Identificação Dos Fatores de Risco em Crianças Com Alteração Fonoaudiológica

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Artigo Original Identificação dos fatores de risco em crianças com

Original Article alteração fonoaudiológica: estudo piloto

Gabriela Martins Duarte Silva1 Risk factors identification in children


Maria Inês Vieira Couto1
Daniela Regina Molini-Avejonas1 with speech disorders: pilot study

Descritores RESUMO

Fatores de risco Objetivo: Identificar os principais fatores de risco relacionados à criança e seus pais associados às alterações
Atenção primária à saúde fonoaudiológicas. Métodos: Trata-se de um estudo descritivo e prospectivo realizado com 170 crianças e seus
Linguagem infantil respectivos pais atendidas em uma clínica-escola no período de março de 2010 a julho de 2012. Utilizou-se o
Fonoaudiologia Protocolo para identificação de fatores de risco para a alteração de linguagem e fala, desenvolvido para este
Criança estudo. Os dados foram tabulados e submetidos à análise descritiva e inferencial por meio do χ2 e Teste t de
Student. Resultados: O perfil sociodemográfico é de crianças do gênero masculino, com quatro e cinco anos
de idade, da raça declarada branca, moradores da região Oeste da cidade de São Paulo e cujos pais tinham
ensino médio completo. Os fatores relacionados à família considerados de risco para a alteração de linguagem
foram ser filho único e ter antecedentes familiares. Quanto à saúde da criança, a prematuridade, internações por
longo período e presença de hábitos orais deletérios também foram considerados fatores de risco. Conclusão:
O protocolo permite estabelecer os principais fatores de risco fonoaudiológicos em crianças. Sugere-se que as
crianças que apresentam um ou mais fatores de risco citados acima devam ser acompanhadas periodicamente
quanto ao desenvolvimento da fala e linguagem e, se necessário, encaminhadas para intervenção precoce.

Keywords ABSTRACT

Risk factors Purpose: To identify the main risk factors related to children and their parents, associated with speech and
Primary health care language disorders. Methods: A prospective descriptive study conducted with 170 children and their parents
Child language assisted at a school clinic in the period between March 2010 and July 2012. A protocol was developed for this
Speech, language and hearing sciences study in order to identify risk factors for language and speech disorders. Data were tabulated and analyzed
Child using descriptive and inferential statistics by the χ2 and Student´s t-test. Results: The demographic profile
is composed of male children aged between 4 and 5 years old, ethnicity declared by parents as being white,
residents of the western region of the city of São Paulo, and whose parents had completed high school. The
factors related to family and considered as risks for language impairment were being an only child and having
a family history of speech and language disorders. As for the children’s health, prematurity, hospitalization for
a long period, and the presence of deleterious oral habits were also considered as risk factors. Conclusion: The
protocol allows establishing the main risk factors related to children with speech and language disorders. It is
suggested that children who present with one or more of the aforementioned risk factors should be regularly
monitored for speech and language development and, if necessary, referred for early intervention.

Endereço para correspondência: Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária à Saúde do
Daniela Regina Molini-Avejonas Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade
R. Cipotânia, 51, Cidade Universitária, de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil.
Butantã, São Paulo (SP), Brasil, (1) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil.
CEP: 05360-160. Fonte de financiamento: FAPESP 2011/00691-8.
E-mail: [email protected] Conflito de interesses: nada a declarar.

Recebido em: 29/05/2013

Aceito em: 25/08/2013

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INTRODUÇÃO e fala (PIFRAL). O protocolo foi desenvolvido pelos autores


