticado por europeus na história da humanidade; as atuais pesquisas apontam para
o assassinato de aproximadamente 10 milhões de congoleses (50% da população na
época). Esse é o período onde as instituições tradicionais congolesas mais impor-
tantes foram sistematicamente destruídas. Boko1, a mais popular e mais importante
1
Segundo FU KIAU (2015), As escolas BântuKôngo ensinaram que o conhecimento não está em
nós. Está fora de nós. E, como tal, as crianças Bântu em geral e o povo Kôngo, em particular, eram
ensinados, desde a mais tenra idade, a andar no mato/floresta, a mais documentada biblioteca
natural, onde eles podiam encontrar informação para sua sobrevivência. Esse processo de aprendi-
zagem era realizado igualmente através de escolas especializadas ou através de grandes iniciações.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 251
escola foi destruída; foram proibidas instituições sociais e políticas; e Kânda, a base
estrutural da gestão da vida comunitária africana congolesa, com um alto padrão
organizacional, foi destruído.
A partir de 1960, com a independência do Congo, atual Zaire, o principal
objetivo das pessoas foi construir um país com valores culturais e tradicionais que
considerassem as particularidades regionais. Valores profundamente enraizados
nas organizações sociais e nas legislaturas não escritas tradicionais, o fu-kia — nai,
retomaram os sistemas socioestruturais racionais. A sobrevivência dessas tradições
orais mostra que a palavra dita tem mais força e perenidade que a palavra escrita
considerando as formas da pedagogia iniciática negro africana que, apesar de es-
tabelecida em formas diferenciadas no continente africano, preservaram sistemas
filosóficos de mundo, inclusive trazendo-os para as regiões da diáspora negra africana.
O povo Bantu era altamente tecnológico com uma concepção do mundo es-
truturada filosoficamente na ancestralidade e nas tradições bantu, onde a narrativa
de mundo e a consciência cósmica valiosa gerou um instrumento metodológico2
(Cosmograma) para interpretação da realidade dos africanos e seus descendentes
em todo o mundo.
O próprio entendimento bakongo do que é o homem na sua integralidade já
nos mostra a compreensão diferenciada desse povo com relação ao desenrolar da
vida. Para eles, o homem é composto de corpo (nitu), o sangue (menga), que é a sede
da alma espiritual (moyo), e o nome.
O moyo é sentido como o princípio específico do homem e, sobrevivendo à morte
física, passa a viver com os antepassados. A alma dupla (nfumu nkutu), semelhante
à alma sensitiva, é o princípio da percepção sensível e completa a personalidade
Para o Kôngo, a não ser pelas grandes iniciações, todo conhecimento era comunicado por meio de
numerosas escolas que cada mestre, ngânga, ou artesão emérito, organizava em volta dele próprio.
Grandes iniciações ou alta aprendizagem eram dadas por três razões principais:
1. era, biologicamente, um processo social requerido por meio do qual se alcançava a posição
social de mulher/homem adulta (o) Kimbuta;
2. era, intelectualmente, um processo por meio do qual se devesse ter os olhos abertos bulwa mèso
aos princípios fundamentais de vida e viver nkîngu miangudi mia lutufu lwa môyo ye zingu, espe-
cialmente aqueles relacionados às leis naturais n’siku miamena.
3. por fim, era, espiritualmente, um processo por meio do qual se tinha que descobrir o círculo de
vida dikenga dia môyo e seu centro didi interiormente e exteriormente, a descoberta de sua própria
visão de mundo e o poder de levantar-se verticalmentetelama lwîmbangânga nos seus pés antes de
andar horizontalmente para encontrar os desafios do mundo ntembe za nza.
2
Para usarmos uma representação mais palatável aos leitores que estão acostumados com o referen-
cial conceitual filosófico europeu ocidental branco e cristão, deixando grifado que muitos desses
conceitos não conseguem contextualizar o sentido dos eventos citados.
252 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
humana. Reside no ouvido e é a energia que alegra nossos sons e percepções visuais,
os sentidos primeiros que nos remetem ao (re)conhecimento, ao estranhamento, à
alegria. Pode andar errante durante as síncopes e o sono. Origina a sombra que se-
gue o homem. Desaparece à hora da morte. O nome, quarto elemento, deve mudar
sempre que se dá uma mudança substancial na pessoa.
Segundo Fu Kiau (2016, p. 134),
O tempo para o povo Kongo é uma “coisa” cíclica. Não tem um começo nem
um fim. Graças aos “Dunga” (acontecimentos), o conceito de tempo é entendido
e pode ser compreendido. Esses “dungas”, sejam naturais ou artificiais, bioló-
gicos ou ideológicos, materiais ou imateriais, constituem o que é conhecido
como “n`ka-ma mia ntangu” em Kikongo, que significa “represas do tempo”.
São essas represas do tempo que tornam possíveis tanto o conceito quanto a
divisão do tempo entre os Bantu-Kongo. Assim, o tempo é, ao mesmo tempo,
concreto e abstrato. No nível abstrato, o tempo não tem começo nem fim.
Ele existe por si só e flui através dele mesmo, com seus próprios acordos. No
entanto, em nível concreto, são os “dungas” (acontecimentos) que fazem com
que o tempo seja perceptível, provendo o fluir interminável do tempo, com
específicas “represas”, acontecimentos ou períodos de tempo.
3
Alguns autores utilizam a designação de Calunga Grande para a travessia oceânica dos africanos
escravizados, ou o próprio oceano Atlântico, caminho utilizado para a consecução da diáspora
negra. Há de se considerar que essa travessia traz no seu bojo concepções filosóficas de mundo que
são disseminadas nas regiões africanizadas.
4
FORD, Clyde. O Herói com Rosto africano, 1999, p.268-275 apud SÃO BERNARDO (2017).
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 253
5
O texto sobre os ciclos do Cosmograma Bakongo, que nasce da visão de mundo do povo bantú,
bakongo, foi baseado nos estudos compartilhados pela Rede Africanidades, pertencente a Linha 3
do DMMDC, coordenada pelo Professor Doutor Eduardo David de Oliveira (UFBA). A rede é
composta por estudantes de graduação e pós-graduação, artistas, mestres da capoeira, da cultura
popular e pensadores da filosofia africana e da filosofia da libertação.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 255
MÛSONI
O primeiro ciclo chamado Mûsoni, é o começo de todos os tempos e, ao
mesmo tempo, o auge do poder espiritual. Começo aqui não significa início e sim
origem. A mitologia tradicional Kongo entende esse período como Tandu Kia Kuku
Lwalamba Kalunga (“o período do cozimento da Kalunga”), a era fervente da ma-
téria magmática, a origem do universo e da terra. Esse é o período durante o qual
o vazio (luyalungunu) encheu-se de matéria em fusão. Esse foi o início do kele-kele
dia dingo-dingo dia ntangu ye moyo, “a faísca dos contínuos processos do tempo e da
vida” em todo o universo; é a colisão das colisões (o Big Bang) (FU KIAU, 2016).
KALA
Kala é o segundo estágio da formação dos planetas e de suas transformações,
é o nascimento, é o tempo Kala (Tandu Kia Kala). É a configuração da terra depois
do resfriamento do magma, com infinitas e enormes transformações. A vida em sua
forma mais primitiva — seres microscópicos (zie), algas — começou a existir nesse
período. O solo era úmido e a água podia ser encontrada em todas as partes. O
negro é a cor simbólica dessa era, a segunda grande “represa” do Tempo (n´ kama
wanzole wangudi wa ntangu).
256 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
TUKULA
O ciclo Tukula é o terceiro estágio da formação dos processos dos planetas
(mundos) e de suas transformações, quando inicia uma sofisticação na elaboração
de seres e pensamentos. Forças complementares se estabelecem como o feminino e
o masculino, o mais velho e o mais novo. Esse é o tempo Cósmico do amadureci-
mento do nosso planeta. De repente amadureceu. Os animais também surgem em
um ponto da era Tukula.
LUVEMBA
O quarto estágio é o período essencial pela qual um planeta deve passar para
completar seu processo de formação e transformação.
De acordo com a escola de ensino superior Bantu-Kongo, durante essa
era, Maghûngu existiu no planeta. A existência de Maghûngu contextualiza a evo-
lução das dimensões em busca do objetivo maior que é o equilíbrio cósmico, dado
no devir constante e na construção e reconstrução permanente do ser.
Maghûngu era um ser andrógeno, completo por si só. Esse ser mitológico era “dois
em um”, macho e fêmea. Através de contínuas buscas por rituais, Maghûngu foi
cortado em dois seres separados: Lumbu e Muzita (fêmea e macho). Nes-
se momento, o planeta Terra tornou-se vivo por inteiro, completo por si
só. Lumbu e Muzita, para manter a unidade de quando eram Maghûngu, de-
cidiram permanecer juntos durante a vida (casados). Tornaram-se mulher e
marido (n´kento ye bakala). Com esse novo começo de vida, o ciclo cósmico
do Tempo completou-se e um novo estágio de tempo se iniciou — o tempo
vital (FU-KIAU, 2016).
REFERÊNCIAS
ALTUNA, Raul Ruiz de Asua. Cultura tradicional banto. São Paulo: Paulinas,
2006.
Eduardo Oliveira
todo o possível. O poeta da relação tem como paisagem da tua palavra a paisagem
do mundo, mas a sua fronteira estará sempre aberta.
A poética da Relação preserva o particular, tendo em vista que a totalidade dos
particulares garante o diverso. Entretanto, é um particular que se coloca sempre em
Relação. Ela tem como característica a “crioulização”, pois permite “[...] a cada um
estar ali e noutro lugar, enraizado e aberto, perdido na montanha e livre no mar, em
acordo e em errância” (GLISSANT, 2011, p. 41). A crioulização, segundo Glissant,
difere da mestiçagem no aspecto em que a segunda é um encontro e uma síntese
entre dois diferentes, já a primeira é a mestiçagem sem limites, e seus resultados são
imprevisíveis.
A crioulização não é uma simples mecânica de mestiçagem. Glissant defende
a ideia de que a mestiçagem é a que produz o inesperado, aqui explicada a partir de
dois fenômenos. A primeira, pelo fato de os Ameríndios ter mantido secretamente
uma presença que se exercerá no nível do inconsciente coletivo. A segunda, pela
experiência dos africanos, pois eles mantiveram uma presença do antigo país, mesmo
deportados sem nenhum recurso, sem linguagens, nem deuses, nem ferramentas.
Os dois processos são chamados por Glissant (2014), de Rastro-Vestígio. Este é um
componente que é preciso reencontrar em si e harmonizar a novos usos. O rastro-
-vestígio é vivido como Relação.
As deportações dos povos africanos para as Américas contribuíram para radica-
lizar as oposições: vida e morte, ignorância e saber, música e silêncio, sofrimentos e
alegrias. Os povos deportados encontram na dor os vestígios/rastros de suas culturas
abandonadas, ao mesmo tempo em que se dispõem mais facilmente aos outros. Os
povos deportados criam o inesperado. O inesperado e o tremor apresentam-se como
leitmotiv da filosofia como deriva, é um modo de filosofar para sobrevivência.
O mundo treme, criouliza-se, quer dizer, multiplica-se, mistura suas florestas
e seus mares e seus desertos, todos ameaçados, mudando e permutando seus costu-
mes e suas culturas. O tremor é a própria qualidade daquilo que se opõe ao brutal
unívoco, rígido pensamento do eu menos o outro. A filosofia como deriva treme
com a lógica do lugar próprio, pois, ao territorializar-se, se permite explodir em
diversos horizontes.
DERIVA
Oxaguiã é uma divindade primordial do panteão iorubano. Há versões que
falam dele como a manifestação jovem de Oxalá, que teria, outra face, em Oxalufã
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 263
azul, equilibrada, onde habitam tanto a alegria como a tristeza, o frio e o quente, a
sabedoria e a ignorância, o gosto pelo conflito civilizacional que resulta em cultura.
Oxaguiã segue derivando pelo mundo. Torna-se o prestigioso Rei de Ejigbo
(Elejigbo). Mas seu espírito inquieto o faz abandonar seu reino e lutar em outras
terras, tecer outros reinos, ganhar outras guerras e seguir indefinidamente sua tra-
jetória. Recebe, entretanto, a missão que o caracterizaria como divindade criadora:
na tarefa de criar o mundo, conferida a Oxalá, e, na distribuição de tarefas, coube a
Ajalá moldar a cabeça dos seres humanos. Acontece, no entanto, que muitas cabeças
não ficaram boas. Defeituosas, produziam demasiado desequilíbrio. Então, Oxaguiã
aceita retificar o trabalho de Ajalá. E fica com a missão de recriar, retificar, restaurar
as cabeças que não ficaram boas.
Abordamos a Deriva a partir do itã de Oxaguiã que acabamos de narrar. O
conteúdo semântico de deriva normalmente está associado à negatividade. De acordo
com o dicionário online de português, deriva significa: “[...] Desvio do caminho
certo de uma embarcação ou avião, causada por ventos ou correntes. À deriva. Sem
rumo certo, ao sabor dos acontecimentos”. Há o uso corriqueiro de deriva como estar
perdido, sem direção ou controle. Como algo que precisa ser evitado, prevenido,
concertado, porque um erro, perigoso, desconfortável. A deriva se opõe, em seu uso
mais corrente, ao controle, ao seguro, ao previsível. Aliás, a história da filosofia no
Ocidente privilegiou as categorias racionais de controle e medida, de cálculo e pre-
visão, de planejamento, estratégia, tática etc. Nesse balaio semântico, derivar é não
saber o que fazer, signo de insegurança e imperfeição. Estar à deriva é o contrário
da racionalidade, é o contrário dos mapas, o contrário da organização, o contrário
do conhecimento, inclusive. Estar à deriva, é estar em perigo! Derivar infinitamente,
inclusive, pode ser interpretado como signo de condenação, de penalidade eterna! A
deriva é um não-lugar. A negação de qualquer endereço, destino ou sentido.
A diáspora negra deixou à deriva o contingente populacional negro-africano e
seus descendentes. Deriva geográfica, social, cultural, linguística... Africanos e seus
descendentes espalhados por todo o planeta estão na condição de falar da experi-
ência da deriva de maneira própria e apropriada. Apesar da violência sistemática
que recebemos, alhures e contemporaneamente, respondemos tal violência com
uma generosidade criativa sem par na história da humanidade. É justamente dessa
experiência histórica da diáspora (deriva populacional) que derivamos uma reflexão
filosófica sobre a deriva, tratando de produzir o conceito a partir da experiência.
Para tal empreitada, convocamos o itã de Oxaguiã e o ethos cultural yorubano onde
se localiza.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 265
1
Personagem de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas.
2
GREIMAS, A.J. Da Imperfeição. Lisboa: Estação das Letras e Cores, 2017.
266 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
3
LEVINÁS, E. Totalidade e Infinito. Lisboa: Ed. 70, 1980.
4
GLISSANT, Eduard. Poética da Relação. Lisboa: Sextante, 2011.
5
RAMOSE, M. B. Sobre a Legitimidade e o Estudo da Filosofia Africana. In: Ensaios
Filosóficos, Volume IV, outubro/2011.
268 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
6
Fo r n et- Beta n c o u r t , R a u l. Transformación Intercultural de la Filosofía. México: Fondo
de cultura económico, 2004.
29. Desenvolvimento
REFERÊNCIAS
FREIRE. Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 1970. 13.ed., Rio: Paz e Terra, 1983.
1
Termo inspirado na expressão “relações midi” de Henriques (2018). HENRIQUES, Cláudio Ce-
zar. Sintaxe: estudos descritivos da frase para o texto. 3.ed. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 273
científicos, tanto artísticos quanto míticos, dentre outros. Ainda que as estrutu-
ras conceituais produzidas nessas esferas não sejam sempre originadas a partir
de consensos ou em consenso, ao longo dessa história, porém, frequentemente,
a partir de discursos, perspectivas filosóficas, científicas, artísticas... diferentes,
por vezes contraditórios, opositivos, concorrentes; compreensões de objetos que
exigem noções, princípios, visadas que, na lógica racionalista, se excluem mutu-
amente, mas que são indissociáveis em uma mesma situação (realidade). É desse
contexto que se assume a necessidade de lidar com os processos de trabalho com o
conhecimento — construção e difusão, principalmente — segundo possibilidades
que vão além da análise disjuntiva e se propõe a Dialógica da Análise Cognitiva.
A proposta da concepção de dialógica é embasada nas discussões de Morin
sobre os sete princípios da complexidade que sustentam, na perspectiva do autor,
os setes saberes para educação do futuro.
O princípio dialógico [...] [é] ilustrado pela fórmula heraclitiana. Ela une dois
princípios ou noções em face de se excluírem um ao outro, mas que são indissoci-
áveis em uma mesma realidade. A dialógica permite-nos aceitar racionalmente a
associação de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo
(MORIN, 2003 p. 74).
Este princípio é evidenciado, segundo o autor, em todas as esferas do Planeta:
física, biológica e humana, sob diversas formas de inter/retroações, mostrando
a interconexão entre ordem, desordem e organização e dá sustentação para se
compreender o complexo mediante a indissociabilidade e a complementariedade
entre contraditórios, entre termos que, na lógica do racionalismo, como apontado
acima, tendem a ser mutualmente excludentes. Como exemplos, cita a concepção
de partículas como corpúsculos e como ondas e as possibilidades inclusivas e, ao
mesmo tempo, excludente, das noções de indivíduo, espécie e sociedade.
Abordando questões como a pertinência do conhecimento, o contexto, as
dimensões e a complexidade ao longo da história da Ciência, destacando que a
especialização levou à disjunção e à redução da visada sobre o objeto, respectiva-
mente em termos de seus vínculos com o contexto e de sua integralidade (como
totalidade) pela sua divisão em partes. Esse contexto origina o que o autor chama
de falsa racionalidade “racionalização abstrata e unidimensional”, (MORIN, 2003,
p. 71), que caracteriza
A inteligência parcelada, compartimentalizada, mecanicista, disjuntiva,
reducionista, destrói a complexidade do mundo em fragmentos distintos,
fraciona os problemas, separa o que está unido [...] Incapaz de visualizar o
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 277
Análise nessa esfera significa, como propõe Ardoino, considerar “[...] o complexo
como processo e não como um objeto estático e individual” BURNHAM, Fróes,
1998, p. 41).
Analisar passa a ser acompanhar o processo, compreendê-lo, apreendê-lo mais
globalmente através da familiarização, nele reconhecendo a relativamente
irremediável opacidade que o caracteriza. Passa a ser também (ao contrário da
explicação racional [...]), produzir a explicitação, a elucidação desse processo,
sem procurar interromper seu movimento [...]. É uma análise que pretende ser
hermenêutica, que pressupõe a interpretação, a produção de conhecimento, já
que se supõe que o processo-objeto não contém em si mesmo todas as condições
de sua inteligibilidade.
Esse entendimento permite assumir a dialógica cognitiva como chave para
o trabalho com o conhecimento, na perspectiva da AnCo, mormente na esfera da
investigação cognitiva. Nessa perspectiva, a concepção Dialógica da Análise Cog-
nitiva (DiAnCo) tem sua marca configurada na expressão do Estado da Arte de um
Campo de Conhecimento de caráter multirreferencial, complexo, que se constrói
a partir de diferentes sistemas de estruturação do conhecimento. (BURNHAM,
2012), tendo como inspiração central
A compreensão de como comunidades cognitivas especificas constroem, or-
ganizam e difundem conhecimento [...][,] uma das esferas da pesquisa mais
significativas no Campo da AnCo [,] gerando um referencial básico que oferece
um lastro para entender melhor o que vem se caracterizando como campo da
Análise Cognitiva, compreendido na perspectiva com que se trabalha com um
triplo campo teórico-epistemológico-metodológico que estuda o conhecimento
a partir dos seus processos de construção, tra(ns)dução e difusão, visando o
entendimento de linguagens, estruturas e processos específicos de diferentes
sistemas de produção, organização, acervo e difusão, com objetivo de tornar
essas especificidades em bases para a construção de lastros de compreensão
inter/transdisciplinar e multirreferencial, com o compromisso da produção e
socialização de conhecimentos numa perspectiva aberta ao diálogo e interação
entre essas diferentes disciplinas /ciências, de modo a tornar o conhecimento
privado de comunidades cientificas, epistêmicas ou outros tipos de comuni-
dades cognitivas em conhecimento público. (BURNHAM, Fróes, 2010 apud
BURNHAM, Fróes, 2012, p. 66).
Nesse sentido, o conhecimento pode ser assumido como objeto-processo/
processo-objeto, indissociável do sujeito, com centralidade variante entre: objeto/
sujeito/processo; com entendimento da realidade entre individual/coletiva, entre
realidade concreta/representada, entendido como conhecimento decorrente da ra-
zão ou decorrente do sentido, sem falar na possibilidade de intermediação entre os
extremos supracitados dos/entre os espectros respectivos.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 279
REFERÊNCIAS
BARBOSA, J. (Org.) Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São
Carlos: EdUFSCar, 1998.
científica é essencial para o desenvolvimento da ciência, uma vez que ela é responsável
pela circulação de ideias e publicação de resultados de pesquisas para a população
em geral, dinamizada pela relação entre a produção de saber e a sua socialização,
fomentando novas pesquisas e contribuindo para a geração de novos saberes.
Atualmente, com o avanço da tecnologia e o advento da internet, a difusão do
conhecimento ocorre em praticamente todos os formatos e meios de comunicação
como documentários, livros, revistas de divulgação científica, periódicos, congressos,
seminários, rodas de diálogos, museus, websites, blogs etc., tornando o processo de
interação e comunicação entre os próprios pesquisadores e entre estes e a população
em geral mais ágil e colaborativo.
No entanto, segundo Andrade, Ribeiro e Pereira (2009, p.295-296), não obs-
tante a chamada era da “sociedade do conhecimento e da informação”, ainda existe
diversos obstáculos para a difusão do conhecimento para a comunidade não científica,
decorrentes da luta pelo poder acadêmico e da cultura acadêmica tradicional, que
resistem ao próprio fundamento da ciência moderna, que é o seu compartilhamento.
Difusão do conhecimento não é a mera transmissão de informações, mas o
processo capaz de tornar o conhecimento em ferramenta útil para o “saber ser”, “saber
fazer”, “saber conviver” e para as transformações na sociedade. O compartilhamento
do conhecimento tem sido a base da inovação e da produção de novos conhecimentos
necessários ao desenvolvimento sustentável do ser humano, corroborando com o
que afirma Galeffi:
A difusão do conhecimento pode ser descrita como a disponibilização prag-
mática de um processo produtivo sistematizado tendo em vista a operação
de apropriação da parte de todos os que possam acessar o que está sendo
difundido como conhecimento do fazer e do saber fazer, ou do conhecer e do
saber conhecer próprios de um determinado setor das atividades humanas. A
difusão, assim, responde ao imperativo do conhecimento implicado com o
desenvolvimento humano sustentável [...]. (GALEFFI, 2011, p. 30).
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Maria Terezinha Tamanini; RIBEIRO, Núbia Moura;
PERREIRA, Hernane Borges de Barros. Um estudo sobre a difusão e o
compartilhamento do conhecimento na cultura acadêmica. In: IX Congrssso
Isko-España. Valencia, 2009. Disponível em: <http://www.iskoiberico.org/wp-
content/uploads/2014/09/973985_Tamanini-Andrade.pdf>. Acesso em: 26 mar.
2018.
REFERÊNCIAS
GALEFFI, Dante. Saberes plurais e difusão do conhecimento em educação; uma
perspectiva transdisciplinar. In: GURGEL, Paulo Roberto. SANTOS, Wilson
Nascimento. (Orgs.). Saberes plurais, difusão do conhecimento e práxis
pedagógica. Salvador: Edufba, 2011.
[...] o significado das palavras não é eterno, a semântica de uma palavra não
é imutável, muda como nós mudamos, como mudam os usos e costumes,
como mudam as estações (SARAMAGO, 2005, p. 14).
1 INTRODUÇÃO
Todo campo científico demanda uma linguagem própria que se expresse por
conceitos e teorias e permita o estudo e a comunicação entre cientistas e pesqui-
sadores. Os conceitos são fundamentais para a ciência. Por meio deles, é possível
interpretar e sistematizar um corpus de conhecimento de uma área específica do
saber. Propomos, neste texto, estudar o conceito de Difusão do Conhecimento e
seus termos associados, quais sejam: Difusão Cultural, Difusão de Inovações e
Teoria do Comportamento Coletivo.
Para tanto, registramos o significado dos vocábulos Difusão e Conhecimento.
No Cambridge dictionaries online (2018), Difusão significa “espalhar em muitas dire-
ções”. No Tesauro de la UNESCO1 (UNESCO, 20182), o termo é concebido como
genérico e definido como Processo físico. No dicionário Aurélio, aparecem distintas
acepções. Dentre elas, destacamos a antropológica:
Processo pelo qual elementos ou características culturais são transmitidos a
outras sociedades ou outras regiões por meio de contato ou migrações, produ-
zindo semelhanças que não decorrem de invenção independente (FERREIRA;
2004, p. 677).
3
Tradução livre das autoras. “Tylor’s work on culture change first proposed the notion of diffusion
as a means of explaining the appearance of similar culture elements in different groups and of
understanding the progressive alteration of elements within the same group.”
4
Tradução livre das autoras. “Changes in dress have been conceptualized as diffusion processes.”
290 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
membros dos estratos sociais inferiores. Quando a moda atinge estes estratos
ocorre a saturação e a perda de seu valor. Então surge outra moda no estrato
superior enquanto uma nova forma de distinção.
5
Tradução livre das autoras. [...] Science is all about the flow of knowledge: new methods,
instruments, techniques, concepts, results, questions, data etc. [...].
6
Tradução livre das autoras. ‘‘Knowledge is like light. Weightless and intangible, it can easily travel
the world, enlightening the lives of people everywhere.”
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 291
em que estão os que dele demandam. No momento atual, porém, a discussão pode
ser feita em outra dimensão, já que a globalização transformou o mundo inteiro
em uma aldeia, em um ciberespaço e novos meios de comunicação permitem que
as informações sejam transmitidas e circulem mais facilmente entre as pessoas. O
conhecimento não pode mais ser retido dentro dos limites locais.
2 TEORIAS DA DIFUSÃO
A teoria da difusão se desenvolveu nos séculos XVIII e XIX, em oposição à
teoria evolucionista7, ambas preocupadas com as origens da cultura humana. Por
mais de um século, a teoria da difusão forneceu uma boa fonte de ideias, conceitos,
medidas e exemplos de aplicações na disseminação e implementação de inovações.
Tem servido a uma variedade de campos da ciência na busca de resolver problemas
humanos na aplicação de tecnologias e práticas da ciência. A teoria da difusão também
se tornou um repositório para a coleção de conceitos de várias ciências sociais com a
transferência de conhecimento e experiências da aplicação da tecnologia e dissemi-
nação de teses em populações. A evolução da teoria da difusão marca o surgimento
de várias explicações teóricas para o comportamento social e várias subdisciplinas
da prática em comunicações, marketing e educação (DEARING, 2008).
De acordo com Perry (2000), existem três correntes teóricas que, a partir de
agora, vamos passar a defini-las brevemente. São elas: Difusão Cultural, Difusão
de Inovações e a Teoria do Comportamento Coletivo.
8
A segunda edição do seu livro, de 1895, foi traduzida para o inglês em 1903.
9
Autor do livro Histórias, foi aclamado na Antiguidade como um grandioso historiador, sendo con-
siderado o “pai da História”. Heródoto foi o primeiro a usar a palavra história (do grego, historie:
inquirição) no sentido de pesquisa e investigação.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 293
11
Tradução livre das autoras. [...] processes of diffusion are important in connection with under-
standing crowds, fashion, and some aspects of disaster behavior. In all cases, analytic concern cen-
ters on the dissemination of emotions, social practices, or physical elements through a collectivity.
The study of human behavior in disasters is [...] multidisciplinary. In this field there has been a
concern with diffusion in the classic sense of tracking ideas and practices through networks.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 295
Gustave Le Bon (1841-1931) (2001), em seu livro The crowd: a study of the
popular, cuja primeira edição foi publicada em 1895, formulou uma teoria clássica,
inicial, do comportamento coletivo, no sentido de “contágio social” ou seja “[...]
rápida disseminação de emoções entre pessoas interagindo.” (PERRY, 2000, p.
680). Para ele, as multidões exercem uma influência hipnótica sobre seus mem-
bros. A teoria de Le Bon é muito contestada pelos pesquisadores da área, porém,
ainda é aceita por pessoas fora da área de sociologia. Em suma, Perry (2000, p.
679) assegura que “[...] todas as três tradições da teoria da difusão convergem no
estudo do comportamento da multidão”.12
3 DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
“Se vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros do gigante.” Este pensa-
mento de Isaac Newton (1643-1726), datado de 1676, declara seu reconhecimento
a outros cientistas que vieram antes dele, como, por exemplo, Galileu Galilei,
Nicolau Copérnico, Giordano Bruno e Johannes Kepler, dentre outros. (WO-
JICK et al., 2006). Eles permitiram, por meio de seus métodos e instrumentos,
que Isaac Newton, inspirado nas ideias que partilharam, alcançasse seu apogeu e
fosse mais longe do que eles mesmos, sendo considerado um dos cientistas mais
célebres de todos os tempos.
Isaac Newton, mais conhecido como físico e matemático, nasceu no dia 4 de
janeiro de 1643, em Lincolnshire, um condado situado na região leste da Ingla-
terra, no Reino Unido. Graduou-se em 1665, no Trinity College, em Cambridge.
Foi presidente da Royal Society, no período de 1703 a 1707, e recebeu o título
de Cavaleiro, passando a ser chamado de Sir Isaac Newton. Considerado o cien-
tista mais influente de todos os tempos, por suas leis de movimento e gravitação
universal, foi uma das figuras-chave da Revolução Científica. Uma maçã caindo
de uma árvore o levou a refletir que “[...] uma força puxando a fruta para o chão
[...] poderia também estar puxando a Lua, impedindo-a de escapar da órbita da
Terra”. A partir dessa reflexão, estudando as obras de Galileu e Kepler, além de
suas próprias experiências e cálculos, Sir Isaac Newton formulou a Lei da Gravi-
dade Universal, na qual demonstra que a velocidade com que um objeto cai, seja a
maçã ou a Lua, quando é atraído pela Terra, é proporcional à força gravitacional.
(ISAAC, 2011). Seu livro The mathematical principles of natural philosophy, datado
12
Tradução livre das autoras. “All three diffusion theory traditions converge in the study of crowd
behavior.”
296 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
de 1687 e escrito em três volumes, é considerado uma das mais influentes obras
na história da ciência. Nele, descreve a lei da gravitação universal e as três leis
designadas de Newton, que fundamentaram a mecânica clássica.
Das considerações sobre os cientistas, retomemos o excerto, quando Newton
diz que viu mais longe que outros por estar em ombros de gigantes, é bastante
metafórico, aludindo ao processo de difusão do conhecimento científico. Acresça-
-se, no entanto, conforme argumenta Warnick (2009), não só pelos “ombros dos
gigantes” ascende o cientista, mas pela produção de colegas e pesquisadores em
geral, representados por milhares de artigos, relatórios, comunicações, entre outros
tipos de trabalhos. O mesmo autor atribui à difusão do conhecimento o próprio
avanço da ciência, onde se pode considerá-la uma questão crucial, bem como sua
aceleração — via difusão — um compromisso tácito do cientista.
Sobre a difusão do conhecimento, Thomas Jefferson (apud DARDOT; LA-
VAL, 2017) foi considerado uma das vozes mais influentes. Para ele,
[...] Um indivíduo pode conservar a propriedade exclusiva da ideia enquanto
a guardar para si mesmo; mas a partir do momento em que ela é divulgada,
torna-se irresistivelmente propriedade de todos, e aquele que recebe não pode
desfazer-se dela. Seu caráter particular é que a propriedade de ninguém sobre
uma ideia é diminuída pelo fato de outros a possuírem em sua totalidade.
Aquele que recebe uma ideia de mim recebe um saber que não diminui o
meu, do mesmo modo que aquele que acende sua vela na minha recebe luz
sem me deixar na escuridão.
13
Apesar das várias interrupções ocorridas ao longo do tempo sua publicação continua até os dias de
hoje.
298 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
O conhecimento não pode ser estático, nem pode se mover em uma única direção.
Em vez disso, ele deve fluir constantemente como uma rede de compartilhamento,
em constante mutação, envolvendo a todos. A aceleração do acesso ao conhecimento
trazido pela Revolução do Conhecimento e da Informação está transformando as
relações entre especialista e amador, governo e cidadão e demais comunidades. O
termo difusão do conhecimento é largo, polissêmico repleto de possibilidades.
REFERÊNCIAS
BURKE, Peter. História social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot.
Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
LE BON, Gustave. The crowd: a study of the popular mind. Ontário, CAN:
Batoche Books, 2001. Disponível em: https://socialsciences.mcmaster.ca/~econ/
ugcm/3ll3/lebon/Crowds.pdf. Acesso em: 9 nov. 2018.
MAIA, Cesar; Gabriel Tarde. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 maio 2010.
ROGERS, Everett M. Diffusion of innovations. 4th. ed. New York: The Free
Press, 1995.
Alfredo Matta
Francisca de Paula Santos da Silva
Luciana Martins
INTRODUÇÃO
Desde a origem do Doutorado em Difusão do Conhecimento (UFBA, 2018),
em 2007, ficou claro o conceito de Análise Cognitiva, como sendo uma capacidade
de perceber o desenho ou organização cognitiva de uma dada solução, ou o enca-
minhamento de conhecimento humano levava a compreender um outro conceito
correlato, eu diria complementar, que é o de Design Cognitivo.
Realizando pesquisa para o desenvolvimento de aplicações foi possível perceber
conhecimento e experiências na produção de páginas WEB, sistemas de informação
educacional, bem como informações no formato conteúdos digitais educacionais,
em quantidade realizados com abordagem socioconstrutivista.
Apresenta-se aqui o desenvolvimento do design cognitivo, inicialmente criado
ido para conteúdos digitais e sistemas informacionais educacionais de caráter so-
cioconstrutivista, atualmente aplicável à concepção de qualquer proposta de desen-
volvimento cognitivo, digital ou não.
Para isso, proponho três discussões. Em primeiro lugar, definir o que sejam
conteúdos digitais, bem como sistemas informacionais voltados para a aprendizagem
para os quais a metodologia se dirigiu inicialmente. Segue uma discussão sobre o
design cognitivo socioconstrutivo propriamente dito, em diálogo que procura esta-
belecer os princípios a serem seguidos por um projetista e, portanto, devem estar
contidos e bem observados em uma metodologia que se proponha a sistematizar a
produção de conteúdos digitais e sistemas que tenha esse viés epistemológico. A parte
final faz diálogo e analisa a construção dos sistemas e das coleções de conteúdos
que fizemos nos projetos citados, de maneira a exemplificarmos e apresentarmos
casos de projeção, construção e uso desses conteúdos construídos a partir do uso da
metodologia desenvolvida.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 305
São questões que vão exatamente encontrar as relações entre sujeito, contexto
e as informações, em várias vertentes. Cada questão vai encontrar uma nova rela-
ção de interação entre esses elementos. O designer socioconstrutivo, interessado em
interações sociais, vai precisar fazer essas questões frequentemente para projetar os
procedimentos pedagógicos.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 311
Figura 1
Figura 2
Figura 3
REFERÊNCIAS
BARAB, Sasha; KLING, Rob; GRAY, James. Designing for virtual
communities in the service of learning. Cambridge: Cambridge, 2004. p. 3-50.
MATTA, Alfredo. A EAD nos países de língua portuguesa. In: LITTO, Fredric;
FORMIGA, Marcos. (Org.). Educação a distância, o estado da arte. São Paulo:
Pearson, 2009, p. 34-38.
todos os homens nascem livres, tem direitos naturais que deveriam ser protegidos. O
Iluminismo e seus filósofos, pensadores indignados, vivendo em uma sociedade de
privilégios e privilegiados, se insurgiram e desenvolveram conceitos que marcaram
a concepção jurídica de Direitos Humanos. Para John Locke, que desenvolveu o
conceito do direito natural, teria sentido e abrangência universais. O Contrato social
para pensadores ingleses e franceses garantiam direitos aos indivíduos.
A Declaração de Virgínia de 12 e junho de 1776 influenciou Thomas Jefferson
na Declaração dos Direitos Humanos incluída na Declaração da Independência dos
Estados Unidos da América de 4 de julho de 1776, bem como influenciou a Assem-
bleia Nacional francesa. Foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
proclamada na França em 1789, que considerou as reivindicações sociais ao longo
dos séculos anteriores.
Todos são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção; têm direito à liberdade
de reunião e associação pacífica. Todo ser humano tem direito à liberdade de pen-
samento, consciência e religião, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
Para todo ser humano, a família é o núcleo natural da sociedade e tem direito à
proteção da sociedade e do Estado. Quais são as garantias de que estes direitos fun-
damentais serão respeitados? Cumpre ao Estado oferecer tal garantia por meio de
suas instituições, que devem respeitar acordos internacionais firmados, e os governos
devem agir de forma vigilante, autônoma e democrática, acompanhado denúncias
de violações e coibindo transgressões.
A Organização das Nações Unidas, com seus organismos internacionais, atua
no sentido de garantir os Direitos Básicos, que envolvem a dignidade e o respeito
à vida humana, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma,
religião, opinião política ou de outra natureza. No Brasil, os direitos ganharam maior
expressão e garantias a partir da Constituição de 1988, que consagrou em seu artigo
primeiro o princípio da cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais
do trabalho. No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU adotou
e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir de 1950 este
dia entrou no calendário mundial como: Dia Internacional dos Direitos Humanos.
REFERÊNCIAS
COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos.
4.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
duração percebida pelo espírito, também não há como prever os momentos temporais
da experiência vivida, apenas da experiência física que se repete facilmente, logo a
duração do tempo vivido e experimentado pelo espírito é imprevisível, novidade
incessante. A duração pode ser entendida como uma experiência metafísica.
