Racismo Na Infancia - Maria Eurico
Racismo Na Infancia - Maria Eurico
Racismo Na Infancia - Maria Eurico
392 • Lutas Sociais, São Paulo, vol.24 n.44, p.391-394, jan./jun. 2020.
Ao demonstrar como as famílias negras são atravessadas pela pobreza ge-
racional causada pelo racismo (um dos fatores que favorece a institucionalização
de crianças e adolescentes), Eurico faz referência à Carolina Maria de Jesus e a
seu livro Quarto de Despejo: diário de uma favelada, de 1960. Márcia Eurico, mulher,
preta, filha da classe trabalhadora, Assistente Social, doutora em Serviço So-
cial, dentre tantas interpelações que constituem sua identidade e subjetividade,
estabelece um diálogo com outra mulher, preta, catadora de papel, favelada,
uma das mais conhecidas escritoras brasileiras fora do Brasil, mas negligenciada
pela literatura nacional. Da interlocução entre a doutora preta e a escritora de
Quarto de Despejo, também preta, são o próprio exercício profissional e o racismo
incrustrado nas instituições que se tornam nucleares à análise.
Os Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes
(SAICA’s), fazem parte da Política de Assistência Social do Município de São
Paulo. Estes serviços se tornaram ações focalizadas e terceirizadas. É neste
contexto que a autora examina como o racismo estrutural e institucional se
expressa no cotidiano do exercício profissional e atravessa a vivência tanto de
crianças e adolescentes como de suas famílias. Os relatos dos/as profissionais
demonstram o quanto o racismo impacta no desenvolvimento de crianças e
adolescentes que, a priori, estão sob a proteção do Estado. Deparamo-nos per-
missividade e passividade dos/as profissionais diante de situações de humilhação,
de invisibilidade, de violências tratadas de forma natural contra aqueles/as que
deveriam estar protegidos/as. A situação é agravada pelo baixo investimento
na qualificação profissional, sendo a ausência de repertório acerca do racismo
um elemento chave.
A leitura de Racismo na Infância mobiliza diversos sentimentos, reflexões e
nos faz compreender que crianças e adolescentes não são homogêneos/as e as
imbricações de classe, raça, gênero, sexualidade, crença religiosa, fenótipo e es-
tética atravessam a existência desses/as sujeitos/as. É uma obra importante não
apenas pela abordagem de tema tão fecundo, mas também pelo que representa
a produção intelectual de uma mulher preta no Brasil. É a sinalização de que o
acesso e a construção de conhecimento, há muito tanto ocupados pela classe
dominante e pela branquitude, também são nossos espaços. Ademais, a obra
inaugura um olhar voltado para o universo de crianças e adolescentes institu-
cionalizados/as. É necessário e urgente que essas pautas, articuladas às análises
de conjuntura do capitalismo brasileiro, sejam incluídas, em uma perspectiva
crítica, no centro dos debates não apenas no âmbito das Ciências Sociais, mas
também na área do Direito.
394 • Lutas Sociais, São Paulo, vol.24 n.44, p.391-394, jan./jun. 2020.