do presente artigo para esta pesquisa especificamente, com
A Fonoaudiologia compreende ações individuais e coletivas base em estudos anteriores sobre os fatores de risco para a
que visam à promoção, proteção e recuperação da saúde da comunicação(2,10,11).
população nos aspectos da linguagem, voz, audição e motrici- O PIFRAL é um formulário com 29 itens direcionados
dade oral. As ações preventivas fornecem suporte, sobretudo, aos pais/responsáveis (Quadro 1) e compreende questões so-
para a gerência de projetos e programas e para a sua inserção ciodemográficas (idade, gênero, raça declarada e escolaridade
na gestão de serviços de saúde(1). da criança; idade, escolaridade e profissão dos pais; local da
O conhecimento da prevalência, da incidência e dos fa- residência), sobre a família (número de irmãos, ordem de
tores de risco em crianças com menos de seis anos de idade nascimento, gemelaridade, tempo que passam com os filhos,
com alterações na aquisição e desenvolvimento de linguagem língua utilizada em casa), informações sobre os períodos pré,
diminuirá o impacto na sua vida acadêmica e também nas peri e pós-natal e temperamento da criança.
relações sociais(2). Na rotina do atendimento clínico do Laboratório de
Vários estudos descrevem a prevalência e incidência das Investigação Fonoaudiológica em Atenção Primária à Saúde,
alterações de linguagem em crianças(3,4). Contudo, poucos são solicitou-se que os pais/responsáveis das crianças atendidas na
os que indicam os fatores de risco para estas alterações. Fatores triagem respondessem ao formulário PIFRAL individualmente.
de risco são aspectos do comportamento individual ou do estilo
de vida, exposição ambiental, características hereditárias ou
congênitas associados a uma condição relacionada à saúde(5,6). Quadro 1. Protocolo de fatores de risco para alteração fonoaudiológica
Estudos evidenciam que variáveis raciais e socioeconômicas Protocolo de fatores de risco
são predisponentes às desordens da comunicação(7-9). Nome: Número:
Não foram localizadas referências nacionais sobre os 1. Idade:
fatores de risco para as diversas alterações fonoaudiológicas. 2. Gênero:
Neste contexto, fica evidente a necessidade de estudos que os 3. Raça:
identifiquem em crianças com diferentes tipos de alteração 4. Queixa fonoaudiológica:
fonoaudiológica, para que a elaboração de ações vinculadas a 5. Idade de aparecimento da queixa fonoaudiológica:
políticas públicas de saúde possam ser baseadas em evidências. 6. Existem casos de familiares com a mesma dificuldade ou outras
O objetivo deste estudo é identificar os principais fatores de alterações auditivas ou comunicativas? Quais?
risco relacionados à criança e seus pais associados às alterações 7. Escolaridade da criança:
fonoaudiológicas. 8. Escolaridade dos pais:
9. Profissão dos pais:
MÉTODOS 10. Número de irmãos e idade deles:
11. Ordem de nascimento:
Trata-se de uma pesquisa do tipo descritivo e pros- 12. Gemelaridade:
pectivo, desenvolvida com todas as crianças atendidas na 13. Idade dos pais:
Clínica de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, 14. Idade materna ao nascimento:
Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de 15. Língua materna e língua falada em casa:
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) no período 16. Tempo que os pais passam com os filhos:
de março de 2010 a julho de 2012. 17. Temperamento da criança:
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa 18. Bairro onde reside:
da FMUSP, processo nº 057/11, e todos os pais/responsáveis 19. Status socioeconômico:
pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e 20. A mãe apresentou intercorrências pré-natais?
Esclarecido. 21. A mãe utilizou drogas, medicamentos, álcool ou fumo durante a
gravidez?
Sujeitos 22. A criança nasceu prematura e/ou com baixo peso?
23. A nota do APGAR foi menor que 4 no primeiro minuto e menor
Participaram do estudo 170 crianças e seus respectivos pais/ que 6 aos cinco minutos de vida?
responsáveis, que procuraram atendimento fonoaudiológico na 24. A criança precisou ficar internada?
referida clínica-escola. 25. Quais as condições de saúde da criança? Apresenta alguma
Os critérios para inclusão foram: faixa etária até cinco anos doença diagnosticada?
de idade e queixa nas áreas de audição, voz, fala, linguagem e 26. Já fez teste auditivo? Apresenta dificuldade para ouvir?
sistema miofuncional orofacial. 27. A criança apresenta dificuldades para se alimentar ou problemas
motores faciais?
Material e procedimentos 28. A criança apresenta ou apresentou hábitos orais? Por quanto
tempo?
Na triagem fonoaudiológica, utilizou-se o Protocolo para 29. A criança já presenciou ou sofreu algum tipo de violência (assalto,
identificação de fatores de risco para a alteração de linguagem brigas, desaparecimento de familiares, abuso, negligência, etc.)?