Toda a metafísica — ou toda a epistemologia bergsoniana — se apoia na ideia
de duração. Se houver uma realidade, para Bergson, essa realidade é duração. Corres-
ponde a um tempo real que flui, passado que se acumula incessantemente e forma a
substância da existência. Assim, o que é, é duração. O conhecimento íntimo de um
objeto é o conhecimento de sua duração. É a coincidência com sua duração, aquilo
que Bergson chama de intuição. Mas duração não é um acúmulo de instantes, é um
contínuo heterogêneo, um contínuo que muda, um jorro incessante de novidades,
uma evolução criadora.
Não há, aliás, tecido mais resistente nem mais substancial. Pois nossa duração
não é um instante que substitui um instante: haveria sempre, então, apenas
presente, nada de duração concreta. A duração é o progresso contínuo do
passado que rói o porvir e que incha ao avançar. Uma vez que o passado au-
menta incessantemente, também se conserva indefinidamente. A memória,
como procuramos prová-lo1, não é uma faculdade de classificar recordações
em uma gaveta ou de inscrevê-las em um registro. Não há registro, não há
gaveta, não há aqui, propriamente falando, sequer uma faculdade, pois uma
faculdade se exerce intermitentemente, quando quer ou quando pode, ao
passo que o amontoado do passado sobre o passado prossegue sem trégua. Na
verdade, o passado conserva-se por si mesmo, automaticamente. Inteiro, sem
dúvida, ele nos segue a todo instante: o que sentimos, pensamos, quisemos
desde nossa primeira infância está aí, debruçado sobre o presente que a ele irá
juntar-se, forçando a porta da consciência que gostaria de deixá-lo para fora
(BERGSON, 2005, p. 4-5).
A duração é um passado que continua e vai inchando em seu prosseguir, ele vai
se acumulando de presentes em direção ao devir. Um contínuo heterogêneo, sempre
novo sem deixar de ser o mesmo. É como se o presente fosse sempre enriquecido
de passado. O presente é criação, novidade, invenção, mas não existe criação sem
memória, sem passado.
Para melhor esclarecer a duração em Bergson precisamos enfrentar o problema
da diferença de natureza entre matéria e espírito, entre cérebro e memoria, entre
espaço e duração. A Representação é decomposta em duas direções divergentes: ma-
téria e memória, percepção e lembrança, objetivo e subjetivo. O cérebro encontra-se
1
Neste trecho Bergson se refere ao seu livro Matéria e Memória.
330 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
por inteiro na linha da objetividade; a lembrança, por sua vez, faz parte da linha da
subjetividade. Não poderia haver aqui, portanto, uma diferença de natureza entre
o cérebro e os demais estados da matéria, o que inviabiliza a hipótese de conserva-
ção das lembranças em alguma parte do cérebro, já que as duas linhas não podem
ser misturadas. As lembranças, portanto, conservam-se por si mesmas, ou seja, na
duração — o passado não se conserva em outro lugar, que não em si mesmo. Assim
como entre as linhas da objetividade e da subjetividade, deve haver uma diferença
de natureza entre a matéria e a memória, entre a percepção pura e a lembrança pura,
entre o presente e o passado. Essa diferença, no caso do passado e do presente, pode
ser de difícil apreensão, mas consiste em compreender o passado não como algo que
já não é mais ou que deixou de ser, mas que simplesmente deixou de agir.
O presente, portanto, não é, mas age — seu elemento próprio é o ativo ou o
útil, e ele é, sobretudo, puro devir, sempre fora de si. As determinações aqui se in-
vertem: o presente, a cada instante, já era, e o passado é o tempo todo, eternamente.
REFERÊNCIAS
BERGSON, Henri. Evolução Criadora. Tradução de Bento Prado Neto. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
Margarete Moraes
Alexandre Ghelman
HISTÓRICO NO BRASIL
As primeiras ideias de educação em saúde chegaram ao Brasil através dos contratos
de cooperação com a Fundação Rockefeller1. À época, sanitaristas norte-americanos
como Thomas Wood2 e Jessie Willians, propalavam as primeiras ideias sobre educação
em saúde, no contexto do movimento sanitarista nas Américas.
No Brasil, o médico cearense Carlos Accioly Sá3, facilitador da tradução dos
livros de Wood para o português, foi um dos maiores divulgadores dessa área a partir
da década de 1920, entretanto, com foco na educação em saúde para escolares. À
época, as ações do Estado, no sentido da prevenção de doenças da população em
geral, estavam focadas nas célebres campanhas sanitárias.
1
Criada por John D. Rockefeller, em 1913, teve como objetivo inicial implantar em vários países
medidas sanitárias baseadas no modelo americano para controlar a febre amarela e a malária, que
grassavam na América Latina e atrapalhavam os negócios. No Brasil, começa a atuar em 1916,
com a divulgação de um relatório com os resultados de expedições à América Latina. O relatório
mostrava uma carência de base científica para suporte de políticas públicas consistentes; ausência
de treinamento médico quanto a questões de saúde pública e de carreiras especializadas e de orga-
nizações sanitárias. Sua atuação no Brasil influenciou os médicos brasileiros e as políticas públicas
de saúde. Instaurou um escritório no Brasil e suas atividades se encerram em 1942, quando foram
absorvidas pelo SESP — Serviço Especial de Saúde pública (CAMPOS, 2006).
2
Thomas Wood foi considerado pela National Professional Health Education Honorary um dos
mais importantes intelectuais sobre a Educação em Saúde no passado americano, conjuntamente
com Clair Turner e Jesse Willians.
3
Sá nasceu no Ceará, em 1886, e morreu em 1969, no Rio de Janeiro. Formou-se em Medicina
no Rio de Janeiro, em 1907, e complementou seus estudos na França e na Alemanha; mais velho,
nos Estados Unidos, aprimorou seus conhecimentos em saúde pública. Aprovado em concurso
de provas e título, adentrou a pasta da saúde em 1921 como inspetor médico, mas antes já havia
atuado como médico na Hospedaria dos Imigrantes da Ilha das Flores e médico veterinário do
serviço de indústria pastoril. Em 1923, passa a compor o quadro de professores de Higiene da
Escola Normal do Distrito Federal, atuando assim a partir de então como médico, sanitarista e
professor.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 337
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de
Informação e Informática do SUS. Política Nacional de Informação e Informática
em Saúde: proposta versão 2.0. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
REFERÊNCIAS
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos. 5.ed., Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 2005.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 12.ed., São Paulo: Paz e Terra. 1993.
Marcílio Rocha-Ramos
1. INTERFACE
Nesta fase, a Educom é percebida circunscrita a uma implicada relação inter-
disciplinar entre educação e comunicação. As pesquisas nessa perspectiva costumam
atribuir a Mario Kaplún, educador argentino, uma suposta “paternidade” do conceito
educomunicação por tê-lo usado em suas obras sobre educação para a comunicação3.
Kaplún começou a perceber novas oportunidades formativas e transformadoras com
a interface com rádio. No seu livro El Comunicador Popular (1985), ele chamou de
educomunicador o radialista no ativismo não apenas informativo, mas no ativismo
formativo, agregador, produzindo uma educação não bancária — quando também
revela as referências em Paulo Freire. Nessa mesma interface entre educação e comu-
nicação, bem antes de Kaplún, o conceito já pulsava nas práticas de Celestin Freinet
e Janusz Korczak — eles articulavam a produção da educação com comunicação,
jornal, aula-passeio, produção de informação em diários escolares.
No início do século XX, a comunicação enunciava um poder educativo que só
se radicalizou e se tornou hegemônico a partir dos meados daquele século, quando
a comunicação passa a assumir um poder de comando na produção da vida social.
2
Ver Rocha-ramos, Marcílio. A tese está disponível no repositório da Universidade Federal da
Bahia, neste endereço. <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/17750>. Acesso em: 11 dez. 2018.
3
Em uma de suas publicações — Una Pedagogia de la Comunicación (1998) — o autor utiliza este
neologismo conceitualizando a educomunicação em torno da comunicação.
350 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Ressalte-se também as proposições apresentadas no início dos anos 1970 por Hans
Magnus Enzensberger projetando as novas tecnologias de informações como má-
quinas de guerras para mobilizar, conscientizar e um agir social amplo.
Com efeito, ele ressalta que
[...] pela primeira vez na história, as mídias tornam possível a participação
em massa de um processo produtivo social e socializado, cujos meios práticos
encontram-se nas mãos das próprias massas. (Enzensberger, 2003, p. 16).
2. REVOLUÇÃO MOLECULAR
Revolução molecular é um conceito articulado por Guattari (1985) como uma
rede de desejos em ação, em contracorrentes às grandes produções de subjetividades
realizadas para justificar o sistema do capital e reproduzi-lo ao infinito em promessas
capciosas de desejo de consumo, desejo de crescimento pessoal, desejo de autossatisfa-
ção. A revolução molecular se depara principalmente com a produção em larga escala
desses desejos articulados pelos meios de comunicação — e por outras instâncias de
ideologias como a igreja, escola, família —, produzindo novos conceitos, meios e
visões de mundo para não nos deixarmos capturar. Na ação educom é a construção
de redes de resistência, invenção e formas de agir — portanto, laços de afetações,
correntes e meios multimidiáticos — lugares de emergência de construção de um
antipoder5 que o percebemos na fase em que os processos educom se tornam uma
multiplicidade insurrecta para a liberdade.
O motor do conceito nessa fase é, portanto, a criação, o rompimento dos
ciclos de repetições alienantes, numa radicalidade em ebulição... As ações com a
chamada Mídia Ninja — redes não homogêneas de singularização da cidadania sobre
as sangrias desatadas dos espaços e não-lugares que sufocam e oprimem — podem
exemplificar concretamente o que já está em emergência. O mesmo podemos dizer
das redes da blogosfera radical. Não é mais um projeto, uma interface, é um projétil,
4
Ver o verbete “Coletivas Educom”. Nele tratamos de meios de ação educomunicativos com a roda
dialógica, pesquisa focada e autoria coletiva.
5
As teorias de Negri (2003) sobre a construção do antipoder como momento de sujeição podem
contribuir para projeção da formação educomunicativa, agenciando o conceito de cooperação
social e general intellect como dispositivo da produção educom como revolução molecular.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 353
6
Ver verbete Audiência ativa nesta edição.
354 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
• Tecimentos
A ação educom se empenha em produzir sobre uma arte bricolor de montagem. A
tarefa é atacar a complexidade dela tirando seus fluxos, revelando os artefatos invisíveis
de poder e cultura e perceber sua fluência na prática. A arte educomunicativa é princi-
palmente atos de bricolagens corrosivos ao status quo. Fazer, tecer, produzir e corroer
o pronto/acabado para colocar o que se move lento em movimento. Na produção de
agenciamentos, as experimentações avançam para ações coletivas e subliminares com
tematizações a partir dos contextos, das conotações, dos implícitos (Guattari, 1987).
2.3 Empoderamentos
O empoderamento é a construção de “asas” entre grupos. É a potência do voo.
Do deslocamento, de um refazer-se para existir e resistir. A revolução molecular produz
empoderamento abrindo territórios novos sobre corpos sociais contaminado pelo
discurso mainstream. Como uma máquina social, o fazer educomunicativo agencia
as relações entre corpos — máquinas técnicas, máquinas humanas, máquinas-robô,
produzindo um estado de misturas. Essas misturas ocorrem ao mesmo tempo com
seus enunciados, suas expressões coletivas desenvolvendo tecnologias novas de
guerrilhas. A participação ativa, as formas inovadoras educomunicativas, a rascu-
nhagem de soluções, os desfazimentos, as exposições e um praticismo mesmo entre
máquinas, tudo incorre em novas formas de empoderamento em forma de retroa-
ção/afirmação/solidarização/esclarecimento e cultivo dos valores. Nessas guerras de
guerrilhas afluem, então, outros valores, tais como a alteridade, a conscientização
política, desejos insurrectos.
Com efeito, o ativismo educomunicativo ganha propulsão além das relações
de interface quando produz ações concretas de intervenção, questionamento e cor-
rosão dos ciclos de repetição das semióticas dominantes. Como assinalam Guattari
e Rolnik (2011, p. 55), essa criação “[...] consiste em produzir as condições não só
de uma vida coletiva, mas também da encarnação da vida para si próprio, tanto no
campo material quanto no campo subjetivo”. O ‘vírus’ se infesta com a contestação
do sistema de representação política, o questionamento da vida cotidiana, as reações
de recusa ao trabalho em sua forma atual. Em suma, o ato educomunicativo produz
o empoderamento dos grupos e grupelhos em jogo “camaleão”, criando mutações na
subjetividade consciente e inconsciente dos indivíduos e dos grupos sociais.
Uma prática política que persiga a subversão da subjetividade de modo a permitir
um agenciamento de singularidades desejantes deve investir o próprio coração da
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 357
coletivo, ativando coletivos. Essas audiências “pintam” novas cores sobre as cores
do camaleão (mídia mainstream). Não seria apropriado dizer que lá ocorre uma
“depuração”, mas, sim, um embate da multiplicidade, da diferença.
REFERÊNCIAS (PARTICIPAÇÕES)
ALBAGLI, Sarita; Maciel, Maria Lucia. Informação, conhecimento e
democracia. In: Cocco, Giuseppe; ALBAGLI, Sarita (Org.). Revolução 2.0: e a
crise do capitalismo global. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
FREINET, Celestin. Para uma Escola do Povo. São Paulo: Martins Fontes, 1966.
Observando essas noções entra em cena uma grande área que se atualiza cons-
tantemente em prol da melhor interpretação da natureza, a Física. Unida a ela, temos
a Matemática, como bem cita Pietrocola (2002), é estruturadora do pensamento físico.
Sabendo que essas duas grandes áreas se relacionam de forma intensa desde as origens
do conhecimento científico, é necessária a socialização dos conhecimentos produzidos
e a construção de novos, em especial no contexto escolar, objetivando construir uma
sociedade que entenda seu papel na/com a natureza. Assim, o desenvolvimento do
pensamento físico estruturado matematicamente enfrenta muitas barreiras tanto
pelo formalismo representacional quanto pelo caráter abstrato. Objetivando con-
duzir alunos a superarem essa premissa, no presente texto se discutirá um modelo
teórico sobre o conhecimento e a instrução matemática, podendo tornar-se subsídio
para professores das áreas envolvidas no que tange à análise da construção do citado
pensamento físico estruturado matematicamente pelos seus alunos pleiteando criar
novas metodologias de ensino e avaliação.
O modelo teórico chamado Enfoque Ontológico Semiótico (EOS) tem como
elaboradores Juan D. Godino, Carmen Batanero e Vicenç Font que, visando suprir
a lacuna de um paradigma de investigação consolidado e dominante no campo da
Educação Matemática, utilizam diversos questionamentos para isso, dentre os quais as
noções usadas para analisar fenômenos cognitivos. Para tanto, os autores apontam “[...]
a necessidade de articular de maneira coerente as diversas facetas implicadas, sendo
elas: ontológica, epistemológica, sociocultural e instrucional.” (GODINO, 2008).
De forma sintética, o EOS consiste em um conjunto de noções teóricas vol-
tadas à investigação de símbolos, conceitos e linguagem, em relação às noções de
significado. As suas noções teóricas incluem três modelos: um epistemológico da
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 363
Categoria Caracterização
Lenguaje Términos, expresiones, notaciones, gráficos. En uno texto vienen dados en forma
escrita o gráfica pero en lo trabajo matemático pueden usarse otros registros (oral,
gestual). Mediante El lenguaje (ordinário y específico matemático) se describen otros
objetos no lingüísticos.
Situaciones Problemas más o menos abiertos, aplicaciones extramatemáticas o intramatemáticas,
ejercicios...); son las tareas que inducen La actividad matemática.
Acciones Acciones del sujeto ante las tareas matemáticas (operaciones, algoritmo, técnicas de
cálculo, procedimientos).
364 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Conceptos Dados mediante definiciones o descripciones (número, punto, recta, media, función...).
Propiedades Atributos de los objetos mencionados, que suelen darse como enunciados o
proposiciones.
Argumenta- Argumentaciones que se usan para validar y explicar las proposiciones (sean deduc-
ciones tivas o de outro tipo).
Fonte: Godino, Juan D. Um enfoque ontológico y semiótico de la cognición matemática.
Conforme os autores, categorizar esses objetos torna-se útil para uma análise
mais fina da atividade matemática, onde eles formam redes que intervêm e emergem
dos sistemas de práticas e suas relações categorizando processos. Esses objetos e seus
emergentes podem ser considerados desde as seguintes dimensões duais: pessoal/
institucional; ostensivo/não ostensivo; expressão/conteúdo, extensivo/intensivo e
unitário/sistêmico1, que se complementam de maneira dialética.
Por fim, temos uma representação (Figura 1) da grandeza desse modelo teórico
que, em linhas gerais, atua como uma resposta operativa ao problema ontológico da
representação e significação do conhecimento matemático:
1
Ver definições em: https://www.researchgate.net/publication/242554799_Um_enfoque_onto-se-
miotico_do_conhecimento_e_a_instrucao_matematica_1
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 365
REFERÊNCIAS
GODINO, J. D. Un enfoque ontológico y semiótico de la cognición matemática.
Recherches en Didactiques des Mathematiques, 22(2–3), 237–284, 2002.
Brasil, tais como o FMI e a OCDE, caracterizados como principais “think tanks1 das
políticas educativas a nível mundial, mesmo não sendo uma organização educativa”
(AFONSO, 2014, p. 490).
REFERÊNCIAS
AFONSO, Almerindo Janela. Estado, políticas educacionais e obsessão avaliativa.
Revista Contrapontos, Itajaí, v. 7, n. 1. p. 11-22. 2007.
HAUCK, Cristina Rosa; ÁVILA, Rafael Oliveira de. Os think tanks brasileiros
e suas contribuições para o pensamento social e político: um resgate histórico-
1
Hauck e Ávila (2014) afirmam que o termo think tanks originou-se nos países de língua inglesa e
representa uma forma de caracterizar as organizações que realizam pesquisas, visando influenciar,
por meio de seus resultados, a definição de prioridades e a consequente implementação de políti-
cas públicas.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 373
1
A compreensão que os físicos têm de um problema profundo diz respeito aos problemas mais
difíceis e de aparente impossível solução.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 375
2
Esta opinião está baseada na leitura de Harari (2015), de pesquisas que fazem referência a interface
cérebro computador (Pinheiro, 2016), de pesquisas que fazem referência ao uso de tecnologias
como dispositivos de vigilância, a exemplo do objetivo inicial dos Drones. (Reis, 2014)
3
James Gleik em notas informa que Lorenz usou originalmente a imagem de uma gaivota. Mas o
nome mais duradouro aparece no trabalho “Predictabilyti: Does the Flap of a Butterfly’s Wings in
376 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Brasil Set off a Tornado Texas?”, apresentado na conferência anual da Sociedade Americana para
o Progresso da Ciência, em Washington, em 29 de dezembro de 1979.
4
Entendido por Harari (2016) como aprimoramento da mente humana. Algo extremamente peri-
goso uma vez que ainda não sabemos sequer o que nos espera adiante. Ou melhor. o que queremos
para o amanhã?
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 377
A teoria dos sistemas complexos, por sua vez, abriu espaços para a tão sonhada
conquista do Santo Graal da Ciência, a fertilização heurística das disciplinas (Thissen,
2008), como também possibilitou que o in silico seja um padrão generalizado para
arquivo e análise de um número cada vez maior de dados. Decerto, isto não ocorreu
e não ocorre sem equívocos conceituais e sem arranhaduras no processo. Talvez
tenha sido esse o propósito de Kuhn e o que nos mostra a teoria da complexidade.
Abandonar ou substituir um padrão reducionista disciplinar continua sendo
o desafio da universidade.
Desde o seu sentido de corporação, na idade Média, até nossos dias, a ideia
é que esse espaço uno seja o da busca da verdade e da produção do conhecimento,
o que faz com que, dessa expectativa, a universidade tenha, ao longo do tempo,
assegurado para si a patente na qualidade dos seus processos e de seus produtos.
De imediato, podemos perceber que há uma mudança de comportamento e de
sentido. Do conhecimento dos mestres de ofício e do anteparo do poder da igreja
até nossos dias muitos séculos nos contemplam! E muitas foram às transformações
pela qual essa instituição passou. Utilizando a analogia da água que passa debaixo da
ponte, podemos pensar que há um padrão nessa passagem. Mas como bem observou
Heráclito, a água que escoa é sempre diferente.
Por exemplo, “[...] da ideia de universidade universidades à universidade de
ideias” proposta por Boaventura em 1995, mais de três décadas se passaram. E o
que temos de sólido corresponde ao enfrentamento de duas forças opostas. De um
lado, o esforço contínuo da comunidade acadêmica pela busca da qualidade em
suas ações e funções e, do outro lado, a força do mercado. Da primeira, a ideia da
unicidade, da responsabilidade social da produção e da difusão do conhecimento; e
da segunda, a ideia do capital que transforma o conhecimento em um bem comer-
cializável. Desse lugar, ou não-lugar, são desencadeadas situações que desafiam os
modos de trabalho na academia.
A universidade está diferente, os mecanismos institucionais assumidos são
outros que, por mais que haja discordâncias, ainda assim eles se institucionalizaram
e passam a servir como leis que direcionam as ações do arcabouço institucional.
Marcos regulatórios, indicadores de avaliação e ranking das instituições fazem
parte da superfície discursiva da comunidade acadêmica e da comunidade externa.
Aos poucos, os padrões empresariais e ditos modernizadores vão sendo instalados
na dinâmica da gestão organizacional da universidade, para atender a uma agenda
de controle de organismos multilaterais com vistas a uma dita modernização e pri-
vatização, como alerta Dias Sobrinho (2003, p. 35). Prova disso são as avaliações
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 379
REFERÊNCIAS
FREY, Carl Benedikt Frey; OSBORNE. A. Michael. The Futur of employment:
How susceptible are jobs to computerasition, acesso em 26 de novembro de
2018., disponível em https://www.oxfordmartin.ox.ac.uk/downloads/academic/
The_Future_of_Employment.pdf
GLEIK. James. Caos: a criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro: Campus,
1989.
HARARI. Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo:
Companhia das Letras, 2016.
ROCHA. José Fernando (Org.). Origens e evolução das ideias da física (livro
eletrônico. Salvador: EDUFBA, 2011;
INTRODUÇÃO
Figura 1
(Fonte: Facebook)
Para denunciar uma postagem como fake news, o usuário tem no canto direito,
a opção e deve clicar. Após esse procedimento, deve escolher “Dar Feedback sobre
essa publicação” (cf. fig. 2)
Figura 2
(Fonte: Facebook)
Figura 3
(Fonte: Facebook)
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
A relevância da situação dos conteúdos falsos cujo sentido é a intenção de en-
ganar, portanto, geradora de conflitos e manifestações diversas de insatisfação, ira,
mágoa, dor ou ódio, vêm permitindo uma alteração na realidade política chamada
pós-verdade, bem como o incentivo ao aprofundamento da pesquisa, cuja finalidade
é da obtenção de certeza e credibilidade.
As redes sociais promovem maior aproximação entre as pessoas, maiores
possibilidades de encontros e reencontros consigo e com o outro, principalmente,
no facebook, já que se tornou a rede mais popular do mundo, Se, por um lado, isso
acontece, apesar de incontáveis fatos de violência e horror na internet, o índice
ainda é menor do que no passado sanguinário ou de escravismo. A luta pelo poder
permanece, mas sem que haja a idolatria aos líderes, nem a hostilidade à paz.
Além do grande movimento de discussões sobre os piores sentimentos que
são disseminados pelos usuários, sobretudo pelos fake news, o aspecto positivo de
toda essa comparação de tempos é a esperança de alteração no comportamento das
pessoas e a qualidade ética da classe política, ainda a passos lentos. A academia e
grandes empresas vêm investindo na busca e na criação de soluções para um mundo
real ou virtual, mais livre e considerado de melhor qualidade.
REFERÊNCIAS
BENEVENUTO, Fabricio. Soluções tecnológicas para o problema das
notícias falsas. Notícias – Universidade Federal de Minas Gerais, Acesso em
7/6/.2018.
392 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
GREIMAS, Algirdas Julien. Semiótica das paixões. São Paulo: Ática, 1993.
Sou homofóbico, sim, com muito orgulho, diz Bolsonaro em vídeo. Disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=w8bDq7jP5KU, 2008. Acesso em
20/1/2019.
que contornamos a coisa, não poder alterar nada nessa relação essencial: no fato de
nunca vermos senão o lado frontal, jamais o lado de trás da coisa visada. Isso revela um
traço do minucioso trabalho descritivo da fenomenologia desvelando trivialidades.
A questão diretriz de Husserl era: como é que posso me tornar um filósofo sincero?
tendo em vista, Como é que posso conduzir cada passo de meu pensamento de tal modo
que todo passo ulterior possa acontecer em um solo seguro? Como é que posso evitar toda
e qualquer suposição prévia injustificada e, com isso, também realizar finalmente o ideal
da ciência rigorosa?
Com toda a sua força concentrante no retorno às coisas mesmas e com toda a
minúcia de sua analítica fenomenológica, Husserl publicou muito pouco em relação
aos seus experimentos. O que torna o método fenomenológico algo sempre a ser
vivenciado por cada um que se proponha a realizar esse caminho da busca de si
mesmo no mundo com outros semelhantes e dessemelhantes.
A fenomenologia se apresenta como Filosofia Primeira, fundamento sólido para
a edificação em bases seguras de toda ciência de rigor. Talvez nesse aspecto consista
o seu principal contributo metodológico: o retorno às coisas mesmas abre-se como
aprendizagem do vivido no vivente — uma aprendizagem descritiva de desvelamento
do sentido das intencionalidades humanas em suas diversas situações.
A elucidação das essências é o empoderamento humano do sentido em sua di-
nâmica intencional noético-noemática. A partir desse fundamento seguro se poderia
sempre partir de si mesmo, em um retorno radical a si mesmo, na compreensão do
próprio sentido que leva adiante o projeto humano na busca de um conhecimento
afeito às próprias coisas, como atos intencionais de nossas vidas com sentido. Saber
das essências é investigar o sentido das coisas no fluxo contínuo da vida espiritual
humana. O conhecimento como caminho infinito, no qual não cabem formas e
moldes definitivos. O conhecimento como relação dialógica entre o visado e o vi-
dente, o afigurado e o ponto de vista de quem vê.
A intencionalidade como dispositivo estrutural a priori desvela a consciência
como um para fora, pois é sempre a consciência de algo, está sempre, como consci-
ência, visando coisas reais ou imaginárias, está sempre imersa como corpo em um
mundo habitado e compartilhado. A estrutura da intencionalidade revela o modo de
ser humano em sua universalidade. A consciência humana está sempre transcenden-
do seus objetos visados, não sendo uma substância subjacente, mas uma expressão
do vivido no vivente. E por que o projeto fenomenológico de Husserl de restituir o
fundamento apodítico de toda ciência rigorosa não foi capaz de resolver a crise do
fundamento que abalou a Europa entre as duas guerras?
396 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
O caminho fenomenológico de Husserl foi visto como mais uma tentativa ma-
lograda de buscar o fundamento absoluto para todo conhecimento possível a priori,
emergindo, então, o tema existencial como continuidade do método fenomenológico
que agora coloca o foco da investigação na condição existencial humana.
Antes de tratarmos da abordagem existencial que a fenomenologia acabou por
subsidiar, é preciso delimitar o essencial do propalado método fenomenológico.
Como ele pode ser operado nas ciências humanas em geral?
Na Primeira das Meditações Cartesianas, Husserl considera o caminho para o
Ego transcendental a partir da revolução cartesiana, portanto, pelo retorno radical
a si mesmo. Como diz:
Como filósofos que adotam por princípio aquilo que podemos chamar o
radicalismo do ponto de partida, vamos começar, cada um por si e em si,
por deixar de lado as nossas convicções até aqui admitidas e, em particular,
por não aceitar como dadas as verdades da ciência (HUSSERL, s/d, p. 17).
Não posso viver, experimentar, pensar; não posso agir e emitir juízos de valor
num mundo diferente daquele que encontra em mim e extrai de mim mesmo o seu
sentido e a sua validade. Se me colocar acima dessa vida na sua totalidade e me abstiver
de efetuar a menor crença existencial que põe — o mundo como existente, se visar
exclusivamente essa própria vida na medida em que está consciente de — este mun-
do, então, encontro-me, enquanto ego puro, com a corrente das minhas cogitationes.
Por consequência, de fato, a existência natural do mundo — do mundo acerca
do qual eu posso falar — pressupõe, como uma existência em si anterior, a do ego
puro e das suas cogitationes. O domínio da existência natural tem apenas uma auto-
ridade de segunda ordem e pressupõe sempre o domínio transcendental. É por isso
que a diligência fenomenológica fundamental, quer dizer a epoché transcendental,
na medida em que nos conduz a esse domínio original, se chama redução fenome-
nológica transcendental (HUSSERL, s/d, p. 34).
Heidegger, que chegou a ser considerado por Husserl seu principal herdeiro, e que
depois o traiu de modo covarde.
É preciso, então, colocar a questão: qual é a diferença entre a fenomenologia
de Husserl com seu método eidético radical e seus seguidores e discípulos, como
Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty, Gadamer, Jaspers e tantos outros?
Gadamer (2012) afirma que não houve escola fenomenológica alguma, mas
apenas grupos diversos de pesquisadores que se encontravam em uma conexão bastante
frouxa entre si. Entretanto, essa conexão podia ser sentida como realidade intensa
quando todos se reuniram em torno da palavra de ordem “rumo às coisas mesmas”.
Foi o método propugnado por Husserl que atraiu a todos os fenomenólogos
em torno de um lento exercício de investigação “rumo às coisas mesmas”. Somente
uma coisa é certa, o modo de trabalho da fenomenologia não pode ser aprendido
por meio de livros e de manuais e cada fenomenólogo tem a sua própria opinião
sobre o que da fenomenologia.
Resta-nos fazer tesouro epistemológico e metodológico das lições vividas com
a investigação fenomenológica radical, aprendendo também a liberdade criadora
diante das incontáveis possibilidades oferecidas para a análise fenomenológica. E
como realizar uma fenomenologia própria e apropriada?
Ora, sempre começando do ponto de partida radical de retorno a si mesmo.
Realizar esse retorno assegurando-se de sua validade para todos os casos da série
eidética humana não é algo que se conquista mediante uma titulação ou certificação
formal, mas se compreende como infinita propriedade de desvelar fenomenologica-
mente o sentido do ser humano no mundo com sua comunidade de outros humanos
e outros entes além e aquém do humano.
Ao se usar o método fenomenológico como recurso operatório de pesquisas
sociais, é preciso ter presente que cada investigador é o fenomenólogo que assume
plenamente a responsabilidade de validar sua construção metodológica a partir de
sua própria e apropriada subjetividade transcendental. E isto usando a gramática de
Husserl, o que não significa que esta seja uma verdade indiscutível, e sim que esta é
a própria criação de uma verdade a partir dos planos de imanência de seus conceitos
e descritores dos fluxos intencionais.
Estamos diante do mais surpreendente e extraordinário: a epoché fenomeno-
lógica pode ser realizada por qualquer um que se assegure da sua concretude e a
partir daí possa também construir suas alternativas de relação com o mundo da vida,
um mundo que já é habitado vivamente pelos que existem nele e que projeta o ser
humano para formas existenciais sempre mais imprevisíveis e radicalmente novas,
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 403
requisitando dos seres humanos uma educação cada vez mais intensamente afetiva
e cuidadosa com o mundo da vida em sua totalidade segmentária.
Terceiro Passo
Eu sou um ego meditando à maneira cartesiana; sou guiado pela ideia de uma
filosofia, compreendida como ciência universal, fundada de uma maneira
absolutamente rigorosa, da qual admiti — a título de experiência — a possi-
bilidade. Depois de ter feito as reflexões que precedem, tenho a evidência de
ter, antes de mais, que elaborar uma fenomenologia eidética, única forma sob
a qual se realiza — ou pode realizar-se — uma ciência filosófica, a “filosofia
primeira”. Ainda que o meu interesse se dirija aqui, particularmente para a
redução transcendental, para o meu ego puro e a explicitação desse ego puro
e a explicitação desse ego empírico, só posso analisá-la de uma maneira ver-
dadeiramente científica através de um recurso aos princípios apodícticos que
pertencem ao ego enquanto ego em geral.
É preciso que eu recorra às universalidades e às necessidades essenciais graças
às quais o facto pode ser referido aos fundamentos racionais da sua pura
possibilidade, o que lhe confere a inteligibilidade (1).
(1). É necessário não esquecer o seguinte fato: na passagem do meu ego para
o ego em geral, não se pressupõe nem a realidade nem a possibilidade de um
mundo dos outros. A extensão do eidos ego é determinada pela variação do meu
ego. Modifico-me na imaginação, eu próprio me represento como diferente,
não me imagino “um outro” (p. 94-96).
REFERÊNCIAS
HUSSERL, Edmund. Meditações cartesianas. Lisboa: Rés, s/d.
45. Festival educom
Marcílio Rocha-Ramos
1
Para uma visão mais aprofundada da realização do Festival Educom, consultar os verbetes i) Edu-
comunicação: revolução molecular; ii) Cinemação e iii) Leituras.com. Os três verbetes enunciam os
processos de produção educomunicativos nas fases de pré-produção, produção e pós-produção. A
última fase é quando, justamente, se realiza o Festival.
46. Filosofia Própria e Apropriada
é que ele fala em nome próprio e ousa filosofar em língua mater. As questões que o
movem são de uma ordem fora do controle da razão tecnocientífica. Não está, assim,
interessado em demonstrar conhecimentos eruditos de filosofia, pois o que convoca
alcança o espanto originante e nele permanece atentamente. Fala, então, de uma
atitude aprendente originária, de uma disposição ao diálogo interrogante implicado,
onde está sempre em jogo a atenção ao instante em sua valência existencial.
Pensando assim, para Galeffi, a filosofia do (no) acontecimento pode ser dita
publicamente através de uma estranheza radical, onde o encontro com a diferença
ontológica evite representações e reduções apressadas. Assim, ele pode falar sem a
necessidade de apoio nas vozes tradicionais autorizadas. Isto é, a apresentação do que
Galeffi chama de filosofia do acontecimento ou própria e apropriada tem como devir
um encontro efetivo de pensamento instante, sem as pretensões de acabamentos
e conclusões autorizadas. Logo ele fala de uma determinada forma de compreen-
der a filosofia como atividade de pensamento radical que implica no processo de
autoconhecimento aprendente. Ou seja, não acredita na filosofia como sistema de
verdades e crenças absolutas, e isto porque acolhe a filosofia como acontecimento
do ser-implicado, isto é, como vivência própria e apropriada do pensar-pensante.
Sem dúvida, coloca-se em posição de risco, em confronto com as vozes autorizadas
da filosofia, na medida em que afirma hoje uma filosofia cujo plano de imanência é
o autoconhecimento aprendente, interrogante, ignorante. Com isto Galeffi desau-
toriza os feudatários dos territórios filosóficos consagrados a falarem pelos outros.
Ou melhor, quem usa a filosofia como instrumento de autopromoção certamente
desconhece o sentido mais radical e vívido do filosofar aprendente.
Diante da abertura abissal do perceber filosófico, nenhuma interpretação do
ser-no-mundo pode permanecer a mesma por muito tempo. Nela, o estado de apro-
ximação sapiencial é sempre uma dilatação de o próprio ser, o que permite silenciar
as múltiplas e mirabolantes representações do sentido e valenciar a instância do
próprio e apropriado acontecimento do sentido. A filosofia não é aqui concebida como
sistema acabado da verdade universal, mas como abertura disposta e aprendente do
próprio ser-sendo em suas múltiplas e inesperadas temporalidades. Isto apaga do
horizonte a figura do filósofo de profissão como sendo a do portador de um saber
privilegiado. Nesta perspectiva filosófica, o único privilégio é o de sermos pensantes no
acontecimento implicado do nosso ser-no-mundo-com. Qualquer privilégio singular
não passa de ilusão de quem quer dominar os outros com o seu saber competente e
eficaz. Entretanto, é preciso ter plena consciência da dificuldade de se romper com
esse horizonte tradicional da filosofia e do filósofo no Ocidente. O fato é que com
416 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
essa filosofia do acontecimento Galeffi propõe uma re-invenção da filosofia que possa
alimentar nossa sede e fome de sabedoria abundante.
Não é fácil transpor o limiar do conhecimento para se alcançar a ambiência
da sabedoria. A filosofia aqui acontecendo não pretende ser o acesso técnico para
as várias capacidades operativas do humano, mas um encontro amoroso e decidido
com a celebração da vida-instante, no instante de nossa própria vida. Esse modo de
dizer potencializa o acontecimento de uma nova possibilidade aprendente que pode
fazer florescer uma compreensão conectora do sentido-sendo, inauguradora de uma
potência criadora ainda desconhecida. Por isto, a filosofia do acontecimento elogiada
por Galeffi é a possibilidade de realização de um salto revolutivo no espaço implicado
do sentido-sendo: o descortinamento da amorosidade celebrativa da inteligência
aprendente do saber-ser. Ora, isto não é posse de nenhuma razão já determinada,
mas o advento sempre novo do que nunca tem ocaso: o absolutamente desconhecido
e inesperado des-velante acontecimento do sentido sendo.
Aprofundando ainda mais o sentido de uma filosofia própria e apropriada,
Galeffi fala (texto ainda inédito) da filosofia do acontecimento e da língua de si
na filosofia. Partindo do seguinte questionamento: o que vem a ser Filosofia do
Acontecimento? Trata-se de uma original maneira de pensar? Ou é apenas uma
expressão nova para algo tão antigo quanto o ser humano em sua saga na busca
de si? O autor toma como ponto de origem três fragmentos de Heráclito, ipara
tratar trataremos do que denomina de Filosofia do Acontecimento buscando
compreender o acontecimento da língua de si na filosofia. E como a visada não
é historiográfica, mas filosofante, seguir-se-á um fluxo condizente com o aconte-
cimento presente: sempre do começo!
Os três fragmentos escolhidos como plano de projeção da Filosofia do
Acontecimento:
I. O pensar é comum a todos.
II. Em todos os homens está o conhecer a si mesmo e pensar.
III. Eu busco a mim mesmo. (COSTA, 2002, p. 210-214)
A unidade é sempre vazia e múltipla. Ela não tem forma, podendo sobredeterminar
toda forma e todo estado de coisas possíveis. Portanto, a unidade é também um traço
do acontecimento: cada vez um! Um por vez: eis o acontecimento! A unidade garante
ao acontecimento sua potenciação criadora. O criador na medida da aprendizagem
comum: o caminho humano. Aprender para ser sempre outro de si!