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Análise dos dados A maioria das crianças participantes do estudo frequenta-


va escola (76,5%), e a maioria das mães (56,5%) e dos pais
Os dados coletados eram de natureza quantitativa e qualita- (46,5%) tinha entre 28 e 38 anos, sendo os homens significati-
tiva. Mais especificamente, as variáveis referentes aos aspectos vamente (p<0,001) mais velhos que as mulheres.
educacionais foram categorizadas como “até ensino médio A média de idade das mães ao nascimento das crianças
incompleto” e “a partir de ensino médio completo”; as variáveis era 29 anos (mínima de 18 anos; máxima de 44 anos; moda de
de nível socioeconômico foram subdivididas de acordo com a 33). A maioria delas (85,5%) e dos pais (82,4%) tinha ensino
Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa(12); as de classifi- médio completo, e a distribuição da escolaridade não diferiu
cação ocupacional levaram em conta a Classificação Brasileira de entre as mães e os pais (p=0,453).
Ocupações(13); e as que dizem respeito ao temperamento da criança Houve porcentagem maior de mães (38,8%) na categoria
foram categorizadas segundo Klein e Linhares(14). “não trabalha”, com apenas 3,0% dos pais na mesma situação.
Os dados foram tabulados e submetidos à análise descri- As categorias foram reagrupadas para que a análise estatística
tiva e inferencial por meio do χ2 para descrever as possíveis pudesse ser realizada. A posição 1 (englobou as categorias de
variações do grupo estudado, segundo as variáveis estipuladas. 0 a 2, incluindo membros das forças armadas, do poder público
Também foi realizado o Teste t de Student para verificação da e profissionais de Ciências e Artes); Posição 2 (categorias 3
significância estatística entre as variáveis estudadas. a 5, incluindo técnicos de nível médio, trabalhadores de ser-
viços administrativos e vendedores do comércio); Posição 3
RESULTADOS (categorias 6 a 9, contemplando trabalhadores agropecuários,
de serviços industriais e reparação/manutenção); e a posição
O tempo médio entre a percepção do problema e a realização “não trabalha” englobou pais desempregados, aposentados e
da triagem fonoaudiológica foi 16 meses, sendo que o apare- trabalhadores do lar (Tabela 2).
cimento da queixa ocorreu em média aos 33 meses de vida. Com relação à questão geográfica, 61,2% dos sujeitos resi-
diam na cidade de São Paulo, sendo que destes 67,3% moravam
Perfil sociodemográfico dos participantes na região Oeste. Dentre os que não moravam na capital paulista,
40,9% eram provenientes de Osasco.
Houve predomínio de crianças entre quatro e cinco anos
(30,0%), do gênero masculino (69,4%) e de raça declarada Fatores relacionados à família
branca pelos pais (63,5%) (Tabela 1). O grau de parentesco
predominante do informante foi a mãe (90,0%) e o nível so- Dos 170 sujeitos, 87 (51,2%) eram filhos únicos. Dos 83
cioeconômico dominante B1 (R$ 4.558,00 a 8.098,00) e B2 que tinham irmãos, a maioria (31,76%) era filho mais novo.
(R$ 2.327,00 a 4.557,00) (24,1% cada). Verificou-se ainda que 4,1% eram gêmeos.
A maioria dos pais (48,2%) passava entre quatro e oito horas
Tabela 1. Caracterização das 170 crianças que participaram do estudo por dia com as crianças, e a maioria das famílias (98,2%) era
Informação demográfica Classificação Frequência % falante do Português Brasileiro.
0–12 meses 1 0,6
1–2 anos 12 7,1 Fatores relacionados à saúde da criança
Faixa etária 2–3 anos 26 15,3
3–4 anos 47 27,6 A frequência de fatores de risco nesta população foi or-
4–5 anos 84 49,4 ganizada de acordo com o período de ocorrência: pré, peri ou
Masculino 118 69,4 pós-natal referente a fatores isolados e associados. Foi aplicado
Gênero
Feminino 52 30,6 o Teste t de Student que demonstrou diferença estatisticamente
Branca 108 63,5 significativa entre as variáveis estudadas (Tabela 3).
Amarela 3 1,8
Raça
Parda 37 21,8 Tabela 2. Caracterização da ocupação dos pais
Negra 22 12,9
Posição Frequência % χ2 GL Valor de p
Mãe 153 90,0
1 22 12,9
Grau de parentesco do Pai 11 6,5
informante com a criança Avó 5 2,9 2 66 38,8
Tia 1 0,6 Mãe
3 16 9,4
A1 4 2,4
Não trabalha 66 38,8
A2 9 5,3
71,571 3 <0,001*
B1 41 24,1 1 26 15,9
B2 41 24,1 2 84 51,2
Nível socioeconômico*
C1 29 17,1 Pai
3 49 29,9
C2 39 22,9
D 7 4,1 Não trabalha 5 3,0
E 4 2,4 *Resultados significantes (p<0,05) – χ2
*De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Legenda: GL = graus de liberdade

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No período pré-natal, 31,2% das crianças não apresentaram Os temperamentos afetivo e tímido tiveram a maior fre-
fatores de risco. Os predominantes foram a presença de ante- quência 69,4% e 27,6% respectivamente; seguidos de: difícil
cedentes familiares e intercorrências durante a gestação, sendo (18,8%), agressivo (12,9%) e medroso (11,2%).
que cada um deles teve 38,2% de ocorrência. Em percentual
menor, houve uso de drogas, medicamentos, álcool ou fumo Associação entre as hipóteses
durante a gravidez (24,7%). As intercorrências (p<0,001) e diagnósticas e as variáveis do estudo
os Antecedentes familiares (p<0,001) são significativos para
esta população. No intuito de traçar uma associação entre a hipótese diag-
No período perinatal, 75,9% das crianças não apresentaram nóstica e as demais varáveis do estudo, foram excluídos da
fatores de risco. O fator prematuridade é significativo (p<0,001) amostra, apenas para esta análise, os sujeitos que apresentaram
em relação aos outros fatores: baixo peso ao nascimento e duas ou mais hipóteses diagnósticas. Portanto, no cruzamento
APGAR abaixo de 4 no 1° minuto e abaixo de 6 no 5° minuto de hipótese diagnóstica e demais variáveis, o número de sujeitos
para este grupo. é de 125. A variável Hipótese Diagnóstica foi categorizada
No período pós-natal, 81,2 % das crianças apresentaram como: Alteração de linguagem característica do espectro do au-
fatores de risco, sendo que este período é o que concentra a tismo (ALCEA); Alteração de aquisição e/ou desenvolvimento
maior ocorrência de fatores de risco. Os hábitos orais deletérios de linguagem receptiva e/ou expressiva (ALADRE); Transtorno
foram significativos (p<0,001) em relação a todos os outros fonológico (TF); Alteração do sistema miofuncional orofacial
fatores do mesmo período: internações, alteração ou síndrome (ASMO); Alteração de linguagem característica de síndrome
genética, patologia neurológica e psiquiátrica, doença crôni- ou comprometimento neurológico (ALCSN) e Alteração de
ca e exposição a algum tipo de violência. Ainda no período voz (AV). Todos os diagnósticos foram obtidos após avaliação
pós-natal, analisando o segundo item com maior ocorrência, fonoaudiológica completa e quando necessário, realizado em
internações por longos períodos, observamos diferença signi- equipe multidisciplinar (geneticista, neurologista, psiquiatra e
ficativa (p<0,001) em relação aos outros menos ocorrentes no etc.) Houve predomínio do gênero masculino em todas estas
mesmo período. categorias, confirmado estatisticamente (Tabela 4).
É interessante notar que nos três períodos o fator de risco Devido à distribuição irregular das hipóteses diagnósticas
isolado aparece com maior frequência quando comparado com nas diferentes categorias (temperamento, idade, escolaridade
os fatores de risco associados. e profissão dos pais, ordem de nascimento dos filhos, língua

Tabela 3. Informações sobre os fatores de risco nos períodos pré, peri e pós-natal das 170 crianças
Não Sim Não soube informar
Período Fatores de risco Valor de p
Frequência % Frequência % Frequência %
Antecedentes familiares
104 61,2 65* 38,2 1 0,6
(alteração de linguagem)
Pré natal Uso de drogas, medicamentos, álcool ou
128 75,3 42 24,7 0 0,0 <0,001*
fumo durante a gravidez
Intercorrências 105 61,8 65* 38,2 0 0,0
Prematuridade 136 80,0 34* 20,0 0 0,0
Baixo peso ao nascimento 153 90,0 17 10,0 0 0,0
Peri natal
APGAR abaixo de 4 no 1° minuto e
166 97,6 4 2,4 0 0,0 <0,001*
abaixo de 6 no 5° minuto
Internações 108 63,5 62* 36,5 0 0,0
Alteração ou síndrome genética 149 87,6 21 12,4 0 0,0
Patologia neurológica ou psiquiátrica 136 80,0 34 20,0 0 0,0 <0,001*
Pós natal
Doença crônica 139 81,8 31 18,2 0 0,0
Exposição a algum tipo de violência 139 81,8 30 17,6 1 0,6
Hábitos Orais Deletérios 84 49,4 86* 50,6 0 0,0
*Resultados significativos (p<0,05) – Teste t de Student