Um saber ser: saber cuidar, deixar ser, ultrapassar ser, tornar-se não-ser na
abertura do ser outro: a dobra do sentido, o sentido da dobra. Um jogo de palavras
que aponta para o sentido do acontecimento do pensar comum associado ao âmbito
do filosofar. Isto requer uma tomada de decisão: uma ruptura, uma transgressão,
uma transversalidade, um atravessamento dos olhares particulares e das objetivi-
dades constituídas.
Para Galeffi, filosofar é tomar ciência de si mesmo no pensar que é comum a
todos. Não é um ato pessoal dotado da singularidade das personalidades afetadas,
mas um ato que se impõe na escalada humana no acontecimento da deriva cósmica.
É preciso dilatar o campo de visada do sentido filosófico do acontecimento para
re-situar o ser humano na história do planeta. A Terra é um pequeno planeta de um
sistema solar pequeno em uma galáxia que é uma entre incontáveis aglomerados
galáticos diversos.
Desse modo, o questionamento filosófico se impõe pela condição ontológica
da espécie humana em sua multiplicidade. E isto requer condições políticas favore-
cedoras de uma ética da comunidade partilhada por reconhecimento investigativo
e não baseada em uma crença qualquer. O sentido do pensar comum é algo que se
encontra disponível a todos os entes pensantes, que de algum modo são todos os
entes sem exceção.
Por isso, inevitavelmente o questionamento filosófico do acontecimento é an-
tropológico porque diz respeito ao ser humano na busca de si. Mas ele não pode ser
concebido como antropocêntrico. Agora a centralidade humana dá lugar à tríplice
centralidade conjugada em unidade maior. A unidade aqui aparece em sua policentria
porque reúne ângulos e configurações em um mesmo plano de imanência: o início
do diálogo inter e transdisciplinar.
Para Galeffi, o caráter antropológico do filosofar é, pois, um traço do ente
antropoide que somos: o filosofar se ajusta à medida humana, é uma atividade
aprendente. É também o meio de acesso ao caminhar do sentido no acontecimento
da consciência da consciência e da consciência da inconsciência (LUPASCO, 1994): o
acontecimento da construção humana em sua dinâmica gerativa; o desassujeitamento,
a desalienação, a tomada vital de si mesmo na dinâmica do viver e do morrer. Cami-
420 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
caminho do pensar comum. Cada pensador, cada filósofo tem seu modo próprio
de construir a expressão do sentido?
Galeffi considera este aspecto muito elevado. É muito elevado encontrar seres
humanos que produzem obras de pensamento pelo desejo de conhecer tudo. Um
desejo estranho, e que requer por primeiro o esvaziamento de toda pretensão de
acabamento e imobilidade do saber-ser. A aventura humana permanece no aberto
da própria deriva cósmica. Não seria razoável conceber um filosofar apaziguador
dos embates fundamentais do sentido-sendo. Seria como negar o princípio da im-
permanência pela fixação de um ideário qualquer: a construção de uma consolação
metafísica apaziguadora da contraditoriedade e antagonismo originário.
A expressão língua de si na filosofia soa como uma impropriedade e uma con-
tradição, o que pressupõe um grande preconceito relativo à língua do pensamento,
como se ela fosse desencarnada e sempre a mesma, sempre homogênea e idêntica a
si mesma. Como se a filosofia fosse uma coisa definitiva em suas verdades pronun-
ciadas e construídas. Como se a língua do pensamento pudesse existir sem a língua
de si do pensador.
Diz Galeffi, “[...] a língua de si do pensador não é uma língua pessoal, mas é
composta a partir de estratificações maquínicas de toda espécie, séries de séries de
agenciamentos coletivos”. É uma língua de si como uma nascente e um agencia-
mento de habitação e proteção. Pela língua de si tudo se conecta ao sentido em seu
esclarecimento próprio e apropriado.
Tomando a língua de si de Heráclito como exemplo, Galeffi aponta que ele,
como grego, expressa “o pensar comum a todos” em língua grega. Será, então, que
a língua do pensamento é necessariamente grega, sendo assim a filosofia uma coisa
única dos gregos e de seus ascendentes?
Quando se diz que a filosofia é uma invenção grega quer dizer que o logos de
Heráclito é algo intraduzível para outra língua qualquer, ou o próprio Heráclito
já nomeia o pensar como algo comum a todos os homens? Será que Heráclito está
dizendo que o pensar é comum apenas para quem é grego? Pensar assim seria como
definir o ánthropos como uma exclusividade grega. Mas o ánthropos já é por Heráclito
nomeado em sua generalidade e não apenas em sua localidade. E, apesar disso, lógos é
um signo da língua de si de Heráclito: quantos anônimos estão presentes nos extratos
do conceito de logos cunhado por Heráclito? Quantos séculos foram necessários para
o aparecimento da língua de si de Heráclito?
Seguindo interrogando, Galeffi faz uma série de questionamentos: E a língua
de si do pensamento atual, como se faz presente? É possível filosofar em língua
422 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Sendo o pensar uma marca do poder-ser, aprender a pensar é decidir pelo que se
institui como fazer antropológico em relação ao qual o ser humano não é o centro e
nem muito menos o único a possuir o poder ser como sua propriedade ontológica. A
filosofia do acontecimento não pode ser uma repetição do que já se encontra instituído,
o que não significa que o instituído desapareça do corpo sem órgãos da filosofia do
acontecimento, mas sim que o instituído se torna a imagem passada do que já foi criado
pelos artífices conceituais que construíram filosofemas para responder exaustivamente
à alguma pergunta capital, pois concordando com Deleuze:
[...] uma teoria filosófica é uma questão desenvolvida, e nada mais: por si
mesma, em si mesma, ela consiste não em resolver um problema, mas em
desenvolver ao extremo as implicações necessárias de uma questão formulada.
(DELEUZE, 2001, p. 119-120).
Assim, para Galeffi, se é aceitável que o pensar é comum a todos, é também acei-
tável que o seu acesso pode ser realizado por cada ser humano, o que não quer dizer
que se possa imaginar como algo dado, posto ser a abertura para a atividade humana
criadora de sentido por meio de seu fazer vital. Há, pois, uma vitalidade na filosofia
do acontecimento que não se pode perder de vista e de mira. Trata-se da vitalidade da
experiência do pensar apropriador. Isto pressupõe a crença em uma filosofia vitalista
porque justamente o filosofar é uma experiência vital e não uma representação objeti-
vada da forma ideal do que se mostra real. Daí a filosofia do acontecimento ou própria e
apropriada se encontrar ao alcance da compreensão humana, mesmo se o seu eidos se
nutra do extraordinário, que é sua própria aparição conjuntiva. Conexão de tudo com
tudo! Eis o filosofar aberto ao acontecimento! Nenhum programa prévio, nenhuma
estabilidade última. Apenas a convicção de que o pensar é comum a todos, e por isso
ele está disponível à experiência dos afetos humanos e pode projetar o humano além
de sua autoimagem fixa. Um ser de passagem, o humano como mediador privilegiado
de tudo. Um holograma da totalidade dinâmica. Um espanto encarnado!
No acontecimento, múltiplas e diversas possibilidades. Na filosofia do aconte-
cimento, a língua de si se torna a presença de um personagem conceitual inesperado.
Nas múltiplas e diversas possibilidades se configura como pensar que não resolve
problemas, mas examina maquinações e projetos ontológicos: visualiza o invisível
em agenciamentos maquínicos e de enunciação. Sempre uma via de mão tripla: um
ir e vir e um retroagir constante. Uma dialógica tensiva cuja resolução não é uma
fixação e sim um novo recomeço.
Assim é a filosofia do acontecimento: algo que só faz sentido para quem se dá
como personagem conceitual do acontecimento. Algo impossível de ser comunicado
426 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
COSTA, Alexandre. Heráclito: fragmentos contextualizados. Rio de Janeiro:
Difel, 2002.
pregados no Brasil. O IBGE considera como empregado qualquer pessoa que fez algum tipo de
trabalho na semana anterior à pesquisa. O índice de desemprego apurado pelo Dieese/Seade con-
sidera o desemprego oculto pelo trabalho precário (aqueles que procuram trabalho, mas exercem
precariamente alguma atividade) e o desemprego oculto pelo desalento (aqueles que gostariam de
estar trabalhando, procuraram trabalho no último ano, mas não o fizeram nos últimos 30 dias).
430 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
conseguir ajustar-se aos critérios do mercado, razão pela qual ocorre a expressiva
inadimplência em experiências dessa natureza. Tal fato denuncia o modelo calcado
em critérios de rentabilização do capital investido — opção que muito se diferencia
da proposta de finanças solidárias.
Nas relações de proximidade, defendidas pelas finanças solidárias, é valorizada
a confiança e a solidariedade numa escala de prioridade que se coloca relevante à
concessão de crédito. Como explica França Filho (2013), nesse sistema as relações
sociais superam as relações econômicas, logo, são contrárias à lógica clássica do
mercado, numa lógica de funcionamento econômico-social oposta à ideia de cresci-
mento como propósito do sistema, mas com a finalidade de dar conta das demandas
e necessidades comunitárias de um determinado território. Essa condição faz com
que as práticas de finanças solidárias sejam enraizadas territorialmente e/ou comu-
nitariamente, daí a razão da denominação de finanças de proximidade.
Neste sistema, a condição de crescimento, numa visão de ampliação de atendi-
mentos, inviabilizaria a iniciativa devido à condição desfavorável de manutenção dos
padrões de relacionamento socioaproximadores. Conforme abordado por França Filho
(2013), os critérios de confiança e solidariedade, naturais nos processos de finanças
de proximidade, diferentemente da condição de crescimento, que exige mecanismos
de impessoalidade das relações entre as pessoas com o objetivo da funcionalidade do
sistema, correspondem às relações socioafastadoras no plano espacial, cuja iniciativa
não delega ao homem a condição de sujeito com prioridade, mas conforme a lógica
das instituições de economia convencional.
Numa comparação analítica dessas lógicas deve-se ter o cuidado para não se
julgar a superioridade de uma sobre a outra, recomenda França Filho (2013). A pre-
cedência deve dar-se conforme características naturais da realidade. O autor chama
atenção para o equívoco de que os sistemas devam necessariamente caminhar na
direção do mercado, uma forma de se acreditar na superioridade deste em relação a
outras economias. A predominância dessa crença inviabiliza a busca de solução para
o desenvolvimento local numa opção que favoreça as finanças solidárias.
Por conseguinte, as finanças solidárias e/ou de proximidade, como explica
França Filho (2013), inscrevem-se na lógica da economia solidária, numa intenção
de produção, reprodução e preservação da vida em contexto territorial. Nesta cir-
cunstância, as atividades de reprodução das condições materiais de existência devem
constituir-se como meio para a realização de outros propósitos humanos. Nas abor-
dagens já feitas, identificam-se as diversas formas do lidar com o econômico, que
são manifestações do Estado, do mercado ou da própria sociedade. As iniciativas
432 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
podem ter origem nas formas de solidariedade dos meios populares ou, ainda, nos
mecanismos de auto-organização da sociedade civil.
Os anos 1980 representam um momento de crise na dinâmica do capitalismo
contemporâneo, marcado pelo desemprego em muitos países, configurando-se
numa “crise do trabalho”. Nesse momento vive-se a ausência de emprego formal e
oportunidade de acesso à renda pela população de diferentes países. Diante da crise,
é questionado o modo de organização e regulação da sociedade na modernidade
que, segundo França Filho (2013 p. 43),
[...] tem sido baseado em dois pilares — em interação dinâmica ou sinérgica: a
economia de mercado (supridora de empregos), de um lado, e o estado social
(responsável pela proteção social), do outro.
O contexto sinaliza para a necessidade de mudanças na sociedade, embora
essa perspectiva ainda não se mostre nítida para todos, há quem acredite em solução
relacionada aos limites do paradigma de mercado ou ainda quem opte pelo rompi-
mento do mesmo paradigma (FRANÇA FILHO, 2013).
No contexto de incertezas que marcam o futuro das sociedades modernas,
França Filho (2013) adverte quanto aos dilemas e contradições que integram a
agenda do debate público, como a perda gradual do emprego formal que, junto
à crise do trabalho, constitui uma problemática de cujas consequências decorre a
“exclusão social”. Paralelo a essa conjuntura numa “sociedade do trabalho”, com base
no pensamento de França Filho (2013), vive-se outra realidade, onde o acesso ao
trabalho não apenas garante renda, mas é facilitador da construção das identidades
individuais e coletivas, valorizando-se o reconhecimento das pessoas, atribuindo
sentido à sua própria existência. Na ausência do trabalho, as suas consequências se
refletem no cidadão tanto do ponto de vista social quanto nos aspectos relacionados
à saúde mental.
A solução para a circunstância da crise de trabalho associada à exclusão social
é recomendada por França Filho (2013): algumas iniciativas de combate à pobreza
e promoção do desenvolvimento. Essas podem vir de mudanças paradigmáticas
onde sejam valorizadas formas de trabalho com experiências de reorganização de
economias locais, como é o caso de rede de economia solidária. Nesta alternativa,
questiona-se a centralidade e a lógica da economia de mercado, propondo novos
arranjos institucionais, onde podem conviver distintas formas de economia como
modelos de regulação da vida em sociedade. No entanto, predominam as estruturas
da inserção pelo econômico, apostando na economia de mercado como solução
para a demanda de trabalho ou, ainda, por meio do empreendedorismo privado,
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 433
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo; POCHMANN, Marcio. Dimensões do Desemprego e da
Pobreza no Brasil. ©INTERFACEHS. Revista de Gestão Integrada em Saúde
do Trabalho e Meio Ambiente, v.3, n.2, Traduções, abr./ agosto.2008 www.
interfacehs.sp.senac.br. Disponível em: http://www.interfacehs.sp.senac.br/br/
traducoes.asp?ed=8&cod_artigo=140. Acesso em: 5 mai. 2013.
CORTIZO, Maria Del Carmen; OLIVEIRA, Adriana Lucinda. A economia
solidária como espaço de politização. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, v.
80, p. 82- 93. nov. 2004.
FRANÇA FILHO, Genauto. Bancos Comunitários de Desenvolvimento
(BCDs) como expressão de finanças solidárias: por uma outra abordagem da
inclusão financeira. Fortaleza: Arte Visual. 2013. 107 p.
FUNDAÇÃO GRUPO ESQUEL BRASIL. Fundos Solidários: por uma política
de emancipação produtiva dos movimentos sociais – Caderno 1. Fortaleza: F.
Grupo Esquel Brasil. 2007.
440 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
A palavra composta flipped classroom está em língua inglesa por respeito ao fato
de sua origem e criação ter sido nos Estados Unidos, por esse motivo se acredita ser
correto respeitar a nominação original, embora para desenvolver o conceito se faça
alusão à versão em português que é sala de aula invertida.
Na sala de aula invertida, há algo que se inverte, e não é literalmente a sala de
aula, o espaço físico onde se vai para receber informação ou conhecimentos, é outro
o conceito de inversão: é o modelo de aula tradicional com seus elementos, os que
se invertem, giram e trocam de posição no tempo. Assim, um começo efetivo para
descrever o conceito flipped classroom é descrever o modelo de sala de aula tradicional.
Na sala de aula tradicional, os sujeitos que participam são: os docentes e os
discentes, cada um com sua função estritamente definida. O docente é quem sabe
e deve entregar seu saber; o discente não sabe e deve receber os saberes do docente.
Assim, a direção da informação (o que recebe os discentes) ou conhecimento (o que
entrega o docente) é unidirecional, desde os docentes para os discentes. Finalmente,
para completar o processo de ensino, na sala de aula tradicional, se faz a avaliação
estrita do conhecimento que o docente tem e que o discente deveria haver simples-
mente memorizado.
A aplicação do conceito de sala de aula invertida é vista como uma possibilidade
de otimização do tempo de aulas. O termo original, em inglês, flipped classroom, é
definido pelo Texas Learning Sciences (2015) como uma das inversões do ciclo típico
de aquisição de conteúdo e da aplicação dos conceitos explorados. Nesse modelo,
os estudantes tomam contato com o conhecimento (compartilhado pelo discente)
antes da aula, para que, durante a permanência em aula, esclareçam e apliquem, de
maneira ativa, os conceitos com os quais tiveram contato. Dessa forma, os docentes
podem auxiliar os discentes no aprofundamento dos conteúdos, guiando a classe
para atingir níveis mais refinados de aplicação dos conceitos (fig. 1).
Segundo Horn e Staker (2015), dentro do contexto de ensino híbrido, a “sala
de aula invertida” é um tipo de modelo de rotação que inverte completamente a
função normal da sala de aula. Em consonância com o conceito sumariamente
exposto acima, os autores afirmam que, nesse modo de organização,
442 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
A esse respeito refere Freire (1983), “[...] não há seres educados e não educados.
Estamos todos nos educando”.
REFERÊNCIAS
BERGMANN, J.; SAMS, A. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de
aprendizagem. Rio de Janeiro: LTC, 2017.
448 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
KING, A. From sage on the stage to guide on the side. College Teaching,
41(1), 30-35. 1993. http://www. edweek.org/ew/articles/2012/10/03/06khan_
ep.h32.htm
REFERÊNCIAS
AFONSO, Rui Walter M. P.; CARVALHO, Ana Amélia A. Melhorar a
qualidade do Software Educativo Multimédia: Contributos de um estudo.
Universidade do Minho, Minho: 2005.
Javier Collado-Ruano
Como surgiu o universo? Que lugar ocupa a Terra no sistema solar e no uni-
verso? O que é a vida e como evoluiu? Qual é o futuro da vida na Terra? Como
aprender a coevoluir de forma harmônica com a natureza? A ideia de interconexão
entre os seres humanos e as demais formas de vida nos leva a revisar o conceito de
desenvolvimento por meio de um estudo transdisciplinar dos processos coevolutivos
que a vida vem desenvolvendo desde a sua aparição na Terra há 3.8 bilhões de anos.
O “milagre cósmico da vida” é um desafio epistemológico que devemos integrar no
consciente das pessoas para salvaguardar a grande biodiversidade que coevolui na
Pachamama, a nossa Mãe-Terra.
A Grande História foi cunhada e fundamentada teoricamente pelos histo-
riadores David Christian (2010) e Fred Spier (2011). Na atualidade, a Grande
História é constituída por uma ampla comunidade científica que integra e unifica
o conhecimento de forma transdisciplinar, tendo por base as pesquisas mais aceitas
em astrofísica, cosmologia, física quântica, geofísica, química orgânica, biologia
molecular, microbiologia, geologia, climatologia, ecologia, geografia, paleontologia,
antropologia, demografia, arqueologia, história, epistemologia, filosofia, sociologia,
ciência política, economia, pedagogia, psicologia, cibernética, arquitetura, neurociên-
cia e muitas outras, com o fim de criar uma estrutura transversal e multirreferencial
da condição humana na Terra.
Pelo consenso científico atual da Grande História, o universo humanamente
conhecido surgiu há aproximadamente 13,7 bilhões de anos antes do presente (AP),
com a explosão do Big Bang. A formação da Terra se produziu em torno de 3,8 e 3,5
bilhões de anos AP. Na primeira metade desse período, as formas de vida ancestrais da
Terra se mantiveram em níveis de complexidade muito simples (como as arqueobactérias
ou as eubactérias), mas a aparição do oxigênio livre na atmosfera originou as primeiras
células complexas (as eucariotas), faz 2 bilhões de anos AP. A explosão cambriana do
metazoário teve lugar 1,5 bilhões de anos depois, faz 542 milhões de anos AP. Desde
então, a variedade biológica se incrementou em grande velocidade, formando uma
ampla gama de organismos multicelulares que desenvolveram e desenvolvem estratégias
454 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
de sobrevivência com fluxos de energia muito singulares, como, por exemplo a cadeia
trófica. Apesar de tudo, parece indicar que a vida surgiu nas profundezas dos oceanos,
e não conseguiu alcançar terra firme até 450 milhões de anos AP.
Apenas 250 milhões de anos depois de alcançar a superfície terrestre surgiram
os primeiros animais de sangue quente, com destaque para os famosos dinossauros
do período Cretáceo que desapareceram há 66 milhões de anos AP pelo impacto
de um suposto asteroide na Terra. Segundo aponta Christian (2010, p. 162), essa
circunstância deu lugar ao período hegemônico dos mamíferos, a partir do qual
emergiram mais tarde os primeiros hominídeos bípedes, em torno de sete milhões
de anos AP. Graças ao teste de carbono-14 realizado nos fósseis encontrados até
essa data, se pode conhecer de maneira aproximada a datação dos primeiros austra-
lopitecos, que parecem ter uns quatro milhões de anos AP. Os homo habilis datam
de 2,5 milhões de anos AP, os homo erectus em torno de dois milhões de anos AP,
e os hmo neardenthalis e hmo sapiens apontam para uns 200.000 anos AP. Com
a extinção do hmo floresiensis faz uns 13.000 anos atrás, o homo sapiens é o único
sobrevivente da espécie humana que coabita e coevolui no planeta Terra junto ao
resto da biodiversidade animal, vegetal, insetos, bactérias etc.
A coevolução é um conceito cunhado pelo biólogo Paul Ehrlich e pelo botânico
e ambientalista Peter Raven no ano de 1964. No trabalho conjunto, Butterflies and
Plants: A study in coevolution, abordaram as influências recíprocas que têm as plantas
e os insetos que se alimentam delas:
[...] uma abordagem que gostaríamos de chamar de coevolução é o exame dos
padrões de interação entre dois grupos de organismos com uma relação ecoló-
gica que se fechava evidente, tal como as plantas e os herbívoros (EHRLICH;
RAVEN, 1964, p. 586).
Mesmo não sendo uma novidade absoluta, pois a ideia de coevolução havia sido
expressa em teorias anteriores, o uso que Ehrlich e Raven fizeram do termo permitiu
que pensadores de outros campos de aplicação fizessem novas interpretações.
Em 1980, o ecólogo evolucionista Daniel Janzen foi o primeiro a definir o
conceito de coevolução no seu artigo When is it Coevolution? explica Janzen:
A “coevolução” pode ser utilmente definida como uma mudança evolutiva em
um traço dos indivíduos de uma segunda população, seguido de uma resposta
evolutiva da segunda população pela mudança na primeira, (1980, p. 611),
acrescentando que “‘[...] a coevolução difusa’ ocorre quando uma ou ambas as po-
pulações, na definição anterior, estão representadas por uma série de populações
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 455
que geram uma pressão seletiva como um grupo”. Deste modo, a interdependência
ecológica requer três princípios básicos: 1) especificidade, quando a evolução de cada
espécie se deve às pressões seletivas da outra; 2) reciprocidade, ao evoluir conjunta-
mente ambas as espécies; 3) simultaneidade, quando ambas as espécies evoluam ao
mesmo tempo. Assim, o processo coevolutivo foi usado em um sentido relativamente
restrito no marco da evolução biológica.
O sentido de coevolução, que é utilizado aqui para discuti-lo na filosofia da
educação e na filosofia da natureza, vai mais além: abarcando e integrando tanto o
grau de associação filogenética mútua com o grau de modificação com a coadapta-
ção e, também, os processos globais da macroevolução e os processos específicos da
microevolução. A coevolução pode ser definida, então, como uma mudança evolutiva
recíproca entre espécies e o seu entorno natural que, durante o desenvolvimento
complexo de inter/retro/ações entre si, modificam-se mutuamente de forma cons-
tante. Essa perspectiva coevolucionista é usada pelo pesquisador Rolf Zinkernagel
(2007) — Prêmio Nobel de Medicina de 1996 — para explicar como o sistema
imunológico tem coevoluído com micróbios que causam enfermidades infecciosas.
Em termos gerais, a coevolução é um processo de retroalimentação que está muito
presente na natureza e serviu de base para a exploração agrícola e industrial do ser
humano durante sua evolução histórica na Terra.
Como explica o economista ecológico Richard Norgaard (1994, p. 39),
[...] com a industrialização, os sistemas sociais coevoluíram para facilitar o
desenvolvimento através da exploração do carvão e do petróleo. Os sistemas
sociais já não coevoluíram para interagir mais eficazmente com os sistemas
ambientais.
vendo no nosso planeta Terra desde bilhões de anos (COLLADO, 2016a). Trata-se
de uma coevolução multidimensional que se desenvolve através de inter/retro/ações
entre os diferentes níveis de realidade cósmica, planetária, regional, nacional e local,
em que se estabelece uma extensa rede de interdependência universal de fenômenos
ecológicos, biofísicos, sociais, políticos, culturais, econômicos e tecnológicos.
Daí que a exploração descontrolada dos recursos naturais para a fabricação de
produtos industriais tenha-se convertido numa problemática de grande preocupação
na agenda internacional, em que diferentes atores geopolíticos estudam e analisam,
há décadas, os fenômenos transfronteiriços que afetam todas as formas de vida. É
urgente educar de forma transdisciplinar e biomimética para preservar os milhões
de espécies que conformam a criativa biodiversidade dos ecossistemas naturais, pois
estes são um verdadeiro milagre cósmico (COLLADO, 2016b). Neste sentido, a
Grande História é um marco teórico que está em harmonia com a visão da obra “Os
sete saberes necessários para a educação do futuro”, escrita pelo sociólogo Edgar Morin
em 1999 (p. 21-23), quando afirma que “[...] ensinar a condição humana significa
ensinar a condição cósmica, física e terrestre do indivíduo/sociedade/espécie”.
Além de contextualizar a nossa condição humana nos processos coevolutivos
da natureza e do cosmos, a Grande História também nos ajuda a identificar e
reconhecer as estratégias de sustentabilidade que funcionam na natureza para nos
inspirar biomimeticamente na resolução de distintos problemas humanos. A contínua
exploração dos recursos materiais e energéticos da Terra pelos modelos de produção
e consumo tem originado uma grande pegada ecológica e social que foi revelada
como insustentável (WACKERNAGEL; REES, 1996). Desde a Revolução agrícola
de cerca de 10.000 anos atrás, e especialmente desde a Revolução Industrial de cerca
de 250 anos atrás, as ações do ser humano no meio ambiente vêm ocasionando um
“ecocídio” que está levando à extinção de diferentes espécies naturais que são únicas
na sua criatividade evolutiva.
Segundo Steffen, Crutzen e McNeill (2007), a humanidade está na chamada
sexta extinção massiva e num novo período geológico: o antropoceno. Trata-se de
um período caracterizado pela grande devastação do ser humano nos ecossistemas
da natureza originado pelo grande consumo de combustíveis fósseis. Pelo contrário,
uma sociedade que caminha em direção a um desenvolvimento sustentável e rege-
nerativo deve aprender a reduzir sua destruição ecológica, reutilizando e reciclando
os materiais já construídos.
De forma similar à Grande História, a Educação Cósmica proposta por Maria
Montessori (2004) está embasada em dar liberdade às crianças para explorarem,
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 457
REFERÊNCIAS
CHRISTIAN, D. Mapas del tempo. Introducción a la Gran Historia. Barcelona:
Ed. Crítica, 2010.
MORIN, E. Los siete saberes necesarios para la educación del futuro. Paris:
UNESCO, 1999.
458 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
INTROITO
O homem é por natureza um ser híbrido, sua ascendência e transcendência estão
para além do próprio ser, da própria humanidade, emana da relação entre o natural
e o sobrenatural, o que o torna um sujeito híbrido, pela mescla e manutenção de
informações genéticas essenciais que carregam o todo na parte. O termo “híbrido”
vem do grego hybris, pelo latim hybrida ou hibrida. Hybris significava para os gregos
algo que ultrapassou as barreiras, os limites.
Do ponto de vista evolutivo, a perenidade humana ocorre em processo de
hibridação, permitindo que patrimônios genéticos diferentes sejam combinados,
confluindo em populações diferentes, contudo, não muito distantes em seu código
genético, o que provocaria infertilidade. Com isso queremos dizer que as diferenças
humanas são necessárias para a perpetuação da espécie, uma vez que estabelecem
um elo de ligação entre os sujeitos humanos.
Extrapolando a questão genética, a cultura e a educação podem ser consideradas
elos de ligação da humanidade. A cultura por legitimar a pertinência das diferenças, e
a educação por mediar o processo cognitivo humano. A cultura, enquanto mecanismo
de manifestação do “ser sujeito no mundo”, une e afasta os povos, consubstancia a
essência do homem ao manifestar-se enquanto ser vivente em sua relação imbricada
com o humano e o não humano, pervasiva à natureza no cosmo.
Ao falarmos em sujeito humano híbrido, referimo-nos referindo tanto a dimensão
genética quanto a dimensão educacional e espiritual do humano. Estamos conside-
rando a tríade — corpo, mente e espírito — estabelecendo um elo enigmático em
constante desvelamento por meio das manifestações da linguagem e do pensamento
ao disseminar informações e conhecimentos. O conhecimento na contemporaneidade
está sob o olhar atento das ciências cognitivas e para Mey (1992) define o que ele é,
como pode ser representado.
462 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
próprio núcleo. Ver-nos fora de nós mesmos é construir uma identidade em um jogo
paradoxal, idílico e mortífero já que há uma oscilação entre o eu e o outro, pois o eu,
no processo de reflexão, já é outro para si mesmo, uma vez que toda subjetividade
é alimentada pelo coletivo (FOUCAULT, 1982).
Seguindo essa noção de Foucault, Guattari desconstrói o imaginário da
formação humana em torno do uníssono do eu afirmando que a subjetividade é
produzida pelas redes e campos de forças sociais, pois o eu, no processo de reflexão,
já é o outro para si mesmo:
A única finalidade aceitável das atividades humanas é a produção de uma
subjetividade que enriqueça de modo contínuo sua relação com o mun-
do. (GUATTARI, 1992, p. 33)
Uma breve análise dos “novos modelos educacionais” revela que há ainda
uma predominância de aspectos empiristas, uma preocupação com os métodos
educacionais, com as práticas. Comprovando essa tese, ponderamos utilizando o
argumento de Morin:
As instituições educacionais atentas às mudanças escolhem fundamentalmente
dois caminhos, um mais suave – alterações progressivas – e outro mais amplo,
com mudanças profundas. No caminho mais suave, elas mantêm o modelo
curricular predominante – disciplinar –, mas priorizam o envolvimento maior
do aluno, com metodologias ativas, como o ensino por projetos de forma
mais interdisciplinar, o ensino híbrido ou blended e a sala de aula invertida
(MORIN, 2015, p. 29).
Destarte, buscamos,
Uma epistemologia que também não desconhece a potência da ciência exitosa
e nem a toma como pivô de todas as mazelas humanas. Além da tecnociência
dominante, há uma ciência que precisa também ser pensada como ampliação
do horizonte compreensivo dos seres humanos viventes, uma ciência do educar
transdisciplinar (GALEFFI, 2009, p. 6).
Diante do exposto, vemos que a educação deve ser pensada sob a experiência
vivente do ser humano, fugindo da lógica de mercantilização, mas que adote os
modelos científicos a serviço da humanidade, não se limitando ao progresso dos
meios, e sim, pensada primacialmente no desenvolvimento humano sustentável, e
apontamos aqui uma evocação a uma educação transdisciplinar.
472 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
À GUISA DA CONCLUSÃO
Arduamente, buscamos a superação do paradigma da materialidade da ci-
ência in locus terrestre, suplantada por uma cosmovisão. As incursões humanas,
para além da atmosfera terrestre, revelam o desejo de produzir conhecimentos a
partir do que se observa ao se reconhecer em cientificidade para além da esfera da
terra, mesmo sem ter esgotado as possibilidades de conhecimento em seu próprio
planeta. O homem vem promovendo a união das ciências e das tecnologias para
romper barreiras.
As tentativas de transformar a educação é uma tendência das sociedades huma-
nas diante das adversidades de seu tempo. Em nosso tempo, as ciências cognitivas
apresentam discussões elucidativas relacionadas à filosofia da mente, à aprendizagem
cognitiva, à natureza da representação do conhecimento, à sua difusão e modelagem
computacional, como substrato para novas pedagogias.
A epistemologia do educar transdisciplinar que tem o autoconhecimento como
fio condutor, como transformadora na educação, não está presa a métodos e técnicas,
[...] não se trata de uma ciência da intervenção e do controle operativo sobre
meios determinados, e sim do desenvolvimento da consciência da consciência
de si-mesmo, que nunca é algo atomizado na fragmentação estabelecida pela
razão intelectual dominante (GALEFFI, 2009, p. 27)
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, C. R. O que é educação. São Paulo: Abril Cultura; Brasiliense, 1985.
CASTELLS, Manuel. Fim de milênio. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (A era da
informação: economia, sociedade e cultura, v. 3).
DUPUY, Jean-Pierre. Nas origens das ciências cognitivas. São Paulo: Unesp,
1995.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. São Paulo: Editora 34, 1994.
O que supõem essas três teses de Feyerabend? Pois bem, a primeira a temos
desenvolvido anteriormente como a dificuldade de comparar sistemas de pensamento
devido à singularidade dos indivíduos enquanto sujeitos históricos sempre e quan-
do não existam “linguagens de observação independentes”. Podemos inferir que a
incomensurabilidade não é um fenômeno que suceda tão só ao interior da ciência,
mas também ao exterior dela entre tradições de conhecimento científico e não-cien-
tífico. A segunda das suas teses, apoiada em uma pesquisa de Jean Piaget (PIAGET,
1954), supõe a incomensurabilidade ao interior de cada indivíduo ao passar, durante
sua infância, por diferentes etapas até “[...] atingir sua relativamente estável forma
adulta” (FEYERABEND, 1986, p. 219) onde seu aparelho conceptual e perceptual
foi se modificando, o que não possibilita “[...] estabelecer entre elas nem conexões
lógicas nem perceptuais” (FEYERABEND, 1986, p. 220). Isto significa que, em
cada indivíduo, se produzem mudanças que modificam a estrutura cognitiva, pro-
duzindo incomensurabilidade entre as diferentes etapas de desenvolvimento durante
a infância, é dizer, o tecido de relações conceptuais e perceptuais que formou nossa
cosmovisão sofreu modificações substanciais em determinadas etapas que dificultam
a comparação entre ambas.
A terceira tese, intimamente relacionada à primeira e à segunda, supõe a in-
comensurabilidade entre teorias científicas, fundamentada no princípio de que as
teorias estão fortemente enraizadas às contextualidades particulares do autor que
dão forma a sua cosmovisão da vida e da ciência. Essa contextualidade particular de
cada autor, também chamada de conhecimento tácito1 por Michael Polanyi (1983),
permeia as pesquisas que desenvolve, impregnando com sua subjetividade as teorias
que desenvolve. A subjetividade própria de cada pesquisador permite que cada um
lhe outorgue um caráter único aos conceitos, relações entre eles e, finalmente, à
teoria que produz, fazendo incomensuráveis duas teorias rivais sempre que não se
atenham a uma “linguagem de observação independente”.
1
Michael Polanyi define o conhecimento tácito como um conhecimento que está enraizado no pes-
quisador. Faz parte inconsciente dele ao ter sido adquirido durante seu processo histórico de desen-
volvimento e não se encontra dentro das teorias ou regras criadas ou explicitadas dentro da ciência.
Sustenta que este conhecimento tácito é fundamental para os científicos na criação de novo conhe-
cimento concreto, pois é o que contribui com elementos inovadores ao entrar em conexão com os
saberes já formalizados. Esse conhecimento é totalmente pessoal e, portanto, se nutre de todas as
dimensões humanas, não só das científicas, senão também das crenças, mitos, ideologias etc. Por isso,
Polanyi (apud ESPEJO, 2005, p. 45) declara que a intenção da Ciência de eliminar os elementos
pessoais de toda pesquisa seria autodestrutivo já que — “suponhamos que o pensamento tácito
forma uma parte indispensável de todo o conhecimento, então o ideal de eliminar todo elemento
pessoal do conhecimento seria, em efeito, apontar à destruição de todo o conhecimento”.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 481
sejam subjugadas ao ter que se submeter aos standards impostos por essa
racionalidade. O que chega antes não tem por que ser o correto. A raciona-
lidade nega a incomensurabilidade e com isso se situa como o suprassumo
do saber, negando a possibilidade de outros saberes diferentes à sua “razão”
que, contudo, em determinadas ocasiões têm demonstrado sua maior validez.
Por essas quatro propriedades que a incomensurabilidade fornece ao
conhecimento é que a consideramos fundamental como conceito a ser
integrado e trabalhado para poder aspirar a uma sociedade mais humana
e preparada para identificar problemas no desenvolvimento no terreno da
epistemologia. Como disse Feyerabend:
Aceitaríamos o fato, se é que é um fato, de que um adulto esteja grudado a um
mundo perceptual estável e um sistema conceitual estável que o acompanhe,
que o adulto pode modificar de muitas maneiras, mas cujas linhas gerais se
têm feito inamovíveis para sempre? Ou é mais realista supor que são ainda
possíveis e devem estimular-se mudanças fundamentais, que entranhem inco-
mensurabilidade, a menos que fiquemos excluídos para sempre do que poderia
ser uma etapa superior do conhecimento e da consciência? ( FEYERABEND,
1987, p. 127).
REFERÊNCIAS
ESPEJO, Roberto. La abducción y el conocimiento tácito: un diálogo entre
C. S. Peirce e M. Polanyi. Tese (Magister en Filosofía Mención Epistemología).
Facultad de Filosofía y Humanidades, Universidad de Chile, Santiago. 2005.
Eneida Santana
1
www.ibict.br
484 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Facilmente confundidos entre si, os termos são utilizados ao longo das atividades
humanas com o propósito de expressar a condição representativa do fenômeno externo
ou dos resultados das conexões sinápticas realizadas pelo sujeito. Para apaziguar as
condições separatistas dos termos, recorremos à afirmativa de Peter Drucker no artigo
The coming of the new organization, publicado pela Hardard Business Review (1988)
no qual define informação como “[...] dados dotados de relevância e propósito”, sendo
a sociedade responsável por essa atribuição, corroborando com Lancaster no ensaio O
currículo da Ciência da Informação, publicado em 1989, quando explica: “[...] o fato
é, naturalmente, que informação significa coisas diferentes para pessoas diferentes”.
A complexidade terminológica é apresentada ainda por Lancaster (1989, p. 1)
ao dizer-nos que
[...] informação é uma palavra usada com frequência no linguajar quotidiano
e a maior parte das pessoas que a usam pensam que sabem o que ela significa.
No entanto, é extremamente difícil definir informação e até mesmo obter
consenso sobre como deveria ser definida.
desconsiderando seu limite com a problemática conceitual, por isso suas grandes
áreas investigativas, a biblioteconomia, a museologia e a arquivologia propõem-se
a identificação do fenômeno em três grupos, como destaca Machado (2001, p. 10),
sendo a Informação entidade de relacionamento: a) objetiva: compreende o c onteúdo
do documento; b) subjetiva: representada pela imagem estruturada do receptor e
as permutas da mesma; c) processo: faz referência ao processo pelo qual o sujeito
se informa.
A informação objetiva pode ser representada pela compreensão da sintaxe textual,
da imagem, do áudio, presente no documento, físico ou virtual. O que fundamenta
a objetividade pode ser os elementos da construção desses formatos informacionais.
A informação subjetiva apresenta destaque em sua recuperação, a originalidade da
fonte e o intercâmbio do aporte informacional; por fim, a informação enquanto
processo é o modo de acesso ao fenômeno, em especial as possibilidades cognitivas
do sujeito frente ao excerto difundido.
Estudos mais recentes no campo da Ciência da informação, datados de 2006 a
2017, apresentam uma discussão de estrutura do conceito de informação enquanto
organismo vivo e funcional, como os apresentados pelos autores portugueses Amando
Malheiro e Fernanda Ribeiro2. O estudo orgânico-funcional pretende identificar as
entidades produtoras e o contexto onde os dados são produzidos, e a informação esta-
belecida entre ele e o conhecimento. Nos estudos dos autores citados (Silva; Ribeiro,
1999, p. 132) localizamos a descrição de informação composta por dois elementos:
a) Elemento orgânico: entidade produtora dos dados/informação/conhecimento.
b) Elemento funcional: representado pelas funções e atividades desenvolvi-
das e identificadas nos suportes informacionais, que compõem a série de
acesso à informação.
Ainda Silva (2004, p. 58) explica que
A primeira é que a ação humana e social gera e contextualiza a informação
(os documentos), impondo-se, por isso, através da noção operatória de or-
ganicidade (muito usada pelos arquivistas, que não ousam, porém, defini-la
o imperativo de reconstituição ou de devolução o mais rigorosa possível ao
contexto orgânico-funcional originário. Desta ideia decorre outra também
fundamental: a informação tende a ser transversal a muitos ou a vários planos
da atividade humana e social, verificando-se, consequentemente, uma intera-
ção e uma integração exigidas pela ação humana e organizacional com os seus
vínculos e traços próprios. A questão do sentido está intimamente ligada à
2
Pesquisadores Sênior da Universidade do Porto, Portugal
486 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
BAUMANN, Eneida Santana. O arquivo da família Calmon à luz da
arquivologia contemporânea. Salvador, 2011. Dissertação (Mestrado).
Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação. 161f.
DAVENPORT, Thomas H. Ecologia da informação: por que só a tecnologia
não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.
DRUCKER, Peter. The Coming of the New Organization. In: Harvard
Business Review, January-February, p. 45-53, 1988.
LANCASTER, F. W. O currículo da Ciência da Informação. Revista de
Biblioteconomia de Brasília, Brasília, v. 17, n.1, p. 1-5, jan./jun. 1989.
488 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Este termo foi constantemente usado pelos filósofos com dois sentidos: sen-
tido genérico, como faculdade de pensar em geral; e sentido específico, como uma
atividade ou técnica particular de pensar. Com este segundo significado, esse termo
é entendido de três maneiras diferentes: como Intelecto intuitivo; como Intelecto
operante; como entendimento, inteligência ou intelecção. (Dicionário de Filosofia
Nícola Abbagnano).
Organização, aqui, deve ser entendida como o ato de criar organismos, ou seja,
matéria viva; para Bergson, essa força criadora que enche a matéria de indeterminação
é qualitativa, caracteriza-se por temporalidade ou, na linguagem bergsoniana, por
duração. A inteligência e o conhecimento científico não possuem instrumentalidade
para lidar com algo dessa natureza. A ciência transporta para o terreno da espaciali-
dade aquilo que dura, transforma em coisa construída, em mecanismo, aquilo que
é criado, que é organismo. Tenta prever aquilo que, por natureza, é surpreendente.
Por esse motivo, a Metafísica — ou a Filosofia — está mais bem aparelhada para
esse tipo de conhecimento; não por ser superior ou inferior, e sim por possuir um
método diferente. O método da Filosofia é a intuição e esse tipo de objeto só pode
ser intuído. Para que os resultados sejam precisos, um objeto inexato exige um
método inexato, visto que, se utilizamos um método exato para um objeto inexato,
perdemos a precisão.
A obra fabricada desenha a forma do trabalho de fabricação. Quero dizer com
isso que o fabricante reencontra em seu produto exatamente aquilo que nele
pôs. Caso queira fazer uma máquina, recortará suas peças uma por uma, e
depois irá juntá-las: na máquina pronta transparecerão tanto as peças como
sua junção. O conjunto do resultado representa aqui o conjunto do trabalho,
e a cada parte do trabalho corresponde uma parte do resultado (BERGSON,
2005a, p. 100-101).
fiando-nos o mais das vezes a ele para que, de ideia, se torne ato. E daí vem
também que o termo no qual nossa atividade irá repousar seja o único expli-
citamente representado para nosso espírito: os movimentos constitutivos da
ação mesma ou escapam à nossa consciência ou só lhe chegam confusamente.
[...] O espírito transporta-se imediatamente para o objetivo, isto é, para a
visão esquemática e simplificada do ato considerado como realizado. [...] A
inteligência, portanto, só representa à atividade objetivos a serem alcançados,
isto é, pontos de repouso. E, de um objetivo atingido para outro objetivo
atingido, de um repouso para outro repouso, nossa atividade transporta-se por
uma série de pulos, durante os quais nossa consciência desvia os olhos o mais
possível do movimento que se realiza para fitar apenas a imagem antecipada
do movimento realizado (BERGSON, 2005a, p. 323-324).
LÓGICA FORMAL
A Lógica Formal ou Lógica Menor estabelece as condições de coerência do
pensamento consigo mesmo, trata das leis gerais do pensamento no que elas tenham
de igual e de comum, o que as tornam universais e aplicáveis em todas as operações
do intelecto. Não considera, portanto, as operações intelectuais do ponto de vista
de sua natureza — o que compete à Psicologia — mas do ponto de vista de sua vali-
dade intrínseca, isto é, da sua forma (ou da ordem dos conceitos, enquanto sujeitos,
predicados e termos médios, que é o objetivo formal da Lógica).
Podemos identificar na Lógica Formal três partes distintas, constituído, po-
rém, um todo indissolúvel, que é pensar humano. Essa divisão somente tem valor
didático, tendo em vista, na realidade, que são três maneiras de analisar um fato
que é, por sua natureza, indecomponível. As três partes são: ideia, juízo e raciocínio,
enquanto pensamento.
Todo raciocínio se compõe de juízos, e todo juízo se compõe de ideias, daí as
três operações intelectuais, especificamente diferentes:
1ª) a simples apreensão, que consiste em conceber uma ideia.
492 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
2ª) o juízo, que consiste em afirmar ou negar uma relação entre duas ideias.
3ª) o raciocínio, operação pela qual, de dois ou mais juízos dados, tira-se outro
juízo que deles decorre necessariamente.
A Lógica estuda essas três operações em si mesmas, enquanto atos da inteli-
gência, e nas suas expressões verbais, sensíveis, concretas, a saber:
1) Para ideia, representação verbal: o termo;
2) Para o juízo, representação verbal: a proposição;
3) Para o raciocínio, representação verbal: o argumento.
Todos os princípios e regras válidos das operações da inteligência são também
regras e princípios e regras válidos das respectivas expressões verbais.
Exemplos Iniciais
1. Ideias (termos): homem, racional, animal, Pedro.
2. Juízo (proposição): O homem é animal racional; Pedro é homem.
3. Raciocínio (argumentação): Todo homem é animal racional.
Pedro é homem.
Logo, Pedro é animal racional.
TERMO
Termo é a expressão verbal (ou sinal) da ideia que permite a transmissão de uma
ideia de um homem para outro homem. O termo segue as mesmas linhas mestras
de ideia, sendo sua representação concreta. Trataremos, pois, simultaneamente de
ideia e termo neste curso.
Do ponto de vista lógico é necessário distinguir o termo da palavra. O termo
pode ter uma só palavra ou pode ter várias palavras, como, por exemplo: o bom
Deus, alguns homens, uma ação brilhante, formam uma só ideia lógica.
COMPREENSÃO E EXTENSÃO
Uma ideia (e, por consequência, um termo) pode ser considerada do ponto
de vista da compreensão e do ponto de vista da extensão, sendo esta distinção de
fundamental importância no estudo da lógica formal.
Compreensão — é o conteúdo de uma ideia, é a sua significação, sendo, por-
tanto, o conjunto de elementos componentes de uma ideia. As qualidades que uma
ideia reúne formam a sua compreensão. Assim, a compreensão da ideia de homem
implica os seguintes elementos: ser, vivo, sensível, racional etc., que são suas notas
compreensivas ou qualitativas.
Extensão — é o conjunto de sujeitos aos quais a ideia convém e aos quais po-
demos aplicá-la, podendo ser identificada com a quantidade. Assim, por exemplo,
o conceito “animal” contém em sua extensão os conceitos de “homem” e “animal
irracional”. A ideia “homem” convém aos ingleses, aos franceses, aos brancos, aos
pretos, a Pedro, a José etc. O conceito de extensão maior chama-se conceito supe-
rior; os conceitos que entram na extensão do conceito superior são seus inferiores,
ou partes subjetivas.
Relação da Compreensão e da Extensão — toda ideia tem compreensão e
extensão determinadas, sendo válida a lei:
A compreensão de uma ideia está na ordem inversa da sua extensão: sig-
nificando que, à medida que a compreensão de uma ideia aumenta, a sua extensão
diminui, e vice-versa. A ideia de ser, menos rica de todas, é também a mais universal;
a ideia de homem, que implica elementos mais números, aplica-se apenas a uma parte
dos seres, e a ideia de francês, que acrescente à ideia de homem novos elementos, é
mais restrita ainda. Finalmente, a ideia de indivíduo, Pedro, Paulo, cuja compreensão
é a mais rica, é também a mais limitada quanto à extensão. Uma ideia será mais
geral, mais extensa, quanto menos elementos significativos tiver, ao passo que será
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 495
menos geral à medida que possuir mais notas significativas, isolando-a, aos poucos,
de seu grupo, chegando até a individualizá-la.
REFERÊNCIAS
BERGSON, Henry. A energia espiritual. Tradução de Rosimeiry Costhek
Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
REFERÊNCIAS
ARASARATNAM, Lenkaran, and HAYKIN Simon. Nonlinear Bayesian
filters for training recurrent neural networks. Mexican International
Conference on Artificial Intelligence. Springer, Berlin, Heidelberg, 2008.
500 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço.
Tradução de Luiz Paulo Roaunet. 8.ed., São Paulo: Loyola, 2011.
A interface é a própria experiência com e no outro por meio das suas mais
diversas conexões. Sem esse sentido de experiência conectada não há interface.
REFERÊNCIAS
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da
informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
LÉVY, Pierre. O que é Virtual? Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Editora 34,
1996.
essa ideia dizendo que “[...] quanto maior a facilidade de publicação e flexibilização
de autorias coletivas, melhores ficam os processos de ensino e de aprendizagem na
educação online”.
Neste sentido, entendemos que o glossário é uma interface com grande
potencial para a construção coletiva que (re)significa a aprendizagem colaborativa
estimulando a autonomia e a autoria de todos, potencializando a difusão do conhe-
cimento entre todos.
Questionário: Para Sales; Valente e Aragão (2010), a ferramenta questionário
é definida como um ambiente em que o professor pode criar e postar atividades de
múltipla escolha, verdadeiro ou falso, correspondência ou perguntas abertas. Nos
casos de questão fechada, a tentativa pode ser corrigida automaticamente pelo am-
biente, podendo fornecer feedback e/ou mostrar as respostas corretas; nos casos de
questões abertas, é necessário o retorno e validação pelo docente. O questionário
pode ser utilizado como instrumento de acompanhamento do processo de produção
e difusão do conhecimento dos estudantes, do professor e da prática educativa.
Envio de Tarefas: esta interface favorece o envio das produções e atividades
pelos estudantes e permite aos professores comunicar tarefas, receber trabalhos
e fornecer notas e comentários aos estudantes. A entrega dos trabalhos pode ser
realizada por meio de arquivos digitais, em diversos formatos ou mesmo redigir a
resposta diretamente no editor de texto próprio de cada ambiente. Para os traba-
lhos realizados offline, esta ferramenta pode ser utilizada para registrar o resultado
e notificar os estudantes sobre a realização do mesmo, subsidiando o processo de
acompanhamento e difusão dos conhecimentos produzidos. Os trabalhos podem
ser submetidos e avaliados individualmente ou em grupo. Ao oferecer feedback às
atividades, o professor poderá fazer upload de arquivos e deixar comentários para
os estudantes como marcações no trabalho entregue, documentos comentados ou
de áudio falado, o que permite um registro sistemático do acompanhamento do
processo de produção e difusão por professores e estudantes.
WIKI: O Wiki é considerado como um módulo de atividade de produção
de texto colaborativo que permite a adição e edição de uma coleção de páginas da
web, podendo ser desenvolvido de forma colaborativa, onde todos podem editá-lo;
ou de forma individual, onde cada pessoa terá o seu próprio texto para edição. O
modo mais utilizado pelos professores é a produção coletiva, na qual as ações reali-
zadas no Wiki ficam registradas, permitindo um histórico de versões anteriores da
página editada. Muitos pesquisadores defendem esta ferramenta como importante
para a construção de ideias e escrita colaborativa, pois a utilização desta ferramenta
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 509
REFERÊNCIAS
BURNHAM, Teresinha Fróes e coletivo de autores. Análise Cognitiva e
espaços multirreferenciais de aprendizagem: currículo, educação à distância e
gestão/difusão do conhecimento. Salvador: Edufba, 2012.
INTERNACIONALIZAÇÃO
Inter – nacionaliza – ção: interação entre duas ou mais nações, entre duas ou
mais instituições de países diferentes. Internacionalização significa a atuação em di-
ferentes nações, conduzindo movimentos de fatores de produção como transferência
514 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
ITINERÂNCIA
Considerando que a universidade desde seu aparecimento alterou a geografia
e os espaços a partir dos movimentos dos homens em sua direção, com o fenômeno
conhecido como peregrinação acadêmica, de acordo com Rossanto e Verger (1998,
1999), nos dias de hoje, ela ainda provoca essas andanças que aqui, nesse estudo,
será denominado como itinerância.
A itinerância — seu significado, como ação de transitar, de se deslocar, reporta
a uma definição de itinerante como aquele que transita, que se desloca, que viaja.
Que se desloca de lugar em lugar no exercício de sua função. Aplica-se à pessoa, à
instituição pública ou privada, a uma atividade de grupo. Diz-se de atividade que
se exerce com deslocamentos sucessivos de lugar em lugar.
516 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
1
Migração pendular, mobilidade pendular e deslocamento pendular, expressões da demografia para
dizer dos deslocamentos das pessoas entre lugares, nas metrópoles. São termos utilizados por
Cunha (1993), ao
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 517
INTERCULTUALIDADE
Interculturalidade assume grande relevância, pois representa uma forma de
conceber a diversidade cultural que não apenas reconhece a coexistência de grupos
étnicos e culturalmente distintos, como também traz à tona as diferentes formas de
interações históricas, de conflitos e de diálogos entre esses grupos.
A interculturalidade busca se constituir como uma forma de relação e ar-
ticulação social entre pessoas e grupos culturais diferentes, articulação essa
que não deve supervalorizar ou erradicar as diferenças culturais, propiciar
uma interação dialógica entre pertencimento e diferença, passado e presente,
inclusão e exclusão e controle e resistência, pois nestes encontros entre pesso-
as e culturas, as assimetrias sociais, econômicas e políticas não desaparecem
(WALSH, 2001: 8-9).
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. (Coord). A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes, 1997.
estreito com as Ciências e travou debates com cientistas famosos, como Albert
Einstein, especialmente sobre a questão do tempo. Sua abordagem teórico-meto-
dológica consolida-se naquilo que se convencionou designar como sua Metafísica,
tomando o processo da evolução da vida como referência e sustentando que não
podemos estabelecer regras gerais sobre o conhecimento, antes de uma real investi-
gação científica. Nesse sentido, a epistemologia em Bergson representa um voltar-se à
coisa mesma do conhecimento. E é com base na relação entre inteligência e intuição,
entre ciência e metafísica, que podemos atingir um conhecimento mais completo.
Bergson critica uma ideia de Filosofia distante da ciência. Sua epistemologia
não parte de uma Teoria do Conhecimento, mas dos problemas científicos. Em
outras palavras, a Filosofia ganha legitimidade na produção do conhecimento, não
mais como um conhecimento geral, ou um — tribunal‖ das ciências, mas unindo
forças e promovendo contribuições específicas para a produção e a evolução do co-
nhecimento. Em uma conferência1 de homenagem ao naturalista britânico Thomas
Henry Huxley, Bergson apontou os caminhos de sua teoria do conhecimento ou
de sua metafísica.
Mas, para atacar o problema, não me atrevo a contar com o apoio dos sistemas
filosóficos. O que é perturbador, angustiante, apaixonante para a maioria dos
homens nem sempre é o que ocupa o primeiro lugar nas especulações dos
metafísicos. De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? São questões
vitais, ante as quais nos colocaríamos de imediato, se filosofássemos sem passar
pelos sistemas. Mas entre essas questões e nós uma filosofia excessivamente
sistemática interpõe outros problemas. “Antes de procurar a solução, diz ela,
não será preciso saber como procurá-la? Estudai o mecanismo de vosso pensa-
mento, discuti vosso conhecimento e criticai vossa crítica: quando estiverdes
seguro do valor do instrumento, pensareis em utilizá-lo”. Infelizmente esse
momento nunca chegará. Só vejo um meio de saber até onde se pode ir: é
pôr-se a caminho e andar (BERGSON, 2009, p. 2).
1
Essa conferência foi realizada por Bergson na Universidade de Birmingham em 29 de maio de
1911.
522 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
diferentes, poderão, pela convergência de sua ação, dirigir a consciência para o ponto
preciso em que há certa intuição a ser apreendida. Por isso, ousamos apresentar a
intuição como um esforço e, por vezes, como faculdade inversa à inteligência, ou
simplesmente como simpatia com um objeto. Assim, ao destacar uma Epistemologia
bergsoniana, ressaltam-se as diferenças lógicas e epistemológicas da tradição em suas
diversas posições epistemológicas, porém todas intelectualistas, representacionais e
matematizantes.
A Filosofia, portanto, deve estabelecer uma relação estreita com a ciência na
busca pelo conhecimento, motivo pelo qual o estudo de seres vivos é uma oportuni-
dade para a Filosofia especular nessas imensas lacunas deixadas pela ciência. Como
a intuição e o tempo interior, o uso da inteligência arrasta a sua impossibilidade de
perceber o movimento em sua duração. Naquilo que é vivo, isso se exacerba, visto
que a vida é movimento em si mesmo. O ser vivo evolui, ou seja, seu instante futuro
é o inesperado. Desde os antigos gregos que a Filosofia expôs essa insuficiência da
inteligência em perceber o movimento. Zenão, da escola de Eleia, demonstrou isso
na sua aporia de Aquiles correndo atrás da tartaruga sem jamais poder alcançá-la,
pois a matemática divide os intervalos em pontos e qualquer que seja um intervalo
ele terá infinitos pontos. Um movimento é inteiro, ele não é cortado em pontos,
porque os pontos referenciais são criados pela inteligência para suprir sua deficiência
em lidar com o que flui.
Para pensar o movimento, é preciso um esforço incessantemente renovado do
espírito. Os signos são feitos para nos dispensar desse esforço, substituindo a
continuidade movente das coisas por uma composição artificial que lhe equi-
valha na prática e que tenha a vantagem de ser facilmente manipulável. Mas
deixemos de lado os procedimentos e consideremos o resultado. Qual o alvo
essencial da ciência? É aumentar nossa influência sobre as coisas. A ciência
pode ser especulativa em sua forma, desinteressada em seus fins imediatos: em
outros termos, podemos fiar-lhe por tanto tempo quanto ela quiser. Mas por
mais que o vencimento seja recuado, é preciso que finalmente sejamos recom-
pensados. Em suma, é, portanto, sempre a utilidade prática que a ciência irá
visar. Mesmo quando se lança à teoria, a ciência tem por obrigação adaptar seu
modo de proceder à configuração geral da prática. Por mais alto que se eleve,
deve estar pronta para cair no campo da ação e nele repor-se imediatamente
de pé. Isto não lhe seria possível caso seu ritmo diferisse absolutamente do da
própria ação. Ora, a ação, dissemos, procede aos pulos. Agir é readaptar-se.
Saber, isto é, prever para agir, será, portanto, ir de uma situação para uma
situação, de um arranjo para um rearranjo. A ciência poderá considerar rear-
ranjos cada vez mais próximos uns dos outros; aumentará, assim, o número
dos momentos que irá isolar, mas irá sempre isolar momentos. Quanto ao
526 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
que ocorre no intervalo, a ciência preocupa-se tão pouco com isso quanto a
inteligência comum, os sentidos e a linguagem: ela não versa sobre o intervalo,
mas sobre as extremidades. (BERGSON, 2005a, p. 356).
não admite a criação, a existência de algo novo, sempre entendendo que o novo
é um arranjo do passado, uma vez que aquilo tudo que surge já existia, de certa
maneira. Em O Pensamento e o Movente, Bergson (2006d) dá o exemplo da cor
laranja. A inteligência, com sua lógica diante dessa cor, pensa que o vermelho e
o amarelo existiriam previamente, para formar o laranja. Não se admite, neste
caso, a sensação do laranja não prescindindo do vermelho e do amarelo. É pre-
ferível pensar que, pelo menos virtualmente, o amarelo e o vermelho já estariam
presentes no laranja inicial.
[...], Mas é que nossa lógica habitual é uma lógica de retrospecção. Ela não
pode se impedir de repelir para o passado, no estado de possibilidades ou de
virtualidades, as realidades atuais, de modo que aquilo que agora é composto
deve, a seus olhos, tê-lo sido sempre. Não admite que um estado simples possa
permanecer aquilo que ele é, se tornar um estado composto apenas porque a
evolução criou pontos de vista novos, a partir dos quais considerá-lo e, por isso
mesmo, elementos múltiplos nos quais analisá-lo idealmente. Não quer acreditar
que esses elementos, caso não tivessem surgido como realidades, também não
teriam existido anteriormente como possibilidades, a possibilidade de uma
coisa sendo sempre (salvo no caso em que essa coisa é um arranjo inteiramente
mecânico de elementos preexistentes) apenas a miragem da realidade, uma
vez surgida, no passado do indefinido. Se essa lógica repele para o passado, na
forma de possível, aquilo que surge como realidade no presente, é justamente
porque não quer admitir que algo surja, que algo se crie, que o tempo seja
eficaz. (BERGSON, 2006d, p. 21-22)
Ao realizar uma simpatia consigo mesmo, ao coincidir com a sua própria cons-
ciência, é possível romper, através da intuição, com os limites espacializantes do eu
superficial, encontrar nas camadas mais profundas da consciência uma Consciência
que é fluxo heterogêneo e criador, a vida como um jorro de novidades se organiza
em criação, ela não é construída, mas criada. No entanto, ao modo da inteligência,
não existe criação; nunca nada de novo pode acontecer, pois ela é a consciência do
já feito, na qual podemos transformar e construir/reconstruir, jamais acrescentar o
novo nunca antes existente. Somente a intuição percebe a espontaneidade do existir
da vida, afinal, nada mais vivo que a consciência. Assim, arriscamos estabelecer um
paralelo entre vida e criação. Essa percepção de uma Consciência criadora, diferente
sempre de si mesma, pois está se fazendo, criando-se, aproxima os eus e afasta a
igualdade, a identidade, porque ela é sempre desigual, sempre diferente, um fluxo
contínuo e heterogêneo, e, mesmo quando se repete o verde das plantas em cada
manhã, é um verde novo de matizes variadas — não há um verde, mas um esverdear.
Um estado de Consciência profundo não é um possuir um eu, uma rés pensante, mas
528 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
BERGSON, Henry. A energia espiritual. Tradução de Rosimeiry Costhek
Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
Marcílio Rocha-Ramos
1
O projeto Leituras.com saiu das dimensões teóricas para práticas em aplicação em escolas públicas
no estado do Ceará e na Bahia. A primeira experimentação foi realizada em parceria com a coor-
denadora pedagógica, Angelina Oliveira, numa pequena escola municipal em Itapipoca (2016-
2017) quando os processos produtivos da leitura foram experimentados como ação educativa
educomunicativa.
534 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
i) Contexto vivido
Que elementos do contexto podem ser utilizados para produção autoral do
projeto Leituras.com? Podemos problematizar a escola, os espaços, as etnias, os jo-
vens, os desejos, suas famílias, seus nomes. As questões podem ser problematizadas a
partir de uma pauta ou de ações abertas, dentro das quais a problematização ocorre
a partir das emergências, dos acontecimentos. Com efeito, não se trata apenas de
ler-para-responder. Mas de ler para produzir. Ler para desconstruir. Ler para perce-
ber e perceber-se no mundo vivido. Portanto, não é uma leitura-reflexo, mas uma
leitura-Ação.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 535
2. MOMENTOS
Com base nas proposições de Gallo (2012) para produção de conceitos,
apresentamos aqui a partir da sua estruturação os momentos de construção das
leituras.com, uma vez que esta envolve também as práticas com a) sensibilização,
b) a problematização, c) a investigação e d) a conceitualização. Esses momentos vão
‘roteirizando’ por assim dizer as ações de construção das leituras por meio de relações
empíricas, sensibilizadoras, racionais e emotivas.6 O quadro abaixo especifica estas
etapas caracterizando nossa ação docente e os métodos e instrumentos para ação de
produção de leituras críticas autorais.
3. AUTORIA
As propriedades e dimensões do conceito Leituras.com são articuladas aqui
a partir das experiências com o público jovem das escolas, em contracorrentes aos
espaços individualizados. Para rompê-los, desterritorializamos o conceito de “leitura”
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 537
iv) Dialógicas
Nos espaços da escola, a roda dialógica como processo de leitura tem o portfo-
lio como um dos seus produto. Este “livro” aberto, multimidiático, produzido nas
emergências é uma forma de dar voz aos estudantes e fazê-los pesquisar em ações
permanentes transformando suas vivências em experimento para composição de
mídias, produção do pensamento e performance em espaço idealizados. Esta mídia
é um documento de muitas mãos, muitos olhares e práticas durante o ano letivo.
Mas este não apenas como um caderno de anotações ou de colagem individualizada,
mas uma produção de muitas referências, múltiplas linguagens, práticas e saberes.
O portfólio é espaço do acontecimento, das coleções, das emergências, dos fluxos
permanentes que ocorrem no dia a dia. Tradicionalmente, o portfólio tem no recorte
sua “mídia” mais tradicional, no entanto, no ato educomunicativo é espaço do vivido,
do recorte para criação, da experiencia para reflexão, do reflexo para produção de
autorias coletivas — portanto, envolvendo os acontecimentos das previsões forma-
tivas e do que surpreende no dia a dia, dai porque suas páginas em aberto comporta
a arte (atos sociais), a composição (criação) e o desempenho linguístico (oratória).
• Artes e recortes: com a produção de recortes em notícia, reportagem, fotos
e ilustrações, o projeto de leituras avança sobre as linguagens do jornalismo,
com base nos fatos e acontecimentos sociais transmitidos pelas grandes mí-
2
Ver verbete Métodos Educom.
538 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
v) Pesquisa-focada
A fase das leituras.com na pesquisa focada ocorre após a mineração de pala-
vras-mídias, performances pessoais e produtos. A pesquisa focada ocorre como um
“corte” entre o caos produtivo para tomada de uma direção, uma ação de criação
mais refinada agora numa nova fase de grupos mais bem definidos. Aprumar o foco
é objetivo dessa fase considerando que a anterior ocorre como momento de todas as
criações, todas as ideais e performances pessoais. A leitura nesta fase ganha um novo
refinamento, uma vez que se trata de produzir os tecidos das redes enunciadas na
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 539
fase anterior. Unir pontos, fazer conexões encontrar o roteiro — eis os desafios. Estes
nascem das relações multirreferenciais, multilógicas, multimidiáticas realizadas na
fase da produção dos portfolios — uma fase em que a leitura é uma pré-produção,
ou seja, uma experimentação aberta para sensibilização e contextualização.
• Aula passeio: Como instrumento de leitura social, a aula passeio é meio
de expressão livre, encontro, cooperação e elo de ligação entre pessoas e
objeto de conhecimento (contexto), como assinala Freinet, (2004). Estes
passeios, no entanto, são roteirizados na fase das rodas dialógicas como
previsões, pré-roteiros dos produtos multimídias. Assim, a produção de
entrevistas, fotografias, filmagens tem um pré-roteiro que faz das aulas
passeios um encontro empírico cíitico. Com efeito, nesses encontros podem
ocorrer diversos projetos, como de fotografia, vídeo, entrevistas, memória.
O objetivo é realizar pesquisa empírica com fontes primárias.
• Ação em rede: A pesquisa focada ocorre também nas redes de conteúdos
digitais como fonte secundária de pesquisa. Trata-se de coletar, referen-
ciar e confrontar informações em sítios digitais. Como assinalamos em
Educomunicação e mídia radical (Rocha-ramos, 2005, p. 51), os grupos
visam a um objetivo, se acionam para produção de sentidos e utilizam o
conhecimento disponível online para seu engenho de criação. “Isso significa
trabalhar com a hierarquização das fontes e observar sua consistência, a
partir de um foco coletivamente estabelecido”. A ação em rede também
tem um pré-roteiro com as palavras-mídias, os conceitos em aberto, as per-
formances que ocorreram na primeira fase das produções das leituras.com.
• Conceitualização: Nos processos de leituras.com a conceitualização é a
produção de roteiros para realização de produtos multimidiáticos — expo-
sições fotográficas, produção textual, vídeos, redes interativas, gravações,
composições. Conceitualizar é desenvolver as propriedades de dimensões
dos produtos a serem realizados. Trata-se de construir a “teia” das redes das
palavras-geradoras já definindo um objetivo concreto. A conceitualização
é de fato quando a autoria começa a se estruturar na prática.
narcísicos, um jogo de misturas. Não ficar preso, não repetir aos extremos, não ter
a referência como gesso. Essas leituras revelam uma obra a ser criada no processo
mesmo do seu ativismo como uma esfera de desconstrução dos controles com suas
desordens criadoras, quebrando o ser Vaticão: os guardiões da cultura, do saber, da
reprodução. Nestes contextos, a fertilidade está nas ações dos desenlaces: O que
sangra e cria, o que diferencia e provoca, o que altera as rotinas e sai das tocas é
o que indexa e desindexa, os títulos, as referências, e efetivamente conecta-se com
inserções além da aldeia.
Ser autor é:
• Desenvolver uma habilidade: ter uma leitura crítica, isto implica em
uma capacidade de desconstruir;
• Ser autocrítico: o grupo precisa ver e se ver dentro da produção. Como
afirma Santos (2004, p. 92), “todo conhecimento é autoconhecimento,
também todo o desconhecimento é autodesconhecimento”;
• Publicar: a Ação Educom trabalha tanto com o processo (educação) como
com o produto (comunicação), agenciando a educação com a comunicação
por meio de redes.
PARTICIPAÇÕES
FREINET, Célestin. Pedagogia do bom senso. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1977.
ABERTURA
Não há consenso sobre como os investidores tomam suas decisões, embora a
teoria de finanças declare que o investidor racional busca a diversificação com objetivos
de minimizar o risco para determinado nível de retorno esperado. De acordo com
a moderna teoria de portfolios, melhores resultados poderiam ser obtidos através da
diversificação internacional de ativos. Dessa forma, ao se desenvolver novos métodos
com novas variáveis aos conhecimentos previamente concebidos, pode-se promover
mudanças no processo de construção em busca de um novo conhecimento. Objeti-
vando contribuir com novos modelos de análise em administração de carteiras de
investimentos, este trabalho procurou compreender a dinâmica dos índices de ações
ao longo do tempo através da mensuração dos índices de rede, ao mesmo tempo
em que buscou identificar um padrão pelo meio da avaliação dos retornos e riscos
oriundos da criação de um método combinado para se atingir otimização em cartei-
ras de investimentos. Após análise de duas bases de dados de retornos de índices de
ações que compreendem janelas temporais distintas no período dos últimos 17 anos,
verificou-se que a seleção de índices de ações que possuem menores índices de redes
mostra-se como a decisão mais conservadora, com retornos mais constantes, logo,
menores riscos. Os estudos apontaram para a constância dos resultados auferidos no
índice Grau de Entrada que, sob a ótica do presente trabalho, pode ser interpretado
como sendo o número total de conexões que chegam ao índice de bolsa, considerando
o grafo como dirigido. Dessa forma, os índices de bolsas que têm baixas conexões de
entrada com outros índices de bolsas podem ser menos influenciáveis às oscilações do
mercado financeiro, apresentando-se, assim, como possíveis ativos de risco reduzido,
ao mesmo tempo em que poderão sofrer menos impactos em cenários de crises finan-
ceiras, apesar de permanecerem em um mercado altamente volátil, atendendo, dessa
forma, as exigências de investidores menos propensos a assumir riscos.
1
Ensaio da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Difusão do Conhe-
cimento como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Difusão do Conhecimen-
to pela UFBA (2019).
546 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
1. INTRODUÇÃO
Diversificar investimentos implica na identificação do nível de globalização
em que se encontram os países, pois, quanto mais integradas forem as economias,
menores serão os benefícios decorrentes da diversificação.
Securato (1997) utilizou metodologia de cálculo para verificar o nível de
integração internacional dos mercados através da fórmula que mensura o grau de
globalização denominada de Nível de Globalização Restrita, mas o financista não
realizou associações dos resultados encontrados com a performance do Mercado de
Capitais, tampouco como os mercados estavam organizados em redes.
Conforme constatado em Hochberg et al. (2010), estudos de redes em Mercado
de Capitais concentram-se nas redes estáticas e baseiam-se em um momento ins-
tantâneo do mercado, em um ponto de tempo específico ou em uma visão agregada
que assume todas as relações de investimento, e os investidores do mercado estão
continuamente ativos. Esta simplificação negligencia as características evolutivas
dinâmicas do Mercado de Capitais em situações de risco.
Dessa forma, considerando a globalização financeira como um processo com-
plexo em sistemas econômicos, o método da evolução dinâmica em estruturas de
rede torna-se uma abordagem crucial nos estudos dos fenômenos que interferem
nos fluxos financeiros de capitais.
De acordo com a Moderna Teoria de Portfólios (MTP), a integração dos
mercados pode aumentar a correlação entre os ativos e reduzir a possibilidade de
ganhos no mercado de capitais. Dessa forma, os estudos das redes de forma dinâ-
mica mostram-se como um dos métodos apropriados para otimizar os resultados de
investimentos em mercado de capitais uma vez que o fluxo financeiro entre regiões
pode ser detectado através de relações direcionais.
Assim, este estudo procurou responder à seguinte questão de pesquisa: Como
o modelo baseado em índices de redes pode mensurar o fluxo financeiro e formar
uma estratégia eficiente de investimento de menor risco e maior rentabilidade?
Para cobrir esse questionamento objetivou-se compreender a dinâmica dos
índices de ações ao longo do tempo e as possibilidades de ganhos financeiros através
da Análise de Redes.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 547
3. ECONOFÍSICA E REDES
No final do século XX, registra-se aumento do interesse por parte dos físicos
pelo estudo da dinâmica dos sistemas complexos, que reúne conhecimentos interdis-
ciplinares que alcançam diversas áreas que vão da física à antropologia, da biologia
até as cotações das bolsas de valores.
Conforme o próprio nome sugere, a Econofísica é uma disciplina híbrida que
pode ser definida como uma ciência que se utiliza de uma abordagem quantitativa
usando ideias, modelos, métodos conceituais e computacionais de física estatística
aplicada aos fenômenos econômicos e financeiros.
Louis Bachelier (1900), em sua tese de doutorado intitulada “Teoria da Especula-
ção”, usou ideias físicas de difusão e passos aleatórios “random walk” para, cinco anos
antes de Einstein, aplicar métodos equivalentes à descrição do movimento browniano
para explicar a formação de preços em mercado de ações. Historicamente, foi o primeiro
autor a usar matemática e física para estudar finanças por meio de processos aleatórios.
Benoît Mandelbrot (1963) foi o pioneiro no uso de distribuições de cauda longa
(não gaussianas) em finanças e mostrou que fractalidade e autossimilaridade são comuns
em finanças e variações de mercados tanto de commodities como mercado de câmbio.
A natureza híbrida da Econofísica abre espaço para o debate. Enquanto alguns
autores como McCauley (2006), Schinckus (2010) e Stanley, Gabaix e Vasiliki (2008)
enfatizam as diferenças metodológicas entre os dois campos, outros como Jovanovic
e Schinckus (2013, 2016) e Walstad (2010) explicam que existe uma infinidade de
características conceituais comuns entre essas duas áreas de conhecimento.
Essa dialética conceitual entre as duas comunidades torna difícil a coexistên-
cia com uma interação real, mesmo havendo semelhanças conceituais históricas e
algumas pontes de ligação entre a Econofísica e as Finanças Econômicas, conforme
McCauley et al. (2016).
A última crise econômica iniciada em 2008 gerou forte debate e muitas questões
sobre a capacidade dos economistas financeiros para lidar com a realidade financeira
que, de certa forma, caracterizou-se também como uma crise da Teoria Financeira,
mostrando claramente que o funcionamento dos sistemas e mercados financeiros
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 549
estava bem longe do previsto pelos modelos considerados padrões, conforme men-
cionaram McCauley et al. (2016).
Os sistemas financeiros e econômicos são organizações complexas de agentes
adaptativos interativos cujas interligações com instituições podem gerar padrões
inesperados, fluxos que se retroalimentam e processos de difusão de informações.