Tabela 4. Associação entre a hipótese diagnóstica e o gênero


ALCEA ALADRE TF ASMO ALSN AV Total χ2 GL Valor de p
Masculino 28 17 26 9 6 6 92
Gênero
Feminino 5 6 7 2 8 5 33 11,855 5 0,037*
Total 33 23 33 11 14 11 125
*Diferença estatística (p<0,05) – χ2
Legenda: ALCEA = alteração de linguagem com característica do espectro do autismo; ALADRE = alteração de aquisição e/ou desenvolvimento de linguagem receptiva
e/ou expressiva; TF = transtorno fonológico; ASMO = alteração do sistema miofuncional orofacial; ALSN = alteração de linguagem em criança com síndrome ou com
comprometimento neurológico; AV = alteração de voz; GL = graus de liberdade

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falada, local de residência e fatores pré, peri e pós-natais), não ainda necessários estudos mais aprofundados sobre as relações
foi possível aplicar o teste estatístico para concluir se houve ou entre variáveis individuas e ambientais(14). Em relação à timi-
não associação entre estas variáveis e cada uma das hipóteses dez, pode-se inferir ser reflexo da alteração fonoaudiológica
diagnósticas, da mesma forma que realizado com as alterações ou uma barreira para novas experiências, aspecto de extrema
fonoaudiológicas como um todo e descrito acima. importância para o bom desenvolvimento infantil.
Observou-se maior ocorrência de filhos únicos (51,2%),
DISCUSSÃO seguidos por filhos mais novos (31,8%), o que indica que a
ordem de nascimento pode influenciar no desenvolvimento da
O estudo teve por objetivo identificar os principais fatores fala e linguagem(19). Algumas pesquisas indicaram limitações
de risco relacionados à criança e seus pais associados às alte- em habilidades sociais, maior incidência de comportamentos
rações fonoaudiológicas. problemáticos e intervenções terapêuticas na infância de filhos
Noventa por cento dos informantes era a mãe da criança únicos. Por outro lado, estes aspectos já foram atribuídos à
(Tabela 1), das quais grande parte (38,8%) é trabalhadora do lar monitoração excessiva e à superproteção parental. O filho único
(Tabela 2), convivendo com a criança mais que 4 horas por dia, é tanto o alvo das elevadas expectativas parentais, geralmente
tendo assim maior disponibilidade para acompanhar a criança reservadas para os primogênitos, quanto recebe favores e cui-
nas consultas. Entretanto, este fato não garante a qualidade do dados típicos para um filho caçula(6).
tempo gasto em situações de interação mãe-criança. A maioria Em relação aos caçulas, uma hipótese a ser considerada é a
das mulheres não relatou momentos de brincadeiras com os divisão do tempo de atenção que a mãe dispensa entre os filhos
filhos ou contação de histórias, por exemplo. O tempo é gasto após o nascimento de uma nova criança: ela não conta com a
com cuidados físicos: alimentação, higiene e transporte. mesma disposição e tempo considerando o momento em que
Realizou-se levantamento das informações referentes aos pais tinha um número menor de filhos. Outro fato a ser levantado
das participantes, visto que estudos apontam a relevância dos é que os pais têm tendência a infantilizar o caçula por um
fatores relacionados a eles para o desenvolvimento(4,15). Sabe-se período de tempo maior, o que faz com que o “manhês” acabe
que quanto maior a participação comunicativa dos pais nas fases se mantendo por um período mais extenso que o esperado.
de desenvolvimento e aprendizado da criança, maiores as chances Com isso, o sujeito não recebe reconhecimento suficiente por
dela se desenvolver de acordo com o esperado para a sua idade(16). suas realizações(22), como falar uma palavra corretamente, por
Observou-se que a média da idade das mães ao nascimento exemplo, e pode desistir de tentar a pronúncia correta por falta
das crianças era de 29 anos, indicando que as mulheres estão de reforço positivo.
adiando a maternidade. Estudos relatam que a idade da mãe Houve maior frequência de indivíduos das classes B1 e B2
no período gestacional pode ser considerada um fator de risco (48,2%), cuja renda mensal varia de R$ 2.327,00 a 8.098,00.
para alterações fonoaudiológicas, tais como as síndromes(4). Entretanto, as classes C2 e C1 (40%) seguem muito próximas.
A faixa etária das participantes variou de um a cinco anos, O nível socioeconômico é um fator capaz de aumentar o risco
sendo predominante entre quatro e cinco (49,4%). Estudos para alterações fonoaudiológicas. Contudo, a sua real influência
realizados anteriormente também ressaltam a prevalência de para o desenvolvimento da fala e linguagem ainda não é con-
sujeitos em idade pré-escolar na identificação das alterações clusiva, sendo necessárias pesquisas mais aprofundadas neste
de linguagem(17-20). aspecto(19). Vale ressaltar que a desvantagem socioeconômica
Na amostra, observou-se maioria de meninos (69,4%), tem sido apontada como fator de risco ao desenvolvimento,
corroborando a literatura nacional e internacional(2-4,18). O fato pois a criança que vive em um ambiente de pobreza está mais
de a criança ser do gênero masculino foi considerado um fator suscetível a conviver com a violência, vizinhança de risco, ins-
de risco importante para alterações de linguagem, justificado tabilidade familiar e privação de estímulos que podem resultar
pela lentidão na maturação do sistema nervoso de meninos, a em problemas de comportamento e socialização, prejudicando
qual permite maior vulnerabilidade a alterações em geral, e a aprendizagem e o desenvolvimento da linguagem.
também na influência do hormônio testosterona, que impede Observou-se que a maioria das crianças participantes do
a morte celular e dificulta a realização de conexões adequadas, estudo reside na cidade de São Paulo, mais especificamente na
podendo prejudicar o bom desenvolvimento das áreas voltadas Zona Oeste, onde está localizada a clínica de Fonoaudiologia da
para as habilidades linguísticas destes sujeitos(21). FMUSP. Na região existe apenas uma fonoaudióloga contratada
No que diz respeito à raça ou cor da pele autodeclarada, para atender à população de seis Unidades Básicas de Saúde,
observou-se prevalência da branca (63,5%). Não foram en- além de duas fonoaudiólogas do Núcleo de Apoio à Saúde da
contrados artigos relacionando esta característica às alterações Família. Fica evidente a necessidade de contratação de um
fonoaudiológicas. No Brasil, encontramos diversas miscigena- número maior de profissionais desta especialidade devido à
ções de raças e etnias e, neste contexto, observou-se que alguns grande demanda pelos serviços fonoaudiológicos.
pais tiveram dúvidas no momento de realizar a classificação e As variáveis bilinguismo e gemelaridade não serão consi-
se apoiavam na cor das crianças para fazê-lo. derados fatores de risco para a alteração da linguagem neste
A maioria dos sujeitos apresentou temperamento tímido estudo, pois apenas três sujeitos falavam outra língua além
(69,4%) e afetivo (27,6%). Segundo pesquisas realizadas, do português e sete crianças tinham irmão gêmeo. Desta for-
comportamentos mais afetivos podem influenciar positiva- ma, o baixo número de sujeitos não permite generalizações.
mente nos aspectos relacionados ao desenvolvimento, sendo Entretanto, sabe-se que a aquisição da linguagem em gêmeos