Como o sistema econômico pode ser representado por partes individuais que
se conectam, modelá-lo como uma rede pode fazer com que certas características
relacionais surjam com o objetivo de explicar seu funcionamento.
O estudo das Redes iniciou-se com a Teoria dos Grafos (TG), que, por sua
vez, tem como origem o enigma das sete pontes de Königsberg, cidade da Prússia
do século 18, atual Kaliningrado (Rússia). O rio Pregel divide a cidade em quatro
áreas de terra unidas por sete pontes. Os habitantes de Königsberg queriam saber
se alguém poderia visitar as quatro áreas cruzando cada ponte exatamente uma
vez. Esse problema foi solucionado por Leonhard Euler (1736), que representou as
áreas de terra separadas por pontes como os nós (pontos) e as pontes como arestas
(segmentos de linha), ligando os nós. A estrutura formada pelo conjunto de nós e
arestas, chamada de grafo, é uma representação do problema. Euler demonstrou
por meio dos grafos que tal solução não é possível.
De acordo com Gross e Yellen (1999), um grafo G = (V, E) é uma estrutura
matemática que consiste em dois conjuntos V (finito e não vazio) e E (relação binária
sobre V). Os elementos de V são chamados vértices (ou nós) e os elementos de E são
chamadas arestas. Cada aresta tem um conjunto de um ou dois vértices associados a ela.
O uso de redes nos mercados financeiros tem sido um dos principais temas
de pesquisa da atualidade em finanças. De acordo com Schweitzer et al. (2009), as
redes permitem a análise de dois ou mais ativos interligados num sistema.
Um dos primeiros estudos registrados, envolvendo redes e mercados financeiros,
foi realizado por Mantegna (1999), que aplicou o método Minimum Spanning Tree
(MST), no período de julho de 1989 a outubro de 1995, utilizando empresas listadas
no New York Stock Exchange (NYSE), Índice da Bolsa de Nova York. Mantegna
(1999) pôde constatar que as séries temporais poderiam passar informações valiosas
para os mercados financeiros. Esse estudo revolucionou a forma como é percebida as
relações entre os ativos financeiros, que podem ser desde uma rede de ações em uma
determinada bolsa de valores até a relação financeira entre bolsas de diversos países.
Dessa forma, tendo em vista que questionamentos atuais na área de Finanças
e Mercado de Capitais podem vir a ser mais profundamente respondidos por meio
de um processo interdisciplinar, o presente trabalho se utilizou da Teoria das Redes,
550 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
especificamente dos índices oriundos das redes formadas pela interação dos índices
de ações, para identificar otimizações em carteiras de investimentos, ou seja, maiores
retornos financeiros e menores riscos inerentes à globalização dos mercados, conforme
metodologia descrita a seguir.
A diferença predominante entre esses dois grupos está no risco. Conforme padrão
identificado na Base 1, os resultados das carteiras de investimentos dos índices de
ações que tinham maiores índices de redes, tendem a ter maiores riscos, motivo
pelo qual a variação entre o menor e o maior retorno da tabela são maiores. Maiores
variações em retornos implicam em maiores riscos em mercado de capitais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Mercado de Capitais, que opera através das Bolsas de Valores, é um dos
canais fundamentais para captação de recursos que permitem o desenvolvimento
das empresas gerando novos empregos e contribuindo para o progresso econômico
de uma região ou país.
Contribuindo para esse sucesso, a administração de carteiras de investimentos,
que é o meio que o investidor se utiliza para injetar recursos nas bolsas de valores,
depende, em grande parte, da construção do conhecimento em mercado de capitais.
Colaborando para esse fim, este trabalho procurou compreender a dinâmica
dos índices de ações ao longo do tempo através da mensuração dos índices de rede,
ao mesmo tempo em que buscou identificar um padrão pelo meio da avaliação dos
retornos e riscos oriundos da criação de método combinado para se atingir otimização
em carteiras de investimentos.
Dessa forma, foi possível verificar se há possibilidades de ganhos financeiros
através da análise de Índices de Redes em um mundo cada vez mais globalizado em
termos de fluxos financeiros.
A escolha de índices de ações que possuem menores índices de redes mostra-se
como a decisão mais conservadora, com retornos mais constantes, logo, menores riscos.
Os estudos apontaram para a constância dos resultados auferidos no índice
Grau de entrada, tanto para a primeira quanto para a segunda base de dados, assim
como para o 1º e 4º quartis.
Sob a ótica do presente trabalho, pode-se interpretar os resultados do índice
Grau de Entrada como sendo o número total de conexões que chegam ao índice de
bolsa, considerando o grafo como dirigido. Os índices de bolsas que fazem parte
do 1º quartil, ou seja, os que têm baixas conexões de entrada com outros índices de
bolsas, podem ser menos influenciáveis às oscilações do mercado financeiro. Então,
os índices de bolsas assim classificados podem apresentar-se como possíveis ativos
de risco reduzido, poderão também sofrer menos impactos em cenários de crises
financeiras, apesar de permanecerem em um mercado altamente volátil, atendendo,
dessa forma, às exigências de investidores menos propensos a assumir riscos.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 555
REFERÊNCIAS
BACHELIER, L. Théorie de la spéculation. Annales scientifiques de l’École
Normale Supérieure, Série 3, v. 17, p. 21-86, 1900.
ERDÖS, Paul. RÉNYI, Alfréd. On the evolution of random graphs. Publ Math.
Inst Hung. Acad. Sci, v. 5, p. 17-60, 1959.
GROSS, Jonathan; YELLEN, Jay. Graph Theory and its Applications. CRC
Press, Boca Raton, FL, USA, 1999.
Marcílio Rocha-Ramos
A mídia “ninja” é uma produção do ativismo em vídeo-rede sem pré e pós produção
como ocorre nas tradicionais formas de reportagem das mídias mainstream. Trata-se
de redes descentralizadas identificadas com posições de “esquerda” — leia-se, aqueles
que defendem justiça social, meio ambiente, democracia real no conceito revolução-
-molecular. Seus ativistas se declaram como “alternativa” à imprensa tradicional, mas
objetivamente são correntes de disputas de opinião, intervenção e acionamentos de
grupos para lutas antifas (contra as micro formas de fascismo). A mídia “ninja” nasce
no Brasil como um grupo, mas o concebemos como uma modalidade-de, ou seja, um
movimento de ação com múltiplas entradas, múltiplas saídas, sem um centro produtor.
Como fenômeno das redes, mídia ninja acontece no ato do próprio aconte-
cimento que realiza, em ligação direta com o evento e a transmissão. O ativismo
dos “ninjas” reflete o potencial das máquinas em conexão — mesmo que pequenas
máquinas — para transmissão, link e produção de redes interativas, desbloqueando
os canais de produção de informação. Essa revolução é muito recente e reflete e expõe
e põe à prova o potencial dos seres digitais demarcando uma nova condição social,
a de todos poderem intervir, especialmente quando agem em grupos. Com efeito,
nos anos 1970, Enzensberger (1979) assinalava que a força mobilizadora é o segredo
evidente das mídias eletrônicas — o momento político decisivo, que até hoje guarda
reprimido ou amputado, a sua hora1. Para Enzensberger, as mídias assumiram uma
importância estratégica na produção de uma nova subjetividade diante da socieda-
de-capital. Hoje, reprimido, sim; amputado, não.
Até final dos anos 1980, sempre que se pensava em produções era preciso seguir
os padrões de qualidade do formato betacam — um meio analógico utilizado no
segmento profissional da televisão. Hoje, com a digitalização das mídias, o processo
da edição de fitas ficou no passado, dispensando as antigas VHS, que tinham pouca
vida útil e reduziam-se ao uso único e necessitavam de aparelhos leitores (dvcam´s)
que forçavam os editores a assistirem todo o conteúdo das fitas durante o processo
de captura para o computador ou mesa de edição. A profusão de vídeos produzidos
por amadores enuncia a todo instante que as práticas estão socializadas. Como pa-
1
Cf. ENZENSBERGER, Hans Magnus. Elementos para teoria dos meios de comunicação. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979.
558 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
radigma dessas novas práticas se observa que duas fases do jornalismo estão sendo
suprimidas dos processos da mídia ninja:
• Pré-produção: preparação para a realização da produção: o plano de ação,
a pauta, a definição das fontes, um pré-roteiro — esses momentos senão
suprimidos, ocorrem na profusão mesmo do acontecimento.
• Pós-produção: aquele momento estético e organizacional, que caracteriza
a pós-produção se dissipa no ar... A mídia ninja não tem revisão, corte,
edição, montagem. Da rua para as redes, das redes para a rua.
2
Link: < http://www.youtube.com/watch?v=SlINOilQ68o>. Acesso em 18 ago 2013.
3
Veja entrevista neste link: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/07/reporter-
-ninja-relata-detalhes-e-covardia-de-sua-prisao.html> Acesso em 11 ago 2013.
64. Mídias Sociais
A expressão mídias sociais foi usada por Andreas Kaplan1 e Michael Haenlein2
desde 2010 para definir
[...] um grupo de aplicações para Internet construídas com base nos fundamentos
ideológicos e tecnológicos da Web 2.0, e que permitem a criação e troca de
Conteúdo Gerado pelo Utilizador (UCG). (KAPLAN; HAENLEIN, 2010).
1
Kaplan nasceu em 5 de outubro de 1977 e cresceu em Munique, na Alemanha. Antes de se juntar
ao ESCP Europe, Kaplan iniciou a sua carreira como professor de marketing na ESSEC Business
School e no Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Consulta feita em 23/1/2018, https://pt.wikipedia.org/wiki/Andreas_Kaplan
2
Michael Haenlein é professor de marketing na escola de negócios ESCP Europe e o codiretor
científico do ESCP Europe Research Center on Big Data.
Consulta feita em 23/1/2018 http://www.escpeurope.eu/nc/faculty-research/the-escp-europefa-
culty/professor/-/biography/?tx_bookdb_pi1[ens_uid]=483
560 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Oliveira (2011), as mídias sociais são estruturas sociais compostas por pessoas ou
organizações que partilham valores ou objetivos comuns, conectadas por um ou
vários tipos de relação.
Portanto, as mídias sociais podem ser definidas como amorais porque não
dependem de uma moral unitária para que existam, e sim apenas do interesse de
grupos humanos em torno de assuntos e focos específicos e que são criados quase
na velocidade da luz, fora de todo controle ou pretenso controle de um inexistente
sistema global das redes telemáticas. Sobre globalidade, globalização ou ainda poder
global e relações de poder, Bauman (2007) diz que é no espaço extraterritorial que o
poder se consolida e de maneira descontrolada, sob a égide de sociedade aberta tem
produzido efeitos não-planejados e imprevistos de uma globalização de tipologia
negativa, ou ainda globalização negativa:
[...] uma globalização seletiva do comércio e do capital, da vigilância e da in-
formação, da violência e das armas, do crime e do terrorismo; todos unânimes
em seu desdém pelo princípio da soberania territorial e em sua falta de respeito
a qualquer fronteira entre Estados. Uma sociedade “aberta” é uma sociedade
exposta aos golpes do “destino”.
Se a ideia de “sociedade aberta” era originalmente compatível com a auto-
determinação de uma sociedade livre que cultivava essa abertura, ela agora
traz à mente da maioria de nós a experiência aterrorizante de uma população
heterônoma, infeliz e vulnerável [...]. (BAUMAN, 2007, p. 13).
mesmo tempo extremamente complexa relativamente aos seus usos humanos e suas
consequências diretas na modulação de novas formas de comportamento societário
e de disseminação e difusão do conhecimento e da informação produzidos pelos
seres humanos.
As mídias sociais oportunizam a publicação de informações e conteúdos por
qualquer pessoa que tenha acesso à rede através da internet. Assim, possibilitaram
que os usuários não só consumissem, mas também passassem a produzir, distribuir
e compartilhar informações em escala global como nunca antes tinha acontecido.
Com o advento dos sites de redes sociais, tipo de mídia social, houve uma mudança
de paradigma – os veículos tradicionais de comunicação, com funções massivas e
centralizadoras, perderam espaço para veículos e ambientes com funções pós-massivas,
coletivas e distribuídas (AYRES, 2014), ou seja, com a produção e a distribuição
de conteúdo livres.
Aparece aí associada à chamada “cauda longa” (long tail)3 como modelo de
ordenamento e meio atrator de usuários a partir da identificação de seus nichos de
interesse e consumo, o que amplia exponencialmente a própria sustentabilidade de
baixo custo da internet, uma modalidade que antes da web se restringia a grandes
organizações econômicas. Isto para circunstanciar a complexidade do funcionamento
das mídias sociais, que também possui uma zona de invisibilidade “profunda” só
acessível aos experts programadores e hackers. Na superfície dos fluxos interativos
mediados pela tecnologia telemática, as mídias sociais se tornaram um meio pode-
roso da construção social contemporânea. Isto envolve a disseminação e difusão
de ideologias, informações e processos tecnológicos de interesse do Capitalismo
Mundial Integrado (CMI), ou/e dos grupos de poder que propagam outras formas
politicamente sustentáveis de uso dos meios telemáticos disponíveis. Tendo em vista
3
Cauda longa (do inglês long tail) é um termo utilizado na Estatística para identificar distribuições
de dados como a curva de Pareto, onde o volume de dados é classificado de forma d ecrescente.
Quando comparada a uma distribuição normal, ou gaussiana, a cauda longa apresenta uma quan-
tidade muito maior de dados ao longo da cauda. O termo cauda longa ganhou popularidade
recentemente como uma maneira de descrever a estratégia de varejo de se vender também uma
grande variedade de itens onde cada um vende pequenas quantidades, ao invés de apenas os pou-
cos itens populares que vendem muito. A Cauda Longa foi popularizada por Chris Anderson em
um artigo na revista Wired em outubro de 2004, no qual ele mencionou a Amazon.com, a Apple e
o Netflix como exemplos de empresas que aplicam essa estratégia. Chris então elaborou o conceito
no seu livro A Cauda Longa – Do mercado de massa para o mercado de nicho. O conceito da Cau-
da Longa é usado em negócios online, comunicação de massa, microfinanças (Grameen Bank),
inovação orientada pelo usuário (Eric von Hippel), mecanismos de redes sociais (crowdsourcing,
peer-to-peer), modelos econômicos, e marketing viral.
562 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
que hoje são substituídos por meios mais rápidos e radiados. É também importante
destacar como muitos dos serviços oferecidos por redes sociais se encontram inte-
grados por meio de agregadores de redes sociais como Mybloglog e Plaxo, que são
os maiores agregadores de redes atualmente. Estes agregadores acabam exercendo
um papel fundamental na disseminação da informação que interessa a grupos de
“pescadores de usuários e consumidores”, que usam da informação fornecida pelas
grandes redes agregadoras para fins de promoção de seus negócios e interesses. Bor-
ges e Jambeiro (2016) destacam que os caminhos abertos pela internet não estão
isolados porque os grandes detentores comerciais da mídia convencional também
dominam a infraestrutura da internet.
Há hoje o entendimento de que as mídias sociais se diferenciam das mídias tra-
dicionais (jornais, televisão, livros impressos, rádio etc.) pelo fato de serem interativas
no sentido de serem dependentes da relação intersubjetiva entre pessoas diferentes.
Afinal, ninguém pode interagir online com nenhuma mídia “fria” justamente pela
ausência de interatividade entre pessoas distintas e distantes fisicamente. Fica evidente,
então, como não há limites de uso e expansão para as mídias sociais. Cria-se aí uma
imagem rizomática para a definição de mídia social. Os diversos instrumentos hoje
disponíveis pelas mídias sociais possibilitam uma complexificação nas interações
entre pessoas pela via de mão dupla que se estabelece nas relações online ou/e ofline,
permitindo, por exemplo, que usuários de redes possam criar “mashups”4 ligados
a “agregadores de feed”5 que avisam quando uma nova atualização se encontra
disponível e, assim, alimentam com suas postagens uma determinada mídia social.
Castells (2015) compreende que a evolução do formato e do conteúdo da co-
municação, sejam elas genéricas ou específicas, depende da evolução da sociedade
a partir de caminhos e ritmos próprios. O capital cultural do coletivo social é que
determina o nível e a complexidade a partir dos acessos e usos da internet a partir
das mídias sociais, por exemplo.
Nesta direção, e em correlação, Santaella (2003) explica que
[...] o fetiche das mídias oblitera encontra-se no fato de que quaisquer mídias,
em função dos processos de comunicação que propiciam, são inseparáveis
4
Um mashup ou mescla-musical é uma canção ou composição criada a partir da mistura de duas ou
mais canções preexistentes, normalmente pela transposição do vocal de uma canção em cima do
instrumental de outra, de forma a se combinarem.
5
Feed em inglês significa “alimentador”. Os sites que disponibilizam algum tipo de Feed, comu-
mente chamado pelo nome do formato ou por um apelido de XML, RSS, Syndication, Feeds ou
Atom, permitem ao usuário adicionar (alimentar) o link de um ou mais feeds de um ou vários sites
em um mesmo “agregador de feeds”, que é um programa que administra todos os sites agregados.
564 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
das formas de socialização e cultura que são capazes de criar, de modo que o
advento de cada novo meio de comunicação traz consigo um ciclo cultural que
lhe é próprio e que fica impregnado de todas as contradições que caracterizam
o modo de produção econômica e as consequentes injunções políticas em que
um tal ciclo cultural toma corpo (SANTAELLA, 2003, p. 25).
a uma nova sociologia, a uma diversa economia e a uma política radicalmente outra
que se impõe para além das fronteiras de Estados e Nações de modelagem racional
moderna, abrindo-se para novas maneiras de ação política e ética. A capacidade de
influenciar pessoas e moldar decisões coletivas cruciais revela o poder efetivo das
mídias sociais na atualidade. Curioso é que não importa o tamanho da mídia social
para que ocorra a disseminação de seu poder e a sua possível difusão como meio de
promoção de políticas igualitárias, para além das polarizações comuns, que favore-
çam o pleno desenvolvimento humano de todos e não apenas de uma minoria de
privilegiados prepotentes e desumanos.
Desse modo, o poder das mídias sociais está a serviço das relações de poder
que os seres humanos praticam em seus modos de ser no mundo com os outros
e com o ambiente natural, podendo o seu uso beneficiar ou prejudicar pessoas e
corporações, promover alguns e impedir tantos outros de acesso ao seu usufruto e
benefício. Castells (2015) explica que o poder governa e os contrapoderes lutam,
resistem. Essa ambiguidade das mídias sociais é inerente ao comportamento humano
societário que, afinal, encontrou nas novas mídias um meio de multiplicação de
seus valores e perspectivas de vida societária. Uma ambiguidade, portanto, inerente
aos seres humanos em suas evoluções e involuções continuadas, sendo hoje possível
afirmar que não há diferença entre a barbárie dos tempos mais remotos da presença
humana no planeta Terra e a barbárie que hoje também se dissemina e encontra
força nas mídias sociais. Como é o caso de grupos ideológicos partidários de toda
espécie, de seitas, de gangues, de ladrões, de máfias e tantos outros que promovem
a barbárie do ser humano contra o ser humano, usando as mídias sociais disponíveis.
Devido ao seu amplo espectro de uso, uma definição sintética e geral foi dada
por Schwingel: “[...] Tudo que se refere a compartilhamento e produção coletiva
de conteúdo é mídia social”. (2012, p. 106). Logo, não há limites previsíveis para
a expansão das mídias sociais, e elas hoje são o espelho da sociedade/mundo em
construção com todas as ambiguidades e contradições dos seres humanos e suas
relações afetivas com os outros e o mundo da vida.
Os dois mapas abaixo apresentam as diferentes formas das mídias sociais e suas
sete características assinaladas por Kietzmann et al. (2011), que são a identidade, a
conversa, a presença, a reputação, os relacionamentos, o compartilhamento e os grupos.
Tais traços ou características diferenciam as diversas mídias sociais entre si, sendo
que uma mídia pode ter uma ou mais das características assinaladas, ou até mesmo
todas elas ao mesmo tempo.
566 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
BORGES, Jussara; JAMBEIRO, Othon. Evolução do uso da internet na
participação política de organizações da sociedade civil. In: Artefatos digitais
para mobilização da sociedade civil: perspectivas para avanço da democracia.
Salvador, EDUFBA, 2016.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 567
KAPLAN, Andreas M.; HAENLEIN, Michael. Users of the world, unite! The
challenges and opportunities of social media. In: Business Horizons, Vol. 53,
Issue 1, 2010.
argumentação que alternam com os diferentes tipos de linguagem, seja ela verbal,
não verbal, que comuniquem com a multiculturalidade da sociedade globalizada.
As práticas pedagógicas envolvem a estimulação de ideias, análise de fatos e
discursos, criticidade, diálogos, para que oportunizem a construção e geração de
conhecimentos e aprendizagem, com a intencionalidade de se pensar em ações com-
petentes e comprometidas com determinadas práticas sociais e diálogos com o outro.
A base das atividades do multiletramento são as interações entre sujeito e objeto
(mundo), as quais devem acontecer de acordo com as vivências e conhecimento de
mundo.A reorganização das funções psicológicas, no que se refere a atenção, memória
e imaginação, ocorrerá devido a aquisição da linguagem, que dará sustentabilidade
ao pensamento (PINHEIRO, 2020).
As atividades de multiletramento devem ser aplicadas para indicar não apenas
a diversidade de prática de letramento, mas a multiplicidade cultural das populações,
produção e circulação dos textos, além de apontar para a multiplicidade semiótica de
constituição dos textos, a diversidade de linguagens que os constituem (ROJO, 2012).
O atual documento norteador curricular nacional denominado Base Nacional
Comum Curricular, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL,1996), foi aprovado em dezembro de 2017, pela Resolução CNE/CP nº
2, e determina o multiletramento como uma importante abordagem para o ensino
na área de Linguagens no qual prepara o educando para a vida social e profissional
para exercer plenamente a cidadania e ampliação de conhecimento e utilização das
novas tecnologias no aprendizado corroborando com os ideais democráticos e de
inclusão defendidos pelo documento (PINHEIRO, 2020).
O multiletramento produz nas pessoas “[...] diferentes efeitos cognitivos,
culturais e sociais em função de variadas e múltiplas formas de interação com o
mundo - não só a palavra escrita, mas também a comunicação visual, auditiva,
espacial” (SOARES, 2000, p.105). A escola deve proporcionar métodos variados
de leitura e de escrita, levando em conta a multiplicidade linguística e cultural da
sociedade e as multimodalidades (linguísticas, visual, gestual, espacial e de áudio),
considerando as significações e os contextos, repensando inclusive o diálogo com a
linguagem tecnológica. Cope e Kalantzis (2006) afirmam que a lógica dos multi-
letramentos é o reconhecimento de que a produção de significados é um processo
ativo e transformacional. A pedagogia do multiletramento destaca o “reconhecimento
da diversidade étnica, linguística, identitária e cultural, assim como das múltiplas
maneiras de se (re) construir sentidos pelas diversas formas e meios de comunicação”
(ROCHA, 2010, p. 67).
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 573
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103863X1999000200004&script=sci_
abstract&tlng=pt . Acesso em: 7 mar. de 2018.
não, pela sua forma ser mais abrangente, também agregar conhecimentos do senso
comum que era desprezados ou pouco valorizados em séculos passados.
Para pensar em relação aos conceitos que cercam a multirreferencialidade
primeiro é preciso apontar o papel da disciplina. Enquanto conceito, disciplina tem
a sua conotação estabelecida no século XIX na formação das universidades moder-
nas, tais como as conhecemos hoje. Disciplina está associada a conceitos, objetos,
matérias particulares de um ramo do conhecimento científico. Há ainda o uso de
disciplina como sinônimo de ciência, apesar do pouco uso. “A disciplina é, portanto,
uma categoria organizadora dentro do conhecimento científico”. (BURNHAM/
FAGUNDES, 2001, p. 41), e assim foi definido pelas autoras:
A disciplina tornou-se equivalente a conjunto de enunciados que tomam
emprestados de modelos científicos sua organização, que tendem à coerência
e à demonstratividade, que são recebidos, institucionalizados, transmitidos e
às vezes ensinamos como ciência. (BURNHAM/FAGUNDES, 2001, p.41)
INTERDISCIPLINARIDADE
O fato é que o educador aulista não será valorizado pela sociedade do conheci-
mento com o que oferece como competência. Mas para que algo assim se faça
outra formação do educador se faz imperante. Também porque a sociedade
só muda através da educação, o educador somente será valorizado de forma
justa pela sociedade quando realizar um papel relevante na formação humana
descolada dos valores e regulações dos séculos passados.
TRANSDISCIPLINARIDADE
MULTIDISCIPLINARIDADE
A busca por integrar conhecimentos que nos auxiliem em nossas áreas especí-
ficas é uma forma de abordagem multidisciplinar. Por exemplo, se formos estudar
na História algo ligado ao tema da Revolução Industrial, podemos buscar muitas
explicações e conceitos de outras disciplinas e ciências, como, por exemplo, a ma-
temática, a física e a química. Aparentemente, essas disciplinas, ligadas à área de
ciências exatas, ao olhar desatento ou isolado pelo comodismo tradicional pouco
584 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento como instrumento de poder e as nuances que envolvem o
ato de produzir, difundir e discutir o conhecimento, têm, infelizmente, hierarquias
e interesses escusos. Como romper essas amarras e como socializar, produzir, com-
partilhar e difundir conhecimento em nosso mundo globalizado? E como tornar
a educação atrativa e significativa é o maior desafio para o século XXI?
Sair da postura de professor aulista (GALEFFI, 2017) saindo do isolamento
acadêmico disciplinar é o passo fundamental. No mundo moderno é preciso religar
saberes, práticas, ciências e conhecimentos para avançarmos na complexidade de
entendimento do mundo que nos rodeia.
Dentro da multirreferencialidade, inter-, multi- e trans- disciplinaridade são
possibilidades práticas, de método e metodologia que nos permite religar pessoas
com objetivo comum de compartilhar, produzir e difundir saberes, sempre tendo
em mente que pode haver hierarquização, mas não opressão de formas de pensar
de cada indvíduo.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Homero Gomes de. A interdisciplinaridade: reflexões sobre a
prática educacional. In: Revista do VI Simpósio de Educação Química de
Sergipe (VI SEQSE), Aracaju-SE, Faculdade PIO X, 2017 (p. 9-21)
Como se pode atestar, a física clássica tem o seu plano de referência na ideia de
continuidade, segundo a evidência fornecida pelos cinco sentidos corporais. Nesse plano
de referência, não há saltos entre pontos distintos e, temporalmente, para se ir de um
ponto a outro, é preciso passar por todos os pontos que separam um ponto inicial e
outro final determinado no espaço finito. Por meio do cálculo infinitesimal de Leibniz
e Newton se alcançou com precisão a continuidade do espaço-tempo, imaginando-se
que ele seria o aparelho para a medição de todo o universo extensivo, o único que se
poderia dizer Real. Assim, a continuidade da matéria-energia se liga a um conceito
crucial da física clássica: a causalidade local. Logo, todo fenômeno físico teria em si
um ordenamento contínuo de causas e efeitos, ordenamento necessariamente local.
Segundo Nicolescu,
A causalidade mais rica dos antigos, como por exemplo a de Aristóteles,
era reduzida a um só destes aspectos: a causalidade local. Uma causalidade
formal ou uma causalidade final já não tinham seu lugar na física clássica.
As consequências culturais e sociais de uma tal amputação, justificada pelo
sucesso da física clássica, são incalculáveis. Mesmo hoje aqueles muitos que
não têm agudos conhecimentos de filosofia, consideram como uma evidência
indiscutível a equivalência entre “a causalidade” e “a causalidade local”, a tal
ponto que o adjetivo “local” é, na maioria dos casos, omitido.
O conceito de determinismo podia realizar assim sua entrada triunfante na
história das ideias [...]
É evidente que a simplicidade e a beleza estética de tais conceitos — continuidade,
causalidade local, determinismo — tão operativos na Natureza, tenham fas-
cinado os maiores espíritos destes quatro últimos séculos, incluindo o nosso
(sec. XX). (1999, p. 15-16).
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 591
Eis que surge a ideologia científica com seu complexo de reducionismo e supe-
rioridade axiológica. A ideologia científica se fez a vanguarda da evolução racional
humana pelo discurso filosófico da modernidade e tomou o lugar da mais elevada
forma de conhecimento absoluto objetivo. A produção de mais uma ilusão de sentido,
inevitável no florescimento espiritual de humanos em busca de certezas e controles
totais. Mas o humano e a sua racionalidade realizam diferentes níveis de percepção
e experiência de florescimento material-vital-mental, muito além da racionalidade
científica reducionista: apenas um único nível de Realidade.
Com palavras de Nicolescu,
Se o universo não passasse de uma máquina perfeita regulada e perfeitamente
previsível, Deus poderia ser relegado à condição de simples hipótese, não neces-
sária para explicar o funcionamento do Universo. O Universo foi subitamente
dessacralizado e sua transcendência jogada nas trevas do irracionalismo e da
superstição (1999, p. 17).
homem, que anuncia tantas outras mortes, é o preço a pagar por um conhe-
cimento objetivo. O ser humano torna-se objeto: objeto da exploração do
homem pelo homem, objeto de experiências de ideologias que se anunciam
científicas, objeto de estudos científicos para ser dissecado, formalizado e
manipulado. O homemDeus é um homem objeto cuja única saída é se au-
todestruir (1999, p. 18).
Não que o salto dado pela mecânica quântica tenha sido em algum momento
tranquilo e linear, pois não é fácil mudar um paradigma e uma concepção de verdade
monológica tão enraizada. Em suas idas e vindas, em suas oscilações inevitáveis na
tentativa de manter o princípio da causalidade local intocado, a mecânica quântica
encontra no teorema de Bell (sete décadas após a sua invenção) o que faltava para a
descrição do novo tipo de causalidade quântica. O conceito de não separabilidade
surge como solução do impasse. Como diz Nicolescu:
Em nosso mundo habitual, macrofísico, se dois objetos interagem num
momento dado e, em seguida, se afastam, eles interagem, evidentemente,
cada vez menos. Pensemos em dois amantes obrigados a se separar, um numa
galáxia e outro noutra. Normalmente, seu amor tende a diminuir e acabar
por desaparecer.
No mundo quântico as coisas acontecem de maneira diferente. As entidades
quânticas continuam a interagir qualquer que seja seu afastamento. Isto parece
contrário as nossas leis macrofísicas. A interação pressupõe uma ligação, um sinal
e este sinal tem, segundo a teoria da relatividade de Einstein, uma velocidade
limite: a velocidade da luz. Poderiam as interações quânticas ultrapassar esta
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 593
É preciso, então, que se diga o que se entende por Realidade: o que é Realidade?
Nicolescu define a Realidade como aquilo que resiste às nossas experiências, repre-
sentações, descrições, imagens ou formalizações matemáticas. Na física quântica a
abstração aparece como parte constitutiva da Realidade. Formalismo matemático
e experiência são inseparáveis na física quântica.
Portanto, Realidade é tudo aquilo que é matéria-energia em suas invariâncias e
composições/combinações infinitas, inumeráveis, incontáveis, incontornáveis. A Rea-
lidade, além daquilo que resiste, tem também sua dimensão ontológica, pois Natureza
é também ser-no-mundo-com. Realidade, portanto, não é apenas o consenso de uma
coletividade, um acordo intersubjetivo. Há também uma dimensão trans-subjetiva,
pois um simples fato experimental pode derrubar a mais bela teoria científica.
Assim, Nicolescu diz que
Deve-se entender por nível de Realidade um conjunto de sistemas invariantes
sob a ação de um número de leis gerais: por exemplo, asv entidades quânticas
submetidas às leis quânticas, as quais são radicalmente separadas das leis do
mundo macrofísico. Isto quer dizer que dois níveis de Realidade são diferentes
se, passando de um a outro, houver ruptura das leis e ruptura dos conceitos
fundamentais (como, por exemplo, a causalidade) Ninguém consegue encontrar
um formalismo matemático que permita a passagem rigorosa de um mundo a
outro. [...] A descontinuidade que se manifestou no mundo quântico manifesta-se
também nas estruturas dos níveis de Realidade. Isto não impede os dois mundos
de coexistirem. A prova: nossa própria existência. Nossos corpos têm ao mesmo
tempo uma estrutura macrofísica e uma estrutura quântica (1999, p. 25).
O passo seguinte foi dado em 1904 por Einstein, ao descobrir que a luz é
feita de fótons, que são os quanta hf de Planck, simultaneamente corpusculares e
ondulatórios. A luz, assim, aparece como descontínua e, ao mesmo tempo, obedece
às leis da ótica, sendo também uma onda eletromagnética. Estamos na presença de
uma contradição fundamental no sistema da luz, do brilho.
Alguns anos mais tarde — diz Lupasco — apercebemo-nos, graças ao ex-
perimento de Davisson e Germer1, que toda a onda é ao mesmo tempo um
corpúsculo e todo o corpúsculo uma onda.
É a grande crise do pensamento clássico, que se prolonga até aos nossos dias,
em que se tenta reduzir tudo ao corpúsculo, à mecânica corpuscular, ou à
onda, à mecânica ondulatória, para evitar essa coisa incrível e impensável: a
contradição (LUPASCO, 1994, p. 13).
1
O experimento de Davisson-Germer foi conduzido pelos físicos americanos Clinton Davisson e
Lester Germer em 1927, que confirmou a hipótese do físico de Broglie, ao mostrar que as partí-
culas de matéria (tais como os elétrons) possuem propriedades ondulatórias, sendo o elétron um
quanta de energia que também se comporta como onda.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 599
2
Segundo nos informa a Enciclopédia Livre Wikipédia, o princípio de exclusão de Pauli é um
princípio da mecânica quântica formulado por Wolfgang Pauli em 1925. Ele afirma que dois fér-
mions idênticos não podem ocupar o mesmo estado quântico simultaneamente. Uma forma mais
rigorosa de enunciar esse princípio é dizer que a função de onda total de um sistema composto por
dois férmions idênticos deve ser antissimétrica. Para elétrons de um mesmo átomo, ele implica que
dois elétrons não podem ter os mesmos quatro números quânticos. Por exemplo, se os números
quânticos n, l, e ms são iguais nos dois elétrons, estes deverão necessariamente ter os números
ms diferentes e, portanto, os dois elétrons têm spins opostos. O princípio de exclusão de Pauli
é uma consequência matemática das restrições impostas por razões de simetria ao resultado da
aplicação do operador de rotação a duas partículas idênticas de spin semi-inteiro. Por outro lado,
um férmion é uma partícula que tem spin semi-inteiro (em unidades de) e obedece à estatística
de Fermi-Dirac. Recebem este nome em homenagem ao físico Enrico Fermi. Todas as partículas
elementares ou são férmions (prótons, quarks, elétrons, neutrinos) ou bósons. O bóson é uma par-
tícula que possui spin inteiro (em unidades de) e obedece à estatística de Bose-Einstein. Ele tem
esse nome em homenagem ao físico indiano Satyendra Nath Bose. Entre os exemplos de bósons
estão o fóton, o glúon, o átomo de Hélio-4 e o bóson de Higgs. Cf.:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_de_exclus%C3%A3o_de_Pauli, consulta em
18/4/2012.
3
Em física e química, um nucleão (nucleon) é a designação atribuída a um próton ou a um nêu-
tron, ambas partículas existentes no núcleo atômico, isto é, os nucleões são as partículas consti-
tuintes do núcleo. O número de nucleões é uma designação alternativa para o número de massa
de um átomo.
600 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Tornou-se, então, inviável procurar explicar os sistemas vivos apenas pelo princípio
de homogeneização e de identidade não contraditorial. Foi preciso introduzir a hetero-
gênese e a diferença como princípios igualmente estruturantes dos sistemas vivos. Essa
operação ainda está em andamento, pois prevalece ainda em muitos setores da ciência
a lógica clássica do terceiro termo excluído. Mas, o antagonismo entre o heterogêneo e o
homogêneo é o mecanismo geral de toda sistematização biológica e se encontra presente
em toda construção de sistemas de sistemas de sistemas. Foi preciso, pois, introduzir
a lógica do antagonismo no âmbito das ciências da vida para se alcançar uma nova
modulação de compreensão dos fenômenos biológicos, necessariamente antagonista.
Copiando Lupasco (1994, p. 53),
Então, como explicar, por exemplo, a constituição e a atividade do célebre ADN
ou ácido desoxirribonucleico? O ADN é a famosa dupla hélice, que preside e
comanda tanto a elaboração do fenótipo como do genótipo, em todo o reino da
matéria-energia biológica, desde a filogênese à ontogênese, para todas as espécies
e todos os indivíduos vivos. No entanto, a comunidade científica encontra-se
novamente desprovida de faculdades mentais conhecedoras das propriedades
energéticas, da potencialização e da atualização inerentes à própria energia.
Como compreender que nos genes do cromossoma, na organização de suas
bases negativas ligadas por pontes positivas de hidrogênio contido no ADN,
se ache todo o programa que vai engendrar tal espécie de animal ou tal animal
em particular? Para empreender este processo, parece-nos fundamental que
a ética do biológico comporte as noções de antagonismo entre o homogêneo
e o heterogêneo, bem como as propriedades gerais de potencialização e de
atualização de toda energia.
Assim, sem uma lógica do heterogêneo não é possível compreender o processo
de heterogeneização que preside os fenômenos vitais (biológicos). É preciso, pois
considerar a heterogênese como a polaridade antagonista presente nos sistemas vivos,
em oposição à homogênese macrofísica, sendo necessário operar com uma lógica do
antagonismo para se alcançar a explicação condizente da ética biológica.
Como ser biológico a espécie humana encontra-se atravessada pelo antagonis-
mo e pela contradição permanentes, devendo operar processo de equilibração do
antagonismo como condição básica de sua existência fática. A ética biológica ou da
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 609
Além disso, por via dessa ética neuropsíquica, o ser está no centro psíquico do
controle e do conflito do estado T, constituindo, contrariamente a opiniões
muito divulgadas, o “normal”, o estado de domínio por excelência das orienta-
ções patológicas que acabo de salientar; o ser está em presença simultaneamente
da incondicionalidade e da liberdade, bem como das cargas mentais afetivas
mais densas, dos dados ontológicos mais amplos e mais presentes no homem
enquanto ser humano.