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acontece de forma atípica(23) e que crianças bilíngues apresen- confirmando que o gênero masculino apresenta maior risco
tam menor variação lexical e maior tempo para acesso lexical de alterações fonoaudiológicas (p=0,037) independente da
em relação às monolíngues(24). patologia, corroborando estudos internacionais(2,4,17) (Tabela 4).
Considerando a amostra estudada, foram levantados os
fatores de risco dos períodos pré, peri e pós-natal, conforme CONCLUSÃO
a Tabela 3, sendo as intercorrências durante o período gesta-
cional expressivas, concordando com outros pesquisadores(20). O perfil sociodemográfico dos participantes que procuraram
Segundo o Ministério da Saúde(25), o principal objetivo da aten- atendimento na clínica-escola pública é de famílias de crianças
ção pré-natal é “acolher a mulher desde o início da gravidez, residentes na região Oeste da capital paulsita e da cidade de
assegurando no fim da gestação o nascimento de uma criança Osasco, do gênero masculino, entre quatro e cinco anos de
saudável e a garantia do bem-estar materno e neonatal”. idade, que frequentam escola e são declaradas de raça bran-
Neste período, também observou-se grande ocorrência dos ca. Os pais encontram-se no nível sócioeconômico B1 e B2,
antecedentes familiares em crianças com alteração fonoaudioló- com escolaridade no nível de ensino médio, tendo ocupação
gicas. Assim como relatado em outros estudos, o histórico fami- relacionada à categoria técnico de nível médio, trabalhadores
liar apresenta grande influência no aparecimento de alterações de serviços administrativos e vendedores do comércio; e, com
fonoaudiológicas nas gerações seguintes(2,9,11,19). O impacto do mães cuja média de idade materna na gestação era de 29 anos.
histórico familiar pode estar relacionado a influências genéticas O PIFRAL mostrou-se uma ferramenta de facil aplicação,
ou ambientais, ou a uma combinação de ambos. que auxilia na identificação dos fatores de risco para alterações
Ainda no periodo pré-natal encontra-se o fator de risco fonoaudiológicas de forma irrestrita das diferentes áreas de
relacionado ao uso de bebidas, drogas, álcool ou fumo durante audição e linguagem.
a gestação. Diversos estudos citam os malefícios causados Observou-se que o intervalo entre a suspeita da alteração
pela utilização de substâncias agressivas ao feto como tabaco, e a realização da triagem ainda é relativamente alto, sendo
drogas e álcool(26-27), que podem interferir no desenvolvimento necessária maior atenção para este fato com o objetivo de
do feto, ocasionando futuras alterações prejudiciais também ao diagnóstico e intervenção precoces.
desenvolvimento da linguagem da criança. Os fatores de risco identificados em crianças com altera-
O fator de risco significativo no período peri-natal foi a ções fonoaudiológicas, que participaram do presente estudo e
prematuridade, corroborando estudos anteriores que afirmam tiveram significância estatística são: ser do gênero masculino,
que o atraso na maturação fisiológica neurobiológica causado ser filho único, ter histórico de alteração fonoaudiológica na
pela prematuridade prejudica aspectos da plasticidade neuronal família, intercorrências durante a gestação, prematuridade,
(muito ativa neste período), alterando o desenvolvimento de hábitos orais deletérios e longas internações pós-natal.
diversos aspectos, incluindo o da linguagem(2,10,28,29). Sugere-se que as crianças que apresentam um ou mais
No período pós-natal, o fator de estatisticamente signifi- fatores de risco citados acima, devam ser acompanhadas
cativo foi a existência de hábitos orais deletérios, seguido por periodicamente quanto ao desenvolvimento da comunicação
internações. Os hábitos orais deletérios prejudicam a formação (fala, voz, linguagem, audição e motricidade orofacial) e se
e funcionalidade dos órgãos fono-articulatórios(30); enquanto necessário, encaminhadas para intervenção precoce.
as internações abalam o quadro emocional da criança. Ambos Faz-se necessário o aumento da amostra de crianças com
os aspectos (físico e emocional) se interrelacionam com o de- alterações fonoaudiológicas e a relação delas com o grupo
senvolvimento de fala e linguagem, e a associação de fatores controle para que haja maior compreensão sobre os fatores
de risco pós-natais pode influenciar seriamente no desenvol- de risco e a relação destes com os diferentes diagnósticos
vimento de linguagem(4). fonoaudiológicos.
Nota-se que a queixa fonoaudiológica tem início aproxima-
damente aos 33 meses de vida. O tempo médio entre a percep-
ção do problema e a realização da triagem fonoaudiológica foi *GMDS foi responsável pela coleta e tabulação dos dados; MIVC
de 16 meses, ou seja, quando a criança comparece à triagem acompanhou a coleta e colaborou com a análise dos dados; DRMA foi
responsável pelo projeto e delineamento do estudo e orientação geral das
fonoaudiológica já está com quatro anos de idade. Este fato
etapas de execução e elaboração do manuscrito.
indica que o período considerado ideal para a aquisição e desen-
volvimento da linguagem oral (receptiva e expressiva), devido
a maior plasticidade neuronal, passou, e as consequências na
REFERÊNCIAS
qualidade de vida serão maiores quanto maior for o atraso para
o início da intervenção fonoaudiológica(4). 1. Lessa F. Fonoaudiologia e epidemiologia. In: Ferreira LP, Befi-Lopes
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epidemiológico da população estudada, mas uma análise de 2. Reilly S, Wake M, Ukoumunne OC, Bavin E, Prior M, Cini E, et al.
causalidade e risco. Contudo, vale ressaltar que houve uma Predicting language outcomes at 4 years of age: findings from early
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