Entretanto, também essa terceira ética contém os seus perigos próprios. A
imaginação e o imaginário são armas temíveis sendo necessário aprender os limites
da importante função que ocupam na vida neuropsíquica do ser humano. Aqui
também é preciso aprender e continuar aprendendo sempre.
Sabemos dos prodígios da imaginação em todos os momentos da história
humana. Toda produção humana intencional é antecedida pela função imagi-
nante da mente, o que permite projetar e planejar acontecimentos futuros. Sem
imaginação não existiria nem arte, nem ciência, nem filosofia e nem mística. E
são essas expressões da atividade neuropsíquica humana que constituem o acervo
espiritual da humanidade em suas peripécias históricas. O que seria o célebre
Cavalo de Troia (o presente de grego) se antes não tivesse sido imaginado e pro-
jetado por seu construtor? Só para dar um exemplo do poder da imaginação. A
história humana nada seria sem o poder da imaginação e da antecipação. E até
mesmo a memória, a memorização e a evocação do vivido dependem da função
imaginante da mente.
No campo, pois, da matéria-energia neuropsíquica há também um ambiente
ecológico próprio, um ambiente feito de conexões neuronais marcadas por in-
formações sequenciais na elaboração dos estados mentais. Assim, segundo a sua
própria ecologia ou ética, o mundo mental tem também suas espécies e subespécies
de micro-organismos psíquicos, de vírus e de antivírus diversificados, logicamente
interligados à história do psiquismo humano em seu processo de desenvolvimento
até o presente tempo. O acervo psíquico da espécie humana encontra-se armazenado
em seus sistemas de códigos linguísticos em sentido mais amplo, compreendendo-se
a linguagem como o meio universal das elaborações mais sofisticadas, como também
das mais brutais, do espírito humano.
Sintetizando a dinâmica da ética neuropsíquica na perspectiva de Lupasco
(1994, p. 61),
O psiquismo, como se viu, é apresentado pelo estado T de semiatualização e
de semipotencialização dos dinamismos antagonistas macrofísicos e biológicos,
do homogêneo e do heterogêneo, engendrando, por isso, a consciência da
consciência e da inconsciência, bem como o conhecimento do conhecimento
e do desconhecimento.
612 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Ora, é neste o conflito mais intenso da energia que aparecem a noção de morte
e a noção de vida. E é aqui sobretudo que a afetividade se instala sob a forma
de ansiedade, inquietação e, ao mesmo tempo, de euforia, prazer, felicidade.
O estado T é, pois, a coexistência conflitual de dinamismos antagônicos em
certos graus de desenvolvimento, respectivos e recíprocos. Há, pois, graus do
estado T, variações dos estados de potencialização e de atualização que se vão
encontrar no estado T de equilíbrio de semipotencialização e de semiatuali-
zação. Há T1, T2, T3,...Tn, T-1, T-2, T-3,... T-n.
REFERÊNCIAS
LUPASCO, Stéphane. O homem e suas três éticas. Tradução de Armando
Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
1
Ifá é o nome que Olodumare, o Deus Criador, deu para Orunmilá enquanto divindade manifes-
tada no mundo. Ifá é o Oráculo, o sistema divinatório composto de diversos métodos. Os mais
conhecidos são o Opelé, o Ikin e o Merindilogun ou jogo de búzios. Orunmilá é a divindade e Ifá
é o sistema onde esta divindade se manifesta. Não há Ifá sem Orunmilá e nem Orunmilá sem Ifá.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 619
Isso implica em dizer que nem todo alto cargo hierárquico, babalaôs, babalo-
rixás, yalorixás estão autorizados ou qualificados para ler os oráculos.
Os dois sistemas divinatórios, o Jogo de Búzios e o Oráculo de Ifá, possuem
características comuns e específicas dos conhecimentos aí (re)significados na leitura
do jogo. Os sistemas são consagrados aos orixás Orunmila-Ifa, orixá da profecia
e a Exu que, como o mensageiro dos Orixás, confere autoridade aos oráculos. O
conhecimento ancestral e tradicional iorubá para a leitura do Oráculo de Ifá tem no
Corpus Literário de Ifá, o Odu Corpus, o seu principal conjunto de conhecimentos
filosóficos e culturais e registros históricos dessa milenar tradição, unido ao conhe-
cimento transmitido oralmente entre padrinho e afilhados, enquanto é unicamente
a tradição ancestral oral que promove o conhecimento nos Jogos de Búzios, sem que
se prescinda de conhecimentos dos Odus.
O Corpus de Ifá, como descrito por Ribeiro (1996), é tratado no Brasil, tanto
pelos babalaôs da tradição afro-cubana quanto pelos da tradição nigeriana. O cor-
2
A entrada de uma pessoa para um candomblé se dá de várias maneiras, sendo a mais conhecida
delas a iniciação, que consiste em fazer com que alguém pertença à comunidade ampliando os
vínculos com o orixá, inquice ou vodu que “afiliam” esse indivíduo e ocupando uma função no
meio comunitário. (FLOR DO NASCIMENTO, 2016). No caso do Candomblé são as Ialorixás
(Mães de Santo) e Balorixás (Pais de Santo) que detêm a cultura divinatória; no Culto de Ifá, em
algumas comunidades, principalmente na rama afro-cubana, somente os babalaôs estão autoriza-
dos a interpretar o Oráculo de Ifá; em outras as Yaninfás, mulheres iniciadas na mesma posição de
babalaôs também podem ler o oráculo de Ifá.
620 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
3
Aqui utilizaremos a conceituação de NASCIMENTO (2016, p. 36), “[...] A figura do cliente nos
terreiros de candomblé — aquele/a que usufrui dos serviços prestados pela comunidade sem, no
entanto, pertencer internamente à família comunitária do terreiro”.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 621
A consulta se baseia na interpretação dos Odus sacados pelo jogo feito pelo
babalaô, também conhecido como “Pai do segredo”, aquele que realiza todos os
procedimentos ritualísticos e iniciáticos, que é a figura mais importante do culto. Os
babalaôs não incorporam Orixás, a interpretação das caídas dos Inkis ou do Opelê,
se dá a partir dos estudos realizados por esses sob a orientação de seus padrinhos, e
levam em média de 10 a 20 anos para estarem aptos às leituras. Em muitas ocasiões
as leituras têm o acompanhamento de outros babalaôs para qualificação da mesma.
Os Odus (256) são compostos pelas histórias oraculares (Mitos e Itans) que
acumulam o ensinamento universal, teológico e cosmológico dos iorubás. Cada
um deles tem um nome e um sinal. São signos apresentados sob a forma de poemas
compostos por narrativas denominadas Itan. Por ação da sincronicidade, essas nar-
rativas espelham condições existenciais do consulente e contêm conselhos a respeito
de condutas que devem ser adotadas para o bom cumprimento do próprio destino.
(SANDOVAL; SANTOS, 2014).
Os Odùs principais (Odus Méjì)4 são em número de 16 que combinados pro-
duzem 240 odus, que recombinados podem chegar a mais de 4096 combinações,
sendo que cada leitura é única, mesmo sendo feita outras vezes para a mesma pessoa.
O Sistema Oracular de Ifá tem como base a mais pura matemática; é sempre
bom lembrarmos que o sistema binário dos computadores possui 256 bites. Cada odù
é representado por um conjunto constituído por duas colunas verticais e paralelas
de quatro sinais cada. Cada um desses sinais compõe-se de um traço vertical ou de
dois traços verticais paralelos que o babalaô traça no pó (iyerosun) espalhado sobre
um tabuleiro sagrado de madeira esculpida (OponIfá) de acordo com as caídas do
Opelê ou Inki. Embora sejam símbolos matemáticos, não são números, como vimos
anteriormente.
Para se obter o Onã Ifá/caminho de Ifá de um dos dezesseis Odús que, associados
aos Esé Itan/ Versos dos contos de Ifá, se constituíam nos Signos-Respostas Básicas
do Sistema Ifá, se segue os resultados de uma sequência inicial de quatro manipu-
lações marcados sobre o Ìyerosún5, no lado direito do Tabuleiro, verticalmente, a
segunda marca sob a primeira e, sucessivamente, a terceira sob a segunda, a quarta
sob a terceira, sempre cada uma delas ao acaso de sua manipulação.
4
1-Ogbé Méjì; 2-Òyèkú Méjì; 3-Ìwòri Méjì; 4-Òdi Méjì; 5-Ìròsùn Méjì; 6-Òwónrín Méjì; 7-Òbàrà
Méjì; 8-Òkàràn Méjì; 9-Ògundá Méjì; 10-Òsá Méjì; 11-Ìká Méjì; 12-Òtùrùkpòn Méjì; 13-Òtúrá
Méjì; 14-Ìretè Méjì; 15-Òsé Méjì; 16-Òfún Méjì.
5
Pó branco espalhado no Oponifá para se realizar os desenhos dos Odus sacados. Os babalaôs
africanos usam geralmente o pó (Iye) da árvore Baphia Nitida (Osun) daí o nome Iyerosun.
622 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Após o atefá, marca do Odu no Oponifá, o babalaô com a ajuda de seu Irofá,
sineta da adivinhação (em forma de sino ou bastão), realiza saudações e rezas para
a interpretação do Odu. O babalaô bate na lateral do Oponifá com o Irofá para
atrair a atenção de Orunmila e proceder a interpretação de maneira justa e correta.
Figura 3 – Irofá
Figura 4 – Opelê
6
Essa afirmação não é fato para a maior parte do Candomblé no Brasil, onde apenas alguns inicia-
dos, indicados pelo próprio jogo são autorizados a usá-lo. Tradicionalmente Ekedjis e Ogãs, por
exemplo, não estão autorizados a jogar búzios.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 625
faz da direita para a esquerda com elementos que variam entre búzios, pequenas
pedras, caracóis, pedaços de ossos, cacos de porcelanas ou cerâmicas e tem seus
significados na seguinte ordem: Okutá — Irê Aiku — não ver a morte; Cauri — Irê
Ajê — dinheiro; Igbin — Irê Okó — cônjuge; Egum — Irê Omó — filhos; e Apadi
— Irê Axegun — vitória sobre os inimigos.
MARTINS (2013, p. 50) afirma que a primeira mão jogada é a mais importante
pois indica o Odu Opolé. Esse é o Odu que rege o jogo, responsável pela orientação
do que vai ser lido nos búzios. Através da “amarração do íbo” se determina se o Odu
Opolé está positivo (Irê) ou negativo (Osôbo). É a partir dessa determinação que
quem está responsável pelo jogo por meio de uma série de técnicas e ações busca
ajudar o consulente no reequilíbrio de sua jornada terrestre. A consulta termina
quando as respostas feitas pelo consulente foram respondidas e os Ebós (oferendas)
determinados para atendimento as solicitações feitas ao jogo.
REFERÊNCIAS
ASÚA ALTUNA. (P. Raul Ruiz de). Cultura tradicional Banto. 2.ed.,
Secretariado Arquidiocesano de Pastoral. Luanda. 1993. 622 p. il.,
MARTINS, Adilson. O jogo de búzios por Odu. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
perdura com o artista, simpatiza com ele a um ponto de pincel e pintor ser um único
ser. Como se um interpenetrasse o outro, eles coincidem em duração.
Como a intuição precisa das ideias para se expressar, conforme Bergson, a
intuição cavalga as ideias; no esforço de comunicar a intuição, é preciso dissolver os
conceitos como o pintor faz com a tinta, as ideias e as palavras precisam ser plásticas
como a tinta para deixar escorrer a duração.
Então, perdurância tem duplo sentido, a perdurância que exprime o funciona-
mento da intuição e uma perdurância descritiva que plasma a linguagem ao objeto.
Um exemplo de perdurância descritiva é o poema Canção do vento e de minha
vida do poeta Manuel Bandeira; nesse poema, a palavra vento é dissolvida para passar
a ideia de tempo e, ao ler o poema, os conceitos vento e tempo disputam o sentido
da palavra vento, como uma tinta no jogo de um pintor.
e alegria de estar aí ilumina, mas, como tudo, a salvação vai embora e depois desse
surto de alegria intensa, voltamos à perdição e à miserabilidade de nossa existência.
REFERÊNCIAS
BERGSON, Henry. A energia espiritual. Tradução de Rosimeiry Costhek
Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
tratam sobre polifonia na acepção linguística no seu uso nas obras: “A Cultura
Popular na Idade Média e no Renascimento” (2013a) e “Problemas da Poética em
Dostoiévski” (2013b).
A palavra polifonia no livro “Problemas da Poética em Dostoiévski” (2013b),
para Bathkin, está revestida da consciência do outro como sujeito, mostra a cons-
ciência de vários sujeitos de maneira imiscíveis. Bakhtin não perdeu de vista a voz
do sujeito no mundo e mesmo assim mostrou o salto linguístico que Dostoiévski
precisou dar a sua personagem ao sair da antinomia para a dialética. Descreve
Bakhtin que o iluminismo desenvolveu um tipo especial de pensamento por meio
de aforisma, mas faz um contraponto a este pensamento, pois sua obra exige do
leitor a captura de muitos capítulos e a profundidade reflexiva para entender o viés
de seu pensamento. O que vemos em PPD é que para compreender sua acepção
sobre polifonia é preciso mergulhar em sua obra e perscrutar as vozes das perso-
nagens que debatem com o autor e refutam-no através das vozes polifônicas dos
romances de Dostoiévski.
Para Bakhtin em PPD, a polifonia tem seu apogeu ao apresentar que as “[...]
vozes permanecem independente e, [...] se falamos em vontade [...] ocorre a com-
binação de várias vontades individuais [...] é a vontade da combinação de muitas
vontades, a vontade do acontecimento.” (BAKHTIN, 2013, p. 23). É esta vontade
do acontecimento que pode ser representada pela vontade artística da polifonia
sendo a vontade de muitas vontades. Na obra PPD, existe um processo dialógico de
interação na relação das vozes que povoam a obra de Dostoiévski. Para deixar mais
claro o que queremos dizer, convidamos a pesquisadora e escritora Beth Brait para
nos dar sua contribuição.
Por sua maleabilidade no tempo, os dramaturgos têm se apropriado da pala-
vra polifonia para dar voz às suas personagens nos palcos da Grécia Antiga.
No período medieval a polifonia entra na Escola de Notre-Dame de Paris.
Nos romances russos de Dostoiévski, a polifonia continua atuando em cena.
Pesquisadores das diversas áreas acadêmico-científicas também se utilizam da
palavra polifonia como um recurso linguístico para dar voz a suas personagens
no período contemporâneo (BRAIT, 2013, p. 60).
Quando indivíduos se unem por afinidades, qualquer que sejam, formam gru-
pos. Os grupos são capazes de lançar as palavras que os definem. Precisam fazer com
que suas palavras possam ecoar num processo de difusão para ocupar um território.
Em grupo, reunidos por afinidades, os indivíduos são capazes de compreender as
dificuldades, as rejeições para enfrentá-las, consciente, e poder lançar as palavras
do grupo na comunidade, fazê-la reverberar ao produzir o som que representa os
diversos indivíduos que pertencem ao grupo. Neste sentido, é preciso difundir o
som do grupo. É preciso criar as palavras que representam o grupo. É vital ocupar
território e fazer ecoar o som, difundindo os anseios na direção da produção do
som polifônico.
Qual será a interrogação principal para pensar a palavra que quer soar como
o som polifônico do grupo? Como interrogar a palavra lançada pelo grupo, qual o
seu papel social? As palavras lançadas na comunidade deverão ser antes desveladas
pelo grupo, assim como a pedra traduzida por Champoleon? Logo, a pedra/palavra
desvelada quer participar da Ágora e possibilitar debates que possam ir para além do
ponto que nos toca e nos fere. Mesmo que esta pedra/palavra nos fira, será essa a voz
da palavra polifonia desse tempo? Por que os grupos devem se revelar e difundir seu
conhecimento? São interrogações que deverão ser tratadas mais à frente de forma a
que cada indivíduo tire suas conclusões e produza no coletivo a palavra do grupo.
Este esboço aspira lançar a semente que transgride e exige a saída dos indiví-
duos do senso comum, pois pretende perscrutar, indagar e investigar. Estas são três
palavras que contribuem para entender o que seja o som polifônico de um grupo.
Encontre-o, essa é a proposta. Esse pensar/refletir precisa ganhar voz, precisa rever-
berar e, ao final, difundir conhecimento do grupo. O grupo precisa se fazer presente
e dar significado para o conjunto de palavras lançadas, elas precisam ganhar um
único significado, o do grupo.
Os indivíduos juntos precisam contribuir com o que tem de similar e produzir o
significado que dá voz ao grupo e representar o som polifônico do grupo. As palavras
precisam ecoar para transmitir o som do seu grupo. As palavras lançadas por um
grupo de excluídos precisam sair do lugar comum e sofrer transmutação para ocupar
um território. Sair do não lugar e ocupar o locus da voz polifônica. Pretende este
esboço, para além de transgredir, provocar, para que os indivíduos possam evocar
o som que é capaz de dar um significado apropriado de pertencimento, elaborando
o signo que expressa o som polifônico do grupo.
É preciso perscrutar e ouvir com calma a voz interior como se estivesse sentado
em uma pedra, embaixo da cachoeira, ouvindo o som das águas que, ao tocar nas
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 641
pedras, respingam o som que precisa ser resgatado por seu grupo. Nesse começar,
pelo que nos toca, é necessário se fazer iniciado e se fazer capaz por meio do exer-
cício de ouvir a si e ao outro em um processo de alteridade. Será preciso ser capaz
de decodificar o escrito pelo grupo e transcrever o que está se apresentando como
código. Pode ser que se queira desde o início se apresentar como membro de um
grupo por afinidades, um grupo que tenha ou não, a sua voz polifônica. Então: este
querer é a confirmação de uma iniciação por já ter sido tocado por uma pedra que
carrega em si significados milenares.
Uma dessas pedras, que foi repositório de uma época, foi encontrada por sol-
dados de Napoleão na cidade de Roseta no Egito. A Pedra de Roseta continha três
mensagens codificadas. Assim como a caixa preta dos aviões, a Pedra de Roseta, sim-
bolicamente, representava a voz de seu tempo. As três mensagens reproduziram uma
só voz após terem sido decifradas por hermeneutas, o som polifônico de um grupo.
Ao decodificar e lançar o contido na Pedra de Roseta ao mundo, projetou-se a difusão
do conhecimento. Por meio dessa mensagem, o ocidente pode ouvir a voz polifônica
de uma época. A mensagem sintetizada nas três escritas da Pedra revelou os segredos
“próprios e apropriados” dos sacerdotes (Galeffi, 2017). Essa mensagem representou a
voz polifônica do grupo dos sacerdotes Mênfis do Egito. (SÃO PAULO, 1996, p. 852).
Os códigos que aparecem cunhados nos corpos dos seres são como herança genética.
O desvelar das mensagens cunhadas na pedra encontrada no Egito são como as vozes
polifônicas dos sacerdotes de Mênfis que se fizeram ecoar após decifradas. Os seres, as
coisas e os indivíduos são carregados do carbono 14 que permite analisar os códigos
e após leitura podem determinar o tempo de vida do que estiver sendo analisado. Po-
der-se-ia pensar que quando o Demiurgo criou os seres com toda sua complexidade,
cunhou esses códigos, tipo os fractais para que as pedras, os vegetais e outros objetos
da natureza pudessem ser decodificados por meio de suas medidas e suas formas o
que determina uma perspectiva de proximidade por afinidades.
As afinidades aproximam os seres humanos, isto ajuda a entender seus códigos.
As informações contidas nos códigos são transmitidas por seus ancestrais. As coisas
do mundo também compõem e contém o arcabouço antropológico de um tempo.
Na relação espaço/temporal, a decodificação das informações permite identificar a
complexidade existente nos seres e nas coisas de uma época. As informações colhidas
por cada grupo podem ser repassadas por um processo de difusão do conhecimento,
podem ser transmitidas como legado para outras gerações. Esses dados transmiti-
dos poderão ser lidos no futuro como o som polifônico de uma época ou como a
polifonia cultural.
642 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
As civilizações têm transmitido seu legado cultural para cada um de nós, esse
legado é acrescido das experiências de nossas vidas. Essas informações trocadas,
acrescidas, transmutadas reverberam como se fossem uma difusão do conhecimento
do mundo, como o saber universal que transmitimos e o saber que nos chega como
a voz da polifonia cultural.
A voz da polifonia cultural vai sendo transmutada como legado a outros povos.
Nós somos como a Pedra de Roseta, que precisa ser decodificada e desvelada. O ser
que sou está carregado da cultura transcendental e milenar. Articulando a cultura
da ancestralidade. Compreende-se aí todo legado universal da formação humana.
No conjunto dessas articulações entram todas as informações humanas. Ler as
informações dos diversos grupos torna possível ouvir o som da polifonia cultural.
O som da polifonia cultural é heracliteano, por isto, permite construir e recons-
truir o processo cultural todos os dias, sendo assim, morre o velho que dá lugar ao
novo. É um re-nascer que permite transmutar o processo cultural. O som da polifonia
cultural exige entender o conjunto de dados novos que se apresenta em forma de
vozes ao coletivo de indivíduos. Esse movimento de novo/velho/novo representa a
voz heracliteana que tem no seu cerne o paradigma da mudança. Ao entender esse
movimento se compreende a voz da polifonia cultural que está em tudo e em todos.
A voz da polifonia cultural é a voz que representa a história da vida dos in-
divíduos, a história dos membros dos grupos e das comunidades, sendo assim é a
voz que comporta os símbolos e os valores da sociedade. Neste sentido, essa voz é
dialógica, não sendo meramente lógica/linguística. Os grupos organizados convivem
e têm a dimensão dos valores que estão na base de todos os indivíduos, na base de
seus grupos e comunidades. Isto posto, os indivíduos podem ouvir o som/voz das
mitologias e das religiões que tentam explicar o início de tudo o que existe no mundo
e representar a diversidade cultural humana nas mais diversas formas, deixando suas
obras como legado cultural, promovendo a difusão do conhecimento produzido por
uma época. Este esboço não pretende encontrar a matriz biológica da existência
humana, não obstante, neste parágrafo, deseja sinalizar que, na natureza humana,
nas pedras e nas coisas do mundo, existe um código que pode se revelar através
de um som próprio e este som é intrínseco à natureza de cada existência. Este som
das coisas, por meio de sua manifestação, é denominado aqui como som polifônico
das coisas e da própria natureza. Quando falamos de natureza envolvemos todo o
complexo existente no mundo que contribui para a vida humana.
As florestas, os rios, o ar e a terra são elementos essenciais para a vida. Todavia,
o que este esboço pretende é sinalizar que o som polifônico existe e depende da cadeia
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 643
ecológica existente para se tornar manifesto. Os seres humanos são mais complexos e
por ser de natureza diferente, seu som polifônico é carregado de uma complexidade
própria, o que exige outras formas para se manifestar numa complexidade para além
da natureza e da lógica. Experimente ver e ouvir os sons polifônicos dos rios, das
aves e das florestas.
As florestas dependem da voz propagada pelos bichos que nela residem. Os
pássaros contribuem com o som da floresta. As abelhas e os beija-flores têm um
som próprio de seus grupos. Esses bichos polinizam a floresta e contribuem para
a continuidade da vida. Na parte inferior da floresta, existe o som das raízes que
alimentam os caules e auxiliam com sua seiva a fortalecer as raízes fracas na manu-
tenção da vida desse grupo. Esse é o som do rizoma subterrâneo que mantém a vida
das grandes árvores formando um parque ecológico em cada lugar de sua existência.
A manutenção da vida ou da existência desses seres se dá pela forma como
cada grupo se apropria de seu som, disto depende cada coletivo. As florestas são
um grande exemplo da apropriação e da difusão desse som. O conjunto de sons
da floresta contribuem para prover um rizoma ecológico forte que é responsável
pela manutenção da vida na floresta e de outras vidas para além da floresta. O som
emitido e apropriado por esse rizoma é a voz polifônica da floresta.
Essa voz polifônica da floresta deveria ser o exemplo a ser seguido pelos seres
humanos. Quando a humanidade for capaz de entender todo o bioma e a voz da
floresta ela será capaz de entender o som polifônico da floresta que contém nela o
significado da vida. Os seres humanos com toda sua complexidade precisam apren-
der o significado da manutenção da vida, que é transmitido pela natureza. Nesse
tocante, a ecologia da floresta comporta uma similaridade com o coletivo humano.
Alguns grupos já perceberam que fazemos parte de uma comunidade ecológica, assim
como a voz polifônica humana que está representada pela voz polifônica cultural, a
natureza em sua “sabedoria” nos transmite a lição de que cada um na comunidade
depende de todos. Há uma diversidade ecológica nas comunidades da floresta, dos
rios e dos pássaros que emitem som próprio. Dentro dessas comunidades encontra-
mos os grupos que voam em bando emitindo som próprio, nos rios os cardumes têm
seu som e sua polifonia. No encontro dos rios com o mar se dá o estrondo, que é a
voz da pororoca. Esse encontro emite o som da contradição dialética da existência
e manutenção da vida nas duas comunidades. A dialética se dá na entrada do rio no
mar e o mar no leito do rio. A contradição das duas partes que se unem através de
uma força oculta promove o som da polifonia da pororoca, que é dialético por não
ter propriedade definida e por se encontrar em contradição nas suas representações
644 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. DICIONÁRIO DE FILOSOFIA, Tradução
coordenada e revisada por Alfredo Bosi, et al. 2.ed. São Paulo: Mestre Jou, 1962.
CASOS
A principal forma de representação de conhecimento em um sistema de RBC
são os casos. Um caso é uma peça de conhecimento contextualizado que registra
um episódio quando um problema ou situação problemática foi total ou parcial-
mente solucionado. Um caso representa tipicamente a descrição de uma situação
(problema) conjuntamente com as experiências adquiridas (solução) durante a sua
resolução (WANGENHEIM; WANGENHEIM, 2003, p. 11). Casos contêm
primordialmente experiências concretas, vividas em uma situação específica. A
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 651
SIMILARIDADE
Durante o processo de recuperação (onde dada uma situação problema é
realizada uma procura na base de casos com a finalidade de encontrar tarefas ante-
riormente resolvidas cuja descrição se assemelhe com a atual) os resultados obtidos
com a pesquisa não podem obedecer ao que Wangenheim e Wangenheim (2003,
p. 15) chama de “filosofia tudo ou nada”.
Essa filosofia, muito utilizada em sistemas de banco de dados comuns, despreza
resultados inexatos, o que para o RBC é algo ineficaz. Wangenheim e Wangenheim
(2003, p. 15) destaca a utilização de uma ordem de preferência, que estabelece quais
casos da base mais se assemelham ao atual e quais são menos. A determinação da
medida de similaridade é um importante componente para determinar a utilidade
do caso. Isto porque de acordo com Wangenheim e Wangenheim (2003, p. 96):
“[...] Problemas similares possuem soluções semelhantes”.
RECUPERAÇÃO
O objetivo da recuperação é encontrar numa base de casos uma ou mais experi-
ências que venha a ajudar na solução de um problema atual. Aamodt e Plaza (1994, p.
11) afirmam que essa tarefa se inicia com uma descrição parcial do problema e termina
quando é encontrado um caso anterior com maior utilidade para solução do caso atual.
O conceito de similaridade é de extrema importância para recuperação de casos,
isto porque ao contrário dos bancos de dados que recuperam registros com campos
idênticos, na base de casos, a busca é realizada para encontrar casos semelhantes e
que sejam úteis para solução de um problema atual.
Outro conceito importante para esse processo é o de utilidade. Conforme
Wangenheim e Wangenheim (2003, p. 96), “[...] Problemas similares possuem so-
luções semelhantes”, assim, um caso torna-se mais útil do que outro na medida em
que menos se necessite modificá-lo para adaptá-lo na solução de um problema atual.
REUTILIZAÇÃO
A reutilização ocorre toda vez que um caso é recuperado e a solução dele é
utilizada na tentativa de resolver um problema atual. Dois aspectos são focados nesse
processo: as diferenças entre o caso antigo e o atual; e que parte do caso antigo pode
ser transferida para o novo caso (AAMODT; PLAZA, 1994, p. 13).
Normalmente, o problema atual não coincide com nenhum caso armazenado;
nesse caso, o processo de reutilização faz uma adaptação da solução anterior para a
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 653
REVISÃO
Nesta fase surge a oportunidade de aprendizagem devido à aplicação mal
sucedida de uma solução para um caso. A revisão é, de acordo com Wangenheim e
Wangenheim (2003, p. 96) e Aamodt e Plaza (1994, p. 11), dividida em duas tarefas:
a primeira é avaliar a solução do caso gerada pelo reuso e, caso esteja correta, apren-
der com o sucesso (retenção); já a segunda depende da falha na fase de reutilização,
neste caso, se faz necessário reparar a solução para o caso.
RETENÇÃO
A retenção é a fase em que acontece a incorporação do conhecimento gerado
pela solução de um novo caso. Esse processo é responsável pelo constante cresci-
mento e especialização da base de casos, e trata-se de selecionar quais informações
do caso deve-se armazenar, de que forma retê-la, como indexar o caso para posterior
recuperação de problemas similares e como integrar o novo caso na estrutura de
memória (AAMODT; PLAZA, 1994, p. 14).
72. R adiohormese
Antonio Cardoso
Segundo Sacks; Meyerson e Siegel (2016), o modelo vigente não está totalmente
errado, mas deduz uma relação linear em baixa dose que não se verifica empirica-
mente. Além disso, conduz a um pensamento reducionista ao desconsiderar indícios
empíricos da existência de mecanismos de resposta biológica, tais como: melhora
na produção de enzimas reparadoras no núcleo celular, diminuição da velocidade
de mitose, indução a apoptose, produção de enzimas antioxidantes, a melhora da
indução da apoptose por células vizinhas não-afetadas (efeito Bystander), e melhoria
na vigilância imunológica dos organismos.
Ao buscarmos expandir nossa percepção desse fenômeno, em uma abordagem
não-reducionista, nós nos aproximamos com uma perspectiva de complexidade, na
qual a bioestimulação conseguida seria um acontecimento emergente, inesperado,
656 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
BALDWIN, J.; GRANTHAM, V. Radiation Hormesis: Historical and Current
Perspectives. Journal of Nuclear Medicine Technology, v. 43, n. 4, p. 242–246,
1 dez. 2015.
Rede: 1. Fios, cordas, arames, etc., entrelaçados, fixados por malhas que formam
um tecido (FERREIRA, 2010).
Complexo: 1. Que abrange ou encerra muitos elementos ou partes. 2. Obser-
vável sob diferentes aspectos. 3. Confuso, complicado. 4. Composto por elementos
de naturezas distintas (FERREIRA, 2010).
Em um sistema complexo, a rede representa as conexões formadas entre as
ligações (arestas) entre os nós da rede, que são os atores do processo. Essas ligações,
visualmente, formam as “teias” (rede). Complexa (adj. Feminino), informa que
essas ligações envolvem elementos de naturezas distintas. Mas a complexidade do
sistema merece maior aprofundamento; em 1974 Edgar Morin, Isabelle Stringers
e Ilya Pregonine inauguraram o termo complexidade como sinônimo de epistemo-
logia; a epistemologia da complexidade estuda os sistemas complexos e fenômenos
associados. Nesse, ao invés da fragmentação dos saberes ele propõe a complexidade,
do latim “Complexus”: aquilo que foi tecido em conjunto. A complexidade do todo
decorre do entrelaçamento de influências mútuas à medida que o sistema evolui
dinamicamente. Redes + Complexas definem a teia de ligações que se relacionam e
evoluem por meio de suas interações.
Não há uma definição universal para sistemas complexos, simplesmente porque
não conseguimos definir com uma única teoria; são sistemas dinâmicos, em constante
movimento não linear, abertos, decorrem da interação entre os atores (nós) do siste-
ma, de onde emergem propriedades coletivas. Num sistema desse tipo encontramos
elementos como complexidade, não-linearidade, auto-organização, entropia e caos.
A Teoria das Redes complexas tem como fundamento a teoria dos grafos, que
pertence ao ramo da matemática. Historicamente, muitos fatos aconteceram antes
que tivéssemos as definições que temos hoje, destacando alguns:
1736: O matemático suíço Leonard Euler (1707-1783) formulou e resolveu o
problema das 7 pontes de Könisberg, utilizando um grafo. A cidade de Könisberg, na
Rússia, é banhada pelo rio Pregel, por isso 7 (sete) pontes fazem a travessia das ilhas
às margens. Os moradores da cidade tentavam fazer um percurso que passasse por
todas as pontes, mas apenas uma vez cada, como eles nunca conseguiram, queriam
saber se seria possível fazer esse caminho.
658 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
1
Disponível em: http://www.inf.ufsc.br/grafos/problema/pontes/grafos.html. Acesso em: 26 de fevereiro de
2018.
2
Disponível em: http://www.inf.ufsc.br/grafos/problema/pontes/grafos.html. Acesso em: 26 de fevereiro de
2018.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 659
Fonte: https://pt.slideshare.net/ieausprp/iea-modelagem-do-impacto-de-caractersticas-deneurnios-em
redes-cerebrais-complexas
Fonte: Modelagem do Impacto de características de neurônios3
3
Disponível em: https://pt.slideshare.net/ieausprp/iea-modelagem-do-impacto-de-caractersticas-
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 661
REFERÊNCIAS
ALBERT, R.; BARABÁSI, A. – L. Network Science. Julho de 2016. Disponível
em: <barabasi.com/networksciencebook/>. Acesso em 01 de fevereiro de 2018.
fevereiro de 2018.
Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Perceptrón
666 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
BRAGA, Antônio de Pádua; Carvalho, André Carlos Ponce de Leon Ferreira;
LUDERMIR, Teresa Bernarda. Redes neurais artificiais: teoria e aplicações.
Rio de Janeiro: LTC, 2007.
WERBOS, PAUL. Beyond regression:” new tools for prediction and analysis
in the behavioral sciences. Ph. D. dissertation, Harvard University (1974).
75. Relação Mente-Cérebro
sistema é possível emergir um novo sistema, que definitivamente não pode ser ex-
plicado pelo funcionamento dos seus componentes. Quando a matéria adquire um
certo grau de complexidade, aparecem propriedades genuinamente novas.
Alguns autores, baseados nesse conceito de emergência, apresentam uma
possibilidade filosófica conhecida por fisicismo não-reducionista, que significa que
das atividades cerebrais emerge a consciência. Então, a consciência ou a mente
(portanto, a experiência subjetiva e os processos cognitivos) seria uma propriedade
emergente das atividades cerebrais. Assim, as atividades cerebrais trariam em si um
papel causal, organizador e controlador das funções mentais. Logo, no momento
em que a consciência emerge do cérebro não pode ser mais reduzida a ele. Entre-
tanto, a conexão entre eles é muito intensa e eles estão profundamente interligados.
(SANVITO, 1991)
Apesar do fisicismo não-reducionista ser uma possibilidade muito válida, apre-
senta alguns pontos de dúvida. Uma lacuna explicativa seria a questão: Como uma
atividade cerebral (física) pode gerar uma atividade consciente (não-física)? Naquela
época, Lewes não entendia como a água emergia das moléculas, porém, com o
avanço da ciência, foi descoberto o mecanismo que faz isso ocorrer. Por isso, alguns
fisicistas afirmam que, em breve, a ciência avançará e explicará a lacuna existente.
De fato, é possível que seja só uma questão de tempo (MOREIRA-ALMEIDA,
2013; ARAUJO, 2013).
Entretanto, o professor Saulo Araújo fez um estudo e descobriu que esse
tipo de argumento chamado de “materialismo promissório” existe na literatura há
pelo menos 300 anos. Ou seja, há muitos anos os fisicistas-materialistas nos têm
informado que falta muito pouco tempo para descobrir como um elemento físico
gera um elemento não-físico. Patrícia Churchland, uma das principais expoentes e
defensoras dessa tese, após 40 anos de pesquisas neurofisiológicas, informa que não
sabe quanto tempo terá que esperar para resolver os problemas mais simples sobre
a consciência humana (ARAUJO, 2013).
Aqui surge um outro questionamento: e se for o contrário? E se o mundo
físico for uma propriedade emergente da consciência? O filósofo David Chalmers
(2002) organizou essa questão no que ele chamou de “monismo”, também co-
nhecido de “naturalismo expandido” por outros autores. Nesse conceito, a cons-
ciência poderia ser estudada como um elemento irredutível do universo, como
a massa, o tempo e a onda eletromagnética. A consciência seria um elemento da
natureza. É uma ideia simples: se não é possível explicar um fenômeno por meio
de outros fenômenos, talvez ele seja um fenômeno irredutível a qualquer outro. A
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 669
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Rita M. C. de. Redes Neurais. In: NUSSENZVEIG, H. Moysés
(org.). Complexidade e Caos. 3. ed., Rio de Janeiro: Editora UFRJ/ Copea,
2008.
CHALMERS, D. J. Consciousness and its place in nature. In: Stich SP, Warfield
TA, editors. Blackwell Guide to Philosophy of Mind. Malden: Blackwell; 2002.
LEWES, George Henry. Problems of Life and Mind. [s.l.] Osgood, 1875.
REFERÊNCIAS
CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS (CONARQ). Câmara Técnica
de documentos eletrônicos. Diretrizes para a presunção de autenticidade de
documentos arquivísticos digitais. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012.
Disponível em: < http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/media/Diretrizes_
presuncao_autenticidade%20finalizada.doc >. Acesso em: 13 ago. 2014..
Figura 1 – Rizoma
3º – PRINCÍPIO DE MULTIPLICIDADE
O princípio da multiplicidade complementa a visão sobre o conjunto como
determinante sobre as partes, diz que
[...] somente quando o múltiplo é efetivamente tratado como substantivo,
multiplicidade, que ele não tem mais nenhuma relação com o uno como
sujeito ou como objeto, como realidade natural ou espiritual, como imagem
e mundo. As multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomulti-
plicidades arborescentes. Inexistência, pois, de unidade que sirva de pivô no
objeto ou que se divida no sujeito. Inexistência de unidade ainda que fosse
para abortar no objeto e para “voltar” no sujeito. Uma multiplicidade não tem
nem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões
que não podem crescer sem que mude de natureza (as leis de combinação
crescem então com a multiplicidade) (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 14).
REFERÊNCIAS
BAREMBLITT, G. Introdução à esquizoanálise. 2.ed. Belo Horizonte:
Biblioteca do Instituto Félix Guattari, 2003. 138p.
O Role Playing Game (RPG) tem sua origem na década de 1970, nos Estados
Unidos da América, com inspiração nos “[...] jogos de mesa, estes criados por mili-
tares no final do século XIX com finalidade de treinamento sob a forma de simulação
de situações-problema.” (DANIEL MACKAY, 2001 apud CUPERTINO, 2008, p.
21, grifo nosso).
O RPG chega ao Brasil nos anos 1980, entretanto, sua utilização ocorreu,
primeiramente, por um público de jovens e adolescentes que dominavam a língua
inglesa. Todavia, o jogo passou a ser popularizado por volta dos anos 1990, visto
que possibilitou sua edição em português. Foi nesse período que surgiram também
os primeiros jogos criados por autores brasileiros, tais como: Tagmar — jogo de fan-
tasia medieval e o Desafio dos Bandeirantes — que se utilizou de uma ambientação
totalmente voltada para a cultura nacional.
O RPG se constitui um jogo que possibilita a interpretação de personagens
pelos seus jogadores, os quais assumem papéis e criam uma narrativa de forma co-
laborativa, pilares para a relação ensino-aprendizagem. Trata-se de um jogo em que
os personagens vivenciam uma história-aventura, proposta pelo “Mestre” do jogo, o
qual ambienta o cenário e o contexto em que todos estão inseridos. (CABALERO,
2012). O Mestre também é responsável por atuar como uma espécie de juiz do
jogo, mediando à ação e interação dos jogadores, além de fiscalizar o cumprimento
do sistema de regras adotado. (PEIXOTO; PINTO, 2011 apud RIBEIRO, 2016).
Por possuir influências da linguagem teatral, o jogo de RPG obedece a uma
estrutura básica de funcionamento, devendo considerar na sua modelagem os
seguintes aspectos que garantem a interatividade do jogo: Ambiente; Sistema de
Regras; Enredo; Dados; Mestre; Personagens Jogadores e Classe (SOUZA, 2016).
680 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Com isso, nota-se que a utilização do RPG Digital pode favorecer a apren-
dizagem dos sujeitos participantes, na medida em que promove um ambiente de
cooperação, construção coletiva e colaborativa do conhecimento, interatividade e,
também, por meio da interdisciplinaridade que essa proposta assegura.
Nessa perspectiva, importa salientar que o jogo RPG, como outros jogos, atua
por intermédio da Zona de Desenvolvimento Proximal, caracterizada por Vygotsky
pelas ações que o sujeito só consegue realizar mediante orientação ou ajuda de um
indivíduo mais experiente. Ou seja,
[...] a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda
não amadureceram, mas que estão em processo de maturação e que estão em
estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de ‘brotos’ ou ‘flores’
do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento (VYGOTSKY,
1984, p. 97).
REFERÊNCIAS
CABALERO, Sueli da Silva Xavier (Org). RPG by Moodle. Salvador. 2012.
Disponível em < http://www.matta.pro.br/editora_virtual/RPGbyMoodle.pdf>
Acesso em 25 abr. 2017.
A construção do saber se dará sempre por meio das relações, do vivido e co-
nhecimento do mundo no qual se está inserido, sempre por meio das experiências
sociais e individuais que vai empoderando, amadurecendo e ressignificando o sujeito.
Para Charlot (2000), todo saber vai ser construído por meio da relação com o
saber, ou seja, com o próprio saber e com o outro na relação com o próprio sujeito.
Ele afirma que todo saber existe na relação com o mundo, pois não existe — sujeito
de saber ― (p. 63), o saber existe a partir da experiência do sujeito com e no mun-
do. Esse mundo pode ser o próprio sujeito ou o outro sujeito e as suas construções.
O autor em sua obra — Da relação com o Saber: elementos para uma teoria, nos
provoca, chamando atenção com o intuito de refletirmos que a relação com o saber
686 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Educação Popular. São Paulo: Brasiliense, 1984.
p. 7.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança, 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
1
A imagem primordial que também chamei de “arquétipo” é sempre coletiva, ou seja, é, no míni-
mo, comum a todos os povos e tempos. Provavelmente, são comuns também a todas as raças e
épocas os principais motivos mitológicos. Pude constatar a existência de uma série de motivos da
mitologia grega nos sonhos e fantasias de negros de raça pura que sofriam de doenças psíquicas
(exemplo típico de imagem arcaica em Jung, Símbolos da Transformação) (JUNG, 2016, Vol. VI,
p. 459).
Jung iniciou seus estudos [...] das sombrias regiões das condições neuróticas, chegando finalmente
à descoberta de mais ou menos invariantes fantasias e padrões de comportamento universais (os
arquétipos) numa área da psique profunda a que chamou o “inconsciente coletivo”. A descrição
e o relato detalhado do arquétipo e do inconsciente coletivo converter-se-iam na sua assinatura,
a marca que distingue o seu mapa dos de todos os outros exploradores da psique profunda, o
inconsciente (STEIN, p. 14).
Jung entende mais tarde [...] “o arquétipo como a força que estrutura a psique e a energia psíquica”
(STEIN, 2006, p. 68).
[...] A teoria dos arquétipos é o que torna platônico o mapa junguiano da alma; entretanto, a
diferença entre Jung e Platão é que Jung estudou as ideias como fatores psicológicos e não como
formas eternas ou abstrações (STEIN, 2006, p. 82).
Para aprofundar: O eu e o Inconsciente, OC 7/2 esp. Cap. 1, “A função do inconsciente”
(HOPCKE, 2017, p. 113).
2
(Carl Gustav Jung, 1875–1961).
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 689
‘tragados’ pela cultura, distanciando-nos de nós mesmos, mas essa apreciação nos
levaria para um outro artigo.
O Self é visto por Jung como Uno, um arquétipo primordial do qual os demais
são provenientes. Considera-o como o centro de toda a personalidade de onde emana
todo o potencial energético de que a psique dispõe. É o ordenador dos processos
psíquicos e oportuniza uma noção de integração. Como o Self ou Si-mesmo é uma
imagem arquetípica, ele representa, de certo modo, o nosso desejo por unidade e
se constitui como a plenitude do potencial humano e de nenhum modo se vincula
a uma noção egoica comumente utilizada. Podemos conferir essa perspectiva nas
palavras de Hall & Nordby:
3
Para mais detalhes sugerimos a leitura das Obras Completas de Jung, Parceiros invisíveis da edi-
tora Paulus, Animus e anima de Emma Jung, Anima: Anatomia de uma noção personificada de
James Hilman da Editora Cultrix, dentre outros.
4
Para aprofundar sobre o assunto sugerimos a leitura das Obras completas IX/II (Aion – cap. 2),
IX/I (Os arquétipos do inconsciente coletivo), XVI (Os problemas da psicoterapia moderna), Ao
encontro da Sombra de Zweig e livros da Von-Franz – A sombra e o mal nos contos de fadas e
outros.
690 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
5
Adaptado do livro: Os arquétipos e o inconsciente coletivo (IX/I, p. 189 e 190) e O mapa da alma
(p. 146).
6
A Individuação, em geral, é o processo de formação e particularização do ser individual e, em
especial, é o desenvolvimento do indivíduo psicológico como ser distinto do conjunto, da psico-
logia coletiva. É, portanto, um processo de diferenciação que objetiva o desenvolvimento da per-
sonalidade individual. É uma necessidade natural; e uma coibição dela por meio de regulamentos,
preponderante ou até exclusivamente de ordem coletiva, traria prejuízos para a atividade vital do
indivíduo (JUNG, 2013, p. 467, § 853).
692 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
9
Jung descobriu símbolos do Si-mesmo arquetípico em muitos dos sistemas religiosos do mundo,
e os escritos dele se sustentam como testemunha do contínuo fascínio dele por esses símbolos de
completude e integração: o passado paradisíaco de unidade não rompida simbolizada pelo jardim
do Éden ou pela Era Dourada do Olimpo: o Mitológico Ovo Cósmico do qual toda a criação
teria saído; o Homem Original hermafrodita, ou antropos, que representa a humanidade antes da
sua queda e degradação, ou o ser humano em seu estado mais puro, como Adão, Cristo e Buda;
os mandalas da prática religiosa asiática, aqueles círculos extraordinariamente belos dentro de
quadros, usados como foco de disciplina meditativa, com a intenção de levar o indivíduo a uma
consciência maior de toda a realidade. Como psicólogo, mais do que como filósofo ou teólogo,
Jung notou que esse arquétipo organizado da totalidade era particularmente bem apreendido e
desenvolvido por meio de imagens especificamente religiosas, e ele, então, veio a compreender que
a manifestação psicológica do Si-mesmo era realmente a vivência de Deus ou da “Imagem-Deus
dentro da alma humana”. Obviamente Jung não pretendia reduzir a todo-poderosa e transcen-
dente entidade divina a uma experiência psicológica, um mero arquétipo do inconsciente coletivo;
em vez disso, o objetivo dele era mostrar como a imagem de Deus existe dentro da psique e age
de modo apropriadamente semelhante ao de Deus, seja a crença em Deus da pessoa consciente ou
não (HOPCKE, 2017, p. 110 e 111).
696 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Seguindo nossa explanação, Jung entende que na relação eixo ego-self há uma
interdependência, pois o Self necessita do ego para se relacionar com o mundo
externo. O ego é o centro da consciência e o Self é o centro da personalidade psí-
quica. Isso implica que o ego está subordinado ao Self, apesar de tentar negar essa
condição e, por vezes, julgar equivocadamente ser o ‘Senhor’ da psique. Podemos
assegurar sobre o eixo ego-self que ele se constitui, inicialmente, como uma espécie
de embrião indiferenciado ego-self e que, aos poucos, o ego e o Self vão se dife-
renciando, distanciando-se e, na idade adulta, em geral na metanoia10, recomeça o
processo de integração dos dois. Existe um fluxo de conteúdo, o qual impulsiona o
desenvolvimento do ego, do inconsciente para a consciência e da consciência para
o inconsciente:
O Si mesmo representa o objetivo do homem inteiro, a saber, a realização de
sua totalidade e de sua individualidade, com ou contra sua vontade. A dinâmica
desse processo é o instinto, que vigia para que tudo o que pertence a uma vida
individual figure ali, exatamente, com ou sem a concordância do sujeito, quer
tenha consciência do que acontece, quer não (JUNG, 2013, p. 56, grifo nosso).
10
Consoante Jung, quando chegamos à segunda metade da vida, nossas questões íntimas, interme-
diadas pelo Self, começam a nos direcionar para um encontro com problemas que se vinculem a
alma, que tenham sentido e significado para além da materialidade.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 697
Nossas neuroses regem nossas vidas por não termos consciência delas ou bus-
carmos evitar admiti-las. O não (re)conhecimento da totalidade do Self, das nossas
características também sombrias faz com que projetemos nossa parte inconsciente
nas outras pessoas, responsabilizando-as, criticando-as, condenando-as por atitudes
nossas. Como não temos maturidade para assumirmos nossos erros e responsabi-
lidades, tendemos a atribui-los sempre a terceiros, vitimizando-nos. Certamente
por isso, Jung nos adverte: “[...] o melhor trabalho político, social e espiritual que
podemos fazer é parar de projetar nossas sombras nos outros” (2017, p. 37), tal é a
698 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
HOPCKE, Robert H. Guia para Obra completa de C.G. Jung. Petrópolis: Vozes,
2017.
JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis: Vozes, 2016, Vol. VI.
Como se percebe, ability tem como sinônimos aptitude (aptidão) e skill (ha-
bilidade). Também encontramos um sinônimo de ability, no termo capacity,
que é definido como capacidade, calibre, estatura: poder mental, capacidade
e discernimento (ou perspicácia) combinados que permitem que o indivíduo
compreenda ideias, analise e julgue, e enfrente problemas: máxima capacidade
mental potencial [...] Como em inglês, (habilidade em português) também é
sinônimo de capacidade. PERÉZ (2003, p. 54)
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 701
REFERÊNCIAS
ALENCAR, E. M. L. S. Criatividade. 2.ed. Brasília: Editora da UnB, 1995.
geração a geração, dos mestres aos aprendizes. A técnica torna-se um saber possível
de ser aprendido, sem a necessidade de apelo ao divino tampouco do saber teórico.
O momento histórico da queda de Roma e a vinda do Cristianismo expressa certo
desinteresse pela natureza e seu conhecimento teórico, porém mantém-se o pensar
teórico na teoria de Deus, a Teologia. As técnicas são desenvolvidas nos mosteiros com
a prevalência do saber – fazer para fins práticos, transferindo de geração a geração.
Observa-se uma evolução de acontecimentos que vão proporcionar o desen-
volvimento das técnicas, resultando numa revolução medieval: industrial, na agri-
cultura e na mineração. A exemplo da arquitetura; medicina; tecelagem; confecção
de roupas; navegação; utilização da força motriz das rodas d’água e dos moinhos de
vento; a vinculação do cavalo como animal de tiro, que vai impulsionar o transporte
a longas distâncias, servindo ao uso de pessoas e de mercadorias. No final do século
XV, as navegações, a utilização da técnica naval, a navegação guiada pelas estrelas,
conhecimento adquirido pela astronomia e a matemática.
Esse tempo é marcado pelo despertar de um novo interesse pelo conhecimento
da natureza e seus segredos, repercutindo na manifestação do Renascimento. De
acordo com o texto de Vargas (2001), nesse período histórico já se compreende a
arte do ensino aos aprendizes praticada por seus mestres, por meio de habilidades
manuais, o que requeria o estudo e o conhecimento das teorias científicas. Esse
argumento é reforçado no século XVII, por Galileu, quando, recluso na Vila Ar-
cetri, escreve seus Discursos, apresentando os conhecimentos teóricos de uma nova
ciência, a “Mecânica Racional”. No entanto, a aplicação das teorias científicas
para a solução de problemas técnicos fez emergirem alguns problemas. Contudo
alguns embates foram travados por cientistas sem êxito, revelando uma tendência
denominada de Técnica Moderna, com o propósito de resolver problemas técnicos
por meio de conhecimentos práticos, embora eventualmente pudesse ter auxílio de
teorias científicas. Como exemplo, a máquina a vapor, uma invenção de Watt, com
experiência prática de laboratório, apenas instruído em conhecimentos científicos.
Esse invento perdurou de forma aceitável por um período de quase 50 anos
sem ainda haver uma compreensão sobre seu funcionamento, vindo a acontecer a
explicação por Carnot, que cria a Termodinâmica. Sucedendo-se com o gerador e o
motor elétrico, já na condição do conhecimento da teoria da indução elétrica. Sob o
amparo da Técnica Moderna faz-se a Revolução Industrial na Inglaterra. Na França
desponta a engenharia como profissão, logicamente para aqueles que escolhem a
construção de obras ou fabricação de produtos, baseados em conhecimentos científicos
e matemáticos. Como explica Vargas (2001), nessa conjuntura aporta a Tecnologia,
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No final dos anos 1990, no Brasil, em meio a novos contextos políticos, o plane-
jamento e as técnicas sociais são retomados sob a concepção do Estado Gestor, quando
se dá paulatinamente a transferência deste pela “sociedade organizada” (terceiro setor)
em áreas não consideradas de serviços exclusivos do Estado (formulação, regulação
e execução das leis), de acordo com Baumgarten (2003). A partir de então o terceiro
setor é convidado a participar das políticas de ciência e tecnologia, culminando com
a fundação do Instituto de Tecnologia Social (ITS), organização da sociedade civil
de interesse público (Oscip), em 4 de julho de 2001. Em setembro do mesmo ano o
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) promoveu, com a Academia Brasileira
de Ciências, a II Conferência Nacional de C&T (CNCT&I), com a participação de
gestores do setor de C&T, pesquisadores, empresários e legisladores, tendo na pauta
de discussão os avanços obtidos e os obstáculos a serem vencidos na implantação
de um efetivo sistema de ciência, tecnologia e inovação e a definição de uma nova
política para o setor. O objetivo era fortalecer parcerias com os diversos setores da
sociedade e viabilizar um projeto nacional de longo prazo que incorporasse o tema
da CT&I na agenda da sociedade brasileira (BAUMGARTEN, 2003).
Alguns eventos são pontuados por Baumgarten (2006), com destaque para a
participação do ITS na II CNCT&I e no projeto Centro Brasileiro de Referência
em Tecnologia Social (CBRTS), viabilizado pela parceria com o MCT, por meio da
Secretaria para a Inclusão Social. Em outro momento da CNCT&I, o ITS foi con-
vocado pelo MCT para a inclusão das organizações da sociedade civil na discussão.
Essa participação resultou na mesa Papel e Inserção do terceiro setor na construção e
desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação e no Livro Branco, contendo uma
proposta estratégica do governo para C&T para um período de 10 anos.
No Caderno 1 do ITS-Brasil (2007), propõe-se à TS, o compromisso com a
transformação social. Recomenda o propósito de contribuir para um mundo mais justo
e menos desigual. É necessário estar atento aos desafios e oportunidades de reverter
o quadro e encontrar as soluções para desenvolver iniciativas justas. Ao Estado, o
cumprimento do papel que lhe cabe no objetivo de transformar as realidades injustas
e desiguais. Sem dúvida compete ao cidadão a corresponsabilidade no processo de
transformação social. Nas ações de TS devem-se incluir os processos mobilizadores
e conscientizadores, estimulando a democracia ativa, na busca de soluções e garantia
de direitos em processos educativos onde os participantes conquistem direitos na
satisfação de suas necessidades.
O conceito de técnicas sociais na contemporaneidade propõe a intervenção
sociológica nas situações sociais. Já em tecnologias sociais o conceito é ampliado
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 721
REFERÊNCIAS
BAUMGARTEN, Maíra. O Brasil na Era do Conhecimento – políticas de
ciência e tecnologia e desenvolvimento sustentado. Porto Alegre: PPGS - UFRGS,
2003.
RSP%20ano40%20v111%20n4%20Out-Dez%20p.93-98.pdf. Acesso em
14/09/2020.
VARGAS, Milton. Prefácio. In: RODRIGUES, Anna Maria Moog, et. al.
Educação tecnológica: desafios e perspectivas / Mirian P. S. Zippin Grinspun
(org.) 2ª ed - São Paulo: Cortez, 2001. Disponível em: http://www.forquap.
cefetmg.br/galerias/arquivos_download/Livros/LIVRO_EDUCACAO_
TECNOLOGICA_desafios_e_perspectivas.pdf . Acesso em 12/02/.2018
porque logo compreendemos que não há local mais privilegiado para se experienciar
a vida — objeto privilegiado da filosofia de Bergson.
Um ensaio fotográfico realizado em Barra Grande — paraíso incrustado na
Baía de Camamu onde vive parte da minha infância – durante o II semestre do
doutorado, a partir do incentivo do orientador Joaquim Viana, se constitui em um
importante divisor em nosso processo de pesquisa; a tal virada poética e epistemo-
lógica que buscávamos. Durante 4 dias fotografamos vertiginosamente buscando
responder a seguinte questão: qual a imagem da duração? Mais do que respostas, a
experiência da imagem-duração através da fotografia nos propiciou a conexão com
um tempo outro, abrindo o campo para novas perguntas, lacunas e inquietações,
movendo o nosso processo de pesquisa.
Alguns aspectos nos chamaram especialmente atenção durante a realização
do ensaio, assim como nas outras camadas de tempo experimentadas na edição da
montagem, a exibição em sala — o compartilhamento das imagens com colegas,
professores. A visada realizada hoje, cerca de dois meses depois, quando voltamos a
ver/ser vistos pelas imagens do referido ensaio, também adquiri um sentido e uma
temporalidade própria. O primeiro tempo (ou I ATO) — onde cabem infinitos
tempos –, vivido em deslocamento (Salvador-Barra Grande-Camamú via Ferry Boat
e Costa do Dendê), foi marcado por uma espécie de desvario excessivo. Estávamos
mergulhados em uma crise acadêmica que repercutiu fortemente em nosso estado de
saúde, potencializando a instauração de uma gastrite causada pela bactéria h-pylore.
A doença, experimentada enquanto buraco na imagem-corpo, se converteu,
entretanto, em medida da saúde, mobilizando excessivamente o nosso processo. Per-
vertendo o olhar fotográfico, buscávamos experimentar diversas formas adulteradas de
ver: olhar de cima pra baixo/olhar de baixo pra cima, olhar de perto/olhar de longe, olhar
de dentro/olhar de fora, olhar através, olhar través (oblíquo),” olhar poliperspectivado”.
Os primeiros objetos privilegiados foram as manchas e marcas, que no tempo se
incrustaram na arquitetura do terminal marítimo de São Joaquim. O arruinamento,
experimentado desde dentro a partir do próprio olho da demolição, nos permitiu uma
imersão ainda mais excessiva na nossa proposição poética.
Compreendemos, somente agora, no tempo desta escrita, que o excesso é um
modo privilegiado de produção de subjetividades em contextos traumáticos. A
condição traumática pode ser compreendida introdutoriamente como um encon-
tro com o real – o que está fora de qualquer possibilidade de significação -, que só
pode ser experimentado pelo sujeito enquanto impossibilidade. Nos interessa, ao
longo do nosso processo de pesquisa, pensar o trauma em contextos históricos es-
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 729
já que na nossa perspectiva elas só nos interessam na medida em que podem ser
experimentadas desde dentro, excessivamente. A imagem das habitações de Beuys e
Dórea, nos tocam, portanto, enquanto pura dessemelhança, interpelando os nossos
corpos, produzindo vida.
A obra de Caetano Dias, que desde sempre nos fascinava, tornou-se ainda
mais atraente no bojo destas interpelações da história e da memória de Canudos.
Os trânsitos do artista na região foram realizados no contexto da série Céu de
Chumbo. Trata-se de um conjunto de performances rituais, realizadas em locais que
protagonizaram acontecimentos históricos traumáticos. Com o corpo recoberto de
urucum, o artista abre o seu campo sensível para as forças do excesso. Em Canudos,
Dias afirma ter mantido contato com Antônio Conselheiro. Pensar sobre o ato de
rememor Canudos, a partir de um certo transbordamento excessivo, abre espaço para
perguntas outras: Em que circunstâncias a criatividade se constitui em uma experiência
excessiva (de transbordamento)? A experiência do rememorar pode ainda ser pensada
enquanto experiência excessiva?
Estas perguntas — assim como as demais realizadas no curso desta escrita –
permanecem sem resposta, assim como permanece em aberto o conceito de dura-
ção. Poderíamos ter optado por trazer possíveis definições para o termo, a partir de
comentadores ou do próprio Bergson. No lugar disto, optamos (ou fomos optados)
por deixar que a criatividade – que se produz na duração, no tempo real — nos con-
duzisse no processo de desta escrita, onde intercalamos (não de forma exatamente
organizada) algumas das invenções do nosso processo de pesquisa, compreendido
enquanto poética. Antes de finalizar a escrita deste verbete, gostaríamos ainda de
nos perguntarmos sobre as especificidades do tempo do traumático: qual o tempo
do trauma? De que forma esta temporalidade (colapsada) nos interpela? Pensar sobre
o tempo do trauma se constitui numa questão fundamental no nosso processo de
pesquisa daqui para frente. Contrapondo o tempo do trauma, com o tempo da in-
venção e da criação em duração (tempo bergsoniano), cremos que abrimos uma senda
de vida em tempos de morte.
REFERÊNCIAS
ABJECT ART: Repulsion and Desire in American Art. New York: Whitney
Museum of American Art, 1993.
734 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
BERGSON, Henri. Memória e vida: textos escolhidos por Gilles Deleuze. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
BEUYS, Joseph. Como ensinar imagens à uma lebre morta. 1965. Disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=t0Rz8EcAeg8 Acesso em 10 de maio de
2017.
O termo Teoriação Polilógica foi cunhado por mim no ano de 2015, como
síntese conceitual do que chamava de “Teoria Polilógica dos sentidos”, desde 1999.
Trata-se da fusão das palavras “teoria” e “ação”, sendo uma teoriação e não uma
“teoria da ação”, pois se compreende e se admite a falácia da teoria separada da ação:
um contrassenso. A Teoriação Polilógica em criação pensa a polilógica a partir da
atitude aprendente radical, a atitude filosófica. Assim, considera a variação lógica dos
regimes de signos produzidos pelas sociedades humanas, como também a heterogê-
nese do mundo da vida em suas variações infinitas de singularidades, demarcando
os campos de constituição dos seres humanos a partir do que se mostra humano
em sua humanidade, evidenciando para o conhecimento e sua criação quatro ins-
tâncias que são operantes nos projetos ontológicos humanos: a poético-artística, a
epistêmica, a filosófica e a mística.
Assim, na Teoriação Polilógica dos sentidos a ênfase é dada à multiplicidade
das lógicas da natureza e humana. Sua investigação se dá em torno do paradigma
da complexidade e na criação de uma compreensão polilógica dos sentidos própria e
apropriada. É, assim, uma Teoriação da Transformatividade Humana Transmoderna.
A Teoriação Polilógica parte de um questionamento radical que diz respeito
ao próprio paradigma da complexidade, no sentido de sua proposição intencional
de ultrapassar a epistemologia monológica da ciência moderna.
Duas questões deflagraram o desenvolvimento da Teoriação Polilógica pela
realização de sua consistência: 1) Há de modo consistente um paradigma da
complexidade em substituição ao paradigma monológico da ciência moderna? 2)
O que pode fazer o paradigma da complexidade na gênese de um devir humano
solidariamente criador e curador?
Visando o mais possível dar visibilidade às tensões interrogantes formuladas
vou expor partes da Teoriação Polilógica por meio de cinco variações focais:
1. Coexistência de paradigmas: o paradigma moderno monológico e o para-
digma da complexidade — paradigma polilógico transmoderno;
1
As imagens/figuras/diagramas deste texto são uma produção do autor, sendo que algunas imagens
foram apropiadas e modeladas de modo singular
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 737
Fonte: Elaboração do autor que reuniu diferentes imagens públicas para expressar uma intuição sobre os
diferentes paradigmas científicos, o que mostra a fluidez do conhecimento científico
Fonte: Imagens públicas – Elaboração do autor. Unindo imagens públicas diferentes, com a intenção de mos-
trar as variações da representação da realidade microfísica
Fonte: Elaboração do autor reunindo imagens públicas que representam os instrumentos utilizados na investi-
gação dos diferentes níveis de Realidade e de percepção
Nas figuras oito e nove se representam os sete corpos e os sete chacras e suas
funções expressas em afetos (eu sou, eu sinto, eu faço, eu amo, eu falo, eu vejo, eu
entendo — ser, sentir, fazer, amar, falar, ver, entender).
Tudo isso chama em questão uma contradição fundamental: a Realidade defi-
nida pela ciência monológica só alcança os níveis macrofísico e microfísico, mas não
alcança o mundo espiritual que não encontra modelo ideal em nenhuma objetividade
ao modo geométrico. O mundo espiritual é imanente ao mundo natural e não se
encontra apartado de sua totalidade como intensidade e extensão simultaneamente,
mas não pode ser medido como são medidos objetos macro ou microfísicos. Aparece
logo a perplexidade: há diferentes níveis de Realidade e diferentes níveis de percepção.
E o que diferencia e conecta a coexistência de diferentes níveis de Realidade com a
coexistência de diferentes níveis de percepção?
A clássica dicotomia entre Natureza e Espírito é absolutamente enganosa,
porque o Espírito é a Natureza, é imanente à Natureza. Nada há além da Natureza
e seu pensamento. Se o espírito é um incorporal o é a partir dos corpos que são a sua
natureza material-energética. A ciência monológica toma a Natureza em sua suposta
744 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
FAZENDA, Ivani C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 4 ed.
Campinas: Papirus, 1994.
Fonte: http://brasilprodutivo.com.brsua-
-equipe-rumo-ao-trabalho-colaborativo/
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. O espelho. In: Papéis Avulsos. São Paulo: Mérito,1959.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 56. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2014.
As crenças de gerações anteriores, das que nos fala Feyerabend, seriam os elemen-
tos fixos dos sistemas de categorias onde nós desenvolvemos que, ao se encontrar tão
enraizadas nos seus indivíduos, são consideradas como naturais. Estes intervêm sobre
as sensações recebidas, fazendo que tenham diferentes interpretações dependendo do
contexto do indivíduo, chegando, portanto, a percepções distintas dos acontecimentos.
Continuando com Feyerabend (1987, p. 52), “a impressão sensória por simples que
seja, contém sempre um componente que expressa a reação do sujeito que percebe
e que não tem correlato objetivo”. É dizer, as sensações3, que se encontram na base
de todo pensamento e atividade humana, ao serem recebidas por qualquer pessoa,
passam a conter uma visão subjetiva através de suas experiências e influenciada pelos
valores, crenças e prejuízos epistemológicos dos sistemas de categorias onde está inse-
rido, convertendo-se em sua percepção4 da sensação. Como dissemos, na percepção
influem os valores e crenças das comunidades que dão forma a nossos sistemas de
categorias, consideramos isto muito importante, pois, valores que são intersubjetivos
como a paz ou o desenvolvimento, tomarão diferentes concepções dependendo da
tradição de conhecimento desde a que se faça explícita. Por exemplo, nas últimas
décadas, temos visto como a paz para o mundo ocidental inclui o bombardeio e a
invasão de determinados países em diferentes zonas do mundo, conceito de paz que
nada tem a ver com a não-violência de Gandhi. Ou, por outra parte, vemos como
o desenvolvimento para o sistema capitalista é baseado (entre outros elementos) na
exploração dos recursos naturais procurando o lucro imediato sem dar atenção ao
cuidado do planeta, embora, o Sumak Kawsay5, ao contemplar a Terra como nosso
lar, levanta uma relação ecológica entre o ser humano e a natureza.
3
Para o presente trabalho, entenderemos sensação como “o ato de recepção de um estímulo por um
órgão sensório”, definição oferecida por Abraham Paul Sperling (2004, p. 39).
4
Também nos apoiaremos em Sperling (2004, p. 39) para a definição de percepção ao entendê-la
como “o ato de interpretação de um estímulo, recebido pelo cérebro por meio de um ou mais me-
canismos sensórios” e continua “a percepção representa a compreensão de uma situação presente
sobre a base de experiências passadas”.
5
Apoiamo-nos na definição fornecida por Dávalos (2014, p. 150) sobre o Sumak Kawsay entenden-
do que este “propõe a incorporação da natureza ao interior da história, não como fator produtivo
nem como força produtiva, mas como parte inerente ao ser social. O Sumak Kawsay propõe vários
marcos epistemológicos que implicam outras formas de conceber e agir; nestes novos formatos epis-
témicos considera-se a existência de tempos circulares que podem coexistir com o tempo linear da
modernidade; considera-se a existência de um ser-comunitário, ou se se prefere, não moderno, como
um sujeito ontologicamente validado para a relação entre seres humanos e natureza; considera-se
uma re-união entre a esfera política com aquela da economia, uma posição relativa dos mercados nos
que a lógica dos valores de uso predomine sobre aquela dos valores de troca, entre outros”.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 781
Desse modo, podemos extrair duas conclusões: (1) que o conhecimento é com-
plexo e sempre existirão variáveis que serão desconhecidas para uma determinada
teoria, podendo estas variáveis modificar a teoria completamente; e (2) a intersub-
jetividade que impregna cada grupo científico, a Ciência, em um plano mais geral,
nos prende a uma realidade que é subjetiva, mas que se apresenta como objetiva
devido aos sistemas de categorias onde se encontra e que nos impede de avançar para
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novos conhecimentos. Isto quer dizer que rejeitamos todo tipo de produção cientí-
fica? Não, quer dizer que somos conscientes de que toda comunidade produtora de
conhecimento tem limites e nenhuma pode ser totalizadora, inclusive a Ciência. A
intersubjetividade de cada grupo científico é o que dá forma ao sistema de categorias
sobre o qual se sustentam. No entanto, os sistemas de categorias que, por um lado,
facilitam a coesão interna do grupo, por outro, dificultam o diálogo externo com
outros grupos ao conter tecidos diferentes de valores, significados e relações entre os
conceitos. Portanto, os sistemas de categorias têm no seu interior tanto elementos
positivos quanto negativos para a proliferação do conhecimento.
Como elemento positivo, facilita um corpo de conhecimentos aceites e de-
monstrados (às vezes, erradamente) que possibilite encarar os processos de criação
de conhecimento com mais segurança, trabalhando sobre elementos estáveis que
são aceitos pela comunidade científica. Ao estar inserida em um sistema de catego-
rias comuns com outros colegas, a discussão científica se vê favorecida, pois todos
compartilham uma amplia quantidade de significados, o que lhes proporciona uma
maior facilidade para aprofundar, enriquecer e criar conhecimento. Além disso,
instala a confiança mútua entre os pesquisadores, pois ao compartilhar a cosmologia
do sistema de categorias, seus fundamentos filosóficos, epistêmicos e metodológicos
são comuns aos integrantes do grupo.
Pelo contrário, como elemento negativo, os sistemas de categorias estão formados
em base à uma série de conceitos e conhecimentos limitados que, ao estar aceitos pela
comunidade, se convertem nos elementos “racionais”. Isto limita as possibilidades
de avanço dos saberes, já que ao existir uma série de conhecimentos e métodos que
são considerados válidos, “qualquer coisa que não consiga encaixar dentro do siste-
ma de categorias estabelecidas afirma-se que é incompatível com este sistema, ou é
considerado como algo totalmente horroroso, ou, o que é pior, declara-se sem mais
inexistente” (FEYERABEND, 1986, p. 293). Ou seja, qualquer saber que pretenda
ser candidato a ser considerado como “racional” terá que seguir as regras do jogo dos
sistemas de categorias científicos. Isto se torna em um absurdo epistemológico, pois
um conhecimento que provenha de um sistema de categorias diferente aos cientí-
ficos, teria que modificar sua estrutura de categorias, para adapta-las às científicas,
perdendo, assim, a coerência que lhe confere a complexidade de qualquer que seja o
conhecimento ao encontrar-se em relação com os demais elementos de seu próprio
sistema de categorias. É dizer, “devem por tanto ser deformados, mal-empregados
e forçados a entrar em novos esquemas com objetivo de se ajustar às situações im-
previstas”. (FEYERABEND, 1987, p. 21)
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 783
Galileu e Copérnico são os dois maiores exemplos disso que tiveram que con-
frontar todo o sistema científico para que suas teorias fossem aceitas. Eles consegui-
ram derrubar o velho sistema de categorias e levantar um novo, embora este novo
também constasse das mesmas características tanto positivas quanto negativas que
relatamos anteriormente. É por isso que o anarquismo epistemológico, em benefício
do avanço da Ciência, defende a maior liberdade mental do pesquisador, alentando
a confrontação contra as restrições tornadas em dogma que se estabelecem através
dos sistemas de categorias.
Quanto mais sólido, bem definido e esplendido é o edifício erigido pelo enten-
dimento, mais imperioso é o desejo da vida por escapar dele para a liberdade‖.
Cada refutação vitoriosa, ao abrir caminho para um novo sistema de categorias
e ainda sem tentar, devolve temporalmente à mente a liberdade e esponta-
neidade que são suas propriedades essenciais. Contudo, a liberdade completa
nunca se consegue. Porque toda mudança, por dramática que seja, sempre
conduz a um novo sistema de categorias fixas (FEYERABEND, 1987, p. 32).
dão para um amplo e complexo tecido de diferentes metodologias com suas diferentes
variáveis e implicações. Somos conscientes da variedade e diferença de definições
existente ao redor do conceito de Ciência, mas vamos nos apoiar na que nos oferece
Merton, pois a consideramos a mais completa:
‘Ciência’ é uma palavra enganosamente ampla que se refere a uma variedade
de coisas distintas, ainda que relacionadas entre si. Comumente, é usada para
denotar: (1) um conjunto de métodos característicos mediante os quais se
certifica o conhecimento; (2) um acervo de conhecimento acumulado que
surge da aplicação destes métodos; (3) um conjunto de valores e normas cul-
turais que governam as atividades científicas; (4) qualquer combinação dos
elementos anteriores (MERTON, 1985, p. 356).
Por isso, consideramos que a Ciência não se tem erigido legitimamente como a
forma superior de atingir o conhecimento. É evidente que a Ciência como tradição
de conhecimento tem conquistado excelentes e inumeráveis logros, isso não está
sendo discutido, mas também consideramos que, para lograr o ‘consenso espontâ-
neo’ de considerá-la como a melhor tradição para atingir o conhecimento, a Ciência
tem contado com o apoio das estruturas políticas, econômicas, sociais, militares,
educativas e sanitárias da hegemonia capitalista. É como dizer que a Ciência se
valeu tanto de forma mediata quanto imediata pela hegemonia para se situar como
o monopólio do conhecimento válido.
De forma mediata, pois a Ciência como hegemonia nasceu junto à moder-
nidade que dá começo com a ocupação da América6 por parte dos espanhóis e os
portugueses através da força militar, e que traria, como consequência da coloniali-
dade, a imposição do conhecimento, as práticas e as relações intersubjetivas, entre
as que se inclui a Ciência, das nações colonizadoras. E de forma imediata, ao ter
sido estabelecida a Ciência como a tradição de conhecimento reconhecida como a
6
Situamos o nascimento da modernidade na ocupação da América ao nós enquadrar dentro da
teoria da modernidade-colonialidade. Esta teoria foi criada através de um grupo formado para
pesquisar multidisciplinarmente de forma crítica as relações entre colonialidade e modernidade
na zona da América Latina composto, entre outros, pelos pesquisadores Edgardo Lander, Ramón
Grosfoguel, Enrique Dussel, Walter Mignolo, Aníbal Quijano, Catherine Walsh o Nelson Mal-
donado-Torres. Nas suas pesquisas se estrutura a colonialidade sob três eixos fundamentais: a co-
lonialidade do ser, do saber e do poder. Para aprofundar, recomendo as seguintes leituras de Mal-
donado-Torres (2007), Quijano (1992, 2000), Lander (2000), Dussel (2000) e Mignolo (2005).
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única válida pela hegemonia dos países ocidentais, que, através do Estado, lhe tem
outorgado a “direção intelectual e moral” da população mediante o monopólio de
aparelhos básicos da sociedade.
Por todo o anterior, salientamos as palavras de Feyerabend quando fala da
suposta supremacia da Ciência frente a outras tradições de conhecimento:
Finalmente quero refutar um argumento sobre a superioridade da Ciência
que parece ser muito popular, mas que está totalmente errado. Segundo este
argumento, as tradições não-científicas tiveram já sua oportunidade, mas não
sobreviveram à concorrência da Ciência e do racionalismo. Desde logo, a
questão óbvia é: Foram eliminadas por motivos racionais, ou sua desaparição
foi resultado de pressões militares, políticas, econômicas, etc.? Por exemplo, se
eliminaram os remédios oferecidos pela medicina indiana (que muitos médicos
norte-americanos ainda utilizavam no século XIX) por ter-se comprovado que
eram inúteis ou perigosos, ou porque seus inventores, os indianos, careciam de
poder político e financeiro? Se eliminaram os métodos tradicionais da agricultura
e foram substituídos por métodos químicos por uma superioridade sobre o
terreno, ou por ser a química claramente superior, ou porque se generalizaram
sem mais exame os sucessos da química em outros domínios muito limitados
e porque as instituições que apoiavam a química tiveram o poder de substituir
este salto intelectual com coação política? Em muitos casos, a contestação
é do segundo tipo: as tradições diversas das do racionalismo e das Ciências
foram eliminadas não porque um exame racional tivesse demonstrado sua
inferioridade, senão porque pressões políticas (incluída a política da Ciência)
arrasaram os seus defensores. (FEYERABEND, 1984, p. 6768).
REFERÊNCIAS
BERGER, Peter L.; LUCKMAN, Thomas. La construcción social de la
realidad. Buenos Aires: Amorrortu, 2003.
DÁVALOS, Pablo. Reflexiones sobre el Sumak Kawsay (el Buen Vivir) y las teorías
del desarrollo. In: HIDALGO-CAPITÁN, Antonio, GUILLÉN, Alejandro y
DELEG, Nancy (Edrs.). Antología del Pensamiento Indigenista Ecuatoriano
sobre Sumak Kawsay. Cuenca: FIUCUHU, p. 133-142, 2014.
7
Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) incluiu no seu livro — Diagnostic and
Statistical Manual: Mental Disorders (DSM-I) a homossexualidade e a travestilidade como — sexu-
alidades desviantes‖ (DSM I, 1952, p. 38). Isto produziu a legitimação da perseguição às pessoas
homossexuais e travestis, considerando-se como delito em muitos países e praticando-se terríveis
terapias para sua suposta recuperação. A homossexualidade não seria retirada do manual da APA
até sua edição de 1987 (DSM-III-R, 1987).
788 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
FEYERABEND, Paul Karl. La ciencia en una sociedad libre. México D.F.: Siglo
veintiuno editores, 1998.
O termo transciclopédia está sendo usado para nomear este livro que reúne as
palavras-conceitos operadas no campo da epistemologia da construção e difusão do
conhecimento, compreendendo também a sua gestão. O termo nunca foi usado antes
com a intenção de constituir uma obra de difusão dos “meta-ciclos” de estudos em
andamento no mundo globalizado, e pontualmente no âmbito do Doutorado em
Difusão do Conhecimento e que dizem respeito à produção cognitiva contemporâ-
nea em suas infindáveis ramificações epistemológicas, tecnológicas, éticas, políticas,
estéticas, artísticas, antropológicas, pós-antropológicas, ecológicas, místicas, multi-
-ontológicas (multi-espécies) etc.
Justificando o seu uso inédito, a nossa intenção não é arbitrária e vazia, e sim
a da criação de um conceito novo, compreendendo logicamente todas as estratifica-
ções relativas ao termo “enciclopédia” presentes na cultura letrada contemporânea.
De fato, não se trata de apagar os fios e planos das raízes etimológicas da palavra
consagrada “enciclopédia” e sim de torcê-los pela substituição do prefixo “en” pelo
prefixo “trans”, o que requisita um suficiente e consistente esclarecimento compo-
sicional na criação do novo conceito de transciclopédia. É o que faremos a seguir.
A palavra “enciclopédia” se encontra amplamente territorializada em sua função
de “esclarecimento de tudo”, ou “conjunto de todos os conhecimentos humanos”,
uma obra que reúne todos os conhecimentos, ou um determinado domínio, expon-
do-os de modo ordenado, metódico, seja seguindo o alfabeto ou elegendo temas
circunscritos em áreas específicas do conhecimento. Seu uso aparece no séc. XVIII
na França, encyclopédie, do grego egkuklopaideía, junção de egkúklios com paideia,
que significa ensino circular, panorâmico, por sua vez pelo latim tardio encyclopaedia,
adaptado ao português, enciclopédia.
Examinando sua composição, a palavra foi formada pela junção de um prefixo e
dois elementos de composição: en+ciclo+pédia. O prefixo “en-” deriva do latim “in-”,
significando em a, sobre; superposição; aproximação; introdução; transformação etc. Por
sua vez, o “en-” latino deriva da raiz indo-europeia “en-”, significando no interior de,
em, que no vernáculo se torna “em-” quando antecede vocábulos iniciados por “p” e
“b”. O elemento de composição “-ciclo”, deriva do grego kúklos, designando círculo,
redondo, roda, esfera, bola. O importante aqui é a palavra “ciclo” que tem a mesma
790 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Mas por qual motivo ainda escrever uma transciclopédia que cola com a concep-
ção de enciclopédia? Por que não ultrapassar toda a referência ao passado iluminista
da razão européia moderna?
Uma transciclopédia reúne o que reúne como conhecimento sem estabelecer
hierarquias e fins de nenhuma espécie. A meta são metas a realizar, uma multiplici-
dade em obra, heterogênese polilógica, irredutível a esquemas gerais de dominação
e centralidade absoluta. O centro está em toda parte e em parte alguma. Daí a
transciclopédia ser concebida além de linearidades e identidades genéricas, mesmo
adotando-se a ordem alfabética, isto é útil apenas do ponto de vista da execução de
uma edição impressa. Mas em outra configuração multimidiática, as palavras podem
se misturar sem ordem prévia, mesmo podendo-se desenhar mapas de agrupamen-
tos e configurações constelativas de palavras, formando um “céu” possível feito de
pontos em um plano de referência em expansão.
Nossa intenção por uma transciclopédia é a de reunir o que se encontra separado
pela métrica de uma racionalidade monológica. Transpassar os círculos de estudo
baseados em processos colonizadores de toda espécie é poder afirmar acontecimentos
irregulares na ordem do previsível, inaugurando novos agenciamentos de sentido
pela transgressão aos sentidos dados e acolhida do inesperado, o imprevisível, o
criador em seu devir permanente. Porque tudo é movimento transformativo e não
há razão para se escolher apenas uma cosmovisão quando são muitos os modos de
ver e celebrar, de produzir e compartilhar pelos infinitos re-ciclos que a tudo envolve
na mesma dança e no mesmo canto. Reunião de vozes singulares na mais inesperada
polifonia: o salto de natureza no esplendor da multiplicidade criadora.
A transciclopédia aqui modulada apresenta-se como um constructo aberto
para todas as possibilidades, expandindo-se intensivamente para todas as direções
e sentidos, porosidades, corpos e superfícies de conexão. E como não cabe nenhuma
relação hierárquica entre as partes, porque cada parte pode ser acessada por cada
outra parte diretamente, Isto implica também em outra gestão do poder do conhe-
cimento como coisa pública, comum a todos pela reunião da multiplicidade em que
a Diferença é o plano de imanência oriundo do Caos que a tudo faz ser e não ser
em sua singularidade vital: aparecer, desaparecer, transparecer na reunião de tudo
no nada infinito de todas e mais algumas outras possibilidades.
REFERÊNCIA
HOUAISS. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 1.0 Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005.
88. Turismo de Base Comunitária (TBC)
recursos naturais de forma a violar o direito à propriedade dos povos naturais des-
sas comunidades vinculadas às identidades indígenas estão sempre presentes nos
territórios onde atuam. A tentativa é permitir que haja um processo de formação e
organização das comunidades sem oferecer um risco à organização e à sua convivência
enquanto grupos humanos que ao longo da história se constituiu estabelecer regras
de condições de existência naquela região (MALDONADO, 2009).
As abordagens que compreendem o Turismo de Base Comunitária – TBC, têm
uma relação estreita com aspectos socioeconômicos de valorização das comunidades,
a partir da implantação de roteiros turísticos, organizados, geridos e desenvolvido
por elas mesmas, em suas localidades. A experiência de valorização desta forma de
turismo, pode apoiar mecanismos de geração e complementação de renda, o que é
de emergente necessidade para as comunidades de baixa renda.
O conceito de Turismo de Base Comunitária, erige de um processo de reflexão e
crítica sobre o conceito clássico e, em certos aspectos, reduzido do campo de turismo
convencional, principalmente no aspecto econômico, exclusivamente desenvolvido e
orientado para atender o mercado de interesse de multinacionais, numa perspectiva
de exploração do turismo nacional e internacional sem considerar os atores envol-
vidos no processo. Doravante, entende-se que o TBC pode favorecer uma lógica de
turismo que não se apropria apenas de uma comunidade, para estabelecer apenas
relações de entretenimento, lazer e exploração econômica, mas sobretudo numa
relação e interação com espaço público que suporte as trocas interculturais, sem
ter como mote a destruição do patrimônio cultural e natural daquela comunidade.
Com efeito, a perspectiva exclusivamente capitalista que desapropria a comunidade
dela mesma, propõe uma lógica que gera consequências negativas na medida em que
a presença turística economicista, desagrega e altera negativamente a histórias das
relações socioculturais, econômicas e ambientais, bem como pode promover tensões
e conflitos que envolvem as comunidades, os turistas e visitantes.
Decerto que o desenvolvimento pensado na ótica capitalista, traz consigo
um processo de consolidação da exclusão social e da destruição dos patrimônios
culturais locais, que expressam o modo de existir social, histórico, cultural e am-
biental de determinadas comunidades. Neste sentido a turistificação dos lugares não
está, necessariamente, articulada com o desenvolvimento de oportunidade para as
comunidades que receberam os serviços e os sujeitos sociais, desestruturando com
isto, o princípio do desenvolvimento local. É neste sentido que pensar a prática do
TBC é considerar uma relação que promova uma ecossustentabilidade na medida
em que permite a efetiva proteção e manutenção dos recursos naturais, fugindo da
796 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Tal concepção, norteia as práticas que vêm sendo desenvolvidas pela equipe
do projeto TBC Cabula, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, que con-
templa os seguintes aspectos, no processo de implementação do TBC: defende que
um processo de implementação do TBC precisa considerar os seguintes aspectos:
a] identificação, pelas comunidades, do potencial cultural, ambiental, social,
tecnológico, político e econômico dos contextos onde habitam; b] o desejo
de perpetuação das heranças e legados dos seus antepassados como hospita-
lidade, crenças, valores, saberes, sabores e fazeres; c] na valorização de suas
práticas; d] na ampliação de suas rendas por meio de produção associada; e]
na participação popular por meio de comitês, câmaras, comissões, associações,
centros comunitários, fóruns, conselhos, cooperativas, sindicatos, entidades
de classe, organizações não-governamentais, fundações, institutos e outras, em
plenárias, conferências, audiências públicas, reuniões sobre temas correlatos às
necessidades das comunidades como saúde, educação, saneamento, transporte,
por exemplo, e à atividade turística como infraestrutura, serviços, legislação,
orçamentos; e f ] na busca de melhoria de condições de vida (SILVA, 2014, p.10).
Em detrimento de noções distorcidas que, por sua vez, geram ações equivocadas
e prejudiciais para as comunidades, fez-se necessária a distinção também entre turismo
de base comunitária e turismo comunitário. No Quadro 2, apresenta-se esta diferença.
Segundo Rita Cruz (2007) o turismo é uma prática social e atividade econômica,
ou prática geradora de atividade econômica e que concorre, no cotidiano, na repro-
dução da vida nos lugares, com outras práticas socais e outras atividade econômicas,
podendo, portanto, ser um vetor de desenvolvimento para o município. Para Sansolo
(2009) o Turismo de Base Comunitária traz os espaços de encontro: os encontros ou
convivências são o que entendemos por espaços onde os comunitários compartilham
em seu cotidiano o lazer, a religiosidade, o ócio, a política e o esporte, dentre outras
atividades. São os espaços livres que se estabelecem as relações interpessoais.
Outro aspecto relevante, quando se pensa em TBC, é numa perspectiva da
economia solidária, enquanto uma experiência sobre a distribuição de renda, de
forma crítica é contrária ao modo de produção capitalista. A economia solidária, em
tese, deve produzir uma valorização dos trabalhadores, principalmente em seu senso
coletivo, na medida em que evidencia o caráter tradicional do trabalho, quando os
antigos trabalhadores dominavam todo seu processo de confecção de determinados
manufaturados, em contrapartida ao modo capitalista que desloca o trabalhador
de todo processo produtivo. Evidencia-se de forma crítica, o modo através do qual,
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 801
Nesse sentido TBC atua enquanto uma catalisadora de base acadêmica com
a intensa mobilização para gerar organizações autogestionários e educacionalmente
formativos, no sentido de valorizar a cooperação e a contribuição das comunida-
des, enquanto parte do processo de reconstrução social no qual os sujeitos sejam
valorizados em suas potências coletivas, ou seja na capacidade de se relacionarem
com a territorialidade, a sociabilidade e a fortalecimento de vínculos socioculturais
e afetivos de base local.
O TBC, é uma abordagem social que busca democratizar a participação da
comunidade em todo processo de produção, na medida em que altera a norma lógica
do mercado, dos donos do capital, quando tenta ampliar o exclusivismo sobre a parti-
cipação do lucro apenas para conglomerados econômicos. No entanto, a organização
do nesta perspectiva, firma e valoriza o protagonismo histórico e a memória dos
sujeitos em suas comunidades que em sua própria trajetória foram marginalizados.
Quanto aos aspectos relevantes se dá na valorização das atividades turísticas no
âmbito do cotidiano dos grupos sociais. Diga-se, o TBC traz uma abordagem que
tem força em escala mundial, nacional, estadual e municipal, tanto nos âmbitos de
sua implementação em espaços rurais e ou urbanos.
O TBC oferece a partir do desenvolvimento local, a valorização da cultura
de identidade histórica e cultural, valorizando os modos de vida, respeitando as
dimensões de uma sociedade em seus aspectos sociais, culturais e ambientais. Esta
abordagem pressupõe que atividade turística desenvolve o local de forma sustentável,
respeitando-se os costumes da população receptora mediante a valorização da forma
como ela se constitui. (ALVES, 2013)
REFERÊNCIAS
ALVES, Katiane. Turismo de Base Comunitária: fundamento histórico e
abordagens conceituais.
default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/TURISMO_
DE_BASE_COMUNITxRIA.pdf. BRASIL. Ministério do Turismo.
SILVA, Francisca de Paula Santos da; MATTA, Alfredo Eurico Rodrigues Matta;
SÁ, Natália Silva Coimbra de. Turismo de Base Comunitária no Antigo
Quilombo Cabula. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, Caderno Virtual de Turismo,
v. 16, n. 2, 2016.
SILVA, Francisca de Paula Santos da et al. Cartilha (in) formativa sobre Turismo
de Base Comunitária “O ABC do TBC”. Salvador: Eduneb, 2012.
Eledison Sampaio
Diante disso, uma outra faceta da vigilância se faz vinculada ao debate, dando
a entender que cidades informatizadas funcionam como dispositivos de conexão e
explosão dos sentidos.
Ora vemo-nos compelidos ao registro de todos os fatos, próprios e alheios,
outrora, somos retirados de nós mesmos pela força inversa daquilo que nos convida,
perpassa e ultrapassa. O local e o global embrenham-se de tal forma que a Geografia
clássica se distancia dos limites antes ensinados; outrossim, a fluidez que habita nesse
processo extrapola a rotina do relógio.
Vigiados e vigilantes de nós mesmos, percebemos no estado atual das coisas
que a vigilância “tenta fazer florescer ou evitar certos comportamentos de grupos ou
indivíduos reunindo, armazenando, processando, difundindo, avaliando e usando
informação sobre seres humanos de forma que a violência física, ideológica ou es-
trutural, potencial ou real, pode ser direcionada aos humanos de forma a influenciar
seu comportamento” (FUCHS, 2011, p. 129).
Em razão do aqui exposto, entendemos necessário pensar a vigilância por um
viés crítico, que não só observe o contexto micropolítico em que cada prática seja
manejada para fins variados, mas que atribua à vigilância uma dimensão crítica, pois,
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 811
Todos Os Olhos
Tom Zé
REFERÊNCIAS
BOGARD, William. Surveillance assemblage and lines of flight. In: Theorizing
surveillance, ed. David Lyon, 97-122. Portland, OR: Willan, 2006.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. História da violência nas prisões 41. ed.
Petrópolis: Vozes, 2013.
812 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
FUCHS, Christian. Como podemos definir vigilância? Matriz, São Paulo, Jul-
dez, 109-136.
Lembrando que na era digital/virtual e também visual, em que temos que lidar
com o excesso de informações e de imagens; construir conhecimentos e saberes am-
pliados, contextualizados, complexos, compartilhados, interativos, interconectados,
colaborativos e diversos são necessários para que desenvolvamos comportamentos de
alteridade, empatia, equidade, cuidado, inclusão e respeito à diversidade humana e
às diferentes maneiras do ser humano perceber, sentir, pensar, refletir, compreender
às distintas realidades vividas.
Atualmente, não mais necessitamos viajar para conhecer o mundo. Para co-
nhecer as diferentes realidades e expandir os conhecimentos e a visão de mundo,
você nem precisa mais sair do lugar, só precisa viajar nas informações difundidas
nas redes sociais/virtuais (Internet).
Não temos mais como escapar das redes informacionais, enquanto fonte de
busca e construção do conhecimento, só precisamos tomar os devidos cuidados
para não cair em armadilhas (a vida virtual tem suas artimanhas de manipulação e
enganação, assim como a vida real).
Para escapar das possibilidades de manipulação da nossa visão de mundo algumas
orientações são necessárias: leia diversas informações sobre o mesmo assunto; busque
a fonte; identifique, questione, e critique o contexto/o autor; verifique a data de posta-
gem; observe se a mensagem é preconceituosa e desumana (nunca repasse, neste caso);
consulte especialistas do assunto pesquisado; compreenda além do que pode ver etc.
Enfim, neste contexto não podemos nos furtar em desenvolver e ampliar a
nossa a visão do mundo pessoal e sociocultural (local e global), o que precisamos
ficar atentos é se os nossos pontos de vistas são excludentes ou inclusivos (parafra-
seando Paulo Freire). A lógica é que seja sempre construída de maneira responsável,
cuidadosa, respeitosa e humanizada.
Seguindo esse fluxo podemos ainda acrescentar que uma “visão de mundo”,
uma “cosmovisão” é o modo peculiar dos seres humanos perceberem, lerem e inter-
pretarem suas existências concretas no mundo. Querendo ou não, cada ser humano
possui uma visão de mundo condicionada às suas circunstâncias e condições de vida.
Mesmo uma criança possui sua visão das coisas que a afetam em seu existir. É claro
que não tem que ser uma “visão filosófica” ou “científica”, ou mesmo “moral”. É
apenas um estado de percepção já perpassado por uma afetividade fundamental para
se compreender que toda visão de mundo é sempre uma visão singular de mundo.
O termo “visão” é sempre correspondente à “percepção”, e o termo “mundo”
é sempre aquilo que se percebe como intencionalidade construída historicamente e
que diz respeito ao conjunto das coisas existentes no “mundo próprio”. E cada um
818 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
que se “percebe percebendo” tem o seu “mundo próprio”. E esse “mundo próprio”
reúne tudo aquilo que pode ser percebido, julgado e pensado por cada ser humano
singular, mas que também diz respeito ao que é comum a todos. Pois todos estão
no mundo, e o mundo não é só o ambiente físico, mas também o ambiente social
e o ambiente mental (espiritual). Nesse sentido, todo ser humano já carrega uma
determinada visão de mundo e pode também querer criar novas visões de mundo,
através de sua própria criação humana.
Wilhelm Dilthey (1833-1911) em sua famosa obra “Teoria de la Concepcion
del Mundo” (1945), considera a antinomia entre a pretensão de validade univer-
sal de toda a concepção científica da vida e do mundo e a consciência histórica.
Com isso enfatiza a fundamental diferença entre o comportamento humano e as
generalizações objetivas de uma Ciência da Natureza pretensamente absoluta que
opera com números e cálculos e não com emoções e valores que são próprios da
vida espiritual humana. Neste sentido, há uma radical diferença entre a concretude
da experiência humana histórica e a abstração produzida hoje pela religião dos
dados e números que a tudo reduzem a quantidades e combinações que formam
pacotes de dispositivos de manipulação no campo das virtualidades e suas apli-
cações especulativas.
A importância de trazer à cena um filósofo alemão do sec. XIX é justamente
o abismo que existe entre uma concepção consciente da história atual do mundo da
vida e toda espécie de metafísica envolvida com concepções científicas do mundo
que insistem em negar a inquietante presença das subjetividades humanas fora dos
controles biológicos, biopolíticos e disciplinares. As formas humanas de vida são
100% naturais e 100% culturais. E esta afirmação vem do pensamento de Edgar
Morin, ao considerar a complexidade como aquilo que se tece conjuntamente. Elas
se multiplicaram na mesma intensidade da heterogênese do mundo biológico e
são tantas e tão variadas que por preguiça a razão monológica moderna preferiu
ignorar. Como alguém que insiste em ignorar a tempestade que se anuncia imagi-
nando que uma força objetiva vai resolver o problema. A tempestade chega e ele é
levado junto com ela, para sempre: desaparece na multidão dos ventos e das águas.
Isso aponta para o fato de que todo ser humano partilha de visões de mundo
que são as percepções de sua vida concreta a partir dos dispositivos cognitivos e
afetivos de suas circunstâncias e lócus vital. Essa visão de mundo pode ser ingênua,
dogmática e interrogante. Cada ser humano tem em algum nível visões ingênuas,
dogmáticas e interrogantes, com variações de intensidade e foco de pessoa para
pessoa. De modo geral, as visões ingênuas são persistentes além da vida infantil e
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 819
de seus valores e costumes, artefatos e engenhocas que estendem a sua ação sobre as
coisas externas e que existem independentes.
De qualquer modo, ninguém escapa de ter uma visão de mundo, de produ-
zir/reproduzir sua cultura, aquilo que vê, o que ouve, toca, degusta, cheira, e isso
mesmo inconscientemente, pois o ser humano enquanto vive produz e reproduz
permanentemente sua conexão com o mundo da vida, o que ocorre de modo similar
em todo organismo ou sistema vivo. Neste sentido, os seres vivos não humanos são
dotados de percepção imagética do mundo, que se traduz em processos cognitivos
próprios e automáticos, mas nenhum deles tem algo como “visão de mundo”. Um
cão, um gato, uma árvore, um jacaré não têm “visão de mundo”, mas contato e
relação sensível. Qualquer ser vivo reagirá automaticamente a qualquer movimento
em seu meio vital imediato, mas não produzirá uma “visão de mundo” simplesmente
porque o seu mundo não tem linguagem e sim comunicação direta de estímulos
sensíveis, seu mundo não tem a linguagem ao modo dos falantes humanos: é uma
linguagem sem tradução, sem pensamentos percebidos como pensamentos. É um
outro mundo aquele das árvores e das montanhas, dos seres vivos em suas variações
intermináveis: nenhum deles precisa de uma visão de mundo ou de qualquer justi-
ficativo racional para continuarem existindo. São expressões da potência criadora
espalhadas em toda parte e também ausente de toda parte na sua condição de um
todo. E o todo é sempre uma maneira de perceber de alguém que percebe que percebe
de um metaponto de vista e suas circunstâncias históricas. Uma visão de mundo se
faz presente em cada ato humano em suas circunstâncias, seja uma visão local ou
mesmo global. Entretanto, uma suposta visão de mundo inspirada e formada no
contexto histórico da modernidade e da contemporaneidade se apresenta esvaziada
de sua racionalidade calculadora e previsível, o que vai de encontro à aspiração de
uma visão de mundo como acréscimo de potência e de vida abundante, de igual-
dade ontológica e fraternidade mundial, assim floresce a liberdade de uma visão de
mundo que não teme ler e acolher o inesperado. Tudo na pulsão do espanto em sua
intensidade aberta ao acontecimento instante.
Ter uma visão de mundo própria e apropriada é o sinal de que se deseja uma
plenitude vivente para todos, pelo menos como campo aberto para todas as possi-
bilidades benfazejas e criadoras de mundos poéticos intermináveis e sempre surpre-
endentes e novos, curadores incansáveis de suas crias para que sigam seu próprio
devir na transformatividade incontornável de tudo o que vive.
822 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
DILTHEY, Wilhelm. Teoria de la Concepcion del Mundo. México: Fondo de
Cultura Economica, 1945.
Nossa limitada capacidade humana de perceber a realidade faz com que en-
xerguemos apenas alguns ângulos por vez de qualquer objeto de estudo, e por isso
somos forçados, por diversas vezes, a reavaliarmos nossas opiniões e conceitos o tempo
todo. Surge sempre a necessidade de aprender a ver, unindo nossas descobertas e
saberes com os de outrem, e continuarmos revendo esse processo de construção do
conhecimento, de maneira espiralar em uma busca por revisão e ampliação contínua
das nossas “verdades”.
A expressão visão e visualidade poliperspectivada, antes denominada de multifa-
cetada Góes (2016), surgiu quando estava pesquisando as diversas possibilidades dos
processos de aprender a ver, a partir da compreensão da dos processos de formação
das identidades/diferenças e também do comportamento de alteridade dos educandos.
A partir da complexidade do ato de aprender a ver, o desenvolvimento da visão/
visualidade dos seres humanos de maneira poliperspectivada, busca a percepção da
complexidade da realidade, ao permitir que os seres humanos percebam e compre-
endam que as diferentes visões de mundo e os diversos pontos de vistas estão (inter)
relacionadas, contribuindo para a transformação da realidade vivenciada no campo
do simbólico, crítico e criativo.
Para compreender este verbete é preciso destacar etimologicamente e con-
ceitualmente as três palavras que as compõem. A palavra “visão”, vem do latim
“visio — onis” ou “visionem” que significa ato ou efeito de ver; o sentido da vista;
percepção das possibilidades e dos significados de cada coisa; percepção pelo órgão
da vista. Já a palavra “visualidade” vem também do latim “visualitas -atis” Que
significa qualidade do que é visual.
Partindo do pressuposto de que a visualidade é um patamar mais avançado no
aspecto cultural no processo de aprender a ver, em relação à visão, que é um aspecto
fisiobiológico, Romanelli (2010) ratifica que a visualidade pode ser definida como
parte de uma linguagem (artística) visual, que envolve a apropriação de conhecimen-
tos relativos aos elementos estéticos visuais que desenvolve a visão e outras formas
perceptivas de visualizar as coisas do cotidiano.
Já a palavra “poliperspectivada” é uma derivação da palavra “perspectiva”, que
surgiu do latim “perspectiva”, que significa representação das coisas tais como as
824 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
REFERÊNCIAS
ARDOINO, Jacques; BERGER, Guy. Educação e Pluralidade. (Org.) Jamerson
Rocha e Sérgio Borba. Brasília: Plano, 2003.
WEIL, Pierre. A arte de viver em paz; por uma nova consciência, por uma
nova Educação. São Paulo: Editora Gente, 1993.
92. Visibilidade Cultur al
Anselmo José da Gama Santos
Maria Inês Corrêa Marques
tantes naturais do chamado novo mundo. Estes povos foram os primeiros africanos
que aqui desembarcaram e interagiram com as diferentes culturas locais e entre si.
O europeu, do seu lugar hegemônico, inegavelmente, participou da miscige-
nação cultural de saberes e práticas. Como colonizador, fez parecer que não houve
rupturas, só permanências, aos indígenas e africanos construiu uma história de
submissão. Tratar de visibilidade cultural significa, reconhecer o protagonismo dos
negros e especial os de origem Bantu. Elas permanecem preservadas e espalhadas
em todos os lugares da cultura. As contribuições culturais e de conhecimento dos
Bantu, foram efetivas e marcantes na construção étnica e cultural, da língua falada
pelo povo brasileiro.
Um desdobramento deste encontro étnico, que deixa evidente a singularidade
desse fenômeno no Brasil, encontra-se na língua portuguesa aqui falada, que é dife-
rente, em relação a Portugal e outros países de língua oficial portuguesa. O português
do Brasil possui inúmeras palavras africanas introduzidas em nosso vocabulário
que o diferencia. Podemos exemplificar isto a partir da palavra que designa o irmão
mais novo, no Brasil é chamado de caçula, de origem Bantu, em Portugal o termo
é benjamim. A palavra está incorporada ao universo vocabular brasileiro, mas os
falantes não reconhecem a origem, nega-se ao brasileiro este conhecimento de que
não falamos um português castiço, o nosso é formado por um misto de culturas e
conhecimentos, que absorvemos de um vasto repertório afro Bantu. Ao reconhecer
essa outra versão da história, que não oculta os demais povos, que coloca os negros
Bantu no lugar de instituintes de uma cultura, que é absolutamente miscigenada, a
narrativa história se amplia, fazendo justiça aos demais povos que a configuraram.
Da relação direta com os espaços senhoriais, o vocabulário Bantu penetrou em
salas e salões e foi incorporado ao vocabulário português, ganhando uma configura-
ção brasileira. Apesar da inviabilidade deste fenômeno e do valor desta contribuição
para a construção da nação, é impossível negar que a nossa cultura está repleta do
conhecimento Bantu. Na música, o Samba, é palavra de origem Bantu, que reúne
ritmo e dança que se consolidaram como algo original da terra, dando visibilidade ao
Brasil no mundo, a partir dele. Do mesmo modo que a Capoeira, ganhou o mundo
como original deste lugar, surgindo como necessidade de um sistema defesa que
os conhecimentos ancestrais africanos ajudaram a florescer. Existem infinidades de
diferentes expressões coletivas como a Congada, o Maracatu, o Maculelê, o Jongo,
todas revelando os modos brasileiros de socialização da cultura.
Se nos voltamos para outros setores da sociedade ou da economia, também
encontraremos contribuições negadas, esquecidas ou não reconhecidas. Na agricul-
832 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
cultural para construir outra narrativa histórica, com protagonistas que fizeram
a diferença, porém, precisamos tirar o véu da versão oficial, reaprender a ver para
revelar aos novos.
REFERÊNCIAS
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes. Formação do Brasil no
Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia das Letras. 2000.
Alessandro Malpasso
Dante Augusto Galeffi
INTRODUÇÃO
Em várias áreas do planeta se desenvolvem inúmeros acontecimentos que são
o produto da sabedoria vivida e transmitida por procedimentos rituais e que fazem
838 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
1
Templo onde se cultuam os Orixás.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 839
Rita Amaral (2002) desvela a importância do Xirê nos Candomblés, assim como
o valor simbólico e ancestral que representa para o povo-de-santo2, que preserva a
tradição religiosa segundo a cosmovisão africana. O Candomblé não é simplesmente
uma religião, é também uma forma para criar uma coesão social, procurando educar
com valores relacionados com a ética e a estética. Assim, a cultura do Candomblé
é um estilo de vida com suas regras conectadas com as dinâmicas de cada terreiro,
que tem o próprio líder (Babalorixá3 ou Iyalorixá4).
Eles, pela importância da figura que representam, têm inúmeras responsabili-
dades e tarefas a desenvolver ao interno da comunidade. Por exemplo, umas delas é a
organização dos rituais e as festas vinculadas com as raízes mitológicas e proporcionar
consultas oraculares. Em relação aos cargos e a estrutura da comunidade, Turner
(1974) considera o seguinte:
A distinção entre estrutura e “communitas” não é apenas a distinção familiar
entre “mundano” e “sagrado”, ou a existente por exemplo entre política e
religião. Certos cargos fixos nas sociedades tribais têm muitos atributos sa-
grados; na realidade toda posição social tem algumas características sagradas.
Porém este componente “sagrado” é adquirido pelos beneficiários das posições
durante os “rites de passage”, graças aos quais mudam de posição. Algo da
sacralidade da transitória humildade e ausência de modelo toma a dianteira
e modera o orgulho do indivíduo incumbido de urna posição ou cargo mais
alto (TURNER, 1974, p.119).
2
Forma popular para denominar os adeptos do Candomblé.
3
Sacerdote das religiões afro-brasileiras.
4
Sacerdotisa das religiões afro-brasileiras.
5
Oferendas votivas destinadas aos Orixás.
840 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
dezesseis. Eles são “jogados” pelo Babalorixá ou Iyalorixá, para poder orientar o
consulente, em assuntos vinculados com diferentes problemas, como, por exemplo,
de saúde, finanças e legais, entre outros. Outra forma, que é uma das mais impor-
tantes dentro da religião, é louvar os Orixás durante Xirê. Segundo Smith (2005)
os Xirês têm vários significados. Se executam em várias datas e horários, segundo o
que o líder da comunidade estabelece em cada terreiro:
Podem ocorrer no início da manhã e no meio da tarde, em preparação para
as grandes celebrações anuais que acontecem à noite, começando às 7:30
ou 8:00. Estas galas são popularmente conhecidas como festas ou Xirês. [...]
O último termo é derivado do Yorubá ṣire contraído de ṣe ire, que significa
fazer, agir, causar bondade, bênçãos, favores, benefícios (SMITH, 2005, p.45,
tradução dos autores).
Figura 1
Figura 2
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 843
Figura 3 Figura 4
Figuras 1, 2, 3 e 4: Elaboração fotográfica durante o Xirê no Ilè Asé Ijino Ilu Orossi
Fonte: elaboração de MALPASSO, 2017
7
Espaço incluído no terreiro, dedicado a rituais e festas.
844 TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
de novos cultos totêmicos. Também o autor afirma que é o sagrado que proporciona
maior importância a esses objetos religiosos, outorgando credibilidade a ser promo-
vidos e difundidos. Ainda Durkheim (1982) a continuação, descreve o sentido das
divindades nas religiões considerando o seguinte:
No momento que as religiões precisam se formar ulteriormente, aparecem
os deuses propriamente dito, cada um deles será o dono de uma categoria
especial de fenômenos naturais, o do mar, o da atmosfera, aquele do grão o
das frutas, etc., e se considera que cada um destes componentes da natureza
obteve a vida que em eles moura o deus do que dependem. Precisamente é
este reparto da natureza entre as diferentes divindades o constitutivo da re-
presentação que nos proporcionam sobre o universo (DURKHEIM, 1982,
p. 143, tradução dos autores).
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Macromolécula que ajuda o ADN nas funções de transmissão de genes e de sintetizar proteínas.
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uma ulterior reflexão, na hipótese de que o DNA possa influir na criatividade humana
proporcionando originalidade nas formas de se expressar. Relembrando os princípios
da evolução da teoria darwinista, que Chaitin et al. (2014) consideram a continuação:
— O desenho sem desenhador- […] as mutações aleatórias do DNA geram
novos organismos; depois, a seleção natural se encarga de filtrar os mais aptos.
A criatividade procede das mutações. O entorno escolhe os melhores desenhos
e elimina os piores” (CHAITIN et al. 2014, p. 76, tradução dos autores).
VARIÁVEIS
MEMÓRIA/RAÍZES CONSTITUIÇÃO DA
DESENVOLVIMENTO
[…] quase tudo o que vemos em nossa vida quotidiana são extensões do
pensamento. A natureza pode se considerar como aquilo que adopta forma
por se mesma, enquanto a atividade humana conduz a criação de artefatos,
modelados pela participação humana no processo natural, ordenado a
guiado pelo pensamento. O verdadeiro papel essencial do pensamento a
determinar não só a estrutura do entorno criado pelo ser humano, também
inclusive a estabilidade geral (ou instabilidade) de sua sociedade, que pode
se comparar perfeitamente com o DNA dos organismos vivos (BOHM,
2002, p. 112, tradução dos autores).
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Holotrópico deriva dos termos gregos “holos” (mover-se) e “trepein” (em direção da totalidade). A
respiração holotrópica permite atingir estados alterados de consciência, sem o auxílio de nenhuma
substância psicotrópica.
TRANSCICLOPÉDIA EM DIFUSÃO DO CONHECIMENTO 855
Se considera que o humano e outras espécies criadas pela natureza são o produto
de vários acontecimentos vinculados com processos de transculturação e de transfor-
mações biofísicas, ou seja, onde contribuem as regras da natureza que dão origem a
uma diversidade e complexidade que se obtém gradualmente com o passar dos séculos.
Algumas transformações não são ditadas só pelas leis da natureza que se desenvolvem
mediante uma auto-organização. Em várias ocasiões é o ser humano que contribui, às
vezes desafiando a natureza de forma inconsciente, sem levar em conta as consequências,
com o resultado de prejudicar o ecossistema incluindo a mesma espécie.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, se incluiu o diálogo de vários teóricos pertencentes a distintos
campos do conhecimento e que tem uma ideologia que consideramos se amolda
a nosso objeto de estudo, abordando um panorama vinculado com as culturas.
Enfatizou-se o Xirê, a través de uma visão estética, observando as expressões do
corpo e o componente criativo pertencente ao humano e a natureza. Tudo o que se
afirmou anteriormente, está relacionado com memória e ancestralidade, que está
incorporada no desenvolvimento das culturas deste planeta, que se evolucionam
em um dinamismo perpetuo e variável. Em qualquer caso a natureza demostra ser
fundamental e protagonista, inspirando ao humano durante a criação de artefatos
e as expressões corporais que se traduzem em performance. Se incluiu igualmente o
componente biológico e psicológico que contribui para essas variáveis da criativida-
de do homem e da natureza que se manifestam, com o desenvolvimento de certos
rituais que incorporam música, cantigas e danças, como também o arquétipo que faz
parte do inconsciente do humano e que traz essa essência ancestral, possibilitando
o desenvolvimento de atividades holísticas terapêuticas. Assim que, a pretensão é
estimular a uma visão mais ampla dirigida a compreensão e a coesão dos conhe-
cimentos das culturas e da criatividade do humano, resgatando assim os saberes
ancestrais e as práticas holísticas.
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REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Anderson Leon de Araújo e Dupret, Leila. Entre Atabaques, Sambas
e Orixás. Revista Brasileira de Estudos da Canção. Natal, v.1, n.1, jan-jun,
2012.
REFERÊNCIAS
CORRÊA, E. C. D. A apropriação da Internet pelo bibliotecário catarinense: o
retrato de uma década, Campinas, 